PRAÇA HELIODORO BALBI: HISTÓRIA E VIDA
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PRAÇA HELIODORO BALBI: HISTÓRIA E VIDA
PRAÇA HELIODORO BALBI: HISTÓRIA E VIDA Priscila Deane Alves de Souza.1 Elizabeth Filippini.2 RESUMO As cidades vão mudando com o tempo, porém, é possível encontrar pequenos fragmentos que sobrevivem às transformações urbanas. Estes espaços possuem sua própria história, e guardam consigo um imaginário coletivo. Neste sentido, a Praça Heliodoro Balbi é um importante patrimônio para a cidade de Manaus, palco de manifestações políticas, sociais e culturais, que contribuíram para a formação da sociedade manauense. Sendo assim, é preciso promover a integração do entorno da praça, visando compreender a sua efervescência nas distintas épocas pelas quais passou, além de mostrar os valores atribuídos a esse espaço público e as relações estabelecidas no local, uma vez que parte da população trocava seus lares para freqüentar o local público, participando de discussões sobre os mais variados assuntos. No entanto, observa-se hoje que a Praça Heliodoro Balbi vem sendo mal utilizada, tornando-se alvo de vandalismo e testemunha da exploração infantil, prostituição e mendicância. Torna-se necessário sensibilizar a população a respeito da importância dos patrimônios para a noção de coletividade. Para se chegar às informações pertinentes, foram feitos, além de um levantamento bibliográfico com base nas obras de Jefferson Peres, José Vicente de Souza Aguiar e Ana Lúcia Abrahim, um mapeamento preliminar de dados documentais. É através de estudos como este, que se torna mais esclarecido o porquê de preservar, tendo em vista que é preciso entender para gostar, e é gostando que se preserva. PALAVRAS-CHAVE: Patrimônio; história; cultura; turismo; meio ambiente. INTRODUÇÃO As praças, consideradas como pequenos fragmentos que sobrevivem às transformações urbanas, são territórios que guardam consigo um imaginário coletivo, carregado de histórias individuais e coletivas. Neste sentido, pretende-se analisar a Praça Heliodoro Balbi, um elemento urbano popularmente conhecido como Praça da Polícia , ressaltando como esse logradouro público 1 Aluna do 4º Período, do Curso de Turismo, da Universidade do Estado do Amazonas, ano: 2006. Bolsista do PROFIC Programa de Fomento à Iniciação Científica, com o SubProjeto: Memórias da Praça do Congresso. 2 Professora Doutora em História, da Universidade do Estado do Amazonas. Orientadora do PROFIC Programa de Fomento à Iniciação Científica, com o Projeto: Patrimônio Histórico-Cultural em Revisão: revitalização do centro antigo de Manaus. 2 vem sendo utilizado desde a sua inauguração, bem como as intervenções públicas que ocorreram no decorrer da sua história. As mudanças mais significativas ocorreram no ciclo da borracha, sob o governo de Eduardo Ribeiro, o qual foi imprescindível para o embelezamento da praça. As intervenções públicas durante esse período contribuíram para que a praça se tornasse palco de importantes manifestações sociais e culturais inerentes à sociedade manauense. É preciso promover a integração do entorno da praça, visando compreender a efervescência cultural ocorrida nas distintas épocas pelas quais passou. Também é importante mostrar os valores atribuídos à praça, as relações estabelecidas, uma vez que parte da população trocava seus lares para freqüentar esse local público, de modo que se pudesse participar de discussões sobre os mais variados assuntos, como futebol, artes, economia entre outros. Portanto, conhecer a história da Praça Heliodoro Balbi é uma forma de valorizar a história de cada cidadão manauense, que de alguma forma contribuiu para a formação sóciocultural da mesma e da sociedade como um todo. DESENVOLVIMENTO Em 1890, a borracha encontrava-se em seu auge, devido aos aumentos sucessivos nas suas exportações, que propiciaram uma grande receita. Nesse período, a economia da borracha propiciou o alargamento dos espaços e redefiniu a organização da cidade de Manaus. Após várias modificações, Manaus apresentava uma arborização inspirada em cidades como Londres e Paris. Uma das praças que recebeu arborização foi à Praça Heliodoro Balbi , popularmente conhecida como Praça da Policia , antigo Largo do Liceu , Largo do Palacete , Largo 28 de Setembro , Praça da Constituição , Praça Gonçalves Ledo , Praça Roosevelt e Praça João Pessoa . Inicialmente, a Praça Heliodoro Balbi era somente uma área descampada em frente ao prédio do Liceu Provincial Amazonense , antigo Instituto Nacional Superior e Ginásio Dom Pedro II. O ajardinamento da Praça Heliodoro Balbi, em estilo francês, foi inaugurado com uma grande festa popular, no dia 23 de Julho de 1907, data em que Constantino Nery fazia três anos no governo do Estado. 3 A praça abrigava, além de um belíssimo jardim, um pavilhão de ferro, erguido sobre alvenaria de pedra; um lago artificial, cortado por uma ponte de cimento armado; uma gruta com cascata; um chalé de alvenaria; uma fonte d água, construída em ferro fundido; e várias estatuetas de ferro sobre alvenaria e pilastras de ferro. Vários jornais deram destaque para a inauguração do ajardinamento da praça, como o Jornal do Comércio, do dia 24 de julho de 1907, que afirmava ser a obra um dos grandes melhoramentos desta cidade, dos melhoramentos que foram mandados fazer... .3 Nessa época, principalmente aos domingos e feriados, a Praça Heliodoro Balbi ganhava mais vida e alegria com a presença da Banda da Polícia Militar, que trazia ao local diversas famílias, com o intuito de aproveitar a paisagem associada à musicalidade oferecida. A Praça Heliodoro Balbi localiza-se em frente ao Colégio Estadual do Amazonas, entre as ruas José Paranaguá, Sete de Setembro, Doutor Moreira e Guilherme Moreira, foi construída numa área de 6.600 metros quadrados. A praça em questão é um lugar verdadeiramente público, já que foi feita para o povo, tornando-se mais um espaço de sociabilidade na cidade. A população utiliza-se dos seus logradouros para realizar atividades afins, tanto comerciais quanto sociais. Durante toda a sua história, segundo José Vicente Aguiar, a Praça Heliodoro Balbi foi palco de manifestações culturais, tais como as entendemos, ou seja, realizações envolvendo as artes plásticas, literatura, ensino formal, cinema e crítica social foram uma tônica na vida das pessoas que direta ou indiretamente freqüentavam a Praça da Polícia, o café do Pina e o Colégio Estadual . (AGUIAR, 2002, p 153). O Colégio Estadual , ou Ginásio Dom Pedro II , foi referência para o ensino e para as famílias que visavam a possibilidade de ascensão social ou manutenção do status. As manifestações culturais ocorridas em Manaus são dadas a partir do uso da Praça Heliodoro Balbi como espaço de sociabilidade. Luis Bacellar afirma o seguinte: ...nas décadas de 50 e 60, havia sem dúvida uma efervescência cultural. Havia uma inquietação. O pessoal lia, estudava, tinha pretensão à liderança intelectual... Aqui não existe mais crítico literário, critico teatral, critico musical, naquele tempo existia, tudo isso desapareceu. (Bacelar apud AGUIAR, 2002). 3 Jornal do Commércio, Manaus, 23 e 24 de julho de 1907. 4 A Praça Heliodoro Balbi também foi palco de manifestações estudantis realizadas pelos alunos do Ginásio Dom Pedro II. A seguir, Adísio Figueiras relata uma dessas manifestações, que envolveram os alunos da escola e os policiais civis: Uma vez nós ocupamos a Avenida Sete de Setembro de madrugada, enchemos de barracas à frente do Colégio, trancamos com cadeados os portões da Avenida Getúlio Vargas, na rua Henrique Martins e o da Avenida Sete de Setembro, e acampamos em frente do Colégio. E nós chegamos a um acordo com a polícia. Olha esse lado da praça, vocês não vêem e a gente não atravessa pra lá. O conflito que a gente teve foi com a polícia civil.Chegou um comissário bêbado, quatro horas da manhã, querendo prender todo mundo num jipe, com esse número de estudantes o jipe não podia sair, daí ele desistiu de prender todo mundo. A praça significava essa coisa de liberdade, o muro das lamentações. A hora que a gente não queria assistir aula se mandava para lá, o gosto de namorar. Era o espaço da juventude, de nossa adolescência, da nossa vontade de espaço, de ampliar os espaços. ( Aldísio Filgueiras apud AGUIAR, 2002, p.78) No final da década de 40 do século XX, período em que Manaus vivia um período de estagnação econômica, um grupo de adolescentes começou a se reunir em um porão, na Rua Doutor Moreira. O grupo era composto pelos poetas Carlos Farias de Carvalho, Jorge Tufic, Alencar e Silva, Luiz Bacelar, Antísthenes Pinto e Guimarães de Paula. A partir de 1951, o grupo começou viajar ao Sul do Brasil, com intenções de entrar em contato com os meios culturais do Rio de Janeiro e São Paulo, visando estabelecer um movimento de renovação cultural em Manaus. Buscando repercutir na sociedade, o grupo deixou de se reunir em porões e bares e criou o Clube da Madrugada , como descreve Jéferson Peres: Em 1954, um outro grupo de jovens, com preocupações principalmente políticas, decidiu certa noite, num banco da Praça da Polícia, fundar uma associação de estudos políticos, sociais e literários. Tomaram parte na reunião Saul Benchimol, Francisco Batista, Teodoro Botinelly, José Trindade, Luiz Bacelar, Farias de Carvalho, Fernando Collyer e João Bosco Araújo. Por sugestão de Saul, a agremiação levou o nome de Clube da Madrugada, tanto pelos hábitos notívagos dos seus fundadores, como pelo 5 caráter simbólico da palavra, a prenunciar um novo dia no panorama cultural da terra. E a partir daí passaram a se reunir todos os sábados, sempre no mesmo lugar. Logo, porém, tiveram ingresso os outros poetas da rua Dr. Moreira, Alencar, Tufic, Guimarães e, um pouco mais tarde, Antísthenes, Luiz Ruas, Élson Farias e Ernesto Penafort, enquanto alguns dos sócios fundadores iam-se afastando gradativamente. (PERES, 1984, p. 215) No inicio dos anos 60 do século XX, o Clube da Madrugada patrocinou exposições dos artistas locais, pertencentes ou não aos seus quadros. Varias exposições foram montadas em logradouros públicos, em especial, na Praça da Policia, na qual foi berço do Clube e inspiração para seus integrantes. A partir de 1950, o Café do Pina , localizado na Praça Heliodoro Balbi, além de ser um dos lugares de diversão da população, era famoso por reunir intelectuais, políticos, boêmios e estudantes. Jéferson Peres relata como nasceu o Café do Pina: Em 1950 tinha inicio uma nova década e, também, a construção de um barzinho, sem nada de especial, mas que iria marcá-la profundamente. O local era um canteiro triangular, em frente ao Guarany, onde havia um antigo chafariz desativado e dois postes de sustentação da tela na qual se projetavam filmes ao ar livre. Ao se erguerem os tapumes, correu o boato de que seria construído um posto de gasolina. A novidade não agradou os ginasianos, que ensaiaram um movimento de protesto e ameaçaram depredar a construção. Pressionado, o então prefeito Chaves Ribeiro aconselhou o proprietário a acelerar as obras, a fim de criar o fato consumado. Diante disso, foi abandonado o projeto original, de forma circular, por outro mais feio, retangular, que pôde ser construído em tempo recorde. O êxito foi imediato e se deveu a uma conjugação de fatores. Em primeiro lugar, sua localização, nas vizinhanças de dois cinemas, três colégios, um quartel, e mais, da então concorridíssima Praça da Policia; segundo a excelência do seu café, talvez o melhor da cidade; e finalmente, a simpatia do proprietário, o português José de Brito Pina, extrovertido e conversador, que em pouco tempo chamava cada um dos freqüentadores pelo nome. Batizado oficialmente de Pavilhão São Jorge, o barzinho era conhecido popularmente por Café do Pina e, mais tarde, Republica Livre do Pina... (Idem, p.216) 6 O prédio onde funcionava o Café do Pina foi demolido e, após algum tempo, deu espaço ao atual Bar do Pina, que tem uma vivencia bem diferente ao do Café, pois os alunos, jovens e adultos se reúnem apenas para discutir assuntos nada educativos ou informativos. O Café do Pina, que representava um local de grande sociabilidade, agora não passa de um bar sem nenhuma referência como lugar apropriado a famílias ou intelectuais da nossa sociedade e, pelo fato de estar localizado na Praça Heliodoro Balbi, passa uma péssima imagem à mesma. No dia 21 de junho de 1907, era inaugurado o Theatro-Cassina Julieta , que se localizava na Rua Floriano Peixoto e tinha uma fachada voltada para um dos lados da Praça Heliodoro Balbi. O popular teatro foi remodelado em 17 de fevereiro de 1912, passando a se chamar Cine-Theatro Alcazar . Em 1938, com o inicio do filme falado, o teatro Alcazar foi reformado e tornou-se Cine Guarany . O teatro era utilizado para a realização de shows e programas de auditório, como relata Jéferson Peres: ... Teatro também, eventualmente utilizado para shows e programas de auditório, como o popular tem Gato na Tuba, da radio Difusora, que contava com enorme audiência. (Idem, p.128) A ameaça de demolição do cinema resultou no Movimento em Defesa do Cine Guarany , que contou com a participação ativa de políticos, imprensa, estudantes e sindicalistas. Esse processo de mobilização popular pela defesa do patrimônio visava o tombamento do Cine Guarany. Porém, em 1986, o cine Guarany foi demolido. Ana Lúcia Abrahim diz o seguinte: Em 1986, o cine Guarany foi demolido; em seu lugar, crescendo rapidamente, sem querer ser vista a nova edificação para a filial do Banco Itaú que, por ironia ou falta de tato, recebeu o nome, in memoriam, de Agência Guarany . Como uma corrida que não pode ter vencedores, a revolta surda e silenciosa impeliu o manauense à sua última revanche: não havia correntistas para a nova agência. E foi assim que, num fim-de-semana, os gerentes das duas agências do Banco Itaú, em Manaus, acertaram um tiro traiçoeiro e certeiro na teimosia do cidadão: transferiram sem consulta ou aviso prévios aos clientes, as contas correntes da Agência Theodoreto Souto, de seu belo prédio de azulejos 7 coloridos, para a feia e atarracada Agência Guarany , filha bastarda da memória amazonense. (ABRAHIM, 2003, p.108) Tendo em vista à modernidade, muitos patrimônios, dentre eles casas antigas, praças e até mesmo um cinema, que carregava consigo a história não só da cidade, mas também das pessoas que o freqüentavam, foram demolidos sob o amparo da lei. A Praça Heliodoro Balbi teve a sua estrutura física e social modificada e, atualmente, encontra-se totalmente depredada. Todas as esculturas de ferro, que ficavam espalhadas pelos jardins da praça, foram retiradas para restauração. Porém, os jardins não existem mais; o coreto de ferro, instalado no inicio do século XX, está totalmente danificado; algumas grades do guarda-corpo foram arrancadas; os lagos artificiais com bordas rochosas, imitando troncos de madeira, encontram-se abandonados. O único do conjunto praça/colégio/café/quartel que está recebendo reparos na sua estrutura física é o Quartel da Policia Militar, a partir do projeto Belle Époque, iniciativa governamental que está recuperando os prédios antigos que foram construídos no período áureo da borracha. A Praça Heliodoro Balbi precisa ser revitalizada, de modo que possa atrair pessoas conscientes da sua importância histórica e cultural. Dessa forma, o Turismo poderia fazer uso do espaço como meio de promover a reintegração da população local ao patrimônio em questão, além de incrementar a economia da cidade de Manaus. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Praça Heliodoro Balbi é um espaço público que guarda consigo um imaginário coletivo, carregado de histórias individuais e coletivas, constituindo-se como um patrimônio significativo da cidade de Manaus Neste sentido, analisou-se a Praça Heliodoro Balbi, um elemento urbano popularmente conhecido como Praça da Polícia , ressaltando como esse logradouro público vem sendo utilizado desde a sua inauguração, bem como as intervenções públicas que ocorreram no decorrer da sua história. Tais mudanças ocorreram em dois momentos específicos: na época do ciclo econômico da borracha e a partir da instalação da Zona franca de Manaus. 8 No período da borracha, a Praça Heliodoro Balbi recebeu ajardinamento, lagos artificiais, gruta com cascata, diversas estatuetas, entre outros adornos. Era tida como local agradável e de grande sociabilidade, sendo o espaço público predileto de toda a população para distração e divertimento. Com a Zona franca de Manaus, a Praça Heliodoro Balbi recebeu mudanças que modificaram sua estrutura física e sua função social. A praça começou a entrar em decadência, assim como quase todos os patrimônios públicos antigos. A estrutura física da praça começou a sofrer as conseqüências do vandalismo e, todas as reformas feitas não se basearam em dados históricos, resultando na modificação de suas características originais. Dos inúmeros adornos da praça, somente os dois coretos que foram construídos no início do século XX permanecem, resistindo ao avanço da modernidade e ao contínuo descaso das autoridades responsáveis e de parte da população manauense. Ao ressaltar a Praça Heliodoro Balbi e o seu entorno, procurou-se compreender a efervescência cultural pelas quais a sociedade passou, salientando também o papel da praça como elemento cristalizador de várias memórias. Portanto, conhecer a história da Praça Heliodoro Balbi é uma forma de valorizar a história da própria sociedade manauense, contribuindo para a formação sócio-cultural da população como um todo, além de salientar o potencial turístico da praça como patrimônio cultural. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ABRAHIM, Ana Lucia Nascentes da Silva. O processo de construção do patrimônio cultural no Amazonas. Manaus: UFAM, 2003. Dissertação de Mestrado em Sociedade e Cultura na Amazônia, Programa de Pós-Graduação em Sociedade e Cultura na Amazônia, Instituto de Ciências Humanas e Letras, Universidade Federal do Amazonas, 2003. AGUIAR, José Vicente de Souza. Manaus: praça, café, colégio e cinema nos anos 50 e 60. Manaus: Valer/ Governo do Estado do Amazonas, 2002. PÉRES, Jefferson. Evocação de Manaus: como eu a vi ou sonhei. 2. ed. rev. e ampl. Manaus: Valer, 2002. Jornal do Commércio, Manaus, 23 e 24 de julho de 1907. This document was created with Win2PDF available at http://www.daneprairie.com. 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