A MULHER E O ESPORTE

Transcrição

A MULHER E O ESPORTE
A MULHER E O ESPORTE
A EXPERIÊNCIA DOS MUNICÍPIOS DO RIO DE JANEIRO E
DE SÃO PAULO
RELATÓRIO FINAL
JULHO 2007
A MULHER E O ESPORTE
A EXPERIÊNCIA DOS MUNICÍPIOS DO RIO DE JANEIRO E
DE SÃO PAULO
Execução
Instituto Noos
de Pesquisas Sistêmicas e Desenvolvimento de Redes Sociais
Secretário Executivo do Instituto Noos
Carlos Eduardo Zuma
Apoio
Nike
Coordenação Geral
Maria Augusta Pessanha
Consultoras responsáveis pela pesquisa
Marina Sidrim Teixeira
Coordenação operacional no Rio de Janeiro, facilitação
dos grupos, dados qualitativos e redação do Relatório.
Fanny Elisabete Moore
Coordenação operacional em São Paulo, relatoria dos grupos e
dados quantitativos
Assistentes de pesquisa
Júlia Proença
Sonia Maria Ferreira Dreyfuss
Maria Ester Catarino de Oliveira
Apoio de gravação
Júlia Proença de Araújo
Eduardo d’Avila
Ângela Catarino de Oliveira
Apoio administrativo
Juliana Rodrigues
Transcrição das gravações
Beth Serviços
Digitação
David Bevilacqua
Márcia Alkmim
Revisão do texto
Rodrigo Rosa de Azevedo
2
Lista dos participantes dos Grupos Focais1 de técnicos e de atletas2
Rio de Janeiro
São Paulo
Atletas
Adriana Carmo Silva
Ana Caroline C. Viana Pinto
Andréia Romanovski
Carla Rayanne Francisco Silva
Danielle Cristine dos Santos
Gabriela Cardoso Santana
Gabriela Menezes da Silva
Giovanna Pedrosa Arriente
Gláucia Regina Martins Nardi
Karen Assis Rufino
Karen Lie Fukumoto
Michelle Keyne Alves
Nathalia Pieroni
Nayara Santos Melo
Tamires Silva da Conceição
Vivian Pauli Lopes Zenedin
Técnicos(as), treinadores(as), professores(as), responsáveis por projetos sociais
Alessandro Celano Garcia
Cleize Magalhães Lopes
Alexandre Coelho Gonçalves
Cristina Rodrigues de Oliveira
Alexandre Mathias
Everaldo Cortes do Carmo
Benilton Alves Barbosa
Flávia Campos Carvalho da Mota
Ceia Gomes
Henrique Carlos Serra Azul Guimarães
Claudia Regina Sahb Freire
Joanilson Rodrigues
David Wagner
Karina Passanante Orlandin
Francisco das Chagas Oliveira
Leilson Tetsuya Tamashiro
Luciana Alves Rodrigues
Patrick Fleury
Luciana Dias
Ricardo Aparecido de Oliveira
Marcos Roberto Mendonça M. Coutinho Rodrigo Malcov Borba Henrique
Marielle Maciel Mendes
Shirlei Baptista
Solange Chagas do Valle
Silvana Maria Silva
Ágata de Almeida Esteves
Carolina Mourão
Fabíola dos Santos Cardoso Alves
Giullia Rodrigues
Helena Brunharo
Juliana Fourny
Maria Clara Sousa e Mello
Patrícia Lopes
Poliana Mendes da Silva
Tammy Galera Takagi
Thayane Silva dos Santos
1
Na técnica de Grupos Focais são mencionados apenas os nomes dos participantes dos grupos quando
isto é considerado relevante pelos próprios participantes. Nesta pesquisa, técnicos, professores,
treinadores, árbitros, responsáveis por projetos sociais e atletas desejaram e autorizaram a menção aos
seus nomes neste relatório.
2
Não se ignora o fato de que a língua portuguesa, por generalizar no masculino, contribui
culturalmente para a “invisibilidade” feminina e para a manutenção dos estereótipos de gênero. No
entanto, optou-se neste relatório pela utilização da duplicidade de expressão de gênero na forma
“o(a)” somente quando a palavra está no singular; no plural, seguimos a norma padrão da língua com
a generalização no masculino. Tal opção deveu-se por ser um texto que será vertido para o inglês e
que, ao não respeitar as regras da língua, poderia confundir leitores e tradutores.
3
“Ainda hoje, é muito difícil ser atleta – em
qualquer modalidade, o esporte de alto
nível exige superação e sacrifício. E mais
difícil ainda é ser atleta no Brasil. E ainda
mais ser mulher, atleta e brasileira. Mas
surge uma nova campeã a cada dia para
mostrar a poderosa força feminina.
Devemos guardar aplausos para todas as
mulheres no Pan 2007: são mulheres –
mesmo que não sejam estrelas ou campeãs
– que merecem os pódios e as medalhas,
por tudo que viveram para chegar até lá.”
Oscar Valporto
4
Sumário
Apresentação .............................................................................................................................................. 9
I - Introdução ........................................................................................................................................... 10
O projeto A Mulher e o Esporte – A experiência dos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo
................................................................................................................................................................ 10
Planejamento e operacionalização da pesquisa ................................................................... 10
Suporte conceitual e valorativo da pesquisa ........................................................................ 14
A execução da pesquisa......................................................................................................... 15
O trabalho de campo ..................................................................................................................... 16
O pós-campo.................................................................................................................................. 17
II - Breve contextualização do esporte no Brasil ................................................................................ 18
III - O município do Rio de Janeiro...................................................................................................... 27
III.1. Perfil dos entrevistados a partir das fichas socioeconômicas .................................................. 27
III.2. As vozes dos técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais
................................................................................................................................................................ 38
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ........................................ 38
Antecedentes.................................................................................................................................. 38
Instituições e projetos sociais participantes do GF ..................................................................... 39
A realização do GF ....................................................................................................................... 39
O pós-grupo ................................................................................................................................... 40
Principais pontos levantados na discussão........................................................................... 41
A motivação das meninas para a prática do esporte: fatores dificultadores e facilitadores ..... 42
A importância da Mídia ................................................................................................................ 55
A importância do “espelho” ......................................................................................................... 57
Contraposição do esporte como construção da cidadania ao esporte competitivo ................... 58
Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva para as meninas ........................... 63
III.3. As vozes das mães, pais e responsáveis pelas atletas................................................................ 63
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ........................................ 63
Antecedentes.................................................................................................................................. 63
A realização do GF ....................................................................................................................... 64
O pós-grupo ................................................................................................................................... 64
Principais pontos levantados na discussão........................................................................... 64
A motivação das meninas para a prática do esporte ................................................................... 65
A importância do apoio da família............................................................................................... 66
A importância do papel do(a) técnico(a) ..................................................................................... 68
A importância do estudo paralelamente ao esporte .................................................................... 68
A importância do “grupo”, das amizades e das “boas companhias” ......................................... 69
Expressão de estereótipos de gênero............................................................................................ 70
Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte ....................... 73
Facilidades percebidas para que as atletas ingressem e permaneçam no esporte ..................... 75
Sugestões para melhorar as condições de prática esportiva para as meninas ........................... 77
III.4. As vozes das atletas...................................................................................................................... 77
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ........................................ 77
Antecedentes.................................................................................................................................. 77
Instituições e projetos sociais participantes do GF ..................................................................... 78
A realização do GF ....................................................................................................................... 78
O pós-grupo ................................................................................................................................... 79
Principais pontos levantados na discussão........................................................................... 80
Os gostos e as idiossincrasias das atletas..................................................................................... 80
A motivação das meninas para a prática do esporte ................................................................... 81
Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte ....................... 83
A importância da família e dos amigos (para o bem e para o mal)............................................ 87
Apoio da equipe versus competitividade..................................................................................... 89
As atletas e os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro (Pan) ............................................... 92
Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva ....................................................... 95
5
III.5. As vozes das não-atletas .............................................................................................................. 95
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ........................................ 95
Antecedentes.................................................................................................................................. 95
A realização do GF ....................................................................................................................... 96
O pós-grupo ................................................................................................................................... 96
Principais pontos levantados na discussão........................................................................... 97
Os gostos e as idiossincrasias das atletas..................................................................................... 97
A (não) motivação das meninas para a prática do esporte ......................................................... 98
“Efeitos colaterais” do esporte ..................................................................................................... 99
Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva ..................................................... 100
IV – O município de São Paulo............................................................................................................ 101
IV.1. Perfil dos entrevistados a partir das Fichas de Perfil Socioeconômico................................. 101
IV.2. As vozes das mães, pais e responsáveis pelas atletas .............................................................. 112
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ...................................... 112
Antecedentes................................................................................................................................ 112
A realização do GF ..................................................................................................................... 113
O pós-grupo ................................................................................................................................. 113
Principais pontos levantados na discussão......................................................................... 114
A motivação das meninas para a prática do esporte ................................................................. 114
A importância da família (para o bem e para o mal) ................................................................ 116
A importância da escola no encaminhamento da vida esportiva ............................................. 117
Importância dos clubes para a continuidade da vida esportiva ................................................ 119
Expressão de estereótipos de gênero.......................................................................................... 120
Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte ..................... 123
Facilidades percebidas para que as atletas permaneçam no esporte ........................................ 127
Os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro (Pan).................................................................. 127
Sugestões para melhorar as condições de prática esportiva para as meninas ......................... 128
IV.3. As vozes das atletas .................................................................................................................... 129
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ...................................... 129
Antecedentes................................................................................................................................ 129
Instituições e projetos sociais participantes do GF ................................................................... 129
A realização do GF ..................................................................................................................... 130
O pós-grupo ................................................................................................................................. 131
Principais pontos levantados na discussão......................................................................... 132
Os gostos e as idiossincrasias das atletas................................................................................... 132
A motivação das meninas para a prática do esporte ................................................................. 133
Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte ..................... 134
Facilidades percebidas para que as atletas permaneçam no esporte ........................................ 138
Vantagens e desvantagens do esporte ........................................................................................ 138
Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva ..................................................... 142
IV.4. As vozes das não-atletas ............................................................................................................ 143
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ...................................... 143
Antecedentes................................................................................................................................ 143
A realização do GF ..................................................................................................................... 144
O pós-grupo ................................................................................................................................. 145
Principais pontos levantados na discussão......................................................................... 145
Os gostos e as idiossincrasias das não-atletas ........................................................................... 145
A (não) motivação e a motivação das meninas para a prática do esporte ............................... 146
Vantagens e desvantagens do esporte ........................................................................................ 147
Percepções acerca do uso do tempo de meninos e meninas ..................................................... 147
Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva ..................................................... 149
IV.5. As vozes dos técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais
.............................................................................................................................................................. 149
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ...................................... 149
Antecedentes................................................................................................................................ 149
Instituições e projetos sociais participantes do GF ................................................................... 150
A realização do GF ..................................................................................................................... 150
O pós-grupo ................................................................................................................................. 151
6
Principais pontos levantados na discussão......................................................................... 151
A motivação das meninas para a prática do esporte ................................................................. 152
A importância da Mídia (para o bem e para o mal) .................................................................. 156
Contraposição do esporte como construção da cidadania e o esporte competitivo ................ 158
Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte ..................... 160
Facilidades percebidas para que as atletas permaneçam no esporte ........................................ 161
Expressão de estereótipos de gênero.......................................................................................... 162
Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva para as meninas ......................... 163
V - Considerações Finais ...................................................................................................................... 165
Contextualização ................................................................................................................................. 165
Principais achados da pesquisa ......................................................................................................... 169
A motivação das meninas para a prática do esporte.......................................................... 169
Fatores facilitadores da prática esportiva........................................................................... 173
Fatores dificultadores da prática esportiva......................................................................... 176
Sugestões apontadas para melhorar as condições da prática esportiva ............................ 182
Temas que ganharam destaque nos diversos grupos ........................................................................ 185
A importância da mídia (para o bem e para o mal) ........................................................... 186
A importância do “espelho”................................................................................................ 186
Contraposição do esporte como construção da cidadania ao esporte competitivo.......... 187
A importância do apoio da família (para o bem e para o mal) ......................................... 188
A importância do papel do técnico ..................................................................................... 189
A importância do estudo paralelamente ao esporte........................................................... 190
A importância do “grupo”, das amizades e das “boas companhias”................................ 190
Apoio da equipe versus competitividade ........................................................................... 190
As atletas e os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro................................................. 191
A importância da escola no encaminhamento da vida esportiva...................................... 192
A importância dos clubes para a continuidade da vida esportiva..................................... 192
Vantagens e desvantagens do esporte ................................................................................ 193
Existência de estereótipos de gênero no esporte: um tema transversal .......................................... 193
Referências Bibliográficas.................................................................................................................... 198
ANEXO ................................................................................................................................................... 199
7
Apresentação 8¶
I - Introdução 9¶
O projeto A Mulher e o Esporte –
A experiência dos municípios do
Rio de Janeiro e de São Paulo 9¶
Planejamento e
operacionalização da pesquisa 9¶
Suporte conceitual e valorativo
da pesquisa 13¶
A execução da pesquisa 14¶
O trabalho de campo 15¶
O pós-campo 16¶
II - Breve contextualização do
esporte no Brasil 17¶
III - O município do Rio de
Janeiro 25¶
Perfil dos entrevistados a partir
das fichas socioeconômicas 26¶
III.1. As vozes dos técnicos,
treinadores, professores, árbitros e
responsáveis por projetos
sociais 37¶
Comentários sobre a realização
do GF nas palavras da relatora 37¶
Antecedentes 37¶
Instituições e projetos sociais
participantes do GF 38¶
A realização do GF 38¶
O pós-grupo 39¶
Principais pontos levantados
na discussão 40¶
A motivação das meninas para a
prática do esporte: fatores
dificultadores e facilitadores 41¶
A importância da Mídia 55¶
A importância do “espelho” 57¶
Contraposição do esporte como
construção da cidadania ao esporte
competitivo 57¶
Sugestões para melhorar as
condições da prática esportiva para
as meninas 63¶
III.2. As vozes das mães, pais e
responsáveis pelas atletas 64¶
Comentários sobre a realização
do GF nas palavras da relatora 64¶
Antecedentes 64¶
A realização do GF 64¶
O pós-grupo 64¶
Principais pontos levantados
na discussão 65¶
A motivação das meninas para a
prática do esporte 65¶
A importância do apoio da
família 67¶
A importância do papel do(a)
técnico(a) 68¶
A importância do estudo
paralelamente ao esporte 69¶
A importância do “grupo”, das
amizades e das “boas
companhias” 70¶
Expressão de estereótipos de
gênero 70¶
Dificuldades enfrentadas pelas
atletas para ingressar e permanecer
no esporte 73¶
Facilidades percebidas para que as
atletas ingressem e permaneçam no
esporte 76¶
Sugestões para melhorar as
condições de prática esportiva para
as meninas 77¶
III.3. As vozes das atletas 78¶
Comentários sobre a realização
do GF nas palavras da relatora 78¶
Antecedentes 78¶
8
Apresentação
O presente Relatório descreve as principais atividades e os resultados da pesquisa
qualitativa “A Mulher e o Esporte – A experiência dos municípios do Rio de Janeiro
e de São Paulo”. A pesquisa foi realizada pelo Instituto Noos com o apoio da Nike,
nos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo, nos meses de abril e maio de
2007, utilizando a metodologia de Grupos Focais e coletou informações junto a
atletas e não-atletas, mães, pais e responsáveis por atletas, técnicos(as),
professores(as), árbitros(as) e responsáveis por projetos sociais que utilizam o
esporte como forma de inclusão social.
É fundamental que se explicite que um relatório é sempre um dos recortes possíveis
do material coletado, que, com especial razão no caso desta pesquisa, é vastíssimo e
se presta a outros inúmeros olhares que poderão ser lançados em momentos
posteriores por outras pessoas. Para garantir essas possibilidades futuras, o presente
Relatório contém um anexo com os relatos dos oito GFs realizados e com o banco
de dados que foi gerado a partir das 103 fichas socioeconômicas aplicadas aos
entrevistados e digitadas em Statistical Package for Social Science (SPSS).
A organização do Relatório por unidades regionais permite que o(a) leitor(a)
interessado(a) em apenas uma localidade tenha uma boa visão da pesquisa, a partir
da leitura da Introdução, do capítulo relativo ao município específico e das
Considerações Finais.
A Introdução expõe brevemente o que é o projeto e descreve a metodologia, os
pressupostos, os antecedentes, os objetivos, o trabalho de campo e o pós-campo da
pesquisa qualitativa.
O Capítulo II mostra uma breve contextualização dos esportes no Brasil com o
intuito de dimensionar a importância dos dois municípios pesquisados no conjunto
da atividade esportiva do país.
Os Capítulos III e IV tratam, respectivamente, de cada um municípios pesquisados,
seguindo a cronologia de sua realização: Rio de Janeiro e São Paulo. Cada um destes
capítulos descreve os dados mais relevantes da realização dos GFs em foco e
sistematiza as idéias que emergiram das discussões, à luz das questões às quais se
pretendia responder.
O último capítulo sumariza os principais “achados” da pesquisa a partir das questões
colocadas e daquelas que emergiram ou ganharam relevância nos grupos, sempre
tendo como referência maior não mais cada tipo de ator envolvido, mas cada um dos
municípios pesquisados.
O CD Anexo oferece o próprio Relatório em versão digital, a ficha socioeconômica
preenchida pelos participantes, o banco de dados resultante, os relatos dos grupos e
outros documentos utilizados no trabalho de campo.
9
I - Introdução
O projeto A Mulher e o Esporte – A experiência dos municípios do Rio de
Janeiro e de São Paulo
Trata-se de um projeto de pesquisa inspirado em resultados colhidos em pesquisa
internacional que constatou que grande parte das mais bem sucedidas executivas
americanas havia praticado esporte na sua infância e/ou adolescência, fazendo crer
que a prática da atividade esportiva traria ganhos pessoais em níveis profissionais
que em muito transcendiam à prática esportiva em si3.
Planejamento e operacionalização da pesquisa
Durante a etapa de planejamento da presente pesquisa, ocorreram conversações
entre o Noos e a Nike – ao nível de coordenação –, reuniões de equipe e a leitura e
sistematização do material disponível sobre o tema. O cumprimento de tais etapas
prévias permitiu a formulação, a consolidação e a aprovação de uma proposta de
operacionalização que continha os principais pontos acordados.
Ficou acertado que o projeto seria viabilizado em duas etapas: a primeira delas, de
cunho exploratório e operacional para a segunda, seria uma pesquisa institucional
visando a localização das instituições de interesse e a aplicação de uma ficha para
registro de informações básicas sobre elas. O objetivo seria o de identificar as
instituições em que houvesse a participação feminina no esporte e ver de que
informações dispõem, de maneira a colher subsídios para a segunda etapa – a
pesquisa qualitativa – que se constituiria no foco principal do projeto. Buscar-se-ia
principalmente: identificar quais esportes deveriam ser incluídos e, principalmente,
como chegar a indicações nominais para compor um cadastro de participantes em
potencial dos Grupos Focais.
A segunda etapa constituir-se-ia na pesquisa propriamente dita e seria um
mapeamento de percepções das pessoas vinculadas de alguma forma às instituições
investigadas na primeira etapa da pesquisa, no que concerne a questões centrais
propostas para a investigação.
Para a segunda etapa do projeto ficaram acordados os seguintes parâmetros4:
•
Público-alvo da pesquisa: atletas profissionais, amadoras e participantes de
projetos sociais com idade entre 12 e 18 anos5; técnicos, professores, árbitros
e responsáveis por projetos sociais que utilizam o esporte como forma de
inclusão; pais, mães e responsáveis por atletas; e não-atletas – adolescentes
com perfil socioeconômico semelhante ao das atletas, porém, atualmente,
não-praticantes de esportes.
3
New Nationwide Research Finds: Successful Women Business Executives Don't Just Talk a Good
Game...They Play(ed) One. http://www.massmutual.com/mmfg/pdf/boardroom.pdf
4
Alguns dos parâmetros originais sofreram alteração no início da execução do projeto, mas as
mudanças foram consideradas apenas ajustes que não descaracterizavam a proposta acordada. Assim,
já estão sendo descritos aqui os parâmetros que de fato nortearam a realização do trabalho de campo.
5
Definidos como adolescentes pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
10
•
Área geográfica definida para a pesquisa: os municípios do Rio de Janeiro e
de São Paulo.
•
Modalidades esportivas incluídas na pesquisa: aquelas definidas como
olímpicas, a saber:
Quadro 1
Esportes olímpicos
Arco e flecha
Lutas
Atletismo
Natação
Badminton
Natação Sincronizada
Basquete
Pentatlo Moderno
Beisebol
Pólo Aquático
Boxe
Remo
Canoagem
Saltos Ornamentais
Ciclismo
Softbol
Esgrima
Taekwondo
Futebol
Tênis
Ginástica Artística
Tênis de Mesa
Ginástica Rítmica
Tiro Esportivo
Handebol
Trampolim Acrobático
Hipismo
Triatlo
Hóquei sobre Grama
Vela
Judô
Vôlei
Levantamento de Peso Vôlei de Praia
Fonte: IBGE, Pesquisa de Informações Básicas Municipais - Perfil dos Municípios
Brasileiros, Esporte 2003 - Rio de Janeiro: IBGE, 2006.
•
Dimensões da prática esportiva incluídas na pesquisa: todas as dimensões
da prática esportiva, tal como definidas na Lei Pelé (Lei Nº 8.069, de 13 de
julho de 1990): esporte de rendimento (amador e profissional), esporte e
lazer (que inclui o esporte como inclusão social) e esporte educacional.
•
Objetivos gerais da pesquisa:
Levar os participantes dos Grupos Focais da pesquisa a refletir sobre
as possibilidades de inserção e permanência de mulheres nas
atividades esportivas.
Identificar se os diversos atores envolvidos na prática/não-prática
esportiva ouvidos pela pesquisa percebem diferenças entre homens e
mulheres na prática esportiva em função da existência de
estereótipos de gênero.
Subsidiar a formulação de políticas públicas que possam beneficiar a
prática esportiva das mulheres em qualquer dimensão e em qualquer
modalidade.
•
Questões centrais que se propõe a investigar:
Qual a motivação das mulheres para a prática do esporte?
11
Quais os fatores percebidos como dificultadores para a inserção e
permanência da mulher no esporte?
Quais os fatores percebidos como facilitadores para a inserção e
permanência da mulher no esporte?
Quais as sugestões para incentivar a participação feminina no
esporte?
•
Metodologia: mista, com predominância da qualitativa, utilizando-se de
Grupos Focais (GFs) realizados nos dois municípios-alvo da pesquisa e
aplicando-se fichas de levantamento de perfil socioeconômico e de
identificação da atividade esportiva a todos os participantes.
•
Característica principal para a formação dos grupos: é aquela que
determina o número de GFs a serem realizados e que estabelece o nível no
qual as comparações podem ser feitas na análise. Foram estabelecidas como
sendo o município de moradia dos participantes e o tipo de vínculo que
mantêm com a atividade esportiva.6 A seleção dos participantes dos GFs
seria feita de forma a garantir o máximo de heterogeneidade na composição
dos grupos, respeitando as variáveis consideradas relevantes (características
secundárias da pesquisa). A intenção é “dar voz” à diversidade presente no
universo a pesquisar. O gráfico a seguir mostra o “desenho” final do painel
da pesquisa:
6
Cabe aqui uma observação que é válida para toda a análise do material qualitativo coletado na
pesquisa: como mencionado, pela metodologia de pesquisa que utiliza como técnica os Grupos
Focais, a comparabilidade das informações é possível ao nível das características principais. Ou seja,
no caso desta pesquisa, ao nível das unidades geográficas que sediaram os grupos (que são as de
moradia dos participantes) e do tipo de vínculo (ou não vínculo) dos participantes com a prática
esportiva em suas diversas modalidades. É exatamente isso que será feito. Contudo, será impossível
deixar de mencionar algumas vezes (talvez muitas) detalhes que são específicos de uma determinada
modalidade esportiva representada nos grupos como característica secundária. Tal procedimento não
se constitui numa impropriedade metodológica no caso de diferenciações relevantes, ainda que não
seja usual.
12
Figura 1 – Estrutura da pesquisa qualitativa
13
Suporte conceitual e valorativo da pesquisa
Compartilhando a idéia da impossibilidade de uma atuação neutra do pesquisador no
exercício de suas funções, dentre as várias alternativas existentes para contornar este
fato, opta-se aqui por explicitar os conceitos/valores que estão norteando a pesquisa:
•
Considera-se gênero “um conceito das ciências sociais que se refere à
construção social do sexo”. (HEILBORN, 1995, p. 9) A idéia é a de que
existem diferenças e desigualdades entre os sexos, que nada têm de naturais
ou essenciais, e que são o cerne do “gênero” como construção cultural e
social do feminino e do masculino em um dado momento e em uma dada
sociedade. Tal concepção é relacional e implica em mutabilidade,
multiplicidade e distribuição desigual de poder. Aqui se considera um valor
positivo a desnaturalização dessas diferenças por entender-se que isto
possibilitaria a construção de relações mais eqüitativas entre homens e
mulheres, tidas como desejáveis.
•
“Os estereótipos baseiam-se em crenças, idéias preconcebidas e expectativas
com as quais se avalia o comportamento das pessoas. Os estereótipos de
gênero são responsáveis pelo trato diferenciado a que são submetidos
mulheres e homens, desde o início da infância, por parte dos responsáveis
pela sua socialização. Respondem a diferentes características em épocas
distintas o que permite supor que não são tão imutáveis como às vezes são
descritos. Isso reforça a idéia de que funcionam também como controle
social. Sustentar estereótipos é manter fixos os papéis de homens e
mulheres.” (MIRANDA e ANTUNEZ, 2006, p. 1)
•
Considera-se que “o esporte é um meio social capaz de produzir e reproduzir
valores, símbolos e representações de determinados contextos culturais”.
(ALMEIDA, 2006, p. 1)
•
Está sendo entendido como modalidade esportiva “a materialização/
objetivação da prática social do esporte em prática corporal de movimento,
dotada de significado historicamente construído. É a prática propriamente
dita do Futebol, Basquetebol, voleibol e demais modalidades”. (IBGE, 2006,
p. 164)
•
Estão sendo consideradas na pesquisa as três dimensões da prática esportiva
em qualquer modalidade, assim definidas:
“Esporte de rendimento: esporte organizado em nível internacional,
pela adoção de sistemas de regras e códigos da prática esportiva
(nacionais e internacionais) que devem ser aceitos e observados, e
caracterizado pela busca de resultados em competições. O esporte de
rendimento pode ser praticado de modo profissional, com
remuneração pactuada entre o atleta e a entidade de prática
desportiva; ou de modo não-profissional, identificado pela liberdade
de prática e pela inexistência de contrato de trabalho, sendo
permitido o recebimento de incentivos materiais e de patrocínio.”
(IBGE, 2006, p. 164)
14
Esporte educacional, “praticado nos sistemas de ensino e em formas
assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a
hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de
alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação
para o exercício da cidadania e a prática do lazer. (...)” (Lei nº
9.615/98, conhecida como Lei Pelé).
“Esporte e lazer: esporte praticado de modo voluntário,
compreendendo as modalidades esportivas que têm por finalidade
contribuir para a integração plena dos praticantes na vida social, na
promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente.”
(IBGE, 2006, p. 163)
•
Finalmente, entende-se como um dos direitos dos participantes dos grupos o
acesso aos resultados do trabalho, fruto indissociável de sua participação
voluntária e desinteressada (muitas vezes emocionada) nas atividades da
pesquisa. Tal acesso pode ser garantido não só pela divulgação das
conclusões de forma ampla e democrática como também pelo empenho para
que os resultados cheguem às autoridades competentes para que haja uma
possibilidade de incorporação de algumas de suas sugestões e anseios em
políticas públicas para o setor do esporte.
A execução da pesquisa
Postos esses parâmetros, dando seqüência aos trabalhos, procedeu-se ao
desenvolvimento de todas as tarefas que antecedem à realização dos grupos e
chegou-se então à seguinte programação comum para cada um dos GFs:
•
Lanche ou almoço de confraternização.
•
Autopreenchimento da ficha socioeconômica com apoio da equipe da
pesquisa.
•
Rápida exposição do que será o trabalho de grupo e apresentação da equipe
com explicitação de suas funções no trabalho.
•
Estabelecimento de um pacto sobre as regras de convivência durante a
realização do grupo (autorização para gravar e tomar notas, somente uma
pessoa falando por vez, falas voluntárias e livres etc.).
•
Apresentação dos participantes com uma dinâmica “quebra gelo” variável
conforme o grupo e que será descrita oportunamente ao início do trabalho de
análise do material coletado.
•
Discussão propriamente dita a partir das seguintes questões disparadoras:
A motivação das mulheres para a prática do esporte.
As dificuldades percebidas para a inserção da mulher no esporte.
As facilidades percebidas para a inserção da mulher no esporte.
Diferenças de gênero no esporte (existência de condições
diferenciadas para homens e mulheres).
As sugestões para incentivar a participação feminina no esporte.
Palavrinha final sobre o trabalho no grupo.
15
•
Entrega de vales-transporte, brinde da Nike e, no caso de atletas e
treinadores, certificado de participação.
O trabalho de campo
Para a realização do trabalho de campo no período de 19/04/2007 a 02/05/2007,
definiram-se as características pessoais dos entrevistados, que variaram entre os
grupos mas foram basicamente a modalidade de esporte, a dimensão da prática do
esporte, a idade, o sexo e a localização geográfica da instituição onde as atividades
eram praticadas.
De posse da lista de candidatos em potencial a participantes dos Gfs construída na
primeira etapa do projeto, selecionou-se os candidatos em primeira prioridade para
cada grupo bem como suas possíveis substituições. Procurou-se sempre manter 16
pessoas confirmadas para cada grupo de maneira a garantir um número mínimo de 8
pessoas por grupo.
Os convites foram feitos pelas auxiliares de pesquisa e sua aceitação confirmada por
telefone e e-mail. Na véspera da realização de cada um dos grupos, um outro
telefonema de aide memoire foi dado.
Segundo o relato das auxiliares de pesquisa, em geral, a receptividade foi boa,
havendo interesse em participar, o que resultou em um número médio de 10,4
pessoas por GF, número considerado muito bom, já que esta metodologia prevê um
número médio de oito participantes como ideal. Os oito GFs realizados tiveram
duração muito variável situada no intervalo de 33 minutos – não-atletas do Rio – a
duas horas e meia – técnicos do Rio.
No final do grupo, era pedida uma avaliação do trabalho de pesquisa em si. Em
todos os GFs, nesse momento, o grau de satisfação com o trabalho no GF foi
bastante ressaltado, bem como a curiosidade com a pesquisa, a esperança de
conhecer os resultados, de sua contribuição ajudar a melhorar as condições da
prática esportiva e a total disponibilidade para voltar aos GFs caso eles viessem a se
repetir.
Algumas dessas falas dão conta da enorme carência de espaços de escuta, pois
mencionaram desde a satisfação/orgulho de terem sido ouvidas até a ênfase no grupo
como um momento raro de reflexão, discussão, encontro/reencontro e integração
com seus pares. A fala de uma participante do GF dos responsáveis no Rio de
Janeiro bem sintetiza esta posição: “Eu gostei muito da reunião, gostei do lanche,
agora eu estou sentindo um pouco de esperança porque só da gente poder falar,
renova um pouco as forças da gente, a vontade da gente estar mais do lado,
participar mais, apoiando mais. Eu gostei dessa esperança que eu comecei a sentir.
Foi bom.”
Houve também muitas referências dos participantes ao fato de terem se descoberto
“acompanhados” ao perceberem que vivenciam problemas comuns às demais
pessoas. Outro ponto sempre destacado foi a qualificação e a adequação atribuídas à
equipe da pesquisa, que ficou muito gratificada, pois estava totalmente empenhada
na realização de seu trabalho de forma intensa, integral e, muitas vezes, emocional.
16
Em todos os GFs foi oferecido uma refeição aos participantes (lanche ou almoço
conforme o caso) e à equipe. Esta refeição constituía-se em um momento de
confraternização que, em geral, tendia a prolongar-se, evidenciando mais uma vez o
prazer da maioria das pessoas em participar do evento. Durante a refeição, conversas
particulares (em duplas ou trios) eram entabuladas e e-mails e telefones eram
trocados.
O pós-campo
Finda a etapa do trabalho de campo, procedeu-se à elaboração dos relatos que, neste
caso, incorporam integralmente as transcrições do material gravado, à organização e
à análise dos dados quantitativos e qualitativos e à redação do presente Relatório,
que, como vimos, trata da metodologia e dos resultados da pesquisa.
Os dados quantitativos aqui apresentados foram compilados a partir de duas fontes
básicas de informação: dados produzidos a partir da ficha socioeconômica aplicada a
todos os entrevistados e dados disponíveis do IBGE sobre a população das cidades
pesquisadas. Seu uso, em especial daqueles advindos do levantamento realizado
junto aos participantes, diz mais respeito à qualificação dos públicos do que às
medições complementares dos temas focados na pesquisa. Os dados do IBGE
cumpriram a função de indicar as diferenças e semelhanças com os públicos da
pesquisa e mostrar as principais características das duas cidades investigadas.
Por outro lado, a análise do material qualitativo colhido nos GFs está voltada para a
sistematização e a articulação das idéias apresentadas pelos entrevistados,
respondendo a questões propostas ou incluindo temas originais. A opção analítica
feita, contudo, não implica em perda de conhecimento acerca da linguagem dos
entrevistados, uma vez que serão apresentadas, sempre que possível, citações
selecionadas de suas falas, preservando o tom coloquial da linguagem oral, as
formas de expressão e suas contradições.
Finalmente, é indispensável salientar-se que, apesar da disposição e do empenho da
equipe da pesquisa, o trabalho não poderia ter sido realizado, muito menos no prazo
em que o foi, sem a colaboração efetiva dos técnicos, professores e responsáveis
pelos projetos sociais que, além de propiciarem a elaboração do cadastro das atletas
candidatas em potencial para os GFs, chegaram até mesmo a liberar as atletas de
treinos pré-programados para que participassem dos grupos. Ao registrar o
agradecimento a estas pessoas, gostaríamos de estendê-lo aos responsáveis pela
gravação e pela transcrição do material gravado, pela digitação das fichas de perfil
socioeconômico, bem como aos assistentes de pesquisa nos dois municípios e ao
revisor do texto deste Relatório. Por último, e com a maior ênfase, um
agradecimento especialíssimo aos entrevistados, que, com sua participação generosa
e disponível, permitiram que fosse levado a bom termo o trabalho de campo.
17
II - Breve contextualização do esporte no Brasil
Existiam no Brasil em 20007 12.404.568 mulheres de 12 a 18 anos, público-alvo
desta pesquisa, correspondendo a 7,3% da população total. Na Região Sudeste elas
eram 4.858.191 (6,7% do total) e, nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo,
880.175 (6,1%) e 2.477.095 (6,7%) respectivamente. Neste mesmo ano, no
município do Rio de Janeiro eram 332.869 (5,7% do total) as mulheres dessa faixa
etária e, no município de São Paulo, 675.639 (6,5%). Naquela ocasião, os dois
municípios estudados somavam mais de um milhão de jovens mulheres (12 a 18
anos) que juntas representavam 8,1% do total registrado para o Brasil.
Foram localizadas algumas informações relativamente recentes, referentes ao ano de
2003, sobre a atividade esportiva brasileira. As fontes dessas informações são duas
pesquisas realizadas pelo IBGE, em parceria com o Ministério dos Esportes:
Pesquisa dos Esportes 2003 – Governo do Estado e Suplemento de Esportes da
Pesquisa de Informações Básicas Municipais. Ambas cobrem apenas as atividades
esportivas que estão sob a responsabilidade da esfera pública, a primeira no âmbito
estadual, também com resultados agregados para Brasil e Grandes Regiões e a
segunda no âmbito municipal. As informações foram fornecidas pelo órgão gestor
do esporte, em cada um dos estados brasileiros, no Distrito Federal e nas prefeituras
municipais.
Para efeito desse estudo, que focaliza os municípios do Rio de Janeiro e de São
Paulo, procurou-se reunir os dados disponíveis e capazes de mostrar a importância
relativa dessas duas cidades entre si e tendo como parâmetro o estado a que cada
uma delas pertence, a Região Sudeste e o Brasil. Conforme exposto na apresentação
das pesquisas-fonte, as informações só são passíveis de comparação quando
provenientes da mesma esfera de governo. Por este motivo, os quadros a seguir
foram montados separadamente para municípios e para estados, Região Sudeste e
Brasil.
Mesmo cientes de que a esfera pública cobre apenas parte da atividade esportiva
desenvolvida no país, os resultados obtidos a partir dos dados dessas duas pesquisas
nos permitiram assinalar algumas características importantes e dimensionar a
presença do esporte no território nacional. Do conjunto de dados disponíveis foram
selecionados aqueles capazes de mostrar aspectos relativos ao pessoal diretamente
envolvido com essa atividade, ou seja, os técnicos e a estrutura física existente
(instalações e equipamentos) para a prática do esporte. Também foi considerada a
disponibilidade da informação para as duas esferas de governo.
Alguns dados sobre a população brasileira, nas áreas geográficas selecionadas e para
o mesmo ano de realização das pesquisas de esportes (2003), serão úteis na
compreensão das diferenças observadas. A população do Brasil em 20038 era de
175.987.612 habitantes, dos quais 43,5% (76.499.625) residiam na Região Sudeste.
Os estados do Rio de Janeiro (19,7%) e de São Paulo (51,1%) tinham em conjunto
70,8% do total da população residente na Região Sudeste. Para municípios, nesse
mesmo ano9, só estão disponíveis estimativas da população residente: o município
de São Paulo contava com 10.677.019 habitantes, enquanto o município do Rio de
7
IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados do universo.
IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – 2003.
9
IBGE, Estimativas das populações residentes em 01/07/2003.
8
18
Janeiro possuía 5.974.081 pessoas; a população de São Paulo era 1,8 vezes maior do
que a do Rio de Janeiro.
Em 2003, o Brasil possuía um total de 63.969 técnicos ocupados nos governos dos
estados na área de esporte, dos quais 89,3% eram professores e profissionais
graduados em educação física, 1,6% profissionais graduados em outras áreas, 8,7%
não-graduados e 0,4% estagiários. A quase totalidade desses profissionais atuava no
esporte educacional (96%). Os técnicos ocupados no esporte de rendimento eram
apenas 1,2% do total e aqueles dedicados ao esporte e lazer, 2,8%. Assim, pode-se
concluir que na esfera estadual, a maior parte dos técnicos atuava na área do esporte
educacional e possuía nível de escolaridade superior, sendo a grande maioria
graduada em educação física. Ver quadro 2.
Para o Sudeste repete-se o padrão de maior presença de técnicos graduados em
educação física (91,2% do total) e atuando no esporte educacional (95,6% do total).
Porém, nessa região os percentuais foram mais elevados do que para o total do
Brasil. Os mesmos percentuais elevados de graduados em educação física e
dedicados ao esporte educacional foram observados para os estados do Rio de
Janeiro (81,1% e 85,3%) e de São Paulo (99,1% e 97,7%). A principal diferença é a
menor proporção verificada no estado do Rio de Janeiro, para as duas questões
abordadas.
Do total de técnicos existentes no Brasil, ocupados na área estadual e dedicados ao
esporte de rendimento, 34% estavam no estado do Rio de Janeiro, e destes, 86,4%
eram profissionais não-graduados. Praticamente todo o contingente de técnicos
ocupados no esporte de rendimento da Região Sudeste estava no estado do Rio de
Janeiro (96,3%).
Quanto ao esporte e lazer, 59,6% (1.080) dos técnicos dessa área estava na Região
Sudeste. E nela, 70% (756) deles no estado do Rio de Janeiro. Também predominou
o profissional não-graduado, tanto na Região (64,8%) quanto no Rio de Janeiro
(91,3%).
A representação de técnicos do estado do Rio de Janeiro, ocupados no esporte de
rendimento e no esporte e lazer foi muito superior à proporção de sua população na
Região Sudeste em 2003 (19,7%), indicando ser esta uma característica específica
do governo local.
19
Quadro 2
Número de técnicos ocupados no governo do estado na área de esporte em
31/12, por manifestação do esporte, segundo áreas selecionadas – 2003
Manifestação
do esporte
e
áreas
selecionadas
Numero de técnicos ocupados no governo do estado na área de
esporte em 31/12, por manifestação do esporte
Total
Professores e Profissionais Profissionais Estagiários
profissionais
graduados
nãograduados em
em outras
graduados
educação
áreas
física
Total
Brasil
63.969
57.098
1.008
5.538
325
Região Sudeste
30.778
28.078
696
2.002
2
Rio de Janeiro
6.888
5.588
0
1.300
0
São Paulo
13.921
13.800
17
102
2
Esporte educacional
Brasil
61.399
55.662
972
4.568
197
Região Sudeste
29.430
27.653
696
1.079
2
Rio de Janeiro
5.874
5.487
0
387
0
São Paulo
13.601
13.490
17
92
2
Esporte de rendimento
Brasil
759
507
3
238
11
Região Sudeste
268
45
0
223
0
Rio de Janeiro
258
35
0
223
0
São Paulo
6
6
0
0
0
Esporte e lazer
Brasil
1.811
929
33
732
117
Região Sudeste
1.080
380
0
700
0
Rio de Janeiro
756
66
0
690
0
São Paulo
314
304
0
10
0
Fonte: IBGE, Pesquisa dos Esportes 2003. Governo do Estado.
Esse mesmo conjunto de informações, visto sob a ótica pública municipal,
apresentou outros resultados e mostrou algumas especificidades. Ver Quadro 3.
O primeiro resultado expressivo diz respeito à quantidade de técnicos existentes nas
duas cidades. O número registrado no município do Rio de Janeiro (5.912) é 2,5
vezes maior do que o verificado no município de São Paulo (2.362), sendo que em
2003, a população desta cidade era 1,8 vez maior que a da primeira. O percentual de
professores e profissionais graduados em educação física também se mostrou
elevado para as duas cidades, 69,7% para Rio de Janeiro e 78,4% para São Paulo,
embora maior para a última.
Nas duas cidades a maioria dos técnicos estava ocupada no esporte educacional,
69,5% em São Paulo e 56,2% no Rio de Janeiro. Todos os ocupados na área
educacional, nas duas cidades, eram graduados em educação física.
O esporte de rendimento, apesar de numericamente inferior, também apresentou
mais técnicos no município do Rio de Janeiro (213), sendo a maioria deles graduada
20
em educação física (62,4%) ou não-graduada (24,9%). A quantidade existente no
município de São Paulo foi muito pequena (33) e os técnicos ocupados dividiram-se
entre graduados em educação física (69,7%) e estagiários (30,3%).
No município do Rio de Janeiro o número de técnicos ocupados na prefeitura no
esporte e lazer (2.379) foi 3,5 vezes superior ao verificado no município de São
Paulo (687). A qualificação dos técnicos que atuavam nesta dimensão foi bastante
similar nas duas cidades, ficando em torno de 53% para os não-graduados e entre
27,1 e 28,1% para os graduados em educação física.
A comparação entre as duas cidades permite afirmar que o Rio de Janeiro contava
com muito mais técnicos que o município de São Paulo, cuja população era bem
maior. As prefeituras de ambas as cidades ocupavam a maioria de seus técnicos no
esporte educacional e todos os que se dedicavam a essa área eram graduados em
educação física. Porém, somente no Rio de Janeiro o esporte de rendimento e o
esporte e lazer apresentaram contingentes de técnicos mais significativos.
Quadro 3
Número de técnicos ocupados na prefeitura na área de esportes em 31/12,
por manifestação do esporte, segundo municípios selecionados – 2003
Manifestação
do esporte
e
municípios
selecionados
Numero de técnicos ocupados na prefeitura na área de esporte em 31/12,
por manifestação do esporte
Total
Absoluto
%
Professores e
profissionais
graduados em
educação
física
Profissionais
graduados em
outras áreas
Profissionais
não-graduados
Absoluto
Absoluto
Absoluto
%
%
%
Estagiários
Absoluto
%
Total
Rio de Janeiro - RJ
São Paulo - SP
5.912
100,0
4.122
69,7
239
4,0
1.305
22,1
246
4,2
2.362
100,0
1.851
78,4
364
15,4
0
0,0
147
6,2
0,0
0
0,0
0
0,0
0,0
0
0,0
0
0,0
4,7
53
24,9
17
8,0
0,0
10
30,3
Rio de Janeiro - RJ
São Paulo - SP
3.320
100,0
Esporte educacional
3.320 100,0
0
1.642
100,0
1.642
Rio de Janeiro - RJ
São Paulo - SP
213
100,0
133
62,4
10
33
100,0
23
69,7
0
Rio de Janeiro - RJ
São Paulo - SP
2.379
100,0
669
28,1
229
687
100,0
186
27,1
0
100,0
0
Esporte de rendimento
0,0
0
Esporte e lazer
9,6
0,0
1.252
52,7
229
9,6
364
53,0
137
19,9
Fonte: IBGE, Pesquisa de Informações Básicas Municipais, Suplemento Esportes – 2003.
Considerando o total de escolas públicas estaduais existentes no Brasil em 2003
(35.412), 52,2% (18.493) possuíam instalações esportivas10. Essa proporção é
10
Unidade esportiva fundamental onde propriamente se realiza a atividade esportiva (quadra, campo
de Futebol, piscina etc.). A instalação pode aparecer isoladamente ou como uma fração de espaço
maior, o equipamento esportivo, que inclusive pode ser composto por um conjunto de instalações
esportivas. IBGE, Perfil dos municípios brasileiros: Esportes 2003 – Rio de Janeiro: IBGE, 2006.
21
sempre maior que a do Brasil quando considerados a Região Sudeste (64,9%), o
estado do Rio de Janeiro (62,9%) e o estado de São Paulo (82,8%). A Região
Sudeste possuía em 2003 37,2% das escolas estaduais do país e sua população, na
mesma ocasião, correspondia a 43,5% do total da população brasileira.
Quadro 4
Escolas públicas estaduais existentes em 31/12 e com instalações esportivas
segundo áreas selecionadas – 2003
Áreas
selecionadas
Escolas públicas estaduais existentes em 31/12
e com instalações esportivas
Total
Com instalação (1)
Sem instalação
Absoluto
%
Brasil
35.412
18.493
52,2
Região Sudeste
13.182
8.549
64,9
Rio de Janeiro
1.905
1.198
62,9
São Paulo
6.016
4.979
82,8
Fonte: IBGE, Pesquisa de Esportes 2003. Governo do Estado.
Absoluto
16.919
4.633
707
1.037
%
47,8
35,1
37,1
17,2
Nota 1: Inclui: somente piscina; somente quadra não-coberta; somente quadra coberta; somente piscina e quadra coberta e
somente piscina e quadra não-coberta.
A proporção de escolas públicas municipais com instalações esportivas foi bastante
similar nas duas cidades selecionadas, 49,4% para o Rio de Janeiro e 51,6% para
São Paulo. Entretanto, a semelhança observada no número total de escolas, 1.225
para o Rio de Janeiro e 1.21611 para São Paulo, não corresponde à enorme diferença
existente no tamanho de suas populações no ano de 2003: 5.974.081 para o Rio de
Janeiro e 10.677.019 para São Paulo. Ver Quadro a seguir.
Dados do Censo Educacional de 200512 referentes aos dois municípios estudados
mostram que em São Paulo a grande maioria (69,1%) das escolas públicas do ensino
fundamental pertencia à esfera estadual (1.043 de um total de 1.510), ao passo que
no Rio de Janeiro era a esfera municipal que respondia pela maior parte (88,8%)
dessas escolas (977 de 1.100). Para as escolas públicas do ensino médio, a esfera
estadual predominou nas duas cidades: em São Paulo correspondeu a 98,6% do total
(636 de 645) e no Rio de Janeiro 95,8% (295 de 308). Mesmo sem considerar a préescola e apesar de um pouco mais atualizados do que os revelados na Pesquisa de
Esportes (2003), esses resultados ajudam a esclarecer o motivo pelo qual o número
de escolas no município do Rio de Janeiro era tão elevado, comparativamente ao
registrado em São Paulo.
11
Em agosto de 2003 foram implantados no município de São Paulo 21 Centros Educacionais
Unificados – CEUs, todos com instalações esportivas.
12
IBGE, Cidades@. Ministério da Educação, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais, INEP.
22
Quadro 5
Escolas públicas municipais existentes em 31/12 e com instalações esportivas,
segundo áreas selecionadas – 2003
Municípios
selecionados
Escolas públicas municipais existentes em 31/12
e com instalações esportivas
(1)
Total
Com instalação (2)
Sem instalação
Absoluto
%
Absoluto
%
Rio de Janeiro - RJ
1.225
605
49,4
620
50,6
São Paulo - SP
1.216
628
51,6
588
48,4
Fonte: IBGE, Pesquisa de Informações Básicas Municipais, Suplemento Esportes – 2003.
Notas: 1. Dados provenientes do INEP. 2. Inclui: somente piscina, somente quadra não-coberta, somente quadra não-coberta,
somente piscina e quadra coberta e somente piscina e quadra não-coberta.
Quanto ao tipo e número de equipamentos esportivos13 existentes14 no Brasil, na
esfera estadual, a Região Sudeste possuía poucos deles, quase que
independentemente do tipo: 25 de 127 ginásios, 4 de 40 estádios de Futebol, 5 de 14
complexos aquáticos e 9 de 41 complexos esportivos. A situação torna-se ainda mais
rarefeita quando considerados os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Porém, o
Rio de Janeiro, mesmo com uma população menor (15.060.467) em 2003 do que a
de São Paulo (39.332.726) possuía mais equipamentos de todos os tipos. Ver
Quadro 6.
Quadro 6
Número de equipamentos esportivos existentes em 31/12, por tipo de
equipamento, segundo áreas selecionadas – 2003
Áreas
selecionadas
Número de equipamentos esportivos existentes em 31/12,
por tipo de equipamento
Ginásio Estádio Complexo Complexo Autódromo Kartódromo
de
aquático
esportivo
Futebol
Brasil
127
40
14
41
3
3
Região Sudeste
25
4
5
9
0
0
Rio de Janeiro
4
2
2
4
0
0
São Paulo
3
0
2
3
0
0
Fonte: IBGE, Pesquisa de Esportes 2003. Governo do Estado.
Diferentemente do resultado observado para a esfera estadual, os equipamentos da
esfera municipal eram muito mais presentes no município de São Paulo quando
comparado com o do Rio de Janeiro, independentemente do tipo. Os números para
13
Conjunto de instalações implantado em uma área contígua ou em áreas descontínuas, desde que
anexas ou muito próximas. No equipamento esportivo, além das instalações esportivas, podem existir
instalações destinadas a serviços e apoio à prática do esporte (ambulatório, depósitos, áreas
administrativas, refeitórios, alojamentos, restaurantes/lanchonetes, auditórios etc.). IBGE, Perfil dos
municípios brasileiros: Esportes 2003 – Rio de Janeiro: IBGE, 2006.
14
Em funcionamento pleno ou parcial; concluído e não inaugurado; ou paralisado por ampliação ou
reforma, ou por outros motivos. IBGE, Perfil dos municípios brasileiros: Esportes 2003 – Rio de
Janeiro: IBGE, 2006.
23
cada tipo devem ser utilizados com cautela, pois segundo a nota pode aparecer em
mais de um tipo quando localizado em complexo esportivo. Ver Quadro 7.
Quadro 7
Número de equipamentos esportivos existentes em 31/12, por tipo de
equipamento, segundo municípios selecionados – 2003
Municípios
selecionados
Número de equipamentos esportivos existentes em 31/12,
por tipo de equipamento
Ginásio
Estádio
Complexo Complexo Autódromo Kartódromo
de
aquático
esportivo
Futebol
Rio de Janeiro - RJ
2(1)
0
0
10
1(1)
0
São Paulo - SP
30(1)
1
23(1)
25
1(1)
1(1)
Fonte: IBGE, Pesquisa de Informações Básicas Municipais, Suplemento Esportes – 2003.
Notas: 1. Inclusive os localizados em complexos esportivos.
Considerando o número de instalações esportivas existentes na esfera estadual, sem
levar em conta aquelas existentes nas escolas públicas e faculdades estaduais, o
resultado observado é bastante desfavorável para a Região Sudeste e para os dois
estados selecionados, uma vez que se mostra bastante aquém da proporção
representada por suas respectivas populações. Alguns tipos de instalação merecem
destaque: o número de quadras no estado de São Paulo (38), equivalente a 76% do
total da Região Sudeste e o número de quadras de Tênis, cujo total para essa mesma
região é idêntico ao do estado de São Paulo (14) e equivalente a 45% das existentes
no Brasil. Ver Quadro 8.
Quadro 8
Número de instalações esportivas existentes (1) em 31/12, por tipos de instalação
esportiva, segundo áreas selecionadas – 2003
Tipo de instalação esportiva Brasil Região Sudeste Rio de Janeiro
Quadra (2)
412
50
7
Campo de Futebol
72
11
2
Piscina recreativa
29
9
2
Piscina semi-olímpica
33
7
2
e olímpica
Pista de Atletismo (3)
28
5
2
Quadra de Tênis
31
14
0
Fonte: IBGE, Pesquisa de Esportes 2003. Governo do Estado.
São Paulo
38
5
5
4
1
14
Notas: 1. Consideradas as que apresentaram maior freqüência. Exclusive quadras e piscinas
localizadas nas escolas públicas estaduais, as instalações esportivas localizadas nas
universidades/faculdades públicas estaduais, as quadras localizadas nos ginásios e os campos
localizados nos estádios de Futebol. 2. Quadras cobertas e não-cobertas. 3. Inclusive as localizadas
em estádios de Futebol.
Na esfera municipal, o número de instalações esportivas aponta algumas
desigualdades entre os municípios pesquisados: o Rio de Janeiro tinha muito mais
quadras (exceto em ginásios) do que São Paulo, 606 e 287 respectivamente. Já o
número de piscinas recreativas (22), pistas de Atletismo (10), ginásios (30) e salões
de Ginástica (72) era maior em São Paulo. Os campos de Futebol apresentaram
números relativamente próximos, 274 para o Rio de Janeiro e 283 para São Paulo.
24
As piscinas olímpicas (1), semi-olímpicas (6) e quadras de Badminton (4) só
apareceram no Rio de Janeiro. Algumas instalações, como quadras de Tênis e salão
de lutas, tiveram resultados praticamente iguais. Ver Quadro 9.
Quadro 9
Número de instalações esportivas existentes em 31/12 e localizadas em
parques/praças, logradouros e complexos esportivos,
segundo municípios selecionados – 2003
Tipo de instalação esportiva(1)
Rio de Janeiro - RJ São Paulo - SP
Quadra (exceto em ginásio)
606
287
Campo de Futebol
274
283
Piscina recreativa
1
22
Piscina semi-olímpica
6
0
Piscina olímpica
1
0
Pista de Atletismo
5
10
Ginásio
2
30
Campo de Beisebol/Softbol
0
1
Quadra de Badminton
4
0
Quadra de Tênis
10
11
Salão de Ginástica
8
72
Salão de Lutas
9
9
Outras instalações não especificadas
0
84
Fonte: IBGE, Pesquisa de Esportes 2003. Informações Básicas Municipais.
patins.
Nota: 1. Não foram incluídas as instalações para a prática de esportes não-olímpicos: bocha,
malha, modelismo, corrida de veículos em geral, skate, patins e similares, e hóquei sobre
Informações obtidas junto ao Comitê Olímpico Brasileiro – COB15, instituído em
1935, mostram que as principais confederações esportivas começaram a aparecer a
partir da década de 40 (Basquetebol em 1941). Nos anos 50 surgiram as de Vôlei
(1954) e Tênis (1955); nos anos 70, muitas delas, como Futebol (1973), Atletismo16
(1977), Remo (1977), Ginástica17 (1978), Handebol (1979); em 1988, Desportos
Aquáticos18 e Lutas19 Associadas, e em 1990, Taekwondo. Para algumas
modalidades de esporte olímpico, não foi possível obter essa data. Embora permita
localizar no tempo a consolidação das diversas modalidades esportivas, a data de
instituição das confederações não corresponde ao aparecimento de cada um dos
esportes no Brasil, uma vez que existe uma longa trajetória entre o seu surgimento e
a formação da confederação.
15
www.cob.org.br
Composto de: trilhas (corridas de velocidade, de média e longa distância, revezamentos, com
barreiras e com obstáculos), saltos (à distância, em altura, triplo e com vara), arremessos (de peso, de
disco, de dardo e de martelo), rua (maratonas e marchas) e provas combinadas (heptatlo e decatlo).
Confederação Brasileira de Atletismo.
17
Tem três modalidades olímpicas: a artística feminina (salto sobre cavalo, trave, barras paralelas e
solo) e masculina (salto sobre cavalo, cavalo com alças, argolas, barra fixa, barras paralelas e solo);
rítmica (só feminina), composta por fita, corda, maça, bola e arco; e o trampolim (feminino e
masculino). Confederação Brasileira de Ginástica.
18
Inclui Natação, Natação Sincronizada, Pólo Aquático e Saltos Ornamentais. Confederação
Brasileira de Desportos Aquáticos.
19
São três as modalidades: Greco-Romana (7 categorias), Livre (7 categorias) e Luta Feminina (4
categorias). Confederação Brasileira de Lutas Associadas.
16
25
O levantamento da localização das sedes das confederações aponta para certa
concentração na cidade do Rio de Janeiro: Hipismo, Vôlei, Futebol, Basquetebol,
Judô, Lutas Associadas, Remo, Desportos Aquáticos e Taekwondo. As demais
aparecem distribuídas por várias capitais: Tênis em São Paulo, Atletismo em
Manaus, Ginástica em Curitiba e Handebol em Aracajú.
Somente algumas confederações informaram o número de atletas existentes no
Brasil, como a de Vôlei, com 87.000, e a de Atletismo, com 20.000. A de Atletismo
disponibilizou também o número de clubes (500), de árbitros (900) e de técnicos
federados (700).
Desde o seu surgimento em Buenos Aires, no ano de 1951, os Jogos PanAmericanos foram realizados apenas uma vez no Brasil. Foi no ano de 1963, na
cidade de São Paulo. Em 2007, será a vez da cidade do Rio de Janeiro.
A presença feminina do Brasil nos Jogos Pan-Americanos, apesar de ainda
incipiente, vem aumentando gradativamente ao longo dos anos. No Pan de 1951
havia menos de 20 mulheres numa delegação de 179 atletas brasileiros; em Santo
Domingo (2003) elas eram 189 e no Pan do Rio de Janeiro em 2007, deverão ser
mais de 300. (VALPORTO, 2007, p. 25).
A análise feita por BARBEIRO sobre a trajetória do esporte nos últimos 20 anos
(1987-2007) acrescenta importantes considerações sobre o tema:
“O esporte no Brasil mudou muito mais nos últimos vinte anos do que ao longo de
toda a sua história. Nunca se atualizou tanto, mas ainda está distante de se
estabelecer como uma atividade de interesse público. Transparente, cidadão e
condutor de política pública. A construção da democracia no país provoca mudanças
em todas as estruturas sociais e o esporte, quer queiram, quer não queiram os
cartolas, passará por mudanças. A maior ou menor aceleração vai depender da
pressão social, outra característica do sistema democrático.” (BARBEIRO, 2007, p.
217)
26
III - O município do Rio de Janeiro
Este capítulo trata dos quatro GFs realizados no Rio de Janeiro que ocorreram entre
os dias 19 e 21 de abril no Center Hotel, situado à Av. Rio Branco, 33, bem no
centro da cidade.
Os GFs aconteceram na seguinte ordem:
•
dos técnicos, professores, treinadores, árbitros e responsáveis por projetos
sociais que têm no esporte uma via de inclusão social de seus participantes –
doravante denominado GF dos técnicos20 – na noite de 19 de abril, com
duração de 2 horas e 19 minutos;
•
das mães, pais e responsáveis pelas atletas – doravante denominado GF dos
responsáveis – na noite de 20 de abril, com duração de 1 hora e 45 minutos;
•
das atletas na manhã de 21 de abril, com duração de 1 hora e 37 minutos;
•
das não-atletas (grupo com perfil demográfico e socioeconômico semelhante
ao das atletas mas que atualmente não praticam esporte) na tarde de 21 de
abril, com duração de 45 minutos.
III.1. Perfil dos entrevistados a partir das fichas socioeconômicas
Como já foi mencionado, por ocasião da realização dos GFs, todos os participantes
responderam a uma ficha de caracterização socioeconômica. A partir dos resultados
desta parte da pesquisa, foi construído o quadro que se segue, que traça o perfil dos
participantes de cada Grupo Focal e o compara com o perfil das pessoas residentes
no município a partir de dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –
IBGE.
O objetivo desta breve inclusão quantitativa é conhecer o perfil das pessoas que
foram ouvidas, já que isto tem relação direta com suas visões de mundo que
referenciam, em última instância, as opiniões emitidas. Ao mesmo tempo, com a
comparação entre os dados produzidos a partir das fichas socioeconômicas e os
resultados disponíveis no IBGE para o município, tem-se uma dimensão do quanto o
universo representado nos grupos esteve próximo ou não do universo dos moradores
do município.
20
Essa mesma simplificação será usada ao mencionar as percepções emitidas por qualquer
participante desse grupo, a não ser nos raros momentos em que se fizer necessário distinguir
explicitamente entre uns e outros.
27
Quadro 10
Perfil dos participantes dos Grupos Focais
Município do Rio de Janeiro
Indicadores
Número de
participantes
dos GFs
e
população do
município
Classe
modal23 de
sexo
Idade Média
Idade
Mediana
Classe modal
de
nacionalidade
Classe modal
de
naturalidade
Estado de
origem da
maior
proporção de
migrantes
Classe modal
de cor
(fechada)
Classe modal
do grau de
instrução
(somente o
nível mais
alto)
Município
do
Rio
de
Janeiro
14
12
9
Técnicos,
treinadores,
professores,
árbitros e
responsáveis
por projetos
sociais
13
Mulher
71,4%
Mulher
100,0%
Mulher
100,0%
Homem
53,8%
45,4
43,0
16,2
16,0
13,9
13,0
36,2
35,0
Brasileira
100,0%
Brasileira
100,0%
Brasileira
100,0%
Brasileira
100,0%
RJ
78,0%24
RJ
50,0%
RJ
91,7%
RJ
77,8%
RJ
69,2%
MG
3,6%3
PB e PE
7,1% cada
ES e PR
11,1%
PE e PI
7,7% cada
Branca
58,5%25
Branca
42,9%
Branca
58,3%
Branca
55,6%
Branca
61,5%
Médio
completo
26,2%26
Fundamental
incompleto
28,6%
Médio
incompleto
58,3%
Fundamental
incompleto
33,3%
Superior
completo
69,2%
População
residente
5.857.90421
(2000)
6.136.65222
(estimativa
01.07.2006)
Mulher
53,11
Mães, pais e
responsáveis
por atletas
Tipo de Grupo Focal
Atletas
Não-atletas
21
IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados do universo.
IBGE, Estimativas das populações residentes em 01/07/2006.
23
Classe modal é aquela que sozinha concentra a maior parcela da distribuição.
24
IBGE, Censo Demográfico 2000 – Primeiros resultados da amostra.
25
IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados da amostra.
26
Pessoas de 25 anos ou mais de idade, por nível educacional concluído. IBGE, Censo Demográfico
2000 – Resultados da amostra.
22
28
Indicadores
Classe modal
de inserção no
mercado de
trabalho
Classe modal
do ramo de
atividade de
exercício da
ocupação
Renda pessoal
média
Renda pessoal
mediana
Renda
familiar média
Renda
familiar
mediana
Número
médio de
pessoas que
residem no
domicílio
Classe modal
do esporte ao
qual já se
dedicou
Município
do
Rio
de
Janeiro
Mães, pais e
responsáveis
por atletas
PEA
ocupada
84,1%27
Está
trabalhando
78,6%
Serviços
55,6%28
Serviços
50,0%
Serviços
76,9%
R$
1.083,3829
R$ 500,007
R$ 1.216,83
R$ 2.391,80
R$ 700,00
R$ 1.950,00
R$
1.886,4130
R$ 1.733,33
R$ 5.657,14
R$ 1.600,00
R$ 6.000,00
3,21
Tipo de Grupo Focal
Atletas
Não-atletas
Nunca
trabalhou
91,7%
Nunca
trabalhou
100,0%
Técnicos,
treinadores,
professores,
árbitros e
responsáveis
por projetos
sociais
Está
trabalhando
100,0%
4,2
3,8
4,0
2,9
Futebol
28,6%
Futebol,
Natação e
Vôlei
41,7% cada
Natação
44,4%
Natação
61,5%
27
Proporção de pessoas de 10 anos e mais de idade, ocupadas na semana de referência, sobre o total
da População Economicamente Ativa. IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados da Amostra.
28
A seção de atividade de maior freqüência isolada é o “Comércio, reparação de veículos
automotores, objetos pessoais e domésticos” (18,9%). Entretanto, a agregação das atividades dos
serviços (alojamento e alimentação; transportes, armazenagem e comunicação; intermediação
financeira; atividades imobiliárias e serviços prestados às empresas, administração pública, educação,
saúde e outros serviços coletivos, sociais e pessoais) expressam a sua importância no conjunto de
atividades econômicas (55,6%). Refere-se à seção de atividade do trabalho principal, para as pessoas
de 10 anos ou mais ocupadas na semana de referência. IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados
da amostra.
29
Pessoas de 10 anos ou mais de idade, com rendimento. IBGE, Censo Demográfico 2000 –
Primeiros resultados da amostra.
30
Valor do rendimento nominal médio, mensal, das famílias com rendimento, residentes em
domicílios particulares. IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados da Amostra.
29
Indicadores
Classe modal
do esporte ao
qual se dedica
atualmente
Média, nº
mínimo e
máximo de
anos de
dedicação ao
esporte atual
Freqüência de
vínculo com
alguma
instituição
esportiva
Forma de
prática do
esporte
(dimensão):
Esporte de
rendimento
profissional
Forma de
prática do
esporte
(dimensão):
Esporte de
rendimento
nãoprofissional
Forma de
prática do
esporte
(dimensão):
Esporte e
lazer
Forma de
prática do
esporte
(dimensão):
Esporte
educacional
Município
do
Rio
de
Janeiro
Mães, pais e
responsáveis
por atletas
Tipo de Grupo Focal
Atletas
Não-atletas
Futebol
14,3%
Futebol
33,3%
Técnicos,
treinadores,
professores,
árbitros e
responsáveis
por projetos
sociais
Futebol
23,1%
Média
37,5
Mínimo: 35
Máximo: 40
Média
5,5
Mínimo: 1
Máximo: 12
Média
18,5
Mínimo: 5
Máximo: 37
Confederado
45,5%
Federado
50,0%
Confederado
54,5%
Federado
50,0%
5 de 11
Atletismo,
Judô e
Saltos
Ornamentais
4 de 9
Atletismo,
Futebol,
Taekwondo e
Vôlei
3 de 11
Futebol,
Tênis e
Vôlei
5 de 9
Futebol e Remo
3 de 3
Futebol e
Ginástica
3 de 9
Futebol e Vôlei
3 de 11
Futebol
4 de 9
Atletismo,
Futebol,
Handebol e
Vôlei
30
Indicadores
Município
do
Rio
de
Janeiro
Mães, pais e
responsáveis
por atletas
Tipo de Grupo Focal
Atletas
Não-atletas
Notas média,
Média
Média
Média
mediana,
5,0
3,7
6,4
mínima e
Mediana
Mediana
Mediana
máxima
5,0
3,0
7,0
atribuídas às
Mínima
Mínima
Mínima
condições que
1
0
2
as atletas têm
Máxima
Máxima
Máxima
para praticar
10
7
8
esporte no
município
pesquisado.
Freqüência de
21,3%
8,3%
11,1%
comentários
Fonte: Pesquisa a Mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007.
•
Técnicos,
treinadores,
professores,
árbitros e
responsáveis
por projetos
sociais
Média
5,5
Mediana
5,0
Mínima
1
Máxima
9
7,7%
Características da população e dos participantes
O resultado mais recente disponível referente a 01/07/2006, estimou a população
residente do município do Rio de Janeiro em 6.136.652 habitantes. Em 2000, de
acordo com o Censo Demográfico, o município contava com uma população de
5.857.904 pessoas. Desse total, 5,7% (332.869) eram mulheres de 12 a 18 anos de
idade, público-alvo da presente pesquisa.
O grupo com maior número de participantes foi o dos responsáveis (14) e o de
menor tamanho foi o das não-atletas (9). As não-atletas foram as participantes mais
difíceis de localizar, implicando em abrir o leque de contatos para além da indicação
direta das atletas. Todos os grupos tiveram um número significativo de participantes.
Além das atletas e não-atletas, que eram todas mulheres por exigência da pesquisa, o
grupo de responsáveis por atletas apresentou predominância de mulheres (71,4% do
total) enquanto o de técnicos teve maior participação de homens (53,8%).
O cálculo das idades médias mostrou que os responsáveis por atletas tinham a maior
idade média (45,4), variando de 35 a 70 anos. Já o grupo de técnicos apresentou
idade média bastante inferior (36,2) e distância um pouco menor entre a idade
mínima (22) e a máxima (54). A idade média das atletas (16,2) foi superior a das
não-atletas (13,9).
•
Migração, cor ou raça e educação
Todos os participantes dos grupos eram de nacionalidade brasileira, sendo que a
maioria nasceu no Estado do Rio de Janeiro. O grupo de atletas era quase que
integralmente natural do Rio de Janeiro (91,7%). Nos demais grupos, o percentual
31
de pessoas nascidas no Rio de Janeiro variou de 50% (responsáveis por atletas) a
77,8% (não-atletas); esse último resultado, bastante próximo ao registrado para
moradores da cidade do Rio de Janeiro em 2000 (78%).
Para os nascidos em outros estados, os oriundos da Paraíba e Pernambuco
predominaram entre os responsáveis por atletas (7,1% cada), enquanto para as nãoatletas, Espírito Santo e Paraná foram os estados mais apontados (11,1% cada). No
grupo de técnicos, os estados de origem foram o Pernambuco e o Piauí, cada um
com 7,7%. Na cidade do Rio de Janeiro, em 2000, Minas Gerais era o estado de
origem de 3,6% de seus habitantes.
Em 2000, 58,5% da população residente no Rio de Janeiro declarou ser de cor
branca. No grupo dos responsáveis, o menos branco de todos, o percentual
registrado para essa mesma cor foi de 42,9%. Já os técnicos apresentaram a maior
proporção de pessoas brancas (61,5%). Dentre as atletas esse percentual foi bastante
próximo ao observado para o conjunto da cidade, ou seja, 58,3. Para as não-atletas, o
resultado foi de 55,6%, também para a cor branca.
Para conhecer o grau de instrução, é necessário considerar também a variável idade.
O grupo das atletas, cuja idade média era de 16,2 anos, apresentou maior freqüência
para o nível médio incompleto (58,3%), patamar mais elevado do que o registrado
para as não-atletas (33,3% fundamental incompleto), com idade média de 13,9 anos.
Considerando apenas a população de 25 anos ou mais de idade, residente na cidade
em 2000, 26,2% possuía o ensino médio completo. Os responsáveis por atletas, com
idades variando entre 35 e 70 anos, apresentaram maior incidência para fundamental
incompleto (28,6%). No grupo de técnicos, a maioria possuía nível superior
completo (69,2%). O curso superior concluído mais indicado pelos técnicos foi
Educação Física.
•
Trabalho e rendimento
A maioria das atletas (91,7%) e todas as não-atletas nunca trabalharam. A única
ocupação informada para as atletas foi a de estagiária. No grupo dos técnicos, todas
as pessoas estavam trabalhando (100%), enquanto no grupo de responsáveis por
atletas a proporção de ocupados foi de 78,6%. No grupo de técnicos, as principais31
ocupações citadas foram: professores, coordenadores e treinadores. Já no grupo de
responsáveis por atletas, as ocupações abrangeram uma gama mais variada:
professor(a); comerciário(a); cozinheiro(a); assistente administrativo(a), pedreiro,
costureira e técnico(a). Para os dois grupos, técnicos e responsáveis por atletas, o
ramo de atividade mais freqüente foi o dos Serviços com 76,9% e 50%,
respectivamente.
A População Economicamente Ativa (10 anos e mais) ocupada na semana de
referência, no município do Rio de Janeiro em 2000, era de 84,1%. Para esse
conjunto de pessoas ocupadas e considerando apenas o trabalho principal, o grupo
de ocupação mais freqüente foi o de Trabalhadores dos serviços, vendedores do
comércio em lojas e mercados (33,8%). No exercício da ocupação, o ramo de
atividade de maior freqüência isolada foi o Comércio, reparação de veículos
31
Muitos técnicos citaram mais de uma ocupação. No resultado apresentado considerou-se somente a
primeira ocupação mencionada.
32
automotores, objetos pessoais e domésticos (18,9%). Entretanto, a agregação das
oito seções32 que organizam a atividade dos Serviços totalizou 55,6%. Esse
resultado mostra a relevância dos serviços no conjunto das pessoas ocupadas no
município em 2000.
Quanto ao rendimento pessoal (valor líquido), não foram considerados os poucos
valores informados pelos grupos das atletas e não-atletas. Grande parte das meninas
não respondeu a questão ou informou não saber o valor. O mesmo ocorreu para o
rendimento familiar, em que os percentuais de “não sabe” foram muito elevados:
91,7% para as atletas e 66,7% para as não-atletas.
A renda pessoal média dos técnicos (R$ 2.391,80) foi bastante superior à dos
responsáveis por atletas (R$ 1.216,83). De qualquer forma, ambas mais elevadas do
que o rendimento nominal médio mensal (R$ 1.083,38) das pessoas de 10 anos e
mais de idade com rendimento, residentes no município do Rio de Janeiro em
200033. Os valores medianos do rendimento pessoal, R$ 1.950,00 para técnicos e
R$700,00 para responsáveis por atletas mantêm a mesma posição para os dois
grupos, técnicos maior que responsáveis por atletas, mas suas grandezas
demonstram que o ponto central da distribuição, nos dois casos, está abaixo da
média observada. Esses resultados para os grupos, baseados em um pequeno número
de evidências, devem ser utilizados apenas como referência, uma vez que não
possuem rigor estatístico.
As informações relativas ao rendimento familiar médio repetiram padrão similar ao
verificado no rendimento pessoal, ou seja, o valor para o grupo dos técnicos
(R$5.657,14) também foi superior ao dos responsáveis por atletas (R$ 1.733,33), só
que a diferença entre eles foi muito maior. A comparação com os resultados
disponíveis para a cidade do Rio de Janeiro em 2000 (R$ 1.886,4134), mostrou que
os responsáveis por atletas possuíam rendimento familiar um pouco inferior ao
registrado para o conjunto de famílias da cidade, enquanto para os técnicos ele era
muito superior. A renda familiar mediana (ponto central da distribuição dos valores
informados) ficou mais próxima da renda familiar média, para os dois grupos:
R$1.600,00 e R$ 6.000,00, para responsáveis por atletas e para técnicos,
respectivamente. Esse resultado mostra que houve menor influência de valores
extremos no cálculo da média.
•
Média de moradores por domicílio e áreas de residência
A maioria dos grupos apresentou número médio de pessoas residentes no domicílio
superior ao verificado para o Rio de Janeiro no último Censo Demográfico (3,2). Os
resultados foram: 4,2 para responsáveis por atletas, 4 para não-atletas e 3,8 para
atletas. O único grupo que apresentou média inferior foi o dos técnicos (2,9).
32
Alojamento e alimentação; transporte, armazenagem e comunicação; intermediação financeira,
seguros, previdência complementar e serviços relacionados; atividade imobiliária, aluguel e serviços
prestados às empresas; administração pública, defesa e seguridade social; educação, saúde e serviços
sociais e outros serviços coletivos, sociais e pessoais.
33
IBGE, Censo Demográfico 2000 – Primeiros resultados da amostra.
34
Valor do rendimento nominal médio mensal, das famílias com rendimento, residentes em
domicílios particulares. IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados da amostra.
33
Embora sem enfatizar a distribuição geográfica, procurou-se, dentro das
possibilidades, contemplar os moradores de diferentes áreas da cidade. Para o Rio de
Janeiro, optou-se pela apresentação dos bairros mais indicados pelo conjunto de
participantes da pesquisa: Tijuca, Jacarepaguá, Flamengo, Piabetá, Jacarezinho,
Botafogo e Vila São João. Foram registradas cinco situações de participante
residente em outro município: São João de Meriti (4) e São Gonçalo (1).
•
Esportes já praticados e esporte de dedicação atual
Os resultados relativos aos esportes já praticados pelos diferentes grupos foram os
seguintes: para responsáveis por atletas a maior incidência foi registrada para
Futebol (28,6%); para as atletas, ficou igualmente distribuído entre Futebol, Natação
e Vôlei, cada um com 41,7%; dentre os técnicos predominou a prática da Natação
(61,5%) e para as não-atletas a Natação também foi o esporte de maior dedicação
(44,4%).
Para todos os grupos, as maiores freqüências foram as práticas de “1 esporte” e “3 a
5 esportes”, cada um com 12 participantes, seguida de “2 esportes” (7 participantes).
A média de esportes praticados por todos os participantes foi de 3 (mínimo de 1 e
máximo de 8). A quantidade de esportes praticados pelos diferentes grupos ficou
assim distribuída:
responsáveis por atletas: a maioria praticou algum esporte (8 de 14);
4 praticaram “1 esporte”; 2 praticaram de “3 a 5 esportes”; 1 “2
esportes” e 1 “mais de 5” esportes. A média para esse grupo foi de
2,4 esportes (mínimo de 1 e máximo de 7);
técnicos: praticamente todos os participantes desse grupo praticaram
algum esporte (um não respondeu), sendo que a maior incidência foi
para “3 a 5 esportes”(5), seguida de “mais de 5 esportes” (4). Os
demais praticaram “1” (3) ou “2” (1) esportes. A média do grupo foi
de 4,3 esportes (mínimo 1 e máximo 8);
atletas: nesse grupo, um número significativo de participantes
praticou “3 a 5 esportes” (5 de 12) ou “2 esportes” (4 de 12). As
demais informaram “1 esporte” (2) ou “mais de 5 esportes” (1). A
média do grupo foi de 2,9 esportes (mínimo 1 e máximo 8);
não-atletas: 4 de 9 participantes não responderam a questão. As
demais (5 de 9) praticaram “1 esporte” (3) ou “2 esportes” (2). A
média do grupo foi de 1,4 esportes (mínimo 1 e máximo 2).
Quadro 11
Esportes praticados pelos participantes dos Grupos Focais, por tipo de grupo.
Município do Rio de Janeiro – 2007
Modalidade
esportiva
Atletismo
Basquete
Beisebol
Boxe
Esgrima
Total
9
9
1
1
1
Responsáveis
1
0
0
0
0
Futebol
16
4
Rio de Janeiro
Atletas
Técnicos
3
5
3
6
1
0
0
1
0
1
5
6
Não-atletas
0
0
0
0
0
1
34
Rio de Janeiro
Modalidade
Total
Responsáveis
Atletas
Técnicos
esportiva
Ginástica
4
3
1
0
Artística
Ginástica
4
1
1
1
Rítmica
Handebol
7
1
3
3
Judô
5
0
1
4
Levantamento de
1
0
1
0
Peso
Lutas
3
0
1
2
Natação
20
3
5
8
Natação
1
1
0
0
Sincronizada
Pentatlo
1
0
1
Moderno
Pólo Aquático
1
1
0
0
Remo
2
0
0
2
Saltos
1
0
1
0
Ornamentais
Taekwondo
2
1
0
1
Tênis
5
0
3
2
Tênis de Mesa
1
0
0
1
Tiro Esportivo
1
0
0
1
Vôlei
12
2
5
4
Vôlei de Praia
4
1
1
2
Fonte: Pesquisa A Mulher e o Esporte. Instituto Noos/Nike, 2007.
Não-atletas
0
1
0
0
0
0
4
0
0
0
0
0
0
0
0
0
1
0
Quanto ao esporte de dedicação atual, os responsáveis por atletas responderam
Futebol (14,3%); no grupo das atletas havia também mais praticantes de Futebol
(33,3%) e os técnicos informaram igualmente Futebol (23,1%). O tempo médio de
dedicação ao esporte atual foi maior para os responsáveis por atletas (37,5 anos),
seguido pelos técnicos (18,5 anos); as atletas, em virtude da própria idade, tiveram
média de 5,5 anos. Entretanto, essa média registrada para as atletas pode ser
considerada elevada, uma vez que a idade média do grupo foi de 16,2 anos.
O grupo das atletas representou 8 diferentes modalidades de esporte olímpico e o
dos técnicos 6, das quais 3 eram de esportes diferentes daqueles praticados pelas
atletas (Handebol, Remo e Taekwondo).
35
Quadro 12
Esporte de dedicação atual dos participantes dos Grupos Focais,
por tipo de grupo.
Município do Rio de Janeiro – 2007
Modalidade
esportiva
Rio de Janeiro
Responsáveis
Atletas
0
3
0
1
2
3
1
0
Total
Técnicos
Atletismo
5
2
Basquete
1
0
Futebol
8
3
Ginástica
1
0
Artística
Handebol
1
0
0
1
Judô
1
0
1
0
Natação
1
0
1
0
Remo
2
0
0
2
Saltos
1
0
1
0
Ornamentais
Taekwondo
1
0
0
1
Tênis
1
0
1
0
Vôlei
3
0
1
2
Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007.
•
Vínculo institucional e dimensão do esporte
A existência de vínculo com alguma instituição esportiva mostrou resultados
idênticos (50%), para a proporção de federados nos dois grupos mais diretamente
envolvidos com essa questão, ou seja, o das atletas e o dos técnicos. Já o percentual
de atletas confederadas (45,5) foi menor do que o registrado para o grupo de
técnicos (54,5). Na comparação dentro de cada grupo, as atletas possuem mais
participantes federados e os técnicos mais confederados.
Considerando cada um dos participantes praticantes de esporte e cada uma das
dimensões do esporte e os, pertencentes a três dos quatro grupos pesquisados, uma
vez que as não-atletas não responderam esse tipo de questão, a dimensão com
resultado mais expressivo foi “Esporte de rendimento profissional” (39,1%), seguida
de “Esporte de rendimento não-profissional” com 34,9%. O “Esporte educacional”
ficou com 34,4% e o “Esporte e lazer” com 26,1%. Cabe lembrar que os
participantes podiam assinalar mais de uma alternativa.
As informações sobre a dimensão do esporte, segundo os diferentes grupos e com
indicação do esporte praticado atualmente, estão a seguir:
“Esporte de rendimento profissional”, composta por técnicos (4) das
modalidades de Atletismo, Futebol, Taekwondo e Vôlei, e
por“atletas” (5) de Atletismo, Judô e Saltos Ornamentais;
“Esporte de rendimento não-profissional”, representada por técnicos
(5) que atuam em Futebol e Remo, e atletas (3) de Futebol, Tênis e
Vôlei;
“Esporte educacional”, que incluiu técnicos (4) de Atletismo,
Futebol, Handebol e Vôlei, e atletas (3) de Futebol;
36
“Esporte e lazer”, que contou com técnicos (3) de Futebol e Vôlei e
responsáveis por atletas (3) praticantes de Futebol e Ginástica
Artística. Nenhuma atleta indicou essa dimensão.
Os dados apresentados mostram que um mesmo esporte pode ser praticado de várias
formas (dimensões), como ocorreu, por exemplo, com o Vôlei, o Futebol e o
Atletismo. E um mesmo tipo de praticante, seja ele técnico ou atleta, também pode
atuar em mais de uma dimensão; o resultado indica que os técnicos estiveram
presentes em todas as dimensões e que as atletas só não se fizeram representar na
dimensão “Esporte e lazer”. O grupo de responsáveis por atletas, de acordo com o
esperado, não apareceu nas dimensões que envolvem o esporte de rendimento e o
esporte educacional.
•
Nota atribuída à prática do esporte no município e comentários
Quando solicitados a atribuírem uma nota às condições de prática do esporte no
município, os diferentes grupos se posicionaram da seguinte maneira: atletas ficaram
com a menor média (3,7) e notas variando entre zero e 7; para o grupo de
responsáveis por atletas a nota média foi 5 (mínima de 1 e máxima de 10); técnicos
com média de 5,5 (mínima de 1 e máxima de 9) e as não-atletas, com a maior nota
média de todos os grupos (6,4). Nesse último grupo as notas mínimas e máximas
foram 2 e 8, respectivamente. A menor nota atribuída (zero) apareceu no grupo de
atletas e a melhor no grupo de responsáveis por atletas (10). O resultado obtido para
o grupo de técnicos, apesar de um pouco maior, esteve mais próximo da nota média
dos responsáveis por atletas.
•
Comentários e sugestões:
No final da ficha havia um espaço livre para comentários e sugestões inclusive de
perguntas que perceberam como faltantes na ficha. Todos os grupos tiveram pelo
menos um comentário ou sugestão. O dos responsáveis por atletas apresentaram 3, o
das não-atletas 2 e os dois restantes, técnicos e atletas, 1 cada. A seguir, a íntegra das
contribuições para cada um dos grupos:
Responsáveis por atletas: os comentários desse grupo expressam
desejos e preocupações. Há entre eles certa similaridade por tratarem
das condições necessárias para que as atletas prossigam em suas
carreiras, ou seja, falam de investimento, ajuda ou patrocínio. Esse
tipo de preocupação foi muito recorrente no grupo de discussão. É
interessante, que enquanto um atribui esse papel ao governo, o outro
fala de uma ajuda que não tem vindo de nenhum lugar.
Gostaria de saber por que o governo investe tão pouco no esporte?
Gostaria que minha neta seguisse essa carreira. Ficaria muito feliz.
Uma tristeza que tenho é que ninguém quer ajudar os atletas quando são
desconhecidos, por isso existem muitas dificuldades.
Não-atletas: as duas contribuições desse grupo tratam da aspiração
daqueles que não praticam esportes de se tornarem praticantes.
37
Gostariam de conhecer os meios existentes para tal e gostariam
também de informar os esportes que desejam praticar. Embora a
pesquisa tenha focalizado as atletas, essas questões apontam para a
existência de atletas potenciais no grupo de não-atletas.
Quais são os meios para que os jovens possam praticar?
Qual esporte que você gostaria de praticar?
Mesmo sendo pontuais e raras as observações feitas pelos demais grupos, retomam
questões que apareceram de forma relevante na discussão dos grupos, tais como o
papel do governo e a necessidade de investimento nos esportes.
Técnicos: O que o nosso governo pode fazer para o esporte
brasileiro?
Atletas: Para conseguir se desenvolver no esporte é preciso, além de
muito treinamento, disciplina. Muitas vezes necessita de ajuda de
custo, pois às vezes não temos condições. Isso pode desmotivar o
atleta. Precisa de investimento nos esportes.
III.2. As vozes dos técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis
por projetos sociais
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora
Antecedentes
A constituição desse primeiro Grupo Focal foi resultado do trabalho realizado na
primeira fase da pesquisa, que levantou e visitou uma série de instituições
esportivas, clubes, federações e projetos sociais na cidade do Rio de Janeiro. Além
das informações gerais relativas a cada uma das instituições, foram indicados
técnicos, treinadores, professores e responsáveis por projetos sociais, das diferentes
modalidades de esporte olímpico praticados em cada uma delas.
Essa relação de pessoas diretamente envolvidas com o esporte possibilitou não só a
montagem do Grupo Focal, que considerou a diversidade de modalidades e
dimensões do esporte, como foi o embrião que nos permitiu chegar até as atletas e
aos seus responsáveis.
Os técnicos, professores, treinadores, árbitros e responsáveis por projetos sociais são
um elo fundamental da rede que torna a prática do esporte possível, mesmo em
condições muitas vezes adversas. O papel que esse grupo exerce junto aos
responsáveis e às atletas ultrapassa em muito a função técnica de treino e formação
do atleta como poderá ser visto ao longo deste relatório.
A escolha do dia e hora para a realização do Grupo Focal considerou a
disponibilidade desses profissionais, cujas agendas incluem atividades à noite e nos
finais de semana. Alguns não puderam atender ao nosso convite devido a
compromissos já assumidos. Muitos desses compromissos envolviam questões
38
relacionadas aos Jogos Pan-Americanos, principalmente às etapas de seleção de
atletas. Até mesmo alguns daqueles que haviam confirmado presença não puderam
comparecer devido a imprevistos de última hora, em sua maioria vinculados aos
Jogos Pan-Americanos.
Instituições e projetos sociais participantes do GF
Estavam representados no GF as seguintes instituições e programas:
América Futebol Clube
Botafogo de Futebol e Regatas
Central Única das Favelas – CUFA
Clube de Regatas Vasco da Gama
Federação de Handebol
Instituto Esporte Educação
Instituto Viva Vôlei Solidário
Sesc Tijuca
Team Chicago Brasil
A realização do GF
Como este era o primeiro grupo da pesquisa, chegamos ao local uma hora e trinta
minutos antes do horário marcado para o início do trabalho do Grupo. O pessoal do
hotel encarregado do coffee break chegou em seguida para preparar a mesa.
Verificamos a arrumação da sala, especialmente a colocação das cadeiras em
círculo, para acomodar os participantes, o relator, o facilitador e a observadora. A
parte externa do círculo ficou livre, para que a pessoa responsável pela gravação das
falas pudesse chegar a cada participante que desejasse falar.
Iniciamos os testes com o gravador digital, para estabelecer o volume mais
adequado e a distância apropriada para que as falas ficassem claras e audíveis.
Organizamos a Ficha de Perfil Socioeconômico – questionário de
autopreenchimento destinado ao registro do perfil dos participantes do Grupo Focal,
a lista de presença e os crachás; material necessário para a chegada dos
participantes. Os brindes, os certificados de participação e os envelopes que
continham o vale-transporte foram dispostos em local separado, para serem
entregues aos membros do Grupo no final dos trabalhos.
Na recepção do hotel e no hall do elevador do 2º andar foram colocados cartazes
com a identificação do evento e a indicação da sala. Recebemos as pessoas na
própria sala reservada para a discussão, onde também foi servido o lanche. Todos os
membros da equipe de pesquisa estavam portando crachás, para que os convidados
pudessem identificá-los com facilidade.
Pouco antes das 19h, horário previsto para o início da reunião, chegou o primeiro
participante. Ele foi recebido por Júlia, assistente de pesquisa do Noos, e
apresentado aos demais membros da equipe. Júlia era o nome de referência para os
participantes, pois foi responsável por praticamente todos os contatos e
confirmações. Nosso primeiro participante parecia um pouco ansioso, não aceitou o
lanche oferecido e quis apenas água. Recebeu a Ficha de Perfil Socioeconômico e
iniciou seu preenchimento. Os demais participantes foram chegando em seguida e
quase todos ao mesmo tempo. Nos apresentamos às pessoas, lhes demos as boas39
vindas e as convidamos para o lanche. Agora mais descontraídos e em maior
número, os convidados aceitaram a oferta e começaram a se servir. Notamos que
alguns deles já se conheciam. Após o lanche, escolheram seus lugares no círculo,
receberam e preencheram a ficha de Perfil.
O preenchimento das Fichas de Perfil Socioeconômico foi acompanhado pela equipe
de pesquisa, responsável pelo esclarecimento das eventuais dúvidas. Todos os
participantes foram informados sobre o objetivo de se obter um perfil do grupo, do
caráter sigiloso das informações prestadas e da não necessidade de identificação
(nem nome e nem assinatura).
Algumas das pessoas que chegaram não estavam na lista dos que confirmaram
presença; elas vieram acompanhando algum dos convidados. Sua incorporação ao
grupo foi aceita com naturalidade na medida em que se tratavam de assistentes ou
parceiros de trabalho das pessoas selecionadas e, por esse motivo, poderiam
contribuir igualmente com suas experiências.
Todos os participantes (13 pessoas de 6 modalidades esportivas) receberam um
crachá com o nome escrito em letra grande, para que pudesse ser visto de qualquer
lugar do círculo. Essa providência é muito importante para que todos possam se
dirigir aos demais pelo nome, incluindo o facilitador, e para que o relator possa
identificar as falas.
Sabíamos que algumas pessoas só chegariam mais tarde e por isso iniciamos o
Grupo Focal, considerando o nosso propósito de ter tempo suficiente para a
discussão proposta e em respeito àqueles que haviam sido pontuais. Avisamos que o
lanche continuaria na sala e todos poderiam se servir quando assim o desejassem.
Optou-se por iniciar o encontro pelo lanche, já que o horário agendado era no fim do
dia, ao término do horário de trabalho da maioria dos participantes. Também por
essa razão optou-se pela dinâmica inicial de escrever em um papel algo que se
quisesse jogar fora para poder estar inteiramente presente nas atividades do grupo.
Todos acharam a idéia interessante e participaram.
O pós-grupo
Ao final do grupo, autorizadas as fotos e que constasse do relatório da pesquisa uma
lista com os nomes dos participantes do grupo, foram feitas as fotos e o grupo
permaneceu conversando e reunido em torno da mesa do lanche, para mais um
cafezinho. A discussão, difícil de ser finalizada devido ao envolvimento dos
participantes nos temas abordados, prosseguiu entre alguns.
Os participantes que chegaram depois preencheram a Ficha de Perfil e todos
receberam o certificado de participação, o brinde e o vale-transporte. Algumas
pessoas que vieram acompanhando um convidado não puderam receber os
certificados, que haviam sido preparados previamente, com o nome de cada um.
Todos pareceram muito satisfeitos por terem vindo e participado da discussão. O
clima foi de descontração e entusiasmo.
40
Foto 1
Participantes do GF dos técnicos, professores, treinadores, árbitros,
responsáveis por projetos sociais e membros da equipe da pesquisa
Município do Rio de Janeiro
Principais pontos levantados na discussão
O que se pretende aqui é sistematizar as idéias que emergiram das discussões, à luz
das questões a que se pretendia responder. Procurou-se listar todos os aspectos
mencionados, independentemente de sua recorrência ou originalidade.
A rodada inicial de apresentações ensejou falas mais extensas, já que a maior parte
dos participantes aproveitou para colocar um pouco da sua história no esporte, o que
permitiu saber que ali estavam técnicos, professores e árbitros com experiência em
olimpíadas, jogos Pan-Americanos e campeonatos mundiais, além de responsáveis
por projetos sociais de peso que certamente muito tinham a contribuir com a
pesquisa. Os participantes, como já foi mencionado, tinham em média 18,5 anos de
vínculo com o esporte ao qual se dedicam atualmente.
É importante ressaltar também que alguns participantes, logo em sua primeira fala,
ressaltaram dificuldades específicas de sua modalidade esportiva, ofereceram uma
descrição das características dos projetos socais nos quais atuam e, principalmente
levantaram uma questão que viria a se tornar a questão emergente (não prevista no
roteiro) mais polêmica da noite: a oposição percebida entre esportes praticados
exclusivamente com finalidade social e sem compromisso com as regras
regulamentadas internacionalmente para a prática da modalidade e o esporte de
competição, mesmo que com finalidades sociais. Pela dimensão assumida por esta
discussão, ela será alvo de seção específica mais adiante.
41
A motivação das meninas para a prática do esporte: fatores
dificultadores e facilitadores
Como viria a acontecer no grupo dos responsáveis pelas atletas, mesmo que a
proposta inicial de discussão colocada para o grupo fosse a da motivação percebida
para as meninas ingressarem na prática esportiva, as respostas não se restringiram a
essa temática. A todo instante, as dificuldades enfrentadas no cotidiano da vida
esportiva vinham à tona, demonstrando cabalmente, no cômputo geral das falas
deste grupo, uma predominância das dificuldades sobre as outras preocupações e
sobre percepções mais positivas. O debate no grupo fluiu sozinho, ficando as
intervenções da facilitadora restritas a garantir a palavra a todos e a dimensionar o
tempo para que todo o roteiro da entrevista grupal fosse perpassado. Ao final de
mais de duas horas os participantes do grupo não demonstravam qualquer desejo de
encerrá-lo e, depois que o trabalho acabou “por decreto”, a conversa continuou em
pequenos grupos.
Para efeitos analíticos, procura-se aqui “isolar” as respostas no que elas têm a ver
com cada questão, pois a estreita ligação entre os subtemas propiciou que, muitas
vezes, as falas abrangessem mais de um deles.
O primeiro registro a ser feito é que, desde a apresentação, os técnicos preferiram
usar a palavra “recrutamento para o esporte” em vez de “motivação para o esporte”,
indicando uma captação de pessoas para a prática esportiva ao invés do acolhimento
de pessoas que buscam o esporte. Esta observação, junto com o enorme peso dado
aos fatores dificultadores da motivação e permanência das pessoas no esporte, leva a
crer que os técnicos percebem os fatores dificultadores como sendo os responsáveis
pela baixa procura pelo esporte. Dessa forma, as falas sobre motivação dizem
basicamente respeito aos fatores que dificultam esta motivação (muitas vezes para
meninos e meninas) e esses fatores são apresentados a seguir de forma a dar conta
das especificidades de alguns esportes. Tal formato de apresentação foi necessário
porque os técnicos apresentavam uma certa dificuldade de se “afastarem” de sua
própria modalidade esportiva e apresentarem questões mais gerais da prática
esportiva, ainda que tenham conseguido este nível de generalização em alguns
momentos.
•
Dificuldades para a motivação e permanência nos esportes, comuns às
modalidades esportivas individuais ou coletivas:
Dificuldades financeiras e falta de patrocínio. Como será visto ao
longo deste relatório, este é o ponto consensual entre todos os atores
envolvidos com o mundo do esporte ouvidos pela pesquisa. As
dificuldades financeiras mais ressaltadas são para dar suporte do tipo
ajuda de custo para os atletas poderem participar dos treinos e das
competições e para a compra de materiais esportivos adequados. Os
patrocínios seriam muito bem-vindos se permitissem esta base para o
cotidiano da prática esportiva, mas, ao contrário, os patrocinadores
estão mais interessados nos grandes eventos, que permitem maior
visibilidade aos seus produtos ou marcas.
E uma dificuldade que a gente encontra, muito grande, é pelo fato das
dificuldades financeiras mesmo. Tem que ter patrocínio. A gente paga,
praticamente, para poder jogar. E é um grupo bom. É um grupo que no
Rio de Janeiro, em termos de estatística de campeonato, é o segundo
42
melhor do mundo. Então essa motivação que elas têm que vencer é muito
grande.
A parte financeira do clube para o atleta e dos pais para o atleta, isso
influencia muito lá e a dificuldade que nós temos lá é enorme.
Tem muita criança que realmente vai fazer o esporte para se desenvolver,
para ter uma ocupação, para ocupar a cabeça, para ser alguém na vida,
mas tem muita criança que está ali, tem condição de chegar e fica pelo
meio do caminho. Fica pelo meio do caminho pela questão financeira,
pela falta de estrutura e, na verdade, muito disso não depende de nós. Eu
particularmente digo para vocês, eu me considero novo, mas eu estou
cansado, eu estou cansado de bater sempre nas mesmas teclas, eu estou
cansado de encontrar sempre os mesmos problemas, entendeu, muda o
governo, muda o deputado, muda isso, muda aquilo e na verdade as
questões não mudam.
Nós estamos no ano do Pan, o Pan no Rio de Janeiro, hoje nós temos o
Rexona dentro do Rio de Janeiro, que já está aqui há algum tempo, mas
na verdade não temos mais nada de novo (…). O que acontece no esporte
hoje no Rio de Janeiro através da iniciativa privada ou através de algum
clube? Nada, nada, realmente nós não temos nada. E eu realmente não
vejo essa preocupação por parte das pessoas. Eu acho que as pessoas ou
não entendem ou não querem entender que o esporte é um meio
sociabilizador, mas não só sociabilizador, é um meio de desenvolvimento;
desenvolvimento físico, mental e até mesmo profissional. Muitas dessas
crianças que estão aí podem “chegar lá”.
Enfim, a gente fica, na verdade, dependendo de pai-trocinador. A gente
fica dependendo da ação individual de algum político que se interesse ou
de algum apaixonado pelo esporte, que goste daquilo.
Na verdade é isso que acontece, é uma situação até engraçada, eu todo
ano tenho vários amigos lá no projeto onde eu leciono, que são lutadores,
são guerreiros também do esporte, e todo ano eu torço achando que
alguma coisa no Rio de Janeiro vai mudar. Eu sempre penso, eu não
penso no voleibol só não, eu falei: “o Pan no Rio de Janeiro vai ser legal,
empresas vão se interessar em patrocinar”. Na verdade, elas se interessam
pelo evento, elas não se interessam pela modalidade, pelo
desenvolvimento, pela competição, elas querem o evento, elas se
interessam pelo Pan; acabou o Pan, acabou o evento, acabou o interesse
das empresas, são poucas empresas como a Rexona que têm interesse em
desenvolver um trabalho, fazer um trabalho a longo prazo. Elas querem a
marca delas relacionadas a um evento de sucesso como está acontecendo
agora, nada contra, está acontecendo agora na praia de Botafogo, deve ser
superlegal – Air Race Red Bull. Será que a Red Bull não poderia estar
desenvolvendo um trabalho junto ao esporte, um Handebol, um Remo,
enfim, relacionando até mesmo ao slogan Red Bull, os (funcionários) até
estavam brincando, podiam montar um time de voleibol, mostrando um
atacante pegando uma bola lá em cima – Red Bull te dá asas, um atacante
pegando a bola. Nós poderíamos relacionar a uma série de coisas, uma
série de empresas e, na verdade, elas não querem participar. Eu acho que
é pela fama do esporte, pela coisa do desvio, desvio de verba, não sei se
tem alguma coisa relacionada a isso.
43
Necessidade de extensos deslocamentos para treinar porque existem
poucos locais para a prática esportiva. É grande a dificuldade de
deslocamento para as jovens atletas porque os pais não autorizam por
causa da falta de segurança e por causa dos custos, e aí vem a
frustração.
Para você deslocar essas jovens atletinhas para outras localidades,
situações diferenciadas da comunidade que ela vive, é muito difícil,
principalmente no Atletismo, Remo; como ele disse que esse
deslocamento tem que ser feito às vezes atravessando a cidade, é
complexo porque o dispêndio financeiro é grande. E como o esporte em
que eu lido, ele tem sérias dificuldades financeiras, então é complicado
você conseguir adaptar, você conseguir observar o talento e trazê-lo para
um lugar mais adequado para treinabilidade.
As nossas escolas públicas não têm, o garoto hoje só bota um revólver na
cara do professor, então isso é um problema social que influencia o lado
esportivo, a estrutura que hoje lá no sul tem, o Rio não tem porque são
vários pólos de favelas cercando o Rio de Janeiro, não tem segurança,
então isso impede da menina ir lá na Lagoa, porque o único ponto mais
favorável para fazer o Remo é na Lagoa, não tem lá na zona norte, então
isso impede a menina.
Eu acho que a maior dificuldade que nós temos é o deslocamento.
Raramente uma menina vai sair, de 16 anos, de São Gonçalo para ir
treinar na Barra ou vice-versa porque, em primeiro lugar, a família não
vai permitir, a não ser que ela seja “um bicho solto” que o pai e a mãe não
sabe nem onde está indo, o que acontece em alguns casos, mas, se existe
gerenciamento familiar, não vai fazer isso, eu vejo isso por mim, as
crianças que saem de um local para ir treinar em outro levam duas horas
de viagem e acaba que a mãe e o pai não deixam a menina jogar e frustra
o sonho dela, o sonho dela é interrompido.
Falta de perspectiva futura para quem ingressa no esporte: a
expectativa, a visão de futuro, a possibilidade de “chegar lá”, a
existência de um “ponto futuro concreto” são fundamentais para a
motivação. O que importa é o “lá na frente” que no Rio não existe.
Nossa questão motivacional está muito relacionada à questão da
expectativa. Eu estou trabalhando no esporte já há bastante tempo, como
eu conversei com vocês, no alto rendimento. São poucas as crianças que
vão entrar numa escolinha ou num projeto social ou num clube para fazer
o esporte como se fosse fazer um inglês ou como se fosse fazer uma aula
de computação. Na verdade, elas têm a expectativa de aonde elas podem
chegar até porque elas vão fazer aquele esporte porque elas são
apaixonadas pelo esporte. Eu hoje estou no voleibol, eu levo as crianças
para assistir um jogo da Superliga, elas me perguntam: “será que um dia
eu vou chegar lá, será que um dia eu estou dentro da quadra?” Porque
muitos desses atletas que estão dentro da quadra ou dentro do campo
passaram por essas dificuldades para chegarem ali. Então elas se
perguntam se elas vão ter capacidade de passar todos esses obstáculos e
também chegarem lá, chegarem no alto rendimento. Acho que o alto
rendimento é a maior motivação para a criança. A criança (…) vai treinar
buscando a melhora, buscando crescer, buscando o melhor, buscando
querer chegar numa seleção, buscando querer chegar num grupo além,
44
buscando querer estar numa categoria de cima, isso acontece
naturalmente. Às vezes a criança começa num projeto social, daqui a
pouco vem alguém do clube, passa, olha, se interessa e leva. (...) Eu vejo
os professores, eu vejo os técnicos nas categorias de base lutando,
desenvolvendo isso, só que hoje não sei como que é a estatística disso,
mas de 100, de 200, de 300, 1 vai chegar, os outros 299 vão ficar pelo
meio do caminho e desses 299, pelo menos a metade poderia estar lá.
Eu tive uma experiência em participar de competição no sul, lá chegam
equipes a nível infantil com a estrutura de patrocínio da LG. (...) Aí vem o
Rio de Janeiro com a sua estrutura da Federação ou de alguns clubes,
alguns pais de alunos, aí a criança chega lá: “caramba professora, nós não
existimos!” (...) A gente vai falar o quê para motivar aquela criança? Nós
um dia vamos “chegar lá”? Mas você sabe que a verdade não é essa, que
não vamos “chegar lá”. Então fica muito complicada essa parte de
motivação. Para mim, está muito complicado mesmo, tanto é que
atualmente eu trabalho com equipe só masculina, eu não tenho equipe
feminina. Não sei se eu me perdi ou se o processo me engoliu. Eu não
cheguei ainda a essa conclusão.
Há pouco tempo atrás eu recebi um time que veio dos Estados Unidos,
um programa olímpico que veio para cá de meninas até 17 anos. Houve
um caso interessante: eram vários jogos e num deles o time brasileiro fez
um gol. Foi aquela vibração em campo, comemoração, fogos. Aí o time
americano empatou e virou o jogo. Em nenhum dos gols as meninas
americanas comemoraram nenhuma com a outra: fez o gol, deu as costas
e foi embora porque para elas aquilo ali é muito pouco. A motivação para
elas estava fora do campo, que havia um olheiro que estava ali para
observar as meninas para a seleção americana. Ou seja, a menina ia fazer
parte de uma seleção americana sub-17 quando saísse dali. Daquele grupo
ali, trinta e poucas meninas, 5 foram selecionadas para a seleção sub-17
americana. Essa é a motivação delas. Completamente diferente das
nossas, que a motivação é fantasiosa, é através da paixão, do amor,
qualquer outro esporte, acho que é assim também. Então, o que falta aqui
para essas meninas é realmente um ponto futuro concreto. (...) A menina
não tem um ponto futuro porque ela joga hoje, muito bonito, joga,
(ganha) uma medalha, vai num lugar, no outro, ganhou o campeonato tal,
mas ela não tem um futuro concreto. O que é um futuro concreto? Talvez
conseguir uma bolsa universitária, conseguir realmente chegar a ter um
salário, a se profissionalizar, a menina não chega a isso.
Então o que facilita a menina a investir e a querer isso é tentar ter essa
meta lá na frente. Só que ela não pode ter uma meta, ter uma bolsa na
faculdade jogando Futebol de campo porque na realidade no Rio de
Janeiro você não tem uma equipe que tenha Futebol de campo a nível
universitário, você tem o Futsal. Mas campo você não tem, então ela não
vai jogar campo pela universidade nunca, aqui no Rio de Janeiro nunca,
em São Paulo você tem a Unisantana, você tem São Caetano que tem
parceria da prefeitura com uma universidade e com o esporte e que acaba
criando tudo isso e aí volta na questão dos jogos abertos e onde você
acaba criando esse “lá na frente”.
Falta de estrutura e apoio para o esporte no Brasil: neste conjunto
os técnicos apontam: para a falta de infra-estrutura material básica;
para a falta de políticas governamentais no Brasil; para a
45
descontinuidade das poucas políticas públicas existentes quando
ocorrem mudanças de governo; para empecilhos para o esporte
receber patrocínios de qualquer tipo – estes empecilhos podem ser de
ordem burocrática ou pela notícia de que há desvio de verbas e
corrupção nos clubes.
Mas a grande questão é o seguinte, eu vou falar de uma maneira geral, eu
sei que a pesquisa fala do Rio de Janeiro, mas eu vou falar abertamente
para o Brasil: a nossa questão esportiva (…) na minha opinião é muito
deficiente, falta estrutura financeira, falta estrutura governamental que
possibilite as empresas, a iniciativa privada participar do esporte. A
iniciativa privada, de uma maneira geral, ela não acredita no esporte e
com isso prejudica o esporte, o esporte individual, prejudica o esporte
coletivo. Eu trabalhei anos no xxx, (...) eu dava treino no Mourisco
debaixo da piscina, quando chovia, pingava; o esgoto subia; a bola caía na
baía de Guanabara, tinha que ir no Salva-mar, do lado, pegar um barco,
remar para buscar a bola porque a gente não podia perder a bola. Então
são questões estruturais são questões financeiras. A gente não pode ficar
aqui falando bonito e omitindo porque existe um abismo imenso entre
formação, desenvolvimento e realmente chegar lá.
Eu fui em Nova Iguaçu, na época Nova Iguaçu tinha uma política, estava
iniciando uma política voltada ao esporte. Infelizmente trocou o prefeito e
o novo prefeito, por questão política, nosso projeto não tinha nada de
político, nosso projeto era um projeto esportivo, mas aí começa e acaba
aquilo ali, vamos começar uma coisa nova. E nessa de sempre estar
começando uma coisa nova, acaba que você não desenvolve nada, você
está sempre começando algo novo, mas que nunca vai além, tem sempre
uma coisa nova.
O problema é justamente na raiz porque vamos pegar exemplos de fora,
Estados Unidos, eu vivi 7 anos na Itália, eu vejo o Brasil campeão do
Vôlei de Praia, campeão do Vôlei (in door), Futebol, mas a estrutura
básica dele não existe. Os outros países na Europa, para eles ser campeão
mundial ou não, não muda a estrutura esportiva do país: é a escola ligada
ao esporte; o professor tem uma importância muito grande.
Eu acho que um pré-requisito para o esporte estar na mídia é a política
esportiva, voltar esse assunto, (precisamos de) uma política
governamental, começando de cima, governo federal e vim descendo,
essa história do ICMS, isso é papo para boi dormir, mas realmente uma
política governamental que venha pelo Ministério da Educação, que
venha pelo lado social e que tenha uma política que realmente possibilite
que o esporte não seja apenas um momento, mas que seja uma vida para
as crianças, que a criança possa se imaginar tendo uma vida no esporte,
não tendo momentos, porque na verdade, hoje, o esporte brasileiro (…) é
feito de momentos para a grande maioria, poucos têm vida no esporte.
Existência de estereótipos de gênero expressos sob a forma de
preconceito contra a participação feminina em determinadas
modalidades esportivas, inclusive acenando para a masculinização
dos corpos femininos a partir da prática esportiva; de cobranças
diferenciadas para a mulher dentro de casa que gera acúmulo de
atividades etc. Esses aspectos também estão presentes na literatura
sobre gênero e esporte como destaca ADELMAN (2006, p. 448): “A
46
literatura internacional sobre as mulheres e as relações de gênero no
esporte assinalam tanto os avanços como os pontos de conflito
antigos e novos. Por exemplo, os esportes continuam sendo avaliados
em termos de gênero, incluindo tanto os que se tornaram ‘unissex’,
como os que são vistos como potencialmente ‘masculinizantes’ para
as mulheres. Segundo a historiadora norte-americana Mary Jo Festie,
as mulheres atletas sempre tiveram que encarar o preconceito social
de dois tipos: primeiro que suas ‘diferenças físicas as faziam muito
menos competentes para o esporte do que os homens, e, segundo,
que a prática esportiva as masculinizava, tornando-as mulheres
‘anormais’ e/ou lésbicas. Portanto, ela argumenta, mulheres atletas
profissionais são quase obrigadas a adotar uma postura apologética,
tomando o cuidado necessário de mostrar para o público que sua
prática no esporte não compromete sua feminilidade.”
A mulher dentro do esporte (…) sofre muito por causa disso. Primeiro
porque ela passa a ser considerada masculinizada porque está praticando
esporte, porque a parte de aparência dela modifica, isso é normal. Acho
que só tem uma modalidade que não acontece tanto isso que é o voleibol,
que ela é considerada ainda uma atleta feminina, tanto é que os meninos
têm o maior preconceito de jogar voleibol porque dizem que é isso é coisa
de mulherzinha. Aí você modifica isso.
Por você ser menina, você também tem outras responsabilidades, outros
compromissos. Não adianta você dizer que você só vai para a escola e que
você vai treinar, você tem outros compromissos dentro de casa porque
existe a questão da cobrança, não que por você jogar bola, vai deixar
fazer. Não é isso, mas há uma cobrança maior de dentro de casa porque
quando dentro de casa você encontra obstáculo muito grande, uma certa
rejeição pelo fato da menina querer jogar bola, aí são duas barreiras que
você vai ter que ultrapassar. Ou três.
Necessidade de ganhar dinheiro: este aspecto, como já foi
mencionado, também foi levantado pelas atletas que, ao entrar na
idade adulta, sentem-se na obrigação de abandonar o seu sonho
esportivo e optar por atividades rentáveis que tirem o peso do seu
sustento do âmbito da família e lhes garanta autonomia e
independência.
Mas ai quando elas embargarem com todas essas dificuldades: financeira,
a questão da cobrança dentro de casa quando não existe um apoio, a
questão daquelas que já terminaram o ensino médio, a questão de que
você tem que trabalhar, jogar bola não está te dando dinheiro, não está te
dando nada, isso chega num determinado ponto que começa a desmotiválas. O que a gente ainda consegue segurar é pelo fato do laço muito
grande que nós criamos. Então (se) uma está tentando desanimar a outra
vai puxa pelo braço: “vamos embora, vamos seguir em frente que a gente
vai chegar aonde a gente quer”. Mas as cobranças têm sido muito
grandes, dentro de casa principalmente, e internamente a pessoa fica se
cobrando quando não alcança aquilo que quer de imediato, ela fica se
cobrando, e muitas vezes começam a pensar: “por aqui não vai dar certo,
acho melhor eu largar aquilo que de repente seria o meu maior sonho para
ajudar dentro da minha casa, pela situação que eu vivo e por uma série de
coisas”. Então eu digo assim, por exemplo, dentro do grupo que eu
47
trabalho, eu tenho um pouco desses dois lados, o lado que te motiva.
Porque “eu tenho o lá na frente”, sabe que pode chegar porque tem
condições, mas para isso tem que trabalhar em busca desse conhecimento,
mas o lado também da cobrança dentro de casa, a cobrança pessoal e a
dificuldade financeira que existe para se dar seqüência a esse trabalho tem
sido fatores, são muitos obstáculos que têm que ser enfrentados e é onde
eu não sei até onde vai se conseguir enfrentá-los.
Falta de competições em ano de Pan: outro ponto levantado pelas
atletas que já se ressentem habitualmente de falta de torneios e
competições (como é o caso do Futebol feminino e do Handebol) e
que viram a situação se agravar com a proximidade do Pan.
Pegar um grupo que já vem do ano passado perdendo por falta de material
e que esse ano, em vista do Pan, a gente está sem competição. (...) Então
você trabalhar o aspecto psicológico do garoto que quer competir, do
atleta mais velho que está correndo atrás, está motivado porque tem um
Pan, e ao mesmo tempo está muito distante da regata, você fica naquele
balanço ali.
Migração para o exterior: acaba sendo a saída para atletas com o
mínimo de reconhecimento e condições pessoais, já que não
encontram oportunidades no esporte do país. Foi citado o exemplo da
Natália, duas vezes campeã mundial de Taekwondo e que trabalha no
Brasil com um salário na faixa de 2 a 3 salários mínimos (na
avaliação do técnico de Taekwondo que participou do grupo) e o da
Marta, melhor jogadora de Futebol feminino no mundo em 2006, que
teve que migrar para poder viver do esporte que pratica.
Hoje no voleibol é uma realidade, nós temos mais atletas jogando fora do
país do que dentro do país, isso é um absurdo. Eu sou do voleibol e (...)
estou aqui solidário com a Federação Brasileira de Voleibol, (...)
constatando que é um absurdo: não tem clube para todos os nossos
atletas. O nosso campeonato nacional hoje, que é a Superliga, é um dos
maiores campeonatos do mundo, conhecido mundialmente, todo mundo
quer ver a Superliga, temos agora uma final, sábado, aqui no Rio de
Janeiro, com certeza Caio Martins vai estar entupido, devem ter 10 mil
pessoas dentro daquele ginásio, o mundo inteiro está voltado para aquele
ginásio, mas ninguém está sabendo da nossa realidade em que a maioria
dos nossos atletas está jogando. Tem ex-atletas meus que se
naturalizaram, estão na Argentina, estão na Itália, estão não sei aonde,
estão aí porque aqui realmente não tem espaço para eles; eles tiveram
condições de sair. E os que não têm fazem o quê? Ficam com a
frustração. Essa expectativa acaba virando uma frustração e eles vão
ficando, você vai encontrar eles no meio da rua aí, trabalhando em
alguma coisa, já cansei de encontrar.
Diferenças segundo a classe social: além dos estereótipos de gênero,
diferenças de interesse são percebidas segundo o pertencimento a
diferentes classes sociais35. Se já era notória a desigualdade de
35
“Convivem no Brasil elementos compatíveis com economias bastante avançadas e uma persistente
desigualdade social com pelo menos quatro cortes bem claros (...): o de gênero, o de renda, o regional
48
recursos e oportunidades que são investidos nas atletas por suas
famílias segundo suas possibilidades, os técnicos também estão
chamando a atenção para o fato de ser maior a motivação das
meninas advindas das camadas mais carentes da população, para
quem o esporte pode vir a constituir-se em via de ascensão social.
Acresce ainda o fato de que a interseccionalidade de raça e gênero
agrava ainda mais as dificuldades a serem enfrentadas36. No grupo de
atletas do Rio, 36% delas se autodeclararam negras ou pardas. Na
percepção de uma técnica, até mesmo o estereótipo de gênero é mais
dirigido às atletas oriundas das classes sociais menos favorecidas.
Esporte é considerado uma modalidade de elite, vocês não acham? Quem
não tiver a condição de ir para o clube ou ter uma escola que tenha uma
estrutura, não consegue se desenvolver dentro do esporte.
A nossa clientela é de baixo poder aquisitivo, é difícil você encontrar em
qualquer esporte, até entre o riquinho “voleibol”, atualmente, garotas
bastante favorecidas. Inclusive as meninas que estão chegando no
voleibol hoje em dia são até as menos favorecidas porque eles estão
vendo isso como motivação para ganhar dinheiro e o que tem menos
brecha para isso é a Natação. O pessoal de nível médio para cima, a
menina de nível médio para cima, ela não tem muito interesse de praticar
esporte, o nível de interesse dela é baixo.
(...) Voltando ao Rio, existe essa dificuldade regional, uma coisa mais
importante em relação à mulher, pode ser no Handebol, no Futebol, a
maioria é de cor.
Aí você entra na faixa social. Vai depender em que faixa social ela (a
atleta) está inclusa, se é na categoria pobre, ela é considerada
masculinizada porque eu sofro isso com as minhas atletas dentro do meu
município. No Futsal feminino então, é muito complicado.
Falta de uma política de bolsas de estudo universitárias: a
necessidade de desenvolver um esporte universitário forte, com suas
instâncias representativas e tudo o mais, foi muito enfatizada nesse
grupo. A tecla da importância da concessão da bolsa universitária
como porta de entrada para os atletas ao ensino superior e como
embrião deste nicho esportivo foi muito batida e constituiu-se em
uma das principais sugestões para melhorar as condições da prática
esportiva no município.
Faço uma comparação a países evoluídos, que é o caso, que o número um
no Futebol hoje no mundo, muito embora o Futebol para eles não seja de
ponta, está ali em terceiro, quarto lugar, mas é o país que tem o maior
número de praticantes de Futebol no mundo hoje que é os Estados
Unidos, só de meninas têm mais de 8 milhões de meninas registradas e
qual é a motivação que eles têm? É conseguir uma bolsa universitária, é
conseguir chegar a uma seleção olímpica, principalmente a bolsa
e o de raça (...). Tal situação de desigualdade continua a manter grande parte da população em
situação de pobreza e exclusão.” (TEIXEIRA, 2002, p.138)
36
Ver, por exemplo, os trabalhos de Lélia Gonzalez, de Kimberle Crenshaw, do IBGE, do DIEESE,
do IPEA, do INSPIR, entre outros.
49
universitária, isso aqui também inexiste. Uma menina joga Futebol, seja
no nosso time, seja no Botafogo que ela (ganha) mais, seja no América,
qual é o ponto futuro dela, levantar um troféu, ganhar uma medalha,
chegar à seleção? Isso é muito pouco.
Treinamento é duro: este dado, apontado como desmotivador e aqui
referido a partir do esporte individual, mostrou-se, na pesquisa,
comum a todas as modalidades esportivas. Tanto as atletas como
seus responsáveis e até mesmo as não-atletas falaram de uma vida
sacrificada e com pouco tempo para as amizades e o lazer.
Hoje em dia, inclusive para o esporte individual Atletismo, esse
recrutamento que ele falou lá, da dificuldade dele também no Remo, que
é individual, ela é muito difícil esse recrutamento porque esse
recrutamento é feito sempre com fins específicos de treinamento de
qualidade e esse treinamento, às vezes, vamos dizer assim, ele, não vou
dizer que ele flagela, mas ele agride um pouco a essa jovem. Então, essa
motivação tem caído muito porque a garotada, hoje em dia, me parece
não tem mais aquela, vamos dizer assim, aquela fome, aquela vontade de
conseguir, mesmo com um estímulo de viagem, de um patrocínio às vezes
muito baixo, a gente tem dificuldade.
•
Especificidades das dificuldades da motivação no caso dos esportes individuais
em geral ou de algumas modalidades em particular:
Ausência de bola e da brincadeira conjunta: o fato de tanto a derrota
como a vitória serem individuais e não divididas com a equipe e de o
resultado ser, em si mesmo, uma motivação foram aspectos
destacados como desmotivadores especificamente nos esportes
individuais.
Quando eu trabalhava em escola municipal e estadual, o recrutamento, a
motivação para o esporte individual, Atletismo, esta relação de motivação
era baixa porque eles gostam da bola, da motivação da equipe, do jogo, da
parte lúdica, mas ali o Atletismo, mesmo a gente tentando esse tipo de
motivação, como o esporte é individual e a gente tem que trabalhar de
uma maneira bastante específica com a qualidade para buscar um
resultadinho também, porque o resultado também é um fator
motivacional. Quando você perde, você não tem motivação para
prosseguir, às vezes. Ali você é o primeiro ou o primeiro e aquele
primeiro do esporte individual é diferente do que ser o primeiro ou o
segundo do esporte coletivo. Você não divide nada, você perde, então
você tem até essas conotações psicológicas.
Medo de competir com os mais velhos: este problema, aqui referido
especificamente ao Remo, é um problema comum aos esportes
individuais e chegou a ser referido mesmo no caso do Futebol por
uma atleta e por uma não-atleta.
Então eu trabalho pegando aqueles garotos, que a escolinha começa aos
10 anos no Remo, 10, 11, 12 em diante, para você motivar esse garoto,
motivar essa menina para ela ser uma atleta é difícil porque tem tempo.
Aí já fica a dificuldade dela em acordar cedo, escola, o pai que não quer
deixar ela sair, o garoto também. A motivação do garoto se ele vai ser ou
não vai ser o primeiro, também temos esse problema. Tem um garoto lá
50
com 13 anos, aí (...) o técnico fala que ele vai correr contra um garoto de
14, ele começa a ficar inibido, começa a chorar, ele não quer correr
porque é mais velho. Até você motivar esse garoto para dizer que ele tem
condições, que ele é melhor que o de 14 anos, isso leva um tempo, aí já
leva ao fator psicológico do pai, da mãe, o treinador que sai deixando a
outra turma para encontrar ele, aí o que acontece? Ele vai e é o melhor,
mas até trabalhar esse fator psicológico dele, é um trabalho que é
desgastante, meu, dele, para o professor dele que está lá, do outro técnico,
a mãe que fica correndo atrás da gente.
No caso do Remo: horário cedo do treino, o que agrava o medo do
deslocamento e torna o treino incompatível com saídas noturnas,
namoro e “noitadas” na Internet.
Eu tenho a dificuldade da motivação porque o nosso horário (…) é muito
carregado. Por exemplo, o treino nosso começa as 5h30 da manhã, então
se teve uma menina que mora depois do túnel, a mãe já fica preocupada,
como eu tenho esse problema lá, ele tem. Aí nós trabalhamos na escolinha
também.
O mulherio está receoso em sair de madrugada de casa para chegar no
Remo, aí a gente já trabalha, fica ali na dificuldade.
O horário que a gente tem para trabalhar é um horário muito cedo e hoje
em dia essa meninada, elas querem sair, querem se divertir, sair à noite, e
para chegar no treino no dia seguinte de manhã cedo fica um pouco
complicado. E a Internet também, querem ficar na Internet, querem
namorar. Então fica muito difícil a gente trazer essa meninada para o
Remo.
Problemas estéticos aqui avaliados a partir da ótica do Remo, mas
muitas vezes citados em outros momentos da pesquisa sob a ótica
das lutas e de algumas modalidades do Atletismo, pois diz respeito a
alterações no corpo da menina, provocadas pela prática esportiva e
que tornariam este corpo senão masculino, menos feminino.
E tem também uma mística, um problema muito sério que o Remo tem
porque as pessoas fazem uma imagem de que remador vai ficar com a
estética feia, vai ficar com o ombro largo, as costas grandes, fica
complicado a gente mudar essa idéia, que na verdade não vai ficar assim,
geralmente as meninas ficam com uma postura melhor por fortalecer a
musculatura das costas. Então é um pouco complicado, mais por parte da
estética também.
Forte preconceito contra as meninas na luta
A luta (...) já é reprimida dentro de casa, então a menina, a criança que
quer entrar: “ela, a minha filha, não vai fazer Taekwondo porque é luta, é
coisa de homem”. Mas a mulher hoje, ela tem uma fama muito grande
dentro do Taekwondo: a gente teve uma campeã do mundo em 2005, a
Natália, ela foi bicampeã o ano passado, mas a gente vê pelas dificuldades
dela porque falta incentivo.
51
•
Especificidades das dificuldades da motivação no caso dos esportes coletivos:
O caso do Handebol: o Handebol é considerado um esporte escolar,
o “primo pobre”: vem praticá-lo quem “não dá para outros esportes”
mas, mesmo que se empolgue e cresça no esporte, as possibilidades
de praticá-lo acabam aos 17 anos: Handebol não tem espelho,
Handebol não tem mídia, Handebol não tem circuito universitário
nem clubes.
Há alguns anos atrás, eu trabalhava com iniciação ao Handebol e
especificamente com as meninas. Só que, de alguns anos para cá, essa
motivação caí em relação à parte social e à parte financeira, e o Handebol
atualmente, atualmente não, desde o início, ele é considerado esporte
escolar dentro do Brasil. Nós somos os primos pobres do Futebol, do
voleibol, o Handebol (…) fica perdido e essa opção e o que acontece? O
pessoal que não dá para Futsal vem para onde? Para o Handebol, a nossa
motivação é essa. E com as meninas tem uma motivação um pouco
diferente, que é a paixão pessoal; viu alguém jogar ou tem alguém da
família que joga e essa paixão de alguém da família leva a menina para o
Handebol, só que quando ela chega na faixa etária de 17, que ela termina
o ensino médio, ela fica perdida porque se ela não está em alguma
universidade que tenha essa modalidade, ela não tem mais o Handebol,
não existe clube no Rio de Janeiro que tenha Handebol. Existem sim
escolinhas, igual acontece com o Fluminense, que (…) têm um trabalho
(...) só até a faixa juvenil, nem júnior nem adulto eles estão mais
trabalhando.
A despeito de tantos fatores dificultadores apontados e das experiências
diferenciadas dos participantes do grupo segundo a modalidade do esporte a que se
dedicam – individual ou coletivo – e a dimensão do esporte na qual atuam –
rendimento ou inclusão social –, chegou-se a dois pontos consensuais sobre a
motivação inicial e para a continuidade das mulheres no esporte: a paixão delas pelo
esporte e a sua perseverança. Segundo os técnicos, são esses os trunfos de que
dispõem para superar as más condições que restringem a sua participação.
E com as meninas tem uma motivação um pouco diferente, que é a paixão
pessoal!
Eu acho que a motivação que a menina tem de praticar um esporte, no
caso eu falo é o Futebol porque é com o que eu trabalho, mas qualquer
esporte, é a paixão, o amor em praticar o esporte seja ele qual for.
Realmente quando você falou (em fatores facilitadores), a primeira coisa
que veio na minha cabeça é que não existe nenhuma, absolutamente
nenhuma. Mas existe uma, que, na verdade, é a paixão que a menina tem
em praticar o esporte, que é um amor que faz vender os seus pertences
para obter poder de compra, alguma coisa, de pagar uma taxa de
inscrição, como tem muitos até treinadores no Futebol, no caso do
feminino tem muito disso, eu já vi muito por aí, o cara tirar do próprio
bolso sem nem ter muito para fazer isso.
Benefício eu acho que é a perseverança das meninas. Eu creio pelo amor,
então elas perseveram, tentam sempre, e não desistem, porque o time que
eu tinha, que eu comecei lá atrás até hoje elas estão com 19 anos, eu
comecei com elas com 12 anos. Elas têm a vida delas universitária, não
52
ligada à atividade física, mas toda a vez que tem uma competição, que eu
entro em contato com elas, elas estão abertas a vir comigo, a competir,
então eu acho que a paixão carrega as meninas porque fora isso elas não
têm outro estímulo nem outra opção. Então, basicamente é isso, a paixão,
fora isso, a estrutura, a motivação, não tem possibilidade.
Se esses foram os fatores apontados de forma recorrente como sendo os que
atuam positivamente na motivação inicial e na permanência nos esportes em
geral, alguns outros também foram mencionados, porém de maneira mais
isolada:
• O vínculo que se estabelece entre as participantes de uma mesma
equipe em um esporte coletivo. A amizade, reforçada pela proximidade
de suas moradias e do local onde praticam o esporte facilitam a
superação das dificuldades e motivam para a continuidade. A experiência
relatada foi do Futebol.
Falando de motivação, com meninas dentro dessa faixa etária, dos 13 aos
18 anos, a minha equipe, por exemplo, a equipe que a gente tem de
Futebol feminino, a gente tem um grande número de meninas nessa idade,
algumas têm até um pouco mais. Existe a motivação muito grande no
sentido de que pelo fato de muitas delas morarem perto, o grupo mais
novo que a gente tem é um grupo que mora na Cidade de Deus, então é
um grupo que já se conhece, já existe a questão da amizade, existe a
questão do gostar do esporte. (...) se você tem um grupo de ficar junto, já
tem aquela ligação de amizade, já tem aquele vínculo, fica mais fácil de
dar um empurrão na outra para seguir em frente. Caso contrário fica
muito difícil.
• “Fase de redução” dos estereótipos de gênero: esta se tornou uma
discussão interessante no grupo, pois havia grande concordância com
relação à existência de preconceito contra as mulheres no esporte e isto
foi apontado como relevante fator dificultador. Contudo, algumas vozes
levantaram-se para afirmar que este preconceito está “em fase de
redução” e uma voz para dizer que ele já não existe, gerando protesto e a
ponderação de que o nível de preconceito varia de acordo com a classe
social, sendo mais acentuado nas classes menos favorecidas, como já foi
mencionado anteriormente.
A facilidade que as meninas têm sobre os rapazes, eu acho que hoje em
dia não há nenhuma. Eu acho que a gente pode comparar as facilidades
das meninas hoje com as meninas antigamente. No começo falou-se que
as meninas têm a responsabilidade de cuidar de casa, hoje em dia está
deixando de ser isso, as meninas estão mais independentes, a criação
delas está mais parecida com a dos meninos. E, fora isso, acho que não
tem mais nenhuma facilidade para as meninas.
Elas conseguiram pegar uma fase, digamos assim, que existe o
preconceito ainda, ainda existe, não adianta dizer que não porque existe,
mas pelo menos se você passa no meio da rua com um tênis de Futsal,
não vão te chamar de menino, no sentido de que Futebol é só para
homem, já começam a olhar as coisas de outro jeito, por títulos
conquistados, pelo fato da Marta ter sido a melhor do mundo, tudo isso,
claro, dá uma visão maior e isso cria uma motivação nelas.
53
(Referindo-se ao preconceito expresso pela masculinização dos corpos):
Hoje em dia acho que não tem mais isso, porque as mulheres vão para a
academia para ficar bem bonitas, bem saradas, que no caso é esporte. (...)
Eu acho que já mudou bastante. (...) Os homens, os atletas ficam loucos
por elas, doidos, e eu não vejo isso por isso que eu estou te falando.
• Juventude para alcançar os objetivos: esta facilidade, apontada
isoladamente por uma técnica, fala da idéia de as atletas, sendo ainda
muito jovens, sentirem-se com todo o tempo do mundo para alcançarem
seus ideais esportivos, mas parece ser bastante relativizada quando
inserida no contexto da prática esportiva no município do Rio de Janeiro.
“Como eu sou nova, eu posso chegar lá ainda. Eu sei que eu posso chegar
lá!” E vão aquelas notícias que chegam correndo: no Brasil, a nível de
seleção, eu tenho sub-20, eu tenho um adulto. Mas esse ano ainda, mais
para o final desse ano e mais possível para o ano que vem, eu tenho o
sub-17, sub-15. Então “eu sou nova, eu tenho possibilidade de estar lá”.
Então isso cria uma motivação dentro dela de estar treinando.
•
Identificação do brasileiro como portador de habilidades especiais
É um absurdo que um país como o Brasil, com o nosso tamanho, com a
quantidade de tudo que nós temos aqui, nós não conseguimos aproveitar o
que nós temos de melhor: a nossa mão de obra, a nossa juventude, o
nosso talento; o brasileiro (…) é marcado pela habilidade individual, em
todos os esportes, nós somos conhecidos no mundo pelas nossas
habilidades individuais.
• Existência de algumas políticas públicas nas prefeituras de estados
do Sul e em São Paulo
De política pública, eu vejo essa situação que tem difundido o entre aspas,
esporte amador, mais no Sudeste, mais encostado no Sul e no próprio Sul
numa política pública que eles chamam de Jogos Abertos do Interior. lá
em Santa Catarina, Paraná e São Paulo essa situação é mais difundida e
por ser mais difundido (…) estimula um pouco a ter mais equipes no
interior, coisa que aqui no Rio de Janeiro nós não temos. Eu tenho jovens,
mas não é difundido, não tem uma política pública para isso. Então lá,
entram com um componente político forte nessa situação que as
prefeituras já querem participar e para serem campeões. Então, eles,
inclusive, patrocinam atletas para participarem dessas competições.
Agora, isso daí, ajuda, mas não é, vamos dizer assim, o determinante para
que você possa se desenvolver mais, mas existe por causa disso, tem mais
equipes por causa disso também.
• Clube dar uniforme e assistência médica e odontológica: este fator
facilitador, apontado por uma única técnica, gerou muita discordância no
grupo, já que todos os demais participantes tinham experiência diferente
com o assunto.
O clube tem de tudo sim, clube te dá camisa, te dá tudo o que você tem
direito da parte médica, da parte dentária. O Rio de Janeiro é privilegiado
em ganhar o uniforme porque que conheço a maioria do Sul que paga o
54
uniforme, os atletas para terem aquele uniforme, eles pagam para poder
ter. Aqui eles ganham, pelo menos isso, mas não tem essa parte, não tem
uma sapatilha adequada, correm às vezes descalços. O carro-chefe é o
Futebol, não podemos fazer nada.
A questão do uniforme que o clube dá, o clube não dá, isso é uma
dificuldade que a gente vive. (...) eu estou com as minhas meninas que o
uniforme aqui, está solto, aqui assim rasgou, as meninas mesmas que
costuram, é uma realidade diferente que você vive, apesar de você
considerar o Futebol profissional, aqui eu te digo que é amador porque
não existe a valorização que deveria se ter. Eu falo isso não só a nível de
Futebol, eu falo isso a nível de Futsal, eu falo isso a nível de Handebol e
de outras modalidades talvez a gente não conheça tanto, mas a gente
sempre procura saber um pouco.
• Registro na federação das jogadoras de Futebol feminino: este fato
foi apontado por uma técnica que lembra que, graças a ele, será possível
o clube ter alguma participação financeira da eventual venda de uma de
suas atletas do Futebol feminino.
Em relação à questão do retorno, hoje as meninas a nível do Futebol
feminino do estadual, elas estão sendo registradas na federação de uma
maneira direta para, pelo menos, se ter algum retorno mínimo, mas algum
retorno, caso elas venham a ser transferidas, como é o caso de algumas
atletas, que já aconteceu, só que a gente não ganhou nada com isso
porque a gente não tinha uma prova, digamos assim, de que ela era nossa
atleta.
Finalmente, no debate sobre possíveis facilidades para as meninas praticarem
esporte no município do Rio de Janeiro, dois participantes do grupo foram enfáticos
ao afirmar que não há facilidade por causa da questão socioestrutural:
Eu acho que a facilidade feminina no esporte hoje aqui no Rio é mínima,
não existe essa facilidade devido à questão socioestrutural. O que seria
essa questão socioestrutural? Questão da vida do dia-a-dia, da rua, da
questão da violência, da distância, do meio de locomoção, das
dificuldades e a questão estrutural, a questão do esporte carioca que
sempre foi celeiro em tudo: no Futebol, no Handebol, no Atletismo, nós
sempre fomos celeiro, no Basquetebol, no voleibol; inclusive no voleibol
tem brincadeira que sempre que o Brasil é campeão tem um jogador do
Rio de Janeiro, se ele não for campeão, não tem jogador do Rio, a gente
brinca assim. Mas, realmente a questão do esporte no Rio hoje, na minha
opinião é caótica estruturalmente, isso ainda também dificulta a presença
das meninas devido às dificuldades, o dia-a-dia junto com a estrutura.
A facilidade que as meninas têm sobre os rapazes, eu acho que hoje em
dia não há nenhuma.
A importância da Mídia
O papel da mídia na construção das possibilidades de melhores condições para a
prática esportiva em geral foi um tema que emergiu de maneira recorrente no grupo
dos técnicos, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais.
55
A importância da mídia foi ressaltada tanto no sentido de que ela pode dar
visibilidade a determinados esportes e isto funcionar como chamariz para a sua
prática, como também ela pode dar visibilidade à participação feminina nos esportes
e, com isso, facilitar a aceitação cultural desta participação. Assim, é importante
estar na mídia para abrir espaços e obter patrocínio. Contudo, chamou-se muito a
atenção para o fato de que, no Brasil, há hegemonia total do Futebol masculino na
mídia, o que restringe as possibilidades tanto dos demais esportes como das
mulheres nos esportes. Somente uma técnica percebe como positiva e inclusiva para
as mulheres a superexposição do Futebol masculino na mídia.
A mídia também alimenta o sonho de fama de algumas atletas acenando com ídolos
que venceram as dificuldades, “chegaram lá” e levam uma vida de sucesso e prazer.
Essa questão da mídia, eu acho que falta muito. Você abre o jornal, você
vê da página 1 até a página 10 fala do Futebol. Você tem um pedacinho
que fala do Boxe, você tem um pedacinho que fala do Softbol, um que
fala do Taekwondo, um pedacinho que vai falar do Remo, do Atletismo,
do Futsal, mas você não vê falar no necessariamente feminino, da questão
da mulher no esporte de uma maneira geral. Eu lembro que recentemente
eu estava lendo um livro que falava justamente isso, da beleza feminina
no esporte, o nome de grandes atletas como Maria Lenk, que faleceu
agora, foi um grande (nome) no esporte da Natação, mas apesar de tudo
que ela fez na história, só voltou a se falar nela agora que ela veio a
falecer. Então assim, eu acho que a mídia (…) busca aquilo dentro de
determinadas situações e aqui no Rio de Janeiro, a nível do feminino, eu
não vejo tanto como eu vejo na realidade até em São Paulo, no caso do
Futebol feminino e até do Futsal, e principalmente no sul do Brasil, que a
nível de estrutura você tem como se fosse de primeiro mundo, então isso
é uma dificuldade.
Essa questão da mídia, porque se você hoje passa uma matéria na
televisão falando do Badminton, no dia seguinte tem um monte de gente
procurando onde é que tem uma escolinha para poder fazer. Se você tem
num jornal, que seja uma página falando do Futebol feminino, falando do
Remo, falando do Vôlei, falando do Futsal, falando do Handebol, você no
dia seguinte vai ter pessoas procurando algo sobre aquilo. Agora, existe
essa procura, você liga o jornal, fala são 30 minutos de reportagem, 29
minutos está falando do Futebol profissional, você acaba não estimulando
aquelas pessoas à prática de descobrir algo novo ou ter a ousadia,
digamos assim, de ir em busca do que tanto se quer.
Há alguns esportes que há maior facilidade de incluir as meninas como o
Futebol por já ter o Futebol masculino na mídia, vai chamar as meninas
para praticar esse esporte, mas outros esportes amadores não – como é o
Remo, como é o Atletismo, que são esportes que não estão na mídia; o
Basquete está na mídia mais ou menos, o Vôlei está mais na mídia na
parte feminina do que na masculina, pelo menos a meu ver, então as
pessoas são mais ou menos influenciáveis pelos esportes que estão sendo
mais focados pelas empresas, pela Globo.
Falta profissionalismo, as pessoas abrirem os olhos, uma lei de incentivo
que funcione, uma coisa que falta, como é que uma empresa vai bancar
um atleta se ela não tem um retorno? Você liga a televisão, o Globo
Esporte, você vê 30 minutos, 29,9 de Futebol e uma vez por semana, vai
56
se falar ali do Judô porque o Flávio Canto ganhou, Handebol é difícil,
nunca escutei Handebol no Globo Esporte praticamente.
Então com o Handebol fica muito complicado mesmo, e a falta de
estrutura, falta de estrutura física e mídia. A mídia é que leva a
modalidade atualmente. Você não tem mídia, você não tem divulgação,
não tem nada. Para a gente fica complicadíssimo.
(Falando da motivação para as meninas): (depois da paixão) em segundo
lugar, é o sonho de se tornar realmente uma jogadora dessa (modalidade),
por fruto da mídia, dela ficar famosa ou então por ficar rica, porque na
verdade, isso existe na nossa realidade.
A importância do “espelho”
Com alguma interseção com o tema anterior – o da importância da mídia – esse foi
um outro tema emergente neste grupo, mas que em vários outros momentos do
trabalho de campo voltou a aparecer inclusive fazendo referência aos esportes que,
por não terem tradição no país em sua versão feminina, não tem esses modelos a
oferecer e o quanto isto faz diferença psicologicamente para as atletas que o
praticam.
Como será referido na seção deste relatório que trata do grupo das atletas do Rio,
parece ser de grande valia para as atletas ter alguém em quem se “espelhar”: uma
outra atleta que lhe sirva de modelo por ter obtido um êxito aspirado por ela. Os
participantes do grupo dos técnicos reafirmaram a importância para as atletas do
“espelho” nos êxitos do Futebol, agora personificado na figura da Marta, do
“espelho” no sucesso em um mundo que se apresenta com tantas dificuldades para
alcançá-lo e do “espelho” nos jogadores homens bem-sucedidos e valorizados pela
mídia.
Então nós nos perdemos porque não tem um espelho, o Handebol não tem
espelho, a nível nacional não tem espelho. Temos ótimos resultados a
nível pan-americano com feminino, mas ninguém sabe, ninguém
acompanha, ninguém transmite, então fica uma coisa muito complicada
você motivar. Se não tiver aquela paixão pessoal da criança, que a gente
conquista ela lá na 5ª série, com 10 anos você conquista a menina, mas
daquelas meninas que você conquista, você consegue levar 3 ou 4 até a
faixa de 17 anos.
Futebol é o DNA. A menina vê, quer se tornar um Ronaldinho Gaúcho,
quer se tornar um Ronaldo, um Romário, mas tem aquele amor por jogar
o Futebol.
57
Contraposição do esporte como construção da cidadania ao esporte
competitivo
Na montagem de todos os grupos houve a intenção de que neles estivessem
representadas todas as dimensões da prática do esporte – rendimento (profissional e
amador), esporte e lazer e educacional – e assim aconteceu. Contudo, no grupo do
Rio de Janeiro que reuniu técnicos, professores, treinadores, árbitros e responsáveis
por projetos sociais que utilizam o esporte como via de inclusão social, em dado
momento, houve uma polarização entre estes e os demais.
Acredita-se que isso ocorreu por haver representação de um projeto social de
natureza diferente. Explicando melhor: os projetos sociais esportivos, embora
preocupados em transmitir valores que facilitem o exercício da cidadania,
usualmente atuam no sentido de dar oportunidades de prática das diversas
modalidades de esporte a pessoas que não teriam condições de praticar esporte de
outra maneira. Contudo, sua perspectiva é a de treinar para a excelência no esporte
mesmo que as condições de que disponham para tal não lhes dê qualquer garantia de
que os participantes do projeto poderão “chegar lá” em função das mil e uma
dificuldades discutidas ao longo deste relatório. Assim, as regras que vigem para a
prática da modalidade esportiva que cada projeto foca não são diferentes das
exigidas nacional e internacionalmente para a prática dessa modalidade. Esta,
porém, não é a proposta do projeto do Basquete de Rua:
A gente mudou um pouco a visão do Basquete, nós fazemos o Basquete
de rua, agora, o Basquete de rua não é simplesmente o Basquete, existem
algumas variantes que é o DJ, é o grafiteiro, é o skatista, então tudo isso
leva o público a freqüentar o nosso ambiente porque ele não vai pelo
Basquete, ele vai ouvir uma música porque durante a competição existem
as músicas, tem as (garotas) que dançam, então dá oportunidade para todo
mundo, então isso acaba fechando um grupo que está crescendo. Agora, a
maior dificuldade que entra no que vocês estão querendo, é sempre o
feminino. Hoje, a gente conseguiu com a prefeitura, aqui embaixo no
viaduto, um espaço, então ali é cercado, ali é uma rua organizada. Então
hoje, nós temos uma escolinha que a menina vai ali, tem um professor e é
seguro, ela tem apoio.
Não por acaso a polêmica iniciou-se a partir de uma questão política referente à
captação pelos clubes de verbas de patrocínio. Discutia-se que o problema poderia
ser de corrupção e/ou desvio de verbas quando veio o contra-argumento de que se
tratava de uma questão estrutural: o Brasil não se organizou para motivar para o
esporte a partir da escola e o Rio de Janeiro em particular, diferentemente de outros
estados do Sul, tem uma situação sociodemográfica que dificulta a integração entre
as diversas áreas da cidade, o que complica um pouco mais. Entendendo que a
discussão trazia para a pesquisa um subtema extremamente relevante, de pronto
abriu-se espaço para ela. Haveria distinções importantes entre as propostas de
prática esportiva presentes em cada dimensão? Qual o papel cumprido pelas
dimensões para chegar ao objetivo maior de motivar e possibilitar o acesso ao
esporte ao maior número de pessoas?
Tentando responder a essas perguntas à luz das informações prestadas pelos
participantes, pode-se dizer inicialmente que estiveram bem longe de chegar a um
consenso sobre o assunto. Em debate acalorado, ainda que sempre cordial, um dos
58
poucos que gerou um momento em que todos falaram ao mesmo tempo e foi
necessária a intervenção da facilitadora, alguns achavam que o primordial é incluir
socialmente e motivar para a prática esportiva e outros que, no esporte, o objetivo
final não é atingido se não forem seguidos os trâmites que viabilizam o acesso aos
resultados tal como definidos pelas entidades superiores do esporte: federações e
confederações. Em comum tinham a idéia de que motivar para o esporte é benéfico
para todos. Sistematizam-se a seguir os principais argumentos levantados a favor e
contra cada uma das posições.
•
A questão dos recursos
O projeto do Basquete de Rua, da forma como está organizado, tem condições de
obter ajuda para transporte quando ocorrem eventos fora da comunidade na qual
instalou-se originalmente, de oferecer alimentação, de trazer as meninas para uma
área de rua fechada com professor e segurança.
A existência de recursos para mobilizar e levar a comunidade para os eventos é
admirada por outros participantes do grupo que acabam por se dar conta de que este
formato de projeto junta gente e atrai patrocínio. Alguém chama a atenção para a
importância da união e do contato boca a boca para o êxito deste tipo de proposta e
que ela pode ser tentada no âmbito dos clubes também. São então citadas formas
alternativas de captação de recursos como parceria com políticos ligados ao esporte
e a forma é questionada como sendo “política de São Francisco” numa alusão
comum ao “é dando que se recebe!”. Outro argumento levantado é de que a
disposição de doar dinheiro para a comunidade é diferente da de doar para os clubes
e agremiações esportivas. Além disso, adverte um treinador que, para cumprir bem
suas funções, ele não pode acumular também a de captador de recursos.
Não desmerecendo o trabalho que o projeto (do Basquete de Rua) está
fazendo que é um trabalho maravilhoso, a gente acompanha via televisão,
mas eu acho que vocês agradam, de alguma maneira, vocês agradam
muito aos políticos devido ao público de vocês. É diferente do Remo, é
diferente do Voleibol, o Voleibol tem o Vôlei de rua, eu acho que o
agrado político de vocês é muito mais fácil, para nós, esse agrado político
é muito mais difícil.
Mas são situações diferentes, completamente diferentes. Essa situação de
comunidade hoje em dia você vai lá e pede, muita gente entrega, mas pro
clube não entrega, não deixam.
É um pouco da união porque é assim, a gente tem uma questão de um
forçar o outro; eu falo com um cara da comunidade, que vai falar para o
outro da comunidade, o outro fala para outro, acaba um levando o outro.
Talvez seja um caminho, sei lá, podia passar para o seu clube tentar, para
alguém que cuida do seu esporte tentar, não sei se existe esse núcleo de
união, enfim, de um se comunicar com o outro, um vai levando o outro,
isso se torna público.
Eu sou treinador, você eu não sei se trabalha como treinador e dirigente,
são funções diferenciadas, o treinador é treinador, se ele for sair da área
dele de técnico, de professor, for inclusive trabalhar nessa outra área (de
captador de recursos), ele não tem nem tempo para desenvolver a função
59
dele de treinador porque essa área precisa de gente especializada para
fazer essa função também.
•
Propostas de mudança: inclusão versus competição e exigência de biótipo
específico para a prática de determinado esporte
Como não há apoio governamental, fica-se na dependência de ações isoladas para
mudar alguma coisa e, se se quer mudar, tem que fazer algo diferente, por exemplo,
a discussão que se está fazendo neste GF, citando o Basquete de Rua:
Há dois anos atrás, era um grupinho, juntavam dois, vinham e jogavam,
não pode ser assim, os caras têm que entender que tem que ter
associações, a gente tem uma liga, então nós temos que ensinar essas
pessoas a desenvolver o esporte que elas gostam. Se não partir por aí, essa
reunião (referindo-se ao GF) vai se repetir em 2010, e a coisa piorou;
2020 vai piorar porque o Brasil quer a Copa do Mundo em 2014, é
interesse no evento, o patrocinador, para ele interessa o evento, não
interessa a competição e a própria competição inibe todo mundo.
Exemplo do Basquete de Rua: o branco, o preto, o gordo, o baixo, o alto,
todo mundo joga porque a regra favorece isso. Se você for ver o voleibol
feminino, se a menina não tiver 1,90m com 13 anos, ele não joga mais, aí
vai ser (líder), só pode 1 ou 2 para ter uma reserva entre os 15, 16
jogadores, então a própria competição vai limitando a motivação, isso
opinião minha.
Os representantes do esporte de rendimento contra-argumentaram que o “Basquete
de Rua é lazer, é show” e não esporte de rendimento, incomodados com a referência
negativa à competição e à exigência de biótipo específico para a prática do esporte.
Expressam então com clareza a diferença que percebem entre as duas propostas:
A gente tem um enfoque mais para competição, mas quem tem uma visão
mais do lúdico, mais do lazer, mais da atividade da prática desportiva
para a cidadania (pensa diferente). Para arranjar uma bolsa de estudo para
o segundo grau, para arranjar uma bolsa de estudo para o terceiro grau,
para a criança chegar ao parto, você chegar a termo, não parar no meio do
caminho, é uma coisa complexa, aí você vai ter que ir devagarzinho.
No que se refere ao biótipo e à motivação para o esporte, contra-argumentam que
estão justamente propugnando uma polícia pública que dê oportunidade de todos
experimentarem o esporte de sua preferência sem precisar estar no biótipo “correto”.
Eu quero complementar uma coisa que você comentou em cima da
questão motivacional, a gente não pode perder esse foco que (foi) dado ali
por ela (referindo-se à facilitadora). Você comentou sobre o biótipo, a
criança para jogar Vôlei têm que ter 1,90m, eu concordo com você que se
a criança tiver 1,90m, ela pode ter 30% do caminho andado, mas como a
gente está falando aqui em motivação, eu estou falando de uma política
que possibilite a todas as crianças, a que tem 1,90m, a que tem 1,50m, se
tenha a mesma oportunidade independente do biótipo. Se o técnico vai
escolher pela de 1,90m ou se ele vai escolher pela de 1,50m, aí é um
problema técnico do técnico. Agora, dar ao atleta, dar à criança a
possibilidade de tentar, eu acho que isso é o mais importante e aí é que
entra a motivacional e aí que entra uma política pública.
60
•
A questão da democratização do esporte
Há necessidade de democratizar o esporte para obter o patrocínio. “Se você não
democratizar, por exemplo não vai não entrar patrocinador; não adianta. Você faz
um jogo do Botafogo, lá, aqui perto do Rio Sul, vai jogar Botafogo contra Vasco,
vai a mãe, o pai. Por quê? Porque o esporte não está democratizado, então o
patrocinador, por que eu vou patrocinar um time que vão três pessoas?”
Este ponto consegue adesões mais amplas no grupo porque é percebido como uma
dificuldade para patrocínio: a pouca representatividade numérica e,
conseqüentemente, do público que atrai, de certas competições esportivas como as
regatas de principiantes. Além disso, uma dificuldade a mais é lembrada no caso do
Remo: a distância da qual os torcedores assistem às regatas impede totalmente a
visibilidade da marca do patrocinador. “Quer dizer, o patrocínio (…) foge do
Remo.”
O cara chega lá, vê 50 ônibus parados em Madureira, o cara da associação
comercial vai me procurar e me perguntar como é que ele põe a marca
dele lá dentro. Isso rende em frutos que eu posso trocar para o meu time,
de benefícios de transporte, de lanche, de professor que está lá
regularmente, acho que é um caminho, é político? Não sei, pode ser, mas
é interessante.
•
Formas alternativas utilizadas para motivar as meninas no projeto social:
quando as formas tradicionais de motivação estão se mostrando insuficientes,
é preciso utilizar artifícios para atrair as meninas e mostrar aos responsáveis
que a proposta é interessante para as suas filhas. Assim, eventos paralelos
funcionam como “recrutadores” das meninas e de “cooptadores” de suas
mães e seus pais.
Porque essa é a forma mais fácil de você buscar a mulher, por exemplo,
no (viaduto), no início, quando nós começamos, como é que a gente vai
fazer para a menina vir aqui jogar Basquete porque ela não sabe, a mãe
não quer deixar, então o que a gente pode fazer? No dia da criança nós
fizemos um evento onde nós distribuímos convites para as mães e, nesse
dia, nós mostramos à mãe o espaço, que ali ela podia deixar a criança vir
porque era seguro; tentamos fazer ali cursos de cabeleireiro, maquiagem,
porque aí a menina vem para fazer a maquiagem, ela vê que tem o
Basquete, ela vê que tem um skate, ela não sabia disso. Você tem que
buscar artifícios que você provoque, induza ela a fazer o esporte porque
senão, ela não vem.
•
Crítica à preocupação com o esporte somente para populações carentes
Utilizando a palavra comunidade no sentido restrito, como sinônimo de
comunidades carentes, um técnico diz que “o Rio de Janeiro não se resume só às
comunidades!”
O projeto contra-argumenta que sabe disto usando a palavra comunidade no mesmo
sentido restritivo: “tanto é que as nossas equipes elas não são só de comunidades.
Tem gente do Leblon, da Barra, do Recreio, a coisa cresceu.”
61
E vem a tréplica: “mas aí cai no que ele falou, está criando algo paralelo, a federação
do Rio de Janeiro, a confederação do Rio de Janeiro”.
Você vai ter que formar a sua federação, você vai ter que formar a sua
confederação porque eu te garanto que você não vai ter um apêndice lá na
federação de Basquete do Rio de Janeiro nem na confederação, Basquete
de Rua, ou então você vai ter que se entrosar politicamente, se ele estiver
precisando de um voto lá para eles colocarem do lado lá e também depois
para votar para ser presidente, pode ser que você alcance isso, então a
gente tem que observar.
•
O cerne da discussão já que o tema da pesquisa é motivação para o esporte:
um projeto social concebido nos termos do Basquete de Rua pode levar o seu
público a “um ponto futuro” entendido como primordial para os esportistas?
Pode dar oportunidades em diversos esportes a crianças dos mais diferentes
biótipos?
A minha pergunta a você (do projeto Basquete de Rua) é a seguinte:
quantos desses atletas seus vão ter a oportunidade de chegar ao alto nível
e é um meio motivacional? Quantos atletas seus vão ter a oportunidade de
ter uma chance de desenvolver o Basquetebol hoje? O que eu estou
colocando na (pauta) motivacional, que eu reclamo politicamente é o
seguinte: não interessa, que nem ele estava falando ali, a menina não
interessa se vai ficar forte ou se vai ficar fraca, se o pai vai achar bonito, o
namorado vai achar feio, eu não estou nem aí, a questão é: quantas
crianças vão ter a possibilidade de praticar o Remo ou de jogar o voleibol
ou de fazer Atletismo, independente do biótipo da criança? É o que
acontece em Cuba, bota para fazer esporte, depois de uma determinada
idade, vamos decidir para onde essa criança vai, mas vai fazer esporte,
(...) se vai ser no Atletismo, se vai ser no voleibol, se vai ser na Natação,
eu não estou nem aí, mas que dê a possibilidade a essa criança,
independente do biótipo dela, de realmente estar ali, praticando, fazendo
alguma coisa, isso a gente não vê. Se não depender de ações individuais,
como foi a sua; ações individuais que nós vemos aí de vez em quando um
ou outro, não tem. A sua ação (…) agrada demais os políticos porque se
fala em social, se fala em violência. (...) A questão que eu estou
colocando aqui é o seguinte: o seu trabalho é um trabalho que desenvolve
socialmente trazendo as comunidades, ônibus, enfim, você está buscando,
parabéns, e está alcançando os patrocínios, mas a questão é: e o resto? (...)
Mas é disso que nós estamos falando aqui, é uma ação governamental que
não beneficie a mim, a você, a ela, mas beneficie a criança na prática
esportiva. Nós temos aí a lei de incentivo à cultura. Nós estamos num
impasse para que saia uma lei do esporte.
Numa tentativa esclarecer o assunto adicionando novas informações entra a voz de
representante de outro projeto social, do Vôlei, para dizer que o objetivo do projeto
no qual trabalha – mais uma ação isolada – é justamente dar a oportunidade
esportiva indistintamente a quem não pode pagar, mas que entende que as
perspectivas de “chegar lá” do seu público são bem restritas. Ou seja, sua fala
valoriza a inclusão da forma que ela puder ser feita já que o “chegar lá”, por
enquanto, não é o mesmo para todos.
Eu não sou técnica, eu trabalho (...) no projeto social (...) e tem também
muito essa confusão até pelo nosso público que são meninos e meninas
62
carentes de comunidades. Eles lá não têm nada e estão acostumados a
perder, infelizmente, a maior parte das vezes, da vida, não digo nem do
voleibol, na vida, a realidade deles que é muito dura. Então, a gente não
tem nada. O que a gente tem, enquanto projeto, enquanto professores é o
treinamento (no projeto). Para que esse treinamento? Para que a gente
veja cada criança com todas as possibilidades, que a gente não exclua o
gordinho, o baixinho, o deficiente, que a gente esteja incluindo essas
crianças dentro do esporte. Isso inclusive gera até um pouco de confusão
porque agora está na mídia, a TV Globo, então tem a Superliga lá:
“professora quando é que nós vamos jogar naquela quadra? Quando? E
por que não?” Você não vai dizer: “você não vai jogar lá nunca”. “E por
que não?” Mas você não vai dizer “você não vai jogar lá nunca”, porque
você não pode fazer um negócio desses. A gente vai dizendo: “olha,
vamos desenvolvendo, vamos fazendo a nossa aulinha aqui, vamos cuidar
dos nossos objetivos e vamos vendo até onde a gente vai.” (...) Na
educação física já estou há muitos anos, mas assim, me dedicando mesmo
ao projeto há 4 anos e a cada dia eu aprendo mais e é muito surpreendente
essa motivação deles do nada, de estar ali, de estar interagindo, crianças
de comunidades diferentes, de facções diferentes; vim aprender isso agora
que um é de um lugar e do outro; e ali dentro não tem isso, eles lá se
reconhecem da onde são pelo linguajar, mas eu não, eu não quero nem
saber porque senão isso vai me tolher também. Então a motivação dessas
crianças, estou falando de comunidades carentes, é muito difícil e essa
ilusão da Superliga, não tem nada a ver com (...) o projeto que está
completando esse ano 10 anos.
Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva para as
meninas
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Transporte para a atleta vir para o treino.
Educação de mãos dadas com o esporte: a base é a escola.
Concessão de bolsas universitárias.
Palestras para os pais para aproximá-los da prática esportiva dos filhos.
Importância de democratizar para obter patrocínio.
Ampliar o espaço dos esportes na mídia para além do Futebol.
Políticas públicas que abram iguais oportunidades de prática esportiva para
meninos e meninas de qualquer condição social e de todos os biótipos.
Parcerias como existem em outros países: entre clubes e universidades, entre
instituições públicas e privadas.
III.3. As vozes das mães, pais e responsáveis pelas atletas
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora
Antecedentes
O fato do Grupo dos responsáveis anteceder o das atletas foi uma escolha estratégica
e de fato contribuiu muito para garantir a presença das atletas no dia seguinte, pois
os responsáveis souberam onde as meninas iriam, sobre o que conversariam e quem
eram as pessoas que estavam a frente do trabalho. Por outro lado, isso facilitou
63
também o preenchimento dos Termos de Autorização necessários para que as atletas
menores de 18 anos participassem da pesquisa.
Como os responsáveis por algumas atletas, convidadas e com presença confirmada,
não poderiam comparecer, as mães, os pais e os responsáveis por outras atletas que
não participariam da pesquisa foram convidados e aceitaram. Essa postura positiva
dos responsáveis, mesmo sabendo que suas filhas não viriam, permitiu que o grupo
final ficasse com um número significativo de participantes (14 pessoas), além de
representar as características secundárias pretendidas.
O grau de aceitação dos convites mostrou o quanto os responsáveis estão
interessados em discutir aspectos ligados à prática esportiva de suas filhas.
A realização do GF
Optou-se por iniciar o encontro pelo lanche, já que o horário agendado era no fim do
dia, ao término do horário de trabalho da maioria dos participantes. Também por
essa razão optou-se pela dinâmica inicial de escrever em um papel algo que se
quisesse jogar fora para poder estar inteiramente presente nas atividades do grupo.
Todos acharam a idéia interessante e participaram.
O clima foi de expectativa no início e de envolvimento no decorrer da discussão.
O pós-grupo
Terminado o grupo de discussão, os responsáveis receberam o brinde e o valetransporte. O clima geral era de solidariedade e de envolvimento. Transmitiam a
sensação de terem gostado de se conhecer, de compartilhar suas experiências, de
encontrar tantos pontos em comum nas trajetórias de suas atletas e de renovar suas
expectativas de que algo de novo possa acontecer e promover as tão esperadas
mudanças.
Todos os responsáveis preencheram a Ficha de Perfil Socioeconômico. Aqueles que
tinham filhas ou parentes sob a sua guarda e que participariam do Grupo de
discussão das atletas no dia seguinte, assinaram o Termo de Autorização, para que
as meninas pudessem fazer parte da pesquisa.
Apesar do lanche ainda estar na mesa, a maioria preferiu sair logo, devido ao
adiantado da hora e a longa distância para chegar em casa. Alguns iriam de ônibus
até Jacarepaguá e outros para direções diferentes. Resolveram sair junto, para
aproveitar a companhia uns dos outros. Passava das 21h e estávamos no centro da
cidade.
Todos agradeceram a oportunidade de participar do grupo e foram bastante
calorosos e afetivos ao se despedirem da equipe da pesquisa.
Principais pontos levantados na discussão
O que se pretende aqui é sistematizar as idéias que emergiram das discussões, à luz
das questões a que se pretendia responder. Procurou-se listar todos os aspectos
mencionados, independentemente de sua recorrência ou originalidade.
64
Ainda que a proposta inicial fosse uma rodada de apresentações pessoais, logo nesse
primeiro momento apareceram questões que, ao que tudo indica, tinham urgência de
serem colocadas. Assim, vale a pena destacá-las como muito relevantes ainda que
sejam tratadas em maior detalhe ao longo desta seção. São elas: a longa distância a
ser percorrida entre o local de moradia e o local de treinamento; a falta de recursos
para os deslocamentos, tanto no que se refere ao transporte como a alguém para
acompanhar as menores no percurso; a desaprovação pelo fato da atividade
esportiva da filha ser o Futebol; a falta de recursos para aquisição de material
esportivo; a esperança de que a pesquisa possa vir a ajudar na solução de alguns
desses problemas.
A motivação das meninas para a prática do esporte
Mesmo a proposta inicial de discussão colocada para o grupo sendo a da motivação
percebida para as meninas ingressarem na prática esportiva, as respostas não se
restringiram a essa temática. A todo instante, as dificuldades enfrentadas no
cotidiano das atletas vinham à tona. Para efeitos analíticos, procura-se aqui “isolar”
as respostas no que elas tinham a ver com a questão da motivação. Tal procedimento
será permanente, pois a estreita ligação entre os subtemas propiciou que muitas
vezes as falas tocassem em mais de um deles.
Os entrevistados dividiram-se entre aqueles que perceberam o ingresso das meninas
no esporte como tendo sido por escolha paterna/materna e os que identificaram uma
decisão pessoal das filhas. Via de regra os responsáveis percebiam como se as
meninas tivessem começado por influência deles, numa idade na qual ainda não lhes
era dado decidir por si mesmas, e depois permaneciam no esporte por escolha
própria, muitas vezes elegendo uma outra modalidade esportiva diferente daquele na
qual fora iniciada por decisão “superior”.
No caso dos responsáveis avaliarem que a menina ingressou no esporte por decisão
própria, o motivo percebido era uma coisa interna que denominaram como “algo da
pessoa”, “uma coisa muito dela”. Um único responsável atribuiu a motivação da
filha como sendo a competitividade e logo ousou generalizar: “acho que o que
motiva muito a mulher é a competitividade porque ela começou a fazer para
competir com o irmão, eles são mais ou menos da mesma idade e hoje ela tem até
um currículo melhor do que o dele”.
Os responsáveis listaram algumas das intenções que os moveram a inserir suas filhas
no mundo do esporte e, em muitos casos, a decisão tinha a ver com sua própria
história de vida tanto no sentido de reproduzi-la quanto no de tentar que a filha
realizasse algo que eles se sentiam frustrados por não ter obtido. Como foi visto
anteriormente, muitos dos responsáveis foram (ou continuam a ser) eles próprios
esportistas e, ao longo da conversa, surgiram relatos de pessoas que gostariam de ter
sido esportistas:
Eu sou meio frustrado com o Futebol, eu sempre joguei Futebol na
minha vida, ela (referindo-se a esposa) me conheceu dentro do Futebol e
sempre me acompanhou. Eu tenho uma grande parcela de culpa de hoje a
nossa filha jogar Futebol. Ela joga no Chicago. Meu pai era um dos
diretores do Bangu, eu sempre joguei bola na minha vida, eu sempre
gostei e a vida para esse lado não sorriu para mim, não consegui meu
objetivo que era um dia ser jogador de Futebol, jogar no Maracanã,
65
aquela coisa toda, e essa situação de motivação o que aconteceu? Ao
invés da minha filha estar na arquibancada do Maracanã me vendo, eu é
que vejo a minha filha no Maracanã jogando a Copa Zico, eu sou meio
frustrado com o Futebol por causa disso.
Os responsáveis se referiram também a por que incentivaram suas filhas para a
prática esportiva: a maioria mencionou a necessidade do esporte como uma
atividade complementar, como algo saudável com que ocupá-las em substituição a
demandas do mundo externo que não lhes agradavam tanto.
Não tínhamos intenção que fossem atletas de alto nível, de jeito nenhum.
O esporte para nós era uma coisa assim que viria na vida das meninas
como um complemento, um complemento muito importante de
socialização, de integração, enfim, de educação, mas como
complemento. E hoje, ele ocupa um espaço um pouco maior do que o
complemento. (Agora) elas estão indo viajar para fora, graças ao esporte.
Outro aspecto relevante levantado pelos responsáveis é o que diz respeito à
avaliação de que suas filhas tinham “dom”, “talento” para um determinado esporte
ou tinham o biótipo adequado para a prática de uma determinada modalidade
esportiva.
Acabou parando no Vôlei por indicação, porque ela tem tamanho, tem
perfil de jogadora, tem cara de jogadora de Vôlei, é uma graça, quem
vê, diz: “essa menina é jogadora de Vôlei, ela tem cara de jogadora”.
Agora, a gente não sabia o potencial, não sabia se tinha dom, não sabia
como que era essa história e foi acontecendo. (...) Hoje ela se destaca
no Vôlei porque tem dom, porque tem potencial.
Nesse ponto da discussão, já começaram a ficar claras as diferenças de
oportunidades e de possibilidades vividas pelas atletas, dependendo do nível
socioeconômico de suas famílias uma vez que, como será destacado a seguir, nas
atuais condições para a prática esportiva no estado, elas se constituem na fonte
principal, quiçá única, de recursos para alavancar a carreira esportiva das filhas.
Eis um exemplo do que se está falando: enquanto uma responsável de classe média
mencionou que suas filhas puderam “passear pelo Judô, puderam passear pela
Ginástica Olímpica, pela Ginástica Rítmica, pela Natação até se decidirem pela
Ginástica Rítmica”, outra responsável, de poder aquisitivo bem mais baixo, referiu
ao fato de que sua filha teve que se contentar com a modalidade esportiva que lhe foi
possível: “aí eu consegui primeiro o Basquete e no clube não foi à frente o Basquete;
aí o ano passado eu consegui no Atletismo”.
A importância do apoio da família
A certeza de que sem o empenho total da família as atletas não têm condições de se
manter em atividade, em um mundo esportivo não patrocinado nem por empresas e
nem pelo governo e nos quais os clubes desempenham um papel bem pequeno de
apoio, foi uma unanimidade entre os entrevistados. Como bem expressou uma mãe
participante:
Resumindo, a base do atleta é pai e mãe porque quem não tem pai e mãe
e que não consiga fazer isso que eu e ele (referindo-se ao marido)
66
estamos fazendo, não vai não, não vai mesmo, pode ter dom, pode ter
potencial, mas vai se acabando e é um potencial perdido, um atleta
perdido e some.
Pode-se inferir daí que, além da disposição de ajudar e apoiar, é necessário ter
recursos para fazê-lo, uma vez que é necessário cobrir despesas com transporte,
alimentação adequada, roupas e sapatos próprios, viagens para participar de
competições relevantes para marcar pontos no currículo da atleta e assim por diante.
Surgiram mesmo menções a situações em que os responsáveis, além de pagarem as
vans que conduziriam a equipe de suas filhas para disputas no interior do estado,
tiveram que seguir junto com elas exercendo a função de segurança do grupo e até
mesmo pagando ajuda de custo para que o técnico pudesse permanecer à frente do
treinamento da equipe em fases de “vacas magras” do clube.
Em função disso, neologismos foram criados e ganharam força na linguagem dos
responsáveis, como paitrocínio e paiparazzi.
Vale chamar a atenção não apenas para as diferentes possibilidades materiais das
famílias para assumirem responsabilidades tão amplas como também para as
diferentes posturas dos responsáveis que também denotam reafirmação ou
transgressão dos assim chamados papéis tradicionais de gênero. De um modo geral,
os pais presentes ao grupo atribuíram-se a missão de arcar com os custos financeiros
(quando podiam) e as mães responsabilizavam-se pelo “acompanhamento” mais
próximo das atletas. Contudo, havia posições bem diferenciadas de como deveriam e
poderiam comprometer o seu tempo com esta tarefa.
Desde a rodada de apresentações e ao longo de todo o GF, ficaram patentes diversas
posturas que marcavam as relações pais/mães/avós com seus filhos e netos. Ficou
evidente que todos preocupavam-se muito com o desenvolvimento dos filhos e
netos, e que, de alguma maneira, estavam envolvidos com a carreira esportiva
deles37. Porém, da mesma maneira que eram visíveis as diferenças de recursos
materiais que alguns tinham para investir na atividade esportiva da filha, ficaram
marcadas as diferentes formas de se envolverem: havia aquela mãe que declarava
viver para a filha, orgulhando-se de “ter muita longa quilometragem” de
acompanhamento; havia aquele pai que dizia dar mais importância aos filhos do que
a si mesmo – “depois que me tornei pai tenho mais coisas para falar dos meus filhos
do que de mim”; havia aquela mãe que declarava “Eu não sou mãe de quadra e de
arquibancada, definitivamente não nasci para isso, tenho as minhas atividades, meu
dia também é repleto do início ao fim e elas precisam entender isso senão eu
enlouqueço”.
Cada uma dessas posturas era respaldada por argumentos que as justificavam: uma
era dona-de-casa e passou a dedicar todas as suas horas para acompanhar a filha (a
não ser quando ela estava na escola) por reconhecer a falta de infra-estrutura
oferecida pelos clubes e por temer a violência urbana. Outra era a que tinha suas
próprias atividades no mercado de trabalho e que lhe consumiam tanto tempo quanto
o tempo que a filha gastava para viver suas próprias múltiplas atividades. Outra era a
que dizia que, apesar de não trabalhar fora, tinha outros filhos e as tarefas
domésticas consumiam grande parte do seu tempo. Outra ainda dizia: “procuro estar
37
Ainda que tivessem sido convidados somente responsáveis por meninas atletas, muitas famílias
tinham outros filhos que também praticavam esporte.
67
nos lugares que ela vai jogar Futebol, treinar, viajar. Procuro estar quando eu posso,
mas também não deixo as minhas coisas para estar lá naquele lugar onde ela quer. O
pai acompanha mais”.
A importância do papel do(a) técnico(a)
Os responsáveis, em sua maioria, afirmaram ser de grande importância o papel
desempenhado pelo(a) técnico(a), quase sempre exercendo uma influência positiva
sobre as atletas e sendo um importante parceiro da família, principalmente no
reforço do lugar que o “estudo” (entendido como a freqüência à escola regular) deve
ocupar na vida das atletas e do bom desempenho escolar paralelamente ao
desempenho esportivo. Em algumas situações de carência da família o(a) técnico(a)
arca até mesmo com algumas despesas da atleta. De maneira residual, alguns
responsáveis mencionaram também o papel desmotivador que o(a) técnico(a) pode
desempenhar quando atua no sentido de evidenciar a “falta de futuro” daquela atleta
na modalidade esportiva que pratica.
O técnico fica quase como a figura de um pai, o primeiro ou o segundo
pai. No caso da minha filha, o pai mesmo porque eu sou sozinha com
ela.
O técnico, ele exerce uma influência na vida das crianças junto com os
pais, é um papel que vem junto, não é isolado.
Claro que a situação é muito difícil, passagem, ela não tem ajuda de
custo, a não ser quando a técnica tira do bolso e ajuda, quer dizer, é
muito difícil, mas ela está se motivando porque a técnica conseguiu que
ela estudasse no clube, ela estudava na escola pública, então para ela ter
mais tempo de treino, ela treinava duas vezes por semana, agora a
técnica conseguiu que ela fosse para o clube estudar, têm treino todos os
dias da semana e ela vê outras meninas que estão fazendo faculdade,
tudo pelo clube.
O técnico dela também é uma boa pessoa aconselha, cobra, tem que ter
nota.
Técnicos também que desmotivam a criança num certo momento que, se
você deixar (e pensar) “é verdade, ele está certo!”, aí você recolhe o teu
filho, esquece aquilo.
A importância do estudo paralelamente ao esporte
Este é outro ponto que consegue a unanimidade entre os responsáveis pelas atletas
entrevistados. Como bem resumiu uma mãe: “Reunir estudo e esporte é tudo!”
Também neste tema, a experiência de vida dos pais tem um peso muito grande, no
sentido de que aqueles que se sentiram preteridos no mundo do trabalho por não
terem estudado mais, “se formado”, são mais enfáticos em sua preocupação com a
possibilidade de que suas filhas, por causa do esporte, releguem o estudo ao segundo
plano.
Eu gostaria que a minha filha se formasse, estudasse, fizesse uma
faculdade porque eu não fiz uma faculdade, então eu gostaria que ela se
68
formasse, tivesse uma profissão e eu vejo que ela não tem interesse, isso
me preocupa porque se ela fosse uma menina que não deixasse de
estudar, tudo bem, mas ela se desinteressou totalmente pela escola.
Quanto ao desempenho escolar das filhas atletas, o grupo dividiu-se entre aqueles
que vêem no esporte um concorrente perigoso ao “estudo” e aqueles que vêm no
esporte uma possibilidade de ganhos paralelos que auxiliam na vida escolar, como a
organização e a disciplina. Do lugar em que se colocam quanto a esta questão,
avaliam a atitude e os resultados de suas filhas na escola regular:
Eu fico preocupada porque eles deixam de se interessar pelo estudo para
se interessar muito mais pelo esporte. É o caso dela, ela se desinteressou
pelos estudos, ela não tem interesse nenhum, o negócio dela é jogar
Futebol.
A minha neta é muito inteligente, nunca repetiu, não me dá trabalho
nenhum na escola, faz todos os deveres sozinha, não tem dificuldade
nenhuma, ela é uma benção no colégio.
Lá em casa a gente faz moeda de troca, então eu uso moeda de troca para
tudo. Querem muito uma coisa, o que estão me dando de retorno?
Sempre foi assim, desde pequenas. Então assim, como elas gostam
bastante de ir ao treino, eu também gosto bastante de um boletim
maravilhoso, então tem que ter a moeda de troca sempre, para tudo.
Minhas filhas são alunas de escola pública, são alunas do Pedro II, mas
são brilhantes alunas, são profundamente responsáveis com os seus
estudos, têm ritmo para estudar, elas têm horários acadêmicos e têm
aquele horário de treino que é pesado.
(Referindo-se ao esporte) É que nem vida de modelo, é um funil e é uma
vida curta. Por isso eu não dou mole de deixar eles sem estudar.
A importância do “grupo”, das amizades e das “boas companhias”
Outro aspecto bastante ressaltado pelos responsáveis foi o papel do “grupo” na vida
da atleta. A palavra grupo foi usada para nomear tanto a equipe de um esporte
coletivo praticado pela atleta como as demais participantes de uma equipe de atletas
de um esporte individual. O fazer parte do grupo significa se sentir apoiada e
estimulada a continuar.
Na mesma direção aponta o peso dado às amizades, consideradas capazes de
facilitar o caminho das meninas para uma vida considerada adequada pelos
responsáveis ou para o inverso. Em função disso, somente as “boas amizades” são
valorizadas. A julgar pelas falas dos responsáveis na pesquisa, as “boas amizades”
são aquelas com meninas de boa família, meninas que dedicam mais tempo ao
estudo e ao esporte do que às atividades de lazer. Tais indicações apontam também
para a existência de preconceitos de classe.
69
(Referindo-se à equipe da Ginástica Rítmica à qual a filha pertence) É
um grupo de meninas que se gosta muito, que fazem programas fora da
GRD38, fora do treino.
As amigas do bairro onde a gente mora, “amigas”, são meninas que
gostam muito de só sair, curtir, namorar e eu não queria isso para a
minha filha que hoje ela completa 17 anos.
Ela tinha muita amizade na localidade que eu morava que também não
estava me agradando muito, eu sei que ela foi se afastando, graças a
Deus, foi se afastando, foi se desvencilhando de amizades porque muita
amizade também influencia, leva para outros caminhos tortuosos. Então
ela foi se afastando, a amizade dela agora é outra, as meninas que ligam
todas moram longe, moram bem, são pessoas que têm até condições
melhores do que a nossa. Ela é muito querida, ela tem muita amizade, o
pessoal gosta muito dela, ela é carismática mesmo, ela é muito querida lá
onde ela joga Futebol, mas eu queria que a minha filha estudasse.
Não sou contra dela praticar esporte porque realmente ela cresceu, por
um lado ela amadureceu, as amizades são maravilhosas, são meninas
bem criadas, meninas bem educadas, outro nível, mas e a escola?
Expressão de estereótipos de gênero
Embora em muitos momentos do grupo as falas de alguns responsáveis
expressassem uma interiorização dos papéis de gênero hegemônicos em nossa
sociedade, foram aquelas falas relativas à prática do Futebol as que mais nitidamente
“abriram” a existência de preconceito contra as meninas que praticam determinados
esportes considerados “masculinos”39. Como já foi mencionado, desde o início do
grupo este foi um tema que logo se impôs na conversa.
Vale lembrar que até 28 anos atrás estava em vigor o decreto-lei 3.199, que
“estabelecia as bases da organização dos esportes no Brasil e incluía um artigo que
colocava que ‘às mulheres não se permitirá a prática de desportes incompatíveis com
as condições de sua natureza.’” (ADELMAN, 2003, p. 447). O decreto-lei foi
“regulamentado em 1965 por uma deliberação do Conselho Nacional dos Desportos,
proibindo às mulheres a prática de qualquer tipo de luta, Futebol de salão, de praia,
Pólo Aquático, Pólo, Rugby, Halterofilismo e Beisebol. (ROSEMBERG, 1995, p.
284, in ADELMAN, 2003, p. 447)
De um lado temos hoje um cenário nacional que supervaloriza o Futebol masculino
– a ele e a seus expoentes individuais são dedicados 90% dos noticiários esportivos e
a paixão da torcida. De outro lado temos uma subestimação do Futebol feminino
que, além de ser estigmatizado (e talvez por isso mesmo), não é valorizado, não tem
torneios significativos, não é devidamente reconhecido e conta com poucos espaços
para a sua prática regular, em locais distantes das periferias e sem segurança. Isso a
despeito de já ter obtido alguns importantes êxitos internacionais como, por
38
Sigla de Ginástica Rítmica Desportiva
MIRANDA e ANTUNEZ (2006, p. 5) listam qualidades físicas que são comumente atribuídas a
homens e mulheres e, em consonância com estas qualidades, lista os esportes tidos ainda hoje como
femininos (Ginástica, Natação, Patinação, Tênis, Basquete, Atletismo, Golfe e danças) e como
masculinos (Futebol, Boxe, Luta Greco-Romana, Rugby, Halterofilismo, Ciclismo, Basquete e
Handebol).
39
70
exemplo, o título de melhor jogadora do mundo em 2006, conferido pela FIFA à
atacante Marta, de 20 anos, hoje jogando fora do país por não ter tido espaço no
Brasil para profissionalizar-se. No entender de uma responsável, há uma
subalternidade das meninas no Futebol:
Então essas coisas que eu fico assim, para menino é mais fácil, qualquer
clubezinho tem para meninos, a gente morre de ver clubes escrito assim:
“nós recebemos meninos”, mas toda a vez que vai uma menina, eles
preferem os meninos mesmo, as meninas são quase que deixadas de
lado, são subalternas.
O Futebol feminino, infelizmente, (…) não é profissão reconhecida.
Talvez (dê) uma sorte para ser reconhecido um dia, eu acho que (praticálo) é uma perda de tempo!
Os responsáveis pelas atletas que praticam essa modalidade esportiva que
participaram do grupo, principalmente as mães, mas não somente elas, não
esconderam o seu desagrado pela escolha das filhas e, apesar de estarem
“conformadas” com esta escolha, chegaram a este sentimento de resignação depois
de fazerem inúmeras tentativas de removê-las para outra modalidade esportiva “mais
romântica” e “que combinasse mais com o perfil dela”. Para atingirem o
conformismo de hoje precisaram desenvolver um esforço para respeitar as filhas,
mas continuam achando o esporte inadequado, “sem graça” e sem futuro.
É preconceito. Eu acho que é isso. É esporte para homem, não para
mulher. Se ela gostasse de Vôlei, Basquete, Natação, talvez eu não teria
sido contra como eu fui no início. Talvez não seja um preconceito da
minha parte, mas que eu assumo e que eu estou procurando vencer, mas
é a vida dela, não é a minha vida. Então ela tem o direito de ter a escolha
dela, a gente tem que respeitar isso. (Mãe de atleta)
Começou a jogar Futebol, nós não tínhamos intenção nenhuma de
direcionar ela para qualquer tipo de esporte. Na realidade, o Futebol para
ela começou como se fosse um hobby, ela jogava depois tinha um
campeonato, ela e mais uma menina sozinhas no meio de um monte de
garotos se destacava. Aquilo me preocupou, ela começou a gostar,
começou a jogar bem, aí eu fiquei um pouco preocupado com aquela
situação. (Pai de atleta)
Para mim, o importante é o estudo para ela amanhã se realizar
profissionalmente, ser uma mulher independente, não precisar de
ninguém, nem de pai, nem de mãe, nem de marido, nem de ninguém e o
Futebol vai dar isso para ela? Não sei, tenho minhas dúvidas. (Mãe de
atleta)
Não há como deixar de reproduzir o relato de uma mãe que, emblematicamente, fala
da naturalização do feminino e de seus símbolos em nossa cultura, da firmeza e
persistência necessárias para a mudança e do amor e empenho em aceitar a filha que
“transgride” as normas sociais vigentes de forma hegemônica na sociedade:
Minha filha resolveu aos 3 anos que não era para ficar quieta. Com 9
meses ela já nadava e eu não: levava ela só na piscina e saía. Depois ela
entrou na escola de Natação, aí eu coloquei ela para fazer balé. Eu
queria, como toda a mãe gosta, de ver a minha filha vestida de tule cor-
71
de-rosa, era a minha grande paixão. Eu vesti ela com tudo que tinha
direito, sapatilha de ponta, tudo o que tinha direito e ela foi uma semana.
No final de uma semana, eu estava sentada tricotando, conversando com
as outras mães como eram lindas as nossas filhinhas queridas, quando a
porta da professora abre, minha filha correndo na frente, atrás as
coleguinhas, por último a professora, eu não me esqueço daquilo. Ela
vai, me desce uma escada se joga dentro da piscina e fica no meio da
piscina dizendo exatamente assim: “manda, manda agora eu levantar a
perninha se tu é homem, manda eu levantar a perninha, briga que eu não
levanto direito que eu quero ver se você vem aqui.” No meio da piscina,
de tule cor-de-rosa, tudo o que tinha direito, aí a diretora também já tinha
descido para ver o que tinha acontecido. (...) e eu disse; “pode subir que
ela vai sair.” Aí subiu todo mundo, eu tirei a minha filha, embrulhei e ela
disse: “mãe, a senhora tem que se acostumar comigo, eu não nasci
fazendo balé.” Eu digo: “não nasceu dançando balé?” (e ela responde):
“não, eu nasci subindo em árvore, trepando em muro, pulando escada,
jogando bola, mamãe, eu quero isso!” Ela tinha exatamente 3 anos. A
partir dali eu já fiz a tentativa do Tênis; fiz a tentativa de uma outra
dança também que apareceu, com 8 anos ela foi fazer jazz e a professora
falou para mim “ela é ótima, é a primeira que aprende, mas depois que
ela prende ela não repete nem por um decreto!” Na Ginástica Olímpica
ela deu muito certo, mas aí ela cresceu um pouco e ela é meia
avantajada, ela deu muito certo na Ginástica Olímpica, ela é ótima de
cambalhota, de fazer barra, ela gosta, ela faz. Mas, aí realmente resolveu.
Handebol também não deu, ela foi ótima, convidaram ela, mas não deu
jeito, tudo assim. Aí tive que me conformar. Aí a gente tem que se
conformar, não é? (dirigindo-se à outra mãe que expressara sua
insatisfação com a opção da filha pelo Futebol).
Não por acaso estereótipos de gênero foram também percebidos no caso da prática
do Taekwondo, que, como as demais lutas, é considerado um esporte masculino e
também fazia parte das modalidades legalmente interditadas às mulheres até pouco
tempo atrás.
Agora, uma coisa importante, como eu falei, na minha vida esportiva,
uma coisa que eu percebi é o seguinte: dependendo do esporte, a menina
se integra mais como no caso da Ginástica Olímpica, a Natação, do que
os meninos. No caso da minha filha, como é Taekwondo, ela reclama
que não tem colegas. É o caso também da mais velha: ela só treina com
menino. De repente a Natália40 no Taekwondo, ela teve uma projeção tão
grande porque na verdade o que acontece? Ela treina contra homem, aí
quando chega na hora da competição, ela vai lutar contra uma mulher.
Querendo ou não, fisicamente o homem tem mais corpo, tem mais força
etc., e então ela treinando com homem, quando chega na competição
ela... é até por isso que ela foi a atleta do ano, mas a competitividade é o
que mais motiva. Parece brincadeira. (Pai de atleta)
40
Referindo-se à Natália Falavigna, paranaense e atual campeã mundial na categoria até 72 kilos.
72
Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no
esporte
Independentemente de ser este um dos pontos do roteiro do GF, as dificuldades que
se apresentam para a prática do esporte nas condições atuais no estado do Rio de
Janeiro que, como já foi visto, mereceram nota média 5 por parte dos responsáveis,
apareceram em todos os momentos e de forma bastante consensual. Lista-se a seguir
todas as mencionadas, por ordem de recorrência:
•
Falta de patrocínio e de apoio governamental ao esporte
Precisa o César Maia acordar, há uns anos atrás existia uma bolsa
esporte...
Então o nosso país, ele não dá valor ao esporte, não dá, ele só dá valor
àquele esportista que já está feito, os que estão começando só se ele tiver
um pai que tem um salário bom, os meus como não têm pai, só têm avó e
avô e as mães que ganham um salário mínimo, então é muito difícil.
Sentimos uma falta gigantesca do patrocínio, não há incentivo algum por
parte das autoridades federais, estaduais e municipais. (...) Enfim, isso é
o que a gente sente mesmo, falta de incentivo por parte das autoridades.
Quando o treinador chega e fala “vai ter competição no lugar tal, vai ser
agora o brasileiro no Rio Grande do Sul”; eu falo: “pára, pára que o paitrocinador aqui não está agüentando. A falta de patrocinador é muito
importante, tem muita gente boa, não só homens como mulheres que
largaram (o esporte).
Só o que às vezes me entristece um pouco é também essa parte do
patrocínio. Ano passado, a minha filha viajou, foi para o Ceará para
participar de uma competição lá. Então se não sou eu, minha mãe, minha
família, todo mundo ajudando, ela não tinha ido. Então tem coisas assim,
que é superdifícil, o clube abandona, te larga, não quer saber de nada,
elas só falam tal dia, tal horário é a viagem e você tem que dar conta do
resto, então você fica muito perdido, acho que tem que apoiar muito
mesmo, se não apoiar, o adolescente desiste, não consegue não.
A falta de patrocínio para o esporte de base41 é especialmente relevante. Só há
patrocínio quando o atleta já está feito e tem sucesso e, então, se ele der a sorte de
ser “descoberto” ele migra para outros centros esportivos de São Paulo ou dos EUA,
principalmente para o esporte universitário, que praticamente não existe no Brasil.
“Sem recurso, tem que ser fora de série. É alguém pegar e levar, é assim que
acontece, ele estar no lugar certo, na hora certa, a pessoa da arquibancada está
vendo, aí pega e leva, é assim que acontece.”
A dificuldade maior é patrocínio porque acaba se tornando uma seleção
cruel, não é uma seleção de aptidão, é uma seleção de circunstância, a
41
“Ação, projeto ou programa de iniciação e aprendizagem esportiva, que pode ser desenvolvido em
estabelecimentos de ensino público ou privado, centros esportivos públicos, clubes recreativos,
academias etc. Consiste no aprendizado decorrente da prática sistemática de determinada modalidade
esportiva, podendo tanto visar à formação do atleta como contribuir para a formação esportiva básica
do praticante. (IBGE, 2003, p. 163).
73
pessoa não tem condições de continuar e às vezes é muito boa e às vezes
alguém que não é tão bom continua, consegue continuar, e para os dois
sexos, independente de masculino ou feminino, acho que a falta de
patrocínio é primordial. É lógico que os patrocinadores também se
interessam por atletas de ponta, que já tem projeção porque afinal de
contas eles estão investindo, mas se não investirem nessa categoria de
inferiores, não vai ter astros, pode ser até que tenha, mas numa
quantidade bem menor. De repente investindo mais na categoria de base,
acho que teríamos mais atletas e estrelas, acho que teríamos mais gente
despontando aí, com mais talento, eles só querem investir em que já tem
medalhão.
Os próprios clubes não dão toda a assistência até mesmo para quem
precisa muito mais do que nós, eu já vi meninas treinarem com fome,
vindas de longe, sem ter um tênis para treinar, enquanto que outras
modalidades dentro do próprio clube são muito mais beneficiadas, até
mesmo com material que deveria ser nosso, é desviado para outra
modalidade, tudo isso rola, é uma política muito grande. Então dificulta
aquele atleta que tem potencial, que tem dom e está lá embaixo, ele
precisa de uma mão para poder subir e essa mão, ela demora muito a
aparecer.
Os patrocinadores, eles estão preocupados com o retorno da mídia
naquilo que eles estão investindo e geralmente em esportes grandes,
quase não aparece. Por exemplo, (a Ginástica Rítmica) que é o esporte
das minhas meninas. Acho que as dificuldades para meninos e meninas
são as mesmas, a maior delas é o patrocínio, essa seleção é muito cruel,
tem meninas da GRD que são maravilhosas e que não vão poder fazer
essa viagem sublime porque os pais não têm condições de mantê-las,
enfim, isso é muito cruel, muito cruel.
•
Grandes deslocamentos e falta de recursos para o transporte
Como já foi mencionado, os locais que oferecem oportunidades de prática esportiva
são distantes dos locais de moradia da população com menos recursos. Assim,
muitos deixam de praticar ou fazem grandes sacrifícios para conseguir bancar os
custos dos deslocamentos e das outras dificuldades decorrentes de vencer
diariamente as distâncias em condições precárias de segurança e, muitas vezes, em
horários noturnos que potencializam os riscos, ao menos da percepção dos
responsáveis.
Além do patrocínio a gente tem que procurar coisas realmente muito
longe. Eu moro em Jacarepaguá, (o local de treinamento) fica no Leme,
olha da onde eu venho, meninas! Até de Campo Grande, vêm treinar no
Leme. São duas hora de viagem, três horas de viagem para chegar e para
voltar. Na verdade, não dá nem para ser um treino muito grande porque
quando chega lá, já passou metade do dia, na viagem. Jacarepaguá para o
Leme, indo de ônibus, são quase 2 horas de viagem, então elas viagem 4
horas, na volta é 3, na ida é mais rápido.
74
•
Falta de tempo e rotina pesada
Elas treinam muitas horas por dia e se não forem organizadas, elas não
dão conta de mais nada na vida delas.
Na realidade, ela sai de casa 6h15 da manhã, só volta 8h30 da noite, quer
dizer, ela trabalha mais do que eu. Ela chega 8h30 da noite para fazer o
dever de casa. Eu fico com pena dela, mas ela gosta, eu não tenho pena
mais, ela gosta da situação dela, do que ela faz.
Realmente o nível está bem alto, está bem puxado, os treinamentos são
puxadíssimos, ela treina de segunda a segunda, não tem folga.
•
Distância entre o sonho e as possibilidade de vir a realizá-lo, gerando
desânimo e até depressão
Então ela está meia... com as dificuldades do dinheiro das passagens,
então ela está um pouquinho desmotivada. (E, referindo-se ao Grupo
Focal das atletas da pesquisa prossegue): vamos ver se amanhã, a minha
esperança, amanhã ela vai encontrar outras atletas, de repente alguma
menina que ela conheça, ela conhece bastante, e que ela dê um pulo de
animo.
Muitas meninas foram para os Estados Unidos o ano passado, só que
como não teve muita ajuda, acabaram voltando. Ela tem esperança de ir
também, apesar de que eu... É o sonho dela, eu não creio. Ela fala:
“quando eu for famosa, tu vai ver, eu não vou te dar a casa que você quer
morar lá em Copacabana...” É o jeito dela, eu não creio, sinceramente!
Mas Deus vai abençoar se é o que ela quer ou o que ela pede, o que ela
sonha para ela, o que eu puder ajudar, eu vou ajudar, mas eu não creio
porque falta muito patrocínio, ajuda, incentivo, já houve momento dela
ficar desanimada, dela faltar um pouco, deles perceberem a falta de
ânimo dela.
•
Construção de locais de práticas esportivas (Vilas Olímpicas) fora da
comunidade e às vezes em locais hostis e inseguros em função das
divergências entre facções do tráfico
A Prefeitura fez a Vila Olímpica da Maré lá no meio da favela de Nova
Holanda, quer dizer, é uma guerra danada, eu moro lá na Avenida Brasil,
eu preciso de um ônibus para chegar até lá, tinha um ônibus. Então as
minhas crianças faziam esporte na Vila Olímpica, acabou que tiraram
também o ônibus, justamente por causa de guerra, tiraram os ônibus da
gente, ali não temos mais ônibus dentro da comunidade para me levar até
a Vila Olímpica.
Facilidades percebidas para que as atletas ingressem e permaneçam no
esporte
Questionados sobre a existência de fatores facilitadores para a prática esportiva das
meninas, os responsáveis responderam traduzindo a questão em termos do que aqui
se convencionou nomear como “efeitos colaterais positivos” do esporte, que vão
desde a aquisição de determinados atributos avaliados positivamente pelos
75
responsáveis como organização, disciplina, responsabilidade, poder de superação,
amadurecimento, foco e bom manejo da rotina até o reconhecimento do esporte
como remédio para timidez, preguiça, rebeldia, desesperança em relação ao futuro e
mesmo depressão, passando pela idéia de que o esporte mantém a criança com
saúde, ocupada e afastada de determinados chamamentos negativos do mundo
urbano como o apelo das drogas. Ou seja, a julgar pelas percepções dos responsáveis
pelas atletas no Rio de Janeiro, elas estão se capacitando a ingressar no mercado de
trabalho com uma bagagem pessoal favorável como apontava a “pesquisa mãe” nos
Estados Unidos.
O esporte ajuda, ele ajuda a criança a se organizar, ele ajuda a criança a
criar compromissos, as rotinas.
Então a gente vê e continua motivando, deu disciplina para ela, a
disciplina foi uma coisa assim que agregou muito a ela.
A motivação, no começo eu que motivei muito minha filha a começar a
fazer esporte porque ela andou meio depressiva (...)
Parou de pensar um monte de coisas que não devia porque pela idade, é
uma adolescente, a gente sabe que é certo até que aconteça essas coisas,
mas com o Atletismo ela mudou muito o jeito dela e eu estou sentindo
que por um lado valeu à pena eu ter cortado um pouquinho porque hoje
ela está com outra cabeça e ela sabe que ela pode abrir uma porta melhor
para ela no futuro.
Então, quer dizer, coloca situações, momentos na vida de um adolescente
que ele descobre que pode superar, isso fez com que a minha filha
crescesse porque era preguiçosa, não tinha muito ânimo, tinha um gás
danado, não parava quieta, mas não sabia o que fazer. Quando descobriu
que realmente podia jogar Vôlei e sabia jogar, foi embora. E hoje, está
num nível que realmente eu não sei aonde vai parar.
Eu queria falar que o esporte na vida da minha filha foi fundamental
porque a minha filha era muito tímida, muito travada, não era assim de
muitos amigos, então depois que ela começou a fazer o Atletismo, aí
parece que abriu um novo mundo para ela, foi um leque assim.
O que melhorou foi ela como pessoa, ela fez outras amizades, ela
melhorou o comportamento dela, ela era meia rebeldezinha, ela
melhorou, ela amadureceu, ela melhorou bastante, passou a conhecer
outras pessoas e ela melhorou muito, o esporte ajuda realmente muito os
jovens, os adolescentes, até mesmo a não se envolver com drogas, com
outras pessoas de má índole porque a mente vazia, é oficina do Didi
(diabo), como diz todo mundo.
A tudo que vocês falaram eu agrego a questão da saúde, minhas filhas
não pegam nem resfriado, estão sempre com a saúde de ferro, é
impressionante.
Somente um responsável expressou-se diretamente em termos de facilidade:
A facilidade que eu vi assim com a minha filha também foi com relação,
ela ganhou uma bolsa de estudo também, estudou um tempo num colégio
muito bom, que se fosse para mim pagar eu não teria condições e hoje
76
em dia ela estuda num colégio dentro do próprio clube e lá no clube que
se ela ficar direitinho, não repetir nem nada, pode até chegar a faculdade.
Então isso foi uma coisa que eu achei que foi maravilhoso na vida dela
porque se fosse para mim pagar, ficaria superdifícil, então acho que isso
foi ótimo.
Sugestões para melhorar as condições de prática esportiva para as
meninas
De tudo o que foi levantado como dificuldades para a prática do esporte no Rio de
Janeiro, surgiu a formulação de algumas sugestões para superá-las:
•
Entrada em vigor e regulamentação da nova lei que vai facilitar o patrocínio
por parte dos empresários como já existe no setor da Cultura.
• Desenvolvimento do esporte universitário.
• Patrocínio que pode se efetivar na concessão de ajuda financeira para
alimentação, passe-livre nos transportes urbanos e ajuda financeira para
transporte para os locais de competição. Houve a observação de que, nos
esportes coletivos, o patrocínio tem que ser para toda a equipe.
• Bolsa de estudo para as atletas e maior divulgação da política de bolsas de
estudo quando ela existe, porque sem isso só mesmo com interferência divina
para obtê-las.
Foi a atleta que conseguiu atrair os olhares das pessoas que dirigem essas
bolsas, ela conseguiu através do profissionalismo, do dom dela, do
potencial dela, porque o clube nunca chegou para mim para dizer “olha,
vou dar uma bolsa para a sua filha, ela tem condições, ela tem futuro, nós
vamos investir nela” em momento nenhum. Simplesmente a mão de
Deus parou sobre ela e deu uma bolsa porque não foi o homem do clube
não, nós não pedimos, aconteceu realmente.
III.4. As vozes das atletas
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora
Antecedentes
As atletas foram indicadas por seus técnicos, professores, treinadores ou
responsáveis por projetos sociais. Muitas vezes, além do nome e telefone das atletas,
também recebemos o nome dos responsáveis pelas meninas. Em termos
operacionais, esse foi o contato mais difícil da pesquisa, porque implicava em
realizar três abordagens quase que simultâneas: convidar as atletas para participar do
Grupo Focal das Atletas; pedir que indicassem uma amiga não-praticante de
esportes para participar do Grupo de Não-Atletas e falar com os responsáveis e
convidá-los para participar do Grupo de Responsáveis por Atletas.
Algumas situações foram surgindo, tais como a participação das atletas nas provas
classificatórias para os Jogos Pan-Americanos (Pan), o que impediu a vinda de
algumas meninas. Até a véspera do dia da realização do Grupo Focal ainda tivemos
que lidar com esse tipo de questão: a impossibilidade de participação de atletas que
77
já haviam confirmado presença. Para compensar, conseguimos ter a presença de
outras meninas, inclusive de uma já classificada para o Pan.
Instituições e projetos sociais participantes do GF
Estavam representados no GF as seguintes instituições e programas:
Botafogo de Futebol e Regatas
Centro Educacional da Lagoa
Clube de Regatas Vasco da Gama
Clube Marapendi
Instituto Novos Talentos - Patrícia Amorim/Clube de Regatas Flamengo
Rede MV1 de Ensino
Team Chicago Brasil
A realização do GF
Chegamos ao local com bastante antecedência, para verificar a arrumação da sala e
distribuir os materiais que utilizaríamos ao longo do dia (fichas, certificados de
participação para as atletas, vales-transporte, crachás e brindes para todos), pois
teríamos dois Grupos Focais, o das atletas e o das não-atletas – meninas da mesma
faixa etária não-praticantes de esportes –, separados apenas por um almoço conjunto
com a presença de todos os participantes dos dois grupos.
Um pouco antes da hora combinada para o início do Grupo, começaram a chegar as
atletas. Algumas vieram acompanhadas de suas mães ou de pessoas conhecidas, que
ficariam aguardando até a finalização do trabalho. Outras foram deixadas no local
por seus responsáveis, que mais tarde voltariam para buscá-las. Poucas, duas
exatamente, vieram com as amigas que participariam do grupo da tarde.
Todas as atletas preencheram a Ficha de Perfil Socioeconômico.
As meninas que se conheciam sentaram perto umas das outras, como as do Futebol,
as do Atletismo e aquelas que vieram com as amigas. A presença maciça das
meninas cujos responsáveis haviam participado do Grupo no dia anterior,
demonstrou a confiança e a importância que os mesmos depositaram na pesquisa.
Na sala havia água e café para os convidados. Quando chegou o horário previsto
para o início do debate, as pessoas presentes que não fariam parte do Grupo, amigas,
pais e acompanhantes das atletas, foram orientadas para aguardar no andar térreo,
onde também foi oferecido café. Combinamos de avisá-las quando a reunião
terminasse.
Uma vez iniciado o grupo, que contou efetivamente com 12 atletas praticantes de 7
modalidades esportivas diferentes, a participação foi intensa, séria e sempre muito
atenta ao que as colegas diziam. Houve interesse na troca de idéias, em conhecer a
experiência do outro, em identificar as dificuldades comuns e em apontar
semelhanças. Acataram as propostas feitas pela facilitadora de forma organizada,
respeitando sempre a fala da companheira. Apesar de jovens, mostraram-se muito
maduras nas suas colocações e na postura que adotaram durante o debate.
Expressaram com muita clareza a consciência que possuem da sua condição de
78
atletas, jovens e mulheres, e dos desafios e limitações que envolvem a prática do
esporte no Brasil.
O pós-grupo
A alegria e a descontração do grupo transpareceu na hora da foto. Riram muito,
fizeram pose, brincaram, comemoraram o fato de estarem juntas e de terem tido a
oportunidade de se conhecer. As fotos do grupo registraram com fidelidade esse
estado de espírito.
Todas receberam o certificado de participação, o vale-transporte e o brinde.
Gostaram bastante.
Poucas atletas, menores de 18 anos, não tinham Termo de Autorização dos
responsáveis para participar da pesquisa. Para essas foi entregue um envelope
contendo o termo, selado e endereçado ao Instituto Noos, para que colhessem a
assinatura de seus responsáveis e colocassem no correio.
A maioria das atletas ficou para o almoço. Somente algumas precisaram ir embora,
pois tinham outros compromissos. As amigas das atletas e as outras jovens, todas
não-praticantes de esportes, que participariam do grupo de discussão na parte da
tarde, foram chamadas para se juntar ao grupo das atletas na refeição. Apesar de
algumas já se conhecerem, fizemos uma rodada geral de apresentações, antes de
servir o almoço.
Os pais e acompanhantes também foram convidados para o almoço. O clima era de
grande descontração, reforçado pelo cardápio saboroso e simples – pizza,
refrigerante e Bis de sobremesa. As atletas fizeram muitas brincadeiras com a
quantidade de carboidratos dos alimentos e a constante necessidade delas de fazer
dieta. Pediam mais um pedaço de pizza e um refrigerante light para contrabalançar.
Terminado o almoço, a maioria das atletas foi embora. Todas agradeceram muito e
se despediram de nós e das colegas com abraços e beijos. Apenas duas ficaram, para
aguardar suas amigas, que participariam do Grupo de Não-Atletas.
79
Foto 2
Participantes do GF das atletas e membros da equipe da pesquisa
Município do Rio de Janeiro
Principais pontos levantados na discussão
O que se pretende aqui é sistematizar as idéias que emergiram das discussões, à luz
das questões a que se pretendia responder. Procurou-se listar todos os aspectos
mencionados, independentemente de sua recorrência ou originalidade.
Os gostos e as idiossincrasias das atletas
A dinâmica quebra-gelo utilizada para iniciar os trabalhos foi a de pedir que, com
sua apresentação pessoal, cada uma falasse de uma coisa que gosta e de uma coisa
de que não gosta na sua vida. O quadro abaixo reúne as respostas obtidas e mostra
por que os responsáveis que participaram do GF anterior (na sua maioria vinculados
às mesmas atletas que são o foco desta seção) estavam preocupados com o espaço
ocupado pelo esporte na vida de suas filhas e, paralelamente, com o lugar reservado
para o estudo, avaliado por eles como fundamental. Quase a totalidade das atletas
elegeu a prática do seu esporte como uma coisa de que gosta muito (todas as que
praticam Futebol) e 5 delas (42% do total) declararam não gostar de estudar (aí
incluído o estudo em geral, disciplinas específicas e a leitura). Outra informação
relevante que se depreende do quadro é a importância da família na vida das atletas,
demonstrando reconhecimento pela imprescindibilidade do seu apoio para o
prosseguimento da vida esportiva, tal como ela se apresenta no município do Rio de
Janeiro atualmente. Aliás, como foi mencionado anteriormente, as atletas conferiram
nota média de 3,5 às condições que lhe são oferecidas para a prática do esporte. Tal
80
média mostra um grau de insatisfação ainda mais acirrado que o dos responsáveis
que ficaram com a nota média 5.
Quadro 13
Coisas de que as atletas gostam e de que não gostam na sua vida
Município do Rio de Janeiro
Uma coisa de que gosta na vida
Uma coisa de que não gosta na vida
Uma coisa que é primordial na minha vida é Uma coisa que eu não suporto é falsidade.
a minha família e o meu esporte. Para mim, é
estar competindo, a camisa, eu visto
realmente, é o que faço, é o que eu gosto.
Eu adoro música, tenho paixão por música, O que eu odeio é fazer dieta, regime, essas
curto muito.
coisas.
O que mais gosto é lançar martelo.
Não suporto correr.
Uma coisa que eu gosto muito é viajar com o Odeio perder peso. Não gosto de perder
esporte, com o pessoal.
peso.
Eu adoro o esporte que eu faço e estar Odeio estudar.
sempre com os amigos.
Eu amo muito estar sempre aprendendo, em Eu não gosto muito de gente preguiçosa.
qualquer lugar que eu vou eu tento aprender
alguma coisa com alguém.
Eu gosto de ouvir música, do meu esporte e Odeio acordar cedo também.
de meus amigos.
Eu amo muito jogar Futebol, é a melhor
Odeio estudar.
coisa para mim; a minha família que me
apóia muito; meus amigos.
Uma coisa que eu gosto muito é a minha Uma coisa que eu odeio muito é estudar
família, meus amigos e meu Futebol. O física, matemática, química e biologia...
esporte é uma coisa muito importante para também é aquela história.
mim.
Uma coisa que eu amo é minha família, meu Uma coisa que eu detesto é falsidade, mau
esporte, meus amigos e eu sou bem animada humor, desânimo, tudo que é pra baixo eu
e gosto muito também de aprender com as não gosto.
pessoas.
Uma coisa que eu amo assim é meu esporte, Coisa que eu odeio é matemática.
minha família, meus amigos.
Uma coisa que eu gosto é minha família,
Uma coisa que eu odeio é ler.
meus amigos, de competir.
Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007.
A motivação das meninas para a prática do esporte
Colocada a primeira questão na roda de conversa – a motivação para a prática
esportiva –, as atletas mostraram logo que seguiriam um padrão de objetividade que
não se vira no GF dos responsáveis: todas as que se propuseram a falar restringiram
sua resposta ao assunto em pauta. E essa foi uma constante durante todo trabalho.
Seria um indício das qualidades que se acredita adquirir com o esporte? Seriam os
seus “efeitos colaterais”?
Quase todas as atletas mencionaram a existência de dois momentos distintos: um
primeiro momento, de chegada, com sua motivação inicial e um segundo, de
81
evolução, depois que a prática esportiva passou a ser parte integrante de suas vidas.
Foram destacadas como motivação inicial: a saúde, a estética, o prazer, o gostar, o
convívio com os amigos, o aproveitamento do seu “dom” ou “talento” e a busca de
alguns dos “efeitos colaterais” percebidos como passíveis de serem adquiridos por
meio do esporte tais como disciplina, objetivo, foco, liderança e bom relacionamento
com a rotina.
Eu acho que o primeiro motivo é ter uma saúde boa e, dependendo do
esporte, sei lá, eu conheço garotas que querem deixar mais um corpo
bonito. Mas, sempre saúde, e também, claro, a gente tem uma motivação
para o esporte maior, a gente vai porque gosta, é o que a gente mais gosta
de fazer. (...) O esporte, por exemplo, ele te dá um objetivo, te dá uma
meta que você sempre vai seguindo, então é uma coisa que para quem,
digamos assim, é parado, preguiçoso, é a melhor coisa que tem porque te
dá um objetivo na sua vida.
Eu acho também que você ir lá para ver as pessoas, ver os seus amigos
também, é uma coisa ótima. A gente vai lá, conversa, brinca muito
também, pô, a gente ri o treino inteiro cara, não tem como a gente não se
concentrar, é muito legal isso também e também pelo prazer de jogar
porque o talento, aproveitar esse talento que a gente tem.
Eu fui mais por prazer, para conhecer um esporte, mas também você vai
ganhando motivação dos amigos, família etc. Aí você já tem aquele
prazer “pô, tenho que treinar, tenho que me esforçar, dar o melhor de
mim”; porque é assim: bem ou mal você tem aquele retorno, aí o pessoal
já vai te incentivando mais, aí você já vai tendo aquele prazer.
Outro aspecto a ressaltar é que praticamente todas falaram da motivação para a
prática esportiva na primeira pessoa como sendo uma escolha delas pessoalmente e
delas como mulheres. Houve apenas uma menção à motivação externa e uma
menção à entrada no esporte atribuída ao acaso.
O que me motivou a entrar no esporte foi o meu irmão, ele é mais velho
do que eu, aí ele começou a fazer Judô (...) e acabei entrando, com
disciplina e com o tempo eu fui gostando...
(...) no início você não gosta de fazer, mas depois que você faz... Eu
entrei no Atletismo meio que por acaso, eu não gostava e nem mesmo
conhecia, eu entrei por entrar, depois que eu comecei a fazer, você não
consegue largar, aquilo te domina de uma tal maneira, que você não
consegue ficar sem, se você pára, você sente falta, você se sente esquisita
por dentro, é muito bom, é uma coisa assim ótima.
Finalmente, vale destacar que, já nesse momento inicial do grupo, houve três
referências às diferenças de gênero, não por acaso partidas de praticantes de esportes
percebidos como masculinos: o Futebol, o Basquete e o Judô.
As atletas, em suas falas, chamaram a atenção para:
•
O fato de perceberem um maior envolvimento afetivo com o esporte por
parte das mulheres e um maior interesse profissional por parte dos homens;
82
Eu acho que nós mulheres, vemos o esporte bem diferente dos homens,
acho que o homem vê mais, além do profissional, vê tipo, dinheiro acima
de tudo. Acho que, por exemplo, no nosso time, a gente vê mais a
vontade, o prazer de jogar e vestir aquela camisa e ir lá e é o nosso time.
E muita vontade, a gente não vê muito o profissional.
•
A necessidade da mulher se afirmar e vencer preconceitos relacionados ao
fato de que pratica uma modalidade de esporte vista como masculina,
mostrando uma certa aceitação ao falar disto como um dado:
Eu acho que a partir do momento que você é mulher, você tem que ter a
sua vida, a sua independência, o esporte ajuda muito a você ter disciplina,
a ter liderança, independência. Eu, no Basquete, como é um esporte muito
masculino, meus pais nunca me apoiaram, sempre falaram: “vai fazer
balé, essas coisas”; eu não, me identifiquei com o esporte. Eu aprendi,
tipo, na minha faculdade, no estágio eu sou muito melhor do que algumas
outras mulheres porque elas não têm essa disciplina, acordar cedo, tem
uma rotina; o esporte só ajuda em todos os setores da vida, em casa
também faço as minhas coisas, ajuda em tudo, em toda a sua vida, o que
você aprende no esporte, você leva para o resto da sua vida em tudo.
•
A não valorização em nosso país das vitórias femininas no esporte, exigindo
das mulheres esforços extras para fazer suas conquistas:
(...) Consegui ganhar grandes títulos, que a mulher não chega aqui no
Brasil e não dão muito valor à mulher por isso, então eu acho que é muito
importante ter gana, querer conquistar alguma coisa.
Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no
esporte
As atletas demonstraram ter uma visão quase consensual sobre o que percebem
como suas principais dificuldades na vida esportiva: praticamente todas elegeram a
existência de preconceito, sem temer usar a palavra como faziam os responsáveis, e
a ausência de patrocínio como suas principais vilãs.
No que tange ao preconceito, elas percebem-no com várias faces/manifestações:
contra mulheres no esporte em geral; na própria equipe por parte dos participantes
masculinos, quando ela é mista; na família; no ato de preterir as mulheres na hora de
montar equipes de revezamento, mesmo na Natação que é um dos esportes
considerados “femininos”; e no não respeito às dificuldades específicas das
mulheres em determinados dias do mês em função do ciclo menstrual. Uma das
atletas chegou a situar o problema do preconceito no “pensamento das pessoas”,
demonstrando reconhecer que sem mudança de valores culturais, a situação prática
não se altera.
Aquelas pessoas, vou dar um exemplo, quando (eu digo) “ah eu jogo
Futebol”. (elas respondem): “Futebol? Cruzes, é coisa para homem”. (...)
A primeira coisa eu acho que é o pensamento, as pessoas deveriam
atualizar o pensamento, pensar mais para frente, nada de a mulher ou o
homem, eu acho que o sol nasce para todos; os direitos são iguais, se a
pessoa gosta, deveria fazer. Eu acho que o que impede é isso, é o
pensamento das pessoas.
83
Eu acho que, como elas falaram, realmente é a questão do preconceito
porque a maioria dos esportes, todo mundo fala que é esporte para
homem, tanto Futebol, Judô, quanto Atletismo, qualquer um. É esporte
para homem por quê? Porque os homens conseguiram chegar antes da
gente? Acho que é isso.
A gente faz Futebol, complica para caramba porque assim, eu antes de
entrar no time que eu jogo agora, eu jogava com homens, era escolinha de
homens e cara, eu era a única menina. Então era menino de 17, 18 anos
que (dizia): “ah, não pode pegar pesado com ela porque é menina, pode
machucar”. Então eu acabava me desmotivando porque se eles não
pegarem pesado comigo como é que eu vou aprender? Até hoje eu sofro,
esse “preconceito” na escola porque não acontece campeonato de Futebol
feminino e os meninos na aula de educação física formam o time deles e
danem-se as meninas. E é complicado porque isso é o que mais desmotiva
a mulher na hora do Futebol.
Primeiramente preconceito. Na Natação e de uma forma geral, sempre
tem um preconceito, preferência pelos meninos quando tem revezamento,
aí botam as meninas que sobrarem, aí as meninas vão, acabam
desmotivando. (...) Eu dei muita sorte porque a minha família desde o
início me apoiou, mas as famílias que apóiam; minha mãe fazia Judô,
minha avó nunca apoiou ela, falava que era coisa de homem. Agora,
Natação, por ter mais meninas, a minha família me apoiou, mas o que
supera é o patrocínio e o preconceito ainda mais por nós sermos meninas
ou mulheres. Mas eu acho que as mulheres hoje em dia estão mostrando
para a sociedade que nós somos capazes de mostrar o nosso potencial. Eu
acho que antigamente, competição, campeonato, olimpíadas, tinham
muitos homens, até hoje, são os homens que ganham e hoje em dia eu
acho que as mulheres estão mostrando que nós somos capazes e que nós
temos o nosso valor.
Já a falta de patrocínio é sentida basicamente para suprir as despesas com transporte
para os treinos, a ida para as competições, para apoiar o esporte de base que
possibilita a descoberta de “novos talentos” etc.
Acho que uma das coisas que desmotiva, não só as mulheres, mas
qualquer atleta, homem também, é falta de patrocínio, de ajuda de custo,
alguns querem chegar no nível alto e precisa de experiência, experiência
muitas vezes tem que ter dinheiro, precisa investir, e não há muito isso
principalmente nas categorias de base.
O patrocínio, eu chamo de paitrocínio, que a minha família que me
patrocina, quando tem assim, vários campeonatos, competições em outros
estados (...) também desmotiva e outras coisas.
A essas percepções hegemônicas das dificuldades somaram-se, em percepções mais
isoladas, à rotina muito pesada que as deixa sem tempo até para as amizades, para as
atividades em família e para o lazer; o excesso de exigência dos técnicos; a baixa
competitividade nas modalidades esportivas femininas e naquelas com poucos
atletas e poucos locais apropriados para a sua prática; e a necessidade de optar entre
o esporte e um trabalho que lhes garanta a sobrevivência quando chega a hora da
entrada na vida adulta que abre, inclusive, a possibilidade de constituir uma nova
família.
84
Eu que acho assim, o que mais desmotiva, além do preconceito, (que) a
gente vai superando porque a gente ama fazer o esporte que a gente faz,
mas chega uma hora (que), principalmente a menina mulher, que ela tem
que decidir: ou continua no esporte, e geralmente quem continua é porque
tem talento, o incentivo dos amigos, do técnico, ou ela vai se sustentar, ter
uma família. Chega uma hora... Eu, por exemplo, vou ter que parar de
jogar Basquete porque eu vou ter que me sustentar, eu só dou despesa em
casa, minha mãe tem que pagar isso e aquilo porque no clube ninguém
paga nada para ninguém. Cada dia da semana, eu tenho que correr num
lugar, eu tenho que pagar minha passagem para todos os lugares, eu vou
fazer 20 anos e minha mãe tem que ficar me sustentando no Basquete?
Invés de treinar todos os dias, eu treino 3 vezes por semana para 2 dois
dias trabalhar e poder pagar. Então chega uma hora na vida da mulher que
ela fala: “ou eu vou me dedicar ao esporte ou eu vou ser alguém”. (...) O
meu esporte, Basquete feminino, tem 3 times no campeonato na
categoria, não tem motivação. Quem vê a gente jogar fica admirado: “a
menina sabe jogar!” Mas não tem motivação, não tem como continuar,
não tem como ter continuidade numa coisa que não te dá retorno.
Outra coisa que eu acho que desmotiva também, por exemplo, Saltos
Ornamentais é um esporte muito pequeno, muita gente nunca ouviu falar
em Saltos Ornamentais, então aqui no Rio eu acho que existem 3 clubes,
o Fluminense é o maior do Rio, tem a (...) que é um clube que foi criado
no Maracanã e não é nem um clube, e o Vasco que eu acho que tem um
atleta. Então é um esporte muito pequeno. Eu acho que o governo não
incentiva o esporte, só tem 3 piscinas no Rio inteiro, acho que no Brasil
todo tem 5, 6 clubes, então é um esporte muito pequeno e você acaba (...)
não tem competitividade, não tem isso, não tem aquilo, você acaba (se
perguntando): “só tem isso?” E outra coisa também que eu acho, por
exemplo, quando você começa a chegar lá, o treinamento, os caras
querem te puxar mais, eles querem isso, querem aquilo, você começa a
perder o tempo de se encontrar com os amigos, começa a ter menos
tempo para estudar, tem que lidar muito bem com esse tempo, então a
sobrecarga que um atleta leva, você começa a ficar desmotivado: “a pô,
não quero mais isso, é muito difícil!” Então eu acho que o atleta tem que
ter cabeça para sempre levar para frente, tem que superar essas barreiras
aí, senão vai parar sempre no meio do caminho.
A gente é muito sobrecarregada, é muita coisa, muitas horas de treino e a
gente não é recompensada pelo motivo do patrocínio porque eu, no meu
caso, o meu treino é 7 horas da manhã, eu acordo 5 para sair de casa às 6
e chegar lá às 7, entrar na água gelada quando o aquecedor não está
ligado, então é muita coisa que você atura, aí o técnico cobra muito de
você. Agora, imagina, seu raciocínio lento, 7 horas da manhã, você tem
que aturar, nadar, nadar, nadar e depois sair do treino cansada, chegar em
casa, eu, por exemplo, quando eu chego é comer e dormir; aí os amigos:
vamos sair? Todo mundo animado, você quase morrendo e pensar que no
outro dia, no domingo, é o único dia que você tem para descansar, no meu
caso eu fico um pouquinho com os amigos e com a família porque cobra.
Na segunda-feira, tem que acordar cedo, ir para o colégio, tem que
chegar, curso, treinar, então a semana é muito sobrecarregada para você e
não ter recompensa, então desmotiva muito, muito. É muita coisa pesando
em cima de você e você não tem aquela recompensa, isso aí desanima
muito, muito porque você não tem aquela recompensa.
85
As deficiências das pistas de Atletismo (em número e qualidade) no Rio de Janeiro
foram ressaltadas por uma das atletas que pratica a modalidade lançamento de
martelo como sérias dificuldades para a prática de sua modalidade esportiva: “eu
achava que deveria ter mais pistas. Até tem, mas não tem a parte de lançamento. Eu
treino no baixo, é um lugar superpequeno, tem 37 metros, a minha melhor marca em
treino é 45 metros, então eu treino com medo porque pode cair na rua, já foi numa
árvore lá do lado de fora. (...) Então eu treino com medo. Não tem como eu me
soltar para poder melhorar a minha marca lá e não tem lugar para treinar; o que eu
vou fazer agora?”
As atletas mencionaram ainda como uma dificuldade a enfrentar a necessidade de
morar longe da família, vivendo em alojamentos, quando esta se apresenta como a
única possibilidade para prosseguir com os treinos. Dificuldades de relacionamento
são apontadas como muito relevantes na adaptação a esta situação de moradia
coletiva.
A maior dificuldade é a questão de alojamentos
Uma das maiores dificuldades é porque cada um tem um jeito, culturas
diferentes, são meninas diferentes, uma é (de) São Paulo, (outra de) Belo
Horizonte, então o que acontece? A maior dificuldade é interagir entre si,
é aquela coisa de dividir, então muitas vezes não dá certo. As meninas
têm aquela intriga, uma quer ser mais do que a outra, e na verdade não é
nada disso, todas ali tem o mesmo objetivo. Então para mim não deu
certo: eu morava com duas meninas, não deu certo, como eu conhecia
outra família, a menina era da mesma modalidade que eu, então essa
família me acolheu, foi totalmente diferente. Vai dormir àquela hora todo
o dia, é superchato, você não está na sua casa, você não pode abrir
geladeira, (tem que fazer na hora que bem entende), tomar banho, é
horrível, alojamento é horrível porque você não está com a sua família,
você não tem aquele apoio. Tem telefone, mas não tem a sua família
assim presente, pai, mãe, não tem, (fica) só durante a semana, que a gente
treina de segunda a sexta. Sábado e domingo quando não tem competição
ou não tem viagem, a gente vai para casa e é muito difícil isso. Para mim,
na minha concepção, alojamento é horrível.
O estar longe do ambiente familiar constitui-se em problema relevante porque, como
já havia sido fortemente enfatizado pelos responsáveis, o apoio da família também é
percebido pelas atletas como muito importante para driblar as dificuldades ainda
que, em muitas famílias, a persistência do preconceito contra a prática das mulheres
em algumas modalidades esportivas, acabe por aprofundar alguns problemas em vez
de resolvê-los.
E essa questão do preconceito é muito ruim porque eu sofri muito porque
nenhuma pessoa da minha família me apoiava quando eu era pequena, eu
comecei a jogar desde os 7 anos, ninguém me apoiava, todo mundo queria
que eu fizesse balé ou qualquer coisa feminina, só que ninguém gostava
de Futebol e eu lutei contra todo mundo aí até quando a minha mãe
acabou cedendo para mim, aí eu comecei a jogar pelo Team Chicago, mas
a minha família... cara, não tinha como eu agüentar a pressão que eles
fizeram. Vocês acreditam que tinha uma tia minha que ela não falava
comigo, quando ela olhava para mim, ela tinha nojo pelo fato de eu jogar
Futebol, ela olhava para mim com cara de nojo pelo fato de eu jogar. Aí,
86
para chegar no nível que eu estou agora eu tive que lutar muito, eu acho
que isso acaba levando as atletas a desistirem, pelo preconceito.
Tem o preconceito pelo esporte que você faz, mas uma coisa que faz
muita diferença é o apoio da família. Minha mãe, ela era professora de
bebê, de Natação, então ela teve 3 filhos, os 3 são atletas, ou seja, então é
um incentivo que eu acho que tem que ter da parte dos pais. Se os pais
são contra, já tem uma grande parte da sua motivação que acaba ali. Tipo
tem treino hoje, “pô, você vai lá treinar?” Você começa a ficar sem
vontade de fazer o que você faz, mas como ela falou, tem que ter força de
vontade – olha eu amo o que faço, eu quero fazer, então tem que apoiar.
A importância da família e dos amigos (para o bem e para o mal)
As falas sobre a família constituíram-se na ponte, na interseção, entre as dificuldades
e as facilidades percebidas para a prática do esporte. Quase todas as atletas disseram
perceber como facilidade principal para a prática do esporte, quiçá a única, o apoio
da família para incentivar, arcar com as despesas de transporte e de acesso às
competições, para elevar a auto-estima e para todos os demais aspectos também
levantados pelos responsáveis nas suas falas. Ao apoio da família, seguiam-se o dos
amigos, o de suas próprias equipes esportivas e do seu técnico/treinador. Contudo,
revelando um senso de ponderação superior ao que se poderia esperar em sua idade,
algumas atletas relativizaram a importância dessas facilidades, pois percebiam que
vários fatores podem atuar tanto positiva como negativamente, dependendo das
circunstâncias e da forma de pensar de cada pessoa: a família, a falta de tempo, o
preconceito, a falta de patrocínio etc.
Bom, ela estava falando o negócio de família. Tanto que quando eles não
te apóiam é ruim quanto quando eles te apóiam é a melhor coisa que tem.
Acho que a mesma força de vontade que ela falou, como a família, pode
atrapalhar, os amigos com esse negócio de preconceito, também podem
ajudar.
Eu acho que outra coisa também é essa parada dos amigos te chamarem,
você não poder ir porque você tem treino, tem que acordar cedo, não só te
desmotiva, mas se você tiver outra cabeça, você vai chegar – já que eu
não vou lá, eu vou me dedicar mais ainda para compensar. Tipo, já que eu
estou fazendo isso, eu vou fazer direito. Então, se você pensar pelo outro
lado, é um incentivo também, toda a coisa eu acho que tem um lado
negativo e um positivo também se você pensar melhor.
Mesmo destacando o lugar privilegiado que reservam ao papel da família – “a única
facilidade que eu encontro é a coisa da família porque o resto é tudo para te
atrapalhar, entre aspas, porque é muita coisa contra você para uma coisa te
favorecer” –, as atletas também destacaram aqueles momentos em que a família atua
negativamente: sua participação nas competições pode ser “constrangedora” por
expressarem publicamente uma torcida desmedida ou por expressarem em altos
brados suas opiniões a favor ou contra a atuação da “sua” atleta, sendo motivo de
“zoação” para ela; o ceticismo da família quanto ao “talento” ou a capacidade da
atleta também pode ser motivo de desestímulo e desistência para a atleta.
A minha família nunca teve uma competição que eles não deixaram eu ir,
pode ser lá onde São Judas perdeu as botas, eles estão lá me apoiando,
87
incentivando. Assim às vezes é um pouco constrangedor. A mãe fica
gritando lá “filhinha, mamãe te ama!” Apesar de que você não ouve nada,
eu não ouço nada, estou na água, estou nadando, não ouço nada, então é
um pouco chato porque pega muito no pé.
Quando tem competição, meus pais vão, meu irmão (...) Meu pai, elas
(referindo-se às amigas) ficam até me zoando porque meu pai, tudo o que
eu faço de errado no Futebol ele grita: “pô filha (nome da filha), por que
você faz isso?” É muito complicado porque a gente vencia, elas vinham
me zoar – “pô, tá vendo, é graças ao grito do seu pai: vai filha (nome da
filha), vai!”
Muitas vezes também a família apresenta, no seu interior, posições antagônicas
quanto à atleta, opondo pais e mães sobre o assunto, mas gerando um mecanismo
compensador para a atleta que, se não tem o apoio total e incondicional de seus
responsáveis, pelo menos é amparada por uma parte da família. Foram citadas
situações de preconceito da mãe versus a admiração do pai, de estímulo da mãe
versus a crítica contundente do pai que foi jogador da mesma modalidade e assim
por diante. Contudo, há convergência para a idéia de que “se você mostra
resultados”, o reconhecimento tende a aparecer e as oposições tendem a se acabar:
Então se você mostra o resultado, as pessoas acabam que vão se
convencendo, mesmo que não apóiem, se convencem. (...) (Então) você
quer continuar, você quer mostrar para mais pessoas que você é boa.
A família, como ela disse, quando eles vêem realmente que você tem
potencial, que você pode chegar lá no topo, eles começam a acreditar em
você e te apoiar.
No mesmo sentido do apoio da família atuaria o do técnico que, com mais
propriedade “porque é ele quem sabe mais do negócio”, pode ser muito incentivador
ou motivo de desistência conforme o seu tipo de atuação. Um comportamento
apreciado pelas atletas inclui a crítica que vem junto com a “dica” de melhora e não
apenas criticar sem dizer continuamente para a atleta “você tem jeito para a coisa”,
“você tem talento”, “você está melhorando”. Outro ensinamento importante que
deve partir do técnico é o comportamento equilibrado em relação às expectativas de
vitória em um jogo ou competição – ele tem que ensinar a “nunca entrar de salto
alto!”.
O apoio do técnico é muito importante, o da família é essencial, mas o
técnico sempre está falando que você está melhorando, a cada dia é muito
bom escutar. Eu treinava Vôlei de Praia, eu desisti, não desisti, não quis
mais porque o meu técnico era muito chato, ele reclamava de tudo. (...)
Reclamava, tinha uma cobrança muito forte e eu não agüentei a pressão,
aí eu sai e fui para a quadra. O meu técnico é superlegal, fala com a gente
para a gente melhorar, dando dicas, sai com a gente, anima a gente. Acho
que a cobrança tem que ter, mas tem que saber cobrar. (...) Se você pega
um técnico bom, sempre fala “você está melhorando a cada dia”, vai te
motivando. Acho que o técnico é muito importante.
Além da importância dos diversos apoios, também foram mencionadas como fatores
facilitadores da prática esportiva a pessoa ter certas características tais como “força
de vontade”, “garra”, “determinação”, esforço, comportamento dócil no sentido de
“ficar calada e não reclamar”, “saber levar certas coisas”, “empurrar com a barriga”
88
e ter “capacidade para engolir muito sapo”. Uma atleta acrescentou que acha que as
meninas têm mais estas qualidades que os meninos e que devem persistir sempre,
mesmo remando contra a maré, porque isto se reverterá não apenas em benefício
próprio, mas como fator de mudança benéfica para todos.
Os meninos costumam ser mais “ai não sei, ai não deu, então vou para
casa, senão vou fazer outra coisa”. Eu acho que quanto mais você tenta, o
pessoal fala que não que não deve ir, eu acho que mais você deve insistir
naquilo porque ali você está abrindo as portas para você e para outras
pessoas que estão vindo atrás e é melhor quando você chega num
determinado lugar onde você queria você olha e fala: “nossa, cheguei
aqui, eu estou aqui, eu mudei esse preconceito, eu mudei esse
pensamento.” Eu acho que isso é que ajuda: a força de vontade.
Apoio da equipe versus competitividade
Já foi dito que o apoio das equipes esportivas nas quais as atletas praticam sua
modalidade de esporte é por elas percebido como um fator facilitador dessa prática.
Contudo, este aspecto mereceu destaque especial porque, ao tratá-lo, o grupo fez um
conjunto de considerações sobre a questão correlata da competitividade, da
rivalidade entre as atletas. O assunto emergiu na conversa quando se tratava dos
fatores facilitadores e, por parecer relevante, de pronto abriu-se espaço para ele.
Seria a competitividade um elemento impeditivo da solidariedade na equipe?
Haveria distinções importantes quanto a isso tratando-se de esportes individuais ou
coletivos? Qual o papel das relações pessoais sobre o efetivo apoio mútuo nas
equipes?
Tentando responder a essas perguntas à luz das informações prestadas pelas atletas,
pode-se dizer inicialmente que as atletas estiveram bem longe de chegar a um
consenso sobre o assunto. Em debate acalorado ainda que sempre cordial, o único
que gerou um momento em que todas falaram ao mesmo tempo e foi necessária a
intervenção da facilitadora, algumas achavam que o apoio da equipe era sempre
possível em qualquer modalidade esportiva; outras que ele só era possível em
condições especiais; outras achavam que ele era mais possível nos esportes coletivos
e outras achavam que havia pouca diferença entre modalidades coletivas ou
individuais. No entanto, havia consenso sobre a influência benéfica das relações de
amizade sobre o tipo e a intensidade do apoio que a equipe podia prestar a seus
membros individualmente. Sistematizam-se a seguir os principais argumentos
levantados a favor e contra cada uma das posições.
•
Apoio versus rivalidade: a rivalidade e a disputa são parte da cultura geral da
sociedade e existem em todos os lugares. Contudo esta rivalidade pode gerar
coisas perversas ou ser uma “rivalidade saudável” que respeita e convive
com o companheirismo e isto pode ser construído tanto nos esportes
coletivos como nos individuais. A rivalidade saudável é definida como
aquela que existe “para ajudar o time e não para atrapalhar o atleta e a
equipe”.
Aquele negócio de disputa sempre tem, mas isso é normal, é coisa da
sociedade, é uma lei na verdade, em qualquer lugar você vai ter disputa.
89
(Referindo-se à pequena equipe de saltos como um exemplo de rivalidade
saudável) Então 2 meninos, eles são superamigos, desde que começaram
a saltar estão os 2 lá e eles têm a mesma idade, ou seja, para o resto da
vida eles vão competir entre si. Então eu acho muito legal isso porque um
vive na casa do outro, eles se dão sempre bem, estão sempre andando
juntos, então eu acho que esse negócio de rivalidade, tem que ser
rivalidade saudável. Eles são muito amigos, mas chega na hora da
competição: “eu vou te ganhar, eu vou tirar mais nota do que você”.
Então eles estão sempre brigando mesmo no treino, (se) tem que tirar um
salto novo: “eu vou tirar antes de você!” Então é uma briga muito
saudável que acaba levando os dois para frente. Eu acho que tem que ter
companheirismo mesmo competindo um entre os outros.
Eu acho que é muito relativo: é sempre bom ganhar título, medalha, só
que está todo mundo com um único objetivo, ganhar pela equipe, então
por mais que tenha rivalidade, está todo mundo unido para ganhar para a
equipe e não para si. Tem muita rivalidade, mas como ela falou, tem que
ser aquela saudável, para ajudar o time e não atrapalhar o atleta, não
atrapalhar a equipe.
•
É possível existir solidariedade e apoio mútuo mesmo nos esportes
individuais nos quais, em princípio, cada atleta está pessoalmente
perseguindo o mesmo objetivo das demais. Isso acontece não só quando as
boas relações pessoais se estabelecem – afinidades aproximam pessoas com
o mesmo objetivo – como também porque existem os ganhos de equipe além
daqueles de cada atleta. Uma atleta mencionou que para ela isso é tão
verdadeiro que ela já teve a oportunidade de sofrer com a solidão em
competições individuais de Atletismo para as quais somente ela, em toda a
equipe, havia sido classificada.
O ano passado eu fui para o brasileiro, em Fortaleza, a única pessoa da
minha equipe de Atletismo foi eu. Então assim, pode não parecer, mas eu
tenho uma dificuldade de chegar e falar: “oi, bom-dia, como você está?”
Aquela dificuldade de chegar na pessoa, então eu fiquei muito só e por
isso, um dia antes da minha competição eu tive febre emocional.
Acho que isso depende muito das pessoas que estão presentes. Lá onde eu
treino, eu tenho três adversárias com o mesmo tempo que eu e eu não
tenho problema com nenhuma. Eu acho que eu tenho muita facilidade,
assim, de conhecer pessoas, ter amizade, então para mim isso nunca foi
problema, independente de ter o mesmo objetivo dentro de uma equipe,
mas se é uma equipe um tem que ajudar o outro mesmo no esporte
individual, o Judô também (...) tem competição por equipe, então um
precisa ajudar o outro. Depende do clube também, como é muita gente
adulta, o pessoal não dá muita importância para o pessoal juvenil, júnior
porque 15, 13 anos, 17, então o que ajuda a gente são os próprios atletas e
isso faz com que eu me motive para continuar.
•
É mais fácil existir solidariedade e apoio mútuo nos esportes coletivos
porque neles a responsabilidade da vitória e da derrota é de todos e porque
nos esportes coletivos são as equipes que conseguem ou não se classificar.
Contra-argumentam outras atletas dizendo que nos esportes de equipe há
disputa interna pelas vagas de titular e que isto gera situações de rivalidade
significativas incluindo até mesmo insultos, maledicência e difamação
90
pessoal das “adversárias”. Uma outra percepção das atletas é a de que tudo
pode ser contornado se algumas providências forem tomadas para que
prevaleça o espírito de equipe: não haver titulares fixos, o incentivo ao
pensamento efetivamente coletivo e de respeito à equipe como tal e para que
o foco seja nos resultados que a equipe pode alcançar.
Em grupo eu acho mais fácil porque ganhou o grupo, ganhou todo
mundo; perdeu o individual é aquele negócio, você é ruim, você é
ridícula, você perdeu. Também tem a pressão do técnico, lá, falar não
adianta porque você não ouve, você ouve aquele assobio, aí vem ele
gritando, aí na hora do nervosismo, “sua filha daquilo”. Então eu acho
que tem muito preconceito, eu acho muito mais difícil o individual do que
em grupo: em grupo, ganhou? Ganhou as 4. Perdeu? Perdeu as 4.
Ganhou? Ganhou a equipe. Perdeu? Perdeu a equipe. No individual, a
família já tem aquele negócio, tinha que ser melhor, tinha que nadar mais
rápido, tem que treinar mais...
Lá no clube, mesmo sendo um esporte em equipe, (há rivalidade) porque
disputam uma vaga para titular. Eu sou uma das mais velhas do clube,
mesmo que eu fosse muito ruim, eu ia ser titular. Lá no clube é assim: é
velha, é titular. Aí, as meninas mais novas invés de ter essa mentalidade
“vamos tentar melhorar, para todo mundo crescer”, no clube não. É um
desestímulo total. (...) Tenho a minha posição lá garantida, as meninas
acham isso um desestímulo, não treinam, reclamam, fazem coisas para
me prejudicar. O Basquete é um esporte masculino, bastante. Eu (...)
namoro há 5 anos, elas ligam para a minha mãe para dizer que eu sou
lésbica, fazem de tudo para me prejudicar, de tudo. Então, (...) eu sempre
quis fazer esporte individual para ninguém me prejudicar. Eu não pensava
que era assim, mas tem muita gente que quer te passar a perna, muita
gente.
Quando eu era do clube xxx era aquela coisa, me incentivavam. (...)
Quando era individual tinha aquele negócio de união, agora, quando era
revezamento, era horrível porque naquela hora, é nervosismo, era
individual e você tinha que bater o menor tempo para entrar no
revezamento, só eram 4 vagas e eram as mais competitivas, eram as mais
rápidas para entrar no revezamento. Então quando eu entrava e uma
menina da minha idade não entrava, aí falava, aí vinha fofoca, muito
preconceito.
Não tem vaga lá garantida, não tem titular, titular mesmo, ele muda várias
coisas e assim acaba mudando a cabeça de pessoas que estão fora:
“peguei a vaga de fulano” porque a gente pensa muito em grupo. (...)
(Pensa assim): “ela deve ter se esforçado muito mais do que eu para poder
conseguir o objetivo dela”. A gente não tem muito esse lado. É
supertranqüilo, não é só individual, a gente não pensa individual. Perdeu,
ninguém põe culpa em ninguém, tipo: “você errou!” Tem vezes que a
goleira franga, a gente fala: “não foi culpa da goleira, foi culpa da zaga,
do meio, do ataque que deixou o adversário chutar”. Então lá, a gente não
põe culpa um no outro, é levantar a cabeça e seguir em frente em busca
do resultado.
•
Não há diferença entre os esportes coletivos e individuais no que tange à
possibilidade de ajuda mútua e são as relações pessoais entre os(as) atletas
que vão condicionar a prevalência da ajuda ou da rivalidade.
91
Eu já fiz Basquete que é um esporte em grupo e hoje eu faço Atletismo
que é individual. (...). No Basquete é legal, é coletivo, mas tem aquela
menina que é reserva, ela também quer jogar, também quer mostrar que é
boa. Eu acho que todas as partes, dependendo do esporte, tem aquela
competição e (também) no Atletismo é individual. Assim, a cada
determinado lugar você é apegado a cada pessoa. No meu clube eu sou
apegada com uma menina que chegou no mesmo tempo que eu. Calhou
da gente fazer a mesma prova, já deu vezes que eu fui na frente dela e ela
foi na minha frente, mas eu acho legal porque, vamos supor, numa
competição ficam 8 para ganhar pontos, sempre na competição tem mais
de 8, já aconteceu de eu ficar entre as 8 e ela não, mas estar ganhando
ponto para o meu time e eu acho isso muito legal. Eu não consegui, mas
ela conseguiu, que bom, ela chegou lá, ela ganhou ponto para o meu
grupo. (...) Eu acho que em todos os lugares tem isso tanto no coletivo
como no individual. E eu sinceramente não acho nenhum dos dois
melhores, os dois são a mesma coisa, eu não sinto tanta diferença do
coletivo para o individual.
Eu tenho amizade com a xxx1, e com a outra menina, a xxx2, mas têm
algumas que eu não me dou bem, então o que acontece? No clube xxx
quem faz melhor a minha modalidade sou eu, então as coisas que eu
aprendo eu tento passar: “xxx1faz isso, xxx2 faz isso que você vai
melhorar”. Mas, tem rivalidade entre si, da própria equipe, e das outras
equipes também.
•
Outra razão de falta de solidariedade na equipe: o preconceito social –
“pobres” versus “ricos”: sobre este aspecto discorreu uma atleta em
especial, moradora de comunidade carente, que, ao conquistar com seu bom
desempenho esportivo a oportunidade de treinar em um clube da zona sul do
município do Rio de Janeiro, sentiu-se altamente discriminada pelos demais
esportistas.
Hoje, eu estou no clube xxxx, que também tem um preconceito social que
por eles serem ricos, tem aquele preconceito porque (são) classe média,
classe alta. Eu, para me adaptar, eu fiquei um mês sem falar com
ninguém. Eu chegava lá (dizia) “boa-tarde, boa-noite, tchau”, um mês,
então é muito difícil, minha (nome da responsável) foi me levar um mês
direto e falava assim “oi, tudo bem?” Que eu peguei amizade mesmo
foram 3 meninas. Meninos então nem fala, nem olha para a tua cara, eles
dão aquele ar de nojo. Quando você entra na piscina tem aquele ar de
nojo por você ser “pobre”, não ter patrocínio. Eles chegam lá com roupa
de marca, tênis de marca, então tem muito preconceito social também.
Então eu falo com 3 meninas e acho já é muito porque falar com 3 eu
acho muito! Tem muito preconceito. E acho que por ser menina, temos
que provar que nós somos melhores mesmo porque é muito difícil.
As atletas e os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro (Pan)
Pelo fato de a pesquisa realizar-se no Rio de Janeiro e em São Paulo, não houve
questionamento específico sobre a realização dos Jogos Pan-Americanos no
próximo mês de julho de 2007. A idéia era ver se o assunto surgiria
espontaneamente para perceber até que ponto o evento estava na cabeça das pessoas
entrevistadas nos dois municípios. De fato ele apareceu e era algo muito presente
92
para as atletas cariocas e relativamente distante dos participantes dos diversos
grupos paulistanos, como será destacado no capítulo IV.
O assunto do Pan emergiu ainda no bojo da discussão sobre competitividade versus
apoio da equipe:
É que esse tema que estava se falando aqui é muito legal, é uma
motivação a mais para o Pan, nós não temos um campeonato legal que
tenha uma certa divulgação para motivar as atletas. Mas essa história do
Pan é legal porque estar vendo o outro time jogar, dependendo, é muito
legal você ver pessoas que fazem tudo para ganhar o título, então você
está lá vendo, você pensa: “eu vou me esforçar, eu vou dar tudo de mim
para no próximo Pan eu estar lá junto com as meninas, ajudando a
equipe”. Eu acho que motiva muito esses jogos, acho que deveria ter
mais.
Outra percepção expressa é a que diz respeito à importância de ver/participar de
eventos esportivos internacionais como meio de conhecer as estratégias e os estilos
das equipes dos outros países:
(Referindo-se especificamente ao Judô): É ótimo! Tem várias pessoas lá
do novo circuito europeu. Cada continente, cada um, tem a sua
característica: o pessoal do Japão, da Ásia (…) é mais técnico; o pessoal
do leste europeu tem mais força; o pessoal que treina com a gente e que
viaja, traz esses novos golpes. Para a gente, é ótimo aqui no Brasil porque
a gente pode usar, a gente ganha técnicas novas, eu acho que é ótimo para
o esporte.
Ainda falando do Pan, logo surgiu a expressão do sentimento de revolta pelo fato de
não ter havido uma seleção de atletas que teriam direito gratuitamente aos ingressos
do Pan. Nem os atletas classificados vão estar “convidados” para assistir aos jogos.
Por outro lado não se trata apenas de pagar, mas do valor altíssimo dos preços
cobrados que inviabilizam a participação da grande maioria das atletas, mesmo para
as que vivem no município onde o evento vai ser realizado. Outra conseqüência da
limitação à assistência dos jogos é a perda de oportunidade de motivar/conquistar
crianças, jovens e adultos para a prática esportiva.
O pessoal da Confederação deve dar ingresso para quem é atleta, que já
foi para campeonato fora, deve ganhar ingresso e a gente não vai ganhar,
a gente vai ter que comprar ingresso como todo mundo. A gente não vai
ganhar, é absurdo isso! Que incentivo você tem? Eu estou lá, você tem
incentivo, quero estar lá da próxima vez, então se você ganha o ingresso,
você olha de perto, as melhores da América, é um incentivo muito grande
e você tem que pagar para assistir isso num lugar que está muito perto de
você? Você não tem incentivo tão grande, então eu acho isso muito
errado.
Em relação ao que ela falou, se nós quisermos ir no Pan, nós temos que
pagar e é um absurdo o preço que eles cobram; a gente podendo ganhar
um ingresso ou fazendo um esforço para pagar meia, mesmo meia é um
absurdo; você não vai querer ver uma competição, você não vai querer
ver a abertura e o encerramento, você vai querer acompanhar todas para
você ir se espelhando, incentivando, motivando. Então se você for
calcular o que você for querer ver e o que você vai gastar, é uma coisa
93
que você fala assim – “eu nunca vou conseguir ver o que eu quero”. Até
porque não é uma competição que ela vai participar, são várias, então
você vai querer ver, incentivar a pessoa que vai no Pan e vai competir e
não vai poder por causa que vai estar muito caro, então é muito ruim
mesmo pagar meia.
Eu acho que é assim, esse negócio do Pan, eu acho que não só a gente que
vai ver as competições, mas nunca tem um evento de tal grandeza no Rio
nem no Brasil, aí tem os meninos e as meninas. Podia ter um incentivo
gigantesco para praticar esporte assistindo essas competições, não vão,
não tem dinheiro para ir. (...) Eu acho que estando a competição aqui, no
Rio, que você fazer com que o jovem entre no esporte (...) Para mim,
depois do Pan tinha que ser assim: 150 mil pessoas nas escolinhas porque
viram quem ganhou, é um espelho. (...) Tem que ter um incentivo para
todo mundo, não só para quem está lá participando, porque vai chegar
uma hora que o meu esporte vai acabar, eu acho que ninguém mais vai
querer fazer Basquete feminino, não tem incentivo nenhum, vocês têm
que mostrar os prós e não só os contras.
Essa coisa sobre a importância de “olhar de perto” acabou por trazer para o debate
um dos pontos recorrentes na literatura sobre gênero e esporte: a questão do
“espelho”. Parece ser de grande valia para as atletas ter alguém em quem se
“espelhar”: uma outra atleta, da mesma modalidade esportiva que pratica ou não,
que obteve um êxito que seja aspirado por ela. Ao que tudo indica, a meta fica mais
fácil de perseguir quando se materializa em alguém que você admira e que chegou
onde você pretende chegar. Mais ainda se você conhece a pessoa. Sobre isto, assim
se expressaram as atletas que participaram do grupo no Rio:
Eu também conheço a Juliana Veloso42, não assim de contato como você,
mas por ela treinar lá e por estar fazendo ou fez, não sei, faculdade no
Benett e eu estudo no Benett, então eu a vi. Então pelo esporte que você
faz, dá uma motivação para mim, eu faço Futebol, não tem nada a ver,
mas se eu conhecesse as meninas que vão participar eu acho que ia me
motivar ao máximo, ia fazer de tudo para que um dia eu possa estar lá,
então a motivação é 100%.
É legal você conhecer pessoas que fazem o mesmo esporte e foram
convocadas. Para o Futebol feminino, agora para o Pan, foram
convocadas 6 amigas minhas. Então você se espelha nessas meninas que
chegaram lá em cima, conseguiram, se esforçaram e é uma motivação e é
igual a ela, elas conseguiram, por que eu não posso? É muito legal.
Eu acho que isso é realmente, eu sempre costumo treinar do lado da
Juliana Veloso, então é uma ótima base para mim, eu estou sempre
olhando ela, ela está sempre me incentivando, ela está sempre falando
(que) eu tenho que fazer um salto novo, ela chega assim “duvido que você
vai fazer, se você fizer, vou te dar tal coisa”. Ela fica apostando comigo
para eu fazer as coisas.
É importante ressaltar que “o Pan do Rio vai registrar o dobro do número de
menores de idade em relação ao de Santo Domingo, disputado em 2003. (...) Com
boas chances de ir ao Pan, atletas que ainda não chegaram à maioridade se sujeitam
42
Juliana Veloso é uma saltadora carioca de 27 anos que obteve medalha de prata nos Jogos Panamericanos de Santo Domingo em 2003, na plataforma de 10 metros.
94
a responsabilidades e cobranças de grandes ídolos. (...) Eles serão os futuros ídolos
do esporte brasileiro. Para alcançar tal status, eles assumem responsabilidades de
gente grande e se sujeitam às mesmas regras e cobranças dos atletas consagrados na
luta por medalhas. E espelham-se nos ídolos de agora”. (O Globo, 2007, p.3)
Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva
Foi colocado para as atletas, ao final do grupo, um desafio: se elas fossem escolhidas
secretárias municipais de esporte do Rio de Janeiro, que providências tomariam para
melhorar as condições da prática esportiva no município?
Eis as respostas:
•
•
•
•
•
•
•
Dar ingressos aos atletas para assistir aos jogos do Pan.
Dar aos atletas uma “carteirinha de gratuidade no transporte” ou pagar de
alguma forma a sua passagem para os treinos.
Construir mais equipamentos esportivos, locais para a prática de todos os
esportes e não só do dominante no país, pelo menos um em cada bairro. Isto
incluiria mais piscinas adequadas à prática dos Saltos Ornamentais para
poder ampliar a modalidade; mais pistas de Atletismo adequadas à prática de
suas diversas modalidades; mais piscinas para treinamento de Natação para
permitir que o treino respeite o limite máximo por raia, que hoje é excedido.
Concluir rapidamente as construções do Pan, para propiciar diferencial de
tempo de treinamento para as atletas do próprio município.
Promover ações de incentivo ao esporte de base para propiciar o ingresso de
crianças na vida esportiva.
Melhorar o ensino da educação física nas escolas públicas e particulares.
Não fechar os locais de treinamento esportivo já existentes em função da
inauguração dos novos, construídos para o Pan; manter todos em
funcionamento após a realização do evento.
III.5. As vozes das não-atletas
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora
Antecedentes
Esse grupo apresentou uma certa dificuldade na sua constituição. Em muitas
ocasiões, as atletas, as primeiras fontes de informação para a montagem do grupo,
não tinham como indicar pessoas que atendessem às condições solicitadas: ser
mulher, ter entre 12 e 18 anos e não praticar esportes. Após a realização do Grupo
Focal com as atletas, entendemos um pouco melhor os motivos para o baixo número
de indicações: grande parte das amigas das atletas são pessoas que também se
dedicam ao esporte, mesmo no caso do esporte individual, e a rotina bastante puxada
das atletas, cujo tempo disponível para atividades sociais é bastante reduzido.
Como não foi possível atingir o número desejado de participantes a partir das
indicações das próprias atletas, entramos em contato com pessoas da nossa rede de
relações mais próxima (trabalho, amigos, líderes comunitários etc.), em busca de
jovens que satisfizessem as condições necessárias para participar do grupo, inclusive
as características de diversidade necessárias em termos de locais de moradia e nível
95
socioeconômico. Muitos convites não foram aceitos devido ao fato do grupo estar
marcado para o feriado de 21/04 (sábado), seguido de outro feriado na segunda-feira
– 23/04 – Dia de São Jorge. Após muitas tentativas, conseguimos montar um grupo
com 11 pessoas confirmadas, das quais compareceram 9.
A realização do GF
Algumas das meninas chegaram junto com as atletas já na parte da manhã,
aproveitando a companhia no deslocamento. Ficaram um pouco conosco na sala até
a hora de iniciar o grupo de discussão das atletas que antecedeu ao delas. Nesse
momento, desceram para a sala de espera do andar térreo, que dispunha de um
aparelho de TV, além de jornais e revistas, e onde foi servido um cafezinho.
Um pouco antes do término do grupo de discussão das atletas, a facilitadora assumiu
a gravação das falas e a assistente de pesquisa desceu para receber as demais nãoatletas que iriam chegar para almoçar com as atletas antes de participar do seu grupo
de discussão na parte da tarde.
Encerrado o GF das atletas, todos os presentes, inclusive pais e acompanhantes,
foram convidados para participar do almoço conjunto. Apenas uma pessoa preferiu
não almoçar. O clima entre as atletas já estava bastante descontraído e ficou ainda
mais animado com a chegada das amigas e das demais não-atletas.
O almoço transcorreu de forma tranqüila, todos conversavam entre si e se
mostravam bastante à vontade para se servir. No final do almoço, a maioria das
atletas se despediu, agradecendo o convite para participar da discussão em grupo e
também para o almoço. Apenas duas atletas desceram para aguardar suas
companheiras que iriam participar do grupo de discussão da tarde.
A equipe da pesquisa cuidou da reorganização da sala, com a ajuda de todos, e
rapidamente iniciou-se o grupo das jovens não-praticantes de esportes.
Todas as participantes receberam e preencheram a Ficha de Perfil Socioeconômico.
As eventuais dúvidas foram esclarecidas pelo pessoal da pesquisa e após assinarem a
lista de presença, teve início o trabalho.
É preciso destacar que esse grupo foi pensado como contraponto ao das atletas, que
respiram esporte 24 horas por dia e que, nem por isso, deixam de ter outros
interesses que nem sempre conseguem pôr em prática porque o tempo das pessoas é
finito e é preciso estabelecer prioridades. O GF das não-atletas foi mais curto que os
demais porque o tema da pesquisa era esporte e esta não era a realidade delas.
Também por isso, as não-atletas estavam mais tímidas, além de serem mais jovens
que no grupo das atletas: ainda que a seleção de participantes de ambos os grupos
tenha respeitado a faixa etária definida para a pesquisa, a média de idade no GF das
atletas foi de 16,2 anos enquanto a média de idade das não-atletas foi de 13,9 anos.
O pós-grupo
Após o encerramento, houve a habitual distribuição das garrafinhas oferecidas pela
Nike. As menores de 18 anos receberam também um envelope selado e endereçado
ao Instituto Noos, contendo o Termo de Autorização, para que seus responsáveis
96
assinassem e colocassem no correio. Como este foi o último grupo do dia e acabou
antes do horário previsto, convocamos todos para mais uma rodada de pizza e
refrigerante; algumas aceitaram. Terminada essa segunda etapa gastronômica,
arrumamos a sala e fomos embora.
Principais pontos levantados na discussão
O que se pretende aqui é sistematizar as idéias que emergiram das discussões, à luz
das questões a que se pretendia responder. Procurou-se listar todos os aspectos
mencionados, independentemente de sua recorrência ou originalidade.
Os gostos e as idiossincrasias das atletas
A dinâmica quebra-gelo utilizada para iniciar os trabalhos foi a de pedir que, junto
com sua apresentação pessoal, cada uma falasse de uma coisa que gosta e que não
gosta na sua vida. O quadro abaixo reúne as respostas obtidas e mostra que, em
comparação com as atletas, elegeram outras prioridades, outras formas de ocupar o
tempo, mais voltadas para atividades intelectuais e virtuais (inclusive o estudo) e
para outros tipos de atividades lúdicas que também envolvem movimento como
brincar e dançar. Tal conclusão confirmou-se quando, no grupo, perguntadas sobre
com quais atividades ocupavam o tempo que poderia ser dedicado ao esporte,
responderam: cursos de inglês e informática e atividades em academias de Ginástica.
Quadro 14
Coisas de que as não-atletas gostam e não gostam na sua vida
Município do Rio de Janeiro
Uma coisa que gosta na vida
Eu gosto de brincar.
Eu também gosto muito de brincar.
Eu gosto muito de ler.
Uma coisa que não gosta na vida
Eu não gosto de acordar cedo.
Eu também não gosto de acordar cedo.
O que eu não gosto é... areia. Não suporto
areia.
A coisa que eu sou mais apaixonada no O que eu não gosto é exatamente esporte.
mundo é desenho japonês.
Não gosto de fazer esporte.
Eu gosto de conhecer lugares novos.
Também não gosto de acordar cedo.
Adoro estudar.
Não gosto de lavar louça. Odeio.
Eu adoro ler.
Também não gosto de lavar louça.
Eu gosto de dançar.
Não gosto de segunda-feira de manhã.
Gosto do meu computador.
Não gosto de prova.
Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007.
97
A (não) motivação das meninas para a prática do esporte
Colocada a primeira questão na roda de conversa – por que não se sentiam
motivadas para a prática esportiva –, as não-atletas mostraram logo um padrão de
timidez e de laconismo nas respostas que marcaria a sua participação em todos os
momentos do grupo, mas que não reduziu a diversidade e a relevância de suas
opiniões/percepções. Os assuntos foram tratados em conjunto e os fatores
dificultadores da prática esportiva já apareceram junto com a questão da motivação.
O primeiro ponto a destacar é o fato de que quase todas as não-atletas já tiveram
experiências anteriores com o esporte e, por razões diversas, desistiram. Algumas
não têm vontade de voltar e outras esperam por melhores condições para retornar.
As principais razões alegadas para o abandono foram:
• Falta de tempo em função de outras escolhas.
• Forte preconceito com quem não pratica bem o esporte ou quem está
iniciando no esporte, gerando “zoação” constante por parte dos colegas.
• Preconceito contra as meninas que praticam determinados tipos de esporte,
principalmente o Futebol. Existência de estereótipos de gênero que
determinam quais são os esportes masculinos e femininos e que atuam sobre
as crianças desde que são muito pequenas.
• Falta de condições para a prática esportiva de quem não pode pagar;
problema financeiro; locais disponíveis muito longe de casa, gerando
dificuldades de locomoção e perigo; fechamento do local onde praticava
gratuitamente perto de casa.
• Eleição de outra atividade corporal da qual gosta mais que do esporte que
fazia: a dança.
• Falta de incentivo na escola.
• O esporte exige muita dedicação e limita o tempo das pessoas para outras
atividades interessantes.
• Medo de machucar-se.
O que pareceu novo na argumentação das não-atletas foi a questão da hostilidade
percebida quando não se é considerada boa ou se é iniciante no esporte, propiciando
uma introjeção desta falta de habilidade. Tal argumento apareceu de forma
recorrente e parecia ter mobilizado muito as não-atletas que viveram a situação:
Eu nunca fui muito fã de fazer esporte porque eu sempre fui uma negação
e também porque sempre teve muito preconceito na escola quanto a isso.
Existe sempre uma marginalização contra quem não consegue se sair tão
bem nas práticas esportivas quanto às outras pessoas. Isso acaba
desestimulando a pessoa a tentar ir mais porque a pessoa fica com
vergonha de ser zoado pelos amigos, pelos colegas de turma. Mas
também abre muitas oportunidades fazer esporte. Para quem faz é um
caminho muito amplo.
Para mim acho que é o mesmo caso dela, eu gosto muito de esporte, gosto
de Vôlei. Sou apaixonada por Basquete, mas no Vôlei eu não me saía
muito bem. Aí os amigos ficavam zoando, aí também desisti. Também
pelas condições, assim, de fazer um bom esporte. Mas eu tenho vontade
de fazer, tanto é que ela fazia (apontando para a amiga), aí ela me chamou
para fazer no lugar que ela faz e eu vou ver se consigo fazer.
98
Eu fazia teatro, fazia Futebol, eu jogava muito pior que muita gente! Eu
jogava muito pior que muita gente! Às vezes precisa dedicar muito
tempo, as meninas, elas treinam quase todos os dias, você passa a perder
tempo, deixa de fazer muita coisa, escola te ocupa muito. Minha prima
todo dia tinha que fazer muita coisa. Prefiro fazer outras coisas, mas eu
jogo na escola, eu adoro.
Eu tive uma dificuldade na época que eu comecei a fazer Futebol, era lá
no clube perto da minha casa. E eu até gostava e tudo mais, mas tinha um
problema, para os iniciantes: era misto – você jogava com os meninos.
Então para mim era muito complicado porque quando você não é tão boa,
já não tem tanta experiência que nem o resto você não consegue jogar.
Tinha medo de me machucar.
A questão dos estereótipos de gênero foi em geral abordada da mesma forma que
nos grupos anteriores, com a idéia central girando em torno do fato de haver
predeterminação social das modalidades que são próprias para homens e para
mulheres, como na seguinte fala da não-atleta:
Quando a criança é pequenininha, a menina vai fazer balé e o menino vai
para a escolinha de Futebol. Acho que desde pequeno se os pais não
tivessem um certo preconceito com isso, não haveria tantos problemas.
Eu, quando comecei a querer fazer Futebol, meu pai não queria que eu
fizesse porque é coisa de homem, essas coisas. Então eu acho que se
tirasse um pouco desse preconceito, acho que melhoraria.
Contudo, um ângulo novo de perceber o preconceito no âmbito dos grupos foi
trazido por duas não-atletas que chamaram a atenção para dois fatos importantes: o
de que ele é gerado pelos estereótipos de gênero e o de que atinge meninos e
meninas e devemos cuidar para que acabe em geral: “o preconceito não dá só do
lado que os homens são melhores. O preconceito tem que acabar para os dois lados”.
Já de pequeno, o pai e a mãe tem o filho: o menino vai para a escola fazer
Futebol e a menina fazer balé, fazer outro esporte só para menina e o
homem vai jogar Futebol, aí gera um preconceito. Eu acho que garota
tem que fazer o que ela quer, fazer Futebol, fazer Vôlei. E o garoto,
Vôlei, porque tem muito garoto que adora Vôlei.
“Efeitos colaterais” do esporte
Como havia tempo e já se sabia que as respostas viriam melhor sob demanda explícita, foi
colocada uma questão extra para as não-atletas: será que o esporte traz algum tipo de
benefício para o dia-a-dia de meninos e meninas além dos resultados específicos de seus
objetivos competitivos como medalhas e títulos?
As repostas mencionaram a saúde, a preocupação com uma alimentação saudável, o
preparo físico, um maior cuidado pessoal e a possibilidade de oportunidades no
mundo dos estudos como bolsas universitárias dentro e fora do país ou para uma
escola melhor. Foram ressaltadas as melhores condições para os meninos obterem
alguns dos “efeitos colaterais” do esporte, mas isso foi contestado por outra nãoatleta que disse que as oportunidades estão vinculadas não apenas ao sexo do
praticante, mas à modalidade praticada.
99
A saúde, uma boa alimentação também muda tudo, que a pessoa se cuida
mais, se alimenta melhor e o preparo físico também.
Eu acho que além da melhor saúde, que o esporte acaba desenvolvendo
preparo físico, o esporte pode abrir portas no futuro da pessoa, uma boa
esportista aqui no Brasil pode acabar conseguindo uma bolsa para uma
universidade fora ou para uma escola melhor aqui dentro mesmo, se for
bom no esporte. Acho que os meninos costumam ter mais facilidades
neste tipo de coisa porque o menino que faça Futebol ainda tem mais
chance de ser chamado para jogar num time. A menina eu acho que ela
tem que lutar mais, tem que provar mais a sua capacidade do que o
menino.
Ela estava falando que normalmente as mulheres têm que provar mais, eu
acho que isso vem muito do esporte. No Futebol, os meninos têm chances
maiores, mas tipo Vôlei as pessoas tem muito mais meninas. Ginástica
olímpica a mesma coisa. Então acho que tudo depende do esporte. Essa
coisa do preconceito não dá só do lado que os homens são melhores. O
preconceito tem que acabar para os dois lados.
Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva
As não-atletas conferiram nota média de 6,44 para as atuais condições para a prática
esportiva no município do Rio de Janeiro. A elas foi colocado, ao final do grupo, um
desafio: se elas fossem escolhidas secretárias municipais de esporte do Rio de Janeiro, que
providências tomariam para melhorar essas condições.
As respostas foram:
• Diminuir o preconceito.
• Levar os esportes para as comunidades carentes.
• Dar incentivos para a compra de equipamentos e materiais esportivos mais
modernos.
100
IV – O município de São Paulo
Este capítulo trata dos quatro GFs realizados em São Paulo entre os dias 30 de abril
e 2 de maio, no Hotel Tulip Inn Paulista Convention, na Rua Apeninos, 1.070, bairro
do Paraíso, bem ao lado da estação do metrô.
Os GFs aconteceram na seguinte ordem:
•
Das mães, pais e responsáveis pelas atletas – doravante denominado GF dos
responsáveis –, na noite de 30 de abril, com duração de 1 hora e 45 minutos;
•
Das atletas, na manhã de 1º de maio, com duração de 1 hora e 7 minutos;
•
Das não-atletas (grupo com perfil demográfico e socioeconômico semelhante
ao das atletas, mas que atualmente não pratica esporte), na tarde de 1º de
maio, com duração de 35 minutos.
•
Dos técnicos, professores, treinadores, árbitros e responsáveis por projetos
sociais que têm no esporte uma via de inclusão social de seus participantes –
doravante denominado GF dos técnicos43 – na noite de 2 de maio, com
duração de 2 horas e 5 minutos.
IV.1. Perfil dos entrevistados a partir das Fichas de Perfil Socioeconômico
Como já foi mencionado, por ocasião da realização dos GFs, todos os participantes
responderam a uma Ficha de Perfil Socioeconômico. A partir dos resultados desta
parte da pesquisa, foi construído o quadro a seguir, que traça o perfil dos
participantes de cada Grupo Focal e o compara com o perfil das pessoas residentes
no município a partir de dados do IBGE.
O objetivo dessa breve inclusão quantitativa é conhecer o perfil das pessoas ouvidas,
já que isso tem relação direta com as visões de mundo que referenciam, em última
instância, as opiniões emitidas. Ao mesmo tempo, com a comparação entre os dados
produzidos a partir das Fichas de Perfil Socioeconômico e os resultados disponíveis
no IBGE para o município, tem-se uma dimensão do quanto o universo representado
nos grupos esteve próximo ou não do universo dos moradores do município.
43
Essa mesma simplificação será usada ao mencionar as percepções emitidas por qualquer
participante desse grupo, a não ser nos raros momentos em que se fizer necessário distinguir
explicitamente uns e outros.
101
Quadro 15
Perfil dos participantes dos Grupos Focais
Município de São Paulo
Indicadores
Número de
participantes
dos GFs
e
população do
município
Classe modal
de sexo
Idade Média
Idade
Mediana
Classe modal
de
nacionalidade
Classe modal
de
naturalidade
Estado de
origem da
maior
proporção de
migrantes
Classe modal
de cor
(fechada)
Classe modal
do grau de
instrução
(somente o
nível mais
alto)
Município
de São
Paulo
Tipo de Grupo Focal
Atletas
Não-atletas
15
16
11
Técnicos,
treinadores,
professores,
árbitros e
responsáveis
por projetos
sociais
13
Mulher
66,7%
Mulher
100,0%
Mulher
100,0%
Homem
53,8%
44,3
45,0
14,9
15,0
14,6
14,0
32,5
27,0
Brasileira
100,0%
Brasileira
100,0%
Brasileira
100,0%
Brasileira
100,0%
SP
69,8%46
SP
66,7%
SP
62,5%
SP
63,6%
SP
92,3%
BA
7,5%3
BA, MG e
PR
6,7% cada
PB e SC
6,3% cada
Branca
70,0%47
Branca
73,3%
Branca
43,8%
Branca
53,8%
Fundamental
incompleto
30,2%48
Superior
completo
46,7%
Médio
incompleto
40,0%
Branca e
parda
45,5% cada
Fundamental
incompleto
45,5%
População
residente
10.434.25244
(2000)
11.016.70345
(estimativa
01/07/2006)
Mulher
52,31
Mães, pais e
responsáveis
por atletas
Superior
completo
53,8%
44
IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados do universo.
IBGE, Estimativas das populações residentes em 01/07/2006.
46
IBGE, Censo Demográfico 2000 – Primeiros resultados da amostra.
47
IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados da amostra.
48
Pessoas de 25 anos ou mais de idade, por nível educacional concluído. IBGE, Censo Demográfico
2000 – Resultados da amostra.
45
102
Indicadores
Município
de São
Paulo
Classe modal PEA
de inserção
ocupada
no mercado
81,8%49
de trabalho
Classe modal
Serviços
do ramo de
48,8%50
atividade de
exercício da
ocupação
Renda pessoal R$
média
1.175,5251
Renda pessoal R$ 540,008
mediana
Renda familiar
mediana
Número médio
de pessoas que
residem no
domicílio
Classe modal
do esporte ao
qual já se
dedicou
Classe modal
do esporte ao
qual se dedica
atualmente
Mães, pais e
responsáveis
por atletas
Está
trabalhando
66,7%
Tipo de Grupo Focal
Atletas
Não-atletas
Nunca
trabalhou
87,5%
Nunca
trabalhou
81,8%
Serviços
46,7%
Serviços
46,2%
R$ 2.740,90
R$ 2.991,40
R$ 3.000,00
R$ 1.850,00
R$ 3.000,00
3,41
Técnicos,
treinadores,
professores,
árbitros e
responsáveis
por projetos
sociais
Está
trabalhando
92,3%
4,9
R$ 3.500,00
4,4
Natação e
Vôlei
40,0% cada
Handebol
50,0%
Futebol,
Natação e
Tênis
6,7% cada
Vôlei
25,0%
5,0
Vôlei
54,5%
3,1
Atletismo,
Basquete,
Natação e
Vôlei
53,8% cada
Atletismo e
Vela
15,4% cada
49
Proporção de pessoas de 10 anos e mais de idade, ocupadas na semana de referência, sobre o total
da População Economicamente Ativa. IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados da Amostra.
50
A seção de atividade de maior freqüência isolada é o “Comércio, reparação de veículos
automotores, objetos pessoais e domésticos” (19,4%). Entretanto, a agregação das atividades dos
serviços (alojamento e alimentação; transportes, armazenagem e comunicação; intermediação
financeira; atividades imobiliárias e serviços prestados às empresas, administração pública, educação,
saúde e outros serviços coletivos, sociais e pessoais) expressam a sua importância no conjunto de
atividades econômicas (48,8%). Refere-se à seção de atividade do trabalho principal, para as pessoas
de 10 anos ou mais ocupadas na semana de referência. IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados
da amostra.
51
Pessoas de 10 anos ou mais de idade, com rendimento. IBGE, Censo Demográfico 2000 –
Primeiros resultados da amostra.
103
Indicadores
Média,
número
mínimo e
máximo de
anos de
dedicação ao
esporte atual
Freqüência de
vínculo com
alguma
instituição
esportiva
Forma de
prática do
esporte
(dimensão):
Esporte de
rendimento
profissional
Forma de
prática do
esporte
(dimensão):
Esporte de
rendimento
nãoprofissional
Forma de
prática do
esporte
(dimensão):
Esporte e lazer
Forma de
prática do
esporte
(dimensão):
Esporte
educacional
Município
de São
Paulo
Mães, pais e
responsáveis
por atletas
Tipo de Grupo Focal
Atletas
Não-atletas
Média
16,5
Mínimo: 2
Máximo: 40
Média
3,4
Mínimo:
menos de 1
Máximo: 8
Federado
6,7%
Confederado
28,6%
Federado
33,3%
4 de 15
Atletismo,
Judô, lutas,
Vôlei
4 de 4
Futebol,
Natação e
Tênis
1 de 3
Futebol
Técnicos,
treinadores,
professores,
árbitros e
responsáveis
por projetos
sociais
Média
13,9
Mínimo: 1
Máximo: 28
Confederado
27,3%
Federado
36,4%
3 de 10
Handebol, Judô
e lutas
5 de 15
Futebol,
Handebol,
Natação e
Vôlei
4 de 10
Atletismo,
Futebol, lutas
5 de 15
Atletismo,
Handebol,
Judô, Vôlei
de Praia
3 de 15
Atletismo,
Basquete e
lutas
5 de 10
Atletismo,
lutas e Vela
6 de 10
Atletismo,
Handebol,
lutas, Vela e
Vôlei
104
Indicadores
Município
de São
Paulo
Mães, pais e
responsáveis
por atletas
Tipo de Grupo Focal
Atletas
Não-atletas
Notas média,
Média
Média
Média
mediana,
4,4
6,9
6,9
mínima e
Mediana
Mediana
Mediana
máxima
5,0
7,0
7,0
atribuídas às
Mínima
Mínima
Mínima
condições que
0
3
5
as atletas têm
Máxima
Máxima
Máxima
para praticar
7
10
9
esporte no
município
pesquisado.
Freqüência de
6,7%
12,6%
9,1%
comentários
Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007.
•
Técnicos,
treinadores,
professores,
árbitros e
responsáveis
por projetos
sociais
Média
6,1
Mediana
6,0
Mínima
3
Máxima
9
23,1%
Características da população e dos participantes
O resultado mais recente disponível referente a 01/07/2006, estimou a população
residente do município de São Paulo em 11.016.703 habitantes. Em 2000, de acordo
com o Censo Demográfico, o município contava com uma população de 10.434.252
pessoas. Desse total, 6,5% (675.639) eram mulheres de 12 a 18 anos de idade,
público-alvo da presente pesquisa.
O grupo com maior número de participantes foi o das atletas (16) e o de menor
tamanho foi o das não-atletas (11). As não-atletas foram os participantes mais
difíceis de localizar, implicando em abrir o leque de contatos para além da indicação
direta das atletas. Todos os grupos tiveram um número significativo de participantes,
uma vez que o número máximo esperado era 16 e o mínimo 8.
Além das atletas e não-atletas, que eram todas mulheres por exigência da pesquisa, o
grupo de responsáveis por atletas apresentou predominância de mulheres (66,7% do
total) enquanto o de técnicos teve maior participação de homens (53,8%). Em 2000,
a cidade de São Paulo possuía mais mulheres na composição de sua população
residente (52,3%).
O cálculo das idades médias mostrou que os responsáveis por atletas tinham a maior
idade média (44,3), variando de 32 a 53 anos. Já o grupo de técnicos apresentou
idade média bastante inferior (32,5) e maior distância entre a idade mínima (23) e a
máxima (63). A idade média das atletas (14,9) foi um pouco superior a das nãoatletas (14,6). Esses dois grupos tiveram idades mínima e máxima dentro do
parâmetro estabelecido pela pesquisa (12 e 18).
105
•
Migração, cor ou raça e educação
Todos os participantes dos grupos eram de nacionalidade brasileira, sendo que a
maioria nasceu no Estado de São Paulo. Apenas o grupo de técnicos era quase que
integralmente natural de São Paulo (92,3%). Nos demais grupos, o percentual de
pessoas nascidas em São Paulo variou de 62,5% (atletas) a 66,7% (responsáveis por
atletas); resultados próximos ao registrado para moradores da cidade de São Paulo
em 2000 (69,8%).
Para os nascidos em outros estados52, os oriundos da Bahia, Minas Gerais e Paraná
predominaram entre os responsáveis por atletas (6,7% cada), enquanto para as
atletas, Paraíba e Santa Catarina foram os estados mais apontados (6,3% cada). Na
cidade de São Paulo, em 2000, a Bahia era o estado de origem de 7,5% de seus
habitantes.
Em 2000, 70% da população residente em São Paulo declarou ser de cor branca. No
grupo dos responsáveis por atletas, o percentual registrado para essa mesma cor foi
de 73,3. Os técnicos se mostraram, menos brancos (53,8%). Dentre as atletas, esse
percentual caiu para 43,8, e para as não-atletas, o resultado ficou igualmente
dividido entre as cores branca e parda, cada uma com 45,5%.
Para conhecer o grau de instrução, é necessário considerar também a variável idade.
O grupo das atletas, cuja idade média era de 14,9 anos, apresentou maior freqüência
para o nível médio incompleto (40%), patamar mais elevado do que o registrado
para as não-atletas (45,5% com fundamental incompleto), com idade média 14,6
anos.
Considerando apenas a população de 25 anos ou mais de idade, residente na cidade
em 2000, 30,2% possuíam o ensino fundamental incompleto. Os responsáveis por
atletas e os técnicos, com idades variando entre 23 e 63 anos para os dois grupos,
apresentaram maior incidência para superior completo, 46,7% e 53,8%
respectivamente. O curso concluído mais indicado pelos técnicos foi Educação
Física. No grupo de responsáveis por atletas, os cursos informados foram bastante
diversos: engenharia, arquitetura, comunicações, letras, ciências e matemática.
•
Trabalho e rendimento
A maioria das atletas e das não-atletas nunca trabalhou: 87,5% e 81,8%,
respectivamente. As ocupações informadas para as atletas foram: atleta e operadora
de caixa. Para as não-atletas, apenas um registro, o de estagiária. No grupo dos
técnicos foi verificado o maior percentual de pessoas que estavam trabalhando
(92,3%), seguido pelo grupo de responsáveis por atletas, com 66,7%. No grupo de
técnicos, as principais53 ocupações citadas foram: coordenador(a); árbitro(a);
professor(a)/treinador(a) e estagiário(a)/monitor(a). Já no grupo de responsáveis por
52
As não-atletas não-nascidas em São Paulo não responderam a questão sobre a Unidade da
Federação de nascimento, impedindo a identificação da mesma. A questão pedia o registro da sigla
do estado de nascimento, o que pode ter dificultado a compreensão e contribuído para reduzir o
número de respostas.
53
Muitos técnicos citaram mais de uma ocupação. No resultado apresentado, considerou-se somente
a primeira ocupação mencionada.
106
atletas, as ocupações abrangeram uma gama mais variada: professor(a);
comerciante; diarista; microempresário(a); esteticista, arquiteto(a) e auxiliar de
produção. Para os dois grupos, técnicos e responsáveis por atletas, o ramo de
atividade mais freqüente foi o dos Serviços, com 46,2% e 46,7%, respectivamente.
A População Economicamente Ativa (10 anos e mais) ocupada na semana de
referência, no município de São Paulo, em 2000, era de 81,8%. Para esse conjunto
de pessoas ocupadas e considerando apenas o trabalho principal, o grupo de
ocupação mais freqüente foi o de Trabalhadores dos serviços, vendedores do
comércio em lojas e mercados (32,6%). No exercício da ocupação, o ramo de
atividade de maior freqüência isolada foi o Comércio, reparação de veículos
automotores, objetos pessoais e domésticos (19,4%). Entretanto, a agregação das
oito seções54 que organizam a atividade dos serviços totalizou 48,8%. Esse resultado
mostra a relevância dos serviços no conjunto das pessoas ocupadas no município em
2000.
Quanto ao rendimento pessoal (valor líquido), não foram considerados os poucos
valores informados pelos grupos das atletas e não-atletas. Grande parte das meninas
não respondeu a questão ou informou não saber o valor. O mesmo ocorreu para o
rendimento familiar, no qual os percentuais de “não sabe” foram muito elevados:
62,5% para as atletas e 81,8% para as não-atletas.
A renda pessoal média dos técnicos (R$ 2.991,40) foi um pouco superior à dos
responsáveis por atletas (R$ 2.740,90). De qualquer forma, ambas bem mais
elevadas que o rendimento nominal médio mensal (R$ 1.175,52) das pessoas de 10
anos e mais de idade com rendimento, residentes no município de São Paulo em
200055. Os valores medianos do rendimento pessoal, R$ 1.850,00 para técnicos e R$
3.000,00 para responsáveis por atletas inverteram a posição dos dois grupos e
demonstram a existência de grande variabilidade nos dados informados. Esses
resultados para os grupos, baseados em um pequeno número de evidências, devem
ser utilizados apenas como referência, uma vez que não possuem rigor estatístico.
As informações relativas ao rendimento familiar médio repetiram padrão similar ao
verificado no rendimento pessoal, ou seja, o valor para o grupo dos técnicos (R$
6.314,28) também foi superior ao dos responsáveis por atletas (R$ 5.165,38). E a
comparação com os resultados disponíveis para a cidade de São Paulo em 2000 (R$
2.110,2056), colocou os dois grupos em uma posição diferenciada e muito superior à
observada para o conjunto das famílias. Já a renda familiar mediana, diferentemente
da pessoal, ficou mais próxima entre os dois grupos, R$ 3.500,00 e R$ 3.000,00,
para técnicos e responsáveis por atletas, respectivamente.
54
Alojamento e alimentação; transporte, armazenagem e comunicação; intermediação financeira,
seguros, previdência complementar e serviços relacionados; atividade imobiliária, aluguel e serviços
prestados às empresas; administração pública, defesa e seguridade social; educação, saúde e serviços
sociais e outros serviços coletivos, sociais e pessoais.
55
IBGE, Censo Demográfico 2000 – Primeiros resultados da amostra.
56
Valor do rendimento nominal médio mensal, das famílias com rendimento, residentes em
domicílios particulares. IBGE, Censo Demográfico 2000 – Resultados da amostra.
107
•
Média de moradores por domicílio e zona de residência
A maioria dos grupos apresentou número médio de pessoas residentes no domicílio
superior ao verificado para São Paulo no último Censo Demográfico (3,4). Os
resultados foram: 5 para não-atletas, 4,9 para responsáveis por atletas e 4,4 para
atletas. O único grupo que apresentou média inferior foi o dos técnicos (3,1).
Embora sem enfatizar a distribuição geográfica, procurou-se, dentro das
possibilidades, contemplar moradores de diferentes áreas da cidade. A apuração dos
dados57 apontou uma concentração na zona sul (49,1%). Das zonas leste e oeste veio
igual percentual de participantes, 16,4% cada uma. O centro contribuiu com 3,6% e
a zona norte, menor de todas, com apenas 1,8%. Com base nos dados do Censo
Demográfico de 200058, as zonas leste e sul da cidade concentram a maior parte de
sua população: 36,4% (3.795.372) para a primeira e 31,6% (3.293.274) para a
última. Houve uma situação de participante residente em outro município – Ferraz
de Vasconcelos –, que faz limite com a zona leste da cidade. Não foi possível
identificar as zonas de 10,9% dos bairros informados, principalmente devido ao fato
de existir mais de um na cidade com o mesmo nome.
•
Esportes já praticados e esporte de dedicação atual
Os resultados relativos aos esportes já praticados pelos diferentes grupos foram os
seguintes: para responsáveis por atletas as maiores incidências ficaram igualmente
distribuídas entre Natação e Vôlei, cada um com 40%; dentre as atletas predominou
a prática do Handebol (50%); as não-atletas se dedicaram mais ao Vôlei (54,5%) e
os técnicos a quatro diferentes esportes – Atletismo, Basquete, Natação e Vôlei –,
todos com a mesma freqüência (53,8%).
Quadro 16
Esportes praticados pelos participantes dos Grupos Focais, por tipo de grupo
Município de São Paulo – 2007
Modalidade
esportiva
Atletismo
Badminton
Basquete
Beisebol
Boxe
Ciclismo
Esgrima
Futebol
Ginástica
Artística
Total
12
2
16
1
2
3
1
17
5
Responsáveis
1
0
3
1
0
0
0
3
0
São Paulo
Atletas
Técnicos
4
7
0
2
4
7
0
0
1
1
0
2
0
1
4
5
1
2
Não-atletas
0
0
2
0
0
1
0
5
2
57
Alguns participantes informaram o bairro e outros informaram o distrito. Para a apresentação dos
resultados, primeiro foi necessário identificar o distrito de pertencimento de cada bairro e em seguida
agregar os distritos em zonas.
58
Elaboração: Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano - EMPLASA, 2002.
www.emplasa.sp.gov.br.
108
São Paulo
Modalidade
Total
Responsáveis
Atletas
Técnicos
esportiva
Ginástica
6
2
1
1
Rítmica
Handebol
23
4
8
6
Hipismo
1
0
0
1
Judô
8
1
4
3
Lutas
7
0
1
6
Natação
23
6
7
7
Pólo Aquático
1
0
0
1
Remo
1
0
0
1
Saltos
1
0
0
1
Ornamentais
Tênis
5
2
2
0
Tênis de Mesa
5
0
0
4
Trampolim
1
0
0
1
Acrobático
Triatlo
1
0
0
1
Vela
1
0
0
1
Vôlei
25
6
6
7
Vôlei de Praia
2
0
0
2
Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituo Noos/Nike, 2007.
Não-atletas
2
5
0
0
0
3
0
0
0
1
1
0
0
0
6
0
Para todos os grupos, as maiores freqüências foram para a prática de “3 a 5 esportes”
(13 participantes), seguida de “mais de 5 esportes” (12). A média de esportes
praticados por todos os participantes foi de 3,2 (mínimo zero e máximo de 17). A
quantidade de esportes praticados pelos diferentes grupos ficou assim distribuída:
responsáveis por atletas: a maioria praticou algum esporte (9 de 15);
4 praticaram “2 esportes”; 2 praticaram de “3 a 5 esportes”, 2 “mais
de 5 esportes” e apenas 1 com um esporte. A média para esse grupo
foi de 2,1 esportes (mínimo zero e máximo 6);
técnicos: todos praticaram algum esporte, sendo que as maiores
incidências ficaram igualmente distribuídas entre “3 a 5 esportes” (5)
e “mais de 5 esportes” (5). Os demais praticaram “1” (1) ou “2” (2)
esportes. A média do grupo foi de 5,4 esportes (mínimo 1 e máximo
17);
atletas: nesse grupo um número significativo de participantes
praticou apenas 1 esporte (7 de 16). As demais (9 de 16) informaram
igualmente “2 esportes” (3), “3 a 5 esportes” (3) e “mais de 5
esportes” (3). A média do grupo foi de 2,8 esportes (mínimo 1 e
máximo 7);
não-atletas: apenas 3 das 11 participantes responderam que não
praticaram nenhum esporte. As demais (8 de 11) praticaram “3 a 5
esportes” (3), “mais de 5 esportes” (2), “1 esporte” (2) e “2 esportes”
(1). A média do grupo foi de 2,6 esportes (mínimo zero e máximo 6).
Quanto ao esporte de dedicação atual, os responsáveis por atletas responderam
Futebol, Natação e Tênis, cada um com 6,7%; no grupo das atletas havia mais
praticantes de Vôlei (25%) e os técnicos informaram Atletismo e Vela, com igual
percentual (15,4%). O tempo médio de dedicação ao esporte atual foi maior para os
109
responsáveis por atletas (16,5 anos), seguido pelos técnicos (13,9 anos); as atletas,
em virtude da própria idade, tiveram média de 3,4 anos. Entretanto, essa média
registrada para as atletas pode ser considerada elevada, uma vez que a idade média
do grupo foi 14,9. O grupo das atletas representou 9 diferentes modalidades de
esporte olímpico e o dos técnicos, 859, das quais 2 eram de esportes diferentes
daqueles praticados pelas atletas (Ginástica Artística e Vela).
Quadro 17
Esporte de dedicação atual dos participantes dos Grupos Focais,
por tipo de grupo
Município de São Paulo – 2007
Modalidade esportiva
São Paulo
Responsáveis
Atletas
Atletismo
0
2
Basquete
0
1
Futebol
1
1
Ginástica Artística
0
0
Handebol
0
2
Judô
0
3
Modalidade esportiva
São Paulo
Total
Responsáveis
Atletas
Lutas
2
0
1
Natação
2
1
1
Tênis
1
1
0
Vela
2
0
0
Vôlei
5
0
4
Vôlei de Praia
1
0
1
Outros(1)
2
1
0
Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007.
Total
4
1
3
1
3
4
Técnicos
2
0
1
1
1
1
Técnicos
1
0
0
2
1
0
1
Nota: 1. Incluiu Futsal para um dos técnicos e Ginástica sem especificação para responsáveis por
atletas.
•
Vínculo institucional e dimensão do esporte
A existência de vínculo com alguma instituição esportiva foi mais significativa para
os federados, nos dois grupos diretamente envolvidos com essa questão, o dos
técnicos com 36,4% e o das atletas com 33,3%. Já a proporção de atletas
confederadas (28,6%) foi um pouco superior àquela registrada para o grupo de
técnicos (27,3%). No grupo de responsáveis por atletas apareceu apenas um
participante federado.
Considerando cada uma das dimensões do esporte e os participantes praticantes de
esporte, pertencentes a três dos quatro grupos pesquisados, uma vez que as nãoatletas não responderam a questão, a dimensão com resultado mais expressivo foi
“Esporte e lazer” (48,3%), seguida de “Esporte de rendimento não-profissional” com
32,1%, “Esporte de rendimento profissional” ficou com 25% e “Esporte
educacional” com 18,2%. Cabe lembrar que os participantes podiam assinalar mais
de uma alternativa.
59
Não foi incluído o “outro”, no caso dos) técnicos o Futsal, por não ser olímpico.
110
A seguir, as informações sobre a dimensão do esporte, segundo os diferentes grupos
e com indicação do esporte praticado atualmente:
“Esporte de rendimento profissional”, composto por técnicos (3 de
10) praticantes de Handebol, Judô e lutas e de atletas (4 de 15) do
Atletismo, Judô, Lutas e Vôlei;
“Esporte de rendimento não-profissional”, representado por técnicos
(4 de 10) que atuam em Atletismo, luta, Futebol e outros (Futsal) e
atletas (5 de 15) de Futebol, Handebol, Natação e Vôlei;
“Esporte e lazer”, que contou com técnicos (5 de 10) praticantes de
Atletismo, lutas e Vela, responsáveis por atletas (4 de 4) praticantes
de Futebol, Natação, Tênis e outro (Ginástica) e atletas (5 de 10) de
Atletismo, Handebol, Judô e Vôlei de Praia;
“Esporte educacional”, que incluiu técnicos (6 de 10) praticantes de
Atletismo, Handebol, lutas, Vela e Vôlei, responsáveis por atletas (1
de 3) praticante de Futebol e atletas (3 de 15) de Atletismo, Basquete
e lutas.
Os dados apresentados mostram que um mesmo esporte pode ser praticado de várias
formas (dimensões), como ocorreu, por exemplo, com o Atletismo e com as lutas. E
um mesmo tipo de praticante, seja ele técnico ou atleta, também pode atuar em mais
de uma dimensão; o resultado indica que ambos, técnicos e atletas, estiveram
presentes em todas as dimensões. O grupo de responsáveis por atletas, de acordo
com o esperado, não apareceu nas dimensões que envolvem o esporte de
rendimento.
•
Nota atribuída à prática do esporte no município e comentários
Quando solicitados a atribuírem uma nota às condições de prática do esporte no
município, os diferentes grupos se posicionaram da seguinte maneira: responsáveis
por atletas ficaram com a menor média (4,4) e notas variando entre zero e 7, para o
grupo de técnicos a nota média foi 6,1 (mínima de 3 e máxima de 9) e atletas e nãoatletas com a mesma média e a maior de todos os grupos (6,9). A diferença entre
esses dois últimos grupos foram as notas mínimas, 3 para as atletas e 5 para as nãoatletas, e as máximas, 10 e 9, respectivamente. A menor nota atribuída (zero)
apareceu no grupo de responsáveis por atletas e a melhor no grupo das atletas (10).
O resultado obtido para o grupo de técnicos, apesar de menor, esteve mais próximo
da nota média das atletas e não-atletas.
•
Comentários e sugestões:
No final da ficha havia um espaço livre para comentários e sugestões, inclusive de
perguntas que perceberam como faltantes na ficha. Todos os grupos tiveram pelo
menos um comentário ou sugestão. O dos técnicos apresentou 3, o dos responsáveis
por atletas 2, e os demais 1 cada um. A seguir, a íntegra das contribuições, para cada
um dos grupos:
Técnicos: os comentários desse grupo expressam o interesse dos
participantes pelo tema esportes. Alguns poucos aspectos mostram
ausência de informação sobre o escopo da pesquisa, como a questão
da não inclusão do esporte paraolímpico, ocorrida devido às suas
111
inúmeras especificidades, e a não realização de levantamentos
quantitativos.
Não houve perguntas relacionadas ao treinador em específico (exemplo:
com que tipo de atletas trabalha). E em relação ao desporto paraolímpico,
suas atividades e integração social do mesmo.
Se a pessoa exerce algum cargo de liderança como diretor, presidente
etc...
Quais práticas esportivas são vivenciadas na sua comunidade. Quantos
locais existem para esta prática, exceto escolas, clubes e academias.
Mesmo sendo pontuais e raras, as observações feitas pelos demais grupos indicaram
questões que apareceram de forma relevante na discussão dos grupos, tais como a
ausência de patrocínio para atletas e a falta de divulgação da atividade esportiva em
geral, ressaltada em vários momentos pelo grupo de responsáveis por atletas.
Atletas
Eu não tenho patrocínio, por este fato, treino da maneira que eu posso.
O nome?
Responsáveis por atletas: Falta divulgação pela PMSP sobre os
locais e cursos disponíveis na cidade
Não-atletas: Qual o motivo de não se praticar esportes?
IV.2. As vozes das mães, pais e responsáveis pelas atletas
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora
Antecedentes
Como no Rio, o fato do grupo dos responsáveis anteceder ao das atletas foi uma
escolha estratégica e de fato contribuiu muito para garantir a presença das atletas no
dia seguinte, pois os responsáveis souberam onde as meninas iriam, sobre o que
conversariam e quem eram as pessoas que estavam à frente do trabalho. Isso
facilitou também o preenchimento dos Termos de Autorização necessários para que
as atletas menores de 18 anos participassem da pesquisa.
A montagem do grupo de pais e responsáveis em São Paulo foi realizada com a do
grupo das atletas. Em oito situações conseguimos a confirmação da atleta e dos pais.
Tivemos quatro casais agendados e cinco presentes no dia da discussão de grupo. A
presença dos casais, ocorrida de livre e espontânea vontade, preencheu praticamente
metade do número de participantes esperados para o grupo de pais. Entretanto, para
completar o número desejado, foi necessário entrar em contato com pais cujas filhas
não participariam do grupo de atletas. Desse último conjunto confirmaram presença
um casal (pai e mãe de atleta), uma mãe e um pai.
112
Parece que o tema da pesquisa de fato suscitou o interesse dos pais e garantiu sua
participação.
A realização do GF
A assistente de pesquisa ficou no térreo para receber os pais e nós ficamos no 2º
andar, na sala onde seria realizado o Grupo Focal.
Logo que chegamos, organizamos os questionários, as pranchetas (as cadeiras da
sala não possuíam apoio para escrever), canetas, a lista de presença, os crachás, os
brindes e os vales-transporte. Também reservamos papel em branco, pois a dinâmica
inicial utilizaria esse material.
Os pais começaram a chegar um pouco antes do horário previsto para o início do
debate. Oferecemos o lanche, que já estava servido. Os primeiros preferiram se
sentar e então entregamos a Ficha de Perfil Socioeconômico, para que fosse
preenchida; uma para cada participante, mesmo tratando-se de casais.
A presença maciça e também a pontualidade demonstraram o real interesse dos pais
em discutir as questões referentes à prática de esportes na vida de suas filhas.
Optou-se por iniciar o encontro pelo lanche, já que o horário agendado era no fim do
dia, ao término do horário de trabalho da maioria dos participantes. Também por
essa razão optou-se pela dinâmica inicial de escrever em um papel algo que se
quisesse jogar fora para poder estar inteiramente presente nas atividades do grupo.
Todos acharam a idéia interessante e participaram.
Foi um grupo emocionante. Todos estavam muito presentes e atuantes.
Independentemente de suas posições mais e menos radicais e de suas dificuldades
reais, maiores ou menores, estavam interessado em ouvir o outro, dizer o que pensa
e contar suas experiências. Houve envolvimento das pessoas presentes durante todo
o tempo. Coroando este clima de envolvimento e emoção, as palavras finais da
facilitadora, agradecendo a participação, foram seguidas pelos aplausos dos
entrevistadas.
O pós-grupo
Terminado o grupo e feita a “foto oficial”, muitos se reuniram em torno da mesa do
lanche para conversar, de forma bastante descontraída.
Como previsto na metodologia dos GFs, durante o lanche alguns responsáveis ainda
confidenciaram itens do tema debatido no grupo: uma pessoa comentou sobre a
necessidade dos atletas chegarem mais cedo para treinar no clube, porque quando os
sócios do clube chegam, querem usar a piscina e reclamam, e outra mostra a todos,
com muito orgulho, a foto da filha em um folder do projeto social, com vários
jovens praticantes de esportes, e tem a beleza da menina elogiada por todos.
Algumas pessoas que chegaram com o grupo já iniciado preencheram suas fichas de
perfil no final do grupo.
113
Entregamos o brinde e o vale-transporte aos presentes. Nesse momento, percebemos
que alguns pais já haviam saído e que não receberam nem o brinde e nem o valetransporte. Tomamos a decisão de entregar para as filhas atletas, que iriam no dia
seguinte. Alguns pais, especialmente os casais, ficaram felizes por receber o brinde e
poder também dar aos outros filhos, uma vez que suas filhas atletas iriam receber
um brinde igual.
Principais pontos levantados na discussão
O que se pretende aqui é sistematizar as idéias que emergiram das discussões, à luz
das questões a que se pretendia responder. Procurou-se listar todos os aspectos
mencionados, independentemente de sua recorrência ou originalidade.
Alguns aspectos mencionados nos dois municípios e que já foram comentados mais
longamente no capítulo dedicado ao Rio de Janeiro serão inseridos aqui de forma
mais breve para evitar a repetição, bem como algumas comparações entre os dois
municípios serão inseridas ao longo do texto.
Ao contrário do que ocorrera no grupo de responsáveis no Rio, na rodada de
apresentação, os responsáveis pelas atletas em São Paulo limitaram-se a informar
seus nomes, em alguns poucos casos a sua profissão, e, em todas os casos, falar da
pessoa pela qual eram responsáveis: o nome e o esporte que pratica. Alguns casais
mencionaram também a existência de outros filhos bem como a inclusão ou não
deles no mundo dos esportes.
A motivação das meninas para a prática do esporte
Os responsáveis pelas atletas em São Paulo falaram da motivação para as meninas
entrarem (e permanecerem no esporte) fortemente relacionada à própria experiência
com suas filhas, e as suas percepções podem ser classificadas em duas grandes
categorias: as de motivação interna e as de motivação externa às atletas.
•
Motivações internas: assim como os responsáveis entrevistados no GF do
Rio, os de São Paulo atribuíram a motivação das atletas a fatores
extremamente subjetivos delas como “gostar”, ter “vontade”, buscar o
reconhecimento paterno e a um conjunto de coisas que denominaram de
“algo que está dentro delas”, “questão dela mesma”, “predestinação”,
“cabeça de cada uma”, gosto de nascença – uma vez que foi demonstrado
desde a mais tenra idade. Como motivações internas mais “objetivas”
mencionaram a busca de solução para problemas de saúde, o “seguir o
exemplo de pessoas da família que já praticavam um determinado esporte” e
a grande unanimidade paulistana: a competitividade. Ao contrário do Rio,
onde somente um pai mencionou esta questão como motivadora, no GF dos
responsáveis em São Paulo houve uma ênfase hegemônica na
competitividade como o móvel das meninas para o esporte. A discussão
gerada a partir desse dado levantou aspectos como a diferença da noção de
competitividade nos esportes individuais e coletivos, sendo ela mais sensível
nos primeiros. Gerou ainda a advertência de uma mãe para o fato de ser a
competitividade um mal social masculino que precisa ser combatido através
do estímulo à prática de atividades mais colaborativas entre as pessoas. Um
pai lembrou que existem umas poucas pessoas que entram no esporte por
114
razões não competitivas tais como socialização, manter-se em atividade,
fazer um pouco de exercício etc.
Elas querem o aplauso da gente.
Ela é muito competitiva. (...) A motivação dela chama competição, tudo
que é competitivo é com ela.
Estava ouvindo a mãe falar da competição, é verdade, todas elas têm essa
diferença, porque às vezes eu fico lá no Centro esperando ela, tem várias
categorias, a gente percebe (que) tem esse diferencial realmente que é
essa vontade de competir tanto na área de Judô, balé, às vezes a gente fica
olhando lá, é um negócio interessante. É interessante porque eles têm um
perfil, às vezes fico analisando, todos querem ganhar, independente da
modalidade, eu acho que isso já é de cada um mesmo, estão predestinados
a isso.
E a competição é fundamental, porque eles querem ganhar, eles têm essa
gana de querer ganhar.
A questão da competitividade, (…) eu acho crucial. Apesar de ela ser
alavancadora porque (traz) uma série de qualidades: determinação,
empenho e tal, eu acho que é uma visão mais masculina no sentido
negativo da sociedade como um todo. Eu acho que é uma pena, as
mulheres, se quiserem progredir, têm que encontrar uma nova forma de
esporte. Acho que a sociedade deveria buscar outras formas de esportes
não tão competitivas, mas, mais colaborativas. Eu vi que tem uma relação
de esportes, todos são competitivos. Eu acho que a sociedade tinha que
partir para uma coisa mais colaborativa. E eu acho que essa é uma grande
dificuldade. É uma pena que a gente ainda esteja batendo nessa tecla de
colocar nossas filhas ainda em atividades competitivas e ainda assim tem
que dar graças a Deus que elas estão desenvolvendo outras qualidades.
Não vão ficar bordando dentro de casa só. Mas eu acho que isso é muito
pouco. Tinha que ir daí para mais.
Nem todos são competitivos, a Natação é só competição, mas, por
exemplo, Vôlei precisa do grupo, é o time. Eles têm que ser unidos, existe
um outro fator aí para elas crescerem.
Praticamente todo mundo disse que as filhas são competitivas e brigam
para ganhar, mas eu conheço pessoas que jogam por jogar. Vai lá,
participa, para fazer mais... para uma socialização. Não quer ir para
frente, querem só se manter em atividade, um esporte, fazer um pouco de
exercício, essas coisas.
•
Motivações externas: nesse conjunto de motivações, mais amplo que o
primeiro, foram citados fatores como:
Ser iniciada no esporte desde pequena;
Receber incentivo familiar desde cedo para a participação em outros
jogos competitivos ainda que não-esportivos;
Ter reconhecido seu talento para a modalidade esportiva que pratica.
Esta percepção retoma, sem utilizar esta nomenclatura, a idéia de
“dom” muito recorrente na pesquisa no Rio;
115
Receber elogio, estímulo e incentivo por parte da família, dos
professores e dos treinadores;
Ter condições materiais para a prática esportiva: recursos que, em
geral, envolvem uso de material esportivo de boa qualidade,
participação em competições, espaço para a prática esportiva
(preferencialmente perto de casa), auxílio transporte para os
deslocamentos;
Ter espaços de convívio equilibrado na vida em geral,
principalmente na escola e na família.
Existirem oportunidades nos clubes.
A importância da família (para o bem e para o mal)
Os entrevistados do grupo em São Paulo também falaram da importância atribuída à
família para o ingresso e para a permanência das meninas no esporte, apesar do
menor destaque dado ao assunto em comparação com o GF dos responsáveis no Rio.
Em comum com o Rio houve o fato da discussão ter deixado claro que, além da
disposição da família de ajudar e apoiar, é necessário ter recursos para fazê-lo, uma
vez que é preciso cobrir despesas com transporte, alimentação adequada, roupas e
sapatos próprios, viagens para participar de competições relevantes a fim de marcar
pontos no currículo da atleta e assim por diante. Dessa maneira, as diferentes
condições socioeconômicas das famílias geram significativos (e, às vezes, decisivos)
desníveis de oportunidades e de possibilidades de continuidade da prática esportiva
vivida pelas atletas. Como exemplo menciona-se o caso de uma menina que faz
Basquete, mas gosta muito mais de Natação e não pode mudar de modalidade
porque a família já mantém uma outra filha na Natação e não dispõe de recursos
para manter as duas nessa modalidade.
Os responsáveis destacaram a importância positiva da família nas seguintes
atividades/funções:
•
•
•
•
Apoio financeiro;
Construção de um ambiente de equilíbrio dentro de casa;
Permanente fonte de estímulo à carreira das atletas;
Acompanhamento da atleta apesar dos outros afazeres dos membros da
família.
A percepção expressa por uma pessoa do grupo é a de que as responsabilidades da
iniciação, formação e desenvolvimento da atleta são todas da família, e que as
glórias, quando a atleta chega a conseguir êxitos notórios, vão para o governo e para
o país.
Neste subtema da importância da família, a novidade no GF de São Paulo foi o fato
de os próprios responsáveis terem levantado aspectos negativos da participação da
família, coisa que apenas as atletas, pessoalmente, haviam feito na pesquisa do Rio.
Foram mencionados como ações negativas da família:
•
Presença de familiares, que atrapalha nas competições porque faz o atleta se
exigir mais;
116
Às vezes a gente até nem vai em competição porque a gente vê que a
gente atrapalha, porque (…) eles ficam mais nervosos quando a gente está
junto.
Por exemplo, no caso de Natação, eles nadam mal (se a família está
presente).
A minha (filha) mais velha não quer que a gente vá: “Mãe eu não quero
que você vá”.
•
Excesso de cobrança sobre o atleta;
•
Controle paterno sobre a prática esportiva. Como exemplo foi citado o caso
de pais que anotam em um caderninho o tempo que suas filhas vão
conseguindo obter na Natação tendo em vista a importância assumida pelo
tempo nesta modalidade esportiva.
Fazer o quê? Ficar esperando alguém ligar: e aí, diminuiu o tempo? Tem
pai, por exemplo, que (…) pega tempo do filho, de treino, e fica
marcando num caderninho. Eu não chego a isso.
No caso da Natação o intuito não é pegar medalha, o intuito é diminuir o
tempo porque é tudo por tempo, não é pra ganhar medalha. Não é isso que
o técnico quer. O que eles visam, desde quando eles começam a treinar
até a idade de ficarem mais velhos, é o tempo, porque é o tempo que
garante (…) eles irem nessas competições e conseguirem uma medalha, a
medalha é uma conseqüência do trabalho deles. E é realmente a vontade,
tem que ter vontade, tem que ir atrás, os pais têm que incentivar, a gente
tem que se virar, porque a gente trabalha, mas tem que incentivar, tem
que fazer um monte de coisas para conseguir que eles façam um esporte.
Esporte é bom.
A importância da escola no encaminhamento da vida esportiva
Este aspecto, não levantado pelos responsáveis no GF do Rio, ainda que muito
enfatizado pelos técnicos, professores, treinadores e responsáveis por projetos
sociais, ganhou destaque entre os responsáveis pelas atletas de São Paulo.
Os responsáveis no Rio estavam preocupados com o desempenho escolar das atletas
e com a possibilidade do esporte inviabilizar o estudo em paralelo. Já os de São
Paulo dedicaram sua atenção à centralidade do papel da escola como locus
privilegiado para a iniciação da prática esportiva como ocorre em outros países.
Acham fundamental o incentivo ao esporte educacional. Ressaltaram, no entanto,
que, atualmente, este papel não vem sendo desempenhado porque, mesmo aquelas
escolas que dão oportunidade e oferecem alternativas para que as crianças
experimentem diversas modalidades esportivas, não oferecem possibilidade de
continuidade para nenhuma delas; e porque as escolas públicas não têm recursos
para ampliar o período de permanência dos alunos na escola para propiciar a prática
de esporte em um turno diferente. Tal situação gera uma total desvinculação entre
escola e prática esportiva, propiciando uma situação de “concorrência” no uso do
tempo das crianças e adolescentes. Os responsáveis também acham razoável esperar
da escola que ela propicie aos alunos em geral um ambiente de convívio equilibrado
117
e uma política de incentivo aos alunos esportistas, que poderia ser uma política de
concessões de bolsa escolar até a universidade.
Eu acho é que teria que começar na escola. Teriam que estudar como é na
Europa, como é nos EUA, que as crianças estudam um período e no outro
período eles vão se dedicar a um esporte. Eu acho que isso incentivaria as
crianças porque aí eles têm a escola, o aprendizado, e têm o esporte. Essas
escolas de prefeituras deveriam pegar as crianças e fazerem isso com as
crianças. De manhã eles vão estudar, à tarde em vez deles ficarem na rua,
vão ficar na escola e vão se dedicar, vão colocar, porque eu acho que a
verba sempre tem. O problema é que a verba vai desviada para outros
lados e se não desviassem tanto essas verbas, (talvez) sobrasse um pouco
para a cultura, para a educação. Tem muito valor aí jogado na rua,
crianças às vezes pobres, de favela, que a mãe não tem condição, a mãe
tem que trabalhar, larga a criança e essa criança teria um potencial para
jogar um Futebol – que brasileiro tem a ginga, ele tem jeito. As meninas
têm jeito para o esporte só que estão aí abandonadas. Então eu acho que
isso deveria começar pela escola. Tanto a pública quanto a particular.
Deveria ter um incentivo dentro da escola. A escola até tem, mas é muito
pequena. A escola das minhas filhas tem jogos, mas não é uma coisa que
é incentivada. Deveria ser mais incentivada.
Uma das dificuldades é escola de um lado (e) clube do outro. Não tem
nada uma coisa com outra, é uma briga muito grande.
A escola não precisa nem ser específica em nada. Naquele horário de
intervalo, que todas as escolas têm o professor de educação física, só o
condicionamento físico já está bom. Para todos que já são atletas, 10
minutos por dia na própria escola. É uma sugestão. Na hora que ele
chegar no treinamento ele vai estar no mínimo aquecido.
É difícil, escola é difícil. Eu entendo a sua preocupação é a preocupação
dos professores de educação física, mas não tem estrutura. É muita gente,
não tem condições de você prolongar para a tarde porque a escola
fisicamente não teria como comportar isso, o quadro de professores tem
um horário a cumprir, então quando vem esse horário deles basicamente
eles não podem continuar até porque a prefeitura não reembolsa isso.
A escola? Não adianta. A escola pode fazer, que não tem depois para
onde encaminhar, não vai. Se não bate numa bolsa para pessoa continuar.
Primeiro que escola e esporte estão assim (seu gesto indica direções
opostas), porque chega uma hora que tem que decidir não pode continuar
nos dois. Ou você vai estudar ou você vai participar do esporte. A maioria
que você vê no esporte é porque se dedica o dia inteiro ao esporte. Não
tem tempo de estudar porque não existe um órgão que junta as duas
coisas. Se tivesse uma política aqui. Estamos falando da nossa realidade.
A escola realmente não tem estrutura, mas se o governo quisesse, tinha.
Parece que ficou essa história da escola de ter, por exemplo, num outro
período realmente. A minha filha estudou na escola que a tarde fazia isso,
você podia ir lá e ficar a tarde inteira, lá jogando tudo o que você
quisesse. E ela ia, todo dia. Cada dia um esporte. Mas não tem seqüência.
Se ela se destacasse ou uma outra aluna qualquer se destacar, se ela
quisesse seguir carreira que ela joga Handebol, que é o que ela gosta
118
mais, não tem. O cara não pede, não fala: vou te encaminhar para um
centro olímpico ou um centro tal que lá você vai participar da peneira e se
realmente você for boa você vai virar atleta. Não tem isso. Seja escola
pública, seja escola particular.
Importância dos clubes para a continuidade da vida esportiva
Outra discussão que na pesquisa do Rio esteve muito mais afeita aos técnicos e que
foi muito focada pelos responsáveis por atletas em São Paulo foi a questão dos
clubes, que seriam, a seu ver, uma das poucas alternativas de continuidade da prática
esportiva para maiores de 18 anos, percebida como um problema central para a
prática esportiva das meninas, como será destacado mais adiante.
Os principais pontos levantados no bojo desta discussão foram:
•
O apoio propiciado pelo clube aos atletas: discutiu-se tanto que este apoio
existe somente para os sócios como também que, em caso de reconhecimento
do grande talento do postulante, alguns clubes aceitam “militantes”. Outros
entrevistados opinaram que o clube muitas vezes não dá o apoio devido nem
para os sócios, até porque um atleta custa caro ao clube.
Graças a Deus a gente tem o clube que não vai parar aos 17. Concordo
que seria uma grande frustração, lá talvez ela tenha possibilidade de
continuar, porque lá ela pode continuar não só como adulta como depois
como máster. E tem também máster sem ser sócio, gente de fora que está
lá nadando. Mas realmente é uma dificuldade que a gente vê.
Há necessidade dos atletas chegarem mais cedo para treinar no clube
porque quando os sócios do clube chegam, querem usar a piscina e
reclamam.
No caso da minha (filha) mais velha, ela nada desde os seis meses, desde
nenezinho. Ela começou nadando em academia perto de casa, a gente
mora no Alto da Lapa – Pinheiros. Aí eu levava, ela foi crescendo sempre
fazendo Natação. Chegou num ponto que o treinador de onde ela fazia
Natação, que é num lugar pequeno, incentivou a procurar um clube que
ela teria um futuro, que ela era uma menina esforçada, ela teria futuro. Aí
eu procurei um clube, na verdade eu procurei dois clubes. Um dos clubes
me aceitou no começo como militante e ela foi fazer um teste, ela passou
pelo teste e continuou e daí para frente ela começou a treinar, foi
estimulada para continuar e ela está aí hoje nadando.
A seqüência de falas a seguir discute a controvertida questão do apoio dado pelos
clubes:
Agora, nós temos um conhecido que o filho dele é o campeão brasileiro
de salto, ele salta por onde? Pelo clube XXX. O XXX dá dinheiro para
ele, tem mesada, ele agora é da equipe olímpica, ele tem uma mesada só
para treinar na equipe olímpica. Não é durante os jogos. Ele tem uma
outra mesada que (é) para ele transportar, para ele se alimentar, essas
coisas todas. Primeiro, que é homem. Eu não sei, na realidade ele foi,
como ele conseguiu isso? No XXX, que é um clube elitizado. Eu não sei
se no Pinheiros, se ele fosse uma menina teria o mesmo apoio. Vou estar
com eles amanhã, posso perguntar, por curiosidade, (se) tem também
feminino lá nessa mesma situação. Eu até acho que tem porque depende
119
muito do local, do clube, o clube tem essa tradição de exportar atletas
como tem de Natação no clube XXX1, no Rio, tem aqueles nichos.
Talvez tenha ela também.
Agora também tem uma questão, não são todos os clubes como o XXX.
O XXX não pega atletas de fora. Eles só pegam as pessoas que são sócias
do XXX.
Ou os melhores dos melhores dos melhores.
Algumas vezes pegam e às vezes eles não pegam. Então isso é uma
dificuldade também para o clube que eu vejo, o clube XXX tem
militantes. Para o clube, um atleta custa muito caro, ou seja, ou o atleta dá
resultado para o clube, ou simplesmente ele é obrigado a se retirar.
Porque o clube (…) tem que financiar essas viagens. No caso dos meus
filhos, quando eles vão para competir fora, alguma coisa o clube paga,
que nem inscrição...
•
O clube não paga para as atletas de outros clubes que são recrutadas para
completar a equipe do clube em competições.
•
O clube não faz esforço para ampliar as possibilidades de práticas esportivas
para as meninas e oferece condições diferenciadas segundo o sexo,
privilegiando os meninos.
No clube, por exemplo, ela já teve dificuldade porque tinha time no clube
de masculino Handebol e ela ia no feminino e tinha quatro crianças e os
professores não fizeram nada para divulgar dentro do clube, isso que é um
ambiente fechado, com espaço pequeno. Podia divulgar, sair na revistinha
do clube.
•
O clube só investe em atletas bem-sucedidos que darão “retorno” tanto com
seu esforço pessoal de treinamento como em termos de sucesso.
Expressão de estereótipos de gênero
Como já foi citado na questão dos clubes, os responsáveis pelas atletas em São
Paulo, como os do Rio, percebem, pelo menos em algumas situações, diferenciação
entre as condições oferecidas para meninos e meninas. Seguem-se todas as demais
menções capturadas das falas dos responsáveis no grupo de São Paulo apontando
nesta mesma direção:
•
Vinculadas à prática do Futebol feminino: como acontecera no Rio, foram as
falas relacionadas às meninas que se dedicam ao Futebol as que mais
evidenciaram as questões de gênero. Contudo, as posições das mães
pareciam mais equilibradas que no Rio, dividindo-se entre uma aceitação
sincera da opção das filhas pelo Futebol e a discordância explícita dessa
escolha. Neste grupo ouviu-se desde a fala de uma mãe que espontaneamente
escolheu o Futebol como modalidade esportiva para a sua filha pequena que
demonstrava “gostar de bola” até as críticas a mudanças corporais nas
meninas que praticam Futebol, usadas como forma de reforçar o preconceito
(e que foram de pronto rebatidas por outra mãe). Ouviu-se ainda o relato de
quem já presenciou o questionamento da orientação sexual de sua filha pelo
120
fato dela jogar Futebol. Também foram mencionadas como expressão de
preconceito a falta de espaços em geral para o Futebol feminino de campo e
a falta de oportunidades mesmo para atletas super-reconhecidas, como é caso
da Marta.
Sobre a situação das mulheres que jogam Futebol no Brasil, GOELLNER
(2006, p.5) assim se manifestou: “É preciso lembrar que, apesar da sempre
crescente presença feminina na vida esportiva do país, a situação atual das
mulheres deve ser avaliada com cautela. E o Futebol exemplifica bem essa
situação: o número de mulheres brasileiras que hoje pratica o Futebol em
clubes e áreas de lazer aumentou se comparado à década anterior bem como
são bastante significativas as conquistas da nossa seleção que, desde o final
dos anos 90, vem marcando sua história em eventos de grande projeção
internacional. No entanto, ainda é precária a estruturação da modalidade no
país, pois são escassos os campeonatos, as contratações das atletas são
efêmeras e, praticamente, inexistem políticas privadas e públicas
direcionadas para o incentivo às mulheres que desejam fazer sua carreira
dentro desse esporte, o que me leva a afirmar que na ‘Pátria das Chuteiras’ as
mulheres não têm vez. Estão na zona de sombra ainda que há muito
protagonizem histórias que construíram e estruturaram o Futebol desse país.”
A minha filha, ela aprendeu a andar com a bola na mão. Eu nem sei se era
para o Futebol que ela queria. Só que aí ela começou a gostar muito de
bola, como tinha uma escolinha perto da minha casa, eu coloquei ela,
esperei ela fazer cinco anos e desde então ela joga Futebol, já faz 7 anos,
ela joga na escolinha e também joga no Centro Olímpico, ela joga Futebol
todos os dias da semana porque adora.
A minha filha ama de paixão jogar bola. Menina jogando bola, sapatão.
Você escuta isso. Mas ela não está nem aí com isso. Ela nem liga. Entra
por aqui, sai por aqui, ela se gaba ainda de jogar melhor que os meninos e
essa questão de passe é difícil. Isso que ele falou faz muito tempo que a
gente está batalhando. Eu sou suspeita porque eu sou mãe, mas ela joga
bem. As meninas (…) jogam, elas gostam do que fazem. É muito difícil
achar um lugar. O Centro Olímpico é o único lugar que nós achamos.
Tem escolinha de Futebol por aí, mas tudo muito caro. Eu acho que o
grande desafio é isso que ela falou, hoje tudo é moda, jogar bola, Futebol
feminino é moda, a seleção brasileira foi campeã, não foi? Em quarto
lugar. Nunca mais se ouviu. Aqui em São Paulo são pouquíssimos times
de Futebol feminino. Pouquíssimas, a gente não tem espaço. O desafio
hoje da mulher que quer jogar Futebol feminino é espaço. Eles não têm,
são muito poucos espaços. Elas têm muitos campeonatos, mas só isso. A
gente não vê mais nada como é o Vôlei, a gente vê Vôlei pela televisão,
maior sucesso, Basquete maior sucesso, agora Futebol feminino são
poucos. Então tem alguns esportes que existe muito preconceito. A gente
precisa de mais espaço. Eu acho que a gente tem que lutar por isso.
Você vê o Futebol feminino de campo, elas foram terceiro ou quarto
colocado, voltou à seleção e a menina não tinha dinheiro, a Marta ela não
tinha, ela estava procurando emprego. E ela era a melhor do mundo. E ela
estava procurando emprego porque acabou toda a seleção e ela não tinha
mais como se manter, o dinheiro que ela tinha era o dinheiro que davam
ali, não tem um patrocínio específico.
121
A Marta, jogadora de Futebol, teve que achar emprego lá fora porque
senão aqui a melhor jogadora de Futebol feminino do mundo não tinha
lugar para trabalhar. Isso é um absurdo.
A seqüência de falas a seguir discute a controvertida questão das transformações
corporais promovidas pela prática do Futebol:
Mãe 1: Eu peco muito em relação Futebol. Eu não incentivo, eu não
gosto, eu desestimulo totalmente, eu não gosto, deixa a perna feia, para
ela botar vestido.
Mãe 2: Fica tudo durinho. Ela tem as pernas lindas.
Mãe 1: Mas eu desestimulo, falo que fica feio, falo que fica grossa, fica
uma batatona, mas não tem jeito, ela está lá, vai comprar a chuteirinha
dela, quer comprar as coisas e não falta um treino, ela falta na escola mas
não falta lá.
•
O reconhecimento de que a nossa cultura identifica alguns esportes como
masculinos e outros como femininos.
Eu acho o seguinte, que a facilidade para os esportes que a mulher já está
são fáceis. Problemas são os esportes que a mulher tem dificuldade que
são os esportes mais masculinos. Agora eu acho que deveria ser criada
uma ONG para começar, justamente uma ONG que una essas mulheres
para elas conseguirem um espaço. Para a gente poder brigar para
conseguir esses esportes que a mulher tem dificuldade como o Futebol,
como esses esportes que são masculinos e que as mulheres querem entrar.
Então vamos nos unir mais uma vez, e brigar para isso. É isso que eu
acho que tem que ter.
•
A visão da valorização do esporte como algo próprio da nova geração
apontando para relevantes diferenças geracionais sobre o assunto e
denotando mudanças culturais no tempo, aí incluídas as opiniões das
meninas sobre o interesse acerca do Futebol: teríamos passado das nãoespectadoras da geração anterior às esportistas de hoje.
Primeiro (…) essa coisa de esporte é da geração. Digamos que a minha
geração, eu até comento isso para os meus filhos, nós não éramos
incentivados a fazer esporte. (…) a gente fazia, mas não era como hoje.
Hoje é uma obrigação, a criança tem obrigação de fazer um esporte. Eu
acho que isso é bom. Para essa geração veio de bom tamanho. E assim,
então, eu acho que para eles (…) pelo fato de ser uma coisa nova todo
mundo fazer esporte hoje em dia, que as meninas, por exemplo, quando
falaram negocio de Futebol, eu falei: engraçado, parece que é uma coisa
dessa geração, de 15 anos, que as meninas todas gostam. Porque
antigamente a gente não gostava de jogar Futebol. Menina jogar Futebol?
Na minha época nem assistir, nem jogar, era uma coisa horrível. Eu acho
que é uma característica dessa geração. Como é uma coisa nova, elas
estão começando a conquistar. Que nem ele falou que lugares gratuitos
existem muito poucos, por quê? Porque essa geração, elas estão abrindo
caminho para gerações futuras que vão chegar e aí já vão ter uma
facilidade maior. Eu acho que é por isso uma coisa que agora está sendo
levada.
122
•
A reduzida oferta de oportunidades no município para a prática esportiva das
meninas e a falta de informação sobre as poucas existentes.
Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no
esporte
Os responsáveis entrevistados praticamente só começaram a comentar as
dificuldades que percebem para a prática esportiva no município quando a pergunta
foi colocada ao grupo. Mesmo assim, ainda seguiram falando um pouco da
motivação antes de encarar a dura realidade que percebem como cenário para a
prática esportiva de suas filhas no município de São Paulo. Foi este grupo que
atribuiu as mais baixas notas média e mediana às condições municipais para a
prática de esporte: respectivamente 4,4 e 5. Fizeram questão de assinalar que
algumas dificuldades percebidas são comuns aos meninos e às meninas. Lista-se a
seguir todas as dificuldades mencionadas, tentando respeitar a ordem de recorrência
das mesmas. Vale ressaltar que ainda que o panorama geral das dificuldades
percebidas seja semelhante no Rio e em São Paulo, as ênfases são muito diferentes e
as palavras com que nomeiam algumas situações por vezes são totalmente originais.
•
Falta de recursos e de apoio governamental ao esporte: ao contrário do Rio,
onde a ênfase na questão dos recursos necessários para manter uma carreira
esportiva em desenvolvimento foi direcionada na ausência de patrocínio, os
responsáveis ouvidos pela pesquisa em São Paulo preferiram falar de falta de
recursos. Para dar uma idéia da dimensão do que está sendo dito, somente
duas pessoas (ao todo 3 vezes) utilizaram a palavra patrocínio no GF de São
Paulo, enquanto no do Rio 8 responsáveis, tanto homens como mulheres,
usaram a palavra patrocínio 17 vezes.
Os participantes do GF dos responsáveis mencionaram:
Falta de recursos da família;
Falta de material adequado para a prática do Atletismo;
Falta de condições para cumprir os requisitos necessários para fazer
jus a uma bolsa escolar;
Falta de patrocínio, seja público ou privado, o que ocasiona a
obrigação de investir do próprio bolso, já que medalha não trás
dinheiro.
Falta de políticas públicas não somente porque faltam recursos para
ser investidos, mas, principalmente, porque falta vontade política
para destinar os recursos existentes para o esporte e porque há grande
incidência de corrupção e desvio de verbas.
Insegurança no futuro de quem pratica esporte e não tem recurso.
•
Fim prematuro das oportunidades para a prática do esporte: os locais de
prática esportiva gratuitos existentes em São Paulo só acolhem as pessoas até
os seus 16 ou 17 anos, tornando a continuidade para além desta idade
impossível dentro do próprio município para as famílias que não dispõem de
recursos para investir no esporte e para levar suas filhas até onde existe um
time ou uma nova oportunidade: outros municípios do estado nos quais a
prefeitura tem políticas de inclusão ou outros países nos quais outras regras
mais favoráveis regem a atividade esportiva. Assim, dá-se prematuramente o
fim do sonho da atleta e o de seus responsáveis, que vislumbram no talento
123
esportivo da filha uma via de ascensão social e uma chance de levarem uma
vida melhor – incluído o acesso à casa própria. Além disso, também por volta
dos 17 anos, a menina conclui o curso médio e se vê diante da opção de
continuar tentando o esporte – que lhe toma tempo, não lhe dá garantia de
futuro e promove grandes dispêndios familiares – ou partir para o vestibular
ou para o mercado de trabalho (ou para ambos) em busca de um acesso mais
favorável à vida adulta.
A minha (filha) já está com 16 anos que ela fez agora. O ano que vem é
vestibular. Então esses esportes, ela pratica Handebol, não ganha
dinheiro, não tem carreira a ser percorrida, profissionalmente falando.
Então fatalmente elas acabam parando. Chega na época do vestibular,
porque vai ter que sobreviver de alguma coisa e se continuar praticando
esporte vai diminuindo até sumir. Então eu acho que um grande fator para
parar com esportes ou até mesmo não se dedicar a partir de agora vai ser
não poder receber nada. Se ela fosse um homem e jogasse Futebol do
jeito que ela joga Handebol, ela já foi chamada para a seleção brasileira,
já viajou para a Escandinávia tal, que chamaram ela, e ela teria um
assessor. É mãe falando, poderia ser um Kaká da vida, e poderia estar
ganhando alguma coisa. Mas não tem futuro.
Não só a escola dá prosseguimento a isso porque a menina quando chega
com 17 anos tinha que ter, que nem nos EUA, bolsa. Ir para uma
faculdade pelo esporte, ela é uma excelente jogadora, excelente nadadora,
ela ir para esporte e vai por uma bolsa de estudos. Então vai estudar numa
faculdade legal, mas ela vai lutar pela faculdade como atleta e aí sim
todas essas atletas hoje, por exemplo, que estão aqui, nos Estados Unidos
para o Pan-Americano, são todas de faculdade. Todos estão por uma
faculdade. Então a escola tem que ser à base disso. Pelo que eu vi aqui, a
escola quase não foi a base de nenhum.
Então, por exemplo, como ela falou, as meninas jogam, chegam aos 17,
18 anos, elas vão trabalhar. Elas têm que trabalhar porque a família às
vezes depende disso. Então, a gente percebe assim e eu comento com o
professor, não há uma política de segurar essas meninas, (…) vou te dar
uma bolsa, vou te dar um salário ou empresa ou sei lá alguma coisa que
eles poderiam criar para fortalecer esse tipo de assistência, porque a gente
percebe ali, elas chegam da escola todas com a mala, cansadas, no caso o
Centro Olímpico dá um lanche, mas a estrutura financeira mesmo está
atrás que é a família, não tem. Então eu acho que o Brasil deixa esse
despertar aí.
124
•
Ausência de “peneiras”60 e pouca divulgação das que existem
A palavra “peneira” usada para nomear um tipo de competição que funciona como
via de acesso à prática esportiva não-paga ou com algum tipo de ajuda financeira ao
atleta é mais uma das especificidades paulistanas. Certamente este tipo de atividade
existe no Rio, mas não foi mencionada em qualquer dos GFs da pesquisa nem
mesmo nomeada de outra maneira. Os responsáveis queixam-se de que as peneiras
são poucas, que quase não há divulgação das poucas existentes e que esta divulgação
se dá em veículos elitistas da mídia. Falaram em peneiras realizadas pelos clubes,
pelos centros esportivos públicos e pela Adidas e atribuíram a má divulgação à
necessidade de restringir o número de candidatos porque nenhuma delas daria conta
da real demanda por vagas na cidade.
Outro caso é: sábado passado eu levei a minha filha para o centro
olímpico que tinha um evento da Adidas, concorrente (referindo-se ao
fato da pesquisa ser apoiada pela Nike), e nós não ficamos sabendo.
Ficamos sabendo assim na sexta-feira que eles tinham divulgado em rádio
e revistas, mas que pouca gente que eu conversei sabia do evento. Então
você vê um evento que uma multinacional do tamanho da Adidas
patrocina ali no Centro Olímpico. Era uma peneira para meninas de 17,
18, 19 anos e meninos e foi divulgada em uma rádio acho que era rádio de
rock, MTV e uma revista especializada. Então você vê, é complicado
você falar, qual é a facilidade? A facilidade é a dificuldade porque isso
era para ser expansivo. Então porque que não põe num jornal de grande
circulação, já que o interesse é peneirar? Mas a gente pergunta por que é
assim? Por que houve essa restrição? Por que não é um evento? Não é
aberto? Não é um lugar público? Não é uma marca que tem dinheiro? E,
no entanto pouca gente soube dessa peneira, era Futebol. E a gente foi lá,
na realidade tinham poucos pelo número de pessoas que têm em São
Paulo. Então eu vejo assim a facilidade também é uma grande dificuldade
porque se é para colocar isso como fator acho que tem que noticiar
mesmo, dar tempo para os pais. É um negócio assim, surge na segunda
para sábado e às vezes nem todo mundo está ali com tempo, mas foi um
fator que eu vi, fui lá e presenciei, realmente acho que tirou muita gente
da peneira por falta de informação.
•
Os locais de prática esportiva gratuita são poucos, considerando o tamanho
do município, e muito distantes da moradia de quem deles necessita, já que há
ausência de espaços regionalizados.
•
Grandes deslocamentos e tempo perdido em condução: em decorrência da já
mencionada distância entre moradia e centros esportivos públicos, as atletas
são submetidas diariamente a grandes deslocamentos, que acarretam um gasto
de tempo em condução às vezes superior ao gasto no treino, sem mencionar
os custos desses deslocamentos para suas famílias. Alguns responsáveis se
perguntam se isso compensa ou se não seria mais adequado investir os
recursos em outros tipos de formação como cursos de língua, por exemplo.
60 Peneiras, segundo o material de divulgação do COTP, "são testes de seleção para cada modalidade
oferecida pelo Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa e geralmente acontecem n início de cada
ano". São processos seletivos iniciais.
125
•
Falta de tempo e rotina pesada: combinado ao problema anterior, administrar
o tempo já é uma dificuldade em si mesmo se pensarmos que a jovem atleta
tem que cumprir um período do seu dia na escola, tem que treinar durante
longas horas e ainda participar de jogos nos finais de semana. Tal agenda
configura uma rotina estafante a qual submetem-se, segundo um pai
entrevistado, por que são “incansáveis” quando se trata de dedicar-se ao seu
esporte favorito.
•
De forma residual foram mencionadas:
As dificuldades de estar preparado para perder – no jogo e na vida;
Eu percebi que todo mundo comentou que a competitividade é o forte.
Todo mundo quer ganhar. Nós precisamos estar espertos e preparar para
perder, porque decepção é duro. Eu preparo sempre a minha filha. (...)
Mas essa da competitividade que é uma das motivações, parece que para
todo mundo, (...) parece que é meio unânime, porque todos querem
ganhar, a gente precisa tomar cuidado com a criançada. É importante
tomar, com o perdão da palavra, tomar porrada, perder as competições, a
criança precisa estar preparada porque a vida toda vai ganhar? Ganhava
um joguinho na escola quando ela vai num campeonato é obvio, tem
times menores ela joga para ganhar, mas elas têm que estar preparadas
para perder, faz parte da vida. Perder e justiça, têm que aprender que a
vida não é justa e que perde uma, ganha a outra. As duas coisas têm que
aprender de pequeno.
A questão de ter ou não o biótipo desejável para cada esporte,
havendo quem achasse que o biótipo era determinante e quem
achasse que ele se submetia ao talento da pessoa para aquele esporte.
Não porque eu acho que é ruim. No caso das minhas filhas, eu joguei e até
brinco de bola, sou ruim de Futebol, fui melhor com as mãos, e eu percebi
uma aptidão deles com a Natação: biótipo, o tamanho, o corpo deles. A
minha filha no Futebol, ela ama também, adora, só que ela é péssima. E ela
não tinha aptidão. Eu chegava, não é que eu não forçava, eu falava: não é
bem por aí. A minha do meio, por exemplo, ela queria fazer qualquer outra
coisa não ligada à Natação, mas se ela tem biótipo de nadadora, ela nada
bem, ela tem força, tem potência, então não é bem por aí. Eu quero fazer
balé. Você não tem biótipo para bailarina. Eu quero fazer Ginástica
Olímpica. Você não tem biótipo, você é alta, você é grande, elas puxaram
para mim. Então foi mais por causa de como eles eram, e fui tentando
encaminhar.
Biótipo, eu acho que não tem muito a ver. A minha filha, ela é boa em tudo
que ela quer fazer: não tem biótipo para dançar, ela dança muito bem, tudo
que ela faz ela faz perfeito, ela não tem altura para jogar Basquete, quando
ela quer jogar, joga bem. Então o estímulo do pai também não é tudo.
Depende dela mesmo porque eu não dou, eu dou assim, eu gosto de
Handebol, Tênis de Mesa, baralho, essas coisas que eu jogo muito, essas
coisas que é estar sentada. E elas esforçam, aí ela procura. Então não é
questão de biótipo.
O risco de se machucar e não ter atendimento adequado no local
onde pratica ou de perder sua oportunidade de prática ao ter que se
afastar temporariamente.
126
Facilidades percebidas para que as atletas permaneçam no esporte
Como nos demais GFs, foi necessário um esforço maior para identificar fatores
facilitadores para a prática esportiva das meninas. Contudo, as poucas respostas
vieram de forma direta e não em forma de listagem de qualidades que o esporte
aporta para seus praticantes, ainda que duas pessoas tenham mencionado que o
“esporte tira a criança da rua” e “afasta a menina das drogas”.
Um pai disse que não há facilidades e mesmo quando há elas são maiores para os
meninos; outras duas pessoas mencionaram de forma isolada o fato de que “as
mulheres são mais inteligentes” e o acesso que algumas escolas propiciam à
experimentação de diversas modalidades esportivas para meninos e meninas, porém
com vantagem para os meninos.
A facilidade, as meninas são mais inteligentes do que os meninos. Elas já
são. Então, eu falo pelo Futebol que precisa ser instantâneo ali, elas são
mais inteligentes, elas vão se sair melhor. Só que o tempo é que elas vão
se sair melhor. Essa é a facilidade.
Eu não consegui ver nenhuma vantagem, a não ser na escola, a escola
realmente tem, estava lá para menina, menino, a mesma coisa, os meninos
sempre têm uma vantagem a mais, os horários são melhores e as meninas
ficam com o que dá, encaixam onde dá. Eu senti um pouco disso no
Bandeirantes.
Os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro (Pan)
Já foi dito que não havia no roteiro dos GFs qualquer questionamento específico
sobre o Pan do Rio de Janeiro. No GF dos responsáveis pelas atletas em São Paulo o
assunto emergiu espontaneamente, tendo sido as referências feitas sempre pelos seus
aspectos negativos:
•
As atletas paulistanas não falam do Pan e o seu desinteresse pelo evento leva
até a questionar o seu amor pelo esporte: teriam elas feito uma opção de vida
pelo esporte ou apenas estavam gostando de praticá-lo neste momento
específico de sua vida?
Estou vendo chegar jogos Pan-Americanos e lá no Centro Olímpico
mesmo eu não sinto isso. Era para todo mundo estar em ebulição ali. Não
tem. É um dia comum, um treino comum.
A diferença delas em continuar. O que eu acho é que ela está vivendo o
momento dela, porque eu não sei se elas são interessadas tanto no esporte.
Falar agora dos jogos no Rio, não há divulgação, nada. A minha filha não
fala nada, eu acho que se ela fosse tão interessada assim, saber o que vai
continuar, o que vem pela frente...
•
•
•
As obras que estão sendo feitas no Rio para o evento estão atrasadas;
Falta divulgação para o evento;
Não se consegue comprar ingressos mesmo quando há interesse.
127
Sobre o que falou do Pan-Americano, a minha filha, os meus filhos,
principalmente a mais velha, está louca para ir no Pan-Americano, tanto
que ela queria porque queria tentar arrumar ingresso. Eu fui tentar na
Internet no dia, 10 horas depois que abriu os ingressos não tinha mais um
ingresso para Natação.
Sugestões para melhorar as condições de prática esportiva para as
meninas
As sugestões apresentadas giravam principalmente em torno da centralidade da
escola – da importância do esporte educacional; da necessidade de políticas
públicas para o esporte; e na necessidade de uma ação organizada por parte da
sociedade para reivindicar.
•
Com referência à ênfase na escola:
Centrar a política de esportes na escola: escola num primeiro
momento e bolsa universitária depois para dar continuidade. Bolsas
universitárias foram defendidas pela maioria, seguindo o exemplo de
países desenvolvidos, que têm ótimos resultados nas competições
internacionais como EUA e França. Somente um pai defende que a
bolsa universitária exista somente para quem entrou na universidade
por seus méritos não-esportivos.
Ainda no âmbito da escola, um pai sugeriu que, fora de espaços
específicos para o esporte nas escolas, os professores de educação
física proporcionem 10 minutos de condicionamento físico nos
intervalos de aulas para os praticantes de esporte.
Mais estrutura para as escolas. Aparentemente não há interesse em
alterar a situação educacional, pois um povo menos instruído é mais
fácil de ser iludido.
•
Política pública para apoiar o esporte. Ações isoladas não resolvem. No
âmbito desta discussão, houve um acalorado debate sobre o papel das ONGs:
de um lado havia as pessoas que achavam que, mesmo existindo políticas
públicas e interesse governamental de apoiar o esporte, as ONGs têm o seu
lugar e a sua função. De outro lado, as pessoas que diziam que as ONGs
existem como “muleta do Estado”, para tapar os buracos deixados pelo
governo.
•
Transformar o esporte em um dos focos da ação governamental.
•
Cobrar dos governantes mais ações para o esporte, pressionando para que
tenham vontade política de promover mudanças no esporte porque está
provado que quando há vontade política, as coisas acontecem. Como
exemplo foi citado o nível de segurança pública conseguido em São Paulo
durante as visitas de Bush e do papa Bento XVI. Entre as ações de cobrança
citadas estavam fazer ações públicas de protesto em locais de grande
visibilidade para as autoridades e até mesmo uma “revolução sangrenta”
como pré-requisito para a mudança social.
128
•
Ações da Nike em prol das mulheres no esporte como incentivo a outras
grandes marcas esportivas. Interesse empresarial versus esperança de
mudança.
IV.3. As vozes das atletas
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora
Antecedentes
A composição do grupo das atletas procurou privilegiar a diversidade de
modalidades de esporte olímpico. Atingimos esse intento, apesar de não termos
conseguido a inclusão de alguns esportes menos praticados como o iatismo e a
Esgrima. Um dos projetos sociais visitados oferece a prática de vários esportes, para
que depois o aluno faça sua escolha; incluímos uma menina desse projeto, para ter
presente essa experiência. Havia muitas meninas praticantes de Vôlei e, nesse caso,
procuramos contemplar as diferentes dimensões do esporte: educacional;
profissional, muito difícil devido à faixa etária das meninas (12 a 18 anos); nãoprofissional e esporte como forma de inclusão social.
Durante os contatos foi mais fácil conseguir representantes das modalidades
praticadas nos grandes centros esportivos, tais como o Centro Olímpico de
Treinamento e Pesquisa, da Secretaria de Esporte do Município de São Paulo, e o
Clube da Cidade de Santo Amaro George Bruder, também da prefeitura.
A maior dificuldade foram os clubes. Em algumas situações, seus diretores não
permitiram a indicação do nome das atletas e nem o fornecimento de seus telefones.
Com algum esforço foi possível trazer algumas atletas vinculadas a esse tipo de
entidade, para que as diferentes vivências da prática esportiva pudessem ser
consideradas.
Outra dificuldade foram as escolas, também representantes do esporte educacional.
Algumas das públicas não tinham praticantes do sexo feminino e outras, devido à
extrema burocracia, não conseguiram nos responder em tempo hábil, apesar dos
nossos insistentes contatos. As particulares procuradas ou não tinham a prática
esportiva ou não nos atenderam. Mesmo assim, foi possível trazer uma menina que
pratica esporte na escola particular.
As entidades que trabalham com projetos sociais foram mais abertas e com isso
permitiram a presença de representantes de diferentes projetos e modalidades
esportivas. Uma delas, alegando normas internas, não permitiu o nosso contato
direto com as atletas ou seus responsáveis, sem antes falar com cada uma delas.
Conhecer e lidar com essas diferentes formas de vínculos, vivenciadas pelas atletas,
foi um bom aprendizado de como a atividade esportiva acontece na cidade de São
Paulo.
Instituições e projetos sociais participantes do GF
Estavam representados no GF as seguintes instituições e programas:
129
Associação Brasileira “A Hebraica” de São Paulo
Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa – COTP
Clube da Cidade de Santo Amaro George Bruder
Colégio São Francisco Xavier
Federação Paulista de Handebol
Instituto Esporte Educação
Kai Kam Saúde Atletismo – Associação Nikkey de Atletismo e Saúde
Obra Social Dom Bosco
Projeto Esporte Talento – CEPEUSP e Fundação Ayrton Senna
Serviço Social do Comércio – SESC Vila Mariana
A realização do GF
Muitas meninas chegaram acompanhadas das mães e algumas destas mães haviam
estado conosco no GF da noite anterior. Foi um reencontro prazeroso. Distribuímos
as Fichas de Perfil Socioeconômico e as mães que já haviam tido a experiência de
preenchê-las deram dicas para as sua filhas. Algumas das demais mães, que
escolheram não participar do grupo de responsáveis porque não poderiam vir duas
vezes e priorizaram a vinda das filhas, receberam o Termo de Autorização para
leitura e assinatura.
As meninas receberam crachás com seus nomes escritos de forma bem legível, para
que todos, inclusive nós, pudéssemos nos dirigir uns aos outros pelos nomes. O uso
do crachá é imprescindível para que a facilitadora oriente a discussão e também para
permitir a identificação das falas no relato – registro escrito do debate.
Todas as convidadas foram muito pontuais e logo o grupo estava completo. Das
dezesseis meninas previstas, apenas uma não compareceu. Esse resultado é
surpreendente, considerando o caráter voluntário da participação. Para dar início ao
grupo focal, as mães e amigas das atletas foram convidadas a se dirigir ao mezanino
do hotel. Lá havia uma sala confortável, com sofás e TV, onde essas pessoas
aguardariam o término do grupo na companhia da nossa assistente de pesquisa.
Uma atleta compareceu no dia destinado ao Grupo de Técnicos, Treinadores,
Professores, Árbitros e Responsáveis por Projetos Sociais – 02/05. Essa atleta não
havia sido indicada pela sua instituição e nem pelo seu técnico e por esse motivo não
fazia parte da relação de atletas convidadas. Nosso arquivo não possuía nenhuma
indicação de atleta da modalidade luta. Ela veio acompanhando seu técnico, que em
nenhum momento mencionou a intenção de trazê-la, para que pudéssemos dirigi-la
para o grupo das atletas. Fizemos dois contatos diretos com ele, um para convidá-lo
e outro para confirmar sua presença. As falas da atleta, realizadas no Grupo dos
Técnicos, foram incluídas no grupo das atletas e serão consideradas na análise desta
seção.
Durante o debate, muitas vezes a facilitadora precisou estimular as respostas,
perguntando se não havia mais nada a dizer sobre aquele assunto, se ninguém mais
tinha uma experiência ou opinião para colocar. Esses estímulos muitas vezes
surtiram efeito e as meninas acabaram acrescentando informações importantes.
De todo o grupo, apenas uma das meninas era bastante eloqüente. Ela era mais
velha, a única com 18 anos, e tinha uma história pessoal diferente das demais e que,
130
segundo ela mesma, lhe deu muita autonomia. As demais participantes estavam
igualmente atentas, mas mantinham-se caladas a maior parte do tempo. Uma
explicação possível para a maior timidez do grupo era a sua pouca idade – média de
14,9 anos, um ano mais baixa que a verificada no grupo das atletas do Rio, que foi
de 16,2 anos. Nessa faixa etária, um ano pode representar bastante tempo de
vivência e ampliação da maturidade. Por outro lado, as meninas pareciam ser mais
protegidas pelos seus responsáveis do que no Rio, o que também pode interferir no
seu nível de autonomia e de capacidade de expressão de suas próprias idéias.
Uma certa descontração foi acontecendo no desenrolar do debate e uma atitude geral
de descoberta do outro tomou conta do grupo. Em sua fala final sobre o GF, assim se
expressou uma participante: “Acho que é legal discutir sobre o esporte; eu acho que
foi legal, mas acho que a gente tinha que ter falado mais.”
O pós-grupo
A facilitadora propôs uma foto do grupo e falou da entrega do certificado, que pode
ter alguma utilidade para elas, por terem participado de uma pesquisa esportiva. Ela
também procurou consertar o erro cometido pela equipe da pesquisa no dia anterior,
em relação aos brindes e vales-transporte que não foram entregues para alguns pais
após o término da reunião. O material já estava organizado em sacolas, com o nome
das atletas.
No final, o clima era de harmonia e coleguismo. As participantes divertiram-se com
a foto conjunta e trocaram endereços de e-mail.
A confraternização estendeu-se durante o almoço no restaurante do hotel, que reuniu
também as não-atletas que participariam do GF da tarde e os responsáveis que
tinham vindo trazer/buscar meninas dos dois grupos.
131
Foto 3
Participantes do GF das atletas e membros da equipe da pesquisa
Município de São Paulo
Principais pontos levantados na discussão
O que se pretende aqui é sistematizar as idéias que emergiram das discussões, à luz
das questões a que se pretendia responder. Procurou-se listar todos os aspectos
mencionados, independentemente de sua recorrência ou originalidade.
Os gostos e as idiossincrasias das atletas
A dinâmica quebra-gelo utilizada para iniciar os trabalhos foi a de pedir que, junto
com sua apresentação pessoal, cada uma falasse de uma coisa de que gosta e não
gosta na sua vida. O quadro abaixo reúne as respostas obtidas e mostra que foram
muito mais relativas às situações habituais da vida das adolescentes do que centradas
na prática esportiva como ocorrera no caso das atletas do Rio. O “gostar” estava
predominantemente relacionado a atividades claramente de lazer como a dança, a
música, os passeios, os amigos, a TV, as viagens etc. Somente três meninas
destacaram a prática do esporte e da competição como sendo uma coisa de que gosta
na vida. Quanto às coisas de que não gostam, ou “odeiam” como preferem algumas,
relacionam o ócio, o estresse, o controle de suas vidas por outras pessoas, o acordar
cedo, o acordar tarde, o estudo, e seis respostas falam de coisas de que não gostam
no próprio mundo do esporte: a prática de modalidades esportivas diferentes da sua
de eleição e de fazer física, bem como a necessidade de perder peso para permanecer
na sua categoria de luta no Judô.
132
Quadro 18
Coisas de que as atletas gostam e não gostam na sua vida
Município de São Paulo
Uma coisa de que gosta na vida
Eu gosto de assistir TV.
Eu gosto muito de ficar no computador.
Eu gosto de ouvir música e estudar.
Uma coisa de que não gosta na vida
Eu não gosto de ficar sem fazer nada.
Eu não gosto de estresse.
Não gosto que as pessoas fiquem me
enchendo o saco.
Eu adoro ouvir música e dançar.
Eu não gosto de Futebol, embora já tenha
feito.
Eu gosto de sair, conhecer pessoas novas, Não gosto de acordar cedo também. Tenho
lugares novos.
muita preguiça.
Eu gosto de escutar música, conhecer Eu não gosto de estudar.
pessoas novas.
Eu gosto de sair.
Não gosto de acordar cedo.
Gosto de fazer Atletismo.
Odeio fazer Handebol.
Eu gosto de jogar Vôlei, que é o que eu Não gosto de acordar cedo também.
pratico, sair com os amigos.
Eu amo viajar.
Uma coisa que eu odeio é tirar peso porque
no Judô precisa ter um peso, mas enfim, eu
faço.
O que eu gosto de fazer é ouvir música, O que eu não gosto é de ficar sem treinar.
dançar.
Eu adoro escutar música, passo o dia inteiro Uma coisa que no esporte eu não gosto, de
escutando música.
verdade, é jogar Futebol, eu odeio jogar
Futebol, embora seja obrigada por causa da
educação física, mas, não gosto mesmo.
Uma coisa que eu gosto muito é de disputar, Odeio fazer física.
competir, jogar mesmo.
Eu gosto de escutar música e estudar.
Eu não gosto de acordar tarde.
Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007.
A motivação das meninas para a prática do esporte
Colocada a primeira questão na roda de conversa – a motivação para a prática
esportiva –, as atletas mostraram logo que teriam uma participação tímida e que
precisariam ser estimuladas para falar. Contudo a situação não era de desconforto e
sim de observação interessada.
No que tange à motivação, não houve um ponto de convergência para as respostas
que, assim, tenderam a expressar percepções individuais a partir de sua própria
experiência. Houve algumas referências à existência de dois momentos distintos de
motivação como ocorrera entre as atletas do Rio e uma primeira menção às
diferenças de gênero, partida de uma praticante de luta. Seguem-se as idéias
reveladas:
•
Não existe uma motivação única. Ela é múltipla: vem de filmes que você vê,
do estímulo que recebe de seus pais e dos amigos, da vontade de ser como os
expoentes esportivos que estão na mídia etc.
133
•
A motivação é “ser uma profissional” e fazer o esporte porque gosta.
•
Em um primeiro momento os pais escolhem um esporte para a criança
seguindo os seus próprios gostos, mas nem as crianças nem os pais estão
pensando em chegar ao alto rendimento, só no gostar mesmo. Depois é que,
se dá certo, inicia-se o caminho para o alto rendimento.
•
A motivação inicial foi uma indicação médica para dar conta de um
problema específico de saúde. Foi a porta de entrada para o esporte e,
posteriormente, houve a busca do “seu” esporte porque gosta, para conhecer
pessoas, ter um bom professor e assim por diante.
•
A busca de diversão como motivação do primeiro momento e depois, tomar
gosto e ter vontade de superar os preconceitos de gênero. O esporte ajuda a
conviver com a TPM e isto é uma motivação para permanecer.
Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no
esporte
Como as atletas do Rio, as de São Paulo também elegeram o preconceito como o
principal causador de suas dificuldades para a prática esportiva. O preconceito,
percebido em suas diversas nuances, foi muito mencionado e apontado como
indesejável: as praticantes do Judô e de certas modalidades do Atletismo sentem a
comparação com o masculino; as praticantes do Vôlei falam do machismo dos
meninos que separam os times por sexo e são extremamente brutos no jogo contra as
meninas; as praticantes do Basquete e do Handebol chamam a atenção para um
outro nível de preconceito que é aquele entre as pessoas que já conseguiram uma
institucionalização maior da sua prática e as demais, e assim por diante.
Vale notar que, talvez pela imaturidade das meninas, elas “revidam” o preconceito
reificando estereótipos de gênero ou discriminando os meninos também. Isso poderá
ser visto em várias falas no grupo. Uma atleta deu a sua receita para lidar com o
preconceito de gênero, baseada na indiferença:
Acreditar na gente mesmo, que nem na parte do masculino. O masculino
é assim? Então está bom, deixa eles. Não quer treinar comigo? Eu
também não quero treinar com você. Não quer treinar? E quem disse que
eu queria treinar com vocês? Na parte do Futebol que coloca menina para
um lado, menino para o outro, (não quer) passar você, te dar um drible e
você depois ficar falando mal? A gente tem que fazer que a gente não está
nem aí com eles. Acho que a gente tem que ser um pouquinho mais a
gente.
Foram os seguintes os aspectos levantados e que podem ser classificados na rubrica
de preconceito, sejam eles relativos a questões de gênero ou de outra espécie.
•
Preconceito de gênero:
Nos clubes e até mesmo nas escolas, os técnicos e professores só dão
atenção às mulheres quando não há equipes masculinas.
134
Eu acho que, tipo, eu treino no colégio e tem muita diferença, pelo menos
o técnico, faz muita diferença entre as meninas e o masculino porque sim,
pelo menos nos anos anteriores, ele dava muito mais preferência aos
meninos, ele ia jogar com eles, ele colocava eles na liga paulista, em
vários campeonatos e as meninas nem tanto, ficavam mais excluídas,
tanto que esse ano está sendo muito interessante porque como eu estou no
terceiro, muitos meninos pararam de treinar porque estão fazendo
cursinho. Então, agora não tem mais masculino, agora ele tem que ficar
com a gente, mudou muito, ele está colocando a gente em campeonatos,
agora que dá para perceber como era diferente.
No âmbito do cotidiano não existem tantas diferenças, mas na
competição a preferência pelos homens é visível.
Eu acho que é assim, no Judô, o preconceito seria mais na parte da
confederação porque aqui em São Paulo, na cidade, capital, o esporte é
normal tanto do masculino como do feminino, não tem diferença
nenhuma, todos participam de tudo. Mas eu acho a nível de seleção
brasileira, coisa assim, aí é que tem bastante preconceito, tanto que, não
sei se vocês viram, teve uma competição que foi Rússia e Japão, Japão e
Brasil também só o masculino participou, o feminino não porque eles
acharam que iam gastar dinheiro com o feminino. Nisso que eu fico meia
assim, que eu acho um absurdo.
Meninas têm a sua orientação sexual questionada em função do
esporte que praticam: “se está fazendo este Judô, é homem, sapatão.”
Agora aqui, acho que o preconceito que tem do feminino fazer, às vezes é
aquela coisa – é homem, está fazendo Judô porque é homem, sapatão.
Hoje em dia eu não dou mais bola, mas quando eu fazia, eu me irritava
com isso porque eu acho que não tem nada a ver, se o homem pode fazer,
por que a mulher não pode fazer, entendeu?
Meninas que praticam esportes considerados masculinos como Judô,
lutas em geral e certas modalidades do Atletismo como martelo, por
exemplo, são sempre comparadas ao homem: “é forte! Pode se
igualar aos homens na disputa. Não se deve meter com ela porque ela
pode encarar”. O contra-argumento de algumas atletas que são
identificadas com o masculino é de que se pode ser muito
“masculina” na prática do esporte e totalmente “feminina” no
cotidiano da vida extra-esportiva: “delicada e usando salto alto e
roupa cor-de-rosa”. Ao argumentar dessa maneira, as meninas
ratificam estereótipos de gênero que tomam como naturais hábitos
tipicamente culturais e que são transmitidos através da educação
hegemônica em nossa sociedade, sem se dar conta de que estão
perpetuando as bases do preconceito do qual se queixam. Elas dizem
ainda, referindo-se às transformações que podem ser observadas no
corpo da mulher pela prática de determinados esportes, que estas
podem ser apreciadas, valorizadas e não tomadas como
“desfeminilizantes”: “mulher é sempre mulher mesmo que o corpo
fique forte”.
135
Preconceito das meninas contra os meninos: não sabem trabalhar em
grupo nem nos esportes coletivos.
A professora fala: “gente, aqui a gente tem que ter organização, vamos
trabalhar em grupo”. Só que lá, eles não sabem o que é isso, eles não
sabem. Mesmo sendo esporte de equipe. (...) Lá eu aprendi nesses 3
meses, não querer as coisas todas só para mim, eu aprendi a dividir
porque como eu sou filha única, a gente tem esse foco porque tudo o que
eu tenho é para mim e lá não, lá eu aprendi, não tem só eu na vida, vamos
aprender a dividir e foi isso que aconteceu. Só que você sabe, homem não
tem como. Homem é terrível.
Preconceitos diferenciados segundo o esporte. Comparando o
Atletismo ao Judô em uma instituição, uma atleta diz que há muito
mais preconceito no segundo que no primeiro, embora no Judô seja
possível tirar proveito de treinar com os meninos porque quando se
enfrenta uma menina depois, a atleta está mais bem preparada. No
Vôlei, os meninos gostam de montar seus próprios times composto
somente por eles e jogam agressivamente contra os times femininos.
Essa divisão entre menino e menina, acho que vai muito do professor
também, se o professor tem uma cabeça aberta, ele vai colocar menino e
menina para treinar junto e é desse jeito porque quem está mandando ali é
ele. O meu sansei, o meu professor, ele já trata as meninas como se
fossem meninos mesmo, mas assim, ele sabe, tem uma hora que a menina
está lá de TPM, ele entende, mas na hora do treino, ele trata todos iguais,
não tem, porque é menino, não sei o quê, isso que eu acho legal da parte
dele. Mas você vê outros professores que tem bem essa divisão mesmo,
divide menina e menino. Eu acho que às vezes até é bom dividir os
meninos, mas algumas vezes colocar isso, porque eu acho assim, é bom
para a gente mesmo estar aprendendo com eles, eu estou treinando com
um menino, estou conseguindo jogar ele, teoricamente, você vai lutar
com uma menina, vai ser muito mais fácil você jogar ela, você treinou
com menino que é mais forte, então eu acho que vai do professor.
(referindo-se ao treino do Vôlei): Eles fazem o Clube do Bolinha com a
Luluzinha. O time é só menino porque menina é muito delicadinha, é
muito fresca, machucou? Ai!... É bem assim que eles fazem, então eles
dividem as meninas para um lado e os meninos para o outro. E lá tem
muito menino, então o que acontece? Os meninos lá são muito machistas,
muito. Para fazer o bloqueio, para você (ver) o quanto eles estavam com
raiva da gente porque a gente era um clube (que) só tinha menina, ele foi
dar um bloqueio, pegou no nariz da menina, estourou a unha dela, isso
com raiva da menina, para dar o bloqueio. Nossa Senhora, ficou uma
revolta assim, porque eles dividem mesmo, de verdade, lá eles dividem
mesmo as meninas dos meninos, separa totalmente, não se mistura.
•
Outros tipos de preconceito:
Preconceito contra as atletas “não-federadas”: poucas oportunidades
são dadas a elas nos clubes. Em igualdade de condições ou mesmo
com nível de habilidade esportiva superior, a preferência é das
federadas.
136
Essa questão da oportunidade, eu acho que nos clubes poderiam ser
maiores as oportunidades para quem ainda não foi federado porque eu, no
Basquete, já tentei muitas vezes, mas eles dão preferência assim, tem uma
jogadora, ótima, que não foi federada ainda e tem uma jogadora boa
também, mas que já foi federada, eles vão escolher primeiro a federada,
que já teve um acompanhamento e não dão chance para aquela que ainda
não foi federada de entrar nesse clube. Eu acho que isso é um pouco de
preconceito com as pessoas que já passaram pela federação e as que não
passaram ainda, embora estejam no nível igual na habilidade dentro do
esporte.
Preconceito contra as pessoas novas que vêm de lugares distantes
para treinar. A suposição é de que não são boas no esporte e é
necessário que o professor/treinador intervenha para impor a
integração da nova atleta no time.
No que eu pratico, o preconceito que aconteceu foi assim, faz 3 meses
que eu faço Vôlei, eu mudei de uma região totalmente para outra, então
minha vida virou de cabeça para baixo, uma coisa, um vuco-vuco, aí
peguei e falei assim: “eu vou ficar aqui para não fazer nada?” Então como
eu gosto de fazer, eu vou praticar, aí eu fui. Chegando lá, ninguém me
conhecia, ninguém sabia como eu jogava, aí a professora chegava e
falava: “gente vamos montar 4 times para fazer o campeonato.” O que
acontecia? Eu era a última a ser escolhida. Ela tinha que me colocar no
time por quê? Porque todo (mundo) achava: eu não conheço, ela deve
jogar mal. Eles te julgavam pela aparência e lá eles são muito assim.
Outras dificuldades citadas e não relacionadas ao preconceito:
Falta de incentivo do governo para o esporte em si e mais aos
eventos. Passado o evento, cessa o interesse. Tal fato também havia
sido destacado no GF dos técnicos do Rio.
Cada modalidade tem sua própria dificuldade, assim como são
múltiplas as motivações. No caso do Judô, uma das maiores é “tirar
peso” para se manter em condições de competir na sua categoria. As
judocas do Rio também levantaram este ponto.
Gasto excessivo de tempo na condução para conseguir chegar ao
treino.
Necessidade de morar longe da família quando no local onde ela vive
não há condições para viabilizar a prática da modalidade esportiva
escolhida pela atleta.
Falta de dinheiro para os gastos básicos do dia-a-dia com o esporte.
O esporte deveria ser uma forma de trabalho com remuneração.
Falta de atenção governamental.
Seria bom também que o governo se espelhasse (no que) está
acontecendo dentro do esporte e não ficasse só olhando lá de cima,
achando que tudo está rolando bem. Tem muita coisa errada dentro do
esporte que dava para solucionar, se eles prestassem um pouquinho mais
de atenção.
137
Facilidades percebidas para que as atletas permaneçam no esporte
Como foi comum em todos os GFs tanto no Rio como em São Paulo, a lista de
fatores facilitadores para a prática e permanência das meninas no esporte foi bem
mais curta do que a dos fatores dificultadores.
As seguintes percepções foram expressas sobre o assunto:
• Professora (mulher) ajuda a minorar as conseqüências dos preconceitos de
gênero na prática do esporte.
(Referindo-se à professora) (É um) ponto mais para as meninas porque,
vamos dizer assim, que com os meninos ela já sabe como eles são. Então
como ela já sabe disso, (do) preconceito contra mulher, que todo mundo
fala: “o homem é mais forte do que a mulher”. Só que isso não é verdade,
porque a mulher, só a dor que ela sente de ter um filho, que vocês falam
que é imensa... O homem, (com) uma dorzinha: “ai meu Deus, está
doendo demais”. Já chora, a mulher não. A mulher já agüenta mais firme.
Então a professora sendo feminina, isso é ótimo, traz mais facilidade para
a gente que é mulher porque assim, ela vendo que a gente está certa, ela
vai para o nosso lado, isso é muito bom.
•
As facilidades são maiores no esporte individual do que no coletivo porque
nele tudo depende só da própria pessoa.
•
Facilidade de poder escolher o esporte que quer praticar quando a escola ou
projeto oferece a possibilidade de experimentar uma gama variada de
modalidades.
•
Facilidade pelo fato da mulher ser mais “organizada”, mais “certinha” e
persistente no seu objetivo, além de enfrentar uma concorrência menor.
Eu acho outra facilidade em relação ao feminino, acho que a mulher é
mais organizada, se o objetivo é chegar no alto rendimento, acho que para
a mulher seria (mais fácil) porque ela é mais certinha. O homem? O
homem é mais... leva tudo nas coxas: “vamos jogar Futebol, mas depois
tem aquilo”. A mulher, se ela tem o objetivo de chegar no alto rendimento
(eu quero ser assim), eu acho que ela é mais segura, então acho que para o
feminino é um pouquinho mais fácil chegar no alto rendimento do que o
homem até porque tem muito mais (homem) praticando esporte do que
mulher.
Vantagens e desvantagens do esporte
A assim chamada “rodada” é um recurso da técnica dos Grupos Focais ao qual se
pode recorrer tanto no início do grupo para propiciar um primeiro contato com o
gravador e uma primeira interação com os demais participantes, como também a
qualquer momento do grupo quando o(a) facilitador(a) percebe que há
disponibilidade para a fala mas há inibição, até mesmo de pedir a palavra.
Geralmente o recurso dá bons frutos e sua única desvantagem é que pode favorecer a
repetição de uma idéia expressa por outra pessoa anteriormente, se chega a sua vez
de falar e você ainda não elaborou uma resposta própria. De toda a forma, esta
repetição tende a não ser de uma idéia da qual você discorda.
138
Esgotado o roteiro de questões do grupo, ainda dispondo de tempo e percebendo que
as atletas ainda tinham muito a dizer, foi proposta uma “rodada” em que todas as
participantes foram convidadas a eleger uma coisa que percebiam como vantagem
da prática esportiva e, ao contrário, uma que percebiam como desvantagem.
O Quadro 19 sistematiza as respostas e mostra que, do lado da desvantagem ou o
esporte é idealizado como sem “efeitos colaterais negativos” apesar das dificuldades
enfrentadas para a sua prática ou instalou-se uma pequena polêmica sobre a questão
do tempo, que aparecera nas dificuldades apenas como excessivo no transporte até o
local do treino. Assim, aproximando-se às colocações de outros grupos, levantaram
a questão da falta de tempo em si e para fazer outras atividades essenciais como
freqüentar a escola, preparar os trabalhos escolares e o convívio familiar. Outras
atletas contra-argumentaram que ficar sem tempo compensa, tais são as vantagens
percebidas no esporte. A questão do preconceito, principal fator dificultador
percebido, foi retomada e as atletas do Judô voltaram ao seu calcanhar de Aquiles: o
controle de peso para manter-se na categoria na qual disputam suas competições.
Na percepção das atletas existem muitas vantagens advindas da prática esportiva. A
principal delas é fazer amigos, mas outras foram citadas: ser feliz, ter bem-estar, ser
alegre, aprender e ensinar, ampliar o autoconhecimento, aprender a trabalhar em
grupo, aprender a conviver com a diferença, mudar a cabeça e não pensar em coisas
ruins, conhecer lugares e pessoas novas, ganhar mais responsabilidade, forma de não
se estressar e ter saúde.
A menção à saúde como “efeito colateral positivo” do esporte foi contestada por
uma atleta que disse “não haver saúde no esporte de alto rendimento”. Esta
importante questão viria a ser explorada mais tarde pelos participantes do GF dos
técnicos de São Paulo.
Eu acho que é assim, saúde no esporte é quando você faz o esporte,
aquele tranqüilo, educacional, que você faz numa boa, mas eu acho que
no alto rendimento não tem saúde, o esporte não é saúde no alto
rendimento porque você vê os atletas, eles chegam no máximo. Acho que
no alto rendimento, o esporte não é saúde, você acaba fazendo coisas que
você não deve para você ganhar, então eu acho que no alto rendimento
não é saúde.
Quadro 19
Principal vantagem e principal desvantagem da
prática esportiva na percepção das atletas
Município de São Paulo
Principal vantagem
Uma coisa boa que o esporte traz, acho que
são os amigos e um bem-estar da pessoa
porque uma pessoa quando ela conquista
uma medalha, ela fica muito feliz.
Acho que uma das vantagens é você se
autoconhecer, tipo alcançar o seu limite para
conseguir alguma coisa, você tem amigos,
com certeza.
Principal desvantagem
Uma dificuldade é a falta de tempo, às vezes
para estudar, tem que treinar e às vezes tem
que deixar de estudar, ou então tem que
faltar no treino para estudar.
E uma desvantagem, acho que é a falta de
tempo mesmo.
139
Principal vantagem
Eu acho que a gente aprende mais sobre
aquilo que a gente está fazendo e a gente
pode passar o que a gente está aprendendo
para outras pessoas que não sabem.
A vantagem assim que eu acho, na minha
área, é aprender a trabalhar em grupo, tudo o
que a gente faz lá é em grupo. Eu acho que
isso é muito bom porque aí você desenvolve
mais rápido, você pega uma agilidade assim.
A vantagem seria o meu bem-estar, a
felicidade, aquela sensação boa quando você
ganha ou até mesmo quando você perde, eu
acho que você tem que entender os dois
lados. Então eu acho que esse é o grande
motivo que eu faço Judô.
As vantagens que eu tenho são as amizades,
eu consegui bastantes amigos lá não só do
Atletismo, como de outras áreas também, do
Vôlei, do Basquete.
Acho que uma vantagem, tipo no Vôlei, é
realmente o que ela falou, trabalhar em
grupo, aprender a conviver e conviver com a
diferença. Tem umas que jogam melhor, tem
umas que não sabem jogar, então o legal é
você ensinar às vezes, mostrar como faz,
acho que isso é bem interessante.
Principal desvantagem
O preconceito também porque o grupo que
eu participo só tem duas meninas jogando no
time de Basquete e no time de Handebol tem
quase todas as meninas do grupo, então eu
acho que é um preconceito isso porque as
meninas acham que o Basquete é esporte de
menino, só que a menina também pode
jogar.
E a desvantagem, eu não vejo desvantagem
porque falta de tempo, eu não tenho falta de
tempo, pelo contrário, como eu faço à tarde,
eu estudo de manhã e à tarde eu tenho o
tempo todo livre, isso é muito bom.
No Judô a desvantagem que eu acho é em
relação à perca de peso (…) não é só comigo
como com todos atletas assim que fazem
como alto rendimento sofre porque é uma
coisa que é difícil, todo mundo fala assim
“por que você não vai no nutricionista, cuida
do peso?”. Você acha que vai ficar 1 mês, 2
meses, 1 ano, porque todo o final de semana
tem que competição, 2, 3 vezes por mês, às
vezes os 4 finais de semana, então eu acho
que é difícil, todo mundo fala “por que você
não cuida?” Mas você vê um comendo
chocolate, vê um fazendo não sei o quê, vai
cuidar? Aquele que fala que é para você
cuidar é porque nunca cuidou do peso, nunca
precisou perder peso. Então eu acho que essa
é uma desvantagem. E muitos, não comigo,
mas já aconteceu de muitos tomarem Lazix,
essas coisas assim para perca de peso, então
eu acho que é uma desvantagem porque você
acaba com o seu corpo, é uma coisa que é
uma desvantagem.
Uma grande desvantagem para mim é o
tempo porque eu não tenho muito tempo
para estudar, fazer trabalho da escola, como
eu estudo de manhã, tenho que treinar à
tarde, então chego do treino à noite, umas
8h30, 9h praticamente, então não tenho
muito tempo.
E a desvantagem mesmo é o tempo porque,
principalmente, eu estou no 3º, então tenho
que pensar no vestibular, estudar, e com o
Vôlei às vezes fica meio complicado.
140
Principal vantagem
Principal desvantagem
Eu acho que a vantagem é que você entra no Eu não acho que a desvantagem é o tempo
esporte para ser alegre, você faz, convive porque quem não tem tempo, mesmo assim
com aquilo, tem amigos.
faz porque você se machuca no Judô... que
nem eu, fui numa competição, meu amigo se
machucou, mesmo assim ele continua, o
médico fala – você pára; mesmo assim ele
continua então, é uma alegria que você tem
todo o dia de ir e estar fazendo o que você
gosta.
A vantagem é que também muda assim a
cabeça da pessoa, a pessoa que faz esporte,
ela se desenvolve mais rápido, ela tem um
pensamento diferente, ela não vai ter aquele
pensamento, tipo se eu faço esporte, ela não
vai ter aquele pensamento de roubar, matar,
eu vou ter aquele pensamento, se eu faço, eu
vou querer alguma coisa boa para a minha
vida.
E desvantagem, eu acho que não tem
desvantagem, acho que esporte já é uma
coisa boa e é só vantagem que traz assim
para a vida de cada um.
A vantagem para mim, como eu faço E a desvantagem, acho que não tem
Natação, há duas semanas atrás eu fui para nenhuma.
uma competição e eu consegui ganhar uma
medalha, eu acho que a vantagem é você
conhecer lugares novos, que nem eu estou
vindo aqui, conhecendo pessoas novas e acho
que isso é uma vantagem de você estar
fazendo um esporte, de estar conhecendo
melhor um esporte, fazendo o que você gosta
e conhecendo pessoas novas.
Eu acho que a vantagem é você ter boa
saúde, treinar, esforçar, ter bastantes amigos.
A vantagem que eu tenho é porque eu gosto
de praticar Natação, tenho muitos amigos e
gosto de fazer novas amizades também.
A vantagem que eu vejo é que a gente ganha
mais responsabilidade. Quando está fazendo
um esporte, a gente passa a ser mais
responsável.
E a desvantagem é porque você tem falta de
tempo.
E desvantagem eu não tenho nenhuma.
E a desvantagem é que a gente perde um
pouco do convívio em casa, com a família,
com os amigos, porque é assim, vou para a
escola de manhã, eu chego à tardezinha,
quase à noite, aí eu janto, tomo banho e vou
dormir. Para ver meu pai, é só de manhã, a
hora que eu vou para a escola, que ele ainda
está dormindo, aí a gente só conversa mais
final de semana; casa de tio e tia, é uma vez
no mês e olhe lá.
141
Principal vantagem
A minha vantagem que eu vejo, o Futebol
que eu faço, eu penso assim – vai ter uma
competição para mim fazer e eu vou ir fazer.
Eu penso assim: se eu for campeã nessa
competição, levar troféu, medalha, essas
coisas, vou ficar muito feliz consigo próprio.
E eu vejo uma maneira de não se estressar
também, de ficar muito em casa assistindo
televisão, essas coisas.
Uma vantagem é fazer novos amigos e
também a saúde porque tipo, eu como muito,
então o esporte ajuda a manter o peso.
Principal desvantagem
E desvantagem, também não tenho nenhuma.
E desvantagem, eu não tenho nenhuma, mas
tipo amo fazer esporte, faço esporte todos os
dias e isso faz com que eu tenha menos
tempo mesmo, mas eu faço porque eu gosto,
então se eu quisesse ter mais tempo eu
pararia, mas eu não paro, porque eu gosto.
Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007.
Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva
Foi colocado para as atletas, ao final do grupo, um desafio: se elas fossem escolhidas
secretárias municipais de esporte de São Paulo, que providências tomariam para melhorar as
condições da prática esportiva no município.
Eis as respostas:
•
•
•
•
•
•
•
Tornar o esporte obrigatório;
Fornecer transporte para levar para o treino;
Remunerar a prática do esporte após os 17 anos como possibilidade de dar
continuidade quando chega à idade adulta e ao término da oferta existente de
prática esportiva gratuita em São Paulo;
Tornar obrigatória, em todas as escolas – públicas e particulares – a
possibilidade de prática esportiva gratuita de todas as modalidades, para que
as crianças/adolescentes possam experimentar e decidir com qual delas se
identificam;
Possibilitar a aquisição de material esportivo adequado à prática das diversas
modalidades;
Construir mais locais de prática esportiva que dêem oportunidade a pessoas
de todas as idades e de todas as classes sociais;
Diminuir as diferenças de possibilidades de prática esportiva entre as classes
sociais:
Eu acho na classe superior, classe média para cima, acho que até o
esporte relativamente está certo, está correto, quando você tem dinheiro,
você consegue colocar seu filho, colocar no transporte, ir até o lugar, mas
eu acho que o negócio seria a classe baixa mesmo, que não tem próximo,
aí tem que pagar. Como uma mãe que recebe, faz alguma coisa, recebe 50
reais, 10, 15 reais no dia vai ajudar o filho a pagar um transporte para ir
que é 2 e alguma coisa. Então eu acho que em relação a isso, ao
transporte, que eu achei legal, e na parte da alimentação mesmo para esse
pessoal, essa família bem baixa mesmo. Eu vejo lá no Centro Olímpico,
eles dão lanche, depois do treino eles dão um lanche, o lanche é bom,
142
então eu acho que isso meio que estimula para vim porque pensa assim:
“eu vou praticar porque vai ter o meu lanche” e, de vários lá, foi o café da
manhã, o almoço, ajuda alguma coisa. Então eu acho que nessa parte da
alimentação, buscaria mais porque os pais... porque é assim, os pais da
classe média para cima tem uma visão de que o filho precisa, eu falo a
grande maioria porque tem uns que não, mas eu falo assim, que ele tem
uma visão de que hoje em dia o filho tem que fazer um esporte, o filho
tem que praticar alguma coisa, mas os de classe baixa, eles acham que
não, o filho tem que ir no farol pegar dinheiro. Então eu acho que se
tivesse isso, uma alimentação, um clube que desse alimento, almoço,
alguma coisa assim, eu acho que seria mais fácil porque daí ele ia pensar
assim: “eu vou lá participar porque depois eu vou ganhar o meu almoço e
não preciso estar aqui no farol trabalhando para ter o meu almoço, posso
ter ele de uma maneira mais fácil, uma coisa que eu vou estar gostando,
uma coisa que vou estar fazendo e não vou estar sendo obrigado pelos
meus pais”. Então eu acho que nessa parte assim, da alimentação, eu acho
que seria legal, para essa classe.
IV.4. As vozes das não-atletas
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora
Antecedentes
Em São Paulo, a montagem do grupo de meninas não-praticantes de esportes
apresentou dificuldades bastante similares às encontradas no Rio de Janeiro. Nossa
primeira tentativa também foi obter o nome das meninas a partir da indicação das
atletas. Compareceram ao grupo de não-atletas, formado por onze participantes,
apenas cinco meninas indicadas por atletas, sendo que uma das atletas trouxe duas
amigas. As demais componentes vieram, como ocorreu no Rio de Janeiro, por meio
de contatos com pessoas conhecidas da equipe de pesquisa. Em duas situações
conseguimos uma menina, que trouxe uma outra amiga, com as mesmas
características (ter entre 12 e 18 anos e não ser praticante de esporte). A condição de
trazer uma amiga muitas vezes tornava o convite mais atraente.
A estratégia de proporcionar um almoço conjunto foi bem aceita pelos dois grupos,
atletas e não-atletas, mas não garantiu a presença mais expressiva de meninas
indicadas pelas próprias atletas. Além da questão já apontada no grupo do Rio de
Janeiro, que mostrou que as atletas têm mais amigas praticantes de esportes e pouco
convívio social com outros grupos, foram observados alguns outros fatores:
restrições de deslocamento (distância), tempo de permanência no local (um grupo de
manhã e outro à tarde) e a condição, estabelecida pela maioria dos responsáveis, das
meninas virem acompanhadas. Este último fator é bastante compreensível, pois a
maioria das meninas era menor de idade. Acompanhar as meninas é uma prática que
também ficou evidente no grupo das atletas e mais presente em São Paulo que no
Rio.
De qualquer maneira, ter reunido um grupo de meninas não-praticantes de esportes,
para conversar sobre a “A Mulher e o Esporte”, em pleno feriado de 1º de maio e
numa tarde ensolarada, pode ser considerado um ótimo resultado.
143
A realização do GF
Algumas meninas chegaram na parte da manhã, em companhia das atletas que iriam
participar do primeiro grupo de discussão. Nossa assistente de pesquisa ficou
encarregada de recebê-las e acompanhá-las durante o período do debate. Utilizamos
um espaço confortável, com sofás e TV, localizado no mezanino do hotel, e
servimos água e café. Ficaram neste mesmo espaço os responsáveis que vieram
acompanhando as atletas.
As outras meninas chegaram perto do meio-dia e também aguardaram no mezanino.
Algumas delas também vieram acompanhadas da mãe. Quando terminou o grupo
das atletas, reunimos todas as pessoas no restaurante, localizado no andar térreo. Os
lugares foram dispostos em mesas grandes, para que as meninas pudessem se sentar
lado a lado.
As atletas desceram conversando entre si, encontraram as amigas e as mães e se
acomodaram nas mesas. As meninas que não conheciam as atletas ficaram próximas
e em alguns casos com suas mães. Todas as pessoas presentes foram convidadas
para participar do almoço.
O clima era de bastante descontração e principalmente as atletas – muitas delas
haviam acabado de se conhecer – conversavam efusivamente, comentando situações
relacionadas ou não à prática esportiva. Todos apreciaram o cardápio: saladas
variadas, arroz, fritas, estrogonofe de filé e uma massa. Havia também suco de
laranja, água e sobremesas (tortas e outros doces).
Durante o almoço tiramos várias fotos, contemplando as atletas, as amigas, as mães
e as demais meninas convidadas. Nosso grupo era tão grande, trinta e seis pessoas
incluindo a equipe da pesquisa, que ocupou totalmente o espaço do restaurante.
Terminado o almoço, as atletas e as mães, que iriam aguardar as meninas
participantes do grupo da tarde, foram para o mezanino. Nesse momento, uma das
tarefas da nossa assistente foi providenciar a assinatura, pelas mães presentes, do
Termo de Autorização para que as meninas menores de 18 anos pudessem participar
da pesquisa.
As participantes do grupo de não-atletas foram convidadas a nos acompanhar até a
sala do segundo andar e receberam a Ficha de Perfil Socioeconômico. Sempre que
necessário, a equipe de pesquisa auxiliou o preenchimento. Também foram
providenciados crachás com o nome de cada uma das meninas.
Os questionários foram recolhidos e as meninas menores de 18 anos, que não vieram
acompanhadas pelas mães, receberam envelope selado e endereçado ao Instituto
Noos, contendo um Termo de Autorização, para que seus responsáveis assinassem e
colocassem no correio. Finalizadas essas providências, o GF teve início.
Não apenas na sua constituição, mas também no desenrolar do debate, esse grupo
apresentou semelhanças com o Grupo Focal de pares de atletas realizado no Rio de
Janeiro. Ambos foram os grupos de menor tempo de duração registrado na pesquisa
apesar de seguir o mesmo roteiro dos demais grupos, muitas vezes acrescido de
144
outras perguntas formuladas pela facilitadora, para ampliar, aprofundar ou
simplesmente aquecer o debate.
Foi um grupo difícil de fluir, a discussão foi intercalada por vários momentos de
silêncio prolongado. Foram tentadas as estratégias de deixar a fala livre e de solicitar
o depoimento de cada pessoa seguindo os seus lugares no círculo (“rodada”). Em
algumas ocasiões o resultado foi nenhuma fala, uma ou duas falas ou, uma
seqüência de respostas muito parecidas. Esse resultado, expresso mais pela ausência
do que pela presença de informações, mostra o quanto questões referentes aos
esportes, especialmente sua prática, não fazem parte do universo de reflexões e
preocupações das meninas não-praticantes de esportes, apesar de pertencerem ao
mesmo grupo etário das atletas.
Mesmo não tendo participado mais intensamente do debate, as meninas ficaram
bastante à vontade e não pareceram constrangidas em nenhum momento. Mesmo as
mais caladas respondiam as perguntas a elas dirigidas. Não houve desatenção ou
dispersão. Todo o tempo elas demonstraram respeito pelo trabalho e ao final
declararam ter gostado da proposta e agradeceram a oportunidade de serem ouvidas.
Eu gostei muito porque eu nunca tive uma oportunidade dessas,
aproveitando, agradeço a oportunidade e eu achei bem interessante.
O pós-grupo
Como nos demais grupos, tiramos algumas fotos das meninas e da equipe de
pesquisa e distribuímos os brindes.
Descemos com o grupo até o mezanino, para encontrar as pessoas que estavam
aguardando. Nos despedimos e agradecemos a presença de todos.
Principais pontos levantados na discussão
O que se pretende aqui é sistematizar as idéias que emergiram das discussões, à luz
das questões a que se pretendia responder. Procurou-se listar todos os aspectos
mencionados, independentemente de sua recorrência ou originalidade.
Os gostos e as idiossincrasias das não-atletas
A dinâmica quebra-gelo utilizada para iniciar os trabalhos foi a de pedir que, junto
com sua apresentação pessoal, cada uma falasse de uma coisa de que gosta e não
gosta na sua vida. O quadro abaixo reúne as respostas obtidas e mostra que, em
comparação com as atletas, elegeram outras prioridades, outras formas de ocupar o
seu tempo, mais voltadas para as artes e para o lazer do que para as atividades
intelectuais. Suas preferências recaíram sobre música, cinema, teatro, dança e canto.
E ainda os passeios no shopping e o bate-papo com amigos. Quanto às atividades
que não apreciam, tirando o jargão do “não gosto de acordar cedo” despertado pela
facilitadora que elegeu este tema como do seu desagrado, chama a atenção as que
declararam não gostar de estudar, aí incluindo a prática da educação física. As nãoatletas expressavam-se muitas vezes de forma superlativa.
145
Quadro 20
Coisas de que as não-atletas gostam e não gostam na vida
Município de São Paulo
Uma coisa de que gosta na vida
Eu também em gosto de música.
Uma coisa de que não gosta na vida
O que eu não gosto também é de acordar
cedo.
Eu gosto de cinema, adoro cinema, amo a O que eu não gosto é acordar cedo, mas eu
música também e curto bastante teatro.
tenho que fazer isso, mas eu não gosto.
Eu gosto também de música, de ir ao
shopping.
Eu gosto de ir a show, de teatro, shopping
também.
Eu gosto muito de dançar.
Do que eu não gosto é de acordar cedo
também.
Eu não gosto de estudar.
E eu odeio educação física, é uma coisa que
não suporto, eu não gosto.
Eu gosto muito de cantar.
Odeio acordar cedo.
Eu gosto de conhecer os lugares, qualquer Também não gosto de acordar cedo, mas
lugar.
tenho que ir para escola.
Eu amo dançar.
Eu não gosto de ter que estudar.
Eu gosto de música, gosto de sair com os Não gosto de arrumar bagunça dos outros.
meus amigos.
Eu gosto de ouvir música, de ir para o E eu não gosto é de acordar cedo.
shopping, de cinema também.
Eu gosto de sair com os amigos, bater papo. E não gosto de estudar. Odeio.
Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007.
A (não) motivação e a motivação das meninas para a prática do esporte
Colocada a primeira questão na roda de conversa – por que não se sentiam
motivadas para a prática esportiva –, poucas participantes se manifestaram, padrão
que seria seguido ao longo do grupo, como já foi registrado.
Algumas participantes já haviam praticado esporte e abandonaram por razões
diversas, e foram poucas as manifestações de desejo de retornar à prática esportiva.
Algumas meninas, em sua fala final, disseram que a participação no grupo serviria
para elas refletirem e, quem sabe, reconsiderarem sua posição frente ao esporte.
Eu gostei, agradeço o convite porque eu gosto de convívio assim com as
pessoas, discutir idéias diferentes e tudo, eu também acho que é uma
influência para aquelas pessoas que têm preguiça e não fazem esporte
para começarem a fazer, porque eu acho que um esporte normal na escola
não vai ter mal nenhum.
As razões alegadas para não se dedicarem ao esporte estão listadas a seguir e
mostram basicamente falta de tempo, desinteresse e inércia:
•
•
•
•
Falta de tempo em função de outras escolhas que interessam mais, como, por
exemplo, escola, inglês e dança.
Preguiça. “Tenho muita preguiça. Só faço a escola porque é obrigado.”
“Por não estar afim mesmo!”
Necessidade de começar a trabalhar.
146
•
•
Falta de interesse.
“Eu não faço, como dizem os adolescentes, não é minha praia. Não me
identifico.”
As não-atletas também enumeraram as percepções que tinham acerca da motivação
para o esporte das atletas de sua faixa etária:
•
•
•
•
Por gostar mesmo do esporte. “Acho que elas não são obrigadas!”
“Para ter o corpo bonito e estar sempre com tudo em cima.”
“Por ter alguém como exemplo agora, que tem muitas meninas se
destacando.”
Influência dos pais.
Eu acho que as meninas começam fazendo esporte por causa do incentivo
dos pais, porque se dão incentivos desde pequena aí elas vão fazendo e
vão gostando, e se identificando também com esporte.
As não-atletas não souberam apontar dificuldades que precisam ser enfrentadas
pelas atletas para praticar esporte no município de São Paulo, embora tenham
atribuído nota média 6,9 às condições para esta prática, a mesma nota atribuída pelas
atletas.
Falando das facilidades, uma única não-atleta se pronunciou dizendo que era bom
“começar desde pequena porque já vira um hábito da pessoa. Aí fica tudo mais
fácil”.
Vantagens e desvantagens do esporte
Como havia tempo e já se sabia que as respostas praticamente só vinham sob
demanda explícita, foi colocada uma questão extra para as não-atletas: será que o
esporte traz algum tipo de benefício para o dia-a-dia de meninos e meninas além dos
resultados específicos de seus objetivos competitivos como medalhas e títulos?
Como acontece em algumas “rodadas” nos GFs, o efeito repetição foi intenso:
praticamente todas as entrevistadas declararam a saúde e o aumento da auto-estima
como os principais benefícios do esporte e não perceberem desvantagens na prática
esportiva. Somente três não-atletas mencionaram desvantagens: a possibilidade de
envolvimento em briga no esporte; a possibilidade de se machucar durante o jogo; e
o fato de que “às vezes a pessoa se empenha muito só no esporte e acaba esquecendo
das outras obrigações como estudar. Não pode ver esporte só como atividade
principal”.
Percepções acerca do uso do tempo de meninos e meninas
Numa tentativa de investigar a percepção sobre diferenças de gênero e a ocupação
alternativa do tempo de não-atletas, foi colocada em discussão a seguinte questão: Que tipo
de atividade vocês acham que as pessoas usam para ocupar o tempo quando elas não
praticam esporte. Em seguida, perguntou-se se elas percebiam muita diferença entre ser
menino ou uma menina adolescente no que diz respeito ao uso do tempo.
Referindo-se às meninas disseram acreditar que usassem seu tempo em cursos diversos
como “cursinhos para se especializar em alguma coisa” e curso pré-vestibular, ou seja,
147
estudando e investindo no futuro; “com alguma coisa que gostam e com as obrigações como
trabalhar e estudar e todo o resto”; na Internet; vendo TV; batendo papo e dormindo. Outra
vez houve indicação significativa de preguiça e sono como fatores que levam a não incluir
mais atividades na vida cotidiana. A fala que se segue resume bem as percepções expressas
nessa questão:
Quando eu não estou na escola eu faço um curso. Acho que geralmente as
pessoas procuram investir mais nessa coisa de futuro, de currículo, de
fazer cursos de línguas, de especialização. Muitas pessoas também já têm
que trabalhar com 15, 16 anos, para poder também pagar uma faculdade.
E também tem o negócio da preguiça, quando você tem os dias livres
você pretende dormir por ter feito, por exemplo, um curso nos outros
dias. Pelo menos eu penso assim.
Referindo-se aos meninos, demonstraram perceber algumas diferenças e algumas
semelhanças. Como semelhanças indicaram que ocupam o seu tempo com as
mesmas coisas e pelos mesmos motivos que as meninas. Entre as diferenças
destacaram que:
•
•
•
•
Meninos têm mais preguiça (ou não!);
Meninos são mais influenciados pelos amigos;
Meninos gostam mais de praticar esporte;
Meninos têm mais oportunidades de praticar esporte: vínculo forte com o
esporte nacional que é o Futebol; mais locais para praticar e mais referências
de sucesso para se espelhar.
Eu acho que os meninos gostam mais de esporte, realmente eles praticam
mais, mas os que não fazem também acho que são pelos mesmos motivos
e mais preguiça nos meninos.
Menino e menina não têm muita diferença, mas para o menino acho que é
uma coisa mais assim, tem que fazer Futebol porque meu amigo faz. É
uma influência mais dos amigos. E as meninas, é mais por preguiça
mesmo. E tem menino que também não faz por preguiça, mas são poucos
pelo que eu conheço.
Eu acho que os meninos têm até mais oportunidade de fazer esporte
porque o Futebol já é uma paixão para todos os meninos e
conseqüentemente tem mais times, de Futebol, mais lugares para treinar
para os meninos. É difícil você ver um lugar que tem Futebol feminino. E
os meninos gostam mais de se exercitar, de gastar energia. Os que não
fazem é mais por preguiça também ou então talvez por falta de
oportunidade.
Eu acho que eles se dedicam mais porque tem mais divulgação. Todos os
meninos vêem um jogador de Futebol famoso, aí quer ser que nem eles, aí
se dedica. Agora, menina, é porque tem pouco espaço para elas, não tem
muito espaço para elas poderem praticar um esporte. É um pouco
diferente porque menino já é mais, qualquer lugar que você vai tem lugar
para eles, jogar Futebol, principalmente Futebol. Agora menina eu acho
que tem pouco.
148
Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva
Ao final do grupo, foi colocado um desafio: se as não-atletas fossem escolhidas secretárias
municipais de esporte de São Paulo, que providências tomariam para melhorar as condições
de prática esportiva na cidade.
As poucas respostas envolveram a necessidade de divulgação e foram:
• Divulgar mais o esporte, utilizando inclusive a TV.
• Divulgar as oportunidades que existem na cidade para quem gosta de praticar poder
procurar.
• Criar espaços para prática esportiva nos bairros e divulgar a sua existência quando
ficassem prontos.
Montar grupos de esporte nos bairros, cada bairro ter seu grupo,
normalmente ter um clube em cada lugar, onde cada grupo pudesse ir
nesse clube e fazer os esportes que cada um gosta, times, tudo.
IV.5. As vozes dos técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis
por projetos sociais
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora
Antecedentes
Além das diferentes modalidades esportivas, também foram considerados na
constituição desse grupo os diversos tipos de instituição e dimensões do esporte.
Uma característica específica foi a inclusão de árbitras. Para localizá-las, foi
necessário entrar em contato com as federações de diversas modalidades de esporte
olímpico.
Uma dificuldade vivenciada na montagem do grupo foi a inclusão de profissionais
que trabalham em clubes. Tentamos desde os coordenadores até professores e
técnicos, percorrendo todas as instituições que visitamos na primeira fase da
pesquisa, e mesmo assim conseguimos apenas duas pessoas, sendo que um deles é
treinador autônomo.
De forma geral, os participantes desse grupo receberam bem o nosso convite. As
poucas negativas estavam, em geral, associadas a outros compromissos já assumidos
pelas pessoas. Também aconteceram mudanças de última hora, como o caso de
técnico de Esgrima que havia confirmado sua presença, após conseguir autorização
da direção do clube onde trabalha, e no último momento precisou acompanhar sua
equipe numa prova classificatória para os Jogos Pan-Americanos. Esses
profissionais atuam em horários bastante extensos, incluindo noites e finais de
semana.
Assim como no caso das atletas, e até porque ambos tiveram como origem as
mesmas instituições, vieram mais representantes dos centros esportivos públicos e
dos projetos sociais. Cabe destacar que as indicações obtidas junto ao Centro
Olímpico de Treinamento e Pesquisa permitiram a presença, no grupo, de muitos exatletas, que fazem parte do seu quadro de professores.
149
A boa vontade demonstrada na aceitação de nosso convite e a forte presença
registrada no dia do Grupo Focal, treze presentes de dezesseis convidados, são
indicativos do interesse que o tema desperta entre os profissionais de esportes,
principalmente aqueles que trabalham mais diretamente com as mulheres.
Instituições e projetos sociais participantes do GF
Estavam representados no GF as seguintes instituições e programas:
Centro de Educação Unificado – CEU Casa Branca
Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa – COTP
Clube da Cidade de Santo Amaro George Bruder
Federação Paulista de Atletismo
Federação Paulista de Handebol
Federação Paulista de Voleibol
Instituto Esporte Educação
Kai Kan Saúde de Atletismo – Associação Nikkey de Atletismo e Saúde
Obra Social Dom Bosco
A realização do GF
Às 18h30, após algumas providências relativas a crachás, questionários, organização
de brindes e combinados a respeito da recepção dos participantes, a equipe da
pesquisa se achava completa e a postos. A chegada do coffee break completou o
quadro e às 18h35 chegaram os 2 primeiros participantes do GF.
Após os cumprimentos, a facilitadora lhes entregou a Ficha de Perfil
Socioeconômico e sugeriu que, se quisessem, podiam iniciar pelo lanche. Ambos,
timidamente, escolheram sentar e preencher o questionário em silêncio. Aos poucos,
a chegada de outros participantes foi deixando todos mais à vontade, alguns
lanchando e conversando, outros terminando o preenchimento do questionário.
Simultaneamente, todos receberam seus crachás.
Um técnico de Luta Greco-Romana chegou acompanhado de uma atleta que
entendeu que aquele era o dia em que as pessoas ligadas à sua instituição
participariam; não havia compreendido que este Grupo Focal teria somente a
presença de técnicos. Após ponderar, a facilitadora considerou com ela que, embora
não fosse o mais adequado, ela poderia participar e suas opiniões seriam,
posteriormente, incluídas no relatório das atletas, como comentado na seção deste
relatório que tratou do trabalho com as atletas.
Às 19h30, com o grupo praticamente completo, questionários preenchidos e uma
conversa animada pela sala, a facilitadora propôs que iniciássemos aos trabalhos.
Todos ocuparam seus lugares.
O clima reinante durante todo o grupo, que foi bem longo e encerrado praticamente
a revelia dos participantes depois de duas horas e 5 minutos de debate, foi de
extrema seriedade e forte interlocução entre os participantes. As idéias expostas por
uns eram complementadas ou contestadas por outros e assim por diante. Ficava
nítida a intensidade com que exerciam o trabalho de formadores de jovens atletas. É
interessante notar que, embora fosse o último GF da pesquisa como um todo, nele
150
foram levantados aspectos originais e extremamente relevantes para o tema
pesquisado, como será visto ao longo desta seção.
Todos concordaram que seus nomes constassem no relatório final como
participantes do GF e avaliaram muito positivamente a existência e a condução da
pesquisa.
O pós-grupo
Concluídos os trabalhos e realizadas as fotos, as pessoas começaram a se
movimentar, conversar e trocar endereços, pois um dos aspectos mais positivos
ressaltados pelos participantes fora o contato com seus pares e a descoberta de
dificuldades em comum que talvez pudessem ser mais bem encaminhadas em
conjunto. É o efeito “pedagógico” da técnica dos Grupos Focais.
Receberam certificados, crachás, brindes, retornaram à mesa do café, se
cumprimentam e se despediram, agradecendo a iniciativa e fazendo comentários
diversos.
Foto 4
Participantes do GF dos técnicos, professores, treinadores, árbitros,
responsáveis por projetos sociais e membros da equipe da pesquisa
Município do São Paulo
Principais pontos levantados na discussão
O que se pretende aqui é sistematizar as idéias que emergiram das discussões, à luz
das questões a que se pretendia responder. Procurou-se listar todos os aspectos
mencionados, independentemente de sua recorrência ou originalidade.
151
A rodada inicial de apresentações ensejou falas mais extensas já que a maior parte
dos participantes aproveitou para colocar um pouco da sua história no esporte, o que
permitiu saber que ali estavam técnicos, treinadores, professores e árbitras com
experiência em olimpíadas, jogos pan-americanos e campeonatos mundiais, além de
responsáveis por projetos sociais de peso que certamente muito tinham a contribuir
com a pesquisa. Os participantes, como já foi mencionado, tinham em média 13,9
anos de vínculo com o esporte ao qual se dedicam atualmente. Haviam 8
modalidades representadas. Em sua primeira fala, os responsáveis por projetos
sociais, além de fazerem sua apresentação pessoal, aproveitaram para descrever
também as principais características da atuação de suas instituições.
Nesta seção, em especial, foi necessário um esforço especial de “decomposição” do
conteúdo das falas para que fosse possível, ao nível da análise, enfatizar os
diferentes aspectos abordados de forma tão integrada. Subtemas como a existência
de estereótipos de gênero e a influência da mídia, por exemplo, estão presentes em
quase todos os tipos de argumentação.
A motivação das meninas para a prática do esporte
Como ocorrera no GF dos técnicos do Rio, os participantes de São Paulo tenderam a
falar mais da ótica do seu próprio esporte que do esporte como um todo, embora
tenham conseguido este nível de generalização em muitos momentos. A presença de
um filósofo e historiador no grupo permitiu um respaldo por assim dizer mais
teórico de algumas colocações bem como sua contextualização no tempo e no
espaço.
O fato dos projetos esportivos mantidos pelos governos municipal e estadual serem
percebidos como mais amplos e mais sólidos que os do Rio – os técnicos do Rio já
haviam se referido à existência de algumas políticas públicas nas prefeituras de
estados do Sul e em São Paulo – talvez seja um dos fatores que explique algumas
diferenças específicas nos posicionamentos dos dois grupos.
Foram apontados como fatores motivadores para as meninas ingressarem no esporte
e nele permanecerem:
•
A possibilidade de competir junto e em pé de igualdade com os meninos.
Este fator foi colocado a partir da experiência do iatismo, mas acredita-se
que seu alcance seja mais genérico. Um estudo que comparou percepções de
amazonas e de jogadoras bem-sucedidas de Vôlei acerca do que é para elas
ser atleta profissional dentro da cultura brasileira atual também aponta para
ele como motivador da participação feminina. Outra conexão entre as duas
observações é que iatismo e Hipismo são usualmente percebidos como
esportes de elite. Isso foi registrado não apenas no GF em pauta como no
citado estudo: “fiz a opção por dois grupos de atletas, claramente
diferenciados em termos do tipo de esporte ao qual se dedicam: por um lado,
praticantes do Hipismo clássico, um esporte de elite no qual homens e
mulheres participam como concorrentes das mesmas competições; por outro,
Vôlei, um esporte ‘popular’ que de fato está se tornando um canal de
mobilidade para algumas mulheres e, nas palavras de uma das entrevistadas,
a ‘segunda grande paixão (esportiva) nacional’”. (ADELMAN, 2003, p. 452)
152
O iatismo parece para as pessoas que é um esporte elitista, na verdade, é
uma coisa que tem acesso a todo mundo, a gente no clube realmente tem
projetos que facilitam quem nunca teve contato com um barco, (quem
nunca teve um barco), tem o da própria escolinha. Para as meninas o que
motiva, no meu ponto de vista, a velejar, é a igualdade que tem entre os
rapazes e as moças. Não tem nenhuma diferenciação de capacitação
física, mental, comportamental e nada entre os homens e as mulheres na
verdade. Envolve deles, esforço físico, lógica, concentração, coordenação
também. O ano que eu fui campeão paulista da minha modalidade, os três
primeiros colocados geral, foram mulheres, pura coincidência. Então não
existe uma distinção entre homens e mulheres, está todo mundo lá, todo
mundo no grupo, e todos têm iguais chances de vencer.
•
A tentativa de provar que podem tanto quanto os meninos no esporte, com
mais força ainda nos esportes tidos socialmente como masculinos.
(...) A mulher, a menina, como no caso eu trabalho perto de 17 anos, (o
que motiva) é de tentar se igualar ou provar para o homem ou para as
outras pessoas que elas podem ser tão capazes quanto os homens de
praticar o esporte. Como o Futebol, Futsal é muito preconceituoso da
sociedade por causa da mulher; mulher que joga Futebol, Futsal, é macho
e você encontra muita menina bonita, muito feminina dentro do Futebol,
elas querem provar através do esporte que elas podem ser iguais ou até
melhores que o próprio homem.
•
A pouca concorrência na modalidade escolhida, gerando maiores
possibilidades de vitória. Esta é a situação dos esportes aos quais a mulher
pode aderir mais recentemente como o Judô e as lutas. A inclusão das
mulheres nessas e em outras modalidades como o Futebol de salão e de
praia, o Pólo Aquático, o Pólo, o Rugby, o Halterofilismo e o Beisebol,
consideradas “incompatíveis com a natureza feminina” (ADELMAN, 2006,
p. 447), como já foi mencionado anteriormente neste relatório, só foi
possível depois da revogação do Decreto-Lei 3.199, que estabelecia essas
limitações para a prática esportiva das mulheres e que vigorou até 1979.
Surpreendentemente, a menção a esse decreto, marco importantíssimo para o
desenvolvimento das mulheres no esporte no Brasil, foi feita pela primeira
vez neste GF de São Paulo, o último da pesquisa, quando um entrevistado
citou a sua revogação com um fator motivador. A pouca concorrência
igualmente beneficia os meninos que, também em função dela, têm obtido
bons resultados na Ginástica Rítmica, considerada uma modalidade
feminina, invertendo a questão cultural.
(Referindo-se ao Judô): uma outra coisa que também é melhor para o
feminino, é que a fase competitiva dela é um pouco menos concorrida,
então para a mulher obter um sucesso, talvez é muito mais fácil do que
(para o) homem. Então eu acho que ela se motiva mais, está muito mais
motivada e vê que a chance dela chegar lá em cima é muito mais fácil.
Então eu acho que talvez hoje uma das motivações para o feminino,
talvez seja isso.
Eu acho que uma contribuição importante para o desenvolvimento do
esporte feminino no Brasil foi justamente a revogação do decreto 3.699
de 1965, que proibia mulheres de praticarem esportes de luta, de praticar
Levantamento de Peso e Futebol. Então, não sei se vocês sabem (que) de
153
1965 até 1979, as mulheres no Brasil eram proibidas de praticar essas
modalidades, tanto é que o primeiro campeonato brasileiro de Judô foi em
1980 porque até então por lei, veja bem, não é que elas eram proibidas de
praticar, era proibido a organização de eventos esportivos dessas
modalidades.
A Ginástica Artística puxa mais para o lado feminino mesmo. A GRD (é)
específica culturalmente (do) feminino e agora parece que tem
campeonatos europeus que está sendo disputado no masculino, GRD. E lá
eu acho que nós temos alguns alunos que estão fazendo, não tenho esse
número. (...) (este esporte, junto com o Judô) tem sido o carro-chefe em
termos talvez de resultados que têm aparecido. (Somos) a única entidade,
ONG, a participar do circuito da Federação Paulista de Ginástica, com
bons resultados: no feminino está um pouco difícil, a briga é boa, mas no
masculino eles já conseguem trazer resultados no nível A, no nível B, C...
•
A possibilidade de ser aceita em condições de igualdade com o homem,
principalmente em locais que recebem populações socioeconomicamente
mais carentes. As mulheres querem ficar onde estão sendo aceitas e há um
trabalho pela igualdade entre homens e mulheres.
O que eu vejo, que motiva as mulheres, principalmente no ambiente em
que eu trabalho, que é o CEU que tem várias outras oficinas, não é só a
nossa, (...) tem esportiva, tem lutas, tem teatro, tem dança e o que motiva,
na verdade lá, é o lugar que ela pode ser aceita, (que) tem uma questão de
igualdade: que ela pode chegar e pode jogar e ela não vai ser
desvalorizada por ela ser mulher. Então as meninas começam a vim
praticar a aula, mesmo se a gente vai passar um aquecimento ou uma
brincadeira que seja, Futebol, eles têm que jogar Futebol, e tem essa
discussão, tem uma hora de conversa para se conversar, porque a mulher
não pode jogar com você ou porque o gol dela tem que valer mais que
você, se vocês são iguais? E aí, elas começam a ficar mais motivadas.
•
A existência de: oportunidade de escolha sem exclusão; divulgação na mídia;
um trabalho pelo fim do preconceito, de dimensionamento e de identificação
das diferenças. A discussão dos estereótipos de gênero no esporte neste
grupo deu-se muito no âmbito da discussão das diferenças e do seu
significado, como será destacado mais adiante.
A motivação que eu vejo dentro do meu ambiente de trabalho, não na
minha modalidade, mas sim em todas, é tanto a mulher quanto o homem,
ele tem que ter oportunidade. E lá é assim, lá na Obra eles têm
oportunidade de escolher a atividade que eles querem praticar, então não
existe a exclusão. Se a menina quiser, é igual. (...) Eu acho que deve ter
oportunidades, tendo oportunidade e a mídia também divulgando, ajuda
bastante; tendo oportunidade e trabalhando sempre com o psicológico da
criança a questão da inclusão: para que o preconceito? Explicar as
diferenças, tem as diferenças, mas tanto o homem quanto a mulher podem
fazer o mesmo esporte, as diferenças são funcionais e são só algumas
diferenças, não são o extremo igual a criança ou os pais das crianças
pensam que eles têm esse grau de desigualdade, na verdade, praticamente
são todos iguais.
154
•
O aumento de oportunidades para as mulheres no esporte, que vem se
verificando graças à lenta redução do preconceito de gênero (idéia também
colocada no GF dos técnicos no Rio) e à introdução de uma nova percepção
do esporte por parte das famílias: como uma oportunidade profissional, como
possibilidade para obtenção de uma bolsa de estudo e como uma alternativa
para a ocupação do tempo das adolescentes.
Você colocou por que a menina vai procurar o esporte? Primeiro, assim
está dando oportunidade, o preconceito está acabando, vai demorar
bastante, mas já está acabando porque é a mesma coisa que o menino
falar para o pai dele: “pai, quero fazer balé”. Imagina o que o homem vai
achar que o menino pediu para fazer balé! Então a menina tem muito isso,
quero fazer esporte, não, a mulher foi feita para nascer, criar filho, casar e
isso está acabando. Vai demorar, como teve que brigar pelos direitos de
voto, direito de trabalhar fora, então é questão cultural, evolução de
cultura. (...) Também as famílias hoje vêem isso como uma oportunidade
profissional mais para frente. Se a criança vai lá, começa a se destacar, a
menina chega para mim e diz assim: “olha – gordinha, magrinha, alta
porque não é competitivo –, fica aqui (porque) o que você souber um
pouquinho melhor do que a tua amiguinha que está lá em casa não
fazendo nada, indo para shopping, você pode ter uma chance ter uma
bolsa para fazer uma faculdade”.
•
A influência da família, na medida em que o pai ou a mãe também foram
esportistas e incentivam as meninas a ter a mesma experiência.
Eu acho que a família ainda tem uma influência grande no esporte, e que
a família vai, um pouco, empurrar a criança a fazer, incentivar ela a fazer.
Eu tive até o caso do Judô, quando era menor também, comecei no Judô,
aí acabei mudando de casa, a facilidade de encontrar isso também, como
eu não tinha mais o Judô perto de casa, parei de fazer o Judô, fui para
perto da represa, então viabilizou esporte, começar a velejar, uma vez que
meu pai também sempre velejou e desejava que nós velejássemos
também, então ele foi um incentivo bastante grande.
•
O estímulo do professor de educação física na escola.
Um papel que também cabe a nós profissionais, enquanto educadores,
acho que uma das motivações também, é no período da escola. Acho que
o professor de educação física (…) também tem um papel muito
fundamental em estimular porque eu acho que, todo mundo aqui sabe, o
professor de educação física é o professor que é o mais querido, é o
professor que é o mais respeitado, é o professor que tem as suas idéias,
(que) o aluno aproveita melhor. Então eu acho que ele tem o papel de
estar sempre motivando os alunos, principalmente os que se destacam
mais, os que gostam de (praticar). Apesar de não ter tido Judô na minha
escola, meu professor na época, de educação física, sempre me apoiou em
eu estar fazendo Judô, mesmo que não tinha na escola, eu acho que um
papel fundamental. Eu trabalho com 78 crianças direto de Judô. Hoje
quase 30% é feminino, mas isso aí é talvez por falta de opção de outra
modalidade e viram o Judô no primeiro momento como a única opção, eu
trabalho no Heliopólis, (somos) a única opção de esporte para aquele foco
ali e aí aproveitaram fazer, foram fazer Judô, mas a demanda é muito
pequena.
155
•
A possibilidade de praticar esporte perto de casa. Esta facilidade chega a ser
determinante para a escolha da modalidade a praticar como já havia sido
destacado em outros grupos e como foi reforçado pelas duas falas acima.
•
A existência de projetos sociais que viabilizem a prática esportiva de
meninos e meninas, porque “a classe média está acabando” e com ela as
possibilidades familiares de arcar com os custos cotidianos da prática
esportiva dos filhos. As populações menos favorecidas do ponto de vista
socioeconômico já viviam essa impossibilidade desde sempre. Nesse sentido,
estariam reduzindo-se as diferenças entre as classes sociais ressaltadas em
outros GFs da pesquisa. Por outro lado, a afirmação naturaliza a ausência do
governo na criação de oportunidades para a prática do esporte. Uma
entrevistada chamou a atenção para o fato de que a responsabilidade de
garantir a continuidade no esporte é da família no início, é da própria pessoa
e é do governo que precisa dar condições da atleta viver do esporte
principalmente depois que entra na idade adulta.
Então eu acho que hoje as ONGs, os projetos sociais que existem, acho
que é o futuro de esporte em geral porque hoje (…) a classe média está
acabando, então cada vez menos tem condições de pagar uma academia,
de pagar um clube para poder estar fazendo algum tipo de atividade
física. Então eu acho que através desses projetos sociais, é o futuro
mesmo que eu vejo que vai ser a sustentação, principalmente vindo da
periferia, que é onde as oportunidades são pequenas e aí eles têm alguma
coisa, eles seguram e aí levam mais a sério, não ficam pulando.
E eu acho assim: a família tem influência até determinada idade, então
para começar. (...) Eu acho que a mídia tem influência e o governo
também tem influência. Por quê? Por que chega na categoria que ele está
falando, não tem dinheiro para bancar, você acha que a atleta está errada
em ir embora? Ela não está errada, ela precisa sobreviver daquilo. Ficar
tirando dinheiro do bolso para pagar condução para ir treinar, sendo que
alguém pode dar para ela 100 reais para ela pegar a condução dela, então
ela não está errada, ela tem que fazer isso. Por quê? Porque eu não vou
ficar pagando, bancando direto. Então eu acho assim, que o governo
também tem que tomar as devidas providências com isso. Agora, eu acho
que é muito complicado os caras falarem “montem milhares de projetos
sociais, a gente vai bancar 200 reais por atleta, fazer uma bolsa família
para o atleta”. É difícil. É o certo, mas não é o que acontece.
A importância da Mídia (para o bem e para o mal)
O papel da mídia na construção das relações dos brasileiros com a prática esportiva
em geral foi um tema que emergiu de maneira recorrente no grupo dos técnicos,
treinadores, professores, árbitras e responsáveis por projetos sociais. O papel da
mídia foi ressaltado sob os mais diferentes (e até contraditórios) aspectos:
• A mídia reflete (e reforça) o peso que o esporte tem para a sociedade: é o
único tema que merece jornais específicos diários.
Então se a gente for considerar, essa última parte da discussão que a gente
(travou) de dimensões sociológicas do esporte, o esporte tem uma
influência na sociedade muito grande e sobre a pessoa. A influência sobre
a sociedade, a gente nota já pelos jornais de esporte que tem diariamente
156
em todos os canais. Não tem nenhum jornal de cultura, por exemplo,
diariamente em todos os canais, ao meio-dia ou às 7 da noite, então o
esporte sob esse aspecto social, ele incide muito.
•
A mídia dá visibilidade a determinados esportes e isto funciona como
chamariz para a prática desse esporte em particular. As pessoas são
motivadas para praticar os esportes que estão na mídia.
Eu acho que no Brasil, principalmente o esporte feminino, está
começando agora a ter resultado bom e assim, a meu ver, o que leva as
pessoas a começarem a praticar determinadas modalidades é o empenho
que a mídia faz em cima de cada modalidade. Então, por exemplo, eu
comecei a jogar Vôlei junto com a olimpíada da Barcelona, quando o
Brasil foi campeão olímpico de Vôlei. Então eu acho que, a partir daquele
momento que o Vôlei já estava em ascendência, naquele momento que ele
foi campeão, o Vôlei do Brasil disparou. Então hoje em dia eu acho que o
time do Brasil, principalmente o masculino, é imbatível, é perfeito, é
ótimo, maravilhoso e lindo. E, conforme vão passando as olimpíadas,
principalmente nas grandes redes de televisão que transmitem em canal
aberto, elas têm um grande papel nisso. No que as pessoas vão praticar,
no que elas vão ver. Então eu acho que o Futebol feminino, foi depois da
copa que transmitiu bastante jogos? Eu não lembro, mas teve uma época
que começou a transmitir muitos jogos de Futebol feminino. De repente o
Futebol feminino subiu. O Judô transmite bastante, então Judô sobe.
Então, para mim, depende muito da mídia.
•
A mídia passa a idéia de que o esporte não oferece condições de autosustentação financeira e que é para um curto período da vida da pessoa.
Logo, é mais próprio para ser um hobby do que uma profissão.
Com relação a esses fatores – motivador e desmotivador, como já foi
colocado aqui, a mídia é muito importante, o que a mídia está de olho, o
que a mídia está incentivando, muito também é para levar fé no esporte
(…) a idéia de que você não vai poder viver do esporte e também você
não vai viver a vida inteira do esporte, então o esporte é tido como um
hobby e não como uma profissão realmente para muitas pessoas.
•
A mídia cria a ilusão de que o esporte é para todos, no sentido de que todos
os que praticam podem vir a ser ídolos nacionais e profissionais muito bemsucedidos. Essa argumentação desdobrou-se em uma outra discussão que
também será tratada em separado: a visão do esporte da ótica do esporte de
alto rendimento versus a visão do esporte da ótica da inclusão social.
•
A mídia não mostra que o esporte de alto rendimento não é saúde.
Vocês estão falando da mídia. Realmente esporte de alto rendimento não
é saúde, só que o que a mídia mostra não é isso, ela mostra que é saúde.
•
A mídia vende o que dá retorno. O veículo e o horário de veiculação
dependem da expectativa de retorno da audiência, que gera patrocínio. O que
a mídia foca é o que vende.
Comentaram que mostram muito Ronaldinho com dinheiro, com Ferrari,
essas coisas. A xxx comentou baixinho ali e eu acabei ouvindo e eu falo
157
muitas vezes com as meninas, que é o capitalismo. Eu acho que a mídia
vende muito isso porque é o que dá retorno, a mídia não vai mostrar, por
exemplo, no começo do ano teve a liga nacional de Futebol feminino,
passou no Esporte TV, duvido que tenha dado 5 pontos de audiência no
“SporTV” , mas passou. (...) Se fosse a liga nacional masculina, passaria
as 9h40 da noite... (...) No começo do ano (no Futebol) masculino, teve o
Saad61, teve o Santos, teve time lá do nordeste, duvido que não passasse
as 9h40 da noite. Teve muitos times de Futebol de campo no começo do
ano que brigou com a federação, com a liga, para passar o jogo às 8h30 e
não pode porque, no caso a Globo, quer passar o jogo às 9h40.
Entra o negócio da mídia que não tem o reembolso, então a mídia não vai
promover muito o Futebol feminino, sendo que não vai ter audiência, não
vai ter o retorno que ela desejaria como tem no masculino.(...) Os times
não conseguem ter o retorno para falar para aquele investidor – vai ser
divulgado na Globo às 9h40 da noite, tem 20 picos de audiência; para ter
depois o retorno do patrocinador.
Contraposição do esporte como construção da cidadania e o esporte
competitivo
A colocação de que a existência de pessoas dispostas a mostrar para as crianças e
adolescentes aonde o esporte pode levar e o que ele pode dar para cada um: “abrir a
porta do sonho”, a partir da experiência de muitos, faz emergir uma contraposição
que já surgira no GF dos técnicos do Rio. Há quem julgue que acenar com
possibilidades futuras no esporte para jovens de ambos os sexos é “criar uma ilusão”
que não tem chance de se concretizar e vai resultar necessariamente em frustração.
Comenta-se ainda que a mídia, ao falar dos êxitos de alguns, não passa a idéia de
que aquilo é para poucos e cria ilusões. Até onde falar de possibilidades é iludir e até
onde é viabilizar a existência de sonhos? Nas outras profissões também existem
grandes dificuldades de êxito profissional e ascensão social e não se desestimula o
adolescente de tentar ser médico ou engenheiro. Ser um atleta é muito mais do que
ser um campeão: é ter a chance de ser um cidadão. Esporte de inclusão e esporte de
alto rendimento: onde se dá o cruzamento?
Este é um momento da discussão no qual as discordâncias de posição ficam claras,
com opiniões diametralmente opostas. Várias pessoas falam ao mesmo tempo,
alguns tentam interferir na fala do outro, ou fazem comentários entre si. Eis algumas
falas inseridas no debate dessa questão:
(...) Quando você faz (esporte na) periferia (...), a maioria só tem aquilo e
aí ele leva mais a sério e vê como profissional. De repente, algumas
coisas que eu passei – eu tive tudo com o Judô –, então mostro isso para
eles, que tem essa possibilidade de através do esporte ter um local na
sociedade, enfim, viver só da modalidade. Então, como ela falou,
faculdade, escola, enfim, essas coisas que o esporte abre. Então acho que
as ONGs, as OSCIPs, também os que trabalham em Centros Olímpicos,
também têm um papel muito importante para motivação das meninas,
para estarem fazendo atividade física.
(Referindo-se à mídia): ela mostra que é um esporte para todos. Tinha um
comercial que estava passando há um tempo atrás, não lembro se era a
61
Referindo-se ao Esporte Clube Saad de São Caetano.
158
Daiane ou quem era a atleta, e mostrava assim, o quanto de pessoas era
necessário para se fazer um atleta. Aí eu fiquei pensando, tudo bem,
chegou um cara lá e esses outros, eram mais acho que 1 milhão para fazer
um atleta e esses outros que ficaram para trás? (...) E cada vez mais que
eu vou para a Caravana (referindo-se à Caravana do Esporte62) que eu
ouço um Claudinei Quirino falar, que eu ouço a Ana Moser falar, o
Sócrates, Vlademir, Ataliba, Afonsinho, Patrícia Medrado, eu vejo que
realmente esse esporte de pegar todos para querer fazer um, eu vejo que
ele realmente não cabe na escola, eu acredito ainda que ele não cabe na
escola. Na escola cabe aquele que você vai fazer com todos e se aquele se
destacar, o outro se destacar, ele que vá por conta própria procurar algum
lugar. Eu não vou pegar ele e indicar ele, eu vou tentar passar para que
todo mundo vivencie aquilo. (...) Então tem que se ter essa preocupação
realmente com a mídia (...) mostrar uma no Judô que vai abrir as portas,
vai abrir as portas sim, para várias, mas e essas tantas outras que vão atrás
daquilo? A mídia vai ter que deixar bem claro que aquilo é para poucos,
assim, como o Futebol. O Futebol, falando do Marcolino, um monte de
moleques têm esse sonho, como a xxx falou que os moleques tem uma
motivação maior. Tem, mas se você for ver no Futebol, é menos de 5%
que chegam a jogar na Europa, no Corinthians e tudo mais, e a criança
acaba ficando com aquela ilusão, achando que vai chegar aquilo.
Eu faço lá o meu projeto social, eu não faço com a intenção de formar um
campeão olímpico ali, o objetivo da minha OSCIP é de formar grandes
cidadãos, de estar ali, de desenvolver, de estudarem, de estarem fazendo
algo a mais. Claro que quiser ser o Henrique Guimarães no futuro, o
caminho é diferente, mas a gente não pode bloquear o sonho do garoto
que quer ser. Então a gente vai fazer esse trabalho aqui, a menina está
treinando, ela quer ser atleta? Aqui parou, você vai procurar, se vira, tem
que criar mecanismo para também direcionar ela para o lado atlético, da
mesma forma que a gente direciona para mão de obra, para trabalhar, para
ela estudar, se uma vislumbrar interesse atlético, também tem que ter esse
caminho, senão você interrompe o sonho de uma pessoa que nós mesmos
estamos fazendo, que é, no caso, eu estou fazendo Judô, a minha OSCIP
tem parceria com Primeiro Emprego, eles fazem todo esse caminho, eles
trabalham, tem Primeiro Emprego, a faculdade, esse é o objetivo de estar
62
A Caravana do Esporte é uma ação social que leva a atividade esportiva segura a 10 municípios
brasileiros. Ao final das 10 viagens, que aconteceram no ano de 2005, a equipe da Caravana teve a
chance de ver na prática a troca de conhecimentos entre os profissionais do Instituto Esporte e
Educação envolvidos e a força das comunidades atingidas pelo projeto, adaptando a cada etapa ações
e idéias sobre o formato das atividades e demais ações paralelas. A missão para 2006 é formar uma
rede com comunidades vizinhas daquelas que foram atendidas no ano passado. No calendário, oito
comunidades escolhidas pelo UNICEF irão formar uma corrente de inclusão no esporte. Assim, a
Caravana estará fortalecida para mais um desafio, no sentido de disseminar a metodologia e interagir
com a comunidade. Na bagagem, um desenho do cronograma e atividades. Para cada região, as ações
são planejadas de acordo com as necessidades existentes, o critério é promover o melhor
aproveitamento para professores e crianças. Serão privilegiadas as regiões Norte, Nordeste e CentroOeste, tendo por base os dados do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). A programação de
cada lugar inclui oficinas esportivas para as crianças e os educadores; encontros e momentos de
formação para os professores locais; exibição de vídeos educativos (Cinema Caravana); oficinas
diversas como produção de redes de Vôlei, raquetes de Tênis de madeira e bolas de pano.
O projeto pretende atender até o fim de 2006 cerca de 12 mil crianças e jovens de 7 a 14 anos, e mais
de 1.800 professores / multiplicadores. (http://www.esporteeducacao.org.br)
159
formando para o trabalho. Agora, se ele quiser ser atleta também tem que
ter isso aí.
Tem que diferenciar: o alto rendimento é uma coisa e o esporte como
inclusão, o esporte como prática esportiva, como saber a importância que
é praticar um esporte, (...) saber que a principal doença que vai afastar
daqui há uns 20 anos é a obesidade, é o sedentarismo, então é muito mais.
O que menos preocupa aqui a gente é de formar atleta para ser atleta de
alto nível, claro que é o que vende, o que vende é isso. Por quê? (com)
isso você consegue ter mais praticantes, mas isso... É isso que é a
essência, isso que valoriza. Por que o cara, o sonho dele é ser campeão
olímpico ou dela de ser campeã olímpica(…)? Pela dificuldade que ele
tem de ser um médico, de ser um grande advogado, ele acha que ele vai
lá, ele vai se formar, só que fez 6 anos de medicina acabou e ali ele vai
parar? Quantos médicos se formam todo ano? Para ele ser bom, ele
também tem que ser o melhor, se ele quiser um lugar lá também, acho que
não é mais fácil do que um esporte, pode ser que um período que se você
não aproveitar, você não consegue. (...) Então eu acho que ser um atleta
de alto rendimento ou uma atleta de alto rendimento, é um caminho. Ele
vai, vai traçando, começa ali num projeto, vai, vai, quando viu ele está lá
na frente, o que não pode é interromper o sonho dele, essa é a missão
nossa, não pode é parar. (...) Mas a gente tem que cumprir o nosso papel,
mas tem que mostrar isso, desenvolver isso, ser um atleta é muito mais.
Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no
esporte
Assim como os técnicos do Rio, os de São Paulo falavam sempre em termos de
motivação. Dessa forma, falaram mais em termos de fatores desmotivadores que
interferem na prática das mulheres no esporte.
Foram citados como fatores desmotivadores:
• A necessidade de grandes deslocamentos, pelos gastos que representam, pela
falta de quem possa acompanhar a atleta ao lugar do treino e por falta de
segurança na cidade.
•
A falta de ícones: da mesma forma que já fora ressaltada a importância do
“espelho”, sem usar esta expressão, os técnicos de São Paulo enfatizaram a
importância do esporte ter seus ícones, “mulheres com resultado e como
referência”, e lembraram que como a participação feminina é recente,
principalmente em alguns esportes, estes ícones ainda são basicamente
masculinos ou internacionais. Tudo vai mudar quando as mulheres no Brasil
começarem a ter resultados significativos, porque é importante até para o
esporte do país ter atletas de ambos os sexos com resultados.
Eu acho que para o Brasil ainda faltam grandes, com exceção da Paula e
Hortência no Basquete e a Daiane agora ultimamente, mas faltam grandes
ícones esportivos, grandes mulheres, a Maria Ésther Bueno, campeã do
Tênis, mas faltam ainda grandes ícones esportivos de mulheres campeãs
olímpicas, por exemplo, no Judô ainda não teve nenhuma sequer
medalhista olímpica, o Brasil tem 13 medalhas olímpicas de Judô e não
tem nenhuma medalha feminina. Lembrando que as mulheres entraram
muito possivelmente (depois dos) homens em olimpíada, então tem um
160
caminho mais longo a ser percorrido. Mas, ainda falta para o Brasil ícones
femininos de expressão no esporte.
•
O fato de que o “desporto de alto rendimento não é saúde” nem para o
homem nem para a mulher: a atividade física sim. Há riscos de lesões
mesmo em esporte individual sem contato físico. Este aspecto, levantado
pela primeira vez no GF das atletas em São Paulo, foi retomado por um
participante no GF dos técnicos e conseguiu a aprovação de todos.
Sobre esses aspectos das diferenças, tem outro aspecto também, a gente
tem que acho que diferenciar o que é desporto de alto rendimento que
nada tem a ver com saúde, esporte não é saúde, esporte de alto
rendimento nenhum é saúde porque a gente vê que é performance, é
desempenho, é ir no limite do ser humano, seja homem, seja mulher. (...)
Então qualquer esporte de alto rendimento lesiona. O Guga joga Tênis,
não tem contato físico com ninguém, já teve que operar quadril, já teve
que operar ombro, como é que a pessoa tem que operar sem ter contato
físico com um outro atleta esbarrando? Então em qualquer esporte de alto
rendimento, nada tem a ver com saúde.
•
O fato de não haver retorno financeiro na prática esportiva faz com que as
meninas tenham que sair para trabalhar. Aspecto já devidamente comentado
anteriormente e que diz respeito ao problema da dificuldade de continuidade
do esporte praticado na infância e na adolescência, que acaba “expulsando”
as mulheres para outros tipos de atividades remuneradas.
•
A existência no Brasil da “monocultura do Futebol” masculino. Uma de
suas conseqüências é que as meninas que praticam o Futebol enfrentam,
além de dificuldades comuns a outros esportes como a grande distância entre
o local de moradia e o local de treinamento, dificuldades específicas tais
como o preconceito com o Futebol desde idades muito novas, a falta de
perspectiva futura e a falta de reconhecimento na mídia.
Facilidades percebidas para que as atletas permaneçam no esporte
Como ocorreu em outros GFs, houve pouco destaque para os fatores facilitadores.
Somente um entrevistado mencionou aquelas qualidades que são percebidas como
passíveis de ser incorporadas às pessoas a partir da prática esportiva: a disciplina, o
foco, o estabelecimento de objetivos e propósitos.
A pessoa humana, a pessoa mesmo, que pratica esporte, a criança, ela vai
ter mais disciplina, o foco da atenção, a gente sabe que uma menina ou
um menino que pratique qualquer esporte, já olhando para o aspecto dela
(referindo-se à coordenadora geral do projeto) do início dessa discussão,
que (…) falou “descobriu-se que grandes mulheres, que foram mulheres
de sucesso em outras áreas não-esportivas, em administração, em
medicina, empresárias, foram praticantes de esporte.” Por quê? Porque o
esporte (…) traz o foco, você precisa ser focado naquilo que você vai
fazer, você precisa ser disciplinado, você precisa renunciar a muita coisa,
momentos de prazer, de comida, de assistir um determinado programa na
TV que vai passar na hora do treinamento. Então, esses aspectos somados
transformam realmente a pessoa, uma pessoa diferente sob o aspecto
161
disciplinar, da disciplina, da capacidade de foco e o objetivo de ter um
propósito. Ela falou (referindo-se a uma atleta da luta greco-romana
presente): “eu quero ser campeã olímpica!” e ela vai perseguir isso e sabe
que vai ter que chorar, vai ter que suar, vai se lesionar e vai se tratar e vai
melhorar e vai se levantar novamente. Então, todos esses aspectos que a
vida de um esportista traz, ao terminar, ao findar a sua carreira de
esportista, se ele (…), ou ela, entrar em qualquer outra carreira, ela vai
levar consigo todos esses valores que ela adquiriu ao longo de uma vida
inteira praticando de disciplina, de foco, de objetivo, de propósito, de luta.
Outra observação disse respeito à facilidade oferecida por algumas modalidades
esportivas, como as lutas, por se mostrarem adequadas aos mais diversos biótipos
por estarem estruturadas em categorias específicas, tornando-se assim mais
“democráticas” do que outras modalidades.
Eu ainda gostaria de ressaltar com relação às lutas de um modo geral, não
só para a mulher, mas eu acredito que as lutas, puxando a sardinha para o
meu lado mesmo, são os esportes mais democráticos que tem, são as
lutas, eu vou dizer porque: a luta contempla 7 categorias diferentes de
peso, então vai desde o biótipo da menina mais magricela até a menina
mais gordinha, da menina mais alta a menina mais baixinha – você é
baixinha demais para fazer Basquete ou você é alta demais para fazer
Ginástica Olímpica; quantas meninas ouviram isso, ou seja, o seu biótipo
não dá para fazer determinado esporte porque o esporte (…) requer que
você antecipadamente, mas isso é individualidade biológica, eu nasci
assim, dessa altura.
Expressão de estereótipos de gênero
O reconhecimento da existência de estereótipos de gênero no esporte, expresso em
várias formas de preconceito, foi recorrente ao longo de toda a discussão no GF dos
técnicos de São Paulo e já foi ressaltado nos tópicos anteriores desta seção.
A ênfase na questão das diferenças existentes entre homens e mulheres em nossa
sociedade, ao menos na forma hegemônica de pensar, foi um aspecto original do
conteúdo da discussão nesse grupo. Como disse uma participante, é bom que haja
diferenças. Elas “tornam a coisa mais dinâmica”.
•
Diferenças de expectativas: o que se cobra do menino e da menina – que o
menino comece a se sustentar sozinho mais cedo, que vença sempre as
competições entre meninos e meninas, que a menina seja cuidadora dos
irmãos mais novos.
•
Diferenças entre os modelos estéticos femininos e masculinos: os primeiros
sendo mais mutáveis e os segundos mais permanentes no tempo e nas
diversas culturas. Em função dos modelos estéticos, questiona-se a
participação das mulheres em várias modalidades esportivas por causa das
transformações que a prática efetivamente impõe aos seus corpos.
•
Diferenças no acesso e na recompensa de participação em alguns esportes:
não há mulheres na Fórmula 1, e a premiação nos torneios de Tênis é menor
para as mulheres (somente agora isso começa a se modificar).
162
•
Diferença de condições nos jogos, remetendo à questão da adaptação das
modalidades esportivas para torná-las mais acessíveis às mulheres e
“tornarem o jogo mais bonito”. As adaptações já foram feitas em diversos
esportes como no Vôlei e no Handebol e ainda não chegaram ao Futebol,
gerando dificuldades extras para as atletas do Futebol feminino de campo.
Afinal “o homem é muito mais forte do que a mulher”. Tal argumentação
gerou reações do tipo “mas a mulher tem uma capacidade de resistência
maior desde que submetida a um trabalho aeróbico bom”. Um exemplo disso
é a redução do tempo das mulheres nas maratonas, que está tendendo a uma
aproximação cada vez maior de resultados entre homens e mulheres.
Uma conseqüência das mais incômodas para as atletas da existência dos estereótipos
de gênero no esporte, mencionada de forma isolada em diversos GFs nos dois
municípios, provavelmente pelo desconforto que causa, é o questionamento da
orientação sexual dos atletas. Há uma tendência a chamar de “macho” as meninas
que praticam determinados esportes considerados masculinos e, de maneira menos
usual, de “mulherzinha” os meninos que praticam esportes considerados femininos
ou que perdem das meninas em esportes mistos porque são fisicamente mais fortes
do que elas.
Neste GF, dois argumentos específicos foram levantados contra isto: o esporte não
altera a orientação sexual de ninguém e a diferenciação da força física entre meninos
e meninas só ocorre com as transformações hormonais ocorridas na adolescência.
Outra originalidade surgida neste GF foi a menção de que existem projetos de
valorização da mulher no esporte que têm como objetivo desmistificar os
estereótipos de gênero ainda que partam deles. Exemplo: O projeto Mulheres que
fazem o Brasil Brilhar, patrocinado pela Bombril.
Existem também hoje projetos específicos no esporte para mulher, então,
por exemplo, a Bombril lançou o ano passado um projeto chamado
Mulheres que fazem o Brasil brilhar, então a Bombril selecionou somente
em modalidades em que o Brasil tinha chances de ir para os jogos PanAmericanos e patrocinou somente mulheres para os jogos PanAmericanos. A luta teve 2 atletas, Aline Ferreira, que foi vice-campeã
mundial, e a Fernanda Peres, que é nossa atleta do Centro Olímpico
também; o Taekwondo, uma menina que foi campeã mundial também, eu
não me lembro o nome, e assim a Bombril escolheu. Ou seja, existe
também, do ponto de vista do marketing, produtos que se relacionam
tipicamente à mulher. Eu achei muito feliz inclusive o slogan porque a
gente imagina mulher lavando, coisa assim, uma coisa pejorativa, mulher
esfregando uma panela – que linda e a panela está brilhando e ela está
feliz, ela cumpriu o seu papel de mulher. Quer dizer, a Bombril, invés de
focar esse aspecto, focou mulheres que fazem o Brasil brilhar de uma
outra forma, a mulher não vai fazer o Brasil brilhar só areando panela, ela
vai fazer o Brasil brilhar tendo um resultado expressivo em alguma
modalidade esportiva, por exemplo.
Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva para as
meninas
•
Fazer campanhas de marketing para vender o esporte como um produto.
163
•
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•
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Divulgar o que existe em termos de alternativas de prática esportiva no
município de São Paulo: proceder a uma espécie de mapeamento dos locais
para prática e das oportunidades e divulgar amplamente.
Fazer uma identificação mais ampla das atividades culturais no município,
divulgá-las e levá-las para a escola.
Alavancar o esporte em geral, principalmente a partir do esporte de base.
Desta forma o esporte feminino irá junto: “eu não acho que o problema seja
com o esporte feminino, acho que é com o esporte no Brasil”.
Promover a descentralização geográfica dos locais de prática esportiva. Isto
faria com que se massificasse a prática esportiva e “aí o feminino vem atrás
ou o masculino vai atrás, dependendo do esporte. Porque você tem esporte
que puxa mais para o lado feminino mesmo porque a gente tá discutindo aqui
para a diminuição dessa diferença”.
Integração com a escola, como ocorre em alguns países onde o esporte é
muito bem-sucedido como os EUA, por exemplo. Esta ligação propicia a
superação da hegemonia de um único esporte no país.
Haver mais investimento e mais patrocínio, além do espaço para a prática.
Promover uma divulgação maior dos benefícios que o esporte trás para as
pessoas.
Estabelecer parcerias com órgãos públicos e empresas privadas.
Cuidar do trabalho que vai ser realizado, além de montar estruturas físicas
notáveis: Há o exemplo dos CEUs (Centros Educacionais Unificados) nos
quais a estrutura é maravilhosa mas não há gente para garantir a sua
utilização.
Fazer um trabalho de posicionamento da mulher no esporte: um trabalho de
marketing.
Então por isso que esse trabalho sobre o posicionamento da mulher no
esporte, em ter horários nobres, deve começar com isso, com discussões
como essa, que valorizem a postura e a posição da mulher, para que isso,
como um produto, realmente possa ser vendido, interesse a todos, há um
desinteresse, é como você pega um carvão numa churrasqueira, quem faz
churrasco sabe, você pega aquele carvão quentinho e você põe num saco
frio, o saco dos carvões que você ainda não tirou, aquele carvão quente
não esquenta os outros carvões. Para você esquentar o carvão, você pega
aquele carvão frio e põe aquele carvão numa churrasqueira quente, aí ele
se aquece com os demais. Então a nossa sociedade ela fica fria assim,
porque a gente às vezes quer pegar um produto quente e colocar num saco
frio, a tendência é a sociedade acabar esfriando esses espetáculos,
sobretudo espetáculos femininos.
164
V - Considerações Finais
Contextualização
Foram ouvidas no período de 19/04/2007 a 02/05/2007 ao todo 103 pessoas entre
técnicos, treinadores, professores, árbitros, responsáveis por projetos sociais que
utilizam o esporte como via de inclusão social, responsáveis por atletas, as próprias
atletas e, como contraponto, adolescentes do mesmo sexo e da mesma faixa etária
que não praticam esporte. As entrevistas foram realizadas em 8 grupos (4 em cada
cidade) homogeneamente organizados segundo o seu vínculo (ou não-vínculo) com
o esporte. Em todos os grupos seguiu-se basicamente o mesmo roteiro de questões,
mas, mesmo assim, os temas abordados ganharam ênfases diferenciadas em cada
grupo, e outros temas emergiram como relevantes independentemente de sua
inserção na pauta de discussão.
Os quadros 21 e 22 sinalizam o tom dominante em cada grupo e comparam as
principais características dos participantes dos grupos nas duas cidades.
Quadro 21
Tom dominante nos GFs
Municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo
Técnicos, treinadores,
professores,
árbitros e
responsáveis por
projetos sociais.
Mães, pais e
responsáveis por
atletas
Atletas
Não-atletas
Tom dominante dos grupos no Rio de Janeiro
GF longo e de falas GF intenso e voltado, GF muito dinâmico, GF de poucas e
fluentes, interessadas desde as falas de
no qual as atletas
lacônicas falas,
e polêmicas, com
apresentação, para as demonstraram
demonstrando que o
muita ênfase nos
dificuldades
maturidade e
esporte não é um
fatores que no
enfrentadas pelas
reflexão sobre sua
tema cotidiano na
momento atuam
atletas e pelas
prática esportiva.
vida das
como
diferentes
participantes.
desmotivadores para possibilidades das
Constituiu-se em
a prática do esporte. famílias de ajudá-las
importante
a superar.
contraponto ao GF
das atletas.
Tom dominante dos grupos em São Paulo
GF longo e composto GF marcado pela
GF composto por
GF de poucas e
por pessoas
presença de casais,
atletas muito jovens, lacônicas falas,
extremamente
pessoas muito
que tinham muito a
refletindo a
voltadas para a
disciplinadas em
dizer, mas se
juventude e
prática do esporte,
suas falas, que quase ressentiram da sua
imaturidade das
para uma reflexão
sempre se
insegurança e
participantes, além
sobre esta prática,
circunscreviam aos
timidez para se
de poucas reflexões
visando sobretudo a temas postos em
colocar. Estimuladas, prévias sobre um
melhoria de suas
discussão em cada
produziram ótimas
tema que não era o
condições na cidade momento.
informações para a
seu. Muito útil no
de São Paulo.
Participaram da
pesquisa.
levantamento de
discussão com
diferenciações de
grande
gênero.
envolvimento.
Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007.
165
Quadro 22
Comparação de algumas das principais características dos participantes
Municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo
Técnicos,
treinadores,
professores,
árbitros e
responsáveis por
projetos sociais.
Nas duas cidades, o
grupo foi mais
masculino: 53,8%
de homens em
ambos os casos.
Mães, pais e
responsáveis por
atletas
Atletas
Não-atletas
Nas duas cidades o
grupo foi mais feminino.
No Rio, o percentual de
mulheres foi de 71,4% e
superou o de São Paulo
(66,7%).
Os técnicos do Rio As idades médias
apresentaram idade ficaram próximas: no
média de 36,2 anos, Rio ela foi um pouco
superior a de seus
superior (45,4) a de São
pares em São Paulo Paulo (44,3).
(32,5 anos).
Somente mulheres.
Somente mulheres.
O Grupo do Rio
apresentou idade
média mais elevada
(16,2 anos) que o de
São Paulo (14,9).
Nas duas cidades, a
maioria dos
participantes estava
trabalhando. No
Rio, 100%, e em
São Paulo, 92,3%.
Para os dois grupos
predominou o nível
superior completo,
com maior
freqüência para o
Rio (69,2%). Em
São Paulo foi de
53,8%.
A renda pessoal
média em
São Paulo foi de
R$2.991,40,
superior à do Rio
(R$2.391,80).
Esportes de prática
atual: No Rio,
atletismo, futebol,
handebol, remo,
taekwondo e vôlei.
Em São Paulo,
atletismo, futebol,
ginástica artística,
handebol, judô,
lutas, vela e vôlei.
A maioria das
participantes nunca
trabalhou.
O Grupo do Rio
foi o mais jovem
de todos, com
idade média de
13,9 anos. Em São
Paulo a idade
média foi 14,6
anos.
A maioria das
participantes
nunca trabalhou.
Nas duas cidades, a
maioria dos participantes
estava trabalhando. No
Rio o percentual foi
maior (78,6%) que em
São Paulo (66,7%).
São Paulo apresentou
nível de escolaridade
mais elevado (superior
completo) que o Rio
(fundamental
incompleto).
A renda pessoal média
em
São Paulo foi de
R$ 2.740,90, muito
superior à do Rio (R$
1.216,83).
Esporte de prática atual:
no Rio, ginástica
artística e futebol. Em
São Paulo, futebol,
natação e tênis.
Ambos os grupos
apresentaram maior
incidência no nível
médio incompleto,
com percentual mais
elevado no Rio (58,3).
Esporte de prática
atual: no Rio,
atletismo, basquete,
futebol, judô, natação,
saltos ornamentais,
tênis e vôlei. Em São
Paulo, atletismo,
basquete, futebol,
handebol, judô, lutas,
natação, vôlei e vôlei
de praia.
A maior proporção
foi a referente ao
nível fundamental
incompleto, nas
duas cidades.
166
Técnicos,
Mães, pais e
treinadores,
responsáveis por
professores,
atletas
árbitros e
responsáveis por
projetos sociais.
Tempo médio de
prática do esporte
atual: 18,5 anos no
Rio e 13,9 em São
Paulo
No Rio houve maior
incidência de
confederados
(54,5%) e de
federados (50,0%).
No Rio predominou Nas duas cidades
o esporte de
predominou a dimensão
rendimento nãoesporte e lazer.
profissional e em
São Paulo o esporte
educacional.
Atletas
Não-atletas
Tempo médio de
prática do esporte
atual: 5,5 anos no Rio
e 3,4 em São Paulo
No Rio houve maior
incidência de
federadas (50,0%) e
de confederadas
(45,5%).
No Rio predominou o
esporte de rendimento
profissional e em São
Paulo o esporte de
rendimento nãoprofissional e o
esporte e lazer.
Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007.
Ainda que as pesquisas que utilizam metodologias qualitativas sejam mais voltadas
para a compreensão que para uma possível generalização de suas conclusões, estas
se revelaram condizentes com as obtidas em diversos outros estudos já realizados na
temática, nacional e internacionalmente. A aparente reduzida abrangência geográfica
do universo pesquisado justifica-se plenamente não só pelos propósitos qualitativos
do estudo como também pela representatividade dos municípios pesquisados tanto
ao nível social e econômico como no âmbito dos esportes no Brasil, como exposto
de forma sintética a seguir:
63
•
Participação na população do Brasil e do Sudeste: a população dos
municípios selecionados para a realização da pesquisa, Rio de Janeiro e São
Paulo, representava em 200063, 3,4% e 6,1% da população total do Brasil.
Tomando-se como parâmetro a Região Sudeste, os percentuais se elevam
para 14,4% (São Paulo – SP) e 8,1% (Rio de Janeiro – RJ). E considerando a
população conjunta dos dois municípios estudados, a proporção de cobertura
da população do país passa a ser 9,5% e a da Região Sudeste, 22,5%. Esses
resultados evidenciam a importância, em termos demográficos, das áreas
geográficas investigadas na pesquisa.
•
Participação da população adolescente feminina no Sudeste e no Brasil:
realizado o recorte da população de estudo, ou seja, mulheres adolescentes
de 12 a 18 anos de idade, observamos que residiam no município do Rio de
Janeiro, em 2000, 2,7% delas, e no município de São Paulo, 5,4%. Se
agregadas, elas representavam 8,1% (1.008.508) da população feminina
dessa faixa etária existente no Brasil em 2000. As mulheres desse mesmo
IBGE, Censo Demográfico 2000, Resultados do universo.
167
grupo de idade, residentes nos dois municípios, correspondiam a 20,8% de
seus pares da Região Sudeste.
•
Importância da quantidade e qualidade de pessoal envolvido ao nível
municipal e estadual público: em 200364, uma parte substancial dos 63.969
técnicos ocupados na área de esportes e pertencentes à esfera estadual atuava
na Região Sudeste (48,1%). Do total da região, 95,6% deles se dedicavam ao
esporte educacional e 91,2% eram professores e profissionais graduados em
Educação Física. Observando a quantidade de técnicos dos estados de São
Paulo e Rio de Janeiro, nota-se a predominância numérica do primeiro,
13.921 e 6.888, respectivamente. Dentre os técnicos do estado do Rio de
Janeiro, foram observadas duas características que os diferenciaram dos
técnicos do estado de São Paulo: a atuação em outras dimensões do esporte –
11% no esporte e lazer e 3,4% no esporte de rendimento – e o expressivo
percentual de profissionais não-graduados (18,9% do total). Em São Paulo
(estado), 97,7% desempenhavam suas funções no esporte educacional e
99,1% eram graduados em educação física.
Os resultados da esfera municipal65, também para o ano de 2003,
apresentaram uma inversão na quantidade de técnicos atuantes na área de
esportes existentes nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, 5.912 e 2.362,
respectivamente, quando comparados com a verificada nos respectivos
estados, na esfera estadual. Apesar de ter uma população bem menor que a
da cidade de São Paulo em 2000, o município do Rio de Janeiro possuía
proporcionalmente mais escolas do ensino fundamental pertencentes à esfera
municipal (88,8%), enquanto em São Paulo (cidade) a maioria delas
pertencia à esfera estadual (69,1%). Nas duas cidades, os técnicos se
dedicavam mais ao esporte educacional, 69,5% em São Paulo e 56,2% no
Rio de Janeiro, e todos eram graduados em educação física. Entretanto, a
significativa proporção de técnicos que atuavam em outras dimensões do
esporte como o esporte e lazer (40,2% no Rio de Janeiro e 29,1% em São
Paulo) e o esporte de rendimento (3,4% no Rio de Janeiro) foi uma
característica específica dessa esfera. Um outro aspecto, que também merece
destaque, é a qualificação dos técnicos dedicados ao esporte e lazer; nos dois
municípios predominaram os profissionais não-graduados: 53% em São
Paulo e 52,7% no Rio de Janeiro.
•
Importância da existência de equipamentos esportivos: o número de
equipamentos esportivos (conjunto de instalações) existentes no Brasil na
esfera estadual parece reduzido se consideradas a população do país e a sua
extensão territorial: apenas 14 complexos aquáticos, 41 complexos
esportivos, 40 estádios de futebol e 127 ginásios. Também não foi constatada
especial concentração desses equipamentos na Região Sudeste. Quanto às
instalações esportivas (unidades esportivas fundamentais), os tipos que
apresentaram maior freqüência para o Brasil foram: quadra66 (412) e campo
de futebol (72). Das 31 quadras de tênis existentes no Brasil em 2003, na
esfera estadual, 14 estavam na Região Sudeste e todas elas no estado de São
Paulo.
64
IBGE, Pesquisa de Esportes 2003. Governo do Estado.
IBGE, Pesquisa de Informações Básicas Municipais, Suplemento Esportes 2003.
66
Cobertas e não-cobertas.
65
168
Dos equipamentos esportivos existentes na esfera municipal, a cidade de São
Paulo possuía maior número de ginásios67 (30), complexos aquáticos5 (23) e
complexos esportivos (25). Para o município do Rio de Janeiro, o
equipamento mais presente foi o complexo esportivo (10). Quando
consideradas as instalações esportivas existentes e localizadas em parques,
praças, logradouros e complexos esportivos, os tipos predominantes nos dois
municípios foram quadras (exceto em ginásio), 606 no Rio de Janeiro e 287
em São Paulo, e campos de futebol, 274 e 283, respectivamente. Alguns
outros tipos de equipamento apareceram com maior incidência em São
Paulo: salão de ginástica (72); ginásio (30) e piscina recreativa (22).
Principais achados da pesquisa
O resultado dos trabalhos, consubstanciado neste Relatório, mostra que os objetivos
iniciais da pesquisa foram perseguidos ao longo de todos os GFs e essa firmeza no
foco permitiu que hoje se tenha um levantamento sistemático e abrangente das
percepções dos diversos atores envolvidos na prática esportiva das adolescentes na
cidade do Rio de Janeiro e na cidade de São Paulo sobre as questões que se
pretendia abordar:
•
•
•
•
Qual a motivação das mulheres para a prática do esporte?
Quais os fatores percebidos como facilitadores para a inserção e a
permanência da mulher no esporte?
Quais os fatores percebidos como dificultadores para a inserção e a
permanência da mulher no esporte?
Quais as sugestões para incentivar a participação feminina no esporte?
A motivação das meninas para a prática do esporte
Os grupos sempre eram iniciados com um levantamento do que os atores pensavam
ser a motivação para as adolescentes entrarem e permanecerem no esporte.
No Rio de Janeiro, as diferenças de abordagem da questão nos diversos grupos
foram bastante significativas:
•
67
Os técnicos, falando principalmente do lugar da sua modalidade esportiva,
preferiram distinguir entre recrutamento e motivação, achando que sua
experiência lhes indicava que atualmente a primeira era mais pertinente à
situação desfavorável que percebiam no seu dia-a-dia de trabalho. Assim,
preferiram tratar de fatores que dificultam e facilitam a motivação e o
resultado de suas falas será então incorporado à seção que trata de
dificultadores e facilitadores. Contudo, no GF dos técnicos do Rio, chegou-se
a dois pontos consensuais sobre a motivação inicial e para a continuidade das
mulheres no esporte: a paixão delas pelo esporte e a sua perseverança.
Segundo os técnicos, são esses os trunfos de que as mulheres dispõem para
superar as más condições que restringem a sua participação.
Inclusive os localizados em complexos esportivos.
169
•
•
•
Os responsáveis pelas atletas:
Percebiam a existência de dois momentos com relação à motivação:
um primeiro em que correspondia ao da sua própria decisão de
introduzir a filha na prática esportiva e um segundo momento em que
elas decidiam permanecer, fazendo importantes alterações na sua
maneira de atuar, podendo até mesmo mudar de modalidade.
Nesta linha de argumentação, apontaram como sua própria
motivação para introduzir as filhas no mundo esportivo o fato de
verem no esporte uma importante atividade complementar, que
ocupa a mente de forma sadia e afasta a pessoa de outras solicitações
não tão desejáveis do mundo; a avaliação de que as filhas tinham
“dom” ou “talento” para o esporte ou a avaliação de que tinham o
biótipo adequado à modalidade. Suas falas sobre suas razões para
incentivar a filha na vida esportiva deixavam claro que, em muitos
casos, a decisão tinha a ver com sua própria história de vida tanto no
sentido de reproduzi-la quanto no de tentar que a filha realizasse algo
que eles se sentiam frustrados por não terem obtido.
Os responsáveis que admitiram que a filha havia ingressado no
esporte por decisão própria atribuíram o fato majoritariamente a
evidências extremamente subjetivas delas, que nomeavam de “algo
dentro delas” ou “uma coisa muito delas”. Apenas um responsável
atribuiu a motivação da filha ao sentimento de competitividade.
As atletas, ao contrário, falaram de sua motivação sempre na primeira pessoa
e também percebiam dois momentos distintos: um primeiro de chegada ao
esporte e um segundo de tomar gosto pela coisa e decidir permanecer. Parece
que, mesmo que elas tenham iniciado muito cedo por “decisão superior”, não
é nesse momento que elas avaliam a sua motivação. Foram destacadas como
motivação inicial: a saúde, a estética, o prazer, o gostar, o convívio com os
amigos, o aproveitamento do seu “dom”/“talento” e a busca de alguns dos
“efeitos colaterais” percebidos como passíveis de serem adquiridos por meio
do esporte tais como disciplina, objetivo, foco, liderança e bom
relacionamento com a rotina.
As não-atletas, muitas delas ex-praticantes de esporte e algumas com desejo
de retornar, listaram as principais razões pelas quais não se sentem motivadas
para a prática esportiva neste momento:
Falta de tempo em função de outras escolhas.
Forte preconceito com quem não pratica bem o esporte ou quem está
iniciando no esporte, gerando “zoação” constante por parte dos
colegas.
Preconceito contra as meninas que praticam determinados tipos de
esporte, principalmente o futebol. Existência de estereótipos de
gênero que determinam quais são os esportes masculinos e femininos
e que atuam sobre as crianças desde que são muito pequenas.
Falta de condições para a prática esportiva de quem não pode pagar:
problema financeiro; locais disponíveis muito longe de casa, que
gera dificuldades de locomoção e perigo; fechamento do local onde
praticava gratuitamente perto de casa.
170
Eleição de outra atividade corporal da qual gosta muito mais que do
esporte que fazia: a dança.
Falta de incentivo na escola.
O esporte exige muita dedicação e limita o tempo das pessoas para
outras atividades interessantes.
Medo de machucar-se.
Em São Paulo, as diferenças de abordagem da questão da motivação nos diversos
grupos também foram relevantes:
•
Os responsáveis pelas atletas em São Paulo falaram da motivação para as
meninas entrarem (e permanecerem no esporte) muito fortemente a partir da
experiência com as filhas e suas percepções podem ser classificadas em duas
grandes categorias: as de motivação interna e as de motivação externa às
atletas.
No conjunto categorizado como motivações internas, houve a
hegemonia absoluta da competitividade como o móvel das meninas
para o esporte, ao contrário do que ocorrera no Rio. Nas motivações
internas não-hegemônicas apareceram, como no Rio, fatores
extremamente subjetivos como “gostar”, ter “vontade”, buscar o
reconhecimento paterno, “algo que está dentro delas”, “questão dela
mesma”, “predestinação”, “cabeça de cada uma”, gosto de nascença,
uma vez que foi demonstrado desde a mais tenra idade. Como
motivações internas mais “objetivas”, mencionaram a busca de
solução para problemas de saúde e o “seguir o exemplo de pessoas
da família que já praticavam um determinado esporte”.
No conjunto categorizado como motivações externas, foram citados
fatores como:
Ser iniciada no esporte desde pequena.
Receber incentivo familiar desde cedo para a participação em
outros jogos competitivos ainda que não-esportivos.
Ter reconhecido seu talento para a modalidade esportiva que
pratica. Esta percepção retoma, sem utilizar esta
nomenclatura, a idéia de “dom” muito recorrente na pesquisa
no Rio.
Receber elogio, estímulo e incentivo por parte da família, dos
professores e dos treinadores.
Ter condições materiais para a prática esportiva: recursos em
geral envolvendo o uso de material esportivo de boa
qualidade, a participação em competições, o espaço para a
prática esportiva (preferencialmente perto de casa), o auxíliotransporte para os deslocamentos.
Ter espaços de convívio equilibrado na vida em geral,
principalmente na escola e na família.
Existirem oportunidades nos clubes.
•
As motivações apontadas pelas atletas tenderam a expressar percepções
individuais a partir de sua própria experiência. Houve algumas referências à
existência de dois momentos distintos de motivação, como ocorrera entre as
atletas do Rio, e uma primeira menção às diferenças de gênero, partida de
uma praticante de luta. Seguem-se as idéias reveladas:
171
Não existe uma motivação única. Ela é múltipla: vem de
filmes que você vê, do estímulo que recebe de seus pais e dos
amigos, da vontade de ser como os expoentes esportivos que
estão na mídia etc.
A motivação é “ser uma profissional” e fazer o esporte porque
gosta.
Em um primeiro momento os pais escolhem um esporte para a
criança seguindo os seus próprios gostos, mas nem as crianças
nem os pais estão pensando em chegar ao alto rendimento, só
no gostar mesmo. Depois é que, se dá certo, inicia-se o
caminho para o alto rendimento.
A motivação inicial foi uma indicação médica para dar conta
de um problema específico de saúde. Foi a porta de entrada
para o esporte e, posteriormente, houve a busca do “seu”
esporte porque gosta, para conhecer pessoas, ter um bom
professor e assim por diante.
A busca de diversão como motivação do primeiro momento e
depois, tomar gosto e ter vontade de superar os preconceitos
de gênero. O esporte ajuda a conviver com a TPM e isto é
uma motivação para permanecer.
•
As não-atletas listaram:
As razões para não se dedicarem ao esporte neste momento e elas
mostram basicamente falta de tempo, desinteresse e inércia:
Falta de tempo em função de outras escolhas que interessam
mais como, por exemplo, escola, inglês e dança.
Preguiça: “tenho muita preguiça. Só faço a escola porque é
obrigado”.
“Por não estar afim mesmo!”
Necessidade de começar a trabalhar.
Falta de interesse.
“Eu não faço, como dizem os adolescentes, (porque) não é
minha praia. Não me identifico.”
As percepções que tinham acerca da motivação para o esporte das
atletas de sua faixa etária:
Por gostar mesmo do esporte: “acho que elas não são
obrigadas!”
“Para ter o corpo bonito e estar sempre com tudo em cima.”
“Por ter alguém como exemplo agora, que tem muitas
meninas se destacando.”
Por influência dos pais.
•
Os técnicos mencionaram uma série de motivos que fariam as meninas
ingressarem e permanecerem na prática esportiva. Não houve posições
hegemônicas no que se refere ao assunto motivação e o grande destaque
neste tópico foi a primeira menção ao Decreto-Lei 3.199, que estabelecia
limitações para a prática esportiva das mulheres e que vigorou até 1979.
Surpreendentemente, a menção a esse decreto, marco importantíssimo para o
desenvolvimento das mulheres no esporte no Brasil, foi feita pela primeira
vez neste GF de São Paulo, o último da pesquisa, quando um entrevistado
172
citou a sua revogação com um fator motivador. As demais percepções
citadas foram:
A possibilidade de competir junto e em pé de igualdade com os
meninos.
A tentativa de provar que podem tanto quanto os meninos no esporte,
com mais força ainda nos esportes tidos socialmente como
masculinos. Esta é a situação dos esportes aos quais a mulher só pôde
aderir mais recentemente como o judô e as lutas.
A possibilidade de ser aceita em condições de igualdade com o
homem, principalmente em locais que recebem populações
socioeconomicamente mais carentes: “as mulheres querem ficar onde
estão sendo aceitas e onde há um trabalho pela igualdade entre
homens e mulheres”.
A existência de oportunidade de escolha sem exclusão; de divulgação
na mídia; de um trabalho pelo fim do preconceito, de
dimensionamento e de identificação das diferenças.
O aumento de oportunidades para as mulheres no esporte, que vem
se verificando graças à lenta redução do preconceito de gênero (idéia
também colocada no GF dos técnicos no Rio) e à introdução de uma
nova percepção do esporte por parte das famílias – como uma
oportunidade profissional, como uma possibilidade para obtenção de
bolsa de estudo e como uma alternativa para a ocupação do tempo
das adolescentes.
A influência da família na medida em que o pai ou a mãe também foi
esportista e incentiva as meninas a ter a mesma experiência.
O estímulo do professor de educação física na escola.
A possibilidade de praticar esporte perto de casa.
A existência de projetos sociais que viabilizem a prática esportiva de
meninos e meninas porque “a classe média está acabando” e com ela
as possibilidades familiares de arcar com os custos cotidianos da
prática esportiva dos filhos. As populações menos favorecidas do
ponto de vista socioeconômico já viviam essa impossibilidade desde
sempre. Nesse sentido, estariam reduzindo-se as diferenças entre as
classes sociais ressaltadas em outros GFs da pesquisa. Por outro lado,
a afirmação naturaliza a ausência do governo na criação de
oportunidades para a prática do esporte. Uma entrevistada chamou a
atenção para o fato de que a responsabilidade de garantir a
continuidade no esporte é da família no início, é da própria pessoa e
é do governo que precisa dar condições da atleta viver do esporte
principalmente depois que entra na idade adulta.
Fatores facilitadores da prática esportiva
Em todos os GFs, nas duas cidades, foi mais difícil para os participantes
encontrarem fatores que atuam positivamente no sentido de facilitar o ingresso e a
permanência das atletas no esporte. As percepções estavam sempre mais aguçadas
para os fatores que atuam negativamente, o que parece, por si só e somado a outras
informações levantadas na pesquisa, um indicador de que as condições da prática
esportiva andam mesmo adversas.
No Rio de Janeiro, as diferenças de abordagem da questão nos diversos grupos
foram bastante significativas:
173
•
Os técnicos:
Como já foi destacado na seção relativa à motivação, foram
praticamente unânimes em afirmar que o que ajuda as meninas é sua
própria paixão e sua própria perseverança na prática esportiva.
De forma não hegemônica, também destacaram como fatores
facilitadores:
O vínculo que se estabelece entre as participantes de uma
mesma equipe em um esporte coletivo.
Juventude para alcançar os objetivos que lhes permite achar
que terão muito tempo na vida para superar os obstáculos.
A identificação do brasileiro como portador de habilidades
especiais para o esporte.
A possibilidade recente de registrar na Federação as jogadoras
de futebol feminino.
Além de isoladas, as seguintes facilidades geraram controvérsia e
discussão no grupo:
A existência de algumas políticas públicas nas prefeituras de
estados do Sul e em São Paulo.
O clube dar uniforme e assistência médica e odontológica.
O fato de estarmos vivendo uma “fase de redução” dos
estereótipos de gênero, o que neutralizaria o preconceito
contra as mulheres no esporte, facilitando a sua permanência.
Por fim, alguns foram radicais e disseram não perceber qualquer
facilidade que beneficie as mulheres em sua prática esportiva no Rio
de Janeiro.
•
•
Os responsáveis pelas atletas:
De forma hegemônica, quando questionados sobre a existência de
fatores facilitadores para a prática esportiva das meninas, os
responsáveis responderam traduzindo a questão em termos do que
aqui se convencionou nomear como “efeitos colaterais positivos” do
esporte, que vão desde a aquisição de determinados atributos
avaliados positivamente pelos responsáveis como organização,
disciplina, responsabilidade, poder de superação, amadurecimento,
foco e bom manejo da rotina, até o reconhecimento do esporte como
remédio para timidez, preguiça, rebeldia, desesperança em relação ao
futuro e mesmo depressão, passando pela idéia de que o esporte
mantém a criança com saúde, ocupada e afastada de determinados
chamamentos negativos do mundo urbano como o apelo das drogas.
Isoladamente, um único pai mencionou, a partir da experiência da
própria filha, que a possibilidade de ganhar uma bolsa de estudos por
ser atleta era um fator facilitador para a permanência no esporte.
As atletas:
De maneira hegemônica destacaram o apoio da família, dos amigos,
e do técnico como incentivador abalizado e capaz de estimular o seu
crescimento no esporte. A enorme importância atribuída ao papel da
família, inclusive quando percebida em seus efeitos negativos, fez
174
deste um tema em destaque no grupo e, como tal, merecerá
tratamento separado.
De forma não hegemônica destacaram o fato da atleta ter algumas
qualidades pessoais como força de vontade, garra, determinação,
esforço, comportamento dócil no sentido de “ficar calada e não
reclamar”, “saber levar certas coisas”, “empurrar com a barriga” e ter
“capacidade para engolir muito sapo”. Uma atleta acrescentou que
acha que as meninas têm mais essas qualidades que os meninos e que
devem persistir sempre, mesmo remando contra a maré, porque isto
se reverterá não apenas em benefício próprio, mas como fator de
mudança benéfica para todos. Neste ponto, ao demonstrarem
perseverança e paixão, aproximaram-se da percepção que os técnicos
têm delas.
•
As não-atletas nada destacaram sobre este subtema.
Em São Paulo, as diferenças de abordagem da questão nos diversos grupos também
foram relevantes:
•
Os responsáveis pelas atletas praticamente não se posicionaram sobre o
assunto, e as duas respostas isoladas diziam de “efeitos colaterais positivos”
do esporte como “tirar as meninas da rua” e de qualidades que atribuem às
mulheres: “são mais inteligentes”.
•
As atletas não chegaram a posições consensuais e as respostas isoladas
envolviam a questão de gênero, das diferenças entre os esportes, das
vantagens da possibilidade de escolha e das “qualidades femininas”:
Professora ajuda a minorar as conseqüências dos preconceitos de
gênero na prática do esporte porque já sabem como os homens são e
isso ajuda as mulheres.
As facilidades são maiores no esporte individual que no coletivo
porque nele tudo depende só da própria pessoa.
Facilidade de poder escolher o esporte que quer praticar quando a
escola ou projeto oferece a possibilidade de experimentar uma gama
variada de modalidades.
Facilidade pelo fato da mulher ser mais “organizada”, mais
“certinha” e persistente no seu objetivo, além de enfrentar uma
concorrência menor.
•
As não-atletas: falando das facilidades, uma única não-atleta se pronunciou,
dizendo que era bom “começar desde pequena porque já vira um hábito da
pessoa. Aí fica tudo mais fácil”.
•
Os técnicos: somente um entrevistado mencionou as qualidades que são
percebidas como passíveis de serem incorporadas às pessoas a partir da
prática esportiva: a disciplina, o foco, o estabelecimento de objetivos e
propósitos. Uma segunda observação disse respeito à facilidade oferecida por
algumas modalidades esportivas, como as lutas, por se mostrarem adequadas
aos mais diversos biótipos, já que estão estruturadas em categorias
específicas, tornando-se assim mais “democráticas” que outras modalidades.
175
Fatores dificultadores da prática esportiva
Como já foi mencionado na seção anterior, os fatores que dificultam a prática
esportiva das meninas ou atuam no sentido de desmotivá-las a ingressar e
permanecer no esporte foram centrais na discussão dos grupos e tenderam a ter
percepções mais convergentes entre eles. Fatores como falta de retorno financeiro,
que gera migração do esporte para o mercado de trabalho; necessidade de grandes
deslocamentos entre o local de moradia e do treino; falta de apoio governamental
para o esporte; existência de preconceito de gênero principalmente contra as
meninas; falta de tempo e rotina pesada das atletas; falta de recursos e de patrocínio;
falta de estrutura e apoio para o esporte no Brasil e falta de continuidade e de
perspectivas futuras para as atletas foram citados em praticamente todos os grupos
nas duas cidades, como ficará patente a seguir.
No Rio de Janeiro, os responsáveis começaram a falar das dificuldades desde a
rodada de apresentação pessoal; os técnicos preferiram falar deles do que tratar da
questão da motivação propriamente dita; as atletas tinham uma opinião quase
unânime sobre o assunto, demonstrando reflexão prévia a respeito do tema; e as nãoatletas, ao discorrerem sobre seus motivos para não praticar esportes, citaram
algumas importantes dificuldades enfrentadas pelas atletas.
•
Entre os técnicos:
Os fatores dificultadores hegemônicos levantados foram:
Dificuldades financeiras e falta de patrocínio.
Necessidade de extensos deslocamentos para treinar porque
existem poucos locais para a prática esportiva na cidade.
Falta de perspectiva futura para quem ingressa no esporte. O
“chegar lá” como o móvel principal de todos os atletas, mas
que ainda não é palpável para as mulheres que praticam
esporte no município.
Falta de estrutura e apoio para o esporte no Brasil. Neste
conjunto, os técnicos apontam: a falta de infra-estrutura
material básica; a falta de política(s) governamental(is) no
Brasil; a descontinuidade das poucas políticas públicas
existentes quando ocorrem mudanças de governo; empecilhos
para o esporte receber patrocínios de qualquer tipo – esses
empecilhos podem ser de ordem burocrática ou pela notícia de
que há desvio de verbas e corrupção nos clubes.
Existência de estereótipos de gênero expressos sob a forma de
preconceito contra a participação feminina em determinadas
modalidades
esportivas,
inclusive
sinalizando
a
masculinização dos corpos femininos a partir da prática
esportiva; de cobranças diferenciadas para a mulher dentro de
casa, gerando acúmulo de atividades etc.
Necessidade das atletas de ganhar dinheiro não só para sua
manutenção, mas também para fazer face aos gastos gerados
pela própria prática esportiva: deslocamentos, material
adequado para os treinos, inscrição em competições etc.
Os fatores dificultadores mencionados de forma não hegemônica
foram:
Falta de competições em ano de Pan.
176
Migração das atletas bem-sucedidas para o exterior.
Diferenças segundo a classe social – de recursos para investir
e de interesse. Os técnicos apontam para o fato de que há
maior interesse por parte da atleta de origem menos
favorecida economicamente, que vê também no esporte uma
rara possibilidade de ascensão social, do que por parte das
atletas de classe média que vêem no esporte unicamente o
aspecto competitivo.
Falta de uma política de bolsas de estudo universitárias que
permita a continuidade da prática esportiva na idade adulta.
Treinamento duro, que impõe às atletas uma vida sacrificada e
com pouco espaço para amizades e lazer.
A ausência de bola e da brincadeira conjunta nos esportes
individuais.
O medo de competir com os mais velhos, principalmente nos
esportes individuais.
No caso do Handebol: primo pobre dos outros esportes, tido
como esporte escolar que não oferece oportunidade de
continuidade e para o qual vêm as pessoas que “não dão para
outra modalidade”.
No caso do remo: o horário cedo, ainda madrugada, do treino.
•
Entre os responsáveis:
Os fatores dificultadores hegemônicos levantados foram:
Falta de patrocínio e de apoio governamental ao esporte.
Grandes deslocamentos e falta de recursos para o transporte.
Falta de tempo e rotina pesada.
Os fatores dificultadores mencionados de forma não hegemônica
foram:
Distância entre o sonho e a possibilidade de vir a realizá-lo,
gerando desânimo e até depressão nas atletas.
Construção de locais de práticas esportivas (Vilas Olímpicas)
fora da comunidade e às vezes em locais hostis e inseguros
em função das divergências entre facções do tráfico.
•
As atletas:
Demonstraram ter uma visão quase consensual sobre o que percebem
como suas principais dificuldades na vida esportiva: praticamente
todas elegeram a existência de preconceito e a ausência de patrocínio
como seus principais vilões.
No que tange ao preconceito, elas percebem-no com várias
faces/manifestações: contra mulheres no esporte em geral; na
própria equipe por parte dos participantes masculinos, quando
ela é mista; na família; no ato de preterir as mulheres na hora
de montar equipes de revezamento, mesmo na natação, que é
um dos esportes considerados “femininos”; e no desrespeito
às dificuldades específicas das mulheres em determinados
dias do mês em função do ciclo menstrual. Uma das atletas
chegou a situar o problema do preconceito no “pensamento
177
das pessoas”, demonstrando reconhecer que sem mudança de
valores culturais a situação prática não se altera.
Já a falta de patrocínio é sentida basicamente para suprir as
despesas com transporte para os treinos, a ida para as
competições, para apoiar o esporte de base, que possibilita a
descoberta de “novos talentos” etc.
De forma isolada perceberam as seguintes dificuldades:
Rotina pesada, que ocasiona falta de tempo.
Excesso de exigência dos técnicos.
Baixa competitividade nas modalidades esportivas femininas
e naquelas com poucos atletas e poucos locais apropriados
para a prática.
Necessidade de optar entre o esporte e um trabalho que lhes
garanta a sobrevivência quando chega a hora da entrada na
vida adulta, com a possibilidade de constituir uma nova
família.
Necessidade de morar longe da família quando perto dela não
é viável praticar a modalidade esportiva escolhida: o
desconforto dos alojamentos em todos os sentidos,
principalmente na convivência compulsória com pessoas
muito diferentes.
•
As não-atletas não apontaram dificuldades específicas que precisam ser
enfrentadas pelas atletas para praticar esporte no município do Rio de Janeiro.
Contudo, quando citaram as razões pelas quais não estavam motivadas a
integrar-se ao esporte neste momento, apontaram algumas dificuldades
importantes tais como preconceito contra as meninas que praticam
determinados tipos de esporte, principalmente o futebol; existência de
estereótipos de gênero que determinam quais são os esportes masculinos e
femininos e que atuam sobre as crianças desde que são muito pequenas; falta
de condições para a prática esportiva de quem não pode pagar: problema
financeiro; locais disponíveis muito longe de casa, gerando dificuldades de
locomoção e perigo; fechamento do local onde praticava gratuitamente perto
de casa; falta de incentivo na escola; muita exigência de dedicação ao
esporte, que limita o tempo das pessoas para outras atividades interessantes.
Em São Paulo, o espaço dedicado nos grupos às dificuldades também foi
significativo. Vale ressaltar que, ainda que o panorama geral das dificuldades
percebidas seja semelhante no Rio e em São Paulo, as ênfases são muito diferentes e
as palavras com que os participantes nomeiam algumas situações por vezes são
totalmente originais. Em São Paulo, em geral, os grupos aguardavam a colocação
das perguntas para começar a tratar de cada assunto e a grande maioria dos
participantes fez questão de assinalar que algumas dificuldades percebidas são
comuns aos meninos e às meninas. Lista-se a seguir todas as dificuldades
mencionadas, destacando a sua recorrência ou não.
•
Entre os responsáveis:
Os fatores dificultadores hegemônicos levantados foram:
Falta de recursos e de apoio governamental ao esporte. Ao
contrário do Rio, onde a ênfase na questão dos recursos
178
necessários para manter uma carreira esportiva em
desenvolvimento foi dada à ausência de patrocínio, os
responsáveis ouvidos pela pesquisa em São Paulo preferiram
falar de falta de recursos. Para dar uma idéia da dimensão do
que está sendo dito, somente duas pessoas (ao todo 3 vezes)
utilizaram a palavra patrocínio no GF de São Paulo, enquanto
no Rio, 8 responsáveis, tanto homens como mulheres, usaram
a palavra patrocínio 17 vezes. Falando de falta de recursos, os
participantes do GF dos responsáveis mencionaram: falta de
recursos da família; falta de material adequado para a prática
do atletismo; falta de condições para cumprir os requisitos
necessários para fazer jus a uma bolsa escolar; falta de
patrocínio, seja público ou privado, fazendo com que para
subir no esporte seja necessário investir do próprio bolso, já
que medalha não trás dinheiro; falta de políticas públicas não
somente porque faltam recursos para serem investidos, mas,
principalmente, porque falta vontade política para destinar os
recursos existentes para o esporte e porque há grande
incidência de corrupção e desvio de verbas; insegurança no
futuro de quem pratica esporte e não tem recurso.
Fim prematuro das oportunidades para a prática do esporte:
problema dos locais para continuidade e de terminar o ensino
médio e ter que fazer escolhas.
Ausência de “peneiras” e pouca divulgação das que existem.
Como será destacado mais adiante, a palavra “peneira”
também se mostrou de uso local paulistano e é usada para
nomear um tipo de competição que funciona como via de
acesso seletiva à prática esportiva não paga ou com algum
tipo de ajuda financeira ao atleta.
Os locais de prática esportiva são poucos, considerando o
tamanho do município, e muito distantes da moradia de quem
deles mais necessita, já que há ausência de espaços
regionalizados.
Grandes deslocamentos e tempo perdido em condução.
Falta de tempo e rotina pesada.
Os fatores dificultadores não hegemônicos levantados foram:
As dificuldades de estar preparado para perder – no jogo e na
vida.
A questão de ter ou não o biótipo desejável para cada esporte.
Havia quem achasse que o biótipo era determinante e quem
achasse que ele se submetia ao talento da pessoa para aquele
esporte.
O risco de se machucar e não ter atendimento adequado no
local onde pratica esporte ou de perder sua oportunidade de
prática ao ter que se afastar temporariamente.
•
As atletas: Como as atletas do Rio, as de São Paulo também elegeram o
preconceito como o principal causador de suas dificuldades para a prática
esportiva. O preconceito, percebido em suas diversas nuances, foi muito
mencionado e apontado como indesejável. Vale notar que, talvez pela
179
imaturidade das meninas, elas “revidam” o preconceito reificando
estereótipos de gênero ou discriminando os meninos também. Foram os
seguintes os aspectos levantados e que podem ser classificados na rubrica de
preconceito, sejam eles relativos a questões de gênero ou de outra espécie:
Preconceito de gênero:
Nos clubes e até mesmo nas escolas, os técnicos e professores
só dão atenção às mulheres quando não há equipes
masculinas.
No âmbito do cotidiano não existem tantas diferenças, mas na
competição a preferência pelos homens é visível.
Meninas têm a sua orientação sexual questionada em função
do esporte que praticam: “se está fazendo este judô, é homem,
sapatão”.
Meninas que praticam esportes considerados masculinos
como judô, lutas em geral e certas modalidades do atletismo
como martelo, por exemplo, são sempre comparadas ao
homem: “é forte! Pode se igualar aos homens na disputa. Não
se deve meter com ela porque ela pode encarar”. O contraargumento de algumas atletas que são identificadas com o
masculino é de que se pode ser muito “masculina” na prática
do esporte e totalmente “feminina” no cotidiano da vida extraesportiva: “delicada e usando salto alto e roupa cor-de-rosa”.
Ao argumentar dessa maneira, as meninas ratificam
estereótipos de gênero que tomam como naturais hábitos
tipicamente culturais e que são transmitidos através da
educação hegemônica em nossa sociedade, sem se dar conta
de que estão perpetuando as bases do preconceito do qual se
queixam. Elas dizem ainda, referindo-se às transformações
que podem ser observadas no corpo da mulher pela prática de
determinados esportes, que estas podem ser apreciadas,
valorizadas e não tomadas como “desfeminilizantes”: “mulher
é sempre mulher mesmo que o corpo fique forte”.
Preconceito das meninas contra os meninos: não sabem
trabalhar em grupo nem nos esportes coletivos e são
insuportáveis: “homem não tem como. Homem é terrível”.
Preconceitos diferenciados segundo o esporte. Comparando o
atletismo ao judô em uma instituição uma atleta diz que há
muito mais preconceito no segundo que no primeiro, embora
no judô seja possível tirar proveito de treinar com os meninos
porque quando se enfrenta uma menina depois, a atleta está
mais bem preparada. No vôlei, os meninos gostam de montar
seus próprios times compostos somente por eles e jogam
agressivamente contra os times femininos.
Outros tipos de preconceito mencionados de maneira isolada:
Preconceito contra as atletas “não-federadas”: poucas
oportunidades são dadas a elas nos clubes: em igualdade de
condições ou mesmo com nível de habilidade esportiva
superior, a preferência é das federadas.
180
Preconceito contra as pessoas novas que vêm de lugares
distantes para treinar. A suposição é de que não são boas no
esporte e é necessário que o professor/treinador intervenha
para impor a integração da nova atleta no time.
Outras dificuldades citadas de forma não hegemônica e não
relacionadas ao preconceito:
Falta de incentivo do governo para o esporte em si e mais aos
eventos. Passado o evento cessa o interesse. Tal fato também
havia sido destacado no GF dos técnicos do Rio.
Cada modalidade tem sua própria dificuldade, assim como
são múltiplas as motivações. No caso do judô uma das
maiores é “tirar peso” para se manter em condições de
competir na sua categoria. As judocas do Rio também
levantaram este ponto.
Gasto excessivo de tempo na condução para conseguir chegar
ao treino.
Necessidade de morar longe da família quando no local onde
ela vive não há condições para viabilizar a prática da
modalidade esportiva escolhida pela atleta.
Falta de dinheiro para os gastos básicos do dia-a-dia com o
esporte. O esporte deveria ser uma forma de trabalho com
remuneração.
Falta de atenção governamental.
•
As não-atletas não souberam apontar dificuldades que precisam ser
enfrentadas pelas atletas para praticar esporte no município de São Paulo,
embora tenham atribuído nota média 6,9 às condições para esta prática, a
mesma nota atribuída pelas atletas.
•
Os técnicos de São Paulo, como os do Rio, falavam sempre em termos de
motivação. Dessa forma, falaram mais em termos de fatores desmotivadores
que interferem na prática das mulheres no esporte.
Foram citados como fatores desmotivadores de maneira hegemônica:
A necessidade de grandes deslocamentos pelos gastos que
representam, pela falta de quem possa acompanhar a atleta ao
lugar do treino e pela falta de segurança na cidade.
A falta de ícones: da mesma forma que já fora ressaltada a
importância do “espelho”, sem usar esta expressão, os
técnicos de São Paulo enfatizaram a importância do esporte
ter seus ícones: “mulheres com resultado e como referência”,
e lembraram que como a participação feminina é recente,
principalmente em alguns esportes, esses ícones ainda são
basicamente masculinos ou internacionais. Na percepção
deles, tudo vai mudar quando as mulheres no Brasil
começarem a ter resultados significativos, porque é
importante até para o esporte do país ter atletas de ambos os
sexos com resultados.
181
O fato de não haver retorno financeiro na prática esportiva faz
com que as meninas tenham que sair para trabalhar.
O fato de que o “desporto de alto rendimento não é saúde”
nem para o homem nem para a mulher – a atividade física
sim. Há riscos de lesões mesmo em esporte individual sem
contato físico. Este aspecto, levantado pela primeira vez no
GF das atletas em São Paulo, foi retomado somente por um
participante no GF dos técnicos, mas conseguiu a aprovação
de todos.
Foi citado de forma isolada como fator desmotivador a existência no
Brasil da “monocultura do futebol” masculino. Uma de suas
conseqüências é que as meninas que praticam o futebol enfrentam,
além de dificuldades comuns a outros esportes como a grande
distância entre o local de moradia e o local de treinamento,
dificuldades específicas tais como o preconceito com o futebol desde
que são muito novas, a falta de perspectiva futura e a falta de
reconhecimento na mídia.
Sugestões apontadas para melhorar as condições da prática esportiva
Levando em conta que os entrevistados avaliaram mal as condições da prática
esportiva nas duas cidades (ver quadro 23), um considerável número de sugestões
capazes de melhorar essas condições foi apresentado pelos participantes dos GFs:
algumas foram recorrentes e outras pontuais e todas podem subsidiar a formulação
de políticas públicas ou de outras formas de atuar, pública e privada, em favor do
desenvolvimento do esporte em geral e do feminino em particular.
Quadro 23
Notas atribuídas pelos entrevistados às condições
que as atletas têm de praticar esporte
Municípios do Rio de Janeiro e São Paulo
Notas
Técnicos, treinadores,
Mães, pais e
professores, árbitros e
responsáveis
responsáveis por projetos sociais pelas atletas
Rio de Janeiro
Nota média
5,5
5,0
Nota mediana
5,0
5,0
São Paulo
Nota média
6,1
4,4
Nota mediana
6,0
5,0
Fonte: Pesquisa A mulher e o esporte. Instituto Noos/Nike, 2007.
Atletas
Não-atletas
3,7
3,0
6,4
7,0
6,9
7,0
6,9
7,0
A seguir lista-se a totalidade das sugestões apresentadas, categorizadas segundo o
seu conteúdo e separadas segundo o grau de recorrência nas duas cidades:
•
Sugestões hegemônicas no Rio:
Relativas à centralidade do papel da escola e à concessão de bolsas
de estudos em todos os níveis de ensino com destaque para o
universitário:
182
Conceder bolsas universitárias.
Desenvolver o esporte universitário.
Fazer da escola a base do esporte: educação de mãos dadas
com o esporte.
Fornecer bolsa de estudo para as atletas e maior divulgação da
política de bolsas de estudo quando ela existe.
Melhorar o ensino da educação física nas escolas públicas e
particulares.
Relativas a obtenção de patrocínio, entendido como qualquer tipo de
apoio aos atletas:
Dar aos atletas uma “carteirinha de gratuidade no transporte”
ou pagar de alguma forma a sua passagem para os treinos.
Estabelecer parcerias como existem em outros países: entre
clubes e universidades, entre instituições públicas e privadas.
Patrocínio, que pode se efetivar na concessão de ajuda
financeira para alimentação, passe-livre nos transportes
urbanos e ajuda financeira para transporte para os locais de
competição. Houve a observação de que, nos esportes
coletivos, o patrocínio tem que ser para toda a equipe.
Transporte para a atleta vir para o treino.
Relativas ao Pan:
Concluir rapidamente as construções do Pan, para propiciar
diferencial de tempo de treinamento no mesmo local da
competição para as atletas do próprio município.
Dar aos atletas ingressos para assistir aos jogos do Pan.
Não fechar os locais de treinamento esportivo já existentes em
função da inauguração dos novos construídos para o Pan:
manter todos em funcionamento após a realização do evento.
Relativas à democratização do esporte:
Construir mais equipamentos esportivos, locais para a prática
de todos os esportes e não só do dominante no país, pelo
menos um em cada bairro. Isso incluiria mais piscinas
adequadas à prática dos saltos ornamentais para poder ampliar
a modalidade; mais pistas de atletismo adequadas à prática de
suas diversas modalidades; mais piscinas para treinamento de
natação para permitir que o treino respeite o limite máximo
por raia que hoje é excedido.
Democratizar o esporte para obter patrocínio.
Levar os esportes para as comunidades carentes.
•
As sugestões não hegemônicas no Rio eram relativas à redução
predomínio do futebol masculino no país; à necessidade de aquisição
materiais esportivos modernos; à necessidade de políticas públicas e
legislação específica que favoreça os esportes; à redução das diferenças
gênero percebidas; à promoção de ações capazes de aproximar os pais
esporte dos filhos; à realização de ações em prol do esporte de base.
do
de
de
de
do
183
•
Sugestões hegemônicas em São Paulo:
Ações de mapeamento, divulgação e marketing:
Fazer uma identificação mais ampla das atividades culturais
no município, divulgá-las e levá-las para a escola.
Divulgar as oportunidades para a prática esportiva que
existem na cidade para quem gosta de praticar poder procurar.
Divulgar mais o esporte, utilizando inclusive a TV.
Divulgar o que existe em termos de alternativas de prática
esportiva no município de São Paulo: proceder a uma espécie
de mapeamento dos locais para prática e das oportunidades e
divulgar amplamente.
Fazer campanhas de marketing para vender o esporte como
um produto.
Fazer um trabalho de posicionamento da mulher no esporte:
um trabalho de marketing.
Promover uma divulgação maior dos benefícios que o esporte
trás para as pessoas.
Relativas à democratização do esporte:
Construir mais locais de prática esportiva que dêem
oportunidade a pessoas de todas as idades e de todas as
classes sociais.
Criar espaços para prática esportiva nos bairros e divulgar a
sua existência quando ficarem prontos.
Cuidar do trabalho que vai ser realizado, além de montar
estruturas físicas notáveis: há o exemplo dos CEUs (Centros
Educacionais Unificados), nos quais a estrutura é maravilhosa
mas não há profissionais contratados para garantir a sua
utilização.
Diminuir as diferenças de possibilidades de prática esportiva
entre as classes sociais.
Promover a descentralização geográfica dos locais de prática
esportiva. Isto faria com que se massificasse a prática
esportiva e o feminino vai junto de acordo com o esporte.
Transformar o esporte em um dos focos da ação
governamental.
Relativas à centralidade do papel da escola e à concessão de bolsas
de estudos em todos os níveis de ensino, com destaque para o
universitário:
Centrar a política de esportes na escola: escola num primeiro
momento e bolsa universitária depois para dar continuidade.
Bolsas universitárias foram defendidas pela maioria, seguindo
o exemplo de países desenvolvidos e que têm ótimos
resultados nas competições internacionais como os EUA e a
França. Somente um pai defende que a bolsa universitária
exista somente para quem entrou na universidade por seus
méritos não-esportivos.
Integração com a escola, como ocorre em alguns países onde
o esporte é muito bem-sucedido como os EUA, por exemplo.
184
Esta ligação propicia a superação da hegemonia de um único
esporte no país.
Mais estrutura para as escolas: aparentemente não há interesse
em alterar a situação educacional, pois um povo menos
instruído é mais fácil de ser iludido.
No âmbito da escola, um pai sugeriu que, fora de espaços
específicos para o esporte nas escolas, os professores de
educação
física
proporcionem
10
minutos
de
condicionamento físico nos intervalos das aulas para os
alunos que praticam esporte.
Tornar obrigatória, em todas as escolas – públicas e
particulares – a possibilidade de prática esportiva gratuita de
todas as modalidades para que as crianças/adolescentes
possam experimentar e decidir com qual delas se identificam.
Relativas a obtenção de patrocínio, entendido como qualquer tipo de
apoio aos atletas:
Ações da Nike em prol das mulheres no esporte como
incentivo
a
outras
grandes
marcas
esportivas.
Reconhecimento de que há interesse empresarial na pesquisa
versus esperança de mudança para as condições de prática
esportiva das mulheres.
Remunerar a prática do esporte após os 17 anos como
possibilidade de dar continuidade quando chega a idade adulta
e o término da oferta existente de prática esportiva gratuita em
São Paulo.
Estabelecer parcerias com órgãos públicos e empresas
privadas.
Fornecer transporte para levar para o treino.
Haver mais investimento e mais patrocínio além do espaço
para a prática.
•
As sugestões não hegemônicas em São Paulo eram relativas à necessidade de
aquisição de materiais esportivos modernos; à indispensabilidade de políticas
públicas; à necessidade de realização de ações organizadas da sociedade civil
para cobrar mudanças junto aos governos; e à promoção de ações em favor
do esporte de base.
Temas que ganharam destaque nos diversos grupos
No bojo das discussões propostas pelo roteiro dos GFs, alguns temas ganharam
relevância e acabaram merecendo destaque na análise das informações neste
relatório dentro de cada grupo. Não quer dizer que o falar desses temas tenha sido
exclusividade destes grupos, mas sim que os seus participantes dedicaram mais
tempo de discussão do que outros atores aos aspectos específicos ressaltados. A
seguir, trata-se brevemente do seu conteúdo, mencionando os grupos nos quais
foram citados.
185
A importância da mídia (para o bem e para o mal)
O papel da mídia na construção das relações dos brasileiros com a prática esportiva
em geral foi um tema que emergiu de maneira recorrente nos grupos dos técnicos,
treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais nas duas
cidades. A visibilidade conferida pela mídia ao esporte e o poder desta visibilidade
para atrair as pessoas para a modalidade esportiva que ganha visibilidade foram os
pontos em comum ressaltados nos dois grupos. Além destes, foram os seguintes os
aspectos que mereceram destaque por parte dos técnicos:
•
No Rio de Janeiro:
A mídia pode dar visibilidade à participação feminina nos esportes e,
com isso, facilitar a aceitação cultural desta participação.
É importante estar na mídia para abrir espaços e obter patrocínio.
O fato de que, no Brasil, há hegemonia total do futebol masculino na
mídia, o que restringe as possibilidades tanto dos demais esportes
como das mulheres nos esportes. Somente uma técnica percebe como
positiva e inclusiva para as mulheres a superexposição do futebol
masculino na mídia.
A mídia alimenta o sonho de fama de algumas atletas, acenando com
ídolos que venceram as dificuldades, “chegaram lá” e levam uma
vida de sucesso e prazer.
•
Em São Paulo:
A mídia reflete (e reforça) o peso que o esporte tem para a sociedade:
é o único tema que merece jornais específicos diários.
A mídia dá visibilidade a determinados esportes e isso funciona
como chamariz para a prática desse esporte em particular. As pessoas
são motivadas para praticar os esportes que estão na mídia.
A mídia passa a idéia de que o esporte não oferece condições de
auto-sustentação financeira e que é para um curto período da vida da
pessoa. Logo, é mais próprio para ser um hobby do que uma
profissão.
A mídia cria a ilusão de que o esporte é para todos no sentido de que
todos os que praticam podem vir a ser ídolos nacionais e
profissionais muito bem-sucedidos. Esta argumentação desdobrou-se
em uma outra discussão que também será tratada em separado: a
visão do esporte da ótica do esporte de alto rendimento versus a
visão do esporte da ótica da inclusão social.
A mídia não mostra que o esporte de alto rendimento não é saúde.
A mídia vende o que dá retorno. O veículo e o horário de veiculação
dependem da expectativa de retorno da audiência que gera
patrocínio. O que a mídia foca é o que vende.
A importância do “espelho”
Com alguma interseção com o tema anterior – o da importância da mídia –, esse foi
outro tema muito mencionado no grupo dos técnicos do Rio, mas que em vários
outros momentos do trabalho de campo voltou a aparecer, inclusive fazendo
referência aos esportes que, por não terem tradição no país em sua versão feminina,
não tem esses modelos a oferecer, e o quanto isto faz diferença psicologicamente
para as atletas que o praticam.
186
No grupo das atletas do Rio, elas também disseram do quanto lhes é caro ter alguém
em quem se “espelhar”: uma outra atleta que lhe sirva de modelo por ter obtido o
êxito aspirado por ela. Os participantes do grupo dos técnicos no Rio reafirmaram a
importância para as atletas do “espelho” nos êxitos do futebol, agora personificado
na figura da Marta, do “espelho” no sucesso em um mundo que se apresenta com
tantas dificuldades para alcançá-lo e do “espelho” nos jogadores homens bemsucedidos e valorizados pela mídia.
Os técnicos de São Paulo também destacaram, sem usar a expressão “espelho” mas
no mesmo sentido, a importância do país ter “ícones” que possam servir de exemplo
para os atletas e o quanto isso representará em termos de motivação quando os
ícones nacionais começarem a existir.
Contraposição do esporte como construção da cidadania ao esporte
competitivo
Nos grupos dos técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por
projetos sociais nas duas cidades, o único momento de tensão e discordância, ainda
que em clima cordial, ocorreu quando os objetivos últimos perseguidos pelo esporte
de rendimento e pelo esporte de inclusão social de alguma forma se confrontaram. O
texto do relatório deteve-se longamente nos detalhes da discussão travada nos dois
grupos, mas, aqui, reduzindo em muito o debate, apenas chama-se a atenção para o
fato de que parece existir um continuum que tem em cada extremidade os interesses
“puros” de cada uma das dimensões esportivas e que os projetos sociais vão se
situando em pontos intermediários deste continuum não apenas em termos de suas
propostas, mas também de suas promessas.
Assim, de um lado ter-se-ia o esporte de inclusão social, que visa primordialmente
“transmitir através do esporte conceitos básicos de cidadania e valores como
disciplina e respeito” (Vitale, 2007), e de outro, o esporte de alto rendimento, que
visa principalmente os resultados que se pode obter em cada modalidade em termos
de superação de marcas esportivas, do estabelecimento de novos recordes e de êxitos
em competições nacionais e internacionais, que não deixa de valorizar as demais
qualidades pessoais tidas como correlacionadas à prática do esporte, mas trata delas
em termos de “efeitos colaterais positivos”.
Contudo, esporte de inclusão e esporte de alto rendimento baseiam-se nas mesmas
regras definidas nacional e internacionalmente para a prática de cada modalidade
esportiva. No Rio de Janeiro havia representação no GF dos técnicos de um projeto
que privilegia totalmente a inclusão social, tomando inclusive a liberdade de
estabelecer suas próprias regras para o basquete praticado na rua, desde que estas
propiciem o ingresso e a permanência dos jovens em um ambiente sadio, que
propicie sua formação cidadã e os resgate de outras influências não tão positivas às
quais estão expostos em seus locais de moradia. Isto abriu um questionamento sobre
até que ponto a iniciativa, ainda que reconhecida por todos como louvável, pode ser
classificada de esporte.
Ainda no mesmo GF do Rio, abriu-se a segunda frente de discussão nesta temática e
que viria a ser a predominante no GF de São Paulo: considerando a precariedade das
condições de prática esportiva das populações menos favorecidas
socioeconomicamente, até que ponto os projetos sociais, mesmo seguindo todos os
187
trâmites exigidos pelas federações e confederações esportivas, pode (e deve) acenar
para os seus participantes com a possibilidade de “chegar lá”. A partir dessa
relevante questão surgiram duas posições divergentes entre os projetos sociais
representados nos GFs: a dos que acham que mostrar as possibilidades de êxito
(ainda que sejam remotas para a maioria) é “abrir a porta do sonho” e aqueles que
pensam que isso é plantar a frustração. Estes últimos argumentam que a mídia, ao
falar dos êxitos de alguns, não passa a idéia de que aquilo é para poucos e cria
ilusões.
Até onde falar de possibilidades é iludir e até onde é viabilizar a existência de
sonhos? Nas outras profissões também existem grandes dificuldades de êxito
profissional e ascensão social e não se desestimula o adolescente de tentar ser
médico ou engenheiro. Ser um atleta é muito mais que ser um campeão: é ter a
chance de ser um cidadão.
A importância do apoio da família (para o bem e para o mal)
A certeza de que, em um mundo esportivo não patrocinado nem por empresas e nem
pelo governo e nos quais os clubes desempenham um papel bem pequeno de apoio,
sem o empenho total da família as atletas não têm condições de se manter em
atividade, foi uma percepção hegemônica entre todos os entrevistados nos diversos
grupos, ainda que com ênfases muito diferenciadas: como poderia se esperar, tendeu
a ser mais forte nos grupos de responsáveis nas duas cidades e na das atletas, com
mais destaque entre as atletas cariocas.
No Rio de Janeiro:
• No GF dos responsáveis:
Os responsáveis deixaram claro que, além da disposição de ajudar e apoiar, é
necessário ter recursos para fazê-lo, uma vez que é necessário cobrir
despesas com transporte, alimentação, roupas e sapatos adequados, viagens
para participar de competições relevantes para marcar pontos no currículo da
atleta e assim por diante. Em função disso, neologismos foram criados e
ganharam força na linguagem dos responsáveis como o PAITROCÍNIO e
PAIPARAZZI.
Vale chamar a atenção não apenas para as diferentes possibilidades materiais
das famílias para assumirem responsabilidades tão amplas como também
para as diferentes posturas dos responsáveis, que denotam reafirmação ou
transgressão dos assim chamados papéis tradicionais de gênero. De um modo
geral, os pais presentes ao grupo atribuíram-se a missão de arcar com os
custos financeiros (quando podiam) e as mães/avós responsabilizavam-se
pelo “acompanhamento” mais próximo das atletas. Contudo, havia posições
bem diferenciadas de como deveriam e poderiam comprometer o seu tempo
com esta tarefa, que iam desde a dedicação integral da mãe ao
acompanhamento da filha em suas atividades cotidianas relativas ao esporte
até o compromisso apenas de comparecer às competições quando possível
em respeito às próprias atividades pessoais e profissionais.
•
No GF das atletas:
Quase todas as atletas disseram perceber como facilidade principal para a
prática do esporte, quiçá a única, o apoio da família para incentivar, arcar
com as despesas de transporte e de acesso às competições, para elevar a
188
“auto-estima” e para todos os demais aspectos também levantados pelos
responsáveis nas suas falas.
Mesmo destacando o lugar privilegiado que reservam ao papel da família –
“a única facilidade que eu encontro é a coisa da família porque o resto é tudo
para te atrapalhar, entre aspas, porque é muita coisa contra você para uma
coisa te favorecer” –, as atletas também destacaram os momentos em que a
família atua negativamente: sua participação nas competições pode ser
“constrangedora” por expressarem publicamente uma torcida desmedida ou
por expressarem em altos brados suas opiniões a favor ou contra a atuação da
“sua” atleta, sendo motivo de “zoação” para ela; o ceticismo da família
quanto ao “talento” ou a capacidade da atleta também pode ser motivo de
desestímulo e desistência para a atleta.
Muitas vezes também a família apresenta, no seu interior, posições
antagônicas quanto à atleta, opondo pais e mães sobre o assunto, mas
gerando um mecanismo compensador para a atleta que, se não tem o apoio
total e incondicional de seus responsáveis, pelo menos é amparada por uma
parte da família. Foram citadas situações de preconceito da mãe versus a
admiração do pai, de estímulo da mãe versus a crítica contundente do pai que
foi jogador da mesma modalidade e assim por diante. Contudo, há
convergência para a idéia de que “se você mostra resultados”, o
reconhecimento tende a aparecer e as oposições tendem a se acabar:
Em São Paulo:
• No GF dos responsáveis:
Com muito menos ênfase do que os responsáveis do Rio, os de São Paulo
destacaram a importância positiva da família nas seguintes
atividades/funções:
Apoio financeiro.
Construção de um ambiente de equilíbrio dentro de casa.
Permanente fonte de estímulo à carreira das atletas.
Acompanhamento da atleta apesar dos outros afazeres dos membros
da família.
O fato novo no GF de São Paulo foi o de os próprios responsáveis terem
levantado aspectos negativos da participação da família, coisa que apenas as
atletas, pessoalmente, haviam feito na pesquisa do Rio. Foram mencionados
como ações negativas da família:
Presença que atrapalha nas competições porque faz o atleta se exigir
mais.
Excesso de cobrança sobre o atleta.
Controle paterno sobre a prática esportiva. Como exemplo foi citado
o caso de pais que anotam em um caderninho o tempo que suas filhas
obteêm na natação, tendo em vista a importância assumida pelo
tempo nesta modalidade esportiva.
A importância do papel do técnico
Destaque no GF dos responsáveis no Rio de Janeiro. Em sua maioria, os
responsáveis afirmaram ser de grande importância o papel desempenhado pelo
técnico, quase sempre exercendo uma influência positiva sobre as atletas e sendo um
189
importante parceiro da família principalmente no reforço do lugar que o “estudo”
(entendido como a freqüência à escola regular) deve ocupar na vida das atletas e do
bom desempenho escolar paralelamente ao desempenho esportivo. Em algumas
situações de carência da família, o(a) técnico(a) arca até mesmo com algumas
despesas da atleta. De maneira residual, alguns responsáveis mencionaram também
o papel desmotivador que o(a) técnico(a) pode desempenhar quando atua no sentido
de evidenciar a “falta de futuro” daquela atleta na modalidade esportiva que pratica.
As atletas do Rio também referiram a influência positiva ou negativa do técnico
como sendo um fator facilitador ou dificultador.
A importância do estudo paralelamente ao esporte
Este é um ponto que conseguiu a unanimidade entre os responsáveis pelas atletas
entrevistados no Rio de Janeiro. Como bem resumiu uma mãe: “Reunir estudo e
esporte é tudo!”
Como no caso do encaminhamento de seus filhos e filhas para o esporte, também
neste tema, a experiência de vida dos pais tem um peso muito grande no sentido de
que os que se sentiram preteridos no mundo do trabalho por não terem tido mais
estudo, “se formado”, são mais enfáticos em sua preocupação com a possibilidade
de que suas filhas, por causa do esporte, releguem o estudo ao segundo plano.
Quanto ao desempenho escolar das filhas atletas, o grupo dividiu-se entre aqueles
que vêem no esporte um concorrente perigoso ao “estudo” e aqueles que vêm no
esporte uma possibilidade de ganhos paralelos que auxiliam na vida escolar, como a
organização e a disciplina. Do lugar em que se colocam quanto a esta questão,
avaliam a atitude e os resultados de suas filhas na escola regular.
A importância do “grupo”, das amizades e das “boas companhias”
Outro aspecto bastante ressaltado pelos responsáveis do Rio de Janeiro foi o papel
do “grupo” na vida da atleta. A palavra grupo foi usada para nomear tanto a equipe
de um esporte coletivo praticado pela atleta como as demais participantes de uma
equipe de atletas de um esporte individual. O fazer parte do grupo significa se sentir
apoiada e estimulada a continuar. As atletas do Rio também mencionaram este
pertencimento como uma facilidade para a sua prática esportiva.
Na mesma direção os responsáveis do Rio apontam para o peso das amizades,
consideradas capazes de facilitar o caminho das meninas para uma vida por eles
considerada adequada ou para o inverso. Em função disso, somente as “boas
amizades” são valorizadas. A julgar pelas falas dos responsáveis na pesquisa, as
“boas amizades” são aquelas com meninas de “boa família”, meninas que dedicam
mais tempo ao estudo e ao esporte do que às atividades de lazer. Tais indicações
apontam também para a existência de preconceitos de classe.
Apoio da equipe versus competitividade
Destaque no GF das atletas do Rio, este debate emergiu no bojo da conversa sobre
fatores facilitadores quando, ao falar da importância do pertencimento ao “grupo”,
as atletas fizeram um conjunto de considerações sobre a questão correlata da
competitividade, da rivalidade entre as atletas. Seria a competitividade um elemento
impeditivo da solidariedade na equipe? Haveria distinções importantes quanto a isso
190
em se tratando de esportes individuais ou coletivos? Qual o papel das relações
pessoais sobre o efetivo mútuo apoio nas equipes?
Partindo da percepção hegemônica das atletas de que a rivalidade e a disputa são
parte da cultura geral da sociedade, que existem em todos os lugares e que podem
gerar coisas perversas ou ser uma “rivalidade saudável” que respeita e convive com
o companheirismo e tentando responder a essas perguntas à luz das informações
prestadas pelas atletas, pode-se dizer inicialmente que elas estiveram bem longe de
chegar a um consenso sobre o assunto. Em debate acalorado, ainda que sempre
cordial, o único que gerou um momento em que todas falaram ao mesmo tempo e foi
necessária a intervenção da facilitadora, algumas achavam que o apoio da equipe era
sempre possível em qualquer modalidade esportiva; outras, que ele só era possível
em condições especiais; outras achavam que ele era mais possível nos esportes
coletivos e outras achavam que havia pouca diferença entre modalidades coletivas
ou individuais. As atletas do Rio destacaram também o preconceito social –
“pobres” versus “ricos” – como outra razão de falta de solidariedade na equipe. No
entanto, havia consenso sobre a influência benéfica das relações de amizade sobre o
tipo e a intensidade do apoio que a equipe podia prestar a seus membros
individualmente.
As atletas e os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro
Pelo fato de a pesquisa realizar-se no Rio de Janeiro e em São Paulo, não houve
questionamento específico sobre a realização dos Jogos Pan-Americanos no mês de
julho de 2007. A idéia era ver se o assunto surgiria espontaneamente para perceber
até que ponto o evento estava na cabeça das pessoas entrevistadas nos dois
municípios. De fato ele apareceu e era algo muito presente para as atletas cariocas e
relativamente distante dos participantes dos diversos grupos paulistanos, tendo sido
destaque apenas no GF dos responsáveis.
•
No Rio de Janeiro, no GF das atletas, o assunto do Pan emergiu ainda no bojo
da discussão sobre competitividade versus apoio da equipe. As atletas estão
muito mobilizadas com a realização da competição em sua própria cidade de
residência e levantaram os seguintes aspectos:
A importância de ver/participar de eventos esportivos internacionais
como meio de conhecer as estratégias e os estilos das equipes dos
outros países e para a questão do “espelho”.
Não vão ganhar ingresso e os preços são muito caros para comprar,
mesmo pagando meia-entrada.
Uma conseqüência séria da limitação à assistência dos jogos é a
perda de oportunidade de motivar/conquistar crianças, jovens e
adultos para a prática esportiva, que poderia ser facilitada pela
participação mais próxima no evento.
O fato das obras estarem atrasadas e isto não trazer vantagem relativa
de treino no próprio local da competição para as atletas brasileiras e,
principalmente, para as que residem na cidade do Rio de Janeiro.
•
Em São Paulo, no GF dos responsáveis pelas atletas, o assunto emergiu
espontaneamente, tendo sido as referências feitas sempre pelos seus aspectos
negativos:
191
As atletas paulistas não falam do Pan e o seu desinteresse pelo
evento leva até a questionar o seu amor pelo esporte: teriam elas feito
uma opção de vida pelo esporte ou apenas estavam gostando de
praticá-lo neste momento específico de sua vida?
As obras que estão sendo feitas no Rio para o evento estão atrasadas.
Falta divulgação para o evento.
Não se consegue comprar ingressos mesmo quando há interesse.
A importância da escola no encaminhamento da vida esportiva
Destaque no GF dos responsáveis em São Paulo. Enquanto os responsáveis no Rio
estavam preocupados com o desempenho escolar das atletas e com a possibilidade
do esporte inviabilizar o estudo em paralelo, os de São Paulo dedicaram sua atenção
à centralidade do papel da escola como locus privilegiado para a iniciação da prática
esportiva como ocorre em outros países. Acham fundamental o incentivo ao esporte
educacional. Ressaltaram, no entanto, que, atualmente, este papel não vem sendo
desempenhado porque, mesmo aquelas escolas que dão oportunidade e oferecem
alternativas para que as crianças experimentem diversas modalidades esportivas, não
oferecem possibilidade de continuidade para nenhuma delas; e porque as escolas
públicas não têm recursos para ampliar o período de permanência dos alunos na
escola para propiciar a prática de esporte em um turno diferente. Tal situação gera
um total desvinculação entre escola e prática esportiva, propiciando uma situação de
“concorrência” no uso do tempo das crianças e adolescentes. Os responsáveis acham
razoável esperar também da escola que ela propicie aos alunos em geral um
ambiente de convívio equilibrado e uma política de incentivo aos alunos esportistas
que poderia ser uma política de concessões de bolsa escolar até a universidade.
A importância dos clubes para a continuidade da vida esportiva
Destaque no GF dos responsáveis de São Paulo, a importância dos clubes no Rio
fora tema apenas da discussão dos técnicos. Na percepção dos responsáveis por
atletas em São Paulo, os clubes são uma das poucas alternativas de continuidade da
prática esportiva para maiores de 18 anos, problema percebido como central para a
prática esportiva das meninas no município.
Os principais pontos levantados no bojo desta discussão em São Paulo foram:
•
•
•
•
O apoio propiciado pelo clube aos atletas: discutiu-se tanto que esse apoio
existe somente para os sócios como também que, em caso de reconhecimento
do grande talento do postulante, alguns clubes aceitam “militantes”. Outros
entrevistados eram de opinião que o clube muitas vezes não dá o apoio
devido nem para os sócios, até porque um atleta custa caro ao clube.
O clube não paga para as atletas de outros clubes que são recrutadas para
completar a equipe do clube em competições.
O clube não faz esforço para ampliar as possibilidades de práticas esportivas
para as meninas e oferece condições diferenciadas segundo o sexo,
privilegiando os meninos.
O clube só investe em atletas bem-sucedidos que darão “retorno” tanto com
seu esforço pessoal de treinamento como em termos de sucesso.
192
Vantagens e desvantagens do esporte
Atletas e não-atletas em São Paulo foram convidadas, em forma de “rodada”68, a
eleger uma coisa que percebiam como vantagem da prática esportiva e, ao contrário,
uma que percebiam como desvantagem.
•
Na percepção das atletas de São Paulo:
Existem muitas vantagens advindas da prática esportiva. A principal
delas é fazer amigos, mas outras citadas foram: ser feliz, ter bemestar, ser alegre, aprender e ensinar, ampliar o autoconhecimento,
aprender a trabalhar em grupo, aprender a conviver com a diferença,
mudar a cabeça e não pensar em coisas ruins, conhecer lugares e
pessoas novas, ganhar mais responsabilidade, forma de não se
estressar e ter saúde. A menção à saúde como “efeito colateral
positivo” do esporte foi contestada por uma atleta que disse “não
haver saúde no esporte de alto rendimento”. Esta importante questão
também foi explorada pelos participantes do GF dos técnicos de São
Paulo, como já foi destacado.
Do lado da desvantagem ou o esporte é idealizado como sem “efeitos
colaterais negativos” apesar das dificuldades enfrentadas para a sua
prática ou instalou-se uma pequena polêmica sobre a questão do
tempo que aparecera nas dificuldades apenas como excessivo no
transporte até o local do treino. Assim, aproximando-se às
colocações de outros grupos, levantaram a questão da falta de tempo
em si e para fazer outras atividades essenciais como freqüentar a
escola, preparar os trabalhos escolares e o convívio familiar. Outras
atletas contra-argumentaram que ficar sem tempo compensa, tais são
as vantagens percebidas no esporte. A questão do preconceito,
principal fator dificultador percebido, foi retomada, e as atletas do
judô voltaram ao seu calcanhar de Aquiles: o controle de peso para
manter-se na categoria na qual disputam suas competições.
•
Na percepção das não-atletas de São Paulo: como acontece em algumas
“rodadas” nos GFs, o efeito repetição foi intenso – praticamente todas as
entrevistadas declararam a saúde e o aumento da auto-estima como os
principais benefícios do esporte e não perceberem desvantagens na prática
esportiva. Somente três não-atletas mencionaram desvantagens: a
possibilidade de envolvimento em briga no esporte; a possibilidade de se
machucar durante o jogo; e o fato de que “às vezes a pessoa se empenha
muito só no esporte e acaba esquecendo das outras obrigações como estudar.
Não pode ver esporte só como atividade principal”.
Existência de estereótipos de gênero no esporte: um tema transversal
A preocupação de levantar se, na percepção dos diversos atores ouvidos na pesquisa,
havia condições diferenciadas para homens e mulheres praticarem esporte nos
68
Pergunta dirigida a todas com a expectativa de que todas respondam na seqüência em que estão
dispostas no círculo. Tem a vantagem de contar com a manifestação de todas e a desvantagem de
propiciar o efeito repetição.
193
municípios pesquisados esteve presente todo o tempo na condução dos trabalhos,
tornando a assim chamada “questão de gênero” um tema transversal.
Não houve grupo no qual ele deixasse de ocupar parte considerável do tempo das
discussões, ainda que os aspectos percebidos e enfatizados pelos entrevistados
tivessem variações e pesos diferenciados como foi destacado ao longo deste
relatório.
Houve grupos nos quais o tema já surgiu na rodada inicial de apresentação,
denotando a urgência que se tinha de tratar dele, como foi o caso dos GFs das atletas
e dos responsáveis do Rio de Janeiro. Os técnicos de São Paulo fizeram do tema
quase o fio condutor do debate.
A questão dos estereótipos de gênero foi em geral abordada a partir da idéia central
de que há predeterminação social das modalidades que são próprias para homens e
para mulheres, e das dificuldades decorrentes deste dado cultural. As principais
delas sendo: o preconceito contra as meninas que praticam determinados tipos de
esporte, principalmente o Futebol, e a não valorização em nosso país das vitórias
femininas no esporte, exigindo das mulheres esforços extras para fazer suas
conquistas.
Foram sempre as falas relativas à prática do futebol as que mais nitidamente
explicitaram a existência de preconceito contra as meninas que praticam
determinados esportes considerados “masculinos”. Não por acaso estereótipos de
gênero foram também percebidos no caso da prática do Taekwondo e de outras
lutas que faziam parte das modalidades legalmente interditadas às mulheres até
pouco tempo atrás.
Em razão do caráter hegemônico assumido pela discussão em torno da prática
feminina do futebol em todos os GFs, aqui se dedica espaço específico para esta
questão.
De um lado temos hoje um cenário nacional que supervaloriza o futebol masculino –
a ele e a seus expoentes individuais são dedicados 90% dos noticiários esportivos e a
paixão da torcida. De outro lado temos uma subestimação do futebol feminino que,
além de ser estigmatizado (e talvez por isso mesmo), não é valorizado, não tem
torneios significativos, não é devidamente reconhecido e conta com poucos espaços
para a sua prática regular, em locais distantes das periferias e sem segurança. Isso a
despeito de já ter obtido alguns importantes êxitos internacionais como, por
exemplo, o título de melhor jogadora do mundo em 2006 conferido pela FIFA à
atacante Marta, de 20 anos, hoje jogando fora do país por não ter tido espaço no
Brasil para profissionalizar-se.
Muitos dos responsáveis pelas atletas que praticam essa modalidade esportiva que
participaram do GF no Rio, principalmente as mães, mas não somente elas, não
esconderam o seu desagrado pela escolha das filhas e, apesar de estarem
“conformadas” com esta escolha, chegaram ao sentimento de resignação depois de
fazerem inúmeras tentativas de removê-las para outra modalidade esportiva “mais
romântica” e “que combinasse mais com o perfil dela”. Para atingirem o
conformismo de hoje precisaram desenvolver um esforço para respeitar as filhas,
mas continuam achando o esporte inadequado, “sem graça” e sem futuro.
194
Já no GF dos responsáveis de São Paulo, as posições das mães pareciam mais
equilibradas que no Rio, dividindo-se entre uma aceitação sincera da opção das
filhas pelo futebol e a discordância explícita dessa escolha. Neste grupo ouviu-se
desde a fala de uma mãe que espontaneamente escolheu o futebol como modalidade
esportiva para a sua filha pequena que demonstrava “gostar de bola” até as críticas a
mudanças corporais nas meninas que praticam futebol, usadas como forma de
reforçar o preconceito (e que foram de pronto rebatidas por outra mãe). Ouviu-se
ainda o relato de quem já presenciou o questionamento da orientação sexual de sua
filha pelo fato dela jogar futebol.
Aliás, o questionamento da orientação sexual dos atletas é uma das mais incômodas
conseqüências para as atletas da existência dos estereótipos de gênero no esporte e
foi mencionada de forma isolada em diversos GFs nos dois municípios,
provavelmente pelo desconforto que causa. Há uma tendência a chamar de “macho”
as meninas que praticam determinados esportes considerados masculinos e, de
maneira menos usual, de “mulherzinha” os meninos que praticam esportes
considerados femininos ou que perdem das meninas em esportes mistos porque são
tidos como fisicamente mais fortes que elas. No GF dos técnicos de São Paulo, dois
argumentos específicos foram levantados contra isso: o esporte não altera a
orientação sexual de ninguém; a diferenciação da força física entre meninos e
meninas só ocorre com as transformações hormonais ocorridas na adolescência.
Sobre o questionamento da orientação sexual das meninas a partir de sua prática
esportiva, assim se expressou GOELLNER (2006, p. 4): “Agrega-se ao discurso da
masculinização da mulher a associação entre a aparência corporal e a identidade
sexual, ou melhor, a suspeição de que a mulher que habita esse corpo ‘viril’ vivencia
seus desejos, seus amores e seus prazeres a partir de um referente que não aquele
considerado ‘normal’, qual seja o da heterossexualidade. Essa associação toma como
sinônimas as identidades de gênero e as identidades sexuais e opera no sentido de
fixar essas identidades a partir de uma representação linear entre sexo-gênerosexualidade.”
De forma não hegemônica surgiu, tanto no GF dos técnicos do Rio de Janeiro como
no de São Paulo, a idéia de que o preconceito de gênero encontra-se em fase de
redução, o que viria a beneficiar em especial as mulheres. Associada a essa,
apareceu a visão da valorização do esporte como algo próprio da nova geração,
apontando para relevantes diferenças geracionais sobre o assunto e denotando
mudanças culturais no tempo, aí incluídas as opiniões das meninas sobre o interesse
acerca do futebol: teriam passado das não-espectadoras de ontem às esportistas de
hoje.
Ainda no GF dos técnicos, de maneira original, foi dada ênfase especial à questão
das diferenças existentes entre homens e mulheres em nossa sociedade, ao menos na
forma hegemônica de pensar. Como disse uma participante, é bom que haja
diferenças. Elas “tornam a coisa mais dinâmica”. Na seqüência, levantaram algumas
das diferenças que percebem e que interferem na prática esportiva de ambos os
sexos:
• Diferenças de expectativas: o que se cobra do menino e da menina – que o
menino comece a se sustentar sozinho mais cedo, que vença sempre as
195
•
•
•
competições entre meninos e meninas; que a menina seja cuidadora dos
irmãos mais novos.
Diferenças entre os modelos estéticos femininos e masculinos: os primeiros
sendo mais mutáveis e os segundos mais permanentes no tempo e nas
diversas culturas. Em função dos modelos estéticos questiona-se a
participação das mulheres em várias modalidades esportivas por causa das
transformações que a prática efetivamente impõe aos seus corpos.
Diferenças no acesso e na recompensa de participação em alguns esportes:
não há mulheres na Fórmula 1 e a premiação nos torneios de tênis é menor
para as mulheres (somente agora isso começa a se modificar).
Diferença de condições nos jogos, remetendo à questão da adaptação das
modalidades esportivas para torná-las mais acessíveis às mulheres e
“tornarem o jogo mais bonito”. As adaptações já foram feitas em diversos
esportes como no vôlei e no Handebol e ainda não chegaram ao futebol,
gerando dificuldades extras para as atletas do futebol feminino de campo.
Afinal “o homem é muito mais forte do que a mulher”. Tal argumentação
gerou reações do tipo “mas a mulher tem uma capacidade de resistência
maior desde que submetida a um trabalho aeróbico bom”. Um exemplo disso
é a redução do tempo das mulheres nas maratonas, que está tendendo a uma
aproximação cada vez maior de resultados entre homens e mulheres.
Além do que foi dito explicitamente sobre a questão de gênero nos diversos GFs,
muitas falas davam involuntariamente conta da interiorização dos papéis de gênero
hegemônicos em nossa sociedade:
• Alguns responsáveis expressavam com naturalidade sua divisão de funções
no cuidado com a atleta – pais suprindo os recursos financeiros necessários
(quando podiam) e mães “acompanhando” as meninas em suas obrigações
esportivas para apoiá-las e protegê-las dos perigos externos.
• Outros responsáveis expressavam como sendo universais os desejos de
verem suas filhas envolvidas em práticas mais “românticas” e adequadas à
sua natureza. Tal essencialidade justificava o seu desestímulo à que suas
filhas continuassem a desenvolver atividades esportivas tidas como
masculinas como, por exemplo, o futebol.
• As próprias atletas “defendiam-se” do que consideravam preconceito
decorrente de sua prática esportiva “transgressora” em função da modalidade
eleita, dizendo que podem ser muito “machos” no momento dos jogos e lutas
e serem absolutamente “femininas” em todas as demais horas e locais,
usando “salto alto e roupas em tonalidade rosa”. Argumentos que, em última
instância, reforçam os estereótipos de gênero.
• Algumas atletas também “retribuíram” o preconceito que sentem sofrer por
parte dos meninos, discriminando-os também e atribuindo-lhes uma série de
“defeitos” como brutalidade, incapacidade de trabalhar em grupo, menor
empenho na obtenção dos seus objetivos, serem mais influenciáveis, serem
menos afetivos etc.
• Algumas atletas classificam, elas mesmas, o esporte que praticam como
“masculino”, tomando como um dado este estereótipo de gênero que
pretendem ilegítimo e cujo desaparecimento propugnam.
Houve também, no GF dos técnicos de São Paulo, a menção da existência de
projetos de valorização da mulher no esporte que têm como objetivo desmistificar os
estereótipos de gênero ainda que partam deles. Exemplo: o projeto “Mulheres que
196
fazem o Brasil Brilhar”, patrocinado pela Bombril, cujo nome é uma clara alusão ao
fato de que as mulheres podem fazer brilhar algo além das panelas.
Os resultados da pesquisa reforçam a conclusão de que “os estereótipos de gênero
operam em todos os âmbitos da vida social e cultural das pessoas: do trabalho, do
familiar, do educativo, das atividades físicas e esportivas, da ocupação e do tempo
livre”. (MIRANDA e ANTUNEZ, 2006, p. 3)
Como chamaram a atenção três atletas do Rio de Janeiro, demonstrando reconhecer
que sem mudança de valores culturais a situação prática não se altera, o problema do
preconceito está no “pensamento das pessoas” e está sendo superado aos poucos a
partir do esforço persistente das atletas que buscam com paixão o seu lugar no
esporte, ainda que tenham acessado tardiamente a alguns deles.
A primeira coisa eu acho que é o pensamento, as pessoas deveriam
atualizar o pensamento, pensar mais para frente, nada de a mulher ou o
homem, eu acho que o sol nasce para todos; os direitos são iguais, se a
pessoa gosta (de um determinado esporte), deveria fazer. Eu acho que o
que impede é isso é o pensamento das pessoas.
Eu acho que, como elas falaram, realmente é a questão do preconceito
porque a maioria dos esportes, todo mundo fala que é esporte para
homem, tanto futebol, judô, quanto atletismo, qualquer um. É esporte
para homem por quê? Porque os homens conseguiram chegar antes da
gente?
Mas eu acho que as mulheres hoje em dia estão mostrando para a
sociedade que nós somos capazes de mostrar o nosso potencial. Eu acho
que antigamente, competição, campeonato, olimpíadas, tinham muitos
homens, até hoje, são os homens que ganham e hoje em dia eu acho que
as mulheres estão mostrando que nós somos capazes e que nós temos o
nosso valor.
197
Referências Bibliográficas
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GOELLNER, Silvana Vilodre. Na “Pátria das Chuteiras” as Mulheres não Têm Vez.
In: ANAIS DO VII SEMINÁRIO INTERNACIONAL FAZENDO GÊNERO,
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Institucional em ONGs. Rio de Janeiro: IBAM/ENSUR/NEMPP; Madrid: Instituto
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VITALE, Marcos in Aulas de solidariedade na praia. Caderno Cidade. Jornal do
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198
ANEXO
199
Apresentação...............................................................................................................................................8
I - Introdução ..............................................................................................................................................9
O projeto A Mulher e o Esporte – A experiência dos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo9
Planejamento e operacionalização da pesquisa ......................................................................9
Suporte conceitual e valorativo da pesquisa.........................................................................13
A execução da pesquisa .........................................................................................................14
O trabalho de campo......................................................................................................................15
O pós-campo ..................................................................................................................................16
II - Breve contextualização do esporte no Brasil.................................................................................17
III - O município do Rio de Janeiro ......................................................................................................25
Perfil dos entrevistados a partir das fichas socioeconômicas ............................................................26
III.1. As vozes dos técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais37
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora .........................................37
Antecedentes ..................................................................................................................................37
Instituições e projetos sociais participantes do GF......................................................................38
A realização do GF ........................................................................................................................38
O pós-grupo....................................................................................................................................39
Principais pontos levantados na discussão ...........................................................................40
A motivação das meninas para a prática do esporte: fatores dificultadores e facilitadores......41
A importância da Mídia.................................................................................................................55
A importância do “espelho”..........................................................................................................57
Contraposição do esporte como construção da cidadania ao esporte competitivo....................57
Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva para as meninas ............................63
III.2. As vozes das mães, pais e responsáveis pelas atletas ................................................................64
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora .........................................64
Antecedentes ..................................................................................................................................64
A realização do GF ........................................................................................................................64
O pós-grupo....................................................................................................................................64
Principais pontos levantados na discussão ...........................................................................65
A motivação das meninas para a prática do esporte....................................................................65
A importância do apoio da família ...............................................................................................67
A importância do papel do(a) técnico(a)......................................................................................68
A importância do estudo paralelamente ao esporte .....................................................................69
A importância do “grupo”, das amizades e das “boas companhias”..........................................70
Expressão de estereótipos de gênero ............................................................................................70
Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte........................73
Facilidades percebidas para que as atletas ingressem e permaneçam no esporte......................76
Sugestões para melhorar as condições de prática esportiva para as meninas ............................77
III.3. As vozes das atletas ......................................................................................................................78
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora .........................................78
Antecedentes ..................................................................................................................................78
Instituições e projetos sociais participantes do GF......................................................................78
A realização do GF ........................................................................................................................78
O pós-grupo....................................................................................................................................79
Principais pontos levantados na discussão ...........................................................................80
Os gostos e as idiossincrasias das atletas .....................................................................................80
A motivação das meninas para a prática do esporte....................................................................82
Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte........................84
A importância da família e dos amigos (para o bem e para o mal) ............................................88
Apoio da equipe versus competitividade .....................................................................................90
As atletas e os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro (Pan)................................................93
Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva........................................................96
III.4. As vozes das não-atletas...............................................................................................................96
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora .........................................96
Antecedentes ..................................................................................................................................96
A realização do GF ........................................................................................................................97
O pós-grupo....................................................................................................................................98
Principais pontos levantados na discussão ...........................................................................98
Os gostos e as idiossincrasias das atletas .....................................................................................98
A (não) motivação das meninas para a prática do esporte ..........................................................98
“Efeitos colaterais” do esporte................................................................................................... 100
Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva..................................................... 101
IV – O município de São Paulo ........................................................................................................... 101
Perfil dos entrevistados a partir das Fichas de Perfil Socioeconômico ......................................... 102
IV.1. As vozes das mães, pais e responsáveis pelas atletas.............................................................. 113
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ...................................... 113
Antecedentes ............................................................................................................................... 113
A realização do GF ..................................................................................................................... 113
O pós-grupo................................................................................................................................. 114
Principais pontos levantados na discussão ........................................................................ 114
A motivação das meninas para a prática do esporte................................................................. 115
A importância da família (para o bem e para o mal) ................................................................ 116
A importância da escola no encaminhamento da vida esportiva ............................................. 118
Importância dos clubes para a continuidade da vida esportiva................................................ 119
Expressão de estereótipos de gênero ......................................................................................... 121
Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte..................... 124
Facilidades percebidas para que as atletas permaneçam no esporte........................................ 127
Os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro (Pan) ................................................................. 128
Sugestões para melhorar as condições de prática esportiva para as meninas ......................... 129
IV.2. As vozes das atletas.................................................................................................................... 130
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ...................................... 130
Antecedentes ............................................................................................................................... 130
Instituições e projetos sociais participantes do GF................................................................... 130
A realização do GF ..................................................................................................................... 131
O pós-grupo................................................................................................................................. 132
Principais pontos levantados na discussão ........................................................................ 133
Os gostos e as idiossincrasias das atletas .................................................................................. 133
A motivação das meninas para a prática do esporte................................................................. 134
Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte..................... 135
Facilidades percebidas para que as atletas permaneceçam no esporte .................................... 139
Vantagens e desvantagens do esporte........................................................................................ 139
Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva..................................................... 143
IV.3. As vozes das não-atletas ............................................................................................................ 144
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ...................................... 144
Antecedentes ............................................................................................................................... 144
A realização do GF ..................................................................................................................... 145
O pós-grupo................................................................................................................................. 146
Principais pontos levantados na discussão ........................................................................ 147
Os gostos e as idiossincrasias das não-atletas........................................................................... 147
A (não) motivação e a motivação das meninas para a prática do esporte............................... 147
Vantagens e desvantagens do esporte........................................................................................ 149
Percepções acerca do uso do tempo de meninos e meninas..................................................... 149
Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva..................................................... 150
IV.4. As vozes dos técnicos, treinadores, professores, árbitros e responsáveis por projetos sociais151
Comentários sobre a realização do GF nas palavras da relatora ...................................... 151
Antecedentes ............................................................................................................................... 151
Instituições e projetos sociais participantes do GF................................................................... 151
A realização do GF ..................................................................................................................... 152
O pós-grupo................................................................................................................................. 152
Principais pontos levantados na discussão ........................................................................ 153
A motivação das meninas para a prática do esporte................................................................. 154
A importância da Mídia (para o bem e para o mal).................................................................. 158
Contraposição do esporte como construção da cidadania e o esporte competitivo................ 160
Dificuldades enfrentadas pelas atletas para ingressar e permanecer no esporte..................... 162
Facilidades percebidas para que as atletas permaneçam no esporte........................................ 163
Expressão de estereótipos de gênero ......................................................................................... 164
Sugestões para melhorar as condições da prática esportiva para as meninas ......................... 166
V - Considerações Finais ...................................................................................................................... 167
Contextualização................................................................................................................................. 167
Principais achados da pesquisa......................................................................................................... 172
A motivação das meninas para a prática do esporte ......................................................... 172
Fatores facilitadores da prática esportiva........................................................................... 177
Fatores dificultadores da prática esportiva ........................................................................ 179
Sugestões apontadas para melhorar as condições da prática esportiva............................ 185
Temas que ganharam destaque nos diversos grupos........................................................................ 189
A importância da mídia (para o bem e para o mal)........................................................... 189
A importância do “espelho” ............................................................................................... 190
Contraposição do esporte como construção da cidadania ao esporte competitivo ......... 191
A importância do apoio da família (para o bem e para o mal) ......................................... 192
A importância do papel do técnico..................................................................................... 193
A importância do estudo paralelamente ao esporte........................................................... 194
A importância do “grupo”, das amizades e das “boas companhias” ............................... 194
Apoio da equipe versus competitividade........................................................................... 194
As atletas e os Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro ................................................ 195
A importância da escola no encaminhamento da vida esportiva ..................................... 196
A importância dos clubes para a continuidade da vida esportiva .................................... 196
Vantagens e desvantagens do esporte ................................................................................ 197
Existência de estereótipos de gênero no esporte: um tema transversal.......................................... 197
Referências Bibliográficas ................................................................................................................... 202