História - UNIT ON-LINE

Transcrição

História - UNIT ON-LINE
Pedro Abelardo de Santana
Introdução ao Estudo Histórico
Jouberto Uchôa de Mendonça
Reitor
Amélia Maria Cerqueira Uchôa
Vice-Reitora
Jouberto Uchôa de Mendonça Junior
Pró-Reitoria Administrativa - PROAD
Ihanmark Damasceno dos Santos
Pró-Reitoria Acadêmica - PROAC
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Pró-Reitoria Adjunta de Graduação - PAGR
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Comunitários e Extensão - PAACE
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Gerente do Núcleo de Educação a Distância - Nead
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Coordenador de Tecnologias Educacionais - Nead
Equipe de Elaboração e Produção de Conteúdos
Midiáticos:
Alexandre Meneses Chagas - Supervisor
Ancéjo Santana Resende - Corretor
Claudivan da Silva Santana - Diagramador
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S232i
Santana, Pedro Abelardo de
Introdução ao estudo histórico / Pedro
Abelardo de Santana.
– Aracaju : Gráf. UNIT, 2010.
144 p.: il.
Inclui bibliografia
1. História – estudo e ensino. I. Titulo
UniversidadeTiradentes (UNIT) Núcleo
de Educação à Distância - NEAD
CDU : 94
Copyright © Universidade Tiradentes
Apresentação
Prezado(a) estudante,
A modernidade anda cada vez mais atrelada ao tempo, e a
educação não pode ficar para trás. Prova disso são as nossas disciplinas on-line, que possibilitam a você estudar com o maior conforto e comodidade possível, sem perder a qualidade do conteúdo.
Por meio do nosso programa de disciplinas on-line você pode
ter acesso ao conhecimento de forma rápida, prática e eficiente,
como deve ser a sua forma de comunicação e interação com o
mundo na modernidade. Fóruns on-line, chats, podcasts, livespace,
vídeos, MSN, tudo é válido para o seu aprendizado.
Mesmo com tantas opções, a Universidade Tiradentes optou por criar a coleção de livros Série Biblioibliográfica Unit como mais uma opção de acesso ao conheonhecimento. Escrita por nossos professores, a obra contém
ntém
todo o conteúdo da disciplina que você está cursando
ando
na modalidade EAD e representa, sobretudo, a
nossa preocupação em garantir o seu acesso ao
conhecimento, onde quer que você esteja.
Desejo a você bom
aprendizado e muito sucesso!
Professor Jouberto Uchôa de Mendonça
Reitor da Universidade Tiradentes
Sumário
Parte I: A Natureza do Conhecimento Histórico ................. 11
Tema 1: História: Trajetória e Definições.............................. 13
1.1 Criação do método ....................................................... 13
1.2 Trabalho do historiador ................................................ 22
1.3 Relação entre passado e presente .............................. 30
1.4 História como ciência ................................................... 36
Tema 2: História: Construção, Fato e Utilidade ................... 45
2.1 Construção da história ................................................. 45
2.2 Fatos históricos............................................................. 54
2.3 Utilidade do passado.................................................... 61
2.4 Função da história ........................................................ 68
Parte II: A produção e a Divulgação do Conhecimento
Histórico ................................................................... 77
Tema 3: História: Método Científico e Teorias ..................... 79
3.1 Século da história ......................................................... 79
3.2 Escola metódica ........................................................... 87
3.3 Marxismo e história ...................................................... 93
3.4 História dos Annales .................................................. 100
Tema 4: História: Fontes, Escrita, Pesquisa, Ensino ......... 111
4.1 Fontes.......................................................................... 111
4.2 Acontecimento e estrutura ........................................ 120
4.3 Pesquisa histórica ....................................................... 126
4.4 Ensino de história ....................................................... 134
Referências ............................................................................ 142
Concepção da Disciplina
Ementa
Investigar os avanços e recuos do conhecimento histórico
desde o seu surgimento na Antiguidade até a atualidade. Discutir
algumas especificidades do saber histórico, como a sua construção
e os usos sociais do passado. Refletir sobre as escolas históricas,
a produção do conhecimento histórico, a escrita e o ensino.
Objetivos
Geral
Conhecer o método de produção do saber histórico e
discutir os seus avanços e recuos ao longo do tempo.
Específicos
• Discutir o que é História e o que é memória e a relação
entre ambas;
• Refletir sobre as várias modalidades do tempo histórico;
• Examinar algumas fontes e discutir o que é fato histórico;
• Refletir sobre a escrita histórica, a pesquisa e o ensino de
história;
• Exercitar a capacidade de ler, compreender e analisar
criticamente as literaturas históricas;
• Conhecer e debater criticamente as teorias que embasam
o conhecimento da História;
• Exercitar a leitura e a interpretação das fontes históricas,
como passo inicial da produção do conhecimento;
Refletir sobre a função educativa dos lugares da História.
Orientação para Estudo
A disciplina propõe orientá-lo em seus procedimentos de
estudo e na produção de trabalhos científicos, possibilitando
que você desenvolva em seus trabalhos pesquisas, o rigor
metodológico e espírito crítico necessários ao estudo.
Tendo em vista que a experiência de estudar a distância é
algo novo, é importante que você observe algumas orientações:
• Cuide do seu tempo de estudo! Defina um horário
regular para acessar todo o conteúdo da sua disciplina
disponível neste material impresso e no Ambiente Virtual
de Aprendizagem (AVA). Organize-se de tal forma para
que você possa dedicar tempo suficiente para leitura e
reflexão;
• Esforce-se para alcançar os objetivos propostos na
disciplina;
• Utilize-se dos recursos técnicos e humanos que estão ao seu
dispor para buscar esclarecimentos e para aprofundar as suas
reflexões. Estamos nos referindo ao contato permanente
com o professor e com os colegas a partir dos fóruns, chats
e encontros presencias. Além dos recursos disponíveis no
Ambiente Virtual de Aprendizagem – AVA.
Para que sua trajetória no curso ocorra de forma tranquila,
você deve realizar as atividades propostas e estar sempre em
contato com o professor, além de acessar o AVA.
Para se estudar num curso a distância deve-se ter a clareza
que a área da Educação a Distância pauta-se na autonomia,
responsabilidade, cooperação e colaboração por parte dos
envolvidos, o que requer uma nova postura do aluno e uma nova
forma de concepção de educação.
Por isso, você contará com o apoio das equipes pedagógica
e técnica envolvidas na operacionalização do curso, além dos
recursos tecnológicos que contribuirão na mediação entre você e
o professor.
A NATUREZA DO
CONHECIMENTO HISTÓRICO
Parte I
1
História: Trajetória e
Definições
A disciplina Introdução ao Estudo Histórico tem por finalidade dar familiaridade ao aluno iniciante de História em relação
às especificidades do saber histórico. Que conteúdos estudar
nesta disciplina? Isso dependerá de uma escolha do professor,
pois é vasta a quantidade de saberes necessários aos estudantes
de História. Nossa opção privilegia a metodologia, a noção de
tempo e a função da história.
Neste tema os assuntos abordados versarão sobre o fazer
histórico da Antiguidade aos tempos atuais, enfocando algumas
questões específicas como o pensamento do historiador, a cientificidade de sua produção, a escolha dos fatos e os diferentes
usos do passado pelas sociedades humanas.
1.1 CRIAÇÃO
DO MÉTODO
Iniciaremos a nossa discussão sobre os estudos históricos
com uma afirmação do filósofo Collingwwod. Na obra A ideia de
história, ele diz que a história serve para o autoconhecimento
humano. Argumentando que por não termos meios de prever o
14
Introdução ao Estudo Histórico
futuro, só podemos conhecer o que
o homem fez, por isso, ele explica
que o valor da história está então
em nos ensinar. O que o homem tem
feito e, deste modo, o que o homem
é. Diante da afirmativa fica evidenciada a importância do conhecimento histórico e a necessidade de
dominar os seus métodos.
1 Para conhecer mais este
assunto
leia:
História:
HERÓDOTO.
estudo
crítico
por Vitor de Azevedo. São
Paulo:
Ediouro,
2001.
p
9-42; e BLOCH, M. Apologia
da história, ou o ofício do
historiador. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar 2001. p.15-34.
O método histórico: Heródoto
O discurso histórico ainda em vigor na sociedade atual teve
o seu início na Antiguidade entre os gregos. É consenso entre os
estudiosos que o primeiro historiador cuja obra sobreviveu aos
nossos dias foi Heródoto1. Mas, quem foi Heródoto e quais
as características de sua obra? Heródoto foi um geógrafo e historiador grego, nascido no século V a.C. (485–420 a.C.) em Halicarnasso (hoje Bodrum, na Turquia). É considerado por muitos
como o pai da História, por ser autor de uma obra com o nome
de História. O livro narra a invasão da Grécia pelos persas no
século V a.C. A originalidade do seu texto consiste em relatar os
acontecimentos a partir do uso de testemunhas.
Estátua de Heródoto, historiador da
antiguidade, século V a. C. considerado
o pai da História.
Fonte: http://pt.wikipedia.org
Tema I
| História: trajetória e definições
15
Heródoto inaugura o gênero da história com testemunhas,
ou como dizemos hoje, com fontes. As fontes utilizadas pelo
autor para compor a narração da guerra entre gregos e persas foram os rapsodos (o nome dado a um artista popular ou
cantor que, na antiga Grécia, ia de cidade em cidade recitando),
soldados e os sátrapas (governadores das províncias persas).
Outra característica importante da sua obra é que ela é fruto das
viagens do autor pelo Egito, Fenícia, Babilônia e Pérsia. Isso o
transforma em um geógrafo e, para alguns, numa espécie de
antropólogo moderno, pois nestas viagens fazia a observação de
sociedades e lugares.
História é a narrativa minuciosa das invasões médicas. É
uma história universal, pois visa contar a história do mundo
conhecido à época, com destaque para a guerra entre gregos e
asiáticos. Faz também a descrição geográfica, étnica, costumes,
religião dos lugares e povos visitados pelo autor.
A obra tem muitos méritos, mas não está isenta de críticas.
Os estudiosos apontam entre os seus defeitos a credulidade no
maravilhoso, ou seja, a crença em milagres ou na participação de
seres sobrenaturais nos acontecimentos humanos, o excesso de
elementos anedóticos, a ausência de julgamentos, pois o autor
se limita a narrar os acontecimentos e deixar o julgamento para
os leitores, e inexatidões. Entre as críticas positivas está o fato
de o autor não fazer panegírico, isto é, um discurso que exalta
as qualidades de uma pessoa. A proposta de Heródoto é fazer o
relato simples e veraz.
Se compararmos Heródoto com Tucídides, outro historiador grego da Antiguidade, século V a.C, perceberemos que
aquele é um cronista atento e minucioso, faz incursões pelo
extraordinário e maravilhoso. Os equívocos presentes na obra
de Heródoto devem-se aos erros de informantes, intérpretes e
guias. Uma diferença da obra de Tucídides é a concepção de que
a ação humana é resultado do caráter e da situação do indivíduo,
16
Introdução ao Estudo Histórico
portanto, ele abandona a explicação das ações humanas a partir
do fantástico. Esta é uma de suas críticas ao seu antecessor.
Estátua de Tucídides, historiador grego
do século V antes de Cristo.
Fonte: http://pt.wikipedia.org
Antes de Heródoto existiam outras
formas de contar a história. Por exemplo,
Cadmos antes do século V a.C. reuniu a tradição oral misturada
à fantasia mitológica, mas Heródoto marcou o fim deste estilo
de transportar a epopeia para a historiografia. Antes dele existiam os logógrafos que recolhiam notícias recheadas de idealizações. Heródoto foi o primeiro a fazer a narrativa singela
de fatos reais. Entretanto, nem todos seguiram o seu exemplo,
um milênio após a invenção do seu método histórico, o bispo e
teólogo francês Bossuet (1627-1704), já no século XVII, fala na
providência divina interferindo nos acontecimentos históricos.
O método histórico no século XX: Marc Bloch
Para entendermos a visão de história na atualidade, recorramos a análise da obra Apologia da história feita por Jacques
Le Goff. Desde Heródoto até o século XX, a história passou por
avanços e recuos. Por volta dos anos 1930, Marc Bloch estabeleceu um método e defendeu a história como uma ciência. O autor
tem como ponto de partida uma pergunta sobre a legitimidade
da história ou sua serventia, a qual responde dizendo que a história
distrai, “tem seus gozos estéticos próprios” e que “Evitemos retirar de nossa ciência sua parte de poesia”. Esta é uma das suas
legitimidades, mas não é a única. A distração da história e a sua
Tema I
| História: trajetória e definições
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aproximação com a arte não tira o seu caráter científico, não a
transforma em ficção. Ela tem métodos que devem ser conhecidos por todos os que pretendem enveredar por seus caminhos.
A visão moderna de história valoriza o fundamento científico
positivista, mas critica a estrita observância dos fatos que
despreza a interpretação. Critica a história que mutila o homem,
Marc Bloch foi fuzilado pelos alemães em
1944 por fazer parte da resistência francesa
à II Guerra.
Fonte: http://laviedesbetes.files.wordpress.com
visualizando-o apenas no seu aspecto
político ou econômico, e se interessa pelo
homem integral, fazendo uma história do
corpo, da sensibilidade, da mentalidade e
não apenas ideias e atos.
Não há questionamentos ao fato de que a história começou a sua maturidade com o início da crítica dos documentos
de arquivos. O auge deste movimento foi o século XIX, quando surgiram métodos para a divulgação destes procedimentos.
Mas atualmente tal método foi aperfeiçoado, em muitos aspectos foi superado. A aproximação com as ciências sociais, especialmente a sociologia, contribuiu para tal superação. Mas, Marc
Bloch não abandona o acontecimento e o individual. Daí uma das
diferenças entre história e sociologia. Após sofrer várias críticas,
a história avançou muito em seus métodos e nas últimas décadas aconteceu a sua ampliação e aprofundamento. Como fruto
destas transformações ela passou a tratar de novos problemas,
novas abordagens e novos objetos.
18
Introdução ao Estudo Histórico
Superando a ideia convencional de que a história é o estudo do passado humano, Marc Bloch traz a noção de que a história é busca e que o seu objeto de estudo são os homens no tempo. Esta noção é inovadora porque fala dos homens no plural,
superando a história dos homens ilustres. E também fala na compreensão do presente pelo passado e do passado pelo presente.
Em outras palavras, o passado não é recuperado pelo presente,
mas o conhecimento que temos dele é fruto de interpretações,
questionamentos e silenciamentos.
Bloch também atenta para um elemento importante na investigação histórica, o fato de os documentos e testemunhos do
passado só falarem quando sabemos interrogá-los. Neste caso,
percebemos a importância da imaginação e do questionamento
do pesquisador. Nesta questão do método, ele também diz que
o historiador deveria relatar os problemas enfrentados durante a
sua investigação como as ausências de testemunhos ou as respostas não encontradas para algumas questões. Desta forma, o
leitor conheceria as fontes do historiador e o caminho que ele
percorreu até chegar as suas conclusões.
Por fim, uma lição valorosa que aprendemos com o mestre
Bloch é que o papel da história é compreender e não julgar o
passado. Enquanto sujeitos, podemos até nos indignarmos com
um fato do passado, mas como estudiosos nossa tarefa consiste
em entender e explicar a conjuntura em que os acontecimentos
se deram.
Tema I
| História: trajetória e definições
19
Texto Complementar
LIVRO I (CLIO) DE HERÓDOTO.
Ao escrever a sua História, Heródoto de Halicarnasso teve
em mira evitar que os vestígios das ações praticadas pelos homens se apagassem com o tempo e que as grandes e maravilhosas explorações dos Gregos, assim como as dos bárbaros,
permanecessem ignoradas; desejava ainda, sobretudo, expor os
motivos que os levaram a fazer guerra uns aos outros.
I — Os Persas mais esclarecidos atribuem aos Fenícios a
causa dessas inimizades. Dizem eles que esse povo, tendo vindo
do litoral da Eritréia para as costas do nosso país, empreendeu
longas viagens marítimas, logo depois de haver-se estabelecido no país que ainda hoje habita, transportando mercadorias do
Egito e da Assíria para várias regiões, inclusive para Argos. Esta
cidade era, então, a mais importante de todas as do país conhecido atualmente pelo nome de Grécia. Acrescentam que alguns fenícios, ali desembarcando, puseram-se a vender mercadorias, e
que cinco ou seis dias após sua chegada, quase concluída a venda, grande número de mulheres dirigiu-se à beira-mar. Entre elas
estava a filha do rei. Esta princesa, filha de Inaco, chamava-se Io,
nome por que era conhecida pelos Gregos. Quando as mulheres,
postadas junto aos barcos, compravam objetos de sua preferência, os fenícios, incitando uns aos outros, atiraram-se sobre elas.
A maior parte delas logrou fugir, mas Io foi capturada, juntamente com algumas de suas companheiras. Os fenícios conduziramnas para bordo e fizeram-se à vela em direção ao Egito.
II — Eis como, segundo os Persas — nisto pouco de
acordo com os Fenícios — Io veio parar no Egito. Essa questão
foi o início de todas as outras. Acrescentam os Persas que,
20
Introdução ao Estudo Histórico
pouco depois, alguns gregos, cujos nomes não gravaram, vieram
a Tiro, na Fenícia, e raptaram Europa, filha do rei. Eram, sem
dúvida, Cretenses. Ficaram, assim, quites os dois povos, mas os
Gregos tornaram-se depois culpados de uma segunda ofensa.
Dirigiram-se num grande navio a Aea, na Cólquida, sobre o Faso,
e, ultimados os negócios que ali os levaram, arrebataram Medéia, filha do rei, e tendo esse príncipe enviado um embaixador
à Grécia para exigir a entrega da filha e a reparação da injúria,
responderam-lhe que, como os Colquidenses não haviam dado
nenhuma satisfação pelo rapto de Io, eles não o dariam absolutamente pelo de Medéia.
III — Dizem ainda os Persas que na geração seguinte, Páris,
filho de Príamo, tendo ouvido falar no caso, quis também raptar
e possuir uma mulher grega, persuadido de que se outros não
foram punidos, não o seria também. Raptou, então, Helena; mas
os Gregos resolveram, antes de qualquer outra iniciativa, enviar
embaixadores para exigir a devolução de Helena e pedir satisfações.
Os Troianos, além de invocar aos Gregos o rapto de Medéia,
ainda os censuraram por exigirem satisfações, uma vez que eles
não as tinham dado aos outros e nem entregue a pessoa reclamada.
IV — Até então, não houvera de uma parte e de outra mais
do que raptos; mas depois do acontecido, os Gregos, julgando-se
ofendidos em sua honra, fizeram guerra à Ásia, antes que os
asiáticos a declarassem à Europa. Ora, conquanto lícito não seja
raptar mulheres, dizem os Persas, é loucura vingar-se de um
rapto. Manda o bom senso não fazer caso disso, pois sem o
seu próprio consentimento decerto não teriam as mulheres sido
raptadas. Asseguram os Persas que, embora asiáticos, ainda não
haviam tido conhecimento de casos semelhantes, naquela parte do mundo. Entretanto, os Gregos, por causa de uma mulher
lacedemônia, equiparam uma frota numerosa, desembarcaram
Tema I
| História: trajetória e definições
21
na Ásia e destruíram o reino de Príamo. Desde essa época, os
Persas passaram a encarar os Gregos como inimigos, pois julgam que a Ásia lhes pertence tanto quanto as nações bárbaras
que ocupam, enquanto consideram a Europa e a Grécia como
formando um continente à parte.
V — Tal é a maneira pela qual os Persas narram esses acontecimentos. À tomada de Tróia atribuem eles a causa do seu ódio
aos Gregos. No que concerne a Io, os Fenícios não estão de acordo com os Persas. Dizem não ter havido rapto; que apenas a conduziram ao Egito com o seu próprio consentimento. Vendo-se
grávida, a princesa, receando a cólera dos pais, entrou em entendimento com o comandante do navio fenício, em Argos, com ele
partindo, a fim de ocultar sua desonra. Eis aí como Persas e Fenícios narram os fatos. Quanto a mim, não pretendo absolutamente decidir se as coisas se passaram dessa ou de outra maneira; e
depois de ter narrado o que conheço sobre o primeiro autor das
injúrias feitas aos Gregos, prossigo minha história, na qual tratarei tanto dos pequenos Estados como dos grandes. Os outrora
florescentes, encontram-se hoje, na sua maioria, em completa
decadência, e os que florescem hoje, eram outrora bem pouca
coisa. Persuadido da instabilidade da ventura humana, estou decidido a falar igualmente de uns e de outros.
VI — Creso era lídio por nascimento, filho de Aliata e rei
das nações banhadas pelo Hális, no seu curso. Este rio, corre do
sul, atravessa os países dos Sírios e dos Paflagônios, e desemboca ao norte, no Ponto Euxino. Pelo que me é dado saber, foi o
príncipe o primeiro bárbaro a forçar uma parte da Grécia a lhe
pagar tributo e não ter-se aliado com a outra. Submeteu os
Iônios, os Eólios e os Dórios estabeledos na Ásia, e fez aliança
com os Lacedemônios. Antes do seu reinado, todos os gregos
eram livres. A expedição dos Cimerianos contra a Jônia, anterior a
22
Introdução ao Estudo Histórico
Creso, não fez mais do que arruinar as cidades, pois não passou
de incursão seguida de pilhagem.
FONTE: Heródoto (484 a.C. - 425 a.C.). História. Traduzido por Pierre Henri
Larcher (1726–1812). Versão para eBook, eBooksBrasil. 2006.
Para Refletir
• Junte-se aos seus colegas e discutam no fórum do AVA a
partir da leitura do tema:
• O que você entendeu sobre o método histórico inventado
por Heródoto?
• O que você entendeu sobre o fazer histórico na atualidade?
1.2 TRABALHO
DO HISTORIADOR
O objetivo deste conteúdo é falar
do trabalho do historiador enquanto
um procedimento científico. Destacaremos de que forma o pesquisador faz
uma observação direta ou indireta do
passado e mencionaremos a importância das fontes, elementos fundamentais
para a credibilidade da história.
2
Saiba
este
mais
assunto
BLOCH,
M.
sobre
lendo:
Apologia
da história, ou, o ofício
do historiador. Rio de
Janeiro:
Jorge
Zahar,
2001. p.69-87.
O olhar do historiador
O objeto de estudo do historiador não é mais o passado
humano, mas “os homens no tempo2”. Esta definição leva em
Tema I
| História: trajetória e definições
23
consideração que o passado não chega puro até o presente,
porque os pesquisadores do presente lançam questões sobre o
passado. Assim, o acesso do historiador ao seu objeto de estudo
se dá a partir do distanciamento. Isto ocorre porque diferente de
outros cientistas, o historiador não presencia a maioria dos eventos que estuda, portanto, para ele é impossível constatar os fatos
que estuda. Por este raciocínio, quem se ocupa do presente produziria um conhecimento direto, e, quem se ocupa do passado
produziria um conhecimento indireto. Esta é a crítica que muitas
vezes é feita à História.
Entretanto, a observação direta do presente é um artifício.
A capacidade de observarmos o que ocorre a nossa volta é limitada. Tomemos o exemplo de um general no teatro da guerra.
Ele só pode parcialmente observar diretamente o que ocorre a
sua volta, o restante das notícias que chegam as suas mãos depende da observação dos seus tenentes e outros comandantes
que preparam os seus relatórios. Vemos que, mesmo em relação
a fatos da nossa época, dependemos de outros informantes para
termos acesso a eles. Esta situação não difere da posição do historiador. Este também depende dos testemunhos de quem presenciou os eventos passados. Do ponto de vista da observação
dos acontecimentos, a situação de quem observa o presente ou
o passado remoto é similar, isto é, não consegue observar tudo
o que ocorre a sua volta.
Fonte: http://batalhamedieval.queroumforum.com
24
Introdução ao Estudo Histórico
A observação do passado seria tão indireta? Se analisarmos
bem, a resposta é não. O pesquisador que defende a necessidade
de presenciar os fatos está imbuído de uma concepção de história específica. É, portanto, a História Política, predominante no final do século XIX e início do XX, baseada na descrição dos acontecimentos, grandes acontecimentos, que mais carece da observação direta. Da mesma forma, o uso dos testemunhos escritos
e não-escritos permite a observação direta do passado, para a
concepção de história que busca o entendimento contextual. Ao
recorrer aos documentos, objetos ou outros testemunhos, o historiador está tendo um acesso direto ao passado. Percebemos
que o conhecimento histórico necessita de vestígios, também
chamados de fontes, testemunhos ou registros.
A observação direta ou indireta do passado implica em
presenciar ou não os acontecimentos. A diferença entre a investigação do mais remoto ou do mais recente é apenas de grau. Se
no presente alguém não fizer os registros necessários dos acontecimentos, ou se a memória de quem presenciar um evento não
for confiável, fica impossível após algum tempo recuperar tais
informações com precisão.
Sabemos que o passado é imutável, mas o seu conhecimento é progressivo. Nos séculos XIX e XX, graças à arqueologia,
muitas civilizações, antes ignoradas, passaram a ser conhecidas.
Cidades, línguas, religiões até então desconhecidas foram descobertas. Mas a nossa capacidade de conhecer o passado não é
ilimitada. Só conhecemos aquilo que o passado nos permite saber. Para certas épocas, o pensamento, as atividades quotidianas
entre outras, não são possíveis de serem recuperadas. Às vezes,
o passado é um mundo sem indivíduos, exatamente porque eles
não deixaram suas memórias. Portanto, o pesquisador quando
necessário for deve honestamente confessar a sua ignorância.
Tema I
| História: trajetória e definições
25
Os testemunhos
Os testemunhos do passado que chegam aos historiadores
podem ser classificados como voluntários ou involuntários.
Livros, cartas, biografias, diários, podem ilustrar esta primeira
categoria de documentos. Ou seja, aqueles produzidos para servirem de prova, para informar ao leitor. Estes têm a vantagem
de oferecer um enquadramento cronológico preciso. Porém, às
vezes, não é a informação contida nestas fontes que interessa
ao pesquisador, mas exatamente o que elas deixam
de falar, as entrelinhas, demandando a curiosidade e
a astúcia do investigador.
Vaso grego. Exemplo de testemunho do
passado
usado como fonte pelo historiador.
p
Fonte: http://calcanhar.wordpress.com
Fon
O segundo caso, os documentos involuntários,
como os restos de cozinha descartados, moedas, inscrições, artefatos e determinados tipos de documentos escritos, podem
servir como testemunhos de um modo de vida. São involuntários porque sua produção não visou informar à opinião pública
ou aos historiadores futuros. Eles poderiam ser tratados como
mais confiáveis, por serem produzidos à revelia e não trazer uma
mensagem préestabelecida. Não que existam documentos mais
verdadeiros que outros, porém, a preferência do pesquisador recai
sobre as fontes menos carregadas, mensagens intencionais.
Por mais claro que seja o documento, ele só fala quando sabemos interrogá-lo. Quem se especializa no estudo da Idade Média ou da Pré-história sabe precisamente o que perguntar a cada
documento da época. A observação passiva não é produtiva.
É necessário que se façam perguntas aos documentos para se
obter respostas. Sem essa inquirição o historiador não aparece,
sua existência seria desnecessária.
26
Introdução ao Estudo Histórico
À disposição do historiador existe uma diversidade de testemunhos históricos. Vai muito além do texto escrito, “tudo o
que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, tudo que toca
pode e deve informar sobre ele”, diz Marc Bloch (2001, p. 79). As
fontes não se limitam aos textos escritos oficiais como apregoavam
os positivistas. A ausência de estudos sobre determinados temas
ou épocas, às vezes, não se deve à falta de testemunhos, mas à
falta de investigação, de pesquisa.
Não existe uma fonte específica para cada problema
histórico. A profundidade dos fatos só pode ser atingida com o
maior número possível de testemunhos. Assim, textos, pinturas,
fotografias e outros testemunhos, podem e devem ser usados
conjuntamente. Qualquer estudo histórico torna-se mais rico,
mais confiável se estiver alicerçado em várias fontes.
Onde e como encontrar os documentos? Marc Bloch (2001,
p. 82) dá uma pista:
Reunir os documentos que estima necessários é uma
das tarefas mais difíceis do historiador. De fato ele não
conseguiria realizá-la sem a ajuda de guias diversos:
inventários de arquivos ou de bibliotecas, catálogos
de museus, repertórios bibliográficos de toda sorte.
Os testemunhos necessários ao historiador comumente
não estão acessíveis. A dificuldade de acessá-los é um dos
problemas da profissão. A negligência de uns pode causar a
perda ou a destruição dos documentos. A paixão pelo sigilo
de outros faz com que inúmeros documentos de ordens religiosas, de instituições bancárias, de famílias etc. sejam interditos ao grande público. A acessibilidade ou a inacessibilidade aos
registros é o que interfere no conhecimento ou esquecimento de
uma época, de um contexto, de uma geração inteira, até de
um povo.
Tema I
| História: trajetória e definições
27
Texto Complementar
A IMPORTÂNCIA DA OBSERVAÇÃO HISTÓRICA
[Mas tem mais.] A observação do passado, mesmo de um
passado muito recuado, será com certeza sempre “indireta” a
esse ponto?
Vemos muito bem por que razões a impressão desse distanciamento entre o objeto do conhecimento e o pesquisador
impôs-se com tanta força a tantos teóricos da história. É que
pensavam antes de tudo em uma história de acontecimentos,
até mesmo de episódios: quero dizer, aqueles que, certo ou errado -não é o momento de examinar -, dão extrema importância
a retraçar exatamente os atos, palavras ou atitudes de alguns
personagens, agrupados em uma cena de duração relativamente
curta, em que se concentram, como na tragédia clássica, todas
as forças da crise do momento: jornada revolucionária, combate,
entrevista diplomática. Conta-se que, em 2 de setembro de 1792,
a cabeça da princesa Lamballe havia desfilado na ponta de um
chuço sob as janelas da família real. É verdade isso? É falso? O
sr. Pierre Caron, que escreveu sobre os Massacres um livro de
admirável probidade, não ousa se pronunciar. Se lhe houvesse
sido dado contemplar, ele próprio, de uma das torres do Templo,
o terrível cortejo, teria seguramente a que se ater. Pelo menos
supondo que, tendo preservado, como podemos acreditar, nessas
circunstâncias todo seu sangue-frio de cientista, houvesse, além
disso, por uma justa desconfiança de sua memória, tomado cuidado de anotar imediatamente suas observações. Em tal caso,
sem nenhuma dúvida, o historiador se sente, em relação à boa
testemunha de um fato presente, em uma posição algo humilhante. Fica como que no fim de uma fila na qual os avisos são
transmitidos, desde a frente, de fileira em fileira. Não é um lugar
28
Introdução ao Estudo Histórico
muito bom para se ser informado com segurança. Assim, um
tempo atrás, presenciei, durante uma troca de guarda noturna,
passar, ao longo da fila, o grito: “Atenção! Buracos [de obus] à
esquerda!” O último homem recebeu-o sob a forma “Para a esquerda”, deu um passo nesse sentido e foi tragado.
(...)
Ora, assim também muitos outros vestígios do passado
nos oferecem um acesso do mesmíssimo nível. É o caso, em
sua quase totalidade, da imensa massa de testemunhos nãoescritos, e até de um bom número de escritos. Se os mais conhecidos teóricos de nossos métodos não tivessem manifestado tão espantosa e soberba indiferença em relação às técnicas
próprias da arqueologia, se tivessem sido, na ordem documentária, obcecados pelo relato, ao passo que na ordem dos fatos,
pelo acontecimento, sem dúvida os veríamos menos prontos a
nos jogar para uma observação eternamente dependente. Nos
túmulos reais de Ur, na Caldéia, encontraram-se contas de colar
feitas de amazonita. Como as jazidas mais próximas dessa pedra
situam-se no coração da Índia ou nos arredores do lago Baikal,
parece se impor a conclusão de que, a partir do terceiro milênio
antes de nossa era, as cidades do Baixo Eufrates mantinham relações de troca com terras extremamente longínquas. A indução
pode parecer boa ou frágil. Qualquer juízo que se faça sobre ela,
trata-se inegavelmente de uma indução do tipo mais clássico;
fundamenta-se na constatação de um fato e a palavra de outro
em nada interfere nisso. Mas os documentos materiais não são,
longe disso, os únicos a possuir esse privilégio de poderem ser
apreendidos de primeira mão. Do mesmo modo o sílex, talhado
outrora pelo artesão da idade da pedra,] um traço de linguagem,
uma regra de direito incorporada em um texto, um rito fixado
por um livro de cerimônias ou representado sobre uma estela
são realidades que nós próprios captamos e que exploramos por
um esforço de inteligência estritamente pessoal. [Nenhum outro
Tema I
| História: trajetória e definições
29
cérebro humano precisa ser convocado para isso, como intermediário. Não é absolutamente verdade, para retomar a comparação de
ainda há pouco, que o historiador seja necessariamente reduzido
a só saber o que acontece em seu laboratório por meio de relatos
de um estranho. Ele só chega depois de concluído o experimento, sempre. Mas, se as circunstâncias o permitirem, o experimento terá deixado resíduos, os quais não é impossível que perceba
com os próprios olhos.]
Fonte: BLOCH, M. Apologia da história, ou, o ofício do historiador.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p.70-73.
Para Refletir
• Reflita e debata com seus colegas no fórum do AVA os
questionamentos a seguir:
• O que você entendeu sobre a ideia de que a observação
direta do presente é um artifício?
• Como explicar a afirmativa de que o conhecimento histórico
é progressivo?
• Como você entendeu a comparação entre a situação de
um historiador e a de um guarda noturno?
30
Introdução ao Estudo Histórico
1.3 RELAÇÃO
ENTRE PASSADO E PRESENTE
Qual é o passado que interessa à história? Existe alguma
relação entre passado e presente? A primeira pergunta Marc
Bloch (2001, p.41) responde afirmando que é aquele em que
há predomínio das ações humanas. Seu esclarecimento
para a segunda pergunta é que ambos, passado e presente
se influenciam.
Preservar a memória das ações humanas é uma prática
muito antiga, assim como é antiga a palavra história. Desde o
século V antes de Cristo ela já era empregada com o sentido que
tem hoje - investigação das ações dos homens através de testemunhos (fontes, registros etc.). Mas, diferentemente da historia construída pelos antigos, para a história contemporânea não
é somente a ação individual que interessa. Sua preocupação é
mais ampla, tem a ver com a coletividade. Não procuramos mais
destacar apenas os atos dos heróis como se fazia no passado,
pelo contrário, as ações, as crenças, o comportamento dos indivíduos devem ser levados em consideração e estudados.
O objeto de estudo do historiador, segundo o pensador
francês Marc Bloch é a investigação dos “homens” através do
tempo. Não se trata apenas do passado, mas da relação entre
passado e presente e vice-versa. Considerar que a história estuda “o passado humano” implicaria dizer que, o presente não
influencia o passado e este chegaria intacto até nós. Existem alguns fenômenos naturais que são vistos numa perspectiva histórica como as erupções vulcânicas, os avanços e recuos do mar
etc. Porém, só são de domínio da história os acontecimentos nos
quais existe a prevalência do homem, quando ele é agente ou
paciente. Outras ciências estudam os acontecimentos que não
são frutos da ação humana como a geologia, a geomorfologia, a
astronomia, etc.
Tema I
| História: trajetória e definições
31
Os homens são percebidos pela História através de diversificados testemunhos, entre eles, vestígios na paisagem, textos
escritos, monumentos, cultura material e imaterial entre outros.
Procede-se a análise desses registros de forma precisa e também com o uso da imaginação, da sugestão. O conhecimento
histórico não é atingido apenas por meio da ciência, dos dados
exatos, é necessária uma dose de arte, de interpretação. Para
ilustrar este caso, basta pensar como se faz a análise de uma
fotografia, de uma pintura.
Martinho Lutero. Autor da Reforma
Protestante que dividiu o cristianismo.
É tarefa do historiador compreender a
sua época, as suas ideias e a aceitação
delas.
Fonte: http://www.ielpa.org
O papel do pesquisador é analisar os acontecimentos, ele
não deve apenas listar os fatos cronologicamente, mas deve
situá-los dentro de um contexto. Por exemplo, se falamos de
Martinho Lutero e da reforma protestante no século XVI, temos
que situar os fatos ante aos problemas sociais, culturais e econômicos da época, as relações entre a religião e a política, enfim,
o contexto.
Diz Marc Bloch (2001, p. 58): “devemos considerar o
conhecimento do mais antigo como necessário ou supérfluo
para a compreensão do mais recente?”. Esta questão é fundamental para entendermos que relação há entre o passado e o
presente.
32
Introdução ao Estudo Histórico
Alguns estudiosos procuravam “explicar o mais próximo
pelo mais distante”, esclarecer o presente pelo mais antigo. Neste
caso, a origem seria o começo ou a causa dos acontecimentos?
É um proceder problemático, pois onde localizar a origem? Onde
buscar a origem do feudalismo: em Roma ou na Germânia? Na
maior parte dos eventos históricos a localização desse ponto inicial é algo impreciso, inalcançável. Fazer uso desse expediente,
geralmente, redunda na justificação ou condenação do passado.
Mas o julgamento é inimigo da história. Cabe a esta entender,
compreender e não louvar ou condenar o que os homens do
passado fizeram. Em suma, não devemos esquecer que os fenômenos históricos também são explicados pelo seu momento.
Castelo de Bodian, Inglaterra. Simboliza o Feudalismo e ilustra
a pergunta sobre onde encontrar a sua origem, em Roma, na
Germania.
Fonte: http://www.historiadomundo.com.br
Outros historiadores agiam de forma contrária, eram
adeptos do “presentismo”, isto é, viam os acontecimentos do
presente como se fossem desligados do passado, como se em
algum momento surgisse uma barreira separando o presente do
Tema I
| História: trajetória e definições
33
passado. Mas, o que é o presente? É um instante que, mal
nasce, já morre. Então, a separação entre passado e presente é
arbitrária, só existe nas nossas cabeças. Alguns pesquisadores
pretendiam distanciar-se da época de estudo. Assim, defendiam
que a história estudaria a época antiga e os fatos recentes seriam
dominados por sociólogos, economistas, jornalistas, etc. Achavam que as mudanças técnicas ocorridas no século XIX distanciaram os homens do passado. Porém, é preciso considerar que,
mesmo durante as mudanças rápidas, há permanências, uma
geração não esquece totalmente o que aprendeu com a sua antecessora, pois as gerações mantêm contatos e se influenciam.
Tal influência não pode ser medida pela distância entre o mais
antigo e o mais recente.
De acordo com Marc Bloch (2001, p.65), a solidariedade
das épocas tem sentido duplo, isto é, a compreensão do presente requer o conhecimento sobre o passado. Através das nossas
experiências cotidianas podemos reconstituir o passado, destacando as mudanças e as permanências. Também o presente lança novas questões ao passado, novas interrogações. É assim que
se une “o estudo dos mortos ao dos vivos”. Em síntese, é inegável que existe um relacionamento entre o presente e o passado.
Nosso papel enquanto indivíduos ou historiadores é perceber
essa relação, como ela ocorre.
34
Introdução ao Estudo Histórico
Texto Complementar
A IMPORTÂNCIA DA IMAGINAÇÃO NA HISTÓRIA.
Pois o frêmito da vida humana, que exige um duríssimo
esforço de imaginação para ser restituído aos velhos textos, é
[aqui], diretamente perceptível a nossos sentidos. Li muitas vezes, narrei freqüentemente, relatos de guerras e de batalhas. Conhecia eu verdadeiramente, no sentido pleno do verbo conhecer,
conhecia por dentro, antes de ter eu mesmo experimentado a
atroz náusea, o que são, para um exército, o cerco, para um povo,
a derrota? Antes de ter eu mesmo, durante o verão e o outono
de 1918, respirado a alegria da vitória – na expectativa, e decerto
espero, de com ela encher uma segunda vez meus pulmões, mas
o perfume, ai de mim, não será mais completamente o mesmo
-, sabia eu verdadeiramente o que encerra essa bela palavra? Na
verdade, conscientemente ou não, é sempre a nossas experiências cotidianas que, para nuançá-las onde se deve, atribuímos
matizes novos, em última análise os elementos, que nos servem
para reconstituir o passado: os próprios nomes que usamos a
fim de caracterizar os estados de alma desaparecidos, as formas
sociais evanescidas, que sentido teriam para nós se não houvéssemos antes visto homens viverem? Vale mais [cem vezes]
substituir essa impregnação instintiva por uma observação voluntária e controlada. Um grande matemático não será menos
grande, suponho, por haver atravessado de olhos fechados o
mundo onde vive. Mas o erudito que não tem o gosto de olhar a
seu redor nem os homens, nem as coisas, nem os acontecimentos, [ele] merecerá talvez, como dizia Pirenne, o título de um útil
antiquário. E agirá sensatamente renunciando ao de historiador.
Além de tudo, a educação da sensibilidade histórica nem
sempre está sozinha em questão. Ocorre de, em uma linha dada,
o conhecimento do presente ser diretamente ainda mais importante para a compreensão do passado.
Tema I
| História: trajetória e definições
35
Com efeito, seria um erro grave acreditar que a ordem
adotada pelos historiadores em suas investigações deva necessariamente modelar-se por aquela dos acontecimentos. Livres
para em seguida restituir à história seu movimento verdadeiro,
eles frequentemente têm proveito em começar por lê-la, como
dizia Maitland, “as avessas”. Pois a demarche natural de qualquer
pesquisa é ir do mais ou do menos mal conhecido ao mais obscuro. Sem dúvida, falta, e muito, para que a luz dos documentos
se faça regularmente mais viva à medida que percorremos o fio
das eras. Somos incomparavelmente menos informados sobre
o século X de nossa era, por exemplo, do que sobre a época de
César ou de Augusto. Na maioria dos casos, os períodos mais
próximos não coincidem menos nesse aspecto com as zonas de
clareza relativa. Acrescentem que, ao proceder, mecanicamente,
de trás para frente, corre-se sempre o risco de perder tempo na
busca das origens ou das causas de fenômenos que, à luz da
experiência, irão revelar-se, talvez, imaginários. Por ter-se omitido
de praticar, ali onde se impunha, um método prudentemente regressivo, os mais ilustres dentre nós às vezes se entregaram a
estranhos erros.
Fonte: BLOCH, M. Apologia da história, ou, o ofício do historiador. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2001. p. 66-67.
36
Introdução ao Estudo Histórico
Para Refletir
• A respeito do objeto de estudo da História, o que ela busca
ao se debruçar nos documentos escritos, vestígios na paisagem, instituições.
• Escolha um fato histórico de qualquer época e exercite a sua
análise considerando o contexto em que ele aconteceu.
• Na hora de interpretar os fatos históricos o historiador pode
fazer várias opções. Dentre estas, esclareça como você entendeu os seguintes procedimentos: explicar o presente
pela origem mais remota; analisar o presente sem nenhuma relação com o passado.
• É possível alguém ser historiador e não gostar de olhar
ao seu redor, nem de observar os homens, as coisas e os
acontecimentos? (ver texto complementar)
1.4 HISTÓRIA
COMO CIÊNCIA
O que a História tem de ciência e de arte? A História é a
mesma desde seu nascimento na Grécia Antiga, no século V a.C.
até os dias de hoje? Como se deu a formação deste campo do
conhecimento? Serão estas as temáticas discutidas a seguir.
No século XX travou-se uma discussão a propósito da história
ser uma ciência ou uma arte. Jacques Le Goff sustenta ser ela
uma ciência porque precisa de técnicas, de métodos e de ser ensinada.
Concordando com as ideias do século anterior, frisa que a história
se faz com documentos, mas o documento já é pré-selecionado
antes de ser usado pelo historiador. Logo, existe uma parte de
subjetividade na produção desse conhecimento. Seria uma ciên-
Tema I
| História: trajetória e definições
37
cia especial que precisa e muito da
3 Fustel de Coulanges
imaginação. Nesse sentido, é também
– historiador francês do
uma arte.
século XIX. Autor de “A
Os historiadores do XIX acredihistória antiga”.
tavam ser possível a fidelidade aos documentos. Fustel de Coulanges3 dizia
que devemos procurar os fatos não na imaginação, nem na lógica, mas nos textos escritos e na falta de textos dever-se-ia pedir
as línguas mortas o seu segredo. Ou seja, a fonte predominante era
Manuscrito sergipano do século XIX. Era
a fonte ideal para a maioria dos historiadores da época.
Fonte:http://www.tjse.jus.br
o texto escrito e abria-se uma exceção para
o uso de outras fontes somente quando não
houvesse documentos escritos.
Após as limitações impostas ao fazer histórico, observadas
neste século, houve renovações. Entre elas, a possibilidade de fazer uso de documentos não escritos. Esta mudança já vinha ocorrendo desde o século XVIII, mas não tinha tanto sucesso entre
os historiadores. Trata-se do papel da Arqueologia que ampliou o
conhecimento sobre a História Antiga, a Proto-História e a Pré-História, a partir das escavações e do uso dos artefatos encontrados.
A Arqueologia influenciou bastante a História devido ao
seu interesse pelos estudos globais, urbanos ou rurais, sobre
a paisagem, enfim, pela cultura material. Começou a emergir
reflexões sobre os motivos das ausências de documentos,
possibilitando o estudo de temas silenciados como feitiçaria,
loucura, festas, literatura popular, camponeses, etc. Antes os
38
Introdução ao Estudo Histórico
historiadores davam maior atenção à
história política, destacando os feitos
dos “grandes” homens.
O fazer histórico se modificou
profundamente. Contra a ideia de uma
verdade histórica, insurge-se Paul Veyne4
4 Paul Veyne - historiador da segunda metade
do século XX. Fundamenta-se na psicologia,
sociologia e na antropologia.
dizendo que fazer história é questionar
o conhecimento produzido, ou seja, é reavaliar o que foi escrito
pelas gerações anteriores, sabendo identificar as crenças, as
visões de mundo, as opções políticas etc., impregnadas nesses
textos.
O método da crítica documental interna e externa (este assunto será detalhado no tema “O século da História), inaugurado no século XIX, sofreu alterações. A crítica externa que visava saber se o documento era verdadeiro ou falso, tomou outro
sentido, porque o documento falso passou a ser considerado
também como histórico, por informar sobre a época e as razões
da sua falsificação. A crítica interna que procurava a autoria, a
sinceridade e a exatidão do documento, passou a preocupar-se
com o contexto de produção dos documentos. Como nenhum
documento é inocente, na crítica do documento o pesquisador
desmistifica o documento, ou seja, analisa o momento e a pessoa
que produziu.
História da história
Até tomar a configuração que tem hoje, o fazer histórico
passou por várias transformações. Desde o seu nascimento na
Grécia Antiga com Heródoto, passando pela época medieval e
moderna, muitos foram os avanços e recuos.
Tema I
| História: trajetória e definições
Heródoto5, que viveu no século
V a.C., é considerado o pai da Histó-
39
5 Heródoto – 484 -420
a.C., historiador grego
ria porque fundamentava seu trabalho
considerado o pai da
nos testemunhos (hoje diríamos fon-
história.
tes). Utilizava o testemunho pessoal,
registrando o que via e ouvia em suas
6 Tucídides – historiador
viagens. Era um método que dava
grego nascido em 455
conta do passado recente. Tucídides6,
a.C.? Autor de História da
outro historiador da época, falava da
guerra do Peloponeso.
necessidade de fazer a crítica dos testemunhos (não acreditar cegamente
7 Políbio – historiador
nos relatos dos depoentes). É acusado,
grego já sob o domínio
inclusive, de alterar os depoimentos
romano.
para adequar ao que ele considerava
correto. O pensador antigo Políbio7 agregou outras contribuições
à História com suas investigações das causas, a proposta de uma
história geral, sintética e comparativa. Políbio fazia uma história
que buscava a verdade. Concebida como “mestra da vida”, servia
para os homens não repetirem os erros de seus antepassados.
Os primeiros cristãos dos séculos IV ao VI, também deram
algumas contribuições à História. Entre elas, o enquadramento
cronológico (a divisão em períodos) e a citação fiel dos documentos, com o intuito de não alterar os documentos. Durante a
Idade Média, apesar de diminuir o interesse pela produção e o
ensino da História, continuou o esforço histórico representado
pelo acúmulo e preservação de documentos nas igrejas e mosteiros, obra dos monges copistas. Graças aos homens medievais
temos preservados documentos e obras da Antiguidade.
40
Introdução ao Estudo Histórico
Monge copista. Era o responsável pelo ensino medieval e
pela preservação dos livros.
Fonte: http://www.pedagogiaespirita.org
A partir do Renascimento a História ganha novas concepções e técnicas como a crítica dos documentos com ajuda da filologia, a laicização (abordando temas não religiosos),
a eliminação de mitos e lendas. Começa a haver uma relação
entre história e erudição. Os “eruditos” eram especialistas em
antiguidades. As antiguidades eram os objetos da cultura material pertencentes ao mundo antigo, considerados importantes
para se conhecer a época. Essa prática foi importante porque
dos utensílios também se extraíam informações para o conhecimento das sociedades passadas. No caso dos períodos sem
escrita (proto-história) foi um avanço significativo. História e
erudição caminhavam separadas, quando se encontraram houve um avanço no conhecimento do mundo antigo e medieval.
As inovações persistiram. Entre os séculos XV e XVI, surge
a história profana, sem fábulas e sem aspectos sobrenaturais;
estudos eruditos sobre numismática, filologia (línguas mortas),
dicionários e a noção de século. No século XVII assistimos ao
Tema I
41
| História: trajetória e definições
avanço da erudição e certo eclipse
da História. Os monges bolandistas8,
8
Monges
bolandistas
– religiosos da França
nessa época, aprimoram a crítica de
especializados
em
documentos (diplomas) para identificar
estudar
dos
sua veracidade ou falsidade. Durante o
santos.
a
vida
século XVIII predomina o Racionalismo
filosófico com Voltaire, dando origem a uma filosofia da história
com explicação racional dos acontecimentos. As ideias da época
rejeitam a Providência (Deus como motor da História) e a procura de causas naturais. A História passou a ser estendida a todos
os aspectos da sociedade e a todas as civilizações. Aparecem na
França as primeiras instituições (arquivos e museus) dedicadas ao
passado.
Até o século XIX a História acumulou estas contribuições.
Neste século ocorreu a atualização e a difusão da crítica documental entre historiadores, antes utilizada apenas por eruditas.
Deu-se também ênfase no ensino universitário e nas publicações, na criação de arquivos nacionais e de revistas nacionais
de história em várias nações europeias. Neste cenário, a Prússia
(hoje Alemanha) se destacou com a instalação do ensino de história nas universidades, com a criação de institutos de pesquisa
e com a publicação de coleções de documentos.
42
Introdução ao Estudo Histórico
Texto Complementar
A MENTALIDADE HISTÓRICA: OS HOMENS E O PASSADO
Anteriormente citei alguns exemplos do modo como os
homens constroem e reconstroem o seu passado. É, em geral,
o lugar que o passado ocupa nas sociedades o que aqui me interessa. Adoto, neste ensaio, a expressão ‘cultura histórica’, usada
por Bernard Guenée (1980). Sob este termo, Guenée reúne a bagagem profissional do historiador, sua biblioteca de obras históricas, o público e a audiência dos historiadores. Acrescento-lhes
a relação que uma sociedade, na sua psicologia coletiva, mantém
com o passado. Minha concepção não está muito afastada daquilo a que os anglo-saxônicos chamam historical mindedness.
Conheço os riscos desta reflexão: considerar unidade uma realidade complexa e estruturada em classes ou, pelo menos, em categorias sociais distintas por seus interesses e cultura, ou supor
um ‘espírito do tempo’ (Zeitgeist), isto é, um inconsciente coletivo, o que são abstrações perigosas. No entanto, os inquéritos e
os questionários usados nas sociedades ‘desenvolvidas’ de hoje
mostram que é possível abordar os sentimentos da opinião pública de um país a respeito de seu passado, assim como sobre
outros fenômenos e problemas (cf. Lecuir, 1981).
Como estes inquéritos são impossíveis no que se refere ao
passado, esforçar-me-ei por caracterizar – sem dissimular o aspecto arbitrário e simplificador deste procedimento – a atitude
dominante de algumas sociedades históricas perante seu passado e sua história. Considerarei os historiadores os principais
interpretes da opinião coletiva, procurando distinguir suas idéias
pessoais da mentalidade coletiva. Sei bem que ainda continuo a
confundir passado com história na memória coletiva. Devo, pois,
dar algumas explicações suplementares que tornam mais precisas as minhas idéias sobre a história.
Tema I
| História: trajetória e definições
43
A história da história não se deve preocupar apenas com
a produção histórica profissional, mas com todo um conjunto
de fenômenos que constituem a cultura histórica, ou melhor, a
mentalidade histórica de uma época. Um estudo dos manuais escolares de história é um aspecto privilegiado, mas esses manuais
praticamente só passam a existir depois do século XIX. O estudo
da literatura e da arte pode esclarecer este ponto. O lugar que
Carlos Magno ocupa nas canções de gesta, o nascimento do romance no século XII e o fato de ter assumido a forma de romance histórico (argumento antigo, cf. Nouvelle Revue Française, nº
238, Le Roman Historique, 1972), a importância das obras históricas no teatro de Shakespeare (Driver, 1960) são testemunhas do
gosto de algumas sociedade históricas por seu passado. Integrado numa recente exposição de um grande pintor do século XV,
Jean Fouquet, Nicole Reynaud mostrou (1981) como, a par do
interesse pela história antiga, sinal do Renascimento (miniaturas
da Antiquités judaiques, da Histoire ancienne, de Tite-Live), Fouquet manifesta um gosto acentuado pela história moderna (Heures de Étienne Chevalier, Tapisserie de Tormisuy, Grandes Chroniques de France etc.). dever-se-ia acrescentar-lhes o estudo dos
nomes próprios, dos guias de peregrinos e turistas, das inscrições, da literatura de divulgação, dos monumentos etc. Marc
Ferro (1977) mostrou como o cinema acrescentou à história uma
nova fonte fundamental: o filme torna claro, aliás, que o cinema
é ‘agente e fonte da história’. Isto é verdadeiro para o conjunto
da media, o que bastaria para explicar que a relação dos homens
com a história conhece, como a media moderna (comunicação
de massa, cinema, radio, televisão), um avanço considerável. É
este alargamento da noção de história (no sentido de historiografia) que santo Mazzarino defendeu no grande estudo Il pensiero
storico clássico (1966).
Fonte: LE GOFF, J. História e memória. 5. ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003. p. 47-49.
44
Introdução ao Estudo Histórico
Para Refletir
• O que significa dizer que a História é um conhecimento
subjetivo?
• Qual foi a contribuição de Heródoto, Tucídides e Políbio
para o nascimento do ofício do historiador?
• O fazer histórico conheceu várias transformações, quais
delas ocorreram durante a época Iluminista (século
XVIII)?
• No século XIX a História conheceu um aprimoramento
significativo, discuta uma das novidades deste período:
RESUMO DO TEMA I
Até aqui tratamos de algumas questões iniciais da história. Falamos do método histórico inventado por Heródoto na
Antiguidade, que fala na história como investigação e destaca a importância dos testemunhos que viram ou ouviram os
acontecimentos. Frisamos os procedimentos do historiador
com a observação direta e indireta do passado, destacando
que os vestígios por ele investigados sempre lhe dão o acesso direto ao passado. A respeito da relação entre passado e
presente, aprendemos que ambos se influenciam e que as
questões do presente são indispensáveis para interrogarmos
o passado. Metodologicamente não é a investigação das origens que deve motivar o pesquisador. Para entendermos as
transformações vivenciadas pela ciência histórica, vimos os
avanços e os recuos que a história teve ao longo dos séculos.
2
História: Construção, Fato e
Utilidade
Nesse tema trataremos da relação entre história e memória,
considerando que a história é feita a partir dos fragmentos da
memória. Discutiremos a seleção dos fatos históricos na visão
de Edward Carr. Abordaremos a utilidade e a função da história,
destacando que o passado pode ser construído para servir de
modelo padrão ou para ser rejeitado. Ou que a história pode ser
construída para o divertimento de todos os públicos, para o esclarecimento e a luta política.
2.1 CONSTRUÇÃO
DA HISTÓRIA
A história é feita de fragmentos de memórias individuais e
coletivas. Elas podem ser manipuladas conscientemente ou não.
Ao entender como a História se apropria da memória, o estudante saberá por que a História não é uma verdade absoluta e
por que não conhecemos toda a História. É uma lição de como é
construído o conhecimento do passado e dos embates enfrentados pelos pesquisadores.
46
Introdução ao Estudo Histórico
Aprenda mais sobre o assunto lendo: TEDESCO, J. C.
Nas cercanias da memória: temporalidade, experiência e
narração. Passo Fundo: UPF; Caxias do Sul: EDUSCS, 2004.
p. 35-226.
A lembrança
O conceito de memória inclui a ideia de “conservação de
traços de experiências passadas”. Comporta também a noção
de reinvocação de uma realidade e a capacidade de armazenar
informações e ter acesso a elas. Quando nos lembramos de algo,
não o acessamos da forma como aconteceu, mas de modo reelaborado. Entender o que é memória é fundamental para compreender o que é história. A história se alimenta da memória. Mas
como a memória é conservada? A sua conservação não ocorre
apenas nas nossas mentes, acontece também através de outros
suportes como o papel, os objetos do cotidiano e os meios artísticos etc. Assim, a memória pode ser encontrada na cabeça das
pessoas, nos arquivos, nas bibliotecas, nas obras de arte, nos
monumentos, nas ruínas, etc.
A lembrança é o meio de acesso à memória. No momento
de trazer a memória ao presente faz-se o uso da imaginação. Isto
acontece porque nossas lembranças são acometidas por falhas e
esquecimentos e porque dependendo do que se queira lembrar,
podemos dar novos significados aos acontecimentos do passado. Ou seja, uma memória recente como o término de um namoro pode ter um significado, mas passados alguns anos pode ter
outra conotação.
A memória pode ser individual ou coletiva. Memória coletiva diz respeito às experiências compartilhadas por mais indivíduos, por uma geração, uma comunidade, um grupo. Neste caso, a
memória implica no sentimento de identidade, no qual os grupos
Tema II
| História: construção, fato e utilidade
47
como índios, operários, camponeses, intelectuais, compartilham
valores semelhantes. É essa memória que nos faz pertencente a
um povo, uma nação.
Ao voltar-se nos últimos tempos para a memória, as pesquisas têm contribuído para o avanço da micro-história, na qual,
a partir de indícios presentes na memória, se procura práticas e
pensamentos. No bojo dos acontecimentos ocorreu a valorização do cotidiano e das pessoas comuns enquanto espaço e tema
da história. Segundo o historiador Carlo Ginzburg (apud Tedesco,
2004, p. 40), a memória permite “pesquisar o tempo e a história a
partir das coisas mínimas”, como vemos é um rompimento com
a história dos grandes acontecimentos. A memória tem a função de interiorizar processos vividos e permitir a utilização deste
patrimônio para ser comunicável aos outros. É a representação
“pessoal e/ou coletiva da própria história ou da de outrem”.
Livro do historiador italiano Carlo Ginzburg
leva ao ápice a sua arte historiográfica
de perseguir as pistas mais tênues e fazer
falar os textos mais diversos.
Fonte:http://www.livrariasobrado.com.br
Lembranças fragmentadas. Cotidiano.
Vasculharmos a memória, encontramos somente fragmentos,
resíduos das experiências pessoais ou coletivas. Existem vários
tipos de memória: histórica, social, cultural, midiática (dos meios
de comunicação). Acredita-se que o estudo da memória permite
conhecer o todo pelo fragmento, isto é, a partir da coleta dos
depoimentos de várias pessoas é possível construir uma visão
sobre acontecimentos, modos de vida etc.
48
Introdução ao Estudo Histórico
Além de servir à História, a memória tem funções sociais.
Memória é cidadania. Deixar emergir a memória das pessoas
simples possibilita deixar aparecer formas de vivências de grupos
étnicos e sociais. A sua valorização implica em dar voz a grupos
que não aparecem dentro da história.
Dentre as características da memória podemos perceber
que ela pode ser convergente, contrastada e múltipla. Em outras
palavras, convergente no sentido de que as pessoas podem ter
lembranças que se completam. Contrastada no sentido de que
elas podem se opor. E múltipla quer dizer que as memórias podem
ser diferentes e não necessariamente opostas, uns podem ter
memórias mais ricas, mais fecundas que outros.
É notório o papel da memória como destruidor de generalizações e reduções. Ou seja, ao valorizarmos tempos, subjetividades, contextos, conflitos e ligar lembranças e silêncios, damos
novas dimensões à história, que as fontes tradicionais não permitiriam, ou dificultariam este proceder.
O estudo das memórias forneceu esclarecimentos sobre o
cotidiano e revolucionou as ciências sociais (história, antropologia, sociologia etc.), a partir das novas visões, das novas temáticas abordadas. Permitiu algumas rejeições do ponto de vista
histórico como à ideia de continuidade, os estudos globalizantes, a história universal. Surgiram novas temáticas ligadas ao
cotidiano, porque “o cotidiano é parte integrante da história”. A
memória mostra que as identidades são diferenciadas, ou seja,
comunidades, grupos, gerações, etc. têm ideias, valores e procedimentos particulares. Costumava-se antes generalizar como
se os grupos fossem um todo sem diferenciações.
Outra função da memória é servir de ligação social dos
grupos, isto é, os indivíduos se identificam através das lembranças
e dos valores comuns.
Tema II
| História: construção, fato e utilidade
49
Filtragem da lembrança
A memória deve ser vista como uma construção social que
tem a ver com o momento histórico e as características culturais
dos grupos. Neste aspecto os meios de conservação da memória
são importantes. Textos escritos, artefatos em pedra, madeira,
tecidos, barro, entre outros, são suportes para “presentificar” e
“futuricizar” a memória. Ou seja, trazem a memória ao presente
e possibilitam a sua conservação para o futuro, para as novas gerações. Ao entendermos como são produzidos os meios de preservação da memória, fica mais clara a ideia de que a lembrança,
o esquecimento e a filtragem das informações acompanham este
processo. É por isso que a memória é uma construção. Há meios
de manipulá-la.
Manuelzão, um dos mais famosos
‘inspiradores reais’ do escritor Guimarães Rosa. Coletar memórias é
uma forma de construir a história.
Fonte: FROCHTENGARTEN, F. A memória
oral no mundo contemporâneo.
Fonte: http://www.scielo.br
A filtragem é uma forma de manter um controle sobre o
que deve ser lembrado, filtrar é selecionar e isto ocorre intencionalmente. Há maiores seleções nas memórias que envolvem o
poder político, nem sempre os discursos dos governantes correspondem às ações. Segredos de Estado são exemplos do
controle da memória pelo poder.
O silêncio é outra face da memória. Neste caso, é sempre proposital. Não é em todas as instâncias que silêncio é
eficaz. É eficiente no campo político, mas não é no cotidiano.
50
Introdução ao Estudo Histórico
Para entendermos melhor basta dizer que “a memória oculta,
esconde o fracasso, os vícios, os defeitos” e tende a sustentar,
a propagar os sucessos, as “boas” lembranças. Esta visível manipulação da memória é também um abuso da memória. Ocorre
quando se seleciona alguns fatos do passado como mais importantes e significativos. Mas o esquecimento pode também ser
uma fuga, um meio de não se lembrar de algo incômodo.
Enfatizamos até agora algumas discussões a respeito da
memória e de sua contribuição para a História. Mas, a ideia de
memória varia de acordo com alguns teóricos. O que nos interessa aqui é reforçar o papel da memória para a sobrevivência
da identidade individual e coletiva, lembrar que a memória não
é um registro fiel do passado porque o ato de relembrar implica
uma recriação, e, por isso, a história que é feita da memória também é uma representação do passado.
Texto Complementar
A RELAÇÃO ENTRE HISTÓRIA E MEMÓRIA
A memória, como propriedade de conservar certas informações, remete-nos em primeiro lugar a um conjunto de funções
psíquicas, graças às quais o homem pode atualizar impressões
ou informações passadas, ou que ele representa como passadas.
Deste ponto de vista, o estudo da memória abarca a psicologia, a psicofisiologia, a neurofisiologia, a biologia e, quanto às
perturbações da memória, das quais a amnésia é a principal, a
psiquiatria (cf. Meudlers, Brion e Lieury, 1971; Flores, 1972).
Certos aspectos do estudo da memória, no interior de qualquer uma destas ciências, podem evocar, de forma metafórica ou
concreta, traços e problemas da memória histórica e da memória
social (cf. Morin e Piattelli Palmarini, 1974).
Tema II
| História: construção, fato e utilidade
51
A noção de aprendizagem, importante na fase de aquisição da memória, desperta o interesse pelos diversos sistemas de
educação da memória que existiram nas várias sociedades e em
diferentes épocas: as mnemotécnicas.
Todas as teorias que conduzem de algum modo à ideia de
uma atualização mais ou menos mecânica de vestígios mnemônicos foram abandonadas, em favor de concepções mais complexas da atividade mnemônica do cérebro e do sistema nervoso:
“O processo da memória no homem faz intervir não só a ordenação de vestígios, mas também a releitura desses vestígios” e
“os processos de releitura podem fazer intervir centros nervosos
muito complexos e uma grande parte do córtex”, mas existe “um
certo número de centros cerebrais especializados na fixação do
percurso mnésico” (Changeux, 1972, p. 356).
O estudo da aquisição da memória pelas crianças permitiu,
assim, constatar o grande papel desempenhado pela inteligência
(cf. Piaget e Inhelder, 1968). Na linha desta tese, Scandia de Schonen declara: “A característica das condutas perceptivo-cognitivas que nos parece fundamental é o aspecto ativo e construtivo
dessas condutas” (1974, p. 294), e acrescenta:
Podemos, pois, concluir que se desenvolveram
ulteriores investigações que tratam do problema
das atividades mnésicas, integradas ao conjunto
das atividades perceptivo-cognitivas, no âmbito
das atividades que visam organizar-se da mesma maneira, na mesma situação, ou adaptaremse a novas situações. E talvez só pagando este
preço compreenderemos um dia a natureza da
recordação humana, que impede tão prodigiosamente as nossas problemáticas (op. cit., p. 302).
Descendem daqui diversas concepções recentes da memória, que põem à tônica nos aspectos de estruturação, nas atividades de auto-organização. Os fenômenos da memória, tanto
nos seus aspectos biológicos como nos psicológicos, não são
mais do que os resultados de sistemas dinâmicos de organização
52
Introdução ao Estudo Histórico
e apenas existem “na medida em que a organização os mantêm
ou os reconstitui.
Alguns cientistas foram, assim, levados a aproximar a memória de fenômenos diretamente ligados à esfera das ciências
humanas e sociais.
Assim, Pierre Janet “considera que o ato mnemônico fundamental é o “comportamento narrativo”, que se caracteriza antes
de mais nada pela sua junção social, pois se trata de comunicação a outrem de uma informação, na ausência do acontecimento
ou do objeto que constitui o seu motivo” (Flores, 1972, p. 12).
Aqui intervém a “linguagem, ela própria produto da sociedade”
(ibidem). Deste modo, Henri Atlan, estudando os sistemas autoorganizadores, aproxima “linguagens e memórias”.
(...)
Leroi-Gourhan (1964-1965, p. 269), considera a memória
em sentido lato e distingue três tipos de memória: memória específica, memória étnica, memória artificial:
Memória é entendida, nesta obra, em sentido muito lato.
Não é uma propriedade da inteligência, mas a base, seja ela qual
for, sobre a qual se inscrevem as concatenações de atos. Podemos a este título falar de uma “memória específica” para definir
a fixação dos comportamentos de espécies animais, de uma memória “étnica” que assegura a reprodução dos comportamentos
nas sociedades humanas e, no mesmo sentido, de uma memória
“artificial”, eletrônica em sua forma mais recente, que assegura,
sem recurso ao instinto ou à reflexão, a reprodução de atos mecânicos encadeados.
(...)
Finalmente, os psicanalistas e os psicólogos insistiram,
quer a propósito da recordação, quer a propósito do esquecimento (nomeadamente no seguimento de Ebbinghaus), nas manipulações conscientes ou inconscientes que o interesse, a afeti-
Tema II
| História: construção, fato e utilidade
53
vidade, o desejo, a inibição, a censura exercem sobre a memória
individual. Do mesmo modo, a memória coletiva foi posta em
jogo de forma importante na luta das forças sociais pelo poder.
Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma
das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os
esquecimentos e os silêncios da história são reveladores destes
mecanismos de manipulação da memória coletiva.
Fonte: LE GOFF, J. História e memória. 5. ed. Campinas, SP: UNICAMP, 2003. p. 419-422.
Para Refletir
• Como você entendeu o conceito de memória?
• Que importância tem a memória para a História?
• Em que sentido o uso da memória permitiu a ampliação
do estudo da história do cotidiano?
• Tratando-se da memória o que significa o silêncio e o
esquecimento de determinados episódios?
54
Introdução ao Estudo Histórico
2.2 FATOS
HISTÓRICOS
A História é feita a partir dos fatos históricos. Fatos são os
acontecimentos considerados relevantes pelos historiadores
para ilustrar os seus estudos. Mas, a relação dos historiadores
com os fatos é diferenciada. Uns consideravam os fatos como
imutáveis, outros os consideravam como uma construção, uma
invenção. Afinal, o que é fato histórico?
Diz-nos Edward Carr (1996, p.43) que, em 1896, uma publicação da Universidade de Cambridge, sobre a ideia de história,
falava na possibilidade da produção da história definitiva, isto é,
do estabelecimento da verdade histórica, da versão insuperável.
Em 1957, outra publicação
da mesma instituição falava em estudos históricos
superáveis e defendia que
não há verdade histórica
objetiva. São dois bons
exemplos de como a visão
Universidade Cambridge, Inglaterra. de história mudou comInstituição que propôs em 1896 a pletamente em tão pouco
tempo.
história definitiva.
Antes de responder a
Fonte: http://borboletasaoluar.blogspot.com
pergunta sobre o que é
História é preciso esclarecer o que é fato histórico. Os historiadores positivistas defendiam que os fatos deveriam ser apenas
relatados com pouca ou nenhuma interpretação. Em suma, o
pesquisador não precisava pensar. A partir desta visão, era valorizado o relato dos fatos com exatidão. Atualmente, é consenso
entre os historiadores que a exatidão em relação à época e ao local é um dever e não uma virtude do historiador. Outra mudança
em relação à visão dos fatos históricos é a constatação de que
eles só falam quando são abordados e de que é o historiador
Tema II
| História: construção, fato e utilidade
55
quem decide qual fato é histórico. Assim, a verdade não está nos
fatos, considerando que há uma escolha daqueles que melhor
ilustram uma determinada época ou pesquisa.
A respeito do poder do historiador sobre os fatos, temos
um bom exemplo em relação à História Antiga e Medieval, na
qual alguns fatos possuem validade e significado aceitos por outros historiadores, mesmo que não estejam registrados e seja
fruto da interpretação do pesquisador. Por exemplo, se as fontes
só nos permitem saber sobre a economia ou a guerra na Grécia
antiga, o historiador tem que imaginar como era o cotidiano das
pessoas, as suas aspirações etc. Vemos que, a História oscila entre a verdade contida nas fontes e os julgamentos aceitos.
Também em relação à História Contemporânea, rica em
registros históricos, a coisa não é diferente. Os fatos históricos
são aqueles tidos como os mais importantes. Neste caso o que
o historiador faz é descartar os fatos que achar insignificantes.
Na impossibilidade de utilizar todos os fatos, faz-se uma seleção.
Mais uma vez percebemos que, se é o historiador quem escolhe
os fatos, não pode haver uma única verdade objetiva.
A seleção dos fatos
Os fatos são selecionados, ou seja, nem todo fato se torna
fato histórico. O culto aos fatos que os considerava como sagrados, imutáveis perdeu adeptos. Um dos problemas desta tendência na História era que ela levava a uma espécie de história
enciclopédica e dava a impressão de se poder conhecer todo
o passado humano se todos os documentos fossem reunidos.
Porém, sabemos que só conhecemos fragmentos do passado.
Os fatos são essenciais, mas não constituem a História. É necessária a análise do historiador. A seleção dos fatos começa antes dos documentos chegaram às mãos do historiador. Ao serem
produzidos os documentos já representam a visão do registrador.
Quando escrevemos uma carta, que é um documento histórico,
56
Introdução ao Estudo Histórico
escolhemos aquilo que iremos dizer e evitamos falar sobre determinados assuntos. O mesmo ocorre em relação a qualquer documento histórico.
Quem registra os fatos conta a sua versão, o seu ponto de
vista. Assim, o fato não é uma verdade absoluta. Cabe ao historiador conhecer o contexto em que um documento foi produzido
e quais os interesses que estavam por trás dele. Se utilizarmos
como fonte um jornal, fica bastante claro que este veículo de comunicação representa um ponto de vista, defende determinado
partido ou certas ideias, outro jornal poderá noticiar o mesmo
fato de outra forma. Em qual deles repousa a verdade? Ambos
constroem uma versão do acontecido. A tarefa do historiador
neste caso não é encontrar a verdade, mas explicar as razões por
trás do posicionamento destes dois jornais.
O que é História?
Os fatos não chegam puros, intocados até nós. Então,
como definir o que é História? As respostas são muitas. Segundo
Benedetto Croce (1866-1952), historiador italiano, toda história
é contemporânea porque representa a visão do presente e os
problemas do presente usados para interpretar o passado. Por
exemplo, no século XIX não existia movimento feminista, logo,
ao estudar o passado os historiadores não pensavam no papel
da mulher, mas no século seguinte quando o movimento ganha
força política e as mulheres começam a conquistar sua independência, a história passa a se interessar pela mulher no Egito, em
Roma, na Idade Média etc. Questões do presente nos fazem olhar para o passado com
outros olhos, com outras interrogações.
Benedetto Croce, autor de Materialismo
Histórico e Economia Marxista.
Fonte: http://educacao.uol.com.br
Tema II
| História: construção, fato e utilidade
57
A História seria somente interpretação? Os fatos seriam
apenas uma criação? Na visão de Benedetto Croce somos tentados
a acatar esta conclusão. O historiador Collingwood (apud CARR,
1996, p.59) define a História de outra forma. Para ele, a História
consiste na interação entre o passado e o pensamento do historiador sobre ele. Assim, a interpretação histórica é fundamental,
mas possui limites porque atua sobre o que foi registrado nas
fontes. É por este motivo que a História não é uma ficção.
Suas ideias sobre a História podem ser resumidas da seguinte forma: há seleção e interpretação; escrever a história é
a única maneira de fazê-la; os fatos não chegam até nós puros,
eles refletem o pensamento do registrador; o papel do historiador é compreender a mente das pessoas estudadas, isso não
significa que se deve ter simpatia ou antipatia pelo passado; o
passado é visto com os olhos do presente.
Collingwood também disserta a respeito da função do historiador. Este profissional deve dominar e entender o passado
para compreender o presente. Só temos competência para explicar o presente se compreendermos o passado. A relação do
historiador com os fatos é de igualdade e reciprocidade, ambos
se influenciam. Ou seja, há a interpretação dos fatos, mas estes
também influenciam o pensamento do historiador. Em outras palavras, o historiador é um mediador entre o diálogo do presente
com o passado.
58
Introdução ao Estudo Histórico
Texto Complementar
O PROCESSO DE SELEÇÃO DOS FATOS
Darei um exemplo do que estou tentando dizer citando
algo que conheço bem. Quando Gustav Stresemann, ministro
do Exterior da República de Weimar, morreu em 1929, deixou
atrás de si uma enorme massa - 300 caixas cheias - de papéis
oficiais, semi-oficiais e particulares, quase todos relacionados
com os seis anos de seu mandato como ministro do Exterior.
Seus amigos e parentes naturalmente pensaram em fazer uma
obra monumental em homenagem a um homem tão ilustre. Seu
dedicado secretário Bernhard pôs-se a trabalhar, em três anos foram publicados três volumes maciços, com cerca de 600 páginas
cada, de documentos selecionados daquelas 300 caixas, com o
título pomposo de Stresemanns Vermiichtnis. Normalmente os
documentos se teriam desfeito em pó em algum porão ou sótão
e desaparecido para sempre; ou talvez em cem anos ou mais algum literato curioso tê-los-ia encontrado e se disposto a compará-los com o texto de Bernhard. O que aconteceu foi ainda mais
dramático. Em 1945, os documentos caíram nas mãos dos governos inglês e americano, que os fotografaram e colocaram as
cópias fotostáticas à disposição dos estudiosos no Public Record
Office em Londres e nos Arquivos Nacionais de Washington, de
maneira que, se tivermos paciência e curiosidade suficientes, podemos descobrir exatamente o que Bernhard fez. O que ele fez
não foi muito comum nem muito chotante. Quando Stresemann
morreu, sua política ocidental parecia ter sido coroada por uma
série de sucessos brilhantes - Locarno, a admissão da Alemanha
na Liga das Nações, os planos Dawes e Young e os empréstimos
americanos, a retirada dos exércitos de ocupação aliados das
W
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HHFRP SHQVDGRUD
da política externa de Stresemann; não era estranho que tivesse
Tema II
| História: construção, fato e utilidade
59
sido super-representada na seleção de documentos de Bernhard
A política oriental de Stresemann, por outro lado, suas relações
com a União Soviética, não foi particularmente bem sucedida;
além disso, uma vez que massas de documentos sobre negociações que apenas produziram resultados triviais não eram muito
interessantes e nada acrescentavam à reputação de Stresemann,
o processo de seleção podia ser mais rigoroso. Stresemann, na
verdade, dedicou uma atenção muito mais constante e ansiosa
às relações com a União Soviética, e elas desempenharam um
papel muito maior na sua política externa como um todo, do
que o leitor da seleção de Bernhard suporia. Mas os volumes
de Bernhard ganham em comparação, imagino eu, com muitas
coleções de documentos publicadas em que o historiador comum
se fia implicitamente.
Este não é o fim da minha história. Logo depois da publicação dos volumes de Bernhard, Hitler subiu ao poder. O nome de
Stresemann ficou esquecido na Alemanha e os volumes saíram
de circulação: muitos dos exemplares, talvez a maioria, devem
ter sido destruídos. Hoje, Stresemanns Vermãchtnis é um livro
raro. Mas a reputação de Stresemann no Ocidente permaneceu
elevada. Em 1935 um editor inglês publicou uma tradução resumida do trabalho de Bernhard - uma seleção da seleção de
Bernhard; talvez um terço do original tenha sido omitido. Sutton,
tradutor de alemão bastante conhecido, fez seu trabalho muito
bem e com competência. A versão inglesa, explicou ele no prefácio, era “ligeiramente condensada, mas apenas pela omissão de
uma certa quantidade daquilo que, sentia-se, era assunto mais
efêmero... de pequeno interesse para leitores ou estudantes
ingleses” . Mais uma vez é natural. Mas o resultado é que a
política oriental de Stresemann, já sub-representada em Bernhard, retira-se ainda mais do panorama, e a União Soviética, aparece nos volumes de Sutton meramente como uma
intrusa ocasional e muito mal recebida na política externa
60
Introdução ao Estudo Histórico
predominantemente ocidental de Stresemann. Ainda assim é a
opinião geral, salvo para alguns especialistas, que Sutton e não
Bernhard - e ainda menos os próprios documentos - representa
para o mundo ocidental a voz autêntica de Stresemann.
(...)
Quero, porém, levar a história mais além. Deixemos de lado
Bernhard e Sutton e reconheçamos que podemos, se quisermos,
consultar os documentos autênticos de alguém que teve um papel importante na história européia recente. O que nos dizem estes documentos? Entre outras coisas, contêm registros de algumas centenas das conversas de Stresemann com o embaixador
soviético em Berlim e de uma vintena ou mais com Chicherin.
Estes registros têm uma característica em comum. Eles descrevem Stresemann como tendo a parte do leão nas conversas, e
revelam seus argumentos como invariavelmente bem colocados
e convincentes, enquanto os de seu interlocutor são na maioria
estreitos, confusos e não muito convincentes. Esta é uma característica familiar de todos os registros de conversações diplomáticas. Os documentos não nos contam o que aconteceu, mas
somente o que Stresemann pensou que aconteceu, ou o que
ele queria que outros pensassem, ou tal vez o que ele próprio
queria pensar que tivesse acontecido. Não foi Sutton nem Bernhard, mas o próprio Stresemann, quem começou o processo de
seleção. Se nós tivéssemos, digamos, os registros de Chicherin
destas mesmas conversas, assim mesmo apreenderíamos delas
o que Chicherin pensou, e o que realmente aconteceu ainda teria
de ser reconstruído na mente do historiador. Naturalmente, os
fatos e os documentos são essenciais ao historiador. Mas que
não se tomem fetiches. Eles por si mesmos não constituem a
história; não fornecem em si mesmos respostas pronta a esta
exaustiva pergunta: “Que é história?”
Fonte: CARR, E. H. O que é história? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996, p.52-55.
Tema II
| História: construção, fato e utilidade
61
Para Refletir
• Discuta com os seus colegas no fórum do AVA as seguintes
questões:
• Como é que o historiador lida com os fatos históricos e
qual poder tem sobre eles?
• Como Collingwood explica a função do historiador?
• Quem seleciona as informações constantes nos documentos?
2.3 UTILIDADE
DO PASSADO
A consciência da existência do pas9 Conheça melhor o assado é algo comum a todas as sociesunto lendo: HOBSBAWN,
dades, em todos os tempos. Diz HobsE. Sobre a história. São
bawn (2001, p. 22), “o passado é uma
Paulo: Companhia das
dimensão permanente da consciência
Letras, 2001. pp. 22-35.
humana”. Diante desta constatação, discutiremos quais são os usos que as sociedades fazem deste
passado9.
Passado: padrão para o presente
São múltiplos os usos que se fazem do passado. Nesse
texto frisaremos aqueles lembrados pelo historiador Eric Hobsbawn, representante da historiografia inglesa. Uma das formas
de lidar com o passado é tê-lo como padrão para o presente.
Neste sentido, cada geração reproduz ou pretende imitar a sua
predecessora e sente-se em falta com ela se fracassa nesse intento.
Esta utilização do passado parece ser mais ideal do que real,
62
Introdução ao Estudo Histórico
porque deve existir espaço para a inovação, a transformação social.
Cabe lembrar que, o passado é uma seleção particular daquilo que
é lembrado, logo, não são todos os traços do passado que são
lembrados e reproduzidos. No processo de rememoração, diante
do esquecimento, há espaço para a mudança.
O uso do passado como padrão é típico das sociedades
tradicionais. Não podemos afirmar que esses povos foram sempre
avessos a inovações, mas que em alguns aspectos ocorre a sua
aceitação. Onde detectar estes pontos flexíveis e inflexíveis em
relação às mudanças? A tecnologia seria uma área mais aberta
às mudanças. Em relação aos costumes, moralidade, religião, os
grupos tendem a serem conservadores. A História dá exemplos
de povos tradicionais aceitando inovações, como o uso de uma
ferramenta de ferro em substituição a uma de pedra.
O passado formalizado, fechado, serve de apelação para as
disputas do presente. É o caso de indígenas e afro-descendentes
no Brasil de hoje, que usam a memória para reivindicar as terras
comunais que séculos atrás pertenciam aos seus antepassados.
Algumas sociedades indígenas
tinham o passado como padrão
para o presente. Dança dos índios tapuias, óleo sobre tela de
ALbert Eckout, 1641.
Fonte: http://www2.uol.com.br
Tratando das brechas para a ocorrência da inovação, esta pode acontecer de forma consciente.
Sociedades tradicionais podem admitir mudanças sociais drásticas,
enquanto cumprimento de uma profecia, por exemplo. Existe um
ritmo lento nas mudanças históricas, por isso elas não aparentam
Tema II
| História: construção, fato e utilidade
63
acontecer, mas a visão de que entre os povos tradicionais existe
uma espécie de “estatismo”, ou seja, imobilismo é um mito. A
visão de passado como padrão para o presente é incompatível
com o progresso contínuo.
Passado: modelo para o presente
Para outras sociedades o passado se presta como modelo
para ser reabilitado no presente. O passado serve de modelo
para o presente após a transformação da sociedade para além
de certo ponto. Por razões múltiplas busca-se restabelecer os
velhos tempos, uma espécie de retorno a uma época supostamente mais feliz. Foi o que ocorreu no México quando se tentou
restaurar o modo de vida camponês de algumas décadas atrás.
Tal tentativa mexeu com a ordem vigente, ferindo interesses dos
novos grupos sociais e resultou na Revolução Mexicana de 1917.
Ou seja, a tentativa de restaurar o passado mexicano resultou em
algo novo sem precedentes históricos.
A Revolução Mexicana de 1917 tinha o passado como modelo. Pancho Villa e Emiliano Zapata (centro) mobilizaram um levante camponês no México.
Fonte: http://www.brasilescola.com
64
Introdução ao Estudo Histórico
O que se deseja é um retorno ao passado após um intervalo de tempo. Parece uma tarefa fadada ao fracasso, porque é
possível restaurar plenamente um edifício em ruínas, após identificar os detalhes de sua construção, mas em uma sociedade não
se tem clareza do que restaurar.
O que restaurar?
Uma antiga lei, os valores morais, a religião?
O que se deseja restaurar é muito vasto e vago. Recriar o
passado remoto pode redundar numa fabricação, ou seja, numa
invenção do passado. Os historiadores do século XIX, no afã de
construir uma história para alimentar os movimentos nacionalistas,
acabaram, em muitos casos, fabricando versões do passado das
novas nações emergentes. Também pode ocorrer que inovações
apareçam disfarçadas de restauração de um passado histórico, é o que acontece com o Estado de Israel, onde aspectos do
passado existem como ideal ou como fabricação e não como
experiência histórica real.
Progresso: rejeição do passado
Outro uso que se pode fazer do passado é a sua rejeição, a
sua negação, o desejo de superá-lo. O mundo capitalista, de certa
forma, apregoa um rompimento com o passado ao defender a
ideia de progresso contínuo. Essa visão é perceptível principalmente no aspecto tecnológico, no qual todos almejam acompanhar as novidades. A mudança constante significa destruir
ou superar o velho. Este desejo vem acompanhado da ideia de
que aquilo que é novo, que é revolucionário é melhor, por isso
são desejáveis. Porém, mesmo neste caso, o rompimento como
o passado não é total. Há também setores inflexíveis onde há
resistência à mudança.
A inovação ocorre na ciência e na tecnologia, mas há resistência quando se trata de mudança social e política. Invenções
Tema II
| História: construção, fato e utilidade
65
utilitárias como a bicicleta, o rádio, são bem aceitas, não se tem
notícia de ninguém que tenha lutado contra elas. Por outro lado,
o desenvolvimento técnico no capitalismo não provocou mudanças
políticas e sociais com tanta rapidez, pelo contrário, foram
violentamente combatidas.
Também o pensamento socialista tendeu ao rompimento
com o passado, visando construção de um futuro diferente.
Almejava-se acabar com a velha sociedade burguesa e implantar
o modo de vida comunista. Mas essa aparente revolução escondia
um precedente remoto, o comunismo primitivo.
No ideário socialista falava-se em romper com o passado e
construir uma sociedade nova. Revolução Russa.
Fonte: http://api.ning.com
66
Introdução ao Estudo Histórico
No modelo formulado por Karl Marx, o “comunismo primitivo” teria existido nos primórdios da humanidade, quando
todos possuíam as mesmas condições de acesso aos meios
de sobrevivência. Na ótica socialista, romper com o passado é
buscar uma sociedade boa, um sistema político desejável. Mas,
o fato de usar o comunismo primitivo como modelo significa
que o passado é tido como um repositório de precedentes.
Resumindo: o passado pode servir de padrão e modelo
para o presente e pode ser rejeitado pelo presente também. As
três análises acima não esgotam os usos sociais do passado,
existem outras perspectivas descritas por Eric Hobsbawn como
a genealogia e a cronologia. Confira o texto complementar.
Texto Complementar
OUTRAS FUNÇÕES DO PASSADO
Genealogia
“O sentido do passado como uma continuidade coletiva de
experiência mantém-se surpreendentemente importante, mesmo para aqueles mais concentrados na inovação e na crença de
que novidade é igual à melhoria: como testemunha a inclusão
universal da “história” no programa de todos os sistemas educacionais modernos, ou a busca de ancestrais (Espártaco, More,
Winstanley) pelos revolucionários modernos cuja teoria, se são
marxistas, supõe sua irrelevância. O que exatamente os marxistas modernos ganharam ou ganham com o conhecimento de
que havia rebeliões de escravos na Roma Antiga – que, mesmo
supondo-se que tivessem metas comunistas, estavam, segundo
a própria análise desses marxistas, fadadas ao fracasso ou a
produzir resultados que trariam escasso suporte às aspirações
dos comunistas modernos? É evidente que a sensação de pertencer a uma tradição antiqüíssima de rebelião fornece satisfação
emocional, mas como e por quê? Será ela análoga à sensação de
Tema II
| História: construção, fato e utilidade
67
continuidade impregnada nos currículos de história e que aparentemente torna desejável que os estudantes aprendam sobre
a existência de Boadicéia ou Vercingetórix, rei Alfredo ou Joana
d´Arc como parte daquele corpo de informações que (por razões
supostamente válidas mas raramente investigadas) “devam saber a respeito” como ingleses ou franceses? A atração do passado como continuidade e tradição, como “nossos antepassados”,
é forte. Mesmo o padrão do turismo presta testemunho disso.
Nossa simpatia espontânea pelo sentimento não deve, porem,
nos levar a negligenciar a dificuldade de descobrir por que isso
deve ser assim”.
(...)
Cronologia
“Finalmente, consideremos o problema da cronologia,
que nos leva ao extremo oposto da possibilidade de generalização, uma vez que é difícil pensar em alguma sociedade conhecida que, para determinados objetivos, não ache conveniente
registrar a duração do tempo e a sucessão dos eventos. Claro
que existe, como observou Moses Finley, uma diferença fundamental entre um passado cronológico e um passado não cronológico: entre o Ulisses de Homero e o de Samuel Butler, que é
concebido de modo natural e nada homérico como um homem
de meia-idade voltando para uma esposa idosa depois de vinte anos de ausência. Certamente a cronologia é essencial ao
sentido histórico moderno do passado, já que a história é mudança direcional. O anacronismo é uma campainha de alarme
imediato para o historiador, e seu valor de choque emocional
em uma sociedade totalmente cronológica é tal que se presta
à fácil exploração nas artes: Macbeth em roupagem moderna
hoje se vale disso de uma maneira que um Macbeth jacobino
obviamente não conseguia”.
Fonte: HOBSBAWN, E. Sobre a história. São Paulo: Cia. das Letras, 2001. p. 32-34.
68
Introdução ao Estudo Histórico
Para Refletir
• Discuta com os seus colegas no fórum do AVA as seguintes
questões:
• Sobre o uso que o presente faz do passado, explique
quando é que ele é padrão ou modelo.
• O que você entendeu sobe a ideia de “rejeição do passado”?
• O que você compreendeu sobre o uso do passado como
genealogia?
2.4 FUNÇÃO
DA HISTÓRIA
Não há antagonismo entre a ideia de que a história serve
para proporcionar prazer e a de que a sua função é fazer uma
reflexão crítica sobre a nossa realidade. Fazer e ensinar História
deve sim ser um prazer, mas que divertimento é este?
Para aprofundar o entendimento do tema leia: SILVA, M. A.
História: o prazer em ensino e pesquisa. São Paulo: Brasiliense,
1995. p.11-38.
Qualquer ramo do conhecimento tem uma função. Pesquisar e ensinar História proporciona deleite, este prazer é algo
que deve ser compartilhado por todos, aqueles que produzem e
aqueles que usufruem o conhecimento histórico. Esta noção da
função da História como distração, diversão e sedução, pertence
ao historiador Marc Bloch. Opondo-se a Bloch, Jean Chesneaux
(1995, p. 94) diz que a História não pode ser neutra social nem
politicamente. O historiador deve tomar partido. Como historiador
marxista, Chesneaux tomaria o partido dos “oprimidos”.
Tema II
| História: construção, fato e utilidade
69
Aparentemente, os dois autores defendem posturas dicotômicas, prazer versus luta política. Analisando melhor, percebemos que o prazer da história também comporta a crítica e a
autocompreensão dos homens. A ideia de luta da mesma forma
inclui o desejo de tornar o mundo mais belo e feliz. Logo, essas
duas legitimidades da história não são opostas. A ressalva que
se pode fazer a Marc Bloch é quanto ao prazer autocentrado em
pessoas e corporações, os que produzem o conhecimento. Logo,
se o prazer da História for compartilhado por todos, o problema
está resolvido. Vejamos a opinião de Marcos Antonio Silva (1995,
p. 12) sobre este assunto:
Quando se fala em história como distração, diversão, sedução e prazer, não se está, necessariamente, renunciando à sua carga crítica, à
capacidade que possui de aprofundar a (auto)
compreensão dos homens: diferentes artes também produzem aquelas experiências (pintura,
poesia, cinema, teatro etc.) e, simultaneamente,
participam, quando o querem, de radicais desmontagens de poderes – governos, valores, grupos.
Os lugares da história
Como ocorre esta diversão? Depende de como temos acesso ao passado. Se for através dos bancos escolares sentiremos
um pouco de tédio, mas se a forma de acessar a História se der
através do romance histórico, da pintura histórica, do cinema,
das revistas em quadrinhos, da televisão etc. certamente teremos mais alegria. Mais uma vez estamos vendo que, o acesso
ao passado se dá também por meio das artes. A História não é
apenas um conhecimento científico preciso, ela pode e deve aliar
também a beleza da produção artística. Como arte, a História fica
mais sedutora. Ao apreciarmos uma pintura histórica somos levados também a refletir sobre o contexto retratado, então, a arte
não só diverte como permite a reflexão, a crítica.
70
Introdução ao Estudo Histórico
Através da pintura histórica podemos
aprender, ter prazer e refletir. Tiradentes Esquartejado, de Pedro Américo
(1843-1905).
Fonte: http://www.unicamp.br
A democratização do prazer da História
tem a ver com o acesso aos lugares de História como as escolas,
os museus, os arquivos, as bibliotecas, os monumentos públicos
etc. É importante que cada vez mais as pessoas tenham acesso
a tais espaços, ambientes de interação entre os profissionais e
o público. Quando o grande público tem acesso aos lugares da
História, esta deixa de ser um néctar de poucos deuses. Se antes
só os historiadores podiam apreciar o passado, hoje cada vez
mais, mais pessoas o acessam.
Produção do saber na escola
Para ser um ambiente prazeroso, a escola não deve ser
apenas um lugar de reprodução do conhecimento histórico, mas
também de produção. Ela permite outros convívios com o passado. O estudante deve experimentar ser ativo e não só passivo
na produção do conhecimento. Um bom exercício é a pesquisa
sobre o seu cotidiano. Não aquela pesquisa que se contenta com
a transcrição literal dos conteúdos, mas a pesquisa que envolve
o pensamento autônomo e criativo. É uma forma de possibilitar
o prazer da História a outros atores. Ensinar e aprender História
como algo prazeroso tem relação direta com os recursos existentes nas escolas.
A pesquisa no ambiente escolar exige algumas condições
relacionadas por Marcos Antonio Silva (1991, p. 19), são elas:
“livros, instrumentos para reprodução de textos, imagens e sons,
Tema II
| História: construção, fato e utilidade
71
tempo para reflexão, preparo de atividades e correções de trabalhos”. No Brasil, há diversas revistas de história que mostram os
exemplos práticos de pesquisas feitas nas escolas. Tais experiências além de significaram o acesso ao prazer da história, permitem que professores e alunos “permaneçam no anonimato de
seu cotidiano sem perderem a capacidade de um pensamento
autônomo e criativo” (SILVA, 1995, p. 20).
Esta discussão sobre o prazer da história enquanto um
direito de historiadores, professores e alunos, traz outras
ideias como: fazer com que o acesso à pesquisa histórica não
se restrinja aos autores das teses e suas bancas examinadoras;
inventar práticas e condições para que a escola se torne um
espaço criativo;
A história imediata
Durante muito tempo os historiadores evitaram refletir
sobre o imediato, acreditando ser perigoso analisar o presente
devido à suposta falta de reflexão, a proximidade do vivido
etc. Dizia-se, o imediato é tema para jornalistas, sociólogos,
filósofos e militares, mas não para historiadores.
O imediato é aquilo que o historiador vive e testemunha,
é o presente. No ensino é possível refletir sobre o presente. É
preciso considerar a História como algo em produção, admitir
a diversidade na elaboração do passado. Assim, refletir sobre o
imediato equivale a criticar imagens cristalizadas de diferentes
tempos e questionar o passado.
Toda história é imediata porque temas passados sobrevivem até o presente. A relação de mão dupla, passado versus
presente, torna a história imediata. Refletir sobre tais questões
permite uma melhor apreensão do passado.
72
Introdução ao Estudo Histórico
A divisão da história
10 Querendo se inteirar
Anteriormente, discutimos a funmais a respeito do tema
ção da história de promover o prazer
leia: CHESNEAUX, J.
e de servir para a luta política. AgoDevemos fazer tábula rasa
ra discutiremos a função da divisão
do passado? São Paulo:
da história em quatro épocas. TomaÁtica, 1995. pp.92-106.
remos como base o historiador Jean
Chesneaux10, para quem a finalidade
desse compartimento tem várias funções, uma delas é colocar a
Europa como o centro do mundo civilizado.
Na visão de Jean Chesneaux (apud Silva, 1995, p. 11), a
divisão da História Geral em períodos é um modelo francês seguido por outras nações para organizar a sua história de forma
similar. Na França a repartição da história se dá com as idades:
Antiga, Média, Moderna e Contemporânea. Essa divisão é chamada de quadripartismo histórico.
No modelo, apenas a História Contemporânea ultrapassa
os limites da Europa, para salientar a conquista do mundo pelos
europeus. Desta forma, temos a impressão de que somente a Europa tem história, o resto do mundo vive uma espécie de barbárie, sem história e sem realizações. Somente com a europeização
do mundo é que eles absorvem a civilização. Há países em que a
elaboração do passado segue esquemas diferentes. Na França, tal
subdivisão serve como aparelho ideológico de Estado, ou seja,
atende aos interesses da França diante de outras nações e dos
grupos dominantes internamente.
Jean Chesneaux (apud Silva, 1995, p. 15) defende que essa
subdivisão esconde interesses, aos quais ele chama de funções.
São elas: pedagógica, serve de modelo para o ensino e para as
publicações didáticas; institucional, são formados especialistas
em determinadas áreas, por exemplo, mestres em História
Antiga e Medieval, estes adquirem poder e angariam assistentes,
Tema II
| História: construção, fato e utilidade
73
créditos, é uma forma de favorecer o corporativismo; intelectual,
as subespecializações só são legítimas e respeitáveis no quadripartismo, configurando-se como o monopólio dos temas de estudo por algumas figuras da intelectualidade.
A outra função é a ideológica. Por trás dela fica implícita a
atitude de mostrar a suposta superioridade cultural do Ocidente
(Europa) diante do mundo. Internamente, busca enraizar valores essenciais para a burguesia como o conhecimento da língua
grega e latina; destacar valores da Idade Média cristã: família,
monarquia, cavalaria, as bases morais da classe dominante, que
legitimariam a sua posição. Em resumo, o quadripartismo coloca
a Europa como herdeira da civilização clássica grega e romana.
A ideia de superioridade da Europa
foi a responsável pela colonização e
pelo neocolonialismo de várias partes
do mundo.
Fonte: http://blog.educacional.com.br
O autor não poupa crítica à Nova História. Em sua opinião
estudar as mentalidades, as técnicas e outros temas da Nova
História serve para desviar a atenção das lutas políticas, das crises,
que seriam o motor da história na sua visão marxista. Em suma, visa
extirpar da história sua dimensão política. Ele denuncia que a Idade
Contemporânea tem a função essencial de afirmar a aptidão do
Ocidente para dominar o mundo, como ocorreu durante a colonização do Novo Mundo e o Imperialismo na África.
O “quadripartismo” recorta em partes arbitrárias certas zonas
históricas homogêneas, como se a passagem de um período para
outro ocorresse de súbito. Dificulta estudos específicos sobre a
74
Introdução ao Estudo Histórico
comunidade rústica, a guerra não-convencional, os marginais.
Isso porque sua abordagem da história é superficial. A divisão
da história feita pelo marxismo não mudou muito, apenas fez a
substituição dos termos, ao invés de Idade Antiga, Média, Moderna e Contemporânea, temos modo de produção Escravo,
Feudal e Capitalismo Ascendente e Desenvolvido.
O ataque ao quadripartismo é pertinente porque mostra a
arbitrariedade da construção dos períodos históricos. Eles não
são dados naturalmente, mas criados artificialmente. Para o ensino possuem uma função importante, facilitar a compreensão da
profundidade histórica. Por outro lado, este recorte possui deficiências, coloca certas regiões fora da história porque enquanto
a Europa ingressa na história, regiões da África, das Américas e
da Ásia vivem na pré-história. O quadripartismo não deixa claro
que as sociedades se transformam em tempos históricos diferenciados e que as experiências históricas de cada região são
peculiares.
As críticas à divisão artificial do tempo histórico são bem
aceitas pela maioria dos historiadores. Mas, Marcos Antonio Silva (apud Chesneaux, 1995, p. 5) relaciona algumas opiniões de
autores sobre o quadripartismo, por exemplo: Jaques Le Goff
comenta que a visão de Chesneaux tem “esforço teórico”, mas
é “desequilibrada pela renúncia ao ofício do historiador”; para
Nizza da Silva, é um exemplo dos “marxistas revolucionários”
que se opõem à interdisciplinaridade; Carlos Vesentini diz que é
uma rejeição das sequências mecânicas de períodos históricos,
inclusive como “modos de produção”.
Tema II
| História: construção, fato e utilidade
75
Texto Complementar
O DISCURSO SOBRE A HISTÓRIA UNIVERSAL
O principal propósito desse discurso sobre a história universal
é apresentar um quadro coerente da sucessão dos grandes períodos da história do mundo, de acordo com uma análise logicamente
ordenada e de maneira que esse quadro tenha por desfecho a sociedade a que pertence seu autor. Colocado numa situação privilegiada, ele a apresenta como um ponto culminante de toda a história
do mundo; ela é, assim, magnificada, legitimada no Tempo. Tal é o
percurso de Bossuet, reduzindo todo o decorrer dos séculos passados a um lento encaminhamento em direção à sociedade monárquica do Rei Cristianíssimo Luís XIV. Tal é o percurso, inverso
na forma, idêntico no conteúdo, de Voltaire escrevendo o Ensaio
sobre os costumes para exaltar a ascensão progressiva da “Idade
das Luzes” (século XVIII) – essa idade que, no entanto, era apenas
um frágil compromisso cultural entre as aspirações da burguesia
ascendente e a inércia política do Antigo Regime.
O percurso de Toynbee é o mesmo: em sua grande série
Um estudo de história, ele esboça uma tipologia e uma ordenação das dezenove grandes “civilizações” que a história mundial
conheceu; o ponto culminante ali é, naturalmente, o capitalismo liberal do Ocidente. O empreendimento coletivo da Unesco,
edificando logo após a Segunda Guerra Mundial uma História
do desenvolvimento cultural e científico da humanidade em seis
grandes volumes, teve por desfecho enaltecer um culturalismo
apolítico e cosmopolita como saída para as crises de nosso tempo: as responsabilidades históricas dos sistemas econômicos de
poder, notadamente a guerra, a repressão política e, mais particularmente ainda, a responsabilidade da Alemanha nazista nesses domínios são indiretamente rechaçadas para o último plano,
são apresentadas como secundárias.
Fonte: CHESNEAUX, J. Devemos fazer tábula rasa do passado? São Paulo: Ática, 1995.
pp.100-101.
76
Introdução ao Estudo Histórico
Para Refletir
• Discuta com os seus colegas no fórum do AVA as seguintes
questões:
• Para que serve a História?
• Além dos livros, quais são os outros meios que nos
permitem usufruir o conhecimento histórico?
• Como pode ser democratizado o prazer da história?
• Qual a função ideológica do quadripartismo histórico?
• Que crítica Jean Chesneaux faz à Nova História?
• Por que é pertinente questionar a divisão do tempo denominada de “quadripartismo histórico”?
RESUMO DO TEMA II
Dentro deste tema foi discutido que a história é feita
a partir dos fragmentos de várias memórias, por isso, ela é
uma construção sempre passível de novas interpretações. A
noção de fato histórico também mostra que a produção do
conhecimento histórico se dá a partir de escolhas, silenciamentos e generalizações. O próprio registro usado pelo historiador já passa por uma pré-seleção. O passado investigado
pelo presente pode ter vários usos, dependendo da época e da
sociedade. Pode servir de padrão, de modelo ou ser rejeitado.
O passado ou a reflexão sobre ele tem várias utilidades, destacamos uma que remete à arte, ao gosto de apreciar o passado
e os seus elementos; outra que se refere à utilização da história para a transformação política da sociedade; por fim, uma
função dita ideológica, ou seja, a história pode ser usada para
justiçar a dominação de povos, de etnias, de classes sociais.
A PRODUÇÃO E A DIVULGAÇÃO DO CONHECIMENTO
HISTÓRICO
Parte II
3
História: método científico
e teorias
Neste tema estudaremos a grande valorização que teve a história
no século XIX, por isso, foi chamado de: o século da história.
A criação de um método de investigação, cuja pretensão
era transformar a história em uma ciência similar às ciências
naturais; a concepção marxista de história que pretendeu ser
uma história ciência e tomou como objeto de estudo as estruturas
econômico-sociais; a história dos Annales ou história nova, que
trouxe como novidades ao fazer histórico nova concepção de
fontes, de objetos de estudo e praticou a interdisciplinaridade
com diversas ciências, principalmente a sociologia, a economia e a
antropologia.
11
3.1 SÉCULO
DA HISTÓRIA
Para aprofundar a
compreensão do tema
leia CARBONELL, C. O.
Em outros momentos já estudamos
como o conhecimento histórico evoluiu.
No século XIX11, a História ganhou o estatuto de ciência, passou a ser ensinada
“O século da história”. IN:
Historiografia. Lisboa: Teorema, 1987. p.115-140.
80
Introdução ao Estudo Histórico
nas universidades, teve aprimorado e divulgado um método de
investigação próprio. Foram transformações fundamentais para o
aprimoramento da disciplina. Como ocorreram estas transformações
e por quê?
Dois
argumentos
comprovam
12 François Pierre Guillau-
ser o século XIX o século da História.
me Guizot (1787-1874) foi
O primeiro, ela cai no gosto popular, as
um político francês. Ocu-
pessoas passam a ler e lhe dispensar
pou o cargo de primeiro-
interesse. O segundo, ela passa a ser
ministro da França entre
feita por grandes escritores. Também
1847 e 1848.
começou a surgir a noção da vastidão
do fazer histórico, a noção de histórias, daí Guizot12 afirmava que
havia cem maneiras de escrever a história.
Várias tendências históricas coexistiram na época. Uma das
que influenciou a História foi o romantismo. Com a historiografia
romântica nota-se uma paixão pelo passado através dos romances e dos dramas tomando contornos históricos. Também o teatro, o romance e a poesia sofreram essa influência. Na época,
o passado passou a alimentar as paixões políticas, tanto da elite
como dos revolucionários. Os primeiros buscavam conservar os
monumentos antigos e restaurar a velha ordem que lhes dava
prestígio. Os revolucionários procuravam enfatizar as memórias das minorias como camponeses, operários. Estes exemplos demonstram como o passado foi valorizado.
Outras características da historiografia romântica são: uma
curiosidade maior pela Idade Média, surgindo estudos sobre a
vida cavalheiresca, as Cruzadas, a Inglaterra dos Saxões e dos
Normandos, as comunas italianas, os árabes; a posse de um método mais poético do que erudito, o qual dava espaço para a
intuição e a imaginação, diferentemente da corrente positivista. Essa intuição pode ser vista nas palavras de Michelet: “no
Tema III
|
História: método científico e teorias
81
silêncio aparente daquelas galerias, um movimento, um murmúrio
que não era da morte. Aqueles papeis não são papeis mas vidas de
homens, de províncias, de povos...” (CARBONELL, 1987, p.119).
Imagem de uma Cruzada Medieval, um dos temas da historiografia romântica.
Fonte: http://www.repensando.com
Na época, a Escola Histórica Alemã ou positivista se notabilizou, mas coexistiram várias maneiras de escrever a história: a
clássica e filosófica, a erudita e documental, a historiografia das
academias instruídas (monográfica e discursiva), a pitoresca e
anedótica destinadas às livrarias, a historiografia didática e a
vulgarização histórica.
As novidades do século
Duas outras novidades apareceram neste século e influenciaram a História: o filosofismo e o cientificismo. O filosofismo,
também conhecido como Filosofia da História, propunha a explicação de um vasto problema por intermédio do raciocínio lógico.
Surgiu uma obra histórica do gênero que explicava a origem de
Roma graças à frugalidade da vida dos primeiros romanos e
82
Introdução ao Estudo Histórico
a sua decadência era devida à devassidão dos últimos imperadores. O surgimento da França era explicado a partir das lutas de
raças, gauleses contra francos. Ou seja, no filosofismo explica-se
um vasto problema a partir da explicação racional.
Dentro da tendência cientificista, cabem tanto o Marxismo
quanto o Positivismo. Consistia na explicação da causa e profundidade da História. Ambas falam no sentido, no caminho e no
objetivo da História. Ou seja, o Marxismo e o Positivismo trabalham com toda a História, da Pré-história à época moderna. Entre
os marxistas o motor ou a causa da História é a luta de classes. O
cientificismo defende que toda reflexão deve nutrir-se do passado
e considera ter inaugurado a história científica.
A história erudita
Tal valorização do passado fez Charles Carbonell cunhar a
frase “Clio ceifa e enceleira”. Ou seja, a consequência de tudo
isso foi a preocupação com a preservação dos documentos escritos, desta preocupação prosseguiu e ampliou-se a busca de
documentos. Os registros do passado, na época entendidos apenas
como os textos escritos, privilegiados por permitir a suposta
neutralidade do investigador, passaram a ser salvos da destruição,
através do depósito nos arquivos e museus. Surgiu a partir daí a
ideia de que a História é feita com documentos e que é preciso
preservá-los em locais adequados, os templos de Clio, a musa
protetora da história.
Antes do século XIX, história e erudição caminhavam separadas. O desenvolvimento desta foi singular para a história. Os
eruditos faziam a compilação e publicação de documentos e a
preservação dos objetos chamados de antiguidades, todos provenientes da Antiguidade Clássica e de outros períodos históricos
da Europa. Cabia à História estudar estas fontes. Quando história
e erudição se aproximam, a primeira ganha com a vastidão de
fontes e com a apropriação do método da crítica documental.
Tema III
|
História: método científico e teorias
83
Na época, a Alemanha foi pioneira na Europa implantando
o ensino de história nas universidades e criando as academias
dedicadas a pesquisa. A exortação do governante alemão Frederico II era a de que “A academia não existe para inglês ver”. As
academias foram responsáveis pelo financiamento de pesquisa
no Egito, na Grécia, na Mesopotâmia, etc.
Virou moda a publicação de documentos históricos, havendo inclusive a previsão nos orçamentos dos estados de recursos
para este fim. Vieram à tona Corpus Inscriptionum Latinarum, o
“Corpus dos escritores eclesiásticos”, os “Documentos históricos inéditos” da França, entre outros. Foi uma tentativa de salvaguardar a história através da publicação de documentos. O Brasil
também aderiu a este movimento com a criação do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro e de uma revista de história.
Pedra de Roseta, atualmente no Museu
Britânico (Londres), achado arqueológico
que permitiu a Jean-François Champollion, em 1822, compreender a escrita
hieroglífica.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br
O grande financiador da história passa a ser o Estado. Ele financia a pesquisa, mantêm os historiadores, pagando seus salários, cria institutos de pesquisa. Esse
interesse do Estado advém do fato da história ser responsável
pela criação das nacionalidades, ou seja, era vista como o cimento das nações. Estados europeus em vias da unificação política,
como a Alemanha, dão grande valor ao conhecimento histórico.
Por isso, os historiadores alcançaram prestígio assumindo altos
cargos na esfera do poder. O próprio Estado dirigia a investigação através dos institutos, ele se tornava historiador.
84
Introdução ao Estudo Histórico
No século XIX, nasceu a história culta ou erudita. O maior
representante da História erudita é o alemão Leopoldo von Ranke
(1795-1886). Ele associava erudição e escrita, narração e explicação. Frise-se explicação dos fatos e não interpretação. Defendia
que a história não devia julgar o passado e nem filosofar, que o
uso das fontes primárias dos arquivos servia como prova para os
historiadores, que obrigatoriamente se devia fazer a referência
das fontes em nota de pé de página. Para Ranke, o objetivo do
historiador é conhecer como os fatos aconteceram exatamente.
Por isso, se desprezava a interpretação. Outros historiadores eruditos foram: Droysen, Curtius, Mommsen, Von Sybel, Von Treitschke, Lamprecht, tidos como os maiores mestre e modelos.
Método da crítica documental
Um dos mais importantes acontecimentos para a história
foi a divulgação de um método de investigação. O método foi
criado pelos eruditos, mas entre os historiadores a sua divulgação deveu-se aos franceses Langlois e Seignobos, através da
obra Introdução aos Estudos Históricos. O método consiste em
quatro etapas: 1ª. Reunir os documentos, fase chamada de heurística; 2ª. Fazer a crítica documental interna e externa; 3ª. Separar os fatos, ou seja, extrair as informações que serão utilizadas;
4ª. Proceder à construção histórica. A fase da escrita, a última,
não poderia conter opiniões nem interpretação, em muitos casos
era uma mera transcrição das fontes.
A crítica interna e externa preocupava-se em garantir a autenticidade do documento, evitando que os historiadores utilizassem documentos falsos.
No século XIX, o predomínio da História Positivista significou a crença na verdade histórica e na possibilidade conhecer
toda a história através da reunião dos textos escritos. Não demorou muito para surgirem certas desilusões. Uma delas é que a
publicação das fontes até a exaustão era impraticável. As obras
Tema III
|
História: método científico e teorias
85
desse gênero jamais se esgotavam, sempre ficava um documento
de fora para ser encontrado. A outra, a crença na verdade histórica, no mito do historiador objetivo, caiu por terra devido
ao patrocínio do Estado-nação. Como o historiador resistiria
às paixões nacionais? Como ser neutro falando de povos que
competem entre si por superioridade? Como escrever sem
agradar ao patrão, no caso, o Estado?
Texto Complementar
AS ILUSÕES DA HISTÓRIA NO SÉCULO XIX
A crença na loquacidade das fontes primárias e na existência
de factos históricos contidos nos documentos, qual múmia em
seu sarcófago, está na origem da boa consciência científica de
Fustel de Coulanges e de todos aqueles – e são numerosos –
que, como ele, se dizem os melhores discípulos de Clio neste
fim de século. Denunciando o subjetivismo teórico ou filosófico dos seus antecessores e eliminando neles tudo o que deles
poderia provir privilegiam simultaneamene o documento escrito
relativamente a todos os outros vestígios do passado. Só o texto
fala “por si mesmo”; responde “claramente” às questões “claras”
que lhe põe, numa linguagem “clara”, esse grande leigo ilustrado
que é o historiador culto. Por isso convém preferir, entre todos
os textos, os que dimanam de verdadeiras instituições: já classificados e depurados, são infinitamente mais próprios e, portanto,
mais honradamente loquazes do que os textos de origem particular,
essencialmente subjectivos.
86
Introdução ao Estudo Histórico
Daí os traços dominantes da historiografia universitária
francesa do final do século XIX e princípio do século XX:
• publicação de textos em que o discurso do historiador se
limita a meia dúzia de páginas de apresentação e a uma
profusão de notas de pé de página;
• confecção de monografias destinadas a esgotar os documentos relativos a um indivíduo (biografias), a um acontecimento ou a um lugar estritamente delimitado;
• monotonia e estreiteza no território percorrido pelos historiadores, que se limita aos domínios das histórias institucional, política, diplomática e militar.
Fonte: CARBONELL, C. O. “O século da história”. IN: Historiografia. Lisboa: Teorema,
1987. p.135-137.
Para Refletir
Discuta com os seus colegas no fórum do AVA as
seguintes questões:
• Por que o século XIX é chamado de o século da história?
• A erudição forneceu qual contribuição importante para a
história?
• Explique o significado do enunciado “Clio ceifa e enceleira”:
• Comente as etapas do Método Histórico vulgarizado por
Langlois e Seignobos?
• Por que as promessas positivistas geraram desilusões
para a história?
Tema III
3.2 ESCOLA
|
METÓDICA
História: método científico e teorias
87
13 Para conhecer mais o
assunto leia: REIS, J. C. “A
Muito combatida por suas limitaEscola Metódica dita “posições, a escola histórica Positivista tem
tivista”. In: A história entre
muitos méritos. Sua defesa intransia filosofia e a ciência. São
gente das fontes e a criação de um méPaulo: Ática, 1996. p.11-25.
todo de investigação ainda são muito
importantes para a História. Todas as
inovações na História que ocorreram depois tiveram como base
o positivismo.
A Escola Metódica ou positivista surgiu na Alemanha no
final do século XIX e pretendia dar o estatuto de ciência à História.
Ela criticava a filosofia da história por ser especulativa e propunha que a função do historiador era recuperar os eventos por
meio da documentação, abrindo mão da interpretação.
Recusando a filosofia da história, a Escola Metódica buscava objetividade, defendia que o historiador escapa do condicionamento social, religioso, cultural, ou seja, o produto de sua
investigação devia ser neutro em relação às visões de mundo do
investigador. A rigor, os positivistas diziam que a História está
nos documentos e o que o historiador devia fazer era a narrativa
dos fatos, sua descrição sem teorização. Na prática, os textos
positivistas se prendiam muito à cópia das fontes com pouca ou
nenhuma explicação. Esta concepção de História residia na crença de que era possível atingir a verdade histórica objetiva.
A História dita científica buscava a neutralidade, com o historiador evitando expressar a sua opinião e tomar o partido de
uma nação, de um grupo. Os fatos narráveis preferidos eram os
políticos, administrativos, diplomáticos e religiosos. Em geral,
buscava destacar os vultos históricos e seus feitos memoráveis,
por isso que o ensino de História consistia em decorar os nomes
de homens tidos como importantes e os seus feitos. As pessoas
comuns aparecem pouco ou quase nada nos textos históricos.
88
Introdução ao Estudo Histórico
O Positivismo falava do palácio, da corte, mas não da vida que
corria nas ruas, nos campos, no cotidiano do lar e do trabalho.
Grito do Ipiranga - Dom Pedro proclama a independêancia do
Brasil - óleo sobre tela de Pedro Américo (l888). Exemplo de
fato histórico narrado pelos positivistas.
Fonte: http://embaixada-portugal-brasil.blogspot.com
A principal contribuição do Positivismo para a História foi
o aperfeiçoamento da crítica histórica – a crítica interna e externa dos documentos (consultar os passos deste método no tema
VIII). Pois, trata-se de um método de como retirar as informações
das fontes. Uma característica importante do Positivismo na historiografia francesa é a sua visão progressiva, linear e evolutiva
em direção a uma sociedade moral, igual e fraterna. Uma análise
detalhada da historiografia positivista mostra que a neutralidade
era apenas um ideal. Na prática, seus historiadores não escapavam
de expor os seus pontos de vista. Na França do século XIX, os
positivistas defendiam a República, combatiam a Igreja Católica
e eram nacionalistas.
Tema III
|
História: método científico e teorias
Os positivistas franceses Langlois
e Seignobos14, na obra que se tornou
um manual, Introdução aos Estudos
Históricos, manifestavam as principais
preocupações do método histórico: o
que é possível e o que importa saber?
89
14 Langlois e Seignobos –
principais representantes da
escola metódica na França.
Autores de “Introdução ao
estudo histórico”, um manual
da pesquisa histórica.
O que é e como tratar os documentos? Que são fatos históricos? Como
15 Leopoldo von Ranke –
agrupá-los?
historiador alemão do século
Fustel de Coulanges é considerado
XIX. Procurou dar uma di-
o autor da primeira obra científica fran-
mensão científica à história.
cesa, ou seja, o primeiro historiador a
empregar o método positivista. A sua concepção metodológica
é a de que a história é ciência pura e não arte, a crença naquilo
que é demonstrado através dos documentos, enfim, uma história
sem especulação. Ao contrário de Michelet, Fustel quer ver os
fatos e não a sua própria ideia deles.
Entre os representantes desta visão de História estão o alemão Leopoldo von Ranke15. Ele, assim como os outros positivistas, mantinha-se na superfície dos eventos, sem problematizar
e sem interpretar os fatos, não procuravam entender os acontecimentos. O fato histórico era tomado como dado objetivo, não se
questionavam as condições em que ele foi registrado, havia uma
preocupação apenas em saber se o documento era verdadeiro ou
se era uma falsificação. O interesse positivista eram os grandes
eventos políticos, desprezavam os aspectos sociais.
90
Introdução ao Estudo Histórico
O historiador alemão Leopold von Ranke
(1868/1875).
Fonte: http://germanhistorydocs.ghi-dc.org
Os historiadores positivistas não se interessavam por questões imprescindíveis aos historiadores atuais como: a problematização, a construção de hipóteses, a reabertura do passado e
a releitura dos fatos. Pelo contrário, estes procedimentos eram
criticados. Acreditava-se na possibilidade de construir uma história
definitiva. Em outras palavras, a história definitiva consistia na
ideia de que, uma vez publicado um trabalho sobre determinado
período, este era a palavra final. Os estudos positivistas se voltavam para o passado. Este culto das épocas mais antigas
era a consequência da fuga do presente, que não podia ser estudado pelo historiador para não opinar sobre ele. O presente sendo o contexto em que o historiador vivia, não oferecia a isenção
necessária para estudá-lo.
Segundo José Carlos Reis (1996, p. 25-26) as realizações
destes historiadores foram: uma história voltada para a educação cívica, na qual, os fatos históricos e os grandes homens
eram reconstituídos para a educação da juventude, fazendo-se
a comemoração dos seus feitos. Produziram a utopia de que os
grandes eventos foram realizados por grandes homens, que contribuíram para o desenvolvimento da nação e da democracia.
Mesmo que consideremos os limites dessa corrente histórica, como o pouco mérito literário, a falta de interpretação das
fontes e a opção pelo estudo da elite dominante, sua importância
reside na profissionalização da História, na implantação do ensino universitário e no aperfeiçoamento do método de investigação histórica.
Tema III
|
História: método científico e teorias
91
Texto Complementar
CONCLUSÕES SOBRE O MÉTODO POSITIVISTA
[...] “A terceira conclusão, que é talvez mais importante para
a nossa discussão, é que da mesma maneira que as ciências da
natureza são ciências objetivas, neutras, livres de juízos de valor,
de ideologias políticas, sociais ou de outras, as ciências sociais
devem funcionar exatamente segundo esse modelo de objetividade científica. Isto é, o cientista social deve estudar a sociedade
com o mesmo espírito objetivo, neutro, livre de juízo de valor, livre de quaisquer ideologias ou visões de mundo, exatamente da
mesma maneira que o físico, o químico, o astrônomo, etc. Esta
é talvez a conclusão mais importante para o nosso debate sobre
a relação entre ideologia-utopia e conhecimento social. Significa
que a concepção positivista é aquela que afirma a necessidade e
a possibilidade de uma ciência social completamente desligada
de qualquer vínculo com as classes sociais, com as posições políticas, os valores morais, as ideologias, as utopias, as visões de
mundo. Todo esse conjunto de elementos ideológicos, em seu
sentido amplo, deve ser eliminado da ciência social. O positivismo geralmente designa esse conjunto de valores ou de opções
ideológicas como prejuízos, preconceitos ou prenoções. A ideia
fundamental do método positivista é de que a ciência só pode
ser objetiva e verdadeira na medida em que eliminar totalmente
qualquer interferência desses preconceitos ou prenoções”.
Fonte: LOWI, Michael. Ideologias e ciência social: elementos para uma análise marxista. São Paulo: Cortez, 1985, p.36.
92
Introdução ao Estudo Histórico
Texto Complementar
A VISÃO POSITIVISTA DA HISTÓRIA
O objetivo dos positivistas parece-nos, pode ser comparado ao da organização de um museu, embora o conceito de
museu, talvez, seja mais complexo. No museu, os objetos de valor histórico são resgatados, recuperados e expostos à visitação
pública, com uma ficha com seus dados ao lado, e o observador
posta-se diante de uma “coisa que fala por si”, definitivamente
reconstituído. Assim, também, procederia o historiador metódico: através dos documentos, reconstituiria descritivamente, “tal
como se passou”, o fato do passado, que, uma vez reconstituído,
se tornaria uma “coisa-aí, que fala por si”. Ao historiador não
competiria o trabalho da problematização, da construção de hipóteses, da reabertura do passado e da releitura de seus fatos.
Ele reconstituiria o passado minuciosamente, por uma descrição
definitiva. Tratados dessa maneira, os fatos históricos se tornariam verdadeiros seres, substâncias, objetos que se pode admirar do exterior, copiar, contemplar, imitar, mas jamais desmontar,
remontar, alterar, reinterpretar, rever, problematizar,reabrir. Uma
vez “estabelecidos” os fatos passados, a não ser que aparecessem novos documentos que alterassem sua descrição, tornando-se mais “verdadeira”, eles seriam uma “coisa que fala por si”.
Claro que este projeto é impraticável plenamente e sustentar que
há obras históricas que o realizaram é “caricaturar” a produção
histórica “positivista”. Entretanto, tal projeto foi uma “orientação”
da pesquisa histórica que, se não o realizou inteiramente, pois
impossível, deixou-se conduzir por seus princípios e objetivos.
Fonte: REIS, J. C. A história entre a filosofia e a ciência. São Paulo: Ática, 1996. p.22-23.
Tema III
|
História: método científico e teorias
93
Para Refletir
• Discuta com os seus colegas no fórum do AVA as seguintes
questões:
• Na visão positivista qual é a função do historiador?
• Na construção do conhecimento quais procedimentos
eram proibidos ao historiador positivista?
• O que significa narrar os fatos sem interpretação? Que
problema tal procedimento suscita?
• Quando é que a ciência se torna objetiva e verdadeira?
3.3 MARXISMO
E HISTÓRIA
16 Sobre o tema leia REIS,
J. C. “O marxismo”. In: A
De início inovadora e revoluciohistória entre a filosofia e
nária, a visão marxista da História16 caa ciência. São Paulo: Ática,
minhou na terceira e quarta década do
1996. p.40-53.
século XX para o dogmatismo e a estagnação das ideias. A despeito deste
hiato, o marxismo significou uma renovação e contribuiu muito
para a Nova História e até hoje conta com o apoio de importantes
intelectuais.
O marxismo deve seu nome ao filósofo alemão Karl Marx
(1818-1883). Assim como o Positivismo, também recusa a filosofia
da história e sua meta de descobrir um sentido para a História.
Em contrapartida, se propõe a construir a história científica, ou
seja, o estudo do passado a partir de elementos científicos.
94
Introdução ao Estudo Histórico
O filósofo Karl Marx. Do seu nome deriva o
termo marxismo. Autor dos livros Manifesto
do Partido Comunista e de O capital.
Fonte: http://www.fflch.usp.br/dh/heros/antigosmodernos/seculoxix/marx/index.html
Quem caracterizou bem o marxismo foi Pierre Villar. Segundo
ele, Marx criou a história-ciência. A partir do conceito de materialismo histórico, o passado é tido como analisável, observável,
objetivável, quantificável. Para os pensadores dessa linha, a
História é cientificamente penetrável como toda outra realidade.
Para entender a visão marxista da História, é preciso compreender as seguintes hipóteses: 1. A produtividade é a condição necessária da transformação histórica, isto é, toda vez que
há uma mudança técnica a história tem um salto; 2. As classes
sociais, em luta, se definiram pela sua situação no processo produtivo como opressor e oprimido. Em outras palavras, o estudo
do passado se resume ao estudo das lutas das classes sociais
entre si; 3. O objeto da história são as forças produtivas (fonte de
energia, matéria-prima, máquina, os conhecimentos e os trabalhadores) e as relações de produção (relações sociais para a produção e divisão dos bens e serviços) em um modo de produção
e em uma formação social específica.
O objeto de estudo marxista são as estruturas econômicas e sociais. Nesse sentido, é um avanço em comparação à
paixão dos positivistas pela política. Uma crítica é necessária
quanto à inexistência de um homem universal, cada sociedade
influencia seus indivíduos com visões de mundo específicas.
Para Marx, o indivíduo é fruto das relações sociais de produção,
ou seja, a visão de mundo de um indivíduo é determinada pelo
Tema III
|
História: método científico e teorias
95
modo de produção vigente durante a sua existência. Alguns dos
modos de produção definidos por Marx são: Asiático, Escravista
ou Antigo, Feudal e Capitalista. A humanidade caminharia para a
superação do Capitalismo pelo Comunismo.
Enquanto ciência da História o marxismo enfatiza as contradições e os conflitos sociais e não a harmonia, as estruturas da
sociedade e não o evento, nem o indivíduo. Novamente percebemos a sua diferença do Positivismo.
Nos meados do século XX, a visão dogmática marxista que
priorizava o estudo dos modos de produção e o determinismo
econômico foi praticamente abandonada, permanecendo, porém, a explicação dos eventos históricos e sociais pelas estruturas econômica e social. Ou seja, persistiu a visão de que as
estruturas moldam as ações dos indivíduos.
O dogmatismo marxista consistia num conjunto de princípios divulgados por Josef Stálin, ex-governante da União Soviética. Entre os princípios tidos como leis universais estavam:
a unicidade e linearidade da lei do desenvolvimento; a ideia da
superestrutura (política, leis, etc.) como reflexo da infraestrutura
(economia); a irreversibilidade absoluta da história, com o progresso ocorrendo em saltos; a evolução determinada por leis
científicas. Em resumo, se critica o dogmatismo marxista devido
a sua concepção de determinismo econômico para a análise da
realidade e a noção de que todas as sociedades passam pelos
mesmos estágios civilizatórios.
Charles Carbonell (1987, p.146) sintetiza o questionamento de Antonio Gramsci à ortodoxia marxista: fala que a superestrutura tem existência relativamente autônoma em relação à
economia, que a própria economia não obedece a leis, mas a
tendências. Gramsci flexibilizou a metodologia marxista após os
anos 1960.
96
Introdução ao Estudo Histórico
Josef Stalin governou a União Soviética
(Rússia) entre 1924-1953. Foi responsável
pelo marxismo ortodoxo.
Fonte: http://blue.utb.edu
A convicção marxista de que conscientemente ou não os homens fazem a história é
singular. Sendo assim, o papel histórico dos
proletários era tomar as rédeas das decisões e construir o mundo
dos seus sonhos: o socialismo, onde haveria a igualdade, o nivelamento social.
Em linhas gerais, o marxismo tem uma visão evolutiva da
história, diz que o drama histórico de todos os tempos é a luta de
classes de escravos contra senhores, plebeus contra patrícios,
servos contra senhores, proletários contra burgueses. O capitalismo seria o modo de produção mais evoluído. Como a história
possui uma ordem evolutiva racional, a sua direção era alcançar
a utopia comunista, após a destruição do capitalismo.
O ideal marxista repousa na crença em um progresso rumo
a uma sociedade justa, livre e comunitária. O sentido da história
seria a emancipação dos homens pela ação do proletariado. Nesse otimismo insuperável, os homens ao tomar o seu destino nas
próprias mãos, rompem com o passado e passam a construir a
própria história.
Muitas críticas foram feitas à visão marxista da história,
mas os seus autores deram muitas contribuições à Nova História, dentre elas, o interesse pelos fenômenos sociais, pelos conflitos e pelos desfavorecidos, pela economia – suas técnicas e
crises -, pela cultura material, e mais, os conceitos de estrutura,
Tema III
|
História: método científico e teorias
97
conjuntura e duração. Mas, há diferenças entre os dois modos de
fazer história, enquanto no marxismo prevaleceu o dogmatismo
mecanicista, na Nova História predomina o ecumenismo metodológico.
Texto Complementar
RESUMO DA HISTORIOGRAFIA MARXISTA
Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) “fundaram, com o materialismo histórico, dialético e científico, um
método de análise do real e uma filosofia da história. Engels disse-o ante o túmulo ainda aberto do seu amigo: «Tal como Darwin
descobriu a lei da evolução na natureza orgânica, Marx descobriu a lei da evolução na história humana»”.
A exposição mais clara do materialismo histórico pelo próprio
Marx é certamente a que constitui a introdução à Crítica da
Economia Política:
«Na produção social da sua existência, os homens entram
em relações determinadas, necessárias, independentes da sua
vontade, relações de produção que correspondem a um grau de
desenvolvimento determinado das suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura
económica da sociedade, á base concreta sobre a qual se eleva
uma superstrutura jurídica e política e à qual correspondem formas de consciência social determinadas. O modo de produção
da vida material condiciona o processo de vida social, política e
intelectual em geral. Em determinado estádio do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em
contradição com as relações de produção existentes, ou, o que
não passa da sua expressão jurídica, com as relações de propriedade em cujo seio elas tinham existido até então... Inicia-se então
98
Introdução ao Estudo Histórico
uma época de revolução social. A modificação na base económica
subverte mais ou menos rapidamente toda a enorme superstrutura... Uma formação social não desaparece nunca antes de se
terem desenvolvido todas as forças produtivas que ela tem capacidade para conter...».
O Manifesto expõe, desde as primeiras linhas, o esquema
de evolução da História: a luta de classes como motor, a passagem por fases progressistas como itinerário:
«A história de toda a sociedade até aos nossos dias é a
história da luta de classes».
«Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo,
mestre e companheiro - numa palavra, opressores e oprimidos
em perpétua oposição, têm travado uma luta ininterrupta».
Coube a Engels expor as leis de mecânica enunciadas por
Hegel e conservadas pela lógica marxista apesar da sua ruptura com o idealismo hegeliano: a lei dos contrários, que afirma
que a evolução e a mudança se operam pela negação, segundo
um encadeamento ritmado por fases antagonistas: afirmação,
negação, negação da negação; a lei dita «do quantitativo e do
qualitativo», que faz sair a mutação qualitativa de uma evolução
mensurável.
Formuladas há mais de um século, estas regras de inteligência histórica são aplicadas com rigores e segundo estilos tão
diversos que uma história sumária das historiografias marxistas
não pode ir além duma caricatura de caricaturas.
Historiografias marxistas
Entre 1930 e 1960, durante um período que corresponde
aproximadamente à fase estaliniana da história da U. R. S. S., a
historiografia marxista viveu a sua época dogmática. _ o tempo
Tema III
|
História: método científico e teorias
99
da «esclerose ideológica» (Guy Bois), das «descrições ontológicas
da realidade» (Trukhanovsky), e do «infantilismo» (Gramsci). O
paradigma é dado pelo opúsculo de Estaline, Materialismo Dialéctico e Materialismo Histórico, cuja influência foi considerável
e de que o editor da tradução francesa dizia, em 1937: «Esta
obra foi traduzida três séculos depois do aparecimento do Discurso do Método: são dois momentos de um mesmo esforço,
duas obras da mesma estatura.» Lá se afirmavam:
• a unicidade e a linearidade da lei do desenvolvimento: «A
História conhece cinco tipos fundamentais de relações de
produção: a comuna primitiva, a escravatura, o regime
feudal, o regime capitalista e o regime socialista»;
• o jogo permanente e determinante da causalidade ascendente, da infra-estrutura económica nas estruturas
sociais, das estruturas sociais nas superstruturas: «A
superstrutura é o reflexo da infra-estrutura»;
• a irreversibilidade absoluta da História, o seu progresso
incessante e «aos saltos»;
• o determinismo duma evolução sempre sic et simpliciter
regida pelas leis científicas: «lei de desenvolvimento»,
«lei de pauperização», «leis da insurreição».
Fonte: CARBONELL, Charles O. Historiografia. Lisboa: Teorema, 1987, p. 141-150.
100
Introdução ao Estudo Histórico
Para Refletir
• Discuta com os seus colegas no fórum do AVA as seguintes
questões:
• Qual é o objeto de estudo da história marxista?
• Qual a principal crítica feita a concepção marxista da história?
• O que você entendeu sobre forças produtivas e relações
de produção:
• O que você entendeu por materialismo histórico?
3.4 HISTÓRIA
DOS
ANNALES
A Nova História está na moda nos
dias atuais. É o que se depreende da
proliferação de pesquisas com temáticas diversas que chegam às livrarias
recorrentemente. Esta escola histórica
não excluiu as demais, até convivem,
compartilham certos procedimentos,
mas a Nova História17 detém certo predomínio em algumas partes do mundo.
A renovação da história teve princípio em 1929, na França, com a publicação da Revista Annales d`histoire
économique et sociale18, dedicada ao
estudo de temas econômicos e sociais.
É quando a história nasce como ciência
humana, segundo Pierre Chaunu. Mas
esse movimento não ocorreu apenas
17 Leia mais sobre este tema
em CARBONELL, Charles O.
“A Nova História hoje”. In:
Historiografia. Lisboa: Teorema, 1987. p.151-69.
18 revista publicada na França desde 1929, por Lucien
Febvre e Marc Bloch, chamada “Annales d`histoire
économique
et
sociale”.
A partir de 1946, a revista
passa a se chamar “Annales,
Economies, Sociétés, Civilizations”.
Tema III
|
História: método científico e teorias
101
na França e teve precedente. Os pioneiros do estilo dos Annales
foram o belga Henri Pirenne (estudos sobre economia), o holandês Huizinga (estudos sobre mentalidade), o polaco Znaniecki
(estudos sobre o povo). Tiveram os estudos de cultura material
na União Soviética, da economia e da história oral nos Estados
Unidos, e, de arqueologia.
Chamamos de “Escola histórica” porque seus representantes
romperam com a historiografia antecedente. A Escola dos Annales substituiu a Escola Alemã positivista. A substituição implicou
na rejeição da história factual, política, historicizante, da erudição
monográfica, do corporativismo e imperialismo dos historiadores. Rompendo com os temas políticos a Nova História foi, desde
o início, econômica e social. Essa transformação ocorreu porque
o mundo havia mudado também. No novo cenário a economia
invade o campo político e se processam transformações mundiais.
A novidade está nos novos objetos de estudo. A História
que antes tratava quase exclusivamente de política, ampliou os
seus domínios. A Nova História costuma ser dividida em várias
fases, mas podemos resumir a sua importância a partir de algumas contribuições. Assim, da proximidade com a economia,
passou a estudar preços, moedas, trocas, ritmos, ciclos e morte;
com a sociologia, surgem estudos sobre família, comunidades
rurais e urbanas, círculos de sociabilidade (igrejas, tabernas, etc.),
minorias sociais e de gênero, marginais, enclausurados; com a
geografia mira o estudo dos climas e da relação do homem com
o espaço através do tempo.
A partir de 1950, ampliam-se os estudos demográficos,
explorando temas como mortandade, nascimentos, que inicialmente eram estudos quantitativos, mas depois passaram a ser
qualitativos. Nesta mudança, surgiram estudos sobre o comportamento sexual, a mãe, a criança, o corpo, a doença, o consumo,
os gestos, os sentimentos, as paixões coletivas, os sonhos, os
102
Introdução ao Estudo Histórico
mitos, etc. No princípio, o movimento é denominado de história
das mentalidades, depois passou a ser conhecido como História
Cultural, caracterizada pela ênfase no estudo do cotidiano das
pessoas comuns.
História do amor no Brasil, livro de
Mary Del Priore sobre as mentalidades
Fonte: http://www.editoracontexto.com.br
O estudo das mentalidades aumentou a partir dos anos 1960, com os trabalhos de Philippe Ariès sobre infância,
família, morte, vida privada. A história
política ganha qualidade valorizando
lendas e ritos. Depois de ter sido relegada ao escanteio a biografia histórica renasce, não mais enfocando o indivíduo, mas os movimentos políticos. A História cultural tem uma abrangência vasta, passando a explorar estudos
sobre mentalidades, cor, religião, comportamento, sensibilidade,
odor, tempo, jovem, entre outros.
Saiba mais em: CAIRE-JABINET, M-P. A história em questão: os
grandes debates do século 20. In: Introdução à historiografia.
Bauru, São Paulo: EDUSC, 2003. p.141.
O método
Do ponto de vista do método, a Nova História inaugura um
percurso novo. Seu método é o da história problema, ou seja, o
historiador faz o questionamento do passado e do conhecimento
produzido. Não todas as questões serão respondidas, ficaram
em aberto para reflexão. No Positivismo era diferente, primeiro
Tema III
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História: método científico e teorias
103
se consultavam as fontes para em seguida responder os problemas
históricos. Agora, os problemas são elaborados na mente do
historiador e depois se processa a coleta dos testemunhos para
respondê-los ou corrigi-los.
Ocorreu também o alargamento da noção de tempo. Ao
invés de simplesmente encadear os fatos no tempo, o historiador passou a refletir sobre as mudanças e as permanências históricas, isto por que a mudança histórica passou a ser encarada
como processada na curta, média e longa duração. Resumindo,
nem todos os fenômenos históricos mudam ao mesmo tempo,
as coisas ocorrem em temporalidades diferentes, numa mesma
época convivem o novo e o antigo. Uma civilização é entendida a
partir da longa duração, mas um governo, a vida de um homem,
pertence à curta duração.
Outra questão importante foi que a busca das causas na
História foi abandonada, por ser entender que existe um emaranhado de causas e não uma causa única. Ao invés de buscar
determinar as causas, o historiador passou a entender os acontecimentos dentro do contexto, das estruturas sociais, econômicas, políticas, culturais.
O século XX assistiu a uma mudança histórica no tocante
às fontes históricas. Resultado da inflação documental, a partir
da reprodução mecânica dos documentos e da ampliação da
noção de fonte, a História passou a ser feita com recursos diversos: “uma sombra no solo, detectada pela fotografia aérea,
que revela um habitat pré-histórico”; “os relatos autobiográficos
dos operários polacos ou ingleses”, que revelam uma história
desconhecida; “o desenho das estradas e dos caminhos numa
carta”, que denuncia as fases da valoração dum território” (CARBONELL, 1987. p.164).
Após estas modificações observadas no campo da história,
somos levados a nos questionar: como ficou a crítica histórica?
Ela acabou ou surgiu uma nova crítica? O elevado número de
104
Introdução ao Estudo Histórico
documentos à disposição do historiador passou a exigir novos
métodos. Pelo que vimos, as modificações constantes que atingem o campo histórico não são sinais de sua morte, mas indicam
a eterna juventude da História.
Para sintetizar melhor o significado da Nova História, lembremos do seu Manifesto de 1978, assinado por Jacques Le Goff,
Roger Chartier e Jacques Revel, que fala na “Abertura da disciplina a novas temáticas, a vagabundagem por todos os terrenos”.
Em outras palavras, a Nova História se caracterizou a partir das
últimas décadas do século XX pela busca de NOVOS PROBLEMAS, NOVAS ABORDAGENS, NOVOS OBJETOS (CAIRE-JABINET, 2003, p.133).
A Legitimidade da história
Os autores dos Annales também se preocuparam com a
serventia da História. Marc Bloch definiu que a História serve,
antes de qualquer coisa, para divertir ou proporcionar prazer. Ela
reflete o desejo de nossa espécie de se conhecer historicamente
e coloca em contato os homens do presente com os do passado.
Para Georges Duby, a História ensina a complexidade do real, sua
diversidade e suas especificidades.
Na visão de Jacques Le Goff, a História conhecida e vivida deve ser outra, ou seja, os historiadores têm a obrigação de
não permitir que certas atrocidades aconteçam novamente. Para
mostrar como são díspares estas visões, Paul Veyne radicaliza ao
defender que a História é um mero conhecimento e não uma arte
de viver (REIS, 1996, p.91-2).
A Escola dos Annales no mundo
A partir dos anos 1950, na chamada era Fernand Braudel,
a revista torna-se conhecida na Europa. Na Itália, aparecem estudos sobre mercadores, heréticos e longa duração. Na Polônia,
sobre urbanos pobres, mentalidades, Mar Báltico. O polonês
Tema III
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História: método científico e teorias
105
Witold Kula escreve a respeito da economia dos latifúndios. Na
Alemanha, até os anos 1970, permanece o interesse pela política e
os acontecimentos, depois abordam também o cotidiano. Porém,
na Inglaterra fala-se do “afetado e irritante estilo dos Annales” e
existe a incompreensão dos termos conjuntura e mentalidade.
Como se vê, os ingleses permaneceram com sua historiografia
própria, destacando-se muitos historiadores marxistas (BURKE,
1997, p. 109-127).
Fernand Braudel (1902 -1985) foi um
historiador francês e um dos mais importantes representantes da chamada
“Escola dos Annales”.
Fonte: http://api.ning.comg
Fora da Europa não houve tanto
interesse pela História dos Annales. Na
África, a sua presença é irrelevante devido à preocupação com
o passado recente. Na Ásia, prefere-se o marxismo. Na China,
apareceram estudos sobre mentalidade (pensamento chinês,
missão cristã). Na América do Norte prevalece o distanciamento.
Mas, na América Central e do Sul, a coisa é diferente. O Brasil com
Gilberto Freire confecciona estudos sobre família, sexualidade,
infância, alimentação e cultura material desde 1930, consagrando-se
assim como um precursor e não como um pensador que sofreu
a influência da historiografia francesa. A América espanhola se
aproximou dos Annales produzindo História a partir do ponto de
vista dos vencidos.
106
Introdução ao Estudo Histórico
A Nova História foi original porque suas ideias se difundiram mais extensamente e por mais tempo. Porém, esse movimento teve limites. Limite geográfico: sua influência abrange
França, Espanha, Itália, América espanhola e portuguesa. Limite
temporal: seus temas retratam preferencialmente a Idade Antiga,
Feudal e Moderna.
O movimento produziu obras-primas como: Os reis taumaturgos, de Marc Bloch, Sociedade feudal: o problema da incredulidade, de Lucien Febre, O Mediterrâneo, As paisagens de Languedoc, Civilização e capitalismo, de Fernand Braudel.
Texto Complementar
A NOVIDADE DA HISTÓRIA DOS ANNALES
Os annales trazem uma renovação da historiografia em diversos campos.
Em primeiro lugar: o interesse apaixonado pela atualidade
e o presente. Ao longo de toda a sua vida, de seus escritos e
conferências, Lucien Febre - para quem a “história é menos [...]
uma profissão e mais uma razão de viver” (Annales, 1947) - repete
incansavelmente: a história “pesquisa e avalia no passado os
fatos, acontecimentos, as tendências que preparam o tempo
presente, que permitem compreender” (Combats pour l’histoire,
p. 117, 1953). A história da elaboração da obra de Marc Bloch,
Les Rois thaumaturges (1924), é disso um exemplo. Combatente
nos campos de batalha da guerra de 1914, ele constata a importância dos rumores e das falsas notícias entre os soldados
entrincheirados. É a partir dessa experiência pessoal que ele
passa a analisar essa imensa “falsa notícia” histórica: a cura
dos escrofulosos pelos reis da França recém-sagrados. Esta
importância fundamental do presente para os historiadores dos
Tema III
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História: método científico e teorias
107
Annales pode ser avaliada pelo número de artigos dedicados
pela revista à história contemporânea: mais de 40% entre 1929
e 1941 (cf. os trabalhos de Olivier Dumoulin, apud DOSSE, 1987,
p. 61-62). Há inúmeros artigos sobre a situação econômica da
União Soviética ou o New Deal, em resposta à afirmação de Lucien Febvre: “Entre o presente e o passado, não existem compartimentos estanques, é o refrão dos Annales” (Annales, 1932).
Para tratar destas questões, a revista dirige-se a especialistas de
economia, banqueiros, financistas como, por exemplo, o diretor
do Banco Mundial para o Comércio e Indústria a. Pose; a Divisão
Internacional do Trabalho da SDN, dirigida por Albert Thomas,
também fornece colaboradores ocasionais. Esta abertura a autores não historiadores é totalmente nova e contribui para localizar
a iniciativa dos Annales dentro dessas “estratégias da terceira via”
dos anos 30: nem liberalismo, nem marxismo.
A segunda novidade dos Annales é a colaboração sistemática entre as diferentes ciências sociais e a história, mas também
as estreitas relações que se estabelecem entre a geografia e a
história; tão estreitas que se fala até mesmo em “geo-história”.
Em 1922, com atraso devido à guerra, Lucien Febvre publica La
Terre et l’Évolution humaine, texto polêmico no qual ele defende
a geografia contra os sociólogos e insiste sobre a contribuição da
geografia para a história. A posição dos geógrafos nos Annales
é de importância considerável, e ambas as disciplinas se influenciam mutuamente. Os trabalhos de Marc Bloch (Les Caractères
originaux de l’histoire rurale française), de Roger Dion (Essai
sur la formation du paysage rural français), de Gaston Roupnel
(Histoire de La campagne Française) são disso exemplo. O olhar
dos geógrafos (“todo este campo é um livro aberto sob nossos
olhos”, C. Roupnel) abre perspectivas aos historiadores, sobretudo no setor da história rural. Uma das grandes obras de “geohistória” é a tese de Fernand Braudel: La Mediterranée à l’époque
de Philippe II, que transforma, por sugestão de Lucien Febvre, o
108
Introdução ao Estudo Histórico
que no começo era simplesmente matéria da história clássica - a
política mediterrânea de Filipe II - em uma ampla reflexão sobre
um espaço, suas relações com o homem, em um prolongado
período de tempo, em um tempo quase imóvel: “a distinção, no
tempo da história, de um tempo geográfico, de um tempo social,
de um tempo individual” (F. Braudel).
Fonte: CAIRE-JABINET, M-P. Introdução à historiografia. Bauru, São Paulo: EDUSC,
2003. p.121-123.
Para Refletir
Discuta com os seus colegas no fórum do AVA as
seguintes questões:
• Os primeiros redatores da Revista de Annales rejeitaram
que tipo de história?
• O que você entendeu sobre os novos objetos de estudo
abraçados pela Nova História:
• A Nova História introduz o método da história problema.
Se compararmos ao positivismo, qual é a novidade deste
método?
• Qual foi a sua compreensão deles sobre os três enunciados
da Nova História?
• No Brasil, como podemos perceber a influência da Nova
História?
Tema III
|
História: método científico e teorias
109
RESUMO DO TEMA III
Neste tema quatro assuntos foram discutidos. Primeiro,
vimos que a história no século XIX foi muito valorizada ganhando o estatuto de ciência, sendo ensinada nas universidades, ganhando arquivos para a guarda de documentos e revistas para a sua divulgação. Depois, discutimos o Positivismo,
ou Escola Metódica, modo de fazer história que exigia o uso
do documento oficial como fonte, a objetividade da síntese
histórica e a narração de grandes feitos dos grandes homens,
isto é, a história política. Em seguida, estudamos a concepção marxista da história, a qual se interessa pelo estudo das
estruturas econômicas e sociais, dando ênfase aos modos de
produção e a luta de classe. Por fim, tratamos da História dos
Annales ou Nova História, que rompe com o fazer historiográfico anterior, pratica a interdisciplinaridade e amplia o campo
de estudos da história.
4
História: Fontes, Escrita,
Pesquisa, Ensino
O objetivo deste tema é estudar o que são fontes históricas
e a sua diversidade hoje. Discutir a escrita da história, mostrando
um caminho para se aliar a narração dos acontecimentos com
a explicação das estruturas. Apresentar os passos da pesquisa
histórica, conhecimento necessário para pesquisadores, professores e estudantes compreenderem como se constrói a história.
Refletir sobre o ensino de história, destacando os dilemas desta
tarefa e as novas práticas que permitem uma boa transposição
didática do saber histórico.
4.1 FONTES
19 Para entender melhor
este assunto leia: PINSKY,
Carla Bassanezi (Org.). Fon-
Quer sejamos historiadores, protes históricas. 2 ed. São Paufessores, estudantes ou apenas leitores,
lo: Contexto, 2006. p. 23-80.
é fundamental que entendamos o que
são fontes históricas. As fontes são as
matérias primas das quais brotam as histórias presentes nos livros.
A seguir, discutiremos o que são fontes históricas19, quais são
112
Introdução ao Estudo Histórico
os tipos de fontes disponíveis e algumas maneiras de lidar com
cada uma delas.
Assim como um detetive de polícia para elucidar um crime
sai em busca das pistas deixadas pelo criminoso, um historiador
para esclarecer uma época ou um acontecimento vai atrás das
suas pistas. Estes indícios são as fontes dos historiadores que,
podem ser classificados por um variado elenco: as documentais,
as arqueológicas, as impressas, as orais, as biográficas e as audiovisuais.
As fontes através da história
Houve uma variação no tempo e no espaço no uso das fontes históricas. Ao longo dos tempos percebe-se uma ampliação
da noção de fontes. Hoje, para ser historiador exige-se erudição,
isto é, o conhecimento dos diversos tipos de registros do passado, e sensibilidade para saber extrair informações deles.
Através dos grafitos pintados nas cavernas conhecemos os
primeiros relatos da vida humana. Posteriormente, as sociedades ágrafas, isto é, sem escrita, deixaram elementos da cultura
material possibilitando hipóteses sobre o seu modo de vida. Em
seguida, surgiram sociedades que inventaram a escrita permitindo
a produção documental dos períodos históricos subsequentes,
sendo as fontes mais valorizadas até o século XX.
Cena de caça pré-histórica.
Primeira forma do homem contar
a sua história.
Fonte: http://cilaschulman.files.wordpress.com
Tema IV
| História: fontes, escrita, pesquisa, ensino
113
Na segunda metade do século XIX, época da história científica e da preferência pelas fontes escritas, a concepção predominante era a de que a “comparação de documentos permitia
reconstituir os acontecimentos passados”, buscando-se as suas
causas e consequências. Outra vertente de pensadores, a dos
filósofos, concluiu que a evolução e o progresso explicavam a
marcha da humanidade. Deste modo, tínhamos a história factual,
narrada de forma linear e progressista.
O marxismo, valorizando a estrutura econômica e as lutas
entre as classes sociais, fez surgirem estudos de Economia e Sociologia, valorizando a coleta de fontes das atividades econômicas: cartórios, processos judiciais, censos, contratos de trabalho,
movimento de portos, abastecimento e outros. A partir de então
predominam a história social e econômica.
A partir de 1929, os historiadores Marc Bloch e Lucien Febvre
propõem a história-problema, na qual as fontes deveriam ser
buscadas e interpretadas segundo as hipóteses do historiador.
Numa crítica à valorização apenas da política, para eles, todas as
atividades humanas deveriam ser consideradas como importantes. No mesmo período, adeptos do marxismo produzem trabalhos de história econômica utilizando fontes sobre o comércio,
agricultura, trabalho, remuneração, censos, entre outras.
A história quantitativa do historiador marxista Ernest Labrousse fez uso de métodos da economia, confeccionando gráficos, tabelas e estatísticas para explicar ciclos econômicos. Surgiram pesquisas sobre preços, dados bancários, importação e
exportação, salários, produção de alimentos, etc., dando início à
história demográfica que fazia uso de registros de nascimentos,
falecimentos e casamentos.
As contestações políticas e sociais dos anos 60 do século
XX fizeram os historiadores se voltarem para o tempo presente,
falando em novos problemas, objetos e abordagens. As fontes
consultadas por estes historiadores mostram uma perspectiva
114
Introdução ao Estudo Histórico
interdisciplinar de suas visões. Vejamos a lista sobre as fontes
destes pesquisadores, preparada por Maria de Lourdes Janotti
(2006, p.15):
Mapas metereológicos, processos químicos, documentos de ministérios da agricultura, relatos de incêndios, cartas sobre catástrofes climáticas do passado, diários, biografias, romances, estudos psicanalíticos, Psicologia da arte, releitura dos clássicos
greco-romanos, o discurso mítico, Antropologia
cultural, culto de santos, doutrinas religiosas, livros
pornográficos e clandestinos, estatísticas de publicações diversas, ilustrações, caricaturas, jornais,
manuais de bons hábitos, fotografias, literatura médica, receituários, dietas alimentares, documentos
de ministérios da saúde sobre epidemias, escrituração de estabelecimentos voltados ao abastecimento, contas da Assistência pública, estudos de Biologia, cardápio de hospitais e listas de compra, menus
de restaurantes, arte culinária, utensílios de serviços de mesa, sondagens de opinião pública, depoimentos orais, filmes mudos, sonoros e coloridos,
plantas de salas de exibição de filmes, letreiros, legendas, técnicas de filmagem, filmes de propaganda política, festas de loucos, fantasias, comemorações nacionais, bailes, cores, programas de festas
públicas e particulares, homenagens, músicas, celebrações religiosas, discursos, trajes especiais [...]
Fontes documentais
São os registros do passado que geralmente estão depositados nos arquivos, lugar para onde se deslocam os jovens estudiosos dos cursos de história. Para os estudantes de graduação,
este tipo de pesquisa nem sempre é bem sucedido devido a sua
formação estar centrada na discussão historiográfica. A pesquisa
exige o conhecimento básico de algumas noções sobre organização arquivística, paleografia e crítica de fontes, necessárias para
o entendimento de como ocorre a construção do saber histórico.
A fim de entendermos o agir do historiador que se dedica ao estudo de manuscritos de arquivo, leiamos as palavras de
Carlos Bacellar (2006, p. 24):
Tema IV
| História: fontes, escrita, pesquisa, ensino
115
O abnegado historiador encanta-se ao ler os testemunhos de pessoas do passado, ao perceber
seus pontos de vista, seus sofrimentos, suas lutas cotidianas. Com o passar dos dias, ganha-se
familiaridade, ou mesmo certa intimidade, com
escrivães ou personagens que se repetem nos papeis. Sente-se o peso das restrições da sociedade,
ou o peso da miséria, ou a má sorte de alguém,
e deseja-se ler mais documentos para acompanhar aquela história de vida, o seu desenrolar.
As visões dos historiadores sobre as fontes documentais
são diversas e merecem um estudo aprofundado. Carlos Bacellar
(2006, p. 25) cita dois exemplos: houve aqueles que viam nos documentos fontes de verdade, testemunhos neutros do passado,
e há os que analisam os seus discursos, reconhecem os seus vieses, desconstroem seu conteúdo e contextualizam suas visões.
A seguir, listaremos algumas instituições e documentos sob a
sua posse que tratam da história do Brasil.
- Arquivos do Poder Executivo: documentos (Correspondência: ofícios e requerimentos; matrículas de classificação
de escravos, lista de classificação de votantes; matrículas
e frequências de alunos, etc.).
- Arquivos do Poder Legislativo: documentos (Atas; registros).
- Arquivos do Poder Judiciário: documentos (Inventários e
testamentos; processos cíveis, processos crimes).
- Arquivos cartoriais: documentos (notas; registro civil).
- Arquivos eclesiásticos: documentos (Registros paroquiais;
processos; correspondência).
- Arquivos privados: documentos (Documentos particulares
de indivíduos, famílias, grupos de interesse ou empresas).
116
Introdução ao Estudo Histórico
Livro da fabrica das naos. Manuscrito de
1580, deposita na Biblioteca Nacional de
Lisboa.
Fonte: http://4.bp.blogspot.com
A pesquisa com documentos escritos
requer algumas providências, uma delas é
a confecção de fichamentos. Geralmente
se faz a transcrição integral ou parcial do
documento, observando as regras de paleografia a respeito das lacunas no texto,
rasuras e borrões. Deve-se também anotar a referência do documento transcrito, indicar todos os dados que permitam identificar o documento, diferenciar o texto não copiado do texto cuja
leitura foi impossível e, para documentos extensos, registrar as
mudanças de página. (BACELLAR, 2006, p. 62).
No momento de fazer a análise dos documentos, é necessário conhecer a fundo a história da peça documental, saber sob
quais condições foi redigido, com que propósito e por quem?
Sabemos que o documento não é neutro e carrega a opinião da
pessoa ou do órgão que o escreveu. Outro ponto crucial é entender o texto no contexto de sua época, inclusive procurando o
significado das palavras e das expressões.
Para os historiadores que trabalham com temas econômicos, um dos problemas enfrentados são as medidas de comprimento, volume e peso presentes nos documentos. Transformar
tais medidas em quilos, metros e metros cúbicos é uma dificuldade. O problema também ocorre porque as medidas variavam
de região para região e ao longo do tempo.
O pesquisador quando da análise e interpretação de suas
fontes, o que ele faz é cotejar informações, justapor documentos,
relacionar texto e contexto, estabelecer constantes, identificar
mudanças e permanências (BACELLAR, 2006, p. 71).
Tema IV
| História: fontes, escrita, pesquisa, ensino
117
Fontes arqueológicas
De acordo com Pedro Paulo Funari (2006, p. 84), as fontes
materiais ou arqueológicas já eram utilizadas pelos antigos historiadores. Para eles a história se fazia com testemunhos, objetos
e paisagens. Entretanto, durante a prevalência do documento
escrito, as fontes materiais ficaram relegadas ao papel de auxiliares, complementares ou ilustrativas.
É imensa a quantidade de material disponibilizado pela arqueologia, mas o que mais chamou a atenção e se tornou mais
valorizado foram as inscrições. Muitas civilizações utilizavam pedras, cerâmica, tijolos, telhas, estelas e sarcófagos para fazerem
inscrições. Sociedades como a egípcia, a romana e outros povos passaram a ser mais conhecidos através das inscrições e
manuscritos epigráficos evidenciados pela Arqueologia. Entre os
séculos XIX e XX, a procura por fontes arqueológicas aumentou consideravelmente, permitindo o conhecimento do cotidiano
das pessoas comuns e ampliando consideravelmente as fontes
históricas.
Fontes impressas
Os jornais e as revistas constituem as chamadas fontes impressas. No Brasil, até a década de 1970 era reduzido o número
de trabalhos que fazia a escrita da história por meio da imprensa.
Dentre as temáticas que podem ser estudadas a partir da imprensa pode-se destacar: movimento operário, estudos sobre
mulheres, infância.
Entre os procedimentos necessários para quem trabalha
com fontes impressas, Tania Regina de Luca (2006, p.142) dá algumas dicas: encontrar as fontes e constituir uma longa e representativa série; localizar as publicações na história da imprensa;
atentar para as características de origem material (periodicidade,
impressão, papel, uso/ausência de iconografia e de publicidade);
assenhorar-se da forma de organização interna do conteúdo;
118
Introdução ao Estudo Histórico
caracterizar o material iconográfico presente, atentando para as
opções estéticas e funções cumpridas por ele na publicação;
caracterizar o grupo responsável pela publicação; identificar os
principais colaboradores; identificar o público a que se destinava;
identificar as fontes de receita; analisar todo o material de acordo
com a problemática escolhida.
Texto Complementar
O LUGAR DO MÉTODO HISTÓRICO NA ATUALIDADE
Para além de qualquer discussão adicional, interessa-nos
aqui ressaltar que a dificuldade presente nessa formulação ainda é igual a da incomensurabilidade das teorias, assinalada acima: se o defeito do conceito de verdade na base da concepção
tradicional do método era supor uma diferença abismal entre o
sujeito e o objeto, todo o nó estaria desatado se essa diferença
fosse eliminada. A Escola Histórica também procurava uma ponte sobre o abismo, que seria justamente o método de neutralização do sujeito e afirmação do objeto. Os seus críticos do século
XX apenas inverteram a polaridade, ao recusar a objetividade do
conhecimento e afirmar radicalmente a sua subjetividade.
É o caso da primeira posição examinada, quando concebe o
método totalmente determinado por uma matriz teórica que prefiguraria a pesquisa empírica e seus achados; não haveria adequação do sujeito ao objeto, pois a ciência inteira estaria contida
no primeiro. Também é o caso da segunda posição, que se distancia da própria ciência e do seu ideal de objetividade do saber.
O problema para ela não é nem tanto o método, mas o conceito
mesmo de verdade, do qual suspeita na medida em que ele se
funda na possibilidade de conhecimento objetivo, da realidade
em si. Não há mais nitidez daí sobre a diferença entre o que é ou
foi verdadeiro e o que somente se imaginou como tal, interpretou-
Tema IV
| História: fontes, escrita, pesquisa, ensino
119
se subjetivamente como tal. Como agora também levam em conta
até mesmo a intuição e a fantasia, as teorias históricas - ou melhor,
os estilos de escrever a história - são mais do que antes imunes
aos testes da verificação ou falsificação empírica, a qualquer critério de objetividade de suas proposições. Não há mais verdade fora
do circuito fechado do discurso histórico-literário; em cada teoria
ou visão histórica é que se encontram as normas que atribuem
sentido a suas proposições.
Embora sucinta, essa análise da sua articulação lógica já
permite visualizar acertos e exageros nessa perspectiva subjetivante.
Depois de décadas de crítica, sabemos hoje que não há verdades absolutas e afirmamos apenas as relativas. Mas a questão
precisamente é: “relativas” a quem ou a quê? Se forem distintas
visões de mundo, que devem ser respeitadas em sua diferença
por se organizarem em códigos mutuamente incompreensíveis,
então temos aí configurado de maneira exemplar o problema da
incomparabilidade das teorias, que vimos levar aos impasses do
relativismo. Sem ser absoluta, a verdade não pode simplesmente ser relativa. Ocorre, porém, que tanto na forma absoluta como
na relativa a verdade está definida nos termos da polaridade sujeito-objeto, que é preciso ultrapassar de outro modo que não a
simples negação de um dos termos. Se não admitimos mais o
conceito tradicional de verdade como correspondência com o
real, objetividade de enunciados, é porque aprendemos o quanto há de subjetivo no objeto, que de forma alguma é “puro”; e
também o quanto há de objetivo, de determinação histórica, no
sujeito do conhecimento, que não pode jamais ser considerado
neutro. Esse diálogo, esse trânsito recíproco dos dois pólos da
relação, não significa, contudo, que se dissolveu completamente
a diferença entre eles; ela se repõe pela própria relação. E é na perspectiva desse diálogo que se redefine hoje o conceito de verdade nas
várias vertentes da fenomenologia e da hermenêutica, por exemplo.
Fonte: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas. 2 ed. São Paulo: Contexto,
2006. p. 298-299.
120
Introdução ao Estudo Histórico
Para Refletir
• Discuta com os seus colegas no fórum do AVA as seguintes
questões:
• O que se pode dizer a respeito do uso das fontes ao longo
da história?
• Que análises podemos fazer a respeito do método histórico
e do conceito de verdade?
4.2 ACONTECIMENTO
E ESTRUTURA
Os historiadores têm opiniões diferentes, às vezes divergentes, sobre o formato que deve ter um texto histórico. Ele
deve ser uma narração dos fatos ou se deve evitar a descrição
dos fatos e partir para uma análise das estruturas (econômica,
política, cultural etc.)? Estas questões serão discutidas a seguir.
Tendo curiosidade sobre este assunto leia: BURKE, P. (Org.).
“A história dos acontecimentos e o renascimento da narrativa”. In:
A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: UNESP,
1992. p. 327-48.
A narrativa dos acontecimentos é o formato clássico do
texto histórico. Ao longo dos anos este estilo sofreu vários ataques. Durante o Iluminismo a narrativa foi criticada em nome
da explicação dos acontecimentos. No século XIX, Leopold von
Ranke e os demais positivistas promoveram o retorno da narrativa do acontecimento. No século seguinte, nova crítica é feita
à narrativa, preconizando-se a análise das estruturas. Assim, a
narrativa é colocada em oposição à interpretação. Entretanto,
segundo Ricoeur toda história é um tipo de narrativa.
Tema IV
| História: fontes, escrita, pesquisa, ensino
121
Durante as primeiras décadas do advento da Nova História,
a narrativa ficou no ostracismo. Mais recentemente, dos anos
1970 para cá, alguns autores têm aderido à narrativa. Assim,
Georges Duby e Emanuel Le Roy Ladurie, representantes da
Nova História, realizaram pesquisas cujos focos são as batalhas
e os acontecimentos. Trata-se do retorno da narrativa, mas de
uma narrativa que contempla a explicação, a análise estrutural.
O historiador francês Georges Duby, um
representante da Nova História.
Fonte: http://cem.revues.org
Os textos históricos, basicamente,
possuem estes dois formatos: narrativa
de acontecimentos e análise das estruturas ou análise contextual. Ambos os estilos possuem limites. A narrativa é acusada de ser superficial por
não aprofundar a análise dos acontecimentos, e generalizante porque ao privilegiar a ação dos heróis acaba ofuscando os demais
indivíduos. Quando na narrativa se fala em Igreja, não se dá conta de que dentro desta instituição e de outras, existem embates,
disputas. Logo, uma instituição não é algo homogêneo. Só uma
explicação mais aprofundada dá conta desta situação.
O que é a estrutura? Em termos gerais, considera-se a estrutura como a economia, a política, a cultura etc., algo que está
acima do indivíduo e o influencia na sua vida diária. Também a
análise das estruturas recebeu algumas críticas. Ela é acusada de
ser estática, por não enfatizar as pequenas mudanças e de ser
não-histórica por não discutir a sucessão de eventos.
Muitos pensadores defendem o retorno da narrativa, entre
eles, Peter Burke. Trata-se de uma nova narrativa. A narrativa
122
Introdução ao Estudo Histórico
tradicional limitava-se a descrever os acontecimentos como eles
apareciam nas fontes. A narrativa moderna admite a reconstrução
hipotética do passado, ou seja, há margem para a interpretação.
O retorno da narrativa advém da necessidade de incorporarmos
novas formas literárias para tornar a história mais compreensível.
Outra característica da nova narrativa é que ela parte de mais de
um ponto de vista. Por exemplo, se estivermos falando do Brasil
Colonial, o texto deve apresentar as visões dos padres jesuítas,
dos colonos, dos índios e negros, ou seja, os agentes históricos
do período. O próprio historiador deve se posicionar, dar o seu
ponto de vista e mostrar que não é onisciente (não sabe de tudo)
e nem é imparcial. Aliado a isso, a nova narrativa considera que
as fontes históricas representam a visão de quem as produziu e
não a verdade absoluta.
A conciliação entre descrição e interpretação deve ocorrer
por meio da narrativa densa. A narrativa densa ou descrição densa envolve o enfoque nos acontecimentos e a relação deste com
as estruturas (sociais, políticas, econômicas, culturais). Ou seja, o
texto histórico para ser mais compreensível, mais atraente, mais
informativo, deve conciliar a narração dos acontecimentos e a
análise das estruturas. Não há motivo para estes estilos serem
opostos. O bom historiador deve agir como um bom escritor.
A história deve se espelhar na
literatura para se tornar mais atrativa sem perder a sua cientificidade.
Pode aliar ficção e fatos históricos.
Atualmente, isso está ocorrendo
a partir de alguns procedimentos.
São eles: a micro-narrativa, que
fala das pessoas comuns; a relação
entre micro-história e macro-hisClio a musa da história. tória, como uma forma de relaFonte: http://bp3.blogger.com
cionar a história vista de cima com
Tema IV
| História: fontes, escrita, pesquisa, ensino
123
a história vista de baixo, ou seja, os olhares dos grupos dominantes
e dos grupos dominados; a história da frente para trás, tipo de
escrita que possibilita ao presente sentir a pressão do passado; e,
destacar o acontecimento visando chegar às estruturas.
Em síntese, o que se propõe atualmente é relacionar acontecimentos e estruturas, ou seja, descrição e interpretação. Apresentar a história a partir de vários pontos de vista, não apenas a
partir de um único olhar. Este procedimento é o que se chama de
narração densa ou descrição densa.
Texto Complementar
O TEMPO NA ESCRITA DA HISTÓRIA
Abordar a história com um “novo olhar” fora sem dúvida
uma contribuição para a renovação da prática historiográfica.
Mas seria preciso, para continuar incrementando novas possibilidades de renovação, abordar a história também com um “novo
dizer”. Não apenas “olhar o tempo” de uma maneira nova, mas
também “dizer o tempo” de forma inovadora - eis aqui também
um programa possível para novas escolas interessadas em renovar
o conhecimento histórico.
Assim, à parte a proposta inovadora de Braudel e de outros
historiadores associados ao movimento dos Annales para repensar o tempo histórico, esta que teve efeitos sensivelmente duradouros na historiografia ocidental, seria preciso talvez esperar
pelas últimas décadas do século XX para que alguns historiadores
pioneiros - incorporando técnicas narrativas introduzidas pela
literatura e pelo cinema moderno - ousassem retomar a narrativa
historiográfica mas sem deixar de assegurar a libertação em
relação a uma determinada imagem de tempo mais linear ou
mais fatalmente progressiva na apresentação de suas histórias
(ou seja, na elaboração final dos seus textos).
124
Introdução ao Estudo Histórico
Uma tentativa, citada por Peter Burke em artigo que examina
precisamente os novos modelos de elaboração de narrativas1, é
a de Norman Davies em Heart of Europe. Nesta obra, o autor focaliza uma História da Polônia encadeada da frente para trás em
capítulos que começam no período posterior à Segunda Guerra
Mundial e recuam até chegar ao período situado entre 1795 e
19182. Trata-se, enfim, não apenas de uma história investigada às
avessas, como também de uma história representada às avessas.
Outras tentativas são recolhidas por Peter Burke neste excelente apanhado de novas experiências de elaborar uma narrativa
ou descrição historiográfica. As experiências vão desde as histórias
que se movimentam para frente e para trás e que oscilam entre
os tempos público e privado3, até as experiências de captação do
fluxo mental dos agentes históricos e da expressão de uma “multivocalidade” que estabelece um diálogo entre os vários pontos de
vista4, sejam os oriundos dos vários agentes históricos, dos vários
grupos sociais, ou mesmo de culturas distintas5.
Todas estas experiências narrativas pressupõem formas
criativas de visualizar o tempo, ancoradas em percepções várias
como as de que o tempo psicológico difere do tempo cronológico convencional, de que o tempo é uma experiência subjetiva
(que varia de agente a agente), de que o tempo do próprio narrador externo diferencia-se dos tempos implícitos nos conteúdos
narrativos6, e de que mesmo o aspecto progressivo do tempo
é apenas uma imagem a que estamos acorrentados enquanto
passageiros da concretude cotidiana, mas que pode ser rompida
pelo historiador no ato de construção e representação de suas
histórias.
Para além de problemas estéticos (e heurísticos) relacionados à maneira de construir o texto final, a temporalidade também
gera problemas científicos relativos à constituição do objeto de
pesquisa. Assim, ainda em relação às imagens estereotipadas do
tempo, uma prisão ainda maior costuma vir se erguer em torno
Tema IV
| História: fontes, escrita, pesquisa, ensino
125
do trabalho historiográfico, agora sob a forma de um continuum
espaço-temporal que impõe um duplo limite ao pesquisador que
se põe a constituir o seu objeto de estudo. Cedo o historiador
de formação acadêmica vê-se habituado a recortar o seu objeto
em consonância com imagens congeladas como a do ‘espaço
nacional’ ou do ‘tempo dinástico’: o “Portugal durante o reinado
de Dom Dinis”, a “França de Luís XIV”, o “Egito de Ramsés II” pede-se ao pesquisador um problema que se encaixe dentro de
limites como estes.
1
BURKE, Peter. A História dos acontecimentos e o renascimento da narrativa. In:
_______ (org.). A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: Editora da UNESP,
1992, p. 327-348.
2
DAVIS, Norman. Heart of Europe: a short History of Poland. Oxford: 1984. Esta
e algumas das referências que se seguem devem ser creditadas ao artigo supracitado de
Peter Burke.
3
Alguns exemplos podem ser encontrados nas obras sobre a China do historia-
dor Jonathan Spence (Emperor of China, Londres: 1974; The Death of Woman Wang,
Londres: 1978; The Gate of Heavenly Peace, Londres: 1982; e The Memory of Palace of
Matteo Ricci, Londres: 1985).
4
Como exemplo deste tipo de experiência, Peter Burke cita a obra de Richard
Price, onde o autor constrói um estudo do Suriname setecentista a partir de quatro vozes
que são simbolizadas por quatro padrões tipográficos (PRICE, R. Alabi’s world. Baltimore:
1990. Apud BURKE, A História..., p. 337).
5
Uma referência para o estudo do encontro de culturas, abordado no sentido de
conceder uma exposição de dois ou mais pontos de vista culturais, encontra-se nas obras
de Marslhall Sahlins, que estudou as sociedades do Havaí e das ilhas Fuji (SAHLINS, M.
Historical metaphors and mythical realities. Ann Arbor: 1981).
6
Hayden White chama atenção para a questão da descontinuidade entre os acon-
tecimentos do mundo exterior e a sua representação sob a forma narrativa em “The
Burden of History” (History and theory, n. 5, 1966).
Fonte: BARROS, José D’ Assunção. Os usos da temporalidade na escrita na história.
SAECULUM – REVISTA DE HISTÓRIA. 144-155; João Pessoa, jul/dez. 2005.
126
Introdução ao Estudo Histórico
Para Refletir
• Reúna-se com seus colegas e discuta:
• Qual é a diferença entre narração dos acontecimentos e
análise da estrutura?
• O que difere a nova narrativa da narrativa tradicional?
• No campo da história, como pode ser percebida a
narrativa densa?
4.3 PESQUISA
HISTÓRICA
20 Para conhecer mais o
tema leia: VIEIRA, Maria do
A pesquisa histórica se faz alea-
Pilar A. et Alli. A pesquisa
toriamente ou existe um método para
em história. São Paulo: Ática,
seguir? Somente os historiadores co-
1998. p.29-64.
nhecem o seu segredo ou é uma prática acessível para qualquer pessoa? O que quer que se pense a
esse respeito, é necessário que aqueles que trilham os passos da
História conheçam os principais procedimentos da pesquisa20,
sob pena de produzir uma série de memórias sem credibilidade.
Antes de discorrer sobre os passos da pesquisa é preciso
distinguir a História enquanto experiência humana e narração.
As pessoas agem historicamente no dia-dia, mas os registros de
suas ações nem sempre ocorrem de forma objetiva e sim como
reconstrução. O resultado da investigação histórica modifica-se
de acordo com as problemáticas estabelecidas, é por isso que
não há uma verdade objetiva, os historiadores chegarão a conclusões diferentes de acordo com as questões lançadas ao passado.
Tema IV
| História: fontes, escrita, pesquisa, ensino
127
A História reflete o tempo em que foi escrita e a “classe” social a qual pertence o investigador. É por isso que em determinadas
épocas alguns temas são privilegiados, como a “política” no século
XIX, e outros são negligenciados como os “excluídos” na mesma
época. Pelo que vimo a História narrada não corresponde à
História vivida. Feitas estas observações, passemos a analisar os
quatro passos da pesquisa histórica: escolha do tema, a problematização, a seleção das evidências e a construção do produto final.
Leitura de documento no arquivo do Instituto Histórico e Geográfico
de Sergipe – IHGS.
Fonte: http://www.ihgse.com.br/arquivo.asp
A Escolha do tema
É o primeiro passo do pesquisador. Significa pensar o objeto,
refletir sobre ele. Não se trata apenas um uma escolha do assunto,
a reflexão implica que a escolha do tema continua durante o
andamento da pesquisa.
Convém lembrar que a postura teórica do pesquisador promoverá resultados diferentes. Mas, de onde vem nosso interesse
por um tema? Geralmente, a motivação para uma pesquisa nasce
da inquietação acadêmica, ou seja, enquanto os universitários
estudam algumas disciplinas percebem certas lacunas na historiografia e se propõem a preencher essas lacunas. Dessa forma,
não questionam as demarcações temporais, nem os temas já estabelecidos. Outra forma de escolher um tema se relaciona
com a experiência de vida, como a militância política, o trabalho,
128
Introdução ao Estudo Histórico
o cotidiano, etc. neste caso, são critérios mais afetivos que
prevalecem.
O pesquisador que queira produzir um trabalho inovador
deve, além de ouvir a bibliografia, através de uma seleção criteriosa de obras sobre o seu tema, investigar também os “atores”
sociais. Exemplo: se for pesquisar o modo de vida camponês,
deve atentar para o que já foi escrito e ir ao campo entrevistar
esses sujeitos históricos. Sem ouvir os sujeitos históricos ou as
fontes, a pesquisa é estéril, não traz nada novo. Não é ciência.
É necessário que a delimitação de um tema seja progressiva. Uma vez escolhido um tema, posteriormente o pesquisador
percebe que ele é amplo demais e necessita de uma delimitação
mais específica. A redefinição do tema pode ocorrer a partir das
novas questões que as fontes podem apontar e que eram desconhecidas do pesquisador.
Por fim é preciso dizer que o pesquisador deve pensar os
registros históricos como parte do real e não como a realidade
propriamente dita.
Problematizar e selecionar as evidências
Um momento essencial da pesquisa é o da problematização. A pesquisa histórica é mais que uma narração de fatos,
necessita da elaboração de questões para serem respondidas a
partir da análise da realidade. O historiador deve estar atento de
que a experiência humana envolve interesses, antagonismos e
necessidades. São estas e outras as questões a embasar uma
pesquisa. Assim, o conhecimento histórico tem que apreender
a experiência vivida pelos sujeitos. As questões do presente
contam nesta fase, porque se busca no passado algo não resolvido
no presente.
A formulação de questões e de hipóteses não são procedimentos rígidos, ela deve ser sensível ao que dizem as fontes
e os sujeitos históricos investigados, com isso queremos dizer
Tema IV
| História: fontes, escrita, pesquisa, ensino
129
que, todos os passos da pesquisa se inter-relacionam, todos eles
podem ser modificados a qualquer momento. As fontes históricas
não podem servir de mera ilustração para as hipóteses previamente
estabelecidas pelo historiador, como ocorre em alguns trabalhos.
Selecionar as evidências consiste em escolher as fontes
históricas. As evidências de uma pesquisa são escolhidas de
acordo com a visão de mundo do pesquisador. Para estudar o
cotidiano das mulheres pobres de São Paulo no século XIX,
aparentemente sem fontes, Maria Odila Dias usou registros
indiretos – fontes de natureza criminal. As escolhas de temas
e de fontes representam a postura do pesquisador, às vezes, os
seus preconceitos, não é um ato inocente.
Fachada do Arquivo Judiciário de Sergipe. O arquivo guarda
documentos judiciais, um novo tipo de fontes à disposição do
pesquisador.
Fonte: http://www.tjse.jus.br
As fontes também auxiliam a problematizar o objeto porque à medida que a pesquisa avança outras questões podem
ser despertadas. As evidências não podem ser utilizadas apenas
como ilustração para conclusões tiradas a priori (consultar a
leitura complementar).
130
Introdução ao Estudo Histórico
O Produto final
É o momento da escrita do texto em que o pesquisador
deve refletir e interpretar todos os dados colhidos. A etapa deve
ser considerada como um instante de reflexão e não produto
acabado. Nossas conclusões podem ser complementadas ou
modificadas por pesquisas ulteriores, assim produzimos mais
um conhecimento e não uma visão definitiva.
Tradicionalmente a pesquisa histórica toma a forma do
texto escrito, mas existem alternativas como o vídeo documentário,
a fotografia, o desenho, a literatura, o teatro. Esses elementos além
de servir de fonte podem ser também o formato da exposição da
pesquisa. Dependendo do público que irá consumir a pesquisa
e das temáticas abordadas, seria prudente escolher a forma de
apresentação mais eficiente. Hoje, muitas pesquisas viram painéis,
exposições fotográficas etc. e alcançam um público maior.
Texto Complementar
SELEÇÃO DAS EVIDÊNCIAS DA EXPERIÊNCIA
O interesse do pesquisador por certos assuntos e o modo
de abordá-los dependerá de sua visão da sociedade e de sua
proposta de intervenção nela. A partir de suas preocupações no
presente escolherá os registros e os tratará de uma dada forma.
Se propomos que a problematização do objeto deva ser
feita no processo da pesquisa, a partir do diálogo com as fontes,
são os agentes sociais em questão que vão determinar os tipos
de registros a serem utilizados. Por agentes sociais entendemos
aqui não apenas aqueles em estudo como o próprio pesquisador.
Nesse trabalho o pesquisador, se colocado como ser político,
procurando saídas para o presente e para o futuro, se posicionará continuamente, fazendo opções e forjando o próprio caminho.
Tema IV
| História: fontes, escrita, pesquisa, ensino
131
Na abordagem que faz do passado se acerca de outros pesquisadores, através da bibliografia, discutindo procedimentos.
Maria Odila L. S. Dias, interessada em desvendar relações de
dominação difusas no social, estuda o cotidiano de mulheres
pobres em São Paulo no século XIX. Essas mulheres, na luta pela
sobrevivência, enfrentavam as questões do seu cotidiano através
da linguagem oral e de comportamento não convencional em
brigas de rua, conchavos etc.
A falta de registros dificultou a abordagem dessas mulheres
na medida em que não conseguiram perpetuar a própria fala e
ninguém se interessou em registrar sua existência. Quando, por
exemplo, cronistas e viajantes o fizeram, foram movidos pela
perplexidade ante comportamentos tão anticonvencionais. Essas mulheres foram alvo de registros indiretos, cuja preocupação
era ora de controle social, ora de punição ou repressão, quando
quebravam as normas estabelecidas.
Frente a essas contingências, M. Odila Dias recuperou a trajetória dessas mulheres através de uma gama variada de registros tais como Maços de População, Ofícios Diversos da Capital,
Autos-Crimes da Capital, Crimes da Sé, Querelas, Escravos, Processos de Divórcio, Devassas e Visitas Pastorais, Atas da Câmara
Municipal, Documentos Interessantes para a História e Costumes
de S. Paulo, Inventários e Testamentos, Coleção Cronológica de
Leis Extravagantes etc.
A falta de fontes sobre essas mulheres e a forma como foram registradas já é indicativo para o pesquisador da problemática vivida por elas. Isso exige uma leitura nas entrelinhas que
ultrapasse a intencionalidade imediata do registro. Trata-se de
estar pensando não só o que está sendo representado, mas por
que está sendo representado daquela forma.
No caso de M. Odila Dias, isso só foi possível na medida
em que rompeu com uma série de ortodoxias. Ainda que utilizando registros dos mais tradicionais no campo de trabalho do
132
Introdução ao Estudo Histórico
historiador, não faz uma leitura economicista, pensa a dominação
permeando o todo social, estuda atividades improvisadas e não
institucionalizadas.
Importância das fontes na problematização
Nesse sentido não dá para fazer a seleção de fontes depois
da problematização, como geralmente recomendam os manuais. O pesquisador, no encaminhamento da pesquisa, se depara
com registros que funcionam como elemento perturbador, ou
porque não consegue explicá-los, ou porque questionam linhas
importantes de sua reflexão. No primeiro caso, por exemplo,
o grupo que desenvolveu o projeto “Fontes para o Estudo da
Industrialização no Brasil”, levantando as condições de vida e
de trabalho da classe operária, partia do pressuposto de que o
trabalhador não era apenas um fator de produção, mas também
um agente social. Embora pensando assim, ao levantar os dados
separaram condições de vida e condições de trabalho. Dessa
separação resultou o arrolamento de dados “sem lugar” na
pesquisa, classificados como “cotidiano operário”.
Repensando o objeto de estudo em função das evidências
trazidas à luz pelos dados empíricos e de uma proposta metodológica, qual seja de que as relações sociais de produção não são
apenas relações econômicas, mas sociais, políticas, culturais
etc., os pesquisadores concluíram que haviam separado aquilo que nunca estivera separado. Em outras palavras, pensar o
trabalhador como agente social e não apenas como força de
trabalho, remete à “complexidade do todo social e às lutas que
nele se verificam, imprimindo-lhes a dinâmica”. Dessa forma,
a dominação do elemento operário não ocorre “apenas dentro
da fábrica mas também fora dela”; é dada na “sociedade como
um todo e não apenas neste ou naquele lugar”. A partir daí o que
estava separado passou a fazer sentido conjuntamente, inclusive
aqueles dados referentes ao “cotidiano operário”.
Tema IV
| História: fontes, escrita, pesquisa, ensino
133
No segundo caso, o mesmo grupo buscando a relação
Estado/classes sociais através da legislação, vista como instrumento da intervenção governamental entendida no processo de
luta de classes, num primeiro momento valorizou dados referentes
à política financeira, impostos, taxas, política fiscal, relação
empresa/Estado etc.
Entretanto, ao coletar dados simultaneamente à reflexão
teórica, houve necessidade de repensar a problemática do exercício e natureza do poder, diante das evidências sugeridas pelo
material empírico. No caso da legislação sobre a imigração, foi
possível detectar uma atuação não apenas para os aspectos diretamente ligados ao capital, mas para a racionalização e organização
da mão-de-obra. Outro dado perturbador foi a presença de uma
legislação social não aceita pela burguesia industrial. Tudo isso
levou-os a colocar o Estado como expressão de uma correlação
de forças sociais, e não como comitê da burguesia, ou como
entidade autônoma, acima das classes.
Fonte: VIEIRA, Maria do Pilar A. et. Alli. “Os passos da pesquisa”. In: A pesquisa em
história. SP: Ática, 1998. p.45-48.
Para Refletir
Discuta com os seus colegas no fórum do AVA o que
entenderam sobre os quatro passos fundamentais da pesquisa
histórica:
• Escolha do tema.
• Problematização.
• Seleção das evidências.
• Produto final.
134
Introdução ao Estudo Histórico
4.4 ENSINO
DE HISTÓRIA
Como tornar o ensino de História21
mais agradável? Como convencer as
pessoas de que estudar História é fundamental para nos situarmos na atualidade? Como compreender o contexto
da vida e do trabalho dos professores
de História?
21 Para se inteirar sobre
esta temática ler: SCHMIDT, Maria A. “A formação
do professor de história e o
cotidiano da sala de aula”.
In: BITTENCOURT, C. (Org.)
O saber histórico na sala de
aula. 8. ed. São Paulo: Contexto, 2003. p.54-66.
O ensino de História
Nos últimos vinte anos, o ensino em geral sofreu críticas
e, em particular, o ensino de História também. Neste último, a
questão essencial era a superação do ensino tradicional de história,
no qual o essencial era fazer com que os alunos decorassem
nomes e datas. Predominavam as visões positivista e marxista
da História, com uma limitação temática para os assuntos
políticos e econômicos.
Na renovação do ensino de História dois itens foram
essenciais, a modernização do currículo e a ênfase na atualização dos professores. Os currículos precisaram ser renovados
para incorporar as novas temáticas discutidas pela História, seguindo a renovação proporcionada pela Nova História, incluindo novos temas e novas categorias sociais, antes ocultados pela
história dos “grandes homens” e dos “grandes acontecimentos”.
É verdade que no ensino brasileiro o quadro-negro ainda
persiste como único recurso didático à disposição da maioria
dos professores. Porém, algumas mudanças estão em curso.
A imagem do professor e do aluno
O curso de graduação em História não é o fim da formação
do professor, a continuidade dos estudos é necessária para o aprimoramento e o contato com as novidades que a pesquisa traz
para a área. A atualização constante requer a leitura constante e
a participação em eventos científicos. Estas questões esbarram
Tema IV
| História: fontes, escrita, pesquisa, ensino
135
em um problema que aflige o professor de História na atualidade:
o excesso de tarefas. Ter vários empregos para complementar
a renda, trabalhando em várias escolas, ter excesso de turmas
com excesso de alunos, geralmente é o cotidiano do professor
de História hoje. A falta de tempo e de dinheiro é um sério
impedimento para que o professor invista na sua qualificação
profissional.
Modelo de aula medieval em que o professor era o dono do
saber.
Fonte: http://4.bp.blogspot.com
Apesar de todos os problemas inerentes a sua profissão,
a imagem do professor de História mudou. O professor era encarado como um difusor e transmissor de conhecimento, isto
é, alguém especializado pesquisava e publicava e o professor
só era capaz de transmitir este conhecimento aos seus alunos.
Agora o professor é visto como um produtor de saberes e fazeres,
afinal ensinar é fabricar artesanalmente o saber. Duas coisas são
esperadas do professor: que ele tenha competência acadêmica
(domínio do saber) e competência pedagógica (domínio da
transmissão do saber).
136
Introdução ao Estudo Histórico
Do mesmo modo, a condição do aluno mudou de receptáculo de informações para um ser capaz de aprender o saberfazer. A tarefa do professor é ensinar o aluno a levantar questões
e a participar do processo do fazer, do construir a História. O
professor não é o dono da verdade, embora tenha que conhecer
mais do que o aluno, deve considerar que o estudante também
obtém informações a partir de leituras, dos meios de comunicação
etc., e que nem sempre o professor consegue acompanhar tais
novidades.
O desafio enfrentado pelos profissionais em sala de aula
em relação ao fazer histórico e ao fazer pedagógico é como realizar
a transposição didática dos conteúdos. A transposição didática
é a capacidade de transformar os conteúdos em algo acessível
para os alunos, ou seja, transformar o saber científico em um
saber ensinar. Este é um processo de criação e não simplificação
ou redução de conteúdos. O professor de História deve realizar
na sala o ofício do historiador, colocando os alunos em contato
com os registros históricos e estimulando a reflexão sobre estes.
A apropriação do conhecimento requer a compreensão do seu
processo de elaboração.
A transposição didática também pressupõe trabalhar a
compreensão e a explicação histórica.
Novos Procedimentos
Através da problematização de algumas questões levantadas pelos historiadores, por meio das indagações Por quê?
Como? Onde? Quando?, os alunos podem encontrar significado
nos conteúdos que aprendem. Deve-se salientar que, em História,
existem muitas questões sem respostas e há inúmeras interpretações possíveis dos fatos históricos.
O ensino tradicional limitava o ensino a causas e consequências, levando à falsa noção da previsibilidade dos acontecimentos. O estudante deve ser alertado que a análise causal
Tema IV
| História: fontes, escrita, pesquisa, ensino
137
comporta a noção de multiplicidade de causas. Os eventos históricos
possuem um emaranhado de causas e nem todas elas são
passíveis de serem conhecidas. Os alunos devem compreender
as mudanças e as permanências, ao invés de estarem preocupados
com causas e consequências.
O historiador manipula as características do tempo: sucessão,
duração e simultaneidade. A periodização é só uma forma de classificar a transformação histórica das sociedades. Deve-se atentar
para as especificidades temporais de cada povo, cada nação.
O aluno deve ter contato com o documento para melhor
refletir. O uso da fonte documental é uma oportunidade do estudante perceber como ocorre a construção do conhecimento
histórico. Hoje, existem inúmeras publicações com trechos de
documentos de todos os períodos históricos, facilitando a vida
do professor. Devem-se diferenciar os estudos dos documentos propriamente ditos. Estudos são os trabalhos de pesquisa
histórica, livros, artigos etc. produzidos para a divulgação do
saber. Documentos são os registros contemporâneos aos acontecimentos, isto é, produzidos na mesma época.
Os professores também dispõem das modernas inovações
tecnológicas para realizar a transposição didática. A imprensa, a
televisão, o vídeo, o computador etc. são meios importantes para
o aluno ter acesso à História e praticar a reflexão histórica. Todas
as questões discutidas até aqui visam refletir sobre o ensino de
História, como uma atividade agradável, e sobre a possibilidade
de o aluno ter acesso à pluralidade de realidades presentes e
passadas.
138
Introdução ao Estudo Histórico
Texto Complementar
A problematização histórica, ao ser transposta para o ensino, traz múltiplas possibilidades e também questionamentos.
Pode simplificar desde a capacidade mais simples de construir
uma problemática em relação a um objeto de estudo, a partir das
questões postas por historiadores e alunos; pode também significar simples indagações ao objeto de estudo: Por quê?, Como?,
Onde?, Quando?
Na prática da sala de aula, a problemática acerca de um objeto de estudo pode ser construída a partir das questões colocadas pelos historiadores ou das que fazem parte das representações dos alunos, de forma tal que eles encontrem significado no
conteúdo que aprendem. Dessa maneira pode-se conseguir dos
educandos uma atitude ativa na construção do saber e na resolução dos problemas de aprendizagem. É preciso que se leve em
consideração o fato de que a História suscita questões que ela própria não consegue responder e de que há inúmeras interpretações
possíveis dos fatos históricos. Nesse caso, a problematização é
um procedimento fundamental para a educação histórica.
A análise causal é outro elemento a ser destacado. O
ensino tradicional explicava a História a partir da identificação
das causas longínquas e imediatas dos fatos históricos. A partir
desta visão de ensino e do próprio conhecimento histórico, as
noções de casualidade levaram, muitas vezes, a uma perspectiva
teleológica e intencional da História. Sem perder de vista a complexidade desta questão, é importante possibilitar aos alunos a
compreensão de que os acontecimentos históricos não podem
ser explicados de maneira simplista. É necessário fazê-los entender
que numerosas relações, de pesos e características diferentes, interferem em sua realização.
Ainda mais, é preciso buscar a explicação na multiplicidade,
na pluralidade e no encadeamento de causalidades, sem a preocupação com a determinação finalista de causa-acontecimentoconseqüência.
Tema IV
| História: fontes, escrita, pesquisa, ensino
139
Na História, como em outras Ciências Sociais, a questão
da causalidade é bastante complexa, por isso “as causas em
História, naquilo que poderíamos chamar em sua acepção tradicional, vêm a ser somente as condições necessárias para o aparecimento do efeito” (DOMINGUES).
Muito mais que as determinações causais, é importante
levar o educando à compreensão das mudanças e permanências, das continuidades e descontinuidades. Essas noções são
fundamentais na sua educação histórica e exigem, por parte do
professor, uma grande atenção aos diferentes ritmos dos diferentes elementos que compõem um processo histórico, bem como
às complexas inter-relações que interferem na compreensão dos
processos de mudança social.
Ademais, o procedimento histórico comporta a preocupação
com a construção, a historicidade dos conceitos e a contextualização temporal.
Entende-se que da mesma forma que o passado está incorporado em grande parte aos nossos conceitos, ele também
lhes dá um conteúdo concreto. Assim, todo conceito é criado,
datado, tem a sua história. Portanto, a construção dos conceitos,
como Renascimento, humanismo, totalitarismo, faz parte dos
procedimentos no ensino da História. Trata-se de um trabalho de
elaboração de grades conceituais que poderão, de alguma forma, permitir que o aluno analise, interprete e compare os fatos
históricos, construindo a sua própria síntese.
Existe um consenso entre a maioria dos historiadores de
que o passado não pode ser resgatado tal qual aconteceu, ele só
pode ser reconstruído em função das questões colocadas pelo
presente. Assim, também é consensual que, para reconstruir o
passado, o historiador manipula as características essenciais do
tempo: a sucessão, a duração, a simultaneidade. Além disso, os
próprios historiadores têm reconstruído o passado a partir de periodizações e recortes temporais, bem como tentado apreender
a temporalidade própria das várias sociedades.
140
Introdução ao Estudo Histórico
Assim, dominar, compreender e explicitar os critérios de
periodização histórica, das múltiplas temporalidades das sociedades, tornar efetiva a aprendizagem da cronologia, são também
desafios do procedimento histórico em sala de aula.
Finalmente, um dos elementos considerados hoje imprescindíveis ao procedimento histórico em sala de aula é, sem dúvida, o trabalho com as fontes ou documentos. A ampliação da
noção de documento e as transformações na sua própria concepção atingiram diretamente o trabalho pedagógico.
Segundo os princípios da História, denominada positivista, e numa perspectiva tradicional do ensino, o uso escolar do
documento tem servido para destacar, exemplificar, descrever e
tomar inteligível o que o professor fala.
A partir das renovações teórico-metodológicas da História,
bem como das novas concepções pedagógicas, o uso escolar do
documento passou a estimular a observação do aluno, a ajudá-lo
a refletir. O aluno tem sido levado a construir o sentido da história e a descobrir os seus conteúdos através dos documentos,
porque o conhecimento não deve ser fornecido exclusivamente
pelo professor (LEDUC, ALVAREZ- MARCOS, LEPELLEO).
As mudanças têm sido importantes para fazer com que os
alunos passem da análise, observação e descrição do documento para uma fase em que este sirva para introduzi-lo no método
histórico. Outro aspecto a destacar é que tais mudanças podem
levar à superação da compreensão do documento como prova
do real, para entendê-lo como documento figurado, como ponto
de partida do fazer histórico na sala de aula. Isso pode ajudar o
aluno a desenvolver o espírito crítico, reduzir a intervenção do
professor, e diminuir a distância entre a história que se ensina e
a história que se escreve.
FONTE: SCHMIDT, Maria A. “A formação do professor de história e o cotidiano da sala
de aula”. In: BITTENCOURT, C. (Org.) O saber histórico na sala de aula. 8. ed. São Paulo:
Contexto, 2003. p.60-62.
Tema IV
| História: fontes, escrita, pesquisa, ensino
141
Para Refletir
• Discuta com os seus colegas no fórum do AVA as seguintes
questões:
• Quais foram as duas mudanças básicas ocorridas com a
renovação do ensino de História?
• Após a renovação do ensino, como o professor de História
e o aluno passaram a ser encarados?
• O que significa a “transposição didática”?
• Como usar o documento na sala de aula?
RESUMO DO TEMA IV
Neste tema estudamos o que são fontes históricas, a sua
diversidade, história da usa utilização e as maneiras de lidar
com elas. Vimos a diferença entre narrar o acontecimento e
explicar as estruturas, destacando as visões da nova história
sobre um procedimento denominado narrativa densa. Em seguida, discutimos algumas questões dos passos da pesquisa,
desde a escolha do tema até a confecção do texto final. Por
fim, mencionamos alguns dilemas do ensino de história na
atualidade, as visões sobre o que é ser professor de história
e aluno, e os procedimentos para uma boa transposição
didática.
142
Introdução ao Estudo Histórico
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| História: fontes, escrita, pesquisa, ensino
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144
Introdução ao Estudo Histórico
A notações

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