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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
RELATÓRIO CIENTÍFICO
Bolsista de pós-doutorado: Walter de Sousa Junior
Entre o contemporâneo e o grotesco:
Piolin e as comédias de picadeiro
encenadas entre 1933 e 1960
NOVEMBRO DE 2012
São Paulo
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
RELATÓRIO CIENTÍFICO
Bolsista de pós-doutorado: Walter de Sousa Junior
Processo: 2009/54810-8
Entre o contemporâneo e o grotesco:
Piolin e as comédias de picadeiro
encenadas entre 1933 e 1960
Supervisora: Profa. Dra. Maria Cristina Castilho Costa
NOVEMBRO DE 2012
São Paulo
2
Entre o
contemporâeo
e o grotesco:
Piolin e as
comédias
de picadeiro
encenadas
entre
1933 e 1960
Walter de Sousa Junior
3
Sumário
Introdução
1. Quem é Piolin?
6
19
1.1 A entrevista
19
1.2 Morte e vida piolinas
25
1.3 A escola circense de Piolin
30
1.4 Artista para vários públicos
37
1.5 A mímica do palhaço
44
1.6 A voz do palhaço
48
1.7 A invenção do palhaço
56
2. O riso e o humor
59
3. A dramaturgia do palhaço
75
3.1 Palhaçaria
75
3.1.1 A porta aberta
76
3.1.2 O palhaço
78
3.1.3 O que é entrada? O que é reprise?
81
3.1.4 Roteiro e improviso
84
3.1.5 Palhaço: comum de dois gêneros?
87
3.2 Comédia de picadeiro
89
3.2.1 O combinado
90
3.2.2 A comédia
93
3.2.3 A alta comédia
96
4. Piolin em cena
99
4.1 Antecedentes: A fase áurea
(Circos Queirolo e Alcebíades)
99
4.2 A fase do Teatro Boa Vista
106
5. Comédias no Circo Piolin
5.1 Tenentes, cowboys e combinados (1933-1941)
120
120
4
5.2 Guerra, cinema e caipiras (1941-1949)
126
5.3 Piolin desvairado, rei da Pauliceia (1950-1960)
139
6. O público
147
6.1 O circo e seu entorno
147
6.2 A modernidade e o homem simples
154
6.3 O campo da memória
156
6.4 Piolin: o corpo e a alma do circo
157
7. Os últimos anos
159
9. Bibliografia
169
Anexo – Repertório do Circo Piolin (1933-1961)
176
5
Introdução
Todas as dialéticas são engraçadas.
Oswald de Andrade1
O palhaço Piolin pode ser definido como um personagem cômico cuja
contribuição à cultura nacional se deu a partir de uma oscilação dialética: entre o
contemporâneo e o grotesco. Ou melhor, entre o improviso e a tradição. Ainda: entre o
cotidiano e a História. Novos pares dialéticos podem ser montados ao gosto da
assistência que, aliás, só está interessada numa única coisa: rir. Ou, mais ainda: se
arrebentar de rir. Seja a partir da própria figura do excêntrico2, o que já é motivo para
tanto, seja em suas atuações dramáticas, nas entradas e reprises geralmente encenadas
com um de seus “cloms”3 – Pinati, Toni, Figurinha, Xuxu – ou nas comedinhas,
chanchadas, farsas ou combinados, das quais participavam grande parte de sua família e
outros atores contratados, embora gravitassem ao redor de seu humor e de seu poder de
improvisação.
Quando me propus a pesquisar a importância de Abelardo Pinto Piolin4 na
dramaturgia circense paulista e constatei a presença de 450 peças encenadas em seu
circo no Arquivo Miroel Silveira, que abriga os processos de censura do antigo
Departamento de Diversões Públicas (DDP), hoje sob a custódia da Biblioteca da
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e um dos objetos de
pesquisa do Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Censura (NPCC) da mesma
ECA/USP, o acervo parecia apontar para uma promissora pesquisa. De um total de
1.088 processos de peças encenadas em circos, quase a metade foi apresentada sob a
lona do Circo Piolin. Mais: 80 peças levavam a chancela de Abelardo Pinto Piolin. À
1
Resposta do escritor a Caio Prado Junior num debate sobre a entrada de capital estrangeiro no país. Ante
o exacerbado nacionalismo de Caio Prado, Oswald disse ser “contra e a favor, dialeticamente”. O
intelectual atirou: “É uma dialética muito engraçada”, recebendo em troca a afirmação usada na epígrafe.
SCHWARTZ, Gilson. Caio Prado Júnior, um mestre na dialética do tempo brasileiro, in PRADO
JÚNIOR, CAIO. Formação do Brasil contemporâneo. Folha de S. Paulo, Coleção Grandes Nomes do
Pensamento Brasileiro, São Paulo, 2000, p. 405.
2
A dupla de palhaços que consagrou o circo tradicional brasileiro inclui o palhaço excêntrico, aquele que
age movido por uma lógica própria, quase sempre incongruente com a ordem; e o clown de rosto branco,
entidade máxima da ordem.
3
Forma como os circenses falam a palavra inglesa “clown”.
4
Apesar de poucos pesquisadores considerarem tal fato, o apelido e nome artístico Piolin foi incorporado
ao nome de batismo em 1929, conforme indica Carteira de Identidade que se encontra no acervo do
Centro de Memória do Circo, em São Paulo.
6
primeira vista tinha ele uma obra enorme que, aparentemente, devia ter uma importância
não reconhecida dentro do contexto da dramaturgia popular paulista.
Elaborado o projeto de pesquisa tendo essa evidência como justificativa, parti,
então para a investigação, após a concessão de bolsa pela Fapesp. Qual não foi minha
surpresa quando, em poucos meses o meu objeto de pesquisa sofreu um devastador
abalo sísmico cujo epicentro – ou epicentros, se for possível desafiar um fenômeno
natural dessa magnitude –, eram três argumentos de peso.
O primeiro vinha de Miroel Silveira, patrono do arquivo que guarda as peças 5.
Na sua tese de doutorado, ao apontar a importância de Piolin na temporada que cumpriu
no Teatro Boa Vista em 1931 ao lado do cômico italiano Tom Bill, ressalva que “o
popular palhaço não nos parece que tenha sido o que os jovens arrojados da Semana [de
22] tentaram atribuir-lhe (...)”.6 Com relação à dramaturgia encenada posteriormente por
Piolin em seu circo, aponta: “Levantamos em nossa pesquisa a quase totalidade do
repertório teatral de Piolin, encenado durante as várias décadas de sua constante
atividade, e em verdade a pobreza do material, extremamente repetitivo, não permitiria
a nenhum intérprete alcançar páramos de criatividade”7.
Particularmente já havia tomado conhecimento dessa análise quando conduzi
pesquisas referentes à tese de doutorado “Mixórdia no picadeiro – Circo, circo-teatro e
circularidade cultural na São Paulo das décadas de 1930 a 1970”, defendida em 2009 na
ECA/USP. Nela, aliás, havia interpretado que a análise de Miroel se referia à
contribuição do palhaço ao tema central da sua pesquisa, a construção do tipo italiano
no teatro encenado em São Paulo. Quanto à repetitividade da temática das peças, é
preciso pensar que todas elas eram estreladas pelo próprio Piolin. Aliás, serviam de
pretexto para uma performance prolongada, que ia além das entradas e reprises – os
famosos esquetes cômicos de palhaços – que geralmente ocupam esse importante
protagonista do espetáculo circense brasileiro. Assim, da mesma forma que encara a
entrada e a reprise, o palhaço vê a comédia de picadeiro, o entremez, a farsa, o
5
Miroel Silveira pesquisou o arquivo do Departamento de Diversões Públicas (DDP) para elaborar sua
tese de doutoramento “A contribuição italiana ao teatro brasileiro”. Com o fim da censura em 1988, a
partir da nova Constituição, os processo do DDP seriam incinerados quando o professor do Departamento
de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da USP resolveu levá-los para a sua sala. Com a
morte de Miroel naquele mesmo ano (1988), o arquivo permaneceu guardado até 2000, quando então foi
transformado em Projeto Temático com o apoio da Fapesp, sob a coordenação da Profa. Dra. Maria
Cristina Castilho Costa.
6
SILVEIRA, Miroel. A contribuição italiana ao teatro brasileiro. Edições Quíron, São Paulo, 1976, p.
235.
7
Idem, p. 236.
7
combinado, como um texto a ser interpretado sob o imperativo do seu tipo excêntrico,
ou seja, a partir de uma estrutura cênica fixa recheada por interferências improvisadas.
Mas um novo personagem de peso veio destoar na ambição da minha pesquisa: o
crítico Paulo Emílio Salles Gomes. Participante da geração de intelectuais que concebeu
a revista Clima nos anos 1940, Paulo Emílio, a exemplo da geração anterior de
intelectuais, os modernistas, também se regalou com as comédias circenses e, em
especial, com Piolin. Tanto que escreveu importante artigo – garante quem teve a
oportunidade de lê-lo – sobre o excêntrico para ser publicado justamente na revista
Clima. Entretanto, o mesmo teria sido rejeitado pelo editor, na época Décio de Almeida
Prado. E – pior – os originais teriam se perdido no tempo. Na tentativa, ou na ansiedade
de resgatar o que havia sido escrito anteriormente – quem perdeu algum texto escrito no
computador e quer reescrevê-lo sabe o que é esse sentimento –, Paulo Emílio redige
“Vontade de crônica sobre o Circo Piolim solidamente armado à praça Marechal
Deodoro”, texto publicado no livro Um intelectual na linha de frente, organizado por
Maria Teresa Machado e Carlos Augusto Calil em 1986. Primorosa como era de se
esperar do crítico, a crônica faz um desanimador aviso – pelo menos para mim – já em
seu terceiro parágrafo: o de que não é possível conversar Piolin com quem não viu
Piolin. “O conjunto de homens, mulheres e crianças que viram e ouviram Piolim8
formam uma maçonaria. Há uma cumplicidade misteriosa entre as pessoas que viram
Piolim, e os não iniciados são inflexivelmente afastados”.9
Afora o recurso retórico usado pelo autor, e afora o fato de eu não ter visto
Piolin, o efeito da frase se amplia quando se buscam referências sobre o período em que
Piolin manteve seu circo, entre 1933 e 1960. Há pouquíssimas, a não ser as indicações
de encenações publicadas diariamente nos classificados de programação cultural dos
jornais paulistanos. Há raras entrevistas, poucas análises, alguma aparição do palhaço
nos meios de comunicação, em especial no cinema – foram somente duas: no filme
Tico-tico no Fubá, de Adolfo Celi (1952) e no documentário Sua Majestade, Piolin, de
Suzana Amaral (1971). O que resta é a tarefa desafiadora de tentar perfurar os muros da
maçonaria apontada por Paulo Emílio para conseguir olhar Piolin de frente.
8
A grafia Piolim muitas vezes é preferida pelos intelectuais que escreveram sobre ele por aportuguesar o
Piolin originário do espanhol.
9
GOMES, Paulo Emílio Salles. Vontade de crônica sobre o Circo Piolim solidamente armado à Praça
Marechal Deodoro in MACHADO, Maria Tereza e CALIL, Carlos Augusto. Paulo Emílio – Um
intelectual na linha de frente. Brasiliense, São Paulo, 1986, pp. 47-51.
8
Mas o golpe final viria da boca do próprio Abelardo Pinto Piolin, numa
entrevista concedida em 1971, em sua casa-camarim, na Freguesia do Ó, a um grupo de
intelectuais, incluindo o mesmo Paulo Emílio Salles Gomes, a diretora Suzana Amaral,
o pesquisador de circo Júlio Amaral de Oliveira, e Oswald de Andrade Filho, para
registro no acervo do Museu da Imagem e do Som (MIS-SP). A entrevista, a certa
altura, é conduzida por Suzana Amaral, que pergunta a Piolin se era ele quem escrevia
as peças que representava. Ao que o palhaço responde: “Algumas. Muitas eu
aproveitava, eu fazia arranjos, diminuía ou aumentava, o que era preciso fazer. Fazer
adaptação para o circo eu fazia”.
A pergunta imediata ante essa afirmação é: então porque Abelardo Pinto Piolin
aparece como autor de tantas peças no Arquivo Miroel Silveira? Alguns aspectos
tornam plausíveis essas assinaturas. Primeiro há o fato de o repertório de comédias
circenses ser muito antigo e passar de mão em mão, inclusive entre companhias, além
de enfrentar viagens e intempéries. Ao mesmo tempo, são adaptadas, cortadas, ajustadas
a novos personagens. Muitas acabam, com o passar dos anos, perdendo a autoria. No
entanto, ao submeter um texto teatral ao exame do DDP havia a condição essencial de
apontar o nome da peça e a autoria. Em muitas ocasiões era exigida a liberação da
Sociedade Brasileira dos Autores Teatrais (SBAT), que controla o pagamento dos
direitos autorais. Na falta de um autor, a opção mais inteligente é colocar o nome
daquele que arrasta o público para o circo: o palhaço. Assim foi com Arrelia em
diversas ocasiões, embora este gostasse de se gabar aos jornalistas da sua condição de
autor das “comedinhas”, como chamava. Além de satisfazer a exigência do DDP,
também servia de artifício para atrair público para o circo. “Ao final da função, uma
comédia piolinesca”, costumava ser divulgado na programação dos jornais Folha da
Manhã e Folha da Noite.
Assim, com o objeto de minha pesquisa completamente desconstruído, restoume a tentativa de encontrar pontas que me permitissem amarrar algo a partir dessas três
negativas. Se a obra dramática de Piolin era repetitiva, e se a fama do palhaço, como
apontou Miroel, deveria advir do fato de “dispor de uma agilidade física que, fundada
na sua experiência inicial de funâmbulo, lhe teria permitido realizar números curiosos
de mímica e pantomima, independentes do texto”10, era essa a deixa para iniciar um
10
SILVEIRA, Miroel. Op. cit., p. 236. Não há registro de que o jovem Abelardo tenha praticado o
funambulismo, a arte de andar no arame em alturas bem distantes do chão. Ele praticou com mais
frequência o contorcionismo, o malabarismo e o ciclismo.
9
levantamento sobre quem, de fato, foi Piolin. Pois, até onde se sabe, o Piolin conhecido
foi aquele descrito pelos intelectuais modernistas, que exaltaram sua performance física,
sua voz, sua máscara, enfim, sua comicidade. Não foi o humano nem o artista, mas o
performer. Seria preciso conhecer os aspectos que escaparam aos intelectuais, seja por
não interessá-los seja por realmente não os terem conhecido.
Se, por outro lado, o seu repertório repisava a mesma estrutura de comédia, era
preciso compreender aquele tipo de dramaturgia. E também de onde advinha o público
que lotou as arquibancadas de seu circo por quase trinta anos consecutivos, ou seja,
quando o palhaço não era mais objeto das resenhas e artigos dos modernistas, quando a
antropofagia de Oswald já havia sucumbido à sua militância política, ou mesmo quando
Oswald já havia deixado sua herança intelectual para as gerações futuras interpretá-la.
Era preciso, portanto, perscrutar o passado dramatúrgico de Piolin, suas experiências e
as circunstâncias em que se desenvolveram para compreender de que modo o mesmo
Piolin permaneceu encenando suas comédias no período em que manteve circo próprio.
Além disso, era preciso compreender um pouco melhor a “palhaçaria” – a dramaturgia
do palhaço – para que se pudesse analisar o modus da comicidade circense, e perceber o
quanto ele avança sobre um gênero que não é o circense – a comédia – mas teatral,
embora a leitura feita pelos palhaços o distancie bastante do gênero concebido na
Antiguidade. Até mesmo a questão autoral se esvanece ante uma análise mais profunda
dessa comicidade, pois o protagonista acaba se tornando, de fato, coautor ao elaborar
improvisos e promover uma triangulação cênica com a plateia.
Mas resta ainda mais um aspecto para se decifrar Piolin e este parece ser o mais
desafiador: romper as paredes da maçonaria erigida por aqueles que viram Piolin
buscando aqueles que dele decidam falar. Assim como o próprio Paulo Emílio, há
memorialistas que não hesitam em arrolá-lo entre suas melhores lembranças,
desvendando detalhes, vasculhando na infância a mola que acionava a gargalhada
explosiva. Sim, o público do circo, aquele “que é, de todos os públicos de todas as artes,
o mais solidário com seus artistas”11. Para resgatar essa memória e transformá-la em
matéria-prima de pesquisa, é preciso, portanto, recorrer a uma metodologia. E foi aí que
se buscou a memória oral.
Memória e oralidade
11
GOMES, Paulo Emílio Salles. Op. cit..
10
O fazer circense, inegavelmente, está ligado ao corpo, à habilidade física que
pode levar ao exercício do sublime. Mesmo o palhaço, que encontra matéria do riso no
grotesco, precisa dispor da condição do sublime corporal. “O circense é sempre aquele
que foi mais além de alguma de nossas impossibilidades físicas, na elevação, no salto,
na coragem, na força, no equilíbrio, na manipulação da magia, no domínio da natureza
animal”12, define Miroel Silveira. Como a condição do sublime está diretamente ligada
ao risco (de vida, no caso do circense), o mesmo autor adverte: “O risco permanente que
é inarredável da profissão exige não apenas aperfeiçoamento corporal, mas
principalmente a higidez da mente”13.
Todo o conhecimento circense está guardado na memória coletiva dos artistas,
em geral familiares com anos de experiência, enquanto a sua forma específica de
perpetuação é a oralidade. É interessante presenciar uma reunião de antigos artistas
circenses: do nada, entre um diálogo e outro, eles passam a elevar a voz e a declamar,
em tom de alegre desafio, trechos inteiros das peças clássicas de circo-teatro. Estas
podem ter diálogos rimados, como os de O mártir do Calvário, do português Eduardo
Garrido, ou ser emocionalmente pomposos, como os de Sílvio, o cigano, do também
lusitano Velloso da Costa, ou ainda ganhar um tom épico, como no caso de Os dois
sargentos, de Theodóre D'Aubigny. O palhaço Picolino II (Roger Avanzi), em
entrevista concedida a este pesquisador, não se furtou a recitar trecho de um dos grandes
clássicos encenados na maior parte dos grandes circos brasileiros durante o século XX,
Honrarás tua mãe, driblando as falhas de memória e fazendo valer os anos de atuação
nos palcos e picadeiros:
Não sei se é da peça ou se foi adaptado. Quando terminava a peça,
terminava bem, a mãe reconhecia o filho, mandava o filho casar com
a... aquela apoteose ali, né? E a última cena, era o irmão ruim que fazia
maldade com a mãe. “Meu irmão, de hoje em diante nossa mãe
honrarás!”, tinha que falar. Aí terminava, o povo aplaudia e tinha que
ficar quieto. Eu vou ver se me lembro da última fala que eu fazia, que
eu acho que era adaptação. As personagens todas ficavam paradas,
quietas, e eu ia avançando. E era picadeiro. E falava direto com a
plateia. Eu dizia: “E vós, chefes de famílias, não levei a mal as poucas
palavras que irei dizer. Mas dai educação aos vossos filhos para que
mais tarde não aconteça quadro tão horrível como este que acabastes de
ver. A ponto de um filho internar a sua própria mãe num asilo. E todos,
moços e moças, meninos ou meninas, se quiserdes ser felizes, e
12
SILVEIRA, Miroel. O circo - Espaço arquetipal convergente. In: O circo. Secretaria da Cultura,
Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, 1978.
13
Ibidem.
11
triunfares na vida, honrarei as vossas mães!” Aí o circo vinha abaixo!
Era um sucesso! Eu gostava muito.14
A ressalva feita a este repositório de memória oral surge a partir do controle
oficial da produção cultural, iniciada legalmente no período republicano em 1900, e que
“procura não apenas cercear os cidadãos, mas estabelecer critérios que regulem a
oposição entre liberdade de expressão e os interesses do poder instituído”15. Vinte anos
depois, esse precedente se torna mais efetivo em termos de prática coercitiva. O extenso
decreto no. 14.529, de 9 de dezembro de 1920, institui, entre outros mecanismos, a
censura prévia dos espetáculos teatrais, o que obriga as companhias e circos a
submeterem o texto das encenações ao crivo censório. Com isso, a maior parte das
peças, que até então eram encenadas a partir da memória oral, passaram a ser
escrituradas para serem encaminhadas aos departamentos policiais de censura. Tal
prática fez com que os textos tradicionais adquirissem forma escrita – e obrigou ao
circense praticar um saber que não era seu, a escrita dramática. A partir dos órgãos
censórios de Getúlio Vargas, as peças, além de analisadas previamente, precisavam ser
encenadas, em sessão reservada, com a presença do censor, obedecendo ao texto
aprovado e aos cortes impostos. Com isso, a liberdade de improvisar sobre os textos
passou a ser cada vez mais coibida. Pelo menos para o censor, pois da encenação
circense ela nunca foi extinta.
Por outro lado, em função desses mecanismos, a maior parte do repertório de
peças de circo-teatro encenadas em São Paulo e no Brasil, que se imaginava perdida no
tempo, após tanto perambular junto com a bagagem das companhias, ou na memória
dos circenses, é resgatada a partir dos processos de censura do Departamento de
Diversões Públicas do Estado de São Paulo. Finda a censura, o arquivo se transformou
em fonte de pesquisa e conhecimento, muito embora parte dessa dramaturgia continue
escapando das conversas animadas dos circenses, estes que têm o texto na ponta da
língua.
Ao saber o texto de cor e salteado, o circense usa a prática requerida para a sua
atividade profissional como um sistema reforçador da sua identidade, pois, ao recitar o
texto, este já faz parte de sua personalidade artística – é o personagem que fala por ele, e
ele, ao relembrar o texto, fala pelo personagem – de modo que identificação e alteridade
14
Depoimento dado durante pesquisa de doutoramento deste pesquisador.
COSTA, Cristina. Censura em cena – Teatro e censura no Brasil. Imprensa Oficial/Edusp, São Paulo,
2006, p.80.
15
12
se confundem num jogo de memória em que as cartas e suas posições são conhecidas de
antemão, o que não tira a graça do exercício. É a relação entre memória e oralidade.
Camadas de memória se sobrepõem quando, por exemplo, Benedito Sbano, o
palhaço Picoly e ator do Pavilhão Teatro Popular Volante, rememora uma ocasião em
que saber os textos de cor e salteado foi elemento de identificação e solucionador de um
impasse para a instalação do seu circo:
Eu fui procurar um terreno aqui em São Paulo para o circo. Eu
secretariava também o circo. Eu não sabia de quem era e perguntei num
barzinho: “De quem é esse terreno?” Ele disse: “Olha, tá vendo aquele
armazém ali, pegado ao terreno? É do seu Martelo.” Eu já tinha falado
que era pra circo. Ele disse: “Se for pra circo não vai falar não. Houve
problemas com um circo que esteve aqui.” (...) Eu disse: “Mas, e o seu
Martelo, o que ele é na vida, o que ele gosta, o que ele faz?” “Ele foi
amador de teatro.” Antigamente, em toda cidade havia aqueles grupos
de amadores. Formavam grupos muito bons até. “Ah, ele foi de teatro?”
“Foi.” Aí eu fui lá e... “Seu Martelo, como vai?”, e aquela coisa toda.
“Pois é, seu Martelo, eu sou de circo” – Não deixei de falar... – “Eu
estive até falando com aquele senhor e ele contou o que houve aqui, né?
É um problema essas coisas, o senhor vê... o circo precisa de alguém
que ceda o terreno... A Prefeitura é mais difícil, quando vem a ordem
pra entrar, a gente já mudou, não precisa mais... Aí eu disse: nós somos
circo-teatro. Aliás eu soube que o senhor também é artista. “Não, não,
só fui amador...” Mas, seu Martelo, o senhor sabe de uma coisa, existem
amadores melhores que artistas! “O senhor falou a verdade!” Aí
começou... O senhor foi amador aqui mesmo em São Paulo? “Foi aqui
mesmo; no interior também.” Eu disse: aquelas peças bonitas que se
levava... O senhor lembra? Ele disse: “Sim, lembro.” Aí perguntou: “O
senhor conhece Os dois sargentos?” Eu disse: eu fiz o Roberto. Ele
disse: “Eu fiz o Guilherme!”. Eram os dois principais. Eu disse: “O
senhor lembra daquela parte em que o Roberto dizia: ‘E agora,
miserável, pode ordenar a execução’ – é mais ou menos isso, não me
lembro bem, ‘que se faça a execução!’, por aí assim. E ele já começou a
falar também o pedaço das peças, né? Eu daqui, ele de lá. Eu digo: “E
Silvio, o cigano?” “Puxa vida, eu fiz o pai do cigano!” E eu fiz o Silvio!
Para não encompridar mais, de repente ele falou pra mim: “Olha, eu
tenho certeza que o senhor vai se dar bem aqui no meu terreno!”16
Segundo Henri Bergson, quando se evoca o passado, a ação, o ambiente e o
corpo daquele passado povoam as memórias. Mas nem sempre eles são trazidos para o
presente. Ele é mediado pela imagem do corpo, assim como a ação deste em relação ao
ambiente evocado. Mas nem sempre esse processo de ação do corpo é transportado para
o presente. “(...) a memória permite a relação do corpo presente com o passado e, ao
16
Depoimento colhido durante o projeto “Entre risos e lágrimas – O teatro no circo (da pantomima aos
dramas)”, realizado em outubro de 2010.
13
mesmo tempo, interfere no processo ‘atual’ das representações.”17 Há, portanto, uma
interferência transtemporal. Ecléa Bosi destaca, ao analisar Bergson, que a memória não
ocorre de forma homogênea. Existe uma memória-hábito, feita de esquemas de
comportamento que o corpo emprega para agir conforme o ambiente. “Ela é (...) um
processo que se dá pelas exigências da socialização. Trata-se de um exercício que,
retomado até a fixação, transforma-se em um hábito, em um serviço para a vida
cotidiana”18. Por exemplo, ter o texto teatral decorado para uma ação de representação.
E há a memória que independe de qualquer hábito, evocativa, que promove “autênticas
ressurreições do passado”.19 Por exemplo, recitar um texto já encenado diversas vezes
no passado, de modo que cada palavra evoque situações e imagens daquele tempo.
Considerando esse esquema bergsoniano, é possível separar as camadas de
memória presentes na narrativa de Sbano: ao lembrar o caso como uma experiência
pessoal em que há um processo de identificação – elevado pelo narrador ao nível
anedótico – este se dá, evocativamente, por meio da recitação do texto teatral. Ao
mesmo tempo, o próprio ato da recitação se refere a um processo social: ele tem o texto
na ponta da língua por ser uma exigência do seu exercício laborativo. No entender de
Bergson, a memória-hábito se apropria da memória contemplativa. No caso de Sbano,
por sua vez, há um efeito liberador: a memória-hábito desencadeia a memória
contemplativa. Socialização e identidade decorrem dessa sobreposição.
A oralidade faz parte de todo o aprendizado circense, pois a nova geração de
artistas se faz a partir dos mestres da geração anterior, aqueles que guardam a tradição.
Ermínia Silva explica que a transmissão dos saberes circenses se dá de maneira formal e
oral.
Os circenses sempre indicam uma figura que se responsabilizava e
possibilitava que se tornassem profissionais do picadeiro. O condutor do
processo de aprendizagem que formava um artista era considerado um
mestre. Mestre da arte circense, mestre de um modo de vida, mestre em
saberes – ou seja, um mestre “pertencente à tradição”, pois durante toda
a
sua
vida
participou
das
experiências
de
socialização/formação/aprendizagem que caracterizam o circo-família.20
17
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade – Lembranças de velhos, Companhia das Letras, São Paulo, 2009,
p. 46-47.
18
Idem, p. 49.
19
Ibidem, p. 48.
20
SILVA, Ermínia. O circo: sua arte e seus saberes – O circo no Brasil do século XIX a meados do XX.
Dissertação (Mestrado). Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Estadual de Campinas, 1996, p. 77.
14
Aqui, mais uma vez, confunde-se socialização e identidade, pois:
é característica da fala dos circenses, quando relatam seu processo de
aprendizagem, não distinguir momentos formais de aquisição de
conhecimentos, incluídos os treinos e os ensaios: tudo isto é trabalhar.
Talvez seja por isto que se dizem artistas desde o nascimento.21
É importante salientar que a transmissão oral dos saberes circenses faz uma
passagem instantânea da memória oral para a memória corporal, pois estes saberes estão
conectados às habilidades físicas do aprendiz: é por meio delas que se estabelece um
vínculo identitário com a tradição circense, pois é a aprendizagem que “identifica o
circense como artista, é o procedimento que conduz ao domínio da técnica envolvida
nas artes circenses, um dos fundamentos do circo-família”.22
No entanto, não há como compreender essa transmissão como um processo de
alimentação da memória-hábito, pois ela agrega a interação social que gera um efeito
corporal, físico. Ou seja, a experiência acumulada das gerações circenses, expressa pelo
mestre na formação do aprendiz está carregada do componente cultural – a tradição – e
é a partir dele que se absorve a aprendizagem e se desenvolve a habilidade física.
Finalmente, estabelece-se o vínculo entre memória, oralidade e cultura.
Essa relação, embora característica do meio circense, parece escapulir do
picadeiro e infestar a experiência memorialística daqueles que estão sentados na
arquibancada, especialmente porque lá estão para rir, um riso social, coletivo, de certo
modo mais domesticado do que o riso medieval, mas tão liberto quanto aquele, pois está
inconscientemente alinhado ao presente, àquele presente. Por isso quem ri e é criança, e
é jovem, e é adulto ou velho, ri por haver ali, no centro do picadeiro, nas situações mais
banais, nas relações mais absurdas, na lógica mais ilógica do palhaço, um elemento
agregador de certo tipo de sociabilidade. No filme Tico-tico no fubá há uma cena em
que Piolin protagoniza sua mais antológica entrada, o Idílio dos sabiás23, travestido e
sendo assediado pelo galanteador e elegante Pinati. Dois personagens, amigos do
compositor Zequinha de Abreu, desempenhado por Anselmo Duarte, estão na
arquibancada: um se arrebenta de tanto rir, o outro mantém o rosto impassível, como se
procurasse a lógica na interação entre os palhaços. Ao perceber essa incompreensão, o
que ri olha para o que não ri, o cutuca, não consegue reação e encontra nisso novo
motivo para rir. Não mais o palhaço, pois o motivo do riso pulou do picadeiro para a
21
Idem, p. 76.
Ibidem, p. 91-92.
23
Também chamada por ele de Namoro dos passarinhos.
22
15
arquibancada, contagiando a assistência. O riso social: mesmo quando a piada não
funciona, encontra motivos de identificação, mesmo quando se desvia, encontra atalhos
para acontecer.
Hibridismo cultural
As relações entre memória e oralidade como mecanismo ontológico do fazer
circense e como o mecanismo metodológico para o pesquisador compreender a prática
circense, assim como as relações entre o riso e a sociabilidade, imbricações necessárias
para analisar o papel do circo na sociedade urbana e metropolitana, só poderão ser o
ponto de partida desta pesquisa se for considerado o processo de construção do discurso
cultural dos artistas de circo e, em especial dos palhaços. Desprezarmos o cenário no
conjunto da cena – especialmente o cenário prismado no chão do picadeiro, espaço
permanente de negociação simbólica – não fará sentido refazer a trajetória de Piolin na
cena paulista.
Para adentrar no fenômeno cultural/comunicacional do século XX, no entanto, é
preciso se acercar de pelo menos três conceitos de cultura. O primeiro – não que tenha
surgido anteriormente ao segundo –, é o de cultura erudita, a que se contrapõe ao de
cultura popular. Essa dicotomia, que remonta à Idade Média, ganha contorno de divisão
– e portanto, pressupõe um limite – a partir do século XIX, quando, na França, alguns
intelectuais passam a colecionar elementos da chamada cultura do povo. Foi o início de
um movimento que logo levaria a novas leituras. “Para alguns intelectuais,
principalmente no final do século XVIII, o povo era interessante de uma certa forma
exótica; no início do século XIX, em contraposição, havia um culto ao povo, no sentido
de que os intelectuais se identificavam com ele e tentavam imitá-lo.”
A mudança se dá por meio do Romantismo. No entanto, os três pontos
definidores da cultura popular apontados pelos românticos são questionáveis : 1. Essa
cultura tem origem num “período primitivo”, e atravessa incólume os séculos, sem
transformações notáveis (sabe-se hoje que entre 1500 e 1800 as tradições estiveram
muito expostas a transformações, inclusive com a participação direta das elites
culturais); 2. A cultura popular é uma criação coletiva, a tradição se sobrepõe ao
indivíduo (constata-se atualmente que a tradição não inibe o desenvolvimento de um
estilo individual); 3. O povo é formado por pessoas incultas, que vivem perto da
natureza e, por isso, desenvolvem uma cultura particular, própria. Mas, teria realmente
existido em algum momento histórico um purismo cultural? Ou tais argumentos deixam
16
evidentes somente a separação mais evidente que envolve dominação, entre cultura
dominante e culturas subalternas?
Antes de aprofundar o “terceiro problema”, como define Edgar Morin – a cultura
de massa –, um fenômeno, transversal às três culturas, já se apresenta. É o hibridimo
cultural. Canclini dá a pista: “A dificuldade de definir o que é o culto e o que é o
popular deriva da contradição de que ambas as modalidades são organizações do
simbólico geradas pela modernidade, mas ao mesmo tempo a modernidade – por seu
relativismo e anti-substancialismo – as desgasta o tempo todo.” Esse hibridismo
esfumaça, portanto, os limites entre o erudito e o popular.
Quando, no século XX, a cultura de massa se consolida, envolvendo a produção
industrial simbólica para difusão a uma massa social, esta traz um dinamismo interno
que envolve a elaboração de discursos que se apropriam de elementos culturais os mais
diversos. Ela se utiliza dos meios de comunicação massivos que constroem discursos
não só compreensíveis pela massa, mas que são capazes de agregá-la socialmente a
partir de um claro processo de hegemonia. “Uma cultura que, em vez de ser o lugar
onde as diferenças são definidas, passa a ser o lugar onde tais diferenças são encobertas
e negadas. E isso não ocorre por um estratagema dos dominadores, e sim como
elemento constitutivo do novo modo de funcionamento da hegemonia burguesa, ‘como
parte da ideologia dominante e da consciência popular’”.
A cultura de massa, uma vez elaborada a partir do processo de apropriação, por
construir discursos hegemônicos, não deixa de influenciar as próprias matrizes culturais,
conduzindo um complexo processo que dissolve as fronteiras do que é popular, erudito
e massivo. O mecanismo de alimentação e retroalimentação simbólica é chamado por
Carlo Ginzburg, a partir de um conceito de Bakhtin, de “circularidade cultural”. Estão,
pois, na arena metodológica, os quatro conceitos que aqui serão empregados para
compreender o circo na construção do seu discurso cultural: as matrizes culturais
erudita, popular e massiva, e a liga do hibridismo, que desencadeia o fenômeno da
circularidade cultural.
Enfim, Piolin
Abelardo Pinto Piolin foi personagem ambíguo, de intensa personalidade
artística e de inacreditável timidez pessoal, indiscreto e eloquente sob a pintura, mas
recolhido e silencioso na vida pessoal, amigos de intelectuais e de circenses, comparado
a Chaplin e a Chicharrão, com uma comicidade tanto grotesca quanto contemporânea. O
17
objetivo desta pesquisa é revelar o quanto essa ambiguidade foi essencial na construção
do seu tipo, desvelar o quanto a sua dramaturgia, de alguma forma autoral, atingiu seu
público, que não só ratificou a opinião dos intelectuais do Modernismo, ou nunca tomou
conhecimento dela, mas lotou seus espetáculos por quase trinta anos, enquanto o Circo
Piolin se manteve em plena atividade.
Importante ressaltar o mergulho no universo circense e da “palhaçaria”
possibilitado pela parceria mantida pelo Núcleo de Pesquisa em Comunicação e
Censura (NPCC) com o Centro de Memória do Circo, ligado ao Departamento de
Patrimônio Histórico da Secretaria de Cultura de São Paulo, que rendeu a programação
de eventos do projeto “Entre risos e lágrimas – O teatro no circo (das pantomimas aos
dramas)” nos segundos semestres de 2010 e 2011, reunindo palhaços, circenses e
pesquisadores. A parceria se prolongou em 2012, em outras iniciativas, como a
organização do acervo e dos saberes circenses para compor sua exposição permanente.
Foram, enfim, oportunidades para conhecer a fundo o universo do qual Piolin fez parte,
assim como aqueles que, com ele, partilharam da tradição e do improviso. Tudo ao
mesmo tempo...! Mas que dialética engraçada!
18
1. Quem é Piolin?
Aviso quase-prévio e de grande importância:
não é possível conversar Piolim com quem não
viu Piolim. E muito menos ainda se aprende
Piolim com leituras. Não adianta.
Paulo Emílio Salles Gomes24
1.1 A entrevista
A edição de 7 de dezembro de 1928 da Folha da Manhã traz, no caderno
“Ribaltas e Projeções”, na página 6, a reportagem “Piolin, o palhaço mais célebre do
Brasil, fala sobre o teatro brasileiro”, título que surge em letras maiúsculas sob a linha
fina que informa: “Entre paredes de madeira tosca, num camarim de circo”. De
imediato, a chamada de uma seção dedicada ao mundo do entretenimento, em especial
os palcos e as salas de cinema, contrapõe duas representações cênicas que, naquela
altura encontrava sua grande expressão naquele personagem: o circo e o teatro. No
camarim tosco, o palhaço estava falando do teatro – não de circo-teatro. Sob a chamada
surge a máscara de Piolin, emoldurada por recorte oval, no formato camafeu, de modo
que uma diminuta foto de Abelardo Pinto (ele só incorporaria o nome artístico ao
próprio nome no ano seguinte), o homem por detrás da máscara, foi encaixada sob o
largo colarinho do palhaço e a borda inferior do oval. Enquanto o ângulo frontal de
Piolin olha nos olhos o leitor da Folha da Manhã, a foto de Abelardo, com ele de
gravata borboleta e terno, rosto levemente de lado, remete às fotos dos cartões postais
dos artistas populares. A legenda avisa: “Piolin e Abelardo Pinto, duas fisionomias
distintas num só corpo verdadeiro”. Abre o texto da reportagem sem assinatura25:
O homem de chapéo de panno descido sobre um olho, sem o uniforme
surrado dos porteiros de theatro e sem nos pedir cartão, depois de
hesitar um momento, deliberou:
- Faça o favor de me acompanhar. É por aqui.
Por alli queria dizer: atravessar com cautela uns vinte metros de terreno,
tendo por cima e rente da cabeça a complicada engrenagem das
archibancadas. Depois, tropeçar em malas, dar meia volta sobre o
próprio corpo e subir seis degraus da escada mais curiosa que se possa
imaginar. No fim da escada, uma porta igualmente curiosa, mais aberta
quanto mais fechada, e por detraz dessa porta, o camarim do palhaço
mais celebre do Brasil.
24
25
GOMES, Paulo Emílio Salles. Op. cit..
Foi mantida a grafia original.
19
Hora da funcção. Piolin estava no picadeiro.
A distinção entre o camarim de um teatro e o detalhamento do improviso do
relevo inusitado do camarim circense continua a contrastar a comparação conduzida
pelo manipulador da pena. Ele adentra o camarim sem que o artista lá esteja, uma vez
que está no picadeiro. Lá dentro, pouco observou, a não ser as “quatro paredes de
madeira tosca” e as gargalhadas e as palmas que vibram do lado de fora dessa caixa. Até
que Piolin irrompe à porta. “Mostra-se curioso, acanha-se. A sua caracterização é
maravilhosa! Piolin, estheta e psychologo, sabe onde e como deformar a physionomia
para offerecer ao público o esgare de uma comicidade inédita, impressionante na sua
gargalhada surda e immovel.” As primeiras impressões corroboram as opiniões dos
modernistas que o descobriram um ano antes.
A reportagem se transforma num breve diálogo em que Piolin estranha o
interesse do jornalista em entrevistá-lo. Diz que nunca é objeto de reportagens pelo fato
de não render “primeiras” (notícias). E define-se ante a expectativa do jornalista: “(...)
realizo funcções”. Ao que ele rebate:
- Mas todos reconhecem que você é um gênio no que faz...
- O meu gênio varia muito... principalmente se chove de noite, a hora da
‘escripta’ aqui dentro.
- A lona do circo não é impermeável?
- A lona é. Mas o lombo do público ainda não. E se o publico não vier...
- Vem no dia seguinte.
- Vem... mas não paga dobrado, e o ‘buraquinho’ da véspera fica.
- Você é rico. Quase tão rico como o Fróes. Elle mesmo disse...
- Ah, então é por isso que todo mundo me tem vindo offerecer terrenos,
automóveis, palacetes, machinas de escrever, loteria para o Natal... E
todos com a mesma phrase: ‘É um optimo emprego para o seu dinheiro!
- E você?
- Respondo a mesma coisa: que sou rico; portanto o meu dinheiro não
precisa andar empregado... pode descançar... Um outro queria que eu
adquirisse acções; que eram boas, affirmava elle. Respondi-lhe que
preferia as minhas acções, todas honestas até agora, graças a Deus.
O diálogo serve de preâmbulo para que se chegue ao verdadeiro tema da
entrevista: o teatro. Mas revela, além de um grande faro para os negócios, pois naquela
altura Piolin era rico por atuar no Circo Piolin-Alcebíades e por conquistar o grande
público que preenchia as suas arquibancadas, que o palhaço tinha também um grande
senso de sorte, pois ao rejeitar a compra de ações deixou de estar sujeito à crise que
20
levaria muitos à bancarrota no ano seguinte, em 1929.26 Evidencia-se, ainda, o grande
patrimônio do circense: o público, que traz consigo o grande desafio diário de quem
atua sob a lona: fazer a féria do dia (ou da noite). Menos de uma quinzena antes
comemorava o terceiro ano de apresentações no Largo do Paissandu, o que somava
1.225 espetáculos da “Empreza Piolin e directores Alcebíades Pereira e Vicente
Seyssel”.27
Sabedor da provisoriedade da vida circense, Piolin parece não se iludir em
possuir tanto dinheiro quanto o mais influente ator daquele tempo, Leopoldo Fróes.
Avisa logo que embora instado a falar de teatro é um homem de circo. O repórter avalia:
“Por isso mesmo. Falará desapaixonado, sem interesse pessoal”. Antes de responder
trata de retirar a maquiagem. Piolin desaparece ante os olhos do visitante. Então surge
Abelardo Pinto. “Todas as noites a esta hora o Sr. Abelardo Pinto engole o Piolin
palhaço. Pouca gente me conhece nesta apparencia humana. É preferível. Sou dois.
Vivo duas vidas. Quando me aborreço na qualidade de Abelardo Pinto, metto-me na
pelle do palhaço Piolin... e se eu fosse uma creatura de dívidas, os ‘cadaveres’ sempre
haviam de encontrar ‘o outro’ que não era o devedor...” Logo em seguida faz um
exercício de discurso nonsense para, enfim, entrar no tema pretendido pela reportagem.
Começa didático: “O theatro, no Brasil, divide-se em três tempos: o tempo que
há de vir, o tempo perdido com o intervallo dos actos e o ‘tempo quente’, - o de hoje”.
Mas em seguida passa a encadear um discurso em que a seriedade se equilibra na
expectativa de, a qualquer hora, descambar para o chiste novamente.
Não há responsáveis no theatro brasileiro. Aonde está a
autoridade que possa, pela razão de uma disciplina colectiva,
reconhecidamente legal, censurar o mau artista ou premiar o
bom? Aqui, o artista do palco é resultado eventual de um esforço
próprio. Não veio de nenhuma escola, não está sujeito a nenhuma
regulamentação profissional. Apenas ao publico, que é quem
sustenta e anima, deve elle a consideração que lhe parece mais
acertada. Ficam todos, pois, com o direito de praticar a arte mais
commoda, mais rendosa.
A análise, que pode parecer a princípio crítica, especialmente em sua frase final,
na verdade revela o âmago de uma ideia que se reproduz desde o final do século XIX e
26
A frase lapidar dita na abertura do filme Sua Majestade Piolin revela outra face: “Rico três vezes e
pobre três mil”.
27
Boletim Unidos Seremos Fortes no. 43, de 23 de novembro de 1928, publicado pela Federação
Circense. Recuperação coordenada por Verônica Tamaoki.
21
que pode ser resumida, grosso modo, na frase “o público é quem faz o artista” 28. Isso
pela falta do profissionalismo apontada por Piolin – não se sabe até que ponto o repórter
conduziu a fala ou direcionou-a na sua edição – que poderia ser sanada por uma
entidade congregadora, a exemplo da Federação Circense que, naquela altura, tinha
atuação nacional e eficiente.
“A escola de theatro no Brasil tem sido a revista. Na revista principiaram todos.
Os mais talentosos venceram. Os incapazes de um governo próprio fracassaram. Será
injusto e cruel negar que possuímos actrizes e actores aptos para inaugurar um theatro
sério. O que falta é um responsável official: a lei creando a ordem e a ordem creando a
arte.” Avançando em seu raciocínio, Piolin parece apostar na distinção entre teatro e
circo-teatro, defendendo uma arte apoiada na ordem. Certo que o improviso circense
carece dessa ordem, embora os saberes que constroem o fazer circense exijam um
método de transferência que descarte o caos.
O parágrafo seguinte volta a enaltecer as posses do palhaço, apontando que se
antes ele andava a cavalo agora tinha seu automóvel, algo para alguém com patrimônio.
Conclui rapidamente que o palhaço brasileiro evoluiu. E devolve a palavra a Piolin:
Um dia destes abri um jornal esportivo e dei com esta palavra:
‘Association’. Era um artigo. Li e gravei: o ‘Association’ é a regra mais
moderna de se jogar o futebol na América. Essa regra annullou o jogo
pessoal, é inimiga delle porque tem por essência aproveitar o esforço
disciplinado e technico de onze futebolistas peritos. Pois bem: o que
falta no theatro brasileiro é a pratica do ‘Association’ em cada
companhia. Enquanto o jogo for pessoal como tem sido, o theatro
andará sempre ‘off side’.
Enfim uma análise de juízo, como salienta o interlocutor da Folha da Manhã. A
comparação, uma vez mais, embora use a metáfora do futebol, recurso quase saído de
uma de suas comédias29, remete ao universo circense, onde se faz o espetáculo a partir
do “Association”, da divisão de trabalho em benefício do todo. Aliás, essa peculiar
forma de organização de trabalho, misto de empresa familiar e de contratação informal
– cujo contrato verbal é levado à risca – e dependente da féria do dia, envolve uma
relação ética e de honradez. Piolin mesmo, conta seu último empresário, Francisco
28
A subserviência à plateia, à qual o ator Francisco Correa Vasques dizia ser signatário em 1867. Para
saber mais, MARZANO, Andrea. Cidade em cena – O ator Vasques, o teatro e o Rio de Janeiro (18391892). Folha Seca/Faperj, Rio de Janeiro, 2008.
29
Em especial Piolin, campeão de futebol, em que encarna um meninão fanático por futebol, o que enseja
ao tio casá-lo para que se livre do vício.
22
Honório Rodrigues, que comandava o projeto “O maravilhoso mundo de Piolin”, no
Anhembi, em 1973, colocava os artistas de seu circo em primeiro lugar. Mesmo
convalescendo, expressava sua preocupação com a trupe.
Eu já tinha parado o circo e ele me perguntou: “Como é que tá indo?”
Eu dizia pra ele que tava tocando, que ele não queria saber que parasse.
A preocupação dele era pagar todos os artistas. Eu falava: “Seu
Abelardo, tá tudo pago... tá tudo em ordem, não tem nenhum...” E ele
vivia preocupado com o circo.30
Esse seu espírito do Association era expresso por meio de uma impecável
disciplina de trabalho, testemunhada por outro circense, Antonio Luís de Moraes, o
Chumbinho, que o conheceu no seu Palácio de Alumínio, circo “solidamente” montado
na Praça Marechal Deodoro, como era chamado nos anúncios de jornal:
Sabe o que ele fazia atrás da cortina? Isso eu vendo, não foi alguém que
me falou não. Ele passava a mão no rosto do ator e se tivesse um pouco
grande ele mandava fazer a barba. Sabe o que é isso? Disciplina. Ele
gostava das coisas tudo certinhas. (...) Ele fazia a lista dos personagens,
o guarda-roupa, tudo, o que vai calçar, o que vai vestir, que jeito que é a
maquiagem (...) No caso, se você fosse fazer algum papel, se você fosse
contratado lá, aí ele deixava na prancheta, pendurada, e todo artista era
obrigado a ir lá ver. O drama de hoje... Aí vinha a camareira, as roupas
já estavam todas penduradas, toda engomada, passadinha, bem
arrumadinha, lá tinha uma pessoa pra tomar conta disso, as botas, os
sapatos, o que fosse usar, estava tudo limpinho. (...) Era uma disciplina
fora de série aquele circo.31
Enfim, era essa a ordem de que carecia o teatro e que fazia parte do fazer
circense, muito por uma característica intrínseca, por ser o circo fruto de um
aprendizado familiar, transmitido oralmente a partir da memória guardada pelos
antepassados e que, a partir dela, se definiam papéis distintos para cada membro32. Essa
relação socioeconômica, que bem pode ter o sentido de Association, levada ao seu
extremo, é a contribuição que Piolin ousou dar naquela entrevista. Justo ele, acusado de
expressar uma versão rebaixada do gênero teatral – por ser comédia e, ainda por cima,
por ser circo-teatro. Ou, como ironizou, uma década e meia depois, num artigo
30
Depoimento colhido para a pesquisa em 14 de julho de 2011.
Depoimento colhido para a pesquisa em 4 de novembro de 2011.
32
Para saber mais sobre o “circo-família”, ver SILVA, Ermínia. “O circo: sua arte e seus saberes – O
circo no Brasil do final do Século XIX a meados do XX”. Dissertação de mestrado apresentada ao
Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de
Campinas em 14 de março de 1996.
31
23
publicado na mesma Folha da Manhã o escritor e político Carlos Lacerda, logo ele,
“Piolin, o inefável” 33, que lucrava artisticamente com a falta de um teatro nacional.
Com sua inefabilidade, Piolin prosseguiu encenando suas comédias no picadeiro
do Circo Piolin, lona que iria inaugurar cinco anos após a entrevista, e cuja carreira se
prolongaria até 1961, quando então o poder público achou por bem requisitar o terreno
em que a solidez do Palácio de Alumínio reluzia há quase três décadas. Naquele mesmo
ano da publicação do ácido comentário de Lacerda, fortuitamente o teatro brasileiro
floresceu com a encenação, pela companhia Os Comediantes, da peça Vestido de noiva,
de Nelson Rodrigues, com direção de Ziembinski e temporada exitosa no Teatro
Municipal do Rio de Janeiro. E, em 1948 o teatro “organizado” ganhou, enfim, sua
expressão melhor acabada com a inauguração do Teatro Brasileiro de Comédia, em São
Paulo, iniciativa do empresário Franco Zampari com o financiamento do conde Cicillo
Matarazzo. Em sua inefabilidade, Piolin prosseguiria mais 13 anos encenando suas
comédias, e, como testemunham os que fizeram parte das arquibancadas, com a casa
sempre cheia.
Na sequência da reportagem de 1927, após o entrevistado se auto-ironizar
dizendo que falou sério sem lançar mão de “citações”, seguia-se impressa a
programação dos teatros paulistas: no Apollo, Procópio Ferreira na comédia Guerra às
mulheres, de Paulo Magalhães; no Boa Vista, estreava Mimosa, com Leopoldo Fróes34;
e o anúncio da volta, em poucas semanas, de Jayme Costa ao mesmo teatro. O trio,
enfim, resumia o teatro vitorioso apontado pelo “curioso” palhaço.
Quanto à sua expressão, as comédias de picadeiro, chamadas também entre os
circenses de chanchada, farsa ou combinado, Piolin se encontrava em posição
confortável. Podia conduzi-las não só na condição de ator cômico que, à semelhança de
Procópio, Fróes e Costa, atraía o público aos espetáculos com seu próprio nome; da
mesma forma administrava a persona que havia expressado uma arte de cunho popular
cujo reconhecimento por parte dos intelectuais do Modernismo – destaque para Mário
de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia e Ian de Almeida Prado – a
tornara, de fato, inefável. Aliando a arte circense e revelando um particular talento para
despertar fisicamente o riso de todas as classes sociais, Piolin conseguiu, ainda no Circo
Alcebíades, onde atuou de novembro de 1925 a dezembro de 1929, ser reconhecido
33
Folha da Manhã, 24 de janeiro de 1943.
Em 3 de dezembro a Folha da Manhã anunciava, para a mesma noite, O morto que não morreu, no
Circo Alcebíades, com Piolin, e O simpático Jeremias, no Teatro Boa Vista, com Leopoldo Fróes.
34
24
popularmente como o maior palhaço em atividade no país, conquistando um lugar
dentro de uma “tradição cômica ligeira pautada no diálogo com as plateias e, portanto,
caracterizada pela capacidade de agradar a públicos amplos e diversificados”35, como
aponta Andrea Marzano com relação ao ator Vasques, no final do século XIX. Piolin se
enquadra nessa tradição, que no Brasil alinha os entremezes portugueses, a Commedia
dell’arte, que aporta na Corte nas encenações de feira, as comédias de Martins Pena, as
cenas cômicas de Vasques e, enfim, as comédias de picadeiro de Piolin.
1.2 Mortes e vidas piolinas
Piolin morreu muitas vezes, e nasceu outras tantas. Aqueles que desfrutaram da
arquibancada do Circo Alcebíades, quando este esteve instalado no Largo do Paissandu,
diziam que vê-lo morrer era o máximo do deleite do espectador circense. Em 27 de
março de 1929, escrevia dele Menotti Del Picchia na Revista da Antropofagia:
Mas mesmo morrendo Piolin é supremo. Já o vi esticar as canelas
várias vezes. Uma criação! Piolin morre, com rigorosa sucessão
mímica fisiológica, épica, teatral e sentimentalmente. Há uma gradação
de emoções estilizando sua morte no circo. É um arco-íris hilariante e
macabro de gestos e de máscaras. Formidável!
Piolin leva um tiro que lhe desfecha Alcebíades. A sua primeira
sensação é física, traumática. Apalpa-se para reconhecer a ferida. São
movimentos rápidos, apavorados de um realismo digno de um Novelli.
Depois, convencido de que está são, cria a morte épica. Já é a farsa em
todo o seu esplendor de simulação. Sacode-se, toma posições
imponentes e trágicas, criando a morte dramática do “grand-guignol”,
depois é a convenção cênica: estiliza a morte... Tem algo de cisne
romântico de Pavlova, atinge o lirismo plástico de uma morte musical e
coreográfica. Depois é a morte sentimental. Piolin já está em terra. São
os últimos estertores agônicos. São rítmicos, geométricos,
absolutamente tocantes e elegantes, mesuras de pavana, cortesias finais
de minuete...
Mas Piolin não morrerá hoje, nem de alegria, nem teatralmente.
Começará a viver uma vida maior na admiração do Brasil, apontado
nesse almoço-homenagem como um dos nossos mais sérios e honestos
artistas.36
O modernista se refere a outra morte de Piolin, promovida pelo grupo de
intelectuais que, da mesma forma que o canibal devora o inimigo para se apropriar de
35
MARZANO, Andrea. Op. cit., p.125.
PICCHIA, Menotti del. Elogio publicado no Correio Paulistano, in FONSECA, Maria Augusta. Op.
cit., p. 201.
36
25
sua valentia, almoçaram Piolin para promover a “absorção do inimigo sacro”, como diz
o Manifesto Antropófago, que Oswald de Andrade lançou um ano antes. Reunidos no
salão de chá do Mappin Stores, no dia 27 de março, os modernistas decidiram celebrar
Piolin, que completava 32 anos, devorando-o ritualmente e criando um dos eventos
mais simbólicos do período, que coroou a influência do humor e da teatralidade popular
no discurso erudito da vanguarda literária paulista.
Assim como o ano de 1929 foi emblemático ao coroar essas “mortes” de Piolin,
ele também marcou novos “nascimentos”. Por exemplo, naquele ano Piolin nasceu
legalmente. Dessa época, resta no Centro de Memória do Circo, doado pelo neto
Ayelson Garcia (filho de Ayola Pinto e Nelson Garcia, o palhaço Figurinha), uma
carteira de identidade em que aparece, pela primeira vez, o nome artístico registrado
juntamente com o nome de batismo: Abelardo Pinto Piolin. Piolin com “n” no final e
não com “m”, apesar de vários autores se referirem a ele com a forma mais próxima do
português, quando o apelido tem origem no termo espanhol para “barbante”: seriam as
pernas do palhaço, finas como tal. A fase prenuncia um longo período na vida do
palhaço excêntrico em que, após a consagração – o que muitos avaliam ter sido o auge
da sua popularidade – ele vai instalar, a partir de 1933, um circo próprio, também com
seu nome, e a partir daí se dedicar exclusivamente ao espetáculo circense pelas
próximas quase três décadas, atraindo admiradores anônimos com suas comédias de
picadeiro.
Mas voltando a 1929, Piolin vivia o auge do seu sucesso, ao mesmo tempo
popular e erudito. Ao findar a temporada no Circo Alcebíades, apreciado tanto pelo
grupo modernista quanto por Washington Luís, de um lado, e pelas enchentes populares
de outro, segue em temporadas até que, em 1931, deixa temporariamente o picadeiro e
se arrisca, a convite de Oduvaldo Vianna, a encarar o palco do Teatro Boa Vista, ao
lado do cômico Tom Bill, que havia montado, alguns anos antes, a Companhia
Disparates Cômicos com Genésio Arruda. Era a primeira vez que o filho do empresário
circense Galdino Pinto e da amazona e atiradora Clotilde Farnezi, arriscava uma carreira
solo, se bem que, de solo, não havia nada, pois Tom Bill fazia bem seu “clom”. Mas,
como seu nome aparecia nos letreiros das placas e dos cavaletes, bem que poderia ser
comparado aos grandes cômicos da época, como o próprio Genésio ou Sebastião
Arruda, embora o palhaço não exercesse propriamente a comicidade caipira37. Naquele
37
Tom Bill, apesar de italiano, chegou a fazer caipiras em dupla com Genésio Arruda, especialmente na
série de filmes que fez na Sincrocinex, de Lulu de Barros (além de Acabaram-se os otários, primeiro
26
mesmo ano de 1929, gravou um registro fonográfico pela Victor com dois relatos
cômicos, marcando presença no meio que foi popularizado no início do século
justamente por palhaços38. Mas a experiência parece ter se restringido a esse 78 rpm,
que registra duas narrativas com conteúdo nonsense, no estilo humorístico do
“bestialógico” ou “pantagruélico”, que parece ser a marca registrada deste palhaço cuja
voz e performance física encantou os modernistas que o exaltaram naquele final da
década de 1920.
Registros da época o apontam também como homem abastado, assim como a
reportagem da Folha da Manhã analisada no início do capítulo, se referia a alguém de
posses, que andava de automóvel. De fato, as temporadas no Circo Queirolo, que o
lançou, e no Circo Alcebíades, que o consagrou, lhe garantiram muitas posses. Um
avião, para o qual tirou brevê com um professor alemão, Fritz Hoiller, todo em madeira
compensada, fabricado pela Mercedes-Benz39. O automóvel no qual fez a primeira
descida da história do quatro rodas no país até o litoral, seguindo pela Calçada do
Lorena, a Estrada Velha de Santos. Teve também seus filhos, cinco no total. Mas o que
se nota nessa virada de década é a postura que assume, tão logo se torna reconhecido
artista.
São Paulo mal começava a abandonar seus ares de vila, mas cujos ruídos
misturavam o velho e o novo, como registra Antonio de Alcântara Machado40: entre as
engrenagens dos bondes e os cascos dos cavalos sobre as calçadas de pedras, entre os
apitos e as matracas dos vendedores e a sonoridade roufenha das buzinas Klaxon. Os
bondes elétricos circulavam desde o 1900, quando na cidade se instalou a Light. Mas a
iluminação pública só começaria em 1918, atendendo o Vale do Anhangabaú, o Largo
da Concórdia, a avenida Paulista e o bairro do Bixiga. Juntos, eletricidade e transporte
urbano, deram sobrevida à agitação diurna, garantindo público para espetáculos
noturnos, fossem de circo ou dos teatro paulistanos, entre eles o Politeama, na avenida
São João, criado em 1892; o Santana, inaugurado em 1900 já com a luz elétrica; o São
filme sonoro brasileiro, Lua-de-mel, Minha mulher me deixou, Sobe o armário e Tom Bill brigou com a
namorada). In AUGUSTO, Sérgio. Este mundo é um pandeiro, Companhia das Letras, São Paulo, 2005,
p. 82.
38
Constam do casting inicial da Casa Edson, do Rio de Janeiro, os palhaços Benjamim de Oliveira,
Eduardo (Dudu das Neves) e Bahiano, vozes registradas nos primeiros fonogramas gravados no país.
39
A aventura constitucionalista de 1932 tomou-lhe o aeroplano.
40
MACHADO, Antonio de Alcantara. Brás, Bexiga e Barra Funda, Biblioteca Virtual de Literatura, in <
http://www.biblio.com.br/>.
27
José, na rua Xavier de Toledo, que abriu as portas em 1909; e, enfim, o Teatro
Municipal, cuja construção se iniciou em 1903 e findou em 191141.
Ali próximo dos grandes teatros, no Largo do Paissandu, havia espaço também
para o entretenimento popular. Relembra Francisco Rodrigues, o Chiquinho, empresário
e circense:
A dupla era Alcebíades e Piolin, e agradava muito. O Piolin, muito
versátil e tudo isso, e o Alcebíades um “clom” muito bonito, entrava
tocando pistom, fazia um musical bonito e o povo ia para o Paissandu
para vê-los sempre. Fim de semana era superlotado, o bonde dava uma
voltinha ali na porta e soltava o público, depois o mesmo bonde ia
buscar o público quando terminava o espetáculo às dez e meia da noite.
No Paissandu ficou uma temporada de mais ou menos quatro anos.
Porque teve na avenida São João, mais cinco anos no Hotel Broadway,
ele esteve instalado ali. Fui músico dele, comecei como músico.42
Essa convivência entre os palcos mais eruditos, que apresentavam as
companhias estrangeiras, e os palcos mais populares, dos circos, sempre próxima, não
evitou que conflitos surgissem, especialmente a partir de farpas trocadas em letras de
forma, nos tipos de chumbo usados para imprimir os periódicos paulistanos. Em 1921,
por exemplo, a associação A Tarde da Criança, que atuava no Teatro Municipal de São
Paulo, promoveu o primeiro concurso de cômicos. Em correspondência enviada à
Federação Circense, em julho de 1925, relembra o fato:
Foi a “Tarde da Criança” que, pela primeira vez convidou o PALHAÇO
a representar num theatro aristocrático, perante um público de escol. O
sucesso de Alcebíades Pereira e Pucha-Pucha, no primeiro festival que a
associação realizou, no Municipal, no dia 25 de Dezembro de 1921,
nunca mais foi esquecido pela petizada daquele tempo. Depois,
Tampinha, Formiga, Bozan, Cri-Cri, Baratinha, Harris, Piolin, Hylário,
Sardinha, Chicharrão, Espiga, Biriba, Typ-Top, Perereca, Fura-Fura,
Almofadinha e Funga-Funga, têm, sucessivamente abrilhantado todos
os programas d’ “A Tarde da Criança”, merecendo não só dos pequenos
mas também dos grandes espectadores, o melhor parte dos apllausos.
Todavia, o repertório desses artistas cômicos é resumido e muito mal
cuidado. Ninguém se lembra de escrever anecdotas espirituosas, e –
mais do que isso –, contendo alguma substância útil, para serem
interpretadas pelos tonys, clowns, palhaços, excêntricos e cômicos de
qualquer gênero. No entanto, todos esses apreciados personagens
theatraes podem servir de optimo elemento criativo para as crianças.43
41
AMARAL, Antonio Barreto do. História dos velhos teatros de São Paulo. Governo do Estado de São
Paulo, São Paulo, 1979.
42
Depoimento colhido para a pesquisa em 8 de junho de 2011.
43
Unidos Seremos Fortes, no. 2, 20 de junho de 1925.
28
A resposta daquele que, oficialmente empunhava a pena da Federação, é enfática
em lamentar a falta do termo “circo” na comunicação daquela associação e rechaça a
afirmação de que foi a entidade que pioneiramente levou o PALHAÇO a um teatro
aristocrático para representar para uma plateia de escol:
(...) todo o mundo sabe que mesmo quando ninguém sonhava ainda com
a existência d’ “A Tarde da Criança” muitos dos artistas lisonjeiramente
citados na referida circular, e outros, alguns dos quaes já desapparecidos
da arena da vida, foram repetidas vezes applaudidos pelas plateas mais
distinctas dos melhores theatros do Brasil e mesmo do estrangeiro.
Quanto ao mais, podemos garantir áquella benemérita associação, que,
há ainda muita gente de escol que não se envergonha de vir ao circo,
para applaudir os clowns e tonys no próprio picadeiro.44
Apesar de a arte do picadeiro ser propensa a promover negociações simbólicas
capazes de adaptar o espetáculo às referências culturais de seu público, seja ele rural ou
urbano45, assim como em todo campo de negociação, existem tensões que orquestram
condições, circunstâncias, causas e efeitos, cujos resultados geralmente se associam ao
“espírito do tempo”46 para resultarem no fenômeno cultural. Aquela região central de
São Paulo, em especial, foi palco desse processo.
O Largo, desde pelo menos 1881, abrigava lonas circenses, sendo a primeira
ocorrência a do Circo Irmãos Carlo, seguido pelo Circo Thauromaquico e pelo Oceano,
no mesmo ano47. Em 1906 é inaugurada a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens
Pretos, transferida da Praça Antonio Prado, o que não inviabilizou que a região
concentrasse cabarets e teatros de variedades. Foi no ano da Semana de Arte Moderna
que alguns ícones do Paissandu foram erigidos: o restaurante Ponto Chic, frequentado
pelos intelectuais, e o Hotel Esplanada. No final do beco do Paissandu, desde 1975 rua
Abelardo Pinto Piolin48, encostou-se o portentoso edifício dos Correios.
44
Idem.
Sobre a hibridização e a circularidade cultural no circo, ver SOUSA JUNIOR, Walter. Mixórdia no
picadeiro – Circo-teatro em São Paulo (1930-1970). Terceira Margem, São Paulo, 2011.
46
Conceito filosófico surgido em Hegel (Zeitgeist) para definir o clima intelectual e cultural de um
período.
47
Conforme pesquisa realizada pelo Centro de Memória do Circo.
48
“Aqueles metros quadrados onde hoje se ergue imenso bloco de concreto, foram, um dia, umedecidos
com suores e lágrimas de humildes artistas. O ferro e o cimento sepultam risos que ecoavam pelo largo
provinciano. Uma placa de bronze deveria evocar esse passado e advertir, para sempre, o que ele
significou para a crônica da cidade”, escreveu Júlio Amaral de Oliveira num folheto em homenagem feita
pela Prefeitura de São Paulo em 29 de janeiro de 1975.
45
29
Pois foi no Largo do Paissandu que Piolin nasceu artista popular. Se o acaso o
fez nascer em Ribeirão Preto, em 27 de março de 1897, quando o circo descia lona para
partir para Uberaba, em Minas Gerais, o que, de fato ocorreu no dia seguinte ao parto; e
novamente foi acaso nascer o palhaço Careca em 1917, quando o Circo Americano, do
pai Galdino Pinto, estava em Manhuaçu, em Minas Gerais, pela deserção de Espiga, o
palhaço da companhia. Já estrear no Paissandu foi resultado de anos de preparação,
fosse de forma consciente ou não.
1.3 A escola circense de Piolin
Muitos pesquisadores acusam Piolin de não ser de família circense, uma vez que
Galdino Pinto fugiu do emprego e da família em Barra do Piraí (RJ) ao ver Clotilde
Farnezi montada num cavalo no Circo Barcelino, de seu pai José, que visitava a
cidade49. Por conta do casamento com uma circense, também se tornou circense. E
empresário. A partir daí a convivência com as principais famílias originárias da Europa
e que haviam escolhido o Brasil para atuar desde o final daquele século XIX, foi a
maior escola de circo que Piolin poderia ter acesso. Abelardo nasceu entre as famílias
Pereira, de Alcebíades, e Seyssel, de Henrique e Vicente.
O escritor Paulo Noronha, da Academia de Letras de São Paulo, que escreve O
circo, em 1948, por empenho de Ondina Pereira, irmã de Albano Pereira Neto, o clown
Fuzarca, a quem, conforme revela o autor a certa altura da obra 50, “(...) por afinidade
eletiva, a classe deve a publicação desta obra”, aponta as influências que fizeram de
Abelardo o palhaço Careca, e depois Piolin.
Com 10 ou 12 anos, Abelardo já emprestava colaboração às entradas
cômicas do grande ‘clown’ Alcebíades, fazendo ‘bombeiros’ ou
‘diabinhos’ que eram comparsas das mesmas. Veio mais tarde
desenvolver-se como discípulo entusiasta de Henrique e Vicente
Seyssel, fazendo parte do número denominado ‘charivari’, que consiste
no conjunto de todos os artistas em cena nos trabalhos acrobáticos.51
49
Conta-se que também a melhor atiradora ao alvo da América do Sul, a ponto de acertar na mosca
mesmo atirando deitada sobre uma mesa, com a cabeça pendida para baixo, uma carabina apoiada no
ombro e a 12 metros de distância do alvo.
50
O autor não tinha ligação alguma com o circo. Tanto que os títulos de suas outras obras eram Foi Mapa
Gramatical Léxico-Sintático e Elementos da Psicologia Experimental Aplicada.
51
NORONHA, Paulo de. O circo. Academia de Letras de São Paulo, São Paulo, 1948, pp. 59 e 60.
30
Henrique Seyssel é irmão de Ferdinando, o palhaço Pingapulha, e tio de
Waldemar Seyssel, o Arrelia. Atuava como clown junto com o irmão Vicente, o
excêntrico Puxa-Puxa, que depois atuaria com Alcebíades, de quem era concunhado52.
Com ele ganharia o prêmio d’A Tarde da Criança e se tornaria sócio no circo que
abrigou Piolin, no Largo do Paissandu. A família Seyssel chegou ao Brasil em 1886, no
Circo Fernández. Julio Seyssel, pai de Ferdinando, com 34 anos, logo se torna diretor
do Circo Chileno, onde crescem seus filhos, Henrique, Vicente e Ferdinando. Mas em
1906 o patriarca morre, de modo que o Circo Chileno é mantido por Ferdinando, que se
torna a atração principal, como o excêntrico Pingapulha.
As relações entre a família Pinto, comandada pelo pai de Piolin, e os Seyssel
começam em 1905, quando Galdino funda sua primeira companhia, o Circo Americano,
juntamente com a esposa, Clotilde Farnezi e os irmãos Henrique e Vicente Seyssel. Na
estreia encenam a pantomima Guerra de Canudos, com a participação de todos, sócios e
familiares, inclusive do menino Piolin, como relembra René de Castro, na Folha da
Manhã de 25 de abril de 1931: “A primeira vez que vi Piolin representar, lá numa
cidade do interior do Estado do Rio, teria o querido artista cinco anos de idade e a maior
gargalhada do espetáculo era arrancada por ele, numa cena da famosa pantomima ‘A
guerra de Canudos’, na qual Antonio Conselheiro era o Lampeão daqueles tempos”.53
Afora o mal cálculo da idade, Piolin, naquela altura, tinha sete anos, a lembrança
confirma a precocidade natural dos artistas circenses, em especial nas encenações. Foi
também, naquele período que o menino se entalou no espaldar de uma cadeira ao fazer
um número de contorção, como ele próprio relatou ao Museu da Imagem e do Som em
depoimento dado em 1971.
Se a influência de Henrique Seyssel seria rápida, pois ele morre muito jovem,
aos 26 anos, em 1908, a convivência com Vicente foi maior. Aliás, a proximidade
familiar entre Vicente e Alcebíades levou Piolin ao convívio com esta outra importante
família circense, os Pereira. Nascido na região de Coimbra (Poiares), em Portugal, em
1839, Albano Pereira chega com a trupe dos Chiarini em 1871, se fixando em Porto
Alegre onde, quatro anos depois, irá inaugurar um pavilhão que marcou época, tamanha
a sua grandiosidade. Especializado no espetáculo de acrobacias equestres, herança do
circo europeu, o Circo Zoológico Universal se notabilizou até na Corte, onde foi
prestigiado pelo Imperador. Foi também o primeiro circo a usar um palco junto ao
52
53
Alcebíades era casado com Esther Ozon, irmã de Clementina, casada com Vicente Seyssel.
Folha da Manhã, 25 de abril de 1931.
31
picadeiro para apresentar encenações (pantomimas). A carreira de sucesso de Albano
Pereira foi, no entanto, interrompida por uma bala perdida, que o atingiu enquanto
saudava o público que chegava para ver o espetáculo em seu circo em 1903, na cidade
de Rio Novo-MG. Foi casado com Juanita Pereira (1849-1892), espanhola de Logronho,
que fez fama na Europa atuando no trapézio. Ao criar o movimento dos três trapézios
voadores, ganhou um cinturão de prata, mandado confeccionar pela Coroa inglesa.
Possuía, segundo alguns contemporâneos circenses, a menor cintura do mundo54, além
de ser bailarina clássica. Dois dos filhos do casal se tornaram palhaços: Carlito, o João
Minhoca, que no intervalo de uma entrada foi vitimado por morte súbita no camarim; e
Alcebíades, clown e exímio pistonista, cuja elegância surpreendeu o jornalista Afonso
Schmidt, que a descreve em crônica:
Era homem de cinquenta anos presumíveis. Cabelo grisalho, aparado
rente. Traje cinzento, de corte elegante, assentando exato sobre o corpo
forte, que começava a pender para a gordura. Camisa branca
irrepreensível. Parecia ter sido barbeado a poucos minutos. Bengala
com castão de ouro. Em toda a sua pessoa, essa perfeita distinção, que,
de dia para dia, se torna menos encontradiça. Distinção que a gente ou
traz do berço ou nunca chega a aprender. (...) Acompanhei-o até a porta.
Apertei-lhe a mão com simpatia. Não. Não era o pintor, não era o
negociante, não era o alto funcionário. Mas por aquela altura eu já
sentia que aquele homem me era muito familiar. Mas de onde? Vi-o
descer a escada pausadamente. E, lá do fundo, ainda me sorriu,
acenando com as mãos brancas e finas. Até à vista, até à vista...
Voltando à sala, tomei o cartão que ele havia deixado sobre a mesa e, só
então, pude ver:
“Alcebíades Pereira –Palhaço”.55
Alcebíades, que também se notabilizou pelos números acrobáticos de pernas de
pau e trampolim, sem o pai, passa a atuar com irmão nos circos Frank Brown, Irmãos
Carlo, Pavilhão Fernandes, Rafael Spinelli, Grande Chileno e no Circo Americano, de
Galdino Pinto. Somente em 31 de março de 1917, em Campinas, é que inaugura circo
com seu nome, já sem o irmão. Sempre com o apoio do concunhado Vicente Seyssel, o
Puxa-Puxa, que substitui João Minhoca, monta espetáculo ainda com o cunhado
Eduardo Ozon, o palhaço Fura-Fura-Três-Tempos, e com Augustinho Aguiar, o Camelo
(por causa de sua corcunda). Paulo de Noronha lista, em seu livro, algumas das entradas
cômicas levadas por Alcebíades, sem, no entanto, descrevê-las: A fotografia, A cadeira
54
O cinturão faz parte do acervo do Centro de Memória do Circo e, se fato ela o vestiu, tinha mesmo uma
cintura diminuta.
55
SCHMIDT, Afonso. São Paulo de meus amores. Clube do Livro, São Paulo, 1954, pp. 47 e 48.
32
de braços, o Duo Musical, O bombeiro, O saco de batatas, Pimpinela, O box, O
elefante, A tourada. Defende também que foi Alcebíades quem criou a dupla cômica
clown/excêntrico, na configuração que se tornou clássica no decorrer da primeira
metade do século XX, pois antes o clown de rosto branco se apresentava acompanhado
do Mestre de Pista, centralizando as entradas cômicas e, muitas vezes, contando piadas
solitariamente ou acompanhado do instrumento.56 Até aquela altura o palhaço
excêntrico, de nariz vermelho, era o Toni de Soirèe, mero figurante que entretém a
plateia no intervalo entre números para que os equipamentos sejam montados ou
desmontados, muitas vezes substituindo os artistas impedidos de atuar por qualquer
motivo.
Ferdinando e Vicente Seyssel fundam, em 1922, o Circo Irmãos Seyssel. Mas o
segundo irmão acabou rompendo a sociedade dois anos depois, indo trabalhar com
Alcebíades. Com a idade avançada, o velho Pingapulha decide repassar a companhia
aos três filhos: Henrique (clown), Paulo (clown Aleluia) e Waldemar (Arrelia).
Transfere a firma e o nome é mantido, afinal continuavam sendo os Irmãos Seyssel.
Após estrear como Careca, em 1917, ao lado de Leopoldo Martinelli (QueroQuero), Abelardo passou a atuar em dupla com seu irmão Anchises Pinto, o palhaço
Faísca. Além disso, executa números de ciclismo, malabarismo e acrobacia, além de
tocar violino. Foi no ano seguinte que, na mesma Rio Novo-MG, onde morreu Albano
Pereira, o circo de Galdino Pinto se transformou em verdadeiro hospital de campanha
para atender as vítimas da Gripe Espanhola, que assolava não só a cidade mas o país, e
que em 1919 vitimaria até o presidente reeleito, Rodrigues Alves. Esse processo de
auxílio à comunidade rendeu à Galdino Pinto uma rua com seu nome na cidade, e ao
filho Anchises, uma esposa, Thomazina, filha de uma das senhoras afetadas pela doença
atendida pela trupe do circo. “Galdino Pinto ia às próprias casas acudir pessoalmente
aos doentes; sua mulher ‘criou’ um xarope, que administrava ao povo; transformaram o
circo em enfermaria, para a qual, Galdino Pinto adquiriu camas. Providenciou, também,
a ida de socorros de São Paulo, onde possuía muitos conhecimentos. Além disso,
enterravam os mortos.”57 Ainda nessa temporada, em Juiz de Fora, o Americano se
junta à família que exerceria a terceira grande influência na formação de Piolin: os
Queirolo, trupe de acrobatas. Um ano antes, no Rio de Janeiro, os irmãos Ricardo
56
Na segunda metade do século XIX marcaram época os palhaços-menestréis, que tinham essa
característica, inspirados no branco Polydoro (José Manoel Ferreira da Silva), do Circo Elias de Castro.
Destacam-se nesse estilo os dois palhaços negros Benjamim de Oliveira e Eduardo das Neves.
57
DANTAS, Arruda. Piolin. Editora Pannartz, São Paulo, 1980, p. 110.
33
(Negrito), Alcides (Gato Félix), José Carlos (Chicharrão), Julian (Harris), Otelo (Chic
Chic) e Francisco (Pancho) haviam comprado a lona do Circo Spinelli por quinze
contos de réis, valor que “poderia bancar a construção de um prédio de médio porte”58.
As duas trupes chegaram juntas a São Paulo em 1922. Estreiam na Praça
Marechal Deodoro, espaço que, uma década mais tarde, terá Piolin com seu próprio
circo. Piolin atua ao lado de Harris e logo de saída agrada o público. Instalam-se no
Largo do Paissandu para fazer uma curta temporada que se prolonga por três meses. De
lá, seguem para a avenida São João, local onde depois se instalaria o Cine Broadway.
O pesquisador Júlio Amaral de Oliveira, em manuscrito que se encontra no
Arquivo Multimeios, do Centro Cultural São Paulo (Secretaria Municipal de Cultura de
São Paulo), anota que o apelido Piolin teria surgido em 1918, portanto no ano do
contato com os Queirolo. A família, embora tivesse origem italiana (o avô migrou para
a Argentina), tinham o espanhol como língua falada entre os oito irmãos e de onde
poderia provir o termo “piolin”. Mas há várias versões para a origem do apelido: uma
participação num festival circense em 1920 no Rio de Janeiro, quando teve contato com
uma trupe de artistas espanhóis; um “casaca-de-ferro” (o faz-tudo que monta e
desmonta os aparelhos, levanta a lona, etc.) do próprio circo; e outra versão mais
romântica, de um violinista espanhol que, no picadeiro teve uma das cordas
arrebentadas e foi socorrido pelo palhaço, que trouxe correndo nova corda e, ao voltar,
com suas pernas finas saltitando, ouviu o comentário: “Esse rapaz parece um ‘piolin’!
Um rapaz que, naquela altura, já tinha um filho, Aylor, de seu casamento com Benedita
França, nascido em 1919.
A relação com os Queirolo é que transformou de fato Abelardo em palhaço. Se o
dom o encaminhara à função depois da estreia para substituir Espiga, faltava-lhe ainda
uma perfeita caracterização, uma “máscara”. A grande síntese do palhaço excêntrico, de
nariz vermelho, naquela altura, era Chicharrão (José Carlos Queirolo).
José Queirolo migrou para a Argentina com o pai, que era açougueiro, e lá
começou a cantar óperas. Em 1881 se casa, em Bueno Aires com Petrona Salas, com
quem tem os seis irmãos acrobatas, além de Maria Esther e Irma. Cantam juntos, ele
barítono e ela contralto. Mas acabam se engajando no circo. Chicharrão nasce em 1887,
em Santana do Livramento-RS, embora o circo estivesse do lado de lá da fronteira, em
Rivera, no Uruguai. Cresceu no circo, onde estreou aos quatro anos. No final do século
58
ANDRIOLI, Luiz. O circo e a cidade – Histórias do grupo circense Queirolo em Curitiba. Edição do
autor, 2007, p. 13.
34
XIX a família retorna à Europa para cumprir uma turnê que se estende por uma década,
a maior parte no Circo Schumann. Passam dois anos na Alemanha, se apresentam a
Guilherme II, atuam na Rússia, para Afonso III de Portugal e para Carlos I, da
Inglaterra. Trabalham no Folies Bergère, em Paris. A temporada só não foi perfeita
porque, na Alemanha o patriarca é diagnosticado com um câncer na garganta, vindo a
falecer. O retorno da família ao Brasil se dá em 1910, com fama internacional. O
palhaço Chicharrão surge em 1915, em Bagé-RS, também por obrigação de substituir o
titular. Escolhe o nome a partir de um personagem de história em quadrinhos da revista
argentina Caras y Caretas e, conta-se, foi o inventor do colarinho largo, depois
amplamente usado pela maioria dos excêntricos que o sucederam, incluindo Piolin,
aliando a peça ao chapéu coco, à bengala grossa e aos sapatos enormes.
No ano seguinte os Irmãos Queirolo vêm para São Paulo, onde se apresentam no
Teatro Politeama. E, em 1918, se juntam à família de Galdino Pinto, para retornarem à
capital paulista em 1922, com Chicharrão vivendo o apogeu de sua carreira no
picadeiro, arrastando multidões para os seus espetáculos, apresentando números muito
originais, entre eles a Barata sorumbática (um carro de madeira puxado por um
cachorro que, por sua vez, corre atrás de um osso pendurado numa vara conduzida pelo
palhaço, que está sentado no carro) e o Idílio dos sabiás (o número do namoro entre
passarinhos em que a dupla de palhaços “conversa” por meio de assobios, consagrada
por Piolin e Pinati nas décadas seguintes). Ao atuarem juntos no Largo do Paissandu –
os Pinto e os Queirolo – acontece uma cisão na segunda família, que será decisiva para
a carreira de Piolin. Chicharrão decide deixar o circo e seguir para o Rio de Janeiro,
onde irá cumprir temporada no Teatro República. A solução foi recorrer a Piolin, como
conta Yan de Almeida Prado, ou Terêncio Martins, como assinava as crônicas Circo de
cavalinhos publicadas na Folha da Noite:
O certo é que depois puseram o rapaz no lugar do desertor. A
indumentária com que se apresentou o novo elemento era igualzinha a
do antigo. Uma maravilha. A mesma calva vermelha, pestanas brancas,
rugas pretas, enorme colarinho, luvas grandes demais, não faltava
sequer o porretão monumental. O substituto teve êxito fulminante.
Possuía todas as qualidades do substituído e mais algumas de choro.59
59
PRADO, Yan de Almeida (Terêncio Martins). Circo de cavalinhos. In DANTAS, Arruda. Op. Cit., p.
116.
35
Por conta disso Chicharrão jamais perdoou Piolin, taxando-o de imitador pelo
resto da vida, mesmo após uma reaproximação promovida em 5 de abril de 1972 pelo
jornal Última Hora, em São Paulo, quase meio século depois da contenda. Mesmo com
o encontro, mantinham-se distantes, como conta Francisco Honório Rodrigues, que
empresariou os dois palhaços no início dos anos 1970:
Houve uma briga com os irmãos, negócio de dinheiro, o Chicharrão
queria ganhar mais, era o grande... os irmãos não quiseram dar e ele foi
embora, abandonou o circo. O circo estava em São Paulo e o Chicharrão
se mandou pro Rio, deixou. Falou: agora eles vão ficar na mão. A
família pegou e acharam que o Piolin tinha jeito, o tamaninho dele, era
pequeno, e puseram o Piolin, lançaram o Piolin como palhaço. E o
Piolin estourou. Piolin foi, foi, foi e fez muito nome. E o Chicharrão
ficou com raiva. “Esse cara apareceu, foi lá e tomou o meu lugar!” E
ficou famoso. O Chicharrão muita gente conhecia, mas nem pensar
perto de Piolin. Piolin ficou muito mais famoso que ele. Eu fiz shows
pela Secretaria [de Cultura do Estado de São Paulo], naquela época a
secretaria contratava muitos shows. E eu levava sempre o Piolin. E às
vezes levava o Chicharrão também. Fui, em três dias de viagem, com
um ônibus cheio de artistas. Imagine. Quarenta pessoas no ônibus.
Fizemos Bauru, Franca, com os dois no ônibus. Aí aparece um espírito
de porco de um artista que começa a brincar com os dois. E o seu
Abelardo falava assim pra mim: “Olha, não brinca, o homem é
nervoso...” Essa pessoa chamava o Chicharrão de Piolinzinho e o Piolin
de Chicharrão. E o Chicharrão... não falava com ele. Seu Abelardo
sempre muito quietinho. Seu Abelardo era uma pessoa muito
reservada, muito quietinha. O Chicharrão, não, era bagunceiro.
Piolin, ao lado de Harris, estreou no Circo Irmãos Queirolo em 21 de maio de
1923. Antes, haviam se apresentado no Largo da Memória, no Teatro Brás Politeama e
na rua Vergueiro, naquele mesmo 1923. A temporada se prolongaria por três anos, até o
final de 1925. Em novembro daquele ano o Circo Irmãos Queirolo sairia do Largo do
Paissandu para a avenida São João, 102. Consta do anúncio publicado no jornal Folha
da Manhã, de 12 de novembro de 1925: “Hoje à noite inaugura os seus espetáculos de
atração e variedades, em pavilhão próprio, armado à avenida S. João, o Circo Queirolo,
ao qual voltou o apreciado cômico Chicharrão”. No ano seguinte o circo se transfere
para a rua Duque de Caxias, esquina com a Barão de Limeira, um pavilhão luxuoso, que
comportava 4 mil espectadores.
Para Piolin era o fim do aprendizado e a formação do palhaço, que adquiria
personalidade própria, arrastando para seus espetáculos vastas “enchentes” e garantindo
sucesso a qualquer lona que o contratasse. Se só tivesse sido o arremedo do palhaço
criado por Chicharrão, Piolin não teria adquirido com tamanha rapidez a persona
36
artística necessária para conquistar o público. O resultado dessa construção artística será
analisado mais adiante, pois antes há um novo período de sucesso e reconhecimento.
Por ora basta atentar ao fato de que laços antigos lhe garantiriam um novo espaço para
demonstrar sua habilidade cômica. Embora no mesmo endereço.
1.4 Artista para vários públicos
O pesquisador Júlio Amaral de Oliveira enumerou os circos onde Abelardo Pinto
Piolin atuou até àquela altura da sua carreira: Salvini e Sul Americano (1906);
Variedades (1907); François (1911); Europa (1912); Cosmopolita (1913); Circo-cinema
Pinheiros (1914); Universal (1915); Americano (1916); Circo-Teatro Paulistano, Sul
Americano e Temperani (1917); Oriental (1919); Olimecha (1920); Mexicano, Wasnel e
Jardim Zoológico (1921); Irmãos Thereza, Iris e Irmãos Queirolo (1922); Circo
Pavilhão Alaska e Irmãos Seyssel (1925). Enfim, uma grande experiência para quem
somava 28 anos de vida. Mas a saída do clã dos Queirolo, que se reintegrava, o levou de
novo aos protetores Alcebíades e Vicente, que mantinham a empresa Pereira & Seyssel,
mais conhecida por Circo Alcebíades. Naquele ano de 1925 Alcebíades, com o circo
montado no interior, vem à capital para participar de um – para ele – tradicional evento,
como noticiou a Folha da Manhã de 1º. de agosto:
Depois de concorrer ao concurso da “Tarde da Criança” no qual
levantou o primeiro prêmio, juntamente com o seu companheiro PuchaPucha, regressou a Olympia onde tem armado o seu circo, o palhaço
Alcebíades Pereira. A manhã de anteontem, segundo nos informa o
nosso correspondente, foi originalmente festiva para a cidade de
Olympia: um grupo de admiradores e amigos de Alcebíades, radiantes
pela sua vitória, promoveram-lhe uma recepção carinhosa com foguetes
e banda de música.60
Sua chegada ao Paissandu em novembro daquele mesmo ano já o trazia
carregado pela fama e acompanhado de um novo excêntrico: Piolin. Alcebíades era
membro do Conselho Fiscal da Federação Circense, um dos seus fundadores e fiel
militante da entidade. Seu circo também mantinha uma estrutura incomum para os
concorrentes da época. Contava até com jornal próprio, O Heroy, mensal, editado por
Francisco Rubens Mira, funcionário do circo. Também, com ampla divulgação nos
jornais, inaugura lona impermeável em dezembro de 1925. As atrações são diversas e
60
Folha da Manhã, 1 de agosto de 1925.
37
listadas nas divulgações feitas nos jornais, como o de 30 de junho de 1929, na Folha da
Manhã:
Continua em franco sucesso a “troupe” que Alcebíades Pereira e Piolin
dirigem neste circo, que tão boas noitadas têm proporcionado ao nosso
público. Aqueles empresários, que são considerados entre os melhores
dos nossos palhaços; Nicolau Teixeira, exímio imitador de caipiras e
cantor de modinhas de sua composição; a “troupe” Carpensen,
insuperável na balança da morte; os musicais Lekar e Silos, o cav. Edu
Gomes, com os seus “trucs” de magia; Lambary e Alfredo, nas suas
entradas cômicas, todos constituem o motivo de há cerca de quatro anos
manter o Circo Alcebíades o seu anfiteatro no Largo do Paissandu.61
A dupla de cômicos passa a se apresentar também com um comparsa mirim,
Aylor, repetindo o papel que o próprio Piolin fizera na infância com o mesmo
Alcebíades. Era, enfim, a coroação de uma carreira que havia dado certo. Na arte mais
ancestral do palhaço, a das entradas cômicas, a dupla cria momentos impagáveis até a
um Washington Luiz ainda em ascensão. Conforme depoimento do palhaço ao Museu
da Imagem e do Som, o então presidente de São Paulo ia ao Circo Alcebíades toda
quinta-feira, onde ocupava um camarote, e tinha predileção por um número musical em
que Alcebíades, com seu inseparável pistom, e Piolin, pilotando um bandolim, eram
interrompidos a todo o momento por uma insistente pulga, que começava por cutucar a
canela de um e acabava arremessado ao chão do picadeiro, sem que deixasse de insistir
em novos ataques, sempre interrompendo o número musical.
Naquele picadeiro foi também que Piolin, como a pulga de sua entrada, decidiu
insistir e desenvolver uma nova forma de apresentar o circo-teatro, investindo na
inovação da comédia de picadeiro, indo além das tradicionais chanchadas, que
Chicharrão já levava e que ele continuou a levar no Queirolo: O morto que não morreu,
Casa de doido, Aprendiz de sapateiro e Casa do fantasma62, em sua maioria anônimas e
comuns nos repertórios de diversos circos. Dentro desse esforço é que monta a comédia
Do Brasil ao Far-West. Existe na encenação dessa peça um efeito crucial que levaria
Piolin para além das plateias populares e do ilustre político que se ocultava num dos
camarotes, além de elevar o seu status artístico: o reconhecimento do seu tipo pelos
intelectuais modernistas.
61
62
Folha da Manhã, 30 de junho de 1926.
Também conhecida por Casa mal-assombrada.
38
Em “Do Brasil ao Far-West” Piolin tem uma das suas criações mais
perfeitas. Atinge uma comicidade exterior maravilhosa e dentro da
uniformidade do seu tipo varia sempre com invencível poder criador.
Bastam pra celebrizar um artista de circo as cenas da herança, do medo,
e, sobretudo a genialíssima em que ele descobre que pode se utilizar da
rasteira para brigar. Nesta última, a expressão da alegria vitoriosa
mimada por Piolin é tão dinâmica, tão dominante e intensa que duvido
qualquer expectador sincero, mesmo culto, não sinta as tendências
heroicas violentadas, ativadas, elevadas ao clímax e uma comoção
profunda com raízes no mais mesquinho, no mais fisiológico
nacionalismo. É genial.63
É por demais disseminada a história de que foi Blaise Cendrars, quando de sua
primeira viagem ao Brasil, que descobriu Piolin no Circo Alcebíades em 1926 e cantou
a pedra aos intelectuais que o recepcionavam: o que eles procuravam estava lá no
Paissandu. Todos, sem exceção, se encantaram, a começar por Mário de Andrade e
Oswald de Andrade, à época casado com Tarsila do Amaral, Antônio de Alcântara
Machado, Guilherme de Almeida, Di Cavalcanti, Menotti del Picchia, Paulo Prado,
Sérgio Milliet e Yan de Almeida Prado. Quase todos eles deixaram escritas suas
impressões sobre Piolin. Aliás, repositório do qual todos aqueles que se atiraram na
tarefa de reconstruir a validação deste artista de circo acabaram recorrendo. Tanto que o
pouco que se conhece hoje de Piolin advém desses artigos, das contendas intelectuais
envolvendo o nome do palhaço que incorporava a arte “primitivista” para uns; que para
outros era a salvação do teatro nacional, ou, ao contrário, que deveria fazer do picadeiro
o verdadeiro púlpito de uma arte genuinamente nacional. Claro, muitos destoaram
dessas interpretações e acabaram gerando trocas de argumentos literários. Tanto que, ao
fim do período, mal a euforia dos anos 1920 se afogou em dívidas com o crack da Bolsa
de Nova York em 1929, restou apenas a única lembrança discernível de uma distância
temporal já considerável: a de que Piolin era artista para agradar tanto o público popular
quanto os intelectuais, o que lhe confere uma linguagem cômica universal. Não me
deterei a tratar desse aspecto por demais estudado, inclusive por mim64, que trata da
apropriação do referencial cultural popular por um grupo dedicado à cultura erudita,
intelectual, fundadora de uma nova ordem baseada na ideia de vanguarda e que
legitimou o desenvolvimento das artes e das linguagens culturais nas décadas seguintes.
63
ANDRADE, Mário de. (Pau d´Alho) Do Brasil ao Far-Est – Piolin. Terra Roxa e outras terras. Ano 1,
no. 3, 1926.
64
Na pesquisa de doutorado Mixórdia no picadeiro – Circo, circo-teatro e circularidade cultural na São
Paulo de 1930 a 1970, defendida em maio de 2008 na ECA/USP, emprego Piolin como uma das fuguraschaves do processo de negociação simbólica que marca a construção cultural da metrópole emergente.
39
O que interessa aqui é precisar a contribuição de Piolin e de sua dramaturgia também
nesse processo, especialmente junto ao público urbano e aos meios derivados que, por
sua vez, também se apropriariam de sua contribuição artística.
A grande contribuição da comédia Do Brasil ao Far-West, que será mais
detalhadamente analisada adiante, é se utilizar de referenciais outros que não os das
tradicionais chanchadas circenses, que especialmente guardam elementos claros da
Commédia Dell’Arte. Esse gênero popular teatral, originário da Itália da Idade Média,
empresta a matéria-prima usada por aqueles que introduziram a dramaturgia no
espetáculo circense, logo no início da concepção do circo moderno. O encontro do
sargento da cavalaria britânica Philip Astley, que em 1766 cria um anfiteatro para
oferecer espetáculos equestres, com seu sócio em Paris, Antonio Franconi, levou à
incorporação da pantomima e da referência do teatro popular italiano.
Piolin buscou, então, naquele momento, escapar à estrutura da relação entre
patrão e empregado da Commedia Dell’Art, da disputa social entre a autoridade patronal
do ator sem máscara e o criado de rosto pintado – tentativa, aliás, que se revelará inútil,
como se verá na análise do repertório de peças do Circo Piolin. Mas não é prudente se
antecipar antes de compreender que outra grande característica do circo-teatro passava a
se evidenciar a partir daquela peça: a sua condutibilidade cultural, ou seja, a facilidade
em retrabalhar temas e referências outras, externas ao universo circense, inclusive dos
meios de comunicação de massa ascendentes, entre eles o cinema americano. O próprio
Mário de Andrade percebe isso no artigo mencionado acima ao apontar a “a mistura
saborosa do elemento nacional e do estrangeiro”65, e que a referência do cinema não
resulta em imitação, mas na utilização “deformativa sempre e que leva o absurdo a uma
tal intensidade de cômico que raramente se poderá superar”66. É essa a “lógica do
absurdo”, como o modernista pontua inicialmente, que caracteriza a farsa circense e que
leva à originalidade criativa. Mário de Andrade esbarra certeiramente na estrutura da
dramaturgia circense, como será possível constatar no desenrolar das análises a serem
realizadas nos próximos capítulos desta pesquisa.
O que vale ainda pontuar aqui é a relação que tanto Mário quanto Oswald, este
que se aproximou mais ainda do universo circense, usando-o como referência em seus
romances e peças, foi diversa daquela que os futuristas russos, por exemplo,
mantiveram com o circo e, especialmente com o palhaço Lazárienko. Maiakóvski
65
66
Idem.
Ibidem.
40
chegou ao Circo Nikítin, na Moscou de 1914, com a intenção de recitar seus poemas no
lombo de um elefante67, e apressou-se em eliminar todo traço de metafísica do
espetáculo circense para lhe atribuir uma essência terrestre. Para ele, os palhaços
deveriam primar por suas “máscaras sociais”. No pós-revolução, o circo se torna estatal
e o espetáculo se politiza. E a principal preocupação dos intelectuais é a influência de
Chaplin na performance dos palhaços – a mesma que atingiu Piolin, notam os
intelectuais daqui – e o ambiente político da época propiciava a tônica na sátira política.
A dominação intrínseca do clown sobre o excêntrico, originária da Commedia dell’Arte,
foi com o tempo sendo abandonada: buscou-se o naturalismo para substituir o
caricatural. Oswald, por sua vez, mesmo entrando para o Partido Comunista em 1930,
jamais arriscou sugerir algum direcionamento à arte de Piolin. Ao contrário,
reconheceu-a como revolucionária antes do Partido e antes do Comunismo.
Reconheceu-a, antes de tudo, brasileira, a despeito da tradição circense europeia que
amparava a formação artística do palhaço. Mas também viu no seu tipo algo que varava
o caricato das relações sociais: a contradição como elemento natural.
Depois dessa longa digressão, retorna-se à temporada no Alcebíades. Na edição
no. 43 do Boletim Unidos Seremos Fortes, da Federação Circense, de 23 de novembro
de 1928, há o seguinte registro:
Festejou o seu 3º. Aniversário de estadia no Largo do Paissandu, tendo
realizado 1225 espetáculos, o Circo Alcebíades, da Empreza Piolin e
directores Alcebíades Pereira e Vicente Seyssel.
O que tem sido esse emprehendimento não é preciso salientar e só há
motivo para nos alegrarmos, pois quando progridem os elementos que
se relacionam com o nosso meio circense, deve para todos ser
agardável.
Cumprimentamos portanto aos dirigentes daquelle circo.68
A temporada se estendeu até 1929, sempre com um espetáculo muito concorrido,
sem nada que o diferenciasse de outras companhias, mas com um jeito de fazer que
encantava, conforme testemunha Francisco Rodrigues, que trabalhou no Alcebíades:
“Eu tocava pistom. Tocava na bandinha do circo. Nós tocávamos em cima do coreto.
Companhia muito boa, naquela época artistas muito bons, malabaristas, trapezistas, tudo
muito bom. E o Piolin fazia a chanchada dele e segurava a temporada. Porque o povo ia
lá pra ver o Piolin. Foi muito bom pra mim. Foi gratificante”.
67
68
RIPELINO, Angelo Maria. Maiakóvski e o Teatro de Vanguarda, Perspectiva, São Paulo, XXX, p. 212.
Unidos seremos fortes, boletim da Federação Circense, no. 43, 23 de novembro de 1928.
41
No último ano o circo passou a se chamar Piolin-Alcebíades, o que demonstra a
evolução da popularidade do excêntrico, a ponto de dividir não só a cena, mas o gosto
do público, embora a divulgação dada pelos modernistas tenha contribuído muito para
isso. “Fiz sucesso rápido devido a eles. Se interessavam por mim e constantemente
escreviam crônicas sobre meu trabalho”69, deixou Piolin gravado em seu depoimento ao
MIS. Tal reconhecimento, no entanto, não desfazia alguns arroubos pessoais do
palhaço, muito ligados à prática diária circense e que aqui servem para pontuar a sua
personalidade. Conta seu último empresário, Francisco Honório Rodrigues que,
acompanhando-o em diversas entrevistas e convivendo muito proximamente com ele
nos últimos anos de sua vida, acabou ouvindo do palhaço algumas confissões: “Ele
falava: eles vinham, me pediam o circo pra fazer reuniões e eu cedia. Outro dia de
manhã eram milhões de bitucas espalhadas pelo circo, poltrona queimada – a poltrona
dele era de cinema –, cacos de copos, uma sujeirada. Ele não conseguia dormir, ficavam
até três, quatro horas da manhã numa gritaria lá. Era uma turma jovem”.
Pouco se conhece do repertório encenado no Circo Alcebíades por Piolin, a não
ser as peças mencionadas pelos artigos dos modernistas: Tenente Galinha, Piolin sócio
do diabo, mencionados por Alcântara Machado, e o divisor de água Do Brasil ao FarWest. A se basear no depoimento dado por Waldemar Seyssel a Maria Augusta Fonseca,
a associação entre os dois palhaços se desfez por conta de uma doença que afastou
Alcebíades do picadeiro:
Fomos amigos. Fui trabalhar com ele na avenida São João, ali onde
depois o circo pegou fogo. Ele havia deixado o Paissandu, foi obrigado
a sair por uma questão da Prefeitura, não sei bem o motivo, mas sei que
saiu dali. Então armou o circo num terreno baldio, que depois veio a ser
o cine Broadway na avenida São João, posteriormente a farmácia
Moisés, uma coisa assim. (...) Vim do Rio, estava estreando, era no
princípio de minha carreira já como Arrelia. Vim com meu mano, já
estava despontando; tanto que meu tipo não é nada parecido com o do
Piolin (...) Trabalhamos juntos, trabalhamos em trio quando o clown
dele, que era o Alcebíades, ficou doente, Alcebíades Albano Pereira.
Piolin era um tipo de moleque danado para fazer pega para a gente em
cena. Era tremendo, tremendo. Muito versátil, muito engraçado.
Interessante que fora do picadeiro era um homem inibido, inibido.70
69
70
DANTAS, Arruda. Op. cit., pp. 131 e 132.
FONSECA, Maria Augusta. Palhaço da burguesia, Polis, São Paulo, 1979, pp. 134-136.
42
A separação provocou grande impacto no público frequentador da lona do
Paissandu, além de comoção popular, conforme descreve Paulo de Noronha71. Para
substituir Piolin no “duo incomparável”, como definiu o escritor da Academia de Letras
de São Paulo, foi escalado Anselmo Lopes (Tico-Tico). Depois, ainda atuaram ao lado
do clown, Matos (Rabanete), Moacyr Lopes (Pão Duro) e, enfim, seu filho, Albano
Pereira Neto (Fuzarca). Transferido para a avenida São João, no mesmo local onde
havia estado o Queirolo, como conta Arrelia, o circo se incendeia em 1931. “O fogo,
segundo parece, foi originado por uma ponta de cigarro aceso, que alguma pessoa ou
vizinhança atirou sobre o pano. O circo não estava no seguro, não se sabendo por
enquanto em quanto montam os prejuízos causados pelo fogo”, relata a crônica
jornalística72. O incidente leva os Pereira para o interior do Estado, onde atua em
Bragança Paulista, Jundiaí e outras cidades não relatadas pela imprensa. O retorno a São
Paulo só acontece em 1938, quando o velho circo anuncia a impagável dupla Alcebíades
e Fuzarca.
Mas a localização temporal dessa reflexão retorna a 1929, ano emblemático para
Piolin, como apontado no início deste capítulo. Ainda haveria, em 1931, a aventura no
Teatro Boa Vista, ao lado de Tom Bill, antes que retornasse ao picadeiro e fosse
saudado novamente pelos atentos modernistas. Mas antes de prosseguir em direção à
análise de sua dramaturgia, e não perdendo a pergunta inicial sobre quem é essa figura
artística, o foco se aproximará fisicamente do palhaço, revelando aquilo que, na maior
parte das vezes é apontado como a distinção entre seus pares e mestres: a sua
performance física. Para tanto, o ponto de partida serão os elementos de sua completude
artística, apontados por Sérgio Milliet:
(...) conheci os Fratellini, no Circo Medrano, com seus engraçadíssimos
sketches musicais. O maior, porém, que conheci foi Piolin. Foi Antônio
de Alcântara Machado o primeiro a chamar a atenção para esse clown
espantoso que Blaise Cendrars colocava em primeiro lugar na lista de
suas admirações. Aos poucos, o grupo revolucionário de 1922 se foi
reunindo para aplaudir o homenzinho de colarinho imenso e dos sapatos
“à la Carlitos”, que, com um simples torcer de pernas, fazia a plateia
rebentar em gargalhadas. Ele era completo: mímica, voz, invenção.73
71
NORONHA, Paulo de. Op. Cit., p. 55.
Folha da Manhã, 29 de setembro de 1931.
73
MILLIET, Sérgio. “Saudades do circo”, O Estado de S.Paulo, 6 de maio de 1961, in ÁVILA, Affonso.
O Modernismo. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1975, p. 143.
72
43
1.5 A mímica do palhaço
O raro registro de imagem em movimento de Piolin não consegue mostrar meia
fração do que aqueles que o viram atuando afirmam ser a sua expressão corporal, o
grande elemento de sua graça. Tanto os intelectuais quanto os anônimos que cercaram o
picadeiro do seu circo para rir de suas estripulias, são enfáticos ao se referirem à sua
habilidade física. Francisco Honório Rodrigues, empresário do palhaço, corrobora que
essa característica se manteve até o final:
Eu acho que talvez a mímica era o forte dele. Nesse quadro do Piolin
que nós revivemos no espetáculo de 7274, ele fazia essa entrada, ele
conseguia muita risada da plateia com a mímica. Ele não falava, era o
passarinho, pipipi... só assobiava. O clown queria cantar o passarinho,
ele saia fora, era uma coisa nesse estilo de passarinha. Mas acho
realmente que a mímica dele.
O empresário se refere à entrada Namoro dos passarinhos (ou Idílio dos sabiás,
como batizou Chicharrão), que ganhou registro em película por duas vezes: no filme de
Adolfo Celi, Tico-tico no Fubá (1952), produção da Vera Cruz; e em Sua Majestade
Piolin (1971), documentário de Suzana Amaral. Se no primeiro ele aparece em toda a
sua forma, contracenando com o clown Pinati, travestido, movimentando os braços,
juntando-os ao rosto, enxugando as lágrimas com a barra da saia e conduzindo a ação,
no segundo, já avançado em idade e acometido pela doença cardíaca, parece tentar
resgatar o esplendor da entrada que acabou se tornando a sua marca. Suzana Amaral, em
debate realizado na Sala Olido em abril de 2010, após a exibição do filme, contou que
durante as filmagens teve de parar as cenas diversas vezes para que o palhaço pudesse
se recompor, pois demonstrava cansaço rapidamente. Nos dois exemplos, o registro é
rápido e executado com propósito cinematográfico. Ou seja, sujeito à linguagem do
meio. Além disso, Piolin, quando executava as entradas no picadeiro, não contava
somente com a sua atuação, ele sabia que para o riso desatar era preciso mais do que
isso. O ex-circense Francisco Rodrigues, o Chiquinho, por exemplo, aos 92 anos,
responde sem titubear o que diferenciava Piolin de outros palhaços: “Era a mímica. Ele
é um palhaço de mímica. Nasceu para aquilo. Tanto que até hoje não apareceu coisa
igual. Teve o Arrelia, mas era outro tipo de palhaço. Não era o Piolin. O Piolin jogava
74
Em 1972 o Museu de Arte de São Paulo, sob o comando do casal Pietro Maria Bardi e Lina Bo Bardi,
decide fazer uma homenagem ao cinquentenário da Semana de Arte Moderna e decide montar o Circo
Piolin debaixo do vão livre do museu, na avenida Paulista. Francisco Honório Rodrigues é contratado
para montar o espetáculo, que traz Piolin no centro das atrações e faz temporada de três meses.
44
uma cartola no chão e ali ele tirava partido, ficava fazendo com a cartola tudo o que ele
queria e o povo morrendo de rir.”
Bolognesi destaca que a mímica do palhaço atua com a cumplicidade do público
para fazer despertar o riso, ou seja, é o ato de “tirar partido da situação”, apontado por
Chiquinho. Explica Bolognesi:
Quando Bebé entrou em cena, sem que proferisse palavra alguma ou
gesto, já houve o riso espontâneo da plateia, como se esta estivesse
predisposta ao relaxamento e ao riso, independentemente do enredo
apresentado. Esse riso autônomo é assegurado por uma espécie de
cumplicidade entre a cena e a plateia, entre o palhaço e o público. Mas,
evidentemente, ele ultrapassa o estágio de predisposição para se tornar
efetivo a partir do desempenho do artista, isto é, da sua atuação.75
Portanto, faz parte da composição do tipo a construção não só interior, mas
exterior, a mímica corporal e sua persona aliada à expectativa da plateia, lidar com o
conhecido e abordá-lo com o inesperado. É esse o jogo de tensão entre o esperado e o
improvisado.
No artigo de Paulo Emílio Salles Gomes, já citado, além de descrever a
programação do circo – ginastas, acrobatas, mágico, cachorrinhos amestrados, a dupla
Piolim-Raul76, o casal de mexicanos que cantam, o intervalo e a pantomima – destaca,
enquanto observador arguto do excêntrico, três características marcantes da sua
personalidade: 1. O ar gentil e feminil (“...assim como Charlie Chaplin, pode ser gentil e
feminil porque não é nunca equívoco”77); 2. Recursos imensos de mímica (“...seu
fabuloso repertório de maneiras diferentes de andar, de parar...”78); 3. O grotesco, “que
não anula a inatingível ingenuidade essencial que Piolim possui”79. As três,
concatenadas, convergem no processo acima esboçado: sua persona ingênua e gentil é
aviltada pela mímica, e nesse processo se constrói o improviso que o retira de seu
estado “natural” e o joga na atitude que desata o humor grotesco, que é a sua condição
histórica e social primordial, como se verá no capítulo seguinte.
Grotesca, aliás, é a elaboração de sua máscara – boca, olhos e o nariz vermelho.
Geralmente o reforço pictórico desses elementos seguem alguns preceitos. Por exemplo,
por ser o veículo da voz, a boca é enorme, expelidora e devoradora, pois o palhaço
75
BOLOGNESI, Mário. Palhaços, Editora Unesp, São Paulo, 2003, pp. 13 e 14.
Seu irmão, Raul Pinto.
77
GOMES, Paulo Emílio Salles. Op. Cit..
78
Idem.
79
Ibidem.
76
45
deglute em sua voracidade constante, em sua ansiedade inata. Já o nariz, que na Idade
Média era fálico (Arrelia resgatou essa conformação), no excêntrico é achatado e
vermelho, resquício da história do Augusto, personagem teutônico rude e indelicado que
ganhou o apelido – no dialeto berlinense “pessoas em situação ridícula” – após cair de
cara no chão. Desajeitado, é a figura que monta o cavalo ao contrário, olhando para seu
rabo, imagem que carrega a ancestralidade dos antigos “charivaris”, costume rural de
punição de indivíduos que desrespeitam as normas da comunidade e que eram
submetidas a cortejos públicos de execração montadas desse jeito nos cavalos. Enfim,
os olhos expressam a subjetividade do olhar e são a única coisa sublime na máscara
grotesca.
A construção da personagem, assim, obedece a um determinado perfil
individual, que se apoia nas características corporais do ator e em sua
própria subjetividade. Mas, para alcançar o estatuto da personagem, o
ator procura adequar suas matrizes internas às características tipológicas
do palhaço, oriundas da tradição da bufonaria. A síntese desses
universos distintos propicia a expressão de uma subjetividade por meio
de um tipo cômico aparentemente imutável. Isso confere ao palhaço um
grau de universalidade que se manifesta de forma particular. Assim, ele
materializa no corpo, na indumentária, nos gestos, na maquiagem e na
voz os perfis subjetivos e psicológicos que fundamentam sua
personagem.80
A máscara de Piolin, pouco mudada no decorrer de sua vida artística, têm as
seguintes características: sobrancelhas riscadas para baixo, sem ser muito burilada,
retocam as sobrancelhas reais; o nariz avermelhado, redondo, bolota; a boca ampliada
ao extremo, até às bochechas e o queixo, branca, com o contorno vermelho também
ampliando o risco dos lábios; entre o nariz e a boca, o esboço de um bigode chapliniano,
o que dá a impressão de ligar um e outro num artefato pregado na gigante boca branca.
Tudo coroado com a peruca careca e o chapéu coco. Ressaltam-se aí a persona
percebida por Paulo Emílio Salles Gomes: ar feminil, gentil.
Havia um elemento na composição dessa máscara notada por Francisco Honório
Rodrigues:
Você podia olhar dez palhaços e falar: nossa... olha esse aqui! Não sei
se por causa dos olhos azuis, a figurinha dele, a cara dele. Ele sempre
pintava, ele que se pintava. Já trêmulo, um homem de 76 anos, doente.
Eu acho que a figura era diferente de todos. Trabalhei com vários
[palhaços] (...) Eu fui fazer um futebol de palhaços que o prefeito
80
BOLOGNESI, Mário. Op. cit., pp. 197 e 198.
46
contratou. Aí fiz um time do Piolin e um time do Torresmo. Levei
quarenta palhaços. (...) Então você via aquele monte de palhaços e
dizia: que diferença! Que coisa... por que será? A magia do negócio.
Você olhava... (...) Acho que o contraste dos olhos azuis dele. Sei lá,
não sei.
A máscara de Chicharrão, por exemplo, que o acusa de imitá-lo, tem outra
dimensão. Ele é mais econômico. O nariz vermelho em contorno, boca sem ampliação,
mas riscando para baixo os cantos, um dente ressaltado; sobrancelhas altas, distantes
dos olhos; as rugas nos cantos dos olhos e de expressão no contorno da boca – o bigode
chinês – também são realçadas. Queixo coberto por pontos de barba por fazer. Peruca
calva e chapéu coco.
47
Os últimos elementos foram os que permaneceram em Piolin: chapéu, peruca,
além do colarinho. A personalidade de Chicharrão é um tanto malandra, esperta, embora
empreste ainda um ar de trapalhão, essencial ao Augusto. São as características
subjetivas que constroem o personagem e se expressam na sua máscara.
1.6 A voz do palhaço
O riso de Piolin é inimitável. O escolho dos outros, na cena, na tela,
onde for, para ele é o meio mais seguro de chegar ao triunfo. Palhaço
algum consegue reproduzir os gritinhos e guinchos que ele dá, quando
finge raiva, satisfação ou pavor. Nenhum consegue igualar aquela voz,
que por si só é um poema. Nenhum consegue certas inflexões,
exclamações, interjeições, da garganta privilegiada, que vale tanto
como a de um tenor universal, com a diferença que o tenor transuda
vaidade e pretensão, e cacetea a gente, ao passo que Piolin nos ajuda a
esquecer a feiura da vida.81
81
Folha da Noite, 1957, in DANTAS, Arruda. Piolin, Editora Pannartz, São Paulo, 1980, p. 123.
48
Para verificar as descrições da “voz gozada”82 feitas por Yan de Almeida Prado
nas crônicas de seu Circo de cavalinhos, é preciso recorrer aos também raros registros
de voz de Piolin. O mais antigo deles está nas duas faces de um disco 78 rpm gravado
em dezembro de 1929, com duas interessantes narrativas.83 O registro seguinte foi feito
mais de duas décadas depois, em 1952, quando participa do filme Tico-tico no fubá, que
conta a biografia romanceada de Zequinha de Abreu, autor do chorinho que dá nome ao
filme, sucesso internacional da voz de Carmen Miranda nos anos 1930. O último
registro foi feito mais duas décadas depois, em maio de 1971, na casa-camarim de
madeira do excêntrico, localizada na Freguesia do Ó, em São Paulo. Lá se reuniu a
Chicharrão e a Arrelia para dar um depoimento ao MIS.84 As análises propostas aqui
envolvem o tipo de humor empregado pelo palhaço e o uso da voz nesse processo,
considerando referências e influências. Por serem de três momentos distintos de sua
vida – 1929, 1952 e 1971 – o principal objetivo será identificar nesses registros
elementos que sejam reconhecíveis dentro de um discurso humorístico peculiar ao tipo
por ele criado.
As duas gravações registradas em 1929 pela Victor coincidem com o período em
que a indústria fonográfica tornou comum o registro de grandes cômicos brasileiros nos
discos 78 rpm. A principal concorrente da Victor, a Columbia, conquistaria sucesso de
vendas, apesar de seu descrédito inicial, com as gravações dos causos e chistes de
Cornélio Pires, no estilo caipira. A Parlophon, no mesmo ano, registrou o humor
italiano de Tom Bill, da mesma forma que a Columbia. Em dueto com Armando
Bertoni, produziram um humor que beira o radiofônico, apesar deste ainda estar em fase
de construção, pois o rádio se tornaria comercial em 1932, o que possibilitaria sua
rápida evolução. Nesses dois exemplos se têm as duas principais vertentes humorísticas
de São Paulo, a regional e a italiana, como aponta Elias Thomé Saliba 85. O registro
deixado por Piolin não concorre com nenhum dos dois tipos característicos de humor.
Muito embora haja uma tradição de registro de palhaços em disco, especialmente as
primeiras gravações da Casa Edson, o registro de Piolin é bem singular.
82
Definição de Patrícia Galvão (Pagu) no jornal O Homem do Povo, de Oswald de Andrade, 7 de abril de
1931 in ANDRADE, Oswald de e GALVÃO, Patrícia, O Homem do Povo, Edição completa e fac-similar,
Imprensa Oficial do Estado S. A. Imesp/Divisão de Arquivo do Estado de São Paulo, São Paulo, 1984.
83
78 rpm, Victor, no. 33.242, dezembro de 1929. Acervo do Centro de Memória do Circo, São Paulo-SP.
84
Há ainda o documentário de Suzana Amaral, do mesmo ano, não considerado nesta análise por não
acrescentar novidade em relação à entrevista feita no mesmo ano.
85
SALIBA, Elias Thomé. Raízes do riso - A representação humorística na história brasileira: da Belle
Époque aos primeiros tempos do rádio, Companhia das Letras, São Paulo, 2002.
49
Similar aos monólogos gravados por Procópio Ferreira em 1928 e 1929 pela
Odeon (muitos deles de autoria de Olegário Mariano), embora este usasse a entonação
do ator teatral ou o da oratória romanesca ou a interpretação de diálogos, Piolin se
propõe a discorrer calmamente, usando o mesmo tom de voz, sobre acontecimentos
corriqueiros, embora a partir de uma lógica própria de palhaço. Em Um dia infeliz,
antecipa que irá narrar os acontecimentos que tornaram aquele “um dia desgraçadíssimo
desgraçado”. Mas mantém o tom durante toda a narrativa. Enumera alguns pequenos
absurdos, como presentear o sobrinho com “carabinas, espadinhas e um bonde”. Cria
expectativa ao revelar que o garoto engoliu uma moeda. Agrava-se o caso com os
quatro médicos que o socorrem. Mas mantém sempre o mesmo tom. Até o desfecho,
prolongado com uma nova história, rápida e brevemente encerrada, ele o faz sem alterar
os ânimos.
Nós todos temos um dia infeliz na vida. E hoje foi o meu dia. Imagina
que infelicidade tristíssima aconteceu comigo... Um homem quando é
desgraçado, anda mesmo sempre na desgraça. E hoje foi um dia
desgraçadíssimo desgraçado para mim. Imagine só que hoje foi o dia do
aniversário do meu sobrinho. Tão bonitinho, tão engraçadinho que ele é,
chama-se Cazuza. Fui eu que escolhi o nome. E como eu sou o padrinho
do garoto, fui convidado para um almoço colossal. Então eu comprei
uma porção de presentinhos para o pequeno. Comprei carabinas para
ele, comprei espingardinhas, comprei espadinhas, comprei até um
bonde pro pequeno. Ele ficou satisfeito e não queria saber de outra
coisa. E só brincando com aquilo tudo. Mas, de repente, deu na ideia do
garoto de querer chupar balas. No meio de tantos doces que ele tinha na
mesa, não faltava nada. Mas criança é sempre assim mesmo. O que que
havia de fazer? Eu fui, pra contentar o garotinho, peguei uma moeda de
um mil réis e dei para ele. Ih, ele ficou satisfeito! Me deu tantos abraços
e beijos... Ficou satisfeitíssimo! E saiu correndo para o meio da rua para
comprar balas e... sabe, criança, tudo que apanha, põe na boca! E não é
que o garoto pôs a moeda na boca, quando vai pular da calçada... au!
Engoliu a moeda! Que susto, meu Deus! Quando eu vi o garoto
engasgado, todo roxo, eu gritei por socorro! Mas gritei mesmo! Fiz um
barulho desgraçado, dei tiro, gritei, até que veio socorro por todas as
esquinas. Apareceu o Corpo de Bombeiro, apareceu a Polícia, apareceu
a Assistência, olha até carroça de lixo veio à minha porta. Então, os
médicos foram entrando pela casa adentro e viram o garoto naquele
estado e pegaram ele, puseram em cima da mesa e com uma porção de
ferramentas enfiaram aquilo tudo na garganta do pequeno. E nada de
poderem extrair a moeda de mil réis! Eu já estava meio maluco! Veja
que infelicidade! Eu saí correndo e fui até à Santa Casa. Peguei dois
médicos dos melhores que tinha lá e trouxe para a minha casa. E os dois
médicos que chegaram em casa ajudaram também os outros dois que já
estavam lá. E eram quatro médicos. Trabalharam, trabalharam, de toda
maneira. Pois não houve meio de extraírem a moeda da barriga do
pequeno! Veja a criança quantas artes não faz! O quanto são arteiros!
Com muito favor, só tiraram setecentos réis! E veja qual é a minha
50
infelicidade: quando foi à noite, outra desgraça! Eu estava com a minha
avó muito doente, muito doentinha... Foi quando recebi um telegrama às
nove horas da noite. E a minha família, coitada, para não me
assustarem, passaram o telegrama dessa maneira: “Piolin, a vovó está
passando muito mal. O enterro sai amanhã às dez horas.” Ora, só dei um
grito e desmaiei.
No outro lado do 78 rpm, ele se propõe a fazer uma reflexão sobre a anatomia
humana seguida de uma rápida avaliação sobre o Gênese bíblico. Nesta face do disco a
sua narrativa monocórdia é pontuada por algumas onomatopéias, como o assoar do
nariz, por exemplo. O humor chega a tender ao malicioso – ao grotesco – quando
assinala, sem dar sinal de malícia na voz, que, apesar de ter dois olhos na frente, “nós
não temos nem um olho atrás que enxergue!” Suas sugestões para “melhorar” a
anatomia, ditas com seriedade e sem o recurso de efeitos sonoros – prática que só
adviria com o rádio – beiram ao absurdo contrastante com a maneira como reflete sobre
o tema. Há pequenas nuanças na entonação, que somente varrem a vaga do texto, sem
alterar a corrente com que segue até o final da gravação.
Sim senhor! Pensando bem o que é esse mundo, é uma coisa esquisita.
Outro dia eu fiquei pensando como está feito o mundo. Eu fiquei dando
risada sozinho. Porque pensando bem é uma coisa engraçada que o
mundo ao mesmo tempo está muito malfeito. Ah! Imagina que nós os
homens... a começar por nós. Mas que coisa malfeita! Tantos
inconvenientes nós temos! Imagine nós, com dois olhos na frente! Pra
quê tantos olhos na frente? Pois que nós não temos nem um olho atrás
que enxergue! E só com dois olhos na frente estamos muito sujeitos a
traições tremendas! Mesmo um bonde, um automóvel trepa em cima da
gente sem a gente enxergar nada. Um tiro, uma paulada... É uma coisa
medonha! Se nós tivéssemos um olho atrás que enxergasse bem, podia
muito bem evitar todos esses inconvenientes. Olha, nós temos também o
nariz na altura da boca. Olha mas.. ih! Que coisa engraçada! Mas que
coisa bem feia! É bem feio, pensando bem, o nariz. Olha, veja só: a
gente está numa sala cheia de moças, numa visita de cerimônia, a gente
tem que tirar o lenço do bolso e levar ao nariz e... rrrrrrrrr! Que coisa
mais feia, meu Deus! Ás vezes uma senhorita qualquer dá uma risada e
nós ficamos tão encabulados! Ora, pois nós não podíamos ter o nariz
num outro lugar? Mais ou menos, assim, na altura dos...bolsos das
calças! Ora, seria uma coisa mais cômoda. Porque a gente pegava o
lenço, enfiava nos bolsos das calças sorrateiramente, assuava o nariz
sem ser visto. Seria muito mais bonito e mais agradável. A boca. Tem
coisa mais bonita numa moça do que seja a boca? Ah, quando a gente
vê uma senhorita com uma boca bonitinha... ah, nós ficamos malucos!
E, pensando bem, a boca tem certo inconveniente. Porque nós gostamos
de uma moça por causa da boca, as palavras que saem... tão maviosas,
tão amorosas, tão gostosas... e outros denguinhos... coisas mais... E
quando a gente, então, tem que falar com o pai dela para o negócio do
casamento... Quanta coisa feia a gente não ouve da boca do pai! Nossa
51
Senhora! E então? Ora... o mundo! Já no princípio já foi malfeito. Pois
dizem que Adão foi feito de barro. E chama-se Adão! É um erro. Se
Adão foi feito de barro, devia chamar Barroso e não Adão! De maneiras
que... a Eva foi feita da costela de Adão. Olha que perigo nós passamos
sem ter a mulher no mundo! Porque naquele momento que Deus
arrancou a costela de Adão e jogou no chão, ai... se na hora passa um
cachorro... pegava a costela, engolia, ficávamos nós sem mulher no
mundo!
O discurso nonsense em tom grandiloquente reproduz um tipo de humor
originário da Roma clássica, a sátira menipéia. Aqui ele tem um direcionamento
francamente grotesco: o corpo é a sua matéria, tanto na história do sobrinho que engole
a moeda e é “operado” por uma junta médica que mais parece uma entrada de palhaços,
quanto a reforma da natureza proposta por Piolin – um olho na nuca, o nariz na altura do
bolso da calça... – o que leva para a gravação o verdadeiro humor do excêntrico, não
outro, calcado em modelos externos aos do circo. O que é coerente não só com o que
propõe deixar registrado, como aquilo que estava então à disposição do mercado
fonográfico. Cornélio Pires, por exemplo, recita “causos” caipiras como se estivesse
sentado à beira de uma fogueira rodeado por violeiros, usando, inclusive, a prosódia do
caipira. Tom Bill, por sua vez, recorre ao diálogo humorístico, comum nas revistas
regionais, prenunciador do humor radiofônico. Enfim, Procópio Ferreira usa o
monólogo teatral, sério, para praticar um humor mais refinado.
O tipo de humor usado por Piolin remete ainda ao bestialógico dos alunos do
Largo de São Francisco, entre eles o romancista Bernardo Guimarães, que teria
dominado essa prática, embora pouco tenha restado de sua produção humorística86. O
também chamado pantagruélico é definido pelo historiador Almeida Nogueira,
contemporâneo do autor de A escrava Isaura, da seguinte forma:
O bestialógico era um discurso em prosa ou composição em versos de
estilo empolado e com propositais absurdos, engraçados pela
extravagância. Por ampliação também se dava esse nome qualificativo a
quaisquer orações acadêmicas, por pouco que se ressentissem do tom
enfático que era peculiar a esse gênero. Cremos que o inventor do
bestialógico, ou, pelo menos, o seu introdutor na Academia de São
Paulo foi Bernardo Guimarães, que primava nesses torneios,
improvisando em prosa ou em verso os mais jocosos despropósitos.87
86
De prosa, nada; restaram apenas os poemas pornográficos “Elixir do Pajé”, “A origem do mênstruo” e
“Orgia dos duendes”, francamente apoiados na sátira menipéia, da qual Bakhtin viu em Rabelais um
precursor da literatura moderna.
87
<http://reocities.com/Athens/olympus/3583/besta.htm>. BG foi um dos introdutores do bestialógico no
Brasil. Site coordenado por Paulo Roberto Lopes dedicado à vida e à obra de Bernardo Guimarães.
Consultado em 18 de abril de 2011.
52
Também fruto dos poetas românticos, a poesia macarrônica, que tanto sucesso
faria na imprensa da Belle Epoque paulistana88, já no século seguinte, quando os jornais
se apropriaram do sotaque das ruas em suas seções de cartas e, depois, em artigos e
crônicas, foi largamente empregada no humor circense, estendendo o recurso satírico
por quase um século. Piolin também foi propagador desse tipo de humor.
O recurso do discurso pantagruélico também é usado pelo palhaço em sua
participação no filme Tico-tico no fubá. A história se situa na interiorana Santa Rita do
Passa Quatro (SP), onde o músico Zequinha de Abreu passou a maior parte de sua vida,
mas vê a possibilidade de mudar o seu destino ao se apaixonar por Branca (nome de
uma de suas valsas), a amazona do circo que visita a cidade. O circo é o de Piolin, que
aparece no primeiro terço da película. Desde a aparição repentina do palhaço, ocupando
toda a tela com sua máscara, até o final do número que apresenta a música-tema –
Anselmo Duarte ao piano – Piolin ocupa pouco mais de seis minutos da película. Para
compreender o humor e o uso do recurso da sua voz, que ocupa menos tempo ainda do
filme – não chega a um minuto –, sua participação foi decupada e esquematizada:
Minutagem
Ação
5’15’’ – 5’23’’
Surge Piolin, correndo, em direção à lente da câmera, e seu rosto preenche
a tela. Faz uma careta e solta uma gargalhada.
Encena a entrada “Idílio dos sabiás” juntamente com o clown Pinati
15’27’’ – 16’48’’
24’35’’ – 25’29’’
Após o espetáculo do circo ser interrompido pela chuva, Zequinha vai para
os bastidores agradecer Branca por ela ter feito seu número no cavalo com
a banda tocando música de sua autoria. Aparece Piolin apanhando um
pedaço de pão, logo após o mágico vaticinar: “Vai chover oito dias, oito
noites sem parar!” Sério, desdenhando o pão, afirma, num tom dramático:
“Pão e água. Comida de preso!” Apanha em seguida uma garrafa e brinca
com a trupe, batendo na cabeça de um ou outro. Sobe sobre uma cadeira e
inicia um discurso nonsense: “Meu amigos, saudemos a chuva. A chuva
que nos suja a roupa de lama, a chuva que inventou o guarda-chuva, o
defluxo, a tosse e as farmácias... A chuva, a única amiga dos artistas
porque interrompe o espetáculo! Que venha da grossa, porque da fina, o
patrão não gosta! A chuva parou...” Entra o mestre de pista e repete:
“Graças a Deus, a chuva parou!” Piolin abre o sorriso e pergunta:
“Amanhã tem espetáculo?” E todos respondem: “Tem, sim senhor!” Os
artistas apanham garrafas de cerveja para iniciar uma festa espontânea.
88
Ver JANOVITCH, Paula Ester. Preso por trocadilho – A imprensa da narrativa irreverente paulistana
(1900-1911). Alameda, São Paulo, 2006.
53
26’18’’ – 30’40’’
Piolin reaparece entre os artistas quando o mestre de pista começa a fazer
um discurso para saudar o compositor Zequinha de Abreu. Em seguida, O
mestre pede ao compositor que toque. Ao que ele responde: “Aqui não tem
piano...” Piolin intercede: “Como é que não tem piano? Nós somos as aves
canoras... Vem que eu vou te mostrar o meu pianinho.” Vai até o piano.
“Ele é de sete meses, mas soluça como um danadinho. Venha! Venha
tocar.” Enquanto Zequinha toca, Piolin dança com os artistas, até vestir um
boneco gigante para continuar dançando e avançando sobre os amigos ao
som de “Tico-tico no fubá”.
No rápido discurso que faz sobre a chuva o recurso é o mesmo utilizado nas duas
gravações: o humor nonsense, desta vez falado com a voz mais caracterizada – a
verdadeira voz de Piolin, não a do cômico Abelardo que fizera o registo em disco,
embora na entrevista que tenha concedido ao MIS ele pareça ter, enfim, incorporado a
voz do personagem – interpretando de forma solta e menos retórica. O discurso toma a
chuva por personagem, como se lhe atribuísse personalidade, em tom paródico. Atribuilhe, inclusive, responsabilidade pelos efeitos que causa no organismo humano (o
defluxo e a tosse), assim como os efeitos sociais (“da grossa, porque da fina o patrão
não gosta”). Faz o mesmo em relação ao piano, que “soluça como um danadinho”.
Trata-se de um humor mais burlesco, que promove um rebaixamento do tema: a chuva
que suja a roupa de lama. O que reforça o humor da cena é o vaticínio do mágico antes
do discurso, de que vai chover oito dias e oito noites, e o fim da fala com a confirmação
de que a “chuva parou”, o que torna toda a cena uma perfeita farsa circense.
Na entrevista mencionada no início deste capítulo para o jornal Folha da Manhã
de dezembro de 1928, os repórteres aguardam no camarim o término da função. Chega
Piolin maquiado, mas é retirando a máscara que ele concede a maior parte da entrevista.
A partir daí o depoimento enseja aos repórteres que esteja sendo dado por Abelardo
Pinto, pois o próprio entrevistado, apontando para as roupas jogadas no camarim,
garante que Piolin ali descansa também. A pergunta imediata é: “Vai falar sério?” Ao
que Piolin responde:
Uma seriedade à altura do caso. Antes, devo dizer-lhe que nesta minha
outra individualidade possuo inteligência clara, raciocínio, visão
analítica. Quando o palhaço sai de mim, recordo que li autores célebres
da filosofia, da sociologia, do materialismo, do reumatismo e até
mesmo os que escreveram ensinamentos domésticos para a cura da
hidrofobia e do reumatismo. Mais tarde eu procurei Beethoven, o gênio
da música; fiz orações ante a estatutária imortal dos gregos; fui italiano
no fascínio da pintura; beijei a creação do teatro no túmulo de
Shakespeare; mas ainda não tive ensejo de ver uma revista carioca. Li
em todos os idiomas, vesti os costumes de todos os países, senti com
54
todas as almas, tendo o sonho de Virgílio, o senso de Tácito, a justiça de
Salomão, a revolta de Cervantes... mas ainda não tive tempo de ler o
último número da ‘Maçã’, do Conselheiro XX...89
Mesmo quando ensaia uma certa “seriedade”, aqui travestida de eruditismo, pois
se trata de entrevista concedida a um repórter, portanto ocasião que exige tal recurso,
Piolin descamba para o discurso nonsense e grandiloquente, marca registrada do humor
“piolinesco”, adjetivo empregado na maioria dos anúncios circenses para divulgar as
suas comédias e farsas. Mais uma vez o tipo de humor é ancestral, remontando aos
festivais e carnavais da Idade Média e do Renascimento, dissecados por Mikhail
Bakhtin, ecoam o “pregão do charlatão de feira” a recitar “receitas paródicas”, abusando
de superlativos elogiosos e passando, num átimo, para a injúria. “A cultura da língua
vulgar era, em grande medida, a da palavra clamada em alta voz ao ar livre, na praça
pública e na rua”90, ressalta. É essa a linguagem empregada pelo bufão que se assume
rei durante os festivais de inversão dos papéis sociais. Da mesma forma, é essa
linguagem pantagruélica que constrói a imagem do agente da inversão, ou seja, o bufão
que se torna rei para ser destronado pelo povo, ritual de renovação que sintetiza o riso
dos períodos analisados por Bakhtin. Assim, por mais que esse “charlatão” se eleve às
raias do saber, haverá sempre um elemento do grotesco para trazê-lo de volta ao
corporal: ele lê autores célebres da filosofia, da sociologia, do materialismo e... do
reumatismo!
Os discursos mencionados acima revelam, portanto, uma gramática do grotesco,
que remonta há quatro séculos mas que, a partir da habilidade de construção da
personalidade humorística do palhaço, é alinhada aos recursos da contemporaneidade,
como o último número da “Maçã”, por exemplo, com a intenção exclusiva de criar
identificação por parte do espectador. Se forem considerados os tipos humorísticos do
mesmo período, como o caipira e o italiano, percebe-se de imediato que o elemento de
identificação é a própria linguagem, a prosódia do falar e do errar ao falar (recursos que,
abundantemente, são também empregados nas peças de circo-teatro). No caso de Piolin,
o elemento é menos espacial e mais temporal: alia o subjetivo a-histórico ao referencial
contemporâneo. De qualquer forma, funcionou tanto no disco quanto no cinema, na
narrativa ficcional quanto na reportagem testemunhal.
89
Folha da Manhã, 7 de dezembro de 1928.
BAKHTIN, Mikhail. A cultura na Idade Média e no Renascimento – O contexto de François Rabelais.
Hucitec, São Paulo, 2010, pp. 157 e 158.
90
55
Uma das marcas registradas vocais do palhaço, elevada por Paulo Emílio Salles
Gomes à epígrafe do artigo “Vontade de crônica sobre o Circo Piolim solidamente
armado à Praça Marechal Deodoro”, e que foi registrada em gravação, a pedido de
Oswald de Andrade Filho, no depoimento que Piolin deu ao MIS, é uma interjeição que
fazia a arquibancada de seu circo vir abaixo, qualquer que fosse a confusão que se
metesse nas suas encenações. Seu “iiiiiiiiii!!!”, quando grafado, pode não emprestar o
tom verdadeiro que o excêntrico dava em situações embaraçosas, pois, como exprimem
os entrevistadores e o próprio Piolin na gravação, ele mescla embaraço e desconfiança
com o desdobramento do problema encenado, uma expressão plenamente compatível
com a essência do grotesco, pois ao mesmo tempo que revela não um entrave que
racionalize a ação, mas que a torne menos coerente ainda, prepara o público para o
próximo chiste, a próxima gag. Certamente que, reproduzida a pedido, a interjeição não
guarda a espontaneidade da cena, nem é expressão que deriva de ação construída, como
é a do palhaço, mas ela sai em tom baixo. Mesmo assim, revela a intenção de quem
rodeia a cena e observa de soslaio, dando a senha para o riso da plateia.
1.7 A invenção do palhaço
Suzana Amaral: Nessas peças, você mudava a sua
caracterização, ou era a mesma?
Piolin: Era a mesma. Mudava só a roupa.
Suzana Amaral: Você nunca mudou?
Piolin: O tipo?
Suzana Amaral: É.
Piolin: Nunca mudei. É o tipo que eu faço há cinqüenta
e tantos anos. Sempre a mesma coisa. Nunca mudei.
O menino Arthur Miranda teve a felicidade de frequentar o Circo Piolin, na
Praça Marechal Deodoro, entre 1947 e 1952. Portanto, fez parte da “maçonaria dos que
viram Piolin”, na definição de Paulo Emílio Salles Gomes. Sua irmã trabalhava na Santa
Casa de Misericórdia de São Paulo, que fica no bairro de Santa Cecília, próximo ao
circo, e lá ganhou uma senha que garantia descontos nas entradas. Para poder assistir os
espetáculos nos dias de semana, que eram os dias permitidos para o uso do benefício, ia
com o namorado. Mas, a época exigia que não se saísse sozinha assim com um
pretendente, mesmo que fosse noivo. Para conseguir a permissão paterna, o namorado
aceitava levar também o sobrinho, Arthur, que pôde passar alguns anos de sua infância
56
debaixo da lona de Piolin. Depois conheceu outros circos, outros palhaços, e até se
tornou cômico, tendo atuado ao lado do comediante José Vasconcelos, na década de
1970. Ao tentar vocalizar a distinção de Piolin entre os demais palhaços que conheceu,
se atrapalha, levado pela emoção e pela nostalgia:
É isso. Aí é que tá... É difícil traduzir isso, né? Porque... acho que é a
alma. Sabe, eu até me emociono. Desculpa. Esse tipo de palhaço que
nem o Piolin, ele não era simplesmente um artista que... acho que ele
tinha a alma do circo. Quando ele via aquelas crianças, aquele público,
ele saía de si. Parece quase que uma... uma mudança interior assim da
pessoa, uma transformação. Ele realmente se transformava. Eu acho
que, como criança... Eu vi como criança, eu não vi o Piolin depois dos
meus 17, 18 anos. Eu vi o Piolin na idade de criança. Dos 8, 9 anos até
os 15, 16. Ou talvez menos que isso. Foi nesse período. Não sei se era
eu como criança que tinha uma visão diferente (...).91
Talvez essa dificuldade de sinalizar a contribuição de Piolin para o imaginário
de algumas gerações de espectadores aponte para a dimensão daquilo que Sérgio Milliet
indicou como característico da comicidade do palhaço, além da mímica e da voz: a
invenção. Certamente que por invenção não se entende somente o dom de criar, de
elaborar uma expressão cênica e de leva-la à encenação com sucesso, ou seja,
conquistando o riso e o aplauso do público. Invenção tem um sentido ligado ao próprio
riso, pois no caso específico do circo, é um riso que gera sociabilidade, interação
imediata, proximidade suficiente para entender a graça antes mesmo dela se concretizar.
Num artigo publicado em 2 de agosto de 1931 no Diário Nacional, numa crítica
às crônicas Circo de cavalinhos, de Yan de Almeida Prado, Mário de Andrade se
aproxima bastante dessa definição de invenção ao pontuar:
A comicidade de Piolin evoca na gente uma entidade, um ser, e de tanto
maior importância social que essa entidade converge para esse tipo
psicológico geral e universalmente contemporâneo do ser abúlico, do
ser sem nenhum caráter moral predeterminado e fixo, do ser ‘vai na
onda’. O mesmo ser que, apesar das especificações individuais,
representam Carlitos, Harry Langton, as personagens de Ulysses, os de
Proust, as tragicômicas vítimas do relativo que Pirandello inventou.
Nessa ordem geral do ser humano, que parece criada pela inquietação e
pelas enormes perplexidades deste fim de civilização, ser que nós todos
profundamente sentimos em nós, nas nossas indecisões e gestos
contraditórios, é que o tipo de Piolin se coloca também.92
91
92
Entrevista concedida para a pesquisa em 4 de maio de 2011.
ANDRADE, Mário de. Diário Nacional, 2 de agosto de 1931.
57
Por sintetizar essa contradição, parte de sua humanidade expandida pelo
exercício artístico, é que talvez tenha conseguido desatar o riso com tanta facilidade, e
que tenha sido entendido, seja intectualmente seja emocionalmente, por sua completude.
Uma completude forjada nas contradições. Como todo ser humano, toda sociedade, em
todo o seu contexto.
Após esmiuçar um pouco mais o sentido do riso e do humor, matéria do capítulo
seguinte, será analisado o período conformado pelo corpus da pesquisa, entre 1933 e
1960, quanto durou o Circo Piolin e a intensa encenação de circo-teatro. Por fim,
caminharemos por entre as poltronas do circo, identificando os rostos da plateia e
entendendo de que forma rir em sociedade afetou a rotina daquele cidadão simples.
58
2. O riso e o humor
Tendo rido Deus, nasceram os sete deuses que governam o mundo...
Quando ele gargalhou, fez-se a luz... Ele gargalhou pela segunda vez:
tudo era água. Na terceira gargalhada, apareceu Hermes;
na quarta a geração; na quinta, o destino; na sexta, o tempo.
Tratado alquímico de Leyde, século III93
O objetivo final da dramaticidade do palhaço é a promoção do riso, essa
entidade que acompanha o ser humano desde o princípio dos tempos e que preenche seu
cotidiano, além de fazer parte de sua crença, sua sociabilidade e sua expressão artística.
Pelo riso foram criados gêneros de humor no decorrer do tempo, dependendo das
circunstâncias históricas, sociais, culturais e econômicas, de modo que ele pudesse ser
desatado de diferentes formas: caótica, dissimulada, cínica, zombeteira, reprimida,
sagrada, profana, humana, divina, diabólica, medrosa, vigiada, polida, filosófica,
literária, teatral, burlesca, grotesca, derrisória... O filósofo George Minois, em obra de
fôlego, encadeou essas formas para construir uma história do riso (e do escárnio),
pontuando passagens de um tipo a outro e as condições que propiciaram tais mudanças
nos humores humanos. Partindo do riso fundador dos mitos e levando-o para as festas
da Antiguidade, ele alcança a gênese da comédia, que é o que interessa aqui, o que teria
ocorrido por volta de 400 a.C..
Que sabemos das festas do antigo mundo grego? (...) Ora, nelas sempre
encontramos quatro elementos: uma reatualização dos mitos, que são
representados e imitados, dando-lhes eficácia; uma mascarada, que dá
lugar, sob diversos disfarces, a rituais mais ou menos codificados; uma
prática da inversão, na qual é necessário brincar de mundo ao contrário,
invertendo as hierarquias e as convenções sociais; e uma fase
exorbitada, em que o excesso, o transbordamento, a transgressão das
normas são a regra, terminando em caçoada e orgia, presididas por um
efêmero soberano que é castigado no fim da festa.94
O riso festivo tem sentido ritual, é um contato com o mundo divino, não se trata
de representação. Esta se dá a partir do riso da comédia. Na festa, o riso tem a função de
reforçar a regra, de recriar o mundo. Para isso utiliza-se da inversão: estabelece-se o
caos para que se recrie a ordem. Já a mascarada parece ter a função de propiciar um
exercício de alteridade: ser o outro. A festa dionisíaca faz surgir o cômico rude e
agressivo. É a primeira representação que, com o tempo, adquire leveza, sendo
93
94
Citado por MINOIS, George. História do riso e do escárnio. Editora Unesp, São Paulo, 2003, p. 21.
Idem, p. 30.
59
sintetizado a partir de Aristófanes, que mantém ainda os traços de rudeza da tradição
dionisíaca.
Comportamento divino, que às vezes pode levar o homem à demência, é
uma força misteriosa que permite, ritualizado na festa, entrar em contato
com os deuses, reatualizar periodicamente o caos original e assim
representar o ato criador que funda a ordem social (...). (...)...ele tem a
ambivalência do grande mágico Dioniso e, libertado sobre uma cena de
teatro, pode reduzir o universo a uma grande ilusão cômica.95
Esse riso indomado, capaz de levar à demência, grosseiro, passou a ser
“adoçado” e “humanizado” pelos filósofos gregos a partir do século V a.C. e pela
própria comédia, que se torna mais polida.
O riso grotesco aparece em Roma após as agitações políticas e sociais, segundo
Minois, pois essas inverteram a ordem natural das coisas. Assim, o mundo “se
desestrutura, decompõem-se; seus elementos fundem-se uns nos outros, recompõem-se
de forma monstruosa e ridícula”.96 Dessa forma ele aparece nos fragmentos do
Satiricon, de Petrônio – o riso que amedronta – se aproximando do horror, como
demonstra Horácio nas Sátiras e, depois, em Apuleio, n’As metamorfoses, cujo
personagem central é o asno, que encarna a “sensualidade desenfreada”. 97 Mais uma
vez, esse riso grotesco, que se contrapõe ao riso intelectual, embala as festas coletivas
romanas, os saturnais, que envolvem rituais de inversão das dicotomias dia/noite,
homem/mulher, e inversão da linguagem, com palavras sendo adulteradas – a
linguagem, aliás, é peculiar ao riso romano – inversões que remetem a uma idade de
ouro; enquanto que nas lupercais o riso adquire um sentido de renascimento para uma
vida nova. “Tanto o riso de retorno à vida como o riso de retorno à idade de ouro
demonstram que o riso coletivo organizado tem um valor mágico de salvação, que nos
faz escapar, provisoriamente, do mundo real.”98
Por ser indomável, atávico, ligado à essência dos deuses, a Era das Trevas o
engole, o Cristianismo o abole e a Igreja o diaboliza. “É desprezível”, brande Santo
Agostinho. Santo Ambrósio reconhece a separação entre o riso moderado,
compreensível; e o exagerado, condenável. Clemente de Alexandria, fiel à tradição
platônica, advoga que o riso precisa estar sempre sob vigilância para que o riso
95
Idem, p.42.
Idem, p. 94.
97
Idem, p. 95.
98
Idem, p. 100.
96
60
escancarado não contamine o riso harmonioso. João Crisóstomo não titubeia em definir
o riso como a desforra do diabo, que usa do subterfúgio para dissipar o espírito divino.
Mesmo assim, os bufões atravessaram a Idade Média e alcançaram seu salvoconduto com as festas populares, entre elas o Carnaval, e na oralidade ficcional dos
camponeses, compositores de paródias, inclusive das obras religiosas. As festas dos
loucos e do asno nascem nos meios eclesiásticos e usam a inversão para reforçar o
aspecto grotesco do seu contrário. No caso da festa do asno, a paródia da liturgia
católica é minuciosa, ao passo que o bispo é substituído pelo animal para que puxe um
longo cortejo que sai às ruas, arrastando bufões. O riso é franqueado nos dias de
festividades, e o humor, geralmente grotesco. Bahktin o define como “riso coletivo”,
que gera um “realismo grotesco” em que os aspectos refinados da vida espiritual são
“rebaixados” ao seu substrato material e corporal.
A paródia medieval, portanto, vai ser um processo de rebaixamento,
explicando o alto pelo baixo – não sob uma perspectiva puramente
negativa, mas com o objetivo de recreação. As formas nascem e
morrem na sopa biológica primordial, e essa realidade proteiforme, em
que o nobre e o vil procedem os mesmos mecanismos, é altamente
cômica. O mundo é grotesco, alegremente grotesco. Então, o cômico
popular vai espojar-se no “baixo”: a absorção do alimento, a excreção, o
acasalamento, o parto na sujeira, os odores e os ruídos ligados ao ventre
e ao baixo-ventre, todas as funções que rebaixam mas, por outro lado,
regeneram. (...) Rabelais será a culminação desse riso.99
Entretanto o grotesco não é somente fonte de riso, mas igualmente de medo; e a
expressão mais bem acabada disso é a obra de Jerônimo Bosch. Em ambos os casos –
no riso ou no medo – o grotesco tem uma função de distanciamento, que é o que
interessa nesta análise. Especialmente porque, no caso do medievo, está ligado ao
coletivo, ao Carnaval.
O riso carnavalesco é em primeiro lugar patrimônio do povo (esse
caráter popular, como dissemos, é inerente à própria natureza do
carnaval); todos riem, o riso é “geral”; em segundo lugar, é universal,
atinge a todas as coisas e pessoas (inclusive as que participam no
carnaval), o mundo inteiro parece cômico e é percebido e considerado
no seu aspecto jocoso, no seu alegre relativismo; por último, esse riso é
ambivalente: alegre e cheio de alvoroço, mas ao mesmo tempo burlador
e sarcástico, nega e afirma, amortalha e ressuscita simultaneamente.100
99
Idem, p. 158.
BAKHTIN, Mikhail. Op. cit., p. 10.
100
61
Esta, enfim, é a festa da loucura, da paródia, do burlesco – que se refere à sátira
e à farsa – onde o riso promove a coesão social a partir da encenação do inverso, do
mundo às avessas. Ao mesmo tempo, seria o riso que dissipa o mal, este que estava em
toda parte em todo o decorrer da Idade Média. “O riso carnavalesco medieval
contempla, ao mesmo tempo, a ordem social e as exigências morais pela paródia e pela
derrisão, que demonstram, a um só tempo, o grotesco do mundo insensato e a
impotência do mal.”101
Além do riso, a linguagem popular, revestida de grosserias, insultos, juramentos,
discursos de charlatões, pregões públicos, vai impregnar as festas populares. Afinal, a
cultura popular do período tem sua sede na praça pública, expressando-se livremente
nos dias festivos, para se recolher no resto do ano litúrgico.
A praça pública era o ponto de convergência de tudo que não era oficial,
de certa forma gozava de um direito de ‘extraterritorialidade’ no mundo
da ordem e da ideologia oficiais, e o povo aí tinha sempre a última
palavra. Claro, esses aspectos só se revelavam inteiramente nos dias de
festa. Os períodos de feira, que coincidiam com esses últimos e
duravam habitualmente muito tempo, tinham uma importância
especial.102
A exceção, talvez, seja a institucionalização do bobo oficial, o bobo do rei, bufão
que emprega a imagem do louco que arrasta uma clava (tornada cetro) e leva pedradas
na cabeça (o chapéu com os guizos), caçoado pelas crianças. O processo tem um
fundamento simbólico: contrapõe o poder, pois ele pode falar de tudo, sempre protegido
pela sua loucura; ao mesmo tempo, ritualiza a oposição e serve de parâmetro ao
exercício do poder, pois explicita os limites. Por isso a figura do bobo do rei desaparece
no Absolutismo.
Bakhtin persegue o riso grotesco para além de Rabelais: ele sobrevive ao século
XVII, sob o racionalismo cartesiano e ao classicismo, impregnando a literatura, o teatro
e os gêneros populares, mas adquirindo o que chama de “orientação burguesa”. Ou seja,
as festas populares migraram para os folguedos da Corte (as mascaradas e o carnaval),
ligando-se a outras tradições, cujo efeito leva a obscenidade a se degenerar numa
“frivolidade erótica e superficial”.103 Já no século das Luzes (XVIII), com seus filósofos
generalizadores, Rabelais ficou trancado em seu próprio século, como síntese daquilo
101
MINOIS, Georges. Op. cit., p. 169.
BAKHTIN, Mikhail. Op. cit., p. 32.
103
Idem, p. 89.
102
62
que seria o bárbaro e o selvagem. Voltaire despreza-o, qualificando-o de filósofo
bêbado; o riso é pulverizado em gêneros contidos (ironia e sarcasmo) e seu sentido
transformador se aproxima da extinção. Enfim, o século XIX, o grotesco, sob o filtro do
Romantismo, adquire sentido moral e filosófico. Especialmente a partir de Victor Hugo,
que alinha Rabelais a Shakespeare, diferenciando a genialidade do primeiro, por ser
grotesca, daquela do bardo inglês, que prima pelo sublime, distinção feita no seu crucial
Prefácio à Cromwell. Para Hugo, o homem traz a serpente no ventre – centro da
topografia rabelaisiana – é seu intestino, que “tenta, trai e pune”. Na concepção do
realismo grotesco, como define Bahktin, o intestino é a síntese do alto e do baixo, pois
ao mesmo tempo que é o regato da vida, está ligado à morte, ao abate de animais; ao
mesmo tempo que guarda os alimentos, é onde eles são transformados em excrementos.
Bakhtin vê na interpretação de Hugo uma tradução filosófica para a força destruidora do
baixo corporal, desagregando-a.
A perda do sentido do grotesco por meio da leitura romântica é enfatizada por
Bhaktin:
O lado negativo da concepção romântica é o seu idealismo, sua má
compreensão do papel e das fronteiras da consciência subjetiva, que
levam o romântico frequentemente a acrescentar à realidade mais do
que ela contém. O fantástico acabou por degenerar em misticismo, a
liberdade humana acabou por seccionar-se da necessidade e
transformar-se em uma força supramaterial.104
Mas Hugo compreende a concepção de mundo de Rabelais, o que o habilita a
empregar a noção do grotesco em toda a sua obra literária. A chegada do século XX traz
estudos científicos sobre o contexto de Rabelais: em 1903 cria-se a Sociedade de
Estudos Rabelaisianos, que rendeu diversos escritos de seus membros (coordenados por
Abel Lefranc), todos concentrados nos fatos biográficos do autor. O livro O problema
da descrença no século XVI. A religião de Rabelais (1942), do historiador Lucien
Febvre, busca um viés contrário ao da sociedade para compreender o autor a partir do
seu meio cultural e intelectual. No entanto deixa de lado o mais marcante, o que os
estudos anteriores já haviam feito: a cultura cômica popular. Na sequência desse quadro
teórico surge o estudo de Bahktin, na então União Soviética, em 1941. Sua obra se
concentra nas influências literárias do autor de Gangantua e Pantagruel no decorrer dos
séculos, além de esmiuçar a construção do discurso da praça pública. Infelizmente não
104
Ibidem, p. 107.
63
há um estudo do mesmo fôlego dedicado à influência da cultura cômica popular
europeia na construção dos mecanismos de aculturação empregados nos processos
coloniais. Mas algumas pistas se sobressaem nos estudos dedicados ao carnaval, festa
marcante e popular do século XVI que encontra ressonância no processo de
colonização, em especial no caso brasileiro.
Importado de Portugal, o folguedo do Entrudo passou a ser “brincado” na
Colônia por colonizadores e escravos sempre no início da Quaresma. Sua filiação direta
das festas populares relatadas por Rabelais se evidencia nas descrições das batalhas de
líquidos e farinhados, no caso do entrudo popular, e até de urina e excrementos,
ingredientes do grotesco da Idade Média. Na versão familiar do entrudo, tais elementos
foram substituídos por comportados “limões de cheiro”, esferas de cera recheadas com
água perfumada, depois levadas para a rua.
Introduzido nos 1600105, rareou nas vilas até se tornar hábito a partir dos 1800.
Jean-Baptiste Debret (1768-1848) registrou, na aquarela Entrudo (1834), a guerra com
seringas d’água e farinhas, os limões de cheiro sendo servidos em bandejas, e animados
mascarados. O grupo retratado é de negros fantasiados de portugueses. Mas não só
negros participavam do Entrudo de rua. Também os senhores dividiam as brincadeiras,
embora em papéis diferentes aos dos negros: “O senhor atirando limões e laranjas-decheiro, e o escravo carregando bandejas repletas de projéteis ou bilhas d’água”.106
105
O relato mais antigo é de 1593, que se refere a um evento ocorrido em 1553. Trata-se das
“Denunciações do Santo Ofício em Pernambuco”, em que consta a denúncia de Diogo Gonçalves do casal
Diogo Fernandes e Branca Dias, que moravam perto de Olinda e que teriam dado de comer a seus
trabalhadores “numa terça-feira de entrudo”, o que configurava transgressão às restrições alimentares da
Quaresma. A história do processo que condenou Branca Dias é a base da peça O santo inquérito, de Dias
Gomes (1966). In: FERREIRA, Felipe. O livro de ouro do carnaval brasileiro. Ediouro, Rio de Janeiro,
2004, p. 79.
106
SIMSON, Olga Rodrigues de Morais von. Carnaval em branco e negro – Carnaval popular
paulistano (1914-1988). Editora Unicamp/Edusp/Imprensa Oficial. São Paulo, 2007, p. 20.
64
A versão familiar, menos violenta, também incluía a molhação e a guerra de
laranjas, e se dava nas casas senhoriais dos centros urbanos dos 1800, o que revela uma
apropriação mais comportada do costume popular, como registrou em 1822, Augusto
Earle, também em aquarela, intitulada Folguedos durante o carnaval no Rio de Janeiro.
Em 1850, o entrudo popular vitimou Grandjean de Montigny, arquiteto que veio
para o Brasil com a missão francesa em 1816 e que introduziu a arquitetura neoclássica
no país. Com 74 anos, foi apanhado pela multidão na guerra líquida, o que lhe rendeu
uma pneumonia e, consequentemente, a morte. Se a brincadeira já era uma preocupação
65
da Câmara dos Deputados do Rio de Janeiro há pelo menos uma década, que a proibiu
de ser realizada na Freguesia de Santa Rita, região central da Corte, o processo de
coibição da manifestação popular durou a outra metade do século e mais três décadas do
novo século, passando por longo processo de enfraquecimento até ser totalmente
controlado pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), durante a ditadura
Vargas. A solução inicial, nos 1850, não foi encontrada pelos políticos, tampouco pela
Corte, mas pela sociedade burguesa emergente, que decidiu levar a brincadeira para
dentro dos salões de bailes, longe da massa de negros e mulatos. Mesmo sob a pompa
dos bailes mascarados, importados da França, a guerra com as seringas d’água
continuava intensa entre as quatro paredes, embora controlada e longe do acesso
popular. Em 1847, a moda dos bailes particulares já se estabelecia, assim como sua
contraparte popular: os bailes públicos, que naquele ano aconteceram “em três locais
distintos do Rio de Janeiro: no Teatro São Pedro de Alcântara, no Teatro de São
Francisco e no Tívoli (...) [este,] um verdadeiro complexo de divertimento, consistindo
num grande pavilhão no meio de uma chácara, circundado por alamedas espaçosas e
iluminadas à noite...107” A outra solução política seria colocada em prática em 1855,
quando acontece o primeiro passeio fantasiado promovido pelo grupo Congresso das
Sumidades Carnavalescas, com grande sucesso e apoio da imprensa, dos políticos e da
polícia.
Tinhorão108 aponta as camadas médias da sociedade “que começam a surgir nas
principais cidades do país no bojo da crescente tendência manufatureira da economia,
estimulada pelas necessidades decorrentes da Guerra do Paraguai” e que, ao acumular
dinheiro por meio do comércio não conseguem alcançar os hábitos da elite por sua
origem humilde. Assim, sem credenciais para frequentar os bailes da Corte, criam seus
próprios clubes carnavalescos, onde seriam gestados os cordões, forma mais
comportada de brincar o carnaval, que busca domesticar a “barbárie” do entrudo
aliando-a ao desfile fantasiado. Esse processo de domesticação alcança, enfim, seu
formato final, que perdura até hoje, no final da década de 1940, quando o Estado Novo
regulamenta o desfile de Escolas de Samba e passa a exigir que os enredos cantados
versem sobre fatos da História do Brasil.
107
FERREIRA, Felipe. Op. cit., p. 114.
TINHORÃO, José Ramos. A imprensa carnavalesca no Brasil – Um panorama da linguagem cômica.
Hedra, São Paulo, 2000.
108
66
Os clubes carnavalescos surgidos na segunda metade do século XIX, dos quais
as Sumidades Carnavalescas foram os precursores, passariam, a partir de 1871 109, a
cultivar uma prática original: a publicação de jornais carnavalescos, onde exerciam um
tipo de linguagem cômica originária da Idade Média e do Renascimento, incluindo o
gênero do bestialógico ou pantagruélico, tão caro a Rabelais e que, naquela altura,
encontrava ressonância entre os autores românticos brasileiros, embora sem que sua
produção cômica tivesse sido publicada. O caso mais notório é o de Bernardo
Guimarães, autor do romance A escrava Isaura (1875). No período em que cursou a
Faculdade São Francisco, em São Paulo, participou da Sociedade Epicureia, que
funcionava na Chácara dos Ingleses, uma república estudantil situada na Rua da Glória,
onde moravam, além de Guimarães, Alvares Azevedo e Aureliano Lessa. A sociedade
passou a funcionar a partir de 1849 na também conhecida por “Casa de Satã”, sob forte
inspiração do poeta inglês Lord Byron, conforme registra José Armelin Guimarães, neto
de Bernardo em site dedicado ao autor.110 No mesmo ano em que publicou seu principal
romance, 1875, o autor editou também, clandestinamente, os poemas O elixir do Pajé e
A origem do mênstruo, obras hoje classificadas como “pornográficas”, mas que
guardam intensa ligação com a linguagem cômica grotesca, na acepção de Rabelais –
apontada por Bakhtin – e que inserem-se na prática romântica brasileira do bestialógico.
Em sua análise, Tinhorão aponta que o humor literário emerge também na Idade
Média, mais especificamente no século IX, quando um clérigo incluiu nos seus
comentários à Bíblia uma descrição paródica de uma ceia comungada por diversos
personagens bíblicos. O precedente foi levando outros clérigos a recorrerem ao mesmo
artifício, usando um humor bem próximo daquele empregado nas festas populares, o
que ensejava que estivesse ocorrendo um processo de contaminação: a linguagem da
praça pública havia varado as grossas paredes dos mosteiros. “É, pois, esse humor
contaminado pela chulice das graçolas populares que vai predominar nas paródias
surgidas a partir de então, aproveitando orações como o Padre-Nosso, o Credo e a Ave
Maria, e ainda temas sacros e litúrgicos (...) para, afinal, vir a configurar toda uma linha
literária de criações cômico-religiosas (...).”111 A prática se intensificou a partir do
século XI, quando encontrou entusiasmo nos padres goliardos, que introduzem a língua
109
Há um precursor, o jornal O limão de cheiro, de 1833. Tinhorão tem por registro o de Hélio Vianna,
feito em 1943, julgando que o pesquisador foi o último a terá acesso ao único número publicado, depois
dele não mais encontrada pelas gerações seguintes de pesquisadores.
110
Disponível em: <http://sites.google.com/site/sitedobg/Home/curiosidades/sociedade-epicureia-ou-acasa-de-sata->, consultado em 9 de junho de 2011.
111
TINHORÃO, José Ramos. Op. cit., pp. 24 e 25.
67
popular nos manuscritos em latim, inaugurando a escrita macarrônica, a que Rabelais
também recorre para inovar sua escrita. Ela alcançaria ainda o teatro de Gil Vicente, no
século XVI, num processo crescente de laicização, até despertar a curiosidade dos
autores românticos do século XIX. Ou seja, enquanto a herança das festas populares
chega sob o comando de Momo, a da linguagem popular apropriada pelos sacerdotes,
vem se expressar em poemas românticos que tratam da virilidade do pajé a ser resgatada
por elixires miraculosos e sobre uma orgia de entidades fantásticas, ambas criações de
Bernardo Guimarães.
Pois a retórica do palhaço não foge às duas vertentes: é pantagruélica assim
como as brincadeiras literárias dos estudantes da “Casa de Satã”, como é carnavalesca
na tradição trazida da Europa. Além disso, a tradição circense, embora importada do
continente europeu e aqui aculturada, sempre viu próximas as funções humorísticas do
palhaço e de Momo, tanto que muitas vezes ambos eram encarnados por um só
personagem. Como exemplo, Arrelia encarna o Momo em 1935, quando o circo estava
em Campinas-SP:
Reprodução do livro Arrelia e o circo.
SEYSSEL, Waldemar, Melhoramentos, São Paulo, 1977.
A própria figura momesca, ou seja, o rei da folia, aquele que, na inversão, é
entronizado para ser insultado e derrubado após os três dias de festa, prenuncia a ligação
68
entre o tipo excêntrico e a sua herança cultural, que remonta há quatrocentos anos,
período que o separa da consagração da inversão pelas populações urbanas dos centros
europeus da Idade Média e do Renascimento.
Assim como o palhaço promove o encontro entre a linguagem popular tornada
literária – como foi visto no uso recorrente do discurso nonsense por Piolin – e o humor
grotesco, do qual é herdeiro; o carnaval, demonstra Tinhorão, encontrará uma peculiar
forma de promover semelhante imbricação: a imprensa carnavalesca, periódicos
publicados em nome das agremiações e clubes nos quais surgem os cordões de rua, que
se utilizam dos diversos gêneros literários para promover o humor grotesco originário
das festas populares.
No repertório de peças encenadas no Circo Piolin analisado para esta pesquisa,
uma comédia se destaca por lidar diretamente com a matéria-prima do humor grotesco.
Trata-se de Que rei sou eu?, cuja autoria é atribuída a Olindo Dias Corleto, ator circense
que atuou na trupe de Piolin, liberada sem restrições pelo DDP em agosto de 1946 para
encenação no Circo Piolin. O texto gerou muito sucesso de público, de modo que outros
palhaços a incluíram em seus repertórios, entre eles Picolino II (Roger Avanzi), que a
recebeu diretamente de Piolin, e Chororó (Humberto Militello), pai da atriz Vic
Militello. As indicações de elenco contidas na versão original são bem precisas:
Piolin.........................
Rei.............................
Princesa.....................
Príncipe......................
Ministro.....................
Secretário...................
Marquês.....................
Marqueza...................
1ª.Dama.....................
2ª. Dama....................
Soldado
Dois carrascos
Guardas do rei............
Abelardo Pinto Piolin
Carlito
Ariel [Ana Ariel, filha de Piolin]
Escobar
Ely ou Pinati [clowns de Piolin]
Olindo [o autor da peça]
Pinati ou Ely
Haide
Dalva
Clementina
Comparsas
Antes de descrever a situação desenvolvida na peça – opta-se por empregar
“situação” por se tratar, como a maior parte das peças circenses encabeçadas por
palhaços, de uma comédia de situação112 – destaca-se que o nome se refere ao samba de
autoria de Herivelto Martins e Valdemar Ressurreição, gravado em 1945 por Francisco
112
A dramaturgia do palhaço será analisada no capítulo seguinte.
69
Alves, que se transformou num clássico carnavalesco. O coautor Valdemar, contam Jair
Severiano e Zuza Homem de Mello113, participava de grupos vocais, além de fazer
locução radiofônica, quando foi apresentado a Herivelto Martins, já consagrado pelo
sucesso do Trio de Ouro, onde cantava com a mulher, Dalva de Oliveira, e com
Francisco Sena. Ele acabou gostando de um samba que trazia os versos “que rei sou eu”
e “sem reinado e sem coroa”, e acabou usando-os num outro samba, composto
originalmente, dando parceria a Valdemar por ter sido dele a ideia do tema. A letra
ficou com os seguintes versos: “Que rei sou eu/Sem reinado e sem coroa/Sem castelo e
sem rainha/Afinal que rei sou eu?/O meu reinado/É pequeno e é restrito/Só mando no
meu distrito/Por que o rei de lá morreu”. Na segunda parte, desenvolve: “Não tenho
criado de libré/Carruagem nem mordomo/E ninguém beija meus pés!/Meu sangue
azul/Nada tem de realeza/O samba é minha nobreza/Afinal que rei sou eu?” Enfim, um
tema desenvolvido sob medida para o dilema do Rei Momo carnavalesco.
A comédia se desenrola num país e num tempo indefinidos e usa os principais
elementos da construção grotesca do palhaço na Idade Média e do Renascimento, isso a
partir do senso comum e da intuição criativa do seu autor (ou autores, se consideramos
o tipo de construção dramática circense, que envolve o livre improviso por parte do
palhaço). A ação se inicia com a preparação de um casamento de interesses entre a filha
do rei e o príncipe do Egito. O ministro surge como iminência parda e, ao mesmo
tempo, como indica o estereótipo, como aquele que decide à revelia do rei. Mas antes
deste se juntar à sua Corte – formada até ali pela princesa, o secretário, que mantém um
romance escondido com a mesma, um casal de marqueses e as damas – irrompe em
cena Piolin, aliás, no exato instante em que a dama recita um poema à princesa:
“Acabou-se a marmelada!”, é sua senha de entrada. A partir daí começa um gradual
processo de inversão que redundará, claro, na sua ocupação do trono do rei. “Sois
estranho para nós”, adverte o Marquês, sintetizando o elemento cênico que caracteriza o
palhaço, ou seja, a estranheza. Esta se estabelece imediatamente por meio de sua
linguagem, pois Piolin abusa da gíria ao insultar os subordinados imediatos do rei. “Eu
quero é falar com o dono dessa espelunca...”; ao olhar os guardas com armaduras:
“Alfaiate nessa terra, nerusca de agulha, hein? É só no martelo!”, sobre o alerta de que
os guardas não deveriam deixa-lo entrar no castelo: “Que culpa tenho eu que eles
comeram mosca?”; ou quando percebe que agrada alguns membros da Corte: “Será que
113
SEVERIANO, Jair e MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo – 85 anos de músicas brasileiras
– Vol. 1: 1901-1957. Editora 34, São Paulo, 1997, pp. 233 e 234.
70
a macacada me conhece?” Ele emprega, assim, a linguagem da praça pública, além de
agregar o fator contemporâneo, gerador do riso.
No confronto com o Ministro, que chega a chamar os carrascos para executar o
intruso, Piolin angaria a simpatia do secretário, que lhe conta do casamento da princesa
naquele dia. O ministro pede seus documentos. Do bolso Piolin tira os papéis: uma cota
de racionamento de açúcar (a peça é encenada em 1946); um talonário de jogo do bicho
(“Centena e milhar invertida do 1º. ao 5º. Prêmio a 20 centavos”). O ministro não gosta
e volta a ameaçar o estranho. Piolin não deixa para menos: “Vocês são muito atrasados!
Tão atrasados, que numa época como esta, em pleno século do progresso, ainda andam
fantasiados à moda carnavalesca.” Se por um lado ele causa estranheza, por outro,
adapta a realidade que não é sua a partir de sua perspectiva: se estão fantasiados, então
se vive no carnaval. A partir dessa sua lógica, tudo se torna facilmente ajustável.
Novos confrontos com o ministro aumentam a ameaça de execução, mesmo com
a interseção a favor do secretário. É quando surge o rei. Pergunta como o estranho
entrou no castelo e o próprio Piolin explica que os guardas não estavam em seus postos.
“Com certeza eles estavam ferrados num joguinho de pif-paf aí numa toca.” “Pif paf?!
Que é isso?”, pergunta o rei. “É um joguinho gozado. Não tem truque, só ladroeira.
Depois eu ensino pro senhor.”
Assim, Piolin vai ganhando a simpatia do “dono da espelunca”. Nessa
aproximação, o secretário e a princesa veem no visitante a possibilidade de cancelar o
casamento arranjado. Logo, o pretendente da filha do rei vai direto ao assunto e pede a
ajuda do palhaço. Em seguida, o rei pergunta o nome do estranho e, ante a resposta,
quer saber se em sua terra há “grandes feitos heroicos” atrelados ao nome. “Ah, sim! Lá
existem dois com esse nome que foram verdadeiros heróis! (...) Um jogador de futebol e
outro palhaço de circo...”114 Feita a apresentação oficial, Piolin fala em nome do povo
do reino:
Encontrei uma turma do vosso povo que se queixava a respeito do novo
decreto que ia ser assinado aumentando o imposto e diminuindo a
quantidade de gêneros de primeira necessidade, e uma porção de coisas
que muito prejudicavam. E também que o casamento da princesa seria
realizado para salvar a situação financeira do reinado. Eu ouvi aquilo,
fiquei penalizado e tomei a liberdade de procurar o senhor, implorar em
nome daquela gente que sofrerá com esse decreto. Vai faltar boia para
eles, e não é nada agradável.
114
Laurindo Furlani, jogador do São Paulo F. C., ajudou o time a ganhar os Campeonatos Paulista de
1943, 1945 e 1946, e era conhecido pelo apelido de Piolin.
71
O
discurso
de
Piolin
o
coloca
numa
posição
limítrofe:
entre
a
contemporaneidade da linguagem e o humor da inversão e da estranheza, fala em nome
do povo, uma entidade atemporal que, segundo sua defesa, parece ter a mesma condição
seja no tempo do rei, seja na atualidade. O rei discute com o ministro e acaba
demonstrando angústia pela responsabilidade do cargo. É a deixa para que Piolin
proponha a troca de papéis. “É só o senhor me dar carta branca por algumas horas. Eu
aposto a minha cabeça como resolvo o caso, sem aumento de imposto, sem casamento e
sem nada. Tá valendo?” O rei, claro, aceita, assumindo seu papel na inversão.
Ao sentar no trono, o palhaço se coloca imediatamente no dilema: “Que rei sou
eu?” O secretário, sob o novo comando, entra e lê um memorando, editado pelo novo –
e temporário – rei: “Devido ao grande miserê, ou seja, falta de gaita neste país, ficam
suspensos de suas funções, aqui no palácio, todos os que possuem cargos elevados,
cujos ordenados exorbitantes, muito prejudicam os cofres deste reino.” Com isso, o
ministro se vê desempregado.
O recém-chegado príncipe do Egito, ao perguntar à princesa sobre o casamento,
ouve dela que deve ter com o novo rei: “Não sei! Se ele for com a tua cara... muito
bem... Se não, o príncipe dá o piruncha e acabou-se a mamata”, diz, aderindo à inversão.
O rei surge vestido de Piolin. A inversão se generaliza. Até os soldados do rei entram
em cena brigando por causa do jogo de pif-paf. O clima carnavalesco vai contagiando a
todos em cena, inclusive o próprio príncipe do Egito que, conformando-se, agarra a
dama: “...vou misturar os trapos aqui mesmo”. O final do ato tem Piolin no comando do
apito e a banda executando o samba Que rei sou eu?, com o elenco rasgando a fantasia.
O que mais impressiona na construção da situação e sua súbita resolução, o que
é natural nas comédias de picadeiro, é como, de alguma forma, os elementos
estruturantes do discurso do humor grotesco se mantêm quatro séculos após terem sido
elaborados num cenário cultural completamente diverso. Mais ainda, como a autoria,
sem educação formal das regras estéticas, o que demandaria um conhecimento mais
complexo e elaborado, consegue engendrar esses elementos com a concisão requerida
pela comédia de picadeiro. E o palhaço, por sua vez, que fará sua leitura particular do
texto dramático, pois a ele é dada a opção do improviso que, na maior parte das vezes
interferirá não só na situação, mas na expectativa do público, tornará sua atuação
metalinguística, o que também é algo bastante peculiar no circo-teatro.
72
Encenação de Que rei sou eu?, em 1946, com Piolin ao trono e sua filha Ana Ariel,
como a princesa (à esquerda).
Elias Thomé Saliba, ao analisar a concepção de Pirandello do humor – seu
objeto de pesquisa é a Bella Époque e Pirandello é um dos três pensadores do período
que analisam o riso, junto com Bergson e Freud – nota que ele atribui uma função
desmistificadora à atitude humorística:
Porque, afinal, o humorista sabe que a vida é um fluxo contínuo e todas
as formas de lógica (...) são tentativas inúteis de deter esse fluxo. A
atitude humorística é desmistificadora por excelência, porque no
momento mesmo que as formas lógicas tentam deter e paralisar esse
fluxo, o humorista mostra que elas não se sustentam e revelam o que
elas são: máscaras.
Ao contrário de Pirandello, o palhaço não está interessado em funções artísticas.
Para ele o espetáculo acaba no riso. Embora intuitivamente ele encarne justamente a
estranheza e cavalgue o contrário – ou ao contrário, como os seus antepassados – como
forma de circundar o picadeiro e trazer o público à sua forma de desconstruir a lógica,
ele não o faz de forma a tornar esse público consciente de sua atitude humorística.
Como na festa popular, ele usa o humor para reafirmar a sua humanidade, assim como a
daquele que ri de sua lógica inversa. Isso por que o riso, na sua acepção, se inclui nos
73
processos biológicos fundamentais do ser humano. É sua forma de promover o humor
universal, a um público que se propõe a rir coletivamente (o riso coletivo de Bakhtin).
Não deixando Saliba apenas como depositário de Pirandello, afinal ele se dedica
a compreender o humor da Belle Époque, período em que o circo também se torna um
gênero popular de entretenimento; ele conclui sua reflexão sobre o humor como forma
de representação histórica salientando que este se apoia também nas mediações sociais
e, especialmente, nos diálogos entre os vários circuitos culturais. O circo-teatro se
defronta com desafios similares. Gênero de representação que tem o hibridismo cultural
como método, se é que se pode assim definir algo que se constrói de forma orgânica e
irregular, ele promove diálogos constantes, negociações recorrentes. Piolin, que inicia
sua trajetória nesse período, e leva sua atuação para depois da metade do século, alia a
herança do humor grotesco com um afinado senso de contemporaneidade. Mas, para
que se compreenda esse processo na análise de suas peças de circo-teatro, será preciso
antes compreender a estrutura da dramaturgia do palhaço.
74
3. A dramaturgia do palhaço
3.1 Palhaçaria
O início do processo de pesquisa para definir pontos estruturantes dentro da
dramaturgia do palhaço apontou para uma expressão anterior às encenações de circoteatro, portanto anterior à comédia de picadeiro. Antes que o circo-teatro se tornasse
gênero obrigatório no espetáculo circense, ao qual foi reservada metade da
programação, a chamada “segunda parte”, a interação entre clown e excêntrico ocupava
os intervalos entre números com as entradas cômicas e as reprises. Ao mesmo tempo, a
medida que o espetáculo circense ganhou em pluralidade, agregando formas cênicas
diferenciadas, como a comédia e o melodrama, houve, como aponta Bolognesi, uma
expansão das formas de atuação do palhaço.
Desse encontro adveio uma forma cênica aberta, formada e baseada na
capacidade de interpretação e de improvisação do palhaço, que teve a
liberdade e a audácia de não estar restrito a gêneros fechados. Assim, as
tradicionais entradas clownescas passaram a integrar as peças cômicas e
melodramáticas enquanto, ao mesmo tempo, a dramaturgia trouxe
motivos para a criação de muitas outras entradas circenses.115
Se os tradicionais “combinados”, esquetes cômicos mais longos, perfizeram a
proto-comédia circense, que evoluiu para as chamadas farsas ou comédias de picadeiro,
a análise da dramaturgia do palhaço parte da compreensão da forma como se dá a
interação entre a dupla de cômicos nas entradas, sua triangulação com o público, a
construção da piada, o diálogo, a representação física, a improvisação, o roteiro.
Após esse processo é que se iniciará a análise dessa peculiar forma de expressão
do gênero da comédia, que no circo-teatro difere em diversos aspectos da concepção
histórica empregada pelo teatro, seja na sua expressão mais erudita, ou na mais popular.
Esta, em geral, se trata da comédia de costumes, e é chamada pelo circense de “alta
comédia”, somente para exemplificar a complexidade com que se apresenta ante a
terminologia clássica do gênero teatral.
115
BOLOGNESI, Mário. Op. cit., pp. 52 e 53.
75
3.1.1 A porta aberta
- Vou começar. Primeira pergunta, Picolino: por que o cachorro entra na igreja?
- Cachorro entra na igreja... Pra procurar comida dentro da igreja!
- Não. Tá errado. Comida na igreja?
- Ô Fusca! Por que o cachorro entra na igreja?
- Porque ele encontra a porta aberta. Bom, mas por que o cachorro sai da igreja?
- É outra pergunta? O cachorro sai da igreja porque ele entrou.
- Não. Tá errado. Não é isso. Porque ele encontrou a porta aberta.
- Outra vez? Tá me embrulhando, né? Porta aberta? Mas só dá porta aberta?
- Outra pergunta. Por que meu pai casou-se com a minha mãe?
- Porque encontrou a porta aberta!
Picolino (Roger Avanzi) e Fusca-Fusca (Williams Aris)
O riso é como um cachorro que entra na igreja;
a inadequação em várias de suas modalidades.
Oswald de Andrade
“Que entrada vamos levar hoje?” Assim começa a rotina do palhaço, minutos
antes de adentrar o picadeiro. Experiente, seu repertório de entradas cômicas – ou
reprises – é extenso, o que lhe permite decidir o que irá oferecer ao público ainda na
cortina de acesso ao picadeiro. Mais um passo e ele entra não só à cena, mas também no
mais profundo da alma do cômico. Ele entra incorporado do espírito cômico. Seu andar
muda, sua voz se distorce, sua máscara brilha. Ao deparar com seu clown ou seu escada,
tem início o diálogo que, à primeira vista, é tão despretensioso que a plateia demora
alguns segundos para entender que tudo já está acontecendo, pois por mais paradoxal
que possa parecer, palhaço não joga conversa fora, tudo faz parte da tessitura de uma
rede que, logo logo, irá apanhar a plateia para que, alguns segundos depois, ela possa
explodir em gargalhadas.
Assim como não joga conversa fora, palhaço não perde tempo, pois a entrada é
rápida e certeira. Não dura muito, mas o suficiente para fazer rir e para conquistar a
simpatia do espectador. E o mais importante: ele usa um tipo de humor que mexe
diretamente com aquilo que é mais humano no ser humano: as suas funções corporais,
aquilo que, a despeito da vergonha, desperta riso e reconhecimento imediato.
Trata-se de um tipo de humor que deleita o público desde os festivais populares
da Idade Média: o humor grotesco, que lida com os baixos corporais para fazer rir, mas
que guarda um sentido filosófico profundo: o de transformar e fazer renascer. Quando o
clown, mostrando o dedo indicador e o polegar na simulação de uma arma, diz ao
palhaço: “Você conta até três, vira e pum! Mata o inimigo”, ele responde com um chiste
76
do tipo: “Ah! Pum não mata! Quando muito deixa tonto!”. Ele está usando a
humanidade corporal para lembrar a todos que é possível rir da realidade e transformála.
Ante essa prática quase sem estrutura cênica – isso se for analisada a partir do
que se conhece de séculos do teatro ocidental, desde a Grécia até as vanguardas do
século XX – percebe-se que a graça do palhaço se faz num processo quase que intuitivo:
escolha de repertório na boca de cena, diálogo e rapidez, desfecho e fim da piada. Algo
até pueril aos olhos do crítico ou do pesquisador teatral. Mas, definitivamente, não é o
que pensam os próprios palhaços.
Ouvi-los falar sobre seu próprio ofício foi um dos propósitos do Projeto “Entre
risos e lágrimas – O teatro no circo (da pantomima aos dramas) – Parte 1: Palhaçaria”.
Foram dois anos consecutivos – 2010 e 2011 – de encontros com os “mestres palhaços”
(nome usado durante as apresentações e ensaios, mas, na maior parte das vezes,
rejeitado pelos próprios palhaços) com alunos e palhaços aprendizes, tiveram por
objetivo não só resgatar as entradas cômicas mas garantir que elas fossem absorvidas
pela nova geração de palhaços. A iniciativa do Centro de Memória do Circo, vinculado
ao Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura da cidade
de São Paulo, em parceria com o Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Censura –
Arquivo Miroel Silveira, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo (ECA/USP) teve três objetivos principais: 1. Resgatar as entradas e reprises para
a formação de um Banco de Dados para atender as gerações futuras; 2. Promover o
debate acerca da dramaturgia circense; 3. Registrar a experiência passada para que crie
uma base referencial sobre a importância que o circo teve e tem na construção da
cultura regional e nacional. Não fosse a tradição oral, este conhecimento talvez estivesse
pulverizado em fragmentos esparsos, uma vez que perdura como prática dramática
graças à memória de gerações e gerações de circenses. A estrutura familiar que sustenta
as lonas de circo foi responsável por resguardar o repertório das entradas cômicas por
mais de um século. Como boa parte dessas famílias chegou ao Brasil entre as últimas
décadas do século XIX e as primeiras do século XX, muito dessas entradas sobreviveu
graças à experiência dos palhaços dessas companhias.
À medida que as cidades foram crescendo e o espaço dedicado aos circos foi
minguando a partir da ocupação demográfica e das novas prioridades dos
administradores, as companhias foram se desarticulando, buscando locais mais distantes
nas manchas urbanas para garantir público e conseguir levantar lona na praça seguinte.
77
Noutras vezes, obrigou circos a se fixarem nas áreas periféricas e suburbanas até que o
público se desinteressasse de vez e as condições de sobrevivência da companhia, que já
apresentava um espetáculo reduzido, se tornassem nulas. Com isso, o saber se perdeu,
descontinuou, pois as novas gerações buscaram novas profissões, muitas vezes por
orientação da própria família circense, que pressentia dias difíceis para o circo.
Restaram os palhaços que souberam conduzir sua atividade profissional com
habilidade e que guardaram oralmente os saberes da dramaturgia circense: Picolino II
(Roger Avanzi), Picoly (Benedito Sbano), Xuxu (Franco Alves Monteiro), Pururuca
(Brasil João Carlos Queirolo), Pepin (Raul Hernando Robayo) e Florcita (Maria Isidora
Duran Gutierrez), Romiseta (Agostinho Blask), Bacalhau (José Odair Casarin),
Condorito (Fernando Pontigo Silva) e Corchito (Sonia Fátima Beltrán Diaz), e RecoReco (Francisco Paulivan Ferreira dos Santos). Enfim, foi do seu conjunto de vozes e
experiências que se fez, maior do que se pensava inicialmente, o projeto de
resgate/debate/registro das entradas cômicas e da palhaçaria. Foram eles que abriram as
portas para poder observar o cachorro que entra no templo da memória e volta, como
quem nada quer, para mostrar, da maneira mais simples possível, que rir é
profundamente humano.
3.1.2 O palhaço
O que é o palhaço em si? É uma crítica social.
Quando ele põe um sapato desse, na verdade, ele está ironizando
quem se preocupa em ter um sapato envernizado, chique.
Quando ele põe uma gravata, ele coloca aquele baita colarinho,
ele tá ironizando o cara que trabalha, aquele poderoso.
Põe o nariz vermelho, é tudo uma ironia.
Ele é uma crítica, uma sátira.
Vic Militello
O palhaço é um tipo de humorista que trabalha com sentimentos muito simples.
Acho que ele não faz divagações filosóficas e psicológicas,
acho que não cabe a ele essa função. O humor do palhaço se refere a sentimentos
dos mais simples e que todo mundo possui. Medo, sexo, potência.
E a função é resolver algum problema. Só um.
Se colocar mais de um já é muito assunto para palhaço.
Domingos Montagner
Dentre outras coisas o palhaço é aquele que pode ter saído da mesa em que jantou,
se aparecer um prato de macarronada ele vai comer de novo, ainda que vomite.
Ele é um personagem que exprime, do ponto de vista cômico, a repressão.
Essa repressão se estende à sexualidade. Ele está sempre no cio.
78
Diferente do animal que tem sempre o seu período.
Mário Bolognesi
Figura central nos picadeiros brasileiros, o palhaço, nome genérico para pelo
menos dois personagens distintos – o clown, ou branco, luxuosamente vestido e sempre
arauto da ordem, em contraposição ao excêntrico, ou augusto, na maior parte com o
nariz vermelho e vestes exageradas – faz parte do espetáculo circense desde que o circo
moderno foi concebido na Inglaterra, em 1773. No Anfiteatro de Philip Astley, em
Londres, a atração cômica intercalava os números equestres, que preenchiam a maior
parte do tempo do espetáculo. Boa parte dos pesquisadores aponta o dançarino de corda
Fortunelly como um dos pioneiros na atividade cômica nas apresentações montadas da
arena de Astley. Já em Paris, quando Antonio Franconi se associa ao militar inglês, as
pantomimas são introduzidas nos espetáculos. “Esses primeiros cômicos restringiam-se
a reproduzir, às avessas, um determinado número circense, principalmente os de
montaria. Haveria necessidade de outras ingerências para a formação do clown. Dentre
essas, destacaram-se a pantomima inglesa e a Commedia dell’art”116.
O clown inglês tem origem numa espécie de fusão entre os personagens Pierrô e
Arlequim promovida pelo ator de teatro de variedades Joseph Grimaldi . Grotesto, cruel
e desumano, o clown de Grimaldi, que aparece na peça Mother Goose, de 1806, logo foi
copiado por outros artistas, indo parar no picadeiro dos circos, na figura do cavaleiro
desajeitado. Com o tempo as características dúbias acabaram dividindo os clowns em
duas classes: os de cena, que passariam a atuar nos hipodramas adotados por Astley
(melodramas montados), e os excêntricos, que distraíam o público nos intervalos dos
números de habilidade.
No início do século XX o clown foi aperfeiçoado pelo francês George Foottit,
que criou o tipo “enfarinhado”, com o rosto branco do Pierrô, enquanto passou a ter
“boa educação, refletida na fineza dos gestos, e elegância nos trajes e nos movimentos”.
A sua contrapartida cênica foi personificada pelo cubano Chocolat. A partir daí a dupla
firmou a formação clássica dos palhaços circenses: o clown e o excêntrico, sendo que a
tensão dramática na interação dos dois reside no embate entre a correção insistente do
primeiro e a atitude divergente do segundo. O excêntrico é sempre o cômico, o que
fecha a piada a partir dos argumentos do seu “escada”. “É o bobo da dupla, o que
116
Depoimento prestado durante o evento Diálogos, ocorrido dentro da programação do projeto “Entre
risos e lágrimas: o teatro no circo (da pantomima aos dramas) - Palhaçaria”, em outubro de 2010,
coordenado por este pesquisador.
79
apanha sempre, o eterno perdedor, o ingênuo de boa-fé com que o público se identifica
e que acaba superando o clown, fazendo triunfar a pureza sobre a malícia, o bem sobre o
mal, a justiça sobre a opressão”, destaca Bolognesi.
O cavalheiro desengonçado do circo de Astley passou, em 1869, a ser conhecido
pelo nome de “augusto”, termo do dialeto de Berlim (Alemanha) usado para designar
pessoas que se encontram em situação ridícula. A principal característica do augusto é o
nariz vermelho, e ele se apresenta sempre de modo desajeitado e rude.
Assim perfaz-se a dupla. O clown, sempre elegante, na maior parte das vezes
hábil músico, seja portando violão, como Benjamim de Oliveira e Dudu das Neves,
conhecidos palhaços-menestréis brasileiros, que cantavam paródias e canções de duplo
sentido, seja empunhando o pistom, como Alcebíades Pereira, o mais luxuoso dos
clowns nacionais. E o excêntrico, maltrapilho e desengonçado, vestido sempre com
roupas e sapatos maiores que seu número.
Com o tempo, afirma Bolognesi, o branco foi desaparecendo do picadeiro. Sua
contraparte, muitas vezes sem qualquer caracterização, foi mantida para garantir o
diálogo cômico, de modo que ele fosse sempre o “escada” do primeiro. Como nos
outros subgêneros da comédia, o escada desempenha o papel de apoio para a construção
das piadas, o que não reduz em nada a sua performance, pois esta requer técnica e
talento tanto quanto a situação cômica exige do excêntrico. Como afirma Pururuca
(Brasil João Carlos Queirolo), que por 35 anos atuou, de cara limpa, como escada do
pai, Torresmo: “Para você ser um bom palhaço, o escada tem que ser melhor que o
palhaço. Porque se o escada não souber dar a deixa certinha para o palhaço, o palhaço se
perde todinho. Se ele não der as palavras certas, corretas, na hora certa, perde a graça,
pois o palhaço não tem o que repetir”117. Aroldo Casali, o palhaço Charles, usa da
própria metáfora da escada para definir: “O palhaço precisa sempre do escada. Por que?
Se o escada é ruim, ele desce. Se o escada é bom, o palhaço sobe”.118
O processo do diálogo entre clown e excêntrico é a essência de uma entrada
cômica, mesmo que esta precise de outros personagens para ser encenada. É a partir
desse diálogo que a situação se desenrolará e a piada será desencadeada, sempre
lançando mão de um humor próprio, muitas vezes ingênuo para esconder um toque de
picardia, outras vezes intencional para ocultar um propósito pueril. Na maior parte das
117
Depoimento dado durante os encontros entre palhaços mestres e palhaços aprendizes do Projeto “Entre
risos e lágrimas: o teatro no circo (da pantomima aos dramas) - Palhaçaria”, realizados em outubro de
2010 e coordenado por este pesquisador.
118
Idem.
80
vezes o humor do palhaço é essencialmente físico, o que exige preparo daquele que
executa as entradas. Mas não é tudo. Há uma característica própria que diferencia a
dramaturgia do palhaço das outras dramaturgias, e esta vem desde antes da concepção
do circo moderno, por Astley , que é a interação com o público. Não há como envolver
esse público na situação cômica, se não se conquistar a sua cumplicidade. Para isso
exige-se que o palhaço busque trazer a assistência para a situação encenada. Aponta o
ator e palhaço Domingos Montagner, do grupo teatral La Mínima:
(...) uma coisa muito importante é essa cumplicidade que você tem que
ter com a plateia, de combinar o jogo que você vai fazer. Todo mundo
tem que entender como é o jogo (...). Acho muito semelhante com uma
coisa de criança. Porque a criança brinca com muita verdade. Acho que
o palhaço tem muita semelhança com isso. Ele conta a verdade, mas
deixa claro para a plateia que é brincadeira.119
Nesse ponto é que a complexidade cênica e a compreensão da palhaçaria como
gênero das artes cênicas começam a ser desveladas.
3.1.3 O que é entrada? O que é reprise?
Para compreender a dramaturgia do palhaço é preciso antes definir o que hoje é
chamado pelos próprios circenses de entrada, reprise, cena cômica, esquete. Bolognesi
se atém aos termos “entradas” e “reprises”, uma vez que cena cômica e esquete são
definições emprestadas do teatro tradicional, ou seja, do palco, não do picadeiro. Aliás,
embora o circo brasileiro tenha se caracterizado, especialmente a partir da década de
1940 – o que não excluem ocorrências anteriores – pela presença do palco sob a lona
para a encenação de comédias e dramas, as encenações dos palhaços sempre
aconteceram no picadeiro. Trata-se de uma característica, aliás, que justifica a carregada
máscara do palhaço. Olhos e boca se sobressaindo a partir do eixo do nariz vermelho
são recursos usados para garantir a visibilidade e o reconhecimento por aquele que senta
na última fileira do chamado “poleiro”, ou seja, da arquibancada.
O picadeiro é o domínio do palhaço por diversos motivos. Originalmente, ele
entrava sempre que os “casacas de ferro” se apressavam em montar e desmontar os
equipamentos necessários para o número seguinte. Para que o público não se entediasse
119
Ibidem.
81
com a operação, lá surgiam os chamados tonys. O Tony de soirée é “aquele palhaço do
nariz vermelho que entra em três, quatro situações do espetáculo”, explica Bolognesi.
Ele não tem o seu número montado. Esse tipo de palhaço se apropria o
máximo possível de todo o repertório e a cada momento, a cada dia, ele
apresenta algo diferenciado. (...) ele nem sempre tem um outro palhaço
para entrar no picadeiro. Às vezes é ele e o apresentador, ele e uma
outra pessoa que não está caracterizada de palhaço. Às vezes é ele
sozinho. Se o circo pegar fogo, põe o palhaço no picadeiro. (...) em
geral, ele deve saber fazer um pouco de tudo. Ele deve saber saltar (...)
deve saber coisas de magia, deve minimamente equilibra-se num arame,
subir num trapézio...
As entradas desse tony versátil geralmente são o primeiro estágio de
aperfeiçoamento do bom palhaço. “Comecei fazendo o Tony de Soiré, que é o palhaço
que tem de fazer tudo. Tem que ser trapezista, saltador, acrobata, malabarista, domador.
Se falta um artista, deu algum pepino, já entra o palhaço. Ele vai fazer aquilo, ele
substitui”, conta Franco Alves Monteiro, o Xuxu120. Essa versatilidade irá, com o
tempo, colocar o palhaço como atração do espetáculo. E com número próprio: a
chamada entrada montada. “No circo brasileiro costuma se dar o nome de entrada
àquele primeiro momento em que o palhaço entra e faz uma espécie de aquecimento do
público, de preâmbulo, etc., para, em seguida, apresentar o seu número”, esclarece
Bolognesi.
O termo entrada vem do francês “entrèe”, nome genérico dado à presença do
palhaço no picadeiro. Provavelmente, ele tenha vindo do teatro de feira francês, em que,
antes do espetáculo, um grupo de artistas ficava fazendo palhaçadas à frente do teatro
para chamar o público. A entrada montada tem uma estrutura dramatúrgica e dramática
própria. Embora não trate de uma história, mas de uma situação, ela tem começo, meio
e fim. Tem também tempo estudado, ritmo e conclusão, necessários para que o público
entenda e absorva a piada. É inicialmente ensaiada pela dupla que, com o tempo, a
incorpora ao seu repertório de entradas, passando a apresentá-la sem ensaios. Daí por
diante, a entrada a ser apresentada é definida sem muita antecedência, pois os cômicos
já a conhecem e sabem “levá-la”, como se diz no jargão circense, sem que a sua
estrutura cênica seja comprometida. Em geral, as entradas, encenadas há séculos, são
rapidamente copiadas e adaptadas pelas diversas gerações de duplas de palhaços, sem
que isso comprometa seus eixos dramáticos.
120
Ibidem.
82
Historicamente houve um período, entre o final do século XVIII e além da
primeira metade do século XIX, em que o uso da palavra pelos artistas foi vedado
oficialmente na França e na Inglaterra, onde o teatro moderno se desenvolveu. No circo,
os palhaços foram os alvos preferenciais. Para que a atração fosse mantida entre os
números de habilidade e destreza, os palhaços passaram a atuar usando a pantomima –
teatro gestual – representando temas ligados ao universo circense, mas sempre fazendo
o número às avessas. Essa modalidade, muito parecida com a entrada, recebe o nome de
“reprise”: exatamente por reprisar o número que acabou de ser mostrado, mas sob uma
lógica transversa, comum ao modo de ver do palhaço.
A estrutura humorística da reprise está diretamente ligada às performances de
palhaços e bufões da Idade Média e do Renascimento durante as festas populares
urbanas, em especial o Carnaval. O período carnavalesco envolve o império do
contrário. Herdeiro das festas dionisíacas, no carnaval se rompem as convenções sociais
e as hierarquias. É quando se estabelece o caos a partir de rompimentos
comportamentais e o riso se torna grotesco, pois os aspectos refinados da vida espiritual
são rebaixados. Georges Minois, em sua História do riso e do escárnio, aponta: “(...) o
cômico popular vai espojar-se no ‘baixo’: a absorção do alimento, a excreção, o
acasalamento, o parto na sujeira, os odores e os ruídos ligados ao ventre e ao baixoventre, todas as funções que rebaixam mas, por outro lado, regeneram”. 121 Ele se apoia
em Mikhail Bahktin, que estudou a fundo as festas populares daquele período e que
defende o riso carnavalesco como “patrimônio do povo”, pois se trata de um riso geral e
universal. É esse humor de que se valeu o palhaço nos últimos séculos – e se vale até
hoje. A reprise, portanto, é uma espécie de leitura do universo do circo a partir da lente
do contrário.
Tanto a entrada quanto a reprise – esta última denominação acabou
prevalecendo no Brasil para designar toda encenação de palhaço, inclusive a entrada –
são criadas para serem encenadas, não há veleidade literária em quem as concebeu.
Tanto que a descrição da cena e dos diálogos, para efeito de registro, não despertam
riso, pois a leitura dissociada da encenação, ao contrário do que ocorre com uma obra
teatral – em essência também uma obra literária, seja trágica, cômica ou dramática –,
resulta numa experiência insossa. Afinal, a entrada escrita é um roteiro enxuto, um
“mapa de situações”, como define Bolognesi. O palhaço, ao tomar contato com esses
121
MINOIS, George. Op. cit., p. 158.
83
roteiros, em geral transmitidos oralmente, irá, na sua trajetória circense, experimentálos. Tanto que quem não pertence ao universo circense, acaba tendo dificuldades em
compreender a dramaticidade de uma entrada. “A primeira resposta a essa dificuldade é
dizer que a dramaturgia não presta. É o contrário. Essa dramaturgia está aí há mais de
200 anos. Testada, experimentada em tudo quanto é lugar desse mundo. (...) Será que
essa dramaturgia não funciona? Geralmente é o inverso. Sem muitas papas na língua, eu
falo: ‘me desculpe, é você que não está conseguindo fazer’”, analisa Bolognesi.
3.1.4 Roteiro e improviso
Percebi que esta pequena arena é o lugar mais perigoso do mundo.
Mas também é o lugar onde tudo é possível. Onde os olhos se abrem.
E os meus se abriram.
Vittorio (Sergio Castelitto), no filme
36 Vous du Pic Saint-Loup, de Jacques Rivette (2009)
Diante do roteiro de situações que é a entrada, resta ao palhaço colocar a sua
marca na encenação que, a rigor, se trata menos de encenação e mais de recriação.
Nesse sentido, há uma falsa contradição entre roteiro e improvisação. Se o improviso
parte do inesperado, da habilidade de jogar com a espontaneidade, como ajustar isso a
um roteiro prévio? Aliás, onde está a graça da entrada/reprise? Na piada que consta do
mapa de situações, ou na capacidade de improviso que o ator/palhaço pode dar à
entrada? “Nos dois. Se o palhaço não tiver graça, não adianta. Se ele não tiver o dom da
graça não vai adiantar. Você pode fazer a situação acontecer, mas... a graça não vai
acontecer”, diz o palhaço Xuxu.
Boa parte do repertório de entradas de um palhaço lhe chega por meio da
transmissão dos saberes circenses que, como aponta a pesquisadora Ermínia Silva, se dá
a partir do processo de aprendizagem que ocorre dentro dos circos-família. Tanto que
diversos palhaços atribuem o primeiro contato com as entradas quando, em algum
momento de suas vidas, tiveram de atuar como escadas de seus pais, também palhaços.
“Meu pai já fazia todas elas e eu aprendi fazendo o clown pra ele. Essas entradas
cômicas, eu vou dizer, isso já vem de muito longe. São sempre as mesmas. Nem sei
quando elas nasceram”, conta Benedito Sbano, o palhaço Picoly.
Assim, o papel do palhaço é alinhar na sua performance a tradição e a sua
capacidade de criar em cima dessa tradição. “Ela é uma dramaturgia extremamente
84
aberta, ela é uma obra aberta, cuja construção depende dessa personagem chamada
palhaço, que é interpretada por um ator”, defende Bolognesi. E, nesse ponto, ele
introduz um elemento essencial para que o palhaço seja um bom palhaço. “Ou seja, a
sua eficácia está justamente na interpretação e que prevê, necessariamente, uma coisa
difícil de monte, que se chama triangulação, que é representar com o público e para o
público.” O palhaço deve estabelecer o jogo com a plateia, de modo que ela,
intuitivamente, compreenda que aquilo é uma brincadeira da qual ele quer que todos
participem. Nesse sentido, ele consegue liberar a sua capacidade de improvisação para
criar situações dentro da situação estabelecida pela entrada. Aí ele passa a criar
conexões entre o roteiro, o improviso e a plateia que, no exato instante em que a
situação se desenrola, podem servir de apoio para a introdução de criações de momento.
Claro que isso exige do palhaço/ator um campo de visão bem amplo, do qual o teatro
convencional praticamente prescinde. Valendo-se disso, ele pode criar pequenos chistes
que irão ampliar a cumplicidade da plateia com aquela situação encenada.
“Ele conta a verdade, mas deixa claro para a plateia que é brincadeira. Então é
uma coisa meio paradoxal, que é um pouco difícil de entender, mas que, com o tempo,
você fazendo, acaba entendendo o que significa”, explica Montagner, do La Mínima,
que, em 2008, criou o espetáculo Reprise, elaborado após pesquisa no universo da
palhaçaria. O grande desafio nesse processo é escapar ao tom farsesco, comum na
comicidade de palco. Ao contrário, o palhaço não pode deixar a plateia entender que
ele, dentro da situação da entrada, vê aquilo como uma mentira. Como testemunha Raul
Hernando Robayo, o palhaço Pepin, “o palhaço não pode inventar, mas evoluir, inventar
em cima da reprise. Mas tem que saber onde coloca essa evolução, essa mudança. Saber
o momento certo. Senão o espectador pode não entender”122.
Uma metáfora que se aproxima muito desse processo vem da música. Aroldo
Casali define: “Entrada é como jazz. O tema central é esse, cada um improvisa dentro
do acorde do momento. É a mesma coisa. Ele pode improvisar o que quiser. O palhaço é
um ser imprevisível”.
Dentro do processo de interpretação da entrada, o palhaço/ator deverá ter ainda a
habilidade de se apropriar de uma dramaturgia tradicional, muitas vezes reconhecida
pela própria plateia – e muitas vezes ela já teve a oportunidade de ver uma entrada
122
Depoimento dado durante os encontros entre palhaços mestres e palhaços aprendizes do Projeto “Entre
risos e lágrimas: o teatro no circo (da pantomima aos dramas) - Palhaçaria”, realizados em outubro de
2010 e coordenado por este pesquisador.
85
clássica na interpretação de outros palhaços e está disposta a rir novamente com uma
nova leitura da mesma situação –, ao mesmo tempo em que imprime na sua
interpretação a sua marca pessoal, sem descaracterizar o seu tipo de palhaço. É como
conta o palhaço Xuxu: “Eu uso o meu estilo. O outro palhaço vai usar o estilo dele. Eu
conheço vários palhaços que não fazem da minha maneira. Eu acho que da minha
maneira eu agrado. Mas isso quem fala não sou eu, é o público”.
Muitas vezes a entrada não se adéqua ao tipo desenvolvido pelo palhaço. Não se
trata de inabilidade, mas de incompatibilidade cômica com a entrada. Recorrendo
também à metáfora musical, Montagner afirma:
Ela está lá. Agora, como ela serve pra mim? É como a música. Como o
intérprete dá a sua cara para a música? Às vezes uma música não serve
pra você. Tem entrada que não serve pra você. Aquilo não tem a ver
com a sua comicidade, com o teu tipo físico. A comunicação do palhaço
é muito visual. Tem que ter a ver aquele personagem que você escolheu.
O pessoal tem que acreditar.
Assim como em outras manifestações da dramaturgia circense, o palhaço é um
tipo. Portanto não tem componentes psicológicos, não desenvolve a ação conforme
esses componentes. Primeiro porque não há tempo para expressá-los numa entrada,
sempre muito curta e que envolve uma única situação. Segundo porque o público o
reconhece a partir dos dois tipos clássicos: clown ou excêntrico. Ou ele tenta colocar a
ordem e é ludibriado; ou é todo atrapalhado, o que não o impede de levar a melhor.
Bolognesi defende que durante o desenrolar da entrada o excêntrico passa por um
processo em que parte de uma não consciência para uma consciência da situação.
Independentemente do método que guia esse processo – na maior parte das vezes é o da
“bordoada”, que sempre tempera os diálogos da dupla de cômicos com safanões,
bofetadas e pontapés – esse despertar não resulta em nenhum discurso moral. Trata-se
apenas da resolução de uma situação a partir de uma lógica transversa.
A entrada também não lida com conflitos dramáticos. Há sempre uma situação
colocada de início que deve ser vencida, uma dificuldade que, muitas vezes, pode ser
agravada pela forma atravessada com a qual lida o palhaço, mas que resultará numa
solução final. Para que isso ocorra de forma cômica e que resulte no riso da plateia, é
preciso ter domínio do ritmo. Em geral o ritmo da entrada não é natural, mas acelerado.
E isso é um recurso da comicidade que se quer obter com aquela cena. “Quando você
ensaia com o pessoal do circo clássico, com o seu Roger Avanzi, por exemplo, ele
86
ensina assim: ‘Você vai, conta até dois e olha pra cá; mas não olha no um ou no três,
porque aí não tem graça, tem que ser no dois’”, lembra Montagner. É esse o ritmo da
entrada: há tempo para falar e responder, que não é o normal, mas mais acelerado, e há,
nesse processo, o domínio do elemento surpresa para que a piada seja desfechada na
hora certa. “Você nunca pode deixar de lado o fator surpresa. A partir do momento que
você deu uma pequena dica para a plateia de qual vai ser a piada, aí você tem grande
possibilidade de perder a piada. Você pode até rir, mas não vai funcionar mais”, afirma
o ator do La Mínima.
Outro elemento da dramaticidade do palhaço é a sua relação com os objetos
cenográficos. No picadeiro não há cenografia e a situação a ser desenrolada numa
entrada é tão trivial que ela dispensa tal requinte cênico. No entanto, muitas delas
acabam requerendo “aparelhos”, ou seja, objetos para, em geral, corroborar a
inabilidade do excêntrico com o problema que se apresenta na cena. Bolognesi destaca:
A máquina fotográfica não tira fotografia, solta fumaça, explode; o
piano se quebra inteiro, ou seja, o objeto está a serviço do realce da
incapacidade do palhaço de poder executá-lo a contento. (...) Mas é um
recurso em que o objeto vem complementar essa característica do
palhaço. Como se aquele objeto fosse uma espécie de alma dele. Há
uma transferência para o objeto daquilo que é ele. Há uma identificação.
3.1.5 Palhaço: comum de dois gêneros?
A migração do saber circense para os palcos teatrais, processo iniciado na
década de 1980, como demonstra Eliene Benício Amâncio Costa123, impulsionou o
teatro nacional a partir da apropriação dos saberes circenses. Consolidado este processo,
a virada do milênio trouxe um novo refluxo de artistas que, impulsionados pelo
chamado “Novo Circo”124, retomam parte da tradição e trazem propostas novas para o
espetáculo circense. Nesse movimento, um tema se destaca, especialmente entre os
123
COSTA, Eliene Benício Amâncio. Saltimbancos Urbanos: a influência do circo na renovação cênica
do teatro brasileiro nas décadas de 1980 e 1990, tese de doutorado apresentada à Escola de Comunicações
e Artes da Universidade de São Paulo em 1999.
124
Movimento surgido no final do milênio que junta as técnicas tradicionais circenses e outras linguagens
artísticas, como a dança e as artes cênicas. É importante salientar que essa distinção tem força maior no
circo europeu e norte-americano, onde a mistura de linguagens no decorrer do século XX não se deu com
a mesma disposição e intensidade como ocorreu no circo brasileiro. O circo-teatro talvez tenha sido o
resultado mais bem acabado dessa mistura, que envolve não só os dois gêneros expressos no termo, mas
também a música. A referência mais direta do chamado “novo circo” é a experiência bem-sucedida do
canadense Cirque du Soleil, também um circo globalizado, com artistas de várias nacionalidades atuando
sob um tema definido.
87
alunos das escolas de teatro e de circo: o palhaço é um artista masculino ou sua
performance comporta uma leitura comum de dois gêneros?
Palhaças e clownesses sempre existiram, embora não tão fartamente a ponto de
ganharem reconhecimento não só dos circenses como das artes cênicas em geral. Mas a
memória dos velhos circos guarda nomes importantes, como recorda a atriz Vic
Militello: “A dona Arethuzza Neves foi a primeira palhaça no Brasil. Ela tinha a pele
morena e desenhava um palhaço lindo... Foi palhaça, como qualquer palhaço. Só que
ninguém apresentava ela como uma palhaça mulher. Ela era palhaço, só. O que
importava era se tinha talento pra fazer aquilo”. A se basear nesse depoimento, supõemse que, apesar de existirem palhaças, elas desempenhavam sempre o papel masculino.
Mas isso era sinal de preconceito com o exercício cênico da mulher? Ao que parece não.
“O circo é menos preconceituoso nesse sentido, de mulher fazer papel do homem,
porque as donas de circo eram mais mulheres do que homens”, defende Vic. Ela própria
atuou como palhaça no Pavilhão Chororó, de seu pai, Humberto Militello. Da mesma
forma, Maria Isidora Duran Gutiérrez, a Florcita, parceira de Pepin (na vida e no
picadeiro), é enfática ao afirmar: “Nunca senti preconceito. Me sentia normal. Nunca
me discriminaram”.
A questão parece ser mais complexa e não envolve o preconceito, mas a moral.
Sinaliza Bolognesi:
O grande dilema das palhaças para a experiência de sucesso é que o
palhaço de circo sempre brinca muito com o desejo sexual. Essa região
do corpo que vai de um palmo abaixo do umbigo e um palmo acima do
joelho é a preferencial para esse jogo, para essa jocosidade. E dentro da
nossa sociedade moralista – estou reproduzindo a moral dominante –
isso não são atitudes próprias de uma mulher, ainda que ela seja
palhaça.
O mais paradoxal é que, em duzentos anos do palhaçaria no picadeiro, há pelo
menos cinquenta anos que o palhaço se veste de mulher, o que já se tornou um recurso
clássico na sua comicidade. Piolin, por exemplo, consagrou a entrada Idílio dos sabiás
fazendo a passarinha, portanto vestido com saias. Mas Vic Militello125 faz outra leitura
desse paradoxo:
O Piolin fazia números vestido de mulher, assoviando, e ele continuava
sendo o Piolin. Não tinha essa história de que ele estava satirizando uma
125
Idem nota 117.
88
mulher. Isso é muito legal na história do palhaço. Por isso as crianças
dão tanta risada com o palhaço. Porque na verdade ela está vendo ali o
pai, o professor, a professora, do ponto de vista que ela vê, ela é
pequena e vê aquilo grande, aquela pessoa grande, exagerada, porque
pra ela é aquilo. Por isso agrada tanto a criança. Ele faz uma sátira que a
criança também faz na sua inocência.
A proliferação de palhaças nos cursos de teatro e de circo, por sua vez, está
provendo um repertório novo de entradas e de performances que têm os tipos do
excêntrico e do clown (ou escada) como base. A própria dinâmica do circo não impede
que os tipos, que há mais de duzentos anos são senhores do picadeiro, se petrifique e
permaneça o mesmo. Como aponta Bolognesi:
Isto é um dilema que quem terá de enfrentar são as mulheres.
Evidentemente que isso não é o todo da inserção do palhaço no
picadeiro. Existem muitas... Existe uma boa dose de recursos
dramatúrgicos de reprises que não fazem essa referência [sexual]. (...)
Bons palhaços, de um modo geral, nunca fazem referência direta à
coisa. É sempre com o discurso encoberto. Sempre a famosa segunda
intenção. O discurso metafórico, o duplo sentido.
Os próprios palhaços acham difícil abrir mão desse recurso tão característico do
seu tipo. Xuxu, por exemplo, acredita que “tem que ter um pouquinho de pimenta senão
não vai...”; assim como Pepin: “O palhaço tem de maliciar aqui, lá. Ter alguma
picardia”. O humor grotesco, lembra Bolognesi, teve origem num mito grego que atribui
a uma deusa a missão de restaurar o riso para que o mundo voltasse a ser fértil e a vida
pudesse prosseguir. Perséfone, deusa da fertilidade, cai em tristeza profunda e cabe à
serva Baubo, uma ex-deusa, restaurar a ordem a partir do riso. A solução para o
problema, similar às encontradas pelos palhaços para concluir suas entradas, não só
envolve a habilidade de fazer rir, como também a grande metáfora da fertilidade, que é
o poder feminino de conceber a vida: Baubo, grávida, levanta a saia e suas formas
exageradas exibem um rosto gigantesco em que “a vagina é uma boca, o umbigo o
nariz, e os seios os olhos”, conta Bolognesi.
3.2 Comédia de picadeiro
Os circenses geralmente se referem às comédias de picadeiro como
“chanchadas”, por seu caráter rápido, improvisado e combinado ao mesmo tempo, e por
89
seu humor grotesco. Entretanto o gênero comédia no circo-teatro pode ser distinguido,
apresentando ao menos três subgêneros:
Combinado – Peça sem texto escrito, sem autor, encenada por quase todos os palhaços,
em que a situação é dada e a cena se desenvolve com um pouco de improviso, mas
obedecendo a um roteiro convencionado entre os atores.
Comédia de picadeiro – Também chamadas de farsas e comedinhas, possui texto
escrito, especialmente porque o serviço de censura – em São Paulo exercido pelo
Departamento de Diversões Públicas, inicialmente vinculado ao Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP), de Getúlio Vargas – assim o exige. Trabalha geralmente
com tipos fixos: alto cômico, baixo cômico, ingênua, velho, galã, etc.
Alta comédia – Se refere às comédias de autores consagrados, geralmente brasileiros.
Muitas das vezes a escolha da peça recai sobre os autores da chamada geração Trianon,
em referência ao teatro que funcionou no Rio de Janeiro de 1915 a 1921: Armando
Gonzaga, Gastão Tojeiro, Oduvaldo Vianna, José Wanderley, entre outros.
Embora a comédia de costumes tenha se tornado, aos olhos das trupes de circoteatro, na “alta comédia”, que na definição do teatro clássico se trata de gênero que tem
no desmascaramento de personagens representativos de ameaças sociais – como em
Molière, por exemplo – ela desponta como uma expressão que surge tardiamente no
circo-teatro.
Antes de tratar especificamente da comédia de picadeiro é interessante notar o
papel de proto-comédia exercido pelo combinado. Sua estrutura é bem peculiar e em
geral difere da mais comumente reconhecida comédia de picadeiro. Assim,
analisaremos primeiro sua estrutura e depois a comédia assumirá como objeto de fato
dessa fase da pesquisa.
3.2.1 O combinado
A dedução que leva à conclusão de que o combinado é uma entrada estendida se
dá porque muitas vezes a situação remete ao repertório de entradas ou faz referências
bem claras a elas. O nome combinado é dado pelos próprios circenses por ser uma
encenação que não é baseada em texto, mas na tradição oral. Muitas vezes são
90
chamadas também de chanchadas, termo amplo, que também é usado para se referir às
comédias propriamente ditas. Essas peças curtas não têm autoria e são encenadas
mediante livres adaptações, muitas vezes com o nome do palhaço no título. São peças
antigas, muitas ainda do período em que as pantomimas dominavam os picadeiros,126 e
que trazem temáticas ligadas ao período entre séculos. Conta o palhaço Biribinha
(Teófanes Antônio Leite da Silveira)127:
No circo-teatro normalmente apresentavam-se dramas, melodramas,
comédia, altas comédias, dramalhões e, no meio de tudo isso, as
chanchadas, as gostosas e famosas chanchadas, que muitas vezes
quando a temporada se estendia muito, o jeito era apelar para as nossas
amadas chanchadas. (...) No repertório das chanchadas, eu lembro muito
bem, que tinha A menina virou, o Recruta Zero, que era o famoso
Turíbio, Pensão da Dona Estela, talvez aqui tenha outro nome, Doutor
Redondo, A morte do cozinheiro, O banco pegou fogo, O médico e o
monstro, As duas Angélicas, A última moda de Paris, Casar pra depois
morrer, Arlindo padeiro, Agência Marineri e o famoso O casamento do
palhaço, que, durante toda a temporada era dado ao palhaço o direito de
participar de comédias, de fazer chanchadas, segunda entrada, esquetes,
cortinas prontas... (...) durante a temporada foi-se fazendo aquele
marketing de divulgação anunciando: brevemente O casamento do
palhaço Picoly, ou do palhaço Picolino ou do palhaço Biribinha. E...
vão preparando aí os presentes, minha gente, e vão preparando as
cartinhas para adivinhar qual das atrizes desse evento é a noiva do
palhaço e ganhará um grande prêmio. Nesse dia, fazíamos um desfile de
rua com carroças, banda, fogos, o público da cidade também
acompanhava e à noite eram os mais de vinte presentes: chupeta,
penico, que levavam para aqueles palhaços.
A peça A casa mal-assombrada, por exemplo, embora empregue os tipos fixos,
pode ser tomada como uma extensão da entrada clássica “O caveirão”. O excêntrico
conta vantagens ao clown sobre a sua valentia. Inventa que enfrentou um enorme
contingente de bandidos, que caçou leões e ursos. Até que entra em cena o caveirão,
assombração que avança em passos sinistros e se aproxima do clown que, ao vê-lo, sai
correndo assustado. O excêntrico continua desfiando suas histórias de valentia e não
percebe que o clown foi substituído pelo caveirão. Apoia-se em seu ombro, coloca as
pernas nos seus joelhos, abraça-o. E, incrivelmente não percebe que se trata da
assombração. A situação se prolonga por minutos até que, de repente, o palhaço percebe
126
As encenações sem o uso da fala foram trazidas pelas companhias europeias e predominaram nos
circos até a década de 1910, quando o circo-teatro se firmou como principal expressão cênica circense.
127
Testemunho dado durante o evento “Diálogo: O palhaço no circo-teatro”, ocorrido no Centro de
Memória do Circo em parceria com a ECA/USP em 28 de novembro de 2011, que contou também com a
presença dos palhaços Picoly (Benedito Sbano) e Picolino (Roger Avanzi).
91
que não é mais o amigo quem ouve suas histórias. Disfarça, se retira, vira de costas e vai
saindo de fininho da cena, como se acreditasse ser somente uma visão. Ao dar meia
volta não vê mais o caveirão, que o seguiu em todo o trajeto e, portanto, se encontra às
suas costas. Vendo-se sozinho, volta a contar vantagens até que, virando-se mais uma
vez, dá de cara com o monstro. Grita e sai correndo. Ou seja, o grande recurso da
entrada é o adiamento do susto, mesmo ante os apelos da assistência que grita e aponta
o caveirão.
No combinado, também chamado O esqueleto, esse recurso é levado ao extremo.
O velho decide contratar um guarda-livros e a filha indica o namorado oculto. Este é
admitido mas o criado (o excêntrico) percebe a situação e conta ao velho, que expulsa o
namorado da casa. Nesse instante, este roga uma maldição, dizendo que dali por diante
aquela casa será mal-assombrada. É a senha que usa para a plateia saber que é ele quem
apronta truques diversos para que coisas estranhas aconteçam na casa: velas apagam,
objetos se movem, o tampo da mesa desaparece. O velho acaba matando o rapaz
acidentalmente e este retorna, desta vez como assombração de fato, ou seja, como o
caveirão (ou o esqueleto). Daí por diante a situação do susto adiado é estendida ao
máximo, terminando com a costumeira correria de todo o elenco.
O ritmo da encenação dos combinados, assim como das entradas, é ligeiramente
acelerado, o que empresta um sentido de urgência que contribui para prolongar o efeito
do susto retardado. O esqueleto geralmente é apresentada nas matinês, para um público
eminentemente infantil.
Outra peça clássica no estilo de combinado é O morto que não morreu. A versão
que se encontra no Arquivo Miroel Silveira é creditada a Anchyses Pinto, o Faísca,
irmão de Piolin. A história começa com um morto na sala e, à sua volta, a mulher, que
acaba de se tornar viúva, seu amante e um médico, que atesta a morte do defunto. Está
armada a situação, pois os amantes tramam ficar com o dinheiro do morto. Mas eis que
surge o criado, o próprio Faísca, que faz a intermediação com a funerária para que se
enterre o morto. E não é que o morto se levanta com uma baita ressaca? Acorda e
percebe o golpe. Decide continuar morto, assumindo a farsa. Ouve a trama dos amantes,
revela-se a Faísca e, ao fim, desmascara a trama, expulsando todos de casa.
Uma estrutura dramática tão simples e previsível, com a característica de que usa
de um dos temas recorrentes dos combinados: a morte. É comum o recurso de se criar
graça a partir de temas temidos, ou seja, fazer rir com aquilo que se teme. Como se o
riso fosse um antídoto para as angústias humanas naquela virada de século. Georges
92
Bataille escreve: “só o humor responde todas as vezes à questão suprema sobre a vida
humana”.128 Assim, ele se torna uma espécie de defesa coletiva.
Outro combinado clássico aparece com diversos nomes: Doutor Franz, Doutor
Redondo, Doutor Mão Santa ou, ainda Morres ou não? Mais uma vez a cena se abre
com dois carregadores trazendo um morto para as pesquisas de um médico. O assistente
recebe-o e, em poucos minutos este desperta, revelando-se um antigo amigo.
Conversando com o assistente se entusiasma com a profissão de médico e decide
atender os pacientes que vão chegando. O primeiro é um moço com dores de estômago.
Depois entra uma senhora enfastiada. Por fim entra um louco que reconhece nos dois
em cena seu pai e sua mãe. Por estar armado, submete a dupla às suas ameaças, mas os
dois conseguem desarmá-lo e fazê-lo desmaiar. Só que chega o verdadeiro médico, que
assume seu posto, tendo dois defuntos à sua disposição: o louco e o palhaço. A peça se
encerra com novo confronto com o louco e o médico descobrindo que não tem mais
defuntos para suas pesquisas. Com um enredo um pouco menos simplista, tem estrutura
similar à entrada por encadear personagens que a princípio caem na farsa até que o
farsante é desmascarado por levar a sério demais a sua farsa. Nos dois exemplos a morte
é o tema da situação, o enredo é econômico, lembra muito a estrutura da entrada e,
principalmente, há clara contaminação do gênero teatral, especialmente pela farsa e pela
presença dos tipos fixos. Por isso o combinado tem o caráter de proto-comédia, ou seja,
começa a formalizar o que será mais tarde a comédia de picadeiro. Esta, por sua vez,
fixa a presença dos tipos e o recurso da farsa.
3.2.2 A comédia
A tradição cômica popular teria sido inaugurada, segundo Vilma Arêas, por
Martins Pena, que formaliza a comédia de costumes numa época em que prevaleciam os
entremezes importados de Portugal.
Estes eram pequenas peças como um ato variado, com piadas, músicas,
dança e uma linha de ação, com todos esses desvios, meio descosida. Os
enredos se baseavam na comédia nova: dificuldades de amantes para se
casarem, opondo-se aos velhos e ajudados por criados espertos. Mas
também utilizavam-se do teatro popular de improvisação, com suas
máscaras ou tipos fixos.129
128
129
MINOIS, George. Op. cit., p. 558.
ARÊAS, Vilma. Iniciação à comédia. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1990, p. 83.
93
São essas as características dramáticas da comédia de picadeiro que, juntamente
com o melodrama e o drama sacro, formam os três gêneros fundadores dessa expressão
cênica popular, o circo-teatro. Obviamente que ele, com seu hibridismo característico,
promove a mistura desses gêneros de modo a serem identificados elementos de um e
outro na expressão de cada um deles. Mesmo um drama com temática grave, com cenas
de violência e movido por vinganças e ódios, terá seu momento de comédia, o que pode
ocorrer até no drama sacro.
Há um entrecho comum às comédias de picadeiro: pai e mãe preparam o
casamento da filha. Em geral há irmãos ou irmãs, além de um personagem externo à
família, que está prestes a chegar e que geralmente é um pretendente a quem a filha
ama, embora se prepare para casar com outro. Não há vilões ou cínicos, como nos
melodramas circenses. No máximo pode haver um parente aproveitador. Há sempre a
criada, pronta para fazer graça com os patrões (personagem, aliás, emblemático na
dramaturgia brasileira, merecedora de um estudo mais aprofundado). No circo-teatro é o
papel da baixa cômica. Ao seu lado poder atuar o excêntrico (alto cômico), que também
pode ser o pretendente, um parente que chega sem avisar, ou alguém de fora que vem
para revolucionar a rotina da casa. Se o pretendente da mocinha tem um amigo, ele pode
acabar com a criada ou com uma irmã mais nova da ingênua. Há, na maior parte das
vezes, troca de papéis, de identidades. Há também sempre simulações para se tirar
proveito da situação. Aquele que quer se aproveitar é sempre desmascarado no final. No
caso do personagem do excêntrico, este pode sair na melhor ou ter tudo perdido ao final,
pois ele é o coringa e o que vale é subverter a ordem com sua lógica atravessada.
O papel de criado desempenhado pelo excêntrico traz ainda traços da
personalidade do bobo, tão caro ao melodrama clássico. Ao analisar esse personagem
secundário, Ivete Huppes destaca: “(...) o falar tosco, os modos frequentemente
atrapalhados, os ardis canhestros etc., fazem dele um aliado simpático, mas não raro
inconveniente pelos desastres que é capaz de protagonizar”.130 Enfim, sua persona é,
nesse ponto, bem similar à do excêntrico: “Ela [a personagem] está longe de
compreender ou talvez de concordar com a necessidade de repressão dos impulsos por
que o comportamento cortesão é pautado.”131 Assim, sua ação impulsiva não mede os
efeitos: pode tanto contribuir para o bom desenlace como apenas desatar situações cujas
consequências serão as mais desastrosas.
130
131
HUPPES, Ivete. Melodrama. O gênero e sua permanência. Ateliê Editorial, Cotia, 2000, p.87.
Idem, p. 90.
94
Se no melodrama a sua graça é para desfazer a tensão da perseguição do cínico
aos ingênuos (galã e mocinha), na comédia este personagem assume a direção da ação,
pois depende de seu estranhamento a chave da trama, acabando ele bem ou mal, pois
não existe a necessidade de a virtude triunfar, como ocorre no melodrama. Aliás, na
comédia, o palhaço, ao entrar em cena, rouba o fio da história de modo a colocar os
demais personagens gravitando ao seu redor.
O papel de desatar ações desastrosas acaba, assim, ficando a cargo do baixo
cômico, enquanto o alto cômico age para construir, a partir de sua lógica própria, a
solução da ação, por mais absurda que seja. Como aponta Chumbinho:
Tem o cômico e o baixo cômico. O cômico é o que é responsável por
tudo, desde o começo da peça até o final. O baixo cômico é aquele que,
por exemplo... é o empregado. Tem dois empregados, o alto cômico e o
baixo. O baixo é aquele que vai só pra estragar tudo. É o que deda os
outros, cagueta, esconde as coisas dos outros, é a parte cômica dele. Ele
não usa muito a pintura no rosto porque é baixo cômico.
O alto cômico usa sempre a pintura, pois tem que ser identificado como o
elemento principal da comédia. Em geral o baixo cômico é desempenhado pelo dupla do
excêntrico (clown ou não). E, muitas vezes, há confronto direto entre os dois, assim
como ocorre na entrada.
A estrutura fixa de tipos e o desempenho do palhaço, muito similar à forma com
que atua na entrada – improvisação sem sair do tema, aqui empregando mais uma vez a
metáfora musical – é que dá a sensação de um repertório repetitivo, como assinalou
Miroel Silveira em sua análise. De fato, a mera leitura – deslocada da encenação –
esvazia a qualidade da comédia de picadeiro, que depende muito da performance do
palhaço, que dela extrai o exercício do humor grotesco e contemporâneo.
A tirar pelo depoimento do ator e diretor José Miziara, dado à Revista Zingu,
publicação virtual, o fazer da comédia de Piolin se apoiava mais fortemente nessa
estrutura de tipos fixos do que no texto propriamente dito:
Minha carreira é curiosa. Estava no colégio primário Piratininga. (...)
Começamos a ensaiar A Ceia dos Cardeais. Descobrimos que A Ceia
dos Cardeais só dava meio espetáculo, e aí resolvemos também fazer
As Máscaras, de Menotti Del Picchia. Aliamos as duas. (...) No
intervalo, entre uma e outra, entrou no meu camarim um senhor que
chegou para mim e disse: “Você quer trabalhar profissionalmente?
Gostei muito do seu trabalho”. Disse: “Eu quero, essa é a minha
carreira, é o que quero seguir.” “Muito prazer, meu nome é Abelardo
95
Pinto. Dá um pulo no Circo Piolin”. (...) Aí eu fui trabalhar no circo, era
uma peça por semana. “Me dá o script”, pedi. “Não tem script”. “Como
não tem script?! Não dão a peça para a gente decorar?”. “Não, quer ver
como é?” O ponto sentava aqui, só ele tinha a peça. Dizia: “Entra pela
2”. É aquela marcação antiga de teatro, a 1, a 2, a 3, o proscênio, vai
para o fundo… Aí comecei a fazer uma peça por semana. Ela começava
com 40 minutos, quando estreava na terça, e quando chegava no sábado,
já estava com 1h15 – de tanto que as pessoas colocavam caco em cima.
Tem uma passagem muita engraçada com o Piolin. Era uma peça em
que tinha que roubar algumas cartas de uma atriz portuguesa, que
trabalhava lá junto com a gente. Eu tinha que fingir ser noivo dela e o
Piolin em cena colocou um caco lá: “Você sabe quantos anos ela tem?”
Eu tinha que dizer “Não, não sei”, e ele dizia “30”. Aí eu, babaca, sem
experiência, disse “Em cada perna?”. Ao que ele respondeu: “Quem é o
palhaço aqui, eu ou você?”132
É importante ponderar que essa postura de Piolin não o alinha com os grandes
atores de seu período, como Leopoldo Fróes, por exemplo, cuja companhia era montada
para apoiá-lo como estrela de suas encenações, de modo que muitas vezes ele nem se
atinha ao texto, função reservada somente aos demais atores, enquanto ele usava sua
atuação para desenvolver improvisos que caracterizassem sua atuação. Ao contrário, a
disciplina de Piolin ao dirigir os atores era diametralmente oposta à sua capacidade de
improvisar no picadeiro. Conta Chumbinho:
Ele ensaiava. E lá também tinha horário. Das nove ao meio dia, só os
números. Das duas da tarde às cinco, só os dramas. E tinha outra coisa
também. A disciplina dele era tanta que se eu fosse contratado lá e eu
passasse beirando a cortina e saísse pela frente do circo... “Tá aqui o seu
dinheiro, obrigado, vai com Deus”. Circo se dá a volta. Eu já tinha
aquela disciplina porque no Circo-Teatro Igor eu aprendi tudo isso.
Nunca se passar pela cortina, nem passar no picadeiro, que é palco de
respeito; e nunca se sentar de costas pra cortina, você tinha que sentar
de frente.
Portanto se trata mais de uma forma de exercer a disciplina do que requisitar
para si a centralidade cênica, embora ela seja característica da comédia de picadeiro. Na
análise do seu repertório, nos próximos capítulos, tais pontos serão melhor analisados.
3.2.3 A alta comédia
O terceiro subgênero da comédia circense é a comédia de costumes, cuja
tradição dentro da dramaturgia brasileira a coloca numa posição fundadora, pois,
132
Disponível em <http://www.revistazingu.net/2011/01/entrevista-jose-miziara>, consultado em 15 de
novembro de 2011.
96
conforme aponta Vilma Arêas, foi o tipo de comicidade que manteve a vitalidade dada
inicialmente por Martins Pena. A história teatral anterior ao século XX mostra uma
alternância de surtos criativos que não conseguem inaugurar uma tradição dramática.
Entre um e outro arroubo, “voltamos ao início, à comediazinha de costumes, a exemplo
de Martins Pena”.133 Este promoveu a evolução dos entremezes a partir da leitura de
Molière, de modo que essa tradição da comédia irá avançar em França Júnior e Artur
Azevedo. Muito embora Décio de Almeida Prado acredite que “nem [Joaquim Manuel
de] Macedo nem França Junior foram muito além do que traçara Martins Pena, com
maior carga de inventividade”.134 Mesmo com a enxurrada do teatro musicado no Rio
de Janeiro no final do século XIX e início do XX, a comédia foi resgatada pelo Teatro
Trianon como resposta para desenvolver um espetáculo “de família”. Iniciado por
Leopoldo Fróes em 1915, o Trianon tomou outros rumos no ano seguinte, recebendo
diversas companhias com seus repertórios próprios de comédias, com características
similares: leveza, rapidez, e enredo envolvendo amores proibidos, ascensão social,
acertos escusos, diálogos carregados de ironia. Daí para o picadeiro foi um pulo. Mas
antes passava por certo ajuste, como descreve o palhaço Picolino II (Roger Avanzi):
Nós fazíamos também (...) altas comédias, além das chanchadas,
usávamos aquelas comédias do teatro, as finas comédias do teatro
nacional. Grandes companhias levavam essas comédias. Os autores
eram Paulo Magalhães e outros. O circo aproveitava essas comédias. O
nosso, por exemplo, aproveitou. Transformávamos essas comédias em
chanchadas. (...) Mas vamos ver a alta comédia do Paulo Magalhães que
nós adaptamos para o circo. É uma comédia muito fina e chama-se
Chica Boa. Quando nós montamos essa comédia e vimos Chica Boa...
Essa comédia não vai atrair público! Vamos mudar o nome! Que nome
vamos botar? Na comédia tinha a velha, que mandava em todo mundo,
obrigava os artistas da comédia a se vestirem de preto, todos de preto.
Os homens e as mulheres também. Mania de gente velha. Então vamos
botar um nome para trazer público. Passou a se chamar O solar dos
urubus. Aí fomos lá pro Nordeste e aconteceu uma coisa engraçada. A
gente achava graça. Muita gente, quando anunciava O solar dos urubus,
as pessoas de baixa renda, mais pobres, vinham comentar com a gente e
aproveitavam e perguntavam: “O que é um solar? O que quer dizer
solar?” E agora? Tinha que explicar que era um casarão, um prédio,
uma coisa muito grande, bonita, era um solar. “Ah, é isso, é?” Então,
nós vimos que não dava certo Solar dos urubus. Então mudamos,
tiramos o solar e ficou Picolino na casa dos urubus. Aí deu pra entrar o
Picolino também.
133
134
ARÊAS, Vilma. Op. cit., p. 84.
PRADO, Décio de Almeida. História concisa do teatro brasileiro, Edusp, São Paulo, 1999, p. 138.
97
Portanto, como testemunha o excêntrico, o texto é mais elaborado, pois provém
de um repertório autoral e consagrado, mas o trato do texto segue a tradição circense, ou
seja, adapta-se, improvisa-se, recria-se.
A temporada cumprida por Piolin no Teatro Boa Vista em 1931, na companhia
de Tom Bill, algumas dessas comédias de costumes foram incluídas no repertório, com
muito sucesso de público, conforme indica a cobertura jornalística da época: O
simpático Jeremias e O café do Felisberto (ambas de Gastão Tojeiro) e Aventuras de
um rapaz feio (Paulo Magalhães).
Muitas dessas peças acabaram se tornando clássicas no repertório de circoteatro, a ponto de, muitas vezes, serem confundidas com a comédia de picadeiro –
devido às apropriações e improvisações – e serem listadas pelos circenses como
inevitáveis numa temporada: Feia, de Paulo Magalhães; Maria Cachucha, de Joracy
Camargo, e Feitiço, de Oduvaldo Vianna, além das já mencionadas por Picolino.
Definido o gênero, os capítulos seguinte se dedicarão a analisar o repertório de
Abelardo Pinto Piolin nas fases de sua carreira: no Circo Alcebíades, especialmente
quando propõe, apoiado pelos intelectuais modernistas, um texto renovado, Do Brasil
ao Far-West; na temporada no Teatro Boa Vista em 1931; e, enfim, num estudo mais
aprofundado, as comédias encenadas entre 1933 e 1960 no Circo Piolin.
98
4. Piolin em cena
Suzana Amaral: Piolin, você mesmo escrevia as peças que representava?
Piolin: Algumas. Muitas eu aproveitava, eu fazia arranjos, diminuía ou aumentava,
o que era preciso fazer. Fazer adaptação para o circo eu fazia.
Depoimento de Piolin ao Museu da Imagem e do Som de São Paulo,
concedido em 27 de maio de 1971
4.2 Antecedentes: a fase “áurea” (Circos Queirolo e Alcebíades)
Depois que eu estava grande, o Circo Queirolo ficou
armado ali no largo Paissandu, e eu, chegava domingo, todo mundo
tá procurando passeio, eu me vestia e ia pro circo.
O Piolim faz pouco tempo que morreu, ele foi do Circo Queirolo,
era o mais novo dos seis irmãos, foi o último que morreu.
Dona Risoleta135
A estreia do Circo Queirolo no Largo do Paissandu, em maio de 1923, já trazia
em seu elenco de palhaços o iniciante Piolin, ao lado dos irmãos Harris (Julian
Queirolo) e Chic Chic (Otelo Queirolo). Naquele mesmo ano a companhia havia
passado pelo Largo da Memória, no centro (6 de janeiro), pelo Teatro Braz Politheama,
no Brás (9 de março) e, na sequência, pela rua Vergueiro. A transferência para o Largo
do Paissandu se dá em 21 de maio, inaugurando uma temporada que se estenderia por
mais de dois anos, encerrada em novembro de 1925. Chicharrão, que havia se
desentendido com os irmãos, havia partido em temporada no Rio de Janeiro ao que foi
substituído por Piolin, com seu tipo reformulado – praticamente uma cópia do famoso
palhaço dos Queirolo, com chapéu coco, nariz vermelho, colarinho enorme, assim como
os sapatos e a bengala – conquistando o público com sua grande performance física e
com sua voz. Chicharrão volta a São Paulo somente em 1924, em circo com seu nome,
que se instala no Brás, na rua Piratininga, esquina com Rangel Pestana.
No ano seguinte, quando o Circo Queirolo se despede do Largo do Paissandu,
Piolin se transfere para o Circo Alcebíades. Com isso, os irmãos Queirolo voltam a se
135
BOSI, Ecléa. Op. cit., p. 374. Uma das fontes da pesquisadora se lembrava bem do tempo em que o
circo foi referência no largo do Paissandu, mas confundiu Piolin como sendo da família Queirolo. Os seis
irmãos Queirolo eram: Ricardo, Alcides, José Carlos (Chicharrão), Julian (Harris), Otelo (Chic Chic) e
Francisco. Adquiriram a lona do Circo Spinelli em 1917 e, em 1923, estrearam em São Paulo.
99
reunir. Ao se instalar na avenida São João, em janeiro de 1925 o anúncio indica: circo
“ao qual voltou o apreciado cômico Chicharrão”.136 A trupe de palhaços da companhia,
além dos três irmãos Chic Chic, Harris e Chicharrão, é reforçada com Tampinha,
Pololito, Lapena e Perrys. A farsa final que caracterizou o espetáculo na fase com Piolin
também é mantida, estreando na ocasião a peça Instituto Electrotherapico.
O repertório de peças encenadas por Piolin no Queirolo naqueles dois anos de
sucesso de público incluiu diversas farsas clássicas. Muitas delas permanecerão por
anos em suas apresentações, entre elas O morto que não morreu e O casamento de um
cadáver, ambas testemunhadas e mencionadas por Yan de Almeida Prado em seus
artigos reunidos no livro Circo de Cavalinhos. Aliás, o intelectual, que também fala da
farsa O pugilista, ressalta que naqueles anos 1920 dois barracões faziam a alegria do
povo paulistano: o dos Queirolo e o de Alcebíades. Curiosamente, a certa altura, eram
quase vizinhos. A princípio o Queirolo ocupava o Largo do Paissandu; quando deixou o
local foi para a Avenida São João. Em seu lugar, instalou-se, em 16 de novembro de
1925, o Circo Alcebíades.
Naquele ano a fama do trio de palhaços Chicharrão, Harris e Piolin (então entre
o Queirolo e o Alcebíades) era tanta que, para ajudar a arrecadar fundos para a
Federação Circense mandaram imprimir cartões postais com fotos impressas – tanto
caracterizados como sem a máscara – para serem vendidos aos fãs. O interessante é que
as fotos de Piolin apareceram sob a inscrição: “O cômico preferido da elite paulista”.
A inovação de Piolin na sua passagem pelo Circo Queirolo foi a fixação do seu
tipo, fazendo frente ao grande palhaço do período, que era Chicharrão. Mário de
Andrade nota que o palhaço faz grande inovação na dramaturgia circense ao estrear a
farsa Do Brasil ao Far-West. Registra uma complexa análise na revista modernista
Terra Roxa e Outras Terras sob o pseudônimo Pau d´Alho em fevereiro de 1926 – a
temporada de Piolin no Queirolo se encerra em novembro de 1925. Portanto, a análise
do intelectual modernista se refere a uma encenação feita já no Circo Alcebíades. No
texto Mário diz: “A última peça representada por Piolin, mestre do Cômico, é sem
dúvida uma das mais interessantes obras dramáticas dos últimos tempos brasileiros”137.
Embora não haja controvérsia com relação ao fato de ter sido apresentada no
Alcebíades, há reminiscências registradas por Ankito, sobrinho de Piolin, filho de
136
Folha da Noite, 29 de janeiro de 1924.
ANDRADE, Mário. Do Brasil ao Far-West, Mário de Andrade (Pau d´alho), Terra Roxa e outras
terras, 27 de fevereiro de 1926, Ano I, no. 3.
137
100
Anchyses Pinto, o palhaço Faísca, que datam a estreia no Circo Queirolo: “Era a estreia
do drama Do Brasil ao Faroeste. Anchizes representava o mocinho e Zina, a mocinha.
Chicharrão, um dos Queirolos, vestiu o menino, agora com 4 anos, de caubói e o
colocou em cena. Imaginem a surpresa e a emoção dos pais ao verem o menino em
cena, todo imponente. A surpresa foi geral.”138
Há várias incongruências nessa informação. Ankito nasceu em 26 de novembro
de 1924. Se o fato se deu quando tinha quatro anos, ele ocorreu entre 1928 e 1929,
portanto quando Piolin não fazia mais parte da trupe dos Queirolo. Se a peça estreou em
1926, o que parece mais provável, então foi antes das lembranças do adorável Ankito.
Desmontada a lona dos Queirolo, no mesmo mês e no mesmo local se ergue o
Circo Alcebíades, que estreia em 16 de novembro de 1925. Pouco mais de um mês
depois, a companhia programa uma função dedicada à imprensa, sob o pretexto de que
se estaria inaugurando a lona impermeável do circo. Em 23 de dezembro, publica a
Folha da Noite:
Conforme estava anunciado, foi inaugurado ontem, neste circo do Largo
do Paissandu, o pano de lona impermeável que o cobre inteiramente,
resguardando assim das chuvas e dos ventos fortes os espectadores.
Para essa inauguração organizou-se interessante programa, sendo a
função dedicada à imprensa paulistana. Além dos diversos e apreciados
números de variedades, apresentaram-se os cômicos Alcebíades e
Piolin. Este último divertiu a assistência, que era numerosa, com as suas
irresistíveis graças, especialmente na pantomima “Piolin, campeão de
Box”. Para esta noite anuncia-se espetáculo novo.139
No artigo de Mário, ele defende um primitivismo genuíno que, a seu ver, está
presente na pantomima e na revista, cujos autores “criam por isso sem leis nem
tradições importadas, criam movidos pelas necessidades artísticas do momento e do
gênero, pelo interesse de agradar e pelas determinações inconscientes da própria
personalidade.”140 Assim, nascem da “lógica do absurdo”, guarda-chuva que abriga
tanto Piolin quanto os Nibelungos ou Dom Quixote. Essa lógica é exercida pelo cômico
“antirealista e agradável”, tal e qual Piolin. A partir daí Mário começa a desenhar uma
teoria da sub-literatura:
138
PINTO, Denise Casais Lima. Ankito, minha vida... meus humores. Funarte, Rio de Janeiro, 2008, p.
24.
139
Folha da Noite, 23 de dezembro de 1925.
140
ANDRADE, Mário. Op. cit..
101
Porém a substância sub-literária da pantomima de Piolin tem um
condimento principal inda mais importante que ela e que a sublima e
estetiza. No fundo obras tais como a Divina Comédia, as peças de
Moliére ou o primeiro Fausto são sub-literatura, pois que os caracteres
psicológicos têm unidade moral absoluta e se pratica a justiça
premiando os bons e castigando os maus. Porém a concepção elevada, a
simbologia universal, a validade artística e a realização sublime
destroem, ou melhor subtilizam o fundo sub-literário dessas obras
primas. Fundo em última análise inexistente, pois que despercebido ou
esquecido.141
Depois de introduzir Piolin, chega-se à farsa: Do Brasil ao Far-West. Nela há a
clara dicotomia entre o bem o mal, mas o bem é cômico e a história guia-se pela “lógica
do absurdo”. Há mais de uma década ainda distante da publicação de seu Macunaíma –
que estrearia em 1938 – Mário vê no herói da farsa o traço do “maricas e ridículo”.
“Estou convencido que essa precisão do ridículo risível é que salva da perdição esse
gênero das pantomimas de Piolin. Valores e excelências puramente ocasionais, me
parece…”142 O herói sem caráter? Nesse sentido, Piolin é o autor indiferente, usa de
uma notável “desatenção estética” que, parece, é a essência do criador cômico, seja ele
Piolin ou Chaplin.
Mas do que trata a peça Do Brasil ao Far-West? Por mais óbvio que possa
parecer, o título desfia a ação, que começa num cabaret em São Paulo e termina sob as
balas do legítimo faroeste de cinema, com bandidos caricatos, mocinhas raptadas e
confrontos de saloon. Piolin é garçom do cabaret onde Armando e Alberto se divertem,
o primeiro fugindo de uma antiga amante, a Hespanhola, e o segundo tentando seduzir
Lúcia, que é o amor mal resolvido de Piolin. Desse quarteto se ocupa o primeiro ato. A
divisão da peça em dois atos, que funciona para separar as ações em São Paulo e em San
Francisco, incomoda Mário de Andrade, que vê nisso sinais de contaminação da
chanchada pela comédia tradicional. Sabe-se que Piolin é fanfarrão, que dispõe da
proteção do tio milionário que o quer casado com uma prima, Cleonice, mas renega
tudo pela paixão por Lucia. Mas não é que no fim do ato ele recebe a notícia de que o
tio morreu e ele é beneficiário de sua herança, passando de garçom a milionário! Mas há
uma condição para que desfrute da fortuna: que se case com Cleonice. A decepção de
ver Lucia num cabaret com outro homem o faz decidir pela prima. No entanto, um fato
inusitado dificulta o casamento, que deve acontecer em prazo determinado: ela foi
raptada e levada a San Francisco. Até aqui a estrutura dramatúrgica replica a tradicional
141
142
Idem.
Ibidem.
102
comédia de situação. A grande inovação é a apropriação que Piolin faz do gênero
cinematográfico no segundo ato, “a mistura saborosa do elemento nacional e do
estrangeiro”, como pontua Mário.
A cena irrompe o segundo ato num saloon repleto de tipos durões, como os
bandidos Jack e Carter, que discutem que destino darão a Cleonice. Sabem da herança e
forjam papéis para que Carter se case com ela e tenha o dinheiro. Mais bandidos entram:
Crigton, Jim e William. Até que chega Piolin maldizendo o cavalo e topando com os
durões, que treinam a pontaria estilhaçando garrafas. No confronto final, abandonam-se
as armas (“Aqui briga-se a mão limpa”) e a situação é resolvida na briga aberta em
pleno picadeiro, onde sobra tempo até para que, entre socos, Piolin e Cleonice se casem.
A interferência de um elemento menos nacional e mais grotesco, no internacional
contemporâneo – e há aí uma temporalidade estranha, pois não se trata do tempo do farwest, mas o tempo do faroeste de cinema, que é o presente – é que faz a graça da peça.
Sua “invenção estupenda”, como define Mário, se dá, pela primeira vez e pelas
condições que a matriz cultural circense proporciona, na hibridização de um gênero
teatral predominantemente circense, que é a farsa, com o discurso do cinema naquilo
que ele tem de mais específico em seu estrangeirismo, que é a saga dos homens sem lei
no Oeste americano. É nisso que Piolin, usando a pantomima que lhe é peculiar e que o
torna reconhecível, atravessa a cena estranha, usando seu próprio estranhamento para
interpretá-la. Há sim o elemento nacional, mas o que o caracteriza é o grotesco de seu
humor de palhaço.
Essa mise-en-scène não envolvia somente Piolin, mas todo o elenco, que se via
na missão de encarnar os tipos de cinema com verossimilhança suficiente para garantir
o riso da plateia. Continuando a descrição biográfica de Ankito sobre sua participação
na peça aos quatro anos, ainda com o apelido de Tito:
Exatamente no momento da peça em que o Deodato (que representava o
bandido) fazia um gracejo para a mocinha, e o mocinho começaria uma
briga, Tito entrou em cena. O elenco ficou tão surpreso que a cena ficou
parada, e o que foi pior... Tito conhecia a peça, pois assistira aos
ensaios, e sabia que o “bandido” daria um tiro no mocinho. O menino
não perdeu tempo, apontou o dedinho indicador para o “bandido” e
disse:
– Seu Deodato, não dá tiro aqui, não, porque eu tenho medo, viu?143
143
PINTO, Denise Casais Lima. Op. cit., p. 24.
103
Mário de Andrade escreve sobre Piolin em 1926, ano em que os modernistas o
descobrem no Circo Alcebíades por indicação do poeta franco-suíço Blaise Cendrars.
Não é o primeiro a escrever sobre o palhaço, “rei do passo do urubu malandro e príncipe
da pagodeira”, na definição de Alcântara Machado, que teria se antecipado e levado a
sério a indicação de Cendrars, inclusive escrevendo sobre o excêntrico na mesma Terra
Roxa e Outras Terras. A consagração de Piolin parece atingir seu ápice – entre os
intelectuais modernistas talvez este ocorra somente em 27 de março de 1929, quando
promovem o Banquete Antropofágico em homenagem ao palhaço no salão de chá do
Mappin Stores – com circenses e, principalmente, o público enaltecendo suas
performances e reconhecendo suas criações cênicas. O Boletim Mensal da Federação
Circense, em seu número 24, de 30 de abril de 1927, na seção “O que dizem de nós”,
reproduz um artigo assinado por Brasil Gerson e publicado no Diário da Noite (14 de
abril de 1927). Ele contesta um jornal de imigrantes italianos por empregar, de forma
pejorativa, o nome “Piolin” para se referir ao diretor Arthur Trippa, de outro jornal
concorrente, o Piccolo. Na defesa do excêntrico, Brasil Gerson salienta:
Lembro-me de ter sido o primeiro a dizer num jornal de importância,
que o teatro nacional tem três grandes nomes que deveriam ser
mundiais: Fróes, Procópio, Piolin. Hoje é uma verdade aceita por todos.
E Piolin deixou de ser o palhaço banal de circo de cavalinhos, palhaço
no sentido usual da palavra, para ser uma glória deste nosso teatrinho
tão pequeno e tão incipiente. (...) Piolin não tem mestre nem escritores
que lhe forneçam repertórios. Escreve suas peças, e suas peças têm um
sabor curioso de modernismo, dentro de uma finíssima ironia que não
há, positivamente, na Sociedade Brasileira de Autores Teatrais... O seu
teatro é um teatro sem convenção. Vive da simplicidade, da ingenuidade
e por isso tem um sabor delicioso que os outros não têm.144
Embora a deferência do jornalista que assina o artigo seja clara, ao recuperar os
anúncios publicados no jornal O Estado de S. Paulo com a programação do Circo
Alcebíades, em 1929 Circo Piolin-Alcebíades, o repertório que se encontra é o
tradicional. Além de Do Brasil ao Far-West, que estreou em 1927, aparecem: Piolin,
campeão de futebol; Piolin pugilista, Reservista Ventura, Casamento de um cadáver, O
embaixador, As duas Angélicas, Dr. Franz, O sete nomes, O morto que não morreu,
Marquês à força, Piolin aviador, As proezas de Lampião, O lobo da aldeia, O
casamento do Pindoba e, como não poderia deixar de faltar, o drama religioso O mártir
144
Boletim Mensal da Federação Circense, no. 24, 30 de abril de 1927.
104
do Calvário.145 Um repertório clássico de combinados e comédias consagrado por
diversos circos e que Piolin continuaria encenado nos anos seguintes em pelo menos
duas ocasiões: na temporada que cumpriu no Teatro Boa Vista, em 1931, confirmando
boatos que já circulavam naquele 1929, e no Circo Piolin, que fundaria em 1933 com o
apoio do pai, Galdino Pinto.
O ano de 1928 parece fazer ecoar o nome de Piolin pela cidade, especialmente
na imprensa. Três exemplos de referência. Logo no início do ano, a Folha da Noite
publica artigo que critica a atuação da Câmara com a frase: “Está triunfante o estilo
esculhambativo!” O autor acusa o colegiado de perder a compostura, de modo que
passará a promover espetáculos humorísticos: “...impor-se à consideração pública pelo
processo Chicharrão, Tony, Piolin e outros ilustres representantes das massas
populares”.
Em junho, Antonio P. Nunes escreve no mesmo jornal sobre os anistiados do
levante de 1924 e afirma que os defensores da anistia se vestem com figurinos que “não
se ajustam a eles, usando às vezes um colarinho que mais parece o do Piolin”. E, em
dezembro, publica uma crônica sobre um suicida que deixou bilhete mas desapareceu
em vez de se matar. Um desfecho que, segundo o cronista compara-se a uma cena
protagonizada por Charles Chaplin, ou “uma pachuchada do Piolin”.
Logo em seguida, em dezembro, é que se publica a reportagem na seção Ribaltas
e Projecções, já mencionada e analisada. Nela, os repórteres se referem ao palhaço
como um “homem rico”, condição atribuída ao seu sucesso no picadeiro.
O fim da temporada do Circo Alcebíades no Paissandu, em dezembro de 1929,
leva Piolin ao novo endereço, na avenida São João, nº. 102, que já abrigara o Circo
Irmãos Queirolo146.
Um incêndio consome a lona em 1931, quando já não tinha mais Piolin no cartaz
e se dedicava a sediar lutas de boxes, jiu-jitsu, luta livre, etc., além das comédias da
Companhia de Revista e Burletas Teatro Popular, que tem como atração os atores Otília
Amorim e Juvenal Fontes e estreia com a revista São Paulo Futuro, de Danton Vampré.
A edição de 29 de setembro de 1931 da Folha da Noite noticia:
145
Assinala o anúncio publicado em 26 de março de 1929 no jornal O Estado de S. Paulo: “É a primazia
inarrebatável do elenco alcibiano: guarda-roupa a rigor, música própria, tudo de acordo com a época.
Personagens: Jesus Cristo, Julio Ozon; Virgem, D. Esther Pereira; Judas, Rubens Mira; Pilatos,
Alcebíades; Caifás, Nicolau; Anaz, Julio Ribeiro; (...) Madelena, Ondina Pereira; (...) São João, C.
Seyssel (...)” Toda a trupe participava da montagem, à exceção de Piolin.
146
Lá permaneceu de novembro de 1925 a setembro de 1926, quando então se transfere à avenida Duque
de Caxias.
105
Incendiou-se o pavilhão do Circo Alcebíades
Cerca de 14 horas de hoje, foi dado o alarme para o Quartel Central do
Bombeiro, de um incêndio na avenida São João.
Imediatamente correu ao local a guarnição de prontidão, com o
respectivo material.
Ali chegando, foi verificado que o Circo Alcebíades, antigo Queirolo,
estava sendo devorado pelo fogo. (...)
O fogo, segundo parece, foi originado por uma ponta de cigarro aceso,
que alguma pessoa ou vizinhança atirou sobre o pano.
O circo não estava no seguro, não se sabendo por enquanto em quanto
montam os prejuízos causados pelo fogo.
O acontecimento levou o adoentado Alcebíades para o interior de São Paulo. Ele
aparecerá poucas vezes na imprensa da capital depois da ocasião: ao estrear em
Bragança Paulista, em 26 de setembro de 1933, e em Jundiaí, em 10 de novembro do
mesmo ano. Sua volta a São Paulo e ao noticiário só aconteceria cinco anos depois,
quando a companhia anuncia nova dupla de palhaços: Alcebíades e Fuzarca – seu filho
Albano Pereira Neto, que iniciava uma carreira vitoriosa, que incluirá o primeiro
programa circense na televisão, em 1950, o Circo Bombril, em que divide a cena com
Torresmo (Brasil José Carlos Queirolo), filho de Chicharrão, na TV Tupi.
Piolin, que em 1930 se despedira da companhia, saiu em turnê pelo interior,
passando por Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Paraná, possivelmente em
diferentes circos.
4.2 A fase do Teatro Boa Vista
Uma breve reportagem publicada na Folha da Manhã em 24 de fevereiro de
1929 intitulada “Duas respostas a Piolin” reproduz um rápido diálogo entre o repórter e
o excêntrico, que se pintava em seu camarim, prestes a entrar em cena:
- Que pena você chegar agora! Dentro de cinco minutos de ir dizer as
minhas tolices a essa boa gente que me dispensa tanta attenção...
- Viemos fazer duas perguntas, apenas. O que quer dizer que você deve
dar duas respostas. É só isso.
- Com immenso prazer: pergunte.
- Você pensa mesmo em deixar o circo, em ir para o theatro de
comédia?
- Quem sabe menos a esse respeito sou eu. Tem-se dito muita coisa
aqui e no Rio... que honra pra mim ! Mas tudo palavras.
- E o falado entendimento com Oduvaldo Vianna?
106
- Não há entendimento algum. Nem o meu prezado amigo Oduvaldo,
sobre tal assumpto me fez selente. O que há de positivo, é uma antiga
conversa que eu e elle tivemos antes da formação da companhia de
Sainetes Abigail-Roulien. Depois, nada mais. Entretanto, não pode ser
absurdo que um dia eu me decida ir para a comédia, uma vez que meus
interesses não soffram arranhão.
Você compreende: esta é minha profissão. Portanto tenho que viver
disto, que me garantir nisto, quer esteja a garantia na modéstia de um
picadeiro, ou no velludo-bocca d’opera de um palco.147
Os boatos demoraram a se confirmar. Somente em 15 de abril de 1931 é que O
Estado de S. Paulo anuncia: “A próxima temporada do teatro cômico no Teatro Boa
Vista destina-se a alcançar um êxito dos mais completos. Primeiro ator do conjunto será
o popular artista Piolin, que resolveu ingressar para o teatro.”148 Entre o boato e a
estreia, Piolin precisou de dois anos e meio para tomar a decisão que suscitou grande
polêmica entre os que o apreciavam e entre os intelectuais e jornalistas que o
celebravam149. Pouco antes de estrear ao lado do cômico Tom Bill, o excêntrico voltou a
se apresentar com Alcebíades – antes do incêndio que consumiu sua lona – já
experimentando a ribalta e dividindo atração com a dupla inglesa Oliver Hardy e Stan
Laurel, o Gordo e o Magro, estes na tela, e a dupla de palhaços no palco. A experiência
aconteceu concomitantemente nos cines Paratodos e Colyseu. Mas atuar num teatro cuja
tradição era a da apresentação de grandes cômicos populares, essa era a grande
novidade.
Aliás, havia ali duas grandes novidades que interferiam na carreira daquele que
até ali só conhecera – e muito bem – o picadeiro: o teatro e o parceiro. O teatro,
localizado na Rua Boa Vista, esquina com a Ladeira Porto Geral, proporcionava uma
vista privilegiada da Várzea do Carmo, assim como dos bairros do Brás, da Moóca e da
Vila Maria. Ficava num local histórico, pois lá havia o sobrado em que, em agosto de
1896, o fotógrafo francês George Rebouleou fez a primeira exibição do cinematógrafo
147
Folha da Manhã, Ribaltas e Projecções, 24 de fevereiro de 1929.
O Estado de S. Paulo, 15 de abril de 1931.
149
Arruda Dantas conta em seu livro (op. cit., p. 134) que o palhaço já havia sido convidado a atuar num
palco, em 1926, quando conheceu Marinetti em São Paulo, tendo declinado do convite. A tumultuada
passagem por São Paulo do autor do Manifesto Futurista (1909), com as vaias preenchendo as sessões de
palestras deixa pouca margem para a veracidade do convite. Apresentou-se por duas vezes no Cassino
Antarctica, próximo do Lardo do Paissandu e foi recebido pelos modernistas. Mas já havia um ranço de
passadismo nas propostas de Marinetti. Em vez de estender sua estadia, abreviou-a, antecipando sua ida a
Buenos Aires.
148
107
em São Paulo. Em 1912, com a construção do Viaduto Boa Vista, o Teatro Santana150
foi demolido. Para ocupar essa lacuna, foi erigido o Boa Vista, com projeto de Giulio
Micheli. O teatro contava com 350 lugares na plateia, 22 frisas, 24 camarotes e 4 filas
de balcão, com 70 lugares.151 Inaugurado com o vaudeville Mulheres nervosas, de Blum
e Toche, encenado por Leopoldo Fróes e Apolônia Pinto, o teatro se tornou o templo da
comédia popular. Por lá passou a Companhia Arruda, de Abílio Menezes e Sebastião
Arruda, que estreou temporada em agosto de 1917 e que se estendeu até março de 1919.
Atribui-se a Sebastião Arruda, com seu tipo caipira, o grande formador de público de
um teatro nacional-regionalista, na acepção dada por Miroel Silveira, que qualifica seu
personagem como “epígono caboclo”152. A grande marca da temporada foi conseguir
emplacar peças – todas revistas musicadas – com mais de sete encenações, um marco
para a época. São Paulo Futuro, de Danton Vampré, por exemplo, teve 38
representações; Uma festa na Freguesia do Ó, do mesmo Vampré com João Felizardo,
somou 77; e o emblemático A Divina Increnca, de Juó Bananére, com 36. Miroel
Silveira atribui a essa temporada não só a consolidação do gênero nacional-regionalista,
uma reação ao teatro filodramático, encenado por italianos, como a gênese de um teatro
ítalo-brasileiro, especialmente com o surgimento do tipo italiano cômico.
“Sebastião Arruda foi a coqueluche de São Paulo. Na porta do Teatro Boa Vista
havia uma grande caricatura do ator com a legenda: ‘É aqui mêmo que eu trabáio. Pode
comprá biête!”153 A temporada de Arruda terminou em 1919, quando a companhia
decidiu se arriscar na cena carioca. Muitos anos se passaram até o retorno da companhia
ao palco do Boa Vista, que ocorre somente em 1927, um ano após este ser reformado e
reaberto pela Companhia Brasileira de Comédia Brandão Sobrinho-Palmeirim, com A
cigarra e a formiga, de Batista Júnior e Agenor Chaves. Arruda, novamente sob direção
de Abílio de Menezes, faz nova temporada de sucesso, com as revistas Céu aberto, de
Gastão Barroso; Clevelandia, de Euclides de Andrade, e Todas as mulheres, de A.
Viviani. Por fim, volta ao Boa Vista em 1931, antes da temporada de Piolin-Bill, entre
janeiro e fevereiro, com A cabana do Bastião. Mas o tipo caipira dava sinais de
esgotamento pelo excesso de imitações, que recobriu o tipo até torná-lo um “clichê sem
150
Este, construído em 1900 por Antônio Álvares Leite Penteado, abrigou espetáculos de companhias
européias, em temoradas comuns em São Paulo antes da guerra de 1914, assim como exibições de
cinematógrafos. Em 25 de abril de 1921 o novo Teatro Santana é construído na rua 24 de Maio.
151
MAGALDI, Sábato e VARGAS, Maria Thereza. Cem anos de teatro em São Paulo. São Paulo: Senac,
2000, p. 82.
152
SILVEIRA, Miroel. Op. cit., p. 211.
153
VENEZIANO, Neyde. De pernas para o ar – Teatro de Revista em São Paulo. Coleção Aplauso,
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 2006, p. 159.
108
nenhuma autenticidade”.154 Miroel Silveira nota que há uma mudança em curso no tipo
de comédia encenada e procurada pelo público: “(...) o que se observa é a tendência de
negligenciar o registro de costumes (fase nacional-regionalista já superada) em favor da
comédia de situações, na qual as personagens, esvaziadas de conteúdos humanos
hauridos na realidade, se tornam puramente mecânicas, agindo somente em função dos
resultados cômicos a serem obtidos”.155 Historicamente, a realidade social havia
avançado bastante, especialmente na relação campo-cidade, de modo que o tipo caipira,
ingênuo, não condizia mais com o que se via na “metrópole em sinfonia”, que vivia
intenso crescimento demográfico a partir da chegada de contingentes oriundos do
interior do Estado – especialmente a partir de 1929, quando o café sofre seu maior
baque econômico, por causa da quebra da Bolsa de Nova York. Havia, sim, a
emergência de um tipo urbano, multilíngüe, multicultural, polissêmico. E é nesse
contexto que surge na cena paulista o palhaço Piolin, sempre com a máscara pintada,
encenando peças que geralmente levam seu nome, além de textos assinados por Tom
Bill.
Grande expectativa envolveu o repertório que seria encenado pela dupla.
Publicou a imprensa sobre a iniciativa, desvanecendo a curiosidade dos críticos e
simpáticos à ideia de ter Piolin num palco:
O gênero da Companhia de Theatro Cômico, de que é fundador o ator
Tom Bill, será principalmente a farsa. ‘Não a farsa encoberta, sob a
capa de teatro de comédia. A farsa pura, para rir, exclusivamente para
rir – no dizer de Tom Bill – como no circo, talvez, mais bem
ambientada, com recursos cênicos que o picadeiro não permite. A farsa,
enfim, como é feita na Alemanha, na Itália, na Espanha, nos mais
adiantados países do Velho Mundo (...)”156
Espetáculo variado, além do repertório de farsas, pois além da peça, seriam
apresentados atos de variedades com a participarão da dupla Piolin-Bill em cortinas
cômicas e Ceo da Câmara em números de canto. Para dirimir dúvidas, o próprio Piolin
saiu em defesa de sua opção artística, conforme atesta reportagem de 24 de abril de
1931 em O Estado de S. Paulo:
154
SILVEIRA, Miroel. Op. cit., p. 211.
Idem, pp. 217 e 218.
156
O Estado de S. Paulo, 15 de abril de 1931.
155
109
Piolin, em visita que fez às redações dos jornais, acentuou que a sua
renúncia ao picadeiro não importará na desistência ou transformação do
tipo que ele criou e popularizou: no palco, Piolin pretende ser o mesmo
Piolin do circo. Para isso encontrou um companheiro em Tom Bill para
explorar o mesmo gênero de representações que lhe valeu tantos
aplausos e elogios no picadeiro.
A presença de Tom Bill, figura vistosa, grandalhão desengonçado que fazia o
tipo italiano acaipirado – em ascensão – também marca a passagem de temática teatral
do período. Tom Bill chegou ao Brasil com a Companhia de Variedades South
American Tour. “Muito alto, claro e corado, o milanês fizera primeiro variedades em
vários pontos do estado, principalmente em Santos, onde o jogo livre permitia aos
cassinos do Parque Balneário e do Miramar uma atividade artística paralela,
movimentadíssima.”.157 Por conta da alta do café proporcionada pelo final da guerra, as
praias santistas haviam se tornado balneários de classe, enquanto os senhores abastados
gastavam seus lucros nos cassinos. No Miramar, Tom Bill atuava num teatrinho anexo
ao salão de carteado e de roleta. “Em números curiosos e engraçados, Tom Bill com sua
longa figura aparecia, quase tocando as gambiarras, era o campônio idiota que acabava
enganando o malandro que tentava enganá-lo, a frustrada cantora de opereta; o solteirão
maníaco – uma série inesquecível de ‘macchiette’.”158
Funda, em 1924, a Companhia Disparates Cômicos, com Genésio Arruda,
comediante que também adota o tipo caipira e com o qual fará números de variedades
em 1929, no Moulin Bleu, que se tornaria o Moinho do Jeca. Naquele mesmo ano, a
dupla, que estimulava o riso pela sua própria constituição física: o italianão alto, de
paletó xadrez e chapéu de aba curta em contraste com o caipira mirrado e de queixo
curto, estreou o primeiro filme nacional falado: Acabaram-se os otários, dirigido por
Luís de Barros. A iniciativa foi exitosa. A imprensa da época registrou que na primeira
semana de exibição o filme foi visto por 35 mil pessoas somente no Cine Santa Helena.
A partir daí a dupla se firmou, alcançando sucesso também nos palcos, de modo que
Tom Bill sempre contribuía com a criação de textos, fossem de esquetes cômicos ou
comédias. Nilva Costa Luz afirma que “Arruda fazia um caipira que cumpria uma
função correspondente no circo ao clown Augusto, enquanto Bill executava as ações
157
158
SILVEIRA, Miroel. Op. cit., p. 236.
Idem.
110
que correspondiam ao clown Branco”.159 Talvez esta fosse a senha para compreender a
associação entre Tom Bill e Piolin em 1931.
Tom Bill havia, um ano antes, transformado um velho casarão na Rua Rangel
Pestana, no bairro do Brás, no Kurscal, ou Coliseu do Brás. Logo, cedeu o espaço para
Lyson Gaster. Teve, então, a ideia da temporada com Piolin, pois queria aproveitar o
prestígio que o palhaço adquirira pela amizade com Oswald de Andrade – os frutos do
almoço antropofágico de 1929 ainda se mantinham maduros – e com a inesquecível
temporada ao lado de Alcebíades.
As opiniões com relação à escolha de Piolin pelo palco suscitaram expectativa
quanto ao repertório que apresentaria ao lado de Tom Bill. A estreia, em 24 de abril,
uma sexta-feira, em duas sessões, às 20h e às 22h, traz, de cara, uma farsa “piolinesca”,
como o palhaço usava para anunciar suas encenações: Piolin farmacêutico (farsa em
três quadros), com venda de ingressos a partir das 10h na bilheteria do teatro a quatro
réis. O jornal O Estado de S. Paulo, que deu cobertura ampla da temporada pelo fato de
ser o Teatro Boa Vista de sua propriedade, havia apontado um dia antes que o fato da
estreia “está sendo aguardado com viva curiosidade”160. O elenco que acompanhou a
dupla pela Companhia incluía Mario Barreto, Aldo Zapparoli, Eurico Mesquita, Mário
de Souza, Ceo da Camara, Valery Oeger (somente no ato variado), Walkyria dos
Santos, Carmen de Oliveira e Adele Negri, além dos cantores líricos Tosca e Fiorini e
do cançonetista Mário Levi.
O crítico René de Castro, da Folha da Manhã, também publicou a repercussão
da primeira noite, na edição de 25 de abril:
(...) Não foi sem um certo temor que me dirigi ontem para o Boa Vista,
onde o antigo pelotiqueiro, filho de pelotiqueiros, iria enfrentar as
traiçoeiras luzes da rampa; temor aumentados pelos comentários
pessimistas de muitos outros admiradores de Piolin.
Agora, de volta à redação, voltou-me o animo, depois que Piolin venceu
a tremenda batalha em que se meteu.
Inteligentemente, o palhaço começou a trabalhar no palco um gênero
que muito se aproxima daquele em que se notabilizara no picadeiro;
fez-se actor-bufo, conservando a mesma caracterização, em traços
exagerados, do circo e procurou manter a mesma linha de
espontaneidade da sua maneira de trabalhar, embora dentro do texto que
interpretou.161
159
LUZ, Nilva Costa. Genésio Arruda: um caipira na cena cultural paulista. Dissertação de mestrado
apresentada à Universidade Estadual Paulista (Unesp). Instituto de Artes, Programa de pós-graduação em
Artes Visuais, 2005.
160
O Estado de S. Paulo, 23 de abril de 1931.
161
Folha da Manhã, 25 de abril de 1931.
111
Dias antes, em 9 de abril, havia noticiado a entrada do palhaço em cartaz no
teatro interpretando o fato como uma reação à ofensiva das superproduções
cinematográficas com seus milhões de dólares. O magro teatro nacional, sem dinheiro,
armava uma ofensiva à altura:
(...) Abelardo Pinto – estreará no theatro dentro de alguns dias, como
empresário e primeiro actor.
Eu não sei se os leitores conhecem Abelardo Pinto – nome pouco
recomendável para uma ofensiva tão grande contra o cinema americano
dos dólares e dos milhões – mas é que este estimável rapaz, na hora de
fazer barulho para atrair o publico, usa um nome que é um talismã
autêntico.
Chama-se: PIOLIN.
Nos três meses que a temporada durou prevaleceram, de fato, as farsas de
picadeiro, boa parte delas intercaladas com entradas cômicas. A primeira desses
números curtos foi a tradicional Namoro dos sabiás, sucesso de Piolin sob a lona de
Alcebíades e que teria sido adaptada de uma entrada de Chicharrão ainda no tempo em
que atuou no Circo Queirolo. O número, aliás, acompanharia toda sua carreira e serviria
de síntese da mesma, aparecendo nos dois registros em película de Piolin.162 Além da
entrada clássica, outras duas aparecem nas programações publicadas nos jornais durante
o período em que a Companhia se apresentou no Boa Vista: Um match de box e Os três
vagabundos. Ainda no primeiro mês de temporada a dupla Piolin-Bill introduziu as
quintas-feiras alegres, com programação leve dedicada ao público feminino, inclusive
com serviço de chá durante o intervalo, servido pelo próprio Piolin, vestido de garçom.
Em maio estreou no dia 28 as peças Ora bolas... Que amigo! e Ensaio de comédia,
enquanto que em 19 de junho estreou Piolin duelista, mantendo-se a segunda peça.
Outra inovação foi colocar em cartaz em 15 de maio uma comédia infantil, O morto que
dança maxixe. Aliás, a incorporação de vesperais (15h) dedicadas às crianças aos
domingos, desde o início da temporada, contou com patrocínios de empresas comerciais
e industriais, o que permitiu a distribuição de brinquedos e chocolates durante as
sessões.
A sequência de estreias, sempre com lotação esgotada, conforme testemunha a
cobertura de imprensa, manteve uma série de farsas, inclusive com o nome do
excêntrico nos títulos: O casamento de Piolin, Piolin no tribunal, Piolin bombeiro;
162
Tico-tico no fubá e Sua Majestade Piolin, como visto anteriormente.
112
Piolin, afinador de pianos. Assim, o repertório não diferiu em nada do tipo de farsas
encenadas no picadeiro de Alcebíades. Somente no final da temporada, em julho e
início de agosto, que a dupla passou a arriscar leituras farsescas de clássicos do teatro
cômico ligeiro, como as das peças O simpático Jeremias (Gastão Tojeiro), Aventuras de
um rapaz feio (Paulo Magalhães), Eu sou de circo! (Franz Arnold e Ernest Bach;
tradução de Matheus da Fontoura), Santinha (paródia da opereta Santarellina) e O café
do Felisberto (Tristan Bernard, adaptação de Tom Bill).
A maior parte das comédias são assinadas por Tom Bill, entre elas as já
mencionadas, que levam o nome de Piolin, além do grande sucesso de público O
príncipe do Brás (reapresentada durante a temporada), e as farsas De marquês a criado,
O sobretudo fatal, e Meu cunhado, marido de minha mulher.
Programação das peças na temporada de Piolin e Tom Bill
cumprida no Teatro Boa Vista (abril a agosto de 1931)163
24 de abril
1 de maio
8 de maio
15 de maio
15 de maio
22 de maio
24 de maio
28 de maio
29 de maio
5 de junho
12 de junho
19 de junho
26 de junho
3 de julho
10 de julho
17 de julho
19 de julho
24 de julho
31 de julho
1 de agosto
Piolin, o farmacêutico (Tom Bill)
O príncipe do Brás (Tom Bill)
O casamento do Piolin (Tom Bill)
O morto que dança maxixe (Tom Bill)
Piolin no Tribunal (Tom Bill)
Piolin bombeiro (Tom Bill)
Bastião, mulher por um instante (Tom Bill)
Ora bolas... Que amigo! e Ensaio da comédia
Piolin, afinador de pianos (Tom Bill)
De marquês a criado (Tom Bill)
O sobretudo fatal (Tom Bill)
Piolin duelista e Ensaio de comédia (Tom Bill)
O café do Felisberto (Tristan Bernard)
Santinha, (paródia de Santarellina)
O simpático Jeremias (Gastão Tojeiro)
Aventuras de um rapaz feio (Paulo Magalhães)
O príncipe do Brás (Tom Bill)
Meu cunhado, marido de minha mulher (Tom Bill)
Eu sou de circo! (Franz Arnold e Ernest Bach)
O café do Felisberto (Tristan Bernard)
A segunda peça a estrear no Boa Vista, O príncipe do Brás, parece usar a mesma
fórmula da farsa Do Brasil ao Far-West, pois também se divide em dois atos, sendo o
primeiro num cortiço do bairro que dá nome à peça e o segundo no palácio de um
163
Levantamento feito pela aluna de Iniciação Científica Audrea Santana.
113
fidalgo. Da mesma forma, o que liga uma cena à outra é Piolin, que transita nos dois
universos classistas – o cortiço e o palácio – acompanhado de Tom Bill e Adele Negri,
que formam o “trio de mal afortunados” que, escondendo a sua condição de pobre, dão
“ratas sobre ratas”.164 Além do trio, o elenco conta com Céo da Camara, Mario Barreto,
Aldo Zaperoli, Carmen de Oliveira, Walkiria dos Santos e outros. “O segundo programa
apresentado pela Companhia do Teatro Cômico, no Boa Vista, tem alcançado sucesso
superior ao da estreia desse conjunto. (...) todo o elenco tem uma impecável atuação,
sendo digno de destaque o trabalho de Piolin que dia a dia confirma os prognósticos de
que no palco seria o mesmo artista notável do picadeiro.”165 A Folha da Manhã de dias
antes, 29 de abril, já havia ratificado o bom desempenho do palhaço, garantindo ao
público leitor que o “temperamento” de Piolin se adaptou bem ao palco, muito por estar
bem à vontade num gênero em que ele se adapta bem: a farsa. Da mesma forma, o
concorrente O Estado de S. Paulo aplaudiu a atuação de Piolin: “Agradou e fez rir a
valer a assistência tanto nas cortinas em que tomou parte ao lado de Tom Bill, como na
farsa”.166
O confronto social está presente na peça O príncipe do Brás, farsa assinada por
Tom Bill que desfia os apuros de uma família pobre que se passa pelos parentes de um
Conde para que este consiga a aceitação de outro nobre para que se case com sua filha.
O arranjo parece ir bem até que os dois criados da casa mantém ligações com os
farsantes: o criado havia sido expulso da casa da primeira família e a criada é a exmulher daquele que se passa pelo Príncipe de Caxambu (na verdade, Príncipe do Brás,
bairro onde mora num cortiço). A atual mulher do príncipe farsante – Piolin, claro –
aparece em meio à ação para desmascarar a família que comia, enquanto ela ficou no
cortiço sem ter o que comer. Assim como em O afinador de pianos, o grande mote da
ação é a fome dos pobres comandando a farsa em casa de ricos.
Miroel Silveira, ao assinalar a temporada como “bastante importante para o
início da caracterização do tipo italiano no teatro paulista”167 aponta outras peças e não
O príncipe do Brás, que guarda boa parte da temática que irá definir não só o tipo, mas
a comédia. Sem sotaques e com a referência do Brás, o desfile de farsantes vestidos de
príncipe, conde e condessa marca o universo de confronto social típico das peças dessa
fase de hibridização do teatro popular.
164
Folha da Manhã, 1 de maio de 1931.
Folha da Noite, 4 de maio de 1931.
166
O Estado de S. Paulo, 24 de abril de 1931.
167
SILVEIRA, Miroel. Op.cit., p. 235.
165
114
A imprensa também publicou repetidas vezes a ressalva de que o sucesso da
temporada se dava “...através de uma série de cenas em que a comicidade mais do que a
dialogação surge do absurdo das situações e do papel mais ou menos ridículo das
personagens”.168 Uma farsa pura e simples, em que não falta a graça de um palhaço da
‘verve’ de Piolin para emprestar-lhe a necessária dose de comicidade.”
A discussão sobre a legitimidade de sua opção pelo palco acompanhou todo o
decorrer da temporada, o que não afetou a escolha das peças encenadas nem a temática,
pois várias delas se valeram de um humor mais social, até de confronto, como, por
exemplo, a peça Piolin, afinador de pianos. O título já revela a questão social envolvida
na comédia: o afinador (Achilles) é o popular que tem acesso à residência dos que
representam a elite. Ao entrar no palácio, há o choque social: ele chega minutos antes de
um banquete e tem a barriga roncando. Entra de gaiato nos costumes da família, que
pede para que ele se passe por Marquês não só para evitar que treze pessoas se sentem à
mesa, mas para exibir influência aos visitantes. No entanto, com a chegada de alguns
convidados e a ausência de outros, com a ameaça de treze sentarem-se à mesa indo e
vindo, o afinador é, a todo momento, descartado ou requisitado. Mesmo assim,
consegue tirar partido da situação, ganhando dinheiro e, no final, conquistando uma
pretendente.
MARIETA – Chegou o afinador! Faço-o entrar?
PASCHOAL – Não senhora.
ACHILLES – (vestido caricato) – Estou aqui.
PASCHOAL – O que quer aqui?
ACHILLES – Hom’essa?! Quero comer! Eu sou o Marquez Casca.
PASCHOAL – O senhor não é mais nada. Pode ir. Não precisa mais.
ACHILLES – Por que? Não se come mais?
PASCHOAL – Comemos sozinhos! Porque falta um convidado e se o
senhor ficar, seremos em treze outra vez! Até logo. Passe bem!
ACHILLES – Então me manda embora em jejum, depois de fazer toda
essa toilette, e depois que até tomei purgante. E agora para onde vou?
Mas sabe que se não me fazem jantar eu faço sair pelo nariz tudo o que
vocês comem? Essas são tratantadas, própria de gente sem caráter. Oh!
Mas eu sou revolucionário, eu faço uma revolução, eu vou embora, mas
quebro tudo, escangalho com tudo; faço vir o fim do mundo. (Sai
gritando e ouve-se um forte barulho)
Toda a força da cena está na figura de Piolin, o afinador que se faz passar por
Marquês, é destituído da condição de farsante e sai de cena como revolucionário! É
168
O Estado de S. Paulo, 9 de maio de 1931. Em 16 de maio publica: “...mantêm o público bemhumorado, mais pelo absurdo das situações do que pelo espírito da dialogação”.
115
importante lembrar que o personagem é protagonizado por um Piolin de rosto pintado,
de modo que o público vê o personagem (Achilles), o farsante (Marquês) e o palhaço
(Piolin) numa só pessoa. O revolucionário, que surge como expressão cômica, desponta
do contexto sociopolítico do período. O ano em que a peça é encenada é também o que
marca a aproximação entre Oswald de Andrade e Luís Carlos Prestes, a entrada do
escritor no Partido Comunista, e a publicação do jornal O Homem do Povo, no qual
Piolin figura como “Director de Scena” da coluna Palco, tela e picadeiro. Nesse
contexto também reside a graça do excêntrico que, ademais, aproveita-se da situação e
chega ao final com o dinheiro pago por seu contratador (Paschoal) para se passar pelo
Marquês e ainda desposa sua filha. Ou seja, de revolucionário comunista ele nada tem.
Duas outras farsas, tipicamente circenses, que se destacam desse repertório são
Piolin bombeiro e Piolin farmacêutico, ambas com diálogos ágeis e reviravoltas. Na
primeira ele é o criado desastrado de um Barão de origem humilde, causando um
princípio de incêndio no final do primeiro ato e se tornando rico no final da peça,
quando se dirige ao público: “Para todos, sou rico. Para todos sou um senhor. Mas, para
este público, sou e serei sempre o humilde e sincero servidor.” Na segunda ele é
funcionário da farmácia e acaba engendrado numa trama ao fazer a entrega de uma água
de cheiro na casa a uma bela moça da qual se enamora. Se na primeira é seu jeito
atabalhoado que faz a graça, na segunda é sua decisão de se matar por não ter o amor
correspondido é que dá o tom da peça.
Alternando, então, o viés da farsa e o viés político, a temporada transcorre em
meio aos fatos intensos que marcaram aquele 1931, enquanto a tensão política reverbera
nas manchetes dos mesmos jornais que noticiavam o sucesso de público no Boa Vista.
Eram, como dizia a reportagem de O Estado de S. Paulo, “dias bicudos”. O panorama
econômico e político do Estado sofria ainda os reflexos de dois eventos aterradores,
especialmente para a agricultura cafeeira, base econômica de São Paulo: o crack da
Bolsa de Nova York em 1929 e a Revolução Tenentista de 1930. Ambas impactaram
frontalmente na venda e na produção, tanto no sentido econômico quanto no político. A
consequência foi a ocupação militar do Estado, com o poder sendo entregue ao
interventor João Alberto. Por sua vez, o tradicional Partido Republicano Paulista (PRP),
mantido pela elite cafeeira, reorganiza suas lideranças, em especial os cafeicultores que
lhe davam sustentação antes da chegada de Getúlio Vargas ao poder. Mas o tema
principal era a retomada do regime institucional, solapado pela revolução no ano
anterior. Por isso grande parte dos mais de cem signatários do manifesto publicado pela
116
Liga Paulista Pela Constituição e Pela Ordem pedindo a convocação da Constituinte
tinha sobrenomes das mais tradicionais famílias paulistas.
As pressões políticas e o rompimento do Partido Democrático levam João
Alberto a renunciar em julho de 1931. Plínio Barreto é indicado para seu lugar, e as
forças políticas de São Paulo se esfacelam. Laudo Ferreira de Camargo assume com o
apoio do Ministro Oswaldo Aranha, o que abre uma crise no governo federal. Ainda
naquele ano o Estado terá seu quarto interventor – Manuel Rabelo, outro militar – o que
desencadeia a reação de uma comissão de políticos paulistas que exige do governo a
nomeação de um civil paulista. A falta de consenso desata o movimento que, em 1932,
enfrentaria militarmente o governo federal, sob a bandeira constitucionalista, sendo
derrotado após campanha desastrosa.
Portanto a temporada transcorre em meio à tensão política, num período
marcado pela carestia e pelo controle censório da imprensa. O Estado de S. Paulo
publica em 25 de julho de 1931:
Pois o Piolin há três meses trabalha no Boa Vista, realizando a mais
difícil das missões: fazer rir o povo de São Paulo nestes dias tão
bicudos. Piolin precisa ser visto por todas as pessoas que não o
conheceram na arena, pois que, passando para o palco, trouxe todos os
seus primitivos recursos de cômico. É o nosso “clown” paulista. Piolin
deve ser visto também por todas as pessoas que um dia tiveram ocasião
de apreciar as suas famosas entradas no picadeiro, ao som da charanga.
Transportando para a cena as suas qualidades de “clown” ele se tornou,
talvez, o mais curioso e divertido de todos aqueles que se exibem à luz
das gambiarras.169
O reconhecimento gerou boatos de novos horizontes artísticos abertos ao
excêntrico. Em 4 de julho, por exemplo, o crítico René de Castro, da Folha da Manhã,
informa (por telefone) do Rio de Janeiro, que Luiz Peixoto se associa a uma grande
empresa que pretende fazer um filme com Piolin, com roteiro de Henrique Pongetti, que
assinou Nossa vida é uma fita, com Procópio Ferreira. É a segunda vez que um boato
sobre uma produção cinematográfica com Piolin ronda as colunas da imprensa. Em
1929, quando se mudou para São Paulo o poeta surrealista Benjamin Perét, sendo
abrigado pelos modernistas Patrícia Galvão e Flávio de Carvalho, este começou a
compor um script que tinha Piolin como protagonista. Uma das cenas criadas pelo
169
O Estado de S. Paulo, 25 de julho de 1931.
117
francês envolvia um atropelamento invisível: o automóvel passava sobre o palhaço
trabalhando mas ele permanecia intacto.170
Embora nenhuma das duas iniciativas tenham se concretizado, a referência
cinematográfica de Piolin continuava forte, conforme revelaria anos depois o palhaço
em depoimento dado à Aracy A. Amaral171: “Inspirávamo-nos antes em comédias
cinematográficas da época, em Carlitos sobretudo, além de outros pastelões que
adaptávamos. Fazíamos um roteiro mas sempre com uma margem para a
improvisação”172 Para encerrar a temporada no Boa Vista a paródia recaiu sobre
Maurice Chevalier, que estourava nas produções da Paramount ao revelar sua voz em
canções que marcaram a época. Le petit café, de 1929 virou, na versão brasileira, O café
do Felisberto, peça que já havia sido encenada durante a temporada. A última
apresentação trazia uma inovação: Piolin de rosto limpo. A peça sucede a Eu sou de
circo!, de Franz Arnold e Ernest Bach, encenada para celebrar o passado recente de seu
protagonista. “...como o próprio título está indicando, trata-se de uma farsa em que
Piolin se sentirá perfeitamente à vontade, pois ele não somente foi de circo como ainda
se considera como tal.”173
Na peça, Piolin é Chico Patusco, o filho que Mário descobre no dia em que
completa um ano de casamento. Para ocultá-lo da esposa, inventa que ele é escritor,
autor de um livro que vê na mesa da casa. Acontece que, na verdade, o autor é
pseudônimo de uma amiga da esposa, fato que dissemina a desconfiança na mulher.
Entre trapalhadas outras, ao descobrir que o autor é mulher, Patusco, que é artista de
circo, surge travestido em cena, recurso clássico de entrada circense. Ao ser revelado o
filho bastardo, Piolin surge vestido de menino, com roupa de marinheiro. Ao se desfazer
a trama, há muita troca de papéis e pouca atividade circense que justifique o título da
peça.
A dupla ainda se apresenta no Teatro Royal, com O casamento de Piolin, em 13
de agosto. O anúncio diz ser a despedida de Piolin de São Paulo. É também seu adeus à
Companhia de Teatro Cômico e ao parceiro Tom Bill. No Boa Vista assume o cartaz o
Conjunto Artístico Paulistano, de Marcelo Tupinambá, interpretando operetas, em
curtíssima temporada, encerrada em 9 de agosto.
170
DANTAS, Arruda. Op. cit., p.137.
Para o livro Tarsila do Amaral: sua obra e sua vida, Perspectiva, São Paulo, 1975.
172
Idem, p. 135.
173
O Estado de S. Paulo, 29 de julho de 1931.
171
118
As movimentações revolucionárias se intensificariam e chegariam a fechar os
teatros da capital entre julho e setembro de 1932. Somente no final daquele ano o Boa
Vista renovaria sua vocação para inovações teatrais com o início da temporada de
Procópio Ferreira, apontado como principal nome para substituir Leopoldo Fróes, que
falecera de tuberculose em 2 de março na Suíça. Estreou, em novembro, a peça Deus lhe
pague, de Joracy Camargo, texto que acompanharia Procópio por toda a sua carreira
artística, seu mais estrondoso sucesso e que percorreu todo o país. Naquela altura, Piolin
já havia desistido da empreitada no palco e procurava picadeiro para voltar a encenar
suas comédias.
Menotti del Picchia, que escrevia para as revistas A Cigarra e O Cruzeiro,
ambas pertencentes aos Diários Associados de Assis Chateaubriand, publicou em 1933
crítica sobre a “aventura piolinesca” no teatro, intitulada “Um rei que voltou ao trono”.
É implacável: “Piolin deu um pulo errado. Cometeu uma ‘gafe’ de observação e de
autocrítica. Rei do picadeiro, sonhou ser imperador da ribalta. Fracassou...” E
aprofunda:
(...) o palco possui apenas um ângulo e pede a máxima flexibilidade do
rosto, porque, na obrigatória sobriedade do gosto, toda a vida da ribalta
se polariza na voz e no jogo muscular da fisionomia. (...) Quis
transformar-se inteiro para a cena. Resultado lógico: fracassou. (...)
Bendito tombo! Bem haja esse fracasso que nos devolveu ao redondel
do ‘circo de cavalinho’ – o verdadeiro teatro brasileiro – nosso mais
extraordinário artista circense. Ei-lo de novo. Com sua careca luzidia,
sua boca rasgada de orelha a orelha, com seu colarinho de celuloide, seu
bastão e botinas enormes, retomando seu posto de mestre incomparável
de humorismo e de crítica.174
Restava, então, retomar seu lugar de origem para nunca mais abandoná-lo.
Iniciava-se, então, nova fase de sua carreira, prolongada pelo sucesso de público, pois a
partir dali os modernistas dele se afastariam, ocupados que estavam com suas batalhas
intelectuais que não envolveriam mais personagem tão contemporâneo e tão grotesco.
Enfim, tão brasileiro.
174
PICCHIA, Menotti del. O Cruzeiro. Cópia da reportagem encontrada no acervo do Centro Cultural
São Paulo, Arquivo Multimeios. A data, 1933, foi identificada porque o autor se refere à peça de reestreia
de Piolin no circo, Reservista Ventura.
119
5. Comédias no Circo Piolin
5.1 Tenentes, cowboys e combinados (1933 a 1941)
Espetáculo misto de circo, variedades, comédia.
A preços popularíssimos.
Piolin... e nada mais!
Piolin... cujo segredo custou 200 contos!
Piolin... só de barril!
Piolin...mesmo em garrafa!
Piolin... o elixir da longa vida!
Piolin... que ainda não quebrou a roda da sorte!
Basta de experiências! Piolin... e só Piolin,
ainda mesmo que chova, no Teatro Colombo.
Funções completas, todas as noites, com início às 20 horas.
(Anúncio publicado em 3/12/1935 no jornal O Estado de S. Paulo)
O interregno entre as movimentações militares da Revolução Constitucionalista
de 1932 relegou a vida artística e cultural de São Paulo a uma espera pelo momento
propício para que fosse retomada sem prejuízos. Aliás, a década de 1930 seria bem
acidentada em termos políticos, embora as manifestações culturais tivessem encontrado
margem suficiente para se expandir a partir de diferentes campos, entre eles o circo.
Piolin, de volta a São Paulo depois de temporada em diversos estados, estava sem circo
e disposto a encarar nova empreitada. Para isso contava com aquele que sempre foi seu
fiel empresário e mestre: Galdino Pinto, seu pai. Naquela altura morando em Orlândia,
no interior do Estado, o velho empresário, que quando jovem fugiu com a amazona do
circo, se viu na obrigação de ajudar o filho a montar a sua própria companhia. A família
decidiu se mudar para São Paulo. Com 35 anos, Piolin já conquistara seu espaço no
mundo do entretenimento, com experiência de sobra e consagrado tanto pela
intelectualidade quanto pelo grande público. Galdino havia comprado um terreno na
avenida Pompéia, na zona Oeste da capital, nas proximidades da Igreja Nossa Senhora
do Rosário de Pompéia, ainda em construção (ela só seria concluída em 1939, num
processo iniciado em 1928). Cedeu-o a Piolin para sua estreia.175 A temporada foi curta,
tendo logo se mudado para a rua Hanemann, no Pari. De lá se transferiu para a rua do
Glicério, estreando em 30 de março. Seguiu para o interior do Estado. Em 27 de
setembro estava em Ribeirão Preto e em outubro se apresentava em São Carlos e
175
DANTAS, Arruda. Op.cit., p. 147. O testemunho da curta temporada no terreno da av. Pompeia é da
Chefe da Seção de Registro e Cadastro de Obras Sociais, Edna Furtado Lima.
120
Jaboticabal, onde participou da inauguração da piscina do Clube Balneário da cidade.
Na primeira quinzena de novembro atuava em Campinas e somente no início de
dezembro retornou à capital, onde fez estrondosa estreia na rua da Móoca, temporada
muito propagandeada na imprensa.
Uma boa notícia para a criançada desta capital: Piolin, o conhecido e
aplaudido “clown” que sabe como poucos a arte difícil de divertir o
público, está novamente em São Paulo, depois de uma longa excursão.
Seu circo é à rua da Móoca, n. 508, próximo à avenida Paes de Barros.
Seu redondel é vasto, seguro e impermeável. A companhia conta com
ótimos elementos. Para estreia, teremos hoje um “matinée” às 15 horas
e, à noite, um grandioso espetáculo.176
O cartaz da nova temporada é O assassino do rei do petróleo, com Piolin e
Faísca, seguido de As duas Angélicas (dia 6), O reservista Ventura (7) – já com a Trupe
Aylor, de seu filho, que dispunha dos “maiores saltadores da América do Sul” –, A
mulher do soldado (8), Um duelo à morte (10), O embaixador (12), Sherlock Holmes
(14), As farras de um tenente (17), o retorno d’O príncipe do Brás (19), O campeão de
futebol (21) e Piolin no tribunal (24). A temporada se encerrou no dia 26 de dezembro,
com novo cartaz de O reservista Ventura, espetáculo que reuniu trinta artistas no
picadeiro. A temporada também foi reforçada pela presença de C. Temperany,
anunciado como “Canhão, o homem projétil”.
Esse repertório de farsas será mantido pela companhia por todo o decorrer da
década de 1930, com poucas inovações. Acrescentam-se duas peças do repertório do
Boa Vista – Eu sou de circo e a já citada O príncipe do Brás; e as chanchadas O morto
que não morreu, O campeão de futebol, O 7 nomes, Delícias da vida conjugal, Morreu
o Lulu, Apertos de um ciúme, O casamento de um cadáver/Casar para morrer, a
pioneira Do Brasil ao Far-West, O louco de Vila Mariana e O bebê. São pouco mais de
duas dezenas de peças que embalarão matinês e espetáculos noturnos do picadeiro do
palhaço durante toda a década. Levantamento feito no Arquivo Miroel Silveira revela
que o volume de peças apresentadas ao serviço de censura entre 1933 e 1942 é muito
pequeno, prevalecendo as peças clássicas.177
176
O Estado de S. Paulo, 3 de dezembro de 1933.
O levantamento completo das peças encenadas no Circo Piolin entre 1933 e 1961, período em que o
circo funcionou, consta dos anexos desta pesquisa, assim como levantamento dos anúncios publicados
nos jornais O Estado de S. Paulo, Folha da Manhã, Folha da Noite e Folha de S. Paulo com as peças em
cartaz no mesmo período.
177
121
Na mesma crônica em que analisa o “fracasso” de Piolin no teatro, Menotti del
Picchia se regozija com as interpretações do circense nas suas farsas, em especial no
Reservista Ventura:
Piolin é recruta? Pois há um recruta de verdade dentro de Piolin, desses
que vieram do Nordeste, cujos pés não cabem nos sapatos, pois são
duas raízes ásperas, eriçadas de calos, que jamais conheceram prisões
de couro. Diante do ‘Seu Tenente’, esse recruta acaba batendo-lhe
palmadinhas na barriga e pedindo-lhe, íntimo, sem o sentido racial da
hierarquia:
- Seu Tenente, o sinhô não pode fazê um cafezinho pra nóis?
Piolin é o malandro do subúrbio. Pois esse tipo gigante, que se espalha
em rasteiras, que possui todo o cromatismo pitoresco da gíria, vive sua
vida total na criação de Piolin.178
Na entrevista que deu ao Museu da Imagem e do Som em 1971, Piolin lembra
que sua peça “de maior sucesso era O reservista Ventura. Eu representei... Eram
quarenta figuras em cena. Era o Arrelia, os irmãos. Eles trabalhavam junto conosco ali
onde era o cinema Broadway”.179
A referência é ao Circo Alcebíades no final de sua temporada. A peça disponível
no Arquivo Miroel Silveira tem sua autoria atribuída a Laura Corina, atriz da
Companhia Cristiano de Souza, português radicado no Brasil. O pedido de censura se
refere a um processo de 7 de maio de 1942 por solicitação do Circo Irmãos Orlandino.
São três quadros num ato só passados num quartel. A rotina de ordens unidas do
batalhão é rompida pelas presenças de Clarinha e Beatriz, esposa e amante do sargento
Alberto. A presença feminina no quartel foi que ensejou que a peça fosse também
encenada com o nome A mulher soldado. Pois é o que acontece em dada altura da peça:
para se ocultar no quartel, Clarinha veste a farda e toma o lugar do reservista Ventura,
personagem que passa a maior parte do tempo da peça preso para que sua identidade
seja usada e trocada pelos soldados. Piolin é o soldado raso que no segundo quadro é
escolhido para dormir com Ventura/Clarinha. A situação gera desentendidos com as
tarefas mais simples: tirar a roupa e dividir a cama. No final do quadro o capitão manda
prender Ventura/Clarinha. Piolin arquiteta um plano para soltá-la. Arruma roupas
femininas, pois pensa que é o Ventura original. Este, na mesma cela, acaba pegando as
roupas e vestindo, enquanto Clarinha consegue escapar com uma cópia da chave
conseguida pelo marido Alberto. Resta ainda a amante. O capitão ouve de soldados que
178
179
PICCHIA, Menotti del. Op. cit.
Op. Cit..
122
há uma mulher no regimento e, ao passar o batalhão em revista, descobre o verdadeiro
Ventura. Mas surge novamente Clarinha, que confessa o quiproquó.180 O número de
personagens não dá margem para imaginar o elenco numeroso informado por Piolin, a
não ser na figuração do batalhão. No entanto, o papel do palhaço é coadjuvante, pois a
ação se concentra no sargento e em suas duas mulheres.
O tema da caserna se repete na farsa As duas Angélicas, assinada por Piolin, que
envolve as confusões provocadas pelo soldado raso na casa do Tenente Fabiano – viviase no país e no tempo dos tenentes, que conduziram o levante de 1930 – confundindo a
empregada e a amante do patrão, ambas Angélicas. O texto também se tornou clássico
no repertório de Piolin , nele permanecendo até o final da década.181
Já na comédia O assassino do rei do petróleo a temática do faroeste de cinema é
retomada em texto assinado por Raul Olimecha, com arranjo para circo de Julio
Ozon.182 É quase uma continuação da farsa Do Brasil ao Far-West: a trama envolve
bandidos que assumiram os negócios e as minas do senhor Franklin, o rei do petróleo,
após este ter sido assassinado. O capataz Edwardo é o típico bandido de western de
cinema, mandando e desmandando na cidade, o que inclui o covarde xerife,
interpretado, segundo indicação do texto, por um “cômico velho”. Logo surge um
forasteiro que enfrenta o bandido, o desafia e descobre quem foi o assassino de
Franklin. No final, com a ajuda de dois “secretas”, prende Edwardo e se revela o filho
do rei do petróleo.183 A ação se dá num saloon e o personagem de Piolin é um bêbado
que vive sendo preso – durante a peça são quatro vezes – sendo uma espécie de coringa
do xerife que, sem conseguir prender os verdadeiros bandidos, usa o cômico como álibi
para sua atividade policial.
Outro tema oriundo do cinema é o do detetive inglês Sherlock Holmes,
personagem de diversos livros de Arthur Conan Doyle, que em 1933 era vivido por
Reginald Owen na fita Um estudo em vermelho, dirigida por Edwin Marin. Mas, como
se trata de farsa circense, na comédia Piolin toma o lugar do famoso detetive usando
técnicas impagáveis para desvendar o roubo de um cofre: pede café com leite e pão com
manteiga para um inovador processo para descobrir roubos. “...o leite é um fator
180
O texto da peça se encontra na íntegra no capítulo 7.
Idem.
182
A adaptação de textos para o picadeiro era chamado de “arranjo”. O que é de se estranhar aqui é que
Raul Olimecha também é circense, o que, em princípio, não requereria arranjo do texto. A mesma peça
aparece no Arquivo Miroel Silveira com o nome de O bamba do Arizona, com autoria atribuída a
Olimecha e Waldemar Seyssel, o Arrelia.
183
O texto da peça se encontra na íntegra no capítulo 7.
181
123
extraordinário para a descoberta de ladrões, pela cor do leite eu sei se foi ela ou não. Se
ela não confessar no café com leite, fatalmente confessará com um bife e batatas”.184
Descobre o ladrão, negocia e tira-lhe o dinheiro para devolver ao cofre. É descoberto
pelo verdadeiro Sherlock Holmes e acaba virando seu ajudante!
Dois combinados de muito sucesso são Um duelo à morte e O campeão de
futebol. No primeiro, o palhaço é convidado para ser padrinho de um duelo, de seu
amigo Julio que se desentendeu com outro amigo, Joãozinho. A gag da peça é o relógio
que arrumam a Piolin, junto com a casaca de um morto, para se apresentar como
padrinho do duelo. A todo momento alguém pergunta as horas, ao qual ele responde:
“uma e um quarto!” Seu papel, enfim, é tumultuar o duelo que nem acontece, pois os
amigos se reconciliam. O segundo trata da história do tio que quer casar o sobrinho que
só pensa em futebol. Decide casá-lo com uma prima do interior e, ao comunicar o fato
ao rapaz, este pensa que vai ganhar uma bola nova. Até que se desfaça o mal-entendido,
os trocadilhos entre a noiva e a bola vão preenchendo a cena.185
Outras três chanchadas fazem sucesso no repertório do período. Em O
embaixador, da autoria de Piolin, Prudêncio é atormentado pelo criado, quase o mesmo
personagem de O campeão de futebol, e pelo filho no dia em que receberá a visita de
um amigo senador. Na verdade ele quer entrar na política e desbancar um coronel que
manda na região. Mas o senador é um farsante, pronto a aplicar o golpe em Prudêncio,
sendo ao final salvo pelo criado. Já em Os apertos de um ciúme186, Piolin interpreta o
tipo do “velho”, ocorrência rara quando na maior parte das vezes ele interpreta o
“criado”. Está insatisfeito com a tristeza da sobrinha e descobre que ela estranha o
marido não lhe ter ciúmes. Então combinam uma cena para que o marido os surpreenda
e revele seus ciúmes. Ao mesmo tempo, Piolin avisa ao marido para que ele represente
também o seu papel. O sete nomes, por sua vez, é o arranjo feito por Júlio Ozon da
burleta do poeta mineiro Belmiro Braga, originalmente Na cidade. Trata do criado
Tomé que, ao convencer o patriarca de uma família a emprega-lo, passa a se apresentar
a cada membro da casa com um apelido diferente: Sobretudo, Colete, Coração,
Incêndio, Periquito. Cada qual gera desentendimentos nas conversas de família,
enquanto o criado vai apalpando as mulheres da casa e provocando os homens.
184
Sherlock Holmes, Aberlardo Pinto Piolin. Cópia encontrada no acervo da Sociedade Brasileira de
Autores Teatrais (SBAT). A peça não se encontra no Arquivo Miroel Silveira, da mesma forma que Do
Brasil ao Far-West.
185
O texto da peça se encontra na íntegra no Capítulo 7.
186
O texto assinala “arranjo” de Piolin.
124
Em janeiro de 1934 o circo se transfere para a rua do Glicério, esquina da rua
São Paulo, estreando no dia 11, às 21h.
Anúncio no jornal O Estado de S. Paulo de 11 de janeiro de 1934.
Durante esse primeiro período de atividades, o Circo Piolin cumpriu o seguinte
itinerário, sendo a data assinalada a da estreia: Praça Marechal Deodoro, Barra Funda
(3/4/34); Uberaba (MG), na Feira de Amostras do Triângulo Mineiro (8/6/34); Praça
Marechal Deodoro (18/8/34); Rua Domingos de Morais, na Vila Mariana (6/10/34);
Rua da Conceição com Senador Queiroz, no centro (1/1/35); Rua do Manifesto, no
Ipiranga (14/5/35); Rua Humaitá, na Bela Vista (25/5/35), Praça José Roberto, esquina
com Afonso Pena, na Luz (27/6/35); Teatro Recreio (1/11/35); Teatro Colombo
(3/12/35); Rua Afonso Pena, no Bom Retiro (4/7/36); Rua Rio Bonito, no Brás
(18/8/36); Jacareí, São Paulo (10/1/1937); Teatro Recreio (29/1/37); Carnaval no Teatro
Apollo (6/2/37); volta a São Paulo depois de temporada em Poços de Caldas (11/4/37);
Av. Pompéia com Turiassu, na Pompéia (18/4/37); Rua Muller, no Brás (30/4/37), Rua
Domingos de Morais, na Vila Mariana(22/5/37); Rua da Consolação com Oscar Freire,
no Jardim América (25/6/37); Rua Muniz de Souza, no Cambuci (3/8/37). Depois de
125
temporada no Rio de Janeiro, Av. Celso Garcia, esquina com Tuiuti (6/2/38 até
7/8/1938); e Praça Marechal Deodoro (10/38).187 Todos bairros periféricos ao velho
centro, que desde o final da década de 1920 foi deixando de abrigar os circos – a última
lona a ser montada no Paissandu, por exemplo, foi o Circo de Danilo de Oliveira, em
1934 –; de modo que as companhias saem em busca de regiões populosas das classes
com menor poder aquisitivo onde, aliás, está o público certo dos seus espetáculos. São
em geral terrenos públicos mantidos pela administração municipal e alocados às
companhias que vão rareando a medida que a metrópole se expande.
Nos dois anos seguintes os anúncios desaparecem dos jornais pesquisados, sendo
impossível localizar a lona de Piolin. No início de 1941 está novamente “solidamente
armado à Praça Marechal Deodoro”. Reaparece em dezembro daquele ano, na Rua
Domingos de Morais, Vila Mariana, após temporada cumprida em Curitiba.
5.2 Guerra, cinema e caipiras (1942 a 1949)
Os anos que marcaram o final da Segunda Guerra Mundial e a transição do
Estado Novo de Getúlio Vargas para a retomada democrática, com a eleição de Eurico
Gaspar Dutra em 1946, foram de mudança no repertório do circo-teatro apresentado no
Circo Piolin. Especialmente porque, em 1943 aconteceria algo marcante na trajetória da
companhia: ele se fixaria na Praça Marechal Deodoro, zona Oeste da cidade, onde se
manteria por vários anos, se mudando somente uma vez: para a Avenida General
Olímpio da Silveira, em 1949, sendo montado num terreno pertencente ao Instituto de
Aposentadoria e Pensões dos Comerciários (IAPC), onde permaneceu até 1961188,
quando o órgão requereu o terreno e fez com que Piolin baixasse a lona por mais de
uma década.
Antes, porém, de se fixar, o périplo continuou em 1942 e 1943: Rua Fradique
Coutinho com Teodoro Sampaio (20/1/42); Av. Celso Garcia com Tuiuti (22/4/42); Rua
Voluntários da Pátria (4/6/42); Rua Paraíso (27/9/42); Av. General Olímpio da Silveira
(6/1943) e Praça Marechal Deodoro (9/1943).
Naquela altura a fama das chanchadas do Circo Piolin já havia assaltado uma
nova geração de espectadores, um público infantil e juvenil dedicado a gargalhar das
187
Levantamento realizado nos jornais Folha da Manhã, Folha da Noite e O Estado de S. Paulo a partir
dos anúncios publicitários publicados pela companhia no período.
188
DANTAS, Arruda. Op.cit., p. 149. Conta o autor que esse último endereço envolveu a assinatura de
um contrato de cessão para três meses e a temporada se estendeu por doze anos.
126
suas criações e interjeições, entre elas o famoso “Xiiiiii!!!”, imortalizado pelo artigo
engavetado de Paulo Emílio Salles Gomes. No entanto, a década de 1940 seria a de
transformação do teatro nacional, especialmente pela iniciativa considerada marco da
consolidação de um teatro sério genuinamente brasileiro, a montagem, em 1943, de
Vestido de noiva, de Nelson Rodrigues, pela companhia Os Comediantes, dirigida pelo
diretor de origem polonesa Ziembinski, no Rio de Janeiro. O grupo vem a São Paulo no
ano seguinte, quando apresenta seu repertório no Teatro Municipal. O período, aliás, é
de florescimento de um criativo teatro amador, o que inclui o Grupo de Teatro
Experimental, sob o comando de Alfredo Mesquita, e o Grupo Universitário de Teatro,
dirigido por Décio de Almeida Prado. Ambos são precursores de uma geração de teatro
que atravessará as décadas seguintes. Mas tal importância ainda não era perceptível nem
ao mais visionário dos jornalistas. O que não era o caso de Carlos Lacerda. Já egresso
da militância comunista e aderido ao conservadorismo, opção que culminaria em 1945
com sua filiação à UDN (União Democrática Nacional, partido conservador fundado
para fazer oposição a Getúlio Vargas), o jornalista escreve em 24 de janeiro de 1943 um
artigo para o jornal Folha da Manhã. Sob o título “Encontros com o teatro nacional”,
Lacerda lamenta a falta de “uma tentativa de verdadeiro teatro no Brasil” e ironiza as
iniciativas do Serviço Nacional de Teatro de subsidiar as produções nacionais. Seu
desencanto com o teatro nacional é crescente ao longo do artigo, que é concluído com o
parágrafo:
- Cada povo tem o teatro que merece! – proclamava outro
desencantado.
A verdade é exatamente o contrário. Cada teatro tem o povo que
merece. Por isto o teatro nacional, mau gosto o esforço ora tragicômico,
ora comitrágico dos seus atores, dignos de todo o respeito, está entregue
às baratas. E quem lucra, além do Serviço Nacional de Teatro, que se
desdobra em partidas dobradas à cabeceira do moribundo, é o Piolin, o
Inefável. Inefável é bem o termo.189
Sua inefabilidade, bem maior que seus ganhos com a falta de um teatro
“verdadeiro”, continuava levando-o a experiências impensáveis como, por exemplo, a
transmissão de seus espetáculos diretamente do circo pela Rádio São Paulo. As sessões
eram as matinês de domingo e a novidade preenchia o horário do programa Picadeiro.
Como apreender o inefável Piolin somente ouvindo-o? Coisas de um tempo em que o
189
Folha da Manhã, 24 de janeiro de 1943.
127
rádio já havia conquistado sua hegemonia como meio de comunicação de massa,
especialmente impulsionado pela cobertura do conflito mundial, ainda em curso.
Anúncio publicado no jornal Folha da Manhã em 26 de setembro de 1943
Ao se fixar num mesmo endereço, o repertório encenado teve de ser mudado.
Como a ênfase sempre foi na comédia estrelada por Piolin, o circo teve de abandonar o
repertório fixo para se dedicar ao novo cartaz quase que semanal. Com exceção dos
sucessos retumbantes de público, que faziam o cartaz se estender por mais de uma
semana, alcançando temporada de quinze dias, o mais comum era uma peça nova a cada
sexta-feira. Isso fora as peças das matinês, em geral mais leves, e diferentes daquelas
encenadas à noite. Manter essa constância de novos cartazes exigia o acesso a mais e
nova peças. Assim, recorreu-se muito ao repertório de comédias de costumes,
consagradas nas décadas anteriores, como já pontuado, em especial da geração de
autores do carioca Teatro Trianon, além das encenadas pelas companhias itinerantes.
Assim, aparecem textos assinados por Luiz Iglezias, Paulo Magalhães, Armando Gonzaga,
Viriato Corrêa, José Wanderley, entre outros.
Outra inovação foi a inclusão no repertório de dramas sacros, entre eles Rosas de
Nossa Senhora (Celestino Silva), Vida e morte de Santa Terezinha do Menino Jesus
(Antônio Guimarães), Santo Antônio casamenteiro e São Judas Tadeu (ambas de
Ribeiro Escobar), O sinal da cruz (Francisco Colman) e a indispensável O mártir do
Calvário (Eduardo Garrido).
128
Com a intensificação do volume de peças encenadas no Circo Piolin, o
excêntrico ampliou a frequência de suas visitas ao Departamento de Diversões Públicas
(DDP), responsável pela censura teatral, como revela levantamento feito no Arquivo
Miroel Silveira, que guarda o acervo dos processos do órgão:
Ano
No. peças
Ano
No. peças
Ano
No. peças
1933
3
1943
32
1953
32
1934
5
1944
34
1954
38
1935
-
1945
29
1955
49
1936
-
1946
18
1956
21
1937
1
1947
23
1957
2
1938
-
1948
34
1958
2
1939
-
1949
32
1959
-
1940
-
1950
26
1960
1
1941
-
1951
34
1961
-
1942
7
1952
26
Note-se que a presença de peças apresentadas ao DDP na década de 1930 é
pequena por o Circo Piolin trabalhar com repertório restrito e constante, de modo a se
intensificar nas décadas seguintes, quando o circo se fixa, obrigando à mudança semanal
de cartaz. Além disso, o certificado de censura emitido pelo órgão após apreciação e
liberação com cortes ou não tinha validade de quatro anos. Era muito comum um circo,
com validade de censura ainda por expirar, reencenar a peça ou até emprestá-la a outra
companhia. Assim, o Circo Piolin teve uma constância de encenação e um repertório
jamais igualado por qualquer outra companhia em atuação no mesmo período, entre elas
o Circo Seyssel (cuja atração principal era o palhaço Arrelia), Circo Liendo e Simplício,
Pavilhão François, Circo Arethuzza, Circo Irmãos Orlandino ou Circo Oito Irmãos
Melo, todos com muitas encenações de circo-teatro em sua programação.
Naqueles anos 1940 o Circo Piolin ganhou o reforço do ator, diretor e autor de
peças Olindo Dias Corleto, a quem deve o texto Que rei sou eu? (1946) e outras 14
peças190 de sua autoria, todas encenadas naquele picadeiro, mais intensamente na
190
Guerra aos tubarões (1946), Pão sem fila (1946), Meu marido é você (1948), Saudosa maloca (1955),
Eu sou Francisco e você? (1956), Festa junina no Arraial do Piolin (1956), Madalena, a virgem
apedrejada (1956), A canção de Bernadete (1956), A Silvana papa-tudo (1956), A sorte de São Pedro
129
década de 1950. Neste período ele também assinava a autoria de diversas revistas em
cartaz em vários teatros populares de São Paulo. Corleto é anunciado também no papel
principal de O mártir do Calvário na Semana Santa de 1946, quando a Folha da Manhã
anuncia: “A interpretação dessa peça estará a cargo dos atores Olindo Dias, Antonio
Mesa, Manoel Mesa, Dalva Dias e Aidé Leite, que farão, respectivamente, os papéis de
Jesus Cristo, Pilatos, Judas, Maria Madalena e Virgem Maria.”191 A partir do anúncio
deduz-se ser um conhecido ator de circo-teatro, uma vez que eram sempre escolhidos os
mais populares para encenar o texto clássico naquela data religiosa. Em muitos casos,
inclusive, a escolha recaía sobre o palhaço da companhia.
No mesmo ano é anunciada, a 6 de junho, Pão sem fila, com distinção do nome
do autor, o que não era comum nos anúncios de programação. A peça interessa por
lançar mão de fenômeno rotineiro durante os anos de guerra: enfrentar filas para
comprar pão. Mas no caso do estabelecimento de Patrício e Fidélis, é possível furar a
fila se o cidadão estiver mancomunado com uma ardilosa prática de câmbio negro.
Basta chegar e dizer que esqueceu um pacote no dia anterior, dar a senha “no escuro” e
evitar a fila de duas horas com Piolin e Pinatti nela. Aliás, não tarda a perceberem que
há algo errado. Logo são atualizados pelos padeiros sobre o esquema de câmbio negro,
mas os dois palhaços, espertos, dizem ser da polícia, botando os enganadores a fugir.
Assumem, então, a padaria. É o mote para vender pão sem fila! Mas, ao experimentar o
pão, Piolin descobre que eles explodem! Começa então a confusão na fila e a farsa
termina com um festival de pães sendo atirados e explodindo... Enfim, pura pantomima!
A temática da guerra, influenciada pelo noticiário do confronto global entre as
Forças Aliadas e as do Eixo, vem impregnada dos entrechos dos filmes de espionagem,
repletos de vilões tecnológicos, donos de fórmulas secretas e armas em
desenvolvimento, voltados a objetivos obscuros e escusos. Eles vêm substituir a
referência dos filmes de faroeste, que haviam influenciado parte da produção teatral de
Piolin. Certamente que os detetives e espiões dedicados a erradicar o “mal” eram
desempenhados pelo Piolin de sempre, com sua lógica transversa, sempre levando
vantagem e usando de uma comicidade física impagável.
Em 1943, ainda período em que transcorria a Segunda Guerra Mundial, o
ensaiador do Circo-Teatro Oito Irmãos Mello atendia pelo apelido de Paraguaté e
(1956), No país do papa fila (1956), O crediário abre às vinte (1956), Quando morre uma ilusão (1956),
Vai graxa, doutor?(1956).
191
Folha da Manhã, 17 de abril de 1946.
130
decidiu escrever seu primeiro texto teatral, batizado Defesa passiva, o mesmo nome do
serviço oficial militar que atuava no país para gerir situações emergenciais, como um
ataque iminente das forças inimigas. Agenor Gomes, o nome de batismo de Paraguaté,
apresentou a peça ao Departamento de Diversões Públicas em 15 de maio de 1943, com
indicação de que seria encenada no Circo Piolin. O certificado de censura foi expedido
quatro dias depois com diversos cortes e autorização para ser encenada até 19 de maio
de 1948. As intervenções haviam sido intensas, e isso mesmo o autor tendo o cuidado
de assinalar no texto apresentado ao DDP: “Esta peça tem a finalidade apenas de fazer
rir, e foi com esse pensamento que esbocei os personagens que ligeiramente passaram
pelo meu cérebro, pois são apenas pura ficção; longe de mim o intuito de ofender quem
quer que seja. Pois qualquer semelhança que houver terá sido mera coincidência”. O
mesmo artifício ele usara em outras peças com temática política e que, prevendo,
encontraria alguma restrição na censura (entre elas A queda da Gestapo, de 1942, para o
Circo Oito Irmãos Mello e Deus acima de tudo, de 1943, para o Pavilhão Teatro Soares,
dedicada “a todos os operários”).
O autor decidiu revisar a peça e o empresário do Circo Piolin, Galdino Pinto,
reapresentou-a, solicitando novas vistas. Nessa segunda versão, apresentada em 25 de
junho, o autor escreve, de próprio punho, a dedicatória: “A Piolim; o cômico de maior
público no Brasil, ofereço este meu trabalho, como prova de simpatia e coleguismo,
convicto de que só ele saberá dar desempenho impecável”. O recurso funcionou em
parte. A peça foi novamente liberada, mas também com cortes, e com a mesma validade
da versão anterior. O tema da peça era de fato espinhoso, e a época da solicitação
propiciava a reação da censura. Por isso o autor procurou valer-se do prestígio de
Abelardo Pinto Piolin.
Assim, ela foi anunciada na programação do circo publicada nas páginas do
jornal O Estado de S. Paulo, de modo que a estreia seria em 27 de junho. Ao ver o
anúncio, o diretor regional do Serviço de Defesa Passiva solicitou ao DDP – então
dirigida pelo Dr. Cândido Motta Filho – que o espetáculo fosse suspenso e o processo
encaminhado para a sua apreciação. A conclusão foi que as menções feitas ao serviço
eram “altamente prejudiciais ao elevado conceito e respeito que deve existir por parte da
população para com os Serviços instituídos pelas nossas autoridades para a proteção de
vidas e bens (...)”.
A comédia não era, de modo algum, ofensiva ao serviço. Ela se passa sob a
Segunda Guerra Mundial, quando um casal que vive às turras recebe a visita da filha e
131
do genro, este um antigo amigo de farras do pai. Os dois decidem, então, se alistar na
Defesa Passiva, um recurso de fachada que servirá de álibi para encontrarem suas
antigas amantes. Quando as mulheres os surpreendem, dão a desculpa de que estão em
sigilo, dando instruções da Defesa Passiva. Assim, os diálogos da peça são repletos de
jargões militares, o que a torna mais atual e cômica.
Para substituir o texto vetado, Paraguaté apresentou Futebol versus guerra, que
troca a Defesa Passiva pelo São Paulo F. C., e a Legião das mulheres pelo S. C.
Corinthians. A peça foi liberada, mas com vetos em 12 de suas 14 páginas. O mesmo
texto aparece no Circo Piolin com o nome Espionagem, encenado em 1945, retomando
o tom da guerra, mas com sotaque de filme americano e com novos cortes de palavras.
A substituição dos velhos vaqueiros e bandidos pistoleiros por espiões e
cientistas, e da briga por terras pelo roubo de documentos secretos e sigilosos,
obviamente não dispensou as trapalhadas cômicas do protagonista – Piolin, claro.
Nessas peças a conspiração quase sempre é internacional e os cientistas podem tanto
jogar para o bem quanto para o mal, pois há uma guerra declarada em que os lados estão
bem definidos. O estranho dr. Mawell (Luiz Macêdo), por exemplo, cria um soro
rejuvenescedor, e o testa no auxiliar Miguel, que acaba com a razão afetada. O mesmo
autor também criou o personagem-título Titan, um detetive mascarado que cai nas
armadilhas do Caveira, o bandido invisível, numa trama mais próxima das fitas
aventurescas do que das de guerra. Mas Piolin tem desafios maiores. Como, por
exemplo, enfrenta a Super Atômica (Iracy Viana), bomba concebida pelo dr. Pacífico
Pacato que, em vez de matar, leva a pessoa a outros tempos. Assim, por conta de um
acidente, todos vão parar na Roma antiga. Piolin age como se estivesse entrando num
baile de carnaval. Ensina os romanos a beber, fumar e jogar pif-paf, a exemplo do que já
havia ocorrido em Que rei sou eu?. Monta um time de futebol e enlouquece o
imperador. Mas ao final acorda de um pesadelo.
Também enfrenta inimigos na trama internacional Piolin contra a espionagem
japonesa. Decalcado das sessões corridas das matinês, geralmente em episódios, a peça
com cinco quadros promete um total de quinze, que somariam três peças, continuação
que não consta do arquivo do DDP, o que dá a entender que o projeto não prosseguiu. O
cientista aqui se chama Johnson e passou anos estudando o uso da eletricidade
atmosférica como combustível de submarinos e aviões. Piolin é repórter e quer uma
entrevista do cientista, mas, na hora H, são atacados por espiões vestidos de capetas, que
levam os planos do invento. A trama aí vai e volta em loopings à moda dos seriados. A
132
peça, aliás, está permeada pelo discurso democrático, enaltecendo os Estados Unidos
em seu empenho pela liberdade e com fundo patriótico. O mais interessante é que os
personagens principais, Piolin incluso, são americanos!
O mesmo ocorre em O Detetive Piolin e o Torpedo contra a quadrilha do
Fantasma (Iracy Viana), que se passa numa “cidade da América do Norte”, novamente
com direito a cientista que descobre um raio fulminante, roubado pela tal quadrilha do
título em intensas movimentações cênicas e história rocambolesca.
Em Espionagem à bordo, assinada por Piolin e Rogério de Lima Câmara, a
trama mescla espionagem e as peripécias de detetive já exploradas anteriormente pelo
circo-teatro. O capitão de um navio é encarregado de levar importantes documentos do
Brasil para os EUA e para garantir a segurança da missão, o delegado faz uma inspeção
geral dos passageiros a bordo. Contudo, pouco antes da partida, o próprio delegado
desaparece dentro da embarcação e o comandante, imaginando que ele havia
desembarcado, ordena a partida do navio. Durante a viagem surgem diversos tipos: uma
nordestina, um americano, uma famosa atriz de teatro e uma professora. Até que o
capitão é assassinado misteriosamente. A partir daí seu imediato passa a investigar o
crime e consegue descobrir, com a surpreendente ajuda do delegado, que estava no
navio disfarçado de paralítico, que a assassina é a professora, na verdade uma espiã
interessada em roubar os documentos. Piolin, claro, faz o imediato, repetindo papel
similar ao do detetive farsante, representada nas suas peças mais antigas.
Outras peças seguem o mesmo ritmo de fitas de guerra: A arma secreta (Ado
Benatti e Umberto Pelegrini), Detetive X69 no xadrez (Aldo Junior), O aranha negra
contra o escorpião (Oliveira Filho).
Outra temática que se sobressai no período é a caipira, que dá continuidade à
tradição das revistas de Sebastião Arruda e de Genésio Arruda, naquela altura reforçada
pela ascensão do gênero musical inaugurado em 1929 com a gravação do selo vermelho
da Columbia, por obra de Cornélio Pires e sua Turma Caipira. O formato das duplas
caipiras, introduzido já nas primeiras gravações, se torna o modelo adotado pelo rádio
para caracterizar a sonoridade rural, que naquela altura já começava a agregar
influências musicais estrangeiras, especialmente do Paraguai (rasqueado e guarânia) e
do México (corrido e rancheira), sonoridade que se torna frequente a partir da política
de Boa Vizinhança propagandeada pelos Estados Unidos durante e após a Segunda
Guerra Mundial.
133
A título de exemplo, três peças com temática caipira encenadas no picadeiro
vêm diretamente do rádio: Cabocla Tereza (João Pacífico e Pedro João Spina), de 1946,
encenação da trágica história gravada em 1940 pela dupla Raul Torres e Serrinha;
Passando a brocha (Ariovaldo Pires), de 1947, comédia assinada pelo radialista Capitão
Furtado com a turma do seu Arraial da Curva Torta, programa da Rádio Difusora; e
Porteira véia (Paraguassu), de 1945, drama do seresteiro que popularizou a toada
Tristezas do Jeca (Angelino de Oliveira) em 1937.
Contam familiares e amigos que o próprio Abelardo Pinto Piolin era amante da
música caipira e próximo de grande parte dos artistas que defendiam o gênero e
começavam a usar o picadeiro para shows e apresentações, processo que iria se
intensificar a partir da década de 1950. Mas o repertório não se restringiu aos textos dos
cantores. Piolin recorreu a outros autores, como Luiz Iglesias, que escreveu Rancho da
serra, melodrama que envolve a dupla traição da mulher, que além de abandonar aquele
que a ama, vai-se embora para a cidade; e Eurico Mesquita, de Sonhos de São João,
com Piolin às voltas com milagres e casamentos. Embora fossem mais dramáticas e
menos cômicas, as peças tratam essencialmente da divisão campo/cidade, e tocam numa
questão ainda bem delicada para aqueles que abandonaram sua origem rural atraídos
pela possibilidade de “fazer a vida” no colosso industrial urbano: a identidade cindida.
Nesse sentido, prevalecem, no embate das realidades arcaica e moderna, os valores que
reforçam o caráter individual, como a honra, por exemplo. Uma vez despojado
materialmente e sempre à margem da terra dos latifúndios, cultivando áreas que não lhe
pertencem, levaram o caipira, na condição de despossuído, a valorizar mais seu capital
subjetivo.
Ainda nessa temática estão os autores Gil Miranda e Álvaro Perez Filho, que se
tornariam nomes frequentes nos processos de peças a serem encenadas no Circo Piolin,
especialmente na década seguinte, que escrevem para o circo em 1945 o drama Honra
de caboclo.
Com o fim da guerra e retomada econômica e política – fechava-se o período de
exceção de Getúlio Vargas, espécie de ponto de honra pela participação do Brasil no
conflito com tropas expedicionárias na Itália em apoio às Forças Aliadas – a comédia
circense iniciou período de variedade temática, valendo-se particularmente da
habilidade autoral, desta vez de autores originados dentro do próprio universo circense.
É preciso, antes de prosseguira na análise do repertório do Circo Piolin, compreender de
134
que forma se desenvolveu esse campo artístico autoral no seio da arte circense, feita de
saberes transmitidos oralmente e que não incluíam a escrita teatral.
Os primeiros textos dialogados encenados, em geral combinados cômicos, não
tinham registro escrito, mas eram guardados pelos atores e palhaços pela repetição
contínua dos espetáculos. Decoravam-se as falas por gerações e aprendiam-se as peças
encenando-as com os mais velhos. A necessidade da escrita se impôs a partir da
instalação do aparato censório sistematizado a partir da criação do Departamento de
Imprensa e Propaganda (DIP), pouco antes da instalação do Estado Novo (1937) e de
seus braços estaduais, os DEIPs. A obrigatoriedade de apresentação do texto para
apreciação da censura obrigou o circense a escrever o que era saber oral e a atribuir um
autor a um texto que, de tanto passar de família a família, se tornara criação coletiva.
Essa passagem obrigou os circenses a experimentarem um incipiente domínio da
escrita, o que é perceptível na leitura dramática de alguns textos da década de 1930, de
Piolin inclusive, de modo que é possível identificar a preocupação gramatical daquele
que redige os diálogos das cenas.192 Uma década depois e o campo autoral já se
demonstrava praticamente construído pelo exercício da escrita e pela fatura de arranjos
para circo-teatro – adaptações de peças populares consagradas publicadas pela Livraria
Teixeira na coleção Biblioteca Dramática Popular em edições de baixo custo. A
contracapa dos finos volumes listavam as peças disponíveis na coleção, separadas pelo
número de personagens, o que facilitava a escolha por parte das companhias circenses.
Se o texto entrava para o repertório mas o elenco não supria o número de papéis, lá ia o
arranjador ajustar os diálogos e redistribuir as falas. Com isso, aprendeu-se a estrutura
dramática e a dominar a prática autoral. Assim, o processo de passagem do circo-teatro
oral para o escrito e deste para a formação de um campo autoral seguiu basicamente as
seguintes etapas:
192
No mês de outubro e novembro de 2011 foram lidas por atores iniciantes 12 comédias, a maior parte
atribuída a Abelardo Pinto Piolin, no Centro de Memória do Circo, dentro do projeto “Entre risos e
lágrimas – O teatro no circo (das pantomimas aos dramas)”, parceria mantida pela Secretaria Municipal
de Cultura de São Paulo com o Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Censura (NPCC), da ECA/USP.
135
A censura obriga
os circenses a
escreverem aquilo
que era tradição oral
Ao procurar as
referências das peças
já escritas, passa a
ter contato com sua
estrutura dramática
Ao passar a fazer
“arranjos”, ou seja,
adaptações das peças de
outros autores, começam
a ajustar a autoria
Ao escreverem as
peças, os circenses
procuraram cumprir
os preceitos da
correção da escrita
Ao buscar essa
formalização, o
circense começou
a conhecer a escrita
teatral
Ao assinar textos
originais, adentram
ao campo da autoria
Retomando a encenação das peças no circo de Abelardo Pinto Piolin, três peças
desses novos autores demonstram desenvoltura dramatúrgica capaz de atender às
necessidades de textos cômicos renovados para serem apresentados a um público cada
vez menos rural e mais afetado por outras linguagens culturais, entre elas as do rádio e
do cinema.
Entre os autores originários do circo e que produziram um considerável
repertório de comédias estão: Gil Miranda, Júlio Moreno, Álvaro Peres Filho, Oliveira
Filho, Umberto Pellegrini, Ado Benatti (também compositor de música caipira), Olindo
Dias Corleto, Agenor Gomes, Henrique Marques Fernandes, Miguel Santos, José
Ângelo, Oscar Cardona (pai de Oscarito), etc.
136
A dupla Gil Miranda e Álvaro Perez Filho contribuiu muito com o Circo Piolin,
sempre costurando situações cômicas bem ao estilo do humor grotesco, sem perder o
refinamento das tramas. Uma delas estreou com sucesso no Circo Piolin em 1945. O
bamba da Barra Funda é o apelido de Zeferino (Piolin), que se apresenta para a vaga de
criado da casa de dona Genoveva, que vive querendo se mudar para o interior para
afastar as duas filhas do assédio dos namorados. Ao dizer ao marido que gostaria de se
mudar para Tremembé, este conta que ladrões haviam fugido do presídio daquela cidade
e que agiam na região. Tal aviso não os demove da ideia e, já instalados na cidade, as
histórias de assaltos e bandidos passam a amedrontar a família. Zeferino diz que irá
proteger a todos. Mas os dois namorados, inconformados com a mudança das filhas de
Genoveva, decidem ir atrás das amadas. Entram escondidos na casa de Tremembé e os
ruídos gerados pela invasão colocam a família em pânico. Descobertos pelas filhas, os
namorados contam que foram à casa protege-los dos ladrões, enquanto o valentão
Zeferino desaparece na noite. Com a atitude, acabam sendo admitidos pelos pais e
prometidos em casamento às filhas. No final, quando tudo se acerta, Zeferino irrompe
na casa portando um vistoso terno que diz ser de um dos ladrões. Pegou-o para si como
troféu enquanto punha-os a correr!
O já mencionado Olindo Dias Corleto assina Guerra aos tubarões, peça “crítica
atual musicada” em dois atos, como diz a capa do texto datilografado, encenada em
1946. Trata-se de uma alegoria cômica contra a prática de exploração por parte de
fornecedores de pequenas lojas de comércio. Logo de início o delegado manda um
agente verificar a situação das lojas da Bela Vista. Piolin é o cabo Pitangueira,
insubordinado do delegado, que protagoniza uma série de trapalhadas na caça aos
tubarões, achacadores dos comerciantes. O desfecho, com o grupo de bandidos sendo
desbaratado, conta com um discurso patriótico do cômico, como o pós-guerra exigia:
“Conosco ninguém podosco! E assim unidos, num só ideal, num apoio total,
defendendo o nosso caráter, o brio do cidadão brasileiro, seremos o exemplo vivo do
homem de amanhã, impedindo sempre com galhardia, que maus brasileiros, elementos
nocivos à nossa pátria, nos envergonhe aos cantos do universo, dando vazão aos apontes
da discórdia, exploração, extorsão, desigualdade, e falta de dignidade no seio da família
brasileira! E todos num só grito em prol da campanha aos tubarões, aniquilaremos o
137
monstro, o abutre que com suas garras sanguinárias pretende manchar o nosso pavilhão,
a nossa bandeira límpida e altaneira!”193 A peça foi liberada sem nenhum corte.
Mas, em termos de originalidade autoral, o jornalista Tito Neto sai na frente com
o texto Um antropófago em sociedade, que Piolin insistiu em chamar Peri comeu Ceci.
Como a peça havia agradado muito, Piolin pediu-me uma cópia, a fim
de apresentá-la em seu circo de alumínio, na Av. São João, e solicitou
também autorização para mudar o nome para “Peri comeu Ceci”, que
foi o título escolhido pelo famoso excêntrico. Chi! Que mão de obra deu
este título com a censura! Exibe, não exibe, no final o título teve que ser
simplificado para “Peri e Ceci”. Piolin alegava em sua defesa que Peri
era antropófago e o título estava de acordo, porque não havia mal algum
o índio devorar a sua companheira. Ele era canibal mesmo, que mal
havia nisto? Pois bem! Mesmo com o título modificado, a comédia
ficou em cartaz durante 15 dias seguidos.194
A proposta de Piolin ecoa um típico humor modernista que nem a galhardia de
Oswald de Andrade havia avançado tanto! Peri e Ceci, personagens da pena romântica
de José de Alencar, transformados em antropófagos e vivendo em sociedade! O texto de
Tito Neto não faz nenhuma alusão ao romance do século XIX, mas constrói um enredo
em que Lilico (Piolin), que vive em Goiás, chega a São Paulo vestido de xavante,
casado com uma índia, que roubou de uma tribo. Encontra com o irmão Ferdinando,
tipo efeminado, que cuida das fazendas junto com o pai no Rio Grande do Sul. Logo um
telegrama chega informando da morte do pai e começa a disputa pela herança. Na
verdade é Lilico quem está por trás da farsa para tirar dinheiro da mãe, que vive em São
Paulo. Ela incumbe Lilico de fazer a divisão da herança.
Mas duas visitas inesperadas vão complicar a situação: a de um cacique
antropófago, pai da índia fugida, que jura que irá comer o casal vivo; e o pai de Lilico e
Ferdinando, que logo lê no jornal sobre sua própria morte. O trambiqueiro Lilico é
desmascarado e, antes de fugir, é devorado pelo antropófago. Na cena de apoteose, o
casal está no inferno, sendo recepcionado pelo diabo e lamentando morte tão besta...
A trama é bem urdida e lança mão de um humor cuidadoso, pois as piadas
referentes ao efeminado Ferdinando jamais descambam para a homofobia, como era
comum no Teatro de Revista, por exemplo. Num dado momento, acontece o diálogo:
193
O contraste deste discurso com aqueles nonsense da primeira fase de Piolin é muito grande, o que
evidencia um certo “enquadramento” feito especialmente pelos órgãos de controle da produção artística,
como o DDP.
194
NETO, Tito. Minha vida no circo. Editora Autores Novos, São Paulo, 1986, p. 101.
138
Lilico – Escuto, oh duvidoso! Você conhece a anedota do papagaio do
Bocage?
Ferdinando – Não. Conte-me maninho, eu gosto tanto de piadas de
papagaio...!!!
Lilico – Não, se eu te contar agora, a censura me multa. E outra, essa
anedota, só homens é que podem conhecer.
Encenada em 1947, em período teoricamente menos acirrado da vigília censória,
pois o período de exceção havia terminado, a piada passou sem problemas. Afinal,
podia ser entendida como uma defesa, em vez de uma crítica, da vigilância moral da
censura em relação às piadas contadas pelos palhaços.
5.3 Piolin desvairado, rei da Pauliceia (1950-1960)
Fixado na av. General Olímpio da Silveira, local em que, entre 1949 e 1961
manteria seu Palácio de Alumínio195, o consagrado Piolin se manteve como referência
da cidade, celebrado ainda por intelectuais e jornalistas, e consagrado pelo público fiel
que garantia uma nova geração de espectadores nas cadeiras do Circo Piolin. Naquela
altura da vida, o palhaço havia criado uma rotina que envolvia diversas atividades na
companhia, desde a mais nobre, ser a estrela das peças de circo-teatro, até a mais
prosaica, como ser o tabuleteiro do circo. E qual a tarefa dessa singular figura? Pintar os
cavaletes colocados diante da porta do circo para anunciar a peça em cartaz no circoteatro. E não se tratava apenas de letreiro. Verdadeiras gravuras estampadas com cenas
das comédias eram buriladas pelo pincel do tabuleteiro. Piolin tinha seu ritual, segundo
Chumbinho, que o conheceu no final da década de 1950. Ele acordava, fazia uma
garrafa térmica de café, ligava o rádio para ouvir a moda caipira, empunhava o pincel e
começar sua obra. Assim passava a manhã, até finalizar o cavalete.
Conheci ele pessoalmente fazendo isso aí... Tabuleta. Isso aí na época
não era, como a turma fala, tabuleta. Na época não. Há trinta, quarenta
anos atrás isso se chamava cavalete. Só que uma vez eu vi ele
chamando a atenção de uma rapaziadinha que tinha lá, mocidade,
quando sai de escola, porque tudo que era palavrão que saía e ele
escrevendo... você escuta aqui, passa pra tabuleta! Quando a tabuleta
estava prontinha... Por causa dos palavrões... Ele escreveu um dos
palavrões na tabuleta! Então ele era um mestre nisso aí.196
195
196
Tal apelido se refere à sua estrutura física e será explicado no próximo capítulo.
Entrevista concedida em 4 de novembro de 2011.
139
Mas essa é só uma das suas atividades matinais. O jornalista Audálio Dantas, em
reportagem publicada na Folha da Tarde em 5 de maio de 1958, na ocasião em que o
palhaço completou 50 anos de picadeiro e 61 de vida, reconstituiu um dia na rotina de
Piolin:
Seu dia é intenso: levanta-se às 8 horas, faz ginástica e depois vai dar
uma olhadela no circo; revê toda a instalação elétrica e depois vai pintar
cartazes para expor na porta. Almoça por volta do meio-dia, descansa e
lê um pouco. A tarde é para negócios: contratos com artistas,
pagamento de impostos, etc. Volta para casa (o próprio circo) às 17
horas. Janta e vai ensaiar os artistas durante uma hora. Depois disso, lê
mais um pouco, até que chegue a hora do espetáculo e, então, o cidadão
Abelardo Pinto é o rei do picadeiro (...) 197
Piolin tabuleteiro. Reportagem de Audálio Dantas publicada
no jornal Folha da Tarde em 5 de maio de 1958
A década também levou Piolin a experimentar novas linguagens. Além do rádio,
do qual participara na década anterior, nos 1950 ousaria atuar na televisão e no cinema.
No primeiro, na esteira dos palhaços que ancoravam circos eletrônicos, como os
pioneiros Fuzarca (Albano Pereira Neto) e Torresmo (Brasil José Carlos Queirolo), que
animavam o Cirquinho Bombril, em 1950, na TV Tupi, sob a direção de Walter Stuart.
O Cirquinho do Piolin esteve no ar por ano e meio, entre 1951 e 1952. Assim como não
197
DANTAS, Audálio. Piolim completa 50 anos de picadewiro e anuncia: “Vencia a batalha do riso”.
Folha da Tarde, 5 de maio de 1958.
140
há registros sobre o programa pioneiro – tempos bem anteriores ao videoteipe, que
apareceria somente uma década depois – não há nada que reporte ao programa de
Piolin. Mesmo o esforço de memória empreendido por Vida Alves no livro TV Tupi –
Uma linda história de amor198, arrisca ao menos um registro. Quem socorre, mais uma
vez, é Arruda Dantas, que assinala a estreia e a rápida extinção do programa. Aliás, que
coincidiu com o período em que Piolin atuou no filme Tico-tico no fubá, produção da
Vera Cruz dirigida por Adolfo Celi, na época marido de Tônia Carrero, atriz principal
da fita, ao lado de Anselmo Duarte.
Parte das cenas da primeira metade do filme, quando o circo chega à Santa Rita
do Passa Quatro, cidade do interior paulista reconstruída nos estúdios Vera Cruz para
contar a vida de Zequinha de Abreu, foram feitas no Circo Piolin. Toda a trupe de
artistas aparece, entre malabaristas, ginastas, trapezistas, e os palhaços Pinati e
Figurinha, seu genro.
No início da década seguinte, Piolin retornaria à televisão, na recém-inaugurada
TV Excelsior, Canal 9. Uma nota na coluna “Rádio e TV” do jornal Folha de S. Paulo
de 14 de agosto de 1960, anuncia a contratação de Piolin pela emissora, informando que
ele atuaria no programa O Grande Circo, televisionado do Teatro Cultura Artística aos
domingos, às 18h30. Na programação do dia 28 de agosto do jornal aparece o programa,
mas com o nome de Circo Piolin. A aventura durou pouco, pois em outubro do mesmo
ano a Folha de S. Paulo anunciava a substituição do palhaço no programa dominical.
No seu lugar entraria o tio-avô de Bibi Ferreira, esta a grande atração da TV Excelsior
no comando do programa Brasil 60, líder de audiência nas noites de domingo. Era
Chicharrão que, aos 72 anos, voltava à cena, em sua primeira aparição na televisão,
anunciado como pai de Torresmo, grande atração do Cirquinho Bombril da TV Tupi.
Em nenhuma das ocasiões em que atuou na televisão ou no cinema, Piolin foi
novamente acusado de abandonar o picadeiro, como quando da ocasião em que tentou o
teatro. Talvez, o maior acusador fosse o próprio Piolin. Averso às linguagem
audiovisuais, não se admirava no vídeo. Por isso sempre retornava ao seu espaço
“natural”, o picadeiro.
1954, o ano em que se celebrou o quarto centenário de São Paulo, foi uma época
em que homenagens, romances, reportagens, etc. rememoraram personagens que
haviam feito a metrópole. Nesse acervo imaginário de tipos, Afonso Schmidt, jornalista
198
ALVES, Vida. TV Tupi: uma linda história de amor. São Paulo: Imprensa Oficial, 2008.
141
e escritor, relaciona o sr. Abelardo Pinto, como se refere na crônica “Piolin”, publicada
no livro São Paulo de meus amores. “Não me lembro se o vi, ou se sonhei com ele;
estava como sempre: chapéu de coco, redondo, com a copa enterrada até às orelhas,
colarinho que daria para o pescoço da família inteira, jaquetão de um defunto que
pesava pelo menos dez arrobas, sapatos 84, bico largo, e a sua famosa bengala que mais
parece anzol de pescar submarinos.”199 Após a detalhada apresentação, o texto começa a
montar a cena: Piolin está num bar e tenta tomar o café, com dificuldades de encaixar a
bolota vermelha do nariz dentro da xícara. Nisso, a cena adquire uma lentidão que
contrasta com o ritmo metropolitano, tudo porque irrompeu no rádio do bar “uma valsa
daquelas que bolem com a alma da gente”.200 Ao final da música, Piolin pede outro
café, pois não poderia mais beber daquele que havia acolhido suas lágrimas. “Depois o
palhaço saiu, pisando mole com os sapatos imensos. Fazia parar os bondes. Trepava de
um lado e descia do outro. Dali a pouco, subiu pela torre de São Bento e montou a
cavalo no ponteiro grande. Tirou um estilingue do bolso e começou a caçar as estrelas
do céu...”201 Ao final da crônica Schmidt admite que fazia anos não “tinha a felicidade
de ver o Sr. Abelardo Pinto”202. Mas era daquele jeito que via o “palhaço da cidade”.
Foi ainda sob a lona de Piolin que aconteceu em 19 de fevereiro de 1954 o Baile
das 4 Artes, organizado pelo Clube dos Artistas, fundado em 1932 com o adjetivo
“Modernos” no final do nome, pelo controverso artista plástico Flávio de Carvalho. Era
chamado carinhosamente de “clubinho” por seus frequentadores, entre eles Di
Cavalcanti e Carlos Prado. Da mesma forma que havia feito em 1952 no restaurante
Prato de Ouro e no ano seguinte no Instituto dos Arquitetos do Brasil, assinou a
decoração do baile empregando figuras míticas e de animais. Era um reencontro com as
referências intelectuais modernistas, já tão distantes no tempo da época em que Oswald
de Andrade vivia a importuná-lo, pedindo que explicasse melhor essa ou aquela gag
usada no picadeiro, como se fosse fácil explicar algo que vinha da habilidade aplicada e
não de algum manual de palhaços. Naquele mesmo ano, Flávio de Carvalho também
criou cenário e figurinos para o bailado A cangaceira, do repertório do Bailado do IV
Centenário.
A desenvoltura cênica de Piolin não esmorece e seu repertório se torna mais
eclético, reunindo subgêneros cômicos como a alta comédia (comédia de costumes,
199
SCHMIDT, Afonso. São Paulo de meus amores. Clube do Livro, São Paulo, 1954, p. 69.
Idem.
201
Idem, p. 70.
202
Ibidem.
200
142
como Compra-se um marido, de José Wanderley, e Feia e Chica Boa, de Paulo
Magalhães, entre outras), as revistas circenses (A caixinha de Piolin, de Nair Bevedê) e
carnavalescas (como O carnaval está na rua, de Gil Miranda) ambas derivadas do
Teatro de Revista, além das tradicionais chanchadas (entre elas É muita cocada e O
fantasma gostosão, do próprio Piolin).
Entre os anos de 1954 e 1956 há o registro de um surto de peças assinadas por
Piolin encaminhadas ao Departamento de Diversões Públicas para censura. Não é
possível que sejam todas da lavra do palhaço, a maior parte delas no estilo da comédia
de costumes, quase todas em três atos. Os textos que constam dos processos são bem
similares, datilografados sempre pelo mesmo secretário, alguns deles com título
assinalado em letra cursiva. Há ainda títulos mudados, com novo nome datilografado e
colado sobre o escrito anteriormente. A noiva de papai, por exemplo, encenada em
1955, tem o nome original de Almas em conflito, título mais ajustado a um
melodrama.203 E Punhos de aço é o nome colado sobre O pugilista. Todas a peças do
período trazem a indicação no pé da página de rosto: “Repertório do Circo Piolin”.
É bem provável que o palhaço, naquela altura também empresário do próprio
circo – seu pai falecera em 1945 –, tenha tido acesso a algum acervo de peças que,
ajustadas ao elenco da companhia, foram encaminhadas para censura com Piolin
assinando a autoria. Em uma dessas peças, a autoria é contestada pela Sociedade
Brasileira de Autores Teatrais (SBAT). Trata-se de Saudosa maloca, baseada no samba
de Adoniran Barbosa e encenada em 1955, mesmo ano em que a gravação é lançada e
ganha a programação do rádio e a simpatia do público. Reapresentada em 1962, a SBAT
corrige a autoria, atribuindo-a a Olindo Dias Corleto. De fato, esse autor já havia criado
texto para o samba Que rei sou eu?, o que faz crer que seria uma de suas características
autorais.
Títulos como Aventura perigosa, A falsa ilusão, Agulha no palheiro, Caçado
como fera, O castigo vem de cima, por exemplo, remetem mais a dramalhões do que a
comédias. O interessante é que o tipo de comédia dessa meia centena de peças destoa
das velhas e tradicionais chanchadas. São, de fato, comédias no sentido teatral, não de
circo-teatro, o que representa uma larga distanciada do repertório que o consagrou até
ali. A adoção de peças com estrutura dramatúrgica mais elaborada, com enredo baseado
em intrigas e urdiduras que vão sendo desatadas antes do encerramento, e não de uma só
203
O título aparece no Arquivo Miroel Silveira com autoria atribuída a Florêncio Sanchez, com tradução
e adaptação de Aparecida Pimenta, encenada em 1942.
143
vez e de forma súbita, como nas chanchadas, com duração maior, etc., confirma o temor
de Mário de Andrade, expressado no mesmo artigo publicado na década de 1920 que
enaltece a concepção do texto Do Brasil ao Far-west:
Piolin carece conservar a inconsciência do seu valor. E sobretudo a
indiferença no criar. Pra certa ordem de artistas geralmente a
perseverança do valor depende da desatenção estética com que
inventam. Piolin se quiser conservar o valor extraordinário que possui
tem de permanecer o criador desatento que até agora foi. Já as peças
dele vão se tornando importantes no tamanho. Algumas têm 2 atos
como “Do Brasil ao Far-West”. Já no cenário a preocupação do
característico domina inutilmente e nem sempre orientada pro lado
cômico. Quero dizer: bem orientada. Se percebe que a maravilha do
jardim do 1º ato é fruta de mero acaso. Da mesma forma quando na
cena do bar aparece aquele poder de garrafas vazias de Chianti, o
cômico não é voluntário, é inconsciente. E também naquela utilização
do heroico, quando Piolin chega montando o cavalo bonitão e
tratadinho. Carece cuidado. Nos últimos tempos algumas das farsas de
Piolin (que perfazem verdadeiramente um ciclo da pantomima
brasileira) arrastam por momentos cansativos, devido ao tamanho e
sobretudo ao caráter comédia que vai se intrometendo nelas.204
Muito embora o arranjo dramático de Piolin para essas peças continue sendo o
da chanchada circense, encenando em arremedo e usando o texto como base para os
improvisos e os diálogos tipicamente de palhaços, como revelou em depoimento já
citado José Miziara, trata-se de uma clara mudança no repertório e que reflete também o
quanto o público que lotava suas sessões também tinha mudado.
Mas, analisando as peças que constam nos processos de censura do DDP, é
possível identificar vestígios daquela desatenção original de suas comédias de picadeiro,
embora a maior parte das peças tenham os três atos, até mesmo aquelas com o nome do
palhaço: O vaqueiro Piolin (trama de roubo de gado, que retoma o estilo do faroeste
mais uma vez), Piolin Tarzan (a referência ao cinema, com o palhaço como um cientista
perdido e desmemoriado na selava, que age como Tarzan) e Coroné Piolin (o
tradicional entrecho do casamento arrumado, com Piolin fazendo o pai do pretendente e
exigindo respeito apesar da sua bronquidão).
A última peça que aparece no Arquivo Miroel Silveira é Piolin no planeta
Marte, arranjo de Que rei sou eu? adaptado aos moldes dos filmes de ficção científica
que abundaram na cada vez mais acirrada Guerra Fria. Filmes como O dia em que a
terra parou (1951), O enigma de outro mundo (1951), A guerra dos mundos (1953), O
204
ANDRADE, Mário de. Op. Cit..
144
mundo em perigo (1954), A invasão dos discos voadores (1956) e Planeta proibido
(1956), dão sua contribuição ao imaginário popular da época. Um ano antes da peça de
Piolin ser encenada, em 1957, a União Soviética lançava a cadela Laika ao espaço
depois da experiência bem-sucedida do satélite Sputnik. Na comédia, logo de início, a
dupla de cientistas busca um voluntário para enviar a Marte em troca de 500 mil
cruzeiros, depois de ter enviado ao planeta um macaco, uma cesta de gatos e duas
dúzias de frangos. Fugindo da sogra, Piolin (ou Zé), bêbado, aceita seguir em viagem
interplanetária. Ao chegar a Marte, é confundido com o rei do planeta pelo “lunático”
(habitante da Lua) que vai desposar a filha do marciano e acaba roubando-a no final.
Mas é desmascarado pela sogra, que chega num outro foguete somente para colocá-lo
em seu devido lugar.
Novamente nesta versão a condição inicial do protagonista excêntrico é a
estranheza. É por isso audacioso, pois não receia quebrar as regras, enfrentando o
mundo que julga não pertencer com ironia, humor e excentricidade. Sua resposta a
qualquer situação estabelecida é sempre o grotesco, comprometido que está em arrancar
o riso da plateia. Mesmo em Marte, descrê da tecnologia e, assim, mantêm um traço de
Romantismo ao resgatar uma ingenuidade atávica contra o avassalador avanço técnico.
É essa oscilação entre o contemporâneo (efêmero e atual, de onde extrai o humor) e o
grotesco (condição do tipo excêntrico, que vive no limite entre o bom-senso e o
absurdo). Enfim, uma chanchada para coroar a tradição e, ao mesmo tempo, confrontar
os novos tempos que impõem, de vez, a modernidade. Não o modernismo retórico dos
amigos intelectuais, nem a simplicidade do público que aprendia a viver na metrópole às
custas de um doloroso processo de rompimento com um passado ainda recente. A
modernidade que, em seu atropelo sem remissão, levaria de roldão o próprio circo.
Era, enfim, a véspera de um novo tempo. Logo o terreno da avenida General
Olímpio da Silveira seria retomado pela prefeitura e o palhaço iria se retirar com sua
casa-camarim para a Freguesia do Ó, sem apoio para reaver o circo inaugurado quase
trinta anos antes. Naquele novo tempo, o tempo de Piolin iria se encapsular no camarim
de madeira onde viveu seus últimos anos, como afirma em seu depoimento ao MIS:
Esta casa em que eu vivo, agora é unicamente por recordações. Matar
saudades do meu tempo. Porque aqui era o meu camarim quando eu
estava no meu circo. E todas as minhas glórias, as minhas alegrias, o
meu sucesso, eu sentia aqui dentro dessas quatro paredes. De maneira
que sou muito grato a ela, que tive os bons momentos... e os maus
145
também... fui muito feliz, muito visitado por gente importante e nunca
notaram isso.
Antes de seguir a última década de vida de Piolin, há ainda uma dívida a ser
paga: ouvir a voz dos que frequentaram seu circo. Entender de que modo sua lona, além
de contribuiu na construção da cultura paulista e brasileira, marcou certa sociabilidade,
uma vez que, como opção de entretenimento popular, interferiu na vida e no sonho do
homem simples.
146
6. O público
Os admiradores do Sr. Abelardo Pinto iam vê-lo
no seu circo, estivesse onde estivesse. Nada mais justo.
Ele já divertiu uma geração; agora,
está começando a divertir a outra.
Para a gente pequena é alegria.
Para a gente grande começa a ser saudade.
Afonso Schmidt
6.1 O circo e seu entorno
Quase trinta anos de atividades e uma unanimidade entre jornalistas e
intelectuais, o Circo Piolin só conseguiu alcançar tamanha longevidade por conta do
público que sempre lotou suas sessões, para satisfação da companhia, que sempre
primou pelas comédias durante esse período. Era essa a marca do circo e Piolin sua
maior estrela. As reminiscências de Arthur Miranda sobre as tardes em que passou sob a
lona da avenida General Olímpio da Silveira remetem ao público e ao tipo de espetáculo
que encantava a atenta assistência:
Era lotado. E era um circo bem montado. Era uma beleza! Pra época...
Acho que não tinha nenhum outro circo assim. Hoje é comum ter um
circo assim, mas na época era... era todo assoalhado, era maravilhoso!
Parecia um teatrão. Já era na Olímpio da Silveira. A peça era o final.
Então havia atrações, de cantores, de números circenses mesmo, mas a
peça, no final, aí entrava a família toda, a esposa, acho que... ah! Tinha
uma entrada que era antes da comedinha final. Havia a entrada dele,
Piolin e Pinatti ou o Tony, quando o Pinatti não se apresentava entrava
sempre esse Tony que inclusive é amigo meu e eu não sei onde ele
anda... Tinha muita coisa que ele fazia com apito, era muito bom, os
passarinhos. Aquilo era muito engraçado e todo mundo queria. Mesmo
quando as pessoas, como eu, por exemplo, assistiam aquilo várias
vezes. Mas sempre tinha coisa diferente. Era gostoso ver aquilo, era
muito bom. O Piolin tinha uma comunicação em cena impressionante.
Com o público. Ele tinha assim, vamos dizer, um encanto cênico.
Com o tempo e em endereço fixo, a estrutura do circo, de fato, foi se
distanciando bastante da arquitetura circense tradicional, com lonas e cordas, adquirindo
adaptações que o aproximavam de um pavilhão ou mesmo de um teatro, como compara
Arthur. Além do assoalho, a estrutura abandonou a lona em detrimento das folhas de
flandres, o que garantiu o apelido de “Palácio de alumínio”, como lembra Chumbinho:
Fez a cobertura por cima e depois tirou a lona por baixo. Aí ficou
Palácio de Alumínio, que era a cobertura de folha. Aí ficou lindo, ficou
147
bonito. (...) Primeiro não era assoalhado. Depois que foi feito o Palácio
de Alumínio que ele, além de fazer o palco, aí ele assoalhou o tablado
até na beirada da entrada do pano de volta. Tinha um palco e a pista. Ali
na pista que levava número de cachorrinho, levava malabares; o mágico
já trabalhava lá em cima, às vezes aqui embaixo, porque tinha aparelho
que precisava... Ele levava vários números lá. Foi um esquema que ele
fez aí. O palco lá no fundo e um tabladinho ali na frente. Um palquinho
mais baixo assim.
Esse palquinho também faz parte da memória de Arthur Miranda, que
acompanhou as matinês do circo entre 1947 e 1952:
O circo Piolin tinha palco... tinha um palquinho e tinha uma extensão
que era o picadeiro. (...) Eu vi um cantor, não sei se era cantor... Ele
fazia o seguinte: tocava uma bateria, tinha um violão, uma gaita e ele
tocava e cantava. Não me lembro o nome dele, mas ele era bem
conhecido na época, em circo. Se apresentava em vários circos, mas eu
o vi muitas vezes no Piolin. E ele cantava uma musiquinha assim: “Eu
na vida vivo a cantar/só porque não aprendi a chorar/ quando passo pela
rua,/vivo a assobiar: fiu fiu fiu, fiu fiu fiu...” Era isso. Era uma das que
eu me lembro.
Mesmo antes dessa nova estrutura, o circo de Abelardo Pinto, por ser mais fixo e
menos mambembe, sempre primou pelo bordão que deu ao crítico Paulo Emílio Salles
Gomes o título de sua crônica, repetido nas páginas de programação de entretenimento
dos jornais paulistanos: “solidamente armado”. Mas o Circo Piolin não era popular
especificamente por isso, por oferecer um conforto maior ao público, pois as salas de
cinema rivalizavam nesse quesito à altura e, na maioria das vezes, com larga vantagem.
Vivia-se ainda a época de ouro dos grandes palácios exibidores, com ambiente faustoso
e entretenimento garantido a preços acessíveis ao grande público, embora os ingressos
dessas salas fossem mais caros que os dos circos.
Portanto, “conforto” era um atributo encontrável em outras opções de diversão
da São Paulo das décadas de 1930 a 1960. Algo, aliás, que os meios de comunicação de
massa tirariam partido ao oferecer efeito similar sem remover o ouvinte/espectador do
seu principal local de conforto: seu próprio lar. Havia, antes, um atributo mais
elementar, possível de desfrutar no panóptico205 do picadeiro, e este é a sociabilidade.
Ou, mais ainda, a possibilidade de rir junto.
205
A comparação é de Jean-Pierre Angrémy, no prefácio do livro O circo no risco da arte, de Emmanuel
Wallon (Autêntica, Belo Horizonte, 2009). Empregando a metáfora usada por Michel Foucault para tratar
da sociedade disciplinar, se refere ao picadeiro como aquele que todos veem mas a maioria não tem a
certeza de que também são observados pelos artistas.
148
Antes de se fixar na zona Oeste da capital, no bairro da Barra Funda, o circo
perambulou por uma década pelos bairros então periféricos do velho centro da cidade.
Da tradição do Largo do Paissandu em abrigar lonas circenses desde o século XIX,
restou o Café dos Artistas, que seria ainda por muitas décadas o ponto de encontro da
classe circense, onde a maioria iria fechar contratos em temporadas, também local de
reunião, todas as segundas-feiras, dia de folga no circo, de empresários, secretários e
artistas. Lá também permaneceram os escritórios de empresários não só do circo, mas
dos cantores populares, duplas caipiras, galãs e até atores. Logo as companhias foram
atrás de espaços urbanos próximos às concentrações populares, em geral bairros
operários, como Brás, Moóca, Belenzinho, Cambuci e Pari, na zona Leste; Vila Mariana
e Ipiranga, na zona Sul; Lapa, Vila Romana, Água Branca e Barra Funda, na zona
Oeste.
Fixar lona na Barra Funda e poder torná-la uma casa luxuosa, um “palácio”,
mesmo que de alumínio, significava ter um espaço diferenciado para um público já
acostumado à dureza das arquibancadas de tábua, mas disposto a rir a partir daquele
chamado “poleiro”. Chumbinho dá outras pistas para começar uma investigação sobre o
sucesso de público do circo:
Olha, era sempre lotado. Das vezes que fui lá não peguei uma casa
vazia. Não peguei nenhuma. Nem dia de semana. Quando era vendido
espetáculo escolar, escolar entre aspas, porque grupo escolar tinha só os
estaduais, não tinha esse negócio de municipal, era estadual, aí vinham
os colegiais, faculdade eram poucas, não tinha muita faculdade na
época, então era tudo vendido. Quem comprava eram as firmas,
inclusive uma que ele... se recebeu não sei... que, patrocinou ali foi uma
que inclusive o meu pai trabalhava, que era essa... da família Matarazzo.
Era patrocinador forte dele. E depois mais outro patrocinador que ele
teve fortíssimo, da Grapete, que fazia aquele refrigerante 7UP, que
patrocinava as matinês. Se a matinê desse vazia, tava garantido. Mas
não ficava, porque naquela época as famílias iam ao circo. Levava as
crianças.
Mas quem frequentava as concorridas sessões do Circo Piolin? Para se
aproximar da resposta é preciso entender o entorno da lona mais concorrida da cidade.
A Barra Funda, nome advindo da barra do rio Tietê, formou-se como bairro a
partir da Chácara do Carvalho, do Conselheiro Antonio Prado, que ficava exatamente
onde posteriormente se instalou o Circo Piolin, numa extensão que vai da Praça
Marechal Deodoro à rua Vitorino Carmilo. A várzea só começaria a se desenvolver
urbanamente a partir da virada do século XX quando pequenas indústrias se instalaram
149
na região, entre elas as dedicadas à produção de tinta de escrever, de massas e de óleo,
além da Fábrica de Vapor de Tecido e Fiação de Corda e de Barbante 206, fundada em
1892. O próprio Antonio Prado fundou, em 1897, na Água Branca, a vidraria Santa
Marina.
Em 1900, quando se inaugurou a primeira linha de bonde em São Paulo, o
terminal bairro foi instalado na Chácara do Carvalho, pois era onde ficava a residência
de Antonio Prado, o primeiro prefeito de São Paulo (1899-1911). Construída uma
década antes com projeto do italiano Luigi Pucci, que também desenhara o Museu do
Ipiranga, a sede passou a abrigar ruidosos saraus com grande presença de intelectuais.
Tal construção acabou motivando o desenvolvimento do vizinho bairro Campos Elíseos,
onde se instalaram casarões da nata endinheirada com a cultura do café. A região foi,
pois, o primeiro bairro traçado para abrigar moradias de ricos, por obra dos alemães
Frederico Glette e Victor Nothman entre os anos de 1882 e 1890.
Símbolo do período de fausto pré-crise de 1929 é o Teatro São Pedro, construído
no bairro em 1917, somente seis anos após o Teatro Municipal. Inaugurado com uma
montagem do romance A moreninha, de Joaquim Manuel de Macêdo, a casa com 900
cadeiras se destinava à encenação de operetas, dramas, comédias e concertos. Mal a
elite cafeeira entrou em decadência, o teatro também sucumbiu. Logo se tornou exibidor
de produções cinematográficas, sendo incluído no Circuito Serrador.
A várzea do Tietê passou a abrigar indústrias têxteis, metalúrgicas e químicas,
processo que avançaria as décadas de 1920 e 1930, com ocupação demográfica por
moradores de origem italiana, especialmente vênetos. A população negra também
cresceu rapidamente, formada por ex-escravos e ex-colonos vindos do interior nos
vagões da Estada de Ferro Sorocabana, cujo terminal era na Barra Funda, que se
alojaram no bairro, inicialmente para trabalhar na estiva e depois nas casas luxuosas dos
Campos Elíseos.
A concentração de indústrias gerou a construção de inúmeras vilas operárias,
especialmente após a instalação das Indústrias Reunidas Fábricas Matarazzo (IRFM),
num complexo de 100 mil metros quadrados na Água Branca, empreendimento que, em
1925 contava com ramificações em 17 áreas de produção fabril. Mesmo apanhado pelo
crack da Bolsa de Nova York, Matarazzo não fraquejou como os barões do café: ao
contrário, reforçou a sua produção sem se apoiar em nenhum dos grupos políticos que
206
BRUNELLI, Aideli S. Urbani e outros. Barra Funda. Série História dos Bairros de São Paulo, volume
29, Departamento do Patrimônio Histórico, São Paulo, 2006, p. 20.
150
disputavam o Palácio do Catête, incluindo aquele cujo séquito iria amarrar seus cavalos
no obelisco carioca, Getúlio Vargas. O parque fabril da Água Branca se consolidou
como o maior polo industrial do país, abrigando grande contingente de operários que se
agruparam nas redondezas, seja na barra do rio ou nos bairros contíguos à Lapa e à
Barra Funda. Muitos deles tinham no Circo Piolin a opção de lazer de fim de semana,
tão raro em tempos que antecediam a organização das leis trabalhistas, obra de Getúlio
Vargas no final dos anos 1930.
Nas décadas seguintes, os contingentes que ocuparam as redondezas da Barra
Funda foram outros. Com a decadência dos Campos Elíseos, o bairro de Higienópolis
ascendeu como área privilegiada, especialmente por estar mais distante do ramal
ferroviário, onde se agrupou a população mais pobre.
Surgido também de uma fazenda da família Prado, de D. Veridiana, mãe do
Conselheiro, que para lá se mudou em 1884, o futuro bairro de Higienópolis abrigou
igualmente casarões dos barões do café. O palacete em estilo francês de D. Veridiana
foi concebido após sua visita a Paris em 1882. Instalada no casarão dois anos depois, a
filha depositária dos negócios do Barão de Iguape hospedou no mesmo ano a Princesa
Isabel e, em 1887, o próprio Imperador D. Pedro II. Costumava abrir os portões dos
jardins aos domingos para as crianças da região brincarem com seus netos e os salões do
palacete, à noite, para abrigar intensos debates intelectuais e literários, dos quais
participavam o engenheiro Teodoro Sampaio, o abolicionista José do Patrocínio, o
escritor Capistrano de Abreu e o médico Pereira Barreto, entre outros.
Os comerciantes alemães Martinho Buchard e o mesmo Victor Nothmann
adquiriram, na virada do século XX, as terras das fazendas do advogado Barão de
Ramalho e de Joaquim Wanderley, próximos à Consolação, loteando-as e vendendo-as
a compradores com alto poder aquisitivo. Por ser o primeiro bairro planejado com rede
de esgotos e encanamento para fornecimento de água, ficou conhecido como a “cidade
da higiene”. Mas o nome Higienópolis teria se originado da companhia homônima que
administrava um hotel instalado na região para abrigar doentes tuberculosos.
Com o fim do dinheiro do café, o perfil do bairro foi mudando, especialmente
nas décadas de 1940 e 1950, quando passou a abrigar os primeiros edifícios residenciais
com projetos modernistas dos arquitetos Rino Levi e J. Artaxo Jurado. A verticalização
só foi possível após mudança na lei de zoneamento municipal, que até ali permitia a
construção de edifícios apenas na região central da cidade. A classe média alta
endinheirada foi ocupando esses edifícios de alto padrão, dividindo espaço com os
151
casarões das famílias remanescentes da aristocracia rural paulista que ainda mantinham
propriedades no interior. Tanto uma quanto a outra dependia de mão-de-obra doméstica
para manter sua vida de fausto.
As famílias, naquela época, eram bem tradicionais e tinham todos em
suas casas, motorista, cozinheira, copeira, babá, passadeira – lavadeira
geralmente não era de lá, a lavadeira vinham dos bairros da periferia,
pegava as roupas e depois entregava. (...) A minha mãe conheceu o meu
pai, ele era motorista de uma família, na rua Piauí, e ela morando na rua
Bahia... O bairro de Higienópolis era um bairro bem eclético, os nomes
das ruas do Nordeste e as famílias riquíssimas... um contraste! Na
mesma época os senhores do café tinham suas mansões. Tinham suas
fazendas de café e geralmente eles traziam seus funcionários dessas
fazendas. Foi o caso da minha mãe. Ela veio com essa família com oito
anos, da região de Bauru. Ela perdeu os pais, eram sete irmãos. Então
eles foram divididos pelas famílias tradicionais da região. Ela veio com
a família Guimarães. Eles tinham plantação de café na região, o meu
avô morava numa dessas fazendas e aí ela veio com essa família. Ela
era uma criança cuidando de outras crianças.207
Janete Souza Oliveira, filha de dona Gersira e do seu Joaquim Adão, ouviu as
histórias de família de um tempo em que as relações sociais dificilmente eram
independentes das relações de trabalho. O tempo livre para a sociabilidade, geralmente,
era eximido do convívio familiar, o que exigia que grupos se organizassem para buscar
formas de preencher o tempo dedicado ao lazer.
Nas décadas de 30, 40... 40, 50, ela era babá aqui em São Paulo e me
contava que as empregadas domésticas nos finais de semana se reuniam
na praça Vilaboim e na praça Buenos Aires para marcarem para onde
elas iriam fazer o seu final de semana, o seu lazer. E geralmente era ou
assistir filmes... Mazzaropi, Oscarito, Grande Otelo... ou ir aos circos.
(...) Para elas o circo era uma opção assim mais corriqueira. Porque era
barato e elas podiam expressar... o circo tem essa magia, você pode
expressar o seu sentimento, você grita, você chora, você ri, você
participa junto com a cena. Então isso para elas seria uma válvula de
escape. Minha mãe falava que era um mundo mágico e de sonhos. (...)
Bom, elas saíam, geralmente elas moravam no trabalho. Então elas não
tinham uma casa onde elas podiam ir aos finais de semana, os familiares
moravam no interior... (...) E o divertido, minha mãe contava, eram os
grupos que iam para o circo para assistir aquela magia toda acontecer. E
ela falava muito do Piolin. E o Piolin era, pra ela, o maior humorista!
Ela falava já rindo. Quando ela começava a falar dele ela já começava a
rir. Eu perguntava: “Porque a senhora está rindo?” “Ah, é porque estou
lembrando das palhaçadas dele!”
207
Depoimento de Janete Souza Oliveira, dado ao autor em 24 de julho de 2012.
152
O circo adquire, assim, um papel de promotor de interação social, um campo de
construção de uma identidade do cidadão cindido – vem do campo e precisa se adequar
ao ritmo da sociedade industrial –, um espaço dedicado ao exercício da sociabilidade
externa à realidade laboral, esta marcada por jornadas contínuas, onde se mora onde se
trabalha e onde se dedica continuamente aos patrões. É a “válvula de escape”, na
definição de Janete, para se sonhar acordado, para o reconhecimento do palhaço como o
detentor da mecânica dessa válvula, que consegue vestir a contradição e dela construir
sua forma de “se dar bem”. Afinal, o excêntrico é, na maioria das vezes, também o
criado que desafia o patrão, que lhe ensina outra lógica, ou pouco se importa se ele
compreende ou não a sua própria ilogicidade.
Mas essa memória específica do circo, do riso em Piolin, emerge do tempo do
divertimento, “(...) um espaço regido em parte por outra lógica, e aberto ao exercício de
uma certa criatividade: a vida familiar, o bairro, as diferentes formas de entretenimento
e cultura popular que preenchem o tempo do lazer.”208 Embora seu tempo seja menor
comparativamente ao do trabalho, ele tem uma função social implícita, segundo
Magnani. “Atividade marginal, instante de esquecimento das dificuldades cotidianas,
lugar enfim de algum prazer – mas talvez por isso mesmo possa oferecer um ângulo
inesperado para a compreensão de sua visão de mundo: é lá que os trabalhadores podem
falar e ouvir sua própria língua”.209
No caso específico do Circo Piolin, se trata do “mundo mágico e de sonhos” de
uma assistência que perdeu sua identidade original e familiar, e que se ajusta ao tempo
das relações de trabalho, buscando novas formas de sociabilidade.
Eles se reuniam, iam pro circo, se encontravam, iam reunidos ou
quando chegavam lá, e... saíram muitos casamentos no circo... O da
minha mãe foi um. Porque era um lugar aberto, pois na época era uma
outra educação. Não podia pegar na mão, e o circo deixava mais
descontraído. Acho que isso favorecia os encontros. Elas não tinham
uma casa, então elas não tinham um lugar para poder apresentar os
namorados. O circo favoreceu então a vários casamentos entre essas
pessoas que saíam juntas. E o ambiente do circo que era um ambiente
de rir, descontraía e favorecia as pessoas a quebrarem um pouco a
barreira da timidez, aquela coisa toda, e acabaram em casamentos e
mais casamentos.
208
MAGNANI, José Guilherme Cantos. Festa no pedaço – Cultura popular e lazer na cidade. Hucitec,
São Paulo, 2003, p. 29.
209
Idem, p. 30.
153
Demarcada a sociabilidade no espaço público do circo, onde se podia, em
contraste, construir uma privacidade não permitida no espaço de trabalho, o homem
simples210 podia experimentar a fuga da realidade cindida imposta pela modernidade,
gerando um complexo processo de construção de identidade, ponteado por uma vasta e
constante variedade de oscilações dialéticas entre público e privado, consciente e
inconsciente, arcaico e moderno, trabalho e lazer, lógico e ilógico, passado e futuro,
corpo e alma.
6.2 A modernidade e o homem simples
O circo envolve a sociabilidade do cidadão de uma metrópole em construção,
emergente, polifônica e polissêmica. No entanto esse homem simples guarda traços
marcantes de uma sociabilidade rural – a temática caipira das peças é herança desse
tempo sem tempo – ao passo em que é talhado pelas referências externas, em especial as
do cinema norte-americano – que implanta tramas guiadas pela realidade da guerra e
pelas conspirações. O homem simples, portanto, constrói um imaginário a partir dos
signos da modernidade, mesmo que a partir da cisão a que sua condição humana está
exposta.
O sociólogo José de Souza Martins acredita que só é possível investigar a
modernidade se for considerado o modo como “o moderno e os signos de modernidade
são incorporados pelo popular”211, pois nesse processo de mediação é que se pode
observar as dificuldades da modernidade. Ao empreender tal processo, é possível
percebe que as camadas populares apreendem o moderno como simulação, ou seja,
como expressão da inautenticidade. Um moderno “capturado pela mentalidade
tradicional na trama de relações sociais que não se modernizam além de certo ponto,
bloqueadas pela condição dependente do capitalismo na periferia dos centros
hegemônicos”.212 Essa simulação acaba gerando certa crítica ao mesmo moderno a
partir do referencial da tradição, e se dá “mais no rir do que no pensar”. 213 Martins
aponta: “O riso crítico nasce e se apoia, justamente, na desengonçada e caricatural
junção do que é propriamente moderno com o que não o é; na forçada convivência de
210
O sociólogo José de Souza Martins define este homem simples “cuja existência é atravessada por
mecanismos de dominação e de alienação que distorcem sua compreensão da História e do próprio
destino” e que “luta para viver a vida de todo dia, mas que luta também para compreender um viver que
lhe escapa porque não raro se apresenta como absurdo, como se fosse um viver destituído de sentido”.
(MARTINS, José de Souza. A sociabilidade do homem simples. São Paulo: Contexto, 2008, p. 9)
211
Idem, p. 29.
212
Idem, p. 30.
213
Ibidem.
154
relações desencontradas, culturas justapostas e desfiguradas pela justaposição”. 214 Se o
processo se dá no âmbito da subjetividade, desatado por um processo inconsciente –
tanto que se materializa no riso, antes que no pensamento – ao considerar o circo como
espaço de justaposição de culturas – de hibridização cultural, onde erudito, popular e
massivo dançam num processo de intensa troca simbólica – a construção cênica cômica,
ao valer-se da colagem temporal, espacial ou social, promove de certa forma esse
processo crítico em que o homem comum confronta sua condição social e existencial.
Martins aponta o gênero musical caipira como exemplo do humor crítico aos
elementos da modernidade, por combinar “as possibilidades discrepantes do antigo
circo itinerante e as novas possibilidades modernas do disco e do rádio”. 215 A
ambiguidade que mantém preso o homem simples a uma “travessia inconclusa e sem
destino”216, por revelar o inautêntico, parece se exacerbar na expressão do circo-teatro.
O riso advindo do deboche, essa instituição nacional, que se destaca sem se tornar
crítica social, é o lastro popular que atravessa as incertezas originadas pelo confronto
entre o tradicionalismo e a modernidade, especialmente quando se trata do confronto
entre fé e festa (tradição) e as relações de trabalho (moderno).
Esse confronto se expressa no cotidiano, do qual o homem simples é o “novo
herói da vida”.217 Ela é o campo em que se joga a peleja entre a tradição e o moderno,
entre o cotidiano e o imaginário, entre o trabalho e o lazer. Novamente, Martins socorre:
“A vida cotidiana começa a nascer quando as ações e relações sociais já não se
relacionam com a necessidade e a possibilidade de compreendê-las e de explicá-las,
ainda que por meios místicos ou religiosos; quando o resultado do que se faz não é
necessariamente o produto do que se quer ou do que se pensa ter feito.”218 Portanto o
que se vive na vida cotidiana é um viver alienado.
Num outro texto, em que analisa o universo onírico do homem simples, o
sociólogo recolhe narrativas de sonhos e percebe que há um conceito “popular” de
sonho em que o imaginado se afasta da experiência cotidiana e, em geral, assume
características ligadas ao absurdo e ao ilógico.219
A forma do homem comum conhecer sua própria alienação é por meio dos seus
sonhos, segundo Martins. “Nos sonhos, de fato, elas sonham com as contradições que
214
Ibidem.
Idem, p. 27.
216
Idem, p. 30.
217
Idem, p. 52.
218
Idem, p. 71.
219
Idem, p. 61.
215
155
definem um modo (histórico) de ser e de situar-se no mundo.”220 O universo onírico, ao
se organizar a partir do estilo cognitivo da vida cotidiana, acaba gerando imagens que
evidenciam situações indesejáveis geradoras de temor e terror. A abordagem
sociológica, aliás, se apoia na relação entre o sonho e a vida cotidiana, que balança na
incerteza da alienação do homem comum. Em contraste, o sonho vivido na
subjetividade abre uma larga brecha na constatação de que o real está alinhado com o
racional. Ao ser ameaçado em sonho, ele gera temor. Por sua vez, a realidade alienada
pode ser subjetivada pelo riso ante a representação do irracional. Piolin sentando no
trono, assumindo o reinado após acordo com um rei cansado de sua condição, ao se
perguntando “Que rei sou eu?” está expressando a alienação, suscitando o riso crítico
que não gera mudança social, mas que alimenta uma sociabilidade calcada no riso
coletivo, na partilha da angústia pelo próprio riso.
6.3 O campo da memória
O sonho vivido na subjetivação se ocupa assim, não do campo onírico, mas do
campo da memória. Para ali a contenda do cotidiano se transfere, fazendo da
contradição uma defesa. Ao se tornar narrativa memorialista, esse espaço de sonho
cumpre sua função social de, nas condições específicas daqueles que tinham no circo
seu único espaço para exercer uma sociabilidade não oprimida pelas regras do trabalho,
fazer daquele espaço de crítica velada, a sua “válvula de escape”, no contexto daquele
que viveu a experiência e no daquele que ouve a experiência. Por isso lembrar já suscita
o riso. Assim como dona Gersira ri ao se lembrar de Piolin, o velho sonho emerge, e
vem já lapidado. “Não há evocação sem uma inteligência do presente, um homem não
sabe o que ele é se não for capaz de sair das determinações atuais”, defende Ecléa
Bosi.221 Assim, a experiência da brecha do sonho pelo riso cria uma nova camada de
memória, que difere da memória do trabalho, por exemplo, que Ecléa faz confundir com
a própria essência da vida.
Nesse sentido, é plenamente compreensível quando Janete testemunha:
Ela fazia questão de contar as histórias do circo, repetir, falar. Eu acho
isso bonito no pessoal da outra geração. Eles saíam de lá e continuavam
sonhando. Chegavam em casa sonhando. Do circo ela dizia que era pra
sonhar. Que ela ia pra sonhar. Acho que a vida assim... apesar dos
220
Idem, p. 75.
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade – Lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 2009,
p. 81.
221
156
patrões serem maravilhosos, a vida era dura porque não estavam junto
com os parentes... Então acho que ela se desligava e sonhava. E esse
sonho ela passou pra nós.
Para Magnani o circo-teatro é o terreno onde os contrastes são marcantes e que
se desenvolve a partir de adaptações à realidade contemporânea para adquirir não só
verossimilhança, mas para evidenciar os contrastes dessa mesma realidade. Se
aproximarmos essa interpretação da dramaturgia do palhaço, onde a leitura enviesada a
partir da lógica do contrário irá despertar um personagem “fora de seu próprio centro”
(excêntrico), perceber-se-á que os contrastes saltarão do picadeiro diretamente para a
consciência – e inconsciência – do espectador, que é o nosso homem comum. Assim, o
círculo de oscilações dialéticas se fecha: entre o sonho e a vigília, o passado e o
presente, e o trabalho e o lazer, transpassa o circo-teatro, Piolin e a comédia, sua
contemporaneidade e o riso grotesco. Fontes onde pulsam uma sociabilidade possível na
modernidade.
6.4 Piolin: o corpo e a alma do circo
Mas a sentença decretada por Oswald de Andrade – de que todas as dialéticas
são engraçadas – não sossega, e como um excêntrico dialogando em busca da solução
do seu problema imediato, arremeda cada frase repetida, até encontrar uma síntese
possível – ou impossível. Se ela acaba de ser esboçada com a reflexão sobre sonho,
memória e tempo livre, em contraste com a alienação, a angústia e o trabalho, na própria
figura de Piolin desponta nova contradição. Sim, o humor circense é físico e o corpo
grotesco do palhaço a sua expressão. E é ele quem guarda a alma do circo, como
observa Mário Bolognesi.222 A compreensão desse novo par dialético não requer
abstração ou análise histórica, mas um olhar atento, mesmo que do ponto de vista de
uma criança revivida num exercício de memória inescapável, como o faz Arthur
Miranda, cujo depoimento já citado atribui a Piolin a alma do circo, que é a alma do
fazer rir e do fazer rir junto.
Se a entrega física a um tipo de humor baseado no corpo grotesco é a essência
do fazer rir do palhaço, aquilo que caracteriza o tempo histórico, o espírito do tempo, a
contemporaneidade, se expressa num tipo de comicidade que retém a característica por
excelência do palhaço, a capacidade de garantir à plateia a sua catarse.
222
BOLOGNESI, Mário. Palhaços. São Paulo: Editora Unesp, 2003, p.194.
157
Lipovetsky afirma que com a Idade Moderna o cômico grotesco perde a festa –
faz isso citando Bhaktin – e se dissocializa, tornando-se dono de um humor privado,
tornando-se crítico, “civilizado e aleatório”.223 O palhaço, ao manter a comicidade
grotesca se torna a cápsula do tempo do riso criador. O riso que abre a válvula de escape
para que a “verdade” flua, como aponta Patrícia Galvão, a Pagu, assinando K. B. Luda,
no jornal O Homem do Povo224, em 7 de abril de 1931: “Aqui até Piolin fala a verdade.
E nós estamos vendo toda a mentira embaixo de nós. Aqui se respira e se desabafa. A
inteligência e o desabafo são ouvidos. Aqui até Piolin fala a verdade” 225. A crônica
poema se refere a uma visita do excêntrico à redação para rever amigos e onde eles
veem sua “figura sem máscara, sem tinta, a mesma inteligência do clown”226.
Se a sociedade industrial irá reduzir a espessura do humor, como afirma
Lipovetsky: “(...) o humor aqui já nada tem a ver com o espírito, como se tudo o que
tivesse uma certa profundidade pusesse em perigo o ambiente de proximidade e de
comunhão”227; Piolin cumpriu a função de, no âmbito do seu tempo, alinhar a catarse
criadora da comicidade grotesca com a contemporaneidade. Aqueles que puderam rir
junto com suas comédias, puderam reconhecer o estranhamento do palhaço ante as
situações tão similares à realidade de ruptura da sociedade industrial, que legaram esse
mesmo riso às gerações que os sucederam, cumpriram a missão de uma plateia que hoje
não existe mais, mas cujo riso ecoa entre as amuradas da metrópole em busca de, como
definiu Elias Thomé Saliba228, uma epifania que pode virar libertação.
223
LIPOVETSKY, Giles. A era do vazio. Lisboa: Relógio d’Água, 1989, p. 130.
Nos oito números publicado do jornal, Piolin aparece como “Director de scena” da seçãoPalco, tela e
picadeiro.
225
ANDRADE, Oswald de e GALVÃO, Patrícia. O Homem do Povo, Edição completa e fac-similar. São
Paulo: Imprensa Oficial, 1984.
226
Idem.
227
LIPOVETSKY, Giles. Op. Cit., p. 131.
228
SALIBA. Elias Thomé. Op. Cit., p. 306.
224
158
7. Os últimos anos
Mas Piolin não morrerá hoje, nem de alegria, nem teatralmente.
Menotti Del Picchia
Os vinte anos que o Circo Piolin esteve armado na zona Oeste da capital
paulista, primeiro na Praça Marechal Deodoro, quando monta seu Palácio de Alumínio,
depois na av. General Olímpio da Silveira, o beneficiaram pela localização e pelo
potencial de público da região. No início da década de 1960 esse potencial já estava se
exaurindo. As indústrias se transferiam para locais mais distantes, Higienópolis se
verticalizou e, especialmente, o centro se expandiu. Não havia mais espaço para um
circo num período em que a expansão urbana exigia espaço para novos
empreendimentos. Lembra Franco Alves Monteiro, o palhaço Xuxu, último parceiro de
Piolin (1972):
Aquele terreno era do antigo INPS, como é que chamava? IAPC? Ele
pagava aluguel daquele terreno. No começo eles deram o terreno.
Depois começou... os olhos cresceram, eles viram que o Piolin tinha
bom espetáculo, toda semana ele renovava, tinha muito público. Na
época era uma febre o Circo Piolin ali. O povo ficava todo doido pra
chegar o final de semana e assistir. Ele pegou o nome, era jornal,
revista, televisão, o pessoal da televisão ia alugar o circo dele durante a
semana, pra ir apresentar uma peça... 229
Despejado do terreno em 1961, amargurou a falta de apoio para reverter ou ao
menos adiar a decisão do órgão governamental. Retirou-se para a Freguesia do Ó, onde
mantinha uma propriedade, lá instalou sua casa-camarim, onde passou a morar. Amigos
e jornalistas se mobilizaram, entre eles o influente colunista da Folha de S. Paulo,
Tavares de Miranda, que escreve em 12 de janeiro de 1962, logo após o despejo:
Piolin, fique certo que todo São Paulo está com você. A batalha não é
sua, porém de todos nós que gostamos das suas comedinhas, das suas
chanchadas, dos seus números de aramismo, de equilibrismo, da sua
bandinha emocionante. Não podemos perder o nosso refúgio de sonho e
encantamento que você nos dá tão prodigamente.230
A falta de picadeiro para trabalhar o desanima muito. No mesmo registro ao
MIS, dez anos depois, afirma, com amargura: “Fui despejado e até hoje não sei por que
229
230
Depoimento prestado durante pesquisa de doutorado deste pesquisador.
Folha de S. Paulo, 12 de janeiro de 1962.
159
e nem quero saber”. No mesmo dia, 27 de maio de 1971, numa reportagem publicada na
Folha de S. Paulo ele se queixava: “Hoje o terreno é reduto de malandros”231. Sim,
porque o local permaneceu vazio, sem ocupação por parte de quem o requereu de volta.
A mesma amargura serviu para construir a frase que abre a reportagem e dá título a ela:
“O circo não tem futuro, mas nós temos de batalhar muito para que ele não pereça”.
Francisco Honório Rodrigues, seu último empresário, conta que havia outros
motivos para essa falta de disposição:
(...) ele tinha uma mágoa muito grande de nunca reconhecerem ele por
nada. Ele teve muitos anos aqui na general Olímpio da Silveira, o circo,
neste terreno que tem hoje lá uma casa de jogo, de bilhar, já foi bingo,
tal, ele ficou muitos anos lá e era um circo montado com poltronas de
cinema, estofadas, tudo de alvenaria dentro. Depois, no final, ele
alugava aquele circo para programa de televisão, era feito ali um
programa de circo, as noitadas de box, ele passou a alugar aquilo
também. Mas aí tiraram dele assim: tinha um mês, trinta dias pra sair.
(...) disseram que iam construir urgentemente, não sei o quê, tiraram ele
de lá e ficou mais de dez anos vazio o terreno. Ele ficou... por que me
tiraram dali? Depois também apareceu um deputado que queria arrumar
uma aposentadoria pra ele. Fez um processo... Alguém pedia por ele
porque ele não era de pedir nada. Fez todo o processo e quando chegou
lá em Brasília negaram. Porque ele não conseguiu comprovar, olha que
absurdo, comprovar que ele trabalhou.
Ainda em 1964, outro jornalista, Regis Vita, publica nota em sua coluna
intitulada “O palhaço Piolin continua na rua da amargura”, com o seguinte texto:
Despejaram o veterano palhaço Piolin do circo que ele tinha no fim da
av. São João. Argumentaram os donos do terreno que ali seria
construído um prédio. Isso aconteceu há mais de um ano. Hoje aquele
local é um campo de futebol e o querido artista, que alegrou diversas
gerações, continua na rua da amargura. É necessário dar uma
oportunidade a esse homem que ofereceu tudo de si às crianças!232
Os esforços não conseguiram sensibilizar as autoridades, ainda mais no ano em
que o Golpe Militar nublaria qualquer clamor popular, fosse por liberdade de expressão
ou em benefício de um artista circense. Por conta disso, Piolin passou os cinco anos
seguintes recolhido em seu camarim, trabalhando muito pouco e sem aparecer na
imprensa. Naquela altura o outro grande circo da cidade havia se incendiado há mais de
uma década: o Irmãos Seyssel, que fez longa temporada no Largo Pólvora, bairro da
231
232
Folha de S. Paulo, 27 de maio de 1971.
Folha de S. Paulo, 13 de janeiro de 1964.
160
Liberdade, foi consumido sob o viaduto Sta. Ifigênia, no Anhangabaú, em 1953. Arrelia
havia se transferido para a televisão desde os primórdios desta, iniciando um programa
na TV Record, de Paulo Machado de Carvalho, naquele mesmo ano. Sucedeu outros
palhaços, como Torresmo e Fuzarca, que inauguraram o Circo Bombril da TV Tupi, em
1950, dirigido por Walter Stuart. Este, da família Canales, ganhou programa na extinta
TV Excelsior em 1963, O maior espetáculo da terra, para o qual convidou Piolin para
participar. No entanto, a própria Excelsior sucumbiu ao Golpe de 64. Pressionada pelos
militares, perdeu renda e iniciou um penoso período de sobrevida que se prolongou até
1970, quando decretou falência. Piolin sobreviveu a esse período se apresentando em
festas infantis ou como convidado em espetáculos de amigos.
Seu nome só retorna aos jornais em 1971, quando o pesquisador Julio Amaral de
Oliveira retorna da viagem à Europa, onde estuda os temas circenses e volta para, junto
com o grupo do Museu da Imagem e do Som, recolher os depoimentos dos palhaços que
representaram o período áureo do circo brasileiro: Chicharrão, Piolin e Arrelia. Outra
iniciativa de apoio ao palhaço partiu do escritor Pascoal Lourenço, que organizou o
movimento “Colarinho de ouro” em homenagem a Piolin. Suzana Amaral,
impulsionada por esse movimento de intelectuais e jornalistas, decide documentar
Piolin, após concluir um curta-metragem sobre a Semana de 1922. Com 75 anos e saúde
precária, Piolin aceita fazer o filme.
Naquele mesmo ano, se sentiria impulsionado a promover uma mudança
profissional, mesmo com a idade avançada e com os problemas cardíacos. Francisco
Honório Rodrigues relembra:
Ele trabalhava com um rapaz que era companheiro de dupla e
empresário dele, que era o Antônio D’Ângelo, era o Tony (...) Aí ele me
procurou, teve um desentendimento com o rapaz e foi me procurar, pra
ver se eu queria cuidar das coisas dele (...) Eu era presidente das
comissões de circo da Prefeitura (...) Então, quando o Piolin me
procurou eu falei: com o maior prazer e tal. Inclusive, nesse dia mesmo
em que ele me procurou, ele falou: eu tenho duas pessoas que estão me
procurando, eu queria que você visse pra ver o que é que eles querem.
Um era um pessoal de Ribeirão Preto que queria fazer uma homenagem
com ele lá, ele é de Ribeirão, queria ver o espetáculo dele lá. E o outro
era do MASP, do Pietro Maria Bardi, que estava procurando ele, que
iam comemorar os 50 anos de Arte Moderna, uma festa grande, aqui na
avenida Paulista, aqui no museu.
A opção recaiu sobre a homenagem no Museu de Arte de São Paulo (MASP),
especialmente porque envolvia um espetáculo comemorativo que seria inaugurado pelo
161
governador de São Paulo, Laudo Natel. Aliás, somente este dia seria patrocinado pela
Secretaria de Estado da Cultura. Como a montagem do circo demandaria um grande
esforço operacional, o diretor Pietro Maria Bardi acabou oferecendo ao empresário uma
temporada em plena avenida Paulista, o que era, até ali, um fato historicamente inédito.
Tudo acertado, mas ainda havia alguns entraves que tentaram tirar o brilho da iniciativa.
O primeiro problema veio justamente da mulher de Bardi, a arquiteta Lina Bo, que
imaginava montado, ali no vão que projetou, um circo “caindo aos pedaços”. “Ela se
encantou com o circo de uma vila, bem caído, o picadeiro no chão, marcado com
pauzinhos enfiados em volta, uma coisa bem... E ela ficou louca. É isso! Aquelas
tabuletas pintadas a mão, ela queria aquilo lá na Paulista. E eu não podia por uma coisa
assim na Paulista”, relembra o empresário. Com o apoio de Bardi dissuadiram-na da
ideia e montaram um circo com picadeiro alto, pois havia a intenção de levar, além das
variedades, a segunda parte de circo-teatro. Aí surgiu novo problema. Foram
contratados atores de televisão comandados por Olindo Dias Corleto, antigo ator e autor
de peças que atuou no Circo Piolin, mas o resultado não foi satisfatório e a ideia acabou
abandonada. Foi montado então o espetáculo com doze números de variedades e, ao
final, Piolin dominando o picadeiro.
Enfim, um terceiro entrave aconteceu após a estreia, durante a temporada,
motivada por uma briga política entre o governador Laudo Natel e o prefeito Figueiredo
Ferraz. Francisco Honório conta que a prefeitura decidiu retirar o circo do vão do
MASP com o argumento de que, se pegasse fogo, o calor do incêndio poderia fazer a
estrutura do museu ceder e desabar233. Há pouco mais de uma década, em dezembro de
1961, um trágico incêndio no Gran Circo Norte-Americano, instalado em Niterói (RJ)
havia levado 500 espectadores à morte. Por conta dessa preocupação, a prefeitura
enviou uma equipe de fiscais, num domingo, com a intenção de desarmá-lo. O
empresário, que não encontrou Bardi para interceder a favor do circo, buscou ajuda com
o maestro Walter Lourenção, que era diretor do MASP, e ambos localizaram o prefeito
por telefone. Estava no Clube Pinheiros, onde foi jogar tênis. Chamaram-no ao telefone
e, para evitar o impasse, este autorizou o circo a permanecer no local durante o final de
semana, prometendo nova negociação em breve. “Aí, na segunda-feira cedo, eu parei
em casa e toca o telefone. Nove horas da manhã, na minha casa, era o doutor Paulo
233
Na década de 1950, quando Lina Bo Bardi concebeu o projeto do MASP obedecendo a cláusula da
doação do terreno feita por Joaquim Eugênio de Lima de que a vista do antigo Belvedere do Trianon seria
mantida, o que a motivou a desenhar o vão livre, a arquiteta buscou apoio do então Secretário de Obras do
município, que era Figueiredo Ferraz e que endossou a inovação.
162
Bonfim, que era o Secretário de Cultura na época. Ele falou: ‘Ô Francisco’, eu conhecia
ele, ‘escuta, você tá disponível agora? Eu precisava com você pegar o Piolin que
precisamos ir lá no Palácio’”, lembra. Foi o trio encontrar o governador, que não chegou
a atende-los por conta de outro compromisso. Mas seu Chefe de Gabinete recebeu
Piolin e afirmou, conforme a lembrança de Francisco Honório: “O governador mandou
dizer o seguinte pra você: fique lá onde você está, porque quem manda em São Paulo é
o governador”. A contenda política, que parecia superada, ainda não havia findado. Na
terça-feira, antes do espetáculo das 15h, a sirene do Corpo de Bombeiros irrompeu pela
avenida Paulista. Era a resposta do prefeito ao governador, segundo o empresário.
(...) dois enormes carros de bombeiro, com seis bombeiros em cada
carro, eles param na Paulista, cruzam, param o trânsito, sobem... tem
um degrau ali, os caminhões sobem o degrau, fica um de cada lado, com
seis bombeiros, ligam os hidrantes na água... (...) Um escândalo! Um
carro de bombeiro de cada lado! O circo era pequeno! (...) Era
engraçado! Os bombeiros ficaram assistindo o espetáculo lá. No
primeiro dia foi, no segundo dia foi, no terceiro dia já não foram os
carros de bombeiro, só três bombeiros; noutro dia um e acabou, nunca
mais foram! Nós ficamos lá três meses.
A homenagem aconteceu em 2 de maio de 1972, quando a mostra sobre a
Semana de 22 foi aberta no MASP. A solenidade contou com a presença dos desafetos
Laudo Natel e Figueiredo Ferraz234, secretários de Estado e do município, convidados,
num evento que, desde o despejo do terreno da General Olímpio da Silveira, em 1961,
parecia querer reparar o descaso público com o palhaço. Finda a festa, o empresário
relembra que foi levá-lo de volta à casa, o camarim instalado no terreno na rua Cajati,
na Freguesia do Ó. “Eu ficava com muita dó. Esse homem já tem idade, setenta e tantos
anos, morar sozinho, sabe... Aí ia embora pensando: meu Deus, uma hora atrás, duas
horas atrás, São Paulo inteira, imprensa, governo, governador abraçando, agora a
realidade, sozinho...”
Tanto na estreia quanto na temporada que se seguiu na Paulista quem fez dupla
com Piolin foi o palhaço Xuxu.
E o Piolin precisava de um clown do lado dele. Aí, então, ele começou a
escolher, se ia fazer com um, com outro. Porque o irmão dele já tava
bem velhinho, já não queria. Aí ficou naquela escolha... Talvez fosse
234
Em 1973 Laudo Natel poria fim à briga demitindo por carta o prefeito, usando como pretexto uma
frase dita por Figueiredo Ferraz, que soou como uma afronta ao ufanismo da época: “São Paulo precisa
parar”.
163
pegar o genro, o Figurinha. Aí ficou aquele esquema, né? Vai, não vai.
Aí o Chiquinho falou: “Um cara bom pra você, versátil, é o Xuxu!”
“Ah, o Xuxu! Mas ele tem circo!” “Ué, tem circo, mas pode trabalhar
com você.” Na época eu tinha uma companhia muito boa e o palhaço do
meu circo era eu. Mas aí botei uma equipe pra trabalhar e fui trabalhar
com o Piolin.235
Na realidade, era muito difícil arrumar um companheiro pra ele. Tinha
que ser um “clom”, mas não tinha “clom”. O Xuxu não era a pessoa
indicada porque o Xuxu era palhaço. Pintado. Não tinha muito a ver.
Mas o Xuxu trabalhava com ele direto, esse negócio do Xuxu estar no
circo com a família e cuidar dele era uma coisa que... sabe, ele
respeitava muito ele. Mas não tinha. O bom mesmo era um cara branca.
O Tony era cara branca. Piolin conhecia o Tony há muito tempo. Mas
foi bem explorado... A mágoa dele, quando foi me procurar foi essa.236
Eram três espetáculos diários, às 15h, às 17h e às 21h, sendo que no domingo se
aumentava uma sessão, às 10h. As vesperais eram lotadas, mas nas sessões noturnas o
público rareava, por conta do Parque Trianon, do outro lado da avenida, na época
considerado perigoso pela frequência de marginais e prostitutas. Francisco Honório
lembra, no entanto, que num final de semana, na sessão das 15h, um emissário comprou
um lote de entradas para a sessão noturna, causando espanto até mesmo à bilheteira.
Eram vinte cadeiras. No momento do espetáculo da noite, assim que Piolin entrou no
picadeiro, as vinte pessoas se levantaram e jogam flores para o palhaço. Era a
apresentadora Hebe Camargo com um grupo de amigos.
A temporada acabou despertando a classe artística e circense para a importância
de Piolin. Num período em que a produção artística era controlada pela censura federal,
que parte dos atores, músicos e encenadores viviam no exílio em busca de
oportunidades de trabalho, a busca por um referencial do passado não parecia afrontar o
controle da criatividade exercida pelo governo militar. Um ritual inaugurado no MASP
influenciou também uma nova abordagem da figura de Piolin. Como a presença de
crianças nas sessões vesperais era constante, por força das excursões promovidas por
professoras do então Ensino Primário, no final de cada espetáculo era comum o palhaço
se sentar numa cadeira à beira do picadeiro e as crianças fazerem fila para abraçá-lo e
beijá-lo. Piolin tornou-se, então, o palhaço das crianças – até então sua própria persona
indicava um hábil manejador do duplo sentido e da gag verbal, sempre voltada ao
humor adulto. Para um repórter da Folha de S. Paulo, ele diz: “Não posso é parar. Aos
235
236
Depoimento de Franco Alves Monteiro (Xuxu) dado durante pesquisa de doutorado deste pesquisador.
Depoimento de Francisco Honório Rodrigues.
164
75 anos começo a rodar com o meu circo novamente. Para mim não existe fracasso.
Apenas fico triste quando não estou fazendo a garotada se divertir”.237
Cumpre a apresentação em Ribeirão Preto, no Colégio Espetacular e no Clube
Palmeiras. Foi nessa época que aconteceu um fato que revela um pouco mais do
enigmático personagem. No Café dos Artistas, no Largo do Paissandu, onde ficava
também o escritório de Francisco Honório, apareceu um despachante querendo
apresentar a Piolin uma moça que dizia ser sua filha. Ao saber disso o palhaço quis
saber quem era a mãe, e soube que era uma ex-artista.
Ele falou: “[Ela] nunca falou nada pra mim, nunca soube que ela tava
grávida, se eu tive uma relação com ela talvez foi uma vez, uma coisa
assim”. (...) Aí me contou uma história. Me falou: “Ó, tem uma moça
aí que tá dizendo que é minha filha. E eu não sei se é verdade ou não
porque não lembro da mãe dela. Mas vou dizer o que é. Eu não vou
desamparar nem amparar porque vou te contar uma história.” Aí me
contou uma história de muitos anos atrás, quando ele estava no auge da
carreira dele, perto de 22, anos 30, por aí. Ele disse que apareceu uma
moça na leiteria Mappin, tinha uma leiteria que ele frequentava, dizendo
que era filha dele na época. E ele pulou fora. Por que era isso, ele era
muito famoso, tava muito bem, tinha um nome grande, ele não quis,
achou que... E o que aconteceu? Falou pro dono da leiteria, ele que
tinha falado isso, que a moça ia lá, fala pra ela não vir com isso não, não
tenho nada com isso. E um dia depois essa moça se suicidou. E ele
ficou muito, muito chateado com isso. “Puxa, eu podia ter conversado
com ela, saber melhor, sei lá.” Mas... um fato que aconteceu. Volta-se
depois de trinta anos, aparece uma outra...
O reconhecimento da moça teria desagradado sua filha legítima, Ana Ariel, na
época já atriz de novelas da Rede Globo238, o que não impediu que a menina passasse a
acompanhar Piolin nos espetáculos e temporadas. O Circo Piolin seguiu para Taubaté, a
convite da APAE local, e depois para Pindamonhangaba, Santos e Cubatão.
Em Taubaté, um caso episódico marcou a presença do palhaço na cidade. Por
conta de um erro do jornalista que o entrevistara para a revista O Cruzeiro, semanas
antes, constou da reportagem que Piolin havia nascido em Taubaté e não em Ribeirão
Preto.
237
Folha de S. Paulo, 9 de julho de 1972.
Ana Ariel fez longa carreira em novelas da Rede Globo nas décadas de 1960 a 1980, entre elas Sangue
e Areia (1968), Irmãos Coragem (1970), Selva de Pedra (1972), O Bem-Amado (1973), Gabriela (1975)
Saramandaia (1976), Duas Vidas (1976), Cabocla (1979), Elas por Elas (1982), Amor com Amor se
Paga (1984), Hipertensão (1987) e Sassaricando (1987), entre outras.
238
165
Aí aparece lá um pessoal da Prefeitura, Câmara Municipal, que queria
entregar um título pra ele de Cidadão Benemérito. Tá bom. Não, é que
ele é daqui, não sei o que. Falei: Seu Abelardo, tem um negócio aí, o
pessoal quer entregar um título pro senhor e disseram que iam dar um
cachê. Tipo hoje dois mil reais, três mil reais. Estava na luta, qualquer
coisa que... tava bom. E ele tava lá. Vamos lá, seu Abelardo? O senhor
vai lá pegar o título. Ah, tá bom. Aí fui lá no circo, peguei ele cedo, pôs
o terninho, fomos lá pra Câmara Municipal. Era sessão extraordinária,
domingo de manhã. Aí, nós estávamos sentados lá, estavam todos os
vereadores, o prefeito, na Câmara Municipal, lugar pequeno. Um lugar
para duzentas pessoas, devia ter umas cento e cinquenta. O vereador
que bolou isso aí, começou. Vai ser o orador. “Abelardo Pinto Piolin,
você meu amigo de infância. Parece que eu ainda estou vendo sua mãe e
minha mãe a nos chamar para dentro de casa. Lembro que nós
corríamos na rua...” (risos) (...) E o cara contou toda a história da
infância, que ele corria, que ele jogava bola na rua, que correu atrás de
pipa e que a dona Clotilde e a mãe dele, dona Fulana, preocupadas com
ele atravessar a rua, e que era o orgulho da cidade, e que agora estava lá
se apresentando... Muito engraçado isso!
A exposição de Piolin na mídia no período foi grande. Além da reportagem na
revista O Cruzeiro, apareceu na concorrente Manchete, foi a programas de televisão,
entre eles um exclusivo, dedicado a ele, produzido pela TV Cultura sob o comando de
Fernando Pacheco Jordão.
Em Santos, a precariedade física de Piolin o fez abandonar o espetáculo no meio
da temporada. Francisco Honório o trouxe para São Paulo, e o internou no Hospital das
Clínicas, deixando-o sob os cuidados do cardiologista Euryclides de Jesus Zerbini, à
época consagrado por ter feito o primeiro transplante de coração, em 1967. Piolin
permanece internado por doze dias e se restabelece. Francisco Rodrigues, o Chiquinho,
pai de Francisco Honório, que trabalhara com Piolin no Circo Alcebíades, consegue
locar o Parque do Anhembi para produzir um grande empreendimento: O Maravilhoso
Mundo de Piolin. Eram 12 mil metros quadrados de área que abrigava, além do circo,
um parque de diversões e um pavilhão com cinema. Diversos artistas faziam números
na área livre do parque, que foi decorado também com máscaras gigantes do palhaço.
Em meio a isso tudo, em 15 de fevereiro de 1973 a Folha de S. Paulo noticia
nova internação no Hospital das Clínicas, concluindo a reportagem com um depoimento
que o repórter colhera recentemente: “Vivo do circo e não pretendo deixá-lo. Nasci com
a serragem no sangue e o meu céu sempre foi a lona. Minha família sempre foi gente de
circo e eu vim ao mundo praticamente num pavilhão”. De fato, Piolin viveu seus
últimos dias no trailer, sendo cuidado pelo seu último parceiro de picadeiro. Conta
Francisco Honório sobre sua morte:
166
O Xuxu, o filho, que é o Luís Ricardo, (...) e a mulher, a Marli. Eles
cuidavam dele. Faziam o almoço, levavam lá pra ele, iam toda hora lá, e
eu mesmo, durante o dia, toda hora ia lá no trailer dele, ver se ele tava
bem. Ele ficou doente mas não queria saber, ele queria trabalhar. Às
vezes eu falava: “Seu Abelardo hoje não vai trabalhar não...” Aí ia lá
ver e ele tava se pintando. (...) Aí ele ficou ruim, ele piorou, tava
morando lá, ele tinha uma senhora, ele tinha um caso com ela há muito
tempo, uma enfermeira, morava aqui na Lapa, na D. João VI. Ele nunca
pôde morar com ela porque o filho dela não queria. (...) A casa era dela.
Foi onde ele morreu. Eu já tinha parado o circo e ele me perguntou:
“Como é que tá indo?” Eu dizia pra ele que tava tocando. Ele não queria
saber que parasse. A preocupação dele era pagar todos os artistas. Eu
falava: “Seu Abelardo, tá tudo pago... tá tudo em ordem...” E ele vivia
preocupado com o circo. Ele morreu sem saber que o circo tinha parado.
(...) estávamos com um circo aqui no viaduto da Casa Verde, era um
circo de três picadeiros, fazia muito tempo que não vinha no Brasil.
Tinha estreado no sábado, um sucesso muito grande, eu tava na porta do
circo, um pipoqueiro com um radinho pendurado, falou: “Deram notícia
de que o Piolin morreu!” Eu soube assim. Aí eu peguei o carro, fui pra
Lapa. Aí ele ainda tava na cama. Essa senhora falou pra mim: “Ah,
Francisco, ele morreu falando em você!”
O mesmo espírito do Association, evocado naquela entrevista no já tão distante
1928 permaneceu conduzindo Piolin até aquele derradeiro 4 de setembro de 1973, 45
anos depois. Apoiado por intelectuais e sempre a serviço do seu público, o palhaço teve
uma morte menos dramática do que as que desempenhou no picadeiro. Conta a
reportagem que estava se sentindo mal, pediu uma bala e engasgou. O cortejo que levou
seu corpo até o cemitério da Quarta Parada, no Belenzinho, foi acompanhado por duas
mil pessoas. No trajeto, que partiu do Pronto Socorro da Lapa, onde foi o velório,
Chicharrão deu seu depoimento à imprensa239, qualificando Piolin como “um bom
amigo, um bom profissional e o meu melhor imitador”, revelando antigas rusgas.
Arrelia, por sua vez, disse o que gerações antes já havia dito: “Ele criou um tipo de
palhaço diferente do estrangeiro. Um palhaço brasileiro, muito nosso”. Menos de dois
meses antes de sua morte, o Diário Oficial publicava lei de autoria de um deputado
amigo de Chiquinho, o radialista católico Pedro Geraldo Costa, que instituía o Dia do
Circo. A data escolhida foi 27 de março, a do nascimento de Piolin. De alguma forma a
instituição do dia comemorativo corroborava com o depoimento de Torresmo, filho de
Chicharrão, em resposta ao repórter da Folha de S. Paulo, que perguntou se o circo
morria com Piolin: “Deus me livre que isso acontecesse à humanidade!” Defensor do
239
Folha de S. Paulo, 6 de setembro de 1973. Chicharrão morreria em 25 de fevereiro de 1982 aos 93
anos.
167
circo-escola nos seus últimos anos, Piolin ressuscitou em 1978, como se nada tivesse
acontecido, levantando-se da serragem da Academia Piolin de Artes Circenses240, a
primeira escola no país a se dedicar aos saberes que, até ali, eram exclusivamente orais.
Apesar de funcionar por apenas cinco anos, até 1983, formou uma nova geração de
circenses. Enfim, não seria ainda daquela vez que Piolin morreria definitivamente.
240
Subvencionada pelo governo do Estado, sua criação foi apoiada por Miroel Silveira, que na época
respondia pela Comissão de Circos da Secretaria de Cultura de São Paulo, funcionou inicialmente sob a
arquibancada do Estádio do Pacaembu e depois se mudou para o Anhembi. Nele atuaram grandes mestres
circenses: Franscisco Colman, Abelardo Pinto Sobrinho, Amercy Fabri de Paula, Dossel Fernandes,
Esthercita Fernandes, Gilberto Fernandes (Gibe), Julio Alberto Tapia Jr., Julio Temperani, Juscelino
Savala, Ubirajara Henrique (Índio Jota), Roberto Santiago, Roger Avanzi, Vitor Santiago e Zoraide
Savala Baxter.
168
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DEPOIMENTOS
Agostinho Blask (Romiseta)
Antônio Luís de Moraes (Chumbinho)
Aroldo Casali
Arthur Miranda
Benedito Sbano (Picoly)
Brasil João Carlos Queirolo (Pururuca)
Domingos Montagner
Edy Star
Fernando Pontigo Silva (Condorito)
Francisco Honório Rodrigues
Francisco Paulivan Ferreira dos Santos (Reco-Reco)
Francisco Rodrigues (Chiquinho)
Franco Alves Monteiro (Xuxu)
Janete Souza Oliveira
José Odair Casarin (Bacalhau)
Maria Isidora Duran Gutierrez (Florcita)
Mário Bolognesi
Raul Barreto
Raul Hernando Robayo (Pepin)
Roger Avanzi (Picolino II)
Sonia Fátima Beltrán Diaz (Corchito)
Teófanes Antônio Leite da Silveira (Biribinha)
Vic Militello
SITES
Bernardo Guimarães <http://reocities.com/Athens/olympus/3583/besta.htm>
Revista Zingu <http://www.revistazingu.net/2011/01/entrevista-jose-miziara>
Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Cultura <http://npcc.vitis.uspnet.usp.br>
FILMES
36 Vous du Pic Saint-Loup (2009), de Jacques Rivette
Bye, bye Brasil (1980), de Cacá Diegues
174
O palhaço (2011), de Selton Mello
Sua Majestade Piolin (1971), de Suzana Amaral
Tico-tico no Fubá (1952), de Adolfo Celi
Trapézio (1956), de Carol Reed
DISCO
78 rpm, Victor, no. 33.242, dezembro de 1929. Acervo do Centro de Memória do Circo,
São Paulo-SP.
175
Anexo
Repertório do Circo Piolin (1933-1960)
Ano
Solicitação junto ao DDP*
Peças encenadas e anunciadas nos jornais**
1933
DDP 1697 – O embaixador (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 1699 – O morto que não morreu (Anchyses
Pinto)
DDP 1706 – Um duelo de morte (Abelardo Pinto
Piolin)
1934
DDP 0252 – Um marido em apuros (George
Dandin e Moliére)
DDP 0292 – Casar para morrer (Afonso Gomes)
DDP 1471 – A filha do ministro (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 1617 – Morreu o Lulu (José Grillo)
DDP 1745 – Apertos de um ciúme (Abelardo
Pinto Piolin)
19/3/1933 – A mulher soldado ou O reservista
Ventura (Laura Corina)
23/3/1933 – O assassino do rei do petróleo (Raul
Olimecha)
5/12/1933 – O assassino do rei do petróleo (Raul
Olimecha)
6/12/1933 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto
Piolin)
7/12/1933 – O reservista Ventura (Laura Corina)
10/12/1933 – Um duelo à morte (Abelardo Pinto
Piolin)
12/12/1933 – O embaixador (Abelardo Pinto
Piolin)
14/12/1933 – Sherlock Holmes (Abelardo Pinto
Piolin)
17/12/1933 – As farras de um tenente (Abelardo
Pinto Piolin)
19/12/1933 – Piolin, o príncipe do Braz (Tom
Bill)
21/12/1933 – O campeão de futebol (Abelardo
Pinto Piolin)
24/12/1933 – Piolin no tribunal (Tom Bill)
26/12/1933 – O reservista ventura (Laura
Corina)
30/12/1933 – O campeão de futebol (Abelardo
Pinto Piolin)
31/12/1933 – O príncipe do Braz (Tom Bill)
4/1 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)
16/1 – O reservista Ventura (Laura Corina)
21/1 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto
Piolin)
25/1 – O reservista Ventura (Laura Corina)
28/1 – Um duelo à morte (Abelardo Pinto Piolin)
30/1 – Morreu o Lulu (José Grilo)
1/2/ – Assassino do rei do petróleo (Raul
Olimecha)
3/2 – O 7 nomes (Belmiro Braga)
4/2 – Piolin, Sherlock Holmes (Abelardo Pinto
Piolin)
7/2 – Piolin, Campeão de futebol (Abelardo
Pinto Piolin)
10/2 – Morreu o Lulu (José Grilo)
11/2 – Um duelo à morte (Abelardo Pinto Piolin)
15/2 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest
Bach)
3/4 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)
4/4 – Delícias da vida conjugal (Abelardo Pinto
Piolin)
5/4 – Piolin, Sherlock Holmes (Abelardo Pinto
Piolin)
6/4 – O assassino do rei do petróleo (Raul
Olimecha)
7/4 – O reservista Ventura (Laura Corina)
176
10/4 – O príncipe do Braz (Tom Bill)
12/4 – Os 7 nomes (Belmiro Braga)
13/4 – Um duelo de morte (Abelardo Pinto
Piolin)
14/4 – Apertos de um ciúme (Abelardo Pinto
Piolin)
15/4 – Os 7 nomes (Belmiro Braga)
19/4 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest
Bach)
24/4 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo
Pinto Piolin)
25/4 – As farras do tenente (Abelardo Pinto
Piolin)
26/4 – Príncipe do Braz (Tom Bill)
28/4 – Morreu o Lulu (José Grilo)
29/4 – O príncipe do Braz (Tom Bill)
1/5 – Piolin, Sherlock Holmes (Abelardo Pinto
Piolin)
3/5 – Delícias da vida conjugal (Abelardo Pinto
Piolin)
5/5 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)
6/5 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto Piolin)
8/5 – Apertos de um ciúme (Abelardo Pinto
Piolin)
9/5 – O morto que não morreu (Anchyses Pinto)
10/5 – Piolin no tribunal (Tom Bill)
13/5 – Piolin, padrinho de um duelo (Abelardo
Pinto Piolin)
15/5 – A filha do ministro (Abelardo Pinto
Piolin)
16/5 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest
Bach)
22/5 – As farras do tenente (Abelardo Pinto
Piolin)
23/5 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo
Pinto Piolin)
27/5 – O lobo da aldeia (Raul Olimecha)
29/5 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest
Bach)
30/5 – Piolin no tribunal (Tom Bill)
19/8 – Apertos de um ciúme (Abelardo Pinto
Piolin)
21/8 – Piolin com a vida no seguro (Abelardo
Pinto Piolin)
22/8 – O reservista Ventura (Laura Corina)
26/8 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo
Pinto Piolin)
28/8 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest
Bach)
11/9 – O príncipe do Braz (Tom Bill)
15/9 –Apertos de um ciúme (Abelardo Pinto
Piolin)
27/9 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo
Pinto Piolin)
28/9 – Piolin no tribunal (Tom Bill)
29/9 – O casamento de um cadáver (Abelardo
Pinto Piolin)
30/9 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)
6/10 – Piolin, Sherlock Holmes (Abelardo Pinto
Piolin)
177
1935
7/10 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto
Piolin)
18/10 – Piolin, padrinho de um duelo (Abelardo
Pinto Piolin)
26/10 – O assassinato da rua das Palmeiras
(Abelardo Pinto Piolin)
9/11 – Do Brasil ao Far-West (Abelardo Pinto
Piolin)
16/11 – O louco da Vila Mariana (Abelardo
Pinto Piolin)
23/11 – Mentiras de um caçador (Abelardo Pinto
Piolin)
30/11 – Dr. Franz Fritz (Abelardo Pinto Piolin)
29/12 – Piolin, caçador de feras (Abelardo Pinto
Piolin)
1/1 – O reservista Ventura (Laura Corina)
22/1 – A gata, o pai e o filho (Abelardo Pinto
Piolin)
31/1 – Os apertos de um ciúme (Abelardo Pinto
Piolin)
2/2 – Quem beijou minha mulher? (Gastão
Tojeiro)
5/2 – Piolin, Sherlock Holmes (Abelardo Pinto
Piolin)
13/2 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest
Bach)
22/2 – Do Brasil ao Far-West (Abelardo Pinto
Piolin)
26/2 – O caçador de feras (Abelardo Pinto
Piolin)
1/3 – O interventor (Paulo de Magalhães)
3/3 – Piolin, padrinho de um duelo (Abelardo
Pinto Piolin)
10/3 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto
Piolin)
16/3 – O azar de Piolin (Abelardo Pinto Piolin)
3/4 – Quem beijou minha mulher? (Gastão
Tojeiro)
7/4 – Casar para morrer (ou O casamento de um
cadáver) (Abelardo Pinto Piolin)
14/4 – Afinador de pianos (Tom Bill)
21/4 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo
Pinto Piolin)
25/5 – O pai, a gata e o filho (Abelardo Pinto
Piolin)
10/6 – Aguenta Cecílio (Abelardo Pinto Piolin)
18/7 – Piolin no tribunal (Tom Bill)
21/8 – O crime da rua das Palmeiras (Abelardo
Pinto Piolin)
29/8 – Do Brasil ao Far-West (Abelardo Pinto
Piolin)
1/11 – O reservista Ventura (Laura Corina)
5/11 – O príncipe do Braz (Tom Bill)
12/11 – Eu sou de circo! (Franz Arnold e Ernest
Bach)
17/11 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo
Pinto Piolin)
20/11 – Delícias da vida conjugal (Abelardo
Pinto Piolin)
22/11 – A gata, o pai e o filho (Abelardo Pinto
178
1936
1937
DDP 2275 – O canário (Muñoz Secca)
1938
Piolin)
6/12 – Piolin sentô praça (Abelardo Pinto
Piolin)
10/12 – Piolin Sherif (Abelardo Pinto Piolin)
13/12 – Delícias da vida conjugal (Abelardo
Pinto Piolin)
17/12 – O príncipe do Braz (Tom Bill)
20/12 – O crime da rua das palmeiras (Abelardo
Pinto Piolin)
24/12 – Eu sou de circo! (Franz Arnold e Ernest
Bach)
1/1 – Minha mulher enlouqueceu (Gil Miranda)
3/1 – O louco de Vila Mariana (Abelardo Pinto
Piolin)
7/1 – O azar do Piolin (Abelardo Pinto Piolin)
10/1/1936 – Piolin, caçador de feras (Abelardo
Pinto Piolin)
21/1 – O meu bebê (Oscar Cardona)
26/1 – Piolin com 7 nomes (Belmiro Braga)
18/2 –Piolin, caçador de feras (Abelardo Pinto
Piolin)
19/2 – Delícias da vida conjugal (Abelardo Pinto
Piolin)
18/8 – Piolin no tribunal (Tom Bill)
22/8 – O crime da rua das Palmeiras (Abelardo
Pinto Piolin)
24/1 – Delícias da vida conjugal (Abelardo Pinto
Piolin)
19/3 – Piolin, padrinho de um duelo (Abelardo
Pinto Piolin)
3/5 – O crime da rua das Palmeiras (Abelardo
Pinto Piolin)
18/5 – Apertos de um ciúme (Abelardo Pinto
Piolin)
24/5 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest
Bach)
31/5 – Padrinho de um duelo (Abelardo Pinto
Piolin)
1939
1940
1941
1942
DDP 0141 – Piolin, afinador de pianos (Tom
Bill)
DDP 0147 – Piolin, professor de clarinete
(Abelardo Pinto Piolin)
DDP 0155 – O simpático Jeremias (Gastão
Tojeiro)
DDP 0157 – O crime da rua das Palmeiras
(Abelardo Pinto Piolin)
DDP 0158 – As Amélias da Praça Onze
(Abelardo Pinto Piolin)
DDP 0160 – A mulher do Zebedeu (J. Corrêa
22/1 – Guerra às mulheres (Paulo Magalhães)
24/1 – Sonhos de São João (Eurico Mesquita)
30/1 – O crime da rua das Palmeiras (Abelardo
Pinto Piolin)
13/2 – O gaiato de Lisboa (Aristides Abranches)
15/3 – Eu sou de circo! (Franz Arnold e Ernest
Bach)
15/7 – Uma festa na Freguesia do Ó (?)
23/1 – O reservista Ventura (Laura Corina)
13/2 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto
Piolin)
14/5 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto
Piolin)
17/5 – As farras de um tenente (?)
4/6 – O crime da rua das Palmeiras (Abelardo
Pinto Piolin)
27/9 – As farras de um tenente (?)
9/9 – Do Brasil ao Far-West (Abelardo Pinto
Piolin)
179
Leite)
DDP 0173 – Na cidade (Belmiro Braga)
1943
1944
DDP 0031 – O outro André (Corrêa Varela)
DDP 0036 – A cabana do pai Tomás (Harriet
Beecher Stowe)
DDP 0045 – Eu sou de circo (Franz Arnold e
Ernest Bach)
DDP 0193 – Piolin, campeão de futebol
(Abelardo Pinto Piolin)
DDP 0196 – Marquês a força (José Grillo)
DDP 0197 – Apuros de um Conde (Corrêa Leite)
DDP 0199 – O maluco n.º 4 (Armando Gonzaga)
DDP 0204 – Não me contes esse pedaço (Miguel
Santo)
DDP 0205 – O diabo atrás da porta (Pedro Maria
da Silva Costa)
DDP 0212 – Procópio não é homem (M.
Paradella e J. Cunha)
DDP 0214 – Se o Anacleto soubesse (Paulo
Orlando)
DDP 0217 – Rancho da serra (Luiz Iglesias)
DDP 0224 – O marido n.º 5 (Paulo Magalhães)
DDP 0226 – O adorável Barcelos (Ernest Bach e
Franz Arnold)
DDP 0230 – Mudança à meia noite (F. Napoleão
de Vitória)
DDP 0245 – Era uma vez um vagabundo (José
Wanderley e Daniel Rocha)
DDP 0266 – O amigo terremoto: eu vou pra
China (Renato Alvim e Nelson de Abreu)
DDP 0269 – Rosas de Nossa Senhora (Celestino
Silva)
DDP 0272 – Vida e morte de Santa Teresinha do
Menino Jesus (Antônio Guimarães)
DDP 0298 – Piolin com a vida no seguro
(Abelardo Pinto Piolin)
DDP 0299 – Nhá Moça (Olival Costa)
DDP 0307 – A mulher do Seu Adolfo (Irineu de
Freitas)
DDP 0309 – Sai quinta coluna (Paulo Magalhães)
DDP 0316 – Luar de Paquetá (Freire Junior)
DDP 0321 – Até nisso sou pesado (Otílio Alves
de Lima)
DDP 0327 – A felicidade chegou (Felipe
Messina)
DDP 0329 – A flor do Ipê (Luiz Macedo)
DDP 0335 – Sonhos de São João (Eurico
Mesquita)
DDP 0366 – Quem beijou minha mulher (Gastão
Tojeiro)
DDP 0401 – Três velhotes do barulho (Jean
Cocquelin)
DDP 0403 – Eh!...São Paulo (Luiz Macedo)
DDP 0418 – Casei com minha mãe (Agenor
Gomes)
DDP 0421 – O tio de seu Oscar (Luiz Macedo)
DDP 0425 – Dar corda para se enforcar (José
Joaquim da Silva)
DDP 0426 – Noivo aqui é mato (Octílio Alves de
6/11 – Piolin com 7 nomes (?)
13/11 – A cabana do pai Tomás (Harriet Beecher
Stowe)
6/1 – O crime da rua das Palmeiras (Abelardo
Pinto Piolin)
9/1 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo Pinto
Piolin)
16/3 – Sonhos de São João (Eurico Mesquita)
2/4 – Se o Anacleto soubesse... (Paulo Orlando)
16/4 – Rosas de Nossa Senhora (Celestino Silva)
28/5 – A mulher do Adolfito (?)
3/9 – Rosas de Nossa Senhora (Celestino Silva)
9/9 – Maridos modernos (Álvaro Peres Filho)
14/9 – Eu sou de circo (Franz Arnold e Ernest
Bach)
22/9 – Quem beijou minha noiva? (Gastão
Tojeiro)
5/8 – Guerra aos celibatários (Zaide Nacaratti)
12/9 – Ela e a outra (Correio Leite)
19/9 – Piolin, o homem errado (Luiz Macedo)
25/10 – O simpático Isidoro (Miguel de Souza
180
1945
Lima)
DDP 0436 – A festa do meu filho (Gil Miranda)
DDP 0440 – Titan (Luiz Macedo)
DDP 0444 – Os enxertos do professor Piolin
(Ado Benatti e Umberto Pellegrini)
DDP 0446 – Onde canta o sabiá (Gastão Tojeiro)
DDP 0448 – Macumba (José Pires da Costa)
DDP 0449 – A arma secreta (Ado Benatti e
Umberto Pellegrini)
DDP 0466 – O estranho Dr. Mawel: o segredo do
cientista (Luiz Macedo)
DDP 0475 – Guerra aos celibatários (Zaide
Nacaratti)
DDP 0483 – O sindicato dos malucos (Ado
Benatti)
DDP 0486 – Senhorita século XX (Jean
Cocquelin)
DDP 0487 – Uma pensão na rua Caetano Pinto
(Umberto Pellegrini)
DDP 0489 – Aventuras de Titan (Luiz Macedo)
DDP 0496 – O sorriso do Bandeira (Oliveira
Filho)
DDP 0723 – Os milagres de um sabidão (Jean
Cocquelin)
DDP 0728 – O simpático Genésio (Carlos Thiago
Pereira)
DDP 0904 – Simpático Izidoro (Miguel de Souza
Filho e Manoel Matos)
DDP 0918 – Pensão da Manuelita (Irineu de
Freitas)
DDP 1012 – Mulher dos cinco maridos (Carlos
Thiago Pereira e Augusto Martins)
DDP 1021 – Ela e a outra (Correia Leite)
DDP 1026 – Piolin, um homem errado (Luiz
Macedo)
DDP 1042 – As mulheres do seu André (Gil
Miranda)
DDP 1051 – O fantasma voador
DDP 1059 – Entra... não demora! (H. C. Beltran)
DDP 1069 – Minha mulher não é nervosa (Alvaro
Perez Filho, Gil Miranda e Júlio Moreno)
DDP 1145 – Tarzan, o filho do sapateiro (Ado
Benatti)
DDP 1182 – Aves sem ninho (Jean Cocquelin)
DDP 1274 – Telefone particular (Oliveira Filho)
DDP 1280 – Baratinha verde (Gil Miranda a
Álvaro Peres Filho)
DDP 1283 – Titan... amigo da liberdade número 1
(Luiz Macedo)
DDP 1286 – Honrarás tua mãe (Romano
Coutinho)
DDP 1590 – O Praxedes vai dar baixa (Armando
Braga)
DDP 0254 – Maria Cachucha (Joracy Camargo)
DDP 0917 – Faustino corre aqui depressa
(Oliveira Lima e Tom Bill)
DDP 1073 – Uma noite em apuros (Álvaro Peres
Filho e Júlio Moreno)
DDP 1268 – Meu marido é meu irmão (Henrique
M. Fernandes)
Filho e Manoel Matos)
25/11 – Piolin com a vida no seguro (Abelardo
Pinto Piolin)
13/1 – Peso pesado (Fernandez Del Vilar)
181
1946
DDP 1297 – O bamba da Barra Funda (Gil
Miranda e Álvaro Peres Filho)
DDP 1298 – Não te conto nada (Ariovaldo Pires)
DDP 1300 – Titan, o amigo da liberdade nº 2
(Luiz Macedo)
DDP 1355 – Coitadinho do Benito (Francisco
Gomes e Júlio Moreno)
DDP 1359 – Esposas solteiras (Julio Moreno e
Álvaro Peres Filho)
DDP 1365 – Arrelia mãe de família (Álvaro Peres
Filho e Gil Miranda)
DDP 1366 – Homem que fazia milagres (Oliveira
Lima)
DDP 1371 – Na fila do amor (Jean Cocquelin)
DDP 1374 – Indústrias P. Zada (Abelardo Pinto
Piiolin)
DDP 1381 – Honra de caboclo (Gil Miranda e
Álvaro Peres Filho)
DDP 1385 – O engenho de cana do papai
(Abelardo Pinto Piolin)
DDP 1387 – Cabocla Tereza (João Pacífico e
Pedro João Spina)
DDP 1390 – A sogra não é nada disso (Juliano
Moreno e Francisco Gomes)
DDP 1307 – Espionagem (Agenor Gomes)
DDP 1393 – Mulher do auto-ônibus (Gil Miranda
e Álvaro Peres Filho)
DDP 1399 – A marqueza do Pif-paf (Rubens
Carvalho e Souza)
DDP 1413 – E ele voltou da Bahia (Gil Miranda)
DDP 1447 – Porteira velha (Paraguassu)
DDP 1460 – Piolin contra a espionagem japonesa
(Abelardo Pinto Piolin)
DDP 1461 – O cruzeiros da madame (Rubens de
Carvalho e Souza)
DDP 1541 – O fantasma da opera (Luiz Iglezias)
DDP 1553 – Piolin e a super atômica (Iracy
Viana)
DDP 1621 – Vamos matar o homem (José Braga)
DDP 1655 – Minha mulher enlouqueceu (Gil
Miranda)
DDP 1070 – O Aparicio apareceu (Henrique
Marques Fernandes)
DDP 0408 – Amo todas as mulheres (José
Wanderley e José Rocha)
DDP 1662 – O homem de vidro (Oliveira Lima)
DDP 1678 – Detetive Piolin e o torpedo contra a
quadrilha do Fantasma (Iracy Viana)
DDP 1755 – A mulher do padeiro (Renato Alvim
e Nelson Abreu)
DDP 1844 – Quando os filhos absolvem (Luiz
Medici)
DDP 2004 – Paz armada (Oliveira Lima)
DDP 2140 – Pão sem fila (Olindo Dias Corleto)
DDP 2141 – Ratos na ratoeira (Júlio Moreno e
Álvaro Peres Filho)
DDP 2176 – A fuga da garota (L. Dawis)
DDP 2242 – Santo Antônio casamenteiro
(Ribeiro Escobar)
DDP 2307 – Os sinos da minha terra (Oliveira
17/4 – O mártir do Calvário (Eduardo Garrido)
19/5 – O Aparício apareceu (Henrique Marques
Fernandes)
6/6 – Pão sem fila (Olindo Dias Corleto)
14/6 – Rato na ratoeira (Júlio Moreno e Álvaro
Peres Filho)
12/7 – A canção de Bernadette (Olindo Dias
Corleto)
17/7 – A cigana me enganou (Paulo Magalhães)
22/6 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)
10/7 – A canção de Bernadete (Olindo Dias
Corleto)
25/7 – A cigana me enganou (Paulo Magalhães)
30/7 – Show da marquesa (Abelardo Pinto
Piolin)
13/8 – O show da marquesa (Abelardo Pinto
Piolin)
1/9 – Os sinos da minha terra (Oliveira Lima)
4/9 – Que rei sou eu? (Olindo Dias Corleto)
182
1947
1948
Lima)
DDP 2310 – O show da marquesa (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 2320 – Salve-se quem puder (Oswaldo
Rosas)
DDP 2322 – Que rei sou eu?! (Olindo Dias
Corleto)
DDP 2323 – São Judas Tadeu (Ribeiro Escobar)
DDP 2366 – Comendador Ventura (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 2386 – Guerra aos tubarões (Olindo Dias
Corleto)
DDP 0022 – Ladrão de Bagdá (Luiz Macedo e
Ableardoi Pinto Piolin)
DDP 0161 – Passando a brocha (Ariovaldo Pires)
DDP 0262 – Crise de habitações (Ferreira Neto)
DDP 0264 – Que é que há com o seu peru
(Abelardo Pinto Piolin)
DDP 0265 – Espionagem a bordo (Abelardo
Pinto Piolin e Rogério de Lima Câmara)
DDP 0270 – Tiradentes (Moreira de
Vasconcellos)
DDP 1161 – Hás de ser minha (Louis Verneill)
DDP 1284 – A mulher que veio de Londres
(Suares de Deza)
DDP 1395 – A canção de Bernadete (Olindo Dias
Corleto)
DDP 1729 – Pensão da dona Stela (João do Sul)
DDP 1961 – Beijos para todas
DDP 2054 – Marmiteiros (Ferreira Neto e Jarbas
Rohewedder)
DDP 2423 – O diabo enlouqueceu (Paulo
Magalhães)
DDP 2435 – Um antropófago na sociedade (Tito
Netto)
DDP 2441 – Acontece que eu sou baiano (J. Rui e
Eurico Silva)
DDP 2453 – Anastácio chegou de viagem
(Oswaldo Teixeira de Almeida)
DDP 2461 – Meu sertão abandonado (Agenor
Gomes)
DDP 2464 – Sururú em família (Rogério de Lima
Câmara)
DDP 2483 – Nem tudo que balança cai (Abelardo
Pinto Piolin e Rogério de Lima Câmara)
DDP 2486 – O trovador do far-west (J. Fernandes
e Rogério de Lima Câmara)
DDP 2489 – O maníaco (Moliére)
DDP 2513 – Piolin, o manda chuva (Sper Júnior)
DDP 2520 – Piolin, o candidato! (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 0091 – Cala a boca, Etelvina (Armando
Gonzaga)
DDP 0167 – Meu marido é você (Olindo Dias
Corleto)
DDP 0271 – Noite de São João (Francisco Fabre)
DDP 0314 – Pertinho do céu (José Wanderley e
Mário Lago)
DDP 1023 – Chuvas de verão (Luiz Iglezias)
DDP 1036 – Hotel dos amores (Miguel Santos)
16/10 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo
Pinto Piolin)
13/11 – O comendador Ventura (Abelardo Pinto
Piolin)
19/11 – Amo todas as mulheres (José Wanderley
e Daniel Rocha)
27/11 – Guerra aos tubarões (Olindo Dias
Corleto)
24/12 – Lágrimas de mãe em noite de Natal
(Luiz Macedo)
1/1 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)
23/1 – O diabo enlouqueceu (Abelardo Pinto
Piolin)
2/2 – Peri comeu Ceci (Tito Netto)
12/2 – Priminho do coração (Luiz Iglesias)
26/2 – Flor de Manacá (Luiz Iglezias)
7/3 – Acontece que sou baiano (J. Rui e Eurico
Silva)
3/7 – Beijos para todas (Marques Fernandes)
24/7 – O trovador (?)
23/5 – O mártir do Calvário (Eduardo Garrido)
10/4 – Chuvas de verão (Luiz Iglesias)
23/4 – Guerra às mulheres (Paulo Magalhães)
5/5 – Sai ou não sai (?)
25/5 – O hóspede do quarto número 2 (?)
1/6 – Rosas de Nossa Senhora (Celestino Silva)
11/6 – O Biriba chegou de viagem (Abelardo
Pinto Piolin e Aylor Pinto)
22/6 – A mulher do prefeito (Corrêa de Mattos)
183
1949
DDP 1306 – Aluga-se esta casa (Miguel Santos)
DDP 2434 – Joaninha Buscapé (Luiz Iglezias)
DDP 2457 – Diana de Rione (Eugênio Scribe)
DDP 2540 – É com esse que eu vou! (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 2553 – Farrapo humano (Almeidinha)
DDP 2597 – A morte foge de mim (Carlos
Arniches)
DDP 2609 – O Biriga chegou de viagem
(Oliveira Filho e J. Spina)
DDP 2613 – A morena de Caxambu (Teixeira
Pinto)
DDP 2615 – O Biriba esteve aqui (Abelardo
Pinto Piolin e Aylor Pinto)
DDP 2622 – A mulher do prefeito (Henrique
Marques Fernandes)
DDP 2631 – A medalha reveladora (Gil Miranda
e Oliveira Filho)
DDP 2633 – Carneiro do batalhão (Viriato
Corrêa)
DDP 2641 – O homem da mandioca (Armando
Braga)
DDP 2642 – Estação de águias (Geysa Bôscoli e
Miguel Santos)
DDP 2652 – O Ali Babá do Bom Retiro
(Umberto Pellegrini)
DDP 2661 – Saias compridas (Abelardo Pinto
Piolin e Nair Pinto)
DDP 2663 – Cem gramas de homem (Anselmo
Domingos)
DDP 2673 – A casa do Pestana (Henrique
Marques Fernandes)
DDP 2682 – O que eles querem? (Antônio
Guimarães)
DDP 2687 – O assalto da madrugada (Aldo
Junior)
DDP 2691 – Os maridos atacam de madrugada
(Paulo Orlando)
DDP 2696 – Tudo por você (José Wanderley e
Mário Lago)
DDP 2707 – Um fantasma rosetando (Aldo
Junior)
DDP 2709 – O casca grossa (José Wanderley e
Daniel Rocha)
DDP 2723 – O recruta (Alberto Silva)
DDP 2735 – O poder das massas (Armando
Gonzaga)
DDP 2737 – Detetive X 69 no xadrez (Aldo
Junior)
DDP 0165 – O sinal da cruz (Francisco Colman)
DDP 1391 – Mulher do trem (Miguel Santos)
DDP 2456 – O aranha negra contra o escorpião
(Oliveira Filho)
DDP 2487 – O tigre (Armando Prazeres)
DDP 2756 – Vai a olho (Nair Bevedê)
DDP 2758 – Branca de Neve e os sete pilantras
(Aldo Junior)
DDP 2768 – A repudiada (Pereira Junior e
Oliveira Filho)
DDP 2773 – Um casamento singular (Gil
29/6 – Uma noite em apuros (Álvaro Peres Filho
e Julio Moreno)
6/7 – O Biriba esteve aqui (Abelardo Pinto Piolin
e Aylos Pinto)
28/7 – Cala a boca, Etelvina (Armando Gonzaga)
4/8 – Estação de águias (Geysa Boscoli e Miguel
Santos)
10/8 – Ali Baba do Bom Retiro (Umberto
Pellegrini)
24/8 – O homem da mandioca (Armando Braga)
21/9 – Saias compridas (Abelardo Pinto Piolin e
Nair Pinto)
28/9 – A morte foge de mim (Oliveira Lima e
Oliveira Filho)
5/10 – O que eles querem (Antonio Guimarães)
19/10 – A casa do seu Pestana (Henrique
Marques Fernandes)
27/10 – O carneiro do batalhão (Viriato Corrêa)
11/11 – Cabocla Teresa (João Pacífico e Pedro
João Spina)
26/11 – Um fantasma rosetando (Aldo Junior)
3/12 – Rancho da serra (Luiz Iglesias)
7/12 – Salve-se quem puder (Oswaldo Rosas)
15/12 – O marido no. 5 (Paulo Magalhães)
23/12 – O recruta (Alberto Silva)
1/1 – Priminho do coração (Miguel Santos e Luiz
Iglesias)
4/1 – Tudo por você (José Wanderley e Mário
Lago)
11/1 – Amo todas as mulheres (José Wanderley e
Daniel Rocha)
19/1 – Detetive x-9 no xadrez (Aldo Junior)
25/01 – Hotel dos amores (Miguel Santos)
1/2 – Cem gramas de homem (Anselmo
Domingos)
8/2 – Vai a olho (Nair Bevedê)
184
Miranda e Álvaro Peres Filho)
DDP 2775 – Boneca da princesinha (Ferreira
Neto)
DDP 2778 – As casadas solteiras (Martins Pena)
DDP 2780 – Mãe é sempre mãe (Rogério de
Lima Câmara)
DDP 2786 – Eu sou de briga (Nair Bevedê)
DDP 2797 – Junho em festa (Pires Pae)
DDP 2798 – O pivete (Luiz Iglezias e Miguel
Santos)
DDP 2799 – Uma esposa alugada (Pires Pae)
DDP 2823 – O expedicionário chegou (Álvaro
Peres Filho e Mariana Peres)
DDP 2827 – Eu fui o anjo da guarda do biriba
(Aldo Junior)
DDP 2829 – Quem paga o pato (Nair Bevedê)
DDP 2833 – Becos da cidade (Vytautatas Victor
Celka)
DDP 2844 – Jazz-band e violão (Álvaro Peres
Filho e Júlio Moreno)
DDP 2863 – Os piores dias de minha vida (Nair
Bevedê)
DDP 2869 – Gilda é da fuzarca (João da Mota
Mercier e Oliveira Filho)
DDP 2875 – Aventuras da família Lero-lero (R.
Magalhães Junior)
DDP 2876 – Se Jesus voltasse (Carlos Cavaco)
DDP 2888 – Três salames num saco (Domingos
Bocute e Arlindo Alves)
DDP 2896 – Para mim chega (Nair Bevedê)
DDP 2899 – Sonhos (José Pires da Costa)
DDP 2908 – Um caso de polícia (Henrique
Marques Fernandes)
DDP 2911 – Presente do céu (Domingos Bocute e
Horácio Mello)
DDP 2914 – Maria Maluca (Djalma Bittencourt e
Milton Bittencourt)
DDP 2918 – A felicidade pode esperar (Eurico
Silva)
DDP 2901 – Joazeiro (Domingos Bocute)
1950
DDP 0113 – Feia (Paulo Magalhães)
DDP 0236 – Os transviados (Francisco Inácio de
Amaral Gurgel)
DDP 0242 – A vida tem três andares (Humberto
Cunha)
DDP 0387 – Deus e a natureza (Arthur Rocha)
DDP 2481 – Jesus, o cego e a leprosa
DDP 2604 – A mulher sem destino (Agenor
Gomes)
DDP 2867 – A princesa de pedra (João da Mota
Mercier e Oliveira Filho)
DDP 2922 – Não tem nada e está prosa! (Nair
Bevedê)
1/3 – Pertinho do céu (José Wanderley e Mário
Lago)
8/3 – Diana de Rione (Eugênio Scribe)
15/3 – A mulher do trem (Miguel Santos)
22/1 – La cumparsita (Armando Louzada)
29/3 – Os maridos atacam de madrugada (Paulo
Orlando)
5/4 – As duas Angélicas (Abelardo Pinto Piolin)
13/4 – O sinal da cruz (Francisco Colman)
17/4 – Branca de neve e os sete pilantras (Aldo
Junior)
23/4 – O campeão de futebol (Abelardo Pinto
Piolin)
26/4 – A medalha reveladora (Gil Miranda e
Oliveira Filho)
11/5 – O casca grossa (José Wanderley e Daniel
Rocha)
17/5 – A ditadora (Paulo de Magalhães)
24/5 – Hás de ser minha (Lygia Sarmento)
31/5 – O diabo enlouqueceu (Abelardo Pinto
Piolin)
7/6 – Eu sou de briga (Nair Bevedê)
16/6 – Uma esposa alugada (Pires Pae)
22/6 – Junho em festa (Pires Pae)
28/6 – O adorável Barcellos (Franz Arnold e
Ernest Bach)
8/8 – Quem paga o pato? (Nair Bevedè)
1/9 – A mulher que veio de Londres (Joaquim
Almada)
6/9 – Jazz-Band e violão (A. Peres Filho e Julio
Moreno)
13/9 – A marca do Zorro (Rafael Sabattini)
20/9 – O pivete (Luiz Iglesias e Miguel Santos)
30/9 – A boneca da princesinha (Ferreira Netto)
6/10 – Os piores dias da minha vida (Nair
Bevedê)
11/10 – Se Jesus voltasse (Carlos Cavaco)
18/10 – A mulher do seu Adolfo (Irineu de
Freitas)
27/9 – A pecadora (Anthony Vasconcelos)
6/11 – Rosas de Nossa Senhora (Celestino Silva)
9/11 – Ele voltará (?)
22/11 – O joazeiro (Domingos Bocute)
9/12 – Aventuras da família Lero-Lero (R.
Magalhães Junior)
15/12 – Meu Tobias (?)
22/12 – Becos da cidade (Vytautas Victor Célka)
2/1 – Três salames num saco (Domingos Bocute
e Arlindo Alves)
13/1 – Maria maluca (Djalma Bittencourt e
Milton Bittencourt)
20/1 – A felicidade pode esperar (Eurico Silva)
185
1951
DDP 2928 – Espelho da vida (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 2933 – Parabéns à Piolin (Nair Bevedê)
DDP 2935 – O sindicato dos maridos (A. Ramos
Junior e O. Bastos)
DDP 2954 – O governador das louças (José Pires
da Costa)
DDP 2974 – Um diabo camarada (Vicente
Cassano e César Boureal)
DDP 2978 – Filhos de ninguém (Eurico Silva)
DDP 2988 – O homem sou eu!: os brotinhos da
lua direita (Tito Neto)
DDP 2990 – Malaquias malucou: ele é minha
mãe! (Oscar Cardona)
DDP 2991 – Eu quero é... casar!: banquei o
palhaço (Oscar Cardona)
DDP 2997 – Bodas de prata (Ferreira Neto)
DDP 3006 – A caixinha do Piolin (Nair Bevedê)
DDP 3016 – E o diabo perdeu o rabo (Oscar
Cardona)
DDP 3019 – Pensão das viúvas (Bob Junior)
DDP 3027 – Farrapos humanos (Oswaldo
Teixeira de Almeida)
DDP 3040 – Isto é São Paulo (Oswaldo de
Almeida)
DDP 3042 – Amor de malandro: língua de sogra
(Oscar Cardona)
DDP 3047 – Paixão sertaneja (Bob Junior)
DDP 3061 – No mundo do baião (Oswaldo de
Almeida)
DDP 0373 – Saudade (Paulo Magalhães)
DDP 1950 – O filho do rei do prego (Gastão
Tojeiro)
DDP 2439 – O símbolo da lealdade (Albano
Pereira)
DDP 2477 – O monstro de Londres (Victor
Hugo)
DDP 0229 – Compra-se um marido (José
Wanderley)
DDP 3072 – Uma mulher e duas vidas (José Pires
da Costa)
DDP 3074 – O Pandeiro da italiana (Oswaldo
Teixeira de Almeida)
DDP 3075 – Depois da farra... errei, sim
(Oswaldo Teixeira de Almeida e Vicente
Marchelli)
DDP 3083 – Aviso aos farsantes (Almeidinha)
DDP 3084 – A sinuca do seu piruca (Alberto de
Carvalho)
DDP 3091 – O filho de Deus (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3093 – A bruxa da montanha (Rubens Mira
e Oliveira Filho)
DDP 3096 – O circo vem aí!!! (Almeidinha)
DDP 3101 – Enquanto a cidade dorme
(Almeidinha)
DDP 3104 – Pecado dos pais (Ferreira Neto)
DDP 3113 – Tico-tico no fubá (Luiz Schiliró e
Raymundo Parente Filho)
DDP 3121 – O segredo do mordomo (Osmar
186
1952
Pereira)
DDP 3141 – Um casal da pontinha (Silvio
Urbano Fon-Fon)
DDP 3143 – O bandido Juliano (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3149 – Um fantasma em minha vida (Osmar
Pereira e Júlio Moreno)
DDP 3169 – Lírios da ilusão (Vytautas Victor
Célka)
DDP 3183 – O chá do sabugueiro (Raul
Pederneiras)
DDP 3184 – Tudo azul (Ferreira Neto)
DDP 3191 – Meu bebê (Oscar Cardona)
DDP 3202 – Uma vez na vida (José Wanderley)
DDP 3204 – Um Romeo das arábias (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 3215 – Romeu sem Julieta (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3230 – Antonica fura filas (Gastão Tojeiro)
DDP 3235 – Está bom, deixa (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3240 – A mulher das padarias (Oliveira
Lima)
DDP 3242 – Uma empregada do barulho
(Oliveira Filho e Alberto Carvalho)
DDP 3250 – Flores do lodo (Ferreira Neto)
DDP 3255 – Pobre diabo (Viriato Corrêa)
DDP 3264 – Piolin Papai Noel (Henrique
Marques Fernandes)
DDP 0054 – Feitiço: método moderno de
felicidade conjugal em três volumes e oito
gravuras (Oduvaldo Vianna)
DDP 3265 – Italianinha (José Pires da Costa)
DDP 3270 – Os amores de sete dedos (Henrique
Marques Fernandes)
DDP 2494 – O divino perfume (Renato Vianna)
DDP 3272 – Meu chamego é você (Henrique
Marques Fernandes)
DDP 3281 – Rabo de peixe (Henrique Marques
Fernandes)
DDP 3301 – Maria Candelária (Henrique
Marques Fernandes)
DDP 3307 – Piolin no bico da cegonha (Alberto
Penzkofer e Genaro de Castro)
DDP 3308 – O yó yó de yá yá
DDP 3316 – O tio de Corumbá (Humberto
Cunha)
DDP 3317 – O bobalhão
DDP 3337 – Casamento no Uruguay (R.
Magalhães Junior)
DDP 3344 – A doce ilusão (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3361 – Piolin criado fiel (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3362 – Há maldade nisso (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3370 – Primo, a situação não está boa
(Alberto Penkoffer e Genaro de Castro)
DDP 3378 – As botas do Bonifácio (Joracy
Camargo)
30/1 – A italianinha (José Pires da Costa)
5/2 – Uma empregada do barulho (Oliveira Filho
e Alberto Carvalho)
14/2 – O rabo de peixe (Henrique Marques
Fernandes)
4/3 – Que mãe que arranjei! (Carlo Bettencourt)
11/3 – Um caso de polícia (Eurico Silva)
19/3 – Maria Candelária (Henrique Marques
Fernandes)
27/3 – No bico da cegonha (Alberto Penzkofer e
Genaro de Castro)
18/4 – O pai, o gato e o filho (Abelardo Pinto
Piolin)
22/4 – Está bom, deixa! (Abelardo Pinto Piolin)
6/5 – A mulher das padarias (Oliveira Lima)
14/5 – O bobalhão (Ferreira Rodrigues)
21/5 – Alma de caboclo (?)
27/5 – Chuva de verão (Luiz Iglesias)
7/6 – Minha mulher não é nervosa (A. Peres
Filho, Julio Moreno e Gil Miranda)
11/6 – O bamba da Barra Funda (Gil Miranda e
A. Peres Filho)
1/7 – Banquei o palhaço (?)
8/7 – O divino perfume (Renato Vianna)
13/7 – Ele voltou da Bahia (Gil Miranda)
15/7 – O Marquês de Tereré (?)
22/7 – O rato na ratoeira (A. Peres Filho e Julio
Moreno)
31/7 – O gato atrás do rato (?)
5/8 – Romeu sem Julieta (Abelardo Pinto Piolin)
13/8 – Um casamento no Uruguai (Raimundo
187
DDP 3379 – Doutor Voronoff (José Carlos
Queirolo)
DDP 3380 – Barnabé, tu és meu (Gil Miranda a
Álvaro Peres Filho)
DDP 3402 – Trágica decisão (Urbano Cordeiro e
Júlio Moreno)
DDP 3412 – É muita cocada (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3419 – A casa das três Marias (Gil Miranda
e Álvaro Peres Filho)
DDP 3420 – Nada além (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3434 – Primo, você é que é feliz (Júlio
Moreno e Adail Vianna)
DDP 3437 – Ao bater da Ave Maria (Álvaro
Peres Filho e Gil Miranda)
DDP 3933 – Viúva, porém honesta (Nelson de
Abreu, Modesto Abreu e Renato Alvim)
1953
DDP 1708 – Amor e ódio (Dias Guimarães)
DDP 3443 – O carnaval está na rua (Gil Miranda)
DDP 3449 – A pensão dos tarados (Ferreira
Neto)
DDP 3452 – Eva, me leva (Gil Miranda e
Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3465 – A viúva da sanfona (Pedro J. Spina e
José Sotelo)
DDP 3471 – Eu não sabia (Adail Vianna e Júlio
Moreno)
DDP 3475 – Golpe errado (Walter Junior)
DDP 3476 – A vitória do Baltazar (Júlio Moreno
e Oliveira Filho)
DDP 3480 – O direito de viver (Adail Vianna e
Júlio Moreno)
DDP 3481 – Os cadáveres do Barnabé (Augusto
Maria D’Alpolim)
DDP 3482 – Isto me faz um bem (Proença Filho)
DDP 3491 – O fantasma (Oscar Cardona)
DDP 3500 – Vida de cachorro (Oscar Cardona)
DDP 3508 – Nhô Berto banca o doutor (Roberto
Tangel)
DDP 3510 – O ateu (Roberto Tangel)
DDP 3511 – O amigo da onça (Adail Vianna)
DDP 3513 – Pula a fogueira
DDP 3539 – Santo... só no nome (Isaias Carlos e
Oliveira Filho)
DDP 3544 – Rancho vazio (Rafael Genovez)
DDP 3550 – E a vida continua (Adail Vianna)
DDP 3553 – Praia dos amores (Álvaro Peres
Filho e Júlio Moreno)
DDP 3572 – Simplicio assentou praça (Armando
Braga)
DDP 3578 – O espectro (Rafael Genovez)
DDP 3582 – Entre dois corações (Richard Ney e
Maria Estela Oliveira)
DDP 3612 – A velha foi na onda (José Braga)
Magalhães Junior)
20/8 – Primo, a situação não está boa (Alberto
Penkoffer e Genaro de Castro)
5/9 – Barnabé, tu és meu (A. Peres Filho e Gil
Miranda)
19/9 – Há maldade nisso? (Abelardo Pinto
Piolin)
20/9 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)
23/9 – Doce ilusão (Abelardo Pinto Piolin)
4/11 – Um casal da pontinha (Silvio Urbano
Fon-Fon)
11/11 – O marido da viúva (?)
18/11 – Piolin apaixonado (Abelardo Pinto
Piolin)
26/11 – Está bom, deixa e O casamento de Piolin
(Abelardo Pinto Piolin)
3/12 – A voz fantasma (?)
9/12 – Nada além (Nada além)
18/12 – Praxedes vai dar baixa (Armando Braga)
24/12 – O expedicionário chegou (A. Peres Filho
e Mariana Peres)
30/12 – Primo, você que é feliz (Julio Moreno e
Adail Vianna)
6/1 – Ao bater da Ave Maria (A. Peres Filho e
Gil Miranda)
13/1 – A casa das três Marias (A. Peres Filho e
Gil Miranda)
20/1 – O feitiço (Oduvaldo Vianna)
27/1 – O Carnaval está na rua (Gil Miranda)
3/2 – É muita cocada (Abelardo Pinto Piolin)
20/2 – Com a vida no seguro (Abelardo Pinto
Piolin)
1/3 – A pensão dos tarados (Ferreira Netto)
3/3 – A mulher do auto-ônibus (A. Peres Filho e
Gil Miranda)
10/3 – O casca grossa (José Wanderley e Daniel
Rocha)
16/3 – O testamento de um louco (?)
24/3 – Sururu em família (Rogério de Lima
Câmara)
31/3 – Duelo e morte (Abelardo Pinto Piolin)
1/4 – A paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo
(Eduardo Garrido)
7/4 – Piolin, campeão de futebol (Abelardo Pinto
Piolin)
14/4 – A viúva da sanfona (Pedro J. Spina e José
Sotelo)
21/4 – A vitória do Baltazar (Julio Moreno e
Oliveira Filho)
28/4 – O golpe errado (Walter Junior)
5/5 – O direito de viver (Adail Vianna e Julio
Moreno)
13/5 – A volta de Maringá (José Barreto
Machado)
19/5 – O sorriso do bandeira (Oliveira Filho)
9/6 – A baratinha verde (A. Peres Filho e Gil
Miranda)
26/6 – Pula a fogueira (Walter Junior)
30/6 – O pivete (Luiz Iglesias e Miguel Santos)
8/7 – Espionagem (Agenor Gomes)
188
DDP 3628 – Mulher é espeto... (Oscar Cardona)
DDP 3631 – O valente treme-treme (Oscar
Cardona)
DDP 3635 – Primeiro marido da França (A.
Valabregue)
DDP 3641 – Essas mulheres (Nelson de Abreu,
Renato Alvim e Modesto de Abreu)
DDP 3647 – Granfinos em apuros (Heloisa
Helena Magalhães)
DDP 3648 – É peia seu doutor (Canelinha)
DDP 3658 – O príncipe encantado (Luiz
Leandro)
1954
DDP 1064 – Um casal do barulho (Gil Miranda)
DDP 3431 – Os bruxos do castelo (Odilon
Pinheiro de Faria)
DDP 3432 – Os pastores de Fátima (Odilon
Pinheiro de Faria)
DDP 3660 – O queridinho de todas (Oswaldo
Rosas e Humberto Cunha)
DDP 3680 – A grande mentira (Francisco M.
Colazo)
DDP 3681 – Marido de minha sogra (Ildefonso
Norat e Cunha Filho)
DDP 3682 – Luciola (Oscar Cardona)
DDP 3687 – Ódio que mata (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3691 – Mãe querida (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3714 – Noite deliciosa (Lucília Amaral)
DDP 3719 – Onça sem o amigo (Adail Vianna e
Júlio Moreno)
DDP 3721 – Viva São Paulo (Ferreira Neto)
DDP 3727 – É só pra chatear (Adail Vianna e
Júlio Moreno)
DDP 3769 – Tristeza de caboclo (Walter
Casamayor e Oliveira Filho)
DDP 3770 – Vou-me casar outra vez (Adail
Vianna)
DDP 3780 – A cabana do Chico Mulato (Hélio
Laurato)
DDP 3795 – O noivo de minha filha (Adail
Vianna e Gil Miranda)
DDP 3799 – Guerra por amor (Abelardo Pinto
Piolin e José Ângelo)
DDP 3805 – Sabidões (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3808 – O noivo rico (Abelardo Pinto Piolin
e José Ângelo)
9/7 – O pivete (Luiz Iglesias e Miguel Santos)
14/7 – Chica Boa (Paulo Magalhães)
21/7 – Estação de águias (Geysa Boscoli e
Miguel Santos)
28/7 – Santo só no nome (Isaias Carlos e
Oliveira filho)
25/8 – Nhô Berto banca o doutor (Roberto
Tangel)
5/9 – Telefone particular (Oliveira Filho)
8/9 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)
17/9 – Piolin, professor de clarinete (Abelardo
Pinto Piolin)
22/9 – E a vida continua (Adail Vianna)
1/11 – A velha foi na onda (José Braga)
5/11 – Trágica decisão (Urbano Cordeiro e Julio
Moreno)
19/11 – O diabo enlouqueceu (Abelardo Pinto
Piolin)
27/11 – O valente Treme-Treme (Oscar
Cardona)
1/12 – Maior o ódio (Amor e ódio) (Dias
Guimarães)
11/12/1953 – O primeiro marido da França
(Gervásio Lobato)
15/12 – É peta seu dotô (?)
30/12 – Mulher é espeto (Oscar Cardona)
6/1 – Granfinos em apuros (Heloísa Helena
Magalhães)
19/1 – Queridinho de todas (Oswaldo Rosas e
Humberto Cunha)
26/1 – Campeão de futebol (Abelardo Pinto
Piolin)
30/1 – Piolin apaixonado (Abelardo Pinto Piolin)
19/2 – Ele voltou da Bahia (Gil Miranda)
27/2 – O marido da minha sogra (Ildefonso
Norat e Cunha Filho)
2/3 – Minha casa é paraíso (Luiz Iglesias)
11/3 – Uma noite em apuros (A. Peres Filho e
Julio Moreno)
23/3 – Macumba (José Pires da Costa)
8/6 – O homem de vidro (Oliveira Lima)
2/12 – Índio Totó (José Ângelo)
189
1955
DDP 3814 – O bandoleiro (José Ângelo)
DDP 3819 – O candidato número um (José
Ângelo)
DDP 3825 – Qual será o homem? (Umberto
Pellegrini)
DDP 3830 – São Paulo quarto centenário (José
Ângelo)
DDP 3831 – O neurastênico (José Ângelo)
DDP 3839 – A mulher do meu sócio (Armando
Braga)
DDP 3841 – O caixinha (José Ângelo)
DDP 3845 – A fidalga e o plebeu (José Ângelo)
DDP 3850 – O índio Totó (José Ângelo)
DDP 3862 – É o maior!... (Abelardo Pinto Piolin
e José Ângelo)
DDP 3867 – De cartola e tamanco! (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 3868 – Noite feliz (Ferreira Neto)
DDP 3874 – A família confusão (Abelardo Pinto
Piolin e José ângleo)
DDP 3889 – O matador (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3890 – A carta do judeu (Francisco M.
Colazo)
DDP 3891 – O roubo do colar (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3894 – Eu sou do circoscope (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 3895 – O vaqueiro Piolin (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 2565 – Oba, homem não (J. Spina e Rubens
Mira)
DDP 3643 – Cabocla (Tonico e Nina Galhardo)
DDP 3897 – Última chance (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3909 – Doutor por acaso (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3918 – O amigo do alheio (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3926 – Aventura perigosa (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3927 – A vingança (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3937 – A falsa ilusão (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3938 – Quinze anos depois (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3939 – O mexicano (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3954 – A noiva de papai (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3955 – As encrencas do Tenório (Adail
Vianna e Júlio Moreno)
DDP 3957 – Madresilva (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3959 – Vingança por amor (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3967 – O fantasma gostosão (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 3970 – A pensão Pindura (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3971 – O Jacinto agarrado (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 3972 – Piolin Tarzan (Abelardo Pinto
12/1 – O vaqueiro Piolin (Abelardo Pinto Piolin)
16/3 – O mexicano (Abelardo Pinto Piolin)
3/4 – 15 anos depois (Abelardo Pinto Piolin)
12/4 – As encrencas do Tenório (Adail Vianna e
Julio Moreno)
22/4 – A noiva do papai (Abelardo Pinto Piolin)
27/4 – Agarre o Jacinto (O Jacinto agarrado)
(Abelardo Pinto Piolin)
8/5 – Mãe querida (?)
10/5 – Quem beijou minha mulher? (Gastão
Tojeiro)
17/5 – Esperança do amor (Vingança por amor)
(Abelardo Pinto Piolin)
25/5 – O fantasma gostosão (Abelardo Pinto
Piolin)
16/10 – Macumbeira (Abelardo Pinto Piolin)
21/10 –A mansão das almas (Abelardo Pinto
Piolin)
15/11 – A noiva eterna (Abelardo Pinto Piolin)
190
1956
Piolin)
DDP 3985 – Piolin, o mata-mata (Abelardo Pinto
Piiolin)
DDP 3986 – A tocaia (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 3988 – A fonte dos desejos (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4001 – Prece a São João (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4022 – A mulher de verdade (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 4023 – Agulha no palheiro (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4026 – A sinuca do Maneco (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 4043 – Saudosa maloca (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4044 – O poder da fé em Tambaú (João da
Mota Mercier e Oliveira Filho)
DDP 4045 – Três noivos para três irmãs
(Abelardo Pinto Piolin)
DDP 4046 – Pancho Vila (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 4057 – Punhos de aço (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4061 – O petróleo é dele (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4069 – O castigo vem de cima (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 4070 – Caçado como fera (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4077 – Piolin, o poliglota (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4103 – O neto de Lampeão (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4104 – A macumbeira (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4105 – A mansão das almas (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 4114 – Dois caipiras sabidos (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 4116 – Flor de maio
DDP 4117 – A noiva eterna (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4131 – Bandido galante (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4132 – O covarde (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 4144 – Carnaval na Barra Funda (Oliveira
Filho, Ocirema Barosa e Iracema Oliveira)
DDP 4150 – O golpe (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 4152 – Peguei um Ita no norte (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 4153 – Uma noite de pavor (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 4157 – Piolin e o Bruto (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4158 – Coroné Piolin (Abelardo Pinto
Piolin)
DDP 4159 – O monstro da casa velha (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 4163 – Um homem irresistível (Abelardo
Pinto Piolin)
12/1 – Pertinho do céu (José Wanderley e Mário
Lago)
191
DDP 4168 – A lei da bala (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 4176 – Meu marido é da polícia (Júlio
Moreno e A. D’Ângelo)
DDP 4190 – O grande rodeio
DDP 4209 – Terra de amor (Oliveira Filho e
Ocirema Barbosa)
DDP 4222 – Madalena, a virgem apedrejada
(Olindo Dias Corleto)
DDP 4224 – Esta noite te matarei (Olindo Dias
Corleto)
DDP 4227 – A Silvana papa-tudo (Olindo Dias
Corleto)
DDP 4229 – O crediário abre as vinte (Olindo
Dias Corleto)
DDP 4234 – Eu sou Francisco e você? (Olindo
Dias Corleto)
DDP 4240 – Festa junina no arraial do Piolin
(Olindo Dias Corleto)
DDP 4247 – A sorte de São Pedro (Olindo Dias
Corleto)
DDP 4256 – Quando morre uma ilusão (Olindo
Dias Corleto e Oliveira Filho)
DDP 4283 – Vai graxa doutor (Olindo Dias
Corleto)
DDP 4309 – A casa das viúvas (Olindo Dias
Corleto)
DDP 4310 – No país do papa fila (Olindo Dias
Corleto)
DDP 4319 – Tudo pela moral (Júlio Moreno e
Adail Vianna)
DDP 4326 – Descobriram tudo (Oscar Cardona)
DDP 4339 – Côco, melancia e abacaxi (Abelardo
Pinto Piolin)
DDP 4356 – Picles sortidos (João de Sá)
DDP 4371 – A cegonha se atrasou (Franz Arnold
e Ernest Bach)
1957
1958
7/2 – Pra mim chega (Nair Bevedê)
8/3 – Compra-se um marido (José Wanderley)
28/3 – Mulher de verdade (Abelardo Pinto
Piolin)
13/4 – O coronel Piolin (Abelardo Pinto Piolin)
21/4 – O grande rodeio (Abelardo Pinto Piolin)
29/5 – Silvana Papa Tudo (Olindo Dias Corleto)
6/7 – De cartola e tamanco (Abelardo Pinto
Piolin)
12/7 – Canção de Bernadete (Olindo Dias
Corleto)
20/7 – A carta do judeu (Francisco M. Colazo)
27/7 – O comendador Ventura (Abelardo Pinto
Piolin)
31/7 – O crediário abre às 20h (Olindo Dias
Corleto)
15/8 – Filhos de ninguém (Eurico Silva)
22/8 – Vai graxa doutor (Olindo Dias Corleto)
31/8 – Se o Anacleto soubesse (Paulo Orlando)
13/9 – Enquanto a cidade dorme (Abelardo Pinto
Piolin e Oswaldo de Almeida)
20/9 – A pensão da dona Estela (João do Sul)
2/10 – No país dos Papafilas (Olindo Dias
Corleto)
12/10 – A mulher do Zebedeu (J. Corrêa Leite)
16/10 – Chica Boa (Paulo Magalhães)
23/10 – O amigo terremoto (Renato Alvim e
Nelson de Abreu)
30/10 – O embaixador (Abelardo Pinto Piolin)
10/11 – Hotel dos amores (Miguel Santos)
22/11 – Coco, melancia e abacaxi (Abelardo
Pinto Piolin)
4/12/1956 – Tudo pela moral (Julio Moreno e
Adail Vianna)
11/12 – Os maridos atacam de madrugada (Paulo
Orlando)
21/12 – A pensão de Manuelita (Irineu de
Freitas)
25/12 – O casca grossa (José Wanderley e Daniel
Rocha)
29/12 – A mulher do meu sócio (Armando
Braga)
DDP 4345 – Perdoa-me... (Abelardo Pinto Piolin)
DDP 4517 – Jabuca essa não (Claudio Miranda e
Oscar Zocoler)
DDP 4547 – É ocê Tereza?
DDP 4571 – Piolin no planeta Marte (Umberto
Pellegrini)
1959
1960
DDP 0098 – A escrava Isaura (Bernardo
Guimarães)
*A lista se refere aos processos de censura protocolados no Departamento de Diversões Públicas do
Estado de São Paulo (DDP) seguindo a ordem por data de pedido de censura. Uma vez liberada a
encenação, com cortes ou não, a peça obtinha certificado com quatro anos de validade, o que explica a
ocorrência de encenação da peça bem depois de sua aprovação.
**Relação feita a partir das seções de programação dos circos publicadas nos jornais O Estado de S.
Paulo, Folha da Manhã, Folha da Noite e Folha de S. Paulo. Como faltam números dos jornais nas
coleções consultadas, o roteiro de peças encenadas é parcial. A partir de 1957 as peças não pareciam mais
nominalmente nesses roteiros, por isso os anos estão sem os registros.
192