resenhas - Em Aberto

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resenhas - Em Aberto
SUMARIO
enfoque
pontos de vista
0 Conhecimento Psicológico e suas Relações com a Educação
Elvira Cristina Azevedo Souza Lima (USP)
Epistemologia Genética e Psicogênese: noções fundamentais para a sua compreensão e uso
Agnela da Silva Giusta (UFMG)
A Epistemologia Genética e a Educação: algumas implicações
Maria Lúcia Faria Moro (UFPR)
A Contribuição da Psicologia na Educação
Esther Pillar Grossi (UFRS)
Interacionismo Simbólico: uma perspectiva psicossociológica
Iris Barbosa Goulart e Maria das Graças de Castro Bregunci (UFMG]
A Corrente Sócio-Histórica de Psicologia: fundamentos epistemológicos e perspectivas educacionais
Angel Pino Sirgado (UNICAMP)
em aberto
resenhas
Comentários de Piaget sobre as observações criticas de Vygotsky concernentes a duas obras do
primeiro
Pensar e Dizer, de Manoel Bomfim
Mitsuko Antunes (PUC/SP)
O Método Clínico: usando os exames de Piaget, de Terezinha Nunes Carraher
Samuel Aureliano da Silva (INEP)
Aprender Pensando, de Terezinha Nunes Carraher (org.)
Juci Pessoa Barbosa (UFPE)
Como Desenvolver o Potencial Criador, de Eunice Soriano de Alencar
Timothy M. Mulholland (UnB)
bibliografia
painel
Apresentação
Congressos e seminários
Livros e revistas
Carta do Editor
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out./dez. 1990
ENFOQUE
O CONHECIMENTO PSICOLÓGICO E SUAS RELAÇÕES COM
A EDUCAÇÃO
Elvira Cristina Azevedo Souza Lima*
Introdução
A Psicologia teve, sem dúvida, um grande impacto sobre a Educação.
Por tratar, ou dever tratar, das questões relativas à aprendizagem
e ao comportamento humano, ela foi fonte natural de conhecimento
para que educadores pudessem fazer frente à crescente massa de
crianças que entram na escola pública e às dificuldades, também
crescentes, para alfabetizar e ensinar estas crianças.
Esta relação da Psicologia com a Pedagogia nunca foi uma relação
harmônica e caracterizou-se, na maior parte das vezes, por ser uma
relação assimétrica, na qual a Psicologia tanto assumiu quanto foi
considerada portadora de uma autoridade que ultrapassou, evidentemente, os limites de sua competência.
Isto também não ocorreu sem razões políticas muito precisas, surgindo a Psicologia em muitas situações para validar posições ideológicas claras, que serviram à marginalização e ao rotulamento de grande parte das populações em função de etnia, de classe sócio-econômica e de grupo cultural.
A crítica à Psicologia é necessária, mas ela deve ser feita identificando
Professora visitante da Fundação Osvaldo Cruz. Doutorado na Sorbonne e vários
pós-doutorados no exterior.
Em A b e r t o , Brasília, ano 9, n. 48, out. dez. 1990
quais questões a Psicologia se propunha a responder e considerando
as condições históricas e culturais em que o conhecimento foi produzido, enquadrando-o no corpo mais amplo do conhecimento humano. Isolar uma teoria de uma área do conhecimento de suas múltiplas
relações com outras áreas e outras teorias da mesma área e procurar
transformá-la num referencial absoluto, não só significa um equívoco
científico, como implica no risco, perigoso, de transformar esta teoria
em instrumento de discriminação e de impedimento à evolução do
conhecimento.
A Educação parece, por sua vez, estar constantemente à procura de
explicações em outras áreas de conhecimento para dar conta do fenômeno educativo, que é um fenômeno extremamente complexo
Há, sem dúvida nenhuma, uma forte tendência a "patologizar" o
"não-aprender" ou a explicá-lo sociologicamente.
Ambas as abordagens têm mostrado sua ineficácia, pois, com algumas modificações pouco significativas no quadro do fracasso escolar, o "não-aprender" na escola continua existindo em proporções
alarmantes, tanto em países desenvolvidos como subdesenvolvidos,
guardadas as devidas diferenças e especificidades.
Não será através da aplicação de uma determinada teoria ou um
determinado conhecimento sociológico, antropológico, genético,
psicológico ou médico, parcialmente considerado, que a questão
educacional poderá ser encaminhada.
É partindo desta premissa que, neste artigo, analisarei alguns aspectos da relação da Psicologia com a Educação, ressaltando aqueles
que mais dizem respeito à realidade brasileira e fornecendo indicações dos caminhos que estão sendo trilhados pelos pesquisadores
e teóricos da atualidade.
Isto não significa que estaremos esgotando esta questão, cuja discussão extrapola a dimensão de um artigo.
Qual Seria a Relação da Psicologia com a Educação?
Não se tem, evidentemente, uma resposta única para todos os países,
uma vez que, historicamente, em alguns países o sistema educativo
se submeteu com pouca crítica e aprecia o papel da Psicologia na
Educação, como é o caso dos Estados Unidos; e em outros este papel
já foi questionado em um ou vários aspectos, como é o caso da Psicometria na França e da problematização institucional do aprender na
Itália, com a conseqüente extinção do setor "especial" da Educação
ocorrida há cerca de uma década.
No Brasil, o movimento atual na relação Psicologia-Pedagogia poderia ser caracterizado pelo domínio da teoria piagetiana em seu curso
de declínio para ceder lugar às teorias sócio-interacionistas, notadamente Vygotsky, acompanhada mais recentemente de um incipiente
ressurgir de Wallon. Ao mesmo tempo persistem as concepções mais
tradicionais da Psicometria e do Behaviorismo.
Embora tenha uma predominância no pensamento pedagógico, a
Psicologia se vê hoje ameaçada pela Medicina: não tendo podido
dar conta do fracasso escolar e contribuir efetivamente para a melhoria da performance escolar das crianças, a Psicologia perde sua hegemonia e educadores se voltam cada vez mais para a Medicina para
a solução dos problemas de aprendizagem1.
Por outro lado, a cultura vem surgindo como elemento importante
na busca de uma solução para o fracasso escolar, na suposição de
que, ao considerar-se a cultura que a criança traz e permitir sua ex-
pressão em sala de aula, a aprendizagem estaria sendo facilitada.
Entra-se, aqui, no domínio da Antropologia. A cultura está, naturalmente, ligada à Antropologia na Educação. Mas ela surge, também,
da Psicologia "marxista", que a considera como constitutivo do desenvolvimento do ser humano (conforme veremos mais adiante).
Uma das questões mais sérias para a Educação no Brasil é que sua
relação com a Psicologia não surgiu da realidade brasileira propriamente dita. Ela é, antes, produto de uma transposição direta, quase
sempre de modelo educacional de outro país (desenvolvido), com
os pressupostos teóricos que o constituíram em um determinado
período histórico.
Ou seja, ao "importar" um modelo educacional, levamos inadvertidamente, no pacote, um referencial teórico sobre aprendizagem (incluindo todos os processos que lhe são anteriores, concomitantes
e posteriores, como motivação, percepção, memória) nele contido.
A relação da Psicologia e da Pedagogia na educação brasileira não
segue, portanto, o movimento de uma problematização nacional, por
assim dizer. Com o advento do modelo norte-americano de educação,
nós apenas refletimos o percurso norte-americano da influência psicológica na ação de ensinar e aprender.2
O advento da Psicologia soviética na Psicologia brasileira ligada à
Educação não surgiu por iniciativa nossa puramente, mas reflete a
recuperação de Vygotsky pela Psicologia norte-americana, da mesma
2
um fato ilustrativo é o discurso de muitos professores de primeiro grau que agora
não mais falam (ou somente se referem) de exames de Q.l, quando enviam as crianças
para serviços de Psicologia São cada dia mais freqüentes os pedidos de eletro e
o envio das crianças ao médico para ver o que acontece. Multiplicam-se os serviços
de atendimento pedagógico em hospitais, as queixas de não-aprendizagem nas consultas pediátricas. conforme atestam trabalhos e teses na área médica, que começam
a se ocupar com a medicalização do fracasso escolar
Interessante ver a observação de Sinha (1986, p. 125) a este respeito. "A introdução
da Psicologia Cientifica na India e em outros países do terceiro mundo é parte da
transferência de conhecimento dos países dominantes europeus e dos Estados Unidos. Estes países eram mais adiantados materialmente e tinham à disposição um
conhecimento cientifico moderno. Portanto, a dominação nos países colonizados não
se deu somente nos planos político e econômico como também no intelectual, o
que (...) levou o terceiro mundo a uma dependência indevida do mundo ocidental
na área do conhecimento".
forma que nossa visão piagetiana na Educação e a visão norte-americana, sem consideração à extensa e profícua reflexão que se faz
sobre Piaget, hoje, em países europeus. Podemos citar, entre outros,
os trabalhos de Doise (1978 e 1980), Mugny (1985) e Perret-Clermont
(1979, 1980 e 1988); as análises criticas mais consistentes do cognitivismo (Costall, Still, 1989; Modgil, Brown, 1983); as tendências mais
recentes de colaboração efetiva com outras áreas do conhecimento:
Filosofia, Antropologia, Biologia, Medicina (Butterworth, Rutkowska
e Scaife, 1985); e de pesquisadores em Psicologia trabalhando numa
perspectiva mais ampla que o enfoque estritamente psicológico (Butterworth, Light, 1982; Ribaupierre, 1989).
Outro aspecto problemático refere-se ao próprio conhecimento da
Psicologia: muitas vezes o que nos chega como texto original do
autor, não o é exatamente.
O trabalho de Pavlov chegou a nós mediado pela tradução norte-americana, assim como o de Vygotsky. Temos acesso, na realidade, à
leitura norte-americana que já é, por si só, um recorte da teoria original destes teóricos.
Por exemplo, Toulmin (1978) afirma que as questões centrais de Pavlov diziam respeito às diferenças entre reflexos que se manifestam
incondicionalmente e aqueles que o fazem somente sob determinadas condições, portanto reflexos condicionais e incondicionais, e
que na tradução para o inglês tornaram-se conditioning (condicionantes) e conditioned (condicionado). Isto acontece, ainda segundo
Toulmin, por retirarem-se as idéias de Pavlov do contexto cientifico
soviético e mergulhá-las no contexto da Psicologia behaviorista norte-americana. Desta forma, Pavlov, que era na realidade um psicólogo do tipo "organismo integral ativo", foi transformado por seus
leitores norte-americanos em um materialista e dogmático.
Exemplo mais contundente é o trabalho de Vygotsky, Pensamento
e Linguagem, que nos chega através da tradução do original em inglês. Esta obra foi traduzida para o inglês em 1962 sob o titulo
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Thought and Language (Pensamento e Linguagem). Em nova edição,
em 1986, Kozulin, autor da revisão feita para esta nova edição, se
refere ao equivoco da tradução anterior: segundo ele, o titulo correto
é Thought and Speech (Pensamento e Fala). Embora não modifique
o titulo por razões editorais, ele altera o texto, referindo-se sempre
à fala e não mais à linguagem.
Porém, mais complicado que este equivoco na tradução é o fato da
redução que foi imposta ao texto3. A tradução francesa é consideravelmente maior e fiel ao texto original. Segundo Françoise Sève, tradutora da edição francesa, "a tradução americana reduziu dois terços
do texto russo, amputando-o de inúmeras passagens essenciais e
da maior parte de suas referências ao marxismo" (Vygotsky, 1985,
p. 22).
A Psicologia no Brasil fica assim comprometida pelo predomínio notável da Psicologia norte-americana e do acesso à Psicologia soviética
mediado pela visão norte-americana. A Psicologia de língua francesa,
à exceção de Piaget, também é de acesso mais restrito. O próprio
Piaget, no tocante à sua aplicação na Educação, também nos chega
em versão produzida nos Estados Unidos, através dos inúmeros trabalhos que proliferam no país desde o advento do cognitivismo. Houve uma leitura pedagógica de Piaget que foi questionada pelo próprio
Piaget.
O Conhecimento Psicológico
A Psicologia tem como objeto o comportamento humano. Para estudá-lo, ela faz recortes, que constituem suas subáreas: ao indivíduo
que aprende corresponde a Psicologia da Aprendizagem; ao indivl-
As tradutoras norte-americanas consideram que fazer uma tradução literal não faria
juz ao pensamento de Vygotsky. Fizeram, desta forma, uma edição do texto original
De acordo com Sève, a tradução alemã é mais completa, embora frases pouco claras
tenham sido cortadas ou simplesmente omitidas; e os leitores das traduções para
o inglês, italiano e espanhol têm às suas mãos um digest de Vygotsky.
5
duo que se desenvolve corresponde a Psicologia do Desenvolvimento; ao indivíduo que se relaciona no grupo, a Psicologia Social; ao
indivíduo que se constitui como individualidade, a Psicologia da Personalidade, e assim por diante. Em cada subárea surgem, evidentemente, várias teorias.
Dentre as subáreas da Psicologia, as que têm tido um papel destacado
na Educação são a Psicometria, a Psicologia da Aprendizagem e a
Psicologia do Desenvolvimento.
A Psicometria teve um forte impacto na Educação por preconizar
a medida da inteligência, a medida das potencialidades e a das realizações efetivas da criança e do jovem. Podendo traçar um perfil "objetivo" do educando, ou seja, traduzido em números, os educadores
puderam estabelecer parâmetros para sua ação.
A Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento já não conseguiu uma relação tão linear com a Educação, primeiramente porque
dentro da própria Psicologia estas subáreas são conflitantes e seus
limites não são claramente estabelecidos. Em segundo lugar, porque,
contrariamente à Psicometria e até mesmo a algumas teorias da
aprendizagem que fornecem técnicas a serem aplicadas, a Psicologia
do Desenvolvimento trouxe não métodos propriamente ditos, mas
uma reflexão voltada para os processos de aprender.
Por outro lado, foi no campo da Educação, na escola propriamente
dita, que começaram a se evidenciar as contradições existentes no
seio do conhecimento psicológico, o que obrigou a uma avaliação
de preceitos teóricos da Psicologia. Não seria absurdo dizer que o
movimento (a própria evolução) da Psicologia que trata do desenvolvimento infantil é resultante, também, do contraponto que a Educação impôs ao conhecimento psicológico.
A maior parte das pesquisas sobre desenvolvimento infantil é realizada em instituições educativas (a começar das creches); e seria ingênuo pensar que a instituição não teria tido a( uma influência importante.
É verdade, porém, que os problemas são postos e definidos a partir
da perspectiva psicológica, geralmente sem abertura para relações
interdisciplinares.
Isto meramente reflete o isolamento que os psicólogos se colocaram
em relação a outras áreas do conhecimento que também têm como
objeto de estudo o ser humano, sob outros aspectos, é verdade;
mas em sendo o ser único, não se pode segmentá-lo em ser psicológico, ser antropológico, ser físico, ser biológico, ser social.
Não que este isolamento seja geral e absoluto e atinja todos os psicólogos de várias tendências contemporâneas. Ele é um fato reconhecido hoje por alguns grupos de pesquisadores que se esforçam e
se encaminham na direção de transformar esta situação, conforme
veremos mais adiante.
Seguindo este desenvolvimento, falaremos aqui do behaviorismo ao
cognitivismo, do predomínio da cognição, do mais recente advento
do social e do cultural, traduzido no desenvolvimento da cognição
social, e da questão da cultura, com a conseqüente retomada da produção teórica do fim do século XIX e primeiras décadas do século
XX, principalmente Wallon e Vygotsky.
Do Behaviorismo ao Cognitivismo
0 Behaviorimo surge nos Estados Unidos com Watson que, em 1913,
inaugurou uma nova disciplina, por assim dizer, enquanto professor
na John Hopkins University, nos Estados Unidos.
Em publicação na época, ele define sua postura teórica; "A Psicologia, como a entende o behaviorista, é um ramo das ciências naturais, puramente experimental e objetivo. Seu objetivo teórico é a predição e o controle do comportamento." (Watson, 1913).
Para ele o Behaviorismo era, então, uma Psicologia experimental,
objetiva, científica e determinista, cuja única fonte seria o comportamento diretamente observável.
Segundo os preceitos behavioristas, a aprendizagem ocorre por condicionamento operante e clássico, sendo que alguns comportamentos são mais facilmente adquiridos pelo primeiro tipo de condicionamento e outros pelo segundo.
0 Behaviorismo norte-americano desenvolveu-se com o firme propósito de compreender o ser humano a partir do comportamento expresso.
0 Neo-Behaviorismo desenvolvido por Hull e o trabalho de Skinner
revelam este paradigma, embora a noção de consciência não seja
totalmente negada. Para Skinner, uma idéia inconsciente é uma idéia
que não é óbvia para o sujeito e é, portanto, não relevante para a
análise funcional e científica do comportamento.
O trabalho de Pavlov está na origem do Behaviorismo watsoniano,
mas o desenvolvimento dos paradigmas behavioristas deve-se, essencialmente, aos norte-americanos. As questões colocadas por Pavlov eram de outra natureza e não negavam a existência de processos
internos.
Wallon (1975b, p. 148) ressalta que Pavlov "abriu largas perspectivas
e indicou que existe no homem um sistema de reflexos condicionados diferente do sistema de reflexos condicionados que lhe é comum com o animal, mas apto a interferir nele e a modificá-lo profundamente: o sistema da linguagem". A linguagem introduz, no homem, um novo plano, que é "das representações puras, depois das
idéias e, finalmente, das operações mais abstratas da inteligência".
Não há, para Wallon, pensamento sem linguagem, pois a linguagem
é o suporte do pensamento.
A produção behaviorista se concentrou no comportamento aparente,
não se ocupando de processos internos. Os behavioristas não negaram explicitamente a existência da consciência, que vai provocar uma
mudança na evolução da Psicologia, principalmente nos Estados Unidos, onde a ciência psicológica já se ressentia do insucesso do para-
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digma experimental behaviorista, que se revelara insuficiente como
modelo de compreensão do comportamento humano 4 .
Para sair do impasse em que se viu por esta insuficiência, a Psicologia
norte-americana se volta aos processos internos, dando início ao predomínio do Cognitivismo.
A Psicologia Cognitiva nos Estados Unidos se desenvolve em três
fases, segundo Legrand(1990). Estas fases seriam, primeiro, a revolução subterrânea ou silenciosa; segundo, a emergência; e, finalmente,
a organização. Na primeira fase (1956-67), tem-se a atuação de Georg
Miller e Jerome Bruner; na segunda, ela surge claramente como Psicologia Cognitiva (meados da década de 60); e, finalmente, na terceira, ela passa a existir como uma "ciência normal", com publicações,
sociedades, colóquios, etc. (no final da década de 70).
A Psicologia Cognitiva enfatiza a noção de processos internos, opondo-se, neste aspecto, diametralmente ao Behaviorismo; mas, por outro lado, herda deste último o rigor científico na experimentação.
O desenvolvimento da Psicologia Cognitiva norte-americana é caracterizado por este duplo aspecto.
Mas esta mudança é lenta e assimila de maneira particular a Psicologia Cognitiva que se desenvolvia em outros países.
"Sempre houve uma Psicologia Cognitiva... ela estava
presente na Inglaterra, na França, na Alemanha e na Suiça
com Piaget. Eu acho que os psicólogos americanos às
vezes falham por não reconhecer que o behaviorismo foi
um evento muito local; com exceção dos russos, que de-
4
É interessante observar que o Behaviorismo começa a perder sua influência na Psicologia Fundamental no inicio da década de 50 (Baars, 1988), ao mesmo tempo que
começa a aumentar sua influência em Psicologia Clínica aplicada. O mesmo aconteceu
em relação à Educação. A aplicação de alguns de seus princípios teóricos manteve-se
na prática pedagógica norte-americana com grande prestígio e seria incorreto dizer
que ele perdeu tanto terreno na Educação como perdeu na Psicologia.
senvolveram um behaviorismo à sua maneira."
(Mandlers, citado por Baars, 1988, p. 295)
Ainda hoje, o trabalho de Piaget centraliza significativamente a atenção da Psicologia da Cognição e é referencial tanto para quem o
contesta como, naturalmente, para quem o adota.
O Construtivismo de Piaget
De grande impacto no desenvolvimento da Psicologia norte-americana nesta época, assim como na Europa, foi o trabalho de Piaget
e o desenvolvimento de sua teoria construtivista.
O construtivismo, explica Inhelder (1976),
"... implica que não se adquire conhecimento simplesmente através do impacto da experiência empírica, como
sugere a teoria behaviorista, embora, naturalmente, tal
impacto não seja inteiramente excluído do processo. Ele,
além disso, também se opõe à teoria inatista, à qual, ao
que parece, se recorre com freqüência atualmente. Construtivismo enfatiza a atividade do sujeito ou da criança
no processo de desenvolvimento cognitivo: em outras
palavras, tudo deriva de ações que, eventualmente, se
traduzam em operações de pensamento coerentes e lógicas".
A grande influência do pensamento piagetiano nas últimas décadas
acarretou uma ênfase na Psicologia do Desenvolvimento, no estudo
de aquisições cognitivas em função do processo de adaptação do
indivíduo ao seu meio, entendido como meio físico.
Piaget identificou quatro fatores atuantes no processo de desenvolvimento cognitivo: maturação, experiência com o mundo físico, experiências sociais e equilibração (ou auto-regulação). A equilibração
é o fator mais importante. As experiências sociais, onde se inclui
a interação entre crianças, coetâneas ou não, só são relevantes na
medida em que elas podem afetar o processo de equilibração ao
introduzir o conflito cognitivo.
Em suas primeiras publicações, todavia, Piaget (1923) havia introduzido a noção do fator social como interveniente na psicogênese do
desenvolvimento.
Existe uma produção muito grande de pesquisas de orientação piagetiana pura, por assim dizer.
Inhelder, entretanto, chama a atenção para o equívoco em que vários
pesquisadores que reaplicam as provas piagetianas incorrem, ao
considerar que exista um "programa" inato de evolução dos estágios. A seqüência deles é que é "necessária", ou seja, "o que importa,
obviamente, é a seqüência de estágios e não as idades cronológicas:
estas variam consideravelmente de um meio a outro e dependem
também dos procedimentos experimentais que estão sendo utilizados" (Inhelder, 1976, p. 8).
Se o procedimento experimental se modifica e se a performance se
modifica, é porque há a construção da noção na realização do teste,
ou então a criança já tem a conservação, mas não a expressa pela
inadequação da pergunta ou da forma de apresentar materialmente
o problema, o que leva a respostas diferentes. Isto pode significar
que o experimentador não tem controle total da situação e que existem outros fatores em jogo numa situação de prova, seja pré-teste
ou pós-teste, que a tornam muito mais complexa.
O trabalho de Price-Williams e Ciborowski na área de Psicologia intercultural ilustra bem este fato. A reflexão sobre o procedimento experimental também surge no trabalho do grupo de Doise, Mugny e PerretClermont.
A teoria de Piaget tem sido alvo de várias críticas (Modgil, 1976;
Vuyk, 1981). Mounod, por exemplo, contesta a progressão de uma
ação lógica para uma lógica reflexiva, dizendo que ambos os níveis
existem em todas as idades, desde bebê (Mounod e Havert, 1982).
Várias outras críticas são feitas quanto à sucessão de estágios, crono-
logia das fases ou, ainda, de ordem epistemológica5. Mas talvez seja
na questão do social que a teoria piagetiana tenha sido mais questionada, o que, em certo sentido, levou ao desenvolvimento da cognição
social.
O Advento da Cognição Social
Dentro da Psicologia do Desenvolvimento, a cognição social (social
cognition) passa a despertar muito interesse e as pesquisas na área
proliferaram.
Quando o campo da cognição social surgiu no final da década de
60, ele foi dominado por tentativas de aplicar a teoria cognitivista
de Piaget ao pensamento no desenvolvimento da criança em fenômenos sociais tais como o eu, papéis sociais e as relações entre as pessoas. Procurou-se, assim, estudar em um primeiro momento o conhecimento social que a criança tem (amizade, percepção do outro, empatia, comunicação, cooperação e moralidade), em contraposição ao
conhecimento do mundo físico apresentado na teoria piagetiana.
A relação entre o desenvolvimento cognitivo e o desenvolvimento
social mostrou-se, no entanto, muito mais complexa e outras questões começaram a ser colocadas. Com elas, críticas à metodologia
bem como aos princípios teóricos foram surgindo.
Um dos problemas centrais era saber se a compreensão de eventos
sociais pressupunha a existência de processos especiais, distintos
dos utilizados para compreensão dos fenômenos físicos. Com o desenvolvimento das pesquisas, foi-se tornando claro que as relações
entre desenvolvimento social e desenvolvimento cognitivo devem
5
Vuyk (1981) traça um repertório das criticas dirigidas a Piaget no periodo de 1965-1980,
ao mesmo tempo que as discute em obra indispensável para o estudioso interessado.
Não nos cabe aqui entrar na discussão destas criticas. Gostaríamos de ressaltar, entretanto, a literatura abundante que há na área, tanto pró como contra Piaget, total
ou parcialmente.
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incluir considerações sobre o papel desempenhado por processos
afetivos e emocionais (Overton, 1983).
Este foi o tema discutido no Simpósio da Jean Piaget Society, nos
Estados Unidos, em 1983. Fica claro que ele extrapola o campo da
cognição e se aproxima, pelo menos no que se refere à problemática,
às preocupações mais recentes de pesquisadores europeus (PerretClemont, Doise, Mugny e Carugati). Ao mesmo tempo, o Cognitivismo começa a ser criticado.
É a partir deste momento que se torna evidente que o fator social
e o cultural não podem mais ser deixados ao largo pelos psicólogos.
Tendências teóricas as mais distintas vão procurar dar conta deste
social através de conceitualizações das mais variadas.
O social e o cultural no desenvolvimento humano, o estudo das interações, a etnografia, a abordagem ecológica são tendências que vão
provocar profundamente a literatura psicológica mais recente. Não
só Vygotsky é retomado, como toda a produção da Psicologia soviética (Elkonin, Leontiev, Luria, entre outros); a produção intercultural
(cross-cultural Psychology) ganha impulso, assim como o desenvolvimento do conceito de meio ecológico (Bronfenbrenner).
Mas o que vem a ser exatamente social e cultural? Qual o papel
da cultura no processo de desenvolvimento do ser humano no que
diz respeito à construção do conhecimento na constituição de sua
personalidade?
Ora definido como meramente o outro, transformando a Psicologia
de uma Psicologia do Indivíduo em uma Psicologia de interação, (entre dois indivíduos), mas com o mesmo paradigma reducionista, ora
entendido como relativismo total da concepção a uma Psicologia
regional, o social se apresenta hoje como uma das questões centrais,
à qual o conhecimento psicológico precisa fazer face e responder
adequadamente.
Há um consenso de que o fator social tem um papel incontestável
na Psicologia do Desenvolvimento, consenso este que reúne autores
que apresentam divergências importantes entre si, como Baldwin,
Mead, Vygotsky, Wallon e Piaget (Mugny e Carugati, 1985).
O estudo da interação passa a ter importância no cenário da produção
psicológica, tanto na área da Psicologia do Desenvolvimento como,
naturalmente, da Psicologia Social.
Ao interacionismo do indivíduo com o mundo físico, proposto pelo
modelo piagetiano, vem se colocar a questão do social, constituindo
o sócio-interacionismo. Fortalece-se a noção de que o indivíduo
aprende na interação com o outro e enfatiza-se a importância da
interação entre parceiros.
Nas duas últimas décadas, verifica-se uma linha de pesquisa que
se propõe a estudar a função da interação entre crianças no processo
de construção do desenvolvimento cognitivo e da linguagem.
Pesquisadores das áreas de Psicologia (Perret-Clermont, 1985; Stambak et al., 1983; Sinclair et al., 1982; Forman e Cazden, 1985), de
Lingüística (Heath, 1985) e de Antropologia (Whiting, 1963 e 1986)
têm-se dedicado a estudar a interação criança-criança. Esta linha de
pesquisa é, na realidade, uma retomada dos estudos de interação
entre crianças que haviam sido iniciados na década de 30 e que foram
subseqüentemente abandonados. Os psicólogos têm estudado a interação entre coetâneos e, principalmente, de crianças da classe média. Antropólogos têm utilizado como sujeitos crianças de culturas
e grupos econômicos diversos e estudaram os processos interacionais destas crianças (em díades criança-adulto e criança-criança de
idades diferentes) em situação familiar e na comunidade.
Estudos da função cognitiva da interação entre crianças são, desta
forma, recentes e se concentram mais nos primeiros anos de vida
(Stambak et al., 1983), ou em situações escolares específicas na escola primária (Perret-Clermont, 1985; Doise, 1978; Forman e Cazden,
1985).
Os estudos coordenados por Stambak analisam sobretudo a interação entre coetâneos (18 a 36 meses) e demonstram que o comportamento infantil é função dos tipos de relação que as crianças estabelecem com os adultos, dos que estabelecem entre si e função da presença ou ausência de objetos no contexto. Os outros estudos realizados em situações escolares enfocam a interação entre coetâneos em
sala de aula, com o objetivo de cumprir tarefa ou solução de problema. Os sujeitos pertencem, em geral, à classe média.
Doise e Palmonari (1985) afirmam que somente através de articulações reais entre explicações psicológicas e sociológicas para as diferenças sócio-culturais poderemos demonstrar os mecanismos pelos
quais a dinâmica social afeta a dinâmica cognitiva, em especial no
recinto escolar. As pesquisas nesta área são ainda incipientes e é
neste sentido que se encaminha o trabalho do grupo composto por
Perret Clerment, Doise, Mugny e Carugati, que passamos a discutir.
Um dos pressupostos do trabalho desenvolvido por este grupo é
o de "inter-relacionar a análise da dinâmica individual com a dinâmica social" no desenvolvimento da inteligência. Psicólogos, afirma
Doise, estão interessados na organização cognitiva subjacente ao
comportamento do indivíduo, enquanto que sociólogos focam seus
estudos na dinâmica das diferenciações do meio que produzem "inteligências" de níveis diferentes (Doise e Mugny, 1984).
Doise e Mugny partem do quadro de desenvolvimento da inteligência
tal como apresentado por Piaget e procuram identificar a dinâmica
das relações que seriam responsáveis por este desenvolvimento. Segundo eles, tanto a visão psicológica da inteligência de Piaget como
a sociológica de Bourdieu não exploraram totalmente a questão do
desenvolvimento da inteligência.
"A inteligência não é somente uma propriedade individual, mas um
processo relacionai entre indivíduos construindo e organizando juntos suas ações no meio físico social" (Doise e Mugny, 1984, p. 12).
Esta afirmativa demonstra a tese central desta linha: é na interação
que o indivíduo desenvolve sua inteligência e se apropria dos conhecimentos de sua herança cultural.
A definição social de inteligência incorpora a noção piagetiana e a
extrapola, no sentido de que, enquanto para Piaget a atividade intelectual de organização é de natureza individual, Doise e outros afirmam que ela é, igualmente, uma atividade de natureza social.
Os estudos deste grupo mostram que interações entre coetâneos
implementam a performance intelectual; e seus autores afirmam que
isto ocorre porque através desta interação as crianças são obrigadas
a confrontar e resolver perspectivas conflitantes durante a resolução
de um problema. A noção de conflito é, neste caso, fundamental.
Segundo a posição deste grupo, o conflito sócio-cognitivo provoca
um processo de reorganização cognitiva no sujeito; e sua ocorrência
será mais provável se a discrepância entre as perspectivas das crianças for moderada. Estes trabalhos enfatizam o estudo dos resultados
da interação entre parceiros, não se detendo na análise do processo.
Forman e Cazden (1985), ao criticarem o trabalho de Perret-Clermont
(1985), argumentam que, como esta não estudou o processo das
interações, ela não pode constatar o que Forman constatou nos Estados Unidos: o conflito cognitivo (identificado por Forman e Cazden
como o desacordo verbalizado entre parceiros) não ocorre necessariamente. Ao contrário, ele é bem menos freqüente que as situações
em que as crianças atuam cooperativamente (dividindo tarefas, complementando a perspectiva cognitiva umas das outras, etc), demonstrando comportamento que as autoras identificam como interação
colaborativa.
Elas fazem, assim, uma distinção entre interação colaborativa e interação em situação de ensino; e destacam que se sabe ainda menos
sobre o primeiro tipo do que sobre o segundo tipo de interação.
Elas atribuem esta situação ao fato de que a colaboração só é possível
se houver, na sala de aula, uma estruturação de atividades que a
promova; e afirmam que a ênfase na performance individual, caracte-
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out. dez. 1990
rística do mundo ocidental industrializado, tem impedido a existência
destas situações de colaboração e, conseqüentemente, o estudo delas.
Os resultados obtidos por tais estudos não se invalidam, mas se complementam, pois são duas facetas de uma mesma situação. Esta discrepância entre eles não pareceria tão significativa se a gênese e
o efeito da interação fossem entendidos como uma unidade, como
de fato o são. Há um risco muito grande em se considerar o social
como sendo a interação com o outro simplesmente, pois a interação
não se dá num vácuo social e cultural. É importante salientar que
tanto os estudos de Perret-Clermont como os de Forman e Cazden
introduzem o fator social como atuante no desenvolvimento cognitivo (respectivamente a partir de uma abordagem piagetiana e da
abordagem da escola de Vygotsky), embora com as limitações provocadas anteriormente pela própria conceituação do que seja o social.
Desta forma, a interação social tem um papel definitivo no desenvolvimento cognitivo do indivíduo. Isto se configura no conflito sóciocognitivo; ou seja, a situação de confronto com o conhecimento do
outro (em processo de comunicação social) provoca um conflito que
é a mola propulsora, digamos assim, da dinâmica do desenvolvimento cognitivo.
O trabalho de pesquisa mais recente deste grupo vai chegar a colocar
em debate a própria inteligência. A inteligência, afirmam Mugny e
Carugati (1985, p. 2), é uma criação cultural fundamental para a sociedade moderna, mas que varia de acordo com o período histórico,
latitude e circunstâncias sociais.
A proposta do grupo é a de um enfoque sócio-psicológico do desenvolvimento cognitivo, considerando que os instrumentos cognitivos
(referindo-se mais particularmente às operações descritas por Piaget)
são produtos da interação social da criança com seus pares e com
adultos. Ou, em outras palavras, a inteligência é construída socialmente, em processos interacionais.
Butterworth critica os primeiros trabalhos de Doise e Perret-Clermont, dizendo que eles esqueceram de considerar a situação anterior
de cada indivíduo. Ou seja, "não há uma mera transmissão de informações de um participante na interação ao outro, independente da
competência cognitiva do indivíduo. Segundo, mesmo que os experimentos relatados por Doise demonstrem que o conflito cognitivo
entre indivíduos gera desenvolvimento cognitivo, eles não demonstram que ele (o conflito) seja uma condição necessária (para o desenvolvimento)" (Butterworth, Light, 1982, p. 11). Segundo Butterworth,
a reorganização pode ocorrer em função de um conflito intramental.
Por outro lado, Butterworth concorda com Doise quanto à posição
que este último faz sobre a distinção que há entre o individual e
o social, identificando-os como níveis distintos de explicação. A questão central para a cognição social seria identificar os mecanismos
intermediários que permitem passar de um nivel a outro.
Em outras palavras, o que interessa é a articulação possível entre
o indivíduo e o social, articulação esta que constituiria o próprio processo de construção do conhecimento.
A Questão da Cultura na Psicologia
A discussão sobre a Cultura e a Psicologia, embora tenha se expandido nas últimas duas décadas na Psicologia norte-americana, é uma
questão antiga para a Psicologia européia e soviética. Na obra de
Vygotsky, assim como na de Wallon, a Cultura aparece claramente
como elemento constitutivo do desenvolvimento do ser humano.
Portanto, questões que se levantam hoje não são novas, num sentido
amplo, mas questionam abordagens teóricas que, tradicionalmente,
não consideram nem o social nem o cultural como de relevância
para o desenvolvimento do ser humano, como é o caso do Behaviorismo e do Cognitivismo norte-americanos.
Eventualmente, o Cognitivismo expande seu quadro teórico com o
desenvolvimento da cognição social (social cognition). A Antropo-
logia passa a ter outra importância na visão de alguns psicólogos
e há uma tentativa de compreender o desenvolvimento humano sob
uma perspectiva mais ampla. Esta tendência apresentará duas linhas
de desenvolvimento: a Psicologia intercultural e a da Cultura como
elemento constitutivo do ser humano.
No desenvolvimento da Psicologia norte-americana, a Psicologia intercultural (cross-cultural Psychology) se desenvolve a partir de estudos comparativos de natureza piagetiana6.
Como exemplo, temos as provas de conservação de Piaget. O conceito de conservação refere-se à capacidade de atribuir permanência
à matéria frente às transformações a que ela pode ser submetida.
O trabalho de Piaget e colaboradores mostra que a conservação da
matéria é atingida pelas crianças européias aos sete anos. Estudos
comparativos com crianças norte-americanas comprovam este fato.
Estudos interculturais vão mostrar, todavia, que crianças de culturas
não-ocidentais apresentam resultados distintos. Dasen (1977) realizou estudo comparando crianças de sociedades pré-letradas com a
performance das crianças do modelo europeu em termos, portanto,
do atraso, sincronicidade ou adiantamento da idade cronológica, na
qual estas crianças apresentam o conceito de conservação. Os resultados mostraram desde sincronicidade até casos em que somente
50% das crianças haviam construído este conceito até os 11 anos.
Os estudos de Piaget mostram uma seqüência na aquisição, iniciando
com a conservação da quantidade, seguida da de peso e, finalmente,
da de volume. No Irã estes resultados foram confirmados; porém
crianças indígenas apresentaram primeiro a conservação de peso
e depois a de quantidade.
6
ver Modgil e Modgil (1976) e os trabalhos de Dasen (1977).
Dentro de um m e s m o país, em estudo realizado por Price-Williams
no México, c o m p a r a n d o crianças que faziam cerâmica c o m as que
não a faziam, verificou-se que as primeiras apresentam o conceito
de conservação mais cedo do que as outras.
Ao desenvolver estes trabalhos, os pesquisadores começaram a perceber que a relação experimentador-sujeito é fortemente marcada
pelas diferenças culturais e lingüísticas entre a m b o s , c o m conseqüente reflexo nos resultados.
Ao se propor a estudar o f e n ô m e n o do a n i m i s m o (tendência a atribuir
vida e vontade aos objetos) nas crianças que falam o pidgin no Hawai,
Ciborowski e Price-Williams descobriram que o a n i m i s m o depende
da língua e da cultura da criança.
Os resultados destes estudos p o d e m servir a interpretações distintas.
Uma delas foi o estabelecimento de padrões europeus, em relação
aos quais as crianças de cultura de países ditos do terceiro m u n d o
são comparadas. A cultura não é entendida aí c o m o um dos fatores
da dinâmica do d e s e n v o l v i m e n t o infantil, mas c o m o responsável por
abordagens específicas na resolução de problemas c o m variações
na performance das provas.
Há vários equívocos nesta relação da Psicologia e da A n t r o p o l o g i a ,
vários deles causados pela ignorância por parte dos psicólogos de
conceitos fundamentais de A n t r o p o l o g i a .
Desta f o r m a , a própria proposta de pesquisa e a metodologia utilizadas revelam um viés sério: ao aplicar provas ou testes e verificar
resultados não se foca processo. Esta é a questão natural que se
deve colocar a t o d o e qualquer estudioso do c o m p o r t a m e n t o interessado na Cultura. O enfoque deve ser no processo e na dinâmica da
ação infantil, no seu imaginário e em suas representações.
Os estudos piagetianos transculturais f o r a m feitos não no sentido
da compreensão da especificidade, mas no sentido de c o m p r o v a r
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out/dez. 1990
igualdades, similitudes e diferenças, sempre a partir de um modelo
m e t o d o l ó g i c o que não é, naturalmente, neutro.
Contribuição importante para esta questão metodológica v e m da A n t r o p o l o g i a , através de trabalhos que surgem na década de 70 e que
p r o c u r a m explorar a cultura de f o r m a mais integrada, por assim dizer,
no processo de desenvolvimento h u m a n o , especificamente da criança (Whitíng, W h i t i n g , 1975; W h i t i n g , 1963; Super e Harkeness, 1980;
Cole, Gay, Glick, Sharp, 1971).
A cooperação necessária entre a Psicologia e a Antropologia parte,
c o m efeito, mais dos antropólogos do que dos psicólogos propriamente ditos. Mas t e m sido uma colaboração valiosa, embora ainda
restrita. Devido à sua familiaridade c o m a diversidade das condições
humanas, os antropólogos produziram uma série de "teorias do
m e i o " e parecem estar profissionalmente aptos para um tipo ímpar
e valioso de pesquisa da infância a sós, ou em colaboração com
psicólogos, lingüistas e pediatras.
A vertente da Psicologia intercultural de desenvolvimento recente
t e m c o m o princípio que o que se observa na criança européia branca,
por e x e m p l o , não pode ser discutido em t e r m o s de "criança h u m a n a "
(human infant). Ou seja, há um m o v i m e n t o no sentido de abandonar
o m é t o d o comparativo em função de um modelo de criança de primeiro m u n d o e começar a observar as especificidades de cada caso.
Reflexo desta posição teórica é o aparecimento nos Estados Unidos
de uma corrente que pretende construir a Psicologia c o m o uma disciplina que seja "simultaneamente experimental e descritiva", superando a dicotomia entre Psicologia Descritiva e Explanatória (Cole,
1985); esta posição é conhecida c o m o " e c o l ó g i c a " , desenvolvida inicialmente por Bronfenbrenner, em sua teoria da ecologia do desenv o l v i m e n t o h u m a n o , que enfatiza a importância de se estudarem os
ambientes (meios) nos quais o ser h u m a n o se comporta.
O antecessor teórico de Bronfenbrenner foi, sem dúvida, Kurt Lewin,
que dizia "se quisermos mudar o comportamento humano, nós temos que mudar o meio ambiente" (Bronfenbrenner, 1979).
A ecologia do desenvolvimento humano é o estudo do indivíduo
inserido em uma rede de sistemas sociais, apoiado na idéia de que
os seres humanos são criados, direta e indiretamente, pela sociedade
na qual eles vivem/ Portanto, a ecologia do desenvolvimento humano
só pode ser entre a pessoa e o meio (Garbarino e Abramowitz, 1982).
Bronfenbrenner (1979) entende o desenvolvimento como a integração de novas formas de interação com o ambiente, integração esta
que se passa a quatro níveis sistêmicos: microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema.
O microssistema é o componente ecológico mais básico, sendo definido como o setting social no qual ocorre interação humana e no
qual as relações humanas se desenvolvem. Como exemplo de microssistema temos a família, a escola, a turma.
O mesossistema é a rede de relação entre microssistemas. Um mesossistema compatível é criado por, exemplo, quando família e professores interagem e se conhecem. Mesossistema constituído por
microssistemas conflitantes implica em um desafio para a criança,
no sentido de que lhe fica muito difícil ou traumatizante integrá-lo.
O exossistema é o complexo de poder e instituições que influenciam
a vida e o desenvolvimento dos microssistemas. São as decisões
e os fatos impostos pelas instituições aos indivíduos, sobre as quais
eles não têm poder imediato e nem estão em contato direto com
elas (Secretaria da Educação, para as escolas, por exemplo).
O macrossistema é uma coletividade cultural, um consenso coletivo
sobre o que é e como deve funcionar uma determinada sociedade.
Os padrões de comportamento, as concepções de infância, papéis
sexuais, etc, constituem o macrossistema.
Bronfenbrenner refere-se a ele como "blue print", o acervo de idéias
partilhadas que constituem o conhecimento de como o mundo funciona e de que a criança deve atuar no mundo tal como ele existe
culturalmente.
A abordagem do desenvolvimento humano por ele definido se apóia
nas transcrições ecológicas, ou seja, o processo pelo qual as pessoas
entram e saem do ecossistema.
Passou-se, assim, a falar em contexto de desenvolvimento humano,
conceito este que vem sendo progressivamente utilizado em estudos
recentes, principalmente com bebês e crianças pequenas. Podemos
dizer, desta forma, que há nos Estados Unidos uma preocupação
crescente com a cultura no processo do desenvolvimento humano.
A Contribuição da Antropologia
A Antropologia, nesta última década, tem produzido estudos sobre
o desenvolvimento humano (Munroe, Munroe e Whiting, 1981) e
mais especificamente sobre o desenvolvimento infantil (Jahoda, Lewis, 1990).
Embora com tentativas isoladas desde o inicio do século7, é recente
o desenvolvimento mais sistematizado de estudos incluindo amostra
composta por várias culturas.
Os pesquisadores que se dedicam aos estudos interculturais criticam,
não sem razão, que pesquisas sobre o desenvolvimento humano foram feitas por europeus e norte-americanos em sujeitos oriundos
destes continentes e que os resultados são sempre apresentados
como relevantes para a raça humana (Munroe, Munroe e Whiting,
1981). As variáveis estudadas são classe social, idade e sexo. A cultura, considerada como dada pelos pesquisadores, não e colocada.
Estudos interculturais de George Peter Mindck a partir de etnografias, pesquisas de
Margareth Mead e o trabalho conjunto de John Whiting, Irvin Child e William Lambert
Evidentemente os autores fazem aqui uma critica aos psicólogos,
e não sem fundamento, uma vez que a maioria dos pesquisadores
não inclui a cultura como fator relevante. Os que o fazem, dentro
da produção norte-americana ao menos, têm visíveis dificuldades
de lidar com o verdadeiro significado da cultura.
É verdade, também, que a critica dos antropólogos norte-americanos
é discutível em sua generalização, uma vez que não existe a referência
à produção européia e soviética e às questões que ai já são colocadas
em termos de desenvolvimento e cultura8.
De toda forma, os antropólogos não estão errados ao suporem que
a ausência de estudos etnográficos em populações outras que a americana ou européia (em estudos do desenvolvimento humano) compromete profundamente as teorias apresentadas.
O uso da Etnografia apresenta alguns problemas, segundo Barry
(1981), entre eles o viés etnocêntrico do pesquisador e as limitações
naturalmente impostas ao pesquisador de desenvolvimento infantil,
uma vez que a criança permanece em casa e esta é de acesso mais
difícil, principalmente se o pesquisador for homem.
O estudo etnográfico, todavia, não se restringe ao lar para as crianças
que atendem algum tipo de instituição. Desta forma, a própria colaboração entre psicólogos e antropólogos deve extrapolar os limites ou
as situações tradicionalmente estudadas pelos antropólogos.
Ao se iniciar este tipo de colaboração, há necessariamente que se
repensar o objeto e a metodologia de pesquisa9.
8
9
Ver Wallon. Butterworth. Trevarthen e Vygotsky.
Em trabalho recente por nós realizado (Lima, 1991), propusemos uma metodologia
que incluía a Etnografia, não no sentido de relatar antropologicamente os grupos
de estudo, mas no sentido de subsidiar a pesquisa psicológica, digamos assim, ao
mesmo tempo que utilizá-la como elemento critico do próprio procedimento utilizado.
0 estudo etnográfico inicial mostrou de imediato que nosso problema de estudo,
apoiado amplamente pela literatura na área da interação social, estava na realidade
mal formulado, o que provocou uma reflexão sobre o processo interacional a partir
de outra perspectiva
Em Aberto, Brasília, ano 9. n. 48, out. dez. 1990
No que concerne à Educação, todavia, esta preocupação não chega
via Psicologia, mas através da própria Antropologia, que se aproxima
mais e mais da escola.
O advento do estudo etnográfico na escola e a preocupação da compreensão do fenômeno educativo em uma perspectiva antropológica
são observados nos Estados Unidos já há algum tempo, principalmente por Spindler e Heath, que desenvolvem trabalhos de pesquisa
utilizando a Etonografia.
Participam desta linha norte-americana psicólogos que sofreram a
influência da Psicologia soviética (entre eles Cole, Wertsch, Scribner
e Rogoff) e que deram um direcionamento marcante em seus trabalhos no sentido de compreender o cultural como elemento no processo do desenvolvimento do ser humano.
Este grupo tem procurado explorar o componente social em suas
pesquisas sobre linguagem e cognição, mas a produção norte-americana neste sentido é, ainda, bastante marcada pela concepção individualista do ser humano, que marca a tradição cultural norte-americana. Incluir o fator social no estudo do desenvolvimento cognitivo
exige mais do que estudar o comportamento onde ele ocorre, conforme a pressuposição de Rogoff (1990). É necessária a compreensão
da dinâmica interna das relações pessoais e de como elas são mediadas pela cultura e instrumentação locais.
Este grupo representa, nos Estados Unidos, o que há de mais elaborado em termos de compreensão da cultura no processo de aprendizagem. Inicialmente marcado por uma leitura um tanto mecanicista
do próprio Vygotsky, Rogoff parece estar avançando no sentido de
uma abordagem mais dinâmica das implicações culturais no processo de desenvolvimento da criança (Rogoff, 1990).
Vemos, assim, que a preocupação com a Cultura surge nos Estados
Unidos em grupos distintos, com pesquisadores de orientação piagetiana, antropológica e, finalmente, da própria Psicologia soviética.
Mas simplesmente falar em Cultura, pesquisar aspectos culturais não
significa, necessariamente, compreender a complexidade da Cultura
como produção do ser humano e produtora do humano.
O problema central que a Psicologia precisa enfrentar, neste particular, é a historicidade do ser humano, ou seja, primeiro, que a Cultura
não se restringe somente a diferenças, mas a especifidades de ação
e a formas de percepção do ser humano, de interação entre indivíduos e deles com o mundo físico (natural e criado/produzido), que
é, por sua vez, também produzido pela ação humana; e, segundo,
que estas especificidades são historicamente constituídas e constituem nos seres humanos categorias que permitem ser aprendidas
e transformadas, mas que tais transformações só se dão a partir do
conhecimento.
Esta complexidade, melhor explicitada nas teorias de Wallon e de
Vygotsky, tem sido um dos problemas centrais da Psicologia atual,
problema este que se colocou e se coloca tanto para a Psicologia
européia e soviética como para a norte-americana; mas esta última,
ao que parece, tem mostrado menor clareza no encaminhamento
das soluções para superação do impasse.
O
Sócio-lnteracionismo
É sem dúvida alguma no trabalho de Vygotsky e Wallon que vamos
encontrar a discussão mais completa sobre o processo de constituição do indivíduo e da construção do conhecimento.
Eles atribuem à vida social um papel constitutivo na formação das
funções superiores. Teóricos como Wallon e Vygotsky apoiam-se,
desta forma, na função do meio enquanto elemento fundamental
do desenvolvimento infantil, o que os contrapõem a Piaget, que enunciou o fator social, mas não o incluiu no estudo da formação de estruturas cognitivas.
Vygotsky considera que as funções mentais superiores são produto
do desenvolvimento sócio-histórico da espécie, sendo que a linguagem funciona como elemento mediador. As funções mentais resultam, assim, de uma trajetória do social para individual. Vygotsky ressaltou a importância de que a cognição fosse estudada em seu contexto histórico. Ele enfatizou, igualmente, a necessidade de analisar
interações interindividuais para explicar o desenvolvimento das
crianças.
O conceito de zona proximal do desenvolvimento foi definido por
Vygotsky como a distância entre o nível de desenvolvimento atual,
determinado pela solução de problemas feita individualmente, e o
nível potencial de desenvolvimento, definido como solução de problemas com orientação do adulto ou em colaboração com parceiros
mais capazes. Implica em dizer que, hipoteticamente, a criança é capaz de solucionar um problema com assistência de um adulto ou
parceiro mais capaz antes de que ela possa resolvê-lo sozinha. Conseqüentemente a esta posição, tem-se que a aprendizagem consiste
na interiorização do processo de interação social, ou seja, o desenvolvimento se dá pela transformação de uma regulação interpsicológica
para uma intrapsicológica10.
Segundo Wallon", o homem é um ser biológico e social; e sua constituição como indivíduo se dá pela inter-relação destes dois aspectos.
A cultura é produto da atividade humana e ao mesmo tempo ela
constitui o processo de desenvolvimento do ser humano.
1
Inúmeros trabalhos na área da cognição, realizados, entre outros, pelo grupo de
Doise e Perret-Clermont, Cazden, Cole e Rogoff nos Estados Unidos e os próprios
soviéticos, ilustram e discutem a zona proximal de desenvolvimento
Médico e educador francês, com formação em Filosofia, Wallon dedicou grande
parte de sua vida ao estudo do desenvolvimento da criança. Wallon tem uma obra
extensa, complexa, de leitura difícil. De formação marxista, seu pensamento dialético
e a forma como o apresenta dificultam, sem dúvida, a tradução de suas obras, que
são pouco conhecidas por psicólogos e pesquisadores de lingua inglesa.
Para ele, o desenvolvimento da criança se dá através da vida social,
ou seja, é função das várias interações que a criança estabelece ou
de que participa com outros indivíduos.
"As pessoas do meio nada mais são, em suma, do que
ocasiões ou motivos para o sujeito exprimir-se e realizar-se. Mas se ele pode dar-lhes vida e consistência fora
de si é porque realizou, em si, a distinção do seu eu e
do que lhe e completamente indispensável (...) A sociedade coloca o homem em presença de novos meios, novas necessidades e novos recursos que aumentam suas
possibilidades de evolução e diferenciação individual. A
constituição biológica da criança, ao nascer, não será a
única lei de seu destino posterior. Seus efeitos podem
ser amplamente transformados pelas circunstâncias sociais de sua existência da qual não exclui sua possibilidade de escolha pessoal." (Werebe e Nadel-Brulfert,
1986, p. 164-169).
O meio é, desta forma, o complemento indispensável do ser vivo,
pois é ele que deverá corresponder às suas necessidades e aptidões.
Não há meios compartimentalizados e não existe adequação rigorosa
e definitiva entre o ser vivo e seu meio: suas relações são sempre
de transformação mútua. O eu se constitui, segundo Wallon, através
da oposição ao outro, isto é, a constituição do indivíduo parte da
consciência social para a consciência individual.
Henri Wallon apresenta a reflexão mais densa sobre as muitas relações entre a Psicologia e a Educação, e o faz a partir de uma perspectiva dialética. Para ele, a Psicologia só encontra sua real dimensão
se confrontada e articulada com a Educação.
Wallon contrapõe o ponto de vista sociológico ao da Psicologia individual na definição do que seja Educação. Na primeira perspectiva,
o objetivo seria a ação dos adultos sobre as crianças e os jovens
no sentido de transmitir-lhes o patrimônio dos antepassados, instrumentalizando-os para se adaptarem e darem continuidade à sociedade. Na segunda, ela seria desenvolver ao máximo as aptidões de
cada indivíduo.
Em A b e r t o . Brasília, ano 9, n. 48, out. dez. 1990
No seu entender, esta relação é mais complexa: "entre a Psicologia
e a Educação, as relações não são de uma ciência normativa e de
uma ciência ou de uma arte aplicadas". Isto é, não cabe à Psicologia
normatizar a ação pedagógica e nem é a ação pedagógica uma aplicação da Psicologia.
A Psicologia deve, antes, compreender as condições e motivos que
constituem a conduta do indivíduo na instituição escolar em sua especificidade.
Para conhecer a criança, diz-nos Wallon (1975a, p. 20), é "indispensável observá-la nos seus diferentes campos e nos diferentes exercícios de sua atividade quotidiana... e na escola em particular".
Embora sua teoria defenda a atividade humana como instrumento
de criação do pensamento, Wallon propunha uma ação educativa
que não se apoiasse somente na atividade espontânea da criança,
mas que fosse além dela. Para ele, limitar-se a esta atividade espontânea impossibilita à criança a apropriação do conhecimento formal.
Segundo Wallon (1975a, p. 48), muitas das inaptidões dos alunos
se devem a uma ruptura na cadeia das significações, cabendo ao
professor identificar quais as categorias de pensamento que faltam
à criança e encaminhar sua ação no sentido de criá-las.
Podemos ver, através das posições sucintamente apresentadas neste
artigo, que, se há uma direção na evolução da Psicologia que se
ocupa do desenvolvimento e da aprendizagem da criança atualmente, esta é a que considera o fator social e emocional na atividade
de conhecer do ser humano.
Estamos completando um círculo de 60 anos que nos leva de volta
a Wallon e a uma das suas obras mais importantes, La Vie Mentalle
na qual ele discorre sobre a emoção.
Considerações Finais
O que podemos concluir desta apresentação sintética do conhecimento psicológico?
Primeiramente, que a Psicologia do Desenvolvimento passa por um
periodo bastante fecundo de produção; esta produção tem revelado
uma dinâmica importante de transformação de conceitos ora considerados como absolutos. Torna-se, assim, prematura qualquer afirmação categórica sobre o processo de desenvolvimento da criança.
Parece claro, agora, que não se pode pensar em um modelo de desenvolvimento que possa ser aplicado indistintamente a qualquer criança, independente do momento histórico e da realidade sociocultural
nos quais ela se insere.
Por outro lado, não se pode considerar o conhecimento da Psicologia
como desprovido de valor. Importante é compreendê-lo em sua real
dimensão, ou seja, na dimensão de revelar divergências e não só
da procura de similitudes.
Evidentemente que, como pessoas que compartilham o mesmo momento histórico da evolução do ser humano, todos nós temos semelhanças. Porém, este compartilhar é relativo sob certo aspecto, uma
vez que os grupos contemporâneos apresentam diferenças significativas quanto aos modos de produção, à utilização de instrumentos,
ao uso da linguagem, à relação com o mundo natural, à produção
cultural, ao desenvolvimento tecnológico, etc.
Todos estes fatores tem seu equivalente no aparato orgânico do ser
humano e constituem especificidades tanto nos processos perceptivos como na construção de categorias mentais de apreensão, compreensão e transformação do real.
Esta contribuição da Psicologia é, ao meu ver, fundamental para o
desenvolvimento do conhecimento humano, epistemologicamente
falando. Ela revela a complexidade e a pluralidade do humano.
Ao revelar a pluralidade, pressupõe que a compreensão se faz não
através da submissão de cada ser humano a um modelo, mas sim
através da articulação entre o geral e o específico, partindo de um
conjunto de conhecimentos (geral) que permite compreender a particularidade de processos de desenvolvimento de indivíduos (específico).
A produção recente (década de 80), principalmente sobre bebês, vem
demonstrando que, talvez, a única forma de avançar no conhecimento do processo do desenvolvimento humano seja a proporcionada
por uma abordagem psicológica, mas à luz do conhecimento de outras áreas que se integram, metodologicamente inclusive, ao estudo
destes processos.
A contribuição do Behaviorismo vem de sua própria crítica. Ou seja,
o fracasso do paradigma experimental behaviorista, cuja conseqüência na Educação foi uma abordagem mecanicista do processo de
ensino-aprendizagem, reduzindo notoriamente a ação do sujeito e
sua autonomia face a um ambiente controlador de sua ação, levou
a questionar a concepção do paradigma S-R em Educação. Desta
forma, a aprendizagem, que foi reduzida sob a ótica behaviorista a
um processo linear, tem que ser necessariamente reformulada com
a complexidade que a constitui.
A este fato vem se juntar o aparecimento e a evolução das teorias
da área da cognição, por um lado, e as teorias interacionistas, de
outro, que recolocam o sujeito como um indivíduo ativo de seu processo de construção do conhecimento.
Dentre as contribuições destas teorias, temos a importância da interação no processo de desenvolvimento e de aquisição de conhecimentos. Esta interação não é, no entanto, qualquer interação. A situação
em que se configura uma interação precisa ser tal, de maneira a
colocar um problema real para o educando, uma questão para ser
refletida e respondida, que mobilize não somente o conhecimento
que ele já possui como também promova a constituição e ampliação
de mecanismos cognitivos de construção e apropriação de conhecimento.
O movimento atual da Psicologia em direção ao social e ao cultural
é, de certa forma, uma reação que se contrapõe à visão mais reducionista do objeto da Psicologia. É uma tentativa de definir o objeto,
ou seja, o homem como algo mais complexo do que um organismo
que age e responde ao meio. Recoloca, assim, questões que já foram
importantes na história da Psicologia, como a da consciência, da
construção do pensamento e das emoções propriamente ditas.
Dentro desta perspectiva, há ainda uma outra linha que procura alargar os horizontes da própria Psicologia do Desenvolvimento, relacionando-a à teoria evolucionista, com o objetivo não só de evitar um
reducionismo biológico, como de promover a inter-relação entre Biologia humana com Cultura humana. Ao dar este passo, a Psicologia
não pode prescindir da contribuição de outras áreas como Etnologia,
Antropologia, Filosofia e Embriologia. Esta perspectiva tem dado o
enquadramento teórico de pesquisadores europeus, notadamente ingleses, que tem estudado bebês, principalmente (entre outros, Butterworth, Light e Trevarthen).
Está claro, portanto, que, como não podemos falar de uma Psicologia,
mas de várias linhas ou tendências, dentro da própria Psicologia (das
quais destacamos algumas para discutir neste artigo), também não
podemos falar da relação da Psicologia com a Educação de forma
generalizante.
No nosso caso brasileiro, como vimos, muitas das questões já vieram
colocadas pelo modelo norte-americano. Razões políticas e econômicas estão, evidentemente, por trás destas "opções" que fazemos
na educação brasileira. O que é fato é que com todo este percurso
nós ainda não chegamos à situação de um "diálogo-confronto" honesto entre a Psicologia e a Pedagogia, de forma que se faça algo
mais efetivo em função do sujeito cognoscente.
Substituir Piaget por Vygotsky, ou Wallon, assim como introduzir
meramente o estudo etnográfico na instituição escolar, rechaçando
a Psicologia e instituindo a Antropologia, ou, ainda, substituir a Psicologia pela Medicina para compreensão e solução do fracasso escolar,
significa tão simplesmente continuar no embate surdo e cego a que
se entregam especialistas e educadores.
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out. dez. 1990
Com certeza, a melhoria da Educação não passa pela solução psicológica exclusivamente. Também não passa pela solução isolada de
outras áreas que lhe são complementares na compreensão do fenômeno educativo, como Filosofia, Lingüística, Biologia, Medicina, Sociologia e Antropologia.
Relações mais simétricas precisam ser construídas entre as várias
áreas do conhecimento e a Educação.
Quanto à Psicologia, esta relação deve ser vista sob prisma diverso
ao que tem predominado até agora.
Se encarada como uma ciência em movimento, cujos paradigmas
estão caminhando no sentido da complexidade e não do reducionismo no estudo do ser humano, a Psicologia perde seu caráter normativo sobre a Educação para, juntamente com esta, procurar compreender e atuar no processo de constituição do indivíduo, em particular de sua vivência na instituição educativa.
Esta pode ser uma relação nova e intrigante para a própria Psicologia,
uma vez que, ao abordar ecologicamente a escola e ao trabalhar
com o processo de construção e transformação de significados na
situação social em que ele se dá na escola, ela terá um campo excelente para, finalmente, explorar a questão da Cultura no desenvolvimento do ser humano.
Concomitantemente, ao revelar os processos pelos quais o ser humano se apropria do conhecimento formal e as categorias de pensamento a eles associadas, a Psicologia estará contribuindo com a Educação no sentido da elaboração da dinâmica educador-conhecimento-educando no cotidiano escolar.
A questão que se coloca à Psicologia, assim como a outras áreas
do conhecimento, é resolver o impasse provocado pelos limites de
cada área do conhecimento para a compreensão dos processos de
crescimento e desenvolvimento do ser humano. Há necessidade de
estabelecer um quadro teórico suficientemente amplo para abranger
os aspectos biológico, evolutivo e cultural do desenvolvimento humano, dando conta, naturalmente, da ontogênese e da filogênese.
BAARS, B.J. A cognitive theory of consciousness. Cambridge: Cambridge University, 1988.
Este movimento de diálogo e confronto entre áreas das ciências humanas entre si e com áreas das ciências biológicas é necessário.
Ele existindo, naturalmente, vai modificar esta divisão artificial de
poder e o critério referencial será o humano como objeto de estudo.
BARRY, H. Uses and limitations of etnographic descriptions In: MUNROE, R. H., MUNROE, R.L, WHITING, B.B. Handbook of crosscultural human development. New York: Garland, 1981.
Esta tarefa se coloca, assim, a especialistas de várias áreas e pressupõe a colaboração entre eles. Para a Psicologia, significa sair definitivamente de seu isolamento.
Ao percorrer este caminho, ela deverá necessariamente modificar
sua relação com a Pedagogia. Se a compreensão dos procesos psíquicos engloba fatores tão diversos como o biológico e o cultural e se
este cultural implica em variações de comportamento humano, de
criação e utilização de objetos, de usos da linguagem, etc, a normatização terá que ceder seu lugar a um quadro polifacetado, que permite sua utilização como referencial teórico para o humano, entendido agora na sua diversidade e não mais destinado à redução das
igualdades.
Se a Psicologia apresenta este movimento em seu próprio corpo de
conhecimento, a Pedagogia deve, necessariamente, encará-la sob este prisma. Com isto, evitam-se os reducionismos e, principalmente,
construções de estereótipos teóricos, esvaziados, muitas vezes, de
seu sentido epistemológico, os quais, transportados para o domínio
da ação pedagógica, acabam fazendo com que esta se torne um simulacro.
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PONTOS DE VISTA
EPISTEMOLOGIA GENÉTICA E PSICOGÊNESE: noções fundamentais para a sua compreensão e uso*
Agnela da Silva Giusta**
Introdução
Tem-se falado muito de Epistemologia Genética, psicogênese, teoria
de Piaget e, mais recentemente, a expressão construtivismo ganhou
popularidade e uma conotação quase mágica. Entretanto, observamos a ausência de informações basilares sobre o campo de conhecimento que engloba tais expressões. Este artigo pretende contribuir
para a superação da lacuna apontada, explicitando conceitos cuja
apreensão é indispensável para o terreno da prática.
1. O campo da Epistemologia Genética
A Epistemologia Genética, que tem em Piaget seu fundador e sua
expressão máxima, constitui uma síntese nova e original no que diz
respeito às interpretações correntes acerca da formação dos conhecimentos. A novidade se expressa em termos de conteúdo, de método
de investigação e de visão de trabalho científico no mundo atual.
Começando pelo aspecto do conteúdo, pode-se afirmar que Piaget,
ao contrário dos epistemólogos neopositivistas, os mais fiéis ao sentido literal do termo epistemologia (teoria da Ciência), não se interes-
• Este artigo constitui uma ligeira adaptação do capitulo referente aos fundamentos
de nossa tese de doutorado intitulada Processo de Cognição e Fracasso Escolar
defendida na USP em abril de 1990.
** Professora Adjunta IV do Mestrado de Psicologia da UFMG
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out. dez 1990
sou apenas pelo conhecimento científico. A razão disso situa-se no
fato de que para ele, a explicação das formas de conhecimento, típicas da ciência contemporânea, só é possível recorrendo-se à gênese
dessas formas e aos caminhos percorridos. Na verdade, esta posição
delineia-se logo que Piaget formula a questão básica do seu projeto
acadêmico: Como os conhecimentos se ampliam? Ou, como se passa
de um estado de menor conhecimento para um estado de maior
conhecimento?
Com uma indagação do gênero, não surpreende que Piaget tenha
conduzido suas pesquisas na direção de uma análise que conciliasse
a perspectiva sincrônica e a perspectiva diacrônica. Distanciou-se,
portanto, da análise direta e intemporal, empregada pelos neo-positivistas, como a única via para captar a estrutura da ciência, e entrou
firme na análise histórico-crítica, que abrange as formas de conhecimento hoje tidas como características do conhecimento pré-científico, mas que, do ponto de vista cognitivo, não se podem negligenciar, porque foram preparadoras dos progressos ulteriores.
Na tentativa de responder ao que havia indagado, Piaget (1967b, p.
65) utiliza-se dos métodos por ele designados de epistemológicos
genéticos, os quais
"procuram compreender os processos de conhecimento
científico em função de seu desenvolvimento ou de sua
própria formação, comportando uma sociogênese do conhecimento, relativa ao seu desenvolvimento histórico no
seio das sociedades e a sua transmissão, e uma psicogênese das noções e estruturas operatórias elementares
que se constituem no curso do desenvolvimento dos indivíduos (porém de indivíduos cada vez mais socializados
com a idade)..."
A citação que acaba de ser feita condensa o amplo espectro da Episte-
mologia Genética. Definindo os métodos epistemológicos genéticos,
Piaget precisa, ao mesmo tempo, os conteúdos que a compõem,
numa clara demonstração de que método e conteúdo se constroem
conjuntamente. Os conteúdos estão, pois, ligados a duas frentes de
pesquisa: uma relativa à sociogênese e, a outra, à psicogênese do
conhecimento.
Sociogênese é a expressão cunhada por Piaget para significar o estudo dos conhecimentos, enquanto empreendimento da humanidade
em seu conjunto, através de esforço dos intelectuais que conseguiram captar as demandas por um novo saber e encarnaram as motivações e as possibilidades do fazer ciência.
Como o conhecimento é, na perspectiva de Piaget, um processo em
permanente devir e não um estado definitivo, a sociogênese assenta-se na história das idéias, das ciências e das técnicas. Devemos
ter presente, no entanto, que não é a uma história como sucessão
de fatos que se faz, aqui, alusão. É, sim, a uma história como fonte
a ser interrogada para prover o epistemólogo dos elementos necessários à compreensão das crises atravessadas pelo conhecimento,
dos motivos dos avanços, das interrelações entre os progressos da
ciência e a formação do sujeito do conhecimento, e demais problemas que interessam diretamente ao pesquisador-epistemólogo. Desta maneira, a sociogênese desagua numa espécie de sociologia histórica do conhecimento, conforme expressão usada por Piaget, pois
procura elucidar a construção das idéias que são transmitidas de
geração a geração e que apresentam o dinamismo próprio a toda
construção sócio-histórica, com seus retrocessos e progressos, seus
obstáculos e desvios de rota. Para tornar mais evidente esta conotação da sociogênese, recorremos às palavras de Piaget (1973b, p.
137), quando afirma:
"a sociologia histórica dos conhecimentos deve, por
exemplo, tomar posição a respeito dos fenômenos tão
decisivos como o milagre grego e a decadência grega
no período alexandrino, e vemos imediatamente como
este último problema, em face do qual as ciências do ho-
mem não poderiam permanecer mudas, apenas pode resolver-se comparando os fatores econômicos e sociais
ao desenrolar interno dos conceitos e princípios..."
A pesquisa sobre a psicogênese é de suma importância. É complementar à da sociogênese, porque estuda a formação dos conhecimentos ao nível do sujeito, focalizando portanto, momentos anteriores ao estabelecimento das estruturas cognitivas que propiciam as
elaborações científicas, uma vez que o ponto de partida de qualquer
ciência foi fruto de um pensamento já formado. Assim, a Epistemoiogia Genética passa a abranger a Psicologia Genética, a fim de preencher as lacunas da sociogênese. Esta consegue realizar a pesquisa
sobre a formação dos conhecimentos nas diversas civilizações, chegando, inclusive, a demonstrar as diferenças de níveis alcançados
por elas, mas nada diz sobre o desenvolvimento dos processos cognitivos que tornam possíveis tais conhecimentos. Além de complementar a sociogênese, a psicogênese, pela possibilidade de ser estudada pela via da experimentação, eleva a Epistemologia Genética
ao estatuto de uma disciplina científica, libertando-a das amarras da
especulação.
A esta altura cabe perguntar: Como foi possível dar impulso a um
projeto tão ambicioso e tão rico como o da Epistemologia Genética?
A resposta está associada a uma outra característica desta epistemologia: a interdisciplinaridade.
É sabido que o vertiginoso progresso dos conhecimentos findou por
justificar uma extrema divisão do trabalho intelectual, retirando do
filósofo as condições de teorizar sobre as ciências, mesmo porque
sua qualificação profissional o afastou, sumariamente, de qualquer
cultura científica. O lugar que ele, por muitos séculos, ocupara com
legitimidade — por ter uma formação filosófica aliada a uma formação científica — ou permanece vazio ou é, então, ocupado pelos cientistas que, desenvolvendo as qualidades do filósofo, assumem a responsabilidade de tratar as questões de fundo que lhes são peculiares.
Instaura-se, então, a era das epistemologias internas e regionais. Sobre isto Piaget (1967a, p. 51) assim se expressa:
"O fato novo e de conseqüências incalculáveis para o futuro é que a reflexão epistemológica surge cada vez mais
no interior mesmo das ciências, não mais porque determinado cientista de gênio, a exemplo de Descartes ou Leibniz, abandona, por algum tempo, seus trabalhos especializados e dedica-se à construção de uma filosofia, mas
porque certas crises ou conflitos se produzem em conseqüência da marcha interna das construções dedutivas ou
da interpretação dos dados experimentais, sendo necessário... submeter a uma crítica retroativa os conceitos,
métodos ou princípios utilizados, de maneira a determinar seu próprio valor epistemológico. Em tais casos, a
crítica epistemológica cessa de constituir uma reflexão
sobre a ciência: ela torna-se então um instrumento de
progresso científico, enquanto que organização interior
dos fundamentos e, sobretudo, enquanto que elaborados
por aqueles que farão uso destes fundamentos e que sabem, pois, do que eles precisam, em lugar de recebê-los
de fora, a título de presente generoso, mas pouco utilizáveis e às vezes atravancadores..."
Apesar de reconhecer a impossibilidade de o filósofo executar a tarefa concernente aos problemas de fundamento das ciências, Piaget
não nega a necessidade e a possibilidade de uma epistemologia geral
que resgate a teorização sobre o saber científico em sua totalidade.
Admitindo que as ciências enfrentam ainda problemas já levantados
pelos filósofos mais antigos, problemas que muitas vezes transpõem
as fronteiras das especializações cristalizadas, Piaget encontra a saída
para abordá-los na constituição de uma equipe interdisciplinar, que
passou a ter existência formal com a criação, em 1955, do Centro
de Epistemologia Genética, vinculado à Universidade de Genebra.
Esta foi uma solução viável porque, armada contra o idealismo de
uma unidade do conhecimento, passando por cima das especificidades das várias ciências, evitou, desde logo, que a interdisciplinaridade fosse entendida como confusão de tarefas ou dissolução dos
objetos próprios a cada disciplina. Ficava, assim, preservada a autori-
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out./dez. 1990
dade dos especialistas que, na equipe, conscientes de suas limitações, desempenham o papel de contribuir para a construção de uma
Epistemologia geral, ajudando a descobrir os mecanismos comuns
às diferentes ciências e apresentando os problemas com que se defrontam e que não podem ser resolvidos sem a cooperação de outras
áreas. Isto significa que não se tem em mira uma simples soma de
resultados trabalhados regionalmente, ou seja, de resultados provenientes do exame dos fundamentos das disciplinas tomadas de forma
isolada. Na idéia de progresso do conhecimento está explícita a meta
de ultrapassagens disciplinares e a realização das sínteses que forem
possíveis, procedendo-se a uma "...reorganização dos domínios do
saber, por trocas que consistem, na realidade, em recombinações
construtivas" (Piaget, 1973b, p. 141).
Em face do exposto, é lícito declarar que Piaget, pelo que se tem
notícia, foi o primeiro teórico a pôr em prática, no Ocidente, um sentido de trabalho científico dos mais avançados: produção coletiva,
realizada por especialistas associados, que colocam na mesa os resultados de suas pesquisas e os obstáculos que enfrentam no interior
dos seus campos de investigação. Isto facilita uma articulação orgânica entre os diferentes ramos do conhecimento e o traçado de projetos de pesquisa em torno de problemas reais, cuja solução incide
no progresso geral do conhecimento e do patrimônio cultural.
Pode-se supor as dificuldades na condução desse tipo de projeto,
considerando que ele se desenvolveu em uma sociedade que superestima a formação e o trabalho individualistas e que tem obrigado
as instituições acadêmicas, concebidas como compartimentos estanques, a se distanciarem cada vez mais de projetos coletivos. O mérito
de Piaget está tanto no vigor e persistência com que lutou contra
as barreiras mencionadas, quanto na atitude democrática que manteve, na qualidade de coordenador da equipe.
Tal atitude era consciente, como prova a citação seguinte:
"O critério de êxito de uma disciplina cientifica é a cooperação dos espíritos; e, desde a minha 'desconversão' da
filosofia, eu estava cada vez mais persuadido de que toda
produção puramente individual era maculada por um vicio redibitório; e que, à medida em que pudessem vir
a falar do sistema de Piaget, isso seria um sinal convincente do meu fracasso". (Piaget, 1969, p. 35).
Fizemos referência aos cientistas do programa sociogenético e aos
psicólogos responsáveis pela pesquisa psicogenética. Resta a menção aos lógicos que vieram a se integrar à equipe, participando das
duas dimensões do projeto: da sociogênese, assumindo a Epistemologia da Lógica e da psicogênese, pela necessidade imperiosa de
formalização da teoria. A formalização, terceira frente de trabalho
da Epistemologia Genética, foi também a última a ser sistematicamente incorporada. A partir de então são formalizadas as ações e
operações da inteligência: as ações sensório-motoras assumem a
forma de estruturas de grupo; as operações lógico-matemáticas concretas, de estruturas de agrupamento; e as operações hipotético-dedutivas passam a ser expressas por duas estruturas de conjunto:
a rede da lógica das proposições, que abarca a combinação de objetos ou de dados experimentais e o grupo das quatro transformações
(grupo INRC), que sintetiza em uma só estrutura as duas formas de
reversibilidade, que, até então, atuavam separadamente (a inversão
e a reciprocidade).
A trilha seguida pela Epistemologia Genética e as realizações conseguidas, levam-nos a acreditar no que Prigogine, poeticamente, afirma:
"O tempo hoje reencontrado é também o tempo que não
fala mais de solidão (...) Chegou o tempo de novas alianças, desde sempre firmadas, durante muito tempo ignoradas, entre a história dos homens, de suas sociedades,
de seus saberes e a aventura exploradora da natureza."
(Prigogine, Stengers, 1984, p.15 e 226)
A Psicogênese
Não temos a pretensão de circular pela obra, cuja vastidão acabamos
de esboçar. A limitação pessoal força-nos a explorar basicamente
o campo da psicogênese. Centrar-nos-emos, assim, no estudo do
processo que resulta na formação das estruturas cognitivas e que
constitui a base das aprendizagens conceituais com as quais a escola
lida. Essas estruturas são, para Piaget, ao mesmo tempo estruturadas
e estruturantes e representam as possibilidades do sujeito, enquanto
ser cognoscente, num dado momento de suas relações com o mundo; e, como tal, comportam uma formação progressiva.
O conceito de estrutura exposto foi formulado a partir dos trabalhos
de autoria de Piaget e das investigações que incorporam contribuições dos especialistas do Centro de Epistemologia Genética. Esses
trabalhos forneceram os elementos necessários à sustentação do que
Piaget (1976) qualifica como a idéia nuclear de sua teoria: a de que
"o conhecimento não procede nem da experiência única
dos objetos nem de uma programação inata pré-formada
no sujeito, mas de construções sucessivas com elaborações constantes de estruturas novas".
As construções sucessivas a que Piaget se refere são resultantes da
relação sujeito X objeto, relação esta na qual os dois termos não
se opõem, mas se solidarizam formando um todo único. As ações
do sujeito sobre o objeto e deste sobre aquele são reciprocas, garantindo a construção do conhecimento e das estruturas do conhecimento. Vê-se, pois, que, para Piaget, o sujeito constitui com o meio
uma totalidade e que é, portanto, passível de desequilíbrio em função
das perturbações do meio. Isto o obriga a um esforço de adaptação,
de readaptação, no sentido de restabelecer o equilíbrio.
Ao desenvolver a idéia nuclear a que nos referimos anteriormente,
Piaget vale-se de uma terminologia própria, considerando as disciplinas que tratam do mesmo assunto. Tran-Thong (1981, v.1, p. 22)
fala acerca disso e, para expressar a necessidade de esclarecimento
de determinados termos usados por Piaget, transcreve um pequeno
recorte de uma conferência proferida por B. Inhelder, onde se lê:
"a concepção do desenvolvimento mental, tal como podemos compreendê-la a partir dos trabalhos de Piaget,
é de certa maneira desconcertante, não quanto aos fatos,
mas quanto à terminologia... que não é corrente em Psicologia".
0 esforço de compreensão dos conceitos basilares da Epistemologia
Genética, movido pela necessidade de apropriação da teoria para
fins pedagógicos e, portanto, práticos, justifica a coragem para contestarmos o trecho aspeado'.
Não concordamos que a concepção de Piaget sobre o desenvolvimento mental seja desconcertante quanto à terminologia e não quanto aos fatos. Piaget jamais encarou fatos como dados brutos e se
seus estudos e pesquisas assumem a feição de uma teoria é, sobretudo, pela organização dos dados sob a forma de um todo coerente.
É preciso, pois, dizer que a terminologia de Piaget, adjetivada como
desconcertante, expressa um conteúdo peculiar que tem como esteio
a Biologia. Assim sendo, não se trata simplesmente de esclarecer
termos, mas de esclarecer os fundamentos biológicos de que Piaget
se serve, na tentativa de elaborar uma explicação para o que tem
sido "o problema mais central do conhecimento: o da adaptação
ou da adequação cognitiva das estruturas hereditárias ao mundo exterior". 2
Tomamos o termo aspeado em seu caráter polissêmico. Ele tem o significado do
que está entre aspas, mas significa, também, maltratado. Esta última acepção é muito
pertinente, para nós, que supomos ter sido indevida a utilização que Tran-Thong faz
da citação Não conhecemos a conferência, mas temos motivos para duvidar de que
B. Inhelder, renomada colaboradora de Piaget, tenha deixado passar a idéia de que
a novidade da teoria em apreço se restringe a uma mera questão semântica.
Piaget (1873a, p. 311). Todas as referências extraídas deste livro foram avaliadas de
acordo com as ressalvas que Piaget faz, a seu conteúdo, em Adaptación Vital y Psicologia da Ia Inteligencia Selección Orgânica y Fenocopia Também servimo-nos dos
debates de Piaget em Piatelli — Palmarini (1983) e do livro de Ramozzi — Chiarottino
(1984)
Em A b e r t o , Brasília, ano 9, n. 48, out. dez. 1990
Os avanços da Biologia testemunham a passagem por diferentes soluções para tal problema.
No ponto de partida Piaget descarta a solução segundo a qual o processo adaptativo se dá por pura acomodação, ou seja, pela ação exclusiva do meio. Descarta, também, a tese do preformismo, que faz
coincidir adaptação e atuação de estruturas já programadas no sistema genético, as quais assimilam o meio, sem deste sofrer nenhuma
influência formadora.
Afastando-se dessas duas posições, por julgá-las insuficientes, Piaget
vai ao encontro da síntese de Waddington, um tertium que se aproxima de uma solução mais plausível, na medida em que sai do impasse da linearidade, que caracteriza os antagonismos precedentes.
Para Waddington o próprio sistema genético já é produto da adaptação, entendida como equilíbrio entre a acomodação às circunstâncias
impostas pelo meio e assimilação, às estruturas do genoma, dos
efeitos decorrentes das trocas efetuadas entre o organismo e o mundo exterior.
Esta concepção de que as estruturas do genoma incorporam as variações produzidas pelo ambiente a partir do poder de organização que
tais estruturas invariavelmente apresentam, traz para a linha de frente
o conceito de epigênese.
A epigênese, resultado da interação entre a atividade sintética do
genoma e o meio, consiste, pois, na equilibração progressiva entre
a assimilação e a acomodação. Disto decorre uma visão de genótipos
e fenótipos não mais como realidades destacadas e opostas, uma
vez que as variações fenotípicas são encaradas como as melhores
respostas do sistema genético às pressões externas.
Piaget vai mais longe, ainda, ao constatar que, em certos casos, pode,
inclusive, haver a substituição de um fenótipo por um genótipo da
mesma forma. A esta nova estruturação ele dá o nome de Fenocopia.
São já famosas as experiências de Piaget sobre fenocópias, mas os
geneticistas adeptos da pré-formação reagem incisivamente contra
a ocorrência de tais fenômenos 3 . Por isso, convém precisar o que
é, para Piaget, a fenocópia:
"um processo biológico pelo qual (...) o fenótipo modifica
o meio interior e modifica os níveis superiores do meio
epigenético e então as variações ou as mutações que podem produzir-se no genoma serão selecionadas, não pelo
meio exterior mas por esse meio interior ou epigenético
que vai canalizá-las na mesma direção da conduta já adquirida pelo fenótipo; por outras palavras, haveria uma
reconstrução genética ou gênica de uma aquisição feita
pelo fenótipo" (Piatelli — Palmarini, 1983, p.82).
Neste sentido, pode-se falar de fenocópias como neoformações compatíveis com os genes, mas não determinadas por eles. Estas neoformações passam, então, a fazer parte do conjunto dos possíveis fornecido pela hereditariedade.
Piaget justifica seu interesse pelo conceito de epigênese em função
da amplitude que ele comporta ao englobar os três grandes fatores
do desenvolvimento: a programação relativa ao genoma, as imposições do meio e a equilibração ou auto-regulação.
A epigênese implica, assim, uma nova concepção de equilíbrio que
passa por um processo de construção das formas, a homeorrese,
e chega a um estado de equilíbrio final ou homeostase.
Na homeorrese, embora se trate de um processo dinâmico de transformações, a tendência ao equilíbrio não é prejudicada. Havendo desvio com relação aos creodos, ou caminhos necessários a serem percorridos pelo desenvolvimento, entra em cena um jogo de regulações
complexas que são responsáveis pela integridade do organismo, enquanto sistema.
3
A este respeito ver os debates de Piaget com geneticistas em Piatelli — Palmarini
(1983).
As regulações podem, de um lado, exercer-se sobre o resultado de
um processo, acatando-o, ou compensando e corrigindo o erro, se
for o caso. Tem-se, então, um controle retroativo. Por outro lado,
podem, também, desempenhar seu papel agindo sobre o próprio
processo em andamento, ou sobre a própria ação, apresentando,
portanto, um caráter antecipador.
A interrelação do sistema genético com o meio está implicada na
equilibração. Segundo Piaget (1973a, p. 34).
"...aos sistemas 'abertos', não só em trocas mas ainda
em possibilidade de trocas, corresponde um meio alargado. Ora (...) esta extensão crescente (não dizemos regular)
do meio só pode ser solidária, de maneira indissociável,
com os sistemas de regulações. Com efeito, ou a extensão
é letal para o indivíduo ou para a espécie, ou então é
adaptativa e a adaptação é uma equilibração. Esta equilibração, cada vez mais extensa, não tendo nada de comum
com a moldagem, como a adaptação de um líquido ao
recipiente, nem com um simples balanço de forças, supõe
o ajuste permanente entre a acomodação às situações
e a assimilação, que conserva o funcionamento, sendo
os mecanismos reguladores inerentes e não acrescentados a estas trocas com um meio cada vez mais extenso".
A partir do que foi sintetizado, é possível compreender que a equilibração ou regulação não é um fator que se superpõe aos demais
na construção das estruturas, participando da própria construção na
qualidade de mecanismo causai. Ela garante a continuidade entre
a homeorrese (enquanto processo) e a homeostase (estado de equilíbrio final), assegurando, portanto, a solidariedade entre a transformação e a conservação.
Piaget, através das investigações que empreendeu, procurou descobrir os isomorfismos entre as estruturações biológicas e as estruturações cognitivas tendo, como foi dito, se encaminhado na direção
de Waddington e daqueles que aportavam nas mesmas formulações
ou em formulações similares.
No que se refere aos problemas tipicamente cognitivos, Piaget, apoiado em experiências, tem defendido a hipótese de que o proceso epigenético que conduz à construção das estruturas mentais é comparável, de maneira bastante estreita, à epigênese embriológica. Isto
quer dizer que o processo de fenocópia não é exclusivamente orgânico. Ao contrário, é um fenômeno que ocorre, com mais chances
de êxito, no campo das formações cognitivas, porque, para estas
formações, a importância do meio torna-se mais decisiva, uma vez
que os conhecimentos têm por função atingir o próprio meio.
Se existem, de fato, isomorfismos entre a epigênese em nivel das
estruturações cognitivas e a epigênese no sentido biológico, tudo
o que se disse acerca das construções orgânicas aplica-se às construções mentais. Assim, todo equilíbrio cognitivo vai depender da adaptação que, por sua vez, consolida-se através dos processos fundamentais de assimilação e acomodação, processos que, de acordo
com o visto até agora, são distintos, porém indissociáveis.
A assimilação cognitiva consiste na incorporação, pelo sujeito, de
elementos do mundo exterior às suas estruturas de conhecimento,
aos seus esquemas sensório-motores ou conceituais. Na assimilação, portanto, o sujeito age sobre os objetos que o rodeiam, utilizando-se de esquemas já constituídos, que se aplicaram aos mesmos
objetos ou a objetos análogos. Na teoria da equilibração de Piaget
(1976, p. 14), este fato aparece sob a forma de um primeiro postulado:
"todo esquema de assimilação tende a alimentar-se, isto
é, a incorporar elementos que lhe são exteriores e compatíveis com sua natureza".
A assimilação pode ser simples ou reciproca. É simples quando um
esquema particular A, B ou C alimenta-se de objetos, absorvendo
A', B' ou C'. É recíproca quando dois esquemas ou dois subsistemas
se aplicam aos mesmos objetos ou se coordenam sem necessidade
de suporte material (atual), como é o caso dos esquemas formais.
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out./dez. 1990
Em resumo, podemos afirmar que a assimilação constitui sempre
uma tentativa de integrar dados da experiência a esquemas ou estruturas previamente construídos. Se tais instrumentos de assimilação
se revelam inoperantes, tendem a modificar-se por força da própria
integração. A modificação se dá por acomodação do estado precedente às exigências decorrentes do meio. A acomodação aparece,
como o termo complementar das relações sujeito/objeto, representando o momento da ação do objeto sobre o sujeito. A solicitação
do meio, não sendo atendida pelos recursos de que o sujeito dispõe,
o obriga a um esforço de adequação, considerando as especificidades
do objeto ou da situação inusitada. Daí, o segundo postulado:
"todo esquema de ação é obrigado a se acomodar aos
elementos que assimila, isto é, a se modificar em função
de suas particularidades, mas, sem com isso perder sua
continuidade (portanto, seu fechamento enquanto ciclos
de processos interdependentes), nem seus poderes anteriores de assimilação" (Piaget, 1976, p. 14).
Se a adaptação é resultante das trocas do sujeito com o mundo,
por meio dos dois processos enfocados, e se a acomodação é sempre
subordinada à assimilação, às assimilações recíprocas devem corresponder acomodações recíprocas. Esta consideração reintroduz a ênfase na interdependência dos dois pólos opostos, mas convergentes,
o que confere ao processo geral de construção das formas cognitivas
o sentido de uma epigênese. O equilíbrio, aqui, refere-se à solidariedade entre a diferenciação que dá lugar aos subsistemas e a integração que os une em um conjunto mais amplo. Nesta solidariedade
repousa, portanto, a possibilidade de transformação e enriquecimento do sistema cognitivo e, ao mesmo tempo, sua preservação, enquanto totalidade. Isto se torna mais compreensível se voltarmos
um pouco atrás e nos dermos conta de que, quando se fala em equilíbrio, o destino da homeorrese é chegar à homeostase.
Sentimos a necessidade de antecipar-nos a uma interpretação incorreta que possa ter lugar ao se ler que a acomodação ocorre no percurso da assimilação, não tendo, em relação a esta, nenhuma autono-
mia. É possível que de tal leitura decorra a conclusão de que há,
na teoria abordada, uma subestimação do meio quanto à formação
das estruturas mentais e que Piaget é, por isso mesmo, um idealista.
No decurso de nosso trabalho, qualquer mal-entendido a este respeito será dissipado, mas já podemos rebater o equívoco, remetendo
ao exame cuidadoso do conceito de epigênese todos aqueles que
se enquadram nesta avaliação ilícita da teoria de Piaget. É, entretanto,
inegável que, para Piaget, a atividade do sujeito é o fator crucial do
desenvolvimento, exercendo-se por meio de esquemas de assimilação, que são esquemas de ação e de significação. Mas isto não
leva ao rebaixamento do valor do meio, pois
"... O objeto é necessário ao desenrolar da ação e, reciprocamente, é o esquema de assimilação que confere sua
significação ao objeto, transformando-o (deslocamento,
utilização, etc) graças a esta ação: assimilação e acomodação (quando bem sucedidas) formam então um todo
do qual os dois aspectos A e A', B e B', etc, implicam-se
um no outro, enquanto elas só correspondem a dois fatores em sentido contrário, em caso de fracassos que conduzem ao abandono da ação" (Piaget, 1976, p. 15).
Afirmado o paralelismo entre as equilibrações orgânicas e as equilibrações cognitivas, é necessário, agora, frisar que a correspondência
entre elas não é completa, sendo mais preciso fazer-se alusão a isomorfismos parciais e tratar de expor as diferenças.
Piaget ressalta as diferenças vinculando-as, basicamente, a dois grupos de razões: a) razões relativas às trocas com um meio que se
estende indefinidamente; b) e razões próprias aos mecanismos que
regulam as transformações das formas, desde as mais incipientes,
ligadas às ações sensório-motoras, até as que alcançam o intemporal
lógico-matemático.
No tocante à extensão do meio, é imprescindível dizer que o meio,
aqui, tem uma conotação peculiar: conjunto dos objetos com os quais
a inteligência se defronta. Trata-se, pois, do meio do conhecimento
e não do meio em seu amplo significado. Esta lembrança é oportuna,
porque a importância do meio para o desenvolvimento da inteligência depende dos desequilíbrios que gera, ou da necessidade de superação que impõe.
Piaget junta-se a Bertallanffy na aceitação de que um organismo é
um sistema aberto, mas faz questão de salientar que um sistema
aberto, por estar constantemente exposto às ameaças mais imprevisíveis, tende a estabelecer como meta o alargamento do meio, para
que a probabilidade das trocas seja favorável à conservação. À medida que se dá a extensão do meio, vai havendo o fechamento do
sistema, uma vez que o organismo circunscreve limites que lhe permitem operar com mais chances de êxito.
Anteriormente já tocamos neste assunto e, citando o próprio autor
em destaque, oferecemos a vez para que se dê maior realce à extensão do meio do conhecimento. Agora acrescentamos: se a formação
das estruturas mentais releva das trocas do sujeito com o objeto
do conhecimento, quanto mais o meio se estende maiores são as
possibilidades de o sujeito cercar os desafios e antecipar-se às ameaças. Insistimos no termo "possibilidades", porque o fechamento do
sistema é, de fato, uma meta sempre perseguida, porém jamais alcançada definitivamente. Formando com o meio uma totalidade, como
já foi dito, o sujeito encontra-se incessantemente atingido por desequilíbrios provocados pelo meio. Portanto, os desequilíbrios constituem uma das fontes do progresso dos conhecimentos, apresentando um caráter motivacional à medida em que mobilizam o sujeito,
desencadeando as ações que o levam a ultrapassar as formas até
então usadas para lidar com os objetos. É por isso que, para Piaget,
os conhecimentos seriam estáticos se não houvesse desequilíbrios,
não importando se eles são interpretados como inerentes à própria
ação do sujeito ou relativos a situações históricas contingentes.
Apesar da ênfase dada aos desequilíbrios, Piaget relativiza sua importância, porque a fecundidade que detêm se mede pela atividade de-
sempenhada pelo sujeito para superá-los. Assim, sem reequilibração
não se pode falar de desequilíbrios como fonte de desenvolvimento
ou de progresso dos conhecimentos. Entra-se, desta maneira, no terreno do segundo grupo de razões que distinguem as estruturações
cognitivas das estruturações orgânicas: as que são atinentes ao processo de equilibração ou auto-regulações. Os dois grupos são, portanto, indivisíveis, uma vez que o meio, que provoca desequilíbrios
e é estendido, é o meio do conhecimento relativo a um sujeito que
é o sujeito do conhecimento, estando as trocas entre ambos implicadas na equilibração, conforme já salientamos. É, então, para as
diferenças no próprio processo de equilibração que devemos nos
voltar.
Como vemos, a previsão dos acontecimentos não é exclusividade
do conhecimento científico. Ela é facilmente constatada no plano da
sociogênese, porém é pertinente a toda e qualquer função cognitiva,
de cunho psicogenético, ressalvadas as diferenças de nível. Isto concede ao ser humano um ganho extraordinário: a libertação quanto
ao empírico e uma maior estabilidade pela conquista do mundo das
possibilidades, que lhe permite compreender o real como uma das
formas assumidas pelo possível e não como a única (e por isso mesmo imutável).
Segundo Piaget, a origem da inteligência situa-se nos quadros da
organização viva. No entanto, a inteligência chega a estruturas muito
mais refinadas, coerentes e poderosas, atingindo formas de equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, irrealizáveis pela adaptação
biológica. Esta consegue apenas equilíbrios aproximados, pois as
formas orgânicas são inseparáveis da matéria que organizam. A indissociabilidade de conteúdo e forma aí constatada, ainda persiste
nas primeiras organizações cognitivas, em função da continuidade
entre o biológico e o cognitivo. Os esquemas sensório-motores, perceptuais e mesmo os esquemas operatórios concretos são dependentes, em maior ou menor grau, dos conteúdos a serem estruturados. Mas a emergência das estruturas hipotético-dedutivas testemunha uma tal independência da forma em relação ao conteúdo
que não tem similar no âmbito das adaptações vitais. Os sistemas
cognitivos, ainda que se apliquem na maioria dos casos a conteúdos
externos, têm a possibilidade de ater-se a formas sem conteúdo, como
atestam as estruturas formais. É por isso que eles engendram um
meio infinitamente mais extenso, favorecendo as inferências relativas ao futuro, ao espaço longínquo e ao possível. Daí serem muito
mais móveis e privilegiados quanto às conservações e antecipações.
Estas duas grandes características da inteligência humana seguem
uma linha ascendente: partem do exercício dos reflexos, passam pela
representação, ganham maior relevo com a elaboração das operações concretas e atingem o ápice com a capacidade dedutiva, caracte-
Vale lembrar que a supremacia das formas cognitivas, sustentada
pela verificação de que elas são bem sucedidas para os casos em
que as formas biológicas se demonstam insuficientes, não nos autoriza a considerar tais formas como definitivas. As equilibrações cognitivas são provisórias, pois todo conhecimento, consistindo em soluções para determinados desafios, finda por apontar novos problemas. O caráter provisório dos conhecimentos está presente nas ciências que avançam por aproximações sucessivas e até nos domínios
lógico-matemáticos, cujos conhecimentos não tiveram sua validade
contestada, mas deram lugar a diferenciações em novas subestruturas ou à integração em estruturas de aplicação mais ampla. O mesmo acontece se pegarmos o veio das formações psicogenéticas, onde
a adaptação cognitiva, decorrente da assimilação X acomodação,
apresenta-se, desde os seus primórdios, como um ponto de partida
relativo, como suporte para as reequilibrações, isto é, para o restabelecimento de um equilíbrio não apenas como uma volta ao equilíbrio
anterior, mas como formação de um novo equilíbrio e, mais precisamente, de um melhor equilíbrio. Este equilíbrio de nível superior passa a funcionar, então, como um novo ponto de partida e assim sucessivamente, até o ponto em que a plena realização das virtualidades
individuais abre, para o sujeito, o campo de desenvolvimento atribuível aos fatores sociogenéticos que criam possibilidades de geração
para geração. Ao movimento de superação assim expresso Piaget
(1976, p. 35) chama de equilibração majorante e afirma:
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out./dez. 1990
rizada por conservações rigorosas e necessárias e pelo poder de eliminação, pré-correção ou evitação dos erros.
"Na verdade um sistema não constitui jamais um acabamento absoluto dos processos de equilibração; novos objetivos derivam sempre de um equilíbrio atingido, instável ou mesmo estável, permanecendo cada resultado,
mesmo se for mais ou menos durável, pleno de novas
aberturas. Seria, pois, assaz insuficiente conceber-se a
equilibração como uma simples marcha para o equilíbrio,
pois que ela é, além disso, constantemente uma estruturação orientada para um melhor equilíbrio, não permanecendo num estado definido nenhuma estrutura equilibrada, mesmo se ela conservar em seguida suas características especiais sem modificações. Convém, por isso,
referir-se, além das equilibrações simples, sempre limitadas e incompletas, às equilibrações majorantes no sentido destes melhoramentos..."
Para explicar o dinamismo da formação das estruturas mentais, Piaget amplia a teoria da equilibração, pesquisando o mecanismo que
é, de fato, responsável pelos progressos realizados pelo sujeito em
suas relações com o objeto: a abstração reflexiva.
A compreensão legítima do sentido da abstração reflexiva requer,
antes de mais nada, o esclarecimento do que a distingue do outro
grande tipo de abstração: a abstração empírica. Enquanto esta se
apóia nos observáveis ou nos objetos materiais, dizendo, pois, respeito aos conteúdos, aquela baseia-se nas coordenações do sujeito,
propiciando a construção endógena das formas (desde as mais elementares até as que são típicas das estruturas lógico-matemáticas)
e tornando possível a abstração refletida ou o pensamento reflexivo:
o pensamento capaz de refletir sobre si mesmo, momento de "metareflexâo", onde se opera por hipóteses e dedução. Segundo Piaget,
a partir deste momento, instala-se a "capacidade de isolar as razões
das coordenações até então utilizadas sem justificativa intrínseca".
E prossegue:
"essa procura da razão das coisas (razões lógicas para
as coordenações operatórias e razões causais quando são
atribuídas aos objetos) constitui, sem dúvida, a diferença
mais profunda que opõe a abstração reflexiva á abstração
empírica" (Piaget, 1977)
A abstração reflexiva é o exemplo claro da noção de construtivismo
em Piaget. Comporta graus e apresenta dois aspectos inseparáveis:
réfléchissement e reflexão. No réfléchissement projeta-se, sobre um
patamar superior, aquilo que foi retirado do inferior. A reflexão consiste
no ato mental de reconstrução e organização do que foi projetado.
0 jogo desses dois aspectos é contínuo e se realiza como em um
modelo em espiral (réfléchissement — reflexão — réfléchissement
— ...). Entretanto, nos níveis mais avançados, a reflexão ganha terreno com relação ao réfléchissement, ocasionando conquistas, do ponto de vista do sujeito, incomparavelmente mais fecundas.
A abstração reflexiva, ao comportar graus e incidir sobre todas as
ações do sujeito, inclusive as sensório-motoras, acarreta enriquecimentos progressivos. Isto faz com que a sua relação com a abstração
empírica seja marcada pela ausência de simetria e por uma superioridade inconteste. Em um primeiro nível, a abstração reflexiva dá
lugar à formação de esquemas assimiladores visando à abstração
empírica. Neste caso, têm origem formas ajustáveis a seus conteúdos
extra-lógicos. Quando a representação se instaura, a abstração reflexiva desempenha um papel bem mais relevante, dando origem a
funções e operações, não obstante sejam estas ainda assentadas sobre os objetos. No nível mais elevado, o pensamento liberta-se dos
suportes concretos e as abstrações refletidas assumem a primazia.
A evolução da abstração empírica tem outra configuração. Sua ação
está sempre subordinada à abstração reflexiva. Desde o estágio sensório-motor, como vimos, a abstração empírica necessita de esquemas assimiladores, o que significa falar do que é atribuição do sujeito.
Nos patamares mais desenvolvidos, a subordinação aumenta porque
os conteúdos que ela possibilita são incorporados pelas novas formas, cujo poder de organizar o mundo se torna cada vez maior e
mais coerente.
Considerações Finais
Completaremos a exposição, ressaltando as vantagens da utilização
dos fundamentos apresentados. Em primeiro lugar, eles nos fornecem o antídoto contra as variadas manifestações de positivismo e
de idealismo remanescentes, o que tem provocado agravos dirigidos
principalmente a Piaget. Tais agravos assumem a forma de um fogo
cruzado. Os idealistas acusam-no de positivista, por que ele não dispensa o apoio dos fatos, contrariando, portando, a reflexão especulativa. Os positivistas, por sua vez, taxam-no de idealista, porque ele
nega o postulado fundamental da corrente que defendem, ao provar
que o conhecimento não provém exclusivamente da experiência com
os objetos e que o sujeito do conhecimento notabiliza-se pela atividade estruturante através da qual atribui significação aos objetos.
Não resta dúvida que Piaget desqualifica a reflexão especulativa como mecanismo capaz de dar conta da explicação sobre o conhecimento; chega mesmo a confessar que o primeiro motivo de sua "desconversão" da filosofia advém da convicção, gerada por sua formação científica, que impõe como regra de conduta, para preservar a
honestidade intelectual, jamais elaborar problemas que não sejam
passíveis de verificação e controle por parte de outros pesquisadores.
(Piaget, 1969, cap. 1). No entanto, esta regra de conduta nada tem
de positivista, pois se Piaget se vale de dados empíricos, o faz para
mostrar que é insustentável a explicação que o Positivismo pretende
dar ao problema do conhecimento. As descobertas da Epistemologia
Genética apontam para outra solução, conforme já foi evidenciado
neste capítulo, mas a contra-argumentação de Piaget (1969, p. 24)
merece um registro especial:
mo. Entretanto, deixa-se de prestar atenção a um detalhe que é indispensável para proceder-se a tal crítica: a Epistemologia Genética nunca fez apelo ao sujeito transcendental, que ultrapassa o homem e
a natureza e que é detentor de uma verdade que prescinde das contingências espácio-temporais e físicas. Piaget (1973a, p. 409), ao contrário, refuta o sujeito transcendental, afirmando:
"O sentido de nossa tentativa é, pois, não procurar fugir
da natureza, porque ninguém escapa à natureza, mas
aprofundá-la passo a passo com o esforço das ciências,
porque, apesar dos filósofos, ela está ainda muito longe
de ter revelado seus segredos e porque, antes de situar
o absoluto nas nuvens, é talvez útil olhar o interior das
coisas. Se é assim, se a verdade é uma organização do
real, a questão preliminar é compreender como se forma
uma organização e esta é uma questão biológica. Em outros termos, consistindo o problema epistemológico em
saber como é possível a ciência, convém antes de recorrer
a uma organização transcendental, esgotar os recursos
da organização imanente."
"O positivismo... é uma certa forma de epistemologia que
ignora ou subestima a atividade do sujeito em proveito
unicamente da constatação ou da generalização das leis
constatadas; ora, tudo o que encontro mostra-me o papel
das atividades do sujeito e a necessidade racional da explicação causai. Sinto-me mais perto de Kant ou de
Brunschvicg que de Comte..."
Como se vê, Piaget afasta-se definitivamente do idealismo. Abraça
o construtivismo dialético, conforme expressão usada por ele próprio, e substitui o sujeito transcendental pelo sujeito epistêmico. Este
não é pré-formado, nem absoluto e sim construído a partir de uma
organização imanente — porque típica da espécie humana — ampliando-se através do trabalho da abstração reflexiva até atingir, após
um longo percurso, o caráter de sujeito universal. Neste ponto, equipara-se ao sujeito transcendental, pois torna-se portador das categorias da razão (ou função implicativa) e das categorias do real (ou
função explicativa), que lhe permitem decifrar o mundo. O sujeito
epistêmico, como sujeito universal e ideal, representa o conjunto de
possibilidades máximas de conhecer a que pôde chegar o ser humano, possibilidades estas que têm hoje seu apogeu no pensamento
hipotético-dedutivo.
Desta aproximação, anunciada pelo próprio Piaget, tem origem a
crítica de que sua produção teórica se inscreve no circuito do idealis-
Ora, se o sujeito epistêmico atinge o estatuto de um sujeito universal,
mas sem ultrapassar o homem e a natureza, quais são as suas deter-
Em A b e r t o . Brasília, ano 9, n. 48, out. dez. 1990
minações? Encontramos a resposta em diversos momentos da obra
de Piaget e podemos fornecê-la sem rodeios: as determinações são,
a um só tempo, biológicas e sociais e a síntese delas é de natureza
endógena. Aliás, esta resposta já poderia ter sido deduzida com base
na exposição sobre a epigênese das funções cognitivas, quando ficou
patente a superação tanto do biologismo, quanto do sociologismo.
No entanto, diante dos mal-entendidos insistentemente espalhados
sobre o papel que as variáveis sócio-históricas desempenham na
formação do sujeito do conhecimento, na perspectiva da Epistemologia Genética, julgamos oportuno prestar maiores esclarecimentos.
Não é preciso voltar à importância do substrato biológico para as
construções epigenéticas de natureza orgânica e de natureza cognitiva. Porém não é demais lembrar que, do ponto de vista biológico,
o sujeito é dotado de um conjunto de possíveis, sendo a realização
desses possíveis função da maturação do sistema nervoso e dos fatores de ordem social. Aliás, falar em conjunto de possíveis é já um
sinal de alerta, para que não submetamos as construções referidas
acima ao determinismo da hereditariedade ou da pré-formação, o
que significaria tomar partido do biologismo. Ao contrário, o papel
do biológico é relativizado, como já frisamos anteriormente, pois há,
na teoria em apreço, uma primazia das regulações construídas e fenotípicas, para as quais concorrem necessariamente as interações sociais. Piaget (1973a, p. 416), sintetiza a posição que defende em uma
afirmação magistral, o que recomenda a sua transcrição:
"... a sociedade é a unidade suprema e o indivíduo só
chega às suas invenções ou constatações intelectuais na
medida em que é sede de interações coletivas, cujo nível
e valor dependem naturalmente da sociedade em conjunto. O grande homem que parece lançar novas correntes
é apenas um ponto de interseção ou de síntese de idéias
elaboradas por cooperação contínua. Mesmo quando se
opõe à opinião reinante, corresponde às necessidades
subjacentes, que não têm origem nele. É por isso que
o meio social substitui efetivamente para a inteligência
o que eram as recombinações genéticas da população
inteira para a variação evolutiva ou para o ciclo transindividual dos instintos".
O trecho citado está saturado de sentido. Sua leitura desmente comentários abusivos, decorrentes, na certa, do desconhecimento ou
de uma visão parcial das elaborações que se concretizaram sob a
responsabilidade de Piaget. Sem sombra de dúvida, as relações entre
o indivíduo e a sociedade são relações de reciprocidade e muito conta
o momento histórico que se vive. Por isso, a dinâmica da psicogênese
é fortemente influenciada pelas condições culturais e educativas, que
podem torná-la mais acelerada ou mais lenta. Assim é que a lógica
das sociedades primitivas, por exemplo, não demonstra ter alcançado o nível das estruturas proposicionais, sendo legítimo supor que
os limites não se devem às montagens hereditárias e sim ao tipo
de organização social e cultural que não demanda esses modos de
estruturações mentais. Na mesma linha de análise, Piaget levanta,
também, a suposição de que as crianças da Grécia antiga deveriam
apresentar certo atraso em suas estruturas formais, se comparadas
com as crianças de nossa época, porque em sua reflexão lógica e
matemática os gregos tomaram consciência de apenas uma parte
destas estruturas. Em razão disso, prossegue a argumentação admitindo que o aparecimento das operações formais pode vir a ser antecipado e enriquecido, num futuro próximo, pela influência de transmissões educativas que acompanhem a aceleração progressiva do desenvolvimento sociogenético. Aqui, recorremos à Henri Lefebvre
que, definindo o relativismo dialético, é muito feliz ao colocar a soberania das possibilidades de um desenvolvimento sociogenético sobre
o desenvolvimento psicogenético. Sem fazer uso desta terminologia
e sem fazer referência à Epistemologia Genética, Lefebvre a esta se
alia do ponto de vista conceitual. Em outra ocasião 4 já nos servimos
dele e, agora, a ele voltamos, porque continuamos achando que a
sua síntese é da maior clareza, quando adianta:
"... o pensamento humano pretende possuir a soberania
sobre o mundo e o direito absoluto sobre a verdade 'infi-
4
Quando elaboramos o artigo Concepções de Aprendizagem e Práticas Pedagógicas
(Giusta, 1985)
nita'. O pensamento dos indivíduos não pode ter tais pretensões: é sempre finito, limitado, relativo. Mas essa contradição é resolvida pela sucessão das gerações humanas
e pela cooperação dos indivíduos nessa obra coletiva que
é a ciência" (Lefebvre, 1979, p. 100).
Pelo que foi comentado, concordamos com Piaget que é inteiramente
sem propósito perguntar se a lógica ou a matemática são, na essência, individuais ou sociais, pois:
"o sujeito epistêmico que as constrói é, ao mesmo tempo,
um indivíduo, mas descentrado com relação ao seu eu
particular, e um setor do grupo social, descentrado com
relação aos ídolos coercitivos da tribo; porque essas duas
espécies de descentrações manifestam as mesmas interações intelectuais ou coordenações gerais da ação que
constituem o conhecimento" (Piaget, 1973a, p. 407).
Podemos dizer, agora, que encontramos a primeira grande vantagem
de utilização dos fundamentos da Epistemologia Genética, para o
trabalho prático, na indissociabilidade do sujeito e do objeto quanto
às formações cognitivas. Estes dois pólos que aparecem, na visão
empirista e na visão racionalista, cindidos, demarcando com exclusividade os limites do conhecimento, passam a ter, na Epistemologia
Genética, o sentido de uma totalidade. Isto representa, para nós, uma
possibilidade de análise mais objetiva, uma vez que é impraticável
tratar a aprendizagem escolar, separando o que é a parte do sujeito
e o que é a parte do objeto; ou seja, tudo o que, em tese, provoca
desequilíbrio cognitivo e mobiliza o sujeito para a conquista de um
melhor equilíbrio.
A segunda vantagem decorre de um outro tipo de indissociabilidade:
a do indivíduo X sociedade. Apesar de a Epistemologia Genética terse dedicado à explicação do sujeito epistêmico enquanto um sujeito
ideal, universal, ao apropriarmo-nos dos seus fundamentos para o
estudo de problemas que envolvem sujeitos reais e particulares, somos obrigados a pesquisar as condições concretas da vida desses
sujeitos, a fim de que possamos chegar a resultados confiáveis. Desta
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out. dez. 1990
forma, não correremos o risco de pegar o indivíduo descontextualizado para depois procurarmos a ponte que o liga à sociedade. Esta
seria uma forma de conduta idealista — já que o indivíduo é o indivíduo de uma sociedade determinada — e ao mesmo tempo mecanicista, porque as ligações estabelecidas entre o indivíduo e a sociedade seriam consideradas externas e artificiais. As citações anteriores insistem nas relações dialéticas entre o indivíduo e a sociedade.
Através delas pode-se constatar a concepção de indivíduo como sintetizador das determinações histórico-sociais, o que contraria definitivamente a visão de indivíduo como distinto da sociedade e a ela
ligado por um vínculo apenas associativo.
Damos especial ênfase, ainda, à constatação, pelos estudos psicogenéticos, do caráter dinâmico das estruturas cognitivas. Esta constatação afasta-nos dos diagnósticos mecânicos, estáticos e patologizantes que tanto afetam os alunos que não conseguem atender aos
padrões intelectuais das instituições de ensino. Aqui é importante
desfazer o equívoco de que esta dimensão é abandonada quando
se afirma, com base em dados da realidade, que há defasagens entre
crianças de diferentes classes sociais quanto ao desenvolvimento
intelectual e quando se afirma, com Ramozzi-Chiarottino (1984, p.
74), que:
"as crianças que são incapazes de aprender, de conhecer
ou de atribuir significado devem, por hipótese, ter alguma
deficiência em alguns dos 'elementos' ou em algum dos
momentos que formam o processo cognitivo, o qual se
explica na construção endógena das estruturais mentais
em suas relações com a organização do real, a capacidade
de representação e a linguagem".
Mesmo que se verifique que o fenômeno da deficiência é mais freqüente em crianças das camadas populares, não significa que estas
crianças sejam condenadas ao destino inexorável da submissão intelectual e moral. Em nenhum instante encontramos na autora em apreço o sentido de deficiência como algo irreversível. Ao contrário, os
dados e as hipóteses contidos em seu trabalho despertam-nos para
a reflexão que permite separar o que é fruto do desejo do que é
constatação de fato, estimulando-nos a atacar o problema de forma
mais objetiva e, portanto, mais proveitosa.
Finalmente, ressaltamos a grande vantagem que nos permite descortinar novos horizontes: a Epistemologia Genética é uma epistemologia alerta e, por extensão, também o é a teoria psicogenética. Assim, é possível assimilar outras contribuições, contanto que não se
resvale para o terreno escorregadio do ecletismo. A análise das bases
epistemológicas das teorias usadas pode ser uma garantia para avaliar a complementaridade entre elas.
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Biologia e conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1973a.
A EPISTEMOLOGIA GENÉTICA E A EDUCAÇÃO: algumas
implicações
Maria Lucia Faria Moro*
Introdução
Examinar o tema das contribuições do trabalho do pesquisador suiço
Jean Piaget à Educação requer, necessariamente, que façamos, de
inicio e sobretudo em nosso País, uma afirmação bastante categórica: Jean Piaget não era pedagogo (aliás, nem psicólogo) e jamais
formulou alguma teoria pedagógica, muito menos qualquer espécie
de método educacional.
As poucas obras, em que Piaget trata de Educação, foram escritos
encomendados ou originários de seu papel como diretor do Bureau
International da Educação da UNESCO, durante a Segunda Guerra
Mundial.
Sendo assim, o que Piaget nos deixou enquanto cientista? Como
sabemos, a teoria que ele nos legou propõe-se a explicar a gênese
do conhecimento no ser humano, a partir de suas bases biológicas.
Trata-se, portanto, de uma teoria epistemológica, uma teoria sobre
as relações entre o sujeito e o objeto no processo de conhecer, formulada por um biólogo de formação e um epistemólogo por interesse,
como o próprio Piaget (1966) sugere. Com base em sua formação
cientifica em Biologia, ele utilizou o caminho da pesquisa psicológica
dos comportamentos cognitivos do indivíduo em sua evolução, para
* Doutora em Psicologia da Educação pela PUC SP Professora adjunta do Setor de
Educação da UFPR
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out. dez 1990
apoiar com dados empíricos de extrema riqueza e significado sua
proposição sobre: como surge o conhecer no ser humano? Como
o homem passa de uma forma de conhecimento para outra mais
adiantada? Enfim, de onde surgem e como se transformam as formas
de pensar humanas?
Em princípio, parece evidente que uma teoria que explique a gênese
do conhecer humano tenha repercussão na Educação. Sobretudo
quando esta teoria foi elaborada com base em observações, em dados que crianças e jovens revelaram quando interrogados sobre suas
concepções, suas explicações e argumentos a respeito de várias noções e categorias do pensamento.
Logo, por si só, a teoria do desenvolvimento cognitivo, embutida
na teoria epistemológica de Piaget, pode ser um profícuo quadro
básico de análise para os problemas pedagógicos.
Parece-nos que deva interessar à escola saber como crianças, adolescentes e adultos elaboram seu conhecer, dado que esta dimensão
interfere significativamente no aprender dos indivíduos; e o fenômeno central de preocupação e de realização da escola deve ser,
em princípio, a aprendizagem dos seus alunos.
Contudo, a teoria piagetiana também não é uma teoria da aprendizagem ou da aprendizagem escolar. Piaget nos deixou somente uma
concepção de aprendizagem. Esta concepção foi elaborada a partir
de dados de investigações por ele dirigidas nos anos 50, em resposta
a críticas behavioristas às suas propostas.
Eis então uma outra faceta embutida na obra de Piaget, significativa
para os educadores: sua concepção de aprendizagem, que, como
tal, deve ser e está sendo examinada para desenvolver-se como teoria
da aprendizagem propriamente dita.
É por isto que, abordando o tema de um Piaget na Educação ou
para a Educação, nós educadores devemos levar seriamente em conta os pontos seguintes:
— a natureza de sua teoria;
— a natureza particular do processo educativo, particularmente aquele sob a responsabilidade da escola, e que se particulariza na forma
típica pela qual a relação ensino/aprendizagem ali ocorre;
— a necessidade de que hipóteses formuladas no âmbito da Epistemologia e da Psicologia sejam verificadas quando traduzidas em
implicações para a ação pedagógica.
Queremos destacar, com essas duas últimas observações, a especificidade do processo educativo, do comportamento do indivíduo em
situação educativa, fenômeno que define a identidade da Psicologia
da Educação como campo de estudo com objeto próprio, e não encara o processo ensino-aprendizagem como simples campo de aplicação direta dos resultados da Psicologia.
Com esta introdução, mais ou menos longa, quisemos esclarecer
e insistir em algumas das peculiaridades, das complexidades e dos
problemas do que vem a ser "aplicar" a teoria piagetiana na Pedagogia, para que não incorramos em apreciações indevidas, ingênuas
ou mesmo levianas a respeito do tema. Mesmo porque foi muito
sob essas formas, ingênuas e levianas, que Piaget aportou e, com
freqüência, tem sido referido em discussões e abordagens pedagógicas em nosso Pa(s.
Algumas Contribuições da Teoria de Piaget
É com base nesses pontos que passamos a traçar algumas contribuições da teoria piagetiana à Educação, as quais agruparemos em
dois conjuntos: no primeiro, estão algumas implicações amplas da
Epistemologia Genética, vistas por nós como as mais relevantes para
apoiar a reflexão do educador e subsidiar a geração de problemas
de investigação psicopedagógica. No segundo conjunto, faremos
uma espécie de rápida retrospectiva dos principais temas que foram
objeto de pesquisas mais sistemáticas, no mundo, como um corpo
de resultados mais consistentes e organizado sobre as implicações
da Epistemologia Genética na Educação.
Entre as várias implicações do primeiro conjunto, temos a destacar
as seguintes:
1. A proposição construtiva/interacionista a respeito da origem do
conhecimento: quem constrói o conhecimento e as formas de conhecer é quem conhece — o sujeito —, em interação necessária e constante com o que é conhecível — o objeto. Neste processo, de natureza
essencialmente transformacional para estes dois pólos da relação,
o sujeito se faz enquanto sujeito, ao mesmo tempo em que constrói
o objeto.
Fundamental nesse processo é a ação do sujeito sobre o objeto —
a interação, pois "... conhecer um objeto é agir sobre ele. Conhecer
é modificar, transformar o objeto e entender o processo desta transformação, e em conseqüência, entender como o objeto é construído"
(Piaget, 1964).
Portanto, a criança, o adolescente/aluno são sujeitos em construção.
Cada aluno é um sujeito ativo de seu desenvolvimento cognitivo,
na dinâmica interativa com o objeto. E essa dinâmica está no interjogo de relações entre suas estruturas prévias com os aportes do
meio-ambiente. Para bem ilustrar este aspecto, Piaget (in Inhelder,
Garcia, Voneche, 1977 p. 16) evoca o biólogo Bejin em L'Unité de
l'Homme. "...o sistema cognitivo não seria o que o meio ambiente
faz dele: seria o que ele faz do que o meio ambiente faz dele...".
2. As formas resultantes desse processo — as estruturas da inteligência — são formas básicas de conhecer que surgem do processo
de construção do sujeito; e são progressivamente mais complexas
em sua transformação qualitativa: a anterior necessariamente gera
a que lhe segue e nesta se integra. Com base em resultados de pesquisa, Piaget coloca a hipótese de que as construções estruturais
são universais, surgindo em certa seqüência necessária, mas com
variação de idade cronológica. Em função dessas transformações estruturais da inteligência, o sujeito tem sua forma própria de elaborar
o conhecimento a cada fase da psicogênese.
Logo, em sua escolaridade, o educando tem, a cada momento, suas
típicas elaborações mentais, suas formas próprias de entender o
mundo. Assim, a criança conhece o mundo a seu modo; ela pensa,
e o faz de maneira peculiar a cada momento evolutivo. E isto, parecenos, os professores devem saber.
3. Os fatores do processo de construção do conhecimento: Piaget
aponta quatro conjuntos de fatores responsáveis pela ocorrência do
processo de construção cognitiva, cada um deles condição necessária e nenhum deles por si só condição suficiente. São eles: a) o
crescimento orgânico, especialmente o processo de maturação neurológica; b) o exercício e a experiência com o objeto; c) as transmissões e as interações sociais; d) e o processo de equilibração. As alterações de ritmo do desenvolvimento, de indivíduo para indivíduo
e de grupo para grupo, provêm da forma de atuação desses fatores,
cujos efeitos se integram, combinam-se, conforme a hipótese da interação.
No conjunto c) desses fatores, das transmissões e das interações
sociais, vamos encontrar a educação assistemática e a sistemática,
esta atendida pela instituição escolar em nossa sociedade. Temos,
portanto, no modelo explicativo piagetiano, o processo de transmissão sócio-cultural do conhecimento a cargo da escola, como uma
das condições necessárias à construção cognitiva. Assim, a forma
pela qual a escola concretiza esta condição é de extremo interesse
para a explicação da construção da inteligência dos indivíduos que
ali aportam. E, neste quadro, a ação do professor, o representante
da geração que oferece o conhecimento construído pela sociedade
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out. dez. 1990
humana à elaboração ou reelaboração de seus membros mais jovens,
está no eixo dessa transmissão social, em um contexto em que se
mesclam as sutilezas e complexidades já conhecidas das interações
sociais entre o adulto e os mais jovens, e entre pares.
4. 0 interrogatório clínico/crítico, o procedimento empregado por
Piaget para coletar dados para suas pesquisas, é uma situação especial de conversa, onde o experimentador faz a criança falar e deixa
a criança falar, para que ela possa expressar abertamente seus argumentos, suas explicações e concepções sobre as coisas.
O interrogatório clínico/crítico sugere uma forma de trabalho com
o aluno, em que o professor lhe favorece a livre expressão das suas
idéias sobre as coisas, ao mesmo tempo em que o provoca, com
novas questões, para revisão, reelaboração e verificação dessas mesmas idéias. Vemos que faz muita falta, em nossas salas de aula, o
'deixar-o-aluno-falar" e o "fazê-lo-falar", (em geral é só o professor
que fala e de um conhecimento já pronto). A prioridade deve ser
ali dada à construção do conhecimento do aluno e pelo aluno, e não
à do professor, pelo ou para o professor.
Apresentaremos agora algumas das principais contribuições de estudos agrupáveis no segundo conjunto citado. Os aspectos e temas
de utilização da teoria que exporemos baseiam-se em Coll (1987)
e em nossas próprias avaliações da literatura especializada, referente
sobretudo a trabalhos realizados a partir dos anos 60. Temos então
os itens seguintes:
1. A construção da inteligência ou da cognição como critério para
o estabelecimento dos objetivos educacionais. Por exemplo, o ensino
pré-escolar orientado para o desenvolvimento da inteligência pré-operatória, tendo em vista as operações concretas, a autonomia e a
reciprocidade nas relações humanas.
2. O emprego de provas operatórias para fins de diagnóstico e de
avaliação do aluno. Por exemplo, a conservação de quantidades numéricas como diagnóstico para o aprendizado inicial da Matemática.
3. A escolha das noções operatórias como conteúdos dos programas
escolares, com a conseqüente ênfase na escola, a aprendizagem operatória. Por exemplo, as conservações, as classes e as séries como
componentes privilegiados dos currículos da escola elementar.
4. A seleção e a ordenação dos conteúdos escolares, mediante o
exame analítico dos conteúdos curriculares tradicionais, sob o ponto
de vista de sua complexidade estrutural. Desta derivação, várias proposições curriculares completas surgiram, especialmente nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França. Por exemplo: a) na Matemática:
o trabalho de Dienes (1974), o currículo do School Mathematics Study
Group (Kilpatrick, 1964) e do Nuffield Mathematics Teaching Project,
de1967(Modgil, 1974); em Ciências: o Elementar Science Sud (Duckworth, 1964) e o Science Curriculum Improvement Study (Karplus,
1970); c) em História: Hallam (1969); d) em Ciências Sociais: Leppert
(1964); e) na pré-escola: Kamii e Radin (1970).
5. As pesquisas sobre a psicogênese de conteúdos propriamente
escolares, a partir da hipótese da especificidade desses conteúdos
e de seu significado no cotidiano do aprendiz. Por exemplo, temos:
os estudos de Vergnaud (1985) sobre as estruturas aditividas elementares e as estruturas multiplicativas; os de Kamii e Declark (1985)
também sobre noções aritméticas básicas; as pesquisas de Ferreiro
e Teberosky (1984) sobre o sistema de lecto/escrita; as de Furth (1980)
sobre as concepções das crianças a respeito de papéis sociais e de
relações de comércio; e as de Caraher, Carraher e Schliemann, sobre
noções da matemática do cotidiano (1980).
6. As pesquisas para a construção de uma teoria da aprendizagem
construtivista a partir da concepção piagetiana de aprendizagem, como intervenção intencional e específica para a construção de uma
noção, de um conceito (a aprendizagem como fenômeno inserido
no processo de desenvolvimento). Desses trabalhos derivam-se propostas de ensino ou de intervenção que têm em comum a concepção
de que o aluno é o sujeito de sua própria aprendizagem em interação
com o contexto sócio-cultural e escolar, e a de que a aprendizagem
na escola é um processo ativo de elaboração e de reelaboração do
conhecimento.
Vários autores têm colaborado para verificar essas possibilidades.
Citamos especialmente: Inhelder e colaboradores (1987), com os estudos sobre situações didáticas como situações-problema e sobre
as estratégias de solução de problemas; Deanna Kuhn (1979), que
identifica duas interpretações diferentes para a natureza da intervenção didática, ambas surgidas da influência piagetiana: a oferta de
um ambiente ótimo (estimulante e rico) para que os alunos tenham
"idéias" maravilhosas", como propõem Duckworth e Kamii; ou a
da intervenção como provocadora de um "desajuste ótimo", para
que o aluno se sinta estimulado, desafiado ou provocado a fazer
a sua elaboração. Furth e a própria Deanna Kuhn defendem este tipo
de proposição, linha na qual temos trabalhado (Moro, 1987).
7. As situações de interação social de crianças como situações favoráveis de aprendizagem mediante a ativação do fator sob o mesmo
nome. Esta é uma dimensão em parte originária das pesquisas da
linha da Psicologia Social genética, cujo objetivo é o de verificar o
aporte da interação social com o adulto e com pares na construção
da inteligência. Os resultados desses estudos sugerem a organização
de pequenos grupos de crianças na sala de aula como contexto extremamente favorável ao processo de aprendizagem construtivista.
À Guisa de Conclusão
Resta-nos acrescentar que, naturalmente, os resultados provenientes
desses trabalhos trouxeram avanços em resposta às preocupações
dos educadores. Mas, ao mesmo tempo, eles levantaram e levantam
inúmeras críticas e desdobramentos expressivos em termos de novos problemas a estudar, com o intuito de continuamente verificarmos a teoria que os embasa.
Enfim, podemos afirmar ser, hoje e ainda, significativamente rico
e amplo o terreno a explorar pelos estudiosos interessados no tema
das implicações de Piaget na Pedagogia.
Com os aspectos abordados neste texto, quisemos chamar a atenção
para o fato de que há ainda muito a realizar a respeito.
FURTH, H. G. The world of grown - ups: children's conceptions of
Society. New York: Elsevier, 1980.
Particularmente na educação brasileira, esse terreno continua sendo
muito fértil. Mesmo porque, do que tem sido nossa experiência enquanto educador e pesquisador, e com base no que analisamos neste
trabalho, nosso ponto de vista é que, com exceções honrosas, Piaget
nunca foi de fato utilizado em nossas escolas.
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Assim sendo, soam-nos estranhos os argumentos sobre a superação
total da utilização da teoria piagetiana na pedagogia nacional. Parecenos impróprio sustentar a inadequação de uma contribuição quando
ela nem sequer foi ainda razoavelmente examinada e utilizada.
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A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOLOGIA NA EDUCAÇÃO
Esther Pillar Grossi*
Introdução
Iniciemos situando Educação como o âmbito amplo que abarcaria,
numa representação espacial, em círculos concêntricos, a Pedagogia
e a Didática, como no esquema que segue.
Aprender pode ser definido como a forma construída pelo bicho-homem de enfrentamento da realidade que o circunda e que lhe permite
sobreviver ou, mais ainda, que lhe permite transformar o seu entorno
com vistas a sua felicidade. Em face da complexidade e da amplitude
dos fenômenos que regem os atos de aprender, a sua abordagem
é intrinsecamente interdisciplinar. Assim, educação se faz obrigatoriamente a partir dos múltiplos enfoques, muito particularmente com
a ótica e o concurso da área PSI em seus variados ramos. Vamos
considerar aqui, desta área, de maneira mais próxima, a Psicologia
Cognitiva e a Psicanálise na perspectiva integradora entre ambas,
que explicitou Sata Pain em A Função da Ignorância.
No esquema acima, a passagem do exterior ao interior está associada
a um movimento cada vez mais especializado, do informal ao formal.
Assim, Educação na região exterior à Pedagogia, compreenderia as
responsabilidades e as atuações da sociedade como um todo em
suas ações (não propriamente intencionais) provocadoras de aprendizagens. Tratar-se-ia da atmosfera que se gera, pelo tipo de organização social e material dos agrupamentos humanos.
À Educação competem todos os detalhes, em toda a amplitude das
situações que produzem ou provocam aprendizagem.
Consideramos Educação como o campo característico da categoria
dos humanos, porque a definimos como a esfera das aprendizagens.
Ela é característica do humano, uma vez que o homem tem como
sua marca definidora o fato de ser um ser de cultura, por conseguinte,
um ser que aprende.
* Doutora em Psicologia Cognitiva pela Universidade de Paris. Secretária Municipal
de Educação de Porto Alegre. Coordenadora de Pesquisas do GEEMPA
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out./dez. 1990
Na Pedagogia, restringe-se a amplitude para reforçar a profundidade
da abordagem dos fenômenos do aprender.
Para explicar a Pedagogia, é útil passar-se à definição da Didática,
uma vez que aquela abarca esta.
A Didática é a parte da Pedagogia que se ocupa das aprendizagens
complexas que requerem sistematização e organização. A Pedagogia
pode ser entendida como o contexto que possibilita a Didática. Ela
se ocupa do ambiente que possibilita as aprendizagens mais pontuais
e específicas dos campos científicos, que configuram as disciplinas
escolares. A Didática é a ciência que dá conta de fazer com que alguém, não tendo um certo conhecimento, passe a tê-lo; isto é, ela
se ocupa da construção dos conhecimentos, na perspectiva construtivista. Porém o que são conhecimentos? Quais suas características
definidoras? Quais suas relações com o saber? O que saber e conhecimento têm em comum e em que divergem? Há entre eles precedência
ou complementaridade? Estas e outras perguntas serão abordadas,
a seguir, através da conceituação e classificação de quatro produtos
da aprendizagem.
Produtos de Aprendizagem
Dentre os múltiplos ângulos em que a aprendizagem pode ser analisada, merece importância a caracterização dos tipos de produtos que
dela derivam. Propomos o esquema que segue, como síntese de uma
abordagem destes produtos.
Não sistematizada
Sistematizada
Não transformadora
Chute
Conhecimento
Transformadora
Saber
Práxis
Consideramos nestes produtos de aprendizagem dois atributos principais: a sua sistematização e a sua capacidade de transformação.
A combinatória da presença ou da ausência desses dois atributos
caracteriza os quatro espaços deste esquema, isto é, o chute, o saber,
o conhecimento e a práxis.
Denominamos chute um produto da aprendizagem não sistematizado e não transformador. Chute pode ser tomado como algo aproximado a improviso. Como define o dicionário Aurélio, improviso é
um produto intelectual inspirado na própria ocasião e feito de repente, sem preparo. Observemos que estamos nos atendo à definição
de improviso, enquanto produto intelectual sem preparo, que é o
chute. Não consideramos, neste contexto, a validade da intuição ou
da espontaneidade, que também podem estar embutidas no sentido
comumente dado à palavra improviso. Chute, portanto, tem aqui a
conotação de algo aprendido muito superficialmente, localizado, sem
nenhuma generalização.
Chamamos de saber o produto de aprendizagem não sistematizado,
mas transformador. Um produto de aprendizagem é transformador
na medida em que acrescenta ser a quem aprende, modificando-lhe
em algo a maneira de viver. Uma aprendizagem não é sistematizada
quando ela é apenas descritiva de etapas de soluções de um problema, sem entrar na análise desta solução. 0 saber implica num valor
capaz de mobilizar energias de quem aprende, a ponto de levá-lo
a novas formas de vida.
Chamamos de conhecimento um produto de aprendizagem sistematizado, mas não transformador. Uma aprendizagem não é transformadora, quando ela somente instrumentaliza teoricamente de forma
desvinculada da prática. Um produto de aprendizagem não é transformador quando apenas ilusta, sem mover o aprendiz a incorporar
nova postura existencial ou nova capacitação prática. Um produto
de aprendizagem é sistematizado, quando ele chega à explicação
das causas dos problemas enfrentados; e isto de forma organizada.
Esta organização pode ser explicitada em livros ou similares, por
escrito.
O saber transforma, mas não é sistematizado. O conhecimento é sistematizado, mas não é transformador. O saber é pessoal; e o conhecimento é social ou socializável, na medida em que pode ser ou é
sistematizado. 0 saber é mais ligado à ação, enquanto o conhecimento é mais ligado à reflexão e à linguagem. 0 saber tem mais
a ver com percepções e movimentos, enquanto o conhecimento tem
mais a ver com as palavras.
A interpenetração entre saber e conhecimento é o produto da aprendizagem que realmente interessa ao ser humano, ou seja, um produto
de aprendizagem que é sistematizado e transformador, ao qual damos o nome de práxis.
A práxis pode ser definida como a continua conversão do conhecimento em ação transformadora e da ação transformadora em conhecimento.
Fundamentos da Caracterização dos Produtos de Aprendizagem
Tentemos analisar a que causas estes produtos de aprendizagem
correspondem.
Encontramos em Wallon, sobretudo no seu livro Do Ato ao Pensamento, elementos interessantes para fundamentar o que até agora
foi abordado. Já na introdução, Wallon pergunta: "Entre o ato e o
pensamento, quais são as relações? Qual dos dois tem prioridade
sobre o outro? 'No começo era o Verbo' (ou o pensamento se manifestando), diziam os discípulos místicos de Platão. 'No começo era
a Ação', retruca Goethe". Eis a( um debate que divide ainda os filósofos, e mesmo os sábios, e dá um primeiro exemplo das oposições,
das antinomias, dos antagonismos, que surgem entre o saber e o
conhecimento. A proposta de Wallon é de que abracemos as contradições no lugar de evitá-las; é o que tentaremos.
Parece que o saber tem muito a ver com o que Wallon chama de
Psicologia das situações, porque justamente nela Wallon se ocupa
dos efeitos que uma situação sucita, a partir do que ele denomina
de inteligência prática.
Segundo ele, esta inteligência busca a solução apropriada a cada
situação sem formulação explicita, opondo-se neste sentido à inteligência verbal, discursiva, refletida. Wallon diz que, outrora, somente
à inteligência discursiva era imputado todo ato suposto inteligente.
Nos últimos anos (por volta de 1945) se desenvolveu muito o estudo
da inteligência prática e da maneira autônoma do pensamento. Mais
tarde ele refere que "é ainda uma oposição que domina o estudo
camparado da inteligência por onde se enriquece a ação imediata
em presença de situações concretas e da inteligência que se expressa,
se fixa, se transmite, sob forma de pensamento".
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out. dez. 1990
Está na hora de considerá-las ambas e, mais do que isso, pensá-las
em interação, como imaginamos que se dê na práxis.
Analisemos, então, algumas características da inteligência prática
que produziria saber e do pensamento que produziria conhecimento,
lendo mais algumas palavras de Wallon, em Les Origines de Ia Pensée
chez l'Enfant:
"Na inteligência prática, o sujeito se funde com o real
para realizar estruturas que organizam seus dados segundo fins úteis.
O pensamento dá ao sujeito uma duplicação do real por
meio do plano da representação. Em vez de ordenar entre
si os elementos concretos de uma situação, o pensamento opera sobre símbolos ou com a ajuda de símbolos.
O pensamento impõe às coisas o fracionamento das imagens e dos signos que são necessários para sua análise.
Ele usa palavras, discursos. Ele transforma-se numa espécie de conversação, seja explicita, seja implícita.
Porém, a inteligência prática não é a impregnação do espírito pelas coisas, como pensa a crença vulgar. Esta advoga que nossa percepção e nossas representações mentais
se limitam a repetir as coisas tais quais elas são. O que
nós conhecemos das coisas não pode consistir nas sensações variáveis que elas nos proporcionam. É impossível
experimentar algo senão no interior de certos quadros,
que são as condições indispensáveis de toda percepção:
o espaço e o tempo."
A inteligência prática possui, portanto, um grau significativo de organização mental; porém é de natureza diferente da organização a nível
de pensamento, sobretudo porque este se funda na função simbólica.
Por outro lado, em Piaget encontramos também elementos para fundamentar as noções aqui expressas sobre saber e conhecimento.
Referimo-nos precipuamente às suas pesquisas sobre as abstrações
empírica e reflexionante.
Piaget define "abstração empírica como aquela que diz respeito aos
objetos físicos ou sobre os aspectos materiais de ação própria, tais
como movimento, manipulações, etc...".
Piaget prossegue: "Notamos imediatamente que mesmo em suas
formas mais elementares esse tipo de abstração não saberia constituir-se em 'puras' leituras, porque, para abstrair de um objeto qualquer, propriedades como seu peso ou sua cor, é preciso já utilisar
instrumentos de assimilação (estabelecimento de relações, certas
significações, etc.) relevantes de esquemas sensório-motores ou conceptuais, não fornecidos por este objeto, mas constituídos anteriormente pelo sujeito".
A abstração reflexionante, ao contrário, diz respeito à coordenação
de ações interiorizadas pelo sujeito, que ele analisa sob a forma de
linguagem.
Vê-se, pois, que a abstração empírica se acerca da noção de saber
e a abstração reflexiomante, da noção de conhecimento.
Desde 1979, trabalhamos no Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação — GEEMPA com uma equipe interdisciplinar, composta por antropólogos, sociólogos, psicanalistas e diversos outros especialistas, construindo, junto com os professores
em sala de aula, uma conceituação pedagógica nova e atualizada.
Esta foi sempre uma das características do trabalho do GEEMPA —
vincular a pesquisa diretamente com a sala de aula — porque não
basta procurar receitas para serem nela executadas, mas é preciso
ir a fundo na questão das bases teóricas que sustentam a prática
didática.
Do ponto de vista das bases teóricas sobre aprendizagem, sabemos
que, desde Aristóteles, há 2.400 anos atrás, não fugimos do girar
em torno do preformismo e do empirismo, ou seja, das idéias de
que tudo já está dentro da cabeça da gente e basta amadurecer para
que se adquiram conhecimentos, ou então, que tudo vem de fora.
O empirismo prevê a experiência e Aristóteles — embora tenha contrariado Platão, dizendo que não existe a caverna do preformismo
e que tudo que está na inteligência passou pelos sentidos, anunciando o princípio do empirismo — manteve aspectos do preformismo, na medida em que sustentou que tudo está em potência no ser
humano e que, para se atualizar, é preciso passar pelos sentidos.
Nos estudos de Hana Aebli (alemão que trabalhou com Piaget e que
escreveu o livro A Didática Psicológica), ele mostra como estamos
arraigados ao preformismo e ao empirismo, sobretudo quando pensamos o ensino. Referindo-se à didática da escola ativa. Hana Aebli
diz, a respeito de Lay, de Deway, de Cleparéde e de Kerschenstein:
"Nenhuma dessas didátics pode satisfazer-nos completamente". O
motivo desta insatisfação é que cada uma repousa em certas opiniões
psicológicas tributárias das teorias sensualistas-empiristas, do associacionismo ao qual não podemos aderir. Fica portanto clara a nossa
tarefa subseqüente: teremos de procurar uma Psicologia que evita
estas dificuldades para tirar dela, depois, as aplicações didáticas.
Por outro lado, o construtivismo de Piaget tem algumas limitações;
uma delas é não contemplar os aspectos afetivos. Piaget estudou
o sujeito epistêmico e não o sujeito epistêmico desejante. Justamente
faltando o aspecto do desejo, falta algo fundamental. Algumas pessoas dizem que Piaget inclui o desejo em suas teorias, porque ele
disse que o prazer é a energia da ação. Mas, entre dezenas de livros,
ter uma frase onde ele se preocupa com o aspecto afetivo, não significa a sua real inclusão nos seus estudos. Isto não quer dizer que
o trabalho dele não tenha valor. Tem valor e muito, desde que continuemos avançando e vinculando-o com os aspectos faltantes.
Um outro elemento que não é colocado normalmente nos estudos
de Piaget e que veio através dos estudos da psicomotricidade, é o
organismo. Aprensentaremos adiante nossa tentativa de uma nova
síntese explicativa da aprendizagem, sem a qual não podemos construir nenhuma proposta de ensino; pois, atrás de toda prática pedagógica, como diz Paulo Freire, há uma teoria. Porém, muitas vezes,
esta teoria não é explicitada e não nos damos conta de que estamos
marcados por teorias superadas. Se não analisarmos frontalmente
as insuficiências dessas teorias, a nossa prática também vai ficar truncada. A psicomotricidade teve o mérito de mostrar que o organismo
tem que entrar nas atividades de ensino e colaborou para que se
fizesse a distinção entre corpo e organismo.
Demos o nome de organismo ao conjunto de órgãos que nos constituem, à nossa bagagem genética, ao que nos faz fisicamente distintos
dos demais. O organismo é a instância onde memorizamos o que
aprendemos, onde criamos automatismos. Por que escrevemos rapidamente? Porque criamos esquemas automáticos que nos permitem
fazer isto; e isto está no organismo.
Mas, qual é a diferença entre o organismo e o corpo? Uma mão
é organismo enquanto estiver simplesmente sendo vista como um
pedaço de alguém. No momento em que fizer um gesto de adeus
ou um gesto de OK, já não é mais organismo; trata-se de uma manifestação do corpo. O corpo é a forma como o organismo atua. Pode-se
comparar o organismo a uma tela e o corpo, à imagem que a inteligência e o desejo projetam sobre essa tela.
O esquema do sujeito que aprende compreende, portanto, inteligência, desejo, corpo e organismo. Mas ele precisa ser enriquecido com
a dimensão social desse sujeito que aprende. Só se aprende em contato com um outro; não aprendemos sozinhos, porque todo desejo
é desejo do outro e todo conhecimento é conhecimento do outro.
Sara Pain afirma que só aprendo quando alguém primeiro me olha,
reconhece-me como sujeito desejante e depois se volta para o conhecimento. Quando o professor dirigir o seu olhar para o conhecimento,
o olhar de quem vai aprender também se volta para lá. O primeiro
passo para que alguém aprenda é que ele seja reconhecido por um
outro, do ponto de vista da identidade pessoal e da possibilidade
de interação cognitiva. Esses dois, quem aprende e quem ensina,
visam a explicar a realidade, explicar para transformá-la. Mas a realidade não é atingida diretamente pelo aluno com o professor. Entre
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out./dez. 1990
eles, há sistemas de valores, uma cultura, uma rede de significados.
O professor e o aluno só vão abordar da realidade aquilo que é considerado como valor; esse sistema de valores é que determina a ciência. Portanto, estudaremos e explicaremos aspectos da realidade perpassada pelo mundo da cultura. Além disso, o trânsito entre o sujeito
epistêmico desejante e a realidade se faz através da linguagem. A
linguagem é o veículo da aprendizagem. A linguagem, tanto das palavras, quanto a linguagem de percepção e a linguagem dos movimentos.
Isso que se acabou de expor pode ser representando no esquema
que segue:
INSTÂNCIAS DA APRENDIZAGEM
À Guisa de Conclusão
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1990.
Vê-se facilmente através do exposto que as ciências da Educação
são tributárias de vários campos do conhecimento, mas muito particularmente da área ampla do que se entende por Psicologia. A "reconceituação" pedagógica que está sendo feita hoje decorre de descobertas de vários ramos científicos; e terá tanto maior vigor e fecundidade quanto mais souber se abeberar inteligentemente das riquezas de todos eles.
PAIN, Sara. A função da ignorância. Porto Alegre: Artes Médicas,
1985.
Referências bibliográficas
PIAGET, Jean. Le langage et Ia pensée chez l'enfant. Paris: Delachaux
et Niestlé, 1984.
GROSSI, Esther. Didática da alfabetização. São Paulo: Paz e Terra,
1989.
BACHEIRARD, Gaston. La formation de l'esprit scientifique. Paris:
J. Vrin, 1977.
INTERACIONISMO SIMBÓLICO: uma perspectiva
psicossociológica
Iris Barbosa Goulart
Maria das Graças de Castro Bregunci*
Introdução
Na configuração histórica do campo da Psicologia, uma matriz teórica
destaca-se por seus pressupostos e implicações: o interacionismo
simbólico.
Estruturado a partir das primeiras décadas deste século, este referencial centra seus estudos nos contínuos processos de interação e nos
significados compartilhados ou simbólicos. Tais processos, tomados
como origem social do "eu humano" (self) e do ato humano, relacionam-se estreitamente à interiorização de valores e atitudes.
Integrando matrizes filosóficas e sociológicas, o interacionismo simbólico foi vigorosamente assumido pela Psicologia Social; talvez porque represente "a mais sociológica das psicologias sociais" como
analisam Manis e Meltzer (1986, p. 496).
Ao fazer uma resenha das orientações teóricas que convergem para
o interacionismo simbólico, Kuhn (1968) identifica algumas vertentes
básicas: a teoria de papéis e a teoria dos grupos de referência, com
marcada influência da Sociologia; as teorias de percepção social,
pessoal e do "self, ligadas à Sociologia e à Psicologia; e a teoria
interpessoal da Psiquiatria e da escola dramatúrgica.
Neste espectro, deve-se creditar a constituição original deste referencial a John Dewey e George Herbert Mead. Muitos autores têm incorporado suas contribuições — em Sociologia, salientam-se Charles
Cooley, E. Burgess, Willian Thomas, Francis Merril, Kingsley Davis
e E. Faris; em Psicologia Social, destacam-se M. Sherif, Newcomb,
Walter Coutu e Hubert Bonner. Modernamente, salientam-se os sociólogos Erving Goffman e Peter Berger.
O eixo de tais tendências é, efetivamente, o social. Como afirmam
Doise e Mugny (1981 e 1982), "o princípio do social levado a sério",
traduzido em teoria e pesquisa e não apenas anunciado como declaração de intenção. Estes autores incluem a figura de Mead, ao lado
de Piaget e Vygotsky, em sua consolidação das mais consistentes
abordagens psicossociológicas ou interacionistas, voltadas para a
elucidação da construção social da inteligência e das demais funções
psicológicas superiores, no contínuo movimento do interpsicológico
ao intrapsicológico.
Tal origem evidencia a impossibilidade de aprisionamento deste referencial ao exclusivo território da Psicologia — dal o fascínio exercido
por suas ricas interfaces sobre estudiosos de relações sociais, de
instituições, de grupos, de comportamentos típicos e atípicos, nos
mais diversos contextos e, em especial, em Educação.
Essa dimensão social perpassa a análise de fenômenos micro-socialógicos tais como relações interpessoais, processo de interação em
instituições concretas e de socialização em diversos grupos, rituais,
cerimônias e representações de papéis.
* Professoras de Psicologia da Educação da Faculdade de Educação UFMG
A ênfase indicada não constitui uma distinção trivial. Se considerarmos que coexistem as mais diversas correntes psicológicas, muitas delas aistóricas, pré-formistas ou deterministas, é valiosa tal con-
Em A b e r t o , Brasília, ano 9, n. 48, out./dez. 1990
cepção teórica fundada no conceito de ato social. Contrastando com
posições empiristas que apenas tomam a dimensão social como uma
forma de influência externa sobre o indivíduo, o interacionismo simbólico concebe a conduta humana como plenamente social. Assim,
torna-se falaciosa qualquer separação entre o individual e o social
— aspectos coletivos e distributivos de um mesmo fenômeno. As
dinâmicas individuais e as sociais se articulam continuamente, uma
vez que o indivíduo é também uma ativa e criativa fonte de comportamento.
É nesse sentido que o interacionismo simbólico propicia não apenas
um arcabouço conceituai ou teórico, mas também uma orientação
metodológica para a análise de situações, onde o sujeito humano
concreto vive e percebe papéis sociais.
Abordaremos esta perspectiva teórico-metodológica a partir das contribuições de seus principais expoentes — Mead, Goffman e Berger
— e de suas derivações para a pesquisa em Psicologia Social e em
Educação.
A Perspectiva Interacionista Simbólica através de seus Expoentes
George Mead
George Herbert Mead pode ser considerado a figura central do interacionismo simbólico, que ganhou, a partir dele, um respeitável estatuto de cientificidade. No terreno filosófico, era um pragmatista e
no científico, um psicólogo social. A tarefa da Filosofia Pragmatista
consistia em "reinterpretar os conceitos de psique (espírito, mente)
e inteligência em termos biológicos, psicológicos e sociológicos e
reconsiderar os problemas e a tarefa da Filosofia a partir deste novo
ponto de vista" (Morris, 1982, p. 24). Mead abraçou este modelo filosófico, evitando os dualismos entre espírito e matéria, experiência
e natureza, Filosofia e Ciência, teoria e prática. Sua teoria sobre inteligência e psique (mente) constitui a base de toda a estrutura de seu
trabalho.
Mead e Dewey conviveram na Universidade de Chicago e suas obras
se complementam em muitos aspectos, não apresentando, enquanto
pragmatistas, oposições significativas.
Como psicólogo social, Mead associou os termos psicologia e social
de uma forma bastante inovadora. Tradicionalmente se identificava
a Psicologia com o estudo da pessoa ou da psique individual. Analisando como a psique se torna desenvolvida, reflexiva, criadora, responsável, consciente de si, Mead apontou a influência de um fator
desprezado pelas escolas psicológicas: a sociedade. Deste modo, ele
se apresenta como um condutista social, posição que é muito influenciada pela sua presença na Universidade de Chicago, num momento
em que o ambiente psicológico, intensamente carregado, precipitou-se em formas funcionais e condutistas.
A importância dada ao social parece estar associada à influência dos
alemães, que iam se ocupando gradualmente dos aspectos sociais
da linguagem, da mitologia, da religião. Tendo estudado na Alemanha, mas não propriamente com Wundt, Mead recebeu a influência
deste, passando a relevar o contexto social em que o gesto funciona,
em lugar de isolar o conceito de gesto, encontrando nele o rasto
do desenvolvimento de uma verdadeira comunicação de linguagem,
suporte da psique e do self como emergentes sociais.
Durante os três anos em que lecionou na Universidade de Michigan,
Mead conviveu com Cooley, que ali iniciava sua carreira sociológica,
e sedimentou, com o amigo, sua visão do social.
A oposição entre indivíduo e sociedade e a decorrente radicalização
do psicologismo e sociologismo é superada por Mead e as duas ciências — Psicologia e Sociologia — apresentam-se unidas sobre uma
base social no corpo de sua teoria.
A contribuição específica de Mead, que perpassa o trabalho de todos
os autores que nele se inspiram, pode ser sumarizada nos seguintes
pontos:
A historicidade do indivíduo como autoconsciência, ou seja, a anterioridade histórica da sociedade sobre a pessoa individual. A Antropologia já havia se referido à essência histórica das formas de vida,
dos sentimentos e dos costumes; e a Sociologia do Conhecimento
já havia afirmado a gênese sociocultural das categorias de pensamento; mas o caráter histórico do sentimento de si, como algo independente do mundo dos objetos e das pessoas, só foi afirmado por
Mead. 0 ponto de partida de sua teoria é, pois, que o indivíduo só
se constitui em pessoa auto-consciente sobre a base de sua pertinência a uma dada sociedade, que preexiste em relação a ele.
A hipótese do desenvolvimento do indivíduo autoconsciente a partir
de uma matriz de relações sociais. O self e a psique, mesmo que
tenham uma base biológica, são socialmente emergentes, ou seja,
eles se desenvolvem graças a um processo social — a interação social. Neste processo, desempenha papel relevante a adoção de papéis
e a internalização sóciocultural. Desde seu nascimento, cada criança
se acha em um grupo com especificações histórico-sociais concretas:
uma época, um lugar, uma classe social; e os papéis que ela introjeta
e assume no processo de formação da sua individualidade são aqueles que o ambiente lhe oferece.
O papel da linguagem na transformação do indivíduo biológico em
organismo ou pessoa dotada de psique e self. Esta transformação
se deve "à intervenção da linguagem que, por sua vez, pressupõe
a existência de uma certa sociedade e de certas capacidades fisiológicas dos organismos individuais" (Mead, 1982, p. 33).
A sociedade é composta de indivíduos biológicos que participam
de atos sociais e que empregam gestos, desde as primeiras etapas
de seu desenvolvimento, em sua comunicação; os gestos são símbolos, pois indicam, significam e provocam ações adequadas às etapas
ulteriores do ato. Pode-se dizer também que os gestos têm significados que não são subjetivos, nem privados, mas que estão presentes na situação social; logo, os membros de um grupo sabem o que
significa um gesto usado entre eles.
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out./dez. 1990
Em sentido condutista, o indivíduo biológico deve poder despertar
em si a reação que seu gesto provoca no outro e usar esta reação
do outro para controle de sua conduta posterior. Tais gestos são
símbolos significantes. Graças a eles, o indivíduo "adota o papel do
outro" para regular sua conduta. Quando o indivíduo "tem consciência" do efeito de um gesto sobre os outros e sobre si mesmo, pode-se
dizer que ele usa símbolos e não apenas reage a signos; ele adquiriu,
neste momento, uma psique.
A mesma mediação da linguagem é responsável pelo aparecimento
do self. Na verdade, a conciência de si, a psique, o self e o símbolo
significante acontecem juntos. Graças à vida em sociedade, o animal
impulsivo se transforma num animal racional, num homem; mediante o processo social de comunicação, o indivíduo adquire o pensamento reflexivo (torna-se capaz de avaliar as conseqüências de linhas
de ação alternativas) e a capacidade de fazer de si mesmo um objeto
para si, vivendo num mundo moral e intelectual comum.
O conceito de self desenvolvido por Mead aponta para uma construção social. O self é essencialmente um processo social, compondo-se
de duas fases distinguíveis: o eu e o mim. O eu é a parte comportamental do self e consiste na reação do organismo às atitudes dos
outros; o mim é a série de atitudes organizadas dos outros que cada
pessoa adota, como self que tem consciência. Logo, o homem precisa
introjetar o outro, o social, para desenvolver o self. Mas uma pessoa
dotada de self é reflexiva, crítica e pode envolver-se em interações
que resultam em escolhas que divergem das definições de seu grupo.
Neste sentido, ela é capaz de fazer transformações sociais. 0 conceito
de self adotado por Mead esclarece, portanto, como o desenvolvimento ou a socialização do homem ao mesmo tempo o vincula à
sociedade e o libera desta.
O conceito de ato sugere uma incorporação dos acontecimentos da
realidade social. Para Mead, a unidade de estudo é o ato, que envolve
aspectos manifestos e não-manifestos da atividade humana. Todas
as categorias da Psicologia tradicional — emoção, percepção, atenção e outros — enquadram-se no ato. Ele admite que os atos não
são respostas mecânicas a estímulos do meio; o indivíduo envolve-se
em um processo de construção, organizando seu comportamento.
Esta posição teórica releva tanto a importância das predisposições
adquiridas (motivações, valores, interesses, etc.) quanto a do contexto social em que o ato se efetiva. Ela demonstra a significação
dos valores do grupo, no qual ocorrem as percepções e outros atos,
e coloca o que é percebido no contexto das atividades das pessoas.
A partir deste conceito de ato, pode-se compreender como, no processo de interação, os grupos humanos desenvolvem uma linguagem comum, uma compreensão comum das coisas e expectativas
também comuns.
Erving Goffman
A abordagem de Goffman, essencialmente dramatúrgica, se sustenta
em uma densa teoria de papéis, seja privilegiando a dimensão do
self no desempenho social do indiv(duo-ator (Goffman, 1975), seja
desvendando a "carreira moral" dos sujeitos que ingressam em instituições fechadas ou "totais" (Goffman, 1961).
A interpretação interacionista de Goffman destaca a força das situações sociais na origem e na manutenção de desempenhos e considera o self no seu aspecto de sujeito ativo — o indivíduo vê seu
próprio comportamento, mas também o dirige e o guia, modelando
as imagens de si que são acessíveis aos outros.
Um dos pilares desta abordagem é o papel atribuído às primeiras
impressões na vida cotidiana ou à definição da situação. Este momento da situação interativa traduz a definição de pautas de percepção e de conduta — as expressões de um participante se transfiguram
em impressões nos demais co-participantes, delimitando aspectos
da situação de interação. Assim, o primeiro passo consiste em definir
para si o status e o papel do outro e, a partir daí, definir, para si
mesmo, seu próprio papel no acontecimento.
As primeiras impressões oferecem elevado potencial de inferências
e projeções com grande força moral, base da atividade de representação e da dimensão dramática das máscaras institucionais:
"O indivíduo solicita aos outros que tomem a sério a impressão promovida; que acreditem que ele tem, na verdade, os atributos que aparenta possuir; e que, portanto,
sua ação terá as conseqüências que ele implicitamente
pretende — que, enfim, tudo é como parece ser." (Goffman, 1975, p. 25).
Duas amplas dimensões expressivas são destacadas por Goffman
neste campo de representações: a elaboração cênica e a realização
dramática.
Na primeira delas, destaca-se a fachada, desempenho expressivo
que, intencionalmente ou não, é utilizado nas definições de situações.
Ela abrange figura (o próprio ator) e fundo (o cenário amplo) e é
a vertente formal da representação. Tal região se complementa com
os bastidores — local informal de preparação da representação —
e com o lado de fora, reduto dos "outros" ou dos estranhos.
A realização dramática, por sua vez, consiste na demonstração do
significado das atividades de um indivíduo para os outros. É o espaço
em que se veiculam indícios ou sinais confirmatórios desses significados, por força de dramatizações referentes às primeiras impressões, idealizações, mistificações ou ritualizações. Incluem-se neste
espaço dois tipos básicos de significantes expressivos — os que os
sujeitos enviam, através de signos verbais, e os que emanam de
sua atuação, através de expressões e modos não-verbais São significantes que se colocam a serviço da tarefa de assegurar a credibilidade
dos co-participantes da situação e manutenção de desempenhos.
Também na análise da vida institucional, do mundo do internado
e da equipe dirigente, o foco do trabalho de Goffman (1961) é a versão
sociológica da estrutura do eu, sem direções determinísticas. A descrição de disposições institucionais delineia prerrogativas pessoais
de um participante, incluindo sempre suposições psicológicas — os
processos cognitivos e afetivos não podem ser omitidos, pois as disposições sociais precisam ser "lidas" pelo indivíduo e pelos outros,
para que se encontrem as imagens supostas e idealizadas. Poderse-ia afirmar, assim, que na consolidação de mais esta ponte a partir
do interacionismo simbólico, Goffman supre lacunas na consideração da dimensão emocional, lacunas essas usualmente apontadas
em criticas à obra de Mead (Manis, Meltzer, 1968, p. 495).
Peter Berger
Peter Berger é um sociólogo cuja produção, desenvolvida principalmente nos Estados Unidos, caracteriza-se como interacionista simbólico e se aproxima de maneira significativa do trabalho de Mead.
A construção teórica de Berger tem pressupostos antropológicos influenciados por Karl Marx e pelas implicações antropológicas tiradas
da biologia humana por Helmuth Plessner, Arnold Gehlen e outros.
Sua concepção de realidade social está muito ligada a Emile Durkheim, embora ele tenha modificado a teoria durkheimiana de sociedade pela introdução da perspectiva dialética de Marx e pela acentuação da constituição da realidade social mediante a colocação de significados subjetivos buscados em Weber. Os pressupostos psicossociológicos, importantes para a análise da interiorização da realidade
social, são influenciados por George Herbert Mead e pela escola interacionista simbólica americana (Berger, Luckman, 1974).
Pode-se dizer que Berger, juntamente com Luckman, fez a necessária
integração das obras de Mead e Durkheim, o que permite o trabalho
com um conceito de estrutura social não elaborado pelos interacionistas simbólicos americanos.
Berger é, essencialmente, um teórico do cotidiano e, como tal, dedicou-se à análise de como a realidade é constituída socialmente e
de como esta realidade é interiorizada pelo homem, resultando no
conhecimento. A análise destes dois processos, acrescida da análise
fenomenológica da realidade da vida cotidiana, constituem a sua sociologia do conhecimento.
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out/dez. 1990
Ao analisar a interiorização da sociedade pelo indivíduo (a sociedade
como realidade subjetiva), Berger realça o papel dos "outros significativos" e da estrutura social na construção de uma identidade coerente
e plausível. Constrói, deste modo, uma teoria da identidade, na qual
é inegável uma relação dialética entre o indivíduo e seu mundo. Abordando os processos de socialização primária e secundária, Berger avalia, como os demais interacionistas simbólicos, o papel da linguagem
nos processos sociais e, indo além do que propõe Mead, analisa a influência da estrutura social no processo de socialização. Faz ainda referências ao processo de institucionalização, considerado como suporte da tipificação recíproca de ações habituais. Como tais padrões
de conduta se sujeitam a definições prévias, aí se envolvem as dimensões de historicidade e controle social. É no mundo institucional que
se traduz a atividade humana objetivada; a biografia individual é episódio localizado nesta história social objetiva.
O que de fato interessa, na perspectiva de Berger, é a revelação das
mediações existentes entre os universos macroscópicos de significação, objetivados socialmente, e os modos pelos quais estes universos são subjetivamente reais para os indivíduos, ou seja, como se
manifestam em suas consciências: "A realidade é socialmente definida, mas as definições são sempre encarnadas — indivíduos concretos e grupos de indivíduos servem como definidores da realidade"
(Berger, Luckman, 1974, p. 157).
Implicações para a Pesquisa e Aplicações à Educação
A Construção da Identidade e os Processos Relacionados a Ela
A pesquisa sobre a construção da identidade vem tentando superar
o radicalismo das posições psicológicas, que consideravam a personalidade como construção do indivíduo, sem reconhecer os determinantes sociais ou as trocas entre o homem e seu mundo.
O interacionismo simbólico faz referência à personalidade como "entidade reflexa, que retrata as atitudes tomadas pelos outros significativos com relação ao indivíduo, que se torna o que é pela ação dos
outros para ele significativos. Este processo não é unilateral nem
mecanicista. Implica uma dialética entre a identificação pelos outros
e a auto-identificação, entre a identidade objetivamente atribuída e
a identidade subjetivamente apropriada" (Berger, Luckman, 1974, p.
177).
Esta referência à construção da identidade, feita por um dos mais
respeitados interacionistas simbólicos modernos, deixa claros alguns aspectos da matriz teórica que a sustenta:
• a possibilidade de uma Psicologia Social Dialética, que seria aliada
da Antropologia Filosófica e da Sociologia e que pode ser creditada,
inicialmente, a Mead. A este modelo se somam as contribuições
de outras correntes do pensamento social científico, incorporadas
por Berger;
• a referência à teoria de papéis, à medida que cada pessoa responde
às expectativas sociais, ao desempenhar os papéis que os outros
definem para ela;
social assegure sua manutenção, à medida que as outras pessoas
estejam dispostas a reconhecer o sujeito como aquela pessoa que
ele está sendo (aquela identidade). Cada vez que o indivíduo se liga
a pessoas que sustentam suas auto-interpretações, ele confirma sua
identidade. Assim, verifica-se que, na sociedade, os sistemas de controle social mantêm um dispositivo de geração e tranformação de
identidade. É nessa perspectiva que o papel do preconceito precisa
ser analisado — uma séria conseqüência do preconceito é fazer com
que o indivíduo se torne aquilo que a imagem preconceituosa afirma
que ele é.
A questão da transformação da identidade também deve ser considerada no âmbito das relações entre a sociedade e a identidade. Qualquer alteração drástica de uma identidade requer a existência de um
grupo que ratifique a transformação. Os ritos de passagem são os
meios pelos quais um grupo torna-se abonador de uma nova identidade, quanto, por exemplo, se passa de adolescente a adulto, de
estudantes a graduado, de funcionário a chefe.
• a referência à teoria dos grupos significativos, já que a interiorização só acontece na medida em que há identificação; e esta só
é possível, quando há ligações emocionais com os outros que por
isto, se tornam outros significativos.
A maneira como o interacionismo simbólico analisa esses processos
de geração, conservação e alteração da identidade permite que este
referencial se preste também à avaliação do papel dos preconceitos,
dos valores grupais e dos ritos de passagem.
Este suporte teórico deixa bem clara a interface da Psicologia e da
Sociologia na interpretação do processo de construção social da identidade.
A interiorização da realidade social, um dos momentos da construção
social da identidade, dá-se graças à socialização, processo mediante
o qual o homem adquire modos de se comportar, valores, normas
e atitudes, progressivamente abstraídos pela criança ao longo da socialização primária.. Já na socialização secundária, há uma interiorização dos submundos institucionais pelo sujeito e este processo
é permeado pela complexidade da divisão do trabalho e pela concomitante distribuição social do conhecimento.
Nesta perspectiva, pode-se concluir que a identidade é atribuída socialmente, sustentada socialmente e transformada socialmente.
Mead, o teórico que constitui a referência básica deste modelo teórico, identifica a gênese do eu com a descoberta da sociedade, já que
a criança aprende quem ela é ao aprender o que é a sociedade, ao
"assumir o papel do outro".
A identidade é atribuída pela sociedade, mas é preciso que o contexto
Enquanto a socialização primária não pode ser realizada sem o vínculo afetivo da identificação com os outros significativos, a maior parte
da socialização secundária dispensa esta identificação, este vinculo,
requerendo apenas um tipo de comunicação entre seres humanos.
Enquanto na socialização primária a criança interioriza o mundo dos
pais como sendo "o mundo", isto é, o único mundo existente, na
socialização secundária é o contexto institucional que deve ser percebido e avaliado em termos de sua visão particular de mundo. Assim
vive-se no mundo dos pais sem condições de sair dele quando se
é criança, mas pode-se "esquecer" o mundo da escola ao sair de
férias.
Na construção da identidade, estes modelos de socialização desenpenham papéis diferentes e, no momento da socialização secundária,
o indivíduo deve ser capaz de estabelecer uma distância entre seu
eu total e sua realidade, de um lado, e seu eu parcial especifico e
a realidade dele, de outro lado. Quando esta distância não é percebida, surge o que Goffman trata como uma psicopatia ao analisar
a questão dos asilos e que reflete uma formação deficiente da identidade.
O desenvolvimento da educação moderna é o melhor exemplo de
socialização secundária realizada por organizações especializadas.
Neste caso, ocupa papel de destaque a escola, que pode constituir
alvo de análise desta perspectiva teórica, que também oferece subsídios para as pesquisas sobre a família, entidade responsável pela
socialização primária.
Sendo uma abordagem psicossociológica, não-reducionista, o interaconismo tem assegurado seu espaço em estudos relativos à construção da identidade em contextos diversos (Goulart, 1990).
Análise de Papéis Sociais, Grupos e Instituições
É evidente, a partir dos pressupostos já apresentados, a contribuição
conceituai e metodológica do interacionismo simbólico para a análise
de papéis sociais.
A teoria de papéis sociais consiste em uma criação intelectual genuiEm Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out./dez. 1990
namente americana, remontando a William James e, mais diretamente, a Charles Cooley e George Mead. Embora seu estatuto extrapole bastante o referencial aqui elaborado, os interaconistas modernos muito contribuíram para sua elucidação e investigação.
Como destacam Berger e Luckman (1974), papéis são representações
institucionais e mediações de conjuntos de conhecimento institucionalmente objetivados. Cada papel transporta, assim, um apêndice
socialmente definido de conhecimento ou uma tipificação em um
contexto comum a uma coletividade de atores. É experimentando
subjetivamente o papel — como "eu social" objetivado — que cada
ator pode refletir sobre as próprias ações e estabelecer distância com
relação a elas.
Dada tal complexidade, a aprendizagem de papéis supõe a iniciação
nas várias camadas cognitivas e afetivas do corpo de conhecimentos
adequado a eles, o que sempre implica distribuição social do conhecimento e hierarquização em sua importância, como se analisou anteriormente.
Tal concepção encontra ressonância na abordagem de Goffman
(1975). Segundo ele, um papel social consiste na promulgação de
direitos e deveres ligados a uma determinada situação social, envolvendo práticas ou padrões de ação pré-estabelecidos, desenvolvidos
durante cada representação. É de acordo com a pauta de interações
e expectativas que os papéis se configuram como adequados ou discrepantes, certamente filtrados por nossos grupos de referência.
A teoria do grupo de referência é outra contribuição americana, responsável pela conexão entre sociologia do conhecimento e teoria
de papéis (Berger, 1983). Utilizado pela primeira vez por Hyman na
década de 40, o conceito de grupo de referência foi desenvolvido
por vários sociólogos americanos, como Merton e Shibutani, sendo
utilizado na pesquisa do funcionamento de organizações de vários
tipos.
Um grupo de referência é a coletividade cujas opiniões, convicções
e rumos de ação são decisivos para a formação de nossas próprias
opiniões, convicções e rumos de ação. Através de tal grupo podemos
obter um modelo com o qual nos comparemos continuamente; assim, ele constitui crivo para nossos posicionamentos ideológicos,
crenças políticas, valores e estereótipos. Implica, ainda, em função
de filiações ou desafiliações, compromissos cognitivos específicos.
Este é, enfim, o terreno da efetiva dinâmica sócio-psicológica ocupado, por muitas "oficinas de construtores sociais da realidade", na
expressão de Berger (1983, p. 135).
São inumeráveis as experiências e pesquisas desenvolvidas em Psicologia Social sobre essas temáticas, destacando-se variáveis como
percepções, opiniões e pressões de grupos. Na perspectiva que nos
interessa mais precipuamente, reiteramos o registro das investigações
resenhadas por Manis e Meltzer (1968). Promissora, ainda, é a linha
de análise sugerida por Goffman (1961), na vertente institucional.
As temáticas relacionadas a instituições totais, papéis discrepantes,
identidade e despojamento de papéis, definição de situações e ritualizações encontram provocativas direções de trabalho nesse referencial.
Relações Interpessoais na Escola
Uma das áreas mais fecundas de aplicação do referencial aqui apresentado consiste na pesquisa sobre a interação em sala de aula e
em suas derivações para a formação do professor e a prática pedagógica.
Cada vez mais este campo de investigação deixa de ser estigmatizado
como "miúdo" ou "reducionista", na ânsia atual, também assumida
pela Psicologia, de avançar na construção de pontes e interfaces do
conhecimento, superando fronteiras originais entre macro e micro,
social e individual, coletivo e singular.
O processo de socialização escolar e o ato pedagógico devem ser,
efetivamente, elucidados em seus amplos determinantes históricos
e sócio-estruturais. Contudo, não se pode perder de vista sua concretização, materializada em indivíduos singulares e em suas interações.
O ato pedagógico é singular porque se insere em relações de estreita
dependência com o papel do professor, papel este crucial na emergência ou na inibição do desejo de saber.
Ele é singular também porque o sentimento de contar ou não para
outrem, repetitivo no cenário institucional e em toda a socialização
escolar do indivíduo, é fundamental à sua percepção sobre seu lugar
existencial e social.
É na construção social da realidade que essas definições singulares
se encarnam — como preconiza o interacionismo simbólico. Este
mesmo referencial pode, assim, iluminar as redefinições desta realidade, reorientando o aparecer da escola, como mediação, para o
destino das pessoas.
Um ponto de partida consiste em uma prática de ensino voltada para
o universo psicossocial da sala de aula, em permanente postura reflexiva e crítica. Embora muitos trabalhos, alicerçados nas contribuições
interacionistas, venham se dedicando a propostas de tal natureza,
reportamonos, aqui, a alguns diretamento relacionados a nossa prática de ensino e de pesquisa (Ribeiro, 1982; Ribeiro, Bregunci, 1986;
Bregunci, 1988).
Observar a situação da sala de aula na perspectiva aqui proposta
— como auto-trabalho compartilhado e coletivo — é tarefa complexa,
em função de dimensões latentes e inconscientes derivadas de nosso
próprio processo de socialização escolar.
Dentre os focos iluminados pelo interacionismo, é extremamente relevante observar, por exemplo, como professores e alunos definem
a situação que irão viver em conjunto, ou seja, os primeiros contatos,
onde se dão as primeiras definições e primeiras impressões.
A sala de aula surge, a(, como um grande palco, onde professores
e alunos colocam suas "máscara sociais" e começam a desempenhar
papéis. Eles estarão se dizendo, por atos, conversas e expressões
em geral:
— eis o que quero ser.../ é assim que desejo que você me perceba;
— eu vejo você assim.../ espero que você seja assim...;
Esta pode ser outra face da competência psicológica para ensinar
e interagir, através da aceitação do espelho oferecido pelos co-participantes e "outros significativos". Através desta face, torna-se menor
o risco de reificação de papéis — um dos focos de análise do interacionismo — registrado quando as objetivações são apreendidas como
fatalidades, negando-se a responsabilidade e o poder de produção
de novas realidades. Embora seja um acontecimento tardio nas perspectivas histórica e biográfica, a "desreificação" pode ser um dos
corolários desta postura conceituai e metodológica.
— se você não for deste modo, eu... etc.
Dimensões Críticas e Lacunas
A essência do trabalho de observação seria o desvelamento desse
conjunto de coisas ditas por palavras, atos ou modos, presentes na
cena e na dramatização. São relevantes a compreensão da configuração espacial, do conjunto perceptivo que integra a fachada, a figura
e o fundo, bem como as dimensões grupais emergentes: as impressões mais freqüentes, as formas de comunicação, as variações nos
contextos formais e informais de interação.
Do ponto de vista metodológico, é necessário realçar que o intuito
do registro e da análise de tais observações é o retorno ao próprio
professor. Em última instância, o foco é a análise de seus próprios
atos, para que o ator se torne, simultaneamente, seu próprio analista.
Transformar cada professor em um observador-participante é uma
provocativa derivação metodológica da perspectiva interacionista
simbólica.
A posição de observador-participante supõe superação de modelos
e automatismo e aprendizagem de habilidades — trabalha-se com
dados observacionais (relacionados ao eu) e fenomenológicos (dados do eu vistos por mim, como consciência do self), buscando-se
as pistas de cada situação e contexto. 0 sujeito exercita o duplicar-se
— observar o que acontece e o que acontece a ele-na-situação do
momento. Há a perspectiva própria e a reflexão simultânea sobre
aquilo que se vive; a participação na situação e o distanciamento
necessário à observação e à ação.
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out./dez. 1990
Apesar de terem sido focalizadas, neste estudo, as contribuições positivas do interacionismo simbólico, algumas críticas vêm sendo dirigidas a este modelo teórico:
• O indeterminismo de alguns de seus expoentes, especialmente de
Mead, no tocante às abordagens conceituais de eu/mim, de persona/self e espírito/psique utilizadas de maneira vaga e intuitiva.
• A limitação do refencial teórico para interpretação de fenômenos
macrossociais. 0 estrutural funcionalismo tem sido o maior crítico
desta limitação, advogando para si o alcance da análise macrossociológica de fenômenos.
• A subestima dos fatores emocionais no quadro da conduta humana
e o desconhecimento da dimensão inconsciente. Segundo seus críticos, o interacionismo simbólico enfatiza o aspecto racional da conduta; e a falta de referências ao inconsciente não é substituída por
conceitos alternativos.
• A limitada aplicabilidade ou valor heurístico dos conceitos. Esta
crítica é decorrente do indeterminismo apontado na primeira crítica
que apresentamos.
Deve-se admitir que cada referencial teórico usado pelas ciências
humanas decifra parcialmente a realidade, sem ter condições de estender sua capacidade de interpretação à totalidade; daí a necessidade de complementações e sínteses intra e interdisciplinares.
GOULART, Iris B. Psicologia da Educação: considerações sobre seu
papel e alternativas para sua abordagem. Educação em Revista,
Belo Horizonte, n. 10, p. 37-41, dez. 1989.
Apesar das críticas apontadas, o interacionismo simbólico consegue
uma visão bastante abrangente que, no dizer de Kuhn (1968, p. 46),
deve ganhar a competição com as mais importantes teorias, como
a Psicanálise, a Teoria de Campo; pois "somente o interacionismo
simbólico é logicamente consistente com as proposições básicas das
ciências sociais: a unidade psíquica do homem, a criatividade do
homem, a contínua modificabilidade e sociabilidade do homem, a
habilidade do homem de rever construtivamente seu próprio comportamento".
Mulher mineira na Educação: um estudo da identidade feminina através da memória. Belo Horizonte: Universidade Federal
de Minas Gerais, Faculdade de Educação/CNPq, 1990.
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A CORRENTE SÓCIO-HISTÓRICA DE PSICOLOGIA: fundamentos
epistemológicos e perspectivas educacionais
Angel Pino Sirgado'
Introdução
Expor em algumas páginas a contribuição da corrente sócio-histórica
de Psicologia é temeroso mas, ao mesmo tempo, excitante. Temeroso, porque se trata de uma linha de pensamento complexa e ainda
insuficientemente conhecida entre nós, uma vez que só recentemente
estamos tendo acesso às principais obras dos autores que integram
esta corrente psicológica. Excitante, porque esta linha de pensamento, se não constitui uma resposta acabada aos vários problemas teóricos colocados à Psicologia, pelo menos representa uma via de superação de certos impasses epistemológicos a que ela chegou.
A Psicologia padece desde as suas origens (que os autores situam
na data da aparição das obras de W. Wundt, Grundzüge der Physiologischen Psychologie e de F. Brentano, Psychologie vom Empirischen
Standpunkt, em 1874) de uma espécie de falta de "identidade epistemológica", resultante da dificuldade que ela tem para identificar e
definir os contornos do seu próprio objeto de conhecimento. Isso não
a impediu, porém, de realizar notáveis progressos, tanto no campo
teórico como, e sobretudo, no da sua aplicação em diversos setores
da atividade social. Mas, como diz L. Sève (1981), não sem uma certa
ironia, ela avança rapidamente no estudo do seu objeto sem saber
exatamente em que consiste este objeto. Talvez seja esta uma das
* Doutor em Psicologia e Professor de Psicologia da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP.
Em A b e r t o , Brasília, ano 9, n. 48, out./dez. 1990
principais razões porque a Psicologia se apresenta ainda como um
mosaico de teorias, métodos e práticas heterogêneas, oferecendo
"o espectáculo de um universo fragmentado onde se justapõem, ignorando-se ou excluindo-se, as tendências metodológicas, as correntes teóricas, as orientações fundamentais e aplicadas" (Richelle,
1982). Na introdução aos Anais do simpósio ocorrido em Londres,
em 1980, reunindo representantes das diversas tendências em Psicologia em torno do tema Models of Man, A.J. Chapman (1980) observava que o principal elemento que continuava dividindo o campo
psicológico era a dupla visão menanicista/humanista. Tal clivagem
parece traduzir, no nível teórico como no prático, o velho problema
filosófico denominado pelos ingleses de the mind-body problem,
problema insolúvel enquanto não for superada toda forma de dualismo, fonte de posições reducionistas. Entretanto, a fragmentação do
campo psicológico não se deve apenas a este problema e pode ser
que Piaget (1970, p. 81) tivesse razão quando afirmava que "um homem de ciência jamais é um puro cientista, mas ele é igualmente
alguém engajado numa determinada posição filosófica ou ideológica". No fundo, o mind-body problem é um falso problema na medida em que o que define o ser humano não é nem da ordem do biológico nem da ordem do psíquico (entendido este como uma versão
do essencialismo aristotélico inerente ao conceito de psykè), mas
da ordem do simbólico. Outro problema, ligado a ele, é o da relação
indivlduo-sociedade entendida quase sempre em termos naturalistas, segundo o modelo biológico organismo-meio. Tratando-se do
homem, falar de meio em termos só ecológicos é ignorar a história
humana. Assim como o ser humano está inserido na ordem do simbólico, o meio humano está inserido na ordem da cultura, expressão
deste simbólico. O problema indivíduo-sociedade é insolúvel enquanto os dois termos desta relação forem entendidos como sistemas autônomos, embora inter-relacionados como quer um certo interacionismo, definindo dois espaços, um privado e outro público, onde
os eventos individuais e os eventos sociais podem cruzar-se mas
permanecendo essencialmente distintos. O processo da instituição
social do indivíduo, diz Castoriadis (1975, p. 405), é o resultado de
duas histórias indissociáveis: uma história da psyke (psicogênese),
ao longo da qual esta se altera e se abre ao mundo social-histórico,
e uma história social, na qual a sociedade lhe impõe um "modo de
ser" (sociogênese) que ela não poderia jamais fazer surgir dela mesma e que fabrica o "indivíduo social" que emerge "como coexistência, sempre impossível e sempre realizada, de um mundo privado
[kosmos idios) e de um mundo comum ou público (kosmos koinos)".
As Origens da Corrente Sócio-Histórica
As origens da corrente sócio-histórica estão associadas fundamentalmente aos nomes de L. S. Vygostsky (1896-1934), A. N. Leontiev
(1903-1977) e A. R. Luria (1902-1977), os quais integram trabalhos
e interesses de áreas disciplinares diferentes como a Lingüística, a
Psicologia, a Pedagogia e a Neurologia. Na época em que aparecem
seus primeiros trabalhos, a Psicologia Científica estava fortemente
marcada pelo experimentalismo. Do ponto de vista teórico, três correntes principais disputavam o campo psicológico: a introspecionista, inaugurada pelos trabalhos de W. Wundt (1832-1928), que se propunha a descrição dos fenômenos de consciência através da análise
dos seus elementos constituintes; a gestaltista, fundada nos trabalhos de M. Wertheimer (1880-1943), K. Koffka (1871-1946) e W. Kohler
(1887-1946), que opunha ao elementarismo introspecionista uma
análise holística dos fenômenos psíquicos; e a funcionalista que, a
partir dos trabalhos de J. Dewey (1859-1952) e de J. R. Angell
(1889-1949), contrapunha também ao elementarismo introspecionista uma análise das funções da atividade consciente. O manifesto de
Watson (1913), na linha funcionalista, lançava nos EUA a chamada
revolução behaviorista, a qual constituía um retorno ao elementarismo do modelo S-R, descartando do campo da análise científica
os fenômenos da consciência e os processos mentais, enquanto fenômenos subjetivos, mas deixando também de lado os processos neurofisiológicos, objeto das pesquisas da reflexologia pavloviana na
qual Watson de inspirara. Nesta época, S. Freud (1856-1939) já consolidara as bases do movimento psicanalítico na Europa e na América.
A situação da Psicologia russa não era muito diferente da européia,
com a qual estava ligada por laços culturais. Apresentava, entretanto,
características culturais peculiares em razão da sua história e da fermentação socialista que marcaria o fim da era tzarista. Segundo J.
Valsiner (1988), as idéias evolucionistas estavam muito disseminadas
na Rússia pré-revolucionária. Duas tradições tiveram grande influência, segundo ele, na Psicologia soviética: uma no contexto da Biologia
evolucionista, com nomes como V. A. Vagner (1849-1934) e A. Severtsov (1866-1936); outra no da Neurofisiologia, onde se destaca I.M. Sechenov (1829-1905), iniciador da corrente reflexológica, e seus sucessores V. Bekhterev, fundador do Laboratório de Psicologia de Kazan,
o primeiro da Rússia, e I. Pavlov. Várias das idéias da construção teórica de Vygotsky, Luria e Leontiev têm sua origem nesta dupla tradição, tais como: a dupla linha de desenvolvimento, a natural e a socialcultural, presente na perspectiva evolucionista de Vagner; a visão holística do desenvolvimento e a função dos instrumentos na atividade
humana, integrantes da concepção evolucionista de Severtsov; a
idéia da existência de duas categorias de funções, as elementares e
as superiores, assim como o conceito de interiorização das funções
psíquicas, presentes na dupla dimensão das condutas, a voluntária
e a involuntária, de Sechenov; a importância da atividade na transformação da realidade externa e interna da pessoa, a qual faz parte dos
trabalhos de Bekhterev; finalmente, a função atribuída à linguagem
encontra no segundo sistema de sinais de Pavlov um referencial importante. A influência desta tradição e de outros autores russos, como
P. Blonsky (caráter histórico do comportamento), K. N. Kornilov, o grupo de M. Basov em Leningrado (em particular, Shapiro e Gerke), deve
acrescentar-se a influência de autores europeus como Kohler (método
da dupla estimulação), Voikeelt, Krueger, a da "escola de Leipzig" (Psicologia do Pensamento), de K. e Ch. Buhler, W. Stern, J. Piaget, assim
como a dos antropólogos L. Levy-Bruhl e Thrunwald e dos lingüistas
L. P. Yakubinsky, R. O. Jakobson, A. A. Potebnya e F. de Saussure.
Toda estas influências têm, porém, como pano de fundo, as idéias fundamentais da filosofia de Marx e Engels.
Marxismo e Psicologia Sócio-Histórica
A revolução de outubro (1917) e a implantação do marxismo-leni-
nismo, após a guerra civil (1918-1920), representaram uma transformação radical da sociedade russa e da futura URSS: no campo social,
econômico, político e ideológico, com profundas repercussões no
campo da ciência e das idéias. Falar que a corrente sócio-histórica
de Psicologia tem uma fundamentação marxista exige algumas explicações. Como diz Valsiner (1988, p.77), "a história da Psicologia na
Rússia Soviética na década de 1920 é um caso interessante da relação
ciência-sociedade". De um lado, porque a ideologia oficial assume
progressivamente um papel controlador da atividade cientifica, portanto da Psicologia. De outro, porque uma boa parte da jovem geração
de psicólogos dedica-se, com entusiasmo, a construir novos sistemas
teóricos em Psicologia com base nas teses principais do materialismo
dialético. Como o mostra Valsiner, durante os anos 20 e parte dos
30, desenvolvem-se acirradas disputas nos numerosos congressos
que têm lugar na Rússia sob o olhar "vigilante" do partido, que não
tolera desvios doutrinários mas que deixa que eles sejam resolvidos
ao nível interno das próprias comunidades científicas. Embora este
clima fosse propício para o "uso do Marxismo" como meio para
conservar ou conquistar posições na inteligenzia da nova sociedade
(academia e associações científicas), é inegável que mitos intelectuais encontravam no materialismo dialético e nos princípios do materialismo histórico1 as bases de uma nova Psicologia que permitisse
superar os impasses e paradoxos com que se debatia a Psicologia
da época. Esta parece ter sido a posição do grupo que deu origem
à corrente sócio-histórica e dos seus continuadores, depois. É difícil,
todavia, estabelecer toda a extensão da influência das idéias marxistas em cada um desses autores. Aparentemente, alguns são mais
restritos que outros na utilização dessas idéias. Entretanto, é possível
afirmar que as bases, sobre as quais se ergue a construção teórica
desta corrente psicológica, constituem o que há de mais sólido na
Mantenho aqui a diferenciação que L. Althusser faz entre materialismo histórico e
materialismo dialético, em razão da especificidade do objeto: os modos de produção,
sua organização, seu funcionamento e suas transformações, no primeiro caso; e a
história da produção de conhecimento enquanto conhecimento, no segundo (Althusser, Badiou, 1979, p.43).
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out./dez. 1990
filosofia de Marx e Engels e não têm nada a ver com o uso abusivo
do marxismo-leninismo que encontramos em alguns autores, como
é o caso do filósofo frances L. Sève (1981). Em relação à corrente
sócio-histórica, mais do que falar em "Psicologia marxista" é mais
correto falar numa Psicologia com fundamentos marxistas.
A situação desses autores era bastante delicada. Como o mostram
Davidov e Radzikhovsky (1985) a respeito de Vygotsky, principal artífice desta nova corrente, os anos 20 estão marcados na Psicologia
russa por um intenso e rápido trabalho de demolição da tradição
subjetivista-empiricista que dominava antes da revolução, na tentativa
de construir uma Psicologia em consonância com os princípios do
marxismo. Isto implicou uma dupla pressão: a das tendências objetivistas dominantes na Psicologia da época (especialmente a reflexológica e a behaviorista) e a das tendências sociológicas num momento em que o marxismo não estava ainda suficientemente assimilado pela intelectualidade. Isto explica, segundo aqueles autores, a
existência de concepções tão diferentes a respeito do objeto da Psicologia: "ciência do comportamento" (Borowsky, Blonsky), "ciência
dos reflexos" (Behkterev), "ciência das reações" (Kornilov), "ciência
dos reflexos sociais" (Reisner), etc. A tendência objetivante de alguns
levou a ignorar o problema da consciência; enquanto que as idéias
marxistas de outros o colocavam como um verdadeiro problema da
Psicologia, analisável cientificamente, mas em termos ainda reducionistas. O artigo de Vygotsky, em 1925, A Consciência como um Problema na Psicologia da Conduta (o qual deu origem a diversas interpretações contraditórias, em razão da dupla leitura que ele permitia,
a psicológica e a metodológica), constituía uma rejeição das várias
interpretações do problema da consciência e lançava as bases metodológicas para a sua integração como objeto de análise psicológica
(como o entendeu Leontiev). Confrontando este artigo com outro
escrito mais tarde, O Significado Histórico da Crise na Psicologia
(1926), Davidov e Radzikhouvsky conseguem mostrar que se trata
de um trabalho metodológico, cuja análise revela o esforço enorme
que representou a construção de um novo paradigma psicológico,
que integrasse algumas das contribuições da Psicologia da época
(e de outras disciplinas como a Lingüística, a Antropologia, a Neuro-
logia, etc.) com os grandes princípios do materialismo dialético, particularmente no referente ao método, ao conceito de atividade e à
origem social das funções psicológicas.
Os Grandes Princípios do Paradigma Sócio-Histórico
A partir das numerosas análises que vem sendo feitas dos trabalhos
pioneiros de Vygotsky, Luria e Leontiev, particularmente do primeiro
(Wertsch, 1985a e 1985b; Hickmann, 1987; Valsiner, 1988), é possível
destacar os princípios epistemológicos do que pode ser chamado
de paradigma sócio-histórico. Sua análise, mesmo rápida, permite
ver a especificidade desta corrente de pensamento psicológico e sua
contribuição para uma nova concepção do psiquismo humano. Limitar-me-ei a três questões principais.
A Questão do Método
Na medida em que o método de investigação tem a ver com a natureza do objeto investigado, Vygotsky (1984, p.87) tem razão quando
afirma que uma abordagem nova de um problema científico conduz,
inevitavelmente, à criação de um novo método. Se nem todos os
problemas analisados pela corrente sócio-histórica são novos, nova
certamente é a sua abordagem; dal a necessidade de um novo método.
Um ponto central deste método, desenvolvido particularmente por
Vygotsky (1984), é que os fenômenos psíquicos não podem ser considerados e estudados como meros objetos mas como processos em
mudança. Analisando o método dominante na Psicologia da sua época, método experimental cuja estrutura geral era a do E-R, Vygotsky
sustena que, mesmo que ele possa ser adequado ao estudo de processos elementares (de natureza biológica), não pode servir de base
para o estudo de processos complexos, como as formas de comportamento especificamente humanas. Com efeito, o desenvolvimento
psicológico dos homens difere qualitativamente do desenvolvimento
animal e ele faz parte do desenvolvimento histórico da espécie cujo
estudo exige um método próprio, que, num determinado momento,
Vygotsky chamou de lógico-histórico.
A idéia chave deste método decorre do contraste, já enunciado por
Engels (Dialética da Natureza), entre abordagem naturalista e abordagem dialética. A primeira parte da suposição de que só as condições naturais são determinantes do desenvolvimento histórico. A segunda, ao contrário, mesmo admitindo a influência das condições
naturais, sustenta que o homem age sobre a natureza e a transforma,
criando novas condições de existência. A abordagem dialética exige
um novo método de análise e uma nova estrutura analítica. Três
princípios básicos definem, segundo Vygosky, a nova abordagem
metodológica das funções especificamente humanas.
O primeiro é que ela vise a processos e não a objetos. Os processos
implicam mudanças que requerem mais ou menos tempo e cuja gênese e evolução podem ser seguidas em determinadas circunstâncias. A análise do processo requer uma exposição dinâmica dos pontos que constituem a história deste processo. O segundo é que ela
seja explicativa e não meramente descritiva, chegando às relações
internas constitutivas da coisa, pois a mera descrição não ultrapassa
o nível das aparências. Como já disse Marx (1977, v.3, p.739), "se
a aparência e a essência das coisas coincidisse, toda ciência seria
supérflua": A abordagem deve ser genética e dinâmica, ou seja, que
chegue à história constitutiva dessas funções; o que não quer dizer
estudar um evento no passado, mas estudá-lo no seu processo de
mudança. Neste ponto, Vygotsky retoma a idéia de Blonaky: o comportamento só pode ser entendido como a história do comportamento. A história sendo mudança, ela traduz o processo de constituição do comportamento. A reconstituição deste processo dá acesso
ao seu conhecimento. O terceiro é que os processos psicológicos
fossilizados, automatizados ou mecanizados após um longo processo
histórico de desenvolvimento, devem ser analisados nas suas origens. Nelas, "o passado e o presente se confundem e o presente
é visto à luz da história" (Vygotsky, 1984, p.74).
Na sua análise da consciência, Vygotsky (1979) estabelece dois processos básicos desta metodologia, articuladores da teoria e do meto-.
do: a unidade de análise e o princípio explicativo. A idéia de unidade
de análise está inspirada particularmente na função que a mais valia
desempenha na análise econômica. Na análise que faz Zinchenko
(1985) deste conceito, ele destaca as seguintes características: é uma
estrutura psicológica integrada; deve ser uma parte viva deste todo,
integrando os elementos contraditórios. 0 que Vygotsky propõe, em
contraposição ao elementarismo (análise de um todo através dos
seus elementos), é uma metodologia que investigue os fenômenos
através de uma unidade que, como ele diz, "retém todas as propriedades básicas do todo" (apud Zinchenko, 1985). A análise deve ser,
portanto, holística e não elementarista, uma vez que os elementos
só têm significação na totalidade em que estão integrados. A proposta é de Vygotsky metodólogo; pois o Vygotsky psicólogo nem
sempre respeitou as características atribuídas a esta unidade, como
ocorre, segundo Zinchenko, com a escolha do significado da palavra
para estudar a relação da fala e do pensamento. O princípio explicativo é um conceito que "reflete uma certa realidade que, por sua
vez, determina fenômenos mentais e torna possível sua reconstrução" (Davidov, 1985, p.51). Assim, a unidade de análise define um
campo teórico-metodológico de análise. 0 princípio explicativo é um
construto que permite relacionar uma determinada realidade com
uma determinada elaboração teórica, ou seja, é uma expressão conceituai de uma determinada realidade.
Conceito de Atividade
A teoria da atividade, fundamental na construção da psicologia sóciohistórica, surgiu, tanto em Vygotsky como em Leontiev, seu principal
elaborador, relacionada com a explicação da questão da conciência.
Rejeitando o duplo reducionismo, o essencialismo idealista e o materialismo elementarista, a consciência é vista como emergindo ou
constituindo-se no processo da atividade humana. Seu estudo está,
assim, ligado à análise da atividade.
O conceito de atividade está inspirado no conceito de trabalho de
Marx e Engels. Tanto Vygotsky como Leontiev a ele se referem. A
atividade humana, mediadora das relações do homem com a natu-
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out./dez. 1990
reza, diferencia-se das formas de atividade animal porque ela confere
uma nova forma à realidade; ela é, portanto, uma atividade criadora,
distintiva do ser do homem. É este caráter criador que, nos escritos
de Marx e Engels, define o significado do trabalho, pelo qual, o homem, ao mesmo tempo que "age sobre a natureza externa e a modifica, modifica sua própria natureza e desenvolve as faculdades nela
adormecidas" (Marx, 1977, v. I, p.136). A metáfora "faculdades adormecidas" não autoriza nenhuma interpretação do tipo idealista ou
inatista, pois fica claro nos textos marxianos que atividade de trabalho modifica o homem tanto quanto modifica a natureza. Graças a
esta produção, a natureza aparece como sua obra e sua realidade.
O objeto produzido pelo trabalho é a "objetivação" da própria atividade do homem (Marx, p.1972-64). O modelo da atividade de trabalho
compõe-se de três elementos: o sujeito ativo, o objeto e o mediador
instrumental. O objeto traduz a atividade inteligente do sujeito enquanto concretização do seu projeto; isto o torna um objeto de "re-conhecimento": o sujeito se "re-conhece" no objeto e é nele "re-conhecido" pelos outros, o que faz dele uma produção social-cultural. A
atividade de trabalho concretiza-se através de instrumentos fabricados pelo homem para serem condutores da sua ação. Enquanto tais,
eles refletem, antecipadamente, as características e propriedades do
objeto que vai ser produzido, o que os torna portadores, como diz
Leontiev (1978a, p. 82), "da primeira verdadeira abstração consciente
e racional". Enquanto objetivação da atividade produtora do homem,
este encontra nos objetos do trabalho, ao mesmo tempo, um produto
e uma fonte de conhecimento; da mesma forma que na atividade
de trabalho ele encontra o meio de fazer emergir nele as funções
e habilidades humanas, objetivadas também nas produções culturais
dos homens, particularmente, as técnicas e artísticas.
O processo inverso da objetivação é o da apropriação e internalização
das produções culturais. Como diz Vygotsky (1984, 1989), falando
do desenvolvimento ontogenético, as funções humanas (pensamento, linguagem, habilidades), antes de existirem ao nível individual
(intra-psíquico), existem ao nível social (inter-psíquico). Sua apropriação é o resultado de um lento processo de "re-construção" pelo indivíduo, verdadeiro significado do conceito de internalização.
Mediação Semiótica
Uma das maiores contribuições de Vygotsky à teoria da atividade
humana reside na associação que ele faz entre instrumentos técnicos
e sistemas de signos, em particular o lingüístico. A função instrumental é central na obra de Vygotsky e de outros autores da corrente
sócio-histórica. Segundo ele, o que caracteriza a atividade humana
é que ela é mediada "externamente", pelos instrumentos técnicos,
orientados para regular as ações sobre os objetos, e pelos sistemas
de signos, orientados para regular as ações sobre o psiquismo dos
outros e de si mesmo. A incorporação dos signos à atividade instrumental (mero uso de instrumentos) confere a esta sua dimensão humana. Ao analisar a ação dos signos na atividade humana, Vygotsky
faz do significado das palavras a "unidade de análise". Isso porque
a palavra constitui, segundo ele, o "microcosmos" da consciência,
aquilo em que ela se reflete, como o universo se reflete no átomo.
Apesar das dificuldades que esta escolha coloca, este modelo não
só ajuda a explicar a função mediadora da linguagem (a significação
e o elemento que circula e unifica todos os processos psíquicos),
como ajuda a esclarecer a natureza das funções psicológicas (conteúdo e forma) e sua origem social (Pino, 1991). A importância desta
análise é que ela mostra as relações estreitas que ligam o pensamento humano à linguagem, uma vez que os significados das palavras, socialmente constituídos, cumprem uma dupla função: de representação e de generalização, o que permite a reconstrução do
real ao nível do simbólico, condição da criação de um universo cultural, e a construção de sistemas lógicos de pensamento que tornam
possível a elaboração de sistemas explicativos da realidade. Por outro
lado, esta dupla função permite a comunicação da experiência, individual e coletiva. A introdução da mediação semiótica no modelo psicológico permite superar antigos dualismos e explicar certos paradoxos
que marcaram a história da psicologia (corpo/mente, natureza/cultura, indivíduo/sociedade, espaço privado/espaço público, etc). Por
outro lado, a mediação semiótica torna compreensível a origem e
a natureza social da vida psíquica, o caráter produtivo da atividade
humana e o processo da produção social do conhecimento e da consciência, a qual, como diz Luria (1987), é uma "estrutura semântica".
Implicações Epistemológicas e Educacionais
Tal concepção do psiquismo amplia os pontos de interface da Psicologia com outras áreas do conhecimento (como a Paleontologia, a
Antropologia, a História, a Sociologia, a Neurologia, a Lingüística
e a Epistemologia), permitindo um novo estilo de "diálogo" com essas ciências, numa perspectiva transdisciplinar, cuja necessidade é
sentida cada vez mais por grupos cada vez mais numerosos.
Por outro lado, as condições históricas em que surgiu a corrente
sócio-histórica de Psicologia fizeram com que ela estivesse estreitamente ligada á Educação e preocupada com as questões educacionais, setor fundamental no projeto revolucionário de construção de
um novo tipo de sociedade. As questões educacionais estão presentes em grande parte das pesquisas de Vygotsky, Luria e Leontiev.
Além das implicações práticas contidas na própria natureza desse
sistema teórico (por exemplo, o novo status epistemológico da atividade humana e a função da linguagem no desenvolvimento humano
e na construção dos processos de pensamento, perspectiva totalmente nova em Psicologia), Vygotsky, particularmente, contribuiu
para esclarecer questões extremamente importantes no campo educacional: a natureza e a aquisição da fala; as origens e a natureza
da linguagem escrita; o jogo simbólico; a interligação entre desenvolvimento e aprendizagem, onde surgiu o conceito, pedagogicamente
rico, de "zona de desenvolvimento proximal". Antiga no tempo, esta
corrente psicológica surge como algo curiosamente novo e em perfeita consonância, em pontos essenciais, com questões científicas
e epistemológicas que são o objeto do debate contemporâneo.
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Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out./dez. 1990
ZINCHENKO, V.P. Vygotsky's ideas about unites for the analysis of
mind. In: WERTSCH, J.V. (Ed.) Culture, communication and
cognition in Vygotskian perspective. Cambridge: Cambridge
University., 1985.
EM ABERTO
COMENTÁRIOS DE PIAGET SOBRE AS OBSERVAÇÕES CRÍTICAS DE
VYGOTSKY CONCERNENTES A DUAS OBRAS: "A LINGUAGEM E
O PENSAMENTO DA CRIANÇA" e "O RACIOCÍNIO DA CRIANÇA'"
Não é sem tristeza que um autor descobre, 25 anos após sua publicação, a obra de um colega, morto nesse ínterim, quando ela contém,
para ele, tantos pontos de interesse imediato, os quais teria podido
discutir pessoalmente e detalhadamente. Embora o meu amigo A.
Luria me tivesse informado sobre a posição simpatizante, ainda que
crítica, de Vygotsky a respeito do meu trabalho, não pude jamais
ler os seus escritos ou encontrar-me com ele pessoalmente; ao ler
o seu livro hoje, isto me desagrada profundamente, porque poderíamos ter-nos entendido sobre muitos pontos.
E. Hanfmann, uma das mais fiéis discípulas de Vygotsky, pediu-me
gentilmente para comentar as considerações deste eminente psicólogo a propósito do meu primeiro trabalho. Desejaria agradecer-lhe,
mas ao mesmo tempo confessar-lhe o meu embaraço porque, enquanto o livro de Vygotsky data de 1934, os meus, por ele discutidos,
remontam a 1923 e 1924. Pensando como teria podido desenvolver
esta discussão retrospectivamente, encontrei uma solução ao mesmo tempo simples e instrutiva (pelo menos para mim): procurar ver
se as críticas de Vygotsky são ou não justificadas à luz dos meus
mais recentes trabalhos. A resposta é, ao mesmo tempo, sim e não.
Sobre alguns pontos concordo hoje com Vygotsky mais do que o
teria feito em 1934, enquanto sobre outros pontos penso que poderia
encontrar, agora, melhores argumentos para responder-lhe.
I
Começaremos com duas questões distintas levantadas no livro de
* Apêndice da edição italiana de: VYGOTSKY, L S. Pensiero e linguaggio Firenze: Giunti, 1966 Traduzido por Agnela da Silva Giusta.
A edição portuguesa de Pensamento e Linguagem (Lisboa: Antídoto, 1979) e a edição
brasileira (São Paulo: Martins Fontes, 1987) não incluem o referido apêndice.
Em A b e r t o , Brasília, ano 9, n. 48, out./dez. 1990
Vygotsky: o problema do egocentrismo em geral e aquele mais específico da linguagem egocêntrica. Se bem entendi, Vygotsky não concorda comigo no que respeita ao egocentrismo intelectual da criança,
mas reconhece a existência do que chamei linguagem egocêntrica.
Esta, para ele, é o ponto de partida da linguagem interior que se
desenvolve sucessivamente e que ele considera poder servir, seja
a escopos autísticos, seja a escopos lógicos. Consideremos os dois
problemas separadamente.
O egocentrismo Cognitivo
0 problema principal levantado por Vygotsky é fundamentalmente
aquele da natureza funcional e adaptativa das atividades da criança
e, portanto, de cada ser humano. Sobre este ponto, no geral, encontro-me de acordo com ele: tudo o que escrevi (depois dos meus primeiros cinco livros) sobre o "nascimento da inteligência" em nível
sensório-motor e sobre o desenvolvimento das operações lógico-matemáticas a partir das ações, facilita-me, hoje, pôr o início do pensamento no contexto da adaptação no sentido cada vez mais biológico.
Todavia, dizer que cada troca entre a criança e o seu ambiente tende
à adaptação não é dizer que esta adaptação tenha sucesso desde
o início; é necessário evitar o excessivo otimismo bio-social demonstrado às vezes por Vygotsky. De fato, cada esforço de adaptação pode
ser sujeito a duas limitações.
Primeiro, o sujeito pode não ter ainda adquirido ou elaborado os
meios ou os órgãos de adaptação necessários à execução de algumas
tarefas (o seu desenvolvimento apresenta-se geralmente como um
processo longo e difícil). Este é o caso das operações lógicas: os
primeiros sistemas estáveis não são alcançados até a idade de sete
ou oito anos (ver A Noção do Número na Criança, A Representação
do Espaço na Criança, etc).
Em segundo lugar, a adaptação é um estado de equilíbrio entre a
assimilação dos objetos às estruturas da ação e a acomodação destas
estruturas aos objetos; as estruturas podem ser inatas, ou estar em
via de formação, construindo-se através da progressiva organização
das ações. Pode acontecer facilmente que o equilíbrio entre a assimilação e a acomodação assuma formas não adequadas. Neste caso,
o esforço de adaptação resulta em erros sistemáticos.
Tais erros sistemáticos se encontram em todos os níveis da hierarquia do comportamento. Por exemplo, no campo da percepção, onde
existem as formas mais bem sucedidas de adaptação, quase toda
pecepção contém algum elemento de ilusão. Depois de haver estudado por 20 anos o desenvolvimento de tais erros sistemáticos, da
adolescência à idade adulta, escrevi um livro sobre os mecanismos
perceptivos. Nele tentei reconduzir todos estes diversos efeitos ilusórios a certos mecanismos gerais baseados sobre a focalização da
visão, levantando assim problemas muito vizinhos àqueles do egocentrismo. Sobre o plano afetivo, precisaríamos ser muito otimistas
para crer que os nossos sentimentos interpessoais elementares sejam sempre bem adaptados: reações como a inveja, o ciúme, a vaidade, que são, sem dúvida, universais, podem com certeza ser consideradas tipos diversos de erros sistemáticos na perspectiva individual.
No campo do pensamento, toda a história da ciência, do egocentrismo à revolução coperniciana, do falso absoluto dos axiomas da
física de Aristóteles, ao relativismo do princípio da inércia de Galileu
e à teoria da relatividade de Einstein, demonstra que foram necessários séculos para libertarmo-nos dos erros sistemáticos, das ilusões causadas pelo ponto de vista imediato, oposto ao pensamento
sistemático "descentrado". Estamos bem longe de uma completa
liberação. Criei o termo "egocentrismo cognitivo" (sem dúvida uma
mera escolha) para exprimir a idéia de que o progresso do conhecimento não deriva nunca de uma simples adição de novos elementos
ou de novos níveis, como se um mais vasto saber fosse somente
um complemento daquele precedente mais pobre; ele requer também uma reformulação perpétua dos pontos de vista precedentes,
através de um proceso que se move para frente e para trás, corrigindo
continuamente seja os erros sistemáticos iniciais seja aqueles que
se apresentam em seguida. Este processo de correção parece obedecera uma lei de desenvolvimento bem definida, a lei da descentração.
Para a ciência, o deslocar-se de uma perspectiva geocêntrica para
uma heliocêntrica exigiu uma gigantesca obra de descentração: a
minha descrição, comentada favoravelmente por Vygotsky, do desenvolvimento da noção "irmão", permite constatar o grande esforço
requerido de uma criança que tem um irmão, para compreender que
também seu irmão tem um irmão, que este conceito se refere a um
parentesco recípocro e não a uma propriedade absoluta. De modo
análogo, recentes experimentos (não disponíveis para Vygotsky) demonstraram que para conceber um trajeto como mais longo que
um outro, que também termina no mesmo ponto do primeiro, separando assim o conceito (métrico) de "longo" daquele (ordinal) de
"longo", a criança deve descentrar o seu modo de pensar, em princípio concentrado somente sobre o ponto terminal dos dois trajetos,
e encontrar a relação objetiva entre os pontos de partida e aqueles
de chegada.
Servi-me do termo egocentrismo para indicar a incapacidade inicial
de descentrar, de deslocar uma dada perspectiva cognitiva (falta de
descentração). Teria sido melhor dizermos simplesmente "centrismo", mas já que a centração inicial da perspectiva é sempre relativa
à própria ação e posição, disse "egocentrismo" e fiz notar que o
egocentrismo inconsciente do pensamento, ao qual me referia, nada
tinha a ver com o significado comum do termo, isto é, aquele de
hipertrofia da consciência do Eu. O egocentrismo cognitivo, como
procurei explicar/é resultante da falta de diferenciação entre o próprio ponto de vista e aquele dos outros, e não individualismo que
precede as relações com os outros (como na teoria de Rousseau
que me foi às vezes atribuída, com surpreendente má compreensão,
não partilhada por Vygotsky).
Uma vez esclarecido este ponto, fica evidente que o egocentrismo,
assim definido, vai além do egocentrismo-social que trataremos mais
tarde, a propósito da linguagem egocêntrica. A sua importância aparece, sobretudo, na minha pesquisa sobre a concepção da realidade
por parte da criança, que revelou um egocentrismo muito difuso,
operante em nivel sensório-motor. Por exemplo, o espaço sensóriomotor consiste inicialmente de uma pluralidade de espaços (oral,
tátil, cinestésico, etc), todos centrados sobre o próprio corpo. Por
volta dos 18 meses, através de um deslocamento da perspectiva (descentração), comparável à revolução coperniciana, o espaço torna-se
um único continente homogêneo no qual são situados todos os objetos, inclusive o próprio corpo. Examinemos isto, que é o que mais
incomoda a Vygotsky na minha concepção de egocentrismo: a sua
relação com o conceito de autismo de Bleuler e com o "principio
do prazer" de Freud. Sobre o primeiro ponto, Vygotsky, que é um
especialista no campo da esquizofrenia, não nega, como fizeram alguns críticos franceses do meu trabalho, que uma certa dose de autismo seja normal para todos, como também admitia o meu mestre
Bleuler. Ele acha apenas que eu dei relevo demasiado às semelhanças
entre o egocentrismo e o autismo/sem colocar suficientemente em
evidência as diferenças; nisto ele tem certamente razão. Dei relevo
às semelhanças, cuja existência não é negada por Vygotsky, porque
a mim parecia que elas iluminavam a gênese dos jogos simbólicos
das crianças (ver A gênese do Símbolo na Criança). Nestas se pode
mesmo observar o "pensamento não dirigido e autista" de que fala
Bleuler e que eu procurei explicar com a predominância da assimilação sobre a acomodação, nos primeiros jogos da criança.
No que se refere ao "princípio do prazer", que Freud vê geneticamente anterior ao princípio da realidade, Vygotsky tem de novo razão
quando me censura por haver aceito acriticamente esta ordem de
sucessão, por demais simplista. O fato de que todo o comportamento
seja um processo de adaptação e que a adaptação seja sempre uma
certa forma de equilíbrio (estável ou instável) entre a assimilação
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out/dez. 1990
e a acomodação, permite-nos: (1) explicar a primeira manifestação
do princípio do prazer como o aspecto afetivo da assimilação frequentemente predominante; e (2) concordar com o ponto de vista de Vy_gotsky de que a adaptação à realidade vai a par e passo com a necessidade e com o prazer, porque, mesmo quando predomina a assimilação, ela é sempre acompanhada de uma certa acomodação.
Por outro lado, não posso concordar com Vygotsky quando afirma
que eu, após ter separado a necessidade e o prazer das suas funções
de adaptação (coisa que penso jamais ter feito; ou, se o fiz, corrigi-me
subitamente (ver "A gênese da Inteligência na Criança"), fui obrigado
a conceber o pensamento realístico ou objetivo como independente
das necessidades concretas, como uma espécie de pensamento puro
que procura provas apenas para sua satisfação. Sobre este ponto,
todo o meu trabalho sucessivo, acerca do desenvolvimento das operações intelectuais a partir das ações e sobre o desenvolvimento das
estruturas lógicas através da coordenação das ações, demonstra que
eu não separo o pensamento do comportamento. É porém verdade
que foi necessário um pouco de tempo, para ver que as raízes das
operações lógicas são mais profundas que as das relações lingüísticas, e que o meu estudo sobre o pensamento era muito centrado
sobre os seus aspectos linguísticos. Isto nos conduz ao segundo ponto.
A linguagem Egocêntrica
Não há razão alguma para crer que o egocentrismo cognitivo, caracterizado por uma focalização inconsciente seletiva, ou por uma falta
de diferenciação de pontos de vista, não possa ser aplicado ao campo
das relações interpessoais, em particular àquelas que encontram expressão através da linguagem.Para tomar um exemplo da vida dos
adultos, cada professor, mais cedo ou mais tarde, descobre que as
suas primeiras lições eram incompreensíveis, porque ele falava para
si mesmo, isto é, tendo presente apenas o seu ponto de vista./Só
gradualmente, e com dificuldade, ele se dá conta de que não é fácil
pôr-se no lugar dos alunos que ainda não conhecem o que ele sabe
sobre a matéria-objeto do seu curso.Como segundo exemplo, podemos pegar a arte de discutir, que consiste principalmente em saber
colocar-se do ponto de vista do interlocutor, de modo a procurar
convencê-lo sobre seu próprio terreno./Sem esta capacidade, a discussão é inútil, como geralmente sucede até mesmo entre os psicólogos.
Por esta razão, procurando estudar as relações entre linguagem e
pensamento do ponto de vista dos deslocamentos da centração (centrações e descentrações), procurei ver se existe ou não uma linguagem egocêntrica especial que possa ser distinta da linguagem cooperativa. No meu primeiro livro, sobre a linguagem e o pensamento
na criança, dediquei a este problema três capítulos (mais tarde lamentei ter publicado primeiro este livro, porque teria sido melhor compreendido se tivesse começado com "A representação do Mundo
na Criança", que então estava preparando). No segundo desses capítulos, estudava as conversações e, sobretudo, as discussões entre
crianças, para trazer à luz as dificuldades que elas experimentavam
para sair do próprio ponto de vista. O terceiro capítulo dizia respeito
aos resultados de um pequeno experimento sobre a compreensão
mútua entre crianças em uma situação na qual uma criança deve
dar a uma outra uma explicação causai, experimento por mim executado, para verificar as minhas observações. Para explicar esses fatos,
que me pareciam muito importantes, apresentei depois, no primeiro
capítulo, um inventário da linguagem espontânea das crianças, procurando distinguir os monólogos e os "monólogos coletivos", da
linguagem socializada, na esperança de encontrar, deste modo, uma
espécie de medida do egocentrismo verbal.
Mas o resultado surpreendente, que eu não podia prever, foi que
todos os adversários da noção de egocentrismo (são legiões!) escolheriam para os seus ataques somente o primeiro capítulo, sem dar
importância alguma aos outros dois e sem assim entender, como
fui cada vez mais levado a crer, o significado real do conceito. Um
crítico chegou ao ponto de tomar como medida de linguagem egocêntrica o número de frases nas quais a criança falou de si mesma,
como se alguém não pudesse falar de si de um modo não egocên-
trico! Em um outro excelente ensaio sobre a linguagem (divulgado
no manual de Psicologia da Criança, de H. Carmichael), D. McCarthy
conclui que os longos debates sobre este assunto foram inúteis, sem
porém dar alguma explicação do significado real e da importância
do conceito de egocentrismo verbal.
Antes de retornar a Vygotsky, desejaria dizer, eu mesmo, o que me
parece ser ainda válido nas provas negativas e positivas recolhidas
pelos meus poucos partidários e pelos meus muitos opositores:
1. A mensuração da linguagem egocêntrica demonstrou que existem
grandes variações devidas ao ambiente e às situações. Assim é que,
contrariamente às minhas esperanças iniciais, não possuímos, para
esta mensuração, um instrumento válido de avaliação do egocentrismo intelectual e nem do egocentrismo verbal.
2. O fenômeno mesmo, do qual quisemos controlar a freqüência relativa em níveis de desenvolvimento diversos, como também o seu
declínio com a idade, nunca foi discutido, porque raramente foi entendido. Quando foi examinado como centração deformante sobre a
própria ação e descentração sucessiva, este fenômeno se mostrou
bem mais significativo no estudo das ações mesmas e da sua interiorização sob formas de operações mentais, que no campo da linguagem. Todavia, é ainda possível que um estudo mais sistemático das
discussões das crianças, sobretudo do comportamento voltado para
a verificação e prova (e acompanhado pela linguagem), possa fornecer índices métricos válidos.
Este longo preâmbulo foi necessário para fazer notar o quanto respeito a posição de Vygotsky sobre o problema da linguagem egocêntrica, embora não concorde inteiramente com ela. Antes de tudo,
Vyfotsky se deu conta de que se tratava de um problema real, e não
de uma simples questão de estatística. Em segundo lugar, ele mesmo
verificou os fatos em discussão, ao invés de eliminá-los através de
artifícios da mensuração; as suas observações sobre a freqüência
da linguagem egocêntrica nas crianças, quando a sua atividade é
bloqueada, e sobre a diminuição de tal linguagem, no período no
qual a linguagem interior começa a formar-se, são de notável interesse. Em terceiro lugar, ele avançou uma hipótese: a linguagem
egocêntrica é o ponto de partida para o desenvolvimento da linguagem interior, que se encontra em um estágio superior de desenvolvimento; esta linguagem interiorizada pode servir seja a fins autísticos,
seja ao pensamento lógico. Estou completamente de acordo com
esta hipótese.
De outra parte, penso que Vygotsky não tenha avaliado plenamente
o fato de que o egocentrismo pode constituir o principal obstáculo
à coordenação dos pontos de vista e à cooperação. Vygotsky me
criticara justamente por não haver dado, desde o início, relevo suficiente ao aspecto funcional destes problemas. Admito não haver feito
isto então, porém devo dizer que, em seguida, o fiz. Na obra "O julgamento Moral na Criança", estudei os jogos de grupo das crianças
(bolinha, etc) e notei que antes dos sete anos elas não sabiam como
coordenar as regras durante um jogo, já que cada uma jogava por
si mesma e todas venciam, sem entender que a coisa essencial é
a competição. R.F. Nielsen, que estudou as atividades colaboradoras
(construir conjuntos, etc), encontrou no campo da ação mesma todas
as características que eu pus em evidência quanto à linguagem. Existe, pois, um fenômeno geral que me parece ter sido negligenciado
por Vygotsky.
Em linhas gerais, estou de acordo com Vygotsky quando conclui que
a função inicial da linguagem é aquela da comunicação global e que
mais tarde a linguagem se torna diferenciada em linguagem egocêntrica e linguagem comunicativa propriamente dita. Mas não posso
concordar com ele quando afirma que estas duas formas lingüísticas
são igualmente socializadas, porque a palavra socialização se torna
ambígua neste contexto: se um indivíduo A crê erroneamente que
um indivíduo B pensa como ele, e se ele não procura compreender
a diferença entre os dois pontos de vista, este é, por certo, comportamento social no sentido de contato entre os dois; mas eu chamo
tal comportamento inadaptado do ponto de vista da cooperação inteEm Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out./dez. 1990
lectual. Este ponto de vista é o único aspecto do problema que me
interessou, mas que não parece ter interessado a Vygotsky.
No seu excelente trabalho sobre os gêmeos, R. Zazzo formula claramente o problema. Segundo ele, a dificuldade na noção de linguagem
egocêntrica surge de uma confusão de dois significados que, para
ele, eu deveria ter separado: 1) linguagem incapaz de reciprocidade
racional, e 2) linguagem "não destinada a outros". O fato é que, do
ponto de vista da cooperação intelectual, que era a única coisa que
me interessava, estes dois significados são a mesma coisa. Por tudo
quanto eu saiba, nunca falei de linguagem "não destinada a outros";
isto teria distorcido as coisas, porque sempre reconheci que a criança
pensa que ela está falando para outros e que os outros a escutam.
O meu ponto de vista é simplesmente o de que a criança, na linguagem egocêntrica, fala para si mesma (no sentido de que um orador
pode falar somente "para si mesmo", embora entendendo naturalmente voltar o próprio discurso ao auditório). Zazzo, citando uma
passagem minha, na realidade muito clara, contesta-me seriamente,
dizendo que a criança não fala "para si mesma" mas "segundo o
próprio modo de ver". Concordo! Substituamos então "para si mesmo" por "segundo p próprio modo de ver" em todas as minhas obras.
Continuo, todavia, a acreditar que isto não mudaria em nada o significado essencial do egocentrismo: a falta de descentração, a incapacidade de deslocar a perspectiva mental, seja nas relações sociais, .
seja nas outras. Além disso, penso que mesmo a cooperação com
os outros (sobre o plano cognitivo) nos ensina a falar "segundo"
os outros e não somente do nosso ponto de vista.
As minhas observações sobre a segunda parte das considerações
de Vygotsky sobre minha obra, no seu capitulo 6, serão mais simples,
porque creio encontrar-me mais de acordo com ele sobre estes pontos; e sobretudo porque os meus últimos livros, que ele não conheceu, respondem eles mesmos aos problemas por ele levantados, ou
pelo menos, à maior parte deles.
Conceitos Espontâneos, Aprendizagem Escolar e Conceitos Científicos
Com alegria descobri no livro de Vygotsky que ele aprova o fato
de eu ter distinguido, para fins de estudo, os conceitos espontâneos
daqueles não-espontâneos: poder-se-ia temer que um psicólogo dedicado aos problemas da aprendizagem escolar, muito mais do que
nós, pudesse ser propenso a subestimar a parte dos processos contínuos de reestruturação da atividade mental no desenvolvimento da
criança. É verdade que, quando mais adiante Vygotsky me reprova
por haver sublinhado demais esta distinção, dei-me conta de que
ele estava tolhendo-me o que apenas me havia concedido. Mas quando ele expõe a sua crítica mais explicitamente, dizendo que também'
os conceitos não-espontâneos recebem "uma marca" da mentalidade da criança no processo de aquisição e que se pode, por isto,
admitir uma "interação" dos conceitos espontâneos e adquiridos,
encontro-me mais uma vez de acordo com ele. Vygotsky, de fato,
interpreta-me mal ao pensar que, do meu ponto de vista, o pensamento espontâneo deva ser conhecido pelos próprios educadores
como se deve conhecer um inimigo para poder combatê-lo com sucesso. Em todos os meus escritos pedagógicos, velhos ou recentes,
ao contrário, insisti em dizer que a educação formal poderia ser beneficiada, mais do que o é agora com os métodos ordinários, por uma
utilização sistemática do desenvolvimento mental espontâneo da
criança.
Ao invés de discutir abstratamente acerca destes poucos (se bem
que essenciais) pontos de dissenso, iniciamos com aqueles que me
parecem revelar o nosso acordo fundamental. Quando Vygotsky conclui, de suas reflexões sobre os meus primeiros livros, que a tarefa
essencial da psicologia da criança era a de estudar a formação dos
conceitos científicos, seguindo passo a passo o processo que se desenvolve sob os nossos olhos, ele não suspeitou que este era exatamente o meu programa./Antes que fossem publicados os meus primeiros livros, tinha já o texto manuscrito, redigido em 1920, de um
meu estudo sobre a construção da correspondência numérica na
criança. Este, então, era o meu programa. Os meus trabalhos sobre
linguagem e sobre pensamento, sobre o juízo e o raciocínio, sobre
o modo de conceber o mundo da criança, etc, deviam ser somente
uma introdução. Em colaboração com A. Szeminska e especialmente
com B. Inhelder, publiquei, mais tarde, uma série de estudos que
tratavam o desenvolvimento dos conceitos de número, da quantidade física, do movimento, da velocidade, do tempo, do espaço, do
acaso, da capacidade de descobrir indutivamente leis físicas e da
estrutura lógica das classes, relações e proposições — em resumo,
da maior parte dos conceitos científicos fundamentais.
Examinemos o que revelaram estas descobertas acerca da relação
entre aprendizagem e desenvolvimento, já que exatamente sobre
este problema Vygotsky crê não concordar comigo, embora efetivamente ele difira do meu ponto de vista apenas parcialmente. Além
disso, difere não no sentido que ele imagina, mas, ao contrário, no
sentido oposto.
Como exemplo específico, tomemos o ensino da Geometria. Em Genebra, na França, e em toda parte, ele apresenta três características:
1) começa tarde, geralmente na idade de 11 anos, o que não acontece
com a Aritmética, que se ensina aos sete anos; 2) desde o início,
é especificamente geométrico, ou mesmo métrico, sem antes passar
por uma fase qualitativa, na qual as operações espaciais seriam reduzidas a operações lógicas, aplicadas a um continuum; 3) segue a
ordem histórica das descobertas — primeiro se ensina a geometria
euclidiana, muito mais tarde a geometria projetiva, e somente ao
fim, na universidade, a topologia. Todavia, é notório que a geometria
teorética moderna se assenta nas estruturas topológicas, das quais
podem ser derivadas, com métodos paralelos, sejam estruturas projetivas, sejam estruturas euclidianas. Além disso, é notório que a
geometria teorética é baseada sobre a lógica, enfim, que existe uma
ligação cada vez mais estreita entre as considerações geométricas
e aquelas algébricas e numéricas. Se, como propõe Vygotsky, examinamos o desenvolvimento das operações geométricas nas crianças,
descobrimos que elas tomam uma direção muito mais próxima ao
espírito da geometria teorética que aquele da instrução escolar tradi-
cional: 1) a criança constrói as suas operações espaciais ao mesmo
tempo que constrói as numéricas, com uma estreita interação entre
elas (existe, em particular, um notável paralelismo entre a formação
do conceito de número e aquela do conceito de medida, das quantidades contínuas); 2) as primeiras operações geométricas da criança
são essencialmente qualitativas e completamente paralelas às suas
operações lógicas (ordenamento, inclusão de classes, etc); 3) as primeiras estruturas geométricas que a criança descobre são fundamentalmente de natureza topológica; a partir destas ela constrói, mas
de modo paralelo, as estruturas elementares projetivas e euclidianas.
De tais exemplos, que poderiam ser multiplicados, é fácil extrair uma
resposta às observações de Vygotsky. Antes de tudo, ele desaprova-me por haver considerado a aprendizagem escolar como não essencialmente relacionada ao desenvolvimento espontâneo da criança. Contudo, deveria ficar claro que, para mim, a criança não deveria
ser responsabilizada pelos conflitos eventuais e sim a escola, que
é culpada por ignorar o uso que poderia fazer do desenvolvimento
espontâneo da criança, reforçando-o com métodos adequados, ao
invés de inibi-lo como geralmente faz. Em segundo lugar — e este
é o principal erro de Vygotsky ao interpretar minha obra — ele crê
que, segundo a minha teoria, o pensamento do adulto, depois de
diversos compromissos, "suplanta" gradualmente o pensamento da
criança, por meio de uma espécie de "abolição mecânica" deste último. Na realidade, hoje sou mais frequentemente acusado de interpretar o desenvolvimento espontâneo tanto como tendente à direção
das estruturas lógico-matemáticas dos adultos, quanto na direção
de um ideal predeterminado!
Tudo isso levanta pelo menos dois problemas que Vygotsky formula,
sobre cujas soluções, porém, temos opiniões um tanto divergentes.
O primeiro diz respeito "à interação dos conceitos espontâneos e
não-espontâneos". Esta interação é mais complexa do que crê Vygotsky. Em alguns casos, o que é transmitido pela instrução é bem
assimilado pela própria criança, porque representa uma extensão
de algumas de suas construções espontâneas. Em tais casos, o seu
desenvolvimento é acelerado. Mas em outros casos, as dádivas da
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out. dez. 1990
instrução são apresentadas ou muito cedo ou tarde demais, ou de
uma maneira que torna impossível a assimilação porque não são
adequadas às construções espontâneas da criança. Então o desenvolvimento é impedido, ou até desviado para a aridez, como sucede
geralmente no ensino das ciências exatas. Por isto não creio, como
parece fazer Vygotsky, que novos conceitos, mesmo em nível escolar,
possam ser adquiridos sempre por meio da intervenção didática dos
adultos. Isto pode acontecer, mas existe uma forma de instrução muito mais produtiva: as escolas chamadas "ativas" procuram criar situações que, não sendo em si mesmas "espontâneas", provocam
uma elaboração espontânea por parte da criança, quando se consegue despertar o seu interesse e fazer com que o problema que se
lhe apresenta assuma uma estrutura similar àquelas que ela própria
já formou.
O segundo problema, que na realidade é uma extensão do primeiro,
é posto mais genericamente e diz respeito à relação entre conceitos
espontâneos e noções científicas como tais. No sistema de Vygotsky,
a "chave" para este problema é que "os conceitos científicos e aqueles espontâneos partem de pontos diferentes, mas no final se encontram". Quanto a isto estamos completamente de acordo, se ele entende que um verdadeiro encontro acontece entre a sociogênese das
noções científicas (na história da ciência e na transmissão do saber
de uma geração a outra) e a psicogênese das estruturas "espontâneas" (influenciadas sem dúvidas pela interação com o ambiente
social, familiar, escolar, etc), e não simplesmente que a psicogênese
seja inteiramente determinada pela cultura histórica e por aquela do
ambiente. Parece-me que, tratando assim as coisas, nada mais fácil
do que dizer a Vygotsky o que ele próprio disse, dado que ele admite
a parte da espontaneidade do desenvolvimento. Resta determinar
em que consiste esta parte.
Operações e Generalizações
Restam talvez algumas divergências entre Vygotsky e eu sobre o
problema da natureza das atividades espontâneas, mas esta dife-
rença não é mais que uma extensão do problema concernente ao
egocentrismo e ao papel da descentração no progresso do desenvolvimento mental.
No que se refere ao retardo no aparecimento da consciência, nós
estamos bastante de acordo, salvo o fato de Vygotsky não acreditar
que a falta de consciência seja um resíduo do egocentrismo. Examinemos a solução que ele propõe: 1) o desenvolvimento tardio da
consciência deve ser simplesmente o resultado da bem conhecida
" l e i " segundo a qual a consciência e o controle emparelham-se somente no ponto final do desenvolvimento de uma função; 2) a consciência, no início, limita-se aos resultados das ações e somente mais
tarde se estende ao "como", isto é, à operação mesma. Ambas as
afirmações são corretas, mas elas afirmam simplesmente os fatos
sem explicá-los. Começa a haver uma explicação somente quando
se consegue entender que um sujeito não pode se tornar consciente
de alguma coisa, senão através dos resultados das próprias ações;
por outro lado, a descentração, isto é, o deslocar o próprio centro
de interesse e o comparar uma ação BM outras ações possíveis,
em particular as ações dos outros, conduz a uma consciência do "como" e às várias operações.
Esta diferença entre um simples esquema linear, como aquele de
Vygotsky, e um esquema de descentração é também mais evidente
no problema do agente principal do desenvolvimento intelectual. Pareceria, segundo Vygotsky (embora eu não conheça o resto de sua
obra), que o fator principal deva ser procurado na "generalização
das percepções", sendo o processo de generalização suficiente, por
si mesmo, para levar as operações mentais à consciência. Nós, por
outro lado, estudando o desenvolvimento espontâneo das noções
científicas, fomos levados a considerar como fator central o processo
mesmo da construção das operações, que consiste em ações interiorizadas que se tornam reversíveis e se coordenam em modelos de
estruturas, sujeitos a leis bem definidas. O processo de generalização
é apenas o resultado desta elaboração de estruturas, que derivam
não das percepções, mas das ações totais.
O próprio Vygotsky avizinhava-se de tais soluções, quando pensava
que o sincretismo, a justaposição, a insensibilidade à contradição
e outras características do nível de desenvolvimento que hoje chamamos pré-operatório (preferindo-o a pré-lógico) eram todas devidas
à falta de um sistema, porque a organização de sistemas é, de fato,
a conquista essencial que assinala a passagem da criança ao nível
do raciocínio lógico. Mas estes sistemas não são simplesmente o
produto das generalizações; eles são estruturas operatórias diferenciadas e múltiplas, cuja elaboração gradual, por parte da criança,
apreendemos seguindo-a passo a passo.
Um pequeno exemplo desta diferença em nossos pontos de vista
nos é fornecido pelas observações de Vygotsky sobre a inclusão em
classes. Lendo aquela passagem do seu trabalho, tem-se a impressão
de que a criança descobre a inclusão por meio de uma combinação
de generalização e aprendizagem: aprendendo a usar a palavra rosa
e depois a palavra flor, ela primeiro as justapõe, e depois não apenas
leva a termo a generalização "todas as rosas são flores" e descobre
que o contrário não é verdadeiro, mas também se dá conta de que
a classe das rosas está incluída na classe das flores. Tendo estudado
estes problemas em primeira mão, sabemos o quanto são mais complexos. Mesmo que ela afirme que todas as rosas são flores e que
nem todas as flores são rosas, a criança antes não é capaz de concluir
que existem mais flores que rosas. Para chegar à conclusão, ela deve
organizar um sistema de operações como: A (rosa) + A' (flores que
não são rosas) = B (flores); compreender que A = B - A', e que,
portanto, A/B; a reversibilidade deste sistema é um pressuposto para
a inclusão.
Neste comentário, não discuti o problema da socialização como condição do desenvolvimento intelectual, embora Vygotsky o levante
muitas vezes. Do meu atual ponto de vista, as minhas primeiras formulações têm menos importância, porque o exame das operações
e da descentração implícita na organização das estruturas operatórias
fez aparecer o argumento sob uma nova luz. Todo o pensamento
lógico é socializado porque implica a possibilidade de comunicação
entre os indivíduos. Mas tal troca interpessoal ocorre através de correspondências, reuniões, interseções e reciprocidade, isto é, através
das operações. Assim, existe identidade entre as operações intraindividuais e as operações interindividuais que constituem cooperação
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out. dez. 1990
no sentido próprio e quase etimológico da palavra. As ações, quer
individuais quer interpessoais, são, na sua essência, coordenadas
e organizadas pelas estruturas operatórias, que são construídas espontaneamente durante o desenvolvimento mental.
RESENHAS
BOM FIM, Manoel. Pensar e dizer: estudo do symbolo no pensamento
e na linguagem. Rio de Janeiro: Casa Electros, 1923. 518p.
Esta obra diferencia-se em muitos pontos de outras obras pedagógicas ou psicológicas do autor. Ela não tem caráter precipuamente
didático como as demais; disso decorrem provavelmente as diferenças de forma e conteúdo, de tal maneira que, neste livro, não há
uma abordagem geral dos assuntos psicológicos, mas a abordagem
de uma temática específica e, portanto, bem mais aprofundada, em
que não há preocupação de facilitar a exposição; ao contrário, o texto
é muitas vezes denso e há grande número de citações e referências
de uma infidade de autores e obras, demonstrativas da ampla cultura
literária, filosófica e científica do autor. Esta obra, segundo Lourenço
Filho, anteciparia noções que foram, mais tarde, confirmadas experimentalmente. A obra é composta de duas partes: a primeira trata
de vários aspectos do símbolo e do processo de simbolização; e a
segunda, das relações entre símbolo e linguagem; ambas as partes
contêm 9 capítulos; a isso se acrescenta o relato de uma pesquisa,
em todas as suas etapas, realizada no Laboratório do "Pedagogium".
A finalidade do livro é claramente sugerida em seu título; constitui-se
ele num estudo da função simbólica e suas relações com o pensamento e a linguagem, na perspectiva de compreendê-la na sua dimensão psicossocial. Neste contexto, a linguagem assume papel privilegiado, por ser esta a instância mediadora entre o sujeito e o meio
social, ao mesmo tempo que se constitui como dado objetivo da
vida psíquica. É constante em toda a obra a afirmação e a demonstração da natureza social do fenômeno psicológico.
Percebe-se, pois, que pensamento e linguagem são considerados
no seu aspecto ativo, de tal maneira que esta perspectiva — pensamento, linguagem e ação — são as dimensões que alicerçam os conteúdos trabalhados no livro; estes revelam, por seu turno, a concepção que adota o autor a respeito do fenômeno psicológico e de suas
determinações e, conseqüentemente, da própria Psicologia.
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out./dez. 1990
É possível dizer que Bonfim concebe o fenômeno psicológico como
totalidade multideterminada e em processo constante de transformação. A determinação social, reiteradamente abordada, inclui também a dimensão histórica que, junto com o substrato orgânico (abordado essencialmente em outras obras), formam o tripé fundamental
que dá a dinâmica do psiquismo.
Em vários momentos aponta o autor a necessidade de se extrapolar
o conhecimento especificamente psicológico, para de fato compreender o psiquismo; deve-se mesmo recorrer às várias áreas do saber,
pois que estas revelam as multideterminações do fenômeno psíquico; particularmente Bomfim refere-se à dimensão histórico-social do
psiquismo. Nesta perspectiva, ele critica os "psicologistas" exclusivos, destacando a necessidade de transpor estes limites e ilustrando seu pensamento com a referência a vários pensadores que se
constituíram como personagens da história da Psicologia.
O autor aponta para uma questão, em geral pouco abordada pelos
autores brasileiros da época: a questão metodológica. Procura explicitar a adoção do "método interpretativo", não apenas expondo sua
natureza e justificando sua utilização, como também apresentando
uma análise crítica em relação à pesquisa experimental realizada em
laboratório, por sua incapacidade de apreender o fenômeno psicólogo em sua totalidade e, sobretudo, por sua inadequação ao estudo
do pensamento. As críticas de Bomfim aos estudos de laboratório
anteciparam-se às críticas elaboradas mais tarde por diversos autores. Segundo ele, o fenômeno psicológico, por ele concebido como
totalidade e fundamentalmente social, não poderia ser compreendido na sua complexidade, pelas restrições impostas pelo laboratório. Neste contexto, demonstrando razoável conhecimento da história da Psicologia, o autor aponta para uma crise que estaria então
vivendo esta ciência, reconhecendo sua razão na problemática metodológica. Vale destacar, neste quadro, uma critica a Watson e à sua
concepção de objeto do estudo da Psicologia: o comportamento;
segundo Bomfim, a questão central: o método, não era solucionada;
apenas se alterava uma instância secundária: o objeto de estudo.
Exceção era feita, contudo, a Badwin e a seu método genético.
Com base em tais críticas aos métodos correntes, Bomfim opta pelo
denominado "método interpretativo", considerando-o como possibilidade de superação daqueles e, por sua vez, adequado a seus objetivos de estudo e à sua concepção de Psicologia e fenômeno psicológico; este método basear-se-ia na "análise interpretativa desta longa
obra em que o espirito humano se tem revelado como a própria
realização das consciências socializadas" (Bomfim, 1923); em outras
palavras, seria o estudo interpretativo da produção humana nos diversos estágios de seu desenvolvimento.
Com base nessa perspectiva. o autor expõe e discute ao longo da
obra o significado do símbolo e sua importância para o processo
psíquico; aborda, sobretudo, as relações entre este e o processo de
formação do pensamento, referindo-se a questões como: a idéia,
a abstração, a inteligência e a subjetividade, utilizando-se principalmente da linguagem em suas várias formas de manifestação, como
instância reveladora daquilo que o autor denomina "funções psíquicas superiores.
0 símbolo é considerado fundamental como representação, produzida por um processo associativo, cuja finalidade define-se pela "lei
da economia"; isto é, o símbolo teria uma função sintética que permiti ria ao sujeito recorrer a ele, sem ter a necessidade de reelaborar
o processo que lhe deu origem. É esta "lei do menor esforço" a principal responsável pela formação dos símbolos e é ela que define
sua importância para o funcionamento psíquico, uma vez que o símbolo substitui o longo processo intermediário presente no fluxo da
consciência por sinais imediatos. Assim, explicita-se a relação entre
a abstração e o processo de simbolização, pois que é este um instrumento subsidiário daquela.
No desenvolver destas idéias, Bomfim empreende uma extensa e
complexa análise, em que, para explicitar as determinações dos fatos
psíquicos, recorre a inúmeras áreas do saber: da Filosofia à Neurologia, do Cinema às Artes Plásticas e, essencialmente, utiliza-se de
vasta análise da produção literária universal e brasileira. Este recurso
utilizado é de tal maneira rico, que se torna praticamente impossível
expor sequer os nomes de autores e obras por ele abordados, que
incluem desde os clássicos até os contemporâneos de então, sem
contar a riqueza da análise sobre estes elaborada.
Uma constante na obra é a articulação atividade-pensamento-linguagem, que, segundo o autor, é um dos pilares do funcionamento psíquico. Tal concepção, abordada em outras obras de Manuel Bomfim,
faz reiteradamente referência às idéias de Baldwin e, na sua essência,
antecede em alguns anos as concepções dos psicólogos marxistas
russos: Vygotsky, Leontiev e Luria (grifo do editor). É de grande interesse este ponto de vista do autor, na medida em que este procura,
de certa forma, superar alguns dos problemas que a Psicologia vem
enfrentando desde seus primórdios como ciência autônoma; por
exemplo, dá conta da complexidade e da multideterminação do fenômeno psicológico, procurando não reduzi-lo a algumas de suas manifestações; evita cair no psicologismo e busca métodos e técnicas
de pesquisa capazes de apreender a totalidade do fenômeno e suas
relações de mediação com dimensões que extrapolam o propriamente psicológico. Seria por demais pretensioso imaginar que Bomfim
consegue solucionar tais questões; mas de certa forma, a direção
por ele apontada é, em muitos pontos, reconhecidamente coerente
com propostas elaboradas posteriormente, tendo por base preocupações semelhantes.
A visão totalizadora do psiquismo leva o autor a criticar as concepções neuropsiquiátricas da época, particularmente no que se refere
à sua concepção fragmentária que correlaciona determinadas fun-
ções psíquicas a regiões específicas do cérebro; o autor esclarece
que concebe o funcionamento cerebral como sendo essencialmente
integrado e a linguagem como função cuja complexidade não pode
limitar-se a uma mera região do cérebro. No capitulo em que esta
questão é tratada, Bomfim faz uma longa exposição sobre as várias
manifestações patológicas da linguagem, discutindo os vários quadros e tipos de sintomas e possíveis etiologias.
escreve um verdadeiro libelo ao pensamento revolucionário e um
contundente ataque ao conservadorismo. Esta conclusão patenteia
seu ponto de vista acerca das relações entre pensamento e ação e
entre eles e o processo de transformação histórica da sociedade. Entretanto, considera ele o símbolo na sua contradição, pois que pode
ser instrumento de transformação e, por outro lado, pode servir como
fator de resistência a mudanças.
Por outro lado, a obra reitera, sistematicamente, a preocupação com
a dimensão social, seja por influência sobre o psiquismo, seja por
sua realidade própria. Ao abordar esta questão, o autor explicita seus
valores políticos, particularmente aqueles referentes à liberdade e
à igualdade, considerados como valores universalmente humanos.
Esta obra praticamente esquecida, requer por sua riqueza e atualidade junto com as demais obras do autor, um estudo mais aprofundado e sua recuperação para a memória nacional e, sobretudo, para
a historiografia do pensamento educacional e da Psicologia no Brasil.
Sua concepção de sociedade, principalmente no que se relaciona
à produção de pensamento e sua determinação na ação, revela-se
com extrema força expressiva na conclusão da obra, onde o autor
Mitsuko Antunes
Departamento de Fundamento da Educação do
Centro de Educação da PUC/SP
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out/dez. 1990
CARRAHER, Terezinha Nunes. O método clínico: usando os exames
de Piaget. São Paulo: Cortez, 1989. 161p.
de Piaget, o conceito de objeto permanente e a compreensão dos
deslocamentos no espaço são aspectos de um mesmo processo.
O livro de Terezinha Nunes Carraher — professora do mestrado de
Psicologia Cognitiva da UFPE — descreve com clareza e objetividade
o chamado método clínico, usando os exames de Jean Piaget, para
demonstrar como a inteligência se manifesta no raciocínio das pessoas, principalmente quando estas resolvem problemas.
O estudo apresenta algumas orientações relacionadas ao desenvolvimento do conceito de objeto. Assim, descreve as seguintes situações: a) o estudo do conceito de objeto ou técnica de exame; b)
a discussão do conceito de objeto permanente; c) a apresentação
de várias perguntas que deverão orientar a identificação do estágio
no desenvolvimento da permanência do objeto, evidenciado pelo
comportamento da criança; d) um resumo das reações de cada estágio.
Na parte introdutória do trabalho, a autora esclarece que este método
está baseado numa teoria bem fundamentada e que os seus resultados são obtidos através de entrevistas com crianças e adolescentes,
de modo objetivo. Sobre este aspecto, a questão principal consiste
em saber como é possível acompanhar e descrever o raciocínio de
um indivíduo, sem recorrer aos tradicionais textos de respostas certas e erradas.
Após estes esclarecimentos iniciais, Carraher introduz a discussão
sobre o método clínico. Primeiramente apresenta o contraste entre
a abordagem psicométrica e a piagetiana no estudo da inteligência
humana. Nesse contraste explica que, enquanto a metodologia tradicional enfatiza o controle pela padronização de situações externas,
a metodologia piagetiana procura voltar-se para a situação psicológica do sujeito. Os objetivos dos exames levam em consideração
as respostas certas ou erradas dos sujeitos e os pressupostos dos
exames são considerados fundamentais para compreensão das desigualdades metodológicas apontadas.
Em segundo lugar, direcionada para o método clínico no estudo da
inteligência, a autora propõe diretrizes específicas, sobretudo no tocante à observação. Considera o que o examinador deve fazer antes
e durante os exames, como proceder quanto às avaliações das respostas. Carraher faz, em seguida, um estudo prático a respeito da
permanência do objeto, ou seja, a questão da mágica (que faz desaparecer diante de uma platéia, por exemplo, um elefante). A grande
dúvida do expectador está em saber "para onde foi o elefante?" Se
não está no palco, deve estar em algum lugar. Sabe-se que ele não
desapareceu no ar, mas continua existindo. De acordo com a Teoria
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out. dez 1990
A autora esclarece, ainda, que "o leitor deverá reconhecer que estas
diretrizes podem orientar seu trabalho, mas não substituem seu raciocínio", o qual, em última análise, baseia-se na oportunidade de
estudo que se deseja criar.
Em seguida, apresenta um relato de exame de permanência de objeto, demonstrando novas situações isoladas, para facilitar a análise
do comportamento de crianças.
Com relação ao estudo de conservação de quantidade, a autora procura mostrar a contribuição revolucionária de Piaget, principalmente
quando se trata da questão das premissas evidentes no raciocínio
do adulto, as quais não são inatas, mas representam conquistas no
desenvolvimento intelectual.
Finalmente, a autora apresenta, de forma detalhada, a questão da
flutuação de corpos. Classifica os objetos em duas classes: os que
flutuam e os que afundam.
Este trabalho sobre o método clínico é considerado de grande relevância, pois educadores e psicólogos têm reconhecido a necessidade
de abandonarem os testes tradicionais de "Q.l." em favor das práticas
de exames, com base no método clínico usado por Piaget. Trata-se,
portanto, de um livro útil e indispensável para estudantes e profissionais das áreas de Psicologia e Educação.
Samuel Aureliano da Silva — INEP
CARRAHER, Terezinha Nunes (Org.) Aprender pensando. Petrópolis:
Vozes, 1989. 128p.
Este texto foi elaborado a partir das primeiras pesquisas realizadas
por professores do Serviço de Orientação Pedagógica e Vocacional
— SOPV — da Universidade Federal de Pernambuco, reunidos em
torno do Projeto Aprender Pensando. Com a finalidade de pesquisar
e divulgar contribuições e implicações da Psicologia Cognitiva para
a prática educacional, Aprender Pensando tem sido de grande utilidade para a atualização de professores, orientadores educacionais, psicólogos e pais comprometidos com a revisão, mudança e busca de
novos caminhos para o seu trabalho cientifico e pedagógico. Publicado inicialmente em 1983 em convênio com a Secretaria de Educação de Pernambuco, este livro foi texto para a primeira capacitação
de professores oferecida pelo Estado. Como resultado desta iniciativa, existe hoje o Grupo de Estudos e Orientação Psico-pedagógica
— GEOP — que atua na área de pesquisa e extensão do Mestrado
em Psicologia Cognitiva da UFPe, com uma produção bastante atualizada e significativa para a melhoria do ensino no país.
Aprender Pensando circunscreve algumas idéias mestras que sustentam os ensinamentos de Piaget, mostrando, numa linguagem coloquial permeada de exemplos, de forma simples e prática, a originalidade que as distingue de outras concepções da Psicologia, pondo
em evidência a sua importância para a prática pedagógica. A obra
como um todo valoriza a dialética do processo ensino/aprendizagem,
articulando a essencialidade do "ensinar pensando" com a necessidade do "aprender pensando". "A essência do ensinar e do aprender pensando é", segundo os autores, "entender o ponto de vista
da criança para saber quais questões podem levá-la a novas descobertas, propor estas questões e saber esperar que a criança descubra
soluções".
É nesta mesma direção que se insere o primeiro capitulo escrito por
David William Carraher sobre a Educação Tradicional e a Educação
Moderna, configurando a tendência característica do modelo de coEm Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out./dez. 1990
nhecimento, ensino e aprendizagem em prática na educação da época, como sendo tradicional, como resultado de uma concepção de
educação inadequada, fruto de uma reflexão filosófica insuficiente.
O processo educacional comunica uma Pedagogia implícita em que
o aluno recebe, consome e memoriza a informação que lhe é transmitida mecanicamente pelo professor e livros, eximindo-se de qualquer reflexão e compreensão real e da responsabilidade pelo seu
conhecimento.
Em contraposição, o autor sugere que o professor "comece a repensar o seu papel como educador" oferecendo-lhe como alternativa
o modelo cognitivo de educação, que acredita envolver as bases do
conhecimento humano incluindo, entre outros assuntos, a questão
da aprendizagem, da linguagem, o raciocínio, a memória, a percepção e o pensamento. Para facilitar a compreensão da aplicabilidade
dessas categorias ao ensino, na concepção piagetiana, o autor dá
alguns exemplos salientando a importância do raciocínio e do pensamento (cognição), mostrando que a criança tem seu próprio modo
de pensar, suas próprias representações mentais (que não coincidem
necessariamente com as do professor ou dos livros), além de grande
potencial para descobertas. O modelo cognitivo emerge da caneta
do escritor como uma Pedagogia moderna e criativa que resume
algumas implicações para o ensino de primeiro grau: 1) o educador
precisa começar onde a criança está, reconhecendo a seu potencial
e limites; 2) os erros infantis têm a validade de hipóteses e devem
ser discutidos, explorados e incorporados ao processo de descoberta,
de aprendizagem; 3) e o professor deixa de ser o informante repetidor
para investir na seleção de problemas que estimulem o pensamento
e o raciocínio, ao invés de sobrecarregar a memória do aluno.
No segundo capítulo, Lúcia Lins Browne Rego tenta responder ao
insistente questionamento sobre como saber quando uma criança
está pronta para ser alfabetizada. Para isto ela apresenta dados que
não se propõem a ser um método para ensinar a ler e escrever, mas
um sugestivo estudo a respeito da relação entre o aspecto do desenvolvimento cognitivo que Piaget concebeu como realismo nominal
e o progresso da leitura. Piaget demonstrou que, num determinado
estágio do seu desenvolvimento cognitivo, a criança não consegue
conceber a palavra e o objeto nomeado como duas realidades distintas. A superação deste realismo nominal em seu nivel primitivo tem
sido confirmada, inclusive pela autora, como o aspecto do desenvolvimento cognitivo indispensável para o entendimento da escrita alfabética e aprendizagem da leitura.
Descartando a alternativa puramente cronológica, a autora reconhece a importância da preparação pelo treinamento das habilidades
perceptuais e psico-motoras envolvidas na leitura, mas localiza o
âmago da questão no reconhecimento e exploração do pensamento
da criança e em seu desenvolvimento cognitivo, fator que lhe permite
compreender e aprender pensando, além de adquirir um instrumental permanente de descoberta e reinvenção do processo de aprender.
A investigação conclui: 1) que a criança, conduzida a utilizar apenas
suas aptidões perceptuais e motoras e a memória, tem dificuldade
em progredir e pode fracassar na aprendizagem da leitura e da escrita; 2) que a criança que tem elaborado a base conceituai necessária
antes de aprender a ler e escrever progride mais rapidamente e transfere a aprendizagem com maior facilidade; 3) que a elaboração desta
base conceituai consiste na concepção da escrita "como uma representação da fala" e depende do nivel de desenvolvimento cognitivo
da criança, que deverá ter superado a fase primitiva do realismo nominal, podendo "entender o que a escrita representa e como representa"; 4) que, compreendendo a base de um sistema de escrita alfabética, o próximo passo será aprender as letras e superar as dificuldades
de ortografia.
de número se torna muitas vezes complexa, ambígua e de difícil
aprendizagem para a criança, cuja iniciação se dá sem que se considere a evolução natural de sua capacidade de compreensão das complicações do sistema numérico e a originalidade de seu conceito sobre fatores como quantidade, em função do estágio de seu desenvolvimento cognitivo. A autora salienta que "o processo de representação mental, ou seja, a compreensão do sistema numérico, é anterior
à sua utilização efetiva com lápis e papel e não pode, portanto, ser
um resultado do simples treino em leitura e escrita de números".
Este trabalho de Terezinha Carraher representa valiosa contribuição
enquanto advertência para que o educador não subestime as formas
espontâneos de raciocínio, cálculos mentais e maneiras inventadas
para resolver problemas e operar descobertas que a criança traz para
a escola, e que devem ser incorporadas à metodologia utilizada para
o trabalho com a Matemática.
Introduzindo o 4? capítulo sobre as operações concretas e a resolução
de problemas de Matemática, Ana Lúcia Dias Schliemann destaca três
aspectos da problemática, estudados pela Psicologia Cognitiva e relacionados com os estágios de desenvolvimento cognitivo, segundo
Piaget: 1) a linguagem em que o problema é apresentado; 2) o nivel
de representação em que os dados são fornecidos; 3) e a lógica do
problema, isto é, o conjunto de relações estabelecidas e a estabelecer
entre os dados.
A autora ainda admite que, antes de partir para diagnósticos mais
graves como deficiência, problemas emocionais, etc, o educador deve estar alerta para o desenvolvimento cognitivo da criança.
Para o leitor não familiarizado com a obra de Piaget, a autora lembra
que ele concebeu o ser humano como passando, de seu nascimento
à idade adulta, por quatro estágios de desenvolvimento, num processo continuo de maturação e interação com o mundo que o cerca:
a) o sensório motor (do nascimento aos dois anos); b) o pré-operacional (dos dois aos sete); c) o das operações concretas (dos sete
aos onze); d) e o estágio das operações formais (dos onze aos dezessete anos).
Terezinha Nunes Carraher trabalha, no 3? capítulo, o desenvolvimento mental e o sistema numérico decimal, mostrando como a noção
O grande desafio para o profissional da Educação se prende outra
vez à capacidade de perceber o estágio de desenvolvimento de certas
capacidades, em que a criança se encontra, e de estabelecer uma
correlação entre a sua atuação e as possibilidades cognitivas reais
da criança.
A autora finaliza o seu trabalho fazendo algumas recomendações.
É importante que a criança reconheça cada expressão verbal utilizada
na apresentação do problema. Erros que se repetem alertam para
a possibilidade de a criança não ter compreendido ou ter inventado
a sua própria solução. Diferentes versões de um mesmo problema
podem ajudar na complexidade da compreensão e solução e a gerar
novas idéias e novas maneiras de pensar.
A compreensão do problema é fundamental. A criança deve ser capaz
de "traduzir" ou representar os dados e operações verbalizados em
dados concretos de seu mundo, mesmo que tenha de recorrer à solução "de cabeça" ou ao uso de objetos. É necessário que ela possa
entender as relações entre os dados de forma a realizar as operações
necessárias à solução do problema.
Finalmente, não se pode exigir da criança compreensão e operações
que não são próprias do seu estágio de desenvolvimento e maturação
cognitivos, sob pena de se criarem mecanismos automáticos de memorização e repetição. A proposta é ensinar pensando nas possibilidades de a criança aprender a pensar pensando e construindo o
seu conhecimento no estágio em que se encontra.
No quinto capítulo, José Maurício de Figueiredo Lima, partindo da
premissa piagetiana de que o conceito de fração é uma aquisição
do estágio das operações mentais, faz uma análise detalhada da relação entre o conjunto de princípios de conservação de quantidade
e a evolução do conceito de fração.
Conclui pela relevância da contribuição de Piaget ao delimitar e explicitar as possibilidades e formas de organização da atividade mental
da criança, à medida que sugerem pré-requisitos e diferentes estratégias de trabalhar a fração na escola. As formas de organização cogniEm Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out./dez. 1990
tiva básicas para o desenvolvimento do conceito de fração são, segundo o pesquisador, as circunscritas no estágio das operações concretas.
Aprender Pensando representa, sem dúvida, uma valiosa contribuição na demonstração de que o trabalho de Piaget tem muitas e importantes implicações para a Psicologia e a Educação contemporâneas.
De fato, os conhecedores de sua obra não a consideram nem psicológica, nem pedagógica, mas essencialmente uma filosofia experimental, que procura responder a questões epistemológicas através do
estudo genético do desenvolvimento mental da criança, tentando
descobrir e entender as estruturas psicológicas que favorecem e controlam a formação de conceitos, a aquisição de conhecimentos, elemento fundamental para qualquer ciência. Provavelmente o leitor
sabe que o fator lógica e seu papel mediador na construção de conhecimento é responsável por grande parte de seu sucesso, dos equívocos em torno de sua teoria e também de críticas. Piaget tentou construir uma lógica das operações mentais com validade psicológica,
isto é, um modelo lógico do pensamento baseado em experimentos,
insistindo em que toda inteligência e pensamento manifestam uma
estrutura lógica em termos das realidades biológica e social. Introduziu também a noção de equilíbrio que funcionaria regulando a
maturação, a experiência física e a social.
No atual estágio e status da Educação no Brasil, quando já se fala
em epistemologias do pós-modernismo e pedagogias posmodernizadas, vivemos um momento, como diria Barthes, ao mesmo tempo
"decadente e profético", com um futuro extremamente interessante
e desafiador para o educador. Enquanto a crise na educação leva
teóricos e praticantes a reconhecerem que toda ação educacional
parece imperfeita e falha, toda idéia ou teoria parece ter sido provada
incorreta e ineficaz pela falha no teste da praticabilidade, abre-se uma
infinidade de chances para se criar um diálogo entre a prática acadêmica desacreditada e as novas idéias e possibilidades para reflexão
e procura de caminhos e modelos próprios de definição do trabalho
científico e pedagógico. O educador crítico de seu próprio artesanato
não se permite ignorar a necessidade de uma revisão de relevantes
práticas pedagógicas, modos particulares de pensar o ensino, sob
pena de perder o horizonte próprio e deixar de crescer numa tão
necessária praxis emancipatória.
Aprender Pensando deixa grandes lições para o educador e ao mesmo tempo sugere uma revisão dos tradicionais conceitos do objeto
epistêmico, uma redefinição do conhecimento e sua função, do sujeito racionalista e sabedor mas desejante, e do signo no que diz respeito à função e campo da linguagem e da palavra, questões de extrema relevância para uma definição de técnicas e procedimentos.
As evidentes mudanças nos modelos da Psicologia contemporânea
e a entrada da Psicanálise no cenário levantam uma grande polêmica,
especialmente em torno da noção de sujeito, trazendo vários problemas para o modelo pedagógico cognitivo. O pensamento psicana-
lítico sugere que a tentativa piagetiana de construir um modelo lógico
de pensamento, baseado em experimentos, requer mais especulação
do que ele se permitiu, e que a idéia de que toda inteligência e pensamento manifestam uma estrutura lógica carece de revisão mais imaginativa. A questão não é tentar demonstrar que a lógica não funciona, mas interpelá-la com o desejo. É Lacan quem aponta que o cognitivo e o afetivo/emocional (desejo) estão enredados num mesmo discurso e são a substância do conhecimento e do saber. Neste sentido
a lógica é desejante e o desejo é pensante. Aparentemente, o leitor
deve estar atento à possibilidade de que o sujeito ensina e aprende
pensando e desejando.
Jucy Pessoa Barbosa
Departamento de Psicologia e Orientação Educacionais do
Centro de Educação
Universidade Federal de Pernambuco
ALENCAR, Eunice Soriano de. Como desenvolver o potencial criador.
Petrópolis: Vozes, 1991.
A professora Eunice Soriano Alencar dedicou os últimos 20 anos
ao estudo da criatividade em crianças. Vários livros e numerosos
artigos científicos revelaram o seu compromisso e compreensão desta questão, importante para a psicologia do desenvolvimento e a
prática educacional. Suas pesquisas, reconhecidas internacionalmente, têm enfocado o desenvolvimento de habilidades criativas
através de exercícios na sala de aula e de treinamento de professores.
Neste livro agradável, de leitura fácil, ela oferece um "guia para a
liberação da criatividade na sala de aula", dirigido principalmente
ao professor de primeiro grau.
Lutando contra tradições, tais como o mito de que a criatividade é
um dom recebido por alguns poucos, professora Eunice enfatiza a
necessidade de se reformarem práticas pedagógicas baseadas em
repetição e decoração. Inicia a exposição com uma discussão sobre
a importância do pensamento criativo num mundo que sofre mudanças em ritmo acelerado. Em seguida caracteriza o pensamento criativo do ponto de vista da pesquisa científica, realçando a importância
de se incentivarem e reconhecerem maneiras novas e inusitadas de
Em Aberto, Brasília, ano 9, n. 48, out./dez. 1990
lidar com materiais e idéias. Autonomia, flexibilidade, autoconfiança
e sensibilidade emocional são características de pessoas criativas
e devem ser detectadas e desenvolvidas nos alunos.
O livro mostra como as práticas pedagógicas podem cercear o potencial criador ao exigir uniformidade no comportamento intelectual na
sala de aula. Descreve as barreiras emocionais e culturais ao pensamento criativo e aponta os aspectos do sistema educacional e metodologia de ensino brasileiros que inibem a criatividade dos alunos.
O capítulo final ensina técnicas e exercícios que podem ser utilizados
para alterar as práticas contraproducentes, liberar o potencial criador
e desenvolver habilidades criativas na sala de aula. Sua metodologia
tem origem nos seus próprios estudos e na análise de programas
especiais de criatividade, desenvolvidos em outros países.
Tanto alunos como professores se beneficiarão da leitura e da aplicação (criativa) das informações e orientações oferecidas pela professora Eunice, neste trabalho singular.
Timothy M. Mulholland, Ph.D.
Universidade de Brasília
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MENINOS E MENINAS DE
RUA DO BRASIL
O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas psicotrópicas — CEBRID e o Departamento
de Psicologia, da Escola de Medicina, promoveram, no periodo de 23 a 25 de maio de
1990,o ENCONTRO SOBRE ABUSO DE DROGAS ENTRE MENINOS DE RUA DO BRASIL.
O evento contou com quatro conferencistas e com relatores do Movimento Nacional de Meninos
e Meninas, bem como de entidades afins de 08 (oito) estados brasileiros, que estabeleceram
discussões importantes sobre crianças de rua.
Naquela ocasião foi expedido telex para a Comissão Especial para Apreciação do Estatuto
do Menor, da Câmara dos Deputados (Brasília), informando como prioridade do Encontro
a urgência na aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, por considerá-lo instrumento imprescindível para garantir os direitos constitucionais daquele segmento da sociedade
brasileira.
No final do Encontro foram discutidas e aprovadas as Recomendações sobre abuso de
drogas entre meninos de rua do Brasil, assim sintetizadas:
— execução prioritária de projetos de pesquisa para obter a real dimensão do problema;
— organização e publicação de um catálogo com informações sobre as instituições, públicas
ou privadas, envolvidas com a problemática dessa população;
— estimulo ao intercâmbio entre a Universidade e as Instituições que atendem as crianças
de rua. como forma de garantir as informações necessárias aos educadores de rua:
— apoio e incentivo a cursos de formação especifica com conteúdo apropriado à atuação
dos educadores de rua com reconhecimento da importância do trabalho destes profissionais:
— alocação ágil e suficiente de recursos públicos aos programas de assistência a esses
menores, com avaliação periódica dos resultados obtidos:
— prioridade dos programas de prevenção tratamento de abuso de drogas no País para
as crianças de rua. mais facilmente atingidas do que outros segmentos da população:
- criação de programas brasileiros que ofereçam alternativas válidas de lazer e atividades
estruturadas, sem ênfase na repressão ou exclusividade na abordagem das drogas em
Sl.
- não perder de vista que o problema da criança de rua tem suas raízes no injusto sistema
econômico-social existente;
— criação de uma imagem positiva dos policiais que lidam com o problema, através de
seleção e preparo adequados destes profissionais;
— aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, como instrumento imprescindível
para garantir os direitos constitucionais desse segmento da população brasileira:
— não usar os trabalhos com crianças de rua para autopromoção ou propaganda política
de qualquer espécie e a qualquer beneficiário.