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1/09/11 18:05:42 ISSN 1659-2697 annonce_finale_port_bresil.pdf ANO 7 | 2011 | Nº 15 C M J CM MJ CJ CMJ N ANO 7 | 2011 | N°15 setor água: Preocupação com o impacto da nova turbulência financeira ANO 7 | 2011 | N. 15 CONSELHO EDITORIAL Beneditto Braga | Vice-presidente do Conselho Mundial da Água (WWC). Professor Titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Brasil. Maureen Ballestero | Presidente da Global Water Partnership (GWP) Costa Rica e membro do Comitê Diretivo da GWP América Central. Claudio Osório | Consultor Internacional de Água e Saneamento. Eduardo Mestre | Diretor da Tribuna da Água, Expo Zaragoza 2008. DIRETORA GERAL | Yazmín Trejos Comunicação Corporativa, Mexichem Brasil DIRETORA DE REDAÇÃO | Luciana de Paula Comunicação Corporativa, Mexichem Brasil COLABORADORES Andrei S. Jouravlev, Oficial para Assuntos Econômicos da Divisão de Recursos Naturais e Infraestrutura da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Colin Herrón, Assessor para Projetos Estratégicos (CONAGUA). Estrellita Fuentes, Gerente de Planejamento Hídrico (CONAGUA). Griselda Medina, Subgerente de Gestão e Avaliação de Projetos com Crédito Externo (CONAGUA). Gustavo Rocha de Castro e Pedro de Magalhães Padilha, Instituto de Biociências de Botucatu – UNESP – Brasil. Dr. Jesús Román Martinez, Secretário-Geral do Instituto de Pesquisa sobre Água e Saúde. Jonathan G. Pressmann, Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. Mark Tercek, Presidente e Diretor Geral The Nature Conservancy (TNC). Paulo Varella, Diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), do Brasil. Dr. Victor Villalobos Arambula, Diretor Geral do Instituto Interamericano para as Ciências Agrícolas. Walter Ferrufino, Coordenador da Junta de Água Municipal, El Paraíso, Honduras. ADMINISTRAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO Luis Alonso Ramírez e Juliana Gebrin TRADUÇÃO E EDIÇÃO EM PORTUGUÊS Pampa Tradução e Interpretação FALE CONOSCO | [email protected] Uma publicação promovida pelo Grupo Mexichem Foto: Carmen Abdo PRODUÇÃO EDITORIAL: Satori Editorial | www.satorieditorial.com EDITOR CHEFE | Boris Ramírez EDITORA DE ARTE | Carmen Abdo DESIGN GRÁFICO | Gerson Tung CORREÇÃO DE ESTILO | María del Mar Gómez CAPA | Carmen Abdo “A prática da compaixão não é um sintoma de idealismo irrealista, mas a maneira mais eficaz de buscar os interesses dos outros e também os nossos. Quanto mais dependemos dos outros - como nação, como grupo ou como pessoas - mais é do nosso próprio interesse assegurar o seu bem-estar.” DALAI LAMA CONTEÚDO 20 06 14 23 23 27 41 CAPA O SETOR DE ÁGUA FLUI EM TEMPO DE CRISE O principal temor que os especialistas consultados pela Revista Aqua Vitae concordam é o custo crescente e cumulativo que os impactos destrutivos de eventos hidrometereológicos extremos tem ocasionado sobre a infraestrutura de água e saneamento. eConomiA InvESTIMEnTO EM InFRAESTRUTURA vERDE Ao investir em infraestrutura verde, como as florestas ou rios, as companhias e empresas gestoras da água poupam dinheiro na construção da infraestrutura cinza. Fundo de Água é uma forma inovadora de pagamento dos serviços prestados pela natureza e reinvestimento desse dinheiro na preservação. AmBienTe FLORESTAS E ÁGUA: COnEXÃO vITAL E InDISPEnSÁvEL No último relatório da FAO, de 2011, sobre a situação das florestas, o território mencionado apresenta uma avaliação tanto com aspectos luminosos quanto sombrios. A Aqua Vitae consultou autoridades latino-americanas de três setores vinculados ao manejo de bacias para informar o que é feito na região. oPiniÃo vISÃO RURAL E LIÇÕES APREnDIDAS É necessário desenvolver tecnologias para o setor de águas e saneamento junto com as comunidades que as usarão, pois assim receberão o mesmo “código genético”. Por INÉS RESTREPO TARQUINO, Diretora Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento em Abastecimento de Água, Saneamento Ambiental e Conservação dos Recursos Hídricos (CINARA), Colômbia. inTeRnACionAL LOnDRES LIMPA SUA CARA Um dos maiores e mais ambiciosos projetos da infraestrutura hidráulica mundial coloca novamente a Grã Bretanha na linha de frente, dando respostas modernas ao aumento da capacidade exigida pelos sistemas de esgoto. PeRSPeCTiVA 05 CASoS 18 LeGiSLAçÃo 20 ALTo PeRFiL 28 inFoGRÁFiCo 32 BReVeS Do mUnDo 33 TeCnoLoGiA 34 SAúDe 38 CULTURA 45 SiTeS De inTeReSSe 48 14 PERSPECTIVA D ecidimos fazer uma averiguação para determinar se o impacto da crise econômica de 2008 afetou significativamente os projetos de água e saneamento na América latina. Consultamos personalidades relevantes como o Diretor da Agência Nacional de Águas do Brasil (ANA), Paulo Varella, o especialista da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), Andrei Jouravlev e uma equipe de primeira linha da Comissão Nacional de Águas do México, entre outros líderes regionais. Com eles chegamos à conclusão de que não houve maior impacto, tal como demonstrado pelos dados do BID e pelas próprias declarações das autoridades, que sustentam que os grandes projetos continuam em andamento. Mas há temores decorrentes das novas turbulências financeiras que começaram em 2011 nos Estados Unidos e na Europa. Também preocupa o aumento do custo por danos à infraestrutura hídrica, experimentado pela região em função de eventos climáticos extremos: a CEPAL registrou o custo de US$49,188 bilhões neste item, em 2010. É necessário lembrar que a tecnologia tem o código genético da sociedade que a desenvolveu, e que é necessário desenvolver tecnologias com as próprias comunidades para evitar novos custos por falta de compatibilidade. Essa observação de Inés Restrepo, a nova Diretora do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento em Abastecimento de Água, Saneamento Ambiental e Conservação dos Recursos Hídricos (CINARA) da Colômbia, se mostrou muito relevante à luz da atual situação econômica mundial. Na seção de Economia, incluímos a Aliança Latino-Americana de Fundos da Água (ALFA), um mecanismo inovador cujo objetivo é proteger os recursos hídricos mais ameaçados na nossa região. Desejamos-lhe uma boa leitura! Yazmín Trejos Diretora - aqua Vitae AquA VitAe 5 Setor Água: Foto: Carmen Abdo Preocupação com o impacto da nova turbulência financeira 6 AquA VitAe A AméricA LAtinA e os seus projetos do setor de águA e sAneAmento conseguirAm se esquivAr dos efeitos dA crise econômicA, que desde 2008 AfetA o mundo. mAs, é necessário continuAr A dAr prioridAde Ao temA do investimento e A considerAr o custo gerAdo peLos eventos hidrometeoroLógicos extremos. Foto: Carmen Abdo Foto: Carmen Abdo Por BorIS raMÍreZ Por BorIS raMÍreZ AquA VitAe 7 A t é o momento, a América Latina e os seus grandes projetos de água e saneamento conseguiram se esquivar dos efeitos da crise econômica que afeta o mundo desde 2008. “No final de 2010, o prognóstico de crescimento da América Latina e do Caribe é maior que o das economias desenvolvidas; as instituições financeiras, monetárias e fiscais são muito mais sólidas do que duas décadas atrás; os recursos naturais demandados pelo mundo são abundantes na nossa região; e a política social vem dando conta de avanços importantes por meio do uso de ferramentas cada vez mais eficazes”, afirmou Luis Alberto Moreno, diretor do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ao divulgar o último relatório no qual foram analisados os efeitos da crise econômica na região. Segundo o relatório, este panorama favorável é sustentado pelo fato da economia política da região ser regida por governos democráticos com características distintas, que adotaram um enfoque bastante pragmático de políticas macroeconômicas eficazes, que garantirão êxito à região. O saldo também é positivo quando estas decisões são projetadas no setor de água e saneamento. “Os dados do Departamento de Pesquisa do BID relativos a um amplo conjunto de países da América do Sul, integrado por Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e Venezuela, que representam 93% do PIB da América Latina, indicam que os níveis de investimento não foram afetados pela crise econômica de 2008”, afirma Paulo Varella, Diretor da Agência Nacional de Águas, acrescentando que importantes projetos do setor de água e saneamento não foram afetados. O Banco Mundial e representantes da Comissão Nacional de Águas do México (CONAGUA) sustentam essa mesma posição, afirmando que não houve efeitos negativos no setor água: “Nos últimos 20 anos (desde a década de 1980), a América Latina vem experimentando uma revolução econômica silenciosa que a permitiu absorver os choques externos da economia, tal como visto na crise anterior, de 2008, e essa firmeza ainda se mantém”, é o parecer de Augusto de la Torre, economista chefe do Banco Mundial. 8 AquA VitAe Essa firmeza foi transmitida ao setor de água e saneamento, onde as obras continuam. Um grupo de especialistas mexicanos reconhece inclusive que a estratégia foi promover este tipo de investimento. Colin Herrón, Assessor para Projetos Estratégicos da CONAGUA, explicou: “Os principais projetos hidráulicos atualmente em construção no México são: Túnel Emissor Oriente (TEO), Planta de Tratamento de Água Residual de Atotonilco e as Represas para o Armazenamento de Água Potável El Realito e El Zapotillo. Entre as obras realizadas, há 260 novas plantas de tratamento e a recuperação e ampliação de outras 51. As construções não foram afetadas de forma significativa pela crise econômica”. Brasil precisa de obras no valor de US$62 bilhões, Peru US$2,687 bilhões, Equador US$1,8 bilhões, Chile US$860 milhões, Costa Rica US$745 milhões, Nicarágua US$350 milhões, e o México precisa de “US$4,5 bilhões nos próximos 10 anos”, segundo o Diretor da CONAGUA, José Luis Luege. O fato das maiores obras da região não terem sido afetadas não significa que haja despreocupação frente aos novos choques da turbulência financeira iniciada em 2011, que vem afetando os Estados Unidos e a Europa, e que poderia vir a ter impacto em economias emergentes como as da China, Brasil, Rússia e Índia, retardando as linhas de financiamento para novas obras hidrológicas. Em 2010 houve, na América Latina, 98 desastres naturais relacionados ao clima, que deixaram 225.000 mortos e afetaram 13,8 milhões de pessoas. O relatório “Desastres e Desenvolvimento: o impacto econômico em 2010”, da CEPAL, estima que o impacto econômico foi de US$ 49,188 bilhões. (Ver quadro) “É inegável que alguns projetos, quer sejam de infraestrutura viária ou hídrica, podem ser afetados, mas, isso se deve ao pouco interesse que despertam nos investidores, o que não deve ser necessariamente grave”, sustentou Georgina Kessel, Diretora Geral do Banco Nacional de Obras e Serviços do México. Dados concretos sobre as obras necessárias são publicados desde 2008 e emanam de um estudo da Organização Pan-americana da Saúde, BID, Banco Mundial e da Associação de Engenharia Sanitária Ambiental, intitulado “Saneamento para o desenvolvimento: Como estamos em 21 países da América latina e do Caribe?”, que determina o que é necessário para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio em água e saneamento. O O principal temor sobre o qual concordam os especialistas consultados por Aqua Vitae é o reconhecimento do custo crescente e acumulativo ocasionado pelo impacto destrutivo dos eventos hidrometeorológicos externos sobre a infraestrutura de água e saneamento. Dada a importância do tema e a pertinência dos investimentos que devem continuar a ser feitos, é crucial que o setor hídrico regional esteja preparado para enfrentar uma nova recessão econômica, principalmente porque, de acordo com a ONU, serão necessários investimentos de US$150 bilhões nos próximos anos. “O panorama econômico mundial continua sombrio e o cenário da região não é uniforme: há alguns países mais e outros menos preparados para a contingência. Pensando nos pior situados, a experiência ensina, através da analise da economia política dos cortes orçamentários em tempos de crise, os investimentos são diferidos e os gastos de manutenção da infraestrutura existentes são cortados”, afirmam os consultores Gustavo Ferro e Emilio Lentini, da CEPAL. AquA VitAe 9 ViSÕeS eM PeRSPeCtiVA Para elucidar este panorama, obtivemos uma exclusiva com importantes atores do setor, que expressaram suas respectivas posições. Foram entrevistados especialistas da CEPAL e das duas principais agências regionais de água no Brasil e no México. MANTER LINHAS DE CRÉDITO Paulo Varella Diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), do Brasil. Na América Latina, quais projetos importantes do setor de água e saneamento foram afetados pela crise econômica que é enfrentada desde 2008? Os dados do Departamento de Pesquisas do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID (Latin American and Caribbean Macro Watch Database), relativos a um amplo conjunto de países (composto por Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru e Venezuela, os quais representam 93% do PIB da América Latina), indicam que os níveis de investimento não foram afetados pela crise econômica de 2008. Os dados agregados relativos aos anos de 2009 e 2010 indicam que os níveis de investimento nesses países permaneceram em um patamar de 20% do PIB, em níveis próximos ao de 2008 (22,6%) e ligeiramente superior àqueles registrados no período de 1990 a 2007. No Brasil, não há sinais de que a crise de 2008 tenha afetado diretamente o setor de saneamento. Ao contrário, o que se tem observado há algum tempo, principalmente a partir de 2007, é uma ampliação significativa dos investimentos públicos e privados no setor. Entre os grandes projetos atualmente em desenvolvimento, pode-se destacar o Projeto de Integração do Rio São Francisco com as Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional (PISF) de iniciativa do Ministério da Integração, o qual tem por objetivo assegurar a oferta de água para cerca de 12 milhões de pessoas em 4 estados brasileiros. Quais são os principais desafíos de investimentos neste setor em tempos de crise como os que viemos enfrentando? A manutenção de linhas de crédito para investimentos em ampliação e modernização da infra-estrutura sanitária é fundamental. Entretanto, é importante que, ao mesmo tempo, haja garantias de boa aplicação dos recursos públicos ofertados aos operadores públicos e privados. Que mecanismos ou instrumentos financeiros devem ser fortalecidos para se evitar que uma cise afete o setor? No Brasil, além do rol de produtos financeiros tradicionais, tem se buscado diferentes estratégias para indução positiva dos agentes econômicos diretamente responsáveis pelos investimentos em água e saneamento. Pode-se citar, entre as formas inovadoras de financiamento do setor, a constituição de fundos garantidores para parcerias público-privadas; a locação de ativos de agentes privados (construtores, financiadores e locadores) para operadores públicos (locatários); bem como a utilização de mecanismos de mercado, com criação de fundo de investimento público para compra de participações e títulos de dívida, objetivado-se a capitalização de empresas do setor saneamento. Pode-se citar também a experiência bem sucedida de “pagamento por resultados”, voltada à indução de investimentos em tratamento de esgotos. Esse mecanismo de indução financeira, em execução pela Agência Nacional de Águas há uma década, é uma forma positiva de garantir a sustentabilidade operacional de estações de tratamento de esgotos, muitas delas construídas com financiamento público CuStO DeViDO AO CLiMA Estes são alguns dos custos que vêm sendo incrementados na região em decorrência do impacto dos eventos hidrometeorológicos no setor hídrico: • 4mil pessoas afetadas pela cólera no Haiti, devido a condições insalubres e contaminação da água após o terremoto de janeiro de 2010. • US$49bilhõesem danos e perdas materiais decorrentes de desastres na América Latina, em 2010. • US$8bilhões necessários para reconstrução no Chile (incluindo obras de água potável e esgoto) após o terremoto de 8,3 graus, em fevereiro de 2010. • 1milhãode pessoas sem água, após a tormenta que destruiu o sistema de esgoto da Cidade do Panamá, em janeiro de 2011. 10 AquA VitAe OS PROJETOS NÃO FORAM INTERROMPIDOS Colin Herrón Assessor para Projetos Estratégicos. Estrellita Fuentes, Gerente de Planejamento Hídrico. Griselda Medina, Subgerente de Gestão e Avaliação de Projetos com Crédito Externo. Comissão Nacional de Águas do México (CONAGUA). Na América Latina, que projetos importantes do setor de água e saneamento foram afetados pela crise econômica enfrentada deste 2008? No caso dos projetos do subsetor de água e saneamento – e de infraestrutura em geral, no México – a estratégia do Governo Federal tem sido a promoção deste tipo de investimento como uma medida contracíclica, razão pela qual estes projetos não foram interrompidos, a pesar da crise atual. Os principais projetos hidráulicos atualmente em construção no México são: Túnel Emissor Oriente (TEO), Planta de Tratamento de Água Residual de Atotonilco e Represas para o Armazenamento de Água Potável El Realito e El Zapotillo. Entre as obras realizadas encontram-se 260 novas plantas de tratamento e a restauração e ampliação de outras 51. As construções não foram afetadas de maneira significativa pela crise econômica. Quais são os principais desafios de investimento neste setor, em tempos de crise como os que temos enfrentado? No caso específico do México, há um desequilíbrio entre a disponi- bilidade e a demanda do recurso água. A projeção para os próximos 20 anos indica que essa situação se agravará. São necessários investimentos de mais de 50 bilhões de pesos ao ano, até 2030. Pelo anteriormente exposto fica claro que, apesar dos tempos de crise, o investimento em medidas estruturais e não estruturais, relacionadas aos recursos hídricos, representa um uso eficiente dos recursos econômicos. De que maneira os países devem enfrentar os desafios para garantir água e saneamento integral nas épocas de crise econômica? Dando prioridade às medidas com menor custo marginal de implementação, tais como o reparo de vazamentos domésticos, industriais, comerciais e municipais, o que representaria um maior benefício monetário em relação aos investimentos requeridos. Por outro lado, é conveniente compartilhar algumas reflexões sobre a experiência no México, que certamente se aplicam à maioria dos países da região. • • • • • O atuação eficiente dos órgãos operadores é fundamental. A corresponsabilidade dos três poderes governamentais é imprescindível. O valor econômico da água deve ser aceito pela sociedade. O setor deve pagar-se por conta própria. A prestação do serviço é autofinanciável. O tema da água deve ser despolitizado. As tarifas devem ser estabelecidas pelo Congresso e não pelo município. O marco regulatório precisa ser fornecido. MOtOR FiNANCeiRO O Banco Mundial é considerado o principal financiador externo de programas de fornecimento e saneamento, irrigação e drenagem, gestão de bacias fluviais e águas transfronteiriças, e outras áreas relacionadas. De acordo com informações fornecidas por essa entidade: • Entre2003e2010ofinanciamentoanualdoBanconestesetoraumentoudeUS$1,8bilhõesparaUS$5,7bilhões. • Osprojetosdeabastecimentodeáguaesaneamentoforamosmaisfavorecidos(US$4,2bilhõesdurante2010). • OBMdesenvolveráprojetosquedeemomaiordestaquepossívelaotemadaágua,comoobjetivodefinanciarospaísesemprocesso de adaptação e atenuação dos efeitos da mudança climática. • Aumentaráosocorroàgestãohídricaagrícola,paraoestímulodousoeficientedorecursopelosagricultores,comoobjetivode atender à crescente demanda mundial por alimentos. • Hálinhasdecréditoparaofinanciamentodeprojetosdeabastecimento,saneamento,irrigaçãoedrenagem,hidroeletricidadee proteção contra inundações. AquA VitAe 11 UMOBJETIVODEPRIORIDADEMÁXIMA Andrei S. Jouravlev Oficial para Assuntos Econômicos da Divisão de Recursos Naturais e Infraestrutura da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Quais são as consequências da afetação, paralisação ou adiamento de projetos de água e saneamento por falta de financiamento? A preocupação com estes projetos tem origem no reconhecimento de que a cobertura insuficiente e a qualidade ruim dos serviços de água potável e saneamento, além de prejudicar a saúde da população e contribuir para a intensificação da pobreza, afetam o meio ambiente, o desenvolvimento socioeconômico, a inserção dos países em uma economia globalizada, a estabilidade política, a coesão social e a disponibilidade de água para diversos usos, tanto relacionados ao desenvolvimento produtivo, quanto aos interesses sociais e ambientais. A pobreza agravada pela falta de serviços de água potável e saneamento se converte em uma situação difícil de ser vencida, porque se associa à fome e às doenças, impede o emprego estável e afeta de forma negativa a presença na escola. Por essas razões, o fornecimento de serviços de água potável e saneamento, seguros e de boa qualidade, a toda a população, deveria representar – mesmo em tempo de crise – um objetivo de máxima prioridade para os governos dos países da América Latina e do Caribe. Quais são os principais desafios de investimento neste setor, em tempos de crise como os que temos enfrentado? De 12 AquA VitAe que maneira devem ser enfrentados, pelos países, o desafio para garantir água e saneamento integral em época de crise econômica? O ciclo macroeconômico reflete diretamente no financiamento do setor de água e saneamento. A situação de déficit fiscal, por exemplo, incide na disponibilidade de fundos para investimento que, via de regra, são destinados a despesas correntes. Observa-se uma relação inversa nas épocas de maior crescimento, que costuma ser acompanhada da ampliação do orçamento para o setor. Vale notar que os grandes investimentos em infraestrutura são medidas anticíclicas, bem-vindas em épocas de recessão, mas podem ser uma fonte de inflação em períodos de auge, especialmente em países com economias pequenas. A capacidade de cobrir o custo de operação e manutenção (e inclusive de investimento em água e saneamento), onerando os usuários, melhorou em vários países da região, nas últimas décadas. No entanto, ainda há países nos quais nem mesmo os prestadores a cargo das grandes cidades alcançam a sustentabilidade financeira, por manter a cobrança tarifária muito abaixo do custo real do fornecimento, o que beneficia não apenas as famílias com baixa renda, mas também todos os usuários residenciais. É importante assinalar que o autofinanciamento a partir da tarifação dos usuários reduz a pressão sobre o orçamento público, permitindo a destinação de fundos a outras áreas de ajuda social, além de possibilitar que o serviço se financie de forma permanente e constante, o que restringe a vulnerabilidade às oscilações econômicas que, de fato, é experimentada quando o orçamento depende do erário público. GRANDeS e NeCeSSÁRiOS Estes são alguns dos projetos de abastecimento de água potável e saneamento, desenvolvidos na América Latina, alguns de grande dimensão e outros para obter melhor cobertura. MÉXICo • • CoLÔMBIa • • • • Túnel Emissor Oriente. Beneficiará 20 milhões de pessoas da Região Metropolitana do México. PlantadeTratamentodeÁguaResidualde Atotonilco. Tratará 60% da água do Vale do México. Maior obra deste tipo no mundo. RepresasparaoArmazenamentodeÁgua Potável de El Realito. Farão o abastecimento de água da região metropolitana de San Luis Potosí. Todos pelo Pacífico. Melhoria da cobertura de água e saneamento em Choco, Nariño e Cauca. Fundo Nacional de Participação. Recursos para projetos em Bolívar, Sucre, Magdalena, Risaralda, Quindío, Vaupés e Nariño. Saneamento do Rio Medelin. Recuperação desta fonte da segunda cidade mais povoada (3,4 milhões.) eQuaDor • BancodoEstado. Construir redes de esgoto para a descontaminação do rio Burgay, o que beneficiará os municípios de Cuenca e Azogues. A segunda etapa é um projeto de saneamento e a terceira uma planta de tratamento. BraSIL • • argeNtINa • • • PlantapurificadoraDoBicentenario. Beneficiará 4 milhões de pessoas na Grande Buenos Aires, com um investimento de US$500 milhões. Plantapotabilizadoradeosmoseinversa. Para tratar a água de 400 mil habitantes na região de La Matanza. SaneamentodaBaciaMatanza-Riachuelo. Recuperação da principal fonte superficial da cidade de Buenos Aires. • Projeto de Integração do Rio São Francisco. Garantirá água a 12 milhões de pessoas nos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. Sabesp. Desenvolve mais de 80 projetos no Estado de São Paulo. Programa de Aceleração do Crescimento. A empresa Sanepar tem projetos da ordem de US$500 milhões no Paraná, para água potável e tratamento de água. Fontes: CONAGUA, ANA Brasil, SABESP, SANEPAR, Água e Saneamento da Argentina, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Banco do Estado do Equador, Vice-ministério de Água e Saneamento da Colômbia e Ministério da Habitação, Construção e Saneamento do Peru. AquA VitAe 13 Foto: Carmen Abdo ECONOMIA A Aliança Latino-Americana de Fundos da Água (ALFA) surge como um mecanismo inovador, cujo objetivo é proteger os recursos hídricos mais ameaçados da nossa região. 14 AquA VitAe Foto: Carmen Abdo INVESTIMENTO EM “INFRAESTRUTURA VERDE” MARK TERCEK Presidente e Diretor Geral The Nature Conservancy (TNC) O s páramos, florestas nubladas, florestas tropicais e até os desertos e as florestas secas nos proveem a água necessária à nossa vida. Esses ecossistemas captam, retêm, filtram e fornecem uma vasta quantidade de água doce. Além de fornecerem água limpa às pessoas, esses locais são o habitat de uma rica diversidade biológica em todo o planeta. Essas bacias enfrentam graves ameaças ocasionadas pela poluição, pelo desenvolvimento e pelas mudanças climáticas em todo o mundo. Quando esses recursos naturais se degradam ou desaparecem, milhões de pessoas ficam expostas ao risco de doenças e fome devido à falta de água limpa. Mas, as economias também se veem ameaçadas quando setores como, por exemplo, o da cana-de-açúcar ou o manufatureiro, não podem produzir os seus bens por não contar com uma oferta suficiente de água limpa. Para enfrentar essa situação, líderes empresariais globais, financeiros, de desenvolvimento e preservação, anunciaram a criação da Aliança Latino-Americana de Fundos da Água, por meio da qual tenta-se proteger quase 3 milhões de hectares de bacias hídricas no Equador, Colômbia, Peru, Brasil, México e em outros países, como um mecanismo financeiro inovador, que ajude a fomentar um triplo benefício: o das empresas, o das comunidades e o da natureza. Ao investir em infraestrutura verde, como as florestas ou rios, as companhias e empresas gestoras da água poupam dinheiro na construção da infraestrutura cinza, por exemplo: os sistemas de filtragem. As comunidades se beneficiam com a geração de uma receita sustentável e com a oferta de água limpa, sem contar que os sistemas naturais são protegidos e mantidos como habitat da vida silvestre, ao mesmo tempo em que nos proporcionam água limpa. Um Fundo de Água é uma forma inovadora de pagamento dos serviços prestados pela natureza e reinvestimento desse dinheiro na preservação. Como uma bacia sadia reduz o custo do tratamento da água, os Fundos atraem contribuições voluntárias de grandes usuários de água bacia abaixo, como os aquedutos, as hidroelétricas e as indústrias. O ganho destes investimentos é destinado a processos de preservação das terras essenciais bacia acima, com a filtragem e regulação da oferta de água por meio de atividades como o reflorestamento, o ecoturismo e o monitoramento dos fluxos de água. Os Fundos de Água também ajudam a criar incentivos para a geração de oportunidades econômicas verdes, com impacto positivo nas comunidades locais, como por exemplo, a pecuária sustentável. As empresas privadas e gestoras de água estão investindo nos Fundos porque depois de fazer as contas, tomaram consciência de que os mecanismos são eficazes no tocante ao custo destinado a garantir maior qualidade e quantidade de água para os produtos e serviços que oferecem aos seus usuários. Os sócios da Aliança esperam que à medida que mais atores reconheçam os benefícios do Fundo, eles se comprometerão a trabalhar em prol da água e das bacias da América latina, em favor da natureza e das pessoas. A expectativa é de que este modelo de conservação de bacias possa ser adaptado e desenvolvido em outras regiões do mundo, como uma ferramenta para enfrentar desafios globais, que se traduzem em maior escassez de água, como nas mudanças climáticas. Já há esforços dessa natureza em andamento nos Estados Unidos, nas ilhas do Caribe e na África. AquA VitAe 15 Assim funcionAm os fundos de ÁguA A ALIANÇA É… ...um mecanismo de apoio financeiro para os Fundos de Água. Provê suporte a atores locais, e ao mesmo tempo determina a viabilidade da instalação deles em uma bacia. Estabelece a estrutura de gestão para cada fundo, fornecendo recomendações aos encarregados. PARTICIPAM A Aliança tem um conselho de investidores públicos e privados. Espera-se que haja mais sócios no futuro. • TheNatureConservancy. • GlobalEnvironmentFacilityatravésdoBancoInteramericanodeDesenvolvimento. • FundaçãoFEMSA. DADOS • 32 Fundos de Água serão criados em 5 anos na América Latina. • US$ 27 MILHÕES serão investidos na criação, implementação e capitalização destes fundos. • 3 MILHÕES de hectares de florestas da região serão protegidos com este capital. • 50 MILHÕES de latino-americanos serão beneficiados por estes projetos. ENFOQUE REGIONAL • Trabalha-secomfundosnoEquador,Colômbia,PerueBrasil. • Disponibilizar mais fundos no Equador, Colômbia, Peru, Brasil, México e em outros países da América Latina. QUEREMOS 1. Fomentar as economias verdes. 2. Reduzir os riscos ambientais. 3. Criar novos esquemas econômicos. COMO FUNCIONAM Investimentos voluntários dos setores público e privado são reunidos em um fundo central e investidos. 16 AquA VitAe É criado um conselho para supervisionar cada Fundo. O conselho é formado por representantes dos investidores, da comunidade local, do setor público e do operador de água. Os juros e o lucro gerados pelo Fundo são distribuídos aos projetos de conservação. o PRimeiRo sucesso A experiência do The Nature Conservancy (TNC) no trabalho sobre os Fundos de Água foi fundamental para a Aliança, pois reúne evidências científicas de que os modelos derivados dele são altamente eficazes. Noano2000,oTNCreuniuesforçoscomsóciosdossetores público e privado para a criação do primeiro Fundo para a Proteção da Água, em Quito, no Equador. O projeto iniciou com um investimento de US$21.000 dólares, que se converteramemUS$10milhõesemapenasumadécada. Atualmente, cerca de US$1 milhão de dólares do Fundo de Água de Quito são investidos a cada ano na proteção de florestas, prados e páramos, das bacias que abastecem de água potável dois milhões de habitantes de Quito. O TNCtambémcriouFundosdeÁguaemcidadescomoBogotá,naColômbia,SãoPaulo,noBrasileLima,noPeru. Conversamos sobre essa iniciativa com Pablo Lloret que estávinculadoaoFundoNacionaldeÁguadoEquador. ‘‘ “Nos anos 1980, houve um problema com o abastecimento de água para a cidade de Quito e seu entorno. Em meadosdadécadade1990,oproblemaseagravoumuito, havendo inclusive escassez e má distribuição. Isso se converteu em uma problemática complexa porque Quito, situada a 2.800 metros acima do nível do mar, precisa de água por gravidade ou de lençóis freáticos, e naquela épocajáoshaviaesgotado.Emjaneirode2000foicriado o FONAG, que é patrimonial e opera como um fundofiduciário.Suaprincipalcaracterísticaéqueocapital aportado pelos sócios não pode ser revertido, apenas os rendimentosfinanceirosdofideicomisso.Como99%dos recursos são próprios dos usuários da água, essa é uma forma “sui generis” de gestão da água, que agora está sendoreplicadaemoutroslocais.Temosumavidaútilde 80 anos. Isso significa um longo prazo, então 80% dos investimentos são destinados a programas de proteção e conhecimentodaágua,e20%aprojetosprodutivosque geram renda para as comunidades”. A Aliança Latino-Americana de Fundos da Água considera a próxima reunião mundial de cúpula Rio +20, que será realizada daqui menos de um ano, uma oportunidade para o incremento da escala deste mecanismo inovador. ‘‘ AquA VitAe 17 casos Fotos: Associação Águamunicipal Municipal Paraíso, Honduras Fotos: asociação Junta Junta de de Água doEL Paraíso, Honduras. SÓCIOS GERADORES DE BEM-ESTAR Este grupo conseguiu colocar em acordo 42 órgãos administradores de água e saneamento na região de El Paraíso, em Honduras, que contrataram especialistas e assistentes sociais para ensiná-los a transitar pela vereda do trabalho conjunto e abastecer de água os habitantes locais. Por BORIS RAMÍREZ 18 AquA VitAe CaraCterístiCas da Comunidade o departamento oriental de Honduras faz limite com a nicarágua e sua capital é Yuscarán. Com uma extensão de 7.218 km², é formado por 19 cidades, com 383.565 habitantes, segundo estimativas de 2005. o território montanhoso e muito acidentado é banhado pelo rio Guayambre, que deságua no atlântico; e pelo rio Choluteca que desemboca no Pacífico, em cujas margens são realizadas atividades domésticas e agrícolas. a economia do departamento está baseada na agricultura (cultura de café, cana-de-açúcar e frutas tropicais), na pecuária e na exploração de minas de ouro e prata de Água Fria e Yuscarán. sua rede de comunicação é deficiente. situação iniCial estas comunidades, situadas em regiões rurais, com baixos índices de infraestrutura de serviços públicos, enfrentam enormes desafios no acesso à água potável e ao saneamento. segundo informações do Programa aguasan 2004-2008, a região se encontrava em situação comparável com a dos dados nacionais para as áreas rurais: • • • • 19% da população sem acesso à água potável e 46% sem acesso a saneamento. doenças provocadas pela má qualidade da água ou por falta de saneamento e higiene. apenas 44% da população têm conexões de água clorada. 90% dos sistemas de abastecimento de água são intermitentes, ou seja, não oferecem o serviço de forma permanente. • a falta de água e de saneamento tem reflexos na dignidade das pessoas e as exclui da participação na sociedade em que vivem. Como a situação Foi soluCionada? os 42 Órgãos administradores de água potável e saneamento dos municípios de alauca e el Paraíso (instituídos a partir de 2000) obtiveram ajuda do programa aguasan Honduras para conseguir atender à demanda de suas comunidades. Fizeram uma aliança com a Prefeitura municipal para que essa os ajudasse a gerir os recursos da Cooperação suíça, com os quais fortaleceriam a organização, os órgãos, e realizariam obras para acesso à água e saneamento. Foi selecionada uma entidade que ajudará a executar o projeto. a Catholic relief services (Crs), por exemplo, forneceu assessoria e assistência em todos os processos realizados. a prefeitura liberou verbas, maquinário e designou pessoal de apoio. a comunidade fornecia mão de obra, manutenção e fazia bom uso das obras. o processo contou com o apoio de técnicos em água e saneamento, além de promotores sociais contratados. um êxito obtido pelos órgãos foi a promoção do enfoque de gênero, que incentivou o trabalho ativo das mulheres. resultados entre os anos 2005, quando foi negociada a ajuda da Cooperação suíça, e 2008, quando foi aprovado o Projeto el Paraíso com Água e saneamento, até os dias de hoje, foram obtidos benefícios tais como: • • • • • • • investimento de us$ 832.523 em 5 projetos: Fortalecimento da associação. doação de material. el Paraíso com água e saneamento. melhora de sistemas de água potável. Construção de 175 latrinas com fechamento hidráulico e de 235 aterros sanitários. Construção de 4 aquedutos em 5 comunidades, beneficiando 148 famílias. recuperação de 3 aquedutos em 4 comunidades, para o beneficio de 246 famílias. realização de projetos de acesso à água potável e saneamento nas comunidades de Barrancas abajo, san Carlos, Quebrada negra e Crique de oro, e melhora da qualidade da água das cidades de las Vegas de Cuyalí, Conchagua abajo, Palo Verde, las selvas, Buena Vista e Cedrales. realização de 676 obras de saneamento em 14 cidades da região. Construção de 646 latrinas. Construção e colocação em operação de 12 módulos sanitários em escolas. ações de fortalecimento e capacitação dos órgãos administradores e beneficiários de organização comunitária, gestão de projetos, capacitação financeira, higiene e saneamento, manejo de microbacias, operação e manutenção de obras e gênero. AquA VitAe 19 LEGISLAÇÃO AS LIÇÕES Foto: SXC DO REFERENDO 20 AQUA VITAE A Colômbia conseguiu mobilizar mais de dois milhões de pessoas para impulsionar um referendo pela água. Esse grande movimento, que foi refreado na Câmara dos Representantes, voltou a ganhar força graças a uma resolução da Corte Constitucional. O tempo passa, mas os temas relacionados à água perduram. Por BORIS RAMÍREZ O s temas impulsionados por mais de dois milhões de colombianos em 2008, no início do processo de convocação de um referendo nacional sobre o problema da água, não naufragaram totalmente diante da negativa da Câmara de Representantes. Voltaram a ganhar força em abril de 2010, graças a uma resolução da Corte Constitucional que definiu as limitações do Congresso para a atuação em relação a uma iniciativa legislativa de origem cidadã (como a que apoiou a solicitação do referendo sobre a água). Porém, apesar do tempo e das circunstâncias não terem viabilizado a realização da consulta popular, mantiveram-se vivos vários aspectos relacionados aos recursos hídricos, que precisam ser solucionados na Colômbia. • 1 ano – 5 rios Durante 12 meses foram percorridos os principais rios para obter as assinaturas. Foram encontrados: perda de umidade no rio Cauca devido ao cultivo extensivo da cana, contaminação no rio Magdalena, insuficiência de aquedutos, lixo e esgoto vertidos nos rios e em fontes hídricas. • 2.039.000 Assinaturas foram apresentadas em outubro de 2008 no Registro Nacional da Colômbia, mais do que os dois milhões necessários para a convocação de um referendo sobre a água. A Câmara de Representantes o freou em 2009. AS MUDANÇAS Quatro foram as metas específicas deste referendo, assinalando aspectos que deviam ser mudados na Constituição Política. A enorme discussão e polarização em torno do tema levaram os impulsionadores do referendo a recorrer ao órgão constitucional de mais alta ordem, para que ele revisasse as negativas à convocação do referendo, emanadas das Primeira e Quinta Comissões da Câmara dos Representantes. O pronunciamento da Corte Constitucional determinou as limitações do Congresso para atuar em relação a uma iniciativa legislativa de origem cidadã, dando razão aos impulsionadores do referendo. Mesmo assim, não foi possível convocá-lo. “Sabemos que as nossas propostas sobre o manejo e o acesso à água são polêmicas por serem audaciosas. No entanto, compete ao povo colombiano decidir a favor ou contra elas e não o Congresso. A Corte deixou isso claro e nos deu razão ao resgatar um mecanismo de participação”, sustenta Rafael Colmenares, principal porta-voz do Comitê Nacional de Defesa da Água e da Vida. Mas, para entender este procedimento, é necessário compreender três etapas: o movimento do referendo, as mudanças legais e os temas que não foram resolvidos. - Definição da água potável como um direito fundamental. - Fornecimento de um mínimo vital de água gratuito. (A Organização Mundial da Saúde estabelece 7,5 litros por dia). - Proteção especial e uso prioritário dos ecossistemas essenciais ao ciclo hídrico. O MOVIMENTO - Gestão pública, estatal e comunitária dos serviços de água • e esgoto. 1200 Organizações sociais se unem para promover o referendo e coletam 1,5 milhões de assinaturas em março de 2006. AQUA VITAE 21 ‘‘ A Colômbia ocupa o 24o lugar, entre 203 países, em disponibilidade de água. Isso a converte em uma potência hídrica mundial. O QUE ESTÁ PENDENTE Setores vinculados ao setor de água, no nível ambiental, público e privado, consideravam que diante da negativa de obter mais assinaturas - pretendia-se passar dos 5% atuais, para 10% do censo nacional - os trâmites do referendo pela via cidadã não seriam viáveis. Passaram a estimular a conveniência de realizar três importantes reformas legais que estão sendo discutidas em instâncias governamentais (Planos Departamentais de Água e Aquedutos Comunitários) e em setores sociais (Declaração da água como um direito humano), mas, a resolução final ainda está pendente. PLANOS DEPARTAMENTAIS DE ÁGUA Estabelecimento de um mecanismo para planificar e harmonizar os recursos e a prestação de serviços no nível departamental. Através de tal mecanismo os departamentos teriam autonomia de gestão, dentro dos limites da Constituição e da lei, para governar-se como autoridades próprias, exercer atribuições, adminis- ‘‘ Sistema de Informações Ambientais da Colômbia trar recursos, estabelecer cobranças e participar da renda nacional. O projeto suscitou críticas e dúvidas que precisam ser esclarecidas. AQUEDUTOS COMUNITÁRIOS 25% da população da Colômbia é servida por aquedutos comunitários. Isso obriga a regulação das condições de capacidade técnica dos operadores autorizados pelo artigo 365 da Constituição Política, que enfrentam desafios em itens como melhor desempenho, tarifas, margem de rentabilidade e perda de autonomia local. É necessário um marco legal para que continuem a se desenvolver e não serem absorvidos pelos PDA. DECLARAR A ÁGUA UM DIREITO HUMANO O movimento gerado pelo referendo considera que este propósito é irrenunciável e que é necessário buscar novas ações políticas que consigam definir na Constituição Política da Colômbia a água como um direito humano fundamental e um bem público para as gerações atuais e futuras. APOIO MULTISETORIAL Durante anos, muitos lutam para que a força do movimento pela água se traduza em ações concretas: • “Não há dúvidas de que a frustração do Referendo provocou o recuo do movimento que começava a se delinear. Isso não quer dizer que a luta pela água terminou. O Referendo, suas propostas, são hoje um programa que deve continuar a ser impulsionado, que não pertencem mais a nós que o promovemos - são hoje patrimônio do movimento social colombiano”. Rafael Colmenares, ambientalista e porta-voz do Referendo da Água. • “O setor de água potável não cresceu no mesmo ritmo que a população, e há regiões do país nas quais há problemas de disponibilidade, continuidade, qualidade e quantidade do serviço.” Walter Cote, Diretor da Cruz Vermelha Colombiana. • “Não é possível reconhecer o direito à água como um direito humano fundamental, porque o Estado não tem como fazê-lo valer”. Alejandro Ordóñez, Procurador Geral da Colômbia. • “Desde o início fomos a favor da iniciativa de declarar a água um direito humano, que permita garantir que as pessoas tenham acesso a ela. Essa é uma condição necessária para melhorar a vida, e todos precisamos entender isso”. Héctor Buitrago, vocalista de Aterciopelados. 22 AQUA VITAE AMBIENTE FLORESTAS E ÁGUA CONEXÃO VITAL E INDISPENSÁVEL Por BORIS RAMIREZ AquA VitAe 23 Fotos: Carmen Abdo As florestas são essenciais para a conservação do caudal hídrico porque agem como esponjas, graças à sua enorme capacidade de captar e armazenar líquido. Os solos das florestas conseguem absorver quatro vezes mais água da chuva do que os solos cobertos por pastos, e 18 vezes mais do que o solo descoberto. A América Latina possui “cerca de 22% das florestas do mundo. Na América do Sul se encontra a maior floresta tropical, na bacia amazônica, a mesma que compreende uma enorme diversidade de espécies, habitats e ecossistemas”, afirma a Engenheira Florestal Doris Cordero, em seu livro intitulado “Los bosques de América Latina”, publicado em 2011. - Acadêmico. “Trabalhando no manejo integral de bacias percebemos que é necessário incorporar a floresta porque temos enormes problemas de filtragem e concentração de água subterrânea devido à falta da capa florestal”. Engenheiro Gerardo Orechia, Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (INTA) da Argentina. Os especialistas clamam pela manutenção do equilíbrio florestal, em decorrência da exploração excessiva de madeira e do desmatamento para abrir terrenos para a agricultura e para a pecuária. A FAO indica que em 2010 cerca de 14% do total da área de florestas da região foi destinada principalmente para fins produtivos, frente a uma média de 30% na esfera mundial. Em números totais, essa área de florestas aumentou de 78,3 milhões de hectares em 2000 para 83,3 milhões de hectares em 2010, sendo que nessa década, em média, 57% das extrações foram para uso da madeira como lenha em processos produtivos e domésticos. - Sociedade. “Honduras é um país com problemas decorrentes da derrubada excessiva de árvores. O nosso trabalho comunitário pela água nos obrigou a entender que para garantir quantidade e qualidade, também é necessário ter zonas protegidas, nas quais as árvores sejam um elemento básico. Por isso, parte importante do nosso trabalho é um projeto de viveiro e de reflorestamento”. Zumilda Duarte, Associação de Agências Administradoras de Água do Setor Sul do Parque Pico Bonito, em Honduras. No último relatório da FAO, de 2011, sobre a situação das florestas, o território mencionado apresenta uma avaliação tanto com aspectos luminosos quanto sombrios. “A região que mais decepciona é a América Latina, porque é evidente que o desmatamento está ligado ao subdesenvolvimento e ao crescimento demográfico. Mas quando as sociedades começam a emergir economicamente, o desmatamento costuma inverter-se”, afirmou Eduardo Rojas, Subdiretor do Departamento Florestal da FAO, ao apresentar este relatório. A Aqua Vitae consultou autoridades latino-americanas de três setores vinculados ao manejo de bacias para informar o que é feito na região nos aspectos: 24 AquA VitAe - Governo. “O manejo integral do setor de água nos levou a promover ações de poupança, reutilização e limpeza de bacias, somadas a esforços para reflorestar as bacias e não lançar lixo nos rios”. Sonia González, Direção Geral de Mudanças Climáticas, Desertificação e Recursos Hídricos, Ministério do Meio Ambiente, do Peru. RELAÇÃO FUNDAMENTAL A conclusão é evidente e categórica. O uso, a preservação e o manejo das florestas são indispensáveis para a preservação dos recursos hídricos. As florestas e fontes hídricas constituem um ecossistema no qual um não pode ser entendido sem o outro porque mantêm uma relação natural, da qual dependem o equilíbrio e o desequilíbrio no contínuo ciclo hidrológico. Devido à importância das florestas, 2011 foi declarado o Ano Internacional das Florestas, com o objetivo de analisar os componentes essenciais do entorno delas. “As fl orestas proporcionam muitos recursos naturais: madeira, combustível, borracha, papel e plantas medicinais. Também ajudam a manter a qualidade e a disponibilidade do fornecimento de água doce. No mundo, mais de três quartos da água doce acessível provêm das bacias florestais. A qualidade da água declina com a depauperação das condições da floresta e da cobertura e, por isso, riscos naturais como chuvas intensas, desmoronamentos e erosão da terra têm impacto maior”, afirmou Achim Steiner, Diretor Executivo do PNUMA, na época do evento citado, na Índia, em junho de 2011. Para entender essa relação estreita, é necessário reconhecer os seguintes serviços ambientais que as fl orestas prestam à água, de acordo com a União Internacional de Conservação da Natureza: • • Mitigar as inundações. O solo das florestas altas acumula a água da chuva e regula o caudal conduzindo-o às terras baixas e ao mar. Controle da erosão e dos deslizamentos de terras. As florestas maduras evitam os efeitos das chuvas fortes por meio da evapotranspiração e de sua capacidade de armazenar a água pluvial e fi ltrá-la para os aquíferos, desse modo, mitigam os possíveis efeitos negativos das torrentes. • Recarga da água subterrânea. A cobertura florestal ajuda na transferência lenta do excesso de líquido para os aquíferos subterrâneos, que continuam a fornecer água nos períodos de seca. • Depuração da água. As florestas desempenham um papel essencial não só no armazenamento da água, mas também na manutenção da função de fi ltro e na produção de água subterrânea de alta qualidade. • Caudal. As florestas e os pântanos ajudam a estabelecer as condições dos caudais, que garantem a vida nos ecossistemas aquáticos e nos relacionados à água. • Biodiversidade. As florestas bem conservadas melhoram as condições ambientais dos cursos fluviais, que são fundamentais para a criação de nutrientes e condições para a existência de diversas espécies de seres vivos. ReLAÇÃO FRutÍFeRA As árvores prestam uma série de serviços ambientais necessários à existência e preservação dos recursos hídricos 1. As florestas são os ecossistemas que mais produzem água. Quando escorre pelo solo, a água forma rios, arroios, lagos e lagoas. Quando é filtrada no subsolo, forma aquíferos. 2. À medida que perdemos as florestas, diminui-se a capacidade de captação da água. 3. As raízes são capazes de extrair água de zonas profundas. Esta reserva é liberada gradualmente e ajuda a evitar inundações e secas sazonais. 4. Quanto mais vegetação, maior a presença de chuva. Nas zonas desmatadas, as nuvens se formam a grande altitude, sendo presa fácil dos ventos, o que reduz a quantidade de chuva. 5. A água circula em todos os níveis da floresta e qualquer coisa que a contamine também contamina a floresta. 6. Em certas bacias, o desmatamento provoca o arrasto de material sólido, causa a salinização do solo e favorece o acúmulo de material que impede circulação das correntes de água; também diminui a quantidade desse líquido e promove a perda de solos férteis. Fonte: Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Naturais, México. AquA VitAe 25 BeM e MAL O relatório “Situação das florestas do mundo 2011”, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), dá notas boas e ruins à América Latina POSITIVO NEGATIVO • Hospeda 891 milhões de hectares de florestas (22% de todo o mundo). • A América do Sul sofreu uma diminuição de mais de meio milhão de hectares por ano, entre 1990 e 2010. • O Brasil é um dos 5 maiores países em riqueza florestal no mundo. • A metade do desmatamento líquido de todo o planeta ocorre no Brasil (2,6 milhões de hectares). • Costa Rica, Chile e Uruguai são países que aumentaram a própria cobertura florestal. • A extração de madeira na região registrou crescimento contínuo nas duas últimas décadas. A lenha representava 57% da extração. • Brasil, Chile, Argentina, Uruguai e Peru registraram o maior aumento em área de florestas plantadas, entre 2000 e 2010. • A Argentina tem problemas enormes com o desmatamento. queStÃO De eSFORÇO Dois casos exemplificam os muitos esforços realizados na região para dimensionar o trabalho feito com as florestas, como aliadas naturais da produção e preservação da água. SELO CANCÚN. A Conferência das Partes da Conferência das Nações Unidas contra as Mudanças Climáticas adotou a decisão de criar o mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD+). Esse é um programa ambicioso que visa a redução das emissões derivadas do desmatamento e da degradação florestal, a ordenação sustentável das florestas, a conservação das reservas florestais e a melhoria das reservas florestais de carbono. Neste fórum realizado em Cancún, no México, em novembro de 2010, não houve referência à modalidade de financiamento. A REDD+ obteve compromissos financeiros de máximo nível e muitos presidentes e primeiros ministros e seus representantes prometeram impulsionar a implementação de tal mecanismo. Austrália, Estados Unidos, França, Japão, Noruega e Reino Unido concordaram em proporcionar US$3,5 bilhões “como financiamento público inicial para diminuir, deter e, em última instância, reverter o desmatamento nos países em desenvolvimento”, comentou Christiana Figueres, Secretária do Convênio Marco e impulsionadora do projeto. Em outras reuniões recentes, como a Conferência de Oslo sobre o Clima e as Florestas, realizada em maio de 2011, os chefes de estado fizeram declarações similares. SELO MAIA. Em San Vicente Buenabaj, em uma comunidade maia formada por 14 casarios, com 15 mil habitantes, no departamento de Totonicapán, na Guatemala, foi estabelecido um comitê para a proteção dos recursos hídricos. O modelo escolhido foi o de intensificar o que é conhecido como parcialidade uma forma de propriedade coletiva da floresta, oriunda da época pré-histórica, que foi um mecanismo de controle social durante o período colonial. Com esse mecanismo, as famílias protegem a floresta, extraem cargas de lenha como remuneração pelo trabalho realizado e têm a responsabilidade primordial de reflorestar as áreas nas quais fazem a extração. “Se não houver um bom manejo florestal, não haverá disponibilidade de água. Sem florestas não há água. As tarefas realizadas são do tipo comunitário, sendo necessário incentivar a comunidade para que participe de cada uma das tarefas planejadas: a distribuição de lenha e madeira, fruto do plano de aproveitamento, e a distribuição de incentivos florestais são práticas que fomentam a participação ativa das comunidades”, comentou Selyn Pérez, líder indígena que relatou essa experiência durante o II Encontro Latino-Americano de Gestores Comunitários de Água e Saneamento, realizado em setembro de 2010, na cidade de Cusco. Este esquema permitiu a conservação de 164 hectares e o reflorestamento de 170. 26 AquA VitAe opinião INÉS RESTREPO TARQUINO Diretora do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento em Abastecimento de Água, Saneamento Ambiental e Conservação dos Recursos Hídricos (CINARA), Colômbia. ViSÃO RuRAL e LiÇÕeS APReNDiDAS É necessário desenvolver tecnologias para o setor de águas e saneamento junto com as comunidades que as usarão, pois assim receberão o mesmo “código genético” de tais comunidades e não gerarão o retrocesso causado por tecnologias provenientes de contextos distintos. Quanto dinheiro e esforços foram desperdiçados na busca do que chamam de “progresso” em nossos países? O desenvolvimento deve ser entendido de acordo com seu contexto histórico. Entretanto, o conceito de desenvolvimento que uma determinada sociedade deseja alcançar deve ser conquistado através de processos integrados. Por isso, todas as intervenções devem ser direcionadas para essa integração. A setorização institucional no tratamento das águas é uma das principais limitações para “somar-se” sempre a esse desenvolvimento. Infelizmente, a dinâmica da mudança que visa ao desenvolvimento humano sustentável em nossos países tem total dependência de entidades internacionais, não é uma mudança que ocorra dentro de nossas próprias sociedades. Por isso, a prática sem um marco conceitual que a apoie é um perigo real em relação aos “efeitos perversos das boas intenções”. E um marco conceitual sem fundamento na prática é inútil. Uma expressão desse fundamento na realidade dos marcos conceituais são as metodologias e tecnologias das intervenções, pelos quais as avaliações não deveriam medir simplesmente os produtos, senão as metodologias das intervenções. As metodologias devem ser participativas (principalmente através de decisões), de modo que as tecnologias sejam fruto dessa participação, partindo do conhecimento local. Entre a teoria da formação superior e a prática de sobrevivência das comunidades rurais há uma distância considerável. Os profissionais não têm formação para entender a totalidade dos problemas das famílias e dos assentamentos rurais, já que as soluções propostas causam mais problemas do que os já enfrentados pela comunidade. É possível resolver boa parte da problemática da água nas zonas rurais – pelo menos, nos problemas que podem ser geridos localmente – com metodologias e tecnologias inovadoras, que partam do conhecimento da população. Um apoio fundamental nos processos participativos vem dos grupos focais tradicionalmente não reconhecidos (mulheres e crianças) e da supervisão desses processos por parte dos cidadãos. No entanto, os problemas gerados pelo contexto em que se encontra o nível local podem afetar as possibilidades de solução real dos problemas. Deve-se, então, participar com afinco da solução dos problemas locais. Assim, é necessário ajudar as comunidades rurais em seu papel de interlocução política devido à capacidade de influenciar as decisões sobre a gestão das águas em bacias, municípios, regiões e no país. Em relação ao desenvolvimento tecnológico, deve-se recordar que as tecnologias têm o código genético da sociedade que as desenvolveu, em seus componentes físicos e operacionais. Por isso, é necessário desenvolver tecnologias junto com as comunidades que as usarão, pois assim receberão o mesmo “código genético” de tais comunidades e não gerarão o retrocesso causado por tecnologias provenientes de contextos distintos. A investigação aplicada e participativa e a inovação devem ser fomentadas na educação e em projetos de todos os níveis. Toda a vida da comunidade rural depende do seu acesso à água, tanto para suas atividades domésticas quanto para as produtivas. De nada vale a terra sem água, fato do qual as comunidades rurais são conscientes. Além disso, é mítica a ideia de que as comunidades rurais descuidam da água e de sua preservação. A prática demonstra que são vários os fatores externos que influenciam o cuidado e a proteção da água, e tais fatores independem das comunidades. Uma vez que é a vida da comunidade que depende da água, e não a vida dos funcionários públicos que desenvolvem os projetos, a priorização de uso tem diferentes vertentes. Além disso, é possível perceber nas comunidades uma visão de “água para a vida” muito distinta da “visão dos setores”,dos elaboradores de projetos e das organizações. A mudança de visão setorial levará muitos anos e depende de mudanças nesse sentido nas políticas internacionais e na formação conferida aos profissionais da área. A Revista Aqua Vitae não emite nenhuma opinião sobre os critérios expressados nesta seção, entretanto, somos uma tribuna aberta a diferentes perspectivas em relação ao tratamento dos recursos hídricos. AquA VitAe 27 ALTO PERFIL TRANSFORMAR ÁGUA EM ALIMENTOS Por BORIS RAMÍREZ D r. Víctor Villalobos Arámbula, Diretor Geral do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), está bastante ciente de sua responsabilidade. Por isso, aposta que produtores, governos e instituições técnicas promovam mais atividades de capacitação, investimento, transferência de tecnologia e inovação. “Há água suficiente no planeta. O problema é que temos de trabalhar para usá-la melhor. Se a agricultura continuar usando 70% ou 75% da água doce, a água disponível não será suficiente para atender à demanda de alimentos”. O Dr. Víctor tem a responsabilidade continental de fomentar uma produção agropecuária sustentável, ajudando a garantir o equilíbrio entre a produção de alimentos e o uso de recursos naturais fundamentais para a vida humana: terra e água. Não se pode mais continuar medindo a produção de alimentos em toneladas por hectare, o verdadeiro custo de uma tonelada de milho ou feijão deve ser calculado em função do consumo de água. 28 AQUA VITAE O setor agrícola é o principal consumidor de água no mundo. Como é possível fazer com que este setor tenha menos impacto sobre os recursos hídricos? Efetivamente, de 70% a 75% da água doce é destinada à agricultura, um número que não preocupa apenas os produtores, mas também os consumidores. Por tradição, a água é distribuída de forma gratuita e, por isso, recebe pouca atenção. Sabendo da necessidade de melhorar o uso da água na agricultura, foram desenvolvidos sistemas modernos de irrigação, como a lavoura de conservação, para melhor reter a água de acordo com o tipo de solo e uso. O uso da água deve ser visto de forma holística. Não se trata apenas da irrigação ou seu uso, mas, sim, de sua origem, de como integrá-la, Fotos : IICA como captá-la e como dar a ela o melhor uso e destinação. Que inovações e tecnologias estão sendo implementadas na América Latina para que seja alcançado o equilíbrio entre a produção e o uso eficiente da água? Com a necessidade de uma produção maior e tendo em vista a diminuição da disponibilidade de água, novas ferramentas tecnológicas vêm sendo criadas. Uma delas é a semeadura direta, praticada em plantações extensivas no Brasil e na Argentina, onde a água é retida pela matéria orgânica produzida pelos resíduos da colheita. Há outros sistemas eficientes, como a irrigação por gotejamento, a irrigação pressurizada, o uso de estufas ou o cultivo protegido. Em cultivos a céu aberto, usa-se muito o plástico para controle de ervas daninhas e da evaporação da água. Há muitas tecnologias na América Latina, mas todas requerem investimentos, dos quais alguns são especialmente elevados, como é o caso do cultivo protegido por estufas. Por que os agricultores preferem adotar a irrigação extensiva ao invés de usar sistemas mais eficientes? Que programas devem ser fomentados para conscientizá-los sobre o uso da água? Precisamos de programas de extensão, educação e capacitação no uso da água para que os produtores passem a vê-la como um recurso que está se esgotando e que, por ‘‘ é necesária uma nova mentalidade dos profissionais da agricultura para que desenvolvam seus cultivos com uma visão diferente isso, deve ser usado de forma eficiente. É necessário implementar boas práticas agrícolas, não apenas associadas à água, mas com a finalidade de promover uma agricultura mais sustentável, onde a água e o solo tenham um papel importante. Alguns países não cobram pela água, mas cobram pela energia elétrica usada para bombear a água do subsolo. Trata-se, então, de um mecanismo pelo qual o agricultor começa a tomar consciência por ainda ter de pagar pela eletricidade – subsidiar a água e a eletricidade não ajuda a criar uma consciência sobre o uso da água. Quais são os mecanismos que devem ser reforçados para garantir a disponibilidade de água para outros setores produtivos que estão pressionados pelo grande uso dos recursos hídricos na produção agrícola? Temos de começar a trabalhar em políticas públicas sobre o subsídio para a automação da irrigação. É importante esclarecer que os agricultores serão capazes de gerenciar melhor a água através de políticas governamentais. É possível criar programas que subsidiem sistemas de irrigação pressurizada, o uso de bombas ou de sistemas que ‘‘ evitem o desperdício de água. É necessário fomentar essas políticas públicas visando o subsídio em tecnologia da água. Por que não conseguimos levar à frente grandes projetos de coleta de água de chuva com a alta pluviosidade de nossa região? O que está sendo feito em áreas áridas e semiáridas que vêm crescendo em nossa região? Devemos levar em consideração que obras de infraestrutura hídrica são muito caras. Represas e reservatórios são obras que exigem muito investimento, e a maioria dos países só fez obras deste tipo no final das décadas de 1950 e 1960. Agora, o mais importante é o trabalho integrado ao sistema de bacias hidrográficas. Um esquema moderno que veja a água como um componente, em que haja um sistema de captação de água nas florestas, com o benefício de água própria para o consumo humano e para o uso na aquicultura, pecuária e, por fim, que use adequadamente águas residuais de forma integrada. O uso intensivo da terra e a erosão causada pela remoção da cobertura vegetal do solo dão início a um processo de desertificação AquA VitAe 29 permanente e de rápido avanço, o qual obriga a tomada de decisões para a recuperação de solos mediante programas de reflorestamento. No curto prazo, a demanda é de reflorestamento e recuperação da vegetação natural; enquanto que no longo prazo, é necessário melhorar a estrutura física do solo. Quais são as medidas de adaptação e mitigação que estão sendo ou que devem ser tomadas pelos agricultores frente aos impactos de secas e inundações decorrentes dos efeitos das mudanças climáticas? Na realidade, o que está acontecendo na agricultura não pode ser resolvido com base nos regimes históricos de chuva, porque já têm ocorrido mudanças. O que se deve fazer é tomar medidas preventivas e começar a adaptar a agricultura a essas mudanças. Uma das medidas de adaptação é começar a produzir variedades que tenham maior resistência ao estresse hídrico. Embora não haja bons rendimentos, há, pelo menos, algum mecanismo pelo qual seja possível obter colheitas adequadas apesar do clima. Há uma grande orientação da agricultura e da pesquisa científica no que diz respeito ao aperfeiçoamento genético de plantas AquA VitAe VitAe 30 AquA 30 e animais. Devemos sair de uma pecuária extensiva, com pastagens de grande porte, para uma mais intensiva, programada de acordo com a carga dos animais, por unidade de superfície. Devemos também usar fontes alternativas de energia, não necessariamente petróleo ou usinas hidrelétricas, mas outras que sejam ambientalmente corretas, como a energia eólica e a solar. Não podemos esquecer que é ainda muito importante reduzir o uso de máquinas agrícolas em pequenas propriedades, é possível trabalhar muito usando pacotes tecnológicos modernos. Quais investimentos são urgentes para tornar o setor agrícola latino-americano mais eficiente? Devemos fazer investimentos pesados no desenvolvimento de capital humano e na capacitação dos produtores, além de fomentar mecanismos de transferência de tecnologia, seja em âmbito de instituições internacionais, regionais ou nacionais. É necessário haver uma nova mentalidade dos profissionais agrícolas para que o cultivo seja feito sob uma visão diferente. É preciso, também, que haja muita conscientização dos produtores: existem, insisto, ferramentas tecnológicas que nos permi- tem atenuar ou reduzir o impacto negativo sobre o uso da água, mas muitas delas não estão disponíveis aos produtores. Neste sentido, são válidos todos os esforços que façam países e governos repensarem os programas acadêmicos dos profissionais de agronomia com essa nova visão. No curto prazo, é importante dispor de mecanismos fortes de capacitação para agricultores e fortalecer programas de extensão. O que é está sendo feito para que haja uma mudança cultural do setor agrícola e capacitação dos agricultores em questões como sustentabilidade, eficiência e inovação? Os agricultores, com suas experiências, são pessoas conscientes: adotam inovações na medida em que percebem seus benefícios, sobretudo se houver benefícios econômicos, aumento da produção e facilitação do trabalho. Está nas mãos dos governos ou de instituições que prestam assistência técnica ensinar quais são essas tecnologias, como elas estão disponíveis e como devem ser usadas. Não são processos de longo prazo: de forma consciente, o agricultor adota uma tecnologia inovadora ao fazer comparações e perceber os benefícios na propriedade vizinha ou no modelo de algum instituto; ou se perceber que não Este ano, a população mundial chegou a sete bilhões de habitantes. Somos capazes de atender a essa enorme demanda hídrica? O que deve ser feito para garanti-la, hoje e no futuro? Essa é uma realidade, e se prevê que chegaremos a nove bilhões em 2050. Esse crescimento populacional gerará muita pressão sobre a produção de alimentos e exploração dos recursos naturais. A grande questão é saber se seremos capazes de alimentar, com recursos limitados, ‘‘ essa população que não para de crescer. Há água suficiente no planeta. O problema é que temos de trabalhar para usá-la melhor. Por isso, nós, do IICA, temos debatido a necessidade de se mudar a visão da água como um recurso gratuito, às vezes, usado de forma pouco sustentável. A produção agrícola deve se conscientizar sobre o uso da água na produção de alimentos. Em outras palavras, não podemos continuar medindo a produtividade em toneladas por hectare, mas, sim, em toneladas por metro cúbico de água. Temos, aí, uma mensagem: estamos abrindo mão de um recurso absolutamente necessário e cada vez mais limitado. Minha opinião é de que a água não apenas não será suficiente, como também será imprevisível sua disponibilidade devido às mudanças climáticas. Em alguns casos, haverá excesso; em outros, faltará tanto para a produção de alimentos por meio da agricultura ou da pecuária. Por isso, é necessário que nos adaptemos. Para mim, essa adaptação tem a ver com inovação. Felizmente, avanços tecnológicos na genética, no melhoramento de plantas e animais funcionam como possíveis soluções alternativas. No fim das contas, o direito à água é um direito universal que gerará conflitos quando esta se esgotar, como consequência do modo em que a estamos usando. ‘‘ há muitas complicações ou métodos caros para a aplicação de tal tecnologia. A verdade é que se a agricultura continuar usando 70% a 75% da água doce, a água disponível não vai ser suficiente para satisfazer a demanda de alimentos Histórico ProfissionAl Dr. Víctor Villalobos Arámbula nasceu no México e é um profissional de renome, especializado nas áreas de agricultura, recursos naturais e genéticos. Ostenta um currículo variado como professor, pesquisador, diretor de pesquisa, funcionário de organização internacional, funcionário público, administrador, negociador e líder de grupos multidisciplinares de análise. Atua como Diretor Geral do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) desde 2010 até 2014. • • • • • • • Engenheiro Agrônomo, formado pela Escola Nacional de Agricultura, em Chapingo, México. Mestre em Genética Vegetal, no Colégio de Pós-Graduação de Chapingo. PhD em Morfogênese Vegetal na Universidade de Calgary, no Canadá. Publicou dois livros: “Contribución del Cultivo de Tejidos al Mejoramiento y Conservación de las Plantas”, em 1982, e “Los Transgénicos: Oportunidades y Amenazas”, em 2007. Atuou como professor dos níveis de licenciatura, mestrado e doutorado na Universidade de Chapingo (UACH), no Colégio de Pós-Graduação (COLPOS) e no Centro de Pesquisa e Estudos Avançados do Instituto Politécnico Nacional do México. Catedrático do Centro Agronômico Tropical de Pesquisa e Ensino (CATIE) e de cursos de especialização na Argentina, Áustria, Colômbia, Costa Rica, Chile, Equador, Jordânia, Irã, Venezuela, entre outros. Foi Subsecretário de Recursos Naturais e Subsecretário de Agricultura no México. É membro da Real Academia Sueca de Agricultura e Silvicultura desde 2004. Obteve o grau de Doutor Honorário do CATIE em 2004; integrou o Grupo Assessor de Alto Nível do Centro Consultivo de Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR); foi membro da Comissão de Ciência e Tecnologia do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CONACYT) e da Universidade da Califórnia UC - Mexus. Em 1995, foi homenageado pelo Presidente do México por seu trabalho em biotecnologia aplicada à agricultura em organizações internacionais. AquA VitAe 31 GOTAS DE VIDA PRECIPITAÇÕES ATMOSFERA Principal recurso hídrico Atmosfera Destino consultivo natural da água APROVEITAMENTO Dois terços das precipitações sobre os continentes são armazenados em forma de umidade de solo. O terço restante é constituido por água em estado líquido. 65% ÁGUA VERDE Umidade do solo TRANSPIRAÇÃO florestas campos zonas úmidas plantações 10% fluxo de retorno 35% ÁGUA AZUL Água em estado líquido cidade indústria ecossistemas aquáticos ecossistemas costeiros A América Latina tem 50% a mais de precipitações de chuva do que a média mundial. A região concentra 30% do total de águas continentais do Planeta e possui uma corrente anual de 370 mil metros cúbicos por segundo. Isto graças a quantidade de chuvas que caem nas zonas tropicais e enormes florestas como a Amazônica. Por isso, cada vez mais, é preciso entender como utilizar este enorme potencial de água, para usos domésticos, agrícolas e industriais. A água que cai do céu é aproveitável. Fonte: Acervo Documental Mercosul/União Européia. 32 AQUA VITAE BReVeS DO MuNDO A água no universo Duas equipes de astrônomos do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) acabam de descobrir a maior e mais distante reserva de água encontrada até hoje, em todo o Universo. Ela se encontra a 48 bilhões de quilômetros da Terra. A enorme reserva está em um grande anel de vapor ao redor de um longínquo quasar (um dos objetos mais brilhantes e violentos do céu), denominado APM 08279+5255. O total da massa de água ali acumulada equivale a, pelo menos, 140 trilhões de vezes a soma de todos os oceanos terrestres, sendo umas 100 mil vezes superior à do próprio Sol. A pesquisa completa será divulgada nos próximos meses, na conceituada publicação Astrophysical Journal Letters. O quasar anfitrião de toda essa quantidade de vapor d’água está tão distante de nós, que sua luz demora 12 bilhões de anos para chegar a Terra. “Esta é outra prova de que a água é persistente em todo o Universo, inclusive em sua etapa mais jovem”, comentou Matt Bradford, pesquisador do Caltech e Diretor de um dos grupos de pesquisa. Desde que foram encontrados vestígios de vapor d’água na Via Láctea, os astrônomos esperavam encontrá-la no Universo jovem. O que não esperavam era achar de uma só vez uma quantidade tão volumosa do líquido. A equipe de Bradford começou as observações em 2008, usando um instrumento chamado Z-Spec, no Observatório Submilimétrico da Caltech (CSO), um telescópio de dez metros de circunferência, situado no cume do Mauna Kea, no Havaí. O Z-Spec é um espectrômetro extremamente sensível, que mede a luz em uma região de frequências do espectro eletromagnético, situada entre os comprimentos de onda do infravermelho e das micro-ondas. Fonte: Instituto de Tecnologia da Califórnia Celebridades solidárias Cidade água A Fundação Water.org (www.water.org) conseguiu que uma série de personalidades se somassem aos esforços da entidade para levar água potável a comunidades desfavorecidas. Foi assim que o ator e roteirista norte-americano Matt Damon e a cantora de blues e pop, Rihanna, nascida em Barbados, chegaram a ter uma garrafa própria e exclusiva, assinada e personalizada. Essas garrafas são usadas para que o público as comprem e as colecionem e os fundos arrecadados serão dedicados a levar saúde e bem-estar, por meio de projetos de abastecimento de água. O sucesso foi tão grande que o ator também fez um vídeo com o tema, para incentivar mais celebridades a se comprometerem e conseguir mais doadores. Os dois astros têm promovido as garrafas exclusivas com suas assinaturas durante o ano de 2011. Elas integram uma coleção de outras celebridades que, como Robin Williams, Taylor Switt, Selena Gómez, Adrian Grenier e Dwight Howard já contam com modelos próprios de garrafas. Co-fundada por Matt Damon e Gary White, a Water.org é uma organização sem fins lucrativos que transformou centenas de comunidades na África, no sul da Ásia e na América Central por meio do acesso à água potável e ao saneamento. A cidade de Ourense parece ter encontrado na água a sua tábua de salvação. Ocorre que os recursos termais dessa cidade da Galicia a tornaram a segunda cidade da Europa com maior reserva de água termal. Os galegos, espanhóis e europeus sabem disso e converteram a cidade em um grande balneário. Isso conferiu à cidade vários benefícios: primeiro, se converteu em um centro de saúde graças à capacidade das águas termais de curar doenças de pele, problemas reumáticos e ter efeito relaxante; segundo, recebeu grandes benefícios econômicos por ser um centro de atração de turistas que vêm passar temporadas tanto no verão quanto no inverno. Nos últimos oito anos, o governo local organizou uma imensa campanha para incrementar o turismo termal, e converteu as instalações públicas em um autêntico paraíso para os sentidos. A vantagem de Ourense é que o conceito de balneário não é dirigido apenas a idosos, mas também atrai jovens e crianças. A cidade divulga informações sobre os benefícios da água para os habitantes e para os turistas, promovendo uma cultura em prol dos recursos hídricos. Fonte: Water.org Fonte: Jornal El Mundo, Espanha 33 AquA VitAe TECNOLOGIA A nAturezA é AliAdA reCurSOS HÍdriCOS Três tecnologias inovadoras usam elementos orgânicos para garantir água limpa. No Brasil, usam cascas de banana, nos Estados Unidos, matéria orgânica e, na Argentina, carvão. 34 AquA VitAe Por GUSTAVO ROCHA DE CASTRO e PEDRO DE MAGALHAES PADILHA Instituto de Biociências de Botucatu – UNESP – São Paulo – Brasil [email protected] N o início pode até parecer estranho, mas a suspeita de que um material tão singular poderia funcionar na purificação de águas surgiu observando o comportamento de materiais sintéticos muito mais complexos. muitos cientistas de diversas regiões do mundo têm trabalho no desenvolvimento de materiais voltados para a remoção de substâncias tóxicas de águas naturais, solos e da atmosfera e, dentre essas substâncias, as espécies metálicas que podem manifestar toxicidade em elevada concentração, como cádmio, chumbo, cobre, arsênio, níquel, entre outros, são as mais estudadas. o trabalho envolvendo casca de banana consistiu primeiramente na secagem da casca em uma estufa simples a aproximadamente 70 °c por 72 horas. Neste procedimento as cascas de banana foram colocadas em sacos de papel. Após a secagem a biomassa seca foi triturada em moinho de bolas e em seguida o material foi fracionado em peneiras até a obtenção de partículas com diâmetro entre 35 e 45 µm. A escolha do tamanho das partículas é importante, pois a medida que o tamanho da partícula diminuí a área superficial aumenta, e com isso aumenta a área de contato da partícula com a solução a ser filtrada ou tratada. Além disso, o processo de trituração disponibiliza os grupos orgânicos presentes no interior da casca que irão interagir com as espécies metálicas existentes na água ou no efluente a ser tratado. depois de selecionado o tamanho das partículas, uma determinada massa foi utilizada no preparo de um pequeno filtro, por onde foi percolado um volume fixo de uma solução de cobre e chumbo de concentração conhecida e a capacidade de extração do material foi determinada levando-se em consideração a concentração da solução contendo os metais antes e depois da filtração e a massa utilizada da biomassa utilizada como filtro. AquA VitAe 35 AplicAções práticAs dA biomAssA Filtro construído com 20 mg de cascas de banana triturada basicamente, o material pode ser aplicado como filtro para remoção de espécies metálicas tóxicas em efluentes industriais, como por exemplo, curtumes, indústrias metalúrgicas e de galvanização. Nestes casos o material poderia ser aplicado como uma etapa adicional, uma vez que os métodos convencionais de precipitação não possuem 100% de eficiência. No entanto, para que o sistema funcione adequadamente, vários parâmetros devem ser, previamente, otimizados, como por exemplo, o pH do efluente, a vazão de percolação através do filtro, a presença de material particulado, entre outros. dentre esses parâmetros o pH do efluente é o mais crítico, pois a melhor eficiência será alcançada quando o valor estiver entre 4 e 7, pois em valores menores os sítios de extração estarão protonados por espécies H+. em relação a aplicação doméstica ou em tratamento de água para consumo humano do filtro com cascas de banana, não acreditamos que seja uma opção interessante, pelo menos até o momento. Atualmente, na maioria dos países, a captação de água para abastecimento público é feita em rios, açudes, ou através da perfuração de poços, onde a concentração de espécies metálicas tóxicas se encontra dentro da permitida na legislação. Filtro com cascas de banana com o crescimento acelerado da população mundial e a crescente necessidade por bens industrializados, o descarte de efluente contendo substâncias tóxicas e persistentes no ambiente podem aumentar e tornar necessário algum tipo de tratamento prévio, até mesmo em águas para abastecimento público. MAtÉRiA ORGÂNiCA NAtuRAL JONATHAN G. PRESSMANN Agência de proteção Ambiental dos estados Unidos A matéria orgânica natural está presente em todos os reservatórios de água de superfície e subterrâneos, sendo formada, principalmente, pela decomposição da vegetação. esta matéria é crucial no projeto de processos de purificação de água, sendo um fator-chave na formação de subprodutos de desinfecção. tem também um papel importante em outras áreas de pesquisa, como seus efeitos relativos às mudanças climáticas: as mudanças do clima afetam os ecossistemas e, consequentemente, afetam a composição química da matéria orgânica natural, o que é refletido na pesquisa feita, tendo como meta a longo prazo a consideração da diversidade de tal matéria orgânica, que varia conforme o lugar. Além disso, com a mudança das estações, essa enorme diversidade de composição dificulta as comparações entre as tecnologias de tratamento. mÉtodo A pesquisa para a padronização de amostras de prova resume-se a três passos: Concentração: para isolar quantidades significativas de matéria orgânica natural, é necessário fazer a extração desde sua fonte de origem. Liofilização (congelamento a seco): a preservação da matéria produz umas amostras de prova estáveis, secas, de baixo volume 36 AquA VitAe CARVÃO PuRiFiCADOR outra técnica em estudo há dois anos na Argentina usa resíduos florestais, principalmente o carvão ativado, como elemento para eliminar contaminantes de fontes de água. A seguir, estão alguns trechos dessa pesquisa: CARVÃO ATIVADO. Vários produtos elaborados à base de carbono, apresentados em forma de pó ou grãos muito pequenos, caracterizando-se principalmente pela presença de inúmeros microporos em cada partícula. coloca-se este material nas fontes de água para que ocorra a absorção de contaminantes. COMO AGEM? esses materiais porosos agem como esponjas capazes de absorver diferentes tipos de compostos químicos em fontes de água. para fabricar esses materiais porosos, deve-se “ativar” algum produto carbônico, já que é o processo de ativação que forma os poros no material. para obter a carbonização, é necessário levar a matéria-prima a altas temperaturas. MATERIAIS UTILIZADOS. Foram testadas várias fontes de carbono, como casca de coco ou noz, madeira ou carvão mineral. o material que mais se utiliza na pesquisa é o pau-de-espinho, uma espécie de árvore espinhosa que apresenta grande resistência à seca e cresce em solos arenosos e áridos, em regiões da bolívia, do paraguai e da Argentina. RESPONSÁVEIS. este projeto conta com o financiamento da Agência Nacional de promoção científica e técnica da Argentina, do conselho Nacional de pesquisas científicas e técnicas e da Universidade de buenos Aires (UbA). mais informações constam no site www.exactas.uba.ar, da Faculdade de ciências exatas da Universidade de buenos Aires. e duradouras, tornando-as ideal para o processo de elaboração das informações. Reconstituição: esse procedimento permite reconstituir aspectos importantes como o pH, o tempo de mistura e outros fatores de concentração que ainda não existem nos estudos realizados sobre esta matéria. impActo muitos dos obstáculos atuais na pesquisa sobre purificação de água se devem ao transporte e à distribuição de grandes volumes de água provenientes de vários locais do país, junto com a baixa durabilidade das amostras de água. Nossa proposta é sanar essas dificuldades com a pesquisa realizada de forma preventiva na Agência de proteção Ambiental. Uma vez isolada a matéria orgânica natural, congela-se em um pó seco com prazo de validade estável para que seja reconstituída à sua forma inicial aquosa, destinada a experimentos repetíveis. Uma biblioteca com diferentes amostras de água permitirá que os pesquisadores comprovem processos de purificação de águas de diferentes origens, incluindo processos que visem à redução de subprodutos de desinfecção, ao tratamento com carvão ativado granulado e à deterioração de membranas, com a vantagem de aplicação aos estudos sobre os efeitos do clima. A organização mundial da saúde (oms) reconhece a necessidade de pesquisas sobre novas tecnologias físico-químicas de baixo custo para eliminar a turbidez da água. esse estudo tem o objetivo de descobrir uma nova e inovadora tecnologia que possa ser implementada para reduzir a turbidez e eliminar o arsênico em zonas de contaminação onde os cidadãos não podem investir em métodos caros. mais informações: [email protected] AquA VitAe 37 SAÚDE HIDRATAÇÃO: 38 AquA VitAe Por DR. JESÚS ROMÁN MARTÍNEZ Secretário-Geral do Instituto de Pesquisa sobre Água e Saúde www.institutoaguaysalud.es É importante entender que o conceito total de água que se deve ingerir inclui: a água para beber, a contida em outros tipos de bebidas e a que está presente nos alimentos. A água ingerida diariamente deve totalizar 2,2 e 3 litros para homens e mulheres entre 19 e 30 anos, o que representa 81% do total – a água contida nos alimentos seria os 19% restantes do total de água total necessário. Para uma pessoa saudável, o consumo diário abaixo dos níveis de ingestão adequados não configura um risco imediato, dada a ampla margem de ingestão compatível com um estado normal de hidratação. É possível que quantidades maiores de água total sejam necessárias para pessoas que pratiquem atividades físicas e/ou que estejam expostas a um ambiente quente. Deve-se recordar que, em poucas horas, é possível produzir uma deficiência severa de água no organismo por pouca ingestão de água ou pelo aumento das perdas hídricas decorrente de atividade física ou exposição ao meio ambiente (por exemplo, temperaturas muito elevadas). Nesse caso, convém lembrar que, dentre outras coisas, para adultos saudáveis, uma desidratação de 2,8% do peso corporal por exposição ao calor ou após um exercício pesado causa uma diminuição da concentração, do rendimento físico e da memória recente, além de aumentar o cansaço, causar dores de cabeça e reduzir o tempo de resposta a estímulos. UM ASSUNTO ESSENCIAL A ingestão adequada de água previne transtornos funcionais e metabólicos nas pessoas. AquA VitAe 39 A desidratação está relacionada a uma diminuição da capacidade psicomotriz, assim como da capacidade de atenção e da memória. O efeito destrutivo da desidratação aguda sobre a capacidade física durante exercícios e sobre o rendimento está perfeitamente comprovado, sobretudo quando a desidratação vai de 1% a 2% do peso corporal total de uma pessoa. Sabemos que a desidratação crônica aumenta o risco de câncer de bexiga e litíase renal (doença causada pela presença de cálculos ou pedras no interior dos rins ou das vias urinárias). A desidratação também prejudica a função cognitiva e o controle motor. É evidente que deficiências de água de 2% ou mais do peso corporal são acompanhadas por uma capacidade intelectual diminuída. SINAL DE ATENÇÃO É necessário levar em consideração que a desidratação não só aumenta a temperatura corporal, mas também reduz alguma das vantagens térmicas relacionadas ao exercício físico aeróbico e à nossa capacidade de adaptação ao calor. Desta forma, a sudação localizada e o fluxo de sangue na pele permanecem reduzidos quando uma pessoa está desidratada. A principal consequência é que a desidratação reduz a temperatura corporal suportável por uma pessoa. Um choque térmico grave pode ocorrer com mais facilidade em pessoas desidratadas do que naquelas que estão bem hidratadas. A desidratação aumenta as pulsações cardíacas, independentemente da pessoa estar deitada, em pé ou em um ambiente com temperatura amena. A desidratação dificulta a manutenção da pressão arterial, podendo aumentar a taxa cardíaca proporcionalmente à magnitude da deficiência de água. A desidratação aumenta o esforço cardiovascular. Sugere-se, ainda, que a desidratação possa contribuir para o aumento da mortalidade entre pacientes hospitalizados. Isto se daria sempre com perdas hídricas superiores a 10% do peso corporal, salvo quando esta desidratação for produzida junto com outros processos patológicos agravantes. O certo é que quando a desidratação ultrapassa 10% do peso corporal total, é imprescindível receber assistência médica adequada para permitir a recuperação. Nesse aspecto é necessário levar em consideração que a combinação de dietas severas e exercícios pesados realizados em ambientes quentes podem gerar graves problemas, inclusive morte por parada cardiorrespiratória. 40 AquA VitAe INGESTÃO DE ÁGUA Durante a lactação: • Durante o primeiro trimestre de gravidez, é necessário ingerir de 2 a 2,5 litros por dia; • Durante o segundo e o terceiro trimestre de gravidez, é necessário beber 3 litros por dia; • Durante a lactação, é necessário beber 3 litros por dia. Na infância: • Nos primeiros seis meses de vida, a ingestão média de leite humano pelo bebê é de 0,78 litros por dia. Como cerca de 87% do leite humano é composto por água, a ingestão é adequada; • As refeições das crianças devem ser acompanhadas por água; • Estudos epidemiológicos demonstram que um maior consumo de água está associado a uma menor densidade energética dos alimentos; • Deve-se incentivar o consumo de água na escola para o controle da obesidade infantil; • Um maior consumo de água tem uma resposta fisiológica renal adequada a essas idades. Na terceira idade: • Quanto mais avançada a idade, maior é a quantidade de água que se necessita ingerir, já que os idosos têm menor sensação de sede e se saciam com uma ingestão líquida menor. Temperatura ambiente: quanto mais alta a temperatura, mais água deve-se beber. Função renal: a disfunção renal exige mais ingestão de líquidos, a fim de possibilitar a eliminação dos produtos residuais. Função digestiva: à medida que esta diminui ou fica mais lenta, aumenta-se a necessidade de água. Consumo de remédios: há remédios que modificam e aumentam as necessidades de água como diuréticos, a teofilina, broncodilatadores e laxantes. eFeitOS COMPROVADOS Diversos estudos e pesquisas tratam dos benefícios comprovados pela ingestão de água mineral. ANEMIA • Água rica em ferro ajuda a controlar a anemia em mulheres grávidas. HIPERTENSÃO • O efeito do bicarbonato sódico (contido na água mineral) sobre a pressão arterial é muito menor do que o de quantidades equivalentes de cloreto de sódio. APARELHO DIGESTIVO • Melhora dos sintomas da dispepsia: dor, náuseas, inflamação abdominal, flatulência, arrotos. • Aumenta a secreção biliar. • Ajuda em caso de prisão de ventre, irritação do cólon e patologias biliares. • Previne a arteriosclerose, assim como patologias ginecológicas: síndrome pré-menstrual, climatério, osteoporose. OSSOS • O cálcio contido na água mineral melhora e mantém a densidade mineral óssea do corpo. EFEITO ANTIOXIDANTE • Água rica em selênio tem efeito anti-inflamatório. • Efeito sobre a redução dos processos de oxidação dos lipídeos e proteínas. AquA VitAe 41 Foto: COP16 INTERNACIONAL LONDRES DE caRa Limpa Um dos maiores e mais ambiciosos projetos da infraestrutura hidráulica mundial coloca novamente a Grã Bretanha na linha de frente, dando respostas modernas ao aumento da capacidade exigida pelos sistemas de esgoto. Por BORIS RAMÍREZ O rio Tâmisa corta a cidade de Londres e é um de seus principais motores de atividade. Abastece água para a população, funciona como meio de transporte, é um ponto turístico e de lazer e ainda gera energia. Entretanto, ao longo de sua história, o Tâmisa também foi a causa de doenças e inundações devido a níveis de contaminação e despejo de águas residuais em suas fontes. Para evitar esses inconvenientes, um ambicioso projeto de infraestrutura hidráulica, conhecido como Thames Tideway Plan, vira realidade na cidade olímpica de 2012. O problema a ser resolvido não é insignificante: por ano, são despejadas no rio um total de 32 milhões de toneladas de águas residuais sem tratamento. Para solucionar esse problema, o projeto tem como objetivo melhorar a capacidade do sistema de esgoto de Londres. Para isso, deve-se controlar e prevenir transbordamentos de águas residuais pela passagem do rio Tâmisa no Tideway (parte do rio que está sujeito às marés) em seu curso por Londres. Segundo a 41 AquA VitAe empresa Thames Water Utilities, essa enorme obra de engenharia hidráulica vai atender ao cronograma de trabalho. MÃOS À OBRA A solução adotada contempla a construção de um túnel ou coletor de todas as águas residuais, que emanam das 34 eclusas do rio Tâmisa, assim como a construção de um segundo túnel, junto ao rio Lee. De acordo com Phil Stride, chefe do projeto, “o trajeto que o túnel deve percorrer está sendo muito bem estudado, a fim de recolher de uma forma mais eficiente as águas residuais e pluviais ao longo de toda a cidade”. Hoje, o problema enfrentado por alguns setores da cidade de Londres é que o sistema de esgoto recolhe tanto águas residuais como pluviais e, em alguns casos, a quantidade de líquido ultrapassa a capacidade do sistema, gerando inundações. Pretende-se solucionar isso com um sistema de eclusas conectadas em diferentes pontos, para recolher apenas as águas residuais, transportando-as às estações de tratamento. As águas pluviais serão Foto: COP16 recolhidas por coletores, que ajudarão a canalizá-las, evitando assim que se misturem. A proposta consiste em construir um túnel de armazenamento e transferência (dos dois tipos de água em separado) na maior extensão abaixo do leito do rio Tâmisa, entre a comunidade de Hammersmith, na parte oeste, e a de Beckton, na parte leste (ver mapa). Essa obra, proposta desde o início da década de 1990, conta com a participação de instituições públicas e privadas, chefiadas pela empresa prestadora dos serviços de água e saneamento Thames Water Utilities Ltd, pela Agência de Meio Ambiente, pelo Departamento de Meio Ambiente, Alimentação e Assuntos Rurais e pela Prefeitura de Londres. Os estudos realizados até hoje demonstram que as obras melhorarão a qualidade das águas do rio, sendo possível atender aos parâmetros estabelecidos pela Agência Européia do Meio Ambiente. Esse ambicioso projeto está na mira de muitos setores por ser uma resposta moderna ao tratamento de águas residuais em cidades com grande concentração demográfica que, assim como Londres, são cortadas por um rio. AquA VitAe 42 a THAMES TUNNEL • • • • • • O QUE DEVE SER FEITO O projeto tem três fases estabelecidas e programadas. • Ampliação das 5 principais estações de tratamento de água de Londres. Obras serão concluídas entre 2012 e 2014. • Contrução de um túnel junto ao rio Lee. Iniciada em setembro de 2010, sendo conlcuída em 2014. • Construção do túnel do rio Tâmisa que cortará Londres da parte oeste à leste. Início previsto para 2013 e conclusão em 2020. 43 AQUA VITAE £3,6 bilhões (US$5,4 bilhões) é o custo da obra; 22 km de comprimento terá o túnel, seguindo o curso do rio; 7,2 metros de diâmetro tem o túnel construído a 75 metros de profundidade; 1% da água é própria para o consumo humano; 32 milhões de toneladas de águas residuais são despejadas no rio a cada ano; 57 eclusas recebem as águas residuais. CULTURA PATRIMÔNIO CULTURAL AZUL O Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS) designou o ano de 2011 para dar um lugar de destaque à água como cultura material da humanidade. Por BORIS RAMÍREZ AquA VitAe 45 “A água é um dos recursos fundamentais que tornam a vida possível. Permitiu o desenvolvimento e a criação de uma importante cultura material em forma de objetos, tecnologia e lugares. A forma de obtê-la, armazená-la, aproveitar sua energia e conservá-la motivou os esforços humanos de várias maneiras. Foi também o catalisador para o desenvolvimento de importantes práticas culturais que geraram expressões de patrimônio cultural. Serviu de inspiração para a poesia, literatura, pintura, dança e escultura; deu origem a filosofias e práticas religiosas que deram forma a nossas crenças e costumes”. Com essas palavras certeiras, a Dra. Susan McIntyre-Tamwoy, membro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS) da Austrália e pesquisadora da Universidade James Cook, explica porque essa organização mundial decidiu dedicar o ano de 2011 para destacar a água como um patrimônio cultural da humanidade. Os especialistas afirmam que uma maior exploração do patrimônio da água deve ir além da mera apreciação técnica desenvolvida ao longo da história para usá-la, consumi-la e gerenciá-la. Há valores imateriais, como a espiritualidade e a estética, inspirados na água e que dão significado a diversas práticas, estruturas e objetos culturais que vinculam a relação da humanidade com a água e, que por sua vez, estão presentes em nosso patrimônio cultural. Do total de monumentos, lugares e valores imateriais relacionados ao elemento hídrico declarados patrimônio cultural, a América Latina se orgulha dos seguintes: DEUS CHAAC Deus maia regente das chuvas. Representa a energia criadora e, na simbologia maia, faz uma analogia de que se a água é o símbolo da vida para o planeta, dentro de cada um, ela é a energia que nos trouxe à existência. É considerado um dos principais deuses maias, venerado na península de Yucatán, no México, e considerado o deus das chuvas, dos raios, dos relâmpagos e da água. Os espanhóis o consideraram o deus dos milharais, devido à sua importância no cultivo desse produto básico e vital para os indígenas. DEUS TLALOC Deus asteca das chuvas e dos relâmpagos. Tlaloc era conhecido como provedor, pois tinha o poder de produzir a chuva que fazia o milho crescer. Na concepção de mundo asteca, era o senhor dos fenômenos atmosféricos e dos espíritos das montanhas. Os astecas viveram no México durante os séculos XV e XVI e representaram Tlaloc como um homem que usava uma rede de nuvens, uma coroa de penas, sandálias de espuma e que carregava cascavéis, com as quais produzia os trovões. Aqua Vitae 4646 Aqua Vitae SISTEMAS DE IRRIGAÇÃO INCA Os incas foram os habitantes do maior império americano pré-colombiano. Ao final do século XIV, começaram uma expansão que os levou a estender sua população da região de Cuzco, no Peru, até as zonas montanhosas da Cordilheira dos Andes, na América do Sul. Chamaram seu território de Tawantinsuyu que, em quéchua, o idioma inca, significa As Quatro Partes, já que havia regiões e climas muito variados. Por essa condição geográfica e pela população que deviam atender, os incas desenvolveram um sistema de irrigação para vencer as dificuldades ambientais que enfrentavam. Construíram terraços ao longo das montanhas e, para irrigar suas plantações, alteraram o curso dos rios para canalizar as águas até os terraços. Com essa obra de engenharia hidráulica, os incas cultivavam seus produtos nos terraços e, no lugar do arado – que desconheciam –, usavam uma enxada que empurravam com os pés. Incorporaram conhecimentos hidráulicos, tais como canais e boqueirões, que possibilitavam a irrigação, especialmente do milho. CHINAMPAS DE XOCHIMILCO As chinampas foram plantações desenvolvidas pela cultura pré-hispânica mexicana nos séculos XV e XVII. Esses hortos (primeiros cultivos hidropônicos registrados) flutuavam na superfície dos lagos. A tecnologia das chinampas baseou-se na construção de uma espécie de balsa, feita com troncos amarrados com cordas de ixtle (fibra têxtil). Essas estruturas tramadas com galhos, varas e troncos mais finos eram cobertas com camadas de cascalho e terra fértil, que aproveitavam a umidade da água e dos nutrientes para produzir feijão, milho, flores e outros vegetais. Os astecas desenvolveram técnicas de ancoragem para as chinampas, como a plantação de um determinado tipo de árvore conhecido como ahuejotes, nos quais se fixavam os hortos. Hoje em dia, Xochimilco, na Cidade do México, é o único lugar onde se pode apreciar esta engenhosa estrutura, que virou um ponto turístico famoso por sua produção de flores. Parque Nacional IGUAÇU Brasil-Argentina Os territórios do Brasil e da Argentina abrigam uma área protegida de mais de 2000 km². O rio Iguaçu, que em guarani significa “água grande”, nasce na Serra do Mar a uma altitude de 1.300 metros e, de fato, trata-se de um enorme sistema fluvial. Corre para o oeste ao longo de mais de 500 quilômetros, desembocando no Paraná, a apenas 90 metros acima do nível do mar. Antes de formar as famosas Cataratas do Iguaçu, forma vários saltos em seu curso superior, alternados com amplos e profundos trechos de águas calmas em que a impetuosa corrente parece contida. O Parque é um dos ecossistemas mais ricos do mundo pela biodiversidade que abriga: mais de 2000 espécies de plantas, 400 de aves e importante fauna em perigo de extinção. Hoje, o Parque Nacional do Iguaçu é um destino turístico de categoria mundial. Aqua Vitae 4747 Aqua Vitae SITES DE INTERESSE www.assemae.org.br www.laredvida.org www.portalcuencas.net ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS SERVIÇOS VIGILÂNCIA INTERAMERICANA DE GESTÃO INTEGRADA MUNICIPAIS DE SANEAMENTO DO BRASIL DEFESA E DIREITOS À ÁGUA DE BACIAS HIDROGRÁFICAS Trata-se de uma sociedade civil, sem fins A Rede VIDA foi criada em agosto de 2003, O Portal Regional de Gestão Integrada de lucrativos, fundada em 1984. Reúne mais de quando 54 organizações de 16 países da Bacias Hidrográficas é uma iniciativa que dois mil municípios brasileiros que adminis- América Latina se reuniram em San Salva- visa agilizar e melhorar o intercâmbio de tram de forma direta e pública serviços de dor com o objetivo de lançar uma campa- informações e experiências entre as dife- abastecimento de água, esgoto sanitário, nha hemisférica para defender a água como rentes organizações, projetos e pessoas drenagem pluvial, resíduos sólidos e con- um bem público e um direito humano fun- interessadas neste tema na América Latina. trole de contaminantes. É organizada por damental. Associações de consumidores, Através desse portal, as organizações lo- administrações regionais, e seu trabalho organizações de mulheres, ambientalistas, cais, projetos, ONGs, agências do governo, consiste em facilitar o acesso a serviços de sindicatos de trabalhadores, ativistas dos universidades, centros de pesquisa e pes- água e saneamento às populações urba- direitos humanos, religiosos, indígenas e or- soas interessadas na gestão de bacias hi- nas e rurais, fortalecendo as capacidades ganizações sociais fazem parte dessa rede, drográficas em geral, têm um lugar de fácil técnicas, administrativas e financeiras des- que trabalha na estruturação de processos acesso em que podem compartilhar suas ses serviços. de comunicação destinados à reivindicar a experiências. gestão e o controle público e comunitário da água. www.wearewater.org www.endwaterpoverty.org www.wasa-gn.net FUNDAÇÃO SOMOS AGUA END WATER POVERTY WATER ASSESSMENT AND ADVISORY Essa organização tem dois objetivos: o Organização fundada em 2007 por 185 GLOBAL NETWORK primeiro é sensibilizar e levar à reflexão a membros, de 55 países, cujo trabalho se Organização internacional sem fins lucrati- opinião pública e as instituições sobre a ne- concentra no fomento de ações frente à vos ou vínculos políticos cuja finalidade é a cessidade de se criar uma nova cultura da crise da água e do saneamento entre líde- criação de sinergias globais que favoreçam água que permita o desenvolvimento justo res, meios de comunicação e organizações a gestão racional dos recursos hídricos do e uma gestão sustentável dos recursos hídri- envolvidas em seus projetos. Tem como planeta. Para conquistar esse objetivo, a cos no mundo. O segundo é realizar ações objetivos fazer com que esses temas sejam WASA-GN criou uma rede mundial de ins- destinadas a atenuar os efeitos negativos parte das prioridades dos governos, esta- tituições e especialistas em assuntos rela- da falta de recursos hídricos localizados nas belecer alianças entre comunidades e or- cionados à água provenientes de diversas zonas mais necessitadas do planeta. O tra- ganizações e desenvolver campanhas para disciplinas interconectadas, e propõe o es- balho é feito através da captação de recur- melhorar as condições de acesso à água a tudo das causas da crise mundial da água sos para o financiamento de projetos. fim de gerar soluções de saúde, educação que vivemos hoje para que sejam formu- e nutrição. lados modelos de gestão hídrica de maior racionalidade e efetividade. 48 AquA VitAe ANO 7 | 2011 | N. 15 CONSELHO EDITORIAL Beneditto Braga | Vice-presidente do Conselho Mundial da Água (WWC). Professor Titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Brasil. Maureen Ballestero | Presidente da Global Water Partnership (GWP) Costa Rica e membro do Comitê Diretivo da GWP América Central. Claudio Osório | Consultor Internacional de Água e Saneamento. Eduardo Mestre | Diretor da Tribuna da Água, Expo Zaragoza 2008. DIRETORA GERAL | Yazmín Trejos Comunicação Corporativa, Mexichem Brasil DIRETORA DE REDAÇÃO | Luciana de Paula Comunicação Corporativa, Mexichem Brasil COLABORADORES Andrei S. Jouravlev, Oficial para Assuntos Econômicos da Divisão de Recursos Naturais e Infraestrutura da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL). Colin Herrón, Assessor para Projetos Estratégicos (CONAGUA). Estrellita Fuentes, Gerente de Planejamento Hídrico (CONAGUA). Griselda Medina, Subgerente de Gestão e Avaliação de Projetos com Crédito Externo (CONAGUA). Gustavo Rocha de Castro e Pedro de Magalhães Padilha, Instituto de Biociências de Botucatu – UNESP – Brasil. Dr. Jesús Román Martinez, Secretário-Geral do Instituto de Pesquisa sobre Água e Saúde. Jonathan G. Pressmann, Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. Mark Tercek, Presidente e Diretor Geral The Nature Conservancy (TNC). Paulo Varella, Diretor da Agência Nacional de Águas (ANA), do Brasil. Dr. Victor Villalobos Arambula, Diretor Geral do Instituto Interamericano para as Ciências Agrícolas. Walter Ferrufino, Coordenador da Junta de Água Municipal, El Paraíso, Honduras. ADMINISTRAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO Luis Alonso Ramírez e Juliana Gebrin TRADUÇÃO E EDIÇÃO EM PORTUGUÊS Pampa Tradução e Interpretação FALE CONOSCO | [email protected] Uma publicação promovida pelo Grupo Mexichem Foto: Carmen Abdo PRODUÇÃO EDITORIAL: Satori Editorial | www.satorieditorial.com EDITOR CHEFE | Boris Ramírez EDITORA DE ARTE | Carmen Abdo DESIGN GRÁFICO | Gerson Tung CORREÇÃO DE ESTILO | María del Mar Gómez CAPA | Carmen Abdo “A prática da compaixão não é um sintoma de idealismo irrealista, mas a maneira mais eficaz de buscar os interesses dos outros e também os nossos. Quanto mais dependemos dos outros - como nação, como grupo ou como pessoas - mais é do nosso próprio interesse assegurar o seu bem-estar.” DALAI LAMA 1/09/11 18:05:42 ISSN 1659-2697 annonce_finale_port_bresil.pdf ANO 7 | 2011 | Nº 15 C M J CM MJ CJ CMJ N ANO 7 | 2011 | N°15 setor água: Preocupação com o impacto da nova turbulência financeira
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