territórios quilombolas no estado do amapá: um diagnóstico
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TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS NO ESTADO DO AMAPÁ: UM DIAGNÓSTICO Marcelo Gonçalves da Silva Analista em Reforma e Desenvolvimento Agrário – INCRA Professor Temporário do Colegiado de Geografia – UNIFAP [email protected] Resumo O elevado número de comunidades remanescentes de quilombolas no estado do Amapá consolida a importância desse ente federativo amazônico localizado no extremo norte do país como um dos mais relevantes para as políticas de regularização de territórios étnicos. Contudo, apesar dessa grande demanda, são várias as dificuldades das instituições governamentais em implementar efetivamente suas políticas, seja devido aos constantes questionamentos à legislação que as sustenta, à falta de unidade política no seio das próprias comunidades tradicionais, na rigidez das normas de execução dos trabalhos de regularização ou mesmo à escassez de recursos que vem sendo disponibilizados para execução desses trabalhos nos últimos anos. O objetivo desse trabalho é diagnosticar a situação do Amapá frente ao cenário nacional, regional e local. Palavras chave: Território. Quilombolas. INCRA. Amapá. Legislação. Introdução Apesar de, em números absolutos, a região norte do Brasil apresentar o menor número de processos de regularização de territórios quilombolas em tramitação no INCRA, conforme verifica-se na figura 1, em termos proporcionais essa região ganha relevância, principalmente quando se relaciona esses números com aqueles relativos ao tamanho da população. Figura 1: Brasil - processos abertos por região Fonte: INCRA. 2012 600 525 500 400 300 213 200 101 111 Norte Centro Oeste 126 100 0 Sul Sudeste Nordeste 1 O estado no Amapá, nesse contexto, apresenta uma grande relevância, pois, como demonstra a figura 2, é o terceiro ente federativo da região norte em número de processos iniciados, atrás apenas de Pará e Tocantins. Figura 2 - Região Norte - Processos Abertos por Estado Fonte: INCRA. 2012 50 47 45 40 35 29 30 25 20 17 15 10 5 6 2 0 AM RO AP TO PA Contudo, apesar da relevância do estado do Amapá nesse contexto, existe uma grande dificuldade em acessar obras na literatura científica que abordem essa temática e que tragam informações mais gerais a respeito do tema, num âmbito estadual. Nesse contexto, o trabalho proposto tem como objetivo principal apresentar um diagnóstico da situação fundiária dos territórios das comunidades afrodescendentes no Amapá. Entende-se que tal obra possa contribuir para alcançar também objetivos mais específicos, tais como subsidiar pesquisas que abordem a situação fundiária geral do estado ou da região amazônica; identificar as principais dificuldades para a regularização desses territórios; estabelecer propostas de alternativas à regulamentação das políticas públicas de acesso a essas terras. Metodologicamente, estabeleceu-se como base a situação processual dos processos de regularização de cada um dos territórios no INCRA; em seguida, cada processo foi avaliado de forma a identificar seu estágio de andamento em referência à Instrução Normativa INCRA 57/2009, que estabelece os procedimentos para a regularização 2 desses territórios no âmbito institucional. Foram consideradas informações oriundas de visitas técnicas realizadas pela equipe do INCRA a essas comunidades, assim como consulta à bibliografia científica que permeia o tema. Em todas essas etapas, contou-se com o acesso irrestrito aos documentos, informações e processos disponibilizados pela Superintendência Regional do INCRA no Amapá – SR21/AP, bem como no sítio eletrônico www.incra.gov.br Diagnóstico Até 2011, foram identificadas 138 comunidades remanescentes de quilombolas no estado do Amapá, sendo que deste universo, 30 já tem a certidão de autoreconhecimento emitida pela Fundação Cultural Palmares – FCP. Destas, 03 comunidades tiveram seus títulos emitidos: Curiau, Mel da Pedreira e Conceição do Macacoari, todas localizadas no município de Macapá. Os relatórios técnicos de identificação e delimitação - RTID das comunidades do Rosa e São Raimundo do Pirativa já foram publicados e estão aguardando o cumprimento da fase de contestação. Outras 04 comunidades contam RTID parcialmente elaborados, a saber: Ambé, São Pedro dos Bois, São José do Mata Fome, Cinco Chagas do Matapi, Lagoa dos Índios, Cunani, Engenho do Matapi e Ilha Redonda. 3 Nas comunidades de Ressaca da Pedreira, São Tomé do Aporema, Kulumbu do Patualzinho, Carvão, Mazagão Velho, Igarapé do Palha e Nossa Senhora do Desterro não foram iniciadas quaisquer atividades para elaboração dos RTID´s. O quadro 1 apresenta de forma sintetizada a situação processual de cada uma das comunidades sob jurisdição da SR21/AP, organizados de forma cronológica: Quadro 1: Síntese do andamento processual dos processos de regularização de territórios quilombolas - INCRA/SR21/AP Nº ordem Comunidade Interessada Município 01 Lagoa Índios 02 Carvão Mazagão 23/03/2004 03 Mazagão Velho Mazagão 23/03/2004 04 Cunani Calçoene 23/03/2004 dos Macapá Data Processo Justificativa Paralisação 23/03/2004 RTID em andamento com dificuldade. Indecisão dos moradores quilombolas na definição do território. Indecisão dos moradores quilombolas. Não possuem a Certidão de FCP Indecisão dos moradores quilombolas. Não possuem a Certidão de FCP Falta RTID. Esteve na Câmara de Conciliação. O território está sobreposto ao Parque 4 05 06 Ambé Rosa Macapá Macapá 16/11/2005 24/06/2004 07 São José do Macapá Mata Fome Ilha Redonda Macapá 31/08/2005 09 São Pedro dos Macapá Bois 26/01/2006 10 São Raimundo Santana 26/09/2007 do Pirativa São Tomé do Tartarugalzinho 24/04/2008 Aporema 08 11 12 13 14 15 16 17 16/11/2005 Nacional do Cabo Orange. Parte do território está demarcada, tem perímetro definido. RTID em andamento. RTID publicado. Está na fase de análise das contestações. RTID em andamento. RTID em andamento. Foi estimado um perímetro provisório da área, para evitar invasões. A comunidade é dividida quanto a regularização do território. RTID em andamento. Os recursos para o relatório antropológico oriundos da ADAP. RTID publicado. Aguarda contestações. Delimitação do perímetro provisório do território para evitar invasões. RTID em andamento. Cinco Chagas Santana do Matapi Engenho do Santana Matapi 25/07/2008 04/05/2010 RTID em andamento. Os recursos para o relatório antropológico oriundo da ADAP. Kulumbú do Patualzinho Igarapé do Palha Ressaca da Pedreira Nossa Senhora do Desterro dos Dois Irmãos Oiapoque 27/05/2010 Não foi iniciada qualquer ação. Porto Grande 23/02/2011 Não foi iniciada qualquer ação. Macapá 19/10/2011 Não foi iniciada qualquer ação. Santana 08/02/2012 Não foi iniciada qualquer ação. Fonte: INCRA. Data: Junho de 2012. Antes de passarmos ao detalhamento da situação fundiária de cada um dos processos citados no quadro, cabe elucidar, mesmo que resumidamente, os principais aspectos normativos que regem a regularização de um território quilombola, como forma de contribuir para o real entendimento do objeto desse artigo. 5 O processo de titulação de um território quilombola Nesse momento, torna-se relevante o entendimento, mesmo que em linhas gerais, de como se dá o processo de titulação de um território quilombola. Atualmente, os instrumentos jurídicos básicos são o Decreto 4.887/2003 e a Instrução Normativa INCRA nº 57/2009. O processo administrativo para regularização do território é iniciado ex-oficio pelo INCRA ou por requerimento protocolado por qualquer um dos interessados. O INCRA então deve providenciar uma série de levantamento de dados (cadastro das famílias quilombolas e não-quilombolas) e estudos (laudo antropológico, levantamento fundiário e de sobreposições, planta e memorial descritivo, parecer conclusivo e jurídico etc.) que culminarão no Relatório Técnico de Delimitação e Identificação do Território - RTID. Esse instrumento é essencial para a viabilidade do processo, visto que a partir dele, ante prévia indicação da área pela comunidade, que se dá o processo de delimitação e demarcação da área quilombola. Este trabalho é realizado por uma equipe multidisciplinar, formada sobretudo por antropólogos, geógrafos, agrimensores e sociólogos (na condição de Analistas de Reforma e Desenvolvimento Agrário) e engenheiros agrônomos (na condição de Peritos Federais Agrários) e demais profissionais eventualmente destacados. Os trabalhos de demarcação e georreferenciamento da área poderão ser realizados por uma equipe técnica nomeada do INCRA ou contratada para tal, tendo como referencial a Lei Federal 10.267/2001 e a Norma Técnica para Georreferenciamento de Imóveis Rurais, expedida pelo INCRA. Todo esse trabalho é realizado com vistas à obtenção da certificação cartográfica e cadastral da área, emitida pelos comitês regionais e nacionais de certificação de imóveis rurais. Cumpridas essas etapas, o processo poderá resultar na obtenção da titulação do imóvel em favor da comunidade de remanescentes quilombolas em questão, sob forma de “outorga de título coletivo e pró-indiviso às comunidades (...), com obrigatória inserção de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e de impenhorabilidade” (Art. 17, Dec. 4887/2.003). Em muitos casos surgem denúncias de que algumas pessoas da própria comunidade quilombola, eventualmente beneficiadas pela titulação do quilombo, almejam, na verdade, uma oportunidade para reaverem a posse da área anteriormente negociada para, em seguida, renegociarem a mesma novamente. Cabe ressaltar que essa prática de 6 má-fé, que segundo relatos tem ocorrido antes mesmo da titulação da área quilombola, é impedida pela legislação vigente, uma vez que o título de propriedade é emitido em favor da comunidade sob forma de título de domínio coletivo, e não dos remanescentes do quilombo individualmente, sendo inclusive inegociável por força do Art. 17 do Decreto 4.887/03, já citado anteriormente. Situação fundiária e processual dos territórios quilombolas no Amapá Nessa seção, apresentaremos a situação processual dos territórios quilombolas mais representativos no contexto da jurisdição da SR21/AP. Comunidade do Rosa A comunidade quilombola do Rosa localiza-se às margens da BR-156, que liga Macapá a Oiapoque. Terminada a elaboração do RTID, o mesmo foi aprovado pelo CDR e publicado no DOU e DOE. Recentemente, foram concluídas as análises das contestações recebidas. Porém, nenhuma das contestações foi acatada pela equipe técnica do INCRA. Aguarda-se agora possíveis contestações no contexto do Conselho Decisão Nacional, em Brasília, que constitui a 2ª instância de julgamento no âmbito administrativo. Caso não sejam protocoladas tais contestações, o próximo passo será a publicação da portaria de reconhecimento do território pela presidência da república. Comunidade Quilombola São Roque do Ambé A regularização do território da Comunidade do Ambé encontra-se num estágio relativamente avançado. Foram realizados diversos estudos, levantamentos, pesquisas e visitas técnicas que vêm subsidiando a elaboração do RTID, que encontra-se em fase final de elaboração. O território quilombola do Ambé caminha para ser um dos maiores do Amapá em termos de área. Estudos prévios realizados pela equipe técnica do INCRA estimam que a área bruta reivindicada pela Associação dos Moradores atinja aproximadamente 12.500 ha. Os limites apontados pela comunidade baseiam-se numa escritura pública datada do final do século XIX, em que consta a aquisição da área pelos patriarcas da comunidade do Ambé. 7 Contudo, constata-se que a regularização do território do Ambé vem sendo marcada por intensas disputas de interesses econômicos e especulativos, sejam no âmbito interno e/ou externo da própria comunidade. Consta no processo que Associação X, que representa parte dos integrantes daquela comunidade, tem posição contrária a implantação do território quilombola, apresentando inclusive um “abaixo-assinado” em que supostos integrantes e remanescentes da comunidade pedem o arquivamento do processo. Além disso, existem várias posses, propriedades e empreendimentos rurais localizados na área reivindicada pela associação pró- regularização do território que são passíveis de contestação administrativa e judicial. Tal situação pode representar um dispêndio maior de tempo e recursos públicos com indenizações de benfeitorias e desapropriações de terras ocupadas por famílias que não pertencem à comunidade quilombola. O processo de regularização do território da comunidade do Ambé é marcado por uma peculiaridade. Após visitas técnicas, análise de documentação e reuniões com lideranças dessas comunidades, constatou-se que o limite do território reivindicado pela comunidade sobrepõe à área reivindicada por outra comunidade quilombola, denominada comunidade de São Pedro dos Bois. Tal situação configura um caso singular, pois é o único caso no estado do Amapá em que existe um litígio fundiário entre duas comunidades quilombolas. Comunidade São Pedro dos Bois Como já dito anteriormente, a comunidade de São Pedro dos Bois é limítrofe à comunidade do Ambé, sendo a história dessas comunidades muitas vezes intimamente ligadas e, em alguns momentos, se confundem. Na verdade, constatou-se que existe uma ascendência genealógica comum entre os moradores, o que significa dizer que a maioria dos indivíduos das duas comunidades tem algum grau de parentesco. Contudo, o fato de se distanciarem algumas centenas de metros uma da outra, ocasionou uma história recente de rivalidades e oposição de interesses, sobretudo no que diz respeito aos limites das duas comunidades. Ocorre que os moradores da comunidade de São Pedro dos Bois contestam a forma com que os moradores da comunidade do Ambé interpretam a escritura pública, especialmente em sua porção sudoeste/oeste. Em grande parte, a questão se deve ao fato de que a escritura apresentada pelos moradores do Ambé indica os limites da imóvel a 8 partir de pontos que geram dúvida a quem a lê. Como exemplo, citam a “Passagem do Lopes” ou o “Estirão do Jacaré”, que são localidades que se perderam com o tempo e as gerações mais recentes do Ambé as identificam em pontos supostamente diferentes do que ficou estabelecido na época da lavra da escritura. Por outro lado, afirmam também que, mesmo que tais áreas sejam mencionadas na escritura pública, nunca foram de fato ocupadas pelos moradores do Ambé, afirmando que historicamente a comunidade de São Pedro dos Bois é quem realmente ocupa tais áreas. Na tentativa de se equacionar esse problema, as comunidades se reuniram e definiram, por comum acordo, os limites que iriam passar a ser estabelecidos para se caracterizar cada um dos territórios. Porém, é sensível que tal acordo ainda não foi totalmente consolidado no seio das comunidades, haja vista que algumas situações revelam o descontentamento de alguns moradores com relação aos termos que foram estabelecidos pelas associações que os representam. Uma equipe do INCRA/AP vem realizando um trabalho de cadastramento das famílias quilombolas da comunidade dos Bois e iniciando os preparativos para o início dos trabalhos relativos à elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação RTID. As principais dificuldades encontradas consistem na formação do quadro técnico da equipe, pois a Superintendência do INCRA no Amapá conta com apenas um antropólogo em seu quadro técnico, que é o profissional responsável para elaboração do Relatório Antropológico das comunidades, peça-chave do RTID. Tal situação força o Instituto a buscar alternativas, como convênios com o governo estadual ou mesmo a viabilização do deslocamento de profissionais de outras superintendências da autarquia para desenvolver esses trabalhos. São Raimundo do Pirativa São Raimundo do Pirativa é uma comunidade ribeirinha localizada na foz do rio Pirativa, que deságua no Rio Matapí, no município de Santana – AP. Concluídos os trabalhos referentes ao RTID de seu território, com a contribuição de um antropólogo cedido pela Superintendência Regional do INCRA do Amazonas, a equipe técnica submeteu o documento à avaliação do Conselho de Decisão Regional – CDR (SR21/AP), que optou pela aprovação do mesmo. Dessa forma, foi possível realizar sua publicação no DOU e DOU, conforme prevê a Instrução Normativa 57/2009. Sendo assim, aguarda-se o protocolo das possíveis 9 contestações ao estudo para que se proceda as análises. Em seguida, proceder-se-á a elaboração do Decreto de Reconhecimento da área como de interesse social e a posterior titulação definitiva como território quilombola. Cinco Chagas do Matapí A comunidade de Cinco Chagas, assim como a comunidade de São Raimundo do Pirativa e várias outras comunidades de remanescentes de quilombolas, localiza-se às margens do Rio Matapí. Seu processo de regularização do território encontra-se na fase de elaboração do RTID. A área reivindicada coincide basicamente ao título de domínio expedido pelo INCRA ao patriarca da comunidade, já falecido, além de uma pequena extensão de terra pública onde se localizam as cabeceiras de vários igarapés, local onde há fartura de pescado e que alimenta as famílias da comunidade nas épocas de estiagem. Duas áreas do imóvel original foram negociadas pelo patriarca com alguns vizinhos do imóvel e é consenso entre os herdeiros que se mantenha tal situação, como forma de respeitar a vontade do patriarca em negociar essas terras, haja vista que sua ocupação se deu de forma “lícita”. Contudo, existe uma terceira área que foi objeto de emissão de uma Licença de Ocupação – LO por parte do INCRA que sobrepõe parte da área do título da comunidade. Tal área era originalmente ocupada por um parceiro do patriarca, que recentemente a negociou para uma terceira pessoa. Essa área é reivindicada pelos herdeiros da comunidade, pois entendem que o antigo parceiro do patriarca usou de máfé ao requerer a Licença de Ocupação numa área já ocupada pela comunidade quilombola. O ponto mais intrigante, no entanto, deve-se ao fato de que, durante a vistoria de titulação do imóvel do patriarca não ter sido identificada a ocupação do parceiro, o que tornou a situação bastante complexa, pois acabou formalizando dois processos administrativos numa única faixa de terras. Engenho do Matapi A comunidade do Engenho localiza-se também às margens do rio Matapi. Dentre os esforços com vistas à regularização de seu território, foram iniciados os trabalhos relativos ao cadastramento das famílias quilombolas e o levantamento fundiário da área reivindicada pela comunidade. O relatório antropológico foi elaborado em parceria com 10 a Agência de Desenvolvimento do Amapá – ADAP. Assim que as demais peças que constituem o RTID forem concluídas, dar-se-á a publicação do mesmo. Considerações finais A regularização dos territórios quilombolas no estado do Amapá enfrenta uma série de entraves à sua efetivação, que vão desde fatores jurídicos, políticos, sociais e até mesmo culturais (identidade coletiva). No que se refere à esfera jurídica, pode-se destacar a instabilidade criada pelo julgamento da constitucionalidade do Decreto 4.849/3003 (conhecido como o “Decreto Quilombola) pelo Supremo Tribunal Federal - STF, que está suspenso após um pedido de vistas. O primeiro voto opinou pela inconstitucionalidade do Decreto 4.849/2.003. Na prática, essa situação de incerteza pela manutenção do decreto pode estar significando um contingenciamento dos recursos pela regularização dos territórios quilombolas por parte do INCRA, inclusive no Amapá, haja vista que a quantidade de recursos orçamentários destinados a essa superintendência reduziu cerca de 50% em relação ao orçamento de 2.011. Ainda no contexto jurídico, destaca-se a extrema rigidez e irracionalidade do Decreto 4.849/2.003 e da sua consequente IN/INCRA/57/2009, que apresenta várias dificuldades no que se refere aos princípios e regras que devem ser respeitadas pela comunidade interessada, FCP, INCRA e não-quilombolas envolvidos no processo (proprietários de terras, posseiros, ribeirinhos etc). Por outro lado, acreditamos que o ordenamento jurídico falha ao dispensar o mesmo ritual para comunidades com realidades extremamente diferenciadas. Cita-se, no contexto amapaense, as contradições de se utilizar os mesmos critérios de definição da área da comunidade de Lagoa dos Índios, que está localizada na área urbana da capital, com grande parte de seu território já consolidado urbanisticamente e com uma população eminentemente urbana, com aquela realidade rural encontrada na comunidade do Ambé ou São Pedro dos Bois, localizados a cerca de 90km de Macapá. É preciso que se criem propostas para flexibilizar as formas como as comunidades remanescentes de quilombolas possam ser atendidas no processo de regularização de seus territórios, entendendo que cada comunidade apresenta uma demanda diferente da outra e recebe pressões externas ou internas também diferenciadas. Espera-se que, com essa flexibilização, mais comunidades tradicionais se sintam a vontade em solicitar a 11 regularização de seus territórios junto ao INCRA, pois entendem que assim suas necessidades poderiam ser melhor atendidas sem que, com isso, sejam iniciadas disputas que acarretariam a fragmentação da comunidade e a geração de conflitos com os não-quilombolas que eventualmente ocupam o território. No que tange a esfera social e a dificuldade de tratar essas questões no andamento do processo de titulação do imóvel quilombola, destacamos as péssimas condições sociais encontradas em várias dessas comunidades, onde o acesso a serviços básicos de saúde, educação, saneamento e emprego faz com que várias dessas famílias opte por abandonar essas áreas e passar a inchar as populações urbanas e/ou negociar suas posses rurais a entes não-quilombolas, o que abre precedentes para situações conflituosas no futuro. Atrelado a isso, destacamos também que a identidade quilombola parece ser muito frágil quando se está em jogo as conveniências econômicas. Por fim, entendemos como primordial que se façam campanhas educativas com a preocupação de esclarecer as comunidades remanescentes de quilombolas sobre a política institucional voltada ao atendimento de suas demandas e, em maior grau, das nuances da legislação de regularização de seus territórios, pois nota-se que muitas famílias se quer tem noção do que realmente significa a outorga de título coletivo e próindiviso às comunidades (...), com obrigatória inserção de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e de impenhorabilidade e o que isso representaria no cotidiano da comunidade atendida em caso de emissão de tal documento. Esse desconhecimento ou desinformação, na maioria dos casos, afasta a comunidade da própria política, o que entendemos ser bastante prejudicial para seus anseios sociais, econômicos e culturais. Referências BRASIL. Decreto nº 4.887 de 20 de novembro de 2.003. Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. BRASIL. Instrução Normativa INCRA nº57 de 20 de outubro de 2009. Regulamenta os procedimentos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro de terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que tratam o Art. 68 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal de 1.988 e o Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003. GOMES, F. S. Negros e Política (1888-1937). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 2005. 92p. 12 HAESBAERT, R. Região, diversidade territorial e globalização. Revista Geographia – Ano 1, nº1 – 1.999. ____________, R. Da desterritorialização à multiterritorialidade. 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