3 Vol XIX 2010 - Revista Nascer e Crescer
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3 Vol XIX 2010 - Revista Nascer e Crescer
Revista do Hospital de Crianças Maria Pia | Departamento de Ensino, Formação e Investigação | Centro Hospitalar do Porto Ano | 2010 Volume | XIX Número | 03 Directora | Editor | Sílvia Álvares; Directora Adjunta | Associated Editor | Margarida Guedes Presidente do CA do Centro Hospitalar do Porto, EPE | Director | Pedro Esteves - Cidade Rodrigues, CHP - HMP - Clara Barbot, CHP - HMP - Conceição Casanova, CHPV-VC - Eloi Pereira, H Maria Pia, CHP - HMP - Eurico Gaspar, HS Pedro - CHTMAD - Fátima Praça, CHVNG - E - Filomena Caldas, CHP - HMP - Gama Brandão, CHAA - Gonçalves Oliveira, H Famalicão, CHMA - Henedina Antunes, HBEB - Hercília Guimarães, HSJ, FMUP - Ines Lopes, CHVNG - UE - José Barbot, CHP - HMP - José Carlos Areias, FMUP - José Carlos Sarmento, CHVS - José Cidrais Rodrigues, HPH – ULSM - José Pombeiro, MJDinis – CHP - MJD - Lopes dos Santos, HPH – ULSM - Lucília Norton, IPOPF-G - Luís Almeida Santos, HSJ, FMUP - Luís Januário, HPC - Luís Vale, CHP - HSA - Manuel Salgado, HPC - Manuela Selores, CHP - HSA - Marcelo Fonseca, HPH – ULSM - Margarida Lima, CHP – HSA, ICBAS - Margarida Medina, CHP - HSA - Maria Augusta Areias, CHP - MJD - Nuno Grande, ICBAS - Octávio Cunha, Hospital Privado da Boa-Nova - Óscar Vaz, H Mirandela – CHNordeste - Paula Cristina Ferreira, CHP - HSA - Pedro Freitas, HS Oliveira, Guimarães – CHAA - Raquel Alves, CHP - UMP - Rei Amorim, HS Luzia - CHAM - Ricardo Costa, H Pêro da Covilhã, CHCV - Rodrigues Gomes, Fundação Calouste Gulbenkian - Rosa Amorim, CHP - UMP - Rui Carrapato, HS Sebastião – CHEDV Secretariado Administrativo | Secretary Maria José Bento, IPOPF-G Conselho Científico Internacional | | International Scientific Board tel: (+351) 226 089 900; fax: (+351) 226 000 841 Conselho Científico Nacional | | National Scientific Board - Alain de Broca (Amiens), Centre Hospitalier Universitaire Amiens - Anabelle Azancot (Paris), Hôpital Robert Devré - D. L. Callís (Barcelona), Hospitals Vall d’Hebron - F. Ruza Tarrio (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Francisco Alvarado Ortega (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - George R. Sutherland (Edinburgh), University Hospital - Harold R. Gamsu (Londres), Kings College Hospital - J. Bois Oxoa (Barcelona), Hospitals Vall d’Hebron - Jean François Chateil (Bordeaux), Hôpital Pellegrin - José Quero (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Juan Tovar Larrucea (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Juan Utrilla (Madrid), Hospital Infantil Universitario La Paz - Peter M. Dunn (Bristol), University of Bristol Os trabalhos, a publicidade e a assinatura, devem ser Corpo Redactorial | Editorial Board Artur Alegria, MJDinis - CHP; Armando Pinto, IPOPF-G; Carmen Carvalho, MJDinis - CHP; Conceição Mota, H Maria Pia - CHP; Cristina Rocha, CHEDV; Gustavo Rocha, HS João, João Barreira, HS João, Laura Marques, H Maria Pia - CHP; Miguel Coutinho, H Maria Pia - CHP; Rui Almeida, HP Hispano, Rui Chorão, H Maria Pia - CHP Editores especializados | Section Editors Artigo Recomendado – Helena Mansilha, H Maria Pia - CHP; Maria do Carmo Santos, H Maria Pia - CHP; Tojal Monteiro, ICBAS Perspectivas Actuais em Bioética – Natália Teles, INSRJ-INSA Pediatria Baseada na Evidência – Luís Filipe Azevedo, FMUP; Altamiro da Costa Pereira, FMUP Ciclo de Pediatria Inter-Hospitalar do Norte – Almerinda Pereira, HBEB, Armando Pinto, IPOPFG; Carla Carvalho, HSM Maior; Conceição Santos Silva, CHPV-VC; Fátima Santos, CHVNGVC; Fernanda Manuela Costa, HS António - CHP; Helena Jardim, HS João; Isolina Aguiar, CHAA; Joaquim Cunha, CHVS; Miguel Costa, CHEDV; Rogério Mendes, MJDinis - CHP; Rosa Lima, H Maria Pia - CHP; Sofia Aroso, HP Hispano; Sónia Carvalho, CHMA. Caso Dermatológico – Manuela Selores, HS António - CHP; Susana Machado, HS António - CHP Caso Electroencefalográfico – Rui Chorão, H Maria Pia - CHP Caso Endoscópico – Fernando Pereira, H Maria Pia - CHP Caso Estomatológico – José Amorim, H Maria Pia - CHP Caso Radiológico – Filipe Macedo, CHAA Genes, Crianças e Pediatras – Esmeralda Martins, H Maria Pia - CHP; Margarida Reis Lima, HPP Pequenas Histórias – Margarida Guedes, HSAntónio – CHP, ICBAS Coordenação Técnica | Editorial Coordenation Margarida Lima, HS António – CHP, ICBAS Consultora de Epidemiologia e de Bioestatistica - Alberto Caldas Afonso, HSJ, FMUP - Agustina Bessa Luís - Almerinda Pereira, HBEB - Álvaro Aguiar, FMUP - Ana Maria Leitão, HSSM - Ana Maria Ribeiro, CHEDV - Ana Ramos, CHP - HMP - António Lima, CHEDV - António Martins da Silva, ICBAS - António Vilarinho, CHVNG - E - Arelo Manso, C H Trás-os-Montes e Alto Douro (CHTMAD) - Braga da Cunha, H Pe Américo - CHTS - Carlos Duarte, CHP - UMP Carolina Cortesão Paulo Silva Publicação trimestral resumida e indexada por SciELO; Scopus; EMBASE / Excerpta Médica; Catálogo LATINDEX; Index das Revistas Médicas Portuguesas Design gráfico bmais comunicação Execução gráfica e paginação Papelmunde, SMG, Lda Vila Nova de Famalicão ISSN 0872-0754 Depósito legal n° 4346/91, anotada no Ministério da Justiça em 92.04.24 Tiragem 2.500 exemplares Autorização CTT DE 0005/2005 DCN Propriedade, Edição e Administração Hospital de Crianças Maria Pia, DEFI Centro Hospitalar do Porto Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto dirigidos a Coordenação da Revista Nascer e Crescer Hospital de Crianças Maria Pia Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto tel: (+351) 226 089 900; telemóvel: (+351) 915 676 516 [email protected] Condições de assinatura Anual Nacional (4 números) - 40 euros Anual Estrangeiro (4 números) - 80 euros Número avulso - 12 euros Rua da Boavista, 713 – 4050-110 PORTO Tel. 222 081 050 [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia índice ano 2010, vol XIX, n.º 3 número3.vol.XIX 143 Editorial 144 Artigos Originais Sílvia Álvares Enurese Nocturna: a Experiência de uma Consulta Especializada no CHPPV/VC Pedro Silva Almeida, João Monteiro, Célia Madalena 149 Casos Clínicos Um Caso Raro de Retenção Urinária Aguda Marta Santalha, Miguel Fonte, Filipa Correia e Cristina Ferreira 152 Dor Abdominal e Retenção Urinária Aguda em Adolescente: Apresentação Clínica de Hematocolpos e Revisão da Literatura Helena Sousa, Helena Fonseca e Lurdes Sampaio 155 Artigo de Revisão Paralisia Facial Periférica – Diagnóstico, Tratamento e Orientação Tiago Correia, Maria João Sampaio, Rui Almeida e Cristina Garrido de Pediatria Inter-Hospitalar 161 Ciclo do Norte Hidropisia Fetal e Colestase Neonatal – Caso Clínico Ariana Afonso, Ana Margarida Alexandrino, Ermelinda Santos Silva, Alexandra Almeida e Gilberta Neves Santos 166 Qual o seu Diagnóstico? Caso Hematológico Patrícia Nascimento, Emília Costa, Beatriz Porto e José Barbot 169 Caso Dermatológico Ana Oliveira, Iolanda Fernandes, Inês Lobo e Manuela Selores 171 Caso Electroencefalográfico Ana Graça Velon, Célia Xavier, Adriana Ribeiro e Rui Chorão 174 Caso Endoscópico Fernando Pereira 176 Caso Estomatológico José M. S. Amorim 178 Caso Radiológico Ana Filipe Almeida, Filipe Macedo 180 Genes, Crianças e Pediatras Anabela Bandeira, Maria João Oliveira e Esmeralda Martins NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 182 Pequenas Histórias As Mães nem Sempre Têm Boas Intenções… Manuel Salgado XXII Reunião do Hospital de Crianças Maria Pia – Resumo das Intervenções S185 Cuidados Continuados Pediátricos – Abordagem Multidisciplinar – Mesa Redonda A nutrição Helena Ferreira S189 A reabilitação Rosa Amorim S192 Cuidados Paliativos e Continuados Pediátricos – Presente e Futuro – Mesa Redonda O papel da Comunidade Maria José Ribas S195 Experiência do Serviço de Pediatria do IPO Ana Maia S198 Ginecologia em Pediatria – Mesa Redonda S200 Contracepção e Gravidez na Adolescência – Mesa Redonda Puberdade Tardia: Amenorreia Primária Márcia Barreira Doenças Sexualmente Transmissíveis Manuel Rodrigues S201 Gravidez na Adolescência Rosa Maria Rodrigues S202 Grande Prematuridade – Mesa Redonda S204 Prematuridade Tardia – Mesa Redonda Grande Prematuridade: Nutrição e Crescimento Luísa Carreira Prematuridade Tardia: a Nova Epidemia Gilberta Santos S207 Experiência da Maternidade Júlio Dinis Cristina Godinho Resumo das Comunicações Orais S210 S219 Nascer e Crescer para o 234 Prémio Melhor Artigo Original 235 Normas de Publicação Resumo dos Posters NASCER E CRESCER summary revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 number3.vol.XIX 143 Editorial 144 Original Articles Sílvia Álvares Nocturnal Enuresis: Experience of a Specialized Consultation at CHPV/VC Pedro Silva Almeida, João Monteiro, Célia Madalena 149 Case Reports A Rare Case of Acute Urinary Retention Marta Santalha, Miguel Fonte, Filipa Correia, Cristina Ferreira 152 Adolescent With Abdominal Pain and Acute Urinary Retention: Clinical Presentation of Hematocolpos and Review of the Literature Helena Sousa, Helena Fonseca, Lurdes Sampaio 155 Review Articles Peripheral Facial Palsy – Diagnosis, Treatment and Follow-up Tiago Correia, Maria João Sampaio, Rui Almeida, Cristina Garrido 161 Paediatric Inter-Hospitalar Meeting Hydrops Fetalis and Neonatal Cholestasis – Case Report Ariana Afonso, Ana Margarida Alexandrino, Ermelinda Santos Silva, Alexandra Almeida e Gilberta Neves Santos 166 What is your Diagnosis? Hematology Case Patrícia Nascimento, Emília Costa, Beatriz Porto, José Barbot 169 Dermatology Case Ana Oliveira, Iolanda Fernandes, Inês Lobo, Manuela Selores 171 EEG Case Report Ana Graça Velon, Célia Xavier, Adriana Ribeiro, Rui Chorão 174 Endoscopic Case Fernando Pereira 176 Oral Pathology Case José M. S. Amorim 178 Radiological Case Ana Filipe Almeida, Filipe Macedo 180 Genes, Children and Paediatricians Anabela Bandeira, Maria João Oliveira, Esmeralda Martins NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 182 Short Stories Mothers’ intentions: not always good… Manuel Salgado XXII Meeting of children’s Hospital Maria Pia – Abstracts S185 Paediatric Continuing Care – Multidisciplinary Approach – Round Table Nutrition Helena Ferreira S189 Rehabilitation Rosa Amorim S192 Paediatric Palliative and Continuing Care – Present and Future – Round Table The Role of Community Maria José Ribas S195 Experience of the Paediatric Department of IPO Ana Maia S198 Gynecology in Paediatrics – Round Table S200 Contraception and Pregnancy Among Adolescents – Round Table Delayed Puberty: Primary Amenorhoea Márcia Barreira Sexually Transmitted Diseases Manuel Rodrigues S201 Adolescent Pregnancy Rosa Maria Rodrigues S202 Extreme Prematurity – Round Table S204 Late Prematurity – Round Table Extreme Prematurity: Nutrition and Growth Luísa Carreira Late Prematurity: the New Epidemics Gilberta Santos S207 Experience of the Maternidade Júlio Dinis Cristina Godinho Oral Presentations – Abstracts S210 S219 e Crescer: Best Original 234 Nascer Article 235 Instructions for Authors Posters Presentations – Abstracts NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 editorial Bem-vindos à I Reunião do CMIN/XXII Reunião do Hospital de Crianças Maria Pia. Tendo já no nosso património cultural e científico XXII realizações, esta é a primeira de uma nova fase da nossa história. Continua a ser nosso compromisso manter um espírito de colaboração interinstitucional e entre os diferentes níveis de cuidados de saúde, no sentido de uma melhoria da qualidade assistencial. Acresce que, nos dias de hoje, a saúde é entendida como um direito social, num conceito mais abrangente que o simples direito equitativo a cuidados para tratamento de doença. Importa, pois, considerar que o estado de saúde não é só condicionado pelos cuidados de saúde. As condições sócio-económicas e ambientais, os factores de comportamento e estilo de vida são determinantes preponderantes na melhoria do estado de saúde. Esta ligação e interdependência entre os cuidados de saúde e a comunidade, a necessidade de uma interdisciplinaridade no tratamento da doença crónica, vão estar bem presentes na discussão sobre os Cuidados Paliativos e Continuados Pediátricos. Ainda no âmbito desta problemática iremos também desenvolver um tema actual “A Prematuridade”, a nova epidemia em Pediatria, que exige também uma orientação multidisciplinar. Outros temas incluídos no programa são a “Ginecologia Pediátrica”, uma área desafiante para o Pediatra, face ao alargamento da idade pediátrica e às alterações dos padrões de comportamento social dos adolescentes. Como sempre, esperamos dinamizar a assistência com a sessão interactiva de Infecciologia e trazer os avanços da Cirurgia de Mínimo Acesso. Incluímos dois cursos pré congresso: o curso de Suporte de Vida Pediátrico e o curso de Ventilação não Invasiva, e o curso pós congresso de Imagiologia Pediátrica. Teremos ainda sessões de comunicações livres que serão, sem dúvida, um espaço de debate e de promoção de troca de saberes e experiências. Esperamos recompensar o esforço dos colegas com a atribuição dos prémios para a melhor Comunicação Oral e Melhor Poster. Procuramos apresentar um programa com um conteúdo equilibrado e de elevado nível científico, englobando a nossa prática clínica, os problemas do dia-a-dia, a organização de cuidados, as perspectivas futuras da Pediatria. Salientamos a colaboração de todos os Serviços de Pediatria da região Norte e agradecemos o seu entusiasmo, dedicação e empenho nesta nossa reunião, já tradicional no panorama científico pediátrico do Norte do país. Anunciamos ainda que será entregue na sessão de encerramento da reunião o Prémio Nascer e Crescer para o melhor Artigo Original 2009 que este ano foi atribuído ao trabalho intitulado: “Esferocitose hereditária. Esplenectomia e Colecistectomia. Experiência de um Hospital Pediátrico” da autoria de Susana Soares, Berta Bonet, Ferreira Sousa, Carlos Enes, Cidade Rodrigues, Marika Bini Antunes e José Barbot. Deixamos aqui também o nosso reconhecimento à Liga de Amigos e à Associação do Hospital de Crianças Maria Pia, bem como às empresas farmacêuticas que colaboraram connosco, pelo seu contributo e interesse na divulgação e actualização científica. Contamos com todos para criar um espaço de diálogo, de rigor científico, de cooperação e de complementaridade num ambiente agradável e de convívio familiar. Sejam pois, e mais uma vez, bem-vindos! Sílvia Álvares editorial 143 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Enurese Nocturna: a Experiência de uma Consulta Especializada no CHPV/VC Pedro Silva Almeida1, João Ricardo Alves Monteiro2, Célia Madalena3 RESUMO Introdução: A enurese nocturna (EN) é um problema comum em Pediatria. Aos 5 anos, a sua prevalência é de cerca de 15%. A maioria corresponde a EN Monossintomática (ENM). Objectivos: Caracterizar a população de crianças com EN seguidas na consulta de Enurese (CE) do Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim/Vila do Conde (CHPV/VC). Material e métodos: Estudo observacional, analítico e retrospectivo dos doentes da CE do CHPV/VC com 1ª consulta entre Julho/2003 e Dezembro/2007. Dados recolhidos da consulta do processo clínico tratados em Microsoft Excel 2007®. Resultados: Incluídas 137 crianças (67% rapazes), entre os 5 e os 17 anos. Em 87,6% a EN era primária, em 57,7% era ENM, em 76,5% havia episódios todas as noites e em 72% havia poliúria. Todas as crianças efectuaram exame de urina tipo II. Dos 77 casos de ENM, em 3 foram instituídas inicialmente apenas medidas de reforço positivo, tendo-se verificado cura em 2; em 74 foi instituído tratamento com desmopressina, curando 42%. Em 17 casos foi associado alarme sonoro (AS) à desmopressina, curando 88,2%. Nos 53 casos de EN Não-Monossintomática (ENNM) foi instituído tratamento com oxibutinina em todos os casos, com cura em 11% (em monoterapia). Em 47 crianças foi associada desmo__________ UCSP Modivas, ACES Grande Porto V – Póvoa de Varzim/Vila do Conde 2 USF das Ondas, ACES Grande Porto V – Póvoa de Varzim/Vila do Conde 3 Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim/Vila do Conde 1 144 artigo original original article pressina, com cura em 43%. Em 7 casos associou-se AS à desmopressina, com cura em 43%. Discussão e conclusão: Na ENM houve bons resultados associando desmopressina ao AS, quando esta não teve sucesso terapêutico isoladamente. Nos casos de ENNM verificou-se que a terapêutica isolada com oxibutinina foi pouco eficaz, recorrendo-se frequentemente à associação de 2 fármacos e/ou AS. Palavras-chave: Enurese, crianças, tratamento Nascer e Crescer 2010; 19(3): 144-148 INTRODUÇÃO A Enurese Nocturna (EN) é um problema comum em idade pediátrica(1), sendo a patologia urológica pediátrica mais frequentemente observada ao nível dos Cuidados de Saúde Primarios(2). É definida como uma micção normal involuntária durante a noite, após os cinco anos de idade(2,3). Trata-se de uma causa importante de stress para a família e para a criança, podendo causar significativa diminuição da sua auto-estima. Cerca de 15% das crianças entre os cinco e os seis anos apresenta enurese(1,2). Dois estudos portugueses revelaram uma prevalência de Enurese Nocturna entre os 6,1 e os 15,6%, ambos realizados em crianças do ensino primário(3,4). A EN é duas a três vezes mais frequente em rapazes do que em raparigas(1,5) e tem uma taxa de resolução espontânea de cerca de 15% por ano(1,2). A probabilidade de resolução espontânea da enurese é tanto menor quanto maior for a duração da enurese(1). A EN é classificada em Primária ou Secundária e em Monossintomática ou Não-Monossintomática. A EN Primária é definida em crianças que nunca tiveram controlo vesical e a EN Secundária surge em crianças que tiveram um controlo vesical prévio de pelo menos seis meses. Na EN Monossintomática não há sinais ou sintomas urinários diurnos e representa cerca de 80 a 85% dos casos(1,2). No que diz respeito à EN Não-Monossintomática, há uma associação de sinais ou sintomas urinários diurnos, tais como polaquiúria, imperiosidade ou incontinência, sugestivos de instabilidade vesical(2). A etiologia da EN permanece mal esclarecida, pensando-se que é de causa multifactorial. Em cerca de 2 a 3% podem ser encontradas causas orgânicas, tais como infecção do trato urinário, malformações urológicas, obstipação e/ou encoprese, síndrome de apneia obstrutiva do sono ou diabetes. Várias teorias têm sido estudadas, desde a hereditariedade, o ritmo circadiano da produção de vasopressina, o ambiente psicossocial e familiar, a fisiologia do sono ou a disfunção vesical(1,3). A intervenção terapêutica apropriada justifica-se pelos benefícios psico-afectivos e sociais para a criança e a sua família. Existem várias opções terapêuticas, que englobam terapêutica comportamental (reforço positivo, treino vesical), alarme sonoro e o uso de fármacos (desmopressina, oxibutinina, entre outros)(1,2,5,6). Com este trabalho pretendeu-se caracterizar a população de crianças com EN seguidas na Consulta de Enurese do CHPV/VC, bem como avaliar a resposta ao tratamento. MATERIAL E MÉTODOS Foi efectuado um estudo retrospectivo com recolha de dados dos processos clínicos das crianças seguidas na Consulta NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 de Enurese do CHPV/VC no período entre Julho de 2003 e Dezembro de 2007. A população do estudo corresponde à totalidade de crianças seguidas na referida consulta, que tiveram a primeira consulta no período referido. A recolha dos dados foi feita pela análise dos processos clínicos (Figura 1) e foram definidos como critérios de exclusão a ausência de consulta de seguimento e a existência de processo clínico incompleto. Foram avaliadas as seguintes variáveis: sexo, idade, proveniência, tipo de enurese, número de noites molhadas por semana, número de micções por noite e padrão miccional diurno (através de informação subjectiva referida pelos pais), ingestão hídrica habitual, características do sono, uso de fralda, co-morbilidades [obstipação definida como diminuição da frequência da defecação (< 3 dejecções por semana) ou defecação acompanhada de dor ou desconforto e encoprese, definida como expulsão de fezes (voluntária ou involuntária) em local não apropriado ou perda involuntária e repetida de fezes, sujando continuada ou frequentemente a roupa interior](7), história familiar, repercus- Figura 1 – Folha de registo usada na Consulta de Enurese do CHPVVC são na família, motivação da criança para o tratamento, tratamento prévio, exames auxiliares de diagnóstico, tratamento, resposta ao tratamento e data de alta. A resposta ao tratamento foi definida como: (1) Cura, se a criança apresentou menos do que uma noite molhada por mês durante pelo menos 3 meses após suspensão do tratamento; (2) Melhoria, se houve uma diminuição igual ou superior a 50% do número de noites molhadas; (3) Mesmo estado, se o número de noites molhadas se manteve inalterado ou houve uma diminuição inferior a 50% do número de noites molhadas; (4) Bem sob tratamento se a criança apresentou menos do que uma noite molhada por mês.(8) Os dados foram registados e processados em Microsoft Excel 2007®. RESULTADOS Foram 148 as crianças observadas em Consulta Externa de Enurese no CHPV/VC. Destas, foram excluídas 11 por informação incompleta no processo clínico ou por ausência de consultas de seguimento. Assim, foram incluídas 137 crianças neste estudo, 67% do sexo masculino. A maioria das crianças tinha entre 5 e 8 anos à data da primeira consulta, com uma média de 7 anos e 10 meses de idade e uma mediana de 7 anos (Figura 2). A maioria dos doentes apresentava EN Primária (87,6%), Monossintomática (57,7%), usava fralda à data da 1.ª consulta (51%), molhava 7 noites por semana (76,5%) e molhava a cama mais de uma vez por noite (72%). O sono profundo era também uma característica referida na maioria destes doentes (87,5%), assim como o hábito de ingerir bebidas gaseificadas ou com cafeína durante o dia e beber leite ou água ao deitar (73%). A maioria apresentava antecedentes familiares de enurese (77%). Havia pelo menos uma co-morbilidade associada em 78% dos casos, sendo as mais prevalentes a obstipação (37 casos) e a encoprese (17 casos). Em 51,5% dos casos era referido (pela criança ou pelos pais) que a enurese tinha impacto no seu bem-estar e repercussão nas relações familiares. A abordagem terapêutica anterior à primeira consulta de EN no CHPV/VC já artigo original original article 145 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 havia sido realizada em 48% dos doentes, tendo sido a desmopressina o fármaco mais frequentemente prescrito (92% dos casos). As crianças foram observadas na consulta, em média, 1 a 3 meses após o início do tratamento, sendo reavaliadas de 3 em 3 meses. A última consulta era geralmente 3 meses após a suspensão do tratamento. O tempo médio de seguimento foi de 12,6 meses (mínimo: 6 meses; máximo: 44 meses). Todos os doentes realizaram exame de urina tipo II na avaliação inicial; 74 doentes realizaram ecografia renovesical, 9 realizaram cintigrafia renal com DMSA (Scan com ácido dimercaptosuccínico) e 4 realizaram Cistouretrografia miccional seriada (CUMS) (Figura 3). Em 7 casos não foi possível obter dados relativamente à resposta ao tratamento. Relativamente aos doentes com EN Monossintomática (N=77), 3 foram tratados, inicialmente, apenas com reforço positivo, 57 com desmopressina oral e 17 com desmopressina oral associada ao alarme sonoro. Das 3 crianças tratadas apenas com medidas de reforço positivo (RP), 2 (66,7%) ficaram curadas; das tratadas com desmopressina e RP (n=57) a resposta foi favorável em 86% (49/57), com cura em 54,4% (31/57) e nos casos tratados com alarme sonoro associado a desmopressina e RP (n=17) 88,2% (15/17) ficaram curados (Figura 4). No conjunto de crianças com EN Monossintomática, 62,3% (48/77) ficaram curadas, 3,9% (3/77) encontravam- Figura 2 – Distribuição dos doentes por idade em anos (N=137) Legenda: CUMS – Cistouretrografia miccional seriada; DMSA – Scan com ácido dimercaptosuccínico Figura 3 – Número de doentes que realizaram exames complementares de diagnóstico 146 artigo original original article -se bem sob tratamento, 22% (17/77) tiveram melhoria, enquanto que 11,7% (9/77) mantiveram o mesmo estado com o tratamento instituído. Todas as crianças com EN Não-Monossintomática (N=53) foram tratadas inicialmente com oxibutinina, em 40 casos associou-se à oxibutinina a desmopressina oral e em 7 crianças foi usado o alarme sonoro após tratamento prévio com oxibutinina e desmopressina oral. Com o tratamento isolado com oxibutinina verificou-se cura da enurese em 6 casos (11,3%). Dos casos tratados com oxibutinina e desmopressina oral, 90% (36/40) responderam favoravelmente, e metade (20/40) ficaram curados. Nos doentes medicados com oxibutinina e desmopressina associadas a alarme sonoro, 86% (6/7) responderam favoravelmente e 42,9% (3/7) ficaram curados (Figura 5). Destas abordagens terapêuticas resultou uma taxa de cura global das crianças com EN Não-monossintomática de 54,7% (29/53), 9,4% (5/53) encontravam-se bem sob tratamento, em 26,4% (14/53) verificou-se melhoria da sintomatologia e 9,4% das crianças (5/53) mantiveram o mesmo estado clínico. Dos doentes avaliados neste estudo, 58% já tiveram alta da consulta, 10% encontram-se em seguimento e 32% abandonaram a consulta. CONCLUSÕES O estudo da consulta de Enurese do CHPV/VC revelou uma população maioritariamente do sexo masculino, que predominantemente molhava a cama todas as noites e mais do que 1 vez por noite. O facto de ser causa de conflito familiar em 51,5% dos casos e de 24% das crianças terem idade igual ou superior a 10 anos à data da primeira consulta demonstram a importância da patologia em causa e do grau de perturbação que pode ter no dia-a-dia dos doentes e suas famílias. Na maioria dos casos havia história familiar positiva (77%), o que demonstra a importância da herança familiar nesta patologia. Em 46% dos casos já havia sido tentada uma abordagem terapêutica prévia, maioritariamente com desmopressina, sem sucesso provavelmente devido aos curtos NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 períodos de tratamento ou à existência de sintomatologia diurna associada. Como abordagem terapêutica inicial, a todas as crianças são instituídas medidas de reforço positivo, que consistem em retirar as fraldas, realizar o registo das noites secas e sua valorização, reforçar a ingestão de líquidos durante o dia e o treino vesical (espaçar as micções e interromper o jacto urinário), reduzir a ingestão de líquidos nas 2 horas prévias à hora de deitar, urinar antes de deitar e ao acordar. Procede-se também ao tra- Inalterado Bem sob tratamento tamento da obstipação e/ou encoprese quando existentes. Estima-se que 30% das crianças com enurese respondem totalmente ao tratamento com a desmopressina e 40% têm resposta parcial(9). O mecanismo de acção da desmopressina (análogo sintético da hormona antidiurética) parece resultar não só da sua actividade antidiurética, mas também da sua acção a nível do sistema nervoso central(8,9,10). A desmopressina intranasal deixou de ser recomendada no tratamento da enurese, Melhoria Cura Legenda: RP – Reforço Positivo; DP – Desmopressina; AS – Alarme Sonoro Figura 4 - Tratamento dos doentes com Enurese Monossintomática (N=77) Inalterado Bem sob tratamento Melhoria Cura Legenda: OX – Oxibutinina; DP – Desmopressina; AS – Alarme Sonoro Figura 5 - Tratamento dos doentes com Enurese Não-Monossintomática (N= 53) existindo a formulação oral em comprimidos e liofilizado oral, este último disponível em Portugal desde Outubro de 2008. Na Consulta de Enurese avaliada neste estudo, a formulação oral foi utilizada em substituição da intranasal a partir de 2004, na dose de 10 a 40 μg. Nas crianças com ENM é pedida a análise de urina tipo II. Na ENNM para além da análise de urina tipo II é também realizada ecografia renovesical com avaliação do resíduo pós-miccional. Assim, após a avaliação da população em estudo, verificou-se que foram realizados exames complementares de diagnóstico em 87 doentes. A ecografia renal foi efectuada em doentes com EN Não-monossitomática ou história prévia de infecção do tracto urinário; a DMSA e/ ou CUMS foram realizadas no contexto de investigação de infecções urinárias febris ou assimetria renal. No tratamento da EN Monossintomática (57,7% dos casos), a desmopressina em monoterapia teve uma resposta positiva em 66% das crianças e curou 42% das mesmas. A associação do alarme sonoro com a desmopressina, nos casos em que a monoterapia com desmopressina não revelou resultados satisfatórios, teve uma resposta positiva em 100% dos casos, curando 88% dos doentes. Não se verificou a ocorrência de efeitos laterais. A oxibutinina é usada para melhorar a capacidade vesical e reduzir a hiperactividade do detrusor na ENNM. Estudos recentes referem benefício do seu uso na EN monossintomática nas crianças que não respondem à terapêutica isolada com desmopressina6. O tratamento das crianças com EN Não-Monossintomática foi individualizado. Em 6 crianças (11,3%), a cura ocorreu com esquema de oxibutinina isolada. A associação de oxibutinina com desmopressina foi usada em 40 casos, com resposta positiva em 90% dos casos e cura em 50% dos mesmos. Por fim, em 7 doentes, foi feita a associação de alarme sonoro após a terapêutica com desmopressina e oxibutinina, com resposta positiva em 86% dos doentes e cura em 43%. As medidas de reforço positivo, apesar de importantes porque permitem artigo original original article 147 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 à criança participar activamente no tratamento, apresentam sucesso terapêutico reduzido. Todavia devem ser aconselhadas numa abordagem inicial.(8) O alarme sonoro resulta em cura em cerca de 2/3 das crianças(9). Trata-se de um tratamento comportamental com efeito condicionado a nível do sono, facilitando a inibição do reflexo de micção e aumentando a capacidade vesical(9). No entanto, requer motivação e colaboração por parte da criança e seus familiares. É considerado pela maioria dos autores como o tratamento mais eficaz, requerendo um mínimo de 2 a 3 meses de aplicação ou até um mínimo de 14 noites secas consecutivas. As recaídas implicam um segundo curso de tratamento(9). O tratamento combinado com a desmopressina é defendido por alguns autores, particularmente nas crianças mais velhas com grande número de episódios enuréticos, com o objectivo de aumentar o número de noites secas e aumentar a motivação da criança e dos pais para o tratamento, fundamentais para o sucesso terapêutico(11). Verificou-se neste estudo que em doentes com EN Monossintomática o uso de alarme sonoro em associação com demopressina teve uma taxa de cura de 88,2%. Em doentes com EN Não-monossintomática, mesmo com terapêutica optimizada com desmopressina, oxibutinina e alarme sonoro, a taxa de cura não ultrapassou os 42,9%. Os resultados favoráveis, provavelmente, traduzem a abordagem terapêutica individualizada, tendo em conta a multiplicidade de factores implicados na Enurese. O estudo realizado apresenta algumas limitações metodológicas, nomeadamente o tamanho amostral pequeno, o facto de se tratar de um estudo retrospectivo e o uso de variáveis pouco objectivas, tais como a avaliação do padrão miccional diurno e nocturno, que se basearam num questionário subjectivo aos pais e não numa folha de frequência/ volume, diário miccional ou pesagem da fralda, que são formas mais mensuráveis destas variáveis. 148 artigo original original article NOCTURNAL ENURESIS: EXPERIENCE OF A SPECIALIZED CONSULTATION AT CHPV/VC ABSTRACT Introduction: Nocturnal enuresis (NE) is a common problem in childhood healthcare. At the age of 5 nocturnal enuresis’ prevalence is 15%. Most patients have monosymptomatic NE (MNE). Objectives: To study the children with NE followed at the Enuresis Consult at the Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim/Vila do Conde(CHPV/VC). Material and methods: Observational, analytic and retrospective study of the patients of the Enuresis Consult at the CHPV/VC, with the first appointment between July 2003 and December 2007. The data was collected from clinical files and coded with Microsoft Excel 2007©. Results: The study included 137 children (67% of males), aged 5 to 17 years. In 87,6%, the NE was primary, in 57,7% it was MNE; in 76,5% there was enuresis every night and in 72% there was polyuria. All the children performed a urine analysis. Of the 77 cases of MNE, in 3 children positive enforcement was instituted with cure in 2; 74 children were treated with desmopressin, curing 42%. In 17 patients the alarm was associated to desmopressin, curing 88,2%. In the 53 cases of non-monosymptomatic NE (NMNE) it was instituted treatment with oxibutinin, with a cure rate of 11%. In 47 children desmopressin was added, with a cure rate of 43%. In 7 the desmopressin was associated to the alarm, with a cure rate of 43%. Discussion and conclusion: The association of desmopressin with alarm was efficacious in the treatment of MNE. In cases of NMNE the therapy with oxybutynin alone was ineffective, often resolving with the combination of two drugs and/or alarm. Key words: Enuresis, children, treatment Nascer e Crescer 2010; 19(3): 144-148 BIBLIOGRAFIA 1. Gonzalez ET, Tu ND. Approach to the child with nocturnal enuresis, UpToDate 17.1, 2009 2. Reis A, Coelho P. Enurese Nocturna – Orientação pelos Cuidados de Saúde Primários, Revista Portuguesa de Clínica Geral, 2007;23:279-88 3. Fonseca CB. Enurese Nocturna – Prevalência na Comunidade, Revista Portuguesa de Clínica Geral, 2002;18:155-61 4. Silva A, Freitas A, Oliveira P, Machado E. 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Combined treatment with enuresis alarm and desmopressin for nocturnal enuresis. Acta Paediatr 1995; 84: 1014-8 CORRESPONDÊNCIA João Ricardo Alves Monteiro Rua Frei João de Vila do Conde, 12, 2º 4480-817 Vila do Conde Tlm: (00351) 912 811 613 E-mail: [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Um Caso Raro de Retenção Urinária Aguda Marta Santalha1, Miguel Fonte2, Filipa Correia1, Cristina Ferreira1 RESUMO A retenção urinária é pouco frequente na infância, podendo ser congénita ou secundária a processos traumáticos, inflamatórios, cirúrgicos, neurológicos, mecânicos, medicamentosos ou psicogénicos. Apresenta-se o caso clínico de uma adolescente de treze anos, com quadro de algia hipogástrica, retenção urinária e obstipação. Ao exame objectivo constatou-se uma massa arredondada hipogástrica. A radiografia simples do abdómen evidenciou imagem radiopaca no terço inferior do abdómen e a ecografia abdomino-pélvica mostrou conteúdo impuro sugerindo hematocolpos e hematometra. Realizada himeniotomia cirúrgica com evolução favorável. A inspecção atenta dos genitais externos é fundamental, logo após o nascimento, para o diagnóstico de hímen imperfurado. Quando não detectado e tratado no período neonatal, na sua maioria o diagnóstico é realizado tardiamente em idade pubertária perante o aparecimento de complicações. Palavras-chave: Hematocolpos, hematometra, retenção urinária Nascer e Crescer 2010; 19(3): 149-151 INTRODUÇÃO O hímen é uma membrana de tecido conjuntivo coberta por epitélio, interposta entre o tracto uterovaginal proximal e o intróito vaginal(2). No feto, pelas nove semanas de gestação, o ducto mulleriano alonga-se e atinge o seio urogenital formando o canal __________ 1 2 CH Alto Ave – Unidade de Guimarães CH Trás-os-Montes e Alto Douro útero-vaginal. O seio urogenital dá origem aos 2/3 inferiores da vagina. Por volta do quinto mês a canalização da vagina está completa. A ausência desta canalização origina o hímen imperfurado(4). O hímen imperfurado é habitualmente uma anomalia congénita, que ocorre geralmente de forma esporádica, estando também descritos casos familiares(1). Tem uma incidência estimada de 0,1% em recém-nascidos do sexo feminino(1,2). Geralmente é um achado isolado mas pode estar associado a síndromes como a de Mckusick- Kaufman ou a de Bardet-Biedl, estando também descrita a sua associação com outras anomalias tais como polidactilia, anomalias ano-rectais congénitas e rins displásicos multiquísticos1. A apresentação clínica é variável de acordo com a idade. Estão descritos casos de diagnóstico pré-natal ecográfico de obstrução vesical por hidrocolpos ou mucocolpos(1,4), devido a estimulação estrogénica materna. Quando não detectado no período neonatal geralmente só é diagnosticado no período pubertário por amenorreia primária, dor abdominal, por vezes cíclica, pélvica ou lombar, disúria, polaquiúria, retenção urinária e obstipação(2). CASO CLÍNICO Adolescente do sexo feminino, treze anos, raça caucasiana, trazida ao serviço de urgência (SU) por dor hipogástrica com agravamento progressivo, acompanhada de retenção urinária e obstipação, com quatro dias de evolução. No primeiro dia de doença foi observada no SU e efectuou esvaziamento vesical por algaliação com saída de 1500 ml de urina, sendo o sedimento urinário normal. Realizou também estudo analítico com hemograma e proteína C reactiva que não revelaram alterações significativas. No dia seguinte recorreu ao médico assistente, que a medicou com co-trimoxazol (35 mg/kg/dia) por suspeita de infecção do tracto urinário. Após quatro dias, por agravamento das queixas álgicas com novo episódio de retenção urinária e obstipação, recorreu novamente ao SU. Negava febre, dor abdominal recorrente ou sintomas constitucionais (astenia, anorexia, emagrecimento). Sem antecedentes cirúrgicos ou hábitos medicamentosos, nomeadamente anti-colinérgicos e anti-histamínicos. Negava início de actividade sexual. Destaca-se nos antecedentes pessoais, prematuridade de 32 semanas, muito baixo peso ao nascimento (1011g), restrição do crescimento intra-uterino, com posterior atraso do desenvolvimento psico-motor e fácies compatível com síndrome alcoólico fetal. Fruto de uma gravidez não vigiada, com consumo etílico e tratamento tuberculostático durante a gestação. A adolescente coabitava com uma tia materna desde os três anos de idade, após ter sido retirada do seu agregado familiar disfuncional e de precárias condições económicas. Como antecedentes ginecológicos salientava-se ausência de menarca, com estádio IV/V de Tanner M:IV, P:V. Ao exame físico, apresentava-se com abdómen globoso, evidente distensão hipogástrica e palpação dolorosa de massa arredondada na região hipogástrica. Sem posição anti-álgica. Não foi realizado exame ginecológico ou toque rectal. Efectuou radiografia do abdómen simples sentada, que evidenciou mar- casos clínicos case reports 149 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 cada aerocolia na metade superior do abdómen e imagem radiopaca no seu terço inferior. A ecografia abdomino-pélvica mostrava distensão marcada da cavidade vaginal e uterina, por conteúdo impuro, sugerindo hematocolpos e hema- tometra; a cavidade vaginal apresentava dimensões aumentadas medindo cerca de 15 cm de diâmetro longitudinal e 5 cm de diâmetro antero-posterior, associada a dilatação da cavidade uterina com diâmetro antero-posterior de 2,2 cm. Figura 1 – Ecografia Abdomino-pélvica mostrando dilatação da cavidade vaginal e uterina (seta) Figura 2 – Hímen imperfurado na inspecção Figura 3 – Himeniotomia cirúrgica 150 casos clínicos case reports Sem evidência de lesões ocupando espaço nas áreas anexiais e sem uretero-hidronefrose. (Figura 1) A posterior observação dos genitais externos, evidenciou a presença de uma membrana azul-escura abaulada, confirmando o diagnóstico de hímen imperfurado. (Figura 2) Foi realizada himeniotomia cirúrgica com drenagem de moderada quantidade de líquido hemático. (Figura 3) No primeiro dia de pós-operatório encontrava-se assintomática com abdómen mole e depressível, sem massas palpáveis, tendo alta ao quarto dia de internamento, orientada para consulta de Ginecologia e Pediatria. DISCUSSÃO O hímen imperfurado é uma das causas de retenção urinária por compressão da uretra pela colecção hemática vaginal ou por irritação do plexo sagrado. Associadamente o efeito mecânico exercido na parede posterior da bexiga altera o ângulo da uretra com consequente obstrução do tracto urinário(1,5,6). Outras causas de retenção urinária são congénitas (anatómica) ou secundárias a causas traumáticas, inflamatórias, cirúrgicas, medicamentosas (anti-histamínicos e anti-colinérgicos), neurológicas (Bexiga Neurogénica, Mielite Transversa Aguda, S. Guillian Barré), obstrutivas extrínsecas, intrínsecas da uretra (neoplasia, cálculos)(6) ou psicogénicas. No caso apresentado, apesar de não haver antecedentes de dor abdominal prévia, provavelmente a obstrução ao fluxo menstrual já teria meses de evolução, resultando no preenchimento vaginal e uterino com conteúdo hemático, consequente dilatação destas estruturas e compressão da uretra com obstrução ao fluxo urinário. A pressão rectal exercida pela dilatação da cavidade vaginal terá causado as queixas de obstipação da adolescente. Outras complicações do hematocolpos são a infecção do tracto urinário por estase urinária(3), hematometra com fluxo menstrual retrógrado das trompas de Falópio para a cavidade peritoneal3 com consequente endometriose e risco de infertilidade. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 O tratamento é cirúrgico, consistindo na incisão do hímen com drenagem do conteúdo hemático da vagina, útero e trompas de Falópio(1) com prognóstico habitualmente favorável. Como complicações cirúrgicas destacam-se as agudas: infecção, hemorragia, e estenose do orifício vaginal; e as tardias como doença inflamatória pélvica e infertilidade(4). CONCLUSÃO A inspecção cuidada dos genitais externos é fundamental desde o nascimento, para o diagnóstico de hímen imperfurado. Salienta-se a importância de uma correcta anamnese e exame físico completo e atento (não esquecendo a avaliação do desenvolvimento pubertário) perante sintomas pouco frequentes em adolescentes com amenorreia e desenvolvimento de caracteres sexuais secundários, de modo a que, o correcto diagnóstico e atempado tratamento seja instituído, prevenindo assim complicações que podem resultar em graves sequelas. A RARE CASE OF ACUTE URINARY RETENTION ABSTRACT Introduction: Acute urinary retention is uncommon in childhood, and it can be congenital or secondary to traumatic, inflammatory, surgical, neurological or mechanical processes, drug-induced or psychogenic. Case report: We report a clinical case of a thirteen year old girl with hypogastric pain, urinary retention and constipation. On physical examination a rounded hipogastric mass was palpable. An abdominal X-ray revealed a radiopaque image in the lower third of the abdomen and the abdominal-pelvic ultrasonography revealed an impure content suggesting hematocolpos and hematometra. A surgical incision of the hymen was performed, with favorable outcome. Conclusion: A careful inspection of the external genitalia immediately after birth is essential for the diagnosis of imperforated hymen. When not detected and treated in the neonatal period, most of them have a delayed diagnosis during puberty when complications may occur. Keywords: Hematocolpos, hematometra, urinary retention Nascer e Crescer 2010; 19(3): 149-151 BIBLIOGRAFIA 1. Chang JW, Yang LY, Wang HH, Wing JK, Tiu CM. Acute Urinary Retention as the Presentation of Imperforate Hymen. J Chin Med Assoc 2007; 70 (12): 559-61 2. Herman MI, Saxena AK, Paton EA. Imperforate Hymen. Emedicine [update Out 2, 2009]. Acessível 3. 4. 5. 6. 7. em http://emedicine.medscape.com/ article/954252-overview Friedman EM, Rotta AT, Menna VJ. 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Philadelphia: Saunders Company, 2007; 2287-9 CORRESPONDÊNCIA Marta Filipa Ferreira Santalha Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar do Alto Ave, Guimarães Rua dos Cutileiros, Creixomil 4835-044 Guimarães [email protected] casos clínicos case reports 151 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Dor abdominal e retenção urinária aguda em adolescente apresentação clínica de hematocolpos e revisão da literatura Helena Sousa1, Helena Fonseca2, Lurdes Sampaio3 RESUMO Introdução: O hematocolpos é uma patologia rara resultante da acumulação vaginal de sangue menstrual nas jovens com hímen imperfurado. Caso clínico: Adolescente de 13 anos e 11 meses, sexo feminino, previamente saudável, que recorreu ao serviço de urgência por dor abdominal e lombar, tenesmo e retenção urinária aguda. Ausência de menarca. Ao exame objectivo: estadio pubertário IV de Tanner, distensão abdominal e massa pélvica. O exame ginecológico revelou membrana himeneal azulada e proeminente. A ecografia pélvica evidenciou globo vesical muito exuberante, acumulação de fluido ecogénico na vagina e hímen imperfurado. A himenectomia de urgência, efectuada poucas horas depois, decorreu sem intercorrências. Clinicamente bem na reavaliação um mês pós-operatório. Conclusão: Numa adolescente com amenorreia primária e dor abdominal ou retenção urinária aguda, o hematocolpos é um diagnóstico a colocar. A avaliação do estadio pubertário e história menstrual deve ser incluída nas consultas de rotina. Palavras-passe: hematocolpos, hímen imperfurado, amenorreia primária. Nascer e Crescer 2010; 19(3): 152-154 INTRODUÇÃO Durante o desenvolvimento embrionário do sistema genital feminino o lúmen vaginal está separado do seio urogenital pela membrana himeneal. Na fase final __________ 1 2 3 Hospital Geral de Santo António – CHPorto Hospital de Santa Maria – CH Lisboa Norte Unidade de Endocrinologia Pediátrica, Hospital de Santa Maria – CHLisboa Norte 152 casos clínicos case reports da embriogénese, por degeneração das células epiteliais centrais, esta membrana rompe-se. No entanto, tal não acontece em cerca de 1/2000 meninas que nascem com hímem imperfurado, uma das principais causas de obstrução do trato genital feminino(1,2,4). O hematocolpos é uma colecção de sangue menstrual na vagina, habitualmente secundário a um hímen imperfurado, que se manifesta na adolescência com amenorreia primária, dor e massa abdominal, disúria ou retenção urinária aguda(1,2,3). O exame ginecológico pode ser muito sugestivo revelando uma membrana himeneal proeminente e de tom azulado pelo sangue retido. O atraso do diagnóstico está associado a um prolongamento do sofrimento destas jovens com risco de complicações que podem comprometer a fertilidade na idade adulta(3,7,8). Com a apresentação deste caso clínico pretende-se alertar para esta entidade perante uma adolescente com amenorreia primária e dor abdominal ou retenção urinária. CASO CLÍNICO Adolescente do sexo feminino, 13 anos e 11 meses, estudante, raça caucasiana. Recorre ao Serviço de Urgência Pediátrico do Hospital de Santa Maria (Lisboa) por dor abdominal tipo cólica, irregularidades do trânsito intestinal (períodos de obstipação a alternar com diarreia) e dor ao defecar com cerca de 15 dias de evolução. Nos últimos cinco dias associada também dor lombar bilateral sem irradiação e tenesmo. Referia retenção urinária nas últimas duas horas. Desde o início do quadro apresentava recusa alimentar parcial, negando febre, emagrecimento, naúseas, vómitos ou disúria. Na história pregressa a referir obstipação na infância; ausência de menarca ou início de actividade sexual. Veio acompanhada pela mãe, com aparente boa relação entre ambas. Na admissão apresentava-se queixosa, ansiosa e com sensação de desconforto. Bom estado geral, palidez cutânea mas mucosas coradas. Frequência cardíaca 81 bpm; pressão arterial 119/66 mmHg; temperatura axilar 37.1ºC. Auscultação cardiopulmonar sem alterações. Abdómen ligeiramente distendido e globoso, globalmente doloroso à palpação com maior intensidade nos quadrantes inferiores, massa palpável no hipogastro de limites mal definidos com cerca de 4 cm de altura, sem sinais de irritação peritoneal. Região lombar sem alterações visíveis, Murphy renal negativo bilateralmente. Estadio pubertário de Tanner G4/M4. Restante exame objectivo sem outras alterações. Pela possibilidade de estar perante um quadro de obstipação associado a alguma ansiedade da paciente foi administrado inicialmente citrato de sódio por via rectal, que não exerceu efeito. Agravamento clínico progressivo com choro inconsolável, agitação, aumento da intensidade da dor abdominal assim como da urgência miccional. Verificou-se aumento da distensão abdominal com massa hipogástrica arredondada de maiores dimensões (limite superior cerca de 6 cm acima da sínfise púbica) e ao exame ginecológico observou-se uma membrana himeneal proeminente de cor azulada. Perante a suspeita de hematocolpos foi pedida a colaboração por ginecologia. Realizou ecografia pélvica que confirmou o diagnóstico revelando globo vesical muito exuberante, sem hidronefrose, acumulação de fluido ecogénico na NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 vagina (15 x 8 cm), útero globoso, hímen imperfurado. Realizado cateterismo vesical com saída de cerca de 1500 mL de urina com melhoria da sintomatologia. Algumas horas depois, no bloco operatório e sob anestesia geral, foi realizada a himenectomia que decorreu sem intercorrências. Reavaliação no 1º mês de pós-operatório sem complicações. DISCUSSÃO O hímen imperfurado é uma anomalia obstrutiva rara do sistema reprodutor feminino que ocorre em cerca de 0,1% das recém-nascidas(1,2,4,7). Apesar da maioria dos casos serem esporádicos estão descritas algumas situações familiares, com provável transmissão autossómica dominante ou recessiva(1,4). Um hímen imperfurado é quase sempre um achado isolado mas pode estar associado a outras anomalias, nomeadamente polidactilia, malformações genitourinárias ou anorectais(4). As manifestações clínicas do hímen imperfurado variam de acordo com a idade ao diagnóstico. Há casos descritos de diagnóstico por ecografia pré-natal com obstrução vesical por hidro ou mucocolpos. Na recém-nascida pode-se observar um intróitus proeminente por acumulação de muco secretado sob estimulação dos estrogéneos maternos; se o diagnóstico não for realizado, o muco será reabsorvido e a criança manter-se-á assintomática; raras vezes o mucocolpos pode estar associado a infecções urinárias ou obstrução vesical com hidroureter e hidronefrose. É na adolescência, habitualmente entre os 12 e os 15 anos, a coincidir com a idade da menarca, que os sintomas surgem e o diagnóstico é realizado(1,4,8). O hímen imperfurado, por ser habitualmente assintomático durante a infância, escapa ao pediatra, apresentando-se mais tarde, na adolescência, ao ginecologista(1,4,7). Um estudo revela bem essa discrepância na apresentação clínica, com 90% das meninas com menos de 4 anos a serem diagnosticadas incidentalmente versus 100% das com mais de 10 anos a apresentarem sintomas na altura do diagnóstico(6). A acumulação de sangue menstrual na vagina e útero pode-se manifestar com dor abdominal cíclica, disúria, retenção urinária aguda, dor lombar, obstipação, dor ou desconforto na defecação. O efeito de massa do hematocolpos na uretra e bexiga condiciona os sintomas obstrutivos urinários, sendo a obstipação explicada pelos mesmos mecanismos compressivos. A irritação do plexo sacral ou das raízes nervosas pode explicar a dor lombar referida(1,3,7). O hematocolpos é um diagnóstico que exige alto grau de suspeição. Um estudo demonstra que em 50% dos casos outros diagnósticos tinham sido previamente estabelecidos, incluindo infecção urinária, nefrolitíase, apendicite, obstipação e tumor abdominal, com toda uma panóplia de exames auxiliares de diagnóstico a acompanhá-los. Em média, o tempo de evolução dos sintomas até ao diagnóstico é de 15 dias(6). A menarca ocorre habitualmente entre os 12 e os 13 anos, nos estadios III ou IV de Tanner. Numa observação geral a discrepância entre um estadio pubertário avançado e a ausência de menarca deve constituir de imediato um importante sinal de alerta(1,2,3,4,7,8). No exame ginecológico de uma adolescente com hematocolpos, a simples retracção dos lábios revela uma membrana himeneal protuberante e azulada. A realização da manobra de Valsalva é sugestiva de um hímen imperfurado caso se verifique um aumento da convexidade da membrana e permite o diagnóstico diferencial dum septo vaginal transverso. O exame com espéculo não tem indicação(3). A ecografia é um exame simples, barato, indolor e inócuo que permite de imediato a confirmação do diagnóstico, assim como a detecção de complicações (endometriose, hematosalpinge) e a exclusão de malformações urogenitais (duplicações/agenesias genitais, hipoplasia/ aplasia renal) raramente associadas(1,3,5). Foi descrita uma maior sensibilidade da ecografia transrectal em relação à abdominal(3). Os diagnósticos diferenciais de hímen imperfurado incluem o septo vaginal transverso ou longitudinal, a agenesia vaginal e a atrésia cervical. Nestas situações mais complexas, em que a ecografia é insuficiente para uma boa caracteriza- ção anatómica, a ressonância magnética será o exame mais indicado(3,5,7). O tratamento é simples e consiste na himenectomia cirúrgica sob anestesia, com incisão em cruz do hímen que liberta o tecido obstrutivo preservando o anel himeneal intacto(3,5). Ainda que o prognóstico seja bom, as complicações associadas ao atraso no tratamento - endometriose ou hematosalpinge – podem condicionar riscos de infertilidade e gravidez ectópica no futuro(3,4,8). Os casos assintomáticos diagnosticados durante a infância podem ter algum benefício com o adiamento da intervenção até ao início da puberdade, depois dos tecidos já estarem sob estimulação estrogénica. Os restantes casos, que constituem a maioria, têm indicação para cirurgia urgente(5). CONCLUSÃO O diagnóstico de um hematocolpos reflecte bem a necessidade da complementaridade de uma boa anamnese com um exame objectivo atento para que o diagnóstico seja correcto e célere, obviando o sofrimento das adolescentes e gastos desnecessários em exames auxiliares. A realização do exame ginecológico nas consultas de rotina seria uma forma possível de antecipar este diagnóstico e prevenir as suas complicações mas, a falta de privacidade na generalidade dos locais de atendimento público, o treino insuficiente dos pediatras nesta área e a persistência de alguns preconceitos ou inibição por parte dos profissionais de saúde, constituem importantes barreiras. Numa adolescente com amenorreia primária que se apresente com dor abdominal ou lombar ou retenção urinária aguda há sempre que incluir o hematocolpos nos diagnósticos diferenciais. Esta patologia, ainda que rara, é a anomalia obstrutiva mais comum no aparelho reprodutor feminino. Nunca é demais realçar a importância da avaliação do estadio pubertário e da história menstrual na observação inicial das adolescentes. casos clínicos case reports 153 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 ADOLESCENT WITH ABDOMINAL PAIN AND ACUTE URINARY RETENTION: CLINICAL PRESENTATION OF HEMATOCOLPOS AND REVIEW OF THE LITERATURE ABSTRACT Introduction: Hematocolpos in adolescents with imperforate hymen resulting from vaginal blood accumulation is a quite rare pathology. Case report: A previously healthy almost 14-year-old girl, was admitted to the emergency department with lower abdominal pain and acute urinary retention. No previous menstruation. Objective examination with pubertal Tanner stage IV, abdominal distension and pelvic mass. Gynecological examination revealed a blue imperforate hymen bulging from the vagina introitus outwards. Ultrasonography showed exuberant vesical globe and echogenic fluid accumulation in the vagina. Cruciate hymenotomy was uneventful. Asymptomatic in the follow-up, one month later. Conclusion: The diagnosis of imperforate hymen and hematocolpos is 154 casos clínicos case reports probable in an adolescent girl with primary amenorrhea, abdominal pain or acute urinary retention. Evaluation of the pubertal stage and menses should be included in routine practice. Keywords: hematocolpos, imperforate hymen, primary amenorrhea. Nascer e Crescer 2010; 19(3): 152-154 BIBLIOGRAFIA 1. Gyimadu A, Sayal B, Guven S, Gunalp G. Hematocolpos causing severe urinary retention in an adolescent girl with imperforate hymen: an uncommon presentation. Arch Gynecol Obstet. Published online: 16 January 2009. 2. Salvat J, Slamani L. Hématocolpos. J Gynecol Obstet Biol Reprod 1998; 27: 396-402 3. Adali E, Yildizhan R, Kolusari A. An overlooked cause of acute urinary retention in an adolescent girl: a case report. Arch Gynecol Obstet 2009; 279(5): 701-3. 4. Chang J, Yang L, Wang H, Wang J, Tiu C. 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João Sampaio2, Rui Almeida3, Cristina Garrido3 RESUMO A paralisia facial periférica (PFP) é frequente em idade pediátrica. Inerente à sua designação existe um conceito anatómico que pressupõe a localização da lesão distalmente aos núcleos do sétimo nervo craniano. Contudo, define-se melhor pela clínica, consistindo na parésia dos músculos da mímica facial da hemiface ipsilateral à lesão, associada ou não a hiperacúsia, xeroftalmia e perda do paladar nos dois terços anteriores da língua. As principais causas médicas são a PFP idiopática ou de Bell (65%) e o Herpes Zoster Ótico (12%). Em áreas endémicas, também a doença de Lyme pode ter um papel relevante. Sendo um tema de consensos difíceis, os autores apresentam uma revisão da literatura e propõem um protocolo de actuação na perspectiva do diagnóstico, tratamento e orientação. Palavras-chave: Paralisia Facial Periférica, Paralisia de Bell, Herpes Zoster Ótico Nascer e Crescer 2010; 19(3): 155-160 INTRODUÇÃO O nervo facial, pelo seu percurso no osso temporal através de um canal inextensível, é particularmente susceptível a agressões de várias naturezas. Outro aspecto anatómico de relevo relaciona-se com o tipo de fibras que o nervo veicula tais como fibras eferentes motoras (músculos da mímica facial, músculo tensor do estribo, entre outros), fibras eferentes parassimpáticas (glândulas salivares e __________ 1 2 3 Interno Complementar de Pediatria, CHPorto Interno Complementar de Pediatria, CH Tâmega e Sousa Assistente Hospitalar, CH Tâmega e Sousa lacrimal), fibras aferentes sensitivas (canal auditivo externo e pavilhão auricular) e fibras aferentes gustativas (2/3 anteriores da língua).(1) A entidade clínica – Paralisia Facial Periférica (PFP) – é frequente, incluindo na faixa etária pediátrica.(2) Múltiplas patologias, com abordagens e terapêuticas muito diferentes, têm como expressão final a PFP. O diagnóstico mais frequente é o de paralisia facial de Bell (PFB), correspondendo a cerca de dois terços dos casos. Embora tradicionalmente usado como sinónimo de PFP idiopática, a identificação de DNA do vírus Herpes na saliva desses doentes, tem sustentado a hipótese da intervenção patofisiológica deste agente. Por outro lado, este é um diagnóstico de exclusão que exige um meticuloso exercício de diagnóstico diferencial (Quadro1).(3) O primeiro grupo etiológico a considerar é o das causas infecciosas. Dentro destas, o Herpes Zóster Ótico (HZO) é o mais prevalente (12%). Resulta da reactivação do vírus Varicella zoster no gânglio geniculado, causando paralisia facial e exantema vesicular no território sensitivo – pavilhão auricilar. Por contiguidade, por migração axonal ou pelos vasa-vasorum, lesa também o nervo vestibulococlear(2,4). A apresentação de quadros incompletos, em que não surgem as características vesículas no território do nervo intermédio (Zoster Sine Herpete - ZSH), faz prever que a sua prevalência esteja subestimada, podendo corresponder a cerca de 8% dos doentes com o diagnóstico de PFB(5). Em áreas endémicas, a doença de Lyme, zoonose causada pela Borrelia burgdorferi, é uma patologia a considerar, podendo ser causa de cerca de 25% das PFP. Resulta do processo inflamatório desencadeado em resposta à adesão desta espiroqueta ao nervo facial(2,6,7,8). Um outro grupo importante é o das doenças neoplásicas, estando descrita a infiltração leucémica do nervo facial, em leucemias agudas já conhecidas ou como sintoma de apresentação(9). Particularmente em casos de instalação progressiva do quadro clínico, devem ser consideradas as neoplasias da parótida e do próprio nervo, sobretudo schwano- QUADRO 1 – Etiologia de PFP Idiopática Infecciosa Inflamatória Imune pós-infecciosa Traumática Iatrogénica Neoplásica Outras Paralisia Facial de Bell Vírus do Grupo Herpes Rubéola; Parotidite; Sarampo Doença de Lyme – Borrelia burgdorferi Mycoplasma pneumoniae Otopatias agudas e crónicas Meningite e encefalite Vacinas Síndroma de Guillain-Barré Fracturas do osso temporal Cirurgia no território do nervo facial Parótida; leucemias; Schwanomas Hipertensão arterial severa Adaptado de referência 3 artigo de revisão review articles 155 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 mas(2,3). A hipertensão arterial (HTA) grave também se pode manifestar por PFP, secundária a complicações hemorrágicas no canal do facial. Louis S. descreveu uma incidência de PFP em até 20% dos doentes internados com hipertensão grave(5). O síndrome de Guillain-Barré é uma polineuropatia desmielinizante inflamatória aguda de carácter auto-imune, tipicamente caracterizada por tetraparésia arrefléxica de início subagudo. Estão muitas vezes associadas as neuropatias dos pares cranianos estão e, dentro destas, a PFP, geralmente bilateral, é a mais comum(10). As fracturas transversais do temporal resultantes de traumatismos cranianos complicam-se frequentemente de PFP. Outra causa de fácil diagnóstico é a lesão iatrogénica no decorrer de intervenções cirúrgicas que envolvam o território deste nervo, nomeadamente pelas especialidades de Otorrinolaringologia ou de Cirurgia Plástica.(3) Os autores apresentam uma proposta de protocolo de actuação no âmbito do diagnóstico, tratamento e orientação dos doentes com PFP, focalizando-se nos casos de PFB e HZO, as principais causas médicas. DEFINIÇÃO A Paralisia facial periférica é um síndrome de diagnóstico essencialmente clínico resultante de lesão do nervo facial localizada para além dos núcleos do nervo facial na ponte. Caracteriza-se por parésia dos músculos da mímica facial da hemiface ipsilateral, associados ou não a hiperacúsia, xeroftalmia e perda do paladar nos 2/3 anteriores da língua. Por contraposição, a paralisia facial de origem supra-nuclear é contralateral à lesão e poupa os músculos frontal e orbicular das pálpebras que recebem inervação cortical bilateral. O mesmo se passa com as respostas faciais emocionais.(1,2,3,5,11,12) , DIAGNÓSTICO O diagnóstico etiológico de PFP centra-se na dicotomia PFB versus os seus diagnósticos diferenciais. Depende da colheita cuidada da história clínica e de um exame objectivo exaustivo, com alguns pontos fulcrais descriminados em seguida. 156 artigo de revisão review articles Anamnese A forma de instalação dos sintomas é o primeiro aspecto de diferenciação entre PFB e os seus diagnósticos diferenciais. Caracteristicamente, a primeira, tem um início súbito, com paralisia máxima ao terceiro dia de doença. O mesmo não se verifica na maioria das outras apresentações, nomeadamente nas causas neoplásicas, cuja instalação é, geralmente, progressiva.(2) A duração dos sintomas tem implicações terapêuticas, porque existem janelas temporais restritas para o tratamento farmacológico.(1,2,3,11,12,13) Os sintomas acompanhantes devem ser explorados, pois podem sugerir uma patologia específica (Quadro 2). Na PFB, para além dos sintomas resultantes da interrupção das diferentes fibras veiculadas pelo sétimo par (motoras, parassimpáticas, aferentes sensitivas e gustativas), não são comuns outros sintomas. A referência a dor ou disestesia periauricular, erupção vesicular no mesmo território, hipoacúsia, QUADRO 2 – Algoritmo – Diagnósticos diferenciais e orientação Paralisia Facial Periférica Sinais de alarme? Não Sim Início súbito Paralisia máxima ao 3º dia Sem outras queixas Restante exame normal Infecção vírica há 3-4semanas 65% PFP de Bell (idiopática) Dor/disestesia peri-auricular Vesículas peri-auriculares Hipoacúsia, acufenos Vertigem, nistagmo, vómitos Hepes Zoster Ótico Otalgia, Febre, OMA Otomastoidite Otopatia crónica Colesteatoma ORL Instalação progressiva Massa parotídea ORL 12% Pós-traumático (>2 semanas) Pós cirúrgico Neuroimagem / ORL Instalação progressiva Anomalias exame neurológico Neuroimagem Neurocirurgia Hipertensão arterial Investigar e tratar Púrpura, equimoses, palidez Adenomegalias Hepatosplenomegalia Dor óssea… Rastreio Hemato-oncológico Área rural/florestal Picada de carraça PFP bilateral Eritema migrans, mal-estar, mialgias, cefaleias, febre Rastreio doença de Lyme NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 acufenos e vertigens é muito sugestiva e virtualmente diagnóstica de HZO.(4,14,15,16,17) Característico é também o quadro clínico sugestivo de Doença de Lyme. Em crianças que residam ou visitem áreas florestais do norte do país ou a região do Alentejo, que refiram a picada por uma carraça (geralmente por um período superior a 48h) e que apresentem outros sintomas sugestivos como o eritema migrans, mal-estar, cefaleias, mialgias e febre, esta deve ser a primeira hipótese de diagnóstico.(7,8,18,19) Ao inquirir sobre antecedentes pessoais são relevantes informações relativas a traumatismos ou intervenções cirúrgicas no território do facial, otopatia crónica, HTA, doença neoplásica ou auto-imune, que podem estar na origem da lesão do nervo facial. A referência a diabetes mellitus é também relevante pelo facto de a PFB ser mais comum nestes doentes e por ter impacto negativo no prognóstico. (20) Por vezes o doente ou pais recordam a existência de síndrome virusal nas semanas precedentes, o que é compatível com o diagnóstico de PFB. Foram descritos casos de PFP após vacinas anti-gripais intra-nasais e, apesar de não haver relatos recentes, tendo em conta que esta vacina muda anualmente, é necessário manter a vigilância.(21,22) Exame objectivo No exame objectivo de uma criança com PFP é relevante salientar: A avaliação da tensão arterial, indicada por permitir o diagnóstico de HTA que, quando grave, se pode complicar de PFP. A inspecção cuidada de toda a superfície cutânea, permitindo identificar lesões como eritema-migrans, palidez, púrpura, equimoses, entre outras anomalias. O exame otorrinolaringológico, visando o rastreio de otopatias agudas (otite média aguda (OMA), otomastoidite) ou crónicas (otite média crónica colesteotomatosa, ou simples), bem como a inspecção da orofaringe, pavilhão auricular e canal auditivo externo para identificação do característico exantema vesicular do HZO. A palpação da parótida, cadeias ganglionares, fígado e baço. O exame neurológico que, caracteristicamente, não identificará outras anomalias no caso da PFB. Já no caso do HZO é comum existirem alterações vestibulares, com Romberg positivo com desequilíbrio para o lado afectado e nistagmo com fase rápida de orientação contralateral à lesão.(2,3,11,12,17) Por fim, a paralisia facial deve ser quantificada, sendo a escala de HouseBrackmann (Quadro 3) uma das mais utilizadas.(23) MEIOS AUXILIARES DE DIAGNÓSTICO O diagnóstico de PFB é essencialmente clínico(2,5) e não se recomenda investigação complementar na ausência de sintomas ou sinais de “alarme” (Quadro 4).3 Brown JK et al sugerem a requisição por rotina de hemograma com esfregaço de sangue periférico para excluir casos de apresentação de leucemia aguda.(3) Contudo, esta patologia é uma causa extremamente rara de PFP, QUADRO 3 – Escala de House-Brackmann Grau 1 Função Normal Função Normal Grau 2 Disfunção Ligeira Grau 3 Disfunção moderada Grau 4 Disfunção moderada/severa Grau 5 Disfunção severa Grau 6 Paralisia total Parésia ligeira só detectável com inspecção cuidada Fecha olho completamente com mínimo esforço Assimetria só no sorriso forçado Sem complicações Parésia evidente, mas não desfigurante Fecha olho, mas com grande esforço Boca com desvio evidente Podem surgir espasmos, contracturas, sincinésias Parésia evidente e desfigurante Não fecha o olho. Sinal de Bell Simetria em repouso Espasmos, contracturas e sincinésias graves Quase sem movimento do lado afectado Assimetria em repouso Geralmente sem espasmos, contracturas, sincinésias Sem qualquer tipo de movimento Sem espasmos, contracturas, sincinésias QUADRO 4 – Sinais e Sintomas de “alarme” Instalação progressiva Pós-traumático ou pós-cirúrgico Febre Hipertensão arterial Otalgia, dor ou disestesia peri-auricular Vesículas canal auditivo externo, pavilhão auricular, palato mole Outras anomalias do exame neurológico Otite média aguda e crónica, colesteatomas, mastoidite Adenomegalias, hepatomegalia, esplenomegalia, Púrpura, equimoses, exantemas Tumefacção parotídea Adaptado de referência 3 artigo de revisão review articles 157 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 pelo que não consideramos necessária a realização por rotina desse exame. O diagnóstico de HZO é também clínico. (15,17) Se persistirem dúvidas no diagnóstico, nomeadamente em casos de ZSH, em que a associação a sintomas vestibulo-cocleares pode alertar o diagnóstico mas não existe a erupção vesicular, poderá ser útil a avaliação dos títulos de IgG para o vírus varicella zoster na fase aguda e convalescença. É de salientar, contudo, que a elevação de quatro vezes do título só é identificada em até 50% dos casos.(4) Outro método mais sensível de confirmação do diagnóstico é a pesquisa de DNA vírico por PCR no exsudado vesicular4,15,16 (situação que, pela evidência clínica, dispensa a confirmação laboratorial). Todos os doentes com o diagnóstico de HZO deverão ser observados por Otorrinolaringologista para a realização de audiometria, que visa identificar a presença de hipoacúsia neurossensorial.(12,15) A electromiografia e o estudo da condução nervosa são técnicas que, embora nem sempre disponíveis, poderão ter um papel importante na definição do grau de lesão nervosa e assim prever o prognóstico. TRATAMENTO Medidas gerais Um dos aspectos fulcrais do tratamento é a implementação de medidas gerais que visam prevenir uma das complicações mais frequentes – a úlcera de córnea. É recomendada a lubrificação ocular com lágrimas artificias aplicadas cada 60 minutos durante o dia e a utilização de óculos de sol para protecção contra corpos estranhos. No período da noite, sugere-se a oclusão ocular com pensos oftálmicos.(1,3,5,11,12) Intervenção por Fisiatria Embora exista controvérsia e ausência de prova científica clara do benefício das técnicas de reabilitação conhecidas, a sua intervenção passa pela estratificação do grau de lesão e estabelecimento de um prognóstico funcional, prevenção de complicações (aplicação de calor, massagem, estimulação eléctrica…) e tratamento das mesmas (técnicas de bio- 158 artigo de revisão review articles feedback, ultrassons, aplicação de toxina botulínica, entre outras).(24,25,26,27,28) Deste modo, o Fisiatra desempenha um papel fulcral na orientação destes doentes, devendo a sua colaboração ser requisitada precocemente. Tratamento farmacológico Nos últimos anos, vários autores, evocando a identificação de DNA vírico na saliva de doentes com o diagnóstico de PFB, sobretudo do vírus herpes simplex, recomendaram a associação de aciclovir ou valaciclovir ao tratamento tradicional.(1,2,11,12,29,30,31) Contudo, a maioria dos estudos não demonstraram benefício com esse tratamento.(3,13,33,34) Pode mesmo observar-se um ligeiro agravamento do prognóstico.(13) Actualmente, a opção terapêutica na PFB mais sustentada cientificamente é a corticoterapia isolada, recorrendose à prednisolona em doses de 1mg/kg/ dia, sendo um dos esquemas proposto fazê-lo durante uma semana, seguida de uma outra de suspensão gradual. Esta deve ser iniciada tão cedo quanto possível e admite-se o seu benefício quando instituída até ao quinto dia de doença.(1,3,13) O tratamento farmacológico de eleição no HZO é a associação de prednisolona com aciclovir. O seu benefício está demonstrado e é tanto maior quanto mais precoce for o seu início. Assim, recomenda-se o seu início até ao 3º dia de doença, na dose de 80mg/kg/dia (máximo 3,2 g/dia) em quatro doses diárias, por via oral, durante cinco dias.(14,15,17,35) A via parentérica não apresenta benefícios.(17) EVOLUÇÃO Existem dois marcos temporais importantes na evolução dos doentes com PFP, qualquer que seja a sua etiologia. O primeiro é o 20º dia de doença. Nessa altura, os casos de agressão nervosa mais ligeiros, que configurem apenas quadros de neuronite resultantes da compressão nervosa, poderão já evidenciar recuperação funcional completa. Quando tal não se verifica, podemos assumir que terá existido um quadro de morte axonal que necessitará de um período de tempo mais prolongado para que ocorra crescimento e reinervação, geralmente entre quatro a seis meses.(11) De uma forma geral, a PFP em idade pediátrica tem um excelente prognóstico. Ocorre recuperação total sem sequelas em cerca de 96% dos doentes com PFB(3,36,37) e em até 75% dos doentes com HZO.(15) Tentar prever o prognóstico com maior acuidade é um exercício clínico importante perante pais que geralmente demonstram um elevado grau de ansiedade (Quadro 5).(36,37,38) Os estudos neurofisiológicos podem dar uma perspectiva mais objectiva sobre o carácter da lesão e o seu prognóstico. Técnicas como o Hilger test – minimal electrical stimulation – demonstram um pior prognóstico em doentes com um diferencial de estímulo entre o lado são e o lado afectado superior a 2,5 mA. Contudo, estes métodos implicam um elevado grau de colaboração, o que nem sempre é possível com os doentes destas faixas etárias. Por outro lado nem sempre estão facilmente disponíveis.(38) QUADRO 5 – Factores clínicos de mau prognóstico Idade >10anos Início progressivo Parésia grave – grau IV, V, VI segundo escala de House-Brackmann Vertigem e outros sintomas concomitantes (lacrimejo, digeusia, xeroftalmia) Casos secundários, nomeadamente a Herpes Zoster ótico Diabetes mellitus NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 O seguimento proposto para estes doentes passa por uma primeira consulta de reavaliação às três semanas de doença e, quando não há recuperação completa, dever-se-á manter uma vigilância regular em consulta externa até esta se verificar. Na avaliação em consulta é importante a classificação seriada e objectivada da parésia facial, o rastreio de complicações (Quadro 6) e a sua orientação(5,27). Quando existem sequelas importantes, cujo potencial de recuperação é diminuto ou ausente (baseado em critérios temporais – seis meses de doença – e neurofisiológicos), os doentes devem ser orientados para consultas de Cirurgia Plástica e Oftalmologia. Algumas técnicas cirúrgicas (transposição de músculos, anastomoses nervosas, ressecção de pele, suspensão da fáscia, implantes de pesos nas pálpebras superiores) podem ter resultados estéticos e funcionais positivos.(39,40) As sequelas resultantes da PFP surgem pela regeneração incompleta das fibras motoras originando parésia facial permanente (4% na PFB e até 25% no HZO) que se manifesta por incompetência oral (perda ou acumulação de alimentos e saliva do lado afectado), lagoftalmo e epífora (queda da pálpebra inferior com alteração da dinâmica de drenagem das lágrimas), contracturas e aumento do risco de úlcera de córnea (xeroftalmia causada pela não oclusão palpebral). A reenervação aberrante origina sincinésias (movimentos involuntários, quando se tenta executar outra acção) ou a apre- sentação menos frequente do síndrome das lágrimas de crocodilo (reinervação das glândulas lacrimais com fibras parassimpáticas destinadas às glândulas salivares). Por último, a regeneração incompleta das fibras sensitivas pode manifestar-se por digeusia ou ageusia (alteração ou perda do paladar nos dois terços anteriores da língua) e disestesias no território sensitivo do nervo facial.(41) EM DESTAQUE A identificação da causa de uma paralisia facial periférica implica um cuidadoso exercício de diagnóstico diferencial. A corticoterapia é o tratamento farmacológico de eleição para a paralisia facial de Bell, devendo ser associado o aciclovir no Herpes Zoster ótico HIGHLIGHTS PERIPHERAL FACIAL PALSY – DIAGNOSIS, TREATMENT AND FOLLOW UP ABSTRACT Facial palsy (FP) is a common disorder in children. It is caused by an aggression to the seventh cranial nerve distally to its emergence from the pons. The best way to define FP is by its clinical manifestations: paralisis of the muscles of the ipsilateral side of the face with or without hyperacusis, decreased production of tears, and loss of taste at the anterior two-thirds of the tongue. The most common medical causes are idiopathic FP, also known as Bell’s palsy (65%) and herpes zoster oticus (12%). In endemic areas, Lyme disease is also an important etiology. As this is a controversial subject, the authors present a review of the most recent literature and propose a protocol to guide diagnosis, treatment and follow up. Keywords: Facial nerve palsy, Bell Palsy, Herpes Zoster oticus QUADRO 6 – Complicações Úlcera de córnea Contractura Parésia / Paralisia permanente / Incompetência oral Disgeusia Disestesia Lacrimejo, epífora Síndrome das lágrimas de crocodilo (reinervação anómala das glândulas lacrimais com fibras parasimpáticas do núcleo salivatório) Sincinésias (movimento involuntário de um grupo de músculos quando se executa outro movimento) Fenómeno de Marcus Gunn invertido (inibição do elevador da pálpebra com ptose quando se abre a boca) The identification of the cause of a peripheral facial paralysis entails a careful exercise of differential diagnosis. The corticosteroid treatment is first line therapy for Bell’s palsy. Acyclovir must be associated in Herpes Zoster oticus. Nascer e Crescer 2010; 19(3): 155-160 BIBLIOGRAFIA 1. Harvey B, Sarnat. Bell Palsy, In: Behrman, Kliegman, Jenson, editors. Nelson Textbook of Pediatrics. 18th ed. USA: Elsevier Saunders, p. 2566-7 2. 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EMedicine, updated: Feb 24, 2010 CORRESPONDÊNCIA Tiago Correia Serviço de Pediatria Hospital Geral de Santo António, EPE Largo do Professor Abel Salazar 4099-001 Porto Tel: 222 077 500 [email protected] NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Hidropisia Fetal e Colestase Neonatal Caso Clínico Ariana Afonso1, Ana Margarida Alexandrino1, Ermelinda Santos Silva2, Alexandra Almeida1, Gilberta Neves Santos1 RESUMO As possíveis etiologias associadas a hidropisia fetal não imune e colestase neonatal são numerosas. A investigação destas situações, mesmo quando exaustiva, nem sempre permite estabelecer um diagnóstico etiológico. A abordagem clínica deverá assentar na exploração minuciosa dos dados da anamnese e do exame objectivo. A realização de exames complementares deve ser orientada pela clínica, tendo por objectivo identificar rapidamente os casos graves e as patologias potencialmente tratáveis. Os autores descrevem a abordagem diagnóstica e terapêutica de um recém-nascido admitido numa Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais ao nascimento por hidropisia fetal e prematuridade, que desenvolveu um quadro de colestase a partir do 2º dia de vida. Palavras-chave: Hidropisia fetal, colestase neonatal, icterícia Nascer e Crescer 2010; 19(3): 161-165 INTRODUÇÃO A hidropisia fetal (HF) resulta de um excesso de acumulação de líquido no feto, condicionando elevada morbilidade e mortalidade neonatal1. O seu diagnóstico baseia-se na avaliação ecográfica prénatal, na qual deverão estar presentes duas ou mais das seguintes alterações: edema cutâneo, derrame pleural, derrame pericárdico, ascite ou polihidrâmnios1. De acordo com a sua etiologia, subdivi- __________ 1 2 Serviço de Neonatologia - Maternidade Júlio Dinis, CHPorto Serviço de Pediatria - Hospital de Crianças Maria Pia, CHPorto de-se em dois grandes grupos: hidropisia fetal imune (HFI) e hidropisia fetal não imune (HFNI)2. As situações imunomediadas resultam de anemia fetal grave condicionada pela destruição dos eritrócitos fetais por anticorpos maternos de tipo IgG. As causas de HFNI são múltiplas e variadas (Quadro 1), sendo, actualmente, responsáveis por cerca de 90% dos casos1. Nas causas de HFNI inclui-se a colestase neonatal. A colestase é resultante da redução da excreção hepatocitária ou de um bloqueio do fluxo ao nível das vias biliares (intra ou extra-hepáticas) dos componentes biliares para o intestino delgado3-4, traduzindo-se por hiperbilirrubinemia directa. Esta define-se por um doseamento sérico de bilirrubina directa (conjugada) superior a 20% da bilirrubina total, quando o valor de bilirrubina total é superior a 5mg/dL, ou por um doseamento sérico de bilirrubina directa superior a 1mg/dL, se o valor de bilirrubina total é inferior a 5mg/ dL5. Constitui a principal manifestação de doença hepatobiliar3, com uma incidência estimada de 1:2500 recém-nascidos vivos3,5. Dada a multiplicidade de etiologias que podem determinar colestase neonatal (Quadro 2), a abordagem destes casos torna-se, por vezes, bastante difícil. Em séries mais antigas6-8 a hepatite neonatal idiopática aparecia como responsável por cerca de 70-80% dos casos. Os avanços na investigação permitiram reduzir os casos sem diagnóstico etiológico. Num estudo retrospectivo de 50 casos de E. Santos Silva et al (1999)9 a atrésia das vias biliares extra-hepáticas e o défice de alfa-1-antitripsina foram responsáveis por 42% dos diagnósticos, as doenças infecciosas (citomegalovírus, sífilis, hepatite B, infecção urinária a E. coli, vírus herpes simples tipo 1) por 16%, e as síndromes dismórficas (S. Alagille, S. Down) por 8%, a hepatite neonatal idiopática 6%, e sem diagnóstico 8%. Em séries mais recentes5 a alimentação parentérica e a colestase multifactorial transitória são responsáveis por um número significativo de diagnósticos. A abordagem dos quadros de colestase neonatal deverá ter em vista identificar atempadamente as situações graves, em que o doente corre risco de vida, bem como os casos potencialmente tratáveis cuja instituição precoce de tratamento (médico ou cirúrgico) pode ser determinante para a vida futura do doente10. Da mesma forma, é importante o estabelecimento de um diagnóstico em caso de doença hereditária, de modo a proporcionar aconselhamento genético adequado. Por outro lado, é importante reduzir a investigação ao estritamente necessário e diferir o esclarecimento das patologias não urgentes, sobretudo nos recém-nascidos e lactentes gravemente doentes10. Os autores descrevem a abordagem diagnóstica e terapêutica de um recém-nascido admitido numa Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais ao nascimento por hidropisia fetal e prematuridade, que desenvolveu um quadro de colestase a partir do 2º dia de vida. CASO CLÍNICO Recém-nascido (RN) do sexo masculino, admitido na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais da Maternidade de Júlio Dinis na 1ª hora de vida por hidropisia fetal e prematuridade. Filho de pais jovens, saudáveis, não consanguíneos. Antecedentes familiares irrelevantes. Mãe sem hábitos tabágicos, sem história de contacto com doenças infecto-contagiosas e sinais/sintomas de infecção genital ciclo de pediatria inter hospitalar do norte paediatric inter-hospitalar meeting 161 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Quadro 1 – Causas de hidropisia fetal não imune Cardiovascular Metabólica Hematológica Gastrointestinal Urinária Anomalia torácica Cromossómica Anomalia cardíaca estrutural Arritmias Anomalia vascular Neuroblastoma Anomalia placentar Corioangioma Hemangioma do cordão umbilical Doença de Gaucher Doença de Niemann-Pick Doença de Farber Mucopolissacaridose Gangliosidose Deficiência de carnitina Hemocromatose neonatal Hemorragia intra-uterina Transfusão feto-materna Défice de glicose-6-fosfato desidrogenase Talassémia Malrotação intestinal Duplicação intestinal Peritonite meconial Tumor/quisto hepático Malformação vascular hepática Colestase Estenose/atrésia uretral Válvulas da uretra posterior Síndrome de prune-belly Malformação adenomatóide quística congénita Quisto broncogénico Hérnia diafragmática Massa intratorácica Sequestro pulmonar Quilotórax Monossomia X Trissomia 21 Trissomia 13 Trissomia 18 Trissomia 12 Condrodisplasias e outras anomalias genéticas Infecciosa Vírus VIH Citomegalovírus Herpes vírus Parvovírus B19 Ecovírus Adenovírus Vírus coxsackie Bactérias Sífilis Protozoários Toxoplasma (Adaptado de Speer ME. Postnatal care of hydrops fetalis. In: UpToDate, Basow DS (Ed), UpToDate, Waltham MA, 2009) 162 ciclo de pediatria inter hospitalar do norte paediatric inter-hospitalar meeting durante a gravidez. Gestação vigiada, com as seguintes serologias maternas: toxoplasmose não imune, VDRL negativo, AgHBs negativo, anti-VHC negativo, anti-VIH negativo. Ecografias fetais do 1º e 2º trimestres descritas como normais. A ecografia fetal às 32 semanas evidenciou polihidrâmnos e ascite, levantando-se a suspeita de hipoplasia pulmonar/atrésia traqueal. Foi efectuada cesariana emergente às 32 semanas por descolamento de placenta/placenta prévia. Ruptura de membranas peri-parto, com líquido amniótico hemático. Verificou-se necessidade de reanimação, com índice de Apgar 3/5/7 e intubação endotraqueal ao 1º minuto. Ao nascimento, o RN apresentava edema generalizado e ascite volumosa, sem dismorfias aparentes, com hipotonia global ligeira e dificuldade respiratória moderada; a auscultação cardio-pulmonar era normal. O estudo analítico revelou anemia (12g/dL), trombocitopenia (35 000/uL) e hipoalbuminemia (1.8g/L), com função renal e hepática normais. A radiografia de tórax não mostrou alterações. Foi efectuada transfusão de plaquetas e albumina humana, com boa resposta. O ecocardiograma excluiu patologia cardíaca estrutural. Iniciou antibioterapia com ampicilina e gentamicina por risco infeccioso. Na ecografia transfontanelar em D1 de vida foi notada hiperecogenicidade peri-ventricular, sem outras alterações de relevo. Foi extubado antes de completar 24 horas de vida, tendo-se mantido posteriormente em CPAP nasal, necessitando de oxigenoterapia suplementar nos primeiros 2 dias de vida. Desde então manteve-se sempre em ventilação espontânea, sem necessidade de oxigénio suplementar. Ocorreu regressão progressiva do edema generalizado e da ascite, tendose mantido hemodinamicamente estável, sem necessidade de suporte inotrópico. Em D2 foi evidenciada icterícia colestática, sem atingimento da função de síntese hepática (normoglicemia, transaminases e provas de coagulação sempre normais). Verificou-se agravamento progressivo da colestase até D6, altura em que iniciou ácido ursodesoxicólico e suplemento de vitaminas lipossolúveis, com melhoria progressiva. Hepatomegalia NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 detectada em D6. Noção de colúria, sem acolia fecal. Em D5 foram notadas lesões cutâneas dispersas, inicialmente interpretadas como petéquias, que foram coalescendo, adquirindo relevo e tonalidade acastanhada. Foi administrada alimentação parentérica de D3 a D7 de vida, com aumento progressivo do aporte entérico por sonda de declive, com óptima tolerância. Em D9 desenvolveu quadro compatível com enterocolite necrotizante, tendo suspendido alimentação entérica e reiniciado alimentação parentérica total. Completou 10 dias de antibioterapia com metronidazol e 16 dias de vancomicina e cefotaxima, tendose verificado melhoria progressiva. Reiniciou alimentação entérica em D18, com aumento progressivo e boa tolerância. Procedeu-se a um estudo complementar exaustivo, tendo em vista identificar a causa da hidropisia fetal/colestase neonatal. O teste de Coombs directo foi negativo, assim como o teste de KleihauerBetke (mãe). A electroforese de hemoglobina e cinética do ferro não revelaram alterações, apresentando anisopoiquilocitose no esfregaço de sangue periférico. O doseamento de glicose-6-fosfato desidrogenase foi normal. O estudo virológico (serologia para citomegalovírus, vírus Epstein Barr, enterovírus, vírus coxsackie, adenovírus, vírus herpes simples tipo 1 e 2, parvovírus B19 e PCR para CMV no cartão de Guthrie) foi negativo, tal como a cultura de citomegalovírus na urina. A ecografia reno-pélvica não revelou alterações. A eco- grafia abdominal mostrou hepatomegalia moderada, tendo sido visualizada vesícula biliar. A avaliação oftalmológica foi normal, permitindo excluir coriorretinite, catarata e mancha vermelho-cereja. Do restante estudo destaca-se: pesquisa de substâncias redutoras urinárias e teste de Guthrie negativos; alfa-1-antitripsina normal; ácido homovanílico, ácido vanilmandélico e catecolaminas urinárias normais; alfa-fetoproteina normal; perfil lipídico normal e função tiroideia sem alterações. O estudo metabólico realizado (aminoácidos plasmáticos, aminoácidos e ácidos orgânicos urinários, acilcarnitinas, ácidos gordos de cadeia muito longa, transferrina deficiente em hidratos de carbono, glicosaminoglicanos e oligossacarídeos urinários) não revelou alterações. Cariótipo 46,XY. Foram excluídas as mutações Quadro 2 – Causas de colestase neonatal Doenças das vias biliares Colangiopatias Outras Atrésia das vias biliares extra-hepáticas Quisto do colédoco Colangite esclerosante neonatal Perfuração espontânea das vias biliares Estenose dos ductos biliares Doença de Caroli Síndrome de Alagille Paucidade canalicular não sindromática Síndrome de bile espessa Colelitíase Tumores/massas (intrínsecas e extrínsecas) Colestase hepatocelular Doenças metabólicas Síndromes colestáticos Défice de alfa-1-antitripsina Aminoacidopatias (tirosinemia, …) Doenças dos carbohidratos (galactosemia, fructosemia, glicogenose tipo IV) Doenças do ciclo da ureia (argininemia, citrulinemia) Doenças dos lipídos (doença de Niemman-Pick, doença de Gaucher, doença de Wolman, doença dos ésteres do colesterol) Doenças dos peroxissomas (síndrome de Zellweger, doença de Refsum, …) Defeito da síntese de sais biliares Citopatias mitocondrias Fibrose quística Hemocromatose neonatal Endocrinopatias (hipotiroidismo, hipopituitarismo) PFIC tipos 1,2,3 BRIC (mesmo gene do PFIC 1) S. Dubin-Johnson (deficiência de MRP2) Colestase hereditária com linfedema (S. Aagenaes) Hepatite neonatal Idiopática Vírica: citomegalovírus, vírus herpes simples 1 e 2, rubéola, adenovírus, enterovírus, parvovírus B19, hepatite B, VIH) Bacteriana e parasitária: sépsis bacteriana, listeriose, sífilis, tuberculose, toxoplasmose, malária Tóxica: fármacos, alimentação parentérica Miscelânia Choque /Hipoperfusão Lúpus neonatal Histiocitose X Doença venooclusiva Eritroblastose fetal Doença enxerto contra hospedeiro Síndrome de McCune-Albright Síndrome de Donahue Síndrome de Down ciclo de pediatria inter hospitalar do norte paediatric inter-hospitalar meeting 163 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Figura 1 – Ascite e lesões cutâneas mais frequentes associadas a fibrose quística. O estudo anatomo-patológico da placenta evidenciou edema vilositário com moderadas lesões de corionite aguda, sem outras alterações de relevo. O RN teve alta ao 43º dia de vida, apresentando, nessa altura, anemia (8.4g/dL) e icterícia ligeira (bilirrubina total 1.8mg/dL; bilirrubina directa 0.9mg/ dL), com função hepática e provas de coagulação normais. Ao exame objectivo era ainda evidente hepatomegalia ligeira e escassas lesões maculares, de tonalidade acastanhada, dispersas; o restante exame objectivo era normal. Manteve-se em vigilância em consulta de Neonatologia e Hepatologia, sob terapêutica com ácido ursodesoxicólico e suplemento de vitaminas lipossolúveis. A evolução foi favorável, com normalização progressiva dos parâmetros analíticos: pelos oito meses de vida apresentava uma hemoglobina de 11.9g/dL e bilirrubina total de 0.2mg/dL. Aos quinze meses de idade tem uma boa evolução estaturoponderal, com desenvolvimento psicomotor adequado, sem registo de qualquer intercorrência. DISCUSSÃO De entre a lista de problemas associada ao caso apresentado, destacamse a hidropisia fetal não imune (teste de Coombs directo negativo) e o quadro de colestase. Assim, e neste contexto, o estudo complementar foi orientado tendo em vista descartar as principais causas destas duas entidades (Quadros 1 e 2). Relativamente às anomalias cardiovasculares associadas a HFNI, e embora não se tivesse constatado qualquer alteração à auscultação cardíaca, os estudos electro e ecocardiográfico permitiram ex- 164 cluir arritmias graves e anomalias estruturais1, respectivamente. A existência de neuroblastoma foi igualmente descartada perante doseamentos normais de ácido homovanílico, ácido vanilmandélico e catecolaminas urinárias. O estudo anatomo-patológico de placenta não revelou alterações compatíveis com corioangioma ou angioma do cordão umbilical. No que diz respeito à etiologia hematológica, o teste de Kleihauer-Betke excluiu transfusão feto-materna. Da mesma forma, uma electroforese de hemoglobina sem alterações e um doseamento de glicose-6-fosfato desidrogenase normal eliminaram, respectivamente, as hipóteses de talassémia e deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase. Do ponto de vista metabólico, foi realizado um estudo bastante alargado, o que reduz drasticamente a probabilidade de se tratar de uma afecção deste tipo. Para além disso, estas situações condicionam, regra geral, evolução desfavorável, com mau prognóstico1, o que não se verificou neste caso. A ausência de qualquer outro tipo de manifestação habitualmente presente neste tipo de patologia, como hipoglicemia, coagulopatia ou alterações neurológicas, reforça também a convicção de não se tratar de uma doença metabólica. A normalidade das ecografias reno-pélvica e abdominal eliminou as hipóteses de malformação urinária ou gastrointestinal. Da mesma forma, uma radiografia de tórax normal tornou pouco provável a existência de qualquer malformação torácica. Contudo, a exclusão definitiva deste tipo de patologia exigiria a realização de exames de imagem com maior resolução, como tomografia computorizada ou ressonância magnética1. ciclo de pediatria inter hospitalar do norte paediatric inter-hospitalar meeting Dada a inexistência de qualquer sinal ou sintoma sugestivo, o estudo não prosseguiu neste sentido. Relativamente à etiologia infecciosa, as serologias foram negativas para os agentes investigados. Contudo, outros microorganismos poderiam ser considerados, pelo que esta possibilidade não pode, de todo, ser esquecida, ideia reforçada pela demonstração de lesões de corionite aguda no estudo anatomopatológico da placenta. Finalmente, e relativamente às principais causas de HFNI, a ausência de dismorfias, num RN com cariótipo normal, permite descartar uma parte das cromossomopatias, assim como condrodisplasias. Restava, finalmente, a colestase como causa de HFNI. Assim, prosseguiuse a investigação tendo em causa as potenciais causas de colestase neonatal. A hipótese de atrésia biliar foi, de imediato, afastada, perante a identificação de vesícula biliar em exame imagiológico e a inexistência de acolia fecal ou alteração das transaminases. De facto, é essencial proceder ao despiste desta patologia tão precocemente quanto possível, uma vez que o prognóstico será tanto melhor quanto mais precoce a intervenção cirúrgica4. Foram igualmente descartadas outras anomalias estruturais hepáticas e biliares. Da mesma forma, não foram reunidos critérios de diagnóstico de síndrome de Alagille. A pesquisa de substâncias redutoras na urina e o teste de Guthrie foram negativos pelo que se excluiu a galactosemia. A cromatografia de aminoácidos foi normal e a pesquisa de succinil-acetona na urina não foi efectuada pelo facto de o diagnóstico de tirosinemia ser pouco NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 provável (colestase de instalação muito precoce e ausência de hipoglicemia e de sinais de insuficiência hepatocelular). A exclusão destas entidades é, também, de importância vital, dado existir terapêutica específica para as mesmas4. Embora a evolução clínica favorável não fosse compatível com hemocromatose neonatal, a qual se apresenta, habitualmente, como insuficiência hepática fulminante4, foi efectuado estudo da cinética do ferro, que não revelou alterações, pelo que se colocou de parte esta doença. Apesar da apresentação de fibrose quística sob a forma de colestase ser pouco frequente4, foi solicitado estudo molecular do cromossoma 7, não tendo sido identificada nenhuma das principais mutações associadas a esta doença. A deficiência de alfa-1-antitripsina foi igualmente investigada e excluída. Apesar de a toxicidade associada a fármacos e a nutrição parentérica constituírem causas frequentes de colestase neonatal, a cronologia dos acontecimentos torna pouco provável esta associação. De facto, habitualmente a icterícia surge cerca de 2 semanas após o início da alimentação parentérica4, ao contrário do que sucedeu no caso descrito, em que a colestase foi detectada na mesma altura em que se introduziu este tipo de alimentação. Parece, pois, tratar-se de um processo previamente instalado. Mais uma vez, a etiologia infecciosa não pôde, em definitivo, ser excluída, pelas razões previamente apontadas. Assim, e perante o exposto, neste caso não foi possível estabelecer um diagnóstico definitivo, o que acontece em cerca de 5-8% dos casos de HFNI1. Contudo, os autores acreditam tratar-se de uma situação de hidropisia fetal não imune de causa possivelmente infecciosa, sem agente identificado, que condicionou igualmente um quadro de coles- tase neonatal, mantida e prolongada por múltiplos factores, como a prematuridade, a administração de fármacos, a instituição de alimentação parentérica e a sobreposição de uma situação infecciosa grave como a enterocolite necrotizante. De referir, a reforçar esta hipótese, a evolução favorável, a evidência de anemia1 (frequentemente desencadeada pelos agentes infecciosos), as alterações da placenta sugerindo um processo infeccioso pré-natal1, a hepatomegalia1 e as lesões cutâneas observadas (possivelmente traduzindo áreas de hematopoiese dérmica1). HYDROPS FETALIS AND NEONATAL CHOLESTASIS – CASE REPORT ABSTRACT There is a wide variety of disorders associated with non-immune hydrops fetalis and neonatal cholestasis. Besides exhaustive investigation, in some cases it is not possible to identify an etiological factor. The approach to these entities should be supported by detailed anamnesis and a meticulous physical examination. Additional testing must be oriented by clinical manifestations and the aim is prompt identification of potential lifethreatening diseases and treatable disorders. The authors present the diagnostic and therapeutic approaches in a premature newborn with hydrops fetalis, admitted in an Intensive Care Neonatal Unit soon after birth, who developed cholestasis from the 2nd day of life. Keywords: Hidropsis fetalis, neonatal cholestasis, jaundice BIBLIOGRAFIA 1. Speer ME. Postnatal care of hydrops fetalis. In: UpToDate, Basow DS (Ed), UpToDate, Waltham MA, 2009. 2. Potter EL. Universal edema of the fetus unassociated with erythroblastosis. Am J Obstet Gynecol 1943;46:130. 3. Ferreira AR, Roquete MLV. Colestase do lactente. Textos Científicos da Sociedade Mineira de Pediatria. 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CORRESPONDÊNCIA Ariana Afonso [email protected] Nascer e Crescer 2010; 19(3): 161-165 ciclo de pediatria inter hospitalar do norte paediatric inter-hospitalar meeting 165 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Caso Hematológico Patrícia Nascimento1, Emília Costa1, Beatriz Porto2, José Barbot1 Criança do sexo feminino referenciada à consulta de Hematologia Pediátrica, aos 9 anos de idade, por trombocitopenia. Trata-se da primeira filha de um casal jovem, saudável e não consanguíneo. Sem história de patologias relevantes na família. Parto ocorrido por cesariana electiva às 39 semanas com um Índice de Apgar 9/10. Suspeita de Restrição Crescimento Intra-uterino, apresentando ao nascimento peso 2553g (<Percentil 5), comprimento 45 cm (<Percentil 5) e perímetro cefálico de 31 cm (<< Percentil 5 ). Ao exame objectivo constatada hipoplasia do polegar da mão esquerda e agenesia do polegar da mão direita (Figura1), na ausência de outras malformações. Ainda durante as primeiras horas de vida Figura 1 __________ 1 2 Unidade de Hematologia Pediátrica do Hospital Maria Pia - CHPorto Laboratório de Citogenética do Instituto de Ciências Biomédicas de Abel Salazar - U P 166 caso hematológico hematologic case detectada cardiopatia congénita complexa (CIA + CIV + persistência do canal arterial + retorno pulmonar anómalo total à veia cava superior) corrigida cirurgicamente aos 2 meses de idade. Com o início da escolaridade notada hipoacusia, objectivada posteriormente em consulta de Otorrinolaringologia e devida a malformação do ouvido médio (tímpano esclerótico à esquerda). Aos 9 anos de idade, por apresentar atraso do desenvolvimento com mau rendimento escolar associado a má evolução ponderal foi observada no médico assistente onde efectuou alguns exames complementares de diagnóstico: ecografia reno-pélvica, bioquímica alargada, função tiroideia e cariótipo convencional com bandas de alta resolução que eram normais (46,XX). O hemograma revelou uma hemoglobina de 12,6 g/dl, hematócrito 36,6%, MCV 105,2 fl; MCH 36,3 pg, MCHC 34,5 g/dl; RDW 13,5%; 3400 leucócitos/μL (1400 N/μL; 0 E/μL; 0 B/μL; 1800 L/μL; 300 M/μL) e 55 000 plaquetas/μL. No esfregaço de sangue periférico era evidente macrocitose com poiquilocitose ligeira e policromatofilia. Foi nessa altura orientada para a consulta de Hematologia Pediátrica. À data da primeira observação na consulta, era evidente má evolução estaturo-ponderal (peso <P5, estatura <P5) e as malformações dos polegares já referidas na ausência de outras alterações significativas para além do sopro sistólico na auscultação cardíaca. Qual o seu diagnóstico? NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 COMENTÁRIOS Perante o quadro clínico de malformação dos polegares associada a cardiopatia congénita, surdez de transmissão, má evolução ponderal, défice cognitivo e alterações hematológicas (macrocitose, neutropenia ligeira e trombocitopenia) foi colocada a hipótese de Anemia de Fanconi (AF). A percentagem elevada de Hemoglobina fetal (9,1% para um normal para a idade <1%) constituía factor adicional para esta suspeita, tendo o diagnóstico sido confirmado através da pesquisa de quebras cromossómicas induzidas pelo diepoxibutano (DEB) (11,1% de células com quebras induzidas). A Anemia de Fanconi é uma doença de hereditariedade autossómica recessiva, descrita pela primeira vez em 19271,2. Durante muitos anos foi diagnosticada apenas com base no quadro de insuficiência medular associado a malformações somáticas que, apesar de diversas e com envolvimento de diferentes órgãos e sistemas, permitiam configurar um padrão característico – Tabela 1. Caracteriza-se ainda por uma susceptibilidade acrescida ao desenvolvimento de neoplasias não só de ponto de partida medular, nomeadamente síndrome mielodisplásico e leucemia mieloblástica aguda, como tam- bém de tumores sólidos, sobretudo tumores epiteliais, relacionada com a instabilidade genómica característica da doença 2,4,5,6. O caso apresentado constitui um exemplo das particularidades da AF susceptíveis de conduzirem a um subdiagnóstico/diagnóstico tardio. Efectivamente esta criança aos 9 anos de idade, e ainda hoje com 15 anos de idade, não tem anemia. Como tal a designação da doença é inadequada, na medida em que prejudica, de forma clara, a acuidade diagnóstica. De facto, as citopenias periféricas são de instalação progressiva e insidiosa, sem calendário previsível, Tabela 1 – Anomalias Físicas da Anemia de Fanconi (Dokal, 20002) Anomalias Frequência (%) Esqueléticas (rádio, anca, escoliose, costela) Pigmentação cutânea ( café au lait, hiper e hipopigmentação) Baixa estatura Olhos (microftalmia) Rim e vias urinárias Genitais masculinos Atraso cognitivo Gastrointestinal (estenose anorrectal, atrésia duodenal) Anomalias cardíacas Surdez Sistema nervoso central Ausência de anomalias 71 64 63 38 34 20 16 14 13 11 8 25-30 Tabela 2 – Indicadores de suspeita de Anemia de Fanconi da FARF3 Risco médio - ponderar estudo DEB Risco elevado - estudo DEB mandatório Citopenia isolada Macrocitose não explicada por défice de folato ou vitamina B12 Tumores hepáticos sem história de hepatite ou ingestão de álcool Falência ovárica prematura <30 anos Diminuição da reserva ovárica <30 anos Tumor cerebral <5 anos Tumor de Wilms <4 anos Aumento da Hb F sem outra explicação Infertilidade masculina ou feminina Adenomas hepáticos ou hepatomas sem história de hepatite ou álcool Irmão com AF Anemia aplásica Malformações congénitas, particularmente se uma ou mais anomalias rádio e/ou membros; anomalia da estrutura renal; microftalmia; manchas café au lait; achados de VACTERL-H tal como fístula traqueo-esofágica, ânus imperfurado ou outras Quebras cromossómicas espontâneas Síndrome mielodisplásico (em qualquer idade) Leucemia mielóide aguda primária ( em qualquer idade) Sensibilidade invulgar à quimio ou radioterapia Neoplasia típica de Anemia de Fanconi em idade atípica, tal como HNSCC <50 anos, útero <30 anos, anal/vulvar <40 anos História familiar consistente com AF ou neoplasia (ex. cancro de mama) * De salientar que a presença de mais de um factor aumenta a possibilidade diagnóstica. caso hematológico hematologic case 167 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 sendo geralmente a anemia a última a manifestar-se. Por outro lado esta criança exemplifica também o percurso prévio ao diagnóstico de AF, com passagem por diferentes especialidades de alguma forma relacionadas com a sua frequente morbilidade (Cardiologia, Urologia, Gastroenterologia, Otorrinolaringologia, Ortopedia, Cirurgia Plástica entre outras), sem que o diagnóstico seja equacionado. É nesse sentido que é importante a divulgação desta patologia no seio dessas especialidades, por vezes pouco sensibilizadas para um diagnóstico hematológico. A variabilidade fenotípica da AF é grande, sendo que cerca de 25% dos doentes, ao contrário da criança apresentada, são fenotipicamente normais1,3,8,9. Este facto reforça ainda mais a convicção generalizada de que se trata de uma doença subdiagnosticada (a incidência descrita na literatura de 3:1 000 000 estará provavelmente aquém dos verdadeiros números de AF). A Fanconi Anemia Research Foundation (FARF) procurou minorar o atraso no diagnóstico através da elaboração e divulgação de indicadores de suspeita diagnóstica, com base em elementos de ordem clínica e laboratorial. Define 2 índices de suspeita, médio e alto, sendo que no primeiro é de ponderar a realização do estudo citogenético enquanto que no segundo este é mandatório ( Tabela 2). Como se pode ver pela análise da Tabela 2, a presença da malformação das mãos e a cardiopatia colocavam esta criança, desde o nascimento e ainda na ausência de alterações hematológicas, no grupo de risco elevado de Anemia de Fanconi, tendo por si só indicação para a realização do estudo citogenético, o que teria conduzido atempadamente ao diagnóstico. 168 caso hematológico hematologic case O diagnóstico precoce permite uma abordagem a longo prazo da insuficiência medular, antecipando cuidados, como sejam a evicção de radiações e tóxicos, e programando a realização de cirúrgicas correctivas prévias à instalação de uma trombocitopenia que as inviabilize1,3. Permite também a identificação de irmãos não afectados, assim como daqueles que, sendo afectados se encontram em fase pré sintomática. Fornece ainda a possibilidade de aconselhamento genético dos progenitores, tendo em conta eventuais gestações futuras às quais se poderá aplicar diagnóstico pré-natal. Para além disso, o cordão umbilical dos recém-nascidos não afectados poderá ser compatível com o do irmão doente e assim ser fonte de células progenitoras hematopoiéticas para um futuro transplante. Apesar do diagnóstico tardio, a doente tem apresentado ao longo dos 6 anos de seguimento, uma evolução relativamente lenta e benigna, com trombocitopenia persistente mas contagens de neutrófilos que oscilam entre a neutropenia e a normalidade, não se equacionando para já a possibilidade de transplante de medula, mas tendo já sido efectuada pesquisa de dador compatível. ABSTRACT The authors present the case of a child with complex congenital heart defect, bilateral malformation of the thumbs, hearing loss, failure to thrive and delayed psychomotor development, oriented to the hematology consultation at the age of 9 years for the presence of thrombocytopenia and macrocytosis. Nascer e Crescer 2010; 19(3): 166-168 BIBLIOGRAFIA 1. P. F. Glampietro, B. Adler-Brecher, P. Verlander, S. 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Ao exame objectivo observava-se uma placa ovalada, eritemato-descamativa e liquenificada, na face anterior de cada perna, do tornozelo até ao terço superior (Figura 1). Qual o seu diagnóstico? Qual a sua atitude? Figura 1 – Placas ovaladas, eritemato-descamativas e liquenificadas na face anterior de ambas as pernas __________ 1 Serviço de Dermatologia, Hospital de Santo António / CHPorto caso dermatológico dermatology case 169 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Figura 2a – Testes epicutâneos positivos para a face interna da caneleira COMENTÁRIOS O quadro de eritema, descamação e liquenificação circunscritos a uma área bem delimitada e associados a prurido colocaram-nos na pista de um eczema de contacto. Após uma anamnese dirigida pudemos averiguar que o doente jogava futebol três vezes por semana e usava caneleiras, cujos limites correspondiam aos limites da dermatose. Foi submetido a testes epicutâneos com a série standard do Grupo Português para o Estudo das Dermatites de Contacto, com a série de calçado e com a face interna e face externa da caneleira. Os testes foram aplicados no dorso durante dois dias e a leitura ao terceiro dia mostrava positividade (++) para dicromato de potássio (constituinte do couro), níquel, IPPD (isopropilaminodifenilamina) 1% (constituinte das borrachas) e para a face interna das caneleiras. (Figuras 2a, 2b) Foi aconselhado a evitar o uso de caneleiras e foi medicado com aceponato de metilprednisolona a 0,1% em pomada, associado a um emoliente. O eczema de contacto alérgico é uma dermatose relativamente frequente, correspondendo a cerca de 10% de todas as doenças inflamatórias da pele e afectando cerca de 8% da população pediátrica. Corresponde a uma reacção de hipersensibilidade retardada (ou do tipo IV) a alergénios para os quais se 170 caso dermatológico dermatology case Figura 2b – Testes epicutâneos positivos para dicromato de potássio, IPPD a 1% e níquel foi previamente sensibilizado. Divide-se em duas fases: aguda e crónica. A fase aguda surge 24 a 48h após a exposição e traduz-se pelo aparecimento de eritema, vesiculação e exsudação limitados à área de contacto com o alergénio, em associação com um prurido intenso. A fase crónica ocorre quando a exposição ao alergénio persiste por um período longo de tempo. Clinicamente manifesta-se por eritema, descamação e liquenificação, associados a prurido local. O diagnóstico é sugerido pela anamnese e exame físico e confirmado por testes epicutâneos. O tratamento passa pela evicção do alergénio e pelo uso de corticosteróides tópicos, emolientes e anti-histamínicos orais. É uma patologia frequente e benigna, na qual é necessário um elevado índice de suspeição para identificar o alergénio implicado. sensitivity reaction that is elicited when the skin comes in contact with a chemical to which an individual has previously been sensitized. The classic picture of contact dermatitis is a well-demarcated erythematous vesicular (in the acute form) and/or scaly patch or plaque (in the chronic form) lesion, with well-defined margins corresponding to the area of contact. It requires an appropriate level of suspicion for the possibility of an allergen to elicit a contact dermatitis. Treatment is based on avoidance of the allergen associated with corticosteroids and antihistamines. The authors present a case of allergic contact dermatitis to football shin guards in a 12 year-old boy who regularly practiced soccer. Keywords: allergic, contact dermatitis, football shin guards Nascer e Crescer 2010; 19(3): 169-170 ABSTRACT Many adverse events can occur when the skin comes in contact with external agents. Eczema is one of them. The eczema can be either allergic or irritant in nature. Irritant contact dermatitis (ICD) accounts for approximately 80% of all contact dermatitis and allergic contact dermatitis (ACD) accounts for the remaining 20%. ACD is a delayed-type hyper- BIBLIOGRAFIA 1. Fisher’s Contact Dermatitis. Ed Rietschel RL, Fowler JF. Lippincott Williams & Wilkins 2009 2. Textbook of Pediatric Dermatology. Ed Harper J, Oranje A, Prose NS. Wiley-Blackwell 2010 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Caso Electroencefalográfico Ana Graça Velon1, Célia Xavier2, Adriana Ribeiro3, Rui Chorão3,4 INTRODUÇÃO As mioclonais palpebrais são um evento clínico, cujo diagnóstico diferencial inclui diversas entidades. São várias as epilepsias que cursam com este elemento semiológico, sejam elas idiopáticas, sintomáticas ou criptogénicas / provavelmente sintomáticas. Por outro lado, nas doenças do movimento as mioclonias palpebrais surgem de forma estereotipada, o que aumenta o leque dos diagnósticos diferenciais. CASO CLÍNICO Menino de sete anos referenciado à consulta de Neuropediatria por apresentar desde os seis anos episódios de pestanejo. Estes tinham uma duração de poucos segundos, ocorrendo várias vezes por dia. Como factores de agravamento referiam-se o stress, a fadiga e a sonolência. Nunca houve registo de crises tonico-clónicas generalizadas (TCG) ou ausências. A criança, quando solicitada, foi incapaz de reproduzir os movimentos e dizia não se aperceber dos mesmos. Os antecedentes perinatais eram irrelevantes, com normal desenvolvimento estaturo-ponderal e psicomotor. A criança tinha bom aproveitamento escolar e não apresentava quaisquer alterações do comportamento. Nos antecedentes pessoais, destacava-se a presença de enurese primária e pieira recorrente. A história familiar era irrelevante. A primeira monitorização de electroencefalograma com vídeo (vídeo-EEG) __________ 1 2 3 4 S. Neurologia, CHTMADouro, H Vila Real S. Pediatria, CHTSousa, HPAmerico U. Neurofisiologia Pediátrica, CHP, HMPia S. Neurologia Pediátrica, CHPorto, HMPia revelou actividade paroxística (polipontas e pontas-ondas irregulares a 3-5 Hz) posterior bilateral ou generalizada, na oclusão ocular (espontaneamente ou ao comando), por vezes com os olhos fechados, a qual se acompanhava de mioclonias palpebrais (Figura 1). A consciência permanecia intacta (mantinha-se a conversar), pelo menos nas situações em que foi possível determinar este facto. A presença de fotossensibilidade evidenciou-se durante a estimulação fótica dos 10 aos 30 Hz. A ressonância magnética encefálica foi normal. Foi medicado com clobazam, sem benefício. No segundo vídeo-EEG persistia no traçado actividade paroxística posterior bilateral e generalizada, com activação pela hiperpneia e sobretudo na fotoestimulação (dos 10 aos 18 Hz), com surtos de poliponta-onda irregular posteriores e na maioria generalizados, com os olhos fechados, registando-se manifestações clínicas associadas (mioclonias palpebrais). A substituição por levetiracetam revelou-se também ineficaz. Optou-se pela associação de valproato de sódio em dose de quase 20 mg/kg/dia. Quatro meses depois a frequência dos episódios havia reduzido significativamente, na ausência de efeitos laterais significativos (apenas discreto aumento do peso). Entretanto, os pais mencionaram episódios de movimentos súbitos dos membros na fase inicial do sono. O vídeo-EEG nessa altura revelou tratarem-se de mioclonias do sono. Contudo, o traçado mantinha alterações de tipo epileptiforme, acentuadas pela hiperpneia e fotoestimulação, com registo de algumas crises. Verificava-se, no entanto, redução quer das anomalias gráficas quer do número e frequência das crises. Com o incremento da dose de valproato de sódio para cerca de 25 mg/kg/dia em monoterapia, houve redução dos episódios, que permaneceram clinicamente indetectáveis por um período de seguimento de meio ano. DISCUSSÃO As mioclonias palpebrais (MP) são classificadas pela Liga Internacional contra a Epilepsia (ILAE) nas crises generalizadas, como subtipo das ausências com características especiais.(1) São movimentos palpebrais recorrentes em que a consciência pode ou não estar preservada, sendo que , a acontecer, é subsequente ao pestanejo e por vezes difícil de determinar, pela sua brevidade. Assim, as MP podem ocorrer com ou sem ausências e em várias síndromes epilépticas: idiopáticas (Síndrome de Jeavons - não reconhecida como síndrome epiléptica pela ILAE), sintomáticas ou criptogénicas.(2) No caso descrito as mioclonais palpebrais tiveram início aos 6 anos, surgindo na oclusão palpebral e na fotoestimulação. Não se registaram outro tipo de crises. O registo das mioclonias palpebrais correlacionou-se com as anomalias gráficas (actividade paroxística do tipo poliponta-onda) e a fotoestimulação, sugerindo origem epiléptica. A resposta ao valproato também favorece esta etiologia. A existência de auto-indução nestes doentes é controverso(2), e neste caso, o fenómeno parece existir: frequentes episódios de oclusão ocular espontânea durante o registo inicial, com indução ou não de actividade epileptiforme. Quanto à sua classificação, poderemos incluí-las dentro das mioclonias palpebrais com ou sem ausências (ou Síndrome de Jeavons - SJ), tendo em conta que a característica fundamental desta síndrome epiléptica são as mioclonias caso electroencefalográfico EEG case report 171 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Figura 1 – Após a oclusão ocular, surto generalizado de polipontas bi-occipital com registo de mioclonias palpebrais, seguido de poliponta-onda generalizada a 3-5 Hz. palpebrais e não as ausências(2,3). Este diagnóstico torna-se provável quando as mioclonias se associam a fotossensibilidade, sendo praticamente patognomónico se ocorrem com a oclusão ocular.2-4 O vídeo-EEG é típico, com surtos generalizados de pontas-ondas ou polipontas-ondas breves (geralmente 2-3’’), surgindo surgindo 0,5-2’’ após a oclusão ocular. A resposta fotoparoxística é uma constante, como epilepsia fotossensível que é.(2,3,5) Estes achados estão de acordo com o registado no nosso caso (Figura 1). Em nenhum dos exames de vídeo-EEG se realizou trecho na escuridão total; nesta situação, a oclusão ocular 172 caso electroencefalográfico EEG case report não induz crises ou actividade epileptiforme, o que é característico neste tipo de epilepsia(2,3). Estão descritos casos em que nunca se registaram ausências, mas em que ocorreram crises TCG.(3,4) Estas crises são raras e surgem, geralmente, na presença de factores precipitantes ou facilitadores (privação de sono, não cumprimento da terapêutica, luz brilhante ou exposição a televisão ou jogos com vídeo).(2,3,5) Respondem ao tratamento, pelo que se pode inferir que a sua inexistência, no nosso doente, pode dever-se à introdução de tratamento com antiepiléptico. As mioclonias palpebrais, em contrapartida, são consideradas em geral refractárias ao tratamento antiepiléptico. Contudo, publicações mais recentes apresentem respostas mais favoráveis, eventualmente por incluírem o uso de fármacos mais recentes.(3) Este parece ser o caso no doente que apresentamos. O tratamento de primeira linha preconiza o valproato de sódio em monoterapia. A sua associação com benzodiazepinas, levetiracetam, lamotrigina ou etossuximida, são esquemas terapêuticos possíveis.(2-5) O tratamento modifica os achados electroclínicos e a fotossensibilidade tende a diminuir com o avançar da idade. (2,3,5) Em relação ao prognóstico, este é melhor no sexo masculino, pelo que sob NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 terapêutica antiepiléptica esperamos que não ocorram ausências ou CTCG. As mioclonias geralmente persistem, embora tornando-se menos frequentes com a idade. As MP com a oclusão ocular e com resposta fotoparoxística estão descritas em diversas outras síndromes epilépticas como: epilepsias generalizadas idiopáticas (epilepsia de ausências, epilepsia mioclónica juvenil, crises reflexas, epilepsias generalizadas sintomáticas) e epilepsias focais fotossensíveis.(3,5) A monitorização vídeo-EEG permitiu excluir uma série de potenciais diagnósticos, facto impossível apenas com base nos achados clínicos. Particularmente difícil seria a diferenciação com movimentos paroxísticos palpebrais, que se associam a epilepsias generalizadas fotossensíveis, ocorrem várias vezes por dia, aumentam em situações de stress, embaraço ou frustração, não há perturbação da consciência e persistem apesar da terapêutica antiepiléptica.(6) Outros diagnósticos diferenciais seriam os tiques palpebrais (movimentos rítmicos, mais breves, cuja contracção não é tónica), a supraversão tónica benigna da infância (de maior duração e auto-limitada), e o blefarospasmo (espasmo do músculo orbicular das pálpebras, franzindo o sobrolho, com aproximação das fendas palpebrais).(6) O mecanismo fisiopatológico das MP será o mesmo que está descrito para as epilepsias fotossensíveis.(5) A oclusão dos olhos e a ELI “sincronizam” os neurónios do córtex occipital (cuja activação depende da intensidade da luz, da área de córtex e do nível de excitabilidade – predisposição genética). A disseminação desta activação para o córtex frontal faz-se por vias transcorticais e subcorticais (reticulotalâmicas). Desta activação podem resultar: resposta fotomioclónica, actividade paroxística subclínica confinada a áreas occipitais, actividade electroclínica característica das epilepsias occipitais, resposta fotoparoxística com polipontas e pontas-ondas generalizadas e mioclonias (às vezes com ausências) e as crises TCG.(5) CONCLUSÃO As mioclonias palpebrais apresentam uma panóplia de diagnósticos diferenciais. Mesmo quando a sua etiologia é claramente epiléptica, como no caso apresentado, a sua classificação nosológica constitui um desafio. Palavras-chave: Mioclonias palpebrais, mioclonias palpebrais com ausências, epilepsias fotossensíveis, doenças do movimento ABSTRACT Introduction. Eyelid myoclonia with or without absences may occur in several epileptic conditions, and they are frequently misinterpreted as movement disorders. Case report. A seven-year-old boy was admitted for evaluation of eye blinking that started at age of six. He had never had generalized tonic-clonic or absence seizures. Video-EEG monitoring revealed 3-5 Hz irregular occipital or generalized polyspike and polyspike-wave complexes, precipitated by eye closure. They were accompanied by eye-lid myoclonia. Photic stimulation induced photoparoxysmal response. Brain MRI was normal. He was initially treated with clobazam and then levetiracetam with no response. Valproate was added with control of the symptoms. Conclusion. Eyelid myoclonia without absences are often difficult to classify. Video-EEG may help to clarify these cases. Keywords: eyelid myoclonia, eyelid myoclonia with absences, photosensitive epilepsy, movement disorders BIBLIOGRAFIA 1. Berg AT, Berkovic SF, Brodie MJ, Bucchalter J, Cross JH, Van Emde Boas W, Engel J, French J, Glauser, Mathern, Moshé SL, Nordli D, Plouoin P, Scheffer IE. 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Efectuou estudo radiológico esófago-gastro-duodenal e pHmetria de 24h que não revelaram qualquer alteração compatível com refluxo. Efectuou tratamento com leite ant-regurgitação e domperidone e o seu quadro resolveu cerca de seis meses depois. Concluímos tratar-se de quadro de refluxo fisiológico. Figura 1 __________ 1 Serviço de Gastroenterologia Hospital Maria Pia / CHPorto 174 caso endoscópico endoscopic case A criança esteve sempre clinicamente bem, com bom desenvolvimento psicomotor e crescendo de forma regular mas sempre ligeiramente abaixo do percentil 5. Aos 5 anos começou a ter vómitos frequentes após as refeições, não associados a outros sintomas digestivos, nomeadamente, disfagia, odinofagia dores abdominais ou alterações do trânsito intestinal. Não apresentava outros sintomas e manteve a sua evolução ponderal. O exame objectivo era normal e o exame abdominal não evidenciava dismorfias, áreas dolorosas ou organomegalias. O estudo analítico realizado, hemograma com plaquetas, VSG e PRC, função renal e hepáticas, CPK, amílase e lípase, proteínas e electroforese, ionograma ureia e glicose imunoglobulinas, anti- Figura 2 corpos para transglutaminase tecidular e função tiroideia, não revelou alterações. Foi realizada uma endoscopia digestiva alta durante a qual foi possível observar as imagens que mostramos nas figuras 1 e 2, localizadas no terço superior do esófago e das quais foram recolhidas biópsias. Neste contexto clínico as imagens que apresentamos sugerem-lhe: 1 – Esofagite eosinofílica 2 – Aspectos em variante do normal 3 – Mucosa gástrica ectópica 4 – Lesão cáustica do esófago. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 COMENTÁRIOS As imagens que observamos podem descrever-se como duas ilhotas de mucosa de forma arredondada, com cerca de 15mm de diâmetro de bordo regular e superfície ligeiramente irregular, levemente deprimidas, de coloração vermelha mais viva do que a mucosa adjacente e localizadas em espelho. Deve dizer-se que o restante exame endoscópico não evidenciou qualquer alteração, nomeadamente compatível com doença de refluxo gastro-esofágico (DRGE). As biopsias das lesões em causa mostraram serem constituídas por mucosa gástrica “tipo corpo”com ligeira actividade inflamatória e sem a presença de Helicobacter pylori (HP). Estávamos assim perante uma situação de heterotopia de mucosa gástrica na parte alta do esófago associada a episódios de vómitos. A doente efectuou tratamento com inibidor da secreção ácida do estômago durante 4 semanas e ficou sem sintomas. Não havia quadro clínico, endoscópico e histológico que permitisse suportar as hipóteses de esofagite eosinofílica ou lesão de cáustica. A heterotopia da mucosa gástrica está descrita com uma frequência variável entre 2,8 e 10% dos exames endoscópicos altos; pode localizar-se em qualquer ponto do esófago mas é mais comum na parte alta próximo do esfíncter esofágico superior pelo que se designa frequentemente por “Inlet patch”. Apresenta-se geralmente como pequenas ilhotas isoladas arredondadas, com cerca de 1cm de dimensão, de cor ligeiramente mais avermelhada e que podem ser salientadas pela coloração do epitélio pavimentoso pelo lugol. Pode haver lesões múltiplas ou mesmo circunferenciais. São geralmente achados acidentais mas há alguns casos descritos de desconforto faríngeo ou globus que respondem à inibição da secreção ácida e raros casos de ulceração, hemorragia, estenose, fístula esófago-traqueal e mesmo adenocarcinoma. O exame histológico mostra qualquer tipo de epitélio gástrico (fúndico, do corpo ou do antro) e por vezes com a presença de HP. Conclusão: Heterotopia gástrica do esófago próximal ABSTRACT We present a case of a five-year-old girl observed for vomiting after meals during the last two months. She had been evaluated by the age of six months for frequent regurgitation. The upper digestive tract X -ray and 24 hours pH monitoring were normal, establishing the diagnosis of physiologic gastro-esophageal reflux. At the age of five the patient started having post-prandial vomiting, without other digestive or general symptoms. She had a normal development and normal physical examination and analytical profile. The upper digestive endoscopy showed two islets of abnormal red mucosa, with irregular surface, slightly depressed, each measuring about 15mm in the upper oesophagus, below the sphincter. The histological study of mucosal biopsies concluded for ectopic gastric mucosa. The patient became symptoms-free under treatment with PPI (protonpump inhibitiors). Nascer e Crescer 2010; 19(3): 174-175 BIBLIOGRAFIA 1. Ward EM, Achem SR. Gastric heterotopia in the proximal esophagus complicated by striture. Gastrointestinal Endoscopy 2003; 57, nº1, 131-3 2. Johnson LF. Esophageal motility and miscellaneous diseases, in Gastroenterologic Endoscopy, Sivack 2000, 497. Saunders Company caso endoscópico endoscopic case 175 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Caso Estomatológico José M. S. Amorim1 Criança de 1 mês de idade que foi enviada à consulta de Estomatologia devido a tumefacção mandibular, na região da crista alveolar mediana e que dificultava a amamentação. Ao exame objectivo a criança apresenta bom desenvolvimento estato-ponderal. A nível oral apresentava uma lesão no rebordo alveolar inferior anterior, com 1 cm de diâmetro, pediculado, com coloração rosada, semelhante à mucosa oral, superfície lisa e íntegra e de consistência endurecida (Figura1). Antecedentes pessoais e familiares irrelevantes. Figura 1 __________ 1 Serviço de Estomatologia Hospital Maria Pia / CH Porto 176 caso estomatológico oral pathology case Face ao descrito: Qual o seu diagnóstico? Qual a sua atitude? NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 COMENTÁRIOS O caso clínico descrito refere-se a uma epúlide congénita do recém-nascido. A lesão de células granulares congénita foi descrita por Neumann em 1871, tendo-a designado por epúlide congénita. É uma lesão rara mas de fácil diagnóstico uma vez que surge tipicamente no rebordo alveolar superior do recém-nascido, podendo mais raramente ainda surgir no rebordo alveolar mandibular. Manifesta-se como uma massa submucosa, de tamanho variável, geralmente única mas podendo surgir em 10% dos casos lesões múltiplas, sendo mais predominante no sexo feminino (8 para 1). O seu aparecimento é esporádico e não apresenta tendência familiar. É uma lesão benigna e não há relatos na literatura de recidiva. Há diversas teorias sobre a origem histológica desta lesão: mioblástica, neuroblástica, odontoblástica, fibroblástica ou histiocítica. A hipótese mais consensual é que se trata de um processo degenerativo das células mesenquimais indiferenciadas, que, por sua vez, possuem capacidade de múltiplas diferenciações. Histologicamente a epúlide congénita é semelhante ao tumor de células granulares. O tratamento é a excisão cirúrgica sob anestesia geral, principalmente quando, pelas suas dimensões, há comprometimento das funções de amamentação, deglutição e respiração. sion revealed a congenital epulides of the newborn. This is an uncommon lesion, easy to diagnose, as it has a typical appearance and localisation. Surgical treatment is the option, namely when it impairs feeding, swallowing or breathing. Keywords: congenital epulides of the newborn, benign ABSTRACT A one month-old girl was referred to our department due a neoformation of the mandible. The excisional biopsy of the le- Angus C Cameron, Richard P Widmer – Handbook of Pediatric Dentistry, 2008, Mosby, pag 163-5 Nascer e Crescer 2010; 19(3): 176-177 BIBLIOGRAFIA caso estomatológico oral pathology case 177 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Caso Radiológico Ana Filipe Almeida1, Filipe Macedo2 Adolescente do sexo masculino, 16 anos, enviado ao hospital pelo Centro de Diagnóstico Pulmonar após realização de rastreio para tuberculose, em contexto de diagnóstico confirmado no pai. Tem história de emagrecimento de 5 kg nos últimos 6 meses, anorexia, astenia e suores nocturnos há 2 meses, sem contudo referir febre, tosse ou toracalgia. À auscultação constatou-se ausência dos sons respiratórios nos 2/3 inferiores do hemitórax esquerdo. Faz Rx e subsequentemente TC torácica. Figura 1 - Rx do tórax, face Figura 3 – TC tórax, janela mediastínica, sem contraste Figura 2 - TC tórax, janela pulmonar, sem contraste __________ 1 2 Interna Complementar de Pediatria – CH Alto Ave-EPE Especialista em Radiodiagnóstico – SMIC, Porto 178 caso radiológico radiological case Qual o seu diagnóstico? NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 ACHADOS O Rx mostra derrame pleural esquerdo quase sem desvio contralateral do mediastino, devendo pois associar-se algum componente de atelectasia do parênquima pulmonar adjacente. Sem outras alterações. As imagens de TC confirmam o derrame pleural, volumoso, com espessamento dos folhetos pleurais e pequena consolidação do parênquima pulmonar adjacente compatível com atelectasia por compressão. Sem outras alterações pleuropulmonares ou mediastínicas. DIAGNÓSTICO Tuberculose pleural (confirmado em cultura do líquido pleural e biopsia pleural). DISCUSSÃO No caso apresentado, o facto de haver um familiar com tuberculose diagnosticada com consequente rastreio dos familiares próximos tornou fácil o diagnostico apesar da ausência de sintomatologia respiratória. Frequentemente a tuberculose tem uma expressão imagiológica muito inespecífica, sem a apresentação descrita classicamente, sendo necessário um alto grau de suspeita clínica para o diagnóstico diferencial com outras patologias. IMAGIOLOGIA 1 - Rx convencional É o primeiro exame. Os achados são variados, por vezes muito discretos(1), sendo habituais infiltrados pulmonares inespecíficos. Pode haver adenomegalias mediastínicas. O quadro radiográfico clássico de tuberculose está muitas vezes ausente, podendo nomeadamente não haver diferenças entre a doença primária e a reactivação(2). O derrame pleural é geralmente unilateral e pode ser de grande volume, quase sem consolidações associadas. Pode não haver cavitações visíveis. 2 - Ecografia Exame indicado para confirmar uma suspeita clínica ou radiográfica de derrame pleural, permitindo também guiar toracocenteses. 3 - TC tórax Permite caracterizar com bastante mais detalhe os achados radiográficos avaliando melhor a natureza e extensão da doença e das suas complicações(3). As adenomegalias mediastínicas e hilares têm tipicamente baixa densidade central. No parênquima podem observar-se consolidações bem ou mal sistematizadas, cavitações, opacidades lineares e nódulos centrilobulares. O derrame pleural pode ser a única manifestação relevante da doença. 4 - RMN tórax Dá a mesma informação da TC, sem o inconveniente da radiação ionizante mas devido à longa duração do exame e necessidade de imobilidade, pode ser necessário sedação na criança. Por este facto e pela maior disponibilidade, a TC continua a ser mais usada. ABSTRACT The authors report a case of pleural tuberculosis in a 15-year-old boy submitted to screening after his father was diagnosed with the disease. This patient had constitutional symptoms in the last two months (such as significant weight loss, fatigue, anorexia and night sweats) but no respiratory complains. The thoracic X-ray complemented by a CT scan revealed pleural effusion with minimal pulmonary changes. Pleural fluid analysis and pleural biopsy confirmed the diagnosis of pleural tuberculosis. This case highlights the non specific clinic and imaging findings in tuberculosis and the need for a high index of suspicion to reach the diagnosis. Keywords: tuberculosis, pleural effusion Nascer e Crescer 2010; 19(3): 178-179 BIBLIOGRAFIA 1. Woodring JH, Vandiviere HM, Fried AM, Dillon ML, Williams TD, Melvin IG. Update: the radiographic features of pulmonary tuberculosis. AJR 1986; 146 497-506 2. Jones BE, Ryu R, Yang Z , et al. Chest radiographic findings in patients with tuberculosis with recent or remote infection. Am J Respir Crit Care med 1977; 156: 1270-3 3. Jeong YJ, Lee KS. Pulmonary tuberculosis: Up-to-date Imaging and Management. AJR 2008; 191: 834-44 caso radiológico radiological case 179 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Genes, Crianças e Pediatras Anabela Bandeira1, Esmeralda Martins2 Lactente, do sexo masculino, com 16 meses de idade, seguido em consulta de Doenças Metabólicas no Centro Hospitalar do Porto, desde os 7 meses. Trata-se de um primeiro filho de um casal jovem, não consanguíneo. Mãe com 35 anos, saudável e pai com 27 anos de idade, saudável. Meio irmão materno saudável. Sem doenças heredofamiliares conhecidas. Dos antecedentes fisiológicos: gravidez vigiada, sem intercorrências. IV G II P, (dois abortamentos deste casal). Ecogra- Figura 1 __________ 1 2 Assistente Hospitalar de Pediatria Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria. Centro Hospitalar do Porto 180 genes, crianças e pediatras genes, children and paediatricians fias fetais normais. Parto por cesariana electiva ás 38 semanas. Indice de Apgar 9/10. Somatometria ao nascimento adequada à idade gestacional (peso 2985 g, P10; comprimento 46,5 cm, P5; perímetro cefálico 33,5 cm, P10). Realizou rastreio metabólico em D6 de vida que foi normal (TSH 4,2 μU/ml). Nos primeiros 6 meses de vida foi detectada má evolução estatural (comprimento no P 5) com peso acima do P95 e perímetro cefálico no P90. Ao exame físico: face em lua cheia, obesidade Figura 2 Figura 3 troncular, deformidades das mãos e dos pés (Figura 1-3). Sem outras dismorfias. Desenvolvimento psico-motor adequado à idade. Analiticamente apresentava hipotiroidismo primário (TSH 4,88 μUI/ mL; T3 livre 4,6 pg/mL), hipocalcemia (2,18 mmol/L) e hiperfosfatasemia (2,25 mmol/L) ligeiras e aumento da paratormona (PTH 138,9 pg/mL). Radiografia do esqueleto sem sinais de displasia óssea. Cariótipo 46, XY. Qual o seu diagnóstico? NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Pseudohipoparatiroidismo tipo Ia COMENTÁRIOS O fenótipo descrito, osteodistrofia hereditária de Albright (OHA) caracteriza-se por face em lua cheia, obesidade, baixa estatura, calcificações subcutâneas (e também nos rins e cérebro), deformidades articulares (joelho valgo, coxa vara, cubitus valgus) e braquidactilia (mais frequente nos 4º e 5º dedos). O fenótipo torna-se cada vez mais evidente com a idade. O pseudohipoparatiroidismo (PHP) engloba um grupo heterogéneo de doenças caracterizadas pela resistência periférica a nível do osso e do rim à acção da paratormona. A resistência à PTH resulta de um défice específico da sub-unidade α da proteína estimuladora G(1-7), por este motivo surge também resistência a outras hormonas, nomeadamente à hormona estimuladora da tiróide (TSH) e às gonadotrofinas(1,4). Analiticamente, caracteriza-se por hipocalcemia, hiperfosfatasemia e níveis elevados de PTH e hipotiroidismo primário. O PHP foi classificado em vários tipos (Ia, Ib, Ic e II) de acordo com as manifestações clínicas, os parâmetros bioquímicos e o mecanismo molecular subjacente à resistência hormonal(1-4). O tipo mais frequente é o PHP tipo Ia, transmitido com carácter autossómico dominante, com expressão variável(1-4). O tratamento do PHP consiste na correcção do hipotiroidismo com levotiroxina e ultrapassar a resistência periférica à PTH com calcitriol associado à suplementação com cálcio. Tudo isto permite a normalização da função tiroidea, a normocalcemia, normofosfatémia e valores normais de paratormona(1,3). A resistência à TSH é clinicamente indistinguível do hipotiroidismo primário e pode surgir muitos anos antes das manifestações clínicas da OHA e mesmo da hipocalcemia, levando ao atraso no diagnóstico, o que não aconteceu com este caso. Actualmente com 16 meses de idade, apresenta fenótipo menos marcado (Figura 4), uma vez que apresenta valores de PTH normais após tratamento farmacológico. Realizou RMN cerebral que revelou macrocrania benigna. Encontra-se medicado com calcitriol, suplementos de cálcio e levotiroxina. ABSTRACT A 11 month-old-year boy presented with moon shaped face, limb shortening, deformity of hands and feets, low stature with weight on percentile 95, without macrocephaly. Analytically he presented with hypocalcaemia, hyperphosphatasemia and high parathormone. The skeleton x-ray did not show bone dysplasia. The typical phenotype led to the diagnosis of Osteodistrophy of Albright. Nascer e Crescer 2010; 19(3): 180-181 BIBLIOGRAFIA 1. BurgertT, MarkowitzM. Understanding and recognizing pseudo hypoparathyroidism. PediatrRev.2005;26:308–9. 2. SunL, CuiB, ZhaoH, TaoB, WangW, LiX,etal. Identification of a novel GNSA mutation for pseudohypoparathyroidis in a Chinese family. Endocrinology.2009;36:25–9. 3. AllgroveJ. The parathyroid and disorders of calcium metabolism. En: BrookC, ClaytonP, BrownRoselind, editores. Brook’sClinical Pediatric Endocrinology,5ed. Oxford: Blackwell Publishing; 2005. p.263–71. 4. EizaguirreM, UrbinaI, UrzainquiM, LarreinaR, Martín J. Osteodistrofia hereditária de Albright. Identificacıón de una mutacıón original en una familia. AnEspPediatr.2001;54: 598–600. 5. YuD, YuS, SchusterV, KruseK, ClericuzioC, WeinsteinL. 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Quase … Em Julho de 2009 o “Zacarias” (chamemos-lhe assim), de 9 anos de idade, foi enviado à Consulta de Reumatologia Pediátrica (CRP) do Hospital Pediátrico de Coimbra por olho vermelho crónico, bilateral, refractário à medicação tópica ocular (colírios e pomadas de corticóides e antibióticos) e à medicação oral com prednisolona. As queixas tinham-se iniciado em Abril de 2007, com blefarite e chalázio bilaterais, resistentes à terapêutica convencional, que exigiu abordagem cirúrgica em ambas as pálpebras superiores. Recidivaram pouco tempo depois. Em Junho de 2007, às manifestações anteriores associou-se hiperémia conjuntival crónica, bilateral, acompanhada de intensa fotofobia. Estas manifestações revelaram-se também refractárias às terapêuticas tópicas. Em Fevereiro de 2009, numa fase de agravamento, foi-lhe diagnosticada “queratoconjuntivite bilateral complicada de precipitados subepiteliais com neovascularização corneana”. A biópsia da conjuntiva, realizada em Junho de 2009, revelou “conjuntivite crónica com exuberância de plasmócitos”. No mesmo tempo operatório, foram realizadas injecção subconjuntival com corticóide, em ambos os olhos, que viria a revelar-se também ineficazes. Posteriormente iniciou medicação tópica com ciclosporina que viria a ser interrompida dias depois por intolerância local (intensa fotofobia). A corticoterapia sistémica entretanto iniciada foi igualmente ineficaz. Em Julho de 2009, numa abordagem conjunta de Oftalmologia e de Reumatologia Pediátricas, e na presunção de se poder tratar de “pênfigo ocular”, associou ciclosporina oral na dose de 3,5 mg/kg/dia. Finalmente assistiu-se a uma progressiva melhoria clínica, mantendo contudo a blefarite crónica e algum grau de hiperémia ocular e de fotofobia. Estávamos neste impasse, sem um diagnóstico preciso e sem uma melhoria sustentada… Em Janeiro de 2010, um dos novos doentes enviados à CRP apresentou manifestações clínicas em tudo sobreponíveis às do “Zacarias”. A “Epifânia” (nome igualmente suposto), também com 9 anos de idade, foi referenciada à CRP por queratoconjuntivite crónica, com 15 meses de evolução, com uma evolução crónica com agudizações frequentes e refractária à medicações tópicas instituídas. Nas fases de agravamento apresentava hiperémia ocular, geralmente sem exsudado, intensa fotofobia e já compromisso da acuidade visual (“visão a 20% no olho direito”). A hiperémia ocular e a fotofobia melhoravam sob corticoterapia tópica, para recorrerem de imediato após a sua suspensão. Desde o segundo ano de vida que sofria de hordeólos e chalázios recorrentes. Pela cronicidade e gravidade das queixas, a criança foi sujeita a uma extensa “peregrinação médica”, com recurso a múltiplas urgências, múltiplas e diferentes consultas em oftalmologistas - “13 diferentes” (sic) -, pediatras (“vários”), clínicos gerais e um reumatologista, num total de “mais de trinta médicos diferentes” (sic). Em Janeiro de 2010, na observação conjunta (Reumatologia e Oftalmologia) constatámos blefarite bilateral, hiperémia conjuntival bilateral, bulbar e tarsal, telangiectasias na margem palpebral, queratite com leucoma e neovascularização inferior da córnea direita. 182 pequenas histórias short stories NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 “Glooglámos”. O que não fizemos com o “Zacarias”. Dois dias depois assumimos o diagnóstico de rosácea ocular complicada de queratoconjuntivite flictenular. Iniciou eritromicina oral (para ser administrada durante muitos meses) (1) associado ao tratamento tópico dirigido. A boa evolução veio a confirmar o diagnóstico. Mantém as sequelas da queratite crónica com leucoma no olho direito. Actualmente é seguida exclusivamente em consultas de Oftalmologia Pediátrica. As manifestações clínicas do “Zacarias” eram semelhantes às da”Epifânia”. Em Fevereiro de 2010 assumiu-se o mesmo diagnóstico para o “Zacarias”. Suspendeu-se a ciclosporina oral e iniciou eritromicina (para ser administrada durante vários meses, quiçá anos) (1). Inicialmente a resposta parecia ser favorável. Mas eis que volta tudo ao mesmo: agravamento, melhoria, agravamento, vários contactos telefónicos, antecipação e multiplicação de consultas. Os avanços e recuos levaram, em Junho de 2010, a reiniciar a prednisolona sistémica e, poucos dias depois, também a ciclosporina sistémica. Os controlos analíticos apertados, com doseamento sérico da ciclosporina, foram os requisitos subsequentes pela potencial iatrogenia resultante da associação cicloporina e eritromicina (ambos antibióticos macrólidos). Também sem sucesso. Nos primeiros dias de Julho, no imediato a um novo contacto telefónico da mãe para o Oftalmologista assistente, referindo “Está outra vez pior”, foi considerado paradoxal. Estávamos na pausa matinal do café, num local público. Este momento de relaxe mental deu a inspiração que faltava: a “Epifânia” fora sujeita a uma peregrinação médica; pelo contrário “Zacarias” mantinha-se fiel ao seu Oftalmologista. Outros doentes, já teriam pedido outra(s) opinião(ões). Qual a razão para uma confiança acrítica tão prolongada? “Não bate certo. Interna-se e vamos ver o que acontece”. Já com o plano instituído, nesse mesmo dia, o Oftalmologista confessou que, desde há várias semanas, recebia mensagens românticas da mãe do “Zacarias” no telemóvel. A boa evolução no internamento proporcionou que fosse suspensa a corticoterapia e a ciclosporina sistémicas. O “Zacarias” teve alta 14 dias depois, apenas medicado com eritromicina oral e tópicos oculares. Passou a ter um novo médico oftalmologista assistente, agora do sexo feminino. Em Outubro de 2010 estava assintomático e já quase sem tópicos. Para Dezembro de 2010 está programada uma redução na dose diária de eritromicina A descrição da orientação e da evolução deste sindroma de Munchausen-like para a pedopsiquiatria e pediatria social fogem ao âmbito desta descrição. Admitimos hoje que a melhoria parcial pelo uso da ciclosporina sistémica se deveu à sua actividade como antibiótico macrólido. Na sequência da troca de Oftalmologista, as mensagens recebidas pelo especialista do sexo masculino, inicialmente românticas passaram para um tom mais acusador à mistura com declarações de encanto. Também aconselhado pelos colegas directamente envolvidos no caso, este colega ignorou toda e qualquer mensagem. Por precaução, mantém-nas gravadas no seu telemóvel e vai-nos informando das mesmas. Manuel Salgado1 BIBLIOGRAFIA __________ 1 Consulta de Reumatologia Pediátrica, HPCoimbra 1. Cetinkaya A, Akova YA. Pediatric ocular acne rosacea: long-term treatment with systemic antibiotics. Am J Ophthalmol 2006;142:816-21. pequenas histórias short stories 183 Cuidados ConƟnuados e PaliaƟvos Cursos Pré-Congresso Suporte de Vida Pediátrico VenƟlação Não Invasiva Doenças Infecciosas Curso Pós-Congresso Imagiologia Pediátrica Ginecologia em Pediatria Contracepção e gravidez Grande Prematuridade Abuso e violência sexual Prematuridade Tardia Cirurgia de mínimo acesso Apoio: BIAL Inscrições e envio de resumos em hƩp://www.reuniao-cmin-hmp.co.cc Data Limite - 23 de Outubro de 2010 Organização Colaboração Secretariado Departamento da Infância e da Adolescência do Centro Hospitalar do Porto CH Alto Ave, CH Entre Douro e Vouga, CH Médio Ave, Rua da Boavista, 827 | 4050 Porto E-mail: [email protected] Tel.: 925542332 | 226089900 - Ext 3188 Resumo das Intervenções CH Nordeste, CH Póvoa de Varzim | V. Conde, CH Tâmega e Sousa, CH Trás-os-Montes e Alto Douro, CH V. Nova de Gaia e Espinho, Hospital de Braga | Escala Braga, Hospital de S. João, Hospital Santa Maria Maior (Barcelos), ULS Alto Minho, ULS Matosinhos, ACeS Gondomar, ACeS Porto Ocidental NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 A Nutrição Helena Ferreira Mansilha1 INTRODUÇÃO Também em idade pediátrica, a esperança de vida dos portadores de numerosas patologias complexas tem melhorado nas últimas décadas. De facto, tem vindo a assistir-se a um grande desenvolvimento dos Serviços de Saúde bem como ao crescimento das estruturas de suporte comunitário, no âmbito intra e extra-hospitalar. Recentemente, diversas técnicas de complexidade variável têm vindo a ser implantadas no domicílio de doentes crónicos: oxigenoterapia, ventilação assistida, diálise peritoneal e com certeza a nutrição artificial. Em idade pediátrica, a capacidade para vencer a malnutrição é limitada porque nesta faixa etária as reservas são escassas e as necessidades nutricionais elevadas. Assim, e ao contrário dos adultos, as crianças e os adolescentes necessitam de ser adequadamente nutridos para crescer e atingir o seu máximo potencial para que estão determinados geneticamente. Quando estes são portadores de patologia crónica complexa associada a comprometimento de um ou vários sistemas de órgãos, o suporte nutricional especializado e prolongado no tempo é muitas vezes necessário, contribuindo de forma notável para um melhor prognóstico. De facto, nas últimas duas décadas, desenvolvimentos técnicos na área da nutrição como avanços no design dos tubos e acessos vasculares, métodos de administração e fórmulas tornaram o suporte nutricional mais seguro, económico e fácil, possibilitando o aumento sustentado do número de crianças e adolescentes em “nutrição assis__________ 1 Assistente Hospitalar Graduada de Pediatria do Hospital Maria Pia, CHPorto tida”, deferidos do ambiente hospitalar. Assim, para uma vasta gama de patologias da infância e adolescência o suporte nutricional dos seus portadores, tendo lugar no domicílio, tem o objectivo de tendencialmente proporcionar–lhes um crescimento normal inserido no melhor ambiente possível, apesar dos constrangimentos inerentes à patologia de base, bem como a inerentes condicionalismos familiares(1). Segundo o Decreto-Lei nº 101/2006, Cuidados Continuados Integrados serão um “conjunto de intervenções de saúde e/ou de apoio social, sequenciais, decorrentes de avaliação conjunta, centrado na recuperação global entendida como o processo terapêutico e de apoio social, activo e contínuo, que visa promover a autonomia melhorando a funcionalidade da pessoa em situação de dependência, através da sua reabilitação, readaptação e reinserção familiar e social.” É tema deste trabalho a sua aplicabilidade e pertinência em idade pediátrica, especificamente na área da Nutrição. QUANDO? Por um lado, a Nutrição foi considerada como um direito humano básico expressamente reconhecido pela Convenção dos Direitos Humanos Internacionais, desde 1924(2), embora este direito seja variavelmente interpretado, apoiado, respeitado, protegido e promovido dependendo do contextualização política e sócio-economico-cultural do local geográfico em questão. Por outro lado, a alta hospitalar não é apenas considerada quando se pensa ter sido conseguida a recuperação completa possível do estado de saúde da criança ou adolescente. De facto, a es- tabilização da sua situação clínica pode permitir ponderar a continuação da sua recuperação e/ou a manutenção do seu suporte clínico no ambiente familiar ou, pelo menos, num ambiente de características mais residenciais. Assim, quando a alta hospitalar possa estar dependente de alguma técnica de suporte nutricional, sempre que possível, equipas hospitalares especializadas desta área devem chamar até si a avaliação, caso a caso, da pertinência de orientar o doente para o domicílio ou ambiente equivalente, e o seu melhor timing (1,3). COMO? Os Cuidados Continuados em Pediatria, e em particular na área da Nutrição, deveriam pois ter em conta a relação e interdependência entre a criança/adolescente, a família e o ambiente que os contem. Têm como objectivo a promoção não só da estabilização e/ou recuperação clínicas do doente, mas também da adaptação psicossocial do doente e família, à sua nova condição. Assim, os Cuidados Continuados em Pediatria deveriam ser preferencialmente, e sempre que possível, cuidados domiciliários. Por razões diversas, estes cuidados poderão também ser cuidados prestados num regime especial de internamento em unidades de pequenas dimensões (4-6 camas), caracterizado pela criação de um ambiente residencial, em que a presença dos cuidadores a tempo inteiro (24h/dia) é promovida e desejada. Estas unidades deveriam estar dotadas de todos os meios técnicos e humanos necessários, bem como de outros serviços coadjuvantes que possam ser úteis. Após o preenchimento dos critérios médicos de indicação para Nutrição Assistida extra-hospitalar, a sua programa- cuidados continuados pediátricos – abordagem multidisciplinar XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 185 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 ção deve começar pela avaliação prévia cuidadosa do contexto sócio-económico e familiar em que a criança/ adolescente está inserido. Devem ser analisados a estrutura familiar e seu ambiente psicosocial bem como recursos materiais e humanos, como sejam as características da sua habitação (condições sanitárias, dimensões e acessibilidades), fontes de rendimento, logística da ocupação profissional dos pais, etc. A etnia, a estrutura familiar, o nível educacional e a localização geográfica da residência variam entre famílias e é crucial um bom entendimento desta dinâmica familiar. Por essas necessidades diferirem, os cuidados domiciliários devem ser desenhados de acordo com as necessidades individuais de cada caso. Relativamente ao enquadramento legal em Portugal, o programa de Nutrição Artificial Domiciliária está regulamentada na Circular Normativa nº 1/2006 ARS Norte de 24/02/2006. Esta prevê o apoio logístico à família, bem como a articulação do Hospital com o Centro de Saúde da área de residência, com o objectivo de distribuir responsabilidades, tarefas e fornecimento de materiais. A preparação técnica dos pais/ cuidadores e doentes (faixas etárias de maior idade) deverá ser estruturada e feita em meio hospitalar. A curva de aprendizagem deve ser orientada e monitorizada pela equipa de suporte nutricional hospitalar, em que elementos de enfermagem experientes nesta área são uma grande mais-valia. Contempla 3 fases: 1. Observação: familiarização com a técnica e o material, podendo ser usados meios audiovisuais. 2. Acção: ensino de regras de assepsia, aquisição de skills na manipulação de cateteres e bombas perfusoras (imprescindíveis nas crianças), reconhecimento dos problemas técnicos mais comuns e saber como solucioná-los e ainda o reconhecimento precoce das complicações infecciosas (febre e outros sinais de gravidade clínica). Podem ser usados modelos para treinar as técnicas. 3. Simulação: todas as tarefas são executadas pelos pais como se estivessem em casa, embora ainda em meio hospitalar. À data de alta deverá ser sempre fornecido à família um dossier com informação escrita personalizada, quer de procedimentos médicos, quer de procedimentos de enfermagem, que serão guias de orientação para os pais. Além disso, a criança/adolescente deve ser sempre acompanhado de um relatório clínico pormenorizado. À família deverão ser sempre disponibilizados canais privilegiados de comunicação, nomeadamente através de contacto telefónico permanente médico e de enfermagem com a equipa de suporte nutricional, bem como o acesso directo ao Serviço de Urgência da instituição hospitalar em causa. Devem ainda ser também agilizados os canais e as condições ideais de transporte de produtos nutricionais e outros materiais, de modo a assegurar o seu fornecimento no domicílio, nas melhores condições e atempadamente. Não será de mais realçar que, o investimento na formação/treino das famílias/cuidadores destas crianças que passará pelo maior desenvolvimento do apoio hospitalar domiciliário, bem como a cooperação com os cuidados de saúde primários, com as escolas e o serviço social local poderão fazer a diferença entre a hospitalização prolongada e a integração da criança/ adolescente no seu ambiente “natural”, com todas as vantagens que possam daí advir. Este papel cabe à Equipa Multidisciplinar Hospitalar de Suporte Nutricional. Assim, ainda nesta década, um documento de peritos do Conselho da Europa trouxe a público os grandes défices nos cuidados nutricionais nos hospitais europeus e providenciou recomendações para melhorar a situação, que incluíram a implementação de Equipas de Suporte Nutricional(4). O principal objectivo destas equipas deveria ser a promoção da optimização nutricional a todos os doentes, especialmente em casos de necessidade de nutrição enteral ou parenteral, nomeadamente a sua planificação para a sua realização no domicílio, quando prolongada. Posteriormente, o comité de Nutrição da ESPGHAN abraçou estas recomendações, publicando sugestões para a implementação dessas equipas em unidades hospitalares pediátricas(3). cuidados continuados pediátricos – abordagem multidisciplinar S 186 XXII reunião do hospital de crianças maria pia De facto, a título de exemplo, outros trabalhos têm documentado a influência definitiva da experiência dos clínicos na melhoria dos resultados obtidos em Nutrição domiciliária(3,5,6-8). A constituição destas equipas varia consoante o tipo de instituição, os objectivos a que se propõem e a disponibilidade dos seus elementos(3). Podem incluir as seguintes valências/competências: • Pediatria – Ao(s) pediatra(s) com experiência em nutrição pediátrica compete a coordenação da equipa, a apreciação e colocação da indicação de suporte nutricional no domicílio e a realização da prescrição3. São também suas funções o seguimento clínico: avaliação clínico-analítica periódica. São ainda responsáveis pela articulação com os serviços de saúde locais. • Cirurgia Pediátrica - Gestão da política de acessos vasculares centrais de longa duração: escolha do mais adequado, colocação e manutenção. Acompanhamento clínico de eventual patologia cirúrgica de base. • Pedopsiquiatria - Contributo na avaliação e apoio continuado da família e criança/adolescente. • Enfermagem – Enfermeiro (s) com experiência nesta área asseguram a formação e avaliação da competência técnica dos cuidadores (em meio hospitalar); atestam as condições de habitabilidade e adequação à instalação domiciliária do suporte nutricional, em visitas ao local. São suas funções ainda, a gestão do fornecimento do material consumível bem como a articulação com os serviços de saúde locais, com os seus pares. • Nutricionistas/Dietistas – podem ajudar na avaliação dos aportes, aconselhar na optimização da nutrição e participar no treino da família para casa. • Farmácia - Deve assegurar o fornecimento nas melhores condições dos produtos nutricionais, nomeadamente ser responsável pela produção das bolsas de nutrição parentérica e seu controlo de qua- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 lidade (estabilidade da mistura dos nutrientes, controlo microbiológico, cálculo das quantidades desperdiçadas decorrentes da sangria dos sistemas). Neste grupo etário, é habitual a necessidade de fabrico de bolsas personalizadas(9,10). • Assistência Social - Contributo na avaliação dos recursos económicos e das condições de habitabilidade da família. • Secretariado/Coordenador de dados – possibilitam a assessoria administrativa. PORQUÊ? Embora o suporte nutricional não seja a maioria das vezes o tratamento da doença, é muitas vezes o tratamento da complicação da doença, estando intimamente ligado a um melhor prognóstico. Em idade pediátrica, a recuperação nutricional (autonomia nutricional) podem ser muito mais prolongados que nos adultos, tendo em conta as elevadas necessidades por quiilograma de peso, de uma criança em crescimento. De facto, segundo dados recentes, a duração média de nutrição parentérica domiciliária em França foi de 2,6 anos e, em 22% parece ser definitiva a necessidade desse tratamento(11). A relação custo-benefício da nutrição enteral domiciliária avaliada por equipas de suporte nutricional parece ser indubitavelmente favorável, bem como esta relação se parece fazer acompanhar, por uma franca melhoria na qualidade dos cuidados(12). O mesmo se passa relativamente à nutrição parentérica domiciliária que, sendo uma terapia dispendiosa, parece ter uma franca relação favorável custo/benefício quando comparada com a nutrição parentérica em meio hospitalar(13,14). Trabalhos publicados têm apontado para redução dos custos na ordem dos 30-60%(11,15). Embora possa ser perspectivado que a incidência das complicações do suporte nutricional realizado em meio hospitalar seja sobreponível às complicações do suporte nutricional realizado no domicílio, em idade pediátrica, a sépsis relacionada com cateter nos doentes em nutrição parentérica domiciliária é menor que nas crianças hospitalizadas(16-18), embora, mesmo assim, esta seja a complicação mais frequente da nutrição parentérica domiciliária. Estudos de qualidade de vida que incluem parâmetros emocionais, sociais, ocupacionais e físicos têm vindo a demonstrar que o apoio de peritos à criança e família (equipas de suporte nutricional especializadas) reduz a depressão e melhora a qualidade de vida. De facto, uma forte auto-estima do doente bem como um bom suporte familiar é fundamental para a gestão de dificuldades emergentes como a perda de emprego, perda de rendimentos e enfraquecimento das relações sociais que ocorrem muitas vezes com o início da nutrição domiciliária(17,19-21). As maiores séries publicadas de nutrição parentérica domiciliária registam uma duração média de 2 anos com uma duração máxima de 15 anos. Estas crianças/adolescentes têm taxas de sobrevida melhores e maior probabilidade de conseguir o desmame para a nutrição enteral total (cerca de 50%) que os mais velhos(9). Assim, surge por vezes a necessidade de realizar nutrição parentérica prolongada para substituir um eixo digestivo ausente ou funcionalmente insuficiente. COMENTÁRIOS FINAIS O sucesso do suporte nutricional domiciliário ou equivalente, no âmbito da prestação de cuidados continuados em idade pediátrica, dependerá da cumplicidade entre a família/cuidadores e a equipa multidisciplinar, sendo crucial um programa bem organizado de formação, um plano de alta cuidado e sobretudo o suporte sustentado ao longo do tempo, no sentido de assegurar uma assistência nutricional eficaz. De facto, a criança deve assumir o estilo de vida mais normal possível, tendo em conta a idade (ex: ir à escola, relação com os pares, actividades desportivas, ir de férias), podendo ser o suporte nutricional domiciliário indispensável à autonomia terapêutica da família. No entanto, a interferência com a qualidade da família é incontornável. Será sempre necessário um reajustamento familiar em maior ou menor grau que poderá passar pela reinserção familiar da criança, por modificação das actividades profissionais dos pais, seus estilos de vida e suas relações sociais. Mais uma vez o apoio e assistência técnica da equipa multidisciplinar pode ser crucial para minimizar os danos. Em suma, o suporte nutricional domiciliário poderá contribuir para que a doença seja remetida para segundo plano na vida da criança/adolescente e sua família, fazendo-a sentir-se mais normal, pelo menos durante alguns períodos do seu quotidiano, melhorando as expectativas da criança e da família, sob as melhores condições psicoafectivas.. Nascer e Crescer 2010; 19(3): S185-S188 BIBLIOGRAFIA 1. Daveluy W, Guimber D, Mention K, et al. Home enteral nutrition in children: an 11-year experience with 416 patients. Clin Nutr 2005; 24: 48-54. 2. UNICEF. The state of the World’s Children 1998. New York: Oxford University Press; 1998. 3. Agostoni C, Axelson I, Colomb V, Goulet O, Koletzko B, et al. The need for nutrition support teams in pediatric units: a commentary by the ESPGHAN committee on nutrition. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2005; 41 (1): 8-11. 4. Beck AM, Balknäs UN, Camilo ME, et al. Practices in relation to nutritional care and support: report from the Council of Europe. 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Trata-se de uma especialidade com uma visão holística do indivíduo e que tem por objectivo o desenvolvimento do seu potencial funcional e a sua reintegração familiar, profissional e social, tendo em conta a sua deficiência e as limitações ambientais. Ao longo do tempo a MFR tem vindo a evoluir de acordo com as mudanças da sociedade em que vivemos. Assim, actualmente o seu âmbito não se limita aos grandes traumatizados da guerra mas estende-se a áreas mais específicas, como a reabilitação neurológica, cardíaca, reumatológica, pneumológica e pediátrica, entre outras. A Reabilitação Pediátrica tem como principais objectivos a habilitação/reabilitação da criança com deficiência. A sua actividade é efectuada por uma equipa multidisciplinar que integra diversos profissionais e que deve ser coordenada por um médico fisiatra. Todo o trabalho dessa equipe é centrado na criança e na família, e deve ter em conta as características e especificidades próprias da criança e do seu desenvolvimento. CUIDADOS CONTINUADOS Definem-se como os cuidados de convalescença, recuperação e rein__________ 1 Assistente Graduada de Medicina Física e Reabilitação, S. Fisiatria, CHPorto, HMPia tegração de pessoas em situação de dependência, e destinam-se a pessoas de todas as idades com dependência funcional, doença crónica ou doença incurável em estado avançado (portal da saúde www.portaldasaude.pt). Podem ser prestados em Unidades de internamento – curta, média e longa duração –, Unidades de ambulatório e equipas domiciliárias, e estão organizados na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI). A necessidade de cuidados continuados na criança e no adolescente tem vindo a aumentar na medida em que a taxa de sobrevivência nas situações crónicas e incapacitantes, congénitas ou adquiridas, se elevou de forma significativa. Doentes que há alguns anos não ultrapassavam a infância, chegam agora à adolescência e à idade adulta colocando novas questões tanto a nível de cuidados de saúde como de integração sócio-familiar. INCAPACIDADE NA CRIANÇA Nos últimos anos a classificação de incapacidade sofreu uma alteração significativa – até 2002 o conceito de incapacidade dependia apenas da deficiência do indivíduo e todo o processo de reabilitação era centrado neste; após a aprovação da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) o conceito de incapacidade passou a depender também do impacto das barreiras do ambiente nas actividades da pessoa com deficiência. A incapacidade na criança é assim definida como a redução crónica na capacidade de participar nas actividades normais das crianças com a mesma idade. CAUSAS MAIS FREQUENTES DE INCAPACIDADE NA CRIANÇA E NO ADOLESCENTE Congénitas Paralisia Cerebral Spina Bífida Doenças neuromusculares Síndromes genéticos Doenças metabólicas Paralisia obstétrica do Plexo Braquial Adquiridas Traumatismo Craneo-encefálico (TCE) Traumatismo Vértebro-medular (TVM) Infecções de SNC Patologia tumoral do SNC AVC Artrite Crónica Juvenil Todas estas situações podem originar quadros com limitação funcional a vários níveis – motor, sensorial, de comunicação/ linguagem, cognitivo – com repercussão nas actividades da vida diária da criança e no seu grau de dependência. Embora haja necessidades específicas relacionadas com cada uma das patologias em questão, o seguimento da criança com deficiência grave tem muitos pontos comuns e vários problemas idênticos podem ser encontrados em casos com diagnósticos diversos. PROBLEMAS COMUNS Contracturas A prevenção das contracturas músculo-esqueléticas é fundamental e básica em qualquer programa de reabilitação. Elas surgem pela imobilidade associada à deficiência motora e levam a alterações estruturais tanto do músculo contracturado como das articulações envolvidas, com o aparecimento cuidados continuados pediátricos – abordagem multidisciplinar XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 189 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 de fibrose e dor. Podem ser mais graves em algumas patologias neurológicas, como nas doenças neuromusculares, devido ao desequilíbrio muscular entre agonista/antagonista. A mobilização passiva ou activa-assistida, conforme a situação do doente, e o estiramento do músculo(s) em risco de contracturar devem ser efectuados regularmente, assim como a utilização de ajudas técnicas como ortóteses adaptadas aos segmentos que queremos posicionar (exemplo: ortóteses para posicionamento das tíbio-társicas a 90º para evitar a postura em equinovaro). Espasticidade Define-se como resistência ao estiramento dependente da velocidade com que este é executado, ou seja, há um aumento da resistência do músculo ao seu alongamento se elevarmos a velocidade desse movimento de alongamento (hipertonia em”navalha de ponta e mola”). Faz parte do síndrome do primeiro neurónio motor e associa-se a hiperreflexia. É frequente em várias patologias neurológicas que condicionam deficiência motora na criança, como a paralisia cerebral, TCE, lesões medulares ou outras patologias que envolvam o SNC. Pode dar origem as espasmos dolorosos, contracturas e deformidades, e interferir a nível da marcha e nos cuidados de higiene. No entanto a espasticidade pode trazer alguns benefícios, por exemplo, a nível circulatório, impedindo o aparecimento de quadros de trombose venosa profunda, frequente em doentes paralizados, diminuindo o risco de osteoporose e, em alguns casos, permitindo a marcha ou a verticalização pela hipertonia dos membros inferiores. Portanto todos estes factores devem ser ponderados antes de se iniciar o tratamento. O tratamento da espasticidade tem várias vertentes que podem ser utilizadas em conjunto: • Técnicas de estiramento muscular • Ortóteses e gessos • Tratamento farmacológico • Bomba de baclofeno • Rizotomia • Toxina botulínica Problemas vertebrais As deformidades do ráquis são frequentes em crianças e adolescentes com deficiência motora, principalmente a escoliose, quase inevitável nas que deambulam em cadeira de rodas. A progressão da escoliose deve-se a vários factores, como o desequilíbrio muscular, a postura, factores biomecânicos e estruturais. O seu seguimento faz-se com controlo radiológico seriado, principalmente nas fases de crescimento rápido. As ortóteses tóraco- lombares podem ser usadas criteriosamente, nas curvas entre os 20 e os 40 graus, desde que não agravem a função pulmonar, que nestes doentes está já muitas vezes diminuída. É importante ter a noção de que as ortóteses de tronco, os chamados coletes, não impedem a progressão da escoliose mas apenas atenuam a sua progressão. Nas curvas acima dos 30/40 graus é recomendado tratamento cirúrgico. A hipercifose é também frequente e deve ser tratada tanto com ortóteses cérvico-toraco-lombares como, nos casos mais graves, com cirurgia. Na prevenção destas deformidades vertebrais é fundamental o cuidado no posicionamento dos doentes, principalmente quando a falta de mobilidade é mais grave. Existem modelos diversos de sistemas de posicionamento de tronco que devem ser adaptados a cada caso e nas várias etapas do crescimento. Úlceras de pressão São frequentes sempre que há diminuição da mobilidade e principalmente quando há alteração da sensibilidade, como em vários quadros neurológicos – spina bífida ou lesão medular traumática. Nestes últimos surgem lesões por vezes muito graves, com atingimento de várias camadas até ao plano ósseo e que necessitam de várias intervenções cirúrgicas e de longos períodos de imobilidade para a sua recuperação. cuidados continuados pediátricos – abordagem multidisciplinar S 190 XXII reunião do hospital de crianças maria pia É, então, fundamental investir na prevenção destas lesões, evitando as posturas prolongadas, vigiando a pele em zonas mais susceptíveis, como proeminências ósseas, zonas de fricção por fralda ou ortóteses, que podem não estar adequadas devido ao crescimento da criança. Também é importante a exposição a produtos irritantes, como urina, fezes ou suor, e o estado nutricional da criança. Este, por sua vez, é agravado pela perda de nutrientes através da ferida. No tratamento, para além da eliminação da causa da pressão na pele e da limpeza e tratamento da ferida, promovendo a cicatrização e impedindo a infecção, é necessário manter um bom aporte nutricional e manter a zona da fralda limpa, uma vez que grande parte destas lesões surgem nas regiões sagrada e anca. Osteoporose A osteoporose na criança é ainda frequentemente ignorada, principalmente se associada a deficiência motora. A imobilidade condicionada pela incapacidade, principalmente a incapacidade de marcha, é o principal factor para a osteopenia na criança, muitas vezes agravada pela própria doença (má nutrição, fraqueza muscular, medicação anti-epiléptica, corticoesteroides). Trata-se de uma forma de osteoporose secundária que atinge preferencialmente os ossos longos dos membros e menos as vértebras. São frequentes as fracturas com traumatismos minor e que muitas vezes passam despercebidas, mais nos quadros com défice sensitivo. Os critérios de diagnóstico da osteoporose na criança são necessariamente diferentes dos do adulto, uma vez que na sua avaliação não podemos falar de um pico de massa óssea, valor de densidade mineral óssea utilizado no score T na Densitometria Óssea. A criança não atingiu esse pico e por isso a avaliação é feita pelo score Z, valor de densidade mineral óssea comparada com indivíduos do mesmo sexo e idade. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 No entanto as unidades utilizadas são g/cm2, que é uma unidade de área. Na criança seria desejável que o valor da DMO fosse dado em função do peso. A existência de deformidades, principalmente a nível do colo do fémur, pode condicionar a avaliação da DMO. Nos doentes com paralisia cerebral grave pode ser preferível medir a DMO na extremidade distal do fémur. Sempre que há factores de risco de osteoporose é necessário apostar na sua prevenção. As medidas preventivas mais importantes são: • Bom estado nutricional • Aporte adequado de cálcio e vitamina D • Diminuir a imobilidade, instituindo um programa de exercícios no sentido de estimular a contracção muscular activa, sempre que possível, e de preferência nos músculos antigravídicos • Promover o ortostastismo pelo maior período de tempo possível, fundamental para o aumento da DMO; existem equipamentos para verticalização nas crianças que não têm essa capacidade, como o plano inclinado e o standing-frame. O tratamento farmacológico da osteoporose está muito direccionado para o adulto, principalmente para a pós-menopausa. São raros os estudos aplicados à criança com incapacidade motora. Os estudos sobre o uso de bifosfonatos na criança são sobretudo feitos na Osteogénese Imperfecta, sendo o Pamidronato o mais utilizado. Há já alguns estudos com o alendronato. Actualmente ainda não se sabe qual o impacto destas drogas no osso em crescimento, uma vez que têm efeito na remodelação óssea e na cartilagem de crescimento. O seu uso baseado apenas em dados densitométricos não está aconselhado. Dor É hoje consensual que a dor, principalmente a dor crónica, em idade pediátrica é subdiagnosticada e por isso não tratada em muitas situações. Na criança com incapacidade esta realidade torna-se mais grave. Existem ainda vários mitos sobre a dor na criança: • O SNC do recém-nascido ou na criança com deficiência cognitiva é demasiado imaturo para sentir dor • As crianças com deficiência não têm uma percepção de dor igual à das crianças “normais” • Se a criança não se queixa é porque não tem dor • As crianças exageram nas queixas para chamar a atenção • As drogas utilizadas no tratamento da dor têm efeitos secundários irreversíveis no cérebro imaturo Estes mitos têm sido desmentidos pela investigação recente. Existem estudos que mostram que quanto mais imaturo é o SNC mais intensa é a sensação dolorosa e de que a criança com deficiência de causa neurológica tem maior sensibilidade à dor do que outra criança sem patologia neurológica, pela imaturidade e desorganização do seu SNC. Sabemos que, tanto na criança pequena como naquela com deficiência profunda, a verbalização da dor não é possível, sendo necessário estar atento a sinais fisiológicos (frequência cardíaca e respiratória, tensão arterial), expressão motora (expressão facial, motricidade grosseira), alterações do comportamento (agitação, irritabilidade) e da participação nas actividades diárias. Existem diversas escalas para avaliação da intensidade da dor nestes doentes. O tratamento deve ser multidisciplinar, efectuado por equipas com formação específica em dor pediátrica. Uma das principais dificuldades actuais reside no facto de muitas das terapêuticas utilizadas serem extrapoladas do adulto. São necessários mais estudos orientados para a investigação da dor crónica pediátrica. BIBLIOGRAFIA Filipa Faria. A Medicina Física e Reabilitação no século XXI: desafio e oportunidades. Acta Fisiatr. 2010; 17(1): 44-8 João Amaro, Jorge Moreira, Catarina Aguiar Branco. Medicina Física e de Reabilitação: a Especialidade Médica. Revista da Sociedade Portuguesa de Medicina Física e de Reabilitação. 2009. 18(2): 22-8 Portal da Saúde – cuidados continuados integrados. http://www.portaldasaúde.pt Margaret A. Turk, MD. Health and function in childhood disability. Physical Medicine and Rehabilitation Clinics of North America. November 2002 DL Fehlings, R Stevenson. Paediatric osteopenia in childhood disability: evidence-informed clinical practice guidelines. Developmental Medicine & Child Neurology. May 2010;52 (S4): 77 Costa HL, Ribeiro MM, Marques S, Castro H, Palhau L. Osteoporose Pediátrica: revisão de aspectos diagnósticos e terapêuticos. 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Com a descoberta da doença crónica ou terminal, nasce o sentimento de fragilidade, preocupação constante, culpa e mesmo medo de não deixar marcas para o futuro, seguidos da sobrecarga gerada pela dependência contínua de atenção para a viabilização dos cuidados à criança doente.(1) A doença crónica impõe modificações na vida do doente e da família, exigindo readaptações frente à nova situação e estratégias para a combater. Esse processo depende da complexidade e gravidade da doença e, além disso, da fase em que a família se encontra e das estruturas disponíveis para satisfazer as suas necessidades e readquirir o equilíbrio. O aumento do número de crianças que sobrevivem com problemas de saúde que requerem cuidados continuados e/ou paliativos obriga-nos a uma reflexão sobre o papel dos cuidados que podem ser prestados na comunidade, fora do hospital, se possível na casa e com a família da criança. No entanto, e apesar da importância crescente deste problema, os cuidados paliativos e continuados pediátricos na comunidade não têm sido tidos como uma prioridade nas políticas da saúde. O termo cuidados paliativos nasceu dos cuidados oncológicos a doentes terminais e este viés reflecte-se na ausência de oferta desses cuidados de forma generalizada e consistente a crianças não necessariamente do foro oncológico. Com __________ 1 Conselho Clínico do ACES Porto Ocidental demasiada frequência, estas crianças e suas famílias não chegam a ter cuidados consistentes e continuados que incluam as suas necessidades físicas, psicológicas e espirituais.(2,3) O acesso a cuidados paliativos está amplamente reconhecido como um direito para os adultos e idosos, mas em idades pediátricas o reconhecimento e proliferação de cuidados paliativos específicos está ainda numa fase incipiente e os serviços actualmente disponíveis estão fragmentados.(4) Independentemente da sua idade, estas crianças, que não são “pequenos adultos”, sofrem de todos os aspectos clínicos, psicológicos, emocionais e espirituais da doença crónica e incurável, seja a morte um acontecimento a curto, médio ou longo prazo.(5) O PESO DO PROBLEMA A programação de cuidados na comunidade requer a identificação rigorosa do número de crianças que deles necessitam, bem como a caracterização das patologias e necessidades. Uma condição essencial para o planeamento de estratégias para os cuidados no domicílio é a clarificação dos conceitos de “condições limitadoras da vida” e “condições ameaçadoras da vida”. “Condições que limitam a vida” são aquelas para as quais não há razoável esperança de cura e em consequência das quais as crianças ou jovens morrerão. Algumas destas condições causam progressiva deterioração, levando a criança a dependência importante dos pais e cuidadores. “Condições que ameaçam a vida” são aquelas para as quais há tratamento curativo disponível, mas que pode falhar, tais como para crianças com cancro. Crianças em remissão por longos períodos, ou com tratamento curativo bem sucedido não são incluídas neste grupo.(6) A Association for Children with Life-threatening or Terminal Conditions and their Families e o Royal College of Pae- cuidados paliativos e continuados pediátricos – presente e futuro S 192 XXII reunião do hospital de crianças maria pia diatrics and Child Health inglês identificaram quatro grandes grupos de doentes que em algum momento virão a manifestar necessidade de cuidados paliativos (Quadro 1).(7) Este agrupamento é uma ferramenta útil para a antecipação das necessidades e programação dos cuidados. OS CUIDADOS NA COMUNIDADE Os cuidados continuados e paliativos pediátricos exigem uma abordagem multidisciplinar e transversal a várias áreas, incluindo a saúde, o serviço social e a educação, o nível de cuidados hospitalares e da comunidade, a intervenção de cuidados altamente tecnológicos ou de suporte. Este processo deve ser integrado desde o momento do diagnóstico até à morte da criança, numa rede de alta acessibilidade, intercomunicação e cooperação entre os profissionais envolvidos. Como os cuidados são prestados muitas vezes e em paralelo por várias especialidades é necessária uma coordenação nas visitas programadas, testes e procedimentos, bem como nos tratamentos. Por vezes são necessários cuidados especiais como aspiração, posicionamento, medicação, técnicas de alimentação, tratamentos respiratórios, fisioterapia e reabilitação. O equipamento necessário, habitualmente usado apenas em meio hospitalar, passa a ser lugar-comum em casa, como os monitores, oxigénio, ventiladores, dispositivos para posicionamento ou marcha, bombas infusoras, aspiradores de secreções, etc. Por outro lado, as necessidades de uma família com uma criança cronicamente doente não são as esperadas numa família sem doença. Questões como a educação, a vida social, os cuidados aos irmãos, o relacionamento do casal, a organização espacial da casa ou os horários têm de ser reorganizadas em torno das necessidades da criança, esvaziando por vezes os restantes elementos da família do seu espaço e tempo privados.(8) NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Uma das especificidades que diferencia os cuidados continuados e paliativos pediátricos dos adultos é a intensa participação e dependência da família nesses cuidados e o tempo de relacionamento desta com a equipa, que pode ser de muitos anos. A avaliação da família torna-se, pois, um instrumento essencial para a programação dos cuidados e deve incluir a sua composição, capacidades, funcionamento, relacionamentos, padrões de comunicação e recursos (Quadro 2). Mas, quem deve prestar estes cuidados, e quando, como e onde devem ser prestados? A importância da família tem como consequência frequente a transferência de competências técnicas dos serviços de saúde para os familiares, para as quais estes não tiveram formação. Mesmo quando o cuidador é um profissional de saúde, deve ser encarado como um elemento da família, mas não deve ser um elemento técnico na equipa de cuidados. Temos a responsabilidade de estabelecer políticas e programas nacionais de cuidados paliativos e continuados pediátricos que incluam uma abordagem abrangente e baseada na comunidade, sempre que possível. Estas políticas devem assegurar: - que o programa de cuidados paliativos pediátricos faz parte do Plano Nacional de Saúde; - que o programa inclui o tratamento e controle de sintomas, o apoio psicológico, social, educacional, físico e emocional à criança e família; - que as equipas de cuidados têm os meios humanos e materiais necessários para o exercício destes programas; - que os profissionais de saúde têm um treino adequado e actualização constante em cuidados paliativos e controle da dor; - que os programas incluem suporte hospitalar especializado em situações que dele necessitam; - que existem meios de controle da dor eficazes à disposição dos profissionais e famílias, não sendo aceitável que haja doentes abaixo do nível de controle de dor. A reconfiguração dos Cuidados de Saúde Primários com a criação dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) veio trazer uma mais-valia importante aos cuidados na comunidade, com a criação Quadro 1 – Categorias de doentes com condições limitadoras da vida Grupo 1 Crianças que apresentam condições potencialmente curativas e que podem beneficiar bastante com o tratamento, mas a evolução dessas doenças pode solicitar intervenções paliativas em paralelo ou, dependendo do estadio da doença, estas podem tornar-se a necessidade principal. São exemplo crianças com insuficiência cardíaca, hepática ou renal. Não são incluídas aqui as crianças em seguimento por longos períodos (remissão de cancro) ou em recuperação de tratamento bem-sucedido (septicemia). Grupo 2 Crianças com condições crónicas de carácter progressivo para as quais o uso de tecnologia como, por exemplo, o uso de suporte ventilatório, pode prolongar as suas vidas por longos períodos. Neste grupo inserem-se as doenças neurológicas, as doenças pulmonares crónicas e a SIDA. Para crianças com estas doenças pode-se construir um modelo misto de intervenções, ora com maior ênfase no modelo curativo, ora com maior ênfase no modelo paliativo, o qual tende a ser prolongado, muitas vezes durante anos. Grupo 3 Crianças com condições que limitam a vida por muitos anos e para as quais não há tratamento curativo, pelo menos até ao presente estadio de desenvolvimento médico científico. São exemplos as mucopolissacaridoses, a distrofia muscular e as doenças neurodegenerativas, como a doença de Batten. Para tais crianças, o objectivo primário deveria ser o de oferecer cuidados paliativos. Grupo 4 Crianças com condições severas, irreversíveis e não progressivas como, por exemplo, paralisia cerebral e sequelas por lesões medulares, e que, não apresentando uma condição terminal podem apresentar complicações que as levem rapidamente à morte. Em tais situações, o tratamento com tecnologia pode ser benéfico, mas muitas vezes pode ser necessária a implementação de tratamento paliativo. O uso de uma ou de outra estratégia vai depender das expectativas da família e da construção com a família do melhor modelo para aquele caso específico. Association for Children with Life-threatening or Terminal Conditions and their Families / Royal College of Paediatrics and Child Health, 2003. da Unidades de Cuidados na Comunidade e as Unidades de Recursos Assistenciais Partilhados. As Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC) têm como função prestar cuidados de saúde e apoio psicológico e social de âmbito domiciliário e comunitário, especialmente às pessoas, famílias e grupos mais vulneráveis, em situação de maior risco ou dependência física e funcional ou doença que requeira acompanhamento próximo, e actuar ainda na educação para a saúde, na integração em redes de apoio à família e na implementação de unidades móveis de intervenção(9). A equipa é composta por enfermeiros, assistentes sociais, médicos, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, terapeutas da fala e outros profissionais, consoante as necessidades e a disponibilidade de recursos. O ACES participa, através da UCC, na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, integrando a equipa coordenadora local. À UCC compete constituir a equipa de cuidados continuados integrados, prevista no Decreto–Lei n.º 101/2006, de 6 de Junho. No entanto, estas equipas não incluem cuidados continuados a crianças nem sequer a possibilidade de referenciação. Quadro 2 – Componentes da Avaliação Familiar Composição da família Membros Papéis Crenças e valores Capacidades parentais História dos pais, experiências de infância Capacidades para cuidar (físicas e psicossociais) Disciplina Mecanismos de funcionamento Tomada de decisão Distribuição de responsabilidades Relacionamento emocional Disponibilidade de recursos Recursos económicos Suporte social Suporte emocional Padrões de comunicação Padrões de coping: resposta a crise/stress Ambiente Segurança estrutural Adequação da estimulação As Unidades de Recursos Assistenciais Partilhados prestam serviços de consultoria e assistenciais às restantes unidades funcionais dos ACES e organizam ligações funcionais aos serviços cuidados paliativos e continuados pediátricos – presente e futuro XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 193 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 hospitalares. A equipa é composta por médicos de várias especialidades, que não de medicina geral e familiar e de saúde pública, bem como assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, técnicos de saúde oral e outros profissionais não afectos totalmente a outras unidades funcionais. Nestas Unidades, a presença de Pediatras da Comunidade seria uma mais-valia importante para a implementação de cuidados continuados e paliativos pediátricos. Estas Unidades podem complementar, na comunidade, a intervenção das equipas de família e as equipas de cuidados hospitalares e articular os cuidados prestados pelos diversos intervenientes. Em conclusão, um modelo possível será a existência de equipas multidisciplinares centralizadas nas Unidades de Cuidados na Comunidade, que servem como gestoras da informação e dos cuidados e de centro de comunicação e articulação aberta e sem barreiras entre os vários intervenientes no processo: família, equipa de saúde e hospital. É fundamental colocar os cuidados continuados e paliativos pediátricos na agenda da organização dos cuidados na comunidade, com o pressuposto de que o processo não pode ter falhas entre os diferentes níveis de actuação. A responsabilidade primeira de aliviar o sofrimento não está completa sem que se atribua aos cuidados paliativos e continuados pediátricos o estatuto de prioridade na programação dos cuidados de saúde. Na presença de escassez de recursos, esta programação deve beneficiar o alívio e controle de sintomas à maioria dos doentes com doença avançada optimizando todos os recursos existentes na comunidade. Nascer e Crescer 2010; 19(3): S192-S194 BIBLIOGRAFIA 1. Marcon S, Sassá AH, Soares NTI, Molina RCM. Dificuldades e conflitos enfrentados pela família no cuidado quotidiano a uma criança com doença crónica. Cienc Cuid Saude 2007;6 (Suplem 2):411-419. 2. Institute of Medicine. Approaching Death: Improving Care at the End of Life. Consensus Report, 1998. 3. Institute of Medicine. When Children Die: Improving Palliative and End-of-Life Care for Children and Their Families. Consensus Report, 2002. cuidados paliativos e continuados pediátricos – presente e futuro S 194 XXII reunião do hospital de crianças maria pia 4. EAPC Taskforce for Palliative Care in Children. Palliative Care for Infants, Children and Young People. The facts. Ed. Fondazione Maruzza Lefebvre Dóvidio Onlus, 2009. 5. O’Leary N, MacCallion JFA, Walsh E, McQuillan R. Paediatric palliative care delivered by an adult palliative care service. Palliative Medicine 2006; 20:433-437. 6. Floriani C. Cuidados paliativos no domicílio: desafios aos cuidados de crianças dependentes de tecnologia. Jornal de Pediatria 2010; 86(1): 15-20. 7. Baum D, Curtis H, Elston S, e tal. A guide to the development of children’s palliative services. Association for Children with Life-threatening or Terminal Conditions and their Families/ Royal College of Paediatrics and Child Health. 2nd Ed, 2003. 8. Rabello C, Rodrigues P. Saúde da família e cuidados paliativos infantis: ouvindo os familiares de crianças dependentes de tecnologia. Ciência e Saúde Colectiva 2010; 15(2):379-388. 9. Diário da República, 1.ª série – N.º 38. Decreto-Lei nº 28/2008, de 22 de Fevereiro. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Experiência do Serviço de Pediatria do IPO Ana Maia Ferreira1 INTRODUÇÃO A OMS define Cuidados Paliativos como os cuidados activos e totais a crianças ou adolescentes afectados por doenças potencialmente fatais. Englobam aspectos médicos, emocionais, sociais e espirituais, centrados na qualidade de vida da criança e da sua família e incluem o tratamento de sintomas perturbadores, provisão de descanso, e apoio após a morte e no luto.(1) Analisando o ano de 2008, para 70 novos casos de doentes oncológicos, e portanto com doença potencialmente fatal, houve no Serviço de Pediatria do IPO-Porto 14 óbitos. Limitar os Cuidados Paliativos aos doentes terminais é, à luz dos conhecimentos actuais, uma visão redutora correndo-se o risco de actuação tardia e menos eficaz.(2,3) Neste sentido, a abordagem de qualquer doente oncológico admitido no Serviço de Pediatria do IPO-Porto programa-se, desde o diagnóstico, de forma personalizada, multidisciplinar e holística. Apesar de, na fase inicial da doença, os aspectos médicos terem maior relevo, é também efectuada avaliação de outras necessidades da criança ou adolescente e família e disponibilizadas condições para a sua adequada integração e garantia da melhor qualidade de vida possível. Nas primeiras semanas __________ 1 Em representação da Equipa de Cuidados Paliativos em Oncologia Pediátrica: Sónia Lara Helenoa, Maria José Ratoa, Odete Ferreiraa, Cristina Martinsb, Susana Almeidac, Laura Ribeirod, Filomena Maiae, Ana Maia Ferreiraf. Enfermeira, b Assistente Social, c Psicóloga, Nutricionista, e Educadora de Infância, f Pediatra. Serviço de Pediatria do IPOPFG a d após admissão desenrola-se a abordagem, avaliação e orientação pelo Médico Assistente, bem como por vários outros profissionais: Enfermeira, Nutricionista, Psicóloga, Assistente Social, Educadora de Infância/Professora. O plano de acção posteriormente definido tem em conta estas várias vertentes e é partilhado e regularmente aferido sob coordenação do Médico. Do ponto de vista hoteleiro o Serviço dispõe de 23 camas, 11 em quartos individuais, e 12 em enfermarias de duas camas. Todas as enfermarias têm quarto de banho com chuveiro e em 3 adaptação para cadeira de rodas. Cada doente tem direito à presença de um acompanhante 24h. Todas as enfermarias têm camas recolhíveis para o descanso nocturno do acompanhante que pode almoçar e jantar gratuitamente no refeitório. Existem instalações sanitárias próprias para os acompanhantes. Pode haver um segundo acompanhante presente entre as 8 e as 22h. Existe ainda horário de visitas alargado das 14 às 20h (máximo de 3 pessoas junto de cada doente). Do ponto de vista lúdico todas as enfermarias estão equipadas com televisor, com vários canais TVcabo e leitor DVD e consola de jogos em todos os isolamentos. Existe ainda possibilidade de emprestar computadores portáteis com acesso à Internet. Podem ser solicitados DVD’s, jogos ou livros do acervo do Serviço. Existem ainda outros espaços de actividades em conjunto como a Sala de Televisão e Refeições, Sala de Apoio Pedagógico e Sala de Actividades Lúdicas. O desenvolvimento de «actividades da vida diária» está a cargo da Equipa Lúdico/Pedagógica e conta com a colaboração de equipas de Voluntariado especialmente da Liga Portuguesa contra o Cancro e da ACREDITAR. É dado especial ênfase à manutenção da ligação à escola e do rendimento escolar. Em relação às necessidades espirituais existe um Capelão católico no IPO e é permitida a visita por ministro da religião professada pela família. O controlo sintomático beneficia do investimento em formação dos profissionais do Serviço, da instituição da dor como 5º sinal vital e da colaboração com outros serviços do IPO como o Serviço de Cuidados Paliativos, a Consulta da Dor e o Serviço de Radioterapia. Apesar do exposto, era sentida pela equipa de profissionais a necessidade de uma abordagem diferente, mais centrada no controlo sintomático e no conforto, nos casos de doença incurável e progressiva. No sentido de responder a esta necessidade foi criada em 2009 a Equipa de Cuidados Paliativos em Oncologia Pediátrica (ECPOP). OBJECTIVOS Organização do projecto ECPOP, definição dos seus objectivos, avaliação de resultados. MATERIAL E MÉTODOS Determinou-se que a equipa seria constituída por um médico Pediatra, designado pelo Director do Serviço de Pediatria, três enfermeiras, designadas pela Enfermeira Chefe do Serviço de Pediatria, a Assistente Social, a Psicóloga e a Nutricionista que dão apoio ao Serviço de Pediatria, e um elemento da Equipa Lúdico Pedagógica. Estabeleceu-se que estariam incluídos como colaboradores permanentes dois representantes de cada uma das organizações de voluntariado - Liga Portuguesa Contra o Cancro e ACREDITAR. cuidados paliativos e continuados pediátricos – presente e futuro XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 195 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Definiram-se como objectivos principais da ECPOP: desenvolver a cooperação entre os vários profissionais, incluindo voluntários, de modo multidisciplinar, tendo em vista a prestação de Cuidados Paliativos de qualidade, de modo consistente e universal, à população Pediátrica seguida no Serviço de Pediatria do IPOPFG, EPE; fomentar o enriquecimento em conhecimentos nesta área; investigar, recolher e catalogar os recursos existentes na comunidade/sociedade civil passíveis de ser utilizados em complementaridade com a orientação dos profissionais do Serviço; ser catalisador da comunicação entre os profissionais do Serviço e os recursos de proximidade (por exemplo Centros de Saúde, Serviços de Apoio Domiciliário), no sentido de possibilitar a permanência destes doentes em casa, sempre que o desejem e seja possível; interagir em estreita cooperação com os outros profissionais do Serviço evitando sobreposição de funções, responsabilidades ou acções; prosseguir esforços no sentido da criação de um Programa de Apoio no Luto; colaborar na comunidade em acções de formação, sensibilização e/ou divulgação em Cuidados Paliativos Pediátricos; fomentar a investigação em Cuidados Paliativos Pediátricos; participar em Reuniões/Congressos Científicos sobre Cuidados Paliativos Pediátricos em representação do Serviço; estimular a criação de oportunidades de gestão do stress e do luto dirigidas aos profissionais e colaboradores do Serviço; proceder à avaliação anual das actividades da equipa e sua divulgação. RESULTADOS Por considerarmos que, por motivos deontológicos, a avaliação de situações particulares não deveria ser discutida com toda a equipa, optou-se por distinguir no calendário de reuniões a equipa alargada (constituída por todos os elementos) e a equipa nuclear (a equipa hospitalar). Foi possível reunir quinzenalmente a equipa nuclear e, cada 2 meses, juntarmos todos os colaboradores. Foi efectuado o registo em acta das reuniões alargadas. Foi elaborada, aprovada e posta em funcionamento folha de colheita de dados, com lista de problemas e plano de acção individual para cada doente orientado pela ECPOP. Avaliámos, orientámos e seguimos 18 doentes e famílias em 2009, dos quais 12 faleceram nesse ano. Em 2010 seguimos até agora 27 doentes, 14 dos quais faleceram. As intervenções foram sempre feitas em colaboração com o médico assistente da criança. O tempo de internamento em final de vida foi reduzido. Criámos um arquivo/portfólio de organizações que possam colaborar com o Serviço. Nesse arquivo consta o nome das organizações e instituições públicas ou privadas, o contacto, os objectivos e a área de actuação; contactos de Centros de Saúde, Misericórdias com apoio ao domicílio, etc. Canalizámos apoios materiais de ONG (especialmente LPCC e ACREDITAR) para apoio a situações problemáticas concretas detectadas. Obtivemos apoio material da Fundação do Gil com entrega ao IPO, para uso exclusivo de doentes pediátricos, de uma cama articulada com colchão anti-escara, uma mesa-de-cabeceira rolante e um cadeirão ortopédico. Procedemos à criação de um ficheiro dos doentes pediátricos do IPO falecidos nos últimos 10 anos no qual consta nome, data de nascimento, data de falecimento e contacto dos familiares. Este permitiu-nos levar a bom termo um evento em memória das crianças falecidas. Consistiu num encontro e piquenique de famílias e profissionais, no Parque Biológico de Gaia, em 10/06/2010. Seguiu-se visita guiada ao parque e plantou-se uma árvore evocativa do evento. Incentivámos a verbalização de sentimentos pelos pais e crianças, através da criação no Serviço de um caderno de registo escrito do seu testemunho. Reunimos uma pequena biblioteca com temáticas relacionadas com o cancro, o seu tratamento e efeitos laterais e com a morte, que serve de instrumento auxiliar à comunicação com as famílias ou com a escola. Participámos em Reuniões Nacionais sobre o tema dos Cuidados Paliativos Pediátricos (I Congresso de Cuidados Paliativos Pediátricos - Universidade Católica Portuguesa, Maio 2009, e Encontro de Enfermagem de Saúde Infantil cuidados paliativos e continuados pediátricos – presente e futuro S 196 XXII reunião do hospital de crianças maria pia do ISAVE, Póvoa de Lanhoso, Setembro 2009). Colaborámos como formadoras em cursos da Liga Portuguesa contra o Cancro sobre Cuidados Paliativos Pediátricos. Organizámos acção formativa realizada pelo Prof. Doutor Filipe Almeida aberta à comunidade do IPO-Porto em 2009. Foi realizado um estágio de um mês pelo Pediatra da ECPOP no Serviço de Cuidados Paliativos do IPO-Porto, em Fevereiro 2010, para actualização de conhecimentos e melhoria da cooperação entre as duas equipas. Procedeu-se à divulgação da Equipa institucionalmente através da Directora do Serviço na Apresentação do Relatório Anual de Actividades de 2009. PLANOS PARA O FUTURO O grande desafio é conseguir manter a ECPOP em funcionamento regular e envolver cada vez mais toda a equipa de profissionais do Serviço. Pretendemos investir na formação dos elementos da equipa, na divulgação do nosso trabalho, na criação de protocolos de actuação para algumas situações problemáticas e na melhoria da assistência no domicílio. CONCLUSÕES A criação de Equipas de Cuidados Paliativos em Pediatria é um processo longo, que requer disponibilidade e vocação para esta esfera de acção em Saúde. Têm sido criadas equipas que realizem a sua actividade profissional exclusivamente nesta área. Estas requerem pessoal próprio e um investimento económico importante. Geralmente torna-se necessário alargar o seu espectro de intervenção à colaboração com vários hospitais com Pediatria, numa determinada área geográfica alargada. A solução encontrada no IPO surge como um conceito diferente do anterior. É uma equipa no sentido funcional, mas formada por profissionais que não se dedicam exclusivamente a esta área. Por isso o investimento é sobretudo do ponto de vista organizacional e o seu objecto centra-se exclusivamente nas crianças e adolescentes com doença oncológica, NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 seguidas numa instituição, neste caso o IPO. Pretende-se que seja uma equipa prestadora de cuidados directos, mas sobretudo catalizadora de um crescimento conjunto dos profissionais do Serviço de Pediatria no seu desempenho nesta área. A sua eficácia, em termos de apoio domiciliário, pressupõe a articulação com equipas de Saúde de proximidade e está dependente do seu desenvolvimento. Esse é um esforço repartido por inúmeras iniciativas em curso no Sistema Nacional de Saúde e fora dele. Cabe-nos saber encontrar os meios de comunicação eficazes de modo a conseguirmos trabalhar verdadeiramente «em rede», para benefício dos doentes e das suas famílias. Nascer e Crescer 2010; 19(3): S195-S197 BIBLIOGRAFIA 1. World Health Organization. WHO definition of palliative care. [Accessed April 5, 2007]. Available at: http:// www.who.int/cancer/palliative/definition/en/ 2. Michelson KN, Steinhorn DM. Pediatric End-of-Life Issues and Palliative Care. Clin Pediatr Emerg Med 2007 September;8(3):212–219. 3. Baker JN, Hinds PS, Sheri L Spunt SL, Raymond C, Barfield RC, Allen C, Powell BC, Anderson LH, Kane JR. Integration of Palliative Care Principles into the Ongoing Care of Children with Cancer: Individualized Care Planning and Coordination. Pediatr Clin North Am. 2008 February; 55(1): 223–xii AGRADECIMENTO À Liga Portuguesa contra o Cancro e à ACREDITAR pela colaboração permanente. cuidados paliativos e continuados pediátricos – presente e futuro XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 197 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Puberdade Tardia. Amenorreia Primária. Márcia Barreira1 INTRODUÇÃO A puberdade define-se como o período de transição entre a infância e a idade adulta, em que se obtém a maturação sexual completa. Neste período têm lugar importantes alterações físicas (desenvolvimento das características sexuais secundárias, aparecimento da menarca nas raparigas, atingimento da altura adulta…), psicológicas (que modelam a personalidade do sujeito) e psicossociais, adquirindo-se a capacidade reprodutora. A idade em que a puberdade se inicia é muito variável e, em condições normais, está influenciada por factores genéticos, ambientais e metabólicos. A sua apresentação, precoce ou tardia, pode ser uma simples variação extrema da normalidade ou o reflexo de alguma das múltiplas patologias que podem condicionar o momento do seu aparecimento. Amenorreia primária define-se como a ausência de menstruação aos 14 anos, na ausência das características sexuais secundárias (desenvolvimento mamário, pelo axilar e púbico) ou, ausência de menstruação aos 16 anos, com desenvolvimento normal das características sexuais secundárias. Não existe total acordo, mas em geral considera-se puberdade tardia quando não há desenvolvimento mamário evidente aos 13 anos de idade, pelo púbico ausente aos 14 anos e quando a menarca não apareceu até aos 16 anos de idade. Geralmente, estas pacientes apresentam amenorreia primária; de facto, não convém confundir ambos os conceitos, uma vez que a puberdade tardia implica necessariamente a ausência __________ 1 Centro Hospitalar do Porto do desenvolvimento das características sexuais secundárias, ou o atraso no desenvolvimento das mesmas em relação à idade cronológica. O atraso pubertário pode associar-se ou não ao atraso no desenvolvimento estaturo-ponderal. ETIOPATOGENIA O atraso no aparecimento das alterações pubertárias é pouco frequente nas raparigas, aproximadamente cerca de 3%, e quando se observa pode-se suspeitar da existência de alterações genéticas ou da função hipotalamo-hipofisária. O atraso pubertário pode ser constitucional (idiopático), associado a patologia crónica, secundário a distúrbios hipotalamo-hipofisários que causam hipogonadismo hipogonadotrófico e secundário a alterações gonadais que causam hipogonadismo hipergonadotrófico. O atraso constitucional do crescimento e da puberdade é a causa mais frequente de puberdade tardia. Considera-se uma variante da normalidade, podendo-se apresentar de forma esporádica ou, mais habitualmente, dentro de um contexto familiar de maturação tardia. A imensa maioria das doenças crónicas, se suficientemente importantes, podem ocasionar um atraso no crescimento e maturação. O grau deste está intimamente relacionado com o tipo de doença, idade de início, duração e gravidade da mesma, assim como factores intrínsecos ao próprio indivíduo. O hipogonadismo hipogonadotrófico caracteriza-se por níveis muito diminuídos ou ausentes de gonadotrofinas circulantes, FSH e LH. As causas podem ser devidas a patologia congénita/genética, que altere o desenvolvimento da unidade hipotalamo-hipofisária ou a síntese-acção das gonadotrofinas ou, a patologias ad- ginecologia em pediatria S 198 XXII reunião do hospital de crianças maria pia quiridas como consequência de doenças intracranianas, traumatismos cranianos, cirurgia ou radioterapia. O hipogonadismo hipergonadotrófico deve-se a uma insuficiência gonadal primária, existindo níveis séricos elevados de gonadotrofinas com esteróides sexuais diminuídos ou ausentes e é quase sempre permanente. As causas mais frequentes são as cromossomopatias congénitas, sendo a síndrome de Turner a mais comum nas mulheres. ORIENTAÇÃO DIAGNÓSTICA As causas de puberdade tardia são múltiplas, pelo que é importante perante uma primeira avaliação, uma história clínica detalhada, tanto pessoal como familiar, uma exploração física completa e, em função de ambas, uma série de exames complementares. Na anamnese, será importante avaliar os seguintes aspectos: velocidade de crescimento e peso, indícios de doenças actuais ou prévias, tratamentos actuais ou prévios, incluindo cirurgias, radioterapia e quimioterapia, alterações no olfacto, excesso de exercício físico ou distúrbios da conduta alimentar. Não esquecer de questionar acerca dos antecedentes familiares pubertários, pois estão presentes na grande maioria dos casos de atraso constitucional pubertário. A exploração física deve ser completa, mas centrando-se no desenvolvimento pubertário, altura, relação entre os segmentos inferior e superior do corpo e nos achados gerais (estigmas de síndrome de Turner ou de outros síndromes) e neurológicos. Quanto aos exames complementares, se a história e/ou exame físico sugerem uma patologia crónica subjacente, os exames têm de ser orientados de acordo com a suspeita clínica individual. A suspeita de uma deficiência de GH pode obrigar à NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 realização de testes de GH precedidos da administração de esteróides sexuais para diferenciar uma deficiência real de GH de uma deficiência transitória associada a atraso constitucional pubertário. Em caso de suspeita de uma patologia craniana deve-se realizar uma RMN. A ecografia pélvica deve realizar-se em raparigas com suspeita de resistência periférica aos androgénios ou no decorrer da avaliação de uma amenorreia primária para detectar anomalias vaginais, ausência de útero ou alterações do tamanho ovárico. A determinação do cariótipo está indicada perante a presença de estigmas sindrómicos, na ausência de útero para descartar um síndrome de insensibilidade aos androgénios, no caso de gonadotrofinas elevadas ou raparigas com altura baixa de etiologia incerta. Os níveis séricos de esteróides sexuais (testosterona e estradiol) são de escassa utilidade nas fases iniciais da puberdade, uma vez que os seus níveis se situam com frequência abaixo do limite de detecção da maioria das análises. Quanto à determinação das gonadotrofinas, se são baixas e existe um antecedente claro que o possa provocar (stress emocional, exercício físico de alta competição, má nutrição ou sinais de doença sistémica), as investigações devem ser encaminhadas nesse sentido. É importante na avaliação global realizar uma determinação da idade óssea; se esta é inferior ao começo da puberdade (10-11 anos) é impossível determinar se o hipogonadismo hipogonagotrófico é de causa permanente ou transitória mas, se existe uma clara discrepância entre a idade óssea e a cronológica com concentrações baixas de gonadotrofinas, deve-se descartar um defeito permanente e avaliar outras hormonas hipofisárias. TRATAMENTO O atraso constitucional do crescimento e da puberdade considera-se uma variante da normalidade, portanto, na maioria dos casos uma explicação clara aos pais e pacientes, junto com um seguimento e adequado apoio psicológico são suficientes. Nos casos em que existe um atraso severo com graves repercussões psicológicas e sociais (fracasso escolar, baixa auto estima, depressão…) estará indicado tratamento. Na patologia crónica é fundamental o tratamento adequado e precoce da doença de base associado a uma adequada nutrição, para prevenir na medida do possível o atraso pubertário nestas pacientes. O tratamento dos casos de hipogonadismo deve ser etiológico, quando possível. Quando isso não é possível, será necessário induzir ou completar o desenvolvimento das características sexuais secundárias e, posteriormente, estabelecer um programa de terapêutica hormonal de substituição. A escolha do melhor tratamento tem de ser individualizada, mas em geral o ideal é mimetizar uma puberdade normal, evitando sobretudo comprometer a altura adulta. Nascer e Crescer 2010; 19(3): S198-S199 BIBLIOGRAFIA 1. ASRM. Practice Committee of the American Society for Reproductive Medicine. Current evaluation of amenorrhea. Fertil Steril. 2006;86, Suppl 4:S148-55. 2. Pletcher JR, Slap GB. Menstrual disorders. Amenorrhea. Pediatr Clin North Am. 1999;46(3):505-18. 3. Speroff L, Fritz MA. Clinical Gynecologic Endocrinology and Infertility. 7th edition. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2005: 384-87. 4. Busiah K, Belien V, Dallot N, Fila M, Leger J. Diagnosis of delayed puberty. Arch Pediatr. 2007 Sep;14(9):1101-10. Epub 2007 Jul 19. 5. Edouard T, Tauber M. Delayed puberty. Arch Pediatr. 2010 Feb;17(2):195-200. Epub 2009 Nov 4. ginecologia em pediatria XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 199 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) na Adolescência Manuel Jorge Rodrigues1 Adolescência (10 a 19 anos - OMS) é a fase do desenvolvimento humano que marca a transição entre a infância e a idade adulta. Caracteriza-se por alterações a nível físico, psíquico e social. É um período de distanciamento de comportamentos e privilégios típicos da infância, maturação psicológica com estruturação da personalidade e busca de identidade e de aquisição de características do adulto (independência económica e saída de casa dos pais). É durante a adolescência que se verifica maior incidência de DST: atinge 25% dos jovens com menos de 25 anos; 65% dos casos de SIDA manifestam-se entre os 20 e 39 anos e reflectem situações de aquisição de infecção por VIH durante a adolescência(período assintomático da doença – 10/15 anos). A incidência de DST na população em geral não variou muito ao longo dos últimos anos. Assistimos mesmo a uma recrudescência da gonococia e da sífilis em todos os países desenvolvidos. As principais causas referidas são de ordem biológica, psíquica e social. A OMS preconizou, em 2001, a substituição do termo DST por Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), com o objectivo de enfatizar as infecções assintomáticas. São mais de 20 os agentes infecciosos susceptíveis de transmissão durante as relações sexuais (bactérias, parasitas, fungos ou leveduras e vírus). As DST ser curáveis - Sífilis, Cancro mole, Granuloma inguinal, Linfogranuloma venéreo, vaginose bacteriana, Candidíase, Gonorreia, Chlamydia, Trichomonas – e não curáveis – HSV2, HPV, __________ 1 HBV, HIV 1/2. A OMS constatou um aumento das DST curáveis, num período de 10 anos (1990-1999), de 240 para 340 milhões, assim distribuídas: Sífilis – 12 milhões; Chlamydia – 92 milhões; Gonococia – 62 milhões; Trichomonas – 174 milhões, a que se associam 25 a 35 milhões de casos de SIDA. Estes valores não incluem os casos de HPV e Hepatites víricas. Os principais factores de risco englobam: idade, parceiros sexuais, uso ou não de preservativo, inclusão em grupos de risco e antecedentes de DST. Os principais modos de transmissão são: sexual, sanguínea, vertical e outros. Os quadros clínicos têm evoluído em função da prevalência de certos agentes patogénicos, da resistência acrescida aos antibióticos e do predomínio de infecções assintomáticas com consequente aumento das complicações. As principais manifestações clínicas são: leucorreia, prurido, dispareunia, lesões genitais ou ano-genitais (úlceras, verrugas), sintomas urinários, dor pélvica aguda ou crónica. As complicações incluem: esterilidade, gravidez ectópica, abortamentos de repetição, complicações e mortalidade perinatal, cancros genitais e outras. Estas apresentam custos financeiros, sociais, sexuais e psicológicos constituindo um problema prioritário de saúde pública já que todas as DST são evitáveis investindo na prevenção. Os prestadores de cuidados de saúde podem desempenhar um papel importante na educação e aconselhamento sobre mudanças de comportamentos sexuais de risco através da promoção do uso do preservativo (prevenção primária), como método mais eficaz na redução do risco de transmissão das DST. A prevenção secundária Chefe de Serviço Hospitalar de Ginecologia contracepção e gravidez na adolescência S 200 XXII reunião do hospital de crianças maria pia assenta no diagnóstico e tratamento da DST e na divulgação de informação para reconhecimento de sinais e sintomas que orientem na procura precoce de assistência. É fundamental a convocação dos parceiros sexuais (indivíduos com os quais se relacionou nos últimos 90 dias). A assistência ao doente infectado deve ser imediata, em ambiente de privacidade, sem pressas, evitando discriminações e/ou faltas de confidencialidade com o propósito de identificar os portadores assintomáticos, interrompendo a cadeia de disseminação da doença e as suas complicações. A consulta inclui diagnóstico, tratamento, aconselhamento e estudo analítico. Na ausência de imunidade deve ser feita vacinação para hepatites A e B e HPV. O adiamento da consulta pode levar ao desaparecimento dos sintomas, desmotivando a busca de tratamento e favorecendo a evolução para formas crónicas. Assim, a chave estratégica da prevenção das DST envolve o rastreio, o diagnóstico e o tratamento do paciente e seus parceiros de forma a interromper a cadeia de transmissão. Nascer e Crescer 2010; 19(3): S200 BIBLIOGRAFIA 1. CDC, Sexual Transmitted Diseases, Treatment Guidelines,2006; vol.55/ RR-11 2. Serfaty D; Contracepção; 2002; 2ª edição; pags:333-42; 3. Manual de Controle das Doenças sexualmente transmissíveis; Ministério da Saúde; Brasília, DF; 2006; 4ª edição; NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Gravidez na Adolescência Rosa Maria Rodrigues1 INTRODUÇÃO Habitualmente pouco pacífica, a adolescência constitui uma fase de desenvolvimento caracterizada por profundas transformações a nível físico, psicológico, afectivo, social e familiar. A progressiva maturação fisiológica é normalmente acompanhada pela súbita descoberta de novas relações e experiências, de ordem afectiva e sexual, muitas vezes geradoras de intensos conflitos. Estes sentimentos devem-se frequentemente a uma desarmonia entre o desenvolvimento corporal, sexual e mesmo intelectual e a aquisição de maturidade emocional. Preocupada com a imagem corporal e o estabelecimento de relações cada vez mais projectadas para o exterior da família a adolescente manifesta importantes carências informativas relativamente à sexualidade, contracepção e risco de gravidez. INCIDÊNCIA A gravidez na adolescência é um fenómeno universal, tendo as suas origens no passado, existe connosco no presente e, se não for prevenida, continuará no futuro. A incidência da gravidez na adolescência é variável consoante os países e as épocas. A verdadeira incidência deste fenómeno é difícil de conhecer porque em termos estatísticos unicamente são contabilizadas as taxas de natalidade que, como sabemos, só representam uma pequena parte do número de gravidezes. Portugal é o segundo país da Europa Ocidental a registar maior número de grávidas adolescentes, muito embora na última década se verifique um decréscimo. Todos os dias doze adolescentes dão à luz em Portugal. FACTORES DE RISCO A gravidez na adolescência não é um fenómeno novo. Encontram-se grávidas adolescentes em todos os estratos sociais, contudo parece ser mais prevalente nas classes mais desfavorecidas. Constituem factores de risco o abandono escolar, o baixo nível de escolaridade da adolescente, companheiro e família, a ausência de planos futuros, e a repetição de modelo familiar (mãe também adolescente). Outras características são também associadas com a maternidade na adolescência como o início precoce da actividade sexual, a baixa auto-estima, o abuso de álcool e drogas, a falta de conhecimento a respeito da sexualidade e o uso inadequado da contracepção. A gravidez na adolescência é sempre uma situação que motiva angústias e incertezas. Contudo muitas vezes a adolescente tem orgulho em ter o filho, funcionando a maternidade como auto-gratificação e auto-compensação afectiva. Dependendo do contexto social em que está inserida a adolescente, a gravidez pode ser encarada como evento normal, não problemático, aceite dentro das suas normas e costumes. CONSEQUÊNCIAS A gravidez na adolescência, habitualmente mal vigiada, tem sido associada á maior morbilidade materna e fetal podendo interferir negativamente no desenvolvimento pessoal e social sendo considerada um problema de saúde pública. As complicações mais associadas com a gravidez na adolescência são a pré-eclampsia, a anemia, as infecções, o parto pré-termo, as complicações no parto e puerpério e perturbações emocionais bem como as consequências associadas à decisão de abortar. A maior incidência de recém-nascidos prematuros e de baixo peso ao nascer está relacionada com factores biológicos (imaturidade e ganho de peso inadequado) e factores socioculturais como pobreza e estilos de vida adoptados pelas adolescentes. Alguns estudos, contudo, não encontram diferenças significativas relativamente à gravidez e parto quando se compara a adolescente com a população geral. Embora o número de gravidezes na adolescência tenha diminuído na última década, torna-se necessária a promoção de programas que respeitem os direitos sexuais e reprodutivos dos adolescentes, contribuindo desta forma para a redução da incidência de abortamento e a reincidência da gravidez nesta faixa etária. No futuro que começa agora, compete à Família, à Escola e às Instituições de Saúde contribuir para a formação dos adolescentes. Nascer e Crescer 2010; 19(3): S201 __________ 1 Centro Hospitalar do porto contracepção e gravidez na adolescência XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 201 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Grande Prematuridade: Nutrição e Crescimento Maria Luísa Carreira1 RESUMO Introdução – A melhoria das taxas de sobrevivência de pré-termos de muito baixo peso (MBP) e extremo baixo peso (EBP) coloca-nos perante a responsabilidade de lhes assegurar, após a alta, o melhor crescimento e desenvolvimento possíveis. Trata-se de recém-nascidos (RN) que foram privados de um período critíco de crescimento intrauterino acelerado, o 3.º trimestre de gestação, e que depois acumulam défices nutricionais durante o internamento, causados por altas necessidades metabólicas, reservas nutricionais inadequadas, imaturidade dos sistemas fisiológicos e elevada morbilidade. A dinâmica do crescimento no período neonatal caracteriza-se por perda inicial de peso, seguida da recuperação do peso do nascimento, sendo a duração destas fases inversamente relacionada com a idade gestacional (IG), o peso ao nascimento (PN) e a gravidade da condição do RN. A expectativa de crescimento de RN pré-termos é de acelaração máxima entre as 36-40 semanas de idade pós concepcional, apresentando a maioria catch up até aos 2-3 anos de idade e atingindo o seu canal de crescimento entre os percentis de normalidade nas curvas de referência. Os PT de EBP recuperam o PN mais lenta e tardiamente, por volta da 3.ª semana de vida e depois evoluem com uma velocidade de crescimento semelhante à da vida intrauterina, o que não lhes permite atingir a composição corporal de um feto da mesma idade pós concepcional. Assim, na altura da alta, apresentam __________ 1 Serviço de Neonatologia - MJD/CHP parâmetros antropométricos aquém do percentil mínimo normal nas curvas de crescimento intrauterino. Avaliação do crescimento e dados da literatura – O crescimento de RN pré-termos deve ser avaliado mediante as medidas antropométricas peso(P), comprimento(C)e perímetro cefálico(PC), periodicamente, numa prespectiva dinâmica. É discutível qual a melhor maneira de avaliar o crescimento. As curvas mais utilizadas são as curvas padrão CDC/ NCHS-2000, usando a idade corrigida até aos 2-2,5 anos. Existem curvas próprias para RN pré-termos, como as tabelas IHDP, que podem identificar mais correctamente os problemas de crescimento no subgrupo dos RN EBP nos primeiros 2 anos. A avaliação dinâmica do crescimento permite obter a velocidade de crescimento e verificar se as curvas estão paralelas ou em recuperação progressiva para o normal, ou, pelo contrário, em achatamento ou padrão descendente. É também importante a relação peso/comprimento nos primeiros 3 anos, e o IMC (indíce de massa corporal) a partir dessa idade, para concluir se há proporcionalidade e harmonia do crescimento. O catch up do crescimento de pré-termos varia com a antropometria ao nascer, a IG e o tamanho parental. Os primeiros 3 meses após o termo representam um período critíco para a ocorrência de catch up, cuja sequência é PC, C e P. É de esperar que o PC recupere para o anormal aos 12-18 meses e que o P e o C pelos 30-36 meses, excepto para os pré-termos EBP, de recuperação mais tardia. grande prematuridade S 202 XXII reunião do hospital de crianças maria pia Têm surgido variados estudos longitudinais que acompanham o crescimento dos RN pré-termos nos primeiros anos de vida, idade escolar, adolescência e, recentemente, até jovens adultos. No grupo de pré-termos EBP a velocidade de crescimento diminui até aos 3 meses de idade corrigida e sofre depois um aumento gradual até à adolescência. Assim, durante a infância, geralmente permanecem menores em P e C relativamente às crianças de termo, podendo experimentar depois uma recuperação entre os 8 e 14 anos e completar o seu crescimento compensatório até ao início da idade adulta. Os dados disponíveis a este respeito não são concordantes. Nalguns trabalhos verificou-se que estes jovens adultos mantinham antropometria bastante abaixo da de indíviduos com PN normal e uma altura final significativamente menor que a previsível pela altura parental. Noutros estudos os resultados foram mais animadores, com atingimento, a partir dos 14 anos, de uma estatura na faixa da normalidade e em correlação com a estatura dos pais, embora em média mantenham estatura e peso abaixo dos grupos controle. De entre os pré-termos de maior risco para falência do crescimento contam-se aqueles que evoluem para displasia broncopulmonar (DBP), por vários motivos: aumento do trabalho respiratório, hipoxemia, eventual uso de corticoides pósnatal, restrição hídrica e dificuldades na alimentação e elevada morbilidade com frequentes reInternamentos. Curiosamente, muitos estudos, após controlo das variáveis de confusão, não evidenciam diferenças no crescimento de pré-termos com e sem DBP nas idades pré-escolar e escolar. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 No caso particular de RN MBP leves para a idade gestacional (LIG) a evolução varia segundo a etiologia da restrição de crescimento intrauterino (RCIU), e é maior a probabilidade de nunca se alcançar um crescimento normal para a idade cronológica, independentemente das complicações perinatais. O prognóstico é ainda pior nos LIG simétricos, sobretudo se a recuperação não ocorrer nos primeiros 2 anos de vida. Estratégias nutricionais – De entre os factores que influenciam o crescimento, o padrão nutricional após a alta é fundamental, já que é passível da nossa intervenção. As necessidades nutricionais de lactentes pré-termos nos primeiros meses de vida, excedem as do RN de termo, o que pode manter-se ao longo de todo o primeiro ano de vida. O leite materno fortificado é a opção acertada, com os conhecidos benefícios para a saúde e cognição. Em alternativa podem usar-se fórmulas adequadas a pré-termos ou ainda fórmulas especiais pós alta. A ingestão calórica deve ser aumentada, conforme a tolerância, até o ganho ponderal ser satisfatório. Pode ser necessário o aumento da concentração calórica em grupos de especial risco, através da suplementação com carbohidratos e gorduras. Recentemente, vários estudos têm alertado para a associação de um rápido e excessivo ganho ponderal pósnatal dos pré-termos com um maior risco de obesidade na infância e na idade adulta, bem como de HTA, resistência à insulina e de doença cardiovascular. O programa nutricional deve pois fornecer o teor calórico que permita optimizar o crescimento, mantendo, no entanto, uma relação peso/comprimento dentro dos limites normais. Nascer e Crescer 2010; 19(3): S202-S203 BIBLIOGRAFIA 1. Casey PH.Growth of low birth weight preterm children. Semin Perinatol.2008;32:20-27. 2. Rugolo LM. Crescimento e desenvolvimento a longo prazo do prematuro extremo. 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J Pediatr Nutr .2007; 45: S152-4. grande prematuridade XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 203 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Prematuridade Tardia: a Nova Epidemia Gilberta Fontes Neves Santos1 INTRODUÇÃO Em Neonatologia os pré-termos tardios (LPT) emergiram como um grupo em crescimento, com morbilidade crescente, requerendo especial atenção nos primeiros dias de vida e provavelmente para lá do período neonatal A comunidade de saúde deve ser sensibilizada para as necessidades especiais destes doentes.(1) Apesar da unanimidade em definir pré-termos, há menos unanimidade em definir subgrupos, nomeadamente os LPT. Em Julho de 2005 um grupo de trabalho do NICHD (National Institute of Child Health and Human Development) define pré-termo tardio (LPT) entre 34 0/7 semanas (dia 239) ou 36 6/7 semanas (dia 259). Esta sugestão foi baseada no reconhecimento de que as 34 semanas são um marco obstétrico a partir do qual os corticoides pré-natais já não são administrados e ao facto dos LPT terem um mais alto risco de morbilidade e mortalidade comparando com os recém-nascidos de termo. (7) Os LPT têm um grande impacto em termos de saúde pública, devido ao seu elevado número, cerca de 75% de todos os pré-termos, contribuindo para um aumento da morbilidade, do tempo de internamento numa Unidade Neonatal e dos custos de saúde, sendo referidos nos últimos anos como “nova epidemia” em Neonatologia. É necessária uma melhor sistematização das suas necessidades e um protocolo efectivo para lidar com estas situações bem como o estabelecimento de normas práticas de orientação para prevenir a morbilidade evitável. (5,6) __________ 1 Serviço de Neonatologia - MJD/CHP O número crescente de pré-termos tardios parece dever-se ao número crescente de intervenções obstétricas, especialmente nascidos por cesariana. A pré-eclampsia e a ruptura prematura de membranas estão entre as principais causas de trabalho de parto pré-termo. Deverá ser pesado o risco benefício de prolongar a gravidez na fase da prematuridade tardia. (7) Os nascimentos não devem ser programados durante o período da prematuridade tardia (34-37 semanas) sem indicações clínicas precisas. (5) Os factores que têm contribuído para o aumento da prematuridade tardia parecem ser: o aumento da taxa das mulheres que decidiram ter filhos mais tarde, o aumento da taxa de reprodução medicamente assistida, o aumento da taxa de gémeos, trigémios e gestações múltiplas. (7) CARACTERÍSTICAS QUE DISTINGUEM OS LPT DOS RN DE TERMO Existem poucos estudos publicados na literatura comparando a morbilidade deste grupo com a dos R.N. de termo. Alguns estudos revelam um aumento dos problemas no período neonatal imediato: termorregulação, S.D.R e insuficiência respiratória, hiperbilirrubinemia, dificuldades alimentares, risco infeccioso, aumento da taxa de reinternamento. (2) Dificuldades alimentares: As funções gastrointestinais tais como deglutição, peristaltismo e controle de esfincteres são mais imaturas do que no R.N. de termo conduzindo a dificuldades de sucção, deglutição e digestão. As dificuldades alimentares, a perda de peso, a desidratação e (o risco aumentado de icterícia problemática) conduzem a uma mais alta incidência de reinternamentos, durante a 1ª semana de vida comparando com os recém-nascidos de termo. prematuridade tardia S 204 XXII reunião do hospital de crianças maria pia Dificuldades relativas ao Aleitamento materno: Existem mais problemas com os LPT com o sucesso do inicio do Aleitamento Materno. A perda de peso pode ser excessiva (»8-10%) necessitando de várias intervenções. Devem ser encorajadas mamadas frequentes sob supervisão de pessoal treinado. Os suplementos de leite artificial só deverão ser dados sob prescrição médica. Deve ser efectuada uma consulta sobre lactação à data da alta. As mães dos LPT devem receber ensino sobre a expressão do leite materno dez minutos após a amamentação no segundo dia de vida. A extracção de leite deve ser parada quando os R.N. mostram aumento de peso consistente sem suplementos, geralmente ao fim da primeira semana de vida. Hiperbilirrubinemia: A icterícia problemática é mais comum neste grupo do que nos R.N. de termo. O pico de icterícia aparece mais tarde, quatro a seis dias, e persiste por mais tempo. Instabilidade metabólica: A hipoglicemia é mais frequente no primeiro dia de vida do que nos R.N. de termo. As causas prováveis são a diminuição dos depósitos de glicogénio, o stress e as dificuldades de termorregulação e alimentação. Hipotermia: Os LPT têm um risco aumentado de hipotermia durante as 1ªs horas de vida requerendo monitorização contínua da temperatura corporal. Sindroma de dificuldade respiratória: O SDR e a taquipneia transitória do recém-nascido são mais frequentes nos LPT. Estes R.N devendo ser monitorizados nas primeiras 24h, pois têm maior risco de instabilidade respiratória, podendo resultar em apneia, bradicardia e respiração periódica. Os LPT têm um risco duas vezes superior de sindroma da morte súbita relativamente aos R.N. de termo NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 (1,4/1000 às 33-36 s, comparado com 0,7/1000 às 37s). Por isso deverão ser aconselhadas a posição supina. (5) Reinternamentos e consultas médicas: Os LPT têm taxas aumentadas de consultas e reinternamentos hospitalares. Os principais diagnósticos de reinternamento são: icterícia, dificuldades alimentares e possível sepsis. Desenvolvimento Neurocomportamental: Às 34 semanas o volume do cérebro é cerca de 65% do do R.N de termo. Entre as 35 e as 41 semanas há um aumento na substância branca de cerca de cinco vezes. Apesar dos LPT serem mais maduros que os grandes prematuros o seu cérebro ainda é imaturo e pode ser lesado por condições adversas. A incidência de LPV não é conhecida nos LPT. (8) Um estudo controlado, (Chyi e col., J. Pediatrics 2008), revelou que os LPT tiveram piores resultados no score de leitura, uma maior probabilidade de necessitarem de ensino especial e não tiveram pior desempenho na Matemática. Nos itens em que tiveram piores resultados houve uma tendência a melhoria com o tempo. (2) Estudos efectuados revelaram um risco aumentado de paralisia cerebral e atraso de desenvolvimento em R.N. 34-36s comparando com o grupo controle. (2) Sepsis: Os LPT tem um maior número de sepsis documentadas, devido ao risco aumentado de infecções como causa de trabalho de parto prematuro. (3) PROTOCOLO DE SEGUIMENTO E TRATAMENTO Existem diferenças importantes de necessidades de cuidados a estes R.N. tanto a curto como a longo prazo. Devem ter um protocolo de seguimento e tratamento diferente dos R.N. de termo. Cada centro de cuidados perinatais deverá ter o seu próprio plano tendo em conta os seguintes princípios: Ensino e educação pré-natal: Previamente ao parto deve ser dada informação aos pais respeitante ao que esperam no período neonatal imediato, devendo ser abordada a possibilidade dum internamento prolongado. O R.N. deve ser referenciado como LPT em vez de “almost term” pois isto reflecte o alto risco de morbilidade e mortalidade. Os pais requerem conselhos e ensino acerca das necessidades especiais dos LPT. Identificação do R.N.: Datar a gravidez através do registo hospitalar de forma cuidadosa e consistente. Registar como LPT no BSI. Documentar a idade gestacional com recurso a escalas (Ballard, Dubowitz) se houver incerteza relativamente à I.G. Internamento: Os LPT podem ficar internados em cuidados normais, intermédios ou intensivos neonatais. Deve ser instituída uma média mínima de internamento de 72h (340/7-346/7) e 48h (350/7-366/7). Os médicos e enfermeiros deverão estar treinados para observação e tratamento destes R.N. tanto no trabalho de parto como no período neonatal imediato. Deve ser registado o peso diário e a percentagem de perda de peso. Perdas superiores a 7% devem ter um seguimento em internamento nas 24h seguintes. A avaliação da amamentação deve ser diária e o plano de alimentação actualizado. Nas primeiras 24h devem ter uma consulta de amamentação. Deverá ser feita uma monitorização dos sinais vitais de quatro em quatro horas nas primeiras 24h e depois de oito em oito horas até o R.N estar estável. Deverá ser utilizado equipamento que respeite as necessidades destes R.N. em termos de termorregulação. Deverá ser facultado o contacto pele a pele com a mãe o mais cedo possível. O banho inicial deverá ser adiado para reduzir o risco de hipotermia. (3) A determinação de glicemia deverá ser feita na primeira-segunda hora de vida. Os níveis de glicose deverão ser superiores a 40mg/dl antes das mamadas em duas determinações nas primeiras oito horas de vida. A determinação da glicemia capilar deverá ser feita até obter um valor »50 mg/dl em dois testes. A determinação de bilirrubinas está indicada nestes R.N. nas primeiras 24 h e deverá ser repetida se necessário as 36 e 72h. Existem tabelas que contemplam estes R.N. – risco intermédio. CRITÉRIOS PARA ALTA Deverão ser estabelecidos os seguintes critérios para alta: – Aporte oral adequado e consistente. – Peso estabilizado ou a aumentar. – Valor de bilirrubina estável – Aleitamento materno estabelecido e meios de lactação pós-alta disponíveis – Fornecer aos pais antes de alta informação escrita que reforcem as necessidades especiais dos LPT. – Consulta agendada 24-48h após a alta. Uma visita domiciliária seria uma alternativa aceitável. Este seguimento deverá incluir: padrões de alimentação, avaliação de peso e grau de icterícia. – Seguimento pediátrico antes das duas semanas. Seguimento adicional de vigilância de alterações de Desenvolvimento psicomotor. – Ecografia transfontanelar à data da alta e às 40 semanas de idade corrigida. (3) CONCLUSÃO Os LPT representam uma população de risco e requerem diferentes vias de cuidados comparativamente aos R.N. de termo. São necessários mais dados empíricos para desenvolver um guia de tratamento baseado na evidência. O conhecimento do grau de risco e a informação acerca das causas de morbilidade pode ser útil para o desenvolvimento de recomendações para a avaliação inicial, monitorização e actuação para com este grupo de R.N. Devemos tentar identificar os principais factores de risco de forma a prevenir e minimizar a incidência de nascimento de LPT. Investigação adicional deverá ser dirigida a este grupo no futuro. Para o tratamento destes LPT com sucesso é necessária uma equipa multidisciplinar constituída por médicos, enfermeiros, consultores amamentação e fisioterapeutas. Tentando actuar a nível preventivo era importante saber: O que é que conduz a um aumento da taxa de cesarianas e de indução precoce na gravidez? Será que há um aumento do número de R.N. pré-termo porque as mães estão a ficar mais doentes? Ou será que os factores de intervenção estão a mudar? Deveremos tentar parar o trabalho de parto em idades gestacionais mais tardias (33-35s)? prematuridade tardia XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 205 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 São necessárias estimativas apuradas acerca dos riscos de morbilidade e morte associados aos nascimentos dos LPT, de forma a ajudar os obstetras e neonatologistas a tomarem decisões informadas. Nascer e Crescer 2010; 19(3): S204-S206 BIBLIOGRAFIA 1. Alain H Jobe. Late Preterms – A new epidemic? 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The Near Term (Late Preterm) Human Brain and Risk for Periventricular Leukomalacia. Seminar in Perinatology 2006; 81-8. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Prematuridade Tardia: Experiência da Maternidade Júlio Dinis Cristina Godinho1 INTRODUÇÃO A definição de prematuridade tardia (LPT) diz respeito aos recém-nascidos (RN) com uma idade gestacional entre as 34 e as 36 semanas e 6 dias. O total de nascimentos destes RN pré-termo em relação ao número de nados vivos tem vindo a aumentar progressivamente. (Tomashek, J. Pediatr, 2007). Há quem se tenha referido a este aumento como uma “nova epidemia”, porque este grupo é fisiológica e metabólicamente imaturo e tem uma grande morbilidade e mortalidade (quatro vezes superior à apresentada pelos RN de termo). Daí que seja importante conhecer as suas particularidades e alertar toda a comunidade (médica e não só), a fim de prevenir as suas consequências e diminuir a sua incidência. Sendo a Maternidade Júlio Dinis (MJD) um Hospital de Apoio Perinatal Diferenciado, referência a nível da região Norte–no tratamento dos RN pré-termo, consideramos importante saber o que se passa com este grupo específico. Este interesse pela prematuridade tardia não é novo, a MJD apresentou no ano passado na XXI Reunião do H. de Crianças Maria Pia, um trabalho de revisão dos prematuros tardios nascidos na Instituição em 2008. OBJECTIVOS Conhecer a população de LPT nascidos no CHP-MJD, durante o ano de 2009 relativamente à sua prevalência, características e morbilidade e comparar estes resultados com o estudo efectuado no ano anterior. Verificar se o conhecimento de algumas particularidades des- __________ 1 Maternidade Júlio Dinis - MJD/CHP te grupo e a implementação de algumas propostas de trabalho, influenciou de alguma forma a nossa abordagem a estes RNs de risco. MATERIAL E MÉTODOS População alvo: RN nascidos na MJD no ano de 2009, com a idade gestacional compreendida entre as 34s+0d e36s+6d. Estudo retrospectivo, com consulta dos processos clínicos. RESULTADOS Num total de 3050 RN nados vivos, a taxa de prematuridade (IG inferior a 37 semanas) foi de 10,5%, o que correspondeu a 309 RN, dos quais 196 (61,4%) eram LPT. O número de RN estudados foi de 190 (em 6, não foi possível consultar o processo clínico), 99 (52%) eram do sexo masculino. Em relação à idade gestacional constatou-se que 21% tinham 34s, 26% 35s e 53% 36s; O peso médio ao nascimento foi de 2479gr (min = 1530 gr e max = 4110 gr) e em 95% dos casos era adequado à idade gestacional. O parto foi eutócico em 82 casos (43%). A cesariana ocorreu em 99 casos (52%), a maioria delas 47 (47%), em grávidas de 36 semanas. Os motivos apresentados para a sua realização, por ordem decrescente foram: apresentação pélvica–18%, pré-eclampsia–12,1%, descolamento da placenta/placenta prévia total–10%, sofrimento fetal agudo–9%, oligoâmnios–8% e RCIU–6%. De referir que em 11,1% dos casos, o motivo da cesariana não estava registado. A gravidez foi vigiada na maioria dos casos (96,8%) e relativamente aos antecedentes maternos, apenas a referir hipertensão arterial em 5,2% das grávidas. Em relação às intercorrências durante a gravidez, observou-se que 10% tiveram diabetes gestacional, 8,4% história de ITU, 6,8% metrorragias e em 11% dos casos havia história prévia de ameaça de parto prematuro. Em 19% dos casos tinha sido efectuada corticoterapia profiláctica pré-natal. O tempo de internamento dos RN foi em média de 6,8 dias, com uma mediana de 4 dias. Metade, permaneceram junto da mãe e uma pequena percentagem (13%) necessitou de uma vigilância especial no berçário, os restantes 71 (37,4%) foram internados na Unidade de Neonatologia, 18 (9,5%) por necessidade de apoio ventilatório (2 deles com ventilação mecânica). Fizeram nutrição parentérica 17 (8,9%). Os diagnósticos mais frequentes foram a icterícia neonatal–82,1%, dificuldades alimentares–53,7%, hipoglicemia–12,4 % e dificuldade respiratória–30,5% (gemido, TTRN ou DMH). Efectuaram rastreio infeccioso 98 (52%), mas apenas em 3 casos (1,6%) este foi positivo. Fizeram antibioterapia 23 (12%). De salientar que, dos LPT de 34s, 92,5% fizeram rastreio. À data de alta, houve registo do peso em 166 (87%). A perda ponderal média foi de 7% (0-21,8%). A ecografia transfontanelar foi realizada em 101 casos (53,2%). Em 62 casos a ecografia foi efectuada ainda no internamento e repetida em 42 casos às 40 semanas de idade pós menstrual. Em 39 casos só foi efectuada às 40 semanas de idade pós menstrual. A alteração mais frequentemente descrita foi “hiperecogenicidade periventricular” em 24 casos; destes, 15 normalizaram às 40 semanas. Assim, do total de LPT que efectuaram ecografia transfontanelar, apenas 18 mostraram alterações às 40 semanas de idade pós-menstrual. As alterações descritas foram: prematuridade tardia XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 207 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 dilatação ventricular (4 casos), vasculopatia lenticulo-estriada (3 casos), hemorragia ventricular (2 casos), quisto–periventricular/coroideu (2 casos), alargamento da cisura inter hemisférica (2 casos), assimetria ventricular (2 casos), agenesia do corpo caloso (1 caso), hiperecogenicidade dos núcleos da base (1 caso) e alargamento da cisterna magna (1 caso). O reinternamento ocorreu em 44 (23,2%) dos LPT. O motivo principal foi a icterícia (86%) associada ou não a dificuldades alimentares e perda ponderal. Em 3 casos (7%), o motivo foi ALTE. A idade à data do reinternamento foi em 57% dos casos entre quatro a sete dias de vida. A primeira consulta ocorreu em média aos 20 dias de vida, sendo que 53% dos RNs estavam com leite materno exclusivo. CONCLUSÕES A incidência de prematuridade tardia na MJD é inferior à referida na literatura–71%, o que pode ser justificado pela MJD ser um Hospital de Apoio Perinatal Diferenciado. No entanto a incidência aumentou nos últimos dois anos–56% em 2008 para 61,4% em 2009. Este aumento da incidência da prematuridade tardia também tem sido observado noutros países, não se conhecendo a verdadeira etiologia do fenómeno. Há quem refira que se deve bastante à intervenção médica nos factores obstétricos maternos, embora os dados sejam limitados. Na nossa casuística, podemos verificar que um dos motivos para cesariana foi apresentação pélvica em 18%. A incidência de gemelaridade nesta amostra foi de 18%. Relativamente ao grupo de LPT, constatou-se que em 2009 o grupo das 36 semanas foi maior, 53% versus 46,2% em 2008. A média da idade gestacional foi de 35,3 semanas, sobreponível à de 2008. Na apresentação da casuística dos LPT de 2008 no nosso Serviço de Neonatologia, foi elaborada uma proposta de trabalho de abordagem destes RN, para uma melhor vigilância e detecção precoce das co-morbilidades deste grupo específico. Uma das propostas era aumentar o tempo do internamento para um mínimo de 3 dias. Desta forma, certos problemas como a icterícia poderiam ser rastreados e tratados mais precocemente. Esta prática aumentou o tempo médio de internamento de 5,9 dias em 2008 para 6,4 dias em 2009. Em 2009 tivemos de facto mais icterícias (82,1% versus 66,3% em 2008), 67,4% com critérios para fototerapia. Outra das propostas foi fazer a determinação das glicemias nas primeiras 2h de vida a fim de detectar precocemente uma hipoglicemia e tratá-la de forma adequada. Obtivemos 84,7% de registos e foi detectada hipoglicemia em 12,4% dos LPT versus 11,2% em 2008, o que justifica a manutenção deste procedimento. Outra orientação foi a avaliação da lactação nas primeiras 24h, estabelecendo um plano alimentar para o internamento e para o domicílio, com documentação da percentagem de peso perdida e reavaliação em 24h, caso se justificasse. Deste modo tivemos um registo de peso à data de alta em 87% dos casos (versus 49% em 2008). A perda ponderal média foi de 7% com um mínimo de 0 e um máximo de 21,8%. Os dias em que se verificaram uma maior perda ponderal foram em D3 e D4 (46%). A taxa de reinternamento foi de 23,2% (44 casos), versus 14,2% (24 casos) em 2008. O motivo principal do internamento foi a icterícia em 86% dos RNs, associada ou não a dificuldades alimentares com perda ponderal. Este aumento poderá ser justificado pelo maior número de RN com idade gestacional de 36 semanas, nesta casuística. Como é referido na literatura o reinternamento nos LPT é mais frequente quanto maior for a idade gestacional uma vez que estes RN têm habitualmente um maior peso e há tendência a terem altas mais precoces. Neste estudo se analisarmos os reinternamentos relativamente à idade gestacional verificamos que apenas 11% dos RN de 34 semanas foram reinternados versus 59% dos RN com 36 semanas. Outro dos motivos será provavelmente a reavaliação que é feita 24 a 48h após a alta naqueles RNs que por qualquer motivo (icterícia sem critérios para fototerapia à data da alta ou por dificuldades alimentares) necessitam de uma maior vigilância. Como se pode constatar a idade do prematuridade tardia S 208 XXII reunião do hospital de crianças maria pia reinternamento foi em 57% dos casos na primeira semana de vida (D4-D7), o período de maior fragilidade. O ideal seria a vigilância domiciliar. Uma outra proposta surgiu do conhecimento de que estes RN são mais susceptíveis pela sua imaturidade a lesões cerebrais. Neste trabalho verificou-se que de facto houve um esforço no sentido de efectuar ecografia transfontanelar ao maior número de LPT (53,2% versus 33,7% em 2008). Dos que realizaram ecografia, 45,2% apresentaram alterações, a mais frequentemente descrita foi a “hiperecogenicidade periventricular” com 21 (33,9%) casos. Do total de LPT que efectuaram ecografia transfontanelar às 40 sem de idade pós-menstrual 18 (17,8%) mostraram alterações. Nesta altura o prognóstico das lesões apresentadas é bem diferente do mostrado no internamento, pois como se verificou, 24% destas lesões desaparecem. Estes trabalhos de revisão, mostram-nos que há sempre procedimentos que podemos melhorar e aperfeiçoar e não nos devemos esquecer que é com a avaliação dos resultados de todo um trabalho em equipa que podemos validar os nossos conhecimentos, implementar as estratégias mais adequadas, reforçando a vontade de trabalhar cada vez melhor. Nascer e Crescer 2010; 19(3): S207-S209 BIBLIOGRAFIA 1. Ryan W Loftin, Mounira Habli, Candice C Snyder, Clint M Cormier, David F Lewis and Emily A DeFranco. Late Preterm Birth. Rev Obstet Gynecol. 2010. Winter; 3(1):10-9. 2. The Chiefs of Neonatology, KP NCAL “Care Guideline for Late preter Infants-2008”. In Hot Topics, California, April 2008, Pag 222-6. 3. William Engle, Kay Tomashek, Carol Wallman. “Late-Preterm” Infants: A population at risk. Pediatrics. 2007; 120/6: 1390-401 4. Position Statement of the Canadian Paediatric Society. Guidelines for detection, management and prevention NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 of hyperbilirruinemia in term and late preterm newborn infants (35 or more weeks’ gestation)–Summary. Paediatr Child Heath. 2007. 12/5:401-7 5. Tonse Raju, Rosemary Higgins, Ann Stark, Kenneth Leveno. Optimizing care and outcome for late-preterm (near term) infants: A summary of the workshop sponsored by the National Institute of Child Health and Human Development. Pediatrics. 2006;118/3:1207-14 Shapiro-Mendonza et 6. Carrie al. Effect of Late-Preterm Birth and Maternal Medical Conditions on Newborn Morbidity risk. Pediatrics.2008;121/2:e223-32 7. www.pediatriccareonline.org/pco/ub/ pview/AAP -Textbook -of -Pediatric-Care/ AGRADECIMENTO O Autor agradece a colaboração da interna complementar de pediatria do H. de Viseu, Joana Ramos Pereira, na colheita destes dados. prematuridade tardia XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 209 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Resumo das Comunicações Orais INTERNAMENTOS POR GRIPE A EM CRIANÇAS COM DOENÇA CRÓNICA Helena M.Silva1, Carla Teixeira1, Laura Marques1, Virgílio Senra1 1 CHPorto, UHMPia Introdução: A infecção pelo vírus influenza A (H1N1) foi declarada pela OMS como a primeira pandemia de influenza do século XXI. As séries publicadas documentam uma baixa morbilidade e mortalidade. Contudo, existem poucos estudos que avaliem o impacto desta infecção nas crianças com doença crónica, nomeadamente nas que necessitaram de admissão hospitalar. Objectivos: Caracterizar os internamentos por Gripe A em crianças com doença crónica. Material e métodos: Estudo retrospectivo dos pacientes com doença crónica internados por Gripe A no período de 1 de Novembro de 2009 a 31 de Janeiro de 2010. Avaliaram-se dados epidemiológicos, apresentação clínica, exames complementares realizados, tratamento efectuado e evolução. Resultados: Necessitaram de internamento 14 crianças com doença crónica, correspondendo a 82% do total de internamentos por Gripe A. A maioria dos casos (57%) verificou-se na segunda quinzena de Novembro. Sete (50%) eram do sexo feminino, com mediana de idade de 8,5 anos (3 meses-18 anos). Das patologias associadas, destaca-se a imunodepressão (4): imunodeficiência primária, transplante renal, ataxia-telangiectasia, anemia de Fanconi; a asma (3), e as doenças metabólicas (2). Os sintomas mais frequentes foram: febre (100%), tosse (57%), rinorreia (43%), vómitos (43%), pieira (21%). Em 50% a duração de sintomas antes do internamento foi =24 horas. Na admissão, a maioria (86%) apresentava gravidade clínica ligeira. O motivo de internamento mais frequente foi intolerância alimentar (50%) e hipoxemia (28,5%). Doze (86%) realizaram estudo analítico: leucócitos7360/ul (3250-17710); neutrófilos 67,5% (33-88); linfócitos 27,0% (6-59); PCR 13,9mg/L (1-156). A radiografia de tórax foi realizada em 9 (64%): em 7 (78%) apresentava infiltrado intersticial bilateral e 2 (22%) eram normais. Foi instituída antibioterapia em 2 crianças por sobreinfecção bacteriana. A duração mediana do internamento foi 7 dias (2-30). Não houve admissão na unidade de cuidados intensivos e não foi registado nenhum óbito. Conclusão: A infecção pelo vírus influenza H1N1 neste grupo de crianças com patologia crónica apresentou uma epidemiologia semelhante à descrita em séries que englobam maioritariamente crianças saudáveis. As manifestações clínicas e analíticas foram ligeiras. Em nenhum caso houve descompensação da patologia de base e a evolução clínica foi favorável. VENTILAÇÃO NÃO INVASIVA COM nCPAP NO TRATAMENTO DA BRONQUIOLITE AGUDA Helena M. Silva1, Telma Barbosa1, Carlos Duarte1, Ana Ramos1 1 CHPorto, UHMPia Introdução: A bronquiolite aguda é uma forma de infecção respiratória frequente no primeiro ano de vida, e uma causa de morbilidade e mortalidade infantil. A Ventilação Não Invasiva (VNI) é um modo de ventilação cada vez mais utilizado pela sua baixa agressividade, grande eficácia e escassas complicações. resumo das comunicações orais S 210 XXII reunião do hospital de crianças maria pia Objectivos: Analisar as características, evolução e eficácia da VNI com nCPAP em crianças com bronquiolite aguda. População e métodos: Estudo retrospectivo dos internamentos por bronquiolite aguda em crianças<12meses de idade, durante 6 períodos epidémicos consecutivos: Outubro 2004 a Março 2010. Foram analisados dados sociodemográficos, analíticos, imagiológicos, e dados clínicos prévios ao início da VNI e às horas 6, 12, 24 e 48 desde o início da VNI. Análise estatística através do programa SPSS®v.17, nível de significância 0,05. Resultados: No período referido, 34 crianças foram internadas por bronquiolite aguda com necessidade de apoio ventilatório com VNI; 24 (70,6%) do sexo masculino, idade mediana de 44 dias (10-300). Dos factores de risco de evolução grave destaca-se: 17 (50%) antecedentes de prematuridade; 29 (85,3%) idade<3meses, dos quais 10 (29,4%) eram recém-nascidos; 15 (44,1%) com doença subjacente, das quais 10 (55,5%) com cardiopatia congénita. O agente mais frequentemente implicado foi o VSR (73,5%). Na admissão, o score Wood-Downes (WD) teve um valor mediano de 6 (3-8); 25 (73,5%) apresentou radiografia de tórax compatível com bronquiolite não complicada (hiperinsuflação ou infiltrado intersticial). A mediana de tempo até iniciar VNI foi de 24 horas (2-94), coincidente com agravamento clínico e radiológico: WD mediano de 9; 61,7% apresentou alterações radiográficas de novo: 47% apresentaram atelectasia do lobo superior direito. A principal indicação foi SDR grave (41,2%), seguida de apneia (29,4%) e Insuficiência Respiratória Aguda hipercápnica (29,4%). Observou-se melhoria NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 clínica nas primeiras 6 horas após o início de VNI, com diminuição da frequência cardíaca (163vs152;p=0,005), frequência respiratória (65vs.55;p=0,005), pCo2 (53,0vs.43,9;p=0,013) e pH (7,33vs7,39; p=0,001). Um total de 3 crianças necessitou de Ventilação Mecânica (VM). Conclusão: Salientamos que a grande maioria (91%) destes pacientes apresentava pelo menos um factor de risco de evolução grave, podendo ocorrer uma rápida deterioração clínico-laboratorial, num período mediano de 24 horas.A VNI introduzida numa fase precoce parece estar associada a uma melhor evolução clínica e gasimétrica desde as primeiras horas, evitando o recurso à VM. TUBERCULOSE PULMONAR EM ADOLESCENTE - CASO CLÍNICO Sofia Águeda1, Leonilde Machado2, Eunice Moreira2, Luísa Vaz1 1 2 HSJoão CHTâmega e Sousa, HPAmérico Introdução: A tuberculose constitui um grave problema de saúde pública. As medidas para conter o avanço da doença passam pelo diagnóstico precoce e instituição atempada do tratamento. Nas crianças assume características particulares, dado o quadro clínico ser inespecífico e o diagnóstico difícil. Nos adolescentes as manifestações clínicas aproximam-se das descritas em adultos. Caso clínico: Adolescente de 15 anos, previamente saudável. Sem história de contacto com conviventes doentes. Admitida para estudo de febre, odinofagia e tosse produtiva com menos de uma semana de evolução. Apresentava radiografia torácica realizada em ambulatório com hipotransparência no lobo superior direito. História de hemoptise isolada 6 meses antes da admissão. Na altura realizou radiografia de tórax, estudo analítico e baciloscopia, sem alterações. Na semana prévia à admissão teve novo episódio de hemoptise, sem outras queixas. À observação sem alterações excepto crepitações bibasais na auscultação pulmonar. A tomografia computorizada de tórax revelou lesões cavitadas no lobo superior do pulmão direito, consolidação nos lobos su- perior e médio do pulmão direito, opacidades centrilobulares configurando aspecto de “árvore em botão” – tuberculose pós-primária com disseminação endobrônquica - e gânglios no mediastino. Analiticamente com anemia microcítica, elevação dos marcadores inflamatórios e da adenosina deaminase sérica. Após confirmação do diagnóstico de tuberculose pulmonar iniciou rifampicina, isoniazida, pirazinamida, etambutol e piridoxina. Dos restantes exames salienta-se exame directo e cultural para Mycobacterium tuberculosis positivo nas secreções em D1, sensível aos anti-tuberculosos testados e negativo em D17. Manteve-se assintomática durante o internamento, com melhoria progressiva do quadro clínico. O exame oftalmológico revelou lesões compatíveis com tubérculos coroideus em cicatrização, tendo efectuado punção lombar, não se verificando disseminação meníngea. Conclusão: Dada esta faixa etária diferir da população infantil em termos de factores de risco e manifestações clínicas são necessárias recomendações específicas. A apresentação clínica frustre e a ausência de história epidemiológica mostra a importância da vigilância e rastreio da doença em populações de risco ou em zonas cuja incidência de tuberculose é elevada. O rastreio de formas de tuberculose extra-pulmonar é importante e o seguimento em ambulatório é parte fundamental na minimização das sequelas. QUANDO A TEMPESTADE COMEÇA COM UM CHUVISCO… Joana Monteiro1, Sónia Aires1, Susana Tavares1, Helena Sousa2, M. Guilhermina Reis2, Paula Ferreira2, Virgínia Monteiro1 1 2 CHEDVouga CHPorto Introdução: As celulites peri-orbitária e orbitária ocorrem com frequência na idade pediátrica podendo apresentar-se com dor ocular e edema palpebral, sendo difícil a sua distinção clínica. No entanto, dado a última apresentar maior gravidade e risco de complicações, torna-se imperativo o diagnóstico atempado e monitorização clínica próxima. Caso clínico: Adolescente de 13 anos, sexo masculino, sem antecedentes pessoais ou familiares de relevo, recorre ao SU por febre e edema da pálpebra direita com 48h de evolução. Salienta-se no exame objectivo edema com rubor e calor peri-orbitários exuberantes, sem dor à mobilização ocular ou oftalmoplegia, sem quaisquer outras alterações relevantes. No contexto da avaliação por ORL e oftalmologia realizou TAC, revelando pansinusite aguda e celulite peri-orbitária com eventual extensão pós-septal. Cerca de 6h após admissão observou-se agravamento clínico com prostração e sonolência marcadas, cefaleias intensas com fono e fotofobia. Ao exame objectivo mostrava-se pouco reactivo, ECG 9, má perfusão periférica, sinais meníngeos positivos e olho direito em abdução. Efectuou punção lombar que revelou meningite de provável etiologia bacteriana, motivo pelo qual inicia ceftriaxone, vancomicina e dexametasona EV; analiticamente denotou-se leucocitose com neutrofilia, tempo de protrombina prolongado e PCR aumentada. Apesar da antibioterapia instituída, apresentou nas primeiras 24h, agravamento clínico progressivo, com tendência para atingimento multi-órgão, pelo que é transferido para SCIN Pediátricos do CHP. Após se constatar presença de edema cerebral difuso, iniciou ventilação mecânica com monitor de PIC, manitol e soro hipertónico, com evolução clínica favorável. Na hemocultura e bacteriológico de LCR isolou-se S. pyogenes sensível à Penicilina, após o que, ao 11.º dia, foi alterada antibioterapia para Penicilina G e Clindamicina. Ao 15.º dia de doença realizou RMN-CE que revelou presença de pús intra-ventricular, motivo pelo qual cumpriu 6 semanas de antibioterapia. A sua recuperação clínica foi completa e sem lesões sequelares. Conclusão: Com este caso clínico os autores pretendem chamar a atenção para a importância e dificuldade na distinção clínica entre celulite orbitária e pré-septal, dado o risco elevado de rápido desenvolvimento de complicações graves. De salientar também que 11% dos casos podem resultar em cegueira permanente, apresentado uma mortalidade de 1-2%. resumo das comunicações orais XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 211 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 URTICÁRIA AO FRIO EM IDADE PEDIÁTRICA – SÉRIE DE CASOS Mónica Tavares1, Leonor Cunha2, Eva Gomes2, Fernanda Teixeira1, Helena Falcão2 1 CHPorto, HMPia 2 Serviço de Imunoalergologia, CHPorto Introdução: A urticária ao frio ou a urticária de contacto ao frio é um subtipo das urticárias físicas com uma incidência estimada de 0.05%. Caracteriza-se pelo aparecimento de lesões maculopapulares pruriginosas e ou angioedema após a exposição ao frio. Material e métodos: Estudo retrospectivo dos processos clínicos de crianças e adolescentes até aos 18 anos com clínica sugestiva de urticária ao frio. Variáveis analisadas: idade, sexo, idade de início dos sintomas, caracterização, história familiar de urticária ao frio, exames complementares de diagnóstico, tratamento, tempo de seguimento. Resultados: Foram estudadas 8 crianças e adolescentes com idades compreendidas entre os 8 e os 18 anos (média de 12,8 anos) com idade de início dos sintomas que variou entre o ano e os 14 anos (média de 7,3 anos). A urticária generalizada foi o sintoma de apresentação em sete doentes, associado em quatro destes a angioedema localizado e em três a anafilaxia. Seguindo os critérios de classificação de Wonderer encontramos um caso de urticária tipo 1, com urticária localizada e/ou angioedema; quatro casos de urticária tipo 2, com urticária generalizada e/ou angioedema sem hipotensão ou sintomas respiratórios e três casos de urticária de tipo 3, com reacção sistémica severa. O teste do cubo de gelo foi realizado em sete destes doentes, sendo positivo em todos os casos, com reacção local, na maioria com positividade após 3 minutos de exposição com tamanho da reacção urticarifome que variou entre os 3 e os 8 cm de diâmetro. As crioglobulinas e o estudo do complemento foram normais, incluindo a função e doseamento do C1 inibidor. O estudo etiológico das urticárias crónicas não revelou em nenhum dos casos evidência de infecção recente (CMV, EBV, Herpes, Parvoví- rus, Toxoplasmose, HIV, VDRL, Varicela, Rubéola, Hepatite, Micoplasma, HP) potencialmente responsável pelo início da urticária. Os factores desencadeantes da urticária foram: em sete nadar em água fria e exposição a temperaturas baixas no exterior, e em seis tocar objectos frios. Os doentes foram tratados com anti-histamínico diário, associado em dois casos a um inibidor dos leucotrienos. Quando indicado foi prescrita adrenalina para auto-administração. Em seis crianças verificou-se uma melhoria significativa dos sintomas. Nenhum doente apresentou reacção anafilática após seguimento em consulta. Todos estes doentes mantêm seguimento. Conclusão: Apesar de ser uma patologia pouco frequente parece-nos muito importante estar atento à sua existência, dado que pode apresentar-se como uma reacção anafilática grave. A medicação e principalmente as medidas de evicção tornam-se fundamentais no seguimento destes doentes. A prescrição de adrenalina auto-administrada deve ser sempre ponderada. ADOLESCENTES NO SERVIÇO DE URGÊNCIA DE PEDIATRIA, UMA NOVA REALIDADE Tânia Monteiro1, Nilza Ferreira2, Eurico Gaspar2 1 2 CH Barlavento Algarvio CH Trás-os-Montes e Alto Douro Introdução: A Pediatria tem como objectivo prestar cuidados apropriados aos lactentes, crianças e adolescentes. Nesse âmbito, o Serviço de Pediatria do Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (CHTMAD) desde 1 Janeiro de 2010 concluiu o processo de alargamento de atendimento, no Serviço de Urgência (SU) de Pediatria, até aos 17 anos e 364 dias. Os adolescentes em geral são saudáveis, mas as especificidades do seu desenvolvimento associadas a necessidades e morbilidades próprias, colocam novos desafios ao pediatra. Objectivos: Caracterizar as necessidades de saúde dos adolescentes entre os 15 e 17 anos e 364 dias, observados resumo das comunicações orais S 212 XXII reunião do hospital de crianças maria pia no SU de Pediatria do CHTMAD, no primeiro semestre de 2010 e avaliar o impacto do alargamento da idade de atendimento pediátrico, no funcionamento do serviço. Material e métodos: Análise retrospectiva descritiva, através da consulta dos episódios de urgência no programa SAM e / ou respectivas folhas de registo do episódio de urgência. Resultados: De um total de 4903 episódios, 296 corresponderam ao grupo etário estudado (6,0%), com uma média de 49,3 episódios/mês. A idade que predominou foi os 16 anos (n=102; 34,5%) e a maioria pertencia ao sexo feminino (n=180; 60,8%). 51,0% (n=151) foram atendidos entre as 8-16h00. Recorreram ao SU sem referenciação 65,5% casos (n=194). Em 28 episódios (9,5%) foram observados por outras especialidades. Foram realizados exames complementares de diagnóstico em 52,0% dos casos (154), sendo os exames laboratoriais os mais utilizados. Foram internados 20 doentes e 60 (20,3%) foram orientados para a Consulta Externa, sendo a maioria para a Pediatria (n=51; 17,2%). Os principais motivos de admissão foram: sintomas gastrointestinais (n=68;23,0%), com predomínio da dor abdominal (36); seguido de queixas respiratórias (n=34; 11,5%); cefaleias 7,4% (22), toracalgia 6,1% (18) e lipotimia 5,7% (17). Os diagnósticos mais frequentes foram: patologia gastrointestinal com 58 casos (19,6%), seguido da infecciosa (n=48; 16,2%). De salientar os 8 casos de intoxicação alcoólica e os 22 casos de perturbações da ansiedade. Comentários: O alargamento da idade pediátrica,veio fazer com que o pediatra se depare com problemas novos, tais como as intoxicações e perturbações da ansiedade. Estas situações obrigam a novas abordagens de diagnóstico e terapêutica, sendo fundamental a formação específica e trabalho multidisciplinar. E por fim, é necessário criar condições logísticas adequadas a este acréscimo de urgências. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 NEUROBLASTOMA – APRESENTAÇÃO CERVICAL EM RN António Salgado1, Ana Caldeira1, Eduarda Sousa1, José Guimarães1 1 CHLOcidental, HSFXavier Caso Clínico: Recém-nascido do sexo masculino, 23 dias de vida, com antecedentes pessoais irrelevantes, que 5 dias antes do internamento evidencia uma tumefacção latero-cervical direita, de crescimento progressivo, sem sinais inflamatórios locais ou outra sintomatologia. À entrada, com bom estado geral, estridor, sem outros sinais de dificuldade respiratória, Sat O2 100% a ar ambiente, massa latero-cervical direita com 3cm de maior diâmetro, consistência petrea, bem delimitada, sem sinais inflamatórios, não aderente aos planos e sem limitação da mobilidade do pescoço. Analiticamente sem alterações relevantes. Ecografia cervical de parte moles: massa sem relação com o esternocleidomastoideu, postero-externa ao eixo jugulo-carotideo, 40x30x20mm,bem delimitada, sólida, ecoestrutura heterogénea. Algumas formações ganglionares jugulo-carotideas. Pelo risco de agravamento do quadro de obstrucção respiratória alta, foi internado. Durante o internamento verificou-se aumento das dimensões da massa e agravamento do estridor, sem condicionar dificuldade respiratória. Foi observado no IPO Lisboa, onde realizou RMN, cintigrafia com MIBG, citologia aspirativa por agulha fina e marcadores AHV e AVM compatíveis com o diagnóstico de Neuroblastoma. Conclusão: O Neuroblastoma é uma patologia em que o diagnóstico, estadiamento e terapia precoce influenciam o prognóstico, assim a apresentação deste caso destina-se a alertar para a necessidade de o considerar no diagnóstico diferencial de massa cervical em recém-nascido. Os Neuroblastomas constituem a 3ª neoplasia e o tumor sólido extracraneano mais comum em crianças. Podem surgir ao longo de todo o sistema nervoso simpático, por ordem de frequência nas supra-renais (40%), cadeias ganglionares abdominais (25%), torácicas (15%), pélvicas (5%) e cervicais (5%); 40% são diagnosticados no primeiro ano de vida. WHAT YOU SEE IS NOT WHAT YOU GET Rita Jorge1, Maria Inês Monteiro1, Joana Monteiro1, Catarina Carvalho1, Ana Luísa Pinto1, Elizabeth Marques1, Miguel Costa1, Lúcia Gomes1 1 S. Pediatria Médica, CHEDV, UOAzeméis Introdução: A obesidade em jovens tem aumentado drasticamente nas últimas duas décadas, nos países ocidentais. Além das complicações médicas, a obesidade em adolescentes tem importantes consequências psicossociais. Estudos recentes mostram uma tendência crescente para subestimar o próprio peso, provavelmente resultado da incidência cada vez maior de excesso de peso na população geral, \”normalizando\” esse estado. Objectivos: Avaliar a percepção que as crianças/adolescentes com excesso de peso/obesidade têm da sua imagem corporal, determinar o tipo de imagem corporal que estes jovens desejam alcançar e se essa imagem desejada corresponde aos seus padrões de normalidade. População e métodos: Foram avaliadas 114 crianças seguidas na consulta de Nutrição Pediátrica desta instituição por excesso de peso/obesidade, através da aplicação de um questionário associado a uma escala de silhuetas para crianças (Kakeshita, 2008). O questionário pretendia avaliar a auto-imagem (\”Qual a silhueta mais parecida contigo?\”), a imagem desejada (\”Qual a silhueta que gostavas de ter?\”) e a imagem considerada normal/saudável (\”Qual a silhueta que as crianças da tua idade deveriam ter para serem saudáveis?\”). Resultados: Os jovens avaliados tinham entre 6 e 17 anos (média: 12), sendo 56,1% do sexo masculino. Em relação à auto-imagem, apenas 20,2% escolheram uma imagem correspondente ao IMC real, tendo a maioria (65,8%) seleccionado imagens com IMC inferior. Embora 53,5% das crianças apresentassem IMC superior ao P95, apenas 29,8% escolheram silhuetas que representavam obesidade. Relativamente à imagem desejada, a maioria (83,3%) escolheu uma imagem correspondente a um IMC normal, cor- respondendo essa imagem, geralmente (94,7%), a um IMC inferior ao da auto-imagem. Em cerca de metade dos casos (54,4%) a silhueta que desejavam ter correspondia à imagem escolhida como sendo \”normal\” e em 32,5% correspondia a imagens com IMC superior. Discussão: Grande parte dos jovens com excesso de peso/obesidade não têm uma percepção real do seu problema, embora manifestem vontade de melhorar a sua imagem. Muitos têm baixas expectativas em relação à perda de peso, uma vez que a imagem que pretendem obter nem sempre corresponde à que consideram mais saudável. O acompanhamento psicológico destes jovens é fundamental, podendo contribuir para que compreendam a importância e dimensão do seu problema de saúde e aumentar o optimismo e, consequentemente, a motivação, relativamente à perda de peso. IMPORTÂNCIA DA DETERMINAÇÃO DA TENSÃO ARTERIAL EM PEDIATRIA Isabel Pinto Pais1, Daniel Gonçalves1, Ana Novo1, Margarida Figueiredo1, Clara Vieira1, Rafael Bindi1, Paulo Teixeira1, Maria Conceição Mota2 1 2 Serviços de Pediatria, CHMA/F S. Nefrologia Pediátrica, CHP, HMPia Introdução: Na população pediátrica a prevalência de hipertensão arterial (HTA) é de 3% e a de HTA grave de 0,1%. Quando não controlada é causa de morbilidade e mortalidade significativa. Em pediatria é habitualmente secundária, sendo a etiologia renal a mais frequente. A Glomeruloesclerose Segmental Focal (GESF) manifesta-se em qualquer idade com proteinúria, habitualmente nefrótica. O diagnóstico é histológico pelo que a sua verdadeira incidência é desconhecida. É classificada como GESF primária ou idiopática quando não se identifica uma etiologia. A GESF secundária tem por base um factor infeccioso, inflamatório, tóxico ou hemodinâmico. A GESF familiar deve ser considerada em crianças com história sugestiva. O prognóstico é habitualmente reservado. resumo das comunicações orais XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 213 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Caso clínico: Adolescente internada por HTA grave. Apresentava cefaleias recorrentes, com vómitos esporádicos, com 1 mês de evolução e de agravamento súbito nas 48 horas prévias ao internamento. Sem outros sinais de alarme ou outra sintomatologia associada. Negava consumo de tabaco/ álcool/outras drogas de abuso, assim como de medicamentos/suplementos nutricionais. Antecedentes pessoais de albuminúria 3+, não valorizada. Familiar falecido por IRC com inicio em idade pediátrica. À admissão no SU apresentava TA MSE=200/147mmHg (> P99 + 5mmHg), sem diferencial entre os 4 membros. Glasgow 15, pupilas isocóricas e fotoreactivas, sem défices focais. Edemas maleolares discretos, restante exame objectivo sem alterações. Tanner M2/P3. IMC <P5. Perante o diagnóstico de emergência hipertensiva foi internada para tratamento, investigação etiológica, das repercussões nos órgãos-alvo e estratificação do risco cardiovascular. Esta investigação revelou Síndrome nefrótico com HTA estadio 2 secundários a GESF, com insuficiência renal, retinopatia hipertensiva e cardiomiopatia hipertrófica ligeiras. Pesquisa de mutação no gene NPHS2 em curso. TA e função renal estáveis com IECA, ARA e Bloqueador dos canais de cálcio bem como normalização do perfil lipídico com medidas dietéticas e Estatina. Conclusão: A desvalorização da albuminúria e dos antecedentes familiares associados à ausência de pesquisa prévia de um valor tensional, levaram a um atraso no diagnóstico desta criança. Os autores alertam para a importância de uma anamnese cuidada e reafirmam a pertinência da avaliação de rotina da tensão arterial na medida em que a detecção em tempo útil de HTA subclínica pode reduzir a morbilidade e a mortalidade inerentes a formas de HTA graves em idade pediátrica. DERRAMES PLEURAIS PARAPNEUMÓNICOS COMPLICADOS – AVALIAÇÃO DE UM PROTOCOLO DE ABORDAGEM COM ALTEPLASE INTRA-PLEURAL Vasco Lavrador1, João Moreira-Pinto2,3, Joana Pereira2, Berta Bonet2, Fátima Carvalho2, Lurdes Morais1, Ana Ramos1, Virgílio Senra1 CHPorto, UHMPia Serviço de Cirurgia Pediátrica, CHP, UHMPia 3 Domínio Ciências Cirúrgicas, IICVS, UMinho 1 2 Enquadramento: A incidência dos derrames parapneumónicos complicados tem vindo a aumentar nas últimas décadas. Embora a sua abordagem permaneça controversa, a instilação de agentes fibrinolíticos intra-pleurais tem demonstrado resultados equivalentes aos métodos cirúrgicos. Objectivos: O presente estudo tem por objectivo avaliar os resultados do protocolo de utilização de alteplase intrapleural implementado em 2005 no Hospital Maria Pia. Material e métodos: Estudo retrospectivo dos doentes internados com diagnóstico de derrame pleural parapneumónico complicado submetidos a colocação de dreno torácico e instilação intrapleural de alteplase entre Janeiro de 2005 e Dezembro de 2009. Resultados: Foram identificados 21 doentes, 11 do sexo masculino, com idade média de 64 meses (16 – 197). À admissão apresentavam doença com evolução média de 6.1 dias e 81.0% já tinham iniciado antibioterapia, 58.8% dos quais em regime de internamento. Na abordagem inicial, a radiografia de tórax era compatível com derrame pleural em 95.2% dos casos, confirmado por ecografia torácica em 90.5%; o derrame apresentava septação em 81.0% dos doentes. Após colocação de dreno torácico todos os doentes iniciaram instilação de fibrinolítico, com 95.2% a completar os três dias de tratamento preconizados. O tempo de drenagem torácica foi de 6 dias (3 – 9) verificando-se, como complicações, pneumotórax (3) e enfisema subcutâneo (1). Houve necessidade de resumo das comunicações orais S 214 XXII reunião do hospital de crianças maria pia recolocação do dreno em quatro doentes. Não houve complicações major associadas à instilação de fibrinolítico. A antibioterapia mais frequentemente instituída à admissão foi cefuroxima (14.3%) e a associação de ceftriaxone e clindamicina (14.3%), tendo sido alterada em 6 doentes por resposta clínica desfavorável. A duração média da antibioterapia endovenosa foi de 18 dias (9-28). O agente etiológico foi identificado em 33.3% dos casos: S. pneumoniae (4), S. beta-hemolítico (1), M. tuberculosis (1) e S. aureus (1). Apenas um doente necessitou de admissão em unidade de cuidados intensivos sob ventilação não invasiva; um doente teve alta contra parecer médico e verificou-se um reinternamento mas sem recidiva do derrame. Nenhum doente necessitou de toracoscopia ou toractomia e não se registaram óbitos na amostra avaliada. Conclusão: A utilização precoce protocolada de alteplase na abordagem da pneumonia complicada por derrame pleural demonstrou ser um método eficaz, sem complicações major associadas ou necessidade de abordagem cirúrgica posterior. ASMA NA ADOLESCÊNCIA: PERCEPÇÃO DO IMPACTO NAS FUTURAS ESCOLHAS PROFISSIONAIS Gisela Silva1, Eva R. Gomes2 1 2 S. Pediatria Médica, CHPorto S. Imunoalergologia Pediátrica, CHPorto Introdução: A asma brônquica é uma das doenças crónicas mais prevalentes na adolescência. Os jovens asmáticos devem saber que a sua condição pode sofrer agravamento por exposição profissional a alergénios ou irritantes e, portanto, deve ser tida em conta aquando da escolha profissional. Objectivos: Avaliar o conhecimento de uma amostra de adolescentes asmáticos sobre o potencial risco para a asma de algumas escolhas profissionais e analisar a sua percepção sobre a limitação de escolhas imposta pela doença. Analisar o controlo da doença e correlação NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 entre os resultados dos 2 instrumentos utilizados. Material e métodos: Amostra de 25 adolescentes seguidos em consulta de Imunoalergologia Pediátrica com diagnóstico de asma brônquica. Foram aplicados questionários para avaliação de possíveis escolhas profissionais, conhecimento dos riscos de exposição profissional e recolha de dados para avaliação do controlo da asma através do questionário CARAT 10. Resultados: A idade média foi de 15,68 anos (14-18) e 52% eram do sexo masculino. Todos os doentes tinham um bom controlo da doença com valores iguais ou superiores a 16 no questionário CARAT 10. 60% dos doentes conseguiu identificar ocupações profissionais que poderiam causar um agravamento da sua patologia, mas a maior parte não considera a sua condição de asmático um factor importante a ter em conta nos seus possíveis planos profissionais. Os rapazes parecem ser mais conhecedores da eventual influência da asma na escolha profissional com 10 dos 16 doentes do sexo masculino a considerar que a asma pode afectar a sua escolha, enquanto apenas 5 dos 12 do sexo feminino manifesta esta preocupação. 64% da amostra referiu que a possível influência da doença na escolha profissional já foi discutida em família e 40% com amigos. Só 36% referiu ter abordado esse assunto com profissionais de sáude, nomeadamente o seu médico assistente. Conclusão: Todos os doentes asmáticos avaliados estavam bem controlados. Apesar do reduzido tamanho da amostra, verificámos que o conhecimento dos possíveis condicionalismos que esta patologia acarreta em termos de escolhas profissionais e os riscos associados a certas ocupações não está optimizado sendo esta uma vertente a melhorar no acompanhamento dos jovens asmáticos. FENÓMENO DE RAYNAUD EM IDADE PEDIÁTRICA Mónica Tavares1, Ana Novo1, Helena Sofia1, Ivone Silva2, Isabel Almeida3, Margarida Guedes1 CHPorto, UHMPia Serviço de Cirurgia Vascular, CHPorto 3 Serviço de Medicina Interna, CHPorto 1 2 Introdução: O fenómeno de Raynaud (FR), caracterizado por alterações da cor das extremidades, de palidez a cianose e eritema, tem uma prevalência que varia na idade adulta entre os 3 e os 20%. Em idade pediátrica, os estudos são limitados. A presença de FR em crianças com menos de 12 anos ou em rapazes parece estar mais associado à forma secundária, implicando exclusão de doença do tecido conjuntivo. A capilaroscopia é um exame fundamental nestes doentes uma vez que a presença de alterações capilaroscopicas sugere a presença de uma doença reumática subjacente. Objectivo: Caracterização do fenómeno de Raynaud nas crianças e adolescentes orientadas para o Centro Hospitalar do Porto – Hospital de Santo António, de 01/01/2000 a 31/08/2010. Métodos: Estudo retrospectivo dos processos clínicos das crianças e adolescentes orientadas por Fenómeno de Raynaud. Avaliação da história clínica, duração dos sintomas, idade, história familiar, pesquisa de anticorpos antinucleares e capilaroscopia. Critérios de inclusão: menores que 18 anos à data de referenciação, com FR como motivo de consulta. Critérios de exclusão: jovens com idade superior a 18 anos ou que apresentavam outro motivo de referenciação. Resultados: Foram seleccionados 60 processos clínicos que cumpriam os critérios de inclusão. Idade média de aparecimento dos sintomas 12,6 anos, actualmente com uma média de idades de 16,3 anos, sendo 72% do sexo feminino. Mais de metade (53%) destas crianças ou jovens encontrava-se em seguimento em consulta de Reumatologia Pediátrica, quatro em Medicina Interna, 18 em Cirurgia Vascular e seis nas outras sub-especialidades pediátricas. Todas as crianças apresentavam fenómeno de Raynaud, associada em 31,7% dos casos a eritema pérnio, 26,7% com edema das mãos e a mesma percentagem com dor ao nível das articulações inter-falângicas proximais, 21,7% com acrocianose, 10% com alterações tróficas das polpas ungueais e 8,3% apresentavam hipersudorese. Oitenta e oito por cento referiam o frio como factor agravante, sendo que 50% referiam ter sintomas apenas no Inverno. Em 15% dos casos havia história familiar positiva de Fenómeno de Raynaud e 23,3% tinham história familiar positiva para doenças do tecido conjuntivo. Os anticorpos anti-nucleares foram pesquisados em 58 doentes (97%), sendo positivos em 15,5%: 1:160 (4); 1: 320 (1); 1: 640 (4). A capilaroscopia foi efectuada em 40 (67%) casos, tendo 30 (75%) alterações ligeiras (tortuosidade dos capilares, alargamento segmentar), três (7,5%) alterações significativas com megacapilares, áreas de hemorragias, áreas avasculares/padrão esclerodérmico e sete (17,5%) sido considerados normais. Destes quarenta doentes com estudo completo, quatro (10%) foram considerados com FR secundário, diagnosticando-se dois casos de Esclerodermia Sistémica Juvenil, um caso de provável doença mista do tecido conjuntivo e um outro caso em caracterização. Conclusão: O FR pode ocorrer em idade pediátrica e, tal como nos adultos, é na maioria dos casos um FR primário. A positividade dos anticorpos antinucleares e as alterações na capilaroscopia foram, neste estudo, factores preditivos de FR secundário, estando de acordo com o referido na literatura. ANEMIA NUM PEQUENO LACTENTE Emília Costa1, Judite Marques2, Manuela Ferreira2, Esmeralda Cleto1, Inês Freitas1, José Barbot1 1 2 Unidade Hematologia Pediátrica, CHPorto Serviço Pediatria, CHNordeste, UHBragança Introdução: Uma anemia num pequeno lactente coloca questões diagnosticas que são exclusivas desta faixa etária. Causas relacionadas com a interacção recente entre as circulações materna e fetal devem ser ponderadas para além de outras de natureza adquirida/ hereditária. resumo das comunicações orais XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 215 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Caso clínico: Os autores apresentam o caso clínico de um lactente actualmente com 15 meses de idade, que surge aos 2 meses de vida com uma anemia grave (Hb: 6,2g/dl) normocítica e normocromica. A anemia tinha um carácter arregenerativo (Retic: 19.000/mm3) apesar de níveis de eritropoietina elevados. Clinicamente apresentava bom estado geral, sem dismorfias e com exame normal à excepção de palidez cutâneo-mucosa. Os diagnósticos diferenciais inicialmente evocados foram a eritroblastopenia transitória da infância e a anemia de Blackfan-Diamond, sendo que a idade da criança era mais compatível com o segundo. O aparecimento de neutropenia significativa (valor mínimo de 490/mm3) durante o internamento, e a visualização de proeritroblastos gigantes na medula óssea direccionaram o diagnóstico no sentido de uma infecção por Parvovirus B19. Este diagnóstico foi confirmado tanto serologicamente (IgM positiva) como molecularmente (DNA viral com título 740000 UI/ml). A detecção de DNA do Parvovirus B19 em sangue do cartão de Guthrie apontou para uma infecção ocorrida durante o desenvolvimento fetal. Do ponto de vista terapêutico, por agravamento da anemia (Hb:5,9g/dl) com aparecimento de sopro sistólico realizou transfusão de CE em D3 internamento (5ml/kg). Efectuou imunoglobulina G em D10 e D11 numa perspectiva de contrariar a evolução da infecção para cronicidade. A contagem de neutrófilos normalizou imediatamente após a terapêutica e a reticulocitose verificou-se ao 10º dia de internamento. A situação evoluiu para uma normalização do quadro hematológico. Aos 9 meses de vida, embora ainda detectável, o DNA viral era residual. Conclusão: A descrição clássica de infecção por Parvovirus B19 na vida intra-uterina permanece associada a hidropsia fetal e abortamento. Existem, no entanto, raras descrições de anemias congénitas sem repercussão hemodinamica que mimetizam outras formas de anemia hipoplasica congénita colocando dificuldades diagnosticas que podem condicionar o tratamento e o seguimento. IRIDA – UMA ENTIDADE CLÍNICA DE DESCRIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO MOLECULAR RECENTES Marco Pereira1, Emília Costa2, Esmeralda Cleto2, Teresa Melo3, Inês Freitas2, Graça Porto4, José Barbot2 1 2 3 4 Dep. da Mulher, da Criança e do Jovem, ULSMatosinhos, HPHispano U. Hematologia Pediátrica, CHPorto Serviço de Hematologia, HSJoão Dep. de Patologia e Imunologia Molecular, ICBASalazar Introdução: IRIDA (Iron-Refractory, Iron-Defi-ciency Anemia) é uma entidade clínica de descrição e caracterização molecular recentes que veio elucidar situações raras de anemia ferripriva, de etiologia obscura e refractária à terapêutica com ferro oral e endovenoso. A sua hereditariedade é autossómica recessiva e a sua fisiopatologia caracteriza-se por um excesso de hepcidina, resultado de mutações no gene da matriptase-2 (TMPRSS6), seu regulador negativo. Caso clínico: Apresentámos os casos clínicos de duas crianças do sexo feminino, primas em 2º grau. A primeira, actualmente com 17 anos, é seguida em consulta desde os nove meses por anemia moderada/grave (Hb: 7,3 g/dl), microcítica e hipocrómica (MCV: 55,8fL, MCH:12,9pg). Os parâmetros de ferro eram de algum modo discrepantes. A saturação da transferrina assim como o doseamento da protoporfirina eritrocitária livre e do receptor solúvel da transferrina eram indicativos de eritropoiese ferripriva, enquanto que a ferritina sérica revelava um valor limiar. A terapêutica com ferro endovenoso acentuava esta discrepância, na medida em que a ferritina sérica subia para valores preocupantes enquanto que os outros parâmetros permaneciam inalterados, com excepção da hemoglobina que revelava ligeiro acréscimo (média de 1,3 g/dl). Com o decorrer dos meses (média de 11,6 meses) estes parâmetros regressavam aos valores iniciais. A convicção de tratar-se de um erro do metabolismo de carácter hereditário foi reforçada quando, dez anos mais tarde, nos foi enviada a segunda criança, na altura com treze meses de idade, e com resumo das comunicações orais S 216 XXII reunião do hospital de crianças maria pia um quadro clínico similar. Adicionalmente, a descrição da molécula de hepcidina como principal reguladora humoral do metabolismo de ferro, em meados da presente década, sugeria que esse erro do metabolismo fosse consequência do seu excesso de produção. O esclarecimento definitivo desta situação só foi possível a partir de Abril de 2008, data da primeira publicação descrevendo esta entidade clínica, que denominou de IRIDA. Conclusão: As duas primas revelaram-se homozigoticas para a mutação cDNA 1795 C>T no exon 15 do gene TMPRSS6. Ambas apresentam desenvolvimento normal e toleram razoavelmente bem a anemia, recebendo de forma intermitente pequenas doses de ferro endovenoso. ANEMIA DE FANCONI: ACUIDADE PARA O DIAGNÓSTICO Patrícia Nascimento1, Emília Costa1, íris Maia1, Cláudia Neto1, Beatriz Porto2, José Barbot1 1 2 U. Hematologia, S. Pediatria, CHP, HMPia Laboratório de Citogenética, ICBAS, UP Introdução: A Anemia de Fanconi (AF) foi durante muitos anos diagnosticada com base na insuficiência medular e nas malformações somáticas que permitiam configurar um padrão característico. Actualmente sabe-se que apresenta grande variabilidade fenotípica, podendo as manifestações hematológicas estar ausentes durante vários anos. A Fanconi Anemia Research Foundation (FARF) procurou minorar o atraso no diagnóstico elaborando indicadores de suspeita, com base em elementos clínicos e laboratoriais. Define 2 índices de suspeita, médio e alto, sendo o estudo citogenético mandatório no secundo e de ponderar no primeiro. Objectivos: Avaliar o percurso clínico prévio ao diagnóstico dos doentes com AF e a evolução clínica posterior. Métodos: Análise retrospectiva dos processos das crianças com AF seguidos na consulta de hematologia pediátrica nos últimos 17 anos. Resultados: Foram seguidas 17 crianças com mediana de idade ao diag- NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 nóstico de 6 anos. A maioria das crianças foi orientada de consultas de pediatria, tendo 12 sido previamente seguidas por 2 especialidades e 10 submetidas a cirurgias correctoras de anomalias fenotípicas. Duas foram orientadas para a hematologia por suspeita clínica de AF, 4 foram-no por história familiar positiva e os restantes por alterações hematológicas de 1 ou mais linhas celulares. De acordo com os indicadores de suspeita da FARF, 14/17 crianças apresentavam elevado grau de suspeição, tendo indicação para avaliação citogenética para AF desde os 1ºs dias de vida. Três crianças atingiram idade adulta e 3 faleceram ainda em idade pediátrica (1 por complicação infecciosa após transplante de medula óssea (TMO) e 2 por hemorragia SNC), permanecendo actualmente em seguimento 11. Destas, por pancitopenia grave foi instituída terapêutica em 4: 1 fez TMO e 3, por ausência de dador compatível, iniciaram tratamento com androgeneos. Os restantes 7 mantêm-se em vigilância. Conclusões: A análise dos dados permite concluir da baixa acuidade diagnóstica para esta patologia, suportando a opinião de que é uma doença subdiagnosticada. Os autores consideram importante a divulgação da AF entre todas as especialidades que com ela contactam através das suas co-morbilidades, de modo a atingir um diagnóstico cada vez mais precoce, essencial para uma abordagem a longo prazo da insuficiência medular, antecipando cuidados, e programando atitudes. ANEMIA FERRIPRIVA REFRACTÁRIA DE ETIOLOGIA OBSCURA EM IDADE PEDIÁTRICA – NOVAS ABORDAGENS TERAPÊUTICAS N. Miguel1, E. Costa2, M. Binni2, R. Lima 3 , F. Pereira3, R. Vizcaíno4, J. Barbot2 S. Pediatria, CHTMAD, Unid. Vila Real Unidade de Hematologia, CHPorto, HCMPia 3 S. Gastroenterologia, CHPorto, HCMPia 4 S. Anatomo-Patologia, CHPorto, HSAntónio 1 2 Objectivo: O objectivo do nosso trabalho foi o de pesquisar patologia não hemorrágica, outra que não a do- ença Celíaca, interferindo na absorção do ferro em doentes em idade pediátrica, com anemia ferropénica (AF) refractária ao ferro (Fe) oral e de etiologia obscura. Métodos: Em nove doentes com AF refractária foi investigada, de forma não invasiva, a Gastrite Atrófica Auto-imune (GAAI) e a infecção a Helicobacter Pilory (HP). Testes efectuados: gastrina sérica, anticorpos anti-célula parietal gástrica, teste respiratório c-urease e ou serolologia para HP. Em segunda linha foi realizada biopsia gástrica. As alterações anatomo-patológicas foram graduadas, de 0 a 3 (critérios de Sydney). Resultados: Todos (n=9), apresentavam hipergastrinemia. Sete deles, revelaram critérios serológicos de GAAI (GAAI+). Destes sete, três eram GAAI+/ HP+ e quatro GAAI+ /HP-. Dois doentes revelaram-se GAAI-/HP+. Todos (n=9), apresentaram critérios anatomo-patológicos de atrofia gástrica. Em dois, (um GAAI-/HP+ e outro GAAI + /HP-) associava-se metaplasia intestinal na mucosa antral, revertida no primeiro, com terapêutica tripla para erradicação do HP. No segundo não foi efectuada terapêutica. Todos mostraram resposta a terapêutica com Fe alternativo. Quatro com Fe Ev e cinco com sulfato de glicina ferroso. Conclusões: À luz dos novos desenvolvimentos da fisiopatologia da AF refractária, torna-se mandatório o estudo protocolado de patologia da absorção, nomeadamente nos casos de etiologia obscura. A hipergastrinemia constitui um indicador indirecto de acloridria, resultado de atrofia gástrica. A GAAI é reconhecida, nos dias de hoje, como patologia podendo atingir grupos etários pediátricos. A interferência do HP, na etiopatogenia da GAAI e da AF refractaria é esclarecimento mais difícil. ALTERAÇÕES HEMATOLÓGICAS E ERROS INATOS DO METABOLISMO Patrícia Nascimento1, Anabela Bandeira1, Emília Costa2, José Barbot2, Esmeralda Martins1 1 2 U. Metabolismo, S. Pediatria, CHP, HMPia U. Hematologia, S. Pediatria, CHP, HMPia Introdução: Uma grande variedade de erros inatos do metabolismo (EIM) pode causar alterações hematológicas, que podem atingir uma ou mais linhas celulares ou determinar alterações na coagulação. Os mecanismos subjacentes são variados podendo as alterações hematológicas constituir a primeira pista para o diagnóstico de um EIM. Objectivos: Determinar a prevalência de alterações hematológicas nos doentes com EIM; Caracterizar essas alterações e comparar com os dados da literatura; Estabelecer protocolo de seguimento hematológico destes doentes Material e métodos: Estudo retrospectivo. Consulta do processo clínico de todos os doentes com EIM seguidos na consulta de doenças metabólicas, com doença metabólica nas quais estão descritas alterações hematológicas associadas. Foram excluídas as crianças com doença metabólica cuja manifestação é puramente hematológica bem como as crianças com alterações hematológicas em contexto de doença aguda ou associadas a ingestão de fármacos. Resultados: Foram identificados 71 doentes com susceptibilidade de ter alteração hematológica pela doença metabólica de base, tendo sido detectada alguma alteração em 28 deles (39,4%); em 1 caso como primeira manifestação da doença de base. As alterações da série rubra foram as mais frequentemente identificadas: 9 crianças com anemia normocitica e normocromica, 5 com anemia microcitica e hipocromica e 1 com anemia macrocitica. Quatro doentes apresentavam alterações da linha branca: 3 casos de neutropenia em doentes com aciduria metilmalónica e 1 caso de linfopenia numa criança com aciduria propiónica. Foi detectada trombocitopenia em 5 doentes e alterações no estudo da coagulação em 4. O esfregaço de sangue periférico mostrou alterações em 5 ca- resumo das comunicações orais XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 217 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 sos, sendo que em 4 deles foi uma pista importante para o diagnóstico da doença metabólica de base. Conclusões: Existem poucos dados relativos à incidência de alterações hematológicas nos doentes com EIM. Na nossa amostra cerca de 1/3 dos doentes apresentavam algum tipo de alteração, pelo que é importante estar atento para esta co-morbilidade, que pode condicionar o prognóstico da doença de base. HEMOGLOBINÚRIA PAROXÍSTICA AO FRIO: QUANDO SUSPEITAR? Catarina Matos1, Sandra Teixeira1, Susana Lira1, Cristiana Ribeiro2, Emília Costa3, José Barbot3 Serviço de Pediatria, CHTâmega e Sousa Serviço de Pediatria, ULSAlto Minho 3 Serviço de Hematologia, CHPorto, HMPia 1 2 Introdução: A Hemoglobinúria paroxística ao frio (HPF) é uma forma rara de anemia hemolítica auto-imune. Caracteriza-se por hemólise intravascular, anemia e hemoglobinúria, minutos ou horas após exposição ao frio. A maioria dos episódios são auto-limitados e associam-se a infecções viricas inespecíficas. O diagnóstico é confirmado pelo Teste de Donath-Landsteiner. Caso clínico: Criança, sexo masculino, 23 meses de idade, previamente saudável, que recorre ao serviço de urgência em Dezembro/2009, com quadro de icterícia, anoxeria e irritabilidade com 24 horas de evolução a que posteriormente se associou urina muito escura. Referencia a infecção das vias respiratórias superiores. Sem história aparente de exposição ao frio. Os exames complementares revelaram: hemoglobina- 6.9g/ dL, reticulócitos- 125.000/mm3, bilirru- bina total- 2.7mg/dL (directa-0.6mg/dL), AST-64U/L, ALT-18U/L, DHL- 2.290UI/L. O esfregaço de sangue periférico não apresentava alterações. A tira teste urinária era reactiva para hemoglobinúria/ hematúria apesar do sedimento urinário não apresentar eritrocitúria. O teste anti-globulina directo era positivo, selectivamente para anticorpos monoespecíficos anti-C3d. As serologias víricas foram negativas. O teste de Donath-Landsteiner foi positivo confirmando a suspeita de HPF. Foi internado em ambiente aquecido, e iniciou reforço hídrico com registo da diurese. Constatou-se normalização progressiva da hemoglobina e marcadores de hemólise. Teve alta com indicação de evicção de frio. Conclusão: Os autores pretendem realçar a importância do reconhecimento desta patologia que passa pela identificação do carácter intravascular do processo hemolítico. A tríade clássica de hemólise estava presente. O aspecto fortemente colúrico da urina- “urina cor coca-cola”- cuja causa se provou ser hemoglobinúria e não hematúria e a significativa elevação de DHL em contraste com o carácter ligeiro da hiperbilirrubinemia sugeriam um mecanismo de hemólise intra-vascular. A elevação da AST contrastando com uma normalidade da ALT reforçavam essa sugestão. O teste de Coombs positivo sugeria uma etiologia auto-imune e a sua positividade selectiva para anticorpos monoespecíficos C3d sugeria o diagnóstico de HPF. O teste de Donath-Landsteiner, ao demonstrar o carácter bifásico do anticorpo em causa, confirmou o diagnóstico. A evicção do frio e a fluidoterapia foram atitudes suficientes para a que o processo hemolítico resolve-se espontaneamente sem lesão renal. resumo das comunicações orais S 218 XXII reunião do hospital de crianças maria pia NEFRECTOMIA LAPAROSCÓPICA RETROPERITONEAL EM CRIANÇAS: ESTADO DA ARTE João Moreira-Pinto1,3, Angélica Osório1, Joana Pereira1, Carlos Enes1, João Ribeiro de Castro1,2, Armando Reis2 Serviço de Cirurgia Pediátrica, CHPorto Serviço de Urologia Pediátrica, CHPorto 3 Domínio Ciências Cirúrgicas, ICSV, UMinho 1 2 Introdução e objectivos: Em Portugal, a experiência em retroperitoneoscopia pediátrica é escassa. Os autores apresentam a primeira série portuguesa de nefrectomias realizadas por esta via, em crianças com idade inferior a nove anos, e uma revisão da literatura sobre o tema. Material e métodos: Análise retrospectiva dos processos das crianças submetidas a nefrectomia laparoscópica retroperitoneal (NLR), de Janeiro de 2009 e Dezembro de 2009, num Departamento de Cirurgia Pediátrica. A revisão da literatura foi realizada através de uma pesquisa na base de dados Medline. Resultados: Foram realizadas oito NLR. A média de idades dos doentes operados foi 4,5 anos (mínimo = 11 meses, máximo = 8,6 anos). As indicações cirúrgicas encontradas foram: quatro rins multiquísticos, três nefropatias de refluxo, uma nefropatia obstructiva. Quatro NLR foram realizadas à esquerda. O tempo cirúrgico médio foi 99 minutos (mínimo = 50 minutos, máximo 180 minutos), notando-se um encurtamento do mesmo à medida que aumenta a experiência da equipa. Não houve nenhuma conversão para lombotomia. A média de tempo de internamento foi 1,5 dias (mínimo = 1 dia, máximo = 2 dias). Não se registaram complicações intra-operatórias nem pós-operatórias. Conclusão: A NLR é exequível em crianças de idade inferior a nove anos e deve ser considerado como tratamento de eleição na idade pediátrica. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Resumo dos Posters TRISSOMIA 12P PARCIAL: A PROPÓSITO DE UM CASO C. Candeias1, N. Oliva Teles1, M. Mota Freitas1, M. P. Barradas2, M. L. Fonseca e Silva1, H. Correia1 1 2 U. Citogenética, CGMJMagalhães,INSA, IP U. Pediatria, HSLuzia Introdução: A trissomia 12p é uma anomalia cromossómica rara com uma frequência estimada de 1/50.000 nascimentos. Até à data foram descritos cerca de 30 casos com diferentes duplicações do braço curto deste cromossoma. A trissomia 12p completa é rara, estando publicados apenas doze casos desde a descrição inicial do Síndrome da Trissomia 12p por Lechida e Lin em 1973 (Zumkeller et al, 2004). Material e métodos: Os autores apresentam o caso de uma criança de 3 anos de idade com dismorfias faciais (bossas frontais, pavilhões auriculares pequenos e baixos, palato acentuadamente em ogiva) e atraso de linguagem tendo sido solicitado a realização de cariótipo. Realizaram-se culturas sincronizadas de linfócitos de sangue periférico e bandeamento GTG, e estudos de Hibridação in situ por Fluorescência (FISH). Resultados: A análise citogenética convencional revelou um cromossoma 12 anormal com material adicional no seu braço curto. A análise posterior por FISH (pintura cromossómica e regiões subteloméricas do cromossoma 12) permitiu concluir que todo o material era do cromossoma 12, estabelecendo-se o cariótipo como: 46,XY,dup(12)(p11.2p13)dn. Discussão: A maioria dos casos descritos com trissomia 12p resulta de translocações equilibradas num dos pro- genitores, em que o fenótipo é influenciado pela ocorrência, em simultâneo, de monossomia e trissomia parciais herdadas. O nosso caso é relevante, por ser uma trissomia quase completa e pura, de novo. Os autores salientam a importância da conjugação de uma alta resolução de padrão de bandas a nível citogenético com uma descrição clínica detalhada, para o estabelecimento de uma boa correlação genótipo/fenótipo. “NÃO ERAM SÓ…DORES NOS PÉS” Diana Baptista1, Joana Macedo1, Ana Filipe Almeida1, Ana Luísa Lobo1, Cláudia Neto1, Teresa Borges2, Carla Meireles1 1 2 Serviço de Pediatria, CHAlto Ave U. Endocrinologia Pediátrica, CHPorto Introdução: A detecção e valorização das anomalias congénitas ditas “minor” são importantes não só porque podem constituir um ponto de partida para a procura de anomalias mais graves, mas também porque poderão desencadear um papel importante na construção do padrão característico de um síndrome dismórfico. Caso clínico: Os autores apresentam o caso clínico de uma criança de 7 anos, do sexo feminino, fruto de gestação vigiada, sem intercorrências; filha de pais jovens, saudáveis e não consanguíneos que apresenta um crescimento ponderal no P90 e crescimento estatural <P5. Recorreu ao Serviço de Urgência por quadro de poliartralgias migratórias com envolvimento das grandes e pequenas articulações (ombro, joelhos e metacarpofalângicas) com resolução espontânea e sem sinais inflamatórios associados. Duas semanas antes esteve medicada com antibiótico para amigdalite aguda. Ao exame objectivo apresentava obesidade, baixa estatura desproporcionada, fácies peculiar, pálpebras rasgadas, pescoço curto, palato ogival, sindactilia dos 2ºs e 3ºs dedos dos pés, encurtamento do 4º dedo do pé direito, estádio de Tanner I, discreto edema do dorso dos pés e dor à mobilização activa das articulações do punho e MCF’s bilaterais. Por incapacidade na marcha foi decidido o internamento para investigação. Realizou hemograma com VS (37 mm/1ª), análise bioquímica e estudo imunológico sem alterações; TASO e FR normais e ANA e ANCAS negativos. As serologias efectuadas revelaram infecção aguda por Mycoplasma pneumoniae. No segundo dia de internamento ficou assintomática. Efectuado Rx do esqueleto (“encurvamento isolado do 4º metatarsiano à direita…epífises em cone nas falanges proximais dos 2ºs, 3ºs e 4ºs metatarsianos bilaterais”); Rx da idade óssea (TW3), que revelou IO de 6 anos e 11 meses para uma IC de 7 anos e 11 meses e função tiroideia (normal). O cariótipo de sangue periférico revelou uma delecção no braço longo do cromossoma X: 46,X,del(X)(q13.1). Posto o diagnóstico de S. de Turner, procedeu-se ao rastreio das malformações associadas: ecocardiograma (sem alterações) e ecografia renopélvica (“útero de configuração neonatal e ovários de dimensões normais), tendo sido orientada para consulta de Endocrinologia Pediátrica, estando actualmente sob terapêutica com Hormona de crescimento. Conclusão: Este caso é apresentado como exemplo de uma criança cujas características dismórficas não foram valorizadas até à idade escolar; este diagnóstico possui implicações futuras no seu crescimento e desenvolvimento biopsicosocial. resumo dos posters XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 219 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 SÍNDROME DE BECWITH-WIEDEMANN APRESENTANDO-SE COM ENCERRAMENTO TARDIO DA PAREDE ABDOMINAL E INVAGINAÇÃO INTESTINAL NEONATAL Joana Pereira1, João Moreira-Pinto1, Angélica Osorio1, Carlos Enes1, Maria do Céu Mota1 1 CHPorto, HMPia Introdução: Apresentamos o caso extremamente raro de um recém-nascido do sexo masculino com Síndrome de Becwith-Wiedemann manifestando-se com encerramento tardio da parede abdominal e invaginação intestinal neonatal Caso clínico: Trata-se de um recém-nascido de 38 semanas de gestação, com peso ao nascer de 3720 g. A ecografia pré-natal realizada as 12 semanas revelou onfalocelo, tendo-se verificado encerramento espontâneo do mesmo em ecografia subsequente realizada às 15 semanas. Não foi identificado polihidrâmnios no decorrer da gestação. Os índices Apgar foram 9,10,10 aos 1,5 e 10 minutos. Após o início da alimentação o recém-nascido apresentou vários episódios de vómitos, inicialmente alimentares e posteriormente biliares. Foi efectuada radiografia abdominal simples que revelou sinais de obstrução intestinal alta. O doente foi transferido para o nosso hospital e submetido a laparotomia de emergência na qual foi identificada invaginação jejunal. Foi efectuada enterectomia segmentar e anastomose jejuno-jejunal primária. No período pós-operatório alguns achados físicos subtis tornaram-se proeminentes, nomeadamente a presença de um hemangioma plano da região frontal, indentações da helix posterior, um facies característico e macroglossia. O diagnóstico de Sindroma de Beckwith-Wiedemann foi considerado e exames suplementares requisitados. O ecocardiograma revelou foramen oval patente com um pequeno shunt E-D e a ecografia abdominal revelou hiperplasia renal. O estudo genético mostrou hipometilação da região DMR2 (KCNQ10T1) do cromossoma 11p15, consistente com o diagnostico de Sindroma de Beckwith-Wiedemann. Conclusão: Efectuámos uma revisão da literatura, não se encontrando nenhum relato de invaginação intestinal num doente com Sindroma de Beckwith-Wiedemann, nem de encerramento espontâneo de onfalocelo no mesmo caso, pelo que consideramos que este é o primeiro caso relatado de ambos. SÍNDROME DE NIJMEGEN E ANOMALIA CROMOSSÓMICA COMPLEXA RARA: CARACTERIZAÇÃO DE UMA DELECÇÃO INTERSTICIAL 6Q23 POR TÉCNICAS DE CITOGENÉTICA MOLECULAR (CGH) Natália Oliva Teles1, Bárbara Marques1, Joaquim Aguiar1, Maximina Pinto1, José Barbot2, Laura Marques2, Hildeberto Correia1, Ana Fortuna1 1 2 CGMJMagalhães, DG - INSA, IP CHPorto, HMPia Introdução: As anomalias cromossómicas que envolvem translocações aparentemente equilibradas podem ser actualmente estudadas ou investigadas por técnicas moleculares, nomeadamente por técnicas de Comparative Genomic Hybridization (CGH), para exclusão de delecções ou duplicações de dimensões submicroscópicas, particularmente nos casos em que o fenótipo é variável e apresenta uma anomalia cromossómica pouco comum. Caso clínico: Os autores apresentam um caso de uma adolescente de 15 anos com atraso mental ligeiro a moderado (IQ 58), dismorfias faciais com microcefalia, estrabismo e microftalmia, surdez neurosensorial, infecções respiratórias recorrentes, imunodeficiência, anemia hemolítica e problemas ortopédicos. Em 1999, perante a suspeita clínica de síndrome de Síndrome de Nijmegen (NBS), foram realizados estudos para quebras cromossómicas e para o gene da nibrina, que foram negativos. Os estudos cromossómicos então realizados revelaram uma anomalia estrutural complexa e rara, composta por três translocações aparentemente equilibradas envolvendo três pares de cromossomas, das quais uma tinha origem paterna t(2;13)pat e duas resumo dos posters S 220 XXII reunião do hospital de crianças maria pia eram de novo t(6;10) e t(7;11). Os estudos de citogenética molecular por CGH realizados em 2010 permitiram detectar uma delecção intersticial no cromossoma 6, em 6q23.1-6q23.3. Discussão e conclusões: Os autores apresentam este caso raro, não só pela clínica como pela anomalia em si. A utilização de técnicas de citogenética molecular é da máxima importância para este tipo de investigações em doentes com características fenotípicas pouco específicas, especialmente quando apresentam rearranjos cromossómicos de novo. Apesar da negatividade do estudo das quebras cromossómicas, assim como do resultado molecular para o gene da nibrina, pode afirmar-se que estamos perante um diagnóstico clínico de NBS. A doente tem actualmente 27 anos de idade e tem tido o acompanhamento clínico adequado, consoante os problemas que tem vindo a desenvolver. SÍNDROME DE SMITH-MAGENIS: CARACTERIZAÇÃO DE DOIS CASOS POR TÉCNICAS DE CITOGENÉTICA CLÁSSICA E MOLECULAR Carla Valongo1, Isabel Marques1, Manuela Mota Freitas1, Natália Oliva Teles1, Joana Ribeiro1, Joaquim Aguiar1, Jorge Pinto Basto1, Gabriela Soares1, Hildeberto Correia1, Maria da Luz Fonseca e Silva 1 CGMJMagalhães, DG- INSA, IP Introdução: O Síndrome de Smith-Magenis (SMS; OMIM#182290,*607642), que apresenta uma prevalência de 1:15 000-25 000, é uma anomalia complexa caracterizada por atraso mental, moderado a profundo, dismorfia craniofacial e alterações de comportamento características, incluindo auto-agressividade. Os indivíduos afectados apresentam uma delecção intersticial no braço curto do cromossoma 17, na banda 17p11.2, nem sempre detectada pelas técnicas de citogenética clássica. Nas delecções sub-microscópicas, o diagnóstico só pode ser feito por técnicas de citogenética molecular (FISH). Caso clínico: Os autores descrevem duas doentes do sexo feminino, com NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 5 e 20 anos, que apresentam atraso de desenvolvimento psico-motor e dismorfia facial; na criança foi ainda referida uma baixa estatura. Em ambos os casos, os estudos cromossómicos revelaram uma delecção intersticial no cromossoma 17, na banda 17p11.2, e foram concordantes com os resultados obtidos pela técnica de citogenética molecular (FISH). Discussão e conclusões: Os autores apresentam estes casos, evidenciando o facto de, devido a não se observarem habitualmente malformações major, a sobrevida ser alargada à fase adulta; a grande diferença na idade de diagnóstico destes casos pode ser justificada pela grande variabilidade nas características fenotípicas que caracteriza este síndrome. Salienta-se ainda a vantagem de uma boa colaboração entre o médico e o laboratório, no estudo de casos como estes, em que é fundamental uma informação clínica detalhada combinada com testes citogenéticos adequados. LEISHMANIOSE VISCERAL – UM CASO CLÍNICO Liliana Franco1, Alexandra Costa1, Eduarda Sousa1 1 Serviço Pediatria, CHLOcidental, HSFXavier Introdução: A Leishmaniose visceral é uma doença causada por protozoários do género Leishmania, endémica e com declaração obrigatória em Portugal. Anualmente registam-se cerca de 15 novos casos a nível nacional, com maior prevalência nos países em desenvolvimento. O seu período de incubação é variável, assim como o quadro clínico-laboratorial. O diagnóstico é confirmado pela identificação do agente no exame directo e cultural da medula óssea. Na ausência de tratamento a mortalidade da doença pode atingir 90%. Caso clínico: Criança de 2 anos, sexo feminino, com antecedentes familiares e pessoais irrelevantes, com quadro de febre, astenia e diarreia com três semanas de evolução. No exame objectivo salientava-se palidez cutânea, hepatomegália (4cm abaixo do rebordo costal direito) e esplenomegália (8cm abaixo do rebordo costal esquerdo). Analitica- mente a destacar anemia (Hb 7,9 g/dl), trombocitopénia (121x109/L plaquetas), hipoalbuminémia (3,0 g/dl) e hipergamaglobulinémia (22,3 g/L). Os testes serológicos para Leishmania foram positivos (titulação 1:16), tendo sido obtido o diagnóstico definitivo após identificação do parasita no mielograma. Iniciou tratamento com antimoniato de meglumina, com boa evolução. Conclusão: Perante um quadro de febre prolongada na criança, o diagnóstico nem sempre é fácil. A hipótese diagnóstica de Leishmaniose visceral é frequentemente “esquecida” nos países desenvolvidos. Trata-se de uma doença curável mas com elevada taxa de mortalidade se não tratada atempadamente. A apresentação deste caso visa realçar dados característicos, como a hepatoesplenomegália e a hipergamaglobulinémia, que devem levar à suspeição da doença. PROCURAR UM DIAGNÓSTICO, OPTIMIZAR CUIDADOS Joana Macedo1, Manuela Santos2, Esmeralda Martins3, Fernando Pereira4, Armandina Silva1 Serviço Pediatria, CHAlto Ave Neuropediatria, CHPorto 3 Doenças Metabólicas, CHPorto 4 Gastroenterologia, CHPorto 1 2 As crianças com patologias crónicas graves, com múltiplas dependências, necessitam de hospitalizações prolongadas e recorrentes que interferem com a organização e estabilidade das famílias. Embora existam programas de apoio domiciliário, os cuidados continuados em ambulatório deparam-se com muitas dificuldades. Apresenta-se o caso clínico de uma criança do sexo masculino, 1ºfilho de pais jovens e não consanguíneos, actualmente com 34 meses de idade. Esteve internado desde o nascimento até 22 meses de vida por hipotonia generalizada e múltiplas dependências. Com necessidade de ventilação assistida por traqueostomia e alimentação enteral por gastrostomia. Apesar dos múltiplos exames auxiliares de diagnóstico efectuados e das avaliações sucessivas por diversas especia- lidades, ainda não foi possível obter o diagnóstico definitivo desta criança. De salientar que a procura exaustiva deste diagnóstico é de especial interesse, dada a importância de um aconselhamento genético nesta família. Após um processo longo, que envolveu uma equipa multidisciplinar e cooperação entre instituições, procedeu-se à transição entre o hospital e o domicílio, mantendo o suporte ventilatório e nutricional. As dificuldades deparadas com a continuidade destes cuidados no domicílio prolongaram, para além do desejável, o tempo de internamento. Este caso demonstra a necessidade de uma equipa multidisciplinar e cooperação interinstitucional, a fim de proporcionar todo o suporte e apoios adequados à criança e à família. ERUPÇÃO VARICELIFORME DE KAPOSI Conceição Costa1, Tiago Torres2, Susana Machado2, Manuela Selores2 1 2 Serviço de Pediatria, CHTS, HPAmérico Serviço de Dermatologia, CHP, HSAntónio Introdução: Erupção variceliforme de Kaposi ou eczema herpético é uma infecção viral potencialmente fatal, que surge em pacientes com patologia dermatológica prévia. A vasta maioria dos casos é causada por vírus Herpes simplex e ocorre concomitantemente com dermatite atópica. Reportamos o caso de uma adolescente de 14 anos, com antecedentes de dermatite atópica, que apresentava uma erupção vesicular extensa na face e pescoço com 3 dias de evolução. Analiticamente destacavam-se apenas uma PCR elevada e e ligeira leucocitose. O diagnóstico de erupção variceliforme de Kaposi (eczema herpético) foi feito com base na clínica, PCR do conteúdo da vesícula (DNA de VHS1) e teste de tzanck compatível com infecção por vírus herpes. A paciente respondeu adequadamente ao tratamento com aciclovir oral sem complicações. Caso clínico: Erupção variceliforme de Kaposi é uma condição rara, variando a sua gravidade de doença transitória resumo dos posters XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 221 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 leve a patologia potencialmente fatal com atingimento multiorgânico. A mortalidade é de 1 a 9%, sendo que antes do aparecimento de drogas antivirais eficazes esta atingia taxas de 75%. O tratamento antiviral é muito eficaz e deve ser instituído sem demora. Em crianças com dermatite atópica que apresentem uma erupção vesicular, é altamente suspeito o diagnóstico de Erupção variceliforme de Kaposi. PARALISIA FACIAL CONGÉNITA NÃO TRAUMÁTICA – CASO CLÍNICO Cláudia Melo1, Rita Santos Silva1, Ana Novo1, Janine Coelho1, Cecília Martins1, Sónia Carvalho1 1 Serviço de Pediatria, CHMA, UFamalicão Introdução: A paralisia facial congénita (PFC) ocorre em 0,25 a 6,5% dos recém-nascidos, sendo que 90% dos casos se devem a traumatismo durante o parto. A PFC não traumática pode ter etiologia inflamatória/infecciosa ou, mais raramente, dever-se a defeitos do desenvolvimento do nervo facial. O diagnóstico da PFC é clínico, havendo uma variabilidade de apresentações, desde a perda completa de função até uma discreta assimetria do terço inferior da face. A recuperação, integral ou parcial, habitualmente é a regra, no entanto, a situação pode ser permanente, principalmente quando a PFC está associada a defeitos do desenvolvimento. Caso clínico: Criança do sexo masculino, referenciada aos 3 anos à consulta de Pediatria pelo médico assistente por apresentar, desde o nascimento, desvio da comissura labial para a esquerda. Antecedentes perinatais irrelevantes, tendo sido uma gestação de termo, sem intercorrências, parto por cesariana sem complicações, com somatometria ao nascimento adequada à idade gestacional. Sem história pessoal de doenças neurológicas, otológicas ou traumatismos e cirurgias faciais. Evolução estaturo-ponderal e desenvolvimento psico-motor adequados. Antecedentes familiares irrelevantes. Ao exame objectivo apresentava assimetria facial com desvio da comissura labial para a esquer- da, diminuição da prega nasolabial direita e encerramento incompleto da pálpebra direita, não havendo noção temporal de melhoria ou agravamento clínico. Restante exame objectivo sem alterações. Realizou estudo analítico, serologia para o vírus Herpes simplex, ecocardiograma e ecografia abdominal que não revelaram alterações. A ressonância magnética (RM) encefálica evidenciou acentuada atrofia ponto-mesencefálica direita e do nervo facial direito, relacionada com malformação vascular identificada a esse nível. Avaliação inicial por Otorrinolaringologia sem alterações. A criança foi orientada para Consultas de Neurologia Pediátrica, Neurocirurgia, Fisiatria e Oftalmologia. Conclusão: Apesar do diagnóstico de PFC ser um diagnóstico clínico, a RM encefálica assume um papel fulcral no estudo de paralisias persistentes. Os autores apresentam um caso de PFC que tem como etiologia uma malformação vascular com efeito de sequestro do suprimento arterial do nervo facial, que é uma causa rara de paralisia deste nervo. Está indicado o tratamento de suporte, sendo a opção de tratamento cirúrgico controversa. OSTEOMIELITE INFECCIOSA EM IDADE PEDIÁTRICA: ÚLTIMOS 20 ANOS Teresa Almeida Campos1, Ricardo São Simão2, Herculano Nascimento2, Gilberto Costa2,3 Serviço de Pediatria, HSJoão Serviço de Ortopedia, HSJoão 3 Faculdade de Medicina da UPorto 1 2 Introdução: A osteomielite é um processo infeccioso do osso que, nas crianças, deriva principalmente da disseminação hematogénea. A bactéria mais comummente implicada é o Staphylococcus aureus (> 50%). Em mais de 80% dos casos estão atingidas as metáfises férteis dos ossos longos, preferencialmente as dos membros inferiores. As manifestações clínicas mais comuns são: limitação da mobilidade, febre, dor e sinais inflamatórios locais. Nas crianças mais pequenas, a infecção propaga-se facilmente, resumo dos posters S 222 XXII reunião do hospital de crianças maria pia podendo atingir os tecidos adjacentes. O tratamento implica uso prolongado de antibióticos e, por vezes, cirurgia. Objectivo e Métodos: Estudo descritivo retrospectivo que tem por objectivo caracterizar a população infantil internada por osteomielite infecciosa nos últimos 20 anos. Resultados: Foram incluídos 26 doentes, 16 (61,5%) com idade igual ou inferior a 3 anos (10 no primeiro ano de vida). Não se verificou predominância quanto ao sexo. A duração média dos sintomas foi de 4,6 (+ 4,2) dias, embora alguns tivessem uma evolução mais insidiosa. A manifestação clínica mais frequente foi a dor (77%), seguida da febre (57%). A pseudoparésia e os sinais inflamatórios ocorreram em metade dos doentes. Constatou-se atingimento preferencial dos ossos longos do membro inferior (predominância da tíbia - 38,5%). Em 31% dos casos havia história de traumatismo prévio e, destes, salientam-se dois casos de osteomielite do calcâneo aparentemente relacionados com a manobra de punção do calcanhar para a realização do rastreio metabólico precoce. O agente microbiológico mais comum foi o Staphylococcus aureus (50%). As alterações radiográficas só estavam patentes em metade dos doentes, o que motivou o recurso a outros exames. Foram efectuados múltiplos esquemas de antibioterapia, com uma duração média de 20,8 (+ 10,7) dias, dos quais 16,5 (+ 5,6) por via endovenosa. A cirurgia foi necessária em cerca de um terço dos doentes e metade destes já no decorrer do tratamento antibacteriano. Conclusão: Nos últimos vinte anos, não se verificou significativa variação no número de casos e nas medidas de diagnóstico e terapêutica. A nossa população apresentou um elevado número de eventos traumáticos a preceder a infecção. Por outro lado, a duração média de três semanas de tratamento antimicrobiano, sem aumento do número de complicações, sugere que esquemas de tratamento mais curtos do que os actualmente recomendados possam ser suficientes. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 GASTROENTERITE AGUDA POR SALMONELLA: PORTADOR ATÉ QUANDO? Maria Inês Monteiro1, Cristina Rocha1, Lúcia Gomes1, Miguel Costa1 1 Serviço de Pediatria, CHEDV, HSSebastião Introdução: A Salmonella é um patogénio bacteriano da maior importância para a saúde humana e para a economia. A gastroenterite aguda representa a salmonelose mais frequente. Objectivos: Caracterizar uma amostra de doentes com gastroenterite aguda por Salmonella seguidos em consulta num hospital distrital e conhecer a duração do estado de portador assintomático. Material e métodos: Efectuou-se um estudo retrospectivo, dos processos clínicos de 70 doentes (33 sexo feminino, 37 sexo masculino), enviados para consulta de Patologia Digestiva Infantil do Hospital de Oliveira de Azeméis, por terem apresentado episódio de urgência/ internamento com o diagnóstico de gastroenterite aguda (GEA) por Salmonella. Foram avaliados os seguintes parâmetros: sexo, idade, tempo entre o início dos sintomas e procura de cuidados de saúde, tipo e duração da sintomatologia, dias de internamento, coproculturas efectuadas, tempo de portador assintomático, terapêutica efectuada e estirpe de Salmonella isolada. Resultados: Verificou-se que a idade média de aquisição de infecção por Salmonella foi aos 68 meses (5 anos e meio). O tempo médio de doença/sintomatolgia até ao doente recorrer ao serviço de saúde foi de 52 horas, enquanto que o tempo médio de duração total dos sintomas foi de 6 dias e meio. A duração do internamento em média, foi de 3 dias. Relativamente às estirpes de Salmonella isoladas, a Salmonella Enteritidis foi a mais prevalente (47,1% dos casos), seguida da Salmonella grupo d. No total foram identificados 9 tipos diferentes desta bactéria. O tempo de portador assintomático foi 2,75 meses (mínimo 1 mês, máximo 13 meses). Conclusão: A Salmonella assume um impacto económico na saúde, nomeadamente em dias de internamento hospitalar e estudos analíticos efectuados. Medidas de higienização, métodos de preparação e avaliação de qualidade dos alimentos, prevenção do contágio e educação pública estão na base da diminuição da infecção. O perigo do portador assintomático e o seu papel na propagação de doença devem ser reforçados e mais esclarecidos, daí a importância do seguimento destes doentes, podendo assim prevenir-se novos casos. É de realçar a média encontrada de 3 meses de portador assintomático (podendo este intervalo de tempo prolongar-se para além do ano). A etiologia da infecção pode ser identificada uma vez tratar-se de uma doença de transmissão através de alimentos ou água contaminados, contacto com pessoas doentes, portadores assintomáticos, ou reptéis infectados. STREPTOCOCCUS PNEUMONIAE – REALIDADE ÚLTIMOS 3 ANOS NO CHAA Joana Macedo1, Ana Filipe Almeida2, Diana Baptista1, Cláudia Neto1, Cristina Ferreira1, Paula Mota3 Serviço Pediatria, CHAlto Ave Serviço Pediatria, Hospital São João 3 Serviço de Patologia Clínica, CHAlto Ave 1 2 Introdução: O Streptococcus pneumoniae é um agente etiológico com particular pertinência na faixa etária pediátrica, sendo a causa mais frequente de bacteriémia no período pós-neonatal. Infecções do tracto respiratório superior (otite média, rino-sinusite) ou doença invasiva (pneumonia, bacteriémia, meningite), perfazem o espectro infeccioso do agente referido. A OMS estima em cerca de 1 a 2 milhões de óbitos anuais, que ocorrem em crianças com idade menor que 5 anos. A doença pneumocócica mantém um forte impacto na saúde pública pelo aumento crescente de estirpes resistentes à penicilina e a outros antibióticos. As progressivas modificações na imunização universal com a vacina conjugada, contribuiu para modificar a epidemiologia do agente infeccioso, reduzindo o número de portadores e a prevalência da infeccção. Objectivos: 1-Analisar os casos clínicos do CHAA, onde houve isolamen- to de S.pneumoniae, no triénio 2008 a 2010; 2-Caracterizar epidemiologicamente os casos de infecção pneumocócica comprovada; 3-Relacionar quadro clínico, antecedentes, vacinação, tratamento e evolução caso; 4-Comparar resultados actuais com estudo retrospectivo anterior; 5-Demonstrar a continuidade da relevância clínica do Pneumococo como agente primordial na morbi/mortalidade em Pediatria. Material e métodos: 1-Estudo retrospectivo; 2-Análise dos processos clínicos, onde houve isolamento do Pneumococo em amostra biológica, no período de Janeiro de 2008 até Outubro 2010. Resultados: Foram analisados um total de 17 casos clínicos, com isolamento de S.pneumoniae em 2 amostras de liquor, 14 hemoculturas e 1 exsudado auricular. A média etária foi de 4 anos com predomínio do sexo masculino. O pico de frequência de infecções pneumocócicas ocorreu no Verão de 2008, Primavera de 2009 e Inverno de 2010. A maioria das crianças apresentou um quadro clínico de Pneumonia, não complicada, com período de internamento médio de 7 dias. 13% crianças foram transferidas com gravidade clínica para outra instituição, não havendo registo de óbitos. Conclusão: Em comparação com estudo retrospectivo realizado na mesma instituição, com objectivos semelhantes, objectiva-se uma redução efectiva do número casos totais. Novamente ficou em realce a pertinência do Pneumococo na faixa etária pediátrica, mostrando a necessidade de haver uma actualização constante sobre o conhecimento deste agente e das suas repercussões. TUFO PILOSO CERVICAL ISOLADO – QUE SIGNIFICADO? Marta Nascimento1, Eliana Oliveira1, Filipa V. Espada1, Maria Manuel Lopes1, Rui Almeida1 1 S. Pediatria, ULSMatosinhos, HPHispano Introdução: A hipertricose caracteriza-se por crescimento excessivo de pêlo (terminal, velo ou lanugo) em áreas corporais predominantemente não androgénio-dependentes. resumo dos posters XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 223 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 A hipertricose primária classifica-se como congénita ou adquirida, dependendo da idade de aparecimento e, localizada ou generalizada, de acordo com a sua extensão. Estão descritas quatro formas de hipertricose primária congénita localizada: hipertricose cubiti, cervical anterior, cervical posterior e lombossagrada. Trata-se de uma entidade rara e cuja etiologia permanece desconhecida. Caso clínico: Criança de 9 anos, do género masculino, seguida na Consulta Externa por perturbação específica da linguagem, apresentando também miopia e escoliose dorsal. Dos restantes antecedentes pessoais, salienta-se apenas pielonefrite aguda ao mês de vida com estudo morfofuncional renal normal. Nos antecedentes familiares realça-se epilepsia e défice intelectual maternos e história de alcoolismo paterno, não existindo consanguinidade parental ou hipertricose familiar. Ao exame objectivo, apresenta múltiplos pêlos terminais na região cervical anterior (superiormente à proeminência laríngea) e escoliose dorsal, sem outras alterações no restante exame físico. Sem história de traumatismo, inflamação crónica ou aplicação de corticosteróides tópicos no local. Conclusão: O presente caso corresponde a uma hipertricose cervical anterior, ocorrendo de forma aparentemente esporádica, ao contrário do encontrado nos poucos casos descritos (na sua maioria de transmissão autossómica dominante). A sua associação com outras alterações patológicas como desordens esqueléticas ou défice intelectual apontam para um carácter eminentemente sindromático e sublinham a importância do seu reconhecimento. O tratamento da hipertricose visa um fim estético podendo ser realizada depilação temporal ou definitiva por meio de múltiplos métodos (depilação física/ química ou laser). Palavras-chave: hipertricose cervical anterior; hipertricose primária localizada. TESTE DE SUOR - EXPERIÊNCIA DO SERVIÇO DE PEDIATRIA DO CHP-HSA J. Magalhães1, L. Pinho1, T. Correia1, C. Rocha1, M. J. Reis2, F. Teixeira1, M. Guedes1, M. G. Reis1 1 CHPorto, HMPia 2 Serviço de Química Clínica, CHPorto Introdução: A fibrose cística é uma doença genética multissistémica frequente em caucasianos. Na suspeita clínica, o teste de suor com determinação da concentração de cloretos é essencial para o diagnóstico, cumprindo exigências técnicas definidas. A avaliação da condutância do suor pelo sistema Macroduct/Wescor® é aceite como rastreio. No Serviço de Pediatria do Hospital de Santo António – Centro Hospitalar do Porto utiliza-se este sistema desde Setembro de 2003. Desde Novembro de 2006 é doseada a concentração de cloretos no laboratório de química. Objectivos: Avaliar resultados e fiabilidade técnica dos testes efectuados entre Setembro de 2003 e Junho de 2010, comparando condutância e doseamento de cloretos, e caracterizar os doentes submetidos ao teste. Métodos: Análise da ficha de registo do teste e resultados laboratoriais. Resultados: Realizados 399 testes a 318 indivíduos. 59,4% são do sexo masculino. Têm idades entre 23 dias e 74,4 anos, sendo 82,4% menores de 18 anos. Em 55% dos testes de crianças, o motivo de realização foi broncospasmo, em 1/5 associado a má evolução ponderal. O motivo foi má evolução ponderal em 15%, sendo menos frequentes bronquectasias, tosse crónica, pansinusite, diarreia e prolapso rectal. Em 5,26% das amostras não foi possível a avaliação da condutância, o que diminuiu com aquisição de experiência. Esta foi determinada em 375 testes, com valor superior a 90mmol/L em 13 testes a 9 indivíduos, tendo em 5 sido excluído o diagnóstico pelo valor de cloretos. De acordo com o recomendado no equipamento, considerou-se 70mmol/L o limite superior do normal, e nos indivíduos com valores superiores foi repetido o teste e determinada a concentração de cloretos e/ou perfil genético. resumo dos posters S 224 XXII reunião do hospital de crianças maria pia Desde Novembro de 2006 foi feito doseamento de cloretos em 180 testes. Houve 8 testes positivos de 5 indivíduos, 2 dos quais crianças, irmãos, com mutações identificadas. Nos testes com valor acima de 40mmol/L foi feita repetição e/ ou estudo genético. Os valores de condutância e cloretos são significativamente diferentes, com boa correlação linear, tal como esperado. Classificando os valores em normal, limite ou alterado, vemos que com condutância abaixo de 50mmol/L todos os cloretos são normais. Sendo até 70mmol/L, temos 4 doseamentos entre 40 e 60mmol/L. Conclusão: Os resultados mostram boa fiabilidade da técnica e apoiam o uso da condutância como método de rastreio, a confirmar por doseamento de cloretos se superior a 50mmol/L, coincidindo com as recomendações actuais. O INIMIGO SILENCIOSO Joana Amorim1, Rita Jorge1, Lúcia Gomes1, Paulo Guimarães1 1 Serviço de Pediatria, CHEDVouga Introdução: Os Acidentes Vasculares Cerebrais (AVC) em idade pediátrica têm aumentado, devido à utilização de métodos de neuroimagem mais sensíveis e específicos e à maior sobrevivência de doentes de risco, com incidência actual de 3 a 8 por 100.000 crianças por ano. As diferenças entre os adultos e crianças dificultam muitas vezes o reconhecimento e tratamento desta situação. Em 25% das crianças com AVC de tipo embólico, as cardiopatias congénitas são a causa. Caso clínico: Criança do sexo masculino com 10 anos de idade, que recorreu ao Serviço de Urgência (SU) após episódio de vertigem, com perda de força muscular dos membros inferiores (MI), predominantemente à esquerda, que motivou queda para o lado homolateral, associada a afasia e posteriormente a disartria. Sem perda de consciência ou outros sintomas. Dos antecedentes destacam-se insuficiência mitral e tricúspide e coartação da aorta diagnosticadas aos 6 anos de idade, com correcção cirúrgica desta última um ano depois. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Do exame físico à admissão no SU, de referir pontuação de 15 na Escala de Coma de Glasgow, assimetria da face, com desvio da comissura labial para a direita, ligeira ptose da pálpebra direita, dificuldade de encerramento do olho direito e dificuldade na coordenação. Este quadro clínico reverteu totalmente cerca de 4 horas depois. Foram efectuadas Tomografia Computorizada (TAC) Crânio-Encefálica (sem alterações) e Angio-RMN cerebral onde foram detectadas lesões isquémicas agudas fronto-opercular e lenticular posterior direitas, com múltiplas lesões isquémicas antigas. Procedeu-se à transferência da criança para um hospital central onde se detectaram episódios de taquicardia não sintomáticos, tendo realizado electrocardiograma (ritmo auricular ectópico com frequentes extrassístoles juncionais) e ecocardiograma (auriculas muito dilatadas, insuficiência mitral e aórtica mínimas, sem trombos intracardíacos). Iniciou tratamento anticoagulante com varfarina, estando actualmente assintomático e sem sequelas neurológicas. Conclusão: Com este caso clínico pretendemos salientar que apesar da enorme extensão das lesões isquémicas, a criança recuperou espontaneamente e num curto período de tempo. Sendo assim, alertamos para a máxima importância da história clínica e do exame físico que nos incitaram a investigar o caso, apesar das alterações ao exame físico terem sido transitórias e da TAC Crânio-Encefálica não revelar alterações. HEMORRAGIA SUPRA-RENAL BILATERAL NO RECÉM-NASCIDO UM ACHADO OCASIONAL... Janine Coelho1, Ana Novo1, Cecília Martins1, Clara Vieira1, Soraia Tomé1, Isilda Fernandes1, Susana Gama de Sousa1 1 S. Pediatria, CHMA, V. N. de Famalicão Introdução: A hemorragia supra-renal (HSR) é a uma entidade relativamente comum no recém-nascido. Ocorre mais frequentemente à direita sendo em 10% dos casos bilateral. Associa-se a parto traumático, hipóxia, sépsis, coagulopatia ou tumor. A apresentação clínica varia desde o estado assintomático, sendo o diagnóstico um achado ocasional, a quadro clínico exuberante manifestado por choque, anemia, distensão abdominal. Mais raramente manifesta-se por insuficiência adrenal. Na HSR não complicada o tratamento é conservador, uma vez que esta condição é geralmente auto-limitada. Caso clínico: Recém-nascido do sexo masculino, internado na Unidade Neonatologia aos 3 dias de vida por suspeita de sépsis e icterícia. Gestação sem intercorrências, parto eutócico às 39 semanas, índice de apgar 9/10 e somatometria adequada à idade gestacional. Ao exame objectivo, a destacar discreta hipotonia global e icterícia da pele e mucosas. Analiticamente apresentava hemograma, glicose, função renal e ionograma normais, sedimento urinário com 28 leucócitos/campo, PCR de 7.88 mg/ dl e bilirrubina total de 22.74 mg/dl. Por suspeita inicial de infecção urinária realizou ecografia abdominal e renovesical onde apresentava glândula supra-renal com imagem cística complexa de 3.6 cm à direita e imagem cística simples de 3,9 cm à esquerda. Realizada Ressonância Magnética com contraste que confirmou tratar-se de HSR bilateral. A hemocultura, urocultura, exame bacteriológico LCR foram estéreis. O doseamento da ACTH, renina e aldosterona estava elevado. O cortisol sérico, a pesquisa de catecolaminas urinárias e o estudo da coagulação foram normais. Cumpriu 10 dias de antibioticoterapia e 3 dias de fototerapia. O recém-nascido manteve-se sempre assintomático com evolução clínica favorável.A ecografia abdominal após um mês da alta hospitalar revelou diminuição do tamanho das glândulas supra-renais que apresentam aspecto heterogéneo compatível com alterações sequelares. Conclusão: Os autores apresentam um caso de HSR bilateral que surge como achado ecográfico em contexto de sépsis clínica. A insuficiência supra-renal, apesar de rara, terá sempre de ser considerada nos casos de HSR bilateral, o que poderá levar a um diagnóstico precoce e aumento da sobrevida. Os autores salientam a necessidade de seguimento ecográfico, que permite o diagnóstico diferencial de HSR com outras patologias, nomeadamente o neuroblastoma, possibilitando uma atitude expectante. PSIQUIÁTRICO, ADITIVO OU ORGÂNICO: UM DESAFIO NOS ADOLESCENTES Maria Inês Monteiro1, Hans Peter Grebe2, Augusto C Ferreira2, Lúcia Gomes1, Miguel Costa1 1 2 S. Pediatria, CHEDVouga, HSSebastião S. Neurologia, CHEDVouga, HSSebastião Introdução: Adolescentes com alterações do comportamento são um problema crescente na Pediatria. Intoxicação, drogas e outros comportamentos aditivos estão no topo de lista do diagnóstico diferencial nesta faixa etária. Poderá isto bloquear um pensamento clínico completo? O diagnóstico diferencial é o grande desafio, devendo manter-se o alerta para todas as hipóteses. Caso clínico: Adolescente de 16 anos, saudável. Admitido no SU com quadro de poucas horas de evolução de apatia, desorientação, parestesias no membro inferior direito, trémulo dos membros superiores, noção de alteração da personalidade, desajuste comportamental e défice de concentração. Sem história de trauma, consumos de drogas/ álcool ou intoxicação medicamentosa, referencia apenas infecção respiratória ligeira e auto-limitada das vias aéreas superiores, na semana anterior. No SU o exame neurológico demonstrava um doente vigil, confuso, com aparente afasia sensitiva, que iniciou quadro alucinatório, com desadequação comportamental, verborreia e agressividade, semelhante a episódio psicótico, tendo sido necessária a administração de diazepam e haloperidol. Exame motor e sensorial normal, sem sinais meníngeos, apirético, TA e glicemia normal. Rx tórax, TAC-CE e RMN cerebral normais. O EEG na admissão demonstrou disfunção do hemisfério esquerdo. Excluiu-se etiologia tóxica ou psiquiátrica, e os tóxicos na urina foram ausentes. LCR com 198 células/ul, predomínio de mononucleares, proteinorraquia resumo dos posters XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 225 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 e glicorraquia normais. Iniciou terapêutica empírica com aciclovir e ceftriaxone. O líquor revelou-se amicrobiano, antigénios capsulares e virulogia negativos e PCR para M.Pneumonia positiva. O doente melhorou e o estado confusional teve total regressão. EEG de controlo com características normais. Conclusão: O M. Pneumonia é um patogénio respiratório, com complicações extra-pulmonares raras, sendo as centrais as mais frequentes. A patogénese destas manifestações é desconhecida, o que dificulta a atitude terapêutica. O prognóstico da doença é variável, uma vez que a encefalite é uma condição aguda complexa potencialmente devastadora. Este caso realça a dificuldade de avaliação/observação e de vigilância de adolescentes com desajustes comportamentais semelhantes aos adultos na unidade de OBS/SU - Pediatria. Como gerir estas unidades, no sentido de evitar o choque de gerações agora existente na Pediatria, o contraste de patologias, e tão simplesmente a quebra da tranquilidade nestes locais, é um novo desafio. “INTENSIDADES” PEDIÁTRICAS ... A PROPÓSITO DO SINDROMA DE EDWARDS Ana Filipe Almeida1, Joana Macedo1, Carla Meireles1, Cláudia Neto1, Maria José Costeira2, Ana Luísa Lobo1 1 2 Serviço de Pediatria, CHAlto Ave Unidade de Neonatologia, CHAlto Ave Introdução: A trissomia 18 ou Síndroma de Edwards é a segunda trissomia mais frequente entre os nados-vivos. Cursa com prognóstico muito reservado: 95% dos casos são inviáveis e a sobrevida média é de 14,5 dias. Caracteriza-se por atraso grave do crescimento e do desenvolvimento, malformações crânio-faciais, esqueléticas, cardio-pulmonares, gastrointestinais e genitourinárias. Os cuidados médicos são de suporte, tendo como objectivo último o bem-estar da criança. É fundamental envolver os pais, através de informação esclarecida, nas implicações e prognóstico da doença, neste aproximar do fim da vida. Caso clínico: Recém-nascida de termo, fruto de gestação vigiada, com diagnóstico pré-natal de artéria umbilical única e restrição de crescimento intra-uterino (RCIU) às 30 semanas. Nascida por cesariana electiva, com necessidade de oxigenação por Ambu®, por apresentar bradicardia e apneia. A persistência do quadro clínico implicou a admissão na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais com os diagnósticos de RCIU, baixo peso ao nascimento, dismorfia facial (microftalmia, fendas oblíquas, epicanto; baixa implantação do cabelo e das orelhas, microrrectrognatia e achatamento da base nasal), hipotonia global, clinodactilia dos segundos dedos das mãos, polegares e hálux em mola, pectus escavatum e fosseta sagrada. O estudo efectuado mostrou cariótipo com 47XX, + 18. Ecocardiograma com comunicação interauricular e interventricular, persistência do canal arterial e foramen oval, pelo que foi instituída terapêutica diurética. Por apresentar convulsões iniciou fenobarbital. Alimentada através de sonda nasogástrica por débil reflexo de sucção, aguardando estabilização clínica para colocação de gastrostomia. O quadro clínico agravou-se com insuficiência cardíaca (fracção de ejecção de 35% e hipertensão pulmonar) e descompensação da epilepsia (convulsões frequentes e refractárias à terapêutica). Efectuada opimização terapêutica previamente instituída, sem resposta favorável. Iniciadas então medidas de suporte e conforto com oxigenoterapia, analgesia e aspiração secreções. Faleceu 4 horas depois, em quarto particular, junto dos pais. Conclusão: Quadros clínicos limitadores da vida impõe-nos a reflexão sobre o sentido da nossa intervenção terapêutica que, como aqui, pode vestir uma intensidade paliativa, brindando a criança e a sua família com um distintivo cuidar humano. Exercita-se a boa prática médica, denega-se a obstinação e cumpre-se o respeito pela vida. resumo dos posters S 226 XXII reunião do hospital de crianças maria pia SÍNDROME DE ALAGILLE: UMA CAUSA DE COLESTASE NEONATAL E CARDIOPATIA CONGÉNITA Helena M. Silva1, Teresa Caldeira2, Teresa Andrade2, Cristina Rocha2, Ramon Vizcaíno3, Marília Loureiro1, Ermelinda Santos Silva1 CHPorto, HCMPia CHEDVouga, HSSebastião 3 CHPorto, HSAntónio 1 2 Introdução: A Síndrome de Alagille (SA) é uma síndrome multissistémica complexa, rara, de transmissão AD, com penetração fenotípica variável,envolvendo o fácies (fronte proeminente, mento triangular), fígado (colestase, hipoplasia biliar intrahepática), coração (estenose pulmonar, tetralogia de Fallot), olhos (embriotoxon posterior) e esqueleto (vértebras em asa de borboleta). Tem morbilidade importante, e uma taxa de mortalidade de ~10%. Caso clínico: Recém-nascido de sexo feminino, gestação de termo, primeira filha de pais jovens, saudáveis, não consanguíneos. Serologias maternas negativas. Parto eutócico hospitalar, Apgar 5´-10, somatometria AIG. Aleitamento materno exclusivo com boa tolerância. Internada em D2 por icterícia colestática (BD 2,65 mg/dl, GGT 612 UI/L). Fácies peculiar. Saturação O2 (aa) = 98%. Sopro sistólico grau III/VI audível em todo o précordio. Sem organomegalias palpáveis. Exame oftalmológico normal. Funções de síntese hepática preservadas. Marcadores de infecção bacteriana e culturas de sangue e urina negativos. Alfa-1-antitripsina sérica normal. Ecocardiograma: estenose infundibular e da válvula pulmonar. Colestase de agravamento progressivo (BD 9,55 mg/dl, GGT 1131 UI/L), com acolia fecal a partir de D10. Iniciou tratamento com ácido ursodesoxicólico e foi transferida para o Hospital Maria Pia. Na admissão: BT 12,15 mg/dl, BD 11,70 mg/dl, TGO 261 UI/L, TGP 180 UI/L, GGT 1008 UI/L. Ecografia abdominal: fígado de dimensões normais e ecoestrutura homogénea, vesícula biliar de dimensões reduzidas; vias biliares não dilatadas. Ecocardiograma: tetralogia de Fallot com prováveis colaterais sistémico-pulmonares. Em D30,e dada a persistência de acolia fecal, foi efectuada NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 colangiografia per-operatória que excluiu o diagnóstico de atrésia das vias biliares extrahepáticas (AVBEH), e confirmou a presença de vesícula biliar atrófica e hipoplasia das vias biliares intrahepáticas. A histologia hepática não mostrou critérios de ductopenia. O estudo molecular viria a revelar-se positivo para a mutação no gene JAG1. Conclusão: o caso descrito apresenta actualmente três critérios clínicos major para SA: fácies peculiar, cardiopatia, e doença hepática. Apesar de a clínica ser muito sugestiva do diagnóstico, a acolia fecal persistente nesta faixa etária tornou obrigatória a exclusão da AVBEH (que pode ocorrer em concomitância com a SA). Salientamos o facto de antes dos 4-6 meses de idade a biópsia hepática nem sempre demonstrar a ductopenia característica. O estudo molecular permite confirmar o diagnóstico, e em 89% dos casos é positivo para a mutação JAG1. Resultados: Foi realizada SB em 85 doentes (38%masc; 62%fem). Exclusão de 35 casos por ausência de dados com 3 recorrências nos restantes. GSP foi A em 26 casos (55,3%); B em 15 casos (31,9%); C em 3 casos (6,4%) e D noutros 3 casos (6,4%). A observação médica realizou-se maioritariamente uma semana após a cirurgia. Registaram-se complicações pós-operatórias em 4 % dos casos, as quais foram minor. Conclusões: Os resultados obtidos foram essencialmente subjectivos uma vez que não foi possível quantificar exactamente o drooling pré e pós operatoriamente. No entanto, SB revelou ser um procedimento fácil e seguro como demonstra a baixa taxa de complicações. É ainda eficaz: apenas 3 recorrências com 87,2% dos casos com GSP A e B significando que, no mínimo, ocorreu uma melhoria de 50% do drooling na grande maioria dos casos. DROOLING EM CRIANÇAS NEUROLOGICAMENTE COMPROMETIDAS Angélica Osório1,João Moreira-Pinto1, Joana Pereira1, Catarina Sousa1, J. A. Ferreira de Sousa1, J. A. Cidade-Rodrigues1, Luísa Oliveira1 SÍNDROME DE ABSTINÊNCIA NEONATAL – CASUÍSTICA DE UM SERVIÇO DE PEDIATRIA DE UM HOSPITAL DE NÍVEL III, DE 2007 A 2009 Liliana Franco1, Duarte Malveiro1, Mónica Marçal1, Alexandra Costa1 1 1 S. Pediatria, HSFXavier, CHLOcidental S. Cirurgia Pediátrica, CHPorto, HMPia Objectivo: Avaliar a eficácia da Submandibulectomia Bilateral (SB) quanto ao grau de satisfação dos pais (GSP), complicações e recorrência do drooling em crianças neurologicamente comprometidas (NC). Métodos: Estudo retrospectivo incluindo todas as crianças NC e drooling submetidas a SB no nosso Serviço (Janeiro 1996 - Novembro 2008). O GSP foi avaliado em 4 classes: A: 100-75% de satisfação / ausência de drooling - drooling infrequente, pequena quantidade; B: 75-50% de satisfação / drooling infrequente, pequena quantidade - drooling ocasional, intermitente todo o dia; C: 50-25% de satisfação / drooling ocasional, intermitente todo o dia - drooling frequente, mas não profuso; D: 25-0% de satisfação / drooling frequente, mas não profuso - drooling constante, sempre molhado. Introdução: A toxicodependência é uma doença crónica que atinge cada vez mais mulheres em idade fértil. A Síndrome de Abstinência Neonatal (SAN) define-se como o quadro clínico que os recém-nascidos (RN) manifestam ao nascer, após terem sido expostos in utero a diversas substâncias consumidas pela mãe e se terem tornado dependentes. Em Portugal, os dados sobre SAN são insuficientes. Globalmente, estima-se que a incidência de recém-nascidos expostos a drogas ilícitas seja de 3 a 50%, com taxas mais elevadas nos grandes centros urbanos. Objectivos: Conhecer a prevalência de SAN num Hospital Central de Lisboa, e avaliar: regularidade da vigilância das gestações, idade do RN aquando do início do quadro, terapêutica utilizada e duração do internamento no Serviço de Pediatria. Material e métodos: Revisão casuística dos casos de RN que desenvolveram SAN, internados no Serviço de Pediatria do referido hospital de 1 de Janeiro de 2007 a 31 de Dezembro de 2009. Resultados: No período estudado registaram-se 13 casos de SAN, num total de 8.879 RN no mesmo período (0,15%). Quarenta e seis por cento das gestações foram regularmente vigiadas. Associou-se a infecção pelo vírus da Hepatite B ou C em 8 grávidas (62%). Em nenhum caso houve infecção VIH associada. Quando as mães consumiram heroína 3 dos RN (60%) apresentaram sintomas de privação nas primeiras 48 horas, enquanto no caso de consumo de metadona 6 dos RN (75%) iniciaram sintomas a partir das 72 horas de vida. A metadona foi a principal substância utilizada no tratamento farmacológico da SAN, em 7 dos RN (54%). Um dos RN não necessitou de qualquer terapêutica farmacológica. A média de dias de terapêutica foi de 31 dias (mediana de 25 dias), com um número médio de 35 dias de internamento (mediana de 27 dias). Conclusões: A vigilância da gravidez de mulheres toxicodependentes está ainda muito aquém do que seria desejável, sendo frequente a associação com doenças infecciosas, nomeadamente Hepatite B e C. Após o nascimento, é fundamental manter o RN sob vigilância, pois a grande maioria desenvolve quadros de abstinência nos primeiros dias de vida. Os períodos de internamento são geralmente prolongados, com um impacto substancial na dinâmica dos Serviços. HEPATITE COLESTÁTICA – MANIFESTAÇÃO RARA DE UMA DOENÇA COMUM Sofia Ferreira1, Rita Jorge1, Lúcia Gomes1, Miguel Costa1, Cristina Rocha1 1 S. Pediatria, CHEDVouga, HSSebastião Introdução: A mononucleose infecciosa é comum em adolescentes, sendo o vírus Epstein-Barr o agente etiológico mais frequente. O espectro clínico é vasto, ocorrendo hepatite em até 92% dos casos. A colestase é rara, e o seu mecanismo não está totalmente esclarecido. resumo dos posters XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 227 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Caso clínico: Adolescente de 16 anos, sexo feminino. Antecedentes pessoais e familiares irrelevantes. Quadro clínico com 2 semanas de evolução de febre, odinofagia, adenopatias, posteriormente associado a astenia, rash cutâneo, icterícia, hipocolia e colúria. Clinicamente apresentava razoável aspecto geral, icterícia, rash cutâneo, exsudado amigdalino, adenopatias cervicais, hepatoesplenomegalia e ascite. O estudo analítico inicial mostrou: leucocitose com linfocitose (12% de linfócitos atípicos), trombocitopenia, hiperbilirrubinemia com predomínio de bilirrubina directa, elevação de AST, ALT, gama GT, fosfatase alcalina e diminuição da albumina. PCR e VS negativas. Estudo da coagulação sem alterações. A Ecografia abdominal revelou hepatoesplenomegalia homogénea, ascite moderada e múltiplas adenopatias retroperitoneais, sem alterações vesiculares. Foi colocada como 1ª hipótese mononucleose infecciosa, tendo sido consideradas como menos prováveis outras etiologias infecciosas, autoimune (idade e sexo), défice de alfa-1-antitripsina (AAT) e D. Wilson. Internada para vigilância, fluidoterapia EV e suplementação com vitaminas lipossolúveis. Evolução clínica e analítica favorável com apirexia em D13 de internamento; anictérica sem colestase desde D12. Alta em D14, mantendo ligeira hepatoesplenomegalia e enzimas hepáticas em diminuição. Os resultados analíticos confirmaram a 1ª hipótese evocada: Monoteste positivo. Serologias EBV VCA IgM e IgG positivas, EBNA IgG negativa. CMV IgG e IgM positivas (IgM negativo 12 dias depois). Serologias negativas para Toxoplasmose, HAV, HBV e HCV. Estudo imunológico, ceruloplasmina e AAT normais. Após 5 meses de seguimento mantém-se clínica e analiticamente bem. Conclusão: O reconhecimento desta apresentação rara de uma doença comum e o diagnóstico serológico precoce, podem evitar uma investigação mais invasiva e dispendiosa. BETA TALASSEMIA MINOR Patrícia Nascimento1, Emília Costa1, Elisabete Machado1, José Barbot1 1 U. Hematologia, S. Pediatria, CHP, HMPia Introdução: A beta talassemia é uma doença hereditária caracterizada por um comprometimento quantitativo das cadeias beta da hemoglobina, resultando em quadros clínicos de gravidade variável. Quando em heterozigotia- beta talassemia minor (BTM)- a taxa de síntese das cadeias beta está apenas levemente diminuída mas o suficiente para causar discreto grau de anemia e sobretudo microcitose e hipocromia. Esta situação é susceptível de diagnóstico incorrecto de anemia ferripriva, com consequentes tratamentos não adequados. Objectivos: Avaliar a acuidade diagnóstica para a BTM. Material e métodos: Estudo prospectivo dos casos de BTM referenciados à consulta de hematologia pediátrica entre 1 Junho de 2003 a 30 de Junho de 2010. Resultados: Foram incluídas 54 crianças, com idade média ao diagnóstico de 5,68 anos. Em 17 crianças (31,5%) havia história familiar de BTM. Nas restantes 37 (68,5%) tratou-se do primeiro diagnóstico na família. De referir que dentro deste grupo em 24 casos (64,9%) existia referência a familiares com anemia cujo diagnóstico era desconhecido. O número de crianças enviadas por médico de família ou por pediatra assistente foi semelhante (17 e 21 respectivamente). O intervalo médio entre o primeiro hemograma efectuado e a data do diagnóstico foi de 2,17 anos, com um número médio de hemogramas efectuado neste período de 4,4. 27 (50%) foram submetidas a tratamento com ferro oral antes do diagnóstico e 9 (16.7%) apresentavam um valor de ferritina superior a +2 desvios padrões (DP) para a idade. Conclusões: A evolução da acuidade diagnóstica para a BTM é de avaliação difícil dado a ausência de estudos prévios. No entanto, um intervalo médio de 2,17 anos entre a primeira observação de alterações hematológicas e a identificação de BTM parece-nos ainda reflectir algum défice de acuidade diagnóstica. Apesar resumo dos posters S 228 XXII reunião do hospital de crianças maria pia disso é nossa convicção que a BTM é, nos dias de hoje, uma entidade cada vez mais evocada no diagnóstico diferencial de situações de microcitose/hipocromia. O facto de 16,5% das crianças apresentarem doseamentos de ferritina sérica superior a +2DP para a idade poderá ter algum significado. Teoricamente será legítimo questionar se, a perpetuar-se a ausência de diagnóstico, estas crianças poderiam correr o risco de sobrecarga iatrogénica de ferro a longo prazo. SABER OUVIR QUEM NÃO SABE COMUNICAR: A PROPÓSITO DE UM CASO CLÍNICO Mariana Pinto1, Joana Monteiro1, Ana Luísa Pinto2, Arménia Oliveira1, Lúcia Gomes1, Miguel Costa1, Virgínia Monteiro1, Cristina Rocha1 1 2 S. Pediatria/Neonatologia, CHEDVouga, HSSebastião S. Psiquiatria, CHEDVouga, HSSebastião Introdução: A maioria dos casos de anemia em idade pediátrica são secundários ao défice de ferro. O regime alimentar, crescimento/desenvolvimento, doença crónica ou perda hemorrágica são determinantes na sua etiologia. Nas crianças portadoras de Perturbação do Espectro Autista (PEA), as alterações de comportamento e os hábitos alimentares peculiares propiciam a sua ocorrência. Por outro lado, as manifestações clínicas atípicas, decorrentes de alterações no processamento sensorial e na resposta à dor podem interferir no diagnóstico. Caso clínico: Adolescente, sexo masculino, 13 anos, trazido ao SU por cansaço, anorexia e dor abdominal difusa com uma semana de evolução. Sem referência a vómitos, alterações do trânsito intestinal ou perdas hemáticas visíveis. O exame objectivo revelava palidez cutâneo-mucosa, desconforto à palpação epigástrica/periumbilical, com restante exame normal. Nos antecedentes salienta-se prematuridade (32 semanas), refluxo gastro-esofágico, anemia ferropénica nos primeiros meses de vida e diagnóstico de PEA com défice cognitivo. Nos antecedentes sociofamiliares, era filho de mãe NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 adolescente com compromisso cognitivo, o que motivou institucionalização da criança aos 4 meses e adopção em idade escolar. Posteriormente surgiu informação de que o cansaço/adinamia teriam uma evolução mais arrastada e que haveria uma perda de peso não quantificada nem valorizada até então. Os exames efectuados demonstraram uma anemia (Hb 6,9g/dL) normocítica normocrómica, ferropenia e pesquisa de sangue oculto nas fezes positivo. Realizou endoscopia digestiva alta que revelou gastrite hemorrágica e erosões duodenais. A biópsia gástrica confirmou a presença de lesões de gastrite crónica superficial, associadas a microorganismos de tipo Helicobacter pylori(Hp). O adolescente permaneceu sempre hemodinamicamente estável. Efectuou tratamento com ferro, inibidor da bomba de protões e antibioterapia, com evolução favorável. Discussão: Apesar da história natural da infecção por Hp em idade pediátrica não estar totalmente esclarecida, a evolução para gastrite crónica activa de predomínio antral associada a anemia ferropénica é frequente. No adolescente em questão, a patologia pedopsiquiátrica de base pode ter sido um agente facilitador na evolução da doença, levando a um diagnóstico mais tardio. As patologias do foro gastroenterológico são frequentes nas crianças com PEA, pelo que se torna necessário dar mais atenção às suas manifestações clínicas, muitas vezes atípicas. AVALIAÇÃO DO CONTROLO E DA QUALIDADE DE VIDA EM ADOLESCENTES ASMÁTICOS Gisela Silva1, Mónica Tavares1, Leonor Cunha2, Eva R. Gomes2, Helena Falcão2 1 2 S. Pediatria Médica, CHPorto S. Imunoalergologia Pediátrica, CHPorto Introdução: A asma é uma doença crónica em que estão preconizados diversos instrumentos que permitem a sua avaliação e que têm em consideração não apenas a terapêutica, mas também a percepção do próprio paciente. Objectivo: Avaliação do grau de controlo e qualidade de vida (QV) dos adolescentes asmáticos numa amostra de doentes seguidos na consulta de um Hospital de Cuidados Terciários. População e métodos: Aplicação do questionário PAQLQ (S) (Questionário de qualidade de vida na asma pediátrica com actividades padronizadas) e CARAT 10 (Teste de controlo da asma e rinite alérgica) em adolescentes com idade superior a 11 anos de idade com o diagnóstico de asma, seguidos na Consulta de Imunoalergologia Pediátrica, durante o período de 1 de Agosto a 15 de Outubro de 2010. O tratamento estatístico foi feito com aplicação do suporte informático SPSS 16.0, considerando-se um valor com significância estatística Þ<0,05. Resultados: Foram preenchidos 46 questionários (52,2% do sexo masculino). A média de idades dos doentes foi de 14,61 (12-19 anos). A maioria dos participantes têm formas persistentes de asma (classificação GINA-78,3% persistente ligeira e 10,9% persistente moderada) e necessitam de medicação crónica diária. A média total de pontuações no PAQLQ(S) foi de 6,26 com desvio padrão (DP) de 0,98, para um valor máximo de 7. A média de pontuação no domínio dos sintomas, actividades e emoções do PAQLQ foi de 6,28; 5,8; 6,55 e DP de 1,06; 1,26 e 0,91, respectivamente. Por aplicação do CARAT 10 verificou-se que 64,7% (n=31) dos doentes se encontravam bem controlados ( =16 pontos) e em 32,6% da amostra (n=15) o controlo da doença não estava optimizado. No grupo dos doentes bem controlados a média no PAQLQ(S) foi de 6,54 e nos mal controlados de 5,05, com diferença estatisticamente significativa (Þ=0,01,Teste Welsh). No grupo de doentes com formas persistentes moderadas 4/5 estão mal controlados (Þ=0,02,Teste Qui-Quadrado) e a média do PAQLQ(S) foi de 4,75 (Þ=0,02,Teste One-way Anova). Conclusões: A maioria dos doentes têm asma controlada e não parece afectar a sua qualidade de vida. Contudo, os que têm formas persistentes moderadas apresentam pior controlo da doença e pior qualidade de vida. Globalmente, o domínio da QV mais afectado é o das actividades. O uso destes questionários na avaliação de adolescentes asmáticos é muito útil e tem como vantagem a sua rápida aplicação e interpretação. AVALIAÇÃO DA MATURIDADE INTELECTUAL DE CRIANÇAS NUM CENTRO DE SAÚDE URBANO Alexandre Fernandes1, Filipa Flor de Lima1, Brígida Amaral1, Carla Rocha1, Cristiana Couto1, Joana Rebelo1, Teresa Campos1, Vanessa Mendonça1, Fátima Pinto1 1 USACunha, URAP Pediatria, CSPOcidental Introdução: A capacidade de perceber, abstrair e generalizar predominam na actividade intelectual e a capacidade de desenho da figura humana relaciona-se com o desenvolvimento cognitivo nas crianças. À medida que as competências cognitivas evoluem, a habilidade no desenho também progride com um aperfeiçoamento nos detalhes. O Teste do Desenho da Figura Humana (TDFH) de Goodenough é frequentemente utilizado na avaliação cognitiva e do desenvolvimento infantil, tornando-se importante na avaliação não verbal da maturidade mental. Objectivos: Avaliação da maturidade intelectual de crianças em idade pré-escolar. Material e métodos: Estudo transversal realizado entre Maio e Agosto de 2010 através da aplicação do TDFH de Goodenough. Foram seleccionadas aleatoriamente crianças nascidas entre 1 de Junho de 2005 e 30 de Junho de 2006, inscritas num Centro de Saúde urbano. Foram analisados dados sócio-económico-demográficos (escala do Censuses and Surveys), antecedentes pessoais e familiares, desempenho no TDFH. As crianças que apresentaram resultados inferiores à média ou com desenhos não classificáveis foram reavaliadas com a escala Schedule of Growing Skills II (SGS). A análise estatística foi efectuada através do programa SPSS® v.18 (teste qui-quadrado e teste exacto de Fisher), nível de significância 0,05. resumo dos posters XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 229 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Resultados: Foram contactadas 112 crianças e 62 (55.4%) foram incluídas no estudo. 35 (56,5%) eram do sexo masculino, média de idades 55 meses (±4,3). O valor de QI mediano foi de 113 (79-168). Cinco crianças (8%) obtiveram resultado abaixo da média, 22 (35.5%) médio e 33 (53.2%) superior à média. Duas crianças (3,3%) realizaram um desenho não identificável. O QI foi menor em crianças que apresentaram factores de risco ambiental (p=0,032). Foram reavaliadas com SGS 7 crianças (11,3%): 3 apresentaram uma área de desempenho com 2 desvio-padrão (DP) abaixo do esperado para a idade, 2 apresentaram pelo menos uma área com 1 DP abaixo do esperado para idade e 2 tiveram resultados normativos. As áreas com pior desempenho foram a manipulação em 5 crianças (71.4%), cognição em 3 (42.9%) e interacção social em 2 (28.6%). Conclusões: A maioria apresentou resultados médios no TDFH e 8% apresentaram resultados inferiores. Os autores salientam que o TDFH de Goodenough é um instrumento útil na avaliação da maturidade intelectual das crianças que, usado em combinação com outros testes de rastreio, permite a avaliação do desenvolvimento cognitivo das crianças. A CONSULTA DE GINECOLOGIA PEDIÁTRICA E DA ADOLESCÊNCIA NA MATERNIDADE JÚLIO DINIS Inês Vaz1, Vânia Ferreira1, Sandra V. Soares1, Eugénia Fernandes1, Teresa Oliveira1, José Cidade Rodrigues2 1 2 S. Ginecologia e Obstetrícia, CHP, MJDinis S. Cirurgia Pediátrica, CHPorto, HMPia Introdução: A consulta de Ginecologia Pediátrica e da Adolescência (GPA) iniciou-se na Maternidade de Júlio Dinis (MJD) em Abril de 2007. Foi criada com o objectivo de desenvolver uma área dedicada ao estudo da patologia ginecológica geral das crianças e adolescentes, bem como acompanhar crianças com malformações genitais, alterações do desenvolvimento sexual ou doenças sistémicas com envolvimento ginecológico. Esta é uma área médica multidisciplinar que integra conhecimentos de diversas especialidades como a pediatria, endocrinologia, ginecologia, cirurgia pediátrica, pedopsiquiatria, genética, entre outras. Apresenta a particularidade de ser realizada num espaço adaptado à idade, com tempo de consulta apropriado e apoio de outras especialidades. Conta actualmente com a colaboração de duas médicas especialistas e uma interna complementar de Ginecologia e Obstetrícia. Inicialmente a consulta tinha um carácter mensal (2 períodos de consulta/mês); actualmente tem uma periodicidade semanal (cerca de 7 períodos de consulta/mês). Objectivos: Reflexão sobre a actividade e casuística da Consulta de GPA na MJD. Material e métodos: Consulta dos processos clínicos das doentes observadas na consulta de GPA Resultados: Desde a sua implementação, foram realizadas 426 consultas de GPA na MJD, das quais 197 primeiras consultas. Foram observadas doentes com idades compreendidas entre os 3 e os 26 anos. Noventa e seis (49%) foram referenciadas por outras consultas do Centro Hospitalar do Porto, nomeadamente da Pediatria, Endocrinologia e Cirurgia Pediátrica, 75 encaminhadas pelos Centros de Saúde e 20 orientadas pelo Serviço de Urgência da MJD. Como motivos de consulta destacam-se as hemorragias genitais, tumefacções anexiais, vulvovaginites, amenorreias, hiperandrogenismo, algias pélvicas, distúrbios do desenvolvimento sexual (intersexo) e malformações genitais congénitas. Conclusões: A GPA é uma área da ginecologia em franco desenvolvimento. Apesar da sua implementação na MJD ser recente e ainda pouco divulgada, os casos clínicos observados justificam por si só a sua existência. No futuro, julga-se importante divulgar, organizar reuniões de grupo, envolvendo diferentes especialidades do Centro Hospitalar do Porto, e desenvolver competências formativas nesta área da Ginecologia. resumo dos posters S 230 XXII reunião do hospital de crianças maria pia SÍNDROME DE TURNER - A VISÃO DO GINECOLOGISTA Vânia Ferreira1; Inês Vaz1; Eugénia Fernandes1; Teresa Oliveira1 1 S. Ginecologia/Obstetrícia, CHP, MJDinis Introdução: O Síndrome de Turner é a anomalia cromossómica ligada ao sexo mais frequente. A sua incidência é de cerca de 1:2500- 1:3000 recém-nascidos do sexo feminino. A disgenesia gonadal é a sua manifestação cardinal, consistindo os ovários numa massa de tecido conjuntivo (streak gonads). A insuficiência ovárica prematura traduz-se habitualmente sob a forma de amenorreia primária ou secundária, associada a infertilidade. A ausência do desenvolvimento pubertário é uma das características mais comuns e em cerca de 90% dos casos é necessário instituir terapêutica hormonal de substituição (THS). Segundo a literatura, os regimes de THS devem ser iniciados entre os 12-13 anos, em doses progressivamente crescentes, preferencialmente administrados por via transdérmica, e mantidos até à menopausa. O progestativo deverá ser iniciado um a dois anos após a introdução dos estrogénios para minimizar o risco de hiperplasia e de carcinoma do endométrio. Caso clínico: Doente de 19 anos, referenciada à consulta de Ginecologia Pediátrica e da Adolescência da MJD por menorragias e sintomatologia vaso-motora. Medicada com estroprogestativo oral desde os 13 anos (Drospirenona 3mg+Etinilestradiol 0,02mg). Diagnóstico de Síndrome de Turner (45,XO) aos 11 anos, no contexto de estudo de baixa estatura. Manteve vigilância no HMP em consultas de especialidade por múltiplas patologias associadas ao síndrome. Objectivamente, apresentava um desenvolvimento pubertário e avaliação estato-ponderal adequados à idade. Analiticamente, ao 3º dia do ciclo, apresentava elevação da FSH (14,3 UI/L) e diminuição do estradiol (<5 UI/L). A densitometria óssea apresentava valores no limite inferior da normalidade. Ecograficamente: útero de pequenas dimensões, endométrio linear; ovário direito não visualizado; ovário esquerdo sem folículos. NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 Suspendeu estroprogestativo em curso e iniciou estrogenoterapia transdérmica contínua (100mcg de 17 ß-estradiol/ dia) e progesterona micronizada (Progesterona 100mg) 10 dias por mês. Na consulta de reavaliação referiu melhoria sintomática. Conclusões: O diagnóstico de Sindrome implica uma vigilância multidisciplinar da mulher nos seus vários estádios de desenvolvimento. Ao ginecologista compete a correcta orientação clínica desde a infância à idade adulta, incluindo indução progressiva da puberdade, abordagem sobre a função sexual e reprodutiva, aconselhamento pré-concepcional e acompanhamento de eventual gravidez. HIPERHIDROSE AXILAR E PALMAR EM ADOLESCENTES Angélica Osório1, João Moreira-Pinto1, Joana Pereira1, Catarina Sousa1, J.A Cidade-Rodrigues1, Fátima Carvalho1 1 S. Cirurgia Pediátrica, CHPorto, HMPia Objectivo: A hiperhidrose axilar e palmar (HAP) corresponde à sudorese excessiva das axilas e palmas das mãos, em quantidades desmesuradamente maiores que as necessárias para a normal termorregulação corporal. Afecta muitos adolescentes e a sua etiologia ainda não foi totalmente esclarecida. A simpaticectomia toracoscópica (ST) é uma opção terapêutica com resultados excelentes mas tem sido associada a sudorese compensatória (SC). O objectivo do nosso estudo é a avaliação da satisfação dos adolescentes e do grau de hiperhidrose pré e pós-operatórios, da SC e da morbilidade cirúrgica. Material e métodos: Estudo prospectivo, incluindo 4 doentes (3?,1?;idade média 17 anos), submetidos a ST bilateral T2-T4. A HAP foi avaliada recorrendo à “Hyperhidrosis Disease Severity Scale”(HDSS-International Hyperhidrosis Society®). Resultados: Pré-operatoriamente, todos os doentes tinham HDSS 4, todos tinham de mudar o vestuário mais de 2 vezes/dia e todos consideraram que a HAP interferia muito com a sua auto- -estima. No 1ºdia pós-operatório, nenhum apresentava HAP. Uma semana depois, 3 referiram SC no tórax/joelhos. Um doente referiu SC gustatória. Na 1ª semana de pós-operatório, HDSS subiu para 2 num doente e para 1 nos outros três. Aos 6 meses e ao 1ºano de pós-operatório, a SC diminuiu em todos os doentes e a HDSS manteve-se no mesmo valor que na 1ª semana de pós-operatório. Não se registaram quaisquer complicações cirúrgicas. Conlusões: A melhoria na HAP/satisfação dos doentes foi imediata, acentuada e mantida ao longo do tempo. Apesar da pequena amostra de doentes, os nossos resultados enfatizam o facto de que a HAP é uma condição dramática para os adolescentes. Porém é facilmente tratada e associa-se a uma SC bastante tolerável, devendo merecer mais atenção em idade pediátrica. LUXAÇÃO CONGÉNITA DO JOELHO: UM CASO Catarina Matos1, Sandra Pereira1, Sara Domingues1, Rui Martins2, Júlio Marinheiro2, Renata de Luca1 1 2 Serviço de Pediatria, CHTâmega e Sousa Serviço de Ortopedia, CHTâmega e Sousa Introdução: A Luxação Congénita do Joelho (LCJ) é uma deformidade rara: 1-1.7/100 000 nascimentos. A sua incidência é de 1% da incidência da Luxação Congénita da Anca (LCA). Surge mais frequentemente no sexo feminino (2-3:1). Descrita pela primeira vez por Chatelaine, em 1822, faz parte do grupo das deformidades de hiperextensão do joelho caracterizando-se por luxação anterior da tíbia em relação ao fémur. Em 60% dos casos associa-se a outras malformações congénitas como LCA, pé equino varo e luxação congénita do cotovelo. A etiologia pode ser explicada por causas intrínsecas (genéticas ou displásicas) ou extrínsecas (mecânicas). O diagnóstico é clínico confirmado pelo exame radiológico. O tratamento deve basear-se no grau de deformidade, na idade da criança e na presença de outras deformidades. O tratamento é conservador e deve ser iniciado o mais precocemente possível, logo após o nascimento, com manobras de redução imediata ou progressiva da luxação. O tratamento cirúrgico deve ser reservado para quando há falência do tratamento conservador ou nas deformidades graves e irredutíveis. Deve ser efectuado antes do início da marcha. Caso clínico: Recém-nascido, sexo feminino, parto às 38 semanas de gestação, por cesariana, por apresentação pélvica, Apgar: 9/10, peso: 2400g, ecografias pré-natais sem alterações, que apresentava ao nascimento joelho esquerdo em hiperextensão com luxação anterior. Sem outras deformidades. Efectuou Rx do joelho esquerdo que confirmou a LCJ. Realizou tratamento correctivo, logo após o nascimento, com manipulação e imobilização do membro com tala gessada, em flexão de 40º. Ao 2ºdia de vida constatou-se joelho estável, sem luxação anterior da tíbia nem instabilidade em valgo, com melhor flexão 70º. Efectuou gesso cruropodálico durante 1 mês com flexão completa após correcção. O seguimento em consulta, inicialmente, de 2-2 semanas e depois 1x/mês até à idade da marcha, não detectou alterações da marcha ou outras deformidades. Após os 12 meses passou a ser observada anualmente. Conclusão: Com este caso os autores pretendem alertar para a raridade desta patologia e importância do seu diagnóstico e tratamento precoces. O tratamento deve iniciar-se precocemente, sempre pelos métodos conservadores, reservando o tratamento cirúrgico apenas para os casos graves e irredutíveis. A intervenção precoce, idealmente logo após o nascimento, altura em que existe maior elasticidade ligamentar, facilita o tratamento e melhora o prognóstico. HÉRNIA DO CORDÃO UMBILICAL Catarina Sousa1, Joana Pereira1, Angélica Osório1, João M. Pinto1, Banquart Leitão1, Maria Luisa Oliveira1, Cidade Rodrigues1 1 Cirurgia Pediátrica, CHPorto, HMPia Caso clínico: Apresenta-se o caso clínico de um prematuro de 36 semanas, do sexo masculino, 1º gémeo de uma gravidez gemelar pós ICSI (bi-bi) resumo dos posters XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 231 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 sem alterações morfológicas nas ecografias pré-natais. Realizada cesariana electiva por discrepância ponderal, restrição de crescimento e apresentação pélvica. Ao nascimento verificada malformação da parede abdominal, tratando-se de uma hérnia do cordão umbilical com cerca de 2,5cm de diâmetro. Ao 1º dia de vida, sob anestesia geral, foi realizada exérese da membrana contendo apenas ansas de intestino delgado. Durante a exploração da cavidade abdominal observou-se a presença de um divertículo de Meckel conjuntamente com uma estenose duodenal condicionando distensão a montante, motivo pelo qual foi realizada enterectomia segmentar com anastomose manual. Em seguida, procedeu-se ao encerramento directo da aponevrose com plastia da região umbilical. Posteriormente foi realizado um estudo detalhado de possíveis malformações associadas, não tendo sido detectadas outras patologias de relevo. A hérnia do cordão umbilical é uma entidade rara, associada a uma falha na embriogénese às 10-12 semanas, não ocorrendo migração completa do intestino para o interior da cavidade peritoneal. Este fica apenas coberto por uma membrana. Habitualmente não se encontra associado a outras anomalias, tendo um bom prognóstico. O onfalocelo é o seu principal diagnóstico diferencial. Conclusão: A particularidade deste caso clínico é de ser uma entidade pouco frequente dentro das malformações da parede abdominal e de habitualmente não estar associada a outras malformações digestivas; por isso, é de realçar a presença de um divertículo de Meckel e de uma estenose duodenal associadas a esta hérnia do cordão umbilical. RECORRÊNCIA DO REFLUXO GASTRO-ESOFÁGICO APÓS FUNDOPLICATURA: EM QUE CRIANÇAS E PORQUÊ? João Moreira-Pinto1,3, Angélica Osório1, José Ferreira de Sousa1, Carlos Enes1, Fernando Pereira2, José Cidade-Rodrigues1 Serviço de Cirurgia Pediátrica, CHPorto S. Gastroenterologia Pediátrica, CHPorto 3 Domínio Ciências Cirúrgicas, IICSV, UMinho 1 2 Objectivo: A fundoplicatura de Nissen é o tratamento padrão da hérnia do hiato e da doença do refluxo gastro-esofágico resistente à terapêutica médica. A sua recorrência (rRGE) é um problema comum. O objectivo deste estudo foi perceber em que doentes a rRGE é mais provável e porquê. Material e métodos: Análise retrospectiva dos processos dos doentes submetidos a fundoplicatura de Nissen entre Fevereiro 2000 e Março 2009, na nossa Instituição. Foram critérios de inclusão no grupo rRGE: re-operação por recorrência do RGE, RGE confirmado por endoscopia alta ou outro exame auxiliar de diagnóstico, reinstituição de terapêutica anti-refluxo por mais de 8 semanas após a cirurgia. Foram comparados os parâmetros: sexo, idade e percentil de peso à data da cirurgia, presença de hérnia do hiato, outras comorbilidades, presença de compromisso neurológico grave, história de convulsões, de medicação pulmonar crónica, de necessidade de O2 e/ou antibióticos cronicamente no período pré-operatório, técnica usada (aberta ou laparoscópica), colocação de gatrostomia simultaneamente. Os resultados foram avaliados usando o teste exacto de Fischer. Resultados: 65 doentes foram submetidos a fundoplicatura de Nissen. Foram incluídos no grupo rRGE 10 doentes (15,4%). 40% Dos rRGE eram no sexo masculino (vs 55,6% no grupo controlo, p=0,287). À data da cirurgia, 40% dos rRGE tinham idade inferior a 6 anos (vs 31,5%, p=0,425). 40% Dos rRGE encontravam-se abaixo do percentil 3 (vs 66,7%, p=0,108). 50% Os doentes no grupo rRGE tinham sido submetidos a cirurgia por hérnia do hiato (vs 44,4%, resumo dos posters S 232 XXII reunião do hospital de crianças maria pia p=0,505). Quanto a comorbilidades, 10% tinha história de atrésia do esófago (vs 5,6%, p=0,502), nenhum tinha doença muscular ou doença cardíaca, 60% tinham compromisso neurológico grave (vs 77,8%, p=0,209), 40% tinha história de convulsões (vs 53,7%, 0,325), 40% fazia medicação pulmonar crónica (vs 33,3%, p=0,471), apenas 1 necessitava de O2 suplementar (vs 9,3%, 0,656) e estava medicado cronicamente com antibióticos no pré-opertório (vs 13%, p=0,635). Do grupo das rRGE, 50% das fundoplicaturas tinham sido feitas por laparoscopia (vs 70,4%, p=0,184) e em 50% foi colocada gastrostomia prévia ou simultaneamente (vs 13%, p=0,015) Conclusões: A rRGE foi maior nos doentes a quem foi colocada gastrostomia prévia ou simultaneamente. Este pode ser um sinal indirecto de um compromisso neurológico mais grave, embora não fosse encontrado significado estatístico para os restantes parâmetros comparados. APENDICECTOMIA LAPAROSCÓPICA – DESCRIÇÃO DO PRIMEIRO ANO DE EXPERIÊNCIA NUM SERVIÇO DE URGÊNCIA PEDIÁTRICO. Joana Pereira1, João Ribeiro Castro1, João Moreira Pinto1, Angélica Osório1 1 CHPorto, HMPia Introdução: A apendicectomia laparoscópica é cada vez mais aceite como o tratamento de escolha da apendicite aguda na criança. O objectivo deste trabalho foi fazer a descrição do primeiro ano de experiência num serviço de urgência pediátrico. Métodos: Todos os doentes submetidos a apendicectomia laparoscópica foram revistos retrospectivamente relativamente a sexo, idade, descrição intra-operatória e anatomopatológica do apêndice, duração da cirurgia, antibioterapia instituída, número de dias até dieta geral, número de dias de internamento e complicações intra e pós-operatórias. Resultados: No período estudado foram propostos 36 doentes para apendicectomia laparoscópica, por dificuldades técnicas houve necessidade de 2 conversões. Dos 34 doentes restantes NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 59% eram do sexo masculino, a idade média foi de 12 anos. 68% das apendicites foram descritas como supuradas e a duração média da cirurgia foi de 51 minutos. Excluindo os casos em que ocorreram complicações o internamento foi em média de 4 dias. Houve necessidade de reintervenção em um caso e em três doentes com apendicite aguda complicada ocorreram abcessos intra-abdominais, que resolveram com medidas conservadoras. Conclusões: A apendicectomia laparoscópica é um procedimento seguro e eficaz no tratamento da apendicite aguda na criança. Relativamente às complicações observadas é de esperar que com a progressão na curva de aprendizagem estas diminuam progressivamente permitindo usufruir de todas as vantagens inerentes às técnicas laparoscópicas. ICTERÍCIA E PREMATURIDADE TARDIA Joana Ramos Pereira1, Cristina Godinho1 1 CHP - UMJDinis Introdução: A prematuridade tardia (PTT) é definida como o nascimento entre as 34+0 e as 36+6 semanas de gestação. Estes recém-nascidos (RN) apresentam muitas vezes somatometria semelhante aos RN de termo, sendo por isso muitas vezes tratados pelos pais, cuidadores e profissionais de saúde como RN de termo, apesar de serem fisiologicamente mais imaturos e apresentarem maior morbilidade e mortalidade. Uma das comorbilidades mais frequentes é a hiperbilirrubinemia, sendo mais grave e mais prolongada neste grupo específico. Objectivo: Avaliar as características dos PTT que apresentaram hiperbilirrubinemia com necessidade de fototerapia, tipo de alimentação, duração do primeiro internamento e reinternamento. Material e métodos: Estudo retrospectivo através da análise dos processos clínicos dos PTT nascidos no ano de 2009 na Maternidade Júlio Dinis - CHP. Resultados: Foram avaliados 190 PTT dos 196 nascidos em 2009; 82% (156) apresentaram hiperbilirrubinemia, 67% com necessidade de fototerapia. 52% eram do sexo masculino; 47% nasceram por cesariana. A idade média materna foi de 29±6 anos e 59% eram primíparas. A maioria (94%) dos RN apresentou peso adequado à idade gestacional ao nascimento. Dos PTT, grandes para idade gestacional (3,8%), 83% apresentaram critérios para fototerapia. De acordo com a idade gestacional verificamos que realizaram fototerapia 87,5% dos PTT com 34 semanas, 72% dos de 35 semanas e 57% dos de 36 semanas. Foram identificados 2 casos de doença hemolítica por incompatibilidade ABO Nos primeiros dias de vida 60% apresentaram dificuldades alimentares e 40%, à data de alta, tinha perdido 7% ou mais do peso ao nascimento. A duração média do primeiro internamento foi de oito dias, mas 9% tiveram alta, antes das 72 horas de vida. O tratamento com fototerapia realizou-se predominantemente ao terceiro (46%) e quarto (53%) dia de vida. Trinta e seis (28,1%) RN foram reinternados por icterícia com necessidade de fototerapia, três deles pela segunda vez e um pela terceira vez. Na primeira consulta, em média efectuada aos 21,5 dias devida, 51% estavam com aleitamento materno exclusivo. Conclusões: A prematuridade tardia é um dos factores de risco para o desenvolvimento de hiperbilirrubinemia grave e kernicterus. Pelas particularidades destes RN, imaturidade do seu sistema enzimático de conjugação e dificuldades alimentares, são mais susceptíveis a desenvolverem hiperbilirrubinemias com valores elevados. A icterícia é mais frequente nos primeiros dias de vida embora tenha um pico mais tardio do que nos RN de termo, pelo que está recomendado um internamento de pelo menos 48h a 72h de vida e uma determinação de bilirrubina à data de alta; É com base neste valor que se faz a previsão da reavalição às 24 ou 48h depois. O apoio ao aleitamento materno durante o internamento e na primeira semana de vida, com vigilância das competências da mãe e do RN (pega e evolução ponderal) são fundamentais para o sucesso do aleitamento materno. Além de evitar o aparecimento de desidratações hipernatrémicas e prevenir o aparecimento de hiperbilirrubinemias graves por défice de aporte. resumo dos posters XXII reunião do hospital de crianças maria pia S 233 PRÉMIO NASCER E CRESCER MELHOR ARTIGO ORIGINAL 2010 A DIRECÇÃO DA REVISTA NASCER E CRESCER E A ASSOCIAÇÃO DO HOSPITAL DE CRIANÇAS MARIA PIA INSTITUÍRAM O PRÉMIO ANUAL PARA A MELHOR ARTIGO ORIGINAL PUBLICADO NA REVISTA. ESTA INICIATIVA VISA PROMOVER E INCENTIVAR A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA NA ÁREA DA PEDIATRIA E PERINATOLOGIA. REGULAMENTO 1. O Prémio será destinado aos autores do melhor Artigo Original publicado em cada ano na revista Nascer e Crescer 2. O Prémio equivalerá a um certificado e a um valor em dinheiro de 1 000,00 € (mil euros), que será entregue ao primeiro autor, caso haja mais de um. 3. Um mesmo autor pode concorrer com mais de um Artigo Original 4. Todos os Artigos Originais serão candidatos ao Prémio, salvo indicação em contrário expressa pelos Autores 5. O processo de avaliação será conduzido por um júri de selecção a ser escolhido oportunamente pelos editores da revista 6. Na avaliação dos Artigos Originais, o Júri de selecção analisará os seguintes itens: a) Relevância e originalidade b) Clareza e pertinência dos objectivos c) Descrição dos métodos/ procedimentos e análise estatística adequados d) Apresentação clara e sintética dos resultados e) Discussão fundamentada f) Importância para o avanço do conhecimento. Potencial de aplicabilidade e impacto dos resultados 7. Não caberá recurso contra as decisões do júri 8. A divulgação da atribuição do prémio será feita no 3º número da revista Nascer e Crescer de cada ano 9. Cabe aos editores da revista Nascer e Crescer decidir sobre eventuais omissões neste regulamento PRÉMIO NASCER E CRESCER MELHOR ARTIGO ORIGINAL 2009 Os Editores da Revista Nascer e Crescer, após a apreciação pelo júri de selecção dos trabalhos originais publicados no ano de 2009, atribuem o Prémio Nascer e Crescer para o Melhor Artigo Original ao seguinte artigo: SOARES S, BONET B, SOUSA F, ENES C, RODRIGUES C, ANTUNES MB, BARBOT J Esferocitose hereditária. Esplenectomia e Colecistectomia. Experiência de um Hospital Pediátrico. Nascer e Crescer, 2009, XVIII (2): 73-7 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 INSTRUÇÕES AOS AUTORES A Revista NASCER E CRESCER dirige-se a todos os profissionais de saúde com interesse na área da Saúde Materno Infantil e publica artigos científicos relacionados com a Pediatria, Perinatologia, Saúde Mental da Infância e Adolescência, Bioética e Gestão Hospitalar. Os Editoriais, os artigos de Homenagem e artigos de âmbito cultural são publicados a pedido da Direcção da Revista. A revista publica artigos originais, de revisão, casos clínicos e artigos de opinião. Os artigos propostos não podem ter sido objecto de qualquer outro tipo de publicação. As opiniões expressas são da inteira responsabilidade dos autores. Os artigos publicados ficarão de inteira propriedade da Revista e não poderão ser reproduzidos, no todo ou em parte, sem prévia autorização dos editores. Manuscrito: Os trabalhos devem ser enviados à Direcção da Revista Nascer e Crescer – Hospital Crianças Maria Pia – Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto, ou endereçados a [email protected] ou [email protected], como documento anexo em qualquer versão actual de Microsoft Word, acompanhados da declaração de autoria. Todos os elementos do trabalho, incluindo a iconografia, se remetidos por correio, devem ser enviados em formato electrónico. Os artigos deverão ser redigidos conforme as normas abaixo indicadas e cabe ao Editor a responsabilidade de os: - aceitar sem modificações, - aceitar após alterações propostas, - ou rejeitar, com base no parecer de pelo menos dois revisores que os analisarão de forma anónima. Os pareceres dos peritos e os motivos de recusa serão sempre comunicados aos autores. Consentimento informado e aprovação pela Comissão de Ética: É da responsabilidade dos autores garantir que são respeitados os princípios éticos e deontológicos, bem como, a legislação e as normas aplicáveis, conforme recomendado na Declaração de Helsínquia. Nos estudos experimentais, é obrigatório que os autores mencionem a existência e aplicação de consentimento informado dos participantes, assim como a aprovação do protocolo pela Comissão de Ética. Deve constar declaração de conflito de interesses ou financiamento. NORMAS DE PUBLICAÇÃO A Revista Nascer e Crescer subscreve os requisitos para apresentação de manuscritos a revistas biomédicas elaboradas pela Comissão Internacional de Editores de Revistas Médicas (Uniform Requirements for Manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje. org. Updated October 2008). Todos os elementos do trabalho incluindo a iconografia, devem ser enviados em suporte electrónico. O trabalho deve ser apresentado na seguinte ordem: 1- Título em português e em inglês; 2- Autores; 3- Resumo em português e inglês. Palavras-chave e Key-words; 4- Texto; 5- Bibliografia; 6- Legendas; 7- Figuras; 8- Quadros; 9- Agradecimentos e esclarecimentos; 10- Em destaque. As páginas devem ser numeradas segundo a sequência referida atrás. No caso de haver segunda versão do trabalho, este deve também ser enviado em formato electrónico. Títulos e autores: Escrito na primeira página, em português e em inglês, o título deve ser o mais conciso e explícito possível. A indicação dos autores deve ser feita pelo nome clínico ou com a(s) inicial(ais) do(s) primeiro(s) nome(s), seguida do apelido e devem constar os títulos ou cargos de todos os autores, bem como as afiliações profissionais. No fundo da página devem constar os organismos, departamentos ou serviços hospitalares ou outros em que os autores exercem a sua actividade, o centro onde o trabalho foi executado, os contactos do autor responsável pela correspondência (endereço postal, endereço electrónico e telefone). Resumo e palavras-chave: O resumo deverá ser redigido na língua utilizada no texto e sempre em português e em inglês. No que respeita aos artigos originais deverá compreender no máximo 250 palavras e ser elaborado segundo o seguinte formato: Introdução, Objectivos, Material e Métodos, Resultados e Conclusões. Os artigos de revisão devem ser estruturados da seguinte forma: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Relativamente aos casos clínicos, não deve exceder 150 palavras e deve ser estruturado em Introdução, Caso Clínico e Discussão/Conclusões. Abaixo do resumo deverá constar uma lista de três a dez palavras-chave, em Português e Inglês, por ordem alfabética, que servirão de base à indexação do artigo. Os termos devem estar em concordância com o Medical Subject Headings (MeSH). Texto: O texto poderá ser apresentado em português, inglês, francês ou espanhol. Os artigos originais devem ser elaborados com a seguinte organização: Introdução; Material e Métodos; Resultados; Discussão e Conclusões. Os artigos de revisão devem obedecer à seguinte estrutura: Introdução, Objectivos, Desenvolvimento e Conclusões. Os casos clínicos devem ser exemplares, devidamente estudados e discutidos e conter uma breve introdução, a descrição do(s) caso(s) e uma discussão sucinta que incluirá uma conclusão sumária. As abreviaturas utilizadas devem ser objecto de especificação anterior. Não se aceitam abreviaturas nos títulos dos trabalhos. Os parâmetros ou valores medidos devem ser expressos em unidades internacionais (SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), utilizando para tal as respectivas abreviaturas adoptadas em Portugal. Os números de 1 a 10 devem ser escritos por extenso, excepto quando têm decimais ou se usam para unidades de medida. Números superiores a 10 são escritos em algarismos árabes, excepto se no início da frase. Bibliografia: As referências devem ser classificadas e numeradas por ordem de entrada no texto, com algarismos árabes. Os números devem seguir a ordem do texto, e ser colocados superiores à linha. Serão no máximo 40 para artigos originais e 15 para casos clínicos. Os autores devem verificar se todas as referências estão confor- mes aos Uniform Requirements for Manuscript submitted to biomedical journals (www.nlm.nih. gov/bsd/uniform_requirements.html) e se utilizam os nomes abreviados das publicações adoptadas pelo Índex Medicus. Os autores devem consultar a página NLM’s Citing Medicine relativamente às recomendações de formato para os vários tipos de referência. Seguem-se alguns exemplos: a) Revistas: listar os primeiros seis autores, seguidos de et al se ultrapassar 6, título do artigo, nome da revista (utilizar as abreviaturas do Index Medicus), ano, volume e páginas. Ex.: Haque KN, Zaidi MH SK,et al. Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65. b) Capítulos em livros: nome(s) e iniciais do(s) autor(es) do capítulo ou da contribuição. Nome e iniciais dos autores médicos, título do livro, cidade e nome da casa editora, ano de publicação, primeira e última páginas do capítulo. Ex.: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78. c) Livros: Nome(s) e iniciais do(s) autor(es). Título do livro. Número da edição. Cidade e nome da casa editora, ano de publicação e número de página. Ex.: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26. Figuras e Quadros: Todas as ilustrações deverão ser apresentadas em formato digital de boa qualidade. Cada quadro e figura deverá ser numerado sequencialmente por ordem de referência no texto, ser apresentado em página individual e acompanhado de título e legenda explicativa quando necessário. Todas as abreviaturas ou símbolos necessitam de legenda. Se a figura ou quadro é cópia de uma publicação ou modificada, deve ser mencionada a sua origem e autorização para a sua utilização quando necessário. Fotografias ou exames complementares de doentes deverão impedir a sua identificação devendo ser acompanhadas pela autorização para a sua publicação dada pelo doente ou seu responsável legal. O total de figuras e quadros não deve ultrapassar os oito para os artigos originais e cinco para os casos clínicos. As figuras ou quadros coloridos, ou os que ultrapassam os números atrás referidos, serão publicados a expensas dos autores. Agradecimentos e esclarecimentos: Os agradecimentos e indicação de conflito de interesses de algum dos autores ou financiamento do estudo devem figurar na última página. Em destaque: Incluir duas a quatro frases curtas que sintetizem os resultados e conclusões, salientando a mensagem mais importante do trabalho. Estas deverão ser escritas em português e em inglês. Modificações e Revisões: No caso do artigo ser aceite mas sujeito a modificações, estas devem ser realizadas pelos autores no prazo de quinze dias. As provas tipográficas serão enviadas aos autores em formato electrónico, contendo a indicação do prazo de revisão em função das necessidades de publi- normas de publicação instructions for authors 235 NASCER E CRESCER revista do hospital de crianças maria pia ano 2010, vol XIX, n.º 3 cação da Revista. O não respeito do prazo desobriga a aceitação da revisão dos autores, sendo a mesma efectuada exclusivamente pelos serviços da Revista. INSTRUCTIONS FOR AUTHORS The Journal NASCER E CRESCER is addressed to all professionals of Health with interest in the area of Maternal and Child/Adolescent Health and publishes scientific articles related with Paediatrics, Perinatology, Childhood and Adolescence Mental Health, Bioethics and Health Care Management. The Editorials, the articles of Homage and articles of cultural scope are published under request of the Direction of the journal. The Journal publishes original articles, review articles, case reports and opinion articles. The articles submitted must not have been published previously in any form. The opinions therein are the full responsibility of the authors. Published articles will remain the property of the Journal and may not be reproduced, in full or in part, without the prior consent of the editors. Manuscripts for publication should be addressed to the editor of the journal: NASCER E CRESCER, Hospital Maria Pia, Rua da Boavista, 827 – 4050-111 Porto, Portugal, or to [email protected] or [email protected] and must be accompanied by the declaration of authorship by all authors. If using postal correspondence a full digital copy of the manuscript should also be sent. Submitted articles should follow the instructions below, and are subject to an editorial screening process based on the opinion of at least two anonymous reviewers. Articles may be: - accepted with no modifications, - accepted with corrections or modifications, - or rejected. Authors will always be informed of the reasons for rejection or of the comments of the experts. Informed consent and approval by the Ethics Committee: It is responsibility of the authors to guarantee the respect of the ethical and deontological principles, as well as legislation and norms applicable, as recommended by the Helsinki Declaration. In research studies it is mandatory to have the written consent of the patient and the approval of the Ethics Committee, statement of conflict of interest and financial support. MANUSCRIPT PREPARATION Nascer e Crescer complies with the recommendations of the International Committee of Medical Journal Editors (ICMJE) (Uniform requirements for manuscripts submitted to biomedical journals. http://www.icmje.org. Updated October 2008). All the components of the paper, including images must be submitted in electronic form. The papers must be presented as following: 1- Title in Portuguese and English; 2- Authors; 3- Abstract in Portuguese and English and key words; 4- Text; 236 normas de publicação instructions for authors 5- References; 6- Legends; 7- Figures; 8- Tables; 9- Acknowledgements; 10- Highlights. Pages should be numbered according the above sequence. If a second version of the paper is submitted, it should also be sent in electronic format. Title and Authors: The first page should contain the title in Portuguese and English. The title should be concise and revealing. A separate page should contain name(s) degree(s), the authors’ professional affiliations, the name and the contact details of the corresponding author (postal address, electronic address and telephone), and the name of the Institutions where the study was performed. Abstract and Key-words: The abstract should be written in the same language of the text and always in Portuguese and English, provide on a separate page of not more than 250 words for original papers and a 150 words for case reports. For original papers the abstract should consist of four paragraphs, labelled Background, Methods, Results and Conclusions. Review articles should obey the following: Introduction, Past landmarks and Present developments and Conclusions. Case report abstracts should contain an Introduction, Case report and Discussion/Conclusions. Do not use abbreviations. Each abstract should be followed by the proposed key-words in Portuguese and English in alphabetical order, minimum of three and maximum of ten. Use terms from the Medical Subject Headings from Index Medicus (MeSH). Text: The text may be written in Portuguese, English, French or Spanish. The original articles should contain the following sections: Introduction; Material and Methods; Results; Discussion and Conclusions. The structure of review articles should include: Introduction, Past landmarks and Present developments and Conclusions. The case reports should be unique cases duly studied and discussed. They should contain: a brief Introduction, Case description and a succinct Discussion or Conclusion. Any abbreviation used should be spelled out the first time they are used. Abbreviations are not accepted in the titles of papers. Parameters or values measured should be expressed in international (SI units, The SI for the Health Professions, WHO, 1977), using the corresponding abbreviations adopted in Portugal. Numbers 1 to 10 should be written in full, except in the case of decimals or units of measurements. Numbers above 10 are written as figures except at the beginning of a sentence. References: References are to be cited in the text by Arabic numerals, and in the order in which they are mentioned in the text. They should be limited to 40 to original papers and 15 to case reports. The journal complies with the reference style in the Uniform Requirements for Manuscripts Submitted to Biomedical Journals (www.nlm.nih.gov/ bsd/uniform_requirements.html). Abbreviate journal titles according to the List of Journals Indexed in Index Medicus. Authors should consult NLM’s Citing Medicine for information on its recommended formats for a variety of reference types. The following details should be given in references to (a) journals, (b) chapters of books by other authors, or (c) books written or edited by the same author: a) Journals: Names of all authors (except if there are more than six, in which case the first three are listed followed by “et al.”), the title of the article, the name of the journal (using the abbreviations in Index Medicus), year, volume and pages. Ex: Haque KN, Zaidi MH SK,et al. Intravenous Immunoglobulin for prevention of sepsis in preterm and low birth weight infants. Pediatr Infect Dis 1986; 5:622-65 b) Chapters of books: Name(s) and initials of the author(s) of the chapter or contribution cited. Title and number of the chapter or contribution. Name and initials of the medical editors, title of book, city and name of publisher, year of publication, first and last page of the chapter. Ex: Phillips SJ, Whisnant JP. Hypertension and stroke. In: Laragh JH, Brenner BM, editors. Hypertension: pathophysiology, diagnosis, and management. 2nd ed. New York: Raven Press; 1995. p. 465-78. c) Books: Name(s) and initials of the author(s). Title of the book. City and name of publisher, year of publication, page. Ex: Berne E. Principles of Group Treatment. New York: Oxford University Press, 1966:26. Tables and Figures: All illustrations should be in digital format of high quality. Each table and figure should be numbered in sequence, in the order in which they are referenced in the text. They should each have their own page and bear an explanatory title and caption when necessary. All abbreviations and symbols need a caption. If the illustration has appeared in or has been adapted from copyrighted material, include full credit to the original source in the legend and provide an authorization if necessary. Any patient photograph or complementary exam should have patients’ identities obscured and publication should have been authorized by the patient or legal guardian. The total number of figures or tables must not exceed eight for original articles and five for case reports. Figures or tables in colour, or those in excess of the specified numbers, will be published at the authors’ expense in the paper version Acknowlegments: All authors are required to disclose all potential conflicts of interest. All financial and material support for the research and the work should be clearly and completely identified in an Acknowledgment section of the manuscript. Highlights: They should include two to four short sentences that summarize the results and conclusions, highlighting the most important message of the work. These should be written in Portuguese and English. Modifications and revisions: If the paper is accepted subject to modifications, these must be submitted within fifteen days of notification. Proof copies will be sent to the authors in electronic form together with an indication of the time limit for revisions, which will depend on the Journal’s publishing schedule. Failure to comply this deadline will mean that the authors’ revisions may not be accepted, any further revisions being carried out by the Journal’s staff.
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