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DESCENTRALIZAÇÃO DE ÁREAS CENTRAIS André de Souza Silva Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS [email protected] Robriane Lara Prefeitura de Santa Cruz do Sul - PMSCS [email protected] RESUMO Analisar o surgimento, expansão e depreciação das centralidades urbanas em decorrência do arranjo espacial do sistema de vias é o objetivo deste trabalho. Para isso, empreende-se uma breve, porém necessária consulta à historiografia da cidade de Porto Alegre, tomada como estudo de caso. Isso permite abarcar aspectos qualitativos voltados à formação de novas centralidades, as tendências de crescimento dos últimos anos (expansão do sistema de vias, mudança de uso do solo, densificação construtiva e demográfica) e os prognósticos de transformação e a dinâmica social correspondente. Na sequência, faz-se a análise descritiva e interpretativa da condição atual das áreas de estudo, em termos de sua configuração espacial urbana e espacialização do movimento de pedestres e veículos. Por fim, conclui-se que a centralidade não é espacialmente rígida ou totalmente estável, seus limites físicos são gradativamente (re)definidos pela morfologia urbana nos diferentes períodos ao longo dos anos principalmente em razão da acessibilidade do sistema de vias. Palavras-chave: Descentralização. Áreas centrais. Acessibilidade. Movimento de pessoas. ABSTRACT To analyze the arrival, expansion and depreciation of urban centralities as a result of spatial arrangement of the street system, is the objective of this paper. To this end, a brief, but necessary consultation with the historiography of Porto Alegre, taken as case study, is conducted. This paves the way for encompassing qualitative aspects geared towards the formation of new centralities, the growth trends over the past years (expansion of the route system, change in the use of soil, constructive and demographic densification), transformation prognoses and the corresponding social dynamics. In the sequence, a descriptive and interpretative analysis is conducted of the present conditions of the study areas, in terms or their urban spatial configuration and spaces occupied by pedestrians and vehicles. Finally, it was concluded that centrality is not spatially rigid or entirely stable, its physical limits are gradually (re)defined by urban morphology in the several periods over the years, especially by virtue of the accessibility of the route system. Key words: Decentralization. Central Areas. Accessibility. Pedestrian movement. 1 INTRODUÇÃO Ainda que, atualmente, a área central de Porto Alegre ofereça significativa concentração e diversidade de atividades, e por consequência, onde circula e permanece significativo número de pedestres e veículos, tem diminuído gradativamente, ao longo dos anos, a sua importância em termos funcionais (RIGATTI, 2002). Observa-se um contínuo esvaziamento da área central tanto nas atividades comerciais e residenciais, quanto da administração pública, as quais se deslocam para outras áreas, que surgem e se consolidam, em geral, ao longo de vias articuladas à área central. Devido à concentração de edificações, diversidade de atividades e acessibilidade do sistema de vias, estas novas áreas incorporam e reforçam, paulatinamente, diferenciações morfológicas e funcionais que lhes conferem a condição de centralidades (RIGATTI, 2002). Algumas destas novas áreas, desde que analisadas conjuntamente, reproduzem com razoável eficiência, a diversidade de atividades da área central, como é o caso (i) do subúrbio residencial e industrial do Bairro Stª Mª Goretti, com emergentes e pontuais áreas de comércio; (ii) do alto padrão residencial ao Sul do Bairro Higienópolis, próximo à Av. Plínio Brasil Milano, e comercial ao longo da Av. Dom Pedro II; (iii) da diversificada área comercial em boa parte do Bairro Passo D’Areia, principalmente em torno da Av. Assis Brasil; e, (iv) da consolidada área residencial operária e tradicional da Vila do IAPI. Estas áreas polarizam diversidade e concentração de atividades, desde as residenciais e comerciais, até as institucionais e administrativas. As áreas em estudo conformam um mesmo sistema urbano, i.e., possuem relação de proximidade, continuidade e articulação do sistema de vias, porém com níveis diferenciados de acessibilidade, mobilidade, densidade e diversidade de edificações e de atividades residenciais e não-residenciais. São representativas em termos da acessibilidade do sistema de vias, peculiaridades de desenho urbano, quantidade e diversidade de formas edificadas, concentração e distribuição de atividades residenciais e não-residenciais. Cabe salientar que análises centradas nos diferentes aspectos sociais, culturais, ambientais, políticos, econômicos (dentre outros) que analisam historicamente o processo de (trans)formação do tecido urbano de Porto Alegre fogem ao escopo deste estudo de caso. Informações desta natureza podem ser obtidas na literatura de MACEDO (1968), PESAVENTO (1991, 1996), FRANCO (1992), SOUZA e MÜLLER (1997), dentre outras obras e pesquisadores. 2 ACESSIBILIDADE DO SISTEMA DE VIAS Implantadas na zona norte da cidade, a menos de 6 km da área central, com uma superfície de cerca de 424 ha, e aproximadamente 50000 habitantes, as áreas de estudo localizam-se próximas à confluência de três macrozonas de ocupação, quais sejam: cidade radiocêntrica, cidade xadrez e corredor de desenvolvimento (mapa 1), abrangendo partes dos bairros Higienópolis, Stª Mª Goretti, Passo D’Areia e Vila do IAPI1 . Os bairros Mont’Serrat, Auxiliadora e São Geraldo compõem o entorno das áreas em estudo. Em destaque (linhas em vermelho) as respectivas ruas e avenidas analisadas quanto ao movimento de pedestres e veículos. Como trata-se de um sistema, as demais vias são indispensáveis enquanto relações que estabelecem entre as áreas de estudo e seu entorno imediato, a área central e a cidade como um todo. 1 IAPI é a sigla de “Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários”, instituição criada durante o primeiro governo Getúlio Vargas, que, entre outros fatos, teve fundamental importância na criação de um conjunto residencial para uma classe operária e urbana, estreitamente relacionada ao processo de industrialização no Brasil. Ressalte-se que o IAPI é uma Vila pertencente ao Bairro Passo D’Areia. MAPA 1: Localização das áreas de estudo (fonte: original do autor, 2010) O surgimento dos bairros Higienópolis, Stª Mª Goretti, Passo D’Areia e Vila do IAPI está ligado ao desenvolvimento industrial e à urbanização de Porto Alegre, que se expandiu, a partir de 1900, para a Zona Norte da cidade. Foi a partir da abertura e expansão de três longas vias paralelas no sentido leste-oeste, as atuais avenidas Assis Brasil (antiga Estrada do Passo D’Areia), Plínio Brasil Milano (antiga Estrada da Pedreira), Cristóvão Colombo (antiga Estrada da Floresta), presentes ainda hoje no sistema de vias da cidade, que se tornou possível a formação, ocupação, crescimento e processo de consolidação morfológica e funcional das áreas de estudo (FRANCO, 1992). Estas vias passaram por um duplo processo: o de consolidação do padrão de tecido residencial dos referidos bairros, ao longo das décadas de 1940 a 1960, para, ainda durante sua consolidação, lentamente incorporarem o atributo funcional de atividades nãoresidenciais (comércio a varejo e atacado, serviço especializados), com um padrão tipomorfológico marcado pela diversidade, desde o tipo de edificação unitária, tipo agregado verticalmente, até o tipo excepcional. Devido à considerável acessibilidade e mobilidade destas três vias, novas vias foram implantadas ao longo dos anos, diversas outras foram alargadas e pavimentadas, de modo a eliminar os caminhos e estradas ainda remanescentes dos arraiais. Neste sistema de vias, destacam-se duas outras vias fundamentais: a Av. Dom Pedro II (aberta na segunda década do século XX) e a Av. Sertório (que remonta sua origem às últimas décadas do século XIX em 1875), responsáveis pela estruturação dos bairros Higienópolis e Stª Mª Goretti, respectivamente. Localizada junto ao Bairro Higienópolis, a Av. Dom Pedro II, a partir de sua reestruturação ocorrida nos últimos anos, tornou-se uma das mais importantes (em termos de acessibilidade e mobilidade) avenidas do sistema de vias da cidade, sendo, atualmente, trecho da Terceira Perimetral de Porto Alegre (FRANCO, 1992). Nas duas últimas décadas, o mercado imobiliário expandiu-se ao longo da Av. Dom Pedro II, cuja diversidade de edificações do tipo agregada verticalmente concentra desde o uso residencial até uma variedade de atividades não-residenciais especializadas (bancos, escritórios, comércio, lazer), atividades mistas (comércio no térreo e residência nos demais pavimentos), atividades institucionais (igrejas, postos de saúde, escolas) e uma considerável quantidade de áreas verdes (FRANCO, 1992). De acordo com os dados do último EDom_OD (2003) o Bairro Higienópolis conta com 13935,05 habitantes, em uma área de 103 ha, cuja densidade é de 135 hab/ha. O rendimento médio mensal dos responsáveis pelo domicílio é de 15,06 salários mínimos. Após 1944, devido às obras de alargamento, pavimentação e oferta de transporte coletivo, a Av. Sertório, ao integrar e demarcar boa parte do limite do Bairro Stª Mª Goretti, tornou-se uma das vias mais acessíveis e movimentadas das áreas de estudo e da cidade (FRANCO, 1992). Embora mantenha-se predominantemente residencial, o Bairro Stª Mª Goretti apresenta variedade de uso comercial (supermercados, estabelecimentos de venda em atacado) e indústrias. É composto por edificações de baixa altura, do tipo edificação unitária e agregada horizontalmente, cujo uso misto (residencial e comercial), apresenta por vezes, edificações sem condições de habitabilidade ou subtilizadas. Conta com uma população de 6546,52 habitantes, em uma área de 77 hectares, e densidade de 85 hab/ha, cujo rendimento médio mensal dos responsáveis pelo domicílio é de 8,54 salários mínimos (de acordo com dados da última EDom_OD, 2003). Somam-se as estas vias anteriormente citadas (Assis Brasil, Plínio Brasil Milano, Cristóvão Colombo, Dom Pedro II, Sertório) as demais vias estruturadoras das áreas de estudo (Brasiliano Índio de Moraes, Industriários, Dr. Eduardo Chartier, Mal. José Inácio da Silva). Responsáveis por interligar as áreas de estudo entre si, com os demais bairros e também com a área central, possibilitaram a partir de 1940, quando da implantação do transporte coletivo, a transformação mais efetiva das áreas de estudo. No período compreendido entre as décadas de 1900 e 1950 significativos processos de renovação urbana na cidade de Porto Alegre modificaram sensivelmente o sistema de vias 2 e a tipologia edilícia da área central e das áreas de estudo. Neste período, ocorre considerável apogeu sociocultural e econômico das áreas de estudo, em razão das expressivas mudanças em termos de reorganização da estrutura física da cidade com importantes obras de infra-estrutura viária e de parcelamento e ocupação do solo. Cita-se como exemplo, a transformação ocorrida na configuração do Bairro Passo D'Areia no que diz respeito à urbanização, a partir do projeto de parcelamento do solo para fins residenciais implementados na década de 1946. O Conjunto Residencial da Vila do IAPI (Instituto de Aposentadoria e Previdência dos Industriários) tinha por objetivo atender às demandas de moradia para os trabalhadores das indústrias. Construído em uma área de 67 hectares, o empreendimento aumentou significativamente a população do Bairro Passo D'Areia, além de trazer melhorias de infraestrutura, como transportes, saneamento e energia elétrica (FRANCO, 1992). A Vila do IAPI apresenta como características morfológicas a multiplicidade de padrões tipológicos (edificações unitárias e agregadas horizontalmente de dois, três e quatro pavimentos, por vezes geminadas) com edificações padronizadas de uso predominantemente residencial; o traçado sinuoso de seu sistema de vias - em adaptação às condições topográficas de acentuadas declividades do sítio natural de implantação; e, a variedade de recintos de convívio e espaços abertos públicos. Trata-se de um conjunto residencial com notáveis qualidades arquitetônicas e urbanísticas, vasta diversidade de tipologias arquitetônicas, com cerca de 28 variações, desde edificações uni e plurifamiliares até edificações comerciais e institucionais. Juntas, estas caracterísitcas configuram a Vila do IAPI como uma parcela de tecido urbano marcadamente diversificada, mas que ao mesmo tempo possui forte unidade morfológica e funcional. Em contraponto, o Bairro Passo D'Areia, ao qual pertence a Vila do IAPI, mistura atividades residenciais e não-residenciais, possuindo algumas indústrias e dispondo de comércio e serviços variados, como escolas de ensino fundamental, médio e superior, que atendem tanto os moradores da Vila quanto dos arredores (FRANCO, 1992). Em termos gerais, o Bairro Passo D’Areia possui um acessível sistema de vias interligado à cidade como um 2 Ver a reestruturação viária do Plano de Melhoramentos para a Cidade de Porto Alegre (assim denominado), proposto em 1914 por Moreira Maciel. todo; densidade de edificações construídas e em construção e diversificado comércio. O Bairro Passo D’Areia, principalmente ao longo da Av. Assis Brasil, possui algumas edificações características do tipo edificações excepcionais que comportam atividades nãoresidenciais especializadas em prestação de serviços, por vezes substituindo as antigas residências por uma tipologia diferenciada, configurada também por adaptações construtivas. A quantidade do tipo edificações excepcionais encontradas ao longo desta via fortalece o sentido de orientação espacial tanto de pedestres quanto de veículos. Nesta via também evidenciam-se edificações agregadas verticalmente, característica dos anos 1990 em diante (ocupadas por atividades residenciais e não-residenciais). Ocupando 244 hectares de área, e com uma densidade de 110 hab/ha, o Bairro Passo D'Areia possui, de acordo com dados do último EDom_OD (2003), 26814,92 habitantes, sendo que cerca de 7865,91 habitantes pertencem a Vila do IAPI. O rendimento médio mensal dos responsáveis pelo domicílio é de 9,96 salários mínimos no Bairro Passo D’Areia e de 6,04 salários mínimos na Vila do IAPI. Interessante observar que a Vila do IAPI, com os tipos de edificações unitárias e agregadas horizontalmente apresenta maior densidade (117 hab/ha) do que o restante do Bairro Passo D’Areia (107hab/ha) que possui uma série de edificações do tipo agregada verticalmente. Isto porque, o tecido da Vila do IAPI, embora horizontalmente, seja o composto que pelo tipo subentende-se de uma edificações menor unitárias densidade e de agregadas hab/ha, é fundamentalmente ocupado por atividades residenciais, ao contrário do Bairro Passo D’Areia, que embora possua edificações do tipo agregada verticalmente, predominam atividades não-residenciais. Enquanto a Vila do IAPI foi implantada como conjunto habitacional operário vinculado ao Instituto de Aposentadoria e Previdência dos Industriários, os bairros Stª Mª Goretti, Higienópolis e Passo D’Areia foram erigidos pela iniciativa privada e pelo mercado imobiliário. Por esta razão, cada bairro exibe propriedades espaciais, formais e funcionais diferentes de tecido urbano em razão dos grupos sociais de diferentes faixas de renda e classes sociais, da estrutura de propriedade da terra e parcelamento do solo implantado. 3 CONFIGURAÇÃO DO SISTEMA DE VIAS Atualmente, as intervenções no tecido urbano não se fundamentam tão-somente na expansão do sistema de vias, mas no crescimento, ocupação e densificação construtiva das áreas existentes. Constatou-se que a médio e longo prazo, a configuração do sistema de vias influenciou a dinâmica urbana que passou a ocorrer não mais em função de um único centro polarizador - a área central -, mas em função da articulação com outras centralidades, no caso em específico, as áreas em estudo. Complementar ao entendimento da formação, expansão e inter-relação do conjunto de vias que estrutura longitudinalmente e transversalmente as área de estudo é possível analisar a forma e disposição das quadras, enquanto setores de quadra ortogonal e não-ortogonal, juntamente com a análise genérica e qualitativa em termos da predominância dos usos do solo. Os setores de quadra ortogonal e não-ortogonal do sistema de vias conformam um conjunto anelar que possibilita diferentes níveis de acessibilidade entre os diversos espaços da área. A axialidade das vias, principalmente em torno do setor de quadra ortogonal, onde se localiza parte das vias estruturadoras, é responsável pela articulação do conjunto de formas construídas que compõem a estrutura espacial das áreas de estudo. Condiciona a disposição das atividades e o sistema de circulação, sendo uma referência estrutural importante para todos os demais subsistemas (calçadas, praças, parques, terminal de transporte) que influenciam direta ou indiretamente o movimento de pedestres e veículos. O setor de quadra ortogonal está distribuído por praticamente todo o bairro Higienópolis e parte do Bairro Passo D’Areia. Deste modo, estes espaços favorecem os deslocamentos em trechos subsequentes e repetitivos ao longo de extensas linhas axiais. As possibilidades de haver espaços pouco movimentados são pequenas, pois a geometria destes disponibiliza praticamente o mesmo grau de interesse. O setor de quadra não-ortogonal está localizado em sua totalidade junto a Vila do IAPI. Característico de sítios de implantação com declividades acentuadas, possui extensas áreas verdes (Parque Alin Pedro) e muitas áreas permeáveis não-edificadas, junto aos lotes, em razão dos critérios de menor compacidade e densidade construtiva. As atividades residenciais tendem a se concentrar quase que exclusivamente no setor de quadra nãoortogonal, sendo pouco atrativo para as atividades não-residenciais este tipo de arranjo espacial. A maior extensão de quadras no Bairro Higienópolis, ao longo da Av. Dom Pedro II, em comparação aos demais bairros das áreas de estudo, gera uma maior fragmentação e descontinuidade espacial e funcional, reduzindo as alternativas de movimento principalmente para os pedestres. A partir da análise da forma e disposição das quadras constata-se que as áreas em estudo encontram-se num sistema de vias privilegiado, com várias vias bem integradas para acessá-las de diferentes pontos da cidade. Será visto na sequência que estas vias reforçam a integração do sistema de vias e favorecem (aos moradores e visitantes) a articulação espacial tanto das áreas em estudo entre si quanto da própria cidade. O conhecimento prévio do sistema de vias da cidade como um todo permite uma facilidade extra em termos de comparação, pois é possível verificar a importância da acessibilidade às áreas em estudo em relação à cidade. Isto estabelece um contraponto interessante da relação do todo (a cidade) e das partes (áreas de estudo) nos aspectos relacionados à distribuição espacial das atividades e às características do sistema de vias em termos de acessibilidade. Além disso, decompondo em linhas axiais o sistema de vias de toda a cidade é possível inferir como a forma urbana - descrita e entendida através da relação entre integração e segregação da acessibilidade - tende a influenciar o movimento de pedestres e veículos nas áreas em estudo. As deflexões das vias desarticulam as continuidades entre espaços gerando uma perda gradual de acessibilidade. Essa diferenciação de distribuição de vias observada na Vila do IAPI e no Bairro Stª Mª Goretti implica numa menor diferenciação de orientação espacial que tende a privilegiar os deslocamentos dos moradores do que os visitantes. Estas áreas mantêm boa condição de acessibilidade, pois estão envolvidas por importantes avenidas (Assis Brasil, Plínio Brasil Milano, Sertório). As áreas em estudo encontram-se num sistema de vias privilegiado, com várias vias bem integradas para acessá-las de diferentes pontos da cidade. Possuem vias que estão articuladas à área central, que tendem a um maior número de conexões com outras vias, estabelecendo um sistema de vias altamente acessível tanto internamente quanto externamente. As áreas de estudo apresentam variadas possibilidades de movimento, devido à diferenciação nos níveis de acessibilidade, que reforça o movimento de pedestres e veículos que desconhecem a área ao longo do sistema de vias estruturadoras (vias Assis Brasil, Brasiliano Índio de Moraes, Dom Pedro II, Cristóvão Colombo, Plínio Brasil Milano, Industriários, Dr. Eduardo Chartier, Mal. José Inácio da Silva, Sertório). Este sistema de vias estruturadoras das áreas de estudo, altamente inteligível3, contribui significativamente para a maior acessibilidade em relação ao seu entorno, a outros bairros adjacentes, a área 3 Nas palavras de HOLANDA (2002: 103-104): “(...) se estou numa rua que é, ao mesmo tempo, fortemente integrada ao todo do sistema, e intensamente cruzada por outras ruas, tal sistema é “inteligível” porque o que percebo localmente da via (isto é, seu intenso número de cruzamentos) me oferece uma informação sobre sua posição global (sua alta integração que, entretanto, não vejo a partir dela própria). Quanto maior for a inteligibilidade de um sistema de vias mais provável será que o movimento, tanto de pedestres, quanto de veículos, concentrem-se ao longo das vias mais acessíveis. central, reforçando a condição de centralidade morfológica e funcional das áreas de estudo. As vias mais acessíveis da área de estudo, que se relacionam com a área central, são reflexos das extensões de vias que partem da área central e interligam diversas áreas da cidade. Entretanto, se observa que esta continuidade é relativamente interrompida pelas deflexões nas avenidas Assis Brasil, Plínio Brasil Milano e Cristóvão Colombo, que ao longo de sua extensão total trocam de nome, porém pertencem à mesma relação de prolongamento das vias. Embora haja diferenças na integração de acessibilidade de cada via da área em estudo, se consideradas em separado, estas vias, em conjunto, são relativamente integradas, e que tendem a facilitar a co-presença de pedestres e veículos a partir do conhecimento espacial das diferentes áreas que compõe o sistema de vias, fundamentalmente em torno das vias estruturadoras. O sistema de vias menos acessível das áreas em estudo pertence ao Bairro Stª Mª Goretti, ao invés do sistema de vias da Vila do IAPI onde há mais deflexões de vias. Isto porque o Bairro Stª Mª Goretti possui apenas uma (a Av Sertório) das nove vias consideradas estruturadoras das áreas de estudo. Já a Vila do IAPI está envolta por cinco vias (avenidas Assis Brasil, Brasiliano Índio de Moraes, Plínio Brasil Milano, Industriários, Mal. José Inácio da Silva) altamente integradas, sendo todas interligadas ao Bairro Passo D’Areia. Semelhante situação, embora com menor número de deflexões nas linhas axiais, ocorre com o Bairro Higienópolis, estruturado fundamentalmente por outras cinco vias altamente integradas (vias Assis Brasil, Dom Pedro II, Cristóvão Colombo, Plínio Brasil Milano, Dr. Eduardo Chartier). Na direção do Bairro Passo D’Areia, em torno das avenidas Assis Brasil e Plínio Brasil Milano, praticamente inexistem os entraves de expansão do sistema de vias que há no quadrante norte ao longo da Av. Sertório em razão da abrangência do polígono entorno do Aeroporto Salgado Filho que impede, por questões de segurança, a ocupação desta área. Como consequência, embora a Av. Sertório carregue integração de acessibilidade, devido em grande parte a sua extensão que, por consequência, acaba integrando a cidade no eixo leste-oeste, estes aspectos, acabam dificultando a sua apropriação mais intensa. No entanto, muitas atividades não-residenciais de grande porte (supermercados Bourbon, BIG e outras) migraram para a Av. Sertório, cuja condição de acessibilidade permite uma facilidade extra em relação ao movimento de veículos. Neste caso, o movimento de pedestres tende a ser significativamente inferior ao de veículos, pois as atividades não se concentram em uma determinada área, mas se distribuem em determinados pontos ao longo de toda a extensão da Av. Sertório. O sistema de vias no entorno próximo das áreas de estudo também configura-se como produtor e atrator do movimento de pedestres e veículos, o qual corresponde a maior probabilidade de haver origens e destinos nas áreas de estudo, desde o limite mais imediato em termos da escolha dos caminhos alternativos, até o limite mais abrangente de movimento. As vias que compõem as áreas em estudo reforçam as características de hierarquia na integração de acessibilidade, e acentuam os aspectos relacionais com outras áreas da cidade, no caso em específico, com a área central. Isto significa que novas centralidades tendem a surgir em torno das áreas, num processo contínuo de surgimento, expansão e depreciação das centralidades urbanas em decorrência do arranjo espacial do sistema de vias. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A abrangência do sistema de vias das áreas de estudo coincide com a delimitação das zonas de origem e destino para a estimativa da demanda de viagens e com a noção de áreas de centralidade em estudos configuracionais, compreendendo os espaços mais facilmente acessíveis e integrados. Centralidade corresponde a um processo sistêmico de relações entre a quantidade de usuários, a localização e a proximidade espacial das atividades. Por este motivo, o sistema de vias é dotado de níveis próprios e diferenciados de centralidade em relação a outros sistemas semelhantes em termos de acessibilidade. Áreas de centralidade são locais onde circulam e permanecem o maior número de pessoas da cidade, as quais foram avaliadas através de um enfoque historicista ao se considerar uma área urbana central como o lugar onde a memória histórica da sociedade é materializada, estratificada e conservada. Porém, centralidades não são espacialmente rígidas ou totalmente estáveis, seus limites físicos são gradativamente (re)definidos pela morfologia urbana nos diferentes períodos ao longo dos anos em parte devido a configuração do sistema de vias. REFERÊNCIAS EDOM_OD - Pesquisa de Origem e Destino de Porto Alegre – Entrevista Domiciliar. Relatório Técnico. EPTC/Magna/TIS. Porto Alegre: PMPOA. 2003. HOLANDA, F. O espaço de exceção. Brasília: EdUNB. 2002. MACEDO, F. R. Porto Alegre origem e crescimento. Porto Alegre: Sulina. 1968. PESAVENTO, S. J. (coord). Memória Porto Alegre- espaços e vivências. Porto Alegre: EdUFRGS. 1991. ___________________. O espetáculo da rua. Porto Alegre: EdUFRGS. 1996. PMPOA – Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental: informações úteis sobre como aplicar o regime urbanístico previsto no PDDUA. Porto Alegre: Secretaria do Planejamento Municipal de Porto Alegre. 1999. RIGATTI, D. Transformação espacial em Porto Alegre e dinâmica de centralidade. Porto Alegre: [Disponível na Biblioteca da Faculdade de Arquitetura da UFRGS]. 2002. FRANCO, S. C. Porto Alegre: Guia Histórico. Porto Alegre: EdUFRGS. 1992. SOUZA, C. F. , MÜLLER, D. M. Porto Alegre e sua evolução urbana. Porto Alegre: EdUFRGS. 1997.