J Aguiar A Pinho Reabilitação em Números 2005 PDF
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J Aguiar A Pinho Reabilitação em Números 2005 PDF
Ana Piinho; José Aguiar, Reabilitação em Portugal. A mentira denunciada pela verdade dos números!, em Arquitecturas, nº 5, Outubro. Lisboa: Arquitecturas, 2005 REABILITAÇÃO EM PORTUGAL: A MENTIRA DENUNCIADA PELA VERDADE DOS NÚMEROS! Ana Pinho José Aguiar O discurso da reabilitação (urbana e de edifícios) assalta o discurso de retórica política quando se aproximam as eleições municipais. Portugal – e mais vale tarde do que nunca – parece ter descoberto a salvaguarda do património histórico, a reutilização do parque edificado mais antigo e o regresso ao centro (histórico ou não) da cidade como oportunidade para uma nova forma de viver, onde residir parece já não ser incompatível com o trabalhar e o recrear-se. Mas entre o discurso apologético e a realidade dos números existe um grande abismo. Na verdade e nas ultimas décadas Portugal pouco reabilitou o seu património urbano, antes promoveu uma sistemática a renovação e expansão suburbanas! Os dados dos Cens os de 2001, ainda pouco estudados quantos a estas questões, parecem apontar um panorama verdadeiramente desolador para a reabilitação urbana e reutilização do parque edificado (pré)existente, parecendo revelar um dos mais amplos processos de abandono da cidade histórica do qual há registo na Europa! Gráfico 1: Segmento da reabilitação no sector da construção em 2002. Enquadramento internacional. Fonte: Euroconstruct, 2003. A acreditar nos dados do Euroconstruct (Gráfico 1), Portugal era em 2002 o país da Europa que menos reabilitava e que mais promovia nova construção. Apesar do enorme abrandamento que o sector da construção entretanto sofreu, com uma quebra essencialmente ao nível da nova construção, o peso desta no total das intervenções em edifícios não se alterou significativamente nos últimos dois anos. Portugal continua a ser o país em que a construção nova tem mais peso (90,5%), numa Europa alargada em que a média se situa hoje nos 52,5% (Gráfico 2). 1 Ana Piinho; José Aguiar, Reabilitação em Portugal. A mentira denunciada pela verdade dos números!, em Arquitecturas, nº 5, Outubro. Lisboa: Arquitecturas, 2005 Gráfico 2: Peso da construção nova no sector da construção de edifícios em 2004. Enquadramento internacional. Fonte: Euroconstruct, Dezembro 2004. O estudo de Jorge Carvalho (Ordenar a Cidade, Quarteto, 2003) demonstrou como as 16 capitais de distrito portuguesas tiveram entre 1970 e 2000 um espantoso crescimento “construtivo” , duplicando o número de alojamentos sem correspondência com idêntica dinâmica demográfica, apontando que apenas 71% dos fogos eram (em 2001) ocupados por famílias residentes, triplicando no mesmo período a percentagem de alojamentos com “ocupação ausente” e mais que triplicando os fogos com “uso sazonal” e “vagos”. A novidade, anunciada por Jorge Carvalho, é a de que este crescendo de fogos “vagos” ou abandonados, já não ocorre só nas zonas antigas mas também nas partes “novas” – e suburbanas – das cidades. Perante esta realidade, choca verificar que, entre 1990 e 1999 (Gráfico 3), o país reduzia o apoio financeiro do Estado à reabilitação, continuando a concentrar a enorme maio ria do seu investimento subsidiando juros para empréstimos destinados à compra de casas próprias (quase sempre novas construções). Da pequeníssima parte reservada pelo Estado português para financiar operações de reabilitação constata-se ainda – consultando dados disponibilizados pelo INH quanto às realizações de programas como o RECRIA – que não se verificou uma completa realização dos parcos fundos cedidos! 2 Ana Piinho; José Aguiar, Reabilitação em Portugal. A mentira denunciada pela verdade dos números!, em Arquitecturas, nº 5, Outubro. Lisboa: Arquitecturas, 2005 Gráfico 3: Apoio do Estado ao sector da habitação entre 1990 e 1999: compra de casa própria, parque de arrendamento e reabilitação. Fonte: Secretaria de Estado da Habitação, 2004. O investimento feito por Portugal em habitação (Gráfico 4) é três vezes superior ao da média Europeia, traduzindo-se num peso de 8% no PIB (seis pontos percentuais acima da média europeia). Mas como já foi dito, pouco deste investimento beneficia a reabilitação. Foram gastos, entre 1996 e 2001, 5 mil milhões de euros a apoiar a compra de casa própria e apenas 160 milhões em reabilitação. Apesar do recente aumento da visibilidade da reabilitação no discurso político, o Orçamento de Estado de 2003, apresentava ainda um montante para crédito bonificado de 456 milhões de euros e apenas 30 milhões de euros para a recuperação de imóveis. Gráfico 4: Investimento em habitação no ano de 2002 (valores em percentagem). Fonte: Comissão Europeia, Aecops. 3 Ana Piinho; José Aguiar, Reabilitação em Portugal. A mentira denunciada pela verdade dos números!, em Arquitecturas, nº 5, Outubro. Lisboa: Arquitecturas, 2005 O país e os portugueses parecem ter concentrado grande parte dos seus recursos financeiros, não em investimento reprodutivo mas sim em investimento especulativo, adquirindo novos fogos que demasiadas vezes ficam sem uso, à espera de mais valias (ou dos filhos que já não vêem). Assim Portugal tornou-se no início deste milénio um dos países da Europa com alojamentos mais recentes (tínhamos aproximadamente 44% de fogos construídos depois de 1981 por comparação com uma média Europeia de apenas 23%) ao mesmo tempo que éramos também um dos países europeus que menos utilizava edifícios de habitação anteriores a 1919 (Gráfico 5). Isto apesar de não termos sofrido directamente os efeitos dos bombardeamentos aéreos da Blitzkrieg alemã ou das Tempestades de Fogo britânicas. Gráfico 5: % de alojamentos por época de construção do edifício. Fonte: Housing Statistics EU 2002; INE, Censos 2001. Um pouco mais chocante – ainda - é constatar (Gráfico 6) que em três décadas, entre 1970 e 2001, abandonamos a utilização de quase 750.000 fogos anteriores a 1919 ocupados como residência habitual, utilizando em 2001 aproximadamente ¼ dos fogos que utilizávamos em 1970. 4 Ana Piinho; José Aguiar, Reabilitação em Portugal. A mentira denunciada pela verdade dos números!, em Arquitecturas, nº 5, Outubro. Lisboa: Arquitecturas, 2005 Gráfico 6: Alojamentos clássicos, ocupados residência habitual, construídos antes 1919. Fonte: INE, Censos 1979, 1981, 1991 e 2001.. Consultando outras bases de informação estatística constatamos que Portugal é um dos países da Europa que dispõe de um dos parques habitacionais mais recentes, com maior número de famílias com dupla habitação; mantendo também o triste recorde de sermos um dos países mais pobres mas com maior número de fogos devolutos, sem uso previsível a curto prazo, pois estamos a decrescer em termos demográficos! Dando como exemplo Lisboa, que tem actualmente pouco mais de 560.000 habitantes e tem perdido população a um ritmo alarmante nas últimas décadas, verificamos que - espantosamente a taxa de ocupação completa dos fogos existentes, em construção, licenciados e planeados ultrapassa os 930.000 habitantes! A desocupação é também ela uma forma de degradação da cidade; numa degradação física dos edifícios, que corresponde a uma degradação do tecido social, do ambiente urbano e da vivência da cidade. O aumento da construção nova, ao contribuir para a disparidade entre o número de habitantes e o número de alojamentos, fomenta assim a morte lenta de partes de cidade que se vão tornando vazias e desvitalizadas. Perante a crueza dos números, mais doloroso se torna constatar que hoje chamamos “reabilitação” ao que não o é, ou seja, esta nova atracção pelos centros “históricos” das cidades que nos leva a demolir o edificado antigo e substitui- lo por um novo “tal qual era”, ou - como se tivéssemos medo de utilizar o verdadeiro termo, i.e. RENOVAÇÃO – deitar abaixo a cidade antiga e construir uma nova, ou ainda – pior – fazendo um novo disfarçado e excessivo, por detrás de velhas fachadas (num cínico e gordo fachadismo). 5