DIAMANG, MUSEU E O CONHECIMENTO DO
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DIAMANG, MUSEU E O CONHECIMENTO DO
DIAMANG, MUSEU E O CONHECIMENTO DO “OUTRO” A pesquisa em duas épocas distintas no Museu do Dundu Prof. Doutor Manzambi Vuvu Fernando Antropólogo/Museólogo Professor Auxiliar UAN Director Nacional de Museus I. Introdução As grandes mutações constatadas no mundo, o desaparecimento de certas etnias, o acesso difícil a certos terrenos de investigação, os considerados “etnolizados” impedem que as suas sociedades continuem a ser objecto de estudo, a rápida evolução com que se defrontam as sociedades africanas, o avanço tecnológico determinante para a redução do distanciamento existencial e intelectual do antropólogo em relação ao seu objecto de estudo, não condicionaram no domínio da Antropologia Social e Cultural o questionamento do seu objecto de estudo, nem da definição de novos objectos, nem do novo relacionamento no tratamento do seu tradicional objecto de estudo, mas, acima de tudo foi o posicionamento do investigador1 que se modificou profundamente em relação ao espaço e ao tempo” (M. Augé, 1997). Actualmente, as culturas africanas reafirmam-se e o antropólogo debruça-se sobre o trabalho numa determinada sociedade cujo resultado exige um controle dessa mesma sociedade que constituiu no passado, o seu “objecto de estudo”, a quem ele deve recorrer para uma cooperação mútua. É através dessa nova ordem de relacionamento que se desconstrói sob um “olhar endógeno” a relação unilateral criada entre o “Outro” e o “antropólogo” durante o processo de colonização, que na “hodierna” dominaram as sociedades africanas por supremacia e mecanismos da dependência tecnológica e económica criadas para o efeito. Pensamos ter sido nesta base que foi erguido o Museu do Dundu e sua evolução no tempo que caracterizou as suas actividades de pesquisa em duas épocas distintas; A primeira, de 1936 a 1953 e a segunda, de 1956 a 1975. É esta a constatação de um antropólogo de campo, Marc Augé, incidido no seu artigo sobre “ Le nouvel Espace-temps dans l’anthropologie”, in Dire les autres. Réflexions et pratiques ethnologiques (1997), que é a base da nossa reflexão. O contexto no qual o Museu foi criado e as fases que constituíram a sua história enquadra e fundamenta a nossa abordagem diacrónica e sincrónica. O 1 - É, o olhar exterior do investigador. Refere-se ao investigador europeu. Museu do Dundu, apesar de ser uma instituição erguida por uma empresa mineira de capital de investimentos estrangeiros, a DIAMANG, ela, surge em pleno período de incremento da Política de colonização científica e de criação das instituições científicas em Angola. Essas ideias de ocupação científica do Ultramar para a colonização de Angola fundamentaram a ideologia da época que de forma directa ou indirecta, caracterizaram o sistema socioeconómico das empresas capitalistas em Angola, circunscritas no quadro das reformas económicas e do plano de desenvolvimento da colónia durante o mandato do Alto-Comissário José Mendes Ribeiro Norton de Matos. Partiremos do incremento da sua política de governação para contextualizarmos o surgimento dos museus na base da legislação colonial, elaborada entre 1912-1915. Sendo o Museu do Dundu propriedade privada da DIAMANG, as actividades científicas e culturais aí desenvolvidas enquadraram-se provavelmente na política de colonização, isto é, para alcançar os objectivos da empresa no domínio da pesquisa e do conhecimento das populações da região mineira, premissas para o trinómio de exploração. A abordagem “pesquisa em duas épocas distintas”, será delimitada entre 1936-1953 e 1956-1974 em que se pretende estabelecer a forma como essa pesquisa se desenvolveu nessas duas épocas, bem como o resultado do seu trabalho no domínio da Arte e Cultura, digamos, da Antropologia Social e Cultural. II. Historial do Museu do Dundu e a constituição das colecções II. 1. Reflexão sobre a criação do Museu do Dundu Foi em 1936, no extremo Nordeste de Angola, distrito da Lunda, concelho de Portugalia, hoje Citatu, na localidade do Dundu, na actual província da LundaNorte, que se criou o primeiro Museu Etnográfico em Angola. Em 1942, na sua trajectória científica, evoluiu para um Museu pluridisciplinar. Foi através da Companhia de Diamantes de Angola, (DIAMANG), que foi instalado esse grande empreendimento cultural na sua zona de concessão mineira, sua propriedade privada até 1974, altura em que se normalizou a sua nacionalização, formalizada em 1976. Mas qual foi o objectivo que a Diamang pretendeu atingir ao criar o Museu do Dundu? A. de Barros Machado, que foi director do Laboratório de Biologia do Museu do Dundu durante longos anos, fornece-nos alguns elementos do historial desse Museu. Na sua introdução da obra sobre “Diamang, Estudo do Património Cultural da ex-Diamang”2, ele refere que foi por iniciativa de um grupo de amigos de José Rédinha, ex-funcionário administrativo (aspirante) do posto civil de Citatu, sitú há cerca de sete quilómetros do Dundu, artista-pintor habilitado e com treino de desenhador desenvolvido nas suas anteriores funções ao serviço da indústria vidreira da Marinha Grande, tinha preparado uma exposição com objectos nativos da sua colecção privada. A exposição foi visitada pelo Engº Henrique Quirino da Fonseca, Director Geral da Diamang na Lunda que decidiu colocar o homenageado ao serviço da Companhia com a tarefa principal de constituir uma colecção de objectos de alta qualidade cujo núcleo inicial teria de ser a sua própria colecção privada, que ele decidiu ceder à Diamang para a criação do Museu. II. 2. Constituição das colecções do Museu do Dundu A constituição das colecções do Museu do Dundu no domínio da etnografia deve-se ao empenho de José Redinha que aceitou assumir a complexa tarefa de assegurar a edificação desse empreendimento, o Museu do Dundu. Em 1936, foram recolhidos objectos na área periférica do Dundu, que reforçaram o núcleo constituinte das colecções do Museu. Em 1937, foi organizada a primeira Campanha de recolha designada “Expedição de Kamaxilo.” Em 1939, foi realizada uma outra importante expedição “Campanha Etnográfica de Civoko” na região do Alto Zambeze. Ambas expedições reuniram um importante acervo que definiu a orientação etnográfica ao museu. Entretanto, nas proximidades do Dundu foram recolhidas quantidades de materiais 2 -MUSEU ANTROPOLÓGICO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA 1995, Diamang, Estudo do Património Cultural da ex- Companhia de Diamantes de Angola, Universidade de Coimbra. etnográficos. Na ocasião, foram adquiridos objectos quer por oferta de chefes tradicionais, quer por compra. O relatório de 1945, realça uma orientação interna no procedimento da aquisição dos objectos por compra. Contudo, durante a nossa pesquisa não encontramos provas documentais sobre a compra de objectos junto das populações nativas. Comprova-se sim, o sistema de trocas entre os objectos culturais, os produtos manufacturados, e outros de primeira necessidade, que vigorou nesse período das campanhas. O relatório anual de 1943, refere-se a 374 objectos adquiridos ao longo do ano: “...figurando entre eles, uma série razoável de esculturas, algumas regulares e de boas madeiras. Aumentou, também, o número de armas lazarinas e objectos em marfim e osso, hoje, uns 53, em geral peças interessantes”. 3 Atendendo ao critério de avaliação desses objectos, era comum utilizar os qualificativos tais como: esculturas razoáveis de boas madeiras, de algum mérito, ou outras para seleccionar os objectos de valor museológico. No relatório mensal do mês de Fevereiro de 1949, Mário Fontinha assinala que dos objectos de “arte indígena” existentes no Museu do Dundu encontravamse peças de real, valor atendendo à “rudimentar indústria” de que dispunham os seus autores e ao “primitivismo” em que ainda se encontram.4 O critério de selecção dessas peças não era determinado pelos nativos mas sim, pelo conservador do Museu ou pelos seus colaboradores. Nesse contexto, os objectos adquiridos submetiam-se à apreciação do especialista baseados fundamentalmente nos critérios de beleza, para constarem ou não, nas colecções. Segundo nos informam esses relatórios, muitos desses objectos que não respondiam aos critérios de selecção eram oferecidos. Um outro modo de aquisição do acervo etnográfico para o Museu levado em consideração foi o enquadramento dos melhores escultores na execução da produção artística exclusiva para o Museu. Nas décadas 40 e 50 do Séc. XX o Museu reorganizou novas campanhas de recolha nas mesmas áreas e 3 - MUSEU DO DUNDU, Relatório anual de 1943, Dundu, Lunda, Angola. p.3. 4 - MUSEU DO DUNDU, Relatório de Fevereiro de 1949, Dundu, Lunda, Angola, p. 5 localidades próximas do Dundu, pela necessidade que o Museu se debatia, sobre aquilo que os responsáveis do Museu consideravam “carência em objectos culturais”, sobretudo, em esculturas. Os objectos produzidos por esses escultores, tinham como objectivo “garantir e perpetuar os padrões artísticos da escultura cokwe”. Os melhores artistas eram identificados por um símbolo que representava a “patente” da autoria das suas obras que são apreciadas ainda hoje no Museu. Uma parte dessa produção era depositada no Museu e integra as colecções etnográficas. É desta forma que presentemente, encontramos nestas colecções, peças com patentes dos escultores: Mwangelenge, Karinyiki, Mwaconji e outros que marcaram a arte cokwe da época. Numa das passagens do relatório anual de 1957, José Redinha elogia a produção dos escultores de madeira, que continuavam a apresentar trabalhos de “interesse como sempre acontecia”. As “peças perfeitas” entravam na colecção dos escultores modernos independentes das colecções do Museu. Deve-se assinalar aqui, a intervenção do conservador do Museu e dos seus técnicos naquilo que se adequava à época, o enquadramento técnico para manter o “mais puro possível a arte tribal”. Dessa produção, as peças executadas eram enviadas para Lisboa, à Sede, e à Direcção Geral na Lunda, para ofertas. Mas, essa gestão da produção artística, não foi partilhada da mesma forma pelo Administrador Delegado da Diamang, Dr Júlio de Vilhena, ao tomar conhecimento da situação exarou algumas medidas e incrementou acções. Essas acções obrigaram o Sr. Administrador-Delegado da Companhia a intervir e recomendar a suspensão da interferência dos responsáveis do Museu no trabalho de artistas de modo a deixa-los trabalhar em regime livre para que os “padrões tradicionais” de arte cokwe não sofressem bruscas distorções, alias, como já acontecia. Foi constatado que a “arte negra” começava a ressentir os efeitos de uma “destribalização” e “industrialização” acelerada, acções que mereceram uma resistência por parte dos artistas nativos, impondo e conservando padrões cokwe como se pode ler no relatório anual de 1963. Até essa altura, pelo menos 300 trabalhos tinham sido executados como reza a lista inclusa no referido relatório.5 5 -MUSEU DO DUNDU, Relatório anual de 1963, Dundu, Lunda, Angola, pp. 5-7. A aquisição dos objectos da cultura material e imaterial constituiu a tarefa principal do Museu, a razão da sua existência, pelo que, dia após dia, as colecções, foram-se avolumando de modo que, no ano de 1962 o Museu contava já, com 10.100 objectos etnográficos. O trabalho de recolha nos programas do Museu ia-se tornando uma actividade permanente e em simultâneo, ia-se constituindo também uma parte importante das colecções do Museu. Muitas outras colecções eram adquiridas pela Administração da Companhia, iniciativa do seu Administrador-Delegado, o Comandante Ernesto de Vilhena a partir da Sede em Lisboa. No relatório mensal de Agosto de 1949, o Museu fazia referência à aquisição de um dente de marfim e de uma “importantíssima” peça de origem cokwe, adquirida pela Direcção Geral em Lisboa. O Museu considerou a escultura uma das melhores e mais representativas peças de madeira da “tribo” cokwe, a que se presumia pertencer. Tratou-se do objecto que seria identificado como “Cibinda Ilunga”, o “Caçador Ilunga” pela investigadora Marie-Louise Bastin. A Administração central da Companhia conseguiu adquirir a partir de Lisboa 971 peças de arte africana para o Museu do Dundu. Das colecções etnográficas do Museu do Dundu, integravam também o material etnográfico recolhido pelo Professor Hermann Baumann em 1955, no Sul de Angola, com um total de 1150 objectos. Faziam parte dessas colecções etnográficas cerca de 120 objectos adquiridos nos arredores do Dundu e nos Postos de Lovwa e Kanzar, que segundo responsáveis do Museu, foi superiormente autorizada a sua movimentação de Angola para o exterior, por não apresentarem quaisquer interesse para as colecções do Museu. Assim, no relatório de Dezembro de 1972, os objectos das colecções etnográficas do Museu do Dundu totalizavam 13216 peças, das quais: 11.986 da colecção regional (região Leste), 1150 da colecção “Dr.Hermann Baumann” e 971 peças de uma colecção africana.6 III. Actividades científico-culturais da Primeira época (1936-1953) 6 - MUSEU DO DUNDU, Relatório anual de 1972, Dundu, Lunda, Angola, p. 2. A etapa acima intitulada delimitamo-la como a primeira época, constitui a baliza cronológica entre as duas épocas distintas, que foram decisivas para actividade funcional do Museu. Essas actividades incidiram no conhecimento do “Outro”, definido como objecto “etnolizado”. As actividades da época fundamentam-se na ideologia da ocupação científica do Ultramar. Esse processo, em Angola, foi introduzido, sistematizado e consolidado com a primeira administração do governo de José Mendes Ribeiro Norton de Matos (1912-1915), considerada época em que se estabeleceu um programa de investigação para o conhecimento das populações “indígenas” de Angola. Um conjunto de decretos-lei tinha sido divulgado como instrumentos normativos e legislativos da época que permitiram o surgimento das instituições científicas em Angola. Dos decretos publicados citaremos os seguintes: Decreto nº 215 de 23 de Fevereiro de 1912, publicado em 24 de Fevereiro ordenava, os agentes do quadro administrativo, chefes de posto, administradores de circunscrições, residentes, capitães-mores, missionários, responderem ao questionário etnográfico sobre as suas respectivas áreas; Decreto nº 372, nº 16 de 17 de Abril de 1913, publicado em19 de Abril disposição provisória que visava a criação de uma Secretaria dos Negócios Indígenas, junto da qual iria funcionar o Serviço Permanente de Reconhecimentos e Explorações científicas para o estudo das instituições, usos e costumes e vida dos indígenas, suas características etnográficas e outros. Nessas disposições legais, são tratados os assuntos relacionados com a nova codificação dos usos e costumes das populações de Angola os “indígenas”. Relativamente aos serviços de que se refere a portaria nº 372, de 17 de Abril de 1913, incentivou trabalhos etnográficos que foram os instrumentos de suporte da colonização que se pretendia científica. É nesta circunstância que Ferreira Diniz, responsável do Serviço dos Negócios Indígenas, redigiu a sua monografia sobre “As populações de Angola.”7 Apesar de não ter cunho científico, o trabalho satisfez pelo menos o programa da política da época e afectou o processo de investigação do ponto de vista da metodologia. Decreto, n.º 266 de 5 de Março de 1912, marcou o momento histórico da Museologia em Angola quando Norton de Matos, Governador Geral de Angola, promulgou, no qual se decide criar o Museu Etnográfico 7 - DINIZ, J.O.F., 1918, Populações indígenas de Angola, Coimbra, Imprensa Nacional. de Angola e Congo. Este Museu permite, ao estudioso, ao colono recém-chegado a Angola, ao homem de negócios e ao funcionário colonial, aprender a conhecer “o tipo de populações semi-civilizadas cujos traços eram considerados tão curiosos e ainda mal estudados.” 8 Este decreto foi o instrumento legal, impulsionador, que permitiu as diferentes vagas migratórias portuguesas conhecerem as populações encontradas na nova colónia de Angola. Orientava a criação dos museus em Angola, a materialização desse decreto acontecerá oficialmente em 1938, com a criação do Museu de Angola. Entretanto, como já nos referimos, em 1936, no Dundu, a Companhia de Diamantes de Angola (Diamang), já tinha criado o primeiro Museu Etnográfico de Angola, como sua propriedade privada. Museu polivalente e regional, com as especialidades de Biologia, Arqueologia, História, Antropologia e Folclore. Nesta comunicação o nosso interesse é fundamentalmente antropológico. Apesar do Museu do Dundu ser propriedade da Companhia de Diamantes de Angola, as entidades administrativas que anteriormente referimos devem ser enquadradas nesta época, e não apenas como mero actores no incremento da política de ocupação científica das colónias. Isto é, pelo exercício das funções durante a 1ª República portuguesa, por uns e na administração colonial por outros, essas entidades muniram-se de conhecimentos legislativos que fundamentaram e implicaram o surgimento dos museus nas colónias e, em particular, em Angola. Não havendo a tradição da disciplina de Antropologia Social e Cultural, o Museu do Dundu jogou um papel determinante na recolha de objectos da cultura material e imaterial, das tradições orais e da História das áreas culturais Lunda e Cokwe, não obstante as actividades da Antropologia Física que era na altura a disciplina tradicional de Antropologia em Portugal. Era essa, a actividade cultural que complementava o “trinómio da exploração” da zona da Lunda afecta à Companhia, definida em três sectores vitais: - a exploração mineira, 8 -HENRIQUES I. C. ,1997, op. cit., p. 67. Esse decreto foi publicado no B.O.de Angola, n.º 10 de 9 de Março de 1912, p. 143. Essa referência permite-nos discernir as datas de promulgação do decreto e da sua publicação no Boletim Oficial da província de Angola. - a exploração da fauna e flora, e - a exploração cultural. Foram estes sectores importantes do conhecimento da área para uma eficiente rentabilidade da companhia. Nos seus Estatutos, a empresa, ora criada, não expressa esse trinómio cujo sector cultural através do Museu e das suas publicações culturais foram o fio condutor do prestígio da Companhia e das zonas culturais Lunda e Cokwe, sobretudo para o exterior de Angola. A área cultural Cokwe jogou um papel tão importante nas actividades da Companhia ao ponto de passar sob a dependência directa da Direcção Geral na sede em Lisboa. José Osório de Oliveira (1952) não deixa de sublinhar o lugar assumido pela Diamang na contribuição portuguesa para o conhecimento da chamada “alma negra.” Aliás, como ele próprio disse, “…esta empresa é uma empresa capitalista, mas graças ao facto de superintenderem nos seus negócios dois homens da cultura: o Comandante Ernesto de Vilhena e o seu filho, o Dr. Júlio de Vilhena, não se limita à exploração do solo da Lunda. A empresa fundou na sede das suas actividades mineiras, um museu etnográfico, único no mundo, localizado como está na própria região, em pleno centro de África 9 Negra…” , o que faz subentender o mérito do museu em desenvolver actividades para salvar a “alma negra”. Para o autor, não se inscreve no Museu do Dundu a actividade cultural da Diamang que editou publicações de interesse científico e mantém em permanente actividade Missões de Recolha de folclore musical por entender que se impunha salvar a expressão da “alma negra.” No catálogo analítico sobre a exposição “ Angola a Preto e Branco” Fotografia e Ciência, Museu do Dundu, 1940-1970, realizado em 1999 no Museu Antropológico da Universidade de Coimbra, coordenado pelo Professor Doutor Nuno Porto, faz-se referência à importância que a Direcção da Diamang deu ao sector das actividades culturais expressando o seguinte: “...Com implicações sensíveis em termos da orgânica do museu, o qual deixa de estar dependente da Secção de Representação na Lunda para se tornar uma secção autónoma e, tal como as outras, dependentes da Direcção-Geral na Lunda... Nas suas actividades, 9 - OLIVEIRA, J.O., 1952, Contribuição Portuguesa para o Conhecimento da Alma Negra, Lisboa s/e, p. 23. …esta, depois de receber e comentar os relatórios, enviá-los-á para a Direcção Geral em Luanda, de onde eram enviados, por sua vez, para Lisboa. Daí, seguindo um percurso rigorosamente inverso, faziamse acompanhar de “memorandos” e “ordens de serviço”, baseadas na leitura dos relatórios e seus 10 comentários sucessivos .” Temos a certeza de que, essa estrutura montada não passava de um simples exercício de uma rede burocrática como pelo contrário foi a demonstração de que os serviços culturais nessa Companhia se revestiam de uma grande necessidade para o conhecimento do “Outro”. José Redinha, apesar de não possuir habilitações literárias suficientes, para assumir a responsabilidade de uma instituição de carácter científico foi, na época, a pessoa avisada para assegurar o empreendimento e assumir tais funções pelas seguintes razões: No exercício das suas funções como aspirante de administração colonial, certamente, José Redinha, teria recebido as orientações contidas nos decretos, que se seguem; n.º 832 de 5 de Agosto de 1911, o n.º 215 de 23 de Fevereiro de 1912, o n.º 372, de17 de Março de 1913, e teria conhecimento do decreto n.º 266 de 5 de Março de 1912, que cria o Museu Etnográfico de Angola e do Congo; O conhecimento das populações da região onde ele permaneceu durante muito tempo permitiu-lhe familiarizar-se com os chefes tradicionais e anciãos o que implica um conhecimento de usos e costumes das áreas culturais Lunda e Cokwe. No contexto da época e para os objectivos que eram traçados na ocupação científica da colónia, numa instituição como o Museu do Dundu, a nomeação de J. Redinha respondia a essas funções. É assim, que, em 1942, foi nomeado conservador do Museu. A curiosidade, o entusiasmo, a paixão pela arte, a aproximação etnográfica da sociedade tradicional Cokwe como agente administrativo levaram J. Redinha proceder a recolha dos objectos da cultura material e imaterial da região sem procedimento metódico, que passaram a constituir as colecções etnográficas de um dos maiores museus de África na época. O fundamento dessa recolha cingia-se em, “salvar da destruição os produtos da civilização dos selvagens” segundo a expressão de Adolphe 11 Bastian, 10 - MUSEU ANTROPOLÓGICO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, 1999, Angola a Preto Branco; Fotografia e Ciência no Museu do Dundu, 194o-1970, p.10-12. 11 - OLIVEIRA, J.O de, 1954, Uma acção cultural em África, Lisboa, s/e, p. 27. …Obviamente, com o apoio da Companhia, o Museu tornou-se a mais importante instituição de conhecimento do homem das regiões Lunda e Cokwe e das suas culturas. À publicação dos Serviços Culturais da Companhia juntaram-se mais tarde, isto é em 1942, as publicações da Junta das Missões Geográficas, de Investigações do Ultramar e da Agência Geral do Ultramar. Até aos anos 70, o Museu do Dundu não tinha abdicado dos fundamentos ideológicos que estiveram na origem do surgimento dos museus em Angola pois, o Museu do Dundu não assumia a sua função científica no conhecimento da cultura e do homem da região, não se entendendo porém, a ausência prolongada até aos anos cinquenta (1942-1953), de trabalhos antropológicos com grande cunho científico nas publicações culturais do Museu como se verificou nos domínios de Biologia, Arqueologia, Geologia, Fauna e flora. No domínio da Antropologia, além de breves monografias e trabalhos museográficos de identificação de objectos recolhidos, pois, não são assinalados trabalhos científicos. De facto, o Museu do Dundu, circunscreveu a sua grande missão junto dos chefes tradicionais, conhecer os usos e costumes da comunidade cokwe, recolher as informações etnográficas necessárias para a melhor compreensão do homem da Lunda. Assim, podemos observar nos relatórios do Museu do Dundu (1942-1955), enviados ao Sr. Ernesto de Vilhena AdministradorDelegado da Companhia em Lisboa, um leque de informação sobre o quotidiano das populações da área Lunda. A título de exemplo podemos ler nos relatórios anuais o seguinte: 1943, “A informação etnológica aliada à observação técnica dá resultados concretos e curiosos. É o caso do fundidor de metais que usa o cadinho muito fechado para evitar o mau-olhado sobre o metal, ou qualquer conspurcação de ordem tabu. Isto bem visto não é uma quimera mas realidade positiva, pois, o artífice negro, desta forma, evita o contacto do oxigénio que oxidaria o metal em fusão. Da constatação feita no terreno, o conservador explicava o fenómeno de seguinte maneira: Onde o negro diz “mauolhado” ou “tabu” nós (europeus) dizemos “oxigénio” e o caso está arrumado. 12 Continua dizendo “nós não compreendemos o que seja mau-olhado? Também eles não compreendem o que seja oxigénio”. 12 -MUSEU DO DUNDU. Relatório anual 1945, p. 27, Dundu, Lunda, Angola. 1945, o Conservador presta uma série de informações sobre a vida dos indígenas das “zonas de colonização.” Neste relatório o Conservador do Museu informa e faz constar o que se segue sobre os “Jogos de Cartas”, “Liamba” e “Rebitas”: “É vulgar, entre os indígenas mais europeizados das zonas da “Diamang” (como aliás em todas as zonas de colonização), o uso de jogo de cartas a dinheiro. É também vulgar o uso de “liamba” (Cannabis satina Lin) planta narcótica da qual se fuma as folhas depois de secas. Qualquer destes usos tem inconvenientes consideráveis. As cartas levam ao desequilíbrio económico dos seus praticantes, a roubo, a desordens, abandono de serviço etc. A liamba que se identifica com o “chanvre” ou hachych do árabe, a todas as consequências provenientes do uso dos narcóticos, e são conhecidos casos de desequilíbrio mental provocado pelo seu uso. Neste mesmo relatório anual de 1945, o Museu propõe que deveria ser proibida a venda das cartas ou cedência de qualquer ordem aos “indígenas.” Quanto à liamba, o modo mais fácil de a combater seria a destruição dos canteiros desta planta, que os indígenas cultivam geralmente nas sanzalas, ou em locais escondidos nas 13 orlas das lavras ou na beira dos rios, proibindo-lhes a sua renovação. Um outro uso que o Museu temia que se vinha generalizando entre as populações, foi uma modalidade de “rebita” ou seja “bailes à moda europeia”. Caracterizam-se por ar fadista que os frequentadores consideravam chique imprimir às suas pessoas e ao conjunto. Assim é vulgar haver pancada nas mulheres, beber bem, para fazer ver quem são os homens, disputar as raparigas fadistamente e jogar as cartas. Estes lugares, reforça o relatório, …têm carácter industrializado, e assim, vendem-se bebidas incluindo a aguardente de fabrico indígena. As bebidas são pagas a preço elevado em arremedo de clube de luxo, e o espírito destes estabelecimentos incipientes situa-se entre o clube de mulheres e a taberna. As festanças são realizadas dentro de casas onde se passam muitas horas, noites completas, por vezes, numa atmosfera viciada de cheiro nauseabundo… Tendo sido considerado de grave os assuntos expostos e para pôr cobro a tais situações, o Conservador do Museu propôs as seguintes medidas: “…acabar com as rebitas que podem vir a implicar as casas de vício, pois na zona de Exploração mineira as “rebitas” a que na Lunda se dá o nome de “maringa,” vão tomando amplitude e implicar consequências nefastas; pôr obstáculo ao desenvolvimento desses modos de distracção e implementar o rico folclore dos indígenas para se divertirem; solicitar à autoridade administrativa exigir uma taxa pesada que obrigasse os promotores dessas actividades a desistirem… …proibir as manifestações culturais vindas de outras regiões, vai-se verificar com o aparecimento de uma nova dança “ kalukuta” originária do Viyé. O Museu tentou retardar a adopção dessa dança como o fez para a “maringa” considerada imprópria e imoral pelos “nativos tribalizados… 13 - MUSEU DO DUNDU, Relatório anual, 1945, p. 27, Para o Museu, 14 essas inovações são prejudiciais pois não têm arte, não têm moral, não têm raça…” Pois a preocupação do Museu é de evitar que o povo da Lunda seja facilmente influenciado ao ponto de perder a sua cultura. José Redinha ao justificar-se no seu relatório considera o povo da Lunda tão primitivo e atrasado sob todos os pontos de vista, que basta uma influência de alguns anos para se alterar profundamente. Segundo ele, …são os “indígenas” mais próximos dos centros de colonização os grandes cultores desta espécie de festanças, facto este que afecta directamente o sector de pessoal de que mais precisamos, constituindo 15 ainda exemplo legalizado pela nossa indiferença aos olhos dos indígenas mais primitivos… J. Redinha considera indispensável a intervenção do Museu na introdução dos bons e na extirpação de maus costumes para garantia do equilíbrio existencial da “população indígena”. Um outro exemplo que justifica a aplicação das actividades etnográficas do Museu ao serviço da Companhia é a informação do Museu encontrada no relatório anual de 1945, no qual podemos ler o seguinte: “…não poucas vezes têm surgido dificuldades em diversos sectores de serviços, motivadas pela confusão que provocam os diversos nomes usados por um mesmo indígena. O facto tem explicação no costume dos indígenas disporem quase sempre de um número mínimo de três nomes a saber: nome da mukanda, nome de paternidade e nome popular…” Segundo a explicação recolhida por J. Redinha, o nome de Mukanda é atribuído ao indivíduo pelo pai ou pelo avô e o jovem declina-o no acto da cerimónia de saída da Mukanda, disparando para o ar uma flecha em sinal de que todos outros nomes anteriores (baptismo e populares) foram desprezados (arrojada fora, no simbolismo da flecha) proclamando no mesmo momento o nome adoptado. Porém, logo que o indivíduo é pai tornará a mudar de nome adquirindo o nome da paternidade levando as partículas prefixativas “Sa” e “Na” que equivalem respectivamente a “senhor” e “senhora.” Além desses nomes, o jovem pode adquirir outros tantos nomes dados pela comunidade provenientes do seu carácter, gosto, etc… 14 - MUSEU DO DUNDU, Relatório mensal de Abril de 1947, p. 2. 15 - MUSEU DO DUNDU, Relatório mensal de Abril de 1947, p. 2. Dundu, Lunda, Angola essa informação é dada para entender a razão porque um autóctone “indígena” ao declarar o seu nome para tratar documentos dá de cada vez um nome, como se tem verificado, “…O Museu aconselha a adopção do nome de Mukanda que existe em todos os indivíduos das vastas regiões onde esta cerimónia é praticada. É este nome que se apresenta mais eficaz, pois que o facto do indivíduo se apresentar com vários nomes, a sua identificação pelo nome de Mukanda evitaria toda essa confusão de troca de nomes. 16 Uma boa parte de informações etnográficas exploradas pelo Museu provém das populações que visitavam o Museu. Assim podemos ler nas notas sobre “visitantes indígenas” orientações de procedimento de como se deve trabalhar com os visitantes. Segundo a definição do Museu, entende-se por “visitantes indígenas” todos nativos de qualquer classe que se apresentam no Museu, provindos de lugares mais ou menos afastados.17 Estes, são recebidos na aldeia museu conforme se trata de um chefe tradicional ou de um simples indivíduo que traz notícias ou objectos para venda. Quando o visitante é residente de uma zona sobre a qual incide algum estudo em preparação, é ouvido sobre os diversos assuntos que interessam os costumes, as tradições históricas, etc. Quando o visitante é chefe tradicional, mestre de ofício, artista, ele é recebido pelo próprio Conservador. Existe no Museu o “Registo de movimento indígena” no qual são registados os nomes de visitantes e os assuntos de interesse por eles narrados. Em todas essas actividades, quer no fornecimento das informações etnográficas quer na aquisição de objectos etnográficos ou na mobilização dos grupos culturais, os chefes tradicionais, jogaram um papel determinante. Eles contribuíram de uma maneira activa no apetrechamento do Museu e na identificação de uma boa parte dos objectos etnográficos do Museu. Assim, o interesse manifestado pelo Comandante Ernesto de Vilhena para com os sobas (chefes tradicionais) prova claramente a filosofia reinante da época sobre a ocupação científica do ultramar (Portaria n.º 372, de 17 de Abril de 1917). José Rédinha que foi antigo funcionário da administração colonial do Concelho de 16 17 - MUSEU DO DUNDU, Relatório anual de 1945, 31-32. Dundu, Lunda. Angola - Idem, p.33 Citatu e mais tarde Conservador do Museu, foi o melhor indigitado para estreitar as relações entre a Companhia e os chefes tradicionais da região da Lunda, sobretudo os das zonas da exploração mineira. J. Redinha conhecia melhor a região onde ele exerceu as suas funções de aspirante da administração colonial; familiarizou-se com os chefes tradicionais com quem ele conviveu durante o exercício das suas funções na administração. Constatase que desde a sua criação, o Museu cumpriu a sua missão, a de levar ao conhecimento do “Outro”, ao passo que, a real função do Museu é assumir-se como instituição científica. Os conhecimentos adquiridos sobre as populações e sobre os seus objectos culturais depositados no Museu não serviram somente, os interesses científicos, que foram explorados tardiamente, isto foi só nos anos 50. Em 1954, no relatório anual do Museu, o conservador descrevia que, …à margem dos assuntos primordiais do serviço, o Ajudante do Conservador, Sr. M. Fontinha, vinha recolhendo elementos para um estudo baseado na adivinhação e nos variados processos dessa prática pelos povos da Lunda, especialmente pelos quiocos (thucokwe). “Recolhida com exactidão e originalidade pode fornecer um trabalho útil para o conhecimento desta curiosa faceta dos costumes nativos…” 18 Como entender que numa instituição científica com a dimensão do Museu do Dundu não se considerasse primordial o estudo científico de um fenómeno cultural? Mas, caso se realizasse esse estudo, o que poderia advir desse trabalho; serviria exactamente para o conhecimento de uma “curiosa faceta” dos costumes nativos? Será esta a primeira missão que fixou o Museu do Dundu? Em 1946, a exploração mineira foi intensificada na zona da Lunda, o que causou a prosperidade da Companhia Mineira, Diamang, favoreceu um novo horizonte para o Museu. As actividades do Museu evoluíram progressivamente, surgindo a edição das “Publicações Culturais” cujo primeiro número foi lançado em 1942; a construção de um edifício de raiz, apropriado a um Museu, no mesmo ano o Comandante Ernesto Vilhena confiou ao Dr. Machado a missão 18 - MUSEU DO DUNDU, Relatório anual de 1954, Dundu, Lunda, Angola, p.31. que o levou ao Congo Léopoldville, actual R.D.C e à Bélgica para estabelecer acordos de cooperação entre as instituições de ambos países. Essa visita resultou numa grande experiência para o aperfeiçoamento da técnica museológica, a pesquisa Zoológica, Botânica, Geologia, Arqueologia, dos estudos antropológicos, a recolha do folclore musical, etc.19 Desta forma, o Museu passou a auferir o autêntico carácter científico. Assim, o citado ano, foi marcado pela gestão museológica do Museu do Dundu. IV. As actividades científico-culturais da segunda época (1956-1975) Em 1954, fizeram-se várias sugestões e propostas para a criação de uma Secção de Estudos Etnográficos ou Etnológicos, pois tinha sido constatado que o acervo do Museu, relativo às suas colecções etnográficas, eram parte importante que caracterizava a instituição, se vinha afastando da vida corrente como consequência da permanente evolução dos povos, seus usos, costumes e tradições. Foi proposto aproveitar os autores desses ricos materiais para obterem depoimento que pudesse contribuir para o esclarecimento do uso, função, significado de inúmeros objectos, cujo interesse científico seria maior quanto mais alta fosse a soma de notas obtidas para a sua classificação.20 Sob as mesmas propostas, o Museu sugeriu que a recolha, o estudo e a valorização do material etnográfico, fossem na realidade o seu objectivo. Contudo, a divisa fundamental para um Museu bastante distanciado, pela sua posição geográfica em relação à capital do país ou aos grandes centros de interesse científico é, desentranhar, estudar e publicar o seu acervo. Isto é, para ser útil, para ser mais precioso, finalmente para ter um fim. Para se alcançar este objectivo foram necessários técnicos especializados, preferencialmente, segundo o relatório, de um antropólogo. Na estrutura orgânica do Museu devia -se criar uma Secção de Estudos Etnográficos. 19 -MUSEU ANTROPOLÓGICO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, 1995, op. cit., pp.15-16. 20 -MUSEU DO DUNDU, Relatório anual de 1954, Dundu, Lunda, Angola, p.33. Foi proposto a contratação de um cientista proveniente do exterior tendo em conta a falta de quadros capacitados para assegurar a área Antropológica do Museu, pois que, a passagem de amadores que lá estavam para técnicos podia ser desastroso por trazerem excessivo entusiasmo, fraca preparação, responsabilidade deficiente, condições estas que não coadunam com a classe e projecção que a acção cultural da Diamang tinha jus. Ao concluir o relatório pode-se ler que o Museu do Dundu com as suas preciosas colecções no estado actual (bastante completas e bem arrumadas) merecem tratamento e conhecimento científico que os empregados do Museu não possuíam, por muito que o desejem, por não poderem ir além dos seus recursos de amadorismo.21 A insistência da direcção do Museu do Dundu na criação de um Gabinete de Estudos Etnográficos justifica a necessidade fundamental do Museu na consolidação do trabalho de administração e de conservação com o de estudo ordenado e regular. Ao mesmo tempo, reconhecia-se as limitações e debilidades do pessoal, José Redinha afirmava que o conservador nesse tipo de museus era um empregado de administração, facto que ele demonstrava no quotidiano das suas actividades no Museu do Dundu. O trabalho científico de natureza histórica ou etnográfica era tão esporádico, exíguo neste campo até as décadas 55/60. As actividades do Museu limitavam-se ao expediente, higiene e limpeza, gerir o pessoal indígena, a apresentar a Aldeia Museu, trabalhos de vigia da cintura arqueológica, a arrumar e ordenar as arrecadações, classificar o material recolhido, guiar visitas protocolares ao Museu, elaborar monografias, etc. V. I. Actividade Cientifica do Museu Em 1956, Marie-Louise Bastin, na época, estudante do Curso de História de Arte e Arqueologia, opção Arte não europeia da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade Livre de Bruxelas foi lhe colocada um desafio pelo seu Professor Frans-M. Olbrechts, em trabalhar sobre as colecções do Museu do Dundu depois do seu regresso de Angola, onde em 1955, tinha visitado o Museu do Dundu do qual saiu entusiasmado pela riqueza do acervo do Museu do Dundu. F-M Olbrechts, era o Director do “Musée Royal de l’Afrique Centrale 21 -MUSEU DO DUNDU, Relatório anual de 1954, op. cit, p.33. em Tervuren. A proposta o repto foi aceite pela Marie-Louise Bastin que decidiu deslocar-se em 1956 à Angola, ao Nordeste para um trabalho de Campo onde permaneceu durante seis meses para um estudo municiono (Abril-Outubro de 1956) sobre as colecções etnográficas do ponto de vista de Iconografia dos objectos de Arte Cokwe. Essa deslocação de Marie-Louise Bastin ao Museu do Dundu realiza-se no momento que os responsáveis do Museu procurava readaptar a sua estrutura orgânica para responder a uma das mais importantes funções do Museu que é a investigação. Podemos nos aperceber de que desde 1936 a 1955, o Museu do Dundu, carecia dessa função que foi uma das grandes exigências das instituições museológicas. Qual foi a contribuição de Marie-Louise Bastin sendo na época apenas uma investigadora? Durante a sua estadia no Museu do Dundu, Marie-Louise Bastin estuda à iconografia que a leva a elaborar uma sistematização de toda informação de grande parte das colecções do Museu. Recolheu-a de forma metódica, o que lhe permitiu a vida material, espiritual e social daquele povo. Como resultado do seu trabalho, Marie-Louise Bastin produz em dois volumes numa obra intitulada “Art Décoratif Cokwe. Esse trabalho só foi possível graças a sua formação académica já nos anos 40, em Estudos de Arquitectura e das Artes visuais no Instituto de Cambre. Para melhor compreender e aprofundar os seus estudos sobre as colecções do Museu, M-L Bastin desloca-se entre 1961 e 1971, a várias capitais e cidades metrópoles da Europa e de América em visita de estudo para melhor conhecer a Arte africana e procurar estudar as colecções referentes a Arte Cokwe. O conhecimento profundo adquirido de 1956 a 1966, levou Marie-Louise Bastin a preparar a sua licenciatura em História de Arte e Arquitectura na Subsecção de Arte não Europeia da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade Livre de Bruxelas, sob a orientação de M. Luc de Heusch. Em 1978, período de plena guerra civil angolana, M-L Bastin deslocou-se à Angola, reiterou as suas convicções no estudo da Arte cokwe. Durante a sua estadia, realizou trabalhos de campo na Província da Lunda Norte, junto do Museu do Dundu onde permaneceu quatro meses, de Julho a Outubro, na qual desenvolveu estudos sobre “os Objectos de Culto de Mahamba, Wanga e Vitumbo entre os Cokwe no seu contexto cultural. Em 1984, coube a vez ao convite do Ministério da Cultura, então Secretaria de Estado da Cultura a esta investigadora para desenvolver um trabalho no domínio da Antropologia cultural sobre Mungonge, Sociedade secreta masculina entre os Cokwe na localidade de Cinguvu a 50 km do Dundu. Durante a sua estadia em Angola, leccionou no Museu Nacional de Antropologia um curso sobre sobre “Arte de África Negra”. A sua actividade de investigação sobre as colecções do Museu do Dundu no domínio da História de Arte, e estudo das instituições da cultura material e Imaterial da comunidade Cokwe, possibilitou a M-L. Bastin acumular um vasto conhecimento que sustentaram os seus estudos no domínio da História da Arte Cokwe. Trabalhos publicados mencionam-se : Statuettes Tshokwe du Héros Civilisateur “Tshibinda Ilunga”, Arnouville, Eds. Arts d’Afrique Noire, 1978, 128p.; Entités Spirituelles des Tshokwe (Angola), Milão, 1988. Publicou vários artigos em revistas científicas da especialidade. Entre os vários trabalhos publicados, destaca-se a obra “Arts Décoratifs Tshokwe, peculiar e digna de menção, período dedicado aos trabalhos de campo e das suas publicações meritórias que caracterizaram, a designada, Segunda época das actividades científicas do Museu do Dundu, isto é de 1955-1974, que constituí marco de referência. Nesta etapa subsequente de intensa actividade científica do Museu do Dundu, ML.Bastin deixa em aberto pistas para futuros trabalhos de investigação no Museu do Dundu, é nesse encadeamento que vão surgir outros trabalhos a salientar; dois que tiveram grande relevância no domínio da antropologia Cultural; Mesquitela Lima, sobre Fonctions sociologiques des figurines de culte Hamba dans la société et culture Tshokwe, Luanda, IICA, 1971. M. R. Laranjeira Areia, sobre Les Symboles Divinatoires: analyse socio-culturelle d’une technique de divination des Cokwe de l’ Angola, Coimbra, Instituto de Antropologia da Universidade de Coimbra, 1985. V.Conclusão Exaurimos demonstrar nesta comunicação as actividades do Museu do Dundu realizadas em duas épocas distintas, sendo a primeira aquela que caracterizou a etapa inicial da constituição do Museu do Dundu pela Concessão Mineira Diamang, de capitais de investimento estrangeiro; Sendo sua propriedade exclusiva, orientou estratégias para sua incrementação, atribuindo a sua gestão à administração colonial, com o objectivo de levar ao conhecimento do “Outro”, das culturas alheias encontradas centradas na sua zona de exploração mineira e proximidades, sob o trinómio - a exploração mineira, a exploração da fauna e flora, e a exploração cultural. No que concerne a segunda época, consubstanciou-se a inovação na década 50 com investigações de M. Louise Bastin, cientista belga, em início de carreira, objectivou o estudo das colecções do Museu do Dundu no domínio da História de Arte. Superou as monografias e pareceres da Diamang; mas, apesar dessa relevância, a administração colonial escamoteou ao fazer sobressair a etnografia “exótica” que se consolidou até ao final de 60. Mas, na década de 70, sucedeu-lhe uma nova geração de antropólogos da sua linha, Mesquitela Lima; A. Laranjeira R. Manuel. Esta homenagem a MarieLouise Bastin justifica-se, por ter sistematizado o estudo sobre a História de Arte na abordagem em Antropologia Social e Cultural da colecção Etnográfica do Museu do Dundu. BIBLIOGRAFIA AFFERGAN, F., 1987, Exotisme et Alterité. Essai sur les fondements d’une critique de l’ anthropologie, Paris, Puf. AUGÉ, M., 1997, “Le Nouvel espace-temps dans l’ anthropologie.” Dire les Autres.Réflexions et pratiques ethnologiques, J. Hainard et R. Kaehr, éd. Payot, pp. 9-12. 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Quando enuncio “arte cokwe da diáspora” refiro-me principalmente a peças de escultura, de origem cokwe ou de populações da mesma área cultural, que saíram de Angola nas mais diversas circunstâncias: levadas por viajantes que as adquiriram por oferta, por troca, por compra, até por pilhagem, etc., objectos esses que estão dispersos (diáspora) por diversos pontos do mundo, principalmente em diferentes colecções europeias, públicas (como é o caso dos antigos museus coloniais) ou colecções privadas das mais diversas proveniências. A forma como pretendo nesta conferência homenagear M. L. Bastin é precisamente destacando o modo como esta investigadora, uma vez concluído e publicado o seu trabalho sobre as colecções do museu do Dundu, se lançou à procura e identificação de peças de arte cokwe em todas as colecções de arte africana que pôde contactar. Trata-se de uma pesquisa que durou quatro décadas (M. L. Bastin faleceu no ano 2000), e que permitiu acumular um imenso património intelectual, único a nível mundial, de documentação sobre a arte dos Cokwe e das populações culturalmente afins nomeadamente Lwinbi, Songo, Lwena , Lucazi, Ovimbundu, Ngangela. Considero por isso oportuno destacar dois aspectos fundamentais neste percurso intelectual de M. L. Bastin: Primeiro afirmar que ela se tornou especialista de arte cokwe em África, em Angola, em contacto com os Cokwe, em particular com o seu grande colaborador Elias Mwacefo, chefe de aldeia (filho de Sanjme, prestigiado chefe na sociedade tradicional) que lhe desvendou os costumes, as técnicas e os valores subjacentes às expressões artísticas que ela estudava (Fig. I e II). Fig. I Fig.II Só depois deste conhecimento empírico, detalhadamente desenvolvido na obra “Arte decorativa cokwe”, publicada em francês em 1961, é que M. L. Bastin avançou para o estudo de outras peças de arte cokwe fora de Angola. Assim aparecem os seus numerosos artigos científicos em revistas da especialidade como “Arts d’Afrique Noire” (Paris), “African Arts” (Los Angeles) e outras. É assim que ela se valoriza e ganha competências que justificam o convite para professora de arte africana na Universidade Livre de Bruxelas (1972). Um segundo aspecto a destacar: as familiaridades com as peças de arte africana do museu do Dundu levaram-na a um sentido crítico e a um olhar atento sobre o mundo, por vezes ambíguo, do comércio da arte, em particular da arte africana. Reconhecida a sua indiscutível competência neste campo, M. L. Bastin é confrontada com pedidos de pareceres por potenciais coleccionadores e compradores, bem com surpreendida com imagens de publicidade (para venda) de peças que lhe eram familiares dado o seu percurso de investigadora. É deste aspecto, muito particular, de circulação ilegal de peças de arte africana que pretendo também dar alguma informação, destacando o seu contributo. Convém ainda esclarecer que todo este património documental de uma vida de pesquisa (milhares de fotografias, muitos diapositivos, abundante correspondência científica, para além da sua biblioteca particular - 1239 publicações - sobre arte africana), foi doado ao Museu Antropológico da Universidade de Coimbra, hoje integrado no Museu da Ciência da mesma universidade. É óbvio que este património intelectual interessa particularmente aos angolanos e, em consciência, tenho que testemunhar que M. L. Bastin assim o entendia quando decidiu entregá-lo ao museu de Coimbra, convencida como estava, que mais tarde jovens estudiosos angolanos poderiam beneficiar desta documentação que só não entregava a Angola por, em sua opinião, não ver, na ocasião, organismo que lhe pudesse garantir a preservação e futura utilização deste material. Penso que o drama da guerra civil e a turbulência que daí resultava foram determinantes para a sua decisão numa altura em que ela repetia com frequência: “Angola me fait pleurer”. Não tenho dúvidas de que numa situação normal este património teria sido entregue a Angola. Este importante património herdado de M.L. Bastin pelo Museu Antropológico da Universidade de Coimbra também não passou desapercebido nos meios ligados a pesquisas sobre África. Em 1997 a empresa francesa Société EKTON, através do seu presidente Pascal Legrand, fez uma proposta de contrato a M. L. Bastin no sentido de ter livre acesso aos arquivos de M. L. Bastin obrigando-se M. L. Bastin a ceder à Société Ekton os direitos de organizar a exploração do seu património intelectual. Mais recentemente a Fundação Dapper (Paris) mostrou-se muito interessada em ter acesso e poder para estudar e divulgar este património. Reconhecendo o valor da carreira académica de M. L. Bastin a Universidade do Porto através da sua Faculdade de Letras votou distingui-la com o grau de “Doutor Honoris Causa”, cerimónia solene que se realizou em 28 de Junho de 1999. (Fig. III). Fig. III O Museu Antropológico da Universidade de Coimbra associou-se a essa homenagem com a mensagem “honra ao mérito” em que assume a responsabilidade pela preservação e divulgação desse património. Para concluir esta introdução permito-me ainda transcrever apenas uma frase do elogio então proferido pelo Prof. A. C. Gonçalves para justificar tão elevada distinção: «À Senhora Professora M. L. Bastin vai ser concedido, pelo labor académico e pedagógico que desenvolveu…e «por motivo de honra» o mas alto galardão conferido pela Universidade Portuguesa…é um reconhecimento à pioneira da classificação, da inventariação e da divulgação da arte cokwe…à defensora intransigente das politicas contra as pilhagens de África…». DIÁSPORA I Investigando as colecções angolanas, primeiro na Europa e depois nos Estados Unidos e Canadá, M. L. Bastin enriqueceu a sua documentação beneficiando do apoio fotográfico de seu marido António Enes Ramos, que, detalhadamente documentava as suas pesquisas; assim foi possível reunir milhares de fotografias para estudos posteriores e esclarecimento de dúvidas. Não se trata do levantamento do património etnográfico cokwe em geral: M. L. Bastin procura obras de arte, arte refinada, que ela classificava como arte de corte, inventariando o que de melhor os Cokwe produziram no auge da sua expansão política em meados do século XIX. M. L. Bastin destaca sobretudo as peças evocativas do herói – fundador Cibinda Ilunga e de grandes e prestigiados chefes (categoria política mwanangana) que chamavam a si os mais exímios escultores. Trata-se de uma antiga prática africana em que o poder políticoreligioso chegava a ter o exclusivo de certas representações artísticas (ver o caso do Oba de Benim). Há no mundo ocidental, sobretudo Europa e Estados Unidos, em circuitos comerciais, um conjunto numeroso de peças ditas cokwe à venda em coleccionadores e antiquários que não são peças vindas de África nem necessariamente feitas por africanos: é o comércio pujante de cópias das melhores peças cokwe, cópias feitas por habilidosos que muitas vezes nem sequer viram as peças originais (normalmente peças – vedeta), conservadas em museus, que procuram imitar; eles simplesmente copiam, o melhor que sabem, famosas peças cokwe partindo de imagens de catálogos da especialidade. Eis algumas das mais preferidas para copiar (Fig. IV – VII): Fig. IV 86.04.4 Museu de História Natural da Universidade do Porto. Fig. V AA-964 Museu Nacional de Etnologia, Lisboa Fig.VI III.C1255 Museu de Berlim (Museum fur Volkerkunde, Berlin-Dahlem) Fig.VII Kimbell Art Museum, Fort Worth, Texas Em princípio não há nada de mal em fazer cópias. Muitos museus fazem cópias miniatura para oferecerem ou venderem aos visitantes. O Museu do Dundu teve essa prática durante muito tempo. O aspecto negativo desta produção de cópias só se verifica quando se procura ocultar que são simplesmente cópias e se pretende atribuir a estes objectos datas e características que nada têm a ver com a realidade: aí já estaremos no campo da actividade de falsários. M. L. Bastin nunca deu muito valor a esta questão porque, dizia ela, o verdadeiro conhecedor de arte cokwe não se deixa enganar. Na realidade quando comparamos uma cópia com o original há um mundo de diferenças sobretudo nos pormenores das peças. Mesmo assim esta produção de pseudo - arte cokwe continua próspera e cria a ideia falsa de uma produção de obras de arte permanente como se continuássemos a viver no século XIX, época da maior expressão da arte cokwe. É uma perversão comercial que quer impor no século XXI uma arte de outra época, como se os artistas parassem no tempo e estivessem à margem das transformações políticas, económicas e sociais que entretanto se processaram. DIÁSPORA II Tendo um conhecimento amplo da maioria das colecções cokwe, M. L. Bastin deu-se também facilmente conta do movimento de peças que lhe eram familiares e que surgiram no mercado (sobretudo em galerias de arte) ou simplesmente lhe apareciam em documentação levada por coleccionadores para que emitisse a sua opinião sobre uma determinada peça. Foi assim que M. L. Bastin deu um último contributo, muito importante, alertando para a procura de peças cokwe que pertenciam a museus e dos quais saíram ilegalmente. É um segundo tipo de diáspora só detectável por verdadeiros conhecedores da matéria. Este foi o último e muito significativo contributo de M. L. Bastin em defesa da arte cokwe. Por isso merece algum destaque. Mencionemos apenas alguns casos: dos oito casos a seguir referidos de peças detectadas por M. L. Bastin, duas tiveram uma conclusão feliz, isto é, voltaram ao lugar de onde saíram ilegalmente. As outras seis peças ainda não apareceram mas a sua continuada divulgação será certamente o meio mais eficaz para que sejam recuperadas. Fig.VIII E.5256 – Estatueta de Cibinda Ilunga Katele (Museu Nacional de Arqueologia, Lisboa). Estudada por M. L. Bastin em 1957 e sobre a qual deu informação em 1976 comparando as suas fotos com as do coleccionador - comprador que pedia informações (comparar figuras a e b). A peça fora parcialmente mutilada para fraude comercial. A sua recuperação para o Museu Nacional de Arqueologia concretizou-se após os esclarecimentos de M. L. Bastin. 1a 1b 2a 2b 3a 3b 4a 4b As sete peças que vamos agora ver provêm todas do Museu do Dundu mas foram levadas para o Museu Nacional de Antropologia, Luanda, incluídas num conjunto de 2005 peças cujo inventário parece nunca ter sido verificado (ver relatório de A. Barros Machado, 1977. Destas peças M. L. Bastin deu as informações que seguem e que o ICOM publicou em 1997 sob o título Pillage en Afrique, ICOM, 1997. Fig. IX “Esta estatueta lwena (G.293) pertencente ao Museu Nacional de Antropologia de Angola foi identificada por ocasião de um leilão em Saint-Germain en Laye (França) a 24 de Março de 1996.” A identificação foi possível pela intervenção de M.L.Bastin, antropóloga, que estudara esta peça em 1956 e consagrou o seu trabalho ao património angolano. Ela informou o ICOM na sequência da publicação da obra “Cent objets disparus. Pillage en Afrique” A polícia francesa apreendeu a obra e estabeleceram-se contactos com o vendedor para que o objecto pudesse voltar a Angola”. (Pillage en Afrique, página II). Fig. Xa Fig. Xb “C.A 82. Estatueta cokwe de Cibinda Ilunga proveniente do Museu Nacional de Antropologia, Luanda. Estatueta em madeira personificando Cibinga Ilunga exibindo com grande aparato o equipamento da sua profissão de “caçador -iniciado”( Kibinda em lunda) que complementa a eficácia das armas com o uso de substâncias mágicas favoráveis à caça. Entre os objectos representados no cinturão figura uma faca de cabo comprido e pontiagudo e lâmina trapezoidal, tipo lucazi, para esfolar e esquartejar a presa. A estatueta evidencia um chapéu de chefe, com abas, usado em exclusivo pelo chefe da região, mwanangana, entre os Cokwe. Um selo angolano, emitido em 1981, representa esta estatueta, à data conservada no Museu Nacional de Antropologia, em lugar de destaque. H. 39 cm ; Fonte: M.L.Bastin, U.L.B., Bruxelas; Museu Nacional de Antropologia, Luanda”. (Pillage en Afrique, página 34 e página 39. Ver também figura 51, página 116 de Arte Decorativa Cokwe, vol.1, 2010). Fig. XI “C.A 124. Estatueta proveniente do Museu do Dundo. Figura de chefe mwanangana, sentado num banco redondo, usando o chapéu cerimonial de chefe, batendo as mãos em sinal de saudação mwoyo, voto de saúde e prosperidade. Um espigão em ferro espiralado permite espetar no chão esta imagem benéfica do soberano que parece dar uma resposta favorável à homenagem dos seus súbditos. Outras estatuetas cokwe de chefe sentado, em saudação, são conhecidas (Bastin, 1969) mas nestes casos o pequeno trono tradicional já está substituído por uma cadeira desdobrável de modelo europeu. H. 35cm; haste em ferro: 14,5cm. Esta peça, absolutamente única no seu género, terá desaparecido antes do regresso a Luanda das colecções apresentadas na exposição itinerante “Angola: arte plástica antiga e contemporânea” de 1979. Fonte: M.L.Bastin, U.L.B., Bruxelas. Museu Nacional de Antropologia, Luanda”. (Pillage en Afrique, página 40). Fig. XII “G.793. Banco proveniente do Museu do Dundo. Banco antigo com acentuada patine, de reflexos avermelhados, que pertencia ao chefe Cilumba, da região de Kapaia, no distrito da Lunda. É do tipo antigo citwamo ca shiki, isto é, “banco em forma de bigorna” (como o da estatueta C.A 124). A sua originalidade é apresentar, sob a forma de cariátides, duas mulheres grávidas, dupla promessa de fertilidade e riqueza, favoráveis à vida do chefado. O esmero na forma foi complementado por um abundante emprego de tachas de latão decorativo, “o ouro dos Cokwe”. O que mostra o valor atribuído a este precioso objecto é que este trono continuou a ser utilizado apesar de ter sido danificado acidentalmente; com efeito a acentuada patine, com reflexos avermelhados, verifica-se também na fractura no topo do banco. H. 22,7 cm; L. 19,2 cm. Fonte. M.L.Bastin, U.L.B., Bruxelas; Museu Nacional de Antropologia, Luanda”.(Pillage en Afrique, página 41) Figura XIII “C.A 84. Apoia -nuca proveniente do Museu do Dundo Apoia-nuca com forte cariátide feminina, olhos incrustados em vidro (ou fragmentos de espelho), tendo uma tacha de latão a realçar a testa. Em fotos mais recentes do mesmo objecto, parece que o objecto perdeu o colar de pérolas de vidro vermelho. H. 15,5 cm; D.13 cm Fonte: M.L.Bastin, U.L.B., Bruxelas; Museu Nacional de Antropologia, Luanda”. (Pillage en Afrique, página 42) Figura XIV “J 100. Tabaqueira proveniente do Museu do Dundo (colectada e publicada por José Redinha em 1955) Tabaqueira muito antiga do chefe Kalundjika, em madeira clara. Na altura da descrição em 1956, notou-se que a cariátide representava a máscara de dança Cihongo, propícia à aquisição de riqueza. A mesma máscara se observa sobre a tampa da tabaqueira. H. 20,5 cm; cariátide 10,5 cm; tampa 3 cm. Fonte: M.L.Bastin, U.L.B., Bruxelas; Museu Nacional de Antropologia, Luanda”. (Pillage en Afrique, página 42) Figura XV “G 168. Estatueta proveniente do Museu do Dundo Esta estatueta é uma peça moderna executada pelo escultor Sazangiyo, do chefado do Sacombo, no norte do distrito da Lunda. A fonte de inspiração de Sazangiyo é uma figura feminina antropomórfica, em miniatura, pertencendo aos objectos simbólicos do cesto de adivinhação dos Cokwe, representando o antepassado Kuku, sentado como os velhos, segurando a cabeça com as mãos, gesto indicativo de lamentação. Tendo sida entregue ao Museu de Luanda esta peça foi adoptada oficialmente como símbolo (vejam-se as frequentes reproduções na imprensa). Também muitas réplicas, de tamanhos diversos, foram adquiridas pelos turistas. H. 16,8 cm; Fonte: M.L.Bastin, U.L.B., Bruxelas; Museu Nacional de Antropologia, Luanda”. Pillage en Afrique, página 43) CONCLUSÃO É muito rico e diverso o património cultural angolano no exterior. As excepcionais peças de arte cokwe são apenas um caso entre outros. Podíamos citar ricos conjuntos de objectos dos Ovimbundu, Kwanyama, Kongo, etc. A diversidade cultural de Angola está muito representada em colecções diversas espalhadas pelo mundo ocidental. Um país que abre com tanta energia as portas do futuro não poderá deixar de olhar, certamente também com redobrado orgulho, as janelas do passado. Angola tem, como outros países, uma enorme profusão de testemunhos culturais das suas populações, em colecções públicas e privadas que se forem inventariadas de forma sistemática poderão constituir uma surpreendente “Rede de bens patrimoniais de origem angolana”. (World Heritage of Angolan Origin - W.H.A.O.). Esta é uma tarefa que diz respeito a Angola e aos angolanos. M. L. Bastin percebeu isso mas, como ela, eu também entendo que todos os que alguma vez contactaram com este património e sobretudo com as populações que descendem de quem o produziu estarão disponíveis para dar o seu melhor contributo para esta grande tarefa. M. L. Bastin deixou-nos um bom exemplo de respeito pelos valores culturais das pessoas com quem contactou. Trabalhar para que este património seja preservado, divulgado e partilhado com os descendentes actuais dos seus autores é, em minha modesta opinião, um dos grandes desafios que hoje se põem em termos de cooperação cultural a vários níveis e envolvendo diferentes países. BIBLIOGRAFIA BARROS MACHADO, António de, 1977- Viagem de A. de Barros Machado a Angola, a convite do Ministério da Educação e Cultura da R.P.A. (22-II-77 a 10-IV-77), Museu Antropológico da Universidade de Coimbra (Relatório). BASTIN, M.L., 2010 - Arte decorativa cokwe, Museu Antropólogico da Universidade de Coimbra e Museu do Dundu. BASTIN, M.L., 1961 - Quelques oeuvres tshokwe de musées et collections d’Allemagne et de Scandinavie,Africa-Tervuren, VII, 4, 101-105, Bruxelas. BASTIN, M.L., 1994 - Escultura angolana: memorial de culturas, Lisboa capital europeia da cultura 94, Lisboa. 2000 - Doutoramento Honoris causa da Prof.ª Doutora Marie-Louise Bastin, Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto. BASTIN, M.L., 1976 - Une statuette de Tshibinda Ilunga (Tshokwe, Angola) disparue d’un musée portugais (où elle se trouvait depuis 1914) mutilée dans un but de fraude, Africa-Tervuren, XXII, 1,4-8, Bruxelas. 1997 - Cent objets disparus / One hundred missing objects: Pillage en Afrique / Looting in Africa, I.C.O.M., Paris.