universidade federal do rio de janeiro centro ciências da saúde
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO CIÊNCIAS DA SAÚDE FACULDADE DE MEDICINA INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA André Luiz da Silva TÍTULO: A Política de Atenção Primária à Saúde nos anos noventa no Brasil: Focalismo ou universalização? Orientador: Carlos Eduardo Aguillera Campos Rio Janeiro 2007 ANDRÉ LUIZ DA SILVA TÍTULO: A Política de Atenção Primária à Saúde nos anos noventa no Brasil: Focalismo ou universalização? Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade do Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva Orientador: Carlos Eduardo Aguilera Campos Rio de Janeiro 2007 2 Folha de aprovação ANDRÉ SILVA TÍTULO: A Política de Atenção Primária à Saúde nos anos noventa no Brasil: focalismo ou universalização? Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade do Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Saúde Coletiva. Aprovada em: 07 de agosto de 2007. ____________________________________________________ Prº Dr. Carlos Eduardo Aguilera Campos – UFRJ (Orientador) _________________________________________________ Prª Drª Maria Claudia Vater Romero Gonçalves - UFRJ/IESC _________________________________________________ Prª Drª Tatiana Wargas de Faria Baptista – FIOCRUZ/ENSP __________________________________________ Prº Dr. Ruben Araújo Mattos – UERJ/IMS ______________________________________________ Prª Drª Maria de Lourdes Tavares Cavalcanti UFRJ/IESC 3 Silva, André Luiz da A política de atenção primária à saúde nos anos noventa no Brasil: focalismo ou universalização? / André Luiz da Silva. – Rio de Janeiro: UFRJ / IESC, 2007. ix, 150 f. : il. ; 31 cm. Orientador: Carlos Eduardo Aguillera Campos Dissertação (mestrado) – UFRJ/IESC, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, 2007. Referências bibliográficas: f. 148-159 1. Programa Saúde da Família. 2. Atenção primária à saúde. 3. Política de saúde. 4. Política social. 5. Brasil. 6. Saúde Coletiva - Tese. I. Campos, Carlos Eduardo Aguillera. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, IESC, Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva.III. Título. 4 “Eles mantêm você drogado, com religião, sexo e TV e você se acha tão esperto, sem classe social e livre”. Jonh Lenon 5 “(...) Fácil é ver o que queremos enxergar. Difícil é saber que nos iludimos com o que achávamos ter visto. Admitir que nos deixamos levar outra vez, isso é difícil. (...) Fácil é sonhar todas as noites. Difícil é lutar por um sonho”. Carlos Drumond de Andrade - Reverência ao destino. Dedico esta dissertação à sociedade brasileira, que com o suor de seu trabalho e o sofrimento de seu povo, financia instituições públicas de qualidade. 6 Agradecimentos Tantas foram as pessoas que colaboraram de alguma forma com este trabalho, seja pelo apoio com palavras de estímulo e apreço, com contribuições intelectuais e com suporte emocional, que diga-se de passagem, é indispensável para qualquer trabalho, principalmente os que requerem a superação de limites. A todos vocês, meu muito obrigado! Acima de tudo e de todos agradeço a Deus pela saúde, pela família, pelos amigos que tenho e pela disposição de enfrentar sempre novos desafios. Ao meu pai Jorge (in memorian) pelos valores morais e respeito ao ser humano que me ensinou ao longo de minha vida até a sua morte. “Voce conseguiu transmitir o essencial”. Agradeço à minha mãe Syrene e minha irmã Nadja pelo apoio incondicional às minhas empreitadas. A minha esposa e companheira Aline e nossa filha Maria Julia, pela resistência com bravura aos momentos de falta de atenção e ao nosso bebê que esperamos ansiosos. Para a amiga Elaci Barreto pelo apoio e ensinamentos no início de minha vida profisional. Aos amigos Flávio Augusto e Adriana pelos momentos de descontração e companheirismo. Flávio Henrique (in memórian) pelas grandes conversas, dicas e momentos de descontração nas incansáveis “viagens”. Meu grande amigo e irmão, você fazia e fará a diferença em qualquer lugar. Aos meus amigos de trabalho da Superintendência de Atenção Primária da SES/RJ, pelo aprendizado constante e pela responsabilidade com o serviço público. Às amigas que fiz no mestrado Maria Rachel Jasmim, Isabel Mansur e Ana Lúcia pelo apoio. A amizade é um grande estímulo. À subgerência de enfermagem do Hospital do Andaraí nas pessoas de Denise Maciel e Marluce pela compreensão da importância que é a qualificação do servidor público. A minha equipe de trabalho do setor de Ortopedia do Hospital do Andaraí, Carmem, Elizete, Alessandra e Vânia, pela responsabilidade com o serviço e por segurar o “tranco” durante minha ausência. À Patricia Ribeiro e Marcia Fausto pelas dicas fundamentais neste trabalho. Ao meu orientador Cadu, pela paciência e consideração com minhas idéias e pelos momentos de reflexão e principalmente a liberdade para expressar o que penso. 7 8 Sumário Apresentação......................................................................................... 10 1 – Introdução....................................................................................... 16 2 – Focalismo e seletividade das Políticas Sociais............................. 28 2.1 – Conceitos norteadores........................................................................................ 34 3 – A emergência da Atenção Primária à Saúde............................... 38 3.1 – Alma Ata ............................................................................................................. 43 3.2 – Os Programas de extensão de cobertura no Brasil.............................................. 48 3.3 – As Ações Integrais de Saúde ............................................................................... 63 3.4 – A Reforma e a Constituição de 1988 .................................................................. 72 4 – Atuação do Banco Mundial........................................................... 77 4.1 – Década de 1990: novas estratégias indutoras ................................................... 90 5 - APS: dos programas de extensão de cobertura ao PSF............ 98 6- Empréstimos para reforma o projeto REFORSUS ................... 111 6.1 – A pobreza como alvo das políticas sociais ................................................... 114 6.2 – Considerações sobre o Programa Saúde da Família e as principais diretrizes operacionais .............................................................................................................. 116 6.3 - O caso do Programa Saúde da Família no Brasil............................................ 117 6.4 – Expansão induzida pós 1998 ......................................................................... 134 6.5 – Comportamento Organizacional................................................................... 139 7 – Considerações finais.................................................................. 142 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................ 148 9 SILVA, André Luiz. Política de Atenção Primária à Saúde nos anos noventa no Brasil: focalismo ou universalização? Rio de Janeiro, 2007. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007. RESUMO A década de noventa foi um período conflituoso no contexto político de implementação das conquistas sociais da década anterior. A égide neoliberal se fazia presente, influenciando a definição macropolítica do modelo econômico de desenvolvimento a ser adotado pelo Brasil. Este trabalho tenta elucidar as características assumidas pelo PSF (Programa de Saúde da Família) na década de noventa e sua relação com a agenda de reforma do Sistema Nacional de Saúde dos países em desenvolvimento, encaminhados pelo Banco Mundial no período. O recorte temporal escolhido se inscreve em um período posterior à criação do SUS (Sistema Único de Saúde), dando ênfase aos ataques a seus princípios. Para o desenvolvimento da pesquisa, utilizou-se como recurso metodológico a pesquisa documental e a análise de dados obtidos em fontes primárias e secundárias, fontes oficiais e em órgãos de imprensa e divulgação. Através da revisão bibliográfica do tema, podemos identificar o desenvolvimento da APS (Atenção Primária à Saúde) e o contexto que a levou a ser considerada como proposta adequada para os diferentes Sistemas Nacionais de Saúde no Mundo. Foi possível também identificar as diferentes interpretações e interesses que envolvem e envolveram a trajetória de implantação da APS. Realçamos a participação do Banco Mundial devido a sua crescente influência na adoção de políticas setoriais, através dos ajustes estruturais. É identificada, a partir daí, a convergência de interesses com alguns princípios como a descentralização. A focalização das políticas sociais foi utilizada como categoria analítica para identificar o nível de relação do PSF com o modelo de reforma das agências internacionais. A utilização desta categoria foi devido a sua definição, pelo Banco Mundial, como estratégia adequada para diminuição da pobreza nos países em desenvolvimento. Os resultados tenderam a identificar de um lado, o processo de focalização inicial do PSF, de outro lado, um movimento de resistência à proposta de reforma setorial, encaminhada pelo Banco Mundial. Este embate, pôde ser identificado no aprimoramento e na evolução do PSF enquanto política pública desenvolvida no Brasil na década de noventa. Palavras chave: Políticas Sociais, Atenção Primária, Focalização e Programa Saúde da Família. 10 ABSTRACT The 90’s was a period of conflict in the political context of social conquests of the previous decade. The Neoliberal speech influenced the macropolitical definition of the brazilian economic model of development. This work tries to elucidate the characteristics of FHP (Family Health Program) in the 90’s and its relationship with the agenda of reform of the National Health System in developing countries headed by the World Bank, at that time. The chosen period refers to a specific time after the raise of Brazilian Health System, “SUS”, emphasizing the criticism to its principles. The methodology used in this research was the documentary research and the analysis of data from primary, secondary and oficial sources and from the press. Revising the bibliography of the subject, we can identify the development of the PHC (Primary Health Care) and the belief that took it to be considered the ideal proposition for differents health systems in the world. It was also possible to identify the different interpretations and interests that envolve and envolved the implantation of PHC. It is important to stress the participation of the World Bank due its great influence on adopting sectorial policies through structural adjustment. We can identify then, the convergency of some interests, like the decentralization. The focus on social policies was used as an analytical category to identify the relationship between the FHP and the model of reform of the international agencies. This category was used due the definition of the World Bank as the ideal strategy to face the problems with poverty in developing countries. The results show both sides, the process of initial focus on FHP and a moviment of resistence to the proposal of sectorial reform headed by the World Bank. This discussion can be identified in the improvement and development of the FHP as the brazilian public policy developed in the decade of ninety. 11 APRESENTAÇÃO A possibilidade de reflexão acerca dos contextos que emergem as políticas e programas sociais nos outorga o direito de analisá-las com a perspectiva de intervenção no seu curso “natural” de desenvolvimento. No decorrer da história, as sociedades vêm debatendo e tentando dar conta dos diferentes problemas de saúde que afligem seus indivíduos e o coletivo. Tais debates caminharam para identificações diversas dos determinantes dos problemas de saúde. Diferentes respostas para estes problemas já foram desenvolvidas, motivadas por interesses divergentes e influenciadas por atores específicos do contexto de cada país. Para Rosen (1979), um dos aspectos da vida urbana moderna é “a relação entre a pobreza e saúde precária como sendo promotores de decadência e doenças sociais”. Ao longo dos tempos considerou-se que a doença era uma característica presente predominantemente entre os pobres, com o fato do cuidado médico inacessível, ser um agravante da condição de vida. Com isso, foram elaboradas diferentes formas de intervenção para melhorar a saúde através de uma oferta mais eficaz de atenção médica. Com este trabalho faremos um percurso pela trajetória de formulação e desenvolvimento do Programa Saúde da Família (PSF) no Brasil, na década de noventa. Consideramos o fato de ser uma proposta em vias de implantação até os dias de hoje, mesmo que percorrido mais de dez anos de sua criação. Este fato se dá por seus principais objetivos não estarem ainda plenamente atingidos, assim como sua incorporação ao sistema de saúde está debilmente efetivada. 12 Durante este período algumas discussões são apresentadas com o intuito de fazer uma reflexão visando o redirecionamento da política e a redefinição de objetivos, para alcance dos princípios constitucionais definidos para o Sistema Único de Saúde (SUS). Uma das questões mais recorrentes no discurso em torno do PSF e que nos remete às características das políticas sociais encaminhadas pelas agências internacionais1, aos países em desenvolvimento, diz respeito ao processo de focalização promovido. O contexto macroeconômico de sua emergência as características adquiridas pelo programa nos forçam a analisar seu percurso e os embates dos principais atores nesta arena de implantação de políticas públicas, de forma a considerar a política econômica desenvolvida. A “agenda de reforma”2 do sistema de saúde posta pelas agências internacionais como o Banco Mundial, tem como principal diagnóstico para fundamentação do uso de políticas seletivas a inadequação dos gastos em saúde que não chegam aos mais pobres. (BANCO MUNDIAL, 1993) Este debate se torna importante na medida em que traz para o centro das discussões conceitos como equidade e justiça social. O debate proporcionado por este trabalho ao discutir os impasses que envolvem esta temática, busca apontar caminhos para a efetivação do PSF enquanto proposta estruturante do SUS. Perceberemos que a Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil se desenvolve e toma força em meio ao processo de redemocratização do Estado 1 As Agências Internacionais atuam nas atividades de cooperação bilateral e multilateral, amparadas nos Acordos Básicos de cooperação científica e tecnológica firmados pelo governo brasileiro. 2 O termo agenda de reforma foi introduzido pela primeira vez através do documento Finincing Health Services in Developing Countries: An Agenda for Reform (World Bank, 1987). Como indica o título, tratava-se de uma proposta de uma “agenda” para a reforma dos mecanismos de financiamento dos serviços de saúde. 13 e o esgotamento do modelo de desenvolvimento vigente no país até final dos anos setenta. Desenvolveremos uma análise, partindo de um locus de inserção no sistema de saúde: o nível estadual de gestão. Contudo, não pretenderemos analisar especificamente este nível, mas nos situar neste lugar de análise, nos ajuda a identificar as nuances do desenvolvimento do Programa Saúde da Família de forma privilegiada, devido a sua possibilidade de interlocução tanto com o Ministério da Saúde, o formulador e normatizador da política, quanto com os municípios que implantam e implementam a proposta. No Brasil, os estudos históricos sobre Saúde Pública identificam que no século XIX a política de saúde foi marcada por ações tipicamente definidas no âmbito da APS, mesmo não havendo preocupação específica para este tema (LUZ, 1991 apud FAUSTO, 2005). Já no início do século XX, as ações desenvolvidas eram organizadas sob a perspectiva da Saúde Pública, onde os serviços nacionais se dedicavam ao combate de doenças específicas, sendo a assistência médica de responsabilidade individual e exercida pela medicina liberal ou por instituições religiosas. Considerando os centros comunitários de saúde como espaço de práticas da APS, mesmo que na época não definidos como tal, Rosen (1979) identificou que estes centros desenvolveram-se para remediar a complexa situação sanitária dos pobres nos Estados unidos da América (EUA) no início do século XX. Este trabalho desenvolvido nos centros comunitários era organizado através de uma assistência unificada que coloca à disposição virtualmente todos os serviços ambulatoriais de saúde; uma coordenação íntima com outros recursos comunitários; uma equipe profissional de alta qualidade; e uma intensa participação e envolvimento da população a ser servida. (Rosen, 1979 p. 372) 14 Este marco nos faz identificar um histórico da rede básica de cuidados de saúde. Toma-se também este contexto de surgimento dos Centros de Saúde e sua organização, um referencial teórico para futura formulação e legitimação da APS, a partir de Alma Ata. Nesta perspectiva a reforma do sistema de saúde encaminhada na década de noventa tem como característica a adoção de programas sociais que atendessem a população mais vulnerável, com enfoque na racionalização dos gastos públicos e ajuste fiscal. Neste processo a equidade e a focalização foram consideradas muitas vezes como correspondentes, ganhando espaço estratégias de adoção de “cestas básicas3” a serem financiadas pelo Estado. A segunda metade dos anos noventa traz consigo a implementação de políticas de saúde fortemente influenciadas por diretrizes que visavam aumentar os níveis de equidade e efetividade do SUS. Em que pesem a importância destes temas na agenda nacional, eles vêm impregnados de paradigmas economicistas de ordenamento de despesas e busca da eficiência. As medidas que os acompanham buscam promover a conciliação entre os objetivos macroeconômicos de estabilização com as metas das reformas sociais. Através desta dissertação, tentaremos refletir sobre os principais pontos que levaram a Atenção Primária a Saúde ao status que hoje apresenta, resgatando sua historiografia e pontos que a tornaram adequadas ao contexto brasileiro. Os princípios da APS estão atualmente incorporados ao Sistema Único de Saúde (SUS), e são, na medida dos interesses dos atores envolvidos, 3 Termo utilizado para descrever um conjunto de ações mínimas de responsabilidade do Estado, introduzido pelo Relatório de Desenvolvimento mundial, Investindo em Saúde de 1993. 15 valorados e induzidos de forma mais intensa a cada estágio de seu desenvolvimento ou interpretados segundo paradigmas hegemônicos. Ao resgatar a história dos Cuidados Primários à Saúde, a Assembléia Mundial de Saúde, em 1977, decidiu unanimente que a principal meta social dos governos participantes deveria ser “a obtenção por parte de todos os cidadãos do mundo de um nível de saúde no ano 2000”. Seus princípios foram apresentados na Conferência de Alma Ata, em 1978, com o compromisso de serem aplicados em todos os países signatários (OMS/UNICEF, 1978). Em que pesem discordâncias quanto a forma de implantação e de extensão e qual dos seus princípios são aplicáveis em nações industrializadas (KAPRIO, 1979 apud STARFIELD, 2002), trabalharemos aqui com sua definição a partir de Alma Ata. Para tanto também identificamos a gênese da rede básica em período anterior enquanto resposta aos problemas de saúde no início do século XX e a expansão capitalista. A APS nos chama atenção enquanto área temática não só por dar conta, de uma forma mais abrangente, dos problemas de saúde da população, mas também por estabelecer uma estrutura de sustentação social de forma a fortalecer o empoderamento da sociedade. Empoderamento entendido como (...) a conquista plena dos direitos de cidadania, ou seja, da capacidade de um ator, individual ou coletivo, usar seus recursos econômicos, sociais, políticos e culturais para atuar com responsabilidade no espaço público na defesa de seus direitos, influenciando as ações do Estado na distribuição dos serviços públicos (ActionAid Brasil, 2002, p.11). Desde a identificação da APS como política pública a ser estimulada e fortalecida, por parte dos Organismos Internacionais, vem sendo desenvolvidas diferentes estratégias para a sua implantação e implementação. Em contrapartida, alguns países reforçam sua implantação a partir de mecanismos 16 normatizadores e indutores. Pretendemos aqui, estudar as formas de indução adotadas pelo Brasil na década de noventa, para o estabelecimento e fortalecimento de uma APS fundamentada nos princípios de universalidade, integralidade, participação política e equidade. Para tanto, entendemos ser necessária uma identificação pregressa de sua constituição, antes mesmo da definição internacional de Alma Ata. A gênese e o desenvolvimento dos Cuidados “Primários” e/ou “Básicos” de Saúde podem nos apresentar algumas pistas e/ou subsídios para o entendimento de sua evolução até os dias de hoje. Não pretendemos esgotar a temporalidade de suas discussões, e sim levantar algumas informações a partir da bibliografia, que sirvam de pistas para ligar sua gênese à concepção atual. Para uma melhor exposição do tema proposto nesta dissertação dividiremos o trabalho em sete capítulos. Para o primeiro e o segundo capítulo faremos uma breve introdução do contexto político e econômico onde se inserem as políticas sociais no Estado moderno, conseqüentemente as políticas de saúde. São apresentadas também a justificativa, objetivos e metodologia da pesquisa. Descreveremos o contexto de emergência das agências internacionais de ajuda ao desenvolvimento. No terceiro capítulo, Identificaremos as propostas de extensão de cobertura dos cuidados básicos no Brasil, nos Programas de Extensão de Cobertura (PEC) e nas Ações Integrais de Saúde (AIS) e a influência de Alma Ata na configuração do Sistema Nacional de Saúde (SNS) no Brasil, assim como o desenvolvimento do Movimento de Reforma Sanitária. No quarto capítulo, trataremos da influência do Banco Mundial e a trajetória do desenvolvimento da política de saúde no Brasil na década de oitenta e noventa. No quinto capítulo faremos um resgate histórico de evolução dos PEC até a formulação do Programa Saúde da Família (PSF), no início da década de noventa. Para só então, no sexto capítulo, analisarmos o PSF desenvolvido no Brasil após a implantação do SUS, desde sua concepção, até seu processo de expansão de cobertura, a partir de mecanismos indutores. Ao final deste capítulo iniciaremos as 17 discussões acerca das estratégias indutoras utilizadas pelo Ministério da Saúde para o efetivo estabelecimento e ampliação da cobertura do Programa Saúde da Família no Brasil. E o último capítulo será dedicado às conclusões e/ou considerações finais. INTRODUÇÃO As tendências que apontavam para um direcionamento do sistema de proteção social brasileiro, rumo a um padrão universalista, com reforço da presença do Estado e a garantia de seu financiamento, representou, a partir da Constituição de 1988, um importante avanço no padrão de proteção social brasileiro, especificamente no que tange a configuração de um sistema de proteção social mais redistributivo e com maior responsabilidade pública na sua regulação, produção e operação (ARAGÃO e COUTO, 1997). Todavia, a política econômica imposta aos países em desenvolvimento, desde o final da II Guerra Mundial, vem se tornando difíceis obstáculos para a configuração de tais sistemas. A garantia do financiamento público dos sistemas de proteção social vem sendo duramente combatida pelos países que detém a hegemonia econômica e impõe uma lógica de mercado, agravados ainda, pela crise vivida desde a década de setenta pelos Estados nacionais. As discussões acerca do financiamento das políticas sociais se dão em um contexto histórico de uma nova ordem econômica internacional, caracterizando-se pela ocorrência simultânea de uma hegemonia definida, de um sistema hierarquizado de relações e de mecanismos de regulação. Nesse sentido, é identificado duas ordens econômicas mundiais presentes na história: a que prevaleceu no século XIX até a I Guerra Mundial, sob hegemonia inglesa, e a que se estabeleceu no segundo pós guerra, sob hegemonia norte 18 americana (TEIXEIRA, 1999). Para o autor, o estabelecimento de uma ordem econômica internacional é necessário o estabelecimento de alguns pressupostos, tais como: a existência de uma potência economicamente dominante, que seja ao mesmo tempo pólo hegemônico, cabeça de império e centro cíclico principal; a formação de um tecido amplo e estruturado de relações econômicas e financeiras entre países, regiões e empresas, expresso no conceito de mercado mundial, permitindo a hierarquização do sistema e a constituição de mecanismos de regulação. (TEIXEIRA, 1999, p. 08) Portanto, ao analisar a existência de uma ordem econômica, consideramos os conceitos de dominação e hegemonia. Para Weber a dominação é um dos elementos mais importantes da ação social, manifestada algumas vezes, planejada e deliberada pelo poder econômico. O modo como os meios econômicos são empregados para conservar a dominação influência, decisivamente, o caráter da estrutura de dominação. Um dos traços marcantes da ordem mundial que se instituiu após a II Guerra Mundial foi a criação de um amplo conjunto de organismos internacionais, dentre os quais destacam-se as instituições Bretton Woods e aquelas ligadas às Nações Unidas (ARRIGHI,1996). A Conferência de Bretton Woods foi realizada durante a II Guerra Mundial, por iniciativa dos EUA. Esta teve como principal objetivo esboçar a nova ordem econômica. Daí resultou a proposta de criação de duas agências internacionais, que hoje são as principais financiadoras e influenciadoras na definição das políticas públicas nos países em desenvolvimento – O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), principal organização do Banco Mundial (MATTOS, 2000). Em 1943, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU), um conjunto de seis organismos voltados fundamentalmente para a sustentação da 19 segurança e da paz mundial. Em torno da ONU surgiram agências internacionais especializadas e responsáveis pela ajuda financeira aos países em desenvolvimento. É neste contexto mundial que foi criada a OMS, uma das agências da ONU especializada na área da saúde. Concebida para oferecer cooperação técnica aos países membros, ela atua com base em iniciativas voltadas ao enfrentamento dos problemas de saúde, bem como de iniciativas voltadas ao aprimoramento dos sistemas de saúde. Alguns autores, ao discorrerem acerca do papel dessas agências internacionais, enfatizam que estas fazem parte de um projeto político do governo americano de estabelecimento e manutenção de uma hegemonia mundial. Para Mattos, (2000), a visão de que a atuação dessas agências seja reflexo, unicamente, dos interesses norte americanos, é de certa forma, uma interpretação reducionista. Ele ressalta que o Banco Mundial e o FMI tiveram inicialmente um papel secundário na afirmação da hegemonia norte americana. Tais agências só adquiriram maior importância internacional na década de setenta, num momento em que as elites dirigentes norte americanas não manifestavam grandes interesses pelo governo do mundo (ARRIGHT,1996). A cooperação técnica, o financiamento de políticas públicas, assim como, o diálogo político aberto por essas agências são considerados ferramentas fundamentais para adesão dos governos às propostas dos países membros, que condicionam os empréstimos à adoção de certas políticas econômicas, se configurando em mecanismos de indução (Mattos, 2000). Ainda a respeito do debate sobre hegemonia, que pressupõe a sobreposição dos mercados dos países centrais em relação aos países periféricos, a década de setenta assistiu uma nova imagem do Estado, 20 considerado então como um problema (COHN, 2003). Esta visão foi fruto do esgotamento do modo de intervenção e financiamento do Estado no campo econômico e social, e sua forma burocrática de administrar. Essa imagem veio associada ao fato do Estado ter fracassado, em parte, na realização das tarefas definidas na agenda pós II Guerra. É neste período que emerge o debate da inserção das economias periféricas na nova ordem econômica internacional, período no qual as agências internacionais ampliam sua influência (ARRIGHT,1996). Também na década de setenta, pode-se observar uma redefinição do padrão histórico de intervenção do Estado na área social, constituindo-se uma agenda de reformas setoriais. Dentre os principais pontos da agenda, podemos destacar as características assumidas no que tange a esfera da política social, como a redução da intervenção do Estado na oferta de bens e serviços de natureza social. Em segundo lugar, a oferta pública deveria assumir a qualificação simplificada e de baixo custo, para assegurar maior abrangência e maior eficácia na relação custo benefício, estímulos à privatizações através do fomento ao mercado de assistência médica voltados para empresas e assalariados de média e alta rendas, bem como a privatização da previdência social.(POSSAS,1993; MENDES,1991). Este Estado mínimo tornar-se-ia o arcabouço adequado a uma economia de mercado a ser difundido em larga medida, por organismos multilaterais como o BM e o FMI. As características assumidas pela crise dos Estados nacionais, a partir da crise do petróleo em 1973, seguida de uma onda inflacionária que se abateu nos Estados de Bem Estar Social, assim como o fim do padrão dólar ouro, são considerados por alguns autores, como sendo o estímulo necessário ao 21 ressurgimento do liberalismo, agora com a denominação de neoliberalismo. (BIANCHETTI, 1996) A crise dos Estados nacionais manifestou-se pela crise fiscal, definida pela perda em maior ou menor grau de crédito público e pela incapacidade crescente do Estado de realizar uma poupança que lhe permitisse financiar políticas públicas. A crise do modo de intervenção manifestou-se diferentemente nos países: a crise do Welfare State no primeiro mundo, o esgotamento da industrialização por substituição de importações na maioria dos países em desenvolvimento, e o colapso do estatismo nos países comunistas. (BRESSER, 1996) No contexto neoliberal no qual o mercado é o grande regulador das relações sociais, com prioridade da liberdade econômica, nos deparamos com políticas sociais que acabam por mascarar as desigualdades geradas pelo conflito capital-trabalho, além de potencializar as desigualdades (LEHFELD, 2003). Seu modelo político apregoa a não intervenção estatal na economia e tem ainda como principais características o alto desenvolvimento tecnológico, um consumismo e individualismo exacerbado e um processo de transnacionalização da economia como conseqüência da rendição do Estado nacional ao Capital estrangeiro. O Estado modifica sua forma de intervenção atendendo ainda mais aos interesses do capital, favorecendo a acumulação e voltando-se para aqueles que estão no setor financeiro e produtivo. Nesta nova forma de intervenção estatal, é definido um conjunto de políticas estruturantes, de caráter reformista denominado, de “reformas estruturais” (TAVARES, 1997). Este conjunto de políticas foram impostos pelas agências financeiras internacionais (FMI e BM) e pelo governo dos EUA, aliados a grupos 22 tecnocráticos latino americanos, sendo implantado com maior ou menor intensidade, dependendo do país em questão. (Tavares, 1997) Na América Latina, a primeira experiência ocorreu no Chile, sob a ditadura do General Pinochet, no final da década de setenta. Tavares (1997) aponta o nível de deterioração verificado tanto nos serviços social públicos como na situação social dos países latinos americanos avaliados, fruto de políticas de ajuste deliberadas e não apenas resultado da crise econômica. A autora delineia algumas questões acerca das relações existentes entre as políticas de ajuste, a situação social de cada país e o caráter das políticas sociais existentes: “A forma e o conteúdo das políticas de ajuste não são neutras com relação à situação social e as políticas sociais implementadas em determinado país, ou seja, o perfil neoliberal adotado pelas políticas de ajuste nos países latino americanos é responsável tanto pelo agravamento da situação social, como pela deterioração dos programas sociais”. (TAVARES, 1997; pág 28) A autora ainda enfatiza duas formas diferentes de deterioração das políticas e programas sociais que podem ser encontradas nos países da América Latina, dependendo da sua estrutura de desigualdade social, bem como o padrão e estágio de desenvolvimento das políticas e programas pré existentes. Uma seria o abandono de políticas públicas já consolidadas, que são substituídas por políticas opostas, como exemplos têm o processo de privatização do sistema previdenciário no Chile. Outra forma, no caso do México, seria o sucateamento dos programas sociais, que já eram precários, com o conseqüente esgotamento de seu financiamento. O caso brasileiro seria uma combinação dessas formas de deterioração das políticas e programas sociais e que as intervenções têm sido feitas na direção de desestruturar políticas já consolidadas e em vias de consolidação, 23 como a reforma da previdência social e do Sistema de Saúde, respectivamente. Assim, estas políticas sociais foram duplamente atingidas, uma pelo lado da demanda, com o agravamento da situação social causada pelo ajuste, que aumentou o desemprego e a pobreza e conseqüente sobrecarga dos serviços sociais já fragilizados, particularmente os de acesso universal, como os serviços de saúde. Por outro lado, a oferta de serviços e benefícios de políticas sociais ficaram cada vez mais focalizadas, tanto pelo corte de recursos, como pela reestruturação do seu perfil de atendimento da demanda e a privatização de outros serviços. O ideário neoliberal reeditou as definições de eficiência com uma ênfase maior nos custos que nos benefícios, submetendo determinados princípios constitucionais como equidade e universalidade às restrições econômicas. Para Mattos (2000) as agências internacionais têm se dedicado cada vez mais à “oferta de idéias” sobre quais seriam as políticas mais adequadas aos países em desenvolvimento. O autor defende a tese de que a “oferta de idéias” pode ser mais bem compreendida no contexto da dinâmica de competição / cooperação entre membros daquela comunidade. Embora muito antiga, a oferta de idéias por parte das agências internacionais, adquiriu novas características nos anos noventa, constituindo se um importante mecanismo influenciador de políticas de saúde para os países em desenvolvimento como o Brasil. Este contexto de seletividade das Políticas Sociais poderia ser o gancho para a análise do surgimento da proposta de Atenção Primária à Saúde, a ser induzida pelos organismos internacionais? 24 Este trabalho tem por objetivo identificar os processos de indução na implantação do Programa Saúde da Família desde a sua concepção até a sua operacionalização no contexto da política de saúde do Estado brasileiro na década de noventa. Busca-se a partir daí relacionar o processo de implantação e expansão deste programa com a agenda de organismos internacionais, no que tange às orientações de políticas de saúde a serem adotadas pelos países em desenvolvimento. A identificação de convergências e divergências entre as propostas colocadas pelas agendas destes organismos e a conformação do programa a nível nacional é um fator importante para o entendimento do processo de consolidação da proposta. Não pretendemos, com isso, ir a fundo nas discussões acerca das políticas indutoras internacionais. Sua identificação, contudo, nos dá subsídios para o entendimento da política a nível nacional. Segundo Diniz, (2001), a economia mundial e conseqüente ordem econômica não se estruturam mecanicamente, independente da complexa relação de forças políticas, que se estabelecem à nível internacional, onde também se tecem os vínculos entre economia mundial e economias nacionais. O autor ainda reforça que, (...) a pressão das agências internacionais exercem, sim, forte influência na determinação das agendas dos diferentes países, mas não o fazem de modo mecânico e determinista. A opção das elites dirigentes nacionais – suas coalizões de apoio olítico – tiveram e têm um papel importante na escolha das formas de inserção no sistema internacional e na definição das políticas a serem implementadas”. (DINIZ, 2001; p. 14) Com isso, abrimos ao debate, a questão do processo de implantação e implementação do Programa Saúde da Família enquanto política social, construída em meio aos embates de reforma do sistema de saúde no Brasil. 25 Tal desenvolvimento se dará a partir da identificação da relação deste programa com as agendas internacionais, considerando-se a influência de agências internacionais na configuração do Programa Saúde da Família no Brasil. Esta se daria por diferentes maneiras, predominantemente marcantes no nível macroeconômico, com desdobramentos setoriais. Por outro lado, há um processo de resistência de alguns atores nacionais, às propostas de modelos de reformas internacionais, adotados pela política setorial de saúde, o que interferiria na estruturação das propostas e ao longo de sua implantação e implementação4. O recorte temporal a ser estudado compreende o período de formulação e implantação do Programa Saúde da Família no Brasil, com as conseqüentes propostas de expansão (1994–2001). Iremos considerar para fins deste trabalho que o Programa Saúde da Família, a nível nacional, na década de 1990, encontrava-se em fase de implantação devido à: • Sua inserção no SUS apresentar-se incipiente nos diferentes sistemas regionais, estaduais e municipais; • Sua cobertura assistencial não abranger a maior parte da população brasileira; • Não estar presente em todas as unidades federadas; • Sua fragilidade institucional; • E, por, considerar somente a formulação da política nacional, devido as competências deste nível de gestão, não ser responsável por colocar em prática ou executar o programa, 4 Segundo dicionário Aurélio, implantar significa introduzir, estabelecer; enquanto que implementar significa pôr em prática, dar execução a um plano, programa ou projeto. 26 condicionando-o ao esforço permanente de implantar e dar subsídios à implementação do programa nos entes federados. É importante frisar que a análise deste período de implantação, é importante, na medida em que desenvolveram diferentes mecanismos de indução da proposta para sua efetiva estruturação no sistema de saúde brasileiro. Utilizou-se como recurso metodológico revisão bibliográfica e a análise documental de fontes primárias e secundárias, publicações de diretrizes operacionais e relatórios técnicos de instituições colaboradoras. No plano analítico utilizamos duas categorias que percorreram o desenvolvimento do trabalho: a focalização e a descentralização. Tentou-se estabelecer a relação destes princípios com a configuração do PSF, na medida em que não apresentaram relação, apresentaram parcial relação ou total relação com as diretrizes do programa. Indiretamente desdobraremos este debate para o campo da racionalização focada nos custos e a equidade esperada com a proposta. Identificaremos também fases (ciclos e momentos) do processo de indução requerido para o alcance dos objetivos propostos. Parece não haver dúvidas quanto ao fato de que as reformas das políticas públicas decorrem de uma intencionalidade em estabelecer uma ordem mundial economicamente definida a partir de um mercado autoregulável. A internacionalização da economia dos países, assim como, a globalização dos mercados são componentes essenciais para o entendimento 27 do status quo assumido pelas políticas sociais que, cada vez mais, tendem à fortalecer o mercado enquanto estrutura macro política, definir uma ordem econômica mundial a ser seguida, influenciando cada vez mais as políticas sociais no Estado moderno. Contudo, a proposta de desenvolvimento levada pelo Brasil, induzida e apoiada pelos organismos internacionais, vem ao encontro dos ajustes estruturais e fiscais vivenciados por alguns países latino americanos nas décadas de oitenta e noventa, com o intuito de reduzir o déficit público e garantir o pagamento da dívida externa. Comungamos com autores como Fleury e Soares, de que o desenvolvimento de uma sociedade sem exclusão social, fundamentada em princípios que resguardem a seguridade social enquanto tripé da proteção social é a base de uma sociedade igualitária. O campo da saúde, enquanto parte integrante e indissociável da política social é uma área de difícil análise devido a multideterminação e abrangência do processo saúde-doença da população e a complexidade de interesses em torno da formulação de suas diretrizes. O embate posto pela política neoliberal no decorrer dos anos 1980 e 1990, de um Estado mínimo, privilegiou cada vez mais o mercado, na qual a capacidade de resistência a esta política e a estrutura institucional vão se diferenciar de país a país. Não será aprofundada aqui, a discussão da inserção das políticas sociais na década de noventa, e sim uma análise da condição assumida pela política de saúde brasileira com a adoção do Programa Saúde da Família e sua conseqüente expansão e consolidação, como norteador da estruturação do 28 sistema de saúde, em um contexto explícito de indução nacional de políticas locais sob forte influência de organismos internacionais. Por outro lado, alguns autores referem certa autonomia técnica e política, no caso brasileiro, no que se refere a formulação de políticas públicas que se contrapõe a alguns aspectos da agenda internacional. Com isso, cabe-nos aqui levantar alguns questionamentos: Que mecanismos indutores foram utilizados pelo governo federal para implantar e expandir o Programa Saúde da Família? Que características adotadas pelo projeto brasileiro têm relação com agendas, objetivos e interesses de agências internacionais? Sabemos que as respostas a estas perguntas demandariam um estudo mais profundo da temática. A identificação dos mecanismos de indução, utilizada pelo Brasil, contudo, podem nos dar algumas pistas do caminho escolhido. 29 2 - O FOCALISMO E A SELETIVIDADE DAS POLÍTICAS SOCIAIS Em cada Estado nação, o sistema de proteção social assumiu características próprias, não podendo a sua implementação, nos dias atuais, se resumir unicamente a crua questão de financiamento. Podemos derivar esta discussão segundo a abordagem conceitual de Richard Timuss (1958) apud Andersen (1990), a respeito da distinção clássica entre políticas sociais residuais e institucionais. No primeiro caso, o Estado só assume a responsabilidade quando a família ou o mercado se mostram insuficientes, procurando limitar sua prática a grupos sociais marginais e merecedores. O segundo caso refere-se ao modelo universalista, e personifica um compromisso institucionalizado com o bem estar social. Esta abordagem nos força a sair da limitação interpretativa e a refletir entre o focalismo e universalismo das políticas sociais. Considerando as características da política social brasileira como um reflexo das transformações mundiais no padrão de proteção social acrescida da correlação de forças dos diferentes atores sociais presentes, utilizaremos a descrição feita por Fleury (1997), que classifica a relação estabelecida entre a política social brasileira e o indivíduo, como sendo um tipo de cidadania invertida, no qual este tem que provar que fracassou no mercado, para ser objeto da proteção social. O desenvolvimento do debate acerca das características da política social brasileira tem como “pano de fundo”, a relação estabelecida entre a proposição de políticas públicas para os países capitalistas em desenvolvimento. Este se caracteriza como políticas de ajuste estrutural e 30 reforma do Estado, condicionadas, e tem como alvo a redução de gastos públicos, influenciando o arrefecimento dos empréstimos entre nações ricas e pobres e a escolha de projetos de mais baixo custo e de curto prazo a serem financiados (VIANA, 2005). Podemos ainda trazer ao debate o tema da mercadorização ou desmercadorização. Esping-Andersen (1991), diz que a mercadorização acontece quando os mercados se tornam universais e hegemônicos e o bem estar dos indivíduos passa a depender inteiramente das relações monetárias. A desmercadorização ocorre quando a prestação de um serviço é vista como uma questão de direito ou quando uma pessoa pode manter-se sem depender do mercado. A mera presença de uma previdência ou assistência social não gera necessariamente uma desmercadorização significativa se não emanciparem substancialmente os indivíduos da dependência do mercado. X A contextualização de necessidades de encaminhamento de reformas dos sistemas de saúde latino americanos começou a serem esboçados nas décadas de cinqüenta e sessenta. A maioria dos conceitos hoje vigentes como eficiência, eficácia, custo/benefício, descentralização, participação comunitária, programas locais, seguro saúde, entre outros, foram utilizados para impulsionar transformações na organização sanitária ao longo das décadas. (MERTHY, 1992; IRIART, 1994) Estas indicações e recomendações, assim como a capacitação de profissionais e a descentralização com a perspectiva de que a responsabilidade sanitária seja assumida localmente são recomendações que estavam presentes em publicações da OPAS e outras instituições internacionais. 31 A partir da década de oitenta, muitos técnicos das instituições internacionais e intelectuais sanitários, retomaram estes conceitos, com o objetivo de dar resposta à crise econômica e dos sistemas de saúde. Contudo, estas indicações nasceram em um período estruturado em um “modelo de acumulação capitalista baseado em processos produtivos de plena ocupação, que necessitava de um Estado produtor de bens e serviços, e provedor mão de obra sã e qualificada”. (MERHY, 1995, p.5). O modelo estava inscrito em um contexto onde a concepção de saúde era considerada como bem público e de responsabilidade do Estado, diferentemente do processo atual que foi marcadamente influenciado pela crise de acumulação capitalista iniciado na década de setenta. Evidenciou-se também, a emergência de outros atores diretamente ligados ao sistema financeiro internacional, como o Banco Mundial na figura do Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), nos debates de reforma dos sistemas de saúde dos países em desenvolvimento. Ao considerarmos a política de saúde, como parte integrante e indissociável da proteção social, fazemos isso em uma perspectiva de entendimento da saúde enquanto condição humana básica. Com isso, identificamos o trabalho de resistência e o esforço de todo o Movimento de Reforma Sanitária5 no Brasil na década de oitenta, em meio ao processo de democratização do Estado brasileiro, na tentativa de assegurar principalmente, princípios como participação política, universalismo e equidade, indo ao 5 O termo Reforma Sanitária foi usado pela primeira vez no Brasil em função da reforma sanitária italiana. A expressão ficou esquecida por um tempo até ser recuperada nos debates prévios à 8ª Conferência Nacional de Saúde, quando foi usado para se referir ao conjunto de idéias que se tinha em relação às mudanças e transformações necessárias na área da saúde. Estas transformações abarcavam todo o setor saúde, introduzindo uma nova idéia no qual o resultado final era entendido como a melhoria das condições de vida da população. Fonte: Biblioteca virtual em saúde Sérgio Arouca. 32 encontro da luta pela desmercadorização das políticas sociais. Em contra partida, o processo de mercadorização das políticas sociais na América Latina encontrou terreno fértil nas proposições das agências de colaboração multilaterais. Podemos citar como exemplo marcante para consolidação da política social brasileira as proposições da 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), consubstanciada na frase – Saúde, direito de todos e dever do Estado. A 8ª Conferência Nacional de Saúde que ocorreu em 1986, sendo um marco na consolidação destes princípios, tendo sido reafirmados na Constituição de 1988, conhecida também como constituição cidadã. Neste marco, é reforçada a obrigação do Estado em garantir os recursos necessários para que seja efetivado o direito à saúde para toda a população. Em que pesem as críticas e lacunas existentes na Magna Carta, ela significou um avanço na garantia de direitos universais e no estabelecimento do princípio de seguridade social, àquela época em discordância com a evolução do pensamento econômico mundial. Estes princípios constitucionais são considerados contra hegemônicos, devido às características já descritas acerca da ordem econômica mundial, e sua política para os países periféricos. A perpetuação de crise econômica mundial nos anos noventa acirrou a tensão entre custo e qualidade dos sistemas de saúde, onde a questão da eficiência e do bom desempenho tornou-se a pedra de toque das reformas propostas. Mesmo que garantidos em lei, o que foi um enorme avanço e uma grande conquista da sociedade brasileira organizada e mobilizada vem sofrendo sucessivos ataques à sua consolidação. (VIANA, 2005) 33 Viana (2005) cita os três enfoques dados por Freeman e Moran (2000) sobre a saúde, referindo-se ao papel fundamental da política de saúde no processo de reconstrução dos sistemas de proteção social europeu, guiado pelos elos existentes entre três dimensões, a saber: a dimensão da saúde como sistema de proteção social; a dimensão política da política de saúde e a dimensão industrial da saúde. Ao fazer uma análise do caso brasileiro Viana o visualiza da seguinte forma: • A proteção social está presente na conquista da saúde como direito e dever do Estado; • Na política de saúde, o processo de integração de novos atores na arena política e espaços decisórios e de negociação – conselhos e comissões – Atores provenientes da esfera política (prefeitos, governadores e Secretários de saúde) passam a tomar parte das definições da política, tendo em vista o caráter federativo do processo de descentralização. • A dimensão econômica, consubstanciada no nível de complexidade advindo da presença de inúmeras empresas (operadoras e provedoras) na oferta de planos e seguros privados, bem como da poderosa participação da iniciativa privada lucrativa na provisão de leitos e serviços diagnósticos e terapêuticos. A saúde no Brasil conformou-se em “sociomercados”, envolvendo fortes interesses representados nos fóruns de decisão política, cuja complexa rede de 34 interligações com o sistema público estatal – na forma de provisão e subsídios – oferece um caráter específico e particular à saúde, como componente do sistema de proteção social brasileiro. (VIANA, 2005). Este é parte do contexto de desenvolvimento da política social brasileira, de um lado a luta pela democratização do Estado e de outro, interesses brasileiras, econômicos culminando internacionais com certa cooptando elites convergência de tecnocráticas interesses descentralizadores e a assunção de alguns direitos pela constituição de 1988. Contudo, o grande embate se dará no campo do financiamento das políticas públicas e a conseqüente capacidade de execução do Estado de políticas sociais universais, equânimes, integrais e participativas. Nesta interseção de conceitos e diretrizes entre a política econômica hegemônica e os ideais de políticas públicas que assegure a universalidade e a equidade com justiça social, estão conceitos que assumem distintas definições e interesses. Destacamos os conceitos de Pobreza, Participação e equidade, que na ótica liberal assumem características economicistas, causando uma descaracterização destes conceitos. O Banco Mundial inaugura na década de noventa um conceito de pobreza, de acordo com suas pretensões socioeconômicas. Para esta agência financeira internacional o conceito de pobreza significa “incapacidade de atingir um padrão de vida mínimo” (BANCO MUNDIAL, 1990, p. 27) Acompanhando a linha de pensamento liberal, introduzida com o debate teórico e político do século XX, para a conceituação de “participação”, há um emprego dos conceitos de participação política e participação social como sinônimo. Vianna (2006) esclarece que 35 todavia, o uso clássico do conceito de participação como participação política difere do uso novo do conceito de participação como participação social porque o primeiro se refere à participação de todos os membros da polis – condição de direito (ou de dever) universal -, enquanto que o segundo se aplica a segmentos específicos da população: os pobres, os excluídos, as minorias. (VIANNA, 2006, p.7) Já para o alcance da equidade são preconizadas políticas sociais focalizadas e compensatórias, (BANCO MUNDIAL, 1990) em contraposição as políticas universais. 2.1 - Focalização: conceitos norteadores A implementação de políticas sociais nos países da América Latina se deu de maneira a atender historicamente, as demandas do sistema econômico vigente. Com isso, visualizamos na história destas políticas públicas, tentativas de adequação estrutural e operativa, com proposições para as políticas sociais de novos paradigmas coerentes com as mudanças econômicas e com o movimento de legitimação do novo modelo de acumulação proposto. (PINHEIRO, 1995; COHN, 1997; IVO, 2003) Adequadas ao modelo econômico vigente e preservando algumas características, convenientemente do modelo anterior, o substitutivo, o modelo de políticas sociais desenvolvido no Brasil se deu sob a égide dos ajustes econômicos. 36 Em meio aos ajustes impetrados e a restrição financeira do Estado, o debate sobre o modelo de política social tornou-se cada vez mais importante, tornando-se polarizado entre dois estilos de política, a focalizada e a universal. Segundo Cohn (1995, p. 5), o debate da universalização ou focalização pautado pela escassez de recursos públicos, acaba por perder conteúdo substantivo uma vez que não é esta a questão central. As profundas desigualdades presentes na sociedade brasileira de todas as ordens acabam por forçar o enfrentamento dos diferentes níveis de pobreza, na medida em que se formulam “programas e políticas sociais que contemplem a distinção entre aqueles voltados para o alívio da pobreza e para a superação da pobreza”.(GRIFO NOSSO). Para o alívio da pobreza “o que se está em jogo são as políticas de caráter mais imediato, assistencialista, e na sua grande maioria, focalizadas sobre os grupos mais vulneráveis (...).” E no que diz respeito a superação da pobreza, (...)trata-se de políticas, já num primeiro momento, embora com horizonte a médio e longo prazos, balizadas pela construção de um novo modelo de desenvolvimento sustentado, que priorize o crescimento econômico com equidade social e no qual as políticas econômicas assumam também a dimensão de políticas sociais. (COHN, 1995, p. 6). Linhares (2005) descreve que a focalização abarca diferentes entendimentos, implicando com isso, formatos de intervenção governamental que se diversificam no tempo e no espaço. Este autor ressalta que no âmbito da política estatal, a focalização vem sendo associada a diferentes tipos de seletividade: Uma seletividade de funções do Estado que pode ou não vir acompanhada de uma seletividade de grupos alvo; Uma seletividade dos gastos públicos e a sua destinação para segmentos populacionais específicos; 37 Uma seletividade de vulnerabilidade que é o reconhecimento de que certas intervenções são necessariamente seletivas em relação ao grupo alvo, sob a ótica da discriminação positiva. (BURLANDY, 2003). Kerstenetzky (2005) nos traz algumas reflexões importantes acerca do entendimento dos conceitos de focalização e universalização. Para esta autora a associação automática de focalização com noções residuais de justiça e da universalização com a garantia de direitos sociais, são associações errôneas. Para a decisão de escolha sobre qual modelo de política social irá ser implementada é imprescindível a decisão prévia de qual princípio de justiça será utilizado: a “justiça mercado” ou a “justiça redistributiva ou social”. A família de concepções de justiça de mercado atribui ao mercado a função de distribuição das vantagens econômicas (...), cabendo ao Estado de Direito zelar pela lei e a ordem necessárias ao seu funcionamento(...).(KERSTENETZKY, 2005, p.3) A autora também traz três sentidos que a focalização das políticas sociais pode assumir, a saber: • Focalização como residualismo – nesse contexto a focalização aparece como um componente (menor) da racionalidade do sistema, de sua eficiência global. A verdadeira política social seria, na verdade, a política econômica (que promove as reformas de orientação mercadológica, que no longo prazo seriam capazes de incluir todos). Essa concepção de política social focalizada rejeita a consideração das desigualdades socioeconômicas como motivadoras da intervenção pública. (op cit, p.6) • Focalização como condicionalidade – (...) defende a focalização no sentido de busca do foco correto para se atingir a solução de um problema previamente especificado, portanto, como eficiência 38 na solução desse problema específico. Parte da solução do problema depende de conhecimento mais denso sobre aspectos demográficos, sociológicos e territoriais da privação que se quer atender ou do direito que se quer implementar, além dos aspectos propriamente econômicos. (KERSTENETZKY, 2005, p. 7) • Focalização como ação redistribuição – ação reparatória, necessária para restituir a grupos sociais o acesso efetivo a direitos universais formalmente iguais – acesso que teria sido perdido como resultado de injustiças passadas. Em certo sentido, essas ações complementariam políticas públicas universais justificadas por uma noção de direitos sociais, como, por exemplo, educação e saúde universais, afeiçoando-se à sua lógica, na medida em que diminuiriam as distâncias que normalmente tornam irrealizável a noção de igualdade de oportunidades embutida nesses direitos. (op cit, p.8) Com isso, a autora descreve também que os sentidos da focalização de condicionalidade e redistribuição indicam que, a focalização e a universalização podem se combinar sob a égide da concepção de justiça distributiva. É ressaltado ainda que “apenas na acepção restrita de política social residual, a focalização encaixaria comodamente na visão de justiça de mercado, em sua versão popularizada na onda do chamado neo-liberalismo.” (op cit, 2005, p.12) Nessa perspectiva neoliberal, de privilegiamento do mercado, a focalização está ligada à redução de gastos na área social e a implementação 39 de programas residuais e esporádicos, dirigidos a extrema pobreza. (LINHARES, 2005). Em se tratando da política de saúde as reformas encaminhadas na década de noventa foram fortemente influenciadas pela necessidade de racionalização da atenção médica, tendo em vista os ajustes encaminhados e dada configuração da “crise da saúde”, descrita por Mendes(1996). As orientações propostas para a ordem econômica neo-liberal é no sentido de as políticas sociais passarem a ter um caráter compensatório, pois desta forma os impactos destrutivos das políticas de ajuste econômico são atenuados, preservando o tecido social. (PINHEIRO, 1995). Este mesmo autor conclui que o caráter focalizado da ação social impetrado “coincide com o assistencialismo eleitoreiro, necessário para manter o poder das elites conservadoras.” Outro problema também que envolve as políticas de focalização reside no fato que seu paradigma vigente, questiona e substitui a idéia de acesso universal, desfazendo a função redistributiva no âmbito dos direitos sociais. (IVO, 2003) Desta forma, cabe-nos indagar que características da política ou programa o evidenciam enquanto focalização? 3 - A Emergência da Atenção Primária a Saúde Considerando a Atenção Primária à Saúde (APS) como eixo condutor das reformas dos Sistemas Nacionais de Saúde (SNS), na década de oitenta, consideramos importante a contextualização do seu processo de formulação, 40 implantação e a conseqüente reorientação dos serviços de saúde, induzida pelas reformas propostas pelas agências internacionais. Para o entendimento do que representa a APS nos dias de hoje é importante compreender seu contexto histórico e político de emergência, identificando diferentes atores e seus interesses. Faz–se necessário também sua compreensão terminológica, visto que, a palavra primária no português pode trazer outros significados dificultando o seu estabelecimento estratégico. A questão intrínseca das características da APS tem implicações importantes na forma como os sistemas de saúde enfrentam e encaminham suas ações (FAUSTO, 2005). Acrescentam–se ainda que as simplificações conceituais são condescendentes com as conjunturas econômicas e políticas específicas. (TEJADA de RIVERO 2003 apud FAUSTO, 2005). O conceito de Cuidados Primários de Saúde emerge ao final da década de sessenta e início de setenta, em um período em que os EUA encontram-se envolvidos em uma crise de hegemonia mundial. Aliada a esta crise, a recessão econômica no decorrer da década de setenta, de escala mundial, desencadeada pela alta repentina do barril de petróleo, influenciando ainda mais a relação das economias com a sustentabilidade dos sistemas de proteção social (CUETO, 2004). Para endossar as preocupações americanas com os custos dos sistemas de saúde, foram realizados nos EUA diferentes estudos ao longo das décadas anteriores, que comprovaram o crescente dispêndio com a assistência médica e a imersão do sistema de saúde norte americano no modelo flexineriano (ALEIXO, 2002). 41 Em meio à crise, ganhava mais força um movimento dentro das escolas médicas nos EUA denominado Medicina Preventiva, como uma resposta civil e liberal aos problemas de saúde da população. (AROUCA, 2003) As primeiras formulações acerca da APS com o movimento de criação dos departamentos de Medicina Preventiva, desencadeados a partir da reforma do ensino médico nos EUA na década de quarenta. “A Medicina Preventiva é uma nova atitude incorporada à prática médica e essa atitude deve ser desenvolvida durante o processo de formação do médico, através de meios e pessoal específicos.” (AROUCA, 2003, p.172 ) Todo o esforço desencadeado na forma de seminários internacionais com o objetivo de desenvolver esta área dentro das escolas médicas levou a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), em 1956, a preparar um seminário de aprofundamento no tema que foi a base para as discussões do ensino da Medicina Preventiva na América Latina e marco teórico para esse movimento: o Seminário de Viña del Mar e Tehuacan. (Arouca, 2003) A partir das orientações curriculares advindas dos seminários que sucederam é esboçada a abrangência e definição de APS a ser largamente debatida nas agências internacionais. O desenvolvimento da Medicina Preventiva se deu de forma ideológica “(...) sem, contudo, procurar ser um movimento político que realmente transformasse a prática.”(Arouca, 2003) Emergia também como movimento supra-estrutural, desvinculado de sua relação com o Estado, que encontravase em meio à crise econômica. Posteriormente, a OMS identificou em diferentes países, boas experiências de assistência médica “primária” a populações dos países periféricos. O conjunto de idéias formulado pela Medicina Preventiva influenciou de maneira importante uma série de medidas e propostas de Atenção 42 Primária em saúde, principalmente a partir dos anos 60. Formou-se, a partir de então, uma cultura sobre os diferentes momentos da atenção, em que a Atenção Primária se localiza na fase inicial do cuidado, antecedendo e definindo uma série de outros cuidados que deverão ser ofertados por outros níveis de atenção mais complexos. A Atenção Primária em Saúde surge desta forma, de um movimento de formação médica e só posteriormente será remetida ao campo de competências dos serviços de saúde e a organização de suas ações. (VIANA e FAUSTO, 2005, p. 185-201) A crise mundial apresentou-se de várias formas, em todos os contextos, as políticas sociais foram alvos de cortes expressivos de seu financiamento, somados a isso, um progressivo agravamento das condições de vida nos países em desenvolvimento, piora do quadro sanitário mundial, ineficiência e alto custo do modelo de assistência médica flexineriano (ALEIXO,2002). Dentro das agências como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e United Nations Children’s Fund (UNICEF), ganharam mais força as propostas de sistemas públicos de saúde baseadas na prevenção, e não mais sistemas baseadas na crescente rede hospitalar, que no mundo capitalista ganhava mais espaço, devido a exploração de seus custos e a alta lucratividade. O esgotamento do modelo de intervenção vertical largamente difundido pelos organismos internacionais até meados do século XX, utilizadas no combate das doenças endêmicas nos países periféricos também estava sendo cada vez mais criticado. Corroborando com estes trabalhos e contribuindo ainda mais com o debate, apareceram publicações como a de John Bryant, intitulada “Helth and the Developing World” que questionam os sistemas de saúde baseados nos cuidados hospitalares, a falta de ênfase na prevenção e o baixo acesso aos cuidados de saúde a mais da metade da população mundial. Outros trabalhos também vinham chamando a atenção das agências devido à demonstração do 43 alto custo e da baixa efetividade dos cuidados de saúde desenvolvidos até então. (CUETO, 2004). Destacam-se a época, os trabalhos de Carl Taylor, fundador presidente do departamento internacional de saúde da Jhons Hopkins que editou um livro referente ao modelo de medicina rural para países pobres. Keneth W. Newell, membro da OMS desde 1967, que avaliou experiências de auxiliares médicos em países em desenvolvimento no livro “Health by the peoples”. Outro marco importante foi o documento Lalonde publicado em 1974 que propôs quatro determinantes de saúde: biológico, serviços de saúde, estilo de vida e meio ambiente, diminuindo a importância atribuída às instituições médicas. Também foram identificados alguns trabalhos desenvolvidos fora da comunidade científica da saúde. O historiador inglês Thomas Meckeon argumentou que o nível de saúde da população estava menos relacionado com os avanços médicos do que com o padrão de vida, moradia e nutrição. Ivan Illchis afirmou também que além de irrelevante a medicina também foi prejudicial porque os médicos retiraram a “prática de saúde” da população (CUETO, 2004). Uma outra inspiração importante, na formulação dos cuidados primários em saúde, foi a popularidade global que a expansão dos serviços de medicina rural experimentaram na China comunista, os chamados “bare foot doctors”. O autor relaciona esta experiência com a entrada da China no sistema das Nações Unidas, dando maior ímpeto e relevância às diferentes experiências no mundo. No estudo de Cueto acerca do levantamento das influências para formulação da proposta dos Cuidados Primários também foi citado a parceria da OMS com a Associação Médica Cristã, que realizava trabalhos de treinamentos de 44 trabalhadores de aldeia com baixo nível educacional, ensinando-lhes métodos simples de promoção e prevenção e cuidados. Em 1975, um relatório produzido entre a OMS-UNICEF “Alternative Approaches to Meeting Basic Helth Needs in Developing Contries” foi largamente discutido entre estas agências onde apresentavam-se as principais causas de morbidade nos países em desenvolvimento, além de examinar outras bem sucedidas experiências de cuidados primários de saúde em Bangladesh, China, Cuba, índia, Nigéria, Tanzânia, Venezuela e Yugoslávia, afim de identificar os fatores chave deste sucesso. Este relatório foi a base para a formulação, pela OMS, da idéia em Cuidados Primários de Saúde, que na 28º Assembléia geral, em 1975, foi apresentado como “Programa de Cuidados Primários, a base para o debate mundial”. (CUETO, 2004). A década de setenta é considerada como a fase de institucionalização de programas docente-assistenciais na linha da Medicina Preventiva e Medicina comunitária que foi entendida como a “Práxis” da “nova medicina”. Nesta perspectiva a Atenção Primária era interpretada como ações elementares que todos os serviços de saúde, até os mais simples, deveriam estar capacitados para provê-los. A partir daí os programas de extensão de cobertura nascem como principais mecanismos de veiculação da Medicina Comunitária, com a conseqüente ampliação do acesso aos serviços às populações carentes (AROUCA, 2003; VIANA e FAUSTO, 2005). 3.1 Alma Ata É neste contexto de debate acerca da organização, objetivos e ampliação de acesso aos Cuidados Primários de Saúde que foi realizada a 45 Conferência de Alma Ata em setembro de 1978, organizada pela OMS e UNICEF. De certa forma, este debate já havia sido iniciado antes mesmo das décadas de sessenta e setenta, no período em que a Fundação Rockefeller decidiu financiar a expansão dos Centros de Saúde Pública desenvolvidos nos EUA no início do século. Enquanto evento de referência para a definição dos Cuidados Primários de Saúde, a Conferência de Alma Ata, no Kazaquistão, inscreve-se como marco conceitual e estratégico, estando presentes representações de Saúde Pública de diferentes países e correntes políticas, sessenta e sete organizações internacionais, organizações não governamentais, movimentos religiosos, entre outros movimentos políticos. A qual teve como objetivo criar uma declaração universal com três idéias chave (CUETO, 2004): • Tecnologias apropriadas, com uma crítica especial ao papel negativo das “tecnologias orientadas para as doenças” e a desnecessária criação de hospitais nos centros urbanos dos países em desenvolvimento. • Oposição à medicina elitista com ênfase na especialização da saúde individual em países em desenvolvimento. • O conceito de saúde como ferramenta para o desenvolvimento sócio-econômico. Saúde e trabalho não deveriam ser percebidos de forma isolada, e sim como parte do processo de aperfeiçoamento das condições de vida. Nas palavras do então diretor geral da OMS e defensor da estratégia de Cuidados Primários de Saúde, Halfdan T. Mahler of Denmark “a saúde deveria 46 ser um instrumento para o desenvolvimento e não meramente um subproduto do progresso econômico”. (CUETO, 2004) A trigésima segunda (32º) Assembléia geral da OMS, em Geneva, em 1979,endossou a Declaração, aprovando a resolução de que os cuidados primários de saúde seria “a chave para atingir um aceitável nível de saúde para todos até 2000”, conhecida também como Saúde para todos 2000 (SPT2000) (CUETO, 2004). A Atenção Primária a Saúde ficou definida como: Atenção à saúde baseada em tecnologia e métodos práticos, cientificamente comprovados e socialmente aceitáveis, tornados universalmente acessíveis a indivíduos e famílias na comunidade por meios aceitáveis para eles e a um custo que tanto a comunidade como o país possa arcar em cada estágio de seu desenvolvimento, um espírito de auto confiança e auto determinação. É parte integral do sistema de saúde do país, do qual é função central, sendo o enfoque principal do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. É o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, levando a atenção à saúde o mais próximo possível do local onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o primeiro elemento de um processo de atenção continuada à saúde”. (OMS/UNICEF, 1978). Após um ano de intensos debates internacionais para divulgação da proposta, dá se início uma diferente interpretação da proposta da OMS de Cuidados Primários de Saúde, por parte de algumas agências e fundações internacionais. Esta interpretação diferenciada se dá primeiramente pela crítica à abrangência e o idealismo presentes na Declaração de Alma Ata, alegando que o slogan SPT 2000 não era viável e que era necessária a identificação de estratégias de saúde mais custo-efetivo. Também tinha como pano de fundo a crise econômica mundial que induzira um esgotamento do financiamento das políticas sociais, principalmente dos países em desenvolvimento. Por traz destas críticas, estava a Fundação Rockefeller que patrocinou em 1979 uma pequena Conferência na Itália intitulada “Helth and population in 47 Development”. Alguns atores e instituições envolvidos nesta discussão já faziam parte de trabalhos desenvolvidos no processo de implantação de Centros de Saúde nos EUA nas décadas anteriores, como o médico John H. Knowles, presidente da Fundação Rockefeller, Robert S. McNamara, Secretário de defesa dos EUA por duas administrações e atual presidente do Banco Mundial desde 1968, David Bell, vice-presidente da Fundação FORD, entre outros. A presença de McNamara foi fundamental para a participação efetiva do Banco Mundial nas discussões acerca da pobreza e miséria mundial, desempenhando um papel estratégico no financiamento de projetos nessa linha (Cueto, 2004). Esta Conferência foi baseada em um artigo publicado por Julia Walsh e Kenneth S. Warren intitulado “Selective Primary Health Care, an Interin Strategy for Disease Control in Developing Contries”. O artigo buscou identificar as causas de morte para as doenças mais comuns na infância em países em desenvolvimento. O nome “Selective Primary Helth Care” (SPHC) foi definido sob nova perspectiva, o termo significa um pacote de intervenções técnicas de baixo custo para atacar as doenças de maior incidência nos países pobres. Após alguns anos o número de intervenções propostas foi reduzido para quatro, ficando conhecidas como GOBI6 (Growth, Oral rehidration, Breastfeeding, Immunization). Algumas agências consideraram viável a proposta e inseriram outras intervenções que como estas são de fácil mensuração dos resultados, ficando conhecidas como GOBI-FFF (suplementação alimentar, educação feminina e planejamento familiar). 6 Em 1982 foi lançado pela UNICEF a estratégia GOBI, em meio ao conjunto de esforços em favor da Revolução da Sobrevivência infantil, com apoio de organizações internacionais e entidades governamentais nacionais. 48 Os cuidados primários seletivos atraíram a ajuda de alguns patrocinadores e admiradores. Um deles foi James Grant, economista formado em Harvard, atuando na China pela Fundação Rockefeller, que no início da década de 1980, assumiu o cargo de diretor executivo da UNICEF, voltando àquela agência para o incentivo aos Cuidados Primários Seletivos de Saúde, junto com o Banco Mundial. (Cueto 2004). Vale citar aqui uma consideração dos trabalhos desenvolvidos pela Fundação Rockefeller, instituição que incentivou a adoção deste tipo de política. Estes trabalhos tinham como característica a filantropia, caridade, não se configuravam como uma política destinada a toda população, e sim, só para os miseráveis. Estas estratégias seletivas foram difundidas nos países pobres e em desenvolvimento, por serem de baixo custo e de fácil mensuração de seu impacto. No Brasil o impacto da estratégia da Terapia de Rehidratação Oral (TRO) e incentivo ao aleitamento materno são emblemáticos e expressam os avanços conseguidos com a redução da mobimortalidade infantil na década de 1980. Estas ações tinham como principal porta voz no Brasil a UNICEF, que realizou algumas parcerias com o governo brasileiro e instituições não governamentais para a difusão destas estratégias. Com isso, a década de 80 ficou marcada também pela entrada em cena de políticas sociais focalizadas, concomitante com a proeminência de instituições financeiras como o Banco Mundial nos debates do setor saúde. Ao mesmo tempo a OMS liderou importantes programas verticais em áreas como imunização, controle da diarréia e das infecções respiratórias agudas. Aumentos significativos da cobertura destas intervenções foram 49 documentados e a mortalidade infantil declinou enormemente. (Victoria & Barros, 2005). 3.2 - Os programas de extensão de cobertura O período que se inicia em 1964 com o regime militar é considerado como sendo um período que privilegiou o desenvolvimento econômico e o controle político, como estratégia de desenvolvimento nacional, a racionalidade das políticas adotadas era resumidamente explicada pelo propósito de “fazer o bolo crescer para depois dividi-lo”. O estilo de planejamento adotado pelo Estado (PAEG, Plano Decenal, IPND) subordinava as políticas sociais à política econômica. As estratégias de desenvolvimento privilegiavam a centralização e a incorporação do discurso e da prática do planejamento servindo como instrumentos técnico-burocráticos, no sentido de se alcançar esta racionalidade junto aos aparelhos do Estado. (SIMÕES, 1986; FAUSTO, 2005). Já sob esta influência, no âmbito da saúde, ocorrem modificações tanto no Ministério da Saúde quanto na Previdência Social ocorrendo reorganizações internas, com a formação de grupos de trabalho. É neste período que também ocorre a unificação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP’s) no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) (1967), centralizando os recursos financeiros e o poder de decisão na área da saúde, fortalecendo mais a Previdência e fragilizando o Ministério da Saúde, que tem sua participação no orçamento da saúde cada vez menor. Esta política de saúde adotou um 50 modelo de atenção direcionado para as práticas médicas curativas, privilegiando o financiamento do setor privado. (SIMÕES, 1986; FAUSTO, 2005). Em 1974, é criado o Ministério da Previdência e Assistência Social, que segundo Simões (1986) é a continuidade de um processo de expansão do setor previdenciário, ficando claro os rumos que o setor saúde vinha tomando. A autora ilustra da seguinte forma: (...) capitalização acelerada, expansão do setor empresarial privado com privilégio da assistência médico-hospitalar e uso intenso de tecnologias. Ao nível da assistência prestada isso repercutia em altos custos, baixa eficácia, multiplicidades de modalidades assistenciais com exclusão de grandes grupos populacionais do acesso ao consumo de serviços.(SIMÕES, 1986, p. 555) Após 1974, com o fim do período de expansão econômica ficam cada vez mais latentes os questionamentos acerca dos rumos da política social e a sua submissão à política econômica. A abertura política ganha força e com isso uma maior liberdade para os questionamentos e encaminhamentos da política social em curso. Em 1976, foi criado o Sistema Nacional de Saúde (SNS), a partir da Lei 6.229 com base nas diretrizes do II Plano Nacional de desenvolvimento, elaborado em meio à gradual abertura política. O Sistema Nacional de Saúde criado definiu as competências da União quanto o setor saúde, através dos Ministérios, estados e municípios. Para Simões (1986), essa lei acaba por institucionalizar a dicotomia da assistência à saúde quando atribui ao Ministério da Previdência e Assistência Social, os cuidados curativos reabilitadores – individuais e ao Ministério da Saúde e as secretarias de saúde ações preventivas – coletivas. Outros autores 51 como Rosas, (1981, p. 101) acrescenta que a criação do Sistema Nacional de Saúde (...) não definiu claramente as formas de financiamento da cobertura de saúde, não tocou na produção e circulação de medicamentos nem na definição de tecnologias apropriadas, e, principalmente, não trata da participação dos usuários nas decisões e políticas adotadas. Contudo, o autor descreve que mesmo com todas as falhas, a lei do SNS ajudou a abrir espaços e a fortalecer programas mais gerais e universais de extensão de cobertura como o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS) e, posteriormente, o Programa de Serviços Básicos de Saúde (PSBS) do Ministério da Saúde. Outras medidas foram tomadas para dar conta dos problemas na área da saúde, formulação do Plano de Pronta Ação – PPA, criação do Fundo de Assistência Social – FAS. Entretanto, com uma interpretação reducionista da crise, como decorrente de uma irracionalidade administrativa, reforçando a utilização do planejamento como instrumento de reorganização do setor. Cabe ressaltar que o modelo de planejamento em voga era o planejamento normativo, entendido enquanto método de seleção de alternativas que otimiza a relação entre objetivos e instrumentos com o propósito de crescimento, entendendo o crescimento sob uma ótica desenvolvimentista, ou seja, a solução para o subdesenvolvimento. (MATUS, 1978 apud GIOVANELLA,1991). Estas medidas implementadas com o intuito de organizar a atenção à saúde, de certa forma impuseram uma desarticulação maior da política nacional de saúde, que somadas às precárias condições de saúde da população, a maioria sem acesso ao sistema previdenciário e a insuficiência de 52 serviços públicos, propiciaram a implementação de experiências de atenção à saúde definidas como programas de medicina simplificada (TESTA, 1985). Estas e outras experiências, apoiadas por organismos internacionais, desenvolvidas pelos recém instituídos Departamentos de Medicina Preventiva, vinculados às escolas de medicina, dá-se prosseguimento a uma série de experiências em Medicina Comunitária, em várias localidades do país. Alguns destes programas faziam parte de iniciativas de interiorização da prática médica, em meio ao vazio assistencial das populações rurais e de baixa renda, excluídos do processo e da política de desenvolvimento levada pelo país, que até então só assegurava benefícios aos economicamente ativos, ou seja, inseridos no mercado de trabalho formal. O discurso emergente da medicina preventiva reforçando a idéia de que apesar do discurso acenar para mudanças na educação e na prática médicas, esta se mostrava incapaz de realizar tal mudança. A medicina preventiva é entendida enquanto uma forma liberal e civil de resposta aos problemas de saúde e do sistema de serviços de saúde da sociedade americana, “transferida para os países sob sua órbita de influência.” (AROUCA, 2003) É importante também ressaltar a carta de Punta Del’Este como marco da introdução do planejamento social e sanitário, ao qual são introduzidos a programação em saúde. Esta carta foi o resultado de uma reunião de Ministros do Interior das Américas, promovida pelos EUA, através da Organização dos Estados Americanos (OEA), com o objetivo de conter o socialismo na América Latina, onde foi lançado o programa “Aliança para o Progresso”. Este programa era parte da política norte-americana do período Kennedy que colocava ênfase nos obstáculos internos ao desenvolvimento, considerando os problemas 53 sociais e políticos como obstáculos. Através do financiamento de projetos sociais (via agências internacionais) pretendia-se contrapor a expansão das idéias “socializantes”. (GIOVANELLA, 1991). No que diz respeito à saúde, a carta estabelece objetivos e metas que deveriam ser alcançadas pelos países signatários da carta para o decênio, como diminuição da mortalidade para certas idades e doenças preveníveis; saneamento e alimentação; organização dos serviços de saúde e planejamento de saúde. A Organização Pan-Americana de Saúde – OPAS ficaria encarregada de avaliar os projetos elaborados, objetivando o alcance das metas estabelecidas, assessorar os países na elaboração de seus planos e de ser a fiadora, frente as agências financiadoras. (OPS/OMS, 1971 apud GIOVANELLA, 1991) Os Programas de Extensão de Cobertura (PEC’s), no Ministério da Saúde, emergem neste contexto, com o objetivo de ampliação do acesso aos serviços de saúde a grupos populacionais até então excluídos, especialmente de zonas rurais e baixa renda: Estes programas assumem os princípios da medicina comunitária, tais como: privilégio da atenção primária, ênfase na forma e utilização de pessoal de nível médio e elementar, as equipes profissionais, a integração ensino-serviço, a utilização de tecnologia apropriada e a participação comunitária (SIMÕES, 1986 p. 112). A autora considera que esta proposta se configurou na possibilidade de expandir um modelo médico de baixo custo, complementar ao modelo médicohospitalar hegemônico com o potencial de dar resposta às demandas das populações marginalizadas. Com isso, começaram a surgir propostas no Ministério da Saúde com apoio da OPAS, com desdobramentos no interior das Secretarias Estaduais de 54 Saúde (SES), como o Programa de Preparação Estratégica de Pessoal de Saúde (PPREPS) em 1975 e o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento no Nordeste (PIASS), estendida para todo o território nacional em 1979. Nota-se que aqui o apoio das agências internacionais não era ainda condicionador da adoção de políticas setoriais e nas de transmissão de tecnologias e influência setorial (saúde). Em discurso oficial, em 1975, na Escola Superior de Guerra, José Carlos Seixas, então Secretário Geral do Ministério da Saúde, declara que faz parte da política oficial do Ministério o aumento da cobertura, procurando atingir toda população desassistida, através de ações simplificadas de saúde, com seus componentes de descentralização e hierarquização de serviços de acordo com sua complexidade (ROSAS, 1981, p. 556). À parte da política de saúde oficial, desenvolveram-se também alguns programas de saúde comunitários, na tentativa de viabilizar modelos alternativos de extensão de cobertura no Brasil e que contavam também com o apoio de instituições internacionais, em convênio com os Departamentos de Medicina Preventiva, a exemplo da Própria OPAS, Fundação Kellogg, Rockefeller, Ford e outras. (ROSAS, 1981; FAUSTO, 2005). Algumas dessas fundações, já eram antigas conhecidas nossas, na medida em que participaram da implantação dos primeiros centros de saúde no Brasil, com algumas características que se identificavam,como a implantação de serviços de saúde para populações marginalizadas, nas décadas de 1910 e 1920 (Labra, 1985; Faria, 1995; Castro Santos, 2002). Destas experiências, identificam-se duas vertentes que culminaram na configuração de Atenção Primária a Saúde enquanto diretriz política de saúde oficial: Os programas de 55 extensão de cobertura, cujo desenvolvimento manteve estreita relação com os programas de cooperação internacional e os programas de interiorização da prática médica, que fundamentaram a formação do desenvolvimento das propostas de sistemas locais de saúde. Aliados aos convênios firmados entre as agências e os Departamentos de Medicina Preventiva, secretarias estaduais e municipais de saúde experimentaram um processo de articulação institucional, induzindo, de certa forma, uma resposta do governo federal e configurando-se com isso, na formação do movimento sanitário brasileiro. (SIMÕES, 1986; AROUCA, 2003; FAUSTO, 2005). Entre os diferentes programas de extensão de cobertura, destacam-se cinco experiências como precursores no Brasil, do modelo de cuidados primários de Saúde, após o período “sespiano”, da seguinte forma (ROSAS, 1986): A implantação de “mini-postos” de saúde, criados pela EMATER nos estados do nordeste, principalmente no Rio Grande do Norte, na década de 1970. Esta experiência chamou a atenção de técnicos do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) / Secretaria de Planejamento (SEPLAN) e Ministério da Saúde, que atuavam junto aos processos de interiorização das ações de saúde. Estas unidades ou mini-postos eram operados por auxiliares de saúde de nível elementar e contribuíram para o desenvolvimento das estratégias que geraram posteriormente o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS). Os técnicos destas autarquias passaram alguns períodos em visitas a estas unidades para conhecer melhor, in loco o trabalho desenvolvido por estes profissionais. 56 A experiência desenvolvida pela Secretaria de Saúde de Minas Gerais, o projeto do Vale do Jequitinhonha, que antecedeu o projeto Montes Claros, “não só na cronologia, como na seqüência da evolução das concepções e propostas” (ROSAS, 1981.). Também considerado como precursor das propostas de regionalização da assistência, devido ao estabelecimento de uma estrutura de serviços regionalizada e integrada já em seu projeto. Esta estrutura deveria estar garantida já no processo de implantação do projeto, para que a proposta tivesse êxito. O projeto foi considerado como uma proposta de expansão da rede de forma integrada e racionalizadora, voltado para o desenvolvimento da melhor eficiência dos “programas especiais e projetos de controle de algumas doenças como chagas, tuberculose, “lepra”, imunopreviníveis, etc”. (ROSAS,1981) Para seus idealizadores a proposta procurava “aumentar a penetração dos programas verticais”. Com isso, ela estaria mais próxima das idéias do modelo CENDES/OPAS de planejamento. Em 1974, foi firmado um convênio entre a United States Agency for International Development (USAID) e o governo brasileiro para viabilização do projeto Montes claro. Com isso, ficaria estabelecido a implantação de três projetos regionais de integração de serviços de saúde, com o componente de extensão de cobertura, a serem implantados em Montes Claros(MG), Caruaru (PE), e Patos (PB). Os recursos seriam recebidos, da USAID, para o Ministério da Saúde e este repassaria para os estados. Mais tarde a Secretaria de Saúde da Paraíba, desistiu de implementá-lo, restringindo o projeto apenas nos dois outros estados. A proposta inicial era a de implantar sistemas regionais de saúde, com articulação e integração das diferentes instituições que atuam na região. (ROSAS, 1981). 57 As concepções de Caruaru e Montes Claros surgiram na mesma época, 1974, e incluíam as idéias de “racionalização, eficiência gerencial, regionalização, participação comunitária, utilização ampla de pessoal auxiliar, ações simplificadas de saúde e integração de ações curativas e preventivas”. Seus desenvolvimentos tomaram rumos diferentes, na medida em que, em Montes Claros experimentou-se um grau maior de autonomia, sendo suas idéias e modelos testados a cada momento, na prática, e adaptados à realidade e necessidades dos serviços. Já em Caruaru, havia uma maior rigidez na aplicação das técnicas e métodos de planejamento desenvolvido pela OPAS e aplicado mecanicamente à realidade. De certa forma, a experiência de Montes Claros foi mais exitosa de que a de Caruaru, com a possibilidade de construção de um projeto alternativo desenvolvido de forma a atender as necessidades loco regionais. Os projetos Caruaru e Montes Claros, posteriormente, foram incorporados ao PIASS, como um programa de extensão de cobertura mais amplo. O Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS), em consonância com as deliberações da V Conferência Nacional de Saúde, vinha preocupando-se mais com as questões de expansão da cobertura, chegando a seguinte conclusão: É importante a extensão das ações de saúde às áreas rurais e às periferias urbanas (...), dada as condições de vida e acesso aos serviços de saúde da população rural brasileira (Anais da V CNS, 1975). Era consenso também um problema que perduraria até os dias de hoje, a questão de recursos humanos para atuar nas ações básicas: 58 Seria utópico imaginar que a extensão das ações de saúde ao meio rural poderia ser obtida nas próximas décadas por intermédio da atuação permanente e direta de médicos, enfermeiros, veterinários, engenheiros e dentistas, entre outros. O caminho a seguir será então recorrer aos auxiliares devidamente capacitados para exercerem uma série de funções delegadas, com supervisão e apoio periódico da enfermeira de área e do médico. (...) para isso é indispensável, entretanto, a participação da comunidade. (Anais da V CNS, 1975). A Conferência também expressa em suas conclusões e recomendações algumas características de seus objetivos, muito peculiar aos objetivos declarados no processo de implantação dos primeiros Centros de Saúde no Brasil e outros que evidenciamos até os dias de hoje: (...) há a necessidade de interiorizar as ações básicas de saúde através de estruturas permanentes e simplificadas, integrando órgãos e entidades do setor saúde, visando: ações simplificadas de assistências médico sanitárias voltadas prioritariamente ao grupo materno infantil; o uso de pessoal auxiliar recrutado e selecionado em nível local (...) Tal pessoal deverá receber treinamento ajustado as ações a serem executadas; necessidade de supervisão de pessoal técnico de acordo com mecanismos pré estabelecidos. (Anais da V CNS, 1975). Com a legitimidade conquistada a partir de experiências exitosas e o apoio institucional reforçado na V Conferência Nacional de Saúde, articulam-se no interior do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), responsáveis pela proposta em desenvolvimento do Programa Nacional de Alimentação e Nutrição (PRONAN), que ganhou notoriedade a partir do êxito alcançado, e junto a SEPLAN, órgão responsável em última instância pela liberação das verbas para os programas sociais do governo, uma proposta de trabalho que abriria caminho para elaboração e aprovação do PIASS (Rosas, 1981). A partir do consenso do Ministério da Saúde e do IPEA, sobre a idéia geral da proposta, forma-se um grupo de trabalho entre os técnicos das duas instituições. Os técnicos indicados do Ministério da Saúde eram da Fundação Serviço Especial de Saúde Pública (FSESP), que no decorrer das discussões 59 apresentavam divergências com os técnicos do IPEA, na medida em que eram postas na mesa as experiências anteriores: a da FSESP, as propostas de municipalização dos serviços de saúde da II CNS, os “mini-postos” da EMATER no nordeste, os quais o IPEA conheceu “in loco” e os Programas de Caruaru (PE) e Montes Claros (MG). (ROSAS, 1981). Em meio às divergências de opiniões, de um lado os técnicos do MS valorizando a experiência da FSESP, do outro, os técnicos do IPEA, defendendo a idéia central da “municipalização dos serviços de saúde”, deuse continuidade às discussões, contudo, com um grupo reduzido aos técnicos do IPEA. Para estes o que se queria não era uma ampliação do modelo “sespiano” sem a reprodução de um modelo vertical e centralizador para estados e municípios. (ROSAS, 1981) Foram definidas áreas de atuação do PIASS, com base nas necessidades regionais e populacionais onde não houvesse conflitos de interesses privados da assistência médica e previdência social. A região nordeste foi escolhida como área prioritária (polígono das secas) por vários motivos incluindo, menor renda per capta, alta mortalidade geral e falta de abastecimento de água (ROSAS,1981). Cabe ressaltar também outro embate durante a elaboração do PIASS, que diz respeito às relações com agências internacionais, no caso o Banco Mundial. Os técnicos do IPEA relataram que à época houve pressões no sentido de incluir o controle da natalidade, com a proposta de financiamento de parte dos gastos na implantação do Programa pelo BIRD, fato que foi recusado pelo grupo do IPEA. Esta foi adiada para a década de oitenta. 60 Quanto a elaboração da proposta do PIASS, Rosas, (1981) identifica duas divergências principais: Quanto ao modelo a ser adotado “ sespiano” versos municipalização, regionalização e divergências políticas quanto ao financiamento entre o Ministério da Saúde e IPEA com a Previdência Social/INAMPS. Em 18 de agosto de 1976 é lançado o PIASS pelo Grupo Executivo Interministerial (Ministério da Saúde, do Interior, da Previdência e Assistência Social e Secretaria de Planejamento) com seu objetivo definido no 1º artigo: Fica aprovado o Programa de Interiorização das ações de saúde e saneamento no nordeste, para o período 1976/1979, com a finalidade de implantar estrutura básica de saúde pública nas comunidades de até 20.000 habitantes e de contribuir para a melhoria do nível de saúde da população da região. A duração prevista para o Programa inicialmente era de quatro anos, e teve como meta, implantar sua infra-estrutura até 31 de dezembro de 1979. A partir de 1980, as unidades implantadas passariam à responsabilidade dos sistemas estaduais de saúde, posteriormente o Programa foi expandido para todo território nacional. (ROSAS, 1981). No início da década de oitenta, procurou-se consolidar o processo de expansão da cobertura assistencial, em atendimento às proposições formuladas pelos organismos internacionais, mais precisamente pela OMS. Sob o título de “Extensão das Ações de Saúde dos Serviços Básicos” é realizada em 1980 a VII Conferência Nacional de Saúde no Brasil. Em discurso oficial o então, Ministro de Estado da Saúde, Waldyr Mendes Arcoverde declarou que “Diante do panorama inquietante, o conceito de Atenção Primária 61 da Saúde é a resposta mais promissora até hoje apresentada...” (Anais da VII CNS,1980; SIMÕES,1986). Ressalta-se com isso a Conferência Internacional de Alma-Ata, realizada em 1978 pela UNICEF e OMS, como exemplo internacional que representou um marco nos debates e nos rumos das políticas de saúde no mundo, reafirmando a saúde como direito humano fundamental. (UNICEF/OMS, 1979) O principal tema da CNS foi o de proporcionar um debate amplo acerca dos temas relacionados à implantação e ao desenvolvimento do Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (PREV-SAÚDE), sob a égide dos Ministérios da Saúde e da Previdência Social. Ficou explícito nos sub-temas da Conferência as diretrizes que seriam debatidas para o aperfeiçoamento da proposta e o rumo que estava sendo dado para a política de saúde brasileira, sob forte influência de experiências nacionais e internacionais: 1- Regionalização e Organização dos serviços de saúde nas Unidades Federadas; 2- Saneamento e habitação nos serviços básicos de saúde – O PLANASA e o saneamento simplificado; 3- Desenvolvimento de Recursos Humanos para os Serviços Básicos; 4- Supervisão e educação continuada para os serviços básicos; 5- Responsabilidade e articulação Interinstitucional (níveis Federal, estadual e municipal). Desenvolvimento Institucional e da infra-estrutura de apoio aos estados; 6- Alimentação e nutrição nos Serviços Básicos de Saúde (SBS); 62 7- Odontologia e os Serviços Básicos de Saúde; 8- Saúde mental e doenças crônicas e os SBS; 9- Informação e vigilância epidemiológica nos SBS; 10- Participação comunitária e os Serviços Básicos de Saúde; 11- Articulação dos Serviços Básicos com os serviços especializados no sistema de saúde; Com isso, o Ministério da Saúde definiu no documento Proposições de diretrizes que sua ação estará voltada, fundamentalmente, para implantação e desenvolvimento de Serviços Básicos de Saúde, com cobertura universal, e sob a responsabilidade direta do setor público, sem prejuízo de um setor independente. (ANAIS da VII CNS, 1980) A proposta do Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde (PREV-SAÚDE) foi estruturada e debatida na conferência, tendo como principal objetivo a extensão dos serviços de saúde a toda a população brasileira, o mais rapidamente possível, implicando em uma implantação acelerada de uma rede básica de unidades de saúde de cobertura universal com prioridade para as populações rurais, de pequenos centros e de periferia das grandes cidades.(ANAIS da VII CNS,1980). A proposta também previa um “(...) núcleo mínimo de ações e da máxima simplificação recomendável de tecnologias e de recursos utilizados”. Para tanto, serviram de modelo de infra-estrutura o PIASS e algumas unidades de saúde do Nordeste, para as Zonas rurais, servindo de modelos ajustáveis as condições distintas do restante do País. Aplicando-se também nos médios e grandes centros, um atendimento diferenciado, adequado ao perfil e características sócios demográfica e epidemiologicamente definidos. A responsabilidade do PREV-SAÚDE seria unicamente do setor público, com uma integração entre os Ministérios da Saúde e da Previdência Social, em um 63 esforço coordenado. A descentralização decisória e operacional e a provisão de apoio necessário aos níveis estadual e municipal também seria fator essencial, sem com isso, haja um prejuízo das funções normativas, de condução política e planejamento da União. Os estados eram induzidos a assumirem responsabilidades pouco desenvolvidas em seu contexto operacional, político e institucional. Esperavase com o apoio da União, que os estados desenvolvessem seu papel nos campos da regionalização e descentralização, capacitando operacional e gerencialmente os municípios no desempenho de suas funções. Na realidade a proposta do PREV-SAÚDE não se efetivou, sendo logo seguido pelo Plano do Conselho Nacional de Administração da Saúde Previdenciária (CONASP), em 1982, a partir do qual foi implementada a política de Ações Integradas de Saúde (AIS), em 1983. Nesta Conferência, cabe ressaltar também as discussões e proposições referentes ao sub-tema “Educação e saúde: por uma participação solidária na promoção social”. Sua ligação com os Serviços Básicos de Saúde é apresentada pela Conferência por dois elos tidos como fundamentais, a quantidade de profissionais suficientes e a qualificação adequada: a formação de recursos humanos necessários ao processo de expansão dos serviços e a conseqüente extensão do cuidado em saúde à população mais carente, proporcionará um impacto positivo sobre os programas educacionais, culturais e desportivos? De acordo com as deliberações da Conferência, ao nível educacional, o PREV-SAÚDE tinha seu correspondente no setor educacional, para a promoção da extensão dos Serviços Básicos de Saúde, através do PRO- 64 SAÚDE. Este programa tratava do desenvolvimento de duas linhas programáticas básicas - educação no meio rural e educação nas periferias urbanas. Segundo suas linhas programáticas estas estratégias visavam à universalização do acesso ao processo educativo-cultural e desportivo das populações mais carentes. Buscar se ia a integração com outros programas como o PRONAN. A formação de recursos humanos para os Serviços Básicos de Saúde constituiu-se outro ponto de convergência entre os programas educacionais e de saúde, na medida em que formam profissionais e leigos nas diversas modalidades de agentes de saúde em nível de 2º grau. Outro aspecto importante é a integração da política em curso com as universidades. Cabe aqui ressaltar, que as proposições dizem respeito ao processo de formação de RH e a importante participação das Universidades neste processo formativo, visto que a Universidade é uma importante parceira no estabelecimento da articulação dos diferentes níveis (primário, secundário e terciário), com o conseqüente estabelecimento de “redes” de cuidados integrados e regionalizados. 3.3 Ações Integrais de Saúde A partir de 1981, com a crise instalada no país, manifestada principalmente pelo déficit na Previdência Social e recursos financeiros mal administrados, levou o governo Figueiredo a criar o Conselho Consultivo da Administração de Saúde Pública (CONASP). Este foi criado através do decreto 65 86.329 de 2 de setembro de 1981 e teve como objetivo definir, em caráter emergencial e sob uma ótica racionalizadora dos gastos da Previdência Social, o fortalecimento e a unificação do setor público. O CONASP elaborou um plano de reorientação da assistência a saúde no âmbito da previdência social, que englobava os programas de extensão de cobertura, a nível primário, em uma perspectiva de descentralização e unificação das ações. O documento intitulado “Plano de Reorientação da Assistência à Saúde”, foi promulgado pela portaria 3062, de 23 de agosto de 1982, e tinha como pontos principais: a priorização das ações primárias de saúde, a integração das instituições de saúde mantidas pelos governos federal, estadual e municipal, inclusão da população rural, utilização plena da capacidade de produção de serviços. Em 1983, os Ministérios da Previdência e Assistência Social (MPAS), o Ministério da Saúde (MS) e o Ministério da Educação e Cultura (MEC) desenvolveram uma estratégia de integração programática com vistas ao desenvolvimento dos sistemas estaduais. Foi criado o Programa de Ações Integradas de Saúde (PAIS), como uma proposta não hegemônica, no conjunto de medidas racionalizadoras até então desenvolvidas, para repasse de recursos à rede pública. A proposta apontava para princípios descentralizadores, ao transferir a gestão destes recursos para o nível estadual e municipal, democratizantes, ao propor a universalização do atendimento e a participação social. Com base nas propostas do Plano CONASP, o Programa de Ações Integradas de Saúde (PAIS) foi desenvolvido e em 66 1983 e o estado do Rio de Janeiro foi o primeiro a assinar o convênio com a União. (ESCOREL, 1990) Posteriormente, em 1985, uma portaria interministerial determina que as Ações Integradas de Saúde (AIS) “passem a ser a estratégia governamental para reorientação do Sistema de Saúde”. O objetivo do convênio foi o de reorganizar o sistema estadual de saúde, a partir da integração. Segundo o relatório técnico de desenvolvimento das AIS, esta proposta representou na prática uma mudança radical nas atividades da Previdência Social, modificando sua atuação de mero agente financiador e comprador de serviços de saúde, para um indutor organizacional do processo de integração, racionalização, regionalização e hierarquização do Sistema. Este relatório, além de reconhecer que o CONASP coloca em prática princípios das propostas de reorientação à saúde previdenciária legitimados na CNS, “inaugura uma fase de reconhecimento formal de uma proposta veiculada pela OPS e defendida pelo movimento sanitário.” (ESCOREL, 1990). As Ações Integradas de Saúde (AIS) deram grande impulso político aos níveis sub-nacionais de governo, reforçaram o processo de descentralização do sistema e foram responsáveis por expandir a infra-estrutura da rede física de cuidados básicos de saúde, “(...) essencial ao posterior desenvolvimento da universalização.” (LEVCOVITZ, 1997) Ao se avaliar o desempenho das AIS, identifica-se que essa estratégia foi responsável pelo fortalecimento dos órgãos públicos, devido ao aporte de recursos do INAMPS para as unidades estaduais e municipais, pela introdução do conceito de rede integrada e hierarquizada de serviços no conjunto de preocupações das SES e SMS e grande indutor da entrada, no cenário político, 67 de atores com representatividade social e extra setorial como prefeitos e governadores. Alguns entraves também foram percebidos como incapazes de serem resolvidos pela estratégia das AIS, como o paralelismo das ações, a superposição de funções de comando e a centralização do poder decisório no âmbito federal, tornando as AIS limitada enquanto estratégia descentralizadora. No meio da década de 1980, o movimento municipalista ganha um reforço nas suas deliberações e proposições com a divulgação da “Carta de Montes Claros”, também conhecida como Muda Saúde. Este documento foi divulgado em fevereiro de 1985, como marco referencial de um novo movimento municipalista, no IV Encontro Municipal do Setor Saúde e III Encontro Nacional de Secretários Municipais de Saúde em Montes Claros. A Carta apresentava como pressuposto básico de todas as propostas referidas a “participação popular em todos os canais decisórios e em todos os níveis, visando a formulação, a execução e o controle das medidas governamentais”. Quanto à questão da municipalização, que nos remete ao desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde, enquanto parte da política de saúde vigente, recomenda-se, além de outras: a prioridade para rede própria municipal de unidades de APS. O hospital e o pronto socorro municipais, quando existirem, devem ter a participação majoritária da união e estado no seu custeio. O que se entendeu por APS, neste encontro, foi o elenco de atividades exercidas por profissionais não especializados, apontadas em técnicas de manejo simples, sólido embasamento técnico científico e custos compatíveis com grande cobertura populacional, com finalidade de: a) promover e proteger a saúde através de educação para saúde, vacinação saneamento e prestar primeiro atendimento; b) prestar atendimento de 68 segmento para os casos mais simples; c) encaminhar os casos mais complexos para ambulatório especializado ou hospital; d) facilitar aos auxiliares de saúde e à população o acesso, os conhecimentos e a prática de APS; Em relação aos demais órgãos de saúde a “Carta de Montes Claros” descreve que deve ser observada, principalmente a integração e racionalização dentro das metas de hierarquização e regionalização onde a rede de APS passe a ser a porta privilegiada de entrada, dentre outros requisitos essenciais ao processo de municipalização. Estes e outros princípios e diretrizes seriam apresentados ao presidente Tancredo Neves, através da Carta, como pontos imprescindíveis para as mudanças necessárias ao setor saúde. (Montes Claros, 1985) A universalização também foi debatida e deliberada neste e em outros fóruns de discussão, como condição sine qua non do novo sistema. Em termos práticos, no período, foram suprimidas algumas Portarias Ministeriais que restringiam o acesso aos serviços, em especial os de maior complexidade e custo. As unidades públicas universitárias e filantrópicas foram as primeiras a serem contempladas. (RADIS, 1988; LEVCOVITZ, 1997) Com isso, o “Movimento de Reforma Sanitária” ganha força, apoio e expressão nacional, mas ainda com algumas tensões entre os atores técnicospolíticos dos órgãos governamentais federais. A estratégia desenvolvida foi a de expandir as discussões para toda a sociedade, aprofundando as discussões político-ideológicas das propostas reformistas, através da organização da 8º Conferência Nacional de Saúde – CNS, efetivada pelo decreto 91.466 de 23 de julho de 1985. A realização da 8º CNS buscava, finalmente, consolida o longo processo político-ideológico de afirmação do corpo doutrinário de 69 proposições para reforma do sistema e legitimá-lo frente à Assembléia Nacional Constituinte – ANC (LEVCOVITZ, 1997, p.84) A 8º CNS inscreveu-se como um marco da década de oitenta, tendo seu relatório final sido utilizado como base do texto constitucional em 1988, seguido da aprovação da Lei Orgânica da Saúde – LOS (Lei nº 8080 e 8142 de 1990). Segundo Arouca, (1988) (...) ao entendermos a Reforma Sanitária como um processo de transformação que busca elevar através de vários elementos o nível de vida da população, podemos considerar que o ciclo iniciado pela 8º CNS e encerrado com a aprovação do texto constitucional representou a base fundamental para o desenvolvimento deste processo no Brasil. (RADIS, 1998, p. 16) De acordo com o relatório final da 8º CNS os principais temas debatidos foram as proposições de todo o “Movimento de Reforma Sanitária”, intensamente articulado durante a década, como: 1) Conceito de saúde relacionado com seus determinantes e condicionantes sociais; 2) Saúde como direito inerente à cidadania; 3) Saúde como direito de todos e dever do Estado; 4) Natureza pública das ações e serviços de saúde; 5) Reformulação do Sistema Nacional de Saúde; 6) Sistema Unificado de Saúde como instrumento de garantia da universalização e equidade; 7) Unificação institucional dos serviços de saúde; 8) Hierarquia dos atos e serviços de cuidados médicos, em rede regionalizada de serviços; 9) Financiamento do setor saúde; 10) Participação social e popular em saúde; 70 11) Descentralização e democratização do sistema de saúde. Esta Conferência também foi caracterizada pela intensa participação dos usuários e de segmentos representativos das mais diversas organizações da sociedade. Seu significado expressou a “plena maturidade político-ideológica do projeto de reforma setorial”, habilitando as agências públicas responsáveis pela condução da política nacional de saúde a empreender os esforços necessários na esfera político-institucional. (LEVCOVITZ, 1997). Considerando-se tais elementos, é possível concluir que a Reforma Sanitária, tal como concebida pela 8º CNS, possibilitaria intervenções específicas no âmbito do sistema de serviços de saúde (setoriais), além de exigirem medidas mais amplas de ordem política, econômica e sócio-cultural (extra-setoriais. (PAIM, 1987, p. 237) Por isso, o entendimento da Reforma Sanitária ultrapassa sua identificação enquanto proposta setorial, e sim como um processo social e político, no qual os diferentes grupos da sociedade se manifestam através de apoio, omissão ou rejeição. Esta identificação torna possível compreender o status quo de seus embates, os avanços, estagnações e retrocessos em distintas conjunturas. (PAIM, 1987) No final da 8º CNS foi criada a Comissão Nacional de Reforma Sanitária (CNRS), composta por representantes de diferentes segmentos e com o intuito de detalhar os principais problemas apontados para o sistema de saúde brasileiro com a conseqüente busca de estratégias para enfrentá-los. A CNRS buscou viabilidade para as intervenções propostas pela Reforma Sanitária através de três estratégias. A primeira, legislativoparlamentar, para a criação de uma base jurídica para a Reforma Sanitária, o 71 segundo sócio-político, através da mobilização da opinião pública e setores organizados da sociedade civil para a democratização da saúde, a terceira, institucional com a implantação dos Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde (SUDS). Desta forma estavam postas as bases para a organização da Assembléia Nacional Constituinte, com uma ampla disseminação das propostas da “frente sanitária”, também eram constantes as discussões nas plataformas dos candidatos e nos debates eleitorais aos governos dos estados e municípios. Em meio aos debates é instituído o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS), pelo Decreto 94.657, de 20 de julho de 1987. Seu objetivo original foi o de “contribuir para a consolidação e o desenvolvimento qualitativo das AIS”. Adotou como diretrizes: a universalização e a equidade no acesso, integralidade dos cuidados, regionalização e integração dos serviços e a descentralização do comando. O SUDS foi o responsável pelo processo de estadualização de muitas unidades. Para o estabelecimento da Atenção Primária o período que se inicia com o SUDS foi conturbado, visto que, dentro do Ministério da Saúde evidenciavamse diversas disputas de poder entre grupos conservadores representados pela burocracia da SUCAN, Fundação SESP e dos programas verticais de controle de agravos específicos e os grupos reformistas situados nos principais cargos de direção da Secretaria Geral, SNPES, da SNVS e da FSESP. As ações básicas se operavam de forma desarticulada e descoordenadas. De outro lado estava o MPAS/INAMPS, que caminhava em direção a redefinição das 72 atribuições dos níveis de governo, com ênfase na estadualização e municipalização (LEVCOVITZ, 1997). O vazio com relação à uma política de Atenção Primária à Saúde e ocorreu desde o processo de discussão da 8º CNS, contudo, o movimento de reforma intencionava a estruturação de uma APS de forma mais ampla, com vistas a mudança do modelo assistencial. Segundo Levcovitz havia um esforço em não restringir o processo de implementação do SUDS somente à esfera administrativa, de transferência de atribuições e ações, mas sim uma integração a partir de mecanismos participativos previstos, tais como a Programação e Orçamentação Integrada – POI, instrumento de planejamento que procurava integrar os orçamentos e ações dos órgãos federais, estaduais e municipais e instâncias colegiadas interinstitucionais. José Saraiva Felipe também apontou o que ele chamou de “focos de resistência ao SUDS” como a resistência política com diversas críticas ao esvaziamento das superintendências regionais do INAMPS, o aumento do poder federativo que também gerou crises pela divisão do poder e pela distribuição de verbas. A diluição do poder central contrariou os prestadores privados que mantinham privilégios junto a política central, somados a isto, os interesses corporativos que são descritos como um dos mais influentes e os que mais atrapalharam a evolução do SUDS. (RADIS, 1988) Havia ainda uma capacidade limitada institucional de promover mudanças que impactassem expressivamente na qualidade de vida da população, mesmo com toda reestruturação setorial. Era necessário estruturar uma reforma com indicação a mudanças que deveriam induzir a transformação 73 do próprio modelo assistencial do sistema, esta era a principal preocupação de todo o “movimento de reforma”. (...) o objetivo fundamental da Reforma Sanitária é a prestação de serviços de saúde que influenciem, positivamente, os níveis sanitários de nossa população. (...) buscar-se-ia uma reforma assistencial que modifique a natureza e a qualidade dos serviços de saúde, tornandoos mais eficazes, eficientes e igualitários. O que remete, necessariamente, à questão essencial da reformulação e implantação de modelos assistenciais. (LEVCOVITZ, 1997 p. 95). 3.4 - A reforma e a Constituição de 1988 A constituição de 1988 inaugurou a primeira fase de reformas no sistema de saúde brasileiro, sendo descrita por alguns autores como reforma do tipo “big-bang” por converter o sistema de saúde em um sistema público, financiado com recursos federal, estaduais e municipais, com base em impostos diretos, indiretos e contribuições sociais. (VIANA, 1998). Todo o processo de reforma dos Sistemas Nacionais de Saúde, ocorrido neste período, além de serem impulsionadas, no Brasil, pelo movimento de “Reforma Sanitária”, foi motivado, em sua grande maioria no mundo, pelo crescente custo destes sistemas, acrescida da crise econômica vivenciada pelos Estados nacionais e em meio ao debate mundial dos limites da intervenção estatal. Mendes (1998, s/d) descreve o processo de reforma da seguinte forma: orientado a introduzir mudanças substantivas em diferentes instâncias do setor saúde, em suas relações e funções, com o propósito de aumentar a equidade de suas prestações, a eficiência de sua gestão e a eficácia de seus serviços, para satisfazer às necessidades de saúde da população: Para Viana, (1998) apud France (1997) é necessária a distinção dos tipos de reformas dos sistemas de saúde, na medida em que aparecem 74 distintamente. No Brasil, identificamos os dois tipos de reformas propostos por France, a do tipo big-bang e a incremental. A autora identifica estes processos de reforma no sistema de saúde brasileiro, considerando a promulgação da constituição de 1988, com a conseqüente criação do SUS em 1990, como sendo do tipo big bang, na medida em que definiu os princípios de universalismo para as ações de saúde, descentralização municipalizante e o novo formato organizativo para os serviços, sob a lógica da integralidade, da regionalização, da hierarquização e assumir a responsabilidade das ações preventivas e curativas pelos gestores públicos. Durante o processo de implementação do SUS na década de 1990, com a criação da Lei Orgânica da Saúde, e de várias normas e portarias emitidas pelo Ministério da saúde, como instrumentos de regulamentação do sistema, podemos identificar alguns processos indutores do modelo assistencial proposto. Utilizaremos a definição de Modelos Assistenciais descrita por Paim para analisar o papel que a APS assume na década de noventa. O status estratégico que assume a APS na década de noventa se diferencia da condição assumida na década de oitenta por não mais ser entendida como um programa de extensão de cobertura assistencial a populações rurais e da periferia urbana. Segundo Paim, Modelos Assistenciais são combinações tecnológicas utilizadas pela organização dos serviços de saúde em determinados espaçospopulações, incluindo ações sobre o ambiente, grupos populacionais, equipamentos comunitários e usuários de diferentes unidades prestadoras de serviços de saúde com distinta complexidade (postos, centros de saúde hospitais). 75 A década de noventa é marcada pela estruturação do sistema com base nos seus princípios e diretrizes legalmente constituídos, rompendo com os modelos assistências sanitarista campanhista e médico-privatista, historicamente constituídos no sistema de saúde brasileiro de modo a defender a política de saúde de seletivização e de mercadorização crescente das políticas sociais no Estado moderno. Desta forma, a década de 1990, aprofunda um importante embate dentro da política de APS, agora legitimado de um lado pela constituição de 1988 e a LOS de 1990, o caráter universal, equânime, integral do sistema de saúde brasileiro como direito de todos os cidadãos, de outro a restrição financeira e a intensificação da seletividade das políticas sociais. Devido às características e conjuntura mundial, as políticas de proteção social e conseqüentemente as políticas de saúde assumem características que resguardam todo o processo de reforma encaminhado, nacionalmente e internacionalmente. Com isso, alguns embates são identificados no processo de implantação do SUS que dificultam sua operacionalização, destacando-se os ligados a sustentabilidade do sistema proposto. Tornando-se cada vez mais imperativo o estabelecimento de processos indutores do novo sistema. As características desta indução vão dar a tônica da correlação de forças e vão expressar a organização da APS que se quer implantar. A definição clara das funções para os três entes governamentais (federal, estadual e municipal) é uma das principais características que permite ao Estado o encaminhamento da política a nível nacional, mesmo que para os entes federados estas funções não estejam bem claras, sendo necessários 76 instrumentos normativos, regulatórios e financiadores específicos, que também tem a função de induzir a configuração do Sistema de Saúde. O financiamento público e as formas de articulação público/privado são alguns dos problemas que colocam em jogo a operacionalização do sistema de saúde proposto, por se tratar de questões que remetem ao processo de ajuste fiscal encaminhado pelas agências Internacionais, que na década de 90 aumentam suas influências com a “oferta de idéias” de políticas públicas a serem adotadas pelos países em desenvolvimento. (SOARES, 1997; MERHY, 1995; VIANA, 1998; MATTOS, 2000) Para Viana (1998) a proposta de ajuste fiscal adotada no Brasil, pelo governo Collor (1990–1992), repercutiu negativamente no financiamento destinado à saúde, tendo em vista o decréscimo de recursos para saúde evidenciada no início da década de 1990. Do ponto de vista demográfico e epidemiológico, na América Latina, como no Brasil, há uma ocorrência de fenômenos que se entrecruzam, ocorrendo uma combinação paradoxal de declínio da mortalidade com aumento da morbidade por doenças crônicas em uma população em processo de diminuição da fecundidade, aumento da expectativa de vida e alta prevalência de mortalidade por doenças infecciosas. (PATARRA, 1995 apud VIANA,1998). Com isso, há uma alteração significativa na demanda e oferta por serviços de saúde, incidindo de forma bastante aguda no novo sistema, sendo denominado pelos autores de “crise da saúde”. Para Mendes, (1998; p 18) a crise dos serviços de saúde na década de noventa manifesta-se em quatro dimensões principais: a ineficiência, a ineficácia, a iniqüidade e a insatisfação dos usuários. 77 O cunho e características das reformas demandaram esforços dos diferentes atores na arena política para a configuração do novo sistema e a garantia de recursos financeiros sustentáveis. Nesse sentido, um importante tema é colocado na “mesa” para o debate, com mais intensidade que em outros momentos, o custo deste sistema e os resultados por ele alcançados. 78 4 - A ATUAÇÃO DO BANCO MUNDIAL NO COMBATE À POBREZA E A AMPLIAÇÃO DOS EMPRÉSTIMOS AOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO Nos anos oitenta, período agudo da crise da dívida externa, que incidia de forma mais intensa nos países periféricos, o foco do Banco Mundial estava dirigido principalmente para os programas de ajuste estrutural e setorial. Considerava-se, diante de um processo recessivo mundial e dos baixos orçamentos dos países pobres, a melhor forma de melhorar as condições de saúde seria através da priorização de grupos de alto risco com intervenções de custo reduzido. Nesta linha, o UNICEF, parceiro do B.M nas estratégias de divulgação de ações focais nos países periféricos, direcionava seus esforços na priorização do conjunto de ações básicas chamadas de Revolução da Sobrevivência Infantil conhecidas também como GOBI. (REA, 2003; RIZZOTO, 2000; ALEIXO, 1995). O objetivo declarado de melhorar unicamente os indicadores de morbimortalidade infantil, através de soluções tecnológicas de baixo custo, é útil, mas tem efeito apenas paliativo no combate aos problemas de saúde, cujas causas determinantes são sociais e políticas. Desta forma, ignoravam-se convenientemente as injustiças sociais e econômicas, que eram a raiz do problema (WERNER, 1995). No Brasil, começa-se a desenvolver estudos que legitimam as propostas de organização de programas nacionais nessa linha de trabalho. O Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição (INAN) desempenha um papel importante no estabelecimento de parcerias com UNICEF e OPAS para lançamento do 79 Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno (REA, 1990 apud REA, 2003). De acordo com uma avaliação feita cinco anos depois da implementação do programa, este foi responsável por um aumento na duração média do aleitamento exclusivo na Grande São Paulo de 2,9 meses para 4,2 meses e na Grande Recife, de 2,2 para 4,2 meses, incidindo diretamente na melhora da morbimortalidade infantil da região. (REA, 2003) Em dezembro de 1983, o Ministério da Saúde publica uma portaria onde as ações de incentivo ao aleitamento deveriam fazer parte das Ações Integradas de Saúde (REA, 2003). Isto demonstra o interesse em que as políticas de saúde desenvolvam-se de forma integrada, um esforço presente no processo de Reforma Sanitária brasileira. Em contra partida, aumentam as pressões por parte das agências internacionais para que os países periféricos dêem conta das precárias condições de vida da maioria da população e se alinhem à nova ordem econômica. Ainda na década de setenta, sob a condução de Robert S. McNamara o Banco Mundial, principal agente financiador dos países periféricos, assume destaque no financiamento de projetos na área social. O tratamento de problemas sociais, como educação, a pobreza e a desnutrição, relacionando-os ao processo de desenvolvimento econômico, temática medular do Banco, teve ascensão na “era McNamara”.” (RIZZOTO,2000 p. 82) É neste período também que o setor saúde começa a aparecer como área de interesse para o B.M, vinculando-se ao combate à pobreza e à satisfação das necessidades humanas básicas. Inicialmente ligadas ao controle demográfico, logo depois na década de oitenta iria entrar como setor específico 80 para o financiamento, devido à clareza de que se poderia interferir de forma mais sistemática e direta no setor, com a crise do Estado de Bem Estar Social (RIZZOTO, 2000). A temática do “combate à pobreza” foi incorporada ao marco teórico e ideológico do Banco Mundial, ficando, esta, subordinada a promoção do crescimento econômico. De um lado, pelas diferenças de acesso aos bens de produção entre pobres e ricos, e de outro, em função da estratégia adotada, na qual o “combate à pobreza” exigiria grandes investimentos em infra-estrutura produtiva e social, em educação, saúde, moradia, controle demográfico, nutrição, criação de empregos. Estes recursos só poderiam ser providos com aumentos da produtividade e, por conseguinte, sem crescimento era impossível alcançar os níveis mínimos de bem-estar ( RIZZOTO, 2000). Ainda sob impacto da crise do petróleo (1973-1979) e com mudanças no ambiente político norte americano, que tentava recuperar sua hegemonia abalada pela crise, o Banco Mundial, imprime mais dinamismo sob sua “esfera de influência”. A partir de 1980, o B.M criou uma série de modalidades de empréstimos os chamados “empréstimos para ajustamento estrutural e setorial” de rápido desembolso, não vinculados a projetos, mas com amplas e severas condicionalidades, com o objetivo de modificar, nos países em desenvolvimento algumas características de sua estrutura econômica, julgadas “indesejáveis e inconvenientes” pela diretoria do Banco (ARAÚJO, 1991, p. 37 apud RIZZOTO, 2000; MATTOS, 2000). Aliadas à política de combate à pobreza nos países periféricos, estava preparado o terreno para a ampliação do endividamento massivo dos países da América Latina. 81 No Brasil, o governo brasileiro, com a política de captação de recursos externos do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), também conhecido como Banco Mundial, identifica-se um caminho promissor para implantação dos projetos por parte dos agentes do governo. (SOARES, 2000) De acordo com o economista do IPEA Ricardo Pereira Soares, que analisou as transferências líquidas de recursos do Banco Mundial para o Brasil de 1980 a 1997(anexos), o custo efetivo da dívida foi elevado devido a atrasos na execução de projetos e desvalorização do dólar. Os empréstimos na primeira metade da década de oitenta concentravam-se nas áreas de infraestrutura, por meio de empresas públicas, que posteriormente foram privatizadas, indo ao encontro das proposições das Agências internacionais (ferrovias, rodovias e projetos de produção e distribuição de energia). De acordo com este mesmo estudo, a partir de 1988, os empréstimos do BIRD passaram a contemplar de maneira prioritária projetos ambientais, educacionais e um especial crescimento de projetos financiados na área de saúde. (FONSECA, 1991; MENDIZABAL, 1994 apud SOARES, 2000). De acordo com Soares, (2000) uma análise mais detalhada dos empréstimos do BIRD ao Brasil, a partir de 1980, demonstra que no período de 1980 a 1997, o país realizou pagamentos no valor de US$ 17,1 bilhões e recebeu US$ 14,3 bilhões, sendo que, nos primeiros seis anos o desembolso do BIRD ao Brasil foi de US$ 4,7 bilhões, o país realizou o pagamento de US$ 1,6 bilhão. A partir de 1987, a transferência líquida anual passou a ser negativa, pois os pagamentos anuais realizados pelo país superavam os 82 desembolsos do BIRD, nessa década (1987 a 1997). Estes somaram US$ 9,6 bilhões, enquanto os pagamentos atingiram US$ 15,5 bilhões (Soares, 2000). Quando se analisa o custo efetivo dos empréstimos para a área da saúde, este apresenta um custo efetivo muito pequeno, contudo, o que podemos acrescentar a esta discussão são os acordos e as condicionalidades impostos para a tomada de empréstimos, configurando-se como potentes instrumentos de indução via-financiamento. A influência do Banco Mundial na macroeconomia brasileira pôde ser percebida em vários setores. Antevendo este importante papel do Banco, McNamara realizara, na década de setenta, o patrocínio de estudos acerca das condições econômicas e sociais dos países da América Latina denominados “estudos setoriais”. Também dispunha de um aparato técnico-operacional importante, por meio de consultores devidamente treinados e instruídos à persuasão dos países em desenvolvimento para adquirirem novos empréstimos com ótimas condições de pagamento. (RIZZOTO, 2000; MATTOS, 2000). Ainda com relação à interlocução do Banco Mundial com as políticas sociais na área da saúde, o Banco começa a emitir pareceres, recomendações com mais “propriedade” após a elaboração de documentos específicos na área. Um estudo denominado “Salud: documento de política sectorial”, para Rizzoto, “revelaria uma possível intenção de mudança na prática do Banco com o setor”. (RIZZOTO, 2000, pág. 116). Segundo Misoczky (2002) o ano de 1987 marca o ingresso formal do Banco nos debates acerca das políticas de saúde a serem implementadas pelos países em desenvolvimento. 83 Mattos (2000) descreve que a publicação do documento Financing Health Services in Developing Countries: an Agenda for Reform pode ser considerado como a atuação mais expressiva do Banco na área da saúde. O autor defende a tese da “oferta de idéias”, por parte desta agência, no que concerne à proposição de políticas de saúde a serem adotadas pelos países em desenvolvimento e que tomam dinheiro emprestado do Banco. Contudo, chamamos a atenção para dois pontos importantes, referentes a capacidade limitada de indução de políticas através dos “ajustes estruturais”. Segundo Mattos (2000) ao criar os ajustes estruturais, os dirigentes do Banco Mundial contornaram alguns entraves que poderiam prejudicar o cumprimento dos compromissos assumidos pelos países através da nova modalidade de empréstimo, evitando ou postergando a ameaça de não pagamento dos compromissos assumidos. Para êxito da proposta era indispensável a realização de muitos empréstimos de ajustes estruturais, reforçando uma estratégia denominada de “cultura de aprovação7”. O autor ainda reforça que: (...) se a modalidade de ajustes estruturais foi capaz de garantir o volume de operações de empréstimo do Banco, a capacidade de induzir governos a adotar certas políticas parece ter sido bem menor. (MATTOS, 2000 p.200). Este autor ainda demonstra através de estudos realizados por Moosley que a magnitude das dívidas assumidas pelos países enfraqueceu a capacidade de seus representantes de barganhar a troca de mais recursos financeiros pela adoção de políticas. Em contra partida os técnicos do Banco também ficam enfraquecidos devido a “cultura de aprovação” de empréstimos 7 Termo utilizado por Mattos (2000) para definir a estratégia de aprovação de empréstimos do Banco Mundial fundamentados na manutenção da dívida dos países tomadores. 84 adotadas no processo de negociação para a manutenção do volume de empréstimos. Outro ponto importante a ser destacado em torno do grau de influência das agências internacionais na política de saúde brasileira versa sobre o processo de Reforma Sanitária, chamado por Paulo Eduardo Elias de “movimento de luta pela transformação da sociedade brasileira”. Para o autor, parte deste “movimento” apoiou-se na vertente de modelo marxista, a partir de categorias desenvolvidas por Antônio Gramsci, como hegemonia e guerra de posições (FAORO, 1977 apud ELIAS, 1993). Pode-se analisar a Reforma Sanitária brasileira, tomando-se como referência a política institucional, em termos essencialmente “reformistas”, com vistas a responder às situações de crise do Estado na área da saúde. Assinalase também que alguns estudos acerca dos sentidos da Reforma Sanitária têm como limites a ênfase institucional e a transformação radical da sociedade através da revolução socialista. (ELIAS, 1993) Com isso, identificamos um ponto chave que nos remete a interseção entre processo interno vivido no país e as macro políticas internacionais levadas à cabo pelas Instituições financeiras e de colaboração técnica, como o Banco Mundial, Fundo das Nações Unidas e outros . Sabemos que estas instituições eram consideradas por parte dos atores envolvidos no processo de Reforma Sanitária, como agentes do capital transnacional. Em contra partida, estas instituições souberam moldar seus interesses em meio às necessidades e aspirações da sociedade brasileira na época, tornando atrativas suas propostas para a classe dominante em um período conturbado de redemocratização do Estado brasileiro. 85 Fleury descreve o período em questão da seguinte forma: A crise que nós estávamos vivendo naquele momento era profunda, não era uma crise conjuntural simples, é a expressão de uma estrutura, de modelo econômico extremamente perverso, que consegue ser a oitava economia do mundo e ao mesmo tempo uma Bangladesh na área da saúde, na social; de uma classe dominante incompetente, que nunca correu riscos, que, quando tinha uma crise política, chamava o exército para resolver, e quando tinha uma crise econômica chamava o Estado para pagar a conta, tão incompetente que não conseguiu nem formar partidos políticos para exercer a hegemonia neste país. O modelo econômico que se esgotou, que é excludente, concentrador, produtor de miséria, associou-se a esse Estado privado incompetente. (FLEURY,1995, p.16) A transcrição acima apresenta uma clara expressão da divergência de posições com o sistema hegemônico constituído. O movimento de Reforma Sanitária emergiu dentro dos núcleos acadêmicos, com os profissionais das universidades que questionavam o modelo existente e buscavam um novo parâmetro teórico para o entendimento do processo saúde/doença, através de categorias como a de determinação social deste processo e a organização social da prática médica. Tinham como proposta três vertentes de atuação: a constituição de um campo de saber, que hoje chamamos de Saúde coletiva; a criação de espaços para uma prática política alternativa, que foi desenvolvida através de um conjunto de projetos experimentais de Atenção Primária à Saúde e Medicina Comunitária; e um trabalho de difusão ideológica, de criação de uma nova consciência sanitária (FLEURY, 1995; AROUCA, 2003). Acrescentamos a isto as proposições das Conferências de Saúde, cujas deliberações eram incorporadas à política de saúde, um importante espaço democrático de discussão e difusão do “Movimento de Reforma”. Através da reconstituição dos passos do processo de estabelecimento da Atenção Primária à Saúde podemos inferir que esta vertente é uma das que 86 mais se aproxima de uma interseção entre o processo de Reforma Sanitária brasileira e a aceitação, através de negociação, de algumas políticas encaminhadas pelas agências internacionais, em especial o Banco Mundial. Desde Alma Ata, a comunidade científica mundial consensuou que os níveis de saúde dos países só melhorariam se os sistemas de saúde fossem organizados em função da APS. A divergência entre os atores envolvidos neste processo estaria na forma de estruturação e operação. Para Costa (2002), dentre as políticas encaminhadas pelo Banco na década de oitenta “a descentralização ganha destaque em virtude de sua convergência de interesses e orientações entre o tripé formado pelas instituições estrangeiras, os órgãos governamentais e o movimento sanitarista”. Médici, (1995, p.105-106) aponta algumas razões que justificam a opção dos programas de saúde pelas políticas de descentralização: 1. A redução dos gastos com saúde, que haviam crescido de maneira acentuada no Welfare State, com a progressiva ampliação dos beneficiários; 2. a tentativa dos executivos centrais em deixar de se responsabilizar, numa conjuntura de crise econômica, pelos cortes ou aumentos dos gastos com saúde, buscando maior legitimidade para as decisões de governo relativas ao ajuste fiscal dos países; 3. os anseios dos movimentos sociais e poderes locais em responder pelas necessidades específicas das políticas de saúde de cada região; 4. a busca por novos arranjos na gestão dos sistemas de saúde que reduzissem o poder e o corporativismo dos sindicatos mais organizados; 5. a possibilidade de flexibilização da “relação entre níveis de hierarquia dos serviços, consumo de tecnologia médica, gestão da saúde e prestadores 87 públicos e privados”, adequando o modelo às necessidades e condições de cada local. Sem entrar ainda no mérito da discussão do modelo de APS que estava sendo debatido, podemos também listar algumas das razões que levaram a APS ser considerada pelo “tripé” instituições estrangeiras, órgãos do governo e o movimento sanitarista, economicamente viável, politicamente correto e tecnicamente adequado. São elas: participação social, um item importante, tendo em vista o processo de redemocratização vivido pelo Estado brasileiro; identificação de determinantes do processo de saúde/doença mais amplos; acessibilidade e cobertura universais com base nas necessidades; organização do sistema de saúde; apropriação de tecnologias adequadas e efetividade de custos em relação aos recursos disponíveis; maior e melhor racionalidade no uso dos serviços. Para Starfield (2002), os sistemas de saúde baseados na Atenção Primária, com recursos adequados para sua organização, produzem cuidados de saúde mais efetivos tanto em relação aos custos quanto aos aspectos clínicos. Segundo Fausto (2005), a institucionalização das práticas de Atenção Primária à Saúde desde seus primórdios, está associada à resposta governamental para enfrentamento do custo da assistência médica, focada na aplicação de maior racionalidade no uso dos serviços de saúde de forma a torná-lo mais, produtivos, menos custosos e mais abrangentes. Estas definições aproximam todos os atores em prol do estabelecimento da APS como estratégia e não só como primeiro nível de atenção, 88 entendimento evidenciado antes da Conferência de Cuidados Primários de Saúde, realizada em Alma Ata. O processo de Reforma Sanitária tornou-se inevitável, por vários motivos, um em especial, nos remete novamente à interlocução entre os “agentes” da Reforma Sanitária brasileira, o Estado e os técnicos das instituições financeiras internacionais. Os protagonistas da reforma sanitária, utilizaram como estratégia a participação na burocracia estatal, passando a atuação dentro do aparelho do Estado um eixo importante do “projeto reformador”. “Os intelectuais da área de saúde foram chamados a assumir papéis significativos na burocracia estatal”. (FLEURY,1995) Para Lucchese, O fato do “Movimento Sanitário” (...) ter se dirigido à ocupação do aparato de Estado, como estratégia preferencial (...) pode denotar a importância que o aparelho estatal tem na definição das políticas públicas no Brasil e a menor significação da clássica participação política” (...) a burocracia, enquanto aparato estatal, assume importância devido a própria importância do Estado (capitalista dependente), no processo de democratização/desenvolvimento da sociedade. (LUCCHESE, 1989,p.174 e 179). Outras estratégias adotadas tiveram efeitos profundos sobre a base social: a politização da saúde; a alteração da norma legal e a mudança no arcabouço e nas práticas institucionais, começando pelas ações integradas de saúde (AIS). (FLEURY, 1995) Em todas estas estratégias a APS desenvolvia-se de forma a responder as necessidades da população a partir do conceito ampliado do processo saúde/doença, uma integração adequada entre a rede assistencial de forma racionalizadora, a importância da identificação dos determinantes sociais e a participação ativa da população no desenvolvimento dos serviços de saúde. 89 Traremos a Atenção Primária à Saúde, como foco das políticas sociais desenvolvidas na década de oitenta, por situá-la como parte dos diagnósticos adversos das precárias condições de vida do período. Entretanto, apesar do contexto favorável ao seu desenvolvimento, houve certa estagnação com relação a definição da política institucional de APS, ficando parte dos encaminhamentos no campo do debate e algumas ações desenvolvidas pela estratégia das AIS. Ao identificarmos os diferentes determinantes sociais, econômicos e políticos das condições de vida nos países em desenvolvimento, podemos visualizar a magnitude e abrangência que os cuidados primários de saúde têm que ser estruturados e operados, demandando um esforço integrado dos diferentes setores e a consonância necessária com o modelo de desenvolvimento adotado. A partir da segunda metade da década de oitenta, os diagnósticos acerca das condições de vida dos países em desenvolvimento pioram a cada relatório, ganham destaque as críticas ao modelo de desenvolvimento. A UNICEF exercia grande influência neste período, especialmente na área da saúde da criança, com um papel fundamental na redução da mortalidade infantil nos países pobres com a difusão de tecnologias seletivas. Ao longo da década de noventa, o ajuste estrutural demonstrou-se incapaz de melhorar a condição de vida nos países em desenvolvimento, em muitos países a sua lógica de operação que submete o desenvolvimento social ao desenvolvimento econômico, foi desastrosa, piorando ainda mais as condições de vida dos pobres. Aliados a isto alguns estudos demonstraram que as propostas de projetos seletivos nas áreas de população, saúde, nutrição e 90 educação, sem, contudo, contemplar propostas redistributivas, não foi eficaz em reduzir as desigualdades sociais. (CONDE, 1996) De acordo com relatório regional da OPS “el reflejo del aumento del desempleo, menor oferta social del gobierno y menor disponibilidad para el consumo interno, se aprecia cuando se analiza la magnitud de la pobreza em América Latina em la década de 1980”.(OPS,1993, p.28) Em 1987, a UNICEF foi a primeira a criticar os programas de ajuste num estudo intitulado “Adjustment with a Human Face”. Esta série de estudos fez uma revisão de experiências de ajustes nos países em desenvolvimento e suas implicações na área social (saúde, educação e nutrição). (CONDE, 1996; MISOCZKY, 2002) Segundo Conde, (...) a conclusão foi de que a implementação dos programas de ajuste levou, no curto prazo, a uma redução da oferta de empregos e de renda salarial das famílias mais pobres, ao aumento de preço de gêneros de primeira necessidade, incluindo os alimentícios, e a uma redução dos gastos públicos nas áreas de saúde, educação e saneamento.(CONDE,1996, p.96) Os estudos acerca do papel desta instituição reforçam ainda que a UNICEF abriu um importante precedente para a realização de outros estudos ao revelar os efeitos adversos do ajuste sobre a distribuição de renda das populações marginalizadas. Apesar de terem sido poucos os estudos que demonstraram os efeitos do ajuste no setor saúde, alguns autores demonstraram que economicamente os gastos sociais foram reduzidos em todos os países da América Latina. A pobreza e a distribuição de renda, segundo estudo de Bustelo, pioraram na década de 80, sendo que no Brasil foi verificado um aumento da pobreza de 44%, o pior índice analisado. (BUSTELO, 1995; MISOCZKY, 2002) 91 Ao considerarmos a importância do impacto dos determinantes sociais e econômicos para a APS vislumbramos sua estruturação com vistas a atender as demandas neste nível de atenção de forma universal e equânime, não da forma como vem sendo encaminhada. Sabemos que o impacto dos ajustes na década de oitenta pode ser percebido na piora das condições de vida da população, requerendo uma atenção mais integrada das políticas sociais. Por parte dos sistemas de saúde, a APS será o ponto chave de identificação e operação junto aos determinantes sociais nos diferentes países, tendo a década de noventa como um marco no desenvolvimento das políticas sociais influenciadas pela recessão fiscal e sua orientação maior para o focalismo e baixo custo das intervenções. 4.1 - Década de 1990: novas estratégias indutoras Os países da América Latina iniciaram a década de noventa imersos em uma recessão que se agravou com a dívida externa adquirida na década anterior, em decorrência dos ajustes estruturais. De acordo com um relatório de avaliação da aplicação da Estratégia Mundial de Saúde para Todos no Ano 2000, este retrocesso econômico teve fortes implicações na área social, inscrevendo a década de oitenta em um período chamado pelos pesquisadores de “década perdida”, uma forma de ilustrar a magnitude da crise na região neste período. (OPS, 1993) As principais características da crise nos anos oitenta, para os países da América Latina, foram descrito pela CEPAL, como a perda do dinamismo das economias nacionais, desequilíbrios macroeconômicos, o caráter regressivo 92 dos ajustes, deterioração social e o profundo endividamento do setor público. (OPS,1993) Este mesmo relatório descreve que, em termos de cooperação internacional o BIRD e o BM, não só assumiram a liderança, entre as agências, no que diz respeito ao financiamento, mas também realizaram importantes projetos de assistência técnica aos setores sociais. Outra demonstração, de que mesmo com o fracasso de suas medidas condicionadoras da década de oitenta, esta instituição irá influenciar fortemente as políticas sociais na década de noventa. Segundo Costa, a década de noventa foi marcada pelo debate em torno da reforma do Estado no Brasil, tendo como pano de fundo o contexto da globalização financeira da economia e o aprofundamento da crise fiscal”. (COSTA, 2002, p.58) No Brasil, o movimento de Reforma Sanitária conseguiu estabelecer na constituição de 1988, a criação do Sistema Único de Saúde de recorte universalista, configurando assim uma ruptura no padrão de intervenção estatal no campo social que perdurava desde a década de trinta. O direito à saúde para todos os cidadãos e a obrigação do Estado em provê-lo representa também uma vitória considerando o contexto de ajuste estrutural em que encontravam-se as economias latino americanas. Acrescentamos também o fato da integração da Saúde Pública à Seguridade Social, compondo seus pilares básicos juntamente com a Previdência Social e a Assistência Social e a adoção do conceito ampliado do processo saúde/doença que possibilitou a configuração de intervenções dos serviços de saúde mais próximas da realidade. A Lei 8080 e a 8142 de 1990, podem ser consideradas como marcos legal do movimento de Reforma Sanitária. Todavia, o grande embate 93 ainda estaria por vir, e envolveria a principal condição de sustentabilidade do sistema, o financiamento adequado, com a política econômica levada a cabo pela Nova República. O financiamento público federal da saúde tem sido caracterizado por acompanhar a situação econômica do país e as mudanças operadas internacionalmente, no que tange a configuração das políticas sociais. A década de noventa inaugura uma nova etapa deste processo. De acordo com a Constituição, o Orçamento Geral da União (OGU) é formado por três orçamentos distintos, a saber: O orçamento fiscal, o da seguridade social e o de investimento das estatais. Com isso foram estabelecidos novos critérios para as transferências públicas de recursos para estados e municípios. O Ministério da Saúde passou a ser financiado principalmente pelos recursos do Orçamento da Seguridade Social. A década de noventa, como já descrito, tem seus primeiros anos imersos em altos índices de inflação e instabilidade política, como conseqüência há deterioração do orçamento público, afetando diretamente as políticas públicas. Cada vez mais as medidas adotadas vêm de indicações da política econômica internacional levada pelas instituições financeiras como o Banco Mundial e FMI que impõem medidas de ajuste da economia para equilíbrio das contas públicas. O consenso de Washington é tido como a principal cartilha neoliberal levada a cabo por estas instituições financeiras internacionais na década de noventa. A partir de uma reunião em Washington entre o BID, Banco Mundial, o FMI e funcionários do governo dos EUA em 1989, o encontro teve como 94 objetivo analisar as reformas econômicas empreendidas e em curso na América Latina. Embora tivessem primeiramente o objetivo de ser um encontro acadêmico, as conclusões do encontro acabaram tornando-se o receituário imposto para a concessão de créditos adequando suas economias às novas regras. (TAVARES, 1997; NEGRÃO, 1998). Outra importante influência na década para a configuração das políticas sociais em conseguinte de saúde foram os Relatórios de Desenvolvimento Mundial do Banco Mundial. Suas principais proposições remetem aos esforços do governo em conter despesas através de medidas necessárias para assegurar o crescimento econômico, mantendo a política de ajustes. Esses documentos também defendem a necessidade de se assegurar um pacote básico de procedimento focalizado nas populações mais pobres, com a conseqüente proteção do gasto público que tenha estes objetivos. (Banco Mundial, 1990; 1993) Estes argumentos antecipam uma tese central do banco que se tornou o mote das propostas na década de noventa: “há que se proteger ativamente os pobres dos efeitos perversos das crises econômicas e das suas terapias”. (MATTOS, 2000, p.380) Também foi identificada uma característica mais “branda” acerca da posição contra o universalismo presente neste documento, com relação ao documento “Finincing health services in developing countries: an agenda for reform” de 1987. Esta discussão é trazida pela tônica do custo efetividade e racionalização dos procedimentos subsidiados pelo governo para os pobres. Mattos resume o documento da seguinte forma: (...) as posições apresentadas e defendidas no documento Investindo em Saúde pautaram o debate internacional acerca das políticas de saúde para os países em desenvolvimento, sobretudo as políticas 95 relativas à configuração dos sistemas de saúde: o redimensionamento da atuação governamental, a divisão entre financiamento e provisão de serviços, a discussão acerca da abrangência acerca do que deveria ser oferecido gratuitamente a todos, a seleção de intervenções baseadas em critérios de eficácia em termos de custo, os dispositivos de regulação da prestação de serviços médicos. (MATTOS, 2000; p.387) Todos estes documentos, deliberações e diagnósticos feitos por estas instituições levavam a um objetivo comum que deveria ser seguido pelos países em desenvolvimento, a austeridade fiscal com restrição do gasto social aos pobres, alcance de metas fiscais e a redução do tamanho do Estado. Esta política foi adotada na década de noventa, a partir do governo Collor, com as primeiras medidas de redução do Estado, passando para o período de Fernando Henrique Cardoso, que deu continuidade ao “esforço reformista”. Segundo Diniz, (2001), tinha ao objetivo de romper com o passado intervencionista do período Vargas, somavam-se outras questões: Através da prioridade atribuída às reformas constitucionais, iniciou-se um processo de desconstrução legal e institucional, que abriu o caminho para a reestruturação da ordem econômica e, sobretudo, para a refundação do Estado e da sociedade de acordo com os novos parâmetros consagrados internacionalmente. A instauração de um novo modelo econômico centrado no mercado foi acompanhado de um projeto ambicioso de dar início a uma nova era. (...) limitada por uma visão restritiva de teor administrativo, a reforma do Estado do governo Cardoso foi capturada pela meta de ajuste fiscal, revelandose incapaz de realizar a ruptura anunciada. (DINIZ, 2001, p. 13). As principais medidas deste período são apresentadas também por Merhy em um estudo referente ao impacto do processo de transnacionalização da economia em alguns países da América Latina como, a abertura da economia ao capital e as produções internacionais, a reestruturação do Estado através da privatização e a diminuição do gasto social. (IDEP,1992, 1993, apud MERHY et al, 1995). Este autor descreve que no âmbito da política de saúde deveriam ser definidas algumas idéias como fundamento do sistema trazidas pela política 96 econômica, tais como: a) a crise na saúde é decorrente de causas financeiras; b) o gerenciamento introduz uma “nova” racionalidade administrativa indispensável para sair da crise; c) é imprescindível subordinar as decisões clínicas a esta nova racionalidade para que haja diminuição dos custos; d) a eficiência aumenta se forem separados o financiamento da prestação e se generalizar a competência de todos os setores (estatal, seguridade social e privado); e) deve-se desenvolver o mercado de saúde porque é o melhor regulador da qualidade e dos custos; f) não se deve subsidiar a oferta e sim a demanda; g) a flexibilização das relações de trabalho é o melhor mecanismo para alcançar a eficiência, produtividade e qualidade; h)a administração privada é mais eficiente e menos corrupta que a pública; i) o pagamento da seguridade social é responsabilidade de cada trabalhador; j) a desregulação da seguridade social permitirá ao usuário a liberdade de escolha, para poder optar pelo melhor administrador de seus fundos; k) a passagem da condição de usuário/paciente/beneficiário a de cliente ou consumidor é a garantia que exige seus direitos sejam respeitados; l) a garantia da qualidade está dada pela satisfação do cliente. Nestas “trocas contextuais e ideológicas” entre Organismos Internacionais e países da América Latina, o Brasil, diferentemente dos demais ofereceu uma resistência maior a estas propostas neoliberais. Nos países da América Latina analisados foram identificados diferentes níveis de transnacionalização do setor, reforçando a nossa idéia de que o processo interno da “Reforma Sanitária” vivido pelo Brasil foi fundamental em todo o movimento de resistência à ordem instituída, tendo como marco legal os artigos constitucionais referentes a saúde e a Seguridade Social. (MERHY,1995) 97 Para Arretche (2002) a descentralização da gestão do sistema de saúde no Brasil é tida como uma das experiências mais bem sucedidas de descentralização no campo da gestão pública, devido as características e o tempo em que foi operada, num contexto federativo marcado pela conflitividade das relações entre as esferas de governo. Podemos considerar também que nos contextos nacional e internacional, a descentralização é um dos pontos de convergência das políticas públicas induzidas pelos interesses hegemônicos e o impulso municipalizante. No Brasil conjugou-se a luta pela descentralização com a luta pela democratização do país. A descentralização do sistema de saúde é um dos princípios responsáveis pela assunção de responsabilidades da gestão da Atenção Primária à Saúde pelos municípios, sendo que este processo se deu através de induções financeiras estimuladas pelas diferentes NOBs (91,93, 96 e a NOAS). As sucessivas normas visaram imprimir uma racionalidade ao sistema por meio da regulação do processo de descentralização, complementando as insuficiências da legislação e definindo aspectos relacionados à divisão de responsabilidades de gestão, às relações entre gestores e a critérios de transferência de recursos federais para estados e municípios. (LEVCOVITZ, 2001) O BM menciona a importância da descentralização como condição para estruturação do sistema, daí podemos inferir que seu êxito esteja atrelado às convergências de atores. Outro ponto presente na agenda da reforma é o caráter focal que as políticas sociais têm que assumir para “aliviar a pobreza” nos países em desenvolvimento, 98 (...) os países em desenvolvimento não deveriam gastar tanto em intervenções menos eficazes em termos de custo e sim duplicar ou triplicar os gastos com programas de saúde pública básica (...). Um pacote mínimo de serviços clínicos essenciais incluiria a assistência médica infantil, planejamento familiar, atendimento pré natal e à gestante e tratamento da tuberculose e de DST. (Banco Mundial, 1993). Outros pontos chaves de convergência de propostas também podem ser identificados nas propostas de reforma dos sistemas de saúde encaminhados no Brasil. Deteremo-nos nestes dois pontos: focalização e descentralização, por estes remeterem também aos aspectos da equidade e justiça social, basilares a toda política social. Neste contexto surge, no Brasil, o Programa Saúde da Família, como resultado de experiências internacionais neste nível de intervenção do sistema, experiências nacionais de integração da comunidade com os serviços de saúde básicos, priorização de atendimento à população com alto risco social e a proposta de mudança dos Modelos Assistenciais até então vigentes no SUS. . 99 5 - Atenção Primária à Saúde: dos programas de extensão de cobertura ao PSF Com os incentivos dados pelo Ministério da Saúde aos Programas de Extensão de Cobertura (PEC) nas décadas de setenta e oitenta, alguns municípios brasileiros desenvolveram experiências embasadas nas propostas de trabalho em Medicina Preventiva, Medicina comunitária e Sistemas Locais de Saúde. Estas experiências tinham como princípios norteadores a participação social, descentralização, integralidade, territorialização entre outros. O desenvolvimento de estratégias de atenção à saúde centradas na família, com uma estreita relação de parceria com a comunidade assistida, através do trabalho de Agentes Comunitários foi experimentado no Brasil a partir de projetos municipais com recursos do extinto Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento. Um destes projetos, com grande êxito e examinado a fundo pelo ministério da Saúde, foi o Projeto do Vale do Ribeira em São Paulo no início da década de oitenta. Grande parte da literatura científica descreve que o trabalho desenvolvido com Agentes Comunitários iniciou nos estados do nordeste, contudo, há uma publicação do Ministério da Saúde intitulada “Atenção Primária de Saúde: a experiência do Vale do Ribeira”. Esta experiência, sistematizada e planejada regionalmente que lançou mão do trabalho dos Agentes Comunitários como estratégia de integração com a comunidade e planejamento local regionalizado. 100 Pontuar estas referências torna-se importante na medida em que identificamos nestes projetos locais, além de propostas de atenção à populações específicas, espaços de articulação do nível local com grande reforço à tese municipalista, configurando-se como experiências estruturantes que deram um ímpeto diferenciado ao processo de organização do sistema de saúde nacionalmente. Permite-nos também ampliar campo de análise para além das propostas encaminhadas centralmente, voltando a organização do sistema segundo às necessidades de saúde da população (MENDES, 1988). A avaliação feita pelo Ministério da Saúde acerca da experiência do Vale do Ribeira descreveu todo o processo de trabalho, desde a seleção dos Agentes Comunitários até a sistematização do atendimento da população nas unidades de referência. Esta avaliação serviu de base para reflexões do Modelo de Atenção Primária à Saúde que se queria implementar. Entretanto, em meio ao processo conturbado de Reforma Sanitária e abertura política que se encontrava o Brasil a APS ainda não ganhara a força suficiente para sua difusão. Na década de oitenta, o Brasil encontrava-se em meio a altas taxas de mortalidade infantil, principalmente nos estados do Norte e Nordeste, dadas as condições de exclusão social de grande parte da população. Algumas novas tecnologias de intervenção simples foram desenvolvidas como a terapia de reidratação oral (TRO), largamente difundidas pelo Ministério da Saúde em parceria instituições internacionais como a UNICEF com o objetivo de reduzir a mortalidade infantil. Somadas a isso, experiências de trabalho de Agentes Comunitários eram desenvolvidas na região como forma de ampliação do acesso aos serviços de saúde, encontrando na difusão destas estratégias de 101 intervenção simples o meio propício para uma atenção voltada às orientações educacionais. (MINAYO, 1990). Em 1987, foi implantado o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PAS) no Ceará, vinculado a Secretaria de Saúde daquele estado, com uma coordenação centralizada. O Ceará foi o primeiro estado a desenvolver a experiência de trabalho dos Agentes de Saúde de forma mais abrangente, como uma proposta estadual, ganhando visibilidade nacional na medida em que foram reduzidas drasticamente as altas taxas de óbitos infantis (SILVA & RODRIGUES, 2000). A proposta ganhou grande respaldo e legitimidade social pelo grande êxito e devido ao Ceará ter assumido o programa como política estadual, difundida para 118 municípios do sertão cearense, integrando duas estratégias centrais – criar frentes de trabalho para mulheres na área da seca e contribuir para a redução da mortalidade infantil (TOMAZ, 2002; BORNSTEIN & STOTZ, 2007). O trabalho desenvolvido pelos Agentes Comunitários de Saúde foi reconhecido internacionalmente pelo UNICEF que patrocinou algumas pesquisas na área, servindo também de referência para a formulação de uma proposta a nível nacional: o Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde (PNACS), com o objetivo de reduzir os óbitos infantis nas regiões mais pobres principalmente do Nordeste e expandir a cobertura as Ações Básicas de Saúde. Consolidava-se uma proposta, ainda incipiente de expansão dos cuidados básicos de saúde, que vinha sendo gestada desde a implantação dos primeiros programas de extensão de cobertura no meio da década de setenta até a assunção dos preceitos e diretrizes de Alma Ata e da 7º Conferência Nacional de Saúde em 1982. 102 O Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde foi criado pelo Ministério da Saúde em 1991, tomando-se como modelo a experiência do Ceará e outros estados com trabalhos desenvolvidos em APS. (SILVA, 1997; SILVA & DALMASO, 2000). Logo após a criação do PNACS pelo M.S o Conselho Nacional de Saúde (CNS) em reunião plenária, elaborou um parecer contido na resolução Nº 025 de 12 de dezembro de 1991 aprovando o Programa, com algumas restrições acerca da configuração da proposta, e seu caráter seletivo. Segundo a comissão criada pelo CNS para análise do PNACS descreve que: Configura o Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde um clássico programa vertical idealizado e planejado a nível federal que formou uma COMISSÃO NACIONAL DO P.N.A.C.S., composta por Organismos com experiência nessa área. Em alguns momentos promoveu encontros regionais e estaduais para a exposição e debates sobre a proposta, dos conteúdos o instrumentos, ficha de inscrição, critérios de seleção, provas de seleção a serem aplicadas de forma igual em todas as partes do País, Programas com tais características vem sendo condenados já há várias décadas e historicamente não tem sido eficientes. A Comissão criada pelo Conselho também ressaltou que o PNACS era uma proposta de assistência simplificada sem garantia da integralidade das ações de saúde, não apresentando em nenhum momento a intenção de recuperação da rede de serviços básicos de saúde para a garantia da resolubilidade. Este mesmo parecer acabou por reforçar o caráter focalista do programa ao restringi-lo ao Norte e Nordeste, “ o PNACS não se expanda além do que foi previsto para novembro de 1991, para as regiões Norte e Nordeste”. O documento propõe também um processo avaliativo periódico dentro dos critérios de eficiência, ou seja, custo benefício, e integração ao SUS a nível estadual e municipal. Tal parecer colocou também na mesa questões como o 103 pagamento por procedimentos, a descentralização para os municípios da gestão, capacitação de recursos humanos e o sistema de referência e contra referência. Mesmo com o parecer favorável a criação do Programa, as ressalvas feitas pela comissão do CNS foram importantes para todo o processo de estruturação, incidindo os tópicos abordados, diretamente na reformulação posterior do programa e na elaboração da Norma de Operação Básica de 1993. Em 1992 o programa passa a ser denominado Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Ainda centrado na redução da mortalidade infantil e materna, contudo mais flexível em termos de operacionalização pelo município. Todo processo de institucionalização do PACS se deu de maneira a atender uma prioridade objetiva, centrada e específica – a redução dos óbitos infantis e maternos em áreas carentes, com a disponibilização de acesso a ações básicas de saúde. Alguns autores destacam de maneira positiva os resultados do Programa. Resende avaliou que as políticas de vacinação, reidratação oral, visitas domiciliares dos agentes de saúde e programas de educação materna tiveram um impacto bastante positivo nos indicadores brasileiros de saúde (...) o país conseguiu bons resultados em segmentos como o de mortalidade infantil.(RESENDE, 2007 ). Dal Poz (1998) destaca que o PACS foi formulado com o objetivo central de contribuir para a redução da mortalidade infantil e materna, principalmente nas regiões Norte e Nordeste, através da extensão de cobertura dos serviços de saúde para as áreas mais pobres. O programa contribuiu 104 consideravelmente para a implantação do SUS, na medida em que reúnia alguns outros requisitos que o direcionam a assumirem uma característica reorganizadora do sistema local, mesmo que ainda sim de forma incipiente: funcionamento dos Conselhos de Saúde, a existência de uma unidade de referência e a disponibilidade de um profissional de nível superior para supervisão e auxílio às ações de saúde. Diferentes experiências foram desenvolvidas no Brasil, anteriormente ao PACS para expandir os cuidados básicos de saúde de forma a atender aos princípios do SUS, deslocando o foco de atuação do indivíduo para a família e se apropriando de forma mais sistematizada do conceito de responsabilidade sanitária de forma mais resolutiva. Dentro destas experiências destacam-se as relacionadas com os trabalhos de Medicina Comunitária em diferentes pontos do Brasil na década de oitenta e noventa com vistas à integralidade do sistema. O Programa Médico de Família de Niterói, o projeto Murialdo em Porto Alegre e o de Vitória de Santo Antão desenvolvido pela Universidade Federal de Pernambuco, são exemplos de trabalhos nessa linha. Em 1993, o Ministério da Saúde, reúne um grupo de profissionais com experiência em Saúde Comunitária do Ministério da Saúde e de alguns estados e municípios, consultores internacionais e especialistas em APS, com o objetivo de atender a uma demanda de secretários municipais de saúde que queriam apoio financeiro para “efetuar mudanças na formação e operação da rede básica de saúde (expansão do programa de agentes para outros tipos de profissionais)”. Esta incorporação de novos profissionais se dava pela necessidade de maior resolubilidade do PACS, evidenciada pelos gestores municipais que aderiram a proposta. (DAL POZ & VIANA, 1998). 105 Em 1994, o Ministério da Saúde cria o Programa Saúde da Família, ao incorporar o PACS a uma equipe de profissionais de saúde composta por um médico, um enfermeiro e um auxiliar de enfermagem. Outro referencial importante foi o Programa Médico de Família de Niterói, uma experiência exitosa em APS que incorporava princípios e diretrizes como a descrição de clientela, participação social, integralidade das ações e equidade no atendimento de forma mais resolutiva e por contar com uma equipe de saúde mais ampliada com a perspectiva de mudança do modelo assistencial e o resgate da cidadania da população residente nas áreas assistidas pelo programa (SENNA, 1995; TERRA & MALIK, 1997; DAL POZ & VIANA, 1998). A origem do PSF configura-se como parte do processo de reforma do sistema de saúde no Brasil, iniciado com a Constituição de 1988. Segundo suas bases programáticas, tem como propósito “colaborar decisivamente na organização do Sistema Único de Saúde e na municipalização da saúde, implementando os princípios fundamentais de universalização, descentralização, integralidade e participação da comunidade.” (BRASIL, 1994, p.5; DAL POZ& VIANA, 1998). A proposta do PSF apresentava-se limitada na medida em que inscrevia e direcionava seu atendimento principalmente aos 32 milhões de brasileiros incluídos no Mapa da Fome do IPEA, expostos a maior risco de adoecer e morrer e na sua maioria sem acesso permanente aos serviços de saúde”(Brasil, 1994;p.5). Daí um contraponto que serve de divergência entre alguns autores, o PSF configurou-se como uma proposta de focalização ou estratégia de promoção da equidade? 106 Segundo Dal Poz e Viana o UNICEF foi um dos maiores apoiadores e incentivadores da proposta, visto que já realizara estudos acerca do impacto do PAS no Nordeste e participara de reuniões com gestores daquela região, absorvendo as demandas identificando os pontos chave para o desenvolvimento da proposta. O UNICEF tem uma longa experiência na difusão de estratégias focais e seletivas, de impacto na redução dos óbitos materno-infantis e estratégias de co-pagamento pela comunidade, vide iniciativas como GOBBI e BAMAKO8, por isso a sua atuação como um dos protagonistas da elaboração do PSF no Brasil. A economia brasileira encontrava-se também em um período de adoção dos ditames neoliberais, identificados na política econômica dos governos do período, Collor 1991/92, Itamar Franco com Fernando Henrique Cardoso (FHC) como Ministro da Fazenda 1993/1994, FHC 1995/98 (primeiro mandato). Tendo o Banco Mundial e o FMI como as agências internacionais protagonistas do debate de restrição financeira do Estado. O período aberto com a posse de FHC caracterizar-se–à pela promoção de alterações substantivas no processo de formulação do sistema de saúde. Radicalizam-se algumas diretrizes e são introduzidas novas concepções, estas mais claramente identificadas com as prescrições das agências multilaterais para os países em desenvolvimento. (ELIAS, 1999, p. 128) Com relação à implementação da política de saúde, identificavam-se duas correntes distintas, com paradigmas conceituais diferentes: o da Saúde Pública e o da Economia da Saúde. O paradigma da Saúde Pública adota o princípio da equidade e o marco conceitual da epidemiologia. No paradigma da 8 A iniciativa Bamako foi um acordo feito em 1987 entre os Ministros da Saúde da África, com apoio da OMS e UNICEF. Essa iniciativa procurou incentivar a participação da comunidade no financiamento e administração de medicamentos essenciais. 107 Economia da Saúde, os princípios da competitividade, da focalização e seletividade da ação pública e o método das ciências econômicas e administrativas. As principais agências formuladoras desses paradigmas eram a Organização Mundial da Saúde (OMS), com suas agências regionais e o Banco Mundial. (MELO & COSTA, 1994) Desta maneira a política de saúde toma contornos que se expressavam pela formulação de programas e propostas influenciados por estas macropolíticas. Dentro do Ministério da Saúde o PSF se localizou no Departamento de Operações, Coordenação de Saúde da Comunidade (COSAC), da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), gerência exclusiva para o PSF, com mais dois programas, o PACS e o de interiorização do SUS. O PSF foi criado através da portaria nº 692 com o objetivo maior de melhorar o estado de saúde da população, mediante a construção de um modelo assistencial de atenção baseado na promoção, proteção, diagnóstico precoce, tratamento e recuperação da saúde, em conformidade com os princípios e diretrizes do SUS e dirigido aos indivíduos, à família e a comunidade. (Brasil, 1994; p.9). Segundo Dal Poz & Viana(1998) o PSF trata-se de parte de uma reforma incremental do SUS por operar pequenos ajustamentos sucessivos no decorrer de todo o processo de implementação do Sistema. No processo de estabelecimento do Programa impôs-se uma racionalidade, decorrente das políticas neoliberais quanto à racionalização da atenção médica. (MENDES,1996) Algumas estratégias desenvolvidas dentro do próprio Ministério da Saúde direcionaram a estruturação do PSF para o rompimento da idéia de 108 “programa vertical”, a transferência do Programa da Fundação Nacional de Saúde (FNS) para a Secretaria de Assistência à Saúde (SAS). Essa transferência significou um rompimento com a idéia de programa vertical, operado através de convênio, tradição dos programas verticais da FNS, sinalizando sua maior importância dentro do ministério e um outro tipo de institucionalização do PSF. (DAL POZ & VIANA, 1998, p. 22) Outras mudanças também foram implementadas por meio de portarias, resoluções e normas que tentaram dar conta das características do financiamento para a Atenção Básica, desvinculando-o da remuneração limitada, operada por procedimentos para a combinação de outros tipos de remuneração, como do tipo per capta. (DAL POZ & VIANA, 1998). Com o decorrer do processo de implementação do PSF fizeram-se necessários a reafirmação de alguns princípios e pressupostos básicos do SUS para consolidação do PSF enquanto estratégia e sua desvinculação do caráter programático, contudo, não surtindo muito efeito, tendo em vista a análise da macro-política adotada à época. O processo de indução da descentralização na área da saúde, operada pelas Normas Operacionais Básicas, fez com que os municípios aos poucos assumissem de forma progressiva a responsabilização das ações de saúde nos diferentes níveis de complexidade do sistema. O processo de descentralização também é um ponto importante para análise, visto que o entendimento deste processo se diferencia interna e externamente. Segundo Elias, (1997, apud Elias, 1999), no plano discursivo esta diretriz encontra-se de acordo com os preceitos prescritos pelo Banco Mundial. Contudo, a sua importância para esta instituição reside mais no seu 109 caráter racionalizador e na possibilidade de subsídio da oferta privada a nível municipal do que propriamente em suas potencialidades como incremento da democratização da instância municipal. Daí a sua apropriação pelas duas vertentes, a municipalista e a neoliberal. Para Levcovitz et al (2001), a principal diferença da NOB 96 e as outras que antecederam foi “a tentativa de indução de mudança do modelo assistencial, através do estabelecimento de incentivos à estruturação do PACS e do PSF”. Com relação a Atenção Básica, a NOB 96 foi um divisor de águas por estabelecer mecanismos de financiamento que fortalecem a Atenção Básica e de promover a reorganização do modelo de atenção à saúde através do PSF. Vários objetivos da NOB 96 podem ser descritos, destacamos os que influem e se referem diretamente ao PSF: - reorganizar o modelo assistencial, passando aos municípios a responsabilidade pela gestão e execução direta da Atenção Básica de Saúde; - a promoção e reorganização do modelo de atenção à saúde, adotandose a estratégia principal a ampliação de cobertura do Programa Saúde da Família (PSF) e Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) através da criação de um incentivo financeiro de acordo com a população efetivamente coberta pelos programas e da incorporação dos procedimentos relacionados aos programas no custeio federal da atenção básica. (LEVCOVITZ, 2001 et al). Segundo os autores citados há também uma importante inovação para o modelo de financiamento federal na saúde com a adoção do Piso de Atenção Básica. Este rompe definitivamente com a modalidade de “pós pagamento” 110 vinculada a produção, tornando-se uma modalidade de “pré pagamento” para a remuneração dos serviços de Atenção Básica. Há também aqueles autores que discordam que a NOB 96 foi um avanço, descrevendo que ela não passou de parte dos projetos “neoliberalizantes” do governo. A NOB 96 fragmenta a integralidade da ação criando uma cesta básica para os cidadãos mínimos e dá liberdade para o setor privado crescer(...). A NOB 96 fere a autonomia de gestão dos municípios (...). Dois equívocos estão impedindo um maior avanço na consolidação do SUS: indução (pelo financiamento) ao modelo epidemiológico penalizando o município que não adotar o programa e o risco do cartão SUS como forma de barrar o acesso dos cidadãos aos serviços de sua escolha. (BUENO & MERHY,1997 s/d). Esta tensão acabara por refletir o maior embate que se processava a nível macro-político, as proposições das Agências e a reafirmação dos princípios constitucionais. Aos poucos, o Ministério da Saúde tenta dar contornos de “Estratégia” ao PSF. Em 1997, o Ministério da Saúde lança a publicação Brasil (1998), “Saúde da Família: uma estratégia para a reorientação do modelo assistencial”. Esta publicação apresenta de forma sistematizada as bases do PSF, numa tentativa de reforçar seu caráter estratégico de reorientação do sistema, segundo suas diretrizes operacionais. Para Levcovitz & Garrido, (1996) Secretário de Assistência à Saúde e Diretora do Departamento de Assistência e Promoção à Saúde, respectivamente, do MS na época, o PSF incorpora e reafirmam os princípios do SUS, os autores descrevem também que o PSF “não é mais um programa, na tradição corrente do Ministério da Saúde. Ou seja, Saúde da Família não é uma estratégia paralela na organização de serviços, mas uma proposta substitutiva de reestruturação do modelo.” 111 O caráter substitutivo deve ser entendido em sua dimensão técnica, política e administrativa. Na dimensão técnica “a USF passa a ser a porta de entrada do sistema, com a oferta de uma atuação sanitária que incorpore a atenção médica tradicional à uma lógica efetivamente de promoção da saúde. (...) a unidade se insere no sistema de saúde de forma orgânica e não isolada.” (LEVCOVITZ & GARRIDO, 1996). O PSF não significou a criação de, na visão do MS, novas estruturas de serviço, exceto em áreas desprovidas de qualquer tipo de serviço. Implantá-lo significa substituir as práticas tradicionais de assistência, com foco nas doenças, por um novo processo de trabalho comprometido com a solução dos problemas de saúde, a prevenção de doenças e a promoção da qualidade de vida da população. (Brasil, 2000ª) A unidade de saúde da família (USF), nesta visão, está inserida no primeiro nível de ação e serviços do sistema local de assistência, denominado atenção básica. Deve estar vinculada à rede de serviços, de forma a garantir atenção integral aos indivíduos e famílias, de modo que fosse assegurada a referência e contra referência para clínicas e serviços de maior complexidade. A USF trabalharia com território de abrangência definido sendo responsável pelo cadastramento e acompanhamento da população vinculada (adstrita) a esta área. Cada equipe do PSF seria composta, no mínimo, por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e de quatro a seis agentes comunitários, outros profissionais poderiam ser incorporados às equipes ou formar equipes de apoio, de acordo com as necessidades e possibilidades locais. 112 As bases do programa estavam postas, em um contexto conturbado e de grande tensão entre políticas econômicas liberalizantes, restrição fiscal e resistência democrática. Dado o contexto em que se inserem as políticas públicas nos governos da década de noventa, as características assumidas pelo PSF foram questionadas por diferentes autores que fundamentam a configuração do programa na perspectiva de que sua estruturação se deu com vistas a cobertura assistencial direcionada à população pobre, configurando-se em uma política social focalista. Para evitarmos uma análise residual, sabendo que também não há possibilidades de esgotamento do debate, deveremos retornar a discussão da conceituação de focalismo realizada no capítulo 2, para embasarmos nossa discussão acerca de que características da política encaminhada pode ser considerada focal ou não. 6 – Empréstimos para reforma: o projeto REFORSUS O projeto de Reforço à Reorganização do Sistema Único de Saúde (REFORSUS) foi um dos primeiros programas de empréstimos do BM ao Brasil, responsável por induzir o programa de reforma do sistema de saúde, orientado para o aumento da eficiência do SUS. Também foi um importante mecanismo de veiculação de recursos para a estruturação do PSF nos municípios e estados, em uma fase de priorização da Atenção Básica pelo Governo Brasileiro e conseqüente crescimento do número de equipes. Seu objetivo maior era de “auxiliar o Governo a implementar reformas no setor que possam promover a sustentabilidade financeira do SUS e aumentar sua eficiência”. (Site:http://reforsus.saude.gov.br/pag_reforsus.asp, 20/06/2007) 113 O interesse do Banco Mundial, no setor de saúde brasileiro, com a conseqüente ampliação significativa de empréstimos, levando o Brasil a ser um dos maiores países mutuários da América Latina na década de noventa, acompanhou a retomada do discurso de combate à pobreza no final da década de oitenta e a emergência deste setor como importante mercado para investimento privado. (RIZZOTO, 2000) Instituído em 1996, por meio de um acordo de empréstimo número 4047Br, teve seu fechamento em dezembro de 2003. O projeto foi dividido em dois componentes principais: “Investimentos” com atividades distribuídas em quatro áreas; (I) readequação física e tecnológica da rede assistencial; (II) Programa Saúde da Família; (III) ampliação da rede hematológica e hemoterápica; (IV) ampliação da rede de laboratório de saúde pública. O segundo componente foi o desenvolvimento institucional. (site: http://reforsus.saude.gov.br/pag_reforsus.asp) Para o Banco Mundial o REFORSUS destina-se efetivamente como um empréstimo para promover a Reforma no Sistema Único de Saúde brasileiro, recebendo o nome de “Projeto de Reforma do Setor de Saúde” (RIZZOTO, 2000) No que compete ao nosso objeto de análise, o PSF, este acordo significou um reforço à indução do Ministério da Saúde à ampliação da Atenção Básica através do PSF. Por meio do projeto REFORSUS, o Ministério da Saúde passou a alocar recursos para a formação e treinamento de recursos humanos do PSF, com a criação de 31 Pólos de Capacitação para as equipes de PSF. Posteriormente, começaram a serem oferecidos cursos de especialização e residência em saúde da família. Além disso, foram adquiridos 114 pelo projeto equipamentos para aumentar a resolubilidade do programa, TVs, vídeos, computadores, impressoras e mobiliário de informática para as unidades que dispões de equipes de PSF. A viabilização dos recursos do projeto demonstra a convergência de idéias entre a instituição mutuaria (Governo brasileiro) e a financiadora, Banco Mundial, acerca das proposições de Reforma. A liberação dos recursos de empréstimos do Banco Mundial é regida por um conjunto de deliberações denominadas Estratégia de Assistência ao País (EAP). Cada EAP é o veículo central de análise dos países mutuários, pelo Banco Mundial, para liberação de empréstimos. Este documento descreve quais serão as estratégias de assistência do Grupo do Banco, para aprovação de empréstimos, com base nos seguintes parâmetros: - Desempenho econômico e social mais recente; - os objetivos do Governo e os desafios por ele enfrentados; - diagnóstico das questões chave e o modelo de políticas públicas; - perspectivas, avaliação dos riscos, problemas de implementação e indicadores de referência; - a matriz do programa do país, com a combinação proposta de projetos (de empréstimos). (site: http://www.bancomundial.org.br/index.php/content/view_projeto/509.html). Tais parâmetros, já são previamente definidos pelo documento para a avaliação, por parte do Banco, do cumprimento do receituário condicionante. Por si só, estes pré-requisitos configuram-se como condicionantes do país, a adoção da política econômica e social sugerida por essa agência. 115 Identificamos com isso que a participação do Banco traduz-se mais na apresentação de diretrizes e orientações nacionais, com o objetivo de reformar, do que no financiamento de projetos ou programas. Percebemos também que as diferentes interpretações mascaram as reais intenções e objetivos destes acordos. 6.1 – A pobreza como alvo das políticas sociais Para a caracterização do PSF e levantamento dos principais aspectos operacionais, principalmente aqueles relacionados à focalização, seleção de beneficiários e condicionalidades, assim como o contexto de seu desenvolvimento, utilizamos análise da legislação e documentação oficial e publicações de instituições internacionais acerca das diretrizes a serem observadas. Inicialmente, reportamo-nos ao Relatório sobre o desenvolvimento mundial de 1990, em que o Banco Mundial recomenda aos países em desenvolvimento, estratégias para o enfrentamento dos elevados custos sociais decorrentes das políticas de ajuste, trazendo consigo, uma diretriz que determinará as características da política social na década, “o combate à pobreza”.(Banco Mundial, 1990) Para o Banco Mundial 1990, o “combate à pobreza” deve ser desenvolvido a partir de políticas sociais focalizadas e compensatórias. Este relatório inaugura a utilização do conceito de pobreza, pelo Banco, segundo parâmetros de incapacidade, um fracasso individual daquele que não consegue ser competitivo. (UGÁ, 2004, p. 60) 116 Com isso, a política social – saúde e educação – assume um caráter assistencialista, focalizando e restringindo seus serviços àqueles denominados “incapazes”. Neste sentido, as políticas sociais nos países em desenvolvimento, estariam vinculadas a esta perspectiva de entendimento da pobreza, a partir de uma ordem social fundamentada na visão neoliberal que tem o mercado como o principal organizador da sociedade, percebendo a sociedade composta por indivíduos obrigados a competir uns com os outros. (UGA, 2004) 117 6.2 - Considerações sobre as diretrizes do Programa Saúde da Família e principais características operacionais Para iniciarmos esta análise, apresentamos algumas informações que demonstrarão a opção pela Atenção Básica e o PSF no período entre 1995 e 2001. Aqui utilizamos como marcador desta tendência a disponibilização de recursos financeiros, não em quantidade, mas na proporção de seu crescimento. No quadro abaixo é apresentado a evolução dos gastos de custeio em saúde por ano e sua destinação final. Quadro: 1 Gastos de custeio Ministério da Saúde (1995/2001) R$ bilhões FONTE ANO 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2.681 2.321 3.217 3.591 3.932 3.854 4.207 PAB fixo 1.905 1.760 2.010 2.371 2.194 1.877 1.790 PACS/PSF 134 171 230 311 401 713 968 11.417 11.304 12.673 11.390 12.005 11.772 12.064 16.137 15.556 18.130 17.663 18.532 18.216 19.029 Atenção Básica Média e Alta complexidade TOTAL *Até 1997 a forma de repasse de recursos era através da remuneração por procedimentos realizados na Atenção Básica. A partir de 1998 entra em vigor o PAB. Fonte: Brasil, Ministério da Saúde, Subsecretaria de Planejamento e Orçamento; Dissertação mestrado Santos, 2002. Financiamento e investimento na Saúde Pública do Brasil no período 1995/2002. Ao analisarmos o quadro 1 podemos observar que apesar da grande diferença entre os montantes de recursos para Atenção Básica e para a Média e Alta Complexidade, o crescimento vertiginoso dos recursos para a Atenção 118 Básica, na ordem de aproximadamente 57%, e para a média e alta complexidade ser de aproximadamente 6%, configura-se em uma explícita priorização por parte do Ministério da Saúde pela Atenção Básica no período. Os gastos com Atenção Básica passaram de R$ 2,7 bilhões, em 1995, para R$ 4,2 bilhões em 2001. Enquanto que a Média e Alta Complexidades saíram de R$ 11,4bilhões, em 1995, para R$ 12 bilhões em 2001, um crescimento pequeno para o período. 6.3 – O caso do Programa Saúde da Família no Brasil O PSF foi criado pela portaria Nº692 em dezembro de 1993, no governo de Itamar Franco, com Henrique Santilo no Ministro da Saúde, em meio a propalada calamidade pública da saúde e anúncios no corte do orçamento pelo então Ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso. O processo de discussão em torno da criação do PSF se deu, a nível internacional, no contexto de deliberações de uma agenda global para saúde. Os principais pontos desta agenda podem ser encontrados no Relatório de desenvolvimento mundia: Investindo em Saúde do Banco Mundial publicado em 1993. Este documento marca um passo importante na assunção da liderança internacional acerca das proposições de políticas no campo da saúde do Banco Mundial (MATTOS, 2000; MISOCZKY, 2002). A principal mensagem deste documento que nos interessa, para correlação e análise do processo de formulação e implantação do PSF, é a proposta de um pacote de cuidados essenciais básicos de responsabilidade do Estado. “É de prioridade máxima que os governos financiem um pacote restrito 119 de medidas de saúde pública e intervenções clínicas essenciais (...)”. (Banco Mundial, 1993, p. 9) Esta proposta do Banco está fundamentada na boa relação custoefetividade, ou melhor, custo-benefício, na medida em que o Banco propõe o uso de um indicador anos de vida ajustados em função da incapacidade (DALY – disability adjusted life year), que combina anos de vida saudáveis perdidos por mortalidade prematura com aqueles perdidos como resultado de incapacidade. Com isso, é definida uma “cesta básica” a ser financiada pelo Estado, que pode ser distribuída em dois grandes grupos ou apresentarem-se combinadas (Banco Mundial, 1993) • Pacote de Saúde Pública – que envolve as atividades de imunização, serviços de saúde na escola, transmissão de informações e serviços especiais de planejamento familiar e nutrição, programas de redução do consumo de álcool e tabaco, ação reguladora, informações e investimentos públicos criteriosos para melhorar o ambiente doméstico, prevenção da AIDS; (BM, 1993) • Pacote de Serviços clínicos essenciais – devem constar deste pacote no mínimo cinco grupos de intervenção: serviços de assistência a gestante; planejamento familiar; controle da tuberculose; controle das DSTs; doenças graves comuns da infância (IRAs, doenças diarreicas, sarampo, malária e desnutrição). (B.M, 1993) Para Misoczky (2002), a lógica econômica foi utilizada para a elaboração desta metodologia. Esta defesa central de valores econômicos, embutida na elaboração destes indicadores, para obtenção do máximo de aproveitamento de dinheiro investido e efetividade em termos de custo, evidencia argumentos 120 de natureza essencialmente economicistas aplicados ao sistema público de saúde, lógica esta presente desde o modelo CENDES/OPAS de planejamento. Sabemos que o aumento da eficiência do sistema público de saúde também é uma preocupação dos que defendem os princípios da Reforma Sanitária, contudo, os argumentos são com bases numa justiça social, não em uma justiça de mercado, economicamente definida. Esta sutil diferença na verdade esconde todo um embate entre as duas correntes de concepção de políticas de saúde. De acordo com estudos da carga de doenças, realizado pelo Banco Mundial (1993) se 80% da população dos países em desenvolvimento tivessem acesso a um destes “pacotes essenciais” e/ou combinação dos pacotes de saúde pública e serviços clínicos essenciais poder-se-iam evitar 24% do impacto atual das doenças, diminuindo os custos, para o reinvestimento na saúde dos pobres a partir de uma seletividade de procedimentos. O Relatório de desenvolvimento mundial Investindo em saúde deixa claro esta opção, por propor que parte da prestação de serviços clínicos ficaria sob responsabilidade do setor privado, assim como incentiva o financiamento e a adoção de seguro privado, no caso dos serviços clínicos discricionários. (Banco Mundial, 1993) Retornando ao debate nacional, o processo interno de formulação do PSF foi impulsionado pelos êxitos conseguidos com Programa de Agentes Comunitários de Saúde que tinha o “objetivo central de contribuir para a redução da mortalidade infantil e materna, principalmente das regiões norte e nordeste, através da extensão de cobertura dos serviços de saúde para áreas mais pobres e desvalidas”. Aliados também a reinvidicação de alguns secretários municipais de saúde que desejavam a ampliação do programa para 121 outros profissionais, de forma a dar mais resolubilidade ao programa (Viana & Dal Poz, 1998) e algumas experiências nacionais de Medicina Comunitária/Familiar, como a do entorno do Grupo Hospitalar Conceição de Porto Alegre, descrito por Misoczky (1994) como uma mescla confusa da Medicina Comunitária e a Medicina de Família que “apontava para o isolamento do pobre como objeto de uma prática médica diferenciada, passível de coexistir com outras formas de práticas destinadas a outras categorias sociais (...)”. Esta afirmação se deu devido principalmente as características da experiência que enfatizou a redução de custos, em um modelo voltado para as populações daquela área que não podiam pagar pelos cuidados de saúde. Propostas estas intensamente apoiadas pelas agências internacionais como UNICEF e Banco Mundial que financiavam projetos e formulavam propostas na área da saúde com foco na Atenção Básica e modelos de atenção orientados para as famílias pobres, como foi o caso do Programa de Agentes Comunitários do Ceará. (MINAYO, 1990; MATTOS, 2000) A contextualização do processo nacional e internacional, de reforma e reordenamento do modelo assistencial, em função das idéias contidas no “Investindo em Saúde” do Banco Mundial, que Segundo Misoczky (2002) nada mais é que o “refinamento técnico” das propostas do Finincing Health Services in Developing Countries: an agenda for reform, de 1987, da mesma instituição, faz se necessário para o entendimento dos caminhos percorridos pelo PSF no período estudado. Para a melhor caracterização dividiremos o período estudado em três fases: 1993/94 – Institucionalização – 1995/98 – transição programática e construção de viabilidade – 1999/01 – consolidação indução financeira, expansão homogênea (municípios de pequeno e médio porte), 122 análise de viabilidade em região metropolitana (início da expansão metrópole), reconhecimento das limitações em regiões metropolitanas. E o que temos com a implantação do PSF? A adoção combinada do pacote básico proposto pelo Banco, adequada a realidade brasileira ou uma estratégia estruturante da Atenção Básica no Brasil focalizada nas populações pobres? Ou uma estratégia estruturante para a organização da oferta por meio da constituição de uma porta de entrada do sistema de saúde? Ao analisarmos os documentos de criação do programa, assim como os documentos que dão suas diretrizes operacionais identificamos alguns marcos que trataremos aqui como sendo parte do processo de implantação. Por ser definido como uma fase processual, analisaremos seus documentos à luz da intencionalidade de suas proposições ao longo do período 1994-2001. Durante a primeira metade da década de noventa identificamos dois períodos como marco analítico do processo de implantação do programa. O primeiro marco é o período que culmina com a formulação da portaria Nº692 de dezembro de 1993 que institucionaliza o PSF, fruto de discussões com técnicos e especialistas em APS dentro do Ministério da Saúde e a análise de algumas experiências nacionais. O segundo marco é a publicação das diretrizes operacionais do programa, seus objetivos e metas, “Saúde dentro de casa”, de março de 1994. Esta publicação define como público alvo 32 milhões de brasileiros, circunscritos ao Mapa da Fome do IPEA. População esta, exposta a um maior risco de adoecer e morrer devido as péssimas condições de vida, e a ausência de acesso aos serviços de saúde. As bases do programa já o definiam como proposta de atenção integral e contínua a todos os membros da família, com a definição de área de abrangência e adstrição de clientela, uma 123 composição mínima da equipe de saúde e o importante estabelecimento de uma rede de referência e contra referência. Para o reforço ao estabelecimento de vínculo o programa propunha que a equipe deveria residir na área de atuação, trabalhando em regime de dedicação exclusiva, um equívoco que posteriormente será descrito como apenas o Agente de Saúde deveria cumprir este requisito. Outras diretrizes foram encaminhadas como: privilegiamento da demanda programada com vistas à reorganização da demanda espontânea, possibilidade de redirecionamento da formação de recursos humanos adequados ao SUS, remuneração e formas de contratação diferenciadas e reforço a participação social. A proposta também trouxe como idéia marcante a Promoção da Saúde, exercida de forma efetiva na medida em que o processo de trabalho estaria direcionado para estas ações (educativas no núcleo familiar e grupos de risco), a importância do trabalho interdisciplinar entre outros. Viana & Dal Poz acrescentam que as condicionalidades de adesão ao PSF o configuram como importante instrumento reordenador do sistema de saúde municipal com reforço a participação comunitária ao exigir que o Conselho Municipal de Saúde esteja funcionando, assim como o Fundo Municipal de Saúde. Ao analisarmos estas diretrizes operacionais à luz dos conceitos de focalização e seletividade, identificamos que estas primeiras diretrizes operacionais, mesmo com grande viés racionalizador e seletivo de sua clientela não são suficientes para enquadrá-lo no roll de ações focais contrárias a universalização. Na medida em que há uma identificação de clientela exposta a um maior risco social e privadas do acesso aos serviços de saúde, de forma sistematizada. Contudo, esta ação estaria longe de ser considerada de 124 promotora de equidade, mas com justificativa para tal discriminação positiva, ao tempo em que privilegia o acesso a quem tem maior necessidade. Identificamos também uma possível semelhança na oferta de serviços de saúde pelo PSF, centrada na simplificação e racionalização de tecnologias e a proposta de “cesta básica” do Banco Mundial. Seria interessante destacar também alguns pontos para análise: o fato do mecanismo utilizado como critério de seleção da população a ser atendida, dentre toda a população, ser capaz de responder apenas parte dos fatores envolvidos na questão da equidade, por não estar explícita que a definição do conceito de justiça utilizado se correlacionaria melhor com o conceito de justiça de mercado ou de justiça social. Fato este evidenciado pelas características da política econômica e da política social encaminhada no período. Cabe ainda pontuar que o período em questão tem suas bases sendo definidas a partir da política econômica que seria o fio condutor da política de governo conduzida na década de noventa. A política econômica, que FHC patrocinou ao longo de seu primeiro mandato, foi definida e formulada ao tempo em que foi Ministro da Fazenda de Itamar Franco, em 1993/94](...). (SINGER, 1999, p.25) Esta política está fortemente ancorada no ajuste fiscal, fundamentada na tese de que altos índices de inflação sempre são causados por gasto público excessivo. Com isso, ganha força também os relatórios internacionais de ineficiência e má alocação do gasto público, principalmente o da saúde. Outro argumento que permeavam as discussões de redução dos gastos públicos foi a redução do tamanho do Estado com uma participação crescente da iniciativa 125 privada na prestação de serviços de saúde e a adoção de políticas sociais focais (Banco Mundial, 1993). Com toda esta conjuntura, entende-se porque há uma tendência crescente do interesse na Medicina de Família, por parte da equipe do governo Itamar Franco, descrita por alguns autores como modelo de atenção racionalizador voltado para populações pobres. (MISOCZKY, 1994; MERHY, 1997) Entretanto, há um desenvolvimento crescente da Medicina de Família nos países ricos, que tem sistemas universais de saúde, aonde este trabalho vem sendo responsável por impor um processo crescente de reestruturação do sistema. Outra análise que podemos fazer, diz respeito a adoção destas políticas focais em meio à universalização que segundo Kerstenetzky, 2005 pode ser enquadrada de acordo com o conceito de Focalização como ação de redistribuição – (...) ação reparatória, necessária para restituir a grupos sociais o acesso efetivo a direitos universais formalmente iguais. Entretanto, esta estratégia de focalização não estaria em sintonia com a política econômica neoliberal propalada no período. Cada vez mais observamos um processo de restrição e circunscrição das ações e procedimentos definidos pelo Governo brasileiro como “básicos”. Observemos também que mesmo concebido como porta de entrada, o PSF vem com um discurso inicial de garantir o acesso as ações básicas, sem a garantia do acesso aos outros níveis de complexidade. Em 1995, inicia-se o primeiro mandato do presidente FHC com uma proposta de ordenamento das políticas sociais já encaminhadas. As diretrizes 126 da política social tinham como foco as ações e programas denominados de “combate à pobreza”. É com esta perspectiva que foi criado o Programa Comunidade Solidária, concebido como uma estratégia de governo voltado para o combate da pobreza e exclusão social. Esta estratégia foi responsável por articular programas sociais nas áreas de educação, saúde, alimentação, saneamento habitação e geração de renda. Seus objetivos eram: reduzir a mortalidade infantil; melhorar as condições de alimentação dos escolares e das famílias carentes; melhorar as condições de moradia e saneamento básico; gerar emprego e renda; melhorar as condições de vida do meio rural; apoiar o desenvolvimento do ensino básico; defender os direitos e promover socialmente crianças e adolescentes ( PRATES & NOGUEIRA, 2004) Para Dal Poz & Viana (1998) o Comunidade Solidária foi um importante canal de articulação da saúde com outras áreas e instrumento de legitimação e expansão do PSF, segundo as diretrizes de combate à pobreza. Com isso, aprofunda-se, nesse período, a dimensão do focalismo, buscando na seletividade das ações um caminho para ampliação do acesso às condições “mínimas ou básicas” para o desenvolvimento. Estrutura-se também uma política de alívio a pobreza, fundamentadas em políticas imediatistas e assistencialistas, em contraposição à políticas de superação da pobreza, descrita por COHN (1995). Em termos de política de saúde, estas “condições para o desenvolvimento” tomam contornos mais delimitados com a formulação e implantação da Norma Operacional Básica de 1996 (NOB 96). De certo, a NOB 96 é concebida em um cenário conflituoso, tendo de um lado a tentativa de implementação dos princípios e diretrizes da Lei Orgânica da Saúde, de outro, 127 um projeto de reforma do sistema de saúde sujerido pelo Banco Mundial e elites tecnocráticas brasileiras que conduziam a política econômica. Os impactos resultantes do desenvolvimento do PSF nas regiões norte e nordeste suscitaram discussões que influenciaram diretamente a elaboração da NOB 96. Neste período são introduzidos algumas discussões que dizem respeito as formas de pagamento operadas no SUS até então, há um aprofundamento do debate da limitação do pagamento por procedimentos. Segundo Dal Poz e Viana (1998), a partir do PSF é que houve uma indicação de mudanças no critério de alocação de recursos no SUS, esta discussão caminhou para a configuração de uma norma indutora da estruturação da Atenção Básica, através do PSF, com um caráter estratégico e uma necessidade imperativa do rompimento do caráter programático da proposta. Com a NOB 96 há um rompimento com a exclusividade do pagamento por procedimento, criando-se o Piso de Atenção Básica (PAB), que previu remuneração per capta para que os municípios pudessem desenvolver ações básicas de saúde (parte fixa), além de recursos adicionais para aqueles que desejarem implantar ações previstas em programas e incentivos do Ministério da Saúde (parte variável). Esta fase se configura em um processo de indução financeira, operada pelo Ministério da Saúde, visto que, prevê um aporte de recursos fundo a fundo para a implantação de ações consideradas pela norma como básicas e necessárias, dado o perfil de morbimortalidade da população brasileira. De certa forma, esta indução para alguns autores, feriu a autonomia dos municípios, não dando condições técnicas e financeiras para que eles adotem 128 uma configuração de rede básica de acordo com sua realidade local e pactuada em seus fóruns gestores locais. (MERHY & BUENO, 1997) A NOB 96 foi instituída através da portaria GM / MS 2.203 de 06 de novembro de 1996 e alterada antes mesmo de sua implementação pela Portaria Nº1882/GM que regulamentou o Piso de Atenção Básica e sua composição e pela portaria Nº1886/GM que definiu as normas e diretrizes do Programa de Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde com as atribuições de cada nível de gestão do sistema, ambas publicadas em 18 de dezembro de 1997, reforçando ainda mais o caráter normativo e restritivo desta NOB. A NOB 96 também condicionou o recebimento do Piso de Atenção Básica, aos municípios que cumprissem alguns requisitos como: comprovação de funcionamento do Conselho Municipal de Saúde, abertura de uma conta no Fundo Municipal de Saúde destinado a Atenção Básica, existência de uma equipe técnica mínima no município, assinatura de termos de compromisso. Por conta do PAB (fixo e variável) ficou circunscrito um conjunto de ações programáticas a serem induzidas, dentre elas: Incentivo as Ações de Combate as Carências Nutricionais; Incentivo as Ações Básicas de Vigilância Sanitária; o Incentivo às Ações de Controle da Tuberculose, hanseníase, Saúde da mulher e da criança, controle diabetes, hipertensão e Incentivo ao PACS/PSF. (Brasil, 1999). Com a NOB o PSF tenta reforçar seu caráter estratégico de reorientação do modelo assistencial, agora de forma mais sistematizada, com financiamento garantido fundo a fundo (por parte do Ministério da Saúde) e com as diretrizes e competências definidas para cada nível do sistema. Contraditoriamente, a 129 presente norma também deixa explícita a opção do incentivo à adoção do modelo programático, de forma verticalizada, ao financiar através de rubricas determinadas no PAB variável, o PSF/PACS. Cada vez mais o caráter substitutivo e estratégico do PSF era trazido para o discurso dos dirigentes do programa a nível nacional. Levcovitz (1996) propunha entender o caráter substitutivo em duas dimensões: a técnica, que pressupõe a identificação do PSF como porta de entrada do sistema de forma orgânica e não isolada; o aspecto político-administrativo que deveria ser impulsionado pela NOB 96 ao valorizar o empenho político de investimento do gestor municipal (...) vamos apoiar quem queira entrar de fato na reorganização de sua Atenção Básica. A NOB 96 valoriza o incremento de cobertura, quanto mais áreas atendidas, maior o incentivo financeiro. (Levcovitz, 1996, p. 4). Apesar de declararem que esta forma de indução não significa o extermínio das outras modalidades de atenção ambulatorial, o fato da restrição do financiamento de experiências municipais já consolidadas, sem respeito à opção municipal de formulação de sua própria proposta ou a ausência de estímulo à absorção dos princípios de qualidade da Atenção Primária, pela rede de serviços de saúde “tradicional” do município, acaba com isso, sucumbindo esta rede, historicamente constituída, à inanição, criando uma falsa dicotomia entre “redes”. Em meio aos esforços do Ministério da Saúde em difundir o PSF e as discussões para da implementação da NOB 96, que só irá começar a ser implementada em 1998, com as primeiras habilitações de municípios, é publicado a cartilha, Saúde da Família: Uma estratégia para reorganização do modelo assistencial, com informações referentes aos objetivos, diretrizes 130 operacionais, processo de trabalho das equipes, atribuição de cada profissional que compõe a equipe mínima, formas de planejamento da implantação das equipes, seleção e capacitação dos profissionais, entre outras normatizações federais. (Brasil, 1998). Este material foi um grande reforço para o condicionamento dos municípios que aderiam a proposta e logo conquistavam as condições de gestão previstas na NOB 96. Pela primeira vez o Ministério da Saúde lança um material com informações acerca do PSF que tentam descaracterizá-lo como programa vertical, focalista e seletivo, com o objetivo explícito de consolidá-lo como estratégia. embora rotulado como programa o PSF foge à concepção usual dos demais programas concebidos no Ministério da Saúde, já que não é uma intervenção vertical e paralela às atividades dos serviços de saúde. Pelo contrário, caracteriza-se como uma estratégia que possibilita a integração e promove a organização das atividades em um território definido(...). (Brasil, 1998 p.9) Em primeira análise este material descreve o objetivo do PSF de forma a tentar esclarecer e consolidar seu caráter estratégico, incluindo as unidades básicas de saúde no processo de reformulação da prática assistencial com novas bases. Contribuir para a reorientação do modelo assistencial a partir da atenção básica, em conformidade com os princípios do Sistema Único de Saúde, imprimindo uma nova dinâmica de atuação nas unidades básicas de saúde, com definição de responsabilidades entre serviços de saúde e a população. (Brasil, 1998, p. 11) Também há uma tentativa de romper com a concepção e compromisso inicial do PSF, focalizado nas populações circunscritas ao Mapa da Fome do IPEA e ao grupo materno-infantil. Aos poucos as estratégias de focalização e seletividade, concepções de acesso ao “mínimo” e/ou “básico”, que antes eram 131 restritas as populações abaixo da linha da pobreza, em condição de indigência, saem deste contexto e reaparecem como estratégias universalizantes. Outro equívoco - que merece negativa – é a identificação do PSF como um sistema de saúde pobre para os pobres, com utilização de baixa tecnologia. Tal assertiva não procede, pois o programa deve ser entendido como modelo substitutivo da rede tradicional – de cobertura universal (...). (Brasil, 1998, p. 9). Contudo, ao seu inicial processo de implantação Levcovitz já caracterizava o PSF enquanto proposta de substituição parcial do modelo, visto que atenderia uma “parcela do mercado de atenção ambulatorial, identificados como co-naturais ao PSF”. “Esse caráter seletivo do processo de substituição do modelo (...) se dá em função das próprias diferenças entre as realidades locais do país”. Concebia-se, com isso, que o PSF seria uma “alternativa integral para alguns contextos e apenas como elemento de constituição parcelar em outros”. (LEVCOVITZ, 1996, p.6) Estas afirmações nos trazem algumas pistas referentes a adequação natural do PSF à populações específicas. A partir da publicação de 1998 há uma reflexão maior do que seria este caráter substitutivo, entendido enquanto “práxis” de um novo processo de trabalho, incorporando as unidades “tradicionais” a todo o processo de mudança de modelo assistencial e não apenas como processo de trabalho paralelo as mudança trazidas pelo PSF. A unidade de Saúde da Família nada mais é que uma unidade pública de saúde destinada a realizar atenção contínua nas especialidades básicas, com uma equipe multiprofissional habilitada para desenvolver as atividades de promoção, proteção e recuperação, característicos do nível primário de atenção. (Brasil, 1998, p.11) A unidade de Saúde da Família caracteriza-se como porta de entrada do sistema local de saúde. Não significa a criação de novas 132 estruturas assistenciais, exceto em áreas desprovidas, mas substitui as práticas convencionais pela oferta de uma atuação centrada nos princípios da vigilância à saúde. (Brasil, 1998, p.11) Com isso, a proposta do PSF entra em um novo estágio de expansão, assumindo novas características, atribuições e mecanismos financeiros específicos. Entretanto, esta nova etapa ainda mantém estreita relação com suas concepções iniciais, influenciadas sobremaneira pelo contexto internacional de reformas. É importante refletirmos acerca de toda esta política indutora do Ministério da Saúde do período, que se apresenta fortemente submissa a política econômica vigente que reforça a seletividade das ações e procedimentos, a precarização dos vínculos trabalhistas, considera a descentralização como estratégia de eficiência administrativa e redução de custos, diferente da concepção das propostas de democratização do sistema e é permissiva ao setor privado para crescer na ausência do poder público como prestador de assistência (MERHY, 1997; BIANCHETTI, 1996; CARVALHO, 2001). Para Bueno & Merhy (1997) a NOB 96 estaria “em sintonia com projetos neoliberalizantes”. Esta constatação por si só já nos abririam os olhos para as correntes divergentes que operam no processo de implantação do SUS. A partir de 1998 o Ministério da Saúde vem insistentemente considerando o PSF como estratégia estruturante, em parte impulsionado pela expansão massiva reforçada pela indução financeira da NOB 96 e pelas publicações do Ministério da Saúde que o descrevem como uma “estratégia que possibilita a integração e promove a organização das atividades em um território definido (...)”. Entretanto este caráter estratégico auto reinvindicado 133 esbarra no seu caráter focalista, seletivo e na sua forma de financiamento “programático”, impondo uma falsa contraposição entre a Atenção Básica operada nas unidades tradicionais e as equipes do programa. Esbarra também na sua utilização pelos gestores municipais de forma utilitarista. Para Merhy & Franco (2000) o problema apresentado na organização do PSF diz respeito ao alto grau de normatividade na sua implementação. Ressaltam ainda que o formato da equipe, as funções de cada profissional, a estrutura, o cadastramento das famílias, o levantamento dos problemas de saúde existentes no território e os diversos modos de fazer o programa são regulamentados centralmente pelo Ministério da Saúde, o que pode levar ao aborto da construção de modelos alternativos, mesmo que similares à proposta do PSF, engessando–o diante das realidades distintas vividas em diferentes comunidades em todo o território nacional. Os autores são ainda mais críticos ao descreverem que o caráter prescritivo do programa não é muito diferente do modelo atual que infere que consultas e exames são equivalentes a soluções para os problemas de saúde. Concluem desta forma, que o PSF não tenha poder para reverter a configuração do modelo médico hegemônico. Alguns problemas relacionados também ao processo de trabalho, inadequação do modelo à determinadas realidades, resistências corporativas, falta de profissionais capacitados e financiamento insuficiente vão se agudizando e a expansão do PSF vai encontrando resistências maiores nas regiões periféricas dos grandes centros urbanos densamente populosas, onde há uma incipiente rede assistencial básica e uma diversificação maior de determinantes sociais do processo saúde doença. 134 Cabe ressaltar ainda que um dos resultados da descentralização induzida pela NOB 96, diz respeito ao aumento da contratação de prestadores privados no nível local, através de modalidades de gestão do sistema que repassam ao setor privado a assistência médica da população. Isto nos remete a identificação da falsa compatibilidade da descentralização entre as propostas neoliberalizantes e os princípios da Reforma Sanitária. Cabe ressaltar ainda uma importante constatação de Lobato (2001) de que um dos resultados da descentralização induzida pela NOB 96 foi o surgimento de modalidades de gestão do sistema que repassam ao setor privado a assistência médica. Fato este, já esperado pelas diretrizes descentralizantes neoliberal. Abaixo segue um quadro de análise e comparação da evolução dos objetivos, metas e ações do PSF em relação as proposições do Relatório de desenvolvimento Mundial: Investindo em Saúde, 1993. Quadro: 2 Caracterização periódica do PSF Caracterist. Banco Mundial Objetivos - Racionalização do gasto público - facilitar a participação setor privado Adoção de cesta básica 80% pop países em desenvolvimento atendida. Metas Ações propostas Assistência gestante; planejamento familiar e nutrição; transmissão de informação; controle tuberculose; DST; doenças da infância; imunização; saúde na escola; prog. Redução tabaco e álcool; prevenção DST PSF 1994 PSF 1998 Melhorar o estado de saúde da população atendida Contribuir para reorientação do modelo assistencial a partir da atenção básica Atender os brasileiros inscritos no Mapa da Fome IPEA, garantindo o acesso as ações básicas. Informação em saúde e qualidade de vida; atenção integral nas especialidades básicas; prevenção de doenças; apoio diagnóstico (laboratório, radiologia e outros; encaminhamento para consultas especializadas; viabilização de internação hospitalar e remoção de pacientes Estabelecer o PSF como porta de entrada do SUS, garantindo o acesso as ações básicas. Ações Básicas NOB 96: ações educativas; ações preventivas focalizadas sobre grupos de risco para causas evitáveis;incentivo aleitamento; combate doenças diarréicas e IRA crianças; imunização; acompanhamento crescimento desenvolvimento infância; pré natal e controle câncer mama e colo; planejamento familiar; acidentes e doenças ocupacionais; tuberculose; hipertensão e diabettes leves e moderadas; prevenção acidentes por queda, grupos de auto ajuda para e acompanhamento idosos 135 Formas de Acordos econômicos Convênios Institucionalização variável; REFORSUS PAB indução Fonte: Elaboração própria a partir de: Brasil, 1994; 1998;1999; Relatório de desenvolvimento Mundial: Investindo em saúde,1993. 6.4 Expansão induzida pós 1998 Em março de 1998, assumiu o cargo de ministro da saúde o economista José Serra. Existiam neste momento 1.843 Equipes de Saúde da Família implantadas em 649 municípios, cobrindo 6,4 milhões de pessoas. Em fevereiro de 2000, o número de equipes já tinha atingido 5.463 em 4.136 municípios. (Brasil, 2002). O período também contou com o aumento das habilitações dos municípios em uma das condições de gestão descritas na NOB 96, representando um acréscimo expressivo no número de equipes de PSF e conseqüente população coberta. O programa pôde contar com um sistema de informação específico, o Sistema de Informação da Atenção Básica, (SIAB) que propiciou o registro oficial dos dados referentes ao número de equipes de PSF, com a possibilidade de calcular a proporção da população coberta pelo programa e uma gama de indicadores básicos de acompanhamento. O ano de 1998 foi o primeiro em que o PSF teve definido pelo Ministério da Saúde um orçamento específico para o cumprimento das metas de implantação. (Brasil, 2002) Outra indução importante é a revisão do mecanismo de financiamento do PSF, através da edição da Portaria GM/MS Nº 1.329 de 12 de novembro de 1999. Esta portaria estabeleceu faixas de incentivo ao PSF por cobertura populacional, beneficiando os municípios que ampliassem sua cobertura com vistas a 100% da população atendida pelo programa. Desta forma, esta indução beneficiou os municípios menores, pois ampliou os recursos financeiros aos municípios de pequeno e médio porte que, com um número 136 reduzido de equipes, conseguiam coberturas expressivas da população com o PSF. A forma de cálculo de cobertura colocada em prática nesta portaria funcionava da seguinte forma: 1(uma) equipe de PSF seria responsável por, em média 3450 pessoas, sendo que uma equipe poderia atender até 4500 pessoas. Para um município de 10.000 habitantes, considerando a população média para fins de cálculo, 3(três) equipes cobririam 100% da população, tendo com isso, o município direito a faixa mais alta de incentivo financeiro. Considerando um município com mais de 100 mil habitantes, 3 equipes não aumentaria os recursos deste município por faixa de cobertura. Esta forma de incentivo penalizou os municípios mais populosos, das regiões metropolitanas, com problemas diferentes dos apresentados pelos municípios do interior, com uma carência maior de apoio a implantação do programa e conversão de modelo. Em que pesem as diferenças de problemas apresentados por estes grupos de municípios, esta indução tentou dar conta da garantia maior de recursos para contratação e fixação de profissionais nos municípios do interior. Entretanto, percebemos que somente o aumento de recursos não é capaz de resolver problemas mais complexos, que giram em torno da crescente precarização do trabalho operado no sistema de saúde, as determinações de mercado induzidas internacionalmente no sistema e a restrição fiscal vivida por estados e municípios, encaminhada nesta nova fase da reforma fiscal, através da Lei de responsabilidade fiscal. Dando continuidade ao papel das NOBs nos anos 90, em janeiro de 2001 foi publicada a Norma Operacional da Assistência (NOAS), fruto de um intenso debate no decorrer do ano 2000, entre Secretarias do Ministério da Saúde, representantes dos secretários estaduais e municipais de saúde, no âmbito da Comissão Intergestora Tripartite e do Conselho Nacional de Saúde. (Brasil, 2002) No que diz respeito à organização da assistência, a norma enfatiza a importância de qualificar e melhorar a resolubilidade da Atenção Básica, amplia o rol de ações básicas, com relação a NOB/96, e dá maior liberdade aos gestores estaduais e municipais na definição de outras áreas estratégicas, de acordo com suas especificidades locais. (Brasil, 2002). De certa forma isto pode ser considerado um avanço no que diz respeito às limitações impostas 137 pelas normas anteriores, de estreita relação com o processo de reforma do sistema de saúde induzido pelo Banco Mundial na década de noventa. A identificação da crescente resistência à ampliação do PSF nos grandes centros urbanos levou o Ministério da Saúde a procurar mecanismos de indução que dessem conta das principais causas desta resistência. A partir desta constatação foi desenvolvido um conjunto de análises e pesquisas para conhecer as características e determinantes da limitação da expansão do PSF nas regiões metropolitanas. Através de uma pesquisa realizada por Costa & Pinto avaliou-se a descentralização dos serviços de saúde pelo PAB ( ENSP/REFORSUS,2002) no período de 1997 e 1999, comparativamente. Este processo de descentralização teve como característica básica a redistribuição dos recursos para Atenção Básica, favorecendo os municípios de pequeno porte e reduzindo expressivamente as diferenças regionais em relação ao financiamento federal para essa função da atenção à saúde. No Brasil como um todo, os municípios que mais se beneficiaram com a redistribuição de recursos através do PAB foram os municípios com menos de 50.000 habitantes. Em contrapartida, cerca de 30% das cidades com mais de 50.000 hab tiveram o montante de recursos reduzidos. O estudo ainda faz uma conclusão importante acerca da questão de recursos humanos, a variação no emprego na atenção básica e ambulatorial é inversamente associada ao porte populacional do município quando analisados os dados para o total do país: quanto menor o município, maior foi, proporcionalmente, o número de empregos criados na função de atenção à saúde. Todas as regiões do país demonstram essa tendência. As mudanças na regra de financiamento, no entanto, não foram capazes de favorecer a ampliação do PSF nos grandes centros urbanos. Problemas de ordem financeira e estrutural, além da qualificação profissional inviabilizaram sua expansão no ritmo de crescimento dos municípios de pequeno e médio porte. Algumas pesquisas encomendadas pelo Ministério da Saúde como: Avaliação da implantação e funcionamento do Programa Saúde da Família; Avaliação da implementação do Programa Saúde da Família em dez grandes centros urbanos; Determinação e avaliação do custo do Programa Saúde da Família; O Programa de Saúde da Família: evolução de sua implantação, foram 138 desenvolvidas com o objetivo de conhecer melhor os determinantes da expansão do PSF no Brasil e suas limitações, assim como, os custos de implantação nas diferentes realidades de sistemas municipais de saúde. Cabe-nos aqui descrever alguns resultados destas pesquisas, que tem estreita relação com o processo de indução desenvolvido pelo Ministério da Saúde, a partir de então, devido as suas características de busca soluções para a viabilidade da expansão do Saúde da Família nestes municípios. Os resultados da pesquisa, O programa saúde da família: evolução da sua implantação no Brasil, desenvolvida pelo Instituto de Saúde Coletiva da UFBa, trouxe alguns pontos importantes para entender também o processo de descentralização de recursos PAB: • A partir de 1998, os municípios que implantavam PSF com altas taxas de coberturas, de uma só vez (acima de 70%), tiveram um acréscimo significativo após 1999 até 2001. Perfazendo, 24% em 1998, 29,6% em 1999, 49,4% em 2000, chegando a 60% em 2001. • O programa neste período apresentou um processo de implantação caracterizado, primeiramente, pela precocidade de implantação nos grandes municípios, localizados nas regiões metropolitanas sem, contudo, alcançar coberturas expressivas. Somadas a isso, houve uma grande ampliação da cobertura do programa em municípios pequenos. A pesquisa sugere que, para explicar a resistência à expansão do programa em grandes centros urbanos, a estreita relação com a portaria 1329 de novembro de 1999 que versa sobre o incentivo sobre faixa de cobertura, que penalizaria estes municípios. Sugere também que um dos principais empecilhos a implantação do PSF seria a resistência a conversão de modelo pela estrutura de serviços de saúde pré existentes. Resultados da pesquisa Avaliação da implementação do Programa Saúde da Família em dez grandes centros urbanos: 139 Um ponto importante para destacar nesta pesquisa foi a identificação de que em municípios que possuíam Sistemas Locais de Saúde, o PSF encontrou maior resistência à sua implantação. Em geral, a análise sugeriu que em municípios com SILOS melhor estruturados e com oferta de Atenção Básica, as resistências a implantação do programa foram maiores do que nos casos em que significou, predominantemente, extensão de cobertura às áreas desassistidas. Fato este indicativo de que pode haver uma incompatibilidade na forma de indução operada pelo Ministério da Saúde e/ou com o modelo de Saúde da Família induzido. Outro trabalho importante foi pesquisa Determinação e Avaliação do custo do Programa Saúde da Família, desenvolvida pelo consorcio Fundação Getúlio Vargas. Esta pesquisa teve o objetivo de apurar o custo atual e potencial do conjunto de ações contempladas pelo PSF. Problema este que insidia diretamente na estruturação de novas equipes nos municípios, que reivindicavam um maior aporte de recursos e a participação dos estados neste custeio. Os resultados deste trabalho indicaram o custo mensal de uma equipe de PSF, por pessoa assistida e porte populacional do município. Constatou-se também que as disparidades regionais entre equipes são tão acentuadas quanto as diferenças entre equipes de um mesmo município e de municípios da mesma região. Evidenciou-se também custos variados entre regiões, entre equipes da mesma região e entre equipes de um mesmo município. Esses e outros levantamentos feitos pelo Ministério da Saúde em parceria com instituições de ensino evidenciaram a necessidade de formulação de estratégias que dessem um apoio maior a esses municípios, levando em consideração os principais problemas para implantar o programa, de forma mais homogênea no território e respeitando suas realidades locais, principalmente, os municípios de grande porte. Nessa perspectiva, é que foi concebido o Programa de Expansão e Consolidação da Saúde da Família (PROESF). Um acordo de empréstimo número 7105-Br entre a República Federativa do Brasil e o Banco Mundial (BIRD), voltada para a organização e o fortalecimento da Atenção Básica no país. Datado de 26 de setembro de 2002, este acordo foi uma iniciativa do 140 Ministério da Saúde com vistas a contribuir para a implantação e consolidação da Estratégia Saúde da Família no Brasil. Não iremos considerar os termos deste acordo para continuidade deste trabalho devido ao seu processo ainda estar em andamento. Contudo, ele demarca um período de continuidade de esforços para a ampliação da cobertura do PSF no Brasil, de forma impositiva de um modelo que tem suas restrições de funcionamento em determinadas realidades locais. A proposta do PROESF sinaliza também um continuísmo insistente de que o êxito para implantação do Saúde da Família, depende apenas de recursos financeiros para sua sustentabilidade. 6.5 - Comportamento Organizacional do Ministério da Saúde Outro critério importante para analisar as características do processo de indução da Atenção Básica no Brasil, no período de 1994-2001, é a partir da verificação de que forma se organizou a estrutura do Ministério da Saúde para dar subsídios ao processo de implantação do PSF no país. Esta análise não é objetivo deste trabalho, contudo, pontuar os caminhos percorridos pelo setor responsável por este processo de implantação, pode nos indicar opções escolhidas. De certa forma, a Atenção Básica era operada de maneira muito fragmentada, sem uma especificação de que estrutura seria responsável pela sua integração e interlocução política. Sabemos que a opção de política de saúde, por parte do governo, não era muito clara, tendo uma maior definição política a partir de 1995, com o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Entretanto, o modelo de atenção básica desenvolvida e que estava sendo estimulado, a partir de então, era restrita à população em condições de indigência. A opção pelo PSF acabou por descartar as outras formas de organizar a Atenção Básica no País, impondo-se um modelo que originalmente nasceu focalista e seletivo. No período em questão, a estrutura do Ministério da Saúde se desenvolveu da forma apresentada no quadro abaixo: 141 Quadro:3 Caracterização do desenvolvimento organizacional do PSF (1994-2000) Características 1994 1995 1999 2000 Cobertura % 1,1 2,5 14,7 45,4 Porte Pequenos e médios Pequenos e médios Médios e grandes Médios e grandes FUNASA/ SAS/ SAS/ Secretaria do PSF município Vinculação administrativa no M.S Coordenação de Saúde da Coordenação de Atenção Básica ao _ de Políticas de Saúde/ Departamento Comunidade Estratégias acopladas Coordenação de PSF de Atenção Básica Pólos de Pólos Capacitação em Capacitação em S.F; Capacitação; SIAB e Pacto da PACTO; Atenção Básica fornecimento PSF PSF de Pólos de SIAB; de medicamentos para equipes; Saúde bucal. Regras de Convênios repasses referenciada FNS a FMS após remuneração habilitação NOB 96 por serviços produzidos financeiros estratégia Convênio até 95 e FNS-FMS via PAB em 98 via PAB a partir 96 Programa focal Estratégia focal Estratégia Estratégia estruturante estruturante Fonte: Elaboração própria a partir dos Relatórios de pesquisa; Saúde da Família evolução da implantação; Indicadores de monitoramento da implementação do PSF em Grandes Centros Urbanos e quadro apresentado conduzidos pelo DAB/SPS/MS. Tese doutoramento Machado, 2005. Relatório de Gestão MS (1994-2002); Relatório de Gestão (1998-2001) MS/SAS. A primeira vinculação administrativa do PSF foi na Fundação Nacional de Saúde(FUNASA), órgão responsável pela coordenação das ações programáticas. Funcionava dentro do departamento de Operações, uma gerência específica para o programa, Coordenação de Saúde da Comunidade (COSAC), que agregava mais dois programas além do PSF, o PACS e o Programa de Interiorização do SUS. (DAL’POZ & VIANA, 1998) Em 1995, quando Fernando Henrique Cardoso assumia a presidência da república, com Adib Jatene no Ministério da Saúde, a política social, em conseqüência, a política de saúde, já havia sido encaminhada, desde sua participação como Ministro da Fazenda. Com isso, houve um maior empenho do Ministério da Saúde em romper com as características de programa vertical, operada através de convênios do PSF, apontando para um novo tipo de 142 institucionalização do programa. (VIANA & DAL’POZ, 1998; SINGER, 1999). Neste contexto, o PSF é transferido da Fundação Nacional de Saúde para a Secretaria de Assistência à Saúde (SAS), com o objetivo do rompimento da idéia de programa, contudo, ainda operacionalizado como tal. Em 1999, a Coordenação Nacional de PSF foi transformada em Coordenação de Atenção Básica, que logo depois seria transformada em departamento com estrutura de 3 (três) Coordenações.(Brasil, 2002). Com o claro objetivo de ampliar conceitualmente sua abrangência. Outra mudança na vinculação administrativa importante foi a mudança de status da Atenção Básica, que saiu da Secretaria de Assistência à Saúde, passando para a Secretaria de Políticas de Saúde e mudando de Coordenação de Atenção Básica para Departamento de Atenção Básica em 2000, com o objetivo de reforçar ainda mais a consolidação do Saúde da Família como estratégia estruturante e política do SUS. (Portaria GM/MS nº 124 de 16 de fevereiro de 2000). Estes marcos organizativos caminharam juntos dos esforços e proposições de estabelecimento da Atenção Básica no Brasil, tendo como eixo central de estruturação o Saúde da Família que, ao longo da década de 1990, vem tentando se estabelecer enquanto estratégia estruturante do Sistema Único de Saúde. 143 CONSIDERAÇÕES FINAIS Um olhar sobre a evolução do sistema de saúde no Brasil nos remete ao seu complexo embate de construção de viabilidade. Remete também aos modelos de políticas sociais construídos ao longo dos tempos, com objetivos de atender a interesses das elites econômicas, deixando em segundo plano o atendimento das necessidades da população. Um olhar sobre as necessidades de saúde da população evidencia diferentes determinantes, na sua grande maioria, fruto da grande desigualdade de distribuição das riquezas no país, com a conseqüente desigualdade social. Durante o período estudado evidenciamos um processo de construção do Sistema Nacional de Saúde brasileiro de forma a atender a população indiscriminadamente, com o objetivo de garantir um sistema público, universal, integral e capaz de minimizar as iniqüidades presentes na sociedade. Algumas estratégias se destacaram na tentativa de garantir tais objetivos, contudo, encontraram pela frente, políticas que indicavam profundos e sucessivos ajustamentos estruturais das instituições e do funcionamento do Estado. Estas políticas, na década de noventa, envolveram reformas mais profundas do que as reformas evidenciadas na década anterior, e não tão somente mudanças de ordem econômica, no conjunto, foram operadas reformas setoriais, condicionadas. O que percebemos, ao analisar os documentos de referência para este novo padrão de reforma, é que se mantém um padrão de não inclusão de objetivos distributivos nos programas de ajuste. A estratégia utilizada para o resgate da dívida social foi através da formulação de programas e projetos focalizados e seletivos, destinados à proteção dos pobres e das populações em condição de indigência, 144 fundamentada no conceito de justiça de mercado. Este conceito de justiça vem demonstrando-se ineficaz para o enfrentamento da pobreza ao longo dos tempos. Desta forma, a política de saúde foi incorporada pela agenda econômica, assumindo um lugar de destaque nesta agenda, com o principal objetivo de racionalização dos custos para a sua plena utilização pelo mercado. Com isso, os sistemas nacionais de saúde dos países em desenvolvimento, foram alvos de um conjunto de proposições elaboradas em meio ao contexto macroeconômico de ajuste. Todavia, o processo de construção nacional de uma agenda de reformas demonstrou-se resistente as imposições destas agências, configurando-se em potentes nichos de resistência dentro do sistema público de saúde no Brasil. Impulsionados pelo processo de democratização do Estado brasileiro, puderam asseguraram alguns princípios basilares do sistema de saúde, consagrados pela Constituição brasileira e Leis complementares. É dentro deste contexto que foi formulado o Programa Saúde da Família, em um período de adoção de uma política macroeconômica de intensos ajustes fiscais e estruturais, consensuada entre o Governo brasileiro e os organismos financeiros internacionais. De outro lado um movimento de Reforma Sanitária, reforçado pelo processo de democratização do Estado brasileiro, capaz de se consolidar como um movimento contra hegemônico do período. Inicialmente a proposta foi concebida enquanto programa focal e seletivo, mas com um suporte conceitual de quebra de paradigmas, conquistado ao longo das experiências locais dos SILOS e distritos sanitários, construídos e experimentados durante o processo de Reforma Sanitária. 145 Ao longo da década de noventa o programa veio adquirindo um maior suporte conceitual e legitimidade, assumindo características estratégicas reestruturadoras do sistema, inspirado nos princípios constitucionais. Estimulou e amadureceu discussões referentes as formas de financiamento do sistema público de saúde, integração da rede assistencial, adequação do processo de trabalho, qualificação e formação de recursos humanos. Uma das principais conquistas do PSF foi a ampliação da discussão da mudança de modelo assistencial e o conseqüente reforço para quebra deste paradigma. A cada norma operacional editada, após a institucionalização do PSF, tinham claramente expressas suas influências, configurando-se em um processo de maturação da estratégia, na medida em que eram preenchidas lacunas organizativas da Atenção Básica de estreita relação com o programa. A NOB de 1996, resguardados suas alterações e a NOB 01, configuraram-se em potentes ferramentas para a organização e gestão da Atenção Básica, contudo, com grande influência das diretrizes políticas da época. O espaço de formulação das NOBs constituiu-se em uma arena de defesa pactuação dos diferentes interesses. A relação estabelecida entre o PSF, no período de formulação e institucionalização, e o contexto político em que se encontrava o Brasil, submisso aos ditames das instituições financeiras internacionais, acabou por imprimir um nível de influência que pode ser descrito como uma relação parcial de adoção do modelo de reforma de sistemas de saúde induzido pelas agências internacionais. Essa relação parcial apresentou-se da seguinte forma: 1. Na medida em que se apresentou focalizado em populações específicas, e seletivo na relação estabelecida entre seus procedimentos 146 e o nível de racionalização requerido, controle da oferta em função dos custos; 2. Nas suas características essencialmente normativas e verticalizadas; 3. Na indução financeira perversa que estimula sua implantação pelos gestores e políticos de maneira utilitarista, desconsiderando modelos alternativos constituídos localmente; 4. Estreita relação do pacote essencial básico do Banco Mundial com as ações do programa normatizadas nacionalmente; 5. A precarização do vínculo empregatício dos profissionais envolvidos com a estratégia, e o fomento por parte do Ministério da Saúde de utilização de contratações via terceiro setor em contraposição ao estabelecimento de concurso público, vide a regulamentação da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP9) Na análise desenvolvida por este trabalho, percebemos que inicialmente as propostas precursoras da sistematização e organização do PSF, como o PACS, nasceram de propostas seletivas e focais, transferindo parte de suas características 9 A OSCIP foi criada pela Lei nº 9.790 de 23 de março de 1999 e regulamentada pelo decreto 3.100, de 30 de junho de 1999. A OCIP é um título fornecido pelo Ministério da Justiça do Brasil cuja finalidade é facilitar o aparecimento de parcerias e convênios com todos os níveis de governo e órgãos públicos (federal, estadual e municipal). Outras formas de contratação também foram estimuladas pelo Ministério da Saúde, como contratações temporárias e cargos comissionados, contudo, recebendo pareceres negativos do Tribunal de Contas da União devido a sua não conformidade com o princípio constitucional de seleção do servidor público. 147 referenciais. O processo de implantação inicial do PSF não foi identificada como estratégia estruturante do sistema de saúde. Fato este, evidenciado a partir de suas próprias definições institucionais ao longo de sua trajetória na década de noventa. Sua identificação enquanto estratégia para reestruturação do modelo assistencial só ocorreu a partir de 1998, após discussões e encaminhamentos da NOB 96 e a assunção do seu caráter estratégico, oficialmente pelo Ministério da Saúde. Seu processo de maturação foi se dando na medida em que se encontravam pela frente diferentes sistemas locais de saúde, requerendo a incorporação de estratégias diferenciadas e tecnologias apropriadas. Assim como, a defesa incondicional dos princípios constitucionais do SUS pelos de atores que participaram do movimento sanitário. Na retórica neoliberal evidencia-se a defesa do SUS, contudo os princípios são reinterpretados, permitindo um novo processo de reimplantação desses, segundo a lógica do sistema econômico, descaracterizando a proposta inicial, elaborada pelo Projeto de Reforma Sanitária brasileiro. Estudar os aspectos políticos e institucionais que envolveram a criação do PSF e sua implementação na década de noventa, possibilitou a identificação de questões políticas, ideológicas e econômicas embutidas, bem como sua relação com o projeto de desenvolvimento econômico que norteia o crescimento do país. De certo, o SUS no período em questão, sofreu sucessivos ataques a sua proposta de construção de um sistema universal, equânime e integral, em um país marcado por enormes desigualdades sociais e extremamente populoso. Entretanto, seu êxito reside na perspectiva de construção de um Estado forte e capaz de formular políticas públicas voltadas para o enfrentamento da exclusão social, causada pelo modelo econômico de desenvolvimento. Isso implicaria na 148 reformulação dos compromissos assumidos com a ordem econômica instituída, vislumbrando uma integração de simbiose entre política econômica e política social. 149 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACTIONAID. 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