A percepção do acento em Português Europeu
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A percepção do acento em Português Europeu
A percepção do acento em Português Europeu Susana Correia Estrutura prosódica e significação 23 Março 2014 Acento – aspecto prosódico das línguas ! ! Acento de palavra é um aspecto prosódico de algumas línguas (ex.: PE, Espanhol, Inglês) ! línguas tonais As línguas podem ser de acento fixo ou livre: - Acento fixo: a posição do acento não varia (ex.: Francês) les enfants]" mange(nt)]" les gâteaux]" - Acento livre: a posição do acento varia (ex.: PE) – acento responsável por contrastes lexicais bambo [#b$%bu] vs. bambu [b$%#bu] As propriedades acústicas do acento ! Acento - Conjugação de um ou mais parâmetros acústicos (duração, frequência, intensidade) que induzem a percepção de proeminência numa dada sílaba/vogal (tónica) Estudos de perceção do acento noutras línguas ! ! Falantes de línguas com acento variável (ex.: Inglês e Espanhol) são mais proficientes do que falantes de línguas com acento fixo (ex.: Francês e Polaco) a distinguir pseudopalavras que contrastam na posição do acento (Dupoux et al. 1997, Dupoux et al. 2001, Peperkamp et al. 2002, Peperkamp et al. 2010) – stress “deafness” em línguas de acento fixo Os correlatos do acento variam de língua para língua; são possíveis várias combinações de pistas, em termos interlinguísticos: pistas supra-segmentais (duração, F0 e intensidade) e segmentais (qualidade vocálica) Estudos de perceção do acento noutras línguas ! ! Línguas que usam o acento contrastivamente apresentam várias pistas (segmentais e supra-segmentais) para sinalizar o acento de palavra – ex.: Inglês - alongamento/encurtamento fonético, neutralizações que são sensíveis ao acento (Hyman, 2012); A co-variação entre acento de palavra e acento nuclear também difere entre as línguas (Hellmuth 2007) e pode ter influência na percepção do acento - PE: esparso ! Espanhol, Catalão: denso (Hualde 2002, Vigário & Frota 2003, OrtegaLlebaria et al. 2010); Estudos de perceção do acento noutras línguas ! ! Apesar de os acentos nucleares poderem ser uma pista para o acento de palavra em algumas línguas, o acento pode ser percebido na sua ausência, uma vez que os falantes podem apoiar-se noutras pistas supra-segmentais, como a duração ou a intensidade (ex.: Espanhol, Catalão – Ortega-Llebaria et al. 2010; Inglês – Fry, 1958), ou em pistas segmentais, como a redução vocálica (ex.: Inglês - Campbell & Beckman 1997); Existe uma percepção do acento universalmente baseada apenas em factores prosódicos? (Ortega-Llebaria et al. 2010) Percepção do acento e redução vocálica em PE ! Acento em PE: duração e redução vocálica (Mateus & Andrade 2000, Delgado-Martins 1977, Castelo, 2005) Inglês (Fry 1958) ! Espanhol: duração > F0 > intensidade (Navarro-Tomás 1964, Ortega-Llebaria et al. 2010) Vogais fonológicas Tónicas Átonas /i/ vida [#vid$] vidinha [vi#di&$] /e/ dedo [#dedu] dedada [d'#dad$] /(/ bela [#b(l$] beleza [b'#lez$] /a/ casa [#kaz$] casota [k$#z)t$] /o/ fogo [#fogu] fogueira [fu#g$j*$] /)/ cola [#k)l$] colar [ku#la*] /u/ puro [#pu*u] pureza [pu#rez$] Estudos sobre percepção do acento em PE ! Delgado-Martins (1977, 1986) ! Identificar sílaba tónica em palavras que variavam na posição do acento: explícito [+#plisitu] explicito [+pli#situ] explicitou [+plisi#to] ! A duração e a intensidade da sílaba tónica foram manipuladas em cada um dos estímulos ! Resultados: a duração, e não a intensidade, é a pista acústica mais relevante para a identificação do acento, sobretudo em palavras esdrúxulas ou agudas. Em palavras graves, sílabas tónicas mais breves não induziam a perceção de mudança de acento. Estudos sobre percepção do acento em PE ! Castelo (2005) ! Avaliação de (a) pistas lexicais, (b) morfológicas e (c) fonológicas para o acento ! Resultados: vogais não reduzidas são frequentemente percebidas como tónicas (mesmo sendo átonas) ! A percepção vocálica do acento é facilitada na presença de redução Questões de investigação ! ! ! ! ! Como é percebido o acento em PE? Em que contextos prosódicos é/não é percebido o acento em PE? Quais as pistas prosódicas que sinalizam o acento em PE? O acento em PE é percebido apenas com base em pistas prosódicas? Qual a importância da redução vocálica na percepção do acento? Experiência 1 – tarefa de discriminação ABX ! ! Tarefa de discriminação ABX em que se pede aos participantes que distingam palavras que apenas contrastam na posição do acento (Dupoux et al. 1997); Estímulos: ! 15 dissílabos e 11 trissílabos contrastando minimamente em acento + 15 dissílabos como condição de controlo , apenas com contraste fonémico (ex.: [#d(su]/[#d(tu]; [#doku]/[#d)ku]; [#se*u]/[#si*u]); !3 falantes (2 femininos, 1 masculinos) Experiência 1 – tarefa de discriminação ABX A: ['+umi] B: [+u'mi] - X ['+umi] A: [#d$mitu] B: [d$#mitu] – X [#d$mitu] ! Redução vocálica ausente – ex.: [#mipu]/[mi#pu] (mas [#d$mitu]/[d$#mitu]/[d$mi#tu]). Experiência 1 – tarefa de discriminação ABX ! 2 condições: ! percepção do acento em posição nuclear (NP) – formato de lista ! percepção do acento em posição pós-foco (PF) – palavraalvo cortada em frase-moldura ('A MARIA comeu _____ com manteiga') NP PF Experiência 1 – tarefa de discriminação ABX ! Duração é uma pista – vogais tónicas significativamente mais longas Tónicas Átonas Valor p NP M=251; SD=63 M=156; SD=56 p=.03 PF M=169; SD=42 M=130; SD=36 p=.000 Experiência 1 – tarefa de discriminação ABX ! Análise: ! Ordem de resposta (A ou B) contra-balançada intra-sujeitos; !2 blocos (dissílabos + trissílabos) contra-balançada entresujeitos + 1 bloco como condição de controlo; todos os blocos começam com trials de treino; ! 16 ! ! participantes em NP e 16 participantes em PF; Respostas e tempos de reacção (RT) registados em SuperLab Pro (v4.5); ANOVA para duas variáveis dependentes: taxa de erro (ERR) and RT. Experiência 1 – tarefa de discriminação ABX ! Resultados Contraste acento Controlo ERR RT ERR RT NP 21% 403ms 5% 321ms PF 36% 546ms 13% 545ms ! NP: A taxa de erro (ERR) no contraste de acento é significativamente mais alta do que na condição de controlo; o tempo de reacção (RT) é significativamente mais lento no contraste de acento do que na condição de controlo; ! PF: ERR (mas não RT) é significativamente mais alta no contraste de acento do que na condição de controlo. Experiência 1 – tarefa de discriminação ABX Experiência 1 – tarefa de discriminação ABX Comparando resultados, comparando líguas... Exp. 1 Francês Espanhol PE Stress 19% 4% 21% Phoneme 3% 6% 5% - ERR no contraste de acento, em PE, é semelhante à do Francês; ERR no contraste fonémico (controlo) é semelhante à de outras línguas. - Resultado inesperado... Os falantes de PE são stress “deaf”? - Experiências adicionais, com método mais robusto (experiência 2)... Experiência 2 – tarefa de memorização sequencial ! ! Tarefa de sobrecarga de memória em que se pede aos participantes que recordem sequências de peudo-palavras recentemente aprendidas (Dupoux et al. 2001, Peperkamp et al. 2010). Estímulos !1 par de pseudo-palavras contrastando minimamente em acento: ['numi] vs. [nu'mi] + condição de controlo com 1 par de pseudo-palavras com contraste fonémico: ['mup$] vs. ['mun$] ! 2 falantes (1 feminino, 1 masculino) ! Redução vocálica ausente no contraste de acento ['numi] vs. [nu'mi] ['mup$] vs. ['mun$] Experiência 2 – tarefa de memorização sequencial ! ! Fase de treino: aprendizagem através da associação das teclas [1] e [2] a 2 palavras (['mup$]/['mun$] ou ['numi]/[nu'mi]) + trials de aquecimento (4 sequências com as 2 palavras recentemente aprendidas – com feedback). Fase de teste: os participantes ouvem 20 sequências de 5 tokens cada, seguidas de 'OK'. Participantes têm de recordar a ordem pela qual as 2 palavras aparecem na sequência de 5 tokens. Apenas 100% de recordação correcta = como correcto. Respostas 100% incorrectas = reversals. Participantes com mais reversals do que respostas correctas no contraste fonémico ou de acento são excluídos. ! Parte 1: participantes testados no contraste fonémico; ! Parte 2: participantes testados no contraste de acento. Experiência 2 – tarefa de memorização sequencial ! 2 condições: ! percepção do acento em posição nuclear (NP) – formato de lista ! percepção do acento em posição pós-foco (PF) – palavraalvo cortada em frase-moldura NP PF Experiência 2 – tarefa de memorização sequencial ! Duração é uma pista – vogais tónicas significativamente mais longas Tónicas Átonas Valor p NP M=233; SD=28 M=166; SD=29 p=.000 PF M=151; SD=22 M=129; SD=16 p=.000 Experiência 2 – tarefa de memorização sequencial ! Análise: !2 blocos = 1 bloco com condição de controlo + 1 bloco com contraste de acento (teste); ! 12 participantes na condição NP e 12 participantes na condição PF. ! ! Respostas registadas em SuperLab Pro (v4.5) Dados submetidos a uma ANOVA com 'posição' (nuclear vs pós-nuclear) como factor entre-sujeito, e tipo de contraste (acento vs fonema) como um factor intra-sujeito. Experiência 2 – tarefa de memorização sequencial ! Resultados ! mais erros no contraste de acento do que no contraste fonémico; !o contraste de acento, mas não o contraste fonémico, mostrou mais erros em posição PF; Experiência 2 – tarefa de memorização sequencial Comparando resultados, comparando líguas... Exp. 1 Francês Espanhol PE Stress 78% 48% 78% Phoneme 34% 56% 50% - Novamente, ERR no contraste de acento em PE é semelhante à do Francês; contraste fonémico = ao de outras línguas; - Novamente, stress “deafness”? Resultado inesperado... - Os falantes de PE são stress-“deaf”? Ou são-no para as pistas prosódicas (neste caso, pode haver evidências contra o uso universal de pistas prosódicas para a percepção do acento Ortega-Llebaria et al. 2010 -, incluindo em línguas com redução vocálica, como o Catalão)? - Exp. 3: A pista para a percepção do acento é segmental (redução vocálica), em PE? Experiência 3 – tarefa de memorização sequencial (RV) ! , Exp. 2 – tarefa de memorização sequencial (,Dupoux et al. 2001, Peperkamp et al. 2010), com pseudo-palavras contrastando em posição de acento + redução vocálica; ['nemi] vs. [n''mi] (redução vocálica incl.) (/e/ reduz para ['] em posição átona) ! Condição de controlo: contraste fonémico com o mesmo padrão de acento (= exp. 2 - ['mup$]/[#mun$]) ! 2 condições: NP e PF ! 12 participantes Experiência 3 – tarefa de memorização sequencial (RV) NP ! PF Duração é uma pista – vogais tónicas significativamente mais longas Tónicas Átonas Valor p NP M=279; SD=72 M=156; SD=70 p=.01 PF M=152; M=111; SD=17 p=.001 Experiência 3 – tarefa de memorização sequencial (RV) ! Resultados: ! Mais erros na condição de contraste de acento do que na condição de contraste fonémico, apenas em PF; ! Em posição nuclear (NP), o contraste de acento teve tantos erros como o contraste fonémico. Experiência 2 e 3 - comparação ! ! ! Contraste de acento genericamente mais difícil de perceber do que contraste fonémico (excepto na exp. 3 – NP) Na Exp. 3, apenas PF teve ERR significativamente mais alta Redução vocálica parece ter efeito facilitador na percpeção do acento Discussão ! Exp. 1 e 2: – Na ausência de redução vocálica, os contrastes de acento são difíceis de distinguir em PE; estes resultados diferem da performance observada no contraste fonémico (semelhante ao encontrado noutras línguas); - Na ausência de redução vocálica, observa-se um efeito de stress “deafness” – os falantes portugueses parecem ignorar as pistas supra-segmentais (duração em PF, e duração e pitch em NP)- oposto aos resultados encontrados para o Catalão – Ortega-Llebaria et al. 2010); - PF tem um efeito genericamente dificultador – na percepção do acento e na percepção de fonemas - na Exp. 2 e 3, o contraste de acento foi mais difícil de perceber em PF. Discussão ! Exp. 2 and 3: – Observou-se um efeito de stress “deafness” relativamente às pistas supra-segmentais para o acento; - Contrastes de acento com redução vocálica são tão facilmente percebidos como os contrastes fonémicos (ERR semelhantes); - Pistas supra-segmentais não são suficientes ou são ignoradas para a percepção do acento (contra resultados de DelgadoMartins 1977 – MAS com tarefa diferente!) - A pista crucial para a percepção do acento parece ser a redução vocálica (de acordo com os resultados de Castelo 2005). Discussão ! Comparando os resultados entre línguas, com base no mesmo método: Francês Espanhol PE Exp. 1 19% 4% 21% Exp. 2 78% 48% 78% Exp. 3 -- -- 55% ERR para o contraste de acento Francês Espanhol PE Exp. 1 3% 6% 5% Exp. 2 34% 56% 50% Exp. 3 -- -- 51% ERR para o contraste fonémico Discussão ! ! ! ! Na ausência de redução vocálica, observa-se, em PE, um efeito de stress “deafness” semelhante ao que foi observado em línguas de acento fixo. Os resultados mostram que as pistas supra-segmentais (duração e F0) não são suficientes para induzir a percepção de acento. Os resultados das exp. 1 e 2 mostram que a condição PF torna a percepção do acento genericamente mais difícil. Ao contrário do Catalão, uma língua com redução vocálica e cujos falantes se apoiam sobretudo na duração para detectar o acento (na ausência de acento nuclear – Ortega-Llebaria et al. 2010), os falantes de PE percebem o acento com base em informação segmental (, Castelo, 2004). Discussão ! ! A redução vocálica parece ser a pista mais robusta usada na percepção do acento em PE; os falantes portugueses negligenciam a informação supra-segmental – apenas na exp. 2, numa tarefa muito exigente cognitivamente, há um efeito marginal do acento nuclear. Em PE, o F0 parece ter um efeito fraco na percepção do acento de palavra (apenas pequeno efeito na exp. 2, com um aumento em ERR) - a duração não é suficiente para detectar o acento, mas a duração e o pitch também parecem não bastar. Conclusões ! ! ! ! ! A percepção do acento em PE não parece baseada em informação supra-segmental/prosódica (F0 ou duração); Em NP e na ausência de pistas segmentais, os falantes de PE revelam um efeito de stress “deafness” semelhante ao que foi observado para línguas de acento fixo; Os resultados do PE, em contexto nuclear e pós-nuclear, mostram que as propriedades supra-segmentais, apenas, não são suficientes para induzir a percepção do acento numa língua que usa pistas supra-segmentais e redução vocálica para o acento; Os resultados obtidos não apoiam a hipótese de uma percepção do acento baseada em pistas prosódicas, na ausência de redução vocálica (Ortega-Llebaria et al. 2010); Implicações para a compreensão da percepção do acento de palavra nas línguas e para a aquisição.
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