Ricardo de Sá – Um Homem da e para a Contabilidade
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Ricardo de Sá – Um Homem da e para a Contabilidade
Ricardo de Sá – Um Homem da e para a Contabilidade Joaquim Fernando da Cunha Guimarães Dezembro de 2005 Jornadas de História da Contabilidade da APOTEC/2006 RESUMO Ricardo José de Sá foi, sem dúvida, uma das personalidades nacionais na área da contabilidade que mais se destacou, no século passado, como se pode comprovar pelos livros e artigos publicados e comunicações apresentadas em conferências e outras realizações. Ricardo de Sá foi, também, um crítico e defensor da então designada profissão de “guarda-livros” e um dos principais impulsionadores do associativismo profissional da Contabilidade. Apesar disso, poucos são os escritos existentes sobre este ilustre contabilista, professor, perito em tribunais e em exames de escrita, dos quais destacamos as notas biográficas elaboradas por Carqueja e os artigos elaborados por António Álvaro Dória. 1 INTRODUÇÃO “Se a contabilidade, entre nós, não tem tradições, se não fomos mais do que simples seguidores da doutrina alheia, o nosso século XIX dá-nos, apesar-de tudo, um movimento interessante de autores técnicos, e entre os quais Ricardo de Sá fica, inegàvelmente, como o mais alto expoente da sua representação.”1. Este artigo constitui uma comunicação a apresentar nas III Jornadas de História da Contabilidade da Associação Portuguesa de Técnicos de Contabilidade (APOTEC), tendo-nos sido solicitado no âmbito das funções de membro do Conselho Científico do Centro de Estudos de História da Contabilidade dessa mesma Associação. Nas II Jornadas, realizadas em 2 de Março de 2002, por aquela Associação, Estevens e Ruivo apresentaram uma comunicação sob o título “Documentação Comercial – Ricardo de Sá, revisitado”, na qual efectuaram uma análise do conteúdo do livro “Tratado de Contabilidade”, destacando os contributos de Ricardo de Sá para o desenvolvimento teórico e prático da Contabilidade em Portugal. Ricardo de Sá, de seu nome completo, Ricardo José de Sá, nasceu em Lisboa em 27 de Fevereiro de 1844 e faleceu em 5 de Outubro de 1912, e era filho “de um honrado comerciante do mesmo nome e de Maria Carolina de Carvalho de Sá”2. Mourão (1938:419), evidencia a sua admiração por Ricardo de Sá nos seguintes termos: “E tanto êle representa injustiça quanto Ricardo de Sá deve ser considerado, entre nós, como o verdadeiro precursor, apóstolo mesmo do estudo da Contabilidade.”. Das nossas investigações sobre a História da Contabilidade em Portugal, consolidadas, de certa forma, no nosso livro “História da Contabilidade em Portugal – Reflexões e Homenagens”, assim como o nosso interesse em coleccionar livros e revistas antigos de contabilidade, permitiram-nos constatar a importância de Ricardo de Sá para o desenvolvimento da contabilidade pelos vários aspectos que o caracterizam: - Publicista de artigos e autor de livros; 1 MOURÃO, Luiz: Ricardo de Sá, Revista de Contabilidade e Comércio n.º 24, vol. VI, 1938, p. 417. Conforme notícia publicada no Diário de Notícias de 8 de Outubro de 1912 que transcreve a nota biográfica publicada na revista “Os Contemporâneos”. Agradecemos ao Dr. Renato Santos do DN o envio do artigo. 2 2 - Impulsionador do associativismo da Contabilidade em Portugal; - Contabilista e defensor da profissão de “guarda-livros”; - Professor; - Perito em tribunais e em exames de escritas. Por outro lado, constitui também incentivo para investigarmos Ricardo de Sá, a “Nota Biográfica” elaborada por Carqueja (2002) que a apensamos (Anexo n.º 1), devido à sua importância no conteúdo geral do artigo. Foi neste contexto que elaborámos um primeiro artigo, sob o título “Ricardo de Sá e a Dívida dos Técnicos de Contas”3, que, porém, não consideramos suficiente para a percepção da importância de Ricardo de Sá na Contabilidade em Portugal, designadamente nas perspectivas atrás enunciadas. A retoma da investigação sobre Ricardo de Sá surge, também, pelo facto de termos a consciência de que a sua obra e trabalho em prol da ciência contabilística não ser suficientemente conhecidos, num mesmo a nível do ensino superior da Contabilidade, pois constatamos que o interesse pelo estudo da História da Contabilidade em Portugal apresenta níveis muito baixos4. A este propósito, não resistimos a transcrever uma frase de Gonçalves da Silva (1959:16): “Se os contabilistas dessem mais importância à história da disciplina e às relações da mesma com as disciplinas afins, já as fronteiras contabilísticas 3 Publicado no nosso livro História da Contabilidade em Portugal – Reflexões e Homenagens, Ed. Áreas Editora, Janeiro de 2005, pp. 279-91. 4 Como comprova o facto de, segundo é do nosso conhecimento, apenas um Mestrado na área da Contabilidade – o Mestrado de Contabilidade e Auditoria da Universidade do Minho - integrar uma disciplina dedicada ao tema, sob o título “História e Filosofia da Contabilidade” e, de acordo com investigação efectuada pela Mestre, Ana Rita Faria, docente da Universidade do Algarve, apenas três licenciaturas incluem disciplinas de História da Contabilidade (Escola Superior de Gestão de Satarém: "História e Teoria do Pensamento Contabilístio", ISCAC: "História do Pensamento Contabilístico" e IPCA - Curso de Contabilidade Empresarial: "História e Teoria da Contabilidade”). Por outro lado, raramente aparecerem artigos publicados em revistas. Sobre este último aspecto relevamos o artigo da colega, Ana Rita Faria, docente da Universidade do Algarve, sob o título “A Investigação em História da Contabilidade em Portugal, 1990-2003: Um Estudo Empírico”, publicado no nosso livro atrás referido (pp. 199-250), no Jornal de Contabilidade da APOTEC n.º 338, de Maio de 2005, pp. 181-200, no qual colaborámos na investigação e que se encontra disponível para download no nosso Portal INFOCONTAB em www.infocontab.com.pt. Além disso, é de enaltecer o trabalho que, desde a data da sua constituição, em 1 de Junho de 1996, o Centro de Estudos de História da Contabilidade da APOTEC tem desenvolvido em prol da investigação em História da Contabilidade, com especial destaque para as Jornadas de História da Contabilidade (as 1.as em 4 de Abril de 1998, as 2.as em 2 de Março de 2002 e as 3.as previstas para o dia 3 de Fevereiro de 2006). 3 se tornariam menos imprecisas e já as definições de contabilidade seriam, porventura, menos desarmónicas do que são actualmente.”. 1. METODOLOGIA Como metodologia de observação e análise, desenvolvemos os seguintes procedimentos: − Análise de conteúdo dos artigos publicados em revistas nacionais, o que nos exigiu uma atenção redobrada, especialmente nas mais antigas e de difícil acesso5, os quais destacamos na bibliografia; − Observação directa através da realização de consultas in loco à Biblioteca Nacional, à Torre do Tombo e ao Ateneu Comercial de Lisboa6; − Pedido de colaboração aos membros do Centro de Estudos de História da Contabilidade da APOTEC, tendo obtido contributos do Prof. Dr. Hernâni O. Carqueja, do Dr. José Lampreia e da Mestre, Ana Rita Faria; − Pedido de informações ao Gabinete de Imagem e Comunicação da Caixa Geral de Depósitos7. No que diz concerne ao método expositivo, preferimos utilizar as transcrições directas dos textos por se tratarem de documentos históricos e de difícil acesso. 2. RICARDO DE SÁ – “PUBLICISTA” A faceta publicista de Ricardo de Sá manifestou-se, essencialmente, em três vertentes: a publicação de livros, a elaboração de artigos publicados em revistas e a apresentação de comunicações em realizações científicas. A este propósito Mourão (1938:417) sublinha: “A leitura de Ricardo de Sá, se conscienciosamente feita, impressiona pela clareza e pela previdência. Espírito crítico, e, a-pesar-disso, construtivo, tôda a sua obra se revela útil, aplanadora de dificuldades, quási alheia ao formulário didáctico que preside à maior parte dos nossos livros técnicos.” 5 A maioria das revistas integram a nossa biblioteca pessoal, o que facilitou a análise. Agradecemos ao actual Director de Serviços, Sr. Mário Chaves, a cedência de fotocópias desta publicação. 7 Agradecemos as informações da colaboradora da CGD, D. Maria Adelaide de J. Rodrigues Correia. 6 4 2.1. Publicação de livros De acordo com a nossa biblioteca e consultas efectuadas aos livros e artigos referidos na bibliografia deste nosso trabalho, Ricardo de Sá publicou onze livros, conforme Quadro n.º 1, entre os quais consultámos os disponíveis na nossa biblioteca e se encontram assinalados nesse quadro. Pela sua importância, destacamos nos itens seguintes o “Taxonomia Contabilista”, o “Tratado de Contabilidade” e o “Verificação e Exames de Escripta”. QUADRO N.º 1 - Livros publicados por Ricardo José de Sá Título Apontamentos Uteis Grande Taboada Carta a Sua Alteza Real o Serenissimo Senhor Duque de Bragança Vocabulario de Termos Commerciaes. Taxonomia Contabilista Uma Esfrega sem Potassa Com as Mãos na Massa Collecção de Diagramas Tratado de Contabilidade Verificações e Exames de Escipta Escripturação Comercial Escrituração Comercial Obs.: a) b) c) d) e) Sub-título Analyse ao compendio do Sr. A. C. de Almeida Figueiredo De 11 a 99 por 11 a 199 A respeito do Novo Codigo Commercial Editora e Localidade Ano de publicação Obs. e) 1882 a) c) e) 1883 a) c) e) e) a) 1889 b) 1895 b) 1902 b) 1902 b) e) a) 1903 d) 1919 b) 1926 d) 1912 b) 1912 b) 1926 b) Em portuguez, francez e inglez La Bécarre, Lisboa Memoria dirigida á Commissão Technica da Associação da Classe dos Empregados de Contabilidade Analyse critica e caustica ao non plus ultra dos systemas modernos de escripturação Resposta a uma carta da commissão, ou o que seja, nomeada pelo Instituto da Classe Commercial de Lisboa, para dar parecer sobre a obra do Sr. Faria Junior, do Porto 1.ª Edição Typ. E Lith. a Vapor da Papelaria Progresso, Lisboa 2.ª Edição commentada e annotada por Antonio Corrêa de Pinho 3.ª Edição actualizada por Manuel Ruy dos Santos Seguidos da legislação especial sobre o mesmo assumpto Theorica e pratica para aprender sem Mestre Teoria e pratica para aprender sem Mestre – 2.ª edição revista e actualizada por Manuel Ruy dos Santos (Técnico Contabilista). Typ. da Companhia Nacional Editora, Lisboa Typ. E Lith. A Vapor da Papelaria Progresso, Lisboa e) Typographia “A Editora”, Lisboa Casa Ventura Abrantes – Livraria Editora, Lisboa e) Livraria Ferin, Editora Baptista, Torres & Cta, Lisboa Livraria Ferin, Editora Baptista, Torres & Cta, Lisboa, 1912 Casa Ventura Abrantes – Livraria Editora, Lisboa Conforme Ricardo de Sá (1919). Dispomos de exemplar na nossa biblioteca. Dado que não dispomos do livro, o ano da publicação foi extraído do artigo de Mourão (1938:420). Conforme Carqueja (2002). Não dispomos destes dados Fonte: Elaboração própria 5 2.2. Elaboração de artigos O primeiro artigo elaborado por Ricardo de Sá para uma revista de contabilidade poderá ter sido o publicado no n.º 1 do Boletim “O Commercio”, de 31 de Março de 1887, da Associação de Classe dos Empregados de Contabilidade, sob o título “Contabilidade – O que foi, o que é, e o que deve ser”, no qual Ricardo de Sá efectua uma resenha histórica dos maiores cultores nacionais e estrangeiros da contabilidade da época. Esta conclusão resulta do facto de o Boletim “O Commercio” ser provavelmente a primeira publicação sobre Contabilidade, assim como a Associação de Classe dos Empregados da Contabilidade terá sido, de acordo com o veredicto de Ricardo de Sá (1912), a primeira associação de profissionais de Contabilidade. Ribeiro (1905:16) refere que Ricardo de Sá colaborou no n.º 1 do Boletim “Ateneu Commercial”, publicado em 10 de Junho de 1905, dia da celebração do 5.º aniversário do Ateneu, elaborando um artigo sob o título “A Associação e os seus Resultados”. Ainda de acordo com Ribeiro (1905:65-6), Ricardo de Sá foi um articulista permanente com “artigos científicos e ensinativos”, tendo participado nas seguintes conferências públicas realizadas pelo Ateneu: − “Escrituração Comercial”, a 18 de Dezembro de 1890; − “Escrituração Comercial”, a 18 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 1891; − “A Instrução Comercial”, a 10 de Janeiro de 1892; − “Comércio e Contabilidade”, a 9 de Janeiro de 1898. Figura n.º 1 – Taxonomia Contabilista, de Ricardo de Sá, 1895 2.3. “Taxonomia Contabilista” De acordo com Dória (1972:286)8, o livro “Taxonomia Contabilista” (Figura n.º 1), constituiu a primeira tentativa em Portugal para a sistematização da Contabilidade, e, 8 A. Álvaro Dória, de nome completo António Álvaro Dória, era filho de Raul Dória que, no início do século passado, teve um importante papel no desenvolvimento da prática contabilística, como sublinhámos em artigo intitulado “Centenário (1902-2002) da "Escola Prática Raul Dória"”, revista 6 como é referido no sub-título do livro “Memoria dirigida á Commissão Technica da Associação da Classe dos Empregados de Contabilidade”, era um projecto de classificação das contas, posteriormente enunciado no Congresso de Contabilidade de Paris em 1896, que na altura foi muito elogiado. Dória (1972:286) e Mourão (1938:420) sublinham que o livro foi referenciado pela “La Revue de Comptabilité et Jurisprudence” de Paris, em que se destacava que era um notável trabalho técnico, onde se enobrecia o nível da contabilidade portuguesa. 2.4. “Tratado de Contabilidade” Um dos principais livros de referência de Ricardo de Sá é, sem dúvida, “O Tratado de Contabilidade” (Figura n.º 2)9, tendo sido considerado um dos primeiros a projectar a contabilidade como ciência. Para Carqueja (2002), o “Tratado de Contabilidade” foi publicado em 1903 e teve mais duas edições póstumas: a 2.ª edição, em 1919 anotada e comentada por António Corrêa de Pinho, e a 3.ª edição, em 1926, actualizada por Manuel Ruy dos Santos. Como o próprio Ricardo de Sá sublinha no prefácio, o livro é essencialmente uma colecção de apontamentos, a maioria dos quais relativos às sínteses das suas lições no Ateneu Commercial de Lisboa, e de comunicações dispersas. Relativamente aos objectivos do livro, Ricardo de Sá (1919:8) destaca no prefácio: Figura n.º 2 – O Tratado de Contabilidade, de Ricardo de Sá, 1919 “O que podemos asseverar é que empregámos todos os esforços para, no novo plano10, acompanhar o movimento scientifico da actualidade, sem nos cingirmos mais a uma do que a outra das opiniões expostas pelos tratadistas da especialidade, aproveitando apenas dos systemas mais modernos a parte que julgámos mais em relação com o nosso meio commercial e com as necessidades do ensino elementar”. “TOC” n.º 33, de Dezembro de 2003. O próprio Ricardo de Sá, no seu livro “Verificação e Exames de Escripta”, Ed. Livraria Faria, Lisboa, 1912 (p. 159), sublinha a importância da “Escola Raul Dória” nos seguintes termos: “... ou da Escola Raul Doria do Porto que a nosso vêr, trata melhor a parte prática, do que a trata qualquer dos institutos.”. 9 A capa da figura refere-se à 2.ª Edição, Comentada e Anotada por António Corrêa de Pinho, Ed. Casa Ventura Abrantes, Livraria Editora, Lisboa, 1919. 10 A expressão “o novo plano” quer referir-se ao “Tratado de Contabilidade”, como sublinha no prefácio: “Foi por termos de obedecer a este novo plano que denominámos a obra Tratado de Contabilidade”. 7 A importância do livro é, também, traduzida nas seguintes frases: - “O notável professor publicou ha annos, um magnífico tratado de contabilidade que é hoje o alkorão onde os crentes vão beber a sciencia, servindo-lhes de norma, de arbitro seguro e de guia incapaz de erro” (sublinhado nosso)11; - “O Tratado de Contabilidade, por exemplo, apresenta-nos, em cada caso explicativo de titulos comerciais, uma resenha de valor jurídico, disposições legais e transmites que lhes dizem respeito.”12; - “O seu Tratado de Contabilidade, editado em 1903 e completado, anos mais tarde, com a Escrituração Comercial Teórica e Prática para aprender sem mestre (1912), ainda hoje oferece pontos de vista a demonstrar, por um lado, os seus vastos e profundos conhecimentos da ciência da Contabilidade, e dele fez um precursor clarividente, e, por outro lado, como pressentiu a profunda transformação que, muitos anos depois, a ciência contabilística iria sofrer.”13; - “Ora Ricardo de Sá no seu Tratado propôs-se, se não revolucionar, pelo menos modificar tal maneira de pensar, dando à Contabilidade aquela dignidade de que a ignorância do passado a dispojara...”14. Na verdade, estas frases, principalmente as duas últimas, relevam a importância do “Tratado de Contabilidade” como obra marcante na distinção entre Contabilidade e Escrituração Comercial. Estevens e Ruivo (2002) destacam a importância do “Tratado da Contabilidade” efectuando uma análise do seu conteúdo e ressaltando o contributo da obra para o desenvolvimento teórico e prático da contabilidade e a sua actualidade, ainda hoje, em Portugal. Figura n.º 3 – Verificações e Exames de Escripta, Ricardo de Sá, 1912 2.5. “Verificações e Exames de Escripta” 11 Transcrição no português da época, em comentário sob o título “Galeria de Contabilistas – Ricardo de Sá”, revista O Guarda Livros da Escola Prática Commercial Raul Doria, n.º 1 (1.º Ano), de 10 de Agosto de 1908, p. 3-4. 12 MOURÃO, Luiz: Ricardo de Sá, op. cit. p. 417 13 DÓRIA, António Álvaro: Ricardo de Sá Critica o Código Comercial, p. 284. 14 DÓRIA, António Álvaro: Ricardo de Sá Critica o Código Comercial, p. 285. 8 O livro “Verificações e Exames de Escripta” (Figura n.º 3), publicado no ano da morte de Ricardo de Sá (1912), foi considerado o primeiro livro português a abordar essa problemática, como o próprio autor (1912:5) sublinha: “Em portuguez nada ha escripto sobre o assumpto, de que vamos tratar.”. Ricardo de Sá (1912:7) sublinha que o livro resultou de quarenta anos de prática da profissão, destacando algumas obras estrangeiras sobre verificação contabilística que eram do seu conhecimento e refere: “Um facto, não muito antigo e em que interviemos, desconhecendo por completo nomes de collegas e acção em que figuravam, veio mais uma vez confirmar-nos na ideia de publicar este livro, tratando n’elle não só de elucidar o publico na melhor maneira de verificar uma escripta, mas dando tambem aos que já possuem alguns conhecimentos de contabilidade, as regras mais faceis para empregarem nas verificações e conferencias, poupando tempo e trabalho.”. E, finalmente, conclui (Ricardo de Sá, 1912:7): “Cremos que esta obra vem preencher uma lacuna, e será bem recebida pelo publico, especialmente por aquelles que conhecem o meu tratado de contabilidade15, e que por certo hão de considerar este trabalho como complemento d’aquelle.” O livro, com 224 páginas, está dividido em nove capítulos e 189 itens como descrevemos no QUADRO N.º 2. QUADRO N.º 2 – Divisões do livro “Verificações e Exames de Escripta” de Ricardo de Sá Capítulo I II III IV V VI VII Título do Capítulo Explanações sobre Inventário Theorias geraes da verificação Estudos sobre Balanços Verificações materiaes e immateriaes Dificiencias, enganos e verificações relativas Analyses, syndicancias, exames de escripta e laudos Burlas variadas – Prevenções – Analyse dos Itens 1 a 16 17 a 33 34 a 67 68 a 89 90 a 104 105 a 131 1.ª Página 9 21 33 55 67 77 132 a 153 127 15 De notar que a referência ao “meu tratado de contabilidade” diz respeito ao livro “Tratado de Contabilidade”. 9 VIII IX processos e verificação Considerações geraes sobre a fiscalisação Legislação sobre assumptos inherentes á verificação 154 a 176 177 a 189 147 167 Fonte: Elaboração Própria No capítulo II “Theorias geraes da verificação” Ricardo de Sá (1912:21) cita Monginot e Deschamps para descrever que as verificações têm dois fins: reconhecer pela comparação dos livros se é exacta a situação das contas e avaliar pela análise das contas e do balanço qual é a verdadeira situação da empresa. Daqui resultam duas características que ainda hoje são relevantes também na revisão de contas: a exactidão e a veracidade. 2.6. A polémica/crítica na obra de Ricardo de Sá Ricardo de Sá foi um crítico atento, directo e polémico. Além da exposição que deveria ter sido entregue ao Rei D. Luís I, referida no Capítulo 5 deste artigo e que constitui uma crítica específica ao Código Comercial por não contemplar a profissão de “guarda-livros”, Ricardo de Sá elaborou uma crítica mais profunda sobre esse Código que foi traduzida no seu livro “Carta a Sua Alteza Real o Sereníssimo Senhor Duque de Bragança”. Dado que não dispomos desse livro, sublinhamos que Dória (1972) elaborou um extenso artigo sobre o mesmo, no qual afirma (Dória, 1972:287-8): “Mas o que muitos ignoram é que Ricardo de Sá saiu à estacada com uma bem conduzida crítica, publicada no próprio ano de promulgação, obra até há pouco eu apenas conhecia de nome mas jamais vira. Quis o acaso, porém, que em fins do ano passado a visse em catálogo de alfarrabista de Lisboa, tendo eu a sorte de conseguir o precioso exemplar, embora maltratado, mas valorizado com autógrafo do próprio autor. Denomina-se o volume Carta a sua alteza real o sereníssimo senhor Duque de Bragança a respeito do novo código comercial, tem 121 páginas e custava, ao tempo, 600 réis, preço relativamente elevado para a época.”. De facto, Dória (1972) tece diversos comentários sobre a obra, destacando alguns dos aspectos comparativos do anterior Código Comercial, de J. Ferreira Borges, 10 promulgado em 1836 e que vigorou até 1889, com o, ainda actualmente em vigor, Código Comercial da autoria de Francisco António da Veiga Beirão. Assim, Dória (1972:289) comenta o livro salientando algumas frases de Ricardo de Sá, tal como a seguinte: “Essa obra gigantesca do preclaríssimo ministro da justiça, esse trabalho hercúleo em que colaboraram as forças vitais da jurisprudência nacional, esse monumento itálico-franco-hispano-lusitano, que mereceu os encómios de toda a imprensa do país, e que vai mais uma vez, asseverar às gerações futuras, que nós somos uns imitadores ridículos, sem critério e sem consciência. (pág. 10)”. É, igualmente, curioso o seguinte comentário de Dória (1972:291): “Com espírito, parecia a Ricardo de Sá que o Código estava para a jurisprudência do tempo «exactamente como o teatro de D. Maria para a arte: é apenas um monumento pomposo em que predomina a miscelânia arquitectónica»”. Note-se, porém, que os comentários de Ricardo de Sá são especialmente orientados para a matéria relacionada com a organização da contabilidade, designadamente os art.os 30.º e 31.º do Código Comercial sobre os livros obrigatórios do comerciante. Outras obras relevantes que retratam estas características da personalidade de Ricardo de Sá, são, sem dúvida, “Uma Esfrega sem Potassa” e “Com as Mãos na Massa” (Figuras n.os 4 e 5, respectivamente), publicadas no mesmo ano de 1902 e ambas alusivas a críticas ao livro “Novo Processo de Escripturação Commercial – Systema Conglobado Faria Junior e Systema Accommodado Faria Junior – Accommodações do Figura n.º 4 – Uma Esfrega sem Potassa, de Ricardo de Sá, 1902 Systema Invenção Faria Junior ao Genero das Partidas Dobradas Actualmente em Uso”, de José da Silva Faria Junior (Ed. Typographia de A. F. Figura n.º 5 – Com as Mãos na Massa, de Ricardo de Sá, 1902 11 Vasconcellos, Sucessores, Porto, 1899)16. Apesar de serem dois livros de crítica, constituem, também, dois importantes testemunhos do pensamento contabilístico de Ricardo de Sá, usando uma linguagem técnica e de teoria da contabilidade e escrituração devidamente estruturadas e fundamentadas. O livro “Uma Esfrega sem Potassa” é, efectivamente, uma crítica mordaz e implacável ao referido livro de Faria Junior, como se poderá depreender, quer do próprio sub-título do livro “Anályse critica e caustica ao non plus ultra dos systema modernos de escripturação”, quer, nomeadamente, das seguintes frases de Ricardo de Sá (1902a:3-6): - “Interessado por tudo o que diz respeito á profissão, assignámos, ancioso por conhecer o novo invento, mas logo á 3.ª ou 4.ª cardeneta ficámos desapontados, porque vimos que a theoria das partidas dobradas soffria maus tratos por parte do author da obra. Continuámos, porém, a assignatura, e completa a publicação, lêmo-l’a com vagar, e rimos, não sabendo que mais admirar, se a ignorancia do publicista, se a audacia do pseudo-inventor.”. - “E estâmos assim, armados de ponto em branco, porque não nos contentâmos unicamente com fazer uma simples crítica ás invenções do sr. Faria Junior, queremos, á semelhança do gladiador, que Hugo apresenta na sua fabula ou historia, arrancar ao sr. Faria Junior a pelle de contabilista com que se cobre e pondo-o a nú demonstrar assim que elle não passa de um... calligrapho.”. A obra “Com as Mãos na Massa”, cujo sub-título é, “Resposta a uma carta da Commissão, ou o que seja, nomeada pelo Instituto da Classe Commercial de Lisboa para dar parecer sobre a obra do Sr. Faria Junior do Porto”, demonstra, igualmente, a postura crítica de Ricardo de Sá. Este livro foi escrito logo a seguir àquele, como sublinha o próprio Ricardo de Sá (1902e:3): “Uns quinze ou vinte dias depois de termos publicado e distribuido a nossa critica aos trabalhos do Sr. Faria Junior...” 16 Agradecemos ao Dr. José Lampreia a cedência de fotocópias do livro Com as Mãos na Massa e de um exemplar do livro de Faria Junior, que nos permitiu efectuar esta referência. 12 Nesse livro, Ricardo de Sá mantém as críticas a Faria Junior mas critica, também, tenazmente, o parecer sobre o mesmo livro emitido pela referida Comissão nomeada pelo Instituto da Classe Commercial de Lisboa. O livro contém a transcrição de uma carta de 5 de Junho de 1902 daquele Instituto, dirigida a Ricardo de Sá, em que o censura pela crítica efectuada ao livro de Faria Junior. Na sequência dessa carta, Ricardo de Sá solicitou a exoneração de sócio do Instituto, a 7 de Junho do mesmo ano. O teor referida carta consta do livro e, dada a sua importância, transcrevemos (Ricardo de Sá, 1902b:13): “Reconhecendo por uma longa carta que me dirigiu o relator da Commissão do parecer á obra Faria Junior, que a minha persistencia n’esse Instituto é incompativel com a dos membros d’aquella Commissão, rogo a V. Ex.ª queira mandar-me riscar do numero de socios da mesma Associação.”. Posteriormente, em carta de 12 de Junho de 1908, o Instituto reagiu e sublinhou que o Instituto foi ofendido voluntária e publicamente, sem o menor fundamento, por Ricardo de Sá. 3. RICARDO DE SÁ E O “ASSOCIATIVISMO DA CONTABILIDADE” Ricardo de Sá (1912:154-5) foi um dos co-fundadores das primeiras associações de profissionais de contabilidade, como o próprio refere: “Quando em 1884 formámos a Associação Portugueza de Contabilidade, criamos n’ella um grupo denominado synhedrio, composto dos associados aptos para os cargos superiores da contabilidade, servindo para deliberar sobre todos os assunptos scientificos. .../... A Associação Portugueza de Contabilidade teve vida ephemera em consequência, segundo nos disseram, de restringir pelo seu estatuto o numero de synhedristas.”. Mais à frente Ricardo de Sá (1912:155-6) sublinha: 13 “Passados 10 annos, instigado por alguns collegas e julgando mais propicia a occasião, por existirem novos elementos, cooperamos para se organisar a Associação de Classe dos Empregados de Contabilidade .../... Esta associação, exactamente como a primeira, teve pouca vida e depois d’isso nenhum outro tentamen houve no mesmo sentido.”. Também Dória (1973:276) realçou a importância de Ricardo de Sá no associativismo: “No presente artigo vou dar conhecimento de uma representação que deveria ser remetida a D. Luís I então reinante e subscrita pela Associação Portuguesa de Contabilidade, criação do próprio Ricardo de Sá, e na qual ele procurava criar aos Guarda-Livros um ambiente de dignidade que de todo lhes faltava e continuou a faltar durante muitos anos.”. Nessa exposição Ricardo de Sá referiu: “A Associação Portuguesa de Contabilidade, autorizada por Alvará de 12 de Outubro de 1885, tem no seu seio um grupo, denominado Sinédrio, composto dos associados aptos para os cargos superiores de Contabilidade, e onde estão agremiados os guarda-livros das principais casas de comércio e indústria desta praça.”. Ricardo de Sá sublinha a importância da Associação Portuguesa de Contabilidade na elevação do guarda-livros, defendendo a necessidade de se proceder à revisão do Código Comercial no sentido de este contemplar a profissão. Tudo indica que terá sido a primeira diligência efectuada por um profissional para incutir legalidade à profissão de guarda-livros. É de notar que foi apenas com a publicação do Código da Contribuição Industrial, pelo Decreto-Lei n.º 45103, de 1 de Julho de 1963, e não com o Código Comercial como pretendia Ricardo de Sá, que, pela primeira vez, se procedeu à referência ao guarda-livros, então designado de “técnicos de contas”. A este propósito escrevemos (Cunha Guimarães, 2005a:333) em artigo anterior: 14 “Questionado sobre as razões para a inclusão da profissão de técnico de contas no CCI, Cimourdain de Oliveira informou-nos que tal designação foi utilizada pela primeira vez na legislação fiscal, em virtude do grupo de trabalho, com base num documento preparado pelo Professor, ter julgado que seria a forma mais correcta de dar uma maior credibilidade à contabilidade, pois a mesma passou a constituir a base, ou ponto de partida, para o apuramento dos lucros reais das empresas. Além disso, a previsão de uma nova profissão de técnico de contas contribuiria para o desenvolvimento económico e social do país, proporcionando, nomeadamente, a criação de empregos.”. Como já atrás referimos, a Associação dos Empregados de Contabilidade publicou um boletim intitulado “O Commercio - Boletim da Associação de Classe dos Empregados de Contabilidade” (Figura n.º 6), cujo n.º 1, publicado em Lisboa, em 31 de Março de 1897, Editor Eduardo Roza, Typ. 29, Rua da Magdalena, 31 e redacção na Rua dos Correeiros, 29-2.º, Lisboa, descreve os órgãos associativos que a seguir destacamos, pois tudo indica que terão sido os dirigentes pioneiros do associativismo da Contabilidade em Portugal, com mandato para o biénio de 1896-1898. ASSEMBLEIA GERAL Presidente: João Espinheira Júnior Vice-Presidente: António Alves de Mattos Figura n.º 6 - Boletim “O Commercio” 1.º Secretario: Manoel Zeferino dos Santos 2.º Secretario: Arthur Zaluar DIRECÇÃO Presidente: Manoel Machado da Cunha e Silva Thesoureiro: Manoel d’Almeida Margarido e Silva Secretario: João Christino Vidal Vogaes: João Climaco da Rocha e Manoel Ribeiro do Amaral CONSELHO CONSULTIVO: Ricardo José de Sá, António Ferreira Braga e Alfredo de Jezus Freire 15 Como podemos verificar, Ricardo de Sá integrou o Conselho Consultivo da Associação. O mesmo Boletim elenca os membros da Comissão Técnica, constituída por cinco secções: − 1.ª Secção – Estudos Especulativos e Contabilidade Geral; − 2.ª Secção – Contabilidade Geral; − 3.ª Secção – Bancaria e Seguros; − 4.ª Secção – Industrial, Agricola e Financeira; − 5.ª Secção – Commercial. Ricardo de Sá (1902b:158) sublinha ainda: “Diga-se todavia com a maior das franquezas, que outra cousa tinhamos a esperar da Associação, que sucedeu à Associação da Classe dos Empregados de Contabilidade. Também, para que nos mettemos nós pela segunda vez a coadjuvar a organização de Associações, conhecendo de sobejo a classe a que pertencemos?”. Deste texto resulta, claramente, a insatisfação de Ricardo de Sá quanto ao desenvolvimento do associativismo da contabilidade em Portugal. No entanto, o envolvimento associativo de Ricardo de Sá não termina aqui, pois foi, também, mentor da ideia de apresentação à Associação dos Empregados de Contabilidade de um “Projecto de convenio para a federação ou liga nacional das associações da classe dos empregados no commercio”17, datado de 12 de Janeiro de 1897, elaborado em conjunto com outros dois dirigentes da Associação (Manoel Machado da Cunha e Silva e Júlio Alexandre Irwin), formando a Comissão Elaboradora que, pelo que constatámos, não teve o seguimento desejado. 4. RICARDO DE SÁ – “O CONTABILISTA” A frase infra-indicada é elucidativa sobre o contabilista Ricardo de Sá18: 17 O texto integral do Projecto consta do Boletim “O Commércio”, n.º 1, 1897, p. 11-4. A revista “O Guarda-Livros”, da Escola Pratica Commercial Raul Dória, n.º 53 (2.ª série - 3.º ano), Porto, em 15 de Julho de 1911 (p. 263), destaca, em artigo sob o título “Galeria de Contabilistas”. 18 16 “Entre os guarda-livros e contabilistas portuguezes destaca-se d`uma forma notável Ricardo de Sá, cujo nome, pelo seu muito saber e largos conhecimentos das questões de contabilidade, é já hoje conhecidíssimo áquem e álem fronteiras.”. De acordo com a referida nota biográfica publicada no Diário de Notícias de 8 de Outubro de 191219: “Em 1865 entrou na qualidade de caixeiro do escritório para a casa Francisco de Oliveira Soares, onde afirmou de tanta maneira a sua inteligência, saber e probidade, que alguns anos depois lhe passou procuração com amplos poderes para gerir os negócios da casa. Durante 27 anos esteve ao serviço daquele negociante, mas em 1892 como fosse atacado de paralisia dos escritores, teve de procurar outra colocação porque o homem a quem servira por tão largo espaço, onde consumira a sua mocidade, lhe declarou que não tinha casa para inválidos. Admirável recompensa de 27 anos de dedicação.”. Ricardo de Sá foi Chefe de Contabilidade do Banco Lusitano e do Banco Nacional Ultramarino como a seguir descrevemos. A este propósito Carqueja (2002) destaca: “Os serviços de Museu do Banco Nacional Ultramarino, cuja disponibilidade o autor agradece, só encontraram registo da qualidade de accionista. Entretanto a qualidade foi invocada em referências da época, designadamente na citada Revista do Guarda-Livros, o que parece suficiente como testemunho.”20. Refira-se, porém, que o próprio Ricardo de Sá (1902b:17) confirma esta informação: “Em devido tempo, como se diz na correspondencia commercial, recebemos, no Banco Ultramarino, aonde somos Chefe da Contabilidade...” 19 Conforme rodapé n.º 2 deste artigo. Corrigimos a referência à “Revista do Guarda-Livros” para “O Guarda-Livros” - Revista da Escola Prática Comercial Raul Dória. 20 17 Entretanto, para esclarecimento da dúvida supra, enviámos um e-mail ao Gabinete de Imagem e Comunicação da Caixa Geral de Depósitos (CGD) que, por e-mail de 1 de Setembro de 2005, da D. Adelaide Correia, nos informou: “... vimos informar de que, feita uma consulta na documentação existente no Arquivo Histórico do BNU, verificámos que Ricardo de Sá consta como accionista do Banco Nacional Ultramarino nos anos de 1908, 1909, 1910, 1911 e 1912 com 50 acções e com direito a 1 voto. Quanto à possibilidade de ter sido contabilista da instituição em causa, não foi localizada essa situação nos dados que temos já informatizados...”. Posteriormente, a mesma funcionária da CGD, por e-mail de 27 de Setembro de 2005, comunicou-nos: “No seguimento dos contactos anteriores sobre o assunto em epígrafe, vimos informar de que, após a pesquisa realizada pela nossa área de Arquivo Histórico, conseguimos localizar o livro de vencimentos do pessoal do BNU, no período de 1912-1915, no qual consta efectivamente, Ricardo José de Sá, com a categoria de Chefe da Contabilidade e com o vencimento de 150.000 réis, em 1912, tendo-se reformado em Maio desse mesmo ano, com uma reforma de 100.000 réis, tendo vindo a falecer a 5 de Outubro de 1912.”. Acrescente-se que a nota biográfica do Diário de Notícias atrás referida frisa: “Nesse ano, 1892, entrou para o Banco Lusitano por iniciativa do então Director Alfredo da Cunha. Em Novembro de 1892, tendo falecido António Lourenço dos Santos Júnior foi convidado a aceitar o cargo que hoje tão distintamente ocupa, de chefe de contabilidade no Banco Nacional Ultramarino.”. Considerando as transcrições supra, podemos deduzir que Ricardo de Sá exerceu primeiramente funções no Banco Lusitano, onde teria sido admitido em 189221 e teria sido Chefe de Contabilidade, tendo sido admitido no BNU em Novembro de 1898, onde também exerceu o mesmo cargo. 21 A capa do livro “Taxonomia Contabilista”, publicado em 1895, contém a referência “Guarda Livros do Banco Lusitano, professor e publicista”. 18 Acresce, ainda, que o Banco Lusitano deixou de existir desde finais do Século XIX, como se comprova pela seguinte frase de Ricardo de Sá (1897:3)22: “... mas restabelecer a confiança publica, muito abalada pelos acontecimentos de Moura Borges, do Banco do Povo, do Banco Lusitano, da Companhia Real dos Caminhos de Ferro, e da Mala Real Portugueza, os quaes ainda estão na memoria de todos, especialmente d’aquelles a quem impelliram á miséria.” (sublinhado nosso). 5. RICARDO DE SÁ “EM DEFESA DOS TÉCNICOS DE CONTAS” Além da intervenção associativa da Contabilidade a que nos referimos no capítulo 3 deste artigo, Ricardo de Sá teve um papel importante na defesa dos então designados “guarda-livros”, actualmente “técnicos oficiais de contas”, o que nos motivou, como já referimos, a destacar essa faceta no artigo publicado no nosso livro atrás referido23. No início desse artigo transcrevemos uma frase de Ricardo de Sá24 em exposição que deveria ter sido remetida a D. Luís I, que, pela sua importância, repetimos: “O Guarda-Livros, mesmo pela sua ilustração, pela sua actividade, pela sua prática de negócios, pela sua seriedade, pelo papel que representa enfim para com o comerciante a quem presta serviços, e para com terceiros, ou por outra, para com o mundo comercial, tem jus a uma secção especial do Código, secção em que seja definido dando-se-lhe a personalidade legal que lhe é correspondente, elevando-se à categoria de funcionário mercantil, e marcando-se-lhe finalmente seus direitos e deveres.”. Além disso, é de destacar o artigo de Dória (1973), cujo conteúdo voltamos a transcrever na íntegra (Anexo n.º 2), do qual relevamos algumas das conclusões seguintes: − “Os actuais Técnicos de Contas, em situação tão diferente daquela que, durante tantos anos, usufruiram os antigos Guarda-Livros, contraíram para com Ricardo de Sá uma dívida que se encontra ainda 22 Dada a extinção do Banco Lusitano não podemos, obviamente, utilizar o mesmo procedimento (envio de e-mail à CGD) que fizemos com o BNU. 23 O texto seguinte contém a maioria dos comentários expendidos nesse artigo. 24 Conforme Anexo n.º 2 deste artigo. 19 por solver: bom seria que pudessem em breve “por a escrita em dia”, saldando essa conta.”. − Através da Associação Portuguesa de Contabilidade foi elaborada uma representação que deveria ser remetida a D. Luís I, na qual Ricardo de Sá tentou dignificar a profissão de Guarda-Livros, conforme se transcreve: “Todavia, por estranho que pareça, esta representação não chegou a ser entregue ao Rei, porque, como informou o mesmo Ricardo de Sá, “foi entregue a uma comissão que a alterou um pouco, e que por último, depois de discutida, foi completamente posta de parte”...”. Como se comprova, tal representação não chegou a ser apreciada pelo Rei D. Luís I, tendo sido “abortada” à partida. Porém, Dória (1973) deixa transparecer a sua opinião de que Ricardo de Sá estava convicto de que se a sua exposição fosse apresentada a D. Luís I teria tido acolhimento favorável. − Nessa representação, a Associação Portuguesa de Contabilidade reivindicava a alteração do Código Comercial no sentido de contemplar a profissão de guarda-livros, o que não veio a ocorrer, como se refere no documento: “... do que resultou que no Código Comercial ainda em vigor nenhuma referência se faz ao guarda-livros, que tiveram de aguardar três quartos de século até o Código da Contribuição Industrial deles se lembrar, enfeitando-os com o apelativo de Técnicos de Contas, elevando-os no conceito público e em dignidade, embora atribuindolhes responsabilidades que, em certos casos, excedem o limite do que pode considerar-se razoável.”. − Dória (1973) sublinha que crê que foi José Ferreira Borges a primeira pessoa a salientar a importância e o valor dos “guarda-livros” no seu Dicionário Jurídico – Comercial (1833), tendo-os definido da seguinte forma: 20 “O caixeiro mais essencial ao negociante, um verdadeiro secretário, que sabe comummente do estado do negócio e da casa em que serve, com muita mais precisão do que o mesmo comerciante, e para quem passam respectivamente por força do seu ajuste, contrato e estipêndio, as obrigações que a lei nesta parte incumbe ao comerciante.”. − Dória (1973) destaca, ainda, a Carta de Lei de 30 de Agosto de 1770, assinada por D. José I, como a primeira referência à figura de “guarda-livros”. Note-se que D. José I também criou, em 1755, a Aula do Comércio, ainda considerado o primeiro estabelecimento do Ensino Técnico Comercial criado na Europa, e, eventualmente, no Mundo. 6. RICARDO DE SÁ – “O PROFESSOR” Sobre a intervenção de Ricardo de Sá como professor, destacamos a seguinte frase de Mourão (1938:415): “Mestre de uma geração de professores de contabilidade, guia de algumas gerações de guarda-livros, a êle só se deve a actividade da ciência contábil portuguesa dos últimos trinta anos.”. Ricardo de Sá foi professor da designada “5.ª Cadeira de Escrituração” do Ateneu Comercial de Lisboa, como sublinha Guimarães (1930:1): “Modesto, sem fazer alarde do seu valor, nem pretender amesquinhar os que valiam menos, conquistou por esse facto a estima de todos quantos dele se aproximavam, e, na 5.ª Cadeira de escrituração do Ateneu Comercial de Lisboa, de que era professor proprietario, evidenciou as suas altas qualidades de Mestre sabedor, regendo a supradita disciplina com elevado critério e particular carinho, contribuindo largamente para o desenvolvimento do ensino comercial no nosso país, onde hoje se encontra em tão elevado grau como o que se ministra nas mais progressivas nações.”. Note-se, porém, que Ribeiro (1905:54) refere que Ricardo de Sá era o responsável pela 7.ª cadeira “Contabilidade Geral e Operações Comerciais”, parecendo-nos uma informação mais fidedigna tendo em conta a maior credibilidade da fonte. 21 Sobre o período em que leccionou no Ateneu Commercial de Lisboa, Carqueja (2002) escreve: “Só em 1890 ou entre 1890 e 1896, ou até 1901? (interrogação que faz o Dr. José Martins Lampreia).”. De notar que o próprio Ricardo de Sá (1902b:42) escreveu: “Durante annos, ensinámos no Atheneu Commercial, aonde tivemos a honra de reger, a cadeira de contabilidade” Relativamente ao início de funções, Ricardo de Sá (1919:8) também referiu: “... por nós seguido no Atheneu Commercial, desde que em 1890 comecámos a leccionar n’aquelle estabelecimento”. Destaque-se, contudo, que Ribeiro (1905:58) sublinha que a leccionação da disciplina de contabilidade no Ateneu iniciou-se em 1880, referindo que Ricardo de Sá a leccionou em 1892, como descreve: “Contabilidade (iniciada em 1880) 1.º Professor (1880-1882) – António Casimiro de Almeida Figueiredo 2.º Professor (1882-1889) – António Alves de Matos (regência gratuita) 3.º Professor (1892) – Ricardo de Sá 4.º Professor substituto (1896) – Luis Pereiro da Costa 5.º Professor substituto (1902) – José Francisco Carreira”. Tendo em consideração esta descrição, verificamos que, entre o 2.º Professor (António Alves de Matos) e o 3.º Professor (Ricardo de Sá), há um vazio na indicação dos anos de 1890 e 1891, pelo que nos parece fazer sentido a referência de que Ricardo de Sá leccionou a partir de 1890 e provavelmente até 1895, pois o 4.º Professor (Luis Pereiro da Costa) é indicado com o ano de 1896. Ainda sobre a docência, sublinha Carqueja (2002): “Ao apreciar o mérito da sua obra deve ter-se em conta que, além de profissional, não foi propriamente um académico mas sim um autor com experiência profissional e de professor de escrituração, facto que realça o seu mérito pessoal.”. 22 7. RICARDO DE SÁ – “PERITO EM TRIBUNAIS E EM EXAMES DE ESCRITAS” Ricardo de Sá foi, também, Perito nos Tribunais Comercial e Civil, tendo-se especializado na elaboração de pareceres e em exames de escrita, o que mereceu elogios de advogados e juízes. Como atrás referimos (item 2.5), o livro “Verificações e Exames de Escripta” é, sem dúvida, o melhor testemunho do envolvimento profissional de Ricardo de Sá nas matérias em apreço, pois, como o próprio refere, o livro foi corolário de quarenta anos de profissão. Relativamente à profissão, Ricardo de Sá (1912:6) escreve: “Ha muito já que reconheciamos a necessidade de um livro d’este genero, e por mais de uma vez nas duas ephemeras Associações de especialistas que para ahi houve, nos cançámos em criticar a forma por que a classe, na sua maioria, comprehendia a missão de perito em contabilidade.”. Ricardo de Sá (1912:79) aborda a profissão de perito contabilista referindo que é conhecido, também, por árbitro, arbritador, experto ou louvado, a quem compete efectuar exposição dos trabalhos designando-a de laudo ou relatório dos peritos. Essa abordagem é efectuada no âmbito do Decreto-Lei de 27 de Maio de 1911 sobre os peritos contabilistas25 que criou, através do Ministério da Justiça, duas Câmaras dos Peritos-Contabilistas26, uma no norte e outra no sul do país, definindo nos termos do n.º 1 do art.º 3.º, as atribuições de dar parecer e verificar as contas que digam respeito ao balanço e relatório que devem ser apresentados às assembleias gerais das companhias e sociedades anónimas. Porém, tais estruturas associativas acabaram por não se constituir, por motivos que, até à data, não conseguimos descortinar. Desta descrição podemos inferir que a primeira referência à revisão de contas foi efectuada sob a expressão “verificação de contas” e a tentativa de criação da profissão 25 RICARDO DE SÁ, Verificações e Exames de Escripta, p. 213. O livro inclui o texto do diploma. De acordo com o art.º 5.º do diploma as Câmaras seriam compostas: no norte por doze indivíduos, quatro dos quais indicados por cada uma das seguintes colectividades: Tribunal do Comércio, Associação Comercial do Porto e Associação Industrial Portuense; e no sul por vinte e quatro indivíduos escolhidos também, por cada uma das seguintes corporações: Tribunal do Comércio de Lisboa, Associação Comercial de Lisboa, Associação Industrial Portuguesa, Associação dos Lojistas de Lisboa, Associação de Agricultura Portuguesa e Associação dos Advogados. 26 23 de perito-contabilista, pelo Decreto-Lei de 27 de Maio de 1911, poderá ter sido o embrião da profissão de Revisor Oficial de Contas (ROC). 8. RICARDO DE SÁ E OS OUTROS AUTORES PORTUGUESES DE CONTABILIDADE Relativamente às referências por outros autores de contabilidade, Lopes Amorim (1929:83) elenca diversos autores portugueses e destaca Ricardo de Sá nos seguintes termos: “Ricardo José de Sá (1903) autor de “Tratado de Contabilidade”. Além desta, o autor produziu a obra seguinte: «Escrituração comercial teóricapratica para aprender sem mestre» (1912)”. Assim, constatamos que Lopes Amorim não se refere às restantes obras de Ricardo de Sá mencionadas no Quadro n.º 1 deste artigo. Relativamente a Fernando Vieira Gonçalves da Silva, Carqueja (2002) afirma: “Gonçalves da Silva, embora em vários escritos seja evidente a sua muita atenção aos autores portugueses, não faz qualquer referência a Ricardo de Sá na sua obra “Doutrinas Contabilísticas”, onde refere várias vezes Rodrigo Pequito.”. Sublinhe-se no entanto, que Gonçalves da Silva não se esqueceu de Ricardo de Sá, como se comprova pelos seguintes comentários: − “Ricardo de Sá afirmava em 1888 que os efeitos do novo Código davam nas vistas ao mais imberbe dos praticantes de escritório. O exagêro e o mau-humor são evidentes, mas podem, em parte, desculpar-se: Ricardo de Sá, que era contabilista, referia-se, decerto, ao título consagrado à escrituração. Este infeliz título merece, de facto, as mais acerbas censuras. Todavia, depois de Ricardo de Sá, bem poucos escritores parecem ter atentado na urgente necessidade de o refundir inteiramente27. 27 GONÇALVES DA SILVA, F.V.: Regulamentação Legal da Escrituração Mercantil, Ed. Tipografia da Empresa Nacional de Publicidade, 1938, p. 60. 24 − Neste particular, não sofre dúvidas que o velho Pietra leva a palma a Rodrigo Pequito, Ricardo de Sá, Tamagnani Barbosa e outros autores modernos que nem sempre parecem distinguir claramente entre uma e outra disciplina28.”. Por outro lado, Noel Monteiro (1965:88) enalteceu a obra de Ricardo de Sá, da seguinte forma: “Devemos ainda referir, como autores portugueses de mais nomeada no século, Ricardo de Sá, um dos nossos primeiros teóricos...”. Mais à frente, Noel Monteiro (1965:899) reforça: “Ricardo de Sá, Raul Dória e outros mestres de renome foram os pioneiros no nosso país da literatura de conteúdo (se assim se lhe pode chamar) onde, para além da exposição da simples regra do “Deve e Haver” e da sua aplicação prática, se procurava mergulhá-la nas raizes do seu complexo e rico objecto económico e utilizá-la como instrumento interpretativo da vida da empresa.”. Finalmente, Beirão da Veiga (1931) refere-se a Ricardo de Sá nos seguintes termos: “Entre a bibliografia portuguêsa de contabilidade ocupa um lugar de destaque, ficando bem ao lado das obras do Prof. Pequito e Ricardo de Sá.”. 9. RICARDO DE SÁ - O SEU RECONHECIMENTO INTERNACIONAL Algumas referências relevam o reconhecimento internacional de Ricardo de Sá, especialmente no Brasil, em França, na Bélgica e em Espanha. Mourão (1938:419) sublinha: “No que diz respeito pròpriamente à obra de Ricardo de Sá e ao seu prestígio, não devemos desconhecer a influência que êle teve no campo contâbil de Portugal e do Brasil”. D’ Auria (1953:278), eminente cientista brasileiro do século passado, referiu-se a Ricardo de Sá nos seguintes termos: 28 GONÇALVES DA SILVA, F.V.: Curiosidades, Velharias e Miudezas Contabilísticas, Editorial Império, Lda, Lisboa, 1970, p. 93. 25 “... Pequito era-nos familiar e, muito mais tarde, admirávamos Ricardo de Sá...” Ricardo de Sá era também reconhecido a nível internacional pelos trabalhos apresentados, pois tinha bons conhecimentos de francês e inglês, o que o motivou a escrever o livro “Vocabulário de Termos Commerciaes em Portuguez, Francez e Inglez”, Lisboa, Ed. LaBécarre, Rua Nova do Almada n.º 4929 (Figura n.º 7). O reconhecimento internacional de Ricardo de Sá, especialmente em França, Bélgica e Espanha, é também referido relativamente a um trabalho seu, que mereceu os seguintes comentários30: Figura n.º 7 – Vocabulário de Termos Commerciaes em Portuguez, Francez e Inglez, de Ricardo de Sá, 1889 “Um bello trabalho de Ricardo de Sá apresentado aos Empregados do Commercio de Lisboa, mereceu os apllausos unanimes de todo o exercito de empregados do commercio portuguezes, pela lucidez da sua exposição, pela critica sincera e abalisada dos acontecimentos que se relacionavam mais com a classe e pela maneira alevantada e criteriosa com que propugnava pelos interesses da classe. Este notabilissimo trabalho de Ricardo de Sá mereceu incomios de toda a imprensa do paiz, e lá fóra, na França, na Belgica e na Hespanha, foi apreciado e discutido pelos jornaes da especialidade, os quaes, todos, una voce, consideravam o illustrado professor como um distintissimo profissional entre os mais distinctos de todo o mundo culto. Entre vários periodicos estrangeiros a elle referentes e que temos na nossa banca de trabalho, encontra-se, por exemplo, a Revue de Comptabilité et de jurisprudence – Journal de l`enseignement commercial – onde se lê, no n.º 454 de 16 de Abril de 1896, um longo artigo de analyse ao relatório apresentado por S. Ex.ª, de onde respigamos as seguintes palavras. 29 O livro tem um subtítulo extenso “Collecção de termos e phrases usadas no commercio maritimo, nos seguros, nas finanças, na navegação, na economia política, no direito commercial, na contabilidade e no commercio em geral”. 30 Artigo sob o título “Galeria de Contabilista - Ricardo de Sá”, revista “O Guarda-Livros” da Escola Prática Commercial Raul Dória, n.º 1, de 10 de Agosto de 1908, 1.º ano, pp. 2-3. 26 Nos confrères portuguais l`ont compris, et je les ont félicite, principalement M. Ricardo de Sá por son trés remarquable travail, en regrettant que le manque de place ne m`ait permis de en donner aux lecteurs de la Revue qu’une incomplète idée31. Quem subscreve o momentoso artigo é o grande mestre francez Pigiêr. Essa referencia era de per si sufficiente para avaliar da magnifica e justa reputação de Ricardo de Sá, mas S. Ex.ª possue muitos mais valiosos documentos.”. 10. RICARDO DE SÁ E A “CIÊNCIA DAS CONTAS” Ricardo de Sá (1897:2) apresenta a seguinte definição de contabilidade: “A contabilidade, a sciencia das contas, a sciencia da ordem, a sciencia que tem por fim acompanhar o capital nas suas multiplas transformações e n’um dado momento determinar o valor de cada uma das suas partes...”. (sublinhado nosso). Ricardo de Sá releva o seu contributo na concepção de um sistema gráfico e quadros que representam o movimento de algumas principais contas, baseando-se, especialmente, numa obra de D. José Maria Cañisares, de Malaga. A expressão “sciencia das contas” é utilizada mais algumas vezes no “Tratado de Contabilidade”, no qual elenca os nomes dos maiores cultores portugueses da Contabilidade, destacando Bonavie, Veiga, Cabral de Mendonça, Outeiro, Pequito, Freitas e Monteiro. Efectivamente, o contismo (“ciência das contas”) constituía, na época, um referencial teórico importante, que, em França, tinham Léautey e Guilbault, muito referenciados por Ricardo de Sá, como os dois maiores defensores. Estes que definiram a Contabilidade como “a ciência da coordenação racional das contas relativas aos produtos do trabalho e às transformações do capital, isto é das contas da produção, da distribuição e do consumo e da administração das riquezas privadas e públicas” (Dória, 1975:323). 31 Traduzido para português: “Os nossos irmãos portugueses compreenderam, e eu felicitei-os, principalmente o Senhor Ricardo de Sá pelo seu extraordinário trabalho, lamentando que a falta de espaço só me tenha permitido dar aos leitores da Revista, não mais do que apenas uma ideia incompleta.”. 27 Ainda sobre o seu posicionamento científico, Carqueja (2002) sublinha o não acolhimento do personalismo e da teoria do proprietário (em que se contrapõe activo e passivo à situação líquida, esta vista como a situação do proprietário), destacando, contudo, a figura de gestor, i.e., a teoria da entidade na variante da entidade representada pela gestão. 11. CONCLUSÕES Ricardo José de Sá foi, sem dúvida, uma das personalidades nacionais na área da contabilidade que mais se destacou, no século passado, como se pode comprovar pelos livros e artigos publicados e comunicações apresentadas em conferências e outras realizações. Ricardo de Sá foi, também, um crítico e defensor da então designada profissão de “guarda-livros” e um dos principais impulsionadores do associativismo profissional da Contabilidade. Apesar disso, poucos são os escritos existentes sobre este ilustre contabilista, professor, perito em tribunais e em exames de escrita, dos quais destacamos as notas biográficas elaboradas por Carqueja e os artigos elaborados por António Álvaro Dória. Foram, essencialmente, esses factos que nos motivaram para elaborarmos um primeiro artigo, sob o título “Ricardo de Sá e a Dívida dos Técnicos de Contas”, publicado no nosso livro “História da Contabilidade em Portugal – Reflexões e Homenagens”, e, agora, o presente artigo que pode ser considerado como uma nota biográfica bastante mais desenvolvida e comentada. Neste trabalho corrigimos, completamos e alargamos as informações constantes das notas biográficas e artigos publicados. No entanto, ainda subsistem algumas dúvidas, as quais tentaremos esclarecer em investigação futura. 28 BIBLIOGRAFIA - ASSOCIAÇÃO DE CLASSE DOS EMPREGADOS DE CONTABILIDADE (1897): Boletim “O Commercio” n.º 1, Boletim da Associação de Classe dos Empregados de Contabilidade, de 31 de Março de 1897, Lisboa. - BEIRÃO DA VEIGA, Caetano (1931): Prefácio do livro “Comércio e Contabilidade” de F. Caetano Dias “Comércio e Contabilidade”, Tipografia Henrique Torres, Lisboa. - CAETANO DIAS, F. 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Livraria Cruz, Braga. - ESTEVENS, Matilde e RUIVO, Sónia (2002): Documentação Comercial – Ricardo de Sá, revisitado, Comunicação nas II Jornadas de História da Contabilidade da APOTEC, Lisboa, Março de 2002. - FARIA JUNIOR, José da Silva (1899): Novo Processo de Escripturação Commercial – Systema Conglobado Faria Junior e Systema Accommodado Faria Junior – Accommodações do Systema Invenção Faria Junior ao Genero das Partidas Dobradas Actualmente em Uso, Ed. Typographia de A. F. Vasconcellos, Sucessores, Porto. - GONÇALVES DA SILVA, F.V. (1938): Regulamentação Legal da Escrituração Mercantil, Ed. Tipografia da Empresa Nacional de Publicidade. - GONÇALVES DA SILVA, Fernando Vieira (1959): Doutrinas Contabilísticas – Resumo e Críticas das Principais, Ed. Centro Gráfico de Famalicão, Vila Nova de Famalicão. - GONÇALVES DA SILVA, F.V. (1970): Curiosidades, Velharias e Miudezas Contabilísticas, Editorial Império, Lda, Lisboa. - GUIMARÃES, Francisco (1930): “Ricardo de Sá”, A Voz do Comércio – Quinzenário dos Contabilistas e Guarda-Livros, n.º 27, 2.º ano, Porto, 1 de Fevereiro de 1930. - LOPES AMORIM, Jaime (1929): Lições de Contabilidade Geral, Vol. I, Emprêsa Industrial Gráfica do Porto, Lda. 30 - MATHIAS, Laurénio R. (1930): “As Revistas Técnicas”: A Voz do Comércio – Quinzenário dos Contabilistas e Guarda-Livros n.º 36, 2.º ano, Porto, 15 de Junho de 1930. - MOURÃO, Luiz (1938): “Ricardo de Sá”, Revista de Contabilidade e Comércio n.º 24, Vol. LI, 1938, p. 415-27. - NOEL MONTEIRO, Martim: (1965): A Contabilidade e o seu Mundo, Ed. Portugália Editora, Lisboa. - “O GUARDA-LIVROS” (1908): Revista Trimensal de Estudos Praticos de Contabilidade e Escripturação Commercial, propriedade da Escola Pratica Commercial Raul Dória: “Galeria dos Contabilistas – Ricardo de Sá”, O Guarda-Livros, n.º 1, 1.º ano, de 10 de Agosto de 1908, p. 2-3. - “O GUARDA-LIVROS” (1911): “Galeria dos Contabilistas – Ricardo de Sá”, n.º 53 (2.ª série), 3.º ano, de 15 de Julho de 1911, p. 263. - RIBEIRO, Victor (1905): Os Primeiros 25 Anos do Ateneu Comercial de Lisboa – No seu 25.º Aniversário em 10 de Junho de 1905: Ed. Tipografia de “A Editora”, Largo do Conde Barão, 50, Lisboa, Junho de 1905. - RICARDO DE SÁ (1889): Vocabulario de termos commerciaes - Em portuguez, francez e inglez, La Bécarre, Lisboa. - RICARDO DE SÁ (1895): Taxonomia Contabilista. Memoria dirigida á Commissão Technica da Associação da Classe dos Empregados de Contabilidade: Typ. E Lith. a Vapor da Papelaria Progresso, Lisboa. - RICARDO DE SÁ (1897): “Contabilidade – O que foi, o que é, e o que deve ser”, Boletim “O Commércio” n.º 1, de 31 de Março de 1897, p.3. - RICARDO DE SÁ (1902): Uma esfrega sem potassa. Analyse critica e caustica ao non plus ultra dos systemas modernos de escripturação., Typ. Da Companhia Nacional Editora, Lisboa. - RICARDO DE SÁ (1902): Com as mãos na massa. Resposta a uma carta da commissão, ou o que seja, nomeada pelo Instituto da Classe Commercial de Lisboa, para dar parecer sobre a obra do sr. Faria Junior, do Porto, Typ. E Lith. a Vapor da Papelaria Progresso, Lisboa. 31 - RICARDO DE SÁ (1912): Verificação e Exames de Escripta. Seguidos da legislação especial sobre o mesmo assumpto, Livraria Ferin, Lisboa. - RICARDO DE SÁ (1919): Tratado de Contabilidade, 2.ª Edição, Commentada e Annotada por Antonio Corrêa de Pinho, Ed. Casa Ventura Abrantes, Livraria Editora, Lisboa. 32 ANEXO N.º 1 Nota Biográfica de Ricardo José de Sá publicada na Revista “Revisores & Empresas” n.º 16 de Janeiro/Março de 2002* Por Hernâni O. Carqueja0 ———————//——————— Ricardo José de Sá (1844-1912)1, aluno da Aula de Comércio de 1859 a 18622, foi guarda-livros do mesmo negociante durante 27 anos, para o qual deixou de trabalhar por despedimento quando “foi atacado da paralisia dos escritores”. Eventualmente este seu problema acabou por ensejar a sua obra como autor e professor. Tinha um bom conhecimento de francês e inglês3. Professor no Ateneu Comercial de Lisboa4, chefe de contabilidade do Banco Nacional Ultramarino5, foi autor de livros em que merecem destaque a classificação e lista de contas (1895) “Taxonomia Contabilística” e o primeiro livro em português sobre verificação de contas “Verificações e Exames de Escrita”, em 1912. Já tinha publicado em 1903 “Tratado de Contabilidade”, e em 1912 também publicou a “Escrituração Teórica e Prática para Aprender Sem Mestre”. O seu tratado teve mais duas edições póstumas: uma segunda edição em 1919 anotada e comentada por António Correia de Pinho e uma terceira em 1926 actualizada por Manuel Ruy dos Santos (que na apresentação do livro se identifica como Técnico Contabilista). Na edição de 1919 nem sempre é claro o que é esclarecimento e anotação de Correia Pinho e o que é texto original de Ricardo de Sá. Entretanto esta edição * Os sublinhados a negrito são do autor. 0 Tendo publicado uma nota no número 226 da Revista de Contabilidade e Comércio, recebi valiosos contributos que agradeço, e retribuo com esta versão de notícia sobre o autor do primeiro livro em português sobre verificação de contas. Em especial agradeço a preciosa ajuda do Dr. José Martins Lampreia (ROC n.º 149) cujas diligências e consultas permitiram não só precisar a data de nascimento, 27/02/1844, com base no Diário de Notícias de 08/10/1912, como esclarecer a carreira profissional e escolar, com base em outros testemunhos. 1 Segue-de perto a exposição “Ricardo de Sá” de Luis Mourão, 1938, Revista de Contabilidade e Comércio, n.º 24 (Vol. VI), pág. 415 e seguintes, complementada por análise directa das obras de Ricardo de Sá e referências feitas na “Revista do Guarda-Livros”. Luis Mourão refere influência de Ricardo de Sá em autores brasileiros, sobre o que não temos quaisquer outros dados. 2 Neste período o ensino comercial estava integrado no Liceu Nacional de Lisboa, onde correspondia à quarta secção, embora continuasse a ser referido por Aula do Comércio no dia a dia. 3 Foi autor do “Vocabulario de termos comerciais em português, francês e inglês”, 1889, la Bécarre, Rua Nova do Almada, 49, Lisboa. 4 Só em 1890 ou entre 1890 e 1896, ou até 1901? (interrogação que faz o Dr. José Martins Lampreia). 5 Os serviços de Museu do Banco Nacional Ultramarino, cuja disponibilidade o autor agradece, só encontraram registo da qualidade de accionista. Entretanto a qualidade foi invocada em referências da época, designadamente na citada Revista do Guarda-Livros, o que parece suficiente como testemunho. 33 evidencia que, tanto o autor como o comentador, conheciam bem Leautey e Guibault (autores franceses) e Léon Gomberg (autor nascido na Rússia mas estabelecido como profissional e professor na Suíça). Em 1889 fez exposição dirigida ao então príncipe D. Carlos criticando veementemente o Código Comercial de 1888, especialmente no respeitante à regulamentação legal da escrituração comercial6. Foi autor de muitos artigos, tendo escrito com regularidade para a “Revista do Guarda-Livros” da Escola Raul Dória, onde foi noticiado e seu passamento em 19127. Evidenciou apetência pela polémica8 nalguns dos seus escritos. Foi o promotor, em 1885, da Associação de Classe dos Guarda-Livros9 e foi uma presença notada no Congresso Internacional de Contabilistas em Paris em 188610. David Mourão (1938,415) qualifica-o como contista reflectindo forte influência gaulesa. Não obstante repetir várias vezes no Tratado que a contabilidade é uma ciência, e ser um dos autores portugueses mais referenciados no início do século XX, e ter particular merecimento na época, foi ainda um mestre de escrituração11. Distingue três significados no termo conta, operação, demonstração dum resultado como acontece numa factura, e o significado de conta descritiva que é o seguinte: “as (contas) que conglobam as operações efectuadas com o mesmo indivíduo, ou debaixo da mesma denominação” Anote-se o conceito de contabilidade12: 6 A. Álvaro Dória (1972); “Ricardo de Sá critica o Código Comercial”, Revista de Contabilidade e Comércio, Vol. XXXIX, nr.º 155, págs 283 a 297, e nr.º 156, págs 369 a 383 e A. Álvaro Dória (1973); “Ricardo de Sá em defesa dos Guarda-Livros”, Revista de Contabilidade e Comércio, Vol. XL, nr.º 159, págs 274 a 281. 7 Embora na revista seja indicado o mês de Setembro houve provavelmente um erro, da notícia já referida na nota 1 parece resultar que passamento ocorreu a 5/10/1912. 8 Anota-se o seu empenhamento como polemista exemplificado pela publicação “Com as Mãos na Massa”, folheto editado em Lisboa em 1902, ou “Uma esfrega sem potassa”, outro folheto com o mesmo alvo. 9 Dória (1973:276) Esta associação parece ser a mesma que é referida sob a designação de Associação Portuguesa de Contabilidade por Richard Brown, “A History of Accounting and Accountants” Frank Cass & co, LTD., 1905 e 1968, a pág. 295. 10 Notícia publicada por “O Guarda-Livros”, Agosto de 1908, revista da Escola Raul Dória, página 3, que transcreve parágrafos da “Revue de Comptabilité et Jurisprudance”, em francês, sobre o seu desempenho. 11 A sua focagem na escrituração e problemas práticos é evidenciada pela obra “Grande Tabuada, de 11 a 99 por 11 a 199”. 12 Em nota é transcrita a seguinte definição de contabilidade como aprovada no Congresso de Guarda-Livros de Paris em 1889 “A contabilidade é um dos ramos da ciência administrativa e tem por objecto constatar os movimentos, e o estado económico da fortuna, pública ou particular”. Como Ricardo 34 “... Contabilidade como a ciência que determina as leis que regem as contas relativas aos factos e actos gestivos, quer públicos quer particulares”, e o de factos gestivos “factos gestivos são os fenómenos económicos que imprimem qualquer variação aos valores administrados, como ...” O não acolhimento do personalismo é evidente mesmo ao enunciar regras para debitar e creditar; distingue não só a “pessoa que recebe ou conta que representa os valores que entram” mas ainda “as contas de resultados”. Não presume pessoas quando refere contas de resultados. Sobre o balanço merece realce o seguinte texto13: “... o balanço digráfico existe no próprio sistema14, faz parte integrante d’ ele, é até a base em que ele assenta” “...” O balanço geral tem por objectivo reconhecer: 1.º A situação dos valores existentes; 2.º A situação das dívidas activas; 3.º A situação das dívidas passivas; 4.º A situação do gestor.” Como exclui da classe de valores existentes as dívidas activas e passivas, a enumeração podia sugerir a contraposição das três primeiras classes (valores existentes + dívidas activas – dívidas passivas), à situação do gestor, o que não acontece pois esta não equivale ao “Activo Líquido”, dado entendimento e classificação de empréstimos e obrigações. Na sua taxonomia contabilística distribui as contas por quatro séries, respectivamente “Contas de Capital Nominal ou de Fundos Aplicados”, “Contas de meios de acção”, “Contas de Resultados” e “Contas Pessoais”. “As contas de “Obrigações” e “Empréstimos” aparecem enquadradas na mesma série que a de Capital, são fundos aplicados, o que é coerente com os seus exemplos de balanços, mas afasta a hipótese de coerência das suas propostas com o que veio a ser rotulado de teoria do proprietário (em que se contrapõe activo e passivo a situação líquida, esta vista como situação do proprietário). Simultaneamente é evidente o realce da figura do de Sá esteve presente neste Congresso este conceito foi necessariamente uma sua referência, e clarifica a sua intenção quando propôs enunciado diferente. 13 “Tratado de Contabilidade”, 2.ª edição, 528 pags. 14 Lopes Amorim, muito mais tarde, em 1929, sob as vestes de “equilibrio patrimonial”, expõe entendimento muito semelhante. 35 gestor15 quer nos objectivos do balanço, quer no conceito implícito na discriminação que faz dos “Meios de Acção” e das “Contas Pessoais”. Parece correcto considerar o seu entendimento como próximo da teoria da entidade, especialmente sob a variante de entidade representada pela gestão16. Ao apreciar o mérito da sua obra deve ter-se em conta que, além de profissional, não foi propriamente um académico mas sim um autor com experiência profissional e de professor de escrituração, facto que realça o seu mérito pessoal. Lopes Amorim que cita J. Almeida Outeiro, M. Cabral de Mendonça e J. Rodrigues de Freitas, não refere, no seu livro de 1929, Ricardo de Sá, embora tivesse sido publicada em 1926, portanto poucos anos antes da sua obra de 1929, uma 3.ª edição do Tratado de Contabilidade. Na obra de 1969 refere o autor “R. Sá”em conexão com o livro de escrituração, o que parece confirmar que o “Tratado” não fez parte das obras consideradas. Gonçalves da Silva, embora em vários escritos seja evidente a sua muita atenção aos autores portugueses, não faz qualquer referência a Ricardo de Sá na sua obra “Doutrinas Contabilísticas”, onde refere várias vezes Rodrigo Pequito. Martim Noel Monteiro (1965:88) professor e tratadista muito influente no terceiro quartel do séc. XX, destaca Ricardo de Sá “entre os autores de mais nomeada” no primeiro quartel, e qualifica-o como um dos nossos primeiros teóricos. A análise directa de algumas das suas obras não nos deixou dúvidas sobre o seu mérito. 15 Outros autores da época focaram a atenção na gestão, ou nos resultados desta. Este é um dos aspectos que nos parece merecer destaque em Ricardo Sá. 16 Cotejando esta posição com a de Gonçalves da Silva encontra-se muita semelhança. 36 ANEXO N.º 2 RICARDO DE SÁ EM DEFESA DOS GUARDA-LIVROS* Por António Álvaro Dória Por diversas vezes, e nas páginas desta Revista, tenho aludido ao facto de ter sido o Código da Contribuição Industrial o primeiro documento legislativo português em que se reconheceu a importância do papel desempenhado pelos Guarda-Livros, e, como consequência, depois de se terem apelidado de Técnicos de Contas, se procurou dar-lhes aquela dignidade a que eles sempre tiveram direito, mas que só em nossos dias se está a reconhecer-se-lhes. Devido a eles terem, durante séculos, exercido funções subalternas ao serviço de uma arte empírica, confundidos quase sempre com os simples Caixeiros, categoria de profissionais humildes, dependentes, na grande maioria dos casos, de patrões tirânicos ou prepotentes, os Guarda-Livros ainda no dealbar do nosso século eram tidos em pouca conta, quer como profissionais, quer como homens, sendo vulgar ouvir alguns patrões referirem-se ao seu guarda-livros chamando-lhe «o homem que me faz a escrita»... Tal espírito de rotina, enraizado durante séculos, conseguiu entrar no século actual e tão fundo, que ainda há exemplares, raros embora, desses indivíduos que no guardalivros não vêem mais do que um alinhador de cifras, de que necessitam porque têm de dar cumprimento às disposições legais, aliás por certo dele prescindiriam. Como reacção a tal tratamento, os velhos guarda-livros procuraram aquilo a que se chamaria o hermetismo profissional, esforçando-se por criar à sua volta e à volta da sua actividade profissional um certo mistério, chamando a si todo o trabalho da escrituração, ou da «arrumação» dos livros, como então se dizia, conjunto de regras ciosamente guardadas dos olhares profanos e que só seriam reveladas aos iniciados... A passagem do movimento mensal aos livros selados revestia-se de todas as características dum rito, e ai do empregado, mesmo do escritório, que ousasse lançar um olhar, por fugidio que fosse, àquilo que o velho guarda-livros escrevia! Esses dignos profissionais, que tinham a consciência perfeita da pouca consideração que por eles nutriam os respectivos patrões, procuravam iludir-se, atribuindo-se uma transcendência que eles criam os elevaria no conceito geral, cândida ilusão que hoje nos faz sorrir, a nós os que ainda conhecemos alguns exemplares da * Publicado na Revista de Contabilidade e Comércio, n.º 159, Vol. XL, 1973, pp. 274-81. 37 espécie, mas que os jovens Técnicos de Contas dos nossos tempos dinâmicos se mostram incapazes de compreender e até de aceitar. Ao que creio, foi José Ferreira Borges a primeira pessoa a salientar a importância e o valor dos Guarda-Livros quando no seu Dicionário Jurídico-Comercial (1833) lhes chamou «o caixeiro mais essencial ao negociante, um verdadeiro secretário, que sabe comummente do estado do negócio e da casa em que serve, com muita mais precisão do que o mesmo comerciante, e para quem passam respectivamente por força do seu ajuste, contrato e estipêndio, as obrigações que a lei nesta parte incumbe ao negociante». Cinquenta anos, no entanto, decorreram antes de voltar a ouvir-se uma voz autorizada a defender os profissionais das contas e a esforçar-se por que lhes fosse reconhecida uma dignidade a que tinham jus. E essa voz foi a de Ricardo de Sá. Já em artigo anterior me referi de espaço à personalidade e à obra deste eminente contabilista, o primeiro que em Portugal contribuiu para se traçarem os fundamentos científicos da Contabilidade, fugindo ao empirismo e à rotina de que enfermavam todas as obras até então publicadas acerca da arte chamada ainda Escrituração Comercial. Observador inteligente, espírito reflexivo, de vasta cultura e não apenas especializada, tudo nele propendia para o levar ao estudo das questões económicas e, mais frequentemente, contabilísticas, com uma clara visão dos problemas e da sua solução racional, atento ainda aos desvios da justa doutrina – aquilo a que a Lei hoje chama «os sãos princípios da Contabilidade» – para verberar, muitas vezes com violência muito portuguesa ou sarcasmo peninsular, aqueles que, seguros da nossa proverbial falta de estudo, indolência e desinteresse por certas questões consideradas transcendentes, se abalançavam a vir a público a defender doutrinas, logo baptizadas de charlatanice por Ricardo de Sá. No meu artigo referido acima tive ocasião de revelar como o ilustre logismólogo saiu a terreiro a criticar, por vezes acerbamente, o Código Comercial ainda hoje em vigor, demonstrando os erros ou deslizes do legislador, aliás considerado um dos nossos primeiros jurisconsultos do século passado, e também os passos em que o Código se mostrava subsidiário de alguns códigos estrangeiros similares, em particular o espanhol. No presente artigo vou dar conhecimento de uma representação que deveria ser remetida a D. Luís I então reinante e subscrita pela Associação Portuguesa de Contabilidade, criação do próprio Ricardo de Sá, e na qual ele procurava criar aos 38 Guarda-Livros uma ambiente de dignidade que de todo lhes faltava e continuou a faltar durante muitos anos. Eis o teor da representação: SENHOR: A Associação Portuguesa de Contabilidade, autorizada por Alvará de 12 de Outubro de 1885, tem no seu seio um grupo, denominado Sinédrio, composto dos associados aptos para os cargos superiores de Contabilidade, e onde estão agremiados os guarda-livros das principais casas de comércio e indústria desta praça. Entre outras atribuições tem, o Sinédrio, a de pugnar pelos interesses profissionais. É pois no desempenho desta missão, que os abaixo assinados vêm, com o máximo respeito, representar a Vossa Majestade. Trata-se agora, Senhor, da reforma do Código Comercial e mal andaria o Sinédrio da Associação Portuguesa de Contabilidade, se não aproveitasse o ensejo para reclamar para a classe dos Guarda-Livros, em face da lei, a consideração que particularmente lhe é dada. Bem sabe o mesmo Sinédrio que a Associação Comercial de Lisboa está incumbida de indicar os pontos do sobredito Código, que precisam modificação; não obsta isso, porém, a que o referido Sinédrio cumpra com as obrigações que lhes são inerentes, submetendo à ilustrada apreciação de Vossa Majestade, uma pretensão tão justa como razoável e que não vai, de certo, de encontro às indicações que, em tempo oportuno, hão-de ser apresentadas a Vossa Majestade pela comissão em que delegou a citada associação, e que é composta de cavalheiros assaz competentes para emitirem a sua opinião sobre um assunto tão transcendente, e que tanto deve interessar à classe comercial. Cada um zela, porém, os interesses que lhe dizem respeito, e não crê o Sinédrio da Associação Portuguesa de Contabilidade, que haja quem deva estimular-se, vendo-o pugnar, pelos meios legais, por uma causa de tanta utilidade para a numerosa classe que representa. É incontestável, Senhor, que o actual Código do Comércio, embora possa considerar-se como uma obra abalisada em relação à época em que foi compilado, é, 39 contudo, segundo a experiência o tem demonstrado, deficiente bastante com respeito ao movimento do comércio moderno, e mesmo aos sistemas empregados nas operações mercantis, e que o trato de cinquenta anos tem modificado, acompanhado o progresso nas suas aceleradas evoluções. O Decreto de 13 de Julho de 1859, encarregando uma comissão para rever o Código Comercial Português, já demonstrava quanto era compreendida aquela deficiência. O Decreto, porém, de 4 de Junho de 1868 confirma mais claramente aquela compreensão, declarando que a experiência do foro tinha mostrado, que o sobredito código e respectivo processo, eram incompatíveis com a boa administração da justiça. Pelo Decreto de 17 de Junho de 1870 significava o Governo de Vossa Majestade, que era indispensável e urgente a reforma da nossa legislação comercial. Ainda há pouco a digníssima Associação Comercial de Lisboa, na desenvolvida e bem elaborada representação que dirigiu a Vossa Majestade, pedia que se pusesse em prática aquela reforma. Há dias apenas o digníssimo Sr. Presidente do Conselho de Ministros acaba de declarar nas Câmaras, que, para corresponder a uma instantíssima necessidade pública, vai o Governo ocupar-se da reforma do Código Comercial. Os abaixo assinados, Senhor, cônscios de que o Governo de Vossa Majestade não deixará de cumprir também nesta parte o seu programa, fazendo proceder com brevidade à reforma prometida, vêm respeitosamente indicar, apenas, a lacuna que existe no mesmo Código Comercial com referência ao Guarda-Livros. Estranhando o Sinédrio da Associação Portuguesa de Contabilidade que no Código de Comércio haja uma secção especial para feitores e caixeiros, deixando-se no olvido o mais graduado dos últimos, muito mais estranha que um jurisconsulto abalisado e um reformador exímio, como o compilador do Código, tivesse aquele olvido depois de definir o Guarda-Livros no seu Dicionário Jurídico-Comercial, como – o caixeiro mais essencial ao negociante, um verdadeiro secretário, que sabe comummente do estado do negócio e da casa em que serve, com muita mais precisão do que o mesmo comerciante, e para quem passaram respectivamente por força do seu ajuste, contrato e estipêndio, as obrigações que a Lei nesta parte incumbe ao negociante. 40 Esta anomalia, num espírito tão superior, é deveras deplorável. O projecto, porém, de reforma do Código pelo Ex. Sr. Diogo Pereira Forjaz de Sampaio Pimentel, embora o seu incontestável merecimento, não preencheu a lacuna que citámos. No Código ainda por incidente se fala em guarda-livros, no projecto referido parece, até, que se lhe desconhece a existência. Contudo, o Senhor, o Guarda-Livros é mais do que um simples caixeiro, mais do que um mero empregado no comércio, o Guarda-Livros é o historiador da vida do comerciante, é um intermediário comercial, é um funcionário mercantil, e tem para figurar no Código do comércio iguais, senão superiores direitos, aos dos feitores, caixeiros, corretores, comissários, recoveiros, capitães de navios, contramestres, pilotos e sobrecargas, de que ali se faz menção. O Guarda-Livros, mesmo pela sua ilustração, pela sua actividade, pela sua prática de negócios, pela sua seriedade, pelo papel que representa enfim para com o comerciante a quem presta serviços, e para com terceiros, ou por outra, para com o mundo comercial, tem jus a uma secção especial do Código, secção em que seja definido dando-se-lhe a personalidade legal que lhe é correspondente, elevando-se à categoria de funcionário mercantil, e marcando-se-lhe finalmente seus direitos e deveres. Para que o Guarda-Livros tenha personalidade legal, e sobretudo para que possa ser considerado funcionário comercial, torna-se indispensável abrir-lhe matrícula por idoneidade, e o Sinédrio da Associação Portuguesa de Contabilidade ousa esperar que os primeiros guarda-livros matriculados na praça de Lisboa, sejam todos os que fazem parte do mesmo Sinédrio, e que ou exercem cargos superiores de contabilidade nos bancos, companhias e principais casas de comércio e indústria da referida praça, ou têm as aptidões precisas para os exercerem, conforme o mesmo Sinédrio rigorosamente pesquizou quando os admitiu no seu seio. A França que caminha sempre na vanguarda do progresso tem há muito o expert comptable, na Espanha os colégios de Madrid e Barcelona diligenciam agora conseguir que os Guarda-Livros tenham personalidade jurídica; não é muito, pois, que Portugal tratando de reformar o seu Código de Comércio, preencha uma lacuna que data de 1833. 41 As palavras que empregamos, Senhor, não são mais do que o eco das que empregam os nossos colegas de Espanha pedindo consideração para a classe. Umas e outras são a consubstanciação das ideias que germinam por todo o mundo civilizado, depois da evolução política que baniu os governos absolutistas, e que veio com as suas liberdades aumentar as regalias dos povos. Por toda a parte, Senhor, na segunda metade deste século, os Guarda-Livros reconhecem o que são e o que valem, e pretendem obter na sociedade o lugar que de direito lhes pertence. Para esse fim criam as associações de classe. Em Filadélfia forma-se «The Book-keepers Association», em New York «The Institute of Accountants and Book-keepers», na Inglaterra « The Institute of Chartered Accountants», na França, além de outras, «La Chambre Syndicale des Comptables» e «La Société Académique de Comptabilité», no Rio de Janeiro a «Associação dos Guarda-Livros», em Madrid e em Barcelona «Colégios de Tenedores de Libros». Em Portugal, obedecendo-se a este impulso civilizador, criou-se também a Associação Portuguesa de Contabilidade, modelada pelas associações congéneres estrangeiras, e com o mesmo fim essencial; isto é, a elevação do Guarda-Livros em face da sociedade hodierna. É portanto o cumprimento de um dever que leva aos pés de Vossa Majestade o Sinédrio desta associação, o qual espera ser atendido na reclamação motivada que acaba de fazer, por confiar na muita rectidão de Vossa Majestade e na magnanimidade do Seu carácter, propensa sempre a aumentar ao povo português as liberdades que lhe foram doadas por seu Augusto Avô. Todavia, por estranho que pareça, esta representação não chegou a ser entregue ao rei, porque, como informa o mesmo Ricardo de Sá, «foi entregue a uma comissão que a alterou um pouco, e que por último, depois de discutida, foi completamente posta de parte», porque a referida comissão, reconhecendo embora o mérito da proposta de Ricardo de Sá, entendeu que, «apesar da doutrina simpática» que por vezes revelava, não devia por então ser apresentada ao Governo, «sem que por meios extra-oficiais» se pudesse saber se haveria qualquer intenção, da parte da comissão encarregada de rever o Código, de consultar a Associação Portuguesa de Contabilidade a respeito de tal revisão. 42 Claro que nunca tal consulta se fez, o que era de esperar, pelo que me parece peregrina a expectativa da comissão, como igualmente pareceu a Ricardo de Sá, do que resultou que no Código Comercial ainda em vigor nenhuma referência se faz aos Guarda-Livros, que tiveram de aguardar três quartos de século até o Código da Contribuição Industrial deles se lembrar, enfeitando-os com o apelativo de Técnicos de Contas, elevando-os no conceito público e em dignidade, embora atribuindo-lhes responsabilidades que, em certos casos, excedem o limite do que pode considerar-se razoável. Ricardo de Sá estava convencido de que, se a sua exposição fosse apresentada a D. Luís I, teria recebido acolhimento favorável, “ainda que em parte só, e o GuardaLivros teria no Código, ao menos, o seu lugar distinto”. No entanto, como ele mesmo recorda, pela Carta de Lei de 30 de Agosto de 1770, assinada por D. José I, determinava-se que na Junta do Comércio se inscrevessem “todos os guarda-livros, todos os caixeiros, todos os praticantes” das casas comerciais portuguesas e das corporações e instituições públicas e particulares, sob pena de, não o fazendo, não poderem ser compreendidos no Corpo Geral do Comércio, não poderem concorrer a funções públicas, e, o que era pior, “as suas escriturações, contas ou laudos” não poderiam “valer em juízo, ou fora dele, para algum efeito”, considerando-se “nulo todo o referido, como se escrito não fosse”. Pela mesma Carta de Lei seria absolutamente proibido admitirem-se, nos escritórios das casas comerciais, entre outros, guarda-livros que não se tivessem previamente matriculado, chegando a proibição a ponto de incluir os “próprios filhos dos mesmos comerciantes, que não houvessem cursado, e completado os seus estudos na Aula de Comércio e nela obtido cartas de aprovação”. Como é geralmente sabido, e eu próprio já o acentuei há anos nesta mesma Revista, a Aula de Comércio foi criada por D. José I, por indicação do seu poderoso Ministro, tendo sido o primeiro estabelecimento de Ensino Técnico Comercial criado na Europa, no que Portugal foi pioneiro, papel de que no século imediato descaiu lamentavelmente, deixando, após a instauração do regime constitucional, que começassem a pulular os guarda-livros formados empiricamente na rotina da prática de escritório, raros sendo os que, pelo estudo aturado servido por uma inteligência 43 indagadora, ultrapassavam a prática comezinha da Escrituração Comercial, a “ciência” do Deve e Haver, como então costumava dizer-se. Ricardo de Sá, que foi um Mestre incontestado, em cujos livros ainda hoje é possível colher ensinamentos, ao mesmo tempo que se esforçava por dignificar a Contabilidade, cujos fundamentos científicos pressentiu, procurava também dignificar os que a aplicavam, esforçando-se por que o Guarda-Livros fosse elevado à posição a que tinha direito e o reconhecessem como elemento categorizado dentro da engrenagem económica, evitando-se, assim, a continuação da proliferação dos simples curiosos que das actividades contábeis faziam “terra de ninguém”, a que se acolhiam tantas vezes os falhados cujos pais, convencendo-se de que os filhos eram nulidades para os estudos, quando os não empregavam como caixeiros, os matriculavam em cursos particulares para estudarem (sic) comércio... Com risco de os meus leitores verem na minhas palavras pruridos de vaidade quando afinal elas têm apenas o cunho da justiça, mais uma vez afirmarei que meu Pai, fundando a sua Escola Prática Comercial, teve exactamente como escopo pôr termo a tal estado de anarquia, sendo por isso, creio bem, que Ricardo de Sá teve por ele uma admiração nunca ocultada. Os actuais Técnicos de Contas, em situação tão diferente daquela que, durante tantos anos, usufruiram os antigos Guarda-Livros, contraíram para com Ricardo de Sá uma dívida que se encontra ainda por solver: bom seria que pudessem em breve “pôr a escrita em dia”, saldando essa conta. 44