Ética e Direitos Humanos no Ambiente Corporativo.
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Ética e Direitos Humanos no Ambiente Corporativo.
Fórum Nacional de Gestão da Ética nas Empresas Estatais Ética e Direitos Humanos no Ambiente Corporativo Diretor-Presidente Sr. Jair de Melo Gonçalves Diretor Vice-Presidente Sr. Leonardo Barbosa Gonçalves Editora América Editor Presidente do Conselho Editorial Prof. Ms. Gil Barreto Ribeiro Assessora-membro do Conselho Editorial Profa. Dra. Regina Lúcia de Araújo Conselho Editorial Prof. Dr. Adão José Peixoto - UFG Prof. Dr. Antonio Pasqualetto - IF/Goiás Prof. Dr. Carlos Rodrigues Brandão - Unimontes/MG Prof. Dr. Éris Antonio de Oliveira - PUC/Goiás Prof. Dr. Gilberto Mendonça Teles - PUC/Rio Prof. Dr. Gutemberg Guerra - UFPA Profa. Dra. Heloísa Dias Bezerra - UFG Prof. Dr. Jadir de Moraes Pessoa - UFG Prof. Dr. José Alcides Ribeiro - USP Prof. Dr. Luiz Carlos Santana - UNESP/Rio Claro Profa. Dra. Maria José Braga Viana - UFMG Prof. Dr. Pedro Guareschi - UFRGS Deusilene Silva de Leão Cristiano Santos Araujo (Organizadores) Fórum Nacional de Gestão da Ética nas Empresas Estatais Ética e Direitos Humanos no Ambiente Corporativo 1ª Edição Goiânia - Goiás Gráfica e Editora América Ltda. - 2014 - © 2014, Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610 de 19/02/1998, artigo 29 e seus incisos. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito do autor(a), poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográfico, gravação ou quaisquer outros. Projeto gráfico e capa: Franco Jr. Revisão: Cristiano Santos Araujo Impressão e acabamento: Gráfica e Editora América Ltda. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) C84 Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais : ética e direitos humanos no ambiente corporativo / Organizadores Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo. – 1º ed. – Goiânia : Gráfica e Editora América, 2014. 127 p. Inclui referência bibliográfica ISBN: 978-85-8264-081-4 1. Empresas – Ética – Direitos Humanos. 2. Ética. I. Leão, Deusilene Silva de (org.). II. Araujo, Cristiano Santos (org.). CDU 658.115:17 Impresso no Brasil Printed in Brazil 2014 Prefácio É com grande alegria que apresentamos, pela primeira vez, em dez anos de realização do fórum, suas palestras e temas discutidos no formato de livro. A ideia de organizar os anais do X Seminário do Fórum Nacional de Gestão das Empresas Estatais, partiu da premissa de termos em registro escrito este grande acontecimento, sendo em especial, neste ano, organizado pela Eletrobras Eletronorte onde em cada ano uma das empresas signatárias tem a responsabilidade de organização do Seminário. Sentimo-nos honrados em apresentar a todos vocês, de forma escrita, os anais deste X Seminário que ficará como registro de memórias, vários textos e ferramentas apresentados pelos palestrantes convidados, discorrendo sobre o tema central do X Seminário: Ética e Direitos Humanos no Ambiente Corporativo. O Fórum Nacional de Gestão das Empresas Estatais é composto de dezenove empresas que firmaram um convênio objetivando a criação e manutenção do Fórum Nacional de Gestão da Ética nas Empresas Estatais. Tem como objetivo geral buscar o desenvolvimento e fortalecimento dos princípios governamentais e empresariais de gestão da ética, visando aprimorar o relacionamento das empresas estatais com os seus diversos públicos e com a sociedade em geral. Como objetivos específicos o Fórum busca: I - Desenvolver conhecimento sobre Ética nos aspectos conceituais, filosóficos, doutrinários, legais e administrativos, e estimular capacitação e instrução em Ética Pública; II - Promover o permanente debate de questões sobre gestão da ética e dilemas éticos, como conflito de interesses, assédio moral e discriminações; 5 Nosso objetivo principal com o lançamento desses anais do X Seminário é aprofundar o conhecimento sobre ética nos aspectos conceituais, filosóficos, doutrinários, legais e administrativos e estimular a troca de experiências entre as empresas, quando serão debatidos esses temas atuais sobre ética nas organizações. Sabe-se que na antiguidade não se concebia um sistema de costumes em oposição a um sistema filosófico. Toda filosofia tinha antes uma finalidade a sua aplicação direta e nenhum pensador se gabava de falar de um modo e agir de outro. Isto é unicamente próprio da época moderna. Ética ou Moral, ou antes, a teoria e a prática eram dois aspectos da mesma coisa, dois atalhos do mesmo caminho. Podemos perceber que a ética nas várias roupagens que tem, sustenta princípios que levam a atitudes que não ferem o outro em nenhum aspecto, como, respeitar a vida, rejeitar a violência, ser generoso, ouvir para compreender, preservar o planeta, redescobrir a solidariedade. Este é o caminho de debate e discussão que apresentamos, agora com reflexão mais profunda também de forma escrita. Esperamos que todos possam aproveitar de forma significativa este material produzido pelos diversos palestrantes que compõem o X Seminário do Fórum Nacional de Gestão das Empresas Estatais. Boa leitura, bom Fórum. Rosa Maria de Sousa e Albuquerque Barbosa Coordenadora do X Seminário do Fórum das Empresas Estatais Eletrobras Eletronorte 6 Prefácio Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo III - Compartilhar modelos e práticas de gestão da ética, envidar esforços para o constante aprimoramento dos Códigos de Ética e de Conduta de cada um dos convenentes e estudar o desenvolvimento de indicadores objetivos de efetividade dos Programas de Gestão da Ética; VI - E promover, anualmente, o Seminário de Gestão da Ética nas Empresas Estatais. Sumário • Prefácio....................................................................................................... 5 • DESAFIOS ÉTICOS E DIREITOS HUMANOS..................................... 9 Leonardo Boff • E VOCÊ, QUAL O SEU COMPROMISSO COM A ÉTICA?............. 27 Iradj Roberto Eghrari • DESCOLONIZAÇÃO E DIREITOS HUMANOS NA EDUCAÇÃO............................................................................................ 39 Alípio Casali • A ÉTICA DO RESPEITO........................................................................ 63 George Barcat • ÉTICA EMPRESARIAL E DIREITOS HUMANOS............................ 69 Heloisa Covolan • DESAFIOS DA GESTÃO EM RESPONSABILIDADE SOCIAL: UM ENFOQUE DE GARANTIAS DE DIREITOS HUMANOS....... 77 Laís Abramo, José Ribeiro e Camila Almeida • ÉTICA COMO ARTE E GARANTIA DE CONVIVÊNCIA............... 89 Deusilene Silva de Leão • ÉTICA E DIREITOS HUMANOS NO MODELO DE EXCELÊNCIA DA GESTÃO (MEG) DA FUNDAÇÃO NACIONAL DA QUALIDADE (FNQ).............................................. 101 Jairo Martins • FERRAMENTAS ELETROBRAS ELETRONORTE: “GAME” - CENÁRIOS DA ÉTICA..................................................... 105 • FERRAMENTAS BANCO DO BRASIL............................................. 111 7 DESAFIOS ÉTICOS E DIREITOS HUMANOS Leonardo Boff1 1 Hoje nos encontramos numa fase nova na humanidade. Todos estamos regressando à Casa Comum, à Terra: os povos, as sociedades, as culturas e as religiões. Todos trocamos experiências e valores. Todos nos enriquecemos e nos completamos mutuamente. Vamos rir, chorar e aprender. Aprender especialmente como casar Céu e Terra, vale dizer, como combinar o cotidiano com o surpreendente, a imanência opaca dos dias com a transcendência radiosa do espírito, a vida na plena liberdade com a morte simbolizada como um unir-se com os ancestrais, a felicidade discreta nesse mundo com a grande promessa na eternidade. E, ao final, teremos descoberto mil razões para viver mais e melhor, todos juntos, como uma grande família, na mesma Aldeia Comum, generosa e bela, o planeta Terra. (Casamento entre o céu e a terra. Salamandra, Rio de Janeiro, 2001, p. 9). O obstáculo básico à luta pelos direitos humanos O tema dos direitos humanos é uma constante em todas as agendas. Há momentos em que se torna um clamor universal como atualmente com a criação do Estado Islâmico que comete sistemático genocídio das minorias. Por que não conseguimos fazer valer efetivamente os direitos não só humanos mas também os da natureza? Onde reside o impasse fundamental? Teólogo, Escritor e Ecologista. Os textos que compõem este capítulo do livro foram extraídos dos sites oficiais do autor, e com a devida autorização: www.leonardoboff.com (e) leonardoboff. wordpress.com 1 9 10 Leonardo Boff Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo A Carta da ONU de 1948 confia ao Estado a obrigação de criar as condições concretas para que os direitos possam ser realizados para todos. Ocorre que o tipo de Estado dominante é um Estado classista. Como tal é perpassado pelas desigualdades que as classes sociais originam. Concretamente: a ideologia política deste Estado é neoliberalismo que se expressa pela democracia representativa e pela exaltação dos valores do indivíduo; a economia é capitalista que operou a “Grande Transformação”, substituindo a economia de mercado pela sociedade de mercado para a qual tudo vira mercadoria. Por ser capitalista vigora a hegemonia da propriedade privada, o mercado livre e a lógica da concorrência. Esse Estado é controlado pelos grandes conglomerados que hegemonizam o poder econômico, político e ideológico. Em grande parte é privatizado por eles. Usam o Estado para a garantia de seus privilégios e não dos direitos de todos. Atender os direitos sociais a todos seria contraditório com sua lógica interna. A solução que as classes subalternas encontraram para enfrentar essa contradição foi de elas mesmas se organizarem e criarem as condições para seus direitos. Assim surgiram os vários movimentos sociais e populares por terra, por teto, por saúde, por escola, pelos negros, índios e mulheres marginalizadas, por igualdade de gênero, por respeito do direito das minorias etc. É mais que uma luta pelos direitos; é uma luta política para a transformação do tipo de sociedade e do tipo de Estado vigentes porque com eles seus direitos nunca irão ser reconhecidos. Portanto, a alternativa à democracia reduzida, é a democracia social, participativa, de baixo para cima, na qual todos possam caber. O Estado que representa esse tipo de democracia enriquecida teria uma natureza nitidamente social e se organizaria para garantir os direitos sociais de todos. Enquanto isso não ocorrer, não haverá uma real universalização dos direitos humanos. Parte dos discursos oficiais são apenas retóricos. As classes subalternas expandiram o conceito de cidadania. Não se trata mais daquela burguesa que coloca o indivíduo diante do Estado e organiza as relações entre ambos. Agora se trata de cidadãos que se articulam com outros cidadãos para juntos enfrentarem o Estado privatizado e a sociedade desigual de classe. Daí nasce a concidadania: cidadãos que se unem entre si, sem o Estado e muitas vezes contra o Estado para fazerem valer seus direitos e levarem avante Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo a bandeira política de uma real democracia social, onde todos possam se sentir representados. Esses movimentos fizeram crescer mais e mais, a consciência da dignidade humana, a verdadeira fonte de todos os direitos. O ser humano não pode ser visto como mera força de trabalho, descartável, mas como um valor em si mesmo, não passível de manipulação por nenhuma instância, nem estatal, nem ideológica, nem religiosa. A dignidade humana remete à preservação das condições de continuidade do planeta Terra, da espécie humana e da vida, sem a qual o discurso dos direitos perderia seu chão. Por isso, os dois valores e direitos básicos que devem entrar mais e mais na consciência coletiva são: como preservar nosso esplêndido planeta azul-branco, a Terra, Pachamama e Gaia? E o segundo: como garantir as condições ecológicas para que o experimento homo sapiens/ demens possa continuar, se desenvolver e co-evoluir? Esses dois dados constituem a base de tudo mais. Ao redor desse núcleo, se estruturarão os demais direitos. Eles serão não somente humanos, mas também sócio-cósmicos. Em outras palavras, a biosfera da Terra é patrimônio comum de toda vida em sua imensa diversidade, e não apenas da vida humana. Então, mais que falar em termos de meio-ambiente, deve-se falar em comunidade de vida, ou ambiente inteiro. O ser humano tem a função, já assinalada no Gênese, a de ser o tutor ou guardião da vida, o representante legal da comunidade biótica, sem a pretensão de superioridade, mas se compreendendo como um elo da imensa cadeia da vida, irmão e irmã de todos. Daqui resulta o sentimento de responsabilidade e e de veneração que facilita a preservação e o cuidado por todo o criado e por tudo o que vive. Ou faremos essa viragem necessária para essa nova ética, fundada numa nova ótica, ou poderemos conhecer o pior, a era das grandes devastações do passado. A reflexão sobre os direitos humanos de primeira geração (individuais), de segunda geração (sociais), de terceira geração (transindividuais, direitos dos povos, das culturas, etc), da quarta geração (direitos genéticos) e da quinta geração (da realidade virtual) não podem desviar nossa atenção dessa nova radicalidade na luta pelos direitos, agora começando pelos direitos da Terra e das tribos da Terra, base para todos os demais desmembramentos. Até hoje todos davam por descontada a continuidade da natureza e da Terra. Não precisavam se preocupar delas. Esta situação se moDesafios éticos e direitos humanos 11 dificou totalmente, pois os seres humanos, nas últimas décadas, projetaram o princípio de auto-destruição. A consciência desta nova situação fez surgir o tema dos direitos humano-sócio-cósmicos e a urgência de que, se não nos mobilizarmos para as mudanças, a contagem regressiva do tempo se coloca contra nós e pode nos surpreender com um bio-eco-enfarte de consequências devastadoras para todo o sistema da vida. Devemos estar à altura desta emergência. A Grande Transformação consiste na passagem de uma economia de mercado para uma sociedade de mercado. Ou em outra formulação: de uma sociedade com mercado para uma sociedade só de mercado. Mercado sempre existiu na história da humanidade, mas nunca uma sociedade só de mercado. Quer dizer, uma sociedade que coloca a economia como o eixo estruturador único de toda a vida social, submetendo a ela a política e anulando a ética. Tudo é vendável, até o sagrado. Não se trata de qualquer tipo de mercado. É o mercado que se rege pela competição e não pela cooperação. O que conta é o benefício econômico individual ou corporativo e não o bem comum de toda uma sociedade. Geralmente este benefício é alcançado às custas da devastação da natureza e da gestação perversa de desigualdades sociais. Nesse sentido a tese de Thomas Piketty em O capital no século XXI é irrefutável. O mercado deve ser livre, portanto, recusa controles e vê o Estado como seu grande empecilho, cuja missão, sabemos, é ordenar com leis e normas a sociedade, também o campo econômico e coordenar a busca comum do bem comum. A Grande Transformação postula um Estado mínimo, limitado praticamente às questões ligadas à infra-estrutura da sociedade, ao fisco, mantido o mais baixo possível e à segurança. Tudo o mais deve ser buscado no mercado, pagando. O gênio da mercantilização de tudo penetrou em todos os setores da sociedade: a saúde, a educação, o esporte, o mundo das artes e do entretenimento e até grupos importantes das religiões e das igrejas. Estas incorporaram a lógica do mercado: a criação de uma massa enorme de consumidores de bens simbólicos, igrejas pobres em espírito, mas ricas em meios de fazer dinheiro. Não raro no mesmo complexo 12 Leonardo Boff Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo As ameaças da Grande Transformação (I) Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo funciona um templo e junto a ele um shopping. Enfim, se trata sempre da mesma coisa: auferir rendas seja com bens materiais seja com bens “espirituais”. Quem estudou em detalhe este processo avassalador foi um historiador da economia, o húngaro-norte-americano Karl Polanyi (18861964). Ele cunhou a expressão ‘A Grande Transformação’, título do livro escrito antes do final da Segunda Guerra Mundial em 1944. No seu tempo a obra não mereceu especial atenção. Hoje, quando suas teses se vem mais e mais confirmadas, tornou-se leitura obrigatória para todos os que se propõem entender o que está ocorrendo no campo da economia com repercussão em todos os âmbitos da atividade humana, não excluída a religiosa. Desconfia-se que o próprio Papa Francisco tenha se inspirado em Polanyi para criticar a atual mercantilização de tudo, até do ser humano e órgãos. Essa forma de organizar a sociedade ao redor dos interesses econômicos do mercado cindiu a humanidade de cima a baixo: um fosso enorme se criou entre os poucos ricos e os muitos pobres. Gestou-se uma espantosa injustiça social com multidões feitas descartáveis, consideradas óleo gasto, não mais interessante para o mercado: produzem irrisoriamente e consomem quase nada. Simultaneamente a Grande Transformação da sociedade em mercado criou também uma iníqua injustiça ecológica. No afã de acumular, foram explorados de forma predatória bens e serviços da natureza, devastando inteiros ecossistemas, contaminando os solos, as águas, os ares e os alimentos, sem qualquer outra consideração ética, social ou sanitária. Um projeto desta natureza, de acumulação ilimitada, não é suportado por um planeta limitado, pequeno, velho e doente. Eis que surgiu um problema sistêmico, do qual os economistas deste tipo de economia, raramente se referem: foram atingidos os limites físico-químico-ecológicos do planeta Terra. Tal fato dificulta senão impede a reprodução do sistema que precisa de uma Terra, repleta de “recursos” (bens e serviços ou ‘bondades’ na linguagem dos indígenas). A continuar por esse rumo, poderemos experimentar, como já o estamos experimentando, reações violentas da Terra. Como é um Ente vivo que se auto regula, reage para manter seu equilíbrio afetado através de eventos extremos, terremotos, tsunamis, tufões e uma completa desregulação dos climas. Desafios éticos e direitos humanos 13 Essa Transformação, por sua lógica interna, está se tornando biocida, ecocida e geocida. Destrói sistematicamente as bases que sustentam a vida. A vida corre risco e a espécie humana pode, seja pelas armas de destruição em massa existentes seja pelo caos ecológico, desaparecer da face da Terra. Seria a consequência de nossa irresponsabilidade e da total falta de cuidado por tudo o que existe e vive. Analisamos no artigo anterior, as ameaças que nos traz a transformação da economia de mercado em sociedade de mercado com a dupla injustiça que acarreta: a social e a ecológica. Agora queremos nos deter em sua incidência no âmbito da ecologia tomada em sua mais vasta acepção, no ambiental, social, mental e integral. Constatamos um fato singular: na medida em que crescem os danos à natureza que afetam mais e mais as sociedades e a qualidade de vida, cresce simultaneamente a consciência de que, na ordem de 90%, tais danos se tributam à atividade irresponsável e irracional dos seres humanos, mais especificamente, àquelas elites de poder econômico, político, cultural e mediático que se constituem em grandes corporações multilaterais e que assumiram por sua conta os rumos do mundo. Temos, com urgência, fazer alguma coisa que interrompa este percurso para o precipício. Como adverte a Carta da Terra: “ou fazemos uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou arriscamos a nossa destruição e a da diversidade da vida”. A questão ecológica, especialmente após o Relatório do Clube de Roma em 1972 sob o título “Os Limites do Crescimento”, tornou-se tema central da política, das preocupações da comunidade científica mundial e dos grupos mais despertos e preocupados pelo nosso futuro comum. O foco das questões se deslocou: do crescimento/desenvolvimento sustentável (impossível dentro da economia de mercado livre) para a sustentação de toda a vida. Primeiro há que se garantir a sustentabilidade do planeta Terra, de seus ecossistemas, das condições naturais que possibilitam a continuidade da vida. Somente garantidas estas pré-condições, se pode falar em sociedades sustentáveis e em desenvolvimento sustentável ou de qualquer outra atividade que queira se apresentar com este qualificativo. 14 Leonardo Boff Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo As ameaças da Grande Transformação (II) Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo A visão dos astronautas reforçou a nova consciência. De suas naves espaciais ou da Lua se deram conta de que Terra e a Humanidade formam uma única entidade. Elas não estão separadas nem justapostas. A Humanidade é uma expressão da Terra, a sua porção consciente, inteligente e responsável pela preservação das condições da continuidade da vida. Em nome desta consciência e desta urgência, surgiu o princípio responsabilidade (Hans Jonas), o princípio cuidado (Boff e outros), o princípio sustentabilidade (Relatório Brundland), o princípio interdependência, o princípio cooperação (Heisenberg/Wilson/Swimme/Morin/Capra) e o princípio prevenção/precaução (Carta do Rio de Janeiro de 1992 da ONU), o princípio compaixão (Schoppenhauer/Dalai Lama) e o princípio Terra (Lovelock e Evo Morales). A reflexão ecológica se complexificou. Não se pode reduzi-la apenas à preservação do meio ambiente. A totalidade do sistema mundo está em jogo. Assim surgiu uma ecologia ambiental que tem como meta a qualidade de vida; uma ecologia social que visa um modo sustentável de vida e uma sobriedade compartida (produção, distribuição, consumo e tratamento dos dejetos); uma ecologia mental que se propõe erradicar preconceitos e visões de mundo, hostis à vida e formular um novo design civilizatório, à base de princípios e de valores para uma nova forma de habitar a Casa Comum; e por fim uma ecologia integral que se dá conta que a Terra é parte de um universo em evolução e que devemos viver em harmonia com o Todo, uno, complexo e perpassado de energias que sustentam a vitalidade da Terra e carregado de propósito. Criou-se destarte uma grelha teórica, capaz de orientar o pensamento e as práticas amigáveis à vida. Então se torna evidente que a ecologia mais que uma técnica de gerenciamento de bens e serviços escassos representa uma arte, uma nova forma de relacionamento com a vida, a natureza e a Terra e a descoberta da missão do ser humano no processo cosmogênico e no conjunto dos seres: cuidar e preservar. Por todas as partes do mundo, surgiram movimentos, instituições, organismos, ONGs, centro de pesquisa, cada qual com sua singularidade: quem se preocupa com as florestas, quem com os oceanos, quem com a preservação da biodiversidade, quem com as espécies em extinção, quem com os ecossistemas tão diversos, quem com as águas e os solos, quem com as sementes e a produção orgânica. Dentre todos Desafios éticos e direitos humanos 15 estes movimentos cabe enfatizar o Greenpeace pela persistência e coragem de enfrentar, sob riscos, aqueles que ameaçam a vida e o equilíbrio da Mãe Terra. A própria ONU criou uma série de instituições que visam acompanhar o estado da Terra. As principais são o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), a FAO (Organização das Nações Unidas para a alimentação e a agricultura), a OMS (Organização Mundial para a Saúde), a Convenção sobre a Biodiversidade e especialmente o IPPC (Painel Intergovernamental para as Mudanças Climáticas) entre outras tantas. Esta Grande Transformação da consciência opera uma complicada travessia, necessária para fundar um novo paradigma, capaz de transformar a eventual tragédia ecológico-social numa crise de passagem que nos permitirá um salto de qualidade rumo a um patamar mais alto de relação amistosa, harmoniosa e cooperativa entre Terra e Humanidade. Se não assumirmos esta tarefa o futuro comum estará ameaçado. Há interpretações clássicas sobre a formação da nação-Brasil. Mas esta do cientista político Luiz Gonzaga de Souza Lima é seguramente singular e adequada para entender o Brasil no atual processo de globalização: A Refundação do Brasil: rumo a uma sociedade biocentrada (Rima, São Carlos 2011). Seu ponto de partida é o fato brutal da invasão e expropriação das terras brasileiras pelos “colonizadores” à base da escravidão e da super exploração da natureza. Não vieram para fundar aqui uma sociedade mas para montar uma grande empresa internacional privada, uma verdadeira agro-indústria, destinada a abastecer o mercado mundial. Ela resultou da articulação entre reinos, igrejas e grandes companhias como a das Índias Ocidentais, Orientais, a Holandesa (de Mauricio de Nassau), com navegadores, mercadores, banqueiros, não esquecendo as vanguardas modernas, dotadas de espírito de aventura e de novos sonhos, buscando novos conhecimentos e enriquecimento rápido. Ocupada a terra, para cá foram trazidas matrizes (cana de açúcar e depois café), tecnologias modernas para a época, capitais e escra- 16 Leonardo Boff Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo Brasil: de empresa internacionalizada à uma sociedade biocentrada Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo vos africanos. Todos eram considerados “peças” a serem compradas no mercado e como carvão a ser consumido nos engenhos de açúcar. Com razão afirma Souza Lima: “o resultado foi o surgimento de uma formação social original e desconhecida pela humanidade até aquele momento, criada unicamente para servir à economia; no Brasil nasceu o que se pode chamar de ‘formação social empresarial”. A modernidade no sentido da utilização da razão produtivista, da vontade de acumulação ilimitada e da exploração sistemática da natureza, da criação de vastas populações excluídas, nasceu no Brasil e na América Latina. O Brasil, neste sentido, é novo e moderno desde suas origens. A Europa só pôde fazer a sua revolução, chamada de modernidade, com seu direito e instituições democráticas, porque foi sustentada pela rapinagem brutal feita nas colônias. Com a independência política do Brasil, a formação social empresarial não mudou sua natureza. Todos os impulsos de desenvolvimento ocorridos ao longo de nossa história, não conseguiram diluir o caráter dependente e associado que resulta da natureza empresarial de nossa conformação social. A tendência do capital mundial global ainda hoje é tentar transformar nosso eventual futuro em nosso conhecido passado. Ao Brasil cabe ser o grande fornecedor de commodities para o mercado mundial, sem ou com parca tecnologia e valor agregado. A empresa Brasil é a categoria-chave, segundo Souza Lima, para se entender a formação histórica do Brasil e o lugar que lhe é assinalado no processo atual de globalização desigual. O desafio consiste em gestar um outro software social que nos seja adequado, que nos desenhe um futuro diferente. A inspiração vem de algo bem nosso: a cultura brasileira. Ela foi elaborada pelos escravos e seus descendentes, pelos indígenas que restaram, pelos mamelucos, pelos filhos e filhas da pobreza e da mestiçagem. Gestaram algo singular, não desejado pelos donos do poder que sempre os desprezaram e nunca os reconheceram como sujeitos e filhos e filhas de Deus. O que se trata agora é refundar o Brasil, “construir, pela primeira vez, uma sociedade humana neste território imenso e belo; é habitá-lo, pela primeira vez, por uma sociedade humana de verdade, o que nunca ocorreu em toda a era moderna, desde que o Brasil foi fundado como uma empresa; fundar uma sociedade é o único objetivo capaz de Desafios éticos e direitos humanos 17 salvar nosso povo”. Trata-se de passar do Brasil como Estado economicamente internacionalizado para o Brasil como sociedade biocentrada. Ao refundar-se como sociedade humana biocentrada, o povo brasileiro deixará para trás a modernidade apodrecida pela injustiça e pela ganância e que está conduzindo a humanidade para um abismo. Não obstante, esta modernidade entre nós, bem ou mal, nos ajudou a forjar uma infra-estrutura material que pode permitir a construção de uma biocivilização que ama a vida em todas as suas formas, que convive pacificamente com as diferenças, dotada de incrível capacidade de integrar e de sintetizar os mais diferentes dados e valores. É neste contexto que Souza Lima associa a refundação do Brasil às promessas de um mundo novo que deve suceder a este que está agonizando, incapaz de projetar qualquer horizonte de esperança para a humanidade. O Brasil poderá ser um nicho gerador de novos sonhos e da possibilidade real de realizá-los em harmonia com a Mãe Terra e aberto a todos os povos. O poeta Affonso Romano de Sant’Ana e o prêmio Nobel de literatura, o português José Saramago, fizeram da cegueira tema para críticas severas à sociedade atual, assentada sobre uma visão reducionista da realidade. Mostraram que há muitos presumidos videntes que são cegos e poucos cegos que são videntes. Hoje propala-se pomposamente que vivemos sob a sociedade do conhecimento, uma espécie de nova era das luzes. Efetivamente assim é. Conhecemos cada vez mais sobre cada vez menos. O conhecimento especializado colonizou todas as áreas do saber. O saber de um ano é maior que todo saber acumulado dos últimos 40 mil anos. Se por um lado isso traz inegáveis benefícios, por outro, nos faz ignorantes sobre tantas dimensões, colocando-nos escamas sobre os olhos e assim impedindo-nos de ver a totalidade. O que está em jogo hoje é a totalidade do destino humano e o futuro da biosfera. Objetivamente estamos pavimentando uma estrada que nos poderá conduzir ao abismo. Por que este fato brutal não está sendo visto pela maioria dos especialistas nem dos chefes de Estado nem da grande mídia que pretende projetar os cenários pos- 18 Leonardo Boff Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo A Sociedade Mundial da Cegueira Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo síveis do futuro? Simplesmente porque, majoritariamente, se encontram enclausurados em seus saberes específicos nos quais são muito competentes mas que, por isso mesmo, se fazem cegos para os gritantes problemas globais. Quais dos grandes centros de análise mundial dos anos 60 previram a mudança climática dos anos 90? Que analistas econômicos com prêmio Nobel, anteviram a crise econômico-financeira que devastou os países centrais em 2008? Todos eram eminentes especialistas no seu campo limitado, mas idiotizados nas questões fundamentais. Geralmente é assim: só vemos o que entendemos. Como os especialistas entendem apenas a mínima parte que estudam, acabam vendo apenas esta mínima parte, ficando cegos para o todo. Mudar este tipo de saber cartesiano desmontaria hábitos científicos consagrados e toda uma visão de mundo. É ilusória a independência dos territórios da física, da química, da biologia, da mecânica quântica e de outros. Todos os territórios e seus saberes são interdependentes, uma função do todo. Desta percepção nasceu a ciência do sistema Terra. Dela se derivou a teoria Gaia que não é tema da New Age mas resultado de minuciosa observação científica. Ela oferece a base para políticas globais de controle do aquecimento da Terra que, para sobreviver, tende a reduzir a biosfera e até o número dos organismos vivos, não excluídos os seres humanos. Emblemática foi a COP-15 sobre as mudanças climáticas em Copenhague. Como a maioria na nossa cultura é refém do vezo da atomização dos saberes, o que predominou nos discursos dos chefes de Estado eram interesses parciais: taxas de carbono, níveis de aquecimento, cotas de investimento e outros dados parciais. A questão central era outra: que destino queremos para a totalidade que é a nossa Casa Comum? Que podemos fazer coletivamente para garantir as condições necessárias para Gaia continuar habitável por nós e por outros seres vivos? Esses são problemas globais que transcendem nosso paradigma de conhecimento especializado. A vida não cabe numa fórmula, nem o cuidado numa equação de cálculo. Para captar esse todo precisa-se de uma leitura sistêmica junto com a razão cordial e compassiva, pois é esta razão que nos move à ação. Temos que desenvolver urgentemente a capacidade de somar, de interagir, de religar, de repensar, de refazer o que foi desfeito e de Desafios éticos e direitos humanos 19 inovar. Esse desafio se dirige a todos os especialistas para que se convençam de que a parte sem o todo não é parte. Da articulação de todos estes cacos de saber, redesenharemos o painel global da realidade a ser compreendida, amada e cuidada. Essa totalidade é o conteúdo principal da consciência planetária, esta sim, a era da luz maior que nos liberta da cegueira que nos aflige. A ética da sociedade dominante no mundo é utilitarista e antropocêntrica. Quer dizer: ilusoriamente considera que os seres da natureza somente possuem razão de existir na medida em que servem ao ser humano e que este pode dispor deles a seu bel-prazer. Ele comparece como rei e rainha da criação. A tradição judaico-cristão reforçou esta ideia com o seu “subjugai a Terra e dominai sobre tudo o que vive e se move sobre ela” (Gn 1,28). Mal sabemos que, nós humanos, fomos um dos últimos seres a entrar no teatro da criação. Quando 99,98% de tudo já estava pronto, surgimos nós. O universo, a Terra e os ecossistemas não precisaram de nós para se organizarem e ordenarem sua majestática complexidade e beleza. Cada ser possui valor intrínseco, independente do uso que fazemos dele. Ele representa uma emergência daquela Energia de fundo, como dizem os cosmólogos, ou daquele Abismo gerador de todos os seres. Tem algo a revelar que só ele o pode fazer, mesmo o menos adaptado, que em seguida, pela seleção natural, desaparecerá para sempre. Mas a nós cabe escutar e celebrar a mensagem que nos tem a revelar. O mais grave, entretanto, é a ideia que toda a modernidade e grande parte da comunidade científica atual projeta do planeta Terra e da natureza. Considera-as como simples “res extensa”, coisa que pode ser mensurada, manipulada, na linguagem rude de Francis Bacon, “torturada como o faz o inquisidor com sua vítima até arrancar-lhe todos os segredos”. O método científico predominante mantém, em grande parte, essa lógica agressiva e perversa. René Descartes no seu Discurso do Método diz algo de um clamoroso reducionismo de compreensão: “não entendo por “natureza” nenhuma deusa ou qualquer outro tipo de poder imaginário, antes me sirvo dessa palavra para significar a matéria”. Considera o plane- 20 Leonardo Boff Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo O nosso lugar no conjunto dos seres Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo ta como algo morto, sem propósito, como se o ser humano não fizesse parte dele. O fato é que nós entramos no processo da evolução quando esta alcançou um patamar altíssimo de complexidade. Então irrompeu a vida humana consciente e livre como um subcapítulo da vida. Por nós o universo chegou à consciência de si mesmo. E isso ocorreu numa minúscula parte do universo que é a Terra. Por isso nós somos aquela porção da Terra que sente, ama, pensa, cuida e venera. Somos Terra que anda, como diz o cantador indígena argentino Atauhalpa Yupanqui. A nossa missão específica, nosso lugar no conjunto dos seres, é o de sermos aqueles que podem apreciar a grandeza do universo, escutar as mensagens que cada ser enuncia e celebrar a diversidade dos seres e da vida. E pelo fato de sermos portadores de sensibilidade e de inteligência temos uma missão ética: de cuidar da criação e de sermos os guardiães dela para que continue com vitalidade e integridade e com as condições de ainda evoluir já que está evoluindo há 4,4 bilhões de anos. Graças a Deus que o autor bíblico como que corrigindo o texto acima citado diz no segundo capítulo do Gênesis: “O Senhor tomou o ser humano e o colocou no jardim do Eden (Terra originária) para o cuidar e guardar” (Gn 2,15). Lamentavelmente estamos cumprindo mal esta nossa missão, pois no dizer do biólogo E. Wilson “a humanidade é a primeira espécie da história da vida a se tornar uma força geofísica; o ser humano, esse ser bípede, tão cabeça-de-vento, já alterou a atmosfera e o clima do planeta, desviando-os em muito das normas usuais; já espalhou milhares de substâncias químicas tóxicas pelo mundo inteiro e estamos perto de esgotar a água potável” (A Criação: como salvar a vida na Terra, 2008, 38). Pesaroso, face a um quadro desses e sob a ameaça de um apocalipse nuclear se perguntava o grande filósofo italiano, do direito e da democracia, Norberto Bobbio: “a humanidade merece ainda ser salva” (Il Foglio n. 409, 2014, 3)? Se não quisermos ser expulsos da Terra pela própria Terra, como os inimigos da vida, cumpre mudar nosso comportamento face à natureza mas principalmente acolher a Terra como a ONU já em abril de 2009 o aceitou, como Mãe Terra e como tal cuidá-la, reconhecer e respeitar a história de cada ser, vivo ou inerte. Existiram antes de nós e por milhões e milhões de anos sem nós. Por esta razão devem ser resDesafios éticos e direitos humanos 21 peitados como o fazemos com as pessoas mais idosas e as tratamos com respeito e amor. Mais que nós, eles têm direito ao presente e ao futuro junto conosco. Caso contrário não há tecnologia e promessas de progresso ilimitado que nos poderão salvar. Entre os muitos problemas que assolam a humanidade, dois são de especial gravidade: a injustiça social e a injustiça ecológica. Ambos devem ser enfrentados conjuntamente se quisermos pôr em rota segura a humanidade e o planeta Terra. A injustiça social é coisa antiga, derivada do modelo econômico que, além de depredar a natureza, gera mais pobreza que pode gerenciar e superar. Ele implica grande acúmulo de bens e serviços de um lado à custa de clamorosa pobreza e miséria de outro. Os dados falam por si: há um bilhão de pessoas que vive no limite da sobrevivência com apenas um dólar ao dia. E há, 2,6 bilhões (40% da humanidade) que vive com menos de dois dólares diários. As consequências são perversas. Basta citar um fato: contam-se entre 350-500 milhões de casos de malária com um milhão de vítimas anuais, evitáveis. Essa anti-realidade foi por muito tempo mantida invisível para ocultar o fracasso do modelo econômico capitalista feito para criar riqueza para poucos e não bem-estar para a humanidade. A segunda injustiça, a ecológica está ligada à primeira. A devastação da natureza e o atual aquecimento global afetam todos os países, não respeitando os limites nacionais nem os níveis de riqueza ou de pobreza. Logicamente, os ricos têm mais condições de adaptar-se e mitigar os efeitos danosos das mudanças climáticas. Face aos eventos extremos, possuem refrigeradores ou aquecedores e podem criar defesas contra inundações que assolam regiões inteiras. Mas os pobres não têm como se defender. Sofrem os danos de um problema que não criaram. Fred Pierce, autor de “O terremoto populacional” escreveu no New Scientist de novembro de 2009: “os 500 milhões dos mais ricos (7% da população mundial) respondem por 50% das emissões de gases produtores de aquecimento, enquanto 50% dos pais mais pobres (3,4 bilhões da população) são responsáveis por apenas 7% das emissões”. 22 Leonardo Boff Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo Justiça social-Justiça ecológica Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo Esta injustiça ecológica dificilmente pode ser tornada invisível como a outra, porque os sinais estão em todas as partes, nem pode ser resolvida só pelos ricos, pois ela é global e atinge também a eles. A solução deve nascer da colaboração de todos, de forma diferenciada: os ricos, por serem mais responsáveis no passado e no presente, devem contribuir muito mais com investimentos e com a transferência de tecnologias e os pobres têm o direito a um desenvolvimento ecologicamente sustentável, que os tire da miséria. Seguramente, não podemos negligenciar soluções técnicas. Mas sozinhas são insuficientes, pois a solução global remete a uma questão prévia: ao paradigma de sociedade que se reflete na dificuldade de mudar estilos de vida e hábitos de consumo. Precisamos da solidariedade universal, da responsabilidade coletiva e do cuidado por tudo o que vive e existe (não somos os únicos a viver neste planeta nem a usar a biosfera). É fundamental a consciência da interdependência entre todos e da unidade Terra e humanidade. Pode-se pedir às gerações atuais que se rejam por tais valores se nunca antes foram vividos globalmente? Como operar essa mudança que deve ser urgente e rápida? Talvez somente após uma grande catástrofe que afligiria milhões e milhões de pessoas poder-se-ia contar com esta radical mudança, até por instinto de sobrevivência. A metáfora que me ocorre é esta: nosso país é invadido e ameaçado de destruição por alguma força externa. Diante desta iminência, todos se uniriam, para além das diferenças. Como numa economia de guerra, todos se mostrariam cooperativos e solidários, aceitariam renúncias e sacrifícios a fim de salvar a pátria e a vida. Hoje, a pátria é a vida e a Terra ameaçadas. Temos que fazer tudo para salvá-las. Qual será o futuro de nossos netos? Olhando meus netos brincando no jardim, saltitando como cabritos, rolando no chão e subindo e descendo árvores surgem-me dois sentimentos. Um de inveja: já não posso fazer nada disso com as quatro próteses que tenho nos membros inferiores. E outra de preocupação: que mundo irão enfrentar dentro de alguns anos? Os prognósticos dos especialistas mais sérios são ameaçadores. Há uma data fatídica ou mágica sempre aventada por eles: o ano 2025. Desafios éticos e direitos humanos 23 24 Leonardo Boff Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo Quase todos afirmam: se nada fizermos ou não fizermos o suficiente já agora, a catástrofe ecológica e humanitária será inevitável. A recuperação lenta que se nota em muitos países da atual crise econômico financeira, não significa ainda uma saída dela. Apenas que a queda livre se encerrou. Volta o desenvolvimento/crescimento mas com outra crise: a do desemprego. Milhões estão sendo condenados a serem desempregados estruturais. Quer dizer, não irão mais ingressar no mercado de trabalho, sequer ficarão como exército de reserva do processo produtivo. Serão simplesmente dispensáveis. Que significa ficar desempregado permanentemente senão uma lenta morte e uma desintegração profunda do sentido da vida? Acresce ainda que estão prognosticados até àquela data fatídica cerca de 150 a 200 milhões de refugiados climáticos. O relatório “State of the Future 2009” (O Globo de 14.07/09) feito por 2.700 cientistas diz, enfaticamente, que devido principalmente ao aquecimento global, por volta de 2025, cerca de três bilhões de pessoas não terão acesso à água potável. Que significa dizer isso? Simplesmente que esses bilhões, se não forem socorridos, poderão morrer por sede, desidratação e outras doenças. O relatório diz mais: metade da população mundial estará envolvida em convulsões sociais em razão da crise sócio-ecológica-global. Paul Krugman, prêmio Nobel de economia de 2008, sempre ponderado e crítico quanto à insuficiência das medidas para enfrentar a crise socioambiental, escreveu recentemente: “Se o consenso dos especialistas econômicos é péssimo, o consenso dos especialistas das mudanças climáticas é terrível” (JB 14/07/09). E comenta: “Se agirmos da mesma forma como agimos, não o pior cenário mas o mais provável, será a elevação de temperaturas que vão destruir a vida como a conhecemos.” Se provavelmente assim será, minha preocupação pelos netos se transforma em angústia: que mundo herdarão de nós? Que decisões serão obrigados a tomar que poderão significar para eles vida ou morte? Comportamo-nos como se a Terra fosse só nossa e de nossa geração. Esquecemos que ela pertence principalmente aos que ainda virão, nossos filhos e netos. Eles têm direito de poder entrar neste mundo, minimamente habitável e com as condições necessárias para uma vida decente que não só lhes permita sobreviver mas florescer e irradiar. Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo Os cenários referidos acima nos obrigam a soluções que mudam o quadro global de nossa vida na Terra. Não dá para continuar ganhando dinheiro com a venda do direito de poluir (créditos de carbono) e com a economia verde. Se o gênio do capitalismo é saber adaptar-se a cada circunstância, desde que se preservem as leis do mercado e as chances de ganho, agora devemos reconhecer que esta estratégia não é mais possível. Ela precipitaria a catástrofe previsível. Para termos futuro devemos partir de outras premissas: ao invés da exploração, a sinergia homem-natureza, pois Terra e humanidade formam um único todo; no lugar da concorrência, a cooperação, base da construção da sociedade com rosto humano. Dão-me alguma esperança os teóricos da complexidade, da incerteza e do caos (Prigogine, Heisenberg, Morin) que dizem que em toda a realidade funciona a seguinte dinâmica: a desordem leva à auto-organização e à uma nova ordem e assim à continuidade da vida num nível mais alto.” Porque amamos as estrelas não temos medos da escuridão. Referências bibliográficas http://www.leonardoboff.com/ http://leonardoboff.wordpress.com/ Desafios éticos e direitos humanos 25 E VOCÊ, QUAL O SEU COMPROMISSO COM A ÉTICA? Iradj Roberto Eghrari1 Ultimamente, muito tem-se falado sobre a questão da ética e dos direitos humanos no ambiente corporativo. Durante esse nosso encontro, por exemplo, passamos todo o dia falando em teses que buscam esclarecer os parâmetros que as empresas estatais devem utilizar para balizar a sua atuação com base em critérios éticos, no respeito e valorização das diferenças e na garantia de que os direitos humanos de seus funcionários, colaboradores e até mesmo fornecedores e de toda a comunidade a sua volta sejam sempre respeitados. Mas agora gostaria de fazer uma provocação um pouco diferente: quero trazer o foco para o indivíduo que compõe essas empresas, que é o elemento essencial que está por detrás da necessidade de se estabelecer essas regras de conduta empresariais, que somos cada um de nós.1 Se é o indivíduo quem traz concretude a cada uma dessas regras e normas, é que representa a própria razão de ser do respeito aos direitos humanos e de uma conduta ética, qual é então o papel do indivíduo na materialização dessa nova cultura que desejamos ver emergir dentro das empresas? Como um indivíduo se torna ético? Essa transformação certamente vai muito além do simples ato de assistir a uma palestra, de ouvir de forma meramente técnica os requisitos para cumprir com as demandas que emergem dos processos de tomada de de Palestra no X Fórum de Ética nas Empresas Estatais, Brasília, outubro de 2014. Iradj Roberto Eghrari, 55 anos, é engenheiro eletrônico pela PUC/RJ e mestre em engenharia eletrônica pela PUC/RJ; bacharel em administração de empresas pela PUC/RJ; secretário Nacional de Ações com a sociedade e o governo da Comunidade Bahá’í do Brasil; gerente-executivo da ONG Ágere Cooperação em Advocacy; líder parceiro Avina; membro do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, órgão da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República; e membro do Conselho Deliberativo da Transparência Brasil. 1 27 cisão, da implantação de guias e estratégias que tratam daquilo que “deve ser”. É preciso mais do que uma determinação de aspectos gerais a serem seguidos para que cada um de nós possa fazer aflorar essa característica em nossas vidas, em nossas rotinas. Qual o “plano de trabalho” que uma pessoa deve desenvolver dentro de uma empresa para que possa guiar a sua atuação individual e desempenhar um papel ético? Nesse contexto, a existência de mecanismos de queixa e denúncia de desrespeito aos direitos humanos não é o bastante para assegurar uma conduta ética – é preciso, na realidade, evitar que a violação aconteça, e investigar as razões pelas quais ela acontece. No âmbito das empresas, assim como no do Estado, é possível afirmar que a violação de direitos humanos ocorre diante da fragilidade de um sistema que não é capaz de garantir e proteger seus cidadãos da ação (ou omissão) violadora. Isso geralmente ocorre porque se observa a reprodução de uma cultura formada por indivíduos que se distanciam de uma moral defensora, garantidora e promotora de direitos humanos. O grande desafio, portanto, está na promoção de uma contracultura que de fato estimule uma atuação ética por parte de cada indivíduo que a compõe, o que no médio e curto prazo gerará uma “desbanalização” da violência, do racismo, do sexismo, dos preconceitos sociais e de geração, da desvalorização das pessoas com deficiência e de tantas outras diversidades que, por não serem respeitadas, acarretam nas violações de direitos humanos. A proposta que quero aqui compartilhar é composta de dois elementos essenciais. O primeiro diz respeito à integralidade do indivíduo; o segundo trata das bases sobre as quais o indivíduo constrói a sua identidade ética e da capacidade de cada indivíduo de promover uma reavaliação da sua própria conduta diante de uma compreensão expandida acerca da sua responsabilidade ética. 28 Iradj Roberto Eghrari Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo Defesa, Promoção e Garantia dos direitos humanos na empresa Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo A Integralidade do Indivíduo O indivíduo integral a que me refiro é aquele que consegue se enxergar como uma mesma pessoa em todos os espaços em que atua. Que não se separa em “múltiplas personalidades”, que não flexibiliza a sua compreensão do que caracteriza uma violação de direitos humanos dependendo se está em casa, no trabalho, com os amigos, no clube ou qualquer outro espaço em que desempenhe papéis diferentes. Uma boa ilustração para essa questão foi apresentada numa campanha elaborada em 2012 pelo SESI - Serviço Social da Indústria em parceria com a Infraero para sensibilizar sociedade com relação à exploração sexual de crianças e adolescentes. No vídeo2, um homem retorna de uma viagem internacional, provavelmente a trabalho, e é questionado pela funcionária da imigração se está viajando sozinho. Ele responde que sim – mas as imagens mostram ao fundo uma menina de short curto, maquiagem carregada, salto alto e cara de adolescente, que o acompanha durante todo o trajeto, meio que invisível, até ele se encontrar com a esposa e as filhas que o apanham de carro na saída do aeroporto. E aí vem a pergunta: “Que tipo de lembrança você anda trazendo das suas viagens?” O que fica desse vídeo é a representação de um indivíduo que pode ser ético na família, ser um ótimo esposo e pai, um excelente profissional na empresa em que trabalha, uma pessoa ética na sua igreja ou congregação, mas que tem conduta violadora ao contribuir para a exploração sexual de adolescentes. O exemplo nos ajuda a entender o sujeito que no trabalho é companheiro com todos e em casa agride física e psicologicamente sua mulher. Ou aquele que na igreja colabora com ações sociais e nas suas relações empresariais corrompe e é corrompido, por exemplo admitindo que na cadeia produtiva o trabalho infantil esteja presente. Essa cisão interna acontece porque ele flexibiliza a sua ética quando está fora do seu ambiente habitual. Ele cria em sua mente uma lógica cindida – algo que para ele é difícil de perceber porque ele provavelmente nunca parou para pensar sobre isso, sobre as consequências das “escapulidas” às suas próprias diretrizes éticas. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=_C02XvsXpJM (visualizado em 18 de setembro de 2014). 2 E você, qual o seu compromisso com a ética? 29 O tema da definição de nossas próprias diretrizes éticas nos leva para uma reflexão acerca do segundo elemento da reflexão que venho propor: de onde o indivíduo traz os elementos que conformam a sua ética. Quais são as fontes, as bases para o estabelecimento desses padrões, que devem reger o indivíduo integral? Algumas possíveis respostas são: os Guias e Luminares espirituais nos quais se inspira; os padrões socialmente aceitos; o exemplo e a educação que recebeu de seus pais e familiares... Como se dá o processo de construção dessa ética? E, mais importante ainda, como é que esse indivíduo se torna capaz de realizar uma análise crítica acerca dos padrões de comportamento e pensamento que guiam as suas ações? Como essa pessoa lida com o fato de se reconhecer como seguidor e multiplicador de um padrão que se torna violador de direitos humanos? Diante disso, será possível a cada um de nós reavaliar o nosso próprio padrão ético? É fácil pensar que aos 10 anos de idade, quando o indivíduo ainda está formando a sua ética, essas mudanças possam acontecer – desde que ele seja exposto à possibilidade de realizar essa investigação a que me referi há pouco. Mas será que eu – com meus 20, 30, 40, 60 anos de idade – sou capaz de realizar essa reavaliação e promover uma mudança substantiva naquilo na minha conduta ética dentro dessa nova perspectiva de um ser humano integral? No documento A Prosperidade da Humanidade3, há um trecho que diz que “[a] atividade mais intimamente ligada à consciência, a qual distingue a natureza humana, é a investigação individual da realidade”, e que “[o]s seres humanos precisam ser livres para conhecer”. A constatação apresentada é que essa busca pela verdade é um impulso notável da consciência humana “que provê o imperativo moral para a enunciação de muitos dos direitos consagrados na Declaração Universal e nos Acordos correlatos”. Portanto, o indivíduo que é livre para pensar e repensar a sua ética ao longo de toda a sua trajetória pessoal e profissional, e que – mais ainda – é estimulado a fazê-lo de forma consciente, torna-se capaz de se livrar dos “pré-conceitos” geradores de uma ética distorcida, cindida, perniciosa. A Prosperidade da Humanidade. 1995. Disponível em http://www.bahai.org.br/secext/ arquivos/9-10-2009/Prosperidade-da-Humanidade.pdf (visualizado em 18 de setembro de 2014). 3 30 Iradj Roberto Eghrari Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo De onde vem a ética individual? Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo Com base nessas questões, eu – um ser pensante, livre, consciente – decido que quero ser esse indivíduo integral que descrevemos até aqui. Como posso saber a “fonte boa” a partir da qual devo trabalhar a minha ética? Como definir os elementos que devo usar para fazer isso acontecer? A tese de que os seres humanos seriam intrinsecamente violentos, e de que a contenda seria a nossa real natureza cai por terra diante da convicção demonstrada pela maior parcela da comunidade mundial da existência de um consenso mínimo em torno do que se convencionou chamar “valores humanos”. Desta maneira, mesmo diante de todas as agressões e conflitos que têm caracterizado os nossos sistemas sociais, econômicos e religiosos, verifica-se que pessoas de todas as nações estão não apenas ansiando por paz e harmonia, por um mundo ético e conducente a realização de altas expectativas, mas também demonstrando, por meio de ações sistemáticas, a sua disposição de estabelecê-las, pondo um fim às apreensões devastadoras que atormentam as suas vidas diárias. Nesses atos de rebeldia contra a negatividade aparentemente inerente ao sistema, encontram-se as bases sobre as quais é possível erigir “um sistema social simultaneamente progressivo e pacífico, dinâmico e harmonioso - um sistema que dê liberdade à iniciativa e à criatividade individuais, mas baseadas na cooperação e na reciprocidade”4. O reconhecimento dessa essência encontra ressonância na chamada “Regra de Ouro”5 – o ensinamento de que “devemos tratar os outros assim como gostaríamos de ser tratados”. Os excertos abaixo demonstram a forma como essa ética se repete, com linguagem variada, em todas as grandes religiões: • Budismo6: “Não firas os outros de um modo que não gostarias de ser ferido.” • Zoroastrismo7: “Aquela natureza só é boa quando não faz ao outro aquilo que não é bom para ela própria.” • Judaísmo8: “O que te é odioso, não faças ao teu semelhante. Esta é toda a Lei, o resto é comentário.” A Promessa da Paz Mundial. 1985. Disponível em http://www.bahai.org.br/secext/arquivos/ 9-10-2009/PROMESSA-DA-PAZ-MUNDIAL.pdf (visualizado em 18 de setembro de 2014). 5 Momento Decisivo Para Todas as Nações. 1996. Disponível em http://bahairesearch.com/ portuguese/Bah%C3%A1%C2%B4%C3%AD/Authoratiative_Bah%C3%A1’%C3%AD/A_Casa_ Universal_de_Justi%C3%A7a/Org%C3%A3os_da_CUJ/Momento_Decisivo_para_Todas_as_ RegiSes_-_Turning_Point_for_all_Nations.aspx (visualizado em 18 de setembro de 2014). 6 Udana-Varqa 5:18 (citado em Momento Decisivo Para Todas as Nações). 7 Dadistan-i Dinik 94:5 (citado em Momento Decisivo Para Todas as Nações). 8 Talmude, Shabbat 31ª (citado em Momento Decisivo Para Todas as Nações). 4 E você, qual o seu compromisso com a ética? 31 • Hinduísmo9: “Esta é a soma de toda a verdadeira virtude: trate os outros tal como gostarias que eles te tratassem. Não faças ao teu próximo o que não gostarias que ele depois fizesse a ti.” • Cristianismo10: “O que quereis que os homens vos façam, fazei-o também a eles.” • Islamismo11: “Nenhum de vós é um crente até que deseje a seu irmão aquilo que deseja para si mesmo.” • Taoísmo12: O homem superior “deve apiedar-se das tendências malignas dos outros; olhar os ganhos deles como se fossem seus próprios, e suas perdas do mesmo modo.” • Confucionismo13: “Eis por certo a máxima da bondade: Não faças aos outros o que não queres que façam a ti.” • Fé Bahá'í14: “Não desejar para os outros o que não deseja para si próprio, nem prometer aquilo que não pode cumprir.” A sustentabilidade das comunidades humanas – entendida aqui como algo que vai muito além da relação do ser humano com o meio ambiente, compreendendo também todas as demais relações possíveis entre pessoas, animais e outros reinos – bem como a sua prosperidade dependem de um movimento de busca ativa por parte de cada indivíduo pela promoção de uma cultura “na qual o desenvolvimento moral, ético, emocional e intelectual do indivíduo seja a preocupação principal. É em tal ambiente que o indivíduo tem mais probabilidades de tomar-se um cidadão orientado para o serviço e construtivamente engajado, trabalhando pelo bem-estar material e espiritual da comunidade; é em tal ambiente que uma visão comum e um senso compartilhado de propósito podem desenvolver-se de maneira eficaz.”15 Mahabharata (citado em Momento Decisivo Para Todas as Nações). Lucas 6:31 (citado em Momento Decisivo Para Todas as Nações). 11 Sunnah(citado em Momento Decisivo Para Todas as Nações). 12 Thai-Shang (citado em Momento Decisivo Para Todas as Nações). 13 Analectos XV, 23 (citado em Momento Decisivo Para Todas as Nações). 14 Seleção dos Escritos de Bahá’u’lláh (citado em Momento Decisivo Para Todas as Nações). 15 Comunidades Sustentáveis Num Mundo em Integração. 1996. Disponível em http:// bahairesearch.com/portuguese/Bah%C3%A1%C2%B4%C3%AD/Authoratiative_ Bah%C3%A1’%C3%AD/A_Casa_Universal_de_Justi%C3%A7a/Org%C3%A3os_da_CUJ/ Comunidades_Sustent%C3%A1veis.aspx (visualizado em 18 de setembro de 2014). 9 10 32 Iradj Roberto Eghrari Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo O Conceito de “Guardiania Coletiva” e seus impactos dentro da empresa Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo Um outro pilar dessa nova base ética se define em torno da noção de que “cada um de nós ingressa no mundo sob a guarda do todo e, por sua vez, possui como legado um certo grau de responsabilidade para com o bem-estar da coletividade”16. Nesse contexto, o indivíduo deve ser colocado no centro do processo de construção de uma cultura de direitos humanos, como protagonista da mudança que queremos ver no mundo. Ao mesmo tempo, é importante que esse mesmo indivíduo seja libertado das amarras do ego, uma vez que ele próprio se torna responsável para que os demais à sua volta tenham os seus direitos humanos fundamentais devidamente respeitados. “A aplicação deste princípio, conhecido como “guardiania coletiva”, requer uma significativa mudança de paradigmas, colocando a cooperação, o respeito e o entendimento de que somos cidadãos de um só planeta”17. A prática dentro da realidade coorporativa A educação em direitos humanos é uma das saídas mais eficientes para se encontrar um padrão ético que solucione as grandes questões que hoje afligem o mundo corporativo. Se o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos - PNEDH, elaborado em 2007– de cuja formulação tive a honra de participar enquanto membro do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos do Governo Federal – for internalizado em cada uma das empresas que representamos aqui nesse Fórum, o resultado será a criação de uma verdadeira cultura de direitos humanos dentro dessas empresas, traçando um paralelo entre grande parte das ações previstas no capítulo dedicado à Educação Não-Formal do PNEDH e a realidade do ambiente coorporativo. Segundo descrito no PNEDH, A educação não-formal em direitos humanos orienta-se pelos princípios da emancipação e da autonomia. Sua implementação configura um permanente processo de sensibilização e forma Sociedades Sustentáveis – Rumo a um Novo ‘Nós’. 2012. Disponível em http://www.bahai. org.br/secext/arquivos/13-6-2012/Rio+20-declaracao-BIC.pdf (visualizado em 18 de setembro de 2014). 17 http://www.bahai.org.br/acao-social/principios-em-acao/desenvolvimento-e-sustentabilidade (visualizado em 18 de setembro de 2014). 16 E você, qual o seu compromisso com a ética? 33 Portanto, no exercício de nossas funções no ambiente de trabalho coorporativo e assumindo o papel que ora reconhecemos de guardiães do todo, cada um e cada uma de nós passará a promover esse novo paradigma de maneira integral – da mesma maneira como devemos fazê-lo no seio da família ou nas nossas comunidades e grupos de afinidade. A título de exercício, coloco aqui algumas sugestões de abordagens possíveis19 do ponto de vista do indivíduo comprometido com a ética e os direitos humanos em seu local de trabalho: • Estabelecer uma gerência de diversidade e direitos humanos na empresa • Identificar e avaliar, no âmbito da corporação ou das organizações parceiras do setor, as iniciativas de educação não-formal em direitos humanos, de forma a promover sua divulgação e socialização; • Estimular o desenvolvimento de programas de formação e capacitação continuada da sociedade civil, para qualificar sua intervenção de monitoramento e controle social junto aos órgãos colegiados de promoção, defesa e garantia dos direitos humanos em todos os poderes e esferas administrativas; • Apoiar e promover a capacitação de agentes multiplicadores para atuarem em projetos de educação em direitos humanos nos processos de alfabetização, educação de jovens e adultos, educação po Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos - PNEDH. Governo Federal, 2007. Disponível em http://www.sdh.gov.br/assuntos/direito-para-todos/pdf/copy_of_PNEDH.pdf (visualizado em 18 de setembro de 2014). 19 Adaptações do texto do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos - PNEDH. Governo Federal, 2007. Disponível em http://www.sdh.gov.br/assuntos/direito-para-todos/pdf/copy_ of_PNEDH.pdf (visualizado em 18 de setembro de 2014). 18 34 Iradj Roberto Eghrari Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo ção de consciência crítica, direcionada para o encaminhamento de reivindicações e a formulação de propostas para as políticas públicas, podendo ser compreendida como: a) qualificação para o trabalho; b) adoção e exercício de práticas voltadas para a comunidade; c) aprendizagem política de direitos por meio da participação em grupos sociais; d) educação realizada nos meios de comunicação social; e) aprendizagem de conteúdos da escolarização formal em modalidades diversificadas; e f) educação para a vida no sentido de garantir o respeito à dignidade do ser humano.18 Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo pular, orientação de acesso à justiça, atendimento educacional especializando às pessoas com necessidades educacionais especiais, entre outros; • Promover cursos de educação em direitos humanos para qualificar indivíduos em cargos de gerência e direção; • Estabelecer intercâmbio e troca de experiências entre empresas vinculadas a programas e projetos de educação não-formal, para avaliação de resultados, análise de metodologias e definição de parcerias na área de educação em direitos humanos; • Apoiar técnica e financeiramente atividades nacionais e internacionais de intercâmbio entre as empresas, que envolvam a elaboração e execução de projetos e pesquisas de educação em direitos humanos; • Incluir a temática da educação em direitos humanos nos programas de qualificação profissional promovidos pela empresa; • Fomentar o tratamento dos temas de educação em direitos humanos nas produções artísticas, publicitárias e culturais realizadas ou apoiadas pela empresa, assim como em todos os seus materiais de comunicação. Elementos de liderança para o plano de trabalho individual Na concepção desse “plano de trabalho” de cada cidadão comprometido com o bem-estar da coletividade, é preciso identificar as qualidades e valores que podem guiar e inspirar o indivíduo ético dentro da empresa em que trabalha. A experiência demonstra que é possível traçar um paralelo entre essas qualidades e valores com aqueles que são demonstrados pelas lideranças de destaque no âmbito do voluntariado mundial, conforme destacadas no gráfico abaixo20: 20 Adaptado de EGHRARI, Iradj Roberto. Voluntariado: um ato de liderança servidora. Palestra na empresa Vale S/A em 21 de novembro de 2011, Rio de Janeiro. E você, qual o seu compromisso com a ética? 35 Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo A liderança ética de que falamos durante esse breve encontro não pressupõe qualquer papel específico no organograma empresarial, e por esse motivo difere do conceito de liderança organizacional. Não cabe, por exemplo, exclusivamente a gerentes e administradores; pelo contrário, pode ser exercida tanto pelos indivíduos encarregados das funções de segurança e limpeza, passando pelos cargos de assessoria e secretariado, e chegando aos altos executivos. Abaixo apresento algumas das qualidades que são esperadas desse tipo de liderança: 36 Iradj Roberto Eghrari Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo Nesse cenário, toda liderança tem o potencial de contribuir com a mudança de cultura e de paradigma ético que queremos ver no cenário corporativo em nosso país e no mundo. São indivíduos – mulheres e homens, júniores e sêniores, de todos os níveis educacionais, comprometidos com a mudança que queremos ver no mundo – começando por si mesmos para então transformar a cultura e estabelecer raízes no modo de pensar e agir desta e das futuras gerações. E você, qual o seu compromisso com a ética? 37 DESCOLONIZAÇÃO E DIREITOS HUMANOS NA EDUCAÇÃO Alípio Casali1 1 Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem comportar-se fraternalmente uns com os outros. (Art. 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, 1948) Preliminares Este é um estudo introdutório associado a um ensaio crítico sobre a educação como afirmação e prática da efetivação e ampliação dos direitos humanos, ou seja, como superação de toda forma de colonialismo. O tema exige alguns esclarecimentos prévios. Premissas semânticas. Tratemos preliminarmente de tirar do esquecimento o sentido etimológico mais originário dos três conceitos contidos no título deste texto: descolonização, direitos, educação. O colonialismo acrescentou à violência real que praticou uma violência simbólica perversa de dissimulação da sua própria brutalidade. E fez isso inclusive do modo mais abrangente e poderoso: o da dissimulação do seu próprio nome. O vocábulo colonialismo deriva do verbo latino colere (colo, colui, cultum, colere), que significa: 1. Cultivar; 2. Habitar; Morar em; (...) 6. Honrar; Venerar; Respeitar (TORRINHA, Filósofo, Doutor em Educação pela PUC-SP, Pós-doutor em Educação pela Universidade de Paris, Professor Titular do Departamento de Fundamentos da Educação e da Pós-Graduação em Educação, da PUC-SP. Publicado originalmente na Revista de Educação Pública - Edição Temática Semiedu 2013 - maio/ago.2014, v. 23, n. 53/1. http://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/ index.php/educacaopublica/article/view/1617 - Contato: [email protected] 1 39 40 Alípio Casali Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo 1942). O indicativo presente desse verbo, na primeira pessoa do singular (colo), em sua primeira acepção, significa eu habito a terra e nela trabalho; eu cultivo o campo [e dele sobrevivo]. Como se observa, o verbo expressa uma relação direta de propriedade e pertença com a terra (eu habito a terra). Se assim é, a expressão “colonialismo” é uma brutal inversão (uma usurpação semântica dissimulada, muito mais que um eufemismo) desse sentido originário de cultivar a própria terra; trabalhar como autoprodução material da vida; cumprir, na realização da cultura material do alimento a partir da terra (agri-cultura), o fundamento apropriado (não-alienado) da cultura em seu sentido amplo (simbólico, estético, cognitivo, espiritual, religioso). Pois o conceito de cultura, enquanto conjunto de ideias, conhecimentos e criações estéticas, resulta em última instância dessa mesma relação primordial e material que constitui o trabalho humano (PINTO, 1969, p. 119-138). Por aí se conclui o quanto a completa descolonização cultural requer uma prévia e completa descolonização do discurso. A noção de direitos está associada historicamente a ideias de: leis e bons costumes; justiça; correção; ausência de erros; certeza; honestidade (HOUAISS, 2004). Etimologicamente, direito deriva do adjetivo directus, a, um (latim): o que segue em linha reta, o que segue regras ou ordens preestabelecidas (TORRINHA, 1942). O adjetivo directus, por sua vez, decorre do particípio passado do verbo dirigere, e por aí também chegamos à ideia de direção, o que implica movimento (em direção a) e confere ao Direito um sentido histórico inerente. Quanto ao vocábulo educação, as citações mais comuns da sua etimologia associam-no com razão a ducere (conduzir, levar, transportar), mas predominantemente remetem o prefixo e- (de e-ducere) ao sentido socrático de conduzir algo/alguém de dentro para fora, esquecendo-se de que aí está presente também o substantivo dux, ducis, que é referência à figura ancestral do pastor, o-que-vai-à-frente (TORRINHA, 1942); e, por esse sentido menos interpretativo, e-ducere seria antes conduzir algo/alguém de um estado (lugar, condição) para outro. Aparece aí o sentido forte de alteridade no ato educativo, no seu duplo sentido: de um outro (alter) sempre implicado na educação; e de alteração da condição do educando. Premissa ética. É preciso demarcar com clareza e contundência suficientes que o colonialismo é uma das formas históricas mais brutais de violação de Direitos Humanos de pessoas e povos, especial- Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo mente por seu poder de persistência como resíduo cultural. É um movimento inverso ao da educação – é alienação, pois, se a alteridade é a marca da presença do outro como mediador de um processo de emancipação, a alienação é o seu antagônico: a presença do outro como gerador de submissão, desapropriação de si. Assim sendo, a descolonização como negação da negação equivale ao ato educativo que desaliena, emancipa (literalmente, ex-manu-capere: sai-da-mão-do-outro) e gera autonomia. Premissa cultural. O colonialismo persiste, mediante desdobramentos e transmutações, em formas variadas e dissimuladas, como estratégia da dominação cultural, particularmente nos casos de gestão pública daqueles sistemas de ensino em que estejam implicados currículos de escolas indígenas e quilombolas (os outros mais excluídos de seus direitos no percurso histórico das Américas). Premissa política. Afirmamos que é possível formular uma concepção emancipadora (autonomista) de Direitos Humanos e, com ela, mediante práticas educativas críticas, contribuir para a superação dos colonialismos. Antecedentes históricos e culturais Contribuições de sistemas míticos e religiosos para o desenvolvimento dos Direitos Humanos na história Em tempos em que a crise estrutural da economia de mercado destrói Direitos Humanos e busca soluções em receituários padronizados para todo o mundo, parece ser indispensável abordar o tema a partir de uma perspectiva histórica e sob um foco especial da tensão entre universalidade e culturalidade. As formulações primordiais acerca disso que hoje nomeamos como Direitos Humanos encontram-se no sem-fundo das tradições míticas de muitos e diversos povos. Aprendemos, com Mircea Eliade (2007) que é apenas numa perspectiva histórica que podemos reconhecer os mitos como fenômenos humanos, fenômenos de cultura (p. 10), ingredientes vitais da civilização humana (p. 23), e que apenas nessa condição podem eles exercer um certo poder de orientar nossa história futura comum de humanidade. De partida, cabe observar que os mitos Descolonização e direitos humanos na educação 41 42 Alípio Casali Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo são narrativas de origens que quase sempre referem-se a quedas e promessas de restaurações futuras da justiça, paz e prosperidade para todos. Independente desse aspecto, de distintos modos carregam sempre uma afirmação fundamental da dignidade humana. Nessa condição, podem ser vistos como formulações originárias dos principais conteúdos do que hoje nomeamos como Direitos Humanos. As diversas linguagens de cunho religioso igualmente – e via de regra de modo mais elaborado que as narrativas míticas – afirmam valores que vieram a acumular mais substância cultural aos Direitos Humanos contemporâneos. Assim, cabe reconhecer que a ideia de equilíbrio foi uma das primeiras noções, associadas a Direitos Humanos, a ser formulada por sistemas filosófico-religiosos, e o foi pelo Taoísmo: o Tao como o caminho do equilíbrio – ideia essa inerente à afirmação da integridade da vida e presente hoje na figura da balança como símbolo intercultural do Direito. O Hinduísmo - em que pese sua conformidade com práticas de violência cultural e física implícitas na segregação de castas como dispositivo de “ordenamento” social na Índia – produziu de modo original a ideia da libertação como um valor (direito) humano fundamental. O Jainismo, apesar de sua concepção dualista que opõe materialidade e espiritualidade, acrescentou ao patrimônio dos direitos e da dignidade humana a ideia da solidariedade e da libertação não-violenta (a ahimsa, de Ghandi) de tudo o que oprime e aprisiona as potencialidades humanas. O Budismo, por sua vez, trouxe ao acervo de conteúdos e valores inerentes aos Direitos Humanos a afirmação radical da compaixão com o sofrimento do outro, inserida na totalidade do sistema-vida, o que agregou referências críticas fundamentais para uma visão socioecológica da realidade. A tradição teológica judaico-cristã, por sua vez, em que pesem algumas de suas práticas históricas de dominação e exclusão, expandiu de modo radical esse horizonte de reconhecimento de Direitos Humanos fundamentais ao afirmar a igualdade de todos os seres humanos diante de um mesmo Criador, a justiça, o amor, a paz e, especialmente, o perdão. O Islamismo, em que pesem também as justas restrições acerca de algumas de suas práticas fundamentalistas tendencialmente violentas, e as acusações injustas que o reduzem a esses fundamentalismos, valorizou as tradições míticas e religiosas historicamente anteriores ao Corão e exaltou o ideal da caridade sobre o fundo da submissão (reconhecimento) à ordem divina do mundo. Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo Contribuições de sistemas culturais e políticos para o desenvolvimento dos direitos humanos na história Registros histórico-culturais de outras tradições, de sistemas culturais e políticos, em distintos contextos, igualmente testemunham uma marcação extraordinariamente convergente desses ideais que constituíram a principal substância do que hoje denominamos Direitos Humanos. No antigo Egito (remontando a 4000 a.C.) o Livro dos Mortos já expressava o valor ético atribuído à solidariedade para com os famintos e miseráveis, à justiça e ao respeito recíproco entre os seres humanos. O morto – em que pese o fato de tratar-se mais frequentemente de um nobre do que de um escravo -, aspirando à eternidade, era enterrado com um papiro em que constavam registradas notas e declarações acerca de seu “relato de vida”, tais como: “Não cometi iniquidade contra os homens... Não fiz padecer fome... Não roubei... Dei pão ao faminto, vesti o nu e dei barca ao náufrago...” (Cap. 125). Enrique Dussel (2000) explora as notáveis semelhanças conceituais e linguísticas entre essa passagem do Livro dos Mortos e textos do Livro do Profeta Isaías (cap. 58, versículo 7) e do Evangelho de Mateus (capítulo 25, versículo 35), e reconhece aí a “formulação de uma reflexão ético-filosófica, talvez constituindo o texto crítico mais antigo de que a Humanidade tenha memória” (p. 635). Os egípcios forneceram, aí, importantes fundamentos ao vindouro conceito de Direitos Humanos. Na Mesopotâmia, reino da Suméria, atual Iraque, em torno de 1750 a.C., o Código do Rei Hamurabi, gravado numa pedra de diorito, afirmava o dever de justiça, da solidariedade para com os fracos, da responsabilidade pelos próprios atos, do respeito à vida e à propriedade do outro. Em que pese o fato de seguir legitimando a escravidão e sustentar sua justiça na lei do talião (olho por olho, dente por dente) e não conter, portanto, o conceito de reeducação nem o de perdão, condenava o falso testemunho, o roubo e a receptação, o estupro, o incesto e outras práticas contrárias à dignidade dos seres humanos: afirmava que se devia “Praticar a justiça... Não roubar... Responsabilizar-se por seus atos... Proteger os fracos...” Novamente no Egito, agora em torno de 1200 a.C., os Mandamentos de Jahveh ao povo hebreu, pela boca de Moisés, anunciaram uma ordem de convívio digno e respeitoso entre os seres humanos: Descolonização e direitos humanos na educação 43 44 Alípio Casali Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo “Honrarás pai e mãe... Não matarás... Não furtarás... Não mentirás... Não cobiçarás os bens do teu próximo”. Na Pérsia, em 539 a.C., o cilindro do Rei Ciro – chamado de “o rei justo” – registrava o seu compromisso com a justiça, proclamava a liberdade de religião e abolia a escravidão em seu reino. O Direito Romano, finalmente, desde 449 a.C., efetivou a primeira marcação conceitual formal do princípio de dignidade e respeitabilidade da pessoa humana, dentro de um completo sistema de legalidade, inaugurando as bases do futuro direito ocidental, ainda que discriminando direitos diversos para grupos diversos como prática de desigualdade social (o cidadão, o escravo, o liberto). Na Judéia, atual região de Israel e da Palestina, por volta do ano 26 d.C, Joshua de Nazaré pronunciou seu conhecido Sermão da Montanha: “Ama a teu próximo como a ti mesmo... Felizes os que choram, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os pacíficos...”, afirmando o princípio da igualdade de todos os homens perante Deus e demarcando uma nova referência de grande impacto na futura cultura mundial dos Direitos Humanos. Já em nossa era d.C., a Carta de Mandén (1222) do Imperador Kundiata, ao fundar o Império de Mali, na África, afirmava enfaticamente o respeito à vida, à liberdade individual, à abolição da escravatura, à solidariedade entre os seres humanos. Afirmava “Respeito à vida... Liberdade individual... Solidariedade... Abolição da escravidão”. Na Inglaterra, a Magna Carta que os senhores feudais impuseram ao Rei João Sem Terra (1215) para proteger suas liberdades individuais é o documento pioneiro dos direitos individuais; mas deve-se observar também o grande valor histórico, para esse tema, da Lei do Habeas Corpus (1679) e da Carta de Direitos (Bill of Rights, 1689) que impunha limites às pretensões totalitárias do rei Guilherme III. Além desses antecedentes da Revolução Inglesa, o conceito de direito natural em John Locke e Thomas Hobbes marca o nascimento e o desenvolvimento do projeto político liberal, revolucionário em sua origem, e enfatiza a função do contratualismo ocidental para o estabelecimento de uma nova ordem sociopolítica. Outros pensadores, do Iluminismo ou de outras posições críticas, inclusive do Romantismo, em outros países, desenvolveram pensamentos correspondentes, buscando construir uma ordem racional do discurso para a vida em sociedade, à altura da dignidade da condição humana. Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo Em grandes linhas, ao final do século XVIII os ideais até então revolucionários de liberdade, individualidade, igualdade, propriedade e democracia já haviam-se estabelecido no horizonte dos valores humanos (supostamente naturais; de fato, historicamente construídos) como afirmação de direitos. Não obstante, sabemos o quanto, na sequência da história, tais ideais universalistas foram reduzidos a interesses da classe que se tornou dominante com o estabelecimento do modo de produção capitalista. Nos Estados Unidos da América, a Declaração de Virgínia (1776) e a Declaração de Independência (1787) afirmaram como Direitos Humanos fundamentais a liberdade individual e a democracia formal, entre outros. Com isso, a Constituição dos Estados Unidos da América, independentes e soberanos, em 1787, foi a primeira a operar, em âmbito político do Estado, esse horizonte de ideais. Não obstante, foram necessários ainda quase duzentos anos para que os direitos civis adquirissem plenitude formal para os cidadãos negros naquele país (Lei dos Direitos Civis em 1964; e Lei do Direito ao Voto em 1965). Foi na Revolução Francesa (1789) que realizou-se com plena clareza a efetivação dos direitos políticos dos cidadãos por meio de um governo propriamente republicano – em que pesem as oscilações e turbulências violentas daquele processo revolucionário. Contraditoriamente, e sintomaticamente, a primeira representação figurativa da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, republicana e laica, fez-se como alusão religiosa direta às tábuas da lei de Moisés, em que não faltou sequer a figura do Olho da Providência em seu alto. Essa Declaração consolidou o principal da cultura dos Direitos Humanos até então acumulada na história, razão pela qual veio a fornecer grande parte dos conteúdos da Declaração vindoura da ONU, em 1948. Outra referência cultural indispensável nesse trajeto histórico, pelo seu elevado valor simbólico, é a Carta do Chefe Seattle dos índios Duwamish ao então Presidente dos EUA, Franklin Pierce (1854), em resposta à proposta presidencial de “comprar” uma parte das terras de sua tribo e conceder em troca outra reserva de terras menos valiosas. A resposta do Chefe Seattle começa de modo contundente: “Como é que se pode comprar ou vender o céu e o calor da terra?” Uma lição de moral, de justiça, de Direitos Humanos. No século XIX, os direitos sociais, culturais e econômicos já apareceram como parte da luta dos atores sociais e políticos identificados Descolonização e direitos humanos na educação 45 46 Alípio Casali Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo com os interesses dos trabalhadores e os emergentes partidos socialistas. A constitucionalização desses direitos sociais, porém, só veio a ocorrer na primeira metade do século XX, materializando o que Bobbio (2004) veio a denominar de “segunda geração” dos Direitos Humanos. Com efeito, em 1917, a Constituição Mexicana garantiu liberdades individuais e políticas, mas avançou em direitos sociais, estabelecendo a expansão do sistema de educação pública, a reforma agrária, a proteção ao trabalho assalariado (direitos trabalhistas afirmados como fundamentais). Já em 1910, durante a Revolução Mexicana, o líder dos camponeses indígenas Emiliano Zapata afirmara como princípios: “1. A terra para os que a trabalham com suas mãos (posição radicalmente anticolonialista!); 2. Sempre tomaremos decisões coletivamente”. São afirmações de direitos econômicos, sociais e políticos fundamentais. Na Revolução Soviética (1917), e especialmente no Congresso Pan-Russo de Sovietes (1918), os direitos sociais estiveram igualmente no centro das principais decisões revolucionárias, como no direito à apropriação coletiva dos meios de produção, na afirmação do direito de todo cidadão a participar da produção (trabalho) e da distribuição (apropriação) de riquezas, assim como no direito dos trabalhadores de controlarem a produção (auto-gestão). A Constituição da República alemã de Weimar (1919-1933), que substituiu o antigo Império Prussiano, coincidiu com a linha de Direitos Humanos fundamentais sociais da constituição mexicana. Ela corroborou o estabelecimento de um Estado Social no século XX (em contraste com o Estado Liberal do século XIX), que consagrou direitos sociais no marco de novas relações de produção e nova constituição da educação e da cultura. Finalmente, em Paris, em 10 de dezembro de 1948, é assinada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas. Foram 48 votos de Nações a favor e oito abstenções. Sem desconsiderar o valor simbólico de seu elevado prestígio, cabe registrar que tratou-se de uma declaração politicamente e ideologicamente híbrida, que sintetizou princípios de 1789 (Revolução Francesa) e de 1917 (Revolução Soviética). A Assembleia Geral das Nações Unidas tinha consciência de que se estava diante de uma oportunidade histórica única: a segunda guerra mundial havia se encerrado havia poucos anos, depois de ter produzido os piores horrores Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo de que a Humanidade até então tivera notícia. Era indispensável firmar algum acordo que evitasse a repetição da barbárie dos campos de concentração nazistas e da explosão de artefatos nucleares como os que destruíram Hiroshima e Nagazaki. Mas o acervo de declarações de Direitos Humanos até então acumulado na história era de perfil predominantemente liberal e os protagonistas da elaboração dessa Declaração eram os países (aliados) que saíram vitoriosos da Segunda Guerra (DAMIÃO, 2002). Entre eles estava a URSS que, não obstante manejar seus próprios dispositivos de violência stalinistas, exigiu a inserção de “direitos sociais” na Declaração como condição para consentir com a manutenção do princípio do “direito à propriedade privada” e assinar a Declaração. O exército soviético derrotara o Nazismo ocupando Berlin na investida final da Segunda Guerra... a URSS não poderia ficar fora da “nova ordem mundial” do pós-guerra. Essa Declaração de 1948, não obstante suas fragilidades, fechou um arco de alianças políticas de largo alcance e segue cumprindo um papel histórico de referência para lutas em prol da democracia. Ela é tida como o documento mundial que conta até hoje com o maior número de traduções: são 413 diferentes versões, sem distinção de línguas e dialetos (ONU, 2013). A evolução dos Direitos Humanos após 1948 Norberto Bobbio (2004) demonstra como os Direitos Humanos vieram evoluindo por etapas (“gerações”), seguindo um trajeto de desenvolvimento histórico de crescente amplitude e consistência. O discurso dos Direitos Humanos de 1948, porém, como documento internacional, foi relegado ao esquecimento e à desimportância pouco tempo após o forte impacto de sua assinatura. Entretanto, na década de 1960, os dois principais sistemas de poder mundial (Capitalismo e Socialismo) entraram em crise política e isso trouxe consequências para o nosso tema. Os Estados Unidos, no início dos anos 1960, enfrentaram uma corrosiva luta pelos direitos civis, liderada por Luther King (bem sucedida com a Lei dos Direitos Civis em 1964 e a Lei do Direito do Voto em 1965). No final da década, 1968, na França e em mais de outros 50 países, intensas manifestações de rua anticapitalistas e antistalinistas questionavam radicalmente ambos sistemas. No mesmo ano, Descolonização e direitos humanos na educação 47 48 Alípio Casali Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo os eventos da Primavera de Praga - reformas políticas que vinham sendo implantadas pelo presidente tcheco Dubcek –, culminaram com a invasão das tropas soviéticas e dos países do Pacto de Varsóvia sobre a Thecoslováquia. Os EUA, enquanto isso, se desgastavam em uma interminável e inútil guerra no Vietnã (1955-1975). Esse conjunto de acontecimentos das décadas de 1960-1970 abalaram profundamente a legitimidade dos dois sistemas, capitalista e socialista, e acordaram o mundo para as várias questões de Direitos Humanos implicadas nesses conflitos. Duas figuras-ícones do fracasso político e humanitário dos Direitos Humanos começaram então a emergir no imaginário político do mundo, no final dos anos 1960 e ao longo da década de 1970: de um lado, a do dissidente político do totalitarismo soviético; de outro, a do torturado e exilado das ditaduras militares nas sociedades capitalistas satélites do capitalismo, sobretudo na América Latina. Os Direitos Humanos vão sendo assim construídos, nos anos 1970, como uma utopia genérica da anti-violência, da anti-repressão, da ampla defesa das liberdades democráticas. A Anistia Internacional, que havia sido criada em 1961 para defender liberdades políticas de cidadãos, emergiu nos anos 1970 como protagonista supranacional e supracultural de grande legitimidade: seu presidente Sean MacBride recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1974 e a própria entidade foi igualmente agraciada em 1977. Em 1975, em Port Alberni, Canadá, um novo e importante marco de referência aos Direitos Humanos do ponto de vista simbólico da interculturalidade se estabeleceu: representantes de povos indígenas de vários países se reuniram na condição de membros do Conselho Mundial dos Povos Indígenas (WCIP) e elaboraram uma Declaração Solene dos Povos Indígenas do Mundo, que acusa a chegada de civilizações estranhas conquistadoras e colonizadoras aos seus territórios, que os roubaram, mataram e escravizaram, “mas não nos puderam eliminar nem nos fazer esquecer o que somos (...). Nós viveremos por mais tempo que o império da morte!” (WCIP, 1975). Esse fato desencadeou um movimento junto à ONU para que preparasse uma Declaração oficial sobre os direitos dos povos indígenas. Esse movimento perseverou por 22 anos, até que em 2007 foi aprovada pela ONU a Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, que afirmava seu direito: à autodeterminação; ao consentimento livre, prévio e esclarecido sobre toda ação que interfira sobre suas terras e culturas; à reparação por furtos de suas Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo propriedades materiais ou imateriais; a manter suas culturas, línguas e meios de comunicação; etc. (ISA, 2010). Em 1976, a ONU aprovou, em Argel, Capital da Argélia, uma Declaração Universal dos Direitos dos Povos, que condenou toda forma de colonialismo, a qual serviu de parâmetro para outra Declaração de grande importância histórica: a Declaração Universal dos Direitos Coletivos dos Povos, aprovada na Cúpula da Conferência de Nações sem Estado da Europa Ocidental - CONSEU, em Valência, Espanha, 1999 (CIEMEN, 2013). Em 1981, estabeleceu-se outra importante referência para o tema: a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, denominada “Carta de Banjul”, aprovada pela Conferência Ministerial da Organização da Unidade Africana (OUA) em Banjul, Gâmbia, em janeiro de 1981, que veio a ser adotada pela XVIII Assembleia dos Chefes de Estado e Governo da Organização da Unidade Africana (OUA) em Nairóbi, Quênia, em julho do mesmo ano. Nessa Carta reafirmam-se os princípios da liberdade, igualdade, justiça e dignidade; reafirma-se o compromisso de eliminar todas as formas de colonialismo, neocolonialismo, apartheid, sionismo, ocupações militares estrangeiras e todas as formas de discriminação na África; mas sustenta-se que a concepção dos Direitos Humanos na África deve ter em conta as tradições e valores africanos (Anistia Internacional, 1998). Na América Latina, a década de 1970 ficou historicamente marcada pelas graves violações de liberdade e dignidade de seres humanos, povos e nações, consequência da intensificação do ciclo de ditaduras militares que por aqui se instalaram sob a proteção da política externa dos EUA desde os anos 1960. Nesse contexto político, a esquerda latinoamericana buscou proteção humanitária contra prisões, torturas e exílios sob o guarda-chuva dos Direitos Humanos e da ação de grupos religiosos progressistas. No Brasil, em 1975, a morte do “comunista ateu” Vladmir Herzog nas dependências do DOI-CODI em São Paulo suscitou uma enérgica solidariedade do Cardeal Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, que liderou uma frente de lideranças religiosas e políticas em clara posição de enfrentamento ao regime militar. Essa e outras atitudes suas lhe valeram receber, ao lado do então presidente dos EUA, o democrata Jimmy Carter, o título de doutor Honoris Causa em Direito pela Universidade (católica) de Notre Dame, nos EUA. A presença de Jimmy Carter nessa premiação foi tida Descolonização e direitos humanos na educação 49 50 Alípio Casali Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo como um esforço de suporte político e religioso às disposições daquele presidente de encerrar o ciclo de autoritarismo na política externa norte-americana e de iniciar uma era de respeito efetivo aos Direitos Humanos. Em 1969, na cidade de San José da Costa Rica, a Organização dos Estados Americanos - OEA instituiu a Convenção Americana de Direitos Humanos na forma de um tratado internacional, que entrou em vigência em 1978, constituindo uma das bases do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, análogo aos sistemas europeu e africano (PIOVESAN, 2006). Conta com uma Comissão e uma Corte, com sede em Washington. Em 1993, 45 anos após a assinatura da Declaração Universal, a ONU realiza uma importante Conferência sobre Direitos Humanos, em Viena. Essa Conferência foi uma marcação de posição da ONU em defesa da universalidade dos direitos humanos, e como reação a posicionamentos contra essa universalidade, manifestos: 1) pela Conferência Islâmica do Cairo, Egito (1990), em que o Islam posicionou-se parcialmente fora do alcance da Declaração Universal; 2) pela Declaração de Túnez, Tunísia (1992), em que os Estados africanos igualmente relativizaram a universalidade dos Direitos Humanos, afirmando o direito às particularidades históricas e culturais de cada nação e povo; 3) pela Conferência de Bangkok (1993) na qual diversos países asiáticos igualmente recusaram a universalização genérica dos Direitos Humanos. No Brasil, nos anos 2000, no âmbito da Constituição de 1988 (denominada “constituição cidadã”), sob os governos de Cardoso (19952002) e, principalmente, Lula (2003-2010), os Direitos Humanos entram para o establishment político, tornando-se objeto da gestão do Estado, tendencialmente sujeitos à mesma burocracia que as demais políticas sociais. Uma “Secretaria de Direitos Humanos” fora criada em 1997 no âmbito do Ministério da Justiça. Em 1º de janeiro de 2003, o Presidente Lula inaugura seu governo criando a Secretaria Especial dos Direitos Humanos - SEDH, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres - SEPM e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial - SEPPIR. Três áreas de grande sensibilidade no que se refere aos Direitos Humanos. As três Secretarias Especiais passaram a integrar a estrutura da Presidência da República exercendo seus titulares os cargos de Ministro/a de Estado, de fato e direito. Desde 1994 a Secretaria de Direitos Humanos concede anualmente um Prêmio Nacional de Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo Direitos Humanos a cidadãos ou entidades nacionais que se destaquem em sua defesa ou promoção, e desde 1996 vige um Programa Nacional de Direitos Humanos. A ambivalência dessa condição de oficialização dos Direitos Humanos como políticas de Estado é auto evidente: por um lado, expressa o valor do reconhecimento dos Direitos Humanos, o que propicia maior probabilidade de respeito a seu cumprimento, protegendo e promovendo os cidadãos; por outro lado, lança essa importante política na zona de risco de sua redução a funções técnicas de gestão, o que aumenta o poder do Estado de “gerir racionalmente” as violências cotidianas a que os cidadãos seriam “inevitavelmente” submetidos em prol da “ordem e segurança pública”. Entre essas violências, cresce especialmente a das práticas de controle de informações sobre a vida dos cidadãos e as limitações a seu direito de livre manifestação política. Nos EUA, após 1989 (Consenso de Washington: hegemonia do pensamento e da prática neoliberal), os Direitos Humanos e os Direitos Civis entraram em regressão histórica: a ONU não reagiu à existência dos novos campos de concentração de Guantánamo e do Afeganistão, patrocinados pelos EUA. Nesse país, em outubro de 2001, logo após o atentado ao World Trade Center de 11 de setembro, o Congresso aprovou o Patriot Act: lei nacional que autoriza agentes do Estado a espionar cidadãos, invadir lares, deter, interrogar e torturar possíveis suspeitos de espionagem ou terrorismo, sem direito a defesa ou julgamento. Na prática, o Patriot Act, ainda em vigor, suprime as liberdades civis e viola “oficialmente” os Direitos Humanos. Por extensão, legitima as mesmas violações de privacidade, mediante espionagem abusiva sobre governantes e cidadãos de outros países. No mesmo diapasão, os EUA atravessaram o poder do Conselho de Segurança da ONU para iniciar uma guerra contra o Iraque baseados em informações falsas e hoje buscam formas de condenar cidadãos que trouxeram a público informações “sigilosas” referentes a tais violações de Direitos Humanos praticadas oficialmente pelo seu governo. Os Direitos Humanos entre a universalidade e as culturalidades O criticismo kantiano foi o “sistema” de pensamento ocidental que levou às mais radicais consequências a ideia de universalidade. Descolonização e direitos humanos na educação 51 52 Alípio Casali Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo Deve-se levar em conta, porém, que na fysis, dentro da qual Kant erigiu sua arquitetura, concebia-se a natureza humana pelo atributo de uma essência única e universal, razão pela qual sua pax perpetua aparecia como logicamente justificável. Foi preciso que os desdobramentos da filosofia ultrapassassem os limites do racionalismo kantiano para se concluir que aquela pax perpetua é empiricamente irrealizável (DUSSEL, 2007, p. 147), pois a fysis não é identitária e, muito menos, a cultura mundial. A matriz liberal, teórica e prática, encontrou desde então na ideia iluminista de universalidade kantiana um nicho conceitual onde podia assentar e ocultar a contradição inerente a seu projeto classista de história, dissimulando seu interesse particular sob a forma de interesse público, isto é, de direito universal. A culminância desse processo encontra-se na concepção positivista do direito (sobretudo na “teoria pura do direito”, de Kelsen), que estabeleceu “um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos, confinado à ótica meramente formal” (PIOVESAN, 2006, p. 9). Ora, a Assembleia Geral da ONU que aprovou a Declaração dos Direitos Humanos em 1948 operou seu projeto de pax perpetua adjetivando aquela Declaração como sendo “universal” (e não “internacional” ou “mundial”), dentro desse mesmo fundo ideológico, crendo que estaria estabelecendo referências efetivamente universais, isto é, validáveis para todo e qualquer ser humano, e todo e qualquer povo, cultura e nação, de qualquer lugar e tempo, no presente e no futuro. Não se trata de questionar, porém, sua intenção, mas sim sua exequibilidade. Pois sabemos o quanto o desenvolvimento da Modernidade (ocidental) se fez, nos últimos cinco séculos, sob o signo dessa mesma pretensa universalidade, que jamais ultrapassou um eurocentrismo dissimulado, que tentou impor ao resto do mundo padrões de interesse particular à cultura ocidental europeia. Não é difícil, pois, dar-se conta do quanto esse acordo construído pelas 48 nações na Assembleia da ONU de 1948 expressa em boa parte um processo de localização globalizada e, ao mesmo tempo, de globalização localizada, para usar a expressão de Santos (2010, p. 439). Assim sendo, nas circunstâncias mais contemporâneas, de crise de governabilidade mundial, e de paz precária, quando os Direitos Humanos entretanto vêm demonstrando um notável poder de agregação de lutas democráticas, de diálogo entre as nações e de alimentação de utopias – sem as quais a história mal se move –, impõe-se que a Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo pauta do tema seja definida considerando-se os ideais de interculturalidade. Boaventura de Souza Santos (2010) afirma o imperativo de se promover um cosmopolitismo subalterno insurgente, que “resista transnacionalmente e de modo organizado contra os localismos globalizados e os globalismos localizados” (p. 439). Por seu vigor contra-hegemônico, tal cosmopolitismo insurgente encontraria na reconstrução intercultural dos direitos humanos o único caminho legítimo e viável para se desenvolver (Ibid.). A tese de Santos é que “enquanto forem concebidos como direitos humanos universais em abstrato, os direitos humanos tenderão a operar como localismo globalizado e, portanto, como uma forma de globalização hegemônica” (Ibid.). Entretanto, pergunta-se Santos, como operar essa interculturalidade? Sua proposta é que se realize uma hermenêutica “diatópica” (diá: ao longo de, através de; topos: lugar cultural) e um diálogo intercultural sistemático (p. 448), capazes de produzir um conhecimento-emancipação que supere o conhecimento-regulação hegemônico. Somente por esse caminho, sustenta, se poderá construir uma concepção e uma prática pós-imperial de direitos humanos (p. 449). O argumento do reconhecido sociólogo é consistente no seu viés político. Com efeito, seu conceito de cosmopolitismo insurgente revela o fundo dentro do qual ele brilhantemente repensa a sua “gramática do tempo”: construir uma argumentação “para uma nova cultura política” (SANTOS, 2010), sobre o que não cabe qualquer reparo. Tratase de construir fundamentos para as lutas políticas capazes de fazer avançar o horizonte dos Direitos Humanos. Entretanto, se se pretende também compreender o fundamento e o sentido propriamente ético e cultural da interculturalidade como pauta desse compromisso histórico político, requer-se um conceito capaz de compreender tal empreendimento também em sua dimensão cultural e universal. Pois seria incidir numa falácia culturalista e relativista não admitir que, de um ponto de vista da ética, há valores ou princípios de conduta que podem ser considerados universalmente válidos, tais como o valor absoluto da vida, da liberdade e da dignidade de todo ser humano, assim como seria igualmente uma generalização indevida pretender que todos os povos e culturas do mundo tenham acerca desses princípios entendimentos e práticas idênticos. A essa questão de fundo se acrescentaria uma disputa no plano simbólico acerca de quem teria o direito prévio de pronunciar com legitimidade tais referências. A conjuntura polítiDescolonização e direitos humanos na educação 53 54 Alípio Casali Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo ca mundial saída dos conflitos de 1939-1945 foi forte o suficiente para produzir manifestações de disposição de todos à paz e ao entendimento mundial (leia-se: internacional); mas foi frágil o bastante para tornar ilusória a pretensão do bloco de nações hegemônicas em 1945 e 1948 de firmar princípios em nome de todos, inclusive e principalmente dos futuros. A expectativa da ONU era inteiramente compreensível – e até certo ponto justificável: que um processo de adesão crescente produziria um efeito seguro de convergência e entendimento entre as nações. É possível que tal convergência e entendimento venham a se construir um dia, no futuro. Piovesan (2006) sustenta com razão que “o estudo comparativo dos sistemas regionais europeu, interamericano e africano aponta a extraordinários e recentes avanços na afirmação da justiça internacional em matéria de direitos humanos” (p. 147). Nesse tempo histórico concreto, porém, sob tais pretensões hegemônicas das grandes potências recém-saídas de conflitos mortais, e todavia sob risco de a eles retornarem, esse entendimento tem se mostrado inviável. Essa argumentação de Santos e as evidências da conjuntura política mundial corrobora as evidências do quanto o conceito e as práticas de Direitos Humanos têm sido, com frequência, uma prática política e cultural com fortes traços neocolonialistas. Isso se mostra particularmente a partir do modo como o conceito e a prática dos Direitos Humanos vêm sendo hegemonizados pelo projeto imperial norteamericano pós-2001, que dividiu o mundo como se esse funcionasse ao redor de dois eixos morais (o do bem e o do mal, associando-se o mal ao terrorismo e associando-se ao terrorismo toda forma de contestação de sua hegemonia). Nesse contexto, a pergunta que resta aos educadores é: em que medida e como pode uma prática pedagógica resistir a essa hegemonia de modo a contribuir para a efetividade dos direitos humanos de um modo emancipatório? A primeira resposta teórica a tal questão implicaria em se dar um passo conceitual a mais do que fez Boaventura Santos, que estabeleceria novo canal conceitual para o diálogo intercultural, ao mesmo tempo em que superaria a falsa dicotomia e dilema entre universalismo ou relativismo cultural. Trata-se do conceito de universalidade análoga. Com efeito, a cultura hegemônica, ou a hegemonia cultural, têm imposto a noção imperial de universalidade unívoca, pela qual a Europa veio supondo que sua Modernidade tenha sido fruto de um valor in- Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo trínseco seu, anterior à conquista e colonização da América e África, e não o contrário (DUSSEL, 1998, p. 52). Boaventura Santos reconhece na afirmação desse universalismo abstrato (unívoco) não apenas um equívoco conceitual, mas sobretudo uma operação de dissimulação hegemônica, ao sustentar que “enquanto forem concebidos como direitos humanos universais em abstrato, os direitos humanos tenderão a operar como localismo globalizado e, portanto, como uma forma de globalização hegemônica” (2010, p. 439). Com efeito, invocar-se esse sentido do universal como unívoco tem supostos e consequências: 1) supõe o manejo de um conceito de essência humana imutável; em decorrência: 2) implica a crença de que o dominador seja o portador de tal essência; donde: 3) fundamenta o totalitarismo imperial. A afirmação essencialista dos Direitos Humanos pelo viés do universalismo unívoco coincide, assim, com uma forma de dominação cultural, e não se estranha que os povos e nações que conhecem bem a sua própria experiência de vítimas da colonização e da exclusão reconheçam rapidamente tal dispositivo e o recusem. Se se pretende algum reconhecimento a um cosmopolitismo insurgente capaz de resistir transnacionalmente e interculturalmente aos globalismos colonialistas, há que se trabalhar em diálogo sobre o reconhecimento de algo em comum (a “igualdade”) de modo simultâneo a algo específico (a “diferença’) nas práticas dos Direitos Humanos, o que convoca o manejo de um outro conceito de universalidade, o da universalidade análoga. Por aí, as distintas formas culturais de efetivação da liberdade e da dignidade apareceriam como realizações análogas concretas da Humanidade como um universal agora também concreto e não mais abstrato e unívoco. As conclusões do estudo de Piovesan (2006) parecem ir nessa mesma direção: Avançar no diálogo entre os sistemas regionais, permitindo o intercâmbio de seus acúmulos e experiências, identificando seus êxitos e fracassos, suas fortalezas e debilidades, constitui medida fundamental para o fortalecimento de um cosmopolitanismo ético e emancipatório, capaz de celebrar o valor fundante da dignidade humana, em todos os tempos e em todos os lugares (p. 148). O percurso que fizemos ao início deste texto, recolhendo as diversas (no tempo e no espaço) contribuições de sistemas míticos, religiosos, culturais e políticos para o desenvolvimento dos Direitos Descolonização e direitos humanos na educação 55 Humanos na história, pode ser percebido agora como uma demonstração da possibilidade de uma ampla convergência intercultural de práticas de Direitos Humanos, convergência essa que ao mesmo tempo revela a universalidade análoga nelas presente. Ao mesmo tempo, essa demonstração corrobora a esperança, nas lutas, de que haja um futuro em que os Direitos Humanos venham a cumprir uma função emancipadora na História. As preliminares de uma descolonização da educação e dos Direitos Humanos não poderiam ser outra que o reconhecimento de que os sistemas do direito são históricos (DUSSEL, 2007, p. 149); que o processo de efetivação dos Direitos Humanos é um processo de lutas, cujos principais protagonistas não podem ser outros que as próprias vítimas dos colonialismos e das exclusões do direito; e que toda positivação (reconhecimento e efetividade constitucional ou legal de um “novo direito”) gera novo campo de reconhecimento de novas “faltas-de”, ou seja, de “direitos-a”, que alimentam novas lutas pela efetivação de novos direitos (p. 150). A disposição ao compromisso pela efetivação dos direitos já reconhecidos e pelo reconhecimento de novos direitos implica uma perspectiva estratégica dos Direitos Humanos que, deslocando-os do campo de uma pretensa universalidade unívoca, não os reconheçam como meras “sobras inúteis do liberalismo burguês”, nem como prática reformista, nem tampouco como prática revolucionária (posto que não são pauta suficiente para uma completa emancipação social), mas como linguagem e referência conceitual e ética nas lutas pela efetivação e ampliação dos direitos e da democracia. Tais lutas hão de reconhecer os campos prioritários para atuar em prol da efetivação e ampliação dos direitos. Parece que no Brasil, hoje, seriam prioritários os campos de embate contra tudo o que impede a realização plena do direito ao trabalho, à moradia, à educação, à saúde; contra os racismos, as discriminações e preconceitos; contra o crescimento da população carcerária e as violências a que vem sendo submetida; contra os autoritarismos e abusos da ação policial; a favor 56 Alípio Casali Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo Referências para uma compreensão e uma prática de descolonização da Educação e dos Direitos Humanos Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo da vida e da cultura das comunidades do campo, indígenas e quilombolas; a favor do direito à informação transparente e veraz; a favor do direito à produção cultural e seu usufruto. Nesse sentido, a luta pelo direito pleno a uma educação descolonizada e de qualidade social implicaria um conjunto de pré-condições, condições, práticas e supostamente deve levar a um conjunto de resultados (CASALI, 2011, p. 15-40). Nessa perspectiva, afirmamos como pré-condições ao exercício pleno desse Direito Humano: a) o Estado de direito; b) a democracia representativa e participativa em pleno funcionamento; c) as políticas públicas contando com financiamento adequado, comprometidas com a mesma democracia; d) a efetividade dessas políticas no que se refere à formação inicial e continuada dos profissionais da educação; e) a garantia de inserção adequada desses profissionais no sistema de ensino; f) a remuneração digna dos profissionais da educação. Afirmamos como condições do Direito Humano a uma educação de qualidade, entre outras: a) a disponibilidade de infraestrutura física adequada de escolas, em termos de acessibilidade a todos (proximidade física ou transporte gratuito), devidamente equipadas (salas de aula, biblioteca, laboratórios, salas de uso multifuncional, refeitório, pátio, quadras e equipamentos de esporte etc.), condições adequadas de vestuário e alimentação dos alunos; b) um projeto pedagógico elaborado coletivamente e em permanente implementação, com participação da Comunidade; c) uma carreira docente transparente e efetiva; d) processos de avaliação transparentes do desempenho dos profissionais da educação; e) uma gestão democrática representativa e participativa, eficiente, eficaz e efetiva. Afirmamos como práticas do Direito Humano a uma educação de qualidade, entre outras: os exercícios cotidianos do Currículo, em tempo integral, que mobilizam todos os sujeitos e recursos da comunidade educativa (a comunidade escolar articulada com a comunidade do entorno), constituindo um ambiente educativo, em relações de ensino-aprendizagem que sejam experiências de valor vital em todas as dimensões, para todos: cognitivas, simbólicas, estéticas, políticas, corporais e intelectuais, comunicativas, criativas, responsáveis, participativas, prazerosas. Tais práticas devem ser experiências de descoberta e construção coletiva, integrada e interdisciplinar de conhecimentos; que despertem e estimulem as potencialidades dos alunos; que permiDescolonização e direitos humanos na educação 57 58 Alípio Casali Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo tam à comunidade educativa ser também uma comunidade aprendente em permanente desenvolvimento; que respeitem cada sujeito e cada grupo em suas identidades de gênero, idade, raça/etnia, condições físicas, mentais e psíquicas, orientação afetivo-sexual, formação e convicções políticas e religiosas, origem regional e nacional, preferências estéticas, linguagens etc. Sem prejuízo das pré-condições e das condições, são as práticas cotidianas do currículo que realizam efetivamente a qualidade da educação. Afirmamos, enfim, como resultados do usufruto pleno do Direito Humano a uma educação de qualidade, entre outros: a) a formação (pleno desenvolvimento das potencialidades) que cada sujeito educando leva consigo da Escola como seu patrimônio de conhecimentos e sua constituição moral, e que o possibilitam a usufruir de suas demandas básicas de alimentação, saúde, segurança, reconhecimento social (participação plena da vida social, cultural e política de sua Comunidade e sua Sociedade), autoestima quanto a suas competências e potencialidades pessoais e profissionais, auto-realização pessoal e profissional; b) capacidade de entrar e ser bem sucedido no mundo do trabalho; c) experiência local de exercício de cidadania, que o referencia para o pleno exercício crítico da cidadania como sujeito econômico produtivo; d)experiência de convívio social e cooperativo na diversidade, que o referencia para o exercício crítico da solidariedade como sujeito social, cultural e político; e) que a escola siga, ela própria, aprendendo; f) que os profissionais da educação nela atuantes tenham se apropriado mais de sua identidade pessoal e profissional. Por isso, quando insistimos em afirmar que a escola deve estar ligada à vida, é certo que isso inevitavelmente acontece, como é certo que ao mesmo tempo não se trata de fazer com que a escola repita mimeticamente os padrões da vida ao seu redor, até porque há certas característica da vida ao redor da escola que absolutamente são indesejáveis que se repitam dentro dela, tais como: a aceleração do tempo em função do produtivismo, a voracidade da economia de mercado, o consumismo, a relação predatória com o meio ambiente, as violências cotidianas, os vícios da política etc. Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo g) que ela tenha gerado sujeitos conscientes, livres, responsáveis, autônomos, apropriados de todo o seu processo de formação, capazes de produzir a si mesmos e de se apropriar de si como um projeto de subjetividade e de identidade jamais esgotável; h) que tais sujeitos sejam capazes de se apropriar também das instituições, organizações, comunidades, das quais participam, apropriando-se das identidades que elas lhes imprimem como parte de sua marca cultural; i) que tais sujeitos sejam capazes de se reconhecer como unidades da humanidade, no sentido do que já em 1657 afirmava Comenius (1985), de que as escolas devem se constituir em “oficinas da humanidade”; j) que nessas relações consigo mesmos, com sua cultura local e com a humanidade, os sujeitos educandos sejam capazes de estabelecer o duplo vínculo: de aceder aos legados disponíveis culturais e universais e de deixar por sua vez o seu legado singular à efetivação e ampliação dos Direitos Humanos em sua cultura, à promoção do diálogo intercultural e à promoção de um cosmopolitanismo que produza legados duradouros a toda a Humanidade. A ideia do cosmopolitanismo é também uma das marcas do pensamento de Bobbio (2004), que o toma como referência para a ação, uma vez que, para o célebre jurista italiano “a liberdade e a igualdade dos homens não são um dado de fato, mas um ideal a perseguir; não são uma existência, mas um valor; não são um ser, mas um dever ser” (p. 29). Pois ainda hoje, não obstante a derrocada do nazismo e do stalinismo, outras formas dissimuladas de totalitarismo persistem ameaçando as pessoas, num mundo que lhes deveria ser comum e pacífico (LAFER, 1998). Tudo isso está associado a uma práxis cidadã e democrática de luta pela efetivação e ampliação dos Direitos Humanos extensivamente a toda a sociedade. Aloisio Krohling (2011) aponta para práticas concretas nessa direção: é preciso reinventar a democracia brasileira a partir da Constituição Cidadã de 1988; Ouvidorias Populares precisam ser criadas como canais de comunicação direta entre os cidadãos e os Poderes Públicos; é preciso ampliar e aprimorar as práticas de Orçamento Participativo e a sua execução deve ser feita com controle democrático dos cidadãos em audiências públicas; os Portais de Descolonização e direitos humanos na educação 59 Transparência são um instrumento democrático complementar indispensável de fiscalização e participação cidadã. Nesse sentido, pode-se dizer que a educação brasileira encontra-se num momento histórico ímpar, pois o processo de elaboração e a implementação do Plano Nacional de Educação, mediante processos políticos representativos e participativos, mostram-se como oportunidades de lutas concretas pela efetivação e ampliação de Direitos Humanos que, embora a partir de um campo específico, o educacional, alcançam um poder de abrangência social e cultural que permite inscrevê-las como um capítulo das grandes lutas históricas pela efetivação e ampliação da democracia no País. Referências bibliográficas BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. CASALI, Alípio. O que é educação de qualidade? In: MANHAS, Cleomar (Org.). Quanto Custa Universalizar o Direito à Educação? Brasília: INESC Instituto de Estudos Socioeconômicos, 2011. COMENIUS, João Amós. Didactica Magna. Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1985. DUSSEL, Enrique. 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Descolonização e direitos humanos na educação 61 A ÉTICA DO RESPEITO George Barcat1 1 Filosofar é como tentar descobrir o segredo de um cofre: cada pequeno ajuste no mecanismo parece levar a nada. Apenas quando tudo entra no lugar a porta se abre. Wittgenstein Inspiração No Protágoras, Platão recorre a um significativo mito na esperança de que seus leitores compreendam a importância do respeito (aidós) e da justiça (dikê) para a sobrevivência da raça humana. O mito revela que, sem essas virtudes, nossa convivência em grupos e cidades seriam impossíveis e, na falta delas, a humanidade seria extinta. Ele narra a criação da vida e, em especial, do ser humano. Em certo momento, Zeus percebeu que Prometeu nos dotou da capacidade de criar e usar técnicas maravilhosas, mas deixou-nos desprovidos de recursos que garantam a qualidade da convivência em sociedade. Em sua sabedoria luminosa, Zeus viu que sem a pratica do respeito e da justiça, a técnica tende a gerar desigualdades e destruição. Por isso ele resolveu encarregar Hermes de instalá-las nas almas humanas ordenando-lhe que todos as recebessem em igual medida. O significado desta narrativa mítica é claro: o respeito e a justiça são atitudes que, indistintamente, todos devem praticar, pois da Conselheiro e professor da Associação Palas Athena. Especialista em Ética Empresarial. Membro fundador do Instituto de Compliance e Integridade Corporativa (ICIC). Analista de Sistemas. Professor de ética, filosofia e ética empresarial. 1 63 qualidade desta prática depende a qualidade do maior bem comum que possuímos: a comunidade. Eles formam a verdadeira argamassa de nossas cidades. Faz todo sentido lembrar aqui que Hermes é o mensageiro dos deuses e que as mensagens divinas são dádivas impagáveis. Precisamos lembrar também que Hermes é, simultaneamente, o deus da magia e da eloquência e que é por meio destas artes que ele realiza seu trabalho de mensageiro. Note que magia e eloquência são faces da mesma esfera – como o yin e o yang; o finito e o infinito; o tempo e a eternidade – chamada linguagem. Hermes é, em suma, o deus da linguagem, seja ela hermética ou hermenêutica e a linguagem age em e por meio de tudo o que somos: corpo, emoção, imaginação, razão, vontade, memória... A linguagem, como sabemos, molda o mundo em que vivemos – desde a percepção da maçã até o ato de comê-la e plantar uma nova macieira. Por isso, “o desrespeito por conceitos e pela linguagem só temporariamente encobre o desrespeito pelos outros” (Bauman, 2013, p. 148). Do meu ponto de vista, estimo que o conceito de respeito está sendo desrespeitado, pois, via de regra, ele é muito usado em expressões como respeito é bom, e eu gosto e raramente é praticado no trato com o Outro. A moral funciona como uma “mente coletiva” que estabelece, articula e prescreve tradições, costumes, hábitos, crenças, valores, leis e regras de conduta de uma sociedade. A moralidade é a essência de qualquer cultura. Neste sentido, a moral é uma herança social que busca perpetuar – formal e tacitamente – expectativas, preferências, rotinas, escolhas e ações, visando a manutenção da ordem social. É fácil perceber que a moral constitui um sistema social fechado, no qual há pouco espaço para o imprevisível e a criatividade, consequentemente, a moral promove a repetição, a conservação e a exaltação de um passado idealizado. 64 George Barcat Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo Moral A moral das sociedades contemporâneas tende a tratar a pessoas como mercadorias (este fenômeno é conhecido é chamado de coisificação do ser humano) e, em decorrência disto, nos sentimos na pele uma deficiência de respeito e justiça. Daí a necessidade da Ética do Respeito como caminho para a Ética do Cuidado. Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo Ética A Ética é a investigação filosófica da moral ou moralidade de uma sociedade ou cultura. A Ética estuda os modos de vida e convivência de um grupo humano a fim de aferir a validade/invalidade, a bondade/maldade dos seus costumes, hábitos, leis e normas. O objetivo disto é cultivar as condições que possibilitam aos habitantes deste grupo chegar à felicidade. Para tanto, a Ética avalia e questiona aquilo que fundamenta a moral: suas fontes, seus valores, seus princípios e seus regramentos. Ela tece reflexões sobre o que é e o que não é justo nas várias situações da vida em comum e sugere modos de relacionamento e critérios de tomada de decisão. Em síntese, a Ética possibilita a prática da arte da convivência. Tal arte é, ao mesmo tempo, um cuidado de si e uma preocupação com o Outro; ela nos mostra como entrelaçar a vida pessoal com a vida em comunidade. O grande propósito da Ética é nos ajudar a ser pessoas melhores, vivendo em sociedades mais equânimes e saudáveis. Em suma: A moral é uma herança – um passado cultural e pessoal que vive em nós –, uma forma de automatismo que nos inspira comportamentos bons ou maus. As normas morais tácitas ou formais, que incluem as leis e demais normas do direito, são obrigatórias, e a elas devemos adesão e obediência. A Ética é uma conquista, uma atividade que se constrói com o objetivo de fortalecer a autonomia pessoal e criar as condições de possibilidade de um futuro mais justo e feliz para todos. Vem daí o fato de a adesão às normas éticas ser, necessariamente, voluntária – do contrário, seria uma lei ou um contrato formal. A ética do respeito 65 Ética do respeito. Ética é respeito Uma das principais tarefas atuais da Ética consiste em nos ajudar a impedir que o individualismo que caracteriza o homem moderno se transforme em egoísmo. O individualismo é a doutrina que coloca a autonomia e as inclinações do indivíduo acima das intromissões ilegítimas da coletividade. Tudo certo com isto. Já o egoísmo é a situação em que o indivíduo se rodeia de espelhos e cuida apenas dos próprios interesses. Para bem compreendermos os malefícios disto basta lembrarmos o que disse Alexis de Tocqueville: “o egoísmo seca a fonte das virtudes” (A Democracia da América). A Ética do Respeito é uma das vertentes da filosofia moral que vem se ocupando desta “missão” e, para tanto, ela nos estimula a desenvolver o hábito do “olhar atento” como antídoto para a indiferença e a insensibilidade diante da condição, do sofrimento, das necessidades e dos interesses alheios. A Ética do Respeito está baseada na premissa de que o respeito é a virtude básica da convivência – quem não é capaz de praticar o respeito é incapaz de ser verdadeiramente gentil, honesto, responsável, justo ou compassivo. Este ramo das teorias éticas busca despertar em nós o olhar atento para o Outro, seja ele uma pessoa conhecida ou não, um animal doméstico ou selvagem, uma floresta ou uma árvore, uma cidade ou um simples telefone público. “É preciso destacar essa escassez: o movimento da atenção não é frequente, mas raro. Na maioria das vezes tendemos a tratar as pessoas e as coisas automaticamente, seguindo normas de conduta assumidas, geralmente de forma acrítica. Mas, com esse modo de proceder as coisas na realidade não se mostram a nós, ou o fazem apenas superficialmente. Ocorre, de fato, que o movimento da atenção não é apenas para resgatar ao outro ou o outro, mas também a si mes- 66 George Barcat Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo Não se trata de dar lições de moral, mas de ajudar cada um a se tornar seu próprio mestre. Com que objetivo? Para ser mais humano, mais forte, mais doce. Virtude é poder, é excelência, é exigência. As virtudes são nossos valores morais em ato. André Comte-Sponville Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo mo. [...] Quem presta mais atenção melhor se orienta e mais respeita” (ESQUIROL 2008). É nesta circularidade mágica e eloquente que encontramos o valor do presente de Zeus: somente cuidando do Outro o indivíduo verdadeiramente cuida de si. Sem a prática habitual do respeito e da justiça – argamassas da convivência – o ser humano reduz-se a condição de animal não-humano. O olhar atento é sempre um olhar ético, pois todo gesto de atenção (ou desatenção e indiferença) tem um ou mais significados morais. A atenção é o primeiro movimento em direção ao respeito e à justiça. Deveríamos cuidar melhor dessa tarefa pois a vida apressada nos torna impacientes e desatentos e, por conta disso, não é raro tratarmos as pessoas de forma automática ou agirmos sem pensar nas consequências das nossas escolhas, decisões ou atos. A vida apressada nos torna indiferentes e apáticos. O olhar atento é a primeira fonte da conduta moralmente orientada; é por meio dele que: a) Encontramos o tempo necessário para percebemos o quando dependemos uns dos outros (interdependência). b) Aprendemos a “contar até dez” antes de agirmos, ou seja, esse olhar nos faz agir com prudência e com bons modos. c) Energizamos forças para fazer a coisa certa, mesmo que tenhamos de abrir mão de algo (conforto, dinheiro, privilégios...). d)Transformamos a indiferença em respeito, o preconceito em reconhecimento e o ressentimento em solidariedade. O conceito de respeito O conceito de respeito está bem próximo da regra de ouro da vida moral: “faça aos outros o que gostaria que fizessem a você”. De modo geral, o respeito é um sentimento de acolhida e consideração favorável à presença e à existência do Outro; sua prática inclui o cuidado para que nossas escolhas, decisões ou atos não o prejudiquem. De modos mais restritos, o conceito é uma: • Forma de preservação da própria dignidade. A ética do respeito 67 • Forma de consideração pelo Outro: zelo, atenção, cortesia, deferência, dedicação, interesse, cumprimento das obrigações. • Forma de autocontrole: pudor, escrúpulo, decência, modéstia, esforço para não abusar força, do poder ou dos direitos que se tem. • Forma de proteção dos valores e deveres morais e tudo o mais que garante a saúde e a estabilidade da convivência. Vide o Fundamentação da Metafísica dos Costumes de Kant. • Forma de manter contato com o que é sagrado: a vida, a natureza, os direitos humanos, a boa convivência... O livro de Hans Jonas – Princípio Responsabilidade tem muito a nos ensinar sobre este aspecto do respeito. Pseudoformas de respeito • Exibir mera tolerância, sem qualquer esforço para entender e trabalhar bem com os outros; reverenciar os que têm mais poder e status, enquanto depreciam, desconsideram, ridicularizam ou ignoram os menos poderosos; comportar-se de forma reativa em relação a um grupo inteiro, sem prestar atenção às qualidades de um indivíduo. (Gardner, 2007) BAUMAN, Z. e DONKIS, L. Cegueira moral: a perda da sensibilidade na modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. ESQUIROL, J. M. O Respeito ou o Olhar Atento. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2008. GARDNER, H. Cinco mentes para o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007. JONAS, H. O Princípio Responsabilidade. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUCRio, 2006. PLATÃO. Protágoras. Lisboa: Relógio d’Água, 1999. 68 George Barcat Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo Referências bibliográficas ÉTICA EMPRESARIAL E DIREITOS HUMANOS Heloisa Covolan1 Desde que o conceito de desenvolvimento sustentável foi citado no relatório das Nações Unidas (ONU), de 1987, intitulado “Nosso Futuro Comum”, o desempenho financeiro deixou de ser o único fator relevante para os negócios. Cada vez mais fatores ambientais e sociais são imprescindíveis para o sucesso a longo prazo, já que as partes interessadas (internas e externas) têm cobrado a prestação de contas e a responsabilização acerca das decisões empresariais. Nesse contexto, investir no respeito e promoção dos Direitos Humanos significa assegurar condições de vida digna para toda a população, reduzir as desigualdades sociais, possuir uma reputação positiva e sustentar a viabilidade econômico-financeira das operações. 1 Instrumentos O marco jurídico internacional sobre os Direitos Humanos é composto por um conjunto de leis que compreende tratados, convenções, declarações e outros instrumentos. O principal documento é a Carta Internacional dos Direitos Humanos da ONU, composta pela “Declaração Universal dos Direitos Humanos” (1948), “Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos” e “Pacto Internacional sobres os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”, ambos de 1966. Outros 80 instrumentos, de âmbito regional e mundial, apoiam o principal marco internacional. Jornalista, gerente responsabilidade social da Itaipu Binacional, entusiasta da sustentabilidade, orquidófila e praticante de raja yoga! @heloisacovolan 1 69 70 Heloisa Covolan Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo O Brasil está sujeito à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Constituição Federal de 1988 incorporou preceitos do direito internacional. A partir de 1985 com a democratização, o país passou a ratificar relevantes tratados internacionais sobre o tema, que podem ser invocados como instrumento para a proteção dos Direitos Humanos também em casos de violações cometidas por empresas. Mas, na economia global, muitos dos atores mais poderosos não são empresas. Das 100 maiores economias do mundo, 51 são de corporações, quando se compara as vendas de empresas multinacionais com o PIB de alguns países. A americana Walmart, por exemplo, tem o mesmo PIB da Suécia, que é superior ao de 170 países, incluindo todos os latino-americanos, com exceção do Brasil e do México. Como não existe um tratado internacional que regule a responsabilidade das empresas pelas violações, em 2011 o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou por consenso os Princípios Orientadores para Empresas e Direitos Humanos, elaborado pelo Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas, Professor John Ruggie. O documento resulta de seis anos de trabalho e estabelece padrões internacionais não apenas no ambiente de trabalho, mas também no contexto das operações empresariais, independentemente do porte ou do setor econômico a que pertencem. Ruggie propõe 31 Princípios que partem de três pilares essenciais: 1. Proteger: a obrigação dos Estados de proteger os Direitos Humanos; 2. Respeitar: a responsabilidade das empresas de respeitar os Direitos Humanos; 3. Reparar: a necessidade de que existam recursos adequados e eficazes, em caso de descumprimento destes direitos pelas empresas. Divididos entre fundamentais e operacionais, são 14 princípios específicos para as empresas. A responsabilização das empresas pelas violações de Direitos Humanos teve um marco histórico em junho deste ano: durante a 26ª reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, foi aprovada uma resolução para responsabilizar as organizações transnacionais pelas violações de Direitos Humanos cometidas no contexto de suas atividades. A resolução foi apresentada pelo Equador e África do Sul e um grupo de trabalho intergovernamental para a construção das normas vinculantes foi criado. Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo Ética empresarial e os benefícios Não há dúvidas de que a garantia dos Direitos Humanos é essencial para o desenvolvimento sustentável e que há uma relação direta entre a ética e a evolução dos seres humanos e das empresas. Entende-se por ética empresarial ou organizacional a aplicação dos valores e normas compartidos pela sociedade no processo de tomada de decisões e a responsabilização pelas decisões tomadas. Cabe ressaltar que a ética pessoal de cada membro da organização também tem peso. Entretanto, a ética está intimamente ligada à maturidade, pois consiste na prática diária e não apenas quando for conveniente. Dessa forma, estratégias que tenham como finalidade apenas atender à legislação ou constar em campanhas publicitárias e relatórios sociais não são suficientes. É necessário que de fato as empresas tenham lideranças comprometidas e adotem uma postura socialmente responsável em sua governança corporativa, pois a maioria das atividades tem impacto sobre outras pessoas além daquelas diretamente envolvidas. E é a atuação ética que pode proporcionar uma sociedade justa. Uma das iniciativas que buscam mobilizar a comunidade empresarial internacional é o Pacto Global. Desenvolvida pelo ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan, possui aproximadamente 5.200 organizações signatárias articuladas em 150 redes ao redor do mundo, das quais 600 compõem a rede brasileira. No relatório “How to Do Business with Respect for Human Rights: a Guidance Tool for Companies” elaborado pela Rede do Pacto Global da Holanda em 2010, a organização elenca claramente os impactos da adoção ou não de medidas de respeito aos Direitos Humanos. Entre as principais consequências do não respeito estão: custos relacionados a greves e processos judiciais; piora no clima organizacional; aumento de custo para reverter os riscos à imagem; restrições de acesso, perda ou aumento de custos com financiamento; cancelamento de contratos com clientes e restrições na obtenção de novas licenças e autorizações de renovação, reduzindo as oportunidades de crescimento. Em contrapartida, a promoção e o respeito aos Direitos Humanos proporciona, entre outros benefícios, competividade, já que a força de Ética empresarial e direitos humanos 71 trabalho é diversificada; atração de profissionais qualificados, fornecedores e parceiros de negócios; altas taxas de retenção e produtividade em função da motivação dos funcionários; minimiza críticas e mantém bons relacionamentos com a comunidade. Quando as empresas atendem aos direitos, os impactos não se dão apenas na atração e retenção de talentos, num ambiente saudável de trabalho ou na produtividade. Elas fortalecem a licença social para operar, com ações que melhoram a vida das pessoas da comunidade e ampliam as oportunidades de negócio. Embora o tema faça parte da agenda mundial e muitas empresas já tenham consciência de sua responsabilidade social, ainda há muito a ser feito, tanto no ambiente interno quando externo. Na esfera corporativa, em pesquisa realizada em 2010, e divulgada pela BM&F Bovespa, o Instituto Norberto Bobbio identificou que 43% dos trabalhadores de empresas médias e grandes do Rio de Janeiro e de São Paulo declararam ter sido vítimas de violações de seus Direitos Humanos. Entre os que responderam à pesquisa, 11% disseram que em suas empresas existia discriminação contra negros, mulheres, homossexuais ou idosos; 7% declararam ter sido vítimas diretas de preconceito e 44% afirmaram haver salários diferentes para a mesma função. Outros estudos apresentam resultados semelhantes. Em julho de 2012, o Escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, divulgou o relatório “Perfil do Trabalho Decente no Brasil – Um Olhar sobre as Unidades da Federação”, que mostrou que a discrepância salarial entre gêneros e raças e o trabalho forçado ainda são grandes desafios. No âmbito mundial, a desigualdade de renda aumentou em várias regiões. Segundo o “Relatório do Desenvolvimento Humano: Reduzir as Vulnerabilidades e Reforçar a Resiliência”, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) em julho deste ano, a diferença cresceu entre países com alto desenvolvimento humano e as maiores taxas foram observadas na América Latina e no Caribe. 72 Heloisa Covolan Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo Desafios Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo Cerca de 1,2 bilhão de pessoas vivem com menos de US$ 1,25 por dia; 1,5 bilhão em situação de pobreza multidimensional (índice que leva considera as variáveis das privações de direitos sociais), 12% da população mundial padecem de fome crônica e quase metade dos trabalhadores, ou seja, 1,5 bilhão tem empregos informais ou precários. No contexto nacional, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) divulgada em setembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que existiam 13 milhões de analfabetos no país em 2013, dos quais 50,56% são mulheres. Apesar da redução de 12,3% no número de crianças e adolescentes (entre 5 e 17) trabalhando, existiam 3,1 milhões nesta situação. E em relação ao trabalho, o nível de ocupação entre os homens era de 74,3 contra 50,4% entre as mulheres, e a taxa de desemprego aumentou de 6,1% para 6,5%. Itaipu e o compromisso com o desenvolvimento sustentável A Itaipu Binacional é a maior usina hidrelétrica do mundo em geração de energia. Localizada sobre o Rio Paraná, na fronteira entre Brasil e Paraguai, possui cerca de 1.500 empregados no lado brasileiro. O compromisso da empresa com o desenvolvimento sustentável está presente no Plano Empresarial e integra a Política de Sustentabilidade. Desde 2009 é signatária do Pacto Global e integra a diretoria do Comitê Brasileiro junto com outras quatro empresas. Entre as principais iniciativas realizadas para respeitar e apoiar os Direitos Humanos estão: • Participa de organizações nacionais e internacionais e/ou endossa iniciativas de defesa dos Direitos Humanos. • Mantém canais de denúncia como a Ouvidora, o Fale Conosco e o Comitê de Ética. • Oferece aos seus empregados benefícios como assistência médica, odontológica e auxílio educação. • Estimula a atuação de comitês que visam assegurar a saúde e a segurança dos trabalhadores. • Todos os empregados têm representação sindical e são abrangidos por Acordo Coletivo de Trabalho. Ética empresarial e direitos humanos 73 Referências bibliográficas CARBOGNIN, Daniela e Torres, Haroldo. Direitos Humanos nas Empresas. Revista Interesse Nacional, ano 5, número 19. GARAVITO, César Rodríguez. ONU debate a relação entre empresas e Direitos Humanos. Notícia publicada em 01/12/2013 na Carta Capital. 74 Heloisa Covolan Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo • Adota processos seletivos para a formação do quadro de pessoal desde 2005. • Adota políticas salariais e programas de educação que independem do gênero. • Possui Código de Conduta. • Possui Política e Diretrizes de Equidade de Gênero desde 2011 e um Comitê de Equidade de Gênero. • Possui Comitê Permanente de Pessoas com Deficiência desde 2012. • Adota cláusulas sociais na contratação de fornecedores. • Realiza seminário anual sobre Direitos Humanos para os profissionais da área de segurança (empregados e trabalhadores de empresas que prestam serviços à Itaipu). • Nos processos de licitação, inclui cláusulas sociais sobre contração de jovens, trabalho forçado ou análogo ao escravo e de respeito à equidade de gênero. • Determina que as empresas contratadas para prestação de serviços comprovem o pagamento de salários, horas extras, décimo terceiro salário, aviso prévio e demais encargos, podendo rescindir o contrato em caso de descumprimento. • Criou o Hospital Ministro Costa Cavalcanti (HMCC), que atende habitantes de nove municípios. • Desenvolve e apoia programas que estimulam a saúde o bem-estar dos colaboradores e dos moradores da região onde está inseria, o trabalho voluntário, a equidade de gênero, o ingresso de jovens no mercado de trabalho, a capacitação e profissionalização, o uso de plantas medicinais, a inclusão social e enfretamento de violência contra crianças e adolescentes, inclusão social de indígenas, egressos do sistema penitenciários, catadores de materiais recicláveis, pequenos agricultores, assentados da reforma agrária, ribeirinhos e quilombolas. MARTINI, Carlo Maria. ECO, Umberto. Diálogo sobre a Ética. Instituto Ethos. PINEDO, Victor. Ética e Valores nas Empresas: Em Direção às Corporações Éticas. Instituto Ethos. RUGGIE, John. Empresas e Direitos Humanos - Parâmetros da ONU para Proteger, Respeitar e Reparar. Conectas Direitos Humanos. ZOBOLI, Elma Lourdes Campos Pavone. A Ética nas Organizações. Instituto Ethos. Empresas e Direitos Humanos na Perspectiva do Trabalho Decente – Marco de Referência. Instituto Ethos. Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo Acesso à Justiça: violações de Direitos Humanos por Empresas (Brasil). Comissão Internacional de Juristas. 2011. How to do business with respect for human rights: a guidance tool for companies. Global Compact Network Netherlands. ONU aprova marco histórico para responsabilizar empresas por violações de direitos. Notícia publicada em 30/06/14 no site Brasil de Fato. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – A janela para olhar o país. IBGE. Princípios para relato e conteúdos padrão da Global Reporting Initiative (GRI) – Versão G4 das Diretrizes para relato. Relatório de Sustentabilidade da Itaipu Binacional – 2013. Disponível em: www.itaipu.gov.br/responsabilidade/relatorios-de-sustentabilidade. Sites consultados www.conectas.org www.pactoglobal.org.br http://www.portalconscienciapolitica.com.br/politica-e-direitos-humanos/ http://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/37164/conheca+cinco+paise s+que+se+destacaram+no+idh+2014+das+nacoes+unidas.shtml www.pnud.org.br Ética empresarial e direitos humanos 75 DESAFIOS DA GESTÃO EM RESPONSABILIDADE SOCIAL: UM ENFOQUE DE GARANTIAS DE DIREITOS HUMANOS1 Laís Abramo2 José Ribeiro3 Camila Almeida4 Social e Direitos Humanos 1234 O conceito de responsabilidade social empresarial, lançado no Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável em 1998, realizado na Holanda, estabelece que “Responsabilidade Social Corporativa é o comprometimento permanente dos empresários de adotar um comportamento ético e contribuir para o desenvolvimento econômico, melhorando simultaneamente a qualidade de vida de seus empregados e de suas famílias, da comunidade local e da sociedade como um todo”. Durante a reunião de janeiro de 1999 do Fórum Econômico Mundial (Fórum de Davos), o então Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, anunciou internacionalmente o Pacto Global, que foi oficialmente lançado em 26 de julho de 2000 no escritório da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova Iorque. O Pacto é uma iniciativa proposta à comunidade empresarial, às agências da ONU e organizações da sociedade civil com o objetivo de apoiar mundialmente a pro A primeira versão do presente artigo foi elaborada para o I Seminário de Responsabilidade Social da Petrobrás, realizado em maio de 2013, e publicada em Memória do I Seminário de Responsabilidade Social da Petrobrás: Os desafios da gestão em responsabilidade social para o setor de petróleo e gás (PETROBRÁS, 2013). 2 Socióloga, Mestre e Doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo, Diretora do Escritório da OIT no Brasil. 3 Economista, Especialista em População e Desenvolvimento Sustentável pela Universidad de Chile e Mestre em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE) do IBGE. Especialista em Estatísticas do Mercado de Trabalho e Indicadores de Trabalho Decente do Escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil. 4 Internacionalista, Mestre em Cooperação Internacional pela Universidad Complutense de Madrid, Oficial de Projetos do Escritório da OIT no Brasil. 1 77 A Rede Brasileira do Pacto Global contava, em abril de 2013, com 526 organizações signatárias, sendo mais da metade (54,0%) composta por empresas. É coordenada pelo Comitê Brasileiro do Pacto Global, que conta com 35 organizações participantes (73,0% das quais são empresas). Durante a gestão 2011-2012, foram criadas seis forças-tarefa com o intuito de viabilizar e dinamizar ações e projetos, por intermédio do diálogo, intercâmbio de boas práticas e mobilização e integração entre as instituições signatárias. Uma das forças-tarefa era a referente a direitos humanos e trabalho, sendo as outras cinco assim distribuídas: comunicação, educação, governança, integridade e combate à corrupção. 6 As Diretrizes para as Empresas Multinacionais da OCDE integram parte da Declaração sobre Investimento Internacional e Empresas Multinacionais. 5 78 Laís Abramo, José Ribeiro e Camila Almeida Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo moção de valores fundamentais em quatro áreas: direitos humanos, direitos do trabalho, proteção ambiental e combate à corrupção, refletidos em dez princípios. O Pacto conta atualmente com mais de 11 mil empresas participantes e stakeholders, distribuídos em cerca de 150 países, constituindo-se assim na maior iniciativa de responsabilidade corporativa voluntária do mundo5. Apesar das diversas iniciativas adotadas pelas empresas na última década, o tema das práticas empresariais responsáveis e a sua relação com os direitos humanos assumiu maior relevância a partir do ano de 2011, em função de dois novos e importantes marcos de referência no plano internacional. O primeiro deles se expressa nas Diretrizes para as Empresas Multinacionais da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico6 (OCDE), revisadas, reeditadas e aprovadas em 25 de maio de 2011 pelos 42 governos aderentes durante a Reunião Ministerial do 50º Aniversário da OCDE. As Diretrizes fornecem princípios e padrões voluntários para a conduta empresarial responsável em um contexto global, de acordo com as leis adotadas pelos países signatários e os padrões internacionalmente reconhecidos. Dentre as principais mudanças nas Diretrizes, destacam-se, em primeiro lugar, um novo capítulo sobre direitos humanos, que contém uma abordagem nova e abrangente para a due diligence e gestão responsável da cadeia de fornecedores, representando um progresso significativo em relação às abordagens anteriores. Em segundo lugar, mudanças importantes em muitos capítulos especializados, tais como: Emprego e Relações do Trabalho; Combate à Corrupção, à Solicitação de Suborno e à Extorsão, Meio Ambiente, Interesses do Consumidor, Divulgação e Tributação e uma agenda pró-ativa de implementação, para ajudar as empresas no cumprimento de suas responsabilidades, à medida que surjam novos desafios. Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo O segundo marco foi aprovado por unanimidade em junho de 2011 pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Intitulado de Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos, baseia-se no relatório elaborado e apresentado em maio de 2011 pelo Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, Professor John Ruggie7. Mesmo não sendo um instrumento juridicamente vinculante, os Princípios Orientadores analisam as implicações que os parâmetros e práticas atuais têm para os Estados e as empresas, e incluem alguns aspectos que são contemplados de diversas formas na legislação nacional e internacional. Ademais, são resultado de seis anos de trabalho do professor Ruggie, lastreado em pesquisas e amplas consultas com empresas, governos, sociedade civil, pessoas e comunidades afetadas, juristas, investidores e outros interessados. Em número de 31, os Princípios Orientadores são embasados em três pilares: • Proteger - o dever do Estado de proteger os direitos humanos; • Respeitar - a responsabilidade corporativa das empresas de respeitar os direitos humanos; • Reparar - necessidade de que existam recursos adequados e eficazes, em caso de descumprimento destes direitos pelas empresas. Um importante aspecto trazido pelo Relatório é o de que a responsabilidade das empresas em respeitar os direitos humanos independe do seu tamanho ou do setor econômico no qual atuam, ainda que a magnitude dos impactos e as respectivas responsabilidades possam variar conforme esses dois fatores. Ainda que não seja exclusivamente voltada para as empresas, outro instrumento que estabelece importantes diretrizes sobre responsabilidade social e direitos humanos é a Norma ISO 26000. Fundada em 1947, a Organização Internacional para a Normalização (ISO International Organization for Standardization) congrega organismos de normalização técnica de aproximadamente 160 países. As normas ISO atuam nas especificações técnicas de diversos campos, exceto nas áreas eletroeletrônica e de telecomunicações. A representação do Brasil na ISO é de responsabilidade da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que tanto adota as normas ISO quanto desenvolve as suas próprias. Professor de Direitos Humanos e Relações Exteriores da Universidade de Harvard. 7 Desafios da gestão em responsabilidade social: um enfoque de garantias de direitos humanos 79 Publicada em dezembro de 2010, a norma ISO 26000 fornece orientações sobre princípios e práticas de responsabilidade social dirigidas a organizações de qualquer natureza, não apenas empresas. Sendo uma norma de orientação, não é passível de certificação, pois não contém a especificação de requisitos a serem verificados para a outorga de um certificado. Conforme destaca o DIEESE8 (2013), a ISO 26000 tomou por base as normas, tratados, convenções e outros documentos intergovernamentais, inclusive as convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT), para definir as suas recomendações de conteúdo. Com isso, procurou respeitar as normas obrigatórias adotadas por amplo consenso entre nações e representantes da sociedade internacional, reconhecendo, portanto, a autoridade de governos e organismos intergovernamentais para a fixação dos requisitos de responsabilidade social para as organizações. A OIT considera que a Responsabilidade Social Empresarial (RSE) é uma maneira pela qual as empresas consideram as repercussões de suas atividades sobre a sociedade e afirmam seus princípios e valores no que se refere tanto a seus próprios métodos e processos internos quanto à sua interação com terceiros. Um ponto de referência do trabalho da OIT na área da RSE é a Declaração Tripartite de Princípios sobre as Empresas Multinacionais e a Política Social (EMN), adotada em 1977 e revista em 2000. Mesmo tratando-se de um instrumento voluntário, a referida Declaração é lastreada nos marcos jurídicos e práticas nacionais, nas normas internacionais do trabalho pertinentes, nos pactos internacionais adotados pelas Nações Unidas e na Declaração da OIT relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho e seu Seguimento (1998). A Declaração EMN abarca cinco esferas: política geral; emprego; formação; condições de trabalho e de vida e relações de trabalho. Em cada uma dessas esferas figuram diretrizes, tanto para os governos como para as empresas, e são sugeridas maneiras pelas quais a contribuição das empresas (incluindo as multinacionais) para o desenvolvimento econômico e social pode ser maximizada. Normas sobre responsabilidade social das empresas a ISO 26000 e o GRI. São Paulo: DIEESE, Nota Técnica nº 12, março de 2013. 8 80 Laís Abramo, José Ribeiro e Camila Almeida Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo A Responsabilidade Social Empresarial na Visão da OIT Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo Outra referência importante da OIT para a discussão do tema da Responsabilidade Social Empresarial é a própria noção de Trabalho Decente. O conceito de trabalho decente expressa a síntese do mandato histórico e dos objetivos estratégicos da OIT: a promoção das normas internacionais do trabalho, a geração de mais e melhores empregos para homens e mulheres, a extensão da proteção social e a promoção do tripartismo e do diálogo social. Essa noção foi formalizada pela primeira vez na Memória apresentada pelo Diretor Geral da OIT na 87ª Reunião da Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Genebra, em junho de 1999, nos seguintes termos: “Atualmente, a finalidade primordial da OIT é promover oportunidades para que homens e mulheres possam conseguir um trabalho decente e produtivo em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humanas. (...) O trabalho decente é o ponto de convergência de quatro objetivos estratégicos: a promoção dos direitos fundamentais no trabalho, o emprego, a proteção social e o diálogo social. Isso deve orientar as decisões da Organização e definir sua tarefa internacional nos próximos anos” (CONFERENCIA INTERNACIONAL DEL TRABAJO, 1999). A noção de Trabalho Decente integra as dimensões quantitativa e qualitativa do emprego. Ela propõe não apenas medidas dirigidas à geração de postos de trabalho e ao enfrentamento do desemprego, mas também à superação de formas de trabalho que geram renda insuficiente para que os indivíduos e suas famílias superem a situação de pobreza, ou que se baseiam em atividades insalubres, perigosas, inseguras e/ou degradantes. Afirma a necessidade de que o emprego esteja também associado à proteção social e aos direitos do trabalho, entre eles os de representação, associação, organização sindical e negociação coletiva. Em outras palavras, o conceito de trabalho decente acrescenta, à noção anteriormente já consolidada de um emprego de qualidade, as noções de direitos (todas as pessoas que vivem do seu trabalho são sujeitos de direito e não apenas aquelas que estão no setor mais estruturado ou formalizado da economia), proteção social, voz e representação. Reafirma que existem formas de emprego e trabalho consideradas inaceitáveis e que devem ser abolidas, como o trabalho infantil e todas as formas de trabalho forçado, obrigatório ou degradante. Afirma a necessidade imperiosa de reduzir os déficits de trabalho decente na economia informal e de avançar no sentido de uma progressiva formalização, e define a equidade de gênero como um eixo transversal desse conceito. Desafios da gestão em responsabilidade social: um enfoque de garantias de direitos humanos 81 El desafío de la promoción de las empresas sostenibles en América Latina y el Caribe: un análisis regional comparativo. Lima: OIT/ACTEMP, Oficina Regional para América Latina y el Caribe, 2013. 10 Os princípios e direitos fundamentais no trabalho compreendem a liberdade de associação e o direito à negociação coletiva, a erradicação do trabalho forçado ou obrigatório, a eliminação do trabalho infantil e a eliminação da discriminação em matéria de emprego ou ocupação (Declaração da OIT relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho e seu Seguimento, 1998). 9 82 Laís Abramo, José Ribeiro e Camila Almeida Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo A Resolução sobre a Promoção de Empresas Sustentáveis adotada durante a 96ª Reunião da Conferência Internacional do Trabalho (CIT), realizada em junho de 2007, por sua vez, também é parte importante desse marco de referência. O conceito de empresas sustentáveis se relaciona fortemente ao conceito de Trabalho Decente e está diretamente associado à noção de desenvolvimento sustentável, que se apoia em três pilares: o econômico, o social e o ambiental. A referida Resolução enumera 17 pontos, que abarcam as condições básicas para a criação de um ambiente propício para a promoção e desenvolvimento das empresas sustentáveis: a) Paz e estabilidade política; b) Boa governança; c) Diálogo social; d) Respeito aos direitos humanos universais e às normas internacionais do trabalho; e) Cultura empresarial; f) Política macroeconômica adequada e estável e boa gestão da economia; g) Comércio e integração econômica sustentável; h) Ambiente jurídico e normativo propício; i) Estado de direito e garantia dos direitos de propriedade; j) Competição leal; k) Acesso a serviços financeiros; l) Infraestrutura física; m) Tecnologias de informação e comunicação; n) Educação, formação e aprendizagem permanente; o) Justiça social e inclusão social; p) Proteção social adequada; q) Gestão responsável do meio ambiente. A Resolução também enfatiza o papel estratégico do diálogo social para a promoção das empresas sustentáveis, destacando a contribuição de trabalhadores, empregadores e suas organizações no apoio aos governos para a formulação e implementação de políticas de promoção de empresas sustentáveis. Por fim, a OIT9 enfatiza que, dado o papel central dos direitos humanos universais e das normas internacionais do trabalho na criação do entorno para a promoção das empresas sustentáveis, faz-se necessário o máximo de esforço para se alcançar estes objetivos, principalmente no que concerne à ratificação e implementação das convenções da OIT, em especial as convenções fundamentais que tratam dos direitos e princípios fundamentais no trabalho10. Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo Principais Desafios em Direitos Humanos Retomando o conceito estabelecido em 1998 pelo Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, a responsabilidade social empresarial é uma expressão do compromisso da empresa com a sociedade em geral e com as comunidades em que atua, e forma parte de uma estratégia integrada para que esse compromisso possa se efetivar. Abarca um conjunto amplo de relações com os trabalhadores, os fornecedores e consumidores, as comunidades e a sociedade civil, diferenciando-se, portanto, do conceito de governança das empresas11. Portanto, apesar de não restringir-se ao universo interior à empresa, percebe-se que uma atuação social responsável requer solucionar um primeiro e fundalmental desafio: o compromisso ético com sua própria gestão e com o tratamento de seus próprios quadros. Adotar medidas para a promoção dos direitos humanos no ambiente de trabalho, prevenindo os riscos e eliminando as discriminações e promovendo a igualdade de oportunidades é condição essencial para uma atuação social coerente. O Brasil ratificou outras duas importantes Convenções da OIT intimamente relacionadas com a promoção da igualdade no trabalho. A primeira é a Convenção 100 sobre igualdade de remuneração de homens e mulheres trabalhadores por trabalho de igual valor, ratificada pelo Brasil em 1957, que estabelece que por trabalhos economicamente equivalentes, homens e mulheres devem receber igual remuneração. A segunda é a Convenção 111 sobre discriminação em matéria de emprego e ocupação, ratificada pelo Brasil em 1965, e que, por sua vez, define a discriminação como qualquer distinção, exclusão ou preferência baseada em motivos de raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social que tenha como efeito anular ou alterar a igualdade de oportunidades e de tratamento no emprego e na ocupação. Outro tema especialmente relevante para a promoção da igualdade de gênero e para a sustentabilidade das empresas é o equilíbrio entre o trabalho, família e vida pessoal. É essencial que a sociedade re11 El diálogo social y las relaciones laborales en la industria del petróleo. Informe para el debate de la Reunión sobre la promoción del diálogo social y las buenas relaciones laborales desde la prospección y producción hasta la distribución de petróleo y gas. Ginebra: OIT, Programa de Actividades Sectoriales, 2009. Desafios da gestão em responsabilidade social: um enfoque de garantias de direitos humanos 83 Negociação de cláusulas relativas à equidade de gênero e raça 2007-2009. Brasília: OIT, 2011. 12 84 Laís Abramo, José Ribeiro e Camila Almeida Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo conheça que responsabilidades familiares e de cuidados não são um tema de exclusividade das mulheres e que estas responsabilidades afetam diretamente a igualdade de oportunidades no mundo de trabalho. Sobre este tema versa a Convenção 156 da OIT sobre a igualdade de oportunidades e de tratamento para trabalhadores e trabalhadoras com responsabilidades familiares. Esta Convenção complementa a Convenção 111 e estabelece que nenhum trabalhador ou trabalhadora deve ser discriminado no emprego devido às suas responsabilidades familiares. Além disso, estimula a adoção de medidas para que trabalhadores com responsabilidades familiares, homens e mulheres, exerçam seu direito a escolher livremente seu emprego, e chama os atores sociais a promover serviços de assistência à infância e à família. A Convenção 156 ainda não foi ratificada pelo Brasil. No entanto, além de iniciativas do governo, existem ações voluntárias de empresas que facilitam o equilíbrio entre trabalho e família. Neste sentido, também é muito importante o papel da negociação coletiva para, a partir do diálogo social, garantir melhorias aos e às trabalhadores/as e, inclusive, ampliar as garantias estabelecidas por lei12. Sabemos que o país tem avançado nesses termos. É importante ressaltar que muitas empresas e instituições tem voluntariamente realizado ações e tomado medidas para promover a igualdade no trabalho. Tomando o exemplo da promoção da igualdade de gênero e raça no mundo do trabalho, podemos citar como importante iniciativa o Programa Pró-equidade de Gênero e Raça da Secretaria de Políticas para as Mulheres, em parceria com a OIT e a ONU Mulheres, que, desde 2005, reúne a empresas e instituições comprometidas com a eliminação das discriminações e desigualdades no ambiente de trabalho. Na sua última edição, aproximadamente 80 empresas, abracando um total de quase 900.000 funcionários/as, puseram em prática planos de ação para alcançar resultados e cumprir metas nesse sentido. Essas iniciativas indicam a tendência crescente de sensibilização em torno do tema, apesar da persistência de importantes marcas de desigualdade. Violências baseadas no gênero e na raça no ambiente de trabalho como assédio moral, assédio sexual e discriminação ainda são comuns e devem ser combatidas no dia-a-dia e em todo o processo de recrutamento, seleção, ascensão funcional e permanência no emprego. Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo É importante compreender que a discriminação não é apenas um atentado aos direitos humanos e aos direitos fundamentais no trabalho, mas também representa um grande custo para as empresas e a sociedade, pois provoca desperdício de recursos, talentos e potencialidades humanas, com efeitos negativos na produtividade e competitividade das empresas e no desenvolvimento econômico das sociedades. Além disso, gera desigualdades profundas no acesso aos recursos econômicos, sociais, políticos e culturais, além de impedir o pleno exercício da cidadania e debilitar a coesão social e a democracia. Perceber que existem inequidades de gênero e raça geralmente é algo evidente, ao observar como se compõem os quadros de pessoal das organizações, tanto em termos da hierarquia quanto da estrutura ocupacional. Uma iniciativa voltada para a eliminação da discriminação e para promoção da igualdade busca necessariamente diagnosticar a realidade, analisar as causas das desigualdades, empreender medidas e estabelecer metas de mudanças. Diagnosticar as brechas de igualdade é fundamental para identificar as práticas discriminatórias que as causam e que, portanto, devem ser eliminadas, e para promover políticas ativas de igualdade de oportunidades de tratamento no ambiente de trabalho, como políticas de cotas, capacitação e treinamento, medidas de conciliação entre trabalho e família, etc. Fundamentalmente, a igualdade para a OIT é um tema de direitos humanos e faz parte das condições essenciais para atingir uma democracia efetiva. É também um tema de justiça social e diminuição da pobreza, na medida em que é condição para ampliar as oportunidades de acesso a um trabalho decente. E, por último, é também um tema de desenvolvimento social e econômico, na medida em que promove a participação de cidadãs e cidadãos de forma igualitária na atividade econômica e na tomada de decisões relativas à formulação de políticas de desenvolvimento que respondam adequadamente aos objetivos da igualdade. Agora, retomando a noção ampla de responsabilidade social empresarial e considerando que a forma e o alcance em que a empresa cumpre com a lei, os requisitos de transparência e responsabilidade, as normas éticas e os códigos de conduta social e ambiental interessam também a outros atores, entre eles as comunidades locais, surge outro dos principais desafios em direitos humanos e de suma importância Desafios da gestão em responsabilidade social: um enfoque de garantias de direitos humanos 85 OIT, 2009 (Op. Cit). Empresas e Direitos Humanos na Perspectiva do Trabalho Decente: Marco de Referência. São Paulo: Instituto Ethos, novembro de 2011. 13 14 86 Laís Abramo, José Ribeiro e Camila Almeida Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo para a gestão do negócio: o diálogo social. Nos últimos anos, têm surgido novas formas de participação, como reconhecimento da necessidade dos indivíduos, grupos e organizações de trabalhadores de participar nas decisões, especialmente naquelas que provavelmente afetarão as comunidades onde vivem e trabalham. Neste contexto, o diálogo social desempenha um papel fundamental para definir e redefinir projetos de desenvolvimento social e econômico no setor que assegurem a promoção dos direitos humanos. As deficiências em matéria de responsabilidade social e governança têm um custo bastante elevado. Com o objetivo de evitar esses custos, as empresas vêm desenvolvendo práticas de due diligence com o intuito de aprimorar a gestão de direitos humanos e o respeito à lesgislação nacional e internacional. Aspectos importantes da responsabilidade social da empresa são uma maior transparência e o compromisso com as comunidades locais e a constribuição a estas, por exemplo, através da criação de emprego de qualidade nesse âmbito 13. A chave para uma boa governança da empresa é o desenvolvimento e aplicação de programas que promovam os princípios éticos, as normas morais e as práticas socialmente aceitas. Esses programas devem abarcar o respeito aos direitos humanos, o cumprimento das principais normas internacionais do trabalho, assim como esforços para evitar subornos e corrupção. Indubitavelmente, não será possível alcançar, aplicar e manter estes objetivos sem o diálogo e a consulta a todos os níveis de organização. De que forma uma cultura de respeito aos direitos humanos pode gerar valor ao negócio? Um primeiro aspecto a ser considerado nessa discussão é a necessidade da empresa integrar as preocupações com direitos humanos à sua estratégia de negócio, evitando focar suas ações apenas na gestão de risco para a sua imagem. O Instituto Ethos14 destaca que, para uma devida gestão dos impactos, análise dos riscos inerentes à operação e alinhamento de suas ações com a expectativa da sociedade e indivíduos, as empresas envolvidas seriamente com essa agenda têm investido cada vez mais em integrar a responsabilidade social empresarial à sua estratégia, o que traz ganhos para o negócio. Um guia elaborado pela Rede do Pacto Global da Holanda evidencia Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo os impactos da adoção ou não de medidas de respeito aos direitos humanos, como pode ser verificado no quadro comparativo a seguir15. Situação em que a empresa não respeita os direitos humanos Enfrenta custos relacionados a greves quando os trabalhadores entendem que seus direitos não são respeitados. Tem custos de contencioso relativos aos processos de violação aos direitos humanos (i.e. discriminação). Expõe-se a efeitos negativos no clima organizacional, pela implicação da empresa em violações aos direitos humanos. Há aumento de custo com relações públicas e para reverter os riscos à imagem causados por violações. Ocorrem restrições de acesso, perda ou aumento de custos com financiamento. Há cancelamento de contratos com clientes ou renegociações de cláusulas contratuais e valores envolvidos. A empresa é incapaz de obter no mercado os produtos que necessita dentro do tempo planejado. Há restrições na obtenção de novas licenças e autorizações ou em sua renovação, reduzindo-se as oportunidades de crescimento. Ocorre maior possibilidade de write-offs e de correção monetária no caso de projetos cancelados ou atrasados. A empresa tem acesso restrito ao mercado de capitais como resultado das preocupações dos investidores socialmente responsáveis. Situação em que a empresa respeita os direitos humanos Mantém força de trabalho diversificada, tornando-se mais competitiva. Tende a ser mais atrativa como empregadora. Conta com funcionários mais motivados, o que pode levar a um aumento de produtividade e a altas taxas de retenção. Uma apropriada diligência em torno dos direitos humanos pode minimizar críticas e até atrair atenção positiva diante de problemas com os direitos humanos. Há menos restrições de acesso a financiamento. A empresa pode tornar-se mais atraente para fornecedores, clientes e outros parceiros de negócio. Observa-se maior conhecimento e capacidade de adaptar produtos às necessidades e preferências do consumidor. A empresa tem maior acesso a contratos com o governo. Aumenta a probabilidade de os projetos terminarem no prazo previsto, ou antes. Tempo, recursos financeiros e humanos antes focados na resolução de problemas podem ser dedicados à inovação, empreendedorismo e outras frentes que a empresa queira desenvolver. Presentes com ênfase em todos os marcos referenciais abordados anteriormente há outro importante desafio que, indubitavelmente, é estruturante e estratégico tanto para a garantia e respeito aos direitos humanos 15 Tradução livre do guia How to Do Business with Respect for Human Rights: a Guidance Tool for Companies, com adaptações para a realidade do Brasil, realizada pelo Instituto Ethos (2011). Desafios da gestão em responsabilidade social: um enfoque de garantias de direitos humanos 87 88 Laís Abramo, José Ribeiro e Camila Almeida Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo quanto para gerar valor ao negócio: a necessidade de articular as ações de responsabilidade social com o modelo de gestão, o envolvimento das comunidades, o desenvolvimento local e o investimento social. Muitas vezes tratadas separadamente, as questões explicitadas nesse desafio são indissociáveis e mutuamente dependentes. É notório que, ao longo das duas últimas décadas, diversas empresas têm ampliado significativamente seu investimento social; no entanto, ainda perdura, em muitas situações, um inquietante descompasso entre os impactos gerados pelo negócio e os resultados efetivos deste investimento no que tange ao desenvolvimento local das comunidades diretamente impactadas. A tecnologia social do negócio não tem acompanhado a evolução tecnológica da produção. Nesse contexto, destaca-se uma importante vulnerabilidade no âmbito do modelo de gestão da maioria das empresas. Uma das grandes dificuldades relacionadas às ações de responsabilidade social das empresas que atuam num determinado território e dos respectivos impactos proporcionados pelas atividades econômicas das mesmas (sejam positivos ou negativos) é o de dispor de informações periódicas e específicas que permitam conhecer o perfil socioeconômico e demográfico das comunidades existentes nas localidades do entorno de sua área de atuação. A inexistência e/ou a insuficiência de informações acerca do perfil e evolução das comunidades, assim como da infraestrutura econômica e social das localidades - incluindo-se as suas debilidades, vulnerabilidades e potencialidades – fazem com que oportunidades e recursos sejam desperdiçados. Ademais, é muito comum que haja um desconhecimento importante sobre o alcance dos resultados e do impacto social que o desenvolvimento de novos empreendimentos e atividades econômicas, assim como de ações de responsabilidade social realizadas pelas empresas, estão proporcionando nas localidades e segmentos das comunidades. Seria conveniente e necessário, portanto, desenvolver e aplicar mais amplamente, metodologias que permitam ampliar o conhecimento sobre o perfil das comunidades e a infraestrutura local, de modo que a potencializar a inserção das comunidades no ambiente favorável gerado pelos empreendimentos produtivos, minimizar seus impactos negativos, garantir o respeito aos direitos humanos e, ao mesmo, tempo, gerar indicadores para monitoramento e avaliação da evolução das condições de vida da população na área de influência das empresas. Com base nesta metodologia e por intermédio do diálogo social, poderão ser fortalecidas significativamente as ações de responsabilidade social e de garantia de direitos humanos. ÉTICA COMO ARTE E GARANTIA DE CONVIVÊNCIA Deusilene Silva de Leão1 É impossível pensar em ética se a gente não pensar em convivência. Afinal de contas, o que é a ética? A ética é que demarca a fronteira da convivência. Sejam com as outras pessoas, com o mercado, com os indivíduos, colegas de trabalho. Ética é aquela perspectiva para olharmos os nossos princípios e os nossos valores para existirmos juntos. Qual é o nome do conjunto de princípios e valores de conduta que uma pessoa ou um grupo de pessoas tem? Ética. O termo ética vem do grego ethos, nasceu na Grécia, modificou-se através dos tempos e das culturas que o ressignificaram. Significa morada humana. Ethos é o lugar onde habitamos, é a nossa casa. Ethos também significa “marca” ou “caráter”. Este termo foi utilizado na Grécia, entre pré-socráticos, principalmente Homero e Hesíodo, para referir-se a um espaço físico que garanta segurança sobrevivência e conforto para os indivíduos. Aristóteles, em Ética à Nicômaco, ressignifica o termo substituindo a especialidade física por uma disposição interna que revela o caráter, a índole, o hábito, o costume. Esta mudança mostra um novo foco nas investigações filosóficas, atendo-se agora ao conhecimento, a alma, a beleza e a justiça.1 Os romanos traduziram a ética em mor-mores que significa norma, costume, regra, revelando um caráter normativo, autoritário e vertical, implicando obediência e uniformidade. Podemos ver que a ética que no princípio designava morada, foi lapidada para traduzir o caráter, a índole, que levam o homem ao bem absoluto que é a felicidade. Consultora Corporativa. Doutoranda e Mestre em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. E-mail: <[email protected]>. 1 89 90 Deusilene Silva de Leão Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo Se neste momento pretendêssemos procurar conceitos de Ética e Moral num dicionário qualquer, encontraríamos mais ou menos as seguintes definições: a Ética é a parte da filosofia que trata das obrigações do homem e Moral é a ciência dos costumes. De maneira que à primeira vista pode-se observar que, em geral, o conceito de Ética reveste-se de certo “verniz filosófico”, enquanto que a Moral se reduz a uma série de normas que nos servem para melhor viver em comum a nossa vida cotidiana. Na antiguidade não se concebia um sistema de costumes em oposição a um sistema filosófico. Toda filosofia tinha antes uma finalidade a sua aplicação direta e nenhum pensador se gabava de falar de um modo e agir de outro. Isto é unicamente próprio da época moderna. Ética ou Moral, ou antes, a teoria e a prática eram dois aspectos da mesma coisa, dois atalhos do mesmo caminho. Como nos lembramos hoje da civilização Grega? Lembramo-nos, precisamente, através dos seus grandes artistas e filósofos. Isto fez com que o aspecto intelectual fosse considerado de um modo bem diferente do que era na antiga Grécia. Por outro lado, como é que recordamos os Romanos do Império? Pela sua ação guerreira, força imensa e vontade inquebrantável. Temos aqui uma resposta possível do enigma: se Ética vem do Grego e Moral do Latim, este detalhe é suficiente para que na nossa mentalidade se identifiquem os termos com a civilização correspondente. Eis porque é que o conceito de Ética se relaciona com o território, o elevado, o que não é digno senão dos grandes livros, enquanto o que o de Moral assume um caráter mais prático e direto, digno de um homem de ação. Assim, pois, se a ideia destas civilizações foi a da posse da virtude como meio de atingir os seus Deuses, tanto os Gregos como os Romanos, referiam-se à mesma coisa quando falavam de Ética e Moral. Tratava-se de harmonizar o homem, de ajudá-lo afim de que nele surgissem as fontes da justiça e de bem que lhe permitissem beber as águas da Divindade. Hoje não podemos reconstruir uma cidade grega ou um Império Romano tal como existiam há vinte ou trinta e cinco séculos, mas podemos fazer o seu velho conceito, nunca deteriorado, de Ética e de Moral. Do ponto de vista teórico, ética e moral não são as a mesma coisa. Estão interligadas. Eu posso dizer que algo é imoral, mas não posso afirmar que algo é aético. É imoral porque colide com determinados princípios que uma sociedade tem. Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo CORTELLA (2014), diz que a ética é o conjunto dos seus princípios e valores. É muito mais que campo teórico. A moral é a prática, é o exercício das suas condutas. Eu tenho uma conduta no dia-a-dia, chama-se conduta moral. A ética são os princípios que orientam a minha conduta. Integridade é o princípio ético para não apequenar a vida, integridade é sinceridade e honestidade. Quanto mais claros os princípios, mais fica fácil lidar com os dilemas. Você não deixa de ter dilemas, mas é preciso ter como razão central a integridade. O que é uma pessoa íntegra? É uma pessoa correta, justa, honesta que não se desvia do caminho. De que arte estamos nós falando aqui, será aquela arte contemplativa? Referimo-nos à arte com excelência em uma ação. Criativa, com objetivos claros, que garanta a realização de ações com maestria. CORTELLA (2014) diz que a ética é antes de mais nada, a capacidade de protegermos a dignidade da vida coletiva, afinal de contas vivemos juntos. Para seres humanos não existe vivência, existe sim convivência. Nós só somos humanos com os outros humanos. Nossa humanidade é compartilhada. Ser humano é ser junto. Isso significa que é preciso que saibamos que a nossa convivência exige uma noção especial da nossa igualdade de existência, o que nos obriga a afastar do ponto de partida qualquer forma de arrogância. Gente arrogante é aqueles que acham que já sabem, já conhecem, único tipo de ser humano válido que existe e só suas coisas funcionam. Gente arrogante é incapaz de prestar atenção. Você está dialogando e ele não ouve o que você fala, está pensando outra coisa. A ética nos obriga a perceber essa multiplicidade de pontos de vista. O arrogante acha que só tem um ponto de vista que vale: o dele. O arrogante é incapaz de uma das coisas importantes e que será a razão central da ética: a visão de alteridade. É a capacidade de ver o outro como outro, e não como estranho. A fratura ética se origina, em grande parte, da arrogância e da ganância. A ganância junto com a arrogância são mecanismos de apodrecimento ético. BARUCH SPUNOZA (OEVRES) diz há muitos séculos atrás que há pois fora de nós muitas coisas que nos são úteis, e que, por essa razão, é preciso almejar. Entre elas, o pensamento não pode inventar melhores do que aquelas que respondem inteiramente a nossa natureza. Assim, por exemplo, se dois indivíduos inteiramente da mesma natureza se juntam um ao outro, eles compõem um indivíduo duas vezes Ética como arte e garantia de convivência 91 Filósofo dinamarquês (1831-1885). 2 92 Deusilene Silva de Leão Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo mais poderoso do que cada um deles separadamente. Pois nada há de mais útil ao homem do que o homem; digo, pois que os homens não podem desejar nada que valha mais para a conservação do seu ser do que se unirem todos, em todas as coisas, de forma que as Almas e os Corpos de todos componham, de alguma maneira, o seu ser, e do que busca todos juntos a utilidade comum a todos; segue-se, então, que os homens que são governados pela Razão, ou seja, aqueles que buscam o que lhes é útil sob a conduta da Razão, não almejam nada para eles mesmos que eles não desejam também para os outros homens, e são dessa forma justos, de boa-fé e honestos. Convivência, conviver, termo que significa viver junto. Podemos viver juntos de diversas maneiras, os primeiros agrupamentos que se formaram ainda na idade das cavernas, tinham como objetivo a segurança que a caverna proporcionava a somatória de forças individuais para a caça e para sobrevivência. Portanto a escolha não foi viver junto, foi uma contingência. De lá para cá estamos aprimorando nossa forma de conviver, várias experiências foram feitas no decorrer da história, mas todas tinham como foco algum interesse financeiro ou de poder. Nos últimos anos temos percebido que o nosso planeta com seis bilhões de habitantes, continua a crescer e que a diversidade e a pluralidade são imensas, o que nos leva a pensar que conviver em grupo é quase o único caminho. Mas de que forma conviver se as diferenças vão de idiomas, credos, raças, pensamentos, políticas, etc. Atualmente a globalização aproximou os mundos através da Internet, dos mercados comuns, da unificação de algumas moedas, isto quer dizer que algo que afeta alguns pode afetar muitos. A história nos mostra através de seus feitos que o homem foi conquistando território, dentro e fora do planeta, mares, genes, em toda parte temos indício da passagem e do estudo do homem. Kierkegaard2 (1849) diz que o indivíduo verdadeiramente ético, consequentemente, experimenta tranquilidade e segurança, porque seu dever não está fora, mas nele. Quando mais profundamente um homem baseia sua vida na ética, menos sentirá necessidade de falar constantemente do dever, de se inquietar por saber se cumpriu ou não seu dever, enfim, de consultar a cada instante os outros para saber qual é o seu dever. Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo O que será que a humanidade ganhou neste tempo? Como estão às relações entre os pares, os familiares, os amantes, as empresas. Como se dão os encontros? A grande arte da vida está no poder do encontro. Existe uma transformação a partir do encontro. Ninguém muda ninguém, ninguém transforma ninguém. Nós nos transformamos através do encontro. A vida é carregada de encontros, mas no seu contexto acontecem muitos desencontros. O mais importante é transformar estes desencontros em grandes encontros na vida. Moreno o criador do Psicodrama nos ensina que o encontro requer despir-se de si e vestir-se no outro, em total confiabilidade de entrega de poder ir e vir sem perder-se. Mas essa confiabilidade está alicerçada em uma ética, que garanta que as intenções do outro sejam virtuosas, como nos ensina Aristóteles. Virtudes estas que habitam nossa alma e nos guiam para o bem absoluto, a felicidade, que torna a vida desejável e sem carências. Para Aristóteles, o caráter, a índole, é formada por um conjunto de virtudes que são aprendidas e exercitadas durante a vida, que se indica o caminho do meio, sem exceções e sem faltas. Para esse grande pensador o exercício da ética insere-se na convivência com o mundo que nos cerca, sendo uma disponibilidade individual. Ele não se atém à regras e normas criadas pela sociedade para o convívio, como Kant, que acreditava que o exercício de respeitar as normas era o que tornava o homem com caráter. Para Kant a ética não se traduzia pela regra, mas sim pelo ato do sujeito de respeitá-la por que ela existe. Vários são os olhares sobre a ética, cada cultura imprime na sua verdade, os valores e os princípios que lhe são caros. Na cultura védica encontramos ética como DHARMA (sânscrito), princípio de ordem universal que sustenta todas as coisas. Nas várias escolas orientais vamos perceber que a ética está relacionada com posturas e ações frente a diversas situações cotidianas da vida, que são pautadas por alguns conjuntos de disciplinas, atitudes que norteiam para uma vida ética. No Judaísmo e no Cristianismo a ética se traduz pelos mandamentos de cada religião. Importante perceber que nas várias culturas a Ética está vinculada a uma postura de vida que se relaciona com um compromisso interno, atualmente na nossa cultura necessitamos de várias regras, mandamentos para lembrar-nos de tomar atitudes éticas. Para os Budistas da Ásia Central a ética traduz-se por atitudes que geram méritos e aqueles que geram deméritos. Ética como arte e garantia de convivência 93 94 Deusilene Silva de Leão Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo Podemos perceber que a ética nas várias roupagens que tem, sustenta princípios que levam a atitudes que não ferem o outro em nenhum aspecto. Esta não é a realidade no decorrer da nossa história sangrenta, manipulativa, violenta. Chegamos nos dias atuais, em pleno século XXI, sem saber como nos comportar em grupo, necessitando de toda a espécie de regras e leis para garantir a convivência suportável, embora a consigna social seja criar formas de burlar as leis sem ser descoberto. A grande violência crescente que atinge a todos nas pequenas e grandes cidades, mostra que os valores considerados universais, como respeito à vida, a natureza, ser solidário, ter a noção de interdependência são desconsideradas. Quando citamos a violência não estamos falando somente de criminalidade, mas sim de todos os pequenos atos violentos do cotidiano, do desrespeito ao pedestre, ao motorista, da fala preconceituosa em relação a alguém, da bronca dada ao funcionário, da submissão imposta aos outros, da falta de interesse pelas dificuldades de outrem. São tantas as violências cotidianas que já nos acostumamos com ela e até nos parece normal vermos cenas de violência espalhadas na mídia. A valorização da cultura do ter em detrimento do ser. A virtude era um suplemento de honra, criado pela disciplina da vontade dos que aspiravam à glória ou a imortalidade. Por que se imaginavam livres e capazes de exercer influência sobre si e sobre os outros, os indivíduos tentavam ser “excelentes” no que faziam ou na maneira como viviam. O herói fosse ele corajoso santo ou sábio, era o modelo do “homem virtuoso”. Era alguém que se alçava acima das circunstâncias e da estreita necessidade para criar algo novo em matéria de exemplo moral. Na ideologia do bem-estar, o que conta não é a virtude, é o sucesso. A distância ética entre os dois são enormes. O sucesso é diferente da virtude. Seu parâmetro é a visibilidade. Donde a simbiose com a publicidade ou o “espaço publicitário”. O sucesso vive da publicidade e ambos dependem do mercado de objetos. O sucesso só é sucesso se é notícia, se é um artigo, um produto vendável. Na mídia, pessoas, coisas ou eventos recebem o mesmo tratamento. O espaço publicitário considera irrelevantes as tradicionais divisões entre fatos e valores, público e privado. O virtuoso e o vicioso; o banal e o extravagante; o sublime e o monstruoso; o simulacro e a realidade; o caricato e o Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo autêntico, tudo é nivelado, no noticiário, pela medida do sucesso de vendas. Não se pede mais ao indivíduo que tenha “excelência”, pede-se que ele “apareça”, que “se mantenha em cartaz”. Não se pede mais que pense em qual é a melhor escolha moral para ele e para o outro, pede-se que calcule qual a melhor tática para ser “bem-sucedido”. A dignidade do sujeito moral perdeu sua função de fundamento da ética. Só é notícia se, no momento e na circunstância revelar-se um produto vendável. O sucesso tornou-se um meio “naturalizado” ou “socializado” de construção de identidade pessoal. Os ídolos da publicidade não precisam ser “excelentes” no que são ou fazem. O emblema do sucesso é a permanência em cartaz e os objetos que exibem. A angústia do anonimato causa inveja do sucesso e avidez pela publicidade, porque o sucesso é praticamente o único modelo de individualização deixado aos indivíduos. Modelo que reafirma a importância da posse de objetos de consumo como espelho identificatório. Eu sou aquilo que possuo, e quanto mais possuo, em qualidade, mais sou bem-sucedido. A precariedade desse modelo de identificação salta à vista. No momento em que depende dos objetivos de consumo para construir o sentimento de identidade, abandonado a crença na autonomia e na independência do sujeito moral diante de suas circunstâncias. Antes éramos felizes ou infelizes, bons ou maus; agora somos obsoletos, imprestáveis, inutilizáveis, economicamente inviáveis ou, pelo contrário, algo que tem valor de venda, potencial de lucro, liquidez, etc. Essa desconfiança de que alguma coisa saiu errada, tem nos assolado por causa da violência crescente, ou seja, o medo de não conseguirmos nos preservar enquanto espécie, nos alerta que temos que mudar o rumo. Qual nossa preocupação em estimular a reflexão da importância de uma postura ética, que contemplem atitudes dignas. Convencemo-nos que se não conseguirmos mudar a forma com que as pessoas se relacionam entre si e com o planeta, não teremos muito com que nos preocupar em pouco tempo. Mas como se fazer essa mudança? Quais os elementos necessários para que nós convivamos neste planeta de uma forma menos destrutiva? Para que dentro de nossas organizações possamos inicializar uma cultura ética de forma a enxergar o outro. Se prestarmos atenção nos novos movimentos que nasceram na nossa sociedade, talvez tenhamos algumas pistas. Ética como arte e garantia de convivência 95 A preocupação e o engajamento crescente do mundo organizacional, da sociedade civil e do setor privado no incentivo de novas formas de atenção a diminuição da exclusão social, revela que um novo pensamento toma forma em nossa cultura, privilegiando a cooperação em detrimento da competição. Certo que esta motivação cooperativa não pertence a todos os setores, mas aos poucos vai criando força e conscientizando o indivíduo que a responsabilidade como os outros e com o planeta é global. Outro instrumento necessário foi a criação e divulgação do Manifesto 2000 pela não violência, para tentar garantir através do compromisso individual uma possibilidade de mudança na postura da vida, que refletisse no coletivo. Se prestarmos atenção o Manifesto recoloca seis pontos básicos para todo o ser humano: • Respeitar a vida • Rejeitar a violência • Ser generoso • Ouvir para compreender • Preservar o planeta • Redescobrir a solidariedade Devemos tratar os outros como gostaríamos que os outros nos tratassem. Assumimos o compromisso de respeitar a vida e a dignidade, a individualidade e a diversidade, para que cada pessoa, sem exceção, seja tratada humanamente. Devemos ter paciência e uma visão positiva da vida, devemos saber perdoar, aprendendo com o passado, sem jamais nos tornarmos escravos de lembranças odiosas. Abrindo nossos corações aos outros, devemos eliminar nossas pequenas diferenças em prol da causa da comunidade mundial, pondo em prática uma cultura de solidariedade e de relacionamento harmônico. Manifesto 2000 pela não-violência assinado por mais de 125 líderes e representantes do Parlamento das Religiões do mundo, Chicago, 1993. 3 96 Deusilene Silva de Leão Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo Estas novas estratégias que estão sendo criadas só se tornaram possíveis, pois o homem chegou ao seu limite de falta de humanidade e agora tem que fazer um árduo caminho de retomada do aspecto divino que existe em cada um de nós. A baixo apresento parte do manifesto:3 Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo Consideramos a humanidade como nossa família. Devemos nos esforçar para sermos bons e generosos. Não devemos viver somente em função de nós mesmos, mas também para servir a outros, nunca nos esquecendo das crianças, dos idosos, dos pobres, dos que sofrem, dos incapazes, dos refugiados e dos que vivem na solidão. Ninguém deveria jamais ser considerado ou tratado como cidadão de segunda categoria, ou explorado da maneira que for. Deveria existir uma parceria de iguais entre homens e mulheres. Não devemos cometer nenhum tipo de imoralidade sexual. Devemos deixar para trás qualquer forma de dominação ou absurdo. Nós assumimos um compromisso com uma cultura de não- violência, respeito, justiça e paz. Não praticaremos a opressão, a ofensa, a tortura, ou mataremos outros seres humanos, abandonando a violência como meio de resolver nossas diferenças. Devemos nos empenhar por uma ordem social e econômica justa, na qual todos tenham a oportunidade igual para atingir o seu potencial máximo como seres humanos. Devemos falar e agir com veracidade e compaixão, tratando a todos com equidade, evitando preconceito e ódios. Não devemos roubar. Devemos nos colocar acima da cobiça pelo poder, por prestigio, por dinheiro, e pelo consumo, a fim de criarmos um mundo justo e pacífico. A terra não poderá ser mudada para melhor sem que se mude antes a consciência dos indivíduos. Comprometemo-nos a expandir nossa consciência disciplinando nossas mentes por meio de meditação, da oração, ou pelo pensamento positivo. Sem riscos e sem uma disposição ao sacrifício não haverá mudanças fundamentais em nossa situação. Comprometemo-nos, portanto, com essa ética global, a compreensão do outro, com os modos de vida socialmente benéficos, geradores de paz, e que estejam em harmonia com a natureza. Convidamos todas as pessoas, religiosas ou não, a fazer o mesmo. Assinado por mais de 125 líderes e representantes de 17 diferentes tradições religiosas, durante o encerramento do Parlamento das Religiões do Mundo, em agosto de 1993, em Chicago. CREMA (2009) sustenta, que necessitamos de uma alfabetização psíquica para a tarefa de aprender a viver consigo, com o outro, com os outros, com o Universo e com o Mistério da Vida, pois não há encontro onde às almas dos participantes estejam ausentes. Nesta tarefa urge faÉtica como arte e garantia de convivência 97 98 Deusilene Silva de Leão Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo cilitar o desenvolvimento de nossa ecologia interior. Necessitamos denunciar a mais terrível patologia, uma anomalia da mediocridade, conformada de atitudes habituais e patogênicas, suportadas num alienado consenso social. O normótico é a pessoa adaptada a um contexto dominantemente mórbido e corrupto que com seu conformismo e inércia, realimenta o sistema enfermo, mantendo o status quo. É a pessoa que não escuta, egocentrada, que só pensa em si. É a pessoa que não se dá conta que tudo está ligado com tudo; Formulo aqui a minha hipótese: a estratégia lúcida de nosso momento histórico que consiste no investimento maciço no potencial da alma, da inteligência e da consciência humana, encontrando-se em jogo a sobrevivência das novas gerações. Necessitamos de um verdadeiro mutirão em prol de uma educação da alma, que nos possa desvelar uma ética natural e essencial, derivada da consciência desperta de onde emana a vivência amorosa e solidária. BOFF (2003) diz que deve-se fazer um pacto ético, fundado, no pathos; na sensibilidade humanitária e na inteligência emocional expressas pelo cuidado, pela responsabilidade social e ecológica, pela solidariedade generacional e pela compaixão, atitudes essas capazes de comover as pessoas e de movê-las para uma nova prática histórico-social libertadora. Urge uma revolução ética mundial. Por ethos entendemos o conjunto das inspirações, dos valores e dos princípios que orientarão as relações humanas para com a natureza, para com a sociedade, para com as alteridades, para consigo mesmo e para com o sentido transcendente da existência. Esse ethos não nasce límpido da vontade, como Atenas nasceu toda armada da cabeça de Júpiter. Mas toda ética nasce de uma nova ótica. E toda nova ótica irrompe a partir de um mergulho profundo na experiência do Ser. Nossa proposta é a busca por uma ética que se traduza em uma arte da convivência. Que queiramos aprender, primeiro a reconhecer o encontro e depois a partir desse encontro desenvolver essa arte de conviver. Viver juntos. Essa é uma oportunidade para todos os grupos, por isso que a empresa se encaixa nesta busca por uma arte da convivência. Referências bibliográficas BOFF, Leonardo. Ética e Eco-espiritualidade. Campinas, SP: Verus Editora, 2003 BOFF, Leonardo. Ethos Mundial, um consenso mínimo entre os humanos. Rio de Janeiro: Sextante, 2003 CORTELLA, Mário Sérgio. Qual é a tua obra? Inquietações propositivas sobre gestão, liderança e ética CREMA, Roberto. Pedagogia iniciática uma escola de liderança. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo KIERKEGAARD, Soren. O Desespero Humano, 1849. SPINOZA, Baruch. Tratado Teológico-Político, 1670. Manifesto 2000 pela não-violência assinado por mais de 125 líderes e representantes do Parlamento das Religiões do mundo, Chicago, 1993. Ética como arte e garantia de convivência 99 ÉTICA E DIREITOS HUMANOS NO MODELO DE EXCELÊNCIA DA GESTÃO (MEG) DA FUNDAÇÃO NACIONAL DA QUALIDADE (FNQ) Jairo Martins da Silva1 Qualquer organização, independentemente do seu porte, setor e natureza, com ou sem fins lucrativos, é responsável por algum processo de transformação de recursos em valor para a sociedade. Recursos são os insumos e podem ser: Humanos, Naturais, Financeiros e Éticos. Os valores gerados podem ser Econômicos, Ambientais, Sociais e Éticos. A existência de uma organização só se justifica se ela puder cumprir esta missão.1 Por outro lado, as organizações atuam num determinado ambiente que está em constante mutação, sujeito às complexidades, imprevisibilidades e volatilidades do cenário mundial. A eficiência e a eficácia da organização, nesse processo de transformação, está relacionada à sua capacidade de perseguir os seus propósitos e à qualidade da sua interação com os ecossistemas com os quais interage e dos quais depende. Por meio de uma gestão sistêmica, que possa orquestrar todos os processos internos de uma organização, é possível gerar mais valores com menos recursos, o que pode caracterizar o sucesso do seu desempenho. Criada em 1991, por um grupo de representantes dos setores público e privado, a Fundação Nacional da Qualidade (FNQ) tem a missão de apoiar as organizações para o desenvolvimento e evolução da sua gestão, por meio da disseminação dos fundamentos e critérios da excelência, para que se tornem sustentáveis, cooperativas e gerem valor para a sociedade. Para tanto, dissemina o Modelo de Excelência da Gestão (MEG) como instrumento essencial, ou ferramenta, voltada para a melhoria da produtividade das organizações e, consequentemente, da competitividade do Brasil. Paralelamente, a FNQ promove o Prêmio Nacional da Superintendente-Geral da Fundação Nacional da Qualidade - FNQ. 1 101 Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo Qualidade (PNQ) – o mais importante reconhecimento à qualidade das práticas de gestão e do desempenho das organizações no País. O Modelo de Excelência da Gestão (MEG), concebido pela FNQ, está alicerçado nos Fundamentos de Excelência, que representam padrões culturais internalizados nas organizações de classe mundial e reconhecidos internacionalmente por meio dos seus processos gerenciais e consequentes resultados. São eles: Pensamento Sistêmico, Atuação em Rede, Aprendizado Organizacional, Inovação, Agilidade, Liderança Transformadora, Olhar para o Futuro, Conhecimento sobre os Clientes e Mercado, Responsabilidade Social, Valorização das Pessoas e da Cultura, Decisões Fundamentadas, Orientação por Processos e Geração de Valor. No Modelo de Excelência da Gestão (MEG), os 13 Fundamentos da Excelência são expressados em características tangíveis, mensuráveis, quantitativa ou qualitativamente, por meio de ações gerenciais propostas na forma de questões e de solicitações de resultados. Assim, o MEG está estruturado em 8 Critérios de Excelência, que se observados e praticados garantem à organização uma melhor compreensão do seu sistema gerencial, além de proporcionar uma visão sistêmica da gestão e dos cenários local e global onde se relaciona: Liderança, Estratégias e Planos, Clientes, Sociedade, Informações e Conhecimento, Pessoas, Processos e Resultados. 102 Jairo Martins Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo Embora as ideias básicas da Ética e Direitos Humanos tenham sido cunhadas por filósofos como Aristóteles e Platão, elas voltaram a ser tratadas com tamanha força no final do século passado, quando a sociedade tornou-se mais complexa, com relações globalizadas e permeadas, cada vez mais, pela tecnologia e pela integração econômica. Hoje se discute a ética em todas as formas de organizações humanas, desde uma simples cooperativa até grandes organismos que congregam nações. As empresas, com suas teias de relacionamentos internos e externos, se incluem nesse rol em que a ética se tornou uma pauta prioritária. Até meados do século passado, toda a discussão em relação à atividade empresarial girava em torno da eficiência operacional e da efetividade para se alcançar resultados financeiros. A postura ética era meramente uma decorrência de valores dos indivíduos de uma organização, na sua cúpula ou na sua base. Considerando que Ética e Pessoas andam em parelha, hoje estes temas passam a ocupar o lugar de um objetivo essencial das corporações. Isto ficou muito mais evidente com a evolução do conceito de sustentabilidade – imperativo da era pós-industrial –, quando o mundo tomou consciência de que estava entrando no Tempo dos Limites, caracterizado pelo crescimento exponencial da população mundial e pela finitude dos recursos naturais. A viabilidade de cada atividade humana precisava ser olhada considerando a herança que deixará para as futuras gerações. Como consequência do processo de globalização, as organizações e os países passaram a ser submetidas a uma forte competição para garantir a sua sobrevivência na arena econômica internacional. Sem dúvida, este novo cenário desencadeou uma crise cultural nas organizações públicas e privadas, que passaram, de forma silenciosa a adotar práticas ilícitas, tanto nas suas relações externas quanto internas, para melhorar o seu desempenho. Nas últimas décadas do século passado, ganhou relevância a descoberta de fraudes e práticas de corrupção e trabalho em condições precárias em grandes companhias. No âmbito dos governos, sucessivos casos de desvio de conduta, envolvendo autoridades, parlamentares e órgãos públicos, desde as administrações municipais até o alto escalão federal, foram descobertos. A onda de escândalos, que abala a imagem e a reputação das instituições privadas e públicas, causa justa indignação da sociedade. Ética e direitos humanos no Modelo de Excelência da Gestão (MEG) da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ) 103 Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo Diante deste cenário, que, além de emperrar o desenvolvimento, abala a confiança internacional no País, a FNQ conduziu extenuante e minucioso trabalho, por meio dos seus Núcleos Técnicos e Temáticos, de revisão dos Critérios de Excelência. No período de três anos, analisou e processou conhecimentos e experiências das organizações dos diversos setores, organizações e países, acervo das instituições normativas nacionais e internacionais e academia, e publicou em agosto de 2013 a 20ª edição dos Critérios de Excelência. Vale ressaltar que, em seus 22 anos de existência, a FNQ publica a 20ª edição dos Critérios de Excelência, demonstrando o seu compromisso com a Excelência da Gestão no nosso Brasil. Embora nas edições anteriores os requisitos de Ética e dos Direitos das Pessoas já estivessem presentes no conjunto de Critérios de Excelência da FNQ, a partir da 20ª edição eles tomaram uma abrangência mais significativa. Simbólica e estrategicamente não foi criado capítulo específico sobre Ética e Direitos Humanos. O objetivo foi o de reforçar a ideia de que estes temas devem permear a organização de forma sistêmica e de maneira intrínseca. De acordo com o Modelo de Excelência da Gestão (MEG) da Fundação Nacional da Qualidade (FNQ), a abordagem sistêmica da Ética e dos Direitos das Pessoas, deve ser capitaneada pela Liderança, que ouvindo a Sociedade e os seus Clientes, estabelece Estratégias e Planos a serem alcançados por Processos bem definidos, conduzidos por Pessoas capacitadas, orientadas por um sistema de Informação e Conhecimento transparente, para que gerem Resultados concretos e, consequentemente, Valor para a Sociedade. 104 Jairo Martins FERRAMENTAS ELETROBRAS ELETRONORTE: “GAME” - CENÁRIOS DA ÉTICA As empresas do Sistema Eletrobras definiram, em conjunto, Código de Ética único, aprovado em 2010 que foi distribuído para todos os colaboradores e também se encontra disponível para consulta na intranet e na internet (http://www.eletronorte.gov.br/opencms/ opencms/publicacoes/). O processo de elaboração contou com ampla participação dos trabalhadores e trabalhadoras. O Código de Ética contempla os princípios que orientam as ações e os compromissos de conduta institucionais, presentes nas interações das empresas do Sistema Eletrobras com colaboradores e colaboradoras, fornecedores e demais partes interessadas. A Eletronorte desenvolveu o Game Cenários da Ética para fortalecimento dos princípios éticos e regras de conduta vigentes na Eletronorte. O game foi disponibilizado na Modalidade de Educação A Distância; como um treinamento virtual; constituindo-se de um jogo educativo e lúdico, composto por quatro níveis de desafios, que apresentam situações que exigirão uma avaliação prática do entendimento e aplicação do Código de Ética e Conduta da Eletronorte. Com isso, objetivou-se estimular o interesse da força de trabalho para refletir e se posicionar a respeito das questões éticas e de conduta que podem impactar no desempenho pessoal, profissional e empresarial. O programa utiliza recursos visuais que representam a fauna, a flora e os personagens folclóricos dos habitantes das regiões amazônicas, o que torna mais dinâmica suas atividades. Como a Eletronorte atua mais diretamente na região amazônica, esses temas são familiares, constituindo uma verdadeira aventura pelos valores da empresa. 105 TEMPLATE PARA A DESCRIÇÃO DAS PRÁTICAS DE ÉTICA NAS EMPRESAS DO COMITÊ Apresentação 2 Evolução histórica 3 Papel 4 Modelo 106 TEMA Empresa X DESCRIÇÃO Empresa do Sistema Eletrobras, a Eletronorte é uma sociedade anônima de economia mista, concessionária de serviço público de energia elétrica, atuando basicamente nos negócios de geração e de transmissão de energia elétrica. Com presença marcante no norte do país, atua no fornecimento de energia para compradores que se localizam em todas as regiões brasileiras, por meio do Sistema Interligado Nacional - SIN. Para a execução de suas atividades, possui um quadro de 3.800 empregados A ética na A Comissão de Ética da Eletronorte foi criada empresa X em 2006 por meio de Resolução de Diretoria. Em 2007, adaptou sua estrutura para atender ao decreto 6.027/2007. Em 2008, foi aprovado o Código de Ética e Conduta da Eletronorte, cuja elaboração contou com ampla participação dos empregados. A Comissão de Ética se reúne semanalmente, por uma hora, objetivando consolidar os conceitos relativos ao assunto, bem como atuar preventivamente e, caso necessário, de forma corretiva O papel da A Ética faz parte do planejamento estratégiprática da ética co da Empresa, uma vez que em seu credo, na empresa X está descrito como um de seus valores: Ética e transparência nas decisões, nos comportamentos e no trato dos negócios e dos relacionamentos externos e internos. O modelo da A Eletronorte adotou o modelo previsto pela prática da ética Comissão de Ética Pública, conforme estabeadotado na lecido no Decreto. 6029/2007, Art. 5º: empresa X Cada Comissão de Ética de que trata o Decreto 1171, de 1994, será integrada por três membros titulares e três suplentes, escolhidos entre servidores e empregados do seu quadro permanente, e designados pelo dirigente máximo da respectiva entidade ou órgão, para mandatos não coincidentes de três anos. Ferramentas Eletrobras Eletronorte: “Game” - Cenários da ÉTICA Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo 1 Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo 5 Ambiente 6 Processos 7 Práticas Encontra-se em fase de análise, para aprovação da Diretoria, o Regimento Interno da Comissão de Ética da Eletronorte. Tal documento explicitará o modelo da prática da ética adotado. O ambiente Conforme previsto no Decreto 6029/07, Art. 6º: e os É dever do titular de entidade ou órgão da patrocinadores Administração Pública Federal, direta e indireta: para a prática I - assegurar as condições de trabalho para da ética na que as Comissões de Ética cumpram suas funempresa X ções, inclusive para que do exercício das atribuições de seus integrantes não lhes resulte qualquer prejuízo ou dano; II - ”conduzir em seu âmbito a avaliação da gestão da ética conforme processo coordenado pela Comissão de Ética Pública. A Direção da Eletronorte libera seus assessores nomeados para comporem a comissão de ética em todas as situações solicitadas. Processos Não existe um modelo estruturado da prática base para a da ética na Empresa. Estamos em negociação prática da ética com a área de educação empresarial para que adotados na todos os cursos realizados nas dependências empresa X da Eletronorte sejam precedidos de uma pequena palestra sobre o tema, de modo a trazer a questão para o âmbito interno, inclusive quanto a sua abrangência, pertinência e atualidade. Para a apuração das denúncias ou das possíveis distorções éticas, seguimos os passos previstos no fluxograma elaborado pela Comissão de Ética Pública, no que diz respeito ao rito processual. Práticas de A área de aquisição e compras elaborou um ética adotadas código de conduta para a aquisição de bens e na empresa X serviços, tendo como base o Código de Ética e Conduta da Eletronorte. O referido código de compras foi encaminhado para a Comissão de Ética que o analisou, sugeriu alterações e deu o “de acordo” para que fosse encaminhado à aprovação da Diretoria Executiva. A Comissão optou por se reunir semanalmente, o que tem facilitado a comunicação e o desenvolvimento de seus membros. Não só os 3 membros efetivos da comissão participam das reuniões, mas também os 3 suplentes. Ferramentas Eletrobras Eletronorte: “Game” - Cenários da ÉTICA 107 Produtos 9 Métricas 10 Sucesso 11 Benefícios 12 Desafios 108 Produtos e materiais oriundos das práticas de ética na empresa X • Código de Ética e Conduta da Eletronorte, elaborado com a participação dos colaboradores e consolidado pela Comissão de Ética. • Código de Conduta para a aquisição de bens e serviços. • Game Cenários da Ética (curso tutorial à distância), elaborado com base no Código de Ética e Conduta e disponibilizado a todos os colaboradores no site da Universidade Corporativa. • Palestra sobre Assédio Moral e Sexual a todos os supervisores de estágio da Empresa. Métricas e Número de conformidades com o questionário gestão de da Avaliação da Gestão da Ética Pública, insinformações trumento de apoio e acompanhamento da implantação da gestão da ética nas entidades e órgãos do Poder Executivo Federal, encaminhado anualmente pela Comissão de Ética Pública. Com relação às denúncias, podem ser encaminhadas pelo sistema da Ouvidoria, ou diretamente à Comissão. Ainda não está estruturado um sistema de comunicação para que os colaboradores tenham acesso aos encaminhamentos dados. Fatores críticos Comprometimento da alta direção; compropara o sucesso metimento dos membros da Comissão, consedas práticas quências aos atos praticados, estímulo à prátide ética na ca de ética, educação continuada. empresa X Principais Pessoas discutindo e mais preocupadas com benefícios o tema. gerados pela Áreas mais vigilantes a tentativas de suborprática da ética no, preocupadas em resguardar os colaborana empresa X dores. Diretoria preocupada com as consequências de suas decisões Maiores Disponibilidade de tempo dos membros da desafios Comissão – reuniões semanais de apenas 1 encontrados hora. para a adoção Legitimidade dos membros da Comissão pedas práticas rante a alta administração – escolha de memda ética na bros diretamente vinculados aos diretores. empresa X Ferramentas Eletrobras Eletronorte: “Game” - Cenários da ÉTICA Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo 8 Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo 13 Disseminação Como se dá a disseminação das práticas da ética na empresa X Desinteresse pelo tema pelos colaboradores – lançamento do código em solenidade de aniversário da Empresa, elaboração de game interessante e motivador – em aprimoramento para que seja feita uma maratona entre os colaboradores, com premiação aos melhores colocados. Empresa com unidades de operação em muitos locais distantes da sede – em fase de discussão a ideia de se eleger representantes locais. Ainda em fase de elaboração. Atualmente só por intermédio de palestras realizadas na Empresa. Ferramentas Eletrobras Eletronorte: “Game” - Cenários da ÉTICA 109 FERRAMENTAS BANCO DO BRASIL Mediação Novo Método de Tratamento das Denúncias de Ouvidoria Interna Banco do Brasil S/A Diretoria Gestão de Pessoas - DIPES Setembro – 2014 Aldemir Bendine Presidente Robson Rocha Vice-Presidente Gestão de Pessoas e Desenvolvimento Sustentável Carlos Alberto Araújo Netto Diretor Gestão de Pessoas Gilmar Ferreira Gerente Executivo de Relacionamento com Funcionários Amauri Machado Ouvidor Interno 111 Sumário Introdução................................................................................................. 113 2.O desenvolvimento da Mediação..................................................... 120 2.1 Problema.......................................................................................... 120 2.2 Desafio.............................................................................................. 121 2.3 Solução.............................................................................................. 121 2.4 Metodologia..................................................................................... 122 2.5 Resultados........................................................................................ 124 7.1 Perguntas objetivas da Pesquisa de Satisfação e seus resultados......................................................................................... 124 Conclusão.................................................................................................. 125 112 Ferramentas Banco do Brasil Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo 1.Mediação na Ouvidoria Interna do Banco do Brasil..................... 114 1.1 Cenário............................................................................................. 114 1.2 Missão do Banco do Brasil............................................................. 115 1.3 Visão de Futuro............................................................................... 115 1.4 Ouvidorias BB................................................................................. 115 1.4.1 Ouvidoria Externa................................................................. 115 1.4.2 Ouvidoria Interna.................................................................. 116 1.5 Divulgação da Ouvidoria Interna................................................ 117 1.6 Contatos com a Ouvidoria Interna............................................... 118 1.7 Desempenho da Função e Vinculação Hierárquica da Ouvidoria Interna........................................................................... 118 1.8 Geração de Valores da Ouvidoria Interna................................... 119 Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo Introdução A Ouvidoria Interna do Banco do Brasil é o canal de comunicação direta de cerca de 160.000 colaboradores com a empresa (funcionários da ativa – no país e no exterior – estagiários, aprendizes e trabalhadores de empresas contratadas) por meio do qual o Banco do Brasil busca solucionar as demandas através do diálogo e da mediação, humanizar as relações, valorizar a ética no trabalho e contribuir para o aprimoramento das políticas, processos, programas e práticas de Gestão de Pessoas e Responsabilidade Socioambiental. Acolhe reclamações, elogios, sugestões e denúncias. Considerase denúncia acusação contra ato ou pessoa que, deliberadamente ou não, descumpre ou não observa as normas regulamentares que deveria seguir, causando prejuízo/dano aos funcionários, ao clima organizacional da dependência e/ou ao patrimônio do Banco. Em 2014, foi lançado um novo método de tratamento das denúncias, a Mediação, que consiste em um encontro entre as partes envolvidas, fundamentado em Práticas Restaurativas, e conduzido por um facilitador que busca restaurar a relação. Tais Práticas têm se destacado na resolução de conflitos em diversos países. No Brasil vem sendo empregado com sucesso na Justiça (Justiça para o século XXI) e agora, de forma inédita em uma empresa brasileira, no Banco do Brasil. A Mediação tem o objetivo de atender às expectativas dos funcionários, de contribuir para eficiência operacional, prevenir, mitigar riscos e solucionar conflitos, além de democratizar as relações. Com o novo método, os envolvidos têm a oportunidade de relatar a sua história e ouvir o ponto de vista do outro. Cada um pode ouvir como o outro percebe o problema em questão e, como uma ação às vezes inadvertida, pode ofender o colega. O mediador orienta os envolvidos a evitar acusações e pede que os mesmos construam frases de acordo com os preceitos da comunicação não violenta. Não há apuração prévia dos fatos, nem julgamento. Ambos são estimulados a assumirem sua parcela de responsabilidade pelo ocorrido e pela solução do impasse. Neste contexto, o papel do mediador é fundamental. Ele conduz o diálogo por meio de perguntas. Sua atuação proporciona a oportunidade de reestabelecer o relacionamento rompido. Assim, determinadas palavras que as partes não aceitam ouFerramentas Banco do Brasil 113 1. Mediação na Ouvidoria Interna do Banco do Brasil 1.1Cenário O Banco do Brasil é uma companhia aberta constituída sob forma de sociedade de economia mista, regida pelo direito privado. Por pertencer ao segmento do Novo Mercado da BM&F Bovespa, observa também as melhores práticas de Governança Corporativa. Tem por objeto a prestação de serviços bancários, de intermediação e suprimento financeiro sob suas múltiplas formas, inclusive nas operações de câmbio e nas atividades complementares, destacando-se seguros, 114 Ferramentas Banco do Brasil Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo vir do oponente são bem recebidas quando ditas por uma pessoa que transmite imparcialidade, benevolência e senso de justiça. Na Mediação não há vingança, represália, desforra. Não se imputa pena ou castigo a ninguém. Nos conflitos relacionais, a Mediação vai auxiliar o demandado e demandante a reconhecer o erro, pedir desculpas autênticas e se comprometer, com sinceridade, que não se repetirão as ações que geraram o conflito, além de construir um plano de ação que norteará esta relação dali em diante. Todo esforço dedicado na Mediação é dirigido para que as partes tenham um futuro melhor. O foco, portanto, não é mais naquilo que magoou. Afinal, não é bom para ninguém que essas situações já vividas sejam retomadas. O foco da Mediação é construir conjuntamente o acordo entre as partes, o que possibilita, a partir daquele momento, reconstruir uma relação pautada no respeito e na tolerância. Para o sucesso da reunião de Mediação, demandante e demandado precisam se sentir partícipes, e perceberem que suas visões e sentimentos foram valorizados e reconhecidos, e somados às visões e sentimentos do outro, identificar pontos em comum em direção à construção da solução. Em caso de acordo, os envolvidos assumem o compromisso explícito de executar o plano de ação, conscientes de que ambos são responsáveis para restaurar as relações rompidas, para humanização de seu ambiente de trabalho e para a construção de um novo tempo em sua unidade de trabalho. A Pesquisa de Satisfação com demandante, demandado e mediador revelou que a condução dada à demanda de Ouvidoria Interna por meio da Mediação superou a expectativa para resolução do conflito. Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo previdência privada, capitalização, administração de cartões de crédito/débito, consórcios, fundos de investimentos e carteiras administradas, entre outras atividades facultadas às instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional. Como instrumento de execução da política creditícia e financeira do Governo Federal, compete ao Banco exercer as funções atribuídas em Lei, especificamente as previstas no artigo 19 da Lei nº 4.595/1964. Foi o primeiro banco a operar no País e, hoje, é a maior instituição financeira do Brasil. Em seus mais de 205 anos de existência, acumulou experiências e pioneirismos, participando vivamente da história e da cultura brasileira. Sua marca é uma das mais conhecidas e valiosas do País, acumulando ao longo de sua história atributos de confiança, segurança, modernidade e credibilidade. Com sólida função social e com competência para lidar com os negócios financeiros, o Banco do Brasil demonstrou que é possível ser uma empresa lucrativa sem perder o núcleo de valores - o que sempre o diferenciou da concorrência. 1.2 Missão do Banco do Brasil “Ser um banco competitivo e rentável, promover o desenvolvimento sustentável do Brasil e cumprir sua função pública com eficiência”. 1.3 Visão de Futuro Sermos o primeiro banco dos brasileiros, das empresas e do setor público, referência no exterior, o melhor banco para trabalhar, reconhecido pelo desempenho, relacionamentos duradouros e responsabilidade socioambiental. 1.4 Ouvidorias BB O Banco do Brasil tem em sua estrutura duas ouvidorias: Externa e Interna. 1.4.1 Ouvidoria Externa A Ouvidoria Externa é uma Unidade e está subordinada à Diretoria de Controles Internos - Dicoi e vinculada à Vice Presidência de Controles Internos e Gestão de Riscos - VICRI. A Ouvidoria Externa tem por finalidade receber, registrar, analisar, instruir e dar tratamento formal, imparcial e adequado às demandas: Ferramentas Banco do Brasil 115 1.4.2 Ouvidoria Interna Foi criada, em 2003, atuando no esclarecimento de dúvidas de funcionários sobre programas e processos de Gestão de Pessoas. A partir de 16/02/2005, por uma decisão do Conselho Diretor da empresa, passou a acolher elogios, reclamações e denúncias relacionados aos assuntos de Gestão de Pessoas e RSA. De 2010 até os dias atuais, instituiu-se, entre outras melhorias, metodologia sistematizada para condução das denúncias e reclamações, permitindo maior segurança e assertividade nos processos; definição de prazos para tratamento e acompanhamento da resolutividade dos casos; aperfeiçoamentos na forma de acolher, tratar e analisar as demandas, e as recomendações às áreas Gestoras, aprovadas pelo Conselho Diretor, para melhoria dos principais processos demandados pelos funcionários. A Ouvidoria Interna é responsável pela gestão do processo, pelo cadastramento e conformidade de todas as demandas e pela condução dos processos que envolvam determinados níveis gerenciais. Em 2012, os processos que não envolvam este público foram descentralizados e passaram a ser conduzidos pelas Gerências Regionais de Gestão de Pessoas em todos os Estados brasileiros. No primeiro semestre de 2014, a Ouvidoria Interna acolheu 1175 demandas, sendo 382 denúncias comportamentais em desfavor de colaboradores, 753 reclamações de processos de gestão de pessoas, 40 elogios e sugestões. A evolução dos números de demandas está representada no gráfico abaixo. 116 Ferramentas Banco do Brasil Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo 1. dos clientes e usuários de produtos e serviços que desejam revisão da solução dada pelos canais habituais de atendimento; 2. intermediadas pelos Órgãos de Defesa do Consumidor, Banco Central do Brasil (Bacen), Comissão de Valores Mobiliários e outros. A Ouvidoria Externa atua em nome de todas as dependências do Banco do Brasil, unidades do Banco Postal e demais correspondentes no país, empresas controladas, coligadas, administradas e as que firmaram convênio para componente único de ouvidoria. Há ampla divulgação no site bb.com.br, impressão do telefone de contato em calendários, agendas e cartazes. Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo Em 2014, o Banco do Brasil recebeu o Prêmio das Empresas Mais Éticas do Mundo, segundo o Ethisphere Institute e o Prêmio de Ouvidorias Brasil 2014, de acordo com a Associação Brasileira das Relações Empresa-Cliente, Associação Brasileira de Ouvidores e a Revista Consumidor Moderno. A Ouvidoria Interna é parte fundamental na Gestão da Ética na organização. Ela acolhe demandas que versam, inclusive, sobre desvios éticos e comportamento reprovável. Tais demandas passam por apuração consistente e podem ter desdobramentos como Ação Disciplinar e envio ao Comitê de Ética. Para os casos de desentendimento entre funcionários, a condução é por Estudo de Caso de Ouvidoria com a apuração dos fatos por meio de contatos telefônicos com os funcionários lotados na unidade de trabalho do conflito e definição da procedência e improcedência ou por Mediação, em busca de um acordo. A Mediação concretizou as alianças estratégicas com a Rede de Gerências Regionais de Pessoas promovendo a formação de equipes de trabalho para garantir melhorias constantes no processo de relacionamento da instituição com seus colaboradores. 146 funcionários foram devidamente capacitados por um programa de treinamento que incluiu duas etapas: auto instrucional e presencial com simulação de diversos casos de Mediação. 1.5 Divulgação da Ouvidoria Interna A divulgação é planejada por meio de um plano de comunicação anual aprovada pela Diretoria de Marketing do Banco do Brasil. Ferramentas Banco do Brasil 117 No site www.bb.com.br, há esclarecimentos sobre a forma de atuação das duas Ouvidorias. Foi criado um portal exclusivo para Ouvidoria Interna com orientações, seus objetivos, premissas e possibilidade de registro de demandas, inclusive de forma anônima, na intranet com acesso aos colaboradores lotado no país e no exterior. Em todos os treinamentos presenciais há a exibição de vídeos institucionais da Ouvidoria Interna. Há a publicação de matérias na agência de notícias interna e na revista eletrônica interna (BB.com. você), além do envio de e-mail marketing. A Ouvidoria disponibiliza cartazes publicitários para que sejam afixados em todas as unidades de trabalhos, inclusive no exterior. Cabe destacar a Ouvidoria Itinerante, evento em que o Ouvidor Interno e seus assessores visitam os Estados da Federação disseminando o papel da Ouvidoria, seus valores e sua forma de atuação. Em 2014, seis cidades já foram visitadas (Palmas, Belo Horizonte, Teresina, Fortaleza, Maceió e Rio de Janeiro) e há previsão de visitas a treze capitais no segundo semestre. A Mediação foi o grande destaque de todos os encontros. 1.7Desempenho da Função e Vinculação Hierárquica da Ouvidoria Interna Está vinculada à Diretoria Gestão de Pessoas e à Vice Presidência de Gestão de Pessoas e Desenvolvimento Sustentável. O Ouvidor Interno desempenha suas funções de forma exclusiva à Ouvidoria. 118 Ferramentas Banco do Brasil Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo 1.6 Contatos com a Ouvidoria Interna Dispomos de multicanais exclusivos sem compartilhamento com o SAC. Os colaboradores podem entrar em contato com a Ouvidoria Interna de forma anônima ou identificada, preservado o sigilo e a confidencialidade na condução de sua demanda de diversas formas, sendo elas: intranet, e-mail, telefone, sistema corporativo (Sisbb), carta e presencial. Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo 1.8 Geração de Valores da2 Ouvidoria Interna A Ouvidoria Interna do Banco do Brasil preza pela ética e transparência, valorização das pessoas, respeito à diversidade e a equidade de gêneros, do trabalho, da inovação, compromisso com o desenvolvimento sustentável das comunidades e do País e responsabilidade socioambiental. Preza, também, pelo respeito à dignidade humana, excelência e especialização no relacionamento com os colaboradores, compromisso com os acionistas e a sociedade, incentivo às práticas de cidadania, diálogo e mediação. Os valores da Ouvidoria BB e as normas de conduta fortalecem o código de ética do Banco do Brasil e estão publicados para todos os funcionários nos principais meios de comunicação interna do Banco. Esses valores são divulgados pelo próprio Código de Ética da instituição e por meio das Equipes de Comunicação e Normas, via instruções normativas, intranet, comunicado a administradores e agência de notícias. Essas ações contribuem para reforçar o processo de integração da equipe de colaboradores da Ouvidoria BB e é benchmarking para outras ouvidorias que a visitam (Petrobrás, ANAC, TJDF, STJ, INPI). Com relação à responsabilidade social, a Ouvidoria Interna do Banco do Brasil tem o papel de assegurar o atendimento aos usuários, por meio de canais ágeis e eficazes, intermediando os conflitos entre os colaboradores com isenção, independência, imparcialidade e ética, propondo melhorias nos processos, produtos e serviços de Gestão de Pessoas e Responsabilidade Socioambiental. Ferramentas Banco do Brasil 119 2. O desenvolvimento da Mediação 2.1Problema A Ouvidoria Interna conduz tradicionalmente as denúncias recebidas por meio do Estudo de caso de Ouvidoria apurando fatos e definindo procedência e improcedência das demandas. O procedimento envolve diversas testemunhas e não pode oferece informações detalhadas ao demandante em virtude do compromisso de sigilo e confidencialidade assumido com os entrevistados. 120 Ferramentas Banco do Brasil Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo A Ouvidoria Interna possui dois indicadores no planejamento estratégico da Diretoria Gestão de Pessoas que são acompanhados periodicamente pela administração da empresa e que estão relacionados ao cumprimento do prazo de encerramento dos processos. Estão diretamente ligados à satisfação dos funcionários, além de fazer parte da estratégia corporativa do Banco do Brasil. Possui, também, indicadores que impactam os resultados de toda a empresa. A Diretoria Gestão de Pessoas estabeleceu em 2013, também, critérios para impedimento de participantes demandados na Ouvidoria Interna nos processos seletivos, reconhecimentos e premiações quando o Estudo de Caso de Ouvidoria for procedente. Nos casos de reincidência, o processo também é encaminhado ao Comitê de Ética. A Mediação veio para contribuir com a construção de uma empresa ainda mais ética e responsável com a humanização das relações. As ações advindas da sua implantação pela Ouvidoria Interna contribuíram para melhorar o processo de tomada de decisões, buscando proteger todas as partes envolvidas e, ao mesmo tempo, estimular a responsabilização dos envolvidos. A atuação da Ouvidoria Interna foi alavancada ao estabelecer uma relação de confiança e perenidade com os colaboradores do Banco do Brasil. A implantação da Mediação possibilitou reforçar valores da organização além de contribuir com o processo de integração da equipe de colaboradores. Além disto, contemplou melhorias nos processos de trabalho e de qualidade dos serviços, minimizando seu custo operacional e risco trabalhista. A condução de um processo por meio do Estudo de Caso de Ouvidoria leva, em média, 50h de trabalho para sua conclusão. Na Mediação, a estimativa é de 17 horas. Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo A análise das demandas recebidas mostrou que muitas delas relatavam situações pontuais que podem ser resolvidas na própria dependência. Diversas queixas deixam claro que o demandante quer que o demandado peça desculpas ou mude o seu comportamento, mas não se sente confortável em dizer isso a ele. Nesses casos, não se colocava a possibilidade de um encontro. E, especialmente, parecia que o demandante não refletia sobre a sua parcela de responsabilidade no conflito, e não considerava a sua importância na solução do conflito. A pesquisa de satisfação de 2013, realizada pela Ouvidoria Interna após o encerramento dos processos, revelou, também, que mais da metade dos demandantes (51,4%) estavam insatisfeitos com a resolução de seus conflitos e desejavam que Ouvidoria Interna tivesse uma atuação mais célere e transparente. 74,7% esperavam como solução a revisão da conduta do demandado. Os números demonstraram que o foco deveria ser nas relações, não no processo em si. 2.2 Desafio O grande desafio era tratar as denúncias com transparência, imparcialidade, em busca de reparar danos e, ao mesmo tempo, não ferir o compromisso de sigilo e confidencialidade e sem nos transformar uma instância punitiva. Os demandantes transferiam para Ouvidoria Interna seus conflitos e esperavam a punição do demandado pelo seu sofrimento. Precisávamos, então, que o demandante fosse mais atuante, comprometido e que ele dissesse diretamente ao demandado e, de forma não violenta, como o seu dano poderia ser reparado. Outro grande desafio era a celeridade. O Estudo de Caso de Ouvidoria leva, em média, trinta dias úteis para conclusão. Havia a necessidade de uma atuação o mais breve possível e sem o envolvimento de terceiros. O estímulo era evitar um desentendimento ainda mais grave, na dependência, em virtude de expectativa da resolução do conflito. 2.3Solução A Ouvidoria Interna desenvolveu, dessa forma, proposta de nova metodologia para tratamento das denúncias, com objetivo de atender às expectativas dos funcionários, de contribuir para eficiência operacional, prevenir, mitigar riscos e solucionar conflitos, além de democratizar as relações de trabalho: a Mediação. Ferramentas Banco do Brasil 121 2.4Metodologia O método é composto pelas etapas de Adesão, Encontro Restaurativo e Acompanhamento; todos tratados sob condições de sigilo e confidencialidade. Construção da Adesão: conversa separadamente com o demandante e demandado para explicar como funciona a Mediação, apresentar o Mediador, explicar resumidamente a metodologia, esclarecer os prin- 122 Ferramentas Banco do Brasil Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo Corresponde a um procedimento no qual as partes participam juntas e ativamente na resolução do conflito, com ajuda de um mediador, terceira pessoa independente e imparcial, cuja função é propor o diálogo visando à reparação de danos e restauração das relações interpessoais. As partes têm a oportunidade de tomar conhecimento de que seu comportamento ou forma de atuação na dependência têm sido percebidos como inadequados ou estão trazendo desconforto ou sofrimento para algum colega. Trata-se de uma oportunidade para resgatar a comunicação não-violenta e para compreender pontos de vistas diferentes. A Mediação é tratada em até 20 dias úteis, ou seja, 10 dias úteis a menos que o processo tradicional. Há, também, a orientação às Gerências Regionais de Gestão de Pessoas que o encontro restaurativo ocorra com a maior brevidade para evitar qualquer desentendimento em virtude da expectativa da reunião. Outros ganhos são em relação à eficiência operacional já que as horas de trabalho necessárias para a conclusão do processo foram reduzidas. O tempo estimado para o tratamento de forma tradicional é de 50 horas. A condução das denúncias por meio da Mediação leva, em média, 17 horas de trabalho. Como contribuição para mitigação de riscos trabalhistas, o acordo firmado entre as partes fica registrado em sistema informatizado e sua efetividade é acompanhada após 30 dias. Não há a interferência de terceiros nas propostas. Como as partes constroem a solução para o conflito, elas se sentem satisfeitas com o acordo e estão motivadas a cumprir o que foi acordado. As partes participam ativamente do processo em busca da reparação de danos, tornando o processo mais transparente e imparcial. No início da reunião, o mediador, demandante e demandado assinam o termo de sigilo e confidencialidade, no qual se comprometem a não compartilhar os assuntos tratados durante o encontro. Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo cípios e regras da Mediação, colher a percepção dos envolvidos sobre o acontecido, verificar disponibilidade e interesse em agendar reunião; Encontro Restaurativo: Reunião presencial na qual o mediador utiliza as Perguntas Restaurativas* para que as partes falem sobre o ocorrido e se construam alternativas para o futuro, que serão concretizadas no plano de ação. Acompanhamento: o mediador centra em contato com demandante e demandado, em 30 dias após o encontro, para avaliar a efetividade do acordo. O não cumprimento do plano de ação poderá ensejar apuração dos fatos pela Ouvidoria Interna. *As Perguntas Restaurativas são utilizadas internacionalmente em diversos contextos. Foram adaptadas pela Ouvidoria Interna e são reconhecidas como fundamentais para o sucesso das Mediações. O mediador faz obrigatoriamente as seis Perguntas Restaurativas, que devem ser feitas nesta sequência, iniciando-se sempre pelo demandante. Depois de respondida pelo demandante, a mesma pergunta é feita ao demandado, passando-se à próxima pergunta. É importante equilibrar o tempo de fala das partes. Sendo elas: 1. O que aconteceu do seu ponto de vista? 2. O que você pensa e sente sobre o ocorrido? 3. Como você acha que pode ter contribuído para que a situação ficasse dessa forma? (O que você fez ou deixou de fazer) 4. Além de vocês, quem mais você acha que foi afetado ou prejudicado com esse conflito? 5. O que você acha que precisa acontecer para as coisas voltarem a ficar bem? 6. Como você pode contribuir para que as coisas voltem a ficar bem? Após cada resposta, o Mediador deverá parafrasear os pontos principais. As respostas devem ser materializadas em ações. Na paráfrase, o Mediador escuta o que foi falado, identifica pontos comuns e convergentes, seleciona os pontos principais (palavras e termos), resume o que foi dito de forma não violenta, confirmando com o respondente se foi essa sua intenção. O foco é o futuro. Numa relação desgastada as partes têm muita dificuldade para ouvir o que o outro fala. Quando o mediador parafraseia, oferece a oportunidade ao outro de ouvir os relatos através de alguém imparcial, que está fora daquela relação. A paráfrase também Ferramentas Banco do Brasil 123 2.5Resultados De novembro de 2013 até julho de 2014, foram realizados 30 encontros restaurativos de Mediação. Em 27 deles houve acordo. A Ouvidoria Interna do Banco do Brasil realizou pesquisa de satisfação com todos os demandantes, demandados e mediadores que participaram dos encontros de Mediação. A pesquisa foi composta por quatro perguntas objetivas e espaço livre para registro dos pensamentos e sentimentos sobre o processo. Os números e os depoimentos revelaram que a condução dada à demanda de Ouvidoria Interna por meio da Mediação superou a expectativa para resolução do conflito. Há, também, um vídeo com depoimentos dos mediadores que participaram dos encontros como evidência. Segue os principais depoimentos de demandantes e demandados à Ouvidoria Interna: “Tive a oportunidade de refazer um diálogo mal feito.” (Funcionário demandado, lotado em São Luís MA, 43 anos). “A melhor mudança aconteceu comigo.” (Funcionário demandante, lotado em Belo Horizonte MG, 45 anos). “Senti-me prestigiada, respeitada. O Banco ajudou a intermediar e reduzir o estresse por causa deste evento. Gostaria de agradecer e parabenizar por tudo o que foi feito, o modo que foi conduzido, as palavras que foram usadas.” (Funcionária demandante, lotada em Belém PA, 37 anos). “Torço para que este modelo se torne uma referência no BB e em outras Instituições”. (Funcionária demandada, lotada em Recife, 41 anos). 7.1 Perguntas objetivas da Pesquisa de Satisfação e seus resultados 1. A condução dada à demanda de Ouvidoria Interna atendeu sua expectativa para resolução do conflito? Resposta dos demandantes e demandados: 124 Ferramentas Banco do Brasil Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo torna mais objetivo e suaviza o que foi dito, uma vez que a fala deixa de estar carregada de emoções. Permite que as partes se vejam fora do problema, e se percebam como corresponsáveis pela situação em que se encontram. Caso as respostas às Perguntas Restaurativas sejam subjetivas, genéricas ou muito adjetivadas o Mediador deverá reiterá-la, pedindo que o respondente seja mais específico, cite episódios, descreva fatos ou situações vivenciados. Fórum nacional de gestão da ética nas empresas estatais: ética e direitos humanos no ambiente corporativo • 83,32% dos funcionários que participaram do encontro de Mediação disseram sim. • 41% dos funcionários que tiveram suas demandas tratadas por Estudo de Caso Ouvidoria (processo tradicional – dados de 2013) disseram sim. 2. Como você avalia a qualidade do atendimento? (Cordialidade, interesse e respeito) Resposta dos demandantes e demandados: • 91,66% dos funcionários que participaram do encontro de Mediação responderam ótimo ou bom. • 69% dos funcionários que tiveram suas demandas tratadas por Estudo de Caso Ouvidoria (processo tradicional – dados de 2013) responderam ótimo ou bom. 3. Você se sentiu prejudicado por ter demandado a Ouvidoria Interna? Resposta dos demandantes e demandados: • 83,33% dos funcionários que participaram do encontro de Mediação responderam não. Não fizemos esta pergunta nas pesquisas anteriores para os funcionários que tiveram suas demandas tratadas por Estudo de Caso Ouvidoria. 4. Você recomendaria a Ouvidoria Interna aos seus colegas de trabalho? Resposta dos demandantes e demandados: • 100% dos funcionários que participaram do encontro de Mediação responderam sim. • 63% dos funcionários que tiveram suas demandas tratadas por Estudo de Caso Ouvidoria (processo tradicional – dados de 2013) responderam sim. Conclusão A mediação, somada às outras formas de tratamento já existentes, vem reforçar o papel da Ouvidoria Interna como canal de comunicação que constrói soluções por meio do diálogo. Os sentimentos são valorizados e reconhecidos. Trata-se de um passo importante para construção de uma empresa ainda melhor para se trabalhar. O novo método foi testado e aprovado em diversos encontros por todo o país. Ferramentas Banco do Brasil 125 Fim Banco do Brasil S/A Diretoria Gestão de Pessoas – DIPES Setembro – 2014 126 Ferramentas Banco do Brasil Deusilene Silva de Leão e Cristiano Santos Araujo A Ouvidoria Interna quer ser reconhecida pelos funcionários do Banco do Brasil como canal que soluciona conflitos por meio do diálogo, afinal, não é instância punitiva. Sua matéria prima é composta pela ética e relação interpessoal. A Mediação é o instrumento mais adequado e eficiente para a compreensão dos danos causados e proposições de alternativas pelos envolvidos de como estes podem ser reparados. A implantação da Mediação proporcionou mais eficiência, agilidade, desburocratização e integração entre a Ouvidoria Interna e as 27 Gerências Regionais de Gestão de Pessoas. As reuniões são presenciais. Em todos os Estados brasileiros existem pessoas devidamente capacitadas para atuar como Mediadores sob a coordenação e conformidade da Ouvidoria Interna, em Brasília. O Banco do Brasil orgulha-se de ser a primeira empresa brasileira a utilizar a Mediação por meio das práticas restaurativas como solução de conflitos. A Mediação é um método simples, prático, focado no diálogo e de viabilidade de implementação a baixo custo, o que permite a disseminação da experiência para outros órgãos e unidades. Vale ressaltar a minimização de impactos negativos como não necessidade de apuração dos fatos, não envolvimento de terceiros, reconstrução de um relacionamento rompido, o aumento da satisfação dos funcionários e atuação direta e positiva no clima organizacional. Av. C-233, Qd. 568 Lt. 28 - Nova Suíça Goiânia - Goiás - Brasil - CEP: 74.290-040 Fone/Fax: (62) 3253-1307 www.graficaeeditoraamerica.com.br