Como lidar com as novas tecnologias

Transcrição

Como lidar com as novas tecnologias
A criança e a mídia – Como lidar com as novas tecnologias
Objetivos
Como tratar a tecnologia na educação dos filhos; Como lidar com o
excesso de exposição das crianças às novas mídias; Como conduzir a
educação dos filhos diante das novas mídias e tecnologias; Como a
Doutrina Espírita pode colaborar.
1. Meios Eletrônicos e Educação -
pág. 2
Uma visão alternativa
Valdemar W. Setzer
2. Textos com abordagens doutrinárias e filosóficas
pág. 12
3. Bilbioteca Virtual da Antroposofia
pág 17
Artigos selecionados - http://www.antroposofy.com.br
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Meios Eletrônicos e Educação:
Uma visão alternativa
Valdemar W. Setzer
São Paulo: Ed. Escrituras, Coleção "Ensaios Transversais", Vol. 10, 2001, 288 pgs.
ÍNDICE
Introdução
1. Os meios eletrônicos e a educação: televisão, jogo eletrônico e
computador
2. TV e violência: um casamento perfeito
3. Os riscos dos jogos eletrônicos nas idades infantil e juvenil
4. Computadores na educação: por quê, quando e como
5. Uma revisão de argumentos a favor do uso de computadores na educação
elementar
6. O computador com instrumento de anti-arte
7. A censura e outras questões da Internet
8. A miséria da computação
9. Homens, mulheres e computadores
10. A missão da tecnologia
11. Dado, informação, conhecimento e competência
Bibliografia, com 93 itens; nos textos, as referências citam a página quando se
trata de livro.
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OS MEIOS ELETRÔNICOS E A EDUCAÇÃO:
Televisão, jogo eletrônico e computador
Valdemar W. Setzer
[email protected] - www.ime.usp.br/~vwsetzer
1. Introdução
Este artigo foi escrito originalmente em espanhol como texto para um workshop realizado no Festival IDRIART La
Educación Encerra un Tesoro, realizado em San Salvador, em março de 1998 (ver essa versão em meu site). Ele foi
traduzido para o português por Ana Vieira Pereira e revisto e ampliado por mim. É o primeiro artigo de meu livro
sobre meios eletrônicos e educação [Setzer, 2001, p. 15-39].
Neste ensaio descrevo brevemente, de um ponto de vista fenomenológico, os aparelhos de televisão, videogame
e computador e a atitude daqueles que os usam. Em seguida, abordo o seu impacto no âmbito educacional. A
abordagem conjunta dos três meios permite uma interessante comparação entre eles com relação à sua influência
nos seus usuários, percebendo-se que cada um atua primordialmente numa região da atividade interior das pessoas.
Artigos publicados em [Setzer, 2001] expandem ou especializam as considerações sobre cada um dos aparelhos (ver
também artigos em meu site). As minhas considerações estão baseadas na Pedagogia Waldorf [Lanz, 1998],
introduzida por Rudolf Steiner em 1919 e utilizada em mais de 800 escolas espalhadas pelo mundo.
2. A televisão
2.1 O aparelho
A televisão é um aparelho baseado num tubo de raios catódicos. Nele, um filamento é aquecido, formando à sua
volta o que se chama de "nuvem de elétrons". Uma diferença muito grande de potencial elétrico (no caso de uma TV
a cores, 25.000V) entre o filamento e a tela metalizada arranca os elétrons dessa nuvem, que deixam o filamento sob
a forma de um feixe e encontram a tela; é no ponto de contato com ela que o fósforo da tela emite luz. O feixe é
deslocado magneticamente, fazendo o que se chama de "varredura" (scanning), um caminho na tela por linha primeiro as linhas ímpares, depois as pares, diminuindo-se assim o efeito de piscar (flickering). É interessante notar
que a imagem nunca se encontra completa na tela, pois, quando o feixe volta para um ponto por onde já passou, este
deve estar completamente "apagado", senão haveria sobreposição e a imagem deixaria de ser nítida. Assim, a
imagem é formada de fato na retina, pela sua retenção luminosa, contrariamente a objetos observados pela visão.
Uma variação na intensidade do raio produz pontos mais ou menos luminosos. No caso da TV a cores, há uma
máscara com sequências de três pontos vizinhos: vermelho, verde e azul; a combinação de diferentes intensidades
do feixe em cada elemento de um conjunto desses três pontos produz no telespectador uma ilusão de cores. Cada
imagem é formada 30 vezes por segundo, dividida em linhas formadas sequencialmente por meio de pontos. No
cinema, as imagens são formadas por quadros completos (24 por segundo) e não por linhas de pontos.
A imagem é muito grosseira: são cerca de 300.000 pontos - só para efeito de comparação, a retina tem cerca de
150 milhões de células sensíveis à luz. Assim, não é possível distinguir-se a expressão de uma pessoa se ela está
focada por inteiro. Por isso nas novelas e nos telejornais somente o rosto é focado - como será visto adiante, a
expressão da pessoa é fundamental na transmissão. Compare-se também nossa acuidade visual ao olharmos uma
árvore a certa distância, vendo-se nitidamente as folhas; se ela é focalizada pela câmera de TV por inteiro, as folhas
não podem ser distinguidas na tela.
Como no cinema, a televisão pode ser caracterizada como um sistema de imagens consecutivas, dando a
impressão de movimento, com som sincronizado. Diferenças fundamentais são os fatos de que o aparelho é muito
pequeno, e a tela de cinema é grande (o que exige movimentação dos olhos), e a imagem do cinema é muitíssimo
mais fina e projetada por inteiro.
2.2 O telespectador
O telespectador está fisicamente inativo. Dos seus sentidos, trabalham somente a visão e a audição, mas de
maneira extremamente parcial - por exemplo, os olhos praticamente não se mexem [Mander, 1978, p. 165]. De fato, a
região de maior nitidez da retina, a fóvea, determina um cone de 2 graus de abertura total (dentre os 200 graus
abrangidos pela visão, experimente-se com os braços abertos), e o aparelho a uma distância normal cobre 6 graus
[Patzlaff, 2000, p. 25]. Daí a fixidez do olhar do telespectador, isto é, os músculos do olho ficam quase inativos. A
imagem não se torna mais nítida se o telespectador aproximar-se da tela, contrariamente aos objetos comuns. Ao
invés disso, começa-se a ver os pontos que compõem a imagem. A distância do aparelho é constante, portanto não
existe necessidade de acomodação (convergência dos eixos ópticos e grossura do cristalino), a luminosidade
também é praticamente constante, por conseguinte a pupila não muda de abertura, etc.
Os pensamentos estão praticamente inativos: não há tempo para raciocínio consciente e para fazer as
associações mentais, já que os dois são muito lentos. Isso ficou provado nas poucas pesquisas de efeitos
neurofisiológicos da TV [Krugman, 1971, Emery&Emery, 1976, Walker, 1980]: o eletroencefalograma e a falta de
movimento dos olhos de uma pessoa vendo televisão indicam um estado de desatenção, de sonolência, de semi-
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hipnose (normalmente qualquer telespectador entra nesse estado num tempo de meio minuto). Jane Healy justifica
esse estado mental como uma reação neurológica aos estímulos visuais exagerados e contínuos [1990, p. 174]. O
piscar da imagem, o ambiente em penumbra e a passividade física do telespectador, especialmente seu olhar fixo,
fazem com que o cenário seja semelhante a uma sessão de hipnose.
Ainda há a atividade interior dos sentimentos. É praticamente a única atividade externa e interna do espectador.
Por isso os programas tentam sempre causar um impacto nos sentimentos: novelas com conflitos pessoais
profundos, esportes perigosos e cheios de ação e a tão falada violência.
Tudo isso significa que o telespectador está num estado de consciência que têm os animais quando não são
atraídos por uma atividade exterior como caçar, prestar atenção em um possível perigo, procurar alimento, etc.
O estado de sonolência do telespectador é muito conhecido entre os diretores de imagem. Por isso eles sempre
produzem imagens que mudam constantemente: se uma imagem ficasse parada, todos adormeceriam. Jerry Mander
disse que nos Estados Unidos as imagens mudam numa média de 8 a 10 por minuto, no que ele denominou de
"efeitos técnicos", aí contados efeitos zoom, mudança de câmera, superposição de imagens, aparecimento de
palavras na tela, e mesmo mudança não-natural de voz [Mander, 1978, p. 303]. Em transmissão de propaganda, ele
detectou 10 a 15 efeitos técnicos. Neil Postman, em seu extraordinário livro sobre TV e discurso público, traz uma
razão de 3,5 segundos por tomada de imagem [Postman, 1986, p. 86]. Hoje em dia, na TV brasileira, essas
mudanças são muito mais rápidas, como eu pude constatar. Essa mudança constante de imagens e a excitação
necessária dos sentimentos (recursos usados para impedir que o telespectador passe do estado de sonolência para
o de sono profundo) fazem com que tudo o que a televisão transmite seja transformado em um show. Postman
chama a atenção para o fato de que, com isso, quase tudo na vida se transformou num show: a política, a religião, a
educação, etc. [p. 87, 114, 125, 142]. As pessoas acostumaram-se de tal forma com a apresentação em formato de
show da TV que não aceitam nem aguentam outras formas de atividade cultural, mais simples e calmas, tendo a
impressão de que são aborrecidas.
Na leitura, é preciso produzir uma intensa atividade interior: num romance, imaginar o ambiente e os
personagens; num texto filosófico ou científico, associar constantemente os conceitos descritos. A TV, pelo contrário,
não exige nenhuma atividade mental: as imagens chegam prontas, não há nada para associar. Não há possibilidade
de pensar sobre o que está sendo transmitido, porque as velocidades das mudanças de imagem, de som e de
assunto impedem que o telespectador se concentre e acompanhe a transmissão conscientemente.
2.3 A TV e a educação
De tudo o que foi visto, pode-se concluir que a TV não tem praticamente nenhum efeito educativo. Educação é um
processo muito lento (o que se aprende de forma instantânea não tem valor profundo) e deve acompanhar o
processo global da criança ou do jovem, mas na TV tudo é rápido pela necessidade do aparelho. A educação é um
processo de caráter contextual (o professor leva em conta o que foi dado no dia ou na semana anterior e, em
métodos de educação integrada, como na Pedagogia Waldorf, os professores sabem o que os outros professores da
mesma turma estão fazendo e conhecem individualmente muito bem os seus alunos), mas a TV, como meio de
comunicação de massa, está quase sempre totalmente fora do contexto do espectador.
O ponto mais negativo, porém, da televisão com relação à educação é que esta exige atenção e atividade do
estudante, sobretudo quando se pensa que a educação deveria ter como uma das suas principais metas desenvolver
nas crianças e nos jovens a capacidade de imaginar e de criar mentalmente. Mas a televisão faz exatamente o
contrário: o constante bombardeio de milhões de imagens faz com que o telespectador perca a habilidade de
imaginar e criar. Isso é principalmente preocupante com crianças e jovens, que estão desenvolvendo essas
habilidades (num adulto que as tenha, a perda parcial pode ser lamentável, mas muito pior é nunca chegar a
desenvolvê-las).
Pode-se concluir que a televisão pode ser empregada como meio de condicionamento, mas não de educação. Por
isso, como notou Jerry Mander no livro já citado, existe um casamento perfeito entre TV e propaganda [Mander 1978,
p. 134]: para esta, o estado ideal do consumidor é o de absoluta semi-consciência, porque assim não existe a crítica
(a propaganda é a arte de convencer pessoas a consumir aquilo que não precisam, o que tem preço maior ou
qualidade inferior). Em 2000, foram gastos no Brasil R$12,9 bilhões em propaganda, sendo que 63,5% foram para a
TV [Betting, 2001] - por que funciona! Mander cita que nos Estados Unidos o gasto com propaganda na TV na
década de 70 era de 60% [Mander, 1978, p. 134]. Marie Winn e Fred e Merrelyn Emery, mostram que a televisão não
tem um efeito educativo [Winn, 1979, p. 59, Emery&Emery, 1976, p. 107]. O que ela tem é um efeito condicionador
de ações e de imagens interiores.
Assim, a televisão representa em muitos aspectos a antítese da educação. Deve ser somente empregada na
educação como ilustração, com vídeos de curta duração, para que o professor possa repetir imagens e discutir com
os seus alunos o que eles viram, de preferência somente no ensino médio ou na universidade.
3. Os jogos eletrônicos
3.1 O aparelho
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Vou considerar aqui somente o jogo eletrônico mais típico: aquele que exige velocidade do indivíduo que joga
contra a máquina e ganha pontuação quando acerta determinadas ações, o que denomino de jogos tipo "combate".
O aparelho consiste numa tela (grande como um monitor de computador ou TV, ou até mesmo uma tela bem
pequena de jogo portátil), um computador e um meio de comunicação entre o jogador e o computador - um teclado,
um joystick ou uma pistola que detecte luminosamente a posição apontada por ela na tela.
A tela exibe uma figura em movimento; o jogador tem de fazer alguma ação com seus dedos, como pressionar
algumas teclas; o computador detecta que teclas foram pressionadas e produz uma modificação na imagem da tela;
e assim por diante.
Como será visto adiante, o computador é uma máquina determinista. Isso tem como consequência que, se há
alguma imagem na tela e o jogador pressiona determinada tecla, a mudança de imagem do joguinho será sempre a
mesma. Pode-se introduzir algum efeito aleatório, mas tem de ser sempre pré-determinado entre uma coleção de
ações pré-programadas.
2.2 O jogador
Diferente do que acontece com a televisão, o conjunto jogo-jogador é um circuito fechado, ou seja, o que
acontece na tela - o que a máquina faz , depende parcialmente das ações do jogador. Assim, o jogador não está
fisicamente passivo. Mas a sua atividade é muito limitada: usando um teclado, somente os seus dedos se movem
com muita rapidez e as suas mãos praticamente nem se movem; com um joystick, em geral somente uma das mãos
faz pequenos movimentos.
Como na TV, a visão e a audição (quando há sons) estão parcialmente ativas, mas no jogo eletrônico ainda existe
uma pequena atividade do sentido do tato e, para utilizar a classificação dos 12 sentidos introduzida por Rudolf
Steiner [Setzer, S.A.L., 2000], o sentido sinestésico, de movimento, também está parcialmente ativo. Esses dois,
todavia, assim como a visão e a audição, atuam de maneira extremamente limitada: as teclas não exigem uma
diferenciação táctil e o movimento é sempre o mesmo.
Há ainda uma outra semelhança com a TV: o pensamento não está ativo. Como no jogo típico os pontos que o
jogador ganha dependem da velocidade da sua reação, e como o pensamento consciente é muito lento, o jogador
precisa reagir sem pensar. Na TV, o telespectador estava passivo sem pensar; no jogo eletrônico, o jogador está
ativo num espaço extremamente limitado de movimentos, mas também sem pensar. Em outras palavras, os jogos
impõem ações automáticas. Com isso, torna-se muito claro por que crianças têm mais facilidade e mais sucessos
com essas máquinas: elas não têm ainda o seu pensamento e a sua consciência tão desenvolvidos como os adultos;
esse desenvolvimento torna mais difícil a eliminação do pensamento quando é preciso exercitar uma ação.
Finalmente, como na TV, os sentimentos estão ativos, mas são aquilo que eu chamo de "sentimento de desafio" e
são o que o que atrai o jogador. Em ambos os casos eles são artificiais, ou seja, não têm relação com a realidade da
natureza e são incentivados desde o exterior. Compare-se com sentimentos despertados por leitura de um romance:
eles são baseados em uma criação interior (a imagem do personagem ou da situação). Ou com a visão de uma
pessoa alegre ou sofrendo, em que existe a realidade da alegria ou do sofrimento alheios. No caso do jogo, o
sentimento é enfrentar o desafio, ganhar da máquina.
É interessante notar que reações automáticas são características de animais e não de seres humanos adultos.
Em geral, o ser humano pensa antes de fazer algo, examinando, por meio de representações mentais, as
consequências de seus atos. Por exemplo, suponha-se que um homem veja na rua uma mulher muito bonita e tenha
vontade de beijá-la. Normalmente ele não faria isso, porque pensaria que ela talvez não gostasse, pudesse gritar e aí
ele ficaria numa posição no mínimo desconfortável. E, assim pensando, não age segundo os seus impulsos. A
mesma coisa não acontece com os animais: eles agem movidos pelos seus impulsos e pelo condicionamento
imposto pelo meio ambiente. Um animal não pensa nas consequências dos seus atos. Por isso pode dizer-se que o
jogo eletrônico, por um lado, "animaliza" o jogador.
Por outro lado, como o jogo impõe pequenas ações motoras automáticas e essas ações são mecânicas,
"maquiniza" o ser humano. É fácil perceber que, se o jogador fosse substituído por uma máquina, com uma câmara
para detectar as mudanças na tela e um computador para planejar e efetuar as ações, ela jogaria muito melhor do
que qualquer ser humano. Em outras palavras, pode dizer-se que o jogador está sendo reduzido a uma máquina de
detectar pequenos e limitados impulsos visuais e fazer pequenos e limitados movimentos com os seus dedos.
3.3 O jogo eletrônico e a educação
Um dos mais importantes objetivos da educação é desenvolver lentamente a capacidade de tomar atitudes
conscientes. Como foi visto, os animais agem sempre seguindo seus instintos e condicionamento, mas seres
humanos não. Os jogos eletrônicos vão contra esse objetivo da educação e produzem, como vimos, uma
"animalização" do ser humano; isso é contrário a um dos objetivos supremos da educação, que é tornar o jovem mais
humano e menos animal.
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Como no caso da TV, não há contexto no jogo. Todos os jogadores são tratados da mesma forma. Dessa
maneira, o jogo vai contra o ideal da educação de produzir indivíduos diferenciados. Por outro lado, os jogos
condicionam o jogador a executar os movimentos limitados, que o fazem ganhar mais pontos. Um dos ideais da
educação deveria ser formar indivíduos que possam agir em liberdade, procurando atingir as metas que eles mesmos
se propõem, e não agir de maneira condicionada.
O jogador aprende a fazer algo muito especializado. Mas o que aprendeu somente se aplica no jogo, não pode
ser utilizado na vida prática diária. No entanto, numa situação de emergência, de estresse, de consciência abafada, o
jogador pode reagir como fazia no jogo, mas tratando o real como artificial, o que é um grande perigo, pois são duas
coisas completamente diferentes. Nesse sentido ele é muito pior do que a TV. Esta grava no subconsciente do
telespectador todas as imagens e situações vistas; o jogo eletrônico, além dessa gravação, ainda treina o jogador a
executar certas ações. No artigo sobre jogos eletrônicos de meu livro sobre meios eletrônicos e educação [Setzer,
2001], cito tragédias ocorridas em escolas americanas, em que o condicionamento e o treinamento promovido por
eles provocaram ações violentas, trágicas, executadas por jovens jogadores. Estes agiram como animais ou, pior
ainda, como máquinas, com fantástica precisão e sem nenhuma compaixão. Isso não significa que todos os
jogadores de jogos violentos (95% de todos os jogos) sairão dando tiros por aí; mas em situações de emergência ou
de estresse podem reagir como foram condicionados pelos jogos. De qualquer modo, todas as vivências do ser
humano ficam gravadas no seu consciente ou subconsciente, de modo que todo esse lixo de imagens e ações
violentes acaba forçosamente por influenciar o modo de pensar e o comportamento dos jogadores.
Assim, o jogo eletrônico também não tem efeito educativo. Pelo contrário, prejudica a educação e deseduca.
4. O computador
4.1 O aparelho
O computador é uma máquina completamente diferente de todas as outras. Estas servem para transformar,
transportar ou armazenar energia ou matéria, como um torno que transforma matéria; um carro, que transporta
pessoas (matéria); uma bateria, que armazena energia elétrica. O computador não faz nada disso: ele transforma,
transporta e armazena dados, que são representações simbólicas quantificadas ou quantificáveis e não devem ser
confundidos com informações. Estas devem ter sempre um significado para quem as recebe, e podem não ser
transmitidas sob forma de dados como, por exemplo, a sensação de calor ou de frio (ver o artigo "Dados, informação,
conhecimento e competência" em [Setzer, 2001] e em meu site). Aquela quantificação é essencial para os dados
poderem ser introduzidos em um computador, onde tudo deve necessariamente estar quantificado. Note-se que
programas também são dados.
Dados não têm consistência física, são produtos do nosso pensar. (Foi justamente o fato de os dados não serem
físicos que levou à redução do tamanho dos computadores. Não se pode reduzir o tamanho dos tornos ou dos
carros, porque devem estar de acordo com a matéria física que vão transformar ou transportar.)
O computador é uma máquina de simular pensamentos restritos. O programa que ele executa consiste em
pensamentos, que são as instruções ou comandos. A execução do programa simula os pensamentos que o
programador elaborou para processar os dados, que também foram pensados. Não é correto dizer que o computador
pensa, visto que as instruções são pensamentos altamente restritos e limitados às ações que a máquina pode
executar. O pensamento humano contém infinitamente mais que o que é utilizado para simular a execução de um
programa. Além disso, o computador segue cega e inexoravelmente as instruções de um programa, de modo que ele
não pode ter a criatividade de nosso pensamento, fora o fato de obviamente não ter sentimentos. Normalmente os
sentimentos sempre acompanham e influenciam os pensamentos e vice-versa.
As instruções ou comandos - mesmo os icônicos - de uma linguagem de programação ou de um software
qualquer são entes matemáticos, pois podem ser descritos totalmente de maneira formal, por meio de construções
matemáticas. As outras máquinas, que trabalham com matéria ou energia, não estão sujeitas a uma descrição
totalmente matemática, somente uma muito aproximada. Isso porque que não se sabe o que é a matéria: não há um
modelo matemático exato para ela (é interessante notar que há bons modelos, aproximados, na mecânica quântica,
somente para átomos muito simples). Como os dados são símbolos formais, pode dizer-se que a matemática dos
computadores é lógico-simbólica. E, dentro da matemática lógico-simbólica, há ainda uma outra restrição: ela deve
ser algorítmica. Assim, os programas devem ser compostos de instruções matematicamente bem definidas numa
Matemática discreta, e devem terminar a sua execução para qualquer dado de entrada. Além disso, a sequência das
instruções é absolutamente fundamental (ao contrário de muitas formulações matemáticas, por exemplo, a
axiomática).
Dessa forma, o computador pode ser caracterizado como uma máquina abstrata, matemática (do tipo algorítmico).
As máquinas que não são computadores são, ao contrário, concretas. Tudo o que acontece no computador não tem
nada a ver com a realidade, a menos que ele controle outra máquina. Por isso, ele representa tudo de uma maneira
virtual, ou seja, mental.
Existe uma outra característica muito importante, que o computador tem em comum com muitas outras máquinas
como, por exemplo, uma máquina de lavar roupa: o seu funcionamento pode ser autônomo. Um programa pode fazer
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muito processamento de dados sem nenhuma intervenção do operador. De fato, quando um usuário dá um comando
a um computador ou ativa um ícone, por exemplo num editor de textos usando um comando para alinhar
verticalmente um parágrafo, a máquina executa uma quantidade enorme de instruções de forma autônoma. Nesse
exemplo, uma quantidade de cálculos matemáticos e manipulações de símbolos: as palavras podem ser juntadas no
lado esquerdo (movimentando cada caractere para uma linha em branco) deixando o espaço mínimo entre cada duas
palavras; o número de palavras em cada linha é contado; o número de espaços em branco que sobraram à direita é
dividido pelo número de palavras da linha menos um; finalmente um número de espaços em branco igual a esse
quociente é inserido entre cada duas palavras, que vão sendo deslocadas para a direita.
No entanto, contrariamente a outras máquinas autônomas, o computador não tem uma função específica: sua
função depende do programa que nele é introduzido.
Finalmente, uma característica fundamental dos computadores é que são máquinas deterministas. Isso quer dizer
que, se a máquina está num certo estado (e seus estados possíveis são sempre finitos e discretos, quer dizer, não há
uma transição contínua entre cada dois estados possíveis), e uma instrução é executada (ou dá-se-lhe um comando
como pressionar uma tecla ou uma combinação de teclas, ou até mesmo acionar um ícone numa linguagem icônica,
no exemplo de alinhar o texto verticalmente), a máquina vai sempre mudar para o mesmo estado. Se há algo
determinado exibido na tela, e a máquina está parada esperando alguma ação do usuário, se este executa uma certa
ação com a máquina, a tela vai mudar sempre da mesma maneira.
Todas as máquinas que não são computadores (para ser mais precisos, isso deveria ser generalizado para
máquinas "não-digitais") não são deterministas: não se pode prever com exatidão matemática o resultado de uma
ação. Por exemplo, um torno. Mesmo que seja automático, produz um eixo com um diâmetro sempre aproximado
como, por exemplo, até 0,05 cm a mais ou a menos.
Há muitas outras características próprias dos computadores, mas o que foi exposto é o essencial para
considerações do ponto de vista educacional.
4.2 O usuário
Quando se examina a atitude do usuário de computador, vê-se que ele, como no jogo eletrônico, faz parte de um
circuito fechado. Também ele olha para uma tela e faz pequenos movimentos com seus dedos - talvez um pouco
maiores que no jogo, mas ainda assim bem limitados, mecânicos. Quando utiliza o mouse, necessita de um pouco
mais de coordenação motora e sensibilidade, mas estas também são muito restritas e pobres em comparação com,
por exemplo, agarrar uma bola, tocar um instrumento musical, etc. Ao contrário do que acontece com o jogo
eletrônico, não há, em geral, necessidade de fazer movimentos bruscos e rápidos. Mas percebe-se que o usuário
também está, de certa forma, preso à máquina, muitas vezes num estado que vou chamar de "estado do usuário
obsessivo". Esta obsessão faz com que o usuário fique durante horas diante do computador, muitas vezes
esquecendo-se da sua vida pessoal, das suas obrigações e necessidades. De onde vem essa obsessão tão típica
dos usuários de computadores?
Vimos que o computador é uma máquina automática, abstrata e determinista. Isso faz com que o usuário tenha
certeza de que o comando pensado e dado à máquina vai ser executado por ela conforme previsto. Muitas vezes,
isso não acontece: o comando não é adequado ou existe algum erro no programa. Nesse momento, ocorre uma
frustração no usuário, que é diferente de todas as outras frustrações experimentadas pelas pessoas em suas vidas.
Por exemplo, um jogo de tênis. Quando o jogador erra um serviço, ele se frustra; mas não sabe se o próximo serviço
vai estar certo, fazendo a bola cair naquele maldito pequeno retângulo do outro lado da rede. Mas com o computador
tem-se a certeza absoluta de que existe um comando ou uma combinação de comandos que executam a operação
desejada. Enquanto não descobre que comando ou combinação são esses, a pessoa é tomada por um estado
obsessivo de excitação puramente intelectual - lembremo-nos de que a máquina é abstrata, funcionando ao nível
mental; não há uma restrição de coordenação motora inconsciente, como no tênis ou outro jogo de bola.
Por ser uma máquina abstrata, matemática, o usuário é levado a empregar uma linguagem de comandos que
também é matemática, lógica-simbólica. Poder-se-ia argumentar que ele está empregando símbolos e formas de
maneira completamente diferente dos da matemática usual; mas não deixa de ser um formalismo matemático.
Atenção: não me refiro aqui à digitação de um texto - que também envolve um formalismo, já que cada tecla produz
sempre a mesma letra da mesma forma -, mas ao ato de emitir qualquer comando, como o de alinhar um texto
verticalmente, ou salvar e imprimir o texto, etc. Pode-se digitar ou datilografar um texto sem praticamente pensar,
nem mesmo no que ele significa. Isso é impossível no computador: seria como fazer cálculos sem prestar atenção - o
resultado seria completamente errado. Qualquer comando recebido pelo computador produz uma ação matemática
dentro da máquina. Dessa forma, pode-se dizer que o computador impõe o uso de uma linguagem matemática
puramente formal.
É importante enfatizar a questão do pensamento. Para se usar um computador, é necessário dar-lhe comandos,
em absolutamente qualquer software. Como foi visto, esses comandos ativam funções matemáticas (de cálculo ou de
manipulação de símbolos) dentro da máquina. Ao dar comandos à máquina - mesmo acionando ícones -, o usuário é
obrigado a pensar conscientemente neles. Em outras palavras, a máquina força o usuário a formular pensamentos
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com formalismo análogo ao matemático, que podem ser introduzidos dentro dela e por ela interpretados, o que
chamo de "pensamentos maquinais".
Uma consequência sobre o usuário é que este é induzido a agir de maneira indisciplinada. De fato, como o
espaço de trabalho é puramente mental, pode-se fazer de tudo, sem consequências diretas no mundo real. Isso não
ocorre quando se guiar um automóvel ou se operar um torno. Além disso, tudo pode ser corrigido, de maneira que
não é preciso seguir-se uma disciplina para fazer coisas corretas ou bem feitas, esteticamente bonitas. Por exemplo,
uma pessoa que escreve uma carta à mão tem de exercitar uma tremenda disciplina mental, para que não seja
necessário corrigir o que foi escrito (muitas correções deixariam o texto borrado, feio; outras seriam impossíveis,
como mudar um parágrafo de lugar). A mesma coisa se passa ao começar-se com um rascunho. No ato de escrever
o texto definitivo, será necessário não mudar nada, prestar atenção à estética, etc. Nada disso ocorre ao se usar um
editor de textos: pode-se cometer quantos erros se queira, porque tudo poderá ser corrigido, mudado de lugar, etc.
Também não há necessidade de prestar atenção à ortografia: um corretor ortográfico pode detectar os erros e ainda
sugerir correções. Os corretores gramaticais estão cada vez mais completos e vão exigir cada vez menos atenção à
concordância, por exemplo. Muito poucas pessoas apreciam seguir regras fixas e planejar muito bem o que devem
fazer. Pode-se concluir que isso leva os usuários e programadores de computadores a assumir uma atitude de
indisciplina mental. No caso dos programadores, é sabido que esses raramente projetam e implementam seus
programas disciplinadamente, por exemplo documentando tanto a fase de análise quanto os próprios programas.
Além disso, os testes e as correções dos programas quase nunca são feitos sistematicamente.
Compare-se essas situações com o uso de uma máquina concreta, como um carro: uma ação indisciplinada pode
levar a um acidente. O motorista é obrigado a dirigir disciplinadamente. O mau uso de uma máquina concreta (em
oposição à máquina virtual, que é o computador) pode causar acidentes físicos. Os acidentes causados pelos
computadores são mentais, psicológicos e psíquicos - daí serem tão ignorados.
4.3 O computador e a educação
Pense-se inicialmente no fato de que o usuário do computador precisa necessariamente exercer um pensamento
e uma linguagem formais, lógico-simbólicos. É preciso formular a seguinte pergunta, que normalmente não se faz,
quando se fala a respeito de computadores e educação: Qual é a idade adequada para esse tipo de pensamento e
linguagem?
Para responder a essa pergunta é absolutamente necessário usar um modelo de desenvolvimento das crianças e
dos jovens conforme a idade. Para isso, emprego o modelo introduzido por Rudolf Steiner, que considero muito mais
abrangente do que outros modelos, e usado com sucesso nas mais de 800 escolas Waldorf do mundo (sem contar
os jardins de infância isolados, provavelmente milhares). Brevemente, segundo o modelo de Steiner, existem três
grandes fases no desenvolvimento de cada ser humano, correspondentes a períodos de sete anos, os "setênios"
[ver, por exemplo, Lanz, 1998, p. 38 e Steiner, 2000, p. 51].
No primeiro setênio, de até aproximadamente os 7 anos, cujo fim é marcado fisicamente pela troca dos dentes, a
criança está aberta ao exterior, não tem consciência de que não está separada do mundo. Para ela tudo tem vida e
vive na sua imaginação como se fosse realidade. A criança desenvolve o seu querer (vontade que leva a ações). Os
recursos educacionais primordiais deveriam ser a imaginação, o ritmo e a imitação. Não deveria existir um ensino
formal, mas somente indireto por meio de histórias, jogos, brincadeiras e trabalhos manuais muito simples. O
professor deveria ser o que chamo de professor-mãe. As crianças não deveriam aprender a ler neste período, já que
as letras de hoje são abstrações (não eram assim na Antiguidade, como ainda não o são os ideogramas orientais).
As forças interiores que seriam gastas nesse processo precisam ser aplicadas ao estabelecimento da base física e o
extraordinário esforço de crescimento e aprendizagem (não-formal!) do andar, do falar e da coordenação motora (ver
artigo a respeito em meu site).
No segundo setênio, de 7 a 14 anos (ver, por exemplo, o capítulo "A evolução do segundo setênio", em [Steiner,
2000, p. 91, Lanz, 1998, p. 47], o jovem já tem a sua base física essencial formada e pode dedicar as suas forças ao
aprendizado. Porém este não deve ser abstrato, e sim sempre relacionado à realidade do mundo. Como neste
período se desenvolve primordialmente o sentimento, tudo deve ser apresentado de forma estética, artística. Até
mesmo a Matemática deve ser apresentada com conexões que a liguem à realidade e de forma artística, que apele à
fantasia. Nas ciências, o mais importante é aprender a observar e descrever os fenômenos, sem explicá-los de forma
abstrata. Tudo deve estar cheio de vida. Um contra-exemplo clássico no Brasil é como, por volta dos oito anos, se
introduz na escola o que é uma ilha: "uma porção de terra cercada de água por todos os lados" (o que não está
correto, já que não há água nem na parte de cima e, geralmente, nem na parte de baixo…). Essa definição é morta e
não dá margens à imaginação. Mas se for introduzida a noção de ilha com uma história de uma pessoa cujo barco
naufragou, e ela nadou até à praia e depois, para qualquer direção para onde ia, chegava a outra praia ou a pedras
sobre o mar, as crianças podem imaginar toda a riqueza que uma ilha com vegetação e animais pode encerrar. Uma
definição é sempre a mesma. O ideal seria que a história fosse contada com detalhes diferentes para cada classe,
adaptada ao interesse e características de cada aluno dentro da sala. Assim um conceito é criado de forma viva e
não morta. Em particular, felizmente nunca uma professorinha definiu o que é uma árvore (um pedaço de pau fincado
verticalmente no chão, com ramificações, blablablá), o que jamais impediu as crianças de criar um conceito correto
8
da mesma - proveniente de sua própria experiência vendo árvores, tocando-as, cheirando-as, trepando nelas e
comendo de seus frutos. O professor adequado para essa idade deve ser generalista, isto é, sabe de tudo um pouco.
Deve, porém, ter uma grande sensibilidade social para acompanhar seus alunos, pressentir o que se passa com cada
um, e ser um verdadeiro artista para detectar as necessidades de desenvolvimento daqueles seres desabrochando e
configurar sua aula dinamicamente.
É interessante notar que existia uma antiga tradição que fazia com que a escola começasse por volta dos sete
anos. Havia uma consciência de que para aprender a ler e a fazer contas era necessária uma certa maturidade que
vinha com a idade. Quando entrei no antigo Ginásio (5a. a 8a. séries atuais) em 1951, era necessário ter uma idade
mínima (11 anos completos até 30 de junho do ano em curso), mostrando ainda essa intuição quanto à maturidade
com a idade.
No terceiro setênio, de 14 a 21 anos, com seu início na puberdade (lamentavelmente esta está sendo acelerada, e
já por natureza é adiantada em países tropicais e equatoriais, principalmente nas meninas), o jovem desenvolve
essencialmente o seu pensamento. É agora o momento de começar a conceituar tudo, de forma que se possa
compreender as coisas com o intelecto. Antes, dominava-se o movimento de uma bola instintivamente. Chegou a
hora de entender por que a bola descreve uma curva no ar quando é lançada. Os fenômenos físicos, geográficos,
biológicos, químicos e históricos devem ser não só descritos ou observados, mas também compreendidos. Na
Matemática, é esta a ocasião de começar a provar teoremas (a necessidade de provar um teorema é
incompreensível para um jovem antes dos 15 anos: ele vê que a tese é evidente e não pode compreender aquela
necessidade). O professor ideal para essa idade é o especialista, aquele que tem formação universitária
especializada (um matemático ensina Matemática; um geógrafo Geografia, etc.).
Voltando ao computador, agora estamos prontos para responder à pergunta do "quando?". Lembremo-nos de que
o computador é uma máquina abstrata, que impõe pensamentos e linguagens formais, lógico-simbólicas. Segundo o
modelo de desenvolvimento de Rudolf Steiner, uma máquina assim não é adequada antes da puberdade, ou antes
do ensino médio, a época do desenvolvimento da capacidade de pensar de forma abstrata e formal. Antes desse
período, ela iria acelerar o desenvolvimento da criança ou do jovem de maneira inadequada, com sérios prejuízos
mais tarde. Steiner disse que o fato de Goethe ainda cometer erros de ortografia aos 17 anos tinha permitido que
preservasse uma maleabilidade mental, pois não se tinha prendido cedo demais a regras rígidas [2000, p. 129]. Neil
Postman chamou a atenção para o fato de os meios de comunicação estarem acelerando inadequadamente o
desenvolvimento de crianças e jovens, fazendo com que eles tenham experiências e ideias de adultos e se
comportem como tais [1999, p. 112]. O computador faz exatamente isso, mas direcionado primordialmente ao
pensamento.
Recorde-se também de eu ter chamado a atenção para o fato de o computador induzir indisciplina - e a da pior
espécie, a mental. As crianças não têm autocontrole suficiente para dominar-se, direcionando e restringindo o uso do
computador. Além disso, a indução de indisciplina é exatamente o oposto de algo que a educação quer obter. Isso
nos leva ao próximo ponto.
Uma breve consideração sobre a Internet. Uma criança que usa a Internet para procurar informações não tem
nenhuma restrição, a menos que os pais instalem os chamados "filtros" para impedir ou permitir o acesso somente a
alguns sites - mas se os pais não tentam ou não conseguem geralmente limitar nem o uso da TV, como se pode
esperar que o façam ou consigam com o computador? Essas informações não têm nenhum contexto para a criança e
representam o que se pode chamar de educação "libertária". Mas isso é justamente o contrário do que deveria ser
uma educação: uma orientação constante daquilo que a criança ou o jovem deve aprender, já que ainda não é adulto
para decidir o que é melhor para ele! Obviamente, sempre se deve deixar algum espaço para o exercício da
liberdade dentro da atividade programada, pois senão mata-se a criatividade. As crianças esperam intuitivamente ser
orientadas no seu caminho de desenvolvimento, e a falta de orientação pode provocar sérios distúrbios de
comportamento. Tradicionalmente, os pais escolhiam, por exemplo, os livros que seus filhos deveriam ler; os
professores, o que deviam ensinar e de que forma, de acordo com o desenvolvimento e conhecimento dos seus
alunos. Isso não acontece com a Internet. Uma ferramenta de adulto, completamente descontextualizada, está sendo
dada a crianças e jovens, novamente provocando um processo de amadurecimento precoce, permitindo-lhes entrar
em contato com informações que não são apropriadas para sua maturidade e ambiente.
Toda aceleração da maturidade de crianças e jovens é altamente prejudicial a eles: em educação não se pode
pular etapas. Não se pode ensinar álgebra antes de aritmética, fisiologia antes de anatomia. Outro perigo é
desenvolver a capacidade de pensar formalmente sem que os sentimentos e a base física sejam adequados para
isso. No livro citado de Jane Healy, ela diz "Eu afirmaria que muito do fracasso da escola resulta de expectativas de
aprendizado [academic expectations] para as quais os cérebros das crianças não estavam preparados - mas que,
mesmo assim, foram coagidos [bulldozed] a elas." [1990, p. 69].
É muito importante notar, do ponto de vista educacional, que o computador obriga a pensar pensamentos formais
muito particulares: os que se podem introduzir na máquina em forma de comandos. Como já foi dito, não é possível
utilizar nenhum software sem dar-lhe comandos (o itálico da palavra "nenhum" foi justamente produzido em meu
original com um comando Ctrl+I; acionar o ícone correspondente daria no mesmo). Assim, nesse ato o pensamento
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do usuário é reduzido àquele que pode ser interpretado pela máquina. A educação deveria ter como um de seus mais
elevados objetivos desenvolver vagarosamente os pensamentos, de maneira que eles se tornem livres e criativos na
idade adulta. Isso não acontece se são enquadrados muito cedo em formas rígidas e mortas, como as que exigem
todas as máquinas, e muito mais os computadores, que trabalham unicamente ao nível mental estritamente formal.
Em razão dos tipos de pensamento e de linguagem formais impostos pelo computador, à enorme autodisciplina
que ele exige, e ainda baseado em experiências com alunos do ensino médio, cheguei à conclusão de que a idade
ideal para um jovem começar a usar um computador é 16 anos, preferivelmente 17 anos (para mais detalhes vejamse [Setzer, 1988] e o artigo sobre computadores na educação em [Setzer, 2001] e vários artigos e entrevistas em
meu site). A propósito, já em 1976 eu escrevi contra o uso de computadores na educação [1976].
5. Conclusões
Acredito que não exista lugar para a televisão transmitida e para o jogo eletrônico na educação. O fracasso do
ensino audiovisual mostrou isso muito bem no caso da TV. No Brasil, gastam-se milhões de dólares em produção de
TV educativa. Jamais encontrei uma estatística que comprove quanto se aprendeu com esses programas. Como foi
visto, a TV não é um meio educativo (e nem informativo), mas de condicionamento. Mas admito o uso do gravador de
vídeo, no ensino médio, para transmitir ilustrações curtas acompanhadas por discussões.
No caso dos computadores, deve-se considerar que são máquinas úteis para determinadas tarefas. Por exemplo,
o original deste artigo foi escrito à mão e depois digitado no computador para revisão, formatação e envio via Internet
a San Salvador, para publicação no volume do Festival Idriart, em fevereiro de 1998; a tradução em português, feita
em Maceió, também foi recebida via Internet, e foi no computador que fiz a revisão e a presente ampliação. A Internet
trouxe novidades, como as listas eletrônicas de discussões, em que uma pessoa envia uma mensagem eletrônica a
centenas de indivíduos, estabelecendo um fórum de discussões que pode ser muito vivo devido à rapidez. (No
entanto, vi várias dessas listas de discussões fracassar por falta de disciplina dos participantes, que acabavam por
exagerar no número de postagens, saíam do assunto, enviavam comentários de uma única linha ou então grandes
demais, etc.) Graças à Internet, hoje é possível ter-se acesso a informações que dificilmente estavam disponíveis
anteriormente. Assim, sou de opinião de que é necessário introduzir o computador no ensino médio, mas para
ensinar a usá-lo e a compreendê-lo. Entretanto, como isso exige uma certa maturidade, proponho que se comece
com o estudo do hardware com laboratório de circuitos digitais (começando com relês), que têm uma realidade física,
para que se compreenda o funcionamento físico da máquina e depois, nos últimos dois anos, introduzir o software e
a Internet, sempre acompanhados por uma visão crítica como, aliás, recomendado no excelente relatório da Alliance
for Childhood [Cordes 2000, p. 70]. (Vejam-se os artigos sobre ferramentas educacionais em meu site, inclusive com
possibilidade de carregar software desenvolvido para isso.) Por exemplo, mostrar que na Internet o crescimento do
lixo informativo é exponencial, e a cada dia fica mais difícil encontrar algo realmente útil sem que se saiba
previamente seu endereço; que no correio eletrônico não se deve cair no extremo de enviar cartas telegráficas, sem
saudar as pessoas, tratando-as como se fossem máquinas e não seres humanos, etc.
É interessante comparar os três veículos da seguinte forma: o jogo eletrônico dá uma ilusão de ação (exercício da
vontade), mas é uma ação de máquina. A TV dá uma ilusão de sentimento, mas é um sentimento irreal, sempre
estimulado desde fora em ambiente virtual, e não por imaginações próprias como acontece na leitura, ou pela
realidade de uma pessoa, feliz ou sofrendo, à frente de quem sente. O computador dá a ilusão de atividade do
pensamento, mas trata-se de um pensamento que pode ser introduzido numa máquina por meio de comandos, e é
uma caricatura daquilo que o pensamento humano teria de ser. Assim, os três meios atacam essas três atividades
que Steiner chamou de "anímicas", reduzindo-as a um patamar que não é mais humano.
Esse patamar é muito claro: no caso da TV, é a redução do ser humano a uma condição de animal
semiconsciente. No caso do computador, é a redução a uma máquina de pensar o que pode ser introduzido como
pensamento dentro daquela máquina. No caso do jogo eletrônico, reduz-se o ser humano tanto a um animal que
reage sem pensar e sem moral quanto a um autômato que reage de maneira mecânica, sempre da mesma forma.
O quadro abaixo resume esses e outros pontos comparativos.
TV
Jogo
Eletrônico
Computador
Pensar
Sentir
Querer (ações)
Abafa
Ativa, mas do exterior, irreal
Elimina
Elimina
Ativa, mas de desafio e
competição
Automatiza, mecaniza
Incentiva, mas
pensamento lógicosimbólico, maquinal
Ativa, mas de desafio
Mecaniza movimentos,
concentração em
pensamento maquinal
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A escola está obsoleta. Não por causa de falta de tecnologia, como pretendem muitos, mas por não haver
acompanhado a evolução interior, da maneira de agir, sentir e pensar do ser humano no século XX (ver artigo a
respeito em meu site). Não existe mais espaço para pressões de notas e reprovações, nem tratar os alunos de
maneira impessoal, como se fossem máquinas de armazenar dados. A escola do futuro não deveria ser uma escola
mais tecnológica, porém mais humana, que ensine na época certa (ensino médio) os jovens a compreender as
máquinas e a dominá-las, ensinando a utilizá-las somente para o que é construtivo e o que eleva o ser humano e não
o degrada, colocando-as assim em seu devido lugar. Só com educação poderemos dar um basta à dominação das
máquinas sobre o ser humano, que se tornou seu escravo ao invés de seu senhor.
Referências
Betting, J. Anúncio Brasil. O Estado de São Paulo, caderno Economia, 11/4/2001, p. 2.
Cordes, C e E. Miller (Eds.). Fool’s Gold: A Critical Look at Computers in Childhood. Alliance for Childhood, 2000.
Disponível em www.allianceforchildhood.org (as pgs. citadas neste volume são da versão em Adobe Acrobat).
Emery, F. e M. Emery. A Choice of Futures: To Enlighten or to Inform? Leiden: H.E.Stenfert Kroese, 1976.
Healy, J.M. Endangered Minds: Why Children Don’t Think. New York: Simon&Schuster, 1990.
Krugman, H.E. Brain wave measures of media involvement. Journal of Advertising Research, Vol. 11, No. 1, Feb.
1971, pgs. 3-9.
Lanz, R. A Pedagogia Waldorf: Caminho para um Ensino mais Humano, 6a ed. São Paulo: Ed. Antroposófica, 1998.
Mander, J. Four Arguments for the Elimination of Television. New York: Wm. Morrow, 1978.
Patzlaff, R. Der Gefrorene Blick: Die Physiologische Wirkung des Fernsehens und die Entwicklung des Kindes [O
olhar congelado: a atuação fisiológica da TV e o desenvolvimento da criança]. Stuttgart: Freies Geistesleben, 2000.
Postman, N. Amusing Ourselves to Death: Public Discourse in the Age of Show Business. New York: Penguin Books,
1986.
Postman, N. O Desaparecimento da Infância (Trad. S.M.A.Carvalho e J.L.Melo). Rio de janeiro: Graphia, 1999.
Setzer, V.W. O computador como instrumento do cientificismo. Anais do Simpósio Anual da Academia de Ciências do
Estado de S.Paulo. São Paulo: ACIESP, 1976, pgs. 69-88.
Setzer, S.A.L. Os Doze Sentidos. São Paulo: Sociedade Brasileira de Médicos Antroposóficos, 2000.
Setzer, V.W. O computador no ensino: nova vida ou destruição? In E.O.C. Chaves e V.W. Setzer, O Uso de
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Setzer, V.W. Os Meios Eletrônicos e a Educação: uma visão alternativa. Coleção "Ensaios Transversais" No. 10. São
Paulo: Ed. Escrituras, 2001.
Steiner, R. A Prática Pedagógica , GA 306, 8 palestras proferidas em Dornach, 15 a 22/4/1923 (trad. C. Glass). São
Paulo: Ed. Antroposófica, 2000b.
Walker, J. Changes in EEG rythms during television viewing: preliminary comparisons with reading and other tasks.
Perceptual and Motor Skills, 51, 1980, pgs. 255-261.
Winn, M. The Plug-in Drug: Television, Children and the Family. New York: Viking Penguin. 1985. Die Droge im
Wohnzimmer (trad. B. Stein). Reinbeck: Rohwolt, 1979 (as páginas anotadas nos textos são dessa edição
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Textos com abordagens doutrinárias e filosóficas
Livro Leis Morais da Vida - Joanna de Ângeliz, por Divaldo Franco
Deveres dos pais
(...) Por impositivo da sabedoria divina, no homem a infância demora maior período do que em outro animal qualquer.
Isto, porque, enquanto o Espírito assume, a pouco e pouco, o controle da organização fisiológica de que se serve
para o processo evolutivo, mais fácil se fazem as possibilidades para a fixação da aprendizagem e a aquisição dos
hábitos que o nortearão por toda a existência planetária.
Como decorrência, grande tarefa se reserva aos pais no que tange aos valores da educação, deveres que não
podem ser postergados sob pena de lamentáveis consequências.
(...)Os deveres dos pais em relação aos filhos estão inscritos na consciência.
Evidentemente as técnicas psicológicas e a metodologia da educação tornam-se fatores nobres para o êxito desse
cometimento. Entretanto, o amor — que tem escasseado nos processos modernos da educação com lamentáveis
resultados — possui os elementos essenciais para o feliz desiderato.
No compromisso do amor, estão evidentes o companheirismo, o diálogo franco, a solidariedade, a indulgência e a
energia moral de que necessitam os filhos, no longo processo da aquisição dos valores éticos, espirituais, intelectuais
e sociais.
(...)Nesse sentido, é de essencial relevância a lição dos exemplos, a par da assistência constante de que necessitam
os caracteres em formação, argila plástica que deve ser bem modelada.
No capítulo da liberdade, esse falar basilar, nunca deixar esquecido o dever da responsabilidade. Liberdade de ação
e responsabilidade dos atos, ajudando no discernimento desde cedo entre o que se deve, convém e se pode realizar.
(...)Ensina-lhe a humildade ante a grandeza da vida e o respeito a todos, como valorização preciosa das concessões
divinas.
O que lhe não concedas por negligência, ele te cobrará depois.
Se não dispões de maiores ou mais valiosos recursos para dar-lhe, ele saberá reconhecer, e, por isso, mais te
amará.
(...) Os pais educam para a sociedade, quanto para si mesmos.
(...) Não te poupes esforços na educação dos filhos.
Deveres dos filhos
Existem genitores que apenas procriam, fugindo à responsabilidade.
Não compete, porém, aos filhos julgá-los com severidade, desde que não são dotados da necessária lucidez e
correção para esse fim.
(...) A irresponsabilidade dos progenitores de forma alguma justifica a falência dos deveres morais por parte da prole.
(...) Desincumbir-se das tarefas relevantes que o amor e o reconhecimento impõem - eis o impositivo que ninguém
pode julgar lícito postergar
Nascem sabendo
(...) Acresce-se a isto o fato de a geração presente ser sempre mais adiantada que a anterior, como nos ensina a
doutrina espírita. Então, é natural que os meninos e meninas deste início de século apresentem tanta familiaridade
com os equipamentos que ainda causam embaraço à geração mais velha.
O importante, porém, é não glamourizar demais este fato. Ao contrário, vendo-o como algo absolutamente normal, os
pais e educadores não deveriam se sentir diminuídos diante dessas dificuldades, pois seu campo de ação junto à
nova geração é muito maior: o da ordem dos valores transcendentes.
E é exatamente sobre este ponto que vários espíritos protetores estão tecendo seus comentários, preocupados que
estão em nos alertar sobre a hora presente, em que a tecnologia parece estar anestesiando nossas almas,
impedindo-nos de perceber o verdadeiro sentido da vida. De diferentes maneiras, todos convergem seu pensamento
para o mesmo ponto: a necessidade de trazermos o Cristo para o centro de nossas vidas, vivenciando os seus
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ensinamentos de amor, solidariedade e compaixão, pautando nossos comportamentos e atitudes pelo diapasão da
sua divina melodia.
(...) Bezerra de Menezes afirma que “haverá de ser também o século do amor”. E numa mensagem emocionada,
através da psicofonia de Divaldo Franco, acrescenta que “Deveremos atrair o sentimento de amor para que ele
produza a sabedoria em nosso ser”. Convidando-nos a sermos pacíficos e pacificadores, propõe que transformemos
nossos lares no “reino dos céus, construindo-o no aconchego da alma que está ao lado da vossa alma, dos filhinhos
que vos foram confiados, cuja conduta será consequência da educação que lhes administrardes, em forma de paz”.
Quando você pensava que eu não estava olhando
"Quando você pensava que eu não estava olhando, eu vi você pegar o primeiro desenho que fiz e prendê-lo na
geladeira, e, imediatamente, eu tive vontade de fazer outro para você.
Quando você pensava que eu não estava olhando,eu vi você dando comida a um gato de rua, e eu aprendi que
é legal tratar bem os animais.
Quando você pensava que eu não estava olhando,eu vi você fazer meu bolo favorito para mim e eu aprendi que
as coisas pequenas podem ser as mais especiais na nossa vida.
Quando você pensava que eu não estava olhando,ouvi você fazendo uma
oração, e eu aprendi que existe um Deus com quem eu posso sempre falar e em Quem
eu posso sempre confiar.
Quando você pensava que eu não estava olhando,eu vi você fazendo comida e levando para uma amiga que
estava doente, e eu aprendi que todos nós temos que ajudar e tomar conta uns dos outros.
Quando você pensava que eu não estava olhando, eu vi você dando seu tempo e seu dinheiro para ajudar as
pessoas mais necessitadas e eu aprendi que aqueles que têm alguma coisa devem ajudar quem nada tem.
Quando você pensava que eu não estava olhando,eu senti você me dando um beijo de boa noite e me senti
amado e seguro.
Quando você pensava que eu não estava olhando, eu vi você tomando conta da nossa casa e de todos nós, e
eu aprendi que nós temos que cuidar com carinho daquilo que temos e das pessoas que gostamos.
Quando você pensava que eu não estava olhando, eu vi como você cumpria com todas as suas
responsabilidades, mesmo quando não estava se sentindo bem, e eu aprendi que tinha que ser responsável quando
eu crescesse.
Quando você pensava que eu não estava olhando eu vi lágrimas nos seus olhos, e eu aprendi que, às vezes,
acontecem coisas que nos machucam, mas que não tem nenhum problema a gente chorar.
Quando você pensava que eu não estava olhando,eu vi que você estava preocupada e eu quis fazer o melhor
de mim para ser o que quisesse.
Quando você pensava que eu não estava olhando foi quando eu aprendi a maior parte das lições de vida que eu
precisava para ser uma pessoa boa e produtiva quando eu crescesse.
Quando você pensava que eu não estava olhando,eu olhava para você e queria te dizer: Obrigado por todas as
coisas que eu vi e aprendi quando você pensava que eu não estava olhando!"
Autor desconhecido
Teus filhos não são teus filhos
Teus filhos não são teus filhos.
São filhas e filhos da Vida por si mesma.
Eles vêm através de ti mas não de ti,
E embora estejam contigo, não te pertencem.
Poderás dar-lhes teu amor, mas não teus pensamentos,
Pois eles têm seus próprios pensamentos.
Poderás acolher seus corpos mas não suas almas,
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Pois suas almas habitam a mansão do amanhã
Que não podes visitar nem mesmo em sonhos.
Poderás tentar ser como eles,
Mas não tentes torná-los semelhantes a ti.
Pois a vida não para, nem se atrasa com o dia passado.
Tu és o arco pelo qual teus filhos, como flechas vivas,
São projetados.
O Arqueiro vê o alvo no caminho do infinito, e
Ele te dá sua Força para que
Suas Flechas voem céreles para longe.
Que tua firmeza pela mão do Arqueiro seja para a alegria.
Pois assim como Ele ama a flecha que voa,
Ama o arco que permanece firme.
Khalil Gibran
1883-1926
Reflexão sobre o Espírito na infância da vida terrena
Elda Evelina
Uma criança é preparada para nascer.
Pensamos em um ser que nos trará alegria.
Quem é? De onde vem?
Indagações mil nos surgem, pois ainda é difícil conceber que um ser tão pequenino possa trazer tantas
mudanças em nossas vidas!
Para a mãe, o desenvolver dentro do seu corpo parece mágico. É a vida que se expressa dentro da vida.
Conexões ocorrem, troca de emoções nem sempre percebidas ou identificadas por aquela que carrega dentro de si
um outro ser.
No entanto, a vida que toma forma percebe e sente todas as emoções daquela que a envolve, sejam sentimentos
bons ou não, alegria ou tristeza, acolhimento ou desprezo.
Se sentimentos bons, logo se fará uma relação de afeto e aceitação. Se emoções negativas, logo surge um
processo de rejeição, seja do ser que envolve, seja do ser envolvido.
É um fato de que devemos ter sempre consciência.
Para alguns, esse ser está surgindo para o mundo nesse momento. Uma alma nova que nunca teve experiências
em corpo.
Para outros, uma alma de experiência única que nada trouxe e nada levará do que aqui experienciou.
Para aqueles que acreditam na multiplicidade das experiências da alma, seja em plano físico, seja em plano sutil,
aquele ser que ora se desenvolve é um espírito que transitou por culturas e povos em diferentes momentos e
circunstâncias. Traz em si um grande cabedal de conhecimentos, sejam empíricos ou científicos; desenvolveu
emoções positivas ou não. Suas experiências podem ter sido traumáticas, o que poderá resultar em atitudes
agressivas, trazendo dificuldades para seu novo momento de vida, que nem sempre deverá ser com companheiros
de jornada com quem se identifica de forma agradável.
Há um leque de opções para esse conviver, mais amplo do que possamos imaginar.
Para esses que acreditam em uma jornada em vários planos e momentos, essa experiência remete a várias
reflexões:
- Já conheço esse ser? Qual a relação que ele tem comigo ou eu com ele?
- Quais compromissos assumimos na programação desse encontro?
- Será uma convivência por expiação, por prova ou por reparação? Ou um reencontro para que juntos possamos
realizar algo de importante?
- Terei condições de vencer os desafios que se apresentarão à minha frente?
Essas reflexões são válidas, pois demonstram uma preocupação em buscar acertos.
No entanto, há preocupações mais importantes como o compreender qual a melhor forma de conduzir essa
experiência!
Qual o papel daquele que recebe esse ser? Qual a melhor forma de lidar com a convivência?
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Diz-nos a Doutrina Espírita que, dependendo do grau de conhecimento e de preparo moral, podemos ter parte na
programação da nossa próxima existência física. Isso requer estar identificado com as necessidades que temos de
acertos com os companheiros da nova jornada em corpo físico, o que precisamos e pretendemos aprender com eles,
estarmos preparados para eventuais embates decorrentes de divergências de quaisquer espécies.
No caso de não se ter o preparado moral e emocional adequado, somos levados a ter, à nossa revelia,
experiências que o Plano Espiritual identifica como a melhor oportunidade que poderá nos proporcionar o
aprendizado requerido, os acertos mais necessários e possíveis.
O que é mais importante nessa busca pelo entendimento do que ocorre é ter a certeza de tudo estar de
conformidade com a programação maior para o nosso caminhar – a evolução espiritual.
Voltando à questão da criança que está em processo de desenvolvimento físico, vale reforçar que a preparação
para essa experiência se dá desde antes da fecundação.
Com relação à capacidade desta criança, dizem-nos os espíritos respondendo à questão 379 em o Livro dos
Espíritos:
A infância
379. É tão desenvolvido, quanto o de um adulto, o Espírito que anima o corpo de uma criança?
“Pode até ser mais, se mais progrediu. Apenas a imperfeição dos órgãos infantis o impede de se manifestar.”
(...)
Importante também registrar o que nos diz o Evangelho Segundo o Espiritismo sobre o como se manifesta o
espírito que se apresenta fisicamente na infância – Capítulo VIII, item 4:
“Pois que o Espírito da criança já vive, por que não se mostra, desde o nascimento, tal qual é? Tudo é sábio
nas obras de Deus. A criança necessita de cuidados especiais, que somente a ternura materna lhe pode
dispensar, ternura que se acresce da fraqueza e da ingenuidade da criança. Para uma mãe, seu filho é sempre
um anjo e assim era preciso que fosse, para lhe cativar a solicitude. Ela não houvera podido ter-lhe o mesmo
devotamento, se, em vez da graça ingênua, deparasse nele, sob os traços infantis, um caráter viril e as ideias de
um adulto e, ainda menos, se lhe viesse a conhecer o passado.”
Há maneiras diferentes de se olhar para esse fato de a criança ser frágil tão-somente por ainda estar em um
corpo que requer cuidados. O espírito que a conduz pode ter mais experiências do que os adultos com quem
conviverá na jornada terrena.
No entanto, a possibilidade de esta criança ter mais experiências do que o adulto que o acolhe não implica,
necessariamente, em ela ser mais evoluída moral e espiritualmente. Poderá tão-somente ser mais capacitada
intelectualmente, mas estar comprometida por desvios de comportamento em outras vidas e vir a experienciar essa
nova jornada a fim de aprender sobre as leis morais e relacionamento familiar e social mais equilibrado. Enfim,
aprender mais sobre as Leis de Deus.
Em casos assim, grande é a responsabilidade daqueles que se propõem a acolher esse ser. Os adultos que com
ele irão viver poderão, em contrapartida às parcas aquisições intelectuais na presente jornada, serem espíritos
evoluídos moral e espiritualmente e se prontificam a participar do processo educacional dessa criança para
proporcionar a ela a descoberta de novos níveis de conhecimento e, principalmente, o evangelho do amor.
Há uma reflexão em o Evangelho dos Humildes, quando o autor aborda a passagem em que Jesus disse: “Deixai
venham a mim as criancinhas.” Rigonatti nos esclarece: “Estas palavras de Jesus também são uma ordem, para que
as crianças sejam instruídas em seu Evangelho, desde pequeninas. Embaraçar as crianças e mesmo repeli-las para
que não se acerquem de Jesus, simboliza a indiferença dos pais em não cuidarem da educação evangélica de seus
filhinhos. Proceder assim é um erro de lamentáveis consequências espirituais; porque os pais se esquecem de
indicar aos filhos o caminho que facilmente os conduziria a Deus.”
O aprendizado do espírito em a infância terrena tem dois aspectos a mencionar: a educação e a instrução.
A educação compete desde o início ao instituto da família. Ali se instala a pedra fundamental na formação do ser.
Depois, dar-se-á a continuidade na escola, onde acrescentar-se-á a contribuição intelectual e as experiências sociais
aprendendo a se relacionar com outras pessoas fora de seu círculo familiar, onde buscará aprender e exercitar a
fraternidade, o desapego, a colaboração, o desprendimento, a compreensão, a compaixão, por exemplo.
O processo educativo tem como objetivo o intercâmbio de aprendizagem. Tem-se que levar em conta o conteúdo
a ser oferecido, os métodos e a finalidade a que se propõe, quando se restringe à instrução.
A educação não deve estar restrita a formar hábitos e desenvolver a capacidade intelectiva, mas principalmente
manter-se de forma dinâmica na troca de experiências, tendo em vista as necessidades do conviver em sociedade e
a autorrealização daquele a que propõe educar.
Os métodos a serem utilizados no processo educativo deverão ser adequados às condições mentais e
emocionais do aprendiz. Não deverá ser um simples impor do material didático, como também não ter como dinâmica
um processo repetitivo. O educador deverá motivar o aprendiz às próprias descobertas, permitindo que ele
desenvolva seus métodos de apreensão do conteúdo oferecido.
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Ao começar a redescobrir o mundo e se reidentificando com o que a cerca, costuma repetir atitudes que lhe são
familiares, ou que lhe tenham proporcionado prazer ou tenham provocado a sua queda em vidas anteriores.
As tendências que demonstram, aptidões e percepções são expressões de sua memória que se apresentam de
forma inconsciente.
O Espiritismo traz grande contribuição para os pais que acolhem e compreendem os princípios doutrinários.
Aquele que estuda e tenta compreender os fundamentos das vidas sucessivas terá mais facilidade para perceber
as nuances, por mais sutis que sejam, do comportamento daquele espírito que se encontra na infância do processo
reencarnatório.
Compreendendo que ali se encontra um ser em processo de aprendizado e que traz experiências que lhe
possam proporcionar até mesmo sofrimento interior, sem que ainda venha a ter delas consciência, poderá encontrar
uma forma de melhor abordar questões que porventura venham a ocorrer e, portanto, proporcionar oportunidades
mais efetivas de ajustes e acertos que promoverão a evolução daquele ser em menor espaço de tempo.
Importante voltar a registrar que grande é a responsabilidade daqueles que acolhem uma criança em seu lar ou
ao seu convívio social.
Diz-nos Joanna de Ângelis: “O lar constrói o homem. A escola constrói o cidadão”. Diz ainda: “A educação
encontra no Espiritismo respostas precisas para melhor compreensão do educando e maior eficiência do educador
no labor produtivo de ensinar a viver, oferecendo os instrumentos do conhecimento e da serenidade, da cultura e da
experiência aos reiniciantes do sublime caminho redentor, pelos quais os tornam homens voltados para Deus, o bem
e o próximo.” (Estudos espíritas, Joanna d Ângelis, por Divaldo franco)
Sugestões de leitura
- O Livro dos Espíritos – questões 183, 379/85 e 941
- Evangelho Segundo o Espiritismo – Cap. VIII, 3 e 4 Cap. XIV, 9
- Nossos filhos são espíritos – Hermínio de Miranda, Lachatre
- Estudos espíritas – capítulos Educação e Família, Joanna de Ângelis, por Divaldo Franco, FEB
- Criança, uma abordagem espírita - Waldehir B. de Almeida, o Clarim
- Educar os filhos, compromisso inadiável – Lúcia Moysés, Editora Eme
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Artigos selecionados na Biblioteca Virtual da Antroposofia - http://www.antroposofy.com.br
As crianças e as telinhas
Dr. Daniel Becker
Fonte: www.eugosto.de
Atenção, mães e pais que desejam criar filhos mais inteligentes. Pesquisas diferentes apontam na mesma direção,
aquela que os sábios de todos os séculos que nos antecederam já sabiam. Não é o Baby Einstein que vai fazer seu
filho mais inteligente, não é ouvir Discovery em inglês, não é CD com Mozart (nada contra!), nem brincar com
joguinhos inteligentes no tablet ou no iphone ou no computador, nem ligar a TV nos programas “educativos”. O que
vai fazer seu filho mais inteligente, melhor, mais humano, mais bacana é interagir com gente e livros.
A melhor estimulação para eles são as trocas afetivas diretas, a interação com o outro, os cuidados do dia a dia –
banho, refeição, conversa, passeios, o brincar. E, mais tarde, os brinquedos simples e os livros, que permitem que a
criança crie seu próprio universo lúdico e imaginário. Naqueles momentos preciosos em que seu filho está
interagindo com você, com livros, com bonequinhos, uma casinha, uma caixa de papelão e contando uma história pra
si mesmo em voz alta, pode ter certeza de que ali ele está se tornando uma pessoa melhor.
E ainda aparecem reportagens mostrando que creches mais caras do Rio, as que cobram 2.500 reais, colocam iPads
no berçário. É curioso, pois a exposição precoce às telinhas e a estimulação excessiva pela tecnologia é exatamente
uma atividade nociva para o bebê, que queremos evitar.
Temos muitos motivos para deixar nossos filhos em frente à TV ou ao computador/tablet. É nosso próprio hábito e
acabamos sendo permissivos para com nossos filhos. Todos sabemos como é difícil evitar: como a vida moderna nos
pressiona a deixá-los o tempo demasiado à frente da telinha. Quem tem filhos em idade escolar sabe como a
pressão dos pares e da sociedade em geral faz com que esses aparelhos dominem o mundo do entretenimento, da
educação, do lazer, das relações interpessoais. Mas,precisamos permitir o excesso, ou pior, expor os bebês?
É preciso, no mínimo, saber que é nocivo e desnecessário. O tempo máximo de TV/tablets recomendado pelos
experts da Academia Americana de Pediatria para crianças até dois anos é zero! No entanto, mais de 50% dos apps
da Itunes Store são direcionados para crianças pequenas. Criar o hábito muito precocemente – por exemplo, oferecer
um tablet a cada vez que seu filho demonstra um pouco de tédio – pode conduzir a um comportamento quase
compulsivo e a uma incapacidade de lidar com a vida real, que às vezes é simplesmente tediosa. É nos momentos
de tédio que as crianças tem a oportunidade de ser criativas, de usar a imaginação, de aprender a fazer companhia a
si próprias e a lidar com o estar só.
O excesso pode ter consequências mais sérias. O tempo de telinha está diretamente ligado à obesidade (a relação é
simples: quanto mais tempo, mais quilos) e às dificuldades de atenção; a TV deixa as crianças no chamado “estado
passivo alfa”- onde aprendem pouco, não questionam, não refletem, apenas absorvem as mensagens publicitárias.
E, em média, uma criança brasileira é submetida a 15 a 20 anúncios de junk food (comida-veneno) por dia de
televisão, além de mensagens que estimulam o consumismo desenfreado, a erotização precoce, a futilidade.
O pior brinquedo para uma criança é aquele em que ela aperta um botão e a coisa responde com uma ação
qualquer. Como não há nenhum espaço para a criatividade e a fantasia, ela se cansa em minutos. E aí ela pede
outro – o que é ótimo para o mercado. Os tablets e computadores, por mais “educativos” que sejam, oferecem
cenários prontos, interações fechadas, limitadas. Alguns jogos são geniais, admiráveis e sem dúvida pedagógicos,
mas certamente muito limitados diante do mundo infinitamente belo e complexo que é a imaginação e a criatividade
de uma criança.
Menos computadores, mais brincadeiras ao ar livre
Quanto mais olhamos para a tela, menos observamos a natureza e quem está presente ao meu redor, absorvo
excesso de informações desnecessárias ao meu desenvolvimento e deixo de absorver a vida que emana ao meu
redor…
A maior iniciativa já realizada na Inglaterra para reaproximar as crianças da natureza. Assim pode ser definido o
ambicioso projeto da “The Wild Network”, uma colaboração que reúne 400 organizações, entre escolas, grupos de
escoteiros, empresas, ativistas e ambientalistas. Todos em torno do mesmo objetivo: convidar as crianças a trocar as
telas do computador e da TV por brincadeiras ao ar livre.
Lançada no mês passado, a campanha estimula a adoção de atividades tradicionais, mas cada vez menos praticadas
pelas novas gerações, como acampamentos.
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- A trágica verdade é que bastou apenas uma geração para que as crianças perdessem o contato com a natureza e o
ar livre – disse à “BBC” Andy Simpson, presidente da associação. – O tempo que se gasta ao ar livre está diminuindo
cada vez mais, as brincadeiras estão em declínio e a habilidade de identificar as espécies foi perdida.
Pais também contribuem
Para as autoridades inglesas, sobram evidências sobre os efeitos negativos de uma infância sedentária. Um relatório
do National Trust (organização dedicada a preservar as riquezas culturais e ambientais do país) indica que o “déficit
de natureza” é “dramático” para a saúde e a educação delas. Segundo a associação, o tráfego cada vez mais intenso
e a atração por telas digitais são fatores decisivos. Mas o nível de estresse e ansiedade dos próprios pais também
contribuem. Há indícios de que este déficit seria pior no Reino Unido do que em outros países europeus, explicando
assim os baixíssimos índices das crianças britânicas em pesquisas de satisfação.
“Isso está mudando a maneira como as crianças crescem e veem o mundo”, escreveu o naturalista Stephen Moss,
um dos autores do relatório do National Trust.
A distância percorrida pelas crianças em brincadeiras fora de casa diminuiu 90% em 30 anos, e o tempo gasto teve
uma queda de 50% em apenas uma geração. Por outro lado, estudos nos últimos anos mostram que o tempo na
natureza aumenta a felicidade, saúde e qualidade de vida dos seres humanos.
Nesse caso, as gerações futuras têm tudo para se tornarem adultos ainda mais sedentários – e insatisfeitos – que os
de hoje.
Para a “The Wild Network” bastariam 30 minutos diários de brincadeiras para os menores de 12 anos aumentarem
seus níveis de aptidão física e melhorarem seu bem-estar. É o que eles chamam de “pausa selvagem”. A campanha
foi lançada junto com um documentário, que conta a história de um pai preocupado que as horas de vigília de seus
filhos estão sendo “dominadas por uma cacofonia de marketing, e uma dependência por computadores que ameaça
transformá-los em zumbis”.
O que nós ganhamos quando a televisão saiu de cena
Cris Leão
Fonte: Pais e Filhos
Desde que entramos em uma escola Waldorf, fomos alertados sobre os muitos efeitos negativos que a televisão
causa nas crianças. Hiperatividade, incentivo ao consumo, informações precoces, enfim, eu comecei a dosar a
quantidade de televisão em casa. Mas quando entramos na escola Waldorf aqui em Miami, a coisa foi um pouco
diferente. Tivemos que assinar um contrato dizendo que nossos filhos não iriam assistir televisão. Com aquele
gingado brasileiro, assinamos mas não estávamos pensando em levar aquilo assim tão ao pé da letra. Se é que você
me entende.
Acontece que logo que conheci o professor do João, fiquei muito encantada com a seriedade e comprometimento
dele. Ele veio em nossa casa nos conhecer antes do início das aulas. Como de cara não viu nenhuma televisão,
demonstrou uma tranquilidade ao falar: Ah, vocês não têm televisão? E nós respondemos com o rabo entre as
pernas: É… na verdade temos. Mas eles assistem pouco. E o professor falou: Eu peço para que o João assista
apenas nos finais de semana. Porque o cérebro da criança precisa do sono para assimilar o aprendizado. Se durante
o dia, houve o estímulo da televisão com suas cores, informações, sons, imagens e mensagens muito fortes, o
cérebro vai usar a noite para assimilar isto, não o aprendizado da escola.
E isso para mim fez todo o sentido, me lembrei das várias vezes que o João acordou no meio da noite falando sobre
o filme que tinha assistido, ou acordou com pesadelos relacionados às histórias dos filmes. Então essa frase do
professor foi suficiente para eu não precisar ler as 3 páginas de estudos de Harvard que a escola distribuiu
comprovando a relação direta entre excesso de televisão e Déficit de Atenção, dificuldade de aprendizado e
descontroles emocionais e na visão, devido a exposição à telinha. Respirei fundo, e como regra você tem que falar
uma vez só e seguir em frente, com muito medo de fracassar, disse com toda certeza: A partir de hoje, televisão só
no final de semana.
Isso foi em Agosto, minha gente! Estamos há quase 6 meses sem televisão nos dias de semana. E de lá para cá, a
vida mudou muito por aqui. Eu fiquei mais cansada, mas até aí tudo bem, afinal cuidar deles é meu trabalho agora.
Mas eles ficaram mais calmos e agora têm tempo para brincar. Aqueles brinquedos no armário não são mais meras
peças decorativas.
Incentivo que façam o mesmo. Estabeleçam uma rotina. De 2 às 4 brincar livre. (E eles que se virem para achar
graça em alguma coisa, se for para ficar com tédio, fica. Que problema tem isso?) De 4 às 4:30, lanche. De 4:30 às
5:30 colorir, pintar, desenhar, fazer um cartão para a vovó, fazer biscoito, enfim trabalhar com as mãos. Depois é
banho, jantar e história para dormir. (Sim, sem a tv, o sono chega mais cedo) E pode variar, claro. Segunda e quarta
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de 2 às 4 é dia de passeio. Pode ser com a babá ou avó, não importa. O que importa é a rotina. Criança adora sentir
que não está “solta”. Lembra aquele paninho (cueiro) de enrolar bebê, que eles ficam super calminhos? Pois a rotina
dá essa sensação para os grandinhos também.
É quando a televisão fica seletiva, você percebe como a maioria do que passa ali é inadequado para as crianças.
Excesso de barulho, excesso de efeitos especiais, excesso de gírias, ironia, muitas vezes excesso de bullying e
excesso de publicidade. Aliás, até os próprios filminhos incentivam o consumo. Um dia eu vi a Barbie falando:
“Amigas, esse vestido está fabuloso, ou está muito “last week” (semana passada). Fala sério. Inclusive, no que sua
filha vai sair ganhando em ter a Barbie como influência para o que quer que seja?
Acredite. Sua vida vai mudar muito quando a televisão deixar de ser a protagonista da história da sua casa. As
crianças param de pedir o tempo inteiro para você comprar o que viram ali e a imaginação volta para o lugar onde
precisa estar: dentro delas.
Não me delete, por favor!!!
Luciana Chardelli
Fonte: www.lounge.obviousmag.org (clique e conheça!!!)
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman declara que vivemos em um tempo que escorre pelas mãos, um tempo líquido
em que nada é para persistir. Não há nada tão intenso que consiga permanecer e se tornar verdadeiramente
necessário. Tudo é transitório. Não há a observação pausada daquilo que experimentamos, é preciso fotografar,
filmar, comentar, curtir, mostrar, comprar e comparar.
O desejo habita a ansiedade e se perde no consumismo imediato. A sociedade está marcada pela ansiedade, reina
uma inabilidade de experimentar profundamente o que nos chega, o que importa é poder descrever aos demais o
que se está fazendo.
Em tempos de Facebook e Twitter não há desagrados, se não gosto de uma declaração ou um pensamento, deleto,
desconecto, bloqueio. Perde-se a profundidade das relações; perde-se a conversa que possibilita a harmonia e
também o destoar. Nas relações virtuais não existem discussões que terminem em abraços vivos, as discussões são
mudas, distantes. As relações começam ou terminam sem contato algum. Analisamos o outro por suas fotos e frases
de efeito. Não existe a troca vivida.
Ao mesmo tempo em que experimentamos um isolamento protetor, vivenciamos uma absoluta exposição. Não há o
privado, tudo é desvendado: o que se come, o que se compra; o que nos atormenta e o que nos alegra.
O amor é mais falado do que vivido. Vivemos um tempo de secreta angustia. Filosoficamente a angustia é o
sentimento do nada. O corpo se inquieta e a alma sufoca. Há uma vertigem permeando as relações, tudo se torna
vacilante, tudo pode ser deletado: o amor e os amigos.
Mídia e sexualidade na educação infantil
Acúrsio Esteves
Refletir sobre a infância é uma tarefa difícil, principalmente nos tempos atuais onde as mudanças sociais,
principalmente os seus aspectos condenáveis, se processam em proporções geométricas, e a tomada de
consciência, a absorção destes conteúdos por parte da família e educadores em proporção matemática. Esta
dificuldade se agiganta quando ousamos falar em sexualidade, porém, o enfrentamento deste e outros obstáculos
constituem tarefa da família, igreja, escola e o estado.
Os caminhos a serem percorridos pelos citados segmentos sociais, especialmente pela escola, na direção da
resolução destes problemas, devem sempre levar em conta uma nova e atual leitura sobre a infância, pois a dinâmica
das mudanças assim o exigem.
A sociedade neoliberal “inventou” uma criança de perfil consumista, em total desacordo com os valores preconizados
por todas as pedagogias sejam elas progressistas ou tradicionais ou com as teorias do desenvolvimento sexual
sejam elas freudianas ou lacanianas. Este perfil traduz um desacordo na concepção moderna de infância, no intuito
de atender única e exclusivamente os interesses da Indústria Cultural.
Diversos autores chamam a nossa atenção para o “furto da infância”, a “desinvenção da infância na pósmodernidade”, o “amadurecimento precoce”, a “infância roubada” a “queima de etapas” e tantos outros termos que
traduzem a mesma preocupação. A usurpação dos direitos da criança ser criança e a sua projeção prematura no
mundo dos adultos.
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As cobranças sociais são enormes e as crianças não podem arcar sozinhas com este ônus, elas não têm condição
de, como Atlas, suportar nos ombros o peso do mundo. Acabam como Prometeu, acorrentado sob o jugo implacável
de uma águia que diariamente lhe dilacera o ventre e devora as entranhas. Elas precisam do apoio e da orientação
daqueles que as rodeiam e em quem confiam, para que se tornem Atena e com sabedoria e coragem trilhem seus
próprios caminhos. Faz-se necessário que cada um de nós viva e goste de viver o seu próprio tempo, inclusive e
principalmente as crianças, pois segundo Caetano, ”cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. Isto pode ser
aprendido. Logo, pode ser ensinado.
Não se trata aqui de simplesmente execrar ou emitir um juízo de valor em relação às programações e produção
musical da mídia radiofônica ou televisiva, mesmo por que estes meios também produzem mesmo que raramente
programação de qualidade, mas de questionar a responsabilidade principal da família, da escola e da sociedade
como um todo frente a estas situações. Estes aparelhos de controle social são regidos pelas leis de mercado dentro
de um sistema capitalista, logo pragmático. Estão cumprindo o seu papel de controle social. Cumpramos também o
nosso de educadores pais e mães, de defender as nossas crianças, mediando esta difícil relação predatória.
A constatação da pluralidade de significados possíveis de serem apreendidos/construídos no decorrer da
emissão/recepção midiática possibilitaria uma compreensão mais orgânica e menos determinista dessa relação. A
escola não deve competir com a TV, mas travar com ela um jogo dialético (MARCONDES FILHO, 1988).
O papel das instituições família e escola deve ser o de educar humanizando, para que as crianças, sejam filhos ou
alunos, possam fortalecer-se e adquirir o discernimento necessário para combater de “per si” os abusos ideológicos
engendrados contra eles pela indústria cultural. Aí também está compreendida a obrigação de se viabilizar uma vida
adulta bem equilibrada, baseada em princípios éticos e morais onde o respeito ao próximo e a aceitação das
diferenças sejam valores comuns e presentes nas suas vidas.
Um guia sobre o uso de tecnologias em sala de aula
Um painel para todas as disciplinas mostra quando - e como - as novas ferramentas são imprescindíveis para
a turma avançar
Amanda Polato (Amanda Polato)
TICs, tecnologias da informação e comunicação. Cada vez mais, parece impossível imaginar a vida sem essas
letrinhas. Entre os professores, a disseminação de computadores, internet, celulares, câmeras digitais, e-mails,
mensagens instantâneas, banda larga e uma infinidade de engenhocas da modernidade provoca reações variadas.
Qual destes sentimentos mais combina com o seu: expectativa pela chegada de novos recursos? Empolgação com
as possibilidades que se abrem? Temor de que eles tomem seu lugar? Desconfiança quanto ao potencial prometido?
Ou, quem sabe, uma sensação de impotência por não saber utilizá-los ou por conhecê-los menos do que os próprios
alunos?
Se você se identificou com mais de uma alternativa, não se preocupe. Por ser relativamente nova, a relação entre a
tecnologia e a escola ainda é bastante confusa e conflituosa. NOVA ESCOLA quer ajudar a pôr ordem na bagunça
buscando respostas a duas questões cruciais. A primeira delas: quando usar a tecnologia em sala de aula? A
segunda: como utilizar esses novos recursos?
Dá para responder à pergunta inicial estabelecendo, de cara, um critério: só vale levar a tecnologia para a classe se
ela estiver a serviço dos conteúdos. Isso exclui, por exemplo, as apresentações em Power Point que apenas tornam
as aulas mais divertidas (ou não!), os jogos de computador que só entretêm as crianças ou aqueles vídeos que
simplesmente cobrem buracos de um planejamento malfeito. "Do ponto de vista do aprendizado, essas ferramentas
devem colaborar para trabalhar conteúdos que muitas vezes nem poderiam ser ensinados sem elas", afirma Regina
Scarpa, coordenadora pedagógica de NOVA ESCOLA.
Da soma entre tecnologia e conteúdos, nascem oportunidades de ensino - essa união caracteriza as ilustrações
desta reportagem. Mas é preciso avaliar se as oportunidades são significativas. Isso acontece, por exemplo, quando
as TICs cooperam para enfrentar desafios atuais, como encontrar informações na internet e se localizar em um mapa
virtual. "A tecnologia tem um papel importante no desenvolvimento de habilidades para atuar no mundo de hoje",
afirma Marcia Padilha Lotito, coordenadora da área de inovação educativa da Organização dos Estados IberoAmericanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI). Em outros casos, porém, ela é dispensável. Não faz
sentido, por exemplo, ver o crescimento de uma semente numa animação se podemos ter a experiência real.
As dúvidas sobre o melhor jeito de usar as tecnologias são respondidas nas próximas páginas. Existem
recomendações gerais para utilizar os recursos em sala (veja os quadros com dicas ao longo da reportagem). Mas os
resultados são melhores quando é considerada a didática específica de cada área. Com o auxílio de 17 especialistas,
construímos um painel com todas as disciplinas do Ensino Fundamental. Juntos, teoria, cinco casos reais e oito
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planos de aula (três na revista e cinco no site) ajudam a mostrar quando - e como - computadores, internet, celulares
e companhia são fundamentais para aprender mais e melhor.
Nove dicas para usar bem a tecnologia
O INÍCIO Se você quer utilizar a tecnologia em sala, comece investigando o potencial das ferramentas digitais. Uma
boa estratégia é apoiar-se nas experiências bem-sucedidas de colegas.
O CURRÍCULO No planejamento anual, avalie quais conteúdos são mais bem abordados com a tecnologia e quais
novas aprendizagens, necessárias ao mundo de hoje, podem ser inseridas.
O FUNDAMENTAL Familiarize-se com o básico do computador e da internet. Conhecer processadores de texto,
correio eletrônico e mecanismo de busca faz parte do cardápio mínimo.
O ESPECÍFICO Antes de iniciar a atividade em sala, certifique-se de que você compreende as funções elementares
dos aparelhos e aplicativos que pretende usar na aula.
A AMPLIAÇÃO Para avançar no uso pedagógico das TICs, cursos como os oferecidos pelo Proinfo (programa de
inclusão digital do MEC) são boas opções.
O AUTODIDATISMO A internet também ajuda na aquisição de conhecimentos técnicos. Procure os tutoriais, textos
que explicam passo a passo o funcionamento de programas e recursos.
A RESPONSABILIDADE Ajude a turma a refletir sobre o conteúdo de blogs e fotologs. Debata qual o nível de
exposição adequado, lembrando que cada um é responsável por aquilo que publica.
A SEGURANÇA Discutir precauções no uso da internet é essencial, sobretudo na comunicação online. Leve para a
classe textos que orientem a turma para uma navegação segura.
A PARCERIA Em caso de dúvidas sobre a tecnologia, vale recorrer aos próprios alunos. A parceria não é sinal de
fraqueza: dominando o saber em sua área, você seguirá respeitado pela turma.
Fontes: Adriano Canabarro Teixeira, especialista de Educação e tecnologia da UFRGS, Maria de Los Dolores
Jimenez Peña, professora de Novas Tecnologias Aplicadas à Educação Da Universidade Mackenzie, e Roberta
Bento, diretora da Planeta Educação.
O que está acontecendo com o modo de brincar das crianças?
David Elkind
Durante as últimas duas décadas, temos progressivamente corrompido o modo de brincar das crianças, assumindo o
controle e alterando a cultura lúdica da infância.
Brincar é o portal da criança para o conhecimento de si mesma e do mundo
Ao reinventar a experiência brincando, ela dá significado e valor à confusão estonteante da vida. O bebê transforma
todo objeto que toca em algo a ser sugado. Desse modo, passa a conhecer os limites de sugar e a natureza dos
objetos. Pela imitação de papeis adultos no jogo dramático, o pré-escolar descobre novos potenciais e capacidades
humanas. A criança em idade escolar transforma objetos lúdicos, como peças do jogo de damas ou de xadrez e
bolas de futebol ou beisebol, em ferramentas valiosas de intercambio social. Todas essas reinvenções contribuem
para que ela amplie sua compreensão da realidade pessoal e social.
Durante as últimas duas décadas, entretanto, temos progressivamente corrompido o modo de pensar das crianças.
Temos feito isso assumindo o controle e alterando a cultura lúdica da infância. Até pouco tempo atrás, havia uma rica
linguagem e um saber que eram exclusivos às crianças e que eram transmitidos pela tradição oral. Eles consistiam
de jogos, piadas, charadas, superstições e encantamentos que foram sendo revistos pelas sucessivas gerações
conforme as transformações nas circunstancias sociais. Hoje, contudo, poucas crianças conhecem canções como
Rain, rain go away, come again another day.(1) Elas também não entendem as palavras mágicas Step on a crack
and break you back.(2) As crianças contemporâneas conhecem, sobretudo a cultura da Disney, Pokemón e Yogiyo,
que nós, adultos, criamos para elas. Essa cultura lúdica virtual é desonesta porque, embora se apresente como
brincadeira de criança, não é criada pelas próprias crianças.
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Quando criamos brincadeiras para as crianças, principalmente para as pequenas, apropriamo-nos antecipadamente
de seu crescimento. Nós as privamos das oportunidades de aprenderem a seu próprio modo e em seu próprio ritmo.
Isso não quer dizer que não tentemos criar ou educar as crianças, mas apenas que o façamos de maneira que
tenham sentido, que sejam significativas e motivadoras para elas.
Eis um bom exemplo de uma mãe, com todas as boas intenções, tentando interferir no modo de brincar de seu bebê
(Greoline, 1972, p. 13):
“Uma jovem mãe senta-se junto ao berço de seu primeiro filho (para o segundo já há menos tempo) e observa como
ele tenta diversas vezes colocar um cubo vermelho sobre um azul. Depois de certo tempo observando isso, ela
pergunta: ‘E onde está aquela sua bonequinha adorável?’. A criança abandona os cubos, procura a boneca e começa
a lamber o rosto dela, e fica lambendo, lambendo até a mãe trazer o urso para a cena. ‘Grr, grr, aí vem o velho urso’.
A criança brinca com ele com as mãos e por fim mexe uma perna para cima e para baixo, até que, é claro, a mãe
entedia-se e chama a atenção da criança para a bola. Educadamente, a criança deixa-se distrair pela terceira vez e
brinca com a bola. Assim, a mãe passa uma tarde agradável e está totalmente inconsciente de como ela interfere na
persistência e na capacidade de concentração de seu filho. Ela impede que ele se acostume a perseverar em uma
atividade e a se ocupar inteiramente com alguma coisa durante um longo período de tempo”.
Isso é exatamente o que acontece quando os pais de hoje colocam uma criança em frente a uma tela de computador,
ou lhes dão brinquedos que são tão programados que deixam pouco ou nenhum espaço para a criança explorá-lo em
seu próprio ritmo e a seu próprio modo.
Efeitos do brincar virtual prematuro
Quando as crianças são introduzidas no mundo virtual ao mesmo tempo em que são expostas ao mundo real, ou até
antes disso, brincar perde muitas de suas funções adaptativas. Compare-se um bebê que sacode um chocalho para
ouvir um som com outro que aperta um botão para ouvir uma vaca mugir. No mundo real, sacudir um chocalho
realmente faz barulho, mas apertar um botão não faz uma vaca mugir. Quando deixados com seus próprios recursos,
os bebês descobrem o mundo físico real. Como declara Richard Hartacher (1967, p. 27):
“Para o bebê, os brinquedos são objetos experimentais totalmente apoéticos que servem para explorar os
santificados domínios da física. A exploração da física, portanto, começa muito antes da escola secundária. Bola,
chocalho, colher, tudo cai no chão. Mas o som é diferente a cada vez. Pela repetição contínua, o ouvido aprende a
distinguir as diferentes qualidades do som produzido pelos diversos objetos”.
Aprender a operar no mundo virtual é, em certos aspectos, mais fácil do que aprender a operar o mundo real. Ligar a
televisão é um caso pertinente. Contudo, grande parte do mundo da televisão não é a realidade. O brincar virtual é
corruptor porque impede a criança de adquirir muitas habilidades pessoais/sociais e o conhecimento físico que só
pode ser obtido brincando-se no mundo real.
Quando os adultos assumem o controle sobre as brincadeiras e os jogos das crianças, eles necessariamente
subtraem a capacidade delas de reinventar sua experiência. E é somente através dessa reinvenção que as crianças
são capazes de extrair todos os benefícios do brincar para o desenvolvimento.
A importância de “brincar de verdade”
A despeito das afirmações acerca dos benefícios do Lapware e de programas como Telletubbies, não existem dados
que apóiem os benefícios intelectuais, sociais ou comportamentais desse tipo de atividade virtual. Na verdade, a
maioria dos dados sugere que esses programas provavelmente fazem mais mal do que bem. Por exemplo, temos
assistido Vila Sésamo há mais de 30 anos. As crianças de hoje conhecem números e letras em idade mais precoce
do que nunca; porém, não estão aprendendo a ler ou fazer cálculos mais cedo e melhor do que crianças que nunca
assistiram a Vila Sésamo. De fato, considerando-se o número de crianças que estão sendo retidas no jardim de
infância porque ainda não têm habilidades, o aprendizado precoce pode estar tendo um efeito negativo.
Um estudo de Hirsch-Pasek (1991) é instrutivo a esse respeito. A pesquisadora comparou crianças que frequentam
pré-escolas acadêmicas com outras que frequentam pré-escolas centradas nas crianças e orientadas a brincar. As
crianças que frequentavam as pré-escolas acadêmicas eram menos criativas e mais ansiosas do que as que
frequentavam as pré-escolas que davam ênfase ao brincar. Elas também gostavam menos da escola do que as
crianças com as quais foram comparadas. Os pré-escolares ensinados academicamente sabiam números e letras
melhor do que o grupo que brincava, mas essas vantagens eram dissipadas quando as crianças ingressavam no
jardim de infância???
Um estudo mais recente, de Coolahan, Fantuzzo e Mendez (2000), oferece mais evidencias sobre a importância de
brincar no mundo real para crianças dessa faixa etária. Esses pesquisadores constataram que as crianças que
possuem competência para brincar com seus amigos participam mais ativamente das atividades em sala de aula do
que as que carecem dessas habilidades. Na realidade, as crianças que são inaptas para brincar são destrutivas ao
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brincar com os amigos e tendem a apresentar problemas de conduta e hiperatividade na sala de aula. (Coolahan er
al., 2000). Essas são as crianças que mais provavelmente se ocupam com o brincar virtual antes do real.
Evidências ainda mais convincentes da importância de brincar provêm de outros países ocidentais que fizeram
experiências com instrução acadêmica precoce, contraposta ao brincar no mundo real. Um relatório da Comissão
Real Britânica incluía o seguinte parágrafo (Commons, 2000, p 122-123):
“A comparação com outros países sugere que não existe benefício em iniciar a instrução formal antes dos seis anos.
A maioria dos outros países europeus admite as crianças à escola aos seis ou sete anos, após um período de três
anos de educação pré-escolar que se concentra no desenvolvimento social e físico. Entretanto, os padrões de leitura
e escrita e a capacidade aritmética costumam ser mais elevados nesses países do que na Grã-Bretanha, a despeito
de ingressarem na escola em idade mais precoce”.
Os efeitos de corromper o modo de brincar das crianças ficam mais evidentes quando elas ingressam na escola. Aí
que a falta de habilidades pessoais, sociais e oriundas do brincar torna-se mais visível. Falta de respeito pelos
professores, intimidações, trapaças e incapacidade de concentração por longos períodos são hoje lugar-comum.
Esse novo ambiente social é, ao menos em parte, atribuível à ausência de experiência lúdica no mundo real.
Consequentemente, grande parte do tempo do professor é atualmente dedicada à disciplina, em vez de dedicada à
instrução. E isso em uma época em que as demandas acadêmicas são maiores do que em qualquer período anterior.
Esta é apenas uma amostra das evidencias dos efeitos negativos de impor realidades virtuais criadas por adultos às
crianças antes de elas terem se lidado com o mundo real a seu próprio modo.
Com certeza, sempre existiu alguma realidade virtual nas vidas das crianças pequenas. Nos contos de fada infantis,
existem animais que falam e que se comportam como humanos, como em Os Três Ursinhos ou Os Três Porquinhos.
No entanto, essas histórias encontram correspondência no modo de pensar das crianças pequenas, pois estas
projetam qualidades humanas sobre os animais, de modo que os contos de fada tendem a condizer com seu modo
de pensar. Como Bettelheim deixou claro, muitos contos de fada possuem um efeito terapêutico. Os personagens da
realidade virtual, contudo, são fantásticos e não coincidem realmente com o pensamento infantil. Um bebê com uma
tela de televisão na barriga ou um homem-esponja não são personagens que as crianças evocariam sozinhas. E é
questionável se esses personagens terapêuticos. A necessidade primordial dos bebês é estabelecer vínculos com
adultos significativos, e não com figuras bidimensionais animadas.
Reformando o brincar das crianças
Os efeitos negativos de uma exposição prematura à realidade virtual são mais intensos nos primeiros anos de vida.
Precisamos limitar o tempo que bebês e crianças pequenas passam em frente à televisão: no máximo duas horas por
dia e, se possível menos do que isso. Um bom kit de blocos de madeira é um dos melhores brinquedos que podemos
dar para uma criança pequena. Outros materiais plásticos, como tintas e argila, oferecem, às crianças a oportunidade
de brincarem sozinhas.
As experiências no mundo real são muito importantes para as crianças pequenas. A jardinagem é uma grande
atividade interessante, pois elas plantam e veem as plantas crescerem. Passeios ao ar livre e visitas a museus e
aquários também ajudam a colocar as crianças em contato com a natureza. Não vejo nenhuma justificativa para
colocá-las em esportes organizados ou individuais durante os anos de pré-escola. Por outro lado, as crianças
pequenas devem ter a oportunidade de brincar com os amigos a seu próprio modo e com suas invenções.
Disponibilizar acessórios como roupas, chapéus e sapatos para serem utilizados por elas em representações teatrais
também são muito úteis. Em faixas etárias mais avançadas, precisamos monitorar a televisão e o envolvimento com
a Internet e insistir para que as crianças tenham períodos de intervalo a fim de brincar com seus próprios recursos.
Estabelecer um horário semanal para brincar em família é outro modo de garantirmos que as crianças aprendam as
habilidades sociais e intelectuais oriundas de brincar no mundo real, dedicado a jogar, fazer uma tranquila refeição
em família ou visitar um parque, museu ou zoológico.
O mundo virtual da tecnologia moderna está aqui para ficar, e as crianças certamente precisam aprender a viver e
operar nele. Meu argumento é apenas que elas precisam aprender e operar no mundo real antes de começar a viver
e lidar com o mundo virtual. É preciso ter raízes além de asas. Brincar de verdade dá às crianças as raízes; o brincar
virtual lhes dá suas asas. Elas precisam de ambas e na ordem certa.
1 “Vá, vá embora, chuva, e volte no outro dia”. Canção tradicional inglesa da época da Rainha Elisabeth I.
2 “Pise numa rachadura e quebre a espinha”. Segundo a superstição, comum entre as crianças e originária do século
XIX, pisar nas trilhas do calçamento dá azar.
David Elkind - Doutor em Psicologia Clínica e professor de Desenvolvimento da Criança na Tufts University, em
Medford, MA (Estados Unidos).
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