A dádiva na economia solidária
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A dádiva na economia solidária
JORNAL DO M.A.U.S.S. IBEROLATINOAMERICANO A DÁDIVA NA ECONOMIA SOLIDÁRIA Misael Gomes da Silva1 Alicia Ferreira Gonçalves2 DCS/UFPB Resumo O objetivo deste artigo é descrever de que maneira o espírito da Dádiva, composto por três atos: dar, receber e retribuir pode estar presente nas experiências em Economia Solidária, especialmente, nas práticas das finanças solidárias. O foco empírico são os Fundos Rotativos Solidários (FRS) nas comunidades assentadas no Litoral Sul do Estado da Paraíba, onde o princípio dádiva estará clarividente quando observamos que é preciso fazer produzir o retorno em volta da dádiva bem como em torno da coletividade. Verificaremos empiricamente um sistema composto por três atos: dar, receber e retribuir e concomitantemente a redistribuição econômica para a comunidade assentada. Palavras-chave: Dádiva; Economia Solidária; Redistribuição. Abstract The objective of this article is to describe how the spirit of the Donation, made up of three acts: give, receive and reciprocate may be present in the experiences of Solidarity Economy, especially in the practices of finance solidarity. We have seen through the ethnographic research that the dynamics of the Donation is present in Solidarity Economy, as well as the mechanisms of this "other" economy. As well as the mechanisms of this "other" economy. The empirical focus are the Revolving Funds Stand (GRF) in the seated on the South Coast of the State of Paraíba, where the principle organ donation will be far-sighted when we observe what is going to have to produce the return around the donation as well as around the collectivity. Empirically verify a system composed of three actions: give, receive and reciprocate and concomitant economic redistribution to the community setting. Key Words: Donation; Solidarity Economy; Redistribution. 40 JORNAL DO M.A.U.S.S. IBEROLATINOAMERICANO A DÁDIVA NA ECONOMIA SOLIDÁRIA INTRODUÇÃO O sistema econômico capitalista e toda a sua dinâmica são baseados em um modo de produção onde a mais-valia pressupõe a exploração da força de trabalho na esfera da produção e circulação de mercadorias, pressuposto ainda válido para a fase flexível do capitalismo contemporâneo.3 Neste sentido, a sociedade dos dias hodiernos vive nesse sistema onde o que importa é a vantagem de uns sobre as desvantagens de outros construídos historicamente e por isso mesmo existe tanta desigualdade. No entanto, há outra forma de produção que não se baseia no lucro ou na exploração, onde a desigualdade é preterida e a igualdade é preferida. Onde não há competição entre os membros e ao invés da competição existe a cooperação mútua. Neste modelo de produção os valores apreciados são a cooperação e a solidariedade entre os participantes. Paul Singer (2010, p. 9) vai nos trazer que: Para que tivéssemos uma sociedade em que predominasse a igualdade entre todos os seus membros, seria preciso que a economia fosse solidaria em vez de competitiva. Isso significa que os participantes na atividade deveriam cooperar entre si em vez de competir. Observamos claramente que a economia capitalista difere da economia solidária, principalmente porque na segunda não temos o fator exploração de uns sobre outros, não há vantagens de uns sobre as desvantagens de outros, onde o que importa é a solidariedade entre todos, a igualdade entre todos, a cooperação do grupo. “A solidariedade na economia só pode se realizar se ela for organizada igualitariamente pelos que se associam para produzir, comerciar, consumir ou poupar” (Singer, 2010, p. 9). O fator que importa na economia solidária é a igualdade, a reciprocidade, a cooperação e como bem nos apresenta Singer (2010, p. 10): A economia solidária é outro modo de produção, cujos princípios básicos são a propriedade coletiva ou associada do capital e o direito à liberdade individual. A aplicação desses princípios une todos os que produzem numa única classe de 41 JORNAL DO M.A.U.S.S. IBEROLATINOAMERICANO A DÁDIVA NA ECONOMIA SOLIDÁRIA trabalhadores que são possuidores de capital por igual em cada cooperativa ou sociedade econômica. A Economia Solidária que nasce segundo Paul Singer (2010, p. 24) das contradições do próprio modo de produção capitalista, está em processo de consolidação e de medição aqui no Brasil. Não que seja uma novidade no âmbito universal, mas que tem sido um experimento interessante nos dias hodiernos, como uma tentativa talvez, de apresentar uma alternativa que se apresenta do ponto de vista humanista “superior” ao capitalismo, propondo-se a levar as pessoas a uma vida melhor, com solidariedade e igualdade. Há várias definições, contudo, podemos elencar alguns elementos que caracterizam a Economia Solidaria: Economia solidária é uma forma de produção, consumo e distribuição de riqueza (economia) centrada na valorização do ser humano e não do capital. Tem base associativista e cooperativista, e é voltada para a produção, consumo e comercialização de bens e serviços de modo autogerido, tendo como finalidade a reprodução ampliada da vida. Preconiza o entendimento do trabalho como um meio de libertação humana dentro de um processo de democratização econômica, criando uma alternativa à dimensão alienante e assalariada das relações do trabalho capitalista. Além disso, a Economia Solidária possui uma finalidade multidimensional, isto é, envolve a dimensão social, econômica, política, ecológica e cultural. Isto porque, além da visão econômica de geração de trabalho e renda, as experiências de Economia Solidária se projetam no espaço público, no qual estão inseridas, tendo como perspectiva a construção de um ambiente socialmente justo e sustentável (...) 4 Sendo assim, entendemos que a Economia Solidária procura valorização do ser humano e não do lucro e sua “finalidade é a reprodução ampliada da vida”. No entanto é preciso que haja meios a partir dos quais essa forma de produção, consumo e distribuição de economia aconteça e por isso nos direcionamos para o FRS como uma forma de fazer acontecer essa Economia Solidária. Neste sentido, nossa intenção é verificar o engendramento da Dádiva nesse processo, como uma das facetas da solidariedade para os dias hodiernos. 42 JORNAL DO M.A.U.S.S. IBEROLATINOAMERICANO A DÁDIVA NA ECONOMIA SOLIDÁRIA Tendo isso em ciência tivemos a intenção de buscar na Dádiva uma correlação entre esse mecanismo utilizado entre os povos não “ocidentalizados” ou não “civilizados” e a realidade dos dias atuais com a estrutura da Economia Solidária, mais precisamente a partir dos Fundos Rotativos Solidários (FRS), procurando buscar neste, o processo das “três obrigações: Dar, Receber e Retribuir” (MAUSS, 1974, p. 104). É preciso que deixemos aclarado que, nas “civilizações” “não-civilizadas5” estava presente uma ação econômica socialmente enraizada, como Vinha (2001, p. 207) vai nos fazer relembrar a partir do pensamento de Karl Polanyi. Onde o econômico era uma esfera/ parte da sociedade, não como aquilo que funcionava como meio de usufruto sobre os demais, mas como meio de reciprocidade e redistribuição a partir de um “(...) enraizamento social de todas as formas institucionais e organizacionais” (VINHA 2001, p. 208).6. Como afirma Marcel Mauss a respeito das economias e direitos que precederam os nossos que não foi constatado nunca simples trocas de bens, de riquezas ou de produtos no decurso de um mercado entre indivíduos. (...) não são indivíduos, e sim coletividades que se obrigam mutuamente, trocam e contratam (...) o que trocam não são exclusivamente bens e riquezas, móveis e imóveis, coisas economicamente úteis. Trata-se antes de tudo de gentilezas, banquetes, ritos, serviços militares, mulheres, crianças, danças, festas, feiras em que o mercado é apenas um dos momentos e onde a circulação de riquezas constitui apenas um termo de um contrato muito mais geral e muito mais permanente (MAUSS, 1974, p44-45). Vejamos aqui que não são os interesses individuais, mas o interesse coletivo o que mais importa nessas sociedades que precederam a nossa. Não é necessariamente o sistema de mercado, o capital, mas a solidariedade entre as comunidades. Há aqui uma instituição chamada de sistema de prestação total onde essa instituição representa uma aliança, onde há prestações e contra-prestações, que são feitas voluntariamente, “por presentes, regalos”, entre a coletividade, entre os clãs, tribos, famílias, “embora sejam, no fundo, rigorosamente obrigatórias, sob pena de guerra privada ou pública (MAUSS, 1974, p. 45). 43 JORNAL DO M.A.U.S.S. IBEROLATINOAMERICANO A DÁDIVA NA ECONOMIA SOLIDÁRIA A dinâmica dessas prestações totais, através do sistema de Dádiva, de presentes, funciona da seguinte maneira: “a obrigação de dá-los, por um lado, e a obrigação de recebêlos, por outro.”, como também a obrigação de retribuir aquilo que recebeu (MAUSS, 1974, pp. 56,57). Assim temos que, na Dádiva há a obrigação de dar, receber e retribuir, como um sistema de prestações e contra-prestações ao mesmo tempo jurídicas, matrimoniais, econômicas, rituais e políticas que ontologicamente fundam o tecido social. Tendo isso em conhecimento, podemos inferir que, alguns princípios do sistema de dádivas pode ser observado nas experiências contemporâneas de economia solidária, mais precisamente nos Fundos Rotativos Solidários (FRS). Neste sentido, podemos considerar que a experiência modelar que reatualiza nas comunidades camponesas uma espécie de economia da dádiva baseada em três atos (dar, receber e retribuir) é a dos Fundos Rotativos Solidários (FRS).7 Os FRS podem ser caracterizados como uma política de finanças solidárias destinada aos pequenos agricultores que vivem com as suas famílias no semi-árido nordestino e na região litorânea, geralmente beneficiários do Programa Bolsa Família (PBF) e do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF).8 Dádiva & Fundos Rotativos Solidários No livro Ensaio sobre a Dádiva, forma e razão de troca nas sociedades arcaicas verificamos que a Dádiva não deixa de ser uma forma de economia baseada sobre o valor de uso dos objetos, das ações. Diferentemente da economia de mercado que se baseia no valor de trocas de bens e serviços. No entanto essa dádiva funciona através de doações recíprocas. Onde haverá uma obrigação de dar, de receber e de retribuir. Há aqui um tipo de aliança, onde aquele que doa, deverá também receber, e não poderá recusar em receber, no entanto terá que retribuir. A partir desse circuito (dar, receber, retribuir) se verifica um tipo de solidariedade, onde aquele que se opõe em receber, automaticamente está declarando guerra àquele que ofereceu ou deu. E nessa economia primitiva, verificou-se que quanto mais se dá, mais status 44 JORNAL DO M.A.U.S.S. IBEROLATINOAMERICANO A DÁDIVA NA ECONOMIA SOLIDÁRIA recebe, mais poder, no entanto ele é obrigado segundo o sistema jurídico das sociedades ditas arcaicas a dar e também retribuir as dádivas recebidas. Lanna observa que (LANNA, 2000, p. 175): 45 “(...) o argumento central do Ensaio é de que a dádiva produz a aliança tanto as alianças matrimoniais como as políticas (trocas entre chefes ou diferentes camadas sociais), religiosas (como nos sacrifícios, entendidos como um modo de relacionamento com os deuses), econômicas, jurídicas e diplomáticas (incluindo-se aqui as relações pessoais de hospitalidade). Segundo o autor, a tese principal do Ensaio “ se postula um entendimento da constituição da vida social por um constantes dar-e-receber. Mostra ainda como, universalmente, dar e retribuir são obrigações, mas organizadas de modo particular em cada caso” (LANNA, 2000, p. 175). A dádiva é na realidade um meio de trocas, não no sentido de valor de troca Ocidental, mas doações entre a coletividade, entre as tribos, os clãs, os líderes, “(...) essas prestações e contra-prestações são feitas de uma forma sobretudo voluntária, por presentes, regalos, embora sejam, no fundo, rigorosamente obrigatórias, sob pena de guerra privada ou pública” (MAUSS, 1974, p. 45). Na nossa pesquisa etnográfica sobre os FRS no Litoral Sul do Estado da Paraíba, mais precisamente nos municípios do Conde e Pitimbu (nos assentamentos Tambaba e Nova Vida) percebemos claramente essa dinâmica da Dádiva. Nesses assentamentos funciona um empreendimento solidário de Apicultura financiado com os FRS. Essa cultura de apicultura foi construída por meio de uma visão solidária da Igreja Católica, onde o arcebispo da Paraíba fizera doações de algumas colméias. Em seguida, receberam apoio financeiro do FRS financiado pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e Secretária Nacional de Economia Solidária (SENAES), vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). O FRS é chamado de “Fundo perdido”, porque não há a necessidade de pagar ao Banco essa Dádiva, no entanto, é necessário que este que recebeu o Fundo, tenha que devolver através da produção e da perpetuação dessa Dádiva para a Sociedade, para a JORNAL DO M.A.U.S.S. IBEROLATINOAMERICANO A DÁDIVA NA ECONOMIA SOLIDÁRIA comunidade e também para a Associação a qual está pertencendo, no caso supra, Associação dos Apicultores nesses Assentamentos9. A finalidade primordial dessa Economia Solidária, desse Fundo Rotativo Solidário, dessa Dádiva é poder melhorar a vida social e econômica desses participantes do FRS, minimizando a marginalização econômica e social desses assentados, inserindo-os e fazendo-os participantes ativos da sociedade, da comunidade. Vejamos que aqui existe o Dar, o Receber e o Retribuir, e não apenas o Dar e o Receber, e o Retribuir como bens e produtos, mas também através da solidariedade no trabalho, no sistema ancestral de mutirão, pois que esses apicultores trabalham em coletividade, um ajudando o outro na cultura do mel e de seus adjetivos. Nas sociedades contemporâneas podemos observar uma dinâmica semelhante nas experiências com os FRS – que podem ser definidos. Um Fundo Rotativo Solidário é uma poupança coletiva que está à disposição do grupo social que a cria, sustenta e faz a sua gestão.Os Fundos Rotativos Solidários fazem o resgate de práticas antigas de solidariedade comunitária primitiva, articulação em redes sociais fragilizadas e marginalizadas, otimização de recursos de grupos sociais empobrecidos. Os recursos, circulando na própria comunidade ou grupo social faz com que estas pessoas, que não tem acesso ao sistema financeiro tradicional, sejam fomentadas em suas atividades produtivas, acessem bens e serviços, e lhes garantem mais qualidade de vida. Neste modelo se utilizam também vários tipos de moedas não capitalistas, as chamadas Moedas Sociais criadas pelas próprias comunidades, refazendo o modo como as pessoas se relacionam com os recursos por elas produzidos. (...) um modelo clássico de Fundo Rotativo Solidário, contemplam pessoas excluídas dos créditos habitacionais tradicionais, resgatando e valorizando a solidariedade em detrimento do lucro e da burocracia das instituições financeiras. Um Fundo Rotativo Solidário, (...) , só faz sentido porque as famílias que dele participam são as mesmas que dele se beneficiam, e após acessarem os recursos que necessitavam, fazem a devolução integral para que outras pessoas possam usufruir deste mesmo modelo de crédito10. 46 JORNAL DO M.A.U.S.S. IBEROLATINOAMERICANO A DÁDIVA NA ECONOMIA SOLIDÁRIA Verificamos que, nessa definição poderemos observar que há um Fundo que está a disposição de um grupo social. Ele poderá utilizar-se desse fundo para uso das suas atividades produtivas, poderão acessas bens e serviços e terem uma melhor qualidade de vida, porém deverão devolver o recurso dentro do grupo ou da comunidade para que outras pessoas possam produzir e assim usufruir da mesma “dádiva”. No entendimento de FRS pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB) verificamos no seu programa o seguinte: Entende-se, para efeito do presente programa, que fundo rotativo solidário é uma metodologia de apoio financeiro às atividades produtivas de caráter associativo mediante compromissos devolutivos voluntários, gerenciados por organizações sem fins lucrativos, considerando formas flexíveis de retorno monetário ou de equivalência por produto ou serviços, dirigidas para o atendimento de comunidades ou grupos comunitários que adotem princípios de participação e convivência solidária11 (grifo nosso). Observemos aqui que o compromisso teoricamente é de devolução voluntária, no entanto, sabe-se com certeza de que aquele que recebe o apoio financeiro (entenda-se dádiva) e não devolve poderá sofrer restrições do grupo participativo. Estará igual ao mecanismo de Dádiva declarando um tipo de guerra privada ou pública como supra mencionamos em relação ao não recebimento da dádiva e posteriormente a não retribuição da dádiva. Todo o participante de um FRS deverá devolver a Dádiva recebida e conseqüentemente, o recurso que esse participante recebeu circulará na comunidade a partir de um mecanismo de inserção econômica, e diga-se de passagem que essa admissão econômica nada mais é do que o enraizamento social que transpassara por todas as esferas sociais desse grupo social como apresentado por Karl Polanyi no livro A grande transformação publicado em 1944. 47 JORNAL DO M.A.U.S.S. IBEROLATINOAMERICANO A DÁDIVA NA ECONOMIA SOLIDÁRIA A ECONOMIA SOLIDÀRIA: RECIPROCIDADE E REDISTRIBUIÇÃO 48 Como verificamos em Polanyi12 a ação econômica é uma ação socialmente enraizada, em todas as sociedades (primitivas) por ele pesquisadas e que o que garantia a ordem na produção e distribuição era a Reciprocidade e Redistribuição e esses princípios eram sustentados pela simetria e centralidade e que (VINHA, 2001, p. 210) (...) a economia e seus derivados como a troca e o escambo nunca foram determinantes da vida social, mas sim a necessidade de manter a sociedade enquanto tal que levou os homens a se organizarem, também, economicamente (...), o sistema econômico será sempre dirigido por motivações não econômicas. Assim temos que, nas sociedades primitivas havia a preocupação em dar e receber havia o processo de interação, de enraizamento entre o econômico e o social, era natural o produzir e o redistribuir. “O processo econômico é instituído porque está definido pela interação, empiricamente construída, entre homem e seu ambiente, resultando na satisfação tanta das suas necessidades materiais quanto das psicológicas” (VINHA 2001, p. 211). Esse processo é visto na Dádiva, pois nela vemos exatamente essa interação entre os “pares”, entre as tribos, entre os que dão e recebem, há a satisfação das necessidades materiais e também psicológicas, e muito mais, também políticas, religiosas etc, há um elemento de satisfação das necessidades de está no grupo, de ser e pertencer e manter a sociedade a partir desse dar e receber e retribuir. A lógica do capitalismo é de produzir para garantir o ganho, para que haja o lucro, a satisfação, mas não a satisfação da sociedade como um todo, mas “(...) a satisfação das necessidades de uma parte da coletividade mediante o trabalho da outra parte (...)” (MARX, JORNAL DO M.A.U.S.S. IBEROLATINOAMERICANO A DÁDIVA NA ECONOMIA SOLIDÁRIA s/d, p. 10), e que, “A escravidão de uns tem sido a condição do bem-estar de outros” (MARX, s/d, p. 11), essa é a lógica do capitalismo, no entanto, nas sociedades primitivas, verificamos a satisfação do grupo, do coletivo através da dinâmica da Reciprocidade e Redistribuição, há um tipo de Economia Solidária entre as sociedades ditas não civilizadas. Como bem nos aclara Singer (2010:9): A solidariedade na economia só pode se realizar se ela for organizada igualitariamente pelos que se associam para produzir, comerciar, consumir ou poupar. A chave dessa proposta é associação entre iguais em vez do contrato entre desiguais. Na cooperativa de produção, protótipo de empresa solidária, todos os sócios têm a mesma parcela do capital e, por decorrência, o mesmo direito de voto em todas as decisões. Este é o seu principio básico. (...) E não há competição entre os sócios: se a cooperativa progredir, acumular capital, todos ganham por igual. Na Economia Solidária há a necessidade de interação, de um enraizamento entre o econômico e o social, onde não deverá haver a exploração de uns para beneficiar outros, mas uma igualdade na produção, no consumo, e enfim na satisfação mutua da comunidade, no bem-estar de todos. Na Economia Solidária “(...) as sobras tem sua destinação decidida pela assembléia de sócios. Uma parte delas é colocada num fundo de educação (...), outra é posta em fundos de investimento (...) e o que resta é distribuído (...)” (SINGER, 2010, p. 14) entre todos em partes iguais, e isso para o bem-estar de todo o conjunto, de toda a sociedade. Vemos nesse tipo de economia, um enraizamento social, onde há a dinâmica simétrica da Reciprocidade e Redistribuição. Vinha (2001, p. 214) citando Polanyi vai nos trazer que “(...) formas variadas de organização, também nas sociedades capitalistas, podem praticar a redistribuição (...)”, dessa 49 JORNAL DO M.A.U.S.S. IBEROLATINOAMERICANO A DÁDIVA NA ECONOMIA SOLIDÁRIA maneira entendemos que a Economia Solidaria é uma dessas formas variadas de organização, que mesmo no capitalismo se pratica a redistribuição. A Economia Solidária é exemplo desse enraizamento econômico e social, onde temos uma inferência da Dádiva e também o processo de Reciprocidade e Redistribuição, de maneira que não deve haver exploração pelo lucro, mas antes de tudo o bem-estar social. Considerações Como tivemos o alvo de perquirir a partir dos textos estudados elementos da Dádiva na Economia Solidária, foi perceptível que, há mesmo no Capitalismo, onde a lógica é o lucro, organizações que não são direcionadas por essa coerência, mas sim pelo enraizamento do econômico com o social, onde não é o econômico quem define o social, mas o social definindo o econômico, onde é possível se verificar a partir desse Dar, entenda-se aqui o dar como a organização da Economia Solidária se exprime, de maneira que se Dar no intuito também de Receber, de Retribuir, a exemplos dos Fundos Rotativos Solidários, que a partir de uma “poupança” em comum para todos, se Dá a possibilidade de produzir, mas também se requer a Retribuição e essa Retribuição é também Redistribuída para a satisfação e promoção do bem-estar comum da sociedade. Portanto, A Dádiva sendo um processo entre as sociedades primitivas, poderá também ser observada nas sociedades civilizadas, claro, com seu perfil contemporâneo, mas com o mesmo espírito do Dar, Receber e Retribuir identificada por Marcel Mauss nas sociedades ditas arcaicas. Notas 1 Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Federal da Paraíba. [email protected] Doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP e Professora do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPB. [email protected] 3 Cf. Castels (1999) e Alves (2009) para o caso brasileiro. 4 http://pt.wikipedia.org/wiki/Economia_solidária 5 Não gosto muito desse termo: não-civilizados, pois que, se estudarmos os povos primitivos (primitivos no sentido de ter vindo primeiro) verificaremos que em muitos deles temos mais civilização do que na civilização atual. 6 Vinha (2001, p. 208). 2 50 JORNAL DO M.A.U.S.S. IBEROLATINOAMERICANO A DÁDIVA NA ECONOMIA SOLIDÁRIA 7 Cf. Gonçalves (2009 a e b). O semi-árido abrange os nove estados da região Nordeste, na Paraíba compreende 80% da superfície do Estado o que demonstra a relevância das políticas públicas de desenvolvimento local no combate à pobreza. 9 Fomos informados na nossa pesquisa que, o investimento recebido, ou o Fundo recebido fora no valor de R$ 1500,00 (Hum mil e quinhentos reais) e que a devolução para a Associação deverá ser de 150 litros de mel, divididos em dois anos, sendo 75 litros no primeiro ano e 75 litros no segundo ano, que por sua vez é vendido e volta novamente como em circulo para os próprios apicultores de forma a decidir o que melhor lhe interessarem. 10 www.aftb-oscip.org/v12/noticias/134-noticias-da-aftb/973-fundo-rotativo-solidario-da-aftb 11 www.bnb.gov.br/content/aplicacao/sobre_nordeste/fundeci/docs/aviso_06_2010_projetos_produtivos_solidario s.pdf 12 Vinha cita Polanyi (2001) 8 REFERÊNCIAS ALVES, Giovanni. Trabalho e reestruturação produtiva no Brasil neoliberal. 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