Ceccim ( 2005 ) - ESP-MG - Governo de Minas Gerais
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Ceccim ( 2005 ) - ESP-MG - Governo de Minas Gerais
EDITORIAL N este quinto exemplar da Revista Mineira de Saúde Publica, procuramos dar continuidade ao nosso primeiro propósito: proporcionar um espaço para a divulgação de produções científicas e de atividades desenvolvidas no espaço mineiro da Saúde Pública. Apesar de termos estabelecido uma publicação semestral, infelizmente algumas dificuldades institucionais têm nos impedido de cumprir essa meta, o que, temos certeza, não tirará o brilho de mais essa conquista. Dos seis novos artigos aqui apresentados, destacamos o de Ricardo Burg Ceccim, que com muita propriedade nos ajuda a refletir sobre o processo de educação permanente em saúde. Os outros artigos, com igual relevância, nos trazem diversas abordagens sobre a questão do processo nutricional, sobre a psicologia infantil, uma importante revisão sobre infecção por Rhodococcus Equis, a experiência da Secretaria de Estado da Saúde num processo de tomada de decisão e um artigo especial sobre o grande artista mineiro — Aleijadinho. Os artigos ora apresentados permitem a exposição de estudos e pensamentos no campo das ações de saúde, bem como retratam a disposição da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais em continuar sendo um espaço aberto aos múltiplos atores que compõem o Sistema Único de Saúde. Águeda Amorim Corrêa Loureiro de Souza Coordenação Editorial Rev. Min. Saúde Pub. Belo Horizonte a.3 n.5 p.1-72 jul./dez.2004 EXPEDIENTE Revista Mineira de Saúde Pública Publicação semestral da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais (ESP-MG) e da Fundação Ezequiel Dias (FUNED), com a finalidade de divulgar a produção científica das diversas áreas do conhecimento, no âmbito da saúde pública e coletiva, e da formação de recursos humanos. Coordenação Geral Rubensmidt Ramos Riani Editor responsável por este número Águeda Amorim Corrêa Loureiro de Souza Coordenação Editorial Águeda Amorim Corrêa Loureiro de Souza Cleinir de Souza Gomes Conselho Editorial Águeda Amorim Corrêa Loureiro de Souza (Chefe da Divisão de Ensino e Desenvolvimento da ESP-MG) Antônio Armindo Fernandes (Pesquisador da ESP-MG) Antônio José Meira (Odontólogo e Consultor de Epidemiologia da SES-MG) Benedito Scaranci Fernandes (Superintendente de Atenção à Saúde da SES-MG) Gil Sevalho (Médico e Professor da ESP-MG) José Lucas Magalhães Aleixo (Médico e Professor da ESP-MG) Thaís Viana de Freitas (Pesquisadora e Diretora de Pesquisa e Desenvolvimento da FUNED) Robespierre Queiroz da Costa Ribeiro (Médico e Coordenador da ATC/DRA da SES-MG) Jornalista responsável Rejane Dias dos Santos MTB 1376 Secretária Júlia Selani Rodrigues Silva Projeto gráfico, capa, diagramação Gutenberg Publicações Fotos da capa Moisés Lopes Cançado de Faria Fotolitos e impressão Artes Gráficas Formato Tiragem 2.500 exemplares Endereço para correspondência Escola de Saúde Pública de Minas Gerais Avenida Augusto de Lima, 2.061 – Barro Preto 30190-002 – Belo Horizonte/MG [email protected] Revista Mineira de Saúde Pública / Escola de Saúde Pública de Minas Gerais . — Ano 1 , nº 1 (2002)- . — Belo Horizonte : -2004. v. Semestral ISSN 1808-6373 I.Escola de Saúde Pública de Minas Gerais. Ficha catalográfica elaborada por Rinaldo de Moura Faria - CRB6-1006 SUMÁRIO Educação permanente em saúde: descentralização e disseminação de capacidade pedagógica na saúde Ricardo Burg Ceccim 4 A transição nutricional no contexto da transição demográfica e epidemiológica Ronaldo Coimbra de Oliveira 16 Prospecção de evidências científicas para tomada de decisão na gestão da saúde pública – A experiência da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais Robespierre Queiroz da Costa Ribeiro Eugênio Vilaça Mendes Benedito Scaranci Fernandes Mauro Chrysóstomo Ferreira 24 Caracterização da demanda infantil de um serviço de psicologia Wagner Prazeres dos Santos Montserrat Zapico Alonso 35 Infecção por Rhodococcus equi em imunossuprimidos: uma revisão Graziela Flávia Xavier de Oliveira Daniela Rezende Neves Hugo Abi-Saber Rodrigues Pedrosa Orientador: Arinos Romualdo Viana 43 Aleijadinho: o gênio do barroco mineiro e sua enfermidade José Lucas Magalhães Aleixo 61 Educação permanente em saúde: descentralização e disseminação de capacidade pedagógica na saúde1 Ricardo Burg Ceccim2 Resumo 1 Este texto é tributário das discussões e do compartilhamento intelectual com Laura Feuerwerker e com colegas do Deges. 2 Doutor em saúde coletiva; professor de Educação em Saúde na Universidade Federal do Rio Grande do Sul; ex-diretor do Departamento de Gestão da Educação na Saúde (Deges), do Ministério da Saúde. Este artigo apresenta o processo de construção da política de educação permanente estabelecido pelo Ministério da Saúde. A formação dos Pólos de Educação Permanente é retratada como uma opção renovadora que permite a reflexão dos diversos atores participantes da gestão do SUS sobre os processos e proposições em educação em saúde, decorrente das reais necessidades para a implementação e fortalecimento do SUS. Palavras-chave Educação permanente em saúde, pólos de educação, políticas de formação. 4 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – Permanent Education in Health: decentralization and dissemination of the pedagogic capacity in health. Abstract This article presents the construction process of the permanent education politics settled by the Health Department (Surgeon General). The constitution of the Permanent Education main places is portrayed as a renovating option that allows the reflection of the several actors that participate of the SUS administration about the processes and propositions in health education, originated from the real needs for the implementation and strengthening of SUS. Key-Words Permanent education in health, education main places, education constitution politics. JUL./DEZ.2004 A educação permanente em saúde constitui estratégia fundamental às transformações do trabalho no setor das políticas públicas de saúde. Para que o trabalho em saúde seja lugar de atuação crítica, reflexiva, propositiva, compromissada e tecnicamente competente, há necessidade de descentralizar e disseminar capacidade pedagógica no setor, entre seus trabalhadores e entre os gestores de ações, serviços e sistemas de saúde, constituindo o Sistema Único de Saúde (SUS) como uma rede-escola. Passados 13 meses da publicação portaria ministerial que deu ordenamento inicial à estruturação e ao funcionamento da educação permanente em saúde como política de gestão do SUS, já existem no país 96 articulações interinstitucionais e locorregionais congregando, em torno de 1.039 entidades da sociedade, entre representantes do ensino, da gestão, do trabalho e da participação social em saúde, ocupadas em constituir língua e história à política de descentralização e de disseminação de capacidade pedagógica na saúde. Essas articulações interinstitucionais e locorregionais foram propostas pela Portaria Ministerial nº 198, de 13 de fevereiro de 2004, do Ministério da Saúde, como Pólos de Educação Permanente em Saúde. Cada Pólo de Educação Permanente em Saúde encontra-se em uma singular etapa de sua construção, não havendo espelhamento idêntico entre os projetos de cada um. Essa heterogeneidade, entretanto, longe de depor contrariamente à sua implementação, justifica a sua importância como instância política. Diferentemente da noção programática de implementação de práticas previamente selecionadas e com currículo dirigido ao treinamento de habilidades, a política de educação permanente em saúde congrega, articula e coloca em roda diferentes atores, destinando a todos um lugar de protagonismo na condução dos sistemas locais de saúde. Prova da construção política e não programática é a escolha, como prioridade, entre as ações educativas dos Pólos, do desenvolvimento para a gestão do SUS e do desenvolvimento para a educação no SUS. Pode-se detectar com clareza, diante dessas majoritárias escolhas, o desencadeamento de um processo político, e não a implementação de um programa. Um processo político requer a produção ativa da autonomia e do protagonismo consciente. As duas áreas/temáticas citadas representaram 42% do total de ações de qualificação (desenvolvimento profissional) e 34% das ações de especialização (formação pós-graduada lato sensu) apresentadas para o apoio do Ministério da Saúde, em 2004, por meio dos Pólos de Educação Permanente em Saúde. Ao propor a educação na saúde como política de governo, o gestor federal do SUS alterou a ordem do dia no setor e somou novos parceiros, e uma nova etapa anuncia o cumprimento de compromissos até então postergados na área de recursos humanos em saúde. Colocar a formação e o desenvolvimento na ordem do dia para o SUS pôs em nova evidência o trabalho da saúde, que requer trabalhadores que aprendam a aprender, práticas cuidadoras, intensa permeabilidade ao controle social, compromissos de gestão com a integralidade e a humanização no trato com a saúde e dedicação ao ensino e à produção de conhecimento implicados com as práticas concretas de cuidado às pessoas e às coletividades e com a gestão setorial. Ao colocar o trabalho, no SUS, sob as lentes da formação e desenvolvimento, o gestor federal do SUS pôs em evidência os encontros rizomáticos que ocorrem entre ensino, trabalho, gestão e controle social em saúde, síntese da noção de educação permanente em saúde que, a seguir, abordaremos. REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – JUL./DEZ.2004 5 Construção política de relações entre educação, saúde, trabalho e produção de coletivos e redes para formar o pessoal de saúde Os Pólos de Educação Permanente em Saúde vieram viabilizar o acesso massivo de parceiros da sociedade para a implantação de um SUS com elevada implicação com a qualidade de saúde, com a promoção da vida e com a valorização dos trabalhadores e dos usuários... 6 A escolha da educação permanente em saúde como ato político de defesa do trabalho no SUS decorre da disputa ideológica para que o setor da saúde corresponda às necessidades da população, conquiste a adesão dos trabalhadores, constitua processos vivos de gestão participativa e transformadora e seduza docentes, estudantes e pesquisadores à mais vigorosa implementação do SUS. Foi posto em curso no país um processo de construção coletiva de uma política de educação para o SUS. Essa política interrompeu a compra de serviços educacionais das instituições de ensino para implementar pacotes de cursos, assim como a interrupção dos treinamentos aplicados, pontuais e fragmentários que sobrepunham a técnica aos processos coletivos do trabalho. Sabemos que a forma da compra de serviços educacionais não muda o compromisso da universidade ou da escola técnica com a sociedade e nem a orientação dos cursos de formação para a efetiva integração ao SUS ou apropriação dele. Sabemos também que os treinamentos não geram atores comprometidos, mas apenas profissionais mais ilustrados sobre o tema objeto dos treinamentos. Passados 13 meses da aprovação da Portaria Ministerial supracitada e consumada a implementação de 96 instâncias locorregionais e interinstitucionais de gestão da educação permanente em saúde, a política de formação REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – e desenvolvimento para a saúde deixou de ser simplesmente uma proposta do Ministério da Saúde para ser uma política do SUS. Política tem responsabilidade compartilhada de condução e de acompanhamento. Políticas resultam de lutas sociais, da sensibilidade de gestores ou da seleção de modos de enfrentar realidades complexas. O próprio SUS, fruto das lutas sociais por saúde, expressa em seu ideário o sonho de um sistema de saúde universal, equânime, altamente resolutivo, acolhedor, responsável e capaz de contribuir para o desenvolvimento da autonomia das pessoas e das populações para propiciar uma vida com mais saúde. Os Pólos de Educação Permanente em Saúde vieram viabilizar o acesso massivo de parceiros da sociedade para a implantação de um SUS com elevada implicação com a qualidade da saúde, com a promoção da vida e com a valorização dos trabalhadores e dos usuários, empreendendo o esforço da formação e desenvolvimento para o SUS que queremos. A Lei Orgânica da Saúde determinava em seu artigo 14 que deveriam “ser criadas Comissões Permanentes de integração entre os serviços de saúde e as instituições de ensino profissional e superior”, indicando que cada uma dessas Comissões tivesse “por finalidade propor prioridades, métodos e estratégias para a formação e educação continuada dos recursos humanos do Sistema Único de Saúde na esfera correspondente, assim como em relação à pesquisa e à cooperação técnica entre essas instituições” (Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, art. 14). JUL./DEZ.2004 TABELA 1 — Pólos de Educação Permanente em saúde: composição Fonte: DEPARTAMENTO DE GESTÃO DA EDUCAÇÃO NA SAÚDE, Ministério da Saúde: Caminhos e Produtos da Política Nacional de Educação na Saúde, 2004. Legenda: Cosems — Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde; MST — Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; Morhan — Movimento de Reintegração das Pessoas Portadoras e Eliminação da Hanseníase; Mops — Movimento Popular por Saúde; Movimento GLBTS — Movimento de Gays, Lésbicas, Transgêneros, Bissexuais e Simpatizantes da Livre Orientação Sexual; MMC — Movimento de Mulheres Camponesas; Fetag — Federação dos Trabalhadores da Agricultura; Conam — Confederação Nacional das Associações de Moradores; Aneps — Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular em Saúde; ONGs – Organizações não governamentais. Os Pólos de Educação Permanente em Saúde, como instâncias do SUS, atendendo àquilo que é proposto pela lei, trouxeram novidades políticas ao SUS. A proposta assenta-se na noção de formação e desenvolvimento como uma instância própria, inovadora, por articular saúde e educação e por trazer atores não previstos nas instâncias já instituídas. Vale lembrar que é na atual gestão do Ministério da Saúde que a área de gestão do trabalho e da educação na saúde, pela primeira vez, tem lugar finalístico nas políticas do SUS. Propôs-se para aprovação no Conselho Nacional de Saúde (CNS) e aos três gestores do SUS para a pactuação na Comissão Intergestores Tripartite (CIT) uma composição interinstitucional que envolvesse instituições de ensino, instâncias de gestão e de serviço do SUS, conselhos de saúde e movimentos sociais locais, estudantes e docentes, trabalhadores e outros participantes identificados com a formação e desenvolvimento. Os projetos de Pólos seriam iniciativas locorregionais, embasadas na esfera de gestão responsável constitucionalmente pela execução das ações e serviços de saúde, que são os municípios (Constituição Federal, art. 30), mas de abrangência regional, conforme a realidade de construção da integralidade da promoção e proteção da saúde individual e coletiva nos ambientes e redes assistenciais ou sociais em que vivemos, e conforme a realidade da mobilidade da população em busca de recursos educacionais e de pesquisa e documentação em saúde. REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – JUL./DEZ.2004 7 TABELA 2 — Ações de qualificação por área ou temática e número de vagas Fonte: Departamento de Gestão da Educação na Saúde, Ministério da Saúde: Caminhos e Produtos da Política Nacional de Educação na Saúde, 2004. Legenda: HAS – Hipertensão Arterial Sistêmica; DM – Diabetes Mellitus; CD – Cirurgião Dentista; ACD – Auxiliar de Consultório Dentário; THD – Técnico de Higiene Dental. Na efetivação das Comissões Permanentes previstas pela lei, o setor teria de pensar que elas deveriam suceder às estruturas dos Pólos de Capacitação em Saúde da Família, até então existentes, para enfrentar as demais frentes de formação e desenvolvimento requeridas pelo SUS, superando-se a tradicional e tão criticada fragmentação/ segmentação da educação na saúde, 8 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – como a que se assistia entre a coordenação de saúde da família e as coordenações de vigilância e análise de situação de saúde, atenção integrada às diversas doenças prevalentes, atenção especializada às urgências, atenção especializada ao parto e ao nascimento humanizado, formação de equipes gestoras hospitalares e equipes gestoras municipais, dentre outras. JUL./DEZ.2004 TABELA 3 — Ações de formação por área ou temática e número de vagas Fonte: Departamento de Gestão da Educação na Saúde, Ministério da Saúde: Caminhos e Produtos da Política Nacional de Educação na Saúde, 2004. Legenda: Profae – Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área da Enfermagem; FortiSUS – Política de Formação Técnica por Itinerário no SUS; Proformar – Programa de Formação de Agentes de Vigilância em Saúde. A integração entre o ensino, os serviços, a gestão setorial e o trabalho no SUS, ao mesmo tempo em que disputa pela atualização cotidiana das práticas segundo as mais recentes abordagens teóricas, metodológicas, científicas e tecnológicas disponíveis, insere-se em uma necessária construção de relações e de processos que vão desde a atuação conjunta das equipes — implicando seus agentes — até as práticas organizacionais — implicando a instituição e/ou o setor da saúde —, bem como as práticas interinstitucionais e/ou intersetoriais — implicando as políticas em que se inscrevem os atos de saúde. O que ficou definido — por força de aprovação no Conselho Nacio- nal de Saúde e pactuação na Comissão Intergestores Tripartite — é que a composição de cada Pólo de Educação Permanente em Saúde e a proposição de seu plano diretor seriam de iniciativa locorregional e decorrente da disposição inicial das diversas instituições dessa base. As diretrizes dos Pólos seriam aprovadas pelo respectivo Conselho Estadual de Saúde (CES), tendo em vista as prioridades da política estadual de saúde conjugada com as políticas nacionais, a vinculação com as diretrizes da Conferência Estadual de Saúde e, principalmente, com a Conferência Nacional de Saúde. Caberia ao Conselho Estadual de Saúde julgar a adequação do plano diretor de cada Pólo às políticas nacional e estadual REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – JUL./DEZ.2004 9 de saúde. O desenho locorregional e interinstitucional passaria pela Comissão Intergestores Bipartite (CIB), instância de encontro entre o gestor estadual e a representação do conjunto de gestores municipais por Estado, tendo em vista garantir que a organização do conjunto de Pólos revele abrangência da totalidade dos municípios de cada Estado e que eventuais acordos para municípios em região fronteiriça sejam preservados e respeitados. Passou a caber ao gestor federal, depois desse trâmite, apenas a apreciação analítica de duas naturezas: habilitação legal das instituições para receber recursos públicos e coerência com o referencial pedagógico e institucional da educação permanente em saúde, checando o cumprimento dos passos pactuados. O referencial pedagógico e institucional da educação permanente em saúde constitui uma ferramenta potente para a transformação de práticas, e isso pode ser feito em curso/em ato da gestão setorial ou de serviços. A definição de educação permanente carrega, então, a noção de prática pedagógica que coloca o cotidiano do trabalho ou da formação — em saúde — como central aos processos educativos. A educação permanente, como vertente pedagógica da educação, ganhou o estatuto de política pública apenas na área da saúde. Esse estatuto deveu-se à difusão, pela Organização Pan-Americana da Saúde, da proposta de Educação Permanente do Pessoal de Saúde para alcançar o desenvolvimento dos sistemas de saúde na região das Américas, com o TABELA 4 — Comparação entre os Pólos de Capacitação em Saúde da Família (Pólos PSF) e os Pólos de Educação Permanente em Saúde (Pólos EPS) Fonte: Departamento de Gestão da Educação na Saúde, Ministério da Saúde: Caminhos e Produtos da Política Nacional de Educação na Saúde, 2004. *Exceção havia no estado do Rio Grande do Sul, onde o Pólo de Capacitação em Saúde da Família convivia de maneira orgânica com o Pólo de Educação em Saúde Coletiva, instância do SUS estadual para o debate do ensino, da pesquisa, da extensão educativa, da documentação científico-tecnológica e histórica, da assistência em ambiente de ensino, da memória documental e da educação social para a gestão das políticas públicas de saúde (ver Ceccim, 2002). 10 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – JUL./DEZ.2004 reconhecimento de que os serviços de saúde são organizações complexas em que somente a “aprendizagem significativa” será capaz de fazer a adesão dos trabalhadores aos processos de mudança no cotidiano. A educação permanente em saúde configura o desdobramento de vários movimentos de mudança na formação dos profissionais de saúde, na atenção em saúde, na gestão setorial e no exercício do controle social. Aquilo que deve ser realmente central à educação permanente em saúde é a sua porosidade à realidade mutável e mutante das ações e dos serviços de saúde, a sua ligação política com a formação de perfis profissionais e de serviços, a introdução de mecanismos, espaços e temas que gerem auto-análise, autogestão, implicação e mudança institucional — enfim, que gerem processos de pensamento (disruptura com instituídos, fórmulas ou modelos) e experimentação (em contexto, em ato: vivências). Pólos de Educação Permanente em Saúde: dispositivo e/ou instância do SUS para a gestão locorregional da formação em saúde O SUS sozinho não tem capacidade de promover o desenvolvimento dos profissionais de saúde, e as instituições de ensino, fora do contato com a realidade da construção do SUS, não vão se transformar. Assim, uma nova instância de gestão — com capacidade intersetorial e de protagonismo — passou a ser requerida. O indicativo das comissões permanentes de integração ensino-serviço, presentes na Lei Orgânica da Saúde, estava correto, mas não assegurava evidência de inclusão das instâncias de gestão e de participação social. A criação da Comissão Intersetorial de Recursos Humanos do SUS (CIRH), no Conselho Nacional de Saúde, já havia revelado o grande acerto da proposta de intersetorialidade para pensar o trabalho e os trabalhadores da saúde, mas não havia assegurado/não assegurou evidência de participação ativa das escolas (superiores ou técnicas), das associações de ensino das profissões de saúde, das entidades de estudantes das profissões de saúde e das entidades, instâncias e movimentos de medicação pedagógica em saúde com a sociedade. Havia antecedentes, mas novos caminhos eram demandados. Lembrar a estranheza e a complicação que provocou a proposta das Comissões Interinstitucionais de Saúde no início da construção do SUS (Ceccim, 1993) ajuda a clarear compreensões sobre as atuais reflexões relativas aos Pólos de Educação Permanente em Saúde. Das Comissões Interinstitucionais de Saúde (CIS) e das suas Comissões Locais Interinstitucionais de Saúde (Clis) saíram os Conselhos Municipais de Saúde, os Conselhos Estaduais de Saúde e o novo e ímpar Conselho Nacional de Saúde, mas foi preciso, na seqüência, criar as CIB e a CIT como instâncias de pactuação do SUS entre aqueles que executam as políticas de saúde. Quem executa as políticas de formação e as políticas intersetoriais de educação permanente em saúde, entretanto, não é e não pode ser apenas o(s) gestor(es) do SUS. Quem participa da execução das políticas de formação e das políticas intersetoriais de educação permanente em saúde precisa estar entre os atores da negociação, da pactuação e da aprovação, até agora afastados dessa “convocação” ou previsão de atuação protagonista direta. A educação permanente em saúde configura o desdobramento de vários movimentos de mudança na formação dos profissionais de saúde, na atenção em saúde, na gestão setorial e no exercício do controle social. Uma política de educação para o SUS envolve não somente o desenvolvimento dos profissionais de saúde que já estão trabalhando no SUS, mas estudantes, docentes, pesquisadores, gestores do ensino e gestores REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – JUL./DEZ.2004 11 A interação entre os segmentos da formação, da atenção, da gestão e do controle social em saúde deveria permitir dignificar as características locais, valorizar as capacidades instaladas, desenvolver as potencialidades existentes em cada realidade, estabelecer a aprendizagem significativa e a efetiva e criativa capacidade de crítica, bem como produzir sentidos, auto-análise e autogestão. 12 de informação científico-tecnológica, que estão em seus respectivos nichos ocupacionais, de formulação de pactos e políticas ou de produção de práticas e redes sociais. Uma política intersetorial e de interface tem de ser produzida de maneira intersetorial e em interface, por isso as instâncias constituídas do SUS (comissões intergestores e conselhos) não são suficientes como palco de pactuação para as políticas de educação na saúde. Uma comissão permanente apenas entre ensino e serviço é insuficiente e uma comissão intersetorial territorializada na mesma esfera dos conselhos de saúde excede ou carece dos territórios reais onde a produção de ensino, pesquisa, extensão educativa, documentação científico-tecnológica e histórico-documental e educação popular em saúde acontecem. O território de que falo não é físico ou geográfico: o trabalho ou a localidade. O território é de inscrição de sentidos no trabalho, por meio do trabalho, para o trabalho. Deseja-se como efeito de aprendizagem a prevalência da sensibilidade, a destreza em habilidades (saber-fazer) e a fluência em ato das práticas. Para habitar um território, será necessário explorálo, torná-lo seu, ser sensível às suas questões, ser capaz de movimentar-se por ele com ginga, alegria e descoberta, detectando as alterações de paisagem e colocando em relação fluxos diversos, não somente cognitivos, técnicos e racionais, mas políticos, comunicacionais, afetivos e interativos no sentido concreto, e isso é detectável na realidade (CECCIM, 2005). A educação permanente em saúde projetada pela proposta de Pólos supõe um processo de construção de compromissos sociais e da relevância pública interinstitucional e locorregional, sob os olhos uns dos outros, e do controle da sociedade em matéria de políticas públicas de saúde. REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – Há uma virada de muitos valores. Dar possibilidade, então, à formação e ao desenvolvimento para o SUS será, também, conquistar uma cronologia da implicação em que não há quantidade de tempo, tampouco continuidade evolutiva de mutações, mas o crescimento dos compromissos com a educação permanente ou com a permeabilidade da educação às necessidades sociais em saúde e de fortalecimento dos princípios e diretrizes do SUS (CECCIM, 2005). Quadrilátero da formação: articulação entre formação, gestão, atenção e participação Temos enormes dificuldades para transformar as práticas de saúde. A integralidade e a intersetorialidade têm enorme dificuldade de sair do papel, pois envolvem pensamento, saberes e práticas no ensino, na gestão, no controle social e na atuação profissional. Os gestores do SUS que querem transformar as práticas reclamam que os profissionais vêm para o SUS com formação inadequada, que os estudantes não são expostos às melhores aprendizagens e que as universidades não têm compromisso com o SUS. Os docentes e as escolas que querem mudar a formação reclamam que as unidades de saúde não praticam a integralidade, não trabalham com equipes multiprofissionais, são difíceis campos de prática e que os gestores são hostis em produção de pactos de reciprocidade. As duas reclamações são verdadeiras, por isso é que a transformação das práticas de saúde e a transformação da formação profissional em saúde têm de ser produzidas em conjunto. Por mais trabalhoso que isso seja. A interação entre os segmentos da formação, da atenção, da gestão e do controle social em saúde deveria permitir dignificar as características JUL./DEZ.2004 locais, valorizar as capacidades instaladas, desenvolver as potencialidades existentes em cada realidade, estabelecer a aprendizagem significativa e a efetiva e criativa capacidade de crítica, bem como produzir sentidos, autoanálise e autogestão. Entre os elementos analisadores para pensar/providenciar a educação permanente em saúde estão os componentes do Quadrilátero da Formação (CECCIM; FEUERWERKER, 2004; CECCIM, 2005): a) análise da educação dos profissionais de saúde, buscando mudar a concepção hegemônica tradicional e a concepção lógico-racionalista, elitista e concentradora da produção de conhecimento; b) análise das práticas de atenção à saúde, buscando a integralidade, a humanização e a inclusão da participação dos usuários no projeto terapêutico como nova prática de saúde; c) análise da gestão setorial, buscando modos criativos e originais de organizar a rede de serviços segundo a acessibilidade e a satisfação dos usuários; d) análise da organização social, buscando o efetivo contato e permeabilidade às rede sociais que tornam os atos de saúde mais humanos e de promoção da cidadania. A mudança na formação e no desenvolvimento por si só ajuda, mas essa mudança como política instaurase em mais lugares, todos do Quadrilátero, pois todos eles estão conformados em acoplamento. Como em um jogo de vasos comunicantes, cada interferência ou bloqueio afeta ou produz efeito de um sobre todos. Tanto a incorporação sem crítica de tecnologias materiais como a eficácia dos cuidados ofertados, os padrões de escuta, as relações estabelecidas com os usuários e entre os profissionais representam a interferência ou bloqueio da educação permanente em saúde. Assim, afetam ou produzem efeito sobre os processos de mudança. Para o setor da saúde, a estética pedagógica da educação permanente em saúde é a de introduzir a experiência da problematização e da invenção de problemas. Esta estética é condição para o desenvolvimento de uma inteligência proveniente de escutas, de práticas cuidadoras, de conhecimentos engajados e de permeabilidade aos usuários, isto é, uma produção em ato das aprendizagens relativas à intervenção/ interferência do setor no andar da vida individual e coletiva. O convite que vem sendo feito aos Pólos é o de trabalhar com a seguinte pergunta: quais são os problemas que afastam nossa locorregião da atenção integral à saúde? A partir daí, deve-se identificar, em oficinas de trabalho, quais os nós críticos (os problemas que podem ser abordados e que vão fazer diferença) e, somente então, organizar as práticas educativas. Conclusão Não temos visões iguais quando está em disputa o modelo tecnicista e centrado na doença ou a abordagem integral e humanística centrada nas necessidades de saúde. Estudantes e movimentos populares, gestores do SUS e docentes da área da saúde estão implicados sempre em processos de disputa ideológica que acontecem durante a formação e nos exercícios da participação. Estudantes e movimentos populares por sua dispersão e profusão precisam construir canais de comunicação com a produção de conhecimento, com a gestão do SUS e com o controle social em saúde. Estudantes e movimentos populares nos Pólos são aliados para a mudança da atenção, da gestão e da formação em saúde voltada às necessidades da população brasileira e afetam a REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – JUL./DEZ.2004 13 implementação do ensino, da atenção e da gestão em saúde. Construir o processo de formulação e implementação da política de educação permanente em saúde para o SUS é uma tarefa para coletivos, organizados para essa produção, nos termos da Portaria 198/GM/MS, de 13 de fevereiro de 2004, que instituiu a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, operacionalizada por meio dos Pólos de Educação Permanente em Saúde. Na saúde, a organização de coletivos e redes para a formação e o desenvolvimento nunca foi proposta governamental, pertencendo unicamente às experiências populares que desafiam instituídos e tradições. O Projeto de cada Pólo se compõe por um Plano Diretor e um Plano de Atividades. A aprovação do Plano Diretor configura a instalação do Pólo e a legitimação de suas diretrizes políticas. O Projeto de Atividades é o plano de ações educativas para as quais serão indicadas instituições executoras e que contarão com o apoio financeiro do Ministério da Saúde. Os dois instrumentos podem ser apresentados conjuntamente, mas não necessariamente. Uma vez constituído o Plano Diretor, um ou vários Planos de Atividade podem suceder-lhe, sendo apresentados ao Ministério da Saúde de forma sistemática e de acordo com as pactuações internas do Pólo em funcionamento, sem necessidade de novo Plano Diretor. O Plano Diretor e todos os Planos de Atividade a ele ligados configuram o projeto global do Pólo. Nosso objetivo é que os atores nos Pólos trabalhem com um conceito ampliado de saúde, saibam que não são apenas os aspectos biológicos os que necessitam da atualização dos pro- fissionais e que determinam o processo saúde-doença individual ou coletivo ou as chances de sucesso terapêutico. Também esperamos que os atores nos Pólos desenvolvam recursos de educação para levar em conta todas as dimensões e fatores que regulam, qualificam e modificam o trabalho. Para tanto, é preciso que seja ampliada sua capacidade de escuta de processos, de responsabilização pela mudança das práticas e de mobilização de autorias. É preciso que os processos de formação e desenvolvimento ofereçam oportunidade de desenvolver o trabalho em equipe multiprofissional e de caráter interdisciplinar. Esperamos formar profissionais cuja competência técnica inclua outros atributos que não os tradicionais, pois ambos são indispensáveis para oferecer atenção integral à saúde humanizada e de qualidade. Na saúde, nunca foi proposta governamental a organização de coletivos e redes para a formação e o desenvolvimento, pertencendo unicamente às experiências populares que desafiam instituídos e tradições. Concretamente, a política de educação permanente em saúde está colocando em ação uma prática rizomática de encontros e produção de conhecimento. A disseminação dos Pólos e de capacidade pedagógica descentralizada gerou novos atores para o SUS, para a sua construção política (e não programática), para a produção da saúde nos atos, nos pensamentos e no desejo de protagonismo pelo SUS, compreendendo seus princípios e diretrizes. Referências CECCIM, R. B. Diretrizes do SUS constitucional e considerações fundamentais. Logos Canoas/RS, 5(1): 35-40, 1993. CECCIM, R. B. Educação permanente em saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface – comunic, saúde, educ. (Botucatu/SP). 2005; 9(16): 161-177. 14 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.4-15 – JUL./DEZ.2004 CECCIM, R. B.; ARMANI, T. B.; ROCHA, C. M. F. O que dizem a legislação e o controle social em saúde sobre a formação de recursos humanos e o papel dos gestores públicos, no Brasil. Ciênc Saúde Colet. Rio de Janeiro/RJ, 7(2): 373-383, 2002. CECCIM, R. B.; ARMANI, T. B.. Gestão da educação em saúde coletiva e gestão do Sistema Único de Saúde. In: FERLA, A. A.; FAGUNDES, S. M. 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A transição nutricional é descrita neste artigo baseando-se em três inquéritos nacionais de base populacional realizados em 1974/1975, 1989 e 1996, avaliando-se a prevalência de desnutrição e obesidade segundo sexo, idade e macrorregião brasileira, bem como suas possíveis causas e conseqüências. The nutritional transition in the context of the demographic and epidemiologic transition Abstract The nutritional transition is about the changes in the population nutritional profile, characterized by the reduction of the undernourishment prevalence and increasing of the obesity prevalence. Around this change in the nutritional profile, the epidemiologic transition stands out as cause and consequence, marked by a polarized transition model that is characterized by the coexistence of infectious and non-transmissible diseases. The nutritional transition is described in this article based in three national inquiries of population base accomplished in 1974/1975, 1989 and 1996, evaluating the prevalence of undernourishment and obesity according to sex, age and Brazilian macro region, as well as its possible causes and consequences. Palavras-chave Key-Words Transição epidemiológica, transição nutricional, obesidade, desnutrição. Epidemiologic transition, nutritional transition, obesity, undernourishment. REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.16-23 – JUL./DEZ.2004 Introdução O Brasil e diversos países da América Latina experimentaram, nos últimos vinte anos, uma rápida transição demográfica, epidemiológica e nutricional. As características e os estágios de desenvolvimento da transição diferem entre os vários países da América Latina, com alguns em estágios avançados e outros, não. No entanto, um ponto chama a atenção: o marcante aumento na prevalência de obesidade nos diversos subgrupos populacionais para quase todos os países latino-americanos (KAC; VELÁSQUEZ-MELANDEZ, 2003). Pretende-se, com este artigo, avaliar o perfil nutricional da população brasileira nas três últimas décadas, baseando-se nos inquéritos nutricionais realizados em 1974/1975, 1986, 1996. Desenvolvimento O processo de transição demográfica foi descrito pela primeira vez por volta da década de quarenta, referindo-se aos efeitos que as mudanças nos níveis de fecundidade, natalidade e mortalidade provocam no ritmo de crescimento populacional e na estrutura por idade e sexo (VERMELHO; MONTEIRO, 2003). A teoria da transição demográfica postula que os países tendem a percorrer, progressivamente, quatro estágios na sua dinâmica populacional. O primeiro estágio é caracterizado por um equilíbrio populacional decorrente das altas de natalidade e mortalidade, principalmente infantil. No estágio seguinte, ocorre a explosão demográfica derivada da redução da taxa de mortalidade infantil e a conservação da alta taxa de fecundidade. No terceiro estágio, a redução acelerada das taxas de fecundidade e baixas taxas de mortalidade levam ao fenômeno do envelhecimento da população, processo no qual o Brasil se encontra (SCHKNOLKIK, 1996). O quarto e último estágio da transição demográfica, conhecido como fase moderna da transição, caracteriza-se por baixas taxas de fecundidade e mortalidade, que proporcionam um equilíbrio populacional (PEREIRA, 1995). Concomitantemente à transição demográfica, ocorrem mudanças nos padrões de morbimortalidade de uma comunidade, o que se convencionou chamar de transição epidemiológica. Frederiksen (1969) considerou importante conhecer os padrões de morbimortalidade das sociedades para o entendimento da transição demográfica, porém foi Omran (1971) um dos primeiros autores a definir o termo transição epidemiológica como um processo de modificação nos padrões de morbimortalidade, que ocorreria em estágios sucessivos e seguindo a trajetória de um padrão tradicional para um padrão moderno. Omran (1996) propõe quatro estágios de evolução da transição epidemiológica e um quinto em potencial: • Período das pragas e da fome; • Período do desaparecimento das pandemias; • Período das doenças degenerativas e provocadas pelo homem; • Período do declínio da mortalidade por doenças cardiovasculares, modificações no estilo de vida, doenças emergentes e ressurgimento de doenças; • Período de longevidade paradoxal, emergência de doenças enigmáticas e capacitação tecnológica para a sobrevivência do inapto. O caráter linear e unidirecional sugerido pelos estágios da transição epidemiológica pode ter sido observado em países desenvolvidos no denominado modelo clássico de transição. Para a maioria dos países da América REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.16-23 – JUL./DEZ.2004 17 É importante relatar que somente a partir de 1975 dispõe-se, no Brasil, de inquéritos representativos da situação nutricional do País e de suas diferentes macrorregiões, apesar dos vários estudos de acompanhamento do estado nutricional realizado em diversas regiões, estados e municípios. 18 Latina, inclusive o Brasil, observa-se um modelo tardio e polarizado de transição, no qual há uma superposição das doenças ditas do atraso sobre as doenças da modernidade (FRENK et al., 1991), pois, apesar de decréscimo global das taxas de mortalidade e da diminuição da mortalidade proporcional por doenças infecciosas e parasitárias, a mortalidade decorrente dessa causa ainda permanece elevada no Brasil, exigindo atenção por parte dos setores competentes (PAES, 1999). O Brasil tem experimentado, nas últimas décadas, importantes transformações no seu padrão de morbimortalidade, relacionadas, principalmente, às seguintes condições: • A redução da mortalidade precoce, especialmente aquela ligada a doenças infecciosas e parasitárias; • O aumento da expectativa de vida ao nascer, com o conseqüente incremento da população idosa; • O processo acelerado de urbanização e de mudanças socioculturais que respondem, em grande parte, pelo aumento dos acidentes e das violências (MINAIO, 2002; SILVA JR; GOMES, 2003). No modelo polarizado de transição epidemiológica brasileiro configurase o modelo análogo de transição nutricional, no qual a coexistência de obesidade e subnutrição passa ser um fato marcante observado na sociedade, principalmente, nas três últimas décadas. O conceito de transição nutricional refere-se a mudanças seculares nos padrões de nutrição, dadas as modificações da ingestão alimentar, como conseqüência de transformações econômicas, sociais, demográficas e sanitárias (OPAS, 2000). A inversão nos termos de ocupação do espaço físico, quando passamos a ser um país fundamentalmente urbano; a melhoria das condições de saúde, decorrente, em parte, da importação de tecnologia REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.16-23 – médica e da melhoria das condições de saneamento básico; e maior participação dos trabalhadores no setor terciário da economia são exemplos, dentre outros, de transformações que interferem diretamente na geração de renda, estilos de vida e, especialmente, no perfil nutricional da população (BATISTA FILHO; RISSIN, 2003). Escoda (2002) aborda a situação nutricional no Brasil nas três últimas décadas, relatando que, até a década de 1970, o quadro nutricional esteve fortemente marcado por surtos epidêmicos de fome, que estavam geográfica e socialmente localizados, com altos índices de prevalência das formas graves e severas de desnutrição energética protéica (DEP). Diferentemente da década de 1970, na de 1980 a situação nutricional passou a ser caracterizada por uma deficiência global de nutrientes, distribuindo-se de forma generalizada por todo o país. Na década de 1990, além da manutenção do grave problema da DEP, especialmente em algumas regiões como o Nordeste e o Norte, observou-se o acréscimo da obesidade, diabetes e dislipidemias (SAWAYA, 1997; ESCODA, 2002). Escoda (2002) reconhece importância na redução da prevalência de todas as formas de desnutrição ocorridas nas três últimas décadas e afirma que essa queda decorre, em parte, da especificidade dos indicadores utilizados para a avaliação da situação nutricional da população infantil, que prioriza os casos graves em detrimento das formas mais crônicas de desnutrição. É importante relatar que somente a partir de 1975 dispõe-se, no Brasil, de inquéritos representativos da situação nutricional do País e de suas diferentes macrorregiões, apesar dos vários estudos de acompanhamento do estado nutricional realizado em diversas regiões, estados e municípios. Em âmbito nacional, três estudos são JUL./DEZ.2004 utilizados por diversos autores para descrever a evolução da transição nutricional (BARRETO; CARMO, 1995; ESCODA, 2002; BATISTA FILHO; RISSIN, 2003). 1. ENDEF (1974/75) — Estudo Nacional de Despesas Familiares, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística — IBGE, no qual foram avaliados todos os membros dos 55.000 domicílios selecionados para o estudo. O consumo médio per capta diário de alimentos, estimado pela pesagem direta de alimentos consumidos e as medidas antropométricas, questionadas pela inadequação do equipamento utili- zado, foram alguns dados obtidos desse inquérito. 2. PNSN — Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição, realizada no ano de 1989 pelo Instituo Nacional de Alimentação e Nutrição — INAN / MS, na qual foram avaliados todos os membros de 14000 domicílios selecionados (Ministério da Saúde, 1990). 3. PNDS — Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde, promovida pela Sociedade de Bem-Estar Familiar — BEFAM — no Brasil, em 1986, com uma sub-amostra da PNAD — Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílio, Tabela 1 – Prevalência de agravos nutricionais em crianças brasileiras menores de cinco anos de idade nos anos de 1974/75, 1989 e 1996 Fonte: Adaptado de MONTEIRO; MONDINI; 1997. Nota: 1 Índice peso / idade 2 Índice peso / altura Tabela 2 – Evolução do retardo estatural de menores de cinco anos, no Brasil, por grandes regiões e estratos urbanos e rurais (1974/75, 1989, 1996) Fonte: Adaptado de BATISTA FILHO; RISSIN, 2003. REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.16-23 – JUL./DEZ.2004 19 na qual avaliaram-se apenas crianças menores de 5 anos e suas respectivas mães (Ministério da saúde, 1996). Os padrões nutricionais sofrem alterações a cada século, resultando em mudanças na dieta dos indivíduos. Em relação às crianças menores de 5 anos, destacam-se a estabilidade de baixas proporções de crianças com sobrepeso e a enorme queda da desnutrição ao longo dos três inquéritos estudados, como observados na Tabela 1 (MONTEIRO,1999). Entretanto, ainda que essa redução tenha ocorrido em todo o país, não ocorreu de maneira uniforme, conforme atesta Batista Filho e Rissin (2003). Segundo esses autores, tomando como referência o déficit estatural, que representa o efeito cumulativo do estresse nutricional sobre o crescimento esquelético, observa-se na Tabela 2, que entre 1975 e 1989, a diminuição da prevalência do retardo de estatura foi mais rápida no meio urbano da região Centro-Sul (englobando o Sudeste, o Sul e o Centro-Oeste), com um declínio de 20,5% para 7,5%, enquanto no Norte a redução foi de 39,0% para 23% e, no Nordeste, de 48,0% para 23,8%. Analisando os estudos nacionais de 1974/1975 e 1989, Monteiro (2000) afirmou que, no período estudado, a obesidade elevou-se em todas os níveis de renda, mas o aumento foi maior entre os indivíduos que pertenciam a famílias de menor renda per capita, ou seja, à pobreza, e, a partir de 1989, deixou de ser um fator de proteção para a obesidade. O autor apontou, também, a diminuição da desnutrição em todos os níveis de renda familiar estudados, com o virtual desaparecimento da mesma entre os adultos de renda mais alta. Apesar da redução da desnutrição no país, estudos continuam apontando para altas prevalências, especialmente em regiões mais pobres (TONIAL, 2002). Monteiro (1999), analisando os dados do inquérito realizado nas regiões Sudeste e Nordeste em 1996/1997, 20 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.16-23 – pelo Instituto Brasileiro de Geoestatística (IBGE), denominado Pesquisa dos Padrões de Vida (PPV), revela que os homens continuaram a apresentar aumento de prevalência da obesidade nas duas regiões — cerca de 4,7% e 8,0%, nas regiões Nordeste e Sudeste, respectivamente, ao passo que entre as mulheres, a obesidade aumentou de forma expressiva no Nordeste e diminui ligeiramente no Sudeste — cerca de 12,3% e 12,4% nas regiões Nordeste e Sudeste. É evidente que as diferenciações geográficas expressam diferenciações sociais na distribuição da obesidade. Em princípio, existiria maior prevalência de sobrepeso/obesidade nas regiões mais ricas, sendo essa condição o fator discriminante dos cenários epidemiológicos entre o Nordeste e o Sudeste do Brasil. Assim, nessa perspectiva, no entanto, já se desenha outra tendência: o aumento da ocorrência da obesidade nos extratos de renda mais baixa, no período de 1989 a 1996, enquanto o comportamento ascendente do problema começa a se interromper entre as mulheres adultas de renda mais elevada (BATISTA FILHO; RISSIN, 2003). Segundo Najas (1994), os resultados encontrados na PNSN revelam um novo direcionamento da relação entre obesidade e níveis de renda e escolaridade. O maior desenvolvimento de algumas regiões tornam essa relação negativa pelo acesso à informação e a produtos mais diversificados no mercado. Entre os aspectos explicitados por Recine e Radaelli para justificar as altas prevalências de obesidade no país estão: • estrutura demográfica: as pessoas concentram-se mais nas cidades, onde gastam menos energia e têm acesso a variados tipos de alimentos, principalmente industrializados; JUL./DEZ.2004 • redução do tamanho da família: aumento da disponibilidade de alimento na família; • dieta desequilibrada: predomínio de alimentos muito calóricos e de fácil acesso (cereais, óleo e açúcar) à população mais carente. Os padrões nutricionais sofrem alterações a cada século, resultando em mudanças na dieta dos indivíduos. O século XX foi marcado por uma dieta rica em gorduras (principalmente as de origem animal), açúcar e alimentos refinados e reduzida em carboidratos complexos e fibras. O predomínio dessa dieta tem contribuído, juntamente com declínio progressivo da atividade física, para o aumento da obesidade. Apesar de os dados sobre o padrão alimentar da população do país serem escassas e irregulares, as informações disponíveis mostram que, nos últimos 20 anos, o brasileiro passou a consumir mais alimentos de origem animal e menos grãos e cereais (MONDINE; MONTEIRO, 1994). Em algumas regiões, o consumo de gordura está acima da recomendação máxima de 30% das calorias totais (INAN, 1997) e a proporção de adultos obesos aumentou em mais de 50% desde a realização, no início da década de 1970, do Estudo Nacional de Despesa Familiar (MONDINI; MONTEIRO, 1994; MONTEIRO; MONDINI, 2000). Em estudo realizado, no qual foram avaliadas as mudanças na composição e adequação nutricional da dieta familiar nas áreas metropolitanas do Brasil, no período de 1988 a 1996, Monteiro et al. (2000) concluíram que permanece a tendência ascendente da participação relativa dos lipídios na di- eta do Norte e do Nordeste, bem como o aumento no consumo de ácidos graxos saturados em todas as áreas metropolitanas do país. O autor também revelou a redução do consumo de carboidratos complexos, a estagnação ou a redução de consumo de leguminosas, verduras, legumes e frutas e o aumento no consumo de açúcares, que são traços marcantes e negativos da evolução do padrão alimentar no período avaliado, ou seja, de 1988 a 1996. Nesse mesmo trabalho, o autor revelou mudanças registradas apenas na região Centro-Sul do país, que poderiam indicar a adesão da população a dietas mais saudáveis, como o declínio no consumo de ovos e o recuo discreto da elevada proporção de calorias lipídicas. Considerações finais Diante do aumento da prevalência da obesidade nos estratos de renda e escolaridade mais inferiores, a redução da desnutrição nos bolsões de miséria, aliada a patologias decorrentes da evolução social, como o câncer e as doenças cardiovasculares, nos remete à complexidade da situação epidemiológica nutricional pela qual passa o Brasil, exigindo da agenda do setor de saúde os sentidos e a práxis da integralidade, da eqüidade e da universalidade na assistência médica, além de sinalizar a importância de estudos que acompanhem a evolução nutricional das populações, subsidiando os formuladores e executores de políticas públicas na criação ou ajuste de intervenções condizentes com a dinâmica dos processos nutricionais. REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.16-23 – JUL./DEZ.2004 Apesar de os dados sobre o padrão alimentar da população do país serem escassas e irregulares, as informações disponíveis mostram que, nos últimos vinte anos, o brasileiro passou a consumir mais alimentos de origem animal e menos grãos e cereais. 21 Referências BARRETO, M. L.; CARMO, E. H. Mudanças em padrões de morbimortalidade: conceitos e métodos. In. MONTEIRO, C. A. Velhos e novos males de saúde no Brasil: a evolução do país e de suas doenças. São Paulo: Hucitec, 1995. BATISTA FILHO, M; RISSIN, A. A transição nutricional no Brasil: tendências regionais e temporais. Cadernos de Saúde Pública, 19 (1), S 181-S 191, 2003. ESCODA, M. S. Q. Para a crítica da transição nutricional. Ciência & Saúde Coletiva, 7(2): 219-226, 2002. FREDERIKSEN, H. Feedbacks in economics and demographic transition. Science, 166:837847, 1969. FRENK, J.; FREJKA, T.;BOBADILHA, J. L.; STERN, C.; LOZANO, R.; JOSÉ, M. La transición epidemiológica en América Latina. 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SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.16-23 – JUL./DEZ.2004 23 Prospecção de evidências científicas para tomada de decisão na gestão da saúde pública – A experiência da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais Robespierre Queiroz da Costa Ribeiro1 Eugênio Vilaça Mendes2 Benedito Sacaranci Fernandes3 Mauro Chrysóstomo Ferreira4 1 Mestre em pediatria, Faculdade de Medicina da UFMG; Doutor em cardiologia, Faculdade de Medicina da USP-SP/ Incor; Coordenador do Setor de Avaliação Tecnológica da Saúde – DRA/SAS da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais; Assessor para a área de pesquisa da DIREP/FHEMIG. Endereço para correspondência: Alameda Guilherme Henrique Daniel, 94, 30.220-200, Belo Horizonte, MG, Brasil [email protected] 2 Consultor de Desenvolvimento de Sistemas e Serviços de Saúde. Consultor da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. 3 Superintendente de Atenção à Saúde da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. 4 Diretor de Redes Assistenciais da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. 24 Resumo Objetivos: Obter evidências para orientar o gestor de saúde quanto à implementação de serviços de cirurgia cardíaca. Método: Revisão assistemática da literatura. Resultados: Exceto o pólo macrorregional do Jequitinhonha, todos os outros contemplam o critério populacional de 500 mil habitantes para instalação de um serviço de cirurgia cardíaca. Os poucos serviços de cirurgia cardíaca que apresentavam grande volume e os que realizaram um volume mínimo de 150 cirurgias/ano estão, em sua maioria, apresentando estabilidade ou tendência decrescente no volume desses procedimentos. Alguns, com volume abaixo de 200 cirurgias/ano, apresentam tendência incremental. A maioria (88%) dos serviços de cirurgia cardíaca apresenta taxa de mortalidade acima de 5%. Conclusão: Apesar do critério populacional ter sido contemplado, a maioria dos serviços de cirurgia cardíaca não satisfaz importantes critérios de qualidade largamente utilizados para o credenciamento desse tipo de tecnologia. Palavras-chave Avaliação de tecnologia em saúde, centro de evidências, cirurgia cardíaca, gestão da saúde, saúde pública. REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.24-34 – Prospección de evidencias científicas para la tomada de decisión en la gestión de la salud pública — La experiencia de la Secretaria da Saúde de Minas Gerais Resumen Objetivos: Obtener evidencias para orientar el gestor de salud encuanto a la implementación de servicios de cirurgía cadiaca. Método: Revisión asistemática de la literatura. Resultados: Con excepción del polo macrorregional de Jequitinhonha, todos los otros contemplan el criterio poblacional de 500.000 habitantes para instalar un servicio de cirurgía cardiaca. Otros servicios de cirurgía cardiaca que presentaban grán volumen y los que realizaban un volumen mínimo de 150 cirurgías/ año están, en su mayoría, presetando una estabilidad ó tendencia decreciente en el volumen de estos procedimientos. Algunos, todavía con volumen por debajo de 200 cirurgías/año, presentan tendencia incremental. La mayoría (88%) de los servicios de cirurgía cardiaca presentan tasa de mortalidad superior a 5%. Conclusión: Apesar del criterio poblacional haber sido contemplado, la mayoría de los servicios de cirurgía cardiaca no satisface importantes criterios de calidad ampliamente utilizados para el credenciamiento de este tipo de tecnología. JUL./DEZ.2004 Introdução Tem sido relatada a ocorrência de uma crescente epidemia de doenças cardiovasculares isquêmicas (DCVs), tanto em países desenvolvidos, como naqueles em desenvolvimento, até mesmo o Brasil, contribuindo para altas taxas de morbidade, mortalidade e custos em cuidados com a saúde e, conseqüentemente, elevada carga para a saúde pública em termos de anos de vida perdidos, ajustados por incapacidade (AVAI ou DALY – Disability Adjusted Life Years) (MURRAY, 1996; LOTUFO, 2000; LOTUFO, 2000A; GULLIFORD, 2001; WHO, 2003). Em nível mundial, estimam-se 17 milhões de óbitos a cada ano decorrentes de doenças cardiovasculares, ou seja, uma em cada três mortes, e seis vezes o número de mortes causadas pelo HIV/AIDS (WHO, 2002). Projeções para as próximas décadas indicam a permanência das DCVs como responsáveis pelas maiores taxas globais de mortalidade e da hipertensão arterial um aumento de 60% na sua prevalência em 2025 (KEARNEY, 2005; MURRAY, 1996). Recentemente, verificaram-se valores preocupantes nas taxas de prevalência (com tendência crescente em análise de cinco anos) de fatores de risco cardiovascular entre crianças e adolescentes da cidade de Belo Horizonte, que, naturalmente, tendem a aumentar o número de adultos com DCVs nas próximas décadas (RIBEIRO et al. 2002; ROBESPIERRE, 2004). O Estudo de Carga de Doença no Brasil mostrou que as doenças cardiovasculares são responsáveis pela maior carga de doença (9,6 DALY) em nosso país, seguida pelo diabetes mellitus (5,1 DALY) (Brasil 2004). Embora as taxas de mortalidade por DCVs se encontrem em descenso no país, espera-se, com a acelerada epidemia de excesso de peso, que essas taxas voltem a apresentar curva ascendente (LOTUFO 2000a ). Também por esses expressivos valores de morbimortalidade, as doenças cardiovasculares têm demandado expressivo arsenal de tecnologias para os cuidados prestados aos pacientes com essas enfermidades. Entre as várias tecnologias utilizadas, a cirurgia cardíaca, particularmente a de revascularização miocárdica (CRVM), vem há várias décadas engrossando o armamentarium terapêutico das DCVs, com indicações precisas e benefícios importantes para o paciente. Entretanto, muitas vezes, serviços de cirurgia cardíaca são estabelecidos sem retorno adequado de benefícios à população a que assiste. A partir da divulgação da portaria SAS/MS nº 210, de 15/6/2004, do Ministério da Saúde (MS-BR), recomendando como parâmetro populacional a existência de uma unidade de cirurgia cardíaca para cada 500 mil habitantes, a Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais (SES-MG) solicitou à então recém-criada Coordenação de Avaliação de Tecnologias em Saúde a prospecção de evidências para embasar essa Secretaria nas decisões quanto a implantação/implementação de serviços de cirurgia cardíaca no Estado. Essa tarefa consistiu, basicamente, na coleta (identificação, seleção), análise e síntese de dados sobre a tecnologia, as atividades características de um Centro de Evidências — formato inicial escolhido para a implantação paulatina dessa coordenadoria. No estado de Minas Gerais, existiam então 21 serviços de cirurgia cardíaca credenciados pelo Ministério da Saúde, distribuídos nos seguintes municípios: nove em Belo Horizonte, dois em Montes Claros, dois em Uberaba, dois em Uberlândia e os outros em Contagem, Divinópolis, Nova Lima, Ipatinga, Juiz de Fora e Patos de Minas. O número de serviços de cirurgia cardíaca para Minas Gerais, segundo o parâmetro populacional do MS-BR, seria de REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.24-34 – JUL./DEZ.2004 25 32 serviços, existindo um déficit de 11 serviços. Em decorrência desse fato, surgiu imediata movimentação de serviços médicos solicitando o seu credenciamento no SUS. Surgia, então, a necessidade de uma avaliação desta tecnologia por meio de critérios baseados em evidências científicas robustas, com o objetivo não só de conter custos em uma realidade que conta com recursos muito escassos, mas, também, de melhoria da qualidade dos serviços de cirurgia cardíaca. Objetivos De acordo com o Efeito Roemer, quanto mais se abre vagas/leitos em um hospital ou cidade, mais leitos serão preenchidos. O objetivo desta revisão assistemática foi obter evidências para orientar o gestor de saúde quanto à implementação de uma tecnologia intensiva em saúde, a saber, serviços de cirurgia cardíaca, a partir de evidências científicas robustas validadas/utilizadas em outros serviços de saúde pública, privada, associações de especialidades, e a partir da literatura médica. Metodologia Buscou-se a identificação e avaliação de evidências científicas que indicassem critérios confiáveis e válidos para nortear decisões a respeito da implementação de serviços de cirurgia cardíaca. As evidências foram obtidas a partir de prospecção sistemática em diversas bases de dados, sites específicos de instituições públicas e privadas, sites de busca (motores de busca) e outros. As evidências foram, então, sendo identificadas inicialmente mediante busca genérica (palavras de títulos, palavras-chave e resumos). Em seguida, todas as palavras-chave com evidências relevantes foram listadas e utilizadas, posteriormente, em diversas combinações. A prospecção foi realizada em diversas fontes como INAHTA, Cochrane Library, MEDLINE, LILACS, Google, DATASUS e Ministério da Saúde, dentre outras. 26 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.24-34 – Indicadores Um referencial teórico importante consistiu nos critérios utilizados pelas secretarias de saúde dos estados norte-americanos para a certificação de serviços de cirurgia cardíaca. De acordo com o preenchimento desses critérios, o serviço de cirurgia cardíaca obtinha um documento denominado Certificado de Necessidade (Certificate of Need – CON), que atestava a real necessidade da implantação/implementação do serviço (ACC-ADVOCACY 2003). Apesar de algumas críticas, essa certificação vem sendo utilizada como instrumento para refrear os gastos estratosféricos com a saúde, prevenir a duplicação desnecessária de serviços de saúde e atingir um acesso eqüitativo aos cuidados de saúde com qualidade, a um custo razoável. Verificou-se que as taxas de mortalidade de cirurgia cardíaca em estados norteamericanos cujos serviços não são regulamentados pelo CON foram maiores que naqueles que exigem esse certificado (VAUGHAN-SARRAZIN 2002). De acordo com o Efeito Roemer, quanto mais se abre vagas/leitos em um hospital ou cidade, mais leitos serão preenchidos. E com a regionalização dos serviços de cirurgia cardíaca surgem, conseqüentemente, os hospitais e cirurgiões com baixo volume de cirurgia. Estabelecemos, então, dois parâmetros: os indicadores de necessidade e os critérios de qualidade. Os indicadores de necessidade consistiam no indicador populacional (número mínimo de indivíduos em uma comunidade a ser beneficiada pela tecnologia em questão) e na dimensão epidemiológica do agravo relacionado à tecnologia (prevalência e morbimortalidade das doenças cardiovasculares). Os critérios de qualidade basearam-se no conceito de escala ou volume, nos resultados da aplicação da tecnologia, nos recursos humanos nela utilizados (capacitação/titulação dos profissioJUL./DEZ.2004 nais), nos recursos materiais, na infraestrutura do serviço e no acesso da população à tecnologia. Como os recursos humanos, materiais e infra-estrutura do serviço já constituíam exigências do Ministério da Saúde para o credenciamento do serviço, nos atemos aos outros critérios, uma vez que esses do Ministério teriam que ser contemplados de antemão. Há evidências de que em hospitais com grandes volumes (quantidade) de cirurgia os pacientes apresentam melhores resultados (menores taxas de complicações e óbitos), enquanto naqueles com pequenos volumes ou com cirurgiões menos experientes os resultados são piores (LUFT, 1990). A partir da constatação, tem sido utilizado o volume de cirurgias realizado como um proxy de qualidade do serviço. As taxas de mortalidade caem à medida que o volume de cirurgia do hospital e do cirurgião aumenta. A maioria dos estudos tem demonstrado uma relação positiva entre o volume de procedimentos cirúrgicos cardiovasculares e os desfechos favoráveis (OR < 1) (SOWDEN, 1997; AMN EWS , 2003). Apesar de ter sido verificada uma redução no valor da razão de chances (OR — Odds Ratio) quando se ajusta por fatores de risco inerentes ao paciente, especificamente depois da inclusão do grau de severidade da doença, a unidade não é incluída no intervalo de confiança desta razão, permanecendo ainda valores de benefício (SOWDEN, 1997). Recentemente, essa relação volume/desfecho foi claramente demonstrada em uma revisão sistemática de 57.150 pacientes submetidos a CRVM — cirurgia de revascularização do miocárdio — em serviços diversos no estado de Nova York (WU 2004). Nessa revisão, em que o benefício da cirurgia foi medido pela razão das chances (OR) e ajustado pelo risco clínico do paciente, verificou-se que os serviços que realizavam mais de 200 cirurgias ao ano apresentavam mais benefícios (OR = 0,53 (IC95%: 0,30 a 0,93) e 0,62 (IC95%: 0,40 a 0,96), respectivamente para pacientes de baixo e médio a elevado risco), quando comparados aos serviços com menos de 200 cirurgias/mês. Quanto à validade clínica (número necessário para tratar ou NNT), esse estudo mostra, ainda, que os primeiros serviços necessitavam operar, respectivamente, 147 e 37 pacientes com os riscos já descritos, para obter os benefícios citados. Quando se movia o ponto de corte para valores acima de 200 cirurgias/ ano, o valor do benefício (OR) reduzia-se, enquanto o NNT aumentava, diminuindo, assim, o benefício e a validade clínica do procedimento nos pontos de corte mais elevados. Essa situação sugere, então, como ponto de corte para o critério de volume ou escala, o valor de 200 cirurgias/ano. Também os pontos de corte utilizados como critério de volume mínimo de CRVM/ ano, nas diversas fontes de evidências prospectadas, mostram um valor mediano em torno de 200 cirurgias/ano (Tabela 1). Assim, e de acordo com a revisão de Wu (2004), optamos por 200 cirurgias/ano como valor mínimo, para um proxy da qualidade do serviço (Tabela 1). Os valores para o indicador populacional, recomendados pelo Ministério da Saúde do Brasil e do Canadá, coincidem com a instalação de um serviço de cirurgia cardíaca para cada 500 mil habitantes (Tabela 1). Analisando 357.885 pacientes com idade superior a 65 anos, atendidos pelo Medicare (EUA) e submetidos a CRVM, Peterson et al. (1994) encontraram valor médio na taxa de mortalidade no 30º dia de pós-operatório e um ano depois, em torno de 7% a 13%, respectivamente. REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.24-34 – JUL./DEZ.2004 27 TABELA 1 — Indicadores de necessidade e qualidade para implantação/implementação de serviço de cirurgia cardíaca * Referências no final do artigo *”Mínimo ideal”: 200 cirurgias/ano (hospital) Resultados Quanto ao indicador epidemiológico, levantamos no banco do DATASUS as taxas de morbidade no estado de Minas Gerais, de acordo com a recomendação nº 15 do Consenso em Serviços de Cirurgia Cardíaca – Canadá (CARDIAC CARE NETWORK 2000), que sugere utilizar a taxa de admissão padronizada de Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) para o ajuste das taxas-objetivos. Verificamos, então, que esses dados sugerem a existência de subnotificação do agravo, impossibilitando a utilização deles, de forma confiável para a sua análise. Para a verificação do número de internações para cirurgias cardíacas no período de 2001 a 2003, inicialmente identificamos os 106 procedimentos 28 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.24-34 – hospitalares descritos na “Tabela de Procedimentos do SIH-SUS” nos diversos sub-grupos de cirurgias cardíacas e, posteriormente, utilizamos a variável procedimento hospitalar realizado, para a seleção no banco de dados das internações nas quais foram realizados os procedimentos selecionados. Em Minas Gerais, no período de 2001/2003, independentemente da idade e do gênero, foram realizadas mais CRVMs, seguidas de valvoplastias. Como tratamento das cardiopatias isquêmicas, foram realizados mais procedimentos invasivos não cirúrgicos (angioplastias) do que os cirúrgicos (CRVMs). Em 2002, o governo de Minas Gerais dividiu o estado em 13 pólos macrorregionais — Plano Diretor de Regionalização — PDR (Figura 1). JUL./DEZ.2004 FIGURA 1 — Pólos macrorregionais do estado de Minas Gerais No período analisado (2001/ 2003), mais de 20% das internações para cirurgias cardíacas, de residentes em Minas Gerais, ocorreram em outros estados, em cada ano. Esse percentual varia muito quando verificado por macrorregião de residência do paciente. Por exemplo, em 2003, mais de 90% das internações de residentes na macrorregião Sul foram realizadas em outros estados, enquanto apenas 1,1% das internações de residentes ocorreram na macrorregião Centro. Entre os estados que receberam pacientes residentes em Minas Gerais, São Paulo recebeu o maior número em todos os anos, apre- sentando as maiores proporções de internações. Quando calculamos as taxas de internações considerando o local de residência do paciente, verificamos uma grande diferença entre as macrorregiões, variando de 0,4 internações por 10 mil habitantes na macrorregião Sul a 6,4 na do Triângulo Norte, em 2003. Minas Gerais apresentou um incremento nas taxas de internações para cirurgias cardíacas de alta complexidade, entretanto a distribuição do número de cirurgias cardíacas realizadas pelos serviços credenciados pelo SUS distribuiuse de forma muito heterogênea entre suas macrorregiões (Gráfico 1). REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.24-34 – JUL./DEZ.2004 29 GRÁFICO 1 – Cirurgias cardíacas de alta complexidade realizadas em Minas Gerais Taxas de internações por 10 mil habitantes por macrorregião de residência, SUS/MG, 2001/2003 Uma parte significativa desse volume de cirurgias em pacientes internados em hospitais de Minas Gerais está sendo realizada em outros estados da federação. E, entre as macrorregiões que encaminharam os seus pacientes para outros estados, durante 2003, verificamos que as menores taxas de realização de cirurgias cardíacas e, especificamente as CRVMs em todas as faixas etárias, encontram-se na macrorregião Sul (com um valor máximo em torno de 0,4 internações por 10 mil habitantes), seguida pela Noroeste e Triângulo Sul (Gráfico 2). Por outro lado, essas mesmas macrorregiões detentoras das menores taxas de realização de cirurgias cardíacas são as que mais encaminham seus pacientes cirúrgicos para ser operados em outros estados. Entre as macrorregiões que mais encaminham pacientes estão a macrorregião Sul (mais de 90% dos adultos), seguida pelas regiões Triângulo Norte, Triângulo Sul, Oeste, Sudeste e Noroeste (Gráfico 2). No Estado, para cada três casos de CRVM, um é encaminhado para outro Estado (Gráfico 2). Na macrorregião Sul, as microrregiões que mais encaminham pacientes cirúrgicos são as cidades de Pouso Alegre, seguida por São Lourenço e Alfenas, respectivamente. GRÁFICO 2 – Cirurgias de revascularização miocárdica realizadas em Minas Gerais Taxas de internações por 10 mil habitantes em pacientes com 20 anos e mais, por macrorregião de residência, SUS/MG, 2003 30 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.24-34 – JUL./DEZ.2004 Analisando o volume de cirurgias de revascularização miocárdica realizadas em Minas Gerais, nos diversos hospitais credenciados pelo SUS, em usuários desse sistema, durante o período de 2001 a 2003, verificamos que entre os que realizam mais de 200 cirurgias/mês, apenas o Hospital Madre Tereza mantém esse volume (Gráfico 3). Se considerarmos um ponto de corte mais baixo, de 150 cirurgias/ano como volume mínimo de cirurgias, o Hospital Biocor e o Hospital Madre Tereza contemplam esse parâmetro, mesmo assim, apresentando tendência ao decrescimento do volume. Entre 100 a 150 cirurgias/ ano, inclui-se a Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora (Gráfico 3). Quanto às taxas de mortalidade, considerando um ponto de corte de 10%, verificamos que pouco mais da metade (53%) dos serviços apresentam valores maiores que 10%; acima de 5%, incluem-se mais 35% dos serviços (mortalidade entre 5% e 10%); Em decorrência, 88% dos serviços apresentam taxa de mortalidade acima de 5%, restando apenas 12% dos serviços com taxas abaixo de 5% (Gráfico 4). GRÁFICO 3 – Tendência do volume de cirurgias cardíacas tipo revascularização miocárdica (CRVM) realizadas em Minas Gerais Número de internações por hospitais e grupos de cirurgias. SUS/MG, 2001/2003 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.24-34 – JUL./DEZ.2004 31 GRÁFICO 4 – Revascularização miocárdica Mortalidade hospitalar (óbitos /100 internações), por hospital e grupos de cirurgias. SUS/MG, 2001/2003 TABELA 2 — População por macrorregião do Estado de Minas Gerais Quanto ao critério populacional, a Tabela 2 mostra a densidade populacional por pólo macrorregional, 32 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.24-34 – indicando que, exceto a macrorregional Jequitinhonha, todas as outras possuem mais de 500 mil habitantes. JUL./DEZ.2004 Conclusão Excetuando o pólo macrorregional do Jequitinhonha, os demais contemplam o critério populacional de 500 mil habitantes para instalação de um serviço de cirurgia cardíaca. Aqueles poucos serviços de cirurgia cardíaca que apresentavam grande volume e os que realizaram volume mínimo de 150 cirurgias/ano estão, em sua maioria, apresentando estabilidade ou tendência decrescente no volume desses procedimentos. Outros, ainda com volume abaixo de 200 cirurgias/ano, apresentam tendência incremental. A maioria (88%) dos serviços de cirurgia cardíaca apresenta taxa de mortalidade acima de 5%. Embora o critério populacional tenha sido contemplado, a maioria dos serviços de cirurgia cardíaca não satisfaz os critérios de qualidade utilizados por serviços de saúde pública de outros países para o credenciamento desse tipo de tecnologia. Este estudo contribui para a condução do novo processo de regionalização da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, agregandolhe qualidade, uma vez que utiliza parâmetros regionais, epidemiológicos, de qualidade do serviço, de necessidade real da tecnologia, dentre outros, para a incorporação dessa tecnologia. Agradecimentos Ao Dr. David Toledo Velarde, pela revisão do texto e preciosa opinião sobre o assunto. Referências AMERICAN COLLEGE OF CARDIOLOGY ADVOCACY – ACC ADVOCACY. Digest of state health policies. Disponível em: < www.acc.org/advocacy> Acesso em: 21 maio 2003. SCHRAMM, J. M.; VALENTE, J. G.; LEITE, C. I.; CAMPOS, M. R.; GADELLA A. M. J. et al. Perfil epidemiológico segundo os resultados do estudo de carga de doença no Brasil. 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Verificou-se que a maioria das crianças era do sexo masculino (70,45%), com idades entre 7 e 9 anos (44,55%), cursando as duas primeiras séries ou o pré-escolar (73,18%), procedentes de famílias de baixa renda (70,93%) e moradores da região onde se localiza o serviço (55,46%). As queixas referiram-se a dificuldades afetivo-sociais (54,20%), problemas funcionais (23,04%) e problemas cognitivos (22,76%), destacando-se a família e a escola como principais fontes de encaminhamento (33,64% e 32,73% respectivamente). Palavras-chave Perfil da clientela, caracterização da demanda, registro de demanda, atendimento psicológico. Wagner Prazeres dos Santos 1 Montserrat Zapico Alonso 2 Caracterización de la demanda infantil de un servicio de psicologia Resumen El siguiente estudio tiene como objetivo conocer algunas de las características de la demanda de un asistimiento público de psicologia de la ciudad de Sabará, MG. Fueron evaluados todos los registros de niños hasta 12 anõs de edad, totalizando 220 sujetos. Se analizaron las siguientes variables: sexo, edad, escolaridad de los ninõs y de los padres, renta familiar, profesión de los padres, origen del encaminamiento, tipo de queja y procedencia de la clientela. Se verificó que la mayoria de los niños es del sexo masculino (73,45%), con edad entre siete y nueve años (44,55%), estudiando los dos primeros grados o preescolar (70,18%) y procedientes de familias de baja renta (70,93%) y residientes en la región donde se situa el servicio (55,46). Las quejas se referiran a las dificultades afectivo-sociales (54,20%), problemas funcionales (23,04%) y problemas cognitivos (22,76%), sobresaliendo la familia y la escuela como principales fuentes del encaminamiento (33,64% y 32,73% respectivamiente) 1 Psicólogo do Hospital Cristiano Machado/ Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG); Coordenador do Núcleo de Ensino e Pesquisa – NEP/HCM; Especialista em Psicologia Educacional – PUC Minas. Endereço para correspondência Rua Santana, nº 600, 34.545-790, Sabará, MG tel. 31 3672-9836 [email protected] 2 Psicóloga do Centro de Saúde Mental Infantil e da Adolescência (CESMIA) da Prefeitura Municipal de Sabará; Especialista em Psicologia Educacional – PUC Minas. Endereço para correspondência Rua Juscelino Kubitischek, 474-B, 34.515-170, Sabará, MG tel. 31 3674-4583 [email protected] Palabras-clave Perfil de los clientes, caracterización de la demanda, registro de la demanda, atendimiento psicológico. REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.35-42 – JUL./DEZ.2004 35 Introdução Conhecer o perfil da demanda dos serviços de psicologia, principalmente aquela ligada à clínica-escola das universidades ou ao Sistema Único de Saúde (SUS), para subsidiar a elaboração de propostas de intervenção, tem sido o objetivo de alguns estudos brasileiros (Carvalho; Térzis, 1989; Sales, 1989; Santos, 1993; Marturano et al., 1993; Lopez, 1993; Barbosa e Silvares, 1994). De acordo com levantamento realizado referente ao período de 1998 a 2002, em seis periódicos brasileiros da área de Psicologia (Arquivos Brasileiros de Psicologia; Psicologia: Teoria e Pesquisa; Estudos de Psicologia; Psicologia: Ciência e Profissão; Psico; Boletim de Psicologia) sobre trabalhos de caracterização de demanda em saúde mental, verificou-se que poucos foram realizados no Estado de Minas Gerais: o de Sanches (1985), que investiga os aspectos epidemiológicos dos usuários de uma clínica-escola da Universidade Federal de Uberlândia e o de Sales (1989), com a clientela da Policlínica do município de Varginha. Diante desta realidade, tem-se como objetivo caracterizar a demanda infantil em saúde mental do ambulatório do Hospital Cristiano Machado (HCM) da cidade de Sabará, Minas Gerais, unidade da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG), que ainda não dispõe de dados sistematizados que possam contribuir para a formulação de políticas públicas que incrementem o modelo de assistência em saúde mental. Fundado na década de 1940, o HCM era, inicialmente, uma colônia para tratamento e recuperação dos portadores de hanseníase de todo o Brasil. Incorporado pelo sistema de saúde do estado de Minas Gerais, vem se transformando em hospital geral e servindo de retaguarda para dois hospitais de 36 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.35-42 – Belo Horizonte. Conta, ainda, com um ambulatório de várias clínicas, onde funciona o Serviço de Psicologia. Material e método A amostra ficou constituída de 220 crianças com idade variando de 2 a 12 anos (Idade média = 7 a 8m; DP = 1,19 e Md = 8 a 3m). Foram consultados todos os formulários de Registro de Demanda para Atendimento Psicológico — utilizado na entrevista de triagem — de crianças até 12 anos de idade que, no período de maio/98 a maio/04, foram encaminhadas ao ambulatório do HCM, para atendimento psicológico. O perfil sociodemográfico da amostra encontra-se na tabela 1. Resultados e discussão Considerando as variáveis socioeconômicas referentes ao contexto familiar das crianças, observou-se que no geral a escolaridade dos pais é baixa: 73,86% tem até 8 anos de estudo, 13,64% de 9 a 11 anos de estudo e apenas 3 pessoas tinham curso universitário. Quanto à qualificação profissional dos pais, de acordo com a escala de profissões de Hutchinson (apud SANTOS, 1993), predominaram profissões de diarista, doméstica e trabalhadores da construção civil (35,68%), seguidas de profissões que requerem habilidade manual específica e técnica (17,50% e 4,32% respectivamente). Foi expressiva a proporção de pais fora do mercado de trabalho, dentre desempregados, aposentados e donas de casa (32,05%). Este dado foi prejudicado em 10,46%, tendo em vista o preenchimento incompleto de alguns registros de demanda. Quanto à renda familiar, em salários mínimos (SM), 70,91% dos pais situaram-se na faixa de 1 a 3 SM, 23,64% na faixa de 4 a 6 SM, 4,55% na faixa de 7 a 10 SM e apenas 0,91% acima de 10 SM. Esses indicadores são compatíveis aos dos JUL./DEZ.2004 usuários do serviço público de saúde, freqüentemente caracterizados por baixo nível socioeconômico e cultural (FIGUEIREDO; SCHVINGER, 1981; RIBEIRO, 1989; MARTURANO et al., 1993; LINHARES et al., 1993), situação que, segundo Marturano (1999), é um fator que se relaciona com a disponibilidade de recursos de apoio ao desenvolvimento dos filhos, tais como, a oferta de materiais educacionais, revistas, jornais, brinquedos e passeios familiares. Perfil sociodemográfico da amostra Na Tabela 1, verifica-se que 70,45% da amostra refere-se a meninos e 29,55% a meninas, predominando a faixa etária de 7 a 9 anos (44,55%). Estudos têm destacado a presença crescente de crianças, principalmente do sexo masculino, nos serviços de psicologia (CARVALHO, TÉRZIS, 1989; TÉRZIS, CARVALHO, 1986; GANGORA, SILVARES, 1991; GRAMINHA, MARTINS, 1993; BARBOSA, SILVARES, 1994; MASSOLA, SILVARES, 1997). Nossos achados concordam com os de outros estudos, como os de Lopez (1983), Santos (1990), Terzis e Carvalho (1986). Em um estudo de caracterização dos motivos da procura de atendimento psicopedagógico, Linhares et al. (1993) também encontraram uma predominância de crianças de ambos os sexos, com idade entre 7 e 9 anos. Em relação à escolaridade, a maioria das crianças pertencia à primeira série (25,91%), seguida da segunda série (19,54%) e pré-escolar (17,73%), período em que os educadores percebem com mais freqüência as dificuldades no desempenho acadêmico das crianças. Considerando a origem do encaminhamento, verificou-se que a família foi que mais encaminhou as crianças para o atendimento (33,64%), seguida pela escola (32,73%) e pelos médicos (28,18%), e apenas 5,45% da amostra foi encaminhada por outros segmentos. Há uma proporção semelhante entre meninos e meninas encaminhados pela rede de ensino e pelos médicos em geral e uma leve discrepância nos encaminhamentos realizados pela família. No estudo de Linhares et al. (1993), a área de saúde foi a que mais encaminhou crianças para atendimento (63%), seguida pela escola (21%) e família (10%). O fato de a família destacar-se como fonte de encaminhamento pode ser em parte explicado pelo próprio envolvimento dos membros, facilitando aos pais melhor observação de mudanças ocorridas no processo de desenvolvimento dos filhos (MACHADO et al., 1994). Por outro lado, é provável que os níveis profissional e de escolaridade dos pais sejam variáveis que se relacionam com o encaminhamento. De acordo com Griest et al. (citados por SANT’ANA e SILVARES, 1991), pais com melhores níveis de escolaridade teriam melhor compreensão dos problemas dos filhos e pais com menor nível de conhecimento teriam mais expectativas irreais em relação aos filhos e, conseqüentemente, seriam pais que mais inscreveriam seus filhos em clínicas de psicologia, em decorrência de uma interpretação errônea sobre o comportamento deles. Para avaliar a procedência da demanda, considerou-se quatro áreas geográficas do município, de acordo com a proximidade dos bairros entre si, e uma referente à rede metropolitana de Belo Horizonte. Observou-se que a maior parte das crianças residia na região de Roça Grande (onde se localiza o serviço), em bairros circunvizinhos (55,46%), seguidos da região de General Carneiro (20,0%) e do centro da cidade (15,45%). Este quadro sugere a necessidade de descentralização dos serviços de psicologia, principalmente na área infantil, pois somente no bairro de Roça Grande e no centro é que existem esses serviços, embora outros bairros de grande densidade populacional possuam unidades básicas de saúde, mas sem profissionais de saúde mental. REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.35-42 – JUL./DEZ.2004 O fato de a família destacar-se como fonte de encaminhamento pode ser em parte explicado pelo próprio envolvimento dos membros, facilitando aos pais melhor observação de mudanças ocorridas no processo de desenvolvimento dos filhos. 37 TABELA 1 — Freqüência e porcentagem da amostra, segundo sexo, faixa etária, escolaridade, fonte de encaminhamento e procedência (n = 220) Fonte: Serviço de Psicologia do Ambulatório do Hospital Cristiano Machado/Fhemig Características clínicas da amostra Para estudo das queixas apresentadas pelas mães ou responsáveis, adaptou-se a classificação dos problemas infantis de Anthony (apud MARTURANO et al., 1993). Ressalta-se que foram consideradas todas as queixas apresentadas sobre uma mesma criança, podendo ela estar enquadrada em mais de uma categoria, conforme critério 38 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.35-42 – sugerido por Santos (1993). São três as categorias de queixas: afetivo-social, problemas funcionais e dificuldades cognitivas. Procedendo-se a uma análise global dessas queixas, verificouse as seguintes proporções: área afetivo-social: 54,20%; problemas funcionais: 23,04%; problemas cognitivos: 22,76%. As queixas mais freqüentes JUL./DEZ.2004 de comportamento afetivo-social foram de agressividades/brigas: (24,60%); nervosismo/ansiedade: (21,39%); problemas de conduta: (14,97%). Comparativamente, os meninos apresentaram queixas de agressividade, problemas de conduta e desinteresse pela escola em maiores proporções do que as meninas, entre as quais sobressaíram queixas de choro freqüente, isolamento social e medo. Esses dados se assemelham aos encontrados por Linhares et al. (1993), embora o estudo se refira à amostra selecionada por dificuldades escolares. No aspecto funcional, as maiores referências foram relativas à agitação motora (36,48%), enurese (15,72%) e a distúrbios do sono (13,84%). Os meninos apresentaram mais queixas de agitação motora, distúrbios da fala, tiques e manipulações do corpo do que as meninas. A agitação motora relaciona-se com dificuldades de atenção e pode, neste caso, refletir um quadro clínico específico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Por outro lado, as meninas apresentaram mais problemas de enurese, distúrbios do sono, alterações neurológicas e manifestações somáticas. No entanto, a literatura tem indicado que a enurese é mais frequente em meninos (REIMÃO; DIAMENT, 1985). Em relação aos problemas cognitivos, predominaram as dificuldade de aprendizagem (44,59%) — incluindo dificuldade na leitura, na escrita e em matemática — baixo rendimento escolar (22,29%); dificuldade de atenção (18,47). Proporcionalmente, na comparação dos gêneros, houve mais relatos de dificuldade de aprendizagem e baixo rendimento escolar das meninas e mais relatos de dificuldade de atenção e memória e lentidão na aprendizagem dos meninos. No estudo de Marturano et al. (1993), também as dificuldades de aprendizagem em escrita, leitura e rendimento no ambiente escolar, obtiveram proporções elevadas. Fora deste ambiente sobressaíram as dificuldades de aprendizagem geral e de atenção. Do mesmo modo, Santos (1990) destaca a dificuldade de aprendizagem como o principal motivo de procura por atendimento psicológico. Para Bernardesda-Rosa et al. (2000), os “distúrbios específicos do desenvolvimento e habilidades escolares” foram as queixas mais recorrentes. Os problemas infantis, traduzidos nas queixas, aparecem no curso evolutivo de maneira dinâmica, conjugando múltiplos fatores. Problemas funcionais podem decorrer de experiências estressantes na escola, gerando ansiedade ou respostas pouco adaptativas e dificuldades de aprendizagem podem resultar de pressões emocionais no ambiente familiar, etc. Linhares et al. (1993) chamaram a atenção para esses “padrões de queixas combinadas”. REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.35-42 – JUL./DEZ.2004 Proporcionalmente, na comparação dos gêneros, houve mais relatos de dificuldade de aprendizagem e baixo rendimento escolar das meninas e mais relatos de dificuldade de atenção e memória e lentidão na aprendizagem dos meninos. 39 TABELA 2 — Freqüência e porcentagem da amostra, segundo gênero e queixas afetivosociais, cognitivas e funcionais (n = 690) Fonte: Serviço de Psicologia do Ambulatório do Hospital Cristiano Machado/Fhemig Conclusão Ficou demonstrado que as crianças encaminhadas ao ambulatório do HCM para atendimento psicológico eram predominantemente do sexo masculino, com idade variando entre 7 e 9 anos, cursando as primeiras 40 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.35-42 – séries do ciclo básico, provenientes de famílias com limitadas condições socioeconômicas e culturais. As principais queixas foram agressividade, nervosismo e problemas de conduta (área afetivo-social), JUL./DEZ.2004 agitação motora, enurese e distúrbios do sono (área funcional) e dificuldades de aprendizagem, baixo rendimento escolar e dificuldade de atenção (área cognitiva). A literatura tem ressaltado a importância de conhecer as características e peculiaridades de determinada clientela para melhor orientar as intervenções. Assim, este trabalho pode subsidiar eventuais políticas de saúde pública para o segmento infantil do município. Diante do crescimento da demanda em saúde mental infantil, constado em outros estudos (CARVALHO; TÉRZIS, 1989: Santos, 1993), e considerando que no Serviço de Psicologia do ambulatório do HCM predomina o atendimento individual, verificou-se a necessidade de incorporação de outras modalidades de atendimento que tenham caráter sociocomunitário e preventivo, conforme sugerido por alguns autores (MEJIAS, 1983; SANTOS, 1990; ARCARO; MEJIAS, 1992; SILVARES; MELO, 2000), principalmente, no que se refere à fila de espera e a trabalhos de orientação aos pais. Por fim, seria interessante, em outro momento, estabelecer as relações entre o tipo de sintomatologia com as diferentes idades das crianças. Referências ARCARO, N. T.; MEJIAS, N. P. A evolução da assistência psicológica e em saúde mental: do individual para o comunitário. Psicologia: teoria e pesquisa, 6 (3), 251-266, 1990. BARBOSA, J. I. C.; E SILVARES, E. F. M. Uma caracterização preliminar das clínicas-escola de Fortaleza. 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SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.35-42 – JUL./DEZ.2004 Infecção por Rhodococcus equi em imunossuprimidos: uma revisão Graziela Flávia Xavier de Oliveira1 1 Daniela Rezende Neves 2 Hugo Abi-Saber Rodrigues Pedrosa3 Orientador: Arinos Romualdo Viana4 Siglas BAL – Lavado broncoalveolar NCTC 1621 – Nutriente para cultivo celular AIDS – Síndrome da imunodeficiência adquirida HIV – Vírus da imunodeficiência humana Th1 – Linfócito T auxiliar 1 CD4 – Linfócitos T-auxiliares INF-ã – Interferon gama TNF-á – Fator de necrose tumoral alfa MW – Peso molecular KDa – Kilodalton IL4 e IL10 – Interleucina 4 e 10 mAc – Anticorpo monoclonal AMPc – Monofosfato de adenosina cíclico PCR – Reação em cadeia da polimerase M3 – Meio de cultivo CR3 – Fator do complemento Resumo O nocardioforme actinomiceto Rhodococcus equi é um importante patógeno de eqüinos e um patógeno emergente oportunista de humanos. Infecta, freqüentemente, potros com menos de 6 meses de idade. A maioria dos humanos infectados apresenta algum déficit na imunidade celular e contato prévio com animais, solo contaminado ou ambos. A inalação dos organismos infectantes do solo pode levar a uma crônica e severa pneumonia piogranulomatosa em potros e pacientes imunocomprometidos. Além disso, colite ulcerativa é uma seqüela comum em potros e a disseminação do pulmão para outros sítios não é rara, tanto em animais quanto em humanos. Embora o R. equi, um cocobacilo gram-positivo e bactéria intracelular facultativa, seja susceptível à morte por neutrófilos, ele é capaz de resistir às defesas macrofágicas inatas e estabelecer residência no ambiente intracelular desse fagócito. Usualmente, o pulmão é o órgão primário da infecção. As manifestações de disseminação extrapulmonares, fruto de bacteremia, têm sido descritas como abscessos cutâneo, cerebral, ósseo, etc. As manifestações clínicas da doença são febre, dispnéia, tosse, expectoração, dor torácica, hemoptise, emagrecimento, entre outras assim como na tuberculose. A propedêutica da rodococose inclui radiografia de tórax, exame direto e cultura do escarro, hemocultura, broncoscopia com BAL, biópsia transbrônquica, aspiração transparietal, exame anatomopatológico e, mais recentemente, análise genética. No diagnóstico diferencial da rodococose consideram-se tuberculose, nocardiose, actinomicose, abscesso pulmonar, pneumonia bacteriana por Pneumocystis carinii e outros. REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004 Acadêmica do 5º ano do curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Endereço para correspondência Rua Abadessa Gertrudes Prado, nº 77, apto. 1002, Belo Horizonte, MG, 30.380-790, tel. 31 3293-25888 e 9956-1908, [email protected] 2 Acadêmica do 5º ano do curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Endereço para correspondência Rua Rio Grande do Sul, 1030, apto. 2002, 30170-111, Belo Horizonte, MG, tel. 31 3292-4905 e 9993-2740, [email protected] 3 Acadêmico do 4º ano do curso de Medicina da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Endereço para correspondência Rua Colômbia, 276, apto. 302 30320-010, Belo Horizonte, MG, tel. 31 3286-1853 e 9128-5092, [email protected] 4 Professor titular de Microbiologia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais; Tel. 31 96341557 43 O sucesso do tratamento depende do diagnóstico precoce e do uso correto de drogas antimicrobianas sensíveis, como imipenem, eritromicina, rinfampicina, vancomicina, aminoglicosídeos e quinolonas de última geração. Portanto, deve-se pesquisar e suspeitar do Rhodococcus equi em todo paciente imunodeprimido, com pneumonia evoluindo lentamente, especialmente em presença de necrose tecidual, para que o tratamento seja precoce e específico. Com este artigo pretende-se alertar os profissionais da área de saúde sobre a importância do reconhecimento e isolamento do Rhodococcus equi para o diagnóstico diferencial da pneumonia cavitária em imunossuprimidos visando à otimização do tratamento e o benefício desses pacientes. Palavras-chave Rhodococcus equi, infecções oportunistas, doenças pulmonares, actinomicetoses, nocardiose. Rhodococcus equi infection in human immunodeficiency: a review Abstract The nocardioform actinomycete Rhodococcus equi is an important pathogen of horses and an emerging opportunistic pathogen of humans. The infection occurs most in foals with six months age. Most of the infected humans has some deficit in cellular immunity and a previous contact with animals, contaminated soil or both. Inhalation of the soil-borne organism can lead to chronic and severe pyogranulomatous pneumonia in young horses and immunocompromised people. In addition, ulcerative colitis is a 44 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – common sequel to infection in foals, and dissemination from the lung to other body sites is not uncommon in either horse or human. Although R. equi, a facultative intracellular bacterium, is susceptible to neutrophil-mediated killer, it is able to resist innate macrophage defenses and establish residence within the intracellular environment of that phagocyte. Usually, the lung is the first organ to be compromised. The extra pulmonary manifestations, resultant of the blood spread bacteria, are cutaneous, bone and cerebral abscess. The clinical manifestations of the disease are fever, dyspnea, cough, increased sputum production, chest pain, hemoptysis, weight loss and others, like in tuberculosis. The investigation to diagnosis includes routine chest radiographs, sputum smears and cultures, hemoccult, bronchoscopy with BAL, over bronchioles biopsy, over parietal aspiration, pathologic analysis and more recently through genetic analysis. The differential diagnosis of R. equi infections are tuberculosis, lung abscess, actynomicosis, nocardiosis, bacterial pneumonia for P. carinii and others. The success for treatment depends on early diagnosis and correct use of antibiotics like imipenem, erythromycin, rifampin, vancomycin, aminoglycosides and last generation quinolones. This article aim to alert the health care professionals for the importance in recognizing and isolating R. equi to differential diagnosis of cavitary pneumonia in immunosuprimid to achieve the correct and early treatment and the benefit to these patients. Key-words Rhodococcus equi, opportunistic infections, lung diseases, actinomycetal infections, nocardiosis. JUL./DEZ.2004 Introdução Este artigo consiste numa revisão de literatura sobre a infecção em humanos por um patógeno oportunista, Rhodococcus equi (R. equi), inicialmente descrito na veterinária como causa freqüente de infecção, principalmente em potros com menos de 6 meses de idade (1). A rodococose teve o primeiro relato em humanos em 1967, em um paciente que fazia uso de corticosteróides e apresentou quadro pneumônico pelo R. equi (7). Desde então, já foram descritos na literatura vários outros relatos de casos de pacientes imunossuprimidos com a doença. Foi observado que um número elevado desses pacientes recebe diagnóstico tardio da doença, o que, freqüentemente, eleva o risco de óbito. Sendo o Rhodococcus equi um microorganismo parcialmente ácido-resistente, que induz a um quadro clínico semelhante ao da tuberculose, o diagnóstico diferencial merece especial importância, principalmente em países subdesenvolvidos como o Brasil, em que a prevalência de tuberculose é alta. Como muitas vezes não se consegue identificar o bacilo de Koch nos procedimentos rotineiros dos laboratórios clínicos, alguns médicos iniciam o tratamento empírico da tuberculose, deixando a rodococose sem tratamento. Diante dessa situação, pretende-se, com este artigo, alertar os profissionais da área de saúde humana sobre a importância de se suspeitar e isolar, precocemente, o Rhodococcus equi em imunossuprimidos com lesões infecciosas cavitárias, para que se institua o tratamento específico para rodococose. Epidemiologia O Rhodococcus equi é uma bactéria, inicialmente descrita na veterinária, que causa infecção sobretudo em potros entre 2 e 6 meses de idade. A infecção é também descrita em cavalos adultos, porcos, bois, caprinos, carneiros, pássaros selvagens e outros animais. Raramente provoca infecção em humanos (1-6). A maior ocorrência de rodococose em potros é explicada pelos baixos níveis de anticorpos maternos e por um sistema imunológico ainda não completamente desenvolvido (8). Potros com algum tipo de imunodeficiência são particularmente susceptíveis à infecção (9). As manifestações clínicas da doença em potros com mais de 6 meses de idade e em outros animais são raramente descritas, salvo naqueles com algum comprometimento da imunidade celular (8). Existe ainda muita discordância quanto ao habitat primário e ao modo de transmissão do patógeno, entretanto, parece que o R. equi se mostra amplamente disseminado e sua ocorrência não está relacionada com nenhuma área geográfica específica (9). Em condições ambientais, o R. equi faz parte da microbiota intestinal de eqüinos, bovinos e suínos (10). Foi isolado de fezes ou segmentos de intestinos em grande número de herbívoros ou onívoros (1). É encontrado no solo, em águas doce e salgada, no esterco, bem como no trato intestinal de insetos sugadores com os quais mantém relação de mutualismo (10). A multiplicação do R. equi no solo depende da temperatura ambiente, da presença de ácido graxo volátil nas fezes de herbívoros e do pH do solo. O organismo não se multiplica em temperaturas abaixo de 10º C. As diferenças nas condições climáticas, no decorrer do ano, explicam a variação anual no número de casos de rodococose diagnosticada em potros (1). Há maior prevalência da doença durante as estações secas (8). A infecção em animais propaga-se por ingestão, inalação, transmissão via umbilical, congênita ou por migração de larvas parasitárias do trato gastrointestinal. As infecções são normalmente esporádicas, mas surtos têm REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004 Rhodococcus equi é uma bactéria, inicialmente descrita em veterinária, que causa infecção principalmente em potros entre 2 e 6 meses de idade. 45 A rodococose teve o primeiro relato em humanos em 1967. Era um paciente portador de hepatite crônica em uso de corticosteróides, que apresentou quadro de pneumonia pelo R. equi sido ocasionalmente descritos. A doença pode ser endêmica em algumas fazendas com casos que se repetem a cada ano (9). A rodococose teve o primeiro relato em humanos em 1967. Era um paciente portador de hepatite crônica, em uso de corticosteróides, que apresentou quadro de pneumonia pelo R. equi (7). Os humanos infectados por esse patógeno oportunista incomum possuem algum comprometimento da imunidade celular (síndrome da imunodeficiência adquirida, uso de terapia imunossupressora, doenças malignas, alcoolismo crônico ou transplante) e uma história pregressa de contato com animais em fazendas, solos contaminados ou estercos de origem animal (2-3). A transmissão do microorganismo nos humanos dá-se por via inalatória ou transcutânea. A transmissão transcutânea parece dar-se por trauma, com inoculação direta do microorganismo (3). Foram diagnosticados quatro casos em crianças, sendo que apenas duas possuíam algum tipo de imunodeficiência (3). Os dois casos relatados de crianças com rodococose sem imunossupressão, foram decorrentes de trauma (transmissão transcutânea). Uma delas estava com endoftalmite acompanhada de laceração da córnea, devido a trauma com ponta de uma sombrinha. A outra estava com uma ferida aberta no joelho em decorrência de uma queda (3). Há uma relação entre infecção pulmonar por Rhodococcus equi e presença de malacoplasia pulmonar, que pode ser detectada histologicamente (7). Biologia O gênero Rhodococcus pertence ao mesmo grupo filogenético do Caseobacter, Corynebacterium, Mycobacterium, Nocardia e Aurantiaca, descrito como Nocardioform actinomycete. É composto por bactérias 46 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – gram-positivas, aeróbias e catalase-positivas (1). O Rhodococcus equi é um microorganismo pleomórfico, com variações de apresentação: desde formas cocóides (mais comuns) a formas curvadas e longas. Formas ovais ou cocóides são vistas em esfregaços de pus e nas culturas em meio sólido, enquanto as formas mais longas são vistas nas culturas em caldos (9). Nos esfregaços, as células mostram-se agrupadas e lembram as letras L e V ou letras chinesas. Esfregaços de cultura em meio líquido, algumas vezes, mostram organismos filamentosos com dilatação terminal. Há um consenso mundial de que R. equi é um gram-positivo, embora formas gram-negativas possam ser vistas, especialmente, em culturas velhas. O R. equi mostra-se ácido-resistente em culturas pela técnica de ZiehlNeelsen. A idade das culturas, o meio em que cada bactéria cresce e a técnica de coloração são importantes. As formas ácido-resistentes são observadas depois de 48 horas de incubação. Nas preparações em que se utilizou tinta da Índia, foram observadas bactérias capsuladas. A microscopia eletrônica mostrou cápsula laminar polissacarídica, corada com vermelho rutênio. O Rhodococcus equi não possui flagelos, mas já foram detectadas fímbrias. Não há formação de esporos. Composição da parede celular Nas preparações da parede celular de R. equi (NCTC 1621) foram encontradas grandes quantidades de arabinose e galactose, um pouco de manose, mas não ramnose (análise cromatográfica de digeridos do organismo em ácido sulfúrico). Glicosamina e uma não conhecida hexosamina, identificada como 3-0-lactil glicosamina ou ácido murâmico, foram detectadas, mas não galactosamina. Alanina, ácido glutâmico e ácido D, L diaminopimélico JUL./DEZ.2004 foram encontrados em grandes quantidades, mas ácido aspártico, lisina, serina e glicina não foram detectados. Há presença de pequena quantidade de glicose, mas não ribose ou manose na parede celular de R. equi. Esses resultados indicam que a bactéria tem parede celular quimio tipo IV (cepa NCTC 1621), com características das espécies Corynebacterium spp, Nocardia spp e Mycobacterium spp (9). A parede celular de R. equi contém ácido micólico e ácido 2-alquilado ramificado-3-hidroxi de cadeia longa, encontrados só em bactérias com parede celular quimio tipo IV (9). Uma pequena amostra de cromatogramas revelou o lipídio LCN-A (um lipídio típico de Nocardia), que é similar em valor aos encontrados no gênero Rhodococcus, mas diferente daqueles encontrados em outras corinebactérias. Os principais tipos de lipídios polares nas bactérias são fosfolipídios e glicolípides. Os produtos da hidrólise ácida de lipídeos solúveis do R. equi são glicerol, manose, inositol, glicose e arabinose e os principais produtos da desacilação foram identificados como glicerilfosforilinositol dimanosado, glicerilfosforilinositol, glicerol e glicose. Uma £ pequena faixa cromatográfica de ácidos graxos fosfolipídicos metilados mostrou que eles não eram hidroxilados. A cromatografia gasosa e líquida revelou que a porcentagem de ácidos graxos saturados foi 33,1%. Há grandes quantidades de cardiolipina, quantidades moderadas de fosfatidil etanolamina, fosfatidil inositol manosados e menores quantidades de fosfatidil glicerol e fosfatidil inositol nas análises de fosfolípides do R. equi. Não existem relatos na literatura a respeito de lipídios polares. Os isolados de R. equi produziram pigmentos descritos como carotenóides (9). Habitat O Rhodococcus equi pode ser isolado em solos de jardins, pastos, rios, trato intestinal e fezes de algumas espécies animais. É um suposto saprófita habitante desse meio. Dessa maneira, permanece alguma dúvida se a R. equi é normalmente um habitante do solo ou se ele está presente e sobrevive no solo que tenha previamente sido contaminado por fezes de animais (9). Requerimentos nutricionais O Rhodococcus equi cresce em ágar simples. Alguns crescimentos ocorrem em ágar MacConkey e crescimento escasso, em ágar asparagine. O R. equi cresce bem em telorito de potássio na concentração de 1:500, em média. O crescimento é facilitado com a adição de dextrose ao meio base. Entretanto, o efeito estimulatório da glicose ocorre com a utilização de pequenas quantidades de carboidratos, associadas ao metabolismo da glicose a acetato. Cresce bem (sem cromogênese) em meio contendo sulfato de amônia como fonte de nitrogênio e acetato, assim como carbono e energia e em meio M3, no qual o nitrato de potássio é a fonte de nitrogênio e o propionato a fonte de carbono e energia (9). Mor fologia das colônias • Placa com ágar: em meio semisólido verifica-se a formação de colônias irregulares, arredondadas, com borda cremosa medindo de 1 a 3 mm de diâmetro, depois de 24 a 48 horas de incubação aeróbica, a 37o C. Colônias molhadas e viscosas tornam-se rosas ou vermelhas. Os termos mucóide, suculenta, viscosa, colônias em gotas de água, coalescente, cremosa e brilhante são utilizados para descrever a morfologia das colônias. O pigmento das colônias é descrito como rosa, marrom-claro, rosa-salmão, vermelhotijolo. Há a descrição de colônias ásperas (irregulares), secas, de cor cinza, que com o tempo desenvolvem pigmento amarelado. REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004 47 Sob maiores circunstâncias, a bactéria não é considerada patogênica para humanos, mas em pessoas imunocomprometidas, pode ser fatal. • Meio com batata: há crescimento vigoroso neste meio, produzindo inicialmente, um pigmento rosa pálido, que torna-se intensamente vermelho amarelado. Algumas cepas produzem colônias cremosas e outras secas e enrugadas. O crescimento nesse meio pode ser moderado ou insuficiente, e as características das colônias podem variar. • No meio líquido, as colônias mostram crescimento granular vigoroso na superfície do caldo e delicadas e difusas turvações na profundidade, formando um pesado depósito depois de quatro a cinco dias. Podem ocorrer variações nos achados, dependendo da composição dos caldos usados (9). Características metabólicas e bioquímicas O Rhodococcus equi cresce sob ampla variação de temperatura, variando de 10 a 40oC. É um aeróbio estrito e necessita de atmosfera contendo mais de 40% de dióxido de carbono. Em relação à atividade proteolítica, todas as cepas do Rhodococcus equi mostram-se catalase positivas. Não há atividade hemolítica e nem liquefação de gelatina. Cresce em soro coagulado sem liquefação, aumentando sua pigmentação. Não há produção de indol, nem de citocromo C oxidase. Há relatos de que a cepa tipo NCTC 1621 foi oxidase positiva. A capacidade em hidrolisar uréia, ou reduzir nitrato, é variável. Seria de interesse saber se as cepas que não reduzem nitrato crescem em meio contendo nitrogênio inorgânico como fonte de nitrogênio. Os testes de produção de amônia e arginina diidrolase, e de utilização de citrato, vermelho metil e Voges-Proskauer são negativos. O uso de ágar acetato ou papéis de acetato nas amostras está associado à produção de ácido sulfídrico. Em vista 48 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – das diferentes sensibilidades aos diversos métodos em detectar produção de ácido sulfídrico, fica difícil estabelecer se há ou não variação nas cepas de Rhodococcus equi. As habilidades em hidrolisar uréia e hipurato são variáveis. Não há fermentação de glicose, galactose, frutose, manose, lactose, maltose, manitol, sorbitol, glicerina, sacarose, rafinose, adonitol, eritritol, ramnose, inulina, dextrina ou salicilina. A cepa tipo NCTC 1621 fermentou glicose, bem como produziu ácido a partir da oxidação da glicose. Quanto ao teste com leite de tornassol, a descrição mais comum é que o Rhodococcus equi não produz sua mudança, porém, já foram descritas as seguintes alterações no leite de tornassol: alcalinização, espessamento lento e gradual, clareamento, acidificação, peptonização e coagulação. Na literatura há considerável variação nas descrições dadas aos isolados do Rhodococcus equi, desde a morfologia da colônia até o comportamento em testes bioquímicos comumente utilizados (9). Patogenia Na última década, considerável progresso tem sido feito no entendimento da patogênese da doença por R. equi. Muitos aspectos têm sido examinados, tanto in vitro, como in vivo. Sob maiores circunstâncias, a bactéria não é considerada patogênica para humanos, mas em pessoas imunocomprometidas pode ser fatal. Depois da inalação, nos alvéolos pulmonares, bactérias morfologicamente intactas são comumente vistas dentro dos macrófagos e células gigantes, mas bactérias nunca estão presentes nas células do epitélio pulmonar. Enzimas lisossômicas e radicais livres do oxigênio, liberados de neutrófilos e macrófagos intactos ou degenerados, JUL./DEZ.2004 podem ser os responsáveis pela maior parte da destruição tecidual associada às lesões do R. equi (8). Interação com fagócitos • Neutrófilos: a lesão pulmonar típica associada com R. equi é broncopneumonia piogranulomatosa com abscedação, na qual ocorre infiltração neutrofílica típica. • Macrófagos: o R. equi adere-se aos macrófagos in vitro e isso requer o complemento do hospedeiro (CR3CD11b,CD18). A expressão de CR3 em uma linhagem de fibroblastos está correlacionada à aderência bacteriana (16). As bactérias ficam viáveis dentro dos macrófagos quatro horas depois da infecção como tem sido demonstrado por pesquisadores. Esse fato parece deverse à alteração do processo de maturação do fagossomo como nos microorganismos intracelulares Mycobacterium spp, Nocardia asteroides e Legionella pneumophila. Interessante é que a opsonização de R. equi com anticorpos está associada ao aumento na fusão de fagolisossomos. O tempo de replicação dentro de macrófagos não ativados vai de seis a oito horas. Cepas avirulentas não replicam in vitro. A bactéria mostra ser tóxica para os macrófagos e muitas células são irreversivelmente lesadas. Especula-se que a degranulação não específica de lisossomos, concomitantemente com a liberação de conteúdo lisossomal dentro do citosol celular, pode resultar em redução da viabilidade macrofágica (20). Dentre os fatores de virulência, destacam-se os antígenos de 15 a 17 KDa, denominados VapA, diretamente ligados à patogenicidade do agente, às exoenzimas colesterol oxidase e fosfolipase C (fatores equi) e aos polissacarídeos capsulares e ácidos micólicos da parede celular (12). O polissacarídeo capsular interfere na capacidade de os leucócitos fagocitar a bactéria. Existe intensa he- terogenicidade nos antígenos capsulares (sorotipos 1-27) entre cepas de R. equi, sendo o sorotipo 1, o mais prevalente no mundo. Não há relação entre um sorotipo e o local de origem da cepa. Estudo recente demonstrou que um sorotipo capsular não está diretamente relacionado à virulência e tanto isolados avirulentos, como virulentos, mostraram ter o mesmo sorotipo (15). O colesterol oxidase é um produto importante para o R. equi. A ação combinada dos fatores equi pode conferir atividade membranolítica, mas seu papel preciso na virulência não está definido. Tanto isolados virulentos, como avirulantos, secretam essa proteína. O ácido micólico contendo glicolípides na parede celular de R. equi é capaz de promover a formação de mais granulomas e aumentar sua virulência. Além disso, a inoculação intravenosa de glicolípides purificados mostrou resultados semelhantes (12). Tem sido observado que muitos isolados de eqüinos expressam proteínas 15-KDa e 17,5-KDa, que não são encontradas em cepas não patogênicas (ATCC 6939). Além disso, observou-se que o soro de potros infectados naturalmente reagia com proteínas desse peso molecular, enquanto o soro de potros sadios, não (15). Foi observado que, associado a esses antígenos existe um grande plasmídio de 85 KDa. Estudos posteriores mostram que cepas que perdem o plasmídio por passagem repetidas na cultura não mais expressam esses antígenos e tornamse avirulentas (21). O gene Vap A codifica os antígenos 15 e 17,5 KDa. Ele foi clonado e sua localização confirmada no plasmídio. No presente, está incerto se o Vap A é verdadeiramente fator de virulência. Estudos recentes em ratos têm demonstrado que a replicação bacteriana e a formação de granuloma in vivo estão correlacionadas à presença de REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004 49 plasmídio (12). Parece que a replicação intramacrofágica dá-se somente com cepas plasmídio positivas. A importância do plasmídio em infecções humanas é bem menos definida e parece que existe maior diversidade em seu tamanho e produtos gênicos. No momento, não é claro se existe determinante de superfície espécieespecíficos ou se, simplesmente, o status severamente imunocomprometido da maioria das pessoas infectadas, possibilita que os organismos relativamente avirulentos suportem e produzam a doença. Foi relatada que a resistência à antibióticos betalactâmicos está ligada à virulência. O mecanismo ainda é incerto e os organismos não exibem atividade de betalactamase, nem têm suas proteínas de ligação à penicilina (PLPs) diferentes de organismos susceptíveis. As cepas resistentes possuem estruturas na superfície celular que lembram a cauda de um bacteriófago, não vistas em cepas susceptíveis. Além disso, partículas tipo bacteriófago (PLP) foram detectadas em todas as cepas com estruturas de superfície (17). Maiores estudos são necessários para identificar a natureza da matéria de superfície nessas cepas (17). Estudos também demonstram que duas cepas (ATCC 33701, ATCC 33705) são resistentes aos betalactâmicos, exibem estruturas de superfície, produzem PLP e causam infecção crônica em ratos gnotobióticos. Entretanto, essas duas cepas também carregam um grande plasmídio e produzem VapA. No momento, não é claro se existem determinante de superfície espécie-específicos ou se, simplesmente, o status severamente imunocomprometido da maioria das pessoas infectadas, possibilita que os organismos relativamente avirulentos suportem e produzam a doença. Imunologia Há pelo menos três níveis de virulência para o R. equi: com antígenos de 15.000 a 17.000 MW e um plasmídeo virulento de 80-95 KDa, que causa pneumonia supurativa em potros; intermediária, contendo antígenos de 20.000MW e um plasmídeo virulento de 69-100 KDa, e avirulência não conten- 50 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – do antígenos, nem plasmídeos virulentos associados (13). Em humanos, a maioria dos isolados de pacientes HIV positivo é virulenta ou de virulência intermediária, e a maioria dos isolados de pacientes imunocomprometidos sem AIDS é avirulenta. A contribuição relativa da imunidade celular e humoral para resistência contra infecções por R. equi permanece obscura e paradoxal. A transferência passiva de plasma eqüino hiperimune demonstrou efeito protetor em potros e diminuição da incidência e severidade da pneumonia em fazendas onde a infecção era endêmica. Entretanto, a vacinação de potros e éguas com proteínas virulentas de R. equi não protege potros (13). Por outro lado, tem-se mostrado que a imunidade celular é crucial na defesa do hospedeiro em ratos. Os R. equi virulentos vivos, mais do que mortos ou avirulentos, induzem imunidade protetora em ratos, e estudos, usando anticorpos monoclonais em ratos transgênicos, indicam a participação de linfócito CD4 na eliminação da bactéria. O mecanismo para a imunidade que medeia a resistência durante a infecção primária permanece não resolvido. Na tentativa de elucidá-lo, foram feitas inoculações de doses subletais de R. equi em ratos e avaliadas as respostas (13). Os títulos de INF-ã e TNFá aumentaram no baço e no fígado de ratos infectados com microorganismos virulentos até o quarto dia, de acordo com o aumento do número de bactérias, e depois diminuíram. Níveis mínimos de INF- ã e TNF-á foram detectados no sangue e no pulmão de ratos infectados com cepas avirulentas. Nem IL-4 e IL-10 foram detectados no sangue e pulmão dos ratos infectados em várias cepas testadas de R. equi. A neutralização de TNF e INF-ã in vivo com mAc, claramente, indica o papel essencial das citocinas no controle e sobrevivência nas infecções com R. equi virulentos, mas não afeta os avirulentos. JUL./DEZ.2004 Isso mostra que as citocinas foram produzidas pelo estímulo microbiano e que o TNF é necessário precocemente para reter a replicação da bactéria dentro dos órgãos (13). A depleção de TNF in vivo por um anticorpo anti-TNF leva a um curso letal em infecções por R. equi virulentos, diferente do observado por Nordmann et al. (19), que mostra somente a inibição da capacidade de exterminar o invasor. A secreção de INFã é essencial para a ação imune eficiente, visto que o uso de mAc anti INFã leva à uma falha na limpeza pulmonar e resulta no desenvolvimento de granulomas pulmonares. A ativação macrofágica, nesse caso, é a chave da resposta imune protetora, já que os R. equi virulentos possuem habilidade para sobreviver e multiplicar-se em macrófagos. O macrófago infectado aumenta em muito sua produção de TNF, ficando ativado — um passo crítico na primeira linha de defesa contra tais organismos. Estudos mostram que a efetividade em destruir o R. equi parece ser uma resposta tipo Th1 e que INF-ã é um mediador primário desse evento (18). Em resumo, a TNF-á e a INF-ã são citocinas críticas que oferecem proteção contra infecções primárias por organismos virulentos e intermediariamente virulentos, e não para avirulentos (13). Manifestações clínicas As principais manifestações clínicas da rodococose têm início insidioso e são: pneumonia cavitária crônica com derrame pleural; abscessos renal, hepático, cerebral, retroperitoneal; artrite séptica; osteomielite; bacteremia e meningite (11). As manifestações clínicas da rodococose podem ser: • pulmonares: o pulmão é o órgão mais comumente afetado pelo R. equi, o que pode ser explicado pela forma mais freqüente de transmissão, a inalatória (1-3). Usualmente, os pacientes com acometimento pulmonar desenvolvem febre com duração de vários dias a semanas, além de dispnéia, tosse produtiva, dor torácica, mal-estar, fadiga, anorexia, emagrecimento, hemoptise (16). Os sintomas podem durar dias ou semanas (3). As lesões são geralmente mais extensas no pulmão direito que no esquerdo (8). • extrapulmonares o R. equi pode infectar feridas, bem como disseminar-se de um grande foco de infecção, por exemplo, um abscesso no pulmão. As manifestações de disseminação extrapulmonares, fruto de bacteremia, têm sido descritas como meningite e abscessos cutâneo, cerebral, ósseo, etc. A ulceração intestinal e a linfadenite vêm juntas, dependendo da intensidade da infecção intestinal, e são responsáveis pelo quadro de colite ulcerativa (1). O quadro intestinal é raro sem pneumonia e deve-se à ingestão de grandes quantidades de escarro contaminado. Origina-se nas placas de Peyer que ficam ulceradas e destruídas. Os sítios extrapulmonares de infecção, tais como, os nódulos subcutâneos, artrite séptica, serosite e, raramente, linfangite cutânea ulcerativa, são causados pelo Rhodococcus equi, e representam focos secundários de uma infecção respiratória primária (3). A sintomatologia é específica do órgão de localização do foco infeccioso. O relato do exame clínico de pacientes brasileiros com rodococose, descritos no Rio Grande do Sul, ilustra as manifestações dessa infecção: 1) Paciente de 33 anos, HIV positivo há três anos, queixava-se de dor ventilatóriodependente no hemitórax esquerdo, tosse e expectoração purulenta, fétida, com raias de sangue. Tinha náuseas, vômitos e diarréias ocasionais. O exame físico mostrou emagrecimento acentuado, febre de 380 C, candidose oral, diminuição dos sons respiratórios no terço superior do hemitórax esquerdo. 2) Paciente de 22 anos, brasileira, HIV negativo, REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004 As principais manifestações clínicas da rodococose têm início insidioso e são: pneumonia cavitária crônica com derrame pleural; abscessos renal, hepático, cerebral, retroperitoneal; artrite séptica, osteomielite; bacteremia, meningite. 51 portadora de doença de Goodpasture e insuficiência renal crônica apresentava febre de 38,60 C, tosse com escassa expectoração, episódios de escarro hemoptóico, mialgia, fadiga e sudorese noturna. Ao exame, encontrava-se taquipnéica, taquicárdica, febril e com candidose oral (6). Em estudo retrospectivo, com duração de nove anos, realizado em hospitais da Espanha até 1998, dos 19.374 casos de pacientes HIV positivos diagnosticados, 67 tinham infecção causada por Rhodococcus equi. A contagem de linfócitos CD4 era sempre muito baixa, indicando que a rodococose acomete pacientes com avançada imunossupressão. A Tabela 1 mostra a relação dos sintomas nesses 67 pacientes e a Tabela 2 ilustra o acometimento das estruturas pelo Rhodococcus equi (4). TABELA 1 — Sintomas atribuídos à infecção pelo Rhodococcus equi Fonte: TORTOSA; ARRIZABALAGA J. et al. Prognosis and clinical evaluation of infection caused by Rhodococcus equi in HIV-infected patients. Chest, 123 (6). 2003 TABELA 2 — Localização da infecção pelo Rhodococcus equi Fonte: TORTOSA; ARRIZABALAGA J. et al. Prognosis and clinical evaluation of infection caused by Rhodococcus equi in HIV-infected patients. Chest, 123 (6). 2003 52 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004 Diagnóstico O diagnóstico clínico é imprescindível. O paciente deve ser interrogado sobre o contato prévio com animais em fazendas (principalmente cavalos), adubos ou solos contaminados. O comprometimento da imunidade celular deve ser investigado por meio de doenças com: síndrome da imunodeficiência adquirida, uso de terapia imunossupressora, doenças malignas, alcoolismo crônico, transplante, dentre outras. Exames de imagem A radiografia de tórax evidencia infiltrado pulmonar unilateral, de progressão lenta por dois a três meses, podendo envolver vários lobos e formar cavidades. As anormalidades radiográficas típicas nos estágios iniciais são: infiltrados pulmonares com lesões opacas comumente localizadas nos lobos pulmonares superiores. As lesões variam em tamanho, desde nódulos de apenas 2 cm até lesões grandes, envolvendo um lobo pulmonar. Se não for providenciado tratamento ou se feito de forma inapropriada, as lesões persistem, aumentando de tamanho e, em 2 a 4 semanas, desenvolvem, tipicamente, em seu interior cavidades com nível hidroaéreo. E complicam-se, freqüentemente, com derrame pleural e empiema (1,3,5). No estudo retrospectivo referido anteriormente, realizado em hospitais da Espanha, dos 67 pacientes com rodococose analisados, 65 (97%) mostravam anormalidades radiológicas. Infiltrados pulmonares foram observados em todos eles e cavitações, observadas em 45 pacientes. Havia envolvimento multilobar em 13 pacientes, derrame pleural em 11, linfadenopatia mediastinal em dois pacientes. O lobo superior direito estava acometido em 20 pacientes, o lobo médio em cinco, o lobo inferior em 19, o lobo superior esquerdo em 21 e o lobo inferior em 18 pacientes (4). Determinação do agente etiológico A investigação diagnóstica de lesão cavitária no paciente HIV positivo consiste na pesquisa de bactérias, fungos e micobactérias, mediante exame direto, cultura de escarro, e hemocultura (5). A realização de exames invasivos, como a broncoscopia com lavado broncoalveolar, a biópsia transbrônquica ou a aspiração transparietal, pode tornar-se necessária (5). A punção transcutânea aspirativa é o principal exame diagnóstico, pois é um método barato, bem tolerado pelos pacientes e de rápida execução e recuperação (6). A Tabela 3 do estudo retrospectivo espanhol de 1998 relaciona a eficácia dos exames solicitados com a presença de R. equi (4). O material clínico utilizado deve ser colhido por profissional experiente. As secreções purulentas e os fragmentos de tecido são especialmente fidedignos para o isolamento das colônias (11). O aspecto micromorfológico e tintorial do Rhodococcus equi é de cocobacilos gram-positivos agrupados, levemente ácido-resistentes no interior de vários histiócitos (6). Quando há formação de grãos, os elementos bacterianos podem ser vistos na hematoxilina e na eosina (11). O paciente deve ser interrogado sobre o contato prévio com animais em fazendas (principalmente cavalos), adubos ou solos contaminados. O comprometimento da imunidade celular deve ser investigado... Isolamento e mor fologia das colônias O R. equi cresce em meios de rotina não seletivos e de ágar sangue em tripsecaseína de soja, preferencialmente, com infuso de cérebro e coração (1,11). Não há crescimento na maioria das classes de ágar MacConkey. Os meios devem ser incubados em meio aeróbico, na temperatura de 37o C. Com 24 horas de incubação, surgem colônias de 1 a 2 mm de diâmetro. Com 48 horas, as colônias apresentam as seguintes REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004 53 TABELA 3 – Presença de Rhodococcus equi em material clínico examinado Fonte: TORTOSA; ARRIZABALAGA et al. Prognosis and clinical evaluation of infection caused by Rhodococcus equi in HIV-infected patients. Chest; 123 (6), 2003 O número total de amostras positivas foi > 67, porque, em alguns pacientes, o R. equi foi isolado em várias oportunidades. características: ovais, lisas, semitransparentes, brilhantes, coalescentes, mucóides, semelhantes em aparência à lágrimas. As colônias variam em tamanho de 2 a 4 mm, entretanto, colônias coalescentes podem se mostrar maiores (1). A clássica colônia coalescente viscoso-mucóide é o tipo predominante, mas formas menos mucóides podem também ser vistas. Pequena proporção de colônias, de 1 mm ou menos, não mucóides, podem estar presentes. As culturas de R. equi apresentam um cheiro característico. A produção de pigmentos é raramente documentada em culturas com menos de quatro dias. Não se deve esperar que as clássicas colônias pigmentadas de rosa ou vermelho (pigmento vermelho cocci) surjam imediatamente no isolado. Depois de quatro a sete dias de cultivo, as colônias podem desenvolver delicada sombra rosa-salmão, entretanto, podem estar sem pigmentação ou aparecer levemente amareladas. A melhor descrição de pigmentação das colônias no ágar sangue seria a cor castanho-amarelada clara (1). 54 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – Características bioquímicas de identificação Características que podem ser usadas na rotina nos laboratórios de clínica microbiológica para identificar o R. equi são mostradas na tabela 4 (1). Histopatologia As lesões pulmonares causadas por R. equi são granulomatosas e contêm material caseoso espesso em seu interior. Numerosos neutrófilos e macrófagos estão presentes por toda área necrótica. Essas células são freqüentemente observadas com bactérias intactas em seu interior (8). O exame histopatológico revela múltiplos abscessos, fibrose intersticial marcada e exsudato fibrinoso (11). Análise genética Muitas vezes, as características das colônias, a morfologia celular e a reação à coloração com ácido diferem entre isolados de R. equi. Embora o API (Sistema de identificação multisubstrato de Coryne – bio Meneux), um kit JUL./DEZ.2004 TABELA 4 – Características bioquímicas para identificação do Rhodococcus equi Fonte: PRESCOTT. Rhodococcus equi: na animal and human pathogen. Clin. Microbiol. Rev., 4:20-34, Jan. 1991. Fatores equi: exoenzimas produzidas pelo Rhodococcus equi: colesterol oxidase e fosfolipase C (4) H2S – Ácido sulfídrico. comercial largamente usado em laboratórios de microbiologia clínica, inclua o R. equi em seus dados, sua confiabilidade é limitada. Esses resultados inconsistentes para a bactéria resultam, freqüentemente, em identificação errônea, quando o R. equi é confundido com outras espécies de Rhodococcus ou mesmo corinebacterias ou outros actinomicetos. A identificação apurada dos isolados de Rhodococcus em nível de espécie é possível com base em propriedades quimiotaxonômicas. Entretanto, essas técnicas são excessivamente trabalhosas, demoradas e caras para uso rotineiro em laboratórios de clínicas microbiológicas para identificação bioquímica dos isolados (14). Com a recente identificação do gene choE, um locus cromossômico ligado ao colesterol oxidase, foram feitas diversas análises mutacionais que indicaram que o choE é o fator de lesão da membrana responsável pela reação de hemólise (tipo AMPc) sinérgica, causada pelo R. equi na presença de bactérias produtoras de esfingomielinase C, tais como Listeria ivanovii, Bacillus cereus e S. aureus. Esta reação tipo AMPc pode ser vista como um marcador fenotípico para a identificação presuntiva rápida do R. equi. Existe agora um novo método PCR para a identificação rápida e específica, baseada na detecção de seqüências de choE. Esse teste diferencia com acuracia o patógeno de outros actinomicetos fortemente relacionados e reclassifica corretamente as cepas identificadas no início como R. equi para outras espécies (14). Classifica também como R. equi uma bem conhecida cepa produtora de colesterol oxidase, a Brevibacterium sterolicum ATCC 21387. O gene choE preenche todas as características quanto à alta especificidade e à conservação em todas as cepas estudadas, permitindo seu uso rotineiramente. Poucos métodos moleculares rápidos têm sido desenvolvidos para a identificação do R. equi. Isolados de potros podem ser identificados pela detecção do antígeno vapA, com anticorpos monoclonais ou, alternativamente, pela detecção por meio de PCR de seu gene, que está presente em um plasmídio de 85 KDa. Entretanto, esse plasmídio não está presente em todas REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004 55 as cepas de humanos e potros, limitando a utilidade da identificação vapA-baseada. Outro método molecular baseado em PCR tem sido usado para amplificar um segmento cromossômico de função não conhecida, mas sua validade foi avaliada só com pequeno número de cepas. Um método que utiliza PCR-RFLP, objetivando proteína de 65 KDa e, primariamente, planejado para a identificação de micobactéria, discrimina cepas de R. equi. Entretanto, essa identificação é demorada e trabalhosa (14). Diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial da lesão cavitária no paciente imunossuprimido é de difícil realização, quando consideramos apenas seu quadro clínico e a imagem radiológica. A grande variedade de etiologias e a complexidade terapêutica, que implicam em algumas dessas causas, contra-indicam o tratamento empírico. As informações a respeito do nível de imunidade do paciente orientam a investigação de acordo com a freqüência das patologias em cada fase (5). Na presença de imunodepressão leve, a tuberculose pulmonar é a patologia mais comum, seguida por pneumonia bacteriana, abscesso pulmonar e, raramente, carcinoma broncogênico. Na imunodepressão moderada a grave, as etiologias prováveis tornam-se numerosas, sendo as principais a pneumonia por Pneumocystis carinii, pneumonia bacteriana, pneumonia por Rhodococcus equi, MM. Kansasili e aspergilose pulmonar invasiva (5). A alta prevalência de tuberculose em nosso meio faz com que infecções crônicas causadas por actinomicetos aeróbios (nocardiose, rodococose) não sejam reconhecidas clinicamente ou sejam diagnosticadas equivocadamente no laboratório, em decorrência da ácido-resistência em comum com as micobactérias (6). A rodococose, a tuberculose e a nocardiose se assemelham também clinica e radiologicamente. A actinomyces israelli, agente causador da actinomicetose, produz quadro clínico semelhante, mas, no entanto, não se mostra ácido-resistente pela técnica de Ziehl-Neelsen (11). Os Nocardia asteróides e os Rhodococcus equi possuem tendência de TABELA 5 – Diferenças micromorfológicas e tintoriais entre tuberculose e actinomicetoses Fonte: SEVERO; LONDERO; Actinomicetoses. In: VERONESI; FOCACCIA (Ed.). Tratado de Infec-tologia. Editora Atheneu. 2. ed. 2002, v. 2. 56 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004 disseminar-se para outros órgãos com formação de abscessos. Raramente há disseminação do Actinomyces israelli por via hematogênica (11). A Tabela 5 mostra as diferenças micromorfológicas e tintoriais entre rodococose, tuberculose, nocardiose e actinomicetose (11). Como o Rhodococcus equi é cocobacilo gram-positivo, fracamente ácido-resistente, pode ser confundido com difteróides. Por isso, é comum ser considerado uma contaminação e não valorizado em cultivo como agente infeccioso (6). Tratamento Por ser o Rhodococcus equi um parasita intracelular, seu tratamento requer, geramente, o uso de drogas com bom nível de difusão tecidual (1). O Rhodococcus equi costuma responder a vários antimicrobianos, especialmente os lipofílicos, por penetrar nos macrófagos e neutrófilos nos quais se encontra o microorganismo (4). O sucesso do tratamento depende do diagnóstico precoce preciso e do uso de drogas antimicrobianas que correspondam à sensibilidade in vitro do R. equi. Nesse mister, o Rhodococcus tem se revelado susceptível a amplo número de antimicrobianos, como: imipenem, eritromicina, rifampicina, vancomicina, aminoglicosídeos e quinolonas de última geração (3). Durante o tratamento da rodococose, tem sido observada resistência aos âlactâmicos. Esses antibióticos, portanto, devem ser evitados ou utilizados apenas em combinação com outros antibióticos (1). A peculiar patogenicidade da infecção pelo Rhodococcus equi determina seu tratamento. Dada a alta freqüência de bacteremia e a alta concentração de bactérias, é mais apropriado indicar uma combinação de antibióticos com efeitos bactericidas, tais como, imipenem plus, vancomicina ou imipenem plus teicoplamina. Antibióticos lipofílicos com boa penetração TABELA 6 – Suscetibilidade antimicrobiana do Rhodococcus equi em estudo com 67 pacientes Fonte: TORTOSA; ARRIZABALAGA et al. Prognosis and clinical evaluation of infection caused by Rhodococcus equi in HIV-infected patients. Chest, 123 (6), 2003. REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004 57 intracelular devem ser administrados e combinações levando em base macrolídios e a rifampicina têm sido comprovadas como ótimas. A azitromicina mostrou ser uma droga apropriada para o tratamento dessa infecção, em combinação com outras drogas, pelo fato de alcançar altos níveis teciduais. A drenagem de abscessos deve ser realizada quando possível. Entretanto, a ressecção cirúrgica deve ser limitada àqueles pacientes que não respondem ao tratamento medicamentoso (4). A resposta à terapia deve ser monitorada com radiografias de tórax, e, após o tratamento, deve ser realizada ausculta pulmonar por sete dias, com acompanhamento da temperatura corpórea e, se possível, com avaliação bacteriológica do aspirado traqueal. Além da antibioticoterapia, está indicada a ressecção cirúrgica do tecido necrótico, a drenagem de lesões supurativas e o controle dos fatores predisponentes (6). A duração da terapia varia de quatro a nove semanas e, usualmente, culmina em completa resolução das lesões. TABELA 7 – Suscetibilidade do Rhodococcus equi aos antimicrobianos Fonte: PRESCOTT. Rhodococcus equi: na animal and human pathogen. Clin. Microbiol. Rev., 4:20-34, Jan.1991. MIC: concentração inibitória mínima 58 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004 A tabela 6 pertence ao estudo retrospectivo já citado, realizado em hospitais espanhóis. Ela mostra a suscetibilidade in vitro do Rhodococcus equi aos antimicrobianos. Os dados foram obtidos a partir da amostra de 67 pacientes diagnosticados com rodococose (4). A Tabela 7 mostra os antimicrobianos com os quais o Rhodococcus equi se apresenta mais susceptível. A análise da Tabela 7 mostra que o microorganismo é particularmente susceptível à eritromicina, clindamicina, aminoglicosídeos amicacina, gentamicina, neomicina, trobamicina, rifampicina e vancomicina. É moderadamente susceptível à penicilina G, ampicilina e tetraciclinas. Mostra-se resistente à primeira e à segunda geração de cefalosporinas: cefalotina, cefazolina, cefalexina, cefadroxil, cefaclor, cefuroxima (1). Conclusão Muito tem se aprendido nas últimas décadas sobre infecções por R. equi em potros, que podem se aplicar a infecções em humanos. Entretanto, algumas questões importantes sobre a doença em potros permanecem e, por isso, necessitam ser esclarecidas para melhorar o controle da doença, tanto em eqüinos, como em humanos. A grande incidência e a prevalência da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida, os alcoólatras crônicos e o aumento do número de transplantes com necessidade de imunossupressão prolongada vêm tornando a doença cada vez mais freqüente e relevante na clínica pneumológica. Os dados existentes hoje a respeito da prevalência e incidência da doença, mostram-se, com certeza, equivocados. Acredita-se que a doença seja bastante subnotificada e confundida com outras patologias granulomatosas. O desenvolvimento de modelo em ratos para infecção, por exemplo, com defeitos imunológicos geneticamente definidos, deve reduzir o gasto e outras dificuldades em usar potros como animais experimentais. Tais modelos também poderiam ser usados para definir importantes antígenos na imunidade humoral e o valor de anticorpos na prevenção e no tratamento da infecção, além de os antígenos de importância e a base da imunidade celular à infecção, o valor mais claro do interferon gama, o fator de necrose tumoral alfa e outras linfocinas no tratamento da infecção e a otimização do uso de antimicrobianos. Também, semelhantes modelos podem ser usados para comparar a virulência de diferentes cepas e relatar as diferenças de virulência dos componentes da parede celular, podendo ser útil no desenvolvimento de vacinas. O grande avanço nos testes genéticos e sorológicos vem revolucionando o diagnóstico, e, dessa forma, o conhecimento precoce da presença da enfermidade possibilita tratamento mais preciso, com melhores resultados, reduzindo significativamente a morbimortalidade da doença. Referências 1. PRESCOTT JF. Rhodococcus equi: an animal and human pathogen. Clin. Microbiol. Rev., 4:20-34, Jan.1991. 2. HARVEY R.L.; Sunstrum J. C. Rhodococcus equi infection in patients with and without human immunodeficiency virus infection. RID, 13, Jan./Feb. 1991. 3. MCGOWAN, K. L.; MANGANO, M. F. Infections with Rhodococcus equi in children. Diagn Microbiol Infect Dis, 14:347-352, 1991. 4. TORTOSA M. T, ARRIZABALAGA, J. et al. Prognosis and clinical evaluation of infection caused by Rhodococcus equi in HIV-infected patients. Chest, 123(6), 2003. REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004 59 5. VALERY MIBA, Barros L. A. Diagnóstico diferencial de lesão cavitária em HIV positivo. J. 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TAKAI, S.; SEKIZAKI, T.; OZAWA, T.; SUGAWARA, T.; WATANABE, Y.; TSUBAKI, T. Association between a large plasmid and 15- to 17-kilodalton antigens in virulent Rhodococcus equi. Infect. Immunology, 59: 4.056-4.060, 1991. 60 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.43-60 – JUL./DEZ.2004 Aleijadinho: o gênio do barroco mineiro e sua enfermidade José Lucas Magalhães Aleixo1 Resumo Este artigo apresenta uma síntese sobre as mais importantes hipóteses acerca da(s) enfermidade(s) do grande escultor mineiro Antônio Francisco Lisboa. Mostra também algumas informações sobre a vida e a obra artística do mestre do barroco brasileiro, também conhecido como Aleijadinho. Palavras-chave Aleijadinho, arte barroca, enfermidade(s) do Aleijadinho, mineiridade. Aleijadinho: the baroque genius and his infirmity. Abstract This article represents a shynthesis about the most importants hypothesis respect to diseases of the great mineiro (born in Minas Gerais) sculptor, Antônio Francisco Lisboa. Represents too some informations about the life and artistic work of this master of brasilian baroque art as knowed as Aleijadinho. (Little Crippled) 1 Professor da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais; Técnico da Coordenadoria da Assistência à Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente da SES/MG. Endereço para correspondência Av. Augusto de Lima, nº 2061, 30.190-002, Belo Horizonte, MG Key-words Aleijadinho (Little Crippled); baroque art, Aleijadinho’s diseases, mineiridade (singular civilization of Minas Gerais and your people) REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.61-68 – JUL./DEZ.2004 61 Introdução Antônio Francisco Lisboa, conhecido como Aleijadinho, representa a expressão máxima do barroco em nosso país, com obra significativa, de reconhecimento mundial, concentrada em Minas Gerais, especialmente em Ouro Preto, Congonhas do Campo e São João del-Rei. Sua vida e obra sempre despertaram interesse, não só pelo mérito intrínseco de sua produção artística sem par em nosso meio, mas também por outros aspectos que o envolveram como ser humano: as questões sociais oriundas do fato de ser um mulato bastardo, vivendo e trabalhando com relativo sucesso numa sociedade de dominação colonial européia, sofrendo dupla discriminação de cor e de nascença local. Porém, é outro aspecto marcante de sua vid que motiva esse artigo, qual seja, a enfermidade ou enfermidades que o acometeram durante os últimos quarenta anos de sua existência e que, apesar das dolorosas limitações a ele impostas, não impediram uma produção volumosa e de valor artístico inestimável. São várias as teorias voltadas ao diagnóstico retrospectivo de sua enfermidade. Não trago aqui nenhuma nova teoria, pois na realidade pretendo falar do Aleijadinho, do barroco mineiro, das Minas Gerais e desse sentimento difuso e ao mesmo tempo incisivo que percorre a alma de muitos mineiros, que se convencionou chamar de mineiridade. A mineiridade Que mineiridade é essa? Muitos questionam haver algum traço cultural, sentimento ou atitude coletiva que possa ser convencionada como mineiridade, entendida esta como uma entidade sociológica ímpar e própria, natural62 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.61-68 – mente gestada, desenvolvida e contida entre as montanhas e lentamente espraiada pelos sertões de Minas Gerais. O certo é que alguns traços culturais regionais de Minas foram generalizados indiscriminadamente. Mas isso não impede de se falar em uma cultura mineira própria e ímpar, fechada em si mesma, fermentando, no período setecentista sob forte controle emigratório da metrópole portuguesa, zelosa em controlar a exploração do ouro. E a seguir desenvolvendo-se assentada na diversidade de um Estado com fronteiras em intercâmbio com estados vizinhos, conforme relata Mata-Machado (1991) — relacionando o sertão noroeste mineiro com o sul da Bahia —, além dos casos similares do sul de Minas com São Paulo e da Zona da Mata com Rio de Janeiro. Mesmo assim, por outro lado, esse viés da diversidade conviveu simultaneamente com outro, regional, muito próprio, assentado na singularidade de regiões, cidades e lugarejos relativamente isolados, onde o tempo literalmente tem passado muito lentamente, ou, então, permanece parado em nossa memória afetiva.. Arruda (1988), ao trabalhar o tema do memorialismo mineiro e das razões ou emoções que motivam os escritores e memorialistas mineiros como Pedro Nava, Manoel Bandeira, Carlos Drumond de Andrade, Murilo Mendes dentre muitos, também aborda o tema da mineiridade. A realidade social de Minas no século 19, ao encaminhar-se para certa autonomia, criou uma subcultura singular, fruto do amálgama entre o passado e o presente, que se poderia denominar por mineirismo. O mineirismo constitui-se, portanto, na expressão de uma subcultura regional. A manifestação cotidiana do mineirismo é a mineirice, enquanto um modo de aparecimento das práticas sociais inerentes aos mineiros JUL./DEZ.2004 e que servem para distingui-los de outros tipos regionais. A mineiridade exprime, em contrapartida, uma visão que se construiu a partir da realidade de Minas e das práticas cotidianas dos mineiros. Por fundar a figura abstrata dos mineiros e conectá-los a sua origem – o passado ilustre setecentista – a mineiridade tem as características do mito. E os mineiros, ao identificarem-se com essa construção, absorvem o pensamento mítico e colaboram para a sua permanência. (ARRUDA, 1988, p. 220-221) Entidade abstrata ou real, ela se manifesta em coisas muito simples, como a percepção do cheiro tão característico de Ouro Preto, proveniente dos musgos que se escondem entre suas pedras seculares e que reacendem sutilmente com o calor do dia, evocando momentos de déjà vu em nossa memória afetiva. O fato é que aqueles que cultuam ou cultivam essa tal mineiridade têm enorme prazer em ver, visitar, estudar, pesquisar, ler, ouvir, falar, escrever e respirar sobre tudo o que se relaciona com Minas Gerais, na qual certamente se destacam o nosso Aleijadinho e a arte barroca mineira. Um pouco sobre o Barroco Em breves linhas, tracemos o que venha a ser o estilo barroco, no qual se insere a obra de Aleijadinho. Com origem em Roma, pode ser entendido como um estilo definido, uma tendência comum, um gosto aplicado à arquitetura, escultura e pintura, que se estendeu por todo século XVII e pela primeira metade do século XVIII, tanto na Europa, bem como, a seguir, na América Latina (CONTI, 1978). O barroco atende estrategicamente aos anseios da Igreja Católica numa época em que pretendia recuperar parte de seus crentes perdidos para o protestantismo, impressionando-os com uma arquitetura e uma arte apelativa em termos de grandiosidade, fascínio e majestade, que, desse modo, evocassem as excelsitudes celestiais, aflorando sentimento e emoção devocionais. Ele surge logo depois do período renascentista, com suas características artísticas (apelo à razão, sobriedade, definição clássica de planos, linearidade, estabilidade e equilíbrio) contrapondose às de apelo emocional, eloquência visual, jogos de luz e sombra, disposições em curvatura, sentido de infinitude ao olhar (trompe l’oeil), dentre outras. O barroco se propaga por toda Europa com maior ou menor intensidade em cada país, inclusive na Espanha e Portugal, que se apropriam de suas características gerais (TAPIÉ, 1983; CONTI, 1978) e acrescentam peculiaridades, transmitindo-as para suas colônias nas Américas, nas quais, por sua vez, adquire tonalidades locais, variando do vulgar ao nível de excelência, como no caso do Brasil — exemplificados em Olinda, Salvador, Rio de Janeiro e Minas Gerais que, por sua vez, teve Ouro Preto e Congonhas do Campo — Santuário de Bom Jesus de Matozinhos e entorno —, reconhecidas como patrimônio artístico da humanidade, graças, em grande parte, às obras do mestre Aleijadinho. O fato é que aqueles que cultuam ou cultivam essa tal de mineiridade têm enorme prazer em ver, visitar, estudar, pesquisar, ler, ouvir, falar, escrever e respirar sobre tudo o que se relaciona com Minas Gerais... Afinal quem foi esse mineiro de quem tanto se fala? Aleijadinho: um breve relato biográfico Relembremos alguns aspectos interessantes de sua biografia, relacionando, ainda, algumas de suas obras mais importantes. Antônio Francisco Lisboa nasceu nos arredores de Ouro Preto, em 29 de agosto de 1730. Filho do arquiteto português Manoel Francisco da Costa Lisboa e de sua escrava Isabel, foi alforriado logo no nascimento. REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.61-68 – JUL./DEZ.2004 63 Aprendeu a ler e escrever e, certamente, a profissão do pai influenciou-o, que seguiu a mesma carreira, distinguindo-se também na escultura em pedra e no entalhe em madeira. Viveu, durante a maior parte de sua vida, em Ouro Preto, numa casa simples em rua lateral à Igreja de Nossa Senhora da Conceição, matriz de Antônio Dias, dentro da qual foi sepultado, quando morreu, em 1814. Aliás, no subsolo dessa Igreja, funciona atualmente o Museu do Aleijadinho, onde, ao lado de pratarias e obras sacras diversas, podemos ver algumas esculturas e entalhes em madeira de sua autoria. Segundo o Guia de Ouro Preto, de Manuel Bandeira, além de sua cidade natal, podem ser encontradas obras de Aleijadinho em São João delRei, especialmente na monumental Igreja de São Francisco de Assis; em Sabará, na Igreja do Carmo; em Catas Altas, na Igreja Matriz de Caeté; em Santa Rita Durão, na localidade de Morro Grande; e em Congonhas do Campo, no monumental Santuário do Nosso Senhor Bom Jesus de Matozinhos, com os profetas esculpidos em pedra-sabão no adro frontal, e as capelas dispostas na praça em frente, representando os passos da paixão de Cristo. O conjunto de Congonhas é considerado pela UNESCO Patrimônio Histórico da Humanidade, entretanto, nem sempre foi assim. Jorge (1971) nos traz um impressionante relato sobre sérios riscos assestados contra o conjunto de Congonhas do Campo, ameaçando sua sobrevivência na primeira metade do século XX. Consta que um dos administradores do Conjunto de Matozinhos, o padre Júlio Engrácia, pediu simplesmente a eliminação sumária das figuras dos Passos. “Seria de muita honra para a instituição do Sr. Bom Jesus, que a ad- 64 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.61-68 – ministração trata-se de substituir esses monstros extra-humanos....” “Oxalá mande o administrador, com o mesmo espírito, substituir essas horrendas figuras dos passos e consumi-las para sempre, a modo de que não fique das mesmas o menor sinal, para honra de Deus e da arte mineira” (Jorge, 1971, p. 186). Deus, em sua infinita sabedoria, não permitiu fosse consumada essa barbárie, para Sua própria honra e também da arte mineira, legando-nos mais um inestimável patrimônio artístico e histórico, enraizado nas Minas Gerais, atualmente de reconhecimento mundial. Prosseguindo a relação de obras, Falcão (1955) acrescenta o frontispício da Igreja de Santo Antônio, em Tiradentes, como de autoria do mestre. Mas, é em Ouro Preto, que se concentra a maior parte das obras de arquitetura e estatuária de Aleijadinho, marcantemente presentes nas igrejas de Nossa Senhora do Carmo, das Mercês e Perdões, da Conceição, de São José e de Bom Jesus de Matozinhos, todas elas com imagens e alguma atuação do mestre nos riscos arquitetônicos ou da construção de seus altares. Outras importantes imagens estão no Museu da Inconfidência e nas igrejas de São Francisco de Paula (imagem do padroeiro) e do Rosário (imagem de Santa Helena). Em Ouro Preto, o destaque de sua obra é a Igreja de São Francisco de Assis, na qual, trabalhando em parceria com o mestre mineiro da pintura colonial Manoel Francisco Ataíde, concebeu uma verdadeira jóia do barroco mineiro, talvez sua maior expressão. A enfermidade de Aleijadinho A enfermidade que acometeu Aleijadinho aos 47 anos de idade contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento de uma aura mítica em torno do homem e JUL./DEZ.2004 do artista histórico Antônio Francisco. Seus males físicos teriam produzido grosseiras deformidades físicas, transformando-o numa figura soturna que preferia as sombras e a escuridão da noite, esquivando-se do convívio social. Do ponto de vista artístico, sua enfermidade foi usada pelos detratores de sua obra — estrangeiros e patrícios —, para justificar suas impressões, muitas vezes preconceituosas, afirmando não poder se esperar artisticamente muito de um escultor aleijado. Por outro lado alguns de seus admiradores procuraram enaltecer ainda mais sua obra, considerando-a maior justamente pelas dificuldades impostas pela enfermidade. Sem negar o impacto espiritual, psicológico e físico que representa uma enfermidade restringindo um homem plenamente produtivo aos 47 anos de idade, acredito pessoalmente que a genialidade do mestre Aleijadinho paira eqüidistante de ambas as visões apresentadas anteriormente. Tal qual a surdez progressiva que acometeu Beethoven, a genialidade do mestre alemão foi também preservada, apesar de toda angústia que a enfermidade lhe causava. Do ponto de vista médico, a enfermidade de Antônio Francisco tem sido discutida por especialistas a partir dos relatos de seu primeiro biógrafo, Rodrigo José Ferreira Bretas, descrita em obra intitulada Traços biográficos relativos ao finado Antônio Francisco Lisboa, esculptor mineiro, mais conhecido pelo apellido de Aleijadinho, publicada em 1858 (44 anos depois da morte do artista), que teve sua primeira reprodução gráfica em 1896 na Revista do Archivo Público Mineiro, v. 1, p. 163-174. Desde então, a polêmica sobre sua enfermidade ganhou espaço na mídia e em diversas publicações. Furtado (1970) relaciona extensa bibliografia sobre Aleijadinho com enfoque principal em sua(s) enfermidade(s), como se segue: Djalma Andrade (De que morreu o Aleijadinho?, 1924), Renë Laclette (A doença de Aleijadinho, 1929) Agripa de Vasconcelos (De que morreu o Aleijadinho, 1930), Phocion Sepa (As moléstias do Aleijadinho, 1930), Américo Valério (Causa Mortis do Mestre Aleijadinho — Lepra ou Seryingomyelia, 1933), Nicolau Ciancio (De que morreu o Aleijadinho, 1933), José Mariano Filho (Depoimentos levianos sobre a moléstia de Antônio Francisco Lisboa, 1942), Martins de Andrade (Sofria o Aleijadinho de transformação congênita, 1942), Antônio Alves Passig (Ainda a moléstia de Aleijadinho, 1943-1944), Floriano Lemos (Ruínas vivas, A doença de Aleijadinho, 1944), José Mariano Filho (Contribuição para o diagnóstico póstumo da enfermidade ou enfermidades de Antônio Francisco Lisboa, 1944), Jamil Almansur Haddad (Arte e doença de Aleijadinho, 1945), J. B. de Paula Fonseca Jr. (Por que deformava o Aleijadinho, 1957), Alípio Corrêa Netto e Eugênio Luiz Mauro (Médicos diagnosticam a doença do Aleijadinho, 1963), Paulo Augusto Galvão (Hipertelorismo e estrabismo divergente na obra do Aleijadinho, 1964) Durante o período de 1924 a 1964, várias hipóteses diagnósticas foram levantadas por diversos médicos e professores. Então, quando da comemoração do sesquicentenário de morte de Aleijadinho (1814-1964), a Associação Médica de Minas Gerais promoveu um debate sobre o tema reunindo os médicos que advogavam as hipóteses mais prováveis e consistentes sobre a(s) enfermidade(s) do Aleijadinho. Assim sendo, compareceram à mesa-redonda o professor René Laclette, o professor Tancredo Alves Furtado, o médico e historiador Pedro Salles, o professor Alípio Corrêa Netto e o professor Geraldo Guimarães REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.61-68 – JUL./DEZ.2004 65 A própria existência do Mestre Aleijadinho foi posta em dúvida como se fosse impossível que nestas longínquas paragens vivesse um artista tão genial e profícuo. 66 da Gama, cada um defendendo as seguintes hipóteses diagnósticas: lepra nervosa, para-amiloidose e porfiria (Laclette), lepra nervosa (Furtado), tromboangeíte obliterante (Netto) artrite reumatóide juvenil e acidente vascular cerebral (Gama). As versões foram devidamente expostas, mas a polêmica permaneceu viva no meio médico e, logo depois, em 1967, o professor Carlos da Silva Lacaz reforçava a defesa da hipótese de porfiria cutânea tardia, baseado em uma exumação (sem cuidados técnicos) feita no túmulo do Aleijadinho no princípio do século XX, quando, então, teria sido verificada uma cor avermelhada nos ossos do mestre, invocando a suspeita de porfiria. O professor Lacaz propos-se a fazer nova e cuidadosa exumação para estudo científico dos ossos do Aleijadinho, a qual ocorreu efetivamente em 1971. Entretanto, segundo Carvalho (1998), o professor Lacaz faleceu sem completar aqueles estudos, o que o motivou a um novo pedido de exumação, realizada em 16 de março de 1998, quando, novamente, foram encontrados ossos de cor avermelhada sugerindo o diagnóstico de porfiria, mas sem a possibilidade de confirmação de que fossem do artista, uma vez que foram encontrados misturados à outra ossada. Permaneceu viva tanto a hipótese como a polêmica diagnóstica. O último estudo consistente sobre o tema vem do professor Geraldo Gama, que, recentemente, em 2004, defendeu a tese de que o artista teria sofrido um acidente de trabalho aos 47 anos de idade, provavelmente, a queda de um andaime, provocando problemas de locomoção com recuperação muita lenta, ao longo de 12 anos. Já na velhice, Gama sustenta que Aleijadinho possa ter sofrido as conseqüências de um acidente vascular cerebral, ou de sífilis tardia, ou de escorbuto, até mesmo, concomitantemente. REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.61-68 – Apesar da consistência desse último estudo, parece-nos que o assunto não está esgotado, até porque o próprio mito parece realimentá-lo num quadro que mescla o afã da investigação diagnóstica inerente à formação médica, o fascínio por uma obra maior em termos de vida e arte e o desafio de refazer a história encontrando a(s) verdade(s), leitmotiv muito próprio dos historiadores profissionais ou bissextos. Considerações finais: o barroco mineiro e seu significado a nível mundial A própria existência do Aleijadinho foi posta em dúvida, como se fosse impossível que, nestas longínquas paragens, vivesse um artista tão genial e profícuo. A esse respeito, Rezende (1965) reproduz parte do incisivo depoimento do professor Tabajara Pedroso sobre a inexistência do artista. “Assim como chegaram a duvidar da existência de um Shakespeare, em face do gigantesco de sua produção literária, houve também quem cismasse a respeito do Aleijadinho, achando demasiada a sua obra para ser de um só artista. Mas isso tanto aqui como lá, não passou de uma ardilosa e intempestiva cisma.” (Rezende, 1965, p. 49). Hoje em dia, a obra do Mestre Aleijadinho tem reconhecimento mundial, atraindo milhares de visitantes de todas as partes do mundo para essas distantes paragens montanhosas, onde se situam as principais cidades históricas mineiras. Por que motivo turistas europeus, tão acostumados a conviver com grandiosas obras históricas praticamente a cada esquina das cidades de seus países, viriam aportar aqui nesses sertões e montanhas para reverenciar as artes barrocas mineiras e seus mestres? JUL./DEZ.2004 Parte da resposta deixo para Mário de Andrade: “As igrejas de Aleijadinho não se acomodam com o apelativo belo, próprio à São Pedro de Roma, à catedral de Reims, à Batalha, ou à horrível São Marcos de Veneza. Mas são muito lindas, são bonitas como o quê. São dum sublime pequenino, dum equilíbrio, duma opureza tão bem arranjadinha e sossegada, que são feitas pra querer bem ou acarinhar, que nem na cantiga nordestina. São barrocas, não tem dúvida, mas sua lógica e equilíbrio de solução é tão perfeito que o jesuitismo enfeitador desaparece, o enfeite se aplica com uma naturalidade tamanha, que, se o estilo é barroco, o sentimento é renascente.” (JORGE, 1971, p. 63). Em outras palavras, há uma beleza muito própria na obra de Aleijadinho, que carece de comparações lineares e simplistas, e que certamente impressiona até mesmo aqueles acostumados a obras grandiosas. Acrescento outro aspecto que considero também muito próprio. Em Roma existe uma grande obra histórica em quase toda parte. Respira-se história e beleza a todo momento. Afinal, Roma foi o centro do mundo durante muitos séculos. Toda riqueza, arte, beleza, cultura e até uma religião inteira (a grega) para lá foram levadas, acumulando um acervo inigualável. Todos os caminhos levavam à Roma. Do outro lado, quase no fim do mundo, situavam-se as Minas Gerais, para onde não havia quase nenhum caminho, distante centenas de quilômetros do litoral, perdidas no interior de um país colonizado sob a égide do extrativismo. Pois foi nesse “fim de mundo” que se construiu e se conservou um patrimônio artístico-cultural lindo em si próprio — mesmo se posto em qualquer lugar do mundo — e absolutamente surpreendente, justamente por se situar em tão longínquas e inóspitas paragens. Do afamado construtor alemão de órgãos Arp Schenitger existem hoje cinco exemplares no mundo, um deles trazido no século XVIII para o Barsil, a seguir transportado em lombo de burro para a cidade de Mariana, que encanta e surpreende visitantes de todas as partes do mundo. É lindo por si próprio e surpreendente por estar logo aqui. A Igrejinha Nossa Senhora do Ó, de Sabará, retrata uma beleza singular do barroco mineiro, pequena e preciosa como uma pérola. O pequeno altar central traz uma obra-prima de criatividade, pois, ao se posicionar frente a ele, o visitante com os olhos semicerrados, vê nitidamente a imagem de Jesus Cristo, criativa e pacientemente elaborada para ser vislumbrada apenas dessa forma. Linda, criativa e surpreendente, estando logo ali. Entre grandes serras, com destaque para a do Caraça, ergueu-se em 1774 uma pequena ermida dedicada a Nossa Senhora, logo transformada em casa de romaria e, depois, num centro educacional, conhecido como o Colégio do Caraça, com proposta educacional ímpar para tão longínqua paragem. (Zico, 1982 e 1990) Centro de educação e de cultura, lindo, imponente em sua conjunção homem e religiosidade/arquitetura e natureza, e surpreendente por estar logo aqui, escondido dentre elevadas e inóspitas montanhas, como se fosse a própria porta do céu. Há muito de saga, força espiritual, criatividade, genialidade, além de sede, desejo e receptividade ao belo na construção paciente e paulatina desse incrível acervo histórico e cultural encravado entre as montanhas de Minas Gerais. Há muito de saga, força espiritual, criatividade, genialidade, além de sede, desejo e receptividade ao belo na construção paciente e paulatina desse incrível acervo histórico e cultural encravado entre as montanhas de Minas Gerais. Para terminar, faço um alerta a todos aqueles mineiros e brasileiros REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.61-68 – JUL./DEZ.2004 67 sensíveis ao apelo da mineiridade. Um jornal mineiro (O Tempo) publicou preocupante reportagem constando que a maioria dos belo-horizontinos desconhece Ouro Preto e seu patrimônio cultural. Daqui a nove anos, em 2014, estaremos vivenciando o bicentenário de morte de Aleijadinho. Faz-se necessário que essa fonte perene de beleza e cultura esteja cada vez mais disponível para todos. Uma nova retomada de valorização do que é nosso deve fazer parte do dia-a-dia, permeando, se possível, até mesmo nossas atividades e ambientes cotidianos, divulgando e enaltecendo nossa herança cultural, sempre em alto e bom som, pois esse é um dos poucos casos em que a vocação para o silêncio tão típica dos mineiros, não é recomendável. Referências ARRUDA, M. A. N. Minas: tempo e memória. Ciências Sociais Hoje, 1988, p. 219-237. São Paulo: Vértice/ Editora Revista dos Tribunais/ ANPOCS, 1988. BANDEIRA, M. Guia de Ouro Preto. Rio de Janeiro: Tecnoprint., 1939. CARVALHO, G. B. Qual era a doença de Aleijadinho? Belo Horizonte: Jornal da AMMG, 1998. CONTI, F. Como reconhecer a arte Barroca. Lisboa: Edições 70, 1986. FALCÃO, E. C. Nas paragens do Aleijadinho (Guia das Minas Gerais). São Paulo, 1955. FURTADO, T. A. O Aleijadinho e a medicina. Belo Horizonte: Cento de Estudos Mineiros da UFMG, 1970. GAMA, G. G. Os mistérios na vida de Aleijadinho. Belo Horizonte: Edições C. L. A., 2004. JORGE, F. O Aleijadinho. 5. ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971. MATA-MACHADO, B. N. História do sertão noroeste de Minas Gerais (1690-1930). Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1991. REZENDE, A. Lembrando Ouro Preto e Aleijadinho. Belo Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1965. TAPIÉ, V. L. O barroco. São Paulo: Cultrix: Editora da Universidade de São Paulo, 1983. ZICO, J. T. Caraça: parque natural e arquivo do colégio. Belo Horizonte: O Lutador, 1990. ZICO, J. T. Caraça: sua igreja e outras construções. Belo Horizonte: FUMARC/UCMG, 1983 68 REV. MIN. SAÚDE PÚB., A.3 , N.5 , P.61-68 – JUL./DEZ.2004 Instruções para colaboradores e normas para publicação 1. Objetivos A Revista Mineira de Saúde Pública é uma publicação semestral de caráter técnico-científico, destinada, prioritariamente, aos profissionais de saúde pública. rais, da Fundação Ezequiel Dias, da Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais, Agenda de Congressos e Cursos, Normas de Publicação. Editada pela Escola de Saúde Pública de Minas Gerais, da Fundação Ezequiel Dias, tem como objetivo a difusão do conhecimento em Saúde Pública e Coletiva. Visa, ainda, ao aprimoramento dos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), serve como veículo de discussão e educação continuada, numa abordagem interdisciplinar, além de estimular e divulgar temas e pesquisas na área. Presta-se, também, como veículo de divulgação de portarias, regimentos, resoluções da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais e do Ministério da Saúde, bem como de normas técnicas relativas aos programas de saúde desenvolvidos no Estado. 3. Modalidades dos trabalhos 2. Estruturação básica A revista obedece à seguinte estrutura: Editorial; Artigos Originais; Educação Continuada (atualização/revisão); Relato de Experiência; Relato de Caso; História da Saúde Pública; Livros e Revistas; Resumos de Teses e Dissertações; Comunicações da Escola de Saúde Pública de Minas Ge- Os trabalhos serão aceitos de acordo com as seguintes modalidades: 1. Artigos originais, que desenvolvam criação e crítica sobre ciência, tecnologia e arte da saúde, saúde pública, disciplinas e matérias afins (máximo 20 páginas); 2. Artigos de educação continuada (atualização/ revisão), que apresentem síntese atualizada do conhecimento disponível sobre ciência, tecnologia e arte da saúde, saúde pública, disciplinas e matérias afins e/ou revisão crítica sobre tema relevante para a saúde pública ou de atualização em tema controverso ou emergente (máximo 30 páginas); 3. Relatos de experiência/ caso, que apresentem experiência em saúde pública, ressaltando aspectos éticos, estratégicos, metodológicos e alertas de problemas usuais ou não, enfocando sua importância na atuação prática e apontando caminhos e comportamentos para sua condução (máximo 30 páginas); 4. Artigos sobre educação de profissionais da área de Saúde Pública, que 69 apresentem análise, estudo, relato, avaliação, inferência sobre a experiência didático-pedagógica em processos de educação de profissionais da área de saúde pública e disciplinas afins (máximo 30 páginas); 5. História da Saúde Pública, revelando o estudo crítico, filosófico, jornalístico, descritivo, comparativo ou não sobre fatos e personalidades que contribuíram para a história da saúde pública e de disciplinas afins (máximo 20 páginas); 6. Relatórios de reuniões ou oficinas de trabalho, realizadas para a discussão de temas relevantes para a saúde pública, com recomendações e conclusões (máximo 15 páginas); 7. Comentários, na forma de artigos de opinião, curtos, sobre temas específicos (máximo 15 páginas); 8. Relatórios de pesquisa (máximo 10 páginas); 9. Resenha de livros, artigos, dissertações e teses (máximo 10 páginas); 10. Notas de instituições mantenedoras. 4. Instruções gerais para colaboradores Os trabalhos devem ser preparados de acordo com os requisitos expostos no próximo item e apresentados por meio de carta ao Conselho Editorial da Revista Mineira de Saúde Pública. O endereço é Escola de Saúde Pública de Minas Gerais/Conselho Editorial da Revista Mineira de Saúde Pública; Avenida Augusto de Lima, 2.061, Barro Preto; 301.90002, Belo Horizonte/MG. O eletrônico, [email protected]. A carta ao Conselho Editorial deve explicitar que o manuscrito não foi publicado, parcial ou integralmente, nem submetido à publicação em outros periódicos, sendo assinada por todos os autores. Os autores de artigos originais, artigos de revisão e comentários devem responsabilizarse pela veracidade e ineditismo do trabalho. 70 Os textos serão submetidos à revisão de, pelo menos, dois relatores e serão aceitos para publicação, desde que aprovados pelo Conselho Editorial, que se reserva o direito de recusar trabalhos ou fazer sugestões (acordadas previamente com os autores) quanto à estruturação e redação. Será respeitado o que preconizam os Códigos de Ética de cada profissão, bem como a Resolução CFM 196/96, que dispõe sobre pesquisa com seres humanos. O anonimato de autores e conselheiros será preservado na avaliação dos artigos. Os trabalhos devem ser encaminhados em três cópias impressas, acompanhadas de disquete, ou pela Internet, no programa Word for Windows, versão 6.0 ou superior, letra “Times New Roman”, tamanho 12, entrelinha 1,5. Devem vir acompanhados de ofício de encaminhamento, contendo nome dos autores e endereço para correspondência, telefone, fax e e-mail. As figuras (gráficos, desenhos, fotografias, tabelas) devem ser enviadas separadamente, numeradas de acordo com a ordem em que irão figurar no texto, em arquivo digital com resolução de no mínimo 300 pontos por polegada, em formato original ao de sua confecção, indicando-se na margem do texto o ponto aproximado para sua inserção. Toda ilustração deve conter um título e a fonte de onde foi extraída, redigidos de forma clara. Estipula-se prazo de 60 dias para solicitação de errata. Os casos omissos serão resolvidos pelo Conselho Editorial. A publicação não se responsabiliza pelas opiniões emitidas pelos autores em seus artigos. 5. Apresentação dos artigos A redação obedece às Normas da ABNT (NBR-6021, 6222, 6023, 6024 e 6028). Os artigos podem ser redigidos em português, espanhol e inglês, digitados, página folha A4, com margens superior de 3 cm e inferior e laterais de 2 cm, respeitando-se o número máximo de páginas para cada modalidade de trabalho, incluindo anexos e referências bibliográficas. Medidas de comprimento, altura, peso e volume devem ser expressas em unidades do Sistema Métrico Decimal (metro, quilo, litro), seus múltiplos e submúltiplos. Temperaturas em graus Celsius. Valores de pressão arterial em milímetros de mercúrio. Abreviaturas e símbolos devem obedecer aos padrões internacionais. Ao empregar pela primeira vez uma abreviatura, esta deve ser precedida do termo completo, salvo tratandose de unidade de medida comum. Os artigos enviados devem ser apresentados na seqüência a seguir: Página de rosto Título do artigo: em português e inglês e/ou espanhol, em letras maiúsculas e sem abreviaturas. Nome(s) do(s) autor(es): por extenso com indicação da formação profissional, título(s) acadêmico(s), função que exerce(m) atualmente, nome da instituição a que pertence(m), telefone ou endereço eletrônico, em nota de rodapé. Resumos: em português e inglês e/ou espanhol, com no máximo 100 palavras. Palavras-chave: três ou quatro palavras-chave para identificação de conteúdo do trabalho. Resumo de dissertação ou tese, devem indicar, no rodapé da página de rosto, o ano e a instituição da argüição ou defesa ou o evento em que foi apresentado, se for o caso. Corpo do trabalho Resumo e Abstract: corresponde à versão ao inglês do resumo, seguida pelos unitermos (key-words). Introdução: exposição geral do tema, apresentação do problema, justificativa e objetivos, podendo incluir a revisão de literatura (exposição da informação sobre o tema, geralmente, em ordem cronológica). Desenvolvimento: núcleo do trabalho, com exposição, explicação e demonstração do assunto, incluindo metodologia (com descrição precisa e, quando indicado, também os procedimentos analíticos), resultados alcançados (podendo constar no máximo cinco tabelas e cinco figuras auto-explicativas) e discussão (podendo ser agregada à exposição dos resultados). Conclusão: parte final do trabalho, baseada nas evidências disponíveis e pertinentes ao objeto de estudo. Considerações finais, quando necessário. Agradecimentos (opcional): parágrafo à parte, depois do abstract e antes das referências, devendo-se limitar ao mínimo. Referências: listadas e numeradas em ordem alfabética ao final do trabalho, redigidas em espaço duplo. Os títulos dos periódicos, livros e editoras deverão ser apresentados por extenso, constando os nomes de todos os autores. As referências devem obedecer ao estilo e à pontuação das normas da ABNT. Considerações éticas: Parecer da Comissão Ética que aprovou o projeto original, quando pertinente. 71