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85 Órgão oficial da Associação dos Ex-Alunos do IEDE • Outubro de 2015 • Ano 22 • www.assex.org.br Distribuição dirigida à classe médica ÚL TI M AS VA G AS 44º Encontro Anual do IEDE “Dos Neurônios aos Hormônios” Hotel Portobello – Mangaratiba/RJ 11 a 13 de dezembro 2015 Inscrições e Informações: www.assex.org.br Espaço IEDE Seviço de Diabetes do IEDE Quando tratar e quando deixar de tratar Nesta edição Abordagem de algumas rotinas. Por Dr. Ricardo Meirelles Página 03 Dra Rosane Kupfer Página 04 jornal da ASSEX 2 EDITORIAL Caros amigos, E stamos nos aproximando do 44º Encontro Anual do IEDE, que acontecerá no segundo final de semana do mês de dezembro, no Hotel Portobello, em Mangaratiba. O tema central do evento nos permitirá discutir tópicos importantes e atuais sobre a relação entre os eixos hormonais e o sistema nervoso, contando com a expertise de renomados palestrantes e amigos do IEDE. O prêmio José Schermann será entregue à Dra. Rossana Corbo, por sua história de contribuição científica e parceria com o IEDE. Como já é tradição, teremos também a diplomação dos novos endocrinologistas formados pelo IEDE/PUC e a comemoração das Bodas de Prata da turma de 1991. Informações sobre o evento e inscrições sobre o Encontro do IEDE poderão ser encontrados em nosso site: www.assex.org.br. Esperamos vocês para encerrarmos juntos este ano de 2015, aliando ciência e confraternização. Nesta edição do Jornal da ASSEX, vamos dar continuidade ao projeto de atualização científica. Agora é a vez do Serviço de Diabetes, coordenado pela Dra. Rosane Kupfer, nos presentear com artigos comentados, discussão de caso clínico e rotinas dessa área tão importante da Endocrinologia. Aos colegas que contribuíram para esta edição do jornal, deixamos nosso sincero agradecimento. Erika Paniago Guedes (Presidente da Assex -2015-2016) Boa leitura a todos! EXPEDIENTE Diretoria Biênio 2015/2016: Diretora Vice-Tesoureira: Jornal da ASSEX: Conselho editorial: Dra. Karen F. de Marca Seidel Dr. Ricardo Meirelles, Presidente de Honra (in memoriam): Diretor Secretário: Dra. Erika Guedes Dr. Luiz Cesar Póvoa Dr. José Mauricio Braga Dr. Walmir Coutinho Diretora Presidente: Diretora Vice Secretária: Projeto Gráfico: AC Farmacêutica Dra. Erika Paniago Guedes Dra. Luciana Lopes de Souza Diagramação: AC Farmacêutica Diretor Vice-Presidente: Diretora Social: Editora: Dra. Luciana Lopes de Souza Dr. Roberto Assumpção Dra. Flávia Regina Pinho Barbosa Diretor Tesoureiro: Diretora de Eventos Científicos: Dr. Luiz Gallotti Póvoa Dra. Cynthia Melissa Valério Distribuição Gratuita à classe médica jornal da ASSEX 3 ESPAÇO IEDE Quando tratar e quando deixar de tratar Ricardo M. R. Meirelles Diretor do IEDE É surpreendente como alguns pacientes nos procuram trazendo prescrições imensas, com inúmeros medicamentos, às vezes mais de um com a mesma finalidade. Muitas vezes isso acontece porque foram procurados vários médicos e cada um fez uma receita, incluindo orientações até conflitantes com as de outros especialistas. Isso seria muito fácil evitar, desde que se incluísse na anamnese uma pergunta sobre as medicações que já estão sendo utilizadas. Esta é uma conduta que devemos adotar sempre, para evitar duplicidade de prescrições para um mesmo problema e, mais importante, interações medicamentosas potencialmente perigosas, que podem ser verificadas facilmente consultando aplicativos gratuitos como o Epocrates (que também tem uma versão online). Uma outra situação que ocorre com frequência, especialmente com portadores de doenças crônicas, é a manutenção de remédios que poderiam ter sido interrompidos há muito tempo. Um exemplo se observa em diabéticos tipo 2 que eram portadores de excesso de peso ou obesidade e que mudam seus hábitos de vida e de alimentação, conseguindo emagrecer. Isso pode ser suficiente para corrigir a resistência insulínica e hipoglicemiantes prescritos quando foi diagnosticada a doença podem não ser mais necessários. No caso do diabetes, precisamos ficar atentos também ao uso de sulfonilureias em idosos que receberam essa prescrição quando eram mais jovens e não corriam risco de hipoglicemia e que, com o passar do tempo, tornam-se mais vulneráveis às suas consequências. Além disso, nos portadores de diabetes mais idosos, não é desejável um tratamento intensivo, porque o desenvolvimento de complicações a longo prazo não é esperado. Hipertensos que emagrecem, restringem o consumo de sódio e passam a se exercitar regularmente também podem prescindir de seus anti-hipertensivos. Nos casos de osteoporose, o uso de bisfosfonatos pode ser interrompido após cinco anos, uma vez que os efeitos residuais de prevenção de fraturas se estende por, no mínimo, mais cinco anos. Há condições, entretanto, em que as diretrizes se modificam ao longo do tempo e é necessário estar atualizado. Na terapia hormonal da menopausa, por exemplo, o conceito que vigorou durante muitos anos, foi o de que esta deveria ser interrompida após um determinado período de uso, que variava de 5 a 10 anos. Mais recentemente, as sociedades médicas relacionadas à menopausa têm orientado no sentido de que, se a paciente continua se beneficiando e não surgiram contraindicações, o uso de estrogênios, associados ou não a progestógenos, pode ser mantido por prazo indeterminado. Mais delicada e que envolve aspectos éticos e emocionais, é a conduta a adotar diante de um paciente fora de possibilidades terapêuticas. O médico estuda para salvar vidas e, diante da iminência de morte, muitas vezes lança mão de recursos extraordinários, frequentemente induzido e estimulado pela família, na tentativa de impedir o falecimento. O resultado é o adiamento de um desfecho inevitável, com maior sofrimento para o paciente. Saber quando lançar mão desses recursos e, principalmente, até quando, é o mais difícil e depende, não só de conhecimento técnico, como de sensibilidade. As faculdades de Medicina, geralmente, não ensinam isso. Nem sempre “enquanto há vida há esperança”. jornal da ASSEX 4 SESSÃO: ESPAÇO DO CHEFE DE SERVIÇO O Serviço de Diabetes saúda a nova diretoria da ASSEX e o novo Jornal Dra Rosane Kupfer Chefe do Serviço de Diabetes do IEDE N esse novo formato do Jornal do IEDE teremos a oportunidade de apresentar todo o nosso staff , algumas rotinas e informações científicas de relevância. Este novo grupo assumiu com garra a missão do IEDE que inclui não só o atendimento de qualidade, mas também o ensino e a pesquisa. O perfil de nossos pacientes é complexo, o que exige gerenciar nossos talentos, motivando seu aperfeiçoamento. A base Ambulatório: • Diabetes Mellitus pediátrico (1, 2, outros) e Bomba de Insulina: Dra. Luciana Correa Dra. Cristine Barboza Beltrão Dra. Laura Ohana Dra. Juliana Veiga Moreira Dra. Isabela Coutinho • Diabetes Mellitus adulto (1, 2, outros): Dr. Felipe Renaux Dra. Carolina Corcino Dr. Wellington Santana da Silva Junior Dra. Elzi Addor Dra. Lucia Henrique Alves da Silva Dr. Rodrigo Gomes de Souza • Neuropatia Diabética Dra. Lucia Henrique Alves da Silva Dr. Daniel Barretto Kendler • Gestação e Diabetes Dr. Daniel Henrique Alves da Silva Dr. Rodrigo Gomes de Souza • Bomba de Insulina adultos Dra. Denise Momesso do Serviço é a mesma sonhada por Francisco Arduíno: o atendimento multidisciplinar, com envolvimento do paciente, onde a Educação teve um avanço sem igual na Direção de Leão Zagury. Estamos avançando, mas sempre digo que nada teria sido possível sem os que nos precederam, incluindo todos os médicos que passaram pelo Serviço. Selecionamos para essa edição assuntos estudados pelo grupo e que permearam nosso dia a dia, quer seja nos ambulatórios ou na enfermaria. Dentre os pacientes internados por descompensação crônica do Diabetes, nos surpreendeu o número elevado de casos de Síndrome de Mauriac. Nos países desenvolvidos pensa-se até que não existe mais. É o tema do caso clínico. A Neuropatia Diabética está recebendo atenção especial pelo Serviço, pois sua alta prevalência lotou o novo ambulató- rio, dirigido por endocrinologistas. Leiam a revisão. A interface entre osso e diabetes não é novidade, mas muita coisa ainda está por ser desvendada como consta no artigo comentado. Por fim, surgiu uma luz no fim do túnel para a redução do risco cardiovascular, o grande fantasma que nos assombra e agrava o prognóstico de nossos pacientes. Uma nova droga, da classe das gliflozinas, mostrou resultados favoráveis e certamente terá seu receituário expandido após o resultado do último estudo. Precisamos, porém divulgar amplamente os cuidados e os eventos adversos que podem ocorrer com essas drogas. Há forte suspeita de que possa precipitar um quadro grave de acidose metabólica, de difícil reconhecimento inicial. Este é o tema de outro artigo comentado. Tenham uma ótima leitura! • Clínica Médica Dra. Patrícia Freire • Enfermaria de Diabetes Dra. Camila Santos Dra. Mara Barbosa Gayoso • Oftalmologia Dra. Virginia Maria Neves Pinhal Dra. Kelma Macedo Dra. Luiza Roxo de Moraes • Dermatologia Dr. Egon Daxbacher Dr. Diego Rocha • Nefrologia Dr. Andre Calil Continuação Ambulatório de Diabetes: • Psicologia Sandra Costa Rodrigo Octavio da Fonseca L. Filho • Educador Físico Ney Dio de Araujo Barbosa • Unidade de Educação Dra. Claudia Pipper Thaís Braga Sandra Costa Ana Beatriz Wiltgen • Unidade do Pé Diabético: Samuel Scremin • Terapeuta Ocupacional Daniele Freire • Massoterapeutas Maria Lúcia Alves Samuel Scremin • Fisioterapeutas Viviane Constantino Kátia Quaresma Isabel Lopes Liza Braga Daniela Mendonça Elaine Magalhães Fabiana Canuto • Médico Ortopedista Dr. Fabrício Limeira jornal da ASSEX 5 Dra. Cristine Barboza Beltrão, Dra. Rosane Kupfer e Dra. Luciana Correa nos bastidores do Doce Dia (evento realizado o com apoio da ASSEX com crianças no Fritz) Dr. Wellington Santana, Dra. Juliana Moreira, Dra. Carolina Corcino, Dr. Daniel Barreto e Dr. Rodrigo Souza Festa surpresa de aniversário da Dra Rosane Kupfer em 2015, com parte da equipe do Serviço de Diabetes do IEDE e com a participação do Dr Roberto Zagury Equipe Médica do Serviço de Diabetes no Encontro do IEDE 2013 em Itaipava Reunião da Equipe do Serviço de Diabetes do IEDE, com o Dr. Leão Zagury, ex-chefe do serviço, como convidado Dra Claudia Piper coordenadora do serviço de Educacão em Diabetes do IEDE jornal da ASSEX 6 ARTIGOS COMENTADOS Artigo 1 Diabetes and osteoporosis: cause of concern? Jakob Satrup-Linde and Peter Vestergaard. Eur J Endocrinol September 1, 2015 173 R93-R99 Artigo comentado por: Dra. Camila Vicente dos Santos, médica da enfermaria de diabetes Dra. Camila Vicente dos Santos Médica da enfermaria de diabetes O diabetes mellitus (DM) e a osteoporose são doenças prevalentes, podendo ocorrer simultaneamente no mesmo indivíduo. No DM tipo 1 (DM1), observa-se redução da densidade mineral óssea (DMO) e aumento do risco de fraturas. Porém, pacientes com DM tipo 2 (DM2), apesar de apresentarem aumento do risco de fraturas por fragilidade, exibem DMO normal ou aumentada quando estudados por absorciometria por dupla fonte de raio-X (DXA). Fatores como o aumento do número de quedas (causadas por retinopatia, neuropatia e hipoglicemias), as complicações microvasculares (nefropatia diabética e consequentes disfunção renal, deficiência de vitamina D ativa, hiperparatireoidismo secundário e osteodistrofia renal) e as macrovasculares (com consequente redução do fluxo sanguíneo para os ossos) do DM são importantes, mas não explicam completamente o aumento do risco de fraturas nesta população. Sabe-se que a osteoporose é definida como uma doença esquelética caracterizada pelo comprometimento da resistência óssea, predispondo a um elevado risco de fraturas. A resistência óssea depende não só da DMO, mas também da qualidade óssea. Desta forma, outros fatores relacionados à qualidade óssea, como a microarquitetura óssea, geometria do osso, propriedades da matriz mineral óssea e do colágeno e taxa de remodelamento ósseo, poderiam ser os responsáveis pelo aumento do risco de fraturas em pacientes com DM. O presente estudo apresenta uma revisão da estrutura óssea, da competência biomecânica, do turnover ósseo e dos marcadores bioquímicos de remodelação óssea em pacientes diabéticos e discute as potenciais diferenças entre pacientes com DM1 e DM2. Parece haver uma redução do turnover ósseo em pacientes com DM, mas os estudos são conflitantes. Alguns trabalhos mostram redução da osteocalcina e do C-telopeptídeo (CTX), enquanto uma recente meta-análise encontrou aumento do N-telopeptídeo (NTX) no DM. Um fator que pode contribuir para a possível queda no CTX é a diminuição da ação dos hormônios incretínicos nestes pacientes. Tanto em pacientes DM1 quanto em pacientes com DM2, a redução da secreção de insulina em resposta ao GLP1 (glucagon-like peptide-1) pode estar associada à diminuição da formação de CTX. A reabsorção óssea reduzida poderia então levar ao acúmulo de uma matriz óssea “frágil” e ausência de troca de osso velho por osso novo, com consequente redução da resistência óssea. Além disso, a hiperglicemia causa aumento da glicosilação do colágeno, que torna-se menos aderente às células ósseas produtoras de matriz óssea, levando a uma redução da remodelação óssea. Também são necessários mais estudos para definir o papel da microarquitetura óssea como um fator contribuinte para o aumento da fragilidade óssea em pacientes com DM. Estudos com tomografia computadorizada quantitativa (QCT) periférica demonstraram redução do volume do fêmur proximal e da DMO vo- lumétrica do colo femoral em mulheres com DM2 na pós menopausa. O mesmo grupo foi estudado com tomografia computadorizada periférica quantitativa de alta resolução (HR-pQCT) do rádio ultradistal e da tíbia distal, sendo evidenciado um aumento da porosidade do osso cortical nas pacientes com fraturas por fragilidade. Um recente estudo utilizando ressonância magnética em mulheres jovens com DM1 (idade média de 22 anos; idade média ao diagnóstico de DM de 9,7 anos) mostrou redução do volume ósseo e aumento da separação do espaço entre as trabéculas, principalmente em pacientes com retinopatia diabética. Porém, o volume ósseo reduzido nestas pacientes pode ser resultado da menor velocidade de crescimento e menor estirão puberal em pacientes com DM de longa duração e com complicações microvasculares associadas. Em relação às propriedades da matriz mineral óssea e do colágeno, um estudo em ratos diabéticos evidenciou acúmulo de produtos finais de glicação avançada (AGEs) e redução na rigidez, absorção de energia e elasticidade ósseas. Em humanos, a interação entre os AGEs e seus receptores (RAGE), que estimula a liberação de moléculas pró-inflamatórias, também têm sido associados a uma menor competência biomecânica do osso independentemente da DMO. Além disso, um nível sérico baixo de RAGEs secretórios endógenos, receptor que reduz a sinalização intercelular via RAGE ao se ligar a um AGE, parece ser um fator de risco para fraturas vertebrais em pacientes com DM2, independente do DMO. Em um estudo recente, foi identificado aumento em 12 vezes na secreção de colágeno tipo 1 pelos osteoblastos, quando estas células foram expostas a hiperglicemia e a jornal da ASSEX uma elevada pressão osmótica (manitol), indicando um excesso de produção de matriz orgânica. A expressão da fosfatase alcalina, marcador de formação óssea, reduziu-se em 50%, demonstrando um deficit na mineralização. Outro estudo in vitro encontrou uma redução da área de reabsorção sob ação dos osteoclastos em condições de hiperglicemia. Desta forma, tanto os osteoblastos quanto os osteoclastos são afetados pela hiperglicemia. Outros fatores determinantes no aumento do risco de fraturas em pacientes diabéticos são a insulina, os antidiabéticos orais (ADO) e as alterações na via de sinalização da Wnt e do seu receptor da lipoproteína de baixa densidade tipo 5 (LRP-5), via que estimula a diferenciação, proliferação e sobrevida dos osteoblastos. A insulina pode apresentar efeito anabólico em osteoblastos. Assim, a hipoin- sulinemia endógena em pacientes com DM1 pode contribuir para a perda óssea. Ao mesmo tempo, a hiper-insulinemia em pacientes DM2 pode aumentar a DMO, mas a presença de resistência insulínica aumenta o risco de fraturas nestes indivíduos. Além disso, a hiperglicemia pode causar hipercalciúria, causando um balanço de cálcio negativo. Em relação aos ADO, as glitazonas estão associadas a perda de massa óssea e fraturas, pois estimulam a diferenciação preferencial de células tronco em adipócitos e não, em osteoblastos. A hiperglicemia parece ter um efeito semelhante, ao aumentar a atividade dos receptores ativados por proliferadores de peroxissomo gama (PPAR-gama). A metformina, os inibidores da enzima dipeptidil peptidase-4 (iDPP-4) e o liraglutide estão associados a risco reduzido de fraturas, mas este 7 achado pode estar relacionado à habilidade dessas drogas em controlar o DM. A alteração da via Wnt e seu receptor LRP-5 já foi associada a complicações diabéticas e pode fazer parte do mecanismo de aumento do risco de fraturas em diabéticos tratados agressivamente com estatinas. Sabe-se que o LDL colesterol é capaz de se ligar ao receptor LRP através das apolipoproteínas B e E, estimulando a via Wnt. Desta forma, é possível que níveis de LDL muito baixos possam afetar a saúde óssea. Em conclusão, devemos nos preocupar com o diagnóstico de osteoporose em pacientes com DM. As alterações na DMO não explicam completamente o risco elevado de fraturas por fragilidade, sendo a qualidade óssea um fator importante na fisiopatologia da osteoporose nestes indivíduos. Artigo 2 Euglycemic Diabetic Ketoacidosis: A Potential Complication of Treatment With Sodium-Glucose Cotransporter 2 Inhibition Anne L. Peters, Elizabeth O. Buschur, John B. Buse, Pejman Cohan, Jamie C. Diner and Irl B. Hirsch Diabetes Care 2015;38:1687-1693 Artigo comentado por: Dra Rosane Kupfer, chefe do Serviço de Diabetes Dra Rosane Kupfer Chefe do Serviço de Diabetes do IEDE A mais nova classe de drogas para o tratamento do Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2), os inibidores do SGLT2 (SGLT2i), tem se mostrado eficaz no controle glicêmico associado à perda de peso e redução de pressão arterial (PA). Um de seus representantes, a Empagliflozina, em recente estudo prospectivo para avaliar a segurança cardiovascular (CV ), aberto no último Congresso da European Association for the Study of Diabetes (EASD) e publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) foi capaz de reduzir a mortalidade CV em 38% e a mortalidade por todas as causas em 32%. Considerado um marco, esse estudo deve motivar o aumento do emprego dessa e das outras drogas desta classe (Dapagliflozina e Canagliflozina). Dois artigos do Diabetes Care de setembro de 2015, no entanto, chamam a atenção para uma complicação pouco conhecida relacionada a esta classe: a Cetoacidose Euglicêmica (CAE). O Food and Drug Administration (FDA) e a European Medicines Agency (EMA) emitiram avisos e continuam monitorando a incidência de novos eventos. Apesar de incomum, a CAE pode potencialmente ser grave, pois seu diagnóstico é postergado em virtude da ausência de hiperglicemia importante. No artigo de Peters et al aqui comentado, foram relatados 13 episódios de CAE ou cetose associados ao uso de SGT2i em nove indivíduos (7 DM1 e 2 DM2), sendo que 3 pacientes tiveram mais que um episódio. Eles observam que a prescrição off label para DM1 está crescendo pois essas drogas mostram redução da glicemia (independente de insulina), redução da variabilidade glicêmica e da glicemia pós prandial, sem aumento importante de episódios hipoglicemia; além da perda de peso e da dose de insulina. A Cetoacidose Diabética Clássica (CAD) é caracterizada por hiperglicemia maior ou igual a 250 mg/dl, acidose com aumento do anion gap e cetonemia. A CAE por sua vez, é definida por ausência de hiperglicemia tão evidente. Pode ser precipitada por fatores como: CAD clássica parcialmente tratada, restrição alimentar, ingestão de álcool e inibição da gliconeogênese. Os autores chamam a atenção para demora no diagnóstico da CAE devido à ausência de hiperglicemia importante. Por isso ao invés dos pacientes aumentarem a dose de insulina, eles podem até mesmo reduzir. A glicemia se mantém baixa por efeito do SGLT2i, levando ao desacoplamento hiperglicemia/Cetose. O risco para desenvolver CAE com uso de SGLT2i é desconhecido e precisa ser definido, principalmente em DM1 (há estudos jornal da ASSEX 8 em DM1 em andamento e que poderão contribuir com esses dados), e em DM2 em pós operatório (os dois casos descritos aqui). Uma vez reconhecido o diagnóstico, todos os pacientes responderam à administração de insulina e fluidos. A bioquímica foi semelhante em todos. Embora o álcool possa contribuir, a maioria negou ingesta de álcool. Nos pacientes com DM1 contribuíram para o quadro: presença concomitante ou prévia de infecção, aumento de atividade ou redução de ingestão alimentar acoplada com redução aguda da dose de insulina ou omissão da dose. É importante lembrar que a glicemia de jejum é mais facilmente inibida por quantidades pequenas de insulina na veia porta mas a concentração de insulina necessária para inibir a cetogênese é maior. Muitos apresentaram náusea, parecendo já ser uma conseqüência da cetose. O mecanismo exato da CAE associada ao SGLT2i ainda não é conhecido. Hipóteses sugerem que a euglicemia seria devido à redução do limiar de excreção de glicose com grande perda de glicose pela urina, e a redução da dose de insulina no momento de resistência à insulina pode ter levado ao rumo da cetose, resultando em CAE. Alguns estudos mostram o aumento do glucagon com o uso dos SGLT2i que poderia levar ao aumento da cetose. Por fim os SGLT2i levam a perda maior de volume o que pode contribuir para a desidratação em vigência de náuseas. A hipovolemia leva ao aumento dos hormônios contra-regeladores, aumentando a resistência à insulina, a lipólise e a cetogênese. Outros autores vem relatando mais casos de CAE com SGLT2i. O uso em DM1 ainda não foi aprovado. Na teoria é o paciente de maior risco para a CAE, o FDA já tenha publicado o relato de 20 casos na maioria em DM2. Os pacientes com DM1 (uso off label) devem ser orientados ao sentirem-se mal a checar a cetonúria ou a cetonemia, se a glicemia estiver normal, se tiverem se excedido na ingesta de álcool, se houver redução da dose de insulina por qualquer razão, incluindo atividade física ou redução de carboidratos na dieta. Porém para a prevenção da CAE, seria necessário testar a presença de cetonas na urina diariamente. Caso se tornasse moderada ou forte, a conduta seria suspender a droga, hidratar vigorosamente, consumir carboidratos para permitir o uso das doses completas de insulina até que as cetonas desapareçam. Se não for possível, levar a emergência para tratamento intravenoso com insulina e fluidos. No caso de pacientes com DM2, não seria necessário a monitorização diária da cetonúria, mas seus médicos devem se conscientizar de que a CAE pode ocorrer em DM1 e em DM2 e que há a necessidade de orientar quanto aos sinais e sintomas da CAE e as providências a serem tomadas (suspensão da droga, procurar o seu médico ou emergência). Se ocorrer em DM2, não se deve reiniciar o SGLT2i pouco tempo depois, pois pode haver recidiva. Apesar da meia vida não ser longa, a simples suspensão dois dias antes da cirurgia não garante a prevenção do efeito e não se tem ainda uma recomendação formal sobre o pré-operatório nos pacientes DM2 em uso destas drogas. Referência 1. FDA Drug Safety Comunication. Htttp://www.fda.gov/Drugs/DrugsSafety/ucm446845.htm HOT TOPIC EM ENDOCRINOLOGIA Neuropatia Diabética Dra. Lucia Henriques Médica do ambulatório de Neuropatia Diabética Introdução A neuropatia diabética (ND) é uma complicação crônica definida como sinais e/ou sintomas de disfunção de nervos periféricos em pessoas com Diabetes Mellitus (DM) após a exclusão de outras causas (1). Estima-se que aproximadamente 50% dos pacientes diabéticos são afetados pelo problema. Além de comprometer a qualidade de vida dos indivíduos por ser um fator de risco para ulcerações e amputações de membros inferiores, estimase, segundo dados norte-americanos, que gere um custo financeiro anual de aproximadamente 10,9 bilhões de dólares (2). A patogênese da ND é multifatorial e complexa, porém, em linhas gerais, sabe-se que fatores de risco como tabagismo, hipertensão arterial e dislipidemia, associados à disfunção endotelial e microvascular, ativação de mecanismos inflamatórios e injúria direta ao nervo causados pela hiperglicemia crônica e sustentada levam à lesão e destruição dos nervos periféricos (3,4). Sendo assim, a identificação e intervenção precoce sobre estes fatores e sobre a ND quando já estabelecida são fundamentais no contexto do cuidado multidisciplinar do paciente com Diabetes. Classificação e manifestações clínicas Didaticamente, a ND pode ser classificada conforme exposto na Tabela 1, sendo a polineuropatia simétrica generalizada a forma mais comumente identificada (5). A ND pode ser assintomática ou se manifestar com sintomas (ex: dor, câimbras, parestesias, fisgadas, sensação de ter colocado os pés em chamas ou cubos de gelo) e/ou sinais neuropáticos (ex: perda de sensibilidade, ressecamento cutâneo, deformidades de pododáctilos ou arco plantar, ulcerações). jornal da ASSEX 9 De membros (superiores e inferiores/compressivas) de redução de amplitude pulsos ou isquemia no exame físico. Cabe mencionar que é fundamental o diagnóstico diferencial com outras doenças que podem causar neuropatia periférica (como hepatites B e C crônicas, infecção crônica pelo HIV, neurossífilis, deficiência de vitamina B12, uso de substâncias neurotóxicas e disfunção tireoidiana) para que não se rotule inadequadamente o problema do paciente deixando-se, assim, de tratar algumas causas potencialmente reversíveis. Truncal (tóraco-abdominal) Tratamento Tabela 1: Classificação da Neuropatia Diabética Polineuropatia simétrica generalizada Sensorial aguda Sensitiva-motora crônica (simétrica distal) Autonômica Neuropatias focais e multifocais Cranianas (III, IV, VI e VII pares) Motora proximal (amiotrofia) Polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica Diagnóstico O diagnóstico de ND baseia-se na anamnese, no exame físico e exames complementares. Na anamnese deve-se contemplar o tempo de diagnóstico de DM, início e frequência de sinais e sintomas, histórico de comorbidades, tabagismo e abuso de álcool, uso de medicamentos, sinais de disautonomia e intensidade dos sintomas (através de escores específicos, como o escore de sintomas neuropáticos e a escala analógica de dor). No exame físico devem ser feitas a avaliação neurológica dos diversos tipos de sensibilidade (tátil grosseira – monofilamento de 10g, térmica – quente e frio, dolorosa, vibratória – diapasão de 128 Hz) e motricidade (reflexo Aquileu), além da medida da pressão arterial em decúbito e ortostatismo e palpação de pulsos periféricos. Caso haja dúvidas quanto ao diagnóstico de ND ou quando se deseja estimar a gravidade da mesma em estágios em que há maior comprometimento neurológico, a eletroneuromiografia (ENMG) pode ser útil, lembrando que deve ser evitada em pacientes com plaquetopenia grave ou em uso de anticoagulantes. Porém, se o paciente apresenta apenas comprometimento de fibras finas (as mais precocemente afetadas), a ENMG pode ser normal e não exclui o diagnóstico. Os exames de imagem como tomografia computadorizada ou ressonância magnética devem ser reservados para situações em que se suspeita de patologias osteo-musculo-articulares como causa dos sintomas. O ecodoppler arterial colorido de membros inferiores deve ser solicitado quando há evidências O tratamento da ND baseia-se no controle glicêmico e dos fatores de risco já mencionados, na utilização de medicamentos que atuem na patogênese da doença, especialmente em estágios precoces (como o ácido tióctico ou α-lipóico, até o momento o único em que os estudos demonstraram algum papel benéfico) (6) e, quando há dor ou equivalente doloroso, no uso de medicamentos específicos em monoterapia ou associação (5). Das classes consideradas de primeira linha para o tratamento da dor neuropática, sempre se considerando as comorbidades do paciente e as contraindicações, destacam-se os anticonvulsivantes (pregabalina e gabapentina), os antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, imipramina) e os inibidores seletivos de receptação de serotonina e noradrenalina (duloxetina, venlafaxina), todos com eficácia semelhante (7). A tabela 2 exibe os medicamentos, as doses médias recomendadas e os efeitos colaterais mais comuns. Tabela 2: Medicamentos utilizados para o tratamento da dor neuropática Medicamento Dose Diária Média Efeitos colaterais mais comuns Amitriptilina 25 a 150 mg Sonolência, Hipotensão ortostática, Retenção Urinária, Constipação Intestinal, Xerostomia, Arritmias Imipramina 25 a 150 mg Semelhantes à amitriptilina Duloxetina 60 a 120 mg Náuseas, Vômitos, Cefaléia, Redução de Libido, Redução de Apetite Venlafaxina 75 a 225 mg Semelhantes à duloxetina; elevação da pressão arterial, taquicardia Gabapentina 600 a 3.600 mg Sonolência, Tontura, Cefaléia, Edema Periférico, Hipercinesia Pregabalina 300 a 600 mg Semelhante à Gabapentina jornal da ASSEX 10 Conclusão A ND é uma complicação crônica do DM relacionada à hiperglicemia crônica e a outros fatores de risco. Quando não diagnosticada e/ou não tratada, prejudica a qualidade de vida dos pacientes e está relacionada a desfechos como ul- cerações e amputações de membros inferiores. O rastreio deve ser feito pelo menos uma vez ao ano, assim como as demais complicações. Referência 1. Boulton AJ. Guidelines for diagnosis and outpatient management of diabetic peripheral neuropathy. European Association for the Study of Diabetes, Neurodiab. Diabetes Metab. 1998;24 Suppl 3:55–65. 2. Tesfaye S, Hospital RH. Advances in the epidemiology , pathogenesis and management of diabetic peripheral neuropathy. 2012;28(Suppl 1):8–14. 3. Yagihashi S, Mizukami H, Sugimoto K. Mechanism of diabetic neuropathy: Where are we now and where to go? J Diabetes Investig. 2011 Jan;2(1):18–32. 4. Hosseini A, Abdollahi M. Diabetic neuropathy and oxidative stress: Therapeutic perspectives. Oxidative Medicine and Cellular Longevity. 2013. 5. Criteria D, Clinical B. Diabetic Neuropathies; A statement by American Diabetes Association. 2005;28(4). 6. Baron R. Mechanism based therapeutic approach of painful neuropathies: Where are we now? [Internet]. European Journal of Pain. 2009. p. S14–5. Available from: http://www.embase.com/search/results?subaction=viewrecord&from=export&id=L70175578 7. Tesfaye S, Vileikyte L, Rayman G, Sindrup SH, Perkins BA, Baconja M, et al. Painful diabetic peripheral neuropathy : consensus recommendations on diagnosis , assessment and management. 2011;( June):629–38. CONDUTAS NOS SERVIÇOS Rotina do Ambulatório de Diabetes e Gestação Dr. Daniel Barretto Kendler e Dr. Rodrigo Gomes de Souza Médicos do Ambulatório de Diabetes e Gestação A gestação é um período fisiológico com diversas alterações no metabolismo glicídico materno. Estas alterações, notadamente a resistência insulínica, mais pronunciada a partir da 24ª semana de gestação, podem levar ao aparecimento de um tipo especial de diabetes mellitus (DM), o diabetes mellitus gestacional (DMG). Além disso, pacientes com DM prévio, ao ficarem grávidas, tem necessidade de ajustes importantes no seu tratamento e acompanhamento. Por estas razões, o Serviço de Diabetes do IEDE conta com um ambulatório especializado em Diabetes e Gestação. Este ambulatório funciona em dois turnos por semana, sob a responsabilidade dos Drs. Daniel Barretto Kendler e Rodrigo Gomes de Souza, atendendo, semanalmente, cerca de 20 pacientes, tanto diabéticas já acompanhadas no IEDE, quanto pacientes vindas de outros serviços, através do Sistema de Regulação de Vagas (SISREG). O ambulatório de Diabetes e Gestação, conta com a indispensável colaboração dos serviços de oftalmologia, nutrição e enfermagem do nosso Instituto (IEDE). Procuraremos neste artigo abordar as condutas desenvolvidas no nosso ambulatório, com o intuito de ajudar, de forma prática e descomplicada, o endocrinologista geral. I) Diabetes Mellitus Gestacional: O DMG por muito tempo foi definido como o DM primeiramente diagnosticado durante a gestação. Mais modernamente, entretanto, este conceito foi aperfeiçoado, sendo hoje definido com o DM primeiramente diagnosticado na gestação, mas que não seja claramente um DM prévio à gestação. Esta distinção é feita através dos níveis glicêmicos, sendo considerados com DM pré-gestacional aquelas pacientes que atingem níveis glicêmicos, sejam Glicemia de Jejum (GJ), hemoglobina glicada (HbA1c) ou no Teste de Tolerância Oral à Glicose (TTOG), compatíveis com o diagnóstico de DM na mulher não grávida. A diferenciação entre DMG e DM prégestacional é fundamental, pois enseja diferentes abordagens no tratamento e acompanhamento destas pacientes. Usamos, em nosso ambulatório, para o diagnóstico de DMG E DM prévio, os critérios provenientes do estudo Hyperglycemia and Adverse Pregnancy Outcome (HAPO) que foi o primeiro trabalho a definir pontos de corte baseados em desfechos materno-fetais. Estes mesmos critérios são, atualmente, aceitos tanto pela American Diabetes Association (ADA), quanto pela Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD). Os critérios são definidos no fluxograma abaixo e são usados para pacientes sem história prévia de DM. O tratamento inicial do DMG é feito com dieta, sendo a paciente encaminhada, ainda no mesmo dia da primeira consulta médica, para uma avaliação pelo serviço de nutrição. Não preconizamos o uso de Glibenclamida ou Metformina, a não ser em casos especiais. jornal da ASSEX 11 Primeira consulta do pré-natal Avaliar glicemia de jejum em todas as gestantes, além de hemoglobina glicada naquelas de alto risco para diabetes Glicemia de jejum ≥ 126 mg/dl e/ou hba1c ≥ 6,5% (hplc) e/ou glicemia casual ≥ 200 Glicemia de jejum< 92 mg/dl Glicemia de jejum entre 92-125 mg/dl Tratar como DM prévio Realizar TOTG com 75g de Dextrosol entre 24 - 28 semanas de gestação, em todas as gestantes que não tiveram diagnóstico de DMG ou DM prévio no início da gestação DMG Glicemia de jejum ≥ 126 mg/dl e/ou ≥ 200 mg/dl após a 2ª hora: provável DM prévio Um ou mais valores ≥ jejum: 92 mg/dl 1 hora: 180 mg/dl 2 horas: 153 mg/dl Diagnóstico de DMG Valores do TOTG normais: sem diabetes Orientações Dietéticas para Gestantes com Diabetes Gestacional A dieta para a gestante com DMG deve ser suficiente para mantê-la euglicêmica, enquanto fornece todos os nutrientes necessários para a mãe e para o desenvolvimento fetal. As tabelas a seguir mostram o ganho esperado de peso por semana e a quantidade de calorias fornecidas, em relação ao índice de massa corporal (IMC) materno prévio à gestação. IMC pré-gestacional (kg/m2) Ingestão calórica diária estimada < 18,5 36 - 40 kcal/Kg/dia 18,5 – 24,9 30 – 35 kcal/Kg/dia 25,0 – 29,9 24 kcal/Kg/dia ≥ 30 Reduzir em 1/3 em relação à ingestão prévia a gestação ou 12 kcal/Kg/dia (desde que, em ambos os casos, não seja menos que 1600 – 1800 Kcal/dia) Ganho de peso esperado para gestantes diabéticas, por IMC e trimestre: IMC pré-gestacional (kg/m2) Gestação Ganho ponderal total (kg) Ganho ponderal médio no 2º e 3º trimestres (g/semana) * < 18,5 Única 12,5 – 18 510 (440 – 580) 25,0 – 29,9 Única 7 – 11,5 280 (230 – 330) 18,5 – 24,9 ≥ 30 - Única Única Gemelar Trigemelar *Admite-se um ganho entre 0,5 – 2,0 kg no 1º trimestre. 11,5 - 16 5-9 11,3 – 15,8 22,6 420 (350 – 500) 220 (170 – 270) - jornal da ASSEX 12 • Autorizamos a paciente a consumir, em quantidades moderadas, os seguintes adoçantes: sucralose, aspartame e acessulfame K • O ganho de peso correto é um bom indicador do seguimento correto da prescrição dietética. • Após o inicio da dietoterapia, a paciente retorna à consulta médica, após 2 semanas, com auto-monitorização glicêmica de 6 pontos (antes e 1 hora após o café, almoço e jantar). • Os alvos glicêmicos desejados são: Glicemias em jejum e pré-prandial: < 95 mg/dl Glicemias 1h pós prandial: < 140 mg/dl Insulinoterapia Acompanhamento do peso fetal Em caso de não controle adequado, é prescrito insulinoterapia para a paciente. A quantidade e tipos de insulina (se apenas basal, apenas bolus ou basal-bolus) dependerão em quais momentos a glicemia está acima dos alvos e de qual a intensidade de hiperglicemia. Utilizamos, normalmente, a insulina NPH como basal e as insulinas Aspart ou Lispro como bolus. Outro dado importante, a partir da 24ª semana, é o acompanhamento do peso fetal, obtido através do ultrassom obstétrico. Utilizamos a seguinte tabela, sendo considerado um crescimento excessivo, quando o feto se encontra acima do percentil 90. I.G. (semanas) P 10 (g) P 50 (g) P 90 (g) 24 530 840 1260 26 685 955 1360 25 27 28 29 605 770 1045 960 1270 860 30 1060 32 1290 31 33 34 35 36 37 880 1170 1440 1600 1800 2050 2260 1150 1395 1540 1715 1920 2200 2485 2710 2900 1305 1435 1550 1690 1840 2030 2280 2600 2940 3200 3390 3520 38 2430 3030 3640 39 2550 3140 3735 40 2630 3230 3815 41 2690 3290 3870 42 2720 3300 3690 Acompanhamento e Pós-parto: As pacientes com DMG são acompanhadas a cada 2 semanas até a 32ª semana de gestação e, a partir daí, semanalmente até o parto. Deve manter a auto-monitorização de 6 pontos diários, sendo que as muito bem controladas apenas com dieta são solicitadas a medir os 6 pontos a cada 2 ou 3 dias. Após o parto, é suspenso o tratamento com insulina, caso ele tenha sido iniciado. Todas as pacientes com DMG deverão realizar o TOTG 8 semanas após o parto, para confirmar ou não a permanência do DM. Dados recentes mostram que pacientes com pré-DM que tenham passado de DMG be- neficiam-se do uso de metformina. II) DM prévio e gestação: Com o melhor controle do DM do tipo 1 (DM1), as pacientes com esta doença, cada vez mais, conseguem engravidar. Além disso, a epidemia de obesidade jornal da ASSEX leva pessoas em idade fértil a desenvolverem DM do tipo 2 (DM2). Estes dois fatores contribuem para ser muito comum gestantes com DM prévio. Aconselhamento pré-gestacional: • A toda paciente com DM deve ser oferecido métodos anticoncepcionais para que uma eventual gestação seja sempre planejada. • Antes de engravidar, a paciente diabética deve ter os seus níveis glicêmicos otimizados. São desejados níveis de HbA1c < 7%. Além disso, deve ser feito exame de fundo de olho antes da gestação, pois quadros de retinopatia podem piorar ao longo da gestação. Casos de retinopatia mais grave devem ter tratamento antes da gestação. • É importante o rastreio para nefropatia, já que a mesma também pode piorar ao longo da gestação. • É fundamental avaliar os medicamentos usados pela paciente. Estatina, inibidores enzima conversora da angiotensina (iECA) e bloqueadores do receptor da angiotensina (BRA) devem ser suspensos e substituídos, pois seu uso está contra-indicado na gestação. Insulinoterapia: Pacientes com DM prévio, em uso de drogas antidiabéticas orais, devem trocar o seu tratamento para insulinoterapia. Em relação às insulinas, a NPH, Determir, Lispro e Aspart são medicamentos categoria B e podem ser usados normalmente na gestação. Vários relatos de caso e estudos retrospectivos mostram a segurança de se usar a Glargina na gestação, mas ainda não é considerada medicamento categoria B na gestação e, portanto, deve ser usada apenas em situações especiais e com o consentimento da paciente. A principal indicação do uso da Glargina é naquelas pacientes com DM1 prévio que estão muito bem controladas com Glargina, e principalmente, se a Glargina foi iniciada por hipoglicemias graves, ou variabilidade glicêmica, com outras insulinas. As insulinas Glulisina e Degludeca não devem ser usadas na gestação, por falta de dados. Acompanhamento e tratamento da paciente com DM prévio: • A gestação traz, para o já difícil controle do DM, alterações fisiológicas que fazem com que seja um período de necessidade de ajustes do tratamento insulinoterápico. O primeiro trimestre é um período de maior sensibilidade insulínica, quando as doses deste medicamento costumam ser diminuídas. Já a partir de 24 semanas de gestação, ocorre um aumento da resistência insulínica 13 que traz necessidade do aumento crescente das doses de insulina. • A gestante com DM prévio deve fazer a auto-monitorização glicêmica com 6 pontos diários durante a gestação inteira. Os alvos glicêmicos são os mesmos já relatados anteriormente para a paciente com DMG. Os ajustes necessários virão destes dados. • Deve ser solicitado, a cada trimestre, HbA1c e exame de fundo de olho. • Como guia inicial, mas salientando que são as medições glicêmicas que devem orientar o tratamento, as dosagens médias de insulina total diária: 1º Trimestre - 0,5-0,7 U/Kg/dia 2º Trimestre - 0,7-0,8 U/Kg/dia 3º Trimestre - 0,9-1,0 U/Kg/dia O parto e o pós parto: • A paciente com DM prévio tem maior chance de complicações obstétricas e fetais. Por isso, após chegar a termo, não se deve aguardar muito a entrada natural em trabalho de parto. O fluxograma a seguir indica a nossa rotina que sempre deve ser discutida com o obstetra. A via do parto, transvaginal ou cesáreo, é de indicação obstétrica. Classificação do diabetes DMG controlado com dieta Seguir indicação obstétrica, não devendo ultrapassar 40 semanas DMG, bem controlado, tratado com insulina DM prévio ou DMG tratado com insulina com controle glicêmico lábil, ou comorbidade associada (has, nefropatia ou vasculopatia) DM prévio ou DMG, com IG < 37 semanas e feto macrossômico Induzir entre 38 - 39 semanas Induzir com 38 semanas, após confirmação da maturidade pulmonar fetal. Considerar antecipação em alguns casos Avaliar necessidade de internação hospitalar com avaliação diária da vitabilidade fetal até atingir o termo Considerar cesariana se peso fetal > 4000g Cesariana em caso de sinais de sofrimento fetal jornal da ASSEX 14 • Após o parto, as doses de insulina devem ser reduzidas e a paciente mantêm monitorização glicêmica como antes da gestação. É importante salientar que a amamentação, que deve sempre ser estimulada, tende a reduzir os níveis glicemicos. Existe, então, a necessidade de ingestão de carbohidratos ou diminuição das doses de insulina nos momentos de amamentação. • A paciente é acompanhada pelo nosso ambulatório, enquanto estiver em amamentação exclusiva. Depois deste período, ela volta ao ambulatório de origem. • Sempre orientar os métodos anticoncepcionais. Referência 1. Diabetes and Pregnancy: An Endocrine Society Clinical Practice Guideline. J Clin Endocrinol Metab, 2013, 98(11):4227–4249. 2. International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups Recommendations on the Diagnosis and Classification of Hyperglycemia in Pregnancy. DIABETES CARE. 2010, 33(3): 676-682. 3. The Effect of Lifestyle Intervention and Metformin on Preventing or Delaying Diabetes Among Women With and Without Gestational Diabetes: The Diabetes Prevention Program Outcomes Study 10-Year Follow-Up. Clin Endocrinol Metab, 2015, 100(4):1646–1653. 4. American Diabetes Association. Management of diabetes in pregnancy. Sec. 12. In Standards of Medical Care in Diabetesd2015. Diabetes Care 2015;38 (Suppl. 1):S77–S79. 5. Diretrizes da Sociedade Brsileira de Diabetes 2013-2014. RELATO DE CASO Síndrome de Mauriac - Diabetes mellitus tipo 1 associado a hepatomegalia diagnóstico e não comparece regularmente às consultas desde então. Queixava-se de nictúria, perda de peso e cefaléia e relatava preocupação por nunca ter menstruado. Dra Mara Barbosa Gayoso e Dra.Camila Santos Médicas da Enfermaria de Diabetes ID: J.A.C.,14 anos e 6 meses, feminina, branca, estudante, natural do Rio de Janeiro, residente na Pavuna. QP: “Internei para alimentar” HDA: Paciente com diabetes mellitus (DM) diagnosticado após episódio de cetoacidose diabética (CAD) aos 7 anos e 6 meses de idade, foi internada em 4/2/15 para educação em DM. Faz acompanhamento no IEDE desde o primeiro mês do HPP: DM tipo 1 (DM1) em uso de insulina Glargina 34 UI/dia e esquema corretivo pré-prandial com insulina Lispro. Não se adaptou à contagem de carboidratos. Nega alergias medicamentosas, viroses comuns da infância e cirurgias prévias. Apresenta candidíase vaginal de repetição e líquen escleroso genital e extragenital. História de múltiplas internações prévias por CAD e para educação em diabetes. Relata 3 episódios prévios de hipoglicemias associadas a crises convulsivas. H. Familiar: Tia materna com DM1; 02 tias paternas, todos os tios paternos e avô paterno com DM2; tia paterna com tireoidopatia (não sabe dizer qual). Pais e 2 irmãos saudáveis. H. Fisiológica: Parto cesáreo à termo, gestação sem intercorrências. Peso ao nascer: 2950g. Estatura ao nascer: 50 cm. Aleitamento exclusivo até 1 ano. Pubarca aos 13 anos. Telarca aos 14 anos. Ainda sem menarca. Menarca da mãe aos 14 anos. H. Social: Estudante do 9° ano do ensino fundamental com bom rendimento escolar. Ao exame: Sinais Vitais: FC -100bpm PA - 100 x 70 mmHg Medidas Antropométricas, maturidade sexual: Peso - 40,5 Kg Altura - 151 cm (p3-p10) IMC - 17,8 Kg/m 2 (p3-p10) (p10-p25) Estatura alvo - 164 cm (± 5 cm) Tanner - P2M2 Avaliação do Crescimento: Baixa velocidade de crescimento e altura levemente abaixo do alvo genéticocom bom rendimento escolar. jornal da ASSEX Avaliação do Crescimento pela curva pondero-estutaral do United States Center for Disease Control and Prevention (CDC) para meninas entre 2 e 20 anos: 15 jornal da ASSEX 16 Ectoscopia: Paciente lúcida e orientada. Bom estado geral. Corada, hidratada, acianótica, anictérica e afebril. ACV: RCR em 2T sem sopros. AR: MVUA sem RA. ABD: Abdome globoso, peristáltico, flácido, indolor a pal- pação superficial. Fígado doloroso palpável a cerca de 4 cm do rebordo costal direito. MMII: sem edema ou lesões. Pulsos pediosos amplos e simétricos. Distribuição de gordura: Lipohipertrofia volumosa periumbilical, em coxas e braços Exames Laboratoriais: Exames/ Ano 2013 2014 2015 HbA1c (%) 10,2 10,6 9,0 TGO(U/L) 61 117 51 TGP(U/L) 107 101 68 FAL(U/L) 302 184 254 GGT(U/L) 136 126 36 Ceruloplasmina (mg/dL) 49,1 (N) CT(mg/dL) 221 227 LDL(mg/dL) 80 73 TG(mg/dL) 215 168 HDL(mg/dL) 98 120 IGF-1(ng/mL) 112 (VR:155-680) 179 (VR:222-896) TSH(mUI/mL) 0,71 0,87 T4 Livre(ng/dL) 1,1 0,9 Anti-TPO(UI/mL) Sorologias para Hepatites Virais Sorologia para Hepatite Auto-Imune 5,9 NR NR NR Anti-Endomísio IgA NR Anti-Transglutaminase IgA NR FAN NR HbA1C: hemoglobina glicada; TGO: transaminase oxalacética; TGP: transaminase pirúvica; FAL: fosfatase alcalina; GGT: gama glutamiltranspeptidase; CT: colesterol total; LDL: colesterol LDL; TG: triglicerídios; HDL: colesterol HDL; IGF-1: insulin-likegrowth fator type 1; TSH: hormônio tireotrófico; T4 LIVRE: tiroxina livre; antiTPO: anticorpo antitiroperoxidase; FAN: fator antinuclear; VR: valor de referencia; NR: não reagente jornal da ASSEX 17 Exames Complementares: Idade óssea (IO): 2012: 11 anos (IC=12anos); 2015: 13,5 anos (IC=14anos). Previsão de estatura final pela IO: 155 cm VC: 4,8 cm/ano. Fundo de olho 2015: Sem sinais de retinopatia diabética. Ultrassonografias de abdome: 2010: Fígado aumentado de volume, com contornos regulares e ecotextura finamente heterogênea, sem lesões focais. Restante sem alterações. 2013: Fígado aumentado (LD 19cm e LE 14,7cm). Restante sem alterações. 2015: Fígado de volume aumentado (lobo direito mede 19,2cm e esquerdo mede 14,5cm). Restante sem alterações. Discussão: Relatamos o caso de uma adolescente com DM1 mal controlado de longa evolução associado à hepatomegalia, elevação de transaminases, dislipidemia e atraso do crescimento. Esses achados são sugestivos de Síndrome de Mauriac (Sd.Mauriac), uma condição cada vez mais rara após o advento dos novos tratamentos do DM, mas que ainda existe em nossa população. A real incidência desta síndrome é ainda desconhecida, devido ao reduzido número de casos descritos na literatura. Na Sd.Mauriac, a hepatomegalia e o aumento de transaminases decorrem do acúmulo de glicogênio intrahepático (glicogenose hepática), sendo esta a causa mais freqüente de hepatopatia em pacientes com DM1 descompensado. A hiperglicemia mantida e o hipercortisolismo secundário aos episódios de hipoglicemias ou à cetose estimulam o depósito excessivo de glicogênio no fígado destes pacientes. Diversos mecanismos podem ser responsáveis pelo retardo de crescimento em crianças com DM1. Diminuição da disponibilidade de glicose aos tecidos periféricos, baixos níveis circulantes de IGF-1 e redução da atividade biológica do IGF-1 já foram descritos nestes pacientes. Na Sd.Mauriac, ocorre ainda aumento do cor- tisol, causando hipogonadismo hipogonadotrófico e conseqüente déficit estatural. Não existe tratamento específico para a Sd.Mauriac, a não ser o tratamento adequado do DM1. O controle intensivo e precoce da glicemia leva à reversão da maioria das manifestações clínicas da síndrome. Apesar de pouco freqüente em nosso meio, consideramos fundamental a familiarização da classe médica com os possíveis achados de Sd.Mauriac Assim, possibilita-se o diagnóstico precoce desta síndrome, permitindo-se instituir o tratamento adequado em tempo hábil, reduzindo-se suas complicações, com melhora da qualidade de vida do paciente. Referência 1. Joana Dias, Sofia Martins, Susana Carvalho, Oiinda Marques, Ana Antunes; Mauriac syndrome still exists; Endocrinologia Y Nutricion 2. Diabetes Mellitus and Growth in Children and Adolescents; The Journal of Pediatrics 3. Hepatic Glycogenosis in an adolescente with Diabetes; The Journal of Pediatrics 4. M Flotats Bastardas, M.Miserachs Barba. Ricart Cumeras, M Clemente León; Hepatomegalia por depósito de glucógeno hepático y diabetes mellitus tipo 1 5. Stefania Giordano, Antonio Martocchia, Lavinia Toussan, Manuela Stefanelli; Diagnosis of hepatic glycogenosis in poorly controlled type 1 diabetes mellitus; World Journal of Diabetes 6. Frederico F.R.Maia; Levimar R. Araújo; Sd Mauriac: Forma Rara do DM1; Arq Bras. Endocrinol Metabol jornal da ASSEX O Jornal da ASSEX tem o apoio da AC Farmacêutica, uma empresa do Grupo GEN, especializada no desenvolvimento de cursos e projetos científicos na área da saúde. Conheça nossos serviços: www.acfarmaceutica.com.br Programas de Educação Médica Cursos presenciais e EAD Livros Acervo com mais de 4.000 livros publicados COMPROMETIDA COM O CONHECIMENTO CIENTÍFICO © 2015 Desenvolvido por AC Farmacêutica | www.acfarmaceutica.com.br 18