CADERNO PEDAGÓGICO
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CADERNO PEDAGÓGICO
CADERNO PEDAGÓGICO Reflexões Pedagógicas sobre as Questões Étnico-Raciais Parâmetros para inclusão de “HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA, AFRICANA E INDÍGENA” no Currículo Escolar Implementação das Leis Federais N° 10.639/03 e 11.645/08 APRESENTAÇÃO Desde o ano de 2006, a Secretaria Municipal de Educação de Cabo Frio vem desenvolvendo ações concretas no sentido de implementar políticas educacionais visando o cumprimento da Lei 10.639/03, e, mais recentemente, da 11.645/08. Estas ações têm como principal objetivo promover a sensibilização e formação dos profissionais de educação da Rede Municipal de Ensino, no que tange ao resgate da história, memória e cultura dos nossos ancestrais, os africanos e indígenas. Este Caderno Pedagógico é o segundo que aborda a História e Cultura AfroBrasileira e Africana, e é um importante recurso que pretende facilitar a vida do professor, oferecendo-lhes informações, sugestões de atividades práticas e experiências sobre o tema. Desta forma, fica clara a intenção da SEME, que é a de trabalhar ao encontro do que diz o texto da Lei e o parecer que a normatiza. Oferecendo formação continuada, material didático e apoio pedagógico a todos que compõem o quadro de professores do município, espera-se contribuir para a diminuição do racismo no país. Cabo Frio / março / 2011 Laura Porto Guimarães Barreto Secretária Municipal de Educação SUMÁRIO Introdução............................................................................................................................... África, berço da humanidade................................................................................................ África, um continente desconhecido..................................................................................... A escravidão............................................................................................................................ A religiosidade negra.............................................................................................................. África: da colonização à descolonização............................................................................... Baobá, árvore símbolo............................................................................................................ Geografia Africana.................................................................................................................. Os recursos............................................................................................................................... Quilombos no Brasil ............................................................................................................... As alforrias............................................................................................................................... Revoltas e resistência............................................................................................................... A África contemporânea........................................................................................................ Valores civilizatórios afro-brasileiros................................................................................... Atividades................................................................................................................................ INTRODUÇÃO As Leis Federais Nº. 10.639/03 e 11.645/09 alteraram as diretrizes e bases da educação nacional fixadas pela Lei Nº. 9.394/02 ao tornar obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena no Ensino Fundamental e no Ensino Médio em todos os sistemas de ensino. Considerando que a implementação das leis tem por objetivo eliminar discriminações e promover a inclusão social e a cidadania para todos no sistema educacional brasileiro, é necessário que haja na unidade de ensino uma discussão permanente sobre os temas, para que as questões étnico-raciais façam parte da prática pedagógica de nossos alunos, professores, demais funcionários e responsáveis. A obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, Africana e Indígena nos currículos de Educação Básica trata-se de decisão política, com fortes repercussões pedagógicas, inclusive na formação de professores. É preciso valorizar devidamente a história e a cultura de seu povo, buscando reparar danos, que se repetem há cinco séculos, fortificando sua identidade e discutindo seus direitos. A relevância do estudo de temas decorrentes da história e da cultura afro-brasileira, africana e indígena, não se restringe aos negros e índios; ao contrário, diz respeito a todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir uma nação mais justa, igualitária e democrática. A Secretaria Municipal de Educação de Cabo Frio tem assegurado aos professores da Rede Municipal deste município, possibilidades e o direito de estarem se aperfeiçoando, construindo novos conceitos e desenvolvendo novas competências. Aproximar ainda mais as questões étnico-raciais do universo escolar é uma missão nossa. Por isso, intensificamos as visitas às escolas, promovemos oficinas, participamos de reuniões pedagógicas, conversamos com nossos profissionais de educação. Este Caderno Pedagógico tem como principal objetivo promover maiores esclarecimentos a cerca destes temas, mostrando caminhos e oferecendo embasamento teórico/metodológico aos professores e equipe técnica da Rede Municipal de Ensino de Cabo Frio. Vem preencher uma lacuna importante, uma vez que procura resgatar a história do povo africano e afro-descendente, sua contribuição na cultura e na formação do povo brasileiro. É fundamental entendermos que a questão racial perpassa situações encontrados no dia a dia de nossas escolas, da vida dos nossos professores e do nosso alunado, bem como de suas famílias, e, que somente através do estudo, da ciência, é que o indivíduo consegue libertar-se de antigos conceitos preconcebidos, naturalmente gerados no ambiente sóciofamiliar. O conhecimento tem a função de esclarecer o homem, contribuindo para que uma nova sociedade surja, mais esclarecida, humanitária, tolerante, enfim, livre de preconceitos. África, berço da Humanidade Fonte: Revista Ciência Hoje das Crianças ano 19 / nº168/ Maio de 2006 Se alguém disser a você que o homem veio do macaco, não dê ouvido. Por uma razão muito simples: não é verdade. O homem não descende do macaco. Os seres humanos atuais e os macacos, na realidade, têm parentes em comum no passado distante, assim como nós temos parentes em comum com os outros mamíferos, com os outros vertebrados. Somos todos parentes, porque temos características em comum. Acontece que, de todas as criaturas do mundo, nós temos muito mais em comum com os primatas, o grupo de mamíferos que inclui, além dos seres humanos, os macacos. Isso, porém, não significa que nós sejamos descendentes dos macacos, como você descende dos seus pais, que descendem dos seus avós... Na verdade, isso quer dizer que, em algum momento no passado, os seres humanos e os macacos tiveram um ancestral em comum. Esse ancestral deu origem, de um lado, aos grupos que originaram os seres humanos atuais e, de outro, aos grupos que originaram os macacos de hoje em dia. Essa divisão em dois grupos, segundo os dados disponíveis atualmente, deve ter ocorrido há cerca de sete milhões de anos. E sabe onde ele deve ter ocorrido? Na África. Podemos afirmar isso, em primeiro lugar, porque os fósseis mais antigos de primatas do planeta foram achados no continente africano. Em segundo lugar, porque também foi lá que apareceram os primeiros primatas bípedes, ou seja, que andam sobre duas pernas. Essas criaturas são os nossos parentes mais antigos. Alguns grupos de primatas bípedes se extinguiram, mas outros sobreviveram. É desses grupos que surge, graças a mudanças evolutivas, a espécie humana atual: o Homo Sapiens. Assim, a África é considerada o berço da humanidade. Não só porque aí encontramos os vestígios dos nossos parentes mais antigos, mas, também, porque é lá que surge a nossa espécie, os primeiros seres humanos como nós. A diferença é que eles aparecem bem depois dos primeiros primatas bípedes: há cerca de 200 mil anos. Nossos antigos parentes Entre quatro milhões de anos e dois milhões de anos atrás, viviam na África os australopitecíneos: primatas bípedes, pequenos, todos com o cérebro mais ou menos do mesmo tamanho, bem menor do que o do homem atual. Essas criaturas se dividiam em cerca de oito espécies. As pesquisas indicam que uma delas é justamente o nosso parente distante mais representativo: trata-se do Australopithecus afarensis, também conhecido como Lucy. Ao contrário de espécies como Australopithecus boisei ou Australopithecus robustus – que eram mais robustos em termos físicos e comiam folhas e galhos de plantas -, o Australopithecus afarensis tinha uma estrutura óssea mais delicada e a capacidade de comer folhas e frutos, além da carne de outros animais. Na época em que os australopitecíneos viveram, porém, uma grande mudança ambiental estava em curso na África. Em função de mudanças climáticas em todo o planeta, o clima do continente africano estava ficando muito seco, diminuindo a quantidade de florestas, uma vez que as árvores precisam de muita água para sobreviver. Nesse ambiente mais árido, em que há poucas árvores e pouca água, a disputas pelos recursos naturais é muito grande. Muitas espécies morrem, porque não encontram comida. As espécies que conseguem se adaptar com menos alimentos ou ampliando a sua dieta vão sobrevivendo. E as que não se adaptam com menos comida disponível têm de procurar alternativas ou irão desaparecer. Aquelas que são mais flexíveis têm mais chance de sobrevivência. Foi o que aconteceu com os australopitecíneos. A maioria deles acabou se extinguindo, como é o caso do Australopithecus robustus e do Australopithecus boisei, por conta da sua alimentação muito restrita. Algo que não ocorreu, porém, com Lucy e seus parentes. Com sua dieta mais variada, eles puderam sobreviver e deixar descendentes. Assim sendo, os ancestrais do homem atual são os australopitecíneos que descendem do Australopithecus afarensis e não do Australopithecus robustus ou Australopithecus boisei. Afinal, eles desapareceram. Esse fato fica mais claro quando se analisa um outro parente do homem moderno, mais recente: o Homo habilis. Essa criatura, fisicamente, era mais semelhante aos Australopithecus afarensis do que aos Australopithecus robustus. Também tinha uma outra característica muito importante... O homem habilidoso e o homem que saiu da África Era o início da década de 1920 quando cientistas descobriram, na África, um fóssil com características semelhantes às do homem atual e, por perto dele, instrumentos de pedra. As circunstâncias levaram os pesquisadores a acreditar que a espécie recém-encontrada era quem havia feito os instrumentos. Por conta disso, na hora de batizá-la, consideraram importante dar a ela um outro nome, que não australopithecus, uma vez que, no momento em que essa espécie começou a fazer instrumentos, passou a estar mais próxima de nós, seres humanos atuais. O nome escolhido, então, seria “Homem que faz instrumento”. Em latim, “Homo habilis”. Um homem habilidoso. Hoje em dia, existe uma controvérsia a respeito do Homo habilis. Não se sabe se essa criatura de tato pode ser colocada no gênero Homo - ao qual nós pertencemos – ou no gênero Australopithecus. Justamente porque, atualmente, sabe-se que muitos primatas usavam instrumentos de pedra, e, além disso, há poucos fósseis de Homo habilis. O debate continua em aberto. Seja como for, no período em que viveu o Homo habilis, há cerca de dois milhões e meio de anos, o planeta que vinha se aquecendo, há anos, começou a se resfriar. Nesse período de resfriamento, houve o aparecimento de animais maiores, que pode ter influenciado no surgimento de uma nova espécie: o Homo erectus. Com um cérebro e um corpo bem maiores do que o do Homo habilis, o Homo erectus apareceu na Terra há cerca de dois milhões de anos e produziu ferramentas mais complexas do que o “homem habilidoso”. Mas, o mais interessante é que ele foi o nosso primeiro parente a sair da África. Essa migração indica que o Homo erectus estaria utilizando, pelo menos, alguma proteção física, como peles de animais (lembre-se de que o planeta, nessa época, passava por um processo de resfriamento) e fazendo uso do fogo. Mas por que o Homo erctus – e não o Homo habilis ou os australopitecíneos – foi o nosso primeiro parente a sair da África? Uma das hipóteses levantadas para explicar essa migração afirma que, provavelmente, o Homo erectus era um caçador ativo e, como tal, tinha de seguir a caça onde quer que ela fosse, diferentemente do Homo habilis, que, ao que parece, se alimentava de carcaça de animais. Assim, ao seguir os animais quando eles migravam, para garantir alimento, o Homo erectus chegou a outros continentes. O homem das cavernas e o homem moderno Parte do grupo de Homo erectus que deixou a África deve ter chegado à Europa e ao Oriente Médio, segundo acredita a maioria dos pesquisadores. Sem contato com outros grupos humanos que estavam se espalhando pelo mundo, por conta do resfriamento do planeta, que, naquela época, isolou a Europa e o leste do Oriente Médio em grandes blocos de gelo, este grupo diferenciou-se, dando origem a uma nova espécie, chamada Homo neanderthalensis. Os neandertais _ cujos primeiros fósseis foram descobertos no vale de Neander, na Alemanha, no início do século 19 – eram muito parecidos conosco: eram apenas mais baixos do que nós, em média, e bem mais fortes. No entanto, a imagem que as pessoas têm deles, em geral, é a do “homem das cavernas”: brutos, encurvados. Isso por causa de um erro que aconteceu durante descrição dos fósseis do Vale do Neander. Os primeiros fósseis de Homo neanderthalensis descritos pela ciência eram de um indivíduo que tinha artrite e artrose, portanto, era um esqueleto doente e, por isso, era arqueado. O anatomista que analisou, no entanto, não percebeu isso e, por muito tempo, acreditou-se que todos os neardertais fossem assim. Enquanto os neandertais viviam na Europa e em parte do Oriente Médio, na África, surgia a espécie humana atual, a qual nós pertencemos: a Homo sapiens. Provavelmente, os Homo sapiens surgiram a partir do isolamento de algum dos grupos de Homo erectus, que, nessa época, eram encontrados na África e na Ásia. O que ocorreu para dar origem à nova espécie, porém, ainda é tema de intenso debate. Duas hipóteses A maioria dos pesquisadores afirma que o Homo sapiens surgiu na África e migrou para fora do continente, espalhando-se pelo mundo, também seguindo os animais que caçava, como ocorreu com o Homo erectus. Gradualmente, nossa espécie teria causado a extinção das outras espécies que existiam, por competição. Já que conseguia caçar melhor, se comunicar melhor e fabricar melhores instrumentos, então, teria conseguido sobreviver mais e deixar mais descendentes. Há cientistas, porém, que sustentam uma outra possibilidade: o Homo sapiens apareceu na África, migrou para fora do continente, e, pouco a pouco, misturou-se aos outros grupos humanos que existiam na época – os Homo erectus, Homo neanderthalensis e outros grupos chamados Homo sapiens arcaicos. Por fim, dessa mistura gradual, originou-se o Homo sapiens arcaicos. Por fim, dessa mistura gradual, originou-se o Homo sapiens que temos hoje. Assim, encontraríamos nas pessoas que vivem na Europa mais características Homo erectus, sendo que todos os seres humanos atuais seriam parte do grupo comum chamado Homo sapiens. Atualmente, a primeira hipótese é a mais aceita, porque o estudo do nosso DNA – o código que existe dentro de nossas células e determina as nossas características físicas – indica que nós, enquanto espécie, somos muito homogêneos, ou seja, apresentamos apenas uma pequena variedade biológica. Como a maior parte dessa variedade está na África, sugerese que a população humana que existe hoje no planeta descende de apenas uma população que existiu originalmente na África. Quando surge a humanidade? Há pesquisadores que acreditam que nós somos humanos, que temos Humanidade, desde que começamos a nos relacionar de uma forma diferente com o mundo, que passamos a fazer instrumentos e que esses instrumentos nos levaram a adaptar e modificar o ambiente à nossa volta. Mas há cientistas que não concordam com isso. Para eles, a Humanidade somente surge quando passamos a ter a capacidade de abstrair, de imaginar, e passamos a fazer pinturas em cavernas, por exemplo, o que somente ocorre em torno de 50 mil anos atrás. Não há uma opção que seja mais certa do que a outra. O que existem são definições diferentes. Se você somente considera humana uma criatura que seja capaz de ter pensamentos complexos e abstratos, então, você irá dizer que o ser humano surgiu há algumas dezenas de milhares de anos. Se, ao contrário, você considera ser humano aquele que vive em grupo e que modifica o ambiente de forma como nunca ocorreu antes na natureza, dirá que o homem surgiu há muito mais tempo. Tudo é uma questão de escolha. Hilton P. Silva Departamento de Antropologia. Museu Nacional, UFRJ A África, um continente desconhecido A diversidade e a exuberância da flora e da fauna africanas contrastam, sem sombra de dúvida, com a visão estereotipada que desde a Antiguidade se teve desse continente, da sua história e da sua cultura. A palavra África deriva, ao que tudo indica, do termo afer com o qual se designavam os afri, ancestrais dos berberes contemporâneos que habitavam as regiões ao sul de Cartago, a antiga colônia fenícia fundada em IX a.C. que durante séculos gozou de uma significativa influência na bacia do Mediterrâneo Ocidental. Em arábico, afar significa pó, poeira, daí que os afri poderiam ser identificados como povos poeirentos, o que talvez comporte um juízo de valor negativo sobre eles. Em pouco tempo, vagas de imigrantes provenientes da Itália iniciaram a ocupação do território, com a fundação de colônias e cidades. Em virtude do processo de expansão imperial a sul do Mediterrâneo, outras províncias adjacentes foram sendo criadas (Mauritânia, Numídia, Cirene, Tripolitânia e outras), ao passo que em 30 a.C. o Egito é anexado ao Império. Aos poucos, o termo África passou a designar, para os romanos, o conjunto das províncias do Império a sul do Mediterrâneo, tendo como fronteira natural (em latim, limes) o deserto do Saara. Para além do deserto e das zonas costeiras, os romanos não se aventuraram. Com o passar do tempo, o termo África se torna recorrente, sendo empregado para designar o continente em sua totalidade, incluindo territórios jamais ocupados pelos romanos e cuja diversidade certamente ignoravam. O desconhecimento com relação à história e à cultura da África, no entanto, nunca foi um privilégio dos romanos. Mesmo o Egito, a despeito da sua inequívoca inserção no continente, nunca se aventurou além da Núbia (atual Sudão), mantendo-se assim afastado do contato direto com a África Central ou Ocidental. Os romanos, por sua vez, também empreenderam viagens exploratórias pela costa africana. A falta de dados concretos sobre o continente africano na época romana era tão evidente que Estrabão, autor do mais famoso compêndio geográfico da Antiguidade, acreditava que o oceano não circundava o continente, opondo-se assim a outros autores (como Heródoto) que afirmavam o contrário baseados na informação sobre o périplo de Necau. Já o erudito e geógrafo Alexandrino Ptolomeu elabora, no século II d.C., um mapa do continente que servirá de fundamento para a cartografia da África até o século XVIII. No mapa, o Oceano Índico aparece como um mar fechado e a costa oriental da África se prolonga bastante para o Leste. Pompônio Mela, autor do século I d.C., por sua vez, nos transmite uma descrição absolutamente fantasiosa da África Negra que iria influenciar bastante a mentalidade medieval. Segundo o autor: “Para além dos desertos, encontram-se povos mudos que só conseguem fazer-se entender por sinais: uns têm língua e não conseguem falar; outros são inteiramente desprovidos deste órgão; há outros ainda com a boca naturalmente fechada, que apenas apresentam sob as narinas um buraquinho pelo qual bebem com o auxílio de uma cana e, quando precisam comer, aspiram um a um os grãos que ocasionalmente encontram no chão.” Outro autor romano, Plínio, o Velho, descreve em sua História Natural os povos que habitavam o centro e o sul da África nos seguintes termos: “Os Atlantes, se acreditarmos no que dizem, perderam as características de seres humanos; não usam nomes que os distingam uns dos outros; contemplam o sol nascente e o poente, lançando imprecações terríveis, como se tratasse de um astro funesto às suas pessoas e às suas culturas; nunca têm sonhos, como é o caso dos outros homens. Os Trogloditas fazem cavernas que lhes servem de casas; alimentam-se da carne das serpentes; guincham, não têm voz e desconhecem o uso da palavra. Os Garamantes não se casam e as mulheres são propriedade comum.”[2] Preconceitos dessa natureza, que bestializavam os habitantes da África Negra e desprezavam os seus usos e costumes, moldaram a representação dos ocidentais sobre o continente ao longo dos séculos. De fato, no decorrer do período em que a África foi terra franca para os exploradores e colonizadores modernos, a história do Continente Negro significava, quando muito, um apêndice da história desta ou daquela metrópole européia, como Hegel sintetizou de modo surpreendente ao declarar, em 1830, no seu Curso sobre a filosofia da História que “a África não é uma parte histórica do mundo. Não tem movimentos, progressos a mostrar, movimentos históricos próprios dela. Quer isto dizer que a sua parte setentrional pertence ao mundo europeu ou asiático. Aquilo que entendemos precisamente pela África é o espírito a-histórico, o espírito não desenvolvido, ainda envolto em condições de natureza e que deve ser aqui apresentado apenas como no limiar da história do mundo” . Uma opinião como essa encontrava eco, por exemplo, na obra “As raças e a história”, na qual o seu autor, Eugène Pittard, declarava o seguinte: “As raças africanas propriamente ditas – à exceção do Egito e de uma parte da África Menor – não participaram na história, tal como a entendem os historiadores... Não me recuso a aceitar que tenhamos nas veias algumas gotas de um sangue africano (de africano provavelmente de pele amarela), mas devemos confessar que aquilo que delas pode subsistir é muito difícil de encontrar”. Tais interpretações, eivadas de um preconceito explícito contra um continente humilhado pela violência da colonização, contribuíram bastante para a ignorância acerca da História da África, reforçando-se o mito histórico primário acerca da inércia dos povos africanos, cujo desenvolvimento cultural teria sido sempre o resultado de alguma influência proveniente do exterior. Essa situação começou a se modificar a partir do movimento geral de descolonização iniciado logo após o término da Segunda Guerra Mundial, com a multiplicação de estudos levados a cabo pelos próprios intelectuais africanos e por africanistas de diversas nacionalidades que refutam com veemência os pressupostos da visão colonial européia sobre o continente. O que se observa, desde então, é a luta da África para afirmar a sua identidade e a sua importância, não apenas no cenário mundial contemporâneo, mas igualmente no contexto da própria História da Humanidade. No decorrer dessa empreitada, a Arqueologia, a Antropologia e a História Antiga, com toda a sua renovação conceitual, têm fornecido um auxílio inestimável ao movimento de revalorização da História da África que se observa nos dias de hoje e isso de duas maneiras: a) pondo em evidência o fato de que o processo de hominização, ou seja, de evolução da própria Humanidade teve o seu início no continente africano; b) investigando as culturas africanas da Antiguidade, com destaque para o aprofundamento dos estudos sobre as civilizações egípcias, meroítica e axumita e para a descoberta de novas civilizações. As expedições Algumas idéias impulsionaram as “explorações” na África (séc. XIX): a civilização, a religião e o comércio. Comerciantes, filantropos financiavam as explorações pelo continente africano, alguns por motivos religiosos, outros por ideologia, por acharem que os africanos deveriam ser “civilizados”, catequizados, “transformados” em “homens”, tais como os europeus (etnocentrismo). Expedições, por vezes solitárias e perigosas pelo interior da África, foram realizadas ao longo da História. Alguns viajantes deixaram por escrito a visão que tiveram do continente. Abu Ubayd al-Bakri (1040-1094), filólogo, poeta, geógrafo, historiador, viajante e erudito religioso muçulmano, escreveu a Descrição da África, considerada a principal fonte para essa região. Descrição da África (1087) Al-Bakri (1040-1094) Tradução e notas: Dr. Ricardo da Costa A capital de Gana é chamada Kumbi Saleh. A cidade consiste na reunião de duas cidades que se unem em uma planície, a maior delas habitada por muçulmanos e com doze mesquitas. Kumbi Saleh possui também um grande número de juízes e de homens instruídos. Ao redor de ambas as cidades, há poços de água doce e potável, e próximos a eles, terras cultivadas com vegetais. A cidade habitada pelo rei está a seis milhas da outra cidade (muçulmana) e é chamada de Al-Ghana. A área entre as duas cidades é coberta com casas feitas de pedra e de madeira. O rei tem um palácio e choças de formato cônico, cercadas por paredes. Na cidade do rei, não muito longe da corte de justiça real, há uma mesquita. Os muçulmanos que vêm em missões ao rei podem rezar ali. Há ainda uma grande avenida, que cruza a cidade de leste a oeste. O rei adorna a si mesmo, como se fosse uma mulher, usando colares ao redor do pescoço e braceletes em seus antebraços. Quando se senta diante do povo, fica sobre uma elevação decorada com ouro e se veste com um turbante de pano fino. A corte de apelação fica em um pavilhão abobadado, com dez cavalos estacionados e cobertos com um tecido bordado com ouro. Atrás do rei, ficam dez pajens segurando escudos e espadas, ambas decoradas com ouro. À sua direita, ficam os filhos dos vassalos do país do rei, vestindo esplêndidas roupas e com os cabelos trançados com ouro. O governador da cidade senta-se na terra diante do rei e os ministros ficam, do mesmo modo, sentados ao redor. Na porta do pavilhão, estão cães de excelente pedigree e que dificilmente saem do lugar de onde o rei está, pois estão ali para protegê-lo. Os cães usam ao redor de seus pescoços colares de ouro e de prata cheios de sinos com o mesmo metal. A audiência é anunciada pela batida em um longo cilindro oco que se chama daba. Quando os povos que professam a mesma religião se aproximam do rei, caem de joelhos e polvilham suas cabeças com pó, uma forma de mostrar respeito por ele. Quanto aos muçulmanos, eles cumprimentam-no somente batendo suas mãos. [...] Ao redor da cidade do rei há choupanas abobadadas e bosques onde vivem os feiticeiros, homens encarregados de seus cultos religiosos. Ali se encontram também os ídolos e os túmulos dos reis. Estes bosques são guardados: ninguém pode entrar ou descobrir seus recipientes. As prisões dos vivos também estão ali, e se alguém é aprisionado lá, nunca mais se ouve falar dele. Quando o rei morre, constroem uma enorme abóbada de madeira no lugar do enterro. Então trazem-no em uma cama levemente coberta e colocam-no dentro da abóbada. A seu lado, colocam seus ornamentos, suas armas e os recipientes que ele usava para comer e beber. A serpente é a guardiã do Estado e vive em uma caverna que lhe é devotada. Quando o rei morre, seus possíveis sucessores se reúnem em uma assembléia e a serpente é trazida para picar um deles com seu focinho. Essa pessoa é então chamada para ser o novo rei. Descrição da África (1526) Al Hasan (1483-1554) Tradução e notas: Dr. Ricardo da Costa O reino recebeu recentemente esse nome, depois que uma cidade foi construída por um rei chamado Mansa Suleyman, no ano 610 da Hégira, próxima doze milhas de uma filial do rio Níger . As casas de Tombuctu são choupanas feitas de pau-a-pique de argila, cobertas com telhados de palha. No centro da cidade, há um templo construído de pedra e de almofariz por um arquiteto de nome Granata . Além do templo, há um grande palácio também construído pelo mesmo arquiteto, onde o rei vive. As lojas dos artesãos, dos comerciantes, e, especialmente, as dos tecelões de pano de algodão, são muito numerosas. As telas são importadas da Europa para Tombuctu, carregadas por comerciantes da Barbária. As mulheres da cidade mantêm o costume de vendar seus rostos, com exceção dos escravos, que vendem todos os gêneros alimentícios. Os habitantes são tão ricos, especialmente os estrangeiros que se estabeleceram no país, que o rei atual deu duas de suas filhas a dois irmãos, ambos homens de negócios, pois era ciente de suas riquezas. Há muitos poços que contêm água doce em Tumbuctu. Além disso, quando o rio Níger está cheio, canais levam a água para a cidade. Grãos e animais são abundantes, de modo que o consumo de leite e de manteiga é considerável. Contudo, o fornecimento de sal é fraco, porque ele é levado daqui para Tegaza, que fica cerca de 500 milhas de Tumbuctu. Eu mesmo estava na cidade no momento em que uma carga de sal foi vendida por oito ducados. O rei tem um rico tesouro rico de moedas e pepitas de ouro. Uma dessas pepitas pesa 970 libras . A corte real é magnífica e muito bem organizada. Quando o rei vai de uma cidade a outra com as gentes de sua corte, monta um camelo e os cavalos são conduzidos manualmente por servos. Se a luta é necessária, os servos montam os camelos e todos os soldados montam nas costas dos cavalos. Quando alguém desejar falar com o rei, deve ajoelhar-se diante dele e curvar-se ao chão; mas isto é exigido somente daqueles que nunca falaram nem com o rei, nem com seus embaixadores. O rei tem aproximadamente 3.000 cavaleiros e uma infinidade de soldados de infantaria, todos armados com arcos feitos de funcho selvagem, e com o qual disparam setas envenenadas. Este rei faz a guerra somente contra os inimigos vizinhos e contra aqueles que não aceitam lhe pagar tributo. Quando obtêm uma vitória, ele vende todos os inimigos, inclusive as crianças, no mercado em Tumbuctu. Os pobres cavalos nascem pequenos neste país. Os comerciantes usam-nos para suas viagens e os cortesãos para mover-se na cidade. Os bons cavalos vêm da Barbária. Chegam em uma caravana e, dez ou doze dias mais tarde, são conduzidos ao soberano, que, caso goste, os examina e paga apropriadamente por eles. O rei é um inimigo declarado dos judeus. Ele não permitirá que nenhum deles viva na cidade. Caso ouça que um comerciante da Barbária anda ou faz negócio com eles, o rei confisca seus bens. Há numerosos juízes em Tumbuctu, professores e sacerdotes, todos bem nomeados pelo rei, que honra muito as letras. Muitos livros escritos à mão e importados da Barbária são vendidos. Há mais lucro nesse comércio do que em toda a mercadoria restante. Ao invés de dinheiro, são usadas pepitas puras de ouro como moeda de troca. Para compras pequenas, escudos de cauris trazidos da Pérsia; quatrocentos cauris igualam um ducado. Seis ducados e dois terços correspondem a uma onça romana de ouro . Os povos do Tumbuctu são de natureza calma. Têm um costume quase regular de caminhar à noite pela cidade (com exceção daqueles que vendem ouro), entre dez e uma hora da madrugada, tocando instrumentos musicais e dançando. Os cidadãos têm muitos escravos a seu serviço, tanto homens quanto mulheres. A cidade corre muito perigo de incêndios. Quando eu estava lá em minha segunda viagem , metade da cidade queimou no espaço de cinco horas. Com medo de o vento violento levar o fogo para a outra metade da cidade e também queimá-la, os habitantes começaram a tirar seus pertences. Não há nenhum jardim ou pomar na área que cerca Tumbuctu. Geografia Africana Diversidades geográficas e históricas da África Adaptação feita por Angela Navarro do texto escrito pelo Ms. Luís dos Santos Alves (doutorando em História IFCH/Uerj). O continente africano é maciço, com poucos lagos. Apresenta um contorno geográfico bastante preciso e compacto, com um litoral isento de golfos, baías, penínsulas e lagos litorâneos. Seu terreno é rochoso e possui poucas placas tectônicas. O “Rift Valley” é um importante acidente geográfico do relevo africano.Este fenômeno surgiu durante o movimento das placas tectônicas na separação dos continentes (Pangéia), e tem como característica um grande lago. O lago Tanganika se formou porque as placas tectônicas africana e arábica não se romperam totalmente durante a “Pangéia”, criando uma fenda profunda e extensa no território africano. O Grande Vale do Rift é um complexo de falhas tectônicas criado há cerca de 35 milhões de anos. Estende-se no sentido norte-sul por cerca de 5000 Km, desde o norte da Síria até o centro de Moçambique, com uma largura que varia entre 30 a 100 Km, sua profundidade possui algumas centenas ou milhares de metros. Não é um acidente comum em outros continentes. Continuando a separação das placas, dentro de alguns milhões de anos, a África Oriental será inundada pelo Oceano Índico e formar-se-á uma grande ilha com a região da costa da África. No Vale do Rift têm-se depositado, ao longo dos anos, sedimentos provenientes da erosão das suas margens e este ambiente é propício à conservação de despojos orgânicos. Nas proximidades do continente, tanto a Ocidente quanto a Oriente, temos algumas poucas ilhas, tais como Madeira, Canárias, Cabo Verde, São Tomé, Príncipe e a maior de todas, Madagascar, atual República Malgaxe. Tomando-se como referência o deserto do Saara, o continente se divide em duas regiões distintas, a África Mediterrânea e a África subsaariana. O Saara é o maior deserto do mundo, estendendo-se por 5000 Km do Atlântico ao Mar Vermelho e compreendendo os territórios do Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Egito, Sudão, Chade, Níger, Mali e Mauritânia. O Saara nem sempre foi um deserto, há 4/5 mil anos atrás era um grande pasto, explorado e habitado por populações. Depois de passar por um período de glaciação e mudanças bruscas da temperatura, o pasto foi morrendo dando lugar ao maior deserto do planeta. Quanto ao relevo, ultrapassada a faixa costeira e adentrando-se no continente, o território sofre uma elevação progressiva, com a formação de planaltos, de maneira que toda a África se apresenta como um bloco planáltico estável cuja coesão é rompida em alguns momentos por falhas no relevo. A forma compacta do território africano determina a continentalidade e a tropicalidade de seu clima. De fato, a África é caracterizada basicamente pelo clima tropical. À medida que nos afastamos da Linha do Equador, a temperatura se torna mais amena e a estação de seca, mais prolongada. A estiagem chega por vezes a ter a duração de oito ou nove meses. Já em outras regiões não chove nunca. Próximo à Linha do Equador, no entanto, o clima é quente e úmido, com chuvas constantes e intensas e a alternância da estação seca com a chuvosa. Partindo-se do norte, marcado pelo predomínio da zona desértica, passa-se para uma estreita faixa com vegetação de estepe, ou seja, adaptada aos climas seco ou semi-árido, para em seguida adentrar-se nas savanas (campos abertos com poucas árvores) e nos cerrados, caracterizados por uma vegetação arbustiva. Nas áreas de estepe, savana e cerrado é que se encontram os grandes mamíferos africanos: o búfalo, o elefante, o rinoceronte, o hipopótamo, a zebra, a girafa, o leão, o leopardo, a hiena e os numerosos tipos de símios e antílopes. Descendo um pouco mais rumo ao sul, temos a vegetação de floresta, habitat dos grandes macacos, incluindo o gorila e o chimpanzé. Nas florestas, abundam os pássaros, os répteis, os mamíferos que vivem em árvores e os insetos. Vencida a floresta, temos novamente a savana e a estepe, com algumas zonas de mata anã. Do ponto de vista hidrográfico, a mais importante bacia é a do Zaire, com seus afluentes caudalosos e propícios às inundações. Outros rios importantes, além do Nilo, do qual trataremos mais adiante, são o Níger, o Senegal e o Chade. As condições naturais do próprio continente (a floresta do Congo, a savana, os desertos do Saara e do Kalahari) e as condições históricas geradas pelo homem especialmente durante a ocupação do colonialismo europeu explicam a extrema diversidade geográfica e histórica. Existem várias Áfricas que se interpenetram numa enorme complexidade cultural, econômica e política. Trata-se de uma paisagem humana e social muito além dos estereótipos etnocêntricos que povoam o imaginário brasileiro. A população africana é estimada em 645 milhões (sendo 550 milhões na África Subsaariana) e a sua taxa de crescimento anual é de 3% indicando uma duplicação da população em 25 anos. Com o fim do escravismo, a população da África aumentou consideravelmente e com ela os seus problemas também aumentaram. Enquanto no norte predomina uma população berbere islamizada, na África ao sul do Saara há uma grande diversidade cultural, étnica e linguística. Oito grandes conjuntos são dominantes: sudanês, guinéu, congolês , nilótico, zambeziano, etíope, pigmeu e bosquímano. Os dois últimos estão restritos às áreas de floresta equatorial do Congo e ao deserto de Kalahari respectivamente. Nas regiões litorâneas da África Oriental e na África do Sul encontramos bolsões de população europeia, hindu e árabe, principalmente nos centros urbanos (Durban, Joannesburgo, Mombaça). Às religiões autóctones (animistas) vieram se somar o islamismo e o cristianismo através de suas várias denominações. Enquanto o animismo está disseminado por todo o continente, o islamismo, a religião em maior crescimento no continente, concentra-se na África do Norte e na África Ocidental. O cristianismo é encontrado principalmente na Etiópia e na África do Sul sendo, com a exceção da Etiópia, um desdobramento do colonialismo europeu. A ideia que se tem de duas Áfricas não é muito bem aceita por alguns teóricos, pois a noção de “branca” e “negra” não corresponde à realidade, uma vez que brancos e negros dividiam seus espaços. Trabalhando em cima desta divisão, analisemos o esquema que se segue: África Branca África do Norte (Setentrional) (Saariana) África Negra África Subsaariana (Meridional) (Austral) - população árabe - islamização - climas secos - nomadismo - petróleo proximidade com a Europa - etnias negras - animismo e cristianismo - climas úmidos - mineração - agricultura tribal A África Saariana ainda é considerada o carro-chefe da economia africana. Ela possui ainda duas divisões Maghreb e Mackrech, observe o esquema: Maghreb } Argélia, Tunísia e Marrocos Mackrech } Líbia e Egito Maghreb – Região mais importante do norte da África. Tanto por questões econômicas, quanto por questões ambientais e religiosas. Muitos autores a consideram uma continuidade do Oriente Médio. A região é rica em petróleo e tem clima Mediterrâneo, muito mais úmido e favorável às atividades agro-pastoris do que a porção sul da África setentrional, dominada por climas áridos. A força da religião islâmica na região é incontestável. Há um predomínio absoluto de população que pratica esta religião. Também chama a atenção a presença de movimentos extremistas muçulmanos nestas áreas. Outra forma de divisão é aquela originária da ordem colonial estabelecida a partir da Conferência de Berlim (1885) e de profundas consequências para a divisão política da África contemporânea. Os países africanos podem ser classificados de acordo com a potência colonizadora europeia que os subjugou diretamente e que continua a influenciá-los culturalmente, economicamente e politicamente. Desta forma, existe uma África arabófona, uma África anglófona, uma África francófona e uma África lusófona. Isto indica a permanência dos laços econômicos e políticos com a ex-metrópole e o caráter incompleto do processo de descolonização iniciado na década de 50. Quando da realização da Conferência de Berlim, os europeus ocupavam posições esparsas no litoral africano, principalmente na área banhada pelo Oceano Atlântico. Eram entrepostos de comércio e tráfico de escravos, cuja fundação remontava ao século XV, época em que os portugueses se instalaram no Golfo da Guiné e na costa de Angola. Entretanto, uma fixação permanente foi constituída pelos holandeses em 1652, com a fundação da Colônia do Cabo (África do Sul). Seus descendentes – os bôeres – avançaram lentamente em direção ao interior em busca de pastagem para o gado. Neste processo, que durou aproximadamente duzentos anos, chamado Grande Trek, os bôeres entraram em conflito com os zulus e os xosas e fundaram colônias no Orange e Transvaal, onde no último quartel do século XIX foram descobertas minas de diamante e ouro. Até o século XIX, a Colônia do Cabo constituiu uma exceção nas relações entre a África e a Europa. Contudo, na metade do século XIX, aguçou-se o interesse europeu pelo continente. À medida que a Revolução Industrial avançava, cresciam as necessidades de matéria-prima e mercados, e transformavam-se as relações de trabalho levando à obsolescência a utilização do trabalho escravo, até então o principal interesse europeu na África, liderada principalmente por sociedades missionárias e antiescravistas britânicas. Estas sociedades somadas às sociedades de exploração geográfica (a Royal Geographical Society britânica foi a mais notória) contribuíram eficazmente para o reconhecimento do interior africano. Desta forma, a bacia do Zambeze foi desbravada por David Livingstone (18411873), a bacia do Congo foi explorada por Henry Stanley (1871 – 1889) e Savorgnam de Brazza (1875-1878). Em 1859, os ingleses Speke e Burton atingiram a nascente do Nilo e os Grandes Lagos. A sucessão de exploradores e descobertas levou os Estados a disputarem a concessão e posse dos territórios uma mescla de interesses econômicos, políticos e estratégicos motivou uma corrida imperialista na África gerando inúmeros conflitos e barganhas. Seu ápice foi a Conferência de Berlim (1885), um marco na história da presença europeia na África. Nesta conferência, patrocinada pelo chanceler alemão Bismarck, foi regulamentada a partilha do continente de acordo com o princípio da ocupação efetiva do território, mas com total desprezo e desconhecimento das características particulares de cada etnia. Assim, povos inimigos foram agrupados num mesmo território criado artificialmente pelo colonizador ou dividido entre duas ou mais metrópoles. Esta divisão artificial do território africano mais a espoliação colonial é uma das causas da profunda instabilidade vivida pelo continente após a descolonização. Os Países Africanos Texto extraído do livro O Brasil e a África de ANDRADE, Manuel Correia, Ed. Contexto, 2001. A África está dividida politicamente e suas fronteiras, que separam os vários Estados, são em geral formadas por linhas retas. Na verdade, estes Estados não resultaram da evolução natural dos antigos reinos africanos, mas da partilha colonial, e as fronteiras não delimitam áreas de influência étnica ou cultural, mas áreas de domínio das várias potências no período colonial. Elas foram traçadas sem consultar os interesses e aspirações dos habitantes, daí os grandes litígios fronteiriços entre os vários países e as dissensões internas. A maioria dos estados tem uma vida autônoma curta, ou, aqueles seculares, como o Egito e a Etiópia, tiveram a sua vida nacional interrompida por uma fase de dominação estrangeira no século XX. O surto de libertação dos países africanos iniciou-se em 1950, com o reconhecimento da Tunísia como país independente. Em 1951, a Líbia conseguia a sua independência, sendo acompanhada , em 1956, pelo Sudão e pelo Marrocos, que continuaria a ser governada pela sua tradicional dinastia que não fora destituída durante a dominação franco-espanhola. Em 1957, foi a vez da libertação de Gana, antiga Costa do Ouro, e em 1958, a da Guiné francesa, que formaria uma república popular de tendência socialista. Em 1960, libertaram-se várias antigas colônias francesas – Togo, Madagascar, Mali, Benin, Burkina, Camarões, Costa do Marfim, Chade, República Centro-Africana, Níger, Congo, Gabão, Senegal, Mauritânia que compunham as antigas federações da África Ocidental e Oriental, sob o domínio francês. Ainda neste mesmo ano tivemos a independência da República Democrática do Congo, antigo Congo Belga, que entrou em uma sangrenta guerra civil, estimulada por empresas belgas, nas províncias de Catanga e Cassai. Dentre as colônias inglesas, adquiriram a independência em 1960, a Nigéria, que passou a ser o país de maior população da África e, sendo multinacional, enfrentou sérios problemas de unificação em face da tentativa de secessão feita pelos ibos, habitantes da Biafra; e a Somália, antiga colônia italiana e inglesa. Ela teve os dois territórios unificados e tornou-se também um país independente. Em 1961, Serra Leoa alcançou a sua independência e no ano seguinte seria a vez de Ruanda e Burundi, até então mandatos confiados à Bélgica ; da Argélia, após uma guerra contra a França; e de Uganda, situada em planalto na alta bacia do Nilo. Em 1963, resolvidos os problemas entre os grupos de origem inglesa e os negros, o Quênia tornou-se independente, seguido em 1964, por Zâmbia, Tanzânia, Gâmbia, colônias inglesas. Em 1966, libertavam-se Botsuana e Lesoto, e, no ano seguinte as Ilhas Maurício e a Guiné Equatorial. Na década de 60, os franceses e ingleses outorgaram a independência formal aos seus territórios coloniais, resguardando naturalmente, os seus interesses econômicos. Portugal, país pobre e dependente das colônias africanas, optou por resistir ao movimento de independência e organizou a resistência, mas sofreu uma campanha que o esgotou econômica e socialmente. Daí as suas colônias, que eram classificadas como província de além-mar, só haverem se libertado na década de 70, ou mais precisamente, a partir de 1973, com a Guiné-Bissau, seguida, em 1975, por São Tomé e Príncipe, Moçambique, Cabo verde e Angola. Nessa ocasião, a independência havia sido alcançada pela maioria dos países africanos, mas ainda se observou a libertação em 1975, das ilhas Camores, em 1976, das ilhas Seichelles, em 1978, da Suazilândia e, finalmente, em1980, depois de uma grande resistência da minoria branca, a do Zimbábue. Em busca de uma tipologia É difícil fazer-se uma classificação dos países africanos devido às diferenças em uma série de fatores de extensão territorial, quantidade e qualidade do contingente populacional, nível de desenvolvimento, penetração do capitalismo, maior ou menor unidade étnica e linguística, disponibilidade de recursos naturais e maior ou menor dependência de países do Primeiro e do Segundo Mundos. Quanto às condições naturais, observa-se que alguns países têm a maior parte de seu território em áreas desérticas e semidesérticas, outros em áreas equatoriais quentes e úmidas, enquanto são pouco expressivas as porções situadas em áreas subtropicais ou em climas tropicais de altitude, fatos que têm tido alguma influência sobre a distribuição da população e o uso do solo. Não dispondo de um melhor critério, resolvemos classificar os países, de acordo com a sua extensão territorial, em muito grandes, grandes, médios, pequenos e muito pequenos ou mini-países; e deixamos fora da classificação, os países que ainda são dependências metropolitanas. Procuramos fazer uma análise sucinta dos problemas enfrentados por cada um deles. OS PAÍSES MUITO GRANDES Classificamos como muito grandes apenas os países com mais de 1.500.000 Km² O maior país africano é o Sudão, situado no médio Nilo e banhado pelo Mar vermelho. Produto da ocupação colonial, ele apresenta uma população muito heterogênea, sendo dominado pelos árabes islamizados ao norte e por negros animistas e cristãos ao sul. Daí a existência de uma guerra civil que assola o país por dezenas de anos, ficando em alguns períodos amainada e, em outros, mais acirrada. A densidade demográfica é baixa, 9,4 hab/Km², e a população se concentra no Vale do Nilo, uma vez que a maior porção do seu território possui clima árido. O país é sobretudo produtor e exportador de algodão. A Argélia, às margens do Mediterrâneo, é habitada basicamente por árabes e berberes, tendo permanecido, durante séculos, sob o domínio de árabes e turcos. A maior porção do seu território se estende pelas áreas secas do Saara, mas a sua população se concentra sobretudo no litoral e no Atlas. O país se destaca como produtor e exportador de petróleo, de vinhos e de frutas, apresentado a vantagem de se encontrar próximo aos grandes mercados europeus, o que barateia consideravelmente os transportes. Com a independência, conseguida após lutas muito prolongadas, os argelinos vêm procurando diminuir a influência francesa, consolidada em mais de um século de ocupação e dominação política, e desenvolver um processo de socialização da economia e de arabização da cultura. Com uma densidade demográfica de 9,9 hab/Km², o país se encontra superpovoado – a maior porção do território é desértica, não oferecendo condições para um povoamento mais intenso – havendo, em consequência, um grande fluxo emigratório de argelinos para a Europa, sobretudo para a França, onde forma uma colônia estrangeira muito expressiva. A República Democrática do Congo é a antiga colônia do Congo Belga que alcançou a independência política sem ter conseguido um certo grau de integração entre as várias províncias que a compõem. Situada em plena área equatorial, drenada pelo rio que lhe deu o nome e por seus principais afluentes, possui extensas florestas e é rica em minerais, sendo grande produtora de diamantes industrializados, de minérios de cobre, de cassiterita, de manganês e de zinco. Com um litoral de pequena extensão, tem grande parte de sua produção exportada por portos situados em Angola e ligados à República Democrática do Congo por ferrovia. As lutas pela independência em Angola e na República Democrática do Congo desorganizaram por algum tempo a sua política de exportação. A densidade demográfica é da ordem de 13,6 hab/Km², havendo uma concentração populacional maior na margem dos rios navegáveis. A Líbia é uma grande extensão de deserto situada sobre jazidas petrolíferas. A densidade demográfica é muito baixa, 2,2 hab/Km², e a população se concentra, em sua imensa maioria, em pontos do litoral em que se situam as principais cidades e em oásis localizados no interior. Ao se tornar independente, adotou a forma monárquica de governo, profundamente submissa às potências colonizadoras, o que deu condições a uma revolução nacionalista militar, do tipo nasserista, que nacionalizou o petróleo e vem se opondo à política imperialista no mundo islâmico. Esta política tem provocado fortes incidentes com os Estados Unidos, que acusam o governo líbio de ser comprometido com o terrorismo internacional e até já bombardearam cidades líbias. As posições radicais da Líbia têm provocado confrontos também com o Egito e com a França, sobretudo face à intervenção em negócios no Chade. OS PAÍSES GRANDES Consideramos como países grandes os que possuem mais de 500.000 e menos de 1.500.000 Km², havendo na África cerca de 16 deles, com localizações geográficas e características étnicas e econômicas as mais diversas . Numerosos países são subpovoados, se utilizarmos o critério da densidade demográfica, possuindo menos de cinco hab/Km²; são a Botsuana, a República Centro-Africana, a Mauritânia, o Níger e o Chade. Todos esses países possuem grandes porções do seu território em áreas desérticas e semidesérticas. A Namíbia é uma região desértica, ocupada pelos alemães que a exploraram até o fim da Primeira Guerra Mundial, quando foi entregue como mandato à África do Sul. Trata-se de área rica em minérios como urânio, diamantes, cobre, zinco e manganês. No período da descolonização, as Nações Unidas reconheceram o direito à independência da região, mas a África do Sul, pretendendo controlar-lhe as riquezas tratou de mantê-las sob o seu controle militar, desencadeando uma forte perseguição dos partidários da independência. Estes, organizaram-se em guerrilhas e com um certo apoio de Angola e Zâmbia vêm lutando para efetivar a independência. Os sul-africanos, mais fortes, vêm fazendo pressão sobre os países vizinhos e dando apoio a Jonas Savimbi, da UNITA, para tentar derrubar o governo popular de Angola e expandir mais ainda a sua área de influência. Para a África do Sul teria uma grande importância geopolítica a colocação de governos títeres em Angola e Moçambique. A África do Sul é o mais rico e desenvolvido do grupo, dispondo de áreas de solos férteis e de clima subtropical, mas, sobretudo, de uma grande riqueza mineral. Tem, porém, um sério problema, uma vez que o país é inteiramente controlado por uma minoria branca – menos de 5.000.000 de habitantes – que detém o poder de forma autoritária, desenvolvendo um sistema legal de discriminação racial contra os negros, mulatos e indianos, o apartheid. Este sistema é condenado a nível internacional, mas tolerado pelas grandes potências colonizadoras, que mantêm um comércio intenso com a África do Sul. Para um maior controle dos recursos do país, os brancos se apossaram das minas e das melhores terras e procuram manter os negros enquistados em bairros próprios ou nas regiões pobres, onde criaram os bantustões ou “lares bantus”, onde os negros gozam de uma certa autonomia interna. Consideram estes bantustões como países independentes, mas os demais países do mundo não reconhecem sua independência, uma vez que é evidente o controle deles pelo governo sul-africano. Ainda controlam o território da Namíbia, que deveria ter ficado independente, e interferem na vida dos países negros vizinhos, através de grupos fantoches. Daí a falta de estabilidade política de países como Angola, Botsuana, Moçambique e dos pequenos enclaves formados pelo Lesoto e pela Suazilândia. Angola é um país de grande extensão territorial que permaneceu por quase quinhentos anos como colônia portuguesa, sendo rico em minérios, como o petróleo (região de Cabinda), diamantes, ferro, cobre, manganês, fosfato e sal. A densidade demográfica é baixa, da ordem de 6,4 hab/Km², e o país vem sendo devastado por uma cruenta guerra civil, que se sucedeu à luta pela libertação nacional, quando o poder foi disputado por três grupos rivais, separados por posições ideológicas e por rivalidades tribais. Na luta pela independência houve interferência de potências estrangeiras, como os Estados Unidos, em apoio à FNLA - Frente Nacional Libertadora de Angola – contra o UNITA – apoiada pela África do Sul - e o MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola, liderado por Agostinho Neto e apoiado pela União Soviética e Cuba. Com a retirada dos portugueses, o MPLA apossou-se de Luanda e organizou o governo independente de Angola, eliminando a FNLA; mas, ainda hoje, apesar da ajuda recebida de soldados cubanos, luta contra a UNITA – União Nacional pela Independência Total de Angola – que é apoiada pelo governo racista da África do Sul. A Botsuana é um país em grande parte desértico, com 2,0 hab/Km², porém rico em diamantes e outros minérios, sendo habitado por povos bantus. Por ser central, vive na dependência da África do Sul, que já tem interferido em seu território para prender políticos que contrariam o apartheid. Procura uma maior aproximação com as nações negras da África meridional e tem dado algum apoio cauteloso à causa da independência da Namíbia. O Egito é um país de grande importância histórica e possui relíquias arqueológicas do maior valor. A maior parte do seu território é formada por um deserto, interrompido pelo Vale do Nilo, onde se concentra a sua grande população. A fertilidade das terras do vale, consequência em grande parte do húmus depositado durante as cheias do rio, levou Heródoto, o famoso sábio grego, a afirmar que “o Egito é uma dádiva do Nilo”. A sua densidade demográfica é de 51,8 hab/Km², mas a área habitada é muito pequena, apresentando densidades, no meio rural, superiores a 1.000 hab/Km². Tendo sido, na Antiguidade, a sede de um grande império, sofreu o domínio sucessivo de povos estrangeiros – gregos, romanos, árabes, turcos, ingleses, etc. – e hoje luta por firmar a sua independência frente à ameaça israelense, ora aliando-se à União Soviética, ora aos Estados Unidos. As grandes obras construídas no Nilo, como a represa de Assuã, têm provocado a sua modernização econômica, embora às custas de impactos ecológicos que podem trazer grandes problemas ao país. Seu destino está ligado ao do mundo árabe, embora o Egito não seja etnicamente um país árabe, mas apenas muçulmano. A Etiópia é outro país secular que se atribui tenha sido o reino cristão de Preste João das lendas do século XVI. Nela convivem várias etnias que disputam o poder. A unidade e a consciência nacionais ainda não se consolidaram, apesar de sua existência milenar. Tem grandes áreas de clima desértico, sobretudo na porção meridional e possui uma densidade demográfica de 37,6 hab/Km². A Eritréia, anexada à Etiópia, após a conclusão da Segunda Guerra Mundial, tem mantido uma luta pela independência que vem desgastando o país. Após a queda da dinastia, representada por Hailé Selassié (1974), os militares que tomaram o poder fizeram uma opção socialista de governo, mas não conseguiram planificar a economia, nem atenuar a fome e a baixa qualidade de vida da população. Além disso, as secas vêm provocando grandes problemas ao velho império copta. Madagascar é um país insular, com uma densidade demográfica da ordem de 18,1 hab/Km², onde a maioria da população se dedica a produtos tropicais e à pequena mineração. Habitada por povos de raça amarela, a ilha esteve durante decênios sob o domínio da França e ainda mantém intenso intercâmbio com a antiga metrópole. A Mauritânia é um deserto de grande extensão e pequena população, 1,9 hab/Km², sendo rica em minério de ferro. Habitada por povos árabes, tentou conquistar, junto com Marrocos, a porção meridional do Saara Ocidental, quando os espanhóis se retiraram da área. Após alguns anos de guerra, retirou-se do conflito, que continua a ser conduzido pelo Marrocos. O Mali é um país em grande parte desértico, onde convivem numerosas nacionalidades, apresentando uma densidade da ordem de 6,8 hab/Km². Trata-se de país pobre, de baixa renda per capta, onde são cultivados o algodão e o amendoim - produtos de exportação – e a tamareira, esta sobretudo, nos oásis. Moçambique é uma antiga possessão portuguesa onde, ao lado da população negra, existe um grande contingente de indianos. Apresenta uma densidade demográfica da ordem de 16,8 hab/Km². Sua economia é dominantemente agrícola, baseada em produtos tropicais, como o café, a castanha-de-caju, a cana-de-açúcar, o chá, etc.; mas possui reservas minerais – já prospectadas e ainda não exploradas – bastante expressivas. O país foi muito prejudicado pela longa guerra de independência contra os portugueses e, em seguida, pela sabotagem e intervenção da África do Sul, que procura desestabilizar a sua economia visando a impedir o seu crescimento. Também o interesse da África do Sul se baseia no fato de utilizar, em suas minas, a força de trabalho de migrantes moçambicanos que recebem salários muito baixos. O Níger é uma porção desértica cortada pelo médio curso do rio do mesmo nome, onde vive uma população rarefeita de 1,6 hab/Km², dedicada, sobretudo, ao pastoreio e à exploração das tamareiras nos oásis. Possui reservas de urânio e cassiterita, em exploração por empresas de capital francês. A Nigéria é o principal país africano por sua população; o único com mais de cem milhões de habitantes e uma densidade demográfica da ordem de 117,6 hab/Km², muito elevada, portanto, para um país situado em área de clima tropical úmido. Tem uma agricultura bastante diversificada, por possuir áreas no trópico úmido e semi-árido, sendo também rico em minérios, sobretudo em gás natural, petróleo, ferro e urânio. As dissensões internas entre os iorubás, ibos e huassas, principais grupos étnicos, põem em risco a unidade nacional, estando o governo sob o controle militar. A República Centro-Africana, que esteve em evidência na imprensa no ano de 1977, quando o general Bocassa proclamou-se imperador, é um território pouco povoado, com 4,3 hab/Km², e exportador de diamantes e madeiras tropicais. Sendo um país central, faz suas relações comerciais com o exterior através dos afluentes do Zaire, como o Chari e o Ubanghi. A Somália, apesar de possuir uma densidade demográfica de 7,7 hab/Km², é em grande parte desértica, situando-se na África Oriental, ao sul da Etiópia. Como a porção meridional deste país é habitada por povos somalis, ela reivindica a incorporação de uma parte da Etiópia ao seu território. A economia se baseia na exploração mineral e na pecuária, sobretudo, de cabras ovelhas e camelos. A Tanzânia compreende o território de Tanganica, antiga colônia alemã, e o Sultanato de Zanzibar, que se unificaram. Tem grande porção do seu território em região de altitude, permitindo que a densidade demográfica atinja os 24,9 hab/Km², que é relativamente elevada para a África. Tornou-se famosa pela experiência socialista africana, desenvolvida pelo seu líder J. Neierere nas décadas de 60 e 70, ao procurar caminhos para o desenvolvimento autêntico do seu país. O Quênia é um país também com “letras altas” e densidade demográfica razoável, 38,4 hab/Km², possuindo no planalto um grupo de fazendeiros brancos, de origem inglesa, que se dedica à pecuária e à agricultura. Possui também recursos minerais em exploração. Zâmbia é um país da África austral, rico em minério de cobre, cobalto e chumbo. Tem parte de seu território em áreas de clima semi-árido e está próximo à área conflagrada de Angola, Namíbia e África do Sul, o que torna vulnerável devido à passagem de guerrilheiros e de exércitos perseguidores dos mesmos, pelo seu território. O fato de ser um país central também traz sérios entraves ao seu desenvolvimento. Analisando-se os países considerados grandes, nota-se que eles apresentam grandes problemas para suas realizações como Estados-nações. Em geral, se excetuarmos a África do Sul, são pobres, endividados e sempre ameaçados por interferências estrangeiras em suas fronteiras. O Chade é um país interior do norte da África Central, com uma superfície de 1 284 000 km². Situa-se a sul da Líbia, e tem 5 968 km de fronteiras com os Camarões, a República Centro-Africana, o Níger, a Nigéria e o Sudão. O Chade tem quatro zonas climáticas: planícies amplas e áridas no centro do país, deserto no norte, montanhas secas no noroeste e terras baixas tropicais no sul. Só cerca de 3% do país é terra arável, e nenhuma desta terra tem cultivo permanente. O Chade está sujeito a secas periódicas, a pragas de gafanhotos e aos ventos quentes, secos e poeirentos do harmattan, que ocorrem no norte do país. O lago Chade, partilhado pelo Chade e pelos Camarões, foi em tempos o segundo maior lago de África, mas durante as últimas décadas o seu tamanho diminuiu dramaticamente e está hoje reduzido a menos de 10% da sua anterior extensão. OS PAÍSES MÉDIOS Consideramos como médios os países que possuem uma superfície superior a 100.000 Km². Na África, eles são representados por 16 unidades que se distribuem por suas várias regiões, daí haver entre os mesmos alguns com grande densidade demográfica e um certo desenvolvimento industrial e outros subpovoados com economia primitiva. Existem três países com densidades demográficas muito baixas: o Saara Ocidental, com 0,5 hab/Km², inteiramente desértico, e os países equatoriais, o Congo e o Gabão com, respectivamente, 6,1 e 4,5 hab/Km². Os demais possuem mais de 20 hab/Km², elevando-se esta densidade a 62,5 hab/Km² no Malavi e a 67,4 hab/Km² em Uganda. O Benin, situado no Golfo da Guiné, é uma estreita faixa de terra que se alonga para o interior, onde uma população expressiva se dedica à agricultura de produtos tropicais, tanto para a subsistência, como para a exportação e à exploração do petróleo. O Burkina Faso, antigo Alto Volta, é um país central, extremamente pobre, situado no médio volta, onde a população vive de exploração do solo – produção de sorgo, de algodão e de amendoim -, em condições muito difíceis, devido aos rigores do clima e às baixas condições técnicas dominantes na exploração agrícola. A sua centralidade, que o faz depender dos vizinhos nas relações comerciais, agrava a pobreza e pesa sobre a qualidade de vida. Merece referência, ainda, que os burkinenses, em grande número, migram para Gana e Costa do Marfim, na época da colheita do café e do cacau, contribuindo assim para melhorar as condições de renda da população do país. O Congo, situado na margem do rio Zaire, é um país equatorial em que a maioria da população se dedica à exploração agrícola e florestal, assim como à pesca. Possui ricas jazidas de potássio, cuja exploração vem sendo intensificada, além de jazidas menos expressivas de ouro e petróleo. Os Camarões, situados no Golfo da Guiné, apresentam uma agricultura de produtos tropicais bastante ativa e diversificada e começa a intensificar a exploração das jazidas de petróleo, gás natural, bauxita e estanho. O desenvolvimento industrial, apesar de incipiente, é expressivo em relação ao continente africano. Costa do Marfim é um país rico, de vez que a sua área de clima tropical úmido é grande produtora de cacau e de café, tendo para estes produtos um mercado garantido em sua ex-metrópole, a França, e em outros países europeus. Possui uma densidade demográfica expressiva (33,5 hab/Km²) e tem capacidade de atração da força de trabalho de países vizinhos no período de colheita destes produtos tropicais. Na porção setentrional, de clima semi-árido, há uma expressiva atividade pecuária. Destaca-se, ainda, pela riqueza florestal e por sua opção pelo sistema capitalista de desenvolvimento, após a independência , o que lhe deu maior poder de barganha junto aos países capitalistas, na disputa de créditos e investimentos, frente a países que adotaram uma linha político-econômica de tendência socialista, como Gana e Guiné . O Gabão é uma porção de floresta equatorial subpovoada. O país se destaca, sobretudo pela produção e exportação de madeiras de lei e por sua riqueza em minérios, principalmente em manganês, em que é um dos principais produtores mundiais. Tanto o manganês, como outros minérios, são explorados por empresas transnacionais, resultando em poucas vantagens para a população nativa, com a perspectiva de esgotamento, a médio prazo, dos recursos disponíveis. Gana, a antiga Costa do Ouro, é um dos principais países africanos no Golfo da Guiné, tendo sido uma colônia britânica que deu elevadas rendas à coroa. Independente, sob a liderança de Nkrumah, ela procurou encontrar um caminho socialista autêntico, africano, tendo tido sérios problemas para reorganizar a sua economia, baseada na mineração e na produção de café e cacau, e atenuar a pressão dos países capitalistas. Em 1966, os militares depuseram o governo progressista e estabeleceram um regime autoritário de direita, que procurou enquadrar o país nas linhas prescritas pelos antigos colonizadores e pelas empresas transnacionais. A Guiné viveu uma interessante experiência ao sair do regime colonial. Seu líder, Sekou Touré, em 1958, ao ser consultado sobre se o país preferia ficar inteiramente independente ou participar da Comunidade Francesa, em organização, conduziu o país a optar pela primeira alternativa, o que provocou, da parte de De Gaulle, o corte imediato de toda a assistência que a França dava à Guiné. Isolada, ela recorreu à ajuda dos países socialistas e, para se desenvolver, procurou industrializar a bauxita, a fim de produzir alumina e alumínio. O boicote das empresas internacionais que controlam o setor trouxe sérios problemas à nova república. O principal suporte econômico do país é hoje representado pela exploração do minério de ferro e da bauxita, assim como pela pesca e pela agricultura de produtos tropicais. A Libéria foi criada na primeira metade do século XIX, por uma sociedade norteamericana que procurava fazer retornar à África escravos negros libertados. Daí o nome do país, sendo a sua capital denominada de Monróvia, em homenagem ao presidente americano James Monroe, que apoiou a iniciativa. Esteve sempre sob a tutela disfarçada dos Estados Unidos, o que impediu a anexação aos domínios britânico e francês, por ocasião do avanço mais agressivo do imperialismo. A exploração do minério de ferro, do ouro e de diamantes, ao lado de uma pequena agricultura, constituem-se as principais atividades econômicas do país. A Libéria, porém, é famosa por permitir que as grandes empresas de transporte internacionais utilizem, em seus navios, a bandeira liberiana, visando, naturalmente, vantagens fiscais, sendo um dos países que possui uma das maiores frotas mercantes do mundo. O Malaui, situado sobre um planalto às margens do lago de Niassa, é um país central; cercado por Estados rivais, vem fazendo uma política de grandes concessões à África do Sul, o que traz sérios prejuízos a Moçambique e à África negra, em geral. Gozando de um clima tropical de altitude, tem uma agricultura desenvolvida e diversificada e uma elevada densidade demográfica. O Marrocos é um tradicional reino muçulmano banhado pelo Atlântico e pelo Mediterrâneo. Com inúmeros monumentos históricos ligados à tradição islâmica, procura desenvolver o turismo, que é hoje uma das principais atividades econômicas do país. Situado próximo da Europa e apresentando características consideradas pelos europeus exóticas, o Marrocos é um dos grandes pólos de atração de turistas de toda a Europa. Sua economia é bastante diversificada, tendo importante produção de fosfato e de minério de ferro, uma agricultura muito variada de produtos mediterrâneos e um artesanato que, no setor de tapeçaria, tem grande aceitação nos países ricos. A distribuição de renda, porém, é muito injusta, havendo grandes desníveis sociais e econômicos da população. O Senegal foi, durante decênios, o centro de irradiação da colonização francesa na África Ocidental, daí o crescimento demográfico e funcional da cidade de Dacar. Com a independência, os políticos locais tentaram organizar uma confederação de Estados africanos francófonos, evitando o desmembramento da antiga África Ocidental Francesa, mas fracassaram, conseguindo apenas manter uma união com o Mali, de 1960 a 1961. O país, que possui uma elevada taxa de urbanização, é, sobretudo, produtor de amendoim, principal produto de exportação, e de sorgo, destinado à alimentação da população da população nativa. A Tunísia é um país árabe que permaneceu por mais de meio século sob o “protetorado” da França, embora recebesse também grande influência italiana. Os italianos, inclusive, desejavam ocupar a Tunísia, a fim de possuírem as ruínas da antiga Cartago, a grande inimiga de Roma. Além de produzir fosfato e petróleo, o país possui uma indústria de bens de consumo ponderável e uma agricultura bastante diversificada. O turismo também é uma das suas principais fontes de renda. Uganda, situada na África Oriental, nas margens do lago Vitória, no alto do Nilo, goza de um clima tropical de altitude que permite o desenvolvimento de uma agricultura diversificada, com expressiva produção de café, algodão e chá. Também possui uma mineração significativa de cobre e sal. No período colonial formava uma monarquia reconhecida e “protegida” pelos ingleses; com a independência, foi proclamada a república por Milton Obote e, em seguida, passou por períodos difíceis em que foi governada por militares despóticos, como o famoso Idi Amim Dada, hoje exilado na Arábia Saudita. O Zimbábue é a antiga Rodésia do Sul, onde uma minoria de fazendeiros brancos tentou, a partir de 1965, implantar um regime semelhante ao da África do Sul, entrando em choque com a própria Grã-Bretanha. Apesar do apoio sul-africano, o regime de minoria branca não conseguiu manter o controle do poder e passou o governo aos grupos negros, em 1978. Sua economia é dominantemente primária – agrícola e pecuária – e bastante diversificada. O Saara Ocidental é a antiga colônia espanhola do Rio do Ouro, que foi desocupada pelo dominador europeu, em 1976, e invadida imediatamente pelo Marrocos e pela Mauritânia, que pretendiam dividir, entre eles o seu território. O grupo político que liderara a luta pela independência, a Frente Polisário, obteve o apoio da Argélia e conseguiu a retirada da Mauritânia do conflito. O Marrocos quer expandir o seu território, alegando direitos históricos sobre o Saara Ocidental, desejoso de se apossar das riquezas minerais aí existentes. Também teme um cerco de países de tendência socialista – Argélia e Saara Ocidental – em suas fronteiras, o que poderia pôr em risco a estabilidade da monarquia. PAÍSES PEQUENOS Considerando como pequenos os países que possuem menos de 100.000 e mais de 10.000 Km², encontramos, na África, cerca de dez Estados. Estes países apresentam uma série de características comuns, ao lado de outras que os diferenciam. Assim, Burundi e Ruanda se situam em terras altas na África Central e estiveram sob o controle alemão antes da Primeira Guerra Mundial. Com a derrota alemã, foram entregues como mandatos da Sociedade das Nações à Bélgica e só vieram a se libertar na segunda metade do século XX. Possuem elevada densidade demográfica – 179,6 hab/Km² no Burundi e 54,4 hab/Km² em Ruanda – tendo o primeiro uma economia dominantemente agrícola, enquanto o segundo, ao lado da agricultura, desenvolve uma expressiva produção de cassiterita, minério de estanho. Djibuti é um antigo porto controlado pelos franceses, na saída meridional do Mar Vermelho, que se desenvolveu por ser a estação inicial da estrada de ferro que ligava Adis Abeda, capital da Etiópia, ao litoral. Habitada em grande parte por somalis, ao se tornar independente foi reivindicada pela Somália, que englobava as colônias inglesas e italiana, mas com o apoio da França manteve-se como país independente. O país depende quase inteiramente de ajuda francesa, tendo uma economia inexpressiva. Gâmbia é uma estreita faixa de terra encravada no Senegal, acompanhando o curso inferior do rio do mesmo nome. Destaca-se pela produção de amendoim e algodão, mas vive sérios problemas políticos e econômicos. Em função da sua posição geográfica, depende em grande parte do Senegal, para o qual cria problemas de circulação, e faz desenvolver a idéia de fusão dos dois, formando, no futuro, o Senegâmbia. O Lesoto e a Suazilândia são dois pequenos países encravados na África do Sul, da qual dependem inteiramente, já que ela usa força de trabalho dos seus habitantes, em suas minas – pagando-lhes baixos salários. Há uma permanente pressão política sul-africana sobre os dois pequenos Estados, a fim de impedir que líderes negros de oposição ao apartheid se refugiem aí. A Guiné-Bissau permaneceu por mais cinco séculos sob a dominação portuguesa e ao se libertar, após cruenta guerra, era um dos países mais pobres e atrasados da África, tendo a sua economia baseada na agricultura tradicional, na pesca e na exploração florestal. O projeto político dos libertadores da Guiné era formar uma federação com Cabo Verde, arquipélago também colonizado pelos portugueses, mas os interesses internacionais o impediram, criando sérios problemas de viabilidade aos dois países. A Guiné Equatorial, um pequeno enclave entre o Gabão e o Camarões, foi colônia espanhola. Dispõe de uma agricultura primitiva e diversificada – mandioca, café, cana-deaçúcar, palmeira de óleo, etc. – e de uma indústria pouco expressiva e sem grande possibilidade de desenvolvimento, devido às limitações quantitativas e qualitativas do mercado. Serra Leoa é uma antiga colônia inglesa que se tornou independente na segunda metade do século XX. Sua economia se baseia na exploração mineral – minério de ferro, urânio, rútilo, etc. – e em uma agricultura tropical bastante diversificada. Após a independência, o país tem atravessado períodos de grande instabilidade política, estimulada por ambições tribais e por interesses das grandes empresas que exploraram os seus recursos. Togo é um pequeno país no Golfo da Guiné que se destaca pela produção de cacau e de café, assim como exportação de fosfato. Tem fronteiras artificiais com Benin e Gana, que não respeitam as distribuições geográficas das etnias, o que dificulta a integração nacional. OS PAÍSES MUITO PEQUENOS OU MINI PAÍSES Existem na África cinco mini países com superfícies inferiores a 5.000 Km², todos eles formados por pequenos arquipélagos que se distribuem a uma relativa distância da costa, nos oceanos Atlântico e Indico. Dentre os mini países, o mais extenso é Cabo Verde, o de maior população é Maurício e o de menos extensão territorial Seichelles. Todos têm densidades demográficas muito elevadas, destacando-se sobretudo Maurício com 589,8 hab/Km², e Camores, com 209,7 hab/Km². Cabo Verde é um país muito pobre, que se mantém com a pesca, com uma agricultura diversificada tradicional e com a produção de sal. Uma das ilhas do arquipélago chama-se Ilha do Sal. É também um país de emigração, sendo grande o contingente de caboverdianos que trabalha e vive nos países europeus. As Comores formam um arquipélago no Oceano Indico, próximo a Madagascar, onde há importante cultura de baunilha e de plantas aromáticas. Tem uma expressiva atividade pesqueira e pode se beneficiar da atividade turística. São Tomé e Príncipe formam um conjunto de ilhas muito pobres, de uma agricultura primitiva e da pesca. Foi, durante vários séculos, uma colônia portuguesa e serviu de entreposto ao comércio negreiro. Seichelles é o menor país africano e sua pequena população vive da pesca e da agricultura. Localizada em área de clima tropical, pode, no futuro, ser explorada pela atividade turística. Maurícia ou Maurício, também chamada de Ilhas Maurícias ou Ilhas Maurício, é um país do Oceano Índico, constituído pelas ilhas Mascarenhas orientais (ilha Maurícia e Rodrigues) e por dois arquipélagos de ilhotas mais a norte: as ilhas Cargados Carajos e Agalega. A Maurícia disputa ainda com Madagascar e a França, a ilha de Tromelin. Os seus vizinhos mais próximos são o departamento francês de Reunião, a oeste, e as Seychelles, a norte. Sua capital é Port Louis. Os Recursos Africanos Os Recursos Minerais Os minerais talvez constituam os mais significativos dos recursos naturais que permitiram ao homem o controle do seu meio ambiente. A importância dos minerais no desenvolvimento da tecnologia humana, durante a pré-história, vai além da simples fabricação de ferramentas, armas e recipientes. Abrange, também, a construção de moradias, para as quais a argila foi fator preponderante. Edifícios públicos, monumentos (como as pirâmides) exigiram grandes quantidades de rochas graníticas duras ou de quartzito. Os minerais forneceram os pigmentos para as pinturas rupestres, algumas das quais no Saara e na África Meridional conservaram se admiravelmente até os nossos dias. Os pigmentos eram obtidos através da trituração de diferentes tipos de rocha, como a hematita, o manganês e o caulim, misturando-se o resultante com elementos gordurosos ou resinosos. Mas foi o ferro o minério mais importante para o desenvolvimento da África no fim da era pré-histórica, a partir da utilização do laterito ou crosta ferruginosa, como base das primeiras atividades da metalurgia do ferro. Vastas zonas da África repousam sobre massas rochosas classificadas dentre as mais antigas do planeta. As rochas cristalinas antigas, consideradas como "o pedestal rochoso do continente" recobrem, pelo menos, um terço de sua superfície. Compreendem, sobretudo, granitos e rochas metamórficas, como os xistos e os gnaisses, parte das quais são altamente mineralizadas. Dentre as mais importantes dessas formações, destacam-se as reservas de cobre do Shaba, na República Democrática do Congo, cujas extensões ultrapassam 300 quilômetros. Esta zona contém não só as maiores jazidas de cobre do mundo, como também algumas das mais ricas jazidas de rádio e cobalto. No Transvaal (África do Sul), o complexo vulcânico do Bushweld, com a superfície de seis mil quilômetros quadrados, e o Great Dike, que atravessa o Transvaal numa extensão de quinhentos quilômetros, até o Zimbábue, são igualmente abundantes em minérios, como a platina, o cromo e o amianto. A zona diamantífera africana não tem correspondência no resto do mundo. E na África do Sul que atinge a sua maior concentração, embora haja outras jazidas na Tanzânia, em Angola, na Namíbia e na, República Democrática do Congo. A África do Sul, Gana e a República Democrática do Congo possuem minas de oura; o estanho é encontrado na República Democrática do Congo e na Nigéria. Há que se ressaltar, também, a presença de importantes jazidas de minério de ferro na África Ocidental, como as da Mauritânia, Libéria, Guiné e Serra Leoa. Somente a Guiné possui mais da metade das reservas mundiais de bauxita (minério do alumínio). Ao longo da margem norte do continente, numa área que se estende do Marrocos à Tunísia, atravessando a Argélia, encontra-se o grande cinturão dos fosfatos, associados às jazidas de ferro extremamente ricas. Importantes jazidas de minério de ferro, de origem sedimentar, podem ser encontradas, ainda, na região de Caroo (África do Sul e Namíbia). O carvão mineral praticamente inexiste no Continente, salvo pequenas ocorrências na África do Sul, Zimbábue e no Egito. Supõe-se que o controle do comércio do ouro, através do deserto, entre o oeste e o norte da África, foi uma das principais razões do surgimento de impérios e reinos no Sudão Ocidental. É certo que a partir do últimos mil anos o comércio do ouro e do minério de ferro atraiu os árabes para a África Oriental. Os europeus, no decorrer dos últimos séculos, concentraram-se na África, transformando-a em reservatório colonial de minérios brutos para alimentar o crescimento das indústrias européias. As rochas sedimentares mais recentes, do pós-cretáceo, encerram no Saara e no litoral da África Ocidental vastos lençóis de petróleo e de gás natural. Apesar do subsolo rico da África, os africanos dispõem de poucos recursos para explorá-lo, dependendo de investimentos estrangeiros. Entretanto, em algumas áreas, os conflitos étnicos e as guerras civis têm afastado os investidores. Alguns países privatizaram suas minas, como as jazidas de bauxita da Guiné e as minas de cobre e cobalto do Congo e da Zâmbia. As exploradoras multinacionais européias, norte-americanas e sul-africanas continuam a investir na exploração mineral. Recursos Vegetais O Continente Africano, graças aos recursos vegetais, pode suprir as necessidades de sua população, cuja densidade não cessou de aumentar. A África e, antes de tudo, um continente de pradarias. Uma grande variedade de ervas de uso forrageiro cobre mais da metade da sua superfície. Em seguida vem o deserto, com cerca de trinta por cento. Depois, a floresta, com menos de vinte por cento. Essa diversidade de meios-ambientes foi importante para a ocupação humana, uma vez que asseguraram a subsistência com a caça, com frutas ou raízes comestíveis, bem como matérias para a fabricação de utensílios, vestimentas e abrigos, e forneceram matrizes para a criação das culturas agrícolas. A zona das pradarias e a reserva da caça africana, com sua grande variedade de antílopes, gazelas, girafas, zebras, leões, búfalos e outros bubalinos (gnus, por exemplo), elefantes, hipopótamos, rinocerontes, sem contar a caça de pequeno porte. Tal fato explica que aí estejam os mais antigos sítios da ocupação humana, ao longo dos cursos d’água, à beira dos lagos ou do mar. A floresta era despovoada. Somente o desenvolvimento das técnicas incitaram o homem a ocupar todos os tipos de região. Ao mesmo tempo em que se beneficiavam das riquezas animais oferecidas pelas diferentes zonas de vegetação, o homem explorava estas áreas para se abastecer de frutas e raízes comestíveis. A presença de florestas-ciliares (= linhas de florestas que acompanham as margens dos rios) permitiu ao homem a coleta de frutas, sementes e nozes das florestas e das savanas. Quando o crescimento da população atingiu grandes proporções, comunidades que viviam da coleta iniciaram o plantio intencional de grãos, que conduziu a era da expansão agrícola. As riquezas vegetais tiveram importância capital, também, no que concerne a provisão de utensílios e indumentária e a moradia. A utilização de instrumentos de madeira foi comum em quase toda a África, inclusive quanto à construção de cercas, estacas e armadilhas de caça. Usou-se casca de árvores para a confecção de vestimentas, recipientes e cordas, além da construção de abrigos que substituíram as cavernas como habitação. As condições ambientais da África permitiram ao homem a criação de novas espécies cultiváveis (os cultígenos), a partir da coleta de variedades selvagens. De um modo geral, se admite que, neste campo, a participação da África foi inferior à da Ásia. A savana foi mais importante que a floresta. Ali foi selecionado grande número de variedades silvestres apropriadas para o cultivo, em geral, pela semeadura, enquanto nas regiões da floresta se desenvolveu o preparo de mudas, brotos e rizomas e tubérculos. As aclimatações mais importantes nessa região foram a do inhame - do qual inúmeras espécies são atualmente cultivadas - e do dendezeiro. A África deve à Ásia e à América do Sul um bom número de novas culturas. As riquezas vegetais desempenharam papel preponderante na evolução histórica do homem na África, além de provê-lo com abundantes reservas de frutas e de tubérculos, e permitirem a criação de culturas que cuidadas e protegidas proporcionaram-lhe novos e mais ricos meios de subsistência. A agricultura teve, também, um importante papel na mudança das organizações políticas dos povos africanos. A implantação das culturas agrícolas de exportação, imposta pelas potências coloniais - cacau, café, tabaco , amendoim, algodão, sisal, dendê e borracha - em lugar das culturas de subsistência, determinou a necessidade da importação de alimentos de outras regiões, contribuindo para a ocorrência da fome e da subnutrição. Recursos Animais A distribuição das riquezas animais está estritamente relacionada com a distribuição das riquezas vegetais. A África sempre foi considerado um continente particularmente rico em mamíferos. Afirma-se que, excluindo o morcego, existem 38 famílias de mamíferos africanos. A distribuição desses animais no Continente evoluiu no espaço e no tempo. Vestígios fósseis indicam que todas as regiões da África, em algum momento, foram povoadas por grandes espécies selvagens. A região mediterrânea da África do Norte abrigou animais, como o leão e o elefante, que foram vítimas da ação do homem, no decorrer dos dois últimos milênios. O próprio deserto ainda conserva uma série de espécimes da fauna selvagem: gazelas dorca e dama, o ádax, o órix (com chifres em cimitarra), o órix algazel e outros. Sabe-se que, em períodos mais úmidos, muito remotos, habitaram na região do deserto, animais como o hipopótamo, a girafa, o búfalo gigante (hoje extinto) e antílopes de porte maior. São as savanas africanas o verdadeiro reduto da caça de animais de grande porte. Nas savanas do oeste, leste, centro e sul da África, encontram-se animais carnívoros como o leão, o leopardo, o gato-tigre africano e a hiena. Ali vivem também, entre outros, o búfalo, a gazela, o antílope, a zebra, a girafa e o avestruz. É o habitat, também, do elefante e do rinoceronte negro. A extensão do território ocupado por cada espécie modificou-se ao longo dos séculos. Todos esses animais sofreram, por parte do homem, grandes devastações. Entre os mais notáveis habitantes da floresta encontram-se os porcos-do-mato,o javali-gigante, os grandes macacos (como o chimpanzé e o gorila), a girafa, bem como ocapi (mamífero da família das girafas). Também nessa região as modificações do meio, provocadas pelo homem, afetaram a extensão do território. A abundância de recursos animais foi, sem dúvida, útil ao homem durante o longo período em que se dedicou, basicamente, à caça. As reservas pareciam, a tal ponto, inesgotáveis, que algumas comunidades africanas até hoje se mantêm nesta atividade. Os peixes representam outra categoria importante de recursos animais. Tanto os cursos d’água como os lagos de água doce atraíram os grupos humanos por sua piscosidade. Nas suas margens, têm sido encontrados vestígios de comunidades muito antigas, que utilizavam arpões e anzóis feitos de osso e que também caçavam e consumiam hipopótamos e crocodilos. Até recentemente, as comunidades de pescadores africanos não dispunham de tecnologia para se aventurar sistemática e intensamente na pesca de alto-mar. A extraordinária riqueza e variedade da fauna terrestre forneceu enorme reserva potencial de animais domésticos. Contudo, a domesticação de animais na África restringiu-se praticamente ao jumento, ao gato, a galinha-d'angola, ao carneiro e ao boi. O pastoreio não se desenvolveu de maneira uniforme por todo o continente. Enquanto a maior parte das comunidades logrou dominar as variedades menores de gado, apenas uma minoria conseguiu domesticar as maiores, como foi o caso dos tuareg no Saara, dos peul da savana da África Ocidental e dos massai das pradarias da África Oriental, que continuam ligados à vida pastoril, renunciando a todas as tentativas de conciliar esse modo de vida com a agricultura. Seguindo incessantemente os seus rebanhos em busca de água e pastagens, essas comunidades mantém até hoje uma vida nômade, na sua mais pura forma. Alguns grupos bantu da Árica Oriental conseguiram, entretanto, associar a criação de gado à prática agrícola em proveito de ambas as atividades. A proliferação de outras espécies animais exerceu influência negativa sobre o desenvolvimento do pastoreio na África. É o caso da mosca tsé-tsé. Grande e bastante móvel é ela o principal, mas não o único, transmissor tripanossomíase (infecção que provoca no homem a doença do sono e que é mortal para os animais). A descida dos rebanhos da África do Norte para o Sul ficou condicionada a existência de corredores livres da mosca, tanto naturais, quanto criados por comunidades agrícolas organizadas. Sem dúvida, a história da África teria sido diferente se não tivesse a presença da mosca tsé-tsé, uma vez que ela impossibilitou a utilização do gado de grande porte, para tração, pelas comunidades agrícolas. Por outro lado, a facilidade de deslocamento de certos povos, propiciada pela presença do gado de montaria, não deixou de excitá-los à agressão e ao domínio sobre os povos sedentários. Outro caso é a presença da malária. Dentre as muitas espécies de mosquitos capazes de transmitir os diferentes tipos de parasitas da malária, algumas são mais atraídas pelo sangue humano que outras. O mosquito transmissor mais frequente na África é o anopheles gambiae, de difícil erradicação, pois também se alimenta de sangue animal. O mosquito, em geral, procria em águas estagnadas, sendo mais incidente nas imediações de pântanos e de rios. Sua reprodução cresce com o aumento das chuvas e as altas temperaturas estimulam tanto o desenvolvimento das suas larvas, quanto o ciclo do plasmódio (= o micróbio que provoca a doença), no inseto adulto. Já as temperaturas mais frias, dos locais de maior altitude, reduzem sua virulência. Assim, a malária endêmica tende a desaparecer em altitudes acima de 1000 metros, ainda que a transmissão possa persistir. O mosquito da malária desempenhou papel importante na história do Continente. Até o século XX, ele, efetivamente, desencorajou os europeus de se instalarem sob o clima quente e úmido da África Ocidental, resguardando assim a região dos problemas interraciais que abalaram a história das terras altas da África do Norte, do Leste, do Centro e do Sul, vítimas da colonização. Os gafanhotos fazem parte das pragas tradicionais da África. Insetos grandes que, normalmente, vivem solitários ou em pequenos grupos, são encontrados nas zonas de transição das vegetações, às margens do deserto ou da savana herbórea e da floresta. Ao sul do Saara encontram-se três tipos principais: o gafanhoto-vermelho, o gafanhoto migrador africano e o gafanhoto do deserto. Eles requerem dois tipos diferentes de habitat: solo desértico para depositar os ovos e paisagem verde para alimentar-se. Quando, por motivos diversos, seu terreno de alimentação se restringe demasiadamente, esses insetos se agrupam em enormes enxames e invadem zonas próximas ou distantes. Para as populações agrícolas sedentárias, as depredações causadas pelas nuvens de gafanhotos, sobretudo, quando ocorrem logo antes da colheita, podem significar uma passagem brutal da abundância à fome. Quando, no passado, condições climáticas adversas, como a seca, por exemplo, coincidiam com essas invasões, sobrevinham grandes transtornos políticos e sociais. 28 Um vulcão coberto de neve Celso Dal Ré Carneiro, Instituto de Geociências,Universidade Estadual de Campinas. Quando se fala em África, logo vem à cabeça a imagem de uma savana. Veja se você pensou em uma cena parecida: mata baixa, leões disfarçados à procura de uma presa, rinocerontes, elefantes, sol escaldante - capaz de fritar um ovo no chão - e um pouquinho de neve ... Opa! Há algo errado! Neve? Na África? É mesmo difícil de acreditar, mas embaixo de todo esse calor, muito perto de leões, girafas e rinocerontes, existe um vulcão coberto de neve: o Kilimanjaro. Ele está localizado na Tanzânia, país da costa leste do continente, e tem quase seis mil metros de altitude. Ué, mas a lava do vulcão expelida não derreteria a neve? Derreteria. Acontece que não há registros de erupções nesse vulcão. Isso porque o Kilimanjaro não é um vulcão ativo, e, sim, dormente. No seu interior, há lava derretida e ele, de vez em quando, solta no ar vapor de água, poeira e gases, que parecem uma fumaça. Por isso, não é descartada a hipótese de que entre em erupção no futuro, o que causaria o fim da camada de gelo. Mas você deve estar se perguntando: por que, afinal, a neve se acumulou em cima do vulcão? Guarde bem para não esquecer: em locais extremamente altos, como no topo do Kilimanjaro, a temperatura média chega a ser tão fria como nos pólos da Terra. Quem se aventura a escalar essa montanha começa enfrentando c1ima quente como o da Amazônia, até que, com a subida, a temperatura vai baixando, há chuvas e, no topo, gelo! Ali, ocorre um fenômeno conhecido como “neve eterna”. Essa neve cai nos dias mais frios do inverno e não consegue ser derretida durante o resto do ano. Só que esse quadro mudou ... Há 100 anos, o gelo cobria todo o alto da montanha - uma área de, aproximadamente, 12 quilômetros quadrados. Comparada ao que já foi, hoje ela é bem pouca. Acumula-se em cerca de dois quilômetros quadrados, ou seja, um sexto de seu tamanho original. Foi o aquecimento do planeta que fez com que, pouco a pouco, a neve eterna se derretesse. Resultado: o desaparecimento da neve no topo do Kilimanjaro, paralelamente, provocara a diminuição do volume de águas dos rios que as neves alimentam. E aí pode ocorrer o desaparecimento das florestas também. Se você acha que ainda vai levar tempo para isso acontecer, preste atenção: por conta das mudanças no c1ima da Terra, alguns cientistas prevêem que o branquinho no topo do Kilimanjaro desapareça em futuro próximo, daqui a 10 ou 15 anos. Aproveite, então, para ver depressa esse fenômeno, ainda que seja por fotos. 29 ÁFRICA: DA COLONIZAÇÃO À DESCOLONIZAÇÃO As grandes navegações e as feitorias na costa Texto extraído do livro, O Brasil e a África de ANDRADE, Manuel Correia de. Ed. Contexto, 2001. A conquista da África pelos países europeus iniciou-se no século XV, quando os portugueses, procurando encontrar o caminho marítimo para as Índias, intensificaram as navegações e contornaram o continente negro. A descoberta do caminho que daria a Portugal, por algum tempo, o monopólio do comércio das especiarias, levaria, ainda, praticamente, um século, e os empreendimentos comerciais tinham que ser autossustentados. Intensificou-se, então, o comércio de produtos tropicais e de escravos entre os portugueses e alguns potentados africanos. Numa primeira etapa de colonialismo mercantil, os portugueses não almejavam estabelecer extensas colônias, nem fazer penetrações no território africano. Sabendo-se de sua fraqueza em homens e capitais, procuraram os peninsulares fazer aliança com chefes locais e desenvolver o comércio. As instituições africanas não foram modificadas, permanecendo as leis e costumes dominantes. Ao longo da costa, encontraram áreas organizadas em Estados - pequenos e médios reinos – e áreas ainda sob o controle de tribos com organização social e política primária. Foi nesse sentido que os portugueses implantaram feitorias em lugares mais favoráveis ao comércio ou de maior valor estratégico, que permitiriam, posteriormente, a formação de colônias destinadas, sobretudo ao comércio de escravos. Só no século XIX, é que as feitorias se transformaram em pontos de apoio para a conquista do interior e as colônias ganharam expressão territorial, fazendo surgir os atuais Estados de Angola, de Moçambique e de Guiné-Bissau. Algumas ilhas no Atlântico também foram ocupadas por europeus e utilizadas tanto para o povoamento, como para pontos de apoio ao comércio com a costa africana. Nos séculos XVI e XVII, outros países europeus também se interessaram pela conquista de partes do território africano e organizaram companhias de comércio que fundaram feitorias e desenvolveram relações com os nativos. O comércio mais vantajoso, a partir dos fins do século XVI, foi o de escravos; nele se empenharam não só os portugueses, tentando abastecer o Brasil de força de trabalho, como também os ingleses e holandeses que procuravam desenvolver suas colônias no Caribe e fornecer trabalhadores para a América espanhola. A importância da escravidão era de tal monta que os holandeses, para garantirem a posse de Pernambuco, conquistaram Angola aos portugueses. Na África Oriental, banhada pelo Oceano Índico, os europeus encontraram uma forte oposição de mercadores árabes que já antes da viagem de Vasco da Gama controlavam, por via terrestre ou através do Mar Vermelho, o comércio das especiarias, sendo eles também grandes negociantes de escravos. Nos séculos XV, XVI e XVII, os europeus fizeram reconhecimentos na costa africana, exploraram os recursos disponíveis, arregimentaram os nativos através da coação e da cooptação, e iniciaram uma tímida política de colonização. Esta foi melhor estruturada no século XVIII e consolidada com conquista de todo o território no século XIX, quando praticamente toda a África foi dividida entre países colonizadores. O desenvolvimento do 30 capitalismo industrial e financeiro, consubstanciando o imperialismo, possibilitaria a expansão pelo interior do continente e a formação de grandes impérios coloniais. A experiência Bôer No século XVII, famílias holandesas se fixaram na África do Sul, fundando a Colônia do Cabo e conquistando terras aos hotentotes e bosquímanos – negros que dominavam a região – com a finalidade de criar fazendas de gado. A palavra “bôer”, com que se autodenominavam , significa fazendeiro, criador de gado. Aí se organizaram, beneficiandose da fertilidade das terras, do domínio de um clima subtropical, bem diverso do dominante na maioria do território africano e do comércio que faziam com os navios que iam para as Índias, tornando-se a Cidade do Cabo escala obrigatória para estes navios. Os ingleses, sabendo da qualidade das terras e do valor geopolítico de sua localização, aproveitaram-se das guerras napoleônicas e ocuparam a Colônia do Cabo, em 1806. Os “bôers”, não satisfeitos com a perda de sua autonomia, migraram para o interior e se estabeleceram ao norte, nas áreas drenadas pelos rios Orange e Vaal, fundando duas repúblicas independentes, o Estado Livre do Orange e o Transvaal, em 1839 e 1849. Lá, porém, existiam minas de diamantes, e os ingleses, através de suas companhias mineradoras, passaram a explorá-las, exigindo participação no governo desses países. Sendo duas pequenas repúblicas centrais, os seus produtos tinham que ser exportados pelo porto do Cabo, o que dava aos ingleses o controle da economia das mesmas. Para fugirem à influência inglesa, os “bôers” construíram uma ferrovia que chegava ao Oceano Índico, em Moçambique, território português. À proporção que aumentava a produção de diamantes pioravam as relações entre ingleses e “bôers”, tanto pelo desejo de controle das minas, como pela aspiração inglesa de estender os seus domínios para o Norte, ocupando a Becuanalândia e impedindo que os portugueses unissem Angola a Moçambique. A situação se deteriorou e, apesar de a Inglaterra haver reconhecido a independência das repúblicas “bôers” (1881), iniciou-se em 1899, uma guerra que durou três anos e terminou em 1902, com a vitória inglesa e a anexação do Transvaal e do Orange às colônias britânicas. Estes seriam agregados à Colônia do Cabo e a Natal, formando a União Sul-Africana, em 1910, que conseguiu a sua independência em 1961, retirando-se da Comunidade Britânica de Nações e adotando a forma republicana de governo. Hoje, forma um país em que 15% da população é branca – “bôers” e descendentes de ingleses – e 85% é negra, indiana e mulata, mas onde os brancos têm o controle do poder político, possuem as melhores terras, negam os direitos civis aos negros e desenvolvem a política apartheid. Ainda ocupam a Namíbia, país negro que esteve sob a tutela da União SulAfricana desde a conclusão da Primeira Guerra Mundial, mesmo contra a determinação das Nações Unidas, que a reconhecem como Estado independente. [...] O Imperialismo e a ocupação do espaço africano Admitindo-se que o imperialismo tenha ganhado maior importância a partir de 1870, observa-se que foi a partir desta data que os países europeus consolidaram a exploração do interior do território africano e dividiram o continente entre eles. 31 Há grande disparidade entre as várias áreas do território africano. Não apenas do ponto de vista físico, mas também do cultural, deve-se distinguir a África do norte, mediterrânea, da África do sul do Saara, negra e equatorial. A África do norte, habitada por berberes, esteve nominalmente sob o controle do Império Turco ou Otomano até os fins do século XIX. Esse controle foi se tornando cada vez menos intenso à proporção que o Império entrou em decadência e os vários povos por ele dominados foram se libertando de sua tutela. Estando próxima à Europa, possuía um certo intercâmbio com os países europeus, provocando problemas à navegação no Mediterrâneo, uma vez que seus portos eram muitas vezes utilizados como bases, por navios piratas. A França foi o primeiro país europeu a ocupar uma porção da África mediterrânea, quando, em 1830, invadiu e conquistou a Argélia, depondo os representantes do governo turco. Os franceses não só procuraram se beneficiar da apropriação dos recursos naturais, como também desapropriar grandes extensões de terra muito férteis, para instalar colonos franceses, a fim de desenvolverem a cultura da vinha. O domínio francês na Argélia se estenderia por mais de um século, só terminando em 1963, após uma guerra de libertação, que durou 9 anos, e que provocou o repatriamento de centenas de milhares de argelinos de origem francesa. O Egito seria objeto de disputa entre a Inglaterra e a França desde o início do século. Disputa que se intensificava à medida que ele fugia do controle do governo de Istambul. Os franceses, com Napoleão, invadiram o Egito, em 1798, mas a destruição da esquadra francesa, por Nelson, forçou a retirada. Em 1869, os franceses organizaram uma sociedade e construíram o Canal de Suez, que aproximaria consideravelmente a Europa da Índia; mas os ingleses, que eram grandes credores do Egito, forçaram este governo a vender as ações da empresa controladora do canal e passaram a controlá-lo. Para a Inglaterra, senhora das Índias, o Canal de Suez era essencial ao esquema do controle. A partir de 1882, os ingleses começaram a controlar política e administrativamente o Egito, que se separou da Turquia e passou a ser um protetorado da Inglaterra. A França, temerosa de perder a sua influência no Mediterrâneo e, credora da Tunísia, ocupou este país, em 1883, estabelecendo um protetorado. Em 1912, ela fez o mesmo com Marrocos, embora reconhecesse direitos da Espanha a alguns portos mediterrâneos situados neste reino e o controle do Rio do Ouro, atual República do Saara Ocidental. Na África do norte, a Turquia conservaria mais tempo o controle da Líbia, que passou para a Itália em 1911/12. Mas, não eram só os franceses e ingleses que disputavam a África. Os espanhóis conservaram alguns territórios de menor importância, e os portugueses, apesar da perda de importância do seu país no contexto mundial, conservaram ricas e grandes colônias até os anos 70. Definida a situação do Mediterrâneo, os franceses procuraram estender seus domínios, do Atlântico ao Índico nas áreas do Saara, do Sahel e do Sudão, conquistando as regiões drenadas pelo Senegal, pelo Níger e pelo Volta. Pararam a leste, quando encontraram os ingleses no alto Nilo, já senhores do Sudão. Por sua vez, os ingleses procuraram estender o seu domínio na África Oriental desde o Egito até o Cabo, mas, após anexação de vários territórios, foram barrados pelos alemães que haviam se apossado de Tanganica. Os belgas, a princípio, em um empreendimento pessoal do rei Leopoldo II e depois como Estado colonialista, apoderaram-se de grande parte da bacia do Congo, formando o Congo Belga, atual Zaire. No Golfo de Guiné, franceses, ingleses e alemães apossaram-se de porções do território, formando colônias diretamente governadas por delegados europeus. Os italianos, além da Líbia, voltaram-se para a África Oriental, conquistando a Eritréia e a Somália e tentaram anexar a Etiópia, a princípio, sem sucesso (1896) e, em seguida, realizaram a conquista (1935/36) 32 Os americanos, preocupados com a expansão na América Latina, não tiveram grande atividade na conquista da África no período anterior à Primeira Guerra Mundial, mas organizara, uma república “independente”, a Libéria, para servir de lar aos escravos libertos, após 1822, que desejassem voltar às origens. Assim, ao iniciar-se a Segunda Guerra Mundial, apenas a Libéria era considerada um país independente na África, estando os demais sob o controle, maior ou menor, de países europeus. Plantando Sementes: Áfricas e Afro-Brasis Heloísa Pires Lima Imagine uma árvore de onde se colhem histórias. Pois a adansonia digitata pode frutificar inúmeras atividades em sala de aula. Bastante requerida para representar identidades africanas (aparece, por exemplo, na bandeira do Senegal!), vem inspirar as demandas para a implementação da Lei 10.639 no cotidiano escolar. Esta via saborosa para o aprendizado pode iniciar com o nome da planta que varia conforme a região africana: baobá, embondeiro, ximbúio, nacuo, mbondo, etc. Dessa forma, já entramos em contato com uma África nada homogênea. Ao contrário, o caso da variedade lingüística expõe uma geografia composta por mais de 50 países e suas etnicidades que rebatem aquela idéia da África como país, que ainda circula muito por aí. O aspecto cultural pode relacionar mitologias e a literatura das populações africanas que vivem ao seu redor. Contam que esta árvore teria sido plantada de ponta cabeça pelo Criador. E que suas raízes ficariam voltadas para o alto. A oralidade criativa se inspirou na forma dos galhos dessa espécie. O conto é milenar e acompanha a idade da árvore. Debates ente os botânicos atestam que sua existência chega aos seis mil anos de idade. Mais velha, só a sequóia e um cedro japonês. Os séculos passam e seu tronco vai engordando. Dizem que chega aos 45 metros de diâmetro. A grandeza do assunto, os muitos nomes, anos e metros pode seguir múltiplas trilhas da botânica ocidental. Pode ser aquela da homenagem ao "descobridor" da espécie, processo semelhante de dar nomes dados às estrelas. O nome científico da adansonia foi por causa do naturalista francês, Michel Adanson. Nos idos de 1750, é ele quem relata sua existência colossal para as instituições científicas da época, bastante interessadas no valor econômico da flora "exótica". O episódio histórico das caixas com mudas de plantinhas que atravessavam os oceanos sugere a pesquisa das árvores cultivadas no Brasil que carregam uma origem africana. E, assim, podemos chegar aos baobás do Brasil. Afinal, além de integrarmos o conteúdo particular aos universais, os estudantes brasileiros podem elaborar a aproximação entre os dois universos para além do marco da escravidão. Importante, porém não absoluto. Outro mais antigo nasceu no Rio Grande do Norte. Segundo o imaginário local, teria inspirado Saint Exupéry para o personagem que habita sua obra. O baobá, aos olhos do príncipe, é uma planta ruim que infestava seu planeta, cujas sementes do mal precisavam ser logo arrancadas. Este inimigo terrível vem entrando nas cabeças de crianças por várias gerações. Já os valores africanos a dignificam chegando a ter status de sagrada. Pela filosofia moçambicana, a sabedoria é como o tronco de um embondeiro. Uma pessoa sozinha não consegue abraçá-lo. Ou como dizem na Costa do Marfim, enquanto todas as árvores tiram sua força da terra, o baobá vai buscá-la no infinito dos céus. E provérbios revelam a sofisticação do pensamento. Árvore da vida, árvore generosa, continua até os dias de hoje a conversar com o Criador que, ao olhá-la, enxerga os humanos. Sendo assim, os paulistas podem se animar, pois uma delas foi plantada nos jardins que homenageiam o geógrafo negro Milton Santos no 33 campus da Unicamp. E a história continua por aqui, e até o dinamismo para os nomes; são também conhecidas pela alcunha de Maria Gorda ou Barriguda. Outro aspecto nesse conjunto em potencial é a descoberta dos milenares jogos lógico-matemáticos criados em África, a partir das sementes do fruto do baobá ou embondeiro ou adansonia. Jornal Bolando Aula de História – Ano 10 - Número 55 Maio/Junho 2007 A ESCRAVIDÃO PENSE... Texto extraído do livro História Temática – 6ª série do Ensino Fundamental – p.154 Ser escravo não é somente viver trancado em uma senzala, sob vigilância contínua ou amarrado em ferros. Sem dúvida, um escravo não tem direito de escolha, tem sua liberdade restringida, mas não necessariamente é um homem que vive aprisionado. Ao longo da história, existiram, entre os diversos POVOS, diferentes formas de escravidão. Antes de tudo, ser escravo é ser propriedade de outro, não ter o direito de decidir sobre a sua própria vida; significa, enfim, ter sua vontade dominada pela de outra pessoa. Em quase todos os casos, no decorrer da história humana, o não cumprimento das ordens do senhor por parte do escravo resultava em castigo corporal ou na execução de alguma tarefa árdua. No Brasil colonial, por exemplo, muitos castigos eram públicos, de modo que outros escravos soubessem o que lhes poderia ocorrer quando fugissem ou desobedecessem a seu senhor. No entanto, alguns escravos, principalmente os urbanos, exerciam atividades que permitiam sua livre circulação. Eram vendedores, sapateiros, ferreiros, comerciantes, cozinheiros, etc. Então, o que faz um homem escravo, em diferentes momentos históricos, é o reconhecimento forçado da sua relação de obediência a um senhor, é sua falta de liberdade e autonomia. A escravidão na Antiguidade No período chamado pelos historiadores de Antiguidade (2000 a.C - invenção da escrita - até 476 d.C - queda do Império Romano), os escravos eram, em sua maioria, estrangeiros capturados em guerras contra cidades inimigas. Havia também a escravidão por dívidas. Não existiam profissões destinadas somente a escravos, e muitos deles eram homens letrados ou especializados em funções técnicas. Em Roma, entre 50 a.C e 200 d.C, por exemplo, cerca de 700 escravos trabalhavam na manutenção do sistema de abastecimento de água para a cidade, estando entre eles os arquitetos e os coordenadores técnicos do sistema. 34 Havia ainda escravos no serviço doméstico, trabalhando como administradores públicos, pedagogos, tecelões, etc. Na Grécia e Roma antigas, o fato de ser escravo não se relacionava às tarefas realizadas, mas a ausência de direitos políticos. Os escravos não eram cidadãos, não podiam participar das decisões políticas, estavam sempre subordinados às ordens de seus senhores e eram considerados ferramentas de trabalho - manual ou intelectual. Texto extraído do livro História Temática – 6ª série do Ensino Fundamental – p.158 A África pré-colonial Antes da chegada dos europeus, os povos do continente africano estavam organizados em clãs e reinos, um pouco semelhantes às nações ameríndias. Havia grande diversidade entre eles em aspectos físicos, características culturais, número de integrantes, etc. Na região centro-ocidental da África, por exemplo, na bacia do rio Congo, os povos bantos haviam-se estabelecido desde o século X. Quando os portugueses chegaram a essa região (parte da atual República Democrática do Congo e Norte de Angola), encontraram diversos povos que formavam reinos poderosos e organizados. Entre esses povos estavam os Bakongo, organizados nos reinos de Congo, Luango, Ngoio e Cacongo, e os Kimbundu e Ovimbundu, nos reinos de Ndongo e Matamba. O reino do Congo era rico em ferro, sal, jóias, ouro e marfim. No início, a relação firmada entre os nativos e os europeus foi amistosa, e, posteriormente, o rei converteu-se ao cristianismo. Com o tempo, a exigência cada vez maior dos colonizadores gerou conflitos internos no próprio reino, desintegrando-o. Na década de 1530, exploradores portugueses subiram o rio Zambeze (que desemboca no atual território de Moçambique) e descobriram minas de ouro. Estabelecendo comércio no interior da África com o reino Monomotapa, acabaram por aniquilá-lo. Outro importante reino africano no século XVI era o de Rozwi, no atual território de Zimbábue. Mais ao norte, próximos dos limites do deserto do Saara, encontravam-se outros importantes reinos: os Estados Haussá e Iorubá e os reinos de Oió, Benin e da Etiópia, entre outros . Muitos desses povos africanos guerreavam entre si e era habitual que prisioneiros de guerra fossem escravizados. Além disso, havia um secular comércio de africanos para os países islâmicos em torno dos mares Mediterrâneo e Vermelho. Contudo, somente a partir do momento em que os europeus aportaram nas costas da África, no final do século XV, a escala desse comércio atingia cifras de milhões de indivíduos, ao longo de quase quatrocentos anos. Em 1482, os portugueses construíram o primeiro posto comercial no golfo da Guiné, transformado em importante porto de embarque de escravos para a América. A escravidão na América Portuguesa No Brasil, inicialmente, foram escravizados os nativos indígenas, mas logo se recorreu ao comércio de negros africanos. Além de contornar as dificuldades de submeter populações indígenas, que conheciam melhor que seus captores o meio em que viviam e 35 podiam empreender fugas bem-sucedidas, o tráfico negreiro caracterizava-se como mais um lucrativo empreendimento de exploração colonial para os europeus. Para companhias portuguesas, espanholas, inglesas, holandesas, o tráfico negreiro consistia no aprisionamento de homens negros nas costas africanas para serem vendidos como escravos no Brasil e em outras partes da América. Os navios que os recolhiam traziam da Europa mercadorias manufaturadas (tecidos, bebidas, armas, ferramentas, etc.) que comerciavam em troca dos escravos negros. Após deixarem as Américas, voltavam à Europa carregados dos produtos tropicais explorados nas colônias. Estabelecia-se, assim, o comércio triangular, que tantos lucros deu aos comerciantes europeus entre os séculos XVI e XIX. Nesse sistema escravagista, a questão racial passou a estar vinculada à condição mesma da escravidão, pois todos os indígenas e, em especial, os negros seriam potencialmente cativos apenas em virtude de sua etnia, da cor de sua pele. Estabeleceu-se uma hierarquia na qual certos trabalhos eram destinados aos escravos, principalmente os braçais, como o cultivo da cana-de-açúcar ou os afazeres domésticos nas casas dos ricos senhores. Quanto menos características físicas de índios ou negros os indivíduos tivessem, maiores seriam suas chances de não serem identificados como escravos. Também, quanto mais intelectual - e, portanto, menos braçal - fosse o trabalho que executassem, mais distantes estariam de ser identificados como escravos e mais próximos estariam de ocupar um lugar de maior prestígio na sociedade. Não é por acaso que, em países como o Brasil, o trabalho intelectual é mais valorizado do que o trabalho braçal. O preconceito construído no mundo colonial permanece vivo no cotidiano atual do nosso país, permitindo que muitas desigualdades ocorram em função daquela divisão de trabalho. Texto extraído do livro História Temática – 6ª série do Ensino Fundamental – p.157 A escravidão africana Ao se iniciar a última década do século XVI, estavam bem demarcadas duas grandes áreas africanas fornecedoras de escravos destinados ao Brasil: a costa ocidental, chamada pelos portugueses de Costa da Mina e a costa centro-ocidental, identificada como Congo e Angola, cada uma delas reunindo uma grande diversidade de povos, línguas e tradições. Nesses tempos, o comércio de ouro e escravos da Costa da Mina – que tantas riquezas deram a Portugal no século anterior – estava em declínio. Portugal passou a investir seu esforço em Angola, de onde saía grande parte da escravaria destinada ao Brasil. A fundação da cidade de São Paulo de Loanda, no ano de 1575, foi mais um marco da presença portuguesa nesta costa. Entre os anos de 1575 e 1591, Angola exportou 52.053 “peças de escravos” para o Brasil . Entre os quatro principais núcleos de ocupação na colônia, a recepção dos escravos africanos se dava da seguinte forma: Pernambuco e Bahia receberam a maior parcela, o Rio de Janeiro uma proporção bem menor e São Vicente, a única localizada longe do litoral, tinha farto suprimento de mão-de-obra indígena, não recorrendo ainda ao escravo africano, a não ser em baixíssima escala. Por volta de 1600, é possível que a população escrava negra girasse em torno de 15.000 pessoas, representando cerca de 15% da população total da colônia. Segundo estimativas da época, os brancos seriam 30 mil e os mestiços e índios integrados, muitos dos quais escravizados, 55 mil (estes números são aproximativos e é preciso ter em mente que tais dados não são unânimes e podem vir a ser retificados no futuro, a partir de novas pesquisas e estimativas históricas). 36 A escravidão moderna Se a escravidão africana tomou um novo impulso com o empreendimento colonizador das Américas, ela não era exatamente uma novidade na história européia; ela foi uma realidade do mundo ocidental desde a Antiguidade até o final do século XIX. Assim como outras formas de trabalho compulsório, a escravidão pode ser entendida, como mostra o historiador Moses I. Finley, como uma relação social marcada pela sujeição de um ou mais indivíduos a um determinado grupo social que usufrui dos benefícios de seu trabalho. Esta sujeição tende a se dar de forma completa, isto é, implicando em direitos, mais ou menos formalizados, do grupo dominante sobre a própria pessoa escravizada. O modo como esta sujeição aconteceu variou de uma sociedade para a outra, naquelas que se utilizaram em largas proporções do trabalho escravo, ou mesmo em diferentes segmentos de uma mesma sociedade. Segundo Finley, uma condição básica para o surgimento do trabalho escravo na Antiguidade foi o fato de que algumas famílias dispunham de vastas extensões de terra, superiores à sua capacidade de dispor de mão-de-obra. Para não abrir mão da terra, essas famílias passaram a recorrer a trabalhadores de fora do grupo familiar. A escravidão em larga escala esteve presente, principalmente, nas sociedades da Grécia antiga e no Império Romano, quando se constituiu na principal forma de organização do trabalho, envolvendo centenas de milhares de indivíduos escravizados, em sua maioria estrangeiros provenientes de regiões da Europa do norte e central, que haviam sido capturados em guerras. Depois de um período em que não chegou a desaparecer, mas tomou claramente dimensões secundárias em relação ao emprego de outras formas de trabalho compulsório nas sociedades ocidentais, a escravidão renasceu com a expansão européia em direção à África, Ásia e Américas, a partir de meados do século XV. Em grandes áreas das colônias americanas modernas, principalmente na América portuguesa, no Caribe e na região sul da América inglesa, ocorreu a formação de sociedades assentadas na grande propriedade territorial voltada para a produção para o mercado europeu. Este fato, somado à inclusão do comércio de escravos africanos entre uma das principais atividades econômicas desenvolvidas por portugueses e outros comerciantes do sul da Europa, fez com que os grandes proprietários buscassem junto à população indígena nativa e à população africana a mão-de-obra necessária à implementação de seus empreendimentos. O antropólogo francês Claude Meillassoux se dedicou à compreensão da moderna escravidão africana, mostrando ser o tráfico componente inerente a ela, à medida que o escravo foi sempre buscado fora, não apenas do grupo social que empregava e explorava o seu trabalho, mas da própria sociedade que, no seu conjunto, se beneficiava dele. Para ele, manter o escravo socialmente isolado da sociedade que usufruía do seu trabalho era uma condição indispensável à sobrevivência do sistema. Nesse sentido, o fornecimento regular de novos estoques e impossibilidade, ou a imensa dificuldade do estabelecimento de laços familiares entre segmentos sociais livres e escravos foram condições indispensáveis à escravidão. Quando um ou outro ficaram comprometidos, acabaram por comprometer o sistema como um todo. Para além das questões econômicas, a escravidão dos povos gentios da América e da África esteve também associada ao debate sobre a legitimidade da escravidão no seio da Igreja. Amparada na bula papal Romanus Pontifex (1454), a Coroa de Portugal passou a indiscutível direito de conquista sobre as terras e povos gentios da África. A elevação desses povos à condição de cristãos em potencial trouxe à baila a problemática da conversão e, como contrapartida, a regulamentação do resgate dos povos que resistissem à catequese. Já então a conquista se fazia em duas frentes: a conversão dos gentios aliados e o resgate dos rebelados. Durante as primeiras décadas de ocupação da áfrica, os portugueses se esforçaram, nem sempre com sucesso, em converter os povos gentios. Sua estratégia, a exemplo daquela que empregaram na região do Congo, era conseguir a conversão dos soberanos nativos para, 37 através deles, cristianizar os demais. Ainda no final do século XV, os portugueses começaram a adotar, em Angola, uma política sistemática de apresamento de escravos. Minimizavam-se, em proveito do comércio atlântico e da produção de açúcar nas ilhas atlânticas, os princípios cristãos de resgate e conversão que haviam norteado as primeiras expedições. No Brasil do século XVI, os engenhos de cana-de-açúcar do Recôncavo baiano, constituídos a partir da distribuição de sesmarias e formando um sistema de propriedade da terra baseado na grande propriedade, combinaram o uso de escravos índios e africanos. A dificuldade para manter o indígena nativo no cativeiro, associada à política missionária jesuítica e aos interesses do comércio atlântico em prol do tráfico atlântico, levaram ao crescimento da demanda pela mão-de-obra africana. Foi ao longo do século XVII, especialmente nos engenhos, que o trabalho indígena começou a ser progressivamente substituído pelo trabalho dos escravos africanos. Entretanto, é importante destacar que, no Brasil, até o século XVIII, em diferentes proporções e dependendo da atividade e da região, a escravidão africana conviveu com a escravidão indígena. Conviveram também dois projetos missionários distintos, ambos implementados pelos jesuítas: de um lado, os aldeamentos das missões, que catequizavam os índios e restringiam o acesso dos aldeamentos das missões, que catequizavam os índios e restringiam o acesso dos agricultores ao trabalho compulsório indígena e, de outro, as irmandades e capelas frequentadas pelos escravos africanos convertidos e seus descendentes que ali aprendiam a obediência e a submissão a seus senhores em troca do reino dos céus, ao mesmo tempo em que eram lugares em que seus membros podiam garantir pequenas conquistas e, para alguns, individualmente, até mesmo a liberdade. Como era feito o tráfico internacional As descrições das condições de apresamento e transporte dos escravos provêm de diferentes testemunhos e são movidas por interesses diversos. Contrapostas umas às outras, ajudam a compor o quadro desta "indústria assassina" que une por quatro séculos a África às Américas. Uma das unanimidades das descrições era que todos buscavam escravos jovens e sadios. Aprisionados em guerras ou em excursões de resgate, os futuros escravos formavam longas fileiras, presos uns aos outros pelos libambos (corrente que prende um escravo a outro pelo pescoço). Depois de percorrerem a pé e mal alimentados centenas de milhas, chegavam aos portos de embarque em péssimo estado de saúde. Logo que chegavam eram submetidos a uma vistoria. Quando doentes, eram postos em quarentena para não contaminar os demais. Os sadios eram expostos e vendidos aos compradores das embarcações. Eram negociados em troca de aguardente, fumo e toda sorte de mercadorias: bacias, vasos de barro, ferro para fazer armas, tecidos, alfinetes para fazer anzóis de pesca, sem falar numa grande quantidade de contas de Veneza e caudas de cavalo, usadas como adornos e objetos rituais. Em Ajudá, eram despidos e inspecionados pelos "cirurgiões" da Companhia das Índias, a maior compradora de escravos deste porto. Depois de vendidos, eram marcados com a marca do comprador e quando não embarcados imediatamente eram instalados em barracões onde ficavam à espera das embarcações. As marcas variavam de lugar, mas geralmente eram colocadas no lado interno do pulso, no peito direito ou no lado interno do braço direito. A marcação era feita com ferro quente, tendo-se antes o cuidado de untar o local com sebo. Em Luanda, além da alimentação, era costume fornecer óleo de palma para untarem o corpo, prevenindo doenças de pele. Durante esse tempo, eram mantidos a ferros e fechados nos barracões (um tipo de armazém térreo) ou em pátios seguros, de paredes altas. Aí recebiam uma ração diária à base de feijão e milho, temperados com sal. Os mais bem tratados recebiam um "naco de peixe". Era a chamada "engorda". Na Mina, os holandeses quase não lhes davam alimento algum. Os escravos negociados pela Companhia recebiam o pior tratamento, apenas a pão e água. Enquanto as embarcações portuguesas costumavam transportar em torno de 500 escravos, os 38 holandeses chegavam a encher suas embarcações com 600 ou 700 escravos de uma só vez, fazendo compensar dessa forma as perdas da viagem. Diante de maior ou menor miséria, muitos se sufocavam, comiam terra ou cortavam o pescoço com uma navalha; outros, em desespero, se lançavam nos poços, se atiravam das janelas ou matavam seus condutores. As condições da viagem chegavam a levar alguns ao suicídio: punham o queixo entre os joelhos, tapavam os ouvidos com as mãos e assim permaneciam sem comer ou beber até morrer. Em algumas ocasiões, certamente, aconteciam levantes. Poucos ficaram registrados. Em 1702, estourou uma dessas revoltas num navio holandês ancorado em Ajudá. Era por volta de seis da tarde e os embarcados apoderaram-se de várias armas e lançaram-se sobre a tripulação. A luta prolongou-se por meia hora com dois mortos e vários feridos. No dia seguinte, vários dos rebelados foram enforcados na ponta do mastro, onde permaneceram pendurados para servir de exemplo. Em Luanda, os escravos eram batizados antes do embarque. Sem qualquer doutrinação, recebiam um nome cristão. Uma marca divina - pequena cruz no peito, feita a ferro - vinha se somar às marcas do comércio. Dessa forma, a escrita do tráfico ia ficando inscrita no corpo de cada um. Quando o batismo não era realizado antes do embarque, devia ser administrado ao longo da viagem ou na chegada. As condições necessárias à administração do batismo haviam sido fixadas no século XVI. Desde então, segundo as normas do concílio de Trento, era exigida a doutrinação do neófito antes de proceder-se ao sacramento do batismo. No Brasil, até 1707, o cumprimento das recomendações do Concilio de Trento ficavam a cargo das autoridades dos bispados. Neste ano, são então aprovadas e publicadas as Constituições primeiras do Arcebispado da Bahia que, entre outras determinações, regulamentaram os batismos e seus respectivos assentos. Como essas novas normas não estabelecem nenhuma regra específica para o batismo e a doutrinação dos escravos, o problema passou a ser sua aplicabilidade ou não aos negros traficados, o que produziu intenso debate teológico. A questão do batismo dos escravos, no momento do embarque seguia as regras de resgate dos povos gentios estabelecidas desde o século XV. A problemática assumiu novo perfil quando os portugueses começaram a perder o controle dos portos africanos e com isso a primazia do resgate. A chegada de outras nações européias, especialmente holandeses e ingleses, ambos não-católicos, levou não apenas à perda do controle português sobre os corpos, mas também sobre as almas dos negros traficados. A introdução dessa intermediação rompia com a noção de resgate, pondo a nu o caráter comercial do tráfico. Tais condições fizeram com que os escravos saídos de Luanda embarcassem já batizados, enquanto que os negociados na Costa da Mina, onde eram disputados por várias nações européias, fossem enviados ainda pagãos. Uma vez a embarcação posta ao largo, fosse ela portadora de pagãos ou de cristãos, o sofrimento era ainda maior. Nos porões faltava o próprio ar. A ração de comida não diferia da servida em terra, só que em alto mar se estragava com maior rapidez. A água era pouca, quente e com freqüência podre. Os maus tratos prolongados: sujeira, ratos, piolhos, cegueira e sarna corroíam os corpos. A morte vinha pelo escorbuto, sarampo, bexiga e diarréias que dizimavam em média 10% dos embarcados, quando a perda não era maior. Em poucos dias, os corpos começavam a ser jogados no mar. Ao desembarcarem nas cidades de Salvador e Rio de Janeiro, os sobreviventes eram novamente divididos em lotes e levados para o local, onde eram postos à venda. Além dos desembarques regulares, pode-se listar uma grande variedade de desembarques irregulares em toda a costa. A apreensão de embarcações que atuavam desta forma - algumas delas de nações estrangeiras – mostra a frequência com que tal artifício era usado. Em 1715, foi enviada à Bahia uma sumaca francesa apreendida no litoral do Rio de Janeiro carregada de africanos para venda. Não se sabe ao certo quantos eram. Do total, 102 haviam morrido. Os restantes foram vendidos em praça pública a baixo preço, devido ao estado em que se encontravam... A rede de comerciantes envolvida no tráfico de escravos a partir do século XVIII e também o modo então estabelecido para seu transporte foram aqueles mantidos ao longo dos 39 quatro séculos da escravidão. No século XIX, essa rede fecha o cerco sobre as populações africanas, fazendo crescer os números das estatísticas do tráfico. Em Angola, os tumbeiros continuam indo buscar escravos no interior para vendê-los nos portos do litoral atlântico. A melhor época para apresamento era o período do plantio, das roças, quando os moradores das aldeias estavam reunidos para o trabalho. No Daomé, chegou a constituir-se uma verdadeira dinastia de intermediários do tráfico, os chachás. O cargo de chachá pertencia à família Souza, proveniente do Brasil e residente em Ajudá. No século XVIII, tiveram seu primeiro membro indicado pelo rei do Daomé como responsável pela negociação dos escravos com os comerciantes europeus neste reino. Ainda hoje, mesmo extinto o tráfico, o título de chachá passa de geração a geração. Quanto ao transporte oceânico propriamente, ao longo do século XIX, as condições parecem ter piorado ainda mais. Durante a travessia, nos piores momentos, estima-se que a mortalidade tenha chegado a mais de 50%. Se antes os mortos e doentes eram jogados ao mar, no período do tráfico clandestino até os vivos e sadios podiam ter este destino. Antes de serem abordadas por embarcações encarregadas da vigilância dos mares contra o contrabando, os capitães dos negreiros se desfaziam das provas de seu crime. Mais valia perder uma leva de escravos que pôr em risco sua licença e a própria embarcação, apreendida em caso de comprovação de contrabando. O mar foi sepultura de todos aqueles que por desespero, doença ou esperteza de seus algozes não conseguiram chegar ao outro lado do Atlântico. “Episódios de história afro-brasileira”, escrito por SALLES, Ricardo e SOARES,Mariza;Ed.DP&A,2005. PARA LER, REFLETIR e DISCUTIR TEXTO 1 Homens-mercadorias (...) De fato, houve um tempo no Brasil em que alguns homens eram donos de outros homens, e estes, por isso, eram chamados de escravos. ( ... ) “Na Rua da Misericórdia nº 3, vendem-se bilhetes a $60, de uma rifa unida a Loteria da Misericórdia que consta de uma negra com 2 filhos; cada bilhete tem 20 números.” (O Volantim, Nº 8, 10/9/1822) (...) Quem quiser comprar uma linda negrinha, própria para uma mucama, com 10 anos, pouco mais ou menos, dirija-se a Rua de S. Pedro, na Cidade Nova, defronte de uma venda e padaria, numa casa de quitanda, e falar a Joana Mª da Encarnação” (O Volantim, nº 43,21/10/1822) Esquisito, não é? Gente sendo vendida, alugada, rifada ...Sendo anunciada pelo jornal... Mas era assim no Brasil daquele tempo. (...) O Chico ficou admirado da figura de um negro que tinha uma espécie de colar de ferro no pescoço; desse colar, saía uma corrente que ia até o tornozelo. Seu avô explicou: “Este era um dos castigos que se davam aos escravos que fugiam. Os ferros eram pesados e incômodos e por isso impediam uma nova fuga. Existia ainda uma espécie de focinheira usada no rosto dos escravos que gostavam de beber. Também havia o tronco: dois pedaços de madeira ligados por uma dobradiça de ferro, com buracos em que os escravos eram obrigados a enfiar os pés, ou mesmo a cabeça e as mãos, sempre em posições muito incômodas.” “Havia chicotes especiais para açoitar os escravos. Eles eram amarrados e açoitados no pelourinho, uma espécie de poste que ficava num lugar de destaque para que todo mundo visse. Pior é que, depois da surra, suas feridas eram banhadas em vinagre e pimenta para cicatrizarem mais rápido." (...) As histórias de escravos maltratados até a morte levaram ao aparecimento de lendas como a do Negrinho do Pastoreio (...) Trechos de LUSTOSA, Isabel. História dos Escravos. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1998.p.11-9. 40 Da escravidão à liberdade, breve análise do contexto Este texto é parte integrante da monografia de final de curso da Profª. Angela Navarro F.da Costa O Brasil foi, do continente americano, a região que mais escravos africanos importou entre os séculos XVI e meados do XIX. Foram, segundo estimativas mais recentes, em torno de quatro milhões de homens, mulheres e crianças. Uma contabilidade que não é para ser comemorada, mas, a partir dela é que se pode melhor entender a contribuição africana para a formação histórica e cultural do país. O tráfico transatlântico povoou o Brasil por gente vinda de diversas regiões do continente africano. Esses africanos sabiam que viviam em “terra de branco”, onde as chances de escapar pacificamente da escravidão, embora existissem, eram poucas. Daí a resistência escrava que assumiu diversas formas. A escravidão era uma maneira de se organizar a sociedade onde o escravo deveria sempre atender e repercutir a vontade do seu senhor. A escravidão brasileira não se deu de forma passiva ou cordial. Muitas revoltas ocorreram, desde as mais simples e domésticas, até as revoltas armadas e fugas propriamente ditas. O escravo que assassina o seu dono, o fugitivo que vai para o quilombo e a revolta coletiva (mais comum), são demonstrações de resistência. O escravo que se fingia de doente para não trabalhar, fazia o “corpo mole”(1) , quebrava ferramentas, incendiava lavoura, cometia pequenos furtos (ataque ao galinheiro ou à dispensa) e/ou manipulava psicologicamente o seu senhor para que cumprisse sua vontade, estava de toda a forma demonstrando todo tipo de revolta. Em KARASCH (2000, p.425) verificamos exemplo de resistência escrava: “Em vez disso, os escravos da cidade travavam batalhas de pequena escala contra seus donos ou outras pessoas livres que envolviam ataques pessoais aos senhores ou suas propriedades. Alguns, sem disposição para arriscar um confronto físico com seus senhores, apelavam para interrupções no trabalho, doença fingida, insultos, apatia e formas autodestrutivas de comportamento, como o alcoolismo e o abuso da maconha” Os africanos não pararam de chegar até meados do século XIX, quando o tráfico foi devidamente proibido. Durante a maior parte da longa história da escravidão brasileira, os escravos nascidos no Brasil formavam uma minoria, sendo mudada esta realidade somente a partir de 1850, quando se intensificou o processo de “nacionalização” da população escrava. Os crioulos (2), e , em menor escala, os mestiços, aos poucos passaram a ser maioria em relação aos africanos. O início da formação de um setor negro-mestiço livre no Brasil data de tempos anteriores do séc. XIX. Alforrias de escravos negros e de mestiços existiram desde os primeiros tempos do escravismo, mas é a partir do séc. XVIII que uma grande população livre e de cor começou a emergir, trazendo preocupações às autoridades de várias regiões, que viam aquela população como diminuída e não devidamente integrada à sociedade colonial. Os negros e mestiços livres no séc.XIX se multiplicaram, não como decorrência de alforrias, mas de crescimento natural. Era gente livre tendo filhos livres. A população livre “de cor” constituiu parcelas grandes das camadas urbanas. Analisando o fenômeno da mestiçagem, concluiremos que este foi um fator considerável quanto à formação do povo brasileiro. A miscigenação brasileira se daria principalmente fora da família, no âmbito das uniões consensuais, que predominavam no Brasil de outrora. Ou ainda de relações eventuais e muitas vezes violentas entres senhores e escravos, ou entre brancos de várias classes sociais e negras livres. 41 Gilberto Freyre, em “Casa-Grande e Senzala”, viria enaltecer a mestiçagem racial e cultural, elogiando a contribuição negra à formação da sociedade brasileira e propondo que ideais de igualdade racial fizeram parte das relações sociais do Brasil. “A escassez de mulheres brancas criou zonas de confraternização entre vencedores e vencidos, entre senhores e escravos. Sem deixarem de ser relações – as dos brancos com as mulheres de cor – de “superiores” com “inferiores” e, num maior número de casos, de senhores desabusados e sádicos com escravas passivas, adoçaram-se, entretanto, com a necessidade experimentada por muitos colonos de constituírem famílias dentro dessas circunstâncias e sobre essa base. A miscigenação que largamente se praticou aqui corrigiu a distância social que doutro modo se teria conservado enorme entre a casa-grande e a mata tropical; entre a casa-grande e a senzala” As redes de sociabilidade do negro foram submetidas à uma pressão às vezes intolerável que se intensificou a partir do séc. XIX, quando a elite nacional quis a criação de uma sociedade europeia nos trópicos. Isto representava, para os europocêntricos(3), aniquilar a cultura negra africana da população da sociedade brasileira, através de estratégias políticas e estratégias públicas explícitas de branqueamento demográfico e cultural. Esta seria, de certa forma, a explicação para o esforço em promover a imigração européia, parecendo ser este o caminho, para a necessária substituição do escravo pelo trabalhador livre. Em sua análise acerca do mito da democracia racial, VIOTTI (1999, p.371) descreve a tentativa de adequar as ideias racistas europeias, da segunda metade do séc.XIX, à realidade brasileira. “Confrontando as teorias que realçaram a superioridade da população branca e a inferioridade dos mestiços e negros, a elite brasileira – uma minoria de brancos, alguns dos quais não estavam seguros da “pureza” de seu sangue, cercados por uma maioria de mestiços – não descobriu melhor solução do que colocar suas esperanças no processo de “branqueamento”. O Brasil superaria seus problemas raciais, sua inferioridade, através da miscigenação. A população tornar-se-ia crescentemente branca” Foi sob este clima que ocorreu a abolição no Brasil, num momento em que subsidiando decisões políticas, intelectuais apresentavam ideologias europeias raciais, disfarçadas de ciências. A idéia do negro e do mestiço como indivíduos de raça pequena, inferior, era a máxima dentre a grande maioria da elite letrada. Os mais otimistas, como por exemplo, Oliveira Viana e Silvio Romero, chegaram a discordar dos mestres europeus de que o mestiço fosse um completo degenerado; viam-lhe como uma solução, para que em longo prazo o branqueamento da população, devido ao predomínio dos caracteres genéticos da raça superior pudesse ocorrer. A lei que aboliu a escravatura no Brasil mais é um exemplo paradigmático da relação entre o que está escrito e a aplicação prática, efetiva do que se propõe na lei. Algumas palavras impessoais, porém muito representativas para alguns milhares de negros escravos vindos da África para trabalhar no Brasil, numa instituição que perdurara por mais de três séculos. A abolição intervém numa época em que o sistema escravista mostra indícios muito nítidos de exaustão, “liberta” as classes produtoras do país de um sistema de trabalho ultrapassado. Os escravos comemoraram a concessão da liberdade, tambores e atabaques foram tocados por três dias. Em registro de MATTOSO (2001, p.238/239) “13 de maio de 1888: crioulo ou africano, negro de pele de ébano ou mulato de pele de branco, nem um só escravo deixou de cantar e dançar o anúncio da boa nova [...] Durante três dias e três noites cantou-se, dançou-se, todo mundo se divertiu. Os sons dos atabaques encheram a ilha. No quarto dia, o feitor mandou reunir os ex-escravos. E os despediu. Deviam deixar imediatamente a fazenda. Ali não havia mais lugar para eles.” 42 Tiveram que deixar as fazendas de seus antigos Senhores, fazendas estas onde criaram riquezas no cultivo da terra, na exploração das minas, transformando, fabricando, vendendo seus produtos. A liberdade tão sonhada, transformara-se de certa forma num castigo. Liberdade para continuar pobre, indigente, começando neste instante uma vida de errância e sofrimento. Aos poucos, os ex-escravos vão se dispersando, refugiando-se nas grandes cidades, incorporando-se aos marginais que têm todas as dificuldades de arranjar trabalho. A abolição não ofereceu qualquer garantia de segurança econômica, nem uma assistência especial a esses milhares de escravos libertos. KARASCH (2000, p.471) em seu livro “A vida dos escravos no Rio de Janeiro 18081850” aponta : “A fim de sobreviver, alguns libertos passavam a roubar; com efeito, o número de libertos às voltas com a lei era desproporcional ao total de sua população na cidade. Eles entravam para grupos de capoeira, bandos de ladrões, ou de quilombolas nos refúgios próximos da cidade”. Alguns libertos conseguiram ao longo da sua servidão, juntar algum dinheiro obtido através de serviços prestados na cidade ou de pagamentos efetuados eventualmente por seus senhores, e , com esta reserva, compraram lotes de terra para plantar e morar com suas famílias. Como muitos dominavam a técnica agrícola, cultivavam para o próprio consumo e para a venda, alcançando os mercados da sua região. Em alguns casos, serviam a outros proprietários rurais, realizando dupla jornada de trabalho. A produção de alimentos – destacando-se a importância da farinha de mandioca – ou outros produtos como o mel, lenha, drogas do sertão, gado e outros produtos completavam a economia. Além destas, outras atividades econômicas passaram a fazer parte da vida dos negros, como o trabalho na pesca, nas salinas das cidades litorâneas por volta do séc. XIX, no nordeste brasileiro o cultivo de cacau e do tabaco e mais recentemente a exploração de petróleo do recôncavo baiano. Segundo DARCY RIBEIRO (1995, p. 304): “Dentre outras, se contam diversas especializações produtivas que diversificaram certas parcelas da população e certas zonas, configurando intrusões dentro da área. Tais são, principalmente, os núcleos litorâneos de pescadores - os jangadeiros nordestinos, de salineiros e as sub áreas de cultivo de cacau e do tabaco e as explorações de petróleo do recôncavo baiano. Apesar das diferenças de seus modos de produção essas intrusões representam, pela composição de seus contingentes populacionais; por seu patrimônio de saber, de normas e de valores, meras variantes da cultura crioula” Uma vez que muitas pessoas livres eram mulheres, elas continuavam a trabalhar de criadas para seus antigos donos e manter velhos padrões de dependência. Jovens libertas, que não tinham meios para se sustentar, apelavam para a prostituição ou concubinato para viver. Embora muitas das prostitutas negras fossem libertas, é difícil definir a que altura elas obtinham sua liberdade, se antes ou depois de entrarem na “profissão”. A passagem em KARASCH (2000, p.471) a respeito da prostituição da negra liberta. “Jovens libertas, que não tinham meios de se sustentar, apelavam para a prostituição ou concubinato para viver. Embora muitas das prostitutas negras fossem libertas, é difícil definir a que altura elas obtinham sua liberdade, se antes ou depois de entrarem na profissão”. 43 A sociedade brasileira, mais do que permanecer desigual em termos econômicos, sociais e fundamentalmente raciais, a partir de 1888, reproduz e aumenta a tais desigualdades, marcando homens e mulheres. A questão não foi somente a falta de políticas públicas, após a Abolição. Houve mesmo políticas públicas no período republicano reforçando a intolerância contra a população negra: concentração fundiária nas áreas rurais/marginalização e repressão nas áreas urbanas. Os negros sobreviveram e se multiplicaram. Ainda com mais força, multiplicaram-se os mestiços, sem que alcançassem o branqueamento dos brasileiros previsto pelos defensores do arianismo. Mas um ambiente desfavorável aos negros dificultou enormemente a sua integração no Brasil republicano. O racismo se manifestava no trabalho, nas ruas, nas instituições políticas e no imaginário das pessoas. Em São Paulo, porém, estabeleceu-se uma imprensa, uma rede de organizações sociais, um movimento político voltado para defender os direitos civis e políticos da população afro-brasileira, como os jornais A Voz da Raça, O Clarim da Alvorada, clubes sociais negros e a Frente Negra Brasileira. Esta última espalhou-se por todo o país, embora com mais força em São Paulo, tornando-se o único partido político do Brasil caracteristicamente étnico. Funcionou entre 1931 e 1937, tendo sido fechado pelo Estado Novo, juntamente com outras agremiações. Seus representantes apoiaram o “projeto nacionalista” de Vargas, acreditando na valorização do trabalhador nacional. O objetivo dessa organização era a inserção do negro na sociedade brasileira, mesmo que para isso fosse necessário renegar o seu passado africano. Em artigo intitulado “A presença negra: apontamentos para um balanço”, REIS (2004) trabalha com a idéia acima citada: “A estratégia daquela organização era a integração do negro na sociedade brasileira e para isso seus dirigentes procuraram renegar tradições que lembravam mais diretamente o passado africano da população que desejava representar, particularmente, a religião e os folguedos afro-brasileiros. Tratava-se, por assim dizer, de um projeto de integração no mundo dos brancos”. Não podemos relegar índios e negros a tão somente a história da escravidão, que via de regra analisa mais a estrutura econômica do que o indivíduo. Temos que incluí-lo na História Social do Trabalho, reivindicarmos o conhecimento da nossa história significativa e a inclusão da reflexão sobre a exclusão. Notas: (1) Termo utilizado para expressar movimento de lentidão para realizar atividades. (2) Nomenclatura usada por João José dos Reis diferenciando os negros dos mestiços, sem nenhum tom pejorativo. (3) Daquele que coloca a vida e o pensamento europeu como modelo, supervalorizando-o. 44 DOCUMENTO 1 Sítios de SP mantém mão-de-obra ilegal Blitz do Ministério do Trabalho flagraram crianças na colheita de laranja, aliciamento de trabalhadores de outros estados, condições subumanas de alojamento e indícios de condições de trabalho semelhantes à escravidão no interior de São Paulo. Quatro crianças com idade entre 10 e 13 anos trazidas da Bahia foram encontradas trabalhando no sítio Taquaral, no município de Olímpia (450 km a noroeste de São Paulo). Havia ainda outros dez jovens com idade entre 14 e 17 anos trabalhando sem registro em carteira. O dono do sítio Taquaral, Oscar Pelegrini, disse que contratou uma cooperativa para fazer a colheita, mas ignorava a utilização de menores de idade. Ele será autuado por usar de mão-de-obra infantil, de acordo com o chefe da fiscalização, José Sandoval. Os pais poderão ser processados por maus-tratos e abandono intelectual, segundo a procurador Dimas Moreira, que acompanhou a operação. (...) Aliciamento Acompanhados de três agentes da Polícia Federal, os fiscais do Ministério do Trabalho encontraram ontem 51 trabalhadores que teriam sido aliciados no Paraná para trabalhar na colheita de laranja no sítio São José. Eles passaram a noite amontoados em um casarão. Ontem, Álvaro Anselmo ganhou R$ 5,60 pelo dia de trabalho no sítio São José, mas já havia gastado R$ 5 com refeição. O dono do sítio, Bianor Trinca, estava pescando, segundo uma pessoa que se apresentou como seu filho, mas não disse o nome. O cerco do Ministério do Trabalho na região começou há dez dias. Já foram localizados cerca de 300 trabalhadores em condições irregulares, alguns presos ao trabalho por dívidas com alimentação. (...) FOLHA DE S.PAULO, 73 set. 7997. p. 7 -77. Edição eletrônica, 1994-- 1997. DOCUMENTO 2 O "gato" Adão Franco fala para um trabalhador em uma fazenda do Pará: "Você nunca vai embora daqui sem pagar o que deve: tenho ordens de te matar se você não voltar para o trabalho”. Comissão Pastoral da Terra. Terra, água e paz. Maio de 1992. In: SUTTON, Alison. Trabalho escravo: um elo na cadeia da modernização no Brasil de hoje. São Paulo: Loyola, 1994.p.22 45 DOCUMENTO 3 Presos na floresta Fugir é difícil. Os trabalhadores, por serem de outras regiões, por terem, em geral, chegado embriagados e, à noite, não conhecem o caminho de volta, as fazendas são imensas, a mata fechada e há animais ferozes. Escapar pela estrada é impossível, porque os pistoleiros têm carro e as alcançariam facilmente. Depoimento do padre Ricardo Rezende ao receber o Prêmio Anti-Slavery em 1992. In: SUTTON, Alison. Trabalho escravo: um elo na cadeia da modernização no Brasil de hoje. São Paulo: Loyola, 7994. p.52. DOCUMENTO 4 Procedimentos da Inspeção do Trabalho na Área Rural Instrução Normativa Intersecretarial número 1 de 24 março 1994. Do trabalho forçado Constitui-se forte indício de trabalho forçado a situação em que o trabalhador é reduzido à condição análoga à de escravo, por meio de fraude, dívida, retenção de salários, retenção de documentos, ameaças ou violências que impliquem o cerceamento da liberdade dele e/ou de seus familiares em deixar o local onde presta seus serviços, ou mesmo quando o empregador se negar a fornecer transporte para que ele se retire do local para onde foi levado, não havendo outros meios de sair em condições seguras, devido às dificuldades de ordem econômica ou física da região. Da fraude Por definição legal, fraude é o instrumento pelo qual o empregador, por si ou por outrem a seu mando, falseia ou oculta a verdade com a intenção de prejudicar ou de enganar o trabalhador. Do aliciamento de mão-de-obra Considera-se forte indício de aliciamento de mão-de-obra o fato de alguém, por si ou em nome de outro, recrutar trabalhadores para prestar serviços em outras localidades do território nacional (...) sem uma contratação regular. SUTTON, Alison. Trabalho escravo: um elo na cadeia da modernização no Brasil de hoje. São Paulo: Loyola, 7994. p. 769. 46 Lendo sobre o tema Carvoeiros trabalham por arroz e farinha A corrente que prende homens e crianças de até 10 anos nas carvoarias do norte e noroeste de Minas e a dívida contraída em armazéns. Essa dívida decorre da compra de arroz e farinha, que mal repõem as energias necessárias para começar mais um dia de trabalho e que nunca dura menos de 18 horas. A carvoaria queima a madeira e consome esses homens e crianças. Alguns nunca viram dinheiro. Meninos, como Luiz Carlos da Silva, 10 anos, que trabalha nas terras da empresa Agrosete, nunca foram à escola. Os “gatos” (empreiteiros contratados para recrutar mão de obra de forma ilegal) utilizam o mecanismo do endividamento para manter presos os trabalhadores nas áreas de cerrado e reflorestamento. Isolados das cidades, os carvoeiros são obrigados a comprar arroz e farinha nos armazéns dos próprios "gatos". No fim do mês, os trabalhadores recebem a conta: o arroz e a farinha valem muito mais do que 18 horas por dia de trabalho. Os carvoeiros ficam impossibilitados de abandonar as carvoarias ate saldar as dívidas (... ) A história se repete em várias outras carvoarias do estado. Durante quatro dias, um repórter dividiu com Valdivino, sua mulher, Jane Ferreira, 26, com os filhos, Janaína, 5, Valdivilson e Josiane, de 11 meses, uma casa de 24 metros quadrados. A casa, construída com eucalipto e bambu e coberta com sapê, fica na fazenda do Onça, distante 30 quilômetros do centro de Buritizeiro pelo rio São Francisco. Enquanto retirava o carvão do forno, Valdivino contou que foi recrutado pelo "gato" Duti Matheus, em Mirabela (MG), há cerca de seis meses. "Viemos na carroceria de um caminhão. Todo mundo apertado. A viagem foi feita à noite por causa dos fiscais do trabalho”, conta. O "gato" se comprometeu a dar a Valdivino 6% da venda do carvão. Valdivino, até hoje, não sabe qual é o preço do metro cúbico do carvão e nem quanto ele e sua família produziram. "O gato diz apenas que é pouco e que não dá nem para pagar a dívida do armazém. Se não pagar a dívida, não dá para sair", diz. A exemplo da maioria dos carvoeiros Valdivino e sua família se alimentam à base de arroz e farinha: ''A gente pede pra o gato trazer uma verdura e pôr na conta e ele nunca traz". Trabalhando quatro dias com a família de Valdivino,o repórter da Agência Folha apurou que ela produz cerca de dois fornos por dia, equivalentes a cinco metro cúbicos (40 sacos de estopa) por dia. O carvão é vendido por R$ 22,00, o metro cúbico (oito sacas de estopa). Trabalhando 30 dias por mês, Valdivino deveria receber cerca de R$ 423,00 (equivalente a 6% de R$ 6.600, que é a produção total). Desde que chegou à fazenda do Onça, no entanto, Valdivino nunca viu a cor de dinheiro. Ao contrário da maioria das demais carvoarias, Valdivino queima madeira do cerrado em vez de eucalipto. A madeira é transformada em carvão principal matéria-prima que fornece energia às indústrias siderúrgicas. Nas áreas de reflorestamento, as propriedades são fechadas até com cadeados, como é o caso da fazenda da empresa Interlagos, na BR-040, em Três Marias. Os carvoeiros só saem do local com autorização. "Para a gente sair daqui, tem que pedir permissão para o vigia que tem a chave do cadeado", disse o carvoeiro José Augusto Pereira. RIBEIRO Jr., Amaury. In:Folha de SãoPaulo, 31jul. 1994 47 AS REVOLTAS A Conjuração dos Alfaiates ou Conjuração Baiana “Episódios de história afro-brasileira”, escrito por SALLES, Ricardo e SOARES, Mariza, Ed. DP&A, 2005. Em 1798, as autoridades desbarataram outra articulação com vistas a realizar a independência de uma região da colônia. Desta feita, em Salvador. Desde o ano anterior, a cidade vinha sendo palco de motins devidos à carestia e à deterioração das condições de vida da população pobre, em sua maioria negra ou mestiça. Por outro lado, as idéias estrangeiras, agora denominadas francesas por conta dos acontecimentos da Revolução Francesa, eram difundidas entre a elite letrada e econômica e mesmo entre o povo pobre. Deste setor, na verdade soldados, artesãos, alfaiates e mesmo escravos, provinham as principais lideranças do movimento, que pregava a independência, a república, a igualdade de todos homens independente de sua condição social e de sua cor. Estas ideias eram divulgadas através de panfletos afixados nas paredes da cidade. Atentas ao que se desenrolava, as autoridades prenderam o soldado Luís Gonzaga das Virgens. Este fato precipitou os acontecimentos. Os demais participantes da "inconfidência" marcaram urna reunião em local mais distante da cidade para que pudessem passar à ação. Já alertadas, as autoridades se anteciparam, impedindo a reunião e realizando novas prisões. Desta vez, as punições aos envolvidos foram muito mais rigorosas, denotando que havia um conteúdo social e racial no movimento, somando-se a seus aspectos políticos. Além de diversas condenações, quatro implicados, todos mestiços, foram condenados à morte e executados: os soldados Luiz Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas do Amorim Torres e os alfaiates João de Deus do Nascimento e Manoel Faustino dos Santos Lira, este último forro, tendo nascido escravo. Também alguns membros da elite letrada, envolvidos na conspiração, sofreram punições mais brandas como o médico Cipriano Barata que, mais tarde, viria a desempenhar um importante papel no processo de independência brasileira. O Outro 13 de Maio – A Revolta de Carrancas Texto escrito por Marcos Ferreira de Andrade, Prof. UEMGe do Centro Universitário de Belo Horizonte (UNI/BH) e doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), retirado da “Revista de História”, Ano I / Nº 2, agosto de 2005. A tarde de 13 de maio de 1833, os escravos da fazenda Campo Alegre, propriedade do deputado Gabriel Francisco Junqueira, se rebelaram e mataram seu filho, que se encontrava na roça supervisionando o trabalho dos cativos. Sem condições de oferecer reação, o filho do deputado foi surpreendido pelos escravos Ventura Mina, Julião e Domingos, retirado à força de cima de seu cavalo e assassinado com golpes de porrete na cabeça. Alguns dos escravos que trabalhavam na roça naquele momento se uniram ao grupo de rebeldes, liderados por Ventura Mina, e seguiram em direção à fazenda Campo Alegre. O grupo agora era bem maior e só não atacou a sede da fazenda porque um escravo, de nome Francisco, havia saído às pressas naquela direção, avisando aos outros familiares do deputado o que sucedera. Os escravos chegaram até o terreiro da fazenda e perceberam que ela era guarnecida por dois capitães-do-mato. Então decidiram partir para a fazenda Bela Cruz, onde assassinaram oito integrantes da família do irmão do deputado José Francisco Junqueira, incluindo três crianças e duas pessoas “de cor”. A partir daquele momento, o grupo de insurgentes se dividiu em dois: um permaneceu na fazenda Bela Cruz e preparou uma 48 emboscada para assassinar o genro de José Francisco, o que ocorreu assim que este cruzou a porteira. O outro grupo, liderado por Ventura, seguiu para a fazenda Bom Jardim, onde encontrou grande resistência por parte do proprietário, João Candido da Costa Junqueira. Este já havia sido informado dos acontecimentos nas fazendas de Campo Alegre e Bela Cruz e rapidamente armou parte dos seus escravos, que provavelmente eram de sua confiança, reunindo-os em uma sala, onde ficaram à espera dos insurgentes. Quando apareceram, os escravos rebelados foram mortos no confronto. As informações sobre os combates entre as forças repressoras e os escravos rebeldes são escassas e não merecem muita atenção nos relatos feitos pelas autoridades da época. Mas há informações sobre cativos que se embrenharam nas matas da região e foram capturados alguns dias depois. Assim terminou uma das rebeliões mais dramáticas da história da escravidão no Brasil, ocorrida no distrito de Carrancas, pertencente à vila de São João Del Rei, comarca do Rio das Mortes, nas terras da família Junqueira, atualmente localizadas no município Cruzília (MG). Trata-se da maior rebelião escrava da província de Minas Gerais, que aconteceu em uma época particularmente tensa da história do Império do Brasil, o período regencial. Decisivo na história da formação do Estado brasileiro e do processo de consolidação da Monarquia, o período regencial - compreendido entre a abdicação de D. Pedro I (1831) e a maioridade de D. Pedro II (julho de 1840)- foi agitado, marcado por violentos protestos coletivos, como sedições militares, motins, revoltas escravas, revoltas provinciais e regionais. Também foi um tempo marcado por mudanças na ordem jurídica, política e administrativa, resultado das disputas travadas entre diversos grupos e facções políticas. Os escravos da família Junqueira se apropriaram, a seu modo, do contexto de disputas entre as principais facções políticas da época. Fazendo uso até mesmo os apelidos que alguns membros da elite utilizavam para desqualificar ou enquadrar seus oponentes. O depoimento de Maria Joaquina do Espírito Santo, agregada e moradora na fazenda Bom Jardim, é revelador nesse aspecto. O grupo de escravos, liderados por Ventura, que se dirigiu para aquela fazenda, na noite do dia 13, passou pela casa da testemunha. Depois de ameaçá-la, exigiu que lhes entregasse as espingardas que havia na casa. Um dos escravos que fazia parte do grupo, o preto Antônio Benguela, "pulava no seu terreiro e batia nos peitos dizendo para ela e seu companheiro: 'vocês não costumam falar nos caramurus, nós somos os caramurus, vamos arrasar tudo...'". O que mais chama a atenção na Revolta de Carrancas foi a organização e a articulação dos escravos de diversas fazendas, além da violência na execução das mortes e o número de escravos condenados à pena máxima. A revolta contou com a participação de cativos de origens diversas: crioulos, minas, angolas, benguelas, congos, cassanges e moçambiques. Dos 31 escravos indiciados no processo, havia nove (29%) crioulos -cativos nascidos no Brasil-, dezessete (54,8%) oriundos da África Central e dois minas (nome dado aos escravos africanos que chegaram ao Brasil provenientes da Costa da Mina, na África Ocidental). Constata-se a presença significativa de escravos de origem banto (designação aplicada aos escravos falantes de línguas banto, oriundos da costa atlântica da África Centro0cidental), considerados pela historiografia como mais acomodados e menos afeitos a revoltas, diferentemente dos minas e nagôs (designação dada aos escravos africanos que chegaram à Bahia nas primeiras décadas do século XIX, falantes de iorubá, procedentes da região de Oyo, no norte da atual Nigéria). A diversidade étnica e cultural dos escravos poderia resultar em conflitos e disputas entre eles, o que, até certo ponto, os senhores tentavam manipular. Por outro lado, essas diferenças poderiam ser superadas, especialmente em casos de rebeliões, quando , estavam em questão a luta contra um inimigo comum e a busca da liberdade. Nesse caso, a Revolta de Carrancas representa um caso exemplar. 49 Revoltas provinciais e populares “Episódios de história afro-brasileira”, escrito por SALLES, Ricardo e SOARES, Mariza, Ed. DP&A,2005 As primeiras destas revoltas ocorreram na própria Corte, onde a tropa e populares organizaram diversos motins, todos reprimidos, entre 1832 e 1835. Apesar das reformas que diminuíram as atribuições do poder central, as revoltas nas províncias não cessaram. No mesmo período em que a Corte era sacudida por estes distúrbios urbanos, mais uma vez em Pernambuco, ocorreu a Guerra dos Cabanos. Reunindo pequenos proprietários rurais - os poucos grandes proprietários que haviam aderido no início do movimento logo o abandonaram ao perceber seu caráter social -, trabalhadores do campo, alguns escravos e índios, os Cabanos queriam a volta do imperador, defendiam os princípios religiosos e opunham-se aos "jacobinos" (referência aos radicais da Revolução Francesa) que dominavam a política provincial desde a abdicação de Dom Pedro I. Mesmo com o apoio de comerciantes portugueses do Recife, que aproveitavam o descontentamento popular para fazer valer seus interesses, foram derrotados por autoridades provinciais com o suporte dos grandes proprietários de terras e de escravos. . Em 1835, foi a vez do Pará com a revolta da Cabanagem, que duraria até 1840. Aproveitando-se de uma disputa no interior da pequena elite branca, concentrada em Belém, e que resultou na proclamação da independência da província, uma multidão de trabalhadores rurais, escravos e índios revoltou-se. Os rebeldes organizaram-se militarmente e chegaram a tomar a capital. Apesar de muitos escravos terem participado do levante, a escravidão não foi abolida e uma insurreição de escravos foi reprimida. A rebelião foi duramente combatida e, após muita luta, derrotada. Calcula-se que 30.000 pessoas, 20% da população da província, tenham perecido. Em 1837, ocorreu a Sabinada, uma revolta popular e urbana. O cenário agora era Salvador. Suas principais bandeiras eram a república e o federalismo. Seu nome derivava de seu líder, o médico e jornalista Sabino Barroso. A Sabinada contou com a presença expressiva de negros e mestiços livres e também de alguns escravos. Sua posição quanto à escravidão denota o quanto eram profundas as divisões entre africanos, como vimos, em sua grande maioria escravos, e os negros e mestiços brasileiros, majoritariamente livres. Seriam libertados somente os escravos nacionais que houvessem pegado em armas, em contraposição aos estrangeiros, isto é, africanos. O movimento não conseguiu expandir-se para o Recôncavo, onde os grandes proprietários rurais organizaram a reação armada. A cidade foi invadida e os sabinos rapidamente derrotados num sangrento combate pelas ruas de Salvador que resultou em cerca de 1.800 mortos. A Balaiada No Maranhão, em 1838, ocorreu a Balaiada. O nome da revolta provinha da ocupação de um de seus líderes, Francisco dos Anjos Ferreira, apelidado de o Balaio por conta do ofício de fazer e vender balaios. O outro líder da revolta era o cafuzo Raimundo Gomes. Os dois encabeçaram um movimento popular envolvendo pequenos produtores de algodão e criadores de gado que, aproveitando-se das disputas entre os setores dominantes locais, divididos entre as facções dos cabanos e dos bem-te-vis, se espalhou pelo sul do Maranhão e partes do Piauí. Em 1839, os rebeldes tomaram Caxias, a segunda maior cidade da província. O ideário dos rebeldes não era muito claro. Defendiam a religião católica e o imperador, mas não é difícil de supor que as duras condições de vida estivessem na raiz de sua insatisfação, principalmente devido à condição social de suas lideranças. Esta suposição se torna ainda mais factível quando sabemos que um contingente significativo de cerca de 3.000 escravos fugidos havia se juntado à revolta sob a liderança de um deles, de nome Cosme, que se intitulava Tutor e Imperador das Liberdades Bem-te-vis, alcunhado de Preto Cosme. 50 Em 1840, sem que o movimento desse sinais de ceder, o governo central enviou tropas para a região para debelar a revolta. Após a derrota dos rebeldes, uma anistia foi dada em troca, entre outras concessões, da recondução dos antigos escravos que haviam participado na rebelião ao cativeiro. Preto Cosme seguiu na luta e, tendo sido capturado, foi enforcado em 1842. Não houve anistia ou indulto para os escravos rebeldes. A sorte de Cosme, no contexto da anistia aos outros rebeldes balaios, é expressiva da estratégia do governo central de colocar uma cunha entre os movimentos sociais de escravos e de setores livres, buscando atrair estes últimos para a esfera da ordem e reprimir duramente os primeiros. No comando das tropas imperiais contra os balaios, e na implementação desta estratégia, estava Luís Alves de Lima e Silva, militar de carreira, que já tinha se notabilizado na repressão dos levantes urbanos na Corte. Por sua vitória, foi-lhe concedido o título de barão de Caxias. Como veremos, ele viria a ser o principal paladino da ordem no Império, colocando-se à frente das mais importantes vitórias das tropas do governo central contra as rebeliões provinciais. Mais tarde, já com o título de marquês, viria a comandar o exército brasileiro durante o período mais duro da guerra do Paraguai, onde obteve significativas vitórias e tomou a capital inimiga, Assunção. Por tudo isso, se tornaria o único nobre brasileiro agraciado com o título de duque. Rebeliões africanas na Bahia e o Levante dos Malês Entre 1820 e 1840, a população negra e mestiça de Salvador participou ativamente dos episódios políticos e militares relacionados à Independência e às lutas que se seguiram, opondo brasileiros e portugueses e partidários do Império e defensores de uma organização política que garantisse maior liberdade para as províncias da nova nação que se formava. Neste clima, contudo, ocorreu urna série de rebeliões escravas, protagonizadas por africanos cativos e libertos. Na verdade, as revoltas escravas, em Salvador e no Recôncavo, antecederam as agitações políticas envolvendo a população livre da região. Em 1807, um complô de escravos no interior foi denunciado e desbaratado. Os rebeldes planejavam tomar a cidade de Salvador, depois de cercá-la e cortar seu abastecimento. Igrejas e símbolos católicos seriam destruídos e queimados. Os brancos seriam mortos e os negros e mestiços crioulos escravizados. Em seguida, os rebeldes buscariam unirse a outros escravos africanos em Pernambuco e formar um reino independente no interior. Em 1809, a cidade de Nazaré das Farinhas, no Recôncavo, foi atacada sem sucesso por habitantes de um quilombo que se formara nas proximidades. Em 1814, escravos e libertos atacaram marinas de pescadores. No mesmo ano, os escravos realizaram outro ataque na vila de Iguape. No início de 1816, após realizarem algumas cerimônias religiosas, escravos pilharam as vilas de Santo Amaro e São Francisco do Conde, queimando plantações, atacando casas e matando alguns brancos e mesmo escravos que se recusaram a aderir ao movimento. Merecem destaque ainda as revoltas de escravos que ocorreram durante a Guerra da Independência na Bahia, entre 1822 e 1823, como já visto. Entre 1827 e 1831, foram registrados outros movimentos e rebeliões de menor porte. Nestas revoltas, é de se ressaltar a grande presença de muçulmanos, escravos e libertos. Com efeito, na primeira metade do século XIX, foi intensa a vinda de escravos africanos de religião muçulmana principalmente para a Bahia. Estes escravos eram majoritariamente haussás e nagôs, mas também bornus, nupes e fulanis e provinham da região do Golfo do Benin, tendo sido capturados nos conflitos que marcaram a desagregação do f Império Oyo e a Jihad, guerra santa muçulmana, na área da atual Nigéria. No Brasil, os escravos muçulmanos eram conhecidos como malês. Sua grande concentração na Bahia 51 favoreceu o planejamento e a execução de um grande levante de africanos escravos e libertos em 1835. O grande Levante dos Malês foi uma tentativa, organizada por africanos, em grande parte ou pelo menos em sua liderança, muçulmanos, de tomar a cidade de Salvador. Além de escravos, libertos também participaram do movimento. Diferentemente dos episódios anteriores, esta conspiração era, no fundamental, urbana, envolvendo escravos domésticos, ganhadores e trabalhadores e pequenos comerciantes libertos. O plano previa uma insurreição, a ser realizada no dia da festa do Bonfim, que surpreenderia as autoridades e a população livre envolvidas na comemoração. Depois da tomada de pontos estratégicos, militares e políticos, os rebeldes dirigir-se-iam para o Recôncavo para libertar e aliciar novos companheiros e eliminar qualquer possibilidade de reação. Entretanto, uma denúncia feita pela companheira de um dos conspiradores permitiu que as autoridades se antecipassem e iniciassem a repressão ao movimento. Depois de breve, mas intensa luta nas ruas da cidade, travada entre cerca de 600 revoltosos e tropas do governo e milícias civis, o movimento foi debelado. Apesar de a maioria dos participantes do levante ser formada por muçulmanos, houve também a adesão de escravos; e libertos de outras religiões. Diferentemente da rebelião de 1807, não estavam planejados atos de ataque e destruição a templos católicos. O que pretendiam os rebeldes, uma vez eliminada a resistência, os documentos não nos permitem aquilatar com clareza. Uma coisa é certa: não se tratou de mais uma rebelião ou explosão de revolta, mas de uma conspiração cuidadosamente arquitetada que visava à tomada do poder. A dureza da repressão e o temor que levantes semelhantes viessem a se repetir atestam este fato. Os rebeldes foram julgados e quatro deles executados. Alguns foram condenados às galés perpétuas. Centenas de libertos, muitos sem envolvimento com a conspiração ou participação comprovada no levante armado, foram deportados para a África, dando vazão ao clima de terror antiafricano que se seguiu aos acontecimentos. Os escravos, em sua maioria, tiveram que cumprir pesadas penas de açoite, levadas a cabo em vezes sucessivas e em diferentes locais públicos. Muitos foram dispersados, sendo vendidos para outras províncias. A repercussão destas revoltas, principalmente do levante de 1835, foi grande. Desde a independência do Haiti, obtida a partir de uma rebelião de escravos africanos, havia o temor duradouro que sua concentração pudesse vir a ter resultados semelhantes em outras regiões da América. Mas o Levante dos Malês calou fundo na alma da sociedade escravista porque contrariava frontalmente uma de suas crenças mais estabelecidas. Desde muito tempo, o escravo que não sabia português, isto é, praticamente todo o africano recém chegado era conhecido como boçal O significado genérico da palavra era o de pessoa inculta, rude, não educada. Esta associação entre boçalidade e africanidade era um dos pilares na justificativa moral da escravidão brasileira e na afirmação de uma pretensa superioridade do homem branco. Ora, o levante dos muçulmanos na Bahia havia sido conduzido por sacerdotes. Pessoas que tinham sobre seus seguidores uma ascendência moral profunda e que transcendia claramente o universo da escravidão. Na verdade, para além da grande quantidade de africanos muçulmanos de origem, estava em curso um processo social de conversão ao Islã no seio da população de origem africana. Por sua vez, a sofisticação do levante era demonstrada por seus planos detalhados e, principalmente, pela apreensão de material escrito, em árabe, com os revoltosos. Este último fato causou forte impacto numa sociedade com altas taxas de analfabetismo entre a população livre. Colocava em questão a associação entre boçalidade e escravidão africana a que acima nos referimos. Contudo, o Levante dos Malês, magistralmente estudado pelo historiador João José Reis, seria o último da série das rebeliões escravas ou negras da Bahia. Além do castigo 52 exemplar aos revoltosos, da onda de terror, com perseguições, espancamentos, assassinatos e deportações que se abateu sobre os africanos livres; da intensificação da vigilância senhorial e do poder público sobre escravos e libertos, outros fatores concorreram para que não se sucedessem novas rebeliões semelhantes. Em primeiro lugar, diminuiria o número de africanos muçulmanos com experiência guerreira que, uma vez capturados por seus inimigos, seria traficado para o Brasil, em especial para a Bahia. Com efeito, a partir de meados da década de 1830, a generalização dos conflitos militares que assolavam a África ocidental passam a atingir cada vez mais regiões em que a população era menos organizada do ponto de vista militar e a presença muçulmana menor. Em segundo lugar, os conflitos internos que dividiam a população livre na Bahia, assim como no restante do Império, diminuíram ou mesmo cessaram de vez, o que possibilitou melhor controle sobre a população escrava e liberta africana. Este último fato, aliás, teve no temor de um grande levante africano - a repetição do Haiti no Brasil- uma de suas motivações. Revolta da Chibata – O Almirante Negro História do Negro Brasileiro / Clóvis Moura- São Paulo: Ed. Ática S.A.,1992 Uma das instituições na qual o comportamento escravista dos seus superiores mais se evidenciava era a marinha de Guerra do Brasil. O uso do açoite como medida disciplinar continuou sendo aplicado nos marinheiros, como no tempo em que existia o pelourinho. Todos os marinheiros, na sua esmagadora maioria negros, continuavam a ser açoitados às vistas dos companheiros, por determinação da oficialidade branca. Os demais marujos eram obrigados a assistir à cena infamante no convéns das belonaves. Com isto, criaram-se condições de revolta no seio da marujada. Os seus membros não aceitavam mais passivamente esse tipo de castigo. Chefiados por Francisco Dias, João Cândido e outros tripulantes do Minas Gerais, navio capitânia da esquadra, organizaram-se contra a situação humilhante de que eram vítimas. Nos outros navios a marujada também se organizava: o cabo Gregório conspirava no São Paulo, e no Deodoro havia o cabo André Avelino. Dia 22 de novembro de 1910. Final praticamente de mais um ano do início do governo do marechal Hermes da Fonseca. A informação chega até o presidente: a esquadra se sublevara. O movimento que vinha sendo articulado pelos marinheiros foi antecipado em face da indignação dos marujos contra o espancamento de mais um companheiro. O marinheiro negro Marcelino recebeu 250 chibatadas aos olhos de toda a tripulação, formada no convés do Minas Gerais. Desmaiou, mas os açoites continuaram. Os marinheiros, tendo João Cândido como líder, resolveram sublevar-se imediatamente. Num golpe rápido, apoderaram-se dos principais navios da Marinha de Guerra brasileira e se aproximaram do Rio de Janeiro. Em seguida, mandaram mensagem ao presidente da República e ao ministro da Marinha exigindo a extinção do uso da chibata. O governo ficou estarrecido. Supôs tratar-se de um golpe político das forças inimigas. O pânico apoderou-se de grande parte da população da cidade. Muitas pessoas fugiram. Somente em um dia correram 12 composições especiais para Petrópolis, levando 3 000 pessoas. Todos os navios amotinados hastearam bandeiras vermelhas. Alguns navios fiéis ao governo ainda tentaram duelar com os revoltosos, mas foram logo silenciados. Com isto os marujos criaram um impasse institucional. De um lado, a Marinha, que queria a punição dos amotinados, em consequência da morte de alguns oficiais da armada; Do outro lado, o governo e os políticos, que sabiam não ter forças para satisfazer essa exigência. Mesmo porque os marinheiros estavam militarmente muito mais fortes do que a Marinha de Guerra, 53 pois comandavam, praticamente, a armada e tinham os canhões das belonaves apontados para a capital da República. Depois de muitas reuniões políticas, nas quais entrou, entre outros, Rui Barbosa, que condenou os “abusos com os quais, na gloriosa época do abolicionismo, levantamos a indignação dos nossos compatriotas”, foi aprovado um projeto de anistia para os amotinados. Com isto, os marinheiros desceram as bandeiras vermelhas dos mastros dos seus navios. A revolta havia durado cinco dias e terminava vitoriosa. Desaparecia, assim, o uso da chibata como norma de punição disciplinar na Marinha de Guerra do Brasil. As forças militares, não-conformadas com a solução política encontrada para a crise, apertam o cerco contra os marinheiros. João Cândido, sentindo o perigo, ainda tenta reunir o Comitê Geral da revolução, inutilmente. Procuram Rui Barbosa e Severino Vieira, que defenderam a anistia em favor deles, mas sequer são recebidos por esses dois políticos. Unemse, agora, civis e militares para desafrontar os “brios da Marinha de Guerra” por eles atingidos. Finalmente vem um decreto pelo qual qualquer marinheiro podia ser sumariamente demitido. A anistia fora uma farsa para desarmá-los. São acusados de conspiradores, espalham boatos de que haveria uma outra sublevação. Finalmente, afirmam que a guarnição da ilha das Cobras havia se sublevado. Pretexto para que a repressão se desencadeasse violentamente sobre os marinheiros negros. O presidente Hermes da Fonseca necessitava de um pretexto para decretar o estado de sítio, a fim de sufocar os movimentos democráticos que se organizavam. As oligarquias regionais tinham interesse em um governo forte. Os poucos sublevados daquela ilha propõem rendição incondicional, o que não é aceito. Segue-se uma verdadeira chacina. A ilha é bombardeada até ser arrasada. Estava restaurada a honra da Marinha. João Cândido e os seus companheiros de revolta são presos incomunicáveis, e o governo e a Marinha resolvem exterminar fisicamente os marinheiros. Embarca-os no navio Satélite rumo ao Amazonas. Os 66 marujos que se encontravam em uma masmorra do Quartel do Exército e mais 31, que se encontravam no Quartel do 1º Regimento de Infantaria, são embarcados junto com assassinos, ladrões e marginais para serem descarregados nas selvas amazônicas. Os marinheiros, porém, tinham destino diferente dos demais embarcados. Ao lado dos muitos nomes da lista entregue ao comandante do navio, havia uma cruz vermelha, feita à tinta, o que significava a sua sentença de morte. Esses marinheiros foram sendo parceladamente assassinados: fuzilados sumariamente e jogados ao mar. João Cândido, que não embarca no Satélite, juntamente com alguns companheiros foram recolhidos a uma masmorra da ilha das Cobras, onde viviam como animais. Dos 18 recolhidos ali, 16 morreram. Uns fuzilados sem julgamento, outros em consequência das péssimas condições em que viviam enclausurados. João Cândido enlouqueceu, sendo internado no Hospital dos Alienados. Tuberculoso e na miséria, consegue, contudo, restabelecer-se física e psicologicamente. Perseguido constantemente, morre como vendedor no Entreposto de Peixes da cidade do Rio de Janeiro, sem patente, sem aposentadoria e até sem nome, este herói que um dia foi chamado, com mérito, de Almirante Negro. ALFORRIAS “Episódios de história afro-brasileira”, escrito por SALLES, Ricardo e SOARES, Mariza, Ed. DP&A, 2005. Retomar a liberdade foi um objetivo perseguido pela maioria dos africanos e seus descendentes escravizados no Brasil ao longo de três séculos e meio de experiência de cativeiro. Uma alternativa comum e legal para atingir este objetivo era a compra da liberdade 54 a alforria - para si ou para algum parente: os homens para suas mulheres e as mulheres para seus filhos e netos. Geralmente, esta compra se inseria numa estratégia de grupo que visava garantir a liberdade dos descendentes, tornando livres, preferencialmente as mulheres, para que concebessem filhos livres. O recurso para a alforria era obtido com a formação de um pecúlio, eventualmente combinado a empréstimos conseguidos junto a irmandades ou organizações civis. Escravos mais raramente podiam ser libertados por iniciativa de seus senhores. Isto podia ocorrer por diversas razões, algumas vezes sem qualquer negociação, outras mediante pagamentos em parcelas ou em trabalho. Era comum o senhor conceder a liberdade em testamento para ser cumprido por seus herdeiros após sua morte, desejo nem sempre respeitado. Nas propriedades rurais, muitas vezes, os alforriados e suas famílias permaneciam nas terras de seus senhores, dando origem a comunidades rurais negras que se perpetuaram no tempo. Esta é a origem de muitas comunidades denominadas "remanescentes de quilombos" que estão em vias de conquistar a propriedade efetiva e legal das terras ocupadas por seus ancestrais em decorrência das condições a que estiveram submetidos no tempo da escravidão. O fenômeno das alforrias sempre existiu, mas se incrementou exponencialmente na região das Minas Gerais. Alguns cálculos apontam que, se entre 1735 e 1749 os alforriados representavam menos de 1,4% da população afrodescendente, em 1786 este percentual teria saltado para 41,4%, e estes africanos e seus descendentes comporiam 34% da população total da capitania. A sociedade colonial, em meados do século XVIII, atingira um grau de complexidade que abria oportunidades de mobilidade para todos, inclusive para os escravos. A economia diversificara-se e atingira maior integração entre as regiões. Se não suplantava, ao menos equiparava-se à Metrópole. Mesmo com a decadência das minas, outras atividades econômicas haviam se desenvolvido: o charque, o arroz, o linho, o anil, a cochonilha, o fumo e o algodão. Em termos demográficos, também grandes mudanças haviam ocorrido. A população do Brasil, no final do século, já era maior que a de Portugal. Acontecera um processo de urbanização nunca antes experimentado. Na região das minas e nas cidades, havia uma maior densidade populacional, marcada pela existência de grupos sociais intermediários entre senhores e escravos e, consequentemente, possibilitando uma maior circulação de vivências, culturas e ideias. Em termos artísticos e culturais, esta sociedade propiciou as condições para o surgimento de um estilo próprio, o barroco brasileiro, também chamado "colonial" e, especificamente, o barroco mineiro, que são reconhecidos como uma configuração cultural particular no universo da civilização ocidental. O intercâmbio de mercadorias, gentes, idéias com a Metrópole, e, indiretamente, com a Europa das Luzes do século XVIII era, por sua vez, mais constante e frequente. Escravos aproveitavam-se desta situação para ampliar seu espaço na sociedade colonial e buscar a liberdade. Como vimos, auxiliados por irmandades, por parentes que já gozavam de liberdade ou mesmo por conta própria, demandavam a compra de suas alforrias a seus senhores. Apesar de não haver uma lei que obrigasse um senhor a libertar seu escravo quando este, ou alguém agindo em seu nome, se oferecesse para comprar sua carta de alforria, tal prática vinha se tornando mais comum. Muitas vezes, quando os senhores mostravam-se renitentes ou queriam estabelecer um alto preço para a alforria, os escravos apelavam, através de procuradores, para as autoridades coloniais para que estas interferissem em seu favor. As apelações dirigiam-se aos governadores, ao vice-rei e mesmo diretamente à Coroa. É preciso lembrar que desde 1761 havia sido proibido o tráfico de escravos para Portugal e que muitos governantes e funcionários sofriam influência das idéias das Luzes que se difundiam por toda a Europa. Ainda que sem suporte legal, frequentemente as autoridades pressionavam os senhores a conceder a alforria. Quando o que estava em discussão era o preço da alforria, indicavam um árbitro para examinar a questão. O fato é que, através de fugas, alforrias, casamentos e uniões com brancos, a população afro-descendente livre crescia e trabalhava nos setores desprezados por aqueles que almejavam alguma fidalguia: dedicavam-se ao pequeno comércio, ao artesanato e a outras 55 atividades econômicas urbanas; eram os artistas que esculpiam os santos de madeira e pedra sabão e que pintavam as cenas sacras dos tetos das igrejas e capelas barrocas; viviam da agricultura, plantando para subsistência e também para o pequeno e médio comércio, fornecendo principalmente gêneros alimentícios; estavam na criação de gado; ocupavam posições de controle, postos militares, vigilância e repressão típicas da sociedade escravistas (feitores, capitães-do-mato, tropeiros); desbravavam as fronteiras; lutavam contra índios e quilombolas; fundavam vilas e arraiais. Alguns poucos até tornavam-se ricos e ascendiam a posições sociais e econômicas importantes: donos de minas e fazendas, grandes comerciantes e proprietários de escravos, como Chica da Silva e João Francisco Muzzi. NEGRAS CIDADES “Episódios de história afro-brasileira”, escrito por SALLES, Ricardo e SOARES, Mariza, Ed. DP&A, 2005. A presença de negros e mestiços livres e mesmo de escravos na Sabinada apenas confirma a importância de sua participação nas agitações sociais e políticas das primeiras décadas da nova nação que se forjava. Diferentemente do que supôs uma tradição historiográfica atuante até dias recentes e que teve sua origem no Império, esta participação não esteve relegada ao segundo plano de uma História protagonizada pelos setores dominantes da sociedade. E não poderia ter sido diferente. Quanto mais não fosse, apenas por seu peso numérico e por sua presença cultural e social em todas as regiões do país e em diferentes áreas e estratos sociais. Contudo, a presença negra e mestiça, africana e crioula era ainda mais marcante nos centros urbanos, onde os acontecimentos políticos repercutiam com maior intensidade. Estes, neste momento, experimentavam um acelerado processo de crescimento, particularmente, no que diz respeito à população cativa. De fato, se em 1821 a população da cidade do Rio de Janeiro saltara para pouco mais de 79.000 habitantes, contra os 43.000 de 1799, a proporção de escravos experimentou um crescimento ainda maior, passando de 35% para 46% do total no mesmo período (isto sem levar em conta as freguesias Suburbanas, onde eram a maioria). Em 1849, às vésperas da abolição efetiva do tráfico internacional, os escravos eram 48% de uma população de quase 206.000 habitantes (continuavam maioria nas freguesias suburbanas, representando 56% do total). Destes, um número significativo, talvez até a maioria, era constituído de africanos que eram trazidos pelo tráfico internacional ilegal em quantidades nunca antes experimentadas. Abolido o tráfico internacional, a escravidão urbana, finalmente, tendeu a declinar com a venda de cativos para as fazendas. Mesmo assim, em 1872, os escravos ainda representavam 18% da população global da cidade Rio de Janeiro. Padrão semelhante era encontrado em Salvador, onde a camada de negros e mestiços representava uma proporção ainda maior. Estima-se que, em 1807, eles fossem 80% dos cerca de 51.000 habitantes da cidade. Em 1835, eram 72,2% de uma população estimada de 65.500 almas. Os africanos eram 22.000, representando 33,6% do total. A grande maioria deles, 17.325 pessoas, isto é, 25,5% da população total (percentual praticamente equivalente ao da população branca, de 28,2%), eram de escravos. Estes, em seu conjunto, compunham 48,9% de toda a população da cidade. Entre os negros e mestiços livres, isoladamente o grupo majoritário da população, 29, 8% dos moradores de Salvador, quase 93% eram nascidos no Brasil e pouco mais de 7% eram africanos. Principalmente nestas cidades portuárias, realizava-se o intenso tráfico de escravos africanos, que as conectava com Angola, a Costa da Guiné e Moçambique, principais fontes de cativos. Por sua vez, através deste comércio ilegal, Rio e Salvador entretinham relações 56 com Cuba, destino de muitos dos africanos contrabandeados para o Novo Mundo, New York, importante centro de comércio internacional com conexões com o tráfico africano, e outros centros do comércio atlântico. Assim, em suas ruas, transitava uma população composta de artesãos, prestadores de serviços, pequenos empregados do comércio, pessoas sem ocupação definida, em sua maioria afrodescentendes, cativos e livres; um contingente flutuante de escravos africanos a caminho de outros destinos, no país ou no exterior; marinheiros de diferentes nacionalidades, muitos deles africanos livres e alguns poucos escravos; viajantes de diversas procedências; escravos fugidos, definitiva ou temporariamente etc. Este fato tornava estas cidades fervilhantes de pessoas, de notícias de todos os cantos do mundo e de idéias. Um tal ambiente era propício, principalmente se conjugado com outros fatores, à ebulição social e política. QUILOMBOS NO BRASIL E A SINGULARIDADE DE PALMARES Maria de Lourdes Siqueira* O objetivo deste texto e oferecer aos profissionais da Educação formal e não-formal subsídios a respeito da contribuição dos Quilombos articulados a outros diferentes núcleos de resistência ao colonialismo, a escravidão, a dominação ocidental-européia e, ao mesmo tempo, apontar para o significado dessa memória de nossos antepassados e sua continuidade afro-brasileira, na sociedade contemporânea. Essas organizações são hoje, denominadas Comunidades Remanescentes de Quilombos. Os Quilombos representam uma das maiores expressões de luta organizada no Brasil, em resistência ao sistema colonial-escravista, atuando sobre questões estruturais, em diferentes momentos histórico-culturais do país, sob a inspiração, liderança e orientação político-ideológica de africanos escravizados e de seus descendentes de africanos nascidos no Brasil. O processo de colonização e escravidão no Brasil durou mais de 300 anos. O Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão, através de uma lei que atirou os exescravizados numa sociedade na qual estes não tinham condições mínimas de sobrevivência. Quilombo é um movimento amplo e permanente que se caracteriza pelas seguintes dimensões: vivência de povos africanos que se recusavam a submissão, a exploração, a violência do sistema colonial e do escravismo; formas associativas que se criavam em florestas de difícil acesso, com defesa e organização sócioeconômico política própria; sustentação da continuidade africana através de genuínos grupos de resistência política e cultural. (NASCIMENTO, 1980, p.32) . Desde o princípio da colonização no século XVI, os africanos escravizados se engajaram num combate firme contra a condição de escravizados em núcleos de resistência diversos. Os quilombos, entre os quais destaca-se a República de Palmares, a Revolta dos Alfaiates, Balaiada, Revolta dos Malês, entre tantos outros núcleos que continuam no pósabolição em oposição às consequências da escravidão, continuam numa luta por uma liberdade que sempre lhes foi negada (NASCIMENTO, 1980). Os Quilombos continuam sendo sociedades livres, igualitárias, justas/soberanas em busca de felicidade. Eram sociedades político-militares, que nasceram de movimentos de insurreições, levantes, revoltas armadas, proclamando a queda do sistema escravocrata. Frequentemente, aqueles movimentos tomavam a forma de quilombos a semelhança de Palmares. Os quilombos existiram em múltiplos pontos do país em decorrência das lutas ocorridas em diferentes lugares onde houvesse negação de liberdade, dominação, desrespeito a direitos, acrescidas de preconceitos, desigualdades e racismo. A dimensão dos quilombos variava de acordo com a proporção de habitantes, tamanho das terras ocupadas, e estrutura da produção agrícola organizada nos lugares onde se eram estruturados. 57 Os quilombos eram sociedades avançadas, do ponto de vista da organização, dos princípios, de valores, de práticas de socialização, de regime de propriedade. A ARTICULAÇÃO DOS QUILOMBOS COM OUTROS NÚCLEOS DE RESISTÊNCIA NEGRA Nessa perspectiva de articulação entre a luta dos quilombos e a densidade da resistência negra em outras iniciativas, na dinâmica do combate a escravidão, Nascimento (1980) nos relembra que a memória dos afro-brasileiros não se inicia com O tráfico de africanos escravizados, nem nos primórdios da escravização dos, africanos no século XV. Ao contrário, os africanos trouxeram consigo saberes a respeito das mais diversas áreas do conhecimento: culturas, religiões, línguas, artes, ciências, tecnologias. Africanos de diferentes grupos étnicos mesclam-se nos quilombos, como forma de resistir a uma determinação política anterior de separá-los de tudo o que significasse expressão identitária de um povo: línguas, famílias, costumes, religiões, tradições. Tudo isso é retomado em todos os momentos da resistência quilombola, na reinvenção de políticas e estratégias de luta pela liberdade, sempre com postura crítica, face ao colonizador, ao escravocrata, ao imperialista. Esses núcleos de resistência tem continuidade e interagem com os quilombos através de suas quilombolas tradições, valores, costumes, mitologias, rituais, formas organizativas, organização familiar, experiência de socialização, o que alguns autores denominam de comunalismo africano. Os quilombos viviam nas florestas, nas matas, nas montanhas e, ao mesmo tempo, em contato com a sociedade envolvente que as rodeava, as vigiava, controlava e perseguia. E a partir desses indicadores que o conceito de Quilombo transcende, ganha proporções de uma orientação para a educação, para formação de pessoas, para fortalecer a crença na riqueza das diferenças étnicas e culturais que constituem a sociedade brasileira entre indígenas originários da terra, africanos e colonizadores europeus. Nesses contatos construíam-se novos processos dentro da própria guerra, com as suas contradições inerentes aos conflitos de grupos, de interesses, de ideologias, nascidos no interior da própria estrutura. DIFERENTES DENOMINAÇÕES DE QUILOMBOS Quilombo - Kilombo vem de Mbundu, origem africana, provavelmente significado de uma sociedade iniciativa de jovens africanos guerreiras Mbundu - dos Imbangala. Onde houve escravidão, houve resistência. E de vários tipos. Mesmo sob ameaça de chicote, o escravo negociava espaços de autonomia, fazia corpo mole no trabalho, quebrava ferramentas, incendiava plantações, agredia senhores e feitores, rebeleva-se individual e coletivamente. Houve um tipo de resistência que poderíamos considerar a mais típica da escravidão [ ... ] trata-se das fugas e formação de grupos de escravos fugidos [ ... ] essa fuga aconteceu nas Américas e tinha nomes diferentes: na América espanhola: Palenques, Cumbes; na inglesa, Maroons; na francesa, grand Marronage e petit Marronage [ ... ]; no Brasil, Quilombos e Mocambos e seus membros: Quilombolas, Calhambolas ou Mocambeiros. (REIS, 1996, pAl). Hoje, no Brasil, estudos realizados por diferentes profissionais educadores, sociólogos, antropólogos, historiadores e juristas buscam determinados critérios para denominar a luta quilombola: comunidades negras rurais, terras de pretos, remanescentes de comunidades de quilombos, hoje Comunidades Remanescentes de Quilombos compre58 endendo: descendentes dos primeiros habitantes da terra; trabalhadores rurais que ali mantém sua residência habitual ou permaneçam emocionalmente vinculados (LINHARES, 2002). Os debates em torno destas designações ganham sentido, sobretudo, para efeito de medidas legais, jurídicas ou definição de direitos sociais, econômicos, políticos para os quilombolas e seus descendentes. Por exemplo, direito à legalização da terra, à moradia, à educação, à saúde, ao lazer (LINHARES, 2002). A EXISTÊNCIA DE QUILOMBOS NO BRASIL NO ESTADO DO AMAZONAS Os quilombos mais representativos da Região do Amazonas são os da Bacia do Rio Trombetas e do Baixo Rio Amazonas. Durante a século XIX, o quilombo Rio Trombetas esteve situado nas proximidades das Cidades de Santarém e Óbidos. Outros quilombos da Região são Inferno e Cipotena, nas cabeceiras do Rio Curuá. Os quilombos do Baixo Amazonas são relevantes, não só do ponto de vista político, mas também do econômico e social, pelo nível de desenvolvimento que alcançaram, ao realizar intercâmbios, a que lhes conferiu uma consideração especial entre as quilombos da Amazônia e em relação aos do Nordeste. O Quilombo de Trombetas chegou a reunir mais de dois mil quilombolas nas proximidades da região de Óbidos. ESTADO DA BAHIA No período de 1807 a 1809, diferentes grupos de africanos escravizados organizaram uma sociedade secreta denominada Og Bani, com a objetivo de lutar contra a escravidão. No decurso de vários embates, entre avanços e repressões, no ano de 1826, muitos adeptos deste combate organizam-se para criar o Quilombo do Urubu, situado nas proximidades de Salvador, que teve como principal líder uma mulher chamada Zeferina. Outros quilombos de igual significação na Bahia foram: o Quilombo Buraco do Tatu, em Itapuã. Os chefes desses quilombos eram Antônio de Sousa, um capitão de guerra, e Teodoro, com suas companheiras, que tinham a título de rainhas. O Quilombo Buraco do Tatu durou 20 anos, até que a comunidade foi exterminada pelo autoritarismo colonial. A Bahia conta hoje com Quilombos Contemporâneos na categoria denominada Comunidades Remanescentes de Quilombos, incluindo as quilombos urbanos engajados na luta pelo direito à terra e condições dignas de sobrevivência com auto-estima e cidadania. Uma das Comunidades Remanescentes é a de Rio das Rãs em Rio de Contas (ILE AIYE,2000). ESTADO DE GOIÁS – O QUILOMBO KALUNGA São histórias daqueles primeiros tempos, contadas pelo pai de seu avô, e antes dele, pelo avô de seu bisavô. Dizem que ali naquelas serras havia uma mina chamada Boa Vista. Ali os escravos trabalhavam de sol a sol, o trabalho era difícil e a vida era dura. Fugir, mas ir para onde? [... ] Para o lugar mais distante onde ninguém pudesse alcançar. E isso era o que faltava nas terras de Goiás. Assim nasceu o fenômeno que hoje existe na região da Chapada dos Veadeiros, onde vive o povo Kalunga. (BRASIL, 2001, p.15). O Quilombo dos Kalunga começa com a aliança entre os indígenas que já viviam no lugar há centenas de anos, de diversas nações: Acroá, Capepuxi, Xavante, Kaiapó, Karaja entre outros. Tratavam-se por tapivas ou compadres. No quilombo também chegavam brancos 59 pobres. As terras eram dos próprios negros que acabavam sendo donos delas de várias maneiras. Assim iam se formando as terras de pretos. O povo Kalunga foi se estendendo pelas terras. Eles ocuparam um grande território que abrange três municípios do Estado de Goiás: Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás (BRASIL, 2001). Kalunga quer dizer Camundongo ou pessoa i1ustre, importante. Para os povos chamados Congo ou Angola, Kalunga era uma palavra ligada às suas crenças religiosas. A partir de outra inferência, Kalunga poderia ser o ato de incorporar aqueles que passam a uma outra dimensão da vida – a força dos seus antepassados. A vida do povo Kalunga incorpora no seu cotidiano a consciência da liberdade e o respeito sagrado pela continuidade da vida. ESTADO DO MARANHÃO No Maranhão, os escravizados Negro Cosme e Manuel Balaio enfrentaram o exército do Duque de Caxias, na Cidade de Caxias, a principal cidade da província - era a guerra da Balaiada, cujos núcleos de resistência tinham os mesmos objetivos dos quilombos. A revolta dos pretos de Viana - Os quilombos, por sua vez, espalhavam-se pelas matas: grupos mais ou menos numerosos percorriam armados as estradas. Muitos pretos retornaram aos quilombos já existentes e outros formaram novas povoações (ARAUJO, 1994). Durante o jogo travado na fazenda Santa Bárbara, entre os insurretos e a força legal, foram aprisionados alguns quilombolas: Benedito, Vicente, Martiniano, Severino e Feliciano Costa Mato [...] A população de São Benedito variava entre 600 e 700 pessoas aproximadamente [...] e provável que a formação do Quilombo tenha se iniciado na década de 50 do século. XIX. (ARAÚJO, 1994, p.23). Outros Quilombos do Maranhão ▪Mocambo Frechal - Mirinzal. ▪Turiaçu e Maracassumé. ▪ Pericumã. ▪Itapecuru. ▪Laranjal em São Bento. Não obstante tratarem-se de dados que carecem de investigações adicionais, há referências a 92 povoados e concernem a práticas religiosas, festas de santo, danças, bumba-meu-boi e tambor-de-crioula. No seu conjunto, abarcam expressões ritualísticas, não necessariamente religiosas, que concorrem para reforçar a identidade e a coesão social nos povoados das chamadas Terras de Preto. Os colonizadores europeus começam, a partir da "chegada" dos povos africanos ao Brasil, uma ostensiva e explícita tentativa de aniquilamento das identidades culturais daqueles diferentes grupos étnicos. Haussás, Minas, Nagôs, Cabindas, Benquelas, Cassanges, Macuas, Fulas, são reduzidos culturalmente à condição de "NEGROS", seres inferiores que tem a obrigação de aprender a língua, a cultura e a religião de seus dominantes. (CENTRO DE CULTURA NEGRA DO MARANHÃO, 2002). 60 ESTADO DE MINAS GERAIS Há uma tradição significativa de experiências de Quilombo no Estado de Minas Gerais. Dentre os mais importantes destacam-se o Quilombo dos Garimpeiros, o do Ambrósio, o do Sapucaí, o do Paraibuna; o de Inficionado; o de Jabuticatubas; o de Misericórdia e o de Campo Grande. Fala-se da existência de 160 quilombos na área de Minas Gerais. O mais importante é o de Campo Grande, com uma população de 20 mil quilombolas apresentando uma organização parecida com a de Palmares. Em Minas Gerais, existiu um celeiro de quilombos. No fim do século XVII, no momento em que o Quilombo de Palmares estava sendo destruído, descobriram-se em Minas Gerais as jazidas de aura e diamante. Desde então, até o fim do século XVII, a região das Minas constituiu-se a base geográfica e econômica do escravismo colonial brasileiro. (SIQUEIRA; CARDOSO, 1995, pA5). ESTADO DE SÃO PAULO O Quilombo Jabaquara, situado na região montanhosa de Santos, que se tornou a fortaleza onde se concentrava elevado número de escravizados que abandonaram em massa as plantações de café no interior da província paulista (NASCIMENTO, 1980). ESTADO DO RIO DE JANEIRO No interior da província fluminense, havia certo latifúndio chamado Fazenda Freguesia, na qual os escravizados se levantaram em armas. Em seguida, invadiram outras propriedades rurais e fugiram imediatamente para o seio das florestas. Seu líder, o escravo Manuel Congo, foi aclamado Rei. ESTADO DE PERNAMBUCO No final da década de 1820, um quilombo preocupa as autoridades, na vizinhança de Recife - o Quilombo de Catucá, liderado por Malunguinho, situado nas matas de Catucá, nas áreas que, hoje, estão entre os Bairros de Dois Irmãos e Beberibe, no Município de Goiana, já nas fronteiras da Paraíba (BENJAMIN, 2004). RIO GRANDE DO SUL No Rio Grande do Sul, os quilombos mais reconhecidos são: • Serra Geral • Serra dos Tapes • Camizão A REPÚBLICA DE PALMARES A história da República de Palmares mostra-se especialmente peculiar. Não se conhece, por exemplo, nenhuma fonte produzida pelos próprios palmarinos. (FREITAS, 2004). 61 Palmares nasceu com o perfil africano e com gentes brasis: Índios, negros, brancos e mestiços. A riqueza da obra está mais no projeto social que ela nos oferece e menos na capacidade bélica e militar de Palmares e seus líderes, Ganga-Zumba e Zumbi. Em Alagoas, terra onde os organizadores e lideranças palmarinas, Aqualtune, Ganga-Zumba, Zumbi e outros fixaram a Capital Cacus, atual Serra da Barriga, desde os anos oitenta se presta homenagem a Zumbi e celebram as conquistas de todos os quilombolas que foram assassinados pelo comandante do exército português Bernardo Vieira de Melo e Domingos Jorge Velho [... J, tendo na figura de Zumbi dos Palmares a personalidade mais emblemática da história do negro. Para Zumbi o ideal de liberdade e a capacidade de organização eram os princípios fundamentais para uma convivência com respeito as diferenças. (ARAUJO, 2004). SITUAÇÃO FÍSICA E GEOGRÁFICA DE PALMARES, ESPAÇO, ESTRUTURA O Quilombo de Palmares: estende-se pela parte superior do Rio São Francisco uma corda de mata brava, que vem a fazer termo sobre o sertão do Cabo de Santo Agostinho correndo quase norte a sul, do mesmo modo que corre a costa do mar. Foram as árvores, principais palmeiras agrestes, que deram ao terreno o nome de Palmares. Estas palmeiras são tão fecundas para todos os usos da vida humana, que delas se faz vinho, azeite, sal, roupas; as folhas servem para cobrir casa; os ramos, para os esteios da cobertura da casa; os frutos servem de sustento; além de todos os gêneros de ligaduras e amarras. Palmares é entrecortada por outras matas de diversas árvores. Na área Noroeste está o Mucambo de Zumbi a dezesseis léguas de Porto Calvo; ao Norte, a cinco léguas de distância, o de Aquatirene, a mãe do Rei; ao Leste, os mocambos chamados das Tobocas; quatorze léguas ao noroeste o de Dambrabanga; ao norte deste, oito léguas, a cerca chamada Subupiraé; e ao norte desta, seis léguas, a cerca real chamada o macaco. O Rei era Ganga-Zumba que quer dizer Senhor Grande - Rei e Senhor de todos os que são de Palmares, e dos que chegam. O Rei habita O Palácio com sua família e é assistido por guardas e oficiais que também tem suas casas reais. A cidade real, O Macaco, e a metrópole entre outras cidades e povoações, toda fortificada, cercada de pau a pique, com mais de mil e quinhentas casas habitadas. Entre os habitantes há Ministros da Justiça que cuidavam da República. A cidade tinha sua capela, com imagens de Menino Jesus, Nossa Senhora da Conceição e São Brás, realizavam-se casamentos, batizados, porém sem a forma determinada pela Igreja. Logo, Palmares era a cidade principal, dominada pelo Rei, e as outras cidades ficavam a cargo de potentados e casos. A segunda cidade chamava-se Subupira, onde vivia o irmão do Rei, o Lona, onde corre o rio Cachingi. Algumas das razões por que as Entradas ao Quilombo de Palmares não conseguiam facilmente destruí-lo eram os caminhos, a falta d'água, o desconforto dos soldados, elevadas serras, matas espessas, muitos espinhos, muitos precipícios; tudo concorria para que os soldados, que levavam às costas a arma, pólvora, balas, capote, farinha, água, peixe, carne e rede para dormir, enfrentavam dificuldades, além dos rigores do frio entre as montanhas. Isso tornava quase impossível o acesso ao local do quilombo. O grande objetivo do poder oficial era que se destruíssem os Palmares, pois assim teriam terras para a sua cultura, negros para o seu serviço e honra para a sua estimação. Dentre as levas de ataques a Palmares registram-se o de Acaiene (Acotirene), a mãe do Rei, o desmantelamento de uma comunidade onde prenderam de uma só vez cinquenta e seis negros juntos, a maioria mulheres. Desse encontro levaram prisioneiro o Sangamuisa, Mestre de Campo da gente de Angola, e genro do Rei. Notório também foi o Mucambo de Amaro, a nove léguas de Serinhaem, com mais de mil casas, onde foi descoberto que se encontrava o Rei. Aí travaram grande cerco para fechar a saída do sítio. O Rei conseguiu 62 escapar "tão arrojadamente, que largou uma pistola dourada e a espada que usava "estes negros que se aglomeravam com o Amaro uma parte se salvou, mataram grande número e feriram outros tantos. Cativaram mais o Anaguba com dois filhos do Rei, um chamado Zumbi, e uma filha chamada Tavianena. Pereceu também o Tuculo, filho do Rei, grande corsário, o Pacasã e o Daubi, poderosos senhores da luta quilombola". Esses eventos abalaram Palmares. Consta, em documentos dos arquivos analisados por Freitas (2004), que a região Palmarina tinha maior circunferência que todo o reino de Portugal. GANGA-ZUMBA O significado da importância de Ganga-Zumba está relacionado à necessidade de compreensão da sociedade que se empenhava em destruir Palmares, principalmente os conflitos que determinaram as contradições essenciais entre escravizados e senhores de escravos. São múltiplas as interpretações da capitulação de Ganga-Zumba. No período de 1670 a 1687 Palmares foi governada por Ganga-Zumba, que vivia na fortaleza Quilombola do Macaco, fundada em 1642. Ganga-Zumba em 1678 tinha firmado um tratado de paz com as autoridades coloniais, após um período de lutas entre conflitos, avanços, recuos, exercícios de destreza militar. Após várias expedições para destruição de Palmares, o Governo de Pernambuco propõe um acordo que Ganga-Zumba assina em Recife. O acordo não foi cumprido, o que foi considerado um equívoco político gravíssimo pelo qual Palmares pagou com a destruição do Quilombo oficial em CACAU e das estruturas da luta. Zumbi foi aclamado Rei e conduziu com firmeza a luta mais emblemática dos Quilombos da América (PRICE, 1996). ZUMBI DOS PALMARES Zumbi, o general das armas, cujo nome significa DEUS DAS ARMAS, negro de singular valor, grande ânimo, constância admirável e inimigo capital da dominação dos brancos. A documentação assim se refere a Zumbi: este é o mentor de todos, o mais destemido, o estorvo de nossos bons sucessos, porque a sua "indústria", "viço" e constância, a nós nos serve de embaraço e aos seus de incitamento, diz a literatura colonial (FREITAS, 2004). E conhecido o fato de que Zumbi rebelou-se contra o pacto celebrado entre Ganga-Zumba e o Estado colonial. Em decorrência, Zumbi assumiu o poder em Palmares e intensificou a luta contra os proprietários, as autoridades, o sistema colonial e a escravidão. O Rei de Portugal escreveu uma carta ao Comandante, capitão Zumbi dos Palmares, sobre a intensidade do combate e da convicção de Zumbi à frente da luta, com o apoio dos Quilombolas, seus companheiros. Dada a recusa de Zumbi, em aceitar negociações de paz entre Palmares e o Estado colonial, depois de reorganizar o seu povo no Quilombo Real, o exército colonial, sob o comando do bandeirante Domingos Jorge Velho, circunda as áreas centrais do Quilombo de Palmares. Na noite de 6 de fevereiro de 1694, os canhões de Domingos Jorge Velho atingiram a cerca Real de Macaco, destruindo o último reduto de Palmares. Zumbi, aos 39 anos de idade, combatente há 25, conseguiu escapar com vida, mas foi finalmente capturado, lutando sem hesitação. Este fato ocorreu no dia 20 de novembro de 1695. O corpo de Zumbi foi levado para a Cidade de Porto Calvo. Hoje, no Brasil, o dia 20 de novembro é o dia Nacional da Consciência Negra em homenagem à figura emblemática do herói nacional, Zumbi dos Palmares, e sua herança político-civilizatória, pela construção de uma nova sociedade, onde as diferenças tenham suas liberdades respeitadas e sua dignidade reconhecida (SIQUEIRA; CARDOSO, 63 1995). A ORGANIZACÃO SOCIAL E POLÍTICA DE PALMARES A organização social e política de Palmares refletia os princípios, valores, costumes, tradições e religiões de um Estado africano, com estrutura, organização, hierarquia e socialização. 1) O coletivismo econômico dos palmarinos - tudo é de todos, nada é de ninguém-, tudo que plantam e colhem é depositado em mãos do Conselho. 2) A existência de instituições políticas. 3) O Conselho de Justiça - recebe as queixas familiares e da Republicas que são analisadas "sem recurso". 4) A prática religiosa: nos quilombos havia capela, imagens, celebravam-se casamentos e batizados, mas eram guardadas as culturas e expressões religiosas africanas e/ou indígenas próprias. 5) A organização familiar - há existência do direito ao sistema matrilinear. Os homens habitam juntos à casa da mesma esposa, onde tudo é compartilhado. 6) A divisão e uso da terra. Todos têm direito ao uso das terras e os frutos do que plantam e colhem é depositado nas mãos do Conselho de Maiorais, inclusive o que fabricam em suas tendas. O Conselho reparte com cada um, segundo as necessidades de sua sobrevivência. O núcleo familiar era a unidade básica da organização social e formação individual e coletiva. 7) Conselho de Maiorais. Todos os Maiorais são escolhidos em reunião pelos negros que vivem nos Mocambos. Mas, o Maioral principal é escolhido só pelos Maiorais. O Maioral principal (assim era chamado a época pela linguagem dos documentos, que era portuguesa) resolve os negócios da guerra por vontade absoluta, ele ordena as estratégias e táticas da guerra. 8) A maneira de vestir-se em Palmares. "o modo de vestir entre si é o mesmo que usam entre nós, mais ou menos "enroupados, conforme as possibilidades". (FREITAS, 2004, p.25). 9) A língua falada em Palmares: em inúmeros documentos dá-se a entender que os negros palmarinos falavam português. Mas fala-se também de "línguas", de intérpretes, e se o governador enviou "línguas" a Palmares, significa que os palmarinos falavam suas próprias línguas e eram das mais diferentes procedências. 10) As Comunidades Remanescentes de Quilombos - lutam, hoje, pela continuidade dos princípios que na dinâmica da sociedade contemporânea revivem valores sociais, culturais e políticos das civilizações africanas que fundamentalmente constituem a sociedade brasileira e a cultura nacional. * Pós-Doutorado em Antropologia das Populações de Origem Africana pela Universidade da África do Sul e Professora da Universidade Federal da Bahia A ÁFRICA CONTEMPORÂNEA: DILEMAS E POSSIBILIDADES Muniz Ferreira A CRISE DO COLONIALISMO EUROPEU E A EMERSÃO NACIONAL NA ÁFRICA Uma das implicações históricas mais significativas da Segunda Grande Guerra (1939-1945) foi o declínio da centralidade européia no sistema de poder mundial. Até então, as potências do chamado “velho continente” haviam exercido uma duradoura supremacia sobre as demais regiões do mundo, principalmente nos aspectos econômico, político, 64 diplomático e militar. Do topo de tal preeminência, os estados nacionais e os homens de negócio europeus submeteram, pela força e pelo logro, povos e civilizações; exportaram mercadorias, capitais e as regras da economia de mercado e impuseram suas línguas, religiões, concepções de mundo e valores culturais. Como corolário de tais processos, o continente africano experimentou a escravidão e o colonialismo, a subordinação de seus sistemas tradicionais de organização social às leis da valorização do capital e testemunhou a constituição de ordenamentos políticos internacionais, nos quais desempenhava o simples papel de “área de influência” e “reserva estratégica” à disposição dos poderes coloniais. Fora assim desde os tempos do Tratado de Tordesilhas (1494), primeiro tratado internacional moderno, passando pelo sistema internacional da Convenção de Viena (1815-1817) — em cuja vigência padeceu a partilha territorial em benefício das nações européias, pactuada na Conferência de Berlim (1884-1885) —, até à época da Liga das Nações (1919-1939), cujo objetivo de reordenar a vida internacional sobre os princípios da soberania nacional e da nãointervenção não contemplou as aspirações dos povos africanos e asiáticos à autodeterminação. Porém, a Segunda Guerra Mundial contribuiria para modificar tal quadro. Esgotadas econômica e militarmente pelo desenrolar da conflagração, as grandes potências européias experimentaram uma limitação (mas não a eliminação) de sua capacidade de preservar coercitivamente grandes impérios coloniais. Ademais, dois novos fatores concorriam para a erosão das bases da legitimação do colonialismo europeu no mundo: a) o crescimento do prestígio das concepções e dos movimentos democráticos e progressistas (por definição anticolonialistas) no mundo, que se seguiu à derrota das forças do eixo nazi-fascista; b) a ascensão, ao primeiro plano, da política internacional de duas novas grandes potências, as quais, devido a motivações diferentes, encontravam-se descomprometidas com a preservação dos domínios coloniais europeus na África e na Ásia: os Estados Unidos e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Excluídos da partilha da África na Conferência de Berlim e, conseqüentemente, marginalizados no acesso aos mercados, matérias-primas e áreas de influência no continente africano, aos Estados Unidos interessava, num primeiro mo mento, uma alteração no status quo internacional que lhe concedesse liberdade para realizar seus interesses econômicos e estratégicos na África, sem os inconvenientes gerados pelo exclusivismo colonial europeu. Para a União Soviética — potência cuja matriz histórica remontava às revoluções do ano de 1917 na Rússia —, a descolonização representava um enfraquecimento do “imperialismo ocidental” e otimizava as possibilidades de ampliação de sua influência internacional através do apoio aos movimentos de libertação nacional africanos (e asiáticos) e a aproximação das jovens nações africanas. É bem verdade que o posicionamento norte-americano em face da questão se alteraria à medida em que se deteriorava a atmosfera internacional e a aliança com a URSS era substituída pela guerra fria. Nestas novas condições, a opção pelo desenvolvimento de uma política de contenção da influência soviética na África reaproximou os EUA das antigas potências coloniais europeias e os colocou na contramão dos movimentos de libertação nacional do continente, sobretudo daqueles cuja radicalidade anticolonial e ênfase nas definições anti-imperialistas contribuíram para uma aproximação com as posições soviéticas. Assim, no hiato vigente entre o final da Segunda Grande Guerra e a cristalização da bipolaridade leste-oeste, as concepções referenciadas na idéia de descolonização e emancipação nacional do continente africano conquistaram carta de cidadania nas discussões internacionais. De tal forma que, mesmo nos anos posteriores de recomposição do poderio europeu e redefinição do posicionamento estadunidense frente ao problema colonial, o processo de emancipação africano seguiria seu curso sem jamais parar. Teríamos assim, nos anos 50, a independência da Tunísia (1950), da Líbia (1951), do Sudão, do Marrocos (1956), de Gana (1957) e da Guiné (1958). No emblemático ano de 1960 — ano da independência da África, segundo as Nações Unidas — verificar-se-iam as libertações de Camarões, Togo, Madagascar, Zaire, Somália, Mali, Benin, Nigéria, Níger, Alto Volta (atual Burkina Faso), Costa do Marfim, Chade, República Centro-Africana, Congo, Gabão, Senegal e Mauritânia; 65 em 1961, Serra Leoa; em 1962, Ruanda, Burundi, Argélia e Uganda; o Quênia em 1963; Malauí, Zâmbia e Tanzânia em 1964; Gâmbia em 1965; Botsuana e Lesoto em 1966; Ilhas Maurício e Guiné Equatorial em 1968. Na década de 70, Guiné Bissau em 1973; São Tomé e Príncipe, Moçambique, Cabo Verde, Comores e Angola em 1975; Ilhas Seychelles em 1976; Djibouti em 1977; Suazilândia em 1978. Já nos anos 80, Zimbábue, em 1980 e, finalmente, a Namíbia, em 1990. Foram variados os caminhos trilhados pelos povos africanos e seus movimentos de libertação para a obtenção da tão almejada emancipação política. Tal diversidade esteve associada a uma gama de fatores que caracterizaram os processos de dominação de cada potência colonizadora, como seu grau de dependência econômica e estratégica em relação às colônias e a variedade de recursos econômicos, políticos, militares e diplomáticos à disposição de cada uma, quando do acirramento das reivindicações de independência. Os colonizadores britânicos, por exemplo, recorriam, via de regra, a um sistema de colonização que procurava conservar a autoridade das elites nativas nos escalões intermediários e inferiores da administração colonial, cooptando o mais amplamente possível as aristocracias tradicionais para um sistema de parceria subordinada. Habituada desde séculos anteriores à implementação de uma política de autogoverno em suas colônias de maioria populacional branca (Estados Unidos, Austrália e Oceania), a Grã-Bretanha adotou, como recurso freqüente em suas antigas possessões africanas, uma estratégia de “sair para ficar”, ou seja, substituir o controle dos postos chaves do governo das colônias por elementos locais formados política e culturalmente nos marcos do sistema colonial britânico, procurando reintegrá-los posteriormente à Comunidade Econômica Britânica (British Commonwealth), garantindo, assim, a primazia de seus interesses econômicos e empresariais na nova ordem política pós-colonial. Já a França, segunda maior potência colonizadora européia na África, aferrou-se aos métodos de dominação colonial direta e à prática ostensiva da assimilação cultural. O resultado foi um enfrentamento, na maior parte das vezes, bastante violento entre as administrações coloniais e os movimentos de libertação nacional, do qual são exemplos os dois casos mais emblemáticos de revolução anticolonial verificados na Ásia e na África: a guerra de independência da Argélia e o conflito do Vietnã. Algum tempo passaria até que a França, seguindo os passos do Reino Unido, procurasse reintegrar suas antigas colônias africanas à sua área de influência econômica (e, por conseguinte, militar e diplomática), investindo na criação de uma zona comercial e financeira estruturada em torno de sua moeda (o franco) e no desenvolvimento da chamada “Comunidade Francófona”. A experiência belga na África simboliza o sistema colonial europeu no continente em seu paroxismo de paternalismo autoritário, assimilacionista e discriminador. Em nenhum outro lugar a espoliação econômica colonial se manifestou tão cruamente como nos casos das colônias belgas do Congo, Burundi e Ruanda. Em nenhum outro lugar o esforço de devastação cultural, as ingerências abertas no sentido de garantir a preservação dos interesses econômicos e estratégicos da antiga metrópole colonial foram levados tão longe. Se a dominação colonial francesa, em seu processo de declínio, legou ao mundo os exemplos sangrentos da Argélia e do Vietnã mencionados acima, o legado colonial belga no Congo foi marcado pela deposição e assassinato do líder nacionalista Patrice Lumumba, a deflagração de uma longa guerra civil e a instauração da ditadura de Mobutu, uma das mais truculentas e corruptas conhecidas pela África pós-colonial. Não foi menos trágico o destino e suas ex-colônias da África dos Grandes Lagos (Ruanda e Burundi). Ali, o legado de atraso econômico e social somado às rivalidades étnicas e culturais exacerbadas durante a dominação colonial produziram, nos anos 90 do século XX, uma das piores catástrofes humanitárias da história do pós-Segunda Guerra Mundial, cujas cifras precisas parecem estar fixadas entre 800 mil e 1 milhão de vítimas. De forma negociada ou violenta, através de guerras civis ou de processos eleitorais, os países africanos conquistaram, ao cabo de cinco décadas de grandes esforços, a emancipação política da dominação colonial européia. Tal realização histórica, no entanto, foi 66 apenas o primeiro passo de uma longa caminhada que ainda está por ser concluída em direção à reconquista plena da soberania, da dignidade e da autodeterminação desejada pelos povos do continente. NEOCOLONIALISMO, SUBDESENVOLVIMENTO E GUERRA FRIA A África se viu às voltas com a necessidade de lutar por sua independência econômica antes mesmo de concluir o processo de luta por sua emancipação política. Carentes de quadros técnicos, de tecnologia industrial, de capitais e até de mercados, uma vez que o processo de dissolução das economias tradicionais não acarretou necessariamente a formação de um contingente significativo de consumidores com efetivo poder de compra, a virtual totalidade dos países africanos já despertou para a vida independente submetida a uma situação de subalternidade no âmbito da economia internacional. Premidos pelas necessidades urgentes de populações intensamente espoliadas durante séculos pelo sistema colonial, a primeira geração de dirigentes dos jovens estados africanos teve de equacionar, como primeiro item de sua agenda pós-colonial, o problema do subdesenvolvimento econômico e social. Produtoras e exportadoras de matérias primas e gêneros agro-pecuários, as novas nações africanas viram-se inseridas em um sistema de trocas caracterizado pela deterioração constante do valor de seus produtos primários em relação aos bens industrializados produzidos pelos países centrais (Europa, Japão e Estados Unidos) e o monopólio dos capitais e da tecnologia por parte destes, em muitos casos, suas antigas metrópoles coloniais. Alguns de seus líderes mais esclarecidos, como o ganense N’ Krumah, o tanzaniano Nyerere, o queniano Kenyatta, e o congolês Lumumba, diagnosticaram adequadamente as possibilidades e os constrangimentos para o enfrentamento bem sucedido dos desafios econômicos apresentados pela realidade. Compreendiam que a África possuía riquezas naturais extraordinárias, capazes de propiciar as bases de seu crescimento econômico, como as maiores reservas de ferro e carvão mineral do mundo, enormes jazidas de petróleo e um notável potencial hidrelétrico. Por outro lado, eram capazes de identificar também os obstáculos ao progresso material de suas sociedades: a grande fragmentação político territorial, a dependência tecnológica, a falta de capitais para a exploração de suas próprias riquezas, as rivalidades étnicas internas, a falta de competitividade econômica de sua produção agropecuária e o próprio controle de seus principais recursos pelas grandes empresas ocidentais. Coerente com tais constatações, a parcela mais engajada desta primeira geração de líderes procurou adotar procedimentos práticos capazes de otimizar as condições para a superação das mazelas deixadas pela dominação colonial, no âmbito interno: definição do estado, enquanto ator fundamental do processo de desenvolvimento econômico, através da regulação da atividade do capital estrangeiro e nacionalização, sempre que possível, de setores estratégicos da economia; implementação de políticas de fomento à atividade industrial e modernização da produção agro-pecuária. No âmbito externo, tratava de somar-se aos esforços de estruturação de um movimento de países não-alinhados, juntamente com outros estados da Ásia e América Latina, que tinham entre suas principais reivindicações a revisão das regras do comércio mundial; a facilitação do acesso dos países emergentes às tecnologias, mercados e capitais para exportação de seus produtos; o assessoramento técnico e o apoio institucional das Nações Unidas aos seus programas de desenvolvimento econômico; em resumo, uma Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI). Porém, os interesses conflitantes das grandes potências ocidentais, particularmente da maior de todas elas, os Estados Unidos, não permitiriam que a marcha das nações africanas rumo ao progresso e ao desenvolvimento se realizasse sem incidentes. Identificando no recuo das antigas metrópoles colonizadoras européias na África uma ameaça de satelitização dos jovens estados pela União Soviética, as administrações norte-americanas implementaram, desde os anos 50, uma estratégia voltada para a substituição da influência européia por sua própria influência sobre o continente africano, assumindo a responsabilidade pela contenção 67 do avanço da “influência soviética” nesta região. Recorrendo à chamada “diplomacia do dólar”, os governos norte-americanos procuraram, a princípio, influenciar os estados africanos, condicionando sua inclusão em programas de ajuda econômica e militar à concessão de privilégios para a operação de empresas estadunidenses nestes países e ao alinhamento diplomático e militar com Washington. Em outros casos, assessorou, treinou, financiou e armou grupos de oposição, golpes de estado e movimentos separatistas contra governos de orientação antineocolonialista, algumas vezes, em parceria com as antigas metrópoles colonizadoras. Além disso, desenvolveu uma política permanente de apoio aos regimes racistas da antiga Rodésia até 1980 e da RepúblicaSul Africana até 1994, que atuaram como fatores de desestabilização econômica e militar dos estados africanos independentes da África Meridional. Como resposta a tais ações de desestabilização, os governos africanos de orientação mais anticolonialista e antiimperialista investiram em uma aproximação maior com a União Soviética e Cuba, de modo a obterem apoio diplomático e militar contra seus inimigos internos e externos. Tal fato aumentou ainda mais a tensão diplomática e militar e as divisões entre os estados africanos, deflagrando um longo e destrutivo ciclo de conflitos intracontinentais e militarização. O acirramento das rivalidades intra-africanas inviabilizou a cooperação e o desenvolvimento do comércio entre os países do continente, deteriorou as bases já frágeis da união continental e, em vários países, desorganizou a economia e dilapidou as riquezas naturais. REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA, GLOBALIZAÇÃO E CRISE. Dilacerada internamente, politicamente instável e economicamente estagnada a maioria dos países do continente africano ainda teve que lidar com as transformações verificadas na vida internacional nas últimas duas décadas do século XX. As décadas de 80 e 90 do último século foram caracterizadas pelo fenômeno que ficou conhecido como Terceira Revolução Industrial. Este processo, verdadeira reestruturação produtiva do capitalismo mundial, se iniciou na seqüência dos choques nos preços do petróleo dos anos 70 e 80 e foi, entre outras coisas, uma resposta dos países industrializados às ações conjuntas dos países do chamado terceiro mundo na negociação de seus produtos no mercado internacional. Orientada, originalmente, pelo interesse no aproveitamento de matérias primas e fontes energéticas alternativas àquelas exportadas pelos países da periferia econômica do mundo, a chamada revolução tecno-científica se realizou através da transição de um padrão de produção industrial - baseado no uso extensivo da força de trabalho e no processamento de insumos orgânicos -, para outro baseado no uso intensivo de força-de-trabalho e da tecnologia e no processamento de insumos já elaborados. Como resultado, toda uma geração de indústrias surgidas quando da chamada Segunda Revolução Industrial, no final do século XIX, foi substituída por outra, alicerçada na automação e na produção de artigos de alta tecnologia. Com isto, acentuou-se a subalternidade econômica dos países africanos no comércio mundial, através da perda de relevância relativa de suas importações, da sobrevalorização dos produtos exportados pelos países industrializados no comércio bilateral, aumentando também o abismo que separa as precárias economias do continente das indústrias high tech do mundo desenvolvido. Além disto, um dos efeitos colaterais da reestruturação produtiva é o uso crescente da tecnologia, o qual exige grandes investimentos em pesquisa, resultando na elevação do custo de produção em contrapartida ao aumento do valor agregado das mercadorias. Este fato combinado com a contração relativa dos mercados consumidores — como conseqüência do desemprego produzido pela automação — nos próprios países centrais gera a necessidade de uma ampliação sistemática dos investimentos, o que, em termos macro-econômicos, significa 68 um entrelaçamento cada vez maior entre as indústrias e os bancos. Estes, por sua vez, crescentemente solicitados para o financiamento da pesquisa e da produção de novos produtos, passam a cobrar caro pelos valores emprestados, acarretando uma elevação significativa dos juros dos empréstimos contratados e o endurecimento da negociação dos créditos já concedidos. Desta maneira, os países africanos, já excluídos do centro dinâmico da economia mundial pelo monopólio tecnológico dos países centrais, descobrem-se também excluídos dos créditos e financiamentos e com uma dívida a pagar. O resultado prático deste elenco de adversidades tem sido dramático para o continente africano. A participação do continente na economia mundial é, atualmente, inferior a 2%, tendo o volume de sua interação comercial com o restante do mundo declinado 40% no decorrer do período 1980-2000. A dívida externa africana atinge 315 bilhões de dólares, mais que o triplo do total de sua receita anual de exportações. A renda per capita africana caiu 20% desde 1980, passando, na África subsaariana, de US$ 752 a US$ 641. Os investimentos diretos estrangeiros na África correspondem a menos de 5% do total obtido pelo Terceiro Mundo A UNIÃO AFRICANA: ALTERNATIVA PARA A EMANCIPAÇÃO Com a finalidade de conduzir os esforços conjuntos dos países africanos a um patamar superior, foi criada em Durban, na África do Sul, a 9 de julho de 2002, a União Africana, em substituição à Organização da Unidade Africana, fundada em Adis-Abeba (Etiópia), em 25 de maio de 1963. As tarefas da OUA foram as mesmas da primeira geração de líderes africanos pós-independência e dos condutores dos processos de libertação nacional. Seu objetivo principal consistiu em proporcionar apoio econômico, militar e diplomático aos movimentos de luta pela descolonização, contribuir para sua unidade e divulgação de suas atividades, no que foi, em geral, bem sucedida. Quanto a outros objetivos inscritos na agenda da entidade, quando de sua instauração, os resultados foram, de modo geral, bem mais modestos, a saber: o desenvolvimento de políticas comuns e da cooperação econômica entre os países africanos, a consolidação da influência internacional dos estados do continente, a proteção da soberania, da integridade territorial e da independência dos estados e a coordenação das atividades destes em matéria de política externa, economia, defesa e cultura. A União Africana (UA) surge num contexto diferente. Trata-se de uma fase caracterizada pela eliminação das últimas sobrevivências coloniais no seio do continente — o regime racista da África do Sul, desmantelado em 1994 -; da pacificação de sociedades dilaceradas por décadas por destrutivas guerras civis, como Angola e Moçambique; dos avanços democráticos materializados na remoção de velhos ditadores do poder como Mobuto e da emersão de novas lideranças regionais, como os dirigentes sul-africanos. Nesta atmosfera estão dadas as condições substancialmente favoráveis para a construção de novos consensos políticos continentais, para uma maior convergência diplomática e cooperação econômica. Os objetivos da UA não são pequenos, como não é pequeno o tamanho dos desafios que terá de enfrentar. Pretende-se a criação de um Parlamento Pan-Africano, do Tribunal de Justiça, de um Conselho Econômico e Social, de uma força comum de defesa e de um sistema financeiro (Banco Africano, Fundo Monetário Africano, Banco de Investimento Africano). Trata-se de um esforço ambicioso, vertebrado por uma ampla coalizão de governos, a serviço do enfrentamento dos graves problemas elencados anteriormente. À medida que o mundo se torna cada vez mais assimétrico, excludente e inseguro, em que as próprias economias avançadas promovem a formação de grandes blocos regionais, parece não haver 69 alternativa para as nações africanas a não investir decididamente nesta proposta ser de unificação, capaz de otimizar o aproveitamento das grandes riquezas do continente, fortalecendo sua posição negociadora e estimulando os intercâmbios econômico, científico e cultural entre os povos da região. Acima de tudo, parece ser uma oportunidade absolutamente original de reconciliar a África consigo mesma, com suas belezas e seus defeitos, com seus valores e tradições, com sua riqueza e diversidade. É uma chance de encarar seu passado sem as pressões do colonialismo e das rivalidades interestatais, na perspectiva de uma melhor compreensão de seu complexo presente e ante o horizonte da construção de um grande futuro. 70 Valores Civilizatórios http://www.canalfutura.org.br/acordacultura/main.asp?View=%7B58E05740-E0AB-469A-AD03-A4EB36683164%7D Os afro-brasileiros estabeleceram, a partir da observação do que há de melhor na sua cultura, dez valores civilizatórios para viver de acordo. Na verdade, são pequenas bússolas que devem ser consultadas diariamente, visto que fogem a linearidade e se interpenetram, obedecendo a fluxos de conexões de variadas naturezas. Oralidade Herança direta da cultura africana, a expressão oral é uma força comunicativa a ser potencializada. Jamais como negação da escrita, mas como afirmação de independência. A oralidade está associada ao corpo porque é através da voz, da memória e da música, por exemplo, que nos comunicamos e nos identificamos com o próximo. “Griots são contadores de histórias fundamentais para a permanência da humanidade: são como um acervo vivo de um povo. Carregam nos seus corpos lendas, feitos, canções e lições de vida de uma população, envoltos numa magia própria, específica dos que encantam com o corpo e com sua oralidade.” (Gregório Filho) 71 Circularidade Todos nós conhecemos o prazer que advém do ato de sentar com os amigos para contar histórias, fazer música, brincar com jogos ou manifestar a religiosidade. Os próprios valores civilizatórios são bons exemplos de circularidade. A vida é cíclica. Podemos estar muito bem agora e numa posição ruim depois até que voltemos a um estado satisfatório. A humanidade inteira permanece unida por este sentimento circular. “O terreiro tem o papel importantíssimo de resgatar a Mãe África, mesmo que através de uma nostalgia, de um lamento. E é esse território representado pelo círculo que vai reaparecer em várias atividades, de cunho religiosos e também no espaço lúdico (como na hora da rodinha por exemplo). Essa mesma roda está presente na capoeira, no jongo, no tambor de criola, na gira da umbanda e no samba.” Energia Vital / Axé O princípio do axé é a vontade de viver com vigor, alegria e brilho no olho, acreditando na força do presente. Em nada se assemelha à normas, burocracias, métodos rígidos e imutáveis. Pelo contrário. Tudo é uma possibilidade para quem é guiado pelo axé. “Perdi os dedos, mas não a força e a vontade de esculpir. Aprendi a usar os joelhos como que usa os pés. Amarrei os instrumentos às mãos para continuar a trabalhar. Afinal, a criação nasce na cabeça, não na ponta dos dedos (Heróis de Todo Mundo, programa sobra Aleijadinho).” Musicalidade Famosa no mundo inteiro pela sua qualidade inconteste, a música brasileira tem os dois pés bem fincados no Continente Negro. Quem resiste aos encantos de uma batucada? A musicalidade, a dimensão do corpo que dança e vibra em resposta aos sons só reafirma a consciência de que o corpo humano também é melódico e potencializa a musicalidade como um valor. “O som é o ponto dos primeiros habitantes do globo terrestre rumo à formação dos primeiros habitantes do globo terrestre rumo à formação dos primeiros agrupamentos humanos que, no curso da evolução, irão constituir a nossa civilização. A importância da música, da qual o som é a matéria-prima, é superior à descoberta do fogo, ou à invenção da roda ou da imprensa”. (Charles Murray) Corporeidade Este conceito nos ensina a respeitar cada milímetro do corpo humano, que deve estar presente em cada ação e em diálogo com outros corpos. As demandas corporais devem ser consideradas. Afinal, o corpo atua, registra nele próprio a memória de várias maneiras, seja através da dança, da brincadeira, do desenho, da escrita, da fala. Das músicas às danças, com tudo o que elas anunciam e denunciam. Os corpos dançantes revelam memórias coletivas. “Aprendemos que as danças circulam e que o corpo informa sobre a vida de cada dançarino.” (Antonio Nóbrega) Religiosidade Para nação afrodescendente, religiosidade é mais do que religião: é um exercício permanente de respeito à vida e doação ao próximo. A propósito, em tempos de tanta violência gratuita, vale pontuar que a vida é um dom divino, de caráter transcendental, e deve ser usada para cuidar de si e do outro. 72 “A cada dia acontece uma lição de vida. Aprende-se de tudo, a comunicação com os mais velhos, com os mais novos, o trabalho em grupo fazendo-se o que gosta ou que não gosta, e, sobretudo, aprende-se o gosto pela vida, numa estreita relação com o Orixá”. (Mãe Stella) Ludicidade Entre suas variadas utilidades, os jogos sempre viabilizaram o aprendizado. Também serviram para transmitir as conquistas da sociedade em diversos campos do conhecimento. Quando os membros mais velhos de um grupo revelam aos jovens como funciona um determinado jogo de tabuleiro, por exemplo, eles transmitem uma série de conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural daquele grupo. “Antigamente, o jogo era associado a ritos mágicos e sagrados. Dependendo do lugar, era reservado apenas para os homens, ou para os homens mais velhos, ou, ainda, era exclusivo dos sacerdotes”. (Os Melhores Jogos do Mundo) Memória Para despertar o sentimento de aro-brasilidade e, sobretudo, de orgulho ao exibi-la, é necessário mexer no eixo do racismo e da memória: o racismo como algo a ser enfrentado e a memória para que a presença africana que habita em nós possa emergir livremente. “Numa sociedade que exclui, oprime, oculta conflitos e as diferenças sob a ideologia da igualdade, ainda que seja um fato biológico, ainda que sejamos memoriosos e memorialistas, a memória é um valor, um direito a conquistar.” (Marilena Chauí) Ancestralidade Quando se pensa em ancestralidade, faz-se uma imediata ponte com a história e a memória. Convém não esquecer o passado. Não há fórmulas complexas para vivenciar o que é, de fato, a ancestralidade. Quer provar? Então saia em busca do relato dos mais velhos, que trazem o rico imaginário afro-brasileiro. “A memória compõe nossa identidade. É por intermédio da memória que construímos nossa história. Ao construir a memória, construímos lembrança, que para existir precisa do outro e necessita ser compartilhada. Assim também é a obra de arte.” (Franklin Esparth Pedroso) Cooperativismo / Comunitarismo Falar sobre cultura negra requer usar a palavra ‘coletivo’. Pensar em africanidades é pensar em comunidade, em diversidade, em grupo. Imaginem o que teria acontecido com a população negra num sistema escravocrata se houvessem desprezado o princípio da parceria, do diálogo, da cooperação? E ainda nos dias que corre, nesta sociedade racista excludente? “Durante séculos os povos da África Central tinham lidado com a diversidade étnica, desenvolvendo tradições religiosas comuns e compartilhado formas culturais. Essas habilidades eles as transmitiram para o Brasil, onde utilizaram indiscutivelmente técnicas similares para lidar com a diversidade cultural.” (Karasch) 73 A religiosidade dos escravos africanos A partir do século XVI, os primeiros navios negreiros, chamados tumbeiros, trouxeram africanos que iriam trabalhar como escravos nas plantações de cana-de-açúcar e nos engenhos coloniais. Esses indivíduos trouxeram consigo sua cultura, da qual faziam parte, cultos e crenças em divindades como os orixás. Introduzido no Brasil por algumas nações africanas, com diferentes identidades étnicas, o culto aos orixás expressa essas diferenças na língua em que é praticado, na forma de tocar os instrumentos de percussão (atabaques) ou, ainda, nos nomes dados aos orixás. Por exemplo, essas diferenças étnicas aparecem nos tipos de candomblé: o queto e o angola, praticados nos terreiros da Bahia: o xangô, em Pernambuco; o batuque, no Rio Grande do Sul: e o angola, em São Paulo. Além disso, há outras variações de culto, como a umbanda e a quimbanda, por exemplo. Durante séculos, a realização de cultos aos orixás era proibida no Brasil. Apesar disso, os afro-brasileiros mantiveram suas práticas religiosas dando aos seus deuses os nomes dos santos católicos. No Haiti, na América Central, os africanos foram obrigados a praticar o cristianismo. Entretanto, às escondidas, realizavam cultos afros, que, misturados aos símbolos e cerimônias da religião católica, deram origem ao vodu. Essa mescla de religiões chama-se sincretismo. As religiões africanas no Brasil escravista No século XIX, as ruas das principais cidades brasileiras estavam sempre cheias de escravos oferecendo legumes e galinhas, vendendo aluá (bebida fermentada feita de abacaxi) e bolo de milho, transportando potes de água, cadeirinhas de senhoras, sacos de mantimentos e fardos de tecidos que chegavam pelos navios de outros lugares da costa brasileira e do outro lado do oceano. Os estrangeiros que aqui desembarcaram, principalmente depois da mudança da família real portuguesa para o Rio de Janeiro e da abertura dos portos brasileiros para as nações amigas em 1808, expressaram seu espanto ao encontrar na América um pedaço da África, representada pela quantidade e variedade de africanos, visíveis em todo lugar. Os africanos recém-chegados encontravam, porém, os ladinos e os crioulos vivendo uma cultura híbrida, na qual aspectos africanos e portugueses se misturavam ou conviviam lado a lado. Nesses intercâmbios entre negros e brancos, africanos e portugueses, sempre com um tempero ameríndio aqui e ali, não só os escravos e negros livres eram expostos às influências de seus senhores, como estes também se relacionavam com as práticas daqueles, algumas vezes recorrendo a saberes africanos para cuidar dos males que os afligiam. Como vimos, a classe senhorial conhecia pouco a vida das comunidades negras, mas alguma coisa sabia, principalmente, no que diz respeito as suas temidas práticas mágico-religiosas, que podiam tanto curar como matar. O que nós chamamos de práticas mágico-religiosas, por meio das quais os homens entram em contato com entidades sobrenaturais, espíritos, deuses e ancestrais, era um aspecto central da vida de todos os africanos, assim como viria a ser na de seus descendentes brasileiros. Dessa forma, a religião foi uma das áreas em torno da qual eles construíram novos 74 laços de solidariedade, novas identidades e novas comunidades. Além disso, em razão da repressão voltada contra elas, temos mais informações sobre as práticas religiosas realizadas num passado mais distante, nos séculos XVII e XVIII, do que sobre temas como a organização familiar ou as associações de trabalho. Por serem associadas a ritos demoníacos duramente perseguidos pelo Tribunal da Inquisição, elas eram denunciadas, o que gerou a abertura de processos, nos quais testemunhas eram ouvidas e eram descritos muitos ritos, crenças e práticas de adivinhação, de proteção e de cura. Como vimos, entre os africanos, o sobrenatural era acionado por especialistas que dominavam os conhecimentos necessários para que as entidades do além pudessem ajudar a solucionar questões da vida cotidiana. Os problemas que os escravos e libertos tinham na sociedade escravista eram bem diferentes daqueles que afligiam os agricultores e pastores das aldeias que viviam livres na África, mas a maneira como uns e outros lidavam com eles era parecida, uma vez que os afro-descendentes se mantinham próximos da maneira de pensar de seus antepassados. Especialistas em curas e adivinhações, intermediários entre o mundo dos homens e o dos espíritos e ancestrais, chamados de feiticeiros ou curandeiros pelos portugueses que os haviam escravizado e trazido para o Brasil, tornavam-se membros importantes de certas comunidades que usavam seus serviços e conhecimentos. Nos grupos em que a influência banta era majoritária, as pessoas recorriam a ritos de adivinhação para identificar culpados de atos condenáveis como roubo e assassinato, encontrar pessoas desaparecidas, curar doenças (que eram muitas em vida tão árdua), amansar senhores, conquistar o sexo oposto, fechar o corpo contra agressões e cuidar de muitas outras coisas que afligiam os africanos e seus descendentes nascidos no Brasil. Praticava-se uma grande variedade de ritos que permitiam que as forças do além agissem, às vezes, por meio da possessão, com a descida dos espíritos invocados sobre o corpo dos sacerdotes, que tornados por eles permitiam que se comunicassem com os interessados, orientando-os quanto à solução dos problemas. Outras vezes, os sacerdotes liam os indícios do além, por meio de oráculos, como pontos riscados no chão, sobre o qual jogavam pedras, conchas, contas; consulta a cabaças com conteúdos misteriosos, de onde saíam vozes; bacias de água na qual apareciam imagens a serem decifradas. Conforme o resultado das consultas, medidas tinham de ser tomadas para que a normalidade fosse restabelecida, ou para que o objeto desejado fosse alcançado. Compostos de beberagens e pós deviam ser feitos à base de ingredientes incomuns: extratos de plantas, dentes, garras e penas de animais, unhas, cabelos e secreções do corpo da pessoa objeto da magia. A angolana Luzia Pinta foi uma liberta denunciada à Inquisição em 1740 por realizar ritos elaborados, em frente a um altar e ao som de tambores e címbalos, nos quais ouvia ventos que lhe entravam pela cabeça e aconselhavam os que procuravam. Vendida para o tráfico atlântico, chegou ao Brasil em torno de 1711, ainda mocinha, vinda de Luanda, onde nasceu escrava, de pais escravos. Os ritos que praticava, conforme as descrições contidas no processo, tinham nítidas feições centro-africanas, mas nos interrogatórios pelos quais passou, alguns deles depois de intensas sessões de tortura, como era comum aos que eram jogados nos cárceres da Inquisição, apareceram vários elementos católicos. A acusada atribuía seus poderes aos santos católicos à Virgem Maria e a Deus, e não às forças diabólicas, como os inquisidores queriam ouvir. Em 1744, foi condenada ao exílio no Algarve, quando tinha cerca de cinquenta anos, depois de sofrer alguns anos em prisão insalubre e nas sessões de tortura, sem nunca admitir ter pacto com o diabo. Depois disso não sabemos mais nada sobre ela. Esse é um dos casos mais lembrados, dentre os conhecidos, mas há outros, nos quais os ritos descritos são muito semelhantes aos que aparecem nos textos dos missionários que percorreram a região do Congo e de Angola ganhando almas para Cristo e descrevendo o que viam. No Brasil, os ritos desse tipo eram chamados de “calundus”, palavra de origem banto que foi associada ao termo “kimbundo quilundo”, um nome genérico para qualquer espírito 75 que possuísse uma pessoa, geralmente, como punição pela falta de respeito ou veneração de um espírito ancestral, que acabava por debilitar e até mesmo matar aquele que fosse possuído. “Quilundo” provavelmente tornou-se, na África central, um termo referente a qualquer possessão por espíritos, e no Brasil “calundu” também adquiriu um sentido geral de possessão por espíritos entre as comunidades negras, além de designar um estado de espírito sombrio. Quando analisamos os procedimentos dos ritos feitos no Brasil, os gestos e objetos envolvidos, as situações, os fins a que se destinavam, percebemos as semelhanças dos “calundus” com os rituais de possessão centro-africanos conhecidos como xinguila, nos quais um espírito falava pela boca do médium. Segundo a descrição de Antonio Cavazzi, missionário que assistiu aos imbangalas realizarem esses ritos no século XVII, o xinguila, ou seja, o homem ou a mulher que recebia o espírito dava as ordens às pessoas presentes, enquanto os músicos tocavam os instrumentos. No entender do missionário, era o demônio que estava sendo invocado ali. Diz ele que em dado momento o médium, ou feiticeiro, ficava quieto por uns minutos, então começava a se agitar, se contorcer, revirar os olhos e falar coisas extravagantes, depois de dizer qual era o ancestral que a partir de então falava por sua boca. Dizia ainda, o capuchinho, que os imbangalas procuravam esses feiticeiros, porque acreditavam que eles sabiam tudo o que se passava na outra vida. Eles eram tratados como se fossem semideuses e respondiam às perguntas que eram feitas não a ele, mas ao espírito consultado. Outra prática muito comum entre a comunidade negra eram as bolsas de mandinga, ou seja, pequenos sacos de pano ou de couro usados junto ao corpo, pendurados no pescoço, cintura, dentro dos quais estava costurada uma variedade de ingredientes. Estes podiam ser de origem animal, vegetal e mineral, mas o mais importante deles eram papéis dobrados nos quais estavam escritas orações católicas ou muçulmanas. Aparas de pedra-d 'ara, sobre a qual a hóstia e o vinho da missa eram consagrados, ou deixar o papel da oração sob esta pedra quando a missa era rezada, eram elementos importantes nas bolsas que continham orações católicas. Tudo indica que o hábito de fazer e usar as bolsas de mandinga tenha se espalhado a partir da região habitada pelo: mandes, ou mandingas, antigos súditos do reino do Mali na região da Alta Guiné, onde o islamismo se misturou às religiões tradicionais. Os guerreiros daquela região geralmente levavam não uma, mas várias bolsas penduradas no corpo, pois, com isso, acreditavam, eles se tornariam invulneráveis às armas dos inimigos. Elas foram usadas na África, em Portugal e no Brasil, e atribuía-se a elas o mesmo poder que talismãs e amuletos têm nas mais diversas culturas e épocas. Já foram consideradas as práticas mágicoreligiosas mais mestiças do Brasil colonial, agregando elementos cristãos, islâmicos, ameríndios e africanos tradicionais. Outro conjunto importante de práticas e crenças mágico-religiosas de matrizes africanas que germinou no Brasil foram os candomblés, sendo do século XIX as primeiras referências a eles. Apesar de o termo pertencer a língua banto, no Brasil se refere a cultos religiosos de origem iorubá e daomeana. Neles, as principais entidades sobrenaturais são os orixás, quando a inf1uência iorubá é maior, e voduns, quando a inf1uência daomeana se destaca. Na Bahia, os iorubás também ficaram conhecidos como nagôs, e os daomeanos como jêjes. Os orixás e voduns são entidades ancestrais e heróis divinizados, fundadores de linhagens, reinos e cidades-estado sendo eles não só a origem da organização social e política, como aqueles que orientam toda ação dos homens em sua vida terrena à semelhança do que ocorre entre os povos bantos. Também se comunicam por meio de sacerdotes que, ao serem por eles possuídos, lhes permitem entrar em contato direto com quem os consulta em busca de orientação e solução para os mais diversos problemas. No século XVIII, as cerimônias desse tipo eram chamadas de “calundus”; a partir do século XIX, elas passaram a ser chamadas, de candomblés e seus líderes ficaram conhecidos como pais e, principalmente, mães de santo, 76 sendo o santo o nome genérico, de nítida inf1uência católica, dado a entidade incorporada durante a possessão a qual o culto é dirigido. As casas que abrigavam candomblés e os sacerdotes que estavam a sua frente foram importantes polos de organização das comunidades negras, mesmo perseguidas pela polícia até meados do século XX, quando começaram a ser aceitas como espaços legítimos de exercício de religiosidades afro-brasileiras. A repressão estava ligada não só ao tipo de prática ali exercida, que ainda era relacionada a forças diabólicas, mas principalmente ao medo que os ritos das comunidades negras despertavam. Mesmo em tempos de liberdade, e ainda mais durante a vigência da escravidão os negros, principalmente quando reunidos, eram vistos pelos grupos dominantes como ameaça potencial à ordem estabelecida. Além dos ritos de possessão nos quais espíritos ancestrais e divinizados entravam em contato com os também ritos de adivinhação, eram comuns entre as comunidades compostas majoritariamente por grupos iorubás. Havia várias formas de consultar os oráculos como o de Ifá, quando se jogavam nozes de cola sobre uma tábua esculpida, mas aquelas formas nas quais eram usados búzios, se tornaram as mais disseminadas. Principal maneira de lidar com as adversidades da vida cotidiana, as religiões foram especialmente importantes na construção de comunidades negras na sociedade brasileira escravista. Em torno de sacerdotes, especialistas que conheciam ritos de comunicação com o além, de onde se supunha virem soluções para muitos problemas, grupos construíram identidades, nas quais também eram consideradas as áreas de origem dos seus membros, ou dos antepassados destes. O catolicismo negro Não foram, contudo, só as religiões de origem africana que ajudaram na construção de novas solidariedades e identidades. O catolicismo, que deveria ser ensinado a todo africano escravizado, era uma das principais obrigações dos senhores e também serviu de caminho para a organização de novas comunidades negras, principalmente, quando agrupadas em irmandades leigas de devoção a um determinado santo. Essas associações religiosas de "homens pretos" eram não só aceitas como estimuladas pela Igreja Católica e pela administração colonial. Mas esse lado oficial das irmandades não serviu apenas de instrumento de controle sobre as comunidades negras: elas também foram um espaço de organização e construção de novas identidades. Os principais santos de devoção das irmandades de "homens pretos" eram Nossa Senhora do Rosário, Santa Efigênia e São Benedito. Além de cuidar do culto do santo elas faziam o enterro dos irmãos mortos, mandavam rezar missas pelas suas almas e amparavam suas famílias, caso elas não tivessem nenhum recurso. Cuidavam dos irmãos doentes e algumas vezes tinham uma poupança para comprar a liberdade de alguns deles. Mas o principal momento na vida da irmandade era a realização da festa do seu “orago”, ou seja, o santo ou invocação de Nossa Senhora a qual era dedicada, que deveria acontecer todo ano. Era frequente a coroação de rainhas e reis negros nessas festas, sendo eles muito importantes na vida das comunidades as quais pertenciam. Os reis negros ligados às irmandades eram coroados na igreja e festejados com danças e cantos pelas ruas, ao som de ritmos e instrumentos de origem africana. No dia da festa do santo saíam em cortejos que chamavam a atenção de todos, despertando em uns sentimentos de reprovação, em outros de curiosidade. Esses reis, que tinham sua autoridade reconhecida enquanto durava a festa em torno deles, geralmente líderes das comunidades que os escolheram, eram procurados durante todo o ano para resolver problemas que surgissem entre seus membros, ou entre estes e seus senhores ou representantes da ordem colonial. Acostumados a ter, onde nasceram, um chefe que zelava pelo seu bem-estar e que resolvia as disputas, os africanos frequentemente também escolhiam um líder nas comunidades que iam 77 organizando no Brasil. Tal costume foi adotado pelos seus descendentes e incorporado às festas dos santos católicos cultuados pelos negros. Até o século XVIII, eram mais comuns os chamados "reis de nação", que tinham ascendência sobre um grupo com origem africana comum, como os chamados “angolas”, “minas”, ou mesmo designações mais especificas, como “rebolo” e “cassanje”. No século XIX, todos eles passaram a ser chamados de “rei do Congo”, agrupando sob seu manto comunidades negras que percebiam menos suas diferenças internas e ressaltavam a origem africana que unia a todos. O fato de os reis do Congo, em terras africanas, terem adotado o catolicismo no final do século XV e de os reis portugueses por muito tempo tê-los considerado governantes de um reino irmão teve peso na escolha dessa designação para todos os reis negros festejados pelas irmandades. Por meio dos “reis do Congo”, algumas comunidades negras afirmavam uma identidade africana que a todos unia, ao mesmo tempo que suas formas de organização eram aceitas pelos administradores coloniais, que viam na rememoração do reino do Congo cristão um sinal da inserção pacífica dos negros da sociedade escravista brasileira. Os africanos e afrodescendentes de origem banto, vindos da região de Angola e do Congo podiam aceitar o catolicismo ou alguns de seus elementos quando se ornavam membros de uma irmandade ou quando haviam tido contato com o catolicismo ainda na África. Principalmente, no caso de escravos que viveram por um período em Luanda ou em outro centro de colonização portuguesa. Esse contato antigo com o catolicismo, ou com suas formas africanas, facilitou o aparecimento, no Brasil, de ritos religiosos com estruturas africanas, mas com a incorporação de elementos católicos. Assim, os ritos de possessão, adivinhação e cura, muito parecidos na forma e na intenção com aqueles que eram feitos na região de Angola, adotaram elementos do catolicismo, mas se mantiveram essencialmente africanos. Imagens de santos e de Nossa Senhora apareceram nos altares dos ancestrais e espíritos, que eram representados por pedras, esculturas de madeira, cabanas, cestas, panelas e trouxas com ingredientes diversos. Não só os centro-africanos, porém, receberam influência do catolicismo. Como já vimos, as bolsas de mandinga, originárias da região do antigo reino do Mali, que continham originalmente escritos árabes com poderes de proteção, no Brasil colonial se combinaram com as influências lusitanas e passaram a conter também orações católicas e lascas de pedra-d'ara. Também os cultos jêjes e nagôs, aos voduns e orixás, adotaram santos e rezas católicas, incorporando-os ao seu panteão de representações e ritos re1igiosos, sem alterar a natureza das antigas crenças nem a maneira de se relacionar com o sobrenatural. Outro sinal de que o catolicismo muitas vezes passou a fazer parte da intimidade e da vida cotidiana de africanos no Brasil, e principalmente de seus descendentes, são algumas imagens de santos católicos, esculpidas em madeira e às vezes em osso. Podiam estar em altares de igrejas e capelas, guardadas em casa, em altares domésticos, entre os objetos mais preciosos ou trazidas junto ao corpo e geralmente tinham características de um amuleto, portador de boa sorte e saúde. Por meio dessas imagens, mais próximas das esculturas africanas do que dos santos portugueses, os afro-brasileiros obtinham a interferência do além nos assuntos que lhes afligiam, da mesma forma que faziam os habitantes do “rei no do Congo” com os minkisi, ou os portugueses e seus descendentes com as promessas para seus santos de devoção. Os exemplos mais abundantes desse tipo de imagem são pequenas representações de Santo Antônio feitas no século XIX, de poucos centímetros, que foram coletadas na região do vale do rio Paraíba paulista. Nessa época, era grande o número de escravos trazidos da região de Angola, onde o catolicismo já estava presente havia cerca de trezentos anos e onde Santo Antônio era muito 78 popular. Esses escravos vindos de Angola foram quase todos trabalhar nas plantações de café paulistas. No seu novo ambiente, reproduziam suas tradições ao mesmo tempo que construíam uma vida diferente, conforme os contatos que fizessem e as oportunidades que percebessem. Se já na África faziam pequenas esculturas de Santo Antônio e de Nossa Senhora, que chamavam de Toni Malau e Sundi Malau, ao travarem um contato mais intenso com o catolicismo, e1emento importante da sociedade escravista brasileira, a re1ação com os santos católicos e suas representações ficou mais forte. As muitas imagens de santos esculpidas em estilo nitidamente africano são testemunho de como o catolicismo e formas mestiças de catolicismo foram adotados por afro-descendentes, que assim iam se integrando à sociedade brasileira, da qual também eram formadores, mesmo que na qualidade de explorados e oprimidos. IRMANDADES LEIGAS NO BRASIL As irmandades eram associações leigas, voltadas para o culto de um santo, o seu orago. Cada irmandade tinha um santo de devoção, cujo altar era mantido por ela. A maioria das igrejas coloniais foi construída por irmandades, que também eram responsáveis pela sua manutenção. As irmandades possuíam bens, como a própria igreja, mas principalmente imagens de santos e objetos utilizados nos cultos religiosos. Além de cuidar do patrimônio que pertencia ao conjunto de irmãos - nome pelo qual eram chamados os seus membros-, suas principais responsabilidades eram fazer a festa do orago e cuidar do enterro e das missas por ocasião da morte de um irmão. Estes deviam pagar uma anuidade, além de contribuir para a realização das festas na proporção de suas posses. As irmandades eram regidas por um conjunto de regras chamadas de "compromisso", que deveriam ser aprovadas pela Igreja Católica. Ali estavam fixadas as normas pelas quais deveriam ser administradas e as obrigações e os direitos dos irmãos. Os compromissos das irmandades estabeleciam quem poderia ser membro da associação, quanto deveria pagar de anuidade, quais os seus deveres, como seria eleita a mesa administradora e como seria a sua composição. As irmandades eram formadas por pessoas de origem étnica semelhante, sendo compostas por brancos, negros ou pardos (nome pelo qual eram chamadas as pessoas mestiças). Essas associações separavam as pessoas conforme suas categorias sociais, sendo não só um espaço para praticar a vida religiosa como também para marcar distinções e hierarquias entre os diferentes grupos. O lugar que ocupavam nas procissões e a forma como se apresentavam tornavam pública sua maior ou menor riqueza e o lugar que seus membros ocupavam no conjunto da sociedade. As irmandades eram organizações importantes no período colonial, mas com a formação de um estado imperial, a partir de 1822, foram substituídas gradativamente por outras formas de organização regidas ela esfera civil e não mais pela esfera religiosa. 79 Origem e Fé Origem Mais de quatro milhões de africanos foram obrigados a cruzar o oceano, amontoados nos porões infectos e sufocantes dos navios negreiros, em direção a uma vida desumana de escravidão no chamado ‘novo mundo’. Este número estimado por pesquisadores equivale a cerca de 40% do contingente de negros que desembarcaram nas Américas, entre o final do século XV e o século XIX. Uma quantidade significativa de africanos que aportaram no país vieram da Bacia do rio Congo, de Moçambique, do Golfo de Guiné e de Angola e foram distribuídos por quase todo o território brasileiro, para realizar o trabalho braçal nos engenhos e nas usinas de cana, nas minas e nas plantações de café. Ainda hoje é possível identificar a herança da diversidade cultural africana em estados como Maranhão, por onde passaram centenas de negros do antigo Daomé, e Bahia, conhecida pela influência iorubá. A distribuição aleatória dos grupos africanos pelo país originou diferentes tradições religiosas, como o candomblé de nação ketu, oyó e ijexá nos terreiros baianos, o batuque gaúcho, o xangô pernambucano e a mina maranhense. Muitas destas linhas mesclam elementos iorubás, bantos e jêjes, assim como suas variadas línguas, culturas e crenças religiosas num fenômeno que passou a ser conhecido como a diáspora africana. “O conceito de diáspora tenta aproximar as experiências que os descendentes de africanos desenvolveram a partir das inúmeras áreas onde eles foram alocados. Existem várias semelhanças religiosas, culinárias, estéticas e até mesmo corporais – na maneira de andar e de vestir, por exemplo – que foram preservadas por esses povos espalhados pelo planeta. A idéia de diáspora é uma tentativa de entrelaçar todas essas diferenças, mas preservando uma característica em comum, que é trazer para aquele lugar onde esses africanos foram colocados o que de mais importante existia no seu cotidiano na África: O mundo simbólico, o batuque, a dança e as celebrações divinas. Tudo isso vai aparecer com características um pouco distintas, mas com estruturas muito semelhantes, seja em Cuba, no Brasil, no sul dos Estados Unidos ou no Caribe”.( Júlio Tavares – antropólogo) “Os angolanos e os congueses chegaram primeiro aqui. A partir de 1580, já havia uma grande quantidade de escravos na Bahia. Os negros de Angola foram escravizados junto com os índios nas fazendas dos jesuítas e de certos senhores de engenho. Eles receberam dos indígenas o segredo das plantas da terra e criaram os primeiros candomblés, chamados de “calunduns”. Houve uma primeira tradição na história do candomblé brasileiro que foi criado pelos congos e pelos angolas, misturados com os indígenas. A próxima leva de escravos africanos que vêm são os jêjes. Eles são muito importantes, numericamente, no século XIX. Eles já encontram uma tradição organizada, herdam vários elementos, mas trazem muitos recursos importantes da própria tradição jêje e criam uma segunda tradição aqui. Ainda há um terceiro momento, dos nagôs e iorubás, que são os últimos a chegar, mas vêm com tradições poderosíssimas, que trazem muitas novidades também, mas que absorvem essa terminologia, essa organização espacial. Tanto é que dentro do candomblé de “ketu” existem vários termos de Angola e do jêje, que foram absorvidos. Ou seja, o candomblé de “ketu nagô” trouxe tradições que influenciaram todos os demais, mas, por sua vez, eles também absorveram tradições que já estavam instaladas aqui”. Além de se misturarem entre si, as tradições africanas também receberam influências das culturas indígena e portuguesa. Este cruzamento é a base da criação de religiões como a umbanda, o catimbó e a jurema nordestina.Para onde quer que olhemos, 80 vamos encontrar uma sonoridade, uma palavra, um sabor, uma obra de arte e também o resultado de anos de trabalho dos negros africanos. A influência daquele povo está para além do que enxergamos no mundo visível, neste nosso aiyê. Ela também reorientou a nossa fé (Renato Silveira – pesquisador) “Foi através da religião que essa experiência se unificou. Claro que eram muitas as formas de adorar o divino e essas formas foram preservadas de maneira muito forte. Além disso, essa preservação trazia aquilo que havia de mais importante para os africanos deserdados: a celebração do território. A religiosidade traz, sobretudo, uma imagem do território perdido, que é concretizado no terreiro. O terreiro tem o papel importantíssimo de resgatar aquele território nativo, mesmo que através de uma nostalgia, de um lamento. E é esse território representado pelo círculo que vai reaparecer em várias atividades, de cunho religioso e também no espaço lúdico. Essa mesma roda está presente na capoeira, no jongo, no tambor de crioula, na gira da umbanda e no samba” No fim do século XVIII, de cada dez habitantes da cidade de Salvador, seis eram negros. E desses seis, a metade tinha vindo da atual Nigéria. Eram os Iorubás, aqui chamados de nagôs. Apesar da religiosidade africana existir no nosso país desde a chegada do primeiro escravo, somente no século XIX as religiões afro se organizaram de forma sistemática. Um marco desse movimento foi a abertura de terreiros, como a Casa Branca do Engenho Velho, o mais antigo do Brasil.(JúlioTavares–antropólogo) “É um equívoco, quando se fala em Bahia, pensar só em iorubá. Os iorubás chegaram depois, quando já havia negros na Bahia. O recôncavo e a zona rural estão aí para comprovar. Você encontra tantos sinais da presença banto, que talvez a gente nem identifique mais porque já é brasileiríssimo, já está misturado. O povo banto chegou no início do tráfico de africanos, quando os portugueses nos colonizaram. Eles formaram, com indígenas e os próprios portugueses, a cultura do povo brasileiro”(Valdina Oliveira Pinto – Pesquisadora baiana) “Os escravos rurais, provenientes do território banto da África, foram os que mais contato tiveram com os indígenas. Certamente trocaram experiências no campo das plantas, da medicina dos vegetais e até no campo religioso mesmo. Independente da importância dos outras matrizes, uma coisa é certa: a matriz banto foi a mais influente na africanidade do Brasil”.( Nei Lopes – pesquisador e compositor) Fé Desde os primórdios, os humanos cultuam as divindades a fim de assegurar o equilíbrio das forças vitais do universo. Junto com poderes, os orixás receberam tarefas. Exu, Ogum e Oxóssi, por exemplo, atuam como guardiões. Alguns reinam sobre as águas, como Iemanjá e Oxum. Iemanjá também está vinculada à infância e à maternidade, assim como Ibeji. Ossaim e Oxumarê são as entidades da natureza. O ambiente de Xangô é regido pelo fogo. Já Omolu e Nanã atuam sobre a saúde da humanidade, o que implica, muitas vezes, na doença e na morte. Exu, o princípio dinâmico que rege a vida, e Ifá, encarregado de transmitir os propósitos dos orixás aos homens, são as duas divindades que aparecem com destaque nos rituais afro-brasileiros. A casa de Exu fica próxima à entrada dos terreiros com o objetivo de proteger o espaço sagrado. Muitas vezes confundido com o conceito cristão de demônio, Exu é, na verdade, uma força que possibilita a ligação entre este mundo físico, Aiyê, e aquele habitado pelas divindades, Orum. “As divindades do panteão negro são princípios cosmológicos, ou seja, a explicação de como e por que o homem foi instalado no mundo. Isso ocorre com Xangô, 81 Ogum e todos os orixás. Cada um é dotado de preceitos explicativos acerca dos humanos. Exu é visto como perigoso porque traz o que é instável. É ele quem transporta a fala, o fundamento da comunicação, e também está relacionado à sexualidade, que, em movimento, é considerada perigosa.” Muniz Sodré – escritor Quando os antropólogos anglicanos chegaram à África e estudaram o sistema nagô, encontraram o Exu e toda a simbologia que há por trás desta divindade. Então, pensaram ‘se é tão livre sexualmente, se não tem fixidez, é o diabo’. Foi assim que Exu passou a ser representado para o ocidente como o demônio. Claro que os próprios cultos afro-brasileiros assumiram esta definição e, por influência do catolicismo, apresentam o Exu com aqueles chifres. No culto negro não existe, sequer, diabo. E todo princípio cosmológico em toda a divindade é ambivalente, com aspectos sexuais, de perigo, de luta, de guerra e de ciúme porque tudo isso é constitutivo da humanidade. Só que Exu é o motor do sistema, é ele quem transporta as mensagens, é ele quem constitui a individualidade do sujeito”. “O culto a Ifá se originou no antigo Egito, depois migrou para a África, onde se desenvolveu e, com o tráfico de escravos, chegou ao Brasil e em Cuba. Hoje em dia, está no mundo inteiro. O oráculo de adivinhação de Ifá, formado por 256 hinos, é muito certeiro e revela passado, presente e futuro dos homens. Trata-se de uma cultura iorubá sobre as energias do mar, da terra, dos ventos, dos rios e funciona como a base do que conhecemos como Candomblé”. Rafael Zamora, babalaô O babalaô ocupa uma importante posição nos terreiros de Candomblé. É aquele que se dedica ao culto do Ifá, também conhecido como Orunmilá, a divindade que tem livre acesso a todos os segredos. O babalaô usa búzios e caroços de dendê para descobrir como foi o passado e lançar previsões sobre o futuro, transmitindo a vontade de Olorum, o deus supremo. O babalaô está acima ao babalorixá. “O babalorixá é o sacerdote detentor dos conhecimentos a respeito do zelo e do culto aos orixás. Ele passa por diversos estágios de formação. Ainda na fase de abiã, quando chega à casa de culto, recebe o fio-de-conta, sua insígnia inicial. Em seguida, faz a primeira obrigação e vira um iaô, quando desposar o orixá. Depois, ele aprofunda seus conhecimentos numa etapa que dura a vida inteira. E após sete anos de obrigações gradativas, ele recebe um axé que lhe garante o posto de babalorixá ou ialorixá, no caso das mulheres. Ou seja, alguém preparado para iniciar outras pessoas ao sacerdócio” Pai Bira de Xangô (Ilê Axé Oba Ogodô) 82 OS ORIXÁS L OGUN EDÉ ►Orixá jovem da caça e da pesca Dia da semana: quinta-feira e sábado. Cores: azul turquesa e amarelo ouro. Domínios: margens dos rios, várzeas, cachoeiras, cursos de água, florestas e matas. Oferendas: papa de milho com coco, milho cozido com feijão fradinho, ipetê, papa de coco. EXÚ ► Orixá guardião dos templos, encruzilhadas, passagens, casas, cidades e das pessoas, mensageiro divino dos oráculos. Dia da semana: segunda-feira. Cores: vermelho e preto. Domínios: caminhos, cruzamentos, alto das montanhas. Oferendas: padê, inhame com dendê, piquiri. NANÃ► Orixá feminino dos pântanos e da morte, mãe de Obaluaiê. Dia da semana: terça-feira e sábado. Cores: branco, preto, roxo e azul. Domínios: lama, pântanos, lodo do fundo dos rios e mares. Oferendas: feijão fradinho, milho branco, arroz, acaçá e pipoca. OBÁ ► Orixá feminino do Rio Obá, uma das esposas de Xangô, é a deusa do amor. Dia da Semana: 2° ou 4° feira. Domínios: Águas Turbulentas. Oferendas: Moqueca de ovos, manga, amalá. Cores: Vermelho e branco ou amarelo e laranja. OGUM ► Orixá do ferro, guerra, fogo, e tecnologia. Dia da semana: terça-feira. Cores: azul escuro, verde e branco. Domínios: caminhos, profundezas da terra, jazidas de ferro, praias. Oferendas: feijoada, vatapá, inhame com feijão preto, farofa de carne de frango desfiada. 83 OMULÚ / OBALUAYÊ ► Orixá da varíola e das doenças contagiosas. Dia da semana: segunda-feira. Cores: preto, branco e vermelho. Domínios: terra, árvores, cemitérios, estradas abandonadas, universo das doenças. Oferendas: pipoca, sarapatel, cuscuz, inhame. ORIXALÁ / OXALÁ ► Orixá mais respeitado, o pai de quase todos os orixás, criador do mundo e dos corpos humanos. Dia da semana é a sexta-feira. Cor da roupa e da guia: branco. Oferendas: sua comida é a canjica de milho branco cozida com mel e o acaçá no leite de coco, sua bebida e o aluá de oxalá ou vinho de palma, sua fruta é pêra, uva verde, maçã verde. Domínios: atmosfera, oceanos, alto das montanhas, céu. OSSAIN ► Orixá das Folhas sagradas, conhece o segredo de todas elas. Dia da semana: terça-feira. Cores: verde-mata, branco e preto. Domínios: matas, florestas, raízes e folhas. Oferendas: mandioca ou inhame, folhas de fumo, folhas de café. OXAGUIÃ ► Qualidade de Oxalá jovem e guerreiro. OXÓSSI ► Orixá da caça e da fartura. Dia da semana: quinta-feira. Cores: azul turquesa e verde. Domínios: florestas, matas e terras virgens. Oferendas: aprecia muito o milho cozido. OXÚM ► Orixá feminino dos rios, do ouro, jogo de búzios, e protetora dos recém nascidos Dia da semana: sábado. Cores: amarelo ouro e rosa.. Domínios: rios, nascentes, olhos d’água, lagos, cachoeiras e mares. Oferendas: omolocun, ipetê, papa de fubá doce. 84 OXUMARÉ ► Orixá da chuva e do arco-íris, o Dono das Cobras. Dia da semana: terça-feira. Cores: preto, verde, amarelo ou multicolorido. Domínios: terra, atmosfera, chuva e arco-íris. Oferendas: batata doce, amendoim, inhame. OIÁ / IANSÃ ► Orixá feminino dos ventos, relâmpagos, tempestades, e do Rio Niger. Dia da semana: quarta-feira. Cores: vermelho terra, marrom, branco e rosa. Domínios: ventos, cemitérios, taquaral, caminhos, águas. Oferendas: acarajé, inhame, broto de bambu. XANGÔ ► Orixá do fogo e trovão, protetor da justiça. Dia da semana: quarta-feira. Cores: marrom, vermelho e branco. Domínios: pedreiras, minérios, lava do vulcão, raios e trovões. Oferendas. Amalá, arroz com carne seca, ajebó, rabada. IEMANJÁ► Orixá feminino dos lagos, mares e fertilidade, mãe de muitos Orixás. Dia da semana: Sábado. Cores: branco, prata, transparências de azul e verde. Domínios: lagoas, mares (quebra-mar) e pororocas. Oferendas: manjar branco, canjica amarela, milho branco com mel. Lendas dos Orixás A ponte entre o Orum e o Aiyê Todas as religiões do mundo tentam explicar os grandes mistérios da humanidade: De onde viemos? Quem somos? Para onde vamos? Reza uma história africana, originária de Ketu, que no início de tudo havia o Orum, o espaço infinito, e lá vivia o deus supremo Olorum. Certo dia, Olorum criou uma imensa massa de água, de onde nasceu o primeiro orixá: Oxalá, o único capaz de dar vida. Olorum mandou 85 Oxalá partir e criar o aiyê, o mundo. Só que Oxalá não fez as oferendas necessárias para a viagem e enfrentou sérios problemas no caminho. Quem acabou criando o mundo foi Odudua, sua porção feminina. Para consolar Oxalá, o deus supremo lhe deu outra missão: a de inventar os seres que habitariam o aiyê. Assim, Oxalá usou a água branca e a lama marrom para criar peixes azuis, árvores verdes e homens de todas as cores. Foram justamente os homens que, mais tarde, imaginaram formas de adorar e representar a saga de deuses como Oxalá, Odudua, Olorum e tantos outros. O sopro sagrado de Olorum Quando Olorum, o senhor do infinito, fez o universo com o seu hálito sagrado, criou junto um punhado de seres imateriais com a finalidade de povoá-lo. Estes seres, os orixás, foram dotados de poderes fantásticos, como o domínio sobre o fogo, a água, a terra, o ar, os animais e as plantas e também o masculino e o feminino. No princípio, eram muitas as divindades africanas, tantas que as comparamos às cores da exuberante África. Ainda hoje, os adeptos das religiões afro-brasileiras continuam adorando um pequeno grupo destas divindades, que representam todos os elementos essenciais à natureza e à vida humana. Os povos africanos produziram uma infinidade de mitos sobre a criação do mundo e as forças espirituais. Isso porque a necessidade de explicar o mundo em que vivemos é praticamente tão antiga quanto a própria humanidade. Ossaim, o malabarista das folhas Certo dia, Ifá, o senhor das adivinhações, veio ao mundo e foi morar em um campo muito verde. Ele pretendia limpar o terreno e, para isso, adquiriu um escravo. O que Ifá não esperava era que o servo se recusasse a arrancar as ervas, por saber o poder de cura de cada uma delas. Muito impressionado com o conhecimento do escravo, Ifá leu nos búzios que o criado era, na verdade, Ossaim, a divindade das plantas medicinais. Ifá e Ossaim passaram a trabalhar juntos. Ossaim ensinava a Ifá como preparar banhos de folhas e remédios para curar doenças e trazer sorte, sucesso e felicidade. Os outros orixás ficaram muito enciumados com os poderes da dupla e almejaram, no seu íntimo, possuir as folhas da magia. Um plano maquiavélico foi pensado: Iansã, a divindade dos ventos, agitou a saia, provocando um tremendo vendaval. Ossaim, por sua vez, perdeu o equilíbrio e deixou cair a cabaça onde guardava suas ervas mágicas. O vento espalhou a coleção de folhas. 86 Oxalá, o pai de todos os orixás, agarrou as folhas brancas como algodão. Já Ogum, o deus da guerra, pegou no ar uma folha em forma de espada. Xangô e Iansã se apoderaram das vermelhas: a folha-de-fogo e a dormideira-vermelha. Oxum preferiu as folhas perfumadas e Iemanjá escolheu o olho de santa-luzia. Mas Ossaim conseguiu pegar o igbó, a planta que guarda o segredo de todas as outras e de suas misturas curativas. Portanto, o mistério e o poder das plantas continuam preservados para sempre. No tabuleiro de Iansã Orixá das cores vermelha e branca, Iansã é a regente do vento e dos temporais. Segundo uma antiga história da África, Xangô, marido de Iansã, certa vez a enviou para uma aventura especial na terra dos baribas. A missão era buscar um preparado que lhe daria o poder de cuspir fogo. Só que a guerreira, ousada como ela só, ao invés de obedecer ao marido, bebeu a alquimia mágica, adquirindo para si a capacidade de soltar labaredas de fogo pela boca. Mais tarde, os africanos inventaram cerimônias que saudavam divindades como Iansã, através do fogo. E, para isso, usavam o àkàrà, um algodão embebido em azeite de dendê, num ritual que lembra muito o preparo de um alimento bastante conhecido até os dias que correm: o acarajé. Na verdade, o acarajé que abastece o tabuleiro das baianas é o alimento sagrado de Iansã, também conhecida como Oyá. O quitute tornou-se símbolo da culinária da Bahia e patrimônio cultural brasileiro. E, assim como ele, diversos elementos da tradição africana fazem parte do nosso cotidiano. Em sons, movimentos e cores, a arte encontrou na religião de origem africana seu sentido, sua essência, sua identidade. A porção humana dos orixás Obá, a orixá guerreira, disputava o amor de Xangô com Iansã e Oxum. Obá sentia o corpo arder de ciúme ao ver seu amado tratar Oxum com gestos de atenção e carinho e passou a imaginar que sua rival colocava algum tempero especial na comida para enfeitiçar Xangô. Certo dia, Obá foi à cozinha disposta a descobrir o segredo de Oxum. Percebendo o ciúme de Obá, Oxum resolveu pregar uma peça na guerreira e mentiu. Disse que seu ingrediente era, na verdade, um pedaço de sua orelha. Obá então pôs uma tasca da própria orelha na comida e serviu para Xangô, que rejeitou o prato. Foi quando Obá se deu conta que 87 caíra em uma armadilha e desde este dia, cobre as orelhas quando dança na presença de Oxum. Os sentimentos humanos sempre estiveram presentes na mitologia dos orixás e na tradição oral africana. Sentimentos que mais tarde viriam contar outras histórias, que compõem uma literatura tipicamente feita por negros no Brasil. A espada justa de Ogum Ogum é um orixá benfeitor, capaz de salvar muitas vidas, mas também destruidor de reinos. Há quem diga que, um belo dia, Ogum chegou em uma aldeia onde ninguém falava com ele. Sempre que se dirigia a um habitante do lugar, só recebia um grande vazio como resposta. Pensando que todos estavam zombando dele, Ogum ficou furioso e destruiu cada pedacinho da aldeia. Logo em seguida, descobriu que aqueles moradores permaneceram calados porque faziam voto de silêncio e se arrependeu amargamente por haver empregado as suas forças numa ação bélica. Desde então, o deus da guerra jurou ser mais cauteloso e proteger os mais fracos, sobretudo, aqueles que estiverem sofrendo algum tipo de perseguição arbitrária. Tanto no orum, o universo, como no aiyê, a terra, a luta dos negros contra as injustiças é encarada por corajosos guerreiros espirituais e de carne e osso. Omolu dança só Há muitos e muitos anos, um episódio interessante percorre a África inteira. É sobre uma grande festa, que reunia uma lista de ilustres convidados - Oxum, Iemanjá, Oxalá, Xangô, Oxossi, Ossaim, Obá, Logunedé, Iansã, Nanã, Ogum e Oxumaré. Todos os orixás estavam lá. Na verdade, quase todos, porque faltava o Omolu. Omolu ficou do lado de fora com vergonha das marcas que a varíola lhe deixara no rosto. Ao saber disso, Ogum correu até a floresta e teceu uma roupa de palha, o ofilá, para que o irmão participasse da festa. Omolu entrou, mas ninguém quis dançar com ele. Mesmo cobertas, suas feridas causavam repulsa nos orixás. A corajosa Iansã foi a única que o chamou para uma dança. E como Iansã é a orixá dos ventos, sem querer, mandou a roupa de Omolu pelos ares! 88 Qual não foi a surpresa quando, livre do ofilá, surgiu um homem lindo, sem defeito algum. Ao ver a beleza de Omolu, os orixás femininos suspiraram e os masculinos se morderam de inveja. Omolu ofereceu à Iansã uma recompensa, mas, a partir daquele dia, passou a dançar sempre sozinho nas festividades. Retirado do site : http://www.acordacultura.org.br/ ATIVIDADES A partir de agora, você vai ver alguns exemplos de atividades que poderá desenvolver com seus alunos, mas lembre-se, tudo deve estar contextualizado, a atividade desvinculada de um todo não faz sentido! Geografia A África não é um país, e sim um continente Essa afirmação pode parecer absurda, mas não é. "Há uma tendência em falar da África como se todos que ali vivem tivessem os mesmos hábitos e tradições", diz Rafael Sânzio Araújo dos Anjos, coordenador do Centro de Cartografia Aplicada e Informação Geográfica da UnB. Ele sugere que o professor localize em mapas os diversos povos que vieram para o Brasil e as riquezas de cada região, principalmente as minas de ouro e diamantes, para a turma entender os motivos da exploração. Ao falar sobre os diversos povos, é possível destacar as contribuições de cada um para a economia do Brasil Colônia. "Eles trouxeram para cá a melhor tecnologia dos trópicos", informa Rafael. Tanto que os donos das terras encomendavam aos mercadores mão-de-obra especializada para a atividade de seus domínios. Os alunos da 4ª série da Escola Estadual Luigino Burigotto, em Limeira (SP), ficaram espantados ao saber que a enxada, o arado e técnicas de irrigação vieram para o Brasil com os negros. A visita à Fazenda Ibicaba, do início do século 19, ilustrou esse capítulo da aula de Geografia, onde eles conheceram a casa-grande e a senzala construídas pelos negros escravizados. 89 Atualidades Problemas existem em todo o mundo Miséria, epidemias e guerras civis existem hoje nos diversos países da África. Mas também estão presentes em outros lugares. Elaine Lavezzo, professora de Cultura Internacional da Escola Internacional de Alphaville, em Barueri, município da Grande São Paulo, trabalha um continente por ano com os alunos de 7a e 8a séries. Usando notícias de jornal e livros, ela discutiu com as turmas as guerras civis em Angola e em Ruanda, a fome e a epidemia de Aids. Os alunos do Ensino Médio trabalharam com jovens de baixa renda da comunidade de Santa Terezinha, em Carapicuíba, município vizinho. Reunidos uma vez por semana, eles pesquisaram problemas comuns do Brasil e dos povos africanos e produziram um programa de rádio, em português e em inglês, que organizações não-governamentais usam em Moçambique e em Nairóbi. Ela contou com a colaboração do professor de Inglês da escola, Bruce Kevin Mack, que falou sobre a sua infância de afrodescendente em Washington, capital dos Estados Unidos, e contou curiosidades de seus antepassados. História A África já existia antes dos europeus O professor do Ensino Médio Jorge Euzébio Assumpção, do Colégio Estadual Presidente Arthur da Costa e Silva, em Porto Alegre, faz questão de mostrar como o continente africano era dividido em reinos antes da chegada dos europeus. Livros, internet e textos produzidos pelo professor são fonte para os estudantes perceberem a estrutura social e política dos diversos povos. O reino do Congo, por exemplo, era dividido em aldeias familiares, distritos e províncias e todos os governadores eram conselheiros do rei. No império de Gana, os monarcas se reuniam todos os dias com os súditos para papear, ouvir reclamações e tomar decisões. Essas informações são comparadas com o modo de vida do negro no nosso país, na época da escravidão, nos quilombos e nos dias de hoje. "A tradição oral é forte nas culturas africanas, mas os povos também sabiam ler, escrever e viviam em cidades desenvolvidas", destaca Assumpção. Baseados em relatos, os alunos construíram a maquete da cidade universitária de Tumbuctu, que começou a se desenvolver a partir do ano 12. Ciências naturais Somos todos africanos Há 7 milhões de anos houve a separação entre as linhagens do macaco e do que viria a ser o homem mais tarde. Os fósseis mais antigos de nossos ancestrais foram encontrados no Vale da Grande Fenda, formação que atravessa a Etiópia, o Quênia e a Tanzânia. Milhões de anos depois, o Homo erectus teria partido dessa região para povoar a Ásia e a Europa, onde se transformou em homem de Neanderthal. Os que continuaram na África evoluíram para a espécie sapiens, que mais uma vez migrou, dizimando ou substituindo os neandertais e os hominídeos asiáticos. E assim o planeta foi povoado. Douglas Verrangia, biólogo e pesquisador do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da Universidade Federal de São Carlos, ressalta a importância de o professor mencionar isso ao abordar a evolução das espécies, esclarecendo que biologicamente todos os seres humanos são parecidos e que as pequenas diferenças físicas não interferem na capacidade intelectual: "Isso 90 vai ajudar o aluno a desmontar o falso embasamento científico que subdividiu a humanidade em raças, no século 19, idéias que perduram até hoje". Gislaine Mara Piran, professora de Ciências e também coordenadora pedagógica da Escola Estadual Luigino Burigotto, inclui essa discussão nas aulas para as turmas de 5ª a 8ª série durante o estudo do corpo humano e da genética: "Deixo claro que alguns povos têm mais melanina na pele em consequência da adaptação ao ambiente em que viviam". Em história das Ciências, você pode citar as contribuições dos povos africanos para a medicina e outras áreas como mostra a linha do tempo das páginas anteriores. Matemática Simetria, geometria e cálculo Na Escola Municipal Arthur de Sales, em Salvador, o projeto África na Sala de Aula é interdisciplinar e faz parte do planejamento. Ao conhecer a cultura egípcia, os alunos de 2ª série da professora Nilce Maria Dantas da Gama estudam as pirâmides e os triângulos. Olhando gravuras que retratam a construção dos monumentos, eles tentam estimar a quantidade de pessoas que trabalharam na obra e de tijolos usados. A turma da professora Carla Ferreiro de Sena estudou simetria usando alguns símbolos egípcios: "Esse conceito será importante depois, no estudo do corpo humano". Ela mostrou as figuras e pediu que todos as interpretassem. Conhecendo os diferentes significados — como pureza espiritual (unsum), solidez e perseverança (wawa aba), precisão e habilidade (nkyimu) —, eles perceberam a importância de ler imagens. No final, a turma elegeu valores como amizade, respeito e solidariedade — mais próximos deles — e criaram símbolos simétricos para eles. Língua estrangeira Reggae e biografias Algumas escolas de comunidades quilombolas prevêem no planejamento atividades para resgatar a língua de seus ancestrais. Mas, mesmo quando o idioma a ser aprendido é o inglês ou o espanhol, é possível inserir a cultura africana e afrodescendente. Cláudia Alexandra Santos, professora de 5ª a 8ª série do Colégio Estadual Marquês de Maricá, em Salvador, leva para suas turmas letras de músicas do afrodescendente jamaicano Bob Marley e de outros cantores negros e textos em inglês sobre a vida de lideranças como os americanos Malcom X e Martin Luther King. Para Vilma Reis, coordenadora executiva do Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia, a introdução da cultura negra no ensino de língua estrangeira deixa o aprendizado mais próximo dos afrodescendentes. 91 Língua portuguesa Palavras, lendas e heróis Para mostrar a influência dos falares africanos no Brasil, você pode usar as palavras de origem banta destacadas nesta reportagem, apenas um tiquinho em centenas já incorporadas ao nosso vocabulário. Yeda Pessoa de Castro, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, sugere ainda que você leve para sala de aula lendas africanas e histórias que tratem de diversidade. A professora Zuleica Maria Bispo, da Escola Municipal de Educação Básica Antonio Stella Moruzzi, em São Carlos (SP), usa livros como Menina Bonita do Laço de Fita, de Ana Maria Machado, O Pássaro-da-Chuva, de Kersti Chaplet, e o gibi Zumbi dos Palmares (produzido em 2001 pela Editora Lake é distribuído gratuitamente) para atividades de leitura e escrita. Familiares dos alunos afrodescendentes podem ser convidados para contar histórias de sua vida, informações que serão transformadas em texto. Artes Na dança, nas máscaras e nos desenhos A Escola Estadual Geraldo Melo dos Santos, em Maceió, usa elementos da cultura dos povos africanos em todas as séries: a professora Moeme Maria da Silva trabalha conceitos de arte abstrata e geometrismo com as 6as; danças, mitos e adereços com as 7ªs; e máscaras com as 8ªs, relacionando essas produções às manifestações artísticas do continente europeu. Para Ana Lúcia Lopes, coordenadora do Núcleo de Educação do Museu Afro-Brasil, em São Paulo, o desafio é não resvalar no preconceito nem cair no encantamento do exótico: “Como a cultura dos povos africanos é pouco conhecida para nós, fica fácil se deslumbrar com o diferente e esquecer de dar valor às”. culturas africanas em sua essência”. Educação física Vamos jogar iitop ou mbube-mbube? Para a disciplina que se dedica à educação do corpo, brincadeiras que privilegiam as competições em equipe. Antônio José dos Santos, também da escola Antonio Stella Moruzzi, há um ano usa o iitop, o mbube-mbube (ou o tigre e o impala) e a mamba, e jogos como o yote e a mancala. Ele inicia contando a história do jogo e os valores da cultura africana presentes em cada um. Veja como construir o kalah, versão do mancala e conheça as regras dos outros jogos. Um jogo de tabuleiro que veio da África O kalah, que simula o plantio de sementes, desenvolve a atenção e a capacidade de antecipação da criançada 92 Há mais de 200 jogos africanos conhecidos por mancala, que simulam uma semeadura. Eles podem ser jogados individualmente ou até por quatro pessoas e são compostos pelos mesmos tipos de peça um tabuleiro de madeira com covas e sementes populares na África. Um deles é o kalah, que, por ter regras simples, é indicado para crianças a partir de 6 anos. A versão que você vai aprender a fazer é feita com caixa de ovos, tinta acrílica, sementes e dois potinhos plásticos. O kalah ajuda a desenvolver a atenção e a concentração da garotada, pois uma jogada errada se transforma em vantagem para o adversário. A capacidade de antecipação é outra importante competência que os alunos adquirem. O objetivo dos competidores é acumular o maior número de sementes, mas nem sempre a melhor jogada é a que possibilita conseguir uma grande quantidade delas de uma só vez. Durante a brincadeira, os pequenos também vão ficar craques na contagem, já que precisam controlar as sementes a cada jogada. As atividades com jogos enriquecem o seu planejamento, mas antes de incluir o kalah nas aulas é importante estudá-lo bem. Calcule, por exemplo, quanto tempo é gasto em uma partida. Depois de assimilar as regras, crie situações-problema para os estudantes, como dispor algumas peças no tabuleiro e perguntar qual é a próxima jogada. Como fazer Cor no tabuleiro Cacá Bratke Corte a tampa da caixa de ovos e despreze-a. Pinte a base, que servirá de tabuleiro, com tinta acrílica. Como o material da embalagem é de fácil absorção, a secagem dura em torno de 30 min. Estojo caprichado Cacá Bratke 93 Outra caixa de ovos pintada com tintas de diferentes cores vira uma embalagem para o jogo. Nela, você encaixa o tabuleiro de kalah e coloca as regras, escritas em papel colorido. Deixe-a em um local de fácil acesso para as crianças. Diferentes peças Cacá Bratke Qualquer versão de mancala é tradicionalmente jogada com sementes, mas você pode substituí-las por outros grãos ou peças. Uma opção é o feijão-branco, mostrado na foto de abertura na página ao lado, ou o grão-de-bico. É possível utilizar ainda miniaturas feitas com massa de biscuit, botões decorativos, macarrão e pedrinhas. *Produção Samir Zavitoski, Assistente Susi Ramos Agradecimentos Alegre Art (Cubos coloridos), Castelo dos Sonhos e Trenzinho (jogos), Gato Preto (tintas) MATERIAL NECESSÁRIO Cacá Bratke 2 caixas de ovos de 1 dúzia Tinta acrílica de diversas cores Pincel chato nº. 22 Tesoura 36 grãos de feijão-branco 2 potinhos plásticos Regras do jogo A cada rodada, participam duas crianças, sentadas frente a frente e tendo o tabuleiro entre elas. Cada jogador fica com um lado do tabuleiro e com um potinho à sua direita (chamado de casa de acumulação ou reservatório). São colocadas três sementes em cada cova. O primeiro jogador pega as sementes de uma delas e as redistribui, uma por cova, no sentido anti-horário. Sempre que o percurso incluir o próprio reservatório, ele deposita ali uma semente que passa a pertencer apenas a ele. Ao passar pelo reservatório adversário, o jogador 94 não coloca sementes. Toda vez que a última semente cair no reservatório da própria criança, ela joga de novo. Ela pode partir de qualquer cova de seu campo. Há outra maneira de se apropriar de sementes. Quando a última semente do monte que está sendo distribuído cair em uma cova vazia do próprio campo, o jogador pode pegar todas as sementes que estão na cova da frente, no campo adversário. O jogo termina quando as sementes já estiverem nos reservatórios dos jogadores ou quando não houver mais sementes no próprio campo para jogar. Vence quem acumular mais sementes. Tema: ÁGUA POTÁVEL Material: mapa da escassez de água. COLOCANDO EM PRÁTICA Quando se fala da África, é importante abordar a falta de água. Você deverá reproduzir um mapa múndi temático, em que os alunos poderão perceber em quais locais do mundo existe a possível escassez de água e ainda descobrir que esta pode ser derivada de diferentes fatores. O mapa foi elaborado de acordo com estudo divulgado pelo International Water Management Institute (Instituto Internacional de Gerenciamento de Água), que afirma que um terço da população mundial sofre com algum tipo de escassez do líquido. Na África, um fator que influi diretamente nessa questão é de ordem econômica, pela falta de investimento e infraestrutura e pela distribuição desigual dos recursos hídricos. Apresente a turma o mapa de escassez de água e comente sobre o significado de sua legenda. Pergunte aos alunos se eles conhecem ou poderiam pensar em formas alternativas para uma distribuição igualitária de água e oriente-os a discutir, em pequenos grupos, as possíveis causas da má distribuição. Vários fatores contribuem para a escassez de água na África. De ordem natural, está a grande extensão de regiões com clima árido e semi-árido, além da pobreza da hidrografia. Isso pode ser observado, por exemplo, no Sahel, localizado ao sul do deserto do Saara. Outro ponto importante é de ordem econômica: o aumento da população eleva o consumo hídrico e os danos aos rios e à paisagem vegetal. O fenômeno da desertificação, em grande parte provocado pela ação humana, também contribui – e muito – para a falta de água. Causas como a prática de queimadas para a produção agrícola, o desmatamento de áreas florestais, a intensificação do pastoreio e a erosão de solos fazem que áreas com relativa facilidade de ocupação se tornem desérticas. Fonte: Geografia Geral Geopolítica (Reinaldo Scalzaretto, Anglo) 95 MAPA-MÚNDI DA ESCASSEZ DE ÁGUA DE QUEM É ESSE PÉ? Tema: O SURGIMENTO DO PRIMEIRO HOMEM NA ÁFRICA Materiais: água; areia; embalagem de pizza (de papelão); gesso em pó; pincel; pote; água. PASSO A PASSO FEITO PELOS ALUNOS 1. Primeiramente, peça que as crianças despejem areia na embalagem de pizza, deixando uma camada de aproximadamente 5 cm. de espessura. Se os grãos estiverem muito secos, solicite que os umedeçam, pois dessa forma conseguirão moldar com mais facilidade. Para compactar a areia, oriente-os a sová-la com a água, deixando-a firme na forma. Para alisá-la podem passar a régua sobre os grãos. A seguir, devem colocar a embalagem no chão e, cuidadosamente, pisar na areia, para marcar o desenho dos pés. 2. Agora, deverão colocar 1 L. de água em um recipiente com ½ kg de gesso, misturando bem, até obter uma pasta. 3. Instrua a turma a despejar a mistura lentamente na forma com a marca dos pés e aguardar cerca de 30 minutos, até a secagem do gesso. 96 4. Depois de seco, eles 4- 4- Depois de seco eles devem retirar o molde feito. Dica: Para limpar a areia que poderá ter ficado no molde, oriente-os a utilizar pincel. COLOCANDO EM PRÁTICA Uma das principais formas de desvendar a História é por meio da análise de fósseis encontrados nos mais diversos lugares. Depois de mostrar aos alunos como um fóssil se forma (seguindo as indicações do passo a passo), trabalhe com a turma as impressões e os fósseis encontrados na África que auxiliaram na compreensão de suas características e modo de vida. Você sabia? O fóssil mais antigo do mundo foi encontrado na Austrália - uma cianobactéria microfilamentosa com 3,5 bilhões de anos. O homem surgiu na África? Existem diversas teorias acerca do surgimento da humanidade, como o evolucionismo, encabeçada pelo cientista inglês Charles Darwin, que afirma que o homem e todos os seres vivos evoluíram de formas mais simples para as mais complexas e estão em constante transformação; e o criacionismo, que acredita que a vida e tudo a ela relacionada são resultados da ação de um Criador. Os cientistas ainda não conseguiram elaborar a árvore genealógica completa dos seres humanos, mas algumas espécies de hominídeos (nossos antepassados) foram estudadas. Entre elas, está o Australopithecus, cujos representantes possuíam baixa estatura, andavam sobre os dois pés e tinham os braços compridos. Seus fósseis foram encontrados na África e datam de cerca de quatro milhões de anos, o que leva a crer que teriam originado a espécie humana. Homo sapiens sapiens, espécie da qual fazemos parte, teria surgido também na África, há cerca de 100 mil anos, e se espalhado pelos outros continentes, adaptando-se aos diferentes ambientes. GRIOTS Tema: OS GRIOTS DA ÁFRICA. Você já ouviu falar nos griots? Assim são conhecidos os contadores de historias da África. Verdadeiros guardiões da memória, são muito valorizados e respeitados. Quando chegam as aldeias, os pais afinam os tambores, as mães vestem as roupas mais bonitas e as crianças sentam-se em roda - está aberto o ritual do contador de histórias. Leve os alunos a um parque ou a um jardim da própria escola. Se não conseguir um ambiente ao ar livre, ajeite um espaço aconchegante na própria sala de aula. Se possível, utilize tapete e almofadas para que as crianças fiquem à vontade para escutar uma das histórias desse maravilhoso povo. Incorpore um griot e conte a fábula seguinte para a turma. Depois, pergunte a opinião de cada um sobre o texto e peça que eles também se tornem griots e contem histórias aos colegas. O sapo e a cobra (Lenda africana) Era uma vez, um sapinho que encontrou um bicho comprido, fino, brilhante e colorido deitado no caminho. - Alô! O que você esta fazendo estirada na estrada? 97 - Estou me esquentando aqui no sol. Sou uma cobrinha, e você? - Um sapo. Vamos brincar? E eles brincaram a manhã toda no mato. - Vou ensinar você a pular - disse o sapinho. E eles pularam a tarde toda pela estrada. - Vou ensinar você a subir na árvore se enroscando e deslizando pelo tronco - disse a cobrinha. Eles subiram. Ficaram com fome e foram embora, cada um para sua casa, prometendo se encontrar no dia seguinte. - Obrigada por me ensinar a pular - disse a cobrinha. - Obrigado por me ensinar a subir na árvore - disse o sapinho. Em casa, o sapinho mostrou à mãe que sabia rastejar. - Quem ensinou isso para você? - A cobra, minha amiga. - Você não sabe que a família Cobra não é gente boa? Eles têm veneno. Você está proibido de brincar com cobras. E também de rastejar por aí. Não fica bem. Em casa, a cobrinha mostrou a mãe que sabia pular. - Quem ensinou isso para você? - O sapo, meu amigo. - Que besteira! Você não sabe que a gente nunca se deu bem com a família Sapo? Da próxima vez, agarre o sapo e... Bom apetite! E pare de pular. Nós, cobras, não fazemos isso. No dia seguinte, cada um ficou na sua. - Acho que não posso rastejar com você hoje - disse o sapo. A cobrinha olhou, lembrou do conselho da mãe e pensou: "Se ele chegar perto, eu pulo e o devoro". Mas lembrou-se da alegria da véspera e dos pulos que aprendeu com o sapinho. Suspirou e deslizou para o mato. Daquele dia em diante, o sapinho e a cobrinha não brincaram mais juntos. Mas ficavam sempre ao sol, pensando no único dia em que foram amigos. FRASES QUE NOS FAZEM REFLETIR! COLOCANDO EM PRÁTICA Materiais: caixa de sapatos; cola branca; fichas dos provérbios; tecido; tesoura com ponta arredondada. Tema:LIÇÕES DE VIDA, PROVÉRBIOS AFRICANOS E INDÍGENAS. Nesta atividade, você poderá utilizar os provérbios como fonte de análise. Encape a caixa de sapatos com o tecido - esta será a Caixa dos Provérbios. A seguir, recorte frases e coloque-as dentro da caixa. Faça sessões de leitura e análise do sentido das orações. Não há necessidade de esgotá-los em um único dia; afinal, isso exige um tempo de reflexão e diálogo. Oriente os alunos a ler, escutar e analisar cuidadosamente a mensagem contida em cada um deles. Diga-lhes que devem dar sua opinião, contestar ou apoiar e até mesmo reformulá-las. PROVÉRBIOS AFRICANOS "O tolo têm sede no meio de água." "Um inimigo inteligente é melhor que um amigo estúpido." "Para quem não sabe, um jardim é uma floresta." "O machado esquece; a árvore recorda." "Quando um rei tem conselheiros bons, seu reino é pacífico." 98 "A igualdade não é fácil, mas a superioridade é dolorosa." "O vento não quebra uma árvore que se dobra." "Um camelo não zomba da corcunda de outro camelo." "A esperança é o pilar do mundo." "O conhecimento não é a coisa principal, mas ações." "O conhecimento é como um jardim: se não for cultivado, não pode ser colhido." "Se você está construindo uma casa e um prego quebra, você deixa de construir, ou você muda o prego? PROVÉRBIOS INDÍGENAS “Quando a última árvore tiver caído, ...quando o último rio tiver secado, ...quando o último peixe for pescado, ...vocês vão entender que dinheiro não se come.” “Não ande atrás de mim, talvez eu não saiba liderar. Não ande na minha frente, talvez eu não queira segui-lo. Ande ao meu lado, para podermos caminhar juntos.” BERÇO DA HUMANIDADE • Materiais: mapa fundação cidade do Cairo; tesoura com ponta arredondada. Tema: ÁFRICA, BERÇO DA HUMANIDADE COLOCANDO EM PRÁTICA Ao falar em civilizações, não podemos deixar de mencionar a importância do meio na formação desses povos. Os seres humanos também sofreram transformações, e o ambiente é um dos fatores que influenciaram esse processo. Por exemplo, como os primeiros habitantes da África faziam para encontrar água no deserto? Problematize com os alunos a questão e incentive-os a encontrar soluções para tal tarefa, como estar perto dos rios. Ao nordeste da África, encontramos o rio Nilo, até recentemente classificado como o maior do mundo. Porém, pesquisas revelam que o Amazonas pode ganhar o posto (pesquisadores do IBGE, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), da Agência Nacional de Águas (ANA), e do Instituto Nacional Geográfico do Peru (IGN) realizaram, em 2007, a primeira expedição conjunta para pesquisar a nascente do rio e sua extensão e estabeleceram a estimativa de que esta ultrapasse os 6.850 km, 180 km a mais que o Nilo. Aproveite para desafiar a turma a descobrir o tamanho do rio Nilo. Assim como no Egito, as civilizações, em sua maioria, nascem nos arredores do curso hídrico. Questione a garotada sobre os porquês desse acontecimento. Apresente mapas à turma e leve-os a observar os rios que foram importantes no cenário na fundação de inúmeras cidades. Não se esqueça de aprofundar a questão do uso dos rios atualmente, bem como a poluição e a utilização inadequada; dessa forma, eles poderão estabelecer relações entre o passado e o presente, as evoluções ocorridas e suas possíveis conseqüências. AS PIRÂMIDES 99 Materiais: cartolina ou papel-cartão; cola branca; riscos das pirâmides; tesoura com ponta arredondada. Tema: GEOMETRIA, SÓLIDOS GEOMÉTRICOS, TRABALHO ESCRAVO, ETC. COLOCANDO EM PRÁTICA No Egito, existem verdadeiras maravilhas, como as pirâmides. Com construções perfeitas, esses monumentos oportunizam um amplo estudo de Física e Matemática. Estas nada mais são que um sólido geométrico chamado de pirâmide de base quadrada. Existem também as de base triangular - para que seja possível sua comparação, apresentamos ambas na folha de moldes. Reproduza-as, para que todas as crianças recebam uma cópia de cada. Peça-lhes que as colem em papel resistente e iniciem a montagem. Antes, aproveite para trabalhar conceitos de geometria como arestas, vértices, base e faces. Com o molde ainda planificado, pergunte aos estudantes quais formas geométricas são encontradas. Em seguida, solicite que recortem as linhas contínuas e dobrem nas pontilhadas. Depois de prontas, eles podem compará-las com as pirâmides encontradas nos livros. Apresente as pirâmides à garotada e descubram juntos os mistérios dos faraós! 100 AS MÁSCARAS COLOCANDO EM PRÁTICA Para iniciar a atividade, separe a turma em duplas e solicite às crianças que meçam o tamanho dos arames que servirão de estrutura para a máscara. Elas devem determinar o diâmetro do rosto e, depois, linhas horizontais na altura da testa, nariz e queixo. Cada medida deve ser cortada no arame, deixando sempre uma folga para enrolar um no outro, para fixá-lo. Feito o esqueleto, os alunos criarão formas para o rosto. Utilizando o arame como suporte, auxilie-os a modelar no arame os contornos desejados e a fixá-los ao esqueleto. Em seguida, eles devem medir a posição dos olhos e fazer a estrutura. É importante quadriculá-la com arame, deixando pequenos intervalos. Assim conseguirão fixar melhor a fita adesiva que deverá revestir os espaços em branco, exceto os olhos. Depois, prepare, com as crianças, uma mistura de cola e água, na proporção de duas quantias de cola para uma de água. Corte pequenas tiras de estopa, passe-as na mistura da cola e revista a máscara. Espere secar e, então, peça que pintem as peças. Essa técnica permite a confecção de máscaras mais duradouras. As máscaras são as formas mais conhecidas da plástica africana e foram os objetos que mais impressionaram os povos europeus. Incentive a criançada a soltar a imaginação e criar as próprias máscaras. Narizes longos, chifres e orelhas esquisitas poderão fazer parte da alegoria criada pelos alunos. Para ampliar a atividade, promova um desfile de máscaras. Apresente, ainda, os modelos disponíveis na folha de moldes, peça que os pintem e fale a turma sobre a importância de tais alegorias para a cultura africana. • Materiais: água; alicate; arame maleável; cola branca; fita adesiva larga; riscos das máscaras; saco de estopa; tinta guache de cores variadas. • A máscara, acessório utilizado para cobrir o rosto, pode ter diversos propósitos, entre os quais os lúdicos, como quando utilizadas em bailes de máscaras, carnaval e corridas; os religiosos, para proteção, adorno em cerimônias de casamento, iniciação e cura; e os artísticos, para decoração. Considerada por diversas comunidades como símbolo sagrado, pela crença de que há uma divindade presente em cada uma delas, é um objeto geralmente de madeira, e quem a utiliza pode se tornar outra pessoa. Tal processo de “transformação” é apreciado por diferentes culturas para simbolizar os ancestrais e as divindades na maioria dos rituais. O objeto também facilita a identificação de qualquer família ou clã. Para as tribos africanas, o poder da peça tem papel sagrado, que se iniciou no período de migração dos antigos povos. Algumas são criadas para assegurar colheitas férteis, fator muito importante na maioria das sociedades africanas; outras representam a vida da pessoa, desde a infância até o momento do enterro. 101 TANZÂNIA, UM VERDADEIRO PAÍS ZOOLÓGICO Materiais: caderno; ilustração do gnu; lápis preto; mapa político da África tesoura com ponta arredondada. Tema: MEIO AMBIENTE, FAUNA, FLORA E GEOGRAFIA AFRICANA Gnu = Também conhecido como boi cavalo, o gnu habita uma grande região que vai da zona central do continente africano até ao extremo sul do mesmo. COLOCANDO EM PRÁTICA Pergunte aos alunos qual é a região do mundo que concentra elefantes, leões e zebras. É muito provável que mencionem a África. Mas onde exatamente? Oriente-os a buscar em seus conhecimentos prévios alguma informação sobre o assunto. Depois, fale sobre a Tanzânia, país africano que abriga várias espécies de animais selvagens. Solicite que procurem no mapa político sua localização e que façam algumas observações, por exemplo, a distância do Oceano, o clima e a possível vegetação. Dessa forma, você exercitará constantemente a capacidade de estabelecer relações e fazer inferências, itens fundamentais a serem estimulados na faixa etária. Um animal muito conhecido na Tanzânia é o gnu. Pergunte às crianças se sabem defini-lo e aproveite para levantar hipóteses sobre o bicho. Apresente a ilustração de um gnu e solicite que observem suas características. Incentive-os a descobrir possíveis habilidades e costumes dessa espé- cie por meio da observação das características físicas. A Tanzânia ocupa uma área de 940 mil km2, o que equivale aproximadamente ao Estado do Mato Grosso. Sua capital se chama Dodoma (ou Oar Es Salaam) que, como Brasília, foi especialmente construída para ser o centro administrativo nacional. O país possui algumas reservas ambientais, como os Parques Nacionais do Serengeti, do Ngorongoro e do Tarangire. Na maior parte do ano, o Serengeti é o lar natural de mais de um milhão de gnus - ruminante parecido a uma mistura de boi com cavalo. Nos meses de seca (junho e julho), essa imensa manada, dividida em grupos, migra para o país vizinho, o Quênia, onde há grandes reservas de água. Nessa longa viagem (cerca de mil quilômetros), os animais são acompanhados por milhares de zebras e antílopes. Mesmo assim, leões, leopardos e guepardos são uma ameaça constante ao longo do caminho, pois o alimento principal dos grandes felinos são os gnus, as zebras e os antílopes. 102 O USO DAS FORMAS • Materiais: cola branca; imagem de uma casa Ndebeles (abaixo); lápis de cor; molde da casa em 3D (pronta na folha de moldes); tesoura com ponta arredondada. Tema: GEOMETRIA Para trabalhar Geometria, conte aos alunos que existe um povo na África do Sul que esbanja bom gosto e criatividade, os Ndebeles. Embora seja pequena, a tribo é famosa por suas pinturas, roupas e bonecas. Pinturas em quadros? Que nada! Eles pintam suas casas de forma espetacular, como você pode ver: As formas geométricas são a base das belas produções. Para incentivar os estudantes a valorizar tal cultura, proponha a criação da decoração das próprias "casas”. Para começar, apresente-lhes a ilustração da moradia pintada (acima). Então, reproduza a estrutura da casa tridimensional, de modo que cada criança receba uma cópia. Neste molde, as paredes são quadriculadas, favorecendo a criação de variadas formas geométricas. Não se esqueça de montar uma bela exposição com os trabalhos. 103 Ampliar o molde • CORRENTES DE AR Materiais: água quente e em temperatura ambiente; anilina de cor forte; 2 garrafas Pet transparentes; martelo; prego; silicone. Tema: CLIMA, TEMPERATURA E EXPERIMENTOS. 104 COLOCANDO EM PRÁTICA Quando se menciona a palavra África, logo nos vem a mente um continente com temperaturas altas, já que 75% do seu território se situam entre os trópicos de Câncer e Capricórnio. Porém, na região também há cadeias de montanhas localizadas ao Norte, a Cordilheira do Atlas, que se estende pela Tunísia, pela Argélia e pelo Marrocos. Leve os alunos a refletir sobre como deve ser a temperatura no alto dessas montanhas. Pergunte se já tiveram a oportunidade de escalar algum lugar muito alto e leve-os a perceber que, quanto mais elevado for o local, mais frio e o ar. O ar quente é menos denso que o frio, fazendo com que este suba. Sendo assim, por que no alto de uma montanha o ar e mais frio que no vale? Lá, o ar é mais frio pelas correntes de convecção. O ar lá de baixo recebe o calor absorvido pela terra, tendendo a se elevar, por ser menos denso. Até chegar ao pico, porém, vai cedendo calor e ficando mais frio, até se tornar mais denso e descer. Então, uma nova corrente de ar quente sobe e passa pelo mesmo processo, justificando a temperatura no pico da montanha. Além disso, como o ar fica mais rarefeito à medida que a altitude aumenta, a pressão que exerce tende a se reduzir, o que implica a diminuição da temperatura nessa região. Que tal uma experiência que ilustre tal observação sobre as correntes de convecção? Com o prego e o martelo, fure as tampinhas das garrafas Pet. A seguir, cole-as de costas, utilizando o silicone. Coloque a água quente em uma das garrafas e pingue algumas gotas da anilina. Na outra garrafa, adicione a água em temperatura ambiente. Feche a primeira usando a tampinha dupla. Rapidamente, vire a garrafa com água em temperatura ambiente sobre a outra e rosqueie a tampa, fechando o recipiente superior. Solicite que os alunos observem atentamente o que ocorre. A água quente tende a subir e, depois, entra em equilíbrio, misturando-se a água ambiente. Então, todo o liquido ficará igualmente colorido. Peça que os estudantes registrem suas observações e estabeleçam relação com um dado muito curioso encontrado no continente africano: o Kilimanjaro, um vulcão coberto de neve. Ele fica na Tanzânia e tem quase 6 mil m de altitude. Não é um vulcão ativo - está dormente - e lá no alto a temperatura pode até se igualar a dos polos da Terra. Porém, infelizmente, pesquisas mostram que, daqui a alguns anos, talvez não exista mais neve no topo do vulcão, pelo superaquecimento do planeta. VAMOS COZINHAR? Tema: CULINÁRIA Materiais: avental; ingredientes da receita; prato ou travessa. 105 SCONES (pãezinhos) 12 unidades Ingredientes 2 xícaras de farinha de trigo 2 colheres (sopa) de açúcar cristal 1 colher (sopa) bem cheia de fermento em pó 1 colher (café) de sal 4 colheres (sopa) de margarina 1 ovo inteiro 150 ml. de leite Modo de Fazer Peneire a farinha, o açúcar, o fermento em pó e o sal em uma vasilha. Adicione a margarina e friccione delicadamente, com a ponta dos dedos, até ficar em migalhas. Em outro recipiente, misture o ovo e o leite e adicione-os à massa, mexendo delicadamente, sem amassar. Vire a massa em uma superfície plana, previamente enfarinhada, e estique-a com as mãos, até que fique com 2 em de espessura. Corte em quadrados ou círculos (com auxílio de um copo) e coloque em uma forma untada. Pincele a superfície dos pãezinhos com a gema e leve ao forno quente (250°C) de 10 a 15 minutos ou até dourar. Sirva quente. Você pode ainda rechear com geleia, manteiga etc. Fonte: site do Consulado Geral da Republica da África do Sul em São Paulo www.africadosul..org..br COLOCANDO EM PRÁTICA Como já vimos, África é rica em diversidade, e a culinária não poderia fugir à regra. No quadro anterior, você confere uma receita sul-africana. Prepare-a com as crianças - é simples e poderá auxiliar nas aulas de Língua Portuguesa, com a análise da estrutura textual da receita; de Ciências, mostrando a transformação dos alimentos, a importância da higiene, a diferença entre produtos naturais e industrializados; e nas aulas de Matemática, com medidas, proporções etc. RECEITA AFRICANA SALPICADA DE CIENCIA Você já ouviu falar de São Tomé e Príncipe? Trata-se de um arquipélago africano tão pequeno que e até difícil de acreditar que seja um país. São Tomé e a 168a nação em tamanho do mundo, uma das últimas da lista de 191. Para se ter uma idéia, o arquipélago é menor até do que a cidade do Rio de Janeiro. Assim como o Brasil, São Tomé foi colonizada por portugueses. O país possui belíssimas paisagens e uma cultura bastante rica. A culinária, então, nem se fala. Ou melhor: é de lá que vamos falar ... Que tal fazer em casa uma deliciosa receita de banana são-tomense e desvendar a ciência da atração pelo açúcar? SONHOS DE BANANA DE SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE Ingredientes: 220 gramas de banana sem casca; 25 gramas de açúcar; 120 gramas de farinha de trigo; 100 mililitros de leite; 1 ovo; Açúcar, canela e óleo para fritar. 106 Modo de fazer: Numa bacia, misture a farinha, o açúcar, o leite e o ovo. Deixe essa massa separada e, com um garfo, amasse as bananas. Em seguida, junte as bananas à massa e mexa tudo. Faça pequenas bolinhas com a massa e frite-as. Da frigideira, sairão sonhos de banana iguaizinhos aos que são saboreados em São Tome e Príncipe. Você, agora, só precisa polvilhá-los com açúcar e canela. Revista Ciência Hoje das Crianças Maio de 2006 / Ano 19 / Nº168 QUEBRANDO A CABEÇA Tema: GEOGRAFIA AFRICANA, PAÍSES. Materiais: cartolina ou papel-cartão; cola branca; mapa contorno da África e de países separados; mapa-múndi; tesoura com ponta arredondada. O trabalho com coordenadas geográficas e localização no tempo e no espaço é essencial nas séries iniciais. Nesta atividade, os alunos poderão, de forma divertida, aprender a localização das nações situadas no continente africano. A África possui 53 países, sendo um dos maiores continentes em tamanho, perdendo somente para a Ásia e a América. Em compensação, é aproximadamente três vezes maior que a Europa. COLOCANDO EM PRATICA Cole o quebra-cabeça do continente africano em papel resistente e peça que os alunos recortem as partes. Embaralhe as peças e solicite que tentem montá-lo novamente. Para isso, eles poderão utilizar como auxílio um mapa-múndi. Atente as crianças aos detalhes encontrados, como o tamanho de cada país da África e seus respectivos nomes. Uma sugestão para as aulas de Matemática é trabalhar estimativa: você poderá criar situações-problema envolvendo as nações africanas, por exemplo: "qual é o maior país do continente?"; "qual o menor?"; "existem nações com tamanhos idênticos?" etc. AFRICA DO SUL SENEGAL CONHECENDO AS BANDEIRAS Tema: BANDEIRAS DOS PAÍSES AFRICANOS Materiais: bandeiras dos países africanos; cartolina ou papel cartão; cola branca; tesoura com ponta arredondada. COLOCANDO EM PRATICA 107 Para ampliar o repertório dos alunos, apresente as bandeiras de cada país africano. Recorte-as e entregue-as à turma para que as colem em folha de papel resistente e as organizem em ordem alfabética. A ideia é elaborar um livro em que cada página terá a bandeira de um país e, no verso, os alunos registrarão dados importantes recolhidos sobre cada uma das nações, bem como alguma curiosidade. Solicite que, em grupo ou individualmente, as crianças pesquisem um país e depois socializem as informações. VIVER BEM! Materiais: mapa com divisão política e de vegetação; riscos dos animais; tesoura com ponta arredondada. Tema: FAUNA AFRICANA. COLOCANDO EM PRATICA Apresente aos alunos alguns animais tipicamente africanos e solicite que tentem descobrir em que local da África estes aparecem com maior incidência. Oriente-os a observar as características físicas de cada bicho e os ambientes encontrados no continente. Quando as crianças sobrepuserem os animais no mapa, pergunte-lhes quais critérios utilizaram. Certamente, as atividades auxiliarão na compreensão do sistema como um todo e da interrelação existente no meio ambiente. 108 • 109 JOGO DAS RIMAS RIMANDO COM A BICHARADA Divertir as crianças com rimas divertidas. Faça um círculo com as crianças e explique que vocês farão uma história coletiva sobre os cinco maiores animais da África, mas que as palavras precisam rimar. Confira as nossas sugestões para iniciar a brincadeira, mas incentive-as a completarem as histórias. ► elefante e gigante. Sua mãe é elegante, sua história é fascinante. Mas sua irmã é bem extravagante. Ele é um ótimo ajudante. E o seu pai é cativante ... ► rinoceronte e horripilante. Seu tamanho é impressionante. Sua pele é interessante, mas a sua boca é apavorante, e o seu olho é brilhante ... ► leão e fortão. Ele é um grande amigão. O seu pai é bonitão. O seu irmão é espertalhão, o seu nome é João ele é muito comilão ... ► leopardo e o Leonardo. Ele gosta de chocolate meio-amargo. Ele é o pardo. Seu irmão é o Bernardo e seu primo o Eduardo ... ► búfalo e muito abelhudo. Seu amigo é o cavalo. No seu dedo tem um calo e ele adora um embalo, toma água no gargalo,o seu primo é o Gonçalo, joga bola no intervalo ... 110 BIBLIOGRAFIA ABRAMOWICZ, Anete (Org.). Trabalhando a diferença na Educação Infantil: propostas de atividades. São Paulo: Editora Moderna, 2006. BENJAMIN, Roberto Emerson Câmara (Org.) A África está em nós: história e cultura afro-brasileira – Vol. I, II, III e IV. João Pessoa: Editora Grafset , 2006. EVARISTO, Mara Catarina. Livro do Professor. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2006. FERREIRA, Muniz Gonçalves. A África Contemporânea: dilemas e possibilidades, in Lei 10.639/03 Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Fundamental. Prefeitura Municipal de Salvador. LIMA, Heloísa Pires. Plantando Sementes: Áfricas e Afro-Brasis in Jornal Bolando Aula de História – Ano 10 - Número 55 Maio/Junho 2007. 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