INTRODUÇÃO – Noções Gerais
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INTRODUÇÃO – Noções Gerais
ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO Direção Desembargador Federal Luiz Carlos de Castro Lugon Conselho Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz Desembargador Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira Coordenador Científico do Módulo de Direito Tributário Juiz Federal Leandro Paulsen Assessoria Isabel Cristina Lima Selau __________________________________________ CADERNO DE DIREITO TRIBUTÁRIO - 2006 Organização e Revisão – Divisão de Ensino Maria Luiza Bernardi Fiori Schilling Revisão – Divisão de Publicações Arlete Hartmann Leonardo Schneider Maria Aparecida Corrêa de Barros Berthold Maria de Fátima de Goes Lanziotti Capa e Editoração – Divisão de Editoração e Artes Alberto Pietro Bigatti Artur Felipe Temes Marcos André Rossi Victorazzi Rodrigo Meine Apoio Seção de Reprografia e Encadernação Contatos: E-mail: [email protected] Assessoria: (51) 3213-3040 Divisão de Ensino: (51) 3213-3041 Divisão de Publicações: (51) 3213-3043 Divisão de Editoração e Artes: (51) 3213-3046 www.trf4.gov.br/emagis 2 Apresentação O Currículo Permanente criado pela Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região - EMAGIS - é um curso realizado em encontros mensais, voltado ao aperfeiçoamento dos juízes federais e juízes federais substitutos da 4ª Região, que atende ao disposto na Emenda Constitucional nº 45/2004. Tem por objetivo, entre outros, propiciar aos magistrados, além de uma atualização nas matérias enfocadas, melhor instrumentalidade para condução e solução das questões referentes aos casos concretos de sua jurisdição. O Caderno do Currículo Permanente é fruto de um trabalho conjunto desta Escola e dos ministrantes do curso, a fim de subsidiar as aulas e atender às necessidades dos participantes. O material conta com o registro de notáveis contribuições, tais como artigos, jurisprudência selecionada e estudos de ilustres doutrinadores brasileiros e estrangeiros compilados pela EMAGIS e destina-se aos magistrados da 4ª Região, bem como a pesquisadores e público interessado em geral. 3 COMO CITAR ESTA OBRA: SANTIAGO, Igor Mauler. Multas pelo descumprimento de obrigações principais e acessórias: autonomia, cumulação e excesso. Porto Alegre: TRF – 4ª Região, 2006 (Currículo Permanente. Caderno de Direito Tributário: módulo 1) 4 ÍNDICE “MULTAS PELO DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PRINCIPAIS E ACESSÓRIAS: AUTONOMIA, CUMULAÇÃO E EXCESSO” Ministrante: Igor Mauler Santiago Ficha Técnica................................................................................................................................... 02 Apresentação................................................................................................................................... 03 Texto: “Multas pelo descumprimento de obrigações principais e acessórias: autonomia, cumulação e excesso” Autor: Eduardo Maneira 1. Noções Gerais............................................................................................................................ 07 2. Definição de multa...................................................................................................................... 09 3. Multa x Prestações Pecuniárias Contratuais.............................................................................. 09 4. Multa x Indenização.................................................................................................................... 10 5. Multa x Tributo............................................................................................................................ 10 6. Conversão da Obrigação Acessória em Obrigação Principal.................................................... 10 7. Crédito tributário — Dívida de tributo e dívida correspondente a penalidades pecuniárias....... 12 8. Limites para o estabelecimento de sanções nos casos de infração pelo descumprimento da prestação tributária — Limites para a hipótese de violação dos deveres instrumentais e formais....................................................................................................................................... 14 9. Limites Quantitativos.................................................................................................................. 15 10. Multa por falta ou insuficiência do recolhimento do tributo — Sua natureza e regime jurídico específico.................................................................................................................................. 21 11. Multa Moratória e Punitiva.......................................................................................................... 21 12. Natureza e fundamentos dos “juros de mora” em matéria tributária.......................................... 27 13. Conteúdo administrativo, civil ou penal das penalidades impostas pelo descumprimento de deveres instrumentais ou formais............................................................................................. 28 14. Denúncia espontânea — Seus efeitos. Interpretação do artigo 138 do Código Tributário Nacional (Lei n.° 5.172, de 25 .10.66)...................................................................................... 28 BIBLIOGRAFIA................................................................................................................................ 34 Parecer – Dr. Marco Aurélio Greco – Multa Agravada e em Duplicidade (In RDDT 76, jan/2002, São Paulo, p. 148-161).................................................................................................................... 36 As Multas Fiscais e o Poder Judiciário Heron Arzua e Dirceu Galdino (In RDDT 20, mai/1997, São Paulo, p.34-40)......................................................................................................................... 44 Anotações, Doutrina e Jurisprudência encontradas na obra do Professor e Juiz Federal Leandro Paulsen: Direito Tributário: Constituiçao e Código Tributário à luz da Doutrina e da Jurusprudência................................................................................................................................. 55 Precedentes afastando a multa por descumprimento de obrigação acessória em casos de Denúncia Espontânea...................................................................................................................... 75 Precedentes mantendo a multa por descumprimento de Obrigação Acessória em casos de Denúncia Espontânea...................................................................................................................... 111 5 6 MULTAS PELO DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PRINCIPAIS E ACESSÓRIAS O presente estudo tomou por paradigma a obra do Professor Sacha Calmon Navarro Coelho “Teoria e Prática das Multas Tributárias”, sem prejuízo das demais fontes doutrinárias e jurisprudenciais aludidas no seu transcorrer. 1. Noções Gerais Caracterizada a infração, deve haver a sanção em qualquer ramo do Direito, seja o Penal, o Civil, o Administrativo ou o Tributário. A hipótese de incidência das normas sancionantes é precisamente o ilícito. Com a realização da infração in concreto incide o mandamento da norma sancionante. As sanções tributárias mais difundidas são as multas, sanções pecuniárias. Sancionam tanto a infração tributária substancial ou principal, como a formal ou acessória. As multas que punem a quem descumpriu obrigação principal são chamadas de “moratórias” ou “de revalidação”; e as que sancionam aos que desobedeceram a obrigação acessória respondem pelo apelido de “formais” ou “isoladas”. Estas são as denominações mais comuns no Brasil, embora possam existir outras ao gosto do legislador. Ambas possuem a característica de ser um evento danoso imposto a quem não cumpre o preceito e, à semelhança da sanção penal, comportam duplo efeito: o intimidativo/preventivo (psicológico), que visa a evitar a violação do direito, e o repressivo, que se verifica após o desrespeito à norma fiscal. A hipótese de incidência da norma sancionante que pune o descumprimento de obrigação principal é não ter o contribuinte – destinatário da multa – pago o tributo, tê-lo feito a destempo ou insuficientemente, isto é, ter recolhido a menor. As três situações se equivalem 1 . Já a hipótese de incidência da norma sancionante por 1 “... o legislador do Código chama de obrigação principal ao vínculo abstrato que une o sujeito ativo ao sujeito passivo, tendo como objeto uma prestação pecuniária. É a relação jurídica, de cunho patrimonial, estabelecida no conseqüente da regra-matriz de incidência. As demais relações, destituídas desse caráter, são designadas por 7 descumprimento de obrigação acessória é ter o contribuinte feito o que era proibido fazer ou ter deixado de fazer o que lhe era obrigatório fazer 2 . No primeiro caso, há que se constatar a mora ou a insuficiência do pagamento. No segundo, é mister verificar a não-realização do ato obrigatório ou a realização de ato vedado, em contraste com a lei, conforme a máxima nullum tributo obrigações acessórias...” (Carvalho, Paulo de Barros, in Curso de Direito Tributário, 8ª edição, Ed. Saraiva, 1996, p. 184) “A obrigação principal, criação de expediente técnico-jurídico, congrega em um só objeto, em uma só relação jurídica, mediante a operação de soma ou união de relações, os objetos das relações jurídicas patrimoniais: relação jurídica tributária, relação jurídica da multa pelo não-pagamento, relação jurídica de mora e relação jurídica de sancionador instrumental, prática esta que, se, de um lado, facilita a integração e cobrança do débito fiscal, de outro, dificulta o discernimento das várias categorias e regimes jurídicos díspares que compõem a denominada obrigação tributária principal.” (Santi, Eurico Marcos Diniz de, in Lançamento Tributário, Ed. Max Limonad, 1996, p. 118/119) 2 “Obrigação acessória é obrigação de fazer em sentido amplo (fazer, não-fazer, tolerar), no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.” (Paulsen, Leandro. In Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional à luz da doutrina e da jurisprudência. 8a edição revista e atualizada, Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2006, p. 972) “Ao lado da obrigação de dar, o Código Tributário Nacional coloca as acessórias, que têm por objeto prestações positivas ou negativas, previstas em lei, no interesse da fiscalização. (...) A acessória dá um suporte grande ao direito tributário na medida em que fiscaliza e controla esses recursos. A melhor doutrina não considera tais obrigações como acessórias da obrigação de dar; prefere ver nelas deveres de natureza administrativa, isso porque a relação obrigacional é passageira, dissolvendo-se sobretudo pelo pagamento, enquanto nos comportamentos impostos em caráter permanente, as pessoas designadas em lei o são sob um vínculo de durabilidade ou permanência não suscetível de exaurir-se com o mero cumprimento. A conclusão é que nem todos os comportamentos que o Código Tributário Nacional considera como obrigações devem ser efetivamente tidos como tais. Há que se descriminar entre obrigações principais e os deveres.” (Bastos, Celso Ribeiro, in Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. 2, coord. Ives Gandra da Silva Martins, Ed. Saraiva, 1998, p. 146) “Ao lado da falta de patrimonialidade aponta-se a não-transitoriedade dessas obrigações acessórias como sinal de não serem obrigações propriamente ditas.” (Costa, Alcides Jorge, in Obrigação Tributária, em Curso de Direito Tributário, CEJUP/Centro de Extensão Universitária, 1993, vol. 1, p. 216) Paulo de Barros Carvalho entende que as chamadas obrigações acessórias são, na verdade, deveres que não têm natureza obrigacional, por faltar-lhes conteúdo dimensível em valores econômicos. Prefere, por isso, a expressão “deveres instrumentais ou formais”, forte em que não têm natureza obrigacional e em que nem sempre são acessórios, pois existem independentemente do surgimento efetivo da obrigação tributária dita principal. (Carvalho, Paulo de Barros, in Curso de Direito Tributário, 8ª edição, Ed. Saraiva, 1996, p. 199) Hugo de Brito Machado não aceita o entendimento dos que criticam a expressão “acessória”. “Essa crítica não é procedente. É fruto de uma visão privativista, inteiramente inadmissível em face do Código Tributário Nacional, em cujo contexto o adjetivo acessória, que qualifica essas obrigações, tem sentido inteiramente distinto daquele do Direito Privado. (...) em direito tributário, as obrigações acessórias não precisariam existir se não existissem as obrigações principais. São acessórias, pois, neste sentido.” (Machado, Hugo de Brito, in Curso de Direito Tributário, Malheiros, 1997, p.88/89) “A obrigação acessória é uma normatividade auxiliar que torna possível a realização da principal. É acessória no sentido de que desempenha um papel auxiliar. Não se quer dizer com essa denominação que a obrigação acessória esteja subordinada ou mesmo dependente da principal. A obrigação acessória visa à fiscalização de tributos, objetivando o pagamento destes (obrigação principal). Note-se que ela é fundamental para a efetivação do pagamento do tributo.” (Bastos, Celso Ribeiro, in Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. 2, coord. Ives Gandra da Silva Martins, Ed. Saraiva, 1998, p. 147/148) 8 nulla poena sine lege, isto é, não há tributo sem lei que o estabeleça. É o princípio da legalidade estrita, norteador daqueles ramos restritivos de direitos tais como o direito penal, restritivo de liberdade, e o direito tributário, por sua vez, restritivo da propriedade. A função básica da sanção tributária é a de tutelar o direito do Estado de receber tributos, obrigações principais, e de impor deveres secundários, obrigações acessórias, visando evitar o periculum in mora, sem a necessidade de recorrer à lei penal, à restrição da liberdade. 2. Definição de multa Multa é toda prestação 1. pecuniária; 2. compulsória; 3. instituída em lei ou contrato em favor de particular ou do Estado; 4. tendo por causa a prática de um ilícito (descumprimento de dever legal ou contratual). Aqui, nos interessa a multa ex lege ou legal, de que a fiscal é subespécie. 3. Multa x Prestações Pecuniárias Contratuais Contrapõe-se às prestações pecuniárias contratuais porque estas decorrem de acordos de vontade, nos quais, eventualmente, pode figurar o Estado. Enquanto o tributo, assim como a multa legal, é unilateralmente previsto em lei, a causa dessas obrigações é ajustada ex voluntate, bi ou multilateralmente, tendo por objeto inúmeras situações: mútuo, locação, compra e venda, arrendamento, etc. A multa legal decorre de fato ilícito unilateralmente previsto em lei, ao passo que as obrigações convencionais decorrem de fatos lícitos, negócios jurídicos, contratualmente acordados, decorrendo, portanto, da manifestação de vontade das partes. 9 4. Multa x Indenização Extrema-se da indenização na medida em que esta, embora prevista em lei genericamente, tem por fundamento prévia lesão, com ou sem culpa, ao patrimônio alheio, inclusive o estatal (Vide artigo As Multas Fiscais e o Poder Judiciário, de Heron Arzua e Dirceu Galdino). 5. Multa x Tributo Diferencia-se do tributo porque neste a prestação pecuniária em prol do Estado ou de pessoa por ele indicada, exercendo função paraestatal, tem por causa a realização de um fato lícito qualquer, tais como ter renda, ser proprietário, exportar, receber serviços públicos, ter imóvel valorizado por obra pública, ser empregador etc. O CTN em seu art. 3º diz expressamente que tributo é uma prestação pecuniária compulsória, instituída em lei, que não seja sanção de ato ilícito, cobrada administrativamente. Na medida em que ambos, tributo e multa, são prestações pecuniárias compulsórias, instituídas em lei em favor do Estado, que as cobra administrativamente, a única diferença entre um e outra está no fato jurígeno, que no caso do tributo é a situação da vida, lícita, eleita pelo legislador para fazer incidir o preceito jurídico que dá direito ao Estado de perceber a prestação. Já no caso da multa, o fato jurígeno consiste no cometimento de uma infração por desrespeito comissivo ou omissivo a um dispositivo legal a cuja inobservância corresponda determinada sanção. Deste modo, temos que o tributo tem por hipótese de incidência um fato lícito, já a multa, um fato ilícito. 6. Conversão da Obrigação Acessória em Obrigação Principal Por isso mesmo é contraditório a desafiar harmonização o artigo 113, § 3º, do mesmo CTN, assim vazado: “Art. 113. § 3º. A obrigação acessória, pelo simples fato de sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária”. 10 Em verdade, jurídica e logicamente, é impossível uma obrigação de fazer ou não-fazer, como é o caso de obrigação acessória, metamorfosear-se em obrigação de dar, que é o caso da obrigação tributária principal. Isto é tão notório que dispensa demonstração, mormente porque o fator jurídico de referida metamorfose é o “simples fato” do descumprimento da obrigação acessória, isto é, o “simples fato” de ter o obrigado cometido infração ao dever, ter cometido um ilícito. Contudo, certamente o autor deste dispositivo quis fixar alguns momentos da fenomenologia jurídica: 1. a existência de uma obrigação de fazer ou não-fazer; 2. o descumprimento dessa obrigação; 3. a imposição de uma penalidade ao infrator por não tê-la cumprido; 4. a exigência pelo Estado do quantum monetário da penalidade como se tributo fosse, uma vez que o pagamento da multa é uma prestação, um dever de dar semelhante à obrigação tributária principal. Depois de fixar estes momentos, o legislador procurou sintetizá-los na fórmula do art. 113, § 3º, e aí complicou-se por inteiro, pois, conquanto a frase “converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária” pretenda transmudar multa em tributo, este fenômeno é cientificamente impossível. São quatro as impropriedades cometidas pelo legislador neste dispositivo: Primeiramente, pretender que uma prestação de fazer, como é a obrigação acessória, possa se transformar em prestação de dar, tal como é a obrigação principal. Em segundo lugar, admitir que essa obrigação acessória, só porque descumprida, entre em processo de metamorfose. Em terceiro lugar, não perceber que o descumprimento de obrigação acessória é justamente a hipótese de incidência de outra norma, a sancionante, prevendo a penalidade a ser cominada ao infrator. Finalmente, incidindo em irremediável contradição, querer que a prestação pecuniária compulsória chamada penalidade ou multa tenha a mesma natureza do tributo somente porque ambos resultam em prestação de dar, quando o que importa, em verdade, é a causa jurídica de uma e de outro. 11 A conclusão a tirar implica dizer que o legislador expressou-se mal. Quis dizer uma coisa e acabou dizendo outra. Quis dizer, afinal, que as multas tributárias seriam cobradas como se tributo fossem, gozando dos mesmos privilégios do crédito tributário. Fê-lo de modo pragmático, mas com imperfeição técnica, já que o art. 3º do CTN, ao tracejar o conceito jurídico de tributo, afastou-o expressamente da sanção de ato ilícito 3 . 7. Crédito tributário — Dívida de tributo e dívida correspondente a penalidades pecuniárias O direito brasileiro houve por bem, na esteira da doutrina mais autorizada, distinguir o tributo da sanção. Considerou o tributo como dever pecuniário que tem como hipótese jurígena ato ou fato lícito previsto em lei. Considerou, a seu turno, a sanção, especialmente a multa, cujo conteúdo é pecuniário, como reprimenda imposta ao descumprimento de um dever jurídico. É o que se extrai do art. 3° do CTN, donde se conclui que o tributo é toda prestação pecuniária (obrigação) prevista em lei (ex lege; não contratual) que não constitua sanção de ato ilícito (multa). A 3 “Não há que se falar em conversão da obrigação acessória em principal, mas sim em sanção. Contudo, a intenção do texto é tão manifesta que acaba por relevar esse pecadilho de ordem lógica. É que resulta claro que o que o legislador quis deixar certo é que a multa tributária, embora não sendo, em razão da sua origem, equiparável ao tributo, há de merecer o mesmo regime jurídico previsto para sua cobrança. O direito tem estas liberdades, que não precisam ser objeto de escândalo.” (Bastos, Celso Ribeiro, in Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. 2, coord. Ives Gandra da Silva Martins, Ed. Saraiva, 1998, p. 148) “A impropriamente chamada conversão depende de previsão legal específica, estabelecendo pena pecuniária para o descumprimento da obrigação acessória. Ou seja, não há uma conversão automática em obrigação principal. O que ocorre, sim, é que o descumprimento da obrigação acessória normalmente é previsto em lei como causa para a aplicação de multa, esta considerada obrigação principal nos termos do § 1° deste artigo.” (Paulsen, Leandro. In Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional à luz da doutrina e da jurisprudência. 8a edição revista e atualizada, Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2006, p. 980) “Na verdade o inadimplemento de uma obrigação acessória não a converte em obrigação principal. Ele faz nascer para o fisco o direito de constituir um crédito tributário contra o inadimplente, cujo conteúdo é precisamente a penalidade pecuniária, vale dizer a multa correspondente.” (Machado, Hugo de Brito. In Curso de Direito Tributário, Malheiros, 1997, p. 88) “REFIS. INCLUSÃO DE MULTA DECORRENTE DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA NO PARCELAMENTO. POSSIBILIDADE. Não há óbice jurídico para a inclusão no REFIS, da multa decorrente de ausência de informação do IPI devido, na nota fiscal de saída da mercadoria, porque tratando-se de obrigação acessória, clara é a disposição do § 3° do art. 113 do CTN, de que a sua inobservância converte-a em obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária, o que significa dizer que a sanção imposta ao inadimplente é uma multa que, como tal, constitui uma obrigação principal, sendo exigida e cobrada através dos mesmos mecanismos aplicados ao tributo.” (TRF4, 1ª T., un., AgRegAI 2001.04.01.089739-6/RS, rel. Desa. Fed. Maria Lúcia Luz Leiria, mai/02) 12 partir desta radical distinção a expressão crédito tributário deve significar, apenas, o conteúdo pecuniário da prestação tributária. Pelo ângulo do devedor há débito tributário, ao que podemos afirmar que a realização pelo devedor do fato jurígeno previsto na lei (princípio da legalidade) como suficiente ao surgimento do dever de pagar o tributo faz nascer em favor do Estado o crédito tributário (que corresponde a débito tributário do devedor). É exatamente este critério que haverá de ser declarado, certificado, quantificado e formalizado pelo ato de lançamento (que se expressa formalmente em um auto de lançamento). Suponha-se, agora, que o sujeito passivo não cumpre o dever de pagar o tributo ou mesmo descumpre deveres puramente instrumentais, chamados de “obrigações acessórias” no direito brasileiro, com certa impropriedade. O que reserva a ordem jurídica a tais comportamentos contrários ao estabelecido nas leis? Evidentemente sanções 4 , que dependendo das circunstâncias, do tipo, poderão ser sanções exclusivamente fiscais ou sanções fiscais cumuladas com sanções penais. Das duas uma: o efeito do descumprimento dos deveres legais fica circunscrito ao direito tributário, às sanções aí previstas, ou daí desborda e ingressa, pela gravidade da lesão, no campo do direito penal. Fiquemos com a primeira hipótese. Na quase totalidade dos ordenamentos jurídicos, as sanções fiscais mais difundidas são as multas, que, sabemos, traduzem quantias pecuniárias a serem entregues ao Estado, pelo fato de se ter deixado de cumprir deveres tributários, principais ou secundários, previstos em lei. São aplicadas administrativamente através de atos materiais que se consubstanciam em autos de infração. A questão é que tanto o tributo quanto a multa fiscal possuem conteúdo patrimonial; são prestações pecuniárias compulsórias. As diferencia o fato jurígeno 4 “... o inciso V do art. 97 prevê duas modalidades de infração, ambas subordinadas à primazia da lei. O legislador, assim, deverá: 1) definir, na mesma lei, as infrações representadas por ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, fixando as penalidades; 2) definir infrações por violação a outras leis ou a atos normativos de grau hierárquico inferior referentes aos deveres jurídicos instrumentais (obrigações acessórias), fixando, também, as respectivas penalidades. Temos aqui as violações a atos normativos da Administração.” (Yonne Dolácio de Oliveira, em Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. 2, coord. Ives Gandra da Silva Martins, Ed. Saraiva, 1998, p.27/28) 13 de uma e outra. Ambas, por outro lado, são débitos para o devedor e créditos para o Estado. Devemos distinguir, portanto, o crédito tributário do crédito das multas fiscais; a receita tributária da receita das multas fiscais por razões científicas e práticas. O CTN, já vimos, incoerentemente, depois de extremar no art. 3º Tributo da Multa Fiscal (esta última, prestação pecuniária a título de sanção de ato ilícito), considera Crédito Tributário tanto o quantum dos tributos como o quantum das multas fiscais 5 . Fê-lo, no entanto, apenas para conferir ao crédito da multa ação de execução fiscal, procedimento expedito não cognitivo e de expropriação dos bens do devedor 6 . O artigo sob critica é o 113, § 1º, que diz: “A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.” 8. Limites para o estabelecimento de sanções nos casos de infração pelo descumprimento da prestação tributária – Limites para a hipótese de violação dos deveres instrumentais e formais O descumprimento dos deveres instrumentais, assim como o inadimplemento total ou parcial da prestação tributária ou, ainda, seu adimplemento a destempo, acarreta a imposição de sanções fiscais. Quando se fala de limites há que se considerar o qualitativo e o quantitativo. Sob o primeiro aspecto importa verificar quais os tipos de sanções possíveis e, sob o último, até que limite (quantum) pode ser o contribuinte ou o responsável sancionado pela lei fiscal. Quanto ao primeiro aspecto, o qualitativo, as sanções fiscais só podem ser mesmo pecuniárias (multas). Ocorre que aos povos civilizados repugna possa o Estado cassar direito (capitis diminutio), confiscar bens ou afetar a liberdade do contribuinte ou do responsável, pelo só fato de estes terem descumprido deveres 5 A redação deste parágrafo, neste ponto, sofre severas críticas de Paulo de Barros Carvalho, pois choca-se com a própria definição de tributo. “Basta acudir à mente com a definição de tributo, fixada no art. 3° desse Estatuto, em que uma das premissas é, precisamente, não constituir a prestação pecuniária sanção de ato ilícito.” (Carvalho, Paulo de Barros. In Curso de Direito Tributário, 8° edição, Ed. Saraiva, 1996, p. 201) 6 “A equiparação dá-se para fins de cobrança conjunta.” (Paulsen, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional à luz da doutrina e da jurisprudência. 8a edição revista e atualizada, Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2006, p. 972) 14 fiscais. As sanções fiscais, quer as que punem os deveres instrumentais, quer as que castigam o descumprimento do dever de pagar tributo, não devem ser privativas da liberdade – no Brasil, especificamente –, não podem ser privativas da liberdade, em face do ditame constitucional contido no artigo 5°, LXVII, da CF, verbis: “Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel”. Mais, as sanções fiscais por descumprimento do dever de pagar tributo não devem ser privativas de direitos. 9. Limites Quantitativos Quanto ao “limite quantitativo”, não podem as multas chegar ao confisco 7 . Todavia determinar o montante destas, em atenção a este postulado, é muito difícil. Afinal há que evitar o periculum in mora e dissuadir os infratores, afinal as multas funcionam em busca desse objetivo 8 . 7 Cf, artigo As Multas Fiscais e o Poder Judiciário, Heron Arzua e Dirceu Galdino, RDDT 20, mai/1997, São Paulo, p. 34-40. 8 “Decorre do simples atraso no recolhimento de tributo declarado, revelando natureza penal (e não ressarcitória), uma vez que o valor devido (normalmente) não guarda nenhuma proporção com o prejuízo real da Fazenda. Sempre revela caráter sancionatório porque não tem em mira a recomposição do patrimônio do credor pelo tempo transcorrido após o vencimento do prazo estipulado para o pagamento do débito. (...) Esta penalidade não poderia alcançar até 40% do valor do tributo (como previsto em determinadas legislações), deveriam até ser balizadas pela Lei Federal n° 9.298 de 1.8.96, que introduziu modificação no Código de Defesa do Consumidor, reduzindo de 10% para 2% o percentual máximo das multas moratórias face ao inadimplemento de obrigações”. (José Eduardo Soares de Melo, Sanções Tributárias Inconstitucionais, Repertório IOB de Jurisprudência/98, Verbete 1/12675) “... a multa não pode ser transformada em um instrumento de arrecadação; pelo contrário, deve-se graduar a multa em função da gravidade da infração, vale dizer, da gravidade do dano ou da ameaça que a infração representa para a arrecadação de tributos.” (AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, Ed. Saraiva, 2ª ed., 1998, p 414) “Exame de razoabilidade... Aplicação. O postulado da razoabilidade encontra aplicação no caso da fixação de multa de mora elevada. A multa de mora pode ser considerada irrazoável, se sua fixação não guardar relação de congruência com o critério que lhe serve de fundamento. [...] O montante da multa deve levar em conta a gravidade da falta cometida. [...] Exame da proporcionalidade... Aplicação... A multa de 60% é desproporcional, pois, apesar de adequada para atingir o fim (promover o pagamento pontual de tributos ou desmotivar a mora), é desnecessária, não pelo comportamento de instituir a multa, pois há poder para isso, mas pela circunstância de um percentual menor da multa ser igualmente adequado para estimular o pagamento pontual e menos restritiva relativamente ao direito de propriedade e de liberdade. Além disso, a multa é desproporcional em sentido estrito, pois não há proporção entre a vantagem valorativa obtida (pagamento pontual de tributos) e a restrição colateral causada (restrição intensa do direito de propriedade e de liberdade): não há proporção entre o valor da promoção positiva da pontualidade e o desvalor da restrição negativa da propriedade e da liberdade.” (ÁVILA, Humberto. In Multa de Mora: Exames de Razoabilidade, Proporcionalidade e Excessividade. Artigo Inédito). 15 O direito brasileiro contempla alguns casos de multas elevadíssimas. A base de cálculo das penalidades é variável. Ora se baseiam no valor do imposto a pagar ou omitido, ora no valor comercial de mercadorias, ora no montante do interesse, ora em unidades previamente estatuídas. Os percentuais facilmente chegam a 100% 9 , sendo comuns casos que surdem nos 300% 10 . A fixação das penalidades e os respectivos valores é atribuição do legislador. De modo especifico inexistem limitações ou princípios condicionando-lhe o munus punitivo, em tema tributário. Há todavia um princípio da Constituição proibindo o “confisco”. Determinar até que ponto tal vedação impede multas exacerbadas constitui o ponto crucial da questão. Vejamos o que dispõe a Lei Maior: “Constituem medidas repressivas, objetivando punir o devedor por infração a preceitos legais (obrigações principais e acessórias). Em abstrato, como mera previsão normativa, pairam como ameaça ao contribuinte, colimando reprimir o ilícito.” (Melo, José Eduardo Soares de. Sanções Tributárias Inconstitucionais, Repertório IOB de jurisprudência/98, Verbete 1/12675) 9 “… 2) Multa moratória de feição confiscatória. Redução a nível compatível com a utilização do instrumento da correção monetária. …” (STF, 2ª Turma, RE 81.550/MG, rel. Min. Xavier de Albuquerque, mai/75) Obs: do voto condutor vê-se: “… Conheço do Recurso e dou-lhe parcial provimento para julgar procedente o executivo fiscal, saldo quanto à multa moratória que, fixada em nada menos de 100% do imposto devido, assume feição confiscatória. Reduzo-a para 30%, base que reputo razoável para a reparação da impontualidade do contribuinte.” 10 “O Tribunal deferiu, com eficácia ex nunc, medida cautelar em ação direta ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio – CNC, para suspender, até decisão final da ação, a execução e aplicabilidade do art. 3º parágrafo único, da Lei 8.846/94, que prevê, na hipótese de o contribuinte não haver emitido a nota fiscal relativa a venda de mercadorias, prestação de serviços ou alienação de bens móveis, a aplicação de multa pecuniária de 300% sobre o valor do bem objeto da operação ou do serviço prestado. Considerou-se juridicamente relevante a tese de ofensa ao art. 150, IV, da CF (Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:...IV – utilizar tributo com efeito de confisco;). ADinMC 1.075-DF, rel. Min. Celso de Mello, 17.6.98”(Informativo 115 STF) “ […] Recentemente, o STF teve a oportunidade de apreciar Ação Direta de Inconstitucionalidade Federal n° 8.846 de 21.1.94, que estabelecera o seguinte: ‘art. 3° — Ao contribuinte, pessoa jurídica, que não houver emitido nota fiscal, recibo ou documento equivalente, na situação de que trata o art. 2°, ou não houver comprovado sua emissão, será aplicada a multa pecuniária de trezentos por cento sobre o valor do bem objeto da operação ou do serviço prestado, não passível de redução prejuízo da incidência do imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza e das contribuições sociais. Parágrafo único. Na hipótese prevista neste artigo, não se aplica o disposto no art. 4º da Lei 8.218, de 29 de agosto de 1991’. Neste sentido, o STF suspendeu a execução com eficácia ex nunc dos referidos preceitos, até julgamento final, por entender que a multa fiscal tem caráter confiscatório que é vedado pelo inciso IV do artigo 150 da Constituição (Adin 1075, Plenário, un., Rel. Min. Celso de Mello, j. 17.06.98). Justifica-se a postura judicial porque as multas devem guardar proporção com o valor da prestação tributária, sob pena de destruição da fonte produtora (pessoa natural ou jurídica) e violar o direito de propriedade, o direito de associação, a capacidade contributiva e o princípio do não-confisco. (Angela Maria da Motta Pacheco, Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias, Max Limonad, p. 253).” (Melo, José Eduardo Soares de. Sanções Tributárias Inconstitucionais, Repertório IOB de jurisprudência/98, Verbete 1/12675) 16 Art. 5°, LIV — Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Art. 150, IV — É vedado utilizar tributos com efeito de confisco. Ante o exposto, é de se concluir que o confisco é genericamente vedado 11 , a não ser nos casos expressamente autorizados pelo constituinte e pelo seu legislador complementar 12 , que são três: a) danos causados ao Erário; b) enriquecimento ilícito no exercício do cargo, função ou emprego na administração pública; e) utilização de terra própria para cultivo de ervas alucinógenas. Legislação fiscal infraconstitucional no Brasil explicita, em hipóteses ligadas à vida do contribuinte, casos de enriquecimento ilícito, decorrente de dano ao Erário. Bem observadas as referidas hipóteses, verifica-se que se ligam aos tipos delituais conhecidos por concussão, apropriação indébita, contrabando, descaminho, fraude e sonegação, tráfico de drogas, segundo o Código Penal e leis subseqüentes (incluem-se os crimes equiparados a apropriação indébita). Não é assim o simples ilícito fiscal, a infração tributária, que “por hipótese” acarreta a incidência de confisco e perdimento de bens (a conseqüência da norma), mas as hipóteses eleitas para tipificar ilícitos penais que apropositam, além da sanção penal dirigida à liberdade do criminoso, a pena de confisco direcionada aos seus bens, em virtude de lei específica, havendo dano e enriquecimento. 11 Entendendo que o princípio do não-confisco não se aplica à multa, mas tão-somente aos tributos em sentido estrito: “EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL... MULTA MORATÓRIA. CONFISCO. INOCORRÊNCIA. ARTIGO 35 DA LEI 8212, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 9528/97. LIMITE TEMPORAL JULGADO INCONSTITUCIONAL PELA CORTE ESPECIAL DO TRF 4ª REGIÃO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE PENALIDADE MAIS BENIGNA. ARTIGO 106, II, C, DO CTN.... 2. O princípio do não-confisco é dirigido a tributos e não à multa moratória. 3....” (TRF4, 1ª T., un., AC 2003.04.01.024367-8/RS, rel. Des. Fed. Wellington M. de Almeida, ago/03); e “TRIBUTÁRIO. ... LEGALIDADE. MULTA. 1... 3. A norma constitucional que proíbe o confisco não se aplica à multa, pois é direcionada aos tributos e não às sanções, que têm o objetivo de dar eficácia à atividade fiscal.” (TRF4, 2ª T., un, AC 2001.71.08.009231-4/RS, rel. Juiz Fed. Joel Ilan Paciornik, ago/03) 12 “[...] Não existe vedação constitucional ao confisco do produto de atividade contrária à lei, como se vê ao ler o art. 243 da Constituição Federal em vigor. Desta forma, a aplicação de multa ao autor do ilícito fiscal, ainda que possa, por hipótese, reduzi-lo à insolvência, é lícita, pois a lei destina-se a proteger a sociedade, não o patrimônio do autor do ilícito. 22. A multa prevista no art. 44 da Lei 9.430/96 tem, ainda, uma característica especial: ela destina-se a coibir não apenas a ausência de recolhimento do tributo devido, mas o ‘evidente intuito de fraude’ consistente na omissão do contribuinte em revelar ao Fisco suas demonstrações financeiras. A sua aplicação pode ser evitada, portanto, pelo simples cumprimento de sua obrigação.” (Boiteux, Fernando Netto. A multa de ofício, a Lei 9.430/96 e o Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda. RDDT 120/60, set/05) 17 O importante na espécie é perceber que um mesmo fato, dependendo do ângulo em que é enfocado e dos fins pretendidos pela ordem jurídica, pode ser qualificado, valorado, de diferentes maneiras, de modo a provocar diversas conseqüências jurídicas. Assim, o fato de dado contribuinte alterar a verdade dos fatos fraudando documentos ou livros fiscais, com a intenção de omitir receitas tributáveis, redundando em não pagar ou pagar tributo a menor, pode caracterizar: a) um ilícito tributário, pelo que poderá ficar sujeito a uma multa prevista na legislação fiscal especifica; b) um ilícito penal, em razão do que ficará sujeito a uma pena privativa de liberdade, devidamente prevista em lei criminal; c) uma hipótese de fato ilícito causadora de outra conseqüência aflitiva prevista como confisco e perdimento dos bens, obtidos em razão da atividade ilícita. É o que ocorre com a situação in examen em que um mesmo núcleo fático, em razão de qualificações típicas e em função do instrumental legal qualificante, se presta a determinar diversas conseqüências jurídicas. Três conclusões é preciso extrair: Em primeiro lugar, a de que, no Brasil, a infração tributária não pode gerar o perdimento de bens e o confisco, que isso é vedado pela Constituição. Em segundo lugar, a de que a infração tributária pode ocasionar penas pecuniárias, mas não penas privativas da liberdade, atribuição da lei penal, nem pena de confisco ou perdimento de bens, que exige lei específica tipificante e um processo de execução especial. Em terceiro lugar, a de que uma multa excessiva, ultrapassando o razoável para dissuadir ações ilícitas e para punir os transgressores (caracteres punitivo e preventivo da penalidade), caracteriza, de fato, uma maneira indireta de burlar o dispositivo constitucional que proíbe o confisco. Este só poderá se efetivar se e quando atuante a sua hipótese de incidência e exige todo um processus. A aplicação de uma medida de confisco é algo totalmente diferente da aplicação de uma multa. Quando esta é tal que agride violentamente o patrimônio do cidadão contribuinte, caracteriza-se como confisco indireto e, por isso, é inconstitucional 13 . É 13 “As leis que estabelecem multas abusivas podem ser questionadas e declaradas inconstitucionais em face dos princípios da razoabilidade das leis, do não-confisco, da capacidade contributiva, da legalidade, da irretroatividade das leis e da anterioridade, e outros.” (Cláudio Renato do Canto Farág, Multas Fiscais: Regime Jurídico e Limites de Gradação, Ed. Juarez de Oliveira, 2001, p. 148). Obs: vide, ainda, Ricardo Aziz Cretton, 18 bom sublinhar que a multa, conquanto ente sancionante, quando ingressa no patrimônio estatal, o faz como receita (as penalidades, na medida em que implicam deveres de entrega de dinheiro ao Estado, traduzem fórmula de transferência de riqueza dos particulares para a Fazenda Pública. Em ciência das finanças o pagamento da multa é classificado como receita derivada, ao lado dos tributos). Do ponto de vista jurídico-positivo duas fórmulas existem para o evitamento de multas escorchantes: a fórmula legislativa, mediante a qual, através de uma norma geral de potestade, a competência dos legisladores ordinários para estatuir multas tributárias restaria restringida quantitativamente; e a fórmula jurisprudencial, mercê da qual os juizes, através da fixação de standards – súmulas no caso brasileiro –, construiriam os princípios de restrição norteadores da ação do legislador na espécie. A República Argentina decidiu-se pela fórmula jurisprudencial. Entre eles, multa tributária que ultrapasse um determinado percentual em relação ao valor do tributo ao qual se liga já é confisco. Uma alternativa seria “uma lei sobre como fazer leis” (lex legum), tal qual o CTN, estatuindo o teto das penalidades, contingenciamento que seria obrigatoriamente observado pelo legislador ordinário das três ordens de governo da Federação Brasileira 14 . Não obstante, diante dos exageros do legislador, compete ao Judiciário, baseado no princípio da não-confiscatoriedade da multa fiscal, impor limites às penalidades desmedidas 15 . Os Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade e sua Aplicação no Direito Tributário, Ed. Lumen Juris, 2001, p. 133 e ss. “A multa não pode ser tão alta a ponto de tornar-se confiscatória. O STF, em sede de liminar, admitiu a invocação do art. 150, IV, da CF para fundamentar a inconstitucionalidade da cobrança de multa exacerbada.” (Paulsen, Leandro. In Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional à luz da doutrina e da jurisprudência. 8a edição revista e atualizada, Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2006, p. 919) 14 “ARTIGO 146, INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL... MULTA – TRIBUTO – DISCIPLINA. Cumpre à legislação complementar dispor sobre os parâmetros da aplicação da multa, tal como ocorre no art. 106 do CTN. […]” (STF, RE 407.190/RS, rel. Min. Marco Aurélio, out/04) 15 “ICM. REDUÇÃO DE MULTA DE FEIÇÃO CONFISCATÓRIA. – Tem o STF admitido a redução de multa moratória imposta com base em lei, quando assume ela, pelo seu montante desproporcionado, feição confiscatória. – Dissídio de jurisprudência não demonstrado. Recurso Extraordinário não conhecido.” (STF, 2ª Turma, RE 91.707/MG, rel. Min. Moreira Alves, dez/79) Obs.: neste acórdão, o Min. Relator refere o precedente do STF no RE 81.550/MG. “A multa moratória jamais pode assumir caráter abusivo. Outrora, seguimos a orientação do STF, estabelecendo o limite máximo a ser admitido em 30%. Entendemos, contudo, agora, que o percentual de 20% já se situa na divisa entre a punição severa e o excesso vedado. Se, de um lado, não cabe ao magistrado estabelecer percentual que entenda ideal, por certo que, sendo provocado, pode reduzir a multa a patamar suportável, tendo em conta a natureza da falta cometida, qual seja, a inadimplência.” (Paulsen, Leandro. Direito Tributário: Constituição e 19 Código Tributário Nacional à luz da doutrina e da jurisprudência. 8a edição revista e atualizada, Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2006, p.1164) “TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. MULTA MORATÓRIA DESPROPORCIONAL E CONFISCATÓRIA. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5º, CAPUT E INCISO XXII, E 150, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. REDUÇÃO PARA 20%. SUSCITADO INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Multa simplesmente moratória de 60% mostra-se excessivamente onerosa, desproporcional e abusiva, assumindo inadmissível caráter confiscatório. Redução para 20%. 2. Suscitado incidente de argüição de inconstitucionalidade em relação ao art. 61, IV, da Lei nº 8.383/91 e do art. 4º, IV, da Lei nº 8.620/93, por violação aos artigos 5º, caput e inciso XXII, e 150, IV, da Constituição Federal, a ser decidido pela Corte Especial.”(TRF4, 1ª T., un., AC (Questão de Ordem) 2000.04.01.063415-0, rel. Juiz Federal Leandro Paulsen, out/03) Eis excerto do voto condutor: “Tenho que é inadmissível tolerar a aplicação de multa por simples inadimplemento no percentual de 60%. […] Só se justifica como punição pelo ilícito, devendo guardar, por isso, pertinência com o grau da infração. A cominação da multa deve ser adequada à busca do fim pretendido, necessária para atingi-lo e, ainda, proporcional. Veja-se a lição de Humberto Bergmann Ávila: “O postulado da proporcionalidade exige que o Poder Legislativo e o Poder Executivo escolham, para a realização de seus fins, meios adequados, necessários e proporcionais. Um meio é adequado se promove o fim. Um meio é necessário se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fim, for o menos restritivo relativamente aos direitos fundamentais. E um meio é proporcional, em sentido estrito, se as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca”.(Teoria dos Princípios, Malheiros, 2003, p. 102) Por certo que a multa inibe o cometimento da infração, portanto é medida adequada, e que é necessária, eis que a opção, e.g., por restrições a direitos como meio inibitório implicaria ofensa inadmissível à livre iniciativa. O problema surge é na chamada proporcionalidade estrita, eis que a multa deve ser proporcional à infração cometida, sob pena de violação ao direito de propriedade do contribuinte ao ofender abusivamente o seu patrimônio sem razão suficiente para tanto. Uma multa de 60% não é, sempre e necessariamente, em si e por si, inconstitucional. Tudo dependerá da infração que através se pretende prevenir/punir. Pode-se entender que as sanções contra formas variadas de fraudes tributárias, em que dolosamente o contribuinte atua no sentido de iludir o Fisco, visando a deixar de pagar o que deve, possa exigir multa de tal calibre, ou até maior. Isso porque, nesses casos, a má-fé do contribuinte e sua ação deliberada de subtrair ao conhecimento do Fisco o seu crédito exija uma sanção elevada, que efetivamente iniba o contribuinte, submetendo-o ao risco de punição de tal monta que não lhe valha a pena corrê-lo. Em face da simples mora, contudo, a cominação e aplicação de multa de 60% mostra-se absolutamente descabida. [...] Mas há que haver proporcionalidade entre a infração e o percentual cominado e exigido como penalidade. A multa moratória de 60% mostra-se excessivamente onerosa e abusiva, revelando extrema desproporcionalidade, com o que se conclui que implica violação ao direito de propriedade do contribuinte, protegido pelo artigo 5º, caput e XXII, da Constituição Federal. De fato, são inadmissíveis as multas excessivamente onerosas, insuportáveis, irrazoáveis. O princípio da proporcionalidade e a proteção devida ao direito de propriedade impedem se possa reconhecer validade a uma multa moratória de 60%. O descompasso entre o ilícito e a punição cominada é gritante. [...] Note-se que o STF também já reduziu multas desproporcionais. Isso porque tanto a instituição de tributos como a previsão de multas devem conformar-se não apenas ao princípio da legalidade mas também aos demais princípios, sob pena de invalidade. Não é o fato de a multa estar prevista em lei que dispensa a análise da validade do dispositivo. [...] ... que o legislador impôs a punição pelo não-pagamento do tributo no prazo é indiscutível. Que tal punição, através de multa, é possível, também não há dúvida. A questão de todo, pois, não está na imposição ou não de multa, mas na sua graduação. Daí as decisões no sentido de expurgar o excesso, reduzindo a multa para patamar admissível. Ou seja, o legislador pretendida punição de 100% – ou, como no caso, de 60% –, permitindo-se, contudo, em face da proporcionalidade e da vedação do confisco, a exigência de multa em percentual inferior. Quem pode o mais, pode o menos. Por certo que a previsão legal de punição de 100% abrange uma punição inferior, viabilizando, pois, a simples redução. O percentual de 2%, estabelecido por lei para as relações de consumo, é, por certo, inaplicável à matéria tributária, além de ficar aquém do necessário para inibir a infração. Uma multa moratória de 10%, nem tão leve que seja insignificante nem demasiado pesada, parece-me, seria o mais adequado. Mas não estamos, aqui, cuidando de estabelecer o percentual ideal, e sim de simplesmente reduzir a penalidade a patamar que, embora ainda pesado e superior ao que seria de se desejar, não agrida a Constituição. [...] Tenho, pois, por inconstitucionais os dispositivos legais arrolados no que diz com a cominação da multa de 60% para a situação de simples mora, impondo-se que se afaste o excesso no que desborda da proporcionalidade, autorizando a cobrança no patamar máximo de 20%. Assim, proponho à Turma que seja suscitado, para julgamento pela Colenda Corte Especial, incidente de argüição de inconstitucionalidade do art. 61, IV, da Lei 8.383/91 e do art. 20 10. Multa por falta ou insuficiência do recolhimento do tributo — Sua natureza e regime jurídico específico 11. Multa Moratória e Punitiva Discute-se muito na doutrina a natureza jurídica da multa aplicada por falta, insuficiência ou intempestividade no pagamento do tributo. O ponto de interesse da questão está na discussão sobre se é punitiva ou ressarcitória a “multa moratória” (a que sanciona o descumprimento da obrigação tributária principal) 16 . Basta analisar a ressonância da problemática na Suprema Corte Brasileira. O debate, também ali, é 4º, IV, da Lei 8.620/93, por violação aos arts. 5º, caput e inciso XXII, e 150, inciso IV, da Constituição Federal de 1988. É como voto.” “A exclusão ou redução da multa pelo Poder Judiciário é decorrente do princípio da inafastabilidade, no sistema jurídico brasileiro, do controle jurisdicional, a teor do artigo 5°, XXXV, da Constituição Federal: ‘XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’. Aliomar Baleeiro observa que a eqüidade permeia o direito tributário, acentuando: ‘A cláusula ‘seja qual for o motivo determinante da falta’ deve ser atendida em termos, num sistema jurídico que autoriza a eqüidade na interpretação das leis (CTN, art. 108, IV). Os tribunais brasileiros, inclusive o Supremo Tribunal Federal, têm excluído multas em casos especiais. (Ver S.TF.R.E. n°55.906, Gallotti, 27- 5-65, Pleno, R.T.J., 33/647; R.E. n° 57.904, Lins, 25-4-66, 1° Turma, R.T.J., 37/296; 2° Turma: Ag. n° 40.319, 22-8-67; R.E. n° 60.413; Nogueira, 17-10-67; R.E. n°60.476, Uns, 28-1 1-67; R.E. n° 60.972, Baleeiro, 7-3-67; R.E. n°61.160, Lins, 19-3-68, R.TJ., 44.661; R.E. n°60.964, Baleeiro, 7-3-67, R.TJ., 41/55)’ (in Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro, Forense, 1981. p. 547).” (Arzua, Heron e Galdino, Dirceu. As Multas Fiscais e o Poder Judiciário. RDDT 20 mai/97, p. 38) Em sentido contrário: “MULTA. CONFISCO. ART. 35 DA LEI NO 8.212/91 COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 9528/97. REDUÇÃO DA MULTA MORATÓRIA. 1... 2. O princípio constitucional do não-confisco pertine a tributos, inaplicando-se à multa de mora, que é encargo que tem por fundamento o inadimplemento de tributo. Ademais é vedado ao Poder Judiciário modificar o percentual de multa fixado em lei. 3...” (TRF4, 1ª T., un., AC 2001.04.01.075997-2/PR, rel. Desa. Fed. Maria Lúcia Luz Leiria, jun/03); “... MULTA. EXCESSO. PREVISÃO LEGAL. 1... 4. O Poder Judiciário não pode atuar como legislador positivo, sob pena de ofender o princípio da separação de poderes. 5. Ou seja, não pode o juiz, por um critério subjetivo de justiça, alterar o percentual de penalidade posta, uma vez que se trata de tarefa legislativa. Assim agindo o Juízo, estaria não apenas legislando, mas também procedendo contra a manifesta intenção do legislador, que assim não dispôs.” (TRF4, 2ª T., un., AMSS 2002.72.00.006534-4/SC, rel. Des. Fed. Dirceu de Almeida Soares, jun/04); e “EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MULTA MORATÓRIA. JUROS MORATÓRIOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. INCIDÊNCIA. 1. A multa de mora aplicada ao débito em execução decorre de disposição legal, constituindo ato vinculado, não cabendo à autoridade administrativa, tampouco ao Poder Judiciário, modificá-la segundo critérios subjetivos. (...)” (TRF4, 1° T., AC 97.04.67185-7ISC, rel. Juíza Vânia Hack de Almeida, mai/00). 16 “Todas as multas, pelos simples fato de serem multas, tendo como causa de aplicação o cometimento de um ilícito, revestem, evidentemente, caráter punitivo. Costuma-se, porém, distinguir as multas aplicadas em decorrência do simples não-pagamento do tributo no prazo, de um lado, chamadas de ‘multas moratórias’, simplesmente, das multas em razão de alguma outra infração à legislação tributária, como o não-cumprimento de obrigações acessórias, a omissão de receitas etc., chamadas de ‘multas punitivas’.” (Paulsen, Leandro. In Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional à luz da doutrina e da jurisprudência. 8a edição revista e atualizada, Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2006, p. 972) 21 sobre se a multa moratória tem caráter punitivo ou é indenização (civil). Nos serviremos de um texto de Leon Fredja Szklarowsky 17 , Procurador da Fazenda Nacional, que em apertada síntese consegue ilustrar bem a espécie. Bernardo Ribeiro de Moraes refere que a multa moratória exsurge da lei e impõe-se só pela inexecução da obrigação tributária. A mora decorre da impontualidade do devedor, independentemente de qualquer ato ou providência preliminar da Fazenda e, a nosso ver, constitui infração. No caso de lançamento de tributo por declaração, o fisco costuma remeter ao contribuinte notificação de lançamento com três valores: valor devido, para ser pago antes do vencimento, na data do vencimento ou após o vencimento. O Excelso Supremo Tribunal Federal, pelo seu pleno, manifestou, em diversos julgamentos, seu pensar, sobre tão relevante assunto, O Ministro Cordeiro Guerra, louvando-se em decisão de Tribunal Paulista, acentua que as sanções fiscais são sempre punitivas, desde que garantidos a correção monetária e os juros moratórios. Com a instituição da correção monetária qualquer multa passou a ter caráter penal, in verbis: “a multa era moratória, para compensar o não pagamento tempestivo, para atender exatamente ao atraso no recolhimento. Mas, se o atraso é atendido pela correção monetária e pelos juros, a subsistência da multa só pode ter caráter penal”. Relatando o recurso n° 79.625, sentencia que “não disciplina o CTN as sanções fiscais de modo a extremá-las em punitivas ou moratórias, apenas exige sua legalidade”. O Ministro Leitão de Abreu, em alentado voto na busca da natureza jurídica da multa fiscal dita simplesmente moratória, reconsidera opinião antes expendida, para acompanhando o Relator, Min. Cordeiro Guerra, concluir que as sanções fiscais, por infração de lei administrativa, têm o caráter punitivo ou penal. O Ministro Bilac Pinto, sem embargo de não admitir a exigência da multa moratória da massa falida, não titubeou em manterse favorável à distinção da “multa moratória” e “multa punitiva”, em matéria fiscal, ao contrário do que vem inscrito no acórdão a quo, do Tribunal Paulista, para o qual, em face do art, 113, § 3º, do CTN, não mais tem vida essa distinção, porquanto “tais conceitos são valiosos para o controle jurisprudencial dos abusos do poder fiscal, pois os critérios de avaliação do caráter confiscatório das multas moratórias e das punitivas são diversos”. O Ministro Xavier de Albuquerque, embora vencido, colocou a questão, em termos elevados: “a multa chamada moratória tem, primeiro, caráter indenizatório e, segundo, não se destina apenas a reparar a mora, porque, para isso, serviriam os juros 17 L. F. Szklarowsky, in Cadernos de Pesquisa Tributária n° 4, Sanções Tributárias, Ed. Resenha Tributária, São Paulo, 1979, fs. 537 e segs. 22 moratórios. O Estado necessita dos recursos decorrentes da imposição tributária para prover aos seus fins a tempo e hora; se todos os contribuintes fossem negligentes e tardios no cumprimento de suas obrigações fiscais, ele não se repararia do prejuízo sofrido à custa de meros juros moratórios e, muito menos, de correção monetária, que apenas serve para exprimir por cifra diversa o mesmo valor intrínseco. A multa é indenizatória da impontualidade, pouco importando que ela dure um ano, seis meses ou seis anos. Ela é indenizatória da impontualidade, da falta do dever primário que tem o cidadão de acudir oportunamente, com sua contribuição aos fins do Estado” (o grifo é nosso), não se incompatibilizando, de forma alguma, com a correção monetária. São institutos distintos. A multa moratória não se distingue da punitiva e não tem caráter indenizatório, pois se impõe para apenar o contribuinte, observa o Ministro Moreira Alves, seguindo o Rel. Cordeiro Guerra, in verbis: “toda vez que, pelo simples inadimplemento, e não mais com o caráter de indenização, se cobrar alguma coisa do credor, este algo que se cobra a mais dele, e que não se capitula estritamente como indenização, isso será uma pena... e as multas ditas moratórias... não se impõe para indenizar a mora do devedor, mas para apená-lo”. Não há a mais mínima dúvida quanto à natureza sancionatória, punitiva, nãoindenizatória da multa moratória. De confutar o argumento de que a multa moratória, conquanto punitiva, é também indenizatória, possuindo uma ambivalente personalidade jurídica. A esse androginismo conceitual sequer escapou Ruy Barbosa Nogueira 18 – emérito tributarista paulistano, titular da prestigiosa Escola de Direito do Largo de São Francisco. A multa tem como pressuposto a prática de um ilícito (descumprimento a dever legal, estatutário ou contratual). A indenização possui como pressuposto um dano causado ao patrimônio alheio, com ou sem culpa (como nos casos de responsabilidade civil objetiva informada pela teoria do risco). A função da multa é sancionar o descumprimento das obrigações, dos deveres jurídicos. A função da indenização é recompor o patrimônio danificado. Em direito tributário é o juro que recompõe o patrimônio estatal lesado pelo tributo não recebido a tempo. A multa é para punir, assim como a correção monetária é para garantir, atualizando-o, o poder de compra da moeda. Multa e indenização não se confundem. É verdade que do 18 Ruy Barbosa Nogueira, Curso de Direito Financeiro, Direito Tributário, Ed. José Bushatsky, São Paulo, 1969, p. 104. 23 ilícito pode advir obrigação de indenizar. Isto, todavia, só ocorre quando a prática do ilícito repercute no patrimônio alheio, inclusive o estatal, lesando-o. O ilícito não é a causa da indenização; é a causa do dano. E o dano é o pressuposto, a hipótese, a que o direito liga o dever de indenizar. Nada tem a ver com a multa que é sancionatória. Debalde argüir semelhança entre a multa de mora e as chamadas “cláusulas penais” do direito civil. No campo do direito privado existem multas compensatórias ou indenizatórias e multas punitivas. A diferença é a seguinte. A multa punitiva visa a sancionar o descumprimento do dever contratual, mas não o substitui, e a multa compensatória aplica-se para compensar o não-cumprimento do dever contratual principal, a obrigação pactuada, substituindo-a 19 . Por isso mesmo costuma-se dizer que tais multas são “início de perdas e danos”. Ora, se assim é, já que a multa moratória do direito tributário não substitui a obrigação principal – pagar o tributo –, coexistindo com ela, conclui-se que a sua função não é aquela típica da multa indenizatória do direito privado (por isso que seu objetivo é tão-somente punir). Sua natureza é estritamente punitiva, sancionante. Aliás, o STF alinha-se com a opinião ora expendida, como já visto. Vamos repisar o argumento. A Suprema Corte Brasileira vem entendendo não mais terem aplicação as Súmulas 191 e 192, que prescreviam respectivamente a exigibilidade das “multas moratórias” e a exclusão das “multas punitivas”, quando a Fazenda Pública atacava a massa falida. As súmulas referidas estavam construídas na suposição da natureza indenizatória das “multas de mora”. Com o advento do CTN e o aprofundamento das análises jurídicas, essa tese ruiu. Vejamos um trecho da declaração do eminente Cordeiro Guerra no acórdão de 14.08.75 em sessão plena (Rec. Ext. 79.625.SP., Rel. Cordeiro Guerra, in RTJ 80, p. 104/113). Em reiterados julgados, os eg. Tribunais de São Paulo têm entendido, porém, como na espécie, que a partir da vigência do Código Tributário Nacional, não obstante o disposto nos 19 “‘Art. 157. A imposição de penalidade não ilide o pagamento Integral do crédito tributário. - Penalidade x tributo.’ Este artigo apenas esclarece que a penalidade não substitui o tributo devido, mas, sim, agrega-se a ele, ficando o contribuinte obrigado ao pagamento de ambos.” (Paulsen, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional à luz da doutrina e da jurisprudência. 8a edição revista e atualizada, Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2006, p. 1161) “Deverá o infrator recolher a quantia equivalente à penalidade pecuniária e, além disso, cumprir a prestação do tributo.” (Carvalho, Paulo de Barros. In Curso de Direito Tributário, 8ª edição, Ed. Saraiva, 1996, p. 305) 24 seus arts. 184 e 134, parágrafo único, toda multa fiscal é punitiva e, conseqüentemente, inexigível em falência. De fato não disciplina o Código Tributário Nacional as sanções fiscais de modo a extremá-las em punitivas ou moratórias, apenas exige a sua legalidade, art. 97, V. Ora, a Súmula n° 191 que se refere à multa fiscal simplesmente moratória tem por base julgados de 1961 a 1964, isto é, anteriores à Lei n° 5.172, de 25.10.66 – Código Tributário Nacional. Por isso, entendo como o eg. Tribunal local, e neste sentido votei no plenário, no RE n° 80.093-SP e mais 80.132, 80.134, 80.147, em 13.12.74, que as sanções fiscais são sempre punitivas, uma vez assegurada a correção monetária e os juros moratórios. O princípio da lei de falências é o de que não se deve prejudicar a massa, o interesse dos credores. O que se assegura é o imposto devido, não as sanções administrativas. Esta a inteligência que dou ao artigo 184 do Código Tributário Nacional. Veja-se, ainda, por isso, que pertinente para demonstrar a total desvalia científica da tese que propugna para a multa moratória natureza civil e, portanto, ressarcitória, a questão da proporcionalidade entre o dano e o ressarcimento. Em direito civil e mesmo em direito público, o dever de indenizar ou ressarcir exige uma medida de proporcionalidade entre o dano efetivo, sua quantificação, e o ressarcimento, deduzindo-se a relação com base em elementos concretos e precisos. No caso das chamadas “multas moratórias” dita relação inexiste. Elas são impostas ex lege, previamente, a critério do Legislador, via de regra em bases fixas dilargadas, como por exemplo 100% do tributo não pago. Ainda quando impostas segundo modelo proporcional em que o quantum cresce à medida que o tempo passa, ainda aí, não se vislumbra nenhuma proporcionalidade entre o “dano” e sua “composição”. Está presente, isto sim, o interesse estatal de desestimular a mora (periculum in mora) e de estimular o pagamento, ainda que a destempo, graduando a penalidade (política fiscal). As multas ditas moratórias “são desnubladamente punitivas, nunca ressarcitórias”. É possível a instituição da chamada “multa de mora” cumulativamente à cobrança de “juros de mora”? Multa, quer a contratual, quer a legal, é sanção. A multa fiscal é pois modalidade de sanção legal (prevista em lei e não em contrato). Pune tanto o descumprimento da obrigação tributária principal ou, noutra terminologia, o dever 25 tributário quanto o descumprimento das obrigações secundárias (deveres instrumentais de fazer e não-fazer). No primeiro caso a multa é moratória (pune a mora relativamente à obrigação de dar dinheiro ao Estado, a título de tributo). No segundo caso é formal e castiga o inadimplemento dos deveres instrumentais (fazer ou não-fazer). Ora, se carregam caráter punitivo, já podem ser impostas juntamente com a cobrança dos juros de mora. O CTN, no art. 161, dispõe expressamente: O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis. § 1°. Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de hum por cento ao mês. O dispositivo da lei complementar da Constituição, portanto, admite a cumulação da multa (sanção) e dos juros de mora (ou pela mora). Como se trata de uma lex legum, isto é, uma lei sobre como fazer leis, atribui ao legislador da União, dos Estados-membros e dos Municípios competência para fixar o quantum dos juros. Em caso de silêncio, será de 1% ao mês. Podem, pois, ser fixados por lei, em 5%, 10% etc. Contudo, os juros moratórios não podem ser extorsivos (anatocismo) – seria, no Brasil, infringir a “lei da usura”. Deve haver, ao menos presumidamente, uma proporção entre o dano e o ressarcimento (expresso nos “juros moratórios”). Devem ser fixados, e falamos, de lege ferenda, de dois modos: a) Quando os juros bancários estiverem sendo administrados, os juros moratórios fiscais podem se situar 3 pontos percentuais acima da taxa oficial (para desestimular a inadimplência e, pois, para evitar o periculum in mora). b) Quando os juros bancários estiverem livres, os fiscais devem situar-se três pontos acima do juro médio praticado pelo sistema bancário, pelas mesmas razões (fixação indireta, por flutuação). Anotamos, sem embargo, que os juros bancários decorrentes de mútuo já computam a correção monetária, o que implica, para o legislador, certo espírito de prudência na fixação dos juros, os quais não podem nem devem ser progressivos. Distinga-se, portanto: Tributo: toda prestação pecuniária compulsória, instituída em lei em prol do Estado ou de pessoa sua que não seja sanção de ato ilícito nem reparação de dano ao seu patrimônio (impostos, taxas, contribuições de melhoria e quaisquer outras contribuições). 26 Multa fiscal: toda prestação pecuniária compulsória, instituída em lei, em prol do Estado ou de pessoa sua, que seja sanção de ato ilícito em matéria fiscal, assim entendido o descumprimento da obrigação tributária principal ou acessória (deveres principais secundários numa terminologia mais apurada). São moratórias (falta de pagamento ou pagamento a menor ou a destempo) e formais (descumprimento de obrigações acessórias). Juros: são calculados sobre o principal da dívida (o tributo não pago), a título de compensar o Estado pela não disponibilidade do dinheiro, representado pelo crédito tributário, desde o dia previsto para o seu pagamento. São de 1% ao mês, caso as legislações específicas de cada tributo não prevejam percentual mais alto (CTN). O fato de não guardarem “estrita” proporcionalidade com o dano pela nãodisponibilidade do tributo no tempo certo a poderem ser fixados ex lege constitui privilégio da Fazenda Pública. Correção Monetária: fator de atualização do poder de compra da moeda. Não é sanção nem ente autônomo. Incide sobre o tributo e a multa, desde o dia em que deveriam ter sido pagos e não o foram. A providência é certa; não aumenta nem diminui o crédito. Não prejudica ninguém. Credor e devedor mantêm suas respectivas posições. O fundamento para estender a correção monetária a toda e qualquer prestação é a isonomia. 12. Natureza e fundamentos dos “juros de mora” em matéria tributária Os juros moratórios em tema tributário, a cobrança deles, visa a indenizar o credor pela indisponibilidade do dinheiro na data fixada em lei para o pagamento da prestação (fixação unilateral de indenização). Devem ser razoáveis, sob pena de iniqüidade. Adicionalmente cumprem papel de assinalada importância como fator dissuasório de inadimplência fiscal, por isso que, em época de crise ou mesmo fora dela, no mercado de dinheiro busca-se o capital onde for mais barato. O custo da inadimplência fiscal deve, por isso, ser pesado, dissuasório, pela cumulação da multa, da correção monetária e dos juros. 27 Quando o contribuinte, atrasando as prestações tributárias alguns dias, liquida o débito, adiantando-se à ação fiscalizadora (hipótese em que não há imposição de penalidade moratória pela espontaneidade da paga), e, assim agindo, verifica que o custo do atraso é menor que os juros dos contratos bancários, a inadimplência generaliza-se, com sérios reflexos para o erário, ente privilegiado pela ordem jurídica. Por isso mesmo, admite-se que podem ser fixados acima dos juros bancários (cumulativamente com a multa). Agora, se existe um sistema de correção monetária do crédito fiscal, os juros não podem ser cobrados progressivamente, como já assinalado. 13. Conteúdo administrativo, civil ou penal das penalidades impostas pelo descumprimento de deveres instrumentais ou formais O conteúdo é, evidentemente, punitivo, muito embora seja a penalidade aplicada por autoridade administrativa, sem o concurso de lei penal e do juiz criminal. Como se trata de sanção não tem natureza civil, ressarcitória. À Administração fiscal importa o cumprimento dos deveres instrumentais que estatui em prol da fiscalização e arrecadação dos tributos. Aqui, a teleologia normativa define a natureza da sanção. 14. Denúncia espontânea — Seus efeitos. Interpretação do artigo 138 do Código Tributário Nacional (Lei n° 5.172, de 25.10.66) Eis uma indagação primordial: saber se o art. 138 do CTN abrange todos os tipos de infração ou elide apenas a responsabilidade pela prática das infrações formais, excluídas as chamadas “multas de mora” (falta ou atraso no recolhimento do tributo). ĺ Conferir jurisprudência selecionada. Dispõe o artigo 138 do CTN: A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração, acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido e dos juros de mora, ou do depósito da importância arbitrada pela autoridade administrativa, quando o montante do tributo dependa de apuração. 28 Parágrafo único. Não se considera espontânea a denuncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionada com a infração. A esta altura já podemos adiantar, sem medo, que o art. 138 do CTN aplicase indistintamente às infrações substanciais e formais, senão vejamos: a) Em primeiro lugar o legislador, ao redigir o artigo em tela, disse que: “A responsabilidade é excluída pela denúncia espontânea da infração...”. Isto é, qualquer infração, seja substancial, seja formal. Se quisesse excluir uma ou outra, teria adjetivado a palavra infração ou teria dito que a denúncia espontânea elidiria a responsabilidade pela prática de infração à obrigação principal excluindo a acessória, ou vice-versa. Ora, onde o legislador não distingue não é lícito ao intérprete distinguir, segundo cediço princípio de hermenêutica. b) Em segundo lugar, no próprio corpo do art. 138 está explícita a intenção do legislador de alcançar os dois tipos de infração. Disse o legislador: “A denúncia espontânea exclui a responsabilidade acompanhada, sendo o caso, do pagamento do tributo devido...”. Se a exclusão da responsabilidade fosse apenas em relação às infrações formais não faria sentido falar em pagamento de tributo devido. Se a infração formal, como vimos de ver, decorre apenas de descumprimento de obrigação acessória (fazer ou não fazer), como admitir que possa haver “pagamento de tributo devido” (porque não pago) para convalidar o perdão da multa? Só existe uma explicação. Evidentemente é porque o dispositivo em questão abrange a responsabilidade pela pratica de infrações substanciais e formais, indistintamente. Só haverá pagamento de tributo devido quando a infração tenha sido não pagá-lo. Nesse caso, o autodenunciante, ao confessar-se, deverá pagar o tributo não pago. Em conseqüência do exposto nas alíneas a e b precedentes é de se concluir que a exclusão da responsabilidade operada pela denúncia espontânea do infrator elide o pagamento, quer das multas de mora ou revalidação, quer das multas ditas “isoladas”. 29 É sabido que o descumprimento de obrigação principal impõe, além do pagamento do tributo não pago e do pagamento dos juros e da correção monetária, a inflição de uma multa, comumente chamada moratória ou de revalidação, e que o descumprimento de obrigação acessória acarreta tão-somente a imposição de uma multa disciplinar, usualmente conhecida pelo apelido de “isolada”. Assim, pouco importa ser a multa isolada ou de mora. A denuncia espontânea opera contra as duas. Esta é precisamente a opinião de Fabio Fanucchi no seu Curso de Direito Tributário Brasileiro, p. 261: Em qualquer circunstância é possível excluir-se a responsabilidade por infrações embora seja impossível, quando a lei fixar, excluir a responsabilidade pelo crédito tributário. Basta para tanto que o responsável denuncie espontaneamente a infração, pagando, se for o caso, o tributo e os juros de mora... Pelo mesmo sendeiro envereda o mestre Aliomar Baleeiro para chegar a idêntica conclusão (Direito Tributário Brasileiro, p. 438): Libera-se o contribuinte ou responsável e, ainda mais, representante de qualquer deles, pela denúncia espontânea da infração... Há na hipótese confissão e, ao mesmo tempo, desistência do proveito da infração. A disposição, até certo ponto, equiparase ao artigo 13 do Código Penal. De causar espécie, certa tese muito a gosto de alguns, que considera a multa de mora como um complemento indenizatório da obrigação principal e não como uma sanção, para o fim de excluí-la dos efeitos do art. 138 do CTN. Neste caso, a multa não seria “multa”... A tese demonstra lamentável ignorância dos princípios científicos que informam a Ciência do Direito. O que faz, em verdade, é dar prevalência, na discussão do assunto, aos interesse menores do “fiscalismo” através de uma algaravia conceitual, inaceitável à luz da boa doutrina, No particular, é mister perpassar rapidamente pela teoria geral do direito de modo a desatar com segurança a questão, já que o étimo “multa” segundo esta tese não significa multa. Se assim é, a gramática e o dicionário parecem dispensáveis. A 30 discussão se faria em torno do significado das palavras, e de nada adiantaria afirmar que a “multa de mora” é multa, porquanto a tese ora sob exame o que afirma é exatamente o contrário disso, ou seja, a “muita de mora” não é multa, mas complemento indenizatório, motivo pelo qual não está alcançada pelo art. 138 do CTN. Ora, se é verdade que as normas jurídicas são, fundamentalmente, de duas espécies, impositivas e sancionantes ou ainda primárias e secundárias, para usar a terminologia de Alf Rosse, e se as normas à vista dessa dualidade tipológica se distinguem pelo conteúdo mesmo de suas hipóteses e de seus mandamentos, o que nos cabe, in casu, é determinar qual o conteúdo da hipótese e do mandamento de uma norma que impõe multa a uma pessoa pelo simples fato de esta não ter pago no prazo marcado um tributo devido. A hipótese é não ter a pessoa pago o tributo – fato ilícito. A conseqüência é ficar sujeito a uma multa – uma sanção. Já ficou clarificado atrás que os deveres tributários são de duas naturezas: principais e acessórios. O dever principal (obrigação de dar) é pagar o tributo no prazo e na forma previstos em lei. Os deveres acessórios (obrigação de fazer e não fazer) são os comportamentos positivos e negativos a que o contribuinte está obrigado por força dos ditames previstos na legislação. O desrespeito ao dever de pagar no prazo acarretará uma multa de mora. O desrespeito ao dever acessório provoca a imposição de multa isolada. Assim, qualquer desrespeito a um ou outro tipo de dever é uma infração (hipótese de norma sancionante). Só está sujeito a uma multa de mora quem tenha cometido uma infração a dever ou obrigação principal, isto é, tenha deixa de pagar tributo. Conseqüentemente, essa multa de mora é pena e não complemento indenizatório. Algumas legislações, ao enfocarem os efeitos decorrentes do inadimplemento da obrigação tributária principal, salientam claramente o que é multa e o que é complemento indenizatório do tributo (juros de ou pela mora) É o caso do Regulamento do Imposto de Renda (RIR). No título “Das Penalidades”, dispõe que, em todos os casos de pagamento ou recolhimento fora dos prazos fixados, será cobrada multa. 31 Ora, além da multa de mora o RIR manda também que o débito seja recolhido com “juros de mora”, fórmula de indenizar a não-disponibilidade do dinheiro pela Fazenda Publica no tempo previsto. Dessarte, “multa de mora” é multa e não complemento indenizatório, que isto é feito pela cobrança dos “juros”, ficando a correção monetária como fórmula de manutenção do poder de compra do dinheiro. As Fazendas, federal, estadual e municipal, discordam da interpretação debuxada linhas atrás, e o que é pior, agem como pensam, isto é, erradamente, sem que até agora se tenha posto cobro nessa situação inteiramente contra legem. Os argumentos dos diversos fiscos são de três espécies. a) Em primeiro lugar, alegam que se fosse permitido ao contribuinte não pagar no prazo, ganhar uma, duas ou três semanas e depois se autodenunciar, recolhendo o tributo apenas com juros e correção monetária, isso traria uma total insegurança e imprevisibilidade no manejo da receita tributária. O argumento é extrajurídico e só nesses termos pode ser contraditado. Digase, porém, para logo, que as “razões do fisco” não podem prevalecer contra as razões da lei. O príncipe e seu erário já não são, como antanho, autoritários e autocráticos. O argumento, no entanto, demonstra nas entrelinhas suas deficiências. É que o CTN, na sua qualidade de lex legum ou de lei sobre como fazer leis, endereçada mais aos legisladores das três ordens de governo que convivem no espaço federativo do que aos contribuintes, estatuiu que, em caso de mora, os juros serão de 1% ao mês, se de modo diverso não dispuser a lei (lei local, federal, estadual ou municipal). Ora, podem os legisladores ordinários no âmbito de suas respectivas competências fixar um juro equiparado ao bancário, igualando o custo do dinheiro não pago à Fazenda ao tomado à rede bancária. Poderiam até fixá-lo um pouco acima tornando-o pouco atraente do ponto de vista financeiro. Com isso desestimulariam a inadimplência. b) Em segundo lugar, dizem que a multa moratória, conquanto punitiva, é também indenizatória, possuindo uma ambivalente personalidade jurídica. A multa tem como pressuposto a prática de um ilícito (descumprimento a dever legal, estatutário ou contratual). A indenização possui como pressuposto um dano causado ao patrimônio alheio, com ou sem culpa (como nos casos de 32 responsabilidade civil objetiva informada pela teoria do risco). A função da multa é sancionar o descumprimento das obrigações, dos deveres jurídicos. A função da indenização é recompor o patrimônio danificado. Em Direito Tributário é o juro que recompõe o patrimônio estatal lesado pelo tributo não empregado. A multa é para punir, assim como a correção monetária é para garantir, atualizando-o, o poder de compra da moeda; multa e indenização não se confundem. Finalmente, em terceiro lugar, argumentam com o art. 161 do CTN que, em havendo falta de pagamento do tributo, manda que este seja pago com juros e correção monetária, “sem prejuízo das penalidades cabíveis” (previstas nas diversas legislações especificas; nas legislações de cada tributo). Ocorre que não existe a mais mínima incompatibilidade entre os artigos 138 e 161. O art. 161 fixa a regra geral de que a inadimplência acarreta o pagamento agravado de juros de mora, correção monetária e multas pela mora, e o art. 138 define a exceção a essa regra. Assim, ocorrendo denúncia espontânea, acompanhada do recolhimento do tributo, com juros e correção monetária, nenhuma penalidade poderá ser imposta nem tampouco exigida do contribuinte, anteriormente inadimplente. Essa é a melhor inteligência do art. 138 do CTN. 33 BIBLIOGRAFIA AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. Ed. Saraiva, 2. ed., 1998. ARZUA, Heron; GALDINO, Dirceu. As Multas Fiscais e o Poder Judiciário. In RDDT 20, maio/1997, São Paulo, p.34-40. BASTOS, Celso Ribeiro. In: Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. 2, coord. Ives Gandra da Silva Martins, Ed. Saraiva, 1998. BOITEUX, Fernando Netto. A multa de ofício, a Lei 9.430/96 e o Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda. RDDT 120, set/05, p. 60. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 8. ed., Ed. 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As Duas Multas Aplicadas Relata o Consulente que, além de ter sido verificada a hipótese de aplicação da multa de 150%, foram impostas duas multas: a) uma (nesse percentual) por redução indevida do lucro, sujeito a imposto sobre a renda e contribuição social sobre o lucro, relativo a fato gerador ocorrido em 31 de dezembro de 1998; e b) outra (também nesse percentual), na condição de multa isolada, pela falta do recolhimento do imposto de renda e da contribuição social sobre base de cálculo mensal estimada. Considerando que não pode haver penalidade sem a ocorrência de infração que lhe dê origem, o entendimento fazendário que resultou na lavratura dos autos de infração pressupõe que se considerou que a operação realizada em junho de 1998 implicou a dupla infração: a) infração à norma que prevê o pagamento mensal estimado de imposto e contribuição; e b) infração consistente no não-pagamento de tais exigências calculadas ao ensejo do término do período de apuração anual. Ou seja, a mesma conduta do contribuinte foi considerada como tipificadora de duas infrações: falta de pagamento de valor mensal estimado e falta de pagamento do saldo apurado ao final do ano. 36 O fundamento legal da multa exigida pela, aos olhos do Fisco, redução indevida da base de cálculo apurada anualmente é o inciso I do parágrafo 1o do art. 44 da Lei 9.430/96, assim redigido: “§ 1o – As multas de que trata este artigo serão exigidas: I – juntamente com o tributo ou a contribuição, quando não houverem sido anteriormente pagos: II - ...” Para fundamentar a exigência das multas isoladas, em razão da insuficiência do pagamento de imposto e contribuição devidos mensalmente por estimativa, invocou-se o inciso IV do § 1o do art. 44 da Lei 9.430/96, assim redigido: “§ 1o – As multas de que trata este artigo serão exigidas: ... IV – isoladamente, no caso de pessoa jurídica sujeita ao pagamento do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido, na forma do art. 2o, que deixar de fazê-lo, ainda que tenha apurado prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa para a contribuição social sobre o lucro líquido, no anocalendário correspondente;” Em suma, o entendimento do Fisco foi o de que a conduta do contribuinte, embora única, configurou duas infrações: uma por violação à obrigação de proceder ao recolhimento mensal estimado e outra por violação à obrigação de pagar o imposto de renda e contribuição social sobre o lucro, devidos em função do período de apuração anual. Diante deste quadro, e antes mesmo de expor as considerações que julgo pertinentes, cumpre afirmar, claramente, que, no meu entender, é descabida a exigência concomitante destas duas multas. 8. Não confundir “Modos de Exigência” das Multas com “Hipóteses de Infração” que ensejam Multas Toda penalidade, para ser aplicada, supõe a ocorrência da sua hipótese de incidência legalmente prevista. 37 A norma jurídica que prevê a penalidade (como as demais normas jurídicas) é formada por dois elementos: um é a sua hipótese (ou antecedente) que escreve a conduta punível; outro é o seu preceito (ou conseqüente), no qual se encontra a previsão da sanção aplicável. Só tem cabimento a aplicação de penalidade se ocorrer a respectiva hipótese de incidência, tal como descrita na lei pertinente. No caso concreto, entendo que o Fisco confundiu duas figuras distintas que a própria lei deixa claro terem natureza diversa. Com efeito, as hipóteses de incidência das multas encontram-se descritas no caput do artigo 44 da Lei 9.430/96 (falta de pagamento ou recolhimento após o vencimento do prazo, sem o acréscimo de multa moratória). O § 1o do artigo 44 regula apenas o modo pelo qual elas serão exigidas. Portanto, não é o fato de haver duas previsões de exigência nos incisos do § 1o (“juntamente” e “isoladamente”) que isto implica existirem duas hipóteses de incidência, vale dizer, duas infrações distintas a serem penalizadas. “Isolada” ou “conjuntamente” são apenas maneiras pelas quais podem ser exigidas as penalidades, mas não indicam hipóteses infracionais autônomas. 9. Não houve Duas Vezes a “Falta de Pagamento ou Recolhimento” de Imposto ou Contribuição A Consulta deixa claro que a conduta realizada foi apenas uma: celebrar as operações que os contribuintes entenderam adequadamente submetidas a determinado regime tributário, menos ou não oneroso. Trata-se de conduta única e não de duas condutas distintas. As operações questionadas pelo Fisco formam um conjunto unitário que a fiscalização entendeu ser um ganho de capital na alienação de participação societária, enquanto os contribuintes entenderam não haver tal alienação, mas sim tratar-se de um ajuste por aumento no valor de investimento avaliados pelo patrimônio líquido. 38 Além de ser uma conduta apenas, cumpre ter em conta o contexto da disciplina tributária em que ela se insere. De fato, o pressuposto material da multa está regulado no caput do artigo 44 da Lei 9.430/96 quando deixa explícito que as multas serão “calculadas sobre a totalidade ou diferença de tributo ou contribuição”. Ora, nos termos do artigo 2o dessa mesma Lei, que regula o pagamento por estimativa, resulta claro que a tributação atinge o lucro real que deve ser apurado em 31 de dezembro de cada ano. Mensalmente, o que se dá é apenas “pagamento do imposto determinado por base de cálculo estimada” (art. 2o, caput), mas a materialidade tributada é o lucro real apurado em 31 de dezembro de cada na (§ 3o do art. 2o). Portanto, imposto e contribuição verdadeiramente devidos são apenas aqueles apurados ao final do ano. O recolhimento mensal não resulta de outro fato gerador distinto do relativo ao período de apuração anual; ao contrário, corresponde a mera antecipação provisória de um recolhimento, em contemplação de um fato gerador e uma base de cálculo positiva que se estima venha ou possa vir a ocorrer no final do período. Tanto é provisória e em contemplação de evento futuro que se reputa em formação – e que dele não pode se distanciar – que, mesmo durante o período de apuração, o contribuinte pode suspender o recolhimento se o valor acumulado pago exceder o valor calculado com base no lucro real do período em curso (art. 35 da Lei 8.981/95). E mais, o valor do recolhimento por estimativa é deduzido do valor do imposto e da contribuição devidos ao final do período (art. 2o, § 4o, IV, da Lei 9.430/96). Tendo em vista a unidade da conduta do contribuinte e à luz da sistemática legal aplicável, conclui-se que não ocorreram duas hipóteses de incidência de multa, o que afasta o cabimento de exigências em duplicidade, como ocorreu no caso concreto. 10. Sentido do inciso IV do § 1o do art. 44 da Lei 9.430/96 As considerações feitas reservam o sentido e aplicabilidade do modo de exigir a multa, previsto no inciso IV do § 1o do artigo 44. 39 Com efeito, sem entrar no debate quanto a ser possível uma exigência “isolada” (tema de relevância mas que escapa ao objeto do presente estudo), a sistemática regulada na Lei tem uma lógica interna. Realmente, a regra é a exigência da multa juntamente com imposto ou contribuição que não foram pagos anteriormente (inciso I). Ocorre que, em relação aos pagamentos exigidos por estimativa, podem existir duas situações peculiares em que não há, ou não há ainda, imposto ou contribuição devido, mas em que existe o dever de recolher a tempo e hora os respectivos montantes estimados. Para reforçar a cogência das normas que dispõem neste sentido, tem cabimento o mencionado inciso IV do § 1o do artigo 44 da Lei. Vale dizer, se, após o encerramento do período de apuração constata-se o não-recolhimento das parcelas de estimativa mensal (sem que tenha sido obedecido o previsto no artigo 35 da Lei 8.981/95, ou seja, balancetes transcritos etc.), mas não há imposto ou contribuição devida por haver prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa, o legislador impõe a multa do inciso IV (de discutível cabimento teórico por não se atrelar a nenhuma falta efetiva de pagamento). A segunda hipótese de cabimento da exigência isolada, e que não pode deixar de ser mencionada, refere-se à possibilidade de existir uma fiscalização ainda no curso do período de apuração. Nesta hipótese, ainda não há imposto ou contribuição devidos (pois não se encerrou o período de apuração), mas já pode ter havido infração à norma que determina o recolhimento do valor mensal estimado. Daí, também, aqui, o cabimento da exigência isolada. Porém, em nenhuma hipótese o recolhimento estimado deixa de ser antecipação provisória e sujeita a ajuste do valor que virá, ou estima-se que venha, a ser devido ao ensejo do encerramento do período de apuração. Por todas estas razões, entendo que a previsão do inciso IV do § 1o do artigo 44 da Lei 9.430/96 deve ser interpretada sistematicamente com o conjunto da disciplina tributária pertinente e que não autoriza sua exigência em duplicidade com a exigência feita juntamente com o imposto ou contribuição que a fiscalização reputa devidos. 40 11. Resposta ao Quesito À vista das considerações anteriores, passo a responder diretamente ao quesito formulado pelo Consulente e que assim se redige: É cabível a aplicação de multa majorada de 150% pela falta de recolhimento de potencial ganho de capital por estimativa e, ainda, a aplicação da mesma multa de 150% no cômputo pelo lucro real (Lei 9.430/96, art. 44, § 1o)? O quesito comporta resposta em duas partes: Descabe a multa majorada de 150% Aplicação da multa de 150% depende da verificação concreta de hipótese excepcional, cujo elemento objetivo principal é impedir ou retardar a ocorrência o fato gerador e o elemento subjetivo é o dolo na prática dessa conduta, além do emprego de fraude, entendida como o ardil, o engano, a ocultação ou equivalente. No caso concreto, há uma divergência de qualificação jurídica dos fatos ocorridos. O contribuinte entende que tais fatos configuram hipótese legal que conduz a efeito tributário menos oneroso, enquanto o Fisco entende que houve um ganho de capital travestido em operação de outra ordem. Não se deu a conduta de impedir ou retardar a ocorrência de fato gerador da obrigação tributária principal, pois estas condutas pressupõem estar em curso o iter formativo do fato gerador que é atalhado pela conduta do contribuinte. No caso concreto, os contribuintes realizaram diretamente atos jurídicos que entenderam submetidos a outro regime jurídico. Além disso, não houve dolo em retardar ou impedir tal ocorrência, pois dolo é elemento subjetivo do tipo ligado portanto à conduta e não à concepção objetiva formulada pelo agente ou à finalidade que se pretende obter com os atos. Dolo é figura interna ao tipo, enquanto finalidade é externa ao ato. Ainda que tenha havido prática dos atos com a finalidade de obter menor carga tributária, isto pode ser relevante para o enquadramento fiscal da operação, mas não é suficiente para determinar a aplicação da multa majorada de 150%. 41 Por fim, não houve ocultação ou engano, posto que todos os elementos estiveram abertamente acessíveis ao Fisco que, segundo o Consulente, não encontrou dificuldade para conhecer as características e o perfil de tais operações. Descabe a multa em duplicidade As multas previstas no artigo 44 da Lei 9.430/96 têm por pressuposto a ocorrência de falta de pagamento ou recolhimento de imposto ou de contribuição. As circunstâncias descritas em seu § 1o dizem respeito aos modos de cobrança, mas não configuram novas hipóteses de incidência da penalidade. O imposto de renda e a contribuição social sobre o lucro líquido, no caso concreto, são devidos anualmente em função do lucro real efetivamente apurado. O recolhimento por estimativa é legalmente exigido em contemplação da expectativa de obtenção de lucro real até o final do período de apuração. Os valores pagos mensalmente não são exigências diferentes do imposto e da contribuição devidos anualmente. Falta de pagamento ou recolhimento, a rigor, só existe depois de encerrado o período de apuração, pois aí é que será aferida a existência, ou não, de base de cálculo positiva. Os contribuintes realizaram apenas uma conduta (conjunto de operações) em junho de 1998, com efeito provisório na apuração mensal e reflexo efetivo apenas na apuração anual. Descabe a aplicação de duas penalidades pelo mesmo ato. A multa exigida isoladamente, nos termos do inciso IV do § 1o do artigo 44 da Lei 9.430/96, é de discutível validade. Ainda que admitida a sua validade, a hipótese ali prevista indica que o dispositivo só tem aplicação se o auto de infração for lavrado ainda no curso do período de apuração ou se, lavrado após seu encerramento, o contribuinte apresentar prejuízo ou base de cálculo negativa no período anual. Em suma: entendo que, no caso concreto, não cabia a aplicação da multa de 150% por não se configurarem os elementos que compõem sua hipótese de incidência, nem cabia a aplicação de multa em duplicidade pela falta de recolhimento de imposto e contribuição em função de eventual ganho 42 de capital por estimativa e por insuficiência do pagamento de imposto e contribuição relativos ao período de apuração anual. 43 AS MULTAS FISCAIS E O PODER JUDICIÁRIO HERON ARZUA E DIRCEU GALDINO (In RDDT 20, maio/1997, São Paulo, p.34-40) 1. Multas Fiscais Multa moratória e multa punitiva De há muito se reconhece ao Poder Judiciário o direito de excluir ou mitigar a multa fiscal imposta pela autoridade administrativa 20 . É facultado ao Poder Judiciário, atendendo à circunstância do caso concreto, reduzir multa excessiva aplicada pelo Fisco 21 . Ressalte-se que a antiga distinção entre multa fiscal administrativa e multa fiscal moratória, fundada na doutrina que entendia que o Poder Judiciário só poderia atenuar a multa fiscal punitiva, foi definitivamente afastada pelo Supremo Tribunal Federal, que assentou que, a partir do Código Tributário Nacional, Lei n° 5.172, de 25.10.1966, não há como distinguir entre multa moratória e administrativa. Para indenização da mora são previstos juros e correção monetária 22 . Cite-se, em especial, do aludido aresto, as ponderações do Ministro Cordeiro Guerra: “Em reiterados julgados, os eg. Tribunais de São Paulo têm entendido, porém, como na espécie, que, a partir da vigência do Código Tributário Nacional, não obstante o disposto nos seus arts. 184 e 134, parágrafo único, toda multa fiscal é punitiva e, conseqüentemente, inexigível em falência. De fato, não disciplina o Código Tributário Nacional as sanções fiscais de modo a extremá-las em punitivas ou moratórias, apenas exige a sua legalidade, art. 97, V. Ora, a Súmula n° 191, que se refere à multa fiscal simplesmente moratória, tem por base julgados de 1961 a 1964, isto é, anteriores à Lei n° 5.172, de 25.10.66 – Código Tributário Nacional. Por isso, entendo como o eg. Tribunal local, e neste sentido votei no plenário, no RE n° 80.093-SP e 20 STF, in RTJ 44/661; TACSP, in RT 372/276, 390/269 e 414/236 STF, RE 82.150-SP, 2a Turma, in RTJ 78/610 22 RE 79.625, Pleno, in RTJ 80/104 21 44 mais 80.132, 80.134, 80.147, em 13.12.74, que as sanções fiscais são sempre punitivas, uma vez assegurada a correção monetária e os juros moratórios. O princípio da lei de falências é o de que não se deve prejudicar a massa, o interesse dos credores. O que se assegura é o imposto devido, não as sanções administrativas. Esta a inteligência que dou ao artigo 184 do Código Tributário Nacional” 23 . Mas é do Ministro Moreira Alves a argumentação definitiva sobre a inexistência de diferença entre a denominada multa moratória e a multa punitiva: “A meu ver, é preciso, preliminarmente, fazer esta distinção: de um lado, o que realmente é pena; de outro, o que realmente é indenização. Os juros moratórios, por exemplo, como indenização que são, se admitem uma vez que, aí, não há o caráter, nem sequer remoto, de punição, mas, sim, de indenização pelo tempo da demora em que se houve o devedor relapso. No entanto, fora daí, toda vez que, pelo simples inadimplemento, e não mais com caráter de indenização, se cobrar alguma coisa do credor, este algo que se cobra a mais dele, e que não se capitula estritamente como indenização, isso será uma pena” 24 . E continua Moreira Alves, ao tipificar a natureza jurídica da multa fiscal moratória: “Ora, analogamente (com a pena criminal), quando se refere a pena pecuniária por infração da lei administrativa, será pena de natureza fiscal, não tendo, portanto, caráter indenizatório. Assim sendo, e tendo em vista que essas multas ditas moratórias ou simplesmente moratórias, em sua natureza não o são, tanto que se impõem, às vezes, por arbítrio da autoridade fiscal, outras vezes, por percentuais fixos, que não se alteram sequer com o caráter de tributo, essas multas, repito, não se impõem para indenizar a mora do devedor, mas para apená-lo, pelo fato de que ele não tenha pago, seja há 10 dias, seja há 10 anos. Conseqüentemente, a conclusão a que chego, e que é concorde com os 3 votos até então proferidos, é no sentido de que só se 23 24 In RTTJ 80, pp. 104/113. In RTJ 80/111 45 admite, como acréscimo do crédito fiscal, a cobrança do que for puramente indenizatório, assim os juros pela de mora do devedor relapso” 25 . Sacha Calmon, renomado jurisconsulto mineiro, afirma, louvando-se na lição de Moreira Alves: “A multa moratória não se distingue da punitiva e não tem caráter indenizatório, pois se impõe para apenar o contribuinte, observa o Ministro Moreira Alves, seguindo o Rel. Cordeiro Guerra, in verbis: ‘toda vez que, pelo simples inadimplemento, e não mais com o caráter de indenização, se cobrar alguma coisa do credor, este algo que se cobra a mais dele, e que não se capitula estritamente como indenização, isso será uma pena... e as muitas ditas moratórias ... não se impõem para indenizar a mora do devedor, mas para apená-lo ...” 26 . E acrescenta: “Concordamos com a Suprema Corte, pelos fundamentos tão bem sintetizados pelo Min. Moreira Alves, de grande intuição jurídica. De nossa parte, não temos a mais mínima dúvida quanto à natureza sancionatória, punitiva, não-indenizatória, da multa moratória. De confutar o argumento de que a multa moratória, conquanto punitiva, é também indenizatória, possuindo uma ambivalente personalidade jurídica. A este androginismo conceitual sequer escapou Ruy Barbosa Nogueira – emérito tributarista paulistano, titular da prestigiosa Escola de Direito do Largo de São Francisco. A multa tem como pressuposto a prática de um ilícito (descumprimento a dever legal, estatuário ou contratual). A indenização possui como pressuposto um dano causado ao patrimônio alheio, com ou sem culpa (como nos casos de responsabilidade civil objetiva informada pela teoria do risco). A função da multa é sancionar o descumprimento das obrigações, dos deveres jurídicos. A função da indenização é recompor o patrimônio danificado. Em direito tributário é o juro que recompõe o patrimônio estatal lesado pelo tributo não recebido a tempo. A multa é para punir, assim como a 25 26 In RTJ 80/111-2 Teoria e prática das multas tributárias. Rio de Janeiro, Forense, 1992. p.71. 46 correção monetária é para garantir, atualizando-o, o poder de compra da moeda. Multa e indenização não se confundem. É verdade que do ilícito pode advir obrigação de indenizar. Isto, todavia, só ocorre quando a prática do ilícito repercute no patrimônio alheio, inclusive o estatal, lesando-o. O ilícito não é a causa da indenização; é a causa do dano. E o dano é o pressuposto, a hipótese, a que o direito liga o dever de indenizar. Nada tem a ver com a multa que é sancionatória. Debalde argüir semelhança entre a multa de mora e as chamadas ‘cláusulas penais’ do direito civil. No campo de direito privado existem multas compensatórias ou indenizatórias e multas punitivas. A diferença é a seguinte. A multa punitiva visa sancionar o descumprimento do dever contratual, mas não o substitui, e a multa compensatória aplica-se para compensar o não-cumprimento do dever contratual principal, a obrigação pactuada, substituindo-a. Por isso mesmo costumase dizer que tais multas são ‘início de perdas e danos’. Ora, se assim é, já que a multa moratória do direito tributário não substitui a obrigação principal – pagar o tributo –, coexistindo com ela, conclui-se que a sua função não é aquela típica da multa compensatória, indenizatória do direito privado (por isso que seu objetivo é tão-somente punir). Sua natureza é estritamente punitiva, sancionante. Aliás o STF alinha-se com a opinião ora expendida, como já visto” 27 . Por essa razão, o IV Simpósio Nacional de Direito Tributário, realizado em São Paulo, em 1979, concluiu, à unanimidade, que a multa por falta de recolhimento do tributo tem caráter punitivo 28 . É que a multa fiscal tem como premissa maior o descumprimento de dever legal, ou seja, a prática de ilícito administrativo; a indenização já possui outro pressuposto: um dano causado ao patrimônio alheio, com ou sem culpa. A finalidade da multa é punir o descumprimento das obrigações e dos deveres jurídicos; a da indenização é recompor o patrimônio desfalcado. Em direito tributário, como anota Sacha Calmon, são os juros que recompõem o patrimônio estatal lesado. A multa destina-se a punir, assim como a correção monetária destina-se a garantir o poder de compra da moeda. Daí o 27 Ob. cit., pp.71-3. Destaques no original. 47 entendimento do STF de não mais terem aplicação as Súmulas nos 191 e 192, que, respectivamente, previam a exigibilidade das “multas moratórias” e a exclusão das “multas punitivas” quando a Fazenda Pública demandava a massa falida. Corolário desse magistério é a Súmula n° 565 do STF, que entende que a pena administrativa constitui multa fiscal moratória. Na doutrina estrangeira há o mesmo entendimento, como pondera Hector Viliegas: “A multa fiscal, em sendo retributiva, assume o caráter de pena, enquanto sua finalidade não se resume a simplesmente ressarcir o fisco, senão também castigar o infrator” 29 . Multa confiscatória As chamadas multas moratórias também se desfiguraram em função do seu montante excessivo em relação à infração tributária. Num sistema em que há previsão de juros (para indenizar) e correção monetária (para manter o cunho liberatório da moeda), a imposição de multas elevadas leva a verdadeiro confisco do patrimônio do contribuinte. Foi por esse motivo que Aliomar Baleeiro e Bilac Pinto execraram penas dessa natureza no RE 80.093-SP, cuja ementa salienta a inexigibilidade de multa diante do abuso do poder fiscal e da incidência da correção monetária 30 . A respeito das multas confiscatórias, em decorrência do montante excessivo ou despropositado em relação à infração tributária, o Prof. Sampaio Dória, citado pelo Ministro Bilac Pinto, é incisivo: “Não só o art. 141, § 31, da Carta Magna [de 1946], impossibilitaria penalidades assim desarrazoadas, mas a própria diretriz da capacidade contributiva obstaria a imposição de penas que exorbitassem da capacidade econômica dos indivíduos. Reconhecida ao judiciário a faculdade de rever e reduzir multas exigidas pelo fisco, são elas depuradas de seu eventual feitio confiscatório com grande facilidade. Aliás, dessa superintendência sobre a 28 Apud Caderno de Pesquisas Tributárias 5, São Paulo, RT, 1980 (apêndice “Resoluções do IV Simpósio”). Direito Penal Tributário. Sto Paulo, Educ, 1974. p. 330. 30 In RTJ 82/809. 29 48 ação repressiva da administração têm os nossos tribunais feito largo uso, aparando-lhe os freqüentes excessos na matéria” 31 . O princípio da capacidade contributiva do contribuinte e a vedação do confisco são hoje princípios constitucionais expressos em matéria tributária (art. 145, l°, e art. 150, IV, da CF/88). Embora dirigidos literalmente aos impostos (princípio da capacidade contributiva) e aos tributos (vedação de utilizá-los com efeito de confisco), tais postulados se espraiam por todo o sistema tributário, atingindo por inteiro o crédito tributário na sua acepção mais lata, como conceituado pelo art. 133 e seus parágrafos do Código Tributário Nacional. Em síntese: eles atingem tanto as penas fiscais quanto os tributos. O Ministro Bilac Pinto assevera: “Devemos deixar claro, porém, que não apenas os tributos, mas também as penalidades fiscais, quando excessivas ou confiscatórias, estão sujeitas ao mesmo tipo de controle jurisdicional”32 . 2. A Multa e o Poder Judiciário A exclusão ou redução da multa pelo Poder Judiciário é decorrente do princípio da inafastabilidade, no sistema jurídico brasileiro, do controle jurisdicional, a teor do artigo 5°, XXXV, da Constituição Federal: “XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Aliomar Baleeiro observa que a eqüidade permeia o direito tributário, acentuando: “A cláusula ‘seja qual for o motivo determinante da falta’ deve ser atendida em termos, num sistema jurídico que autoriza a eqüidade na interpretação das leis (CTN, art. 108, IV). Os tribunais brasileiros, inclusive o Supremo Tribunal Federal, têm excluído multas em casos especiais. (Ver S.TF.R.E. n°55.906, Gallotti, 27- 5-65, Pleno, R.T.J., 33/647; R.E. n° 57.904, Lins, 25-4-66, 1° Turma, R.T.J., 37/296; 2° Turma: Ag. n° 40.319, 22-8-67; R.E. n° 60.413; Nogueira, 17-10-67; R.E. n°60.476, Uns, 2831 In RTJ 82/815. 49 1 1-67; R.E. n° 60.972, Baleeiro, 7-3-67; R.E. n°61.160, Lins, 19-3-68, R.TJ., 44.661; R.E. n°60.964, Baleeiro, 7-3-67, R.TJ., 41/55)” 33 . Por isso, a eqüidade recomenda a exclusão de multas vultosas, porque representariam sanção confiscatória. É oportuna a lição de Celso Ribeiro de Bastos: “A sanção pode extinguir-se pelo: (...) g) decisão por eqüidade;” 34 Hugo de Brito Machado cita Pedro Nunes, que define a eqüidade: “Sentimento íntimo de justiça, que se funda na igualdade perante a lei, na boa razão e na ética, para suprir a imperfeição da lei ou modificar criteriosamente o seu rigor, tornando-a mais moderada, benigna e humana, com o efeito estritamente necessário ou mais amoldável à circunstância corrente, de atender a um sem prejudicar a outro” 35 . Ruy Barbosa Nogueira, louvando-se em Vicente Ráo, salienta: “A ‘eqüidade’ é a mitigação do rigor da lei. O Prof. Vicente Ráo compendia estas três regras fundamentais da eqüidade: 1) por igual modo devem ser tratadas as cousas iguais e desigualmente as desiguais; 2) todos os elementos que concorreram para constituir a relação sub judice, cousa, ou pessoa, ou que, no tocante a estas tenham importância, ou sobre elas exerçam influência, devem ser devidamente consideradas; 3) entre várias soluções possíveis deve-se preferir a mais suave e humana, por ser a que melhor atende ao sentido de piedade e de benevolência da justiça; ‘jus bonum et aequum’” 36 . Mais adiante, esse renomado doutrinador assevera: “Alguns tribunais administrativos fiscais, como é o exemplo do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo, têm competência em certos casos 32 Op. cit., p. 814. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro, Forense, 1981. p. 547. 34 Sanções em matéria tributária. Curso de Direito Tributário. Coord. Ives Gandra da Silva Martins. CEJUP. vol. 1, p. 400. 35 Interpretação no Direito Tributário. São Paulo, RT, 1989. Vol. 1 p. 45. 36 Curso de Direito Tributário. São Paulo, Saraiva, 1989, p. 103. 33 50 para dispensar multas fundados na eqüidade; também algumas leis federais dão essa competência ao Ministro da Fazenda, mediante proposta dos Conselhos de Contribuintes” 37 . A jurisprudência mais recente mantém a mesma postura: “Não pode subsistir a sentença na parte em que condena o executado à multa de 100% do imposto devido, porque predominante a orientação jurisprudencial no sentido de que, fixada nesse percentual, ela assume feição confiscatória. Reformada parcialmente a sentença, as despesas e honorários devem ser recíprocos e proporcionalmente distribuídos entre os litigantes” 38 . “Processual Civil e Tributário. ICM. Cobrança. Embargos à execução. Correção monetária, juros de mora e multa. Embargante em regime de concordata preventiva. Exclusão da multa moratória. Possibilidade. 1 - Correta a decisão que, arrimando-se em jurisprudência do Pretório Excelso, entendeu que, malgrado não aplicável à concordata, a regra do inciso II, do parágrafo único, do artigo 23 da Lei de Falências, ‘afasta-se, porém, a exigibilidade da multa fiscal, tendo em vista o preceito do art. 112 do Código Tributário Nacional, que determina seja dada à lei interpretação mais favorável ao contribuinte, evitando-se a extensão dos efeitos da cobrança sobre sua solvabilidade’. II - In casu, estando a embargante, ora recorrida, em regime de concordata preventiva, com dificuldade de saldar suas dívidas, cabível afastar-se a exigibilidade da multa fiscal, a teor do artigo 112 do Código Tributário Nacional e em consonância com a jurisprudência do egrégio STF. III - Recurso desprovido. Decisão unânime” 39 . Além dos acórdãos anteriormente citados, que reconhecem ao Poder Judiciário o poder de excluir ou diminuir a multa fiscal, é de se anotar que essa prerrogativa dos juízes já vem de longe. 37 Op. cit, p. 103. TJ.MG, Ac. da 4 CC, em 1º.06.81 Ap. 55.354, ADV, nº 429. 39 REsp. 38.997-6 - SP. Revista do Superior Tribunal de Justiça. Brasília, a. 7(75): 169-446, novembro de 1995, p. 329. 38 51 Assim: Ac. 4 CC do TJSP, Apel. 94.874, 11.06.59, Rel. Bandeira de MeIlo, RT 289/356; Ac. ia CC do TJSP, Agr. 89.957, 03.03.59, ReI. Juarez Bezerra, RT 288/456; Ac. 3 CC do TASP, Rec. ex-officio 252.562, 06.12.58, Rel. Góes Nobre, RT 287/616 (vejam-se também os julgados das RT 27 3/280, 264/722 e 262/673). 3. Correção Monetária O abuso que ocorre com as multas fiscais (moratórias ou punitivas) decorre do advento do instituto da correção monetária e, sobretudo, da livre estatuição dos seus índices, ou seja, da inobservância do princípio da legalidade. Se o débito principal for transformado em dólar norte-americano, verificar-se-á que, entre a data da sua constituição e a do pagamento, houve acréscimo real (em dólares, portanto) daquele montante, isso mesmo sem considerar a incidência de juros e multa. Ora, se a função da correção monetária é manter o poder de compra da moeda, não pode ela extrapolar esse mesmo valor, tornando-o diferente do valor original. E, como a correção monetária também “corrige” o valor da multa e os juros incidem sobre tal valor, então é flagrante o “efeito cascata” da aplicação da correção monetária sobre o crédito tributário, neste incluído o imposto, os juros, a multa e a própria correção. Por conseguinte, a correção monetária, na forma como é calculada e aplicada, também é responsável pelo montante desarrazoado e excessivo do crédito tributário. Logo, ela merece exame aprofundado pelo Poder Judiciário, para desbastar o seu excesso, devendo ficar, v.g., no equivalente em quantidade de dólares, ainda que nesta quantidade seja projetada a correção dessa moeda. O que não se pode é, a pretexto de corrigir o valor da moeda, proceder a autêntico confisco. Vê-se que, pelo princípio da capacidade contributiva, não pode o contribuinte ser obrigado a arcar com a correção monetária quando, v.g., o preço de seu produto não teve a mesma correção. Deve ser aplicado o princípio geral de direito de que ninguém pode dar aquilo que não tem. Ora, se não ingressou em caixa o numerário correspondente à correção do preço do produto comercializado pelo contribuinte, é óbvio que ele não tem 52 obrigação de pagar mais do que recebeu. Assim, devem ser adotadas formas equânimes de correção, v.g.: pelo dólar (tantos dólares à época do débito, a mesma quantidade à época do pagamento) ou pela limitação do índice oficial ao preço do produto. De qualquer forma, impõe um exame minucioso pelo Poder Judiciário. 53 54 ANOTAÇÕES, DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA ENCONTRADAS NA OBRA DO PROFESSOR E JUIZ FEDERAL LEANDRO PAULSEN: DIREITO TRIBUTÁRIO: CONSTITUIÇÃO E CÓDIGO TRIBUTÁRIO À LUZ DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA. 55 - Descumprimento de obrigações principais e de obrigações acessórias. “... o inciso V do art. 97 prevê duas modalidades de infração, ambas subordinadas à primazia da lei. O legislador, assim, deverá: 1) definir, na mesma lei, as infrações representadas por ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, fixando as penalidades; 2) definir infrações por violação a outras leis ou a atos normativos de grau hierárquico inferior referentes aos deveres jurídicos instrumentais (obrigações acessórias), fixando, também, as respectivas penalidades. Temos aqui as violações a atos normativos da Administração.” (Yonne Dolácio de Oliveira, em Comentários ao Código Tributário Nacional, vol 2, coord. Ives Gandra da Silva Martins, Ed. Saraiva, 1998, p.27/28) - Obrigação principal. “... o legislador do Código chama de obrigação principal ao vínculo abstrato que une o sujeito ativo ao sujeito passivo, tendo como objeto uma prestação pecuniária. É a relação jurídica, de cunho patrimonial, estabelecida no conseqüente da regra-matriz de incidência. As demais relações, destituídas desse caráter, são designadas por obrigações acessórias...” (Paulo de Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário, 8ª edição, Ed. Saraiva, 1996, p. 184) - A obrigação principal, criação de expediente técnico-jurídico, congrega em um só objeto, em uma só relação jurídica, mediante a operação de soma ou união de relações, os objetos das relações jurídicas patrimoniais: relação jurídica tributária, relação jurídica da multa pelo não-pagamento, relação jurídica de mora e relação jurídica de sancionador instrumental, prática esta que, se, de um lado, facilita a integração e cobrança do débito fiscal, de outro, dificulta o discernimento das várias categorias e regimes jurídicos díspares que compõem a denominada obrigação tributária principal. (Eurico Marcos Diniz de Santi, Lançamento Tributário, Ed. Max Limonad, 1996, p. 118/119) - Obrigação acessória. Obrigação acessória é obrigação de fazer em sentido amplo (fazer, não-fazer, tolerar), no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. (Paulsen, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional à luz da doutrina e da jurisprudência. 8a edição revista e atualizada, Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2006, p. 972) 56 - “Ao lado da obrigação de dar, o Código Tributário Nacional coloca as acessórias, que têm por objeto prestações positivas ou negativas, previstas em lei, no interesse da fiscalização. (...) A acessória dá um suporte grande ao direito tributário na medida em que fiscaliza e controla esses recursos. A melhor doutrina não considera tais obrigações como acessórias da obrigação de dar; prefere ver nelas deveres de natureza administrativa, isso porque a relação obrigacional é passageira, dissolvendo-se sobretudo pelo pagamento, enquanto nos comportamentos impostos em caráter permanente, as pessoas designadas em lei o são sob um vínculo de durabilidade ou permanência não suscetível de exaurir-se com o mero cumprimento. A conclusão é que nem todos os comportamentos que o Código Tributário Nacional considera como obrigações devem ser efetivamente tidos como tais. Há que se discriminar entre obrigações principais e os deveres.” (Celso Ribeiro Bastos, em Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. 2, coord. Ives Gandra da Silva Martins, Ed. Saraiva, 1998, p. 146) - “Ao lado da falta de patrimonialidade aponta-se a não-transitoriedade dessas obrigações acessórias como sinal de não serem obrigações propriamente ditas.” (Alcides Jorge Costa, Obrigação Tributária, em Curso de Direito Tributário, CEJUP/Centro de Extensão Universitária, 1993, vol. 1, p. 216) - Paulo de Barros Carvalho entende que as chamadas obrigações acessórias são, na verdade, deveres que não têm natureza obrigacional, por faltar-lhes conteúdo dimensível em valores econômicos. Prefere, por isso, a expressão “deveres instrumentais ou formais”, forte em que não têm natureza obrigacional e em que nem sempre são acessórios, pois existem independentemente do surgimento efetivo da obrigação tributária dita principal. (Paulo de Barros Carvalho, Curso de Direito Tributário, 8ª edição, Ed. Saraiva, 1996, p. 199) - O caráter da acessoriedade. Hugo de Brito Machado não aceita o entendimento dos que criticam a expressão “acessória”. “Essa crítica não é procedente. É fruto de uma visão privativista, inteiramente inadmissível em face do Código Tributário Nacional, em cujo contexto o adjetivo acessória, que qualifica essas 57 obrigações, tem sentido inteiramente distinto daquele do Direito Privado. (...) em direito tributário, as obrigações acessórias não precisariam existir se não existissem as obrigações principais. São acessórias, pois, neste sentido.” (Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, Malheiros, 1997, p.88/89) - “A obrigação acessória é uma normatividade auxiliar que torna possível a realização da principal. É acessória no sentido de que desempenha um papel auxiliar. Não se quer dizer com essa denominação que a obrigação acessória esteja subordinada ou mesmo dependente da principal. A obrigação acessória visa à fiscalização de tributos, objetivando o pagamento destes (obrigação principal). Note-se que ela é fundamental para a efetivação do pagamento do tributo.” (Celso Ribeiro Bastos, em Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. 2, coord. Ives Gandra da Silva Martins, Ed. Saraiva, 1998, p. 147/148) - Autonomia da obrigação acessória. O gozo de imunidade ou de benefício fiscal como a isenção ou anistia não dispensa o beneficiado de cumprir as obrigações tributárias acessórias a que estão obrigados quaisquer contribuintes. Estas obrigações acessórias decorrem diretamente da lei, no interesse da administração tributária, e não tem sua observância vinculada à existência de qualquer obrigação principal. - Mesmo pessoas isentas ou imunes devem cumprir as obrigações acessórias. Vejam-se os arts. 175, parágrafo único, e 194, parágrafo único, ambos do CTN, expressos a respeito da necessidade de cumprimento das obrigações acessórias e de submissão à fiscalização também por parte das empresas que eventualmente estejam dispensadas do pagamento de determinado tributo ou sejam imunes. - O cumprimento de obrigação acessória não condiciona a obrigação tributária principal. “IMPOST0 DE RENDA PESSOA JURÍDICA. ATIVIDADE RURAL. ALÍQUOTA DE 25% DO LUCRO E EXPLORAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO DE DOCUMENTO. O embargante faz jus a recolher Imposto de Renda da Pessoa Jurídica na alíquota diferenciada de 25% sobre o lucro da exploração da atividade rural, nos termos do inciso III do artigo 2º combinado com artigo 12 da Lei nº 8023/90, uma vez que exerce atividade pesqueira consistente na 58 captura e comercialização de pescado in natura. A alíquota diferenciada decorre da natureza da atividade desenvolvida pela empresa e não do preenchimento ou não de formulário do Imposto de Renda, que constitui mera obrigação acessória.” (TRF4, 2ª T, un., AC 2000.72.08.002602-9/SC, rel. Des. Fed. Vilson Darós, maio/02) - Legislação tributária, inclusive atos infralegais. As obrigações acessórias não limitam a liberdade do contribuinte, tampouco operam ingerência sobre o seu patrimônio. Constituem deveres formais, inerentes à regulamentação das questões operacionais relativas à tributação. Não há, assim, a necessidade de lei em sentido estrito para o estabelecimento de obrigações acessórias. A legislação tributária, tal como definida no art. 96 do CTN, abrangendo os decretos e as normas complementares, as estabelecerá. Eventual aplicação de multa pelo descumprimento de obrigação acessória é que dependerá de previsão legal, pois abarcada pela regra geral da legalidade (art. 5º, inciso II, da CF), além de referida expressamente no art. 97, V, do CTN. - “Ao estabelecer que o fato gerador da obrigação acessória é a situação prevista na legislação aplicável, o Código... deixar clara a idéia de que essa situação não precisa estar sempre prevista em lei, em sentido estrito. [...] A doutrina que tenta colocar as obrigações acessórias no âmbito da legalidade estrita é, sem dúvida, respeitável, sobretudo pela intenção de reforçar as garantias do contribuinte. Não nos parece, porém, defensável em face do Código Tributário Nacional, que exclui expressamente as obrigações acessórias do principio da legalidade estrita. No inciso III do art. 97, definindo o âmbito da legalidade estrita refere-se apenas ao fato gerador da obrigação tributária principal, quando a simples omissão dessa qualificação específica faria com que a norma abrangesse as duas espécies. No parágrafo 2º do art. 113 define a obrigação acessória como decorrente da legislação tributária, e no art. 115 diz que a obrigação acessória é a situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato. É certo que a lei faz parte da legislação tributária e está indicada em primeiro lugar no elenco dos atos normativos indicados no art. 96, entretanto, como a legislação, ali definida, abrange outros não há como 59 se possa sustentar que somente a lei pode criar obrigações acessórias. Preferimos, portanto, admitir que o Código Tributário Nacional autoriza a criação de obrigações acessórias por outros atos normativos, além da lei, e sustentar que só se incluem no conceito de obrigações acessórias aqueles deveres cujo cumprimento seja estritamente necessário para viabilizar o controle do cumprimento da obrigação principal. [...]... não podemos esquecer que a obrigação tributária acessória tem sempre caráter instrumental. Ela não tem razão de ser fora do contexto das obrigações principais, embora não se ligue necessariamente a uma especifica obrigação tributária principal. Um dever administrativo que não seja indispensável ao controle do cumprimento de obrigação tributaria principal só por lei pode ser instituído. Não se enquadra no conceito de obrigação tributária acessória. Isto, aliás, é o que justifica a instituição de obrigação acessória por regulamento. A Constituição atribui ao Presidente da República competência para sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução. Assim, como a obrigação acessória é apenas um meio, ou instrumento destinado a controlar o cumprimento da obrigação principal, ao instituí-la o regulamento está simplesmente criando condições para fiel execução da lei que instituiu a obrigação principal.” (Machado, Hugo de Brito. Fato Gerador da Obrigação Acessória. RDDT 96/31-33, set/03) - DCTF. Uma das mais importantes obrigações tributárias acessórias, na área federal, é a de apresentação periódica, pelas empresas, de declaração acerca dos tributos federais devidos. A sigla DCTF já correspondeu à Declaração de Contribuições e Tributos Federais quando da sua instituição pela IN SRF 129/86, mas, atualmente, significa Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais, o que melhor se afeiçoa ao entendimento já consolidado e positivado no sentido de que as contribuições têm natureza tributária. A IN SRF 482/04 dispõe sobre a Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF). - Multas moratórias x Multas punitivas. Todas as multas, pelos simples fato de serem multas, tendo como causa de aplicação o cometimento de um ilícito, revestem, evidentemente, caráter punitivo. Costuma-se, porém, distinguir as multas aplicadas em decorrência do simples não-pagamento do tributo no 60 prazo, de um lado, chamadas de “multas moratórias”, simplesmente, das multas em razão de alguma outra infração à legislação tributária, como o nãocumprimento de obrigações acessórias, a omissão de receitas etc., chamadas de “multas punitivas”. (Paulsen, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional à luz da doutrina e da jurisprudência. 8a edição revista e atualizada, Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2006, p. 972) - Conversão em obrigação principal. “Na verdade o inadimplemento de uma obrigação acessória não a converte em obrigação principal. Ele faz nascer para o fisco o direito de constituir um crédito tributário contra o inadimplente, cujo conteúdo é precisamente a penalidade pecuniária, vale dizer a multa correspondente.” (Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, Malheiros, 1997, p. 88) - A impropriamente chamada conversão depende de previsão legal específica, estabelecendo pena pecuniária para o descumprimento da obrigação acessória. Ou seja, não há uma conversão automática em obrigação principal. O que ocorre, sim, é que o descumprimento da obrigação acessória normalmente é previsto em lei como causa para a aplicação de multa, esta considerada obrigação principal nos termos do § 1° deste artigo. (Paulsen, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional à luz da doutrina e da jurisprudência. 8a edição revista e atualizada, Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2006, p. 980) - “REFIS. INCLUSÃO DE MULTA DECORRENTE DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA NO PARCELAMENTO. POSSIBILIDADE. Não há óbice jurídico para a inclusão no REFIS, da multa decorrente de ausência de informação do IPI devido, na nota fiscal de saída da mercadoria, porque, tratando-se de obrigação acessória, clara é a disposição do § 3° do art. 113 do CTN, de que a sua inobservância converte-a em obrigação principal relativamente a penalidade pecuniária, o que significa dizer que a sanção imposta ao inadimplente é uma multa que, como tal, constitui uma obrigação principal, sendo exigida e cobrada através dos mesmos mecanismos aplicados ao tributo.” (TRF4, 1ª T., un., AgRegAI 2001.04.01.089739-6/RS, rel. Desa. Fed. Maria Lúcia Luz Leiria, mai/02) 61 - Multa por atraso na entrega de DCTF. “TRIBUTÁRIO. MULTA POR ATRASO NA ENTREGA DA DCTF. LEGALIDADE. É cabível a aplicação de multa pelo atraso na entrega da Declaração de Contribuições e Tributos Federais, a teor do disposto na legislação de regência. Precedentes jurisprudenciais. Recurso provido.” (STJ, 1ª T., un., REsp 374.533/PR, rel. Min. Garcia Vieira, ago/2002) - Finalidade da norma. “Não há que se falar em conversão da obrigação acessória em principal, mas sim em sanção. Contudo, a intenção do texto é tão manifesta que acaba por relevar esse pecadilho de ordem lógica. É que resulta claro que o que o legislador quis deixar certo é que a multa tributária, embora não sendo, em razão da sua origem, equiparável ao tributo, há de merecer o mesmo regime jurídico previsto para sua cobrança. O direito tem estas liberdades, que não precisam ser objeto de escândalo.” (Celso Ribeiro Bastos, em Comentários ao Código Tributário Nacional, vol. 2, coord. Ives Gandra da Silva Martins, Ed. Saraiva, 1998, p. 148) - PARÂMETROS DE APLICAÇÃO DAS MULTAS. “ARTIGO 146, INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL... MULTA – TRIBUTO – DISCIPLINA. Cumpre à legislação complementar dispor sobre os parâmetros da aplicação da multa, tal como ocorre no art. 106 do CTN. […]” (STF, RE 407.190/RS, rel. Min. Marco Aurélio, out/04) - Vedação de sanções em medida superior à necessária ao atendimento do interesse público. Lei 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal: “Art. 2° A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: ... VI — adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;” 62 - Proibição do excesso. Redução de multa confiscatória. São inadmissíveis multas excessivamente onerosas, irrazoáveis, insuportáveis, abusivas, enfim, desproporcionais à falta cometida. - “As leis que estabelecem multas abusivas podem ser questionadas e declaradas inconstitucionais em face dos princípios da razoabilidade das leis, do não-confisco, da capacidade contributiva, da legalidade, da irretroatividade das leis e da anterioridade, e outros.” (Cláudio Renato do Canto Farág, Multas Fiscais: Regime Jurídico e Limites de Gradação, Ed. Juarez de Oliveira, 2001, p. 148). Obs: vide, ainda, Ricardo Aziz Cretton, Os Princípios da Proporcionalidade e da Razoabilidade e sua Aplicação no Direito Tributário, Ed. Lumen Juris, 2001, p. 133 e ss. - Percentual da multa moratória. A multa moratória jamais pode assumir caráter abusivo. Outrora, seguimos a orientação do STF, estabelecendo o limite máximo a ser admitido em 30%. Entendemos, contudo, agora, que o percentual de 20% já se situa na divisa entre a punição severa e o excesso vedado. Se de um lado, não cabe ao magistrado estabelecer percentual que entenda ideal, por certo que, sendo provocado, pode reduzir a multa a patamar suportável, tendo em conta a natureza da falta cometida, qual seja, a inadimplência. (Paulsen, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional à luz da doutrina e da jurisprudência. 8a edição revista e atualizada, Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2006, p.1164) - “Decorre do simples atraso no recolhimento de tributo declarado, revelando natureza penal (e não ressarcitória), uma vez que o valor devido (normalmente) não guarda nenhuma proporção com o prejuízo real da Fazenda. Sempre revela caráter sancionatório porque não tem em mira a recomposição do patrimônio do credor pelo tempo transcorrido após o vencimento do prazo estipulado para o pagamento do débito. (...) Esta penalidade não poderia alcançar até 40% do valor do tributo (como previsto em determinadas legislações), deveriam até ser balizadas pela Lei Federal n° 9.298, de 1.8.96, que introduziu modificação no Código de Defesa do Consumidor, reduzindo de 10% para 2% o percentual máximo das multas moratórias face ao inadimplemento de obrigações”. (José Eduardo 63 Soares de Melo, Sanções Tributárias Inconstitucionais, Repertório IOB de Jurisprudência/98, Verbete 1/12675) - Multa de 300% para não-expedição de nota fiscal. “O Tribunal deferiu, com eficácia ex nunc, medida cautelar em ação direta ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio – CNC, para suspender, até decisão final da ação, a execução e aplicabilidade do art. 3º, parágrafo único, da Lei 8.846/94, que prevê, na hipótese de o contribuinte não haver emitido a nota fiscal relativa a venda de mercadorias, prestação de serviços ou alienação de bens móveis, a aplicação de multa pecuniária de 300% sobre o valor do bem objeto da operação ou do serviço prestado. Considerou-se juridicamente relevante a tese de ofensa ao art. 150, IV, da CF (Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:.. IV – utilizar tributo com efeito de confisco;). ADinMC 1.075-DF, rel. Min. Celso de Mello, 17.6.98” (Informativo 115 STF) - Multa moratória de 100%. Redução para 30%. “… 2) Multa moratória de feição confiscatória. Redução a nível compatível com a utilização do instrumento da correção monetária. …” (STF, 2ª Turma, RE 81.550/MG, rel. Min Xavier de Albuquerque, mai/75) Obs: do voto condutor vê-se: “… Conheço do Recurso e doulhe parcial provimento para julgar procedente o executivo fiscal, saldo quanto à multa moratória que, fixada em nada menos de 100% do imposto devido, assume feição confiscatória. Reduzo-a para 30%, base que reputo razoável para a reparação da impontualidade do contribuinte.” - “ICM. REDUÇÃO DE MULTA DE FEIÇÃO CONFISCATÓRIA. – Tem o STF admitido a redução de multa moratória imposta com base em lei, quando assume ela, pelo seu montante desproporcionado, feição confiscatória. – Dissídio de jurisprudência não demonstrado. Recurso Extraordinário não conhecido.” (STF, 2ª Turma, RE 91.707/MG, rel. Min. Moreira Alves, dez/79) Obs.: neste acórdão, o Min. Relator refere o precedente do STF no RE 81.550/MG. - TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. SALÁRIO-EDUCAÇÃO. MULTA… 3. Multa simplesmente moratória de 60% mostra-se 64 excessivamente onerosa, desproporcional e abusiva, assumindo inadmissível caráter confiscatório, sendo cabível sua redução para 30%, prevista na própria legislação para o caso de inadimplemento superior a quinze dias.” (TRF4, 1ª T., un., AC 2000.04.01.032749-6, Rel. Juiz Leandro Paulsen, out/01) Eis o que o relator ponderou ainda na oportunidade: “A multa de 60% mostra-se excessivamente onerosa... Não é o caso, porém, de simplesmente afastar a multa, eis que a incidência da multa, no caso, é prevista pelo próprio CTN, em seu art. 161. Cabe, sim, expungi-la do excesso inconstitucional. Tenho, pois, que o percentual de 60% deve ser substituído pelo percentual já elevado, mas suportável, de 30%...” - Multa moratória de 60%. Inconstitucionalidade. Redução para 20%. “TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. MULTA MORATÓRIA DESPROPORCIONAL E CONFISCATÓRIA. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5º, CAPUT E INCISO XXII, E 150, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. REDUÇÃO PARA 20%. SUSCITADO INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Multa simplesmente moratória de 60% mostra-se excessivamente onerosa, desproporcional e abusiva, assumindo inadmissível caráter confiscatório. Redução para 20%. 2. Suscitado incidente de argüição de inconstitucionalidade em relação ao art. 61, IV, da Lei nº 8.383/91 e do art. 4º, IV, da Lei nº 8.620/93, por violação aos artigos 5º, caput e inciso XXII, e 150, IV, da Constituição Federal, a ser decidido pela Corte Especial.” (TRF4, 1ª T., un., AC (Questão de Ordem) 2000.04.01.063415-0, rel. Juiz Federal Leandro Paulsen, out/03) Eis excerto do voto condutor: “Tenho que é inadmissível tolerar a aplicação de multa por simples inadimplemento no percentual de 60%. […] Dispõem a Lei 8.383/91 e a Lei 8.620/93, verbis:… Vê-se dos autos que, quando da lavratura da NFLD, foi aplicada a multa de 20% (dívida incluída em notificação de débito) e, posteriormente, quando da inscrição em dívida ativa, foi substituída pela multa de 60% (dívida não paga nem parcelada nos quinze dias posteriores à notificação). Em ambas as situações, o que temos é a simples mora, por menor ou maior tempo. Ou seja, está-se cobrando a multa de 60% em face do simples inadimplemento. [...] Ora, a multa implica a obrigação do infrator de verter montante correspondente do seu patrimônio para a satisfação do crédito constituído pela sua aplicação. Só se justifica como punição pelo ilícito, devendo guardar, por isso, pertinência com o grau da infração. A cominação da multa deve ser 65 adequada à busca do fim pretendido, necessária para atingi-lo e, ainda, proporcional. Veja-se a lição de Humberto Bergmann Ávila: “O postulado da proporcionalidade exige que o Poder Legislativo e o Poder Executivo escolham, para a realização de seus fins, meios adequados, necessários e proporcionais. Um meio é adequado se promove o fim. Um meio é necessário se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fim, for o menos restritivo relativamente aos direitos fundamentais. E um meio é proporcional, em sentido estrito, se as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca”. (Teoria dos Princípios, Malheiros, 2003, p. 102) Por certo que a multa inibe o cometimento da infração, portanto é medida adequada, e que é necessária, eis que a opção, e.g., por restrições a direitos como meio inibitório implicaria ofensa inadmissível à livre iniciativa. O problema surge é na chamada proporcionalidade estrita, eis que a multa deve ser proporcional à infração cometida, sob pena de violação ao direito de propriedade do contribuinte ao ofender abusivamente o seu patrimônio sem razão suficiente para tanto. Uma multa de 60% não é, sempre e necessariamente, em si e por si, inconstitucional. Tudo dependerá da infração que através dela se pretende prevenir/punir. Pode-se entender que as sanções contra formas variadas de fraudes tributárias, em que dolosamente o contribuinte atua no sentido de iludir o Fisco, visando a deixar de pagar o que deve, possa exigir multa de tal calibre, ou até maior. Isso porque, nesses casos, a má-fé do contribuinte e sua ação deliberada de subtrair ao conhecimento do Fisco o seu crédito exija uma sanção elevada, que efetivamente iniba o contribuinte, submetendo-o ao risco de punição de tal monta que não lhe valha a pena corrê-lo. Em face da simples mora, contudo, a cominação e aplicação de multa de 60% mostra-se absolutamente descabida. Basta referir – ainda que inaplicável em matéria tributária – que as multas contratuais em relações de consumo receberem, por força de lei, um teto de 2%. Não que se pretenda reduzir as multas moratórias em matéria tributária a tal patamar. Mas é um indicativo no sentido de que o legislador não admite que a simples punição pela mora implica uma sobrecarga demasiada. O simples inadimplemento pode ter inúmeras causas, entre as quais se terá, normalmente, a falta de recursos financeiros para o cumprimento, em dia, das obrigações. Mas impor 66 ao contribuinte, que já suporta correção/juros no pagamento atrasado, uma multa muito elevada implica desvirtuar a função da multa moratória, que passa de sanção pela mora, com vista a inibir a infração, a uma afronta descabida ao patrimônio do contribuinte. Não há dúvida de que o planejamento da execução orçamentária do Poder Público exige um regramento dos ingressos, de modo que se saiba quando haverá a disponibilidade dos recursos, e que se justifica a imposição de multa no caso de descumprimento, pelo contribuinte, dos prazos estabelecidos para o pagamento de tributos. Mas há que haver proporcionalidade entre a infração e o percentual cominado e exigido como penalidade. A multa moratória de 60% mostra-se excessivamente onerosa e abusiva, revelando extrema desproporcionalidade, com o que se conclui que implica violação ao direito de propriedade do contribuinte, protegido pelo artigo 5º, caput e XXII, da Constituição Federal. De fato, são inadmissíveis as multas excessivamente onerosas, insuportáveis, irrazoáveis. O princípio da proporcionalidade e a proteção devida ao direito de propriedade impedem se possa reconhecer validade a uma multa moratória de 60%. O descompasso entre o ilícito e a punição cominada é gritante. [...] Note-se que o STF também já reduziu multas desproporcionais. Isso porque tanto a instituição de tributos como a previsão de multas devem conformar-se não apenas ao princípio da legalidade mas também aos demais princípios, sob pena de invalidade. Não é o fato de a multa estar prevista em lei que dispensa a análise da validade do dispositivo. [...] ... que o legislador impôs a punição pelo não-pagamento do tributo no prazo é indiscutível. Que tal punição, através de multa, é possível, também não há dúvida. A questão de todo, pois, não está na imposição ou não de multa, mas na sua graduação. Daí as decisões no sentido de expurgar o excesso, reduzindo a multa para patamar admissível. Ou seja, o legislador pretendida punição de 100% - ou, como no caso, de 60% -, permitindo-se, contudo, em face da proporcionalidade e da vedação do confisco, a exigência de multa em percentual inferior. Quem pode o mais, pode o menos. Por certo que a previsão legal de punição de 100% abrange uma punição inferior, viabilizando, pois, a simples redução. O percentual de 2%, estabelecido por lei para as relações de consumo, é, por certo, inaplicável à matéria tributária, além de ficar aquém do necessário para inibir a infração. Uma multa 67 moratória de 10%, nem tão leve que seja insignificante nem demasiado pesada, parece-me, seria o mais adequado. Mas não estamos, aqui, cuidando de estabelecer o percentual ideal e, sim, de simplesmente reduzir a penalidade a patamar que, embora ainda pesado e superior ao que seria de se desejar, não agrida a Constituição. Tenho que, atualmente – e já à época dos dispositivos legais questionados –, o limite para a observância da proporcionalidade e para a inocorrência de ofensa à vedação do confisco deva ser estabelecido, para as multas simplesmente moratórias, em 20%, não mais do que isso. Note-se que o tributo é pago com correção monetária e juros (separadamente ou através da aplicação de índice híbrido como a SELIC), de modo que a multa não vem cumprir tal função. Vem, apenas e tão-somente, punir pelo cometimento da infração. A legislação, aliás, tem fixado o teto de 20% para as multas moratórias devidas relativamente aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal, conforme se vê do art. 61 da Lei 9.430/96, que estabelece multa diária de 0,33% limitada a 20%. Tem-se, pois, uma referência importante. [...] Tenho, pois, por inconstitucionais os dispositivos legais arrolados no que diz com a cominação da multa de 60% para a situação de simples mora, impondo-se que se afaste o excesso no que desborda da proporcionalidade, autorizando a cobrança no patamar máximo de 20%. Assim, proponho à Turma que seja suscitado, para julgamento pela Colenda Corte Especial, incidente de argüição de inconstitucionalidade do art. 61, IV, da Lei 8.383/91 e do art. 4º, IV, da Lei 8.620/93, por violação aos arts. 5º, caput e inciso XXII, e 150, inciso IV, da Constituição Federal de 1988. É como voto.” - Exame de razoabilidade... Aplicação. O postulado da razoabilidade encontra aplicação no caso da fixação de multa de mora elevada. A multa de mora pode ser considerada irrazoável, se sua fixação não guardar relação de congruência com o critério que lhe serve de fundamento. No caso em pauta, a multa de mora de 60% é irrazoável, pois não há equivalência entre a gravidade da penalidade (60% do valor do imposto) e gravidade de falta cometida (pagamento impontual). O montante da multa deve levar em conta a gravidade da falta cometida. Nesse caso, porém, a mera impontualidade no pagamento, de pouca gravidade, faz com o contribuinte seja punido com uma multa extremamente alta, de elevada monta. Não há equivalência e, por conseguinte, razoabilidade na fixação da multa. [...] Exame da 68 proporcionalidade... Aplicação... A multa de 60% é desproporcional, pois, apesar de adequada para atingir o fim (promover o pagamento pontual de tributos ou desmotivar a mora), é desnecessária, não pelo comportamento de instituir a multa, pois há poder para isso, mas pela circunstância de um percentual menor da multa ser igualmente adequado para estimular o pagamento pontual e menos restritiva relativamente ao direito de propriedade e de liberdade. Além disso, a multa é desproporcional em sentido estrito, pois não há proporção entre a vantagem valorativa obtida (pagamento pontual de tributos) e a restrição colateral causada (restrição intensa do direito de propriedade e de liberdade): não há proporção entre o valor da promoção positiva da pontualidade e o desvalor da restrição negativa da propriedade e da liberdade.” (ÁVILA, Humberto. Multa de Mora: Exames de Razoabilidade, Proporcionalidade e Excessividade. Artigo Inédito). - Multa moratória de 30%. Ausência de caráter confiscatório. “ICMS. MULTA DE 30% IMPOSTA POR LEI SOBRE O VALOR DO IMPOSTO DEVIDO. ALEGAÇÃO DE TER ESSA MULTA CARÁTER CONFISCATÓRIO. [...] Não se pode pretender desarrazoada e abusiva a imposição por lei de multa – que é pena pelo descumprimento da obrigação tributária – de 30% sobre o valor do imposto devido, sob o fundamento de que ela, por si mesma, tem caráter confiscatório. Recurso extraordinário não conhecido.” (STJ, 1ª T., un., RE 220.284-6/SC, rel. Min. Moreira Alves, mai/00) - Multa moratória de 20%. Ausência de caráter confiscatório. “IPI. MULTA MORATÓRIA. ART. 59. LEI 8.383/91. RAZOABILIDADE. A multa moratória de 20% do valor do imposto devido não se mostra abusiva ou desarrazoada, inexistindo ofensa aos princípios da capacidade contributiva e da vedação ao confisco. Recurso extraordinário não conhecido.” (STF, 1ª T., un., RE 239.964, rel. Min. Ellen Gracie, abr/03) - Multa moratória. 10% como limite. CF/34. Vale lembrar dispositivo da CF de 1934 que limitava os juros moratórios: “Art. 184. O produto das multas não poderá ser atribuído, no todo ou em parte, aos funcionários que a impuserem ou confirmarem. 69 Parágrafo único. As multas de mora por falta de pagamento de impostos ou taxas lançados não poderão exceder de dez por cento sobre a importância do débito.” - Multa do art. 44, I, da Lei 9.430/96. No sentido do caráter confiscatório da aplicação multa de 75% referida em tal dispositivo legal nos casos de pagamento de tributo a destempo, vide o art. de Walter Godoy, Infração Leve, Multa Pesada, na RET no 11, jan-fev/00. - Multa de 18% na omissão de declaração e recolhimento. TRIBUTÁRIO. COFINS. PARCELAMENTO. JUROS. MULTA DE 80%. ALEGAÇÕES DE EFEITO CONFISCATÓRIO, USURA E DESRESPEITO AOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA ISONOMIA. Alegações improcedentes, em face da legislação que rege a matéria, visto que as cominações impostas à contribuinte, por meio de lançamento de ofício, decorrem do fato de haver-se ela omitido na declaração e recolhimento tempestivos da contribuição, assentando o Supremo Tribunal Federal, por outro lado, que a norma do art. 192, parágrafo 3º, da Carta Magna, não é auto-aplicável. Recurso não conhecido.” (STF, 1ª T., un., RE 241.074/RS, rel. Min. Ilmar Galvão, nov/02) - Entendendo que o não-confisco não se aplica às multas e que é vedado ao Judiciário modificar o percentual de multa fixado em lei. “EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL... MULTA MORATÓRIA. CONFISCO. INOCORRÊNCIA. ARTIGO 35 DA LEI 8212, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 9528/97. LIMITE TEMPORAL JULGADO INCONSTITUCIONALPELA CORTE ESPECIAL DO TRF 4ª REGIÃO. POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE PENALIDADE MAIS BENIGNA. ARTIGO 106, II, C, DO CTN.... 2. O princípio do não-confisco é dirigido a tributos e não à multa moratória. 3....” (TRF4, 1ª T., un., AC 2003.04.01.0243678/RS, rel. Des. Fed. Wellington M. de Almeida, ago/03) - “MULTA. CONFISCO. ART. 35 DA LEI NO 8.212/91 COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 9528/97. REDUÇÃO DA MULTA MORATÓRIA. 1... 2. O princípio constitucional do não-confisco pertine a tributos, inaplicando-se à multa de mora, que é encargo que tem por fundamento o inadimplemento de tributo. Ademais é vedado ao Poder Judiciário modificar o percentual de multa fixado 70 em lei. 3...” (TRF4, 1ª T., un., AC 2001.04.01.075997-2/PR, rel. Desa. Fed. Maria Lúcia Luz Leiria, jun/03) - “TRIBUTÁRIO. ... LEGALIDADE. MULTA. 1... 3. A norma constitucional que proíbe o confisco não se aplica à multa, pois é direcionada aos tributos e não às sanções, que têm o objetivo de dar eficácia à atividade fiscal.” (TRF4, 2ª T., un, AC 2001.71.08.009231-4/RS, rel. Juiz Fed. Joel Ilan Paciornik, ago/03) - “… multa não é tributo, é penalidade, ainda que o valor da multa integre o crédito tributário em sentido lato, por expressa determinação da Lei 4.320/64, que inclui a multa entre os créditos da Fazenda Pública, determinando a sua inclusão na dívida ativa (art. 39, caput e parágrafo 2º). 21. Não existe vedação constitucional ao confisco do produto de atividade contrária à lei, como se vê ao ler o art. 243 da Constituição Federal em vigor. Desta forma, a aplicação de multa ao autor do ilícito fiscal, ainda que possa, por hipótese, reduzi-lo à insolvência, é lícita, pois a lei destina-se a proteger a sociedade, não o patrimônio do autor do ilícito. 22. A multa prevista no art. 44 da Lei 9.430/96 tem, ainda, uma característica especial: ela destina-se a coibir não apenas a ausência de recolhimento do tributo devido, mas o ‘evidente intuito de fraude’ consistente na omissão do contribuinte em revelar ao Fisco suas demonstrações financeiras. A sua aplicação pode ser evitada, portanto, pelo simples cumprimento de sua obrigação.” (Boiteux, Fernando Netto. A multa de ofício, a Lei 9.430/96 e o Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda. RDDT 120/60, set/05) - Proporcionalidade da multa. “... a multa não pode ser transformada em um instrumento de arrecadação; pelo contrário, deve-se graduar a multa em função da gravidade da infração, vale dizer, da gravidade do dano ou da ameaça que a infração representa para a arrecadação de tributos.” (AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, Ed. Saraiva, 2ª ed., 1998, p 414) - Pela impossibilidade de o Juiz alterar o percentual. “... MULTA. EXCESSO. PREVISÃO LEGAL. 1... 4. O Poder Judiciário não pode atuar como legislador positivo, sob pena de ofender o princípio da separação de poderes. 5. Ou seja, não pode o juiz, por um critério subjetivo de justiça, alterar o percentual de 71 penalidade posta, uma vez que se trata de tarefa legislativa. Assim agindo o Juízo, estaria não apenas legislando, mas também procedendo contra a manifesta intenção do legislador, que assim não dispôs.” (TRTF4, 2ª T., un., AMSS 2002.72.00.006534-4/SC, rel. Des. Fed. Dirceu de Almeida Soares, jun/04) - Vedação do confisco. A multa não pode ser tão alta a ponto de tornar-se confiscatória. O STF, em sede de liminar, admitiu a invocação do art. 150, IV, da CF para fundamentar a inconstitucionalidade da cobrança de multa exacerbada.(Paulsen, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário Nacional à luz da doutrina e da jurisprudência. 8a edição revista e atualizada, Porto Alegre: Livraria do Advogado: ESMAFE, 2006, p. 919) - Proporção com o valor da prestação pecuniária. “Constituem medidas repressivas, objetivando punir o devedor por infração a preceitos legais (obrigações principais e acessórias). Em abstrato, como mera previsão normativa, pairam como ameaça ao contribuinte, colimando reprimir o ilícito. (…) Recentemente, o STF teve a oportunidade de apreciar Ação Direta de Inconstitucionalidade Federal n° 8.846 de 21.1.94, que estabelecera o seguinte: ‘art. 3° — Ao contribuinte, pessoa jurídica, que não houver emitido nota fiscal, recibo ou documento equivalente, na situação de que trata o art. 2°, ou não houver comprovado sua emissão, será aplicada a multa pecuniária de trezentos por cento sobre o valor do bem objeto da operação ou do serviço prestado, não passível de redução prejuízo da incidência do imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza e das contribuições sociais. Parágrafo único. Na hipótese prevista neste artigo, não se aplica o disposto no art. 4º da Lei 8.218, de 29 de agosto de 1991’. Neste sentido, o STF suspendeu a execução com eficácia ex nunc dos referidos preceitos, até julgamento final, por entender que a multa fiscal tem caráter confiscatório que é vedado pelo inciso IV do artigo 150 da Constituição (Adin 1075, Plenário, un., Rel. Min. Celso de Mello, j. 17.06.98). Justifica-se a postura judicial porque as multas devem guardar proporção com o valor da prestação tributária, sob pena destruição da fonte produtora (pessoa natural ou jurídica) e violar o direito de propriedade, o direito de associação, a capacidade contributiva e o princípio do não confisco. (Angela Maria da Motta Pacheco, Sanções Tributárias e Sanções Penais Tributárias, 72 Max Limonad, p. 253).” (José Eduardo Soares de MeIo, Sanções Tributárias Inconstitucionais, Repertório IOB de jurisprudência/98, Verbete 1/12675) - “EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. MULTA MORATÓRIA. JUROS MORATÓRIOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. INCIDÊNCIA. 1. A multa de mora aplicada ao débito em execução decorre de disposição legal, constituindo ato vinculado, não cabendo à autoridade administrativa, tampouco ao Poder Judiciário, modificá-la segundo critérios subjetivos. (...)” (TRF4, 1° T., AC 97.04.67185-7ISC, rei. Juíza Vânia Hack de Almeida, mai/00) - Lei 9.639/98. Redução de multas moratórias. Inaplicabilidade às obrigações acessórias. “TRIBUTÁRIO. PENALIDADE. MULTA. DESCUMPRIMENTO OBRIGAÇAO ACESSÓRIA. IRREDUTIBILIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA. TRD. UFIR. JUROS DE MORA. O empregador deve lançar em sua contabilidade os valores descontados de seus empregados a título de contribuição previdenciária, sob pena de multa. A redução das multas moratórias prevista na Lei n° 9.639/98 não alcança as multas oriundas do descumprimento das obrigações de fazer, de caráter acessório. Uma vez observados os limites legais na fixação da multa, não cabe ao Poder Judiciário reduzir o seu percentual sob pena de ferir o princípio da separação dos poderes. (...) Impõe-se a aplicação de multa e juros moratórios, se o crédito não é integralmente pago ao vencimento, independente do motivo da falta (CTN, art. 161, caput e § 1°).” (TRF4, 1ª T., AC 1998.04.01.062129-8/RS, dez/99) - Limite de 2% previsto no Código de Defesa do Consumidor. Inaplicabilidade. A invocação do CDC, com seu limite de 2% para as multas moratórias, é de todo inadequada. Tal diploma não se refere à matéria tributária, não poderia limitar lei ordinária posterior em sentido diverso e contempla percentual excessivamente baixo, deixando de cumprir satisfatoriamente a finalidade de desincentivar o inadimplemento. - “EMBARGOS À EXECUÇÃO... MULTA DE MORA. CONFISCO. APLICAÇÃO DO CDC. 1... 5. Incabível a aplicação do CDC e a redução da multa ao percentual de 2%, eis que não se trata de ‘multa contratual’.” (TRF4, 1ª T., un., AC 1998.04.01.068825-3/RS, rel. Desa. Fed. Maria Lúcia Luz Leiria, mar/04) 73 - “EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL... CDC... Na fixação da multa fiscal moratória não se aplica o Código de Defesa do Consumidor. (...)” (TRF4, 1ª T., AC 2000.04.01.001489-5/SC, fev/00) 74 PRECEDENTES AFASTANDO A MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA EM CASOS DE DENÚNCIA ESPONTÂNEA (Ordenados cronologicamente conforme data de publicação no D.O.) 75 Superior Tribunal de Justiça Revista Eletrônica de Jurisprudência AgRg no AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 721.771-PR (2005⁄0192363-3) RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX AGRAVANTE : FAZENDA NACIONAL PROCURADOR : RICARDO PY GOMES DA SILVEIRA E OUTROS AGRAVADO : HÜBNER INDÚSTRIA MECÂNICA LTDA ADVOGADO : JOÃO DÁCIO ROLIM E OUTROS EMENTA PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 545 DO CPC. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. CTN, ART. 138. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO FORA DO PRAZO. TRIBUTO DIFERENÇA NÃO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECLARADA PREVIAMENTE PELO CONTRIBUINTE. POSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DA MULTA MORATÓRIA. 1. A jurisprudência da 1ª Seção pacificou-se no sentido de "não admitir o benefício da denúncia espontânea no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, quando o contribuinte, declarada a dívida, efetua o pagamento a destempo, à vista ou parceladamente." (AgRg no EREsp 636.064⁄SC, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ 05.09.2005). 2. Ressalva do relator no sentido de que a denúncia espontânea, na sua essência, configura arrependimento fiscal, deveras proveitoso para o fisco, porquanto o agente infrator, desistindo do proveito econômico que a infração poderia carrearlhe, adverte a mesma à entidade fazendária, sem que ela tenha iniciado qualquer procedimento para a apuração desses fundos líquidos. 76 3. Trata-se de técnica moderna indutora ao cumprimento das leis, que vem sendo utilizada, inclusive nas ações processuais, admitindo o legislador que a parte que se curva ao decisum fique imune às despesas processuais, como sói ocorrer na ação monitória, na ação de despejo e no novel segmento dos juizados especiais. 4. Obedecida essa ratio essendi do instituto, exigir qualquer penalidade, após a espontânea denúncia, é conspirar contra a norma inserida no art 138 do CTN, malferindo o fim inspirador do instituto, voltado a animar e premiar o contribuinte que não se mantém obstinado ao inadimplemento. 5. Desta sorte, tem-se como inequívoco que a denúncia espontânea exoneradora que extingue a responsabilidade fiscal é aquela procedida antes da instauração de qualquer procedimento administrativo. Assim, engendrada a denúncia espontânea nesses moldes, os consectários da responsabilidade fiscal desaparecem, por isso que reveste-se de contraditio in terminis impor ao denunciante espontâneo a obrigação de pagar "multa", cuja natureza sancionatória é inquestionável. Diverso é o tratamento quanto aos juros de mora, incidentes pelo fato objetivo do pagamento a destempo, bem como a correção monetária, mera atualização do principal. 6. À luz da lei, da doutrina e da jurisprudência, é cediço na Corte que: I) "Não resta caracterizada a denúncia espontânea, com a conseqüente exclusão da multa moratória, nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação declarados pelo contribuinte e recolhidos fora do prazo de vencimento." (RESP 624.772⁄DF); II) “A configuração da 'denúncia espontânea', como consagrada no art. 138 do CTN não tem a elasticidade pretendida, deixando sem punição as infrações administrativas pelo atraso no cumprimento das obrigações fiscais. A extemporaneidade no pagamento do tributo é considerada como sendo o descumprimento, no prazo fixado pela norma, de uma atividade fiscal exigida do contribuinte. É regra de conduta formal que não se confunde com o não-pagamento do tributo, nem com as multas decorrentes por tal procedimento.” (EDAG 568.515⁄MG); III) A denúncia espontânea não se configura com a notícia da infração seguida do parcelamento, porquanto a lei exige o pagamento integral, orientação que veio a ser consagrada no novel art. 155-A do CTN; 77 IV) Por força de lei, “não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.” (Art. 138, § único, do CTN) 7. Estabelecidas as referidas premissas, forçoso concluir que: a) Tratando-se de autolançamento, o fisco dispõe de um qüinqüênio para constituir o crédito tributário pela homologação tácita, por isso que, superado esse prazo, considerando o rito do lançamento procedimento administrativo, a notícia da infração, acompanhada do depósito integral do tributo, com juros moratórios e correção monetária, configura a denúncia espontânea, exoneradora da multa moratória; b) A fortiori, pagamento em atraso, bem como cumprimento da obrigação acessória a destempo, antes do decurso do qüinqüênio constitutivo do crédito tributário, não constitui denúncia espontânea; c) Tratando-se de lançamento de ofício, o pagamento após o prazo prescricional da exigibilidade do crédito, sem qualquer demanda proposta pelo erário, implica denúncia espontânea, tanto mais que o procedimento judicial faz as vezes do rito administrativo fiscal; d) Tratando-se de lançamento por arbitramento, somente se configura denúncia espontânea após o escoar do prazo de prescrição da ação, contado da data da ultimação da apuração a que se refere o art. 138 do CTN, exonerando-se o contribuinte da multa correspectiva. 8. Essa exegese, mercê de conciliar a jurisprudência da Corte, cumpre o postulado do art. 112 do CTN, afinado com a novel concepção de que o contribuinte não é objeto de tributação senão sujeito de direitos, por isso que “A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I - à capitulação legal do fato; II à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.” (Art. 112, CTN). Nesse sentido: RE 110.399⁄SP, Rel. Min. Carlos Madeira, DJ 27.02.1987, RE 90.143⁄RJ, Rel. Min. Soares Muñoz, DJ 16.03.1979, RESP 218.532⁄SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 13.12.1999. 78 9. Não obstante, configura denúncia espontânea, exoneradora da imposição de multa moratória, o ato do contribuinte de efetuar o pagamento integral ao Fisco do débito principal, corrigido monetariamente e acompanhado de juros moratórios, antes de iniciado qualquer procedimento fiscal com o intuito de apurar, lançar ou cobrar o referido montante, tanto mais quando este débito resulta de tributo sujeito a lançamento por homologação, que não fez parte de sua correspondente Declaração de Contribuições e Tributos Federais. 10. In casu, as exações em comento não restaram declaradas pelo contribuinte ao Fisco que, em verdade, só toma ciência da existência do crédito quando da realização do pagamento pelo devedor. 11. Inegável, assim, que engendrada a denúncia espontânea nesses termos, revela-se incompatível a aplicação de qualquer punição. Memorável a lição de Ataliba no sentido de que: “O art. 138 do C.T.N. é incompatível com qualquer punição. Se são indiscerníveis as sanções punitivas, tornam-se peremptas todas as pretensões à sua aplicação. Por tudo isso, sentimo-nos autorizados a afirmar que a autodenúncia de que cuida o art. 138 do C.T.N. extingue a punibilidade de infrações (chamadas penais, administrativas ou tributárias).” (Leandro Paulsen, Direito Tributário, p. 979, 6ª Ed. cit. Geraldo Ataliba in Denúncia espontânea e exclusão de responsabilidade penal, em revista de Direito Tributário nº 66, Ed. Malheiros, p. 29) 12. Agravo Regimental desprovido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas a Egrégia Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça decide, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda, José Delgado e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília, 06 de junho de 2006. MINISTRO LUIZ FUX 79 Relator AgRg no AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 721.771-PR (2005⁄0192363-3) RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator): Cuida-se de Agravo Regimental interposto pela FAZENDA NACIONAL contra decisão de minha lavra que reconsiderou decisão anteriormente proferida para negar provimento ao Agravo de Instrumento nos seguintes termos: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 544 DO CPC. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. CTN, ART. 138. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO FORA DO PRAZO. TRIBUTO DIFERENÇA NÃO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECLARADA PREVIAMENTE PELO CONTRIBUINTE. POSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DA MULTA MORATÓRIA. 1. A jurisprudência da 1ª Seção pacificou-se no sentido de "não admitir o benefício da denúncia espontânea no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, quando o contribuinte, declarada a dívida, efetua o pagamento a destempo, à vista ou parceladamente." (AgRg no EREsp 636.064⁄SC, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ 05.09.2005). 2. Ressalva do relator no sentido de que a denúncia espontânea, na sua essência, configura arrependimento fiscal, deveras proveitoso para o fisco, porquanto o agente infrator, desistindo do proveito econômico que a infração poderia carrearlhe, adverte a mesma à entidade fazendária, sem que ela tenha iniciado qualquer procedimento para a apuração desses fundos líquidos. 3. Trata-se de técnica moderna indutora ao cumprimento das leis, que vem sendo utilizada, inclusive nas ações processuais, admitindo o legislador que a parte que se curva ao decisum fique imune às despesas processuais, como sói ocorrer na ação monitória, na ação de despejo e no novel segmento dos juizados especiais. 80 4. Obedecida essa ratio essendi do instituto, exigir qualquer penalidade, após a espontânea denúncia, é conspirar contra a norma inserida no art 138 do CTN, malferindo o fim inspirador do instituto, voltado a animar e premiar o contribuinte que não se mantém obstinado ao inadimplemento. 5. Desta sorte, tem-se como inequívoco que a denúncia espontânea exoneradora que extingue a responsabilidade fiscal é aquela procedida antes da instauração de qualquer procedimento administrativo. Assim, engendrada a denúncia espontânea nesses moldes, os consectários da responsabilidade fiscal desaparecem, por isso que reveste-se de contraditio in terminis impor ao denunciante espontâneo a obrigação de pagar "multa", cuja natureza sancionatória é inquestionável. Diverso é o tratamento quanto aos juros de mora, incidentes pelo fato objetivo do pagamento a destempo, bem como a correção monetária, mera atualização do principal. 6. À luz da lei, da doutrina e da jurisprudência, é cediço na Corte que: I) "Não resta caracterizada a denúncia espontânea, com a conseqüente exclusão da multa moratória, nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação declarados pelo contribuinte e recolhidos fora do prazo de vencimento." (RESP 624.772⁄DF); II) “A configuração da 'denúncia espontânea', como consagrada no art. 138 do CTN não tem a elasticidade pretendida, deixando sem punição as infrações administrativas pelo atraso no cumprimento das obrigações fiscais. A extemporaneidade no pagamento do tributo é considerada como sendo o descumprimento, no prazo fixado pela norma, de uma atividade fiscal exigida do contribuinte. É regra de conduta formal que não se confunde com o não-pagamento do tributo, nem com as multas decorrentes por tal procedimento.” (EDAG 568.515⁄MG); III) A denúncia espontânea não se configura com a notícia da infração seguida do parcelamento, porquanto a lei exige o pagamento integral, orientação que veio a ser consagrada no novel art. 155-A do CTN; IV) Por força de lei, “não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.” (Art. 138, § único, do CTN) 81 7. Estabelecidas as referidas premissas, forçoso concluir que: a) Tratando-se de autolançamento, o fisco dispõe de um qüinqüênio para constituir o crédito tributário pela homologação tácita, por isso que, superado esse prazo, considerando o rito do lançamento procedimento administrativo, a notícia da infração, acompanhada do depósito integral do tributo, com juros moratórios e correção monetária, configura a denúncia espontânea, exoneradora da multa moratória; b) A fortiori, pagamento em atraso, bem como cumprimento da obrigação acessória a destempo, antes do decurso do qüinqüênio constitutivo do crédito tributário, não constitui denúncia espontânea; c) Tratando-se de lançamento de ofício, o pagamento após o prazo prescricional da exigibilidade do crédito, sem qualquer demanda proposta pelo erário, implica denúncia espontânea, tanto mais que o procedimento judicial faz as vezes do rito administrativo fiscal; d) Tratando-se de lançamento por arbitramento, somente se configura denúncia espontânea após o escoar do prazo de prescrição da ação, contado da data da ultimação da apuração a que se refere o art. 138 do CTN, exonerando-se o contribuinte da multa correspectiva. 8. Essa exegese, mercê de conciliar a jurisprudência da Corte, cumpre o postulado do art. 112 do CTN, afinado com a novel concepção de que o contribuinte não é objeto de tributação senão sujeito de direitos, por isso que “A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I - à capitulação legal do fato; II à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.” (Art. 112, CTN). Nesse sentido: RE 110.399⁄SP, Rel. Min. Carlos Madeira, DJ 27.02.1987, RE 90.143⁄RJ, Rel. Min. Soares Muñoz, DJ 16.03.1979, RESP 218.532⁄SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 13.12.1999. 9. Não obstante, configura denúncia espontânea, exoneradora da imposição de multa moratória, o ato do contribuinte de efetuar o pagamento integral ao Fisco do débito principal, corrigido monetariamente e acompanhado de juros moratórios, 82 antes de iniciado qualquer procedimento fiscal com o intuito de apurar, lançar ou cobrar o referido montante, tanto mais quando este débito resulta de tributo sujeito a lançamento por homologação, que não fez parte de sua correspondente Declaração de Contribuições e Tributos Federais. 10. In casu, as exações em comento não restaram declaradas pelo contribuinte ao Fisco que, em verdade, só toma ciência da existência do crédito quando da realização do pagamento pelo devedor. 11. Inegável, assim, que engendrada a denúncia espontânea nesses termos, revela-se incompatível a aplicação de qualquer punição. Memorável a lição de Ataliba no sentido de que: “O art. 138 do C.T.N. é incompatível com qualquer punição. Se são indiscerníveis as sanções punitivas, tornam-se peremptas todas as pretensões à sua aplicação. Por tudo isso, sentimo-nos autorizados a afirmar que a autodenúncia de que cuida o art. 138 do C.T.N. extingue a punibilidade de infrações (chamadas penais, administrativas ou tributárias).” (Leandro Paulsen, Direito Tributário, p. 979, 6ª Ed. cit. Geraldo Ataliba in Denúncia espontânea e exclusão de responsabilidade penal, em revista de Direito Tributário nº 66, Ed. Malheiros, p. 29) 12. Agravo Regimental provido, para reconsiderar a decisão agravada e negar seguimento ao Recurso Especial, com base no artigo 557 c.c. artigo 544, § 3º do CPC. Em suas razões, aduz a Fazenda Nacional o descabimento da denúncia espontânea, quando tratarem-se de homologação. É o relatório. 83 tributos sujeitos a lançamento por AgRg no AgRg no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 721.771-PR (2005⁄0192363-3) EMENTA PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 545 DO CPC. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. CTN, ART. 138. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO FORA DO PRAZO. TRIBUTO DIFERENÇA NÃO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECLARADA PREVIAMENTE PELO CONTRIBUINTE. POSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DA MULTA MORATÓRIA. 1. A jurisprudência da 1ª Seção pacificou-se no sentido de "não admitir o benefício da denúncia espontânea no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, quando o contribuinte, declarada a dívida, efetua o pagamento a destempo, à vista ou parceladamente." (AgRg no EREsp 636.064⁄SC, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ 05.09.2005). 2. Ressalva do relator no sentido de que a denúncia espontânea, na sua essência, configura arrependimento fiscal, deveras proveitoso para o fisco, porquanto o agente infrator, desistindo do proveito econômico que a infração poderia carrearlhe, adverte a mesma à entidade fazendária, sem que ela tenha iniciado qualquer procedimento para a apuração desses fundos líquidos. 3. Trata-se de técnica moderna indutora ao cumprimento das leis, que vem sendo utilizada, inclusive nas ações processuais, admitindo o legislador que a parte que se curva ao decisum fique imune às despesas processuais, como sói ocorrer na ação monitória, na ação de despejo e no novel segmento dos juizados especiais. 4. Obedecida essa ratio essendi do instituto, exigir qualquer penalidade, após a espontânea denúncia, é conspirar contra a norma inserida no art 138 do CTN, malferindo o fim inspirador do instituto, voltado a animar e premiar o contribuinte que não se mantém obstinado ao inadimplemento. 5. Desta sorte, tem-se como inequívoco que a denúncia espontânea exoneradora que extingue a responsabilidade fiscal é aquela procedida antes da instauração de qualquer procedimento administrativo. Assim, engendrada a denúncia espontânea nesses moldes, os consectários da responsabilidade fiscal desaparecem, por isso 84 que reveste-se de contraditio in terminis impor ao denunciante espontâneo a obrigação de pagar "multa", cuja natureza sancionatória é inquestionável. Diverso é o tratamento quanto aos juros de mora, incidentes pelo fato objetivo do pagamento a destempo, bem como a correção monetária, mera atualização do principal. 6. À luz da lei, da doutrina e da jurisprudência, é cediço na Corte que: I) "Não resta caracterizada a denúncia espontânea, com a conseqüente exclusão da multa moratória, nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação declarados pelo contribuinte e recolhidos fora do prazo de vencimento." (RESP 624.772⁄DF); II) “A configuração da 'denúncia espontânea', como consagrada no art. 138 do CTN não tem a elasticidade pretendida, deixando sem punição as infrações administrativas pelo atraso no cumprimento das obrigações fiscais. A extemporaneidade no pagamento do tributo é considerada como sendo o descumprimento, no prazo fixado pela norma, de uma atividade fiscal exigida do contribuinte. É regra de conduta formal que não se confunde com o não-pagamento do tributo, nem com as multas decorrentes por tal procedimento.” (EDAG 568.515⁄MG); III) A denúncia espontânea não se configura com a notícia da infração seguida do parcelamento, porquanto a lei exige o pagamento integral, orientação que veio a ser consagrada no novel art. 155-A do CTN; IV) Por força de lei, “não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.” (Art. 138, § único, do CTN) 7. Estabelecidas as referidas premissas, forçoso concluir que: a) Tratando-se de autolançamento, o fisco dispõe de um qüinqüênio para constituir o crédito tributário pela homologação tácita, por isso que, superado esse prazo, considerando o rito do lançamento procedimento administrativo, a notícia da infração, acompanhada do depósito integral do tributo, com juros moratórios e correção monetária, configura a denúncia espontânea, exoneradora da multa moratória; 85 b) A fortiori, pagamento em atraso, bem como cumprimento da obrigação acessória a destempo, antes do decurso do qüinqüênio constitutivo do crédito tributário, não constitui denúncia espontânea; c) Tratando-se de lançamento de ofício, o pagamento após o prazo prescricional da exigibilidade do crédito, sem qualquer demanda proposta pelo erário, implica denúncia espontânea, tanto mais que o procedimento judicial faz as vezes do rito administrativo fiscal; d) Tratando-se de lançamento por arbitramento, somente se configura denúncia espontânea após o escoar do prazo de prescrição da ação, contado da data da ultimação da apuração a que se refere o art. 138 do CTN, exonerando-se o contribuinte da multa correspectiva. 8. Essa exegese, mercê de conciliar a jurisprudência da Corte, cumpre o postulado do art. 112 do CTN, afinado com a novel concepção de que o contribuinte não é objeto de tributação senão sujeito de direitos, por isso que “A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I - à capitulação legal do fato; II à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.” (Art. 112, CTN). Nesse sentido: RE 110.399⁄SP, Rel. Min. Carlos Madeira, DJ 27.02.1987, RE 90.143⁄RJ, Rel. Min. Soares Muñoz, DJ 16.03.1979, RESP 218.532⁄SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 13.12.1999. 9. Não obstante, configura denúncia espontânea, exoneradora da imposição de multa moratória, o ato do contribuinte de efetuar o pagamento integral ao Fisco do débito principal, corrigido monetariamente e acompanhado de juros moratórios, antes de iniciado qualquer procedimento fiscal com o intuito de apurar, lançar ou cobrar o referido montante, tanto mais quando este débito resulta de tributo sujeito a lançamento por homologação, que não fez parte de sua correspondente Declaração de Contribuições e Tributos Federais. 10. In casu, as exações em comento não restaram declaradas pelo contribuinte ao Fisco que, em verdade, só toma ciência da existência do crédito quando da realização do pagamento pelo devedor. 86 11. Inegável, assim, que engendrada a denúncia espontânea nesses termos, revela-se incompatível a aplicação de qualquer punição. Memorável a lição de Ataliba no sentido de que: “O art. 138 do C.T.N. é incompatível com qualquer punição. Se são indiscerníveis as sanções punitivas, tornam-se peremptas todas as pretensões à sua aplicação. Por tudo isso, sentimo-nos autorizados a afirmar que a autodenúncia de que cuida o art. 138 do C.T.N. extingue a punibilidade de infrações (chamadas penais, administrativas ou tributárias).” (Leandro Paulsen, Direito Tributário, p. 979, 6ª Ed. cit. Geraldo Ataliba in Denúncia espontânea e exclusão de responsabilidade penal, em revista de Direito Tributário nº 66, Ed. Malheiros, p. 29) 12. Agravo Regimental desprovido. VOTO O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX(Relator): A decisão agravada ostenta o seguinte teor: Cuida-se de Agravo Regimental interposto por HÜBNER INDÚSTRIA MECÂNICA LTDA contra decisão de minha lavra que conheceu do Agravo de Instrumento para dar provimento ao Recurso Especial nos seguintes termos: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 544 DO CPC. RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. CTN, ART. 138 e 161. TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PAGAMENTO INTEGRAL, MAS EM ATRASO. IMPOSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DA MULTA MORATÓRIA. 1. A jurisprudência da 1ª Seção pacificou-se no sentido de "não admitir o benefício da denúncia espontânea no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, quando o contribuinte, declarada a dívida, efetua o pagamento a destempo, à vista ou parceladamente." (AgRg no EREsp 636.064⁄SC, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ 05.09.2005) 87 2. Ressalva do relator no sentido de que a denúncia espontânea, na sua essência, configura arrependimento fiscal, deveras proveitoso para o fisco, porquanto o agente infrator, desistindo do proveito econômico que a infração poderia carrearlhe, adverte a mesma à entidade fazendária, sem que ela tenha iniciado qualquer procedimento para a apuração desses fundos líquidos. 3. Trata-se de técnica moderna indutora ao cumprimento das leis, que vem sendo utilizada, inclusive nas ações processuais, admitindo o legislador que a parte que se curva ao decisum fique imune às despesas processuais, como sói ocorrer na ação monitória, na ação de despejo e no novel segmento dos juizados especiais. 4. Obedecida essa ratio essendi do instituto, exigir qualquer penalidade, após a espontânea denúncia, é conspirar contra a norma inserida no art 138 do CTN, malferindo o fim inspirador do instituto, voltado a animar e premiar o contribuinte que não se mantém obstinado ao inadimplemento. 5. Desta sorte, tem-se como inequívoco que a denúncia espontânea exoneradora que extingue a responsabilidade fiscal é aquela procedida antes da instauração de qualquer procedimento administrativo. Assim, engendrada a denúncia espontânea nesses moldes, os consectários da responsabilidade fiscal desaparecem, por isso que reveste-se de contraditio in terminis impor ao denunciante espontâneo a obrigação de pagar "multa", cuja natureza sancionatória é inquestionável. Diverso é o tratamento quanto aos juros de mora, incidentes pelo fato objetivo do pagamento a destempo, bem como a correção monetária, mera atualização do principal. 6. À luz da lei, da doutrina e da jurisprudência, é cediço na Corte que: I) "Não resta caracterizada a denúncia espontânea, com a conseqüente exclusão da multa moratória, nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação declarados pelo contribuinte e recolhidos fora do prazo de vencimento." (RESP 624.772⁄DF); II) “A configuração da 'denúncia espontânea', como consagrada no art. 138 do CTN não tem a elasticidade pretendida, deixando sem punição as infrações administrativas pelo atraso no cumprimento das obrigações fiscais. A extemporaneidade no pagamento do tributo é considerada como sendo o descumprimento, no prazo fixado pela norma, de uma atividade fiscal exigida do contribuinte. É regra de conduta formal que não se confunde com o não-pagamento 88 do tributo, nem com as multas decorrentes por tal procedimento.” (EDAG 568.515⁄MG); III) A denúncia espontânea não se configura com a notícia da infração seguida do parcelamento, porquanto a lei exige o pagamento integral, orientação que veio a ser consagrada no novel art. 155-A do CTN; IV) Por força de lei, “não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.” (Art. 138, § único, do CTN) 7. Estabelecidas as referidas premissas, forçoso concluir que: a) Tratando-se de autolançamento, o fisco dispõe de um qüinqüênio para constituir o crédito tributário pela homologação tácita, por isso que, superado esse prazo, considerando o rito do lançamento procedimento administrativo, a notícia da infração, acompanhada do depósito integral do tributo, com juros moratórios e correção monetária, configura a denúncia espontânea, exoneradora da multa moratória; b) A fortiori, pagamento em atraso, bem como cumprimento da obrigação acessória a destempo, antes do decurso do qüinqüênio constitutivo do crédito tributário, não constitui denúncia espontânea; c) Tratando-se de lançamento de ofício, o pagamento após o prazo prescricional da exigibilidade do crédito, sem qualquer demanda proposta pelo erário, implica denúncia espontânea, tanto mais que o procedimento judicial faz as vezes do rito administrativo fiscal; d) Tratando-se de lançamento por arbitramento, somente se configura denúncia espontânea após o escoar do prazo de prescrição da ação, contado da data da ultimação da apuração a que se refere o art. 138 do CTN, exonerando-se o contribuinte da multa correspectiva. 8. Essa exegese, mercê de conciliar a jurisprudência da Corte, cumpre o postulado do art. 112 do CTN, afinado com a novel concepção de que o contribuinte não é objeto de tributação senão sujeito de direitos, por isso que “A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I - à capitulação legal do fato; II - 89 à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.” (Art. 112, CTN). Nesse sentido: RE 110.399⁄SP, Rel. Min. Carlos Madeira, DJ 27.02.1987, RE 90.143⁄RJ, Rel. Min. Soares Muñoz, DJ 16.03.1979, RESP 218.532⁄SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 13.12.1999. 10. Inegável, assim, que engendrada a denúncia espontânea nesses termos, revela-se incompatível a aplicação de qualquer punição. Memorável a lição de Ataliba no sentido de que: “O art. 138 do C.T.N. é incompatível com qualquer punição. Se são indiscerníveis as sanções punitivas, tornam-se peremptas todas as pretensões à sua aplicação. Por tudo isso, sentimo-nos autorizados a afirmar que a autodenúncia de que cuida o art. 138 do C.T.N. extingue a punibilidade de infrações (chamadas penais, administrativas ou tributárias).” (Leandro Paulsen, Direito Tributário, p. 979, 6ª Ed. cit. Geraldo Ataliba in Denúncia espontânea e exclusão de responsabilidade penal, em revista de Direito Tributário nº 66, Ed. Malheiros, p. 29) 9. In casu, verificado o pagamento a destempo de tributo sujeito ao lançamento por homologação, ainda que pelo seu valor integral, não se caracteriza a denúncia espontânea, para os fins do art. 138 do CTN, consoante cediço na Corte (Precedentes: REsp n.º 511.337⁄SC, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 05⁄09⁄2005; REsp n.º 615.083⁄MG, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 15⁄05⁄2005; e REsp n.º 738.397⁄RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 08⁄08⁄2005). 10. Agravo de Instrumento conhecido para dar provimento ao Recurso Especial, nos moldes do artigo 544, § 3º, 1ª parte c.c. artigo 557, § 1º-A, todos do CPC. Em suas razões, postula a reforma do decisum, sustentando que o acórdão recorrido reconheceu que o contribuinte efetuou o pagamento espontâneo do tributo à vista, sem que houvesse declaração prévia, ainda que em DCTF. É o relatório. DECIDO. Assiste razão ao agravante. Ab initio, restou assentando o seguinte entendimento na decisão agravada, verbis: 90 Deveras, pacificou-se a jurisprudência da Primeira Seção no sentido de "não admitir o benefício da denúncia espontânea no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, quando o contribuinte, declarada a dívida, efetua o pagamento a destempo, à vista ou parceladamente." (AgRg no EREsp 636.064⁄SC, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ 05.09.2005). Neste sentido, confiram-se, à guisa de exemplo, os seguintes julgados desta Corte, in verbis: "PROCESSUAL CIVIL - TRIBUTÁRIO - VIOLAÇÃO A DECRETO - AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO - SÚMULAS 211⁄STJ E 282⁄STF - FALTA DE INTERESSE RECURSAL - DESCABIMENTO DE RECURSO ESPECIAL - DCTF PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO - AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO - ART. 138 DO CTN - TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO RECOLHIDO COM ATRASO - DENÚNCIA ESPONTÂNEA - NÃO- CARACTERIZAÇÃO - INCIDÊNCIA DA MULTA MORATÓRIA. 1. Não se conhece de recurso especial por violação a decreto. 2. Por óbice das Súmulas 211⁄STJ e 282⁄STF, não pode ser conhecido recurso especial sobre ponto que não foi objeto de prequestionamento pelo Tribunal a quo. 3. Descabe recurso especial sobre questão em que o recorrente teve êxito no julgamento impugnado. Ausência de interesse recursal, pressuposto recursal genérico. 4. Considera-se constituído o crédito tributário a partir do momento da declaração realizada, mediante a entrega da Declaração de Contribuições de Tributos Federais (DCTF), tornando-se dispensável a instauração de procedimento administrativo e respectiva notificação prévia. Precedentes. 5. Em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, declarado pelo contribuinte e recolhido com atraso, descabe o benefício da denúncia espontânea, sendo legítima a cobrança de multa moratória. 6. Recurso especial da autora conhecido em parte e, nessa parte, improvido. Provido o recurso da FAZENDA NACIONAL." (REsp n.º 511.337⁄SC, Segunda Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 05⁄09⁄2005) 91 "TRIBUTÁRIO. PIS. COFINS. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. MULTA. PAGAMENTO EM ATRASO. ARTIGO 138 DO CTN. 1. O pagamento integral em atraso de tributos, sem que tenha sido iniciado procedimento administrativo, configura, em regra, a denúncia espontânea, apta a afastar a multa moratória, nos termos do artigo 138 do Código Tributário Nacional. 2. Contudo, com relação aos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, a posição majoritária da Primeira Seção desta Corte é no sentido de não reconhecer a ocorrência da denúncia espontânea quando houver declaração desacompanhada do recolhimento tempestivo do tributo. 3. Recurso especial improvido." (REsp n.º 615.083⁄MG, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 15⁄05⁄2005) "TRIBUTÁRIO. TRIBUTOS DECLARADOS PELO CONTRIBUINTE E RECOLHIDOS FORA DE PRAZO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA (CTN, ART. 138). NÃO-CARACTERIZAÇÃO. 1. O art. 138 do CTN, que trata da denúncia espontânea, não eliminou a figura da multa de mora, a que o Código também faz referência (art. 134, par. único). É pressuposto essencial da denúncia espontânea o total desconhecimento do Fisco quanto à existência do tributo denunciado (CTN, art. 138, par. único). Conseqüentemente, não há possibilidade lógica de haver denúncia espontânea de créditos tributários já constituídos e, portanto, líquidos, certos e exigíveis. 2. Segundo jurisprudência pacífica do STJ, a apresentação, pelo contribuinte, de Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais – DCTF (instituída pela INSRF 129⁄86, atualmente regulada pela IN8 SRF 395⁄2004, editada com base no art. 5º do DL 2.124⁄84 e art. 16 da Lei 9.779⁄99) ou de Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA, ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei, é modo de constituição do crédito tributário, dispensada, para esse efeito, qualquer outra providência por parte do Fisco. 3. A falta de recolhimento, no devido prazo, do valor correspondente ao crédito tributário assim regularmente constituído acarreta, entre outras conseqüências, as 92 de (a) autorizar a sua inscrição em dívida ativa, (b) fixar o termo a quo do prazo de prescrição para a sua cobrança, (c) inibir a expedição de certidão negativa do débito e (d) afastar a possibilidade de denúncia espontânea. 4. Nesse entendimento, a 1ª Seção firmou jurisprudência no sentido de que o recolhimento a destempo, ainda que pelo valor integral, de tributo anteriormente declarado pelo contribuinte, não caracteriza denúncia espontânea para os fins do art. 138 do CTN. 4. Recurso do Estado provido, prejudicado o do contribuinte." (REsp n.º 738.397⁄RS, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 08⁄08⁄2005) Outrossim, ressalvo meu ponto de vista no sentido de que a denúncia espontânea, na sua essência, configura arrependimento fiscal, deveras proveitoso para o fisco, porquanto o agente infrator, desistindo do proveito econômico que a infração poderia carrear-lhe, adverte o mesmo para a entidade fazendária, sem que a mesma tenha iniciado qualquer procedimento para a apuração desses fundos líquidos. Trata-se de técnica moderna indutora ao cumprimento das leis, que vem sendo utilizada, inclusive nas ações processuais, admitindo o legislador que a parte que se curva ao decisum fique imune às despesas processuais, como sói ocorrer na ação monitória, na ação de despejo e no novel segmento dos juizados especiais. Obedecida essa ratio essendi do instituto, exigir qualquer penalidade, após a espontânea denúncia, é conspirar contra a norma inserida no art 138 do CTN, malferindo o fim inspirador do instituto, voltado a animar e premiar o contribuinte que não se mantém obstinado ao inadimplemento. Desta sorte, tem-se como inequívoco que a denúncia espontânea exoneradora que extingue a responsabilidade fiscal é aquela procedida antes da instauração de qualquer procedimento administrativo. Assim, engendrada a denúncia espontânea nesses moldes, os consectários da responsabilidade fiscal desaparecem, por isso que reveste-se de contraditio in terminis impor ao denunciante espontâneo a obrigação de pagar "multa", cuja natureza sancionatória é inquestionável. Diverso é o tratamento quanto aos juros de mora, incidentes pelo fato objetivo do pagamento a destempo, bem como a correção monetária, mera atualização do principal. 93 À luz da lei, da doutrina e da jurisprudência, é cediço na Corte que: I) "Não resta caracterizada a denúncia espontânea, com a conseqüente exclusão da multa moratória, nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação declarados pelo contribuinte e recolhidos fora do prazo de vencimento." (RESP 624.772⁄DF); II) “A configuração da 'denúncia espontânea', como consagrada no art. 138 do CTN não tem a elasticidade pretendida, deixando sem punição as infrações administrativas pelo atraso no cumprimento das obrigações fiscais. A extemporaneidade no pagamento do tributo é considerada como sendo o descumprimento, no prazo fixado pela norma, de uma atividade fiscal exigida do contribuinte. É regra de conduta formal que não se confunde com o não-pagamento do tributo, nem com as multas decorrentes por tal procedimento.” (EDAG 568.515⁄MG); III) A denúncia espontânea não se configura com a notícia da infração seguida do parcelamento, porquanto a lei exige o pagamento integral, orientação que veio a ser consagrada no novel art. 155-A do CTN; IV) Por força de lei, “não se considera espontânea a denúncia apresentada após o início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração.” (Art. 138, § único, do CTN) Estabelecidas as referidas premissas, forçoso concluir que: a) Tratando-se de autolançamento, o fisco dispõe de um qüinqüênio para constituir o crédito tributário pela homologação tácita, por isso que, superado esse prazo, considerando o rito do lançamento procedimento administrativo, a notícia da infração, acompanhada do depósito integral do tributo, com juros moratórios e correção monetária, configura a denúncia espontânea, exoneradora da multa moratória; 94 b) A fortiori, pagamento em atraso, bem como cumprimento da obrigação acessória a destempo, antes do decurso do qüinqüênio constitutivo do crédito tributário, não constitui denúncia espontânea; c) Tratando-se de lançamento de ofício, o pagamento após o prazo prescricional da exigibilidade do crédito, sem qualquer demanda proposta pelo erário, implica denúncia espontânea, tanto mais que o procedimento judicial faz as vezes do rito administrativo fiscal; d) Tratando-se de lançamento por arbitramento, somente se configura denúncia espontânea após o escoar do prazo de prescrição da ação, contado da data da ultimação da apuração a que se refere o art. 138 do CTN, exonerando-se o contribuinte da multa correspectiva. Essa exegese, mercê de conciliar a jurisprudência da Corte, cumpre o postulado do art. 112 do CTN, afinado com a novel concepção de que o contribuinte não é objeto de tributação senão sujeito de direitos, por isso que “A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I - à capitulação legal do fato; II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.” (Art. 112, CTN). Nesse sentido: RE n.º 110.399⁄SP, Rel. Min. Carlos Madeira, DJ 27⁄02⁄1987, RE n.º 90.143⁄RJ, Rel. Min. Soares Muñoz, DJ 16⁄03⁄1979, REsp n.º 218.532⁄SP, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 13⁄12⁄1999. Ocorre que, conforme apontado pela empresa ora agravante, o entendimento supra externado, no caso em espécie, não serve às pretensões da Fazenda Nacional, porquanto, apesar de a presente demanda versar acerca do recolhimento em atraso de tributo sujeito a lançamento por homologação, in casu, o Tribunal a quo analisando o conteúdo probatório inferiu que não houve declaração do contribuinte, senão vejamos trecho do acórdão: 95 A análise dos autos revela que a parte autora, espontaneamente, denunciou o parte do débito tributário em atraso e recolheu o montante devido, antes de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, devendo ficar exonerado da multa moratória. Além disso, não há nada nos autos que indique que os valores recolhidos pela impetrante tenham sido previamente declarados em DCTF, de modo que não se pode adotar o entendimento, na espécie, que dispensa a existência de notificação prévia ou de instauração de procedimento administrativo. (fl. 64v) Desta feita, não há que se falar na ocorrência de recolhimento a destempo de tributo declarado, sujeito a lançamento por homologação, uma vez que se está diante de importância que não foi objeto de autolançamento. O caso em tela não guarda semelhança com as hipóteses a que se referem a Fazenda Nacional em seu apelo nobre, haja vista que nestes o contribuinte efetua o autolançamento, dando ciência a Fazenda da existência de seu crédito e, mesmo assim, deixa de recolher o declarado no momento apropriado, pretendendo com o pagamento a destempo, isentar-se da multa moratória que lhe seria acertadamente imputada. Já no caso em espécie, o contribuinte reconhece sua omissão em declarar tributo devido e recolhe a quantia devida antes de qualquer providência do Fisco que, em verdade, só toma ciência da existência do crédito quando da realização do pagamento pelo devedor. Na presente demanda não subsiste nenhuma razão para que se mantenha a imposição de multa moratória como pretendido pelo ora recorrente. É nesse sentido os seguintes precedentes desta Corte de Justiça: TRIBUTÁRIO. TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DENÚNCIA ESPONTÂNEA (CTN, ART. 138). TRIBUTO NÃO DECLARADO. CARACTERIZAÇÃO. MULTA MORATÓRIA. COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência assentada no STJ considera inexistir denúncia espontânea quando o pagamento se referir a tributo constante de prévia Declaração de Débitos 96 e Créditos Tributários Federais – DCTF ou de Guia de Informação e Apuração do ICMS – GIA, ou de outra declaração dessa natureza, prevista em lei. Considera-se que, nessas hipóteses, a declaração formaliza a existência (= constitui) do crédito tributário, e, constituído o crédito tributário, o seu recolhimento a destempo, ainda que pelo valor integral, não enseja o benefício do art. 138 do CTN (Precedentes da 1ª Seção: AGERESP 638069⁄SC, Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 13.06.2005; AgRg nos EREsp 332.322⁄SC, 1ª Seção, Min. Teori Zavascki, DJ de 21⁄11⁄2005). 2. Entretanto, não tendo havido prévia declaração pelo contribuinte, configura denúncia espontânea, mesmo em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, a confissão da dívida acompanhada de seu pagamento integral, anteriormente a qualquer ação fiscalizatória ou processo administrativo (Precedente: AgRg no Ag 600.847⁄PR, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 05⁄09⁄2005). 3. A compensação de tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal, originariamente admitida apenas em hipóteses estritas, submete-se, atualmente, a um regime de virtual universalidade. O art. 74 da Lei 9.430⁄1996, com a redação dada pela Lei 10.637⁄2002, autoriza o aproveitamento de quaisquer "créditos relativos a tributos ou contribuições" que sejam passíveis de restituição, para fins de compensação com "débitos próprios relativos a quaisquer tributos e contribuições administrados por aquele Órgão". Ora, o conceito de crédito tributário abrange também a multa (CTN, art. 113, §§ 1° e 3º e art. 139; Lei 9.430⁄96, art. 43), razão pela qual, no atual estágio da legislação, já não se pode negar a viabilidade de utilizar os valores indevidamente pagos a título de crédito tributário de multa para fins de compensação com tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal. Tal possibilidade é reconhecida, inclusive, pelas autoridades fazendárias (arts. 2º, §1º, 26, 28, §§ 1º e 2º, 35, pár. único e 51, § 8º, da Instrução NormativaSRF nº 460, de 18 de outubro de 2004). 4. Recurso especial desprovido. (REsp 798.263, Ministro Teori Albino Zavascki, DJ 13.02.2006). PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 545 DO CPC. RECURSO ESPECIAL. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. CTN, ART. 138. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO FORA DO 97 PRAZO. IRRF. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DIFERENÇA NÃO CONSTANTE DA DCTF. POSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO DA MULTA MORATÓRIA. 1. É cediço na Corte que "Não resta caracterizada a denúncia espontânea, com a conseqüente exclusão da multa moratória, nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação declarados pelo contribuinte e recolhidos fora do prazo de vencimento." (REsp n.º 624.772⁄DF, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 31⁄05⁄2004) 2. A inaplicabilidade do art. 138 do CTN aos casos de tributo sujeito a lançamento por homologação funda-se no fato de não ser juridicamente admissível que o contribuinte se socorra do benefício da denúncia espontânea para afastar a imposição de multa pelo atraso no pagamento de tributos por ele próprio declarados. Precedentes: REsp n.º 402.706⁄SP, Primeira Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 15⁄12⁄2003; AgRg no REsp n.º 463.050⁄RS, Primeira Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 04⁄03⁄2002; e EDcl no AgRg no REsp n.º 302.928⁄SP, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, DJ de 04⁄03⁄2002. 3. Não obstante, configura denúncia espontânea, exoneradora da imposição de multa moratória, o ato do contribuinte de efetuar o pagamento integral ao Fisco do débito principal, corrigido monetariamente e acompanhado de juros moratórios, antes de iniciado qualquer procedimento fiscal com o intuito de apurar, lançar ou cobrar o referido montante, tanto mais quando este débito resulta de diferença de IRRF, tributo sujeito a lançamento por homologação, que não fez parte de sua correspondente Declaração de Contribuições e Tributos Federais. 4. In casu, o contribuinte reconhece a existência de erro em sua DCTF e recolhe a diferença devida antes de qualquer providência do Fisco que, em verdade, só toma ciência da existência do crédito quando da realização do pagamento pelo devedor. 5. Ademais, a inteligência da norma inserta no art. 138 do CTN é justamente incentivar ações como a da empresa ora agravada que, verificando a existência de erro em sua DCTF e o conseqüente autolançamento de tributos aquém do realmente devido, antecipa-se a Fazenda, reconhece sua dívida, e procede o recolhimento do montante devido, corrigido e acrescido de juros moratórios. 98 6. Exigir qualquer penalidade após a espontânea denúncia é conspirar contra a ratio essendi da norma inserida no art 138 do CTN, malferindo o fim inspirador do instituto, voltado a animar e premiar o contribuinte que não se mantém obstinado ao inadimplemento. 7. A denúncia espontânea exoneradora que extingue a responsabilidade fiscal é aquela procedida antes da instauração de qualquer procedimento administrativo. Assim, engendrada a denúncia espontânea nesses moldes, os consectários da responsabilidade fiscal desaparecem, por isso que reveste-se de contraditio in terminis impor ao denunciante espontâneo a obrigação de pagar "multa", cuja natureza sancionatória é inquestionável. Diverso é o tratamento quanto aos juros de mora, incidentes pelo fato objetivo do pagamento a destempo, bem como a correção monetária, mera atualização do principal. 8. Trata-se de técnica moderna indutora ao cumprimento das leis, que vem sendo utilizada, inclusive nas questões processuais, admitindo o legislador que a parte que se curva ao decisum fique imune às despesas processuais, como sói ocorrer na ação monitória, na ação de despejo e no novel segmento dos juizados especiais. 9. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 600.847⁄PR, 1ª Turma, Min. Luiz Fux, DJ de 05⁄09⁄2005) Inegável, assim, que, engendrada a denúncia espontânea nesses termos, revela-se incompatível a aplicação de qualquer punição. Memorável a lição de Ataliba verbis: “O art. 138 do C.T.N. é incompatível com qualquer punição. Se são indiscerníveis as sanções punitivas, tornam-se peremptas todas as pretensões à sua aplicação. Por tudo isso, sentimo-nos autorizados a afirmar que a autodenúncia de que cuida o art. 138 do C.T.N. extingue a punibilidade de infrações (chamadas penais, administrativas ou tributárias).” (Leandro Paulsen, Direito Tributário, p. 979, 6ª Ed. cit. Geraldo Ataliba in Denúncia espontânea e exclusão de responsabilidade penal, em revista de Direito Tributário nº 66, Ed. Malheiros, p. 29). 99 Assim, tenho que configura denúncia espontânea, exoneradora da imposição de multa moratória, o ato do contribuinte de efetuar o pagamento integral ao Fisco do débito principal, corrigido monetariamente e acompanhado de juros moratórios, antes de iniciado qualquer procedimento fiscal com o intuito de apurar, lançar ou cobrar o referido montante, ainda mais quando este débito resulta de diferença de tributo sujeito a lançamento por homologação, que não fez parte de sua correspondente Declaração de Contribuições e Tributos Federais. Ex positis, DOU PROVIMENTO ao Agravo Regimental, para reconsiderar a decisão agravada e NEGAR SEGUIMENTO ao Recurso Especial, com base no artigo 557 c.c. artigo 544, § 3º do CPC. Publique-se. Intimações necessárias. Destarte, resta evidenciado que a agravante não trouxe nenhum argumento capaz de infirmar a decisão ora hostilizada, limitando-se a reiterar argumentos anteriormente expendidos, o que não se mostra suficiente a ensejar o êxito de suas pretensões meritórias. Assim, tenho que a decisão ora impugnada há de ser mantida por seus próprios fundamentos. Ex positis, NEGO PROVIMENTO ao Agravo Regimental. É como voto. CERTIDÃO DE JULGAMENTO PRIMEIRA TURMA AgRg no AgRg no Número Registro: 2005⁄0192363-3 Ag 721771 ⁄ PR Números Origem: 20027000654436 200504010455782 EM MESA JULGADO: 06⁄06⁄2006 100 Relator Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. JOSÉ EDUARDO DE SANTANA Secretária Bela. MARIA DO SOCORRO MELO AUTUAÇÃO AGRAVANTE : FAZENDA NACIONAL PROCURADOR : RICARDO PY GOMES DA SILVEIRA E OUTROS AGRAVADO : HÜBNER INDÚSTRIA MECÂNICA LTDA ADVOGADO : JOÃO DÁCIO ROLIM E OUTROS ASSUNTO: Tributário - Denúncia Espontânea - Multa AGRAVO REGIMENTAL AGRAVANTE : FAZENDA NACIONAL PROCURADOR : RICARDO PY GOMES DA SILVEIRA E OUTROS AGRAVADO : HÜBNER INDÚSTRIA MECÂNICA LTDA ADVOGADO : JOÃO DÁCIO ROLIM E OUTROS 101 CERTIDÃO Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Denise Arruda, José Delgado e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília, 06 de junho de 2006 MARIA DO SOCORRO MELO Secretária Documento: 631724 Inteiro Teor do Acórdão 102 - DJ: 01/08/2006 DENÚNCIA ESPONTÂNEA DA INFRAÇÃO – OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA – MULTA DE MORA – INAPLICABILIDADE (Câmara Superior de Recursos Fiscais – 1a Turma) Acórdão no: CSRF/01-03.606 Número do Recurso: 106-120289 Turma: PRIMEIRA TURMA Número do Processo: 10830.000125/99-70 Tipo do Recurso: RECURSO DE DIVERGÊNCIA Matéria: IRPF Recorrente: JOSE AUGUSTO DOS SANTOS PATRÃO JUNIOR Interessado(a): FAZENDA NACIONAL Data da Sessão: 06/11/2001 Relator(a): Maria Goretti de Bulhões Carvalho Acórdão: CSRF/01-03.606 Decisão: DPU - DAR PROVIMENTO POR UNANIMIDADE Texto da Decisão: IRPF – Denúncia Espontânea da Infração – Multa de Mora – Inaplicabilidade – Denunciado espontaneamente ao Fisco o descumprimento de uma obrigação tributária acessória, descabe, nos termos do artigo 138 do CTN, a exigência da multa de mora prevista na legislação tributária, principalmente no caso em tela, quando o contribuinte sequer tem imposto a pagar e sim a restituir. Incabível o lançamento. Por unanimidade de votos, DAR provimento ao recurso, nos termos do relatório e voto que passam a integrar o presente julgado. 103 DENÚNCIA ESPONTÂNEA – DIRF – ENTREGUE EM ATRASO – MULTA EXCLUÍDA (Câmara Superior de Recursos Fiscais – 1a Turma) Acórdão no CSRF/01-02.587 Processo no: 13656.000047/93-92 Recurso no: RP/108-0.102 Matéria: IRF Recorrente: Fazenda Nacional Recorrida: 8a Câmara do 1o Conselho de Contribuintes Suj. Passivo: Cadillo & Associados S/C Ltda. – Consultoria Sessão de: 08 de dezembro de 1998 Acórdão no: CSRF/01-02.587 Denúncia Espontânea – Multa por Atraso na Entrega da DIF – Segundo as diretrizes estabelecidas no artigo 138 do Código Tributário Nacional sobre o instituto da denúncia espontânea, a entrega da declaração de rendimentos pagos ou creditados, antes do início de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização, relacionados com a infração, exclui a aplicação de penalidade. Recurso improvido. Por maioria de votos, negar provimento ao recurso. Vencidos os Conselheiros Dimas Rodrigues de Oliveira (Relator), Antônio de Freitas Dutra, Cândido Rodrigues Neuber, Verinaldo Henrique da Silva e Manoel Antônio Gadelha Dias. Designado para redigir o voto vencedor o Conselheiro Carlos Alberto Gonçalves Nunes. Edison Pereira Rodrigues Presidente Carlos Alberto Gonçalves Nunes Relator designado (D.O.U. 1-E de 14.12.2000, p. 14) 104 DENÚNCIA ESPONTÂNEA – OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA – MULTA – EXCLUSÃO (Câmara Superior de Recursos Fiscais – 2a Turma) Acórdão no CRSF/02-0.732 Processo no: 10950-0016113/95-13 Recurso no: RP/203-0.009 Matéria: Multa – DCTF Recorrente: Fazenda Nacional Recorrida: 3a Câmara do 2o Conselho de Contribuintes Suj. Passivo: UETA Cine-Foto Som Ltda. Sessão de: 9 de novembro de 1998 Acórdão no: CSRF/02-0.732 Multa – DCTF – A denúncia espontânea da infração exclui por inteiro a responsabilidade pela infringência, excluindo a aplicabilidade de multa, seja ela compensatória ou punitiva, distinção q a regra não faz. Considera-se espontânea a denúncia que precede o início de ação fiscal, e eficaz quando acompanhada do recolhimento do tributo, na forma prescrita em lei, se for o caso. O aposto “se for o caso”, constante do artigo 138 do CTN, evidencia que a norma abrange por igual infrações de obrigação acessória. Recurso Negado Por maioria de votos, negar provimento ao recurso. Vencido o Conselheiro Marcos Vinícius Neder Lima. Apresentou Declaração de Voto o Conselheiro Marcos Vinícius Neder de Lima. Edison Pereira Rodrigues Presidente Sergio Gomes Velloso Relator (D.O.U. 1 de 11.8.99, p.13) 105 DENÚNCIA ESPONTÂNEA – PARCELAMENTO – EXCLUSÃO DE MULTA Recurso Especial no 227.225 – Rio Grande do Sul (99/0074329-6) Relator: Min. Garcia Vieira Recorrente: Comercial de Alimentos Boech Ltda. Advogada: Zenaide Ferraro dos Santos Recorrido: Fazenda Nacional Procuradores: Ricardo Py Gomes da Silveira e Outros Ementa Tributário – Denúncia Espontânea – Parcelamento – Exclusão da Multa. Não havendo procedimento administrativo em curso contra o contribuinte pelo não-recolhimento o tributo, deferido o pedido de parcelamento, está configurada a denúncia espontânea, que exclui a responsabilidade do contribuinte pela infração. Recurso Provido. Acórdão Vistos, relatados discutidos estes autos, acordam os Exmos. Srs. Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Exmo. Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Exmos. Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Milton Luiz Pereira e José Delgado. Brasília, 19 de outubro de 1999 (data do julgamento). (D.J.U. 1 de 29.11.99, p. 138) 106 DENÚNCIA ESPONTÂNEA – OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA – MULTA AFASTADA Remessa “Ex Officio” no 97.04.50426-8/PR Relatora: Juíza Tânia Escobar Parte Autora: Assessora Serviços Especiais S/C Ltda. e Outro Parte Ré: Delegado da Receita Federal em Curitiba Remetente: Juízo Substituto da 9a Vara Federal de Curitiba/PR Advogados: Wilson Barroso Filho e César Saldanha Souza Júnior Ementa Tributário. Denúncia Espontânea. Obrigação Acessória. 1. A denúncia espontânea da infração exclui o pagamento de qualquer penalidade, tenha ela a denominação de multa moratória ou multa punitiva – que são a mesma coisa -, sendo devidos apenas juros de mora, que não possuem caráter punitivo, constituindo mera indenização decorrente do pagamento fora do prazo, ou seja, da mora, como aliás consta expressamente do citado art. 138 do CTN. 2. Em se tratando de infração à obrigação acessória, a confissão espontânea também afasta a multa punitiva. 3. Exige-se apenas que a confissão não seja precedida de processo administrativo ou de fiscalização tributária, por que isso lhe retiraria a espontaneidade, que é exatamente o que o legislador tributário buscou privilegiar ao editar o artigo 138 do CTN. Acórdão Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a 2a Turma do TRF/ 4a Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial, na forma do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 19 de novembro de 1997 (data do julgamento) (D.J.U. 2 de 24.12.97, p. 112585) 107 DENÚNCIA ESPONTÂNEA – MULTA EXCLUSÃO – JUROS DEVIDOS Agravo de Instrumento no 96.04.64287-1/PR Relatora: Juíza Tânia Escobar Agravante: Transportes Gritsch Ltda. Agravado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS Advogados: Arnaldo Conceição Júnior e Outros / Márcia Silveira de Barros Ementa Tributário. Denúncia Espontânea. Multa Moratória. 1. A denúncia espontânea da infração exclui o pagamento de qualquer penalidade, tenha ela a denominação de multa moratória ou multa punitiva – que são a mesma coisa –, sendo devidos, no entanto, juros de mora, que não possuem caráter punitivo, constituindo mera indenização decorrente do pagamento fora do prazo, ou seja, da mora, como, aliás, consta expressamente do citado artigo do CTN. 2. Exige-se apenas que a confissão não seja precedida de processo administrativo ou de fiscalização tributária, por que isso lhe retiraria a espontaneidade, que é exatamente o que o legislador tributário buscou privilegiar ao editar o artigo 138 do CTN. Acórdão Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a 2a Turma do TRF/4a Região, por unanimidade, negar provimento ao Agravo de Instrumento, na forma do relatório, voto e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Porto Alegre, 18 de junho de 1997 (data do julgamento). (D.J.U. 2 de 9.7.97, p. 52750) 108 DENÚNCIA ESPONTÂNEA – OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA – MULTA INDEVIDA Acórdão CSRF/02-0.379 Processo no: 11065.000531/91-01 Recurso no: RP/202-0.087 Matéria: DCTF Recorrente: Fazenda Nacional Recorrida: Segunda Câmara do Segundo Conselho de Contribuintes Sujeito Passivo: Raquetas Sulinas Ltda. Sessão de: 24 de Novembro de 1992 Acórdão no: CSRF/02-0.379 Denúncia Espontânea da Infração – Multa de Mora – Inaplicabilidade – Denunciado espontaneamente ao Fisco o descumprimento de uma obrigação acessória, descabe, nos termos do art. 138 do CTN, a exigência da multa de mora prevista na legislação tributária. Recurso do Procurador negado. (D.O.U. 1 de 16.7.97, p. 14997) 109 110 PRECEDENTES MANTENDO A MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA EM CASOS DE DENÚNCIA ESPONTÂNEA (Ordenados cronologicamente conforme data de publicação no D.O.) 111 Superior Tribunal de Justiça Revista Eletrônica de Jurisprudência RECURSO ESPECIAL Nº 505.728 - SC (2003⁄0033444-8) RELATOR : MINISTRO LUIZ FUX RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL PROCURADOR : ROMULO PONTICELLI GIORGI JUNIOR E OUTROS RECORRIDO : EDU ROGÉRIO WAGNER ADVOGADO : GABRIELA STEFENS SPERB EMENTA PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211⁄STJ. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. ATRASO NO RECOLHIMENTO DE IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA APURADO EM DECLARAÇÃO RETIFICADORA. APLICAÇÃO. ART. 138 DO CTN. 1. A simples oposição de Embargos de Declaração não viabiliza o trânsito do Recurso Especial se sobre a matéria nele abordada não se pronunciou o acórdão recorrido. Súmula 211⁄STJ. 2. Exclui-se a aplicação do art. 138 do Código Tributário Nacional em se tratando de atraso na entrega de declaração de rendimentos. Precedentes. 3. Apresentada a declaração de rendimentos no prazo legal, e não se procedendo ao pagamento do tributo devido na data legalmente estipulada, não há que se falar em descumprimento de obrigação acessória, mas de obrigação principal, o que atrai a aplicação do benefício da denúncia espontânea. 4. Recurso Especial não conhecido. 112 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Humberto Gomes de Barros e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro José Delgado. Brasília (DF), 12 de agosto de 2003.(Data do Julgamento) MINISTRO LUIZ FUX Relator RECURSO ESPECIAL Nº 505.728 - SC (2003⁄0033444-8) RELATÓRIO O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator) : Cuida-se de Recurso Especial interposto pela FAZENDA NACIONAL, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, em face de acórdão prolatado pelo Eg. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ementado nos seguintes termos: "OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. MULTA POR ATRASO NA ENTREGA DA DECLARAÇÃO DO IMPOSTO DE RENDA. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. 1. O art. 138 do CTN somente se aplica às multas decorrentes do nãocumprimento de obrigações tributárias principais - que implicam diretamente pagamento de tributo - e não quanto àquelas de caráter acessório. 2. No caso dos autos a entrega de declaração retificadora configura denúncia espontânea." (fls. 56). 113 Aduz a Recorrente violação ao art. 113 do Código Tributário Nacional e ao art. 11 do Decreto-Lei 1968⁄82. Sem contra-razões, o inconformismo mereceu crivo positivo de admissibilidade (despacho, fls. 72). É o relatório. VOTO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA 211⁄STJ. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. ATRASO NO RECOLHIMENTO DE IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA APURADO EM DECLARAÇÃO RETIFICADORA. APLICAÇÃO. ART. 138 DO CTN. 1. A simples oposição de Embargos de Declaração não viabiliza o trânsito do Recurso Especial se sobre a matéria nele abordada não se pronunciou o acórdão recorrido. Súmula 211⁄STJ. 2. Exclui-se a aplicação do art. 138 do Código Tributário Nacional em se tratando de atraso na entrega de declaração de rendimentos. Precedentes. 3. Apresentada a declaração de rendimentos no prazo legal, e não se procedendo ao pagamento do tributo devido na data legalmente estipulada, não há que se falar em descumprimento de obrigação acessória, mas de obrigação principal, o que atrai a aplicação do benefício da denúncia espontânea. 4. Recurso Especial não conhecido. O EXMO. SR. MINISTRO LUIZ FUX (Relator) : Preliminarmente cumpre assinalar a ausência de prequestionamento da matéria versada no arrazoado da Fazenda Nacional. Com efeito, os dispositivos legais invocados não foram objeto de apreciação perante a C. Corte Regional. Deveras, o v. aresto impugnado dirimiu a 114 controvérsia posta valendo-se, exclusivamente, do que dispõe o art. 138 do Código Tributário Nacional, senão vejamos: "A responsabilidade de que trata o art. 138 do código Tributário Nacional, é de pura natureza tributária e tem sua vinculação voltada para as obrigações principais e acessórias àquelas vinculadas" (fls. 53, v) Registre-se que, não obstante a oposição de Embargos de Declaração, não tendo o v. aresto impugnado se pronunciado acerca da questão federal suscitada no Recurso Especial, não há como conferir processamento a este, incidindo, com toda propriedade, o disposto na Súmula 211⁄STJ. Ainda que ultrapassada o óbice ora imposto à admissibilidade da irresignação, no mérito, a pretensão da Recorrente não merece prosperar. Trata a presente demanda de Mandado de Segurança impetrado com vistas à efetivação de pagamento do Imposto de Renda Pessoa Física sem o acréscimo de multa pelo atraso no recolhimento, ante o disposto no art. 138 do CTN. Alega o Impetrante haver verificado equívoco na declaração de rendimentos apresentada no prazo legal. Procedeu, então, e antes de qualquer medida administrativa do Fisco , à entrega de declaração retificadora, efetuando o pagamento do tributo apurado, acrescido de juros equivalentes à Taxa SELIC. Ocorre que, posteriormente, foi notificado para efetuar o recolhimento de multa por atraso no pagamento. Pretende a Fazenda Nacional o recebimento da citada multa, por entender inaplicável, em hipótese de atraso na entrega da declaração, o benefício da denúncia espontânea, porquanto este proceder implica em descumprimento de obrigação acessória. 115 Deveras, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é de excluir a aplicação do art. 138 do Código Tributário Nacional em se tratando de atraso na entrega de declaração de rendimentos. Isto porque trata-se de descumprimento de obrigação acessória, aplicando-se o instituto da denúncia espontânea apenas na hipótese de descumprimento de obrigação principal. Ocorre que, in casu, a declaração de rendimentos do Recorrido foi entregue no prazo legal, O montante do tributo devido é que não foi pago na data legalmente estipulada. Não há prazo para a entrega de declaração retificadora. Dessarte, não há que se imputar mora ao contribuinte que a entrega meses após a apresentação da primeira declaração. O que houve foi atraso no pagamento do tributo devido, obrigação principal, portanto. Dessarte, inexistindo procedimento administrativo prévio, aplica-se o disposto no art. 138 do CTN, excluindo-se a multa por atraso no recolhimento da exação. Com essas considerações, NÃO CONHEÇO DO RECURSO. CERTIDÃO DE JULGAMENTO PRIMEIRA TURMA Número Registro: 2003⁄0033444-8 RESP 505728 ⁄ SC Número Origem: 200072000075961 PAUTA: 12⁄08⁄2003 JULGADO: 12⁄08⁄2003 Relator Exmo. Sr. Ministro LUIZ FUX Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro FRANCISCO FALCÃO 116 Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. PAULO EVALDO COSTA Secretária Bela. MARIA DO SOCORRO MELO AUTUAÇÃO RECORRENTE : FAZENDA NACIONAL PROCURADOR : ROMULO PONTICELLI GIORGI JUNIOR E OUTROS RECORRIDO : EDU ROGÉRIO WAGNER ADVOGADO : GABRIELA STEFENS SPERB ASSUNTO: Tributário - Imposto de Renda - Pessoa Física CERTIDÃO Certifico que a egrégia PRIMEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Humberto Gomes de Barros e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro José Delgado. O referido é verdade. Dou fé. Brasília, 12 de agosto de 2003 117 DENÚNCIA ESPONTÂNEA – ATRASO NA ENTREGA DA DECLARAÇÃO – RESPONSABILIDADE ACESSÓRIA AUTÔNOMA – MULTA Recurso Especial no 322.505 – PR (2001/002118-5) Relator: Ministro Milton Luiz Pereira Recorrente: Fazenda Nacional Procurador: Dolizete Fátima Michelin e Outros Recorrido: NA Engenhabt Construtora Ltda. E Outros Advogado: Wilson Barroso Filho Ementa Mandado de Segurança. Tributário. Imposto de Renda. Atraso na Entrega da Declaração. Mula Moratória. Lei 8.981/91 (art. 88) – CTN, art. 138. 1. A responsabilidade acessória autônoma, portanto, desvinculada do fato gerador do tributo, não está albergada pelas disposições do art. 138, CTN. A tardia entrega da declaração de Imposto de Renda justifica a aplicação de multa (art. 88, Lei 8.981/91). 2. Precedentes jurisprudenciais iterativos. 3. Recurso Provido. Acórdão Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Francisco Falcão na ausência justificada do Sr. Ministro José Delgado. Os Srs. Ministros Francisco Falcão, Garcia Vieira, e Humberto Gomes de Barros votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 21 de junho de 2001 (Data do Julgamento). (D.J.U. 1 de 17.6.2002, p.199) 118 DENÚNCIA ESPONTÂNEA – DECLARAÇÃO ENTREGUE EM ATRASO – NÃOABRANGÊNCIA (Câmara Superior de Recursos Fiscais – 1a Turma) Acórdão no CSRF/01-02.875 Processo no: 10640.001026/69-08 Recurso no: RP/106-0.451 Matéria: IRPF EX:1996 Recorrente: Fazenda Nacional Recorrida: 6a Câmara da 1o Conselho de Contribuintes Suj. Passivo: Pedro Lamy Sobrinho Sessão de: 13 de março de 2000 Acórdão no: CSRF/01-02.875 IRPF – Multa por Atraso na Entrega de Declaração de Rendimentos – O instituto da denúncia espontânea não alberga a prática de ato puramente formal do contribuinte de entregar, com atraso, a declaração de rendimentos porquanto as responsabilidades acessórias autônomas, sem qualquer vínculo direto com a existência do fato gerador do tributo, não estão alcançadas pelo art. 138, do CTN. Recurso provido. Por maioria de votos, dar provimento ao recurso. Vencidos os Conselheiros Victor Luis de Salles Freire, Remis Almeida Estol, José Carlos Passuello, Wilfrido Augusto Marques, Carlos Alberto Gonçalves Nunes e Luiz Alberto Cava Maceira. Edison Pereira Rodrigues Presidente Antônio de Freitas Dutra Relator (D.O.U. 1-E de 14.12.2000, p.16) 119 DENÚNCIA ESPONTÂNEA – DECLARAÇÃO NÃO ENTREGUE – RESPONSABILIDADE ACESSÓRIA AUTÔNOMA – MULTA DEVIDA (Câmara Superior de Recursos Fiscais – 2a Turma) Acórdão no CSRF/02-0.829 Processo no: 10950.001615/95-49 Recurso no: RP?203-0.010 Matéria: MULTA – DCTF Recorrente: Fazenda Nacional Sujeito Passivo: UETA Cine-Foto Som LTDA. Recorrida: 3a Câmara do 2o Conselho de Contribuintes Sessão de: 08 de novembro de 1999 Acórdão no: CSRF/02-0.829 DCTF – Denúncia Espontânea – É devida a multa pela omissão na entrega da Declaração de Contribuições e Tributos Federais. As responsabilidades acessórias autônomas, sem qualquer vínculo direto com a existência do fato gerador do tributo, não estão alcançados pelo art. 138, do CTN. Precedentes do STJ. Recurso a que se dá provimento. Pelo voto de qualidade, dar provimento ao recurso. Vencidos os Conselheiros Sérgio Gomes Velloso (Relator), Luiza Helena Galante de Moraes, Sebastião Borges Taquary e Carlos Alberto Gonçalves Nunes. Designada para redigir o voto vencedor a Conselheira Maria Teresa Martinez Lopez. Edison Pereira Rodrigues Presidente Maria Teres Martinez Lopez Relatora designada (D.O.U. 1-E de 12.12.2000, p. 34) 120 DENÚNCIA ESPONTÂNEA – OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA – MULTA APLICÁVEL Remessa “Ex Officio” em Mandado de Segurança no 1998.01.00.044526-3 – GO Relator: Exmo. Sr. Juiz Osmar Tognolo Parte Autora: Reforma – Reforma e Construções Ltda. e Outros(as) Advogados: Mário Chaves Pugas e Outro(a) Parte Ré: Fazenda Nacional Procurador: Wagner Pires de Oliveira Remetente: Juízo Federal da 4a Vara – GO Ementa Tributário – Imposto de Renda – Entrega da Declaração com Atraso – Incidência da Multa de Caráter Moratório – Não Aplicação do Art. 138 do Código Tributário Nacional. 1. O art. 138 do CTN aplica-se apenas às de caráter punitivo, não às de caráter moratório, como aquela devida pela entrega com atraso da declaração do Imposto de Renda. 2. Remessa provida. Acórdão Decide a Turma, por unanimidade, dar provimento à remessa. 3a Turma do TRF da 1a Região – 19.08.1998. (D.J.U. 2 de 20.11.1998, p.152) 121 DENÚNCIA ESPONTÂNEA – OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA – ENTREGA DE DECLARAÇÃO – MULTA Apelação em Mandado de Segurança no 1997.01.00.049537-9/GO Relator: Exmo. Sr. Juiz Eustáquio Silveira Apelante: Fazenda Nacional Procurador: Dr. Wagner Pires de Oliveira Apelados: José Donizett D’Aparecida e Silva e Outros(as) Advogado: Dr. Antônio Sebastião Barros Remetente: Juízo Federal da 3a Vara – GO Ementa Tributário. Imposto de Renda. Entrega da Declaração com Atraso. Multa de Caráter Moratório. Lei no 8.981/95. Não Aplicação do Art. 138 do Código Tributário Nacional. 1. A multa prevista no art. 138 do CTN aplica-se às multas de caráter punitivo. 2. Por sua vez, o artigo 88, da lei no8.981/95 prevê a aplicação de multa de caráter moratório, incidente quando da entrega a destempo de declaração do Imposto de Renda. 3. Apelação e remessa providas. Acórdão Decide a Turma, por unanimidade, dar provimento ao recurso e à remessa. 3aTurma do TRF da 1a Região – 15.09.1998. (D.J.U. 2 de 27.11.1998, p.164) 122 DENÚNCIA ESPONTÂNEA – OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA – MULTA DEVIDA Acórdão no 106-08.622 Processo no: 11080/006.241/94-35 Recurso no: 08.197 Matéria: IRPF – Ex.: 1993 Recorrente: Liana Bercht Recorrida: DRJ – Porto Alegre – RS Sessão de: 26 de fevereiro de 1997 Acórdão no: 106-08.622 Denúncia Espontânea – Não deve ser considerada com denúncia espontânea o cumprimento de obrigações acessórias após decorrido o prazo legal para o seu adimplemento, sendo a multa indenizatória decorrente da impontualidade do contribuinte. Acordam os Membros da Sexta Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes, por maioria de votos, negar provimento ao recurso, nos termos do relatório e vôo que passam a integrar o presente julgado. Vencidos os Conselheiros Wilfrido Augusto Marques e Adonias dos Reis Santiago. Dimas Rodrigues de Oliveira – Presidente Romeu Bueno de Camargo – Relator (D.O.U. 1 de 11.7.97, p.14727) 123