Texto integral do livro
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1 o autor José Jeronymo Ribeiro Rivera nasceu na cidade do Rio de Janeiro, em 12 de junho de 1933. Estudante em Leopoldina, desde 1950, três anos depois dirigia naquela cidade mineira o jornal O Três de Junho, órgão dos alunos do Colégio Leopoldinense, do qual foi editorialista e colaborador em prosa e verso, nos seus sete números. Em Brasília desde março de 1961. Tem trabalhos na Revista de Poesia e Crítica, no Boletim da Associação Nacional de Escritores, nas revistas Literatura e Poesia para Todos. Participou, em 1994, da antologia Alma Gentil (Códice) e no ano seguinte de Caliandra: Poesia em Brasília (André Quicé – Editor). Vem-se dedicando à tradução de poesia, tendo publicado, por esta Editora, Poesia Francesa: Pequena Antologia Bilíngüe, Cidades Tentaculares, de Émile Verhaeren, Rimas, de Gustavo Adolfo Bécquer, e Gaspard de la Nuit, de Aloysius Bertrand. Em colaboração, traduziu Poetas do Século de Ouro Espanhol (2000), Victor Hugo: Dois Séculos de Poesia (2002), O Sátiro e Outros Poemas (2002), Poetas Portugueses y Brasileños: de los Simbolistas a los Modernistas (2003) e Antologia Pessoal, de Rodolfo Alonso (2003), entre outros. Thesaurus Editora de Brasília, SIG Quadra 08 Lote 2356, Brasília - DF - 70610-480 - Tel: (61) 344-3738 - Fax: (61) 344-2353 ou End. eletrônico: [email protected] Edição especial para a XXIII Feira do Livro de Brasília Tiragem: 10.000 exemplares © Thesaurus Editora - 2004 Arte e acabamento: Thesaurus Editora de Brasília Os direitos autorais da presente obra estão liberados para sua difusão desde que sem fins comerciais e se citada a fonte. THESAURUS EDITORA DE BRASÍLIA LTDA. SIG Quadra 8, lote 2356 - CEP 70610-400 - Brasília, DF. Fone: (61) 344-3738 - Fax: (61) 344-2353 * End. Eletrônico: [email protected]. br *Página na Internet: www.thesaurus.com.br - Composto e impresso no Brasil - Printed in Brazil 2 Aprendizado de Poesia APRENDIZADO DE POESIA (1951-1953) Criação No princípio era o caos. A noite tenebrosa Cobria a imensidão sombria e silenciosa Como um negro sudário, amortalhando o espaço, Num amplexo fremente, em sepulcral abraço!... — E Deus criou a luz! E logo o mundo inteiro Banhou-se em resplendor, e um celeste chuveiro Dos astros derramou-se, em profusão brilhante, Por sobre a Terra nua, agreste e deslumbrante. — E Deus criou a vida! E as árvores surgiram Em bosques de verdura, e o deserto cobriram! De peixes povoou-se o oceano azul e calmo. — E toda a criação, entoando ardente salmo, Glorificava o Ser onipotente e bom Que a tudo concedera o doce e suave dom De gozar a beleza e a liberdade e a paz Deste Éden de delícia e de ventura tais! Os pássaros no céu cantavam docemente Festivos madrigais, num voejar fremente... As flores em botão, nos bosques, entreabriam As pétalas sorrindo, e os colibris desciam Do espaço p’ra beijar os cálices floridos... 3 José Jeronymo Rivera Das fontes a brotar, filetes coloridos, Refletindo o luzir do Astro-Rei no Infinito, Banhavam-se de prata, em misterioso rito... E tudo era alegria... e, entanto, o Criador Sentiu que embora belo e cheio de calor O mundo era imperfeito: inda faltava alguém Que viesse completá-lo, e desfrutar também A doce suavidade, a paz do Paraíso... — E o homem foi criado — e logo, num sorriso, De fé e de esperança envolveu toda a Terra E o mar, e o vale, e a mata, e a resplendente serra... VISÃO DE AMOR Do firmamento no véu, Em cada estrela do céu — Dos astros no resplendor — No azul transparente e claro, Zimbório precioso e raro, — Em tudo te vejo, amor! No despertar da manhã, Quando a natura louçã, Sentindo o morno calor Do sol que nasce distante Acorda, alegre e vibrante, — Em tudo te vejo, amor! 4 Aprendizado de Poesia Nas verdes ondas do mar, Murmurando, sem parar, Com leve e brando rumor, Cantigas doces e belas Aos barcos de brancas velas, — Em tudo te vejo, amor! Quando, em tarde merencórea, Ouço de amores a história Na voz de um meigo cantor De volta ao ninho, arrulhando, A companheira chamando, — Em tudo te vejo, amor! Na pétala perfumada Da flor à beira da estrada — Encanto do viajor Que vai pela vida afora, De dores a alma em pletora, — Em tudo te vejo, amor! Nas águas claras do rio, Que em turbilhão ou num fio, Em silêncio ou com fragor, Vão correndo à luz do sol, Saudando um novo arrebol, — Em tudo te vejo, amor! 5 José Jeronymo Rivera Da noite na paz tranqüila, Enquanto o orvalho destila Gotas na pét’la da flor, E a lua deixa no rastro Cintilações de alabastro, — Em tudo te vejo, amor! No esplendor da primavera, Quando em luzes a tapera É toda vida e calor, E o coro da natureza Entoa um hino à beleza, — Em tudo te vejo, amor! No marulhar da cascata, Alegre chuva de prata De imaculado lavor, Fulgindo em festas ardentes De brilho e espumas albentes, — Em tudo te vejo, amor! Enfim, em tudo que encerra — No céu, no mar ou na terra — A obra do Criador, — Em tudo tu estás presente! Em tudo est’alma te sente! — Em tudo te vejo, amor!... 6 Aprendizado de Poesia ESPECTROS Nas asas virginais da Fantasia, Entre nuvens de sonhos e desejos, Ao som da magistral polifonia De um festival de cores e de arpejos; Vão passando, em fantástica harmonia, Em meio a tempestades e lampejos, As procissões do Amor e da Poesia — Estranhos e patéticos cortejos De ilusões, esperanças e quimeras, Anseios de ternura incompreendida, Farrapos de emoções da mocidade, Lembranças de passadas primaveras, Toda a existência humana resumida Num cortejo de dor e de saudade... MÃE Quando, em meio à tristeza desta vida, Eu me vejo sozinho e abandonado, Sentindo o coração pulsar, cansado, — Mortas as ilusões, e a fé perdida; 7 José Jeronymo Rivera Quando, ansioso, procuro no passado, No Ideal que sonhei — visão sentida, Um consolo à minha alma dolorida — Um pouco de carinho ao desgraçado, Vejo um vulto celeste e silencioso Chegar-se a mim, beijar-me a fronte exangue, Banhando-me de luz e suavidade... És tu, ó mãe querida, o anjo bondoso Que me secas as lágrimas de sangue A brotarem da fonte da saudade... A TORRENTE DA VIDA A nossa vida é como uma torrente A rolar, velozmente, Pela encosta bravia do destino. Em cascatas, às vezes, ou serena, Vai, em fúria ou amena, Parecendo entoar de amor um hino! De início, apenas um filete de água Que vai, de fraga em fraga, Crescendo sem cessar, belo e gracioso. Assim a mocidade canta e sonha, Bem feliz e risonha, Buscando sempre do prazer o gozo! 8 Aprendizado de Poesia Mas vai passando o tempo, inexorável. Em rio formidável Transmuda-se o regato marulhante. E ei-lo que vai, pela planície afora, Mais caudaloso agora, Majestoso, a avançar rumo ao distante! Tal como a vida humana, atrás da glória Fugitiva e ilusória, O homem vive a correr, sem descansar. E entanto, quanta vez, ao vislumbrá-la, Triste suspiro exala, Vendo-a em cinzas e em pó se transformar! E o rio passa matas e florestas. Da natureza em festas Ouve o cantar alegre e perenal. E ao fim de um curso imenso e variado Vai, arfante e cansado, Derramar-se no oceano sepulcral! Como esse rio, a nossa vida, enfim, É, sempre e sempre, assim: Corrida audaz, buscando a eternidade. E ao chegarmos ao termo do existir, Vemos, lenta, surgir No coração a sombra da saudade... 9 José Jeronymo Rivera REFÚGIO Pelo deserto imenso e amargo da existência, Procuro em vão amor, carinho e compreensão; Errante peregrino a desejar a essência Sutil de um sentimento, ardor de uma paixão. E entanto, embora alegre e calmo na aparência, O meu viver é triste, e dói-me a solidão. Punge-me eternamente a cruel inclemência De um destino fatal, de fatal maldição. Mas já na imensidão brilha um raio de luz! Ao náufrago perdido, uma nova esperança Cintila no oceano implacável, enorme... Teu olhar é o farol que ao amor me conduz. Teu coração, a enseada onde em paz e bonança Minha alma sofredora encontra abrigo – e dorme!.. MELANCOLIA Minha alma é o relicário onde trago escondida A flor de uma paixão, a aurora de um desejo. Qual fora num espelho a imagem refletida De uma etérea ilusão, de um colorido almejo. 10 Aprendizado de Poesia Eterno solitário, é para mim a vida Um sonho embriagador, fatal, em que revejo, Atravessando o espaço, em célere corrida, Recordações de amor, palpitações de beijo! Escravo do passado, o meu viver é atroz. Em cada sentimento encontro um novo algoz, Impiedoso e cruel, a não deixar jamais Que eu goze na existência ao menos de um momento Em que não sinta na alma angústia e sofrimento, Tristeza e solidão, saudade, nada mais! DEPOIS Depois, não lembrarás o meu carinho. Hás de esquecer, talvez, quem te quis tanto. Nem sentirás o doloroso espinho Da saudade, que punge mais que o pranto. À noite, enquanto os pássaros no ninho Gozarem da beleza deste manto De luz que cobre a terra como um linho De alvor imaculado e doce encanto, 11 José Jeronymo Rivera Sozinha no teu quarto ermo e tristonho Hás de entrever, nas brumas do passado, O nosso amor, que não passou de um sonho Que vivemos um dia tão-somente, Mas ficou para sempre preservado No fundo de tua alma indiferente... DESABROCHAR DE UM SONHO Chegava a primavera. A natureza ardente Se expandia a sorrir, em festa e resplendor. No firmamento azul, na terra aurifulgente, Tudo era encanto e luz, tudo era paz e amor. O sol doirava o espaço, a crepitar fremente. E, apoteose de vida, e de beleza e cor, Em cada ramo agreste um pássaro dolente Cantava, e em cada arbusto abria-se uma flor. E eu vinha triste e só. Cego a toda a beleza, A aurora, para mim, era uma noite escura, A primavera um frio e tenebroso inverno. Foi quando te encontrei. Logo a minha tristeza Alegria tornou-se, e em ondas de ternura Minha alma se envolveu em teu amor, tão terno... 12 Aprendizado de Poesia VIDA E SONHO Não sou poeta. E embora faça versos Em mim não sinto o espírito criador Que entre caracteres tão diversos Distingue o ser feliz do sofredor. Meus sonhos e quimeras vão, dispersos, Levados por um vento acolhedor, Através da amplidão dos universos Da Fantasia, do Ideal, do Amor. Que a vida humana, um desejar constante, Uma nova ansiedade a cada instante, Ontem e hoje, hoje e sempre se resume Num sonho inebriante que sonhamos, Do qual, como lembrança, conservamos Apenas o nostálgico perfume... ENCANTAMENTO Teus olhos são dois sóis que a vida me iluminam Com brilho aurifulgente, e etéreo e divinal. Quando olhas para mim, teus olhos me dominam, Torno-me escravo teu, adoro-te, afinal. 13 José Jeronymo Rivera Teus sorrisos de fada aos olhos se combinam, Num quadro de beleza e graça sem igual, Levando-me em ilusão às fontes de onde minam Essências siderais, de perfume fatal. Teus cabelos têm luz, têm encanto e poesia, E um aroma de amor, romance e fantasia Embriagante e sutil como as ondas do mar. Enfim, tudo o que é teu me enleva e me extasia: Teus olhos, teu sorriso, a tua tez macia, Tudo, tudo que adoro e que hei de sempre amar! VISÃO NA ALVORADA A aurora vem raiando. O véu negro da noite Dilui-se, a pouco e pouco, à luz de um novo dia, Como se fosse um brando, um suave e leve açoite A varrer da amplidão a manta escura e fria. As brumas da manhã que nasce bela e clara Dissolvem-se no espaço, alvas, esmaecidas, Cobrindo de rubor a face que beijara O sol a dardejar em setas coloridas. No firmamento azul, um pássaro dolente Gorjeia sem parar, saudando a madrugada, Na sinfonia agreste e virgem do nascente. 14 Aprendizado de Poesia E eu que vou indo triste a caminhar na estrada Vislumbro na harmonia imensa a minha frente – Sorrindo para mim, o teu olhar de fada! DESILUSÃO Vou pela vida, errante, a carregar um fardo De dor e sofrimento, e cruel desilusão. A perseguir-me sempre o avantesma pardo De uma desoladora, atroz desilusão. Sem repouso, a vagar, a passo incerto e tardo, Pela estrada sombria, encontro neste chão, A penetrar-me a carne, um doloroso cardo. E entanto, fere mais esta árdua sensação De sentir-me um estranho entre os homens na Terra, Exilado a buscar a região risonha Onde encontrar espero amor, descanso e paz. Sofrendo dor infinda, esta alma a mágoa encerra, E o coração, descrente e triste, já não sonha, Na cova sepulcral em que a esperança jaz! 15
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