Ângelo Alberti

Transcrição

Ângelo Alberti
INSPETORIA DE MARIA AUXILIADORA
DO SUL DO BRASIL
São Paulo, 4 de abril de 1941.
Caríssimos Irmãos
Com vivo sentimento anuncio a morte do Mestre dos noviços desta
Inspetoria
Padre Angelo Alberti
alma grande de salesiano, figura patriarcal no nosso meio, um dos
consolidadores da nossa obra no sul do Brasil.
Jovenzinho aspirante no último ano de vida de Dom Bosco veio
para o Brasil em 1892, e aqui despendeu cinquenta anos de vida num
apostolado ativo e fecundo, ocupando cargos de grande importância e
confiança.
Por duas vezes foi diretor do Colégio Santa Rosa de Niterói; foi o
fundador e primeiro diretor do Colégio São Manoel de Lavrinhas; fundou
e dirigiu a nossa obra no Estado de Santa Catarina nos seus anos mais
férteis, e delegado ao Capítulo Geral de 1929. Morreu Mestre de Noviços.
Faleceu com 72 anos, mas não era velho; antes, os seus últimos
anos foram fecundos do mais intenso apostolado. Chama viva e perene de
luz e de zelo salesiano brilhou luminosa até o último dia.
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Em 1938, trabalhando na sacristia do Santuário de Maria
Auxiliadora em Niterói, caiu e quebrou uma das pernas; foi aquele início
de uma longa via dolorosa. Depois de oito meses na cama começou se
arrastar penosamente auxiliado pelas muletas; depois foi necessária uma
difícil cirurgia para ajustar o membro fraturado. Porém, em meio a tantos
tormentos físicos, o padre Alberti foi sempre uma luz, que embora
escondida debaixo do alqueire, ardia e brilhava. Sorridente, jovial se
conformou sempre e prontamente com a vontade dos superiores, à voz de
Deus. Quando o médico lhe prescreveu águas termais, ele não pediu e não
desejou; mas somente obedeceu a ordem dos superiores e depois de
vários meses de infortúnio fez resignado as disposições médicas.
Nos seus últimos dias, porém, padre Alberti foi novamente colocado
no alto para exemplo e edificação de todos; e hoje podemos dar glória ao
nosso Pai Celeste por nos ter dado nele um modelo tão grande de virtudes
salesianas. Estava ainda no leito, depois da operação, quando foi
convidado a pregar os exercícios espirituais para os salesianos, nas férias
do ano passado. Quis preparar-se com o maior empenho relendo muitos
volumes das Memórias Biográficas, e depois pregou quatro exercícios:
uma para os clérigos teólogos, outro para os noviços, e dois para os
demais Irmãos. Foram Exercícios Espirituais que sacudiram toda a
Inspetoria. Despertaram e provocaram verdadeiro movimento de piedade
e de fervor salesiano. Pregava as Regras com tal energia e entusiasmo de
coração que parecia um jovem. Falava e explicava sentado, mas quando o
entusiasmo da ideia crescia, levantava com força a voz e ficava em pé com
ímpeto. O seu sermão nascia da prática assídua e rigorosa e fazia
exclamar a mais de um de nós: “o padre Alberti é a regra viva. Ele faz tudo
aquilo que ensina”!
Merecedor de altos encargos, foi nomeado Mestre dos noviços: a
morte, porém veio tirar-lhe quase de improviso depois de apenas dois
meses. Uma ligeira gripe apareceu para lhe dar problemas, mas ele – forte
têmpera de trabalhador e de apóstolo – não quis ceder e cai no fervor de
seu zelo.
Pensando nele, recordemos as palavras de Dom Bsoco: “Quando
acontecer que um salesiano sucumba e cesse de viver trabalhando pelas
almas, então direis que a nossa Congregação alcançou um grande triunfo
e sobre ela descerão copiosas as bênçãos do céu”.
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Na manhã de 26 de março, o padre Alberti está de cama com febre
alta. Alguém lhe disse que os noviços estavam sem missa, e ele, de pronto
se levantou para celebrar. Voltou para o quarto muito mal, apoiando-se
nas paredes. Mas, aquela gripe degenerou logo em polmonite. O diretor
atendendo os conselhos do médicos, propôs levá-lo par ao Hospital Santa
Catarina. E ele aceitou prontamente. Pareceu apresentar melhora, mas
um violento e rápido ataque de uremia na manhã de 31 de março pouco
depois da Comunhão nos advertiu que o fim estava próximo. Eu fui
informado da gravidade do caso, corri para visitá-lo nas primeiras horas
da manhã; estava quase em coma. Dei-lhe a absolvição, administrei-lhe a
Unção dos Enfermos e lhe dei a bênção papal. À notícia do agravamento
do mal, das casas da capital, estiveram ao lado do padre Alberti vários
irmãos e alguns quiseram permanecer durante a noite e assistiram à
serena agonia.
Às 02h30 da manhã o padre Alberti expirava. Às nove, os restos
mortais revestidos dos hábitos sacerdotais foram transportados para o
noviciado para a capela do Sagrado Coração Eucarístico onde foi
celebrado o solene ofício fúnebre. Às 15h foi levado para o cemitério. Os
nossos noviços, muitos diretores e irmãos salesianos, alunos dos colégios
da cidade, sacerdotes diocesanos, cooperadores e amigos acompanharam
o venerando irmão para a sepultura na nossa cripta.
O pequeno espaço de uma carta mortuária não permite aquela
expansão de elogios que a figura do extinto merece. Mas desejamos que se
escreva uma biografia do padre Alberti, para que suas virtudes sejam
largamente conhecidas e imitadas. Um irmão que foi seu aluno ficou
encarregado deste trabalho.
O padre Ângelo Alberti nasceu em Císlago (Varese) dia 11 de
outubro de 1869. Filho de modestos camponeses, teve, desde criança vivo
desejo de ser sacerdote, mas as dificuldades familiares não o permitiram
até à idade de 18 anos, quando ajudado por um tio comerciante no
Uruguai, pode, aos 5 de outubro de 1887 entrar no nosso aspirantado de
Sampierdarena e frequentar o ginásio. Em 1890 foi admitido ao noviciado
de Foglizzo onde no mesmo ano recebeu o hátito talar das mãos do Servo
de Deus, padre Miguel Rua. No dia 3 de outubro de 1891 fez a profissão
perpétua. Um ano depois, dia 31 de dezembro desembarcava em Niterói
(Brasil).
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Dedicou-se imediatemante, com zelo, no trabalho da assistência em
terra estrangeira e em 1894, na triste circunstância da revolta da esquadra
naval no Rio de Janeiro, o clérigo Alberti se inclinava sobre o leito dos
feridos acolhidos e cuidados no nosso colégio de Niterói, consolando,
animando e ensinando o catecismo. No final do mesmo ano foi para
Lorena, para preparar-se para o sacerdócio que recebeu em
Guaratinguetá das mãos do inesquecível Dom Luiz Lasagna no dia 23 de
dezembro de 1894.
Enviado novamente para Niterói, permaneceu dezoito anos naquele
colégio de Santa Rosa, nos sucessivos cargos de catequista, confessor,
conselheiro, prefeito, diretor. Passou três anos entre os aspirantes em
Cachoeira do Campo e em Lavrinhas; então, até 1923 em Ascurra (Estado
de Santa Catarina), quando a obediência o mandou como diretor pela
segunda vez em Niterói, onde, em 1929, foi novamente mandado por
breve período de tempo a Ascurra. Em seguida foi catequista em Lorena e
por cinco anos capelão do noviciado das Filhas de Maria Auxiliadora em
São Paulo. Em 1937, pela terceira vez, foi para Niterói como reitor do
Santuário de Maria Auxiliadora. No começo de 1940, quase um ano
depois do acidente, foi chamado para São Paulo, para a casa inspetorial
do Sagrado Coração de Jesus. Depois da cirurgia passou para o noviciado,
onde, no repouso e tranquilidade o organismo se recompôs; no início
deste ano, ainda bem e forte recebeu a obediência de Mestre dos noviços,
aos quais a morte o roubava depois de só dois meses.
O padre Alberti, sacerdote segundo o coração de Deus, praticou
todas as virtudes de um verdadeiro salesiano, mas refulgiu
particularmente na observância das regras, na pureza e na obediência.
Quando algum irmão se apresentava pedindo-lhe concessões ou
licenças, lhe perguntava: - As regras o permite? – Não, respondia o outro:
- Então, nem eu posso permitir. – Severo consigo mesmo, era santamente
intransigente com os outros na observância das Regras, dos
Regulamentos, e se inflamava todo insistindo na prática das nossas
Tradições. Lembro sua alegria viva quando em 1936 na reunião dos
Diretores do Brasil, o Sr. Padre Berruti e o Sr. Padre Tirone, intérpretes
das orientações do nosso amado Reitor Mor, nos recomendaram
insistentemente a observância escrupulosa das Regras, dos Regulamentos
e das Tradições, arrancando toda irregularidade com energia e mesmo
com sacrifício.
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Na manhã de sua morte, enquanto na capela do Coração Eucarístico
de Jesus se dava o rito fúnebre e os noviços unidos ao redor do caixão, o
ornavam flores e lágrimas, um deles colocou perto da cabeça majestosa e
veneranda do Mestre um belo lírio. Parecia, então, que mãos secretas de
anjos haviam feito brotar aquela flor branca de pureza sobre o caixão de
um homem puro, porque no padre Alberti ninguém, jamais, viu a menor
sombra no esplendor da virtude mais bela, que chamarei nele de
selvagem, como o padre Ricaldone definiu a de Dom Bosco.
Um clérigo que foi seu aluno, beijando-lhe uma vez a mão a segurou
com veneração afetuosa, o padre Alberti com gesto brusco de recato a
tirou prontamente.
Na obediência chegou ao heroísmo. Eu foi por duas vezes seu
diretor, nunca cheguei conhecer suas preferências, seus desejos. Quando
perguntava se queria fazer esta ou outra coisa, me respondia sempre: Não, eu não quero nada. O senhor, senhor diretor, mande, eu desejo
somente obedecer.
Aceitava as ordens dos superiores com perfeito espírito de fé e o
seguia com disciplina prontíssima, deixando resolutamente todo
argumento humano que parecia, por vezes, aconselhar o contrário.
Quando, em 1927, foi proibido o cinema nos nossos colégios, o
padre Alberti, que então era diretor do Colégio Santa Rosa de Niterói,
obedeceu imediatamente, abolindo toda projeção de filmes e substituiu
com o teatrinho salesiano. Quando o convidei pregar os últimos exercícios
espirituais, era ainda convalescente, me respondeu pronto e franco: - Sim,
senhor, o senhor manda, eu devo somente obedecer. – Eu o nomeei
Mestre dos Noviços sem mesmo consultá-lo; e quando o avisei da
nomeação do novo cargo não colocou nenhuma objeção, nem um gesto de
surpresa ou de descontentamento; sorriu como resposta cordial e serena:
sim, sim, se os superiores querem...
Foi sempre grande no padre Alberti o zelo apostólico pelas
vocações. Mandado para o Estado de Santa Catarina, despertou entre as
famílias de imigrantes e colonos italianos e alemães feliz entusiasmo para
o estado religioso, particularmente para os Salesianos e as Filhas de Maria
Auxiliadora; e muitos daqueles que foram seus pequenos alunos e
aspirantes ocuparam hoje na Inspetoria cargos de suma importância.
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Neste feliz ano do nosso centenário, no qual também as Obras
Salesianas de Santa Catarina se preparam para celebrar os seus vinte e
cinco anos de fundação, nosso Senhor quis tirar justamente o fundador
delas para chamá-lo para o céu para outra festa bem perto de Dom Bosco.
Recordando, porém, os juízos de Deus são imperscrutáveis,
recomendo a alma do nosso caro extinto à caridade de todos os bons
irmãos.
Tenham também, nas vossas orações comunitárias, uma intenção
especial para que o Senhor, especialmente neste ano, nos mande muitas
vocações da têmpera e da virtude deste grande salesiano falecido.
Peço, enfim, de não esquecer diante do Senhor
O vosso af.mo
Irmão em Dom Bosco Santo
P. Orlando Chaves
Inspetor Salesiano
DADOS PARA O NECROLÓGIO
P. Ângelo Alberti
*Cislago (Itália), 11 de outubro de 1869.
†São Paulo (Brasil), 1º de abril de 1941 com
72 anos de idade,
50 anos de vida religiosa salesiana e
44 de sacerdócio.
foi diretor por 22 anos.
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