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i un Universidad Internacional de Andalucía A Luiz Paulo Meira Lopes do Amaral Criação em Cativeiro com fins Comerciais na CITES Proposta Regulatória para o Brasil Dissertação de Mestrado Diretor Orientador: Prof. Dr. Marcos Regis Silva UNIVERSIDAD INTERNACIONAL DE ANDALUCIA “IX MÁSTER EN GESTIÓN, ACCESO Y CONSERVACIÓN DE ESPECIES EN COMERCIO: EL MARCO INTERNACIONAL 2010” Baeza (Jaén), 2011 un i Universidad Internacional de Andalucía A Luiz Paulo Meira Lopes do Amaral Criação em Cativeiro com Fins Comerciais na CITES Proposta Regulatória para o Brasil Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado do “IX Máster em Gestión, Acceso y Conservación de Espécies em Comercio: El Marco Internacional” da UNIA – Universidad Internacional de Andalucia como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Gestão, Acesso e Conservação de Espécies. Diretor Orientador: Prof. Dr. Marcos Regis Silva Baeza (Jaén), Espanha, Março de 2011 un i Universidad Internacional de Andalucía A Luiz Paulo Meira Lopes do Amaral Criação em Cativeiro com Fins Comerciais na CITES Proposta Regulatória para o Brasil Dissertação apresentada ao programa do "IX Máster en Gestión, Acceso y Conservación de Especies en Comercio: El Marco Internacional – 2010” como requisito para obtenção de título de Mestre em gestão, acesso e conservação de espécies ameaçadas. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo: Prof. Dr. Marcos Regis Silva Diretor Orientador Secretariado da CITES – Genebra, Suíça Baeza (Jaén), Espanha Março de 2011 Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador. Luiz Paulo Meira Lopes do Amaral Graduado em Geografia pela PUC-RJ em 1985. Graduando nas faculdades de Direito da PUC-RJ (93/95) e UCAN-RJ (2010/11), Técnico em Administração e Direção de Empresas pela Escola Superior das Baleares em Palma de Mallorca, Espanha, 1986. Pós graduado em Análise e Avaliação Ambiental (PUC-RJ, 2005). Ex Subsecretário de Promoção e Defesa dos Animais do Município do Rio de Janeiro. Palestrante na área de gestão de fauna em congressos de Zoológicos e Universidades como USP, UNESP, UFRRj, PUC e em instituições como a ESMPU – Escola Superior do Ministério Público da União. Preside, desde 2001, a ABRASE, Associação Brasileira de Criadores de Animais Silvestres e Exóticos, que congrega criadouros, zoológicos e técnicos da área de fauna. Ficha Catalográfica Amaral, Luiz Paulo Meira Lopes do Criação em Cativeiro com Fins Comerciais na CITES Proposta Regulatória para o Brasil / Luiz Paulo Meira Lopes do Amaral / Diretor Orientador: Marcos Regis Silva, Secretariado CITES, Genebra, Suíça. xvii., 157 f.: il. 37; 29,8 cm 1. Dissertação (Mestrado) – Universidad Internacional de Andalucia, Baeza (Jaén), España. Referências bibliográficas: 138-147 1. Introdução. 2. Materiais e métodos. 3. Discussão e resultados. 4. Conclusão. 5. Considerações finais 6. Bibliografia. I. Amaral, Luiz Paulo Meira Lopes do. II. Universidad Internacional de Andalucia. III. Título. iv Dedico este trabalho a memória de Luiz Carlos Bastos do Amaral, meu pai, pelo incentivo e formação que me proporcionou. v Agradecimentos A minha esposa Denise, que pôde dedicar-se ao nosso filho Bernardo enquanto eu estudava na Espanha. Ao Dr. Marcos Regis Silva, Diretor Orientador da tese e grande colaborador, além de paciente e muito incentivador. Ao Dr. Obdulio Menghi, pelo incentivo em fazer o mestrado e sua disponibilização em auxiliar no que foi possível. A todos de minha família pelo apoio incondicional e carinho sem os quais não poderia ter sido realizado este trabalho. A todos os professores do “IX Máster en Gestión, Acceso y Conservación de Especies en Comercio: El Marco Internacional – 2010” da UNIA. Aos meus colegas do “IX Máster en Gestión, Acceso y Conservación de Especies en Comercio: El Marco Internacional – 2010”. A Jorge Haro, Gloria Cespedes, Alejandra Garcia e Sonia Matjasevic, companheiros indissociáveis, pelas contribuições, discussões e palavras de apoio. vi Resumo Amaral, Luiz Paulo Meira Lopes. Silva, Marcos Regis Silva (Orientador). Criação em cativeiro com fins comerciais na CITES – Proposta regulatória para o Brasil. Baeza, Jaén (Espanha), 2011. 157p. Dissertação de Mestrado. Universidad Internacional de Andalucia A presente tese tem como objetivo estabelecer uma proposta de política pública de fauna, através de um marco regulatório, no que concerne ao aproveitamento econômico de espécies da fauna brasileira, ameaçada ou não, tendo em vista o tratamento da Convenção Internacional de Comércio de Espécies Ameaçadas da Fauna e da Flora (CITES, em inglês) dispensado à criação com finalidade comercial e as diretrizes da Convenção às políticas nacionais das partes signatárias. De certo que o comércio de animais silvestres no Brasil teve um expressivo aumento desde a década de 1990, tendência que segue acompanhando um crescente mercado mundial. O Brasil, considerado um dos países de maior biodiversidade do planeta, tem um grande papel no cenário do uso sustentável de suas espécies. No entanto carece de um suporte normativo que acompanhe as diretrizes da CITES e se adéque a uma efetiva política pública. A base da aplicação da CITES no Brasil ainda é sustentada por instrumentos normativos ineficientes e instáveis, criando insegurança jurídica inconteste às atividades instaladas para exploração sustentável dos recursos faunísticos. Por ser uma legislação secundária (baseada em portarias e instruções normativas) está à mercê de alterações sistemáticas que ocorrem a cada mudança governamental, ministerial ou do órgão gestor de fauna, o Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). O Brasil possui algumas singularidades quanto à fauna autóctone e seu aproveitamento econômico pode ser um fator de contribuição na política nacional de conservação. Com esta visão elaboramos uma análise crítica da criação em cativeiro com fins comerciais de espécies ameaçadas, ou não, e suas implicações na conservação propondo uma regulamentação baseada nos princípios e diretrizes que abordam a questão. Para tanto fazemos também um breve histórico da criação no país e sua condição atual. vii A reprodução em cativeiro, com finalidades comerciais, foi debatida em diversas ocasiões pela CITES porquanto resultou em Resoluções efetivas de algumas das Conferências das Partes (CoP), em especial as 13.9, 8.3 (revisada pela CoP13), 11.16 (revisada pela CoP14) e 12.10 (revisada pela CoP15). Por tal motivo a criação comercial tornou-se um instrumento de política que suscita discussões dentro e fora da CITES, assim como se a própria Convenção deve ser um instrumento primeiramente de conservação ou de comércio, ou, ainda, se deve ser a base das políticas nacionais de fauna. No entender de alguns a Convenção tem os dois objetivos, ainda que sejam conflitantes estão intrinsecamente ligados. Abordando todas as questões elencadas propomos formular uma proposta regulatória que contemple o uso sustentável e considere as vertentes existentes, buscando contribuir na conservação das espécies brasileiras de maneiras diversas, além de garantir um modelo econômico utilizado por várias nações. Palavras chave Criação em cativeiro com fins comerciais; Espécies da fauna silvestres; Uso sustentável; CITES: Marco regulatório; Princípios e diretrizes; Lei ambiental. viii Abstract Amaral, Luiz Paulo Meira Lopes. Silva, Marcos Regis Silva (Advisor). Captive Breeding for Trade Purposes in CITES: Regulatory proposal for Brazil. Baeza, Jaén (Spain), 2011. 157p. MSc. Thesis. Universidad Internacional de Andalucia This thesis has the objective of developing a public policy proposal on the sustainable use of Brazilian fauna for commercial purposes, through a regulatory framework on captive breeding as provided by the Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora (CITES). The framework in the thesis also uses policies from other multi-lateral environmental agreements and international organizations such as the Convention on Biological Diversity and the Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO). The captive breeding for commercial purposes has been discussed on several occasions by Parties to CITES during meetings of the Conference of the Parties. This has resulted in the adoption of Resolutions for the use of fauna for commercial purposes such as Resolution Conf. 12.10 (Rev. CoP15). Brazil, the nation with the world’s greatest diversity of biological species, has an important role to play with regard to the sustainable use of its species. However, Brazil lacks the normative support found in guidelines adopted by Parties to CITES and consequently has not implemented an effective public policy. The implementation of CITES in Brazil is still supported by inefficient and unstable legal instruments, thus creating an environment that is unable to legislate and control effectively activities implemented for the sustainable use of wildlife. As it involves a legislation based on ordinances and normative instructions, control on the use of fauna depends on systematic changes. By addressing all the questions listed above, this work suggests the formulation of a regulatory proposal that addresses the sustainable use of fauna and examines existing factors which may impact on such a policy. This exercise aims to assist and promote the conservation of Brazilian fauna in different ways and highlight an economic model on such use that is in use by many nations. ix Keywords Captive breeding for commercial purposes; Wild fauna species; Sustainable use; CITES Regulatory framework; Principles and Guidelines; Environmental Law. x Sumário Siglas e Abreviaturas xii Lista de quadros xiv Lista de tabelas xv Lista de gráficos xvi 1. Introdução 01 2. Materiais e métodos 10 3. Discussão e resultados 13 3.1. Revisão bibliográfica 13 3.1.1. A CITES como marco regulatório internacional 13 3.1.2. Outros marcos regulatórios internacionais 38 3.1.3. Comércio mundial e seus desdobramentos 48 3.1.4. Criação comercial em algumas Partes da CITES 60 3.2. Implantação e efetividade da CITES no Brasil 74 3.3. Criação ex situ com fins comerciais no Brasil 82 3.3.1. Revisão da legislação vigente 82 3.3.2. Criação e comércio: histórico e status atual 92 3.3.3. Controle estatal da atividade de criação comercial 116 3.4. Definição de uma Política Pública de Fauna 122 3.4.1. Objetivos de um marco regulatório 122 3.4.2. Proposta regulatória 128 4. Conclusão 132 xi 5. Considerações finais 135 6. Bibliografia 138 7. Anexo Anexo I - Ilustrações 148 xii Siglas e abreviaturas AA – Autoridade Administrativa da CITES AC – Autoridade Científica da CITES ABRASE – Associação Brasileira de Criadores e Comerciantes de Animais Silvestres e Exóticos Anfal Pet - Associação dos Fabricantes de Alimentos para Animais App. – Apêndices da CITES Art. - Artigo. CDB – Convenção da Diversidade Biológica CEMAVE - Centro de Pesquisa para a Conservação de Aves Silvestres CENAP - Centro Nacional de Pesquisa para a Conservação de Predadores CETAS - Centros de Triagem de Animais Silvestres CNUMAD - Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento CITES - Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora / Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e da Flora COBIO - Coordenação Nacional de Diversidade Biológica CONABIO – Conselho Nacional de Biodiversidade CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente CoP – Conferencia das Partes CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito CPITRAF - Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o tráfico de animais silvestres Dbflo – Diretoria de Biodiversidade e Floresta do IBAMA ESMPU – Escola Superior do Ministério Público da União FAO – Food and Agriculture Organization / Organização das nações Unidas para Agricultura e Alimentação Fig. – Figura Gt - Grupo de trabalho dos Comitês da CITES Gráf. – Gráfico IATA - Associação de Transporte Aéreo Internacional xiii ICMBio – Instituto de Conservação da Biodiversidade IBDF - Instituto Brasileiro de Defesa Florestal IFAW - International Fund for Animal Welfare / Fundo Internacional para o Bem Estar Animal IN – Instrução normativa IUCN – União Internacional para Conservação da Natureza IWMC - Aliança para a Conservação Mundial, a Rede de Sobrevivência de Espécies IWC/BRASIL - International Wildlife Coalition / Coalizão Internacional da Vida Silvestre Brasil ONG – Organização Não Governamental PGA - Plano Global de Ação da FAO para recursos genéticos PNB – Política Nacional de Biodiversidade PNUMA - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente RAN - Centro de Conservação e Manejo de Répteis e Anfíbios RENCTAS – Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres Res. Conf. – Resolução da Conferência das Partes Rev. - Revisão SISNAMA – Sistema Nacional de Meio Ambiente SUPES – Superintendência Estadual do IBAMA Tab. – Tabela TRAFFIC – Wildlife Trade Monitoring Network / ONG de Monitoramento do Comércio de Animais Silvestres UE - União Européia UNCED – The United Nations' Conference on Environment and Biological Diversity / Conferência da Rio-92 WWF – Fundo Mundial para a Natureza WWW - World Wide Web xiv Lista de quadros Quadro 1 - Definição da CITES de espécime “Criado em Cativeiro” Quadro 2 - Grandes importadores e exportadores por produtos Quadro 3 – Principais atos normativos em vigor para regular criação, comércio e manejo de espécies da fauna Quadro 4 - Principais espécies criadas no Brasil e suas finalidades comerciais Quadro 5 - Classes de espécies brasileiras comercializadas, oriundas de criadouros Quadro 6 – Sinergia entre Marcos Regulatórios e Política Pública de Fauna 24 56 91 99 109 127 xv Lista de tabelas Tabela 1 – Tabela do comércio de espécies listadas na CITES Tabela 2 - Tabela de valor estimado do comércio internacional Tabela 3 - Tabela de grandes importadores e exportadores por produto Tabela 4 - Tabela de países megadiversos por total de espécies de vertebrados terrestres Tabela 5 - Tabela de interferências antrópicas que mais afetam a vida selvagem na América Latina Tabela 6 - Tabela de variedade de espécies exportadas criadas em cativeiro (Apps. I e II da CITES) e de espécies brasileiras exportadas / por países (2000 ~ 2009) 52 53 59 93 94 112 xvi Lista de gráficos Gráfico 1 - Evolução de registro de criadouros no IBAMA, período 1998 a 2008 Gráfico 2 - Percentual de “tipo de uso da fauna” por número total de criadouros no Brasil Gráfico 3 - Maiores produtores de peles de crocodilianos na América Latina, por espécie ou subespécie (Ano Base 2005) Gráfico 4 - Comparativo de exportação de peles de crocodilianos (2006 ~ 2010) Gráfico 5 - Comparativo de exportações de vertebrados terrestres e peixes ornamentais (2009) Gráfico 6 - Comparativo entre mercado legal e ilegal por classe de animais 100 102 104 105 112 115 xvii Apocarse es virtud, poder y humildad; dejarse apocar es vileza y delito. Francisco de Quevedo y Villegas 1 1 Introdução A Convenção de Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e da Flora, comumente conhecido como convenção da CITES (em inglês Convention on International Trade in Endangered Species of Wild Fauna and Flora), tem como objetivo central a exploração sustentável de recursos da fauna e flora através do controle do comércio internacional, ou seja, assegurar que o comércio internacional de espécimes de animais e plantas silvestres não ameace a sua sobrevivência. Contudo, a convenção tornou-se uma referência de políticas públicas no que diz respeito aos mecanismos de gestão da exploração destes recursos, sinalizando através de documentos emitidos sistematicamente (estudos técnicos, notificações, resoluções e decisões) condutas que proporcionem uma aplicação eficaz e eficiente de seu texto principal, de que são signatários 175 países, inclusive o Brasil. O país foi um de seus primeiros signatários em 1975. Neste contexto diversas discussões e trabalhos vêm sendo realizados sobre a criação em cativeiro, já que esta pode ser uma das ferramentas de trabalho usadas no suporte de uma exploração sustentável, bem como pode ter outros benefícios diretos e indiretos na conservação de espécies. Mas no que concerne às espécies emblemáticas, em particular as do App. I, como o tigre (Panthera tigris). há discordância com este ponto de vista da CITES. A pressão de técnicos, ONGs e da opinião pública em geral trouxe muitas resistências nesta matéria, refletindo uma posição consensual sobre espécies criticamente ameaçadas. A Decisão Conf.14.69 da CITES1 traduziu esta preocupação, trazendo um novo preceito normativo: Partes com operações intensivas de criação tigres em escala comercial deverá implementar medidas para restringir a população em cativeiro para um nível de apoio apenas para conservar os tigres selvagens, os tigres não devem ser criados para o comércio de suas partes e derivados 2 1 2 Em: http://www.cites.org/eng/dec/valid15/14_66-68-69_15-70.shtml Tradução do autor da tese 2 Desta forma, o presente trabalho tem como objetivo constatar o tratamento dado pela CITES as atividades de criação ex situ3 e comércio de espécies da fauna silvestre4 e os reflexos nas políticas nacionais, possibilitando desta maneira fazer uma análise crítica da situação jurídica, administrativa, econômica e técnica em que se encontram no Brasil as atividades, avaliando a Política Pública de Fauna do país e, por fim, propondo um marco regulatório legal. Procuramos esmiuçar os acertos e problemas que envolvem estas atividades e propor novas concepções e ações genéricas para seu desenvolvimento sustentável, objetivando um salto qualitativo e quantitativo de uma área de empreendimento que venha compor uma “nova” opção sócio-econômica para o país. Não obstante, visando reverter a complexa situação de ordem jurídica, administrativa e técnica criada pelo poder público na área de fauna, este trabalho apresenta uma propositura regulatória. O Brasil tem a vocação para ser grande produtor e exportador de produtos, subprodutos e partes de fauna e flora silvestres. Com uma área de 8,5 milhões km², ocupando quase a metade da América do Sul o país aparece como o mais megabiodiverso do planeta5. Ocupando várias zonas climáticas que incluem o trópico úmido no norte, o semi-árido no nordeste e áreas temperadas no sul, estas diferenças contribuem para as diversidades ecológicas formando zonas biogeográficas distintas. A maior floresta tropical úmida (Floresta Amazônica), a maior planície inundável (o Pantanal) do mundo se encontram nesses biomas, além do Cerrado (savanas e bosques), da Caatinga (florestas semi-áridas) e da Mata Atlântica (floresta tropical pluvial). O Brasil possui uma costa marinha de 3,5 milhões km² com uma variedade de ecossistemas que incluem recifes de corais, dunas, manguezais, lagoas, estuários e pântanos. 3 Termo que se refere a criação de qualquer espécie de fauna silvestre em condição cativa, fora do meio ambiente natural original desta. 4 Lei nº 9605 de 15 de fevereiro de 1998, definição no artigo 29, parágrafo 3º: “fauna silvestre é formada por todos os animais pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, reproduzidas ou não em cativeiro, que tenham seu ciclo biológico ou parte dele ocorrendo naturalmente dentro dos limites do Território Brasileiro e suas águas jurisdicionais.” 5 Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), da Presidência da República, dados disponíveis em: http://www.sae.gov.br/site/?tag=biodiversidade, acesso em 08 de agosto de 2010. 3 A diversidade de biomas reflete a riqueza da flora e fauna brasileiras, sendo muitas das espécies endêmicas. O Brasil abriga 541 mamíferos, o que corresponde a 10,77% do total mundial6; 775 anfíbios (14,08%); 1.696 aves (17,13%) e 633 de répteis (7,75%) de animais vertebrados com 3.010 espécies de vertebrados vulneráveis, ou em perigo de extinção. O país conta também com a mais diversa flora do mundo, número superior a 55 mil espécies descritas, o que corresponde a 22% do total mundial. Possui também 3.000 espécies de peixes de água doce totalizando três vezes mais que qualquer outro país do mundo. O endemismo é outro elemento de forte presença na biodiversidade brasileira, uma em cada onze espécies de mamíferos existentes no mundo é encontrada somente no Brasil (522 espécies), juntamente com uma em cada seis espécies de aves (1.622), uma em cada quinze espécies de répteis (468), e uma em cada oito espécies de anfíbios (516). São ao todo 68 espécies endêmicas de mamíferos, 191 espécies endêmicas de aves, 172 de répteis e 294 de anfíbios7. Esta riqueza de espécies corresponde a, pelo menos, 10% dos anfíbios e mamíferos e 17% das aves descritas em todo o planeta. A composição total da biodiversidade brasileira, todavia, ainda não é conhecida, e por sua grandeza e complexidade seriam necessárias centenas de anos para tal8. Entretanto este número pode alcançar valores da ordem de dezenas de milhões, sabendo-se que para a maioria dos seres vivos o número de espécies no território nacional, na plataforma continental e nas águas jurisdicionais brasileiras é elevado, não é difícil inferir um número imenso de espécies, tanto terrestres quanto marinhas, ainda não identificadas. Apesar de todo o exposto sobre a biodiversidade nacional, a maior parte de nossas atividades econômicas com fauna está baseada em espécies exóticas. A pecuária depende de bovinos da Índia, de eqüinos da Ásia Central e de capins africanos. Nossa avicultura ornamental e de animais de estimação é sustentada por 6 HEYWOOD, Vernon H. Global Biodiversity Assessment (GBA), United Nations Environment Programme (UNEP), Cambridge University Press, Cambridge. p. 114 7 BERNARDES, Aline Tristão. Brasil – Unidades de Conservação Federais – Projeto Biodiversidade no Desenvolvimento - Série “Estudos de Caso”. Comissão Européia (B7-6200), UK Department for International Development (DFID), The World Conservation Union (IUCN), 2000. 8 LEWINSOHN, T. M. e PRADO, Paulo I. Síntese do conhecimento atual da Biodiversidade brasileira, MMA, 2006, p. 84. 4 espécies como periquitos australianos, passeriformes asiáticos e africanos, etc. A piscicultura depende de carpas da China (Cyprinus carpio) e de tilápias (Oreochromis niloticus) da África oriental e peixes ornamentais asiáticos, já a apicultura é baseada em variedades das abelhas européias e da África tropical. Desta forma faz-se fundamental que o país intensifique a implementação de programas de pesquisa tendo como foco um melhor aproveitamento da biodiversidade brasileira. Em paralelo deve-se praticar o incentivo previsto legalmente aos criadouros de espécies silvestres com fins comerciais (Lei 5.197, conhecida como Código de caça)9, juntamente com uma política de fomento e financiamento para a atividade com suporte de governos estaduais, municipais, distrital e federal. Essa necessidade está conectada com a importância que a biodiversidade tem na economia nacional. O setor da Agroindústria responde por cerca de 35% do PIB brasileiro, calculado em US$ 1,850 trilhões no ano de 2009, já setor florestal por 4% do PIB e o setor pesqueiro por 1% do PIB10. Produtos da biodiversidade respondem por 31% das exportações brasileiras, especialmente destacando café, soja e laranja. As atividades de extrativismo florestal e pesqueiro empregam mais de três milhões de pessoas. A diversidade biológica constitui uma das características dos recursos ambientais, fornecendo produtos para exploração e consumo e prestando serviços de uso indireto. Faz-se impositivo, portanto, disseminar uma prática de valoração da diversidade biológica brasileira, inclusive um dos objetivos principais da promoção do ano de 2010 como o Ano Internacional da Biodiversidade, parte do Comunication Guidelines da CDB (Convenção da Diversidade Biológica)11. Neste compasso a CDB, através da Resolução 65/16112, de 11 de janeiro de 2011, declarou a década 2011 – 2020, como a Década das Nações Unidas sobre Biodiversidade, com vista a contribuir 9 Lei Federal nº 5.197, de 03 de janeiro de 1967: “Art. 6º O Poder Público estimulará: b) a construção de criadouros destinados à criação de animais silvestres para fins econômicos e industriais.” 10 IBGE Indicadores, PIB Brasileiro de 2009, Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/ presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=157&id_pagina=1. Acesso em 08 de agosto de 2010 11 Convention on Biological Diversity – CBD, International Year of Biodiversity, In Documento SCBD/OES/OES/AD/74686, disponível em: http://www.cbd.int/2010/messages/. Acesso em 12 de agosto de 2010. 12 Em: www.cbd.int/doc/notifications/2011/ntf-2011-004-undb-en.pdf 5 para a implementação do Plano Estratégico para a Biodiversidade para a período. A implementação do Plano Estratégico para a Biodiversidade 2011-2020 foi adotada pela 10ª Conferência das Partes (CDB 10ª CoP)13, realizada em Nagoya, Japão, entre 18 e 29 de outubro de 2010. Devemos ressaltar que os principais processos responsáveis pela perda da biodiversidade são a perda e fragmentação dos habitats; a introdução de espécies e doenças exóticas; a exploração excessiva de espécies de plantas e animais, inclusive para o comércio internacional; o uso de híbridos e monoculturas na agroindústria e nos programas de reflorestamento; a contaminação do solo, água, e atmosfera por poluentes e as mudanças Climáticas. Todos estes processos estão intrinsecamente ligados as políticas públicas e governanças falhas e desconexas, que não valorizam os recursos naturais e não privilegiam a conservação por meio de uma exploração sustentável destes. As considerações apresentadas se encaixam perfeitamente nas atividades de uso dos recursos da fauna no Brasil. Não se pode deixar de notar que a gestão pública, afeta a esta área, reproduz os mesmos vícios das políticas desenvolvidas na área ambiental como um todo. A fauna silvestre autóctone vem sendo objeto de diversos regulamentos legais de proteção, em geral de caráter proibitivo quanto ao seu uso, enquanto sua importância como instrumento de atividades produtivas sustentáveis e beneficiadoras de promoção social (geração de empregos diretos e indiretos, geração de tributos etc.) é relegada e completamente carente de diplomas legais que a definam e selem a devida segurança jurídica para que possam se desenvolver. Todas estas questões foram exaradas no relatório final de 2003 pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPITRAF, 2002) 14, destinada a investigar o tráfico ilegal de animais e plantas silvestres da fauna e flora brasileiras. Desde o descobrimento pelos portugueses, o Brasil despertou um profundo interesse por sua fauna e flora. A rica e variada biodiversidade sempre esteve no foco daqueles que aqui desembarcaram. No momento em que fundearam suas embarcações no Brasil, os portugueses incorporaram a prática dos índios nativos 13 Em: http://www.cbd.int/cop10/ Câmara Federal. In relatório CPITRAFI – Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a Investigar o Tráfico Ilegal de Animais e Plantas Silvestres da Fauna e da Flora Brasileiras – 31 de janeiro de 2003, p. 132-134. Disponível em: www.renctas.org.br/files/rel_fin_cpitrafi_01_doc.doc. Acesso em 11 nov. 2010 14 6 de manter macacos e aves como animais de estimação, além de utilizarem peles ou o colorido de penas de aves brasileiras para adornar chapéus e outras peças de vestuário. Durante os trinta primeiros anos após o descobrimento, as naus portuguesas que retornavam à Europa, costumavam levar em seus porões aproximadamente três mil peles de onças (Panthera onca) e papagaios (Amazona sp.), além de peles de outros animais e carne silvestre como fonte de proteína durante a viajem (BUENO, E., 2003). Ao chegar à Europa estes produtos da fauna estariam logo enfeitando vestidos e palácios do velho mundo, além de muitos animais serem vendidos como mascotes e outros tantos passarem a compor plantéis de criadores e coleções zoológicas. O uso de chapéus ornados com penas silvestres de aves tropicais era considerado moda e quase sempre um luxo caro, reservado às classes mais privilegiadas. O olhar de curiosidade e cobiça se perpetuou no tempo e segue em dias atuais, ainda mais pelo conhecimento técnico e científico promovido desde então. Atualmente este interesse se revela de maneiras variadas, mas sempre traduzindo a certeza de que o país possui a maior reserva de biodiversidade do planeta e que nela podem estar contidas muitas respostas que ainda não chegaram ao conhecimento humano. O efeito do interesse se materializa em números. Segundo o relatório Global Biodiversity Outlook nº 315, da CDB, as populações de espécies de vertebrados silvestres caíram uma média de quase um terço (31%) globalmente, entre 1970 e 2006, especialmente com um declínio severo dos ecossistemas tropicais (59%) e de água doce (41%). Tendo em vista as espécies brasileiras ainda desconhecidas e a relação de proporção destas com a biodiversidade mundial (HEYWOOD, 1995) pode-se concluir que muitas espécies desaparecidas diariamente fazem parte da biodiversidade brasileira. Segundo observa a ONG RENCTAS16, “O processo de desenvolvimento cultural da população brasileira foi singular, possibilitando o encontro de povos conquistadores e povos que mantinham uma estreita relação com a natureza e o meio ambiente”. Ainda hoje, observamos nos grandes centros urbanos, ou nos 15 Em: http://www.cbd.int/doc/publications/gbo/gbo3-final-en.pdf RENCTAS – Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres, Matéria eletrônica, Disponível em: http://renctas.com/pt/informese/renctas_brasil_detail.asp?id=31, acesso em 12 ago. 2010. 16 7 mais distantes rincões do nosso território, a presença de vários animais silvestres convivendo com o ser humano, numa relação de domínio e admiração”. A perda da cobertura vegetal da Mata Atlântica, desde 1500, é de cerca de 94% (ONG SOS Mata Atlântica). Já segundo o Ministério do Meio Ambiente, restam apenas 22,75 % de cobertura vegetal original17 de um dos mais ricos ecossistemas do país. As incursões às matas tropicais em busca de animais, cada vez mais intensas, fomentam o tráfico ilegal de animais silvestres e a biopirataria. Capturar e manter animais em cativeiro continua sendo um hábito cultural da população brasileira, sejam os ricos que mantém coleções particulares ou sejam os miseráveis, que se arvoram na mata em busca desses animais que ajudarão com a renda de seu comércio a diminuir sua fome. Ou ainda, os pesquisadores nacionais e estrangeiros que perseguem na fauna e na flora uma possibilidade de suas empresas faturarem altas quantias com a fabricação de novos produtos, medicamentos etc. (ver Anexo 1). Seja por estas razões ou as de cunho de degradação dos ecossistemas, expansão de lavouras, etc., o fato é que os recursos faunísticos do Brasil encontram-se ameaçados pelo comércio ilegal e, a cada estudo, novas espécies são incluídas na lista de animais ameaçados18. Estima-se que o comércio ilícito de espécies silvestres no país seja responsável pela retirada anual de milhões de espécimes da natureza (MMA, 20085)19. Calcula-se que para cada dez animais retirados ilegalmente da natureza com finalidade comercial apenas um chega ao seu destino final, os outros nove acabam perecendo no momento da captura ou durante o transporte (Geo Brasil 200220). Presume-se que o Brasil perca anualmente com o tráfico, sem contar a biodiversidade ameaçada, uma soma financeira vultosa (US$ 1,5 bilhões, segundo dados do 1º Relatório RENCTAS) e, ainda, uma fonte irrecuperável de seus 17 MMA, Brasil. In Relatório de Monitoramento do Desmatamento nos Biomas Brasileiros por Satélite - Monitoramento do Bioma Mata Atlântica - 2002 A 2008, Em: http://www.mma.gov.br/ estruturas/182/_arquivos/12_dezembro_relatorio_182.pdf. Acesso em 15 ago. 2010. 18 De 218 espécies da lista de 1989 (Portaria 1.522 do IBAMA, em 19 de dezembro de 1989) para 627 na lista atualizada (Instrução Normativa n° 3, de 27 de maio de 2003 do MMA – Ministério do Meio Ambiente), Disponível em: http://www.biodiversitas.org.br/livrovermelho2005/. Acesso em 15 ago. 2010. 19 RENCTAS, In 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre - RENCTAS, 2001, considerado um dos mais completos estudos sobre o tema. 20 Geo Brasil 2002 - “Relatório Perspectivas do Meio Ambiente do Brasil”, Relatório coordenado pelo IBAMA, apoiado pelo Ministério do Meio Ambiente, Governo Brasileiro e Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). 8 recursos genéticos. O que por si só, faz imperativa a implementação de uma política pública de fauna assentada sobre um marco legal que regule estas atividades e que seja também um instrumento de combate ao comércio ilícito. A macroeconomia do comércio de espécies selvagens legal é bastante expressiva e, por este motivo, estar inserido dentro deste grupo econômico pode representar muitos benefícios. O comércio de espécies selvagens pode contribuir significativamente para a renda rural, e os efeitos sobre as economias locais podem ser substanciais, fato reconhecido pela CITES através da Resolução Conf.8.3 (Rev. CoP13)21, aprovada na Conferência das Partes (Kioto, 1992), onde expressa que o comércio pode ser benéfico para a conservação das espécies e ecossistemas e para o desenvolvimento das populações locais, quando realizadas em níveis que não prejudiquem a sobrevivência da espécie em questão. Na mesma direção segue a CDB, exarando nos Princípios e Diretrizes de Addis Abeba22, a importância do comércio sustentável de espécies silvestres para o desenvolvimento, tema que retomamos mais adiante neste trabalho. “Os Altos valores dos produtos derivados de animais silvestres também podem fornecer incentivos econômicos positivos por ser uma alternativa às opções de uso da terra para a população local - para proteger as espécies selvagens e seus habitats, e de manter o recurso para o uso sustentável e rentável no médio e em longo prazo”, afirma estudo da TRAFFIC Europa23 (em inglês, The Wildlife Trade Monitoring Network). Consequentemente, o comércio de vida selvagem bem gerenciado pode ser benéfico para a conservação dos habitats e espécies, bem como contribuir para a subsistência e o desenvolvimento social. O comércio internacional legal de espécies silvestres da fauna, de acordo com estimativas do TRAFFIC, atingiu cerca de €$ 240 bilhões (US$ 300 bilhões) em 2005. Estas dimensões podem situar o comércio ilegal como um grande negócio também. Uma série de fatores pode ajudar a reverter tal quadro, como: uma melhor compreensão da dinâmica do comércio, incentivos para uma melhor gestão dos animais selvagens sob ameaça e engajamento das partes interessadas em todos os níveis e lugares. Estes pontos são necessários para evitar que as pessoas já dependentes do comércio decidam pelo 21 Em: http://www.cites.org/esp/res/08/08-03R13.shtml Em: http://www.cbd.int/doc/publications/addis-gdl-en.pdf 23 MAYLYNN, E. & PARRY-JONES, R. In “Opportunity or threat: The role of the European Union in global wildlife trade”. Brussels, Belgium: ed. TRAFFIC Europe, 2007. Disponível em http://www.traffic.org/general-reports/traffic_pub_trade15.pdf. Acesso em 12/08/2010. 22 9 comércio ilegal a fim de manter sua renda. Restrições ao comércio internacional, impostas por alguns países a nível nacional, bem como outras recomendadas muitas vezes pela CITES (como a suspensão do comércio no caso de extrações prejudiciais), parecem não serem suficientes para resolver as formas prejudiciais de exploração de espécies silvestres. A independência dos países signatários da convenção sobre suas legislações nacionais nem sempre segue caminhos desejados e refletem diretrizes que acabam por reforçar práticas destrutivas ou não sustentáveis na exploração de recursos de fauna. A Índia, ou o Brasil, que possuem legislações proibitivas em extrações não prejudiciais ou criação em cativeiro, não raros, aparecem como grandes “fornecedores” no mercado internacional24. O Projeto de Legislação Nacional da Convenção25, da CITES, é destinado a garantir que todas as partes disponham de uma base jurídica sólida para regulamentar o comércio internacional de fauna e flora (NASH, 2005). Como recordou Willem Wijnstekers, ex Secretário Geral da CITES, “a Convenção só poderá funcionar através de uma legislação que seja adequada, atualizada e que se aplique eficazmente, tanto nas fronteiras como no seio dos países” 26 27 . Para tal prática o país signatário deve antes perceber a dinâmica de seu comércio interno, bem como a monitoração deste para ajustar desvios existentes (SARNEY, 2003). De certo que um modelo de política governamental que incentive e fomente a criação ex situ com fins comerciais deve ser aplicado conjuntamente com mecanismos de controle e uma fiscalização capacitada. Em paralelo, uma legislação eficiente na punição de desvios legais complementaria os requisitos necessários para se promover esta forma de exploração sustentável de recursos faunísticos. Se um país não tem como implementá-la, por incapacidade de promover as condições necessárias de funcionamento desta política, devemos perceber que tampouco terá as condições necessárias de fazer frente ao comércio ilegal e punir os desvios. 24 Informações disponíveis em http://www.wwfindia.org/about_wwf/enablers/traffic/illegal_ wild life _trade_in_india/ e www.renctas.org.br/files/rel_fin_cpitrafi_01_doc.doc. 25 Marco da Resolução CITES Conf. 8.4 (Rev. CoP15) – Legislações nacionais para a aplicação da Convenção, emendada na 14ª E 15ª reuniões da Conferencia das Partes 26 CITES en el Mundo, Boletín Oficial de las Partes, Convención sobre el Comercio Internacional de Especies Amenazadas de Fauna y Flora Silvestres (CITES), ISSN 1564-9180, Número 15, Julho de 2005, p. 19 27 Tradução do autor da tese 10 2 Materiais e métodos Consideramos o tema central da tese a proposta de um marco regulatório da criação comercial em cativeiro de espécies silvestres que seja identificado com conceitos e determinações internacionais exaradas pelos convênios internacionais, nos quais o Brasil é parte signatária, e considerando as realidades e tipicidades que caracterizam esta atividade no país. A elaboração desta dissertação inicia-se com um histórico sobre o tema “criação ex situ com finalidade comercial” no conceito da CITES e suas emanações resolutivas e decisivas. Importa-nos destacar os princípios e diretrizes com que a Convenção administra o tema e assinala às Partes os meios e as formas de execução. A aplicação atual da CITES tem sido à base de diversas políticas nacionais e o Brasil não deve ser exceção, desta forma analisamos exemplos de políticas públicas adotadas por países signatários e casos envolvendo a criação comercial de espécies silvestres da fauna. Para tanto foi elaborada uma revisão da literatura de documentos, artigos e experiências dissertadas sobre seu assunto central. Elaborou-se una breve descrição da CITES, como se dá seu funcionamento e seus objetivos em relação à criação comercial, além de alguns dados informativos sobre esta atividade e sobre o comércio, compilados pela própria Convenção e pelas ONGs TRAFFIC Internacional, WWF, entre outras. Realizou-se também uma análise sobre acordos internacionais para a conservação e preservação de espécies da fauna selvagem, que versam principalmente sobre a utilização sustentável dos recursos naturais e os princípios básicos que devem reger tais práticas. A implantação destes no arcabouço jurídico nacional foi matéria articulada com o histórico brasileiro, abordado a seguir. Dada a importância do Brasil, por ser um país megabiodiverso, e tendo em conta o tema da tese, se considerou relevante fazer um paralelo comparativo da história da criação no país e como se desenvolveu sua atual base jurídica, bem 11 como a organização governamental na gestão de fauna e suas competências legais e administrativas. Estas informações foram necessárias para uma análise crítica das políticas adotadas pelos poderes legislativos e executivos nacionais em face do tema. Entretanto, devemos observar que a literatura e dados disponíveis sobre criação e comércio de fauna no Brasil são bastante escassos e dispersos, o que dificulta a realização de uma caracterização precisa da importância de tais atividades no país. Por outro lado abrem-se caminhos para o aprofundamento em trabalhos acadêmicos sobre a questão e seus reflexos sociais, econômicos, técnicos e, principalmente, na conservação. Realizamos um esboço das vantagens e desvantagens da regularização legal da criação com finalidade comercial, que passa a ser a base para a proposição de um marco regulatório. Como se trata de uma questão com muitas implicações em diferentes níveis de discussão, também nos referimos às pressões de entidades e sociedade civil, permeando as razões exaradas por estes grupos tanto em favor como em contra as atividades em questão. Por último elaboramos um breve “retrato do sistema atual” da gestão da criação ex situ com fins comerciais para determinar o quanto o país está distante ou acercado das determinações internacionais e dos compromissos assumidos em tratados e convenções. Tendo também como base o conhecimento do autor, inserido na gestão de fauna em diversos níveis, realizamos as conexões das análises expostas e propomos um conjunto de normas regulamentares (diploma legal) que venham a ser a referência para a criação do marco regulatório legal de uma política pública de fauna nacional, ainda inexistente no Brasil. De certo que um país, com a riqueza de biodiversidade como o Brasil, não pode ignorar a relevância de uma regulação legal definitiva que estabeleça direitos e deveres de seus cidadãos diante da utilização de seus recursos da fauna. Quanto mais tarde o país criar regras específicas, no conjunto de gestão de suas espécies faunísticas, mais difícil será reverter o passivo ambiental que foi criado nos últimos vinte anos. Tratamos, pois, de uma regra com previsão legal, clara, objetiva e auto interpretativa, para execução uniforme em todo o país, revogando de vez as normas secundárias expressas em Portarias e Instruções Normativas que são publicadas a cada mudança governamental ou por pequenos grupos que 12 desempenham a gestão nos órgãos ambientais nos entes federativos. Estas somente corroboraram nas últimas décadas para uma indesejável insegurança jurídica que arremeteu gestores públicos e privados para fracassos sucessivos, colocando em risco o objetivo central desta gestão: a preservação e a conservação da fauna silvestre brasileira. 13 3 Discussão e resultados 3.1. Revisão bibliográfica 3.1.1. A CITES como marco regulatório internacional Na década de 1960 percebeu-se a necessidade de uma norma internacional que regulasse o comércio de espécies de animais e plantas silvestres, uma vez que os níveis deste negócio estavam muito elevados e sem controles específicos. Por força deste descontrole, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN - World Conservation Union, em inglês) chamou a atenção para a necessidade de “uma Convenção Internacional sobre regulação da exportação, trânsito e importação de espécies selvagens raras ou ameaçadas” 28 . Tais circunstâncias preocuparam o mundo todo, levando ao fortalecimento da interdependência entre as nações. Nesse sentido, a atenção para a questão ambiental é recente, somente nas últimas décadas iniciou-se sua regulamentação jurídica, de forma que o Direito Ambiental Internacional e o seu consequente reflexo no âmbito nacional ainda estão em evolução no que concerne à sua concretização em todos os seus aspectos, seja no plano jurídico, econômico ou cultural. Foi principalmente com a Conferência de Estocolmo29, em 1972, que o amparo ambiental começou a ganhar espaço, e, nos anos 80, se consolidou mundialmente. Nesse contexto, houve a consciência de que o desenvolvimento das nações já não poderia mais ser ao custo de uma exploração crescente e 28 29 Em: http://www.cites.org/eng/disc/what.shtml. Tradução do autor da Tese. Em: http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?documentid=97 14 inconseqüente dos recursos naturais, sob perigo de que se assim continuasse, as gerações futuras careceriam de recursos para sua sobrevivência. A noção de sustentabilidade se insere no campo do desenvolvimento, o cuidado com o meio ambiente passa a ser requisito para a sua exploração (MILARÉ, 2005). O desenvolvimento econômico deve inserir em sua perspectiva a conciliação da atividade com a preservação dos recursos ambientais que utiliza e os quais afetam ou podem vir a afetar. Após dez anos surge a CITES. Seu conteúdo foi redigido na sequência de uma deliberação aprovada em reunião dos membros da IUCN, realizada em 1963. O texto da Convenção foi finalmente acordado numa conferência plenipotenciária reunindo representantes de 80 países em Washington, Estados Unidos, em 03 de março de 1973, entrando em vigor em 1 de julho de 1975. Em retrospectiva, a necessidade da CITES é clara, uma vez que se estima que o comércio internacional de espécies selvagens anual totalize bilhões de dólares e envolva centenas de milhões de espécimes animais e vegetais. O comércio é diversificado, variando de animais vivos e plantas para uma vasta gama de produtos derivados dos animais selvagens, tais como alimentos, etc. Também é interessante que a CITES vem cada vez mais se tornando preocupada com espécies economicamente importantes, tais como madeira e pesca, como refletido por discussões na CoP1530. Os níveis de exploração de alguns animais e plantas são altos e o comércio, juntamente com outros fatores, tem a capacidade de diminuir sensivelmente suas populações e até mesmo trazendo algumas espécies próximas à beira da extinção. Mesmo tendo-se muitas das espécies do comércio em condição de “não ameaçadas”, a simples existência de um tratado para garantir a sustentabilidade do comércio é essencial para preservar estes recursos para as gerações futuras. Como a dimensão do comércio de animais e plantas selvagens é muito grande e atravessa as fronteiras entre os países, se faz necessária uma cooperação internacional para salvaguardar determinadas espécies da super exploração. A Convenção foi concebida dentro do espírito de cooperação necessário, única maneira de ser efetiva em seus objetivos. Hoje se concede vários graus de 30 CITES, Atas Resumidas da CoP15, em: http://www.cites.org/esp/cop/15/sum/index.shtml. Acesso em 10 nov. 2011. 15 proteção para mais de 34.000 espécies (contadas as espécies híbridas) de animais e plantas, não importando se elas são comercializadas como espécimes vivos, casacos de pele ou ervas secas. A CITES é um acordo internacional entre governos e, portanto, consiste em um instrumento do Direito Internacional voltado para o desenvolvimento sustentável. Tem como objetivo assegurar que a prática de comércio internacional de espécimes (animais e plantas selvagens) não ameace a sobrevivência destas. O uso sustentável é um conceito subjacente às Convenções de Diversidade Biológica (CDB) e CITES. Embora as abordagens das convenções difiram um pouco nos focos, nos seus precedentes históricos e nas suas respectivas abordagens estruturais, seus objetivos gerais são compatíveis em muitos aspectos. A CDB, como um diploma novo, ainda está em processo de criação de suas linhas de base, entretanto a CITES tornou-se um instrumento de conservação ativo e eficaz. A Convenção visa uma abordagem que pode ser vista como um meio eficaz de implementar certos aspectos do mandato da CDB, enquanto algumas atividades que ajudam a garantir que o comércio não prejudique a sustentabilidade no âmbito desta última. Ao comparar as prioridades das duas convenções, as Partes poderão encontrar um meio para desenvolver projetos específicos que irão abordar as preocupações de ambas as convenções e contribuir diretamente para alcançar os objetivos de 2010 (da CDB) e os da CITES. A adoção dos Princípios e Diretrizes de Uso Sustentável de Addis Abeba, da CDB, e da ênfase pela CITES em elaborar estudos mais eficazes de Extrações Não Prejudiciais (Non detrimental Feedings, NDF, em inglês), podem gerar a sinergia entre as duas convenções, objetivo desejado neste processo. Na Resolução Conf. 13.2 (Rev. CoP14)31, sobre os Princípios e Diretrizes de Addis Abeba, as partes foram instadas, ao adotarem as NDFs, a fazerem uso dos Princípios e Diretrizes para o Uso Sustentável da Biodiversidade (Secretariado da CDB, 2004), tendo em conta a questão comercial, científica e de execução das considerações determinadas por circunstâncias nacionais. Na CoP14 (Haia, 2007), as partes acordaram ainda em considerarem algumas recomendações sobre pontos levantados pelos Comitês de Fauna e de Flora, que estão inseridos no Anexo 2 da 31 Em: http://www.cites.org/esp/res/13/13-02R14.shtml 16 Resolução Conf. 13.2 (Rev. CoP14). Os Comitês informaram que, apesar dos Princípios e Diretrizes de Addis Abeba nem sempre serem imediatamente aplicáveis ao processo decisório no âmbito da CITES, em particular no que diz respeito a elaborar as NDFs, poderiam apoiar a orientação da IUCN existentes para a realização destas e seria importante para o desenvolvimento de orientações de taxons específicos. Os Comitês destacaram ainda os Princípios 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11 e 12 que, caso a caso, podem ser considerados para o desenvolvimento de novas orientações de taxons específicos em NDFs. Na Resolução Conf. 14.7 (Rev. CoP15)32, “Gestão das quotas estabelecidas a nível nacional para exportações”, as Partes reconhecem a ligação entre as quotas e as NDFs e as diretrizes adotadas para gerenciar essas cotas. Em particular, as Partes concordaram que um sistema de quotas de exportação é uma ferramenta de gestão, utilizado para garantir que as exportações de espécimes de uma determinada espécie serão mantidas em um nível que não representará efeitos negativos sobre a população silvestre da espécie. A fixação de uma quota de exportação, devidamente certificada por uma autoridade científica, efetivamente atende ao requisito da CITES para elaborar NDFs para as espécies incluídas nos Apêndices I e II e, para espécies constantes do Anexo II, para garantir que a espécie é mantida em toda a sua variedade a um nível consistente com seu papel nos ecossistemas em que ele ocorre. O trabalho colaborativo sobre o uso sustentável a nível nacional pode englobar capacitação, desenvolvimento de melhores práticas, desenvolvimento de políticas de comércio dos animais silvestres, investigação de medidas de incentivo, bem como ter em foco projetos que combinem gestões nacionais, acompanhamento e execução, com a supervisão internacional do comércio. Por sua vez, o trabalho colaborativo quanto à utilização sustentável dos recursos de fauna e flora e ligado a aplicação das duas convenções, pode contribuir tanto para a conservação como para o desenvolvimento33, o que é o objetivo dos dois diplomas internacionais. Para a efetivação da CITES dentro de uma Parte é necessária uma adequação na estrutura interna do país membro, principalmente nos diplomas 32 33 Em: http://www.cites.org/esp/res/all/14/S14-07R15.pdf Em: http://kar.kent.ac.uk/2116/1/Rosser__Harrop_CITESCBD.pdf 17 jurídicos que a implementam. A Convenção é um acordo internacional em que as Partes (países signatários) devem aderir voluntariamente. Embora a CITES seja legalmente vinculativa para as partes, estas têm de aplicar a Convenção, não necessitam dispensar as leis nacionais específicas e acessórias, sem que estas não agridam a Convenção. Pelo contrário, oferece um quadro para ser respeitado por cada Parte, que deve adotar a sua própria legislação nacional para assegurar que a CITES seja executada a nível nacional. Destaca-se que a CITES tem sido o acordo ambiental com o maior número de membros signatários, 175 Partes (CITES, 2010). Segundo o regulamento da CITES, toda importação, exportação, reexportação e introdução proveniente do mar de espécies abrangidas pela Convenção, somente devem ser autorizada através de um sistema de licenciamento. Para que o funcionamento seja pleno, cada Parte da Convenção deve designar Autoridades Administrativas responsáveis pela gestão do sistema de licenciamento e Autoridades Científicas para se pronunciarem sobre o impacto do comércio sobre o estado da espécie em questão. As espécies incorporadas pela CITES estão listadas em três apêndices, de acordo com o grau necessário de proteção para não impactar suas populações na natureza. Estes Apêndices do texto da Convenção são designados de Apêndices I, II e III. O App. I inclui as espécies ameaçadas de extinção, sendo o comércio de espécimes dessas espécies só permitido em circunstâncias excepcionais. O App. II inclui espécies não necessariamente ameaçadas de extinção, mas o comércio deve ser controlado para evitar uma exploração incompatível com sua sobrevivência. A Conferência das Partes (CoP), de onde emanam as decisões da Convenção, aprovou a Resolução 9.24 (Rev. CoP14)34, que profere uma série de conceitos biológicos e critérios de comércio para se definir se uma espécie deve ser incluída no Anexo (App.) I ou II: “Em cada reunião ordinária da CoP, as partes podem apresentar propostas com base nos critérios de alteração desses dois apêndices. Estas alterações propostas são analisadas e votadas. A Convenção também estabelece que é necessário para 34 Em: http://www.cites.org/esp/res/09/09-24R15.shtml 18 aprovar alterações mediante o procedimento do voto por correspondência entre reuniões ordinárias da CoP”35 36. No caso do App. III se inclui as espécies que são protegidas em pelo menos um país, com objetivo de controlar o comércio auxiliado pelas Partes. Cada parte tem o direito de fazer alterações unilaterais para este Apêndice. Para os espécimes das espécies incluídas no App. I se exige uma licença de importação emitida pela Autoridade do país importador. O que só será efetivado se o espécime não for utilizado para fins comerciais e que a importação não seja prejudicial para a sobrevivência da espécie. Também, para estas espécies, deve haver uma licença de exportação, ou certificado de reexportação, emitida pela Autoridade do país de exportação ou de reexportação. Para os espécimes das espécies incluídas no App. II exige-se uma licença de exportação ou certificado de reexportação emitido pela Autoridade do Estado de exportação ou de reexportação. Pode ser emitida uma licença de exportação se o espécime foi obtido legalmente e se a exportação não será prejudicial para a sobrevivência da espécie. Para o App. III apenas um certificado pode ser emitido se a amostra foi reimportada sob os auspícios da Convenção. Não requer uma licença de importação, exceto se especificado na legislação nacional. No caso de animais vivos ou plantas, assim como nos demais apêndices, devem ser preparados e transportados de forma a minimizar o risco de ferimentos, danos à saúde ou tratamento cruel. Espécimes das espécies incluídas no App. III, no caso do comércio com um Estado que incluiu a espécie no App. III requer uma licença de exportação emitida pela Autoridade de Gestão do Estado. Só podem ser emitidas se o espécime foi obtido legalmente. No caso de exportação de qualquer outro estado, necessita de um certificado de origem emitido pela Autoridade de Gestão. Quando um espécime de uma espécie incluída num Apêndice da CITES é transferida de um país Parte da Convenção para um não signatário, a Parte pode aceitar documentos equivalentes às licenças e os certificados acima descritos. 35 36 Em: http://www.cites.org/esp/disc/how.shtml. Tradução do autor da Tese. 19 A comercialização das espécies descritas nos apêndices da Convenção somente é possível com a devida regulamentação, autorizada após toda uma pesquisa de impacto na população da espécie, evitando que pela comercialização se afete o equilíbrio ecológico, seja pelo risco de extinção, ou pela restrição à função ecológica das espécies envolvidas. As definições que se têm na Convenção, de extração não prejudicial das espécies e de avaliação do impacto sob as populações, são fundamentais para o uso sustentável do recurso. Desta forma a sociedade tem um instrumento que não somente define como deve ser a atividade, mas que também a promove, permitindo o desenvolvimento social e econômico através da exploração dos recursos florestais e da fauna. O organograma da CITES é composto por órgãos que dão o suporte necessário para a execução da Convenção, como também para atualizações de políticas e implementação de diretrizes focadas no comércio e na conservação das espécies ameaçadas. Os órgãos existentes são: a Conferência das Partes, o Comitê Permanente, o Comitê de Fauna, o Comitê de Flora e a Secretaria. A Conferência das Partes (CoP) é uma denominação coletiva dos Estados membros reunidos. Segundo o Art. XI do Texto da Convenção está previsto que os membros se reúnam a cada dois ou três anos para examinar e avaliar o andamento da CITES, tomando medidas necessárias de ajustes ou recomendando medidas para melhorar sua eficácia. Entre algumas de suas atribuições, exaradas no Art. XI está o reexame dos animais listados nos Apêndices, assim como os progressos alcançados e revisões de políticas com a edição de Resoluções etc. O Comitê Permanente se encarrega da orientação política à Secretaria no tocante a aplicação da Convenção e supervisiona a administração de receitas e despesas da Secretaria. Este Comitê tem também como função a coordenação dos trabalhos dos Comitês e seus grupos de trabalho. É este órgão que realiza tarefas da Conferência das Partes e esboça projetos de resolução para esta. É formado por membros que representam seis regiões geográficas: África, Ásia, Europa, Américas (do Norte e Central/Sul/Caribe) e Oceania, sendo que o número de representantes é segundo o número de Partes em cada região37. Esta composição do Comitê Permanente se altera nas reuniões ordinárias da Conferência das Partes, 37 A Resolução Conf. 11.1 (Rev. CoP14) determina, no Anexo 1, o número de representantes segundo o número de Partes em cada região geográfica definida. 20 tendo sempre representante do Governo Depositário (neste caso a Suíça); da Parte que organizou a última reunião da Conferencia das Partes e da Parte que organizará a próxima reunião. A Secretaria CITES é o órgão de coordenação, assessoramento e serviço para o funcionamento da Convenção, é baseada em Genebra, Suíça (Governo Depositário). É administrada pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), órgão da Organização das Nações Unidas (ONU). A Secretaria atua como depositária dos informes, das licenças expedidas e de outras informações remetidas pelas Partes, faz todo o trabalho de assistência técnica, publicações, estudos, organização de reuniões, informes etc. Todas as funções precípuas da Secretaria estão previstas no Art. XII do Texto da Convenção. Toda a base estrutural da CITES, no que concerne ao andamento e realização da Convenção, é executada pela Secretaria, sendo o centro prático e funcional dos trabalhos efetuados visando o bom desempenho do acordo entre as Partes. Os Comitês de Flora e de Fauna foram estabelecidos na sexta reunião da Conferência da Partes (Otawa, 1987) com finalidade de sanar lacunas técnicas nos conhecimentos especializados sobre espécies de fauna e flora. Proporciona apoio nas tomadas de decisões sobre as espécies, em conformidade com o Anexo 2 da Resolução Conf. 11.1 (Rev. CoP15)38, que inclui: proporcionar apoio científico e orientar a CoP, examinar questões de nomenclatura, realizar exames periódicos de espécies, recomendar medidas coercitivas, preparar projetos de resoluções relativas a fauna e flora, entre outras funções. Os Comitês se reúnem duas vezes entre as reuniões da CoP. Assim como no Comitê Permanente são compostos por membros representantes das seis regiões geográficas, são eleitos nas reuniões da CoP. Qualquer Parte pode assistir as reuniões na qualidade de observador e suas presidências podem convidar qualquer pessoa ou organização a participar na qualidade de observador. O comércio internacional monitorado pela CITES, nos anos de 1995 a 1999, abrangeu cerca de 1.500.000 de aves vivas, 640.000 répteis vivos, 300.000 peles de crocodilo, 1.600.000 peles de lagartos, 1.100.000 peles de cobras, quase 300 toneladas de caviar, mais de 1.000.000 de pedaços de corais (TRAFFIC, 2006). 38 Em: http://www.cites.org/esp/res/all/11/S11-01R15.pdf 21 Todavia, a utilização de recursos silvestres ainda é objeto do tráfico ilegal, que ocupa alta posição nas atividades ilegais no mundo, calcula-se que movimente de 10 a 20 milhões de dólares por ano, sendo que se estima a participação do Brasil em cerca de 5% a 15% do total mundial (RENCTAS, 2001). A dificuldade que se tem em conter o tráfico ilegal de recursos silvestres se constitui justamente pela falta de uma estrutura interna consolidada e fortalecida, que engloba desde a atuação do governo, não somente na fiscalização e punição, mas também, e principalmente, na educação ambiental e de incentivos para a legalização da atividade. 3.1.2. Criação ex situ com fins comerciais na CITES A criação em cativeiro com finalidade comercial é tratada na Convenção com certa prudência em alguns aspectos, que veremos adiante, mas também prevê facilidades para animais criados em cativeiro para o comércio, constantes do Art. VII, Parágrafos 4 e 5 do Texto da Convenção, como segue: 4 – Os espécimes de uma espécie animal incluída no Apêndice I e criados em cativeiro para fins comerciais, ou de uma espécie vegetal incluídos no Apêndice I e reproduzidos artificialmente para fins comerciais, serão considerados espécies incluídas no Apêndice II. 5 – Quando uma Autoridade Administrativa do Estado de exportação tenha verificado que qualquer espécime de uma espécie animal tenha sido criado em cativeiro ou que qualquer espécime de uma espécie vegetal tenha sido reproduzido artificialmente, ou que seja uma parte deste animal ou planta ou que tenha sido de um ou outro, um certificado dessa Autoridade Administrativa neste caso será aceito em substituição das licenças exigidas em virtude das disposições dos Artigos III, IV ou V.39 Como deliberado no Texto da Convenção, devemos realçar o incentivo posto à criação e destacá-lo como instrumento de política pública. Toda discussão voltada para a normatização da criação ex situ compreende somente as espécies listadas no App. I, ou seja, aquelas que mais correm perigo entre as espécies listadas. 39 Em: http://www.cites.org/esp/disc/text.shtml 22 Preliminarmente é necessário observar a definição da CITES para criação em cativeiro, elaborada por conta da 2ª CoP, em San Jose (Costa Rica), através da Resolução Conf. 2.2, revogada pela Resolução Conf. 9.24 (Rev. CoP15)40, mas que manteve a definição anterior, desta maneira não há de se confundir esta com demais definições que possam parecer similares, como a criação em granja (ranching), por exemplo. A criação em cativeiro, na CITES, se refere à reprodução de animais nascidos ou criados num meio controlado, tal como definido pela Resolução Conf. 10.16 e só se aplica se os parentais se acasalaram ou se os gametas se transmitiram de outro modo num meio controlado, no caso reprodução sexual ou de parentais que se encontravam em meio controlado no momento que se iniciou o desenvolvimento do embrião (no caso de reprodução assexuada)41. E, ainda, se o plantel reprodutor se estabeleceu em conformidade com as disposições da CITES e a legislação nacional, sem prejudicar a sobrevivência da espécie no meio silvestre. Além disto, a população cativa deve ser mantida sem a introdução de espécimes silvestres, salvo a adição de espécimes em conformidade com as disposições da CITES e da legislação nacional sem prejuízo para a sobrevivência das espécies no meio silvestre. A não introdução de espécimes silvestres em criações cativas tem como finalidades prevenir ou mitigar a endogamia nociva. A adição se determinará em função da necessidade de se obter material genético novo e para dispor de animais confiscados conforme a Resolução Conf. 10.7 (Rev. CoP15)42, excepcionalmente para utilização no plantel reprodutor; se houver sido reproduzido progênie de segunda geração (F2), ou subseqüentes, e que seja provada a produção de progênies em meio controlado. Esta definição se aplica aos espécimes criados em cativeiro de espécies incluídas nos Apêndices I, II e III, independentemente de que tenham sido criados com fins comerciais. Ainda que a Convenção seja sobre o comércio internacional, o que importa, e a fundamenta conceitualmente, é a sustentabilidade das espécies em perigo que 40 Em: http://www.cites.org/esp/res/09/09-24R15.shtml Glossário da CITES, definição do termo “criação em cativeiro”, em: http://www.cites.org/esp/ resources/terms/glossary.shtml#c. 42 Em: http://www.cites.org/esp/res/all/10/S10-07R15.pdf 41 23 venham a ser comercializadas internacionalmente. Tendo isto como premissa o comércio de espécies de espécime listadas no App. I deve ser proibido, salvo determinadas exceções previstas no texto convencionado pelas partes. Entre estas devemos destacar a que nos traz relevância para esta análise, que é a criação em cativeiro para fins econômicos. A criação em cativeiro com finalidade comercial é um tema bastante discutido no Comitê de Fauna da CITES. Existem variadas correntes analisando a questão para que se possa adequar esta prática de forma a beneficiar a conservação. Desde logo, em conformidade com as disposições da Resolução Conf. 12.10 (Rev. COP15)43 e Conf. 9.19 (Rev. COP15)44, qualquer parte signatária, através de sua Autoridade Administrativa, pode registrar um empreendimento que crie uma das espécies de fauna incluídas no Apêndice I. Para tanto devem apresentar à Secretaria CITES, para incluir em seus registros, todas as informações necessárias para se obter e manter o registro de cada reprodução em cativeiro. As Resoluções citadas estabelecem os critérios para registro que devem ser remetidos à Secretaria. Assim como os estabelecimentos com finalidade comercial o item n.º 6, do Art. VII da Convenção contém disposições específicas relativas à regulamentação do comércio de certos tipos de espécimes de espécies incluídas nos Anexos I, II e III, para empréstimo, doação ou intercâmbio entre cientistas e instituições científicas registradas pela Autoridade de seus países. De acordo com a Resolução Conf. 11.15 (Rev. CoP12)45, a Secretaria é o órgão da CITES responsável por manter o registro das instituições científicas que possuam direito a essa isenção. Essa resolução também contém as diretrizes para a aplicação da isenção. Os espécimes de espécies listados no Apêndice I criados com finalidade comercial só podem ser comercializados se forem de segunda geração em cativeiro (F2), ou seja, seus progenitores já devem ser espécimes reproduzidos em meio controlado (closed cycle), o que os caracteriza como F1 (Quadro. 1). Já as gerações subsequentes (como F3, F4 etc.) podem ser comercializadas, uma vez que seus progenitores são de geração nascida em meio controlado. 43 Em: http://www.cites.org/esp/res/all/12/S12-10R15.pdf Em: http://www.cites.org/esp/res/09/09-19R15.shtml 45 Em: http://www.cites.org/esp/res/11/11-15.shtml 44 24 Fonte: Apresentação PPS da CITES: Introduction to CITES – UNEP/UNCTAD Capacity Building Task Force Quadro 1: Definição da CITES de espécime “Criado em Cativeiro” e geração F1 e F2. Desta forma animais oriundos diretamente de meio silvestre, assim como suas progênies diretas, formam um estoque de exemplares para a garantia da manutenção de banco genético, sendo-lhes vedada a comercialização. Cabe reiterar que a Convenção não tem ingerência a nível nacional sobre a criação comercial de espécies listadas nos Apêndices I e II, estando os países signatários livres para estabelecerem seus critérios. Quanto ao registro do estabelecimento de App. I na Secretaria CITES, este sim deve ser sob os regulamentos previstos pela Convenção. O mesmo mecanismo do App. II é aplicado para as espécies listadas no App. III. Nestes casos o registro da atividade na Convenção não é necessário para a emissão de licenças de exportação. O texto da Convenção contempla que espécimes de espécies do App. I criados em cativeiro serão tratados como App. II, conforme o Parágrafo 4º do Artigo VII, que reproduzimos a seguir: “Os espécimes de uma espécie animal incluído no Apêndice I e criados em cativeiro para fins comerciais, ou de uma espécie vegetal incluída no Apêndice I e 25 reproduzida artificialmente para fins comerciais, serão considerados espécimes de espécies incluídas no Apêndice II.” 46 Isto se deve ao fato de que o comércio de espécimes de origem silvestre de espécies incluídas no App. I necessitam uma prévia concessão e apresentação de uma licença de exportação, sendo que esta somente é concedida diante de determinadas disposições previstas na Convenção. Entre estas disposições está que a autoridade do país exportador deverá verificar a origem do animal, se este é de procedência legal, se será transportado em conformidade com legislação internacional (Diretiva CITES para o Transporte de Animais47 e IATA48) de maneira que não sofra deterioração ou mau trato e se há uma emissão prévia de licença do país importador. Com o objetivo de facilitar o comércio dos espécimes criados em cativeiro, previamente controlados pelas partes, o texto da Convenção tratou de diferenciar animais coletados do meio silvestre daqueles reproduzidos em meio controlado. É certo, portanto, o objetivo do texto em criar um ambiente favorável para o comércio das espécies do Apêndice I criadas em cativeiro, possibilitando-lhes maior celeridade nas emissões de licenças e menor burocracia nos trâmites legais. Na segunda Conferência da Partes (CoP) em 1979, realizada em San Jose (Costa Rica), além da definição de “criação em cativeiro”, estabeleceu-se alguns critérios para esta atividade. Entre eles sobre o plantel reprodutor, que não pode ser selecionado de maneira à por em perigo a sobrevivência de espécimes em meio silvestre e a adição de espécimes silvestres deve ser ocasional e de forma que garanta a conservação do plantel reprodutor dos criadouros. A necessidade de controle de tais estabelecimentos é impositiva para a seriedade da atividade, ainda mais considerando que muitas espécies são criadas em países fora de suas áreas de distribuição. Em diversas Resoluções subsequentes haviam pedidos para que a Secretaria CITES estabelecesse e coordenasse um registro dos estabelecimentos 46 Tradução do autor da tese CITES, In Diretivas para o transporte e a preparação para o transporte de animais e plantas silvestres vivos, adotadas pela Conferencia das Partes em sua segunda reunião (San José, 1979), em www.cites.org/esp/resources/transport/index.shtml. Acesso em 15 nov. 2010 48 A Associação Internacional de Transporte Aéreo (International Air Transport Association, em inglês) estabelece regras específicas para transporte de animais vivos no manual LAR (Live Animals Regulations). 47 26 de criação de espécies listadas no Apêndice I com fins comerciais, entre elas a Res. Conf. 4.15 (adotada na 4ª CoP em 1983, realizada em Gaborone – Botsuana – e já revogada). Nesta foi recomendada às Partes que transmitissem à Secretaria todas as informações pertinentes sobre estes estabelecimentos, através da Notificação 010/200049. A Resolução Conf. 4.15 determinou também a implantação de um sistema de marcação de animais, possibilitando assim um controle sobre estes. Pela Resolução Conf. 6.21 (realizada em Otawa em 1987 – e já revogada) determinou-se que o primeiro estabelecimento comercial de criação em cativeiro de uma determinada espécie somente seria inscrito na Secretaria com o voto positivo de dois terços das Partes. Já a Resolução Conf. 7.1050 (elaborada em Lausanne, em 1989) determinou que a solicitação de inclusão de criadouro comercial tivesse um formato único de inscrição para todos os países e espécies em questão. A questão era estabelecer padrões para o registro de forma a se controlar tais estabelecimentos e poder garantir que os animais comercializados seriam os espécimes de segunda geração (F2). Da mesma forma, este controle garantiria a procedência dos animais e se converteria numa espécie de “certificação” para os comerciantes, dando-lhes certo respaldo internacional. Por conta da 8ª Conferência das Partes, realizada em Kioto (1992), elaborou-se a Resolução Conf. 8.1551, compilando diversas diretrizes, sobretudo da Resolução Conf. 2.252, num só documento que deliberava as diretrizes relativas ao procedimento de registro e controle dos estabelecimentos comerciais de criação em cativeiro de espécies do Apêndice I da Convenção. Com esta Resolução a CITES reconhecia, em seus “considerando”, que a criação em cativeiro podia ser uma alternativa econômica nos locais de origem, além de alentar as populações rurais, que compartissem a mesma área de uma espécie, o interesse por sua conservação. No mesmo documento a Convenção reiterava: 49 Em: http://www.cites.org/eng/notif/2000/010.shtml Em: http://www.cites.org/esp/res/all/07/S07-10.pdf 51 Em: http://www.cites.org/esp/cop/08/S-Resolutions.pdf 52 Em: http://www.cites.org/esp/res/all/02/S02-02.pdf 50 27 ... que a demanda pela criação em cativeiro com fins comerciais e de conservação está crescendo, que a arte e a ciência da reprodução em cativeiro está adquirindo uma complexidade cada vez maior e que as Partes não haviam instituído procedimentos normalizados de registro e vigilância ulterior dos estabelecimentos de criação em cativeiro ...53 A tarefa do registro caberia ao Estado Parte interessado, devendo este, após consulta à sua Autoridade Científica, uma vez cumpridos os requisitos necessários, encaminhar a inscrição do estabelecimento à Secretaria CITES. A inscrição da atividade pela Secretaria só é feita depois de verificado os cumprimentos do disposto na Resolução e uma vez que não haja oposição de nenhuma outra Parte da Convenção, sobretudo dos Estados de área de ocorrência das espécies em questão. Os países signatários terão 120 dias para fazer oposição à inscrição, a partir da data de notificação feita à Secretaria pela Parte interessada. O registro só é efetivado após a aprovação, por dois terços, na Conferência das Partes, conforme dispõe o Artigo XV da Convenção. Com este procedimento a CITES garantia que o pedido fosse criteriosamente analisado pelos países membros e que não houvesse a efetivação de um registro se uma maioria não estivesse em conformidade. Notoriamente a preocupação é com o posicionamento dos países de área de ocorrência da espécie em pauta. Isto porque poderia haver uma coleta ilegal em determinado país para que fosse falsamente legalizado por um criadouro de um país vizinho. Esta preocupação foi mencionada, parcialmente, no Documento AC20 Doc.1154 da 20ª Reunião do Comitê de Fauna realizada em Johanesburgo, em 2004, para debater o processo de registro de criação comercial em cativeiro, já sob os auspícios da Resolução Conf. 12.1055, quando Índia e Israel se manifestaram sobre o tema, entre outras observações de Partes presentes. A Resolução Conf. 8.15 foi revogada pela Res. Conf. 11.1456, na Conferência das Partes, realizada em 2000, em Giriri (Quênia). A nova resolução trazia alguns aditivos à resolução revogada, sobretudo no que tangia a responsabilidade sobre a inscrição de estabelecimentos de criação comercial, 53 Tradução do autor da tese CITES. Documento AC20 Doc. 11, item 4, letra “g”, Disponível em http://www.cites.org/eng/ com/ac/20/E2011-.pdf. Acesso em 18 nov. 2010 55 Em: http://www.cites.org/esp/res/all/12/S12-10R15.pdf 56 Em: http://www.cites.org/esp/res/11/11-14.shtml 54 28 doravante de responsabilidade exclusiva da Parte proponente57. Também foi prevista na Resolução a elaboração de uma lista de espécies incluídas no App. I que não poderiam ser criadas com finalidade comercial, sendo classificadas como “em perigo crítico na natureza ou que são difíceis de manter ou reproduzir em cativeiro”. A lista foi debatida em diversas reuniões do Comitê de Fauna, contudo não foi elaborada uma vez que se considerava a definição, do termo “em perigo crítico”, muito subjetiva (Item 9.1 da Ata da 16ª Reunião do Comitê de Fauna58, realizada em Sheperdstown – EUA, em 2000). Por conta da reunião do Comitê em 200259, em San Jose (Costa Rica), não havendo consenso sobre definições para as inclusões na lista prevista, esta foi considerada improdutiva e deveria voltar-se para a Res. Conf. 8.15, que previa controle sobre os criadouros e que, portanto, tais questões seriam previamente observadas pelas Partes. De certo que as autoridades científicas de cada país iriam fazer tais observações sobre as espécies que poderiam ou não ser pleiteadas para criação comercial. No caso do Brasil pode-se destacar, por exemplo, a arara azul de Lear (Anodorhynchus leari – ver Anexo 1), que dispõe de pouquíssimos exemplares na natureza, conforme o Projeto Arara de Lear60, sendo sua reprodução cativa insipiente e destinada exclusivamente a Conservação. Notoriamente existem muitas espécies listadas no Apêndice I que possuem populações silvestres muito escassas e no limite de suas sobrevivências, tal fato deveria ser relevante na concessão de criadouros com finalidades comerciais. Por ocasião da 12ª Conferência das Partes, realizada em Santiago do Chile, em 2002, foi elaborada uma nova resolução, que revogaria a Res. Conf. 12.1061, a Res. Conf. 11.1462. Algumas inovações e determinações são trazidas pela disposição resolutiva, entre elas devemos destacar: DETERMINA QUE: a) a expressão “criados em cativeiro com finalidades comerciais”, segundo se utiliza no parágrafo 4 do Artigo VII, se interpretará no sentido de que faz 57 Em: http://www.cites.org/esp/cop/11/other/S-Resolutions.pdf Em: http://www.cites.org/esp/com/AC/16/S-16AC-Proceedings.pdf 59 Em: http://www.cites.org/esp/com/AC/18/summary_record.pdf 60 CEMAVE, Centro de Manejo de Aves do IBAMA. In Manegement Plan for Lear Macaw (Anodorhynchus leari), Brasília, 2006, p. 14. Disponível em: www.ibama.gov.br/cemave /download.php?id_download=100. Acesso em 22 nov. 2010. 61 Em: http://www.cites.org/esp/res/all/12/S12-10R15.pdf 62 Em: http://www.cites.org/esp/res/11/11-04.shtml 58 29 referencia a qualquer espécime de um animal criado com o propósito de se obter benefício econômico, inclusive lucro, bem seja em dinheiro em efetivo ou em espécie, ou com a intenção de vendê-lo, trocá-lo ou prestar um serviço ou outra forma de utilização ou benefício econômico… 63 Desta forma a nova disposição incorporava um conceito mais amplo para “criação em cativeiro para fins comerciais”, açambarcando toda e qualquer atividade em que houvesse um benefício com a transação do espécime da espécie envolvida. Por outro lado as transações não comerciais são definidas por aquelas que não tivessem benefícios econômicos e que se realizassem para programas de conservação em que se prevê a participação e apoio de um ou mais países da área de distribuição da espécie em questão. A Res. Conf. 12.10 (Rev. CoP15)64 é a que está em vigor atualmente e é através desta que uma Parte deve fazer sua gestão de fauna no que concerne a criação cativa com finalidade comercial. Para nossa análise é importante destacar as determinações resolutivas contidas nesta norma da CITES. Com este propósito destacamos abaixo as resoluções definidas pela Res. Conf. 12.10, como seguem: a) um estabelecimento só poderá ser registrado conforme o procedimento estabelecido na presente resolução, se os espécimes produzidos por este tenham sido efetivamente “criados em cativeiro”, segundo as condições enunciadas na Resolução Conf. 10.16 (Rev.); b) a responsabilidade de autorizar estabelecimentos de cria em cativeiro conforme o parágrafo 4 do Artigo VII recairá exclusiva e primordialmente na Autoridade Administrativa de cada Parte, em consulta com a Autoridade Científica dessa Parte; c) a Autoridade Administrativa facilitará a Secretaria toda à informação necessária para autorizar e manter a inscrição no registro de cada estabelecimento de cria em cativeiro como se estipula no Anexo 1; d) a Secretaria notificará a todas as Partes cada solicitação de registro seguindo o procedimento estabelecido no Anexo 2; e) as Partes aplicarão estritamente todas as disposições do Artigo IV da Convenção em relação com os espécimes de espécies incluídas no Apêndice I procedentes de estabelecimentos que criam ditos espécimes em cativeiro com fins comerciais; f) os estabelecimentos, de cria em cativeiro, registrados velarão pela utilização de um sistema de marcação apropriado e seguro para identificar claramente o plantel reprodutor e os espécimes comercializados, e se comprometerão a adotar métodos de marcação e identificação mais perfeitos à medida que se disponha deles; g) a Autoridade Administrativa, em colaboração com a Autoridade Científica, supervisará a gestão de cada estabelecimento de cria em cativeiro registrado em sua jurisdição e comunicará a Secretaria qualquer cambio importante na natureza de 63 64 Tradução do autor da tese Em: http://www.cites.org/esp/res/all/12/S12-10R15.pdf 30 um estabelecimento ou nos tipos de produtos produzidos para a exportação; em cujo caso o Comitê de Fauna examinará o estabelecimento para determinar se deve manter o registro; h) toda Parte que tenha jurisdição sobre um estabelecimento de cria em cativeiro poderá solicitar unilateralmente sua supressão do registro, sem necessidade de consultar as demais Partes, mediante uma notificação a Secretaria, e, neste caso, o estabelecimento será suprimido do registro imediatamente; i) quando uma Parte estime que um estabelecimento inscrito no registro não cumpra as disposições da Resolução Conf. 10.16 (Rev.) poderá, com prévia consulta à Secretaria e a Parte interessada, propor que a Conferência das Partes suprima este estabelecimento do registro com o voto favorável de uma maioria de dois terços das Partes, como se indica no Artigo XV da Convenção, e, uma vez suprimido, o estabelecimento só poderá ser inscrito novamente no registro seguindo o procedimento descrito no Anexo 2; e j) a Autoridade Administrativa deverá assegurar-se de que o estabelecimento de cria em cativeiro fará uma contribuição perdurável e significativa em conformidade as necessidades de conservação da espécie de que se trate;65 As condições impostas às Partes para as inscrições de estabelecimentos comerciais previstas pela resolução, conforme acima elencadas, são na verdade exigências compiladas por normas anteriores, já comentadas, salvo algumas novidades. Entre estas podemos destacar o fato de uma das Partes poder propor a supressão do registro de um estabelecimento, com prévia consulta à Secretaria e a Parte interessada, na ocasião da Conferência das Partes, requisitando dois terços de votos a favor (letra “i”). Outra inovação é a imposição de uma contribuição “perdurável e significativa” para o estabelecimento às necessidades de conservação da espécie em questão, devendo tal procedimento ser assegurado pela Autoridade Administrativa do país de jurisdição (letra “j”). A questão de uma sinergia entre os estabelecimentos de criação em cativeiro de espécies do Apêndice I e as necessidades de conservação destas foi exortada na Decisão 11.10266, adotada na CoP 11, uma vez que se previa que o Comitê de Fauna continuaria examinando as complexas questões relacionadas a origem do plantel reprodutor destes estabelecimentos e a relação da criação cativa com a conservação das espécies. Neste sentido o importante era envolver os criadouros com a conservação, determinando possíveis estratégias e mecanismos pelos quais se poderia lograr uma contribuição efetiva. O informe deveria ser apresentado na 13ª CoP pelo Comitê, trabalhando conjuntamente com outros órgãos. 65 66 Tradução do autor da tese Em: http://www.cites.org/esp/dec/valid12/11-102more.shtml 31 Na Decisão 12.7867, adotada pela CoP 12, a questão foi reiterada, quando se estipulou que o Comitê de Fauna estudaria e avaliaria o processo para registrar estabelecimentos que criassem com fins comerciais espécies do Apêndice I e apresentaria um informe na 13ª reunião da CoP, contendo: descrição e análise dos problemas específicos que restringiam a ampla utilização do processo de registro; recomendações para resolver estes problemas e um estudo avaliando de que forma a criação em cativeiro contribui para a conservação das espécies incluídas no Apêndice I. O Anexo 368, da Res. Conf. 12.10, invoca informações do criador comercial no seu item 15, sendo: “Descrever as estratégias utilizadas ou as atividades realizadas pelo estabelecimento de cria em cativeiro que contribuam em prol da conservação das populações silvestres da espécie”. Há uma clara manifestação da CITES em se intrincar a criação comercial de espécies do App. I com programas de conservação. Considerando os níveis críticos das populações silvestres destas espécies faz-se importante que a concessão de um registro implique no envolvimento de instituições comerciais nos programas de conservação que possam existir. Os estabelecimentos de cria comercial são efetivos possuidores de uma série de informações e equipamentos que empregam na reprodução. Conhecimento biológico de espécies, manejo sanitário, manejo reprodutivo, equipamentos diversos (incubadouras, nascedouros, rações específicas etc.), entre outros, são instrumentos que podem auxiliar em programas de reprodução ex situ voltados exclusivamente para a conservação. Isto sem considerar os ganhos financeiros obtidos da comercialização, dos quais parte percentual poderia ser empregada nos programas diretos de conservação ou preservação. Ter estes empreendimentos envolvidos nestes processos passa a ser um objetivo da Convenção, formalmente expressados na Res. Conf. 12.10, como segue: Exorta: b) as Autoridades Administrativas que trabalhem em estreita colaboração com os estabelecimentos de cria em cativeiro para preparar a informação requerida no Anexo 1 da presente resolução, ou que estabeleçam um grupo de apoio com representantes dos criadores e do Governo a fim de facilitar o procedimento; e c) as Partes a oferecerem a seus estabelecimentos de cria em cativeiro incentivos para registrar-se, como uma tramitação mais rápida das solicitações de licenças, a 67 68 Em: http://www.cites.org/esp/dec/valid12/11-102more.shtml Em: http://www.cites.org/esp/res/all/12/S12-10R15.pdf 32 expedição de um certificado oficial de aprovação como estabelecimento de cria internacionalmente registrado, ou possivelmente tarifas reduzidas para as licenças de exportação. Encoraja: a) as Partes a que proporcionem formulários de solicitação simples (como o utilizado pela Autoridade Administrativa do Canadá) e instruções claras aos estabelecimentos que desejam registrar se; e b) aos países importadores que facilitem a importação de espécies incluídas no Apêndice I procedentes de estabelecimentos registrados de cria em cativeiro;69 Devem ser destacados alguns pontos acima transcritos, visando aclarar o posicionamento da CITES em relação à criação em cativeiro. O primeiro deles é o pedido de colaboração dos Governos dos países signatários com os estabelecimentos de criação comercial, inclusive com grupos de apoio para trabalhar na facilitação de procedimentos de inscrição das atividades na CITES. Isso aponta para um incentivo claro da Convenção a este tipo de aproveitamento econômico dos recursos de fauna. Institucionalizou-se, portanto, a questão da criação comercial de espécies listadas no App. I com a diretriz da CITES de participação das Partes no processo. O segundo reforça este, sendo a solicitação de que as partes incentivem os criadouros, inclusive com reduções de tarifas para a concessão de licenças e celeridade nos trâmites comerciais. Na sequência, a Convenção reforça a necessidade de formulários simplificados e instruções claras para aqueles que intencionem obter o registro do estabelecimento na Secretaria CITES, que são na verdade a materialização de uma política pública a ser praticada para incentivar criadores a efetivar suas inscrições. Mais além, a CITES conclama os países signatários a facilitarem as importações de espécimes de espécies listadas no Apêndice I oriundas de criadouros devidamente registrados para esta atividade, em conformidade com seu próprio texto. A CITES seguiu debatendo a questão da criação em cativeiro. No informe AG20 WG2 DOC. 170, de abril de 2004, do Grupo de Trabalho do Comitê de Fauna, sobre “Relação entre produção ex situ e conservação in situ”, chegou-se a um consenso de que se deveriam usar os estudos de casos existentes, inicialmente, como uma fonte de idéias para identificar estratégias apropriadas para avaliar o impacto das operações ex situ de reprodução em cativeiro com fins comerciais e 69 70 Tradução do autor da tese Em: http://www.cites.org/common/com/ac/20/WG/E20-WG02-01.pdf 33 seus efeitos sobre a conservação in situ, e assim continuar a analisar estudos de casos em detalhes. Entre algumas recomendações estavam: requerer que as organizações fornecessem informações sobre a conservação in situ e os custos e benefícios dos sistemas de produção em cativeiro, além de levar em conta os trabalhos da Convenção sobre Diversidade Biológica em questões de acesso e repartição de benefícios em relação à produção ex situ. Isto gerou formulários enviados às Partes solicitando informações, contido no próprio informe, e considerar ao longo do debate a sinergia da CITES com a CDB. Mas, apesar do sistema de registro incentivar a criação em cativeiro com finalidade comercial, as exigências para tal procedimento eram muitas vezes inexequíveis por algumas das Partes e dos criadouros sob suas jurisdições. O tema foi analisado pela 20ª reunião do Comitê de Fauna em Johanesburgo em 2004, com o objetivo de tornar mais célere e fácil as inscrições dos criadouros interessados, expressado no documento informativo AC20 Doc. 1171. Neste alguns países se manifestaram quanto às dificuldades apresentadas pela Res. Conf. 12.10 quanto ao procedimento de registro. Os Estados Unidos, por exemplo, informou que muitas espécies do Apêndice I se importaram para o país antes que a Convenção entrasse em vigor, em 1º de julho de 1975 e, por tanto, seria muito difícil documentar a origem legal do plantel parental reprodutor (letra “b”), além de que para vários criadores era impossível recuperar informação sobre o plantel fundador (letra “k”), entre outros. O Reino Unido e a República Tcheca relataram que o problema é que algumas Partes e ONGs têm expectativas pouco realistas sobre as provas que se devem apresentar a respeito da legalidade do plantel fundador e logo são capazes de bloquear o registro (letra “c”). Estados Unidos e Espanha expressaram inquietude pelo fato de que muitos países seguem autorizando importações de espécies do App. I com amparo do Artigo III da Convenção, e que se os criadores podem exportar sem registro não há nenhum incentivo em registrar-se (letra “e”). A Alemanha declarou que devido ao processo ser complicado e lento, muitos proprietários se abstinham de iniciar o processo de registro, vendendo seus espécimes criados em cativeiro dentro da União Européia, uma vez que para tal comércio não se requeria registro (letra “g”). Algumas entidades se manifestaram sobre a questão, como ONGs e 71 Em: http://www.cites.org/esp/com/AC/20/S20-11.pdf 34 empresas privadas. A SSN72 (Rede para a Sobrevivência das Espécies) apoiou o sistema de registro e propôs que se ampliassem os debates para incluir contribuições dos países das áreas de distribuição quanto a riscos para aplicação da Lei e de esforços de conservação in situ. Já a Birds International Inc.73 propôs que as Autoridades Administrativas da Parte em que se encontre o estabelecimento sejam responsáveis em aprovar a aquisição do plantel fundador e que se encontre um processo mais simples para as espécies adicionais, além de se restringir as formulações de objeções aos países da área de distribuição das espécies que se pretenda criar. Por conta da revisão dos procedimentos, e consequentes sugestões apresentadas pelo comitê de Fauna através de informes, a CoP 15, realizada em Doha (março, 2010), fez uma revisão da Res. Conf. 12.10 acatando o informe CoP 15 Com. II 3774 do Comitê. As alterações foram pontuais quanto aos procedimentos de registro, sem grandes alterações no texto original, mas agregou o formulário de registro do Canadá, a que se tinha feito apenas referência anteriormente, como exemplo de documento simples a ser implantado. Desde a CoP 15 a resolução tem como referência a revisão e é descrita com a terminologia Res. Conf. 12.10 (Rev. CoP15). É nesta regulamentação, atualmente em vigor, que estão previstos os procedimentos de registro de estabelecimentos comerciais para espécies ameaçadas da fauna e da flora silvestres. Na evolução dos acontecimentos, a CITES, em sua 13ª CoP, edita a Resolução Conf. 13.975, sobre “Fomento da cooperação entre as Partes com estabelecimentos de criação in situ e as Partes com programas de conservação ex situ”. Alguns pontos são importantes destacar desta norma para se reforçar a diretriz geral da Convenção no tocante a criação com finalidade comercial de espécies listadas no App. I, entre eles: RECORDANDO a Resolução Conf. 8.3 (Rev. CoP13), aprovada pela Conferência das Partes em sua oitava reunião (Kyoto, 1992) e revisada em sua 13ª reunião 72 Species Survival Network, A Organização Não Governamental americana apoiou o sistema de registro adotado pela CITES, recomendando a não alteração dos procedimentos. 73 Empresa privada de criação em cativeiro com finalidade comercial de espécimes de espécies listadas no Apêndice I da CITES, sediada em Manila (Filipinas) e registrada na Secretaria CITES em Genebra. Web site disponível em: http://www.birdsinternational.net/. 74 Em: http://www.cites.org/esp/cop/15/ins/S15-Com-II-37.pdf 75 Em: http://www.cites.org/eng/res/13/13-09.shtml 35 (Bangkok, 2004), a qual se reconheceu que a utilização sustentável da fauna e flora silvestres, destinada ou não ao consumo, representa uma forma de aproveitamento da terra economicamente competitiva, e que os ingressos procedentes da utilização lícita podem gerar fundos e servir de incentivo para apoiar a gestão da fauna e flora silvestres com o propósito de reduzir o comércio ilícito;76 Neste preâmbulo da Resolução a CITES recorda que o aproveitamento econômico e os ingressos gerados por estes podem gerar fundos e incentivar a gestão com a finalidade de reduzir o comércio ilícito, desta maneira insere a criação (tema central da norma) como um aproveitamento sustentável e lhe dá um status de mais uma ferramenta para o combate ao tráfico de animais. Continuando: RECORDANDO a Decisão 11.102 (Rev. CoP12), em que se encarrega o Comitê de Fauna que siga examinando os complexos aspectos relacionados com a origem do plantel reprodutor fundador e a relação entre os estabelecimentos de criação ex situ e a conservação in situ de espécies e que determine possíveis estratégias e outros mecanismos mediante os quais os estabelecimentos de criação ex situ podem contribuir para incrementar a recuperação e/ou a conservação das espécies nos países de origem;77 A busca de estratégias e outros mecanismos com os quais a criação possa contribuir para recuperação e conservação de espécies é novamente exaltada pela Convenção, numa firme diretriz de aliar o uso econômico de espécies com possíveis programas destinados a conservação, como citados anteriormente nos documentos do Comitê de Fauna. A percepção desta “conexão” pode representar um ganho para as espécies em risco, da mesma forma para as não ameaçadas, gerando recursos ou conhecimentos passíveis de serem incorporados aos planos de gestão de diversas espécies. Relembrando a Decisão 12.2278, que previa um curso técnico sobre políticas de comércio de fauna e incentivos econômicos aplicáveis a gestão e ao comércio de espécies incluídas nos Apêndices da CITES, especialmente com o objetivo de desenvolver uma metodologia de exame destas políticas e formular recomendações específicas, a Resolução Conf. 13.9 insiste na preparação de informes que possam fazer uma análise ampla do comércio para se estabelecer os 76 Tradução do autor da tese Tradução do autor da tese 78 Em: http://www.cites.org/esp/dec/valid12/12-22.shtml 77 36 benefícios e custos socioeconômicos para a conservação. A relevância destes é para que possam dar “base” a recomendações da Convenção para as Partes com correções ou implantações de políticas positivas e, de certa maneira, posicionando as diretrizes para as gestões públicas nacionais. Vejamos o texto na Resolução: RECORDANDO ademais a Decisão 12.22, na que se encarrega a Secretaria que realize, em cooperação com as Partes, um exame de sua política nacional em matéria de utilização e comércio de espécies incluídas nos Apêndices da Convenção, tendo em conta os incentivos econômicos, os sistemas de produção, as pautas de consumo, as estratégias de acesso aos mercados, as estruturas de preços, os sistemas de certificação, os planos de subvenção e imposição que afetam a CITES, os direitos de propriedade, os mecanismos para compartir benefícios e reinvestir na conservação, e que prepare um informe em que se analisem as repercussões econômicas das políticas em matéria de comercio de fauna e flora silvestres em função dos benefícios e os custos socioeconômicos e para a conservação, o valor econômico, os níveis de comércio lícito e ilícito, o melhoramento das condições de vida das comunidades locais, e o papel do setor privado que participa no comércio de fauna e flora silvestres;79 Talvez o ponto mais importante da Resolução esteja na explicitação da Convenção quanto ao reconhecimento de que a criação possa ter influência positiva sobre a conservação. De certa forma a Convenção resgata determinados princípios contidos na Convenção da Diversidade Biológica (que analisamos mais adiante) e os externa textualmente nas fundamentações da Resolução Conf. 13.9, como segue: CONSCIENTE de que os estabelecimentos de criação em cativeiro ex situ de espécies do Apêndice I podem ter um impacto positivo sobre a conservação in situ;80 Por fim a Resolução exorta às Partes que motivem os estabelecimentos comerciais a adotarem medidas coordenadas objetivando o apoio a programas de conservação das espécies incluídas no Apêndice I. Mais que isto, a CITES solicita o apoio dos criadouros comerciais diretamente nos ditos programas e enumera uma série de formas que podem ser realizados, segue a reprodução: 79 80 Tradução do autor da tese Tradução do autor da tese 37 A CONFEÊNCIA DAS PARTES NA CONVENÇÃO EXORTA: a) às Partes a que encorajem os estabelecimentos ex situ que criam espécies de fauna incluídas no Apêndice I ou que reproduzem artificialmente espécies de flora incluídas no Apêndice I que tratem de adotar medidas coordenadas que possam apoiar a conservação in situ baseada nos recursos gerados por esses estabelecimentos de criação em cativeiro; e b) às Partes a que encorajem os estabelecimentos ex situ que criam ou reproduzem artificialmente espécies incluídas no Apêndice I dentro do Estado da área de distribuição, a que prestem apoio a programas de conservação in situ; este apoio pode consistir, entre outras coisas, em apoio técnico, contribuição de fundos, intercâmbio de espécimes para reintrodução na natureza, fomento da capacidade e formação, transferência de tecnologia, investimentos, infra-estrutura e outras medidas.81 O texto, por si só, revela que são reconhecidos pela Convenção diversos aspectos que podem ser positivos na criação comercial. O objetivo econômico de um estabelecimento o leva a desenvolver técnicas cada vez aprimoradas que visem reprodução em escala para atender ao mercado. Estas técnicas envolvem desde a capacitação de mão de obra para trabalhar com o manejo das espécies até tecnologias avançadas no auxílio à reprodução cativa, passando por estudos biológicos das espécies, infra-estrutura necessária para a reprodução, manejos específicos de manutenção e reprodução, etc. Ao observarmos todo o histórico da CITES com a criação em cativeiro com finalidade comercial, reforça-se que há uma preocupação constante de que haja uma participação/contribuição efetiva dos estabelecimentos com os programas de conservação. Ainda que a Convenção regule a criação de espécies listadas no Apêndice I o mesmo efeito recai sobre as demais, não importando se estas estão listadas nos demais Apêndices (II e III) ou sequer estejam listadas. A CITES não só reconhece a criação como uma ferramenta possível de incentivo a conservação e ao combate ao comércio ilegal como também, através de suas normas internas, cria as bases para o fomento e o incentivo desta prática legal pelas Partes signatárias. Percebese também uma constante atenção para que a implementação desta política de incentivo seja focada, sobretudo, na conservação e dentro dos parâmetros de controle e regulação desta atividade para que garantam seus efeitos positivos. 81 Tradução do autor da tese 38 3.1.2. Outros marcos regulatórios internacionais Os desafios da transição para sociedades ambientalmente saudáveis e multiculturais têm sido abordados por um amplo conjunto de organizações não governamentais ambientalistas e de desenvolvimento, de saúde, de proteção dos consumidores, de monitoramento de políticas públicas e da atuação de órgãos internacionais, de acesso a direitos e de cumprimento de acordos internacionais. Mais recentemente, também representantes de outros setores da sociedade (empresariado, academia, governos etc.) têm se debruçado sobre tais temas, isoladamente ou mesmo em associações e outros formatos de atuação coletiva, passando a se constituir, em vários casos, como interlocutores ou aliados relevantes. Desta forma torna-se imprescindível considerar tais manifestações ou deveres na elaboração de políticas ambientais. A percepção da criação comercial de animais silvestres vista de outros organismos e entidades devem ser destacadas para corroborar, ou não, com uma política pública de fauna a nível nacional. O leque de embasamento para uma tomada de decisão governamental tem que considerar as questões de teor técnico, de direito internacional público, da legislação nacional, entre outros. Como signatário de outras convenções o Brasil deve buscar a fundamentação de sua política de Estado na área de fauna em diplomas legais internacionais os quais regem as diretrizes para tal. Não se pode delegar tal iniciativa a uma política de governo, estes são transitórios no Poder e, portanto, a legislação e a gestão pública devem caminhar sob a égide de uma política de Estado. Partindo dos compromissos firmados pelo país, no tocante ao uso sustentável de recursos naturais, não se pode deixar de mencionar a CDB, de igual importância para a gestão de fauna como a CITES. Esta importância se traduz em princípios gerais, não tendo senso de implementação prática em temas pontuais. O texto da Convenção sobre Diversidade Biológica82, assinada no Rio de Janeiro em 5 de junho de 1992, aprovada pelo Decreto Legislativo n.º 2, de 4 de fevereiro de 1994 e promulgada pelo Decreto n.º 2.51983, de 16 de março de 1998, remete a 82 83 CDB, Texto da Convenção, disponível em: http://www.cbd.int/doc/legal/cbd-en.pdf Em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2519.htm 39 diversas considerações sobre o uso de recursos naturais. Entre algumas destacamos: Todos os países signatários devem adotar medidas para conservação ex situ. (Art.9º da CDB) Para a utilização sustentável dos componentes da diversidade biológica, cada país signatário deve proteger e encorajar a utilização costumeira de recursos biológicos de acordo com práticas culturais tradicionais compatíveis com as exigências de conservação e utilização sustentável. (Art.10º da CDB) Cada país signatário deve adotar medidas econômicas e socialmente racionais que sirvam de incentivo à conservação e utilização sustentável da diversidade biológica. 84 (Art.11º da CDB) A CDB evoca a necessidade de se adotar medidas que incentivem a criação ex situ. Esta preocupação perpassa pela significativa importância da conservação de recursos genéticos, que é uma alternativa para diminuir a perda contínua de espécimes devido à degradação ambiental. O ápice da conservação exige estratégias in situ e ex situ, para que sejam protegidas as populações ainda existentes no meio silvestre. Devido às grandes dificuldades para implantação e manutenção de programas de conservação dos animais no seu habitat natural, a conservação ex situ tem tido destaque em razão de sua praticidade. A CDB demonstra a necessidade de se criarem estratégias para conservação da fauna em risco de extinção, que pode se dar especialmente por meio da utilização das biotécnicas de reprodução animal. A sobrevivência de uma espécie depende de populações mínimas viáveis (SOULE, 1986; BRITO FONSECA, 2006). Quando isso não é possível naturalmente, o manejo das populações é necessário para que seja proporcionada a garantia mínima de variabilidade genética, bem como demográfica e ecológica, para sua manutenção e perpetuação (CULLEN JR et al., 2003). A conservação ex situ também é ponto previsto na Agenda 21, a qual propõe a adoção de medidas eficazes de incentivos econômicos, sociais e outros para estimular a conservação da fauna. Ou seja, são evocadas diversas razões e contribuições para a existência oficial da criação, bem como de seu estímulo, através de uma política pública a nível nacional. 84 Tradução do autor da tese 40 Mas é através dos Princípios e Diretrizes de Addis Abeba85 que a CDB promove a observância de vários fatores a serem considerados nas políticas públicas dos países signatários, são marcos regulatórios dados por esta Convenção e, digam-se, obrigatórios. Deve-se destacar, inclusive, que estes Princípios foram incorporados pela CITES através da Resolução Conf. 13.2 (Rev. CoP14)86 e, dada sua relevância e os seus objetivos, criaram um link direto com os propósitos desta última Convenção. Desde a Resolução Conf. 10.487 (Harare, 1997), revisada na CoP14, a CITES já tinha um memorandum de cooperação com a CDB, objetivando a sinergia entre as duas Convenções. Por meio da Resolução Conf. 13.2 (Rev. CoP14) a CITES instou as Partes nos seguintes tópicos: a) que façam uso dos Princípios e diretrizes para a utilização sustentável da diversidade biológica, tendo igualmente em conta considerações de ordem científica, comercial e de observância determinadas pelas circunstâncias nacionais, assim como as recomendações dos Comitês de Fauna e de Flora (ver Anexo II) quando adotarem processos relacionados com a inexistência de consequências prejudiciais e formulem ditames CITES sobre extrações não prejudiciais do meio silvestre; b) compartam experiências sobre a utilização sustentável em escala nacional, e especialmente entre as Autoridades Administrativas e Científicas da CITES e seus centros de coordenação da CDB, e; c) tratem de assegurar de que suas Autoridades Administrativas e Científicas da CITES participem, mediante seus centros de coordenação nacionais da CDB, no trabalho da CDB e seu Órgão Subsidiário de Assessoramento Científico, Técnico e Tecnológico (SBSTTA) sobre estes princípios e diretrizes; e INSTA às Partes que sejam também Partes na CDB e que tomem medidas efetivas a nível político e institucional para garantir a sinergia entre sua aplicação da CITES e da CDB em escala nacional. Como vemos pelo texto da Resolução, a CITES direciona as Partes subsidiando-as com os instrumentos para a promoção da sinergia entre os dois acordos. Com o documento de Addis Abeba, a CDB, por sua vez, cria elementos definidos viabilizando a execução de uma significativa interação, que neste contexto são recepcionados pela CITES. O documento de Addis Abeba prevê que a utilização sustentável determina que o emprego da diversidade biológica se dê de uma forma que mantenha o seu 85 Em: http://www.cbd.int/doc/publications/addis-gdl-en.pdf Em: http://www.cites.org/esp/res/13/13-02R14.shtml 87 Em: http://www.cites.org/esp/res/10/10-04R14.shtml 86 41 potencial para satisfazer as necessidades e as aspirações presentes e futuras dos seres humanos e impeça o seu declínio em longo prazo. No item 2, prevê que: “a utilização sustentável é uma ferramenta valiosa que permite promover a conservação da biodiversidade, já que, em muitos casos, oferece incentivos para a conservação e restauração por causa dos benefícios sociais, culturais e econômicos que a população obtém desse uso.” 88 O Princípio Prático n.º 1, faz alusão de um problema sintomático nas questões ambientais no Brasil, inclusive em particular na gestão de fauna, que existe uma “necessidade de congruência entre as políticas e as leis” em todos os níveis de governo. E indicam, como diretriz operacional, a necessidade de “identificar qualquer superposição, omissão ou contradição nas leis e nas políticas existentes e iniciar ações corretas para resolvê-las”. Na sequência o Princípio Prático n.º 2 estabelece que: ...ao reconhecer a necessidade de um marco de governo consistente com as leis internacionais e nacionais, os usuários locais dos componentes da diversidade biológica devem estar suficientemente dotados de poder e apoiados por direitos para assumir a responsabilidade do uso dos recursos respectivos”. Para reforçar os direitos ou a administração local da diversidade biológica e a responsabilidade por sua conservação, os usuários dos recursos devem participar na tomada de decisões em torno do uso dos recursos e ter a autoridade para empreender qualquer medida que se derive dessas decisões.89 O Princípio Prático n.º 3 estatuiu que as políticas, as leis e regulamentações internacionais e nacionais que perturbam os mercados ou geram desestímulos à conservação ou à utilização sustentável devem ser identificadas e eliminadas (ou pelo menos mitigadas). Como diretriz operacional, consta a de evitar regulamentações desnecessárias e inadequadas dos usos da biodiversidade, já que podem aumentar os custos, fechar oportunidades e incentivar a ilicitude. No caso da fauna isto tem sido visto com freqüência no Brasil, o comércio ilegal de animais silvestres segue tendo oportunidades frente às sistemáticas limitações impostas por Instruções Normativas às iniciativas comerciais legais. A 88 89 Tradução do autor da tese Tradução do autor da tese 42 RENCTAS, ONG de combate ao tráfico, bem observou no artigo “Comércio da vida silvestre: o ético e o ilegal” 90, como segue: O Brasil não irá avançar no combate ao tráfico de animais silvestres – e num plano geral, na conservação da biodiversidade – enquanto não adotar uma posição clara e objetiva sobre a criação comercial. É necessário que se tenha coragem política para assumir uma postura definitiva, mesmo que seja uma decisão que desagrade os gregos ou os troianos. A falta de transparência só favorece àqueles que se alimentam da obscuridade. Os Princípios de Addis Abeba têm sido observados com freqüência pelas ONGs atuantes no setor, diferentemente do governo brasileiro, como nos revela o artigo. Entre as várias diretrizes operacionais previstas, as mais significativas são aquelas que nos remetem aos problemas de política interna, que se opõem a estas: estimular a colaboração ativa entre os investigadores científicos e aqueles que possuam um conhecimento local e tradicional; estimular a intervenção dos interessados diretos na gestão da diversidade biológica e na utilização sustentável dos seus recursos; identificar os interessados diretos e buscar sua participação; considerar os fatores socioeconômicos e culturais; eliminar fatores de desestímulo, ineficiências e custos e promover incentivos econômicos para os agentes que participem da gestão de recursos da biodiversidade. A elaboração de um marco regulatório legal no país sobre política de fauna teria que observar tais diretrizes, pois estas são as bases do marco regulatório internacional. No rastro de tais abordagens da CDB estão atuando diversas entidades e organizações nos mais variados setores da área ambiental. Com a fauna não vem sendo diferente, e há grande direcionamento no sentido de enaltecer as práticas sustentáveis. Entre estas a criação ex situ com finalidade comercial vem obtendo incentivo e promoção institucionais mundo afora. Deve-se observar que este incentivo requisita uma série de elementos que dêem credibilidade e funcionalidade as práticas legais. A FAO, Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (em inglês Food and Agriculture Organization), através do de seu relatório 90 GIOVANINI, D., In Comércio da vida silvestre: o ético e o ilegal. Artigo publicado no Jornal do Brasil / JB Online - em 04/03/2009. Disponível em: http://webcache.googleusercontent.com/ search?q=cache:CKU60K3nK1QJ:renctas.com/pt/informese/artigos.asp+renctas+com%C3%A9rci o+legal&cd=5&hl=en&ct=clnk 43 Wildlife Utilization in Latin America: Current Situation and Prospects for Sustainable Management - FAO Conservation Guide – nº 2591 produz um interessante texto sobre o aproveitamento de fauna na América Latina. Discorre longamente na análise do tema relatando que não foram poucos os estudos sobre a fauna da América Latina, mas que, embora abundante, é ameaçada pela pressão humana devido à pobreza generalizada e pela falta de políticas de desenvolvimento adequadas. A FAO menciona as inúmeras técnicas e eventos científicos realizados nos últimos 20 anos, um testemunho da profunda preocupação com o destino dos animais selvagens indígenas da América Latina. Apesar disso, chama a atenção que a vida selvagem, como um dos recursos naturais renováveis, continua a ser ignorada, subestimando-se o interesse econômico que desperta. Para a FAO, aparentemente, as advertências de alerta dos cientistas e outros cidadãos preocupados com o declínio progressivo da vida selvagem estão demorando muito tempo para traduzir-se em uma política eficaz para a reabilitação e desenvolvimento do setor, e que talvez isso se deva em parte devido à falta de documentação sobre a importância decisiva da vida selvagem. Segundo o estudo da FAO, apesar de defasado em alguns pontos (já que sua elaboração é de 1996) traz algumas conclusões que se destacam para nosso entendimento da criação comercial: A reprodução em cativeiro pode ser uma opção muito válida. A proteção das espécies criticamente ameaçadas de extinção pela destruição do habitat e a criação de animais em vias de extinção (por exemplo, Crocodylus spp.) para reintrodução na natureza são dois casos em questão. Os répteis com alta mortalidade natural durante as primeiras fases da vida merecem uma consideração especial. É concebível a proteção dos seus ninhos e os recém-nascidos, ou incubação artificial, para aumentar o recrutamento. A reprodução em cativeiro de algumas espécies também pode ser de custo-efetivo, principalmente onde há uma grande demanda internacional de animais vivos, por exemplo, primatas e aves canoras ou ornamentais. A paca pode ser acrescentada a esta lista, porque sua carne é muito procurada, assim como a capivara, porque é relativamente fácil de gerenciar e altamente produtiva. Em qualquer caso, a principal contribuição de reprodução em cativeiro comercial seria econômica: criar empregos, alimentos e renda para a população rural.92 93 91 Disponível em: http://www.fao.org/docrep/t0750e/t0750e00.htm Em: http://www.fao.org/docrep/t0750e/t0750e00.htm 93 Tradução do autor da tese 92 44 A FAO também tem a preocupação na conservação dos recursos genéticos, no que a criação teria papel fundamental. Para o organismo internacional os recursos genéticos agrícolas são o resultado de "cuidadosa seleção dos agricultores de variedades pendentes de plantas e animais, bem como coadaptação entre plantas, animais e seres humanos, em determinadas condições agro-ecológicas” 94. A conservação in situ de recursos genéticos para alimentação e agricultura não pode ser realizada fora da dinâmica de sistemas agrícolas locais e culturas humanas em que esses recursos foram desenvolvidos. Após anos de consultas internacionais, com vista a proteger alguns dos mais relevantes sistemas agrícolas que detêm recursos genéticos importantes, incluindo alguns que estão particularmente em risco, a FAO, em 2002, lançou a FAO UNDP-GEF / para apoiar o Globally Important Ingenious Agricultural Heritage Systems (GIAHS) 95. O projeto visa promover o reconhecimento internacional, conservação e gestão sustentável destes sistemas, incluindo, quando necessário, a sua revitalização e com o apoio do papel proeminente que estes sistemas desempenham na segurança alimentar das famílias e na manutenção da biodiversidade agrícola, bem como a sua contribuição a paisagem natural e do patrimônio cultural e dos sistemas de conhecimento indígena. Após termos feito uma breve análise da visão da criação com finalidade comercial de espécies silvestres pelos organismos em questão, devemos mencionar também a abordagem de organizações como a IUCN e a TRAFFIC, ambas com estreita relação com a Convenção CITES através de memorandos e, portanto, logicamente influenciáveis nas políticas nacionais. Ambas as organizações dispensam à criação comercial de espécies silvestres preocupações quanto à gestão e a fiscalização desta, mas ensejam que a criação comercial tem potencial para se tornar uma aliada no declínio de espécies em seu meio natural. Como mencionado ao longo deste trabalho alguns fatores podem ser negativos na implantação desta atividade. Espécies de difícil reprodução em cativeiro, espécies de manutenção muito onerosa, falta de fiscalização, espécies em gravíssima ameaça de extinção, entre outros, podem pesar negativamente na adoção da atividade sem uma gestão adequada. Contudo a implementação de uma 94 95 Em: http://www.fao.org/docrep/005/y4586e/y4586e13.htm Em: http://www.fao.org/nr/giahs/en/ 45 política de incentivo e facilidades para a criação, dotadas dos requisitos que possam garantir efetivos controles e instrumentos de correção para desvios, ganha cada vez mais apoio. A IUCN faz uma série de avaliações no seu guia de encaminhamento de animais confiscados, o Guidelines for the Placement of Confiscated Animals 96 – aprovado na 51ª reunião do Conselho da entidade em Gland (Suíça), elaborado pelo Grupo de Especialistas em Reintrodução (Re-introduction Specialist Group RSG) da entidade e publicado em 2002. Entre os estabelecimentos para o recebimento de animais nestas condições a IUCN enumera os criadouros comerciais, uma vez que estes podem estar dispostos a receber e cuidar de animais, bem como incorporá-las em atividades de reprodução em cativeiro. Essa prática é susceptível de se ter os conhecimentos técnicos e outros recursos para cuidar dos animais. A IUCN ainda reconhece que: “Além disso, a produção de animais provenientes de operações de reprodução em cativeiro pode reduzir a demanda por animais selvagens capturados”97 (GUIDELINES, p. 12). Em determinadas circunstâncias, a transferência para os criadores comerciais em cativeiro pode ter uma visão mais clara potencial para a conservação da espécie, ou bem-estar dos indivíduos, que os não comerciais, alienação ou a eutanásia. No caso de espécies comuns, os criadores comerciais podem ser particularmente uma opção mais atrativa e, no caso de espécies de alto valor de conservação, esta opção deve ser cuidadosamente avaliada. Pode haver um risco de estimular a procura de populações selvagens através do aumento da disponibilidade das espécies, e pode ser difícil de garantir o acesso a esses animais para atividades de conservação no futuro.98 Em outros documentos a IUCN/SSC (IUCN Species Survival Commission) também releva o papel da criação comercial, sobretudo no trabalho IUCN SSC Commercial Captive Propagation And Wild Species Conservation (IUCN/SSC Conservation Impacts of Commercial Captive Breeding - Workshop Selected Briefing Notes)99, que expõe artigos apresentados por especialistas da entidade sobre os impactos da criação na conservação. Dentre alguns destacamos o 96 Em: http://www.iucnsscrsg.org/download/EnglishConfGlines.pdf Tradução do autor da tese 98 Tradução do autor da tese 99 ALVAREZ, Javier. In IUCN/SSC Conservation Impacts of Commercial Captive Breeding Workshop Selected Briefing Notes, ed. IUCN/SSC, 2001, p. 34. Disponível em: http://intranet. iucn.org/webfiles/doc/SSC/CCP_/selected_briefing_papers_fin_secure.pdf. Acesso em 22 nov. 2010 97 46 Perspectives on Captive Breeding Concepts (Perspectivas sobre Conceitos de Reprodução em Cativeiro), de Ron Gagliardo, Curador de Coleções Tropicais do Atlanta Botanical Garden, que expõe em uma passagem do texto: Em resumo, acreditamos que, se quisermos esgotar completamente as populações naturais de recursos através de mais de coleta ou a destruição do habitat, os programas de reprodução em cativeiro para horticultura de plantas valiosas e animais raros são o melhor método de preservação. Estes recursos são impagáveis e os custos envolvidos nestes programas podem ser muito baixos. Enquanto algumas espécies estão sendo criadas, produzidas e vendidos fora de sua terra natal, não é tarde demais para colocar o necessário conhecimento, experiência e incentivo nas mãos das comunidades locais no país de origem para que eles também possam 100 colher algumas das recompensas. E também um segundo artigo, intitulado Commercial captive propagation and wildlife conservation (Crescimento da criação comercial em cativeiro e conservação da vida selvagem), de Javier Alvarez, do U.S. Fish and Wildlife Service (Departamento de Vida Selvagem dos EUA): Quando usada corretamente, a criação em cativeiro de animais e a propagação artificial de plantas podem ajudar na conservação das espécies selvagens. O benefício mais citado é a redução da demanda comercial de espécimes de origem selvagem. Por exemplo, uma estimativa de 90% de todos os mamíferos e 74% de todas as aves adicionadas às coleções de zoos dos EUA desde 1985 nasceram em cativeiro. Da mesma forma, um número estimado de 95% de todas as orquídeas no comércio é artificialmente cultivado. A Reprodução em cativeiro e a propagação artificial também podem ajudar a aumentar as populações selvagens através de espécimes para reintrodução. Potencialmente, tal restabelecimento pode ser usado para aumentar a população existente, re-estabelecer populações extirpada, e / ou estabelecer novas populações em habitats naturais ou alteradas. Programas de reintrodução são normalmente aplicados no âmbito não comercial de espécies ameaçadas, como o condor da Califórnia e o furão de patas pretas. No entanto, os programas de reintrodução também podem ser realizados para fins comerciais. As incubadoras são tipicamente utilizadas para complementar a produção natural das espécies capturadas, e seu objetivo geral é a mitigação de outras atividades humanas que levaram à queda de produção natural. Reprodução em cativeiro e propagação artificial também pode ser usada para estabelecer reservatórios da diversidade genética de populações selvagens ameaçadas, bem como para garantir contra perdas catastróficas de populações selvagens. 101 100 101 Tradução do autor da tese Tradução do autor da tese 47 Como percebemos muitos especialistas defendem a criação não com um fim em si mesmo, meramente para o lucro de seus praticantes. Possíveis utilidades desta atividade podem ser incorporadas a programas de conservação de espécies e simplesmente como reservatórios genéticos de grande importância para a luta contra a extinção. Assim como a IUCN, a TRAFFIC - Wildlife Trade Monitoring Network tem diversos trabalhos de avaliação de criação em cativeiro. São estudos de casos específicos em que se reporta o impacto da criação no mercado, nas populações silvestres, entre outros. No boletim TRAFFIC Dispaches102 (março, 2001), sobre criação do musk deer (Moschus spp.) na China (TRAFFIC examines musk deer farming in China, p.3), de Rob Parry-Jones, do TRAFFIC East Asia, chama a atenção de que “com uma gestão cuidadosa, operações de reprodução em cativeiro poderia servir como uma reserva genética de 'segurança' para populações selvagens, desde que a caça ilegal também seja mantida sob controle”. No trabalho The call of the wild: captive crocodilian production and the shaping of conservation incentives103 (TRAFFIC International, 2006), a entidade pontua o papel da reprodução em cativeiro no caso dos crocodilianos: A reprodução em cativeiro tem um papel a desempenhar e não deve ser visto como um método de produção que precisa carimbar para fora. Ela pode oferecer muito pouco para a conservação em curto prazo, mas no médio e longo prazo ela oferece o potencial para re-investimento na conservação das populações selvagens de crocodilo. Este ciclo de negócios é bem compreendido na Colômbia, onde uma aliança entre a indústria e os reguladores da indústria está se desenvolvendo ao longo das linhas que prometem atingir seus objetivos originais criados há 20 anos, os de desenvolvimento rural e conservação, embora a um nível não ótimo.104 Em síntese, vários trabalhos técnicos apontam para benefícios que podem ser trazidos pela criação comercial. Muitos dos exames elaborados contam com a parceria do WWF – World Wildlife Fund e colocam as organizações no mesmo estágio de avaliação da criação comercial. 102 Em: www.traffic.org/traffic-dispatches/traffic_pub_dispatches16.pdf MACGREGOR, James, In The call of the wild: captive crocodilian production and the shaping of conservation incentives, ed. TRAFFIC International, Cambride, UK, 2006, p. 44. Disponível em: www.traffic.org/species-reports/traffic_species_reptiles11.pdf. Acesso 02 dez. 2010 104 Tradução do autor da tese 103 48 A WWF criou um módulo educativo interdisciplinar, chamado de Wildlife for sale105 (Vida selvagem à venda) concebido para estudantes do ensino médio na Tailândia, sobre o comércio internacional de animais selvagens e de produtos destes. Ele explica como o comércio ilegal da fauna silvestre pode dizimar espécies, enquanto o comércio legal e programas de reprodução em cativeiro podem ao mesmo tempo ajudar as economias locais, bem como promover a conservação, referência clara dos possíveis benefícios da criação. No geral há casos bastante positivos, que deixamos de lado no momento, voltando a abordálos no item “Criação comercial em algumas partes da CITES”. 3.1.3. Comércio mundial e seus desdobramentos A maior parte do comércio de vida silvestre é certamente dentro das fronteiras nacionais, mas há um grande volume de animais silvestres no comércio internacional (Quadro 1). E certamente há muitas razões pelas quais a fauna é comercializada, incluindo: um quinto da proteína animal em dietas rurais em mais de 60 países (TRAFFIC, 2010); roupas e ornamentos de couro, peles, penas, etc. (ver Anexo1), esportes de falcoaria à caça de troféus; animais usados em rituais religiosos; coleções de espécimes de fauna em museus, instituições de pesquisa, com particulares etc. O principal fator motivador para os comerciantes de animais selvagens é econômico, que vão desde a geração de renda em pequena escala local para os negócios com fins lucrativos importantes, como a pesca. Além dos mencionados um grande número de intermediários estão envolvidos no comércio de vida silvestre, incluindo especialistas envolvidos no armazenamento, manipulação, transporte, manufatura, produção industrial, comercialização, exportação e as empresas de varejo. A maioria das pessoas está envolvida no comércio de vida silvestre, de alguma maneira, ainda que apenas como consumidores finais dos produtos dos animais silvestres. 105 Em: http://wwf.panda.org/wwf_news/?10102/Thai-students-join-crackdown-on-illegal-wildlifetrade 49 Pela sua própria natureza é quase impossível obter dados confiáveis para o valor do comércio ilegal de animais silvestres, mas o número deve chegar a dezenas de bilhões de dólares, com algumas estimativas chegando entre US$ 10 e 20 bilhões por ano (Relatório RENCTAS, 2002). Como o produto final de uma longa evolução, cada espécie é intrinsecamente valiosa pelas suas próprias características únicas. Juntos, elas fazem parte do patrimônio natural das nações e do mundo, realizando uma série de funções dentro da dinâmica do ecossistema que ainda não são totalmente compreendidos. Muitas espécies são utilizadas diretamente por pessoas, adquirindo valor sócio-econômico como um recurso principal ou adicional. A utilidade da vida selvagem se torna singularmente relevante nos países em desenvolvimento, uma vez que são obrigados a considerar todos os recursos disponíveis para sustentar o seu crescimento econômico e demográfico. Dois pontos são relevantes para nossa discussão aqui: os produtos para o comércio e uso, especialmente para a população rural, tornando a conservação da fauna socialmente valiosa, e sua "exploração" como uma pressão adicional a suportar. A implicação é uma gestão mais cuidadosa. Esta, junto a escassez de informações sobre o assunto, dificulta o estudo para uma revisão da utilização atual e o verdadeiro potencial dos recursos dos animais silvestres no Brasil, como uma base para futura gestão. O comércio de espécies selvagens é uma indústria significativa no cenário global (ver Anexo 1) que, se bem gerida e sustentável, pode gerar benefícios substanciais para as pessoas pobres e pode contribuir para muitas das Metas do Milênio106, direta e indiretamente. No entanto é imperativo perceber que o comércio de vida silvestre em diversas partes do mundo não é regulamentado, ou sem execução da gestão ou mal gerido, muitas vezes resultando em uma situação de perda para a conservação da biodiversidade e, consequentemente, para a subsistência das pessoas pobres. O comércio insustentável de animais selvagens causou o declínio da população de um grande número de espécies, que por sua vez limitou a capacidade das populações locais de explorar essas espécies para subsistência ou 106 Campanha da ONU para a erradicação da pobreza global, metas disponíveis em: http: //www.endpoverty2015.org/. Acesso em 08 dez. 2010 50 com receitas resultantes de longo prazo. Ao mesmo tempo, as intervenções de manejos inadequados podem resultar em significativos custos de oportunidade para as comunidades, com pouco ou nenhum benefício para a conservação. Por outro lado, o comércio bem gerenciado pode reverter o declínio das espécies ameaçadas, bem como impedir que espécies atualmente ameaçadas sejam cada vez mais exploradas sem critérios. Isso pode trazer novas oportunidades de geração de renda, bem como recursos de subsistência para garantir alimentação, saúde e outras necessidades. A criação comercial pode ser um dos agentes desta oportunidade de ingressos financeiros do uso de recursos da fauna, assim como o ranching107 e as coletas não prejudiciais. Por todo o exposto, a UNEP - United Nations Environment Programme, órgão da ONU, em estudo/documento sobre “A economia do comércio legal de fauna silvestre” (The economy of legal wildlife trade)108 evoca: O comércio de espécies selvagens pode contribuir significativamente para o desenvolvimento de rendimentos rurais, e os efeitos sobre as economias locais podem ser substanciais. O alto valor dos animais e produtos derivados também pode fornecer incentivos econômicos positivos para uma alternativa à utilização dos solos, outras opções para as populações manterem os recursos para a utilização rentável e sustentável a médio e longo prazo. Consequentemente, a gestão do comércio de espécies selvagens pode ser benéfica para conservação das espécies e dos habitats, bem como contribuir para a subsistência e desenvolvimento social.109 É importante notar que o comércio de recursos da fauna, que movimenta bilhões de dólares anualmente, tem aumentado significativamente desde 1975, quando a Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas da Fauna e Flora Silvestres (CITES) foi assinada, contudo nem uma única espécie, de cerca de 34.000 listadas pela Convenção, foi extinta como resultado do impulso neste comércio (CITES Press Release, 2010)110. O aumento significativo do 107 O termo Ranching é definido no Glossário da CITES como: “Criação em um ambiente controlado de ovos ou animais juvenis considerados silvestres, onde em ambiente selvagem se teria tido uma probabilidade muito baixa de sobrevivência até a idade adulta”. 108 Em: http://maps.grida.no/go/graphic/the-economy-of-legal-wildlife-trade 109 Tradução do autor da tese 110 CITES Press Release, In Wildlife trade regulation needed more than ever - CITES celebrates its 35th anniversary of coming into force, Matéria eletrônica disponível em: http://www.cites. org/eng/news/press/2010/ 201 00630_CITES35.shtml. Acesso em 15 dez. 2010 51 comércio se dá por razões bastante óbvias, como aumento demográfico global, globalização, comércio internacional em alta, dentre outras. Segundo o Secretariado da CITES, em Genebra, estima-se que o comércio internacional de espécies selvagens inclui centenas de milhões de espécimes animais e vegetais. O comércio é bastante diversificado, variando “de animais vivos e plantas para uma vasta gama de produtos deles derivados, incluindo alimentos, artigos de couro exótico, instrumentos musicais de madeira, madeira, curiosidades turísticas e medicamentos”. Através do banco de dados de Comércio da CITES, que registra o comércio legal de fauna listada nos Apêndices, existem mais de 10 milhões de registros de comércio, com uma média de 850 mil emissões de licenças anualmente feitas pelas 175 Partes da Convenção. Segundo dados da TRAFFIC de 2008111 “o comércio legal de espécies silvestres (fauna e flora), chegou a 239,5 bilhões de euros”, aproximadamente US$ 321 bilhões. O destaque maior deste valor é do comércio de madeiras (US$ 154 bi.), seguido da pesca (US$ 68,6 bi.) e plantas ornamentais e medicinais (US$ 11 bi.). Os produtos de fauna, incluindo animais vivos, produtos e subprodutos, chegam a valores também astronômicos de US$ 88,4 bilhões, excetuando a pesca com finalidade de alimentação (Tab. 1). No grupo dos “animais vivos”, os peixes ornamentais são responsáveis por um comércio total de 319 milhões de dólares seguidos pelos primatas e as aves ornamentais, respectivamente (conforme tabela 1). Já na área de “produtos animais”, para uso pessoal e alimento, há um mercado bastante extenso, liderado pelas peles de mamíferos e seus produtos derivados que movem uma soma de US$ 5 bilhões, seguido pela carne de caça (US$ 773 milhões) e pelo comércio de peles de répteis (US$ 338 milhões). Das espécies silvestres passíveis de criação em cativeiro, somente para serem comercializadas vivas, o comércio total representou US$ 504 milhões (Tab. 1), incluindo os primatas, aves de rapina e ornamentais, répteis, anfíbios e peixes ornamentais. Há uma infinidade de espécies com grau de criação em cativeiro de regular a excelente, ou seja, bastante rentáveis em função de sua boa reprodução e pelos 111 Em: http://maps.grida.no/go/graphic/the-economy-of-legal-wildlife-trade 52 preços atraentes de mercado112. Tendo em vista as relações funcionais, setoriais e regionais próprias da atividade, e considerando as especificidades e o estágio de desenvolvimento de determinado país, há diferentes formas de se estimar o efeito multiplicador da atividade da criação, mas sem dúvidas que é bastante elevado se considerarmos os serviços gerados, produtos necessários para a manutenção de animais e mão de obra empregada direta e indiretamente113. TABELA DE VALOR ESTIMADO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL (2005) Animais vivos Valor (US$) Primatas Aves ornamentais Aves de rapina Répteis e anfíbios Peixes ornamentais 94 milhões 47 milhões 6 milhões 38 milhões 319 milhões Produtos animais: roupas/ornamentos etc. Peles de mamíferos e prod. de peles Peles de répteis Corais e conchas ornamentais Pérolas naturais 5 bilhões 338 milhões 112 milhões 80 milhões Produtos animais alimentos (excl. peixes) Carne de caça Patas de sapos/rãs Caracóis comestíveis 773 milhões 50 milhões 75 milhões TOTAL (não incluso pesca comercial) 6.9 bilhões Pesca* 81.5 bilhões TOTAL 88.4 bilhões Fonte: Engler and Parry-Jones (2007) baseado no CITES Annual Report Data compilado pela UNEP/WCMC Tabela 1: Tabela de valor estimado do comércio Internacional (2005). Como demonstra a tabela 1, somente o comércio de peles/produtos de mamíferos, estimado em US$ 5 bilhões, pode gerar um impacto indireto bastante significativo, envolvendo desde curtumes, produção de produtos para beneficiamentos etc. na ordem de outros bilhões de dólares a mais. Muitas das 112 Dados de espécies criadas em cativeiro disponíveis no CITES Trade Database. A Associação Brasileira de Criadores de Animais Silvestres e Exóticos lista mais de 500 espécies e graus de dificuldade de criação em: http://www.abrase.com.br/arquivos/ editais%20e%20artigos %20extras/ LISTA%20DE%20GRAU%20DIFICULDADES%20REPRODUCAO%20CATIVA.pdf 113 ABRASE, In Viabilidade Econômica da Criação Comercial, Apresentação em PPS disponível em: http://www.abrase.com.br/arquivos/palestras%20ABRASE/VIABILIDADE%20ECONOMIC A%20CRIACAO%20COMERCIAL.pdf. Acesso em 22 dez. 2010 53 espécies animais aptas para fornecer estas peles/produtos são igualmente possíveis de serem criadas em cativeiro, como: mink (Mustela spp.), raposas (Vulpes vulpes.), chinchila (Chinchila lanigera), marta (Martes spp.), ratão do banhado (Miocastor coypus), vicunha (Vicugna vicugna) entre tantas outras. O número de espécimes comercializados internacionalmente entre os anos de 2000 e 2005 é bastante expressivo, ultrapassando 80 milhões de exemplares (Tab. 2). TABELA DO TOTAL DE ESPÉCIMES DE ESPÉCIES LISTADAS NA CITES, COMERCIALIZADAS POR CLASSES DE ANIMAIS (2000/2005) Tipos Commodity Aves Vivas Rapaces (Falconiformes) Psitacídeos (Psittacidae) Aves canoras (Passerines) Número de espécimes Outros 30 milhões 2.5 milhões 3.9 milhões 300 mil Répteis e Anfíbios Vivos Tartarugas Lagartos Cobras Anfíbios 600 mil 5.6 milhões 1.7 milhões 236 mil Peles de Répteis Crocodilianos Lagartos Cobras 11.1 milhões 10.7 milhões 8.2 milhões Invertebrados Corais Outros (e.g. vivo ou morto, insetos, aranhas, borboletas, besouros) 6.5 milhões 3 milhões Fonte: Engler and Parry-Jones (2007) baseado no CITES annual report data compilado pela UNEPWCMC Tabela 2: Tabela do total de espécimes de espécies listadas na CITES, comercializadas por classes de animais (2000/2005). O envolvimento de mão de obra necessária para mover a atividade, desde a coleta ou criação cativa até o embarque para fora de um país, implica em um número razoavelmente impactante. A renda gerada já é conhecida, mas o efeito multiplicador desta dimensão é desconhecido, certamente tão impactante quanto os números apresentados pela CITES. Segundo alguns dados do setor florestal114, muito similar em sua dinâmica com o mercado de animais, este apresenta um desempenho favorável nos 114 Dados do trabalho “Efeitos multiplicadores do setor florestal da Economia Capixaba”, em: http://www. ciflorestas.com.br/arquivos/doc_efeitos__16432.pdf 54 multiplicadores de impacto de indicadores econômicos, mais substancialmente nos empregos e salários em função de que a atividade tem intensa utilização de mão de obra, com a vantagem de que esta é gerada nas cidades, mas também e, principalmente, no campo. Em função de seu efeito multiplicador este comércio tem recebido maior atenção em determinados locais de países em desenvolvimento. Como exemplo, o Vietnam aparece como um grande exportador de commodities da fauna (Quadro 2), numa rara exceção de país em desenvolvimento nesta posição. As vendas externas deste país asiático alcançaram, somente em animais vivos, US$ 30,5 milhões no ano de 2005115. Destaca-se, por exemplo, algumas iniciativas como um programa de pesquisa em andamento no Instituto Nacional de Oceanografia, em Vietname, para salvaguardar cavalos-marinhos em cativeiro e em semi cativeiro para a venda ao comércio de peixes ornamentais. O objetivo é envolver os agricultores e os pescadores locais, eventualmente, na criação desta espécie em pequena escala com o cultivo em cativeiro de espécimes colocados em lagoas e estuários (SCALES, H et al., 2006). Em Palawan e nas ilhas centrais das Filipinas, pescadores e comerciantes de cavalos-marinhos já informaram que os animais contribuem com cerca de 30 a 40% de sua renda anual (TRADING NATURE, 2008, p. vii). A pesca lacustre, em Uganda, produz o equivalente a US$ 200 milhões por ano, empregando 135.000 pescadores e 700.000 operadores de pequena escala no processamento, comércio e indústrias associadas, geram US$ 87.5 milhões em receitas de exportação e contribui com 2,2% do PIB (A República de Uganda, 2004, citado no WorldFish Center, 2005). Muitas espécies já vêm sendo cultivadas em pequenas escalas em cativeiro. Em Barcelos, município do Amazonas no Brasil, a captura do cardeal tetra (Paracheirodon axelrodi) para o comércio de peixes de aquário é muito importante, representando 60% da economia do município (CHAO, 2001) e estima-se que 80% dos 16 mil habitantes trabalham direta ou indiretamente nessa atividade. Anualmente a mais tradicional festa municipal é a Festa do Peixe Ornamental. Diversas espécies amazônicas de água doce têm grande potencial para a criação em cativeiro. 115 Dados compilados pela UN Statistics Division Comtrade. 55 Na Guiana, os animais selvagens são de longe os produtos comerciais mais importantes, com exportações no valor de até US$ 2 milhões por ano na década de 1990 (VAN ANDEL et al., 2003). O país segue emitindo expressivas quotas de exportação de mamíferos, aves, répteis e anfíbios (CITES National Export Quotas for 2010, revisado em 2011, p. 14-16) 116. Enquanto o comércio de pele de jacaré (ver Anexo1) gera uma renda discutível para os pecuaristas em relação ao gado, pode ser significativa para os pobres e sem-terras, com poucas outras oportunidades de geração de renda. O significado e o valor relativo do rendimento dos animais selvagens para as famílias rurais variam enormemente e, em parte, depende do grau em que as famílias são integradas a uma economia. Por ser a atividade de subsistência das famílias, o montante total da renda gerada com a venda de recursos silvestres é geralmente muito baixo, mas pode ser a principal ou única fonte de dinheiro. Em conseqüência de fatos como os exemplificados, a criação comercial vem cada vez mais ganhando espaço no comércio internacional. A captura de animais na natureza tem sido renegada por muitas políticas de fauna em diversos países do mundo, cada vez mais países desenvolvidos e mesmo em desenvolvimento vêm proibindo tal prática em suas jurisdições. Na década de 1990 alguns países iniciaram uma série de restrições a importação comercial de espécies silvestres vivas coletadas na natureza, como exemplo há o Wild Bird Conservation Act117 nos Estados Unidos, que baniu a importação de aves silvestres oriundas da natureza, além de outras leis igualmente restritivas para outras classes de animais. Razões como doenças transmissíveis a humanos (zoonoses), em especial a Influenza aviaria e a Newcastle (de aves silvestres), a salmonelosis (de répteis e anfíbios), entre diversas outras 118, somadas a alta mortalidade em transporte e por razões de bem estar animal119, a União Européia120 proibiu em 2007 a importação de aves silvestres capturadas no meio silvestre. Nesta ocasião diversos países já haviam proibido a exportação121 de aves autóctones coletadas, como Austrália, 116 Em: http://www.cites.org/common/quotas/2010/ExportQuotas2010.pdf Em: http://www.access.gpo.gov/nara/cfr/waisidx_04/50cfr15_04.html 118 Dados disponíveis na Apresentação “Zoonoses” da School of Public Health da Universidade do Texas, em: www.sph.uth.tmc.edu/course/DiseaseControl/Swaring/.../ Zoonathx. ppt 119 Em: http://birdsareforwatching.org/WBDecFinal.pdf, p. 1-2 120 EUROPE UNION, Comission Regulation (EU) nº318/2007, em: http://eur-lex.europa.eu/Lex UriServ/site/en/oj/2007/l_084/l_08420070324en00070029.pdf. Acesso em 20 dez. 2010 121 Em: http://birdsareforwatching.org/WBDecFinal.pdf, p. 13 117 56 Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Etiópia, Guatemala, Honduras, Índia, Indonésia, Quênia, Mauritânia, Panamá, Sudão e Uganda. Até a aplicação do regulamento da União Européia, vários países figuravam como grandes importadores de aves silvestres (vide Quadro 2). Em razão de fatos como estes a criação ex situ de animais silvestres com fins comerciais passou a ser a única opção para assegurar o atendimento da demanda de muitas espécies. O Brasil, através da Portaria nº 093 do IBAMA122, de 1998, proibiu a importação e a exportação de animais silvestres oriundos da natureza, com exceção de peixes (ornamentais ou para alimentação) e outras poucas espécies. Diferentemente dos demais países, que executaram a proibição através de Lei nacional, e não por ato normativo, portanto através de uma política de Estado e não de Governo. IMPORTADORES E EXPORTADORES DE ANIMAIS SILVETRES-PRODUTOS IMPORTADORES EXPORTADORES Primatas EUA, França, Japão, Canadá, Reino Unido Maurício, China, França, EUA, Vietnam Aves ornamentais França, Reino Unido, Bélgica, Japão, EUA Bélgica, Holanda, Singapura, China Aves de rapina Malásia, Japão, Reino Unido, Coréia, Qatar Alemanha, Mongólia, Reino Unido, Dinamarca, Canadá Repteis USA, Hong Kong, Singapore, Germany EUA, Tailândia, Singapura, Eslovênia Peixes ornamentais EUA, Reino Unido, Japão, Alemanha, França Singapura, Malásia, Espanha, Japão, Rep. Tcheca Hong Kong, EUA, China, Itália, Japão China, Hong Kong, Dinamarca, Finlândia, Itália Peles de repteis Itália, França, Japão, Alemanha Singapura, EUA, França, Itália, Colômbia Corais e conchas ornam. EUA, França, China, Hong Kong, Japão Bélgica, EUA, Unido, Vietnam Japão, Reino Perolas naturais EUA, Austrália, Reino Unido, Itália, Suíça EUA, Suíça, Austrália, Índia Reino Unido, Carne de caça Alemanha, França, Suíça, Holanda Nova Zelândia, França, Bélgica, Polônia, Alemanha Patas de sapos/rãs França, EUA, Bélgica, Itália, Canadá COMMODITY Peles de mamíferos Produtos de peles / Japan, Singapura, Bélgica, China, Bélgica, Vietnam, Turquia, Itália Fonte: Analysis by TRAFFIC based on UN Statistics Division Comtrade. Quadro 2: Grandes importadores e exportadores por produto. 122 França, Em: http://www.ibama.gov.br/fauna/legislacao/port_93_98.pdf 57 Nos últimos 20 anos a criação comercial de espécies silvestres deu um verdadeiro salto em todo o mundo. A opção do cativeiro veio a substituir como atividade sustentável a coleta de animais no meio silvestre. Não só a preocupação de exportar animais da fauna nacional, senão que muitos países só permitiam a importação de espécimes criados teve o efeito de alavancar a atividade. Mesmo com as limitações impostas à importação, os países europeus, assim como os Estados Unidos, seguem sendo os grandes senhores do comércio internacional (Quadro 2). Os países em desenvolvimento não figuram de forma expressiva entre os grandes, a exceção da China e do Vietnam e, ocasionalmente outros. Todos estes países vêm investindo nas mais diversas espécies para aproveitamento econômico, desde as espécies listadas nos Apêndices da CITES (I, II e III) até aquelas não contidas nos anexos da Convenção. Em muitos casos o comércio de espécies do App. I já não representam risco para suas populações. Vários fatores contribuem de forma diferenciada para a criação comercial nos países desenvolvidos, o que os coloca como grandes beneficiários desta atividade. Devemos citar em primeiro lugar a disponibilidade maior de tecnologias que permitem maior certeza de sucesso nas reproduções (ver Anexo 1), o que é fruto de um forte investimento em pesquisa ao longo de muitos anos. Outro fator é a abundância de mão de obra qualificada, com formação técnica específica para o desenvolvimento de uma gestão de manejo adequada aos empreendimentos. Não se pode deixar de mencionar a segurança jurídica para esta atividade econômica, com leis que incentivam e promovem a criação, além serem de fácil interpretação e claras ao entendimento dos gerenciadores (como prevê a CITES em diversos documentos: Res. Conf. 12.20 (Rev. 15), Dec. 12.22, entre outros). Por serem grandes importadores desde há muito, os países desenvolvidos (com destaque para os EUA, Canadá, França, Reino Unido, Japão, Alemanha, Holanda e Bélgica), possuem expressivos estoques de espécimes de determinadas espécies silvestres, já adaptados ao cativeiro e formando a base de criadouros com fins comerciais. O Fato é confirmado pela comparação entre as exportações de Holanda e Brasil, de 2000 a 2009 (dados do CITES Trade Database - Tab. 3). Os dados são apenas de espécies de animais listados nos três Apêndices da CITES e 58 criados em cativeiro (bred in captivity)123, não considerando os demais. Enquanto a Holanda exportou um total de 426 espécies o Brasil não passou de 53. Todos estes elementos conjugados acabam por dar imensas vantagens aos países desenvolvidos frente aos demais. A maior expressão de tais vantagens está no montante de ingresso financeiro obtido com a exportação de espécimes de espécies silvestres. No quadro a seguir (Tab. 3), elaboramos uma tabela comparativa entre os totais de exportação de “animais vivos” de Brasil e Holanda, o resultado é bastante expressivo e denota a importância de se avançar nesta atividade no país. Enquanto o Brasil exportou US$ 833.504,00 (excetuando-se peixes ornamentais) a Holanda alcançou a cifra de US$ 69.942.621,00. Quando o assunto é peixe ornamental a diferença aumenta substancialmente, já que o Brasil têm mais de 350 espécies autóctones comerciais (marinhas e de água doce)124 125 . Enquanto o Brasil exportou no período US$ 5.060.627,00 a Holanda exportou quase cinco vezes e meia a mais, um total de US$ 27.184.086 (Tab. 3). Também na tabela comparativa podemos ver que o Brasil perde grandes oportunidades com as aves ornamentais, as quais existem mais de 1600 espécies no Brasil126. Desta classe de animais o país exportou somente US$ 126.054,00, já a Holanda logrou US$ 1.904.055,00 com as vendas (extra Europa). Vale ressaltar que os números de exportações holandesas não incluem venda de animais para países da União Européia, pois não existem barreiras alfandegárias entre os países comunitários desde 2002127. Assim se repete nos demais itens da tabela. Certamente que, se os dados auferissem também as espécies não listadas, (seguramente infinitamente mais abundantes no mercado) e os espécimes vendidos a países europeus, já que 80 por cento das exportações holandesas vão 123 Termo específico do glossário da CITES, em: http://www.cites.org/eng/resources/terms/glos sary.shtml#ba 124 MMA/IBAMA. Guia de Identificação de Peixes Ornamentais Brasileiros Marinhos, Vol.1, Brasília, 2008, 205p. Il. Color, p. 16 Disponível em Em: www.ibama.gov.br/recursospesqueiros/download/570/. Acesso em 12 jan. 2011 125 LOWENBERG NETO, Peter, In Caracterização dos Biótopos Amazônicos. Artigo da web site Aqcua Hobby, 2010. Disponível em http://www.aquahobby.com/articles/b_biotopos_ amazonicos.php. Acesso em 12 jan. 2011 126 SAE, Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, em: http://www.sae.gov.br/site/?tag=biodiversidade, acesso em 08 de agosto de 2010. 127 NRW Invest Germany, In European Customs Union, Matéria eletrônica, Disponível em: http://www.nrwinvest.com/Business_Guide_englisch/The_tax_system/Customs/index.php. Acesso 12 jan. 2011 59 para outros países dentro da UE (The Netherlands – International Trade)128, os números seriam comparativamente ainda mais díspares, demonstrando o quanto o país precisa trabalhar na gestão pública de seus recursos de fauna. TABELA COMPARATIVA BRASIL / HOLANDA DE EXPORTAÇÃO DE ANIMAIS SILVESTRES VIVOS (ANO 2005 COM VALORES EM US DOLARES) EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS Period Trade Flow Reporter Partner Code 2005 Export Brazil World 0106 2005 Export Brazil World 010611 $2,000 2005 Export Brazil World 010619 $349,884 2005 Export Brazil World 010639 $126,054 2005 Export Brazil World 0301 Period EXPORTAÇÕES HOLANDESAS Trade Flow Reporter Partner Code Trade Value $833,504 $5,060,627 Trade Value $69,942,621 2005 Export Netherland World 0106 2005 Export Netherland World 010611 $210,180 2005 Export Netherland World 010619 $21,266,716 2005 Export Netherland World 010620 $166,651 2005 Export Netherland World 010631 $82,082 2005 Export Netherland World 010639 $1,904,055 2005 Export Netherland World 0301 $27,184,086 CATEGORIES Animals, live, except farm animals (HS as reported - 0106) / Live fish (HS as reported - 0301) SUB CTEGORIES Live reptiles, incl. snakes & turtles (HS as reported - 010620) – ND for Brazil / Live mammals, n.e.s. (HS as reported - 010619) / Live birds of prey (HS as reported - 010631 – ND for Brazil) / Live birds (excl. of 0106.31 & 0106.32) (HS as reported - 010639)) / Live primates (HS as reported - 010611) Source: UN Statistics Division Comtrade Tabela 3: Tabela comparativa das exportações de Brasil e Holanda (2005). O posicionamento do Brasil no mercado global legal é extremamente tímido, quase inexistente. Detentor da maior diversidade do planeta em espécies animais, contando com um número estimado de mais de 20% do total de espécies do planeta (abriga 3.010 espécies de vertebrados e também 3.000 espécies de peixes de água doce, três vezes mais que qualquer outro no mundo) o país não pode se subjugar a uma gestão ineficiente de sua fauna. É preciso relembrar que o comércio ilegal de animais encontra no país um profícuo mercado nacional e internacional, diferentemente do comércio legal analisado. 128 Encyplopedia of the Nations, Artigo: The Netherlands International Trade. Disponível em: http://www.nationsencyclopedia.com/economies/Europe/The-Netherlands-INTERNATIONAL-T RADE.html 60 3.1.4. Criação comercial em algumas Partes da CITES A alteração do cenário mundial e o desenvolvimento de novos modelos de instrumentos para atuação sobre o meio ambiente requerem uma atualização da discussão na literatura sobre as formas de intervenção política sobre o meio ambiente. Uma atualização que incorpore os novos modelos de relação entre os agentes econômicos e políticos, novos desafios ambientais, evolução tecnológica e o nível de conscientização global sobre os problemas ambientais é necessária. Nesse contexto, os instrumentos econômicos se fortalecem como uma ferramenta eficiente no sentido de oferecer estímulos para que o agente econômico consumidor ou produtor de produtos oriundos da fauna opte por alternativas mais sustentáveis em suas ações econômicas. A criação comercial desponta neste caso como uma alternativa viável, regulamentada a nível internacional e forte opção de sustentabilidade no uso de recursos faunísticos. Muitos países signatários da CITES implementaram a criação comercial no escopo de suas políticas de fauna. Não só espécies listadas no App. I da Convenção são prioridades para estas gestões. Elas incluem também as espécies listadas nos Apêndices II e III, além das “não listadas”. A maioria dos países membros não possui restrições as espécies “não listadas” e amenizam a regulação das espécies dos Apêndices II e III. No entanto os trabalhos técnicos disponíveis sobre espécies que não estão em risco de extinção são raros, a preocupação e todo o esforço de especialistas e dos organismos que elaboram tais estudos voltam-se para as espécies ameaçadas, sobretudo aquelas previstas no Apêndice I da CITES e, com menor intensidade, as previstas no Apêndice II. Através da web site da IUCN pode-se confirmar que muitas espécies de fauna carecem de informações precisas e seguras, debilitando estudos mais contundentes sobre suas populações. Tal prática faz-se compreensível na medida em que o tempo tem sido grande inimigo para algumas populações silvestres de espécies raras e comprometidas em suas existências. Nesse sentido, esse tópico tem como objetivo apresentar as tendências relacionadas à gestão da criação e comércio da fauna silvestre assim como 61 modelos institucionais implementados em alguns países e que poderiam ser aplicáveis ou servir de componente norteador na discussão da melhor estrutura normativa para o Brasil. Diante desse cenário, passamos a analisar algumas legislações e experiências desenvolvidas por outros países no uso da fauna criada em cativeiro como opção econômica e sustentável. Selecionamos para esta breve análise alguns estudos e informes sobre a União Européia, China, Vietnam, Camboja, Indonésia África do Sul e Canadá. Através da Emenda de Gaborone129, ficou aprovada, que após a adesão de 54 Partes, o que ainda não ocorreu, a adesão de qualquer organização de integração econômica regional, constituída por Estados soberanos, com autoridade para negociar, concluir e aplicar acordos internacionais sobre as questões que forem apresentadas por seus Estados membros que são abrangidos pela Convenção. Portanto, o bloco econômico ainda não é Parte, mas os países da UE têm buscado voto de concenso internamente para expressarem uma posição do grupo na CoP. Ainda assim, caso um dos países se posicione diferentemente do grupo, pode votar independente. A União Européia, atualmente conta com 27 países membros130, sendo todos signatários da CITES, o que torna a UE um importante grupo no sentido de uniformização de gestão de fauna. Acrescenta-se, ainda, que o regulamento do comércio exterior de espécies silvestres é competência exclusiva da Comunidade, prevendo a ausência de controles de fronteira entre os países e a existência de política comum sobre meio ambiente e legislação de proteção das espécies autóctones. E mais, grandes importadores e exportadores mundiais de animais vivos estão neste grupo de nações, como Reino Unido, França, Alemanha, Holanda, Bélgica, Itália e Espanha. Com todo este peso faz-se importante destacar como a política de fauna relativa à criação comercial foi implantada pelo bloco. 129 Emenda ao Texto da Convenção, aprovada na 4ª CoP em Gaborone (Botswana, 30 de abril de 1983), relativa ao Artigo XXI da Convenção, para permitir a adesão das organizações regionais de integração econômica. Disponível em: http://www.cites.org/ eng/disc/gaborone.shtml 130 Membros da EU (2011): Áustria, Alemanha, Bélgica, Chipre, Dinamarca, Eslováquia, Espanha, Estônia, Finlândia, Francia, Grécia, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Países Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido, Republica Checa, Eslovênia e Suécia. 62 O diploma legal que implementa a CITES na UE é o Regulamento nº 1808/2001131, que possui um capítulo exclusivo para animais criados em cativeiro (Cap. III). A norma tem disposições para facilitar o movimento transfronteiriço de animais de companhia criados em cativeiro, atendendo a resolução pertinente aprovada na 1ª CoP da CITES. Neste, e em outros sentidos, a UE aplica as resoluções da Convenção em sua integralidade, diferenciando-se apenas na classificação de espécies, já que possui listagem própria de espécies definidas pelo Regulamento (CE) n° 338/97132 (Anexos A, B, C e D). Assim como previsto pela Convenção, a UE possui dispositivos legais de incentivo a criação comercial de espécies listadas em seus Anexos, três dos quais (A, B e C) tem correspondência direta com os Apêndices da CITES. Importante salientar que, assim como na Convenção, os espécimes criados em cativeiro das espécies do Anexo A são tratadas como Anexo B (como os espécimes do Apêndice I na CITES)133. Portanto aplicam-se a estas espécies as regras quanto aos procedimentos de registro, formação de plantel, marcação etc., já comentadas anteriormente. Ainda que o uso de espécies autóctones européias, entre eles a criação com fins comerciais, seja atrelado às legislações nacionais, pois a UE não tem interferência nestas, a grande maioria dos 27 membros permite a criação comercial destas. Os mecanismos de regulamentação seguem as diretrizes da CITES, tendo efeitos bastante positivos enquanto instrumento de gestão. Cinco países da UE já possuem estabelecimentos de criação comercial de espécies listadas no Apêndice I registrados na Secretaria da CITES134, a saber: Alemanha, Espanha, Reino Unido, República Tcheca e Dinamarca. A UE disponibiliza um folder explicativo sobre “Criação em cativeiro e propagação artificial” 135 com toda apresentação de termos técnicos para o público, bem como toda a legislação européia pertinente ao tema. Diversos países da Ásia também seguem esta direção. A China tem praticado uma política baseada na criação comercial visando atender seu 131 Em: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2001:250:0001:0043:PT: PDF 132 Em: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:31997R0338:PT:HTML 133 Em: http://www.traffic.org/general-reports/traffic_pub_gen22.pdf 134 Em: http://eu-wildlifetrade.org/pdf/en/5_breeding_en.pdf 135 Em http://www.cites.org/common/reg/s_cb.html 63 gigantesco e variado mercado. Diante do grande consumo de animais silvestres (uso medicinal, alimento, como Pet, vestuário, entre outros), tradição cultural do país desde as primeiras dinastias (WAI-NENG et al., 1996), o Governo chinês vem implementando a criação comercial como forma de uso sustentável através das diretrizes da CITES e como meio de atender uma demanda cada vez mais crescente diante do desenvolvimento acelerado do país e como ferramenta de combate ao comércio ilegal O combate ao comércio ilegal, e muitas vezes não sustentável, de espécies silvestres na China requer uma combinação das intervenções de conservação por várias agências do interior do país e os países vizinhos fornecedores. Essa abordagem multifacetada deve incluir não só as intervenções de aplicação rigorosa da lei para impedir o tráfico, mas também promover esforços direcionados para mudar a consciência e o comportamento do consumidor e, finalmente, incentivar o comércio legal (incluindo a criação comercial), a fim de combater o tráfico. A China possui duas listas de espécies protegidas, de Grau 1 e Grau 2, que se referem as espécies de animais selvagens que são raras ou em vias de extinção. As espécies de "primeira classe" e de "segunda classe” (Estado de proteção especial), respectivamente, estão sob a égide da Lei de Proteção de Animais Selvagens da República Popular da China, aprovada em 1988136. A China tem um sistema nacional de gestão de duas classes para as espécies consideradas mais ameaçadas, e sob este sistema as espécies protegidas de Grau 1 estão sob à autoridade de gestão do governo central, mais especificamente a Administração Florestal do Estado, enquanto os governos provinciais são responsáveis pela proteção das espécies de Grau 2 (TRAFFIC East Asia, 2008). A legislação estabelece, ainda, os delitos do comercio ilegal de vida silvestre e prevê que qualquer importação ou exportação de espécimes de espécies incluídas nos Apêndices da CITES e das espécies incluídas nos Anexos da lei (graus I e II) requer a expedição prévia de licenças ou certificados pela Autoridade Administrativa, devendo estar submetida a controle (JIMING. 2005). 136 A Lei de Proteção de Animais Selvagens da República Popular da China foi adotada pela Quarta Sessão da Comité Permanente do Sétimo Congresso Nacional do Povo, em 08 de novembro de 1988, e promulgada pelo Decreto N º 9 do Presidente da República Popular da China na mesma data, entrando em vigor em 01 de março 1989. 64 O papel do governo chinês em tomar medidas ativas para proteger a vida selvagem, fazendo leis em conformidade com os tratados internacionais, não deve ser subestimado. Os cidadãos notaram a forte imposição da lei nos últimos anos pelo governo, o que obrigou algumas atividades comerciais ilegais a se tornarem muito mais veladas, incluindo consumo de espécies silvestres em restaurante. A política pública da China, afirmada pela legislação nacional e regulamentos administrativos, defende "o consumo adequado dos animais selvagens" (consumo sustentável), e existem incentivos econômicos destinados a fomentar a criação em cativeiro ou “ranching” (TRAFFIC East Asia, 2008). As tartarugas foram incentivadas para serem criadas em viveiro para suprir a demanda por alimentos e animais de estimação, principalmente em mercados chineses. Em 2008, estimava-se que houvesse entre dois e quatro milhões de tartarugas nessas fazendas (TRAFFIC East Asia, 2008). As pesquisas de 2006 também relataram que 49 espécies de tartaruga de água doce foram mantidas em estoque pelas fazendas, embora apenas sete espécies (14%) de água doce, tenham sido criadas em cativeiro com sucesso em números comerciais. As tartarugas de água doce na criação comercial (Closed cycle) valia cerca CNY8 bilhões (US$1.3 bilhões) em 2005 e foi estimado um aumento no valor de CNY10 - 15 bilhões (US$1.46-2.2 bilhões), em 2006. A expansão da escala da criação comercial de tartaruga na China se expressou em área e diversidade de espécies (ZHOU, 2006). Em grande parte estes números se devem ao incentivo governamental. Em 2002, através do Inf. 8 da CoP12, da CITES, os doutores Haitao Shi e Fan Zhiyong corroboravam com esta política pública, apontando para a diminuição do comércio ilegal: “O apoio aos esforços de produção em larga escala e o desenvolvimento de novos mecanismos de reprodução em cativeiro irão reduzir as pressões sobre as populações selvagens de tartarugas de água doce e salgada”. A China foi, e segue sendo, um grande consumidor de animais para pet, com grande ênfase nas aves canoras, ornamentais e répteis. Além disso, milhões de espécimes foram exportados pelo país durante várias décadas até a proibição da exportação de espécimes capturados no meio silvestre. Estes animais já recebiam incentivo governamental legal para sua criação comercial, principalmente de espécies autóctones chinesas. Em 2000 mais de 150 mil espécimes exportados já eram de cativeiro (NIJMAN, 2009). Atualmente a exportação faz-se timidamente, 65 alguns exemplares já vêm sendo exportados (ver Gráf. 5) para países europeus, Japão e Hong Kong (para reexportação), em razão da gripe aviária. O mercado pet cada vez mais vem tendo expressivas cifras no país, sobretudo com o crescimento econômico e o aumento de renda da população (WAI-NENG et al., 1996). O amplo programa de abertura à criação comercial na China trouxe alguns excessos aos olhos de alguns outros governos e ONGs. É o caso do tigre (Panthera tigris), em que estabelecimentos de cria foram incentivados como forma de combater o tráfico e atender a demanda de partes, produtos e subprodutos desta espécie. Como já vimos, há resistência por parte de muitos países e organizações em relação às fazendas de criação destes animais em função de ser uma espécie símbolo (ver Anexo 1), uma espécie com populações silvestres diminutas e ainda em declínio, e pelo fato de não se conseguir detectar a veracidade da origem de cativeiro dos produtos comercializados, já que muitos são elementos de composições de uso medicinal, por exemplo. Novamente devemos nos remeter a Decisão 14.69 da CITES, em que as operações de reprodução de tigres em escala comercial devem implementar medidas para restringir a população cativa unicamente para o suporte à conservação da espécie, não devendo ser criado para o comércio de partes ou derivados. Ainda assim o governo segue com a gestão destas fazendas na espera de resultados práticos quanto às pressões do comércio sobre as populações silvestres. Outros países do sudeste asiático, sobretudo Vietnam, Laos, Malásia, Tailândia e Camboja possuem um sistema de gestão de uso dos recursos da fauna similares ao da China. Os governos desta região olham para os regimes de redução da pobreza para melhorar o meio de subsistência, por isto a criação em cativeiro de espécies silvestres para fins comerciais é cada vez mais difundida e incentivada. A criação de animais silvestres em cativeiro tem uma história que remonta, na região, a milhares de anos. No Camboja, a criação de crocodilo tem sido praticada desde o século 10, Era Angkorian, e um dos exemplos mais conhecidos de reprodução em cativeiro é a indústria de crocodilo na Tailândia para fins principalmente comerciais desde os anos 1940 (THOMSON, 2008). O Vietnam aprovou o Plano de Ação para a Biodiversidade (PAB) em 22 de Dezembro de 1995. Este é um documento histórico e fornece orientações para 66 proteger a biodiversidade, desde o governo central até os níveis locais de administração. Para aplicação da CITES, o governo designou o Departamento de Proteção Florestal, com competência legal para emitir licenças e autorizações para o comércio de espécies silvestres. O Instituto de Recursos Biológicos e Ecológicos e o Centro de Recursos Naturais e Estudos Ambientais são as autoridades científicas no âmbito da Convenção. Em 2000, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente elaborou e apresentou ao governo a Estratégia Nacional para a Proteção Ambiental, para o período de 2001-2010 (NSEP). O NSEP fornece o enquadramento para a gestão ambiental na década atual e os três objetivos são proteção, conservação e o uso sustentável dos recursos naturais e da biodiversidade137. Em 2006 promulgou-se o Decreto nº. 82/2006/ND-CP, de 10 de agosto, regulando a criação, bem como importação, exportação, comércio, trânsito etc. Desta forma o governo vietnamita vem incentivando as operações de criação em cativeiro desde 2000, através de planos de ações nacionais e pelas diretivas provinciais. Segundo Julie Thomson (2008) somente em Hanói, capital do país, existiam 155 criadouros comerciais em 2005. As espécies criadas em cativeiro são de uma extensa variedade, desde animais não ameaçados (como porcos-espinhos) até aquelas protegidas pela legislação nacional e listadas como criticamente em perigo pela IUCN e no apêndice I da CITES, o que inclui o crocodilo (Crocodylus siamensis), cobras (Python molurus bivittatus, Python reticulatus e Naja kaouthia), primatas (Macaca fascicularis), tartarugas (Pelodiscus sinensis, Palea steindachneri), cobras d’água (Enhydris spp., Homalopsis buccata), lagartos (Varanus spp.), entre várias outras. Os estabelecimentos de criação de camarão, (Penaeus monodon) formam uma indústria importante em Vientname, com mais de 700 000 trabalhadores envolvidos (EVANS, 2001)138 e há planos do governo para aumentar substancialmente a produção de outras espécies, como é o caso dos cavalos marinhos, visto mais adiante. 137 State of the Environment Vietnam 2001. Preparado pelo Ministério dos Recursos Naturais e Maio Ambiente do Vietnam para o AIT-UNEP Regional Resource Center For Asia and the Pacific. Disponível em: http:WWW.rrcap.unep.org/reports/soe/vietnam/issues/response/responce on_biodiversity.htm. Acesso em: 25 fev. 2011. 138 EVANS, B. and R. Van Anrooy. (2001). FAO aquaculture activities: an example from Vietnam. FAO Aquaculture Newsletter. No. 27. Disponível em: http://www.fao.org/ docrep/004/y2419e/ y2419e01.html. Acesso em 22 fev. 2011 p. 67 Algumas espécies são especialmente incentivadas pelo governo, como o macaco rezhus, as cobras pítons, os crocodilos e as tartarugas. O mercado para os macacos rezhus (Macaca mullata) mostrou-se altamente rentável na década de 2000, a ponto do Governo do Vietnã investir numa joint venture por 15 anos (THOMSON, 2008). O mercado é significante na medida em que somente os Estados Unidos importou mais de 14.500 espécimes em 2002, sendo 81% da espécie Macaca mullata. As tartarugas encontram um grande mercado consumidor na China, mas também como animais pets em outros países. Em algumas províncias do Vietnam o processo de registro de criadouros destas espécies é bastante célere, não levam mais de 15 dias, conforme aponta o estudo da TRAFFIC, Captive Breeding of Selected Taxa in Cambodia and Viet Nam: a Reference Manual for Farm Operators and CITES Authorities (2008). O mesmo estudo menciona ainda as criações de crocodilianos, que são tradicionais no Vietnã e Camboja (este com mais de 900 criadouros em 2005), assim como os criadouros de serpentes (para o mercado de couros, principalmente a Europa), que possuíam estoques em 2005 de dezenas de milhares de espécimes. Em 2002 foi reportado pelo Grupo de Especialistas em Crocodilianos da IUCN a reintrodução no Cat Tien National Park (habitat protegido) do crocodilo siamês (Crocodylus siamensis). A iniciativa foi tida como bem sucedida. Duas fazendas de criação comercial, a TPCCDF e HCF, foram envolvidas no projeto, além de outras que queriam rever a vontade de contribuírem, como as empresas LXCF e YCF. Estas indicaram estarem dispostas a comprometerem uma cota de suas produções (10%) para programas de conservação, como parte do processo de registro na CITES. O procedimento é totalmente factível, já que atualmente existem mais de 1000 fazendas de criação de Crocodylus siamensis no Vietnã139. Tal prática sinaliza uma das possíveis contribuições diretas da criação comercial ex situ para a conservação in situ. No mesmo caminho da China e outros países asiáticos, a Indonésia criou uma política de uso de recursos da fauna visando atender demandas tradicionais e lucraticas de mercado, diante da pressão que as coletas tinham sobre as 139 DIETRICH Jelden; Manolis, C; Tsubouchi, T.; Dao Ngoc, N. 2008. Crocodile Conservation, Managment and Farming in The Socialist Republic of Viet Nam: a review with recommendations summary report of the IUCN-SSC Crocodile Specialist Group review mission to Vietnam. Disponível em: http://iucncsg.org/ph1/modules/Publications/download/CSG_Review_Vietnam _2008.pdf. Acesso em 22 fev. 2011. p. 10. 68 populações silvestres. De acordo com o Indonesian Wildlife Act nº 5/1990, sobre os recursos naturais e conservação dos ecossistemas, capturar, causar dano, matar, guardar, transportar e comerciar animais vivos de espécies protegidas são proibidos sem autorização. Infratores estão sujeitos a US$10.000 de multa e cinco anos de prisão. A lei tem provado ser a medida mais eficaz para coibir o comércio ilegal de espécies silvestres em mercado e feiras de animais. Um dos maiores mercados de animais do país é o de aves canoras e ornamentais, muito assemelhado ao brasileiro. Após a proibição do comércio de aves capturadas em meio silvestres, em 2002, um longo trabalho de gestão para tratar do assunto iniciou-se no país. Em resposta a proibição, governo e outras instituições iniciaram a governança do mercado implantando uma abordagem para orientar as preferências do consumidor na Indonésia para alternativas de cativeiro, apartando-o do consumo de aves silvestres capturadas. Um componente fundamental dessa abordagem foi capacitar a escolha dos consumidores através da criação de um sistema de certificação da criação de aves em instalações indonésias. O desenvolvimento e o projeto inicial da ferramenta de certificação inclui atividades planejadas para: mercado de aves criadas em cativeiro como mais apropriados éticamente e com fundamentos na qualidade; aumentar a oferta de aves criadas, criar uma campanha de marketing social voltadas para escolhas de compra éticas e sustentáveis de aves e promover o prestígio de aves criadas em cativeiro devidamente marcadas (anilhadas). O sistema de certificação incide sobre pássaros com os seguintes objetivos: garantir o status de aves criadas em cativeiro produzida por instalações de reprodução autenticada, promoção das melhores práticas em criação (em termos de bem estar, qualidade e quantidade); acelerar o processo de substituição das aves selvagens capturadas como animais de companhia ou para outros fins. Segundos dados de Paul Jepson (2008), em seis cidades pesquisadas em abril de 2006, 35,7% dos domicílios (636 de 1.781 domicílios pesquisados) mantinha uma ave e 57,6% haviam mantido um pássaro nos últimos 10 anos. A projeção foi de 1.450.000 famílias mantendo um número estimado de 2,15 milhões de aves selvagens capturadas. As competições de pássaros canoros são recreações populares em Java, Bali, Kalimantan e Sumatra (como no Brasil). Cinco das nove espécies normalmente encontradas em competição estão entre as 69 dez mais comuns espécies cativas: o tordo de cauda longa (Lanius schach), tordo de cabeça laranja (Zoothera citrina), merlo shama (Copsychus malabaricus), magpie robin (Copsychus saularis) e os serinus (Serinus spp.). Projeções preliminares resultantes do estudo sugeriram que os detentores das aves contribuem aproximadamente com US$70.8 milhões para a economia dessas seis cidades. Desse total, cerca de US$44,7 milhões são pela venda e comercialização de aves, cerca de US$10,6 milhões da coleção, criação e venda de alimentos vivos (ovos de formigas, minhocas, grilos), e o demais proveniente da fabricação e venda de gaiolas de pássaro e outros materiais. Este valor não incluiu outros aspectos do hobby que podem ter significância econômica e as contribuições para o emprego, nomeadamente os mercados de aves, concursos de canto, e as empresas de criação de aves (mesma dinâmica que no Brasil). Tendo em conta todos os fatores envolvidos na atividade, o Governo indonésio não só vem incentivando como certificando os estabelecimentos de criação comercial. A política de fomento a criação tem sido intensa, atualmente a Indonésia conta com mais de 40 estabelecimentos registrados140 na Secretaria CITES para a espécie Scleropages formosus (peixe dragão), peixe ornamental listado no App. I. A criação de várias espécies da fauna indonésia tem aflorado desde a lei de 1990, com as sistemáticas proibições de comércio de várias taxas coletadas em meio silvestre (NIJMAN, 2009). Espécies como lagarto rei (Chlamydosaurus kingii), lagarto esmeralda (Varanus prasinus), lagarto do Timor (Varanus timorensis), píton burmesa (Python molurus bivittatus), tartarugas (Heosemys spinosa, Cuora spp.), crocodilianos (Crocodylus siamensis, Crocodylus porosus), psitacídeos (Psittacidae spp.), são algumas criadas entre uma enorme variedade existente. A África do Sul tem sido outro exemplo de política governamental focada na criação comercial. Assim como os países asiáticos a criação tem sido um instrumento para diminuir as pressões sobre as coletas no meio silvestre. A implementação da Gestão Ambiental Nacional se deu através da promulgação do Biodiversity Act nº 10 (NEMBA)141, em 2004. A lei regulamentou vários procedimentos de uso da fauna, entre os quais: atividades desenvolvidas em reservas de caça em terrenos privados; disposições relativas à translocação de 140 141 Em: http://www.cites.org/common/reg/cb/id.html Em: http://www.info.gov.za/gazette/acts/2004/a10-04.pdf 70 espécies ameaçadas ou espécies protegidas; as atividades proibidas envolvendo grandes predadores, rinoceronte negro e branco ou métodos proibidos de caça; a marcação de marfim de elefante e corno de rinoceronte; registro de instalações comerciais ou de outros usos etc. As disposições são potualmente explicadas pelo Guidelines for the Implementation and Interpretation of Threatened or Protected Species (TOPS) Regulations, and the Issuance of Tops Permits142, guia governamental para procedimentos de registro. Uma vasta gama de espécies “criticamente em perigo”, “em perigo”, “vulnerável” e espécies nativas protegidas de alto valor de conservação ou de importância nacional, abrangendo os peixes, répteis, aves, mamíferos, plantas e invertebrados, passaram a ter um estado de conservação uniforme em toda a África do Sul pela primeira vez, incluindo o cão selvagem (Lycaon pictus), a zebra de montanha (Equus zebra), andorinha azul (Hirundo atrocaerulea), o antílope roan (Hippotragus eqüino), bontebok (Damaliscus pygargus), oribi (Ourebia ourebi), hiena manchada (Crocuta crocuta) , texugo do mel (Mellivora capensis), entre tantos outros. Nenhuma atividade restrita, incluindo, por exemplo, possuir, caçar, coletar, criar, vender ou translocar, pode ser realizada com as espécies TOPS (Threatened or Protected Species)143 previstas pelo Biodiversity Act nº 10/2004, mesmo viva ou morta, sem autorização, mas é possível o uso desde que cumpridas as normativas e não interfiram negativamente nas populações silvestres. Uma das mais incentivadas atividades no país é a criação de espécimes para “troféus de caça” nas próprias reservas de caça particulares (Game reserves). Apesar de haver fortes questionamentos éticos desta atividade por parte das organizações de defesa dos animais e parte do público em geral. A criação para animais pets também encontra forte impulso, tanto em espécies exóticas como em espécies autóctones sul africanas. O país se tornou um grande centro de criação e comércio de animais para este mercado, sobretudo em aves ornamentais e répteis. A ameaçada arara azul grande (Anodorhynchus hyacinthinus – ver Anexo 1), espécie brasileira, é criada para o mercado interno e 142 Em: http://www.cycadsociety.org/nc/tops%20guideline%20manual.doc Em: http://www.animallaw.info/nonus/administrative/admin_pdf/SAProtectedSpeciesList2007. pdf 143 71 exportada esporadicamente144, com valores unitários superiores a US$12 mil. Muitas outras espécies da família Psittacidae são reproduzidas em larga escala, dando ao país um reconhecido exemplo de sucesso na criação destas aves. Assim como as aves, os répteis encontram muitos estabelecimentos para reprodução, sendo uma commodity representativa para o comércio de fauna silvestre da África do Sul. A falcoaria é outra forte atividade, sendo bastante desenvolvida a criação de espécies de aves de rapina. Até animais símbolos são bastante criados em cativeiro, entre eles o leão (Panthera Leo) e o guepardo (Acinonyx jubatus). Este último é um dos felinos mais ameaçados do continente africano, também listado no App. I da CITES, inclusive já existem, até a presente data, dois criadouros sul africanos desta espécie registrados na Secretaria CITES145, aptos a exportar os espécimes reproduzidos. Ainda existem outros criadouros de espécimes como o serval (Leptailurus serval), caracal (Caracal caracal), leopardo (Panthera pardus) etc. O Canadá revisou sua regulamentação sobre comércio externo e interno de espécies silvestres através da WAPPRIITA (Wild Animal and Plant Protection and Regulation of International and Interprovincial Trade Act), em 1992. A lei foi elaborada com consulta a várias províncias do país, sobre questões de implementação das modalidades de controle do comércio e da proibição de comércio sem a devida autorização legal. Com a publicação do Wild Animal and Plant Trade Regulation Act, lei que entrou em vigor em seguida a WAPPRIITA, em maio de 1996, foram substituídos os regulamentos que estavam em vigor desde julho de 1975, sob a antiga Lei de Autorização de Exportação e Importação. Mais existem outros conjuntos de regulamentos sobre procedimentos de execução. Como exemplos: a emissão de licenciamento (incluindo CITES), exceções às proibições na lei, marcação de espécimes, taxas ou encargos, etc. A nova legislação consolidou a regulamentação dos controles existentes de comércio federal, tanto para o comércio internacional como para o interprovincial de espécimes selvagens. Além da implantação de controles nas listas da Convenção CITES, WAPPRIITA e de outras normas, a legislação secundária foi 144 Das empresas que criam comercialmente a espécie Anodorhynchus hyacinthinus nenhuma possui registro no Secretariado CITES em Genebra, conforme estabelecido pela Resolução Conf. 12.10 (Rev. CoP15). Os países importadores não exigem a compra de espécimes originários de empresas inscritas na Convenção. 145 Em: http://www.cites.org/common/reg/s_cb.html 72 concebida para proteger animais silvestres e delegar o transporte e o comércio ao controle e regulamentações específicas das províncias. Desta forma as leis provinciais podem ser mais rigorosas, desde que não desrespeite a legislação federal. Desde a proibição do comércio de muitas espécies coletadas na natureza, previsão da WAPPRIITA, os novos regulamentos contemplam a criação comercial como alternativa para o comércio. No Canadá, os requisitos para a autorização para as atividades com espécimes em cativeiro das espécies do Anexo I da WAPPRIITA são as mesmas que qualquer App. I da CITES e outros146. Os regulamentos federais e provinciais reconhecem a importância de um bem estabelecido e estruturado programa de reprodução em cativeiro com finalidade comercial. Avanços em programas de reprodução em cativeiro, muitas vezes aparecem através de pequenos criadores amadores dedicados (similar em todo o mundo, inclusive no Brasil). No entanto o Canadá adotou procedimentos internos, para o comércio de espécimes criados em cativeiro, que são mais rigorosos do que a Convenção. O Canadá conta com mercados bastante expressivos para espécies silvestres. O país está entre os grandes importadores mundiais, mas também figura como grande exportador em algumas áreas. A cifra de exportação, somente em 2009, alcançou US$61 milhões (UN Statistic Division), sem contar produtos, subprodutos, partes derivadas e animais não listados pela CITES. A atividade no país envolve produção de peles de animais, troféus de caça, mercado pet, entre outros. Dados do mercado interno são bastante significativos em todas as classes de atividades ligadas à fauna. A indústria de peles é bastante desenvolvida e cresce a cada ano. Em 2009 foram produzidas mais de 1,6 milhões de peles, gerando uma receita de CAN$104,6 milhões. A indústria de vison da Província da Nova Escócia tem visto um aumento constante de lucro nos últimos anos, com vendas de exportação superiores a US$ 65 milhões em 2008 e US$ 80 milhões em 2009, de acordo com o Departamento de Agricultura. São mais de 80 fazendas desta atividade somente 146 COOPER, E.W.T. and Chalifour, N. CITES, Eh? A Review of Canada's Implementation of CITES Under WAPPRIITA. TRAFFIC North America and World Wildlife Fund. Vancouver, B.C. 2004, p. 35 73 nesta província147. As principais espécies criadas em fazendas atualmente são os visões (Neovison vison, ou Mustela vison) e a raposa prateada (Vulpes vulpes). A criação da raposa e do vison contribuem com cerca de 78 milhões de dólares para a economia canadense anualmente. Aproximadamente 75% das peles canadense provêm dos criadouros148. No total haviam mais de 320 fazendas em 2006, com um estoque de 1,9 milhões espécimes (Statistics Canada) só de raposa e vison. A criação de animais silvestres para produção de alimentos também é bastante desenvolvida. Entre as espécies criadas estão o caribu (Cervus canadensis), o cervo cauda branca (Odocoileus virginianus) e o bisão (Bison bison). Dados de 2006 apontavam para mais de 1400 fazendas, com um número superior a 210 mil exemplares em cativeiro (Statistics Canada). Além disto, estes animais são também troféus de caça. Somente nas províncias de Saskatchewan e Alberta há 1.931 fazendas licenciadas. Essas fazendas possuem um total de 118.491 cervídeos. A espécie mais comum é o alce (Alces alces), com 67.254 animais (57%), outros cervídeos 17.289 (15%), cervo de cauda branca com 17.176 (14%) e do veado comum com 15.605 (13%). O veado mule (525) e a rena (Rangifer tarandus), 642, compõem o 1% restante. A criação de espécies silvestres para o mercado pet é, também, bastante significativa. O Canadá figura entre os maiores importadores de animais silvestres para o mercado pet, sobretudo em répteis e aves. Por este motivo houve nos últimos anos um forte crescimento da criação nacional. Mas a criação no Canadá recepciona também outras espécies dependendo da província em que se instala. Não é raro o oferecimento de felinos e canídeos silvestres como animais de companhia (sobretudo em Ontário). A produção dos animais exóticos tem mercado garantido pela forte economia e elevada renda per capita do país. A criação em cativeiro de espécies exóticas é disseminada por todo o Canadá, especialmente de répteis, psitacídeos e outras aves. Mas o país não dispensa a criação de animais de sua fauna. Diversas espécies autóctones vêm sendo há muito criadas em algumas províncias canadenses, é o caso da raposa do ártico 147 New rules for mink farms. Artigo do diário eletrônico CBC News de 29 abril de 2010, disponível em: http://www.cbc.ca/news/canada/nova-scotia/story/2010/04/29/ns-mink-farmslegislation.html. Acesso em 26 fev. 2011. 148 Statistics Canada. Catalogue no. 23-013-X, Fur Statistics 2009. Disponível em http://www.statcan.gc.ca/pub/23-013-x/23-013-x2009001-eng.pdf. Acesso em 26 fev. 2011. 74 (Alopex lagopus), lince canadense (Linx canadensis), aves de rapina (Falco peregrinus, Falco rusticolus, Falco mexicanus), racoon (Procion lotor), entre outros. O Canadá conta com 13 estabelecimentos de criação comercial de espécies listadas no App. I no Secretariado da CITES, sobretudo de aves de rapina. Como podemos perceber, a utilização da fauna silvestre em diversos países tem sido implementada ou reformulada para atender crescentes demandas. Tantos nos países desenvolvidos como nos que estão em desenvolvimento os usos de forma sustentáveis dos recursos da fauna vêm sendo incentivados e fomentados, acompanhados da implantação de formas de monitoramento e controle mais eficazes. Para algumas nações esta atividade possui grande relevância econômica, e mesmo naquelas em que economicamente sua expressão ainda não se faz sentir o mercado de animais e seus produtos não cessam de crescer fortemente. A globalização proporcionou um grande impulso à atividade. Rotas aéreas disseminadas (interna e externamente nos países), informação e comércio pela web, etc. corroboram para este cenário de expansão. Somam-se a estes fatores as desenvolvidas técnicas de reprodução para diversas espécies silvestres. 3.2 Implantação e efetividade da CITES no Brasil Diante dos problemas ambientais atuais devemos buscar métodos diferentes de crescimento econômico social, com vistas a harmonizar desenvolvimento econômico e social com gestão racional do ambiente (SACHS, 1986). Um desenvolvimento sustentável só é possível quando se almeja consolidar uma compatibilidade entre desenvolvimento e conservação dos recursos naturais. Há uma premente necessidade de se preservar os recursos responsáveis pelo desenvolvimento das nações, ainda mais quando se depende destes para a própria sobrevivência e quando estamos diante de grande demanda aliada por certa escassez e pelo risco de se perder tais itens para as gerações futuras. O maior atributo da CITES é a busca de um uso ponderado que resguarde a existência das espécies, claramente um mecanismo de desenvolvimento sustentável, tendo em vista que a Convenção busca o desenvolvimento e 75 continuidade de uma atividade aliados com a preservação e a conservação. A implementação de uma estrutura de monitoramento do comércio internacional, em conjunto com o estudo sobre os impactos nas populações naturais das espécies de fauna e flora mais transacionadas por essa atividade, importa na conservação da biodiversidade mundial e no equilíbrio ecológico. Nesse sentido, a CITES é uma convenção de extrema importância para a conservação da biodiversidade e para o equilíbrio ecológico. A falta de regras no comércio internacional destes itens seria certamente um elemento negativo, podendo gerar sérios danos às populações silvestres das espécies envolvidas, até uma alta taxa de extinção e sérios prejuízos nas funções ecológicas existentes no meio ambiente. O que devemos analisar é como foi implementada a CITES no Brasil e, principalmente, sua efetividade. Importa-nos verificar se esta efetividade é conexa com os métodos de sua aplicação e seus resultados, se são suficientemente necessários para a proteção, se estão de acordo com a demanda que o mercado impõe e se colaboram com o combate ao comércio ilegal. A CITES é materializada em um sistema de licenciamento gerenciado pelas Autoridades Administrativas evocando pareceres técnicos das Autoridades Científicas das Partes. No âmbito legal, a Convenção é um instrumento do Direito Internacional e, como tal, regula a atividade por meio de normas que devem ser inseridas no ordenamento jurídico interno de cada Parte a fim de viabilizar o seu monitoramento. A situação da aplicação da Convenção ocorre, no meio jurídico, pela análise da sua efetividade enquanto regulamento jurídico. O que revela o caráter jurídico da norma é a sua institucionalização, de forma que esta passa a ter um aspecto de autoridade e obrigatoriedade, que consiste na composição da sua validade formal (FERRAZ JUNIOR, 1988). É preciso averiguar a consolidação de uma norma, além de sua validade formal, a real capacidade desta de produzir seus efeitos na sociedade, além de sua produção efetiva. Como diria o jurista Ferraz Júnior: “se é adequada à realidade e se a norma tem condições fáticas e técnicas de atuar”. A efetividade do diploma legal pode ser valorada através de sua obediência no seio da sociedade. Ainda que uma norma seja apta para produzir os efeitos buscados não significa, necessariamente, que venham a ocorrer. O cumprimento da norma, bem como sua obediência atemporal são os elementos para definir ou 76 não sua efetividade. Em outras palavras a efetividade da norma reflete na sua incidência (BARROSO, 2003). Sendo assim, devemos perceber se as normas contidas na CITES são plenamente executáveis, se estão regularmente inseridas na legislação nacional e se há instrumentos para sua aplicação fática. A CITES foi formalmente inserida na legislação interna quando da sua ratificação, em pelo Decreto Legislativo nº 54, de 24 de junho de 1975149 sendo promulgada pelo Decreto nº. 76.623 de 1975150. De fato a Convenção entrou em vigor no Brasil em 04 de novembro de 1975. Mais tarde, em 1985, o Decreto nº 76.623 foi alterado pelo Decreto Legislativo nº. 35, sendo promulgada pelo Decreto nº. 92.446 de 07 de março de 1986151. Assim viabilizou-se não apenas o seu cumprimento, mas também a sua exigência por parte dos juízes e tribunais, em sua função interpretativa e aplicadora dos diplomas normativos pátrios (REZEK, 2002). Desta forma, pode-se afirmar que a CITES não é auto executável e necessita da legislação e da atuação interna para surtir efeito no nível nacional. No Brasil, o órgão Administrativo e Científico designado para efetivar a CITES é o IBAMA, através, atualmente, da Diretoria de Uso Sustentável da Biodiversidade e Floresta - DBFLO152. A AA é responsável, dentre outros, pela elaboração dos relatórios periódicos, devolução das espécies e espécimes apreendidos ao país de origem, registro de infrações, emendas, inclusões e transferências aos Apêndices. Atualmente existem doze (12) Autoridades Administrativas153 na Diretoria do IBAMA, com diversas outras funções. A AC é responsável por avaliar se o comércio da espécie em questão não afetará negativamente os aspectos funcionais e de sobrevivência pertinentes. Na estrutura do IBAMA as Autoridades Científicas são seus centros especializados (total de 21) 154 . Na fauna estão como responsáveis, o CEMAVE - Centro de Pesquisa para a Conservação de Aves Silvestres, o CENAP - Centro Nacional de Pesquisa para a Conservação de Predadores Naturais, o RAN Centro de 149 Em: http://www.prpe.mpf.gov.br/internet/Legislacao/Meio-Ambiente-e-Urbanismo/Decretos/D ECRETO-LEGISLATIVO-N1-54-DE-1975 150 Em: http://www.ibama.gov.br/flora/decretos/decreto_76623_cites.pdf 151 Em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3607.htm 152 Em: http://www.ibama.gov.br/institucional/quem-e-quem 153 MPF, 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público da União (MPU). In Formulário Descritivo de Norma Internacional, 2009, p. 2-3. Disponível em: http://4ccr. pgr.mpf.gov.br/documentos-e-publicacoes/tratados-internacionais/docs/convencao_sobre_comerci o_internacional_das_especies _da_flora_e_fauna_selvagens.pdf. Acesso em 02 jan. 2011 154 Em: http://www.ibama.gov.br/links/centros.htm 77 Conservação de Manejo de Répteis e Anfíbios, o TAMAR - Centro Nacional de Conservação e Manejo das Tartarugas Marinhas, o CPB - Centro de Proteção de Primatas Brasileiros e o Centro Nacional de Pesquisa, Conservação e Manejo de Mamíferos Aquáticos. Existem ainda os Centros de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros do Litoral para as Regiões do Norte, Nordeste, Sudeste e Sul e um Centro de Pesquisa e Gestão de Recursos Pesqueiros Continentais. Para a flora, se destacam o Centro Nacional de Orquídeas, Plantas Ornamentais, Medicinais e Aromáticas – COPOM, Laboratório de Produtos Florestais – LPF, Coordenação Geral de Gestão de Recursos Florestais – CGREF, Centro Nacional de Apoio ao Manejo Florestal (IBAMA, 2005). Faz-se importante destacar que no IBAMA, única Autoridade Científica especializada na aplicação da CITES em todo o território nacional, os estudos da fauna dos centros especializados se tornam limitados à extensão técnica e de localização desses centros que, por vezes, ou não possuem todo o conhecimento científico ou não se deslocam ao local para uma efetiva investigação. Ressalta-se ainda que não há no país entidades não governamentais para colaborar e apoiar a convenção, como existe normalmente em outros países (IBAMA, 2007). O que seria primordial para uma melhor execução da Convenção. Além dos entraves técnicos observados, há de se notar também dois fatores que distorcem a aplicação da CITES no país: o primeiro é a constante mudança das AAs, o segundo o desconhecimento sobre as diretrizes da Convenção. Sistemáticas mudanças nas áreas ministeriais do Governo Federal criam sempre reestruturações imediatas na presidência do IBAMA e, por conseguinte, na diretoria (DBFLO). Desde 2006, até o início de 2011, foram sete presidentes155, implicando em iguais alterações na Diretoria de Fauna e Coordenação de Gestão e Uso da Fauna (CGFAU), que abrigam as AAs CITES. Ou seja, em cinco anos houve dezenas de mudanças dos técnicos do setor (AAs), o que pode ser traduzido por uma real falta de governança, com consequências desastrosas na gestão da fauna nacional. Os sucessivos câmbios de pessoal explicam a deficiência no conhecimento da CITES enquanto diploma normativo e de princípios e diretrizes para políticas de fauna (RENCTAS, 2009, ABRASE, 2010). Técnicos 155 Desde 2006 ocuparam a Presidência do IBAMA, na ordem: os senhores Romulo Mello, Marcos Barros, Bazileu Margarido, Roberto, Franco, Abelardo Bayma, Américo Tunes e Curt Trenopol. 78 concursados do órgão com conhecimentos especializados, inclusive formados pelo Máster en gestión, acceso y conservación de especies en comercio: el marco internacional, às expensas da instituição, não compõem mais o quadro de AAs156. O procedimento orientado pela CITES sobre a necessidade da regulamentação e incentivo para a implementação de criadouros especializados da fauna, adaptado ao contexto nacional, esbarra em restrições legais internas existentes basicamente em regulamentação complementar e não em leis. Em termos de instrumentos normativos, única verificação da existência de elementos para a execução administrativa da CITES, devemos notar que também esbarram em previsões legais, em contrário senso das diretrizes do Plano Nacional de Biodiversidade (analisado adiante no item 3.3.1: Análise da legislação vigente) e das disposições internacionais já vistas. Dos instrumentos normativos do IBAMA, destacam-se: a Portaria nº 102/98, que regulamenta os criadouros de animais da fauna silvestre exótica com fins econômicos e industriais; a Portaria de nº 118/97, que regulamenta os criadouros de animais da fauna silvestre brasileira, seus produtos e subprodutos, voltados para fins comerciais e industriais. A comercialização é regulamentada pela Portaria nº 117/97, que dispõe sobre a comercialização de animais vivos abatidos, partes e produtos da fauna brasileira provenientes de criadouros, com finalidade econômica e industrial e jardins zoológicos registrados junto ao IBAMA, e pela Portaria nº 93/98, que dispõe sobre o ato de importação e exportação de espécimes vivos, produtos e subprodutos da fauna silvestre e exótica brasileiras. E, também, a Instrução Normativa nº. 02/01 de 2001, que dispõe sobre a obrigatoriedade na identificação individual de espécimes da fauna para fins de controle de criação e comércio, e a Portaria nº. 113/97. Para os recursos pesqueiros, destacam-se: a Instrução Normativa nº. 56/2004, que estabelece normas para utilizar peixes ornamentais marinhos e a Instrução Normativa nº. 13/2005, que estabelece normas para a utilização de peixes ornamentais de águas continentais. 156 Informação verbal do Diretor Dbflo do IBAMA (2009) e constantes na apresentação PPS do curso III Máster en gestión, acceso y conservación de especies en comercio da UNIA – Universidad Internacional de Andalucia, a saber, Sr. Francisco Tavares e Sra. Beatriz Braga. 79 Conforme a Lei nº 9.605/1998157, que tipifica as condutas ilegais contra a fauna, constitui crime matar, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre (na lei entenda-se como exclusivamente espécies autóctones)158 sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida. Corrobora também na penalização a Lei nº 6.938/1981159. O Decreto nº 6.514/08160 prevê sanção administrativa, além das criminais abordadas. Uma vez existentes os meios legais de execução, é imperativo verificar se a sociedade está cumprindo as regras de tais instrumentos, e atuando em conformidade ao executado. Quando as normas legais contrariam as tendências e inclinações dominantes na coletividade, somente poderão vir a serem executadas de maneira compulsória, não possuindo um cumprimento natural, sem resistência por parte da coletividade (REALE, 2003). Na verificação da conduta propriamente dita, as emissões de licenças e demais objetos da Convenção, há um óbice no contexto brasileiro, o fato de que são pouquíssimos os comerciantes internacionais de fauna, o que dificulta a implementação da Convenção, pois, no Brasil, somente pode fazer parte do comércio quando a espécie é oriunda de cativeiro legalizado161. Tal fato demonstra que, apesar de uma grande demanda no comércio internacional, o crescimento do mercado brasileiro é inexoravelmente desmotivado diante da proibição legal da retirada da fauna e flora diretamente do ambiente, ainda mais se não há todo um incentivo eficiente à regulamentação por parte do Estado para o crescimento da atividade. Tendo em vista que no Brasil somente pode fazer parte do comércio a fauna oriunda de cativeiro legalizado e, por ainda não haver um grau expressivo de incentivos à formalização de cativeiros em comparação à grande busca que se tem pela fauna silvestre, a possibilidade de que o mercado seja alimentado pelo tráfico ilegal é alarmante em um país mega diverso em fauna como o Brasil (RENCTAS, 2009). Donde se conclui que é necessário um maior incentivo para tornar o 157 Em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9605.htm Definição de Fauna Silvestre prevista na Lei 9.605/98, Art. 29, Parág. 3º d: “São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras.” 159 Em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm 160 Em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6514.htm 161 Previsão das Portarias nºs 117/97, 118/98 e 093/98, supracitadas, e da IN nº 169/08, em: www.icmbio.gov.br/sisbio/legislacao.php?id_arq=39 158 80 mercado mais expressivo no território brasileiro, com a presença de grandes importadores e exportadores dos espécimes das espécies CITES, bem como de criadouros específicos naquelas que se enquadram nos preceitos técnicos da Convenção e de demais instituições. Igualmente, além da falta de incentivo por parte do governo para a criação de criadouros legalizados, falta também uma atuação efetiva de educação ambiental, propiciando informações suficientes para modificar todo um comportamento social, de modo que a sociedade passe a exigir a legalidade na atividade, conscientizada da importância da conservação da biodiversidade. A ausência deste fator é notável pela facilidade que se tem de encontrar animais, partes e produtos sendo vendidos ilegalmente e sem o devido cuidado com o bem estar destes, a exemplo de feiras no norte (Manaus, Belém e Recife), como em Duque de Caxias, município do Estado do Rio de Janeiro, reconhecido espaço do tráfico com milhares de ocorrências policiais (RENCTAS, 2001). Os órgãos de fiscalização, como Polícia Federal, IBAMA e polícias ambientais militares, apreendem anualmente em torno de 45 mil animais silvestres em feiras, residências e estradas, sendo a maioria aves162. Com a mega diversidade de fauna existente, somada a sua grande extensão territorial e pouca fiscalização nas fronteiras, a questão do comércio ilegal no Brasil toma proporções inquietantes. Os traficantes agem em áreas com ausência de policiamento sistemático, como ao longo de fronteiras terrestres e mesmo nos portos e aeroportos do país. Conforme dados da RENCTAS, em seu relatório de 2001, o transporte ilegal é feito das formas mais criativas existentes, até a empresa de Correios é utilizada para o comércio ilegal de ovos, répteis vivos, insetos e tantos outros itens. Através de um grupo de trabalho, criado pelo IBAMA pela a Portaria nº 22 de abril de 2005, se identificou algumas falhas no modelo de aplicação da Convenção. Entre estas está necessidade da expansão da quantidade de Centros de Triagens de Animais silvestres (CETAS) 163, ver Anexo 1, os centros de resgates e recuperação de animais da fauna nacional oriundos de apreensões, confiscos e 162 IBAMA. Folder do Projeto CETAS Brasil, ed. 2009, p. 2. Disponível em: http://www. ibama.gov.br/fauna-silvestre/wp-content/files/Folder_Projeto_CetasBrasil.pdf. Acesso em: 20 jan. 2011 163 Previsão Art. VIII, parágrafo 4º, Texto da Convenção CITES, em: http://www.cites.org/esp/ disc/ text.shtml#VIII 81 acidentes com os animais. Até o fim do ano de 2010 contabiliza-se 50 CETAS no país, entre governamentais e privados. O IBAMA, através do Projeto CETAS Brasil, tem fomentado a criação destes centros para atingir um número três vezes maior, sobretudo nas áreas onde ocorre o maior número de apreensões. A falta destes estabelecimentos prejudica diretamente as operações de combate ao tráfico (PADRONE, 2004), pois não encontram locais adequados para depositar os animais oriundos de operações de repressão. Mas a presença dos CETAS não leva a uma alocação que garanta o bem estar dos animais e manejos adequados. Pelo contrário, o local aonde os animais deveriam receber tratamento para recuperação e reintrodução à natureza é exatamente o que prosseguem seu calvário. Investimentos escassos, estruturas sucateadas e superlotação são algumas das dificuldades mais comuns enfrentadas pelos CETAS no País (ver Anexo 1). O IBAMA e a Polícia Ambiental precisam retirar esses animais tráfico, mas os centros não têm condições de recebê-los. Os CETAS, hoje, contribuem menos do que deveriam para a preservação da fauna (SATHLER, 2008). Muitas outras críticas pesadas recaem sobre os, por exemplo, os métodos e critérios de libertação de animais silvestres. O termo “soltura” ao invés de “reintrodução” seria o apropriado. Soltura é simplesmente soltar o animal na natureza, na reintrodução se estuda a área para ver a compatibilidade, preparase para liberar o espécime, o monitora. Reintrodução é procedimento caro, por isso quase nunca acontece. “Nenhum dos CETAS que eu passei faziam reintrodução”, revela o biólogo Marcelo Sathler164. A prática do IBAMA vai exatamente contra as normas da IUCN para a reintrodução, previstas no Guidelines for Re-Introductions165, resultando num dano enorme a fauna silvestre. No tocante a política de incentivo à criação, os centros resistem em enviar animais impossíveis para as “solturas” aos criadouros. Não bastassem tais práticas, muito duvidosas tecnicamente, também não seguem as previsões para destinação de animais emanadas pelo Guidelines for the Placement of Confiscated Animals166, referência para políticas nacionais em gestão de fauna. 164 O ECO. Reportagem Longe do tráfico, em outras grades. Matéria eletrônica, 26 nov. 2008. Disponível em: http://www.oeco.com.br/reportagens/37-reportagens/20347-longe-do-trafico-emoutras-grades. Acesso em: 22 jan. 2011 165 Em: http://www.iucnsscrsg.org/download/English.pdf 166 Em: http://data.iucn.org/dbtw-wpd/edocs/2002-004-Es.pdf 82 Por toda a argumentação exposta devemos perceber, necessariamente, que não há efetividade da aplicação da Convenção no Brasil. A estrutura brasileira ainda é insuficiente no que se refere à efetivação da CITES. Seriam necessárias várias mudanças relativas à gestão da fauna, como um maior incentivo na regulamentação de toda a atividade, propiciando uma maior segurança jurídica e ambiental na emissão de licenças, efetiva atuação da fiscalização, identificação dos produtos nos portos e aeroportos do país, maior conhecimento da Convenção, entre outros. O incentivo à implantação de criadouros comerciais é imperativo, trazendo ao contexto brasileiro um mercado expressivo e capaz de comportar toda a demanda que impõe o mercado nacional e internacional. Visando a reestruturação, na busca das possibilidades de uma melhor implementação da CITES também em âmbito do comércio externo, devem estar proposições robustas tecnicamente para transferências ou exclusões de espécies nos Apêndices, alicerçadas por uma estrutura que comporte instrumentos eficazes, eficientes e com instituições especializadas para fornecer a espécie ou espécime com a origem legalizada, até a atuação efetiva da fiscalização. Sobretudo, o mais importante para a efetividade da Convenção, seria a definição de uma política governamental de gestão da fauna silvestre estruturada em leis nacionais claras e objetivas, alijando do processo os instrumentos normativos que desde que foram criados conturbaram e desestimularam os usos sustentáveis dos recursos faunísticos. 3.3. Criação ex situ com fins comerciais no Brasil 3.3.1. Revisão da legislação vigente Até a década de 70 não havia na Lei brasileira um dispositivo sobre fauna e atividades afins. Este recurso era visto como um patrimônio de todos e quem se 83 apoderasse (pegasse, capturasse) tornava-se seu dono, dispondo deste da forma que melhor lhe conviesse. Esta visão global era quase unânime na relação homemanimal. Pelo antigo Código Civil brasileiro167, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 1916, o Art. 593, item I, estabelecia que: “São coisas sem dono e sujeitas à apropriação; I - Os animais bravios enquanto entregues a sua natural liberdade”, ou seja, os animais tinham uma abordagem patrimonial como coisa de ninguém ou coisa sem dono, eram considerados res nullius. As previsões sobre fauna em diplomas legais estão praticamente todas concentradas em portarias e instruções normativas de órgãos técnicos, principalmente o IBAMA. Cabe a este órgão a regulamentação das leis aprovadas pelo Congresso Nacional, bem como a regulamentação de outras normas que possam definir regras gerais sobre o tema de fauna, como resoluções do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) e portarias do Ministério do Meio Ambiente, entre outras. É o IBAMA quem tem a competência legal, prevista na Lei 7.735168 de 23 de fevereiro de 1989, para executar e fazer executar a política nacional do meio ambiente e da preservação, conservação e uso racional, fiscalização, controle e fomento dos recursos naturais, ou seja, a gestão da política de fauna nacional. Devemos, portanto, entender o que é uma “instrução normativa” e uma “portaria”, seus efeitos legais, posição hierárquica legal e efetividade. Cumpre observar que qualquer portaria ou instrução normativa tem força de lei, apesar de ser infralegal, conforme o Ordenamento Jurídico vigente no Brasil, mas o âmbito de abrangência de ambas restringe-se apenas ao órgão que a instituiu. As instruções normativas são atos que dependem de prévia lei, são atos infralegais (MEIRELLES, 1988). As Instruções normativas são atos normativos expedidos por autoridades administrativas, normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos, e não podem transpor, inovar ou modificar o texto da norma que complementam. As INs visam regulamentar ou implementar o que está previsto nas leis que, no caso do Brasil, são apreciadas, elaboradas e aprovadas pelo Congresso Nacional, e sancionadas pelo Presidente da República. 167 168 Em: http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L3071.htm Em: http://www.ciencialivre.pro.br/media/263cc8052809bfb8ffff8025ffffd502.pdf 84 Ressalte-se que a Instrução Normativa é um regulamento elaborado no âmbito de secretaria de ministério, entidades públicas da administração direta, ou seja, é hierarquicamente inferior à Carta Magna, às Leis Ordinárias, aos Decretos Presidenciais, às Portarias Interministeriais e às Portarias Ministeriais. Não pode uma mera IN substituir os pareceres jurídicos dos serviços jurídicos das entidades autônomas. Trata-se de orientação nos limites daquele ente administrativo ou de esfera administrativa. Logo uma IN de administrador da administração direta se aplica no âmbito daquele órgão ou daquele Poder, conforme a autoridade que a emite (MEIRELLES, 1998). O que vale igualmente para as Portarias. Iniciamos uma breve passagem pelas leis existentes para posteriormente chegarmos aos instrumentos normativos que dominam a gestão de fauna no Brasil. Para isto devemos destacar que, até 1967, a fauna era tratada como um bem de natureza servível, voltado para a satisfação dos interesses patrimoniais do Homem. Em 1967 se publica o Código de Fauna (Lei 5197/67) 169 , dispondo sobre os recursos faunísticos e dando outras providências. Esta foi a primeira a abordar o uso dos recursos faunísticos de forma sustentável, mas apenas mencionando-o e não dando a forma. Inclusive observa-se a clara disposição governamental de dar bases para o uso destes recursos, como segue: Art. 6º O Poder Público estimulará: b) a construção de criadouros destinadas à criação de animais silvestres para fins econômicos e industriais. (Artigo 6º, item b da Lei 5197/67) Outros instrumentos jurídicos vieram posteriormente, contudo com finalidade exclusiva de reparar danos oriundos de crimes contra a fauna. Os mais conhecidos são a Lei nº 6938 de 1981170, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. A Lei nº 6938/81 é o instrumento legal de referência de toda a política ambiental brasileira. Na verdade foi o instrumento legal que mais acompanhou as modificações conceituais de desenvolvimento em nosso país. 169 170 Em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5197.htm Em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm 85 Tanto o foi, que a própria Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, recepcionou integralmente os conceitos previstos na lei de 1981. O Decreto 2159/92 objetivou promulgar a Convenção e dar diretrizes gerais à elaboração de uma política nacional, seus desdobramentos práticos ficaram para outra ocasião. Em 1998 o Governo Federal edita a Lei 9605171, denominada “Lei dos Crimes Ambientais”. Esta lei veio dispor sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. No caso de fauna, propriamente dito, caracteriza as condutas lesivas a esta, não entrando no meandro das regulamentações das atividades afins. Resultado do Decreto 2159/98, em 2002 se promulga o Decreto 4.339172, com a finalidade de se instituir princípios e diretrizes para a implementação da Política Nacional da Biodiversidade (PNB). Este diploma legal enseja várias formas de utilização de recursos oriundos da fauna, desde criações visando produção de alimentos até os demais usos comerciais que possam advir de atividades relativas à criação de animais silvestres. É neste instrumento que podemos visualizar perfeitamente uma política específica para as atividades de uso da fauna num contexto de uma política pública. Considerando os compromissos assumidos pelo Brasil ao assinar a CDB e o disposto no artigo 225 da Constituição, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e considerando que o desenvolvimento de estratégias, políticas, planos e programas nacionais de biodiversidade é um dos principais compromissos assumidos pelos países membros da Convenção sobre Diversidade Biológica, instituiu-se os princípios e diretrizes para a implementação, na forma da lei, da Política Nacional da Biodiversidade, com a participação dos governos federal, distrital, estaduais e municipais, e da sociedade civil. Devemos destacar os seguintes subitens do item 12º do Decreto: 12.3.1. Criar e consolidar legislação específica, relativa ao uso de instrumentos econômicos que visem ao estímulo à utilização sustentável da biodiversidade. 12.3.2. Criar e fortalecer mecanismos de incentivos fiscais e de crédito, para criação e aplicação de tecnologias, empreendimentos e programas relacionados com a utilização sustentável da biodiversidade. 171 172 Em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9605.htm Em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4339.htm 86 12.3.4. Promover a internalização de custos e benefícios da utilização da biodiversidade (bens e serviços) na contabilidade pública e privada. 12.3.5. Identificar, avaliar e promover experiências, práticas, tecnologias, negócios e mercados para produtos oriundos da utilização sustentável da biodiversidade, incentivando a certificação voluntária de processos e produtos, de forma participativa e integrada. 12.3.6. Estimular o uso de instrumentos voluntários de certificação de produtos, processos, empresas, órgãos do governo e outras formas de organizações produtivas relacionadas com a utilização sustentável da biodiversidade, inclusive nas compras do governo. 12.3.7. Promover a inserção de espécies nativas com valor comercial no mercado interno e externo, bem como a diversificação da utilização sustentável destas espécies. 12.3.8. Estimular a interação e a articulação dos agentes da Política Nacional da Biodiversidade com o setor empresarial para identificar oportunidades de negócios com a utilização sustentável dos componentes da biodiversidade. 12.3.9. Apoiar as comunidades locais na identificação e no desenvolvimento de práticas e negócios sustentáveis. 12.3.10. Apoiar, de forma integrada, a domesticação e a utilização sustentável de espécies nativas da flora, da fauna e dos microrganismos com potencial econômico. 12.3.11. Estimular a implantação de criadouros de animais silvestres e viveiros de plantas nativas para consumo e comercialização. 12.3.13. Estimular a implantação de projetos baseados no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Kioto que estejam de acordo com a conservação e utilização sustentável da biodiversidade. 12.3.14. Incentivar políticas de apoio a novas empresas, visando à agregação de valor, à conservação, à utilização sustentável dos recursos biológicos e genéticos. Pode-se notar no texto do Decreto que mais do que prever incentivos, a norma identifica os principais pontos a serem priorizados, dando meios e subsídios para que na regulamentação sejam considerados e, principalmente, instituídos de forma concreta. A elaboração das normas regulatórias (portarias e INs) que definem o processo, e o modus operandi do Decreto 4339/02, desconsidera as propostas almejadas pelos legisladores e pela sociedade em geral. Deve-se ressaltar que a promulgação do Decreto nº 4.339/02 foi fruto de um longo processo de elaboração e consulta ampliada a diversos segmentos da sociedade de forma a garantir uma efetiva representatividade na construção de uma proposta de consenso. Desta forma, a metodologia empregada em sua construção procurou romper com a tradição de estabelecimento de políticas de cima para baixo (MEDEIROS, 2006). A PNB tem como objetivo geral a promoção, de forma integrada, da conservação da biodiversidade e da utilização sustentável de seus componentes, com a repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos, de componentes do patrimônio genético e dos conhecimentos 87 tradicionais associados. Portanto, a norma reafirma essencialmente os mesmos objetivos estabelecidos pela própria CDB. Ela está organizada em sete componentes que representam os eixos temáticos que deveriam orientar a sua implantação173, sendo: conhecimento da biodiversidade, conservação, uso sustentável, repartição de benefícios, fortalecimento de capacidades científicas e tecnológicas, e educação e consciência pública. Em 2003, como resultado dos trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito da Biopirataria Tráfico de Animais e Plantas, criada em setembro de 2002, gerou-se o relatório final com algumas recomendações de rumos a serem tomados na política de fauna do país, bem como em outras áreas de biopirataria e comércio ilegal de plantas e madeiras. Há uma clara menção sobre a necessidade do Governo Federal de conceber e implantar uma política direcionada aos animais silvestres, envolvendo itens como proteção, manejo e comercialização. O relator da CPI, Deputado Sarney Filho, cobrou em seu discurso no plenário174, ao apresentar o Relatório Final: Definição de política nacional: .· O Governo Federal deve conceber e implementar uma política nacional direcionada aos animais silvestres, envolvendo os aspectos de proteção ambiental, manejo e comercialização. .· A criação e comércio de animais silvestres como uma atividade regular, que observe todos os requisitos das normas ambientais e a legislação como um todo, deve ser incentivada pelo Poder Público. .· Os órgãos públicos, como a EMBRAPA e outros, devem participar do esforço de criação em cativeiro de espécies ameaçadas de extinção. E, mais adiante, uma importante menção sobre os atos normativos do IBAMA e a necessidade do órgão parar de exercer funções normativas: . O Poder Executivo deve organizar a atuação do Ministério do Meio Ambiente e dos órgãos e agências que compõem esse ministério, de forma a eliminar 173 DIAS, B. Apresentação Estratégia Nacional de Biodiversidade. MMA DCBio, 2009. Disponível em: http://info.worldbank.org/etools/docs/library/142192/ENBBrasil.pdf. Acesso em 24 jan. 2011. p. 7 174 Palestra proferida pelo deputado Sarney filho na da Câmara dos Deputados sobre a CPITRAF, 07 de agosto de 2003. Disponível em: http://www.sarneyfilho.com/ index.php/midia/pronuncia mentos/palestras/10185-cpitraf-trafico-de-animais-e-plantas-silvestres .html. Acesso em: 24 jan. 2011 88 sobreposições, evitando-se, por exemplo, que um ente executivo como o IBAMA exerça funções normativas. Faz-se referência também a conceber a criação e comércio de animais silvestre como uma atividade regular e legal e, portanto, com o devido incentivo por parte do governo. Ou seja, todas devidamente inseridas no Decreto, necessitando apenas torná-lo efetivo enquanto diploma legal superior aos atos normativos. Para visualizarmos o descompasso entre a gestão administrativa e o desenvolvimento da atividade há um exemplo de pesquisa realizada pela FAO. A entidade, em uma pesquisa sobre as políticas de administração de fauna Sivestre na América Latina, constatou que o trabalho executado entre uma gama de atividades de planejamento de ação e estratégia é voltado somente para funções triviais como a emissão de licenças, manutenção de registros de estatísticas, processamento de infrações, gestão de áreas protegidas e assim por diante. Na pesquisa da FAO175 as performances de administração dos países da região são classificadas de “média” a “pobre”. Parte das causas de tal gestão, no Brasil, são as contradições legais existente. Por exemplo, a Lei 5197/67 criou em seu esboço o conceito de fauna silvestre, demais dispositivos legais, a exceção de portarias e INs do IBAMA não sendo mencionado o conceito de fauna exótica nem doméstica. Criou-se, desde então, uma aberração jurídica, uma vez que a Lei não prevê estes conceitos e o IBAMA o fez por meio de portarias e INs. Na verdade conceitos que são primordiais para a regulamentação das atividades foram esquecidos pelos legisladores e, como o IBAMA ficou atrelado a estas lacunas, o resultado foi uma conceituação teórica sem base legal. Estes instrumentos passaram a incorporar conceitos não previstos legalmente, dando as Portarias e Instruções Normativas um aspecto inconstitucional e ilegal, já que não podem normatizar o que não está em lei. Vejamos os conceitos de fauna silvestre, fauna exótica e fauna doméstica. Como já dito a fauna silvestre está conceituada na Lei 5197/67, sendo que a Lei 9605/98 complicou muito mais o conceito, conforme abaixo: 175 Em: http://www.fao.org/docrep/t0750e/t0750e0r.htm#4.1.3%20administrative%20performance 89 São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras. Artigo 29, § 3° da Lei 9605/98 Seguimos, portanto, com as conceituações para a fauna exótica e fauna doméstica. Anteriormente duas normas definiam os conceitos, a Portaria 029 do IBAMA176, de 1994, a primeira a inserir o conceito em ato administrativo e depois revogada pela Portaria 093 do IBAMA177, de 1998. Com o advento da Instrução Normativa nº 169/08178, promulgada a 20 de fevereiro de 2008, novos conceitos entraram em vigor, vejamos: Art. 3º - Para fins desta IN entende-se por: XVI - Fauna silvestre: termo que compreende e abrange a fauna silvestre nativa e a fauna silvestre exótica; XVII - Fauna silvestre exótica: espécimes pertencentes às espécies cuja distribuição geográfica original não inclui o território brasileiro ou que foram nele introduzidas, pelo homem ou espontaneamente, em ambiente natural, inclusive as espécies asselvajadas, excetuando-se as espécies consideradas domésticas; XVIII - Fauna silvestre nativa: espécimes pertencentes às espécies nativas ou migratórias, aquáticas ou terrestres, de ocorrência natural em território brasileiro ou em águas jurisdicionais brasileiras; Se na Lei nº 9.605/95 a definição do termo “fauna silvestre” é único, como já vimos, não poderia a IN conceituar de forma diferente, o que faz no item XVI, ao incluir o termo “exótico” também como uma espécie silvestre. E segue distinguindo os dois conceitos de “fauna silvestre”. A questão é jurídica, não técnica ou administrativa, mas o fato é que há uma clara confrontação com uma lei superior. As conseqüências das falhas dos atos normativos são interpretações variadas, procedimentos administrativos diferenciados nas diversas regiões do país e uma grande insegurança jurídica para os empreendedores. Para nosso trabalho importa que fixemos estes princípios para podermos analisar as condições reguladoras das atividades de uso dos recursos faunísticos. 176 Em: http://bioclima.info/portaria029.php Em: www.ibama.gov.br/fauna/legislacao/port_93_98.pdf 178 Em: www.icmbio.gov.br/sisbio/legislacao.php?id_arq=39 177 90 A partir daí traçarmos caminhos que possam sugerir melhorias e uma menor complexidade no que diz respeito às futuras políticas nesta área. Dentre os itens que urgem implantação, na esfera de elaboração das regulamentações pela via administrativa, estão os debates com o setor produtivo, as ONGs, as instituições de pesquisa, etc. Preferencialmente esta discussão deverá ser realizada em conjunto não só com os centros de excelência, mas também com os agentes que interagem dentro das atividades de criação e comércio dos produtos e subprodutos de fauna. Muitos dos equívocos percebidos em normas reguladoras administrativas são frutos do desconhecimento de quem as elabora, muitas vezes resultado de quem não conhece na prática o dia a dia das atividades179. Com efeito, devemos perceber também que os técnicos dos órgãos gestores envolvidos nestas questões acumulam muitas obrigações e de variadas naturezas. É impossível um profundo conhecimento para estes agentes diante das demandas mais variadas possíveis que aportam em seus gabinetes. Desta forma visivelmente se percebe que sem a colaboração dos envolvidos, e o conhecimento prático das necessidades dos empreendedores, não irá se avançar nas questões reguladoras. Tentativas governamentais foram tomadas visando abrir maiores discussões com a sociedade civil e os agentes de fauna, grupos consultivos e também deliberativos foram criados, tais como a Câmara Técnica Federal de Fauna180 do IBAMA e o antigo Conselho Nacional de Proteção a Fauna181. Em função de não serem representativos e, particularmente muito institucionais, os resultados foram pífios. O registro dos empreendimentos relativos à criação, reprodução, manutenção e comercialização de fauna em cativeiro é de competência exclusiva do IBAMA. Mas a quantidade de normas complementares, mais de 40, que se alteram a cada mudança política, traz por si só um desestímulo e institui infindáveis obrigações e onerações às atividades de fauna, além de demonstrarem 179 Disponível no relatório da CPITRAF, pág. 109, disponíveis em: www.renctas.org.br/files/rel _fin_cpitrafi_01_doc.doc e Revista ABRASE, Ed.1, em: http: //www.clubedocriador.com/ abrase/edicoes/ABRASE_ed_01.pdf 180 Em: http://ibama2.ibama.gov.br/cnia2/renima/cnia/lema/lema_texto/IN1201.htm 181 Em: http://legislacao.planalto.gov.br/legisla/legislacao.nsf/8b6939f8b38f377a03256ca2006861 71/66e2e272a63bd2e1032569fa00730ae2?OpenDocument&AutoFramed 91 o rol de trâmites burocráticos, deficiências técnicas, complexidade e contradições jurídicas (MAZZARELLA, 1993). Pela ineficácia dos atos normativos do IBAMA o órgão iniciou desde 2002 uma ampla revisão da regulamentação das atividades de fauna do país182. Desde então, passados quatro governos federais e uma série de sistemáticas mudanças nos quadros funcionais da entidade, ainda não há nenhum resultado. NORMAS ADMINISTRATIVAS DO IBAMA PARA CRIAÇÃO, COMERCIALIZAÇÃO E MANUTENÇÃO EM CATIVEIRO DE FAUNA SILVESTRE INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 02/01 INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 15 PORTARIA 324/87-P PORTARIA Nº 70/96 PORTARIA Nº 102/98 PORTARIA Nº 108/94 PORTARIA Nº 113/97-N PORTARIA Nº 117/97 PORTARIA Nº 118/97 PORTARIA Nº 119/92-N PORTARIA Nº 126/90 PORTARIA Nº 142/92 PORTARIA Nº 2314/90 PORTARIA Nº 93/98 PORTARIA 005/91-N INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 01/99 (Ren. IN 003/99) INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 169/08 - Dispõe sobre a obrigatoriedade na marcação de espécimes da fauna silvestre - Dispõe sobre criadores amadoristas de Passeriformes da Fauna Silvestre Brasileira. - Proíbe a implantação de criadouros de jacaré-do-pantanal, Caiman c. yacare, em áreas fora da Bacia do Rio Paraguai. - Dispõe sobre a comercialização de produtos das espécies de quelônios, Podocnemis expansa e Podocnemis unifilis, - Dispõe sobre a implantação de criadouros de animais da fauna silvestre exótica com fins econômicos e industriais. - Dispõe sobre a manutenção de leões, tigres, ursos, entre outros, em cativeiro por particulares. - Registro no Cadastro Técnico Federal de Atividades Utilizadoras de Recursos Ambientais - Dispõe sobre a comercialização de animais vivos, abatidos, partes e produtos da fauna silvestre brasileira - Dispõe sobre o funcionamento de criadouros da fauna silvestre brasileira com fins econômicos - Dispõe sobre a comercialização de peles de crocodilianos (Caiman c. yacare e Caiman c. crocodilus, - Dispõe sobre criadouros comerciais, destinado a recria em cativeiro de Caiman c. yacare na Bacia do Rio Paraguai. - Dispõe sobre a implantação e o funcionamento de criadouros comerciais de Podocnemis expansa e Podocnemis unifilis. - Instituir os criadouros de insetos da Ordem Lepidóptera da fauna silvestre com finalidade econômica. - Dispõe sobre a importação e exportação de espécimes vivos, produtos e subprodutos da fauna silvestre - Dispõe sobre o acasalamento de animais da fauna silvestre da Lista Oficial de Espécies Ameaçadas de Extinção. - Estabelece os critérios para o Licenciamento Ambiental e atividades que envolvam manejo de fauna em cativeiro. - Instituir e normatizar as categorias de uso e manejo da fauna silvestre em cativeiro, do Cadastro Técnico Federal Fontes: IBAMA (2010) e MMA (2010). Quadro 3: Atos normativos em vigor para regular criação, comércio e manejo de espécies da fauna. 182 IBAMA. Processos Administrativos nº 02001.008828/2002-00, referente à consulta pública sobre revisão de normas, nº 02000.003244/2003-21, sobre a regulamentação da atividade de criação comercial de animais silvestres para serem comercializados como animais de estimação, e nº 02001.005418/ 2007, cópias consultadas disponíveis na Secretaria ABRASE. 92 No Quadro 3, são reproduzidos os principais atos normativos em vigor que regulam as atividades de criação, comércio e manejo de espécies da fauna. Diversos outros podem ser acessados através da web site do órgão e entidades governamentais que compõem o SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente). A experiência do Brasil na gestão e gerenciamento das atividades de fauna ainda é muito incipiente e requer um longo caminho a ser percorrido. Traçar paralelos com políticas praticadas por outras nações pode auxiliar em vários aspectos. Práticas equivocadas podem ser observadas e estudadas, e serem desde já refutadas por nossos legisladores. Outras devem ser analisadas e implementadas com a observância das realidades e necessidades nacionais, sendo certamente de muita valia para a conservação da biodiversidade e no uso sustentável de nossos recursos faunísticos. A atividade de criação comercial é a mais complexa, tendo em vista as exigências para registro, as proibições de criação de várias espécies silvestres, a burocracia exagerada nos processos administrativos etc. A criação ex situ é bastante estimulada em muitos países, trata-se de um valoroso instrumento de suas políticas de uso sustentável. Motivo pelo qual Europa, Estados Unidos, Japão, China, entre muitos outros, dão apoio a estas iniciativas e adotam normas tecnicamente factíveis e simples para os empreendedores. 3.3.2. Criação e comércio: Histórico e status atual Como já relatado o Brasil é detentor de uma variada fauna silvestre. Mesmo já tendo números expressivos neste quesito, esses só vêm aumentando, na proporção que novas pesquisas vão sendo realizadas por pesquisadores independentes e instituições privadas e públicas. Num único exemplo, sobre novas espécies descritas no relatório “Amazônia Viva - Uma década de descobertas 1999-2009” (WWF Brasil, 2010), são incluídas 637 plantas, 257 peixes, 216 de anfíbios, 55 répteis, 16 aves e 39 mamíferos, a maioria na Amazônia brasileira. O país, mesmo comparado com outras nações mega diversas em espécies, se 93 destaca. Considerando os vertebrados terrestres, espécies com grande potencial para criação em escala econômica, o Brasil conta com 2.963 espécies entre mamíferos, aves, répteis e anfíbios (ver Anexo 1), estando em segundo lugar a Colômbia com 227 espécies a menos (Tab. 4). TABELA DE DIVERSIDADE DE VERTEBRADOS TERRESTRES / PAÍSES País World (SW) Mamíferos Aves 4 629 9 702 Répteis Anfíbios Total Fontes* 6 550 4 522 25 403 Pillai, V. N. K. (survey) Brasil 653 1 750 396 164 2 963 Carvalho,J. (pesquisa) Colômbia 350 1 700 416 270 2 736 J. Hernández (survey), Indonésia 519 1 186 745 278 2 728 Natus, I. (survey) Peru 372 1 690 266 231 2 561 E. Bucher (survey) China 499 1 195 376 279 2 349 CH Academy of Sciences México 478 994 653 223 2 348 B. Villa (survey), Índia 350 1 224 408 197 2 179 Pillai,V.N. (survey) Austrália 386 828 717 197 2 128 Osborn, L. (survey) R.D. Congo 409 1 185 280 216 2 090 Clear. House (survey) Venezuela 320 1 311 280 140 2 051 J. Ojasti, A. Paolillo EUA 456 847 297 301 1 901 Margulis, L. (survey) * Fontes: origens conforme tabela. Tabela 4: Tabela de diversidade de vertebrados terrestres por países. Ainda que o Brasil tenha esta diversidade, vista no quadro, vários estudiosos consideram muitas de suas populações silvestres (no aspecto geral) relativamente pequenas, o que pode estar associado a uma alta taxa de endemismos de muitas delas (MITTERMEIER et al, 1992). Essa característica, quando somada com uma grande perda de habitat, nos remete a um quase inevitável desastre natural, se não forem revertidos alguns fatores antrópicos associados ao desenvolvimento econômico nacional do país. Além de tudo, não se pode desconsiderar, dentro do quadro de ameaças, um comércio ilegal de grande vulto, como vimos anteriormente através dos dados da RENCTAS e do IBAMA. Em resposta às demandas de crescimento econômico e populações em expansão, o ritmo de alteração ambiental foi, e segue sendo, intensificado e a vida selvagem tem sido fortemente afetada. Segundo pesquisa da FAO (OJASTI, 1996) com entrevistas a diversos especialistas, 81 por cento opinou que as modificações ambientais tiveram um impacto maior sobre a vida selvagem do que a caça 94 indiscriminada. Estas alterações antrópicas ambientais abrangem uma vasta gama de atividades frequentemente interdependentes ou sinérgicas. TABELA DE INTERFERÊNCIAS NO MEIO AMBIENTE QUE MAIS AFETAM A VIDA SELVAGEM NA AMÉRICA LATINA Interferências ambientais América Brasil Colômbia Venezuela Latina Peru Argentina México Desmatamento 1 1 1 1 1 1 3 Agricultura 2 2 3 2 4.5 2 2 Queima 3 4 2 3 2 5 1 Pesticidas 4 6 5 6 4.5 3 6 Urbanização, estradas 5 3 10 4 8 7 4 Pecuária 6 7 6 5 3 4 8 Erosão 7 8 4 7 6 9 7 Hidrelétricas 8 5 7 8 7 8 5 Espécies exóticas 9 10 9 9 10 6 10 Outros ¹ 10 9 8 10 9 10 9 Fonte: Pesquisa da FAO, em: http://www.fao.org/docrep/t0750e/t0750e0t.htm#TopOfPage ¹ Petróleo e atividades de mineração, a pesca, a escassez de alimentos naturais Tabela 5: Tabela de interferências antrópicas que mais afetam a vida selvagem na América Latina. Podemos ver pela Tabela 5 ,“Interferências no meio ambiente que mais afetam a vida selvagem na América Latina”, que resume as opiniões dos especialistas consultados, e oferece uma classificação provisória das alterações ambientais em termos de vida selvagem da América Latina, que a coleta (caça, apanha etc.), ainda que representativa, não aparece entre os dez primeiros itens. Igual estudo, em termos de resultados, foi publicado recentemente pelo IPEA183 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, apontando as maiores causas de perda de biodiversidade em geral no Brasil, não somente de fauna silvestre. Em outubro de 2009, por conta do “1º Simpósio Internacional de Fauna Ex Situ: Uso Sustentável e sua Função na Conservação” 184 , o coordenador geral da RENCTAS, Denner Giovanini, fez duras críticas quanto à devastação de populações silvestres 183 causadas por empreendimentos em hidroelétricas. Em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/110217_comunicadoipea 78_apresentacao.pdf 184 Em: http://www.abrase.com.br/arquivos/revista/extra%200003.pdf 95 Especificamente, quanto ao Brasil, devemos apontar que as cinco primeiras atividades do país que afetam a vida silvestre, constantes na tabela, têm sido intensificadas nos últimos anos e, pior, são atividades econômicas intrínsecas ao modelo de desenvolvimento nacional (SOUZA, 2009). Como percebemos a ameaça a fauna no Brasil está condicionada a várias atividades humanas. Partindo deste fato há de se estabelecer alguns paradigmas importantes para a conservação ex situ, uma vez que algumas espécies podem estar condicionadas ao cativeiro pela inexistência de seu habitat, além disso, devemos observar que, no caso do Brasil, o governo, bem como as instituições zoológicas (95% são publicas)185, não possuem a capacidade financeira e técnica de aportar, estudar e reproduzir tamanha variedade de espécies. Num rápido resumo, podemos dizer que no âmbito legislativo, a primeira Constituição a definir explicitamente competência em temas como floresta, caça, pesca e água foi a de 1934, utilizando-se do modelo concorrente clássico, onde a União detinha poderes ilimitados na formulação das normas e aos estados restavam as competências supletivas e complementares. Após o vácuo de 1937, a Constituição de 1946 restaurou a sistemática anterior e é nesse contexto que foi elaborado, por exemplo, o Código Florestal (1965)186, que manteve as mesmas previsões legais para a fauna que o anterior. As atividades de uso da fauna seguiam sem interferências legais, quando em 1967 é publicada a Lei 5197/67, o Código de Caça, sob a égide da Constituição Federal de 1967, prevê então o incentivo às atividades de criação comercial, porém vinculadas a uma autorização prévia do órgão federal competente. Neste mesmo ano criou-se o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF, que assumiu a questão regulamentando-a por atos normativos. A Constituição Federal de 1988 inaugurou uma nova disposição para as questões ambientais, modificando radicalmente o sistema de distribuição de competência, implementando esta de forma concorrente limitada para a União, estados e o Distrito Federal de legislarem sobre os temas ambientais (MACHADO, 2000). É nesta “esteira” que em 1989 é criado o IBAMA – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis, através da Lei nº 185 186 Em: http://www.szb.org.br/ Em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4771.htm 96 7735187, de 22 de fevereiro desse ano. O instituto é uma agência ambiental subordinada ao Ministério do Meio Ambiente, tendo como sua competência, entre outros, exercer o gerenciamento, controle, fiscalização, licenciamento, proteção e preservação das espécies da fauna e da flora. Foi durante a década de 1990 que foi executada a regulamentação das atividades relativas à fauna. Até este período, com raras exceções, o IBDF normatizou entre as décadas de 1970 e 1980 a criação de jacaré (Cayman yacare – ver Anexo 1) e de tartarugas da Amazônia (Podocmenys spp.). As disposições sobre uso das espécies silvestres inexistiam, ainda que houvesse a previsão da atividade pela Lei 5197/67. Posto este fato, se pode afirmar que o uso da fauna, desde o descobrimento do Brasil em 1500, até a publicação da referida lei, em 1967, era livre e bastante arraigado na cultura nacional, fosse pelas populações indígenas ou rurais ou fosse pela população urbana, em geral com animais como estimação. Passamos então a um breve histórico da relação da sociedade brasileira com a fauna silvestre. As populações indígenas do Brasil utilizaram, e ainda o fazem, uma grande variedade de espécies da fauna nacional. Como alimento essas comunidades tinham em suas dietas mamíferos, aves, répteis, anfíbios, peixes e insetos, assim como ovos (SICK. 1997). Os “xerimbabos” (que significa “coisa querida” para referir-se aos animais silvestres de estimação) foram e são ainda muito comuns nestas comunidades. As espécies usadas para este fim são muitas (ver Anexo 1), passando por araras (Ara spp.), papagaios (Amazona spp.), jacu (Penelope spp.), quatis (Nasua nasua), cobras (Boa constrictor), primatas (Callithrix spp. e Cebus spp.), entre tantos outros. Mas esta ampla utilização da fauna silvestre pelas tribos indígenas nunca ameaçou as populações silvestres das espécies nacionais. Certamente que a comunidade indígena brasileira era diminuta em comparação com as riquezas em quantidade e variedade de espécies, um elemento que por si só garantia extrações de espécimes da natureza sem causar impacto demográfico significativo. Além disso, a forma de utilização da fauna pelas comunidades indígenas obedecia a certas cautelas por parte de muitas tribos, que evitavam caçar animais em fase reprodutiva e fêmeas prenhas de algumas espécies (RENCTAS, 2002). 187 Em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7735.htm 97 A sequência de utilização da fauna sem restrições legais alimentou um comércio bastante vasto e arraigou ainda mais as heranças culturais vindas das culturas indígenas, aliadas ao interesse dos estrangeiros pela beleza da fauna nacional e a possibilidade de altos lucros com seu comércio. O crescimento do país, com forte urbanização, melhoria dos transportes, das comunicações e melhor infraestrutura, com acesso a áreas antes inacessíveis, foram fatores cruciais para o desenvolvimento do comércio de fauna e seus produtos no final do Séc. XIX e no início e até metade do Séc. XX. A exportação das mais variadas espécies brasileiras neste período era intensa e sem nenhum controle. Para ilustrar tal mercado, em 1932 exportaram-se para a Itália as penas de 25.000 beija flores (SICK, 1997), para serem usadas em adornos de caixas de bombons. O comércio de penas de guará (Eudocimus ruber) foi tão intenso nos anos de 1895 e 1896 que o Dr. Emilio Goeldi188 protestou junto ao Governador do Pará contra a matança intensa da espécie (POLIDO & OLIVEIRA, 1997). Macacos caçados para estimação; aves para ornamentação, canto, fornecimento de penas e plumas (além de alimento); borboletas para ornamentação; peixes para várias finalidades, mamíferos (Panthera onca, Felis spp., Puma concolor, Pteronura brasiliensis, Lontra longicaudis etc.) para suprir o mercado de peles (ver Anexo 1), assim como os crocodilianos e outros répteis: uma infinidade de espécimes de várias espécies passaram a ser caçados com objetivos comerciais os mais variados. Assim desenvolveu-se o comércio até 1966, a captura sem limites não era ilegal, além de não haver nenhum controle governamental sobre a coleta, caça e o comércio dos animais silvestres nacionais. Importa-nos fazer uma consideração relevante sobre esta exploração intensa: a consciência ecológica não existia como conhecemos hoje, e a percepção de que os recursos eram findáveis não pesava diante da vastidão do território nacional. Para alguns autores (UNGER, 1992; MANSHOLT, 1973; BOFF, 1995), o ano de 1960 marca o início de uma ruptura com o passado - a Pós-Modernidade. A pós-modernidade se caracteriza pela 188 Emílio Augusto Goeldi (var. Émil August Goeldi), 28/08/ 1859 a 5/07/1917, suíço-alemão, naturalista e zoólogo. Estudou na Alemanha com Ernst Haeckel. Chegou ao Brasil em 1880 para trabalhar no Museu Nacional Brasileiro (Rio de Janeiro), indo posteriormente trabalhar no Museu Paraense (que receberia o nome de Museu Paraense Emílio Goeldi) em Belém, Pará. 98 descoberta de que existem incertezas no processo de conhecimento, onde as explicações científicas são parciais, não havendo uma versão única de progresso, o que nos faz repensar nossa relação com o ambiente natural que nos cerca. Em 1967, por força da Lei 5197/67, a caça e qualquer outra forma de utilização da fauna passam a ser possíveis somente com a devida autorização legal. Inicia-se com a promulgação da lei a política governamental voltada para a gestão dos recursos faunísticos, desde normatização até o licenciamento de atividades econômicas, passando pela fiscalização e repressão necessárias para garantir a preservação e a conservação. A gestão de fauna, neste primeiro momento, ficou a cargo do então recém criado IBDF. Era este Instituto que regulamentava os empreendimentos econômicos de utilização da fauna silvestre. Esta gestão foi através de políticas de governo implantadas por meio de atos normativos. Os primeiros criadouros de espécies brasileiras foram os comerciais de crocodilianos e tartarugas da Amazônia, como visto anteriormente. A exceção destes, o IBGE regulamentou também os “criadores amadores” pela Portaria IBDF n° 31-P de 13 de dezembro de 1976189, pessoas físicas que criavam passeriformes canoros ou ornamentais como animais de estimação. Esta categoria não tinha previsão comercial, porém veio a ser permitida a “transação” dos animais, o que levou a atividade a adquirir um aspecto econômico, ainda que não reconhecido pelas autoridades ambientais. Nenhum outro empreendimento comercial, além dos descritos, foi regulamentado até a década de 1990. Em 1989, com a criação do IBAMA, o Governo Federal sofre pressão para normatizar a previsão da Lei nº 5197/67 de “estimular os criadouros comerciais”. Mas o processo se inicia tardiamente, a primeira Portaria sendo publicada apenas em 15 de outubro de 1997 – Portaria nº 118N/97, Normalizando o funcionamento de criadouros de animais da fauna silvestre brasileira com fins econômicos e industriais. A demanda pela autorização desta atividade já era bastante grande, conforme atesta o Processo Administrativo IBAMA n.º 02001.002877/96-94 de 1996. Na mesma data é publicada a Portaria nº 117/97, normatizando a comercialização de animais vivos, abatidos, partes e produtos da fauna silvestre brasileira, provenientes de criadouros com finalidade econômica e industrial e 189 Em: http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/Sodero1.pdf 99 jardins zoológicos registrados junto ao IBAMA. Nos anos seguintes viriam outros atos normativos para reformular importação e exportação (Portaria nº 093/98) e regulamentar o licenciamento ambiental das atividades de fauna (Instrução Normativa nº 03/99) e outras. Diversas espécies foram agregadas a criação com finalidade comercial (Quadro 4), com notório crescimento para a variedade de espécies criadas para o mercado de animais de estimação e ornamentação. Também os criadouros de espécies para abate e produtos e subprodutos do abate, passaram a incluir maior variedade de espécies no rol da reprodução com finalidade comercial, como os porcos selvagens (Tayassu tajacu e Tayassu pecari), paca (Agouti paca), capivara (Hidrochoerus hidrochoeris), perdigão (Rynchotus rufescens), cutia (Dasyprocta aguti) etc (ver Anexo 1). A regulamentação, ainda que por atos normativos deficientes e falhos nos aspectos técnico e legal, abriram a oportunidade para uma grande demanda reprimida de processos que estavam nas Superintendências Estaduais do IBAMA. No ano de 1998, portanto apenas um ano após a publicação da Portaria nº 117/97, o número de criadores registrados já era de mais de 230 estabelecimentos (Quadro 4), sem contar centenas de processos emperrados na burocracia das regionais do IBAMA (ABRASE, 2002). O avanço de licenciamento de criadouros seguiu num ritmo acelerado nos dez anos seguintes, conforme o gráfico 1. Em 2000 o número de criadouros era de 482, em 2002 de 585, em 2004 de 693, em 2006 de 1112 e em 2008 de 1582, ou seja, um crescimento de 680% em uma década. FINALIDADE DA CRIAÇÃO E PRINCIPAIS ESPÉCIES CRIADAS NO BRASIL ALIMENTO E OUTROS PRODUTOS E SUBPRODUTOS (carne, plumas, etc) Podocnemis spp. / Rhea americana / Hydrochaeris hydrochaeris / Tayassu tajacu / Tayassu pecari / Agouti paca PELES E COUROS (outros produtos agregados) Caiman spp. ANIMAIS DE ESTIMAÇÃO E ORNAMENTAÇÃO Fringilidae / Emberezidae / Psittacidae / Anatidae, / Phasianidae / Outros MEDICINAL (extração de venenos) Crotallus spp. / Bothrops spp. / Outros Fonte: Dados IBAMA (2006 / 2080), ABRASE Database (2010) Quadro 4: Principais espécies criadas no Brasil e suas finalidades comerciais (Ver Anexo 1). 100 O crescimento acelerado ainda não reflete o ritmo maior ainda de processos de registro que existem no IBAMA. O licenciamento pode tardar até três ou mais anos190, em função de burocracia e falta falta de funcionários para executarem a gestão administrativa desta atividade. Desde 2008, o licenciamento de algumas atividades como criação de animais pets,, está suspenso por mais um ato normativo do IBAMA, a Instrução Normativa nº 169/08191. A IN também criou criou normas de caráter técnico que gerou insatisfação com outros segmentos, caso dos zoológicos e da criação para aproveitamento de produtos e subprodutos da fauna. Os criadouros comerciais para venda de animais como estimação ou ornamentação eram os que mais vinham crescendo em número de registros no órgão federal (ver Anexo 1). 1) Este segmento saltou de 25 criadouros em 1998 para quase 600, dez anos depois (Gráf. ( 1). CRESCIMENTO DE REGISTRO DE CRIADOUROS NO BRASIL (1998 ~ 2008) Nº total / Cat. alimentos. e prod. prod. / Cat. estimação e ornamentais _________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________________________________________________ 1600 1400 1200 1000 800 600 400 200 0 1998 Total 2000 2002 Alim./ Prod 2004 2006 2008* Estim. / Ornament. Fontes: IBAMA (2006 / 2004), ABRASE (1998/2000/2008), ANTUNES, D. (2002) * Nº estimado pela Comissão de Normas da ABRASE em consultas às regionais estaduais do IBAMA Gráfico 1: Evolução volução de registro de criadouros no IBAMA, período 1998 a 2008. 190 ABRASE, Revista Eletrônica letrônica Oficial, Número I - Abril 2009, p. 12.. Disponível em: http://www.cl ubedocriador.com/abrase/edicoes/ABRASE_ed_01.pdf. ubedocriador.com/abrase/edicoes/ABRASE_ed_01.pdf Acesso em 10 jan. 2011 191 Em: http:// www.icmbio.gov.br/sisbio/legislacao.php?id_arq=39 o.gov.br/sisbio/legislacao.php?id_arq=39 101 Os criadores amadores, categoria oficialmente não de uso econômico, mas a qual é permitida “transacionar” passeriformes canoros e ornamentais da fauna brasileira, o que na prática tem o mesmo efeito, somam atualmente em todo o país a assombrosa soma de 289.891 criadores (IBAMA, 2011). O número impressiona aos que desconhecem a dimensão da atividade no país e aponta para a necessidade de se desenhar uma política pública com urgência. O que diferencia estes criadouros é o fato de serem exclusivamente compostos por pessoas físicas e não emitirem fatura fiscal, além de não possuírem a propriedade sobre os animais. Quando “transacionados” os animais são repassados a outras pessoas através de um “Termo de Transferência” com acesso de criadores pela web site do IBAMA (Sistema de Passeriformes – SISPASS), previsto legalmente pela Instrução Normativa nº 01192, de 24 de janeiro de 2003. O mesmo sistema comporta o registro dos criadouros desta categoria, que foi implantada pelo extinto IBDF na década de 1970, como forma de amenizar a pressão de criadores com a proibição publicada em 1969, pela Lei nº 5197/67. O número impressiona aos que desconhecem a dimensão da atividade no país e aponta para a necessidade de se desenhar uma política pública com urgência. O IBAMA publicou a Instrução Normativa nº 015/10193, de 23 de dezembro de 2010, alterando toda a regulamentação da criação amadora, o que ocasionou forte manifestação dos interessados194, limitando a criação e reduzindo drasticamente as espécies passíveis de criação (conforme Anexos 1 e 2 da IN). Considerando os números do IBAMA, e os cálculos de diversas federações de criadores amadores, o número de espécimes, de mais de cem espécies de passeriformes, criados nestes estabelecimentos deve facilmente ultrapassar dois milhões de unidades. Somente a Federação Paulista de Criadores de Passeriformes - FEBRAPS possui atualmente 136 entidades filiadas, com 34.630 criadores e 335.492 aves cadastradas195. A movimentação financeira para implantar e custear estes empreendimentos é desconhecida, mas certamente muito expressiva em termos econômicos. 192 Em: http://www.ibama.gov.br/sispass/legislacao/In01-03.pdf Em: http://www.fiscolex.com.br/doc_17927462_INSTRUCAO_NORMATIVA_N_15_22_DE ZEMBRO_2010.aspx 194 Em: http://www.cobrap.org.br/site/documentos_tecnicos.php?arquivo...pdf&id=15 195 FEBRAPS – Federação de Passeriformes de São Paulo. Informação da web site da instituição. Disponível em: http://www.febraps.org.br/v3/clubes/clubes.html. Acesso em: 26 jan. 2011 193 102 Mas os criadouros com finalidades comerciais já possuem possuem números bastante significativos, isto sem considerar os criadouros não registrados no IBAMA, que chegam a dezenas de milhares (ABRASE, 2009). As atividades que compreendem esta categoria são basicamente: produção de carne e subprodutos, animais para estimação mação e ornamentação, produção de couro/peles e subprodutos e, por fim, animais peçonhentos para produção de venenos usados em medicamentos (ver Anexo 1).. Destas categorias de uso dos recursos da fauna, duas representam 86% do total da atividade de criação comercial de espécies silvestres, a de produção de carne e subprodutos e, em segundo, a de animais para estimação e ornamentação (Gráf. 2). TIPOS DE USO DOS RECURSOS DA FAUNA (%) NO BRASIL POR NÚMERO TOTAL DE CRIADOUROS ____________________________ 11% 3% 47% 39% Alimentos e Produtos Estimação e Ornamentação Peles e Couros Medicamentos Fonte: nte: Base de Dados da ABRASE (2010) Gráfico 2: Percentual de “tiposs de uso da fauna” por número total de criadouros no Brasil. A primeira ainda detém o maior número de estabelecimentos, 743, sendo 47% do total (Gráf. 2). ). Depois dos crocodilianos e das tartarugas tartarugas amazônicas uma nova variedade de espécies pôde ser criada a partir da década de 1990, caso dos porcos selvagens, emas, galiformes (como perdizes e codornas), entre outros. Esta 103 nova realidade foi a alavanca de crescimento dos criadouros dedicados a produção de animais para alimentos entre 1998 e 2008 (Gráf. 1). Mas o crescimento mais expressivo dos registros de criadouros no IBAMA, nos últimos dez anos, coube àqueles dedicados a espécimes para animais de companhia (pets) e para ornamentação. Como pode ser visto no Gráfico 1. Apesar de representarem apenas 10,80% dos criadouros licenciados em 1998, esta participação pulou para 39% do total (Gráf. 2). Com esta tendência em alta, haja vista o número de processos de interessados tramitando no órgão licenciador, este percentual rapidamente passaria dos 50 % do total. Como o licenciamento está suspenso desde 2008 e os interessados aguardando novo ato normativo, esta tendência segue estacionada. Os criadouros comerciais dedicados a produção de peles e couros (ver Anexo 1) conta com 11% do total das atividades registradas (Gráf. 2). No início, apenas o couro interessava, mas agora, depois de muitos estudos, a carne também foi certificada para um frigorífico da área do Pantanal196. A partir de 1992, houve um pequeno reaquecimento do mercado em função do arrefecimento da moda ambientalista. Também nesta época o país começou a enfrentar outros exportadores, como a Venezuela, manejando populações naturais de jacarés dos llanos (Caiman crocodilus crocodilus), e depois a Colômbia, com animais provenientes de criadouros (principalmente Caiman crocodilus fuscus). Estes países tomaram naturalmente a liderança ocupada tradicionalmente pelo Brasil no comércio mundial duas décadas antes (Gráf. 3). Na década de 2000 foi retomada a atividade com o crescimento de interesse por parte da iniciativa privada, animada com o retorno da forte demanda e com a diversificação possível dos subprodutos dos animais. Ainda assim o Brasil está muito distante de seu potencial na produção destes animais, o que possibilitaria voltar a ser o maior produtor mundial. Na América Latina o país ocupa a tímida posição de nono produtor de peles, com 0,79%, atrás de países que consolidaram forte posição como Colômbia (com 65,54%) e Venezuela (com 15,34%), ver Gráf. 3. 196 CANAL RURAL. Matéria Carne de jacaré mato-grossense ganha selo de inspeção federal, de 01 julho de 2008, Disponível em: http://www.clicrbs.com.br/especial/rs/expointer-2010/19,0,201 3199,Carne-de-jacare-matogrossense-ganha-selo-de-inspecao-federal.html. Acesso em: 26 jan. 2011 104 MAIORES PRODUTORES DE PELES D E CR OCODILI ANOS NA AMÉRICA LATINA ANO BASE 2005 - POR ESPÉCIE OU SUBESPÉCIE ARGENT INA (C. yacare) ARGENT INA (C. latirostris) BOLÍVIA (C. yacare) 1,03 0,003 2,75 BRASIL (C. caiman) 0,10 BRASIL (C. yacare) 0,69 COLÔMBIA (C. acutus) 0,002 COLÔMBIA (C. fuscus) COLÔMBIA (C. caiman) GUYAN A (C. caiman) 61,15 4,39 2,76 NICARÁGU A (C. caiman) 0,03 N ICARÁGUA (C. fuscus) 1,71 PANAMÁ (C. fuscus) PARAGUAI (C. yacare) VENEZUELA (C. caiman) 2,88 7,16 15,34 Fonte: RAN - Centro de Manejo de Répteis e Anfíbios do IBAMA, em “Tecnologia de Manejo de Jacarés no Brasil”. Gráfico 3: Maiores produtores de peles de crocodilianos na América Latina, por espécie ou subespécie (Ano Base 2005). O Gráfico 3 nos dá a dimensão da falta de uma política governamental efetiva e empenhada no incentivo destas atividades, conforme previsão legal. Mas as perdas econômicas e sociais pela má governança da gestão de uso da fauna no país são bastante significativas. Pelo gráfico comparativo de exportações de peles de crocodilianos (Gráf. 4), podemos ver o quanto o Brasil está atrasado em gerar benefícios com o uso sustentável de espécies da fauna silvestre. Numa breve análise das exportações de cinco países (Brasil, Tailândia, Colômbia, África do Sul e Austrália) percebe-se que o país, entre os anos de 2006 e 2010, exportou um total de US$ 114.109,00, enquanto os demais tiveram cifras anuais muito superiores a US$ 2.000.000,00, sendo que a Colômbia chegou a enviar para o exterior US$ 16.323.986,00 no ano de 2006. Os números são infinitamente superiores ao Brasil devido à implantação de políticas de incentivo e fomento da atividade dos demais países. No quinquênio 2006 a 2010, os países exportaram os seguintes valores: US$ 211.598.831,00 (Tailândia), US$ 56.654.241,00 (Colômbia), 15.936.139,00 (África do Sul) e US$ 47.646.468,00 (Austrália). Diante destes países o número brasileiro é meramente residual. Sem contar os Estados Unidos, que só em 2006 exportou mais de 60 milhões de 105 dólares. A queda percebida nas exportações do Gráfico 4, em 2008 e 2009, é conseqüência da crise econômica mundial de 2008, mas vê-se a recuperação já no ano de 2010. A geração de renda, empregos diretos e indiretos e o mercado de suprimentos que se perde no Brasil, diante dos valores apresentados no Gráfico 4, são bastante significativos. EXPORTAÇÃO DE PELES DE CROCODILIANOS (2006 ~ 2010) 20000000 18000000 V A L O R E S U S $ 16000000 BRASIL 14000000 TAILANDIA 12000000 10000000 COLÔMBIA* 8000000 ÁFRICA DO SUL* 6000000 4000000 AUSTRALIA 2000000 0 2006 ANO BRASIL 2006 2007 2008 2009 2010 0 0 3.650 89.619 20.840 2007 2008 2009 2010 TAILANDIA COLÔMBIA* ÁFRICA DO SUL* 3.389.332 5.354.291 6.086.428 2.807.543 3.408.128 16.323.986 17.831.332 9.995.558 5.619.913 6.883.452 2.709.646 3.542.277 3.473.244 2.588.672 3.622.300 AUSTRALIA 5.849.821 9.451.098 12.532.990 9.630.560 10.181.999 . * Dados de 2010 estimativos, não finalizados Fonte: UN Comtrade Statistics Divisions Gráfico 4: Comparativo de exportação de peles de crocodilianos (2006~2010). Atualmente, o uso comercial de crocodilianos é considerado exemplo de sucesso de política conservacionista, estando entre os maiores sucessos de uso sustentável de espécies, aliado direto de programas de recuperação de populações silvestres197. A CITES foi a grande propulsora dos programas de criação de crocodilianos, desde as Américas até o sudeste asiático. Entre outras espécies que passaram a serem objetos de normatização para a exploração comercial, que se destacaram nas décadas de 1990 e 2000, estão as 197 1º Simpósio Internacional de Fauna Ex Situ: uso comercial e importância para a conservação, Matéria sobre o Sr. Obdulio Menghi, ex diretor técnico da CITES, Boletim informativo, p. 3, em: http://www.abrase.com.br/arquivos/revista/extra%200002.pdf. Acesso em 22 jan. 2011 106 tartarugas da Amazônia (Podocmenys spp.). A Portaria nº 142/92 do IBAMA abriu caminho para a comercialização de produtos e subprodutos das espécies de quelônios naturais desta região, sendo a tartaruga da Amazônia (Podocnemis expansa), e o tracajá (Podocnemis unifilis), provenientes de criadouros comerciais regulamentados. Para muitos técnicos a opção de abrir esta atividade para a criação comercial tem sido fundamental para o combate ao tráfico destas espécies. Estes animais são largamente consumidos pelas populações locais e são partes integrantes e importantes da culinária e da dieta da região amazônica. Ainda há captura ilegal como forma de abastecimento do mercado, no entanto no momento em que se atingir uma produção de escala, a tendência é que a produção predomine e ocupe este espaço do comércio ilegal, o que vem acontecendo aos poucos. Desde a promulgação da Portaria 142/92 as empresas de exploração de quelônios vem aumentando, com uma demanda crescente que passou de 11 criadouros registrados, em 1997, para 33 criadouros em 2000, atingindo em 2001, 52 criatórios registrados. Ao final de 2003 eram 69 criadouros com cerca de 400.000 animais em cativeiro (ANDRADE et al., 2003). Quanto ao potencial de mercado, os quelônios são freqüentemente encontrados nas feiras e nas embarcações, em todo o Amazonas, tendo como principal ponto de comercialização Manaus (90%), representando a ordem de animais mais apreendida na região, com 52,2%. A venda de quelônios (tartaruga e tracajá) sob encomenda representa 22% do total de animais silvestres comercializados para alimentação. Nos primeiros anos de criação legal no Estado do Amazonas, 1999 e 2000, foram transferidos 1.847 ninhos, 38.229 ovos e soltos 29.476 filhotes na natureza (ANDRADE et al., 2001). O número total de filhotes devolvidos à natureza de 1999 a 2007 chega a 646.459 (74,4% tracajás - Podocnemis unifilis; 7,6% tartarugas - P. expansa; 10,9% iaçás - P. sextuberculata e 7,1% irapucas - P. erythrocephala) em oito anos (MACHADO, 2008). Assim como o jacaré do pantanal e as tartarugas da bacia amazônica, diversas outras espécies estão sendo alvo da iniciativa privada para exploração de seus subprodutos. As criações comerciais de ema (Rhea americana) no ano de 2004 já passavam de 80, e cresceram as demandas para mais criadouros. Os criadouros de capivara (Hidrochaeris hidrochaeris) passam de 50, sem contar os 107 criadouros de espécies como a paca (Agouti paca), cateto (Tayassu tajacu), cutia (Dasyprocta aguti), perdiz (Rynchotus rufescens) entre outros. A maioria dos criadouros maneja mais de uma espécie, desta forma tem mais opções diante do mercado (ver Anexo 1). Mas, através da IN nº 169/08 do IBAMA, o governo limitou as espécies possíveis de criação para comércio de produtos e subprodutos, além de criar regras técnicas, burocráticas e administrativas que interferem negativamente nos estabelecimentos produtivos. A categoria de criadouros comerciais para animais de estimação e ornamentação é a que vem mais se destacando nos últimos anos (ver Anexo 1). O mercado tem se demonstrado tão grande para os animais silvestres de estimação e ornamentação que a atividade de criação e comércio vem se tornando um dos mais rentáveis investimentos na área de criação animal em todo o mundo. Os números são bastante expressivos se considerarmos as cotas de exportações solicitadas a CITES no ano de 2010. No caso de Guiana e Suriname198, passam de mais de 135 mil espécimes de várias espécies cotizados para exportação (todos oriundos de coletas no meio silvestre). Neste caso devemos ressaltar que estes animais são somente de espécies listadas nos Apêndices I e II da CITES, num mercado em que o grande comércio está voltado para espécies não listadas na CITES, não ameaçadas. Dos países signatários da convenção, que são 175, mais de cem possuem cotas de exportação de animais silvestres capturados, ou seus produtos. Cada vez mais as cotas devem diminuir diante da forte pressão de muitos países e pelo incremento mundial da criação em cativeiro. No Brasil, a única opção de se atender a demanda para estes animais é através da compra de espécimes reproduzidos em cativeiro, e por este motivo a criação ex situ com fins comerciais toma outra dimensão e importância. Com a abertura comercial brasileira ao comércio internacional, implantada na década de 1990199, houve um forte impulso a criação comercial, aliado com a 198 Dados somados das quotas de exportação (ano 2010) da Guiana e do Suriname, publicadas pela web site da CITES. Disponível em : http://www.cites.org/common/quotas/2010/ExportQuotas 2010.pdf. Acesso em: 26 jan. 2011 199 AVERBUG André. In Abertura Comercial Brasileira na Década de 90. Artigo do BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, Ed. BNDES/PNUD, 2000. Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhe cimento/livro/eco90_02.pdf. Acesso em: 22 jan. 2011 108 regulamentação do setor na mesma década. A importação de novos insumos, como rações e medicamentos específicos, entre outros, possibilitou o incremento da atividade e o sucesso na criação de espécies que não tinham resultados atrativos em cativeiro, especialmente aves (como os nectarídeos, ranfastídeos, alguns psitacídeos etc.) e répteis (boídeos, teídeos, etc.). Com o aprimoramento das técnicas de criação, manutenção e reprodução, ficou muito mais fácil e seguro obter espécimes nascidos em meio controlado do que proveniente da natureza. Este mercado, com movimentação expressiva, supre uma enorme rede de apoio com centenas de empresas que produzem os mais variados tipos de insumos (remédios, rações, materiais para manejo e acessórios diversos). Muitos produtos já chegaram ao Brasil e a produção, atualmente, cresce vertiginosamente. No Brasil existem inúmeras vantagens para a criação comercial de animais silvestres. Certamente o país é hoje o mais apto a figurar entre os maiores criadores de animais ex situ, visando não somente o aproveitamento de subprodutos oriundos da fauna, mas também e, principalmente, a reprodução de animais visando atender o mercado de animais Pet ou ornamentais (ver Anexo1). A grande biodiversidade brasileira é um ponto de relevante importância para esta atividade. O Governo pode encaminhar espécimes de variadas espécies aos criadouros comerciais oriundos de apreensões do comércio ilegal ou guarda ilegal, munindo estes de opções para a reprodução em cativeiro, inclusive programas de conservação, e posterior oferta ao mercado, interno ou externo. Normalmente os órgãos de fiscalização, entre eles IBAMA e polícias civil e militar, já encaminham animais (FIGUEIRA, 2007), contudo este repasse ainda se restringe a poucas espécies. Répteis, anfíbios, mamíferos e outros animais ameaçados, principalmente aves, acabam sendo destinados para jardins zoológicos ou criadouros conservacionistas. Normalmente estes animais ficam limitados a exposição pública ou meramente depositados em centros sem finalidade reprodutiva. Isto representa uma imensa perda ao objetivo de conhecimento e perpetuação das espécies depositadas. Contudo o IBAMA, através de novos atos normativos, como a IN 015/10 já publicada e outros em elaboração, vem limitando cada vez mais as opções de espécies criadas nas mais diversas modalidades. No quadro de classes de espécies 109 brasileiras criadas e comercializadas, oriundas de criadouros (Quadro 5), vê-se claramente a subutilização da fauna pelo Brasil. O mercado internacional possui muito mais espécies brasileiras criadas com finalidade comercial que o próprio país. Isto permite, por exemplo, que um brasileiro adquira no exterior uma espécie que jamais esteve disponível no seu próprio mercado. No caso dos répteis há uma disparidade imensa, com 6 criadas no Brasil e 166 no exterior (Quadro 5). As aves também são encontradas em números muito mais variados de espécies, em geral com preços muito inferiores ao mercado nacional, tendo em vista a forte produção de criadouros no exterior. CLASSES DE ESPÉCIES SILVESTRES BRASILEIRAS DISPONÍVEIS EM CRIADOUROS PARA COMÉRCIO DE ANIMAIS VIVOS E PRODUTOS CLASSE MERCADO INTERNACIONAL MERCADO NACIONAL NOVAS PROPOSTAS DE INs DO IBAMA AVES 287 185 20 RÉPTEIS / ANFÍBIOS 166 6 2 MAMÍFEROS 67 22 0 Fonte: Associação Brasileira de Criadores de Animais Silvestres, In “Rumos da criação no Brasil”, em: http://www.abrase.com.br/arquivos/palestras%20ABRASE/RUMOS%20DA%20CRIACAO%20NO%20BRASIL.pdf Quadro 5: Classes de espécies brasileiras comercializadas, oriundas de criadouros. Esta situação criou uma reserva de mercado inversa, onde os verdadeiros proprietários das espécies silvestres nacionais (“bem de todos”) são privados de tê-las e usá-las. Priva-se ainda, a nível nacional, o setor produtivo brasileiro de gerar empregos, renda, tributos etc., sendo o pior a impossibilidade de se conhecer e dominar o manejo destas espécies. O efeito desta política vê-se com freqüência no caso de programas de conservação de espécies: caso do mico leão dourado (Leontopithecus Rosalia, Linnaeus, 1766), reintroduzido graças aos espécimes de reprodução cativa do National Zoological Park do Smithsonian Institution200; caso da ararinha azul de spixii (Cyanopsitta spixii), extinta na natureza e dependente das populações cativas de duas instituições internacionais: Al Wabra Wildlife Preservation (AWWP) no Qatar e Fundación Loro Parque na Espanha, que detêm 63 dos 73 espécimes vivos. Ambos estabelecimentos são criadouros 200 OLIVEIRA, P. et al, em “Conservação do mico leão dourado enfrentando os desafios de uma paisagem fragmentada”: Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro; Centro de Biociências e Biotecnologia; 2008, p. 7, em http://www.micoleao.org.br/ptg/como_traba lhamos/divulgando/livros/conservacao_mico_leao_dourado.pdf. Acesso em: 25 jan. 2011 110 privados. No Brasil só existem quatro exemplares de ararinhas, no Zoológico de São Paulo, que nunca reproduziram201. Além das considerações expostas, é mister mencionar também que o Governo Brasileiro nunca incentivou o registro de criadouros de espécies listadas no App. I da CITES, conforme previsto na Res. Conf. 12.10 (Rev. CoP15) da Convenção, apesar de ter 72 espécies listadas nesta categoria202. Não obstante, já existem criadouros no exterior de espécies brasileiras registrados na Secretaria CITES, com a anuência do Brasil, sendo que estes não estão em países em áreas de ocorrência das espécies, uma delas endêmica do norte do Brasil (Guaruba guarouba, ou Aratinga guarouba – ver Anexo 1). Apesar de existirem no país mais de cem criadouros com licença para criar espécies do App. I (ABRASE, 2009) e terem absoluto êxito na reprodução, o fato é que, no momento, novos dirigentes do IBAMA esforçam-se para restringir o comércio. Tudo isso apesar de haver afirmações de autoridades a favor, como a do ex-Coordenador Geral de Fauna do IBAMA e atual diretor de Unidades de Conservação e Proteção Integral do ICMBio, Sr. Ricardo Soavinski, como segue: ...para falar especificamente da questão das (espécies) ameaçadas no Brasil, o que a gente entende é que colocar um impedimento para poder criar as ameaçadas não seria interessante, porque primeiro não se pretende pegar nenhuma ameaçada na natureza para formar um plantel para ser vendido. Não é essa a intenção. Muito pelo contrário. Mas se a gente considerar o que existe de ameaçados em cativeiro hoje, algumas em número extremamente elevado que se torna até problema no cativeiro. Aí eu posso dar alguns exemplos. Não como problema, mas que não traria nenhum problema à conservação da espécie de ser e aí a gente vai tratar muito técnica uma questão que aqui esse é o objetivo. Você pega, um exemplo só, da Ararajuba, há três anos a gente fez uma reunião para fazer o comitê de conservação da Ararajuba nós fizemos um levantamento dos plantéis, enfim, dos criadouros e zoológicos, quantos animais tinham naquela época cativos e deu a três anos atrás mais de 600 animais em cativeiro e na natureza tem uma séria pressão em cima dessa espécie principalmente pela destruição do habitat e como outros comitês de espécies ameaçadas, para recuperação de espécies ameaçadas que a gente trata, na reunião com os especialistas a gente chegou à conclusão que não precisaria mais do que 250 indivíduos para compor o plantel de recuperação daquela espécie. Então e o excedente disso? Teria algum problema, além dessas 250 escolhidas geneticamente, os melhores exemplares para formar o plantel de recuperação ex situ da espécie? Uma vez feito isso, o restante teria algum problema trabalhar a reprodução, inclusive investindo em técnicas de reprodução, enfim o que é necessário para poder comercializar e o fruto desse comércio poder, embora como vocês colocam que não tenham dados precisos de quanto isso combate à 201 202 Em: http://awwp.alwabra.com/index.php/content/view/621/51/ Em: http://www.cites.org/esp/resources/species.html 111 comercialização ilegal ou não, mas teria algum problema de colocar no mercado para combater inclusive aquilo que é retirado da natureza. Do ponto de vista da conservação esse excedente não faria falta nenhuma para se trabalhar ali na recuperação da espécie. Então eu estou pegando um exemplo, poderia pegar mais. Então simplesmente impedir, foram dados exemplos de fora, da CITES e tudo o mais. Mas aqui pegando um exemplo bem prático, eu coloco isso para que a gente possa, com um dado técnico preciso, raciocinar em torno da questão também. Só 203 isso, é uma contribuição técnica. Enquanto a criação comercial dos vertebrados terrestres vem enfrentando os problemas e barreiras para ter uma segurança jurídica na atividade, a exploração de peixes ornamentais segue baseada na extração, sobretudo na Amazônia. Ainda que esta exploração seja limitada a poucas espécies. A criação de peixes ornamentais brasileiros é praticamente inexistente, não existindo a obrigatoriedade da reprodução cativa para a comercialização nacional ou internacional204, diferente dos vertebrados terrestres. Com isso a exportação vem apresentando números menos residuais se comparados com as outras classes de animais exportadas pelo país. Ainda assim o Brasil está muito distante dos números apresentados por outros países (Gráf. 5). Enquanto Singapura, uma cidade nação, exportou US $ 63 milhões, o Brasil vendeu ao exterior somente US$ 7,3 milhões. Deve-se ressaltar que muitos dos espécimes exportados por Singapura são de origem de cativeiro205. O mercado de peixes ornamentais vem crescendo expressivamente nos últimos anos, acompanhando a tendência do mercado de “Pets”. Contudo, mesmo sendo o produto oriundo de coleta e tendo a maior variedade de espécies destes animais no mundo, no mercado externo o país possui números inexpressivos se comparado com os grandes comerciantes internacionais, como Holanda, EUA, França, Espanha e muitos outros (vide Gráf. 5). Não raro, o Brasil importa muitas 203 CONAMA – Ata Reunião Conjunta das Câmaras Técnicas de Assuntos Jurídicos e Biodiversidade, Fauna e Recursos Pesqueiros, realizada em Brasília, 07 de agosto de 2007, linhas 886 a 911, em: http://www.mma.gov.br/port/ conama/reuniao/dir940/transcricao_CTBio_ CTAJ_0708(cor)-1.pdf. Acesso em: 28 jan. 2011 204 IBAMA. Relatório COOPE. Reunião nacional de ordenamento de peixes ornamentais marinhos e de águas continentais, realizada entree 16 e 19 de outubro de 2007, p. 7 e 20. Disponível em: http://www.ibama.gov.br/recursos-pesqueiros/wp-content/files/rel_peixes_ornamentais_tamandare _out_2007.pdf. Acesso em: 28 jan. 2011 205 LING K H.; LIM L Y, 2005. The status of ornamental fish industry in Singapore, ed. Singapore Agri-Food & Veterinary Autority, 2006, p. 63, 65 e 68. Disponível em: http://www.ava.gov. sg/NR/rdonlyres/5A163534-CCA6-4956-8D79-97688A0FF681/13363/AVAchapter6.pdf. Acesso em: 28 jan. 2011 112 espécies nacionais criadas em cativeiro no sudeste asiático, numa clara evidência de uma governança ineficiente e da falta de incentivo à criação comercial no país. pa TOTAL EXPORTAÇÕES VERTEBRADOS TERRESTRES E PEIXES ORNAMENTAIS EM 2009 (US$ MIL) 140.000 120.000 100.000 80.000 60.000 40.000 20.000 0 Fonte: UN Comtrade Statistics Division PAÍSES EXPORT. VERT. VIVOS ANIMAIS SILVESTRES VIVOS PEIXES ORNAMENTAIS EXPORT. PEIXES ORNAM. TOTAL 109.817 27.325 137.142 USA 68.344 41.842 110.186 FRANÇA 66.540 3.419 69.959 ESPANHA 22.023 47.059 69.082 1.302 62.192 63.495 BÉLGICA 45.653 4.486 50.139 ALEMANHA CHINA 26.762 31.049 14.559 5.064 41.321 4.028 30.547 34.575 15.165 66 15.231 2.801 11.304 291 7.107 14.105 7.398 HOLANDA SIMGAPURA VIETNAM ÁFRICA DO SUL INDONÉSIA BRASIL 35.103 Gráfico 5: Gráfico comparativo de exportação de vertebrados terrestres e peixes ornamentais (2009). No gráfico 5, “Total de exportações de vertebrados terrestres e peixes ornamentais”, são apontadas as diferenças dos volumes do comércio de animais silvestres de alguns países, em comparação com o comércio internacional brasileiro. Com doze países selecionados se no levantamento,, seis economias desenvolvidas e seis emergentes, fica notório que o aproveitamento da rica fauna nacional é desprezível enquanto atividade econômica no Brasil. Em relatório divulgado em fevereiro de 2011206, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada 206 Em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/110217_comunicadoipea br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/110217_comunicadoipea 78.pdf 113 (IPEA), da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, aponta que o Brasil deveria ter no conhecimento e na conservação da biodiversidade uma de suas estratégias para o desenvolvimento, para aproveitar seu privilegiado capital natural. O que demonstra a preocupação de alguns segmentos do Governo. TABELA DE VARIEDADE DE ESPÉCIES EXPORTADAS CRIADAS EM CATIVEIRO (APP. I E II DA CITES) E DE ESPÉCIES BRASILEIRAS EXPORTADAS / POR PAÍSES (2000 ~ 2009) PAÍSES Brasil Holanda** África do Sul Reino Unido* Bélgica* Estados Unidos TOTAL DE ESPÉCIES EXPORTADAS 53* 426 391 145 318 365 ESPÉCIES EXPORTADAS DA FAUNA BRASILEIRA 45 127 111 51 66 79 * Inclui 45 espécies autóctones exportadas somadas a 8 espécies exóticas (alóctone). ** Países membros da União Européia que não contabilizam exportações dentro da Comunidade. Fonte: CITES Trade Database Tabela 6: Tabela de variedade de espécies exportadas criadas em cativeiro (App. I e II da CITES) e de espécies brasileiras exportadas / por países (2000 ~ 2009) Pelo quadro do Gráfico 5, o país exportou somente US$ 291 mil em animais vivos (maioria para o mercado “pet”), enquanto as cifras de outros chegam a somas de dezenas de milhões de dólares. É o caso da Holanda, com exportações que superaram USS$ 109 milhões, somente em vertebrados terrestres, a frente dos Estados Unidos com US$ 68 milhões. Países “pobres” em diversidade de espécies da fauna, como França, Espanha, Bélgica e Alemanha, têm exportações na casa de dezenas de milhões de dólares. Ainda se comparado às economias emergentes, como China, Vietnam, África do Sul e Indonésia, o Brasil tem números irrisórios, o que sinaliza o atraso do país no aproveitamento econômico de sua riqueza faunística. A China e a África do Sul possuem grandes destaques no comércio internacional, respectivamente com US$ 31 milhões e US$ 15 milhões em exportações. A fraca participação brasileira no mercado é um elemento que aponta para uma política de fauna falha, que certamente não conseguirá combater as causas de perda dos animais silvestres, apontadas anteriormente nesta análise. No quadro de variedade total de espécies (listadas nos Apêndices I e II da CITES) criadas em cativeiro e exportadas (Tab. 6), entre os anos de 2000 e 2009, 114 pode-se notar que a diversidade de espécies brasileiras vendidas no mercado internacional, por alguns países pesquisados, é bastante superior as exportações do próprio Brasil. Neste período o país exportou espécimes de 53 espécies, sendo oito delas alóctones, portanto só 45 autóctones. A Holanda vendeu 426 espécies, sendo que destas 127 eram brasileiras (quase três vezes mais que o Brasil), isto sem considerar outras espécies vendidas no mercado europeu (não contabilizadas, mas que representam 80% do mercado holandês) e, ainda, aquelas não listadas nos Apêndices da CITES. O mesmo se repete com a África do Sul, Reino Unido, Bélgica e Estados Unidos – países que foram pesquisados. É surpreendente perceber que um país como a Holanda, com território ínfimo e clima desfavorável, consegue resultados muito superiores ao Brasil. Apesar do quadro complexo que envolve as atividades de uso da fauna no Brasil, o mercado nacional surpreende com taxas de crescimento elevadas. Não só o número de criadores aumentou nesta década. As lojas especializadas na venda de espécies silvestres aparecem em ascendência num mercado de animais silvestres que só pôde desenvolver-se há poucos anos. O Brasil e o 3º maior mercado de ração para animais domésticos do mundo, com 1.3 milhões de toneladas, sendo 35% para animais silvestres (Associação dos Fabricantes de Alimentos para Animais – Anfal Pet), e as lojas de “Pet Shops” e similares ultrapassam 30.000 unidades em todo o país. O Crescimento anual do mercado é de 10% desde 2000, sendo 30% das rações do mercado de Pet Shops são para animais silvestres207, além de produtos afins (Anfal Pet). O número de animais silvestres em lares brasileiros é estimado em quatro milhões, conforme estudo da Associação Brasileira de Criadores. Pelo gráfico de comparativo de animais comercializados no mercado legal e no tráfico (Gráf. 6), vê-se que a demanda destes animais é praticamente a mesma quanto às aves e mamíferos, mas distorcida nas classes de animais que há proibição legal total e parcial, caso de muitas espécies de répteis e anfíbios e outros. O paralelo dos mercados pode apontar para uma gestão mais apropriada e 207 Dados da Anfal e do “Perfil do Mercado Pet Brasileiro, em: http://pt.scribd.com/doc/ 33046857/Perfil-Do-Mercado-Pet-Brasileiro 115 realista, com o licenciamento na criação legal de espécies que possuem muita demanda e são abastecidas exclusivamente pelos traficantes. COMPARATIVO DE COMÉRCIO COMÉRCIO LEGAL E ILEGAL NO BRASIL POR CLASSES DE ANIMAIS (2004) ______________________________________ 86 90 72 80 70 Aves 60 Mamíferos 50 Répteis 40 30 20 18 Anfíbios 7 12 2 0 3 0 3 Aracnídeos e Outros 10 0 Comércio Legal Animais no Tráfico Fonte: Dados de “Viabilidade Econômica da Criação Comercial, referente ao ano de 2004. Disponível em: http://www. http://www abrase.com.br/arquivos/palestras%20ABRASE/VIABILIDADE%20ECONOMICA%20CRIACAO%20COMERCIAL.pdf ivos/palestras%20ABRASE/VIABILIDADE%20ECONOMICA%20CRIACAO%20COMERCIAL.pdf Gráfico 6: Comparativo omparativo entre mercado legal e ilegal por classe de animais. Segundo Dalton Antunes (2003),, zootecnista e agente ambiental do IBAMA, a criação comercial tem papel importante importante neste processo, e firma que: É necessário conhecer as peculiaridades da fauna brasileira para que possamos tirar o máximo proveito de forma sustentável. Incluindo o comércio ilegal que é um dos principais fatores de destruição, concorrendo significativamente significativamente com os criadouros legalizados que contribuem com a preservação da biodiversidade brasileira.208 Em virtude das tantas potencialidades do Brasil para a criação de espécies silvestres, necessariamente o país deveria estar em melhores condições no mercado nacional e internacional. Por esta breve análise da criação comercial e diante de inúmeros dados disponíveis, conclui-se conclui se que a gestão governamental da fauna vem sendo o maior impedimento para o desenvolvimento e crescimento da atividade. A regulamentação ntação do setor, por meio dos atos normativos emanados pelos órgãos responsáveis, não atendem as expectativas das diretrizes internas e 208 Em: http://www.faunaemfoco.com.br/Fotos/ICL.pdf 116 externas. Isto que faz o país perder oportunidades únicas diante de seu potencial. A atividade vem sendo subaproveitada e se reflete em perdas de postos de trabalho, geração de renda, recolhimento de impostos e, o mais agravante, dar oportunidades de subsistência para as classes sociais menos favorecidas. Para uma efetiva preservação da fauna brasileira é necessário não somente ações de fiscalização e repressão. Faz-se necessário também que haja uma atividade que possa atender a demanda da população por animais silvestres vivos e seus produtos. É essencial a participação de toda sociedade evitando a compra de animais silvestres provenientes do comércio ilegal, realizar trabalhos de educação ambiental e criar programas alternativos para comunidades carentes, que vivem da exploração ilegal, seria o início de um longo caminho a ser percorrido visando à preservação do patrimônio brasileiro. 3.3.3. Controle estatal da atividade de criação comercial Em geral, a estrutura institucional responsável pela administração da atividade produtiva está envolvida em processos relacionados tanto à exploração de recursos naturais quanto ao uso adequado, que vão fornecer base para sustentação dos serviços de gestão com foco no seu desenvolvimento sustentável. A intervenção do governo, na gestão dos recursos da fauna é geralmente necessária para impedir a exploração irracional dos recursos, processo que resulta freqüentemente do acesso aos recursos naturais. Sem um processo de gestão adequado, pode-se colocar a fauna sob risco e, indiretamente trazer prejuízos aos envolvidos no processo. As questões de ordenamento e desenvolvimento sustentável têm sido extensamente reconhecidas por governos de todo o mundo, assim como a necessidade de assegurar o desenvolvimento sustentável da atividade de criação comercial, seja ou não de espécies ameaçadas. Dessa forma, constituem uma forte tendência que norteia a adequação das instituições responsáveis pela atividade. O Artigo 225, § 1º e incisos, da Constituição 117 Federal209 do Brasil, incumbe ao Estado a responsabilidade de assegurar a correta articulação de medidas de modo a garantir o efetivo desenvolvimento sustentável das atividades de uso de recursos naturais, e consequentemente as atividades de fauna inseridas neste contexto. Na medida em que a formulação dos objetivos nacionais se desenvolve, em matéria de uso das espécies silvestres, deve levar em consideração o contexto internacional, de suma influência. Os critérios de gestão dos empreendimentos de criação de espécies silvestres com finalidade comercial moderna também devem evoluir nas suas formas de ordenamento técnico e operativo, visando a garantir a sustentabilidade de recursos com características especiais que, como tal, exigem uma administração singular e adequada, caso da fauna silvestre. Em qualquer um dos cenários apresentados, uma questão recorrente é que a integração do desenvolvimento sustentável e da criação comercial, e seus requerimentos de interdisciplinaridade técnica e enfoque sistêmico do setor determinam que a sua estrutura institucional responsável, neste caso o IBAMA, reúna alguns aspectos básicos: nível hierárquico de sua inserção no aparelho estatal coordenado com a importância do setor em termos socioeconômicos e ambientais; capacidade jurídica, financeira, de gestão, negociação e coordenação com autonomia em grau necessário para tomada de decisões; um serviço de pesquisa eficaz e confiável que atende os tomadores de decisões e uma estrutura adequada tanto do ponto de vista das funções a serem desempenhadas como da especialização do corpo técnico nas áreas requeridas. 209 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. 118 Nestes quesitos há falhas consideráveis por parte da gestão brasileira das atividades de fauna, não somente naquelas que objetivam interesses econômicos. Qualquer política pública implantada na área ambiental tem, necessariamente, que vir acompanhada de instrumentos de gestão que possibilitem seu controle e instrumentos de ajustes. No que concerne a desvios de conduta no uso dos recursos naturais, precisam ser reprimidos e devidamente encaminhados à justiça. São com estas premissas que devem ser administradas as atividades de criação comercial com finalidades comerciais. Como em todo segmento econômico o uso comercial de recursos da fauna possuem desvios que podem ser detectados e corrigidos, a Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o tráfico de animais silvestres fez as considerações pertinentes sobre o tema em seu relatório de 2003, como segue: Recomendações: b) Organização do sistema de fiscalização e controle • Os sistemas de controle de pássaros (anilhas, microchips, etc.) devem sofrer avaliação, em esforço conjunto dos órgãos ambientais e criadores legalizados, com vistas a possíveis alterações nas normas em vigor. Sugere-se a pesquisa de soluções porventura encontradas por outros países para o enfrentamento desse problema. • Devem ser estudadas formas de controle da venda de animais silvestres pela Internet. Sugere-se a pesquisa de soluções porventura encontradas por outros países para o enfrentamento desse problema. • Os diferentes órgãos públicos (IBAMA, Secretaria da Receita Federal, Ministério da Saúde, Polícia Federal, etc.) devem fortalecer o controle sobre a saída de animais silvestres do País, mediante atuação conjunta. • Os órgãos responsáveis pela fiscalização ambiental devem manter programa permanente de vistoria e auditoria de criadouros, comerciais e conservacionistas, a fim de controlar eventuais casos de envolvimento com o mercado ilegal. • Faz-se essencial que se aumente o volume de recursos públicos direcionados a pesquisas referentes à diversidade biológica, especialmente para os projetos implementados por instituições públicas de pesquisa. • Faz-se essencial que se aumente o volume de recursos públicos direcionados às atividades de controle e fiscalização ambiental. Basicamente as recomendações da CPITRAF apontam para a solução de um problema que envolve a criação comercial, o principal e mais relevante na gestão das atividades de fauna: a garantia de que os animais estejam sendo reproduzidos no sistema closed cycle (único permitido pela Portaria 117/97 do IBAMA) e que somente estes cheguem ao mercado, não havendo possibilidade de coletas para satisfazer a demanda comercial com o consequente “branqueamento” de animais 119 oriundos da natureza. Num segundo plano certificar-se da autenticidade quanta a formação do plantel reprodutor, garantindo que este também seja de origem lícita e não de captura ilegal no meio silvestre. Para tanto é necessário que as indicações emanadas na CPITRAF sejam efetivadas. O fato é que a fiscalização é ineficiente e ineficaz. A implementação de visitas técnicas sistemáticas nestes estabelecimentos é prioritária, no entanto deve ser acompanhada com um efetivo conhecimento técnico das matérias que envolvem a atividade, as quais passamos a fundamentar. Os técnicos devem possui um conhecimento mínimo dos manejos de reprodução, bem como ter conhecimento das espécies que vistoria, com subsídios para argumentar se a espécie em questão tem histórico de reprodução ou não em cativeiro. Muitos documentos técnicos são falhos ao abordar este ponto, como exemplo o Summary of the status of wild populations of species listed on CITES Appendix I and the difficulty of keeping or breeding specimens of these species in captivity210, contido na Informação Inf. AC.16.15 da 16ª Reunião do Comitê de Fauna da CITES211, que é defasado temporalmente e contém informações contrariadas, por exemplo, no Brasil, no tocante a espécies que vem sendo criadas com sucesso em cativeiro e sua reprodução já é dominada (casos da Amazona pretrei, Anodorhynchus hyacinthinus e Aratinga guarouba – esta mencionada anteriormente, entre outras). A atualização dos funcionários quanto às técnicas de reprodução e conhecimento das espécies que formam plantel de criadouros, tem que ser sempre constante, permitindo um desempenho eficiente de seu trabalho. O problema é que os agentes de gestão de uso da fauna no IBAMA podem ser oriundos de cursos de graduação de nível superior em qualquer área de formação, o que desqualificam muitos para o desempenho direto da função. A marcação dos animais em cativeiro é uma das ferramentas de controle a ser usada no caso de animais em cativeiro, está prevista na Resolução Conf. 10.16 (Rev.)212, Resolução Conf. 8.13 (Rev)213 – uso de microchips em comércio de animais vivos – bem como na Resolução Conf. 7.12 (Rev.CoP15)214 da CITES. Efetivamente a marcação deve ter um elo direto com o plantel do empreendimento 210 Em: http://www.cites.org/common/com/AC/16/E16-Inf-15.pdf Em: http://www.cites.org/eng/com/ac/16/index.shtml 212 Em: http://www.cites.org/esp/res/all/10/S10-16R11C15.pdf 213 Em: http://www.cites.org/esp/res/all/08/S08-13R11C15.pdf 214 Em: http://www.cites.org/esp/res/07/07-12R15.shtml 211 120 e estar exarada nos documentos pertinentes ao espécime que esteja sendo fiscalizado. É o caso, por exemplo, das notas fiscais de venda dos animais comercializados. Segundo a Resolução 10.16 (Rev) a marcação é necessária e deve estar em conformidade com as Resoluções existentes sobre o tema. As Partes da CITES preocuparam-se que, apesar da adoção de várias resoluções em diversas reuniões da Conferência das Partes. Muitas das transações comerciais de espécimes declaradas como criadas em cativeiro continuam contrárias à Convenção, e às Resoluções da Conferência das Partes, podendo desta forma serem prejudiciais à sobrevivência das populações selvagens da espécie em questão. A Convenção assinala: RECOMENDA que o comércio de um exemplar em cativeiro só será permitido se for marcado na conformidade com as disposições relativas à marcação das resoluções aprovadas pela Conferência das Partes e se o tipo e o número da marca são indicadas no documento que autoriza a comércio215 A depender da classe animal e da espécie em questão, há disposições da Convenção sobre os tipos de marcação. Caso de tartarugas marinhas, grandes primatas, caviar, entre outros. Já a Resolução Conf. 7.12 (Rev.15) prevê que a marcação deverá levar em conta o bem estar e o comportamento natural do espécime, assim como a necessidade de dar a este o trato correto e adequado. No caso do Brasil a marcação é exigida e definida por classes de animais e espécies através da IN nº 02/01216, de 02 de março de 2001. No entanto volta-se a questão das falhas técnicas contidas nos atos normativos. A mencionada IN comete falhas reconhecidas pelo próprio IBAMA, como marcação dupla (para todas as espécies alóctones e espécies autóctones listada no App. I da CITES), marcação de espécies que não suportam receber implante de microchips (caso dos passeriformes nacionais e exóticos, répteis em idade tênue etc.)217. A efetividade da norma ficou prejudicada em função das falhas existente e este fato traz aos empreendedores uma insegurança jurídica. 215 Tradução do autor da tese Em: http://www.ibama.gov.br/fauna/legislacao/in_002_01.pdf 217 Informações do Processo administrativo nº 02001.008828/2002-00 do IBAMA, disponíveis para consulta pública na Sede do IBAMA em Brasília 216 121 A marcação, no caso dos animais criados em closed cycle, é mais que uma referência do espécime que é comercializado, sobretudo indica que foi reproduzido em cativeiro e possui a legitimidade para ser transacionado. A indicação da marcação é o meio de controle de gestão para atestar que o animal é oriundo de cativeiro, mas não é sua comprovação técnica. Esta deve ser por métodos disponíveis de exames de paternidade pelo DNA mitocondrial. Em recente ato normativo, IN nº 015/10, o IBAMA interpõe na norma (Art. 6º) que “... poderá, a qualquer tempo, solicitar a coleta de material biológico para comprovação de paternidade das aves relacionadas na Relação de Passeriformes”. Tal medida já poderia ter sido implantada há mais tempo visando o controle dos espécimes reproduzidos. Para atestar a legitimidade dos espécimes criados em cativeiro, a inserção desta metodologia forense é a maneira mais adequada de se fazer a separação entre os estabelecimentos que trabalham em consonância com as normas e aqueles que devem ser banidos, e legalmente punidos. A prática já é usada em alguns países, como a Hungria, a Eslovênia, a República Tcheca, no caso de criação de aves do Anexo A (da CITES EU), aves autóctones, de rapina, onde o teste de DNA de paternidade é obrigatório218. No ano de 2000 a CITES expediu a Notificação 2000/71219 (não mais em vigor) sobre informações técnicas de análise de DNA em Análises Forenses em crimes da vida silvestre. O mesmo no artigo Development and application of forensic analysis for CITES implementation and enforcement: sharing the burden do Newsletter CITES Nº 6, apontando para novas formas de controle do comércio de fauna e flora. A Convenção faz outras menções sobre o uso do método, como o exame de paternidade por DNA em falconiformes, previsto no documento SC51 DOC.13 (Fifty-first meeting of the Standing Committee Bangkok – Thailand)220, além de diversos outros. A técnica de paternidade procura identificar marcas no DNA conhecidas como microssatélites. Essas regiões acumulam modificações transmitidas entre gerações de indivíduos. O problema desta técnica, até a metade e final da década de 2000, era o alto custo do exame, o que interferia diretamente na adoção deste 218 Dados do Wildlife Trade in Central and Eastern Europe, A Review of Cites Implementation in 15 Countries, A Traffic Europe Report, p.70. Em: www.Traffic.Org/General-Reports/Traffic_Pub _Trade10.Pdf 219 Em: http://www.cites.org/eng/notif/2000/071.shtml 220 Em http://www.cites.org/eng/com/sc/51/E51-13.pdf 122 pelos órgãos de gestão e fiscalização ambiental. O preço foi sendo reduzido significativamente até esta década, possibilitando assim sua utilização de forma sistemática. A iniciativa de celebrar convênios com instituições públicas de pesquisa é um caminho a ser tomado. Exemplo disto é a SUPES IBAMA de Minas Gerais, que o firmou contrato com o Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)221, para testes em aves. Com a prática destas técnicas é perfeitamente possível fazer um controle mais rigoroso nas vistorias ou fiscalizações do órgão gestor nos estabelecimentos de criação comercial. Assim dirimem-se as questões mais complexas nas fiscalizações, podendo-se inclusive diferenciar condutas de falhas meramente administrativas dos empreendimentos (como marcações fora de padrão, por exemplo), que devem ser corrigidas, com condutas lesivas a fauna silvestre (como a falsa paternidade de espécimes no criadouro ou comercializados – indicação clara de coleta em meio silvestre), que devem ser levadas à Justiça. 3.4. Definição de uma Política Pública de Fauna 3.4.1. Objetivos de um marco regulatório Por legislação de fauna entende-se o conjunto de normas e leis que regem as atividades de fauna no país, vindo a ser o instrumento legal de ligação entre as diversas organizações, governo e empresas. Apesar da existência de um capítulo especial dedicado ao meio ambiente na Constituição Federal do Brasil, considerada uma das mais avançadas do mundo, a legislação de fauna (atividades de uso, proteção, conservação e manejo) brasileira básica está estabelecida nas Leis Nº 9.605/98 e 5.197/67, sem praticamente nenhuma alteração que viesse a acompanhar as mudanças no panorama de uso dos recursos faunísticos. Essa 221 Boletim da UFMG, Nº 1493 - Ano 31 28.07.2005, em: http://www.ufmg.br/boletim/bol1494/ quinta.shtml 123 deficiência pode ser creditada à inexistência de uma política pública estabelecida no país, que leva à existência de uma legislação dispersa e fraca, sem princípios consolidados a serem seguidos. Apesar da existência do Plano Nacional de Biodiversidade (PNB), instituído pelo Decreto Nº 4.339/02, este instrumento está esquecido em todas as suas previsões técnicas, econômicas e sociais. O isolamento do poder legislativo contribui, ainda, com a criação de leis sem o acompanhamento técnico necessário, o que leva ao estabelecimento de legislação sem cunho prático e com sérias dificuldades de cumprimento. Esse fato, aliado à fraqueza dos órgãos de fiscalização, faz com que haja grande descaso pelas leis ambientais do país, inclusive na fauna. Aliado ao isolamento do legislativo tem um executivo que insiste em legislar através de atos normativos (portarias e instruções normativas), que ignora diversas diretrizes de implantação das atividades de fauna (PNB) e a sociedade envolvida com a atividade, sempre alijada do processo decisório. Não bastassem os entraves percebidos, os atos normativos se sucedem, nos governos anteriores, não raro nos mesmos governos, sem a necessária coerência técnica ou econômica. O próprio parlamento, através do Relatório da CPITRAF (2003), trouxe estas conclusões nas suas recomendações: 6.2.1. Recomendações de caráter geral • Nos diferentes níveis de governo, as políticas ambientais devem ser concebidas e implementadas de forma articulada com as outras políticas setoriais, como as referentes a desenvolvimento agrário, agricultura, ciência e tecnologia, indústria e comércio, entre outras. • O Poder Executivo e o Legislativo devem envidar esforços conjuntos no sentido de aprovar uma lei complementar regulando a competência comum de União, Estados e Municípios no trato da questão ambiental, com base no art. 23, parágrafo único, e incisos VI e VII, da Constituição Federal. Sugere-se que nesse trabalho de elaboração legislativa haja uma ampla negociação com Estados e Municípios, que pode ser coordenada pelo CONAMA. • O Poder Executivo deve organizar a atuação do Ministério do Meio Ambiente e dos órgãos e agências que compõem esse ministério, de forma a eliminar sobreposições, evitando-se, por exemplo, que um ente executivo como o IBAMA exerça funções normativas. A nova consciência ecológica que vem se formando na sociedade tem tornado as leis melhor elaboradas e mais respeitadas. Entretanto, somente uma completa reestruturação da legislação com um marco regulatório, em conjunto 124 com a definição de uma política pública de fauna, tendo a contribuição do setor e da sociedade no seu estabelecimento técnico e na sua adaptação às necessidades país, será capaz de torná-la eficiente e consolidada com o desenvolvimento sustentado. Como visto anteriormente, diversos pontos enfraquecem a atual normatização via atos administrativos, entre eles podemos destacar: ausência completa da participação do setor na elaboração das leis; normatização elaborada com viés político; normatização bastante dispersa, não se adaptando às peculiaridades do setor e com graves erros técnicos, impossibilitando seu cumprimento; excesso de preceitos legais versando sobre o mesmo assunto e expressos com falta de clareza, o que prejudica o conhecimento, interpretação e, consequentemente, o cumprimento da legislação; excesso de dinamismo na implementação e revogação das leis, aliado a uma divulgação ineficiente, dificultando o seu acompanhamento e aplicação; postura repressivo proibitiva assumida pelos órgãos responsáveis pela fiscalização em detrimento de uma visão educativo instrutiva, mais adequada à atividade; falta de um sistema de fiscalização eficiente, com recursos humanos treinados, recursos financeiros suficientes e estrutura adequada; desconhecimento pela sociedade em geral da legislação vigente, levando ao descaso generalizado quanto ao respeito à legislação ambiental de fauna, etc. Como pontos positivos legais, de forma geral, se têm: a existência de legislação ambiental com um diploma legal (Decreto 4339/02, a PNB) como diretriz de uma política pública de fauna (ainda que desconsiderado); forte preocupação ambiental na legislação brasileira, porém sem foco em objetivos necessários; crescente exigência de movimentos ambientalistas e da sociedade em geral junto a juristas e legisladores com relação à elaboração e a efetividade na aplicação de leis; etc. A situação que se deve buscar é que o setor privado e a sociedade organizada participem ativamente na elaboração das leis, com o imperativo embasamento técnico e cunho prático sócio econômico. A legislação deve ser compreensível, objetiva e clara, facilitando o seu cumprimento, conforme prevê a Resolução 12.10 (Rev. CoP15) da CITES para registro de criadouros de espécies listadas no Apêndice I. A legislação consolidada ao modelo de desenvolvimento 125 sustentado e adaptada às condições econômicas e sociais, tornando-a mais coerente com a realidade nacional. Os órgãos governamentais responsáveis pela fiscalização do cumprimento da legislação devem ser fortalecidos, reestruturados e com recursos humanos e financeiros disponíveis para a realização da sua função, e assim garantir a efetividade da aplicação das normas. Aliado a isto é necessário órgãos governamentais preparados para a divulgação da legislação de forma educativo instrutiva para toda a sociedade, pois só assim se terá a população, setor e instituições esclarecidos e informados sobre a legislação existente, respeitando as determinações legais (CPITRAF, 2003). No nível setorial algumas iniciativas são absolutamente necessárias para o desenvolvimento das atividades, entre elas contribuir para que a legislação seja uma ferramenta acessível, eficiente e respeitada para a preservação e conservação. Não obstante, o setor deve exigir do poder legislativo a consolidação da legislação, sua adaptação ao modelo de desenvolvimento sustentado e a sua adequação às realidades do país. De certo que para isto ocorrer o setor empresarial precisa demonstrar a inaplicabilidade que, muitas vezes, a legislação possui pela falta de um bom embasamento técnico (IPEA, 2011), participando da elaboração de uma legislação eficiente que acompanhe a política pública. Devemos ver o contexto geral de uma proposta regulatória específica para desenvolver uma política pública dos recursos faunísticos. A necessidade de um marco regulatório nesta área, em geral, contrapõe-se à tendência de se estabelecerem restrições, condenações ou proibições relativas ao manejo e uso de fauna em desacordo com as previsões dos diplomas internacionais e nacionais (CPITRAF, 2003). O marco a ser proposto tem o propósito de determinar de forma clara os direitos e responsabilidades relativas à utilização dos recursos faunísticos. O foco, portanto, é o estabelecimento de uma legislação que garanta direitos e exare também os deveres, e que seja de fácil interpretação e norteadora de política pública para a área específica, certamente que afinada com os diplomas legais nacionais e internacionais, como a Política Nacional de Biodiversidade. A ausência de um marco civil tem gerado incerteza jurídica quanto ao resultado de questões judiciais e administrativas relacionadas ao tema. A falta de previsibilidade, por um lado, causa o desincentivo de investimentos nos 126 empreendimentos, restringindo a inovação e o empreendedorismo necessários, inclusive para projetos de conservação ex situ. Por outro, dificulta o exercício de direitos legais relacionados ao uso da fauna, cujos limites permanecem difusos e cuja tutela parece carecer de instrumentos adequados para sua efetivação. Muitos dos deveres têm previsões legais, mas os direitos estão circunscritos a atos normativos que mudam “ao sabor” da política governamental. O processo de elaboração normativa sobre o tema deve, no entanto, ter o cuidado de se ater ao essencial, traçando objetivos e procedimentos gerais, técnicos e administrativos. A natureza das atividades de fauna (tradição de uso para diversos fins e atração do homem pelos animais), bem como a rápida velocidade de sua evolução tecnológica (cada vez mais espécies se enquadram em manejos reprodutivos de sucesso, inclusive para garantir a sobrevivência de muitas espécies), pode ser fortemente prejudicada por legislação que tenha caráter meramente restritivo. Resultados destas políticas podem causar um indesejado efeito inverso no que concerne a conservação e a preservação das espécies silvestres. Qualquer iniciativa de regulamentação das atividades de fauna deve observar princípios como o uso sustentável e possibilidade de se garantir um equilíbrio das populações silvestres das espécies de interesse, que nem sempre são alcançáveis com medidas proibitivas (CITES, 2005). Quanto ao conteúdo da matéria, dentre os temas a serem abordados na discussão do marco civil, incluem-se regras de responsabilidade civil dos usuários de espécies da fauna e medidas para preservar e regulamentar direitos destes, com a finalidade de se gerar segurança jurídica comum a todos os empreendimentos econômicos. Também devem ser abordados princípios e diretrizes que visem a garantir as premissas de funcionamento e operacionalidade das atividades, como o licenciamento ambiental, atualmente inexistente, por força da IN nº 169/08 do IBAMA, e suprimir os diversos atos administrativos de concessão obrigatórios, como registro em sistema na rede (IN nº 169/08), registro em Cadastro Técnico Federal (Lei 6938/81, de 31 de agosto de 1981)222 e o licenciamento na forma da Lei (no caso a Resolução CONAMA nº 237/97, de 19 de dezembro de 1997)223. 222 223 Em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm Em: http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res97/res23797.html 127 A proposta de construção do marco regulatório deve buscar inovar também no processo de sua formulação: o intuito é incentivar a atividade, nas formas previstas pela CDB, CITES, PNB e Lei 5197/67, e a participação ativa e direta dos inúmeros atores sociais envolvidos no tema (criadores, empresas e contribuintes consumidores, academia, além de parlamentares e de representantes do governo). A participação no processo ocorre por meio de uma discussão aberta, que deve receber contribuições e promover debates entre as partes interessadas (ver Quadro 6). MARCOS REGULATÓRIOS E POLÍTICA PÚBLICA DE FAUNA NORMAS INTERNACION AIS / PRINCÍPIOS E DIRETRIZES SUBSÍDIOS TÉCNICOS Convention on Inter national Trade in Endangered Species of Wild Fauna & Flora OUTRAS ENTIDADES IMPLEMENTAÇÃO DAS CONVENÇÕES RESPEITADOS OS PRECEITOS CONS TITUCIONAIS CONGRESSO NACIONAL CONSTITUIÇÃO FEDERAL GOVERNO FEDERAL LEI Nº 5197/67 - CÓD. CAÇA LEI Nº 9605/98 - CRIMES AMBIENTAIS DECRETO Nº 4339/02 - PNB RESPEITO ÀS LEIS SUPERIORES M.M.A. CONAMA IBAMA SETOR PRODUTIVO SOCIEDADE CIVIL POLÍTICA PÚBLICA DE FAUNA ?? PARÂMETROS LEGAIS PORTARIAS INs Quadro 6: Sinergia entre Marcos regulatórios e Política Pública de Fauna. Uma vez percebidos estes requisitos, por todos os agentes envolvidos nas questões de fauna, estarão desempenhando uma imensa contribuição para a fauna silvestre. Todas as atividades relativas à criação reprodução e comércio de animais poderão dar um imenso salto quantitativo e qualitativo, atingindo uma função social importantíssima. É este o objetivo final de uma política pública de Estado e de cidadãos comprometidos com os benefícios gerados por suas ações. 128 3.4.2. Proposta regulatória Uma questão se torna objeto de políticas públicas, não em função da gravidade que assuma para um ator social, mas em função de interesses que envolvem, da consciência, da organização dos discursos, dos argumentos e das pressões que são construídos para inseri-la na pauta política (VIEIRA & BREDARIOL, 1998). O interesse coletivo no tema assume grande relevância com a previsão constitucional (Art. 225 da Constituição Federal de 1988) da fauna como um bem de todos, de interesse difuso, e sua importância para as futuras gerações, enquanto agentes também do equilíbrio ecológico. Como mencionado anteriormente, a CPITRAF de 2002, da Câmara Federal, propôs uma revisão completa das normas reguladoras das atividades de fauna com finalidade comercial. A necessidade de tal reformulação passa por diversas questões de cunho técnico, administrativo e, sobretudo, jurídico. Uma percepção diferenciada das atividades de fauna é essencial para a confecção de um marco regulatório, sem deixar de considerar os aspectos éticos que envolvem toda a questão. Na elaboração de uma regulamentação há de se relevar todas as variáveis que podem estar implícitas nos objetivos da norma. Ou seja, uma normatização voltada para as atividades de uso dos recursos de fauna tem obrigatoriamente que ser moldada visando múltiplos objetivos, entre outros a conservação ex situ de espécies ameaçadas, o combate ao tráfico de animais silvestres e exóticos, incentivo aos empreendimentos devidamente legalizados, menor burocracia no gerenciamento da atividade, a maximização do uso de espécies silvestres, parcerias dos empreendedores com instituições de pesquisas etc. Objetivou-se, ao longo deste trabalho, descrever todos os aspectos que estão inseridos na questão do uso destes recursos, desde os jurídicos e técnicos até a questão do mercado. Relevando-se a importância que possuem as Convenções Internacionais, sobretudo a CITES e a CDB, nas diretrizes e princípios assinados pelo país e refletidos em leis nacionais, como a PNB. Também se devem tirar proveitos de normas exitosas de outros países ou conglomerados de países, como União Européia, Canadá, China, etc. no que tange a resultados práticos eficazes 129 quanto aos objetivos acima mencionados224. Com esta visão, um marco regulatório deve conter itens relevantes, mas não totalmente novos, pois parte está exarada como “princípios e diretrizes para a implementação, na forma da lei, da Política Nacional da Biodiversidade, com a participação dos governos federal, distrital, estaduais e municipais, e da sociedade civil”, Artigo 1º do Decreto 4339/02. O marco regulatório deve incorporar três aspectos, todos complementares, sendo o jurídico, técnico e administrativo. Uma vez englobando a base destes aspectos a norma deve conter os princípios gerais aspirados pela política pública a ser adotada. Neste caso uma “Política Nacional de Fauna” tem que compreender as diretrizes evidenciadas pela PNB, que recepcionaram as normas de uso sustentável da CDB, e também as resoluções e orientações da CITES. Para tanto devem conter primordialmente determinadas características, como: - As normas devem ser consolidadas em Lei Federal, de abrangência nacional, estabelecendo as regras básicas dos criadouros de animais silvestres (conforme CPITRAF225 e da PNB226) e sobrepondo-se aos conceitos gerais contidos nos atuais atos normativos; - Medidas de apoio e incentivo a novas empresas, visando à agregação de valor, à conservação, à utilização sustentável dos recursos biológicos e genéticos (item 12.3.14 da PNB e da CITES); - Constar claramente na Lei a promoção a inserção de espécies nativas com valor comercial no mercado interno e externo, bem como a diversificação da utilização sustentável destas espécies (item 12.3.7 da PNB e citada na CDB e no trabalho “Estratégia Nacional de Diversidade Biológica – criação ex situ” 227 , do MMA, onde se aponta a falta de conhecimento sobre técnicas de criação e manejo em cativeiro, a falta de conhecimento do potencial de uso da fauna brasileira e a 224 CÂMARA FEDERAL. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o tráfico de animais e plantas CPITRAF, ed. Câmara Federal, janeiro 2003, p. 134, em: http://www.renctas.org .br/pt/trafico/rel_cpi.asp. Acesso em 26 jan. 2011 225 Iden. p. 34 226 Item 12.3.1, Decreto 4339/02, Em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/ D4339. htm. Acesso em: 26 jan. 2011 227 IBAMA/MMA/PNUD. Estratégia Nacional de Diversidade Biológica – criação ex situ. Texto preliminar do GT Temático de Conservação Ex Situ, Brasília 1998, p. 20-24. Em: http://chm/_arquivos/gtt3.pdf. Acesso em: 26 jan. 2011 130 premência de se desenvolver estudos que visem ampliar o conhecimento do potencial de uso da fauna brasileira.); - Comportar novos conceitos jurídicos para animais silvestres, exóticos e domésticos, diante da necessidade de uma fundamentação teórica com base legal, suprimindo definições contidas em atos administrativos normativos que não possuem esta competência jurídica; - Criar e consolidar legislação específica, relativa ao uso de instrumentos econômicos que visem ao estímulo à utilização sustentável da biodiversidade (item 12.3.1 da PNB, FAO, CDB e CITES); - Definir a natureza jurídica da fauna e suas implicações nas atividades de criação e comércio de animais silvestres e exóticos, dirimindo discussões em fóruns administrativos e jurídicos, criando uma percepção patrimonial diferenciada segundo a origem do espécime animal; - Elaborar normas objetivas e claras, evitando interpretações múltiplas daqueles que excutam o gerenciamento, evitando assim conseqüentes abusos da administração pública e daqueles envolvidos com os empreendimentos relativos a atividade (previsão da CITES para regras de registro de criadouros comerciais da Res. Conf.12.10 (Rev. CoP15), aplicável a todas as espécies; previsto no item); - Criar mecanismos de incentivos fiscais e de crédito, para criação e aplicação de tecnologias, empreendimentos e programas relacionados com a utilização sustentável da biodiversidade (item 12.3.2. da PNB); - Prever o fomento da cooperação entre o Governo com os estabelecimentos de criação ex situ e programas in situ (baseado na Resolução Conf. 13.9 da CITES, aprovada em 2004 na 13ª Conferência da Partes), envolvendo e comprometendo as atividades econômicas de uso de recursos da fauna com programas de conservação; O desenvolvimento de uma política de Estado para a fauna é um precursor essencial para a redação de uma legislação devida. Após o advento da Política Nacional de Biodiversidade pode-se afirmar que esta base legal já deveria estar em prática com uma legislação específica, mas como podemos perceber não foi o que aconteceu nesta última década no Brasil. Os atos normativos exarados pelo Poder Executivo deformaram a implementação da política de fauna tal como foi 131 prevista no Decreto 4339/02, afastando o país também de uma gestão em conformidade com os diplomas legais internacionais (CITES, CDB, FAO). Retomar as diretrizes, de uma clara base política já existente, facilitaria a introdução dos procedimentos e práticas para garantir228: a) a coerência e a previsibilidade da legislação; b) a transparência dos direitos e obrigações legais; c) a compatibilidade, a imparcialidade e o procedimento normativo na aplicação legislativa; e d) a eficácia da administração e a facilidade de execução.229 Não se deve esquecer, no entanto, que por maiores que sejam os esforços para planejar as políticas e escolher os instrumentos com o devido cuidado, o que foi sopesado na PNB no caso do Brasil, a regulamentação ambiental nos países em desenvolvimento muitas vezes deixou de produzir melhorias efetivas na qualidade ambiental. A responsabilidade pode ser atribuída a problemas de implementação, entre eles políticas de governos em lugar de uma de Estado, a falta dos recursos financeiros necessários para implementar uma política determinada, a fraca capacidade institucional e a insuficiência dos recursos humanos, que levam à falta de controle, fiscalização e obediência, com a conseqüente perda de biodiversidade. 228 Secretaria CITES, em “Vinculação entre desenvolvimento de política e a legislação”, matéria do CITES Newsletter nº 15, Ed. Julho 2005, p. 19. 229 Tradução do autor da tese. 132 4 Conclusão A perda da biodiversidade é um dos graves problemas que a Comunidade Internacional terá que solucionar neste século. Tanto a fauna quanto a flora, em todo o planeta, têm sido cada vez mais ameaçadas por ações antrópicas diversas e que trazem consigo um modelo de desenvolvimento incompatível com a preservação e a conservação, acarretando a diminuição ou extinção de recursos que oferecem bens e serviços ecossistêmicos global. A Convenção Internacional de Comércio de Espécies Ameaçadas da Fauna e da Flora foi criada com o objetivo de garantir que o comércio destes recursos seja compatível com a sobrevivência de suas populações silvestres. Com este propósito a CITES tem emanado diretrizes para o uso destes recursos no intuito de perseguir seu objetivo, entre eles o incentivo ao uso econômico das espécies de fauna silvestre através da criação comercial. Como abordado nesta dissertação são diversas as diretrizes sobre o tema, todas convergindo para a importância do comércio da fauna e seus produtos derivados, de forma sustentável e benéfica aos detentores desta riqueza. A Convenção da Diversidade Biológica e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, assim como a CITES, apontam para a necessidade de fomentar e otimizar as atividades econômicas que façam uso destes recursos como uma das ferramentas para a conservação. Na medida em que seja possível fornecer animais e produtos certificados e de origem conhecida, a criação comercial assume um importante papel de destaque dentro de uma política pública. Fica demonstrado que a criação com finalidade comercial de espécimes de espécies da fauna pode trazer diversos benefícios aos programas de conservação. Como visto em diversas situações relatadas, esta prática econômica quando devidamente controlada é uma legítima indústria ambientalmente benigna e 133 sustentável, que pode trazer lucros substanciais para os indivíduos e comunidades economicamente carentes e para a sociedade em geral. Além disso, quando existem políticas de governo tecnicamente corretas (proibindo a hibridação de reprodutores, por exemplo), as operações de reprodução em closed cycle podem servir como uma fonte de espécimes para o esforço da reintrodução de espécies ameaçadas ou vulneráveis. Além disso, em todo o mundo, a reprodução cativa fornece uma fonte significativa de animais para jardins zoológicos, investigadores e proprietários de Pets. Os regimes internacionais de gestão de fauna são respostas encontradas para o desafio da estabilidade das populações de espécies silvestres e, também, para a crise de eficiência e governança no setor. Principalmente no que concerne ao combate ao comércio ilegal e a sistemática perda de diversidade por diversos outros fatores. Mas os elementos ambientais, culturais, econômicos, valores, idéias, poderes e interesses determinam o processo e resultados de qualquer ação. Portanto, avaliar a efetividade dos instrumentos de natureza política, técnica e jurídica é o mesmo que avaliar, ao fim, os patamares da governança nacional. Independentemente dos interesses, poderes ou idéias envolvidas, os regimes de utilização dos recursos da fauna são técnicos e com isto permite avaliações mais objetivas, sempre considerando a tradição deste uso nas culturas nacionais de todo o mundo. Mesmo tendo recepcionado no diploma jurídico da Política Nacional de Biodiversidade os princípios e diretrizes dos tratados internacionais, e de diversas entidades que versam sobre o tema, o Brasil não os efetivou na gestão pública executiva. Atos normativos, como portarias e instruções normativas, publicados para a execução da gestão da fauna demonstram-se falhos tecnicamente, confusos administrativamente e carentes de base legal, reforçando um afastamento dos conceitos que regem a matéria. Percebe-se ainda um farto aparato regulatório encontrado de forma esparsa e conflitante, que teima em criar dificuldades e proibições insensatas. Desta situação é possível questionar quanto a necessidade premente de se reunir toda a regulamentação de fauna na forma de uma Lei que implemente uma verdadeira Política Pública para o setor. Os elementos basilares desta política de Estado devem ser os conceitos e diretrizes de regimes e metodologias internacionais para o uso econômico dos 134 recursos da fauna, emanados pelos tratados internacionais e pela própria Política Nacional de Biodiversidade, buscando-se suas consequentes efetividades. Diante do exposto neste trabalho, em suma, propõem-se um marco regulatório na esfera pública de discussão do tema, com um debate entre os analistas (dos setores produtivos, de pesquisa, etc.), utilizando de suas conclusões, técnicas, objetos, abordagens, padrões e teorias aqui apresentadas. O Brasil, com sua extensa área, ocupando quase a metade da América do Sul, rica em biomas diferentes e zonas climáticas variadas, detém imenso potencial para o uso sustentável de seus recursos naturais. Agrega-se a estas características uma costa marinha extensa, dotada também de uma variedade de ecossistemas. Estas características propiciaram ao país uma biodiversidade sem similar no planeta. Com esta imensa e rica diversidade, o país tem a vocação natural para ser grande produtor e exportador de produtos, subprodutos e partes da fauna silvestre. Mas efetivamente está longe de se beneficiar desta riqueza, explorada por tantos outros países com incentivos de seus governos, pela falta de uma política de Estado que seja capaz de implantar os conceitos previstos para a atividade e, consequentemente, gerar renda, emprego, tributos e possíveis ferramentas auxiliares de conservação imprescindíveis. De certo que um modelo de política governamental que incentive e fomente a criação ex situ com fins econômicos deve ser aplicada conjuntamente com mecanismos de monitoramento e controle capacitados. Em paralelo, uma legislação eficiente na punição de desvios legais complementaria os requisitos necessários para se promover esta forma de exploração sustentável de recursos faunísticos. Se um país não tem como implementá-la, por incapacidade de promover as condições necessárias de funcionamento desta política, deve-se perceber que tampouco terá as condições necessárias de fazer frente ao comércio ilegal ou a outros fatores de destruição da fauna nacional. 135 5 Considerações finais Ainda que possua a maior biodiversidade do planeta, o Brasil está muito aquém de usá-la e explorá-la de forma legal e sustentável. No que concerne ao aproveitamento da fauna silvestre esta situação é ainda pior, o país é qualificado como um dos maiores mercados ilegais do mundo seja qual for a atividade desenvolvida: caça, aproveitamento de peles e couros, mercado pet, alimento, uso de produtos derivados, etc. Limitações impostas por instrumentos normativos, políticas de gestões conflitantes com preceitos legais e ignorância quanto a diretrizes internacionais se aliam a um despreparo técnico evidente e a uma ausência total de interesse da gestão pública, o que justifica uma infraestrutura inexistente ou inadequada, carente de mão de obra e do mínimo necessário para o desempenho das funções. O produto desta governança ineficiente e ineficaz é o abandono da fauna à mercê de intervenções humanas marginais, causando-lhe um prejuízo inestimável e irrecuperável. Das limitações ou proibições administrativas impostas às atividades de uso das espécies da fauna silvestre, muitas carecem de embasamento técnico fundamentado. Além disto, quase sistematicamente, “desafiam” ou “negam” os fundamentos, conceitos e caminhos estudados por especialistas de todas as áreas de conhecimento da matéria e exarados em instrumentos legais que deveriam ser os provedores das bases de implantação de políticas em níveis nacionais ou regionais. Ao ignorar a demanda de mercado pelos produtos e subprodutos da fauna, a gestão pública pode colher efeitos contrários à estabilidade das populações de espécies silvestres no ambiente natural, pois os únicos meios de acesso passam a ser as atividades ilegais, que empregam ações perversas visando exclusivamente o lucro fácil. Mas não só isto, num país com comunidades rurais e urbanas extremamente carentes e sem expectativas de câmbios, em curto ou 136 médio prazo, as coletas ilegais para satisfazer as mais básicas necessidades passam a ser a única ou uma opção extra importante de renda. Contrariar um amplo leque de culturas que fazem uso da fauna, ou de seus produtos derivados, é um conceito ultrapassado e com consequências imprevisíveis. Não por outro motivo a Convenção da Diversidade Biológica tem previsão explícita sobre o tema quando emana que todos os países devem proteger e encorajar a utilização costumeira de recursos biológicos de acordo com práticas culturais tradicionais compatíveis com as exigências de conservação e utilização sustentável e não apenas proibirem este uso. Está previsto ainda que os países também devam adotar medidas econômicas e racionais que sirvam de incentivo à utilização sustentável da diversidade biológica no intuito da conservação. Mas, a contrário senso, a gestão pública de fauna tem utilizado todos os mecanismos administrativos ao seu alcance para desestimular e engessar as atividades econômicas de utilização da fauna silvestre. Contrariamente às ações práticas, o governo brasileiro vem nos últimos anos sempre se referindo ao uso dos recursos ambientais como necessários e possíveis de serem sustentáveis com a devida gestão. O PAN-BIO230, Diretrizes e Prioridades do Plano de Ação para implementação da Política Nacional da Biodiversidade (2006), da Secretaria de Biodiversidade e Florestas, do MMA, como parte da “Terceira Diretriz” do plano, prevê “implementar e fortalecer programas de domesticação, manejo e produção de espécies nativas”. Mais além, através da Resolução CONABIO nº 03, de 21 de dezembro de 2006, se prevê como metas nos itens 3.8 e 3.9: “80% de incremento na inovação e agregação de valor de novos produtos beneficiados a partir da biodiversidade” e “80% de incremento em novos usos sustentáveis da biodiversidade na medicina e alimentação resultando em produtos disponíveis no mercado”, respectivamente. Ou seja, a política formulada e orientada, ao menos legalmente, não se traduz na gestão real, normatizada pelo IBAMA (entidade do próprio MMA), o que remete à importância de uma política pública para o setor. 230 PAN-BIO, Diretrizes e Prioridades do Plano de Ação para implementação da Política Nacional da Biodiversidade, do Ministério do Meio Ambiente da Secretaria de Biodiversidade e Florestas, do Ministério do meio Ambiente. MMABrasília: MMA, 2006. 80p.: il.; 280cm. (Série Biodiversidade, 22). Disponível em: http://www.cienciamao.usp.br/tudo/exibir.php?midia=pdf& cod=_pan-biodiretrizesepriori 137 Para implementar uma política nacional de fauna é necessário reverter alguns procedimentos e criar uma estrutura diferenciada da que se tem hoje no país. O gerenciamento das atividades de uso de produtos e subprodutos de fauna requer determinadas características que estão ausentes das gestões públicas neste setor. Devemos nos concentrar nas deficiências presentes na administração pública, órgãos envolvidos com o licenciamento, fiscalização e normatização, e nos empreendedores destas atividades, pessoas físicas ou jurídicas. A correção dos aspectos gerenciais se faz necessária para garantir uma atividade saudável, que possa efetivamente dar retorno quanto aos aspectos sociais, econômicos e ambientais que envolvem todo o processo. Os três componentes principais de qualquer política são os princípios que a orientam (exarados nesta pesquisa), os instrumentos através dos quais são executados (incluindo aspectos de regulação, financiamento e política) ou as principais ações que são, ou deveriam ser, realizadas de acordo com os princípios propostos, conforme exposto nesta análise. A concepção de uma estratégia não é o trabalho de uma pessoa ou organização. Também não é uma política que pode ser promovida por tecnocratas, mas sim por um grupo de especialistas ou instituições especializadas, setor empresarial e sociedade, ou seja, deve ser um conjunto de atores que interagem e negociam, obtendo-se uma política pública que alcance todos os benefícios convergentes envolvidos. Há de se repetir o item 2, de Addis Abeba: “A utilização sustentável é uma ferramenta valiosa que permite promover a conservação da biodiversidade, já que, em muitos casos, oferece incentivos para a conservação e restauração por causa dos benefícios sociais, culturais e econômicos que a população obtém desse uso.” 138 Bibliografia ANTUNES, D. (2003). A importância do comércio legal frente ao comércio ilegal de animais silvestres. Instituto Fauna em Foco on line. Disponível em: <http://www.faunaemfoco.com.br/Fotos/ICL.pdf>, acesso em 20 nov. 2010. p. 1. ABRASE (2010) – Reprodução de animais silvestres e exóticos em domicílios particulares. 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Figura 4 - Espécies símbolos mundiais: tigre (Panthera tigris), zebra (Equus zebra) e gorila (Gorilla gorilla).......................................................... Figura 5 - Exemplos de Cervídeos e Camelídeos extensamente criados: Cervo dama (Dama dama) e a vicunha (Vicugna vicugna)............................ Figura 6 - Espécies com potencial de uso: jibóia (Boa constrictor), jacaré negro (Melanosucus Níger), flamingo (Phoenicopterus chilensis) e arara azul grande (Anodorhynchus hyacinthinus).................................................... Figura 7 – Outras espécies brasileiras com potencial econômico.................. Figura 8 - Jacaretinga (Caymam yacare) e teiú (Tupinambis merianae)........ Figura 9 – Espécies para produção de carne, plumas, pele e couro: porco do mato (Tayassu tajacu), ema (Rhea americana), capivara (Hidrochoerus hidrochoeris), paca (Agouti paca) e veado (Mazama americana)................. Figura 10 - Espécies venenosas brasileiras com potencial econômico para a indústria e pesquisa farmacêutica: como a aranha marrom (Loxoscelis similis) e a cascavel (Crotalus durissimus)..................................................... Figura 11 - Felinos brasileiros podem ter aproveitamento econômico, com taxas e usos selecionados: o puma (Panthera concolor) e a jaguatirica (Felis pardalis)................................................................................................ Figura 12 - Espécies para o mercado pet........................................................ Figura 13 - Ararajuba (Guaruba guarouba), App. I da CITES...................... Figura 14 - Aves de utilização econômica múltiplas...................................... Figura 15 – Centros de Triagem do IBAMA (CETAS).................................. Figura 16 – Fazendas de criação de crocodilianos......................................... Figura 17 – Criadouro Passaredo – Rio de Janeiro......................................... Figura 18 - Tecnologia aliada às condições climáticas................................... 149 149 150 150 151 151 152 152 153 153 154 154 155 155 156 156 156 157 149 231 Fig.1: Arara azul de Lear (Anodorhynchus leari) , população silvestre diminuta, aliada ao status de criticamente ameaçada (IUCN, 1994, App. I CITES), indicam a exclusão da espécies para uso comercial. 232 Fig. 2: Ganso do Havaí (Branta sandvicensis) , listado no App. I da CITES e endêmico 233 do Havaí é encontrado em todo mundo em função da criação em cativeiro . 231 Foto autor da tese (Criadouro Ernane’s Jungle – Rio de Janeiro, 2002) Idem, Criadouro Maná – Buzios, 2008. 233 O ganso do Havaí é um exemplo do suporte da criação ex situ para os programas de conservação in situ. Seu status e dados podem ser consultados no Audubon WatchList. Disponível em: http://audubon2.org/watchlist/viewSpecies.jsp?id=100 232 150 234 Fig. 3: Harpia (Harpia harpyja) , espécie símbolo das Américas do Sul e Central, vem sendo criada com sucesso em cativeiro no Brasil. Uso econômico pode ser para instituições zoológicas e de pesquisa. 235 236 Fig. 4: Espécies símbolos mundiais: tigre (Panthera tigris) , zebra (Equus zebra) e 237 gorila (Gorilla gorilla) . Estas sofrem pressões contra uso comercial, mas a China segue com a criação de tigre para aproveitamento econômico. 234 Foto autor da tese (Criadouro Brasília – DF, 2006) Foto Filipe Torres (RioZoo, 1998) 236 Foto autor da tese (Natura Park, Mallorca – Espanha, 2006) 237 Idem. (Loroparque, Tenerife – Espanha, 2006) 235 151 Fig. 5: Cervídeos e camelídeos são extensamente criados no mundo, a exceção do 238 239 Brasil. Acima o cervo dama (Dama dama) e a vicunha (Vicugna vicugna) . Fig. 6: Incentivo ao uso comercial de espécies da fauna é previsão da CITES e da CDB. Uso de espécies brasileiras para produção de couro, como jibóia (Boa constrictor – alto à 240 241 esquerda) e jacaré negro (Melanosucus niger – abaixo à esquerda) , para produção 242 de animal para ornamentação, flamingo (Phoenicopterus chilensis – alto à direita) e para o mercado pet, como a arara azul (Anodorhynchus hyacinthinus – abaixo à 243 direita) necessitam incentivo e regulamentação compatível. 238 Foto autor da tese (Criadouro Maná, Búzios – Rio de Janeiro, 2006) Idem, (Zoológico de Lima – Perú, 2007) 240 Idem, (WTC, Rio de Janeiro, 2005) 241 Foto Filipe Torres (RioZoo, 2002) 242 Foto autor da tese (Parque das Aves, Foz do Iguaçú – Brasil, 2006) 243 Foto Márcia Weinzttl (Criadouro Free Power, Rio de Janeiro, 2008) 239 152 Fig. 7: Espécies brasileiras têm potencial econômico, mas devem ser estudadas: onça 244 245 (Panthera onca) e macaco aranha (Ateles paniscus) são raros e devem ser somente 246 para programas de conservação, já a arara macao (Ara macao) e o jacaré papo 247 amarelo (Caymam latirostris) , Apps. I da CITES, devem ser estimulados. 248 Fig. 8 : A jacaretinga (Caymam yacare) e o teiú (Tupinambis merianae) possuem grande potencial para a produção de couro. O teiú, assim como o jacaré negro (Melanosuchus níger), não têm previsão legal. 244 Foto autor da tese (Zoo Brasília – DF, 2006) Foto Filipe Torres (RioZoo, Rio de Janeiro, 2004) 246 Foto Gabriela Santos (Criadouro Passaredo, Rio de Janeiro, 2007) 247 Foto autor da tese (RioZoo, Rio de Janeiro, 2002) 248 Foto Filipe Torres (RioZoo, 2004) 245 153 249 Fig. 9 : Produção de carne, plumas, pele e couro encontram potencial no porco do mato (Tayassu tajacu), ema (Rhea americana), capivara (Hidrochoerus hidrochoeris), paca (Agouti paca) e veado mateiro (Mazama americana). 250 Fig. 10 : Espécies venenosas brasileiras têm importante potencial econômico para a indústria e pesquisa farmacêutica, como a aranha marrom (Loxoscelis similis) e a cascavel (Crotalus durissimus). 249 250 Idem Fotos cedidas pela WIT (Arquivo) 154 Fig. 11: Felinos brasileiros podem ter aproveitamento econômico, com taxas e usos 251 252 selecionados, caso do puma (Panthera concolor) e da Jaguatirica (Felis pardalis) . Fig. 12: Espécies para o mercado pet, um dos usos de maior crescimento no Brasil e no mundo, são centenas no Brasil, apesar de haver cada vez mais restrições pelo IBAMA, em contra senso as políticas internacionais. Na foto alguns exemplos, sentido horário, 253 254 tucano toco (Ramphastos toco) , loro baiano (Amazona aestiva) , saíra (Tangara 255 256 257 e seledon) , jabuti (Geochelone carbonaria) , tié sangue (Ramphocelus bresilus) 258 tucano bico verde (Ramphastos dicolorus) . 251 Foto autor da tese (Criadouro Ernane’s Jungle, Rio de Janeiro, 2001) Foto Horácio Ernane (1994) 253 Foto Gabriela Santos (Criadouro Passaredo, Rio de Janeiro, 2008) 254 Idem 255 Foto autor da tese (Bird’s & co., Rio de Janeiro, 2008) 256 Idem (Bird’s & co., Rio de Janeiro, 2009) 257 Foto Arquivos WTC (Rio de Janeiro, 2003) 258 Foto autor da tese (Parque das Aves, Foz do Iguaçú, 2006) 252 155 259 Fig. 13: A ararajuba (Guarouba guarouba) , listada no App.I da CITES, é uma ave profícua em cativeiro. Só no Rio de Janeiro foram criados mais de 150 espécimes em 2009. O estoque cativo dos criadouros comerciais é mais que suficiente para um projeto de reintrodução. O IBAMA quer proibir a criação comercial, mas já há criadouros no exterior registrados na CITES para a venda da espécie, com aval do Brasil. Fig. 14: As aves podem ter utilização econômica múltipla. Em diversos países são criadas para ornamentação, uso de plumas, conservação, pet e alimento. Como 260 261 exemplos: o flamingo (Phoenicopterus minor) , goura (Goura cristata) , avutarda (Otis 262 263 tarda) e faisão teminck (Syrmaticus teminckii) . 259 Foto, acima à esquerda, do autor da tese (Criadouro WBR, Rio de Janeiro, 2008), fotos de Márcia Weinzttl, acima à direita e abaixo à esquerda (Criadouro Rostam, Nova Friburgo – Brasil, 2008) e, abaixo à direita, foto de Gabriela Santos (Criadouro Passaredo, Rio de Janeiro, 2007). 260 Foto autor da tese (Temaiken, Buenos Ayres – Argentina, 2005) 261 Foto Aviornis France (Cádiz – Espanha, 2010) 262 Idem 263 Foto WIT Arquivos (WIT, Rio de Janeiro, 1998) 156 Fig. 15: Centros de triagem do IBAMA: carência de infraestrutura e excesso de animais confiscados do mercado ilegal os tornam caóticos. 264 Fig. 16 : Setor privado investiu em grandes estruturas no Brasil, mas protestam contra a insegurança jurídica. 265 Fig. 17 : Estabelecimentos bem estruturados e tecnologia de ponta na reprodução garantem renda, emprego e tributos ao país. 264 Fotos Arquivo ABRASE Fotos autor da tese (Criadouro Passaredo, Rio de Janeiro e Criadouro Free Power, Rio de Janeiro, 2009) 265 157 266 Fig. 18 : Tecnologia aliada a condições climáticas perfeitas podem fazer do país um dos maiores produtores de animais silvestres no mundo, dependendo somente de uma política pública com normas claras e excelência de governança. 266 Fotos Márcia Weinzttl (Criadouro Papagaios Urbanos, Rio de Janeiro – 2009)
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