Uma abordagem histórica sobre a digitalização da
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Uma abordagem histórica sobre a digitalização da
Uma abordagem histórica sobre a digitalização da radiodifusão em Moçambique RESUMO O artigo com o título genérico: “uma abordagem história sobre a digitalização da radiodifusão em Moçambique”, pretende trazer uma resenha dos passos dados no país para a inevitável migração da era analógica para a plataforma digital na radiodifusão. Há uma ideia generalizada de que o país está atrasado, mas também pouco preocupado para a mudança. Do ponto de vista das implicações, aponta-se a exclusão das populações ao direito à informação, consagrado na carta-mãe, a Constituição da República de Moçambique, no número 1, do artigo 48. Esta inquietação fica a dever-se aos avultados custos da migração para um novo paradigma tecnológico, num país apontado como um dos mais pobres do mundo, e por conseguinte com graves insuficiências. De acordo com o relatório de desenvolvimento humano de 2013, Moçambique é o penúltimo na lista de países mais pobres do mundo, ocupando o lugar 185, num conjunto de 187 nações analisadas pelas Nações Unidas. Pior que Moçambique só a República Democrática do Congo e o Níger. Em Moçambique, 70% da população vive em zonas urbanas, com deficiente acesso à rede eléctrica. Em 2010, o índice de electrificação era de apenas 11,7%, num país actualmente habitado por 23 700 715 habitantes. A taxa de analfabetismo ronda os 50,4%. (Cf Anuário Estatístico de 2012 e indicadores sociais do Instituto Nacional de Estatísticas, de 2012) A Rádio Moçambique, única estação radiofónica pública, com uma taxa de cobertura territorial de 70 a 80% de dia, e 100% à noite, está a criar condições para a necessária transição tecnológica. De acordo com dados do censo populacional de 2007, apenas 43% dos agregados familiares possuem um aparelho receptor. Acredita-se, contudo, que os índices de pobreza rural sejam ainda muito altos, ameaçando reduzir ainda mais o nível de acesso à rádio, devido à perda do poder de compra de pilhas para os receptores de rádio. Porém, a decisão para a migração passa por um aval governamental, devido às implicações sócio-económicas que o processo acarreta. Com parte de estúdios completamente digitalizados na sede da RM em Maputo, o passo seguinte será a aquisição de emissores digitais. 1 Actualmente, a principal estação emissora de Moçambique produz conteúdos em dois formatos: analógico e digital, mas emite-os no sistema analógico, devido à limitação do público receptor, que precisa impreterivelmente de um aparelho digital para a recepção do sinal radiofónico. Para a televisão, o quadro é totalmente diferente, onde a cobertura populacional reduzse aos principais centros urbanos e a algumas sedes de distrito, devido, sobretudo, à falta de acesso à electricidade e ao custo dos receptores de televisão, para além do próprio sinal da televisão pública que é muito limitado no seu raio de cobertura. De acordo com MUCHANGA, Américo (2014), actualmente 1,2 milhões de famílias têm televisão.Tendo em conta esta realidade, o Governo deve optar por uma migração digital abrangente e com custos baixos, de modo a não excluir as populações carenciadas. Palavras-chave: digitalização, migração digital, radiodifusão 2 INTRODUÇÃO A radiodifusão digital possui um grande potencial para promover transformações na sociedade moderna. O mundo caminha inevitável e irreversivelmente para a migração digital, uma mudança de paradigma tecnológico com grande impacto social, económico e cultural. A digitalização de radiodifusão destaca-se pelo facto de potenciar o surgimento de novos produtos e serviços, para além do facto de esta nova tecnologia ter enorme capacidade de penetração nos vários sectores económicos, sociais e culturais da sociedade, implicando alterações na estrutura de custos dos produtos, nas condições de produção e de distribuição de serviços. Comparativamente às características assimétricas de um serviço de radiodifusão analógico, a radiodifusão digital permite na mesma plataforma a prestação de serviços interactivos, multimédia, para além de melhorar significativamente o aproveitamento do espectro radioeléctrico. Neste trabalho, pretende-se traçar uma perspectiva histórica do processo da migração do sistema analógico ao sistema digital na radiodifusão em Moçambique, com enfoque para a Rádio Moçambique, empresa pública. Para além de levantar as vantagens da digitalização, o artigo procura problematizar o processo, conhecidas as suas implicações na vida das populações. Este artigo baseia-se na pouca bibliografia existente em Moçambique, e em reflexões de estudiosos preocupados com o fenómeno, como são os casos do investigador Tomás Vieira Mário e do Prof. Doutor João Miguel. Para os jornais, o assunto é ainda relativamente novo, sendo matéria recorrente nos últimos dias, devido ao seu impacto sócio-económico. 3 CONCEITOS DE CONVERGÊNCIA, DIGITALIZAÇÃO, TELEVISÃO DIGITAL E RADIODIFUSÃO Convergência: define-se como sendo a homogeneização dos suportes, produtos, lógicas de emissão e consumo das indústrias info-comunicacionais. Inicialmente tecnológico, esse processo, também chamado “revolução digital”, supõe impacto em cenários relacionados com as culturas de produção, as formas de organização, as rotinas de trabalho, os circuitos de distribuição e as lógicas de consumo de bens e serviços infocomunicacionais. (BECERRA, Martín, apud MIGUEL, 2010: 50) Para BIANCO, (2010:3), a convergência não diz respeito apenas à tecnologia, afecta também serviços, negócios e a interação com a sociedade. Trata-se de um fenómeno que abrange pelo menos três dimensões básicas: a) Tecnológica: processo que envolve a combinação e cruzamento das infraestruturas de distribuição de informação, armazenamento, processamento e oferta de diferentes tipos de serviços como telefonia, vídeo, áudio, voz, internet e dados (SIMPSON, 2005, apud BIANCO, 2010) b) Midiática: fluxo de conteúdos codificados digitalmente através de múltiplas plataformas midiáticas e de rede (JENKINS, 2008: 16, apud BIANCO, 2010) c) Empresarial: resulta na tendência de integração de grandes corporações com focos em diferentes mercados para prover serviços agregados, caracterizado por uma actuação que se opõe ao isolamento que tradicionalmente prevalece no sector. (CUNHA, 2004, apud BIANCO, 2010) Digitalização: refere-se à transformação da comunicação, incluíndo palavras, imagens, filmes e sons, numa linguagem comum. Sendo uma vantagem para o ciberespaço, a digitalização oferece ganhos consideráveis em velocidade e flexibilização, em comparação com os meios de comunicação electrónicos anteriores, que se baseavam largamente em técnicas analógicas. (MOSCO, 2006 apud MIGUEL, 2010:49) Televisão digital: é a designação atribuída ao processo de transmissão de vídeo, áudio e dados, através da utilização de sinais digitais, por oposicão aos sinais analógicos utilizados pelos sistemas tradicionais de televisão (analógica), oferecendo melhor qualidade – resultante nomeadamente da maior imunidade a perturbações na imagem – e proporcionando espaço para mais canais de televisão e novos serviços, bem como 4 outras potencialidades, designadamente ao nível da interactividade. (Cf. Relatório Final Grupo de Acompanhamento para a migração da Televisão Digital Terreste, Portugal, 2012) Radiodifusão: é uma palavra equivalente em inglês a broadcasting, cuja sinonímia está relacionada a algo como semear aos quatro ventos. (RODRIGUES, 2007 apud MIMBIR, 2008) O termo “radiodifusão” é a designação genérica usada para identificar os serviços de comunicação electrónica que usam a rádio e a televisão e cuja a distribuição e recepção se efectua por terra, por cabo ou por satélite. Abrange não apenas “notícias e programas de informação, mas também entretenimento”, incluindo “filmes, séries, jogos, espectáculos e outros géneros semelhantes que contribuem para a socialização e comunicam valores e atitudes relevantes.” (SOUSA, 2006:571 apud MIMBIR, 2008) Nas definições de serviço público de radiodifusão Curran, citado por Serrano, 1998, diz que é possível assinalar a permanência de conceitos como “bem comum”, “equilíbrio”, “qualidade”, “interesse nacional”, dirigindo-se a “todas as secções da sociedade” e a “todas as partes do país”, orientando a objectivos como “educar”, “informar”, “desenvolver o espírito crítico” contra “o sistema de mercado” e obrigando-se a proteger “a soberania do consumidor.” Na tentativa de se formular uma teoria de radiodifusão, por um lado, existe um discurso ao nível do Estado (parlamento e governos), centrado em questões de natureza política, político-militar, técnica, jurídica (regulamentações e apoios económicos), preocupado, sobretudo, com o pluralismo da informação política e, por outro lado, um discurso oriundo de grupos “ah doc”e de responsáveis pela radiodifusão, mais preocupado com a radiodifusão no seu todo, onde a par de preocupações de natureza económica se encontram reflexões sobre a cidadania, os direitos das minorias, a salvaguarda das culturas nacionais. BREVE PANORAMA DO SECTOR DA RADIODIFUSÃO EM MOÇAMBIQUE Os principais meios de comunicação social existentes em Moçambique são eminentemente urbanos e estão concentrados em Maputo. 5 Actualmente, existem oito estações de televisão com sinal livre: uma pública, a Televisão de Moçambique – TVM e as outras sete privadas, nomeadamente: 1) a STV, pertencente à Sociedade Independente de Comunicação (SOICO). Fundada em 2002, cobre oito das onze províncias moçambicanas; 2) a Televisão Independente de Moçambique (TIM), foi criada em 2006 e emite. além de Maputo, em Tete, Cabo Delgado, Beira e Quelimane; 3) a TV Miramar, propriedade da Igreja Universal do Reino de Deus; 4) a SIRT-TV, criada em 2002 e está sediada na cidade de Tete, sendo a única com sede fora da capital. Pertence a António Marcelino de Mello; 5) a KTV, descendente da antiga Rádio e Televisão Klint (RTK), é a primeira estação televisiva privada criada em Moçambique. Seu fundador chama-se Carlos Klint, antigo militante da Frelimo. A KTV possui uma estação de rádio, a KFM, que também emite em FM; 6) a TV Maná, com sede em Maputo, é propriedade da Associação Maná Igreja Cristã;. 7) a ECO TV emite apenas na capital do país e aposta mais no entretenimento. Destacam-se ainda as rádios “Indico” (propriedade da Associação dos Combatentes da Luta de Libertação Nacional, uma das organizações sociais da FRELIMO); a Rádio Terra Verde, da RENAMO, entretanto cedida em 2008 a uma empresa privada, a Nova Difusão; a Rádio SFM, do Grupo SOICO; a Rádio Savana, do Grupo Mediacoop. Existem ainda as rádios comunitárias espalhadas pelo país. Inicialmente, entre (19982006) tiveram um forte apoio da UNESCO e do PNUD, sendo que outras foram criadas pelo Instituto de Comunicação Social (ICS), uma entidade estatal. Desde Abril de 2004, a maioria das rádios comunitárias sem vínculo com o Estado trabalha em conjunto por meio do Fórum Nacional de Rádios Comunitárias (FORCOM), uma iniciativa de trabalho em rede para consolidar e auxiliar as rádios comunitárias no seu trabalho. (Cf CHICHAVA & POHLMANN, 2010; MARIO, 2010) BREVE HISTORIAL DA MIGRAÇÃO DIGITAL A história da digitalização do sector de radiodifusão no mundo é relativamente nova. O processo de migração para o sistema de transmissão digital em boa parte do mundo pode se considerar ainda lento, apesar da crescente integração do rádio à internet e às 6 plataformas digitais. “A digitalização ainda é incerta e não homogénea entre os continentes. Entretanto, não digitalizar significa deixar de participar do código comum que é a base da convergência.” (BIANCO, 2010:6) A decisão de transformar o sinal analógico em digital foi tomada entre os dias 15 de Maio e 16 de Junho de 2006, em Genebra, na Suíça, durante a Conferência Regional de Radiocomunicações (RRC-06) para a Região 1 e partes da Região 3 (Irão e Mongólia), com vista à revisão dos acordos do serviço de radiodifusão televisiva ST61 (Europa) e GE89 (África), convertendo-os num novo acordo chamado GE06. Este novo acordo estabeleceu os princípios de migração da radiodifusão televisiva analógica para digital nas bandas de frequência III (174 – 230 MHz), IV (470 – 582 MHz) e V (582 – 790 MHz) baseado no padrão tecnológico DVB – T, inlcuindo a radiodifusão sonora digital (T – DAB) na banda de frequências III, que aprova o plano de Frequências de Radiodifusão Digital, os princípios técnicos de coordenação e implementação do plano de frequências. Ficou assente no encontro da União Internacional das Telecomunicações que as transmissões televisisas analógicas terminariam, em todo o mundo, a 17 de Junho de 2015, devendo a Rádio migrar sem prazo de switch-off previamente estabelecido. O switch-off, ou seja, o fim da era da televisão analógica, em Moçambique será introduzido de forma faseada, num período de sete meses, a iniciar em Dezembro de 2014 até Junho de 2015. (ANGUILAZE, Simão in Jornal Notícias de 12.04.2013) A MIGRAÇÃO DIGITAL EM MOÇAMBIQUE Os primeiros passos para a migração começam em Novembro de 2007, quando o Instituto Nacional de Comunicações de Moçambique (INCM) elabora as propostas de “Regulamento de Radiodifusão Terrestre Digital” e de “Implementação da Radiodifusão Digital”. Ambos documentos foram submetidos aos dois operadores de radiodifusão pública (RM e TVM), aos operadores privados e ao Gabinete de Informação (GABINFO). (Cf. Mário et al, 2010:70) Basicamente, a proposta procura delinear estratégias visando o uso partilhado das infraestruturas de transmissão digital, e portanto abandona o modelo com base no qual cada operador estabelece a sua própria rede de transmissão. (idem, 2010: 70) 7 Em Julho de 2008, o Ministério dos Transportes e Comunicações, através do Instituto Nacional de Comunicações, publicou um documento referência sobre o processo de migração para a radiodifusão digital, estabelecendo as principais directrizes e passos que o governo e outras partes interessadas deverão tomar em conta no processo de desenvolvimento da estratégia de transição. O Documento de Referência visualiza a criação de Comissão de Implementação da Radiodifusão Digital (uma comissão multidisciplinar), responsável pela supervisão do processo, definição dos passos a tomar e envolvimento de todos os sectores da sociedade que sejam partes interessadas. Em Novembro de 2010, Moçambique decidiu adoptar o modelo europeu, denominado DVB-T2, pelo facto de praticamente todos os países da SADC (Comunidade de Desenvolvimento da África Austral) terem optado pelo modelo europeu, excepto o Botswana. A decisão foi tomada pelos ministros responsáveis pelo pelouro das telecomunicações e/ou radiodifusão da SADC, reunidos em Lusaka, em Novembro de 2010. O Padrão DVB-T2 é uma adaptação do padrão de TV Digital europeu para transmissão de áudio e dados, constituindo-se numa variedade de padrões para transmissão de satélite, distribuição de cabo e radiodifusão terrestre. Na sequência da recomendação da SADC, o Conselho de Ministros, reunido na sua 44ª sessão, realizada a 7 de Dezembro de 2010, decidiu adoptar o padrão tecnológico DVB – T2, visando à migração da radiodifusão terrestre para o digital. A 7 de Fevereiro de 2011, através de um despacho do Ministro dos Transportes e Comunicações, Gabriel Muthisse, foi criada a Comissão Nacional de Migração Digital, para definir as premissas que orientem a migração digital em Moçambique bem como coordenar e planear o respectivo processo. Objectivos da Comissão: Elaborar uma estratégia de migração digital em Moçambique; Definir os processos, instrumentos legais e o papel de cada interveniente; Elaborar um plano de Implementação da Migração da radiodifusão analógica terrestre para digital, até 2013; Definir parâmentros técnicos e administrativos adequados ao processo de migração da radiodifusão em Moçambique 8 Composição da Comissão A comissão é composta por 17 membros, em representação de 13 instituições públicas e privadas, nomeadamente: Instituto Nacional de Comunicações de Moçambique (INCM), Gabinete de Informação (GABINFO), Conselho Superior de Comunicação Social (CSCS), Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério da Indústria e Comércio, Ministério das Finanças, Ministério da Planificação e Desenvolvimento, Ministério dos Transportes e Comunicações; Telecomunicações de Moçambique, Rádio Moçambique, Televisão de Moçanbique; Soico Televisão e Rádio 9 FM, estas duas últimas privadas. Principais objectivos da migração digital: Utilização mais eficiente do espectro radioeléctrico, compactando as frequências actualmente utilizadas para o broadcasting e libertando o espectro para outras utilizações; Maior qualidade de recepção dos conteúdos produzidos pelos operadores de televisão, através de um sinal de maior qualidade, para toda a população moçambicana; Possibilidade de transmissão e recepção universal de serviços em modo portátil e móvel Maior robustez contra interferências na transmissão do sinal, decorrente da aplicação de novas tecnologias; Potencial de desenvolvimento de outros serviços de elevado valor acrescentado (serviços interactivos, vídeo on demand, entre outros) para pessoas e para as empresas; Promoção da inclusão social. A 1 de Abril de 2014, o Governo moçambicano, através do Ministro dos Transportes e Comunicações, Gabriel Muthisse, assina o acordo de adjudicação do processo de migração digital da radiodifusão em Moçambique, à empresa do grupo chinês StarTimes Software Technology. A 2 de Abril, três empresas públicas procederam à constituição da empresa que será responsável pela distribuição do sinal da televisão digital. Trata-se da Rádio Moçambique, Televisão de Moçambique e Telecomunicações de Moçambique, com a 9 designação de “Empresa de Transporte, Multiplexão e Transmissão SA”, abreviadamente chamada TMT, que vai deter a rede de trasmissões digitais, cujo capital social será de um milhão e oitocentos mil meticais. Este capital será realizado com participação das referidas empresas em partes iguais. Para os devidos efeitos, a TMT constituirá, por sua vez, uma sociedade com Startimes Media Moçambique Lda, para o desenho e implementação do projecto, bem como para a operação da futura rede digital de transmissões. Este projecto de migração será financiado através de um crédito concessionário do EXIM Bank, da China, ao abrigo das relações de cooperação entre a República de Moçambique e a República da China. (Rádio Moçambique, 4 de Abril de 2014) O contrato com a EXIM Bank é availado em 220 milhões de dólares. Em entrevista ao matutino Notícias, de 8 de Abril de 2014, o ministro dos Transportes, Gabriel Muthisse, justifica a opção pelo financiamento chinês: O modelo europeu não vem acompanhado por financiamento. A República Popular da China através da StarTimes vai financiar a migração digital, transferindo toda a tecnologia necessária. A migração digital está a ser suportada por financiamento bilateral. Os créditos bilaterais normalmente são para promover interesses do país que os concede, no caso, o EXIM Bank, da República Popular da China. A opção pela StarTimes Tecnology, uma empresa cem por cento chinesa, é por ser, praticamente, a maior empresa chinesa que está ligada à televisão. (MUTHISSE, 2014) A 15 de Abril de 2014, o Conselho de Ministros aprova a Estratégia Nacional de Migração Digital, que tem como objectivos: Analisar o potencial impacto económico do processo de migração para os vários intervenientes que serão abrangidos, incluindo os consumidores; Analisar as formas da migração, transição e coexistência entre as várias modalidades de serviço existentes, de modo a garantir a viabilidade dos projectos; Estimular a produção de conteúdos locais; Promover a produção no país de equipamento e/ou de acessórios de transmissão e de recepção, incluindo unidades de conversão; 10 Estabelecer um plano temporal para a implementação do processo de migração Identificar os benefícios específicos a surgirem do processo de migração. Vantagens da Digitalização A digitalização oferece ganhos consideráveis em velocidade e flexibilidade, maior espectro de frequência, permitindo criar mais rádios, qualidade de imagem e som e mais canais, serviços de interactividade de informação e entretenimento. Rádio Digital (DAB)- Digital Áudio Broadcasting é um sistema de radiodifusão sonora digital avançado. Fornece uma qualidade sonora elevada, semelhante a dos discos compactos mesmo em condições de recepção desfavoráveis. Além da qualidade sonora, ao sistema DAB, acrescenta-se a possibilidade de se adicionarem novos serviços e funcionalidades (incluindo aplicações multimédia, áudio e dados em simultâneo). Com o sistema DAB, acaba a fórmula tradicional de um emissor para um programa, passando um emissor a servir vários programas. Em Moçambique, por exemplo, vários programas podem significar que o emissor da Antena Nacional da RM passa a agregar a Rádio Cidade, o RM Desporto, o Emissor Provincial de Maputo, a Rádio SFM, a Rádio KFM e outras rádios existentes. Actualmente, na cidade de Maputo, o espectro de frequência está saturado, o que leva o Instituto Nacional das Comunicações de Moçambique (INCM) a não conceder frequências para a exploração de um serviço de radiodifusão. Isso acontece em radiodifusão sonora, nomeadamente em frequência Modulada (FM), como também em radiodifusão televisiva, nomeadamente UHF. Portanto, os canais ou frequências até então esgotaram-se. Com a migração digital anunciada, os programas em operação na cidade de Maputo (12) poderão ser agrupados e transmitidos por 2 canais. Em televisão, o modelo SDTV (Standard Definition Television), possibilita a transmissão simultânea de 6 a 8 programas em definição standard, no mesmo canal. IMPLICAÇÕES DA DIGITALIZAÇÃO EM MOÇAMBIQUE A digitalização traz grandes desafios para o país. Em primeiro lugar, os 43% de famílias que já têm as actuais rádios analógicas terão que substituí-las por rádios digitais. Estudos efectuados pelo Centro de Informática da Universidade Eduardo Mondlane – CIUEM, em 2009 constatam que um receptor digital custa, em média, 120 dólares cada 11 (aproximadamente 3 mil meticais). Os televisores analógicos vão precisar de uma “caixa conversora” adicional, cujo custo actual ronda em 75 dólares (1.875MT), ou para melhor qualidade seria preciso comprar um televisor novo ao preço de 2 mil dólares (50.000 MT). O mesmo estudo prevê uma redução progressiva dos preços dos equipamentos, mas, mesmo assim, representará um investimento significativo para os moçambicanos. (Cf. CIUEM, 2009:44) Uma migração tecnológica deficiente poderá resultar no bloqueio do direito de acesso à informação, garantida aos cidadãos pela Constituição. (Barómetro Africano de Media Moçambique, 2011) A migração revela-se onerosa para um país com graves carências: segundo o senso de 2007, menos de metade dos lares moçambicanos tem aparelhos de televisão, ou seja, a maior parte da população está excluída e não pode usufruir das possibilidades de informação, educação e entreternimento que podem ser proporcionadas por esta mídia. Na melhor das hipóteses, o único meio pelo qual se inserem no mundo é o rádio que funciona a pilha, já que a expansão eléctrica encontra-se em processo. (MIGUEL, 2014. Disponível em www.ihuonline.unisinos.br/index.php “Digitalização da televisão em Moçambique: um longo caminho por trilhar”. Acessado a 29 de Abril de 2014 O governo e o regulador para o processo de transição terão que tomar muitas decisões e actuar rapidamente, posicionando-se no sentido de garantir a defesa do interesse público, e neste contexto, o CIUEM, (2009:44), propõe entre várias acções o seguinte: • Criação de um grupo de trabalho intersectorial, incluindo os operadores da rádio e televisão, para planificar e lidar com todo o processo de digitalização. • Elaboração de propostas e tomada de decisões no que diz respeito ao licenciamento de operadores, padrões de qualidade, custos, estratégias para minimizar os custos para o público ouvinte e telespectador, prazos, etc. • Disseminação em grande escala das perspectivas e dos desafios da digitalização da rádio e televisão, para permitir a participação da sociedade civil em acções preparativas e de advocacia, junto com o sector privado e operadores públicos e privados, facilitando a transparência das decisões. 12 Segundo Miguel, (2010:45), “o advento da digitalização e a dinamização que esse processo tecnológico imprime à sociedade actual, não é algo ocasional e disvinculado da praxis capitalista desde a sua fundação.” De facto, o processo de digitalização encerra em si interesses economicistas. Visa maximizar o lucro das indústrias produtoras da tecnologia e dos produtos noticiosos e de entretenimento. Para Miguel, (2010:45), “trata-se do culminar da missão que vem sendo zelosamente observada pelos atores do mercado, ou seja, o eterno dilema do capital em reduzir ao máximo o tempo de giro da mercadoria.” A televisão em sinal aberto na era da digitalização não será gratuíta e isso poderá ser uma causa para excluir do acesso à informação – direito consagrado pela Constituição da República, número 1 do artigo 48. BIANCO (2010) alerta que o processo de construção de políticas públicas para o rádio digital precisa estar alicerçado em critérios que garantam a manutenção da gratuidade do acesso ao rádio, para além da coexistência com o analógico e de aparelhos receptores de baixo custo. Aliás, esta visão é partilhada por diversos pesquisadores atentos ao fenómeno da digitalização, destacando ser fundamental que o governo moçambicano, ao pensar nas políticas de migração tecnológica a baixo custo. PERCEPÇÕES EM TORNO DA MIGRAÇÃO DIGITAL Alguns moçambicanos sabem que a migração do sistema analógico, em uso, para o sistema digital é uma inevitabilidade daqui há poucos anos. Não se sabe muito bem como a mudança vai acontecer e para piorar o cenário, ninguém faz ideia de quem vai pagar os elevados custos daí decorrentes. É sombrio o processo de migração para a Televisão Digital Terrestre (TDT) em Moçambique, previsto para ter lugar em 2015, em comum acordo com outros países da África Austral. Para países subdensenvolvidos como Mocambique, onde o acesso à televisão (analógica) está apenas para 40% da população, esta mudança não é uma opção, é uma imposição. Ou o país muda para a TDT ou o povo não assiste à televisão. As comunicações entre o norte, centro e sul de Moçambique são em larga medida asseguradas por uma fibra óptica problemática, gerida pelas Telecomunicações de Moçambique (TDM). Os cortes são constantes, deixando o país por largos períodos 13 incomunicável. Ora, esta rede, não cobrindo o país, não poderá garantir que a televisão seja vista por todos. Mário, 2010, constata que em Moçambique o processo de migração digital está num fraco estágio. As possibilidades de migração digital até 2015 são mínimas, pois dentro da sociedade civil, reina um clima de incerteza, insegurança, dada a ausência de mobilização de financiamentos, instalação de redes de única infra-estrutura, compra de equipamentos, ensaios técnicos, processo este que não leva menos de dois anos. O posicionamento de Mário é reforçado pelo Centro de Integridade Pública – CIP, num estudo realizado em 1998, “tratando-se de um processo cumulativo que não leva menos de três anos”. Para Mário, as causas deste cepticismo são: • Défice de conhecimento profundo do governo, sobre a importância e pertinência da migração digital; • Fraco engajamento do governo para conferir a radiodifusão, a sua importância política e sócio-económica, correndo-se o risco de que em Moçambique, a maior parte da população seja excluída da migração digital; • Inexistência de uma estratégia de informação e educação pública clara, sobre a migração digital, que irá permitir a adesão e elimine receio e resistências por parte do sector privado que será um importante estimulador dos consumidores neste processo. Por mais consensuais, doces e flexiveis que possam parecer, elas [as tecnologias] não podem abstrair das cartadas económicas e políticas, que aí se exprimem. (MIEGE, apud MIGUEL, 2010:51). Além disso, a convergência, através da digitalização, camufla diferenças que envolvem questões de políticas públicas, actores e interesses que são específicos de cada processo tecnológico. (CAPPARELLI, LIMA, apud MIGUEL, 2010:51). O resultado disso são as mudanças, não pacíficas, da economia política do serviço de telecomunicações. (MIGUEL, 2010: 51) O CENÁRIO DA RÁDIO MOÇAMBIQUE A Rádio Moçambique já iniciou a preparação das condições para a digitalização, nomeadamente, a aquisição de emissores capazes de operar neste módulo, logo que 14 sejam convertidos, refere o Presidente do Conselho de Administração da RM, Ricardo Malate, em entrevista à rúbrica “Café da Manhã”, do programa Radiofónico Jornal da Manhã, emitido no dia 2 de Outubro de 2012. De acordo com Malate (2012), a Rádio Moçambique tem estado empenhada na preparação de todas as condições necessárias para que a migração se efective dentro dos prazos. “A migração não é mais do que a introdução de novas maneiras de fazer rádio, do ponto de vista de emissão”, acrescenta Malate. A RM espera servir-se da mesma experiência, quando, há alguns anos, fez uma migração com sucesso para o FM, trocando todos os emissores em onda curta. Tendo em perpectiva a migração digital, a RM inaugurou, o ano passado, na cidade de Xai-Xai, província de Gaza, sul de Moçambique, o Centro Padronizado para a Produção Radiofónica. Actualmente, a RM usa, simultaneamente, equipamento digital e analógico nos seus estúdios. De acordo com o Engenheiro Damião Salatiel1, grande parte dos estúdios de produção da sede, em Maputo, são totalmente digitalizados. Nos emissores provinciais, o processo ainda não iniciou. Em 2013, a RM investiu na instalação de emissores de FM em Chicualacuala (Gaza), Massinga, Vilankulo (Inhambane), Catandica (Manica), Caia (Sofala), Gurue (Zambezia) e Metoro (Cabo Delgado). Segundo Salatiel, o grande constrangimento reside na definição do padrão a adoptar, no caso da rádio, e das políticas governamentais para garantir que a população tenha acesso à informação radiofónica, um direito consagrado constitucionalmente. A RM identifica como pontos fortes o facto de produzir conteúdos usando tecnologia digital e ter os seus estúdios informatizados. Os jornalistas estão capacitados para trabalhar em estudos de edição e de emissão digitais. Como pontos fracos, aponta-se o atraso na digitalização dos emissores provinciais e a falta da definição de um modelo de digitalização a seguir. É uma medida política e económica, para não vedar o acesso do público à informação. A migração dos sistemas de transmissão da televisão e da rádio de analógico para digital é um imperativo de desenvolvimento tecnológico e requererá a modernização dos meios 1 Salatiel, entrevistado pelo autor, a 25 de Abril de 2014 15 de produçao quer de televisão, quer de radiodifusão sonora, devendo culminar com a mudança no modelo de negócio, em que as entidades produtoras de conteúdos operarão, separadamente, das instituições responsáveis pelas transmissões e disseminação dos mesmos. À RM cabe a produção, completando a cadeia a StarTimes, responsável pela trasmissão e dissseminação do conteúdo. CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo de migração do sistema de radiodifusão analógica ao digital é irreversível, em todo o mundo. As autoridades governamentais moçambicanas, apesar de atrasadas, desdobram-se para cumprir os prazos. Em televisão "apagão” vai se registar em Julho de 2015. Em rádio não há prazos estabelecidos, mas o caminho a seguir é o mesmo. Apesar dos elevados custos, a migração tecnoloógica traz múltiplas vantagens, mormente no aumento do espectro de frequência, o que vai se reflectir na multiplicade de canais de rádio e de televisão, ampliando por conseguinte o acesso à informação. Do ponto de vista técnico aumenta a qualidade sonora e de imagem; há uma maior imunidade ao ruído e poucas interferências de outras estações. Há cerca de um ano para a efectivação da migração tecnológica, as populações estão pouco informadas sobre um processo que vai afectar directamente as suas vidas. Em Moçambique, o direito à informação é consagrado por lei. Sendo assim, é consensual que o governo adopte um modelo de transição com menos custos, para além de subsidiar a compra de conversores do sinal analógico para o digital, tal como aconteceu noutros países. 16 BIBLIOGRAFIA Livros CHICHAVA, Sérgio/POHLMANN, Jonas (2010), “Uma breve análise da Imprensa Moçambicana”, disponível em www.iese.ac.mz/lib/publication/livros’des2010/IESE_Des2010_5.ImpMoc.pdf MIGUEL, João ( 2010), “Convergência tecnologica e implicações politicocomunicacionais”, in: BRITTOS, Valério Cruz (org), Digitalização, Diversidade e Cidadania: Convergências Brasil e Moçambique, São Paulo, Annablume, 45-61 MARIO, Tomás Vieira, (2010), Radiodifusão Pública em Africa: Moçambique, Johannesburg, Open Society Artigos publicados em revistas científicas BIANCO, Nelia (2010), “O futuro do rádio no cenário da convergência frente às incertezas quanto aos modelos de transmissão digital”, Revista de Economia Política de las Tecnologias de la Information y Comunicacion, n. 1, MIGUEL, João (2014). “Digitalização da televisão em Moçambique: um longo caminho por trilhar”. 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