A MULHER E O ESPORTE
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A MULHER E O ESPORTE
A MULHER E O ESPORTE A EXPERIÊNCIA DOS MUNICÍPIOS DO RIO DE JANEIRO E DE SÃO PAULO RELATÓRIO FINAL JULHO 2007 A MULHER E O ESPORTE A EXPERIÊNCIA DOS MUNICÍPIOS DO RIO DE JANEIRO E DE SÃO PAULO Execução Instituto Noos de Pesquisas Sistêmicas e Desenvolvimento de Redes Sociais Secretário Executivo do Instituto Noos Carlos Eduardo Zuma Apoio Nike Coordenação Geral Maria Augusta Pessanha Consultoras responsáveis pela pesquisa Marina Sidrim Teixeira Coordenação operacional no Rio de Janeiro, facilitação dos grupos, dados qualitativos e redação do Relatório. Fanny Elisabete Moore Coordenação operacional em São Paulo, relatoria dos grupos e dados quantitativos Assistentes de pesquisa Júlia Proença Sonia Maria Ferreira Dreyfuss Maria Ester Catarino de Oliveira Apoio de gravação Júlia Proença de Araújo Eduardo d’Avila Ângela Catarino de Oliveira Apoio administrativo Juliana Rodrigues Transcrição das gravações Beth Serviços Digitação David Bevilacqua Márcia Alkmim Revisão do texto Rodrigo Rosa de Azevedo 2 Lista dos participantes dos Grupos Focais1 de técnicos e de atletas2 Rio de Janeiro São Paulo Atletas Adriana Carmo Silva Ana Caroline C. Viana Pinto Andréia Romanovski Carla Rayanne Francisco Silva Danielle Cristine dos Santos Gabriela Cardoso Santana Gabriela Menezes da Silva Giovanna Pedrosa Arriente Gláucia Regina Martins Nardi Karen Assis Rufino Karen Lie Fukumoto Michelle Keyne Alves Nathalia Pieroni Nayara Santos Melo Tamires Silva da Conceição Vivian Pauli Lopes Zenedin Técnicos(as), treinadores(as), professores(as), responsáveis por projetos sociais Alessandro Celano Garcia Cleize Magalhães Lopes Alexandre Coelho Gonçalves Cristina Rodrigues de Oliveira Alexandre Mathias Everaldo Cortes do Carmo Benilton Alves Barbosa Flávia Campos Carvalho da Mota Ceia Gomes Henrique Carlos Serra Azul Guimarães Claudia Regina Sahb Freire Joanilson Rodrigues David Wagner Karina Passanante Orlandin Francisco das Chagas Oliveira Leilson Tetsuya Tamashiro Luciana Alves Rodrigues Patrick Fleury Luciana Dias Ricardo Aparecido de Oliveira Marcos Roberto Mendonça M. Coutinho Rodrigo Malcov Borba Henrique Marielle Maciel Mendes Shirlei Baptista Solange Chagas do Valle Silvana Maria Silva Ágata de Almeida Esteves Carolina Mourão Fabíola dos Santos Cardoso Alves Giullia Rodrigues Helena Brunharo Juliana Fourny Maria Clara Sousa e Mello Patrícia Lopes Poliana Mendes da Silva Tammy Galera Takagi Thayane Silva dos Santos 1 Na técnica de Grupos Focais são mencionados apenas os nomes dos participantes dos grupos quando isto é considerado relevante pelos próprios participantes. Nesta pesquisa, técnicos, professores, treinadores, árbitros, responsáveis por projetos sociais e atletas desejaram e autorizaram a menção aos seus nomes neste relatório. 2 Não se ignora o fato de que a língua portuguesa, por generalizar no masculino, contribui culturalmente para a “invisibilidade” feminina e para a manutenção dos estereótipos de gênero. No entanto, optou-se neste relatório pela utilização da duplicidade de expressão de gênero na forma “o(a)” somente quando a palavra está no singular; no plural, seguimos a norma padrão da língua com a generalização no masculino. Tal opção deveu-se por ser um texto que será vertido para o inglês e que, ao não respeitar as regras da língua, poderia confundir leitores e tradutores. 3 “Ainda hoje, é muito difícil ser atleta – em qualquer modalidade, o esporte de alto nível exige superação e sacrifício. E mais difícil ainda é ser atleta no Brasil. E ainda mais ser mulher, atleta e brasileira. Mas surge uma nova campeã a cada dia para mostrar a poderosa força feminina. Devemos guardar aplausos para todas as mulheres no Pan 2007: são mulheres – mesmo que não sejam estrelas ou campeãs – que merecem os pódios e as medalhas, por tudo que viveram para chegar até lá.” Oscar Valporto 4 Sumário Apresentação .............................................................................................................................................. 9 I - Introdução ........................................................................................................................................... 10 O projeto A Mulher e o Esporte – A experiência dos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo ................................................................................................................................................................ 10 Planejamento e operacionalização da pesquisa ................................................................... 10 Suporte conceitual e valorativo da pesquisa ........................................................................ 14 A execução da pesquisa......................................................................................................... 15 O trabalho de campo ..................................................................................................................... 16 O pós-campo.................................................................................................................................. 17 II - Breve contextualização do esporte no Brasil ................................................................................ 18 III - O município do Rio de Janeiro...................................................................................................... 27 III.1. Perfil dos entrevistados a partir das fichas socioeconômicas .................................................. 27 III.2. As vozes dos técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais ................................................................................................................................................................ 38 Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ........................................ 38 Antecedentes.................................................................................................................................. 38 Instituições e projetos sociais participantes do GF ..................................................................... 39 A realização do GF ....................................................................................................................... 39 O pós-grupo ................................................................................................................................... 40 Principais pontos levantados na discussão........................................................................... 41 A motivação das meninas para a prática do esporte: fatores dificultadores e facilitadores ..... 42 A importância da Mídia ................................................................................................................ 55 A importância do “espelho” ......................................................................................................... 57 Contraposição do esporte como construção da cidadania ao esporte competitivo ................... 58 Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva para as meninas ........................... 63 III.3. As vozes das mães, pais e responsáveis pelas atletas................................................................ 63 Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ........................................ 63 Antecedentes.................................................................................................................................. 63 A realização do GF ....................................................................................................................... 64 O pós-grupo ................................................................................................................................... 64 Principais pontos levantados na discussão........................................................................... 64 A motivação das meninas para a prática do esporte ................................................................... 65 A importância do apoio da família............................................................................................... 66 A importância do papel do(a) técnico(a) ..................................................................................... 68 A importância do estudo paralelamente ao esporte .................................................................... 68 A importância do “grupo”, das amizades e das “boas companhias” ......................................... 69 Expressão de estereótipos de gênero............................................................................................ 70 Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte ....................... 73 Facilidades percebidas para que as atletas ingressem e permaneçam no esporte ..................... 75 Sugestões para melhorar as condições de prática esportiva para as meninas ........................... 77 III.4. As vozes das atletas...................................................................................................................... 77 Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ........................................ 77 Antecedentes.................................................................................................................................. 77 Instituições e projetos sociais participantes do GF ..................................................................... 78 A realização do GF ....................................................................................................................... 78 O pós-grupo ................................................................................................................................... 79 Principais pontos levantados na discussão........................................................................... 80 Os gostos e as idiossincrasias das atletas..................................................................................... 80 A motivação das meninas para a prática do esporte ................................................................... 81 Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte ....................... 83 A importância da família e dos amigos (para o bem e para o mal)............................................ 87 Apoio da equipe versus competitividade..................................................................................... 89 As atletas e os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro (Pan) ............................................... 92 Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva ....................................................... 95 5 III.5. As vozes das não-atletas .............................................................................................................. 95 Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ........................................ 95 Antecedentes.................................................................................................................................. 95 A realização do GF ....................................................................................................................... 96 O pós-grupo ................................................................................................................................... 96 Principais pontos levantados na discussão........................................................................... 97 Os gostos e as idiossincrasias das atletas..................................................................................... 97 A (não) motivação das meninas para a prática do esporte ......................................................... 98 “Efeitos colaterais” do esporte ..................................................................................................... 99 Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva ..................................................... 100 IV – O município de São Paulo............................................................................................................ 101 IV.1. Perfil dos entrevistados a partir das Fichas de Perfil Socioeconômico................................. 101 IV.2. As vozes das mães, pais e responsáveis pelas atletas .............................................................. 112 Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ...................................... 112 Antecedentes................................................................................................................................ 112 A realização do GF ..................................................................................................................... 113 O pós-grupo ................................................................................................................................. 113 Principais pontos levantados na discussão......................................................................... 114 A motivação das meninas para a prática do esporte ................................................................. 114 A importância da família (para o bem e para o mal) ................................................................ 116 A importância da escola no encaminhamento da vida esportiva ............................................. 117 Importância dos clubes para a continuidade da vida esportiva ................................................ 119 Expressão de estereótipos de gênero.......................................................................................... 120 Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte ..................... 123 Facilidades percebidas para que as atletas permaneçam no esporte ........................................ 127 Os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro (Pan).................................................................. 127 Sugestões para melhorar as condições de prática esportiva para as meninas ......................... 128 IV.3. As vozes das atletas .................................................................................................................... 129 Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ...................................... 129 Antecedentes................................................................................................................................ 129 Instituições e projetos sociais participantes do GF ................................................................... 129 A realização do GF ..................................................................................................................... 130 O pós-grupo ................................................................................................................................. 131 Principais pontos levantados na discussão......................................................................... 132 Os gostos e as idiossincrasias das atletas................................................................................... 132 A motivação das meninas para a prática do esporte ................................................................. 133 Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte ..................... 134 Facilidades percebidas para que as atletas permaneçam no esporte ........................................ 138 Vantagens e desvantagens do esporte ........................................................................................ 138 Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva ..................................................... 142 IV.4. As vozes das não-atletas ............................................................................................................ 143 Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ...................................... 143 Antecedentes................................................................................................................................ 143 A realização do GF ..................................................................................................................... 144 O pós-grupo ................................................................................................................................. 145 Principais pontos levantados na discussão......................................................................... 145 Os gostos e as idiossincrasias das não-atletas ........................................................................... 145 A (não) motivação e a motivação das meninas para a prática do esporte ............................... 146 Vantagens e desvantagens do esporte ........................................................................................ 147 Percepções acerca do uso do tempo de meninos e meninas ..................................................... 147 Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva ..................................................... 149 IV.5. As vozes dos técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais .............................................................................................................................................................. 149 Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ...................................... 149 Antecedentes................................................................................................................................ 149 Instituições e projetos sociais participantes do GF ................................................................... 150 A realização do GF ..................................................................................................................... 150 O pós-grupo ................................................................................................................................. 151 6 Principais pontos levantados na discussão......................................................................... 151 A motivação das meninas para a prática do esporte ................................................................. 152 A importância da Mídia (para o bem e para o mal) .................................................................. 156 Contraposição do esporte como construção da cidadania e o esporte competitivo ................ 158 Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte ..................... 160 Facilidades percebidas para que as atletas permaneçam no esporte ........................................ 161 Expressão de estereótipos de gênero.......................................................................................... 162 Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva para as meninas ......................... 163 V - Considerações Finais ...................................................................................................................... 165 Contextualização ................................................................................................................................. 165 Principais achados da pesquisa ......................................................................................................... 169 A motivação das meninas para a prática do esporte.......................................................... 169 Fatores facilitadores da prática esportiva........................................................................... 173 Fatores dificultadores da prática esportiva......................................................................... 176 Sugestões apontadas para melhorar as condições da prática esportiva ............................ 182 Temas que ganharam destaque nos diversos grupos ........................................................................ 185 A importância da mídia (para o bem e para o mal) ........................................................... 186 A importância do “espelho”................................................................................................ 186 Contraposição do esporte como construção da cidadania ao esporte competitivo.......... 187 A importância do apoio da família (para o bem e para o mal) ......................................... 188 A importância do papel do técnico ..................................................................................... 189 A importância do estudo paralelamente ao esporte........................................................... 190 A importância do “grupo”, das amizades e das “boas companhias”................................ 190 Apoio da equipe versus competitividade ........................................................................... 190 As atletas e os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro................................................. 191 A importância da escola no encaminhamento da vida esportiva...................................... 192 A importância dos clubes para a continuidade da vida esportiva..................................... 192 Vantagens e desvantagens do esporte ................................................................................ 193 Existência de estereótipos de gênero no esporte: um tema transversal .......................................... 193 Referências Bibliográficas.................................................................................................................... 198 ANEXO ................................................................................................................................................... 199 7 Apresentação 8¶ I - Introdução 9¶ O projeto A Mulher e o Esporte – A experiência dos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo 9¶ Planejamento e operacionalização da pesquisa 9¶ Suporte conceitual e valorativo da pesquisa 13¶ A execução da pesquisa 14¶ O trabalho de campo 15¶ O pós-campo 16¶ II - Breve contextualização do esporte no Brasil 17¶ III - O município do Rio de Janeiro 25¶ Perfil dos entrevistados a partir das fichas socioeconômicas 26¶ III.1. As vozes dos técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais 37¶ Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora 37¶ Antecedentes 37¶ Instituições e projetos sociais participantes do GF 38¶ A realização do GF 38¶ O pós-grupo 39¶ Principais pontos levantados na discussão 40¶ A motivação das meninas para a prática do esporte: fatores dificultadores e facilitadores 41¶ A importância da Mídia 55¶ A importância do “espelho” 57¶ Contraposição do esporte como construção da cidadania ao esporte competitivo 57¶ Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva para as meninas 63¶ III.2. As vozes das mães, pais e responsáveis pelas atletas 64¶ Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora 64¶ Antecedentes 64¶ A realização do GF 64¶ O pós-grupo 64¶ Principais pontos levantados na discussão 65¶ A motivação das meninas para a prática do esporte 65¶ A importância do apoio da família 67¶ A importância do papel do(a) técnico(a) 68¶ A importância do estudo paralelamente ao esporte 69¶ A importância do “grupo”, das amizades e das “boas companhias” 70¶ Expressão de estereótipos de gênero 70¶ Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte 73¶ Facilidades percebidas para que as atletas ingressem e permaneçam no esporte 76¶ Sugestões para melhorar as condições de prática esportiva para as meninas 77¶ III.3. As vozes das atletas 78¶ Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora 78¶ Antecedentes 78¶ 8 Apresentação O presente Relatório descreve as principais atividades e os resultados da pesquisa qualitativa “A Mulher e o Esporte – A experiência dos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo”. A pesquisa foi realizada pelo Instituto Noos com o apoio da Nike, nos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo, nos meses de abril e maio de 2007, utilizando a metodologia de Grupos Focais e coletou informações junto a atletas e não-atletas, mães, pais e responsáveis por atletas, técnicos(as), professores(as), árbitros(as) e responsáveis por projetos sociais que utilizam o esporte como forma de inclusão social. É fundamental que se explicite que um relatório é sempre um dos recortes possíveis do material coletado, que, com especial razão no caso desta pesquisa, é vastíssimo e se presta a outros inúmeros olhares que poderão ser lançados em momentos posteriores por outras pessoas. Para garantir essas possibilidades futuras, o presente Relatório contém um anexo com os relatos dos oito GFs realizados e com o banco de dados que foi gerado a partir das 103 fichas socioeconômicas aplicadas aos entrevistados e digitadas em Statistical Package for Social Science (SPSS). A organização do Relatório por unidades regionais permite que o(a) leitor(a) interessado(a) em apenas uma localidade tenha uma boa visão da pesquisa, a partir da leitura da Introdução, do capítulo relativo ao município específico e das Considerações Finais. A Introdução expõe brevemente o que é o projeto e descreve a metodologia, os pressupostos, os antecedentes, os objetivos, o trabalho de campo e o pós-campo da pesquisa qualitativa. O Capítulo II mostra uma breve contextualização dos esportes no Brasil com o intuito de dimensionar a importância dos dois municípios pesquisados no conjunto da atividade esportiva do país. Os Capítulos III e IV tratam, respectivamente, de cada um municípios pesquisados, seguindo a cronologia de sua realização: Rio de Janeiro e São Paulo. Cada um destes capítulos descreve os dados mais relevantes da realização dos GFs em foco e sistematiza as idéias que emergiram das discussões, à luz das questões às quais se pretendia responder. O último capítulo sumariza os principais “achados” da pesquisa a partir das questões colocadas e daquelas que emergiram ou ganharam relevância nos grupos, sempre tendo como referência maior não mais cada tipo de ator envolvido, mas cada um dos municípios pesquisados. O CD Anexo oferece o próprio Relatório em versão digital, a ficha socioeconômica preenchida pelos participantes, o banco de dados resultante, os relatos dos grupos e outros documentos utilizados no trabalho de campo. 9 I - Introdução O projeto A Mulher e o Esporte – A experiência dos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo Trata-se de um projeto de pesquisa inspirado em resultados colhidos em pesquisa internacional que constatou que grande parte das mais bem sucedidas executivas americanas havia praticado esporte na sua infância e/ou adolescência, fazendo crer que a prática da atividade esportiva traria ganhos pessoais em níveis profissionais que em muito transcendiam à prática esportiva em si3. Planejamento e operacionalização da pesquisa Durante a etapa de planejamento da presente pesquisa, ocorreram conversações entre o Noos e a Nike – ao nível de coordenação –, reuniões de equipe e a leitura e sistematização do material disponível sobre o tema. O cumprimento de tais etapas prévias permitiu a formulação, a consolidação e a aprovação de uma proposta de operacionalização que continha os principais pontos acordados. Ficou acertado que o projeto seria viabilizado em duas etapas: a primeira delas, de cunho exploratório e operacional para a segunda, seria uma pesquisa institucional visando a localização das instituições de interesse e a aplicação de uma ficha para registro de informações básicas sobre elas. O objetivo seria o de identificar as instituições em que houvesse a participação feminina no esporte e ver de que informações dispõem, de maneira a colher subsídios para a segunda etapa – a pesquisa qualitativa – que se constituiria no foco principal do projeto. Buscar-se-ia principalmente: identificar quais esportes deveriam ser incluídos e, principalmente, como chegar a indicações nominais para compor um cadastro de participantes em potencial dos Grupos Focais. A segunda etapa constituir-se-ia na pesquisa propriamente dita e seria um mapeamento de percepções das pessoas vinculadas de alguma forma às instituições investigadas na primeira etapa da pesquisa, no que concerne a questões centrais propostas para a investigação. Para a segunda etapa do projeto ficaram acordados os seguintes parâmetros4: • Público-alvo da pesquisa: atletas profissionais, amadoras e participantes de projetos sociais com idade entre 12 e 18 anos5; técnicos, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais que utilizam o esporte como forma de inclusão; pais, mães e responsáveis por atletas; e não-atletas – adolescentes com perfil socioeconômico semelhante ao das atletas, porém, atualmente, não-praticantes de esportes. 3 New Nationwide Research Finds: Successful Women Business Executives Don't Just Talk a Good Game...They Play(ed) One. http://www.massmutual.com/mmfg/pdf/boardroom.pdf 4 Alguns dos parâmetros originais sofreram alteração no início da execução do projeto, mas as mudanças foram consideradas apenas ajustes que não descaracterizavam a proposta acordada. Assim, já estão sendo descritos aqui os parâmetros que de fato nortearam a realização do trabalho de campo. 5 Definidos como adolescentes pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 10 • Área geográfica definida para a pesquisa: os municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo. • Modalidades esportivas incluídas na pesquisa: aquelas definidas como olímpicas, a saber: Quadro 1 Esportes olímpicos Arco e flecha Lutas Atletismo Natação Badminton Natação Sincronizada Basquete Pentatlo Moderno Beisebol Pólo Aquático Boxe Remo Canoagem Saltos Ornamentais Ciclismo Softbol Esgrima Taekwondo Futebol Tênis Ginástica Artística Tênis de Mesa Ginástica Rítmica Tiro Esportivo Handebol Trampolim Acrobático Hipismo Triatlo Hóquei sobre Grama Vela Judô Vôlei Levantamento de Peso Vôlei de Praia Fonte: IBGE, Pesquisa de Informações Básicas Municipais - Perfil dos Municípios Brasileiros, Esporte 2003 - Rio de Janeiro: IBGE, 2006. • Dimensões da prática esportiva incluídas na pesquisa: todas as dimensões da prática esportiva, tal como definidas na Lei Pelé (Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990): esporte de rendimento (amador e profissional), esporte e lazer (que inclui o esporte como inclusão social) e esporte educacional. • Objetivos gerais da pesquisa: Levar os participantes dos Grupos Focais da pesquisa a refletir sobre as possibilidades de inserção e permanência de mulheres nas atividades esportivas. Identificar se os diversos atores envolvidos na prática/não-prática esportiva ouvidos pela pesquisa percebem diferenças entre homens e mulheres na prática esportiva em função da existência de estereótipos de gênero. Subsidiar a formulação de políticas públicas que possam beneficiar a prática esportiva das mulheres em qualquer dimensão e em qualquer modalidade. • Questões centrais que se propõe a investigar: Qual a motivação das mulheres para a prática do esporte? 11 Quais os fatores percebidos como dificultadores para a inserção e permanência da mulher no esporte? Quais os fatores percebidos como facilitadores para a inserção e permanência da mulher no esporte? Quais as sugestões para incentivar a participação feminina no esporte? • Metodologia: mista, com predominância da qualitativa, utilizando-se de Grupos Focais (GFs) realizados nos dois municípios-alvo da pesquisa e aplicando-se fichas de levantamento de perfil socioeconômico e de identificação da atividade esportiva a todos os participantes. • Característica principal para a formação dos grupos: é aquela que determina o número de GFs a serem realizados e que estabelece o nível no qual as comparações podem ser feitas na análise. Foram estabelecidas como sendo o município de moradia dos participantes e o tipo de vínculo que mantêm com a atividade esportiva.6 A seleção dos participantes dos GFs seria feita de forma a garantir o máximo de heterogeneidade na composição dos grupos, respeitando as variáveis consideradas relevantes (características secundárias da pesquisa). A intenção é “dar voz” à diversidade presente no universo a pesquisar. O gráfico a seguir mostra o “desenho” final do painel da pesquisa: 6 Cabe aqui uma observação que é válida para toda a análise do material qualitativo coletado na pesquisa: como mencionado, pela metodologia de pesquisa que utiliza como técnica os Grupos Focais, a comparabilidade das informações é possível ao nível das características principais. Ou seja, no caso desta pesquisa, ao nível das unidades geográficas que sediaram os grupos (que são as de moradia dos participantes) e do tipo de vínculo (ou não vínculo) dos participantes com a prática esportiva em suas diversas modalidades. É exatamente isso que será feito. Contudo, será impossível deixar de mencionar algumas vezes (talvez muitas) detalhes que são específicos de uma determinada modalidade esportiva representada nos grupos como característica secundária. Tal procedimento não se constitui numa impropriedade metodológica no caso de diferenciações relevantes, ainda que não seja usual. 12 Figura 1 – Estrutura da pesquisa qualitativa 13 Suporte conceitual e valorativo da pesquisa Compartilhando a idéia da impossibilidade de uma atuação neutra do pesquisador no exercício de suas funções, dentre as várias alternativas existentes para contornar este fato, opta-se aqui por explicitar os conceitos/valores que estão norteando a pesquisa: • Considera-se gênero “um conceito das ciências sociais que se refere à construção social do sexo”. (HEILBORN, 1995, p. 9) A idéia é a de que existem diferenças e desigualdades entre os sexos, que nada têm de naturais ou essenciais, e que são o cerne do “gênero” como construção cultural e social do feminino e do masculino em um dado momento e em uma dada sociedade. Tal concepção é relacional e implica em mutabilidade, multiplicidade e distribuição desigual de poder. Aqui se considera um valor positivo a desnaturalização dessas diferenças por entender-se que isto possibilitaria a construção de relações mais eqüitativas entre homens e mulheres, tidas como desejáveis. • “Os estereótipos baseiam-se em crenças, idéias preconcebidas e expectativas com as quais se avalia o comportamento das pessoas. Os estereótipos de gênero são responsáveis pelo trato diferenciado a que são submetidos mulheres e homens, desde o início da infância, por parte dos responsáveis pela sua socialização. Respondem a diferentes características em épocas distintas o que permite supor que não são tão imutáveis como às vezes são descritos. Isso reforça a idéia de que funcionam também como controle social. Sustentar estereótipos é manter fixos os papéis de homens e mulheres.” (MIRANDA e ANTUNEZ, 2006, p. 1) • Considera-se que “o esporte é um meio social capaz de produzir e reproduzir valores, símbolos e representações de determinados contextos culturais”. (ALMEIDA, 2006, p. 1) • Está sendo entendido como modalidade esportiva “a materialização/ objetivação da prática social do esporte em prática corporal de movimento, dotada de significado historicamente construído. É a prática propriamente dita do Futebol, Basquetebol, voleibol e demais modalidades”. (IBGE, 2006, p. 164) • Estão sendo consideradas na pesquisa as três dimensões da prática esportiva em qualquer modalidade, assim definidas: “Esporte de rendimento: esporte organizado em nível internacional, pela adoção de sistemas de regras e códigos da prática esportiva (nacionais e internacionais) que devem ser aceitos e observados, e caracterizado pela busca de resultados em competições. O esporte de rendimento pode ser praticado de modo profissional, com remuneração pactuada entre o atleta e a entidade de prática desportiva; ou de modo não-profissional, identificado pela liberdade de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio.” (IBGE, 2006, p. 164) 14 Esporte educacional, “praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer. (...)” (Lei nº 9.615/98, conhecida como Lei Pelé). “Esporte e lazer: esporte praticado de modo voluntário, compreendendo as modalidades esportivas que têm por finalidade contribuir para a integração plena dos praticantes na vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente.” (IBGE, 2006, p. 163) • Finalmente, entende-se como um dos direitos dos participantes dos grupos o acesso aos resultados do trabalho, fruto indissociável de sua participação voluntária e desinteressada (muitas vezes emocionada) nas atividades da pesquisa. Tal acesso pode ser garantido não só pela divulgação das conclusões de forma ampla e democrática como também pelo empenho para que os resultados cheguem às autoridades competentes para que haja uma possibilidade de incorporação de algumas de suas sugestões e anseios em políticas públicas para o setor do esporte. A execução da pesquisa Postos esses parâmetros, dando seqüência aos trabalhos, procedeu-se ao desenvolvimento de todas as tarefas que antecedem à realização dos grupos e chegou-se então à seguinte programação comum para cada um dos GFs: • Lanche ou almoço de confraternização. • Autopreenchimento da ficha socioeconômica com apoio da equipe da pesquisa. • Rápida exposição do que será o trabalho de grupo e apresentação da equipe com explicitação de suas funções no trabalho. • Estabelecimento de um pacto sobre as regras de convivência durante a realização do grupo (autorização para gravar e tomar notas, somente uma pessoa falando por vez, falas voluntárias e livres etc.). • Apresentação dos participantes com uma dinâmica “quebra gelo” variável conforme o grupo e que será descrita oportunamente ao início do trabalho de análise do material coletado. • Discussão propriamente dita a partir das seguintes questões disparadoras: A motivação das mulheres para a prática do esporte. As dificuldades percebidas para a inserção da mulher no esporte. As facilidades percebidas para a inserção da mulher no esporte. Diferenças de gênero no esporte (existência de condições diferenciadas para homens e mulheres). As sugestões para incentivar a participação feminina no esporte. Palavrinha final sobre o trabalho no grupo. 15 • Entrega de vales-transporte, brinde da Nike e, no caso de atletas e treinadores, certificado de participação. O trabalho de campo Para a realização do trabalho de campo no período de 19/04/2007 a 02/05/2007, definiram-se as características pessoais dos entrevistados, que variaram entre os grupos mas foram basicamente a modalidade de esporte, a dimensão da prática do esporte, a idade, o sexo e a localização geográfica da instituição onde as atividades eram praticadas. De posse da lista de candidatos em potencial a participantes dos Gfs construída na primeira etapa do projeto, selecionou-se os candidatos em primeira prioridade para cada grupo bem como suas possíveis substituições. Procurou-se sempre manter 16 pessoas confirmadas para cada grupo de maneira a garantir um número mínimo de 8 pessoas por grupo. Os convites foram feitos pelas auxiliares de pesquisa e sua aceitação confirmada por telefone e e-mail. Na véspera da realização de cada um dos grupos, um outro telefonema de aide memoire foi dado. Segundo o relato das auxiliares de pesquisa, em geral, a receptividade foi boa, havendo interesse em participar, o que resultou em um número médio de 10,4 pessoas por GF, número considerado muito bom, já que esta metodologia prevê um número médio de oito participantes como ideal. Os oito GFs realizados tiveram duração muito variável situada no intervalo de 33 minutos – não-atletas do Rio – a duas horas e meia – técnicos do Rio. No final do grupo, era pedida uma avaliação do trabalho de pesquisa em si. Em todos os GFs, nesse momento, o grau de satisfação com o trabalho no GF foi bastante ressaltado, bem como a curiosidade com a pesquisa, a esperança de conhecer os resultados, de sua contribuição ajudar a melhorar as condições da prática esportiva e a total disponibilidade para voltar aos GFs caso eles viessem a se repetir. Algumas dessas falas dão conta da enorme carência de espaços de escuta, pois mencionaram desde a satisfação/orgulho de terem sido ouvidas até a ênfase no grupo como um momento raro de reflexão, discussão, encontro/reencontro e integração com seus pares. A fala de uma participante do GF dos responsáveis no Rio de Janeiro bem sintetiza esta posição: “Eu gostei muito da reunião, gostei do lanche, agora eu estou sentindo um pouco de esperança porque só da gente poder falar, renova um pouco as forças da gente, a vontade da gente estar mais do lado, participar mais, apoiando mais. Eu gostei dessa esperança que eu comecei a sentir. Foi bom.” Houve também muitas referências dos participantes ao fato de terem se descoberto “acompanhados” ao perceberem que vivenciam problemas comuns às demais pessoas. Outro ponto sempre destacado foi a qualificação e a adequação atribuídas à equipe da pesquisa, que ficou muito gratificada, pois estava totalmente empenhada na realização de seu trabalho de forma intensa, integral e, muitas vezes, emocional. 16 Em todos os GFs foi oferecido uma refeição aos participantes (lanche ou almoço conforme o caso) e à equipe. Esta refeição constituía-se em um momento de confraternização que, em geral, tendia a prolongar-se, evidenciando mais uma vez o prazer da maioria das pessoas em participar do evento. Durante a refeição, conversas particulares (em duplas ou trios) eram entabuladas e e-mails e telefones eram trocados. O pós-campo Finda a etapa do trabalho de campo, procedeu-se à elaboração dos relatos que, neste caso, incorporam integralmente as transcrições do material gravado, à organização e à análise dos dados quantitativos e qualitativos e à redação do presente Relatório, que, como vimos, trata da metodologia e dos resultados da pesquisa. Os dados quantitativos aqui apresentados foram compilados a partir de duas fontes básicas de informação: dados produzidos a partir da ficha socioeconômica aplicada a todos os entrevistados e dados disponíveis do IBGE sobre a população das cidades pesquisadas. Seu uso, em especial daqueles advindos do levantamento realizado junto aos participantes, diz mais respeito à qualificação dos públicos do que às medições complementares dos temas focados na pesquisa. Os dados do IBGE cumpriram a função de indicar as diferenças e semelhanças com os públicos da pesquisa e mostrar as principais características das duas cidades investigadas. Por outro lado, a análise do material qualitativo colhido nos GFs está voltada para a sistematização e a articulação das idéias apresentadas pelos entrevistados, respondendo a questões propostas ou incluindo temas originais. A opção analítica feita, contudo, não implica em perda de conhecimento acerca da linguagem dos entrevistados, uma vez que serão apresentadas, sempre que possível, citações selecionadas de suas falas, preservando o tom coloquial da linguagem oral, as formas de expressão e suas contradições. Finalmente, é indispensável salientar-se que, apesar da disposição e do empenho da equipe da pesquisa, o trabalho não poderia ter sido realizado, muito menos no prazo em que o foi, sem a colaboração efetiva dos técnicos, professores e responsáveis pelos projetos sociais que, além de propiciarem a elaboração do cadastro das atletas candidatas em potencial para os GFs, chegaram até mesmo a liberar as atletas de treinos pré-programados para que participassem dos grupos. Ao registrar o agradecimento a estas pessoas, gostaríamos de estendê-lo aos responsáveis pela gravação e pela transcrição do material gravado, pela digitação das fichas de perfil socioeconômico, bem como aos assistentes de pesquisa nos dois municípios e ao revisor do texto deste Relatório. Por último, e com a maior ênfase, um agradecimento especialíssimo aos entrevistados, que, com sua participação generosa e disponível, permitiram que fosse levado a bom termo o trabalho de campo. 17 II - Breve contextualização do esporte no Brasil Existiam no Brasil em 20007 12.404.568 mulheres de 12 a 18 anos, público-alvo desta pesquisa, correspondendo a 7,3% da população total. Na Região Sudeste elas eram 4.858.191 (6,7% do total) e, nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, 880.175 (6,1%) e 2.477.095 (6,7%) respectivamente. Neste mesmo ano, no município do Rio de Janeiro eram 332.869 (5,7% do total) as mulheres dessa faixa etária e, no município de São Paulo, 675.639 (6,5%). Naquela ocasião, os dois municípios estudados somavam mais de um milhão de jovens mulheres (12 a 18 anos) que juntas representavam 8,1% do total registrado para o Brasil. Foram localizadas algumas informações relativamente recentes, referentes ao ano de 2003, sobre a atividade esportiva brasileira. As fontes dessas informações são duas pesquisas realizadas pelo IBGE, em parceria com o Ministério dos Esportes: Pesquisa dos Esportes 2003 – Governo do Estado e Suplemento de Esportes da Pesquisa de Informações Básicas Municipais. Ambas cobrem apenas as atividades esportivas que estão sob a responsabilidade da esfera pública, a primeira no âmbito estadual, também com resultados agregados para Brasil e Grandes Regiões e a segunda no âmbito municipal. As informações foram fornecidas pelo órgão gestor do esporte, em cada um dos estados brasileiros, no Distrito Federal e nas prefeituras municipais. Para efeito desse estudo, que focaliza os municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo, procurou-se reunir os dados disponíveis e capazes de mostrar a importância relativa dessas duas cidades entre si e tendo como parâmetro o estado a que cada uma delas pertence, a Região Sudeste e o Brasil. Conforme exposto na apresentação das pesquisas-fonte, as informações só são passíveis de comparação quando provenientes da mesma esfera de governo. Por este motivo, os quadros a seguir foram montados separadamente para municípios e para estados, Região Sudeste e Brasil. Mesmo cientes de que a esfera pública cobre apenas parte da atividade esportiva desenvolvida no país, os resultados obtidos a partir dos dados dessas duas pesquisas nos permitiram assinalar algumas características importantes e dimensionar a presença do esporte no território nacional. Do conjunto de dados disponíveis foram selecionados aqueles capazes de mostrar aspectos relativos ao pessoal diretamente envolvido com essa atividade, ou seja, os técnicos e a estrutura física existente (instalações e equipamentos) para a prática do esporte. Também foi considerada a disponibilidade da informação para as duas esferas de governo. Alguns dados sobre a população brasileira, nas áreas geográficas selecionadas e para o mesmo ano de realização das pesquisas de esportes (2003), serão úteis na compreensão das diferenças observadas. A população do Brasil em 20038 era de 175.987.612 habitantes, dos quais 43,5% (76.499.625) residiam na Região Sudeste. Os estados do Rio de Janeiro (19,7%) e de São Paulo (51,1%) tinham em conjunto 70,8% do total da população residente na Região Sudeste. Para municípios, nesse mesmo ano9, só estão disponíveis estimativas da população residente: o município de São Paulo contava com 10.677.019 habitantes, enquanto o município do Rio de 7 IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados do universo. IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – 2003. 9 IBGE, Estimativas das populações residentes em 01/07/2003. 8 18 Janeiro possuía 5.974.081 pessoas; a população de São Paulo era 1,8 vezes maior do que a do Rio de Janeiro. Em 2003, o Brasil possuía um total de 63.969 técnicos ocupados nos governos dos estados na área de esporte, dos quais 89,3% eram professores e profissionais graduados em educação física, 1,6% profissionais graduados em outras áreas, 8,7% não-graduados e 0,4% estagiários. A quase totalidade desses profissionais atuava no esporte educacional (96%). Os técnicos ocupados no esporte de rendimento eram apenas 1,2% do total e aqueles dedicados ao esporte e lazer, 2,8%. Assim, pode-se concluir que na esfera estadual, a maior parte dos técnicos atuava na área do esporte educacional e possuía nível de escolaridade superior, sendo a grande maioria graduada em educação física. Ver quadro 2. Para o Sudeste repete-se o padrão de maior presença de técnicos graduados em educação física (91,2% do total) e atuando no esporte educacional (95,6% do total). Porém, nessa região os percentuais foram mais elevados do que para o total do Brasil. Os mesmos percentuais elevados de graduados em educação física e dedicados ao esporte educacional foram observados para os estados do Rio de Janeiro (81,1% e 85,3%) e de São Paulo (99,1% e 97,7%). A principal diferença é a menor proporção verificada no estado do Rio de Janeiro, para as duas questões abordadas. Do total de técnicos existentes no Brasil, ocupados na área estadual e dedicados ao esporte de rendimento, 34% estavam no estado do Rio de Janeiro, e destes, 86,4% eram profissionais não-graduados. Praticamente todo o contingente de técnicos ocupados no esporte de rendimento da Região Sudeste estava no estado do Rio de Janeiro (96,3%). Quanto ao esporte e lazer, 59,6% (1.080) dos técnicos dessa área estava na Região Sudeste. E nela, 70% (756) deles no estado do Rio de Janeiro. Também predominou o profissional não-graduado, tanto na Região (64,8%) quanto no Rio de Janeiro (91,3%). A representação de técnicos do estado do Rio de Janeiro, ocupados no esporte de rendimento e no esporte e lazer foi muito superior à proporção de sua população na Região Sudeste em 2003 (19,7%), indicando ser esta uma característica específica do governo local. 19 Quadro 2 Número de técnicos ocupados no governo do estado na área de esporte em 31/12, por manifestação do esporte, segundo áreas selecionadas – 2003 Manifestação do esporte e áreas selecionadas Numero de técnicos ocupados no governo do estado na área de esporte em 31/12, por manifestação do esporte Total Professores e Profissionais Profissionais Estagiários profissionais graduados nãograduados em em outras graduados educação áreas física Total Brasil 63.969 57.098 1.008 5.538 325 Região Sudeste 30.778 28.078 696 2.002 2 Rio de Janeiro 6.888 5.588 0 1.300 0 São Paulo 13.921 13.800 17 102 2 Esporte educacional Brasil 61.399 55.662 972 4.568 197 Região Sudeste 29.430 27.653 696 1.079 2 Rio de Janeiro 5.874 5.487 0 387 0 São Paulo 13.601 13.490 17 92 2 Esporte de rendimento Brasil 759 507 3 238 11 Região Sudeste 268 45 0 223 0 Rio de Janeiro 258 35 0 223 0 São Paulo 6 6 0 0 0 Esporte e lazer Brasil 1.811 929 33 732 117 Região Sudeste 1.080 380 0 700 0 Rio de Janeiro 756 66 0 690 0 São Paulo 314 304 0 10 0 Fonte: IBGE, Pesquisa dos Esportes 2003. Governo do Estado. Esse mesmo conjunto de informações, visto sob a ótica pública municipal, apresentou outros resultados e mostrou algumas especificidades. Ver Quadro 3. O primeiro resultado expressivo diz respeito à quantidade de técnicos existentes nas duas cidades. O número registrado no município do Rio de Janeiro (5.912) é 2,5 vezes maior do que o verificado no município de São Paulo (2.362), sendo que em 2003, a população desta cidade era 1,8 vez maior que a da primeira. O percentual de professores e profissionais graduados em educação física também se mostrou elevado para as duas cidades, 69,7% para Rio de Janeiro e 78,4% para São Paulo, embora maior para a última. Nas duas cidades a maioria dos técnicos estava ocupada no esporte educacional, 69,5% em São Paulo e 56,2% no Rio de Janeiro. Todos os ocupados na área educacional, nas duas cidades, eram graduados em educação física. O esporte de rendimento, apesar de numericamente inferior, também apresentou mais técnicos no município do Rio de Janeiro (213), sendo a maioria deles graduada 20 em educação física (62,4%) ou não-graduada (24,9%). A quantidade existente no município de São Paulo foi muito pequena (33) e os técnicos ocupados dividiram-se entre graduados em educação física (69,7%) e estagiários (30,3%). No município do Rio de Janeiro o número de técnicos ocupados na prefeitura no esporte e lazer (2.379) foi 3,5 vezes superior ao verificado no município de São Paulo (687). A qualificação dos técnicos que atuavam nesta dimensão foi bastante similar nas duas cidades, ficando em torno de 53% para os não-graduados e entre 27,1 e 28,1% para os graduados em educação física. A comparação entre as duas cidades permite afirmar que o Rio de Janeiro contava com muito mais técnicos que o município de São Paulo, cuja população era bem maior. As prefeituras de ambas as cidades ocupavam a maioria de seus técnicos no esporte educacional e todos os que se dedicavam a essa área eram graduados em educação física. Porém, somente no Rio de Janeiro o esporte de rendimento e o esporte e lazer apresentaram contingentes de técnicos mais significativos. Quadro 3 Número de técnicos ocupados na prefeitura na área de esportes em 31/12, por manifestação do esporte, segundo municípios selecionados – 2003 Manifestação do esporte e municípios selecionados Numero de técnicos ocupados na prefeitura na área de esporte em 31/12, por manifestação do esporte Total Absoluto % Professores e profissionais graduados em educação física Profissionais graduados em outras áreas Profissionais não-graduados Absoluto Absoluto Absoluto % % % Estagiários Absoluto % Total Rio de Janeiro - RJ São Paulo - SP 5.912 100,0 4.122 69,7 239 4,0 1.305 22,1 246 4,2 2.362 100,0 1.851 78,4 364 15,4 0 0,0 147 6,2 0,0 0 0,0 0 0,0 0,0 0 0,0 0 0,0 4,7 53 24,9 17 8,0 0,0 10 30,3 Rio de Janeiro - RJ São Paulo - SP 3.320 100,0 Esporte educacional 3.320 100,0 0 1.642 100,0 1.642 Rio de Janeiro - RJ São Paulo - SP 213 100,0 133 62,4 10 33 100,0 23 69,7 0 Rio de Janeiro - RJ São Paulo - SP 2.379 100,0 669 28,1 229 687 100,0 186 27,1 0 100,0 0 Esporte de rendimento 0,0 0 Esporte e lazer 9,6 0,0 1.252 52,7 229 9,6 364 53,0 137 19,9 Fonte: IBGE, Pesquisa de Informações Básicas Municipais, Suplemento Esportes – 2003. Considerando o total de escolas públicas estaduais existentes no Brasil em 2003 (35.412), 52,2% (18.493) possuíam instalações esportivas10. Essa proporção é 10 Unidade esportiva fundamental onde propriamente se realiza a atividade esportiva (quadra, campo de Futebol, piscina etc.). A instalação pode aparecer isoladamente ou como uma fração de espaço maior, o equipamento esportivo, que inclusive pode ser composto por um conjunto de instalações esportivas. IBGE, Perfil dos municípios brasileiros: Esportes 2003 – Rio de Janeiro: IBGE, 2006. 21 sempre maior que a do Brasil quando considerados a Região Sudeste (64,9%), o estado do Rio de Janeiro (62,9%) e o estado de São Paulo (82,8%). A Região Sudeste possuía em 2003 37,2% das escolas estaduais do país e sua população, na mesma ocasião, correspondia a 43,5% do total da população brasileira. Quadro 4 Escolas públicas estaduais existentes em 31/12 e com instalações esportivas segundo áreas selecionadas – 2003 Áreas selecionadas Escolas públicas estaduais existentes em 31/12 e com instalações esportivas Total Com instalação (1) Sem instalação Absoluto % Brasil 35.412 18.493 52,2 Região Sudeste 13.182 8.549 64,9 Rio de Janeiro 1.905 1.198 62,9 São Paulo 6.016 4.979 82,8 Fonte: IBGE, Pesquisa de Esportes 2003. Governo do Estado. Absoluto 16.919 4.633 707 1.037 % 47,8 35,1 37,1 17,2 Nota 1: Inclui: somente piscina; somente quadra não-coberta; somente quadra coberta; somente piscina e quadra coberta e somente piscina e quadra não-coberta. A proporção de escolas públicas municipais com instalações esportivas foi bastante similar nas duas cidades selecionadas, 49,4% para o Rio de Janeiro e 51,6% para São Paulo. Entretanto, a semelhança observada no número total de escolas, 1.225 para o Rio de Janeiro e 1.21611 para São Paulo, não corresponde à enorme diferença existente no tamanho de suas populações no ano de 2003: 5.974.081 para o Rio de Janeiro e 10.677.019 para São Paulo. Ver Quadro a seguir. Dados do Censo Educacional de 200512 referentes aos dois municípios estudados mostram que em São Paulo a grande maioria (69,1%) das escolas públicas do ensino fundamental pertencia à esfera estadual (1.043 de um total de 1.510), ao passo que no Rio de Janeiro era a esfera municipal que respondia pela maior parte (88,8%) dessas escolas (977 de 1.100). Para as escolas públicas do ensino médio, a esfera estadual predominou nas duas cidades: em São Paulo correspondeu a 98,6% do total (636 de 645) e no Rio de Janeiro 95,8% (295 de 308). Mesmo sem considerar a préescola e apesar de um pouco mais atualizados do que os revelados na Pesquisa de Esportes (2003), esses resultados ajudam a esclarecer o motivo pelo qual o número de escolas no município do Rio de Janeiro era tão elevado, comparativamente ao registrado em São Paulo. 11 Em agosto de 2003 foram implantados no município de São Paulo 21 Centros Educacionais Unificados – CEUs, todos com instalações esportivas. 12 IBGE, Cidades@. Ministério da Educação, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, INEP. 22 Quadro 5 Escolas públicas municipais existentes em 31/12 e com instalações esportivas, segundo áreas selecionadas – 2003 Municípios selecionados Escolas públicas municipais existentes em 31/12 e com instalações esportivas (1) Total Com instalação (2) Sem instalação Absoluto % Absoluto % Rio de Janeiro - RJ 1.225 605 49,4 620 50,6 São Paulo - SP 1.216 628 51,6 588 48,4 Fonte: IBGE, Pesquisa de Informações Básicas Municipais, Suplemento Esportes – 2003. Notas: 1. Dados provenientes do INEP. 2. Inclui: somente piscina, somente quadra não-coberta, somente quadra não-coberta, somente piscina e quadra coberta e somente piscina e quadra não-coberta. Quanto ao tipo e número de equipamentos esportivos13 existentes14 no Brasil, na esfera estadual, a Região Sudeste possuía poucos deles, quase que independentemente do tipo: 25 de 127 ginásios, 4 de 40 estádios de Futebol, 5 de 14 complexos aquáticos e 9 de 41 complexos esportivos. A situação torna-se ainda mais rarefeita quando considerados os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Porém, o Rio de Janeiro, mesmo com uma população menor (15.060.467) em 2003 do que a de São Paulo (39.332.726) possuía mais equipamentos de todos os tipos. Ver Quadro 6. Quadro 6 Número de equipamentos esportivos existentes em 31/12, por tipo de equipamento, segundo áreas selecionadas – 2003 Áreas selecionadas Número de equipamentos esportivos existentes em 31/12, por tipo de equipamento Ginásio Estádio Complexo Complexo Autódromo Kartódromo de aquático esportivo Futebol Brasil 127 40 14 41 3 3 Região Sudeste 25 4 5 9 0 0 Rio de Janeiro 4 2 2 4 0 0 São Paulo 3 0 2 3 0 0 Fonte: IBGE, Pesquisa de Esportes 2003. Governo do Estado. Diferentemente do resultado observado para a esfera estadual, os equipamentos da esfera municipal eram muito mais presentes no município de São Paulo quando comparado com o do Rio de Janeiro, independentemente do tipo. Os números para 13 Conjunto de instalações implantado em uma área contígua ou em áreas descontínuas, desde que anexas ou muito próximas. No equipamento esportivo, além das instalações esportivas, podem existir instalações destinadas a serviços e apoio à prática do esporte (ambulatório, depósitos, áreas administrativas, refeitórios, alojamentos, restaurantes/lanchonetes, auditórios etc.). IBGE, Perfil dos municípios brasileiros: Esportes 2003 – Rio de Janeiro: IBGE, 2006. 14 Em funcionamento pleno ou parcial; concluído e não inaugurado; ou paralisado por ampliação ou reforma, ou por outros motivos. IBGE, Perfil dos municípios brasileiros: Esportes 2003 – Rio de Janeiro: IBGE, 2006. 23 cada tipo devem ser utilizados com cautela, pois segundo a nota pode aparecer em mais de um tipo quando localizado em complexo esportivo. Ver Quadro 7. Quadro 7 Número de equipamentos esportivos existentes em 31/12, por tipo de equipamento, segundo municípios selecionados – 2003 Municípios selecionados Número de equipamentos esportivos existentes em 31/12, por tipo de equipamento Ginásio Estádio Complexo Complexo Autódromo Kartódromo de aquático esportivo Futebol Rio de Janeiro - RJ 2(1) 0 0 10 1(1) 0 São Paulo - SP 30(1) 1 23(1) 25 1(1) 1(1) Fonte: IBGE, Pesquisa de Informações Básicas Municipais, Suplemento Esportes – 2003. Notas: 1. Inclusive os localizados em complexos esportivos. Considerando o número de instalações esportivas existentes na esfera estadual, sem levar em conta aquelas existentes nas escolas públicas e faculdades estaduais, o resultado observado é bastante desfavorável para a Região Sudeste e para os dois estados selecionados, uma vez que se mostra bastante aquém da proporção representada por suas respectivas populações. Alguns tipos de instalação merecem destaque: o número de quadras no estado de São Paulo (38), equivalente a 76% do total da Região Sudeste e o número de quadras de Tênis, cujo total para essa mesma região é idêntico ao do estado de São Paulo (14) e equivalente a 45% das existentes no Brasil. Ver Quadro 8. Quadro 8 Número de instalações esportivas existentes (1) em 31/12, por tipos de instalação esportiva, segundo áreas selecionadas – 2003 Tipo de instalação esportiva Brasil Região Sudeste Rio de Janeiro Quadra (2) 412 50 7 Campo de Futebol 72 11 2 Piscina recreativa 29 9 2 Piscina semi-olímpica 33 7 2 e olímpica Pista de Atletismo (3) 28 5 2 Quadra de Tênis 31 14 0 Fonte: IBGE, Pesquisa de Esportes 2003. Governo do Estado. São Paulo 38 5 5 4 1 14 Notas: 1. Consideradas as que apresentaram maior freqüência. Exclusive quadras e piscinas localizadas nas escolas públicas estaduais, as instalações esportivas localizadas nas universidades/faculdades públicas estaduais, as quadras localizadas nos ginásios e os campos localizados nos estádios de Futebol. 2. Quadras cobertas e não-cobertas. 3. Inclusive as localizadas em estádios de Futebol. Na esfera municipal, o número de instalações esportivas aponta algumas desigualdades entre os municípios pesquisados: o Rio de Janeiro tinha muito mais quadras (exceto em ginásios) do que São Paulo, 606 e 287 respectivamente. Já o número de piscinas recreativas (22), pistas de Atletismo (10), ginásios (30) e salões de Ginástica (72) era maior em São Paulo. Os campos de Futebol apresentaram números relativamente próximos, 274 para o Rio de Janeiro e 283 para São Paulo. 24 As piscinas olímpicas (1), semi-olímpicas (6) e quadras de Badminton (4) só apareceram no Rio de Janeiro. Algumas instalações, como quadras de Tênis e salão de lutas, tiveram resultados praticamente iguais. Ver Quadro 9. Quadro 9 Número de instalações esportivas existentes em 31/12 e localizadas em parques/praças, logradouros e complexos esportivos, segundo municípios selecionados – 2003 Tipo de instalação esportiva(1) Rio de Janeiro - RJ São Paulo - SP Quadra (exceto em ginásio) 606 287 Campo de Futebol 274 283 Piscina recreativa 1 22 Piscina semi-olímpica 6 0 Piscina olímpica 1 0 Pista de Atletismo 5 10 Ginásio 2 30 Campo de Beisebol/Softbol 0 1 Quadra de Badminton 4 0 Quadra de Tênis 10 11 Salão de Ginástica 8 72 Salão de Lutas 9 9 Outras instalações não especificadas 0 84 Fonte: IBGE, Pesquisa de Esportes 2003. Informações Básicas Municipais. patins. Nota: 1. Não foram incluídas as instalações para a prática de esportes não-olímpicos: bocha, malha, modelismo, corrida de veículos em geral, skate, patins e similares, e hóquei sobre Informações obtidas junto ao Comitê Olímpico Brasileiro – COB15, instituído em 1935, mostram que as principais confederações esportivas começaram a aparecer a partir da década de 40 (Basquetebol em 1941). Nos anos 50 surgiram as de Vôlei (1954) e Tênis (1955); nos anos 70, muitas delas, como Futebol (1973), Atletismo16 (1977), Remo (1977), Ginástica17 (1978), Handebol (1979); em 1988, Desportos Aquáticos18 e Lutas19 Associadas, e em 1990, Taekwondo. Para algumas modalidades de esporte olímpico, não foi possível obter essa data. Embora permita localizar no tempo a consolidação das diversas modalidades esportivas, a data de instituição das confederações não corresponde ao aparecimento de cada um dos esportes no Brasil, uma vez que existe uma longa trajetória entre o seu surgimento e a formação da confederação. 15 www.cob.org.br Composto de: trilhas (corridas de velocidade, de média e longa distância, revezamentos, com barreiras e com obstáculos), saltos (à distância, em altura, triplo e com vara), arremessos (de peso, de disco, de dardo e de martelo), rua (maratonas e marchas) e provas combinadas (heptatlo e decatlo). Confederação Brasileira de Atletismo. 17 Tem três modalidades olímpicas: a artística feminina (salto sobre cavalo, trave, barras paralelas e solo) e masculina (salto sobre cavalo, cavalo com alças, argolas, barra fixa, barras paralelas e solo); rítmica (só feminina), composta por fita, corda, maça, bola e arco; e o trampolim (feminino e masculino). Confederação Brasileira de Ginástica. 18 Inclui Natação, Natação Sincronizada, Pólo Aquático e Saltos Ornamentais. Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos. 19 São três as modalidades: Greco-Romana (7 categorias), Livre (7 categorias) e Luta Feminina (4 categorias). Confederação Brasileira de Lutas Associadas. 16 25 O levantamento da localização das sedes das confederações aponta para certa concentração na cidade do Rio de Janeiro: Hipismo, Vôlei, Futebol, Basquetebol, Judô, Lutas Associadas, Remo, Desportos Aquáticos e Taekwondo. As demais aparecem distribuídas por várias capitais: Tênis em São Paulo, Atletismo em Manaus, Ginástica em Curitiba e Handebol em Aracajú. Somente algumas confederações informaram o número de atletas existentes no Brasil, como a de Vôlei, com 87.000, e a de Atletismo, com 20.000. A de Atletismo disponibilizou também o número de clubes (500), de árbitros (900) e de técnicos federados (700). Desde o seu surgimento em Buenos Aires, no ano de 1951, os Jogos PanAmericanos foram realizados apenas uma vez no Brasil. Foi no ano de 1963, na cidade de São Paulo. Em 2007, será a vez da cidade do Rio de Janeiro. A presença feminina do Brasil nos Jogos Pan-Americanos, apesar de ainda incipiente, vem aumentando gradativamente ao longo dos anos. No Pan de 1951 havia menos de 20 mulheres numa delegação de 179 atletas brasileiros; em Santo Domingo (2003) elas eram 189 e no Pan do Rio de Janeiro em 2007, deverão ser mais de 300. (VALPORTO, 2007, p. 25). A análise feita por BARBEIRO sobre a trajetória do esporte nos últimos 20 anos (1987-2007) acrescenta importantes considerações sobre o tema: “O esporte no Brasil mudou muito mais nos últimos vinte anos do que ao longo de toda a sua história. Nunca se atualizou tanto, mas ainda está distante de se estabelecer como uma atividade de interesse público. Transparente, cidadão e condutor de política pública. A construção da democracia no país provoca mudanças em todas as estruturas sociais e o esporte, quer queiram, quer não queiram os cartolas, passará por mudanças. A maior ou menor aceleração vai depender da pressão social, outra característica do sistema democrático.” (BARBEIRO, 2007, p. 217) 26 III - O município do Rio de Janeiro Este capítulo trata dos quatro GFs realizados no Rio de Janeiro que ocorreram entre os dias 19 e 21 de abril no Center Hotel, situado à Av. Rio Branco, 33, bem no centro da cidade. Os GFs aconteceram na seguinte ordem: • dos técnicos, professores, treinadores, árbitros e responsáveis por projetos sociais que têm no esporte uma via de inclusão social de seus participantes – doravante denominado GF dos técnicos20 – na noite de 19 de abril, com duração de 2 horas e 19 minutos; • das mães, pais e responsáveis pelas atletas – doravante denominado GF dos responsáveis – na noite de 20 de abril, com duração de 1 hora e 45 minutos; • das atletas na manhã de 21 de abril, com duração de 1 hora e 37 minutos; • das não-atletas (grupo com perfil demográfico e socioeconômico semelhante ao das atletas mas que atualmente não praticam esporte) na tarde de 21 de abril, com duração de 45 minutos. III.1. Perfil dos entrevistados a partir das fichas socioeconômicas Como já foi mencionado, por ocasião da realização dos GFs, todos os participantes responderam a uma ficha de caracterização socioeconômica. A partir dos resultados desta parte da pesquisa, foi construído o quadro que se segue, que traça o perfil dos participantes de cada Grupo Focal e o compara com o perfil das pessoas residentes no município a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. O objetivo desta breve inclusão quantitativa é conhecer o perfil das pessoas que foram ouvidas, já que isto tem relação direta com suas visões de mundo que referenciam, em última instância, as opiniões emitidas. Ao mesmo tempo, com a comparação entre os dados produzidos a partir das fichas socioeconômicas e os resultados disponíveis no IBGE para o município, tem-se uma dimensão do quanto o universo representado nos grupos esteve próximo ou não do universo dos moradores do município. 20 Essa mesma simplificação será usada ao mencionar as percepções emitidas por qualquer participante desse grupo, a não ser nos raros momentos em que se fizer necessário distinguir explicitamente entre uns e outros. 27 Quadro 10 Perfil dos participantes dos Grupos Focais Município do Rio de Janeiro Indicadores Número de participantes dos GFs e população do município Classe modal23 de sexo Idade Média Idade Mediana Classe modal de nacionalidade Classe modal de naturalidade Estado de origem da maior proporção de migrantes Classe modal de cor (fechada) Classe modal do grau de instrução (somente o nível mais alto) Município do Rio de Janeiro 14 12 9 Técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais 13 Mulher 71,4% Mulher 100,0% Mulher 100,0% Homem 53,8% 45,4 43,0 16,2 16,0 13,9 13,0 36,2 35,0 Brasileira 100,0% Brasileira 100,0% Brasileira 100,0% Brasileira 100,0% RJ 78,0%24 RJ 50,0% RJ 91,7% RJ 77,8% RJ 69,2% MG 3,6%3 PB e PE 7,1% cada ES e PR 11,1% PE e PI 7,7% cada Branca 58,5%25 Branca 42,9% Branca 58,3% Branca 55,6% Branca 61,5% Médio completo 26,2%26 Fundamental incompleto 28,6% Médio incompleto 58,3% Fundamental incompleto 33,3% Superior completo 69,2% População residente 5.857.90421 (2000) 6.136.65222 (estimativa 01.07.2006) Mulher 53,11 Mães, pais e responsáveis por atletas Tipo de Grupo Focal Atletas Não-atletas 21 IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados do universo. IBGE, Estimativas das populações residentes em 01/07/2006. 23 Classe modal é aquela que sozinha concentra a maior parcela da distribuição. 24 IBGE, Censo Demográfico 2000 – Primeiros resultados da amostra. 25 IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados da amostra. 26 Pessoas de 25 anos ou mais de idade, por nível educacional concluído. IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados da amostra. 22 28 Indicadores Classe modal de inserção no mercado de trabalho Classe modal do ramo de atividade de exercício da ocupação Renda pessoal média Renda pessoal mediana Renda familiar média Renda familiar mediana Número médio de pessoas que residem no domicílio Classe modal do esporte ao qual já se dedicou Município do Rio de Janeiro Mães, pais e responsáveis por atletas PEA ocupada 84,1%27 Está trabalhando 78,6% Serviços 55,6%28 Serviços 50,0% Serviços 76,9% R$ 1.083,3829 R$ 500,007 R$ 1.216,83 R$ 2.391,80 R$ 700,00 R$ 1.950,00 R$ 1.886,4130 R$ 1.733,33 R$ 5.657,14 R$ 1.600,00 R$ 6.000,00 3,21 Tipo de Grupo Focal Atletas Não-atletas Nunca trabalhou 91,7% Nunca trabalhou 100,0% Técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais Está trabalhando 100,0% 4,2 3,8 4,0 2,9 Futebol 28,6% Futebol, Natação e Vôlei 41,7% cada Natação 44,4% Natação 61,5% 27 Proporção de pessoas de 10 anos e mais de idade, ocupadas na semana de referência, sobre o total da População Economicamente Ativa. IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados da Amostra. 28 A seção de atividade de maior freqüência isolada é o “Comércio, reparação de veículos automotores, objetos pessoais e domésticos” (18,9%). Entretanto, a agregação das atividades dos serviços (alojamento e alimentação; transportes, armazenagem e comunicação; intermediação financeira; atividades imobiliárias e serviços prestados às empresas, administração pública, educação, saúde e outros serviços coletivos, sociais e pessoais) expressam a sua importância no conjunto de atividades econômicas (55,6%). Refere-se à seção de atividade do trabalho principal, para as pessoas de 10 anos ou mais ocupadas na semana de referência. IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados da amostra. 29 Pessoas de 10 anos ou mais de idade, com rendimento. IBGE, Censo Demográfico 2000 – Primeiros resultados da amostra. 30 Valor do rendimento nominal médio, mensal, das famílias com rendimento, residentes em domicílios particulares. IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados da Amostra. 29 Indicadores Classe modal do esporte ao qual se dedica atualmente Média, nº mínimo e máximo de anos de dedicação ao esporte atual Freqüência de vínculo com alguma instituição esportiva Forma de prática do esporte (dimensão): Esporte de rendimento profissional Forma de prática do esporte (dimensão): Esporte de rendimento nãoprofissional Forma de prática do esporte (dimensão): Esporte e lazer Forma de prática do esporte (dimensão): Esporte educacional Município do Rio de Janeiro Mães, pais e responsáveis por atletas Tipo de Grupo Focal Atletas Não-atletas Futebol 14,3% Futebol 33,3% Técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais Futebol 23,1% Média 37,5 Mínimo: 35 Máximo: 40 Média 5,5 Mínimo: 1 Máximo: 12 Média 18,5 Mínimo: 5 Máximo: 37 Confederado 45,5% Federado 50,0% Confederado 54,5% Federado 50,0% 5 de 11 Atletismo, Judô e Saltos Ornamentais 4 de 9 Atletismo, Futebol, Taekwondo e Vôlei 3 de 11 Futebol, Tênis e Vôlei 5 de 9 Futebol e Remo 3 de 3 Futebol e Ginástica 3 de 9 Futebol e Vôlei 3 de 11 Futebol 4 de 9 Atletismo, Futebol, Handebol e Vôlei 30 Indicadores Município do Rio de Janeiro Mães, pais e responsáveis por atletas Tipo de Grupo Focal Atletas Não-atletas Notas média, Média Média Média mediana, 5,0 3,7 6,4 mínima e Mediana Mediana Mediana máxima 5,0 3,0 7,0 atribuídas às Mínima Mínima Mínima condições que 1 0 2 as atletas têm Máxima Máxima Máxima para praticar 10 7 8 esporte no município pesquisado. Freqüência de 21,3% 8,3% 11,1% comentários Fonte: Pesquisa a Mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007. • Técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais Média 5,5 Mediana 5,0 Mínima 1 Máxima 9 7,7% Características da população e dos participantes O resultado mais recente disponível referente a 01/07/2006, estimou a população residente do município do Rio de Janeiro em 6.136.652 habitantes. Em 2000, de acordo com o Censo Demográfico, o município contava com uma população de 5.857.904 pessoas. Desse total, 5,7% (332.869) eram mulheres de 12 a 18 anos de idade, público-alvo da presente pesquisa. O grupo com maior número de participantes foi o dos responsáveis (14) e o de menor tamanho foi o das não-atletas (9). As não-atletas foram as participantes mais difíceis de localizar, implicando em abrir o leque de contatos para além da indicação direta das atletas. Todos os grupos tiveram um número significativo de participantes. Além das atletas e não-atletas, que eram todas mulheres por exigência da pesquisa, o grupo de responsáveis por atletas apresentou predominância de mulheres (71,4% do total) enquanto o de técnicos teve maior participação de homens (53,8%). O cálculo das idades médias mostrou que os responsáveis por atletas tinham a maior idade média (45,4), variando de 35 a 70 anos. Já o grupo de técnicos apresentou idade média bastante inferior (36,2) e distância um pouco menor entre a idade mínima (22) e a máxima (54). A idade média das atletas (16,2) foi superior a das não-atletas (13,9). • Migração, cor ou raça e educação Todos os participantes dos grupos eram de nacionalidade brasileira, sendo que a maioria nasceu no Estado do Rio de Janeiro. O grupo de atletas era quase que integralmente natural do Rio de Janeiro (91,7%). Nos demais grupos, o percentual 31 de pessoas nascidas no Rio de Janeiro variou de 50% (responsáveis por atletas) a 77,8% (não-atletas); esse último resultado, bastante próximo ao registrado para moradores da cidade do Rio de Janeiro em 2000 (78%). Para os nascidos em outros estados, os oriundos da Paraíba e Pernambuco predominaram entre os responsáveis por atletas (7,1% cada), enquanto para as nãoatletas, Espírito Santo e Paraná foram os estados mais apontados (11,1% cada). No grupo de técnicos, os estados de origem foram o Pernambuco e o Piauí, cada um com 7,7%. Na cidade do Rio de Janeiro, em 2000, Minas Gerais era o estado de origem de 3,6% de seus habitantes. Em 2000, 58,5% da população residente no Rio de Janeiro declarou ser de cor branca. No grupo dos responsáveis, o menos branco de todos, o percentual registrado para essa mesma cor foi de 42,9%. Já os técnicos apresentaram a maior proporção de pessoas brancas (61,5%). Dentre as atletas esse percentual foi bastante próximo ao observado para o conjunto da cidade, ou seja, 58,3. Para as não-atletas, o resultado foi de 55,6%, também para a cor branca. Para conhecer o grau de instrução, é necessário considerar também a variável idade. O grupo das atletas, cuja idade média era de 16,2 anos, apresentou maior freqüência para o nível médio incompleto (58,3%), patamar mais elevado do que o registrado para as não-atletas (33,3% fundamental incompleto), com idade média de 13,9 anos. Considerando apenas a população de 25 anos ou mais de idade, residente na cidade em 2000, 26,2% possuía o ensino médio completo. Os responsáveis por atletas, com idades variando entre 35 e 70 anos, apresentaram maior incidência para fundamental incompleto (28,6%). No grupo de técnicos, a maioria possuía nível superior completo (69,2%). O curso superior concluído mais indicado pelos técnicos foi Educação Física. • Trabalho e rendimento A maioria das atletas (91,7%) e todas as não-atletas nunca trabalharam. A única ocupação informada para as atletas foi a de estagiária. No grupo dos técnicos, todas as pessoas estavam trabalhando (100%), enquanto no grupo de responsáveis por atletas a proporção de ocupados foi de 78,6%. No grupo de técnicos, as principais31 ocupações citadas foram: professores, coordenadores e treinadores. Já no grupo de responsáveis por atletas, as ocupações abrangeram uma gama mais variada: professor(a); comerciário(a); cozinheiro(a); assistente administrativo(a), pedreiro, costureira e técnico(a). Para os dois grupos, técnicos e responsáveis por atletas, o ramo de atividade mais freqüente foi o dos Serviços com 76,9% e 50%, respectivamente. A População Economicamente Ativa (10 anos e mais) ocupada na semana de referência, no município do Rio de Janeiro em 2000, era de 84,1%. Para esse conjunto de pessoas ocupadas e considerando apenas o trabalho principal, o grupo de ocupação mais freqüente foi o de Trabalhadores dos serviços, vendedores do comércio em lojas e mercados (33,8%). No exercício da ocupação, o ramo de atividade de maior freqüência isolada foi o Comércio, reparação de veículos 31 Muitos técnicos citaram mais de uma ocupação. No resultado apresentado considerou-se somente a primeira ocupação mencionada. 32 automotores, objetos pessoais e domésticos (18,9%). Entretanto, a agregação das oito seções32 que organizam a atividade dos Serviços totalizou 55,6%. Esse resultado mostra a relevância dos serviços no conjunto das pessoas ocupadas no município em 2000. Quanto ao rendimento pessoal (valor líquido), não foram considerados os poucos valores informados pelos grupos das atletas e não-atletas. Grande parte das meninas não respondeu a questão ou informou não saber o valor. O mesmo ocorreu para o rendimento familiar, em que os percentuais de “não sabe” foram muito elevados: 91,7% para as atletas e 66,7% para as não-atletas. A renda pessoal média dos técnicos (R$ 2.391,80) foi bastante superior à dos responsáveis por atletas (R$ 1.216,83). De qualquer forma, ambas mais elevadas do que o rendimento nominal médio mensal (R$ 1.083,38) das pessoas de 10 anos e mais de idade com rendimento, residentes no município do Rio de Janeiro em 200033. Os valores medianos do rendimento pessoal, R$ 1.950,00 para técnicos e R$700,00 para responsáveis por atletas mantêm a mesma posição para os dois grupos, técnicos maior que responsáveis por atletas, mas suas grandezas demonstram que o ponto central da distribuição, nos dois casos, está abaixo da média observada. Esses resultados para os grupos, baseados em um pequeno número de evidências, devem ser utilizados apenas como referência, uma vez que não possuem rigor estatístico. As informações relativas ao rendimento familiar médio repetiram padrão similar ao verificado no rendimento pessoal, ou seja, o valor para o grupo dos técnicos (R$5.657,14) também foi superior ao dos responsáveis por atletas (R$ 1.733,33), só que a diferença entre eles foi muito maior. A comparação com os resultados disponíveis para a cidade do Rio de Janeiro em 2000 (R$ 1.886,4134), mostrou que os responsáveis por atletas possuíam rendimento familiar um pouco inferior ao registrado para o conjunto de famílias da cidade, enquanto para os técnicos ele era muito superior. A renda familiar mediana (ponto central da distribuição dos valores informados) ficou mais próxima da renda familiar média, para os dois grupos: R$1.600,00 e R$ 6.000,00, para responsáveis por atletas e para técnicos, respectivamente. Esse resultado mostra que houve menor influência de valores extremos no cálculo da média. • Média de moradores por domicílio e áreas de residência A maioria dos grupos apresentou número médio de pessoas residentes no domicílio superior ao verificado para o Rio de Janeiro no último Censo Demográfico (3,2). Os resultados foram: 4,2 para responsáveis por atletas, 4 para não-atletas e 3,8 para atletas. O único grupo que apresentou média inferior foi o dos técnicos (2,9). 32 Alojamento e alimentação; transporte, armazenagem e comunicação; intermediação financeira, seguros, previdência complementar e serviços relacionados; atividade imobiliária, aluguel e serviços prestados às empresas; administração pública, defesa e seguridade social; educação, saúde e serviços sociais e outros serviços coletivos, sociais e pessoais. 33 IBGE, Censo Demográfico 2000 – Primeiros resultados da amostra. 34 Valor do rendimento nominal médio mensal, das famílias com rendimento, residentes em domicílios particulares. IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados da amostra. 33 Embora sem enfatizar a distribuição geográfica, procurou-se, dentro das possibilidades, contemplar os moradores de diferentes áreas da cidade. Para o Rio de Janeiro, optou-se pela apresentação dos bairros mais indicados pelo conjunto de participantes da pesquisa: Tijuca, Jacarepaguá, Flamengo, Piabetá, Jacarezinho, Botafogo e Vila São João. Foram registradas cinco situações de participante residente em outro município: São João de Meriti (4) e São Gonçalo (1). • Esportes já praticados e esporte de dedicação atual Os resultados relativos aos esportes já praticados pelos diferentes grupos foram os seguintes: para responsáveis por atletas a maior incidência foi registrada para Futebol (28,6%); para as atletas, ficou igualmente distribuído entre Futebol, Natação e Vôlei, cada um com 41,7%; dentre os técnicos predominou a prática da Natação (61,5%) e para as não-atletas a Natação também foi o esporte de maior dedicação (44,4%). Para todos os grupos, as maiores freqüências foram as práticas de “1 esporte” e “3 a 5 esportes”, cada um com 12 participantes, seguida de “2 esportes” (7 participantes). A média de esportes praticados por todos os participantes foi de 3 (mínimo de 1 e máximo de 8). A quantidade de esportes praticados pelos diferentes grupos ficou assim distribuída: responsáveis por atletas: a maioria praticou algum esporte (8 de 14); 4 praticaram “1 esporte”; 2 praticaram de “3 a 5 esportes”; 1 “2 esportes” e 1 “mais de 5” esportes. A média para esse grupo foi de 2,4 esportes (mínimo de 1 e máximo de 7); técnicos: praticamente todos os participantes desse grupo praticaram algum esporte (um não respondeu), sendo que a maior incidência foi para “3 a 5 esportes”(5), seguida de “mais de 5 esportes” (4). Os demais praticaram “1” (3) ou “2” (1) esportes. A média do grupo foi de 4,3 esportes (mínimo 1 e máximo 8); atletas: nesse grupo, um número significativo de participantes praticou “3 a 5 esportes” (5 de 12) ou “2 esportes” (4 de 12). As demais informaram “1 esporte” (2) ou “mais de 5 esportes” (1). A média do grupo foi de 2,9 esportes (mínimo 1 e máximo 8); não-atletas: 4 de 9 participantes não responderam a questão. As demais (5 de 9) praticaram “1 esporte” (3) ou “2 esportes” (2). A média do grupo foi de 1,4 esportes (mínimo 1 e máximo 2). Quadro 11 Esportes praticados pelos participantes dos Grupos Focais, por tipo de grupo. Município do Rio de Janeiro – 2007 Modalidade esportiva Atletismo Basquete Beisebol Boxe Esgrima Total 9 9 1 1 1 Responsáveis 1 0 0 0 0 Futebol 16 4 Rio de Janeiro Atletas Técnicos 3 5 3 6 1 0 0 1 0 1 5 6 Não-atletas 0 0 0 0 0 1 34 Rio de Janeiro Modalidade Total Responsáveis Atletas Técnicos esportiva Ginástica 4 3 1 0 Artística Ginástica 4 1 1 1 Rítmica Handebol 7 1 3 3 Judô 5 0 1 4 Levantamento de 1 0 1 0 Peso Lutas 3 0 1 2 Natação 20 3 5 8 Natação 1 1 0 0 Sincronizada Pentatlo 1 0 1 Moderno Pólo Aquático 1 1 0 0 Remo 2 0 0 2 Saltos 1 0 1 0 Ornamentais Taekwondo 2 1 0 1 Tênis 5 0 3 2 Tênis de Mesa 1 0 0 1 Tiro Esportivo 1 0 0 1 Vôlei 12 2 5 4 Vôlei de Praia 4 1 1 2 Fonte: Pesquisa A Mulher e o Esporte. Instituto Noos/Nike, 2007. Não-atletas 0 1 0 0 0 0 4 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 0 Quanto ao esporte de dedicação atual, os responsáveis por atletas responderam Futebol (14,3%); no grupo das atletas havia também mais praticantes de Futebol (33,3%) e os técnicos informaram igualmente Futebol (23,1%). O tempo médio de dedicação ao esporte atual foi maior para os responsáveis por atletas (37,5 anos), seguido pelos técnicos (18,5 anos); as atletas, em virtude da própria idade, tiveram média de 5,5 anos. Entretanto, essa média registrada para as atletas pode ser considerada elevada, uma vez que a idade média do grupo foi de 16,2 anos. O grupo das atletas representou 8 diferentes modalidades de esporte olímpico e o dos técnicos 6, das quais 3 eram de esportes diferentes daqueles praticados pelas atletas (Handebol, Remo e Taekwondo). 35 Quadro 12 Esporte de dedicação atual dos participantes dos Grupos Focais, por tipo de grupo. Município do Rio de Janeiro – 2007 Modalidade esportiva Rio de Janeiro Responsáveis Atletas 0 3 0 1 2 3 1 0 Total Técnicos Atletismo 5 2 Basquete 1 0 Futebol 8 3 Ginástica 1 0 Artística Handebol 1 0 0 1 Judô 1 0 1 0 Natação 1 0 1 0 Remo 2 0 0 2 Saltos 1 0 1 0 Ornamentais Taekwondo 1 0 0 1 Tênis 1 0 1 0 Vôlei 3 0 1 2 Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007. • Vínculo institucional e dimensão do esporte A existência de vínculo com alguma instituição esportiva mostrou resultados idênticos (50%), para a proporção de federados nos dois grupos mais diretamente envolvidos com essa questão, ou seja, o das atletas e o dos técnicos. Já o percentual de atletas confederadas (45,5) foi menor do que o registrado para o grupo de técnicos (54,5). Na comparação dentro de cada grupo, as atletas possuem mais participantes federados e os técnicos mais confederados. Considerando cada um dos participantes praticantes de esporte e cada uma das dimensões do esporte e os, pertencentes a três dos quatro grupos pesquisados, uma vez que as não-atletas não responderam esse tipo de questão, a dimensão com resultado mais expressivo foi “Esporte de rendimento profissional” (39,1%), seguida de “Esporte de rendimento não-profissional” com 34,9%. O “Esporte educacional” ficou com 34,4% e o “Esporte e lazer” com 26,1%. Cabe lembrar que os participantes podiam assinalar mais de uma alternativa. As informações sobre a dimensão do esporte, segundo os diferentes grupos e com indicação do esporte praticado atualmente, estão a seguir: “Esporte de rendimento profissional”, composta por técnicos (4) das modalidades de Atletismo, Futebol, Taekwondo e Vôlei, e por“atletas” (5) de Atletismo, Judô e Saltos Ornamentais; “Esporte de rendimento não-profissional”, representada por técnicos (5) que atuam em Futebol e Remo, e atletas (3) de Futebol, Tênis e Vôlei; “Esporte educacional”, que incluiu técnicos (4) de Atletismo, Futebol, Handebol e Vôlei, e atletas (3) de Futebol; 36 “Esporte e lazer”, que contou com técnicos (3) de Futebol e Vôlei e responsáveis por atletas (3) praticantes de Futebol e Ginástica Artística. Nenhuma atleta indicou essa dimensão. Os dados apresentados mostram que um mesmo esporte pode ser praticado de várias formas (dimensões), como ocorreu, por exemplo, com o Vôlei, o Futebol e o Atletismo. E um mesmo tipo de praticante, seja ele técnico ou atleta, também pode atuar em mais de uma dimensão; o resultado indica que os técnicos estiveram presentes em todas as dimensões e que as atletas só não se fizeram representar na dimensão “Esporte e lazer”. O grupo de responsáveis por atletas, de acordo com o esperado, não apareceu nas dimensões que envolvem o esporte de rendimento e o esporte educacional. • Nota atribuída à prática do esporte no município e comentários Quando solicitados a atribuírem uma nota às condições de prática do esporte no município, os diferentes grupos se posicionaram da seguinte maneira: atletas ficaram com a menor média (3,7) e notas variando entre zero e 7; para o grupo de responsáveis por atletas a nota média foi 5 (mínima de 1 e máxima de 10); técnicos com média de 5,5 (mínima de 1 e máxima de 9) e as não-atletas, com a maior nota média de todos os grupos (6,4). Nesse último grupo as notas mínimas e máximas foram 2 e 8, respectivamente. A menor nota atribuída (zero) apareceu no grupo de atletas e a melhor no grupo de responsáveis por atletas (10). O resultado obtido para o grupo de técnicos, apesar de um pouco maior, esteve mais próximo da nota média dos responsáveis por atletas. • Comentários e sugestões: No final da ficha havia um espaço livre para comentários e sugestões inclusive de perguntas que perceberam como faltantes na ficha. Todos os grupos tiveram pelo menos um comentário ou sugestão. O dos responsáveis por atletas apresentaram 3, o das não-atletas 2 e os dois restantes, técnicos e atletas, 1 cada. A seguir, a íntegra das contribuições para cada um dos grupos: Responsáveis por atletas: os comentários desse grupo expressam desejos e preocupações. Há entre eles certa similaridade por tratarem das condições necessárias para que as atletas prossigam em suas carreiras, ou seja, falam de investimento, ajuda ou patrocínio. Esse tipo de preocupação foi muito recorrente no grupo de discussão. É interessante, que enquanto um atribui esse papel ao governo, o outro fala de uma ajuda que não tem vindo de nenhum lugar. Gostaria de saber por que o governo investe tão pouco no esporte? Gostaria que minha neta seguisse essa carreira. Ficaria muito feliz. Uma tristeza que tenho é que ninguém quer ajudar os atletas quando são desconhecidos, por isso existem muitas dificuldades. Não-atletas: as duas contribuições desse grupo tratam da aspiração daqueles que não praticam esportes de se tornarem praticantes. 37 Gostariam de conhecer os meios existentes para tal e gostariam também de informar os esportes que desejam praticar. Embora a pesquisa tenha focalizado as atletas, essas questões apontam para a existência de atletas potenciais no grupo de não-atletas. Quais são os meios para que os jovens possam praticar? Qual esporte que você gostaria de praticar? Mesmo sendo pontuais e raras as observações feitas pelos demais grupos, retomam questões que apareceram de forma relevante na discussão dos grupos, tais como o papel do governo e a necessidade de investimento nos esportes. Técnicos: O que o nosso governo pode fazer para o esporte brasileiro? Atletas: Para conseguir se desenvolver no esporte é preciso, além de muito treinamento, disciplina. Muitas vezes necessita de ajuda de custo, pois às vezes não temos condições. Isso pode desmotivar o atleta. Precisa de investimento nos esportes. III.2. As vozes dos técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora Antecedentes A constituição desse primeiro Grupo Focal foi resultado do trabalho realizado na primeira fase da pesquisa, que levantou e visitou uma série de instituições esportivas, clubes, federações e projetos sociais na cidade do Rio de Janeiro. Além das informações gerais relativas a cada uma das instituições, foram indicados técnicos, treinadores, professores e responsáveis por projetos sociais, das diferentes modalidades de esporte olímpico praticados em cada uma delas. Essa relação de pessoas diretamente envolvidas com o esporte possibilitou não só a montagem do Grupo Focal, que considerou a diversidade de modalidades e dimensões do esporte, como foi o embrião que nos permitiu chegar até as atletas e aos seus responsáveis. Os técnicos, professores, treinadores, árbitros e responsáveis por projetos sociais são um elo fundamental da rede que torna a prática do esporte possível, mesmo em condições muitas vezes adversas. O papel que esse grupo exerce junto aos responsáveis e às atletas ultrapassa em muito a função técnica de treino e formação do atleta como poderá ser visto ao longo deste relatório. A escolha do dia e hora para a realização do Grupo Focal considerou a disponibilidade desses profissionais, cujas agendas incluem atividades à noite e nos finais de semana. Alguns não puderam atender ao nosso convite devido a compromissos já assumidos. Muitos desses compromissos envolviam questões 38 relacionadas aos Jogos Pan-Americanos, principalmente às etapas de seleção de atletas. Até mesmo alguns daqueles que haviam confirmado presença não puderam comparecer devido a imprevistos de última hora, em sua maioria vinculados aos Jogos Pan-Americanos. Instituições e projetos sociais participantes do GF Estavam representados no GF as seguintes instituições e programas: América Futebol Clube Botafogo de Futebol e Regatas Central Única das Favelas – CUFA Clube de Regatas Vasco da Gama Federação de Handebol Instituto Esporte Educação Instituto Viva Vôlei Solidário Sesc Tijuca Team Chicago Brasil A realização do GF Como este era o primeiro grupo da pesquisa, chegamos ao local uma hora e trinta minutos antes do horário marcado para o início do trabalho do Grupo. O pessoal do hotel encarregado do coffee break chegou em seguida para preparar a mesa. Verificamos a arrumação da sala, especialmente a colocação das cadeiras em círculo, para acomodar os participantes, o relator, o facilitador e a observadora. A parte externa do círculo ficou livre, para que a pessoa responsável pela gravação das falas pudesse chegar a cada participante que desejasse falar. Iniciamos os testes com o gravador digital, para estabelecer o volume mais adequado e a distância apropriada para que as falas ficassem claras e audíveis. Organizamos a Ficha de Perfil Socioeconômico – questionário de autopreenchimento destinado ao registro do perfil dos participantes do Grupo Focal, a lista de presença e os crachás; material necessário para a chegada dos participantes. Os brindes, os certificados de participação e os envelopes que continham o vale-transporte foram dispostos em local separado, para serem entregues aos membros do Grupo no final dos trabalhos. Na recepção do hotel e no hall do elevador do 2º andar foram colocados cartazes com a identificação do evento e a indicação da sala. Recebemos as pessoas na própria sala reservada para a discussão, onde também foi servido o lanche. Todos os membros da equipe de pesquisa estavam portando crachás, para que os convidados pudessem identificá-los com facilidade. Pouco antes das 19h, horário previsto para o início da reunião, chegou o primeiro participante. Ele foi recebido por Júlia, assistente de pesquisa do Noos, e apresentado aos demais membros da equipe. Júlia era o nome de referência para os participantes, pois foi responsável por praticamente todos os contatos e confirmações. Nosso primeiro participante parecia um pouco ansioso, não aceitou o lanche oferecido e quis apenas água. Recebeu a Ficha de Perfil Socioeconômico e iniciou seu preenchimento. Os demais participantes foram chegando em seguida e quase todos ao mesmo tempo. Nos apresentamos às pessoas, lhes demos as boas39 vindas e as convidamos para o lanche. Agora mais descontraídos e em maior número, os convidados aceitaram a oferta e começaram a se servir. Notamos que alguns deles já se conheciam. Após o lanche, escolheram seus lugares no círculo, receberam e preencheram a ficha de Perfil. O preenchimento das Fichas de Perfil Socioeconômico foi acompanhado pela equipe de pesquisa, responsável pelo esclarecimento das eventuais dúvidas. Todos os participantes foram informados sobre o objetivo de se obter um perfil do grupo, do caráter sigiloso das informações prestadas e da não necessidade de identificação (nem nome e nem assinatura). Algumas das pessoas que chegaram não estavam na lista dos que confirmaram presença; elas vieram acompanhando algum dos convidados. Sua incorporação ao grupo foi aceita com naturalidade na medida em que se tratavam de assistentes ou parceiros de trabalho das pessoas selecionadas e, por esse motivo, poderiam contribuir igualmente com suas experiências. Todos os participantes (13 pessoas de 6 modalidades esportivas) receberam um crachá com o nome escrito em letra grande, para que pudesse ser visto de qualquer lugar do círculo. Essa providência é muito importante para que todos possam se dirigir aos demais pelo nome, incluindo o facilitador, e para que o relator possa identificar as falas. Sabíamos que algumas pessoas só chegariam mais tarde e por isso iniciamos o Grupo Focal, considerando o nosso propósito de ter tempo suficiente para a discussão proposta e em respeito àqueles que haviam sido pontuais. Avisamos que o lanche continuaria na sala e todos poderiam se servir quando assim o desejassem. Optou-se por iniciar o encontro pelo lanche, já que o horário agendado era no fim do dia, ao término do horário de trabalho da maioria dos participantes. Também por essa razão optou-se pela dinâmica inicial de escrever em um papel algo que se quisesse jogar fora para poder estar inteiramente presente nas atividades do grupo. Todos acharam a idéia interessante e participaram. O pós-grupo Ao final do grupo, autorizadas as fotos e que constasse do relatório da pesquisa uma lista com os nomes dos participantes do grupo, foram feitas as fotos e o grupo permaneceu conversando e reunido em torno da mesa do lanche, para mais um cafezinho. A discussão, difícil de ser finalizada devido ao envolvimento dos participantes nos temas abordados, prosseguiu entre alguns. Os participantes que chegaram depois preencheram a Ficha de Perfil e todos receberam o certificado de participação, o brinde e o vale-transporte. Algumas pessoas que vieram acompanhando um convidado não puderam receber os certificados, que haviam sido preparados previamente, com o nome de cada um. Todos pareceram muito satisfeitos por terem vindo e participado da discussão. O clima foi de descontração e entusiasmo. 40 Foto 1 Participantes do GF dos técnicos, professores, treinadores, árbitros, responsáveis por projetos sociais e membros da equipe da pesquisa Município do Rio de Janeiro Principais pontos levantados na discussão O que se pretende aqui é sistematizar as idéias que emergiram das discussões, à luz das questões a que se pretendia responder. Procurou-se listar todos os aspectos mencionados, independentemente de sua recorrência ou originalidade. A rodada inicial de apresentações ensejou falas mais extensas, já que a maior parte dos participantes aproveitou para colocar um pouco da sua história no esporte, o que permitiu saber que ali estavam técnicos, professores e árbitros com experiência em olimpíadas, jogos Pan-Americanos e campeonatos mundiais, além de responsáveis por projetos sociais de peso que certamente muito tinham a contribuir com a pesquisa. Os participantes, como já foi mencionado, tinham em média 18,5 anos de vínculo com o esporte ao qual se dedicam atualmente. É importante ressaltar também que alguns participantes, logo em sua primeira fala, ressaltaram dificuldades específicas de sua modalidade esportiva, ofereceram uma descrição das características dos projetos socais nos quais atuam e, principalmente levantaram uma questão que viria a se tornar a questão emergente (não prevista no roteiro) mais polêmica da noite: a oposição percebida entre esportes praticados exclusivamente com finalidade social e sem compromisso com as regras regulamentadas internacionalmente para a prática da modalidade e o esporte de competição, mesmo que com finalidades sociais. Pela dimensão assumida por esta discussão, ela será alvo de seção específica mais adiante. 41 A motivação das meninas para a prática do esporte: fatores dificultadores e facilitadores Como viria a acontecer no grupo dos responsáveis pelas atletas, mesmo que a proposta inicial de discussão colocada para o grupo fosse a da motivação percebida para as meninas ingressarem na prática esportiva, as respostas não se restringiram a essa temática. A todo instante, as dificuldades enfrentadas no cotidiano da vida esportiva vinham à tona, demonstrando cabalmente, no cômputo geral das falas deste grupo, uma predominância das dificuldades sobre as outras preocupações e sobre percepções mais positivas. O debate no grupo fluiu sozinho, ficando as intervenções da facilitadora restritas a garantir a palavra a todos e a dimensionar o tempo para que todo o roteiro da entrevista grupal fosse perpassado. Ao final de mais de duas horas os participantes do grupo não demonstravam qualquer desejo de encerrá-lo e, depois que o trabalho acabou “por decreto”, a conversa continuou em pequenos grupos. Para efeitos analíticos, procura-se aqui “isolar” as respostas no que elas têm a ver com cada questão, pois a estreita ligação entre os subtemas propiciou que, muitas vezes, as falas abrangessem mais de um deles. O primeiro registro a ser feito é que, desde a apresentação, os técnicos preferiram usar a palavra “recrutamento para o esporte” em vez de “motivação para o esporte”, indicando uma captação de pessoas para a prática esportiva ao invés do acolhimento de pessoas que buscam o esporte. Esta observação, junto com o enorme peso dado aos fatores dificultadores da motivação e permanência das pessoas no esporte, leva a crer que os técnicos percebem os fatores dificultadores como sendo os responsáveis pela baixa procura pelo esporte. Dessa forma, as falas sobre motivação dizem basicamente respeito aos fatores que dificultam esta motivação (muitas vezes para meninos e meninas) e esses fatores são apresentados a seguir de forma a dar conta das especificidades de alguns esportes. Tal formato de apresentação foi necessário porque os técnicos apresentavam uma certa dificuldade de se “afastarem” de sua própria modalidade esportiva e apresentarem questões mais gerais da prática esportiva, ainda que tenham conseguido este nível de generalização em alguns momentos. • Dificuldades para a motivação e permanência nos esportes, comuns às modalidades esportivas individuais ou coletivas: Dificuldades financeiras e falta de patrocínio. Como será visto ao longo deste relatório, este é o ponto consensual entre todos os atores envolvidos com o mundo do esporte ouvidos pela pesquisa. As dificuldades financeiras mais ressaltadas são para dar suporte do tipo ajuda de custo para os atletas poderem participar dos treinos e das competições e para a compra de materiais esportivos adequados. Os patrocínios seriam muito bem-vindos se permitissem esta base para o cotidiano da prática esportiva, mas, ao contrário, os patrocinadores estão mais interessados nos grandes eventos, que permitem maior visibilidade aos seus produtos ou marcas. E uma dificuldade que a gente encontra, muito grande, é pelo fato das dificuldades financeiras mesmo. Tem que ter patrocínio. A gente paga, praticamente, para poder jogar. E é um grupo bom. É um grupo que no Rio de Janeiro, em termos de estatística de campeonato, é o segundo 42 melhor do mundo. Então essa motivação que elas têm que vencer é muito grande. A parte financeira do clube para o atleta e dos pais para o atleta, isso influencia muito lá e a dificuldade que nós temos lá é enorme. Tem muita criança que realmente vai fazer o esporte para se desenvolver, para ter uma ocupação, para ocupar a cabeça, para ser alguém na vida, mas tem muita criança que está ali, tem condição de chegar e fica pelo meio do caminho. Fica pelo meio do caminho pela questão financeira, pela falta de estrutura e, na verdade, muito disso não depende de nós. Eu particularmente digo para vocês, eu me considero novo, mas eu estou cansado, eu estou cansado de bater sempre nas mesmas teclas, eu estou cansado de encontrar sempre os mesmos problemas, entendeu, muda o governo, muda o deputado, muda isso, muda aquilo e na verdade as questões não mudam. Nós estamos no ano do Pan, o Pan no Rio de Janeiro, hoje nós temos o Rexona dentro do Rio de Janeiro, que já está aqui há algum tempo, mas na verdade não temos mais nada de novo (…). O que acontece no esporte hoje no Rio de Janeiro através da iniciativa privada ou através de algum clube? Nada, nada, realmente nós não temos nada. E eu realmente não vejo essa preocupação por parte das pessoas. Eu acho que as pessoas ou não entendem ou não querem entender que o esporte é um meio sociabilizador, mas não só sociabilizador, é um meio de desenvolvimento; desenvolvimento físico, mental e até mesmo profissional. Muitas dessas crianças que estão aí podem “chegar lá”. Enfim, a gente fica, na verdade, dependendo de pai-trocinador. A gente fica dependendo da ação individual de algum político que se interesse ou de algum apaixonado pelo esporte, que goste daquilo. Na verdade é isso que acontece, é uma situação até engraçada, eu todo ano tenho vários amigos lá no projeto onde eu leciono, que são lutadores, são guerreiros também do esporte, e todo ano eu torço achando que alguma coisa no Rio de Janeiro vai mudar. Eu sempre penso, eu não penso no voleibol só não, eu falei: “o Pan no Rio de Janeiro vai ser legal, empresas vão se interessar em patrocinar”. Na verdade, elas se interessam pelo evento, elas não se interessam pela modalidade, pelo desenvolvimento, pela competição, elas querem o evento, elas se interessam pelo Pan; acabou o Pan, acabou o evento, acabou o interesse das empresas, são poucas empresas como a Rexona que têm interesse em desenvolver um trabalho, fazer um trabalho a longo prazo. Elas querem a marca delas relacionadas a um evento de sucesso como está acontecendo agora, nada contra, está acontecendo agora na praia de Botafogo, deve ser superlegal – Air Race Red Bull. Será que a Red Bull não poderia estar desenvolvendo um trabalho junto ao esporte, um Handebol, um Remo, enfim, relacionando até mesmo ao slogan Red Bull, os (funcionários) até estavam brincando, podiam montar um time de voleibol, mostrando um atacante pegando uma bola lá em cima – Red Bull te dá asas, um atacante pegando a bola. Nós poderíamos relacionar a uma série de coisas, uma série de empresas e, na verdade, elas não querem participar. Eu acho que é pela fama do esporte, pela coisa do desvio, desvio de verba, não sei se tem alguma coisa relacionada a isso. 43 Necessidade de extensos deslocamentos para treinar porque existem poucos locais para a prática esportiva. É grande a dificuldade de deslocamento para as jovens atletas porque os pais não autorizam por causa da falta de segurança e por causa dos custos, e aí vem a frustração. Para você deslocar essas jovens atletinhas para outras localidades, situações diferenciadas da comunidade que ela vive, é muito difícil, principalmente no Atletismo, Remo; como ele disse que esse deslocamento tem que ser feito às vezes atravessando a cidade, é complexo porque o dispêndio financeiro é grande. E como o esporte em que eu lido, ele tem sérias dificuldades financeiras, então é complicado você conseguir adaptar, você conseguir observar o talento e trazê-lo para um lugar mais adequado para treinabilidade. As nossas escolas públicas não têm, o garoto hoje só bota um revólver na cara do professor, então isso é um problema social que influencia o lado esportivo, a estrutura que hoje lá no sul tem, o Rio não tem porque são vários pólos de favelas cercando o Rio de Janeiro, não tem segurança, então isso impede da menina ir lá na Lagoa, porque o único ponto mais favorável para fazer o Remo é na Lagoa, não tem lá na zona norte, então isso impede a menina. Eu acho que a maior dificuldade que nós temos é o deslocamento. Raramente uma menina vai sair, de 16 anos, de São Gonçalo para ir treinar na Barra ou vice-versa porque, em primeiro lugar, a família não vai permitir, a não ser que ela seja “um bicho solto” que o pai e a mãe não sabe nem onde está indo, o que acontece em alguns casos, mas, se existe gerenciamento familiar, não vai fazer isso, eu vejo isso por mim, as crianças que saem de um local para ir treinar em outro levam duas horas de viagem e acaba que a mãe e o pai não deixam a menina jogar e frustra o sonho dela, o sonho dela é interrompido. Falta de perspectiva futura para quem ingressa no esporte: a expectativa, a visão de futuro, a possibilidade de “chegar lá”, a existência de um “ponto futuro concreto” são fundamentais para a motivação. O que importa é o “lá na frente” que no Rio não existe. Nossa questão motivacional está muito relacionada à questão da expectativa. Eu estou trabalhando no esporte já há bastante tempo, como eu conversei com vocês, no alto rendimento. São poucas as crianças que vão entrar numa escolinha ou num projeto social ou num clube para fazer o esporte como se fosse fazer um inglês ou como se fosse fazer uma aula de computação. Na verdade, elas têm a expectativa de aonde elas podem chegar até porque elas vão fazer aquele esporte porque elas são apaixonadas pelo esporte. Eu hoje estou no voleibol, eu levo as crianças para assistir um jogo da Superliga, elas me perguntam: “será que um dia eu vou chegar lá, será que um dia eu estou dentro da quadra?” Porque muitos desses atletas que estão dentro da quadra ou dentro do campo passaram por essas dificuldades para chegarem ali. Então elas se perguntam se elas vão ter capacidade de passar todos esses obstáculos e também chegarem lá, chegarem no alto rendimento. Acho que o alto rendimento é a maior motivação para a criança. A criança (…) vai treinar buscando a melhora, buscando crescer, buscando o melhor, buscando querer chegar numa seleção, buscando querer chegar num grupo além, 44 buscando querer estar numa categoria de cima, isso acontece naturalmente. Às vezes a criança começa num projeto social, daqui a pouco vem alguém do clube, passa, olha, se interessa e leva. (...) Eu vejo os professores, eu vejo os técnicos nas categorias de base lutando, desenvolvendo isso, só que hoje não sei como que é a estatística disso, mas de 100, de 200, de 300, 1 vai chegar, os outros 299 vão ficar pelo meio do caminho e desses 299, pelo menos a metade poderia estar lá. Eu tive uma experiência em participar de competição no sul, lá chegam equipes a nível infantil com a estrutura de patrocínio da LG. (...) Aí vem o Rio de Janeiro com a sua estrutura da Federação ou de alguns clubes, alguns pais de alunos, aí a criança chega lá: “caramba professora, nós não existimos!” (...) A gente vai falar o quê para motivar aquela criança? Nós um dia vamos “chegar lá”? Mas você sabe que a verdade não é essa, que não vamos “chegar lá”. Então fica muito complicada essa parte de motivação. Para mim, está muito complicado mesmo, tanto é que atualmente eu trabalho com equipe só masculina, eu não tenho equipe feminina. Não sei se eu me perdi ou se o processo me engoliu. Eu não cheguei ainda a essa conclusão. Há pouco tempo atrás eu recebi um time que veio dos Estados Unidos, um programa olímpico que veio para cá de meninas até 17 anos. Houve um caso interessante: eram vários jogos e num deles o time brasileiro fez um gol. Foi aquela vibração em campo, comemoração, fogos. Aí o time americano empatou e virou o jogo. Em nenhum dos gols as meninas americanas comemoraram nenhuma com a outra: fez o gol, deu as costas e foi embora porque para elas aquilo ali é muito pouco. A motivação para elas estava fora do campo, que havia um olheiro que estava ali para observar as meninas para a seleção americana. Ou seja, a menina ia fazer parte de uma seleção americana sub-17 quando saísse dali. Daquele grupo ali, trinta e poucas meninas, 5 foram selecionadas para a seleção sub-17 americana. Essa é a motivação delas. Completamente diferente das nossas, que a motivação é fantasiosa, é através da paixão, do amor, qualquer outro esporte, acho que é assim também. Então, o que falta aqui para essas meninas é realmente um ponto futuro concreto. (...) A menina não tem um ponto futuro porque ela joga hoje, muito bonito, joga, (ganha) uma medalha, vai num lugar, no outro, ganhou o campeonato tal, mas ela não tem um futuro concreto. O que é um futuro concreto? Talvez conseguir uma bolsa universitária, conseguir realmente chegar a ter um salário, a se profissionalizar, a menina não chega a isso. Então o que facilita a menina a investir e a querer isso é tentar ter essa meta lá na frente. Só que ela não pode ter uma meta, ter uma bolsa na faculdade jogando Futebol de campo porque na realidade no Rio de Janeiro você não tem uma equipe que tenha Futebol de campo a nível universitário, você tem o Futsal. Mas campo você não tem, então ela não vai jogar campo pela universidade nunca, aqui no Rio de Janeiro nunca, em São Paulo você tem a Unisantana, você tem São Caetano que tem parceria da prefeitura com uma universidade e com o esporte e que acaba criando tudo isso e aí volta na questão dos jogos abertos e onde você acaba criando esse “lá na frente”. Falta de estrutura e apoio para o esporte no Brasil: neste conjunto os técnicos apontam: para a falta de infra-estrutura material básica; para a falta de políticas governamentais no Brasil; para a 45 descontinuidade das poucas políticas públicas existentes quando ocorrem mudanças de governo; para empecilhos para o esporte receber patrocínios de qualquer tipo – estes empecilhos podem ser de ordem burocrática ou pela notícia de que há desvio de verbas e corrupção nos clubes. Mas a grande questão é o seguinte, eu vou falar de uma maneira geral, eu sei que a pesquisa fala do Rio de Janeiro, mas eu vou falar abertamente para o Brasil: a nossa questão esportiva (…) na minha opinião é muito deficiente, falta estrutura financeira, falta estrutura governamental que possibilite as empresas, a iniciativa privada participar do esporte. A iniciativa privada, de uma maneira geral, ela não acredita no esporte e com isso prejudica o esporte, o esporte individual, prejudica o esporte coletivo. Eu trabalhei anos no xxx, (...) eu dava treino no Mourisco debaixo da piscina, quando chovia, pingava; o esgoto subia; a bola caía na baía de Guanabara, tinha que ir no Salva-mar, do lado, pegar um barco, remar para buscar a bola porque a gente não podia perder a bola. Então são questões estruturais são questões financeiras. A gente não pode ficar aqui falando bonito e omitindo porque existe um abismo imenso entre formação, desenvolvimento e realmente chegar lá. Eu fui em Nova Iguaçu, na época Nova Iguaçu tinha uma política, estava iniciando uma política voltada ao esporte. Infelizmente trocou o prefeito e o novo prefeito, por questão política, nosso projeto não tinha nada de político, nosso projeto era um projeto esportivo, mas aí começa e acaba aquilo ali, vamos começar uma coisa nova. E nessa de sempre estar começando uma coisa nova, acaba que você não desenvolve nada, você está sempre começando algo novo, mas que nunca vai além, tem sempre uma coisa nova. O problema é justamente na raiz porque vamos pegar exemplos de fora, Estados Unidos, eu vivi 7 anos na Itália, eu vejo o Brasil campeão do Vôlei de Praia, campeão do Vôlei (in door), Futebol, mas a estrutura básica dele não existe. Os outros países na Europa, para eles ser campeão mundial ou não, não muda a estrutura esportiva do país: é a escola ligada ao esporte; o professor tem uma importância muito grande. Eu acho que um pré-requisito para o esporte estar na mídia é a política esportiva, voltar esse assunto, (precisamos de) uma política governamental, começando de cima, governo federal e vim descendo, essa história do ICMS, isso é papo para boi dormir, mas realmente uma política governamental que venha pelo Ministério da Educação, que venha pelo lado social e que tenha uma política que realmente possibilite que o esporte não seja apenas um momento, mas que seja uma vida para as crianças, que a criança possa se imaginar tendo uma vida no esporte, não tendo momentos, porque na verdade, hoje, o esporte brasileiro (…) é feito de momentos para a grande maioria, poucos têm vida no esporte. Existência de estereótipos de gênero expressos sob a forma de preconceito contra a participação feminina em determinadas modalidades esportivas, inclusive acenando para a masculinização dos corpos femininos a partir da prática esportiva; de cobranças diferenciadas para a mulher dentro de casa que gera acúmulo de atividades etc. Esses aspectos também estão presentes na literatura sobre gênero e esporte como destaca ADELMAN (2006, p. 448): “A 46 literatura internacional sobre as mulheres e as relações de gênero no esporte assinalam tanto os avanços como os pontos de conflito antigos e novos. Por exemplo, os esportes continuam sendo avaliados em termos de gênero, incluindo tanto os que se tornaram ‘unissex’, como os que são vistos como potencialmente ‘masculinizantes’ para as mulheres. Segundo a historiadora norte-americana Mary Jo Festie, as mulheres atletas sempre tiveram que encarar o preconceito social de dois tipos: primeiro que suas ‘diferenças físicas as faziam muito menos competentes para o esporte do que os homens, e, segundo, que a prática esportiva as masculinizava, tornando-as mulheres ‘anormais’ e/ou lésbicas. Portanto, ela argumenta, mulheres atletas profissionais são quase obrigadas a adotar uma postura apologética, tomando o cuidado necessário de mostrar para o público que sua prática no esporte não compromete sua feminilidade.” A mulher dentro do esporte (…) sofre muito por causa disso. Primeiro porque ela passa a ser considerada masculinizada porque está praticando esporte, porque a parte de aparência dela modifica, isso é normal. Acho que só tem uma modalidade que não acontece tanto isso que é o voleibol, que ela é considerada ainda uma atleta feminina, tanto é que os meninos têm o maior preconceito de jogar voleibol porque dizem que é isso é coisa de mulherzinha. Aí você modifica isso. Por você ser menina, você também tem outras responsabilidades, outros compromissos. Não adianta você dizer que você só vai para a escola e que você vai treinar, você tem outros compromissos dentro de casa porque existe a questão da cobrança, não que por você jogar bola, vai deixar fazer. Não é isso, mas há uma cobrança maior de dentro de casa porque quando dentro de casa você encontra obstáculo muito grande, uma certa rejeição pelo fato da menina querer jogar bola, aí são duas barreiras que você vai ter que ultrapassar. Ou três. Necessidade de ganhar dinheiro: este aspecto, como já foi mencionado, também foi levantado pelas atletas que, ao entrar na idade adulta, sentem-se na obrigação de abandonar o seu sonho esportivo e optar por atividades rentáveis que tirem o peso do seu sustento do âmbito da família e lhes garanta autonomia e independência. Mas ai quando elas embargarem com todas essas dificuldades: financeira, a questão da cobrança dentro de casa quando não existe um apoio, a questão daquelas que já terminaram o ensino médio, a questão de que você tem que trabalhar, jogar bola não está te dando dinheiro, não está te dando nada, isso chega num determinado ponto que começa a desmotiválas. O que a gente ainda consegue segurar é pelo fato do laço muito grande que nós criamos. Então (se) uma está tentando desanimar a outra vai puxa pelo braço: “vamos embora, vamos seguir em frente que a gente vai chegar aonde a gente quer”. Mas as cobranças têm sido muito grandes, dentro de casa principalmente, e internamente a pessoa fica se cobrando quando não alcança aquilo que quer de imediato, ela fica se cobrando, e muitas vezes começam a pensar: “por aqui não vai dar certo, acho melhor eu largar aquilo que de repente seria o meu maior sonho para ajudar dentro da minha casa, pela situação que eu vivo e por uma série de coisas”. Então eu digo assim, por exemplo, dentro do grupo que eu 47 trabalho, eu tenho um pouco desses dois lados, o lado que te motiva. Porque “eu tenho o lá na frente”, sabe que pode chegar porque tem condições, mas para isso tem que trabalhar em busca desse conhecimento, mas o lado também da cobrança dentro de casa, a cobrança pessoal e a dificuldade financeira que existe para se dar seqüência a esse trabalho tem sido fatores, são muitos obstáculos que têm que ser enfrentados e é onde eu não sei até onde vai se conseguir enfrentá-los. Falta de competições em ano de Pan: outro ponto levantado pelas atletas que já se ressentem habitualmente de falta de torneios e competições (como é o caso do Futebol feminino e do Handebol) e que viram a situação se agravar com a proximidade do Pan. Pegar um grupo que já vem do ano passado perdendo por falta de material e que esse ano, em vista do Pan, a gente está sem competição. (...) Então você trabalhar o aspecto psicológico do garoto que quer competir, do atleta mais velho que está correndo atrás, está motivado porque tem um Pan, e ao mesmo tempo está muito distante da regata, você fica naquele balanço ali. Migração para o exterior: acaba sendo a saída para atletas com o mínimo de reconhecimento e condições pessoais, já que não encontram oportunidades no esporte do país. Foi citado o exemplo da Natália, duas vezes campeã mundial de Taekwondo e que trabalha no Brasil com um salário na faixa de 2 a 3 salários mínimos (na avaliação do técnico de Taekwondo que participou do grupo) e o da Marta, melhor jogadora de Futebol feminino no mundo em 2006, que teve que migrar para poder viver do esporte que pratica. Hoje no voleibol é uma realidade, nós temos mais atletas jogando fora do país do que dentro do país, isso é um absurdo. Eu sou do voleibol e (...) estou aqui solidário com a Federação Brasileira de Voleibol, (...) constatando que é um absurdo: não tem clube para todos os nossos atletas. O nosso campeonato nacional hoje, que é a Superliga, é um dos maiores campeonatos do mundo, conhecido mundialmente, todo mundo quer ver a Superliga, temos agora uma final, sábado, aqui no Rio de Janeiro, com certeza Caio Martins vai estar entupido, devem ter 10 mil pessoas dentro daquele ginásio, o mundo inteiro está voltado para aquele ginásio, mas ninguém está sabendo da nossa realidade em que a maioria dos nossos atletas está jogando. Tem ex-atletas meus que se naturalizaram, estão na Argentina, estão na Itália, estão não sei aonde, estão aí porque aqui realmente não tem espaço para eles; eles tiveram condições de sair. E os que não têm fazem o quê? Ficam com a frustração. Essa expectativa acaba virando uma frustração e eles vão ficando, você vai encontrar eles no meio da rua aí, trabalhando em alguma coisa, já cansei de encontrar. Diferenças segundo a classe social: além dos estereótipos de gênero, diferenças de interesse são percebidas segundo o pertencimento a diferentes classes sociais35. Se já era notória a desigualdade de 35 “Convivem no Brasil elementos compatíveis com economias bastante avançadas e uma persistente desigualdade social com pelo menos quatro cortes bem claros (...): o de gênero, o de renda, o regional 48 recursos e oportunidades que são investidos nas atletas por suas famílias segundo suas possibilidades, os técnicos também estão chamando a atenção para o fato de ser maior a motivação das meninas advindas das camadas mais carentes da população, para quem o esporte pode vir a constituir-se em via de ascensão social. Acresce ainda o fato de que a interseccionalidade de raça e gênero agrava ainda mais as dificuldades a serem enfrentadas36. No grupo de atletas do Rio, 36% delas se autodeclararam negras ou pardas. Na percepção de uma técnica, até mesmo o estereótipo de gênero é mais dirigido às atletas oriundas das classes sociais menos favorecidas. Esporte é considerado uma modalidade de elite, vocês não acham? Quem não tiver a condição de ir para o clube ou ter uma escola que tenha uma estrutura, não consegue se desenvolver dentro do esporte. A nossa clientela é de baixo poder aquisitivo, é difícil você encontrar em qualquer esporte, até entre o riquinho “voleibol”, atualmente, garotas bastante favorecidas. Inclusive as meninas que estão chegando no voleibol hoje em dia são até as menos favorecidas porque eles estão vendo isso como motivação para ganhar dinheiro e o que tem menos brecha para isso é a Natação. O pessoal de nível médio para cima, a menina de nível médio para cima, ela não tem muito interesse de praticar esporte, o nível de interesse dela é baixo. (...) Voltando ao Rio, existe essa dificuldade regional, uma coisa mais importante em relação à mulher, pode ser no Handebol, no Futebol, a maioria é de cor. Aí você entra na faixa social. Vai depender em que faixa social ela (a atleta) está inclusa, se é na categoria pobre, ela é considerada masculinizada porque eu sofro isso com as minhas atletas dentro do meu município. No Futsal feminino então, é muito complicado. Falta de uma política de bolsas de estudo universitárias: a necessidade de desenvolver um esporte universitário forte, com suas instâncias representativas e tudo o mais, foi muito enfatizada nesse grupo. A tecla da importância da concessão da bolsa universitária como porta de entrada para os atletas ao ensino superior e como embrião deste nicho esportivo foi muito batida e constituiu-se em uma das principais sugestões para melhorar as condições da prática esportiva no município. Faço uma comparação a países evoluídos, que é o caso, que o número um no Futebol hoje no mundo, muito embora o Futebol para eles não seja de ponta, está ali em terceiro, quarto lugar, mas é o país que tem o maior número de praticantes de Futebol no mundo hoje que é os Estados Unidos, só de meninas têm mais de 8 milhões de meninas registradas e qual é a motivação que eles têm? É conseguir uma bolsa universitária, é conseguir chegar a uma seleção olímpica, principalmente a bolsa e o de raça (...). Tal situação de desigualdade continua a manter grande parte da população em situação de pobreza e exclusão.” (TEIXEIRA, 2002, p.138) 36 Ver, por exemplo, os trabalhos de Lélia Gonzalez, de Kimberle Crenshaw, do IBGE, do DIEESE, do IPEA, do INSPIR, entre outros. 49 universitária, isso aqui também inexiste. Uma menina joga Futebol, seja no nosso time, seja no Botafogo que ela (ganha) mais, seja no América, qual é o ponto futuro dela, levantar um troféu, ganhar uma medalha, chegar à seleção? Isso é muito pouco. Treinamento é duro: este dado, apontado como desmotivador e aqui referido a partir do esporte individual, mostrou-se, na pesquisa, comum a todas as modalidades esportivas. Tanto as atletas como seus responsáveis e até mesmo as não-atletas falaram de uma vida sacrificada e com pouco tempo para as amizades e o lazer. Hoje em dia, inclusive para o esporte individual Atletismo, esse recrutamento que ele falou lá, da dificuldade dele também no Remo, que é individual, ela é muito difícil esse recrutamento porque esse recrutamento é feito sempre com fins específicos de treinamento de qualidade e esse treinamento, às vezes, vamos dizer assim, ele, não vou dizer que ele flagela, mas ele agride um pouco a essa jovem. Então, essa motivação tem caído muito porque a garotada, hoje em dia, me parece não tem mais aquela, vamos dizer assim, aquela fome, aquela vontade de conseguir, mesmo com um estímulo de viagem, de um patrocínio às vezes muito baixo, a gente tem dificuldade. • Especificidades das dificuldades da motivação no caso dos esportes individuais em geral ou de algumas modalidades em particular: Ausência de bola e da brincadeira conjunta: o fato de tanto a derrota como a vitória serem individuais e não divididas com a equipe e de o resultado ser, em si mesmo, uma motivação foram aspectos destacados como desmotivadores especificamente nos esportes individuais. Quando eu trabalhava em escola municipal e estadual, o recrutamento, a motivação para o esporte individual, Atletismo, esta relação de motivação era baixa porque eles gostam da bola, da motivação da equipe, do jogo, da parte lúdica, mas ali o Atletismo, mesmo a gente tentando esse tipo de motivação, como o esporte é individual e a gente tem que trabalhar de uma maneira bastante específica com a qualidade para buscar um resultadinho também, porque o resultado também é um fator motivacional. Quando você perde, você não tem motivação para prosseguir, às vezes. Ali você é o primeiro ou o primeiro e aquele primeiro do esporte individual é diferente do que ser o primeiro ou o segundo do esporte coletivo. Você não divide nada, você perde, então você tem até essas conotações psicológicas. Medo de competir com os mais velhos: este problema, aqui referido especificamente ao Remo, é um problema comum aos esportes individuais e chegou a ser referido mesmo no caso do Futebol por uma atleta e por uma não-atleta. Então eu trabalho pegando aqueles garotos, que a escolinha começa aos 10 anos no Remo, 10, 11, 12 em diante, para você motivar esse garoto, motivar essa menina para ela ser uma atleta é difícil porque tem tempo. Aí já fica a dificuldade dela em acordar cedo, escola, o pai que não quer deixar ela sair, o garoto também. A motivação do garoto se ele vai ser ou não vai ser o primeiro, também temos esse problema. Tem um garoto lá 50 com 13 anos, aí (...) o técnico fala que ele vai correr contra um garoto de 14, ele começa a ficar inibido, começa a chorar, ele não quer correr porque é mais velho. Até você motivar esse garoto para dizer que ele tem condições, que ele é melhor que o de 14 anos, isso leva um tempo, aí já leva ao fator psicológico do pai, da mãe, o treinador que sai deixando a outra turma para encontrar ele, aí o que acontece? Ele vai e é o melhor, mas até trabalhar esse fator psicológico dele, é um trabalho que é desgastante, meu, dele, para o professor dele que está lá, do outro técnico, a mãe que fica correndo atrás da gente. No caso do Remo: horário cedo do treino, o que agrava o medo do deslocamento e torna o treino incompatível com saídas noturnas, namoro e “noitadas” na Internet. Eu tenho a dificuldade da motivação porque o nosso horário (…) é muito carregado. Por exemplo, o treino nosso começa as 5h30 da manhã, então se teve uma menina que mora depois do túnel, a mãe já fica preocupada, como eu tenho esse problema lá, ele tem. Aí nós trabalhamos na escolinha também. O mulherio está receoso em sair de madrugada de casa para chegar no Remo, aí a gente já trabalha, fica ali na dificuldade. O horário que a gente tem para trabalhar é um horário muito cedo e hoje em dia essa meninada, elas querem sair, querem se divertir, sair à noite, e para chegar no treino no dia seguinte de manhã cedo fica um pouco complicado. E a Internet também, querem ficar na Internet, querem namorar. Então fica muito difícil a gente trazer essa meninada para o Remo. Problemas estéticos aqui avaliados a partir da ótica do Remo, mas muitas vezes citados em outros momentos da pesquisa sob a ótica das lutas e de algumas modalidades do Atletismo, pois diz respeito a alterações no corpo da menina, provocadas pela prática esportiva e que tornariam este corpo senão masculino, menos feminino. E tem também uma mística, um problema muito sério que o Remo tem porque as pessoas fazem uma imagem de que remador vai ficar com a estética feia, vai ficar com o ombro largo, as costas grandes, fica complicado a gente mudar essa idéia, que na verdade não vai ficar assim, geralmente as meninas ficam com uma postura melhor por fortalecer a musculatura das costas. Então é um pouco complicado, mais por parte da estética também. Forte preconceito contra as meninas na luta A luta (...) já é reprimida dentro de casa, então a menina, a criança que quer entrar: “ela, a minha filha, não vai fazer Taekwondo porque é luta, é coisa de homem”. Mas a mulher hoje, ela tem uma fama muito grande dentro do Taekwondo: a gente teve uma campeã do mundo em 2005, a Natália, ela foi bicampeã o ano passado, mas a gente vê pelas dificuldades dela porque falta incentivo. 51 • Especificidades das dificuldades da motivação no caso dos esportes coletivos: O caso do Handebol: o Handebol é considerado um esporte escolar, o “primo pobre”: vem praticá-lo quem “não dá para outros esportes” mas, mesmo que se empolgue e cresça no esporte, as possibilidades de praticá-lo acabam aos 17 anos: Handebol não tem espelho, Handebol não tem mídia, Handebol não tem circuito universitário nem clubes. Há alguns anos atrás, eu trabalhava com iniciação ao Handebol e especificamente com as meninas. Só que, de alguns anos para cá, essa motivação caí em relação à parte social e à parte financeira, e o Handebol atualmente, atualmente não, desde o início, ele é considerado esporte escolar dentro do Brasil. Nós somos os primos pobres do Futebol, do voleibol, o Handebol (…) fica perdido e essa opção e o que acontece? O pessoal que não dá para Futsal vem para onde? Para o Handebol, a nossa motivação é essa. E com as meninas tem uma motivação um pouco diferente, que é a paixão pessoal; viu alguém jogar ou tem alguém da família que joga e essa paixão de alguém da família leva a menina para o Handebol, só que quando ela chega na faixa etária de 17, que ela termina o ensino médio, ela fica perdida porque se ela não está em alguma universidade que tenha essa modalidade, ela não tem mais o Handebol, não existe clube no Rio de Janeiro que tenha Handebol. Existem sim escolinhas, igual acontece com o Fluminense, que (…) têm um trabalho (...) só até a faixa juvenil, nem júnior nem adulto eles estão mais trabalhando. A despeito de tantos fatores dificultadores apontados e das experiências diferenciadas dos participantes do grupo segundo a modalidade do esporte a que se dedicam – individual ou coletivo – e a dimensão do esporte na qual atuam – rendimento ou inclusão social –, chegou-se a dois pontos consensuais sobre a motivação inicial e para a continuidade das mulheres no esporte: a paixão delas pelo esporte e a sua perseverança. Segundo os técnicos, são esses os trunfos de que dispõem para superar as más condições que restringem a sua participação. E com as meninas tem uma motivação um pouco diferente, que é a paixão pessoal! Eu acho que a motivação que a menina tem de praticar um esporte, no caso eu falo é o Futebol porque é com o que eu trabalho, mas qualquer esporte, é a paixão, o amor em praticar o esporte seja ele qual for. Realmente quando você falou (em fatores facilitadores), a primeira coisa que veio na minha cabeça é que não existe nenhuma, absolutamente nenhuma. Mas existe uma, que, na verdade, é a paixão que a menina tem em praticar o esporte, que é um amor que faz vender os seus pertences para obter poder de compra, alguma coisa, de pagar uma taxa de inscrição, como tem muitos até treinadores no Futebol, no caso do feminino tem muito disso, eu já vi muito por aí, o cara tirar do próprio bolso sem nem ter muito para fazer isso. Benefício eu acho que é a perseverança das meninas. Eu creio pelo amor, então elas perseveram, tentam sempre, e não desistem, porque o time que eu tinha, que eu comecei lá atrás até hoje elas estão com 19 anos, eu comecei com elas com 12 anos. Elas têm a vida delas universitária, não 52 ligada à atividade física, mas toda a vez que tem uma competição, que eu entro em contato com elas, elas estão abertas a vir comigo, a competir, então eu acho que a paixão carrega as meninas porque fora isso elas não têm outro estímulo nem outra opção. Então, basicamente é isso, a paixão, fora isso, a estrutura, a motivação, não tem possibilidade. Se esses foram os fatores apontados de forma recorrente como sendo os que atuam positivamente na motivação inicial e na permanência nos esportes em geral, alguns outros também foram mencionados, porém de maneira mais isolada: • O vínculo que se estabelece entre as participantes de uma mesma equipe em um esporte coletivo. A amizade, reforçada pela proximidade de suas moradias e do local onde praticam o esporte facilitam a superação das dificuldades e motivam para a continuidade. A experiência relatada foi do Futebol. Falando de motivação, com meninas dentro dessa faixa etária, dos 13 aos 18 anos, a minha equipe, por exemplo, a equipe que a gente tem de Futebol feminino, a gente tem um grande número de meninas nessa idade, algumas têm até um pouco mais. Existe a motivação muito grande no sentido de que pelo fato de muitas delas morarem perto, o grupo mais novo que a gente tem é um grupo que mora na Cidade de Deus, então é um grupo que já se conhece, já existe a questão da amizade, existe a questão do gostar do esporte. (...) se você tem um grupo de ficar junto, já tem aquela ligação de amizade, já tem aquele vínculo, fica mais fácil de dar um empurrão na outra para seguir em frente. Caso contrário fica muito difícil. • “Fase de redução” dos estereótipos de gênero: esta se tornou uma discussão interessante no grupo, pois havia grande concordância com relação à existência de preconceito contra as mulheres no esporte e isto foi apontado como relevante fator dificultador. Contudo, algumas vozes levantaram-se para afirmar que este preconceito está “em fase de redução” e uma voz para dizer que ele já não existe, gerando protesto e a ponderação de que o nível de preconceito varia de acordo com a classe social, sendo mais acentuado nas classes menos favorecidas, como já foi mencionado anteriormente. A facilidade que as meninas têm sobre os rapazes, eu acho que hoje em dia não há nenhuma. Eu acho que a gente pode comparar as facilidades das meninas hoje com as meninas antigamente. No começo falou-se que as meninas têm a responsabilidade de cuidar de casa, hoje em dia está deixando de ser isso, as meninas estão mais independentes, a criação delas está mais parecida com a dos meninos. E, fora isso, acho que não tem mais nenhuma facilidade para as meninas. Elas conseguiram pegar uma fase, digamos assim, que existe o preconceito ainda, ainda existe, não adianta dizer que não porque existe, mas pelo menos se você passa no meio da rua com um tênis de Futsal, não vão te chamar de menino, no sentido de que Futebol é só para homem, já começam a olhar as coisas de outro jeito, por títulos conquistados, pelo fato da Marta ter sido a melhor do mundo, tudo isso, claro, dá uma visão maior e isso cria uma motivação nelas. 53 (Referindo-se ao preconceito expresso pela masculinização dos corpos): Hoje em dia acho que não tem mais isso, porque as mulheres vão para a academia para ficar bem bonitas, bem saradas, que no caso é esporte. (...) Eu acho que já mudou bastante. (...) Os homens, os atletas ficam loucos por elas, doidos, e eu não vejo isso por isso que eu estou te falando. • Juventude para alcançar os objetivos: esta facilidade, apontada isoladamente por uma técnica, fala da idéia de as atletas, sendo ainda muito jovens, sentirem-se com todo o tempo do mundo para alcançarem seus ideais esportivos, mas parece ser bastante relativizada quando inserida no contexto da prática esportiva no município do Rio de Janeiro. “Como eu sou nova, eu posso chegar lá ainda. Eu sei que eu posso chegar lá!” E vão aquelas notícias que chegam correndo: no Brasil, a nível de seleção, eu tenho sub-20, eu tenho um adulto. Mas esse ano ainda, mais para o final desse ano e mais possível para o ano que vem, eu tenho o sub-17, sub-15. Então “eu sou nova, eu tenho possibilidade de estar lá”. Então isso cria uma motivação dentro dela de estar treinando. • Identificação do brasileiro como portador de habilidades especiais É um absurdo que um país como o Brasil, com o nosso tamanho, com a quantidade de tudo que nós temos aqui, nós não conseguimos aproveitar o que nós temos de melhor: a nossa mão de obra, a nossa juventude, o nosso talento; o brasileiro (…) é marcado pela habilidade individual, em todos os esportes, nós somos conhecidos no mundo pelas nossas habilidades individuais. • Existência de algumas políticas públicas nas prefeituras de estados do Sul e em São Paulo De política pública, eu vejo essa situação que tem difundido o entre aspas, esporte amador, mais no Sudeste, mais encostado no Sul e no próprio Sul numa política pública que eles chamam de Jogos Abertos do Interior. lá em Santa Catarina, Paraná e São Paulo essa situação é mais difundida e por ser mais difundido (…) estimula um pouco a ter mais equipes no interior, coisa que aqui no Rio de Janeiro nós não temos. Eu tenho jovens, mas não é difundido, não tem uma política pública para isso. Então lá, entram com um componente político forte nessa situação que as prefeituras já querem participar e para serem campeões. Então, eles, inclusive, patrocinam atletas para participarem dessas competições. Agora, isso daí, ajuda, mas não é, vamos dizer assim, o determinante para que você possa se desenvolver mais, mas existe por causa disso, tem mais equipes por causa disso também. • Clube dar uniforme e assistência médica e odontológica: este fator facilitador, apontado por uma única técnica, gerou muita discordância no grupo, já que todos os demais participantes tinham experiência diferente com o assunto. O clube tem de tudo sim, clube te dá camisa, te dá tudo o que você tem direito da parte médica, da parte dentária. O Rio de Janeiro é privilegiado em ganhar o uniforme porque que conheço a maioria do Sul que paga o 54 uniforme, os atletas para terem aquele uniforme, eles pagam para poder ter. Aqui eles ganham, pelo menos isso, mas não tem essa parte, não tem uma sapatilha adequada, correm às vezes descalços. O carro-chefe é o Futebol, não podemos fazer nada. A questão do uniforme que o clube dá, o clube não dá, isso é uma dificuldade que a gente vive. (...) eu estou com as minhas meninas que o uniforme aqui, está solto, aqui assim rasgou, as meninas mesmas que costuram, é uma realidade diferente que você vive, apesar de você considerar o Futebol profissional, aqui eu te digo que é amador porque não existe a valorização que deveria se ter. Eu falo isso não só a nível de Futebol, eu falo isso a nível de Futsal, eu falo isso a nível de Handebol e de outras modalidades talvez a gente não conheça tanto, mas a gente sempre procura saber um pouco. • Registro na federação das jogadoras de Futebol feminino: este fato foi apontado por uma técnica que lembra que, graças a ele, será possível o clube ter alguma participação financeira da eventual venda de uma de suas atletas do Futebol feminino. Em relação à questão do retorno, hoje as meninas a nível do Futebol feminino do estadual, elas estão sendo registradas na federação de uma maneira direta para, pelo menos, se ter algum retorno mínimo, mas algum retorno, caso elas venham a ser transferidas, como é o caso de algumas atletas, que já aconteceu, só que a gente não ganhou nada com isso porque a gente não tinha uma prova, digamos assim, de que ela era nossa atleta. Finalmente, no debate sobre possíveis facilidades para as meninas praticarem esporte no município do Rio de Janeiro, dois participantes do grupo foram enfáticos ao afirmar que não há facilidade por causa da questão socioestrutural: Eu acho que a facilidade feminina no esporte hoje aqui no Rio é mínima, não existe essa facilidade devido à questão socioestrutural. O que seria essa questão socioestrutural? Questão da vida do dia-a-dia, da rua, da questão da violência, da distância, do meio de locomoção, das dificuldades e a questão estrutural, a questão do esporte carioca que sempre foi celeiro em tudo: no Futebol, no Handebol, no Atletismo, nós sempre fomos celeiro, no Basquetebol, no voleibol; inclusive no voleibol tem brincadeira que sempre que o Brasil é campeão tem um jogador do Rio de Janeiro, se ele não for campeão, não tem jogador do Rio, a gente brinca assim. Mas, realmente a questão do esporte no Rio hoje, na minha opinião é caótica estruturalmente, isso ainda também dificulta a presença das meninas devido às dificuldades, o dia-a-dia junto com a estrutura. A facilidade que as meninas têm sobre os rapazes, eu acho que hoje em dia não há nenhuma. A importância da Mídia O papel da mídia na construção das possibilidades de melhores condições para a prática esportiva em geral foi um tema que emergiu de maneira recorrente no grupo dos técnicos, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais. 55 A importância da mídia foi ressaltada tanto no sentido de que ela pode dar visibilidade a determinados esportes e isto funcionar como chamariz para a sua prática, como também ela pode dar visibilidade à participação feminina nos esportes e, com isso, facilitar a aceitação cultural desta participação. Assim, é importante estar na mídia para abrir espaços e obter patrocínio. Contudo, chamou-se muito a atenção para o fato de que, no Brasil, há hegemonia total do Futebol masculino na mídia, o que restringe as possibilidades tanto dos demais esportes como das mulheres nos esportes. Somente uma técnica percebe como positiva e inclusiva para as mulheres a superexposição do Futebol masculino na mídia. A mídia também alimenta o sonho de fama de algumas atletas acenando com ídolos que venceram as dificuldades, “chegaram lá” e levam uma vida de sucesso e prazer. Essa questão da mídia, eu acho que falta muito. Você abre o jornal, você vê da página 1 até a página 10 fala do Futebol. Você tem um pedacinho que fala do Boxe, você tem um pedacinho que fala do Softbol, um que fala do Taekwondo, um pedacinho que vai falar do Remo, do Atletismo, do Futsal, mas você não vê falar no necessariamente feminino, da questão da mulher no esporte de uma maneira geral. Eu lembro que recentemente eu estava lendo um livro que falava justamente isso, da beleza feminina no esporte, o nome de grandes atletas como Maria Lenk, que faleceu agora, foi um grande (nome) no esporte da Natação, mas apesar de tudo que ela fez na história, só voltou a se falar nela agora que ela veio a falecer. Então assim, eu acho que a mídia (…) busca aquilo dentro de determinadas situações e aqui no Rio de Janeiro, a nível do feminino, eu não vejo tanto como eu vejo na realidade até em São Paulo, no caso do Futebol feminino e até do Futsal, e principalmente no sul do Brasil, que a nível de estrutura você tem como se fosse de primeiro mundo, então isso é uma dificuldade. Essa questão da mídia, porque se você hoje passa uma matéria na televisão falando do Badminton, no dia seguinte tem um monte de gente procurando onde é que tem uma escolinha para poder fazer. Se você tem num jornal, que seja uma página falando do Futebol feminino, falando do Remo, falando do Vôlei, falando do Futsal, falando do Handebol, você no dia seguinte vai ter pessoas procurando algo sobre aquilo. Agora, existe essa procura, você liga o jornal, fala são 30 minutos de reportagem, 29 minutos está falando do Futebol profissional, você acaba não estimulando aquelas pessoas à prática de descobrir algo novo ou ter a ousadia, digamos assim, de ir em busca do que tanto se quer. Há alguns esportes que há maior facilidade de incluir as meninas como o Futebol por já ter o Futebol masculino na mídia, vai chamar as meninas para praticar esse esporte, mas outros esportes amadores não – como é o Remo, como é o Atletismo, que são esportes que não estão na mídia; o Basquete está na mídia mais ou menos, o Vôlei está mais na mídia na parte feminina do que na masculina, pelo menos a meu ver, então as pessoas são mais ou menos influenciáveis pelos esportes que estão sendo mais focados pelas empresas, pela Globo. Falta profissionalismo, as pessoas abrirem os olhos, uma lei de incentivo que funcione, uma coisa que falta, como é que uma empresa vai bancar um atleta se ela não tem um retorno? Você liga a televisão, o Globo Esporte, você vê 30 minutos, 29,9 de Futebol e uma vez por semana, vai 56 se falar ali do Judô porque o Flávio Canto ganhou, Handebol é difícil, nunca escutei Handebol no Globo Esporte praticamente. Então com o Handebol fica muito complicado mesmo, e a falta de estrutura, falta de estrutura física e mídia. A mídia é que leva a modalidade atualmente. Você não tem mídia, você não tem divulgação, não tem nada. Para a gente fica complicadíssimo. (Falando da motivação para as meninas): (depois da paixão) em segundo lugar, é o sonho de se tornar realmente uma jogadora dessa (modalidade), por fruto da mídia, dela ficar famosa ou então por ficar rica, porque na verdade, isso existe na nossa realidade. A importância do “espelho” Com alguma interseção com o tema anterior – o da importância da mídia – esse foi um outro tema emergente neste grupo, mas que em vários outros momentos do trabalho de campo voltou a aparecer inclusive fazendo referência aos esportes que, por não terem tradição no país em sua versão feminina, não tem esses modelos a oferecer e o quanto isto faz diferença psicologicamente para as atletas que o praticam. Como será referido na seção deste relatório que trata do grupo das atletas do Rio, parece ser de grande valia para as atletas ter alguém em quem se “espelhar”: uma outra atleta que lhe sirva de modelo por ter obtido um êxito aspirado por ela. Os participantes do grupo dos técnicos reafirmaram a importância para as atletas do “espelho” nos êxitos do Futebol, agora personificado na figura da Marta, do “espelho” no sucesso em um mundo que se apresenta com tantas dificuldades para alcançá-lo e do “espelho” nos jogadores homens bem-sucedidos e valorizados pela mídia. Então nós nos perdemos porque não tem um espelho, o Handebol não tem espelho, a nível nacional não tem espelho. Temos ótimos resultados a nível pan-americano com feminino, mas ninguém sabe, ninguém acompanha, ninguém transmite, então fica uma coisa muito complicada você motivar. Se não tiver aquela paixão pessoal da criança, que a gente conquista ela lá na 5ª série, com 10 anos você conquista a menina, mas daquelas meninas que você conquista, você consegue levar 3 ou 4 até a faixa de 17 anos. Futebol é o DNA. A menina vê, quer se tornar um Ronaldinho Gaúcho, quer se tornar um Ronaldo, um Romário, mas tem aquele amor por jogar o Futebol. 57 Contraposição do esporte como construção da cidadania ao esporte competitivo Na montagem de todos os grupos houve a intenção de que neles estivessem representadas todas as dimensões da prática do esporte – rendimento (profissional e amador), esporte e lazer e educacional – e assim aconteceu. Contudo, no grupo do Rio de Janeiro que reuniu técnicos, professores, treinadores, árbitros e responsáveis por projetos sociais que utilizam o esporte como via de inclusão social, em dado momento, houve uma polarização entre estes e os demais. Acredita-se que isso ocorreu por haver representação de um projeto social de natureza diferente. Explicando melhor: os projetos sociais esportivos, embora preocupados em transmitir valores que facilitem o exercício da cidadania, usualmente atuam no sentido de dar oportunidades de prática das diversas modalidades de esporte a pessoas que não teriam condições de praticar esporte de outra maneira. Contudo, sua perspectiva é a de treinar para a excelência no esporte mesmo que as condições de que disponham para tal não lhes dê qualquer garantia de que os participantes do projeto poderão “chegar lá” em função das mil e uma dificuldades discutidas ao longo deste relatório. Assim, as regras que vigem para a prática da modalidade esportiva que cada projeto foca não são diferentes das exigidas nacional e internacionalmente para a prática dessa modalidade. Esta, porém, não é a proposta do projeto do Basquete de Rua: A gente mudou um pouco a visão do Basquete, nós fazemos o Basquete de rua, agora, o Basquete de rua não é simplesmente o Basquete, existem algumas variantes que é o DJ, é o grafiteiro, é o skatista, então tudo isso leva o público a freqüentar o nosso ambiente porque ele não vai pelo Basquete, ele vai ouvir uma música porque durante a competição existem as músicas, tem as (garotas) que dançam, então dá oportunidade para todo mundo, então isso acaba fechando um grupo que está crescendo. Agora, a maior dificuldade que entra no que vocês estão querendo, é sempre o feminino. Hoje, a gente conseguiu com a prefeitura, aqui embaixo no viaduto, um espaço, então ali é cercado, ali é uma rua organizada. Então hoje, nós temos uma escolinha que a menina vai ali, tem um professor e é seguro, ela tem apoio. Não por acaso a polêmica iniciou-se a partir de uma questão política referente à captação pelos clubes de verbas de patrocínio. Discutia-se que o problema poderia ser de corrupção e/ou desvio de verbas quando veio o contra-argumento de que se tratava de uma questão estrutural: o Brasil não se organizou para motivar para o esporte a partir da escola e o Rio de Janeiro em particular, diferentemente de outros estados do Sul, tem uma situação sociodemográfica que dificulta a integração entre as diversas áreas da cidade, o que complica um pouco mais. Entendendo que a discussão trazia para a pesquisa um subtema extremamente relevante, de pronto abriu-se espaço para ela. Haveria distinções importantes entre as propostas de prática esportiva presentes em cada dimensão? Qual o papel cumprido pelas dimensões para chegar ao objetivo maior de motivar e possibilitar o acesso ao esporte ao maior número de pessoas? Tentando responder a essas perguntas à luz das informações prestadas pelos participantes, pode-se dizer inicialmente que estiveram bem longe de chegar a um consenso sobre o assunto. Em debate acalorado, ainda que sempre cordial, um dos 58 poucos que gerou um momento em que todos falaram ao mesmo tempo e foi necessária a intervenção da facilitadora, alguns achavam que o primordial é incluir socialmente e motivar para a prática esportiva e outros que, no esporte, o objetivo final não é atingido se não forem seguidos os trâmites que viabilizam o acesso aos resultados tal como definidos pelas entidades superiores do esporte: federações e confederações. Em comum tinham a idéia de que motivar para o esporte é benéfico para todos. Sistematizam-se a seguir os principais argumentos levantados a favor e contra cada uma das posições. • A questão dos recursos O projeto do Basquete de Rua, da forma como está organizado, tem condições de obter ajuda para transporte quando ocorrem eventos fora da comunidade na qual instalou-se originalmente, de oferecer alimentação, de trazer as meninas para uma área de rua fechada com professor e segurança. A existência de recursos para mobilizar e levar a comunidade para os eventos é admirada por outros participantes do grupo que acabam por se dar conta de que este formato de projeto junta gente e atrai patrocínio. Alguém chama a atenção para a importância da união e do contato boca a boca para o êxito deste tipo de proposta e que ela pode ser tentada no âmbito dos clubes também. São então citadas formas alternativas de captação de recursos como parceria com políticos ligados ao esporte e a forma é questionada como sendo “política de São Francisco” numa alusão comum ao “é dando que se recebe!”. Outro argumento levantado é de que a disposição de doar dinheiro para a comunidade é diferente da de doar para os clubes e agremiações esportivas. Além disso, adverte um treinador que, para cumprir bem suas funções, ele não pode acumular também a de captador de recursos. Não desmerecendo o trabalho que o projeto (do Basquete de Rua) está fazendo que é um trabalho maravilhoso, a gente acompanha via televisão, mas eu acho que vocês agradam, de alguma maneira, vocês agradam muito aos políticos devido ao público de vocês. É diferente do Remo, é diferente do Voleibol, o Voleibol tem o Vôlei de rua, eu acho que o agrado político de vocês é muito mais fácil, para nós, esse agrado político é muito mais difícil. Mas são situações diferentes, completamente diferentes. Essa situação de comunidade hoje em dia você vai lá e pede, muita gente entrega, mas pro clube não entrega, não deixam. É um pouco da união porque é assim, a gente tem uma questão de um forçar o outro; eu falo com um cara da comunidade, que vai falar para o outro da comunidade, o outro fala para outro, acaba um levando o outro. Talvez seja um caminho, sei lá, podia passar para o seu clube tentar, para alguém que cuida do seu esporte tentar, não sei se existe esse núcleo de união, enfim, de um se comunicar com o outro, um vai levando o outro, isso se torna público. Eu sou treinador, você eu não sei se trabalha como treinador e dirigente, são funções diferenciadas, o treinador é treinador, se ele for sair da área dele de técnico, de professor, for inclusive trabalhar nessa outra área (de captador de recursos), ele não tem nem tempo para desenvolver a função 59 dele de treinador porque essa área precisa de gente especializada para fazer essa função também. • Propostas de mudança: inclusão versus competição e exigência de biótipo específico para a prática de determinado esporte Como não há apoio governamental, fica-se na dependência de ações isoladas para mudar alguma coisa e, se se quer mudar, tem que fazer algo diferente, por exemplo, a discussão que se está fazendo neste GF, citando o Basquete de Rua: Há dois anos atrás, era um grupinho, juntavam dois, vinham e jogavam, não pode ser assim, os caras têm que entender que tem que ter associações, a gente tem uma liga, então nós temos que ensinar essas pessoas a desenvolver o esporte que elas gostam. Se não partir por aí, essa reunião (referindo-se ao GF) vai se repetir em 2010, e a coisa piorou; 2020 vai piorar porque o Brasil quer a Copa do Mundo em 2014, é interesse no evento, o patrocinador, para ele interessa o evento, não interessa a competição e a própria competição inibe todo mundo. Exemplo do Basquete de Rua: o branco, o preto, o gordo, o baixo, o alto, todo mundo joga porque a regra favorece isso. Se você for ver o voleibol feminino, se a menina não tiver 1,90m com 13 anos, ele não joga mais, aí vai ser (líder), só pode 1 ou 2 para ter uma reserva entre os 15, 16 jogadores, então a própria competição vai limitando a motivação, isso opinião minha. Os representantes do esporte de rendimento contra-argumentaram que o “Basquete de Rua é lazer, é show” e não esporte de rendimento, incomodados com a referência negativa à competição e à exigência de biótipo específico para a prática do esporte. Expressam então com clareza a diferença que percebem entre as duas propostas: A gente tem um enfoque mais para competição, mas quem tem uma visão mais do lúdico, mais do lazer, mais da atividade da prática desportiva para a cidadania (pensa diferente). Para arranjar uma bolsa de estudo para o segundo grau, para arranjar uma bolsa de estudo para o terceiro grau, para a criança chegar ao parto, você chegar a termo, não parar no meio do caminho, é uma coisa complexa, aí você vai ter que ir devagarzinho. No que se refere ao biótipo e à motivação para o esporte, contra-argumentam que estão justamente propugnando uma polícia pública que dê oportunidade de todos experimentarem o esporte de sua preferência sem precisar estar no biótipo “correto”. Eu quero complementar uma coisa que você comentou em cima da questão motivacional, a gente não pode perder esse foco que (foi) dado ali por ela (referindo-se à facilitadora). Você comentou sobre o biótipo, a criança para jogar Vôlei têm que ter 1,90m, eu concordo com você que se a criança tiver 1,90m, ela pode ter 30% do caminho andado, mas como a gente está falando aqui em motivação, eu estou falando de uma política que possibilite a todas as crianças, a que tem 1,90m, a que tem 1,50m, se tenha a mesma oportunidade independente do biótipo. Se o técnico vai escolher pela de 1,90m ou se ele vai escolher pela de 1,50m, aí é um problema técnico do técnico. Agora, dar ao atleta, dar à criança a possibilidade de tentar, eu acho que isso é o mais importante e aí é que entra a motivacional e aí que entra uma política pública. 60 • A questão da democratização do esporte Há necessidade de democratizar o esporte para obter o patrocínio. “Se você não democratizar, por exemplo não vai não entrar patrocinador; não adianta. Você faz um jogo do Botafogo, lá, aqui perto do Rio Sul, vai jogar Botafogo contra Vasco, vai a mãe, o pai. Por quê? Porque o esporte não está democratizado, então o patrocinador, por que eu vou patrocinar um time que vão três pessoas?” Este ponto consegue adesões mais amplas no grupo porque é percebido como uma dificuldade para patrocínio: a pouca representatividade numérica e, conseqüentemente, do público que atrai, de certas competições esportivas como as regatas de principiantes. Além disso, uma dificuldade a mais é lembrada no caso do Remo: a distância da qual os torcedores assistem às regatas impede totalmente a visibilidade da marca do patrocinador. “Quer dizer, o patrocínio (…) foge do Remo.” O cara chega lá, vê 50 ônibus parados em Madureira, o cara da associação comercial vai me procurar e me perguntar como é que ele põe a marca dele lá dentro. Isso rende em frutos que eu posso trocar para o meu time, de benefícios de transporte, de lanche, de professor que está lá regularmente, acho que é um caminho, é político? Não sei, pode ser, mas é interessante. • Formas alternativas utilizadas para motivar as meninas no projeto social: quando as formas tradicionais de motivação estão se mostrando insuficientes, é preciso utilizar artifícios para atrair as meninas e mostrar aos responsáveis que a proposta é interessante para as suas filhas. Assim, eventos paralelos funcionam como “recrutadores” das meninas e de “cooptadores” de suas mães e seus pais. Porque essa é a forma mais fácil de você buscar a mulher, por exemplo, no (viaduto), no início, quando nós começamos, como é que a gente vai fazer para a menina vir aqui jogar Basquete porque ela não sabe, a mãe não quer deixar, então o que a gente pode fazer? No dia da criança nós fizemos um evento onde nós distribuímos convites para as mães e, nesse dia, nós mostramos à mãe o espaço, que ali ela podia deixar a criança vir porque era seguro; tentamos fazer ali cursos de cabeleireiro, maquiagem, porque aí a menina vem para fazer a maquiagem, ela vê que tem o Basquete, ela vê que tem um skate, ela não sabia disso. Você tem que buscar artifícios que você provoque, induza ela a fazer o esporte porque senão, ela não vem. • Crítica à preocupação com o esporte somente para populações carentes Utilizando a palavra comunidade no sentido restrito, como sinônimo de comunidades carentes, um técnico diz que “o Rio de Janeiro não se resume só às comunidades!” O projeto contra-argumenta que sabe disto usando a palavra comunidade no mesmo sentido restritivo: “tanto é que as nossas equipes elas não são só de comunidades. Tem gente do Leblon, da Barra, do Recreio, a coisa cresceu.” 61 E vem a tréplica: “mas aí cai no que ele falou, está criando algo paralelo, a federação do Rio de Janeiro, a confederação do Rio de Janeiro”. Você vai ter que formar a sua federação, você vai ter que formar a sua confederação porque eu te garanto que você não vai ter um apêndice lá na federação de Basquete do Rio de Janeiro nem na confederação, Basquete de Rua, ou então você vai ter que se entrosar politicamente, se ele estiver precisando de um voto lá para eles colocarem do lado lá e também depois para votar para ser presidente, pode ser que você alcance isso, então a gente tem que observar. • O cerne da discussão já que o tema da pesquisa é motivação para o esporte: um projeto social concebido nos termos do Basquete de Rua pode levar o seu público a “um ponto futuro” entendido como primordial para os esportistas? Pode dar oportunidades em diversos esportes a crianças dos mais diferentes biótipos? A minha pergunta a você (do projeto Basquete de Rua) é a seguinte: quantos desses atletas seus vão ter a oportunidade de chegar ao alto nível e é um meio motivacional? Quantos atletas seus vão ter a oportunidade de ter uma chance de desenvolver o Basquetebol hoje? O que eu estou colocando na (pauta) motivacional, que eu reclamo politicamente é o seguinte: não interessa, que nem ele estava falando ali, a menina não interessa se vai ficar forte ou se vai ficar fraca, se o pai vai achar bonito, o namorado vai achar feio, eu não estou nem aí, a questão é: quantas crianças vão ter a possibilidade de praticar o Remo ou de jogar o voleibol ou de fazer Atletismo, independente do biótipo da criança? É o que acontece em Cuba, bota para fazer esporte, depois de uma determinada idade, vamos decidir para onde essa criança vai, mas vai fazer esporte, (...) se vai ser no Atletismo, se vai ser no voleibol, se vai ser na Natação, eu não estou nem aí, mas que dê a possibilidade a essa criança, independente do biótipo dela, de realmente estar ali, praticando, fazendo alguma coisa, isso a gente não vê. Se não depender de ações individuais, como foi a sua; ações individuais que nós vemos aí de vez em quando um ou outro, não tem. A sua ação (…) agrada demais os políticos porque se fala em social, se fala em violência. (...) A questão que eu estou colocando aqui é o seguinte: o seu trabalho é um trabalho que desenvolve socialmente trazendo as comunidades, ônibus, enfim, você está buscando, parabéns, e está alcançando os patrocínios, mas a questão é: e o resto? (...) Mas é disso que nós estamos falando aqui, é uma ação governamental que não beneficie a mim, a você, a ela, mas beneficie a criança na prática esportiva. Nós temos aí a lei de incentivo à cultura. Nós estamos num impasse para que saia uma lei do esporte. Numa tentativa esclarecer o assunto adicionando novas informações entra a voz de representante de outro projeto social, do Vôlei, para dizer que o objetivo do projeto no qual trabalha – mais uma ação isolada – é justamente dar a oportunidade esportiva indistintamente a quem não pode pagar, mas que entende que as perspectivas de “chegar lá” do seu público são bem restritas. Ou seja, sua fala valoriza a inclusão da forma que ela puder ser feita já que o “chegar lá”, por enquanto, não é o mesmo para todos. Eu não sou técnica, eu trabalho (...) no projeto social (...) e tem também muito essa confusão até pelo nosso público que são meninos e meninas 62 carentes de comunidades. Eles lá não têm nada e estão acostumados a perder, infelizmente, a maior parte das vezes, da vida, não digo nem do voleibol, na vida, a realidade deles que é muito dura. Então, a gente não tem nada. O que a gente tem, enquanto projeto, enquanto professores é o treinamento (no projeto). Para que esse treinamento? Para que a gente veja cada criança com todas as possibilidades, que a gente não exclua o gordinho, o baixinho, o deficiente, que a gente esteja incluindo essas crianças dentro do esporte. Isso inclusive gera até um pouco de confusão porque agora está na mídia, a TV Globo, então tem a Superliga lá: “professora quando é que nós vamos jogar naquela quadra? Quando? E por que não?” Você não vai dizer: “você não vai jogar lá nunca”. “E por que não?” Mas você não vai dizer “você não vai jogar lá nunca”, porque você não pode fazer um negócio desses. A gente vai dizendo: “olha, vamos desenvolvendo, vamos fazendo a nossa aulinha aqui, vamos cuidar dos nossos objetivos e vamos vendo até onde a gente vai.” (...) Na educação física já estou há muitos anos, mas assim, me dedicando mesmo ao projeto há 4 anos e a cada dia eu aprendo mais e é muito surpreendente essa motivação deles do nada, de estar ali, de estar interagindo, crianças de comunidades diferentes, de facções diferentes; vim aprender isso agora que um é de um lugar e do outro; e ali dentro não tem isso, eles lá se reconhecem da onde são pelo linguajar, mas eu não, eu não quero nem saber porque senão isso vai me tolher também. Então a motivação dessas crianças, estou falando de comunidades carentes, é muito difícil e essa ilusão da Superliga, não tem nada a ver com (...) o projeto que está completando esse ano 10 anos. Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva para as meninas • • • • • • • • Transporte para a atleta vir para o treino. Educação de mãos dadas com o esporte: a base é a escola. Concessão de bolsas universitárias. Palestras para os pais para aproximá-los da prática esportiva dos filhos. Importância de democratizar para obter patrocínio. Ampliar o espaço dos esportes na mídia para além do Futebol. Políticas públicas que abram iguais oportunidades de prática esportiva para meninos e meninas de qualquer condição social e de todos os biótipos. Parcerias como existem em outros países: entre clubes e universidades, entre instituições públicas e privadas. III.3. As vozes das mães, pais e responsáveis pelas atletas Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora Antecedentes O fato do Grupo dos responsáveis anteceder o das atletas foi uma escolha estratégica e de fato contribuiu muito para garantir a presença das atletas no dia seguinte, pois os responsáveis souberam onde as meninas iriam, sobre o que conversariam e quem eram as pessoas que estavam a frente do trabalho. Por outro lado, isso facilitou 63 também o preenchimento dos Termos de Autorização necessários para que as atletas menores de 18 anos participassem da pesquisa. Como os responsáveis por algumas atletas, convidadas e com presença confirmada, não poderiam comparecer, as mães, os pais e os responsáveis por outras atletas que não participariam da pesquisa foram convidados e aceitaram. Essa postura positiva dos responsáveis, mesmo sabendo que suas filhas não viriam, permitiu que o grupo final ficasse com um número significativo de participantes (14 pessoas), além de representar as características secundárias pretendidas. O grau de aceitação dos convites mostrou o quanto os responsáveis estão interessados em discutir aspectos ligados à prática esportiva de suas filhas. A realização do GF Optou-se por iniciar o encontro pelo lanche, já que o horário agendado era no fim do dia, ao término do horário de trabalho da maioria dos participantes. Também por essa razão optou-se pela dinâmica inicial de escrever em um papel algo que se quisesse jogar fora para poder estar inteiramente presente nas atividades do grupo. Todos acharam a idéia interessante e participaram. O clima foi de expectativa no início e de envolvimento no decorrer da discussão. O pós-grupo Terminado o grupo de discussão, os responsáveis receberam o brinde e o valetransporte. O clima geral era de solidariedade e de envolvimento. Transmitiam a sensação de terem gostado de se conhecer, de compartilhar suas experiências, de encontrar tantos pontos em comum nas trajetórias de suas atletas e de renovar suas expectativas de que algo de novo possa acontecer e promover as tão esperadas mudanças. Todos os responsáveis preencheram a Ficha de Perfil Socioeconômico. Aqueles que tinham filhas ou parentes sob a sua guarda e que participariam do Grupo de discussão das atletas no dia seguinte, assinaram o Termo de Autorização, para que as meninas pudessem fazer parte da pesquisa. Apesar do lanche ainda estar na mesa, a maioria preferiu sair logo, devido ao adiantado da hora e a longa distância para chegar em casa. Alguns iriam de ônibus até Jacarepaguá e outros para direções diferentes. Resolveram sair junto, para aproveitar a companhia uns dos outros. Passava das 21h e estávamos no centro da cidade. Todos agradeceram a oportunidade de participar do grupo e foram bastante calorosos e afetivos ao se despedirem da equipe da pesquisa. Principais pontos levantados na discussão O que se pretende aqui é sistematizar as idéias que emergiram das discussões, à luz das questões a que se pretendia responder. Procurou-se listar todos os aspectos mencionados, independentemente de sua recorrência ou originalidade. 64 Ainda que a proposta inicial fosse uma rodada de apresentações pessoais, logo nesse primeiro momento apareceram questões que, ao que tudo indica, tinham urgência de serem colocadas. Assim, vale a pena destacá-las como muito relevantes ainda que sejam tratadas em maior detalhe ao longo desta seção. São elas: a longa distância a ser percorrida entre o local de moradia e o local de treinamento; a falta de recursos para os deslocamentos, tanto no que se refere ao transporte como a alguém para acompanhar as menores no percurso; a desaprovação pelo fato da atividade esportiva da filha ser o Futebol; a falta de recursos para aquisição de material esportivo; a esperança de que a pesquisa possa vir a ajudar na solução de alguns desses problemas. A motivação das meninas para a prática do esporte Mesmo a proposta inicial de discussão colocada para o grupo sendo a da motivação percebida para as meninas ingressarem na prática esportiva, as respostas não se restringiram a essa temática. A todo instante, as dificuldades enfrentadas no cotidiano das atletas vinham à tona. Para efeitos analíticos, procura-se aqui “isolar” as respostas no que elas tinham a ver com a questão da motivação. Tal procedimento será permanente, pois a estreita ligação entre os subtemas propiciou que muitas vezes as falas tocassem em mais de um deles. Os entrevistados dividiram-se entre aqueles que perceberam o ingresso das meninas no esporte como tendo sido por escolha paterna/materna e os que identificaram uma decisão pessoal das filhas. Via de regra os responsáveis percebiam como se as meninas tivessem começado por influência deles, numa idade na qual ainda não lhes era dado decidir por si mesmas, e depois permaneciam no esporte por escolha própria, muitas vezes elegendo uma outra modalidade esportiva diferente daquele na qual fora iniciada por decisão “superior”. No caso dos responsáveis avaliarem que a menina ingressou no esporte por decisão própria, o motivo percebido era uma coisa interna que denominaram como “algo da pessoa”, “uma coisa muito dela”. Um único responsável atribuiu a motivação da filha como sendo a competitividade e logo ousou generalizar: “acho que o que motiva muito a mulher é a competitividade porque ela começou a fazer para competir com o irmão, eles são mais ou menos da mesma idade e hoje ela tem até um currículo melhor do que o dele”. Os responsáveis listaram algumas das intenções que os moveram a inserir suas filhas no mundo do esporte e, em muitos casos, a decisão tinha a ver com sua própria história de vida tanto no sentido de reproduzi-la quanto no de tentar que a filha realizasse algo que eles se sentiam frustrados por não ter obtido. Como foi visto anteriormente, muitos dos responsáveis foram (ou continuam a ser) eles próprios esportistas e, ao longo da conversa, surgiram relatos de pessoas que gostariam de ter sido esportistas: Eu sou meio frustrado com o Futebol, eu sempre joguei Futebol na minha vida, ela (referindo-se a esposa) me conheceu dentro do Futebol e sempre me acompanhou. Eu tenho uma grande parcela de culpa de hoje a nossa filha jogar Futebol. Ela joga no Chicago. Meu pai era um dos diretores do Bangu, eu sempre joguei bola na minha vida, eu sempre gostei e a vida para esse lado não sorriu para mim, não consegui meu objetivo que era um dia ser jogador de Futebol, jogar no Maracanã, 65 aquela coisa toda, e essa situação de motivação o que aconteceu? Ao invés da minha filha estar na arquibancada do Maracanã me vendo, eu é que vejo a minha filha no Maracanã jogando a Copa Zico, eu sou meio frustrado com o Futebol por causa disso. Os responsáveis se referiram também a por que incentivaram suas filhas para a prática esportiva: a maioria mencionou a necessidade do esporte como uma atividade complementar, como algo saudável com que ocupá-las em substituição a demandas do mundo externo que não lhes agradavam tanto. Não tínhamos intenção que fossem atletas de alto nível, de jeito nenhum. O esporte para nós era uma coisa assim que viria na vida das meninas como um complemento, um complemento muito importante de socialização, de integração, enfim, de educação, mas como complemento. E hoje, ele ocupa um espaço um pouco maior do que o complemento. (Agora) elas estão indo viajar para fora, graças ao esporte. Outro aspecto relevante levantado pelos responsáveis é o que diz respeito à avaliação de que suas filhas tinham “dom”, “talento” para um determinado esporte ou tinham o biótipo adequado para a prática de uma determinada modalidade esportiva. Acabou parando no Vôlei por indicação, porque ela tem tamanho, tem perfil de jogadora, tem cara de jogadora de Vôlei, é uma graça, quem vê, diz: “essa menina é jogadora de Vôlei, ela tem cara de jogadora”. Agora, a gente não sabia o potencial, não sabia se tinha dom, não sabia como que era essa história e foi acontecendo. (...) Hoje ela se destaca no Vôlei porque tem dom, porque tem potencial. Nesse ponto da discussão, já começaram a ficar claras as diferenças de oportunidades e de possibilidades vividas pelas atletas, dependendo do nível socioeconômico de suas famílias uma vez que, como será destacado a seguir, nas atuais condições para a prática esportiva no estado, elas se constituem na fonte principal, quiçá única, de recursos para alavancar a carreira esportiva das filhas. Eis um exemplo do que se está falando: enquanto uma responsável de classe média mencionou que suas filhas puderam “passear pelo Judô, puderam passear pela Ginástica Olímpica, pela Ginástica Rítmica, pela Natação até se decidirem pela Ginástica Rítmica”, outra responsável, de poder aquisitivo bem mais baixo, referiu ao fato de que sua filha teve que se contentar com a modalidade esportiva que lhe foi possível: “aí eu consegui primeiro o Basquete e no clube não foi à frente o Basquete; aí o ano passado eu consegui no Atletismo”. A importância do apoio da família A certeza de que sem o empenho total da família as atletas não têm condições de se manter em atividade, em um mundo esportivo não patrocinado nem por empresas e nem pelo governo e nos quais os clubes desempenham um papel bem pequeno de apoio, foi uma unanimidade entre os entrevistados. Como bem expressou uma mãe participante: Resumindo, a base do atleta é pai e mãe porque quem não tem pai e mãe e que não consiga fazer isso que eu e ele (referindo-se ao marido) 66 estamos fazendo, não vai não, não vai mesmo, pode ter dom, pode ter potencial, mas vai se acabando e é um potencial perdido, um atleta perdido e some. Pode-se inferir daí que, além da disposição de ajudar e apoiar, é necessário ter recursos para fazê-lo, uma vez que é necessário cobrir despesas com transporte, alimentação adequada, roupas e sapatos próprios, viagens para participar de competições relevantes para marcar pontos no currículo da atleta e assim por diante. Surgiram mesmo menções a situações em que os responsáveis, além de pagarem as vans que conduziriam a equipe de suas filhas para disputas no interior do estado, tiveram que seguir junto com elas exercendo a função de segurança do grupo e até mesmo pagando ajuda de custo para que o técnico pudesse permanecer à frente do treinamento da equipe em fases de “vacas magras” do clube. Em função disso, neologismos foram criados e ganharam força na linguagem dos responsáveis, como paitrocínio e paiparazzi. Vale chamar a atenção não apenas para as diferentes possibilidades materiais das famílias para assumirem responsabilidades tão amplas como também para as diferentes posturas dos responsáveis que também denotam reafirmação ou transgressão dos assim chamados papéis tradicionais de gênero. De um modo geral, os pais presentes ao grupo atribuíram-se a missão de arcar com os custos financeiros (quando podiam) e as mães responsabilizavam-se pelo “acompanhamento” mais próximo das atletas. Contudo, havia posições bem diferenciadas de como deveriam e poderiam comprometer o seu tempo com esta tarefa. Desde a rodada de apresentações e ao longo de todo o GF, ficaram patentes diversas posturas que marcavam as relações pais/mães/avós com seus filhos e netos. Ficou evidente que todos preocupavam-se muito com o desenvolvimento dos filhos e netos, e que, de alguma maneira, estavam envolvidos com a carreira esportiva deles37. Porém, da mesma maneira que eram visíveis as diferenças de recursos materiais que alguns tinham para investir na atividade esportiva da filha, ficaram marcadas as diferentes formas de se envolverem: havia aquela mãe que declarava viver para a filha, orgulhando-se de “ter muita longa quilometragem” de acompanhamento; havia aquele pai que dizia dar mais importância aos filhos do que a si mesmo – “depois que me tornei pai tenho mais coisas para falar dos meus filhos do que de mim”; havia aquela mãe que declarava “Eu não sou mãe de quadra e de arquibancada, definitivamente não nasci para isso, tenho as minhas atividades, meu dia também é repleto do início ao fim e elas precisam entender isso senão eu enlouqueço”. Cada uma dessas posturas era respaldada por argumentos que as justificavam: uma era dona-de-casa e passou a dedicar todas as suas horas para acompanhar a filha (a não ser quando ela estava na escola) por reconhecer a falta de infra-estrutura oferecida pelos clubes e por temer a violência urbana. Outra era a que tinha suas próprias atividades no mercado de trabalho e que lhe consumiam tanto tempo quanto o tempo que a filha gastava para viver suas próprias múltiplas atividades. Outra era a que dizia que, apesar de não trabalhar fora, tinha outros filhos e as tarefas domésticas consumiam grande parte do seu tempo. Outra ainda dizia: “procuro estar 37 Ainda que tivessem sido convidados somente responsáveis por meninas atletas, muitas famílias tinham outros filhos que também praticavam esporte. 67 nos lugares que ela vai jogar Futebol, treinar, viajar. Procuro estar quando eu posso, mas também não deixo as minhas coisas para estar lá naquele lugar onde ela quer. O pai acompanha mais”. A importância do papel do(a) técnico(a) Os responsáveis, em sua maioria, afirmaram ser de grande importância o papel desempenhado pelo(a) técnico(a), quase sempre exercendo uma influência positiva sobre as atletas e sendo um importante parceiro da família, principalmente no reforço do lugar que o “estudo” (entendido como a freqüência à escola regular) deve ocupar na vida das atletas e do bom desempenho escolar paralelamente ao desempenho esportivo. Em algumas situações de carência da família o(a) técnico(a) arca até mesmo com algumas despesas da atleta. De maneira residual, alguns responsáveis mencionaram também o papel desmotivador que o(a) técnico(a) pode desempenhar quando atua no sentido de evidenciar a “falta de futuro” daquela atleta na modalidade esportiva que pratica. O técnico fica quase como a figura de um pai, o primeiro ou o segundo pai. No caso da minha filha, o pai mesmo porque eu sou sozinha com ela. O técnico, ele exerce uma influência na vida das crianças junto com os pais, é um papel que vem junto, não é isolado. Claro que a situação é muito difícil, passagem, ela não tem ajuda de custo, a não ser quando a técnica tira do bolso e ajuda, quer dizer, é muito difícil, mas ela está se motivando porque a técnica conseguiu que ela estudasse no clube, ela estudava na escola pública, então para ela ter mais tempo de treino, ela treinava duas vezes por semana, agora a técnica conseguiu que ela fosse para o clube estudar, têm treino todos os dias da semana e ela vê outras meninas que estão fazendo faculdade, tudo pelo clube. O técnico dela também é uma boa pessoa aconselha, cobra, tem que ter nota. Técnicos também que desmotivam a criança num certo momento que, se você deixar (e pensar) “é verdade, ele está certo!”, aí você recolhe o teu filho, esquece aquilo. A importância do estudo paralelamente ao esporte Este é outro ponto que consegue a unanimidade entre os responsáveis pelas atletas entrevistados. Como bem resumiu uma mãe: “Reunir estudo e esporte é tudo!” Também neste tema, a experiência de vida dos pais tem um peso muito grande, no sentido de que aqueles que se sentiram preteridos no mundo do trabalho por não terem estudado mais, “se formado”, são mais enfáticos em sua preocupação com a possibilidade de que suas filhas, por causa do esporte, releguem o estudo ao segundo plano. Eu gostaria que a minha filha se formasse, estudasse, fizesse uma faculdade porque eu não fiz uma faculdade, então eu gostaria que ela se 68 formasse, tivesse uma profissão e eu vejo que ela não tem interesse, isso me preocupa porque se ela fosse uma menina que não deixasse de estudar, tudo bem, mas ela se desinteressou totalmente pela escola. Quanto ao desempenho escolar das filhas atletas, o grupo dividiu-se entre aqueles que vêem no esporte um concorrente perigoso ao “estudo” e aqueles que vêm no esporte uma possibilidade de ganhos paralelos que auxiliam na vida escolar, como a organização e a disciplina. Do lugar em que se colocam quanto a esta questão, avaliam a atitude e os resultados de suas filhas na escola regular: Eu fico preocupada porque eles deixam de se interessar pelo estudo para se interessar muito mais pelo esporte. É o caso dela, ela se desinteressou pelos estudos, ela não tem interesse nenhum, o negócio dela é jogar Futebol. A minha neta é muito inteligente, nunca repetiu, não me dá trabalho nenhum na escola, faz todos os deveres sozinha, não tem dificuldade nenhuma, ela é uma benção no colégio. Lá em casa a gente faz moeda de troca, então eu uso moeda de troca para tudo. Querem muito uma coisa, o que estão me dando de retorno? Sempre foi assim, desde pequenas. Então assim, como elas gostam bastante de ir ao treino, eu também gosto bastante de um boletim maravilhoso, então tem que ter a moeda de troca sempre, para tudo. Minhas filhas são alunas de escola pública, são alunas do Pedro II, mas são brilhantes alunas, são profundamente responsáveis com os seus estudos, têm ritmo para estudar, elas têm horários acadêmicos e têm aquele horário de treino que é pesado. (Referindo-se ao esporte) É que nem vida de modelo, é um funil e é uma vida curta. Por isso eu não dou mole de deixar eles sem estudar. A importância do “grupo”, das amizades e das “boas companhias” Outro aspecto bastante ressaltado pelos responsáveis foi o papel do “grupo” na vida da atleta. A palavra grupo foi usada para nomear tanto a equipe de um esporte coletivo praticado pela atleta como as demais participantes de uma equipe de atletas de um esporte individual. O fazer parte do grupo significa se sentir apoiada e estimulada a continuar. Na mesma direção aponta o peso dado às amizades, consideradas capazes de facilitar o caminho das meninas para uma vida considerada adequada pelos responsáveis ou para o inverso. Em função disso, somente as “boas amizades” são valorizadas. A julgar pelas falas dos responsáveis na pesquisa, as “boas amizades” são aquelas com meninas de boa família, meninas que dedicam mais tempo ao estudo e ao esporte do que às atividades de lazer. Tais indicações apontam também para a existência de preconceitos de classe. 69 (Referindo-se à equipe da Ginástica Rítmica à qual a filha pertence) É um grupo de meninas que se gosta muito, que fazem programas fora da GRD38, fora do treino. As amigas do bairro onde a gente mora, “amigas”, são meninas que gostam muito de só sair, curtir, namorar e eu não queria isso para a minha filha que hoje ela completa 17 anos. Ela tinha muita amizade na localidade que eu morava que também não estava me agradando muito, eu sei que ela foi se afastando, graças a Deus, foi se afastando, foi se desvencilhando de amizades porque muita amizade também influencia, leva para outros caminhos tortuosos. Então ela foi se afastando, a amizade dela agora é outra, as meninas que ligam todas moram longe, moram bem, são pessoas que têm até condições melhores do que a nossa. Ela é muito querida, ela tem muita amizade, o pessoal gosta muito dela, ela é carismática mesmo, ela é muito querida lá onde ela joga Futebol, mas eu queria que a minha filha estudasse. Não sou contra dela praticar esporte porque realmente ela cresceu, por um lado ela amadureceu, as amizades são maravilhosas, são meninas bem criadas, meninas bem educadas, outro nível, mas e a escola? Expressão de estereótipos de gênero Embora em muitos momentos do grupo as falas de alguns responsáveis expressassem uma interiorização dos papéis de gênero hegemônicos em nossa sociedade, foram aquelas falas relativas à prática do Futebol as que mais nitidamente “abriram” a existência de preconceito contra as meninas que praticam determinados esportes considerados “masculinos”39. Como já foi mencionado, desde o início do grupo este foi um tema que logo se impôs na conversa. Vale lembrar que até 28 anos atrás estava em vigor o decreto-lei 3.199, que “estabelecia as bases da organização dos esportes no Brasil e incluía um artigo que colocava que ‘às mulheres não se permitirá a prática de desportes incompatíveis com as condições de sua natureza.’” (ADELMAN, 2003, p. 447). O decreto-lei foi “regulamentado em 1965 por uma deliberação do Conselho Nacional dos Desportos, proibindo às mulheres a prática de qualquer tipo de luta, Futebol de salão, de praia, Pólo Aquático, Pólo, Rugby, Halterofilismo e Beisebol. (ROSEMBERG, 1995, p. 284, in ADELMAN, 2003, p. 447) De um lado temos hoje um cenário nacional que supervaloriza o Futebol masculino – a ele e a seus expoentes individuais são dedicados 90% dos noticiários esportivos e a paixão da torcida. De outro lado temos uma subestimação do Futebol feminino que, além de ser estigmatizado (e talvez por isso mesmo), não é valorizado, não tem torneios significativos, não é devidamente reconhecido e conta com poucos espaços para a sua prática regular, em locais distantes das periferias e sem segurança. Isso a despeito de já ter obtido alguns importantes êxitos internacionais como, por 38 Sigla de Ginástica Rítmica Desportiva MIRANDA e ANTUNEZ (2006, p. 5) listam qualidades físicas que são comumente atribuídas a homens e mulheres e, em consonância com estas qualidades, lista os esportes tidos ainda hoje como femininos (Ginástica, Natação, Patinação, Tênis, Basquete, Atletismo, Golfe e danças) e como masculinos (Futebol, Boxe, Luta Greco-Romana, Rugby, Halterofilismo, Ciclismo, Basquete e Handebol). 39 70 exemplo, o título de melhor jogadora do mundo em 2006, conferido pela FIFA à atacante Marta, de 20 anos, hoje jogando fora do país por não ter tido espaço no Brasil para profissionalizar-se. No entender de uma responsável, há uma subalternidade das meninas no Futebol: Então essas coisas que eu fico assim, para menino é mais fácil, qualquer clubezinho tem para meninos, a gente morre de ver clubes escrito assim: “nós recebemos meninos”, mas toda a vez que vai uma menina, eles preferem os meninos mesmo, as meninas são quase que deixadas de lado, são subalternas. O Futebol feminino, infelizmente, (…) não é profissão reconhecida. Talvez (dê) uma sorte para ser reconhecido um dia, eu acho que (praticálo) é uma perda de tempo! Os responsáveis pelas atletas que praticam essa modalidade esportiva que participaram do grupo, principalmente as mães, mas não somente elas, não esconderam o seu desagrado pela escolha das filhas e, apesar de estarem “conformadas” com esta escolha, chegaram a este sentimento de resignação depois de fazerem inúmeras tentativas de removê-las para outra modalidade esportiva “mais romântica” e “que combinasse mais com o perfil dela”. Para atingirem o conformismo de hoje precisaram desenvolver um esforço para respeitar as filhas, mas continuam achando o esporte inadequado, “sem graça” e sem futuro. É preconceito. Eu acho que é isso. É esporte para homem, não para mulher. Se ela gostasse de Vôlei, Basquete, Natação, talvez eu não teria sido contra como eu fui no início. Talvez não seja um preconceito da minha parte, mas que eu assumo e que eu estou procurando vencer, mas é a vida dela, não é a minha vida. Então ela tem o direito de ter a escolha dela, a gente tem que respeitar isso. (Mãe de atleta) Começou a jogar Futebol, nós não tínhamos intenção nenhuma de direcionar ela para qualquer tipo de esporte. Na realidade, o Futebol para ela começou como se fosse um hobby, ela jogava depois tinha um campeonato, ela e mais uma menina sozinhas no meio de um monte de garotos se destacava. Aquilo me preocupou, ela começou a gostar, começou a jogar bem, aí eu fiquei um pouco preocupado com aquela situação. (Pai de atleta) Para mim, o importante é o estudo para ela amanhã se realizar profissionalmente, ser uma mulher independente, não precisar de ninguém, nem de pai, nem de mãe, nem de marido, nem de ninguém e o Futebol vai dar isso para ela? Não sei, tenho minhas dúvidas. (Mãe de atleta) Não há como deixar de reproduzir o relato de uma mãe que, emblematicamente, fala da naturalização do feminino e de seus símbolos em nossa cultura, da firmeza e persistência necessárias para a mudança e do amor e empenho em aceitar a filha que “transgride” as normas sociais vigentes de forma hegemônica na sociedade: Minha filha resolveu aos 3 anos que não era para ficar quieta. Com 9 meses ela já nadava e eu não: levava ela só na piscina e saía. Depois ela entrou na escola de Natação, aí eu coloquei ela para fazer balé. Eu queria, como toda a mãe gosta, de ver a minha filha vestida de tule cor- 71 de-rosa, era a minha grande paixão. Eu vesti ela com tudo que tinha direito, sapatilha de ponta, tudo o que tinha direito e ela foi uma semana. No final de uma semana, eu estava sentada tricotando, conversando com as outras mães como eram lindas as nossas filhinhas queridas, quando a porta da professora abre, minha filha correndo na frente, atrás as coleguinhas, por último a professora, eu não me esqueço daquilo. Ela vai, me desce uma escada se joga dentro da piscina e fica no meio da piscina dizendo exatamente assim: “manda, manda agora eu levantar a perninha se tu é homem, manda eu levantar a perninha, briga que eu não levanto direito que eu quero ver se você vem aqui.” No meio da piscina, de tule cor-de-rosa, tudo o que tinha direito, aí a diretora também já tinha descido para ver o que tinha acontecido. (...) e eu disse; “pode subir que ela vai sair.” Aí subiu todo mundo, eu tirei a minha filha, embrulhei e ela disse: “mãe, a senhora tem que se acostumar comigo, eu não nasci fazendo balé.” Eu digo: “não nasceu dançando balé?” (e ela responde): “não, eu nasci subindo em árvore, trepando em muro, pulando escada, jogando bola, mamãe, eu quero isso!” Ela tinha exatamente 3 anos. A partir dali eu já fiz a tentativa do Tênis; fiz a tentativa de uma outra dança também que apareceu, com 8 anos ela foi fazer jazz e a professora falou para mim “ela é ótima, é a primeira que aprende, mas depois que ela prende ela não repete nem por um decreto!” Na Ginástica Olímpica ela deu muito certo, mas aí ela cresceu um pouco e ela é meia avantajada, ela deu muito certo na Ginástica Olímpica, ela é ótima de cambalhota, de fazer barra, ela gosta, ela faz. Mas, aí realmente resolveu. Handebol também não deu, ela foi ótima, convidaram ela, mas não deu jeito, tudo assim. Aí tive que me conformar. Aí a gente tem que se conformar, não é? (dirigindo-se à outra mãe que expressara sua insatisfação com a opção da filha pelo Futebol). Não por acaso estereótipos de gênero foram também percebidos no caso da prática do Taekwondo, que, como as demais lutas, é considerado um esporte masculino e também fazia parte das modalidades legalmente interditadas às mulheres até pouco tempo atrás. Agora, uma coisa importante, como eu falei, na minha vida esportiva, uma coisa que eu percebi é o seguinte: dependendo do esporte, a menina se integra mais como no caso da Ginástica Olímpica, a Natação, do que os meninos. No caso da minha filha, como é Taekwondo, ela reclama que não tem colegas. É o caso também da mais velha: ela só treina com menino. De repente a Natália40 no Taekwondo, ela teve uma projeção tão grande porque na verdade o que acontece? Ela treina contra homem, aí quando chega na hora da competição, ela vai lutar contra uma mulher. Querendo ou não, fisicamente o homem tem mais corpo, tem mais força etc., e então ela treinando com homem, quando chega na competição ela... é até por isso que ela foi a atleta do ano, mas a competitividade é o que mais motiva. Parece brincadeira. (Pai de atleta) 40 Referindo-se à Natália Falavigna, paranaense e atual campeã mundial na categoria até 72 kilos. 72 Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte Independentemente de ser este um dos pontos do roteiro do GF, as dificuldades que se apresentam para a prática do esporte nas condições atuais no estado do Rio de Janeiro que, como já foi visto, mereceram nota média 5 por parte dos responsáveis, apareceram em todos os momentos e de forma bastante consensual. Lista-se a seguir todas as mencionadas, por ordem de recorrência: • Falta de patrocínio e de apoio governamental ao esporte Precisa o César Maia acordar, há uns anos atrás existia uma bolsa esporte... Então o nosso país, ele não dá valor ao esporte, não dá, ele só dá valor àquele esportista que já está feito, os que estão começando só se ele tiver um pai que tem um salário bom, os meus como não têm pai, só têm avó e avô e as mães que ganham um salário mínimo, então é muito difícil. Sentimos uma falta gigantesca do patrocínio, não há incentivo algum por parte das autoridades federais, estaduais e municipais. (...) Enfim, isso é o que a gente sente mesmo, falta de incentivo por parte das autoridades. Quando o treinador chega e fala “vai ter competição no lugar tal, vai ser agora o brasileiro no Rio Grande do Sul”; eu falo: “pára, pára que o paitrocinador aqui não está agüentando. A falta de patrocinador é muito importante, tem muita gente boa, não só homens como mulheres que largaram (o esporte). Só o que às vezes me entristece um pouco é também essa parte do patrocínio. Ano passado, a minha filha viajou, foi para o Ceará para participar de uma competição lá. Então se não sou eu, minha mãe, minha família, todo mundo ajudando, ela não tinha ido. Então tem coisas assim, que é superdifícil, o clube abandona, te larga, não quer saber de nada, elas só falam tal dia, tal horário é a viagem e você tem que dar conta do resto, então você fica muito perdido, acho que tem que apoiar muito mesmo, se não apoiar, o adolescente desiste, não consegue não. A falta de patrocínio para o esporte de base41 é especialmente relevante. Só há patrocínio quando o atleta já está feito e tem sucesso e, então, se ele der a sorte de ser “descoberto” ele migra para outros centros esportivos de São Paulo ou dos EUA, principalmente para o esporte universitário, que praticamente não existe no Brasil. “Sem recurso, tem que ser fora de série. É alguém pegar e levar, é assim que acontece, ele estar no lugar certo, na hora certa, a pessoa da arquibancada está vendo, aí pega e leva, é assim que acontece.” A dificuldade maior é patrocínio porque acaba se tornando uma seleção cruel, não é uma seleção de aptidão, é uma seleção de circunstância, a 41 “Ação, projeto ou programa de iniciação e aprendizagem esportiva, que pode ser desenvolvido em estabelecimentos de ensino público ou privado, centros esportivos públicos, clubes recreativos, academias etc. Consiste no aprendizado decorrente da prática sistemática de determinada modalidade esportiva, podendo tanto visar à formação do atleta como contribuir para a formação esportiva básica do praticante. (IBGE, 2003, p. 163). 73 pessoa não tem condições de continuar e às vezes é muito boa e às vezes alguém que não é tão bom continua, consegue continuar, e para os dois sexos, independente de masculino ou feminino, acho que a falta de patrocínio é primordial. É lógico que os patrocinadores também se interessam por atletas de ponta, que já tem projeção porque afinal de contas eles estão investindo, mas se não investirem nessa categoria de inferiores, não vai ter astros, pode ser até que tenha, mas numa quantidade bem menor. De repente investindo mais na categoria de base, acho que teríamos mais atletas e estrelas, acho que teríamos mais gente despontando aí, com mais talento, eles só querem investir em que já tem medalhão. Os próprios clubes não dão toda a assistência até mesmo para quem precisa muito mais do que nós, eu já vi meninas treinarem com fome, vindas de longe, sem ter um tênis para treinar, enquanto que outras modalidades dentro do próprio clube são muito mais beneficiadas, até mesmo com material que deveria ser nosso, é desviado para outra modalidade, tudo isso rola, é uma política muito grande. Então dificulta aquele atleta que tem potencial, que tem dom e está lá embaixo, ele precisa de uma mão para poder subir e essa mão, ela demora muito a aparecer. Os patrocinadores, eles estão preocupados com o retorno da mídia naquilo que eles estão investindo e geralmente em esportes grandes, quase não aparece. Por exemplo, (a Ginástica Rítmica) que é o esporte das minhas meninas. Acho que as dificuldades para meninos e meninas são as mesmas, a maior delas é o patrocínio, essa seleção é muito cruel, tem meninas da GRD que são maravilhosas e que não vão poder fazer essa viagem sublime porque os pais não têm condições de mantê-las, enfim, isso é muito cruel, muito cruel. • Grandes deslocamentos e falta de recursos para o transporte Como já foi mencionado, os locais que oferecem oportunidades de prática esportiva são distantes dos locais de moradia da população com menos recursos. Assim, muitos deixam de praticar ou fazem grandes sacrifícios para conseguir bancar os custos dos deslocamentos e das outras dificuldades decorrentes de vencer diariamente as distâncias em condições precárias de segurança e, muitas vezes, em horários noturnos que potencializam os riscos, ao menos da percepção dos responsáveis. Além do patrocínio a gente tem que procurar coisas realmente muito longe. Eu moro em Jacarepaguá, (o local de treinamento) fica no Leme, olha da onde eu venho, meninas! Até de Campo Grande, vêm treinar no Leme. São duas hora de viagem, três horas de viagem para chegar e para voltar. Na verdade, não dá nem para ser um treino muito grande porque quando chega lá, já passou metade do dia, na viagem. Jacarepaguá para o Leme, indo de ônibus, são quase 2 horas de viagem, então elas viagem 4 horas, na volta é 3, na ida é mais rápido. 74 • Falta de tempo e rotina pesada Elas treinam muitas horas por dia e se não forem organizadas, elas não dão conta de mais nada na vida delas. Na realidade, ela sai de casa 6h15 da manhã, só volta 8h30 da noite, quer dizer, ela trabalha mais do que eu. Ela chega 8h30 da noite para fazer o dever de casa. Eu fico com pena dela, mas ela gosta, eu não tenho pena mais, ela gosta da situação dela, do que ela faz. Realmente o nível está bem alto, está bem puxado, os treinamentos são puxadíssimos, ela treina de segunda a segunda, não tem folga. • Distância entre o sonho e as possibilidade de vir a realizá-lo, gerando desânimo e até depressão Então ela está meia... com as dificuldades do dinheiro das passagens, então ela está um pouquinho desmotivada. (E, referindo-se ao Grupo Focal das atletas da pesquisa prossegue): vamos ver se amanhã, a minha esperança, amanhã ela vai encontrar outras atletas, de repente alguma menina que ela conheça, ela conhece bastante, e que ela dê um pulo de animo. Muitas meninas foram para os Estados Unidos o ano passado, só que como não teve muita ajuda, acabaram voltando. Ela tem esperança de ir também, apesar de que eu... É o sonho dela, eu não creio. Ela fala: “quando eu for famosa, tu vai ver, eu não vou te dar a casa que você quer morar lá em Copacabana...” É o jeito dela, eu não creio, sinceramente! Mas Deus vai abençoar se é o que ela quer ou o que ela pede, o que ela sonha para ela, o que eu puder ajudar, eu vou ajudar, mas eu não creio porque falta muito patrocínio, ajuda, incentivo, já houve momento dela ficar desanimada, dela faltar um pouco, deles perceberem a falta de ânimo dela. • Construção de locais de práticas esportivas (Vilas Olímpicas) fora da comunidade e às vezes em locais hostis e inseguros em função das divergências entre facções do tráfico A Prefeitura fez a Vila Olímpica da Maré lá no meio da favela de Nova Holanda, quer dizer, é uma guerra danada, eu moro lá na Avenida Brasil, eu preciso de um ônibus para chegar até lá, tinha um ônibus. Então as minhas crianças faziam esporte na Vila Olímpica, acabou que tiraram também o ônibus, justamente por causa de guerra, tiraram os ônibus da gente, ali não temos mais ônibus dentro da comunidade para me levar até a Vila Olímpica. Facilidades percebidas para que as atletas ingressem e permaneçam no esporte Questionados sobre a existência de fatores facilitadores para a prática esportiva das meninas, os responsáveis responderam traduzindo a questão em termos do que aqui se convencionou nomear como “efeitos colaterais positivos” do esporte, que vão desde a aquisição de determinados atributos avaliados positivamente pelos 75 responsáveis como organização, disciplina, responsabilidade, poder de superação, amadurecimento, foco e bom manejo da rotina até o reconhecimento do esporte como remédio para timidez, preguiça, rebeldia, desesperança em relação ao futuro e mesmo depressão, passando pela idéia de que o esporte mantém a criança com saúde, ocupada e afastada de determinados chamamentos negativos do mundo urbano como o apelo das drogas. Ou seja, a julgar pelas percepções dos responsáveis pelas atletas no Rio de Janeiro, elas estão se capacitando a ingressar no mercado de trabalho com uma bagagem pessoal favorável como apontava a “pesquisa mãe” nos Estados Unidos. O esporte ajuda, ele ajuda a criança a se organizar, ele ajuda a criança a criar compromissos, as rotinas. Então a gente vê e continua motivando, deu disciplina para ela, a disciplina foi uma coisa assim que agregou muito a ela. A motivação, no começo eu que motivei muito minha filha a começar a fazer esporte porque ela andou meio depressiva (...) Parou de pensar um monte de coisas que não devia porque pela idade, é uma adolescente, a gente sabe que é certo até que aconteça essas coisas, mas com o Atletismo ela mudou muito o jeito dela e eu estou sentindo que por um lado valeu à pena eu ter cortado um pouquinho porque hoje ela está com outra cabeça e ela sabe que ela pode abrir uma porta melhor para ela no futuro. Então, quer dizer, coloca situações, momentos na vida de um adolescente que ele descobre que pode superar, isso fez com que a minha filha crescesse porque era preguiçosa, não tinha muito ânimo, tinha um gás danado, não parava quieta, mas não sabia o que fazer. Quando descobriu que realmente podia jogar Vôlei e sabia jogar, foi embora. E hoje, está num nível que realmente eu não sei aonde vai parar. Eu queria falar que o esporte na vida da minha filha foi fundamental porque a minha filha era muito tímida, muito travada, não era assim de muitos amigos, então depois que ela começou a fazer o Atletismo, aí parece que abriu um novo mundo para ela, foi um leque assim. O que melhorou foi ela como pessoa, ela fez outras amizades, ela melhorou o comportamento dela, ela era meia rebeldezinha, ela melhorou, ela amadureceu, ela melhorou bastante, passou a conhecer outras pessoas e ela melhorou muito, o esporte ajuda realmente muito os jovens, os adolescentes, até mesmo a não se envolver com drogas, com outras pessoas de má índole porque a mente vazia, é oficina do Didi (diabo), como diz todo mundo. A tudo que vocês falaram eu agrego a questão da saúde, minhas filhas não pegam nem resfriado, estão sempre com a saúde de ferro, é impressionante. Somente um responsável expressou-se diretamente em termos de facilidade: A facilidade que eu vi assim com a minha filha também foi com relação, ela ganhou uma bolsa de estudo também, estudou um tempo num colégio muito bom, que se fosse para mim pagar eu não teria condições e hoje 76 em dia ela estuda num colégio dentro do próprio clube e lá no clube que se ela ficar direitinho, não repetir nem nada, pode até chegar a faculdade. Então isso foi uma coisa que eu achei que foi maravilhoso na vida dela porque se fosse para mim pagar, ficaria superdifícil, então acho que isso foi ótimo. Sugestões para melhorar as condições de prática esportiva para as meninas De tudo o que foi levantado como dificuldades para a prática do esporte no Rio de Janeiro, surgiu a formulação de algumas sugestões para superá-las: • Entrada em vigor e regulamentação da nova lei que vai facilitar o patrocínio por parte dos empresários como já existe no setor da Cultura. • Desenvolvimento do esporte universitário. • Patrocínio que pode se efetivar na concessão de ajuda financeira para alimentação, passe-livre nos transportes urbanos e ajuda financeira para transporte para os locais de competição. Houve a observação de que, nos esportes coletivos, o patrocínio tem que ser para toda a equipe. • Bolsa de estudo para as atletas e maior divulgação da política de bolsas de estudo quando ela existe, porque sem isso só mesmo com interferência divina para obtê-las. Foi a atleta que conseguiu atrair os olhares das pessoas que dirigem essas bolsas, ela conseguiu através do profissionalismo, do dom dela, do potencial dela, porque o clube nunca chegou para mim para dizer “olha, vou dar uma bolsa para a sua filha, ela tem condições, ela tem futuro, nós vamos investir nela” em momento nenhum. Simplesmente a mão de Deus parou sobre ela e deu uma bolsa porque não foi o homem do clube não, nós não pedimos, aconteceu realmente. III.4. As vozes das atletas Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora Antecedentes As atletas foram indicadas por seus técnicos, professores, treinadores ou responsáveis por projetos sociais. Muitas vezes, além do nome e telefone das atletas, também recebemos o nome dos responsáveis pelas meninas. Em termos operacionais, esse foi o contato mais difícil da pesquisa, porque implicava em realizar três abordagens quase que simultâneas: convidar as atletas para participar do Grupo Focal das Atletas; pedir que indicassem uma amiga não-praticante de esportes para participar do Grupo de Não-Atletas e falar com os responsáveis e convidá-los para participar do Grupo de Responsáveis por Atletas. Algumas situações foram surgindo, tais como a participação das atletas nas provas classificatórias para os Jogos Pan-Americanos (Pan), o que impediu a vinda de algumas meninas. Até a véspera do dia da realização do Grupo Focal ainda tivemos que lidar com esse tipo de questão: a impossibilidade de participação de atletas que 77 já haviam confirmado presença. Para compensar, conseguimos ter a presença de outras meninas, inclusive de uma já classificada para o Pan. Instituições e projetos sociais participantes do GF Estavam representados no GF as seguintes instituições e programas: Botafogo de Futebol e Regatas Centro Educacional da Lagoa Clube de Regatas Vasco da Gama Clube Marapendi Instituto Novos Talentos - Patrícia Amorim/Clube de Regatas Flamengo Rede MV1 de Ensino Team Chicago Brasil A realização do GF Chegamos ao local com bastante antecedência, para verificar a arrumação da sala e distribuir os materiais que utilizaríamos ao longo do dia (fichas, certificados de participação para as atletas, vales-transporte, crachás e brindes para todos), pois teríamos dois Grupos Focais, o das atletas e o das não-atletas – meninas da mesma faixa etária não-praticantes de esportes –, separados apenas por um almoço conjunto com a presença de todos os participantes dos dois grupos. Um pouco antes da hora combinada para o início do Grupo, começaram a chegar as atletas. Algumas vieram acompanhadas de suas mães ou de pessoas conhecidas, que ficariam aguardando até a finalização do trabalho. Outras foram deixadas no local por seus responsáveis, que mais tarde voltariam para buscá-las. Poucas, duas exatamente, vieram com as amigas que participariam do grupo da tarde. Todas as atletas preencheram a Ficha de Perfil Socioeconômico. As meninas que se conheciam sentaram perto umas das outras, como as do Futebol, as do Atletismo e aquelas que vieram com as amigas. A presença maciça das meninas cujos responsáveis haviam participado do Grupo no dia anterior, demonstrou a confiança e a importância que os mesmos depositaram na pesquisa. Na sala havia água e café para os convidados. Quando chegou o horário previsto para o início do debate, as pessoas presentes que não fariam parte do Grupo, amigas, pais e acompanhantes das atletas, foram orientadas para aguardar no andar térreo, onde também foi oferecido café. Combinamos de avisá-las quando a reunião terminasse. Uma vez iniciado o grupo, que contou efetivamente com 12 atletas praticantes de 7 modalidades esportivas diferentes, a participação foi intensa, séria e sempre muito atenta ao que as colegas diziam. Houve interesse na troca de idéias, em conhecer a experiência do outro, em identificar as dificuldades comuns e em apontar semelhanças. Acataram as propostas feitas pela facilitadora de forma organizada, respeitando sempre a fala da companheira. Apesar de jovens, mostraram-se muito maduras nas suas colocações e na postura que adotaram durante o debate. Expressaram com muita clareza a consciência que possuem da sua condição de 78 atletas, jovens e mulheres, e dos desafios e limitações que envolvem a prática do esporte no Brasil. O pós-grupo A alegria e a descontração do grupo transpareceu na hora da foto. Riram muito, fizeram pose, brincaram, comemoraram o fato de estarem juntas e de terem tido a oportunidade de se conhecer. As fotos do grupo registraram com fidelidade esse estado de espírito. Todas receberam o certificado de participação, o vale-transporte e o brinde. Gostaram bastante. Poucas atletas, menores de 18 anos, não tinham Termo de Autorização dos responsáveis para participar da pesquisa. Para essas foi entregue um envelope contendo o termo, selado e endereçado ao Instituto Noos, para que colhessem a assinatura de seus responsáveis e colocassem no correio. A maioria das atletas ficou para o almoço. Somente algumas precisaram ir embora, pois tinham outros compromissos. As amigas das atletas e as outras jovens, todas não-praticantes de esportes, que participariam do grupo de discussão na parte da tarde, foram chamadas para se juntar ao grupo das atletas na refeição. Apesar de algumas já se conhecerem, fizemos uma rodada geral de apresentações, antes de servir o almoço. Os pais e acompanhantes também foram convidados para o almoço. O clima era de grande descontração, reforçado pelo cardápio saboroso e simples – pizza, refrigerante e Bis de sobremesa. As atletas fizeram muitas brincadeiras com a quantidade de carboidratos dos alimentos e a constante necessidade delas de fazer dieta. Pediam mais um pedaço de pizza e um refrigerante light para contrabalançar. Terminado o almoço, a maioria das atletas foi embora. Todas agradeceram muito e se despediram de nós e das colegas com abraços e beijos. Apenas duas ficaram, para aguardar suas amigas, que participariam do Grupo de Não-Atletas. 79 Foto 2 Participantes do GF das atletas e membros da equipe da pesquisa Município do Rio de Janeiro Principais pontos levantados na discussão O que se pretende aqui é sistematizar as idéias que emergiram das discussões, à luz das questões a que se pretendia responder. Procurou-se listar todos os aspectos mencionados, independentemente de sua recorrência ou originalidade. Os gostos e as idiossincrasias das atletas A dinâmica quebra-gelo utilizada para iniciar os trabalhos foi a de pedir que, com sua apresentação pessoal, cada uma falasse de uma coisa que gosta e de uma coisa de que não gosta na sua vida. O quadro abaixo reúne as respostas obtidas e mostra por que os responsáveis que participaram do GF anterior (na sua maioria vinculados às mesmas atletas que são o foco desta seção) estavam preocupados com o espaço ocupado pelo esporte na vida de suas filhas e, paralelamente, com o lugar reservado para o estudo, avaliado por eles como fundamental. Quase a totalidade das atletas elegeu a prática do seu esporte como uma coisa de que gosta muito (todas as que praticam Futebol) e 5 delas (42% do total) declararam não gostar de estudar (aí incluído o estudo em geral, disciplinas específicas e a leitura). Outra informação relevante que se depreende do quadro é a importância da família na vida das atletas, demonstrando reconhecimento pela imprescindibilidade do seu apoio para o prosseguimento da vida esportiva, tal como ela se apresenta no município do Rio de Janeiro atualmente. Aliás, como foi mencionado anteriormente, as atletas conferiram nota média de 3,5 às condições que lhe são oferecidas para a prática do esporte. Tal 80 média mostra um grau de insatisfação ainda mais acirrado que o dos responsáveis que ficaram com a nota média 5. Quadro 13 Coisas de que as atletas gostam e de que não gostam na sua vida Município do Rio de Janeiro Uma coisa de que gosta na vida Uma coisa de que não gosta na vida Uma coisa que é primordial na minha vida é Uma coisa que eu não suporto é falsidade. a minha família e o meu esporte. Para mim, é estar competindo, a camisa, eu visto realmente, é o que faço, é o que eu gosto. Eu adoro música, tenho paixão por música, O que eu odeio é fazer dieta, regime, essas curto muito. coisas. O que mais gosto é lançar martelo. Não suporto correr. Uma coisa que eu gosto muito é viajar com o Odeio perder peso. Não gosto de perder esporte, com o pessoal. peso. Eu adoro o esporte que eu faço e estar Odeio estudar. sempre com os amigos. Eu amo muito estar sempre aprendendo, em Eu não gosto muito de gente preguiçosa. qualquer lugar que eu vou eu tento aprender alguma coisa com alguém. Eu gosto de ouvir música, do meu esporte e Odeio acordar cedo também. de meus amigos. Eu amo muito jogar Futebol, é a melhor Odeio estudar. coisa para mim; a minha família que me apóia muito; meus amigos. Uma coisa que eu gosto muito é a minha Uma coisa que eu odeio muito é estudar família, meus amigos e meu Futebol. O física, matemática, química e biologia... esporte é uma coisa muito importante para também é aquela história. mim. Uma coisa que eu amo é minha família, meu Uma coisa que eu detesto é falsidade, mau esporte, meus amigos e eu sou bem animada humor, desânimo, tudo que é pra baixo eu e gosto muito também de aprender com as não gosto. pessoas. Uma coisa que eu amo assim é meu esporte, Coisa que eu odeio é matemática. minha família, meus amigos. Uma coisa que eu gosto é minha família, Uma coisa que eu odeio é ler. meus amigos, de competir. Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007. A motivação das meninas para a prática do esporte Colocada a primeira questão na roda de conversa – a motivação para a prática esportiva –, as atletas mostraram logo que seguiriam um padrão de objetividade que não se vira no GF dos responsáveis: todas as que se propuseram a falar restringiram sua resposta ao assunto em pauta. E essa foi uma constante durante todo trabalho. Seria um indício das qualidades que se acredita adquirir com o esporte? Seriam os seus “efeitos colaterais”? Quase todas as atletas mencionaram a existência de dois momentos distintos: um primeiro momento, de chegada, com sua motivação inicial e um segundo, de 81 evolução, depois que a prática esportiva passou a ser parte integrante de suas vidas. Foram destacadas como motivação inicial: a saúde, a estética, o prazer, o gostar, o convívio com os amigos, o aproveitamento do seu “dom” ou “talento” e a busca de alguns dos “efeitos colaterais” percebidos como passíveis de serem adquiridos por meio do esporte tais como disciplina, objetivo, foco, liderança e bom relacionamento com a rotina. Eu acho que o primeiro motivo é ter uma saúde boa e, dependendo do esporte, sei lá, eu conheço garotas que querem deixar mais um corpo bonito. Mas, sempre saúde, e também, claro, a gente tem uma motivação para o esporte maior, a gente vai porque gosta, é o que a gente mais gosta de fazer. (...) O esporte, por exemplo, ele te dá um objetivo, te dá uma meta que você sempre vai seguindo, então é uma coisa que para quem, digamos assim, é parado, preguiçoso, é a melhor coisa que tem porque te dá um objetivo na sua vida. Eu acho também que você ir lá para ver as pessoas, ver os seus amigos também, é uma coisa ótima. A gente vai lá, conversa, brinca muito também, pô, a gente ri o treino inteiro cara, não tem como a gente não se concentrar, é muito legal isso também e também pelo prazer de jogar porque o talento, aproveitar esse talento que a gente tem. Eu fui mais por prazer, para conhecer um esporte, mas também você vai ganhando motivação dos amigos, família etc. Aí você já tem aquele prazer “pô, tenho que treinar, tenho que me esforçar, dar o melhor de mim”; porque é assim: bem ou mal você tem aquele retorno, aí o pessoal já vai te incentivando mais, aí você já vai tendo aquele prazer. Outro aspecto a ressaltar é que praticamente todas falaram da motivação para a prática esportiva na primeira pessoa como sendo uma escolha delas pessoalmente e delas como mulheres. Houve apenas uma menção à motivação externa e uma menção à entrada no esporte atribuída ao acaso. O que me motivou a entrar no esporte foi o meu irmão, ele é mais velho do que eu, aí ele começou a fazer Judô (...) e acabei entrando, com disciplina e com o tempo eu fui gostando... (...) no início você não gosta de fazer, mas depois que você faz... Eu entrei no Atletismo meio que por acaso, eu não gostava e nem mesmo conhecia, eu entrei por entrar, depois que eu comecei a fazer, você não consegue largar, aquilo te domina de uma tal maneira, que você não consegue ficar sem, se você pára, você sente falta, você se sente esquisita por dentro, é muito bom, é uma coisa assim ótima. Finalmente, vale destacar que, já nesse momento inicial do grupo, houve três referências às diferenças de gênero, não por acaso partidas de praticantes de esportes percebidos como masculinos: o Futebol, o Basquete e o Judô. As atletas, em suas falas, chamaram a atenção para: • O fato de perceberem um maior envolvimento afetivo com o esporte por parte das mulheres e um maior interesse profissional por parte dos homens; 82 Eu acho que nós mulheres, vemos o esporte bem diferente dos homens, acho que o homem vê mais, além do profissional, vê tipo, dinheiro acima de tudo. Acho que, por exemplo, no nosso time, a gente vê mais a vontade, o prazer de jogar e vestir aquela camisa e ir lá e é o nosso time. E muita vontade, a gente não vê muito o profissional. • A necessidade da mulher se afirmar e vencer preconceitos relacionados ao fato de que pratica uma modalidade de esporte vista como masculina, mostrando uma certa aceitação ao falar disto como um dado: Eu acho que a partir do momento que você é mulher, você tem que ter a sua vida, a sua independência, o esporte ajuda muito a você ter disciplina, a ter liderança, independência. Eu, no Basquete, como é um esporte muito masculino, meus pais nunca me apoiaram, sempre falaram: “vai fazer balé, essas coisas”; eu não, me identifiquei com o esporte. Eu aprendi, tipo, na minha faculdade, no estágio eu sou muito melhor do que algumas outras mulheres porque elas não têm essa disciplina, acordar cedo, tem uma rotina; o esporte só ajuda em todos os setores da vida, em casa também faço as minhas coisas, ajuda em tudo, em toda a sua vida, o que você aprende no esporte, você leva para o resto da sua vida em tudo. • A não valorização em nosso país das vitórias femininas no esporte, exigindo das mulheres esforços extras para fazer suas conquistas: (...) Consegui ganhar grandes títulos, que a mulher não chega aqui no Brasil e não dão muito valor à mulher por isso, então eu acho que é muito importante ter gana, querer conquistar alguma coisa. Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte As atletas demonstraram ter uma visão quase consensual sobre o que percebem como suas principais dificuldades na vida esportiva: praticamente todas elegeram a existência de preconceito, sem temer usar a palavra como faziam os responsáveis, e a ausência de patrocínio como suas principais vilãs. No que tange ao preconceito, elas percebem-no com várias faces/manifestações: contra mulheres no esporte em geral; na própria equipe por parte dos participantes masculinos, quando ela é mista; na família; no ato de preterir as mulheres na hora de montar equipes de revezamento, mesmo na Natação que é um dos esportes considerados “femininos”; e no não respeito às dificuldades específicas das mulheres em determinados dias do mês em função do ciclo menstrual. Uma das atletas chegou a situar o problema do preconceito no “pensamento das pessoas”, demonstrando reconhecer que sem mudança de valores culturais, a situação prática não se altera. Aquelas pessoas, vou dar um exemplo, quando (eu digo) “ah eu jogo Futebol”. (elas respondem): “Futebol? Cruzes, é coisa para homem”. (...) A primeira coisa eu acho que é o pensamento, as pessoas deveriam atualizar o pensamento, pensar mais para frente, nada de a mulher ou o homem, eu acho que o sol nasce para todos; os direitos são iguais, se a pessoa gosta, deveria fazer. Eu acho que o que impede é isso, é o pensamento das pessoas. 83 Eu acho que, como elas falaram, realmente é a questão do preconceito porque a maioria dos esportes, todo mundo fala que é esporte para homem, tanto Futebol, Judô, quanto Atletismo, qualquer um. É esporte para homem por quê? Porque os homens conseguiram chegar antes da gente? Acho que é isso. A gente faz Futebol, complica para caramba porque assim, eu antes de entrar no time que eu jogo agora, eu jogava com homens, era escolinha de homens e cara, eu era a única menina. Então era menino de 17, 18 anos que (dizia): “ah, não pode pegar pesado com ela porque é menina, pode machucar”. Então eu acabava me desmotivando porque se eles não pegarem pesado comigo como é que eu vou aprender? Até hoje eu sofro, esse “preconceito” na escola porque não acontece campeonato de Futebol feminino e os meninos na aula de educação física formam o time deles e danem-se as meninas. E é complicado porque isso é o que mais desmotiva a mulher na hora do Futebol. Primeiramente preconceito. Na Natação e de uma forma geral, sempre tem um preconceito, preferência pelos meninos quando tem revezamento, aí botam as meninas que sobrarem, aí as meninas vão, acabam desmotivando. (...) Eu dei muita sorte porque a minha família desde o início me apoiou, mas as famílias que apóiam; minha mãe fazia Judô, minha avó nunca apoiou ela, falava que era coisa de homem. Agora, Natação, por ter mais meninas, a minha família me apoiou, mas o que supera é o patrocínio e o preconceito ainda mais por nós sermos meninas ou mulheres. Mas eu acho que as mulheres hoje em dia estão mostrando para a sociedade que nós somos capazes de mostrar o nosso potencial. Eu acho que antigamente, competição, campeonato, olimpíadas, tinham muitos homens, até hoje, são os homens que ganham e hoje em dia eu acho que as mulheres estão mostrando que nós somos capazes e que nós temos o nosso valor. Já a falta de patrocínio é sentida basicamente para suprir as despesas com transporte para os treinos, a ida para as competições, para apoiar o esporte de base que possibilita a descoberta de “novos talentos” etc. Acho que uma das coisas que desmotiva, não só as mulheres, mas qualquer atleta, homem também, é falta de patrocínio, de ajuda de custo, alguns querem chegar no nível alto e precisa de experiência, experiência muitas vezes tem que ter dinheiro, precisa investir, e não há muito isso principalmente nas categorias de base. O patrocínio, eu chamo de paitrocínio, que a minha família que me patrocina, quando tem assim, vários campeonatos, competições em outros estados (...) também desmotiva e outras coisas. A essas percepções hegemônicas das dificuldades somaram-se, em percepções mais isoladas, à rotina muito pesada que as deixa sem tempo até para as amizades, para as atividades em família e para o lazer; o excesso de exigência dos técnicos; a baixa competitividade nas modalidades esportivas femininas e naquelas com poucos atletas e poucos locais apropriados para a sua prática; e a necessidade de optar entre o esporte e um trabalho que lhes garanta a sobrevivência quando chega a hora da entrada na vida adulta que abre, inclusive, a possibilidade de constituir uma nova família. 84 Eu que acho assim, o que mais desmotiva, além do preconceito, (que) a gente vai superando porque a gente ama fazer o esporte que a gente faz, mas chega uma hora (que), principalmente a menina mulher, que ela tem que decidir: ou continua no esporte, e geralmente quem continua é porque tem talento, o incentivo dos amigos, do técnico, ou ela vai se sustentar, ter uma família. Chega uma hora... Eu, por exemplo, vou ter que parar de jogar Basquete porque eu vou ter que me sustentar, eu só dou despesa em casa, minha mãe tem que pagar isso e aquilo porque no clube ninguém paga nada para ninguém. Cada dia da semana, eu tenho que correr num lugar, eu tenho que pagar minha passagem para todos os lugares, eu vou fazer 20 anos e minha mãe tem que ficar me sustentando no Basquete? Invés de treinar todos os dias, eu treino 3 vezes por semana para 2 dois dias trabalhar e poder pagar. Então chega uma hora na vida da mulher que ela fala: “ou eu vou me dedicar ao esporte ou eu vou ser alguém”. (...) O meu esporte, Basquete feminino, tem 3 times no campeonato na categoria, não tem motivação. Quem vê a gente jogar fica admirado: “a menina sabe jogar!” Mas não tem motivação, não tem como continuar, não tem como ter continuidade numa coisa que não te dá retorno. Outra coisa que eu acho que desmotiva também, por exemplo, Saltos Ornamentais é um esporte muito pequeno, muita gente nunca ouviu falar em Saltos Ornamentais, então aqui no Rio eu acho que existem 3 clubes, o Fluminense é o maior do Rio, tem a (...) que é um clube que foi criado no Maracanã e não é nem um clube, e o Vasco que eu acho que tem um atleta. Então é um esporte muito pequeno. Eu acho que o governo não incentiva o esporte, só tem 3 piscinas no Rio inteiro, acho que no Brasil todo tem 5, 6 clubes, então é um esporte muito pequeno e você acaba (...) não tem competitividade, não tem isso, não tem aquilo, você acaba (se perguntando): “só tem isso?” E outra coisa também que eu acho, por exemplo, quando você começa a chegar lá, o treinamento, os caras querem te puxar mais, eles querem isso, querem aquilo, você começa a perder o tempo de se encontrar com os amigos, começa a ter menos tempo para estudar, tem que lidar muito bem com esse tempo, então a sobrecarga que um atleta leva, você começa a ficar desmotivado: “a pô, não quero mais isso, é muito difícil!” Então eu acho que o atleta tem que ter cabeça para sempre levar para frente, tem que superar essas barreiras aí, senão vai parar sempre no meio do caminho. A gente é muito sobrecarregada, é muita coisa, muitas horas de treino e a gente não é recompensada pelo motivo do patrocínio porque eu, no meu caso, o meu treino é 7 horas da manhã, eu acordo 5 para sair de casa às 6 e chegar lá às 7, entrar na água gelada quando o aquecedor não está ligado, então é muita coisa que você atura, aí o técnico cobra muito de você. Agora, imagina, seu raciocínio lento, 7 horas da manhã, você tem que aturar, nadar, nadar, nadar e depois sair do treino cansada, chegar em casa, eu, por exemplo, quando eu chego é comer e dormir; aí os amigos: vamos sair? Todo mundo animado, você quase morrendo e pensar que no outro dia, no domingo, é o único dia que você tem para descansar, no meu caso eu fico um pouquinho com os amigos e com a família porque cobra. Na segunda-feira, tem que acordar cedo, ir para o colégio, tem que chegar, curso, treinar, então a semana é muito sobrecarregada para você e não ter recompensa, então desmotiva muito, muito. É muita coisa pesando em cima de você e você não tem aquela recompensa, isso aí desanima muito, muito porque você não tem aquela recompensa. 85 As deficiências das pistas de Atletismo (em número e qualidade) no Rio de Janeiro foram ressaltadas por uma das atletas que pratica a modalidade lançamento de martelo como sérias dificuldades para a prática de sua modalidade esportiva: “eu achava que deveria ter mais pistas. Até tem, mas não tem a parte de lançamento. Eu treino no baixo, é um lugar superpequeno, tem 37 metros, a minha melhor marca em treino é 45 metros, então eu treino com medo porque pode cair na rua, já foi numa árvore lá do lado de fora. (...) Então eu treino com medo. Não tem como eu me soltar para poder melhorar a minha marca lá e não tem lugar para treinar; o que eu vou fazer agora?” As atletas mencionaram ainda como uma dificuldade a enfrentar a necessidade de morar longe da família, vivendo em alojamentos, quando esta se apresenta como a única possibilidade para prosseguir com os treinos. Dificuldades de relacionamento são apontadas como muito relevantes na adaptação a esta situação de moradia coletiva. A maior dificuldade é a questão de alojamentos Uma das maiores dificuldades é porque cada um tem um jeito, culturas diferentes, são meninas diferentes, uma é (de) São Paulo, (outra de) Belo Horizonte, então o que acontece? A maior dificuldade é interagir entre si, é aquela coisa de dividir, então muitas vezes não dá certo. As meninas têm aquela intriga, uma quer ser mais do que a outra, e na verdade não é nada disso, todas ali tem o mesmo objetivo. Então para mim não deu certo: eu morava com duas meninas, não deu certo, como eu conhecia outra família, a menina era da mesma modalidade que eu, então essa família me acolheu, foi totalmente diferente. Vai dormir àquela hora todo o dia, é superchato, você não está na sua casa, você não pode abrir geladeira, (tem que fazer na hora que bem entende), tomar banho, é horrível, alojamento é horrível porque você não está com a sua família, você não tem aquele apoio. Tem telefone, mas não tem a sua família assim presente, pai, mãe, não tem, (fica) só durante a semana, que a gente treina de segunda a sexta. Sábado e domingo quando não tem competição ou não tem viagem, a gente vai para casa e é muito difícil isso. Para mim, na minha concepção, alojamento é horrível. O estar longe do ambiente familiar constitui-se em problema relevante porque, como já havia sido fortemente enfatizado pelos responsáveis, o apoio da família também é percebido pelas atletas como muito importante para driblar as dificuldades ainda que, em muitas famílias, a persistência do preconceito contra a prática das mulheres em algumas modalidades esportivas, acabe por aprofundar alguns problemas em vez de resolvê-los. E essa questão do preconceito é muito ruim porque eu sofri muito porque nenhuma pessoa da minha família me apoiava quando eu era pequena, eu comecei a jogar desde os 7 anos, ninguém me apoiava, todo mundo queria que eu fizesse balé ou qualquer coisa feminina, só que ninguém gostava de Futebol e eu lutei contra todo mundo aí até quando a minha mãe acabou cedendo para mim, aí eu comecei a jogar pelo Team Chicago, mas a minha família... cara, não tinha como eu agüentar a pressão que eles fizeram. Vocês acreditam que tinha uma tia minha que ela não falava comigo, quando ela olhava para mim, ela tinha nojo pelo fato de eu jogar Futebol, ela olhava para mim com cara de nojo pelo fato de eu jogar. Aí, 86 para chegar no nível que eu estou agora eu tive que lutar muito, eu acho que isso acaba levando as atletas a desistirem, pelo preconceito. Tem o preconceito pelo esporte que você faz, mas uma coisa que faz muita diferença é o apoio da família. Minha mãe, ela era professora de bebê, de Natação, então ela teve 3 filhos, os 3 são atletas, ou seja, então é um incentivo que eu acho que tem que ter da parte dos pais. Se os pais são contra, já tem uma grande parte da sua motivação que acaba ali. Tipo tem treino hoje, “pô, você vai lá treinar?” Você começa a ficar sem vontade de fazer o que você faz, mas como ela falou, tem que ter força de vontade – olha eu amo o que faço, eu quero fazer, então tem que apoiar. A importância da família e dos amigos (para o bem e para o mal) As falas sobre a família constituíram-se na ponte, na interseção, entre as dificuldades e as facilidades percebidas para a prática do esporte. Quase todas as atletas disseram perceber como facilidade principal para a prática do esporte, quiçá a única, o apoio da família para incentivar, arcar com as despesas de transporte e de acesso às competições, para elevar a auto-estima e para todos os demais aspectos também levantados pelos responsáveis nas suas falas. Ao apoio da família, seguiam-se o dos amigos, o de suas próprias equipes esportivas e do seu técnico/treinador. Contudo, revelando um senso de ponderação superior ao que se poderia esperar em sua idade, algumas atletas relativizaram a importância dessas facilidades, pois percebiam que vários fatores podem atuar tanto positiva como negativamente, dependendo das circunstâncias e da forma de pensar de cada pessoa: a família, a falta de tempo, o preconceito, a falta de patrocínio etc. Bom, ela estava falando o negócio de família. Tanto que quando eles não te apóiam é ruim quanto quando eles te apóiam é a melhor coisa que tem. Acho que a mesma força de vontade que ela falou, como a família, pode atrapalhar, os amigos com esse negócio de preconceito, também podem ajudar. Eu acho que outra coisa também é essa parada dos amigos te chamarem, você não poder ir porque você tem treino, tem que acordar cedo, não só te desmotiva, mas se você tiver outra cabeça, você vai chegar – já que eu não vou lá, eu vou me dedicar mais ainda para compensar. Tipo, já que eu estou fazendo isso, eu vou fazer direito. Então, se você pensar pelo outro lado, é um incentivo também, toda a coisa eu acho que tem um lado negativo e um positivo também se você pensar melhor. Mesmo destacando o lugar privilegiado que reservam ao papel da família – “a única facilidade que eu encontro é a coisa da família porque o resto é tudo para te atrapalhar, entre aspas, porque é muita coisa contra você para uma coisa te favorecer” –, as atletas também destacaram aqueles momentos em que a família atua negativamente: sua participação nas competições pode ser “constrangedora” por expressarem publicamente uma torcida desmedida ou por expressarem em altos brados suas opiniões a favor ou contra a atuação da “sua” atleta, sendo motivo de “zoação” para ela; o ceticismo da família quanto ao “talento” ou a capacidade da atleta também pode ser motivo de desestímulo e desistência para a atleta. A minha família nunca teve uma competição que eles não deixaram eu ir, pode ser lá onde São Judas perdeu as botas, eles estão lá me apoiando, 87 incentivando. Assim às vezes é um pouco constrangedor. A mãe fica gritando lá “filhinha, mamãe te ama!” Apesar de que você não ouve nada, eu não ouço nada, estou na água, estou nadando, não ouço nada, então é um pouco chato porque pega muito no pé. Quando tem competição, meus pais vão, meu irmão (...) Meu pai, elas (referindo-se às amigas) ficam até me zoando porque meu pai, tudo o que eu faço de errado no Futebol ele grita: “pô filha (nome da filha), por que você faz isso?” É muito complicado porque a gente vencia, elas vinham me zoar – “pô, tá vendo, é graças ao grito do seu pai: vai filha (nome da filha), vai!” Muitas vezes também a família apresenta, no seu interior, posições antagônicas quanto à atleta, opondo pais e mães sobre o assunto, mas gerando um mecanismo compensador para a atleta que, se não tem o apoio total e incondicional de seus responsáveis, pelo menos é amparada por uma parte da família. Foram citadas situações de preconceito da mãe versus a admiração do pai, de estímulo da mãe versus a crítica contundente do pai que foi jogador da mesma modalidade e assim por diante. Contudo, há convergência para a idéia de que “se você mostra resultados”, o reconhecimento tende a aparecer e as oposições tendem a se acabar: Então se você mostra o resultado, as pessoas acabam que vão se convencendo, mesmo que não apóiem, se convencem. (...) (Então) você quer continuar, você quer mostrar para mais pessoas que você é boa. A família, como ela disse, quando eles vêem realmente que você tem potencial, que você pode chegar lá no topo, eles começam a acreditar em você e te apoiar. No mesmo sentido do apoio da família atuaria o do técnico que, com mais propriedade “porque é ele quem sabe mais do negócio”, pode ser muito incentivador ou motivo de desistência conforme o seu tipo de atuação. Um comportamento apreciado pelas atletas inclui a crítica que vem junto com a “dica” de melhora e não apenas criticar sem dizer continuamente para a atleta “você tem jeito para a coisa”, “você tem talento”, “você está melhorando”. Outro ensinamento importante que deve partir do técnico é o comportamento equilibrado em relação às expectativas de vitória em um jogo ou competição – ele tem que ensinar a “nunca entrar de salto alto!”. O apoio do técnico é muito importante, o da família é essencial, mas o técnico sempre está falando que você está melhorando, a cada dia é muito bom escutar. Eu treinava Vôlei de Praia, eu desisti, não desisti, não quis mais porque o meu técnico era muito chato, ele reclamava de tudo. (...) Reclamava, tinha uma cobrança muito forte e eu não agüentei a pressão, aí eu sai e fui para a quadra. O meu técnico é superlegal, fala com a gente para a gente melhorar, dando dicas, sai com a gente, anima a gente. Acho que a cobrança tem que ter, mas tem que saber cobrar. (...) Se você pega um técnico bom, sempre fala “você está melhorando a cada dia”, vai te motivando. Acho que o técnico é muito importante. Além da importância dos diversos apoios, também foram mencionadas como fatores facilitadores da prática esportiva a pessoa ter certas características tais como “força de vontade”, “garra”, “determinação”, esforço, comportamento dócil no sentido de “ficar calada e não reclamar”, “saber levar certas coisas”, “empurrar com a barriga” 88 e ter “capacidade para engolir muito sapo”. Uma atleta acrescentou que acha que as meninas têm mais estas qualidades que os meninos e que devem persistir sempre, mesmo remando contra a maré, porque isto se reverterá não apenas em benefício próprio, mas como fator de mudança benéfica para todos. Os meninos costumam ser mais “ai não sei, ai não deu, então vou para casa, senão vou fazer outra coisa”. Eu acho que quanto mais você tenta, o pessoal fala que não que não deve ir, eu acho que mais você deve insistir naquilo porque ali você está abrindo as portas para você e para outras pessoas que estão vindo atrás e é melhor quando você chega num determinado lugar onde você queria você olha e fala: “nossa, cheguei aqui, eu estou aqui, eu mudei esse preconceito, eu mudei esse pensamento.” Eu acho que isso é que ajuda: a força de vontade. Apoio da equipe versus competitividade Já foi dito que o apoio das equipes esportivas nas quais as atletas praticam sua modalidade de esporte é por elas percebido como um fator facilitador dessa prática. Contudo, este aspecto mereceu destaque especial porque, ao tratá-lo, o grupo fez um conjunto de considerações sobre a questão correlata da competitividade, da rivalidade entre as atletas. O assunto emergiu na conversa quando se tratava dos fatores facilitadores e, por parecer relevante, de pronto abriu-se espaço para ele. Seria a competitividade um elemento impeditivo da solidariedade na equipe? Haveria distinções importantes quanto a isso tratando-se de esportes individuais ou coletivos? Qual o papel das relações pessoais sobre o efetivo apoio mútuo nas equipes? Tentando responder a essas perguntas à luz das informações prestadas pelas atletas, pode-se dizer inicialmente que as atletas estiveram bem longe de chegar a um consenso sobre o assunto. Em debate acalorado ainda que sempre cordial, o único que gerou um momento em que todas falaram ao mesmo tempo e foi necessária a intervenção da facilitadora, algumas achavam que o apoio da equipe era sempre possível em qualquer modalidade esportiva; outras que ele só era possível em condições especiais; outras achavam que ele era mais possível nos esportes coletivos e outras achavam que havia pouca diferença entre modalidades coletivas ou individuais. No entanto, havia consenso sobre a influência benéfica das relações de amizade sobre o tipo e a intensidade do apoio que a equipe podia prestar a seus membros individualmente. Sistematizam-se a seguir os principais argumentos levantados a favor e contra cada uma das posições. • Apoio versus rivalidade: a rivalidade e a disputa são parte da cultura geral da sociedade e existem em todos os lugares. Contudo esta rivalidade pode gerar coisas perversas ou ser uma “rivalidade saudável” que respeita e convive com o companheirismo e isto pode ser construído tanto nos esportes coletivos como nos individuais. A rivalidade saudável é definida como aquela que existe “para ajudar o time e não para atrapalhar o atleta e a equipe”. Aquele negócio de disputa sempre tem, mas isso é normal, é coisa da sociedade, é uma lei na verdade, em qualquer lugar você vai ter disputa. 89 (Referindo-se à pequena equipe de saltos como um exemplo de rivalidade saudável) Então 2 meninos, eles são superamigos, desde que começaram a saltar estão os 2 lá e eles têm a mesma idade, ou seja, para o resto da vida eles vão competir entre si. Então eu acho muito legal isso porque um vive na casa do outro, eles se dão sempre bem, estão sempre andando juntos, então eu acho que esse negócio de rivalidade, tem que ser rivalidade saudável. Eles são muito amigos, mas chega na hora da competição: “eu vou te ganhar, eu vou tirar mais nota do que você”. Então eles estão sempre brigando mesmo no treino, (se) tem que tirar um salto novo: “eu vou tirar antes de você!” Então é uma briga muito saudável que acaba levando os dois para frente. Eu acho que tem que ter companheirismo mesmo competindo um entre os outros. Eu acho que é muito relativo: é sempre bom ganhar título, medalha, só que está todo mundo com um único objetivo, ganhar pela equipe, então por mais que tenha rivalidade, está todo mundo unido para ganhar para a equipe e não para si. Tem muita rivalidade, mas como ela falou, tem que ser aquela saudável, para ajudar o time e não atrapalhar o atleta, não atrapalhar a equipe. • É possível existir solidariedade e apoio mútuo mesmo nos esportes individuais nos quais, em princípio, cada atleta está pessoalmente perseguindo o mesmo objetivo das demais. Isso acontece não só quando as boas relações pessoais se estabelecem – afinidades aproximam pessoas com o mesmo objetivo – como também porque existem os ganhos de equipe além daqueles de cada atleta. Uma atleta mencionou que para ela isso é tão verdadeiro que ela já teve a oportunidade de sofrer com a solidão em competições individuais de Atletismo para as quais somente ela, em toda a equipe, havia sido classificada. O ano passado eu fui para o brasileiro, em Fortaleza, a única pessoa da minha equipe de Atletismo foi eu. Então assim, pode não parecer, mas eu tenho uma dificuldade de chegar e falar: “oi, bom-dia, como você está?” Aquela dificuldade de chegar na pessoa, então eu fiquei muito só e por isso, um dia antes da minha competição eu tive febre emocional. Acho que isso depende muito das pessoas que estão presentes. Lá onde eu treino, eu tenho três adversárias com o mesmo tempo que eu e eu não tenho problema com nenhuma. Eu acho que eu tenho muita facilidade, assim, de conhecer pessoas, ter amizade, então para mim isso nunca foi problema, independente de ter o mesmo objetivo dentro de uma equipe, mas se é uma equipe um tem que ajudar o outro mesmo no esporte individual, o Judô também (...) tem competição por equipe, então um precisa ajudar o outro. Depende do clube também, como é muita gente adulta, o pessoal não dá muita importância para o pessoal juvenil, júnior porque 15, 13 anos, 17, então o que ajuda a gente são os próprios atletas e isso faz com que eu me motive para continuar. • É mais fácil existir solidariedade e apoio mútuo nos esportes coletivos porque neles a responsabilidade da vitória e da derrota é de todos e porque nos esportes coletivos são as equipes que conseguem ou não se classificar. Contra-argumentam outras atletas dizendo que nos esportes de equipe há disputa interna pelas vagas de titular e que isto gera situações de rivalidade significativas incluindo até mesmo insultos, maledicência e difamação 90 pessoal das “adversárias”. Uma outra percepção das atletas é a de que tudo pode ser contornado se algumas providências forem tomadas para que prevaleça o espírito de equipe: não haver titulares fixos, o incentivo ao pensamento efetivamente coletivo e de respeito à equipe como tal e para que o foco seja nos resultados que a equipe pode alcançar. Em grupo eu acho mais fácil porque ganhou o grupo, ganhou todo mundo; perdeu o individual é aquele negócio, você é ruim, você é ridícula, você perdeu. Também tem a pressão do técnico, lá, falar não adianta porque você não ouve, você ouve aquele assobio, aí vem ele gritando, aí na hora do nervosismo, “sua filha daquilo”. Então eu acho que tem muito preconceito, eu acho muito mais difícil o individual do que em grupo: em grupo, ganhou? Ganhou as 4. Perdeu? Perdeu as 4. Ganhou? Ganhou a equipe. Perdeu? Perdeu a equipe. No individual, a família já tem aquele negócio, tinha que ser melhor, tinha que nadar mais rápido, tem que treinar mais... Lá no clube, mesmo sendo um esporte em equipe, (há rivalidade) porque disputam uma vaga para titular. Eu sou uma das mais velhas do clube, mesmo que eu fosse muito ruim, eu ia ser titular. Lá no clube é assim: é velha, é titular. Aí, as meninas mais novas invés de ter essa mentalidade “vamos tentar melhorar, para todo mundo crescer”, no clube não. É um desestímulo total. (...) Tenho a minha posição lá garantida, as meninas acham isso um desestímulo, não treinam, reclamam, fazem coisas para me prejudicar. O Basquete é um esporte masculino, bastante. Eu (...) namoro há 5 anos, elas ligam para a minha mãe para dizer que eu sou lésbica, fazem de tudo para me prejudicar, de tudo. Então, (...) eu sempre quis fazer esporte individual para ninguém me prejudicar. Eu não pensava que era assim, mas tem muita gente que quer te passar a perna, muita gente. Quando eu era do clube xxx era aquela coisa, me incentivavam. (...) Quando era individual tinha aquele negócio de união, agora, quando era revezamento, era horrível porque naquela hora, é nervosismo, era individual e você tinha que bater o menor tempo para entrar no revezamento, só eram 4 vagas e eram as mais competitivas, eram as mais rápidas para entrar no revezamento. Então quando eu entrava e uma menina da minha idade não entrava, aí falava, aí vinha fofoca, muito preconceito. Não tem vaga lá garantida, não tem titular, titular mesmo, ele muda várias coisas e assim acaba mudando a cabeça de pessoas que estão fora: “peguei a vaga de fulano” porque a gente pensa muito em grupo. (...) (Pensa assim): “ela deve ter se esforçado muito mais do que eu para poder conseguir o objetivo dela”. A gente não tem muito esse lado. É supertranqüilo, não é só individual, a gente não pensa individual. Perdeu, ninguém põe culpa em ninguém, tipo: “você errou!” Tem vezes que a goleira franga, a gente fala: “não foi culpa da goleira, foi culpa da zaga, do meio, do ataque que deixou o adversário chutar”. Então lá, a gente não põe culpa um no outro, é levantar a cabeça e seguir em frente em busca do resultado. • Não há diferença entre os esportes coletivos e individuais no que tange à possibilidade de ajuda mútua e são as relações pessoais entre os(as) atletas que vão condicionar a prevalência da ajuda ou da rivalidade. 91 Eu já fiz Basquete que é um esporte em grupo e hoje eu faço Atletismo que é individual. (...). No Basquete é legal, é coletivo, mas tem aquela menina que é reserva, ela também quer jogar, também quer mostrar que é boa. Eu acho que todas as partes, dependendo do esporte, tem aquela competição e (também) no Atletismo é individual. Assim, a cada determinado lugar você é apegado a cada pessoa. No meu clube eu sou apegada com uma menina que chegou no mesmo tempo que eu. Calhou da gente fazer a mesma prova, já deu vezes que eu fui na frente dela e ela foi na minha frente, mas eu acho legal porque, vamos supor, numa competição ficam 8 para ganhar pontos, sempre na competição tem mais de 8, já aconteceu de eu ficar entre as 8 e ela não, mas estar ganhando ponto para o meu time e eu acho isso muito legal. Eu não consegui, mas ela conseguiu, que bom, ela chegou lá, ela ganhou ponto para o meu grupo. (...) Eu acho que em todos os lugares tem isso tanto no coletivo como no individual. E eu sinceramente não acho nenhum dos dois melhores, os dois são a mesma coisa, eu não sinto tanta diferença do coletivo para o individual. Eu tenho amizade com a xxx1, e com a outra menina, a xxx2, mas têm algumas que eu não me dou bem, então o que acontece? No clube xxx quem faz melhor a minha modalidade sou eu, então as coisas que eu aprendo eu tento passar: “xxx1faz isso, xxx2 faz isso que você vai melhorar”. Mas, tem rivalidade entre si, da própria equipe, e das outras equipes também. • Outra razão de falta de solidariedade na equipe: o preconceito social – “pobres” versus “ricos”: sobre este aspecto discorreu uma atleta em especial, moradora de comunidade carente, que, ao conquistar com seu bom desempenho esportivo a oportunidade de treinar em um clube da zona sul do município do Rio de Janeiro, sentiu-se altamente discriminada pelos demais esportistas. Hoje, eu estou no clube xxxx, que também tem um preconceito social que por eles serem ricos, tem aquele preconceito porque (são) classe média, classe alta. Eu, para me adaptar, eu fiquei um mês sem falar com ninguém. Eu chegava lá (dizia) “boa-tarde, boa-noite, tchau”, um mês, então é muito difícil, minha (nome da responsável) foi me levar um mês direto e falava assim “oi, tudo bem?” Que eu peguei amizade mesmo foram 3 meninas. Meninos então nem fala, nem olha para a tua cara, eles dão aquele ar de nojo. Quando você entra na piscina tem aquele ar de nojo por você ser “pobre”, não ter patrocínio. Eles chegam lá com roupa de marca, tênis de marca, então tem muito preconceito social também. Então eu falo com 3 meninas e acho já é muito porque falar com 3 eu acho muito! Tem muito preconceito. E acho que por ser menina, temos que provar que nós somos melhores mesmo porque é muito difícil. As atletas e os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro (Pan) Pelo fato de a pesquisa realizar-se no Rio de Janeiro e em São Paulo, não houve questionamento específico sobre a realização dos Jogos Pan-Americanos no próximo mês de julho de 2007. A idéia era ver se o assunto surgiria espontaneamente para perceber até que ponto o evento estava na cabeça das pessoas entrevistadas nos dois municípios. De fato ele apareceu e era algo muito presente 92 para as atletas cariocas e relativamente distante dos participantes dos diversos grupos paulistanos, como será destacado no capítulo IV. O assunto do Pan emergiu ainda no bojo da discussão sobre competitividade versus apoio da equipe: É que esse tema que estava se falando aqui é muito legal, é uma motivação a mais para o Pan, nós não temos um campeonato legal que tenha uma certa divulgação para motivar as atletas. Mas essa história do Pan é legal porque estar vendo o outro time jogar, dependendo, é muito legal você ver pessoas que fazem tudo para ganhar o título, então você está lá vendo, você pensa: “eu vou me esforçar, eu vou dar tudo de mim para no próximo Pan eu estar lá junto com as meninas, ajudando a equipe”. Eu acho que motiva muito esses jogos, acho que deveria ter mais. Outra percepção expressa é a que diz respeito à importância de ver/participar de eventos esportivos internacionais como meio de conhecer as estratégias e os estilos das equipes dos outros países: (Referindo-se especificamente ao Judô): É ótimo! Tem várias pessoas lá do novo circuito europeu. Cada continente, cada um, tem a sua característica: o pessoal do Japão, da Ásia (…) é mais técnico; o pessoal do leste europeu tem mais força; o pessoal que treina com a gente e que viaja, traz esses novos golpes. Para a gente, é ótimo aqui no Brasil porque a gente pode usar, a gente ganha técnicas novas, eu acho que é ótimo para o esporte. Ainda falando do Pan, logo surgiu a expressão do sentimento de revolta pelo fato de não ter havido uma seleção de atletas que teriam direito gratuitamente aos ingressos do Pan. Nem os atletas classificados vão estar “convidados” para assistir aos jogos. Por outro lado não se trata apenas de pagar, mas do valor altíssimo dos preços cobrados que inviabilizam a participação da grande maioria das atletas, mesmo para as que vivem no município onde o evento vai ser realizado. Outra conseqüência da limitação à assistência dos jogos é a perda de oportunidade de motivar/conquistar crianças, jovens e adultos para a prática esportiva. O pessoal da Confederação deve dar ingresso para quem é atleta, que já foi para campeonato fora, deve ganhar ingresso e a gente não vai ganhar, a gente vai ter que comprar ingresso como todo mundo. A gente não vai ganhar, é absurdo isso! Que incentivo você tem? Eu estou lá, você tem incentivo, quero estar lá da próxima vez, então se você ganha o ingresso, você olha de perto, as melhores da América, é um incentivo muito grande e você tem que pagar para assistir isso num lugar que está muito perto de você? Você não tem incentivo tão grande, então eu acho isso muito errado. Em relação ao que ela falou, se nós quisermos ir no Pan, nós temos que pagar e é um absurdo o preço que eles cobram; a gente podendo ganhar um ingresso ou fazendo um esforço para pagar meia, mesmo meia é um absurdo; você não vai querer ver uma competição, você não vai querer ver a abertura e o encerramento, você vai querer acompanhar todas para você ir se espelhando, incentivando, motivando. Então se você for calcular o que você for querer ver e o que você vai gastar, é uma coisa 93 que você fala assim – “eu nunca vou conseguir ver o que eu quero”. Até porque não é uma competição que ela vai participar, são várias, então você vai querer ver, incentivar a pessoa que vai no Pan e vai competir e não vai poder por causa que vai estar muito caro, então é muito ruim mesmo pagar meia. Eu acho que é assim, esse negócio do Pan, eu acho que não só a gente que vai ver as competições, mas nunca tem um evento de tal grandeza no Rio nem no Brasil, aí tem os meninos e as meninas. Podia ter um incentivo gigantesco para praticar esporte assistindo essas competições, não vão, não tem dinheiro para ir. (...) Eu acho que estando a competição aqui, no Rio, que você fazer com que o jovem entre no esporte (...) Para mim, depois do Pan tinha que ser assim: 150 mil pessoas nas escolinhas porque viram quem ganhou, é um espelho. (...) Tem que ter um incentivo para todo mundo, não só para quem está lá participando, porque vai chegar uma hora que o meu esporte vai acabar, eu acho que ninguém mais vai querer fazer Basquete feminino, não tem incentivo nenhum, vocês têm que mostrar os prós e não só os contras. Essa coisa sobre a importância de “olhar de perto” acabou por trazer para o debate um dos pontos recorrentes na literatura sobre gênero e esporte: a questão do “espelho”. Parece ser de grande valia para as atletas ter alguém em quem se “espelhar”: uma outra atleta, da mesma modalidade esportiva que pratica ou não, que obteve um êxito que seja aspirado por ela. Ao que tudo indica, a meta fica mais fácil de perseguir quando se materializa em alguém que você admira e que chegou onde você pretende chegar. Mais ainda se você conhece a pessoa. Sobre isto, assim se expressaram as atletas que participaram do grupo no Rio: Eu também conheço a Juliana Veloso42, não assim de contato como você, mas por ela treinar lá e por estar fazendo ou fez, não sei, faculdade no Benett e eu estudo no Benett, então eu a vi. Então pelo esporte que você faz, dá uma motivação para mim, eu faço Futebol, não tem nada a ver, mas se eu conhecesse as meninas que vão participar eu acho que ia me motivar ao máximo, ia fazer de tudo para que um dia eu possa estar lá, então a motivação é 100%. É legal você conhecer pessoas que fazem o mesmo esporte e foram convocadas. Para o Futebol feminino, agora para o Pan, foram convocadas 6 amigas minhas. Então você se espelha nessas meninas que chegaram lá em cima, conseguiram, se esforçaram e é uma motivação e é igual a ela, elas conseguiram, por que eu não posso? É muito legal. Eu acho que isso é realmente, eu sempre costumo treinar do lado da Juliana Veloso, então é uma ótima base para mim, eu estou sempre olhando ela, ela está sempre me incentivando, ela está sempre falando (que) eu tenho que fazer um salto novo, ela chega assim “duvido que você vai fazer, se você fizer, vou te dar tal coisa”. Ela fica apostando comigo para eu fazer as coisas. É importante ressaltar que “o Pan do Rio vai registrar o dobro do número de menores de idade em relação ao de Santo Domingo, disputado em 2003. (...) Com boas chances de ir ao Pan, atletas que ainda não chegaram à maioridade se sujeitam 42 Juliana Veloso é uma saltadora carioca de 27 anos que obteve medalha de prata nos Jogos Panamericanos de Santo Domingo em 2003, na plataforma de 10 metros. 94 a responsabilidades e cobranças de grandes ídolos. (...) Eles serão os futuros ídolos do esporte brasileiro. Para alcançar tal status, eles assumem responsabilidades de gente grande e se sujeitam às mesmas regras e cobranças dos atletas consagrados na luta por medalhas. E espelham-se nos ídolos de agora”. (O Globo, 2007, p.3) Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva Foi colocado para as atletas, ao final do grupo, um desafio: se elas fossem escolhidas secretárias municipais de esporte do Rio de Janeiro, que providências tomariam para melhorar as condições da prática esportiva no município? Eis as respostas: • • • • • • • Dar ingressos aos atletas para assistir aos jogos do Pan. Dar aos atletas uma “carteirinha de gratuidade no transporte” ou pagar de alguma forma a sua passagem para os treinos. Construir mais equipamentos esportivos, locais para a prática de todos os esportes e não só do dominante no país, pelo menos um em cada bairro. Isto incluiria mais piscinas adequadas à prática dos Saltos Ornamentais para poder ampliar a modalidade; mais pistas de Atletismo adequadas à prática de suas diversas modalidades; mais piscinas para treinamento de Natação para permitir que o treino respeite o limite máximo por raia, que hoje é excedido. Concluir rapidamente as construções do Pan, para propiciar diferencial de tempo de treinamento para as atletas do próprio município. Promover ações de incentivo ao esporte de base para propiciar o ingresso de crianças na vida esportiva. Melhorar o ensino da educação física nas escolas públicas e particulares. Não fechar os locais de treinamento esportivo já existentes em função da inauguração dos novos, construídos para o Pan; manter todos em funcionamento após a realização do evento. III.5. As vozes das não-atletas Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora Antecedentes Esse grupo apresentou uma certa dificuldade na sua constituição. Em muitas ocasiões, as atletas, as primeiras fontes de informação para a montagem do grupo, não tinham como indicar pessoas que atendessem às condições solicitadas: ser mulher, ter entre 12 e 18 anos e não praticar esportes. Após a realização do Grupo Focal com as atletas, entendemos um pouco melhor os motivos para o baixo número de indicações: grande parte das amigas das atletas são pessoas que também se dedicam ao esporte, mesmo no caso do esporte individual, e a rotina bastante puxada das atletas, cujo tempo disponível para atividades sociais é bastante reduzido. Como não foi possível atingir o número desejado de participantes a partir das indicações das próprias atletas, entramos em contato com pessoas da nossa rede de relações mais próxima (trabalho, amigos, líderes comunitários etc.), em busca de jovens que satisfizessem as condições necessárias para participar do grupo, inclusive as características de diversidade necessárias em termos de locais de moradia e nível 95 socioeconômico. Muitos convites não foram aceitos devido ao fato do grupo estar marcado para o feriado de 21/04 (sábado), seguido de outro feriado na segunda-feira – 23/04 – Dia de São Jorge. Após muitas tentativas, conseguimos montar um grupo com 11 pessoas confirmadas, das quais compareceram 9. A realização do GF Algumas das meninas chegaram junto com as atletas já na parte da manhã, aproveitando a companhia no deslocamento. Ficaram um pouco conosco na sala até a hora de iniciar o grupo de discussão das atletas que antecedeu ao delas. Nesse momento, desceram para a sala de espera do andar térreo, que dispunha de um aparelho de TV, além de jornais e revistas, e onde foi servido um cafezinho. Um pouco antes do término do grupo de discussão das atletas, a facilitadora assumiu a gravação das falas e a assistente de pesquisa desceu para receber as demais nãoatletas que iriam chegar para almoçar com as atletas antes de participar do seu grupo de discussão na parte da tarde. Encerrado o GF das atletas, todos os presentes, inclusive pais e acompanhantes, foram convidados para participar do almoço conjunto. Apenas uma pessoa preferiu não almoçar. O clima entre as atletas já estava bastante descontraído e ficou ainda mais animado com a chegada das amigas e das demais não-atletas. O almoço transcorreu de forma tranqüila, todos conversavam entre si e se mostravam bastante à vontade para se servir. No final do almoço, a maioria das atletas se despediu, agradecendo o convite para participar da discussão em grupo e também para o almoço. Apenas duas atletas desceram para aguardar suas companheiras que iriam participar do grupo de discussão da tarde. A equipe da pesquisa cuidou da reorganização da sala, com a ajuda de todos, e rapidamente iniciou-se o grupo das jovens não-praticantes de esportes. Todas as participantes receberam e preencheram a Ficha de Perfil Socioeconômico. As eventuais dúvidas foram esclarecidas pelo pessoal da pesquisa e após assinarem a lista de presença, teve início o trabalho. É preciso destacar que esse grupo foi pensado como contraponto ao das atletas, que respiram esporte 24 horas por dia e que, nem por isso, deixam de ter outros interesses que nem sempre conseguem pôr em prática porque o tempo das pessoas é finito e é preciso estabelecer prioridades. O GF das não-atletas foi mais curto que os demais porque o tema da pesquisa era esporte e esta não era a realidade delas. Também por isso, as não-atletas estavam mais tímidas, além de serem mais jovens que no grupo das atletas: ainda que a seleção de participantes de ambos os grupos tenha respeitado a faixa etária definida para a pesquisa, a média de idade no GF das atletas foi de 16,2 anos enquanto a média de idade das não-atletas foi de 13,9 anos. O pós-grupo Após o encerramento, houve a habitual distribuição das garrafinhas oferecidas pela Nike. As menores de 18 anos receberam também um envelope selado e endereçado ao Instituto Noos, contendo o Termo de Autorização, para que seus responsáveis 96 assinassem e colocassem no correio. Como este foi o último grupo do dia e acabou antes do horário previsto, convocamos todos para mais uma rodada de pizza e refrigerante; algumas aceitaram. Terminada essa segunda etapa gastronômica, arrumamos a sala e fomos embora. Principais pontos levantados na discussão O que se pretende aqui é sistematizar as idéias que emergiram das discussões, à luz das questões a que se pretendia responder. Procurou-se listar todos os aspectos mencionados, independentemente de sua recorrência ou originalidade. Os gostos e as idiossincrasias das atletas A dinâmica quebra-gelo utilizada para iniciar os trabalhos foi a de pedir que, junto com sua apresentação pessoal, cada uma falasse de uma coisa que gosta e que não gosta na sua vida. O quadro abaixo reúne as respostas obtidas e mostra que, em comparação com as atletas, elegeram outras prioridades, outras formas de ocupar o tempo, mais voltadas para atividades intelectuais e virtuais (inclusive o estudo) e para outros tipos de atividades lúdicas que também envolvem movimento como brincar e dançar. Tal conclusão confirmou-se quando, no grupo, perguntadas sobre com quais atividades ocupavam o tempo que poderia ser dedicado ao esporte, responderam: cursos de inglês e informática e atividades em academias de Ginástica. Quadro 14 Coisas de que as não-atletas gostam e não gostam na sua vida Município do Rio de Janeiro Uma coisa que gosta na vida Eu gosto de brincar. Eu também gosto muito de brincar. Eu gosto muito de ler. Uma coisa que não gosta na vida Eu não gosto de acordar cedo. Eu também não gosto de acordar cedo. O que eu não gosto é... areia. Não suporto areia. A coisa que eu sou mais apaixonada no O que eu não gosto é exatamente esporte. mundo é desenho japonês. Não gosto de fazer esporte. Eu gosto de conhecer lugares novos. Também não gosto de acordar cedo. Adoro estudar. Não gosto de lavar louça. Odeio. Eu adoro ler. Também não gosto de lavar louça. Eu gosto de dançar. Não gosto de segunda-feira de manhã. Gosto do meu computador. Não gosto de prova. Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007. 97 A (não) motivação das meninas para a prática do esporte Colocada a primeira questão na roda de conversa – por que não se sentiam motivadas para a prática esportiva –, as não-atletas mostraram logo um padrão de timidez e de laconismo nas respostas que marcaria a sua participação em todos os momentos do grupo, mas que não reduziu a diversidade e a relevância de suas opiniões/percepções. Os assuntos foram tratados em conjunto e os fatores dificultadores da prática esportiva já apareceram junto com a questão da motivação. O primeiro ponto a destacar é o fato de que quase todas as não-atletas já tiveram experiências anteriores com o esporte e, por razões diversas, desistiram. Algumas não têm vontade de voltar e outras esperam por melhores condições para retornar. As principais razões alegadas para o abandono foram: • Falta de tempo em função de outras escolhas. • Forte preconceito com quem não pratica bem o esporte ou quem está iniciando no esporte, gerando “zoação” constante por parte dos colegas. • Preconceito contra as meninas que praticam determinados tipos de esporte, principalmente o Futebol. Existência de estereótipos de gênero que determinam quais são os esportes masculinos e femininos e que atuam sobre as crianças desde que são muito pequenas. • Falta de condições para a prática esportiva de quem não pode pagar; problema financeiro; locais disponíveis muito longe de casa, gerando dificuldades de locomoção e perigo; fechamento do local onde praticava gratuitamente perto de casa. • Eleição de outra atividade corporal da qual gosta mais que do esporte que fazia: a dança. • Falta de incentivo na escola. • O esporte exige muita dedicação e limita o tempo das pessoas para outras atividades interessantes. • Medo de machucar-se. O que pareceu novo na argumentação das não-atletas foi a questão da hostilidade percebida quando não se é considerada boa ou se é iniciante no esporte, propiciando uma introjeção desta falta de habilidade. Tal argumento apareceu de forma recorrente e parecia ter mobilizado muito as não-atletas que viveram a situação: Eu nunca fui muito fã de fazer esporte porque eu sempre fui uma negação e também porque sempre teve muito preconceito na escola quanto a isso. Existe sempre uma marginalização contra quem não consegue se sair tão bem nas práticas esportivas quanto às outras pessoas. Isso acaba desestimulando a pessoa a tentar ir mais porque a pessoa fica com vergonha de ser zoado pelos amigos, pelos colegas de turma. Mas também abre muitas oportunidades fazer esporte. Para quem faz é um caminho muito amplo. Para mim acho que é o mesmo caso dela, eu gosto muito de esporte, gosto de Vôlei. Sou apaixonada por Basquete, mas no Vôlei eu não me saía muito bem. Aí os amigos ficavam zoando, aí também desisti. Também pelas condições, assim, de fazer um bom esporte. Mas eu tenho vontade de fazer, tanto é que ela fazia (apontando para a amiga), aí ela me chamou para fazer no lugar que ela faz e eu vou ver se consigo fazer. 98 Eu fazia teatro, fazia Futebol, eu jogava muito pior que muita gente! Eu jogava muito pior que muita gente! Às vezes precisa dedicar muito tempo, as meninas, elas treinam quase todos os dias, você passa a perder tempo, deixa de fazer muita coisa, escola te ocupa muito. Minha prima todo dia tinha que fazer muita coisa. Prefiro fazer outras coisas, mas eu jogo na escola, eu adoro. Eu tive uma dificuldade na época que eu comecei a fazer Futebol, era lá no clube perto da minha casa. E eu até gostava e tudo mais, mas tinha um problema, para os iniciantes: era misto – você jogava com os meninos. Então para mim era muito complicado porque quando você não é tão boa, já não tem tanta experiência que nem o resto você não consegue jogar. Tinha medo de me machucar. A questão dos estereótipos de gênero foi em geral abordada da mesma forma que nos grupos anteriores, com a idéia central girando em torno do fato de haver predeterminação social das modalidades que são próprias para homens e para mulheres, como na seguinte fala da não-atleta: Quando a criança é pequenininha, a menina vai fazer balé e o menino vai para a escolinha de Futebol. Acho que desde pequeno se os pais não tivessem um certo preconceito com isso, não haveria tantos problemas. Eu, quando comecei a querer fazer Futebol, meu pai não queria que eu fizesse porque é coisa de homem, essas coisas. Então eu acho que se tirasse um pouco desse preconceito, acho que melhoraria. Contudo, um ângulo novo de perceber o preconceito no âmbito dos grupos foi trazido por duas não-atletas que chamaram a atenção para dois fatos importantes: o de que ele é gerado pelos estereótipos de gênero e o de que atinge meninos e meninas e devemos cuidar para que acabe em geral: “o preconceito não dá só do lado que os homens são melhores. O preconceito tem que acabar para os dois lados”. Já de pequeno, o pai e a mãe tem o filho: o menino vai para a escola fazer Futebol e a menina fazer balé, fazer outro esporte só para menina e o homem vai jogar Futebol, aí gera um preconceito. Eu acho que garota tem que fazer o que ela quer, fazer Futebol, fazer Vôlei. E o garoto, Vôlei, porque tem muito garoto que adora Vôlei. “Efeitos colaterais” do esporte Como havia tempo e já se sabia que as respostas viriam melhor sob demanda explícita, foi colocada uma questão extra para as não-atletas: será que o esporte traz algum tipo de benefício para o dia-a-dia de meninos e meninas além dos resultados específicos de seus objetivos competitivos como medalhas e títulos? As repostas mencionaram a saúde, a preocupação com uma alimentação saudável, o preparo físico, um maior cuidado pessoal e a possibilidade de oportunidades no mundo dos estudos como bolsas universitárias dentro e fora do país ou para uma escola melhor. Foram ressaltadas as melhores condições para os meninos obterem alguns dos “efeitos colaterais” do esporte, mas isso foi contestado por outra nãoatleta que disse que as oportunidades estão vinculadas não apenas ao sexo do praticante, mas à modalidade praticada. 99 A saúde, uma boa alimentação também muda tudo, que a pessoa se cuida mais, se alimenta melhor e o preparo físico também. Eu acho que além da melhor saúde, que o esporte acaba desenvolvendo preparo físico, o esporte pode abrir portas no futuro da pessoa, uma boa esportista aqui no Brasil pode acabar conseguindo uma bolsa para uma universidade fora ou para uma escola melhor aqui dentro mesmo, se for bom no esporte. Acho que os meninos costumam ter mais facilidades neste tipo de coisa porque o menino que faça Futebol ainda tem mais chance de ser chamado para jogar num time. A menina eu acho que ela tem que lutar mais, tem que provar mais a sua capacidade do que o menino. Ela estava falando que normalmente as mulheres têm que provar mais, eu acho que isso vem muito do esporte. No Futebol, os meninos têm chances maiores, mas tipo Vôlei as pessoas tem muito mais meninas. Ginástica olímpica a mesma coisa. Então acho que tudo depende do esporte. Essa coisa do preconceito não dá só do lado que os homens são melhores. O preconceito tem que acabar para os dois lados. Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva As não-atletas conferiram nota média de 6,44 para as atuais condições para a prática esportiva no município do Rio de Janeiro. A elas foi colocado, ao final do grupo, um desafio: se elas fossem escolhidas secretárias municipais de esporte do Rio de Janeiro, que providências tomariam para melhorar essas condições. As respostas foram: • Diminuir o preconceito. • Levar os esportes para as comunidades carentes. • Dar incentivos para a compra de equipamentos e materiais esportivos mais modernos. 100 IV – O município de São Paulo Este capítulo trata dos quatro GFs realizados em São Paulo entre os dias 30 de abril e 2 de maio, no Hotel Tulip Inn Paulista Convention, na Rua Apeninos, 1.070, bairro do Paraíso, bem ao lado da estação do metrô. Os GFs aconteceram na seguinte ordem: • Das mães, pais e responsáveis pelas atletas – doravante denominado GF dos responsáveis –, na noite de 30 de abril, com duração de 1 hora e 45 minutos; • Das atletas, na manhã de 1º de maio, com duração de 1 hora e 7 minutos; • Das não-atletas (grupo com perfil demográfico e socioeconômico semelhante ao das atletas, mas que atualmente não pratica esporte), na tarde de 1º de maio, com duração de 35 minutos. • Dos técnicos, professores, treinadores, árbitros e responsáveis por projetos sociais que têm no esporte uma via de inclusão social de seus participantes – doravante denominado GF dos técnicos43 – na noite de 2 de maio, com duração de 2 horas e 5 minutos. IV.1. Perfil dos entrevistados a partir das Fichas de Perfil Socioeconômico Como já foi mencionado, por ocasião da realização dos GFs, todos os participantes responderam a uma Ficha de Perfil Socioeconômico. A partir dos resultados desta parte da pesquisa, foi construído o quadro a seguir, que traça o perfil dos participantes de cada Grupo Focal e o compara com o perfil das pessoas residentes no município a partir de dados do IBGE. O objetivo dessa breve inclusão quantitativa é conhecer o perfil das pessoas ouvidas, já que isso tem relação direta com as visões de mundo que referenciam, em última instância, as opiniões emitidas. Ao mesmo tempo, com a comparação entre os dados produzidos a partir das Fichas de Perfil Socioeconômico e os resultados disponíveis no IBGE para o município, tem-se uma dimensão do quanto o universo representado nos grupos esteve próximo ou não do universo dos moradores do município. 43 Essa mesma simplificação será usada ao mencionar as percepções emitidas por qualquer participante desse grupo, a não ser nos raros momentos em que se fizer necessário distinguir explicitamente uns e outros. 101 Quadro 15 Perfil dos participantes dos Grupos Focais Município de São Paulo Indicadores Número de participantes dos GFs e população do município Classe modal de sexo Idade Média Idade Mediana Classe modal de nacionalidade Classe modal de naturalidade Estado de origem da maior proporção de migrantes Classe modal de cor (fechada) Classe modal do grau de instrução (somente o nível mais alto) Município de São Paulo Tipo de Grupo Focal Atletas Não-atletas 15 16 11 Técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais 13 Mulher 66,7% Mulher 100,0% Mulher 100,0% Homem 53,8% 44,3 45,0 14,9 15,0 14,6 14,0 32,5 27,0 Brasileira 100,0% Brasileira 100,0% Brasileira 100,0% Brasileira 100,0% SP 69,8%46 SP 66,7% SP 62,5% SP 63,6% SP 92,3% BA 7,5%3 BA, MG e PR 6,7% cada PB e SC 6,3% cada Branca 70,0%47 Branca 73,3% Branca 43,8% Branca 53,8% Fundamental incompleto 30,2%48 Superior completo 46,7% Médio incompleto 40,0% Branca e parda 45,5% cada Fundamental incompleto 45,5% População residente 10.434.25244 (2000) 11.016.70345 (estimativa 01/07/2006) Mulher 52,31 Mães, pais e responsáveis por atletas Superior completo 53,8% 44 IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados do universo. IBGE, Estimativas das populações residentes em 01/07/2006. 46 IBGE, Censo Demográfico 2000 – Primeiros resultados da amostra. 47 IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados da amostra. 48 Pessoas de 25 anos ou mais de idade, por nível educacional concluído. IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados da amostra. 45 102 Indicadores Município de São Paulo Classe modal PEA de inserção ocupada no mercado 81,8%49 de trabalho Classe modal Serviços do ramo de 48,8%50 atividade de exercício da ocupação Renda pessoal R$ média 1.175,5251 Renda pessoal R$ 540,008 mediana Renda familiar mediana Número médio de pessoas que residem no domicílio Classe modal do esporte ao qual já se dedicou Classe modal do esporte ao qual se dedica atualmente Mães, pais e responsáveis por atletas Está trabalhando 66,7% Tipo de Grupo Focal Atletas Não-atletas Nunca trabalhou 87,5% Nunca trabalhou 81,8% Serviços 46,7% Serviços 46,2% R$ 2.740,90 R$ 2.991,40 R$ 3.000,00 R$ 1.850,00 R$ 3.000,00 3,41 Técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais Está trabalhando 92,3% 4,9 R$ 3.500,00 4,4 Natação e Vôlei 40,0% cada Handebol 50,0% Futebol, Natação e Tênis 6,7% cada Vôlei 25,0% 5,0 Vôlei 54,5% 3,1 Atletismo, Basquete, Natação e Vôlei 53,8% cada Atletismo e Vela 15,4% cada 49 Proporção de pessoas de 10 anos e mais de idade, ocupadas na semana de referência, sobre o total da População Economicamente Ativa. IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados da Amostra. 50 A seção de atividade de maior freqüência isolada é o “Comércio, reparação de veículos automotores, objetos pessoais e domésticos” (19,4%). Entretanto, a agregação das atividades dos serviços (alojamento e alimentação; transportes, armazenagem e comunicação; intermediação financeira; atividades imobiliárias e serviços prestados às empresas, administração pública, educação, saúde e outros serviços coletivos, sociais e pessoais) expressam a sua importância no conjunto de atividades econômicas (48,8%). Refere-se à seção de atividade do trabalho principal, para as pessoas de 10 anos ou mais ocupadas na semana de referência. IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados da amostra. 51 Pessoas de 10 anos ou mais de idade, com rendimento. IBGE, Censo Demográfico 2000 – Primeiros resultados da amostra. 103 Indicadores Média, número mínimo e máximo de anos de dedicação ao esporte atual Freqüência de vínculo com alguma instituição esportiva Forma de prática do esporte (dimensão): Esporte de rendimento profissional Forma de prática do esporte (dimensão): Esporte de rendimento nãoprofissional Forma de prática do esporte (dimensão): Esporte e lazer Forma de prática do esporte (dimensão): Esporte educacional Município de São Paulo Mães, pais e responsáveis por atletas Tipo de Grupo Focal Atletas Não-atletas Média 16,5 Mínimo: 2 Máximo: 40 Média 3,4 Mínimo: menos de 1 Máximo: 8 Federado 6,7% Confederado 28,6% Federado 33,3% 4 de 15 Atletismo, Judô, lutas, Vôlei 4 de 4 Futebol, Natação e Tênis 1 de 3 Futebol Técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais Média 13,9 Mínimo: 1 Máximo: 28 Confederado 27,3% Federado 36,4% 3 de 10 Handebol, Judô e lutas 5 de 15 Futebol, Handebol, Natação e Vôlei 4 de 10 Atletismo, Futebol, lutas 5 de 15 Atletismo, Handebol, Judô, Vôlei de Praia 3 de 15 Atletismo, Basquete e lutas 5 de 10 Atletismo, lutas e Vela 6 de 10 Atletismo, Handebol, lutas, Vela e Vôlei 104 Indicadores Município de São Paulo Mães, pais e responsáveis por atletas Tipo de Grupo Focal Atletas Não-atletas Notas média, Média Média Média mediana, 4,4 6,9 6,9 mínima e Mediana Mediana Mediana máxima 5,0 7,0 7,0 atribuídas às Mínima Mínima Mínima condições que 0 3 5 as atletas têm Máxima Máxima Máxima para praticar 7 10 9 esporte no município pesquisado. Freqüência de 6,7% 12,6% 9,1% comentários Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007. • Técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais Média 6,1 Mediana 6,0 Mínima 3 Máxima 9 23,1% Características da população e dos participantes O resultado mais recente disponível referente a 01/07/2006, estimou a população residente do município de São Paulo em 11.016.703 habitantes. Em 2000, de acordo com o Censo Demográfico, o município contava com uma população de 10.434.252 pessoas. Desse total, 6,5% (675.639) eram mulheres de 12 a 18 anos de idade, público-alvo da presente pesquisa. O grupo com maior número de participantes foi o das atletas (16) e o de menor tamanho foi o das não-atletas (11). As não-atletas foram os participantes mais difíceis de localizar, implicando em abrir o leque de contatos para além da indicação direta das atletas. Todos os grupos tiveram um número significativo de participantes, uma vez que o número máximo esperado era 16 e o mínimo 8. Além das atletas e não-atletas, que eram todas mulheres por exigência da pesquisa, o grupo de responsáveis por atletas apresentou predominância de mulheres (66,7% do total) enquanto o de técnicos teve maior participação de homens (53,8%). Em 2000, a cidade de São Paulo possuía mais mulheres na composição de sua população residente (52,3%). O cálculo das idades médias mostrou que os responsáveis por atletas tinham a maior idade média (44,3), variando de 32 a 53 anos. Já o grupo de técnicos apresentou idade média bastante inferior (32,5) e maior distância entre a idade mínima (23) e a máxima (63). A idade média das atletas (14,9) foi um pouco superior a das nãoatletas (14,6). Esses dois grupos tiveram idades mínima e máxima dentro do parâmetro estabelecido pela pesquisa (12 e 18). 105 • Migração, cor ou raça e educação Todos os participantes dos grupos eram de nacionalidade brasileira, sendo que a maioria nasceu no Estado de São Paulo. Apenas o grupo de técnicos era quase que integralmente natural de São Paulo (92,3%). Nos demais grupos, o percentual de pessoas nascidas em São Paulo variou de 62,5% (atletas) a 66,7% (responsáveis por atletas); resultados próximos ao registrado para moradores da cidade de São Paulo em 2000 (69,8%). Para os nascidos em outros estados52, os oriundos da Bahia, Minas Gerais e Paraná predominaram entre os responsáveis por atletas (6,7% cada), enquanto para as atletas, Paraíba e Santa Catarina foram os estados mais apontados (6,3% cada). Na cidade de São Paulo, em 2000, a Bahia era o estado de origem de 7,5% de seus habitantes. Em 2000, 70% da população residente em São Paulo declarou ser de cor branca. No grupo dos responsáveis por atletas, o percentual registrado para essa mesma cor foi de 73,3. Os técnicos se mostraram, menos brancos (53,8%). Dentre as atletas, esse percentual caiu para 43,8, e para as não-atletas, o resultado ficou igualmente dividido entre as cores branca e parda, cada uma com 45,5%. Para conhecer o grau de instrução, é necessário considerar também a variável idade. O grupo das atletas, cuja idade média era de 14,9 anos, apresentou maior freqüência para o nível médio incompleto (40%), patamar mais elevado do que o registrado para as não-atletas (45,5% com fundamental incompleto), com idade média 14,6 anos. Considerando apenas a população de 25 anos ou mais de idade, residente na cidade em 2000, 30,2% possuíam o ensino fundamental incompleto. Os responsáveis por atletas e os técnicos, com idades variando entre 23 e 63 anos para os dois grupos, apresentaram maior incidência para superior completo, 46,7% e 53,8% respectivamente. O curso concluído mais indicado pelos técnicos foi Educação Física. No grupo de responsáveis por atletas, os cursos informados foram bastante diversos: engenharia, arquitetura, comunicações, letras, ciências e matemática. • Trabalho e rendimento A maioria das atletas e das não-atletas nunca trabalhou: 87,5% e 81,8%, respectivamente. As ocupações informadas para as atletas foram: atleta e operadora de caixa. Para as não-atletas, apenas um registro, o de estagiária. No grupo dos técnicos foi verificado o maior percentual de pessoas que estavam trabalhando (92,3%), seguido pelo grupo de responsáveis por atletas, com 66,7%. No grupo de técnicos, as principais53 ocupações citadas foram: coordenador(a); árbitro(a); professor(a)/treinador(a) e estagiário(a)/monitor(a). Já no grupo de responsáveis por 52 As não-atletas não-nascidas em São Paulo não responderam a questão sobre a Unidade da Federação de nascimento, impedindo a identificação da mesma. A questão pedia o registro da sigla do estado de nascimento, o que pode ter dificultado a compreensão e contribuído para reduzir o número de respostas. 53 Muitos técnicos citaram mais de uma ocupação. No resultado apresentado, considerou-se somente a primeira ocupação mencionada. 106 atletas, as ocupações abrangeram uma gama mais variada: professor(a); comerciante; diarista; microempresário(a); esteticista, arquiteto(a) e auxiliar de produção. Para os dois grupos, técnicos e responsáveis por atletas, o ramo de atividade mais freqüente foi o dos Serviços, com 46,2% e 46,7%, respectivamente. A População Economicamente Ativa (10 anos e mais) ocupada na semana de referência, no município de São Paulo, em 2000, era de 81,8%. Para esse conjunto de pessoas ocupadas e considerando apenas o trabalho principal, o grupo de ocupação mais freqüente foi o de Trabalhadores dos serviços, vendedores do comércio em lojas e mercados (32,6%). No exercício da ocupação, o ramo de atividade de maior freqüência isolada foi o Comércio, reparação de veículos automotores, objetos pessoais e domésticos (19,4%). Entretanto, a agregação das oito seções54 que organizam a atividade dos serviços totalizou 48,8%. Esse resultado mostra a relevância dos serviços no conjunto das pessoas ocupadas no município em 2000. Quanto ao rendimento pessoal (valor líquido), não foram considerados os poucos valores informados pelos grupos das atletas e não-atletas. Grande parte das meninas não respondeu a questão ou informou não saber o valor. O mesmo ocorreu para o rendimento familiar, no qual os percentuais de “não sabe” foram muito elevados: 62,5% para as atletas e 81,8% para as não-atletas. A renda pessoal média dos técnicos (R$ 2.991,40) foi um pouco superior à dos responsáveis por atletas (R$ 2.740,90). De qualquer forma, ambas bem mais elevadas que o rendimento nominal médio mensal (R$ 1.175,52) das pessoas de 10 anos e mais de idade com rendimento, residentes no município de São Paulo em 200055. Os valores medianos do rendimento pessoal, R$ 1.850,00 para técnicos e R$ 3.000,00 para responsáveis por atletas inverteram a posição dos dois grupos e demonstram a existência de grande variabilidade nos dados informados. Esses resultados para os grupos, baseados em um pequeno número de evidências, devem ser utilizados apenas como referência, uma vez que não possuem rigor estatístico. As informações relativas ao rendimento familiar médio repetiram padrão similar ao verificado no rendimento pessoal, ou seja, o valor para o grupo dos técnicos (R$ 6.314,28) também foi superior ao dos responsáveis por atletas (R$ 5.165,38). E a comparação com os resultados disponíveis para a cidade de São Paulo em 2000 (R$ 2.110,2056), colocou os dois grupos em uma posição diferenciada e muito superior à observada para o conjunto das famílias. Já a renda familiar mediana, diferentemente da pessoal, ficou mais próxima entre os dois grupos, R$ 3.500,00 e R$ 3.000,00, para técnicos e responsáveis por atletas, respectivamente. 54 Alojamento e alimentação; transporte, armazenagem e comunicação; intermediação financeira, seguros, previdência complementar e serviços relacionados; atividade imobiliária, aluguel e serviços prestados às empresas; administração pública, defesa e seguridade social; educação, saúde e serviços sociais e outros serviços coletivos, sociais e pessoais. 55 IBGE, Censo Demográfico 2000 – Primeiros resultados da amostra. 56 Valor do rendimento nominal médio mensal, das famílias com rendimento, residentes em domicílios particulares. IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados da amostra. 107 • Média de moradores por domicílio e zona de residência A maioria dos grupos apresentou número médio de pessoas residentes no domicílio superior ao verificado para São Paulo no último Censo Demográfico (3,4). Os resultados foram: 5 para não-atletas, 4,9 para responsáveis por atletas e 4,4 para atletas. O único grupo que apresentou média inferior foi o dos técnicos (3,1). Embora sem enfatizar a distribuição geográfica, procurou-se, dentro das possibilidades, contemplar moradores de diferentes áreas da cidade. A apuração dos dados57 apontou uma concentração na zona sul (49,1%). Das zonas leste e oeste veio igual percentual de participantes, 16,4% cada uma. O centro contribuiu com 3,6% e a zona norte, menor de todas, com apenas 1,8%. Com base nos dados do Censo Demográfico de 200058, as zonas leste e sul da cidade concentram a maior parte de sua população: 36,4% (3.795.372) para a primeira e 31,6% (3.293.274) para a última. Houve uma situação de participante residente em outro município – Ferraz de Vasconcelos –, que faz limite com a zona leste da cidade. Não foi possível identificar as zonas de 10,9% dos bairros informados, principalmente devido ao fato de existir mais de um na cidade com o mesmo nome. • Esportes já praticados e esporte de dedicação atual Os resultados relativos aos esportes já praticados pelos diferentes grupos foram os seguintes: para responsáveis por atletas as maiores incidências ficaram igualmente distribuídas entre Natação e Vôlei, cada um com 40%; dentre as atletas predominou a prática do Handebol (50%); as não-atletas se dedicaram mais ao Vôlei (54,5%) e os técnicos a quatro diferentes esportes – Atletismo, Basquete, Natação e Vôlei –, todos com a mesma freqüência (53,8%). Quadro 16 Esportes praticados pelos participantes dos Grupos Focais, por tipo de grupo Município de São Paulo – 2007 Modalidade esportiva Atletismo Badminton Basquete Beisebol Boxe Ciclismo Esgrima Futebol Ginástica Artística Total 12 2 16 1 2 3 1 17 5 Responsáveis 1 0 3 1 0 0 0 3 0 São Paulo Atletas Técnicos 4 7 0 2 4 7 0 0 1 1 0 2 0 1 4 5 1 2 Não-atletas 0 0 2 0 0 1 0 5 2 57 Alguns participantes informaram o bairro e outros informaram o distrito. Para a apresentação dos resultados, primeiro foi necessário identificar o distrito de pertencimento de cada bairro e em seguida agregar os distritos em zonas. 58 Elaboração: Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano - EMPLASA, 2002. www.emplasa.sp.gov.br. 108 São Paulo Modalidade Total Responsáveis Atletas Técnicos esportiva Ginástica 6 2 1 1 Rítmica Handebol 23 4 8 6 Hipismo 1 0 0 1 Judô 8 1 4 3 Lutas 7 0 1 6 Natação 23 6 7 7 Pólo Aquático 1 0 0 1 Remo 1 0 0 1 Saltos 1 0 0 1 Ornamentais Tênis 5 2 2 0 Tênis de Mesa 5 0 0 4 Trampolim 1 0 0 1 Acrobático Triatlo 1 0 0 1 Vela 1 0 0 1 Vôlei 25 6 6 7 Vôlei de Praia 2 0 0 2 Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituo Noos/Nike, 2007. Não-atletas 2 5 0 0 0 3 0 0 0 1 1 0 0 0 6 0 Para todos os grupos, as maiores freqüências foram para a prática de “3 a 5 esportes” (13 participantes), seguida de “mais de 5 esportes” (12). A média de esportes praticados por todos os participantes foi de 3,2 (mínimo zero e máximo de 17). A quantidade de esportes praticados pelos diferentes grupos ficou assim distribuída: responsáveis por atletas: a maioria praticou algum esporte (9 de 15); 4 praticaram “2 esportes”; 2 praticaram de “3 a 5 esportes”, 2 “mais de 5 esportes” e apenas 1 com um esporte. A média para esse grupo foi de 2,1 esportes (mínimo zero e máximo 6); técnicos: todos praticaram algum esporte, sendo que as maiores incidências ficaram igualmente distribuídas entre “3 a 5 esportes” (5) e “mais de 5 esportes” (5). Os demais praticaram “1” (1) ou “2” (2) esportes. A média do grupo foi de 5,4 esportes (mínimo 1 e máximo 17); atletas: nesse grupo um número significativo de participantes praticou apenas 1 esporte (7 de 16). As demais (9 de 16) informaram igualmente “2 esportes” (3), “3 a 5 esportes” (3) e “mais de 5 esportes” (3). A média do grupo foi de 2,8 esportes (mínimo 1 e máximo 7); não-atletas: apenas 3 das 11 participantes responderam que não praticaram nenhum esporte. As demais (8 de 11) praticaram “3 a 5 esportes” (3), “mais de 5 esportes” (2), “1 esporte” (2) e “2 esportes” (1). A média do grupo foi de 2,6 esportes (mínimo zero e máximo 6). Quanto ao esporte de dedicação atual, os responsáveis por atletas responderam Futebol, Natação e Tênis, cada um com 6,7%; no grupo das atletas havia mais praticantes de Vôlei (25%) e os técnicos informaram Atletismo e Vela, com igual percentual (15,4%). O tempo médio de dedicação ao esporte atual foi maior para os 109 responsáveis por atletas (16,5 anos), seguido pelos técnicos (13,9 anos); as atletas, em virtude da própria idade, tiveram média de 3,4 anos. Entretanto, essa média registrada para as atletas pode ser considerada elevada, uma vez que a idade média do grupo foi 14,9. O grupo das atletas representou 9 diferentes modalidades de esporte olímpico e o dos técnicos, 859, das quais 2 eram de esportes diferentes daqueles praticados pelas atletas (Ginástica Artística e Vela). Quadro 17 Esporte de dedicação atual dos participantes dos Grupos Focais, por tipo de grupo Município de São Paulo – 2007 Modalidade esportiva São Paulo Responsáveis Atletas Atletismo 0 2 Basquete 0 1 Futebol 1 1 Ginástica Artística 0 0 Handebol 0 2 Judô 0 3 Modalidade esportiva São Paulo Total Responsáveis Atletas Lutas 2 0 1 Natação 2 1 1 Tênis 1 1 0 Vela 2 0 0 Vôlei 5 0 4 Vôlei de Praia 1 0 1 Outros(1) 2 1 0 Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007. Total 4 1 3 1 3 4 Técnicos 2 0 1 1 1 1 Técnicos 1 0 0 2 1 0 1 Nota: 1. Incluiu Futsal para um dos técnicos e Ginástica sem especificação para responsáveis por atletas. • Vínculo institucional e dimensão do esporte A existência de vínculo com alguma instituição esportiva foi mais significativa para os federados, nos dois grupos diretamente envolvidos com essa questão, o dos técnicos com 36,4% e o das atletas com 33,3%. Já a proporção de atletas confederadas (28,6%) foi um pouco superior àquela registrada para o grupo de técnicos (27,3%). No grupo de responsáveis por atletas apareceu apenas um participante federado. Considerando cada uma das dimensões do esporte e os participantes praticantes de esporte, pertencentes a três dos quatro grupos pesquisados, uma vez que as nãoatletas não responderam a questão, a dimensão com resultado mais expressivo foi “Esporte e lazer” (48,3%), seguida de “Esporte de rendimento não-profissional” com 32,1%, “Esporte de rendimento profissional” ficou com 25% e “Esporte educacional” com 18,2%. Cabe lembrar que os participantes podiam assinalar mais de uma alternativa. 59 Não foi incluído o “outro”, no caso dos) técnicos o Futsal, por não ser olímpico. 110 A seguir, as informações sobre a dimensão do esporte, segundo os diferentes grupos e com indicação do esporte praticado atualmente: “Esporte de rendimento profissional”, composto por técnicos (3 de 10) praticantes de Handebol, Judô e lutas e de atletas (4 de 15) do Atletismo, Judô, Lutas e Vôlei; “Esporte de rendimento não-profissional”, representado por técnicos (4 de 10) que atuam em Atletismo, luta, Futebol e outros (Futsal) e atletas (5 de 15) de Futebol, Handebol, Natação e Vôlei; “Esporte e lazer”, que contou com técnicos (5 de 10) praticantes de Atletismo, lutas e Vela, responsáveis por atletas (4 de 4) praticantes de Futebol, Natação, Tênis e outro (Ginástica) e atletas (5 de 10) de Atletismo, Handebol, Judô e Vôlei de Praia; “Esporte educacional”, que incluiu técnicos (6 de 10) praticantes de Atletismo, Handebol, lutas, Vela e Vôlei, responsáveis por atletas (1 de 3) praticante de Futebol e atletas (3 de 15) de Atletismo, Basquete e lutas. Os dados apresentados mostram que um mesmo esporte pode ser praticado de várias formas (dimensões), como ocorreu, por exemplo, com o Atletismo e com as lutas. E um mesmo tipo de praticante, seja ele técnico ou atleta, também pode atuar em mais de uma dimensão; o resultado indica que ambos, técnicos e atletas, estiveram presentes em todas as dimensões. O grupo de responsáveis por atletas, de acordo com o esperado, não apareceu nas dimensões que envolvem o esporte de rendimento. • Nota atribuída à prática do esporte no município e comentários Quando solicitados a atribuírem uma nota às condições de prática do esporte no município, os diferentes grupos se posicionaram da seguinte maneira: responsáveis por atletas ficaram com a menor média (4,4) e notas variando entre zero e 7, para o grupo de técnicos a nota média foi 6,1 (mínima de 3 e máxima de 9) e atletas e nãoatletas com a mesma média e a maior de todos os grupos (6,9). A diferença entre esses dois últimos grupos foram as notas mínimas, 3 para as atletas e 5 para as nãoatletas, e as máximas, 10 e 9, respectivamente. A menor nota atribuída (zero) apareceu no grupo de responsáveis por atletas e a melhor no grupo das atletas (10). O resultado obtido para o grupo de técnicos, apesar de menor, esteve mais próximo da nota média das atletas e não-atletas. • Comentários e sugestões: No final da ficha havia um espaço livre para comentários e sugestões, inclusive de perguntas que perceberam como faltantes na ficha. Todos os grupos tiveram pelo menos um comentário ou sugestão. O dos técnicos apresentou 3, o dos responsáveis por atletas 2, e os demais 1 cada um. A seguir, a íntegra das contribuições, para cada um dos grupos: Técnicos: os comentários desse grupo expressam o interesse dos participantes pelo tema esportes. Alguns poucos aspectos mostram ausência de informação sobre o escopo da pesquisa, como a questão da não inclusão do esporte paraolímpico, ocorrida devido às suas 111 inúmeras especificidades, e a não realização de levantamentos quantitativos. Não houve perguntas relacionadas ao treinador em específico (exemplo: com que tipo de atletas trabalha). E em relação ao desporto paraolímpico, suas atividades e integração social do mesmo. Se a pessoa exerce algum cargo de liderança como diretor, presidente etc... Quais práticas esportivas são vivenciadas na sua comunidade. Quantos locais existem para esta prática, exceto escolas, clubes e academias. Mesmo sendo pontuais e raras, as observações feitas pelos demais grupos indicaram questões que apareceram de forma relevante na discussão dos grupos, tais como a ausência de patrocínio para atletas e a falta de divulgação da atividade esportiva em geral, ressaltada em vários momentos pelo grupo de responsáveis por atletas. Atletas Eu não tenho patrocínio, por este fato, treino da maneira que eu posso. O nome? Responsáveis por atletas: Falta divulgação pela PMSP sobre os locais e cursos disponíveis na cidade Não-atletas: Qual o motivo de não se praticar esportes? IV.2. As vozes das mães, pais e responsáveis pelas atletas Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora Antecedentes Como no Rio, o fato do grupo dos responsáveis anteceder ao das atletas foi uma escolha estratégica e de fato contribuiu muito para garantir a presença das atletas no dia seguinte, pois os responsáveis souberam onde as meninas iriam, sobre o que conversariam e quem eram as pessoas que estavam à frente do trabalho. Isso facilitou também o preenchimento dos Termos de Autorização necessários para que as atletas menores de 18 anos participassem da pesquisa. A montagem do grupo de pais e responsáveis em São Paulo foi realizada com a do grupo das atletas. Em oito situações conseguimos a confirmação da atleta e dos pais. Tivemos quatro casais agendados e cinco presentes no dia da discussão de grupo. A presença dos casais, ocorrida de livre e espontânea vontade, preencheu praticamente metade do número de participantes esperados para o grupo de pais. Entretanto, para completar o número desejado, foi necessário entrar em contato com pais cujas filhas não participariam do grupo de atletas. Desse último conjunto confirmaram presença um casal (pai e mãe de atleta), uma mãe e um pai. 112 Parece que o tema da pesquisa de fato suscitou o interesse dos pais e garantiu sua participação. A realização do GF A assistente de pesquisa ficou no térreo para receber os pais e nós ficamos no 2º andar, na sala onde seria realizado o Grupo Focal. Logo que chegamos, organizamos os questionários, as pranchetas (as cadeiras da sala não possuíam apoio para escrever), canetas, a lista de presença, os crachás, os brindes e os vales-transporte. Também reservamos papel em branco, pois a dinâmica inicial utilizaria esse material. Os pais começaram a chegar um pouco antes do horário previsto para o início do debate. Oferecemos o lanche, que já estava servido. Os primeiros preferiram se sentar e então entregamos a Ficha de Perfil Socioeconômico, para que fosse preenchida; uma para cada participante, mesmo tratando-se de casais. A presença maciça e também a pontualidade demonstraram o real interesse dos pais em discutir as questões referentes à prática de esportes na vida de suas filhas. Optou-se por iniciar o encontro pelo lanche, já que o horário agendado era no fim do dia, ao término do horário de trabalho da maioria dos participantes. Também por essa razão optou-se pela dinâmica inicial de escrever em um papel algo que se quisesse jogar fora para poder estar inteiramente presente nas atividades do grupo. Todos acharam a idéia interessante e participaram. Foi um grupo emocionante. Todos estavam muito presentes e atuantes. Independentemente de suas posições mais e menos radicais e de suas dificuldades reais, maiores ou menores, estavam interessado em ouvir o outro, dizer o que pensa e contar suas experiências. Houve envolvimento das pessoas presentes durante todo o tempo. Coroando este clima de envolvimento e emoção, as palavras finais da facilitadora, agradecendo a participação, foram seguidas pelos aplausos dos entrevistadas. O pós-grupo Terminado o grupo e feita a “foto oficial”, muitos se reuniram em torno da mesa do lanche para conversar, de forma bastante descontraída. Como previsto na metodologia dos GFs, durante o lanche alguns responsáveis ainda confidenciaram itens do tema debatido no grupo: uma pessoa comentou sobre a necessidade dos atletas chegarem mais cedo para treinar no clube, porque quando os sócios do clube chegam, querem usar a piscina e reclamam, e outra mostra a todos, com muito orgulho, a foto da filha em um folder do projeto social, com vários jovens praticantes de esportes, e tem a beleza da menina elogiada por todos. Algumas pessoas que chegaram com o grupo já iniciado preencheram suas fichas de perfil no final do grupo. 113 Entregamos o brinde e o vale-transporte aos presentes. Nesse momento, percebemos que alguns pais já haviam saído e que não receberam nem o brinde e nem o valetransporte. Tomamos a decisão de entregar para as filhas atletas, que iriam no dia seguinte. Alguns pais, especialmente os casais, ficaram felizes por receber o brinde e poder também dar aos outros filhos, uma vez que suas filhas atletas iriam receber um brinde igual. Principais pontos levantados na discussão O que se pretende aqui é sistematizar as idéias que emergiram das discussões, à luz das questões a que se pretendia responder. Procurou-se listar todos os aspectos mencionados, independentemente de sua recorrência ou originalidade. Alguns aspectos mencionados nos dois municípios e que já foram comentados mais longamente no capítulo dedicado ao Rio de Janeiro serão inseridos aqui de forma mais breve para evitar a repetição, bem como algumas comparações entre os dois municípios serão inseridas ao longo do texto. Ao contrário do que ocorrera no grupo de responsáveis no Rio, na rodada de apresentação, os responsáveis pelas atletas em São Paulo limitaram-se a informar seus nomes, em alguns poucos casos a sua profissão, e, em todas os casos, falar da pessoa pela qual eram responsáveis: o nome e o esporte que pratica. Alguns casais mencionaram também a existência de outros filhos bem como a inclusão ou não deles no mundo dos esportes. A motivação das meninas para a prática do esporte Os responsáveis pelas atletas em São Paulo falaram da motivação para as meninas entrarem (e permanecerem no esporte) fortemente relacionada à própria experiência com suas filhas, e as suas percepções podem ser classificadas em duas grandes categorias: as de motivação interna e as de motivação externa às atletas. • Motivações internas: assim como os responsáveis entrevistados no GF do Rio, os de São Paulo atribuíram a motivação das atletas a fatores extremamente subjetivos delas como “gostar”, ter “vontade”, buscar o reconhecimento paterno e a um conjunto de coisas que denominaram de “algo que está dentro delas”, “questão dela mesma”, “predestinação”, “cabeça de cada uma”, gosto de nascença – uma vez que foi demonstrado desde a mais tenra idade. Como motivações internas mais “objetivas” mencionaram a busca de solução para problemas de saúde, o “seguir o exemplo de pessoas da família que já praticavam um determinado esporte” e a grande unanimidade paulistana: a competitividade. Ao contrário do Rio, onde somente um pai mencionou esta questão como motivadora, no GF dos responsáveis em São Paulo houve uma ênfase hegemônica na competitividade como o móvel das meninas para o esporte. A discussão gerada a partir desse dado levantou aspectos como a diferença da noção de competitividade nos esportes individuais e coletivos, sendo ela mais sensível nos primeiros. Gerou ainda a advertência de uma mãe para o fato de ser a competitividade um mal social masculino que precisa ser combatido através do estímulo à prática de atividades mais colaborativas entre as pessoas. Um pai lembrou que existem umas poucas pessoas que entram no esporte por 114 razões não competitivas tais como socialização, manter-se em atividade, fazer um pouco de exercício etc. Elas querem o aplauso da gente. Ela é muito competitiva. (...) A motivação dela chama competição, tudo que é competitivo é com ela. Estava ouvindo a mãe falar da competição, é verdade, todas elas têm essa diferença, porque às vezes eu fico lá no Centro esperando ela, tem várias categorias, a gente percebe (que) tem esse diferencial realmente que é essa vontade de competir tanto na área de Judô, balé, às vezes a gente fica olhando lá, é um negócio interessante. É interessante porque eles têm um perfil, às vezes fico analisando, todos querem ganhar, independente da modalidade, eu acho que isso já é de cada um mesmo, estão predestinados a isso. E a competição é fundamental, porque eles querem ganhar, eles têm essa gana de querer ganhar. A questão da competitividade, (…) eu acho crucial. Apesar de ela ser alavancadora porque (traz) uma série de qualidades: determinação, empenho e tal, eu acho que é uma visão mais masculina no sentido negativo da sociedade como um todo. Eu acho que é uma pena, as mulheres, se quiserem progredir, têm que encontrar uma nova forma de esporte. Acho que a sociedade deveria buscar outras formas de esportes não tão competitivas, mas, mais colaborativas. Eu vi que tem uma relação de esportes, todos são competitivos. Eu acho que a sociedade tinha que partir para uma coisa mais colaborativa. E eu acho que essa é uma grande dificuldade. É uma pena que a gente ainda esteja batendo nessa tecla de colocar nossas filhas ainda em atividades competitivas e ainda assim tem que dar graças a Deus que elas estão desenvolvendo outras qualidades. Não vão ficar bordando dentro de casa só. Mas eu acho que isso é muito pouco. Tinha que ir daí para mais. Nem todos são competitivos, a Natação é só competição, mas, por exemplo, Vôlei precisa do grupo, é o time. Eles têm que ser unidos, existe um outro fator aí para elas crescerem. Praticamente todo mundo disse que as filhas são competitivas e brigam para ganhar, mas eu conheço pessoas que jogam por jogar. Vai lá, participa, para fazer mais... para uma socialização. Não quer ir para frente, querem só se manter em atividade, um esporte, fazer um pouco de exercício, essas coisas. • Motivações externas: nesse conjunto de motivações, mais amplo que o primeiro, foram citados fatores como: Ser iniciada no esporte desde pequena; Receber incentivo familiar desde cedo para a participação em outros jogos competitivos ainda que não-esportivos; Ter reconhecido seu talento para a modalidade esportiva que pratica. Esta percepção retoma, sem utilizar esta nomenclatura, a idéia de “dom” muito recorrente na pesquisa no Rio; 115 Receber elogio, estímulo e incentivo por parte da família, dos professores e dos treinadores; Ter condições materiais para a prática esportiva: recursos que, em geral, envolvem uso de material esportivo de boa qualidade, participação em competições, espaço para a prática esportiva (preferencialmente perto de casa), auxílio transporte para os deslocamentos; Ter espaços de convívio equilibrado na vida em geral, principalmente na escola e na família. Existirem oportunidades nos clubes. A importância da família (para o bem e para o mal) Os entrevistados do grupo em São Paulo também falaram da importância atribuída à família para o ingresso e para a permanência das meninas no esporte, apesar do menor destaque dado ao assunto em comparação com o GF dos responsáveis no Rio. Em comum com o Rio houve o fato da discussão ter deixado claro que, além da disposição da família de ajudar e apoiar, é necessário ter recursos para fazê-lo, uma vez que é preciso cobrir despesas com transporte, alimentação adequada, roupas e sapatos próprios, viagens para participar de competições relevantes a fim de marcar pontos no currículo da atleta e assim por diante. Dessa maneira, as diferentes condições socioeconômicas das famílias geram significativos (e, às vezes, decisivos) desníveis de oportunidades e de possibilidades de continuidade da prática esportiva vivida pelas atletas. Como exemplo menciona-se o caso de uma menina que faz Basquete, mas gosta muito mais de Natação e não pode mudar de modalidade porque a família já mantém uma outra filha na Natação e não dispõe de recursos para manter as duas nessa modalidade. Os responsáveis destacaram a importância positiva da família nas seguintes atividades/funções: • • • • Apoio financeiro; Construção de um ambiente de equilíbrio dentro de casa; Permanente fonte de estímulo à carreira das atletas; Acompanhamento da atleta apesar dos outros afazeres dos membros da família. A percepção expressa por uma pessoa do grupo é a de que as responsabilidades da iniciação, formação e desenvolvimento da atleta são todas da família, e que as glórias, quando a atleta chega a conseguir êxitos notórios, vão para o governo e para o país. Neste subtema da importância da família, a novidade no GF de São Paulo foi o fato de os próprios responsáveis terem levantado aspectos negativos da participação da família, coisa que apenas as atletas, pessoalmente, haviam feito na pesquisa do Rio. Foram mencionados como ações negativas da família: • Presença de familiares, que atrapalha nas competições porque faz o atleta se exigir mais; 116 Às vezes a gente até nem vai em competição porque a gente vê que a gente atrapalha, porque (…) eles ficam mais nervosos quando a gente está junto. Por exemplo, no caso de Natação, eles nadam mal (se a família está presente). A minha (filha) mais velha não quer que a gente vá: “Mãe eu não quero que você vá”. • Excesso de cobrança sobre o atleta; • Controle paterno sobre a prática esportiva. Como exemplo foi citado o caso de pais que anotam em um caderninho o tempo que suas filhas vão conseguindo obter na Natação tendo em vista a importância assumida pelo tempo nesta modalidade esportiva. Fazer o quê? Ficar esperando alguém ligar: e aí, diminuiu o tempo? Tem pai, por exemplo, que (…) pega tempo do filho, de treino, e fica marcando num caderninho. Eu não chego a isso. No caso da Natação o intuito não é pegar medalha, o intuito é diminuir o tempo porque é tudo por tempo, não é pra ganhar medalha. Não é isso que o técnico quer. O que eles visam, desde quando eles começam a treinar até a idade de ficarem mais velhos, é o tempo, porque é o tempo que garante (…) eles irem nessas competições e conseguirem uma medalha, a medalha é uma conseqüência do trabalho deles. E é realmente a vontade, tem que ter vontade, tem que ir atrás, os pais têm que incentivar, a gente tem que se virar, porque a gente trabalha, mas tem que incentivar, tem que fazer um monte de coisas para conseguir que eles façam um esporte. Esporte é bom. A importância da escola no encaminhamento da vida esportiva Este aspecto, não levantado pelos responsáveis no GF do Rio, ainda que muito enfatizado pelos técnicos, professores, treinadores e responsáveis por projetos sociais, ganhou destaque entre os responsáveis pelas atletas de São Paulo. Os responsáveis no Rio estavam preocupados com o desempenho escolar das atletas e com a possibilidade do esporte inviabilizar o estudo em paralelo. Já os de São Paulo dedicaram sua atenção à centralidade do papel da escola como locus privilegiado para a iniciação da prática esportiva como ocorre em outros países. Acham fundamental o incentivo ao esporte educacional. Ressaltaram, no entanto, que, atualmente, este papel não vem sendo desempenhado porque, mesmo aquelas escolas que dão oportunidade e oferecem alternativas para que as crianças experimentem diversas modalidades esportivas, não oferecem possibilidade de continuidade para nenhuma delas; e porque as escolas públicas não têm recursos para ampliar o período de permanência dos alunos na escola para propiciar a prática de esporte em um turno diferente. Tal situação gera uma total desvinculação entre escola e prática esportiva, propiciando uma situação de “concorrência” no uso do tempo das crianças e adolescentes. Os responsáveis também acham razoável esperar da escola que ela propicie aos alunos em geral um ambiente de convívio equilibrado 117 e uma política de incentivo aos alunos esportistas, que poderia ser uma política de concessões de bolsa escolar até a universidade. Eu acho é que teria que começar na escola. Teriam que estudar como é na Europa, como é nos EUA, que as crianças estudam um período e no outro período eles vão se dedicar a um esporte. Eu acho que isso incentivaria as crianças porque aí eles têm a escola, o aprendizado, e têm o esporte. Essas escolas de prefeituras deveriam pegar as crianças e fazerem isso com as crianças. De manhã eles vão estudar, à tarde em vez deles ficarem na rua, vão ficar na escola e vão se dedicar, vão colocar, porque eu acho que a verba sempre tem. O problema é que a verba vai desviada para outros lados e se não desviassem tanto essas verbas, (talvez) sobrasse um pouco para a cultura, para a educação. Tem muito valor aí jogado na rua, crianças às vezes pobres, de favela, que a mãe não tem condição, a mãe tem que trabalhar, larga a criança e essa criança teria um potencial para jogar um Futebol – que brasileiro tem a ginga, ele tem jeito. As meninas têm jeito para o esporte só que estão aí abandonadas. Então eu acho que isso deveria começar pela escola. Tanto a pública quanto a particular. Deveria ter um incentivo dentro da escola. A escola até tem, mas é muito pequena. A escola das minhas filhas tem jogos, mas não é uma coisa que é incentivada. Deveria ser mais incentivada. Uma das dificuldades é escola de um lado (e) clube do outro. Não tem nada uma coisa com outra, é uma briga muito grande. A escola não precisa nem ser específica em nada. Naquele horário de intervalo, que todas as escolas têm o professor de educação física, só o condicionamento físico já está bom. Para todos que já são atletas, 10 minutos por dia na própria escola. É uma sugestão. Na hora que ele chegar no treinamento ele vai estar no mínimo aquecido. É difícil, escola é difícil. Eu entendo a sua preocupação é a preocupação dos professores de educação física, mas não tem estrutura. É muita gente, não tem condições de você prolongar para a tarde porque a escola fisicamente não teria como comportar isso, o quadro de professores tem um horário a cumprir, então quando vem esse horário deles basicamente eles não podem continuar até porque a prefeitura não reembolsa isso. A escola? Não adianta. A escola pode fazer, que não tem depois para onde encaminhar, não vai. Se não bate numa bolsa para pessoa continuar. Primeiro que escola e esporte estão assim (seu gesto indica direções opostas), porque chega uma hora que tem que decidir não pode continuar nos dois. Ou você vai estudar ou você vai participar do esporte. A maioria que você vê no esporte é porque se dedica o dia inteiro ao esporte. Não tem tempo de estudar porque não existe um órgão que junta as duas coisas. Se tivesse uma política aqui. Estamos falando da nossa realidade. A escola realmente não tem estrutura, mas se o governo quisesse, tinha. Parece que ficou essa história da escola de ter, por exemplo, num outro período realmente. A minha filha estudou na escola que a tarde fazia isso, você podia ir lá e ficar a tarde inteira, lá jogando tudo o que você quisesse. E ela ia, todo dia. Cada dia um esporte. Mas não tem seqüência. Se ela se destacasse ou uma outra aluna qualquer se destacar, se ela quisesse seguir carreira que ela joga Handebol, que é o que ela gosta 118 mais, não tem. O cara não pede, não fala: vou te encaminhar para um centro olímpico ou um centro tal que lá você vai participar da peneira e se realmente você for boa você vai virar atleta. Não tem isso. Seja escola pública, seja escola particular. Importância dos clubes para a continuidade da vida esportiva Outra discussão que na pesquisa do Rio esteve muito mais afeita aos técnicos e que foi muito focada pelos responsáveis por atletas em São Paulo foi a questão dos clubes, que seriam, a seu ver, uma das poucas alternativas de continuidade da prática esportiva para maiores de 18 anos, percebida como um problema central para a prática esportiva das meninas, como será destacado mais adiante. Os principais pontos levantados no bojo desta discussão foram: • O apoio propiciado pelo clube aos atletas: discutiu-se tanto que este apoio existe somente para os sócios como também que, em caso de reconhecimento do grande talento do postulante, alguns clubes aceitam “militantes”. Outros entrevistados opinaram que o clube muitas vezes não dá o apoio devido nem para os sócios, até porque um atleta custa caro ao clube. Graças a Deus a gente tem o clube que não vai parar aos 17. Concordo que seria uma grande frustração, lá talvez ela tenha possibilidade de continuar, porque lá ela pode continuar não só como adulta como depois como máster. E tem também máster sem ser sócio, gente de fora que está lá nadando. Mas realmente é uma dificuldade que a gente vê. Há necessidade dos atletas chegarem mais cedo para treinar no clube porque quando os sócios do clube chegam, querem usar a piscina e reclamam. No caso da minha (filha) mais velha, ela nada desde os seis meses, desde nenezinho. Ela começou nadando em academia perto de casa, a gente mora no Alto da Lapa – Pinheiros. Aí eu levava, ela foi crescendo sempre fazendo Natação. Chegou num ponto que o treinador de onde ela fazia Natação, que é num lugar pequeno, incentivou a procurar um clube que ela teria um futuro, que ela era uma menina esforçada, ela teria futuro. Aí eu procurei um clube, na verdade eu procurei dois clubes. Um dos clubes me aceitou no começo como militante e ela foi fazer um teste, ela passou pelo teste e continuou e daí para frente ela começou a treinar, foi estimulada para continuar e ela está aí hoje nadando. A seqüência de falas a seguir discute a controvertida questão do apoio dado pelos clubes: Agora, nós temos um conhecido que o filho dele é o campeão brasileiro de salto, ele salta por onde? Pelo clube XXX. O XXX dá dinheiro para ele, tem mesada, ele agora é da equipe olímpica, ele tem uma mesada só para treinar na equipe olímpica. Não é durante os jogos. Ele tem uma outra mesada que (é) para ele transportar, para ele se alimentar, essas coisas todas. Primeiro, que é homem. Eu não sei, na realidade ele foi, como ele conseguiu isso? No XXX, que é um clube elitizado. Eu não sei se no Pinheiros, se ele fosse uma menina teria o mesmo apoio. Vou estar com eles amanhã, posso perguntar, por curiosidade, (se) tem também feminino lá nessa mesma situação. Eu até acho que tem porque depende 119 muito do local, do clube, o clube tem essa tradição de exportar atletas como tem de Natação no clube XXX1, no Rio, tem aqueles nichos. Talvez tenha ela também. Agora também tem uma questão, não são todos os clubes como o XXX. O XXX não pega atletas de fora. Eles só pegam as pessoas que são sócias do XXX. Ou os melhores dos melhores dos melhores. Algumas vezes pegam e às vezes eles não pegam. Então isso é uma dificuldade também para o clube que eu vejo, o clube XXX tem militantes. Para o clube, um atleta custa muito caro, ou seja, ou o atleta dá resultado para o clube, ou simplesmente ele é obrigado a se retirar. Porque o clube (…) tem que financiar essas viagens. No caso dos meus filhos, quando eles vão para competir fora, alguma coisa o clube paga, que nem inscrição... • O clube não paga para as atletas de outros clubes que são recrutadas para completar a equipe do clube em competições. • O clube não faz esforço para ampliar as possibilidades de práticas esportivas para as meninas e oferece condições diferenciadas segundo o sexo, privilegiando os meninos. No clube, por exemplo, ela já teve dificuldade porque tinha time no clube de masculino Handebol e ela ia no feminino e tinha quatro crianças e os professores não fizeram nada para divulgar dentro do clube, isso que é um ambiente fechado, com espaço pequeno. Podia divulgar, sair na revistinha do clube. • O clube só investe em atletas bem-sucedidos que darão “retorno” tanto com seu esforço pessoal de treinamento como em termos de sucesso. Expressão de estereótipos de gênero Como já foi citado na questão dos clubes, os responsáveis pelas atletas em São Paulo, como os do Rio, percebem, pelo menos em algumas situações, diferenciação entre as condições oferecidas para meninos e meninas. Seguem-se todas as demais menções capturadas das falas dos responsáveis no grupo de São Paulo apontando nesta mesma direção: • Vinculadas à prática do Futebol feminino: como acontecera no Rio, foram as falas relacionadas às meninas que se dedicam ao Futebol as que mais evidenciaram as questões de gênero. Contudo, as posições das mães pareciam mais equilibradas que no Rio, dividindo-se entre uma aceitação sincera da opção das filhas pelo Futebol e a discordância explícita dessa escolha. Neste grupo ouviu-se desde a fala de uma mãe que espontaneamente escolheu o Futebol como modalidade esportiva para a sua filha pequena que demonstrava “gostar de bola” até as críticas a mudanças corporais nas meninas que praticam Futebol, usadas como forma de reforçar o preconceito (e que foram de pronto rebatidas por outra mãe). Ouviu-se ainda o relato de quem já presenciou o questionamento da orientação sexual de sua filha pelo 120 fato dela jogar Futebol. Também foram mencionadas como expressão de preconceito a falta de espaços em geral para o Futebol feminino de campo e a falta de oportunidades mesmo para atletas super-reconhecidas, como é caso da Marta. Sobre a situação das mulheres que jogam Futebol no Brasil, GOELLNER (2006, p.5) assim se manifestou: “É preciso lembrar que, apesar da sempre crescente presença feminina na vida esportiva do país, a situação atual das mulheres deve ser avaliada com cautela. E o Futebol exemplifica bem essa situação: o número de mulheres brasileiras que hoje pratica o Futebol em clubes e áreas de lazer aumentou se comparado à década anterior bem como são bastante significativas as conquistas da nossa seleção que, desde o final dos anos 90, vem marcando sua história em eventos de grande projeção internacional. No entanto, ainda é precária a estruturação da modalidade no país, pois são escassos os campeonatos, as contratações das atletas são efêmeras e, praticamente, inexistem políticas privadas e públicas direcionadas para o incentivo às mulheres que desejam fazer sua carreira dentro desse esporte, o que me leva a afirmar que na ‘Pátria das Chuteiras’ as mulheres não têm vez. Estão na zona de sombra ainda que há muito protagonizem histórias que construíram e estruturaram o Futebol desse país.” A minha filha, ela aprendeu a andar com a bola na mão. Eu nem sei se era para o Futebol que ela queria. Só que aí ela começou a gostar muito de bola, como tinha uma escolinha perto da minha casa, eu coloquei ela, esperei ela fazer cinco anos e desde então ela joga Futebol, já faz 7 anos, ela joga na escolinha e também joga no Centro Olímpico, ela joga Futebol todos os dias da semana porque adora. A minha filha ama de paixão jogar bola. Menina jogando bola, sapatão. Você escuta isso. Mas ela não está nem aí com isso. Ela nem liga. Entra por aqui, sai por aqui, ela se gaba ainda de jogar melhor que os meninos e essa questão de passe é difícil. Isso que ele falou faz muito tempo que a gente está batalhando. Eu sou suspeita porque eu sou mãe, mas ela joga bem. As meninas (…) jogam, elas gostam do que fazem. É muito difícil achar um lugar. O Centro Olímpico é o único lugar que nós achamos. Tem escolinha de Futebol por aí, mas tudo muito caro. Eu acho que o grande desafio é isso que ela falou, hoje tudo é moda, jogar bola, Futebol feminino é moda, a seleção brasileira foi campeã, não foi? Em quarto lugar. Nunca mais se ouviu. Aqui em São Paulo são pouquíssimos times de Futebol feminino. Pouquíssimas, a gente não tem espaço. O desafio hoje da mulher que quer jogar Futebol feminino é espaço. Eles não têm, são muito poucos espaços. Elas têm muitos campeonatos, mas só isso. A gente não vê mais nada como é o Vôlei, a gente vê Vôlei pela televisão, maior sucesso, Basquete maior sucesso, agora Futebol feminino são poucos. Então tem alguns esportes que existe muito preconceito. A gente precisa de mais espaço. Eu acho que a gente tem que lutar por isso. Você vê o Futebol feminino de campo, elas foram terceiro ou quarto colocado, voltou à seleção e a menina não tinha dinheiro, a Marta ela não tinha, ela estava procurando emprego. E ela era a melhor do mundo. E ela estava procurando emprego porque acabou toda a seleção e ela não tinha mais como se manter, o dinheiro que ela tinha era o dinheiro que davam ali, não tem um patrocínio específico. 121 A Marta, jogadora de Futebol, teve que achar emprego lá fora porque senão aqui a melhor jogadora de Futebol feminino do mundo não tinha lugar para trabalhar. Isso é um absurdo. A seqüência de falas a seguir discute a controvertida questão das transformações corporais promovidas pela prática do Futebol: Mãe 1: Eu peco muito em relação Futebol. Eu não incentivo, eu não gosto, eu desestimulo totalmente, eu não gosto, deixa a perna feia, para ela botar vestido. Mãe 2: Fica tudo durinho. Ela tem as pernas lindas. Mãe 1: Mas eu desestimulo, falo que fica feio, falo que fica grossa, fica uma batatona, mas não tem jeito, ela está lá, vai comprar a chuteirinha dela, quer comprar as coisas e não falta um treino, ela falta na escola mas não falta lá. • O reconhecimento de que a nossa cultura identifica alguns esportes como masculinos e outros como femininos. Eu acho o seguinte, que a facilidade para os esportes que a mulher já está são fáceis. Problemas são os esportes que a mulher tem dificuldade que são os esportes mais masculinos. Agora eu acho que deveria ser criada uma ONG para começar, justamente uma ONG que una essas mulheres para elas conseguirem um espaço. Para a gente poder brigar para conseguir esses esportes que a mulher tem dificuldade como o Futebol, como esses esportes que são masculinos e que as mulheres querem entrar. Então vamos nos unir mais uma vez, e brigar para isso. É isso que eu acho que tem que ter. • A visão da valorização do esporte como algo próprio da nova geração apontando para relevantes diferenças geracionais sobre o assunto e denotando mudanças culturais no tempo, aí incluídas as opiniões das meninas sobre o interesse acerca do Futebol: teríamos passado das nãoespectadoras da geração anterior às esportistas de hoje. Primeiro (…) essa coisa de esporte é da geração. Digamos que a minha geração, eu até comento isso para os meus filhos, nós não éramos incentivados a fazer esporte. (…) a gente fazia, mas não era como hoje. Hoje é uma obrigação, a criança tem obrigação de fazer um esporte. Eu acho que isso é bom. Para essa geração veio de bom tamanho. E assim, então, eu acho que para eles (…) pelo fato de ser uma coisa nova todo mundo fazer esporte hoje em dia, que as meninas, por exemplo, quando falaram negocio de Futebol, eu falei: engraçado, parece que é uma coisa dessa geração, de 15 anos, que as meninas todas gostam. Porque antigamente a gente não gostava de jogar Futebol. Menina jogar Futebol? Na minha época nem assistir, nem jogar, era uma coisa horrível. Eu acho que é uma característica dessa geração. Como é uma coisa nova, elas estão começando a conquistar. Que nem ele falou que lugares gratuitos existem muito poucos, por quê? Porque essa geração, elas estão abrindo caminho para gerações futuras que vão chegar e aí já vão ter uma facilidade maior. Eu acho que é por isso uma coisa que agora está sendo levada. 122 • A reduzida oferta de oportunidades no município para a prática esportiva das meninas e a falta de informação sobre as poucas existentes. Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte Os responsáveis entrevistados praticamente só começaram a comentar as dificuldades que percebem para a prática esportiva no município quando a pergunta foi colocada ao grupo. Mesmo assim, ainda seguiram falando um pouco da motivação antes de encarar a dura realidade que percebem como cenário para a prática esportiva de suas filhas no município de São Paulo. Foi este grupo que atribuiu as mais baixas notas média e mediana às condições municipais para a prática de esporte: respectivamente 4,4 e 5. Fizeram questão de assinalar que algumas dificuldades percebidas são comuns aos meninos e às meninas. Lista-se a seguir todas as dificuldades mencionadas, tentando respeitar a ordem de recorrência das mesmas. Vale ressaltar que ainda que o panorama geral das dificuldades percebidas seja semelhante no Rio e em São Paulo, as ênfases são muito diferentes e as palavras com que nomeiam algumas situações por vezes são totalmente originais. • Falta de recursos e de apoio governamental ao esporte: ao contrário do Rio, onde a ênfase na questão dos recursos necessários para manter uma carreira esportiva em desenvolvimento foi direcionada na ausência de patrocínio, os responsáveis ouvidos pela pesquisa em São Paulo preferiram falar de falta de recursos. Para dar uma idéia da dimensão do que está sendo dito, somente duas pessoas (ao todo 3 vezes) utilizaram a palavra patrocínio no GF de São Paulo, enquanto no do Rio 8 responsáveis, tanto homens como mulheres, usaram a palavra patrocínio 17 vezes. Os participantes do GF dos responsáveis mencionaram: Falta de recursos da família; Falta de material adequado para a prática do Atletismo; Falta de condições para cumprir os requisitos necessários para fazer jus a uma bolsa escolar; Falta de patrocínio, seja público ou privado, o que ocasiona a obrigação de investir do próprio bolso, já que medalha não trás dinheiro. Falta de políticas públicas não somente porque faltam recursos para ser investidos, mas, principalmente, porque falta vontade política para destinar os recursos existentes para o esporte e porque há grande incidência de corrupção e desvio de verbas. Insegurança no futuro de quem pratica esporte e não tem recurso. • Fim prematuro das oportunidades para a prática do esporte: os locais de prática esportiva gratuitos existentes em São Paulo só acolhem as pessoas até os seus 16 ou 17 anos, tornando a continuidade para além desta idade impossível dentro do próprio município para as famílias que não dispõem de recursos para investir no esporte e para levar suas filhas até onde existe um time ou uma nova oportunidade: outros municípios do estado nos quais a prefeitura tem políticas de inclusão ou outros países nos quais outras regras mais favoráveis regem a atividade esportiva. Assim, dá-se prematuramente o fim do sonho da atleta e o de seus responsáveis, que vislumbram no talento 123 esportivo da filha uma via de ascensão social e uma chance de levarem uma vida melhor – incluído o acesso à casa própria. Além disso, também por volta dos 17 anos, a menina conclui o curso médio e se vê diante da opção de continuar tentando o esporte – que lhe toma tempo, não lhe dá garantia de futuro e promove grandes dispêndios familiares – ou partir para o vestibular ou para o mercado de trabalho (ou para ambos) em busca de um acesso mais favorável à vida adulta. A minha (filha) já está com 16 anos que ela fez agora. O ano que vem é vestibular. Então esses esportes, ela pratica Handebol, não ganha dinheiro, não tem carreira a ser percorrida, profissionalmente falando. Então fatalmente elas acabam parando. Chega na época do vestibular, porque vai ter que sobreviver de alguma coisa e se continuar praticando esporte vai diminuindo até sumir. Então eu acho que um grande fator para parar com esportes ou até mesmo não se dedicar a partir de agora vai ser não poder receber nada. Se ela fosse um homem e jogasse Futebol do jeito que ela joga Handebol, ela já foi chamada para a seleção brasileira, já viajou para a Escandinávia tal, que chamaram ela, e ela teria um assessor. É mãe falando, poderia ser um Kaká da vida, e poderia estar ganhando alguma coisa. Mas não tem futuro. Não só a escola dá prosseguimento a isso porque a menina quando chega com 17 anos tinha que ter, que nem nos EUA, bolsa. Ir para uma faculdade pelo esporte, ela é uma excelente jogadora, excelente nadadora, ela ir para esporte e vai por uma bolsa de estudos. Então vai estudar numa faculdade legal, mas ela vai lutar pela faculdade como atleta e aí sim todas essas atletas hoje, por exemplo, que estão aqui, nos Estados Unidos para o Pan-Americano, são todas de faculdade. Todos estão por uma faculdade. Então a escola tem que ser à base disso. Pelo que eu vi aqui, a escola quase não foi a base de nenhum. Então, por exemplo, como ela falou, as meninas jogam, chegam aos 17, 18 anos, elas vão trabalhar. Elas têm que trabalhar porque a família às vezes depende disso. Então, a gente percebe assim e eu comento com o professor, não há uma política de segurar essas meninas, (…) vou te dar uma bolsa, vou te dar um salário ou empresa ou sei lá alguma coisa que eles poderiam criar para fortalecer esse tipo de assistência, porque a gente percebe ali, elas chegam da escola todas com a mala, cansadas, no caso o Centro Olímpico dá um lanche, mas a estrutura financeira mesmo está atrás que é a família, não tem. Então eu acho que o Brasil deixa esse despertar aí. 124 • Ausência de “peneiras”60 e pouca divulgação das que existem A palavra “peneira” usada para nomear um tipo de competição que funciona como via de acesso à prática esportiva não-paga ou com algum tipo de ajuda financeira ao atleta é mais uma das especificidades paulistanas. Certamente este tipo de atividade existe no Rio, mas não foi mencionada em qualquer dos GFs da pesquisa nem mesmo nomeada de outra maneira. Os responsáveis queixam-se de que as peneiras são poucas, que quase não há divulgação das poucas existentes e que esta divulgação se dá em veículos elitistas da mídia. Falaram em peneiras realizadas pelos clubes, pelos centros esportivos públicos e pela Adidas e atribuíram a má divulgação à necessidade de restringir o número de candidatos porque nenhuma delas daria conta da real demanda por vagas na cidade. Outro caso é: sábado passado eu levei a minha filha para o centro olímpico que tinha um evento da Adidas, concorrente (referindo-se ao fato da pesquisa ser apoiada pela Nike), e nós não ficamos sabendo. Ficamos sabendo assim na sexta-feira que eles tinham divulgado em rádio e revistas, mas que pouca gente que eu conversei sabia do evento. Então você vê um evento que uma multinacional do tamanho da Adidas patrocina ali no Centro Olímpico. Era uma peneira para meninas de 17, 18, 19 anos e meninos e foi divulgada em uma rádio acho que era rádio de rock, MTV e uma revista especializada. Então você vê, é complicado você falar, qual é a facilidade? A facilidade é a dificuldade porque isso era para ser expansivo. Então porque que não põe num jornal de grande circulação, já que o interesse é peneirar? Mas a gente pergunta por que é assim? Por que houve essa restrição? Por que não é um evento? Não é aberto? Não é um lugar público? Não é uma marca que tem dinheiro? E, no entanto pouca gente soube dessa peneira, era Futebol. E a gente foi lá, na realidade tinham poucos pelo número de pessoas que têm em São Paulo. Então eu vejo assim a facilidade também é uma grande dificuldade porque se é para colocar isso como fator acho que tem que noticiar mesmo, dar tempo para os pais. É um negócio assim, surge na segunda para sábado e às vezes nem todo mundo está ali com tempo, mas foi um fator que eu vi, fui lá e presenciei, realmente acho que tirou muita gente da peneira por falta de informação. • Os locais de prática esportiva gratuita são poucos, considerando o tamanho do município, e muito distantes da moradia de quem deles necessita, já que há ausência de espaços regionalizados. • Grandes deslocamentos e tempo perdido em condução: em decorrência da já mencionada distância entre moradia e centros esportivos públicos, as atletas são submetidas diariamente a grandes deslocamentos, que acarretam um gasto de tempo em condução às vezes superior ao gasto no treino, sem mencionar os custos desses deslocamentos para suas famílias. Alguns responsáveis se perguntam se isso compensa ou se não seria mais adequado investir os recursos em outros tipos de formação como cursos de língua, por exemplo. 60 Peneiras, segundo o material de divulgação do COTP, "são testes de seleção para cada modalidade oferecida pelo Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa e geralmente acontecem n início de cada ano". São processos seletivos iniciais. 125 • Falta de tempo e rotina pesada: combinado ao problema anterior, administrar o tempo já é uma dificuldade em si mesmo se pensarmos que a jovem atleta tem que cumprir um período do seu dia na escola, tem que treinar durante longas horas e ainda participar de jogos nos finais de semana. Tal agenda configura uma rotina estafante a qual submetem-se, segundo um pai entrevistado, por que são “incansáveis” quando se trata de dedicar-se ao seu esporte favorito. • De forma residual foram mencionadas: As dificuldades de estar preparado para perder – no jogo e na vida; Eu percebi que todo mundo comentou que a competitividade é o forte. Todo mundo quer ganhar. Nós precisamos estar espertos e preparar para perder, porque decepção é duro. Eu preparo sempre a minha filha. (...) Mas essa da competitividade que é uma das motivações, parece que para todo mundo, (...) parece que é meio unânime, porque todos querem ganhar, a gente precisa tomar cuidado com a criançada. É importante tomar, com o perdão da palavra, tomar porrada, perder as competições, a criança precisa estar preparada porque a vida toda vai ganhar? Ganhava um joguinho na escola quando ela vai num campeonato é obvio, tem times menores ela joga para ganhar, mas elas têm que estar preparadas para perder, faz parte da vida. Perder e justiça, têm que aprender que a vida não é justa e que perde uma, ganha a outra. As duas coisas têm que aprender de pequeno. A questão de ter ou não o biótipo desejável para cada esporte, havendo quem achasse que o biótipo era determinante e quem achasse que ele se submetia ao talento da pessoa para aquele esporte. Não porque eu acho que é ruim. No caso das minhas filhas, eu joguei e até brinco de bola, sou ruim de Futebol, fui melhor com as mãos, e eu percebi uma aptidão deles com a Natação: biótipo, o tamanho, o corpo deles. A minha filha no Futebol, ela ama também, adora, só que ela é péssima. E ela não tinha aptidão. Eu chegava, não é que eu não forçava, eu falava: não é bem por aí. A minha do meio, por exemplo, ela queria fazer qualquer outra coisa não ligada à Natação, mas se ela tem biótipo de nadadora, ela nada bem, ela tem força, tem potência, então não é bem por aí. Eu quero fazer balé. Você não tem biótipo para bailarina. Eu quero fazer Ginástica Olímpica. Você não tem biótipo, você é alta, você é grande, elas puxaram para mim. Então foi mais por causa de como eles eram, e fui tentando encaminhar. Biótipo, eu acho que não tem muito a ver. A minha filha, ela é boa em tudo que ela quer fazer: não tem biótipo para dançar, ela dança muito bem, tudo que ela faz ela faz perfeito, ela não tem altura para jogar Basquete, quando ela quer jogar, joga bem. Então o estímulo do pai também não é tudo. Depende dela mesmo porque eu não dou, eu dou assim, eu gosto de Handebol, Tênis de Mesa, baralho, essas coisas que eu jogo muito, essas coisas que é estar sentada. E elas esforçam, aí ela procura. Então não é questão de biótipo. O risco de se machucar e não ter atendimento adequado no local onde pratica ou de perder sua oportunidade de prática ao ter que se afastar temporariamente. 126 Facilidades percebidas para que as atletas permaneçam no esporte Como nos demais GFs, foi necessário um esforço maior para identificar fatores facilitadores para a prática esportiva das meninas. Contudo, as poucas respostas vieram de forma direta e não em forma de listagem de qualidades que o esporte aporta para seus praticantes, ainda que duas pessoas tenham mencionado que o “esporte tira a criança da rua” e “afasta a menina das drogas”. Um pai disse que não há facilidades e mesmo quando há elas são maiores para os meninos; outras duas pessoas mencionaram de forma isolada o fato de que “as mulheres são mais inteligentes” e o acesso que algumas escolas propiciam à experimentação de diversas modalidades esportivas para meninos e meninas, porém com vantagem para os meninos. A facilidade, as meninas são mais inteligentes do que os meninos. Elas já são. Então, eu falo pelo Futebol que precisa ser instantâneo ali, elas são mais inteligentes, elas vão se sair melhor. Só que o tempo é que elas vão se sair melhor. Essa é a facilidade. Eu não consegui ver nenhuma vantagem, a não ser na escola, a escola realmente tem, estava lá para menina, menino, a mesma coisa, os meninos sempre têm uma vantagem a mais, os horários são melhores e as meninas ficam com o que dá, encaixam onde dá. Eu senti um pouco disso no Bandeirantes. Os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro (Pan) Já foi dito que não havia no roteiro dos GFs qualquer questionamento específico sobre o Pan do Rio de Janeiro. No GF dos responsáveis pelas atletas em São Paulo o assunto emergiu espontaneamente, tendo sido as referências feitas sempre pelos seus aspectos negativos: • As atletas paulistanas não falam do Pan e o seu desinteresse pelo evento leva até a questionar o seu amor pelo esporte: teriam elas feito uma opção de vida pelo esporte ou apenas estavam gostando de praticá-lo neste momento específico de sua vida? Estou vendo chegar jogos Pan-Americanos e lá no Centro Olímpico mesmo eu não sinto isso. Era para todo mundo estar em ebulição ali. Não tem. É um dia comum, um treino comum. A diferença delas em continuar. O que eu acho é que ela está vivendo o momento dela, porque eu não sei se elas são interessadas tanto no esporte. Falar agora dos jogos no Rio, não há divulgação, nada. A minha filha não fala nada, eu acho que se ela fosse tão interessada assim, saber o que vai continuar, o que vem pela frente... • • • As obras que estão sendo feitas no Rio para o evento estão atrasadas; Falta divulgação para o evento; Não se consegue comprar ingressos mesmo quando há interesse. 127 Sobre o que falou do Pan-Americano, a minha filha, os meus filhos, principalmente a mais velha, está louca para ir no Pan-Americano, tanto que ela queria porque queria tentar arrumar ingresso. Eu fui tentar na Internet no dia, 10 horas depois que abriu os ingressos não tinha mais um ingresso para Natação. Sugestões para melhorar as condições de prática esportiva para as meninas As sugestões apresentadas giravam principalmente em torno da centralidade da escola – da importância do esporte educacional; da necessidade de políticas públicas para o esporte; e na necessidade de uma ação organizada por parte da sociedade para reivindicar. • Com referência à ênfase na escola: Centrar a política de esportes na escola: escola num primeiro momento e bolsa universitária depois para dar continuidade. Bolsas universitárias foram defendidas pela maioria, seguindo o exemplo de países desenvolvidos, que têm ótimos resultados nas competições internacionais como EUA e França. Somente um pai defende que a bolsa universitária exista somente para quem entrou na universidade por seus méritos não-esportivos. Ainda no âmbito da escola, um pai sugeriu que, fora de espaços específicos para o esporte nas escolas, os professores de educação física proporcionem 10 minutos de condicionamento físico nos intervalos de aulas para os praticantes de esporte. Mais estrutura para as escolas. Aparentemente não há interesse em alterar a situação educacional, pois um povo menos instruído é mais fácil de ser iludido. • Política pública para apoiar o esporte. Ações isoladas não resolvem. No âmbito desta discussão, houve um acalorado debate sobre o papel das ONGs: de um lado havia as pessoas que achavam que, mesmo existindo políticas públicas e interesse governamental de apoiar o esporte, as ONGs têm o seu lugar e a sua função. De outro lado, as pessoas que diziam que as ONGs existem como “muleta do Estado”, para tapar os buracos deixados pelo governo. • Transformar o esporte em um dos focos da ação governamental. • Cobrar dos governantes mais ações para o esporte, pressionando para que tenham vontade política de promover mudanças no esporte porque está provado que quando há vontade política, as coisas acontecem. Como exemplo foi citado o nível de segurança pública conseguido em São Paulo durante as visitas de Bush e do papa Bento XVI. Entre as ações de cobrança citadas estavam fazer ações públicas de protesto em locais de grande visibilidade para as autoridades e até mesmo uma “revolução sangrenta” como pré-requisito para a mudança social. 128 • Ações da Nike em prol das mulheres no esporte como incentivo a outras grandes marcas esportivas. Interesse empresarial versus esperança de mudança. IV.3. As vozes das atletas Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora Antecedentes A composição do grupo das atletas procurou privilegiar a diversidade de modalidades de esporte olímpico. Atingimos esse intento, apesar de não termos conseguido a inclusão de alguns esportes menos praticados como o iatismo e a Esgrima. Um dos projetos sociais visitados oferece a prática de vários esportes, para que depois o aluno faça sua escolha; incluímos uma menina desse projeto, para ter presente essa experiência. Havia muitas meninas praticantes de Vôlei e, nesse caso, procuramos contemplar as diferentes dimensões do esporte: educacional; profissional, muito difícil devido à faixa etária das meninas (12 a 18 anos); nãoprofissional e esporte como forma de inclusão social. Durante os contatos foi mais fácil conseguir representantes das modalidades praticadas nos grandes centros esportivos, tais como o Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa, da Secretaria de Esporte do Município de São Paulo, e o Clube da Cidade de Santo Amaro George Bruder, também da prefeitura. A maior dificuldade foram os clubes. Em algumas situações, seus diretores não permitiram a indicação do nome das atletas e nem o fornecimento de seus telefones. Com algum esforço foi possível trazer algumas atletas vinculadas a esse tipo de entidade, para que as diferentes vivências da prática esportiva pudessem ser consideradas. Outra dificuldade foram as escolas, também representantes do esporte educacional. Algumas das públicas não tinham praticantes do sexo feminino e outras, devido à extrema burocracia, não conseguiram nos responder em tempo hábil, apesar dos nossos insistentes contatos. As particulares procuradas ou não tinham a prática esportiva ou não nos atenderam. Mesmo assim, foi possível trazer uma menina que pratica esporte na escola particular. As entidades que trabalham com projetos sociais foram mais abertas e com isso permitiram a presença de representantes de diferentes projetos e modalidades esportivas. Uma delas, alegando normas internas, não permitiu o nosso contato direto com as atletas ou seus responsáveis, sem antes falar com cada uma delas. Conhecer e lidar com essas diferentes formas de vínculos, vivenciadas pelas atletas, foi um bom aprendizado de como a atividade esportiva acontece na cidade de São Paulo. Instituições e projetos sociais participantes do GF Estavam representados no GF as seguintes instituições e programas: 129 Associação Brasileira “A Hebraica” de São Paulo Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa – COTP Clube da Cidade de Santo Amaro George Bruder Colégio São Francisco Xavier Federação Paulista de Handebol Instituto Esporte Educação Kai Kam Saúde Atletismo – Associação Nikkey de Atletismo e Saúde Obra Social Dom Bosco Projeto Esporte Talento – CEPEUSP e Fundação Ayrton Senna Serviço Social do Comércio – SESC Vila Mariana A realização do GF Muitas meninas chegaram acompanhadas das mães e algumas destas mães haviam estado conosco no GF da noite anterior. Foi um reencontro prazeroso. Distribuímos as Fichas de Perfil Socioeconômico e as mães que já haviam tido a experiência de preenchê-las deram dicas para as sua filhas. Algumas das demais mães, que escolheram não participar do grupo de responsáveis porque não poderiam vir duas vezes e priorizaram a vinda das filhas, receberam o Termo de Autorização para leitura e assinatura. As meninas receberam crachás com seus nomes escritos de forma bem legível, para que todos, inclusive nós, pudéssemos nos dirigir uns aos outros pelos nomes. O uso do crachá é imprescindível para que a facilitadora oriente a discussão e também para permitir a identificação das falas no relato – registro escrito do debate. Todas as convidadas foram muito pontuais e logo o grupo estava completo. Das dezesseis meninas previstas, apenas uma não compareceu. Esse resultado é surpreendente, considerando o caráter voluntário da participação. Para dar início ao grupo focal, as mães e amigas das atletas foram convidadas a se dirigir ao mezanino do hotel. Lá havia uma sala confortável, com sofás e TV, onde essas pessoas aguardariam o término do grupo na companhia da nossa assistente de pesquisa. Uma atleta compareceu no dia destinado ao Grupo de Técnicos, Treinadores, Professores, Árbitros e Responsáveis por Projetos Sociais – 02/05. Essa atleta não havia sido indicada pela sua instituição e nem pelo seu técnico e por esse motivo não fazia parte da relação de atletas convidadas. Nosso arquivo não possuía nenhuma indicação de atleta da modalidade luta. Ela veio acompanhando seu técnico, que em nenhum momento mencionou a intenção de trazê-la, para que pudéssemos dirigi-la para o grupo das atletas. Fizemos dois contatos diretos com ele, um para convidá-lo e outro para confirmar sua presença. As falas da atleta, realizadas no Grupo dos Técnicos, foram incluídas no grupo das atletas e serão consideradas na análise desta seção. Durante o debate, muitas vezes a facilitadora precisou estimular as respostas, perguntando se não havia mais nada a dizer sobre aquele assunto, se ninguém mais tinha uma experiência ou opinião para colocar. Esses estímulos muitas vezes surtiram efeito e as meninas acabaram acrescentando informações importantes. De todo o grupo, apenas uma das meninas era bastante eloqüente. Ela era mais velha, a única com 18 anos, e tinha uma história pessoal diferente das demais e que, 130 segundo ela mesma, lhe deu muita autonomia. As demais participantes estavam igualmente atentas, mas mantinham-se caladas a maior parte do tempo. Uma explicação possível para a maior timidez do grupo era a sua pouca idade – média de 14,9 anos, um ano mais baixa que a verificada no grupo das atletas do Rio, que foi de 16,2 anos. Nessa faixa etária, um ano pode representar bastante tempo de vivência e ampliação da maturidade. Por outro lado, as meninas pareciam ser mais protegidas pelos seus responsáveis do que no Rio, o que também pode interferir no seu nível de autonomia e de capacidade de expressão de suas próprias idéias. Uma certa descontração foi acontecendo no desenrolar do debate e uma atitude geral de descoberta do outro tomou conta do grupo. Em sua fala final sobre o GF, assim se expressou uma participante: “Acho que é legal discutir sobre o esporte; eu acho que foi legal, mas acho que a gente tinha que ter falado mais.” O pós-grupo A facilitadora propôs uma foto do grupo e falou da entrega do certificado, que pode ter alguma utilidade para elas, por terem participado de uma pesquisa esportiva. Ela também procurou consertar o erro cometido pela equipe da pesquisa no dia anterior, em relação aos brindes e vales-transporte que não foram entregues para alguns pais após o término da reunião. O material já estava organizado em sacolas, com o nome das atletas. No final, o clima era de harmonia e coleguismo. As participantes divertiram-se com a foto conjunta e trocaram endereços de e-mail. A confraternização estendeu-se durante o almoço no restaurante do hotel, que reuniu também as não-atletas que participariam do GF da tarde e os responsáveis que tinham vindo trazer/buscar meninas dos dois grupos. 131 Foto 3 Participantes do GF das atletas e membros da equipe da pesquisa Município de São Paulo Principais pontos levantados na discussão O que se pretende aqui é sistematizar as idéias que emergiram das discussões, à luz das questões a que se pretendia responder. Procurou-se listar todos os aspectos mencionados, independentemente de sua recorrência ou originalidade. Os gostos e as idiossincrasias das atletas A dinâmica quebra-gelo utilizada para iniciar os trabalhos foi a de pedir que, junto com sua apresentação pessoal, cada uma falasse de uma coisa de que gosta e não gosta na sua vida. O quadro abaixo reúne as respostas obtidas e mostra que foram muito mais relativas às situações habituais da vida das adolescentes do que centradas na prática esportiva como ocorrera no caso das atletas do Rio. O “gostar” estava predominantemente relacionado a atividades claramente de lazer como a dança, a música, os passeios, os amigos, a TV, as viagens etc. Somente três meninas destacaram a prática do esporte e da competição como sendo uma coisa de que gosta na vida. Quanto às coisas de que não gostam, ou “odeiam” como preferem algumas, relacionam o ócio, o estresse, o controle de suas vidas por outras pessoas, o acordar cedo, o acordar tarde, o estudo, e seis respostas falam de coisas de que não gostam no próprio mundo do esporte: a prática de modalidades esportivas diferentes da sua de eleição e de fazer física, bem como a necessidade de perder peso para permanecer na sua categoria de luta no Judô. 132 Quadro 18 Coisas de que as atletas gostam e não gostam na sua vida Município de São Paulo Uma coisa de que gosta na vida Eu gosto de assistir TV. Eu gosto muito de ficar no computador. Eu gosto de ouvir música e estudar. Uma coisa de que não gosta na vida Eu não gosto de ficar sem fazer nada. Eu não gosto de estresse. Não gosto que as pessoas fiquem me enchendo o saco. Eu adoro ouvir música e dançar. Eu não gosto de Futebol, embora já tenha feito. Eu gosto de sair, conhecer pessoas novas, Não gosto de acordar cedo também. Tenho lugares novos. muita preguiça. Eu gosto de escutar música, conhecer Eu não gosto de estudar. pessoas novas. Eu gosto de sair. Não gosto de acordar cedo. Gosto de fazer Atletismo. Odeio fazer Handebol. Eu gosto de jogar Vôlei, que é o que eu Não gosto de acordar cedo também. pratico, sair com os amigos. Eu amo viajar. Uma coisa que eu odeio é tirar peso porque no Judô precisa ter um peso, mas enfim, eu faço. O que eu gosto de fazer é ouvir música, O que eu não gosto é de ficar sem treinar. dançar. Eu adoro escutar música, passo o dia inteiro Uma coisa que no esporte eu não gosto, de escutando música. verdade, é jogar Futebol, eu odeio jogar Futebol, embora seja obrigada por causa da educação física, mas, não gosto mesmo. Uma coisa que eu gosto muito é de disputar, Odeio fazer física. competir, jogar mesmo. Eu gosto de escutar música e estudar. Eu não gosto de acordar tarde. Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007. A motivação das meninas para a prática do esporte Colocada a primeira questão na roda de conversa – a motivação para a prática esportiva –, as atletas mostraram logo que teriam uma participação tímida e que precisariam ser estimuladas para falar. Contudo a situação não era de desconforto e sim de observação interessada. No que tange à motivação, não houve um ponto de convergência para as respostas que, assim, tenderam a expressar percepções individuais a partir de sua própria experiência. Houve algumas referências à existência de dois momentos distintos de motivação como ocorrera entre as atletas do Rio e uma primeira menção às diferenças de gênero, partida de uma praticante de luta. Seguem-se as idéias reveladas: • Não existe uma motivação única. Ela é múltipla: vem de filmes que você vê, do estímulo que recebe de seus pais e dos amigos, da vontade de ser como os expoentes esportivos que estão na mídia etc. 133 • A motivação é “ser uma profissional” e fazer o esporte porque gosta. • Em um primeiro momento os pais escolhem um esporte para a criança seguindo os seus próprios gostos, mas nem as crianças nem os pais estão pensando em chegar ao alto rendimento, só no gostar mesmo. Depois é que, se dá certo, inicia-se o caminho para o alto rendimento. • A motivação inicial foi uma indicação médica para dar conta de um problema específico de saúde. Foi a porta de entrada para o esporte e, posteriormente, houve a busca do “seu” esporte porque gosta, para conhecer pessoas, ter um bom professor e assim por diante. • A busca de diversão como motivação do primeiro momento e depois, tomar gosto e ter vontade de superar os preconceitos de gênero. O esporte ajuda a conviver com a TPM e isto é uma motivação para permanecer. Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte Como as atletas do Rio, as de São Paulo também elegeram o preconceito como o principal causador de suas dificuldades para a prática esportiva. O preconceito, percebido em suas diversas nuances, foi muito mencionado e apontado como indesejável: as praticantes do Judô e de certas modalidades do Atletismo sentem a comparação com o masculino; as praticantes do Vôlei falam do machismo dos meninos que separam os times por sexo e são extremamente brutos no jogo contra as meninas; as praticantes do Basquete e do Handebol chamam a atenção para um outro nível de preconceito que é aquele entre as pessoas que já conseguiram uma institucionalização maior da sua prática e as demais, e assim por diante. Vale notar que, talvez pela imaturidade das meninas, elas “revidam” o preconceito reificando estereótipos de gênero ou discriminando os meninos também. Isso poderá ser visto em várias falas no grupo. Uma atleta deu a sua receita para lidar com o preconceito de gênero, baseada na indiferença: Acreditar na gente mesmo, que nem na parte do masculino. O masculino é assim? Então está bom, deixa eles. Não quer treinar comigo? Eu também não quero treinar com você. Não quer treinar? E quem disse que eu queria treinar com vocês? Na parte do Futebol que coloca menina para um lado, menino para o outro, (não quer) passar você, te dar um drible e você depois ficar falando mal? A gente tem que fazer que a gente não está nem aí com eles. Acho que a gente tem que ser um pouquinho mais a gente. Foram os seguintes os aspectos levantados e que podem ser classificados na rubrica de preconceito, sejam eles relativos a questões de gênero ou de outra espécie. • Preconceito de gênero: Nos clubes e até mesmo nas escolas, os técnicos e professores só dão atenção às mulheres quando não há equipes masculinas. 134 Eu acho que, tipo, eu treino no colégio e tem muita diferença, pelo menos o técnico, faz muita diferença entre as meninas e o masculino porque sim, pelo menos nos anos anteriores, ele dava muito mais preferência aos meninos, ele ia jogar com eles, ele colocava eles na liga paulista, em vários campeonatos e as meninas nem tanto, ficavam mais excluídas, tanto que esse ano está sendo muito interessante porque como eu estou no terceiro, muitos meninos pararam de treinar porque estão fazendo cursinho. Então, agora não tem mais masculino, agora ele tem que ficar com a gente, mudou muito, ele está colocando a gente em campeonatos, agora que dá para perceber como era diferente. No âmbito do cotidiano não existem tantas diferenças, mas na competição a preferência pelos homens é visível. Eu acho que é assim, no Judô, o preconceito seria mais na parte da confederação porque aqui em São Paulo, na cidade, capital, o esporte é normal tanto do masculino como do feminino, não tem diferença nenhuma, todos participam de tudo. Mas eu acho a nível de seleção brasileira, coisa assim, aí é que tem bastante preconceito, tanto que, não sei se vocês viram, teve uma competição que foi Rússia e Japão, Japão e Brasil também só o masculino participou, o feminino não porque eles acharam que iam gastar dinheiro com o feminino. Nisso que eu fico meia assim, que eu acho um absurdo. Meninas têm a sua orientação sexual questionada em função do esporte que praticam: “se está fazendo este Judô, é homem, sapatão.” Agora aqui, acho que o preconceito que tem do feminino fazer, às vezes é aquela coisa – é homem, está fazendo Judô porque é homem, sapatão. Hoje em dia eu não dou mais bola, mas quando eu fazia, eu me irritava com isso porque eu acho que não tem nada a ver, se o homem pode fazer, por que a mulher não pode fazer, entendeu? Meninas que praticam esportes considerados masculinos como Judô, lutas em geral e certas modalidades do Atletismo como martelo, por exemplo, são sempre comparadas ao homem: “é forte! Pode se igualar aos homens na disputa. Não se deve meter com ela porque ela pode encarar”. O contra-argumento de algumas atletas que são identificadas com o masculino é de que se pode ser muito “masculina” na prática do esporte e totalmente “feminina” no cotidiano da vida extra-esportiva: “delicada e usando salto alto e roupa cor-de-rosa”. Ao argumentar dessa maneira, as meninas ratificam estereótipos de gênero que tomam como naturais hábitos tipicamente culturais e que são transmitidos através da educação hegemônica em nossa sociedade, sem se dar conta de que estão perpetuando as bases do preconceito do qual se queixam. Elas dizem ainda, referindo-se às transformações que podem ser observadas no corpo da mulher pela prática de determinados esportes, que estas podem ser apreciadas, valorizadas e não tomadas como “desfeminilizantes”: “mulher é sempre mulher mesmo que o corpo fique forte”. 135 Preconceito das meninas contra os meninos: não sabem trabalhar em grupo nem nos esportes coletivos. A professora fala: “gente, aqui a gente tem que ter organização, vamos trabalhar em grupo”. Só que lá, eles não sabem o que é isso, eles não sabem. Mesmo sendo esporte de equipe. (...) Lá eu aprendi nesses 3 meses, não querer as coisas todas só para mim, eu aprendi a dividir porque como eu sou filha única, a gente tem esse foco porque tudo o que eu tenho é para mim e lá não, lá eu aprendi, não tem só eu na vida, vamos aprender a dividir e foi isso que aconteceu. Só que você sabe, homem não tem como. Homem é terrível. Preconceitos diferenciados segundo o esporte. Comparando o Atletismo ao Judô em uma instituição, uma atleta diz que há muito mais preconceito no segundo que no primeiro, embora no Judô seja possível tirar proveito de treinar com os meninos porque quando se enfrenta uma menina depois, a atleta está mais bem preparada. No Vôlei, os meninos gostam de montar seus próprios times composto somente por eles e jogam agressivamente contra os times femininos. Essa divisão entre menino e menina, acho que vai muito do professor também, se o professor tem uma cabeça aberta, ele vai colocar menino e menina para treinar junto e é desse jeito porque quem está mandando ali é ele. O meu sansei, o meu professor, ele já trata as meninas como se fossem meninos mesmo, mas assim, ele sabe, tem uma hora que a menina está lá de TPM, ele entende, mas na hora do treino, ele trata todos iguais, não tem, porque é menino, não sei o quê, isso que eu acho legal da parte dele. Mas você vê outros professores que tem bem essa divisão mesmo, divide menina e menino. Eu acho que às vezes até é bom dividir os meninos, mas algumas vezes colocar isso, porque eu acho assim, é bom para a gente mesmo estar aprendendo com eles, eu estou treinando com um menino, estou conseguindo jogar ele, teoricamente, você vai lutar com uma menina, vai ser muito mais fácil você jogar ela, você treinou com menino que é mais forte, então eu acho que vai do professor. (referindo-se ao treino do Vôlei): Eles fazem o Clube do Bolinha com a Luluzinha. O time é só menino porque menina é muito delicadinha, é muito fresca, machucou? Ai!... É bem assim que eles fazem, então eles dividem as meninas para um lado e os meninos para o outro. E lá tem muito menino, então o que acontece? Os meninos lá são muito machistas, muito. Para fazer o bloqueio, para você (ver) o quanto eles estavam com raiva da gente porque a gente era um clube (que) só tinha menina, ele foi dar um bloqueio, pegou no nariz da menina, estourou a unha dela, isso com raiva da menina, para dar o bloqueio. Nossa Senhora, ficou uma revolta assim, porque eles dividem mesmo, de verdade, lá eles dividem mesmo as meninas dos meninos, separa totalmente, não se mistura. • Outros tipos de preconceito: Preconceito contra as atletas “não-federadas”: poucas oportunidades são dadas a elas nos clubes. Em igualdade de condições ou mesmo com nível de habilidade esportiva superior, a preferência é das federadas. 136 Essa questão da oportunidade, eu acho que nos clubes poderiam ser maiores as oportunidades para quem ainda não foi federado porque eu, no Basquete, já tentei muitas vezes, mas eles dão preferência assim, tem uma jogadora, ótima, que não foi federada ainda e tem uma jogadora boa também, mas que já foi federada, eles vão escolher primeiro a federada, que já teve um acompanhamento e não dão chance para aquela que ainda não foi federada de entrar nesse clube. Eu acho que isso é um pouco de preconceito com as pessoas que já passaram pela federação e as que não passaram ainda, embora estejam no nível igual na habilidade dentro do esporte. Preconceito contra as pessoas novas que vêm de lugares distantes para treinar. A suposição é de que não são boas no esporte e é necessário que o professor/treinador intervenha para impor a integração da nova atleta no time. No que eu pratico, o preconceito que aconteceu foi assim, faz 3 meses que eu faço Vôlei, eu mudei de uma região totalmente para outra, então minha vida virou de cabeça para baixo, uma coisa, um vuco-vuco, aí peguei e falei assim: “eu vou ficar aqui para não fazer nada?” Então como eu gosto de fazer, eu vou praticar, aí eu fui. Chegando lá, ninguém me conhecia, ninguém sabia como eu jogava, aí a professora chegava e falava: “gente vamos montar 4 times para fazer o campeonato.” O que acontecia? Eu era a última a ser escolhida. Ela tinha que me colocar no time por quê? Porque todo (mundo) achava: eu não conheço, ela deve jogar mal. Eles te julgavam pela aparência e lá eles são muito assim. Outras dificuldades citadas e não relacionadas ao preconceito: Falta de incentivo do governo para o esporte em si e mais aos eventos. Passado o evento, cessa o interesse. Tal fato também havia sido destacado no GF dos técnicos do Rio. Cada modalidade tem sua própria dificuldade, assim como são múltiplas as motivações. No caso do Judô, uma das maiores é “tirar peso” para se manter em condições de competir na sua categoria. As judocas do Rio também levantaram este ponto. Gasto excessivo de tempo na condução para conseguir chegar ao treino. Necessidade de morar longe da família quando no local onde ela vive não há condições para viabilizar a prática da modalidade esportiva escolhida pela atleta. Falta de dinheiro para os gastos básicos do dia-a-dia com o esporte. O esporte deveria ser uma forma de trabalho com remuneração. Falta de atenção governamental. Seria bom também que o governo se espelhasse (no que) está acontecendo dentro do esporte e não ficasse só olhando lá de cima, achando que tudo está rolando bem. Tem muita coisa errada dentro do esporte que dava para solucionar, se eles prestassem um pouquinho mais de atenção. 137 Facilidades percebidas para que as atletas permaneçam no esporte Como foi comum em todos os GFs tanto no Rio como em São Paulo, a lista de fatores facilitadores para a prática e permanência das meninas no esporte foi bem mais curta do que a dos fatores dificultadores. As seguintes percepções foram expressas sobre o assunto: • Professora (mulher) ajuda a minorar as conseqüências dos preconceitos de gênero na prática do esporte. (Referindo-se à professora) (É um) ponto mais para as meninas porque, vamos dizer assim, que com os meninos ela já sabe como eles são. Então como ela já sabe disso, (do) preconceito contra mulher, que todo mundo fala: “o homem é mais forte do que a mulher”. Só que isso não é verdade, porque a mulher, só a dor que ela sente de ter um filho, que vocês falam que é imensa... O homem, (com) uma dorzinha: “ai meu Deus, está doendo demais”. Já chora, a mulher não. A mulher já agüenta mais firme. Então a professora sendo feminina, isso é ótimo, traz mais facilidade para a gente que é mulher porque assim, ela vendo que a gente está certa, ela vai para o nosso lado, isso é muito bom. • As facilidades são maiores no esporte individual do que no coletivo porque nele tudo depende só da própria pessoa. • Facilidade de poder escolher o esporte que quer praticar quando a escola ou projeto oferece a possibilidade de experimentar uma gama variada de modalidades. • Facilidade pelo fato da mulher ser mais “organizada”, mais “certinha” e persistente no seu objetivo, além de enfrentar uma concorrência menor. Eu acho outra facilidade em relação ao feminino, acho que a mulher é mais organizada, se o objetivo é chegar no alto rendimento, acho que para a mulher seria (mais fácil) porque ela é mais certinha. O homem? O homem é mais... leva tudo nas coxas: “vamos jogar Futebol, mas depois tem aquilo”. A mulher, se ela tem o objetivo de chegar no alto rendimento (eu quero ser assim), eu acho que ela é mais segura, então acho que para o feminino é um pouquinho mais fácil chegar no alto rendimento do que o homem até porque tem muito mais (homem) praticando esporte do que mulher. Vantagens e desvantagens do esporte A assim chamada “rodada” é um recurso da técnica dos Grupos Focais ao qual se pode recorrer tanto no início do grupo para propiciar um primeiro contato com o gravador e uma primeira interação com os demais participantes, como também a qualquer momento do grupo quando o(a) facilitador(a) percebe que há disponibilidade para a fala mas há inibição, até mesmo de pedir a palavra. Geralmente o recurso dá bons frutos e sua única desvantagem é que pode favorecer a repetição de uma idéia expressa por outra pessoa anteriormente, se chega a sua vez de falar e você ainda não elaborou uma resposta própria. De toda a forma, esta repetição tende a não ser de uma idéia da qual você discorda. 138 Esgotado o roteiro de questões do grupo, ainda dispondo de tempo e percebendo que as atletas ainda tinham muito a dizer, foi proposta uma “rodada” em que todas as participantes foram convidadas a eleger uma coisa que percebiam como vantagem da prática esportiva e, ao contrário, uma que percebiam como desvantagem. O Quadro 19 sistematiza as respostas e mostra que, do lado da desvantagem ou o esporte é idealizado como sem “efeitos colaterais negativos” apesar das dificuldades enfrentadas para a sua prática ou instalou-se uma pequena polêmica sobre a questão do tempo, que aparecera nas dificuldades apenas como excessivo no transporte até o local do treino. Assim, aproximando-se às colocações de outros grupos, levantaram a questão da falta de tempo em si e para fazer outras atividades essenciais como freqüentar a escola, preparar os trabalhos escolares e o convívio familiar. Outras atletas contra-argumentaram que ficar sem tempo compensa, tais são as vantagens percebidas no esporte. A questão do preconceito, principal fator dificultador percebido, foi retomada e as atletas do Judô voltaram ao seu calcanhar de Aquiles: o controle de peso para manter-se na categoria na qual disputam suas competições. Na percepção das atletas existem muitas vantagens advindas da prática esportiva. A principal delas é fazer amigos, mas outras foram citadas: ser feliz, ter bem-estar, ser alegre, aprender e ensinar, ampliar o autoconhecimento, aprender a trabalhar em grupo, aprender a conviver com a diferença, mudar a cabeça e não pensar em coisas ruins, conhecer lugares e pessoas novas, ganhar mais responsabilidade, forma de não se estressar e ter saúde. A menção à saúde como “efeito colateral positivo” do esporte foi contestada por uma atleta que disse “não haver saúde no esporte de alto rendimento”. Esta importante questão viria a ser explorada mais tarde pelos participantes do GF dos técnicos de São Paulo. Eu acho que é assim, saúde no esporte é quando você faz o esporte, aquele tranqüilo, educacional, que você faz numa boa, mas eu acho que no alto rendimento não tem saúde, o esporte não é saúde no alto rendimento porque você vê os atletas, eles chegam no máximo. Acho que no alto rendimento, o esporte não é saúde, você acaba fazendo coisas que você não deve para você ganhar, então eu acho que no alto rendimento não é saúde. Quadro 19 Principal vantagem e principal desvantagem da prática esportiva na percepção das atletas Município de São Paulo Principal vantagem Uma coisa boa que o esporte traz, acho que são os amigos e um bem-estar da pessoa porque uma pessoa quando ela conquista uma medalha, ela fica muito feliz. Acho que uma das vantagens é você se autoconhecer, tipo alcançar o seu limite para conseguir alguma coisa, você tem amigos, com certeza. Principal desvantagem Uma dificuldade é a falta de tempo, às vezes para estudar, tem que treinar e às vezes tem que deixar de estudar, ou então tem que faltar no treino para estudar. E uma desvantagem, acho que é a falta de tempo mesmo. 139 Principal vantagem Eu acho que a gente aprende mais sobre aquilo que a gente está fazendo e a gente pode passar o que a gente está aprendendo para outras pessoas que não sabem. A vantagem assim que eu acho, na minha área, é aprender a trabalhar em grupo, tudo o que a gente faz lá é em grupo. Eu acho que isso é muito bom porque aí você desenvolve mais rápido, você pega uma agilidade assim. A vantagem seria o meu bem-estar, a felicidade, aquela sensação boa quando você ganha ou até mesmo quando você perde, eu acho que você tem que entender os dois lados. Então eu acho que esse é o grande motivo que eu faço Judô. As vantagens que eu tenho são as amizades, eu consegui bastantes amigos lá não só do Atletismo, como de outras áreas também, do Vôlei, do Basquete. Acho que uma vantagem, tipo no Vôlei, é realmente o que ela falou, trabalhar em grupo, aprender a conviver e conviver com a diferença. Tem umas que jogam melhor, tem umas que não sabem jogar, então o legal é você ensinar às vezes, mostrar como faz, acho que isso é bem interessante. Principal desvantagem O preconceito também porque o grupo que eu participo só tem duas meninas jogando no time de Basquete e no time de Handebol tem quase todas as meninas do grupo, então eu acho que é um preconceito isso porque as meninas acham que o Basquete é esporte de menino, só que a menina também pode jogar. E a desvantagem, eu não vejo desvantagem porque falta de tempo, eu não tenho falta de tempo, pelo contrário, como eu faço à tarde, eu estudo de manhã e à tarde eu tenho o tempo todo livre, isso é muito bom. No Judô a desvantagem que eu acho é em relação à perca de peso (…) não é só comigo como com todos atletas assim que fazem como alto rendimento sofre porque é uma coisa que é difícil, todo mundo fala assim “por que você não vai no nutricionista, cuida do peso?”. Você acha que vai ficar 1 mês, 2 meses, 1 ano, porque todo o final de semana tem que competição, 2, 3 vezes por mês, às vezes os 4 finais de semana, então eu acho que é difícil, todo mundo fala “por que você não cuida?” Mas você vê um comendo chocolate, vê um fazendo não sei o quê, vai cuidar? Aquele que fala que é para você cuidar é porque nunca cuidou do peso, nunca precisou perder peso. Então eu acho que essa é uma desvantagem. E muitos, não comigo, mas já aconteceu de muitos tomarem Lazix, essas coisas assim para perca de peso, então eu acho que é uma desvantagem porque você acaba com o seu corpo, é uma coisa que é uma desvantagem. Uma grande desvantagem para mim é o tempo porque eu não tenho muito tempo para estudar, fazer trabalho da escola, como eu estudo de manhã, tenho que treinar à tarde, então chego do treino à noite, umas 8h30, 9h praticamente, então não tenho muito tempo. E a desvantagem mesmo é o tempo porque, principalmente, eu estou no 3º, então tenho que pensar no vestibular, estudar, e com o Vôlei às vezes fica meio complicado. 140 Principal vantagem Principal desvantagem Eu acho que a vantagem é que você entra no Eu não acho que a desvantagem é o tempo esporte para ser alegre, você faz, convive porque quem não tem tempo, mesmo assim com aquilo, tem amigos. faz porque você se machuca no Judô... que nem eu, fui numa competição, meu amigo se machucou, mesmo assim ele continua, o médico fala – você pára; mesmo assim ele continua então, é uma alegria que você tem todo o dia de ir e estar fazendo o que você gosta. A vantagem é que também muda assim a cabeça da pessoa, a pessoa que faz esporte, ela se desenvolve mais rápido, ela tem um pensamento diferente, ela não vai ter aquele pensamento, tipo se eu faço esporte, ela não vai ter aquele pensamento de roubar, matar, eu vou ter aquele pensamento, se eu faço, eu vou querer alguma coisa boa para a minha vida. E desvantagem, eu acho que não tem desvantagem, acho que esporte já é uma coisa boa e é só vantagem que traz assim para a vida de cada um. A vantagem para mim, como eu faço E a desvantagem, acho que não tem Natação, há duas semanas atrás eu fui para nenhuma. uma competição e eu consegui ganhar uma medalha, eu acho que a vantagem é você conhecer lugares novos, que nem eu estou vindo aqui, conhecendo pessoas novas e acho que isso é uma vantagem de você estar fazendo um esporte, de estar conhecendo melhor um esporte, fazendo o que você gosta e conhecendo pessoas novas. Eu acho que a vantagem é você ter boa saúde, treinar, esforçar, ter bastantes amigos. A vantagem que eu tenho é porque eu gosto de praticar Natação, tenho muitos amigos e gosto de fazer novas amizades também. A vantagem que eu vejo é que a gente ganha mais responsabilidade. Quando está fazendo um esporte, a gente passa a ser mais responsável. E a desvantagem é porque você tem falta de tempo. E desvantagem eu não tenho nenhuma. E a desvantagem é que a gente perde um pouco do convívio em casa, com a família, com os amigos, porque é assim, vou para a escola de manhã, eu chego à tardezinha, quase à noite, aí eu janto, tomo banho e vou dormir. Para ver meu pai, é só de manhã, a hora que eu vou para a escola, que ele ainda está dormindo, aí a gente só conversa mais final de semana; casa de tio e tia, é uma vez no mês e olhe lá. 141 Principal vantagem A minha vantagem que eu vejo, o Futebol que eu faço, eu penso assim – vai ter uma competição para mim fazer e eu vou ir fazer. Eu penso assim: se eu for campeã nessa competição, levar troféu, medalha, essas coisas, vou ficar muito feliz consigo próprio. E eu vejo uma maneira de não se estressar também, de ficar muito em casa assistindo televisão, essas coisas. Uma vantagem é fazer novos amigos e também a saúde porque tipo, eu como muito, então o esporte ajuda a manter o peso. Principal desvantagem E desvantagem, também não tenho nenhuma. E desvantagem, eu não tenho nenhuma, mas tipo amo fazer esporte, faço esporte todos os dias e isso faz com que eu tenha menos tempo mesmo, mas eu faço porque eu gosto, então se eu quisesse ter mais tempo eu pararia, mas eu não paro, porque eu gosto. Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007. Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva Foi colocado para as atletas, ao final do grupo, um desafio: se elas fossem escolhidas secretárias municipais de esporte de São Paulo, que providências tomariam para melhorar as condições da prática esportiva no município. Eis as respostas: • • • • • • • Tornar o esporte obrigatório; Fornecer transporte para levar para o treino; Remunerar a prática do esporte após os 17 anos como possibilidade de dar continuidade quando chega à idade adulta e ao término da oferta existente de prática esportiva gratuita em São Paulo; Tornar obrigatória, em todas as escolas – públicas e particulares – a possibilidade de prática esportiva gratuita de todas as modalidades, para que as crianças/adolescentes possam experimentar e decidir com qual delas se identificam; Possibilitar a aquisição de material esportivo adequado à prática das diversas modalidades; Construir mais locais de prática esportiva que dêem oportunidade a pessoas de todas as idades e de todas as classes sociais; Diminuir as diferenças de possibilidades de prática esportiva entre as classes sociais: Eu acho na classe superior, classe média para cima, acho que até o esporte relativamente está certo, está correto, quando você tem dinheiro, você consegue colocar seu filho, colocar no transporte, ir até o lugar, mas eu acho que o negócio seria a classe baixa mesmo, que não tem próximo, aí tem que pagar. Como uma mãe que recebe, faz alguma coisa, recebe 50 reais, 10, 15 reais no dia vai ajudar o filho a pagar um transporte para ir que é 2 e alguma coisa. Então eu acho que em relação a isso, ao transporte, que eu achei legal, e na parte da alimentação mesmo para esse pessoal, essa família bem baixa mesmo. Eu vejo lá no Centro Olímpico, eles dão lanche, depois do treino eles dão um lanche, o lanche é bom, 142 então eu acho que isso meio que estimula para vim porque pensa assim: “eu vou praticar porque vai ter o meu lanche” e, de vários lá, foi o café da manhã, o almoço, ajuda alguma coisa. Então eu acho que nessa parte da alimentação, buscaria mais porque os pais... porque é assim, os pais da classe média para cima tem uma visão de que o filho precisa, eu falo a grande maioria porque tem uns que não, mas eu falo assim, que ele tem uma visão de que hoje em dia o filho tem que fazer um esporte, o filho tem que praticar alguma coisa, mas os de classe baixa, eles acham que não, o filho tem que ir no farol pegar dinheiro. Então eu acho que se tivesse isso, uma alimentação, um clube que desse alimento, almoço, alguma coisa assim, eu acho que seria mais fácil porque daí ele ia pensar assim: “eu vou lá participar porque depois eu vou ganhar o meu almoço e não preciso estar aqui no farol trabalhando para ter o meu almoço, posso ter ele de uma maneira mais fácil, uma coisa que eu vou estar gostando, uma coisa que vou estar fazendo e não vou estar sendo obrigado pelos meus pais”. Então eu acho que nessa parte assim, da alimentação, eu acho que seria legal, para essa classe. IV.4. As vozes das não-atletas Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora Antecedentes Em São Paulo, a montagem do grupo de meninas não-praticantes de esportes apresentou dificuldades bastante similares às encontradas no Rio de Janeiro. Nossa primeira tentativa também foi obter o nome das meninas a partir da indicação das atletas. Compareceram ao grupo de não-atletas, formado por onze participantes, apenas cinco meninas indicadas por atletas, sendo que uma das atletas trouxe duas amigas. As demais componentes vieram, como ocorreu no Rio de Janeiro, por meio de contatos com pessoas conhecidas da equipe de pesquisa. Em duas situações conseguimos uma menina, que trouxe uma outra amiga, com as mesmas características (ter entre 12 e 18 anos e não ser praticante de esporte). A condição de trazer uma amiga muitas vezes tornava o convite mais atraente. A estratégia de proporcionar um almoço conjunto foi bem aceita pelos dois grupos, atletas e não-atletas, mas não garantiu a presença mais expressiva de meninas indicadas pelas próprias atletas. Além da questão já apontada no grupo do Rio de Janeiro, que mostrou que as atletas têm mais amigas praticantes de esportes e pouco convívio social com outros grupos, foram observados alguns outros fatores: restrições de deslocamento (distância), tempo de permanência no local (um grupo de manhã e outro à tarde) e a condição, estabelecida pela maioria dos responsáveis, das meninas virem acompanhadas. Este último fator é bastante compreensível, pois a maioria das meninas era menor de idade. Acompanhar as meninas é uma prática que também ficou evidente no grupo das atletas e mais presente em São Paulo que no Rio. De qualquer maneira, ter reunido um grupo de meninas não-praticantes de esportes, para conversar sobre a “A Mulher e o Esporte”, em pleno feriado de 1º de maio e numa tarde ensolarada, pode ser considerado um ótimo resultado. 143 A realização do GF Algumas meninas chegaram na parte da manhã, em companhia das atletas que iriam participar do primeiro grupo de discussão. Nossa assistente de pesquisa ficou encarregada de recebê-las e acompanhá-las durante o período do debate. Utilizamos um espaço confortável, com sofás e TV, localizado no mezanino do hotel, e servimos água e café. Ficaram neste mesmo espaço os responsáveis que vieram acompanhando as atletas. As outras meninas chegaram perto do meio-dia e também aguardaram no mezanino. Algumas delas também vieram acompanhadas da mãe. Quando terminou o grupo das atletas, reunimos todas as pessoas no restaurante, localizado no andar térreo. Os lugares foram dispostos em mesas grandes, para que as meninas pudessem se sentar lado a lado. As atletas desceram conversando entre si, encontraram as amigas e as mães e se acomodaram nas mesas. As meninas que não conheciam as atletas ficaram próximas e em alguns casos com suas mães. Todas as pessoas presentes foram convidadas para participar do almoço. O clima era de bastante descontração e principalmente as atletas – muitas delas haviam acabado de se conhecer – conversavam efusivamente, comentando situações relacionadas ou não à prática esportiva. Todos apreciaram o cardápio: saladas variadas, arroz, fritas, estrogonofe de filé e uma massa. Havia também suco de laranja, água e sobremesas (tortas e outros doces). Durante o almoço tiramos várias fotos, contemplando as atletas, as amigas, as mães e as demais meninas convidadas. Nosso grupo era tão grande, trinta e seis pessoas incluindo a equipe da pesquisa, que ocupou totalmente o espaço do restaurante. Terminado o almoço, as atletas e as mães, que iriam aguardar as meninas participantes do grupo da tarde, foram para o mezanino. Nesse momento, uma das tarefas da nossa assistente foi providenciar a assinatura, pelas mães presentes, do Termo de Autorização para que as meninas menores de 18 anos pudessem participar da pesquisa. As participantes do grupo de não-atletas foram convidadas a nos acompanhar até a sala do segundo andar e receberam a Ficha de Perfil Socioeconômico. Sempre que necessário, a equipe de pesquisa auxiliou o preenchimento. Também foram providenciados crachás com o nome de cada uma das meninas. Os questionários foram recolhidos e as meninas menores de 18 anos, que não vieram acompanhadas pelas mães, receberam envelope selado e endereçado ao Instituto Noos, contendo um Termo de Autorização, para que seus responsáveis assinassem e colocassem no correio. Finalizadas essas providências, o GF teve início. Não apenas na sua constituição, mas também no desenrolar do debate, esse grupo apresentou semelhanças com o Grupo Focal de pares de atletas realizado no Rio de Janeiro. Ambos foram os grupos de menor tempo de duração registrado na pesquisa apesar de seguir o mesmo roteiro dos demais grupos, muitas vezes acrescido de 144 outras perguntas formuladas pela facilitadora, para ampliar, aprofundar ou simplesmente aquecer o debate. Foi um grupo difícil de fluir, a discussão foi intercalada por vários momentos de silêncio prolongado. Foram tentadas as estratégias de deixar a fala livre e de solicitar o depoimento de cada pessoa seguindo os seus lugares no círculo (“rodada”). Em algumas ocasiões o resultado foi nenhuma fala, uma ou duas falas ou, uma seqüência de respostas muito parecidas. Esse resultado, expresso mais pela ausência do que pela presença de informações, mostra o quanto questões referentes aos esportes, especialmente sua prática, não fazem parte do universo de reflexões e preocupações das meninas não-praticantes de esportes, apesar de pertencerem ao mesmo grupo etário das atletas. Mesmo não tendo participado mais intensamente do debate, as meninas ficaram bastante à vontade e não pareceram constrangidas em nenhum momento. Mesmo as mais caladas respondiam as perguntas a elas dirigidas. Não houve desatenção ou dispersão. Todo o tempo elas demonstraram respeito pelo trabalho e ao final declararam ter gostado da proposta e agradeceram a oportunidade de serem ouvidas. Eu gostei muito porque eu nunca tive uma oportunidade dessas, aproveitando, agradeço a oportunidade e eu achei bem interessante. O pós-grupo Como nos demais grupos, tiramos algumas fotos das meninas e da equipe de pesquisa e distribuímos os brindes. Descemos com o grupo até o mezanino, para encontrar as pessoas que estavam aguardando. Nos despedimos e agradecemos a presença de todos. Principais pontos levantados na discussão O que se pretende aqui é sistematizar as idéias que emergiram das discussões, à luz das questões a que se pretendia responder. Procurou-se listar todos os aspectos mencionados, independentemente de sua recorrência ou originalidade. Os gostos e as idiossincrasias das não-atletas A dinâmica quebra-gelo utilizada para iniciar os trabalhos foi a de pedir que, junto com sua apresentação pessoal, cada uma falasse de uma coisa de que gosta e não gosta na sua vida. O quadro abaixo reúne as respostas obtidas e mostra que, em comparação com as atletas, elegeram outras prioridades, outras formas de ocupar o seu tempo, mais voltadas para as artes e para o lazer do que para as atividades intelectuais. Suas preferências recaíram sobre música, cinema, teatro, dança e canto. E ainda os passeios no shopping e o bate-papo com amigos. Quanto às atividades que não apreciam, tirando o jargão do “não gosto de acordar cedo” despertado pela facilitadora que elegeu este tema como do seu desagrado, chama a atenção as que declararam não gostar de estudar, aí incluindo a prática da educação física. As nãoatletas expressavam-se muitas vezes de forma superlativa. 145 Quadro 20 Coisas de que as não-atletas gostam e não gostam na vida Município de São Paulo Uma coisa de que gosta na vida Eu também em gosto de música. Uma coisa de que não gosta na vida O que eu não gosto também é de acordar cedo. Eu gosto de cinema, adoro cinema, amo a O que eu não gosto é acordar cedo, mas eu música também e curto bastante teatro. tenho que fazer isso, mas eu não gosto. Eu gosto também de música, de ir ao shopping. Eu gosto de ir a show, de teatro, shopping também. Eu gosto muito de dançar. Do que eu não gosto é de acordar cedo também. Eu não gosto de estudar. E eu odeio educação física, é uma coisa que não suporto, eu não gosto. Eu gosto muito de cantar. Odeio acordar cedo. Eu gosto de conhecer os lugares, qualquer Também não gosto de acordar cedo, mas lugar. tenho que ir para escola. Eu amo dançar. Eu não gosto de ter que estudar. Eu gosto de música, gosto de sair com os Não gosto de arrumar bagunça dos outros. meus amigos. Eu gosto de ouvir música, de ir para o E eu não gosto é de acordar cedo. shopping, de cinema também. Eu gosto de sair com os amigos, bater papo. E não gosto de estudar. Odeio. Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007. A (não) motivação e a motivação das meninas para a prática do esporte Colocada a primeira questão na roda de conversa – por que não se sentiam motivadas para a prática esportiva –, poucas participantes se manifestaram, padrão que seria seguido ao longo do grupo, como já foi registrado. Algumas participantes já haviam praticado esporte e abandonaram por razões diversas, e foram poucas as manifestações de desejo de retornar à prática esportiva. Algumas meninas, em sua fala final, disseram que a participação no grupo serviria para elas refletirem e, quem sabe, reconsiderarem sua posição frente ao esporte. Eu gostei, agradeço o convite porque eu gosto de convívio assim com as pessoas, discutir idéias diferentes e tudo, eu também acho que é uma influência para aquelas pessoas que têm preguiça e não fazem esporte para começarem a fazer, porque eu acho que um esporte normal na escola não vai ter mal nenhum. As razões alegadas para não se dedicarem ao esporte estão listadas a seguir e mostram basicamente falta de tempo, desinteresse e inércia: • • • • Falta de tempo em função de outras escolhas que interessam mais, como, por exemplo, escola, inglês e dança. Preguiça. “Tenho muita preguiça. Só faço a escola porque é obrigado.” “Por não estar afim mesmo!” Necessidade de começar a trabalhar. 146 • • Falta de interesse. “Eu não faço, como dizem os adolescentes, não é minha praia. Não me identifico.” As não-atletas também enumeraram as percepções que tinham acerca da motivação para o esporte das atletas de sua faixa etária: • • • • Por gostar mesmo do esporte. “Acho que elas não são obrigadas!” “Para ter o corpo bonito e estar sempre com tudo em cima.” “Por ter alguém como exemplo agora, que tem muitas meninas se destacando.” Influência dos pais. Eu acho que as meninas começam fazendo esporte por causa do incentivo dos pais, porque se dão incentivos desde pequena aí elas vão fazendo e vão gostando, e se identificando também com esporte. As não-atletas não souberam apontar dificuldades que precisam ser enfrentadas pelas atletas para praticar esporte no município de São Paulo, embora tenham atribuído nota média 6,9 às condições para esta prática, a mesma nota atribuída pelas atletas. Falando das facilidades, uma única não-atleta se pronunciou dizendo que era bom “começar desde pequena porque já vira um hábito da pessoa. Aí fica tudo mais fácil”. Vantagens e desvantagens do esporte Como havia tempo e já se sabia que as respostas praticamente só vinham sob demanda explícita, foi colocada uma questão extra para as não-atletas: será que o esporte traz algum tipo de benefício para o dia-a-dia de meninos e meninas além dos resultados específicos de seus objetivos competitivos como medalhas e títulos? Como acontece em algumas “rodadas” nos GFs, o efeito repetição foi intenso: praticamente todas as entrevistadas declararam a saúde e o aumento da auto-estima como os principais benefícios do esporte e não perceberem desvantagens na prática esportiva. Somente três não-atletas mencionaram desvantagens: a possibilidade de envolvimento em briga no esporte; a possibilidade de se machucar durante o jogo; e o fato de que “às vezes a pessoa se empenha muito só no esporte e acaba esquecendo das outras obrigações como estudar. Não pode ver esporte só como atividade principal”. Percepções acerca do uso do tempo de meninos e meninas Numa tentativa de investigar a percepção sobre diferenças de gênero e a ocupação alternativa do tempo de não-atletas, foi colocada em discussão a seguinte questão: Que tipo de atividade vocês acham que as pessoas usam para ocupar o tempo quando elas não praticam esporte. Em seguida, perguntou-se se elas percebiam muita diferença entre ser menino ou uma menina adolescente no que diz respeito ao uso do tempo. Referindo-se às meninas disseram acreditar que usassem seu tempo em cursos diversos como “cursinhos para se especializar em alguma coisa” e curso pré-vestibular, ou seja, 147 estudando e investindo no futuro; “com alguma coisa que gostam e com as obrigações como trabalhar e estudar e todo o resto”; na Internet; vendo TV; batendo papo e dormindo. Outra vez houve indicação significativa de preguiça e sono como fatores que levam a não incluir mais atividades na vida cotidiana. A fala que se segue resume bem as percepções expressas nessa questão: Quando eu não estou na escola eu faço um curso. Acho que geralmente as pessoas procuram investir mais nessa coisa de futuro, de currículo, de fazer cursos de línguas, de especialização. Muitas pessoas também já têm que trabalhar com 15, 16 anos, para poder também pagar uma faculdade. E também tem o negócio da preguiça, quando você tem os dias livres você pretende dormir por ter feito, por exemplo, um curso nos outros dias. Pelo menos eu penso assim. Referindo-se aos meninos, demonstraram perceber algumas diferenças e algumas semelhanças. Como semelhanças indicaram que ocupam o seu tempo com as mesmas coisas e pelos mesmos motivos que as meninas. Entre as diferenças destacaram que: • • • • Meninos têm mais preguiça (ou não!); Meninos são mais influenciados pelos amigos; Meninos gostam mais de praticar esporte; Meninos têm mais oportunidades de praticar esporte: vínculo forte com o esporte nacional que é o Futebol; mais locais para praticar e mais referências de sucesso para se espelhar. Eu acho que os meninos gostam mais de esporte, realmente eles praticam mais, mas os que não fazem também acho que são pelos mesmos motivos e mais preguiça nos meninos. Menino e menina não têm muita diferença, mas para o menino acho que é uma coisa mais assim, tem que fazer Futebol porque meu amigo faz. É uma influência mais dos amigos. E as meninas, é mais por preguiça mesmo. E tem menino que também não faz por preguiça, mas são poucos pelo que eu conheço. Eu acho que os meninos têm até mais oportunidade de fazer esporte porque o Futebol já é uma paixão para todos os meninos e conseqüentemente tem mais times, de Futebol, mais lugares para treinar para os meninos. É difícil você ver um lugar que tem Futebol feminino. E os meninos gostam mais de se exercitar, de gastar energia. Os que não fazem é mais por preguiça também ou então talvez por falta de oportunidade. Eu acho que eles se dedicam mais porque tem mais divulgação. Todos os meninos vêem um jogador de Futebol famoso, aí quer ser que nem eles, aí se dedica. Agora, menina, é porque tem pouco espaço para elas, não tem muito espaço para elas poderem praticar um esporte. É um pouco diferente porque menino já é mais, qualquer lugar que você vai tem lugar para eles, jogar Futebol, principalmente Futebol. Agora menina eu acho que tem pouco. 148 Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva Ao final do grupo, foi colocado um desafio: se as não-atletas fossem escolhidas secretárias municipais de esporte de São Paulo, que providências tomariam para melhorar as condições de prática esportiva na cidade. As poucas respostas envolveram a necessidade de divulgação e foram: • Divulgar mais o esporte, utilizando inclusive a TV. • Divulgar as oportunidades que existem na cidade para quem gosta de praticar poder procurar. • Criar espaços para prática esportiva nos bairros e divulgar a sua existência quando ficassem prontos. Montar grupos de esporte nos bairros, cada bairro ter seu grupo, normalmente ter um clube em cada lugar, onde cada grupo pudesse ir nesse clube e fazer os esportes que cada um gosta, times, tudo. IV.5. As vozes dos técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora Antecedentes Além das diferentes modalidades esportivas, também foram considerados na constituição desse grupo os diversos tipos de instituição e dimensões do esporte. Uma característica específica foi a inclusão de árbitras. Para localizá-las, foi necessário entrar em contato com as federações de diversas modalidades de esporte olímpico. Uma dificuldade vivenciada na montagem do grupo foi a inclusão de profissionais que trabalham em clubes. Tentamos desde os coordenadores até professores e técnicos, percorrendo todas as instituições que visitamos na primeira fase da pesquisa, e mesmo assim conseguimos apenas duas pessoas, sendo que um deles é treinador autônomo. De forma geral, os participantes desse grupo receberam bem o nosso convite. As poucas negativas estavam, em geral, associadas a outros compromissos já assumidos pelas pessoas. Também aconteceram mudanças de última hora, como o caso de técnico de Esgrima que havia confirmado sua presença, após conseguir autorização da direção do clube onde trabalha, e no último momento precisou acompanhar sua equipe numa prova classificatória para os Jogos Pan-Americanos. Esses profissionais atuam em horários bastante extensos, incluindo noites e finais de semana. Assim como no caso das atletas, e até porque ambos tiveram como origem as mesmas instituições, vieram mais representantes dos centros esportivos públicos e dos projetos sociais. Cabe destacar que as indicações obtidas junto ao Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa permitiram a presença, no grupo, de muitos exatletas, que fazem parte do seu quadro de professores. 149 A boa vontade demonstrada na aceitação de nosso convite e a forte presença registrada no dia do Grupo Focal, treze presentes de dezesseis convidados, são indicativos do interesse que o tema desperta entre os profissionais de esportes, principalmente aqueles que trabalham mais diretamente com as mulheres. Instituições e projetos sociais participantes do GF Estavam representados no GF as seguintes instituições e programas: Centro de Educação Unificado – CEU Casa Branca Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa – COTP Clube da Cidade de Santo Amaro George Bruder Federação Paulista de Atletismo Federação Paulista de Handebol Federação Paulista de Voleibol Instituto Esporte Educação Kai Kan Saúde de Atletismo – Associação Nikkey de Atletismo e Saúde Obra Social Dom Bosco A realização do GF Às 18h30, após algumas providências relativas a crachás, questionários, organização de brindes e combinados a respeito da recepção dos participantes, a equipe da pesquisa se achava completa e a postos. A chegada do coffee break completou o quadro e às 18h35 chegaram os 2 primeiros participantes do GF. Após os cumprimentos, a facilitadora lhes entregou a Ficha de Perfil Socioeconômico e sugeriu que, se quisessem, podiam iniciar pelo lanche. Ambos, timidamente, escolheram sentar e preencher o questionário em silêncio. Aos poucos, a chegada de outros participantes foi deixando todos mais à vontade, alguns lanchando e conversando, outros terminando o preenchimento do questionário. Simultaneamente, todos receberam seus crachás. Um técnico de Luta Greco-Romana chegou acompanhado de uma atleta que entendeu que aquele era o dia em que as pessoas ligadas à sua instituição participariam; não havia compreendido que este Grupo Focal teria somente a presença de técnicos. Após ponderar, a facilitadora considerou com ela que, embora não fosse o mais adequado, ela poderia participar e suas opiniões seriam, posteriormente, incluídas no relatório das atletas, como comentado na seção deste relatório que tratou do trabalho com as atletas. Às 19h30, com o grupo praticamente completo, questionários preenchidos e uma conversa animada pela sala, a facilitadora propôs que iniciássemos aos trabalhos. Todos ocuparam seus lugares. O clima reinante durante todo o grupo, que foi bem longo e encerrado praticamente a revelia dos participantes depois de duas horas e 5 minutos de debate, foi de extrema seriedade e forte interlocução entre os participantes. As idéias expostas por uns eram complementadas ou contestadas por outros e assim por diante. Ficava nítida a intensidade com que exerciam o trabalho de formadores de jovens atletas. É interessante notar que, embora fosse o último GF da pesquisa como um todo, nele 150 foram levantados aspectos originais e extremamente relevantes para o tema pesquisado, como será visto ao longo desta seção. Todos concordaram que seus nomes constassem no relatório final como participantes do GF e avaliaram muito positivamente a existência e a condução da pesquisa. O pós-grupo Concluídos os trabalhos e realizadas as fotos, as pessoas começaram a se movimentar, conversar e trocar endereços, pois um dos aspectos mais positivos ressaltados pelos participantes fora o contato com seus pares e a descoberta de dificuldades em comum que talvez pudessem ser mais bem encaminhadas em conjunto. É o efeito “pedagógico” da técnica dos Grupos Focais. Receberam certificados, crachás, brindes, retornaram à mesa do café, se cumprimentam e se despediram, agradecendo a iniciativa e fazendo comentários diversos. Foto 4 Participantes do GF dos técnicos, professores, treinadores, árbitros, responsáveis por projetos sociais e membros da equipe da pesquisa Município do São Paulo Principais pontos levantados na discussão O que se pretende aqui é sistematizar as idéias que emergiram das discussões, à luz das questões a que se pretendia responder. Procurou-se listar todos os aspectos mencionados, independentemente de sua recorrência ou originalidade. 151 A rodada inicial de apresentações ensejou falas mais extensas já que a maior parte dos participantes aproveitou para colocar um pouco da sua história no esporte, o que permitiu saber que ali estavam técnicos, treinadores, professores e árbitras com experiência em olimpíadas, jogos pan-americanos e campeonatos mundiais, além de responsáveis por projetos sociais de peso que certamente muito tinham a contribuir com a pesquisa. Os participantes, como já foi mencionado, tinham em média 13,9 anos de vínculo com o esporte ao qual se dedicam atualmente. Haviam 8 modalidades representadas. Em sua primeira fala, os responsáveis por projetos sociais, além de fazerem sua apresentação pessoal, aproveitaram para descrever também as principais características da atuação de suas instituições. Nesta seção, em especial, foi necessário um esforço especial de “decomposição” do conteúdo das falas para que fosse possível, ao nível da análise, enfatizar os diferentes aspectos abordados de forma tão integrada. Subtemas como a existência de estereótipos de gênero e a influência da mídia, por exemplo, estão presentes em quase todos os tipos de argumentação. A motivação das meninas para a prática do esporte Como ocorrera no GF dos técnicos do Rio, os participantes de São Paulo tenderam a falar mais da ótica do seu próprio esporte que do esporte como um todo, embora tenham conseguido este nível de generalização em muitos momentos. A presença de um filósofo e historiador no grupo permitiu um respaldo por assim dizer mais teórico de algumas colocações bem como sua contextualização no tempo e no espaço. O fato dos projetos esportivos mantidos pelos governos municipal e estadual serem percebidos como mais amplos e mais sólidos que os do Rio – os técnicos do Rio já haviam se referido à existência de algumas políticas públicas nas prefeituras de estados do Sul e em São Paulo – talvez seja um dos fatores que explique algumas diferenças específicas nos posicionamentos dos dois grupos. Foram apontados como fatores motivadores para as meninas ingressarem no esporte e nele permanecerem: • A possibilidade de competir junto e em pé de igualdade com os meninos. Este fator foi colocado a partir da experiência do iatismo, mas acredita-se que seu alcance seja mais genérico. Um estudo que comparou percepções de amazonas e de jogadoras bem-sucedidas de Vôlei acerca do que é para elas ser atleta profissional dentro da cultura brasileira atual também aponta para ele como motivador da participação feminina. Outra conexão entre as duas observações é que iatismo e Hipismo são usualmente percebidos como esportes de elite. Isso foi registrado não apenas no GF em pauta como no citado estudo: “fiz a opção por dois grupos de atletas, claramente diferenciados em termos do tipo de esporte ao qual se dedicam: por um lado, praticantes do Hipismo clássico, um esporte de elite no qual homens e mulheres participam como concorrentes das mesmas competições; por outro, Vôlei, um esporte ‘popular’ que de fato está se tornando um canal de mobilidade para algumas mulheres e, nas palavras de uma das entrevistadas, a ‘segunda grande paixão (esportiva) nacional’”. (ADELMAN, 2003, p. 452) 152 O iatismo parece para as pessoas que é um esporte elitista, na verdade, é uma coisa que tem acesso a todo mundo, a gente no clube realmente tem projetos que facilitam quem nunca teve contato com um barco, (quem nunca teve um barco), tem o da própria escolinha. Para as meninas o que motiva, no meu ponto de vista, a velejar, é a igualdade que tem entre os rapazes e as moças. Não tem nenhuma diferenciação de capacitação física, mental, comportamental e nada entre os homens e as mulheres na verdade. Envolve deles, esforço físico, lógica, concentração, coordenação também. O ano que eu fui campeão paulista da minha modalidade, os três primeiros colocados geral, foram mulheres, pura coincidência. Então não existe uma distinção entre homens e mulheres, está todo mundo lá, todo mundo no grupo, e todos têm iguais chances de vencer. • A tentativa de provar que podem tanto quanto os meninos no esporte, com mais força ainda nos esportes tidos socialmente como masculinos. (...) A mulher, a menina, como no caso eu trabalho perto de 17 anos, (o que motiva) é de tentar se igualar ou provar para o homem ou para as outras pessoas que elas podem ser tão capazes quanto os homens de praticar o esporte. Como o Futebol, Futsal é muito preconceituoso da sociedade por causa da mulher; mulher que joga Futebol, Futsal, é macho e você encontra muita menina bonita, muito feminina dentro do Futebol, elas querem provar através do esporte que elas podem ser iguais ou até melhores que o próprio homem. • A pouca concorrência na modalidade escolhida, gerando maiores possibilidades de vitória. Esta é a situação dos esportes aos quais a mulher pode aderir mais recentemente como o Judô e as lutas. A inclusão das mulheres nessas e em outras modalidades como o Futebol de salão e de praia, o Pólo Aquático, o Pólo, o Rugby, o Halterofilismo e o Beisebol, consideradas “incompatíveis com a natureza feminina” (ADELMAN, 2006, p. 447), como já foi mencionado anteriormente neste relatório, só foi possível depois da revogação do Decreto-Lei 3.199, que estabelecia essas limitações para a prática esportiva das mulheres e que vigorou até 1979. Surpreendentemente, a menção a esse decreto, marco importantíssimo para o desenvolvimento das mulheres no esporte no Brasil, foi feita pela primeira vez neste GF de São Paulo, o último da pesquisa, quando um entrevistado citou a sua revogação com um fator motivador. A pouca concorrência igualmente beneficia os meninos que, também em função dela, têm obtido bons resultados na Ginástica Rítmica, considerada uma modalidade feminina, invertendo a questão cultural. (Referindo-se ao Judô): uma outra coisa que também é melhor para o feminino, é que a fase competitiva dela é um pouco menos concorrida, então para a mulher obter um sucesso, talvez é muito mais fácil do que (para o) homem. Então eu acho que ela se motiva mais, está muito mais motivada e vê que a chance dela chegar lá em cima é muito mais fácil. Então eu acho que talvez hoje uma das motivações para o feminino, talvez seja isso. Eu acho que uma contribuição importante para o desenvolvimento do esporte feminino no Brasil foi justamente a revogação do decreto 3.699 de 1965, que proibia mulheres de praticarem esportes de luta, de praticar Levantamento de Peso e Futebol. Então, não sei se vocês sabem (que) de 153 1965 até 1979, as mulheres no Brasil eram proibidas de praticar essas modalidades, tanto é que o primeiro campeonato brasileiro de Judô foi em 1980 porque até então por lei, veja bem, não é que elas eram proibidas de praticar, era proibido a organização de eventos esportivos dessas modalidades. A Ginástica Artística puxa mais para o lado feminino mesmo. A GRD (é) específica culturalmente (do) feminino e agora parece que tem campeonatos europeus que está sendo disputado no masculino, GRD. E lá eu acho que nós temos alguns alunos que estão fazendo, não tenho esse número. (...) (este esporte, junto com o Judô) tem sido o carro-chefe em termos talvez de resultados que têm aparecido. (Somos) a única entidade, ONG, a participar do circuito da Federação Paulista de Ginástica, com bons resultados: no feminino está um pouco difícil, a briga é boa, mas no masculino eles já conseguem trazer resultados no nível A, no nível B, C... • A possibilidade de ser aceita em condições de igualdade com o homem, principalmente em locais que recebem populações socioeconomicamente mais carentes. As mulheres querem ficar onde estão sendo aceitas e há um trabalho pela igualdade entre homens e mulheres. O que eu vejo, que motiva as mulheres, principalmente no ambiente em que eu trabalho, que é o CEU que tem várias outras oficinas, não é só a nossa, (...) tem esportiva, tem lutas, tem teatro, tem dança e o que motiva, na verdade lá, é o lugar que ela pode ser aceita, (que) tem uma questão de igualdade: que ela pode chegar e pode jogar e ela não vai ser desvalorizada por ela ser mulher. Então as meninas começam a vim praticar a aula, mesmo se a gente vai passar um aquecimento ou uma brincadeira que seja, Futebol, eles têm que jogar Futebol, e tem essa discussão, tem uma hora de conversa para se conversar, porque a mulher não pode jogar com você ou porque o gol dela tem que valer mais que você, se vocês são iguais? E aí, elas começam a ficar mais motivadas. • A existência de: oportunidade de escolha sem exclusão; divulgação na mídia; um trabalho pelo fim do preconceito, de dimensionamento e de identificação das diferenças. A discussão dos estereótipos de gênero no esporte neste grupo deu-se muito no âmbito da discussão das diferenças e do seu significado, como será destacado mais adiante. A motivação que eu vejo dentro do meu ambiente de trabalho, não na minha modalidade, mas sim em todas, é tanto a mulher quanto o homem, ele tem que ter oportunidade. E lá é assim, lá na Obra eles têm oportunidade de escolher a atividade que eles querem praticar, então não existe a exclusão. Se a menina quiser, é igual. (...) Eu acho que deve ter oportunidades, tendo oportunidade e a mídia também divulgando, ajuda bastante; tendo oportunidade e trabalhando sempre com o psicológico da criança a questão da inclusão: para que o preconceito? Explicar as diferenças, tem as diferenças, mas tanto o homem quanto a mulher podem fazer o mesmo esporte, as diferenças são funcionais e são só algumas diferenças, não são o extremo igual a criança ou os pais das crianças pensam que eles têm esse grau de desigualdade, na verdade, praticamente são todos iguais. 154 • O aumento de oportunidades para as mulheres no esporte, que vem se verificando graças à lenta redução do preconceito de gênero (idéia também colocada no GF dos técnicos no Rio) e à introdução de uma nova percepção do esporte por parte das famílias: como uma oportunidade profissional, como possibilidade para obtenção de uma bolsa de estudo e como uma alternativa para a ocupação do tempo das adolescentes. Você colocou por que a menina vai procurar o esporte? Primeiro, assim está dando oportunidade, o preconceito está acabando, vai demorar bastante, mas já está acabando porque é a mesma coisa que o menino falar para o pai dele: “pai, quero fazer balé”. Imagina o que o homem vai achar que o menino pediu para fazer balé! Então a menina tem muito isso, quero fazer esporte, não, a mulher foi feita para nascer, criar filho, casar e isso está acabando. Vai demorar, como teve que brigar pelos direitos de voto, direito de trabalhar fora, então é questão cultural, evolução de cultura. (...) Também as famílias hoje vêem isso como uma oportunidade profissional mais para frente. Se a criança vai lá, começa a se destacar, a menina chega para mim e diz assim: “olha – gordinha, magrinha, alta porque não é competitivo –, fica aqui (porque) o que você souber um pouquinho melhor do que a tua amiguinha que está lá em casa não fazendo nada, indo para shopping, você pode ter uma chance ter uma bolsa para fazer uma faculdade”. • A influência da família, na medida em que o pai ou a mãe também foram esportistas e incentivam as meninas a ter a mesma experiência. Eu acho que a família ainda tem uma influência grande no esporte, e que a família vai, um pouco, empurrar a criança a fazer, incentivar ela a fazer. Eu tive até o caso do Judô, quando era menor também, comecei no Judô, aí acabei mudando de casa, a facilidade de encontrar isso também, como eu não tinha mais o Judô perto de casa, parei de fazer o Judô, fui para perto da represa, então viabilizou esporte, começar a velejar, uma vez que meu pai também sempre velejou e desejava que nós velejássemos também, então ele foi um incentivo bastante grande. • O estímulo do professor de educação física na escola. Um papel que também cabe a nós profissionais, enquanto educadores, acho que uma das motivações também, é no período da escola. Acho que o professor de educação física (…) também tem um papel muito fundamental em estimular porque eu acho que, todo mundo aqui sabe, o professor de educação física é o professor que é o mais querido, é o professor que é o mais respeitado, é o professor que tem as suas idéias, (que) o aluno aproveita melhor. Então eu acho que ele tem o papel de estar sempre motivando os alunos, principalmente os que se destacam mais, os que gostam de (praticar). Apesar de não ter tido Judô na minha escola, meu professor na época, de educação física, sempre me apoiou em eu estar fazendo Judô, mesmo que não tinha na escola, eu acho que um papel fundamental. Eu trabalho com 78 crianças direto de Judô. Hoje quase 30% é feminino, mas isso aí é talvez por falta de opção de outra modalidade e viram o Judô no primeiro momento como a única opção, eu trabalho no Heliopólis, (somos) a única opção de esporte para aquele foco ali e aí aproveitaram fazer, foram fazer Judô, mas a demanda é muito pequena. 155 • A possibilidade de praticar esporte perto de casa. Esta facilidade chega a ser determinante para a escolha da modalidade a praticar como já havia sido destacado em outros grupos e como foi reforçado pelas duas falas acima. • A existência de projetos sociais que viabilizem a prática esportiva de meninos e meninas, porque “a classe média está acabando” e com ela as possibilidades familiares de arcar com os custos cotidianos da prática esportiva dos filhos. As populações menos favorecidas do ponto de vista socioeconômico já viviam essa impossibilidade desde sempre. Nesse sentido, estariam reduzindo-se as diferenças entre as classes sociais ressaltadas em outros GFs da pesquisa. Por outro lado, a afirmação naturaliza a ausência do governo na criação de oportunidades para a prática do esporte. Uma entrevistada chamou a atenção para o fato de que a responsabilidade de garantir a continuidade no esporte é da família no início, é da própria pessoa e é do governo que precisa dar condições da atleta viver do esporte principalmente depois que entra na idade adulta. Então eu acho que hoje as ONGs, os projetos sociais que existem, acho que é o futuro de esporte em geral porque hoje (…) a classe média está acabando, então cada vez menos tem condições de pagar uma academia, de pagar um clube para poder estar fazendo algum tipo de atividade física. Então eu acho que através desses projetos sociais, é o futuro mesmo que eu vejo que vai ser a sustentação, principalmente vindo da periferia, que é onde as oportunidades são pequenas e aí eles têm alguma coisa, eles seguram e aí levam mais a sério, não ficam pulando. E eu acho assim: a família tem influência até determinada idade, então para começar. (...) Eu acho que a mídia tem influência e o governo também tem influência. Por quê? Por que chega na categoria que ele está falando, não tem dinheiro para bancar, você acha que a atleta está errada em ir embora? Ela não está errada, ela precisa sobreviver daquilo. Ficar tirando dinheiro do bolso para pagar condução para ir treinar, sendo que alguém pode dar para ela 100 reais para ela pegar a condução dela, então ela não está errada, ela tem que fazer isso. Por quê? Porque eu não vou ficar pagando, bancando direto. Então eu acho assim, que o governo também tem que tomar as devidas providências com isso. Agora, eu acho que é muito complicado os caras falarem “montem milhares de projetos sociais, a gente vai bancar 200 reais por atleta, fazer uma bolsa família para o atleta”. É difícil. É o certo, mas não é o que acontece. A importância da Mídia (para o bem e para o mal) O papel da mídia na construção das relações dos brasileiros com a prática esportiva em geral foi um tema que emergiu de maneira recorrente no grupo dos técnicos, treinadores, professores, árbitras e responsáveis por projetos sociais. O papel da mídia foi ressaltado sob os mais diferentes (e até contraditórios) aspectos: • A mídia reflete (e reforça) o peso que o esporte tem para a sociedade: é o único tema que merece jornais específicos diários. Então se a gente for considerar, essa última parte da discussão que a gente (travou) de dimensões sociológicas do esporte, o esporte tem uma influência na sociedade muito grande e sobre a pessoa. A influência sobre a sociedade, a gente nota já pelos jornais de esporte que tem diariamente 156 em todos os canais. Não tem nenhum jornal de cultura, por exemplo, diariamente em todos os canais, ao meio-dia ou às 7 da noite, então o esporte sob esse aspecto social, ele incide muito. • A mídia dá visibilidade a determinados esportes e isto funciona como chamariz para a prática desse esporte em particular. As pessoas são motivadas para praticar os esportes que estão na mídia. Eu acho que no Brasil, principalmente o esporte feminino, está começando agora a ter resultado bom e assim, a meu ver, o que leva as pessoas a começarem a praticar determinadas modalidades é o empenho que a mídia faz em cima de cada modalidade. Então, por exemplo, eu comecei a jogar Vôlei junto com a olimpíada da Barcelona, quando o Brasil foi campeão olímpico de Vôlei. Então eu acho que, a partir daquele momento que o Vôlei já estava em ascendência, naquele momento que ele foi campeão, o Vôlei do Brasil disparou. Então hoje em dia eu acho que o time do Brasil, principalmente o masculino, é imbatível, é perfeito, é ótimo, maravilhoso e lindo. E, conforme vão passando as olimpíadas, principalmente nas grandes redes de televisão que transmitem em canal aberto, elas têm um grande papel nisso. No que as pessoas vão praticar, no que elas vão ver. Então eu acho que o Futebol feminino, foi depois da copa que transmitiu bastante jogos? Eu não lembro, mas teve uma época que começou a transmitir muitos jogos de Futebol feminino. De repente o Futebol feminino subiu. O Judô transmite bastante, então Judô sobe. Então, para mim, depende muito da mídia. • A mídia passa a idéia de que o esporte não oferece condições de autosustentação financeira e que é para um curto período da vida da pessoa. Logo, é mais próprio para ser um hobby do que uma profissão. Com relação a esses fatores – motivador e desmotivador, como já foi colocado aqui, a mídia é muito importante, o que a mídia está de olho, o que a mídia está incentivando, muito também é para levar fé no esporte (…) a idéia de que você não vai poder viver do esporte e também você não vai viver a vida inteira do esporte, então o esporte é tido como um hobby e não como uma profissão realmente para muitas pessoas. • A mídia cria a ilusão de que o esporte é para todos, no sentido de que todos os que praticam podem vir a ser ídolos nacionais e profissionais muito bemsucedidos. Essa argumentação desdobrou-se em uma outra discussão que também será tratada em separado: a visão do esporte da ótica do esporte de alto rendimento versus a visão do esporte da ótica da inclusão social. • A mídia não mostra que o esporte de alto rendimento não é saúde. Vocês estão falando da mídia. Realmente esporte de alto rendimento não é saúde, só que o que a mídia mostra não é isso, ela mostra que é saúde. • A mídia vende o que dá retorno. O veículo e o horário de veiculação dependem da expectativa de retorno da audiência, que gera patrocínio. O que a mídia foca é o que vende. Comentaram que mostram muito Ronaldinho com dinheiro, com Ferrari, essas coisas. A xxx comentou baixinho ali e eu acabei ouvindo e eu falo 157 muitas vezes com as meninas, que é o capitalismo. Eu acho que a mídia vende muito isso porque é o que dá retorno, a mídia não vai mostrar, por exemplo, no começo do ano teve a liga nacional de Futebol feminino, passou no Esporte TV, duvido que tenha dado 5 pontos de audiência no “SporTV” , mas passou. (...) Se fosse a liga nacional masculina, passaria as 9h40 da noite... (...) No começo do ano (no Futebol) masculino, teve o Saad61, teve o Santos, teve time lá do nordeste, duvido que não passasse as 9h40 da noite. Teve muitos times de Futebol de campo no começo do ano que brigou com a federação, com a liga, para passar o jogo às 8h30 e não pode porque, no caso a Globo, quer passar o jogo às 9h40. Entra o negócio da mídia que não tem o reembolso, então a mídia não vai promover muito o Futebol feminino, sendo que não vai ter audiência, não vai ter o retorno que ela desejaria como tem no masculino.(...) Os times não conseguem ter o retorno para falar para aquele investidor – vai ser divulgado na Globo às 9h40 da noite, tem 20 picos de audiência; para ter depois o retorno do patrocinador. Contraposição do esporte como construção da cidadania e o esporte competitivo A colocação de que a existência de pessoas dispostas a mostrar para as crianças e adolescentes aonde o esporte pode levar e o que ele pode dar para cada um: “abrir a porta do sonho”, a partir da experiência de muitos, faz emergir uma contraposição que já surgira no GF dos técnicos do Rio. Há quem julgue que acenar com possibilidades futuras no esporte para jovens de ambos os sexos é “criar uma ilusão” que não tem chance de se concretizar e vai resultar necessariamente em frustração. Comenta-se ainda que a mídia, ao falar dos êxitos de alguns, não passa a idéia de que aquilo é para poucos e cria ilusões. Até onde falar de possibilidades é iludir e até onde é viabilizar a existência de sonhos? Nas outras profissões também existem grandes dificuldades de êxito profissional e ascensão social e não se desestimula o adolescente de tentar ser médico ou engenheiro. Ser um atleta é muito mais do que ser um campeão: é ter a chance de ser um cidadão. Esporte de inclusão e esporte de alto rendimento: onde se dá o cruzamento? Este é um momento da discussão no qual as discordâncias de posição ficam claras, com opiniões diametralmente opostas. Várias pessoas falam ao mesmo tempo, alguns tentam interferir na fala do outro, ou fazem comentários entre si. Eis algumas falas inseridas no debate dessa questão: (...) Quando você faz (esporte na) periferia (...), a maioria só tem aquilo e aí ele leva mais a sério e vê como profissional. De repente, algumas coisas que eu passei – eu tive tudo com o Judô –, então mostro isso para eles, que tem essa possibilidade de através do esporte ter um local na sociedade, enfim, viver só da modalidade. Então, como ela falou, faculdade, escola, enfim, essas coisas que o esporte abre. Então acho que as ONGs, as OSCIPs, também os que trabalham em Centros Olímpicos, também têm um papel muito importante para motivação das meninas, para estarem fazendo atividade física. (Referindo-se à mídia): ela mostra que é um esporte para todos. Tinha um comercial que estava passando há um tempo atrás, não lembro se era a 61 Referindo-se ao Esporte Clube Saad de São Caetano. 158 Daiane ou quem era a atleta, e mostrava assim, o quanto de pessoas era necessário para se fazer um atleta. Aí eu fiquei pensando, tudo bem, chegou um cara lá e esses outros, eram mais acho que 1 milhão para fazer um atleta e esses outros que ficaram para trás? (...) E cada vez mais que eu vou para a Caravana (referindo-se à Caravana do Esporte62) que eu ouço um Claudinei Quirino falar, que eu ouço a Ana Moser falar, o Sócrates, Vlademir, Ataliba, Afonsinho, Patrícia Medrado, eu vejo que realmente esse esporte de pegar todos para querer fazer um, eu vejo que ele realmente não cabe na escola, eu acredito ainda que ele não cabe na escola. Na escola cabe aquele que você vai fazer com todos e se aquele se destacar, o outro se destacar, ele que vá por conta própria procurar algum lugar. Eu não vou pegar ele e indicar ele, eu vou tentar passar para que todo mundo vivencie aquilo. (...) Então tem que se ter essa preocupação realmente com a mídia (...) mostrar uma no Judô que vai abrir as portas, vai abrir as portas sim, para várias, mas e essas tantas outras que vão atrás daquilo? A mídia vai ter que deixar bem claro que aquilo é para poucos, assim, como o Futebol. O Futebol, falando do Marcolino, um monte de moleques têm esse sonho, como a xxx falou que os moleques tem uma motivação maior. Tem, mas se você for ver no Futebol, é menos de 5% que chegam a jogar na Europa, no Corinthians e tudo mais, e a criança acaba ficando com aquela ilusão, achando que vai chegar aquilo. Eu faço lá o meu projeto social, eu não faço com a intenção de formar um campeão olímpico ali, o objetivo da minha OSCIP é de formar grandes cidadãos, de estar ali, de desenvolver, de estudarem, de estarem fazendo algo a mais. Claro que quiser ser o Henrique Guimarães no futuro, o caminho é diferente, mas a gente não pode bloquear o sonho do garoto que quer ser. Então a gente vai fazer esse trabalho aqui, a menina está treinando, ela quer ser atleta? Aqui parou, você vai procurar, se vira, tem que criar mecanismo para também direcionar ela para o lado atlético, da mesma forma que a gente direciona para mão de obra, para trabalhar, para ela estudar, se uma vislumbrar interesse atlético, também tem que ter esse caminho, senão você interrompe o sonho de uma pessoa que nós mesmos estamos fazendo, que é, no caso, eu estou fazendo Judô, a minha OSCIP tem parceria com Primeiro Emprego, eles fazem todo esse caminho, eles trabalham, tem Primeiro Emprego, a faculdade, esse é o objetivo de estar 62 A Caravana do Esporte é uma ação social que leva a atividade esportiva segura a 10 municípios brasileiros. Ao final das 10 viagens, que aconteceram no ano de 2005, a equipe da Caravana teve a chance de ver na prática a troca de conhecimentos entre os profissionais do Instituto Esporte e Educação envolvidos e a força das comunidades atingidas pelo projeto, adaptando a cada etapa ações e idéias sobre o formato das atividades e demais ações paralelas. A missão para 2006 é formar uma rede com comunidades vizinhas daquelas que foram atendidas no ano passado. No calendário, oito comunidades escolhidas pelo UNICEF irão formar uma corrente de inclusão no esporte. Assim, a Caravana estará fortalecida para mais um desafio, no sentido de disseminar a metodologia e interagir com a comunidade. Na bagagem, um desenho do cronograma e atividades. Para cada região, as ações são planejadas de acordo com as necessidades existentes, o critério é promover o melhor aproveitamento para professores e crianças. Serão privilegiadas as regiões Norte, Nordeste e CentroOeste, tendo por base os dados do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). A programação de cada lugar inclui oficinas esportivas para as crianças e os educadores; encontros e momentos de formação para os professores locais; exibição de vídeos educativos (Cinema Caravana); oficinas diversas como produção de redes de Vôlei, raquetes de Tênis de madeira e bolas de pano. O projeto pretende atender até o fim de 2006 cerca de 12 mil crianças e jovens de 7 a 14 anos, e mais de 1.800 professores / multiplicadores. (http://www.esporteeducacao.org.br) 159 formando para o trabalho. Agora, se ele quiser ser atleta também tem que ter isso aí. Tem que diferenciar: o alto rendimento é uma coisa e o esporte como inclusão, o esporte como prática esportiva, como saber a importância que é praticar um esporte, (...) saber que a principal doença que vai afastar daqui há uns 20 anos é a obesidade, é o sedentarismo, então é muito mais. O que menos preocupa aqui a gente é de formar atleta para ser atleta de alto nível, claro que é o que vende, o que vende é isso. Por quê? (com) isso você consegue ter mais praticantes, mas isso... É isso que é a essência, isso que valoriza. Por que o cara, o sonho dele é ser campeão olímpico ou dela de ser campeã olímpica(…)? Pela dificuldade que ele tem de ser um médico, de ser um grande advogado, ele acha que ele vai lá, ele vai se formar, só que fez 6 anos de medicina acabou e ali ele vai parar? Quantos médicos se formam todo ano? Para ele ser bom, ele também tem que ser o melhor, se ele quiser um lugar lá também, acho que não é mais fácil do que um esporte, pode ser que um período que se você não aproveitar, você não consegue. (...) Então eu acho que ser um atleta de alto rendimento ou uma atleta de alto rendimento, é um caminho. Ele vai, vai traçando, começa ali num projeto, vai, vai, quando viu ele está lá na frente, o que não pode é interromper o sonho dele, essa é a missão nossa, não pode é parar. (...) Mas a gente tem que cumprir o nosso papel, mas tem que mostrar isso, desenvolver isso, ser um atleta é muito mais. Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte Assim como os técnicos do Rio, os de São Paulo falavam sempre em termos de motivação. Dessa forma, falaram mais em termos de fatores desmotivadores que interferem na prática das mulheres no esporte. Foram citados como fatores desmotivadores: • A necessidade de grandes deslocamentos, pelos gastos que representam, pela falta de quem possa acompanhar a atleta ao lugar do treino e por falta de segurança na cidade. • A falta de ícones: da mesma forma que já fora ressaltada a importância do “espelho”, sem usar esta expressão, os técnicos de São Paulo enfatizaram a importância do esporte ter seus ícones, “mulheres com resultado e como referência”, e lembraram que como a participação feminina é recente, principalmente em alguns esportes, estes ícones ainda são basicamente masculinos ou internacionais. Tudo vai mudar quando as mulheres no Brasil começarem a ter resultados significativos, porque é importante até para o esporte do país ter atletas de ambos os sexos com resultados. Eu acho que para o Brasil ainda faltam grandes, com exceção da Paula e Hortência no Basquete e a Daiane agora ultimamente, mas faltam grandes ícones esportivos, grandes mulheres, a Maria Ésther Bueno, campeã do Tênis, mas faltam ainda grandes ícones esportivos de mulheres campeãs olímpicas, por exemplo, no Judô ainda não teve nenhuma sequer medalhista olímpica, o Brasil tem 13 medalhas olímpicas de Judô e não tem nenhuma medalha feminina. Lembrando que as mulheres entraram muito possivelmente (depois dos) homens em olimpíada, então tem um 160 caminho mais longo a ser percorrido. Mas, ainda falta para o Brasil ícones femininos de expressão no esporte. • O fato de que o “desporto de alto rendimento não é saúde” nem para o homem nem para a mulher: a atividade física sim. Há riscos de lesões mesmo em esporte individual sem contato físico. Este aspecto, levantado pela primeira vez no GF das atletas em São Paulo, foi retomado por um participante no GF dos técnicos e conseguiu a aprovação de todos. Sobre esses aspectos das diferenças, tem outro aspecto também, a gente tem que acho que diferenciar o que é desporto de alto rendimento que nada tem a ver com saúde, esporte não é saúde, esporte de alto rendimento nenhum é saúde porque a gente vê que é performance, é desempenho, é ir no limite do ser humano, seja homem, seja mulher. (...) Então qualquer esporte de alto rendimento lesiona. O Guga joga Tênis, não tem contato físico com ninguém, já teve que operar quadril, já teve que operar ombro, como é que a pessoa tem que operar sem ter contato físico com um outro atleta esbarrando? Então em qualquer esporte de alto rendimento, nada tem a ver com saúde. • O fato de não haver retorno financeiro na prática esportiva faz com que as meninas tenham que sair para trabalhar. Aspecto já devidamente comentado anteriormente e que diz respeito ao problema da dificuldade de continuidade do esporte praticado na infância e na adolescência, que acaba “expulsando” as mulheres para outros tipos de atividades remuneradas. • A existência no Brasil da “monocultura do Futebol” masculino. Uma de suas conseqüências é que as meninas que praticam o Futebol enfrentam, além de dificuldades comuns a outros esportes como a grande distância entre o local de moradia e o local de treinamento, dificuldades específicas tais como o preconceito com o Futebol desde idades muito novas, a falta de perspectiva futura e a falta de reconhecimento na mídia. Facilidades percebidas para que as atletas permaneçam no esporte Como ocorreu em outros GFs, houve pouco destaque para os fatores facilitadores. Somente um entrevistado mencionou aquelas qualidades que são percebidas como passíveis de ser incorporadas às pessoas a partir da prática esportiva: a disciplina, o foco, o estabelecimento de objetivos e propósitos. A pessoa humana, a pessoa mesmo, que pratica esporte, a criança, ela vai ter mais disciplina, o foco da atenção, a gente sabe que uma menina ou um menino que pratique qualquer esporte, já olhando para o aspecto dela (referindo-se à coordenadora geral do projeto) do início dessa discussão, que (…) falou “descobriu-se que grandes mulheres, que foram mulheres de sucesso em outras áreas não-esportivas, em administração, em medicina, empresárias, foram praticantes de esporte.” Por quê? Porque o esporte (…) traz o foco, você precisa ser focado naquilo que você vai fazer, você precisa ser disciplinado, você precisa renunciar a muita coisa, momentos de prazer, de comida, de assistir um determinado programa na TV que vai passar na hora do treinamento. Então, esses aspectos somados transformam realmente a pessoa, uma pessoa diferente sob o aspecto 161 disciplinar, da disciplina, da capacidade de foco e o objetivo de ter um propósito. Ela falou (referindo-se a uma atleta da luta greco-romana presente): “eu quero ser campeã olímpica!” e ela vai perseguir isso e sabe que vai ter que chorar, vai ter que suar, vai se lesionar e vai se tratar e vai melhorar e vai se levantar novamente. Então, todos esses aspectos que a vida de um esportista traz, ao terminar, ao findar a sua carreira de esportista, se ele (…), ou ela, entrar em qualquer outra carreira, ela vai levar consigo todos esses valores que ela adquiriu ao longo de uma vida inteira praticando de disciplina, de foco, de objetivo, de propósito, de luta. Outra observação disse respeito à facilidade oferecida por algumas modalidades esportivas, como as lutas, por se mostrarem adequadas aos mais diversos biótipos por estarem estruturadas em categorias específicas, tornando-se assim mais “democráticas” do que outras modalidades. Eu ainda gostaria de ressaltar com relação às lutas de um modo geral, não só para a mulher, mas eu acredito que as lutas, puxando a sardinha para o meu lado mesmo, são os esportes mais democráticos que tem, são as lutas, eu vou dizer porque: a luta contempla 7 categorias diferentes de peso, então vai desde o biótipo da menina mais magricela até a menina mais gordinha, da menina mais alta a menina mais baixinha – você é baixinha demais para fazer Basquete ou você é alta demais para fazer Ginástica Olímpica; quantas meninas ouviram isso, ou seja, o seu biótipo não dá para fazer determinado esporte porque o esporte (…) requer que você antecipadamente, mas isso é individualidade biológica, eu nasci assim, dessa altura. Expressão de estereótipos de gênero O reconhecimento da existência de estereótipos de gênero no esporte, expresso em várias formas de preconceito, foi recorrente ao longo de toda a discussão no GF dos técnicos de São Paulo e já foi ressaltado nos tópicos anteriores desta seção. A ênfase na questão das diferenças existentes entre homens e mulheres em nossa sociedade, ao menos na forma hegemônica de pensar, foi um aspecto original do conteúdo da discussão nesse grupo. Como disse uma participante, é bom que haja diferenças. Elas “tornam a coisa mais dinâmica”. • Diferenças de expectativas: o que se cobra do menino e da menina – que o menino comece a se sustentar sozinho mais cedo, que vença sempre as competições entre meninos e meninas, que a menina seja cuidadora dos irmãos mais novos. • Diferenças entre os modelos estéticos femininos e masculinos: os primeiros sendo mais mutáveis e os segundos mais permanentes no tempo e nas diversas culturas. Em função dos modelos estéticos, questiona-se a participação das mulheres em várias modalidades esportivas por causa das transformações que a prática efetivamente impõe aos seus corpos. • Diferenças no acesso e na recompensa de participação em alguns esportes: não há mulheres na Fórmula 1, e a premiação nos torneios de Tênis é menor para as mulheres (somente agora isso começa a se modificar). 162 • Diferença de condições nos jogos, remetendo à questão da adaptação das modalidades esportivas para torná-las mais acessíveis às mulheres e “tornarem o jogo mais bonito”. As adaptações já foram feitas em diversos esportes como no Vôlei e no Handebol e ainda não chegaram ao Futebol, gerando dificuldades extras para as atletas do Futebol feminino de campo. Afinal “o homem é muito mais forte do que a mulher”. Tal argumentação gerou reações do tipo “mas a mulher tem uma capacidade de resistência maior desde que submetida a um trabalho aeróbico bom”. Um exemplo disso é a redução do tempo das mulheres nas maratonas, que está tendendo a uma aproximação cada vez maior de resultados entre homens e mulheres. Uma conseqüência das mais incômodas para as atletas da existência dos estereótipos de gênero no esporte, mencionada de forma isolada em diversos GFs nos dois municípios, provavelmente pelo desconforto que causa, é o questionamento da orientação sexual dos atletas. Há uma tendência a chamar de “macho” as meninas que praticam determinados esportes considerados masculinos e, de maneira menos usual, de “mulherzinha” os meninos que praticam esportes considerados femininos ou que perdem das meninas em esportes mistos porque são fisicamente mais fortes do que elas. Neste GF, dois argumentos específicos foram levantados contra isto: o esporte não altera a orientação sexual de ninguém e a diferenciação da força física entre meninos e meninas só ocorre com as transformações hormonais ocorridas na adolescência. Outra originalidade surgida neste GF foi a menção de que existem projetos de valorização da mulher no esporte que têm como objetivo desmistificar os estereótipos de gênero ainda que partam deles. Exemplo: O projeto Mulheres que fazem o Brasil Brilhar, patrocinado pela Bombril. Existem também hoje projetos específicos no esporte para mulher, então, por exemplo, a Bombril lançou o ano passado um projeto chamado Mulheres que fazem o Brasil brilhar, então a Bombril selecionou somente em modalidades em que o Brasil tinha chances de ir para os jogos PanAmericanos e patrocinou somente mulheres para os jogos PanAmericanos. A luta teve 2 atletas, Aline Ferreira, que foi vice-campeã mundial, e a Fernanda Peres, que é nossa atleta do Centro Olímpico também; o Taekwondo, uma menina que foi campeã mundial também, eu não me lembro o nome, e assim a Bombril escolheu. Ou seja, existe também, do ponto de vista do marketing, produtos que se relacionam tipicamente à mulher. Eu achei muito feliz inclusive o slogan porque a gente imagina mulher lavando, coisa assim, uma coisa pejorativa, mulher esfregando uma panela – que linda e a panela está brilhando e ela está feliz, ela cumpriu o seu papel de mulher. Quer dizer, a Bombril, invés de focar esse aspecto, focou mulheres que fazem o Brasil brilhar de uma outra forma, a mulher não vai fazer o Brasil brilhar só areando panela, ela vai fazer o Brasil brilhar tendo um resultado expressivo em alguma modalidade esportiva, por exemplo. Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva para as meninas • Fazer campanhas de marketing para vender o esporte como um produto. 163 • • • • • • • • • • Divulgar o que existe em termos de alternativas de prática esportiva no município de São Paulo: proceder a uma espécie de mapeamento dos locais para prática e das oportunidades e divulgar amplamente. Fazer uma identificação mais ampla das atividades culturais no município, divulgá-las e levá-las para a escola. Alavancar o esporte em geral, principalmente a partir do esporte de base. Desta forma o esporte feminino irá junto: “eu não acho que o problema seja com o esporte feminino, acho que é com o esporte no Brasil”. Promover a descentralização geográfica dos locais de prática esportiva. Isto faria com que se massificasse a prática esportiva e “aí o feminino vem atrás ou o masculino vai atrás, dependendo do esporte. Porque você tem esporte que puxa mais para o lado feminino mesmo porque a gente tá discutindo aqui para a diminuição dessa diferença”. Integração com a escola, como ocorre em alguns países onde o esporte é muito bem-sucedido como os EUA, por exemplo. Esta ligação propicia a superação da hegemonia de um único esporte no país. Haver mais investimento e mais patrocínio, além do espaço para a prática. Promover uma divulgação maior dos benefícios que o esporte trás para as pessoas. Estabelecer parcerias com órgãos públicos e empresas privadas. Cuidar do trabalho que vai ser realizado, além de montar estruturas físicas notáveis: Há o exemplo dos CEUs (Centros Educacionais Unificados) nos quais a estrutura é maravilhosa mas não há gente para garantir a sua utilização. Fazer um trabalho de posicionamento da mulher no esporte: um trabalho de marketing. Então por isso que esse trabalho sobre o posicionamento da mulher no esporte, em ter horários nobres, deve começar com isso, com discussões como essa, que valorizem a postura e a posição da mulher, para que isso, como um produto, realmente possa ser vendido, interesse a todos, há um desinteresse, é como você pega um carvão numa churrasqueira, quem faz churrasco sabe, você pega aquele carvão quentinho e você põe num saco frio, o saco dos carvões que você ainda não tirou, aquele carvão quente não esquenta os outros carvões. Para você esquentar o carvão, você pega aquele carvão frio e põe aquele carvão numa churrasqueira quente, aí ele se aquece com os demais. Então a nossa sociedade ela fica fria assim, porque a gente às vezes quer pegar um produto quente e colocar num saco frio, a tendência é a sociedade acabar esfriando esses espetáculos, sobretudo espetáculos femininos. 164 V - Considerações Finais Contextualização Foram ouvidas no período de 19/04/2007 a 02/05/2007 ao todo 103 pessoas entre técnicos, treinadores, professores, árbitros, responsáveis por projetos sociais que utilizam o esporte como via de inclusão social, responsáveis por atletas, as próprias atletas e, como contraponto, adolescentes do mesmo sexo e da mesma faixa etária que não praticam esporte. As entrevistas foram realizadas em 8 grupos (4 em cada cidade) homogeneamente organizados segundo o seu vínculo (ou não-vínculo) com o esporte. Em todos os grupos seguiu-se basicamente o mesmo roteiro de questões, mas, mesmo assim, os temas abordados ganharam ênfases diferenciadas em cada grupo, e outros temas emergiram como relevantes independentemente de sua inserção na pauta de discussão. Os quadros 21 e 22 sinalizam o tom dominante em cada grupo e comparam as principais características dos participantes dos grupos nas duas cidades. Quadro 21 Tom dominante nos GFs Municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo Técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais. Mães, pais e responsáveis por atletas Atletas Não-atletas Tom dominante dos grupos no Rio de Janeiro GF longo e de falas GF intenso e voltado, GF muito dinâmico, GF de poucas e fluentes, interessadas desde as falas de no qual as atletas lacônicas falas, e polêmicas, com apresentação, para as demonstraram demonstrando que o muita ênfase nos dificuldades maturidade e esporte não é um fatores que no enfrentadas pelas reflexão sobre sua tema cotidiano na momento atuam atletas e pelas prática esportiva. vida das como diferentes participantes. desmotivadores para possibilidades das Constituiu-se em a prática do esporte. famílias de ajudá-las importante a superar. contraponto ao GF das atletas. Tom dominante dos grupos em São Paulo GF longo e composto GF marcado pela GF composto por GF de poucas e por pessoas presença de casais, atletas muito jovens, lacônicas falas, extremamente pessoas muito que tinham muito a refletindo a voltadas para a disciplinadas em dizer, mas se juventude e prática do esporte, suas falas, que quase ressentiram da sua imaturidade das para uma reflexão sempre se insegurança e participantes, além sobre esta prática, circunscreviam aos timidez para se de poucas reflexões visando sobretudo a temas postos em colocar. Estimuladas, prévias sobre um melhoria de suas discussão em cada produziram ótimas tema que não era o condições na cidade momento. informações para a seu. Muito útil no de São Paulo. Participaram da pesquisa. levantamento de discussão com diferenciações de grande gênero. envolvimento. Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007. 165 Quadro 22 Comparação de algumas das principais características dos participantes Municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo Técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais. Nas duas cidades, o grupo foi mais masculino: 53,8% de homens em ambos os casos. Mães, pais e responsáveis por atletas Atletas Não-atletas Nas duas cidades o grupo foi mais feminino. No Rio, o percentual de mulheres foi de 71,4% e superou o de São Paulo (66,7%). Os técnicos do Rio As idades médias apresentaram idade ficaram próximas: no média de 36,2 anos, Rio ela foi um pouco superior a de seus superior (45,4) a de São pares em São Paulo Paulo (44,3). (32,5 anos). Somente mulheres. Somente mulheres. O Grupo do Rio apresentou idade média mais elevada (16,2 anos) que o de São Paulo (14,9). Nas duas cidades, a maioria dos participantes estava trabalhando. No Rio, 100%, e em São Paulo, 92,3%. Para os dois grupos predominou o nível superior completo, com maior freqüência para o Rio (69,2%). Em São Paulo foi de 53,8%. A renda pessoal média em São Paulo foi de R$2.991,40, superior à do Rio (R$2.391,80). Esportes de prática atual: No Rio, atletismo, futebol, handebol, remo, taekwondo e vôlei. Em São Paulo, atletismo, futebol, ginástica artística, handebol, judô, lutas, vela e vôlei. A maioria das participantes nunca trabalhou. O Grupo do Rio foi o mais jovem de todos, com idade média de 13,9 anos. Em São Paulo a idade média foi 14,6 anos. A maioria das participantes nunca trabalhou. Nas duas cidades, a maioria dos participantes estava trabalhando. No Rio o percentual foi maior (78,6%) que em São Paulo (66,7%). São Paulo apresentou nível de escolaridade mais elevado (superior completo) que o Rio (fundamental incompleto). A renda pessoal média em São Paulo foi de R$ 2.740,90, muito superior à do Rio (R$ 1.216,83). Esporte de prática atual: no Rio, ginástica artística e futebol. Em São Paulo, futebol, natação e tênis. Ambos os grupos apresentaram maior incidência no nível médio incompleto, com percentual mais elevado no Rio (58,3). Esporte de prática atual: no Rio, atletismo, basquete, futebol, judô, natação, saltos ornamentais, tênis e vôlei. Em São Paulo, atletismo, basquete, futebol, handebol, judô, lutas, natação, vôlei e vôlei de praia. A maior proporção foi a referente ao nível fundamental incompleto, nas duas cidades. 166 Técnicos, Mães, pais e treinadores, responsáveis por professores, atletas árbitros e responsáveis por projetos sociais. Tempo médio de prática do esporte atual: 18,5 anos no Rio e 13,9 em São Paulo No Rio houve maior incidência de confederados (54,5%) e de federados (50,0%). No Rio predominou Nas duas cidades o esporte de predominou a dimensão rendimento nãoesporte e lazer. profissional e em São Paulo o esporte educacional. Atletas Não-atletas Tempo médio de prática do esporte atual: 5,5 anos no Rio e 3,4 em São Paulo No Rio houve maior incidência de federadas (50,0%) e de confederadas (45,5%). No Rio predominou o esporte de rendimento profissional e em São Paulo o esporte de rendimento nãoprofissional e o esporte e lazer. Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007. Ainda que as pesquisas que utilizam metodologias qualitativas sejam mais voltadas para a compreensão que para uma possível generalização de suas conclusões, estas se revelaram condizentes com as obtidas em diversos outros estudos já realizados na temática, nacional e internacionalmente. A aparente reduzida abrangência geográfica do universo pesquisado justifica-se plenamente não só pelos propósitos qualitativos do estudo como também pela representatividade dos municípios pesquisados tanto ao nível social e econômico como no âmbito dos esportes no Brasil, como exposto de forma sintética a seguir: 63 • Participação na população do Brasil e do Sudeste: a população dos municípios selecionados para a realização da pesquisa, Rio de Janeiro e São Paulo, representava em 200063, 3,4% e 6,1% da população total do Brasil. Tomando-se como parâmetro a Região Sudeste, os percentuais se elevam para 14,4% (São Paulo – SP) e 8,1% (Rio de Janeiro – RJ). E considerando a população conjunta dos dois municípios estudados, a proporção de cobertura da população do país passa a ser 9,5% e a da Região Sudeste, 22,5%. Esses resultados evidenciam a importância, em termos demográficos, das áreas geográficas investigadas na pesquisa. • Participação da população adolescente feminina no Sudeste e no Brasil: realizado o recorte da população de estudo, ou seja, mulheres adolescentes de 12 a 18 anos de idade, observamos que residiam no município do Rio de Janeiro, em 2000, 2,7% delas, e no município de São Paulo, 5,4%. Se agregadas, elas representavam 8,1% (1.008.508) da população feminina dessa faixa etária existente no Brasil em 2000. As mulheres desse mesmo IBGE, Censo Demográfico 2000, Resultados do universo. 167 grupo de idade, residentes nos dois municípios, correspondiam a 20,8% de seus pares da Região Sudeste. • Importância da quantidade e qualidade de pessoal envolvido ao nível municipal e estadual público: em 200364, uma parte substancial dos 63.969 técnicos ocupados na área de esportes e pertencentes à esfera estadual atuava na Região Sudeste (48,1%). Do total da região, 95,6% deles se dedicavam ao esporte educacional e 91,2% eram professores e profissionais graduados em Educação Física. Observando a quantidade de técnicos dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, nota-se a predominância numérica do primeiro, 13.921 e 6.888, respectivamente. Dentre os técnicos do estado do Rio de Janeiro, foram observadas duas características que os diferenciaram dos técnicos do estado de São Paulo: a atuação em outras dimensões do esporte – 11% no esporte e lazer e 3,4% no esporte de rendimento – e o expressivo percentual de profissionais não-graduados (18,9% do total). Em São Paulo (estado), 97,7% desempenhavam suas funções no esporte educacional e 99,1% eram graduados em educação física. Os resultados da esfera municipal65, também para o ano de 2003, apresentaram uma inversão na quantidade de técnicos atuantes na área de esportes existentes nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, 5.912 e 2.362, respectivamente, quando comparados com a verificada nos respectivos estados, na esfera estadual. Apesar de ter uma população bem menor que a da cidade de São Paulo em 2000, o município do Rio de Janeiro possuía proporcionalmente mais escolas do ensino fundamental pertencentes à esfera municipal (88,8%), enquanto em São Paulo (cidade) a maioria delas pertencia à esfera estadual (69,1%). Nas duas cidades, os técnicos se dedicavam mais ao esporte educacional, 69,5% em São Paulo e 56,2% no Rio de Janeiro, e todos eram graduados em educação física. Entretanto, a significativa proporção de técnicos que atuavam em outras dimensões do esporte como o esporte e lazer (40,2% no Rio de Janeiro e 29,1% em São Paulo) e o esporte de rendimento (3,4% no Rio de Janeiro) foi uma característica específica dessa esfera. Um outro aspecto, que também merece destaque, é a qualificação dos técnicos dedicados ao esporte e lazer; nos dois municípios predominaram os profissionais não-graduados: 53% em São Paulo e 52,7% no Rio de Janeiro. • Importância da existência de equipamentos esportivos: o número de equipamentos esportivos (conjunto de instalações) existentes no Brasil na esfera estadual parece reduzido se consideradas a população do país e a sua extensão territorial: apenas 14 complexos aquáticos, 41 complexos esportivos, 40 estádios de futebol e 127 ginásios. Também não foi constatada especial concentração desses equipamentos na Região Sudeste. Quanto às instalações esportivas (unidades esportivas fundamentais), os tipos que apresentaram maior freqüência para o Brasil foram: quadra66 (412) e campo de futebol (72). Das 31 quadras de tênis existentes no Brasil em 2003, na esfera estadual, 14 estavam na Região Sudeste e todas elas no estado de São Paulo. 64 IBGE, Pesquisa de Esportes 2003. Governo do Estado. IBGE, Pesquisa de Informações Básicas Municipais, Suplemento Esportes 2003. 66 Cobertas e não-cobertas. 65 168 Dos equipamentos esportivos existentes na esfera municipal, a cidade de São Paulo possuía maior número de ginásios67 (30), complexos aquáticos5 (23) e complexos esportivos (25). Para o município do Rio de Janeiro, o equipamento mais presente foi o complexo esportivo (10). Quando consideradas as instalações esportivas existentes e localizadas em parques, praças, logradouros e complexos esportivos, os tipos predominantes nos dois municípios foram quadras (exceto em ginásio), 606 no Rio de Janeiro e 287 em São Paulo, e campos de futebol, 274 e 283, respectivamente. Alguns outros tipos de equipamento apareceram com maior incidência em São Paulo: salão de ginástica (72); ginásio (30) e piscina recreativa (22). Principais achados da pesquisa O resultado dos trabalhos, consubstanciado neste Relatório, mostra que os objetivos iniciais da pesquisa foram perseguidos ao longo de todos os GFs e essa firmeza no foco permitiu que hoje se tenha um levantamento sistemático e abrangente das percepções dos diversos atores envolvidos na prática esportiva das adolescentes na cidade do Rio de Janeiro e na cidade de São Paulo sobre as questões que se pretendia abordar: • • • • Qual a motivação das mulheres para a prática do esporte? Quais os fatores percebidos como facilitadores para a inserção e a permanência da mulher no esporte? Quais os fatores percebidos como dificultadores para a inserção e a permanência da mulher no esporte? Quais as sugestões para incentivar a participação feminina no esporte? A motivação das meninas para a prática do esporte Os grupos sempre eram iniciados com um levantamento do que os atores pensavam ser a motivação para as adolescentes entrarem e permanecerem no esporte. No Rio de Janeiro, as diferenças de abordagem da questão nos diversos grupos foram bastante significativas: • 67 Os técnicos, falando principalmente do lugar da sua modalidade esportiva, preferiram distinguir entre recrutamento e motivação, achando que sua experiência lhes indicava que atualmente a primeira era mais pertinente à situação desfavorável que percebiam no seu dia-a-dia de trabalho. Assim, preferiram tratar de fatores que dificultam e facilitam a motivação e o resultado de suas falas será então incorporado à seção que trata de dificultadores e facilitadores. Contudo, no GF dos técnicos do Rio, chegou-se a dois pontos consensuais sobre a motivação inicial e para a continuidade das mulheres no esporte: a paixão delas pelo esporte e a sua perseverança. Segundo os técnicos, são esses os trunfos de que as mulheres dispõem para superar as más condições que restringem a sua participação. Inclusive os localizados em complexos esportivos. 169 • • • Os responsáveis pelas atletas: Percebiam a existência de dois momentos com relação à motivação: um primeiro em que correspondia ao da sua própria decisão de introduzir a filha na prática esportiva e um segundo momento em que elas decidiam permanecer, fazendo importantes alterações na sua maneira de atuar, podendo até mesmo mudar de modalidade. Nesta linha de argumentação, apontaram como sua própria motivação para introduzir as filhas no mundo esportivo o fato de verem no esporte uma importante atividade complementar, que ocupa a mente de forma sadia e afasta a pessoa de outras solicitações não tão desejáveis do mundo; a avaliação de que as filhas tinham “dom” ou “talento” para o esporte ou a avaliação de que tinham o biótipo adequado à modalidade. Suas falas sobre suas razões para incentivar a filha na vida esportiva deixavam claro que, em muitos casos, a decisão tinha a ver com sua própria história de vida tanto no sentido de reproduzi-la quanto no de tentar que a filha realizasse algo que eles se sentiam frustrados por não terem obtido. Os responsáveis que admitiram que a filha havia ingressado no esporte por decisão própria atribuíram o fato majoritariamente a evidências extremamente subjetivas delas, que nomeavam de “algo dentro delas” ou “uma coisa muito delas”. Apenas um responsável atribuiu a motivação da filha ao sentimento de competitividade. As atletas, ao contrário, falaram de sua motivação sempre na primeira pessoa e também percebiam dois momentos distintos: um primeiro de chegada ao esporte e um segundo de tomar gosto pela coisa e decidir permanecer. Parece que, mesmo que elas tenham iniciado muito cedo por “decisão superior”, não é nesse momento que elas avaliam a sua motivação. Foram destacadas como motivação inicial: a saúde, a estética, o prazer, o gostar, o convívio com os amigos, o aproveitamento do seu “dom”/“talento” e a busca de alguns dos “efeitos colaterais” percebidos como passíveis de serem adquiridos por meio do esporte tais como disciplina, objetivo, foco, liderança e bom relacionamento com a rotina. As não-atletas, muitas delas ex-praticantes de esporte e algumas com desejo de retornar, listaram as principais razões pelas quais não se sentem motivadas para a prática esportiva neste momento: Falta de tempo em função de outras escolhas. Forte preconceito com quem não pratica bem o esporte ou quem está iniciando no esporte, gerando “zoação” constante por parte dos colegas. Preconceito contra as meninas que praticam determinados tipos de esporte, principalmente o futebol. Existência de estereótipos de gênero que determinam quais são os esportes masculinos e femininos e que atuam sobre as crianças desde que são muito pequenas. Falta de condições para a prática esportiva de quem não pode pagar: problema financeiro; locais disponíveis muito longe de casa, que gera dificuldades de locomoção e perigo; fechamento do local onde praticava gratuitamente perto de casa. 170 Eleição de outra atividade corporal da qual gosta muito mais que do esporte que fazia: a dança. Falta de incentivo na escola. O esporte exige muita dedicação e limita o tempo das pessoas para outras atividades interessantes. Medo de machucar-se. Em São Paulo, as diferenças de abordagem da questão da motivação nos diversos grupos também foram relevantes: • Os responsáveis pelas atletas em São Paulo falaram da motivação para as meninas entrarem (e permanecerem no esporte) muito fortemente a partir da experiência com as filhas e suas percepções podem ser classificadas em duas grandes categorias: as de motivação interna e as de motivação externa às atletas. No conjunto categorizado como motivações internas, houve a hegemonia absoluta da competitividade como o móvel das meninas para o esporte, ao contrário do que ocorrera no Rio. Nas motivações internas não-hegemônicas apareceram, como no Rio, fatores extremamente subjetivos como “gostar”, ter “vontade”, buscar o reconhecimento paterno, “algo que está dentro delas”, “questão dela mesma”, “predestinação”, “cabeça de cada uma”, gosto de nascença, uma vez que foi demonstrado desde a mais tenra idade. Como motivações internas mais “objetivas”, mencionaram a busca de solução para problemas de saúde e o “seguir o exemplo de pessoas da família que já praticavam um determinado esporte”. No conjunto categorizado como motivações externas, foram citados fatores como: Ser iniciada no esporte desde pequena. Receber incentivo familiar desde cedo para a participação em outros jogos competitivos ainda que não-esportivos. Ter reconhecido seu talento para a modalidade esportiva que pratica. Esta percepção retoma, sem utilizar esta nomenclatura, a idéia de “dom” muito recorrente na pesquisa no Rio. Receber elogio, estímulo e incentivo por parte da família, dos professores e dos treinadores. Ter condições materiais para a prática esportiva: recursos em geral envolvendo o uso de material esportivo de boa qualidade, a participação em competições, o espaço para a prática esportiva (preferencialmente perto de casa), o auxíliotransporte para os deslocamentos. Ter espaços de convívio equilibrado na vida em geral, principalmente na escola e na família. Existirem oportunidades nos clubes. • As motivações apontadas pelas atletas tenderam a expressar percepções individuais a partir de sua própria experiência. Houve algumas referências à existência de dois momentos distintos de motivação, como ocorrera entre as atletas do Rio, e uma primeira menção às diferenças de gênero, partida de uma praticante de luta. Seguem-se as idéias reveladas: 171 Não existe uma motivação única. Ela é múltipla: vem de filmes que você vê, do estímulo que recebe de seus pais e dos amigos, da vontade de ser como os expoentes esportivos que estão na mídia etc. A motivação é “ser uma profissional” e fazer o esporte porque gosta. Em um primeiro momento os pais escolhem um esporte para a criança seguindo os seus próprios gostos, mas nem as crianças nem os pais estão pensando em chegar ao alto rendimento, só no gostar mesmo. Depois é que, se dá certo, inicia-se o caminho para o alto rendimento. A motivação inicial foi uma indicação médica para dar conta de um problema específico de saúde. Foi a porta de entrada para o esporte e, posteriormente, houve a busca do “seu” esporte porque gosta, para conhecer pessoas, ter um bom professor e assim por diante. A busca de diversão como motivação do primeiro momento e depois, tomar gosto e ter vontade de superar os preconceitos de gênero. O esporte ajuda a conviver com a TPM e isto é uma motivação para permanecer. • As não-atletas listaram: As razões para não se dedicarem ao esporte neste momento e elas mostram basicamente falta de tempo, desinteresse e inércia: Falta de tempo em função de outras escolhas que interessam mais como, por exemplo, escola, inglês e dança. Preguiça: “tenho muita preguiça. Só faço a escola porque é obrigado”. “Por não estar afim mesmo!” Necessidade de começar a trabalhar. Falta de interesse. “Eu não faço, como dizem os adolescentes, (porque) não é minha praia. Não me identifico.” As percepções que tinham acerca da motivação para o esporte das atletas de sua faixa etária: Por gostar mesmo do esporte: “acho que elas não são obrigadas!” “Para ter o corpo bonito e estar sempre com tudo em cima.” “Por ter alguém como exemplo agora, que tem muitas meninas se destacando.” Por influência dos pais. • Os técnicos mencionaram uma série de motivos que fariam as meninas ingressarem e permanecerem na prática esportiva. Não houve posições hegemônicas no que se refere ao assunto motivação e o grande destaque neste tópico foi a primeira menção ao Decreto-Lei 3.199, que estabelecia limitações para a prática esportiva das mulheres e que vigorou até 1979. Surpreendentemente, a menção a esse decreto, marco importantíssimo para o desenvolvimento das mulheres no esporte no Brasil, foi feita pela primeira vez neste GF de São Paulo, o último da pesquisa, quando um entrevistado 172 citou a sua revogação com um fator motivador. As demais percepções citadas foram: A possibilidade de competir junto e em pé de igualdade com os meninos. A tentativa de provar que podem tanto quanto os meninos no esporte, com mais força ainda nos esportes tidos socialmente como masculinos. Esta é a situação dos esportes aos quais a mulher só pôde aderir mais recentemente como o judô e as lutas. A possibilidade de ser aceita em condições de igualdade com o homem, principalmente em locais que recebem populações socioeconomicamente mais carentes: “as mulheres querem ficar onde estão sendo aceitas e onde há um trabalho pela igualdade entre homens e mulheres”. A existência de oportunidade de escolha sem exclusão; de divulgação na mídia; de um trabalho pelo fim do preconceito, de dimensionamento e de identificação das diferenças. O aumento de oportunidades para as mulheres no esporte, que vem se verificando graças à lenta redução do preconceito de gênero (idéia também colocada no GF dos técnicos no Rio) e à introdução de uma nova percepção do esporte por parte das famílias – como uma oportunidade profissional, como uma possibilidade para obtenção de bolsa de estudo e como uma alternativa para a ocupação do tempo das adolescentes. A influência da família na medida em que o pai ou a mãe também foi esportista e incentiva as meninas a ter a mesma experiência. O estímulo do professor de educação física na escola. A possibilidade de praticar esporte perto de casa. A existência de projetos sociais que viabilizem a prática esportiva de meninos e meninas porque “a classe média está acabando” e com ela as possibilidades familiares de arcar com os custos cotidianos da prática esportiva dos filhos. As populações menos favorecidas do ponto de vista socioeconômico já viviam essa impossibilidade desde sempre. Nesse sentido, estariam reduzindo-se as diferenças entre as classes sociais ressaltadas em outros GFs da pesquisa. Por outro lado, a afirmação naturaliza a ausência do governo na criação de oportunidades para a prática do esporte. Uma entrevistada chamou a atenção para o fato de que a responsabilidade de garantir a continuidade no esporte é da família no início, é da própria pessoa e é do governo que precisa dar condições da atleta viver do esporte principalmente depois que entra na idade adulta. Fatores facilitadores da prática esportiva Em todos os GFs, nas duas cidades, foi mais difícil para os participantes encontrarem fatores que atuam positivamente no sentido de facilitar o ingresso e a permanência das atletas no esporte. As percepções estavam sempre mais aguçadas para os fatores que atuam negativamente, o que parece, por si só e somado a outras informações levantadas na pesquisa, um indicador de que as condições da prática esportiva andam mesmo adversas. No Rio de Janeiro, as diferenças de abordagem da questão nos diversos grupos foram bastante significativas: 173 • Os técnicos: Como já foi destacado na seção relativa à motivação, foram praticamente unânimes em afirmar que o que ajuda as meninas é sua própria paixão e sua própria perseverança na prática esportiva. De forma não hegemônica, também destacaram como fatores facilitadores: O vínculo que se estabelece entre as participantes de uma mesma equipe em um esporte coletivo. Juventude para alcançar os objetivos que lhes permite achar que terão muito tempo na vida para superar os obstáculos. A identificação do brasileiro como portador de habilidades especiais para o esporte. A possibilidade recente de registrar na Federação as jogadoras de futebol feminino. Além de isoladas, as seguintes facilidades geraram controvérsia e discussão no grupo: A existência de algumas políticas públicas nas prefeituras de estados do Sul e em São Paulo. O clube dar uniforme e assistência médica e odontológica. O fato de estarmos vivendo uma “fase de redução” dos estereótipos de gênero, o que neutralizaria o preconceito contra as mulheres no esporte, facilitando a sua permanência. Por fim, alguns foram radicais e disseram não perceber qualquer facilidade que beneficie as mulheres em sua prática esportiva no Rio de Janeiro. • • Os responsáveis pelas atletas: De forma hegemônica, quando questionados sobre a existência de fatores facilitadores para a prática esportiva das meninas, os responsáveis responderam traduzindo a questão em termos do que aqui se convencionou nomear como “efeitos colaterais positivos” do esporte, que vão desde a aquisição de determinados atributos avaliados positivamente pelos responsáveis como organização, disciplina, responsabilidade, poder de superação, amadurecimento, foco e bom manejo da rotina, até o reconhecimento do esporte como remédio para timidez, preguiça, rebeldia, desesperança em relação ao futuro e mesmo depressão, passando pela idéia de que o esporte mantém a criança com saúde, ocupada e afastada de determinados chamamentos negativos do mundo urbano como o apelo das drogas. Isoladamente, um único pai mencionou, a partir da experiência da própria filha, que a possibilidade de ganhar uma bolsa de estudos por ser atleta era um fator facilitador para a permanência no esporte. As atletas: De maneira hegemônica destacaram o apoio da família, dos amigos, e do técnico como incentivador abalizado e capaz de estimular o seu crescimento no esporte. A enorme importância atribuída ao papel da família, inclusive quando percebida em seus efeitos negativos, fez 174 deste um tema em destaque no grupo e, como tal, merecerá tratamento separado. De forma não hegemônica destacaram o fato da atleta ter algumas qualidades pessoais como força de vontade, garra, determinação, esforço, comportamento dócil no sentido de “ficar calada e não reclamar”, “saber levar certas coisas”, “empurrar com a barriga” e ter “capacidade para engolir muito sapo”. Uma atleta acrescentou que acha que as meninas têm mais essas qualidades que os meninos e que devem persistir sempre, mesmo remando contra a maré, porque isto se reverterá não apenas em benefício próprio, mas como fator de mudança benéfica para todos. Neste ponto, ao demonstrarem perseverança e paixão, aproximaram-se da percepção que os técnicos têm delas. • As não-atletas nada destacaram sobre este subtema. Em São Paulo, as diferenças de abordagem da questão nos diversos grupos também foram relevantes: • Os responsáveis pelas atletas praticamente não se posicionaram sobre o assunto, e as duas respostas isoladas diziam de “efeitos colaterais positivos” do esporte como “tirar as meninas da rua” e de qualidades que atribuem às mulheres: “são mais inteligentes”. • As atletas não chegaram a posições consensuais e as respostas isoladas envolviam a questão de gênero, das diferenças entre os esportes, das vantagens da possibilidade de escolha e das “qualidades femininas”: Professora ajuda a minorar as conseqüências dos preconceitos de gênero na prática do esporte porque já sabem como os homens são e isso ajuda as mulheres. As facilidades são maiores no esporte individual que no coletivo porque nele tudo depende só da própria pessoa. Facilidade de poder escolher o esporte que quer praticar quando a escola ou projeto oferece a possibilidade de experimentar uma gama variada de modalidades. Facilidade pelo fato da mulher ser mais “organizada”, mais “certinha” e persistente no seu objetivo, além de enfrentar uma concorrência menor. • As não-atletas: falando das facilidades, uma única não-atleta se pronunciou, dizendo que era bom “começar desde pequena porque já vira um hábito da pessoa. Aí fica tudo mais fácil”. • Os técnicos: somente um entrevistado mencionou as qualidades que são percebidas como passíveis de serem incorporadas às pessoas a partir da prática esportiva: a disciplina, o foco, o estabelecimento de objetivos e propósitos. Uma segunda observação disse respeito à facilidade oferecida por algumas modalidades esportivas, como as lutas, por se mostrarem adequadas aos mais diversos biótipos, já que estão estruturadas em categorias específicas, tornando-se assim mais “democráticas” que outras modalidades. 175 Fatores dificultadores da prática esportiva Como já foi mencionado na seção anterior, os fatores que dificultam a prática esportiva das meninas ou atuam no sentido de desmotivá-las a ingressar e permanecer no esporte foram centrais na discussão dos grupos e tenderam a ter percepções mais convergentes entre eles. Fatores como falta de retorno financeiro, que gera migração do esporte para o mercado de trabalho; necessidade de grandes deslocamentos entre o local de moradia e do treino; falta de apoio governamental para o esporte; existência de preconceito de gênero principalmente contra as meninas; falta de tempo e rotina pesada das atletas; falta de recursos e de patrocínio; falta de estrutura e apoio para o esporte no Brasil e falta de continuidade e de perspectivas futuras para as atletas foram citados em praticamente todos os grupos nas duas cidades, como ficará patente a seguir. No Rio de Janeiro, os responsáveis começaram a falar das dificuldades desde a rodada de apresentação pessoal; os técnicos preferiram falar deles do que tratar da questão da motivação propriamente dita; as atletas tinham uma opinião quase unânime sobre o assunto, demonstrando reflexão prévia a respeito do tema; e as nãoatletas, ao discorrerem sobre seus motivos para não praticar esportes, citaram algumas importantes dificuldades enfrentadas pelas atletas. • Entre os técnicos: Os fatores dificultadores hegemônicos levantados foram: Dificuldades financeiras e falta de patrocínio. Necessidade de extensos deslocamentos para treinar porque existem poucos locais para a prática esportiva na cidade. Falta de perspectiva futura para quem ingressa no esporte. O “chegar lá” como o móvel principal de todos os atletas, mas que ainda não é palpável para as mulheres que praticam esporte no município. Falta de estrutura e apoio para o esporte no Brasil. Neste conjunto, os técnicos apontam: a falta de infra-estrutura material básica; a falta de política(s) governamental(is) no Brasil; a descontinuidade das poucas políticas públicas existentes quando ocorrem mudanças de governo; empecilhos para o esporte receber patrocínios de qualquer tipo – esses empecilhos podem ser de ordem burocrática ou pela notícia de que há desvio de verbas e corrupção nos clubes. Existência de estereótipos de gênero expressos sob a forma de preconceito contra a participação feminina em determinadas modalidades esportivas, inclusive sinalizando a masculinização dos corpos femininos a partir da prática esportiva; de cobranças diferenciadas para a mulher dentro de casa, gerando acúmulo de atividades etc. Necessidade das atletas de ganhar dinheiro não só para sua manutenção, mas também para fazer face aos gastos gerados pela própria prática esportiva: deslocamentos, material adequado para os treinos, inscrição em competições etc. Os fatores dificultadores mencionados de forma não hegemônica foram: Falta de competições em ano de Pan. 176 Migração das atletas bem-sucedidas para o exterior. Diferenças segundo a classe social – de recursos para investir e de interesse. Os técnicos apontam para o fato de que há maior interesse por parte da atleta de origem menos favorecida economicamente, que vê também no esporte uma rara possibilidade de ascensão social, do que por parte das atletas de classe média que vêem no esporte unicamente o aspecto competitivo. Falta de uma política de bolsas de estudo universitárias que permita a continuidade da prática esportiva na idade adulta. Treinamento duro, que impõe às atletas uma vida sacrificada e com pouco espaço para amizades e lazer. A ausência de bola e da brincadeira conjunta nos esportes individuais. O medo de competir com os mais velhos, principalmente nos esportes individuais. No caso do Handebol: primo pobre dos outros esportes, tido como esporte escolar que não oferece oportunidade de continuidade e para o qual vêm as pessoas que “não dão para outra modalidade”. No caso do remo: o horário cedo, ainda madrugada, do treino. • Entre os responsáveis: Os fatores dificultadores hegemônicos levantados foram: Falta de patrocínio e de apoio governamental ao esporte. Grandes deslocamentos e falta de recursos para o transporte. Falta de tempo e rotina pesada. Os fatores dificultadores mencionados de forma não hegemônica foram: Distância entre o sonho e a possibilidade de vir a realizá-lo, gerando desânimo e até depressão nas atletas. Construção de locais de práticas esportivas (Vilas Olímpicas) fora da comunidade e às vezes em locais hostis e inseguros em função das divergências entre facções do tráfico. • As atletas: Demonstraram ter uma visão quase consensual sobre o que percebem como suas principais dificuldades na vida esportiva: praticamente todas elegeram a existência de preconceito e a ausência de patrocínio como seus principais vilões. No que tange ao preconceito, elas percebem-no com várias faces/manifestações: contra mulheres no esporte em geral; na própria equipe por parte dos participantes masculinos, quando ela é mista; na família; no ato de preterir as mulheres na hora de montar equipes de revezamento, mesmo na natação, que é um dos esportes considerados “femininos”; e no desrespeito às dificuldades específicas das mulheres em determinados dias do mês em função do ciclo menstrual. Uma das atletas chegou a situar o problema do preconceito no “pensamento 177 das pessoas”, demonstrando reconhecer que sem mudança de valores culturais a situação prática não se altera. Já a falta de patrocínio é sentida basicamente para suprir as despesas com transporte para os treinos, a ida para as competições, para apoiar o esporte de base, que possibilita a descoberta de “novos talentos” etc. De forma isolada perceberam as seguintes dificuldades: Rotina pesada, que ocasiona falta de tempo. Excesso de exigência dos técnicos. Baixa competitividade nas modalidades esportivas femininas e naquelas com poucos atletas e poucos locais apropriados para a prática. Necessidade de optar entre o esporte e um trabalho que lhes garanta a sobrevivência quando chega a hora da entrada na vida adulta, com a possibilidade de constituir uma nova família. Necessidade de morar longe da família quando perto dela não é viável praticar a modalidade esportiva escolhida: o desconforto dos alojamentos em todos os sentidos, principalmente na convivência compulsória com pessoas muito diferentes. • As não-atletas não apontaram dificuldades específicas que precisam ser enfrentadas pelas atletas para praticar esporte no município do Rio de Janeiro. Contudo, quando citaram as razões pelas quais não estavam motivadas a integrar-se ao esporte neste momento, apontaram algumas dificuldades importantes tais como preconceito contra as meninas que praticam determinados tipos de esporte, principalmente o futebol; existência de estereótipos de gênero que determinam quais são os esportes masculinos e femininos e que atuam sobre as crianças desde que são muito pequenas; falta de condições para a prática esportiva de quem não pode pagar: problema financeiro; locais disponíveis muito longe de casa, gerando dificuldades de locomoção e perigo; fechamento do local onde praticava gratuitamente perto de casa; falta de incentivo na escola; muita exigência de dedicação ao esporte, que limita o tempo das pessoas para outras atividades interessantes. Em São Paulo, o espaço dedicado nos grupos às dificuldades também foi significativo. Vale ressaltar que, ainda que o panorama geral das dificuldades percebidas seja semelhante no Rio e em São Paulo, as ênfases são muito diferentes e as palavras com que os participantes nomeiam algumas situações por vezes são totalmente originais. Em São Paulo, em geral, os grupos aguardavam a colocação das perguntas para começar a tratar de cada assunto e a grande maioria dos participantes fez questão de assinalar que algumas dificuldades percebidas são comuns aos meninos e às meninas. Lista-se a seguir todas as dificuldades mencionadas, destacando a sua recorrência ou não. • Entre os responsáveis: Os fatores dificultadores hegemônicos levantados foram: Falta de recursos e de apoio governamental ao esporte. Ao contrário do Rio, onde a ênfase na questão dos recursos 178 necessários para manter uma carreira esportiva em desenvolvimento foi dada à ausência de patrocínio, os responsáveis ouvidos pela pesquisa em São Paulo preferiram falar de falta de recursos. Para dar uma idéia da dimensão do que está sendo dito, somente duas pessoas (ao todo 3 vezes) utilizaram a palavra patrocínio no GF de São Paulo, enquanto no Rio, 8 responsáveis, tanto homens como mulheres, usaram a palavra patrocínio 17 vezes. Falando de falta de recursos, os participantes do GF dos responsáveis mencionaram: falta de recursos da família; falta de material adequado para a prática do atletismo; falta de condições para cumprir os requisitos necessários para fazer jus a uma bolsa escolar; falta de patrocínio, seja público ou privado, fazendo com que para subir no esporte seja necessário investir do próprio bolso, já que medalha não trás dinheiro; falta de políticas públicas não somente porque faltam recursos para serem investidos, mas, principalmente, porque falta vontade política para destinar os recursos existentes para o esporte e porque há grande incidência de corrupção e desvio de verbas; insegurança no futuro de quem pratica esporte e não tem recurso. Fim prematuro das oportunidades para a prática do esporte: problema dos locais para continuidade e de terminar o ensino médio e ter que fazer escolhas. Ausência de “peneiras” e pouca divulgação das que existem. Como será destacado mais adiante, a palavra “peneira” também se mostrou de uso local paulistano e é usada para nomear um tipo de competição que funciona como via de acesso seletiva à prática esportiva não paga ou com algum tipo de ajuda financeira ao atleta. Os locais de prática esportiva são poucos, considerando o tamanho do município, e muito distantes da moradia de quem deles mais necessita, já que há ausência de espaços regionalizados. Grandes deslocamentos e tempo perdido em condução. Falta de tempo e rotina pesada. Os fatores dificultadores não hegemônicos levantados foram: As dificuldades de estar preparado para perder – no jogo e na vida. A questão de ter ou não o biótipo desejável para cada esporte. Havia quem achasse que o biótipo era determinante e quem achasse que ele se submetia ao talento da pessoa para aquele esporte. O risco de se machucar e não ter atendimento adequado no local onde pratica esporte ou de perder sua oportunidade de prática ao ter que se afastar temporariamente. • As atletas: Como as atletas do Rio, as de São Paulo também elegeram o preconceito como o principal causador de suas dificuldades para a prática esportiva. O preconceito, percebido em suas diversas nuances, foi muito mencionado e apontado como indesejável. Vale notar que, talvez pela 179 imaturidade das meninas, elas “revidam” o preconceito reificando estereótipos de gênero ou discriminando os meninos também. Foram os seguintes os aspectos levantados e que podem ser classificados na rubrica de preconceito, sejam eles relativos a questões de gênero ou de outra espécie: Preconceito de gênero: Nos clubes e até mesmo nas escolas, os técnicos e professores só dão atenção às mulheres quando não há equipes masculinas. No âmbito do cotidiano não existem tantas diferenças, mas na competição a preferência pelos homens é visível. Meninas têm a sua orientação sexual questionada em função do esporte que praticam: “se está fazendo este judô, é homem, sapatão”. Meninas que praticam esportes considerados masculinos como judô, lutas em geral e certas modalidades do atletismo como martelo, por exemplo, são sempre comparadas ao homem: “é forte! Pode se igualar aos homens na disputa. Não se deve meter com ela porque ela pode encarar”. O contraargumento de algumas atletas que são identificadas com o masculino é de que se pode ser muito “masculina” na prática do esporte e totalmente “feminina” no cotidiano da vida extraesportiva: “delicada e usando salto alto e roupa cor-de-rosa”. Ao argumentar dessa maneira, as meninas ratificam estereótipos de gênero que tomam como naturais hábitos tipicamente culturais e que são transmitidos através da educação hegemônica em nossa sociedade, sem se dar conta de que estão perpetuando as bases do preconceito do qual se queixam. Elas dizem ainda, referindo-se às transformações que podem ser observadas no corpo da mulher pela prática de determinados esportes, que estas podem ser apreciadas, valorizadas e não tomadas como “desfeminilizantes”: “mulher é sempre mulher mesmo que o corpo fique forte”. Preconceito das meninas contra os meninos: não sabem trabalhar em grupo nem nos esportes coletivos e são insuportáveis: “homem não tem como. Homem é terrível”. Preconceitos diferenciados segundo o esporte. Comparando o atletismo ao judô em uma instituição uma atleta diz que há muito mais preconceito no segundo que no primeiro, embora no judô seja possível tirar proveito de treinar com os meninos porque quando se enfrenta uma menina depois, a atleta está mais bem preparada. No vôlei, os meninos gostam de montar seus próprios times compostos somente por eles e jogam agressivamente contra os times femininos. Outros tipos de preconceito mencionados de maneira isolada: Preconceito contra as atletas “não-federadas”: poucas oportunidades são dadas a elas nos clubes: em igualdade de condições ou mesmo com nível de habilidade esportiva superior, a preferência é das federadas. 180 Preconceito contra as pessoas novas que vêm de lugares distantes para treinar. A suposição é de que não são boas no esporte e é necessário que o professor/treinador intervenha para impor a integração da nova atleta no time. Outras dificuldades citadas de forma não hegemônica e não relacionadas ao preconceito: Falta de incentivo do governo para o esporte em si e mais aos eventos. Passado o evento cessa o interesse. Tal fato também havia sido destacado no GF dos técnicos do Rio. Cada modalidade tem sua própria dificuldade, assim como são múltiplas as motivações. No caso do judô uma das maiores é “tirar peso” para se manter em condições de competir na sua categoria. As judocas do Rio também levantaram este ponto. Gasto excessivo de tempo na condução para conseguir chegar ao treino. Necessidade de morar longe da família quando no local onde ela vive não há condições para viabilizar a prática da modalidade esportiva escolhida pela atleta. Falta de dinheiro para os gastos básicos do dia-a-dia com o esporte. O esporte deveria ser uma forma de trabalho com remuneração. Falta de atenção governamental. • As não-atletas não souberam apontar dificuldades que precisam ser enfrentadas pelas atletas para praticar esporte no município de São Paulo, embora tenham atribuído nota média 6,9 às condições para esta prática, a mesma nota atribuída pelas atletas. • Os técnicos de São Paulo, como os do Rio, falavam sempre em termos de motivação. Dessa forma, falaram mais em termos de fatores desmotivadores que interferem na prática das mulheres no esporte. Foram citados como fatores desmotivadores de maneira hegemônica: A necessidade de grandes deslocamentos pelos gastos que representam, pela falta de quem possa acompanhar a atleta ao lugar do treino e pela falta de segurança na cidade. A falta de ícones: da mesma forma que já fora ressaltada a importância do “espelho”, sem usar esta expressão, os técnicos de São Paulo enfatizaram a importância do esporte ter seus ícones: “mulheres com resultado e como referência”, e lembraram que como a participação feminina é recente, principalmente em alguns esportes, esses ícones ainda são basicamente masculinos ou internacionais. Na percepção deles, tudo vai mudar quando as mulheres no Brasil começarem a ter resultados significativos, porque é importante até para o esporte do país ter atletas de ambos os sexos com resultados. 181 O fato de não haver retorno financeiro na prática esportiva faz com que as meninas tenham que sair para trabalhar. O fato de que o “desporto de alto rendimento não é saúde” nem para o homem nem para a mulher – a atividade física sim. Há riscos de lesões mesmo em esporte individual sem contato físico. Este aspecto, levantado pela primeira vez no GF das atletas em São Paulo, foi retomado somente por um participante no GF dos técnicos, mas conseguiu a aprovação de todos. Foi citado de forma isolada como fator desmotivador a existência no Brasil da “monocultura do futebol” masculino. Uma de suas conseqüências é que as meninas que praticam o futebol enfrentam, além de dificuldades comuns a outros esportes como a grande distância entre o local de moradia e o local de treinamento, dificuldades específicas tais como o preconceito com o futebol desde que são muito novas, a falta de perspectiva futura e a falta de reconhecimento na mídia. Sugestões apontadas para melhorar as condições da prática esportiva Levando em conta que os entrevistados avaliaram mal as condições da prática esportiva nas duas cidades (ver quadro 23), um considerável número de sugestões capazes de melhorar essas condições foi apresentado pelos participantes dos GFs: algumas foram recorrentes e outras pontuais e todas podem subsidiar a formulação de políticas públicas ou de outras formas de atuar, pública e privada, em favor do desenvolvimento do esporte em geral e do feminino em particular. Quadro 23 Notas atribuídas pelos entrevistados às condições que as atletas têm de praticar esporte Municípios do Rio de Janeiro e São Paulo Notas Técnicos, treinadores, Mães, pais e professores, árbitros e responsáveis responsáveis por projetos sociais pelas atletas Rio de Janeiro Nota média 5,5 5,0 Nota mediana 5,0 5,0 São Paulo Nota média 6,1 4,4 Nota mediana 6,0 5,0 Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007. Atletas Não-atletas 3,7 3,0 6,4 7,0 6,9 7,0 6,9 7,0 A seguir lista-se a totalidade das sugestões apresentadas, categorizadas segundo o seu conteúdo e separadas segundo o grau de recorrência nas duas cidades: • Sugestões hegemônicas no Rio: Relativas à centralidade do papel da escola e à concessão de bolsas de estudos em todos os níveis de ensino com destaque para o universitário: 182 Conceder bolsas universitárias. Desenvolver o esporte universitário. Fazer da escola a base do esporte: educação de mãos dadas com o esporte. Fornecer bolsa de estudo para as atletas e maior divulgação da política de bolsas de estudo quando ela existe. Melhorar o ensino da educação física nas escolas públicas e particulares. Relativas a obtenção de patrocínio, entendido como qualquer tipo de apoio aos atletas: Dar aos atletas uma “carteirinha de gratuidade no transporte” ou pagar de alguma forma a sua passagem para os treinos. Estabelecer parcerias como existem em outros países: entre clubes e universidades, entre instituições públicas e privadas. Patrocínio, que pode se efetivar na concessão de ajuda financeira para alimentação, passe-livre nos transportes urbanos e ajuda financeira para transporte para os locais de competição. Houve a observação de que, nos esportes coletivos, o patrocínio tem que ser para toda a equipe. Transporte para a atleta vir para o treino. Relativas ao Pan: Concluir rapidamente as construções do Pan, para propiciar diferencial de tempo de treinamento no mesmo local da competição para as atletas do próprio município. Dar aos atletas ingressos para assistir aos jogos do Pan. Não fechar os locais de treinamento esportivo já existentes em função da inauguração dos novos construídos para o Pan: manter todos em funcionamento após a realização do evento. Relativas à democratização do esporte: Construir mais equipamentos esportivos, locais para a prática de todos os esportes e não só do dominante no país, pelo menos um em cada bairro. Isso incluiria mais piscinas adequadas à prática dos saltos ornamentais para poder ampliar a modalidade; mais pistas de atletismo adequadas à prática de suas diversas modalidades; mais piscinas para treinamento de natação para permitir que o treino respeite o limite máximo por raia que hoje é excedido. Democratizar o esporte para obter patrocínio. Levar os esportes para as comunidades carentes. • As sugestões não hegemônicas no Rio eram relativas à redução predomínio do futebol masculino no país; à necessidade de aquisição materiais esportivos modernos; à necessidade de políticas públicas e legislação específica que favoreça os esportes; à redução das diferenças gênero percebidas; à promoção de ações capazes de aproximar os pais esporte dos filhos; à realização de ações em prol do esporte de base. do de de de do 183 • Sugestões hegemônicas em São Paulo: Ações de mapeamento, divulgação e marketing: Fazer uma identificação mais ampla das atividades culturais no município, divulgá-las e levá-las para a escola. Divulgar as oportunidades para a prática esportiva que existem na cidade para quem gosta de praticar poder procurar. Divulgar mais o esporte, utilizando inclusive a TV. Divulgar o que existe em termos de alternativas de prática esportiva no município de São Paulo: proceder a uma espécie de mapeamento dos locais para prática e das oportunidades e divulgar amplamente. Fazer campanhas de marketing para vender o esporte como um produto. Fazer um trabalho de posicionamento da mulher no esporte: um trabalho de marketing. Promover uma divulgação maior dos benefícios que o esporte trás para as pessoas. Relativas à democratização do esporte: Construir mais locais de prática esportiva que dêem oportunidade a pessoas de todas as idades e de todas as classes sociais. Criar espaços para prática esportiva nos bairros e divulgar a sua existência quando ficarem prontos. Cuidar do trabalho que vai ser realizado, além de montar estruturas físicas notáveis: há o exemplo dos CEUs (Centros Educacionais Unificados), nos quais a estrutura é maravilhosa mas não há profissionais contratados para garantir a sua utilização. Diminuir as diferenças de possibilidades de prática esportiva entre as classes sociais. Promover a descentralização geográfica dos locais de prática esportiva. Isto faria com que se massificasse a prática esportiva e o feminino vai junto de acordo com o esporte. Transformar o esporte em um dos focos da ação governamental. Relativas à centralidade do papel da escola e à concessão de bolsas de estudos em todos os níveis de ensino, com destaque para o universitário: Centrar a política de esportes na escola: escola num primeiro momento e bolsa universitária depois para dar continuidade. Bolsas universitárias foram defendidas pela maioria, seguindo o exemplo de países desenvolvidos e que têm ótimos resultados nas competições internacionais como os EUA e a França. Somente um pai defende que a bolsa universitária exista somente para quem entrou na universidade por seus méritos não-esportivos. Integração com a escola, como ocorre em alguns países onde o esporte é muito bem-sucedido como os EUA, por exemplo. 184 Esta ligação propicia a superação da hegemonia de um único esporte no país. Mais estrutura para as escolas: aparentemente não há interesse em alterar a situação educacional, pois um povo menos instruído é mais fácil de ser iludido. No âmbito da escola, um pai sugeriu que, fora de espaços específicos para o esporte nas escolas, os professores de educação física proporcionem 10 minutos de condicionamento físico nos intervalos das aulas para os alunos que praticam esporte. Tornar obrigatória, em todas as escolas – públicas e particulares – a possibilidade de prática esportiva gratuita de todas as modalidades para que as crianças/adolescentes possam experimentar e decidir com qual delas se identificam. Relativas a obtenção de patrocínio, entendido como qualquer tipo de apoio aos atletas: Ações da Nike em prol das mulheres no esporte como incentivo a outras grandes marcas esportivas. Reconhecimento de que há interesse empresarial na pesquisa versus esperança de mudança para as condições de prática esportiva das mulheres. Remunerar a prática do esporte após os 17 anos como possibilidade de dar continuidade quando chega a idade adulta e o término da oferta existente de prática esportiva gratuita em São Paulo. Estabelecer parcerias com órgãos públicos e empresas privadas. Fornecer transporte para levar para o treino. Haver mais investimento e mais patrocínio além do espaço para a prática. • As sugestões não hegemônicas em São Paulo eram relativas à necessidade de aquisição de materiais esportivos modernos; à indispensabilidade de políticas públicas; à necessidade de realização de ações organizadas da sociedade civil para cobrar mudanças junto aos governos; e à promoção de ações em favor do esporte de base. Temas que ganharam destaque nos diversos grupos No bojo das discussões propostas pelo roteiro dos GFs, alguns temas ganharam relevância e acabaram merecendo destaque na análise das informações neste relatório dentro de cada grupo. Não quer dizer que o falar desses temas tenha sido exclusividade destes grupos, mas sim que os seus participantes dedicaram mais tempo de discussão do que outros atores aos aspectos específicos ressaltados. A seguir, trata-se brevemente do seu conteúdo, mencionando os grupos nos quais foram citados. 185 A importância da mídia (para o bem e para o mal) O papel da mídia na construção das relações dos brasileiros com a prática esportiva em geral foi um tema que emergiu de maneira recorrente nos grupos dos técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais nas duas cidades. A visibilidade conferida pela mídia ao esporte e o poder desta visibilidade para atrair as pessoas para a modalidade esportiva que ganha visibilidade foram os pontos em comum ressaltados nos dois grupos. Além destes, foram os seguintes os aspectos que mereceram destaque por parte dos técnicos: • No Rio de Janeiro: A mídia pode dar visibilidade à participação feminina nos esportes e, com isso, facilitar a aceitação cultural desta participação. É importante estar na mídia para abrir espaços e obter patrocínio. O fato de que, no Brasil, há hegemonia total do futebol masculino na mídia, o que restringe as possibilidades tanto dos demais esportes como das mulheres nos esportes. Somente uma técnica percebe como positiva e inclusiva para as mulheres a superexposição do futebol masculino na mídia. A mídia alimenta o sonho de fama de algumas atletas, acenando com ídolos que venceram as dificuldades, “chegaram lá” e levam uma vida de sucesso e prazer. • Em São Paulo: A mídia reflete (e reforça) o peso que o esporte tem para a sociedade: é o único tema que merece jornais específicos diários. A mídia dá visibilidade a determinados esportes e isso funciona como chamariz para a prática desse esporte em particular. As pessoas são motivadas para praticar os esportes que estão na mídia. A mídia passa a idéia de que o esporte não oferece condições de auto-sustentação financeira e que é para um curto período da vida da pessoa. Logo, é mais próprio para ser um hobby do que uma profissão. A mídia cria a ilusão de que o esporte é para todos no sentido de que todos os que praticam podem vir a ser ídolos nacionais e profissionais muito bem-sucedidos. Esta argumentação desdobrou-se em uma outra discussão que também será tratada em separado: a visão do esporte da ótica do esporte de alto rendimento versus a visão do esporte da ótica da inclusão social. A mídia não mostra que o esporte de alto rendimento não é saúde. A mídia vende o que dá retorno. O veículo e o horário de veiculação dependem da expectativa de retorno da audiência que gera patrocínio. O que a mídia foca é o que vende. A importância do “espelho” Com alguma interseção com o tema anterior – o da importância da mídia –, esse foi outro tema muito mencionado no grupo dos técnicos do Rio, mas que em vários outros momentos do trabalho de campo voltou a aparecer, inclusive fazendo referência aos esportes que, por não terem tradição no país em sua versão feminina, não tem esses modelos a oferecer, e o quanto isto faz diferença psicologicamente para as atletas que o praticam. 186 No grupo das atletas do Rio, elas também disseram do quanto lhes é caro ter alguém em quem se “espelhar”: uma outra atleta que lhe sirva de modelo por ter obtido o êxito aspirado por ela. Os participantes do grupo dos técnicos no Rio reafirmaram a importância para as atletas do “espelho” nos êxitos do futebol, agora personificado na figura da Marta, do “espelho” no sucesso em um mundo que se apresenta com tantas dificuldades para alcançá-lo e do “espelho” nos jogadores homens bemsucedidos e valorizados pela mídia. Os técnicos de São Paulo também destacaram, sem usar a expressão “espelho” mas no mesmo sentido, a importância do país ter “ícones” que possam servir de exemplo para os atletas e o quanto isso representará em termos de motivação quando os ícones nacionais começarem a existir. Contraposição do esporte como construção da cidadania ao esporte competitivo Nos grupos dos técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais nas duas cidades, o único momento de tensão e discordância, ainda que em clima cordial, ocorreu quando os objetivos últimos perseguidos pelo esporte de rendimento e pelo esporte de inclusão social de alguma forma se confrontaram. O texto do relatório deteve-se longamente nos detalhes da discussão travada nos dois grupos, mas, aqui, reduzindo em muito o debate, apenas chama-se a atenção para o fato de que parece existir um continuum que tem em cada extremidade os interesses “puros” de cada uma das dimensões esportivas e que os projetos sociais vão se situando em pontos intermediários deste continuum não apenas em termos de suas propostas, mas também de suas promessas. Assim, de um lado ter-se-ia o esporte de inclusão social, que visa primordialmente “transmitir através do esporte conceitos básicos de cidadania e valores como disciplina e respeito” (Vitale, 2007), e de outro, o esporte de alto rendimento, que visa principalmente os resultados que se pode obter em cada modalidade em termos de superação de marcas esportivas, do estabelecimento de novos recordes e de êxitos em competições nacionais e internacionais, que não deixa de valorizar as demais qualidades pessoais tidas como correlacionadas à prática do esporte, mas trata delas em termos de “efeitos colaterais positivos”. Contudo, esporte de inclusão e esporte de alto rendimento baseiam-se nas mesmas regras definidas nacional e internacionalmente para a prática de cada modalidade esportiva. No Rio de Janeiro havia representação no GF dos técnicos de um projeto que privilegia totalmente a inclusão social, tomando inclusive a liberdade de estabelecer suas próprias regras para o basquete praticado na rua, desde que estas propiciem o ingresso e a permanência dos jovens em um ambiente sadio, que propicie sua formação cidadã e os resgate de outras influências não tão positivas às quais estão expostos em seus locais de moradia. Isto abriu um questionamento sobre até que ponto a iniciativa, ainda que reconhecida por todos como louvável, pode ser classificada de esporte. Ainda no mesmo GF do Rio, abriu-se a segunda frente de discussão nesta temática e que viria a ser a predominante no GF de São Paulo: considerando a precariedade das condições de prática esportiva das populações menos favorecidas socioeconomicamente, até que ponto os projetos sociais, mesmo seguindo todos os 187 trâmites exigidos pelas federações e confederações esportivas, pode (e deve) acenar para os seus participantes com a possibilidade de “chegar lá”. A partir dessa relevante questão surgiram duas posições divergentes entre os projetos sociais representados nos GFs: a dos que acham que mostrar as possibilidades de êxito (ainda que sejam remotas para a maioria) é “abrir a porta do sonho” e aqueles que pensam que isso é plantar a frustração. Estes últimos argumentam que a mídia, ao falar dos êxitos de alguns, não passa a idéia de que aquilo é para poucos e cria ilusões. Até onde falar de possibilidades é iludir e até onde é viabilizar a existência de sonhos? Nas outras profissões também existem grandes dificuldades de êxito profissional e ascensão social e não se desestimula o adolescente de tentar ser médico ou engenheiro. Ser um atleta é muito mais que ser um campeão: é ter a chance de ser um cidadão. A importância do apoio da família (para o bem e para o mal) A certeza de que, em um mundo esportivo não patrocinado nem por empresas e nem pelo governo e nos quais os clubes desempenham um papel bem pequeno de apoio, sem o empenho total da família as atletas não têm condições de se manter em atividade, foi uma percepção hegemônica entre todos os entrevistados nos diversos grupos, ainda que com ênfases muito diferenciadas: como poderia se esperar, tendeu a ser mais forte nos grupos de responsáveis nas duas cidades e na das atletas, com mais destaque entre as atletas cariocas. No Rio de Janeiro: • No GF dos responsáveis: Os responsáveis deixaram claro que, além da disposição de ajudar e apoiar, é necessário ter recursos para fazê-lo, uma vez que é necessário cobrir despesas com transporte, alimentação, roupas e sapatos adequados, viagens para participar de competições relevantes para marcar pontos no currículo da atleta e assim por diante. Em função disso, neologismos foram criados e ganharam força na linguagem dos responsáveis como o PAITROCÍNIO e PAIPARAZZI. Vale chamar a atenção não apenas para as diferentes possibilidades materiais das famílias para assumirem responsabilidades tão amplas como também para as diferentes posturas dos responsáveis, que denotam reafirmação ou transgressão dos assim chamados papéis tradicionais de gênero. De um modo geral, os pais presentes ao grupo atribuíram-se a missão de arcar com os custos financeiros (quando podiam) e as mães/avós responsabilizavam-se pelo “acompanhamento” mais próximo das atletas. Contudo, havia posições bem diferenciadas de como deveriam e poderiam comprometer o seu tempo com esta tarefa, que iam desde a dedicação integral da mãe ao acompanhamento da filha em suas atividades cotidianas relativas ao esporte até o compromisso apenas de comparecer às competições quando possível em respeito às próprias atividades pessoais e profissionais. • No GF das atletas: Quase todas as atletas disseram perceber como facilidade principal para a prática do esporte, quiçá a única, o apoio da família para incentivar, arcar com as despesas de transporte e de acesso às competições, para elevar a 188 “auto-estima” e para todos os demais aspectos também levantados pelos responsáveis nas suas falas. Mesmo destacando o lugar privilegiado que reservam ao papel da família – “a única facilidade que eu encontro é a coisa da família porque o resto é tudo para te atrapalhar, entre aspas, porque é muita coisa contra você para uma coisa te favorecer” –, as atletas também destacaram os momentos em que a família atua negativamente: sua participação nas competições pode ser “constrangedora” por expressarem publicamente uma torcida desmedida ou por expressarem em altos brados suas opiniões a favor ou contra a atuação da “sua” atleta, sendo motivo de “zoação” para ela; o ceticismo da família quanto ao “talento” ou a capacidade da atleta também pode ser motivo de desestímulo e desistência para a atleta. Muitas vezes também a família apresenta, no seu interior, posições antagônicas quanto à atleta, opondo pais e mães sobre o assunto, mas gerando um mecanismo compensador para a atleta que, se não tem o apoio total e incondicional de seus responsáveis, pelo menos é amparada por uma parte da família. Foram citadas situações de preconceito da mãe versus a admiração do pai, de estímulo da mãe versus a crítica contundente do pai que foi jogador da mesma modalidade e assim por diante. Contudo, há convergência para a idéia de que “se você mostra resultados”, o reconhecimento tende a aparecer e as oposições tendem a se acabar: Em São Paulo: • No GF dos responsáveis: Com muito menos ênfase do que os responsáveis do Rio, os de São Paulo destacaram a importância positiva da família nas seguintes atividades/funções: Apoio financeiro. Construção de um ambiente de equilíbrio dentro de casa. Permanente fonte de estímulo à carreira das atletas. Acompanhamento da atleta apesar dos outros afazeres dos membros da família. O fato novo no GF de São Paulo foi o de os próprios responsáveis terem levantado aspectos negativos da participação da família, coisa que apenas as atletas, pessoalmente, haviam feito na pesquisa do Rio. Foram mencionados como ações negativas da família: Presença que atrapalha nas competições porque faz o atleta se exigir mais. Excesso de cobrança sobre o atleta. Controle paterno sobre a prática esportiva. Como exemplo foi citado o caso de pais que anotam em um caderninho o tempo que suas filhas obteêm na natação, tendo em vista a importância assumida pelo tempo nesta modalidade esportiva. A importância do papel do técnico Destaque no GF dos responsáveis no Rio de Janeiro. Em sua maioria, os responsáveis afirmaram ser de grande importância o papel desempenhado pelo técnico, quase sempre exercendo uma influência positiva sobre as atletas e sendo um 189 importante parceiro da família principalmente no reforço do lugar que o “estudo” (entendido como a freqüência à escola regular) deve ocupar na vida das atletas e do bom desempenho escolar paralelamente ao desempenho esportivo. Em algumas situações de carência da família, o(a) técnico(a) arca até mesmo com algumas despesas da atleta. De maneira residual, alguns responsáveis mencionaram também o papel desmotivador que o(a) técnico(a) pode desempenhar quando atua no sentido de evidenciar a “falta de futuro” daquela atleta na modalidade esportiva que pratica. As atletas do Rio também referiram a influência positiva ou negativa do técnico como sendo um fator facilitador ou dificultador. A importância do estudo paralelamente ao esporte Este é um ponto que conseguiu a unanimidade entre os responsáveis pelas atletas entrevistados no Rio de Janeiro. Como bem resumiu uma mãe: “Reunir estudo e esporte é tudo!” Como no caso do encaminhamento de seus filhos e filhas para o esporte, também neste tema, a experiência de vida dos pais tem um peso muito grande no sentido de que os que se sentiram preteridos no mundo do trabalho por não terem tido mais estudo, “se formado”, são mais enfáticos em sua preocupação com a possibilidade de que suas filhas, por causa do esporte, releguem o estudo ao segundo plano. Quanto ao desempenho escolar das filhas atletas, o grupo dividiu-se entre aqueles que vêem no esporte um concorrente perigoso ao “estudo” e aqueles que vêm no esporte uma possibilidade de ganhos paralelos que auxiliam na vida escolar, como a organização e a disciplina. Do lugar em que se colocam quanto a esta questão, avaliam a atitude e os resultados de suas filhas na escola regular. A importância do “grupo”, das amizades e das “boas companhias” Outro aspecto bastante ressaltado pelos responsáveis do Rio de Janeiro foi o papel do “grupo” na vida da atleta. A palavra grupo foi usada para nomear tanto a equipe de um esporte coletivo praticado pela atleta como as demais participantes de uma equipe de atletas de um esporte individual. O fazer parte do grupo significa se sentir apoiada e estimulada a continuar. As atletas do Rio também mencionaram este pertencimento como uma facilidade para a sua prática esportiva. Na mesma direção os responsáveis do Rio apontam para o peso das amizades, consideradas capazes de facilitar o caminho das meninas para uma vida por eles considerada adequada ou para o inverso. Em função disso, somente as “boas amizades” são valorizadas. A julgar pelas falas dos responsáveis na pesquisa, as “boas amizades” são aquelas com meninas de “boa família”, meninas que dedicam mais tempo ao estudo e ao esporte do que às atividades de lazer. Tais indicações apontam também para a existência de preconceitos de classe. Apoio da equipe versus competitividade Destaque no GF das atletas do Rio, este debate emergiu no bojo da conversa sobre fatores facilitadores quando, ao falar da importância do pertencimento ao “grupo”, as atletas fizeram um conjunto de considerações sobre a questão correlata da competitividade, da rivalidade entre as atletas. Seria a competitividade um elemento impeditivo da solidariedade na equipe? Haveria distinções importantes quanto a isso 190 em se tratando de esportes individuais ou coletivos? Qual o papel das relações pessoais sobre o efetivo mútuo apoio nas equipes? Partindo da percepção hegemônica das atletas de que a rivalidade e a disputa são parte da cultura geral da sociedade, que existem em todos os lugares e que podem gerar coisas perversas ou ser uma “rivalidade saudável” que respeita e convive com o companheirismo e tentando responder a essas perguntas à luz das informações prestadas pelas atletas, pode-se dizer inicialmente que elas estiveram bem longe de chegar a um consenso sobre o assunto. Em debate acalorado, ainda que sempre cordial, o único que gerou um momento em que todas falaram ao mesmo tempo e foi necessária a intervenção da facilitadora, algumas achavam que o apoio da equipe era sempre possível em qualquer modalidade esportiva; outras, que ele só era possível em condições especiais; outras achavam que ele era mais possível nos esportes coletivos e outras achavam que havia pouca diferença entre modalidades coletivas ou individuais. As atletas do Rio destacaram também o preconceito social – “pobres” versus “ricos” – como outra razão de falta de solidariedade na equipe. No entanto, havia consenso sobre a influência benéfica das relações de amizade sobre o tipo e a intensidade do apoio que a equipe podia prestar a seus membros individualmente. As atletas e os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro Pelo fato de a pesquisa realizar-se no Rio de Janeiro e em São Paulo, não houve questionamento específico sobre a realização dos Jogos Pan-Americanos no mês de julho de 2007. A idéia era ver se o assunto surgiria espontaneamente para perceber até que ponto o evento estava na cabeça das pessoas entrevistadas nos dois municípios. De fato ele apareceu e era algo muito presente para as atletas cariocas e relativamente distante dos participantes dos diversos grupos paulistanos, tendo sido destaque apenas no GF dos responsáveis. • No Rio de Janeiro, no GF das atletas, o assunto do Pan emergiu ainda no bojo da discussão sobre competitividade versus apoio da equipe. As atletas estão muito mobilizadas com a realização da competição em sua própria cidade de residência e levantaram os seguintes aspectos: A importância de ver/participar de eventos esportivos internacionais como meio de conhecer as estratégias e os estilos das equipes dos outros países e para a questão do “espelho”. Não vão ganhar ingresso e os preços são muito caros para comprar, mesmo pagando meia-entrada. Uma conseqüência séria da limitação à assistência dos jogos é a perda de oportunidade de motivar/conquistar crianças, jovens e adultos para a prática esportiva, que poderia ser facilitada pela participação mais próxima no evento. O fato das obras estarem atrasadas e isto não trazer vantagem relativa de treino no próprio local da competição para as atletas brasileiras e, principalmente, para as que residem na cidade do Rio de Janeiro. • Em São Paulo, no GF dos responsáveis pelas atletas, o assunto emergiu espontaneamente, tendo sido as referências feitas sempre pelos seus aspectos negativos: 191 As atletas paulistas não falam do Pan e o seu desinteresse pelo evento leva até a questionar o seu amor pelo esporte: teriam elas feito uma opção de vida pelo esporte ou apenas estavam gostando de praticá-lo neste momento específico de sua vida? As obras que estão sendo feitas no Rio para o evento estão atrasadas. Falta divulgação para o evento. Não se consegue comprar ingressos mesmo quando há interesse. A importância da escola no encaminhamento da vida esportiva Destaque no GF dos responsáveis em São Paulo. Enquanto os responsáveis no Rio estavam preocupados com o desempenho escolar das atletas e com a possibilidade do esporte inviabilizar o estudo em paralelo, os de São Paulo dedicaram sua atenção à centralidade do papel da escola como locus privilegiado para a iniciação da prática esportiva como ocorre em outros países. Acham fundamental o incentivo ao esporte educacional. Ressaltaram, no entanto, que, atualmente, este papel não vem sendo desempenhado porque, mesmo aquelas escolas que dão oportunidade e oferecem alternativas para que as crianças experimentem diversas modalidades esportivas, não oferecem possibilidade de continuidade para nenhuma delas; e porque as escolas públicas não têm recursos para ampliar o período de permanência dos alunos na escola para propiciar a prática de esporte em um turno diferente. Tal situação gera um total desvinculação entre escola e prática esportiva, propiciando uma situação de “concorrência” no uso do tempo das crianças e adolescentes. Os responsáveis acham razoável esperar também da escola que ela propicie aos alunos em geral um ambiente de convívio equilibrado e uma política de incentivo aos alunos esportistas que poderia ser uma política de concessões de bolsa escolar até a universidade. A importância dos clubes para a continuidade da vida esportiva Destaque no GF dos responsáveis de São Paulo, a importância dos clubes no Rio fora tema apenas da discussão dos técnicos. Na percepção dos responsáveis por atletas em São Paulo, os clubes são uma das poucas alternativas de continuidade da prática esportiva para maiores de 18 anos, problema percebido como central para a prática esportiva das meninas no município. Os principais pontos levantados no bojo desta discussão em São Paulo foram: • • • • O apoio propiciado pelo clube aos atletas: discutiu-se tanto que esse apoio existe somente para os sócios como também que, em caso de reconhecimento do grande talento do postulante, alguns clubes aceitam “militantes”. Outros entrevistados eram de opinião que o clube muitas vezes não dá o apoio devido nem para os sócios, até porque um atleta custa caro ao clube. O clube não paga para as atletas de outros clubes que são recrutadas para completar a equipe do clube em competições. O clube não faz esforço para ampliar as possibilidades de práticas esportivas para as meninas e oferece condições diferenciadas segundo o sexo, privilegiando os meninos. O clube só investe em atletas bem-sucedidos que darão “retorno” tanto com seu esforço pessoal de treinamento como em termos de sucesso. 192 Vantagens e desvantagens do esporte Atletas e não-atletas em São Paulo foram convidadas, em forma de “rodada”68, a eleger uma coisa que percebiam como vantagem da prática esportiva e, ao contrário, uma que percebiam como desvantagem. • Na percepção das atletas de São Paulo: Existem muitas vantagens advindas da prática esportiva. A principal delas é fazer amigos, mas outras citadas foram: ser feliz, ter bemestar, ser alegre, aprender e ensinar, ampliar o autoconhecimento, aprender a trabalhar em grupo, aprender a conviver com a diferença, mudar a cabeça e não pensar em coisas ruins, conhecer lugares e pessoas novas, ganhar mais responsabilidade, forma de não se estressar e ter saúde. A menção à saúde como “efeito colateral positivo” do esporte foi contestada por uma atleta que disse “não haver saúde no esporte de alto rendimento”. Esta importante questão também foi explorada pelos participantes do GF dos técnicos de São Paulo, como já foi destacado. Do lado da desvantagem ou o esporte é idealizado como sem “efeitos colaterais negativos” apesar das dificuldades enfrentadas para a sua prática ou instalou-se uma pequena polêmica sobre a questão do tempo que aparecera nas dificuldades apenas como excessivo no transporte até o local do treino. Assim, aproximando-se às colocações de outros grupos, levantaram a questão da falta de tempo em si e para fazer outras atividades essenciais como freqüentar a escola, preparar os trabalhos escolares e o convívio familiar. Outras atletas contra-argumentaram que ficar sem tempo compensa, tais são as vantagens percebidas no esporte. A questão do preconceito, principal fator dificultador percebido, foi retomada, e as atletas do judô voltaram ao seu calcanhar de Aquiles: o controle de peso para manter-se na categoria na qual disputam suas competições. • Na percepção das não-atletas de São Paulo: como acontece em algumas “rodadas” nos GFs, o efeito repetição foi intenso – praticamente todas as entrevistadas declararam a saúde e o aumento da auto-estima como os principais benefícios do esporte e não perceberem desvantagens na prática esportiva. Somente três não-atletas mencionaram desvantagens: a possibilidade de envolvimento em briga no esporte; a possibilidade de se machucar durante o jogo; e o fato de que “às vezes a pessoa se empenha muito só no esporte e acaba esquecendo das outras obrigações como estudar. Não pode ver esporte só como atividade principal”. Existência de estereótipos de gênero no esporte: um tema transversal A preocupação de levantar se, na percepção dos diversos atores ouvidos na pesquisa, havia condições diferenciadas para homens e mulheres praticarem esporte nos 68 Pergunta dirigida a todas com a expectativa de que todas respondam na seqüência em que estão dispostas no círculo. Tem a vantagem de contar com a manifestação de todas e a desvantagem de propiciar o efeito repetição. 193 municípios pesquisados esteve presente todo o tempo na condução dos trabalhos, tornando a assim chamada “questão de gênero” um tema transversal. Não houve grupo no qual ele deixasse de ocupar parte considerável do tempo das discussões, ainda que os aspectos percebidos e enfatizados pelos entrevistados tivessem variações e pesos diferenciados como foi destacado ao longo deste relatório. Houve grupos nos quais o tema já surgiu na rodada inicial de apresentação, denotando a urgência que se tinha de tratar dele, como foi o caso dos GFs das atletas e dos responsáveis do Rio de Janeiro. Os técnicos de São Paulo fizeram do tema quase o fio condutor do debate. A questão dos estereótipos de gênero foi em geral abordada a partir da idéia central de que há predeterminação social das modalidades que são próprias para homens e para mulheres, e das dificuldades decorrentes deste dado cultural. As principais delas sendo: o preconceito contra as meninas que praticam determinados tipos de esporte, principalmente o Futebol, e a não valorização em nosso país das vitórias femininas no esporte, exigindo das mulheres esforços extras para fazer suas conquistas. Foram sempre as falas relativas à prática do futebol as que mais nitidamente explicitaram a existência de preconceito contra as meninas que praticam determinados esportes considerados “masculinos”. Não por acaso estereótipos de gênero foram também percebidos no caso da prática do Taekwondo e de outras lutas que faziam parte das modalidades legalmente interditadas às mulheres até pouco tempo atrás. Em razão do caráter hegemônico assumido pela discussão em torno da prática feminina do futebol em todos os GFs, aqui se dedica espaço específico para esta questão. De um lado temos hoje um cenário nacional que supervaloriza o futebol masculino – a ele e a seus expoentes individuais são dedicados 90% dos noticiários esportivos e a paixão da torcida. De outro lado temos uma subestimação do futebol feminino que, além de ser estigmatizado (e talvez por isso mesmo), não é valorizado, não tem torneios significativos, não é devidamente reconhecido e conta com poucos espaços para a sua prática regular, em locais distantes das periferias e sem segurança. Isso a despeito de já ter obtido alguns importantes êxitos internacionais como, por exemplo, o título de melhor jogadora do mundo em 2006 conferido pela FIFA à atacante Marta, de 20 anos, hoje jogando fora do país por não ter tido espaço no Brasil para profissionalizar-se. Muitos dos responsáveis pelas atletas que praticam essa modalidade esportiva que participaram do GF no Rio, principalmente as mães, mas não somente elas, não esconderam o seu desagrado pela escolha das filhas e, apesar de estarem “conformadas” com esta escolha, chegaram ao sentimento de resignação depois de fazerem inúmeras tentativas de removê-las para outra modalidade esportiva “mais romântica” e “que combinasse mais com o perfil dela”. Para atingirem o conformismo de hoje precisaram desenvolver um esforço para respeitar as filhas, mas continuam achando o esporte inadequado, “sem graça” e sem futuro. 194 Já no GF dos responsáveis de São Paulo, as posições das mães pareciam mais equilibradas que no Rio, dividindo-se entre uma aceitação sincera da opção das filhas pelo futebol e a discordância explícita dessa escolha. Neste grupo ouviu-se desde a fala de uma mãe que espontaneamente escolheu o futebol como modalidade esportiva para a sua filha pequena que demonstrava “gostar de bola” até as críticas a mudanças corporais nas meninas que praticam futebol, usadas como forma de reforçar o preconceito (e que foram de pronto rebatidas por outra mãe). Ouviu-se ainda o relato de quem já presenciou o questionamento da orientação sexual de sua filha pelo fato dela jogar futebol. Aliás, o questionamento da orientação sexual dos atletas é uma das mais incômodas conseqüências para as atletas da existência dos estereótipos de gênero no esporte e foi mencionada de forma isolada em diversos GFs nos dois municípios, provavelmente pelo desconforto que causa. Há uma tendência a chamar de “macho” as meninas que praticam determinados esportes considerados masculinos e, de maneira menos usual, de “mulherzinha” os meninos que praticam esportes considerados femininos ou que perdem das meninas em esportes mistos porque são tidos como fisicamente mais fortes que elas. No GF dos técnicos de São Paulo, dois argumentos específicos foram levantados contra isso: o esporte não altera a orientação sexual de ninguém; a diferenciação da força física entre meninos e meninas só ocorre com as transformações hormonais ocorridas na adolescência. Sobre o questionamento da orientação sexual das meninas a partir de sua prática esportiva, assim se expressou GOELLNER (2006, p. 4): “Agrega-se ao discurso da masculinização da mulher a associação entre a aparência corporal e a identidade sexual, ou melhor, a suspeição de que a mulher que habita esse corpo ‘viril’ vivencia seus desejos, seus amores e seus prazeres a partir de um referente que não aquele considerado ‘normal’, qual seja o da heterossexualidade. Essa associação toma como sinônimas as identidades de gênero e as identidades sexuais e opera no sentido de fixar essas identidades a partir de uma representação linear entre sexo-gênerosexualidade.” De forma não hegemônica surgiu, tanto no GF dos técnicos do Rio de Janeiro como no de São Paulo, a idéia de que o preconceito de gênero encontra-se em fase de redução, o que viria a beneficiar em especial as mulheres. Associada a essa, apareceu a visão da valorização do esporte como algo próprio da nova geração, apontando para relevantes diferenças geracionais sobre o assunto e denotando mudanças culturais no tempo, aí incluídas as opiniões das meninas sobre o interesse acerca do futebol: teriam passado das não-espectadoras de ontem às esportistas de hoje. Ainda no GF dos técnicos, de maneira original, foi dada ênfase especial à questão das diferenças existentes entre homens e mulheres em nossa sociedade, ao menos na forma hegemônica de pensar. Como disse uma participante, é bom que haja diferenças. Elas “tornam a coisa mais dinâmica”. Na seqüência, levantaram algumas das diferenças que percebem e que interferem na prática esportiva de ambos os sexos: • Diferenças de expectativas: o que se cobra do menino e da menina – que o menino comece a se sustentar sozinho mais cedo, que vença sempre as 195 • • • competições entre meninos e meninas; que a menina seja cuidadora dos irmãos mais novos. Diferenças entre os modelos estéticos femininos e masculinos: os primeiros sendo mais mutáveis e os segundos mais permanentes no tempo e nas diversas culturas. Em função dos modelos estéticos questiona-se a participação das mulheres em várias modalidades esportivas por causa das transformações que a prática efetivamente impõe aos seus corpos. Diferenças no acesso e na recompensa de participação em alguns esportes: não há mulheres na Fórmula 1 e a premiação nos torneios de tênis é menor para as mulheres (somente agora isso começa a se modificar). Diferença de condições nos jogos, remetendo à questão da adaptação das modalidades esportivas para torná-las mais acessíveis às mulheres e “tornarem o jogo mais bonito”. As adaptações já foram feitas em diversos esportes como no vôlei e no Handebol e ainda não chegaram ao futebol, gerando dificuldades extras para as atletas do futebol feminino de campo. Afinal “o homem é muito mais forte do que a mulher”. Tal argumentação gerou reações do tipo “mas a mulher tem uma capacidade de resistência maior desde que submetida a um trabalho aeróbico bom”. Um exemplo disso é a redução do tempo das mulheres nas maratonas, que está tendendo a uma aproximação cada vez maior de resultados entre homens e mulheres. Além do que foi dito explicitamente sobre a questão de gênero nos diversos GFs, muitas falas davam involuntariamente conta da interiorização dos papéis de gênero hegemônicos em nossa sociedade: • Alguns responsáveis expressavam com naturalidade sua divisão de funções no cuidado com a atleta – pais suprindo os recursos financeiros necessários (quando podiam) e mães “acompanhando” as meninas em suas obrigações esportivas para apoiá-las e protegê-las dos perigos externos. • Outros responsáveis expressavam como sendo universais os desejos de verem suas filhas envolvidas em práticas mais “românticas” e adequadas à sua natureza. Tal essencialidade justificava o seu desestímulo à que suas filhas continuassem a desenvolver atividades esportivas tidas como masculinas como, por exemplo, o futebol. • As próprias atletas “defendiam-se” do que consideravam preconceito decorrente de sua prática esportiva “transgressora” em função da modalidade eleita, dizendo que podem ser muito “machos” no momento dos jogos e lutas e serem absolutamente “femininas” em todas as demais horas e locais, usando “salto alto e roupas em tonalidade rosa”. Argumentos que, em última instância, reforçam os estereótipos de gênero. • Algumas atletas também “retribuíram” o preconceito que sentem sofrer por parte dos meninos, discriminando-os também e atribuindo-lhes uma série de “defeitos” como brutalidade, incapacidade de trabalhar em grupo, menor empenho na obtenção dos seus objetivos, serem mais influenciáveis, serem menos afetivos etc. • Algumas atletas classificam, elas mesmas, o esporte que praticam como “masculino”, tomando como um dado este estereótipo de gênero que pretendem ilegítimo e cujo desaparecimento propugnam. Houve também, no GF dos técnicos de São Paulo, a menção da existência de projetos de valorização da mulher no esporte que têm como objetivo desmistificar os estereótipos de gênero ainda que partam deles. Exemplo: o projeto “Mulheres que 196 fazem o Brasil Brilhar”, patrocinado pela Bombril, cujo nome é uma clara alusão ao fato de que as mulheres podem fazer brilhar algo além das panelas. Os resultados da pesquisa reforçam a conclusão de que “os estereótipos de gênero operam em todos os âmbitos da vida social e cultural das pessoas: do trabalho, do familiar, do educativo, das atividades físicas e esportivas, da ocupação e do tempo livre”. (MIRANDA e ANTUNEZ, 2006, p. 3) Como chamaram a atenção três atletas do Rio de Janeiro, demonstrando reconhecer que sem mudança de valores culturais a situação prática não se altera, o problema do preconceito está no “pensamento das pessoas” e está sendo superado aos poucos a partir do esforço persistente das atletas que buscam com paixão o seu lugar no esporte, ainda que tenham acessado tardiamente a alguns deles. A primeira coisa eu acho que é o pensamento, as pessoas deveriam atualizar o pensamento, pensar mais para frente, nada de a mulher ou o homem, eu acho que o sol nasce para todos; os direitos são iguais, se a pessoa gosta (de um determinado esporte), deveria fazer. Eu acho que o que impede é isso é o pensamento das pessoas. Eu acho que, como elas falaram, realmente é a questão do preconceito porque a maioria dos esportes, todo mundo fala que é esporte para homem, tanto futebol, judô, quanto atletismo, qualquer um. É esporte para homem por quê? Porque os homens conseguiram chegar antes da gente? Mas eu acho que as mulheres hoje em dia estão mostrando para a sociedade que nós somos capazes de mostrar o nosso potencial. Eu acho que antigamente, competição, campeonato, olimpíadas, tinham muitos homens, até hoje, são os homens que ganham e hoje em dia eu acho que as mulheres estão mostrando que nós somos capazes e que nós temos o nosso valor. 197 Referências Bibliográficas ADELMAN, M. Mulheres atletas: re-significações da corporalidade feminina. Revista Estudos Feministas, v.12, p. 445-65, 2003. ALMEIDA, Thaís Rodrigues de. Mulheres Praticantes de Rugby: discutindo gênero a partir de um universo cultural predominantemente masculino. In: ANAIS DO VII SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO, 2006. 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Jornal do Brasil, 17 de março de 2007. 198 ANEXO 199 Apresentação...............................................................................................................................................8 I - Introdução ..............................................................................................................................................9 O projeto A Mulher e o Esporte – A experiência dos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo9 Planejamento e operacionalização da pesquisa ......................................................................9 Suporte conceitual e valorativo da pesquisa.........................................................................13 A execução da pesquisa .........................................................................................................14 O trabalho de campo......................................................................................................................15 O pós-campo ..................................................................................................................................16 II - Breve contextualização do esporte no Brasil.................................................................................17 III - O município do Rio de Janeiro ......................................................................................................25 Perfil dos entrevistados a partir das fichas socioeconômicas ............................................................26 III.1. As vozes dos técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais37 Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora .........................................37 Antecedentes ..................................................................................................................................37 Instituições e projetos sociais participantes do GF......................................................................38 A realização do GF ........................................................................................................................38 O pós-grupo....................................................................................................................................39 Principais pontos levantados na discussão ...........................................................................40 A motivação das meninas para a prática do esporte: fatores dificultadores e facilitadores......41 A importância da Mídia.................................................................................................................55 A importância do “espelho”..........................................................................................................57 Contraposição do esporte como construção da cidadania ao esporte competitivo....................57 Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva para as meninas ............................63 III.2. As vozes das mães, pais e responsáveis pelas atletas ................................................................64 Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora .........................................64 Antecedentes ..................................................................................................................................64 A realização do GF ........................................................................................................................64 O pós-grupo....................................................................................................................................64 Principais pontos levantados na discussão ...........................................................................65 A motivação das meninas para a prática do esporte....................................................................65 A importância do apoio da família ...............................................................................................67 A importância do papel do(a) técnico(a)......................................................................................68 A importância do estudo paralelamente ao esporte .....................................................................69 A importância do “grupo”, das amizades e das “boas companhias”..........................................70 Expressão de estereótipos de gênero ............................................................................................70 Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte........................73 Facilidades percebidas para que as atletas ingressem e permaneçam no esporte......................76 Sugestões para melhorar as condições de prática esportiva para as meninas ............................77 III.3. As vozes das atletas ......................................................................................................................78 Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora .........................................78 Antecedentes ..................................................................................................................................78 Instituições e projetos sociais participantes do GF......................................................................78 A realização do GF ........................................................................................................................78 O pós-grupo....................................................................................................................................79 Principais pontos levantados na discussão ...........................................................................80 Os gostos e as idiossincrasias das atletas .....................................................................................80 A motivação das meninas para a prática do esporte....................................................................82 Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte........................84 A importância da família e dos amigos (para o bem e para o mal) ............................................88 Apoio da equipe versus competitividade .....................................................................................90 As atletas e os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro (Pan)................................................93 Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva........................................................96 III.4. As vozes das não-atletas...............................................................................................................96 Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora .........................................96 Antecedentes ..................................................................................................................................96 A realização do GF ........................................................................................................................97 O pós-grupo....................................................................................................................................98 Principais pontos levantados na discussão ...........................................................................98 Os gostos e as idiossincrasias das atletas .....................................................................................98 A (não) motivação das meninas para a prática do esporte ..........................................................98 “Efeitos colaterais” do esporte................................................................................................... 100 Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva..................................................... 101 IV – O município de São Paulo ........................................................................................................... 101 Perfil dos entrevistados a partir das Fichas de Perfil Socioeconômico ......................................... 102 IV.1. As vozes das mães, pais e responsáveis pelas atletas.............................................................. 113 Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ...................................... 113 Antecedentes ............................................................................................................................... 113 A realização do GF ..................................................................................................................... 113 O pós-grupo................................................................................................................................. 114 Principais pontos levantados na discussão ........................................................................ 114 A motivação das meninas para a prática do esporte................................................................. 115 A importância da família (para o bem e para o mal) ................................................................ 116 A importância da escola no encaminhamento da vida esportiva ............................................. 118 Importância dos clubes para a continuidade da vida esportiva................................................ 119 Expressão de estereótipos de gênero ......................................................................................... 121 Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte..................... 124 Facilidades percebidas para que as atletas permaneçam no esporte........................................ 127 Os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro (Pan) ................................................................. 128 Sugestões para melhorar as condições de prática esportiva para as meninas ......................... 129 IV.2. As vozes das atletas.................................................................................................................... 130 Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ...................................... 130 Antecedentes ............................................................................................................................... 130 Instituições e projetos sociais participantes do GF................................................................... 130 A realização do GF ..................................................................................................................... 131 O pós-grupo................................................................................................................................. 132 Principais pontos levantados na discussão ........................................................................ 133 Os gostos e as idiossincrasias das atletas .................................................................................. 133 A motivação das meninas para a prática do esporte................................................................. 134 Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte..................... 135 Facilidades percebidas para que as atletas permaneceçam no esporte .................................... 139 Vantagens e desvantagens do esporte........................................................................................ 139 Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva..................................................... 143 IV.3. As vozes das não-atletas ............................................................................................................ 144 Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ...................................... 144 Antecedentes ............................................................................................................................... 144 A realização do GF ..................................................................................................................... 145 O pós-grupo................................................................................................................................. 146 Principais pontos levantados na discussão ........................................................................ 147 Os gostos e as idiossincrasias das não-atletas........................................................................... 147 A (não) motivação e a motivação das meninas para a prática do esporte............................... 147 Vantagens e desvantagens do esporte........................................................................................ 149 Percepções acerca do uso do tempo de meninos e meninas..................................................... 149 Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva..................................................... 150 IV.4. As vozes dos técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais151 Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ...................................... 151 Antecedentes ............................................................................................................................... 151 Instituições e projetos sociais participantes do GF................................................................... 151 A realização do GF ..................................................................................................................... 152 O pós-grupo................................................................................................................................. 152 Principais pontos levantados na discussão ........................................................................ 153 A motivação das meninas para a prática do esporte................................................................. 154 A importância da Mídia (para o bem e para o mal).................................................................. 158 Contraposição do esporte como construção da cidadania e o esporte competitivo................ 160 Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte..................... 162 Facilidades percebidas para que as atletas permaneçam no esporte........................................ 163 Expressão de estereótipos de gênero ......................................................................................... 164 Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva para as meninas ......................... 166 V - Considerações Finais ...................................................................................................................... 167 Contextualização................................................................................................................................. 167 Principais achados da pesquisa......................................................................................................... 172 A motivação das meninas para a prática do esporte ......................................................... 172 Fatores facilitadores da prática esportiva........................................................................... 177 Fatores dificultadores da prática esportiva ........................................................................ 179 Sugestões apontadas para melhorar as condições da prática esportiva............................ 185 Temas que ganharam destaque nos diversos grupos........................................................................ 189 A importância da mídia (para o bem e para o mal)........................................................... 189 A importância do “espelho” ............................................................................................... 190 Contraposição do esporte como construção da cidadania ao esporte competitivo ......... 191 A importância do apoio da família (para o bem e para o mal) ......................................... 192 A importância do papel do técnico..................................................................................... 193 A importância do estudo paralelamente ao esporte........................................................... 194 A importância do “grupo”, das amizades e das “boas companhias” ............................... 194 Apoio da equipe versus competitividade........................................................................... 194 As atletas e os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro ................................................ 195 A importância da escola no encaminhamento da vida esportiva ..................................... 196 A importância dos clubes para a continuidade da vida esportiva .................................... 196 Vantagens e desvantagens do esporte ................................................................................ 197 Existência de estereótipos de gênero no esporte: um tema transversal.......................................... 197 Referências Bibliográficas ................................................................................................................... 202