Guião PERDA PRECIOSA

Transcrição

Guião PERDA PRECIOSA
PERDA PRECIOSA
uma memória errada
PRÓLOGO
[Cortina dourada. Uma palmeira pequena.]
“ ó mãe, não contes isto a ninguém ”
© Pega Monstro - Mais rápido
1ª PARTE
[Uma orquestra toca peças soltas de música barroca, sobreviventes de
obras perdidas, em contínuo, como se de uma única peça se tratasse.]
I.
Uma criança vestida de rosa (pronto, o mais certo seria carmesim mas quis
a abstração transformar tudo numa coisa mais pacífica), joelheira de prata
e estrela na testa, arrasta-se pelo palco até ficar parada por força da
exaustão.
No ballet há sempre um morto!
[Desce uma nuvem contendo uma barra de led que exibe alguns
cognomes.]
II.
Adormecido? Encoberto? Restaurador. Desejado... Jovem Tresloucado!
Novo Temor. Lohengrin do Ocidente. Sublime Rei? Rei Soldado :s
Imperador de Além-Mar. Rei de Marrocos e Imperador de África. Belo
Adormecido? Piedoso Varão? Varão Passado? Varão Assinalado. Messias
do Reino. Capitão Cristo. Idiota, Mentecapto e Mestre da Paz?
Consciência Infeliz. Criatura invisível. Galaaz com Pátria. Rei Artur Luso.
Revelador do Graal. Excalibur do Fim! Príncipe da Ilha do Encoberto?
Sweet 16.
“ - Quem és tu?
D. Sebastião responde: - Ninguém.”
III.
O miúdo olha para um lado e para o outro.
Encontra-se sozinho em cena.
- Ninguém?, duvida erguendo-se do chão.
Erra uma vez...
... um cisne que ressuscita.
Regressa ao seu clássico, que é como quem diz, treina manobras de
esgrima autoflagelando-se e:
[Nas seguintes cenas a roupa do Rei vai revelando feridas.]
[g] ... passa um grupo de pessoas vestidas com roupas tradicionais
portuguesas.
O puto luta para sobreviver entre eles.
[1] Surge um touro.
E com ele luta.
[4] Surge vento.
E continuará a lutar.
[2] Surge uma sereia e seu pai tritão.
[g] Seguir-se-à um grupo de mouros.
[1] A que se segue uma fortaleza.
[4] A que se segue fogo.
[2] A que se seguem dois reis.
[g] A que se segue um grupo de grãos de areia. *
[1] A que se segue um abutre.
[4] A que se segue chuva.
[g] A que se segue um grupo de estrelas. **
[1] A que se segue um verme.
E começa o Delírio.
* escreveu-se no areal com um osso TORRE DA DERROTA, SOCORRAM
MARROCOS, O MITO ÓTIMO.
** a bandeira azul e branca vai-se tornando aos nossos olhos cada vez
mais branca e menos azul; aos olhos do Rei, o contrário.
[Surge um imenso som de vento e tudo decorre ao contrário do que seria
de prever: a música é aquela que antes ouvimos mas tocada de trás para a
frente; a coreografia é aquela que antes vimos mas executada de forma
inversa.
Durante o delírio, a palmeira é puxada para fora de cena e buracos na
cortina dourada vão lentamente revelando uma frase: Smallbang que não
durou mais que uma hora (ou talvez apenas a palavra Smallbang!). É isso.
Só a palavra Smallbang.]
IV.
Ah pois, o delírio.
Cai a noite sob a forma de serpentinas pretas que deslizam do céu.
Aparecem uma Estrela e uma figura Satélite: o Sol e a Lua. Figuras estas
que, para não fugirem à característica transversal a todos os nossos
momentos históricos fulcrais, desatam a lutar. Já eu não quero o mesmo!
Nos cantos encontram-se quatro lábios. E voam pombas. Pronto, está feito.
Um foguetão assiste à luta. A sua visão é entrecortada por um grupo de
estrelas que passa. A luta continua. Como tal, o foguetão decide separar o
Sol da Lua. Com o esforço começa a lançar fumo, fumo este que vai
enchendo a cena. E volta a passar um grupo de estrelas. Os lábios decidem
beijar-se ao centro. Voam pombas e D. Sebastião, que durante toda esta
cena está a ser acordado por um ser alienígena, finalmente abre os olhos.
O Rei levanta-se cambaleante e rodeado de fumo.
TRANSIÇÃO
[Ouro sobre azul é... subir a cortina dourada e revelar-se um espaço de
azulejos em mise-en-abîme.
No fundo do palco, à esquerda, um mupi anuncia: SE ALQUILA
ESPACIO. CONTACTAR: JAVIER NUNEZ GASCO +34 605 038 460.
No fundo do palco, à direita, um half-pipe museológico coberto por um
pano azul e dedicado a D. Sebastião onde está um SWEET 16 atravessado
por uma seta sangrenta, um cavalo branco a arrastar um caixão “Now
Catrineta” com motor de barco, areal e espuma, um fato de arame, sete
colinas, aquário, uma pilha de Lusíadas, colunas do cais, coroa de flores
e uma fotografia.]
V.
D. Sebastião cambaleante é recolhido por seres albinos vestidos de fumo.
Ninguém olha para trás.
[Descem luzes fluorescentes como as dos serviços públicos quando
instalados em palácios.]
VI.
Bonnes portugaises limpam o espaço. Enquanto limpam, uma delas dança
de auscultadores nos ouvidos. Os seus movimentos fazem lembrar a
mímica do ballet (é a libertação da técnica!). A outra canta ou conta:
“ Puestos estan frente a frente los dos valerosos campos,
uno es Del Rey Maluco, otro de Sebastiano, El Lusitano.
Moço, animoso y valiente, robusto, determinado,
aunque de poca experiencia y no bien aconsejado, El Lusitano.
Brama que envistan los moros y el exército contrário
ya se vá llegando cerca, A ellos (dize) Santiago! El Lusitano.
Dispara la artilheria, la nuestra mal disparando,
llueven balas, llueve muerte, saetas y mosquetazos. El Lusitano.
Que por los lados ya todos es vanguardia nuestro campo
y con sangre de los muertos está echo un gran lago. El Lusitano.
Todo lo anda el buen Rey, dando muertes muy gallardo,
la espada tinta de sangre, lança rota, sin cavallo. El Lusitano.
Que el suyo passado el pecho, ya no puede dar un passo,
a Jorge D’Albuquerque pide le dè su rucio rodado. El Lusitano.
Daselo de buena gana, y el Rey cavalga de un salto,
mirale el Rey como jaze, de espaldas casi espirando. El Lusitano.
Mas le dize que se salve, pues todo es roto en pedaços,
y el Rey se vá a los moros, a los moros Sebastiano, El Lusitano.
Busca la muerte en dar muertes, Sebastiano el Lusitano,
diziendo ahora es la hora, que ‘Un ben morir, tutta la vita honora.’ ”
© Anónimo - Puestos estan frente a frente
2ª PARTE
[A partir deste momento as músicas são tocadas seguindo uma progressão
harmónica.]
VII. Dó sustenido
Inaugura-se uma nova lógica no antigo espaço de ação, chama-se
“felicidade”. Um poeta com colar cervical, com um dos olhos tapado com
gaze e o outro ampliado por uma câmara de filmar, tenta retirar o pano
azul salgado que cobre uma parte da mobília abandonada. Pede ajuda a
felizes e a infelizes:
Aboim, Abreu, Aguiar, Albergaria, Albuquerque, Almada, Andrade, Arca,
Ataíde, Azevedo, Barreto, Betancourt, Borges, Brito, Cabral, Carvalho,
Castelo Branco, Castro, Cerqueira, Cerveira, Coelho, Corte Real, Costa,
Coutinho, Cunha, D’Eça, Faria, Ferreira, Gama, Goios, Gois, Gouveia,
Henrique, Lemos, Lima, Lobato, Lobo, Malafaia, Manoel, Mascarenhas,
Meira, Melo, Mendonça, Menezes, Miranda, Moniz, Mota, Moura,
Nogueira, Noronha, Pacheco, Peçanha, Penha Verde, Pereira, Pestana,
Pimentel, Pinto, Queiroz, Ribeiro, Sá, Sampaio, Serpa, Silva, Siqueira,
Sousa, Soutomaior, Tavares, Távora, Teixeira, Valente, Vasconcelos,
Vieira.
Juntos encontram no verso do pano a seguinte inscrição: FIM.
(De facto, isso traz à memória qualquer coisa, o que não é nada pacífico
para quem quer começar).
Mas avancemos: se é o FIM de qualquer coisa, o fim de uma narrativa, o
fim da técnica, há que celebrar, fazer uma visita. E o que é que
encontramos? Liberdade. Parece não haver limites. Tudo é novo e somos
novos. Estamos nos nossos SWEET 16!
Somos, ponto.
A ideia de humanidade fragmenta-se e a impostura da linguagem dos
príncipes deixa de ser tutelar. Acaba-se a técnica como também se
acabarão as melhores laranjas, as melhores couves.
Só não se acabam os poetas e os registos melancólicos que sustêm o seu
dó.
VIII. Ré
Como continuam os copos e bebes façamos FAST FOWARD SWEET 16.
Tudo igual!
Tudo igual!
Tudo igual!
Olhamos para o lado e nada.
Tudo igual!
Torna-se evidente que, embora os atos sejam da ordem do insignificante,
os nossos nomes, as nossas feições e aquele gira-discos são ecos de outras
cantigas i.e. é no Touro de Osborne encontrado na berma do caminho que
projetamos FIM e com ele as recordações, essas zonas recônditas em si
estão contidas sob a forma de alcunhas ou trejeitos de lábio.
Crashamos.
Olhamos para o lado e nada. Olhamos?
IX. Mi natural
Constrói-se sempre em oposição a qualquer coisa, seja ela a natureza, o
Real ou outras metáforas muit’fora. FIM em relação a quê?
Crashamos quando nos vêm à cabeça ideias que nos parecem novas mas
que surgiram da cabeça de outras pessoas. Tal como na história da dança,
também na nossa cabeça há de todos um pouco. hihihihihi...
Rodamos a cabeça para o outro lado. Rodamos?
Vemos a brancura da farta cabeleira que se avizinha em passo lento como
se se dirigisse para o céu. Como é que Platão olhava para o céu? Ou ainda
mais para trás na história, como é que olhava Lucy, minha mãe? Porque
todos o fizeram como agora fazemos, uma vez que aprendemos com os
nossos pais, que por sua vez aprenderam com os seus, e por aí fora.
Imagens cavalgam-se umas sobre as outras e essa realidade paralela
fortifica a necessidade de se visualizar o que se passa in situ.
Olhamos = Gleichschaltung
A tal zona escondida está cada vez mais nítida bem como o nosso plural.
Plural? Então não éramos livres?!
X. Fá bemol (que é como quem diz, mi natural)
Apesar de um aparente começo heterogéneo, o mundo vai formando um
padrão involuntário.
Ex.: estudamos a nossa árvore genealógica e descobrimos que somos
donos do mundo por herança, descendentes diretos de Adão e Eva.
Ficamos cada vez mais pálidos com a possibilidade de hipotéticos gestos
repetidos e decidimos girar o olhar para nós próprios, como se nesta altura
isto ainda fosse possível.
A: - Porque é que quando conscientes de nós nos tornamos menos nós?
L: - Porque a nossa subjetividade esfuma-se quando o desejo deixa de
estar oculto.
Aqui vale um valente crash!
Deixamos cair um copo por causa do nervoso miudinho e estupefactos
olhamos para as manchas resultantes do derrame.
Olhamos?
Mas se viemos aqui de livre vontade como é que ainda aqui estamos?
XI. Sol
Calma, mais devagar.
Se branco existe, é porque tudo foi ficando mais claro: a possibilidade de
termos estado sempre a reagir à realidade paralela a que chamamos FIM,
que se sintomatiza nas curtas memórias que com frequência pausam o
desenrolar do presente, fortifica a necessidade de visualizarmos o que se
passa. E só com vagar e distância conseguiremos ver o padrão.
SLOW MOTION porque morrer sim, mas devagar.
Basta uma vista de olhos em redor para com rapidez nos reconhecermos
nos gestos dos outros. Que dança macabra! Nada é nosso, somos
contingentes.
CRASH em SLOW MOTION
Se conhecimento é contingência, há que aceitá-la e balear o território
inimigo que festeja o nosso FIM e que tende a manter o desejo escondido
de forma a fortificar e naturalizar uma sabedoria que não é a Real: é só
realidade.
XII. Lá natural
Feridos, descobrimos que o nosso inconsciente teve sempre como impulso
a totalidade. A linguagem estava minada de origem. Fizemos e somos
parte de um todo. A história repetiu-se disfarçada de outra forma. Basta
tirar uma foto de conjunto para o constatarmos.
Há que saber perdê-la, como muitos a perderam. Lista de perdas preciosas:
Chavez perde o pio quando o Rei o manda calar; Salazar perde o equilíbrio
quando cai da cadeira; Naomi perde a paciência durante um voo; Dalida
perde o sorriso do público ao cantar “Malade” num concerto; a 11 de
setembro alguém numa das torres gémeas perde a distância com o avião;
Pedro perde lágrimas por Inês; Florbela perde o irmão Apeles; Lana Del
Rey perde a afinação no SNL; Sarah Bernhardt perde uma perna; YSL
perde a vergonha e agradece na passerelle no seu primeiro desfile; Warhol
perde-se a dançar na Factory; Close perde o óscar para Streep; Rothko
perde muita tinta ao pintar os quadros; perde-se um Rubens com o ácido
sulfúrico lançado por Bohlmann; Allen perde os seus segredos no divã do
psiquiatra; Breivik perde as estribeiras em Utoya; Armstrong perde a
gravidade na lua; muita gente perdeu dinheiro no crash da bolsa de 1929;
Kim Jong-Il perde cabelos no cabeleireiro; D. Manuel II perde o país ao
partir para exílio; Kwan perde o pé no campeonato americano; Bo Derek
perdeu a roupa quando cavalgou nua; Sá Carneiro perde altura no Cessna;
Muñoz perde a deixa num espetáculo; Padre Frederico perde apoio da
Igreja; Camões perde o ar ao afogar-se; Senna perde o volante no Grande
Prémio de Imola; Rey Colaço perde o teatro em 1964; Manuel Subtil perde
a cabeça e barrica-se na RTP; Diana perde um casamento; Rousseau
perde-se num bosque; João Paulo II perde a consciência ao desmaiar
durante um discurso; Callas perde a voz; Laika perde a humanidade por
perto dentro do foguetão; Marie Antoinette perde a cabeça; Bobbit perde
um orgão; etc. e tal.
Fora de cena o que não é de cena!
Passemos à frente e deitemos tudo abaixo com a força de um bulldozer e o
olhar de um bulldog (tem de haver sempre um cão nesta narrativa).
XIII. Lá natural
Tese: Vamo-nos perder, criar impermanência, evadirmo-nos para não
sermos invadidos de novo.
Antítese: Mas vamos para lá naturalmente, como quem num passeio à
noite na praia, vero ouro sob azul, sente água nos pés descalços.
Síntese: A rave, esse mundo líquido, fortifica a ideia de um local estável,
terra ou sofá.
Desligamos as máquinas de fumo e acompanhamos o ofegar com um
cigarro.
XIV. Si bemol
Puxemos os cordelinhos e sejamos o nosso próprio maître à danser.
Pois se o recôndito expulsou o falso há que encontrar uma verdade, que é
como quem diz o ideal tornado real.
Lourenço? Pessoa? Godinho? Agustina? Quadros? Ferro? Quarteto 1111?
Bandarra? Aquilino? Sérgio? Garrett? Vieira? Martins? Ortigão? Natália?
Sena? Dresse? Leone? Lobo?
Não. Camões mesmo, porque basta de bater no ceguinho.
Abrimos o livro, sopramos o pó e as letras voam. Destrói-se o
estereograma e a história tal como nos é ditada.
E no desvario erra assim...
XV. Si natural
Admito que o que estou a compreender não é totalmente verdade mas sim
uma ideia falsa do que aconteceu.
Mas tanto faz.
Pelo menos eu, Rei de Penamacor, tão falso como todos os monarcas, olho
pela janela e constato que o meu olhar crítico contrasta com o olhar dos
que esperam e dos que contestam. Todos eles permanecem em zonas
recônditas que decididamente já foram por mim abandonadas.
A observação do mundo, toldada pelas cortinas daquele salão da Beira
Baixa, faz-me perceber que me será para sempre impossível ver aquilo que
as coisas são: nada.
[O até então encoberto Rei regressa com uma cara de espelho.]
XVI. Sweet 16
E para quem quer alguma coisa, tanto destruir como adorar, ele regressa,
regressará sempre, vestido com uma capa de Capitão Cristo e cara de
espelho. Se os odiosos atirarão pedras na esperança que a sua face
indestrutível se quebre em caso de emergência, já os amantes atirar-se-ão
aos seus braços inconscientes do que o que se tornaram, por via dos
tempos, incompatibilizar-se-á com o que a realeza é. Formalmente, uma
vez que conceptualidade não houve verdadeiramente nenhuma até agora,
nenhuma das linguagens terá alguma vez ponto de encontro.
Todos se atiram para o enigma aceitando que a sua estrutura seja corrigida.
E amantes e dissidentes sujeitos de sujeição desaparecem, nunca mais
ninguém ouve falar deles. Que triste espetáculo!
pausa
De que cor é o medo? De todas as cores segundo o arco-íris que a sua face
reflete.
Miro o seu rosto e dou de caras comigo.
Sebastião apreende. Sabe que o morto que regressa do reino dos mortos,
característica típica da segunda parte de um ballet, sou eu.
E nervoso, cansado, ansioso, lá se desfaz um ídolo em mais de uma hora
numa tempestade elétrica quando todas as suas imagens se reúnem numa
só, constantemente deformada, como que epilética.
É no movimento involuntário tornado real que: Sebastião morre tudo.
3ª parte
[Os painéis de azulejos sobem e encontramos as pessoas encostadas à
parede, excepto os albinos que entram a escutar uma música emitida de
uma boombox branca.]
XVII.
“Sã qui turo zente pleta, turo zente de Guine. Tambor, flauta y cassaeta y
carcavé na sua pé. Vamos o fazer huns fessa o menino Manué.
Canta Bacião, canta tu Thomé, canta tu Flansiquia, canta tu Caterija, canta
tu Flunando, canta tu Resnando, oya, turo neglo hare cantá.
Ha cantamo e bayamo, que forro ficamo, ha tanhemo y cantamo, ha
frugamo e tanhemo, ha tocamo pandero, ha flauta y carcavé, ha dizemo
que biba, biba mia siola y biba Zuzé.”
© Anónimo - Sã qui turo
Cuidando de si, colocam o ídolo morto no seu lugar, que é como quem diz,
na morte. Desaparece. E com ele os azulejos. Desaparece tudo, como o
ouro desapareceu. Os nomes, os gestos, vai tudo. Mas não é o FIM. É uma
página em branco. Já só resta fumo nómada. Já só vemos barrocas que é
como quem diz pérolas de forma imperfeita (acontece, para infortúnio de
alguns). Já só vemos como uma peste grande. É a terceira parte de um
ballet: não há narrativa, não há desenvolvimento, só personagens de outra
história. Figuras que se protegeram da realidade permanecendo em colisão
armada com os intrusos dando provas do vigor com que sabiam defender a
sua identidade. Porque na Ilha dos Lençóis, cama conceptual de repouso,
nunca houve critérios definitivos. Só rendição de bandeira olhando para o
horizonte. Tudo se vai rarefazendo. Som, luz, ação. Há que começar. Sem
bom nem mau. Sem certo nem errado. Tirando proveito de tudo.
Aceitando as contingências falsas e reais e transformando o que é “amador
na cousa amada / por virtude do muito imaginar.”
pausa
Parece difícil mas é esse o poder da arte.
Em vez de adoração ou ódio transforma o erro, ou o que à partida não se
vê, em virtude, em discurso.
O inconsciente tornado consciente.
O invisível tornado visível
O ideal tornado real.
Sem forma, sem sentimentos, sem pré-conceitos, sem ideias feitas.
Preenchendo uma página em branco, é isso, e transformando o que se
perdeu ou que se acha que vai perder, em valor, numa preciosidade.
pausa
Conselho para o caso de se dar entrada a futuras ditaduras de estilo: Nem
integrar o regime, nem lutar contra ele. Observar o que emerge e
evidenciá-lo ad nauseam até ao ponto do lucro. E aí:
pausa
No silêncio onde já só restam ecos, os albinos revelam um microfone
branco com fio branco e dizem o seguinte texto em playback:
“
.”
Epílogo.
“ os dias passam tão devagar / tu foste embora / e não vais voltar ”
© Pega Monstro - Palop (feat. Dreams)
FIM.
André e. Teodósio