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ChapadaDiamantina O Patrimônio Arqueológico de Pinturas e Gravuras Rupestres Coordenação Carlos Etchevarne Pesquisadores Júlio César Mello de Oliveira Alvandyr Bezerra Educação patrimonial Carlos Costa Fabiana Comerlato Mirta Barbosa Registro de Campo Júlio César Mello de Oliveira Textos Carlos Etchevarne Alvandyr Bezerra Imagens Bahia Arqueológica Projeto gráfico Marcela Rucq Impressão Gráfica LuriPress Esta publicação é o resultado das pesquisas e ações sócio-educativas realizadas no âmbito do Programa de identificação, preservação e gestão de sítios de arte rupestre da Chapada Diamantina, Bahia, desenvolvido com recursos da Petrobrás Cultural, através da lei Rouanet. Imagem capa: Painel de pinturas.Toca do Pepino, Morro do Chapéu. Para Julio, que continua conosco. S umário 9 Arqueologia. Um olhar especial sobre o passado. 10 Descobrir um mundo de pinturas e gravuras. 11 Arte rupestre. Representar o mundo em duas dimensões. 12 Chapada Diamantina. Um ambiente propício para pintar e gravar. 15 As representações rupestres na Chapada Diamantina. 19 Um universo de figuras. 22 O domínio particular das gravuras. 23 A antigüidade das representações rupestres. 24 Pinturas e gravuras como bens coletivos. O suporte rochoso Os pigmentos Os instrumentos Antropomorfos Zoomorfos Fitomorfos Geométricos 9 ARQUEOLOGIA. UM OLHAR ESPECIAL SOBRE O PASSADO A arqueologia tem por objeto de estudo a reconstituição do cotidiano de uma sociedade pretérita a partir dos restos da cultura material. Esses vestígios foram abandonados ou descartados de forma não intencional, sendo o resultado natural da ação dos indivíduos se relacionando entre si. O arqueólogo trabalha com um vasto conjunto de vestígios que documentam a atividade humana intervindo em um ambiente. Para ele, a busca do passado é uma tarefa fascinante, mas lenta, defrontando-se com um universo de vestígios que primeiro o motivam a levantar questões e depois o levam a inferir aspectos sobre os processos históricos, vividos por grupos sociais passados. Desta forma, cabe deduzir que, por não existirem documentos textuais passíveis de serem reconhecidos pelo homem contemporâneo, somente a partir das pesquisas arqueológicas poderá se reconstruir parte da história das populações que viveram no Brasil, antes da chegada dos portugueses. Nesse sentido, o estado da Bahia oferece um rico acervo de sítios arqueológicos que poderão ajudar na constituição de um panorama social anterior à colonização européia. Atualmente, a Chapada Diamantina está sendo foco de atenção especial por parte de pesquisadores arqueólogos, voltados para os sítios arqueológicos com pinturas e gravuras rupestres (figs.1,2). Os estudos realizados até o presente demonstram o enorme potencial da região nesse tipo de sítios, não somente 10 pela quantidade existente, mas também porque eles revelam, com mais propriedade, aspectos específicos do arcabouço simbólico construído pelas comunidades que ali existiram. DESCOBRIR UM MUNDO DE PINTURAS E GRAVURAS Entre todos os documentos arqueológicos, as pinturas e gravuras rupestres parecem ser os vestígios mais facilmente reconhecíveis por pessoas não especialistas. São manifestações culturais que se encontram, na maioria das vezes, em locais de fácil acesso, alguns em trechos bastante freqüentados pelas comunidades rurais que moram em seu entorno ou, estão, localizadas em áreas acessíveis a qualquer pessoa. (figs. 3,4) As figuras pintadas ou gravadas nas rochas provocam inquietação das pessoas que as observam hoje, principalmente, por seu caráter enigmático. De fato, se enfrentar com um painel rupestre, seja em um paredão ou em uma gruta, gera dúvidas e indagações. Assim surgem as perguntas mais freqüentes: Por que pintaram neste local? Quem as fez? Como as fizeram? O que significam? Há quanto tempo foram feitas? Responder a estas perguntas não é uma tarefa fácil, mas os arqueólogos estão trabalhando para elucidar esses enigmas. A cada pesquisa realizada, vão-se encontrando respostas significativas para a compreensão da vida desses grupos humanos e de seus gestos pictóricos. Assim, gradativamente, as expressões gráficas rupestres, com seus respectivos contextos, estão sendo analisadas detalhadamente e efetuadas as inferências correspondentes. 11 No Brasil temos uma vasta e expressiva documentação rupestre deixada pelos antigos ocupantes indígenas. Em diferentes regiões do Estado da Bahia, em especial a Chapada Diamantina, foram identificados grande número de sítios com pinturas e gravuras, apresentando um acervo riquíssimo para o estudo dos grupos humanos que ocuparam esta região. ARTE RUPESTRE. REPRESENTAR O MUNDO EM DUAS DIMENSÕES O termo arte rupestre remete a qualquer tipo de signo gráfico pintado ou gravado sobre suportes rochosos fixos, sejam abrigos, grutas, paredões ou lajedos. No Brasil, os autores desses grafismos rupestres estão relacionados a grupos de caçadores-coletores, organizados em bandos, ou de cultivadores, construtores de aldeias. As representações rupestres constituem uma forma particular de compreender o ambiente natural ou social, apontando para um aspecto essencial dos processos mentais das populações pretéritas: a simbolização (figs 5,6). De fato, na base de toda pintura ou gravura rupestre encontra-se o ato de simbolizar, ou seja, representar externamente ao indivíduo aquilo que é observado, refletido e construído mentalmente pela experiência, individual e coletiva. 12 CHAPADA DIAMANTINA. UM AMBIENTE PROPÍCIO PARA PINTAR E GRAVAR A Chapada Diamantina apresenta variações ambientais substanciais, resultantes das formas de relevo, do clima e da cobertura vegetal. A paisagem natural se impôs nas escolhas dos grupos humanos que, não obstante, souberam criar dispositivos eficazes para a instalação. Nas variadas paisagens da Chapada Diamantina existem certas situações topográficas que se apresentam adequadas à instalação humana ou à utilização como suportes para pinturas ou gravuras. Essas formas topográficas foram aproveitadas de maneira diferenciada, a depender dos diferentes grupos autores dos grafismos e, ainda, segundo a função das representações gráficas. Situada no centro do estado da Bahia, a região chapadense está formada por um planalto composto de serras, com intervalos de superfícies planas, variando em altitude, entre 600 e 2.000 m (fig. 7). As rochas predominantes são os arenitos de vários tipos, com cores que variam entre o creme esbranquiçado, o rosado e o roxo-violáceo. Mas, as rochas calcárias também ocupam espaços importantes no território chapadense. Os afloramentos areníticos emergem na paisagem como estruturas construídas por superposição de blocos, formando reentrâncias e saliências, resultados da erosão diferenciada das camadas superpostas. Os abrigos correspondem a espaços protegidos nessas estruturas. Além dos abrigos, independentemente das variações da origem e natureza que os arenitos tenham, sobressaem 13 mais dois tipos de situações topográficas: os paredões e os cânions (figs. 8-10). Os paredões correspondem a grandes superfícies lisas pela erosão, com pouca ou nenhuma proteção, posto que as marquises estão muito altas, pouco proeminentes ou ausentes. O sítio Serra das Paridas, em Lençóis, enquadra-se nesta categoria, com seus paredões expostos aos agentes intempéricos usados como suportes de grafismos pintados em situações de alta visibilidade. Os cânions, chamados também de boqueirões, são vales profundos e abruptos, originados pela erosão de cursos de água, que atravessaram estruturas areníticas. As escarpas dos cânions formam degraus de blocos rochosos, produzidos pelo desgaste diferenciado das camadas. Este tipo de relevo poderia ter servido como via de passagem ou local de habitação de curta duração. Alguns deles foram também utilizados, parcialmente, como suportes de pinturas, como o sítio de Barragem da Aguada, em Brotas de Macaúbas. As rochas calcárias, por sua vez, ocupam uma área extensa formando os típicos relevos cársticos de lapiás, grutas, cavernas e dolinas. Em alguns casos, essas rochas se dispõem em camadas estratigráficas finas, da maneira em que se apresentam nas dolinas da região de Iraquara. As grutas e dolinas, especialmente, ofereceram boas condições de habitabilidade para grupos pequenos como os de caçadores-coletores (figs. 11-13). As grutas são cavidades profundas originadas por dissolução do carbonato de cálcio. Existem grutas que alcançam centenas de metros de extensão, com amplos 14 vestíbulos e rios subterrâneos. Porém, em termos de ocupação humana, as grutas aproveitadas para este fim são aquelas de pouca profundidade. As dolinas constituem depressões produzidas pelo desmoronamento de tetos das cavernas. Apresentam cavidades nas bases de suas paredes, formando abrigos. As estalactites e estalagmites presentes condicionaram os grupos passados, na organização do espaço habitacional e na concepção do projeto pictográfico. Com relação às gravuras, foram identificadas duas possibilidades de situações topográficas: os lajedos e os blocos no solo de habitação das grutas e dos abrigos. Os lajedos são superfícies extensas a céu aberto, os lajedos com gravuras se localizam próximos a rios e córregos. Desta forma ficam expostos tanto aos intemperismos quanto às enchentes cíclicas, sendo necessários tipos de rochas que sejam resistentes a esses agentes. Nesse sentido, os arenitos são os que melhor se comportam, como pode ser visto nos sítios Lajedo Bordado, em Morro do Chapéu e Cais 2, em Brotas de Macaúbas (fig. 14). Os blocos aparecem no solo do interior das grutas e abrigos, sendo em certos casos suporte de incisões. Nos arenitos e calcários foi empregada essa técnica, conforme pode ser visto no sítio de Mangabeira, em Brotas de Macaúbas (fig. 15). 15 AS REPRESENTAÇÕES RUPESTRES NA CHAPADA DIAMANTINA Pinturas e gravuras são duas formas de representação gráfica encontradas na Chapada Diamantina. A pintura consiste na aplicação de soluções pigmentadas, enquanto que na gravura retiravam-se porções do suporte rochoso, através de incisões ou raspagem. Para explicar os modos de executar os motivos gráficos devem ser considerados: - o suporte rochoso e a escolha dos setores específicos para pintar ou gravar - os pigmentos, ou seja, a obtenção e preparação dos minerais coloridos (exclusivamente para a pintura) - os instrumentos de aplicação dos pigmentos ou de execução de gravuras, e a correspondente habilidade manual na execução do traço. Esses três elementos primordiais, combinados, permitiram desenvolver modos de pintar ou gravar que, se passíveis de reconhecimento na sua distribuição no tempo e no espaço, conformam um panorama de estilos de pinturas e gravuras rupestres. O suporte rochoso As formas dos suportes rochosos condicionam o aproveitamento como base do projeto gráfico rupestre. A arquitetura rochosa (teto, paredes e chão) também controla a luminosidade que vêm do exterior. A incidência da luz, em diferentes momentos do dia ou do ano, direciona uma apreciação variada do painel gravado ou pintado. Por isto, a topografia da rocha está 16 vinculada a essa percepção ótica, na medida que deixa passar, com graus diferentes, a luz solar. Nos arenitos é freqüente encontrar paredões com grandes superfícies lisas aptas para a criação de painéis pintados. As composições gráficas sobre este tipo de suporte estão distribuídas de forma eminentemente horizontal, fazendose uso de toda a extensão do suporte (figs. 16,17). Por sua vez, nos abrigos calcários houve emprego dos planos verticais (as paredes) e, em menor proporção, os horizontais (os tetos), constatando-se uma tendência ao uso de motivos diferenciados em um e outro suporte. Por exemplo, nos tetos dos abrigos de Santa Marta e Lapa do Sol, salvo raras figuras humanas e de lagartos, predominam os círculos concêntricos e outras figuras geométricas (grades, linhas em ziguezague etc). Já nas paredes dos abrigos observam-se principalmente figuras humanas, de animais e possíveis vegetais, havendo raros exemplos de círculos concêntricos (fig. 18). Os suportes das gravuras são preferencialmente aplainados seja nas paredes como nos blocos aflorantes dentro dos abrigos calcários ou areníticos. Nos lajedos a céu aberto, as largas superfícies foram utilizadas sem orientação aparente. Nesse caso as gravuras compõem conjuntos que acompanham as margens dos cursos ou fontes de água (fig. 19). Os pigmentos As cores com que foram pintados os grafismos são resultado dos pigmentos de origem mineral. Podem existir casos específicos de um tipo de pigmento preto derivado de material orgânico, especialmente o carvão. Duas são 17 as formas de aplicação de pigmentos constatadas nas pinturas rupestres da Chapada Diamantina: – Pigmentos umedecidos: os minerais são triturados e diluídos em água resultando tintas transparentes, emulsões ou pastas, conforme o grau de liquidez. – Pigmentos secos: neste caso os blocos ou plaquetas de minerais foram utilizados diretamente na rocha, como um giz. As cores conseguidas a partir dos minerais são o vermelho, o amarelo, o branco e o preto, com tonalidades diferentes em cada uma delas, especialmente no vermelho. – Vermelho: constitui a cor mais utilizada nos sitos arqueológicos da Chapada Diamantina. Esta cor é derivada das várias formas de hematitas pulverizadas e diluídas em água, variando do alaranjado claro ao roxo escuro (fig. 20). – Amarelo: seguem aos anteriores em quantidade de ocorrências no território chapadense e predominam nos arenitos silicificados. Provém das limonitas terrosas, variando em colorações que vão do amarelo claro até o amostardado (fig. 21). – Branco: derivado das argilas brancas (as tabatingas) ou da transformação de carbonatos de cálcio obtidos por queima de material calcário. O branco tem alta representatividade nos suportes calcários (fig. 22). – Preto: esta cor pode ter sido originada pelo óxido de manganês ou aproveitando carvões de vegetais ou de ossos (fig. 23). 18 Os instrumentos No ato de representar graficamente, seja na pintura como na gravura, observam-se gestos padronizados, procedimentos e instrumentos de trabalho específicos, no primeiro caso, para aplicar os pigmentos e no segundo, para riscar as superfícies das rochas. Instrumentos e técnicas de representação nas pinturas – Pincéis: provavelmente produzidos com pelos de animais ou fibras vegetais, foram usados para traços de diferentes larguras. Quando os motivos são pequenos, cabe pensar no uso de espátulas finas, gravetos ou pontas de espinhos (figs. 24,25). – Dedos das mãos: muito utilizados para pintar motivos que não exigissem acabamento muito apurado (fig. 26). – Carimbos: objetos em pedra, madeira, osso ou cerâmica que, untados de pós ou pastas de pigmentos, eram aplicados por pressão sobre as paredes rochosas (fig. 27). – Mãos e pés: a palma das mãos, e em alguns casos a planta dos pés, eram pigmentadas e pressionadas sobre o suporte rochoso. O resultado dessa ação é a marca da mão ou do pé, em alguns casos com elementos compositivos internos (fig. 28). – Bloco de pigmento mineral, também denominado “crayon”, o próprio bloco era aplicado diretamente sobre o suporte rochoso (fig. 29). 19 Instrumentos e técnicas de representação nas gravuras As técnicas de gravuras identificadas nos sítios rupestres da Chapada Diamantina foram duas: – Picoteamento: consiste na utilização de um percutor, para bater sobre um instrumento com ponta, tipo buril, e provocar a retirada de pequenas porções da superfície da rocha, formando linhas de pontos (fig. 30). – Raspagem ou fricção: consiste em alterar a superfície da rocha a partir de gestos de vai-e-vem, com um instrumento espatular de gume reto ou arredondado, até provocar uma fenda fina. No caso dos motivos de calotas, isto é círculos côncavos de pequenas dimensões, foram provocados por fricção de um instrumento espatular ou ligeiramente convexo, em rotação (fig. 31). UM UNIVERSO DE FIGURAS As representações gráficas conformam painéis dentro de determinado setor de um suporte rochoso, que podem estar compostos por conjuntos de figuras ou motivos isolados. Os conjuntos podem pertencer a um mesmo estilo de grafismos ou a outra forma de expressão gráfica, indicando um estilo diferente e, talvez, um momento pictórico diverso. Os motivos podem ser agrupados em quatro grandes categorias gráficas: as figuras humanas ou antropomorfas, de animais ou zoomorfas, de vegetais ou fitomorfas e as geométricas 20 Antropomorfos Nos sítios da Chapada Diamantina a figura humana ocupa um papel preponderante sobre os demais motivos. O alto número de representações e a variedade de situações em que aparece demonstram o valor outorgado ao corpo humano como unidade de expressão de mensagem. As figuras humanas podem ser identificadas pela presença de suas partes principais, cabeça, tronco e extremidades, às vezes complementadas pelos pés e mãos ou por um identificador sexual. Em outras circunstâncias, os corpos aparecem estilizados e algumas partes sugeridas ou até eliminadas, em um evidente processo de síntese. As figuras humanas podem ser representadas de perfil e de frente, recurso gráfico que facilitou a visualização das cenas com muitos indivíduos e, sobretudo, permitiu mostrar os gestos particulares de cada personagem e a dinâmica geral da situação cenográfica (figs. 32,33). Zoomorfos Os grafismos de animais ou zoomorfos são também muito representados nos locais arqueológicos da Chapada Diamantina. Da mesma forma que as representações humanas, os zoomorfos aparecem isolados ou agrupados, recebendo o mesmo tratamento de construção dos corpos. A visão de perfil permite ver mais claramente o movimento e as partes constitutivas dos animais. As pinturas de animais constituem uma amostragem seletiva da fauna existente em momentos da realização 21 dos grafismos. Os autores dos grafismos de animais deveriam ter seus modelos originais no território onde circulavam ou se estabeleciam. As emas, os veados, lagartos, peixes, onças são muito numerosos, seguidos por jabutis, tatus, capivaras, macacos, mocós, tamanduás e porcos do mato (figs. 34,35). Fitomorfos O número de motivos de espécies vegetais é muito reduzido. As plantas podem estar representadas de forma realista ou, então, sintetizada. Em alguns painéis são mostrados os elementos compositivos facilmente reconhecíveis como tronco, galhos, folhas e frutos. Em algumas situações folhas e galhos formam parte dos atributos de personagens, contribuindo para a composição de uma cena. Assim são representados nos sítios Jabuticaba, Toca da Figura e Toca do Pepino, em Morro do Chapéu, em que alguns antropomorfos seguram em uma das mãos o que poderia ser uma grande folha de palmeira (fig. 36). Geométricos Com este termo são enquadrados grafismos variados que evocam os elementos da geometria ocidental. Isto quer dizer que o observador contemporâneo distingue unicamente pontos, linhas e áreas ou superfícies. Não obstante, cabe ressaltar que os motivos geométricos poderiam ter uma leitura muito diversa à atual, com conteúdos simbólicos, narrativos e evocativos da natureza. 22 O elemento geométrico primordial é, sem dúvida, a linha, em especial a reta. Ocorrem na Chapada Diamantina motivos de linhas simples, horizontais e verticais, paralelas e transversais, em cruzes, asteriscos ou ziguezague. Esses motivos podem estar combinados resultando em motivos de grades, pentes, figuras irregulares, entre outros. Com linhas curvas apresentamse arcos, círculos e ondulações e podem ser associadas a linhas retas em uma única gráfica, como acontece com os círculos concêntricos com elementos radiais, tão freqüentes nos sítios da Chapada Diamantina. Campos ou áreas cheias são outros elementos geométricos, menos freqüentes, que podem aparecer definindo os motivos, às vezes criando jogos cromáticos entre campos pintados e não pintados. Nestes casos foram empregados como partícula gráfica, especialmente, triângulos e losangos (fig. 37). O DOMINIO PARTICULAR DAS GRAVURAS Nas gravuras o repertório de motivos é mais reduzido. O maior número delas pode se enquadrar na categoria de geométrica. As gravuras, especialmente, efetuadas por fricção ou raspagem formam motivos simples de linhas paralelas, verticais ou inclinadas ou, em alguns casos, motivos representando tridáctilos ou asteriscos. Nestes casos, a própria técnica de produção limita as possibilidades de executar motivos complexos. A técnica de picoteamento, por sua vez, permitiu efetuar um grande número de grafismos. Esse é o motivo pelo qual as representações gráficas dos lajedos, realizadas na sua 23 maioria por essa técnica, apresentam um universo maior, incorporando as linhas curvas. Em Lajedo Bordado, por exemplo, além dos tridáctilos e asteriscos executados por fricção, foram gravados variados motivos picotados em círculos concêntricos com elementos radiais, espirais, linhas paralelas onduladas, circunvoluções, pegadas de aves e de mamíferos, plantas de pé, palmas de mãos, animais lagartiformes, entre outras figuras (figs. 38,39). A ANTIGÜIDADE DAS REPRESENTAÇÕES RUPESTRES A natureza mineral dos pigmentos com que foram realizadas as pinturas rupestres impede, pelo menos até o presente, a aplicação direta dos métodos tradicionais de datação físico-químicos. Pelo mesmo motivo exclui-se a possibilidade de datar as gravuras. Por outro lado, nos sítios com grafismos onde é possível escavar nem sempre há correspondência direta entre os vestígios pintados ou gravados nas paredes com aqueles encontrados nos estratos de habitação. Assim, posicionar temporalmente as representações de pinturas e gravuras é uma tarefa extremamente difícil, quando não impossível. Porém, pelo menos para o caso das pinturas existe uma forma de estabelecer um posicionamento temporal entre as figuras de estilos diferentes, presentes em um suporte gráfico. De fato, a partir da identificação dos horizontes estilísticos encontrados na Bahia, pode se estabelecer, preliminarmente, uma cronologia básica, considerando as superposições dos grafismos em um painel. Um primeiro momento estilístico está representado por figuras humanas e de animais, pequenas, pintadas 24 com tinta vermelha escura ou arroxeada. Estas sempre se encontram sob outras, apontando o caráter de terem sido as primeiras em serem pintadas. Seguem-lhes outras figuras humanas ou de animais um pouco maiores, em branco, creme e amarelo, denunciando um segundo período pictográfico. O terceiro momento gráfico está evidenciado por geométricos, pouco elaborados, que se superpõem aos demais grafismos. Além do significado temporal as superposições manifestam certas atitudes dos executores dos grafismos, posto que o fato de pintar uma figura sobre outra não constitui um gesto aleatório. No ato de representar o pintor houve de considerar necessariamente a pré-existência de um grafismo. Ou seja, a pessoa que pintava em um segundo ou terceiro momento projetava a composição gráfica incorporando o elemento precedente, reatualizando-lo nos seus conteúdos significativos. PINTURAS E GRAVURAS COMO BENS COLETIVOS O papel da Arqueologia é de grande responsabilidade quando se trata dos grupos menos favorecidos, especialmente aqueles que não podem se expressar através de um sistema de escrita. Nessas situações sócio-históricas o potencial da Arqueologia como fonte de informação aumenta, porque representa a única possibilidade de dar voz a esses grupos que ficam pouco visíveis quando não ocultos aos olhos de um pesquisador. A documentação arqueológica relativa à materialidade da cultura, ainda que fragmentária, pode ser lida e interpretada de maneira a recriar circunstâncias específicas particulares ou processos sociais gerais. 25 O alcance do documento arqueológico é vasto, chegando a cobrir todas as esferas da vida social e, por isto, imprescindíveis em qualquer reconstrução de processos históricos que deva ser abordada. Mas o que torna ainda mais específica à ação dos arqueólogos é a possibilidade de disponibilizar os próprios artefatos e sítios arqueológicos às sociedades contemporâneas, oferecendo a oportunidade de apropriar-se deles de forma particular, independentemente da informação que o próprio arqueólogo preparou. Os artefatos e lugares arqueológicos podem se transformar, assim, em marcos físicos de memória, porque aludem diretamente a ações, personagens, gestos, hábitos, técnicas, saberes, crenças que existiram em outros momentos e em um determinado lugar. Porém, a apropriação efetiva por parte de uma comunidade só acontece no processo de construção de conteúdos significativos, laços de identidade e de pertinência coletiva. Desta maneira, a interpretação pode não chegar a coincidir com as explicações oferecidas pelos arqueólogos, mas é igualmente válida, posto que apontam para o posicionamento existencial de um grupo, efetuado de forma consciente. Com esta última afirmação entraríamos a tratar aquilo que seria a própria essência do que é considerado patrimônio. Assim sendo, o termo patrimônio arqueológico envolve, ou pelo menos deveria envolver, uma atitude valorativa do objeto ou sítio arqueológico, não mais do pesquisador ou especialista, mas da própria comunidade na qual o material esteja inserido fisicamente. Isto é, a declaração de um espaço ou artefato como patrimônio, seja ele arqueológico, etnológico, artístico, cultural, natural ou qualquer que seja o seu caráter, implica, necessariamente, 26 na constituição de um laço de pertinência entre ele e um grupo. Esses laços podem estar justificados com base em elaborações efetuadas sobre diversos motivos, históricos, religiosos, étnicos, cívicos, entre outros, que o próprio grupo estabeleça como primordiais. A noção de patrimônio, então, contém, implicitamente, o fato de existir uma relação de identidade comum e de pertinência coletiva. Desse ponto de vista seria unicamente um grupo ou, em termos mais amplos, uma sociedade que deveria determinar aquilo que considera como próprio, ou seja, aquilo que é seu patrimônio. Dessa maneira, os sítios e os materiais arqueológicos se transformam em patrimônio e o individuo se investe na sua condição de cidadão. Bibliografia de referência Etchervarne, Carlos. Escrito na pedra. Cor, forma e movimento nos grafismos rupestres da Bahia. Versal Editores. Rio de Janeiro, 2007. Arqueologia. Um olhar especial sobre o passado 1. Escavações. Toca Abrigo da Figura. Morro do Chapéu 2. Escavações. Toca Abrigo da Figura. Morro do Chapéu Descobrir um mundo de pinturas e gravuras 3. Pinturas. Serra Abrigo das Paridas I. Lençóis 4. Gravuras. Lajedo Bordado. Morro do Chapéu Lajedo Arte rupestre. Representar o mundo em duas dimenções 5. Ambiente. Toca Abrigo do Pepino. Morro do Chapéu 6. Ambiente. Toca Abrigo da Figura. Morro do Chapéu Chapada Diamantina. Um ambiente propício para pintar e gravar 7. Afloramentos. Serras da Chapada Diamantina 8. Abrigo. Matão de Baixo. Palmeiras 10. Cânion.Barragem Aguada. Brotas de Macaúbas 9. Paredão. Matão de Cima. Palmeiras 11. Gruta. Santa Marta. Iraquara 12. Abrigo. Sossego. Morro do Chapéu 13. Dolina. Torrinha 1. Iraquara 14. Lajedo. Cais 2. Brotas de Macaúbas 15. Blocos do abrigo. Mangabeira. Brotas de Macaúbas As representações rupestres na Chapada Diamantina 16. Arenito. Lagoa Abrigo 18. Calcário. Lapa Gruta da do Velha. Morro do Chapéu Sol. Iraquara 17. Arenito. Lagoa Paredão da Velha. Morro do Chapéu 19. Lajedo. Cais 2. Brotas de Macaúbas Lajedo 20. Vermelho. Matão de cima. Palmeiras Paredão Antropomorfos, Zoomorfos, Geométricos 21. Amarelo. Lagoa Abrigo Antropomorfos 22. Branco. Bocana. Morro do Chapéu Gruta Geométricos 23. Preto. Bocana. Morro do Chapéu Gruta Zoomorfos, Geométricos da Velha. Morro do Chapéu 24. Pincel. Toca Abrigo Zoomorfos da 26. Dedos. Lagoa Abrigo Geométricos Figura. Morro de Chapéu da Velha. Morro do Chapéu 25. Pincel. Toca Abrigo Antropomorfos do Pepino. Morro de Chapéu 27. Carimbos. Morro Gruta Antropomorfos de cruzeiro 2. Brotas de Macaúbas 28. Mãos. Santa Marta. Iraquara Gruta Antropomorfos, Zoomorfos,Geométricos 29. Crayon. Serra Das Paridas IV. Lençóis Abrigo Zoomorfos 30. Raspagem. Cais 2. Brotas de Macaúbas Lajedo Geométricos 31. Picoteamento. Lajedo Bordado. Morro do Chapéu Lajedo Geométricos Um universo de figuras 32. Antropomorfo. Fazenda São Francisco Chapéu Gruta 34. Zoomorfos. Lagoa Abrigo da da Palmeira. Morro do Velha. Morro do Chapéu 33. Antropomorfo. Morro Abrigo 35. Zoomorfos. Lagoa Abrigo da de Cruzeiro 2. Brotas de Macaúbas Velha. Morro do Chapéu 36. Fitomorfos. Sossego. Morro de Chapéu Abrigo Antropomorfos, Fitomorfos 37. Geométricos. Espinhiero. Morro de Chapéu Gruta O domínio particular das gravuras. 38. Gravuras. Lajedo Bordado. Morro de Chapéu Lajedo Geométricos 39. Gravuras.Cais 2. Brotas de Macaúbas Lajedo Geométricos O Grupo de Pesquisa Bahia Arqueológica tem por finalidade proporcionar informações sócio-históricas sobre as diferentes formas de ocupação humana do território que hoje constitui o Estado da Bahia. Assim, propõe investigar, na medida em que os testemunhos arqueológicos assim o permitam, as configurações culturais resultantes de processos diversos havidos nas regiões ecologicamente diferenciadas da Bahia, que proporcionaram a feição social atual. Com este objetivo, o programa desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa apresenta novas abordagens para a construção da historia regional, proporcionando ainda, nova significação a locais, monumentos, vestígios edificados, setores urbanos, paisagens e objetos. Por outro lado, o Bahia Arqueológica desenvolve também atividades sócio-educativas, voltadas especialmente para a preservação e gestão do patrimônio arqueológico, junto às comunidades próximas aos sítios identificados. Agradecimentos As seguentes imagens foram cedidas gentilmente pelo fotógrafo Claudiomar Gonçalves: 9, 16, 18, 20, 21, 25, 28, 29, 34, 35 Publicado em 2015, em Salvador de Bahia. Tiragem: 1500 exemplares.