Manuel Bandeira
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Manuel Bandeira
Manuel Bandeira 1 Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho nasceu no Recife no dia 19 de abril de 1886, na Rua da Ventura, atual Joaquim Nabuco, filho de Manuel Carneiro de Souza Bandeira e Francelina Ribeiro de Souza Bandeira. Em 1890 a família se transfere para o Rio de Janeiro e a seguir para Santos SP e, novamente, para o Rio de Janeiro. Passa dois verões em Petrópolis. Em 1892 a família volta para Pernambuco. Manuel Bandeira freqüenta o colégio das irmãs Barros Barreto, na Rua da Soledade, e, como semi-interno, o de Virgínio Marques Carneiro Leão, na Rua da Matriz. A família mais uma vez se muda do Recife para o Rio de Janeiro, em 1896, onde reside na Travessa Piauí, na Rua Senador Furtado e depois em Laranjeiras. Bandeira cursa o Externato do Ginásio Nacional (atual Colégio Pedro II). Tem como professores Silva Ramos, Carlos França, José Veríssimo e João Ribeiro. Entre seus colegas estão Sousa da Silveira e Antenor Nascentes. Em 1903 a família se muda para São Paulo onde Bandeira se matricula na Escola Politécnica, pretendendo tornar-se arquiteto. Estuda também, à noite, desenho e pintura com o arquiteto Domenico Rossi no Liceu de Artes e Ofícios. Começa ainda a trabalhar nos escritórios da Estrada de Ferro Sorocabana, da qual seu pai era funcionário. No final do ano de 1904, o autor fica sabendo que está tuberculoso, abandona suas atividades e volta para o Rio de Janeiro. Em busca de melhores climas para sua saúde, passa temporadas em diversas cidades: Campanha, Teresópolis, Maranguape, Uruquê, Quixeramobim. "... - O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado. - Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? - Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino." Em 1910 entra em um concurso de poesia da Academia Brasileira de Letras, que não confere o prêmio. Lê Charles de Guérin e toma conhecimento das rimas toantes que empregaria em Carnaval. Sob a influência de Apollinaire, Charles Cros e Mac-Fionna Leod, escreve seus primeiros versos livres,em 1912. A fim de se tratar no Sanatório de Clavadel, na Suíça, embarca em junho de 1913 para a Europa. No mesmo navio viajam Mme. Blank e suas duas filhas. No sanatório conhece Paul Eugène Grindel, que mais tarde adotaria o pseudônimo de Paul Éluard, e Gala, que se casaria com Éluard e depois com Salvador Dali. Em virtude da eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914, volta ao Brasil em outubro. Lê Goethe, Lenau e Heine (no sanatório reaprendera o alemão que havia estudado no ginásio). No Rio de Janeiro, reside na rua Nossa Senhora de Copacabana e na Rua Goulart. Em 1916 falece sua mãe, Francelina. No ano seguinte publica seu primeiro livro: A cinza das horas, numa edição de 200 exemplares custeada pelo autor. João Ribeiro escreve um artigo elogioso sobre o livro. Por causa de um hiato num verso do poeta mineiro Mário Mendes Campos, Manuel Bandeira desenvolve com o crítico Machado Sobrinho uma polêmica nas páginas do Correio de Minas, de Juiz de Fora. O autor perde a irmã, Maria Cândida de Souza Bandeira, que desde o início da doença do irmão, havia sido uma dedicada enfermeira, em 1918. No ano seguinte publica seu segundo livro, Carnaval, em edição custeada pelo autor. João Ribeiro elogia também este livro que desperta entusiasmo entre os paulistas iniciadores do modernismo. 2 O pai de Bandeira, Manuel Carneiro, falece em 1920. O poeta se muda da Rua do Triunfo, em Paula Matos, para a Rua Curvelo, 53 (hoje Dias de Barros), tornando-se vizinho de Ribeiro Couto. Numa reunião na casa de Ronald de Carvalho, em Copacabana, no ano de 1921, conhece Mário de Andrade. Estavam presentes, entre outros, Oswald de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda e Osvaldo Orico. Inicia então, em 1922, a se corresponder com Mário de Andrade. Bandeira não participa da Semana de Arte Moderna, realizada em fevereiro em são Paulo, no Teatro Municipal. Na ocasião, porém, Ronald de Carvalho lê o poema "Os Sapos", de "Carnaval". Meses depois Bandeira vai a São Paulo e conhece Paulo Prado, Couto de Barros, Tácito de Almeida, Menotti del Picchia, Luís Aranha, Rubens Borba de Morais, Yan de Almeida Prado. No Rio de Janeiro, passa a conviver com Jaime Ovalle, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Prudente de Morais, neto, Dante Milano. Colabora em Klaxon. Ainda nesse ano morre seu irmão, Antônio Ribeiro de Souza Bandeira. Em 1924 publica, às suas expensas, Poesias, que reúne A Cinza das Horas, Carnaval e um novo livro, O Ritmo Dissoluto. Colabora no "Mês Modernista", série de trabalhos de modernistas publicado pelo jornal A Noite, em 1925. Escreve crítica musical para a revista A Idéia Ilustrada. Escreve também sobre música para Ariel, de São Paulo. A serviço de uma empresa jornalística, em 1926 viaja para Pouso Alto, Minas Gerais, onde na casa de Ribeiro Couto conhece Carlos Drummond de Andrade. Viaja a Salvador, Recife, Paraíba (atual João Pessoa), Fortaleza, São Luís e Belém. No ano seguinte continua viajando: vai a Belo Horizonte, passando pelas cidades históricas de Minas Gerais, e a São Paulo. Viaja a Recife, como fiscal de bancas examinadoras de preparatórios. Inicia uma colaboração semanal de crônicas no Diário Nacional, de São Paulo, e em A Província, de Recife, dirigido por Gilberto Freyre. Colabora na Revista de Antropofagia. 1930 marca a publicação de Libertinagem, em edição como sempre custeada pelo autor. Muda-se, em 1933, da Rua do Curvelo para a Rua Morais e Vale, na Lapa. É nomeado, no ano de 1935, pelo Ministro Gustavo Capanema, inspetor de ensino secundário. Grandes comemorações marcam os cinqüenta anos do poeta, em 1936, entre as quais a publicação de Homenagem a Manuel Bandeira, livro com poemas, estudos críticos e comentários, de autoria dos principais escritores brasileiros. Publica Estrela da Manhã (com papel presenteado por Luís Camilo de Oliveira Neto e contribuição de subscritores) e Crônicas da Província do Brasil. Recebe o prêmio da Sociedade Filipe de Oliveira por conjunto de obra, em 1937, e publica Poesias Escolhidas e Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Romântica. No ano seguinte é nomeado professor de literatura do Colégio Pedro II e membro do Conselho Consultivo do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Publica Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Parnasiana e Guia de Ouro Preto. Em 1940 é eleito para a Academia Brasileira de Letras, na vaga de Luís Guimarães Filho. Toma posse em 30 de novembro, sendo saudado por Ribeiro Couto. Publica Poesias Completas, com a inclusão da Lira dos Cinqüent'Anos (também esta edição foi custeada pelo autor). Publica ainda Noções de História das Literaturas e, em separata da Revista do Brasil, A Autoria das Cartas Chilenas. Começa a fazer crítica de artes plásticas em A Manhã, em 1941, no Rio de Janeiro. No ano seguinte é nomeado membro da Sociedade Filipe de Oliveira. Muda-se para o Edifício Maximus, na Praia do Flamengo. Organiza a edição dos Sonetos Completos e Poemas Escolhidos de Antero de Quental. Nomeado professor de literatura hispano-americana da Faculdade Nacional de Filosofia, em 1943, deixa o Colégio Pedro II. Muda-se, em 1944, para o Edifício São Miguel, na Avenida Beira-Mar, 3 apartamento 409. Publica Obras Poéticas de Gonçalves Dias, edição crítica e comentada. No ano seguinte publica Poemas Traduzidos, com ilustrações de Guignard. Recebe o prêmio de poesia do IBEC por conjunto de obra, em 1946. Publica Apresentação da Poesia Brasileira e Antologia dos Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos. Em 1948 são reeditados três de seus livros: Poesias Completas, com acréscimo de Belo Belo; Poesias Escolhidas e Poemas Traduzidos. Publica Mafuá do Malungo (impresso em Barcelona por João Cabral de Melo Neto) e organiza uma edição crítica das Rimas de João Albano. No ano seguinte publica Literatura Hispano-Americana e traduz O Auto Sacramental do Divino Narciso de Sóror Juana Inés de la Cruz. A pedido de amigos, apenas para compor a chapa, candidata-se a deputado pelo Partido Socialista Brasileiro, em 1950, sabendo que não tem quaisquer chances de eleger-se. No ano seguinte publica Opus 10 e a biografia de Gonçalves Dias. É operado de cálculos no ureter. Muda-se, em 1953, para o apartamento 806 do mesmo edifício da Avenida Beira-Mar. No ano de 1954 publica Itinerário de Pasárgada e De Poetas e de Poesia. Faz conferência no Teatro Municipal do Rio de Janeiro sobre Mário de Andrade. Publica 50 Poemas Escolhidos pelo Autor, em 1955. Traduz Maria Stuart, de Schiler, encenado no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em junho, inicia colaboração como cronista no Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, e na Folha da Manhã, de São Paulo. Faz conferência sobre Francisco Mignone no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Traduz Macbeth, de Shakespeare, e La Machine Infernale, de Jean Cocteau, em 1956. É aposentado compulsoriamente, por motivos da idade, como professor de literatura hispanoamericana da Faculdade Nacional de Filosofia. Traduz as peças Juno and the Paycock, de Sean O'Casey, e The Rainmaker, de N. Richard Nash, em 1957. Nesse ano, publica Flauta de Papel. Em julho visita para a Europa, visitando Londres, Paris, e algumas cidades da Holanda. Retorna ao Brasil em novembro. Escreve, até 1961, crônicas bissemanais para o Jornal do Brasil e a Folha de São Paulo. Em 1958, publica Gonçalves Dias, na coleção "Nossos Clássicos" da Editora Agir. Traduz a peça Colóquio-Sinfonieta, de Jean Tardieu. Publicada pela Aguilar, sai em dois volumes sua obra completa -- Poesia e Prosa. No ano seguinte traduz The Matchmaker (A Casamenteira), de Thorton Wilder. A Sociedade dos Cem Bibliófilos publica Pasárgada, volume de poemas escolhidos, com ilustrações de Aldemir Martins. Em 1960 traduz o drama D. Juan Tenório, de Zorrilla. Pela Editora Dinamene, da Bahia, saem em edição artesanal Estrela da Tarde e uma seleção de poemas de amor intitulada Alumbramentos. Sai na França, pela Pierre Seghers, Poèmes, antologia de poemas de Manuel Bandeira em tradução de Luís Aníbal Falcão, F. H. Blank-Simon e do próprio autor. No ano seguinte traduz Mireille, de Fréderic Mistral. Começa a escrever crônicas semanais para o programa "Quadrante" da Rádio Ministério da Educação. Em 1962 traduz o poema Prometeu e Epimeteu de Carl Spitteler. Escreve para a Editora El Ateneo, em 1963, biografias de Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire e Castro Alves. A Editora das Américas edita Poesia e Vida de Gonçalves Dias. Traduz a peça Der Kaukasische Kreide Kreis, de Bertold Brecht. Escreve crônicas para o programa "Vozes da Cidade" da Rádio Roquette-Pinto, algumas das quais lidas por ele próprio, com o título "Grandes Poetas do Brasil". 4 Traduz as peças O Advogado do Diabo, de Morris West, e Pena Ela Ser o Que É, de John Ford. Sai nos EUA, pela Charles Frank Publications, A Brief History of Brazilian Literature (tradução, introdução e notas de R. E. Dimmick), em 1964. No ano de 1965 traduz as peças Os Verdes Campos do Eden, de Antonio Gala. A Fogueira Feliz, de J. N.Descalzo, e Edith Stein na Câmara de Gás de Frei Gabriel Cacho. Sai na França, pela Pierre Seghers, na coleção "Poètes d'Aujourd'hui", o volume Manuel Bandeira, com estudo, seleção de textos, tradução e bibliografia por Michel Simon. Comemora 80 anos, em 1966, recebendo muitas homenagens. A Editora José Olympio realiza em sua sede uma festa de que participam mais de mil pessoas e lança os volumes Estrela da Vida Inteira (poesias completas e traduções de poesia) e Andorinha Andorinha (seleção de textos em prosa, organizada por Carlos Drummond de Andrade). Compra uma casa em Teresópolis, a única de sua propriedade ao longo de toda sua vida. Com problemas de saúde, Manuel Bandeira deixa seu apartamento da Avenida Beira-Mar e se transfere para o apartamento da Rua Aires Saldanha, em Copacabana, de Maria de Lourdes Heitor de Souza, sua companheira dos últimos anos. No dia 13 de outubro de 1968, às 12 horas e 50 minutos, morre o poeta Manuel Bandeira, no Hospital Samaritano, em Botafogo, sendo sepultado no Mausoléu da Academia Brasileira de Letras, no Cemitério São João Batista. Bibliografia: Poesia: - A Cinza das Horas - Jornal do Comércio - Rio de Janeiro, 1917 (Edição do Autor) - Carnaval - Rio de janeiro,1919 (Edição do Autor) - Poesias (acrescida de O Ritmo Dissoluto) - Rio de Janeiro, 1924 - Libertinagem - Rio de Janeiro, 1930 (Edição do Autor) - Estrela da Manhã - Rio de Janeiro, 1936 (Edição do Autor) - Poesias Escolhidas - Rio de Janeiro, 1937 - Poesias Completas acrescida de Lira dos cinqüent'anos) - Rio de Janeiro, 1940 (Edição do Autor) - Poemas Traduzidos - Rio de Janeiro, 1945 - Mafuá do Malungo - Barcelona, 1948 (Editor João Cabral de Melo Neto) - Poesias Completas (com Belo Belo) - Rio de Janeiro, 1948 - Opus 10 - Niterói - 1952 - 50 Poemas Escolhidos pelo Autor - Rio de Janeiro, 1955 - Poesias completas (acrescidas de Opus 10) - Rio de Janeiro, 1955 - Poesia e prosa completa (acrescida de Estrela da Tarde), Rio de Janeiro, 1958 - Alumbramentos - Rio de Janeiro, 1960 - Estrela da Tarde - Rio de Janeiro, 1960 - Estrela a vida inteira, Rio de Janeiro, 1966 (edição em homenagem aos 80 anos do poeta). - Manuel Bandeira - 50 poemas escolhidos pelo autor - Rio de Janeiro, 2006. Prosa: - Crônicas da Província do Brasil - Rio de Janeiro, 1936 - Guia de Ouro Preto, Rio de Janeiro, 1938 - Noções de História das Literaturas - Rio de Janeiro, 1940 - Autoria das Cartas Chilenas - Rio de Janeiro, 1940 - Apresentação da Poesia Brasileira - Rio de Janeiro, 1946 - Literatura Hispano-Americana - Rio de Janeiro, 1949 - Gonçalves Dias, Biografia - Rio de Janeiro, 1952 5 - Itinerário de Pasárgada - Jornal de Letras, Rio de Janeiro, 1954 - De Poetas e de Poesia - Rio de Janeiro, 1954 - A Flauta de Papel - Rio de Janeiro, 1957 - Itinerário de Pasárgada - Livraria São José - Rio de Janeiro, 1957 - Prosa - Rio de Janeiro, 1958 - Andorinha, Andorinha - José Olympio - Rio de Janeiro, 1966 - Itinerário de Pasárgada - Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1966 - Colóquio Unilateralmente Sentimental - Editora Record - RJ, 1968 - Seleta de Prosa - Nova Fronteira - RJ - Berimbau e Outros Poemas - Nova Fronteira - RJ Antologias: - Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Romântica, N. Fronteira, RJ - Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Parnasiana - N. Fronteira, RJ - Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Moderna - Vol. 1, N. Fronteira, RJ - Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Moderna - Vol. 2, N. Fronteira, RJ - Antologia dos Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos, N. Fronteira, RJ - Antologia dos Poetas Brasileiros - Poesia Simbolista, N. Fronteira, RJ - Antologia Poética - Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1961 - Poesia do Brasil - Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1963 - Os Reis Vagabundos e mais 50 crônicas - Editora do Autor, RJ, 1966 - Manuel Bandeira - Poesia Completa e Prosa, Ed. Nova Aguilar, RJ - Antologia Poética (nova edição), Editora N. Fronteira, 2001 Em conjunto: - Quadrante 1 - Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1962 (com Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Dinah Silveira de Queiroz, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga) - Quadrante 2 - Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1963 (com Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Dinah Silveira de Queiroz, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga) - Quatro Vozes - Editora Record - Rio de Janeiro, 1998 (com Carlos Drummond de Andrade, Rachel de Queiroz e Cecília Meireles) - Elenco de Cronistas Modernos - Ed. José Olympio - RJ (com Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga - O Melhor da Poesia Brasileira 1 - Ed. José Olympio - Rio de Janeiro (com Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto) - Os Melhores Poemas de Manuel Bandeira (seleção de Francisco de A. Barbosa) - Editora Global - Rio de Janeiro) Seleção e Organização: - Sonetos Completos e Poemas Escolhidos de Antero de Quental - Obras Poéticas de Gonçalves Dias, 1944 - Rimas de José Albano, 1948 - Cartas a Manuel Bandeira, de Mário de Andrade, 1958 Multimídia: 6 - CD "Manuel Bandeira: O Poeta de Botafogo" - Gravações inéditas feitas pelo poeta e por Lauro Moreira, tendo como fundo musical peças de Camargo Guarnieri interpretadas pelo pianista Belkiss Carneiro Mendonça, 2005. Sobre o Autor: - Homenagem a Manuel Bandeira, 1936 - Homenagem a Manuel Bandeira (edição fac-similar), 1986 - Bandeira a Vida Inteira - Edições Alumbramento, Rio de Janeiro, 1986 (com um disco contendo poemas lidos pelo autor). Dados obtidos em livros de Manuel Bandeira, e nas publicações "Homenagem a Manuel Bandeira" e "Bandeira a Vida Inteira", na Academia Brasileira de Letras e na Internet. 7 Auto-retrato Manuel Bandeira Provinciano que nunca soube Escolher bem uma gravata; Pernambucano a quem repugna A faca do pernambucano; Poeta ruim que na arte da prosa Envelheceu na infância da arte, E até mesmo escrevendo crônicas Ficou cronista de província; Arquiteto falhado, músico Falhado (engoliu um dia Um piano, mas o teclado Ficou de fora); sem família, Religião ou filosofia; Mal tendo a inquietação de espírito Que vem do sobrenatural, E em matéria de profissão Um tísico profissional. Vou-me Embora pra Pasárgada Manuel Bandeira Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconseqüente Que Joana a Louca de Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que nunca tive 8 E como farei ginástica Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado Deito na beira do rio Mando chamar a mãe-d'água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora pra Pasárgada Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcalóide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar — Lá sou amigo do rei — 9 Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada. Texto extraído do livro "Bandeira a Vida Inteira", Editora Alumbramento – Rio de Janeiro, 1986, pág. 90 A Espada de Ouro Manuel Bandeira Excelentíssimo General Henrique Duffles Teixeira Lott, A espada de ouro que, por escote, Os seus cupinchas lhe vão brindar, Não vale nada (não leve a mal Que assim lhe fale) se comparada Com a velha espada De aço forjada, Como as demais. Espadas estas Que a Pátria pobre, de mãos honestas, Dá a seus soldados e generais. Seu aço limpo vem das raízes Batalhadoras da nossa história: Aço que fala dos que, felizes, Tombaram puros no chão da glória! O ouro da outra é ouro tirado, Ouro raspado Pelas mãos sujas da pelegada Do bolso gordo dos salafrários Do bolso raso dos operários. É ouro sinistro, Ouro mareado: Mancha o Ministro, Mancha o Soldado. Texto extraído do livro "Antologia de Humorismo e Sátira", seleção de R. Magalhães Júnior, Editora Civilização Brasilleira - Rio de Janeiro,1957, pág. 257. Carta-Poema Manuel Bandeira Excelentíssimo Prefeito Senhor Hildebrando de Góis, Permiti que, rendido o preito 10 A que fazeis jus por quem sois, Um poeta já sexagenário, Que não tem outra aspiração Senão viver de seu salário Na sua limpa solidão, Peça vistoria e visita A este pátio para onde dá O apartamento que ele habita No Castelo há dois anos já. É um pátio, mas é via pública, E estando ainda por calçar, Faz a vergonha da República Junto à Avenida Beira-Mar! Indiferentes ao capricho Das posturas municipais, A ele jogam todo o seu lixo Os moradores sem quintais. Que imundície! Tripas de peixe, Cascas de fruta e ovo, papéis... Não é natural que me queixe? Meu Prefeito, vinde e vereis! Quando chove, o chão vira lama: São atoleiros, lodaçais, Que disputam a palma à fama Das velhas maremas letais! A um distinto amigo europeu Disse eu: — Não é no Paraguai Que fica o Grande Chaco, este é o Grande Chaco! Senão, olhai! Excelentíssimo Prefeito Hildebrando Araújo de Góis A quem humilde rendo preito, Por serdes vós, senhor, quem sois! Mandai calçar a via pública Que, sendo um vasto lagamar, Faz a vergonha da República Junto à Avenida Beira-Mar! 11 Poema extraído do livro "Manuel Bandeira - Antologia Poética", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 2001, pág. 221. Rondó dos Cavalinhos Manuel Bandeira Os cavalinhos correndo, E nós, cavalões, comendo... Tua beleza, Esmeralda, Acabou me enlouquecendo. Os cavalinhos correndo, E nós, cavalões, comendo... O sol tão claro lá fora E em minhalma — anoitecendo! Os cavalinhos correndo, E nós, cavalões, comendo... Alfonso Reys partindo, E tanta gente ficando... Os cavalinhos correndo, E nós, cavalões, comendo... A Itália falando grosso, A Europa se avacalhando... Os cavalinhos correndo, E nós, cavalões, comendo... O Brasil politicando, Nossa! A poesia morrendo... O sol tão claro lá fora, O sol tão claro, Esmeralda, E em minhalma — anoitecendo! Consta que o poema acima, feito durante a "II Grande Guerra", foi escrito enquanto o autor almoçava no Jóquei-Clube do Rio de Janeiro, assistindo às corridas. Extraído do livro "Manuel Bandeira - Antologia Poética", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 2001, pág. 104. Canto de Natal Manuel Bandeira O nosso menino Nasceu em Belém. Nasceu tão-somente 12 Para querer bem. Nasceu sobre as palhas O nosso menino. Mas a mãe sabia Que ele era divino. Vem para sofrer A morte na cruz, O nosso menino. Seu nome é Jesus. Por nós ele aceita O humano destino: Louvemos a glória De Jesus menino. A poesia acima foi extraída da "Antologia Poética - Manuel Bandeira", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 2001, pág. 137. Testamento Manuel Bandeira O que não tenho e desejo É que melhor me enriquece. Tive uns dinheiros — perdi-os... Tive amores — esqueci-os. Mas no maior desespero Rezei: ganhei essa prece. Vi terras da minha terra. Por outras terras andei. Mas o que ficou marcado No meu olhar fatigado, Foram terras que inventei. Gosto muito de crianças: Não tive um filho de meu. Um filho!... Não foi de jeito... Mas trago dentro do peito Meu filho que não nasceu. 13 Criou-me, desde eu menino Para arquiteto meu pai. Foi-se-me um dia a saúde... Fiz-me arquiteto? Não pude! Sou poeta menor, perdoai! Não faço versos de guerra. Não faço porque não sei. Mas num torpedo-suicida Darei de bom grado a vida Na luta em que não lutei! (29 de janeiro de 1943) Poesia extraída do livro "Antologia Poética - Manuel Bandeira", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 2001, pág. 126. Carlos Drummond de Andrade Manuel Bandeira Louvo o Padre, louvo o Filho, O Espírito Santo louvo. Isto feito, louvo aquele Que ora chega aos sessent'anos E no meio de seus pares Prima pela qualidade: O poeta lúcido e límpido Que é Carlos Drummond de Andrade. Prima em Alguma Poesia, Prima no Brejo das Almas Prima em Rosa do Povo, No Sentimento do Mundo. (Lírico ou participante, Sempre é poeta de verdade Esse homem lépido e limpo Que é Carlos Drummond de Andrade). Como é o fazendeiro do ar, O obscuro enigma dos astros Intui, capta em claro enigma. Claro, alto e raro. De resto Ponteia em viola de bolso Inteiramente à vontade O poeta diverso e múltiplo Que é Carlos Drummond de Andrade. Louvo o Padre, o Filho, o Espírito Santo, e após outra Trindade Louvo: o homem, o poeta, o amigo Que é Carlos Drummond de Andrade. 14 Texto extraído do livro "Antologia Poética - Manuel Bandeira", Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro, 2001, pág. 183. Profundamente Por Manuel Bandeira Quando ontem adormeci Na noite de São João Havia alegria e rumor Estrondos de bombas luzes de Bengala Vozes, cantigas e risos Ao pé das fogueiras acesas. No meio da noite despertei Não ouvi mais vozes nem risos Apenas balões Passavam, errantes Silenciosamente Apenas de vez em quando O ruído de um bonde Cortava o silêncio Como um túnel. Onde estavam os que há pouco Dançavam Cantavam E riam Ao pé das fogueiras acesas? — Estavam todos dormindo Estavam todos deitados Dormindo Profundamente. * Quando eu tinha seis anos Não pude ver o fim da festa de São João Porque adormeci Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo Minha avó Meu avô Totônio Rodrigues Tomásia Rosa Onde estão todos eles? — Estão todos dormindo Estão todos deitados Dormindo Profundamente. 15 Texto extraído do livro "Antologia Poética - Manuel Bandeira", Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro, 2001, pág. 81. O último poema Manuel Bandeira Assim eu quereria meu último poema Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos A paixão dos suicidas que se matam sem explicação. Poema extraído do livro " Manuel Bandeira — 50 poemas escolhidos pelo autor", Ed. Cosac Naify – São Paulo, 2006, pág. 35. Belo Belo I Manuel Bandeira Belo belo belo, Tenho tudo quanto quero. Tenho o fogo de constelações extintas há milênios. E o risco brevíssimo — que foi? passou — de tantas estrelas cadentes. A aurora apaga-se, E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora. O dia vem, e dia adentro Continuo a possuir o segredo grande da noite. Belo belo belo, Tenho tudo quanto quero. Não quero o êxtase nem os tormentos. Não quero o que a terra só dá com trabalho. As dádivas dos anjos são inaproveitáveis: Os anjos não compreendem os homens. Não quero amar, 16 Não quero ser amado. Não quero combater, Não quero ser soldado. — Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples. De Estrela da Vida Inteira, Ed. Nova Fronteira Belo Belo II Manuel Bandeira Belo belo minha bela Tenho tudo que não quero Não tenho nada que quero Não quero óculos nem tosse Nem obrigação de voto Quero quero Quero a solidão dos píncaros A água da fonte escondida A rosa que floresceu Sobre a escarpa inacessível A luz da primeira estrela Piscando no lusco-fusco Quero quero Quero dar a volta ao mundo Só num navio de vela Quero rever Pernambuco Quero ver Bagdá e Cusco Quero quero Quero o moreno de Estela Quero a brancura de Elisa Quero a saliva de Bela Quero as sardas de Adalgisa Quero quero tanta coisa Belo belo Mas basta de lero-lero Vida noves fora zero. Petrópolis, fevereiro de 1947 De Estrela da Vida Inteira, Ed. Nova Fronteira A morte absoluta Manuel Bandeira Morrer. Morrer de corpo e de alma. Completamente. Morrer sem deixar o triste despojo da carne, A exangue máscara de cera, 17 Cercada de flores, Que apodrecerão - felizes! - num dia, Banhada de lágrimas Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte. Morrer sem deixar porventura uma alma errante... A caminho do céu? Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu? Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra, A lembrança de uma sombra Em nenhum coração, em nenhum pensamento, Em nenhuma epiderme. Morrer tão completamente Que um dia ao lerem o teu nome num papel Perguntem: "Quem foi?..." Morrer mais completamente ainda, - Sem deixar sequer esse nome. O anel de vidro Manuel Bandeira Aquele pequenino anel que tu me deste, – Ai de mim – era vidro e logo se quebrou] Assim também o eterno amor que prometeste, - Eterno! era bem pouco e cedo se acabou. Frágil penhor que foi do amor que me tiveste, Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, – Aquele pequenino anel que tu me deste, – Ai de mim – era vidro e logo se quebrou] Não me turbou, porém, o despeito que investe Gritando maldições contra aquilo que amou. De ti conservo no peito a saudade celeste] Como também guardei o pó que me ficou Daquele pequenino anel que tu me deste] Paisagem noturna Manuel Bandeira A sombra imensa, a noite infinita enche o vale . . . E lá do fundo vem a voz Humilde e lamentosa 18 Dos pássaros da treva. Em nós, — Em noss'alma criminosa, O pavor se insinua . . . Um carneiro bale. Ouvem-se pios funerais. Um como grande e doloroso arquejo Corta a amplidão que a amplidão continua . . . E cadentes, metálicos, pontuais, Os tanoeiros do brejo, — Os vigias da noite silenciosa, Malham nos aguaçais. Pouco a pouco, porém, a muralha de treva Vai perdendo a espessura, e em breve se adelgaça Como um diáfano crepe, atrás do qual se eleva A sombria massa Das serranias. O plenilúnio via romper . . . Já da penumbra Lentamente reslumbra A paisagem de grandes árvores dormentes. E cambiantes sutis, tonalidades fugidias, Tintas deliqüescentes Mancham para o levante as nuvens langorosas. Enfim, cheia, serena, pura, Como uma hóstia de luz erguida no horizonte, Fazendo levantar a fronte Dos poetas e das almas amorosas, Dissipando o temor nas consciências medrosas E frustrando a emboscada a espiar na noite escura, — A Lua Assoma à crista da montanha. Em sua luz se banha A solidão cheia de vozes que segredam . . . Em voluptuoso espreguiçar de forma nua As névoas enveredam No vale. São como alvas, longas charpas Suspensas no ar ao longe das escarpas. Lembram os rebanhos de carneiros Quando, Fugindo ao sol a pino, Buscam oitões, adros hospitaleiros E lá quedam tranqüilos ruminando . . . Assim a névoa azul paira sonhando . . . As estrelas sorriem de escutar As baladas atrozes Dos sapos. E o luar úmido . . . fino . . . 19 Amávico . . . tutelar . . . Anima e transfigura a solidão cheia de vozes . . . Teresópolis, 1912 O inútil luar Manuel Bandeira É noite. A Lua, ardente e terna, Verte na solidão sombria A sua imensa, a sua eterna Melancolia . . . Dormem as sombras na alameda Ao longo do ermo Piabanha. E dele um ruído vem de seda Que se amarfanha . . . No largo, sob os jambolanos, Procuro a sombra embalsamada. (Noite, consolo dos humanos! Sombra sagrada!) Um velho senta-se ao meu lado. Medita. Há no seu rosto uma ânsia . . . Talvez se lembre aqui, coitado! De sua infância. Ei-lo que saca de um papel . . . Dobra-o direito, ajusta as pontas, E pensativo, a olhar o anel, Faz umas contas . . . Com outro moço que se cala, Fala um de compleição raquítica. Presto atenção ao que ele fala: — É de política. Adiante uma senhora magra, Em ampla charpa que a modela, Lembra uma estátua de Tanagra. E, junto dela, Outra a entretém, a conversar: — "Mamãe não avisou se vinha. Se ela vier, mando matar Uma galinha." 20 E embalde a Lua, ardente e terna, Verte na solidão sombria A sua imensa, a sua eterna Melancolia . . . Enquanto a chuva cai Manuel Bandeira A chuva cai. O ar fica mole . . . Indistinto . . . ambarino . . . gris . . . E no monótono matiz Da névoa enovelada bole A folhagem como o bailar. Torvelinhai, torrentes do ar! Cantai, ó bátega chorosa, As velhas árias funerais. Minh'alma sofre e sonha e goza À cantilena dos beirais. Meu coração está sedento De tão ardido pelo pranto. Dai um brando acompanhamento À canção do meu desencanto. Volúpia dos abandonados . . . Dos sós . . . — ouvir a água escorrer, Lavando o tédio dos telhados Que se sentem envelhecer . . . Ó caro ruído embalador, Terno como a canção das amas! Canta as baladas que mais amas, Para embalar a minha dor! A chuva cai. A chuva aumenta. Cai, benfazeja, a bom cair! Contenta as árvores! Contenta As sementes que vão abrir! Eu te bendigo, água que inundas! Ó água amiga das raízes, Que na mudez das terras fundas Às vezes são tão infelizes! 21 E eu te amo! Quer quando fustigas Ao sopro mau dos vendavais As grandes árvores antigas, Quer quando mansamente cais. É que na tua voz selvagem, Voz de cortante, álgida mágoa, Aprendi na cidade a ouvir Como um eco que vem na aragem A estrugir, rugir e mugir, O lamento das quedas-d'água! Os sapos Manuel Bandeira Enfunando os papos, Saem da penumbra, Aos pulos, os sapos. A luz os deslumbra. Em ronco que aterra, Berra o sapo-boi: — "Meu pai foi à guerra!" — "Não foi!" — "Foi!" — "Não foi!". O sapo-tanoeiro, Parnasiano aguado, Diz: — "Meu cancioneiro É bem martelado. Vede como primo Em comer os hiatos! Que arte! E nunca rimo Os termos cognatos! O meu verso é bom Frumento sem joio Faço rimas com Consoantes de apoio. Vai por cinqüenta anos Que lhes dei a norma: Reduzi sem danos A formas a forma. Clame a saparia 22 Em críticas céticas: Não há mais poesia, Mas há artes poéticas . . ." Urra o sapo-boi: — "Meu pai foi rei" — "Foi!" — "Não foi!" — "Foi!" — "Não foi!" Brada em um assomo O sapo-tanoeiro: — "A grande arte é como Lavor de joalheiro. Ou bem de estatuário. Tudo quanto é belo, Tudo quanto é vário, Canta no martelo." Outros, sapos-pipas (Um mal em si cabe), Falam pelas tripas: — "Sei!" — "Não sabe!" — "Sabe!". Longe dessa grita, Lá onde mais densa A noite infinita Verte a sombra imensa; Lá, fugindo ao mundo, Sem glória, sem fé, No perau profundo E solitário, é Que soluças tu, Transido de frio, Sapo-cururu Da beira do rio 1918 Debussy Manuel Bandeira Para cá, para lá . . . Para cá, para lá . . . Um novelozinho de linha . . . Para cá, para lá . . . 23 Para cá, para lá . . . Oscila no ar pela mão de uma criança (Vem e vai . . .) Que delicadamente e quase a adormecer o balança — Psio . . . — Para cá, para lá . . . Para cá e . . . — O novelozinho caiu. O menino doente Manuel Bandeira O menino dorme. Para que o menino Durma sossegado, Sentada ao seu lado A mãezinha canta: — "Dodói, vai-te embora! "Deixa o meu filhinho, "Dorme . . . dorme . . . meu . . ." Morta de fadiga, Ela adormeceu. Então, no ombro dela, Um vulto de santa, Na mesma cantiga, Na mesma voz dela, Se debruça e canta: — "Dorme, meu amor. "Dorme, meu benzinho . . . " E o menino dorme. Meninos carvoeiros Manuel Bandeira Os meninos carvoeiros Passam a caminho da cidade. — Eh, carvoero! E vão tocando os animais com um relho enorme. Os burros são magrinhos e velhos. Cada um leva seis sacos de carvão de lenha. A aniagem é toda remendada. Os carvões caem. (Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe, dobrando-se com um gemido.) 24 — Eh, carvoero! Só mesmo estas crianças raquíticas Vão bem com estes burrinhos descadeirados. A madrugada ingênua parece feita para eles . . . Pequenina, ingênua miséria! Adoráveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincásseis! —Eh, carvoero! Quando voltam, vêm mordendo num pão encarvoado, Encarapitados nas alimárias, Apostando corrida, Dançando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos desamparados. Petrópolis, 1921 Noite morta Manuel Bandeira Noite morta. Junto ao poste de iluminação Os sapos engolem mosquitos. Ninguém passa na estrada. Nem um bêbado. No entanto há seguramente por ela uma procissão de sombras. Sombras de todos os que passaram. Os que ainda vivem e os que já morreram. O córrego chora. A voz da noite . . . (Não desta noite, mas de outra maior.) Petrópolis, 1921 Balõezinhos Manuel Bandeira Na feira do arrabaldezinho Um homem loquaz apregoa balõezinhos de cor: 25 — "O melhor divertimento para as crianças!" Em redor dele há um ajuntamento de menininhos pobres, Fitando com olhos muito redondos os grandes balõezinhos muito redondos. No entanto a feira burburinha. Vão chegando as burguesinhas pobres, E as criadas das burguesinhas ricas, E mulheres do povo, e as lavadeiras da redondeza. Nas bancas de peixe, Nas barraquinhas de cereais, Junto às cestas de hortaliças O tostão é regateado com acrimônia. Os meninos pobres não vêem as ervilhas tenras, Os tomatinhos vermelhos, Nem as frutas, Nem nada. Sente-se bem que para eles ali na feira os balõezinhos de cor são a única mercadoria útil e verdadeiramente indispensável. O vendedor infatigável apregoa: — "O melhor divertimento para as crianças!" E em torno do homem loquaz os menininhos pobres fazem um círculo inamovível de desejo e espanto. Irene no céu Manuel Bandeira Irene preta Irene boa Irene sempre de bom humor. Imagino Irene entrando no céu: — Licença, meu branco! E São Pedro bonachão: — Entra, Irene. Você não precisa pedir licença. Pardalzinho Manuel Bandeira O pardalzinho nasceu Livre. Quebraram-lhe a asa. Sacha lhe deu uma casa, Água, comida e carinhos. 26 Foram cuidados em vão: A casa era uma prisão, O pardalzinho morreu. O corpo Sacha enterrou No jardim; a alma, essa voou Para o céu dos passarinhos! Petrópolis, 10-3-1943 O bicho Manuel Bandeira Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem. Rio, 27 de dezembro de 1947 Cotovia Manuel Bandeira — Alô, cotovia! Aonde voaste, Por onde andaste, Que saudades me deixaste? — Andei onde deu o vento. Onde foi meu pensamento Em sítios, que nunca viste, De um país que não existe . . . Voltei, te trouxe a alegria. — Muito contas, cotovia! E que outras terras distantes 27 Visitaste? Dize ao triste. — Líbia ardente, Cítia fria, Europa, França, Bahia . . . — E esqueceste Pernambuco, Distraída? — Voei ao Recife, no Cais Pousei na Rua da Aurora. — Aurora da minha vida Que os anos não trazem mais! — Os anos não, nem os dias, Que isso cabe às cotovias. Meu bico é bem pequenino Para o bem que é deste mundo: Se enche com uma gota de água. Mas sei torcer o destino, Sei no espaço de um segundo Limpar o pesar mais fundo. Voei ao Recife, e dos longes Das distâncias, aonde alcança Só a asa da cotovia, — Do mais remoto e perempto Dos teus dias de criança Te trouxe a extinta esperança, Trouxe a perdida alegria. Arte de amar Manuel Bandeira Se queres sentir a felicidade de amar, esquece a tua alma. A alma é que estraga o amor. Só em Deus ela pode encontrar satisfação. Não noutra alma. Só em Deus — ou fora do mundo. As almas são incomunicáveis. Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas não. Minha grande ternura Manuel Bandeira 28 Minha grande ternura Pelos passarinhos mortos; Pelas pequeninas aranhas. Minha grande ternura Pelas mulheres que foram meninas bonitas E ficaram mulheres feias; Pelas mulheres que foram desejáveis E deixaram de o ser. Pelas mulheres que me amaram E que eu não pude amar. Minha grande ternura Pelos poemas que Não consegui realizar. Minha grande ternura Pelas amadas que Envelheceram sem maldade. Minha grande ternura Pelas gotas de orvalho que São o único enfeite de um túmulo. Poética Manuel Bandeira Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor. Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo. Abaixo os puristas Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis Estou farto do lirismo namorador Político Raquítico Sifilítico De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo De resto não é lirismo Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc Quero antes o lirismo dos loucos 29 O lirismo dos bêbedos O lirismo difícil e pungente dos bêbedos O lirismo dos clowns de Shakespeare — Não quero mais saber do lirismo que não é libertação. Trem de ferro Manuel Bandeira Café com pão Café com pão Café com pão Virge Maria que foi isso maquinista? Agora sim Café com pão Agora sim Voa, fumaça Corre, cerca Ai seu foguista Bota fogo Na fornalha Que eu preciso Muita força Muita força Muita força (trem de ferro, trem de ferro) Oô... Foge, bicho Foge, povo Passa ponte Passa poste Passa pasto Passa boi Passa boiada Passa galho Da ingazeira Debruçada No riacho Que vontade De cantar! Oô... (café com pão é muito bom) Quando me prendero No canaviá 30 Cada pé de cana Era um oficiá Oô... Menina bonita Do vestido verde Me dá tua boca Pra matar minha sede Oô... Vou mimbora vou mimbora Não gosto daqui Nasci no sertão Sou de Ouricuri Oô... Vou depressa Vou correndo Vou na toda Que só levo Pouca gente Pouca gente Pouca gente... (trem de ferro, trem de ferro) (Manuel Bandeira in "Estrela da Manhã" 1936) ©Protegido pela Lei do Direito Autoral LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998 Permitido o uso apenas para fins educacionais. Este material pode ser redistribuído livremente, desde que não seja alterado, modificado e que as informações sejam mantidas. 31