Livro Completo
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Emprego, Trabalho e Políticas Públicas 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 1 18/6/2009 09:47:22 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 2 18/6/2009 09:47:23 Júnior Macambira Liana Maria da Frota Carleial ORGANIZADORES Emprego, Trabalho e Políticas Públicas Fortaleza 2009 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 3 18/6/2009 09:47:23 Emprego, Trabalho e Políticas Públicas © 2009 Júnior Macambira e Liana Maria da Frota Carleial (Orgs.) TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AOS AUTORES REVISÃO DE TEXTO MARIA LUÍSA VAZ COSTA NORMALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICA PAULA PINHEIRO DA NÓBREGA PROGRAMAÇÃO VISUAL E DIAGRAMAÇÃO LUIZ CARLOS AZEVEDO CAPA HERON CRUZ Catalogação na Fonte E 55e Emprego, trabalho e políticas públicas./ Júnior Macambira, Liana Maria da Frota Carleial, organizadores; [autores] Carlos Alberto Ramos ... [et al] – Fortaleza: Instituto de Desenvolvimento do Trabalho, Banco do Nordeste do Brasil, 2009. 468 p.: il. ISBN: 978-85-7563-202-4 1. Emprego 2. Trabalho 3. Políticas Públicas I. Macambira, Júnior II. Carleial, Liana Maria da Frota III. Ramos, Carlos Alberto CDD: 331.1 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 4 18/6/2009 09:47:23 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ..........................................................7 1 AUGE E DECADÊNCIA DAS POLÍTICAS DE EMPREGO NO BRASIL Carlos Alberto Ramos .......................................................29 2 O SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO E A ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO Claudio Salvadori Dedecca ...............................................49 3 OLHARES SOBRE A RECENTE POLÍTICA DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: CONTROLE SOCIAL E REORIENTAÇÃO Tarcisio Patricio de Araújo Roberto Alves de Lima .....................................................77 4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRABALHO E RENDA EM CONTEXTO DE BAIXO CRESCIMENTO ECONÔMICO: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA RECENTE José Celso Cardoso Jr Roberto Gonzalez Franco de Matos ..............................................................123 5 IMPACTO DA ESPECIALIZAÇÃO INDUSTRIAL E DOS ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS SOBRE A ECONOMIA DE ESCALA NAS MICRORREGIÕES CEARENSES Francisco de Assis Soares Elton Eduardo Freitas Sandra Maria dos Santos Júnior Macambira ...........................................................181 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 5 18/6/2009 09:47:23 6 DINÂMICA DO EMPREGO INDUSTRIAL NO BRASIL ENTRE 1990 E 2007: UMA VISÂO REGIONAL DA DESINDUSTRIALIZAÇÃO Bruno de Oliveira Cruz Iury Roberto Soares Santos .............................................211 7 PAPEL DOS SERVIÇOS NO DESENVOLVIMENTO REGIONAL BRASILEIRO APÓS 1990 Ricardo Azevedo Silva ....................................................261 8 A RECENTE QUEDA DO ÍNDICE DE CONCENTRAÇÃO DA RENDA NO BRASIL ALTEROU A ESTRUTURA DA DISTRIBUIÇÃO DE RENDA? Maria Cristina Cacciamali Vladimir Sipriano Camillo ..............................................311 9 DINÂMICA DO MERCADO DE TRABALHO DAS CLASSES OCUPACIONAIS NO BRASIL: 1981 A 2007 Alexandre Gori Maia ......................................................345 10 SETOR INFORMAL: CONCEPÇÕES TEÓRICAS E CONVENIÊNCIAS IDEOLÓGICAS Fernando J. Pires de Sousa ..............................................363 11 MODERNIZAR SEM EXCLUIR Marcio Pochmann ...........................................................397 12 IMPACTOS DA FINANCEIRIZAÇÃO NO MUNDO DO TRABALHO Cássio da Silva Calvete ...................................................421 13 CONHECIMENTO, FIRMAS-REDE E O (ANTI)-TRABALHADOR COLETIVO E SOCIAL Liana Maria da Frota Carleial .........................................445 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 6 18/6/2009 09:47:23 APRESENTAÇÃO Carlos Alberto Ramos abre o livro com o ensaio “Auge e decadência das políticas de emprego no Brasil”, lançando questionamentos quanto à capacidade das políticas de emprego de influir decisivamente na trajetória do emprego da força de trabalho. Ao resgatar os embates teóricos em torno das políticas ativas de emprego, o autor mostra como os modelos de interpretação macroeconômica – clássico e keynesiano – estabeleceram uma hegemonia oscilante ao longo das últimas décadas. O autor inicia uma abordagem que é o fio condutor do livro, trabalhando com o pano de fundo das mutações do capitalismo contemporâneo. É a entrada em cena de categorias que figuram como personae dramatis obrigatórias nos embates do pensamento econômico deste último fin de siècle. A crise de acumulação moldada pela “regulação” fordista e o desgaste político do modelo keynesiano são marcos referenciais. Sua análise da dinâmica econômica levanta a discussão em torno da taxa de salário, penetrando nas construções teóricas e no rebatimento dos modelos macroeconômicos adotados. Mostra-nos como a “vingança clássica” desenhada pelo horizonte neoliberal produziu um efeito direto sobre as políticas públicas de emprego. Meio século após a Teoria Geral de Keynes, novamente os desempregados não são “empregáveis” e os problemas do desemprego passaram a ser localizados no mercado de trabalho, e não na macroeconomia. Esse tipo de pensamento sustentou o auge das políticas de qualificação. 7 Por outro lado, a queda vertiginosa da participação dos gastos com qualificação no Brasil, entre 1996 e 2007, mostra que a aparência desse fenômeno exige desvelar as razões por trás da estatística. O que ocorreu com as políticas de emprego? O aparente descolamento entre a variação do emprego formal e o nível de crescimento econômico que “pareceu” justificar as políticas ativas de emprego e seus vultosos recursos, na segunda metade dos anos 1990, teve sua correla- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 7 18/6/2009 09:47:23 ção invertida nos anos 2000. Diante disso, a argumentação clássica para as políticas ativas de formação profissional se esvaziou junto com a queda dos recursos aplicados. O autor conclui com uma referência incisiva: “A trajetória do emprego, como Keynes sempre imaginou, depende, de forma crucial, das decisões tomadas no Ministério da Fazenda e no Banco Central, limitando-se o Ministério do Trabalho a comemorar números cujas causas últimas estão fora de seu âmbito de atuação.” Ao concluir, o autor também deixa no ar uma série de desafios a serem enfrentados, alguns dos quais o leitor atento perceberá que reaparecem na sequência dos artigos deste capítulo e nos seguintes. 8 A reflexão de Claudio Dedecca ataca um dos problemas centrais das políticas públicas de trabalho no Brasil: seu caráter meramente compensatório e desarticulado com relação a outras políticas econômicas e sociais. Em seu ensaio “O sistema público de emprego e a estratégia de desenvolvimento” destaca a importância de pensar a política pública de emprego numa ótica diferente daquela que prevaleceu até o presente. As possibilidades de construir uma alternativa de desenvolvimento passam por essa questão. Para guiar o leitor nesse percurso o autor realiza uma série de análises críticas sobre o sistema público de emprego, o que, num sentido rigoroso, funciona como mediação para os diferentes momentos da sua argumentação. Considerando sempre o contexto mais amplo do modelo de desenvolvimento para o País, o autor mostra de que modo as políticas públicas de emprego podem contribuir para superar velhos problemas sociais acumulados por processos excludentes de crescimento econômico, propondo para isso uma reviravolta radical na concepção atual das políticas de trabalho: “Uma política de emprego, trabalho e renda associada a uma perspectiva de desenvolvimento que relacione fortalecimento do mercado de trabalho, melhores condições de trabalho e menor desigualdade de renda”. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 8 18/6/2009 09:47:23 A proposta é pensar de forma sistêmica o papel do sistema público de emprego, situando sua função em articulação com as estratégias setoriais de investimentos, integrando os programas de emprego e qualificação profissional com os mecanismos de financiamento público, com as políticas tributárias e de renda, com as políticas setoriais e sociais (industrial, agrícola, de saúde, de habitação etc.), e com os mecanismos de inclusão social. Todos esses vetores devem convergir para uma macroestratégia de desenvolvimento de longo prazo. O realinhamento do sistema público de emprego com o enfoque de desenvolvimento e fortalecimento do mercado de trabalho exige, assim, a superação dos limites que o mantiveram incompleto e aprisionado a uma política de trabalho “descolada” dos objetivos macroeconômicos. Claudio Dedecca caracteriza com precisão como a ausência de um norte estratégico de desenvolvimento faz com que as políticas de trabalho sejam marcadamente compensatórias, espasmódicas e erráticas. O ensaio de Tarcisio Araújo e Roberto de Lima, “Olhares sobre a recente política de qualificação profissional no Brasil: controle social e reorientação”, promove uma reflexão sobre as promessas não realizadas de inovações institucionais e metodológicas da política nacional de qualificação profissional brasileira. 9 Para os autores, o programa nacional de qualificação profissional teria esboçado pouca inovação com relação aos aparatos já existentes, como o tradicional “Sistema S”, tendo havido algo de positivo apenas em direção à exigência de maior carga horária dos cursos com vistas a superar as debilidades agudas de um tipo de “qualificação para a obsolescência”, que foi marcante em cursos de baixa carga horária e de caráter mais informativo que formativo. No entanto, os obstáculos constatados pelos autores apontam a direção da “construção de um adequado sistema de acompanhamento e avaliação e da introdução de procedimentos com vistas à adequação do conteúdo dos diversos cursos [...] a uma maior carga horária.” Na medida em que constatam que “nenhum 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 9 18/6/2009 09:47:23 desses dois requisitos está em operação” propõem uma pauta para realinhar a política de qualificação na direção de incorporar elementos de real inovação aos instrumentos de qualificação pré-existentes. O avanço conceitual no plano pedagógico é pensado pelos autores como possível, desde que seja realizado um mergulho efetivo nos conteúdos e práticas dos cursos de qualificação. Ora, mas a pré-condição desse aprofundamento exige um sistema de avaliação e controle social radicalmente novo. 10 Necessário reconhecer que, como dizem os autores, “a política de qualificação profissional é, em si, limitada diante da dimensão dos problemas que se revelam no mercado de trabalho (desemprego e precarização de parcela expressiva da força de trabalho)”. Diante dessa condição frágil, fica o alerta do artigo para a necessidade de reavaliar mais profundamente os métodos da política de qualificação: “É premente a necessidade de uma reorientação da política pública de qualificação profissional no Brasil.” Fica implícito que as inovações no campo conceitual e do controle social dependem do tipo de articulação mais ampla entre a política nacional de qualificação com uma estratégia bem definida de melhoria das condições gerais do mercado de trabalho. O ensaio de Cardoso, Gonzalez e Matos, “Políticas públicas de trabalho e renda em contexto de baixo crescimento econômico: a experiência brasileira recente”, retoma questões abordadas por outros autores, resgatando a trajetória do sistema público de emprego durante a conjuntura de baixo crescimento econômico e crescimento do desemprego que prevaleceu na economia brasileira a partir dos anos 90. Além disso, a contradição explícita entre os princípios propugnados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o limitado alcance das políticas de trabalho e combate ao quadro de precarização do trabalho no Brasil mereceu especial atenção por parte dos autores. Essa consideração é, em certa medida, a base de referência para a avaliação institucional do SPTR e dos desafios futuros a serem enfrentados. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 10 18/6/2009 09:47:23 Originados na década de 70, através do Sistema Nacional de Emprego (SINE), foi diante da pressão da conjuntura adversa nos anos 90 que os elementos fundamentais das políticas públicas de trabalho foram articulados, de forma ainda incompleta. Mas os autores também lançam seu olhar para além desse período adverso e vislumbram novas tarefas e desafios para o Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda (SPETR) diante da possibilidade de retomada do crescimento econômico. Essa linha de argumentação conecta-se com outras desenvolvidas neste livro. O sentido é que, para além das alternativas adotadas no ciclo recessivo, cabe pensar o redesenho das políticas de trabalho a partir das novas possibilidades apresentadas pela economia brasileira. Essa é uma das razões da detalhada análise da série histórica em questão. O ensaio aponta na direção da revisão das políticas até aqui adotadas, preparando o SPETR para as condições de crescimento. Por outro lado, o balanço da sua estruturação, em suas dimensões de intermediação, qualificação e promoção de trabalho e renda mostram que o atual quadro institucional permanece incompleto, embora tenha ampliado algumas de suas funções ao longo das últimas décadas. Por outro lado, o desenvolvimento do mecanismo de financiamento expresso no Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) exige novas definições diante das enormes tarefas que se projetam no horizonte, entre elas a necessária articulação do mundo do trabalho e suas instituições com as instâncias decisivas para a política econômica. A informalidade, a heterogeneidade laboral e a baixa capacidade do sistema em captar vagas no setor formal expõem a debilidade crônica do SPETR para lidar com os principais problemas do mercado de trabalho brasileiro. Seu reaparelhamento e reorientação são considerados fundamentais pelos autores para articulá-lo com os projetos de desenvolvimento social do País. 11 Não menos importante é a necessidade de uma nova política de financiamento que permitiria intervenções mais efetivas no mercado de trabalho, como alertam os autores: 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 11 18/6/2009 09:47:23 “Independentemente da alternativa que vier a ser adotada, ela já se faz realmente premente na situação atual, que é de esgotamento dos esquemas vigentes de financiamento das políticas do SPETR. Esgotamento este que já se dá num contexto de pressão política tanto para a criação de novos tipos de serviços quanto para a expansão dos serviços tradicionais, em direção a segmentos populacionais até então à margem das políticas, o que certamente implicará grande fonte de tensão sobre os recursos existentes.” Portanto, a reorientação do SPTR na direção de políticas mais amplas e inclusivas torna intangenciável a discussão sobre as formas de financiamento correspondentes com esse objetivo. 12 No ensaio “Impacto da especialização industrial e dos arranjos produtivos locais sobre a economia de escala nas microrregiões cearenses”, Soares et alli realizam um interessante estudo de economia industrial aplicada, com vistas a desenvolver uma metodologia de otimização dos aspectos espaciais da industria, tomando como base as indústrias cearenses a partir de dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) /Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED). Seu principal mérito é desenhar uma metodologia que leva em consideração os Arranjos Produtivos Locais (APLs) como contexto diferencial na análise do perfil industrial. Partindo da hipótese de que a existência de APL tende a reduzir o efeito escala, os autores alcançaram resultados que indicam “algumas diferenças entre as regiões com APL e sem APL. Por exemplo, as regiões com APL têm como principal agente empregador as micro, pequenas e médias empresas e, além disso, apresentam menores salários e a mão-de-obra é menos qualificada em relação aos demais tipos de regiões especializadas no Ceará.” Os autores contribuem para a compressão analítica dos processos de migração industrial para o Nordeste, principal receptor de indústrias intensivas em trabalho, oriundas do Sul e Sudeste do País durante os anos 1990. Ao observar que o padrão de especialização identificado pelas características in- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 12 18/6/2009 09:47:23 dustriais e pelas especificidades regionais amplia o efeito da especialização sobre a escala, os autores revelam que a dinâmica produtiva de uma localidade depende em grande parte do padrão produtivo da indústria e das vantagens oferecidas pela localização regional. Assim, a aplicação da metodologia permite aos formuladores de política industrial organizar uma política de localização produtiva com maior eficiência de longo prazo, induzindo o processo de crescimento regional e reduzindo as desigualdades econômicas entre regiões. No ensaio “Dinâmica do Emprego Industrial no Brasil entre 1990 e 2007: uma visão regional da “desindustrialização”, Bruno de Oliveira Cruz e Iury Roberto Soares dos Santos enfocam a questão da “desindustrialização” sob a perspectiva da redistribuição espacial da indústria no Brasil, analisando como esse processo de reestruturação se situa em relação à configuração espacial da indústria no Brasil. A partir da dinâmica espacial do emprego entre regiões os autores revelam as estratégias locacionais dos capitais industriais particulares e as novas configurações industriais. Onde num lugar definha o emprego industrial, logo adiante surge como pujante expansão, seguindo um movimento incessante de busca de vantagens econômico-espaciais. 13 O processo de perda de participação do setor industrial na economia brasileira tem uma de suas componentes na distribuição da indústria em termos regionais. Assim, ao identificar microrregiões ganhadoras e perdedoras de emprego industrial formal os autores fornecem a nova geografia do capital industrial. Entre as conclusões mais relevantes está a que mostra que regiões com uma base industrial relevante, como no interior de São Paulo, “ainda que tenham reduzido sua participação no emprego industrial, se especializaram em indústrias de maior conteúdo tecnológico. Em vários casos, houve ganhos de empregos industriais nestas indústrias capital-intensivo.” Ou seja, a reestruturação industrial não corresponde apenas a uma periferização com o esvaziamento dos tradicionais centros industriais, mas representa uma nova divisão 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 13 18/6/2009 09:47:23 espacial do trabalho industrial. Para além da guerra fiscal, é destacado pelos autores que entre “as regiões ganhadoras de emprego industrial no período, uma conclusão é que para as indústrias de maior conteúdo tecnológico as economias de aglomeração parecem ser mais importantes que incentivos fiscais, ou mesmo, tais incentivos parecem ser efetivos para este tipo de indústrias quando já existir na região uma base industrial importante.” 14 Outro aspecto refere-se a qualificar melhor a “descentralização” quando se considera o processo a partir de microrregiões industriais, pois embora fique evidenciada a perda de importância das Regiões Metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro, os autores destacam a expansão “de microrregiões industriais no Centro-Oeste, em direção à região Sul, em especial no Paraná e Santa Catarina.” Por outro lado, a distribuição em direção ao Noroeste é marcante no período pós-1990, com ênfase em indústrias de baixo conteúdo tecnológico. No estudo os autores reforçam a conclusão de que para as indústrias de maior conteúdo tecnológico as economias de aglomeração permanecem mais importantes que incentivos fiscais, ou que estes são mais efetivos quando já existir na região uma base industrial importante. Um aspecto que não passa despercebido diz respeito às mudanças na geografia do trabalho industrial, mostrando as alterações no perfil da classe operária a partir das microrregiões. A produção de uma “população para o capital” é um dos resultados imediatos do realinhamento espacial da indústria com um conjunto de repercussões na configuração das redes urbanas e no seu tecido social. Ricardo Silva, no seu ensaio “Papel dos Serviços no desenvolvimento regional brasileiro após 1990”, estabelece uma ponte com a discussão anterior, conectando o tema da desindustrialização ao da expansão dos serviços. Outro ponto de contato é a abordagem centrada nas novas espacialidades regionais. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 14 18/6/2009 09:47:23 Em vários sentidos, o intento de decifrar o “enigma” do terciário, por parte do autor, articula-se com a compreensão mais detalhada das formas de trabalho na economia brasileira durante a década da reestruturação. Partindo deste ponto o autor lança três instigantes indagações: a primeira, sobre a relação entre o terciário e os setores dinâmicos da acumulação na economia brasileira. A segunda, relacionada à expansão do terciário vinculado às estratégias de sobrevivência urbana. A terceira, sobre a dinâmica regional do terciário. O processo de reestruturação capitalista no Brasil, estreitamente vinculado a contextos de crise econômica, evidenciou uma forte tendência de centralização dos capitais em alguns setores particulares. Essa centralização, que correspondeu ao crescimento em meio à crise, teve papel relevante para explicar a expansão dos serviços. É o que destaca o autor ao dar ênfase aos serviços ligados ao capital oligopólico como tendo “desempenhado um papel decisivo” nesse processo. Neste sentido, o reordenamento espacial da economia e as novas formas de inter-relacionamento setorial vêm exercendo efeitos sobre a localização de muitas atividades econômicas. O elemento marcante dessa dinâmica espacial de regiões e unidades da federação continua a ser a lógica do desenvolvimento desigual. O terciário também se situa nesse âmbito. Outro importante resultado alcançado pelo autor diz respeito à discussão do grau de sinergia entre setores. 15 O ensaio mostra que o terciário captado nas estatísticas – que obviamente não revela toda a sua dimensão – é determinado pela expansão dos outros dois grandes setores da economia: a agropecuária e a indústria. Assim, a tendência de crescente importância do terciário no que diz respeito ao volume de empregos não deve ser confundida com a sua “autonomização” no sentido de ditar a dinâmica e o sentido do desenvolvimento econômico. A principal evidência apresentada pelo autor mostra a ampliação do emprego da força de trabalho no terciário dos anos 1990, “seja em termos absolutos (acréscimo de 15,76 milhões de ocupações), seja em percentuais.” A formalização 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 15 18/6/2009 09:47:23 das ocupações do terciário também merece atenção, principalmente nos serviços distributivos. A desigualdade espacial da qualidade dessa expansão também é perceptível nas estatísticas, na medida em que “em todas as categorias as regiões Norte e Nordeste apresentaram as maiores taxas de ocupados sem contribuição.” 16 Outras tendências apresentadas no ensaio mostram que a intensidade da reestruturação promoveu uma alteração qualitativa na composição dos empregos do terciário durante o processo de expansão: “Os setores do Terciário que apresentaram maior dinamismo em termos de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) (Comunicações, Transportes & Armazenagem & Alojamento e Alimentação) e nos quais o processo de modernização foi mais intenso não eram os com maior representatividade na geração do PIB da economia brasileira.” A modernização corresponde, em muitos casos, a processos de centralização de capital e expansão oligopólica no interior do terciário. Retomando a perspectiva de ensaios anteriores, o autor reforça a necessidade de uma abordagem sistêmica, destacando a importância da política macroeconômica e do papel do Estado na reorientação das atividades econômicas no País, com ênfase no setor agrícola e industrial. Cristina Cacciamali e Vladimir Camillo trazem, desde o título, um questionamento: “A recente queda do índice de concentração da renda no Brasil alterou a estrutura da distribuição de renda?”O ensaio versa sobre o recorrente tema da distribuição de renda no Brasil. Para além de uma discussão sobre as estatísticas, resgatam o histórico das reflexões sobre o tema, repondo a discussão a partir da necessidade de estabelecer uma perspectiva crítica sobre essa questão. O debate sobre a distribuição pessoal de renda no Brasil não é novo, mas ganha novo fôlego a partir da queda da desigualdade verificada em 2001. Muitos aspectos metodológicos estão por trás desse debate. Como afirmam os autores, múltiplas variáveis foram ganhando relevância nas modela- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 16 18/6/2009 09:47:23 gens estatísticas à medida que o debate evoluiu até os anos recentes: “Esse debate incorpora as transferências públicas, a discriminação no mercado de trabalho e a segmentação regional como condicionantes da desigualdade de renda e tem o mérito de ampliar o número de variáveis para além da variável educação.” Porém, alertam que o incremento de variáveis relevantes nas abordagens não significou um descolamento quanto aos fundamentos e motivações originais, reproduzindo, assim, “a abordagem hegemônica da década de 90, remetendo tal queda aos aspectos ligados ao déficit de capital humano, às rendas do trabalho e às transferências públicas”. O questionamento dos autores expõe a debilidade desse olhar para os elementos estruturais da desigualdade de renda no País: “Desconsiderando qualquer análise sobre os demais tipos de renda e mesmo sobre sua distribuição funcional.” A contradição fundamental – centrada na distribuição funcional da renda entre trabalho e capital – permanece ocultada por um olhar que continua privilegiando a perspectiva atomizada do individualismo metodológico. O alerta dos autores para os riscos desse esquema interpretativo é para que não se tomem as variações marginais em estratos inferiores da distribuição da renda do trabalho para obter conclusões que reforçam opções de políticas públicas tópicas e focalizadas ao invés de enfrentar estruturalmente o problema da desigualdade de renda. Mais do que um problema estatístico estão em jogo as opções éticas sobre o projeto de desenvolvimento para a sociedade brasileira. 17 O reforço às hipóteses da teoria do capital humano nada tem de inocente. Os resultados dos estudos nessa perspectiva apontam para políticas públicas ainda pautadas pelos ditames conservadores sobre o papel do Estado. Por outro lado, a correlação entre redução da desigualdade de renda e aumento do bem-estar não se apresenta como um corolário. Como alertam precisamente os autores, “A elevação do bem-estar social depende de mudanças maiores na oferta de serviços públicos e de consumo das famílias brasileiras. Sem uma mudança estrutural na oferta de bens 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 17 18/6/2009 09:47:23 públicos, distribuição de escolaridade e maior acesso às oportunidades de trabalho, o poder de compra, principalmente das populações dos estratos mais pobres, altera-se pouco, predominando o consumo de bens e serviços estritamente vinculados à sobrevivência.” 18 A análise feita pelos autores sobre a distribuição da renda do trabalho, construídos para o período de 2001 a 2006, indicam que a composição da força de trabalho mudou no período mais recente. Uma mudança que rebaixou alguns segmentos de renda do trabalho em decorrência dos processos de desestruturação do trabalho organizado. As elevadas taxas de desemprego urbano durante mais de uma década e o acesso generalizado à educação formal, refletido estatisticamente em anos de escolaridade, contribuíram para estreitar os diferenças de salário. Assim, concluem que “uma mudança distributiva combinada com baixo crescimento da renda média em geral e reduzido aumento relativo nos estratos mais pobres não pode ser classificada como uma mudança estrutural da distribuição da renda.” Os resultados obtidos no ensaio reforçam a necessidade de uma abordagem crítica do assunto, infelizmente ainda “escassa”, segundo os autores. A redução dos níveis de pobreza não significa que os pobres apresentaram elevações expressivas em suas participações relativas, tanto no que diz respeito à renda quanto ao consumo domiciliar, permanecendo a desigualdade estrutural que atinge até 17 vezes a diferença de consumo entre os 20% mais pobres e o 10% mais ricos. Assim, se por um lado há uma tendência de que a renda do trabalho esteja contribuindo para a queda da desigualdade nacional e regional da renda, por outro lado não há indícios de uma mudança estrutural ampla na distribuição de renda pessoal. Além disso, os fatores decisivos para essa tênue alteração foram resultado de um contexto conjuntural de expansão econômica, redução do exército de reserva e recomposição do poder de barganha dos trabalhadores: “Uma mudança desse tipo (não estrutural) na distribuição de renda é compatível com o melhor desempenho do mercado de tra- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 18 18/6/2009 09:47:23 balho em um ambiente de maior formalidade e estreitamento dos salários.” No plano das políticas compensatórias e de combate à pobreza é evidente a importância decisiva das políticas públicas de transferência de renda. Mas os autores alertam que esses mecanismos “poderão perder capacidade de redução das desigualdades no médio e no longo prazo, uma vez que seus impactos tendem a ser maiores enquanto os estratos inferiores absorverem parcelas inexpressivas da renda domiciliar,”colocando-se, assim, a necessidade de discutir a questão da redução efetiva da desigualdade de renda. O cenário macroeconômico mais favorável a partir de 2004 permitiu uma prévia das possibilidades positivas da retomada do crescimento, notadamente nas regiões mais pobres do País, associadas à “política ativa de salário mínimo, tendência de crescimento do emprego formal e vigorosa política de transferências públicas de renda na forma do Programa Bolsa Família, maior cobertura da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), e maior concessão de aposentadorias rurais.” Crescimento econômico, desde que condicionando a investimentos em infraestrutura social e econômica poderá diminuir o elevado grau de concentração de renda, o que nos remete à necessária modelagem de um projeto de desenvolvimento social que se apresenta como uma potencialidade ainda não desenvolvida no País. 19 O ensaio de Alexandre Gori, “Dinâmica do mercado de trabalho e das classes ocupacionais no Brasil: 1981 a 2007”, mostra, com grande pertinência, a desestruturação do trabalho a partir do contexto macroeconômico. Sua reflexão contribui para formar o amplo quadro coletivo de análise que dá forma fundamental a este livro sobre o mundo do trabalho. Seu ponto de partida é o ambiente dominado pelo baixo crescimento econômico que ao lado da reestruturação produtiva e das formas de contratação produziram um conjunto de efeitos bastante negativos para os trabalhadores ocupados. O autor persegue a hipótese de que “as transformações nesse pe- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 19 18/6/2009 09:47:23 ríodo acentuaram o já precário quadro de exclusão socioeconômica dos principais grupos da população ocupada no Brasil.” 20 O efeito primário do baixo crescimento econômico foi manter à margem parcelas crescentes da população economicamente ativa com a consequente ampliação da população desempregada. Quanto maior o exército de reserva de trabalhadores, mais tende a cair a taxa de salários, provocada pela concorrência crescente entre os vendedores de força de trabalho. Em decorrência dessa crescente “concorrência” entre os trabalhadores, caiu também o poder de barganha do trabalho, de modo que “a massa salarial cresceu quase no mesmo ritmo da população ocupada e o rendimento médio ficou praticamente estagnado.” Entre alguns segmentos de ocupados, o autor mostra que houve uma efetiva retração da renda média, principalmente dos setores melhor remunerados. Ao mesmo tempo ampliou-se a participação dos piores remunerados, criando uma “gangorra destrutiva” interna à renda do trabalho. Na análise das classes ocupacionais o autor também mostra que o processo pode ser denominado de “regressão social”. Assim, a riqueza de detalhes com que o autor evidencia os efeitos da desestruturação do trabalho a partir da estrutura ocupacional não deixa dúvidas sobre a correlação decisiva entre a crise e os processos de reestruturação capitalista, e entre o enfoque da política macroeconômica e a situação da “classe que vive do salário”. O ensaio de Fernando Pires, “Setor informal: concepções teóricas e conveniências ideológicas”, retoma a discussão acerca das novas interpretações sobre o mercado informal, marcando a forte conotação ideológica dos conceitos promovidos por instituições internacionais nos países do capitalismo periférico. Neste sentido, em suas diferentes versões a promoção do “setor informal” tornou-se uma forma de maquiagem dos problemas estruturais vinculados à pobreza e à questão social, perpetuando um padrão de acumulação fortemente excludente que tendeu a se aprofundar sob a égide de políticas sociais de corte conservador. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 20 18/6/2009 09:47:23 Ironicamente, a promoção do informal afasta-se das tradicionais políticas de formalização do informal preconizadas pelo PREALC, valorizando-o como uma alternativa de atenuação da questão social. Contudo, como bem alerta o autor, a preocupação com a questão social traz consigo “o ovo da serpente” para o interior das políticas públicas e do Estado: “Por trás dessa expressão sugestiva e sensibilizadora escondia-se uma estratégia de intensificação liberal – em que o informal passa a assumir um lugar singular numa nova forma de apreender o desenvolvimento. Não mais pela apologia de expansão do crescimento econômico e consequente “eliminação” do informal (integrando-o no setor formal), mas, ao contrário, pela promoção deste.” A nova importância do informal consiste, para Fernando Pires, na porta de entrada para a estratégia liberal de crítica referente à responsabilidade do Estado, justificando a necessidade de desregular a legislação e o controle tributário para facilitar a organização dos pequenos negócios. Destacando o debate teórico sobre a importância do informal para a acumulação capitalista, o autor mostra que várias agências internacionais apontavam o setor como “uma fonte potencial de acumulação, quer seja considerado como autônomo ou complementar.” Contudo, é a partir da avaliação do Estado como ator principal no debate teórico que se evidenciam os aspectos mais graves dessa “produção de sentido” para os países periféricos do capitalismo. 21 Para Fernando Pires, o aporte teórico atual no setor informal é a representação da “imposição” da divisão internacional do trabalho na periferia e dos efeitos de desestruturação flexibilista do mundo do trabalho, não sendo apenas consequência da fraca determinação do Estado na aplicação das leis de regulação do mercado de trabalho. Problemas relacionados à legitimidade do Estado em tempos de severa crise fiscal também interferem nas novas concepções do informal. Sendo assim, a informalidade materializa-se também por acordos implícitos entre empregadores e trabalhadores numa forma particular de legitimidade que, 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 21 18/6/2009 09:47:23 para o autor, representa uma “consolidação” da exclusão social pela assimilação, integrando um regime de acumulação que reproduz as desigualdades. Para o autor o mecanismo de legitimidade estatal e de garantia da coesão social através da promoção do informal reforça práticas clientelistas e “integra excluindo”, reforçando as diferenciações sociais que tonificam o capitalismo periférico. Sua conclusão sobre o debate informal mostra estar distante de ser uma mera questão semântica, pois a sua promoção estabelece as condições de um regime social que confere uma satisfação restrita das necessidades, aprofundando a desregulamentação e a flexibilização das relações de trabalho iniciadas com o avanço neoliberal. 22 Ler o artigo de Marcio Pochmann, “Modernizar sem excluir”, nos leva a pensar sobre os desafios de construir a reforma social do Brasil do séc. XXI. Sua análise se desenvolve partindo das séries históricas de crescimento da economia brasileira e do comportamento do mercado de trabalho, colocando a necessidade de retomar os níveis de crescimento necessários para garantir o financiamento da questão social. O balanço mostra que em alguns momentos de crescimento foi possível incluir parcelas consideráveis da população ocupada em regimes de proteção ao trabalho. Embora o caráter estrutural do capitalismo de industrialização tardia seja marcado pela exclusão, Pochmann reafirma o pressuposto da necessidade do crescimento econômico para financiar o desenvolvimento social. A análise do mercado de trabalho indica com clareza sua posição, mostrando que nas fases de elevado desemprego os ganhos sociais do trabalho recuam drasticamente, ao passo que cresce a precarização. Sua reflexão se insere na perspectiva do ciclo de crescimento ensaiado pelo Brasil antes da crise financeira global de 2008. Marcio Pochmann aponta, ainda, a importância do aparato institucional para pensar as possibilidades de modernização da economia e do mercado de trabalho. A emergência do conceito de propriedade social – “mediada pelo trabalho e diversos mecanismos de proteção e segurança societal” – é 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 22 18/6/2009 09:47:23 central em sua análise de um modelo de crescimento inclusivo. Segundo sua análise “com o desenvolvimento urbano e industrial protagonizado desde a década de 1930, parte dos ganhos de produtividade foi carreada para a nova propriedade social.” Em outros termos, é estratégico o papel do fundo público para orientar o desenvolvimento social. Mas essa possibilidade depende fundamentalmente da retomada do crescimento econômico: “O desenvolvimento nacional permitiu a propriedade social alargar o tempo de vida, bem como direcioná-lo à sociabilidade moderna, com mais educação, saúde, consumo e investimento humano.” Por outro lado, em ambiente adverso – baixo crescimento e elevado desemprego – os mecanismos de flexibilidade quantitativa são postos em marcha pelas empresas de forma nefasta para aqueles da propriedade social – os trabalhadores. A visão de Marcio Pochmann reforça, ainda, a posição daqueles que defendem os avanços institucionais no Brasil como decisivos para barrar parcialmente o processo de reestruturação do capital. A Constituinte cidadã de 1988 é, sem dúvida, o elemento central desses avanços, apesar dos ciclos conjunturais desfavoráveis da economia. Neste sentido, representa um marco antecipatório das possibilidades de “modernizar sem excluir”. 23 A projeção de Marcio Pochmann é de que o Brasil está diante da possibilidade de pensar um novo contorno para a propriedade social: “A perspectiva de elevação da longevidade de vida para acima dos cem anos de idade e profunda ampliação da produtividade do trabalho, especialmente do trabalho imaterial, abrem oportunidades inéditas de o desenvolvimento fortalecer ainda mais a nova propriedade social.” Seu ensaio se vincula à mesma abordagem adotada por Cláudio Dedecca sobre a necessidade de pensar as novas possibilidades de desenvolvimento nacional, citando explicitamente “as ações estratégicas para o desenvolvimento brasileiro de longo prazo”. Mas conhecer a “fórmula” não basta para que seja aplicada. Daí sua conclusão em tom quase convocatório: “Se tecnicamente já é possível, por que não 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 23 18/6/2009 09:47:23 convergir para as condições estruturais necessárias para que isso realmente venha a ocorrer? Somente com a promoção do desenvolvimento nacional os brasileiros universalizam as possibilidades de acesso a uma nova propriedade social.” O ensaio de Cássio Calvete, “Impactos da financeirização no mundo do trabalho”, procura estabelecer as complexas mediações entre a dinâmica específica da circulação de capital e os processos de produção de valor: onde se encontra a força de trabalho encontra-se a personificação do capital. 24 Para o autor, o mercado financeiro produziu um novo fetiche em escala mundial colocando-se como condutor enlouquecido do turbocapitalismo. Seu objetivo é mostrar como o novo regime de acumulação liderado pelas finanças produz mudanças correlatas no mundo do trabalho e na gestão da mão-de-obra. Sua tese está apoiada na instabilidade crescente da demanda e do risco da atividade produtiva, da competitividade e do rápido processo de inovações associadas à alta rentabilidade do mercado financeiro. Esses fatores que induzem à financeirização do capital produtivo acabam imprimindo no setor produtivo a mesma lógica do sistema financeiro: a lógica do curto prazo. A dinâmica de todo o processo se acelera. As diferentes rotações dos capitais particulares acompanham o ritmo alucinado da rotação do capital como um todo: “o tempo se acelerou”. O resultado é o “aumento da produção, aumento da intensidade do trabalho, aumento da produtividade, aumento do consumo, aumento da produção.” Tal ambiente requer mais e mais flexibilidade de organização no processo de produção. A flexibilidade passa a penetrar em todas as formas de organização da sociedade, como afirma o autor ao parafrasear R. Sennett. A nova lógica dominante é a da reinvenção descontínua de instituições, da especialização flexível de produção e da concentração de poder sem centralização. A desconstrução dos homens nos tempos de velocidade social para além da máquina destrói sistematicamente a permanência do mundo do trabalho. Os empregos tornam-se menos estáveis e permanentes, e os laços sociais mais efêmeros. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 24 18/6/2009 09:47:23 Para o autor, há uma causalidade dialética entre a globalização financeira e a mundialização da produção forçando a reestruturação produtiva no âmbito da organização capitalista e no chão da fábrica. Todos os processos de reduzir custos, diminuir riscos, aumentar a intensidade do trabalho e se adaptar à demanda correspondem a sincronização ao tempo do capital financeiro: “A reestruturação produtiva busca redução de custo, aumento de poder em relação à disposição do tempo do trabalhador e intensificação do trabalho.” As mudanças impostas pela financeirização são profundas e nefastas para a classe trabalhadora. Para Cássio Calvete, “as alterações nos sistemas nacionais de relações do trabalho, nos tipos de vínculos, nas formas de remuneração e na gestão do tempo do trabalho que tornaram mais flexíveis as relações trabalhistas foram impostas no sentido de moldar o mercado de trabalho à fluidez e à efemeridade do capital financeiro. Novas práticas de remuneração de “tipo rentista” se insinuam para os trabalhadores. A questão fundamental levantada pelo autor é que essa lógica do curto prazo, não pode ter outro resultado para os trabalhadores que não seja uma nova forma de degradação do trabalho, com mais instabilidade e mais insegurança. Consequências dessa a subjetividade estranhada para o trabalhador são conhecidas: estresse intenso, depressão constante e cansaço generalizado conduzem a um conjunto de doenças ocupacionais associadas. 25 O tema da pós-grande indústria, exposto por Marx nos Grundrisse, é retomado por Liana Carleial, no ensaio “Conhecimento, firmas-rede e o (anti)-trabalhador coletivo e social”. Sua perspectiva é estabelecer as mediações para as condições atuais da contradição entre o desenvolvimento da ciência como força produtiva e a permanência das relações sociais calcadas no trabalho abstrato. A autora mostra as diabruras do capital na construção e reconstrução do trabalhador coletivo atingindo seu zênite com a negação do trabalhador coletivo no interior da sociedade do trabalho abstrato. Trata-se de um limiar histórico elástico que requer cuidadosas 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 25 18/6/2009 09:47:23 mediações. Essa “negação”, assumindo a forma do antitrabalhador coletivo, é também um meio que permite que a contradição do capital ainda se mova como capital financeiro e suas formas. O conceito de trabalhador coletivo em Marx nos remete à lógica da cooperação no âmbito da oficina desde a manufatura “na qual se instala a natureza do trabalho sob o capital como um trabalho necessariamente cooperado: “É o trabalhador coletivo formado pela combinação de um grande número de operários parciais que constitui o mecanismo específico do período manufatureiro.” Para Liana, em cada momento de negação da base material pretérita ao processo de trabalho o trabalhador coletivo deveria ser reestruturado: “A cada mudança do processo de trabalho era preciso renovar o trabalhador coletivo.” 26 Mas algo ocorre a partir do momento em se estabelece o sistema de máquinas na grande indústria apontando na direção da superação do trabalhador coletivo. Liana coloca o limiar desse momento como o surgimento do antitrabalhador coletivo, ou seja, o desenvolvimento das próprias forças produtivas leva o capitalismo a uma fronteira: “O assalariamento continua a forma prevalente de inserção nos mercados de trabalho, o trabalho é negado nos processos de trabalho e reposicionado na sociedade, a incorporação de trabalhadores na produção da mercadoria mundializada independe do território, das diferentes regulações e condições de vida entre eles, negando o clássico trabalhador coletivo.” A consequência do desenvolvimento do conceito de trabalhador coletivo no conceito carregado de negatividade que é o antitrabalhador coletivo encontra materialidade específica na “relação entre conhecimento, exploração e financeirização” representando, para a autora, a síntese do trabalho cooperado e fortemente diferenciado na fase financeira do capitalismo. Diante da financeirização que avassala o campo da produção, as formas organizacionais se adaptam a esse processo e atingem o núcleo do trabalhador coletivo – o chão de fábri- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 26 18/6/2009 09:47:23 ca. Aí temos as metamorfoses da empresa capitalista em meio aos movimentos de concentração e centralização de capitais e a introdução do progresso técnico que altera a natureza e a organização do trabalho. Liana Carleial aponta a emergência da firma-rede como decorrência das mutações na concorrência capitalista, pois a “grande empresa enquanto tendência dominante foi então substituída por um modelo mais leve, a firma-rede. Tal entidade rompe com a espacialidade existente e produz outra que estilhaça o trabalhador coletivo: “Existem muitas maneiras de dividir o trabalho entre empresas num mesmo lugar, num mesmo país, numa mesma região, ou ainda no nível mundial.” As formas de subcontratação em rede de produção mundializada, que caracteriza a indústria automobilística e outros oligopólios transnacionais, representam bem essa forma de deslocalização espacial. O novo proletariado digital na Índia e no sudeste da Ásia, que atende, via call center, os clientes dos EUA ou da Europa, também é revelador dessas novas configurações do trabalho e do capital. 27 As reflexões finais de Liana Carleial são carregadas de consequências, pois o antitrabalhador coletivo é apenas a negação do trabalhador coletivo, e não a superação da sociedade do trabalho abstrato. Sua negação, portanto, apenas cria as possibilidades de emergência do indivíduo social pensado por Marx. No limiar dessas agudíssimas contradições a autora destaca que as “regras e medidas evaporam-se” deixando tudo mais em radical suspensão. Conclui que o “indivíduo social” é uma potencialidade travada. Travamento esse que é resultado da “impossibilidade das forças produtivas produzirem todos os efeitos possíveis”, uma vez que permanecem presas à forma social do capital. José Meneleu Neto Economista, Professor do Mestrado em Geografia da Universidade Estadual do Ceará (UECE). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 27 18/6/2009 09:47:23 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 28 18/6/2009 09:47:23 1 AUGE E DECADÊNCIA DAS POLÍTICAS DE EMPREGO NO BRASIL Carlos Alberto Ramos1 Introdução Em 1999, o número de trabalhadores que, dentro dos programas do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), foram beneficiados por cursos de Formação Profissional (FP) se elevava a 2,9 milhões. Em 2004, ou seja, pouco mais de dez anos depois, esse número caía para insignificantes 148 mil, sendo ainda menor em 2006 (116 mil). Em termos financeiros, a queda no montante alocado à formação profissional no do total de despesas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) que tinha sido de 5,3% em 1998, caiu para 0,2% em 2007 (ver Gráfico 1 e Tabela 1). Em geral, as Políticas de Emprego Ativas (PEA, Formação Profissional + Intermediação) que atingiram recursos de quase 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1999, apresentam hoje percentuais insignificantes ou residuais. 29 Gráfico 1 – Participação dos Gastos em Qualificação Profissional sobre as Despesas Total do FAT – Período 1998 a 2007 Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada em Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). 1 Professor do Departamento de Economia, Universidade de Brasília (UnB). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 29 18/6/2009 09:47:23 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 30 12.296,9 13.205,2 12.354,0 13.983,4 14.370,8 14.849,5 15.029,2 16.075,0 16.345,4 18.369,9 17.282,8 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Fonte: MTE. 12.198,1 1996 (B) (A) 6.507,1 6.800,9 6.214,2 6.605,8 6.311,9 6.020,0 5.706,7 5.574,0 4.912,4 4.677,2 4.988,6 5.374,2 4.861,4 BNDES - 40% PIS/PASEP - FAT(*) 12.317,1 EMPRÉSTIMOS ARRECADAÇÃO 1995 ANO RECEITA 10.961,6 9.905,8 7.934,8 7.605,8 7.661,3 8.458,4 8.105,7 7.291,6 8.019,5 9.103,7 8.055,4 8.319,0 7.916,2 (C) PAGAMENTO 157,0 166,1 128,3 158,4 180,2 197,9 136,6 239,1 261,2 217,8 202,9 211,9 21,6 (D) APOIO OPERACIONAL SEGURO-DESEMPREGO 4.621,7 3.783,9 2.704,2 2.369,1 2.077,0 1.829,5 1.427,7 1.192,7 1.158,0 1.229,4 1.192,8 1.291,5 1.304,5 (E) PAGAMENTO 19,8 24,3 10,1 19,2 3,8 36,3 36,4 34,8 44,9 65,1 47,6 69,0 39,6 (F) APOIO OPERACIONAL ABONO SALARIAL 15,7 22,0 23,4 74,4 50,8 53,3 51,4 81,1 107,9 133,4 222,7 51,6 170,0 142,8 103,3 124,1 78,0 66,3 223,1 (H) INTERMEDIAÇÃO DE EMPREGO 795,3 764,1 712,1 883,5 814,9 640,6 46,2 (G) QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DESPESAS - - - 28,8 23,6 15,1 18,0 15,6 3,9 4,5 11,9 (I) APOIO OPERACIONAL AO PROGER 109,8 116,2 115,9 154,6 171,5 380,6 460,1 308,2 323,6 386,6 279,7 164,6 2,3 (J) OUTROS PROJETOS/ ATIVIDADES 22.324,9 20.851,0 17.182,4 17.068,4 16.565,1 17.307,4 16.862,2 15.562,4 15.552,9 16.703,0 15.663,8 16.141,6 14.426,8 (K) TOTAL DAS DESPESAS (3.244,6) (1.815,0) (837,0) (993,4) (1.536,0) (2.457,9) (2.491,4) (1.579,0) (3.199,0) (3.497,8) (3.366,8) (3.943,5) (2.109,7) ( L ) = (A - K) SALDO Tabela 1 – Balanço Financeiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) - (1995-2005) (Em valores reais. Base: dez/2--4. Deflator IGP-DI) 30 18/6/2009 09:47:23 Incluímos esses números simplesmente para ilustrar o processo de decadência ou perda de relevância das Políticas de Emprego (PE) no Brasil da última década. Nosso objetivo neste artigo consiste em refletir sobre os fundamentos teóricos e os contextos históricos que outorgam sentido a uma determinada política pública (neste caso Políticas de Emprego) no mercado de trabalho e as raízes, históricas e analíticas, que determinam seu auge e decadência. Concretamente, pretendemos, por um lado, identificar os motivos que tornaram as Políticas de Emprego Ativas no principal instrumento de intervenção governamental para reverter uma crescente deterioração quantitativa e qualitativa do emprego no Brasil e, por outro lado, tentar explicar os motivos de sua dramática perda de relevância nos últimos anos. Dado esse objetivo, estruturamos o artigo da seguinte forma: na próxima Seção vamos desenvolver os principais marcos teóricos que pretendem explicar as origens do desemprego, as alternativas de políticas que deles se deduzem e os contextos históricos nos quais os mesmos tiveram uma hegemonia, tanto no mundo acadêmico quanto entre os gestores de política. Na Seção III identificamos os períodos de auge e decadência nas Políticas de Emprego no Brasil, associando-os à performance do mercado de trabalho e ao paradigma analítico dominante. Por último, na Seção IV, será feito um balanço do exposto no artigo e das perguntas em aberto para futuras pesquisas. 31 Aspectos Teóricos/Históricos Tradicionalmente, dois paradigmas concorreram no intuito de explicar as razões do desemprego e, conseqüentemente, fundamentar as políticas que tentavam reverter o fenômeno. Em tempos cronológicos, a primeira matriz analítica esteve vinculada ao que se convencionou denominar de modelo clássico. Sinteticamente, este modelo macroeconômico hierarquizava o mercado de trabalho em tal magnitude que nele se determinariam os salários reais e o nível de emprego e, a partir deste (nível de emprego), e via função de 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 31 18/6/2009 09:47:24 32 produção, era fixada a oferta agregada. A taxa de juros, que era uma variável do setor real e não monetário da economia, tinha a função de igualar o nível de poupança ao patamar de investimento e, assim, possibilitar o equilíbrio no mercado de bens. Ou seja, a “Lei de Say” (toda oferta cria sua própria demanda), seria cumprida e a produção, determinada já no equilíbrio do mercado de trabalho, encontraria sempre um mercado para ser realizada. Dentro deste paradigma, que foi o berço da macroeconomia e seria hegemônico até a revolução keynesiana, todo e qualquer descompasso entre oferta e demanda de mão-de-obra (leia-se desemprego) seria o corolário de algum “problema” nesse mercado. Por exemplo, uma situação de desocupação refletiria um tipo de equilíbrio (ou desequilíbrio) no qual a oferta de trabalho é superior à demanda, ou seja, em outra perspectiva, teríamos um salário real superior ao salário real de equilíbrio. Considerando que um rendimento real do trabalho superior ao de equilíbrio era outra forma de expressar uma situação na qual a oferta de trabalho era superior à demanda (desemprego), o funcionamento do mercado deveria ter como resultado natural uma reversão dessa situação. O excesso de oferta levaria a uma queda do valor real do trabalho (salário real), aumentando a demanda e reduzindo a oferta de tal forma que o desemprego seria contornado. A persistência de uma situação de desocupação, no longo prazo, seria a manifestação de alguma “rigidez” no mercado de trabalho ou, em outros termos, o resultado de fatores que não possibilitariam quedas nos salários reais necessárias para tornar viável o retorno ao pleno emprego. Este paradigma teórico tem diversos desdobramentos em termos de diagnósticos e política pública. Por exemplo, toda e qualquer situação de desemprego (não importa o lugar ou o tempo) teria como raiz salários reais sobre aqueles de equilíbrio. Nesse sentido, as políticas teriam de atuar sobre o mercado de trabalho e direcionadas a tornar esse mercado mais “flexível” ou, em outros termos, tornar os salários reais mais sensíveis aos excessos de oferta. Por outra parte, essa matriz analítica identificava variáveis em grande parte 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 32 18/6/2009 09:47:24 alheias à análise econômica (como a existência de sindicatos, condutas políticas ditas de “populistas”, que situariam o salário mínimo além das possibilidades econômicas etc.) como sendo as causas últimas do desemprego. A revolução keynesiana pode merecer múltiplas leituras e representou diversas rupturas com o paradigma que acabamos de sintetizar. No tocante ao mercado de trabalho, Keynes inverte a ordem de causalidade e situa o mercado de trabalho em uma posição hierarquicamente subordinada no seu modelo macroeconômico. Não é o nível dos salários reais que determina o nível de emprego, como no Modelo Clássico, senão o nível de atividade. A relação vai da demanda agregada à demanda de trabalho. Contudo, uma vez que Keynes aceita que os salários reais são iguais à produtividade marginal do trabalho e que esta, pelas características da função de produção tradicional (também reconhecida válida por Keynes), é decrescente (outra hipótese aceita na Teoria Geral), um aquecimento da demanda de trabalho, pelo aumento na demanda agregada, teria que ter como resultado quedas no salário real. Como reduzir os salários reais? Aqui Keynes volta a diferenciar-se de forma radical de seus predecessores. No Mercado de Trabalho não se determinariam os salários reais senão os nominais. Nem os sindicatos nem os governos teriam capacidade para fixar o poder de compra dos rendimentos do trabalho senão, exclusivamente, seus valores nominais. Dessa forma, nunca o mercado de trabalho poderia ser um empecilho para elevar o nível de emprego (como no Modelo Clássico). Uma vez que os salários nominais poderiam apresentar inflexibilidade à queda (outra premissa cara ao pensamento keynesiano), no caso de uma retomada do nível de atividade, um paralelo aumento no nível de preços poderia reduzir salários reais e tornar viável a relação de causalidade demanda agregada - nível de emprego. Sinteticamente, o paradigma keynesiano sustenta que as questões relativas ao mercado de trabalho devem ser tratadas macroeconomicamente e não mediante a microeconomia da oferta e demanda de mão-de-obra. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 33 33 18/6/2009 09:47:24 Em termos teóricos, ambas as abordagens dependem, em grande medida, das hipóteses assumidas. Se, a partir dos anos 30 e até a década de 70, o paradigma keynesiano foi hegemônico no nível acadêmico e base da administração conjuntural das economias, esse status não foi produto de sua maior consistência analítica, mas resultado das eficazes respostas dadas à crise de desemprego da década do 30 e aos êxitos atingidos na administração das fases de curto prazo dos ciclos nos seguintes 30 anos. Entre meados de 1930 e a década de 70, o modelo clássico passou a ser visto como mais um capítulo na história do pensamento econômico e seus seguidores estavam restritos a pequenos e quase folclóricos nichos em ambientes universitários. Os problemas de emprego e desemprego eram assumidos e tratados como sendo subordinados às políticas macroeconômicas e aumentos da ocupação eram procurados por meio de ferramentas monetário-fiscais e não mediante intervenções no mercado de trabalho. 34 Essa hegemonia começou a ficar comprometida em meados dos anos 70, mas não pela identificação de fragilidades no paradigma keynesiano (como por exemplo, na ausência de microfundamentos a hipóteses caras a seu pensamento, como a hipótese de salários nominais inflexíveis e reais flexíveis) senão porque as ferramentas usuais de administração conjuntural já não davam respostas adequadas aos desafios colocados pelo novo tempo histórico. Assim como a passividade induzida pelo modelo clássico era incompatível com o desemprego dos anos 30, o pensamento keynesiano não oferecia respostas ou alternativas de políticas à combinação de inflação e desemprego visível na maioria das nações na década de 70. Combinada com essa característica, a crescente globalização dos mercados (especialmente dos mercados financeiros) tornava ineficazes as administrações nacionais do ciclo mediante ferramentas monetário-fiscais, especialmente no caso das pequenas economias ou dos países periféricos. Essa perda de controle do Estado/Nação sobre os instrumentos de política tipicamente keynesianos abriu espaço para uma reversão da situação, possibilitando que o modelo clássico saísse dos 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 34 18/6/2009 09:47:24 nichos acadêmicos e, renovado e modernizado teoricamente, voltasse a nortear as políticas. Suas propostas analíticas (superação do desemprego mediante a intervenção no próprio mercado de trabalho) eram factíveis uma vez que, diferentemente dos mercados financeiros, o mercado de trabalho ainda se constituía em um espaço factível de ser regulamentado e controlado pelo Estado/Nação. Assim, a proposta para o crescente desemprego das décadas posteriores à de 70 era a flexibilização dos mercados de trabalho fazendo do diagnóstico parte do “DNA” desse paradigma analítico: a desocupação era produto de salários reais muito elevados e insensíveis ao excesso de oferta de trabalho. Como todo paradigma hegemônico, as linhas gerais desse diagnóstico lograram um amplo consenso tanto no mundo acadêmico quanto entre os formuladores de política. Contudo, também como todo paradigma hegemônico, várias leituras eram possíveis, segundo ideologias, heranças nas práticas políticas etc. Assim, o retorno do modelo clássico mereceu duas alternativas de políticas. A primeira, mais radical, sustentava que as raízes dos problemas de desemprego estavam situadas no mercado de trabalho e a maior sensibilidade dos salários reais ao excesso de oferta de trabalho tinha que ser atingido mediante a fragilidade dos sindicatos, a redução do salário mínimo, a contenção dos benefícios do Welfare-State etc. Os governos de Thacher (Inglaterra) e Reagan (nos EUA), são uma caricatura deste tipo de alternativa, ainda que tenha sido um denominador comum na maioria dos países anglo-saxões. 35 Uma opção menos radical e mais compatível com a tradição social-democrata da maioria dos países da Europa Continental, não obstante compartilhar o aspecto central do Modelo Clássico (os problemas do desemprego teriam origem no Mercado de Trabalho e é nesse âmbito que devem ser tratados), propunha um conjunto de medidas qualitativamente diferentes da experiência anglo-saxã. Basicamente, esta versão à la social-democrata do modelo clássico supunha que a globalização e o fim do fordismo tinham redundado em dois fenômenos. O primeiro era a necessidade de mão- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 35 18/6/2009 09:47:24 36 de-obra qualificada, uma demanda que era incompatível com os desligamentos de trabalho não qualificado que as firmas administradas pelo velho fordismo agora estavam concretizando. O segundo era uma mudança muito radical no mercado de trabalho (com profissões que eram muito demandadas em paralelo com outras que entravam em decadência, setores muito dinâmicos convivendo com outros em crise estrutural e, por fim, espaços econômicos que se beneficiavam da nova etapa e outros incapazes de se integrar de forma competitiva na nova divisão internacional do trabalho) que tornava esse mercado (o mecanismo de preços ou os sinais de mudança nos salários relativos) uma forma pouco eficiente ou de resultados a muito longo prazo para realizar a realocação eficiente da mão-de-obra. Nessas circunstâncias, era perfeitamente viável que as firmas não conseguissem preencher as vagas abertas e os desocupados não pudessem ocupar as mesmas. A convivência de vagas não preenchidas e uma ampla parcela da PEA desocupada mereceria um tipo de intervenção que visasse a elevar a eficiência alocativa do mercado.2 As políticas de formação e reciclagem (para tornar o perfil de oferta de trabalho compatível com a demanda) e a intermediação (para “aceitar” a comunicação entre oferta e demanda) seriam as intervenções públicas recomendadas para superar o desemprego. Este tipo de política, que na literatura se conhece como Políticas Ativas de Emprego, deveria ser articulada com as Políticas Passivas (como o seguro-desemprego). O princípio básico dessa articulação supõe que existe uma inércia na situação de desemprego. Percentual importante dos desocupados de hoje (especificamente, os desocupados de longa duraNa literatura, a eficiência alocativa é representada pela Curva de Berverridge, uma que relaciona o nível de desemprego com as vagas existentes. A relação entre desemprego e vagas seria negativa (quanto maior o nível de desemprego menor o número de vagas). Contudo, fora desses deslocamentos sobre a Curva, produto do ciclo conjuntural, a posição da mesma (ou a distância com respeito à origem) estaria indicando a eficiência alocativa do mercado de trabalho. Sobre o ponto consultar Ramos e Freitas (1998). 2 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 36 18/6/2009 09:47:24 ção) estaria nessa condição porque estavam desempregados ontem. Essa inércia seria gerada pelos dois fenômenos que acabamos de mencionar. Por uma parte, dada a rápida mudança tecnológica, ficar fora de um posto de trabalho significa uma perda de conhecimentos e habilidades (deterioração do capital humano), fato que vai dificultando, na medida em que transcorre o tempo, ocupar as vagas que vão sendo abertas. Por outra parte, um desempregado vai acumulando um passivo em termos de “sinais” que envia ao potencial empregador. Permanecer sem emprego vai reduzindo as probabilidades de ser contratado na medida em que as dúvidas quanto a sua capacidade de adaptação à disciplina, convivência em grupos trabalho,. etc. pode ter sido erodida no transcurso de uma etapa da vida ativa fora da rotina de um emprego. Nesse sentido, a intermediação, o apoio e direcionamento do desempregado na procura de uma nova inserção produtiva são cruciais para reverter a situação. As Políticas Passivas podem ajudar na medida em que a ajuda financeira pode estar condicionada à qualificação, à reciclagem e à intermediação, fato que induz o desempregado a participar dessas atividades sob pena de perder os benefícios monetários. 37 Logicamente, essa divisão que acabamos de realizar entre uma interpretação mais radical do novo paradigma e outra mais social-democrata é um tanto teórica, uma vez que todos os países ensaiaram ambas alternativas. A divisão de águas está na ênfase dada a cada uma dessas duas opções. Assim, a decadência do movimento sindical, a deterioração do salário mínimo, a queda nos benefícios do welfare-state foi um movimento generalizado nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Contudo, nas nações anglo-saxãs esse fenômeno é muito mais intenso que na Europa Continental. Por outra parte, também em países como EUA ou Inglaterra foram implementadas práticas de formação, reciclagem e intermediação, ainda que de forma menos generalizada que nos países nórdicos, por exemplo. Contudo, em todos os casos existia um denominador comum: as causas últimas do desemprego se situavam no 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 37 18/6/2009 09:47:24 mercado de trabalho e as políticas tinham de estar direcionadas para atuar nesse espaço.3 A Experiência Brasileira O auge 38 Dentro desse debate teórico as evidências empíricas de metade dos anos 90 sugeriam que existia real problema de geração de empregos no Brasil e que, fundamentalmente, não existia uma correlação positiva entre a demanda de trabalho e as variações do nível de atividade. Nesse sentido, os anos emblemáticos foram os de 1994 e 1995. No primeiro ano, de implementação do Real, o PIB aumentou 5,19% e o emprego formal apresentou queda de -0,74%. (ver Gráfico 2 e Tabela 1) No ano seguinte os percentuais foram de +2,98% e -0,08%. Ou seja, elevações do PIB eram acompanhadas por uma queda no emprego com carteira, uma correlação difícil de ser explicada. No período 1994-98, o PIB teve uma elevação acumulada de 17,5%, sendo que o aumento no estoque de assalariados com carteira assinada foi de apenas 1,71%. Paralelamente a essa quase estagnação do emprego regulado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e não obstante o aumento do emprego informal, a taxa de desemprego registrou uma tendência de alta. Nas principais aglomerações urbanas a taxa de desemÀ margem desse paradigma dominante e convivendo com ele existia uma interpretação do desemprego que fundamentava sua interpretação no que se convencionou chamar de “pessimismo das elasticidades”. Basicamente, o argumento tinha como eixo um suposto incremento dramático na produtividade, que reduzia de tal forma as necessidades de mão-de-obra por unidade de produto que a fertilidade do crescimento do PIB em termos de emprego era mínima. Nesse sentido, a única alternativa seria a redução do tempo de trabalho para distribuir de forma mais eqüitativa as horas/homem necessárias para atingir o PIB. Esta interpretação também gerou políticas concretas, como as 35 horas semanais implementadas pelos socialistas franceses quando Lionel Jospin era Primeiro Ministro. Em Gorz (1988). 3 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 38 18/6/2009 09:47:24 prego subiu de 4,15% (dezembro de 1992) para 6,33% (dezembro de 1998). Ou seja, o mercado de trabalho estava em franca deterioração, tanto em termos qualitativos (aumento da informalidade) como quantitativos (aumento do desemprego). Gráfico 2 – Brasil – Variação do Emprego Formal Versus Variação do PIB – 1994 a 2007 39 Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada em Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Tabela 2 – Variação do PIB e Variação do Emprego Formal (Em Percentual) Brasil Ano PIB Emprego 2007(*) 5,40 5,91 2006 3,80 5,87 2005 3,20 5,97 2004 5,71 7,46 2003 1,15 2,95 2002 2,66 4,94 2001 1,31 2,31 2000 4,31 5,35 1999 0,25 2,57 1998 0,04 0,58 continua... 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 39 18/6/2009 09:47:24 continuação Tabela 2 1997 3,38 1996 2,15 1,20 0,76 1995 4,22 -0,08 1994 5,85 -0,74 Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada em Dados do MTE/Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)/Contas Nacionais. (*) - Emprego - dados do CAGED. 40 Diante dessa situação, vários diagnósticos eram factíveis. Por exemplo, a hipótese de um extraordinário aumento da produtividade, resultado da abertura da economia, era plausível e podia explicar por que o aumento do PIB não se concretizou em novas vagas com carteira. Neste caso, as escolhas de política seriam mínimas e se reduziam a duas: aumentar a taxa de crescimento do PIB (uma opção por todos desejável, mas de difícil concretização nesses anos) ou uma redução da jornada de trabalho (de eficácia muito questionada pelas escolas de economia dos gestores de política nesses anos e difícil de ser viável em termos políticos).4 A segunda alternativa era supor que os altos custos do trabalho formal inibiam as contratações reguladas pela CLT. Nesse caso, a opção de política consistia em discutir os encargos sociais. Tentativas nessa direção foram ensaiadas, contudo foram inviáveis politicamente. Não é o nosso objeto neste texto discutir esses diagnósticos. O certo é que ambos eram plausíveis de explicar a dinâmica do mercado de trabalho desses anos e poderiam constituir o cardápio de política, na medida em que fossem validados empiricamente. Contudo, não obstante os tímidos ensaios para rediscutir aspectos regulatórios e os encargos sociais, os gestores de política adotaram, em meados dos anos 90, uma estratégia que mimetiSobre o pessimismo do pensamento mais ortodoxo sobre o impacto de uma redução da jornada de trabalho sobre o emprego ver Gonzaga e Pereira (2001). 4 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 40 18/6/2009 09:47:24 zava a prática adotada majoritariamente nos países de Europa Continental. Basicamente, o diagnóstico consistia em supor que os “desempregados” não eram “empregáveis”, seguindo uma expressão utilizada na época pelo Ministro de Trabalho Edward Amadeo.5 As origens dos problemas do crescente desemprego e estagnação do emprego formal não estava na macroeconomia e sim no mercado de trabalho. Esse diagnóstico e os amplos recursos financeiros do FAT (que superavam o 0.5% do PIB na época, ver Tabela 2, possibilitaram que fosse implementado no país um extenso programa de Formação Profissional, que ampliaram a intermediação e fortaleceram os Sistemas Nacionais de Emprego (SINE´s). Assim, ao desprezível em termos de orçamento público, a Formação Profissional passou a demandar recursos que, em termos do PIB, chegaram a 0,4% no período de 1997/2001. As metas do Plano Nacional de Formação Profissional (PLANFOR), como foi chamada essa estratégia de formação implementada na época, tinha como meta que todo o sistema de formação do Brasil (que incluía além das iniciativas do Ministério do Trabalho aquelas que eram sustentadas no âmbito do Sistema “S” e outras) beneficiasse, cada ano, 20% da PEA. Assim, no transcurso de cinco anos, toda a forma de trabalho do país seria contemplada por algum curso. Os objetivos estipulados nesse plano eram diversos e iam desde a formação profissional, uma suposta “consciência cidadã”, passando pela formação básica para suprir as debilidades da formação no sistema escolar e chegavam até os clássicos apoios nos casos de desempregados ou indivíduos atingidos pela reestruturação de empresas. Implicitamente, supunha-se que o desafio do desemprego estava situado na formação profissional.6 41 Essa interpretação foi, na época, polêmica não somente pelo seu conteúdo senão por ter sido explicitada por um representante do keynesianismo (Edward Amadeo) na academia. Ver, por exemplo, Amadeo (1987), no qual são explícitas a defesa da interpretação keynesiana do desemprego. 6 Um percentual próximo a 0.05% do PIB pode parecer marginal. Contudo, devemos lembrar que países com longa tradição nas Políticas Ativas de Emprego não chegam a alocar 0.5% do PIB. Suécia, por exemplo, tradicionalmente citado como sendo exemplo de ações nessa área, aloca pouco menos de 0,4% do seu PIB em atividades vinculadas à formação profissional, segundo dados fornecidos pela OCDE. 5 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 41 18/6/2009 09:47:24 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 42 0,57 0,67 0,67 0,68 0,77 0,78 0,79 0,84 0,76 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 0,30 0,33 0,32 0,32 0,32 0,29 0,27 0,27 0,23 0,21 0,50 0,47 0,40 0,37 0,39 0,40 0,39 0,35 0,37 0,42 (C) PAGAMENTO (D) 0,01 0,01 0,01 0,01 0,01 0,01 0,01 0,01 0,01 0,01 APOIO OPERACIONAL SEGURO DESEMPREGO 0,20 0,17 0,13 0,12 0,11 0,09 0,07 0,06 0,05 0,06 (E) PAGAMENTO (F) 0,00 0,01 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 APOIO OPERACIONAL ABONO SALARIAL (G) 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,01 0,04 0,04 0,03 0,04 QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL DESPESAS (H) 0,00 0,00 0,00 0,00 0,01 0,01 0,01 0,01 0,00 0,01 INTERMEDIAÇÃO DE EMPREGO (I) 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 APOIO OPERACIONAL AO PROGER (J) 0,01 0,01 0,01 0,01 0,01 0,02 0,02 0,01 0,02 0,02 OUTROS PROJETOS / ATIVIDADES (K) 1,02 1,00 0,87 0,83 0,85 0,82 0,81 0,74 0,72 0,76 TOTAL DAS DESPESAS -0,26 -0,15 -0,08 -0,05 -0,08 -0,14 -0,13 -0,08 -0,15 -0,16 (L) = (A - K) SALDO Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada em Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). 0,60 (B) (A) 1999 BNDES - 40% PIS/ PASEPFAT(*) 1998 ANO EMPRESTIMOS ARRECADAÇÃO RECEITA Tabela 3 – Recursos Financeiros Alocados em Políticas de Emprego com o Percentual do PIB 42 18/6/2009 09:47:24 Esse diagnóstico não estava sustentado em evidências empíricas. Ou seja, para supor que o desemprego está alimentado por uma incompatibilidade entre oferta e demanda de trabalho teríamos que possuir informações sobre a existência simultânea de vagas que não estão sendo preenchidas e de desempregados. Esse tipo de teste é difícil de ser concretizado no Brasil, uma vez que o registro sobre a existência de vagas não preenchidas é parcial e se restringe aos SINE´s que fazem a intermediação de parte residual das contratações. Dessa forma, as Políticas Ativas de Emprego se tornaram o principal instrumento para reduzir o desemprego e elevar a qualidade das ocupações sem que existisse um prévio diagnóstico, fundamentado empiricamente, que ancorasse o diagnóstico sobre uma hipotética ineficiência do mercado de trabalho brasileiro. A decadência A partir de 2002, os recursos alocados às Políticas Ativas de Emprego apresentaram uma brusca redução. Nesse ano, a queda (em termos reais) das despesas referentes à formação profissional foi de ordem de 76,33% e de 22,37% no caso da intermediação. Esse processo continuou, de forma ainda mais acentuada, com a mudança de Governo em 2003. Ainda que nos últimos anos possamos observar uma tênue recuperação, os patamares hoje, de 2007, são dramaticamente inferiores aos atingidos no auge dessas políticas. Por exemplo, em 2007 os recursos do FAT utilizados nas atividades de formação foram quase 93% inferiores ao seu máximo de 2001. No caso da intermediação essa contração atingiu 51%. Hoje, as Políticas Ativas de Emprego (Formação + Intermediação) ocupam um lugar marginal dentro do universo das Políticas de Emprego. Por exemplo, em 2002 as Políticas Ativas representavam 11% do total gasto no Seguro-Desemprego (Política Passiva). Hoje (2007), esse percentual atinge apenas 1,16%. Com respeito à configuração adquirida por esse tipo de intervenção no mercado de trabalho no seu auge (2001) hoje se pode argumentar que no país esse tipo de política pública foi abandonado. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 43 43 18/6/2009 09:47:24 44 Duas podem ser as argumentações que tentam explicar esse abandono. Primeiro, as múltiplas malversações de recursos que permearam todo o processo de implementação e avaliação do PLANFOR e que levaram a uma certa paralisação, mesmo dentro da mesma etapa política (Governo de Fernando Henrique Cardoso).7 A segunda, é a mudança de poder político em 2003 e as alterações, um pouco cosméticas - como a mudança de nome do PLANFOR para o Plano Nacional de Qualificação (PNQ) e outras de mais conteúdo (como os critérios de transferência de recursos, as exigências em termos de horas/aula, etc.), que poderiam ter gerado adaptações com interrupções transitórias nos programas. Contudo, essas explicações não consideram as radicais mudanças no ambiente no período, especialmente no ambiente macroeconômico. A questão da transição entre um Governo e outro em 2002/2003 só poderia ter desdobramentos muito pontuais no andamento dos programas. Quedas na magnitude dos recursos alocados e do público beneficiado, como as que assinalamos em parágrafos anteriores, depois de vários anos com uma nova administração do Estado, só podem ser a manifestação da perda de relevância desse tipo de política e, nesse sentido, as raízes têm que ser procuradas no contexto macroeconômico que dá embasamento ou inviabiliza a importância de uma certa política pública. Como já afirmamos, o crescente espaço ocupado pelas Políticas Ativas de Emprego em meados dos anos 90 se dá em um contexto histórico bem particular. O novo paradigma macroeconômico dominante, as práticas nos países da Europa Continental, a insensibilidade do emprego formal ao As avaliações realizadas na época, mesmo sendo realizadas por instituições supostamente alheais ao poder político, eram muito favoráveis ao PLANFOR. Diversos problemas metodológicos foram comuns a todas as avaliações e que impediram calcular o impacto (avaliação de impacto) das ações. Sobre o ponto ver Ramos (2002). Contudo, as questões relativas ao desvio de fundos, os controles específicos não parecem ter sido capazes de identificar as fraudes, que só vieram à luz no ano de 2001. 7 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 44 18/6/2009 09:47:24 crescimento do PIB no país, o aumento do desemprego etc., configuraram um ambiente propício para sustentar, ainda na ausência de evidências empíricas, que a elevação do emprego e sua qualidade eram objetivos que poderiam ser atingidos só mediante (ou de forma preponderante) através de Políticas Ativas de Emprego. Esse ambiente começa a mudar já no fim dos anos 90 e com maior intensidade na década seguinte. No tocante aos países centrais, o aumento do PIB desde começos da década de 90 até o estouro da bolha da “Internet” no começo da seguinte nos EUA tinha levado o mercado de trabalho a uma extrema tensão, com situações próximas do pleno emprego já no fim do ciclo. Como esse período coincide com elevadíssimos ganhos de produtividade, esse conflito (aliás, recorrente na história econômica e no pensamento econômico) sobre o conflito entre geração de empregos e avanço tecnológico ia perdendo adeptos. Mesmo países da Europa Continental, como a Espanha, com taxas de desemprego estruturais muito superiores às economias anglosaxãs, iniciaram ciclos de crescimento que se traduziam na geração de empregos e abruptas quedas no desemprego. 45 Por outra parte, no Brasil, a partir de janeiro de 1999, com a flutuação da taxa de câmbio, as respostas do emprego formal ao aquecimento do nível de atividade revertem de forma radical as evidências dos anos anteriores (nos quais o regime macroeconômico era de taxa de câmbio fixo). Nesse ano (1999), diante de um aumento do PIB de 1,79%, o emprego celetista registra elevação de 2,57%. Em 2000, o estoque de assalariados com carteira aumenta 5,35% e, no ano seguinte, a despeito do colapso na Argentina e dos atentados terroristas nos EUA, o emprego celetista logrou uma elevação de 2,35% (lembremos da queda de -0,74% em 1994 mesmo em um contexto de forte aquecimento no nível de atividade, PIB + 5,19%). Em geral, no período posterior a 1999, a elasticidade emprego-produto se situa em todos os anos em patamares superiores a 1. Hoje (2008), a taxa de variação do emprego formal está na faixa de 7%, um percentual elevadíssimo e dificilmente imaginado mesmo nos cenários mais otimistas. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 45 18/6/2009 09:47:24 Nesse contexto de forte resposta do emprego a variações no nível de atividade, toda política que visa a elevar o nível de emprego a partir de intervenções no mercado de trabalho carece do contexto histórico capaz de lhe outorgar densidade na agenda de debate. O declínio, em termos de debate acadêmico e de política pública, das atividades vinculadas à formação e intermediação são uma conseqüência natural de um contexto histórico no qual, produto do crescimento e de certas ações fora do mercado de trabalho (por exemplo, expansão do crédito), o emprego vem apresentando taxas de variação com poucos antecedentes históricos, mesmo diante de quase total passividade em termos de Políticas de Emprego Ativas. Comentários Finais 46 Implícita em toda nossa argumentação está a hipótese que vincula a vigência de um paradigma teórico a um contexto histórico no qual o mesmo faz sentido. Se o keynesianismo perdeu a hegemonia no pensamento macroeconômico nos anos 70 não foi pela sua falta de fundamentação microeconômica senão devido a que não era um modelo adequado para dar respostas aos desafios que a sociedade enfrentava nesses anos. No caso das Políticas de Emprego, seu auge analítico e prático está associado a um período muito concreto, no qual era hegemônico o pensamento para o qual a geração de empregos não passava pela macroeconomia senão pelas intervenções no mercado de trabalho. Contudo, hoje, o reencontro com uma elevada reposta da demanda formal de trabalho a variações no PIB se faz sem uma reflexão teórica sobre as causas da atual surpreendente elasticidade emprego-produto. Se nos períodos anteriores podíamos identificar uma estreita correlação entre o paradigma teórico dominante e os desenhos de política, agora a experiência poderia assinalar um ambiente propício para um retorno do marco analítico keynesiano, fato que não parece evidenciar-se. O número de indivíduos cuja relação assalariada está regulada pela CLT está aumentado em torno de 7% pa- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 46 18/6/2009 09:47:24 ralelamente à inexistência de Políticas de Emprego Ativas ou qualquer tipo de reforma no marco regulatório das relações capital-trabalho, desqualificando toda uma série de reflexões que identificavam nesses quesitos as causas últimas da estagnação do emprego com carteira na segunda metade dos anos 90. Com uma taxa de variação do emprego no patamar de 7% ao ano, carece de sentido prático tanto alocar significativos recursos públicos nessas atividades quanto realizar maiores esforços analíticos sobre as Políticas de Emprego como âncora para a geração de novas oportunidades de trabalho. Assim, como nos anos 70 o paradigma keynesiano parecia estar destinado a ocupar um capítulo nos livros do pensamento econômico, hoje as Políticas de Emprego devem ser estudadas desde uma perspectiva mais histórica que como opções privilegiadas de intervenção pública. A realidade vem evidenciando que as variáveis do mercado de trabalho dependem mais dos indicadores macroeconômicos que dos recursos alocados às atividades realizadas no âmbito do Ministério do Trabalho. A contemporaneidade das proposições mais caras ao pensamento keynesiano é ainda uma causa pendente. 47 Contudo, essa constatação empírica não pode inibir a reflexão teórica. Por exemplo, um ponto em aberto consiste em se perguntar por que as elasticidades foram tão reduzidas (e mesmo “ilógicas”) nos anos 90 e passaram a adquirir níveis tão elevados depois de 1999. A taxa de câmbio flexível tem tal potencialidade de impacto sobre o nível de demanda por trabalho, como sugere Frenkel (2008)? Quais são os meandros que vinculam essas duas magnitudes (taxa de câmbio flexível e nível de ocupação formal)? Por que a valorização na taxa de câmbio nos últimos anos não teve impacto negativo sobre as elasticidades? Esses são motivos de reflexão no mundo acadêmico e podem servir de parâmetros para desenhar políticas no caso do atual contexto histórico mudar. Hoje, sem muita reflexão teórica e mesmo na ausência de políticas ativas de Emprego dignas desse nome, a trajetória do emprego, como Keynes sempre imaginou, depende, de forma crucial, das decisões tomadas no Ministério da Fazenda e do Banco Central, 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 47 18/6/2009 09:47:24 limitando-se o Ministério de Trabalho a comemorar números cujas causas últimas estão fora de seu âmbito de atuação. Referências AMADEO, E. Desemprego, salários e preços: um estudo comparativo de Keynes e da macroeconomia da década de 1970. [S.l.]: BNDES, 1987. FRENKEL, R. Un régimen de política macroeconómica con el tipo de cambio real como meta intermedia. Disponível em: <www.itf.org.ar/lectura_detalle.asp?id=3>. Acesso em: 20 set. 2008. GONZAGA, G.; PEREIRA, R. Partilha do trabalho e a demanda por trabalhadores e horas. Revista Brasileira de Economia, v. 55, n. 1, p. 5-32, 2001. 48 GORZ, A. Métamorphoses du travail: critique de la raison économique. [S.l.]: Editions Galilée, 1988. RAMOS, C. A.; FREITAS, P. S. de. Sistema público de emprego: objetivo, eficiência e eficácia: nota sobre os países da OCDE e o Brasil. Brasília, DF: Ministério do Planejamento e Orçamento, 1998. (Texto para Discussão, n. 568). RAMOS, C. A. Las políticas del mercado de trabajo y su evaluación en Brasil. Santiago de Chile: CEPAL, 2002. (Serie Macroeconomía del Desarrollo, n. 16). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 48 18/6/2009 09:47:24 2 O SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO E A ESTRATÉGIA DE DESENVOLVIMENTO Claudio Salvadori Dedecca1 Introdução O restabelecimento da possibilidade de crescimento sustentado da economia brasileira, nestes últimos anos, tem produzido efeitos positivos sobre a geração de empregos formais, rompendo o cenário pessimista sobre suas perspectivas observado ao longo dos anos 90. Se sustentadas as tendências atuais, o crescimento da economia tenderá induzir a recuperação do mercado formal de trabalho, sendo que a elevação da taxa de expansão do produto poderá acelerar este movimento. Dentro desta perspectiva, a política pública de emprego, trabalho e renda2 tende ter papel extremamente importante para o processo de recomposição do mercado formal de trabalho, pois ela poderá atuar, principalmente, sobre a estrutura ocupacional, cabendo à dinâmica econômica responder pela geração de novas oportunidades de trabalho. Neste sentido, novas condições se apresentam para a gestão da política de emprego. Enquanto, nos anos 90, seu foco se orientou para a compensação dos problemas de emprego causados por uma dinâmica econômica que desestruturava o mercado formal de trabalho catapultando o desemprego no território nacional, constata-se, no presente, que ela necessita ser orientada para o fortalecimento das relações entre crescimento econômico e estruturação do mercado de trabalho. Ou melhor, abre-se a perspectiva da política de emprego superar seu caráter compensatório em favor de outro de natureza 49 Professor Titular do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). 2 Para facilitar a leitura do ensaio, utilizaremos a seguir somente a expressão política de emprego. 1 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 49 18/6/2009 09:47:24 mais indutor, que vise melhorar as condições de trabalho e o perfil de qualificação da força de trabalho. Neste movimento, deve perder importância os instrumentos de natureza compensatória, como a geração de ocupação com o objetivo de atenuar o desemprego. Ademais, a política emprego deverá ser fortalecida pelos benefícios que o crescimento lhe trará em termos de melhora das suas condições de financiamento. A elevação dos níveis de atividade e emprego deverá favorecer um aumento da receita do Fundo de Amparo ao Trabalhador, bem como induzir uma desaceleração da evolução dos gastos com seguro-desemprego. Portanto, deverá se ampliar a disponibilidade de recursos para as políticas de intermediação e de qualificação, podendo potencializar os efeitos das ações da política sobre o mercado nacional de trabalho. 50 Este ensaio explora alguns aspectos relevantes para a construção de uma política de emprego, trabalho e renda associada a uma perspectiva de desenvolvimento que relacione fortalecimento do mercado de trabalho, melhores condições de trabalho e menor desigualdade de renda. Isto é, a construção de uma política que participe de um desenvolvimento menos desigual que aquele proposto pelos governos dos anos 90. Das Políticas de Emprego, Trabalho e Renda à Conformação de um Sistema Políticas e Ações3 Desde o final da Segunda Guerra, as ações de políticas públicas em favor do emprego e da renda foram uma recorrência nos países desenvolvidos, tendo se transbordado em certa medida para aqueles em desenvolvimento. Em grande medida, tais ações surgiram com a função de proteger o trabalho no processo de desenvolvimento capitalista, seja em re- Sobre o tema da construção das políticas e do sistema público de emprego, ver Ricca (1983) e Dedecca; Barbosa e Moretto (2007). 3 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 50 18/6/2009 09:47:24 lação ao desemprego, seja em face da necessidade de elevar a qualificação da força de trabalho como exigência das transformações tecnológicas recorrentes ao processo de investimento e produção. As ações foram estabelecidas a partir de três funções básicas: o seguro-desemprego, a intermediação de mão-de-obra e a qualificação profissional. Em certos países, algumas dessas funções estiveram relacionadas com os acordos coletivos, que ampliaram ou fortaleceram as ações públicas existentes. O fim do período de crescimento do pós-guerra ampliou a responsabilidade das ações da política de emprego em razão do crescimento acelerado do desemprego, levando que os Estados desenvolvidos procurassem reduzir os efeitos sociais perversos que ele gerava sobre a força de trabalho, mas também introduzir mecanismos que induzissem que a força de trabalho atingida retornasse para a atividade no menor prazo possível. Os motivos para esta mudança de posição dos Estados Nacionais foram de duas ordens. De um lado, o crescimento do desemprego de caráter estrutural, situação evidenciada pela elevação rápida e acentuada de seu período de duração, tendia produzir um aumento substantivo dos gastos com o programa de seguro-desemprego. O incremento da despesa era incompatível com as restrições financeiras que passavam a conhecer os Estados Nacionais, em razão da tendência de desaceleração da evolução da receita determinada pelo menor crescimento ou mesmo queda do nível de atividade. Portanto, os Estados Nacionais eram pressionados a controlarem o aumento dos gastos com seguro-desemprego, apesar do crescimento do problema exigir maior disponibilidade orçamentária. 51 De outro, a alteração da convergência política prevalecente no após-guerra quanto ao papel do Estado na regulação do mercado e das relações de trabalho. As greves de 68 haviam permitido a emergência de uma perspectiva, no interior da força de trabalho, que reivindicava maior democratização e menor burocratização através de um sistema de representação menos centralizado e com autonomia nas bases das 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 51 18/6/2009 09:47:24 estruturas ocupacionais. O fortalecimento das negociações coletivas com um desemprego friccional, no após-guerra, abriu espaço para uma visão que considerava não mais ser tão necessária, em um ambiente democrático, a regulação pública do mercado e das relações de trabalho na extensão até então observada, levando que segmentos jovens da força de trabalho reivindicassem maior autonomia em relação ao Estado e, também, em relação à estrutura sindical constituída durante os anos de crescimento sustentado. A modificação da regulação pública encontrava eco na sociedade, tendo sido apontada como necessária para enfrentamento do desemprego emergente e das novas condições de qualificação da força de trabalho. A partir destas duas condições, os Estados Nacionais começaram a realizar modificações na regulação do mercado e das relações de trabalho, tendo na reorganização da política de emprego um de seus campos de implantação. 52 No âmbito dessa política, a estratégia foi orientada para criação de mecanismos que induzissem o retorno mais rápido ao trabalho, levando que os Estados Nacionais ampliassem seus esforços no redesenho das ações associadas às três funções básicas, bem como o estabelecimento de um maior diálogo entre elas. As modificações atingiam o escopo da política de emprego, bem como buscaram dar maior integração horizontal de suas ações. O incentivo ao retorno ao trabalho era justificado sob o argumento de que os programas de seguro-desemprego tendiam a manter os trabalhadores sob proteção até o final de vigência do benefício, pois os segurados preferiam o programa a se submeter a empregos de menor qualidade. Também, o incentivo era justificado no argumento de que os segurados tinham baixa disponibilidade para um processo de requalificação profissional, de tal modo que, na ausência de estímulos, dificilmente eles superariam a condição de desemprego. Pode-se dizer que as mudanças na política de seguro desemprego tendiam transferir para a força de trabalho ao me- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 52 18/6/2009 09:47:24 nos parte da responsabilidade da situação de desemprego, ao considerá-la associada à falta de iniciativa dos segurados em buscar uma nova ocupação. Apesar das modificações introduzidas, não existe indício, estatístico ou não, que comprove que as políticas de incentivo tenham contribuído para reduzir o desemprego nos países desenvolvidos nestes últimos 30 anos. A queda do desemprego, quando ocorrida mesmo que limitadamente, se fez graças à recuperação econômica e suas conseqüências em termos de geração de novos postos de trabalho. Em termos objetivos, as modificações nos programas de seguro-desemprego viabilizaram somente o controle do crescimento de seus gastos, ao permitirem reduzir cobertura, tempo e valor dos benefícios. Outra modificação que também atingiu os programas de seguro-desemprego esteve associada a sua integração às funções de intermediação e qualificação de força de trabalho. Em muitos países, as funções eram realizadas de maneira independente, sendo inclusive administradas por instituições próprias. 53 A evidente necessidade de empreender esforços da política pública com o objetivo de reduzir as dificuldades de informação dos desempregados quanto às possibilidades de emprego e de estimular a elevação da qualificação dos mesmos com a preocupação de permitir-lhes acesso ao conhecimento associado às novas tecnologias da informação estimulou a integração das funções da política de emprego com vistas à constituição de um sistema integrado de políticas e ações. A perspectiva mais difundida sobre sistema público de emprego teve, portanto, como ponto de partida as três funções básicas: o seguro-desemprego, a intermediação de mão-deobra e a qualificação profissional. Ela foi construída segundo o entendimento que o sistema público de emprego tem por função proteger os trabalhadores na ausência de trabalho, buscar a reabsorção destes em um menor espaço de tempo e fomentar sua qualificação com o objetivo de favorecer sua inserção no mercado de trabalho. Ademais, considerou que 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 53 18/6/2009 09:47:24 essas funções básicas, em geral de natureza permanente, devem ser complementadas por outras de natureza transitória, orientadas para problemas de emprego específicos ou conjunturais do mercado de trabalho. Como apontado anteriormente, as funções básicas nasceram anteriormente à concepção de um sistema público de emprego que as integrasse. A crise do capitalismo concorrencial com a emergência, pela primeira vez, de um desemprego de massa, deu origem às primeiras iniciativas de políticas de seguro-desemprego na Inglaterra e na Alemanha. As tensões políticas e sociais predominantes no mundo, no final da Primeira Guerra Mundial, levaram as nações a constituírem a primeira instituição de cooperação internacional, a Organização Internacional do Trabalho, em 1919. No documento de sua constituição, era afirmado que a paz no mundo exigia a melhoria das condições de trabalho e a proteção à situação de desemprego que atingia milhões de trabalhadores. 54 Para o enfrentamento dos problemas de emprego, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) deveria elaborar Convenções sobre temas e políticas. Aprovadas na Conferência Internacional do Trabalho, realizada anualmente, caberia a cada país tornar signatário de cada uma delas, se obrigando a implementá-la em seu espaço nacional. Na primeira Conferência, realizada em outubro de 1919, foram aprovadas seis Convenções: sobre as horas de trabalho; sobre o desemprego, sobre a proteção maternidade; sobre o trabalho noturno para as mulheres; sobre o salário mínimo e sobre o trabalho noturno para os jovens. A Convenção sobre desemprego propunha que os países membros estabelecessem políticas contra o desemprego, agências públicas de emprego e um seguro(renda) desemprego. Ademais, mencionava, genericamente, sistemas nacionais de políticas de mercado de trabalho. Essa Convenção não teve a adesão do Brasil. Tendo aderido à OIT em 1934, o país ratificou a Convenção 88, que definiu as diretrizes para a organização do sistema público de emprego. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 54 18/6/2009 09:47:24 Nesta Convenção, o sistema público de emprego deveria auxiliar os trabalhadores a encontrarem um emprego adequado e as empresas (patrões) a recrutarem os trabalhadores que convenham às suas necessidades. Ademais, o sistema público de emprego deveria fortalecer as demais políticas em favor do emprego e de seguro-desemprego. Pode-se afirmar que a Convenção 88 se voltou, em grande medida, para a intermediação de mão-de-obra, atualizando parte do conteúdo presente na Convenção 2. Somente na Recomendação 83, que estabeleceu diretrizes para estrutura do sistema público de emprego, se fazia menção à qualificação profissional. Este tema foi sendo objeto de outras recomendações, em especial daquela aprovada em 1949. Pode-se observar, facilmente, que os pilares básicos da noção sobre o sistema público foram sendo incorporados pela OIT paulatinamente e de modo não integrado. Em grande medida, as orientações para a estruturação do sistema público de emprego eram limitadas à intermediação de mão-de-obra. 55 Ocorre que a dinâmica de crescimento do após-guerra, com a ampliação da proteção social e reconhecimento do direito à organização e representação dos trabalhadores em um contexto de ampliação da democracia, foi induzindo o desenvolvimento das três funções básicas, sendo que a situação de desemprego estrutural, a partir da década de 70, estimulou a adoção de uma perspectiva mais ampla de um sistema público de emprego fundado em uma maior integração de suas funções e ações básicas. Ademais, a prevalência de uma taxa baixa de desemprego. Até os anos 70, estimulava relativamente mais as políticas públicas de intermediação e de qualificação profissional, pois elas eram funcionais ao processo de recrutamento de força de trabalho com um menor custo para as empresas. Assim, observava-se que tanto nos países desenvolvidos como nos em desenvolvimento, foram sendo adotadas iniciativas visando a implantação de instrumentos para ambas as políticas, que nem sempre foi acompanhada do fortalecimento daquela de seguro-desemprego. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 55 18/6/2009 09:47:24 A Construção Limitada dos Sistemas Nacionais Públicos de Emprego Apesar da denominação sugerida pela OIT quanto à organização das políticas como sistema público de emprego enquanto estrutura integrada das três funções básicas da política de emprego, as experiências nacionais não atestam que esta configuração seja atualmente preponderante. A análise do sistema americano mostra ausência de articulação das funções, enquanto que a alemã evidencia sua maior ocorrência. Só recentemente, a França iniciou a integração de funções e ações com vistas à construção de um sistema. 56 Em grande medida, a ainda relativamente baixa incidência de um sistema público de emprego que congregue as diversas funções de modo integrado deve-se a implantação isolada de cada um delas no tempo e muitas vezes com fontes de financiamento e formas de gestão bastante distintas. Enquanto o seguro-desemprego tendeu originalmente ser uma política financiada pelas partes, isto é, pelos trabalhadores e empresas, observa-se que a intermediação de mãode-obra foi assumida pelo aparelho de Estado, bem como a qualificação profissional. Como apontado, a concepção de um sistema público de emprego de natureza integrada vem aparecer a partir dos anos 70, quando a emergência de um desemprego estrutural passou a exigir dos governos nacionais a adoção de iniciativas que buscassem ampliar a re-inserção dos desempregados na atividade econômica. Pressão, essa, que obrigou a definição de estratégias de reorganização das políticas de mercado de trabalho com vistas à sua maior eficiência e menor custo por trabalhador desempregado. Pode-se dizer que as condições de funcionamento dos sistemas nacionais públicos de emprego no após-guerra eram convergentes com um contexto de pleno emprego, que os demandava fundamentalmente para a mobilização e qualificação de trabalhadores em um contexto de demanda ascendente de mão-de-obra. O esgotamento do ciclo de crescimento impôs 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 56 18/6/2009 09:47:24 novos desafios às políticas de mercado de trabalho, bem como aos sistemas públicos de emprego. Ademais, a ascensão do diagnóstico conservador reintroduziu a visão de que os trabalhadores eram parte do problema de emprego, devendo ser estimulados a reingressarem na atividade econômica, mesmo que em condições de trabalho menos favoráveis e mais precárias, e a ampliar o escopo de conhecimento com o objetivo de se tornarem mais flexíveis e adaptáveis à um mercado de trabalho caracterizado por vínculos ocupacionais mais instáveis. No após-guerra, a política de qualificação profissional tinha por preocupação principal resolver a formação de trabalhadores para ocupações que não encontravam disponibilidade adequada de mão-de-obra no mercado de trabalho. Hoje, observa-se que ela passou a ter a preocupação de ampliar o mix de formação com o objetivo de reduzir o risco da situação de desemprego em um mercado de trabalho e configuração produtiva instáveis. Toda uma concepção de qualificação profissional tem ganhado expressão, através de formações modulares e, em geral, especializadas, que permitem ao trabalhador, em curto espaço de tempo, adquirir uma habilidade ou competência, certificada pelo sistema público de emprego ou por instituições associadas ele. 57 Quanto à intermediação de mão-de-obra, os instrumentos da política visavam melhorar a mobilidade da mão-deobra em uma situação de escassez relativa. Agora, ela objetiva induzir a reinserção, buscando inclusive estimular as formas de auto-ocupação. A intermediação vem assumindo, mesmo que parcialmente, a função das políticas de mercado de trabalho, ao incorporar programas de incubação ou criação de empreendimentos próprios por parte dos desempregados. É lógico que as mudanças de orientação das políticas de intermediação e qualificação profissional, agora voltadas para a ampliação da empregabilidade do trabalhador ocupado ou desempregado, tenderam afetar a função do seguro-desemprego. Maiores exigências foram incorporadas aos critérios 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 57 18/6/2009 09:47:24 de elegibilidade para acesso a esta forma de proteção. Afinal, se as orientações das duas primeiras funções foram reestruturadas segundo uma concepção da necessidade de pressionar o trabalhador a retornar à vida produtiva, mesmo que em condições desvantajosas em termos de ocupação, relação de trabalho e remuneração, fazia necessário reformular o sistema de seguro-desemprego em um sentido semelhante. 58 A principal justificativa apresentada se sustentou em um argumento de racionalidade individual. Segundo este argumento, o trabalhador desempregado avaliaria que a taxa de retorno propiciada por uma ocupação seria menor que aquela permitida pela renda do seguro-desemprego. Portanto, ele optaria pela inatividade. O argumento conclui que o sistema de seguro-desemprego estaria alimentando a inatividade e protegendo o desempregado em relação ao mercado de trabalho. Uma visão reducionista sobre a situação de desemprego domina este argumento, pois a reduz à uma dimensão meramente monetária. Despreza as implicações do desemprego sobre a sociabilidade e a auto-estima do trabalhador. Independentemente dessas observações, a visão baseada na racionalidade individual preponderou e deu suporte às reformas dos sistemas de relações de trabalho e de proteção ao trabalho, impondo crescentes exigências de elegibilidade para o seguro-desemprego. Completa-se um ciclo de mudanças nas orientações das funções da política de emprego, que passou a reivindicar uma maior integração e articulação entre elas. A busca por esse processo foi reforçada pela necessidade de contenção dos gastos com as políticas de proteção ao trabalho, natural em um contexto de desemprego elevado e dominado por uma longa duração. Pode-se afirmar que o movimento de integração e articulação das funções do sistema público de emprego acabou assumindo características controversas. Um primeiro olhar sobre o processo indica que o movimento deve ser considerado como relevante para o melhor 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 58 18/6/2009 09:47:24 desempenho do sistema. Afinal, o acesso ao seguro-desemprego passou a colocar o trabalhador mais próximo às ações de intermediação e qualificação. Ademais, a integração abriu a possibilidade de um melhor aproveitamento da infra-estrutura pertencente às três funções, bem como de um maior conhecimento do desempregado em favor da gestão e das estratégias das políticas de mercado de trabalho. Não há porque criticar a integração das funções. Ao contrário, este processo deveria ser ampliado em relação às demais políticas sociais e econômicas. Seria interessante, por exemplo, que a política industrial incorporasse na definição de seu desenho parte das diretrizes das políticas de intermediação e qualificação profissional. Também, a política educacional poderia fornecer sua infra-estrutura, quando ociosa, para a realização dos cursos de qualificação profissional. Ademais, a integração e articulação das funções facilitaram enormemente o contato do trabalhador, desempregado ou não, com as políticas de emprego. Tornaram mais abrangente o atendimento ao trabalhador, reduzindo para esse, inclusive, os custos de acesso. 59 É inegável, portanto, que o processo de integração e articulação das funções deve ser valorizado e considerado relevante para a qualidade e eficiência da política de emprego. Contudo, é preciso reconhecer que ele incorporou características que são desfavoráveis ao trabalhador, que enfraquecem os possíveis ganhos que o processo poderia trazer. Quanto à intermediação de mão-de-obra, verifica-se um esforço de reabsorção a qualquer custo do trabalhador desempregado. Nesse processo, a política não pergunta sobre a qualidade dos postos de trabalho que as empresas oferecem e nem sobre os riscos inerentes às atividades de empreendedorismo. A absorção do desempregado, nessas condições, vem chancelando uma ampla gama de ocupações de baixa produtividade e desestimulando as empresas a investirem em qualificação. Ademais, tem reiterado um crescente desequilíbrio entre qualificação elevada do trabalhador e baixa 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 59 18/6/2009 09:47:24 incorporação desta por parte dos postos de trabalho. A maior empregabilidade do desempregado decorre do elevado constrangimento que lhe é imposto e que lhe obriga a aceitar uma ocupação de baixa qualificação, precária em termos de relações de trabalho e de remuneração reduzida. O processo guarda, portanto, pouca ou nenhuma relação com a elevação da qualificação do trabalhador. A intermediação tem alimentado, deste modo, um desperdício de recursos públicos, tão caros às políticas de mercado de trabalho. 60 Quanto à qualificação profissional, se observa uma expressiva fragmentação da aquisição de conhecimento. Processos de formação especializada e de curta duração tornaramse norma corrente, levando que experiências de formação de longo prazo, de antiga tradição, fossem abandonadas. As formações continuadas e de longa duração, muitas vezes articulada à formação educacional propedêutica ou mesmo profissional, foram desvalorizadas, tendo ganhado importância aquelas de natureza modular e de curta duração. A construção de uma trajetória de conhecimento, fundada na sua cumulatividade sistêmica, foi substituída por outra caracterizada pela aquisição de um mix de conhecimento marcado por uma forte fragmentação. O diploma vem sendo foi substituído por um conjunto de certificados. Ao trabalhador cabe obter a gama mais ampla possível de certificados, na esperança de reduzir seu risco em relação ao desemprego, mesmo que o trabalho realizado seja crescentemente precário e pior remunerado. É possível argumentar que as vantagens da integração e articulação das funções carregam também desvantagens que acabam reduzindo os possíveis ganhos que o processo geraria para o desenvolvimento dos sistemas nacionais público de emprego. Sendo estas desvantagens fruto de uma nova diretriz de política de emprego, denominadas de política ativa, pode-se afirmar que essa tem se mostrado ineficaz, pois vem alimentando a progressiva precariedade das condições de trabalho sem que a situação de pleno emprego seja restabelecida. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 60 18/6/2009 09:47:24 É importante refletir sobre este processo, pois os resultados limitados dessas políticas têm sido crescente e equivocadamente associados às supostas disfunções do sistema público de emprego. (OCDE, 2005). Os problemas observados decorrem do fato de se atribuir uma responsabilidade ao sistema que não lhe é devida e nem adequada. Não cabe a ele resolver os problemas de emprego, mas favorecer o dinamismo do mercado de trabalho decorrente de uma trajetória de crescimento econômico. O papel do sistema é difundir econômica e socialmente os benefícios do crescimento, como ocorreu durante a expansão do após-guerra. Tentativas de enfrentar o desemprego com políticas ativas de mercado de trabalho ocorreram no início e na década de 30 do século passado, sendo completamente mal sucedidas. A experiência do desenvolvimento capitalista mostra que as políticas de enfrentamento do desemprego decorrem do aumento do investimento e do consumo público e privado e da efetividade dos mecanismos de distribuição da riqueza. Nas últimas décadas, houve uma clara regressão do investimento, do consumo e da distribuição de renda. A política macroeconômica, dominada pela sua dimensão monetária, vem esterilizando os mecanismos de distribuição de renda impondo menores taxas de crescimento que, em uma trajetória esperada de aumento da produtividade, tem alimentado uma permanente racionalização de empregos e dos salários para a maioria dos trabalhadores. 61 É importante frisar que a integração das políticas visando a constituição de um sistema público de emprego articulado internamente deve ser considerada como um movimento positivo, pois permite uma atenção mais abrangente ao trabalhador, criando possibilidades para uma ampliação à proteção social ao trabalho. Portanto, a dimensão problemática desse processo de integração e articulação deve-se aos objetivos adotados, que visam principalmente atenuar os problemas de emprego através da indução de uma inserção a qualquer custo do trabalhador no mercado de trabalho. O sistema público de emprego tem se travestido em lócus para 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 61 18/6/2009 09:47:24 solução do problema de emprego, ao invés de exercer o papel de instrumento de fortalecimento do mercado de trabalho, cuja potencialidade de geração de emprego e renda depende do desempenho global das economias nacionais e dos mecanismos de distribuição de renda. A análise realizada anteriormente chancela os argumentos agora expostos neste ensaio, ao evidenciar as tendências das políticas e dos sistemas nacionais públicos de emprego em direção às demandas da política econômica de natureza conservadora. Essa tem constrangido o processo de desenvolvimento e alimentado outro de financeirização da riqueza que provoca mudanças expressivas em sua distribuição e que deprecia o papel dos setores produtivos na dinâmica das economias nacionais, constrangendo o nível de emprego e de renda dos mercados nacionais de trabalho. 62 O sistema público de emprego é chamado para atenuar esse processo de emagrecimento forçado do mercado de trabalho, que naturalmente é recusado por aqueles que dele dependem para sobreviver. Observa-se o estabelecimento de um processo contraditório. De um lado, empreende-se um avanço das instituições de proteção ao trabalho. De outro, realiza-se este movimento segundo objetivos espúrios aos interesses daqueles que deveriam ou seriam por ela beneficiados. Portanto, é fundamental que se tenha clareza dos problemas que atingem hoje o mercado de trabalho, recusando os diagnósticos que os imputam à suposta disfunção do sistema público de emprego, acusando-o de custoso e ineficiente. Esses diagnósticos sugerem, sistematicamente, a racionalização do sistema, com o intuito de enfraquecer os instrumentos de proteção ao trabalho e potencializar aqueles voltados para a indução forçada de reingresso dos trabalhadores no mercado de trabalho, geralmente em condições e relações de trabalho cada vez mais desfavoráveis. Nesse sentido, cabe diferenciar o sistema público de emprego das políticas de mercado de trabalho. Mesmo que 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 62 18/6/2009 09:47:24 consideradas importantes, há equívoco quanto ao potencial das políticas de mercado de trabalho ativas. Elas devem ser mantidas. Contudo, não podem assumir funções ou objetivos de atenuar os problemas de emprego causados pela dinâmica macroeconômica. Em suma, pode-se dizer que se observa um avanço do arcabouço institucional de proteção ao trabalho, que, entretanto, é submetido a um crescente constrangimento, que lhe transfere, inclusive, ônus que não são de sua responsabilidade e ou alçada. A Necessidade de Construção de Outra Perspectiva para o Sistema Público de Emprego Até o momento, se apresentou em linhas gerais as tendências principais de consolidação da política de emprego e as perspectivas de sua integração em direção à construção de um sistema que pudesse permitir o rompimento da sua fragmentação. Também, apontou que o processo de integração foi pautado, em grande medida, pelas restrições que a dinâmica do capitalismo, nas últimas três décadas, impôs para o mercado de trabalho, tanto em termos de evolução do nível de emprego como daquele de renda. Em grande medida, o processo de integração das políticas se orientou fundamentalmente pelos constrangimentos orçamentários e pela necessidade de forçar a reintegração ocupacional da força de trabalho a qualquer custo. 63 Neste sentido, é inquestionável que o processo de integração, via construção de um sistema público de emprego, assumiu preferencialmente natureza compensatória, que buscou a proteção ao trabalho frente ao desemprego, mas também procurou frear acentuadamente a evolução dos custos que tal proteção tendia produzir. É evidente que esta concepção de política de emprego poderia conseguir amenizar a situação de desemprego e de ausência de renda, mas tinha pouca possibilidade de con- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 63 18/6/2009 09:47:24 tribuir para a evolução do nível de emprego e reversão da tendência de desvalorização dos salários que se processava como parte das estratégias de racionalização das empresas de construção das firmas-rede internacionalizadas. Afinal, as ações se concentravam sobre o mercado de trabalho, isto é sobre a oferta de trabalho, havendo uma clara ausência de iniciativas sobre o lado da demanda de trabalho. Aqui reside a fragilidade da perspectiva de integração das políticas de emprego, enquanto sistema. Não podendo atuar sobre a evolução da população demandante das ações de emprego e renda, o sistema é obrigado a restringir suas iniciativas à melhora da eficiência das políticas e ações, sendo constrangido a ficar focado na integração com vistas a monitorar o comportamento dos gastos em uma perspectiva de manutenção ou crescimento da população demandante. 64 As políticas de emprego e renda se transformam prisioneiras da dinâmica do mercado de trabalho resultante do comportamento da economia, determinado seja pela política econômica, seja pelas políticas setoriais. É estabelecida um via de mão única que reserva ao sistema público de emprego a realização de políticas e ações compensatórias. É inegável que nestas condições, um papel menor é destinado ao sistema público de emprego, estando este totalmente desconectado da estratégia de desenvolvimento que porventura exista em uma determinada nação. É necessário, em face da experiência acumulada nestas últimas décadas, repensar o sistema público de emprego para além da sua função de proteção ao trabalho. É fundamental que ele seja reordenado com a preocupação de torná-lo parte de uma estratégia de desenvolvimento. Ou melhor, que suas ações estejam articuladas com as políticas setoriais e sociais com o objetivo de potencializar a geração de postos de trabalho, de contribuir para a elevação da qualificação da força de trabalho e de ser instrumento para modificação positiva da distribuição de renda em uma trajetória de crescimento que se traduza em desenvolvimento com maior justiça social. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 64 18/6/2009 09:47:24 Em outras palavras, é preciso que as políticas setoriais incorporem em suas estratégias medidas de geração de emprego, bem como de qualificação da força de trabalho. Por outro lado, é fundamental que as políticas de saúde e educação tenham ações de qualificação associadas ao sistema público de emprego. A interação entre políticas setoriais e sociais e aquela de emprego e renda deve ser vista como fundamental seja para a performance econômica, seja para o nível e a distribuição de renda, como para dar consistência as ações do sistema público de emprego. Na necessidade desta interação fica explicita quando se busca definir os termos da política de qualificação e se defronta com uma grande incógnita sobre quais segmentos produtivos e ocupações são possíveis demandantes do esforço da política pública. Esta falta de visibilidade deve ser entendida como incontornável em um contexto de total desvinculação entre as políticas setoriais e a política de qualificação. De tempo em tempo, manifestações de descontentamento emergem no debate público, de um lado, feitas pelas empresas sobre a falta de força de trabalho qualificada e, de outro, encaminhada pelos gestores públicos quanto ao baixo aproveitamento pela atividade produtiva da força de trabalho qualificada. 65 No contexto atual, a possibilidade de acerto da política pública de qualificação equivale aquela de um sorteio de loteria. Esteriliza-se, deste modo, recursos públicos, ao mesmo tempo em que se reitera um perfil de baixa qualificação na atividade produtiva e no mercado de trabalho. Uma conseqüência deste processo é a reprodução de uma estrutura econômica com um amplo segmento de baixa produtividade e a existência de uma forte concentração da estrutura ocupacional nas ocupações de baixas qualificação e renda. É inegável que as perspectivas de desenvolvimento tornam-se mais estreitas em razão da total falta de sintonia entre as políticas setoriais e a política de emprego, bem como com a política de educação profissional. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 65 18/6/2009 09:47:24 A Trajetória Espasmódica da Política de Emprego, Trabalho e Renda no Brasil A política de emprego é parte da longa trajetória de consolidação da sociedade urbano-industrial brasileira, entretanto, ela foi sendo adotada de forma espasmódica, isto é, a conta gotas. Esta particularidade da sua constituição explica o caráter fragmentado entre as três funções básicas, bem como das ações de mesmo objetivo no interior das mesmas, apesar de todas elas terem sido criadas e administradas pelo Governo Federal. 66 Só recentemente, em 2005, se consolidou uma diretriz de integração das funções em um sistema público de emprego, trabalho e renda, tendo, contudo, esta iniciativa sido relevada a um segundo plano desde 2007. Apesar da situação atual, é importante pensar sobre a possibilidade de convergência da política pública de emprego com a perspectiva de desenvolvimento do país, com a preocupação de reproduzir e potencialize as relações presentes entre crescimento, geração de empregos formais e redução da desigualdade de renda. A relevância deste esforço torna-se mais evidente quando consideradas as vantagens institucionais existentes no país no campo da gestão das políticas públicas, em geral. O desenvolvimento institucional do Estado Brasileiro é marcado pela constituição de fundos públicos importantes, seja para a política de emprego e renda, seja para as políticas setoriais, como para as políticas sociais. Ademais, o pais conta com instituições relevantes para a gestão e realização das ações, como, por exemplo, o Fundo de Amparo ao Trabalho, o Banco Nacional de Desenvolvimento, o Banco do Brasil, bem como o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Ademais, o país encontra na sociedade a presença de instituições de representação com experiência já consolidada na construção de política em fóruns tripartites. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 66 18/6/2009 09:47:24 A principal dificuldade em construir a interação entre as políticas é encontrada na fragmentação política prevalecente no aparelho de Estado, que impede a elaboração de planos e agendas de ações públicas comuns entre ministérios, entre Governo Federal e Congresso Nacional e entre as diversas esferas de governo. A prática atual de loteamento de cargos necessária para a obtenção de maioria no Congresso e a cooperação com os Governos Estaduais, produziu e reproduz uma fragmentação profunda das políticas públicas, que impede maior interação ou integração de suas ações. Um exemplo a ser tomada desta situação, refere-se à ausência de diretrizes comuns entre as políticas de ensino profissional e a de qualificação. Apesar de ambas não serem concorrentes, ao contrário possuírem amplo grau de complementaridade, não existe a definição de um repertório comum de formações que pudesse permitir potencializar a presença destas políticas no âmbito local. Ademais, a gestão totalmente independente de ambas faz que uma possa chegar a um determinado município e a outra não e vice-versa, mesmo que a população local não demande a política ou mesmos as ações implantadas. 67 Mas antes de avançar a proposição da integração da política de emprego com as demais políticas, é importante explorar, mesmo que rapidamente, a construção das suas funções básicas em um movimento, aqui chamado, de espasmódico 4. Sobre a construção das políticas de emprego no Brasil, ver Azeredo (1998) e Moretto (2007). 4 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 67 18/6/2009 09:47:24 Figura 1 – Esquema – Pilares da Política de Desenvolvimento Fonte: Elaboração Própria do Autor. 68 Apesar de a primeira iniciativa de política orientada para a qualificação profissional ter sido a criação das entidades do denominado sistema “S” no início dos anos 40, foi somente nos 60 que se adotou a primeira ação mais vinculada tradicionalmente à política de qualificação para a força de trabalho. Em 1963, o Programa Intensivo de Preparação da Mão-de-Obra (PIPMO), criado pelo Decreto nº 53.324, propunha programas intensivos e especializados para a qualificação da força de trabalho para segmentos industriais recentemente implantados. Dois anos depois, a criação do Cadastro Permanente de Admissões e Dispensas de Empregados (Lei 4923/65) criaria as bases para a estruturação do seguro-desemprego e a intermediação de mão-de-obra. Entretanto, a iniciativa do segurodesemprego teve dimensão residual, ganhando maior vulto, somente em 1986, quando se estabeleceu o direito à proteção ao desemprego de modo mais amplo, no decreto que definia as diretrizes do Plano Cruzado. Quanto à intermediação de mão-de-obra, a política ganha expressão em meado da década de 70, quando o Governo Federal constituiu o Serviço Nacional de Emprego (SINE). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 68 18/6/2009 09:47:24 Apesar de as ações básicas de cada uma das funções de um sistema público de emprego terem sido estabelecidas até a década de 70, é necessário salientar que a real inscrição destas ações na política pública se deu com a Constituição Federal de 1988, que criou o Fundo de Amparo ao Trabalho e a obrigatoriedade de seus recursos serem destinados a estruturação de políticas básicas de seguro-desemprego, intermediação de mãode-obra e qualificação profissional, sob coordenação de um conselho tripartite – Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (CODEFAT) e execução do Governo Federal. Constituído o conselho no início dos anos 90, o Governo Federal inicia a estruturação das ações segundo a determinação constitucional. Contudo, as ações financiadas pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ganharão maior expressão a partir de 1995, com a definição do Plano Nacional de Formação Profissional (PLANFOR). Implanta-se um conjunto amplo de ações visando realizar qualificação profissional com foco privilegiado na população desempregada ou com inserção ocupacional caracterizada por elevada precariedade. Ao mesmo tempo em que o plano era desenvolvido, mantinham-se os escopos institucionais, até então adotados, para as funções do seguro-desemprego e da intermediação de mão-de-obra, esta sob responsabilidade do SINE. 69 Não cabe aqui fazer uma avaliação da política do FAT durante os anos 90. Cabe somente apontar que ela manteve um desenvolvimento não integrado das funções básicas da política de emprego. Apesar da inegável ampliação da cobertura das ações encaminhadas pela política, ela não foi objeto de ordenamento institucional com vistas à maior integração entre suas funções. Esta configuração fragmentada da política de emprego foi ampliada no período com a incorporação dos governos estaduais e municipais, bem como das centrais sindicais na execução direta das ações. A partir de ampla cesta de projetos de natureza local, as ações foram implantadas sem a definição adequada de diretrizes gerais e sem qualquer iniciativa de integração das funções da política no espaço local. Assim, os governos estadu- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 69 18/6/2009 09:47:25 ais e municipais e as centrais sindicais realizaram programas de qualificação profissional, muitas vezes superpostos territorialmente e sem qualquer relação com as funções de segurodesemprego e intermediação de mão-de-obra. Esta situação da política de emprego se reproduziu inicialmente no novo Governo Federal no período 2003-2006. Entretanto, preocupado com os problemas observados na execução das ações do FAT, o Ministério do Trabalho realizou dois congressos nacionais e cinco regionais, entre 2004 e 2005, com diversos setores organizados da sociedade. Esta atividade teve o objetivo de consolidar uma proposta de nova base institucional para o FAT com vistas à construção de um sistema público de emprego que viesse integrar as três funções básicas da política de emprego que desse virtuosidade à atuação entre os governos federal, estaduais e municipais e também as centrais sindicais. 70 Ao final do II Congresso Nacional foi definida uma proposição que deu base à Resolução 466, de 21 de dezembro de 2005, do CODEFAT, que ordena as primeiras iniciativas para a construção do Sistema Público de Trabalho, Emprego e Renda. (CONGRESSO..., 2006). A resolução institui o Convênio Único com o objetivo de determinar que os governos estaduais e municipais e a centrais sindicais definam conjuntamente planos estaduais de emprego com vistas à integração institucional e de funções da política de emprego. Adotada esta primeira orientação, o CODEFAT não mais deu marcha às demais questões encontradas no documento aprovado no II Congresso, estando, portanto, a construção do sistema em situação de compasso de espera. Pensar o Sistema Público de Emprego em uma Perspectiva de Desenvolvimento A síntese da trajetória da política de emprego no Brasil evidencia o caráter espasmódico de sua construção, mas também o processo de consolidação de uma base institucional que deve ser vista como relevante para a construção de um sistema público de emprego. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 70 18/6/2009 09:47:25 O desafio que se apresenta é o de atualizar apropriadamente esta base institucional com o objetivo da construção do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda, mas também o de pensá-lo como instrumento relevante em uma estratégia de desenvolvimento com maior equidade social. E para tanto é fundamental que ele se relacione tanto com a política de renda quanto com as políticas setoriais e sociais. Esta visão mais abrangente do sistema público de emprego deriva dos desafios que o processo de desenvolvimento com equidade deverá enfrentar, em face do elevado grau de heterogeneidade regional e setorial que caracteriza nosso mercado de trabalho e estrutura social. O processo acelerado de desenvolvimento brasileiro, entre 1930 e 1980, foi marcado por um crescimento médio elevado e marcado por transformações produtivas e sociais profundas. De um país predominantemente agrícola em 1930, o Brasil se transformou em uma economia urbano-industrial no final dos anos 70. Mesmo assim, ele continua a reproduzir uma significativa população agrícola, de dimensão ainda elevada em termos absolutos, e uma informalidade ponderável dentre a população não agrícola. 71 Essa heterogeneidade fica evidente através de um simples olhar sobre o perfil atual da população economicamente ativa brasileira. Os dados revelam que 18%, aproximadamente, da População Economicamente Ativa (PEA) se insere na atividade agrícola, ou em produção para próprio consumo ou em trabalho não remunerado, situações ocupacionais associadas, em sua maioria, a formas de trabalho precárias e de baixa produtividade, sendo que parte ponderável destas ocupações encontra-se situada na Região Nordeste. Ademais, outros 34% são empregados sem carteira, empregados domésticos sem carteira ou trabalhadores autônomos. Em contraparte, as ocupações potencialmente com maior proteção e produtividade representam um pouco mais de 1/3 da PEA brasileira. Este retrato agregado do perfil da população economicamente ativa explicita que a política de emprego deve atuar em 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 71 18/6/2009 09:47:25 favor de uma melhor inserção da força de trabalho, porém este processo também depende de uma transformação positiva da estrutura produtiva, seja nos segmentos da atividade privada seja naqueles de natureza pública. Além disso, ele exige que as políticas de renda e sociais favoreçam a inserção e a renda do trabalho. Portanto, fica patente que, consideradas as condições estruturais socioeconômicas prevalecentes no país, o sistema público de emprego deve ser pensado como parte de uma estratégia de desenvolvimento. Além disso, seu papel neste processo não deverá ser passivo, mas ativo, cabendo a ele estabelecer parte dos parâmetros dos objetivos das políticas setoriais e sociais. Tabela 1 – População Economicamente Ativa segundo Posição na Ocupação e Região Geográfica Brasil, 2007 72 Norte Nordeste Sudeste Sul CentroOeste Total 7.217.277 25.320.832 42.634.044 15.515.489 7.234.813 97.922.455 797.245 3.918.884 2.325.742 1.457.991 752.259 9.252.121 1.339.926 4.322.340 15.669.579 5.282.656 1.901.190 28.515.691 Funcionário público 565.915 1.428.725 2.485.533 875.543 599.120 5.954.836 Demais funcionários públicos 26.399 27.576 117.213 38.599 33.058 242.845 Outros empregados sem carteira 1.176.812 3.482.420 5.316.510 1.684.112 964.715 12.624.569 Empregado doméstico com carteira 56.681 227.987 1.078.381 307.735 162.604 1.833.388 Empregado doméstico sem carteira 410.856 1.372.280 2.052.079 634.381 428.721 4.898.317 População Economicamente Ativa Emprego agrícola Empregado com carteira assinada Conta-própria 1.262.558 4.037.013 6.573.077 2.115.535 1.124.835 15.113.018 Empregador 174.764 446.732 1.496.116 630.177 256.731 3.004.520 Próprio Consumo 293.413 2.008.262 712.144 654.994 222.339 3.891.152 Construção para Próprio Uso 8.766 24.838 77.364 22.446 11.344 144.758 Não Remunerado (1) 532.448 1.869.365 842.432 884.285 185.806 4.314.336 Desempregados 571.494 2.154.410 3.887.874 927.035 592.091 8.132.904 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 11,0 15,5 5,5 9,4 10,4 População Economicamente Ativa Emprego agrícola 9,4 continua... 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 72 18/6/2009 09:47:25 continuação Tabela 1 Empregado com carteira assinada 18,6 17,1 36,8 34,0 26,3 29,1 Funcionário público 7,8 5,6 5,8 5,6 8,3 6,1 Demais funcionários públicos 0,4 0,1 0,3 0,2 0,5 0,2 Outros empregados sem carteira 16,3 13,8 12,5 10,9 13,3 12,9 Empregado doméstico com carteira 0,8 0,9 2,5 2,0 2,2 1,9 Empregado doméstico sem carteira 5,7 5,4 4,8 4,1 5,9 5,0 17,5 15,9 15,4 13,6 15,5 15,4 Empregador 2,4 1,8 3,5 4,1 3,5 3,1 Próprio Consumo 4,1 7,9 1,7 4,2 3,1 4,0 Construção para Próprio Uso 0,1 0,1 0,2 0,1 0,2 0,1 Conta-própria Não Remunerado (1) 7,4 7,4 2,0 5,7 2,6 4,4 Desempregados 7,9 8,5 9,1 6,0 8,2 8,3 Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nos Microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). (1) Com jornada de trabalho igual ou superior a 15 horas semanais. 73 Algumas ações básicas para a interação do sistema público de emprego com as demais políticas podem ser indicadas. Por exemplo: Definição de parâmetros para geração de empregos, elevação da qualificação e melhoria das condições de trabalho, segundo as diretrizes do Sistema Público de Emprego (SPE), para os investimentos públicos de longo prazo para a indústria, infra-estrutura e habitacional. Elaboração de estratégias de qualificação para os recursos humanos vinculados direta e indiretamente às políticas de educação e saúde; Identificação das relações entre a política de desenvolvimento tecnológico e a demanda por investimentos em qualificação da força de trabalho; Transferência do financiamento dos fundos públicos da folha de salários para o faturamento das empresas, considerando tamanho e perfil tecnológico; 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 73 18/6/2009 09:47:25 Alíquota mais elevada para o financiamento do FAT para as empresas com elevada rotatividade; Construção de um cadastro único e de um sistema de informação que possibilite o acesso rápido aos programas de qualificação dos trabalhadores com benefício do seguro-desemprego e/ou inscritos no programa de intermediação de mão de obra; Programa de acompanhamento pelas instituições de representação das condições de trabalho e dos programas de qualificação nas empresas que recebem financiamentos públicos de longo prazo. Estas ações poderiam compor uma cesta mais ampla de iniciativas, pactuadas nos órgãos de gestão das instituições públicas responsáveis pelas políticas setoriais, sociais e de emprego. 74 Ao construir estas ações com a preocupação de constituir um sistema público de emprego como parte de uma estratégia de desenvolvimento, o país poderá iniciar um processo de reordenamento do mercado de trabalho em favor de um perfil de melhor qualificação, indiscutivelmente necessário para a constituição de uma estrutura econômica menos heterogênea e de maior produtividade. Ademais, se estaria abrindo a possibilidade de romper o caráter compensatório da política de emprego, dando-lhe um papel mais dinâmico e relevante em uma estratégia de desenvolvimento com equidade. Referências AZEREDO, B. Políticas públicas de emprego: a experiência brasileira. São Paulo: Associação Brasileira de Estudos do Trabalho, 1998. (Coleção Teses e Pesquisas, v. 1). CONGRESSO NACIONAL – SISTEMA PÚBLICO DE EMPREGO, TRABALHO E RENDA, 2., 2006, Brasília, DF. Anais... Brasília, DF: Ministério do Trabalho e Emprego, 2006. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 74 18/6/2009 09:47:25 DEDECCA, C. S.; BARBOSA, A. F.; MORETTO, A. Transformações recentes do sistema público de emprego nos países desenvolvidos: tendências e particularidades. São Paulo: Unitrabalho/A+ Comunicação, 2007. MORETTO, A. O sistema público de emprego no Brasil: uma construção inacabada. 2007. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia, Campinas, 2007. OCDE. Employment outlook 2005. Paris, 2005. RICCA, S. Los servicios del empleo: su naturaleza, mandato, funciones y administración. Genebra: OIT, 1983. 75 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 75 18/6/2009 09:47:25 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 76 18/6/2009 09:47:25 3 OLHARES SOBRE A RECENTE POLÍTICA DE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL: CONTROLE SOCIAL E REORIENTAÇÃO Tarcisio Patricio de Araújo Roberto Alves de Lima1 Introdução No 14.º ano da política pública de qualificação profissional no País, financiada com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT)2, deve-se reconhecer – e é urgente fazê-lo – que um balanço de ganhos e perdas leva a uma constatação imediata: é preciso que o programa seja redefinido, reorientado. Pretendemos, neste artigo, fundamentar tal visão e, ao mesmo tempo, propor alternativas de redirecionamento. 77 Professores do Departamento de Economia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). 2 Embora de conhecimento relativamente amplo, o caráter específico da informação sobre a origem dos recursos do FAT não é algo que possa ser considerado de domínio público. Por isso, explicitaremos aqui os elementos da gênese financeira desse Fundo: o FAT – criado pela Lei no. 7.998 (1990) – é alimentado por contribuições do Programa de Integração Social (PIS) e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP), conforme a seguinte composição: “0,65% do faturamento de pessoas jurídicas de direito privado; 1,00% sobre a folha de pagamento de pessoas jurídicas sem fins lucrativos (entidades filantrópicas); e 1,00% do valor das receitas (arrecadação e transferências) de pessoas jurídicas de direito público interno”. “Em 2000, a arrecadação do PIS/PASEP foi de R$ 9,6 bilhões, cerca de US$ 5,2 bilhões, dos quais R$ 8,1 bilhões (US$ 4,4 bilhões) foram destinados ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).” (BRASIL, 2001, p. 11). A diferença entre a arrecadação total e a parcela repassada ao FAT deve ser atribuída à alocação de recursos para o Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), de acordo com a política de ajuste fiscal do Governo federal. 1 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 77 18/6/2009 09:47:25 Como todos os programas custeados pelo FAT3, a ação pública de treinamento de mão-de-obra sempre esteve formalmente configurada para funcionar em um molde de controle social. A documentação oficial produzida pelo Conselho Deliberativo do FAT (CODEFAT – tripartite e paritário4) previa uma execução do programa plenamente acoplada ao controle da sociedade civil: as comissões estaduais e as comissões municipais de emprego, também de caráter tripartite e paritário – depois denominadas comissões de trabalho – exerceriam o duplo papel de prospectar a demanda de qualificação profissional e de crédito (neste caso, operações no âmbito do PROGER e do PRONAF5), e de colaborar para o monitoramento e a avaliação das ações realizadas. 78 Tal política constituiu uma novidade em um país com a tradição dos programas do SENAI, iniciados nos anos 1940 – custeados com recursos parafiscais e capitaneados por empresas. Essa política pública de qualificação profissional é parte dos ecos da era da Constituição de 1988, que no momento celebra vinte anos, e da qual a criação do FAT, em 1990, foi um dos frutos – instrumento que se tornou o funding básico das chamadas políticas de emprego e renda. A participação da sociedade civil e a descentralização de ações públicas no campo social passaram, desde então, a constituir um caminho a ser, por iniciativa do governo central, trilhado – o que significava contemplar anseios da sociedade civil organizada e, ao mesmo tempo, cobrar das diversas representações dessa sociedade uma atuação efetiva no apoio a programas 3 As políticas sociais financiadas pelo FAT compreendem uma cesta cuja composição envolve crédito para pequenos negócios urbanos e rurais (agricultura familiar), apoio à economia solidária, seguro-desemprego e abono salarial, intermediação de mão-de-obra e qualificação profissional – sendo esta última o objeto deste artigo. 4 O caráter tripartite e paritário é formalmente garantido pela composição das comissões por representações patronais, dos trabalhadores, e governamentais, com voto paritário. 5 Trata-se do Programa Nacional de Geração de Emprego e Renda (PROGER RURAL e PROGER URBANO) e do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 78 18/6/2009 09:47:25 sociais. Como será visto neste trabalho, é exatamente na descentralização e na participação da sociedade civil que ainda reside o calcanhar-de-aquiles das políticas sociais custeadas pelo FAT, particularmente no que se refere aos programas executados na órbita de qualificação e requalificação da força de trabalho. Este trabalho compreende análises e reflexões desenvolvidas ao longo de quatro seções: a) introdução; b) discussão sobre qualificação profissional como um dos braços do “sistema público de emprego” no Brasil - Plano Nacional de Qualificação do Trabalhador (PLANFOR), passagem para o Plano Nacional de Qualificação (PNQ) e implicações do novo desenho do sistema; c) problemática do monitoramento e da avaliação; d) considerações finais e proposições. Política de Qualificação Profissional no Brasil: de PLANFOR a PNQ 79 Fundamentos e contexto do PLANFOR A implementação do PLANFOR, em 1995/96, deu à formação profissional do País dimensão de política pública de emprego6. Um elemento básico norteou a concepção do PLANFOR: o diagnóstico que atribuía inadequada ênfase à insuficiente qualificação da mão-de-obra como fator de desemprego, reservando-se grande peso analítico a aspectos da oferta, sem que fossem levados em conta fatores estruturais e de política macroeconômica inibidores do crescimento da economia. Uma característica adicional, vinculada à carga retórica das resoluções do CODEFAT, foi a fixação do objetivo de treinar, anualmente, a partir de 1999, 20% da força Em 1995, a Resolução nº 96, de 18 de outubro de 1995, atribui à Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional (SEFOR) as funções de execução, coordenação programática e supervisão das ações públicas de qualificação profissional no País. A Resolução no 126, de 23 de outubro de 1996, institui o PLANFOR. 6 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 79 18/6/2009 09:47:25 de trabalho com idade superior a quinze anos (cerca de 15 milhões de pessoas), por meio do esforço conjunto das secretarias estaduais de trabalho, Sistema S, centrais sindicais, universidades, ONGs e outras parcerias. Os agentes institucionais envolvidos no desenvolvimento das ações derivadas da política de qualificação profissional são – tanto hoje quanto na época das definições iniciais dessa política – os mesmos7. 80 Os cânones da articulação, integração e descentralização de ações e da participação da sociedade civil são peças-chave na retórica das normas e resoluções do CODEFAT. Destacamse a seguir alguns trechos de resoluções básicas que estabeleceram os procedimentos e os rumos a serem seguidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego, por secretarias estaduais de trabalho e por entidades que representam segmentos da sociedade civil. Trata-se, aqui, de sistematização de evidências da boa intenção de conferir aos programas sociais financiados pelo FAT a eficácia e a legitimidade que garantiriam a maximização de resultados desses programas. Com respeito à essência das definições de objetivos e de clientela, podem ser extraídos os trechos a seguir. Da Resolução nº 126 (23/10/1996), podem ser selecionadas as seguintes passagens: As ações planejadas deverão estar articuladas e de acordo com o objetivo global do PLANFOR, integradas a uma política pública de trabalho e geração de renda, com o objetivo de garantir qualificação e requalificação profissional para o conjunto da PEA – População Economicamente Ativa, urbana e rural, de modo a propiciar sua permanência, inserção ou reinserção no mercado de trabalho, ampliando, também, sua oportunidade de geração de renda, contribuindo dessa forma para a melhoria da qualidade do emprego e da vida do trabalhador, Para detalhamento do leque de instituições, ver Resolução nº 258/2000, PLANFOR; Resolução 333/2003, que revogou a primeira, atribuindo ao Programa nova denominação: Plano Nacional de Qualificação (PNQ). 7 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 80 18/6/2009 09:47:25 bem assim para um melhor desempenho do setor produtivo; (Item I, Artigo 3º.). (BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 126, 2008). No item II da mesma Resolução é definida a clientela: Beneficiários do seguro desemprego; beneficiários de programas de geração de emprego e renda; trabalhadores sob risco de perda do emprego; desempregados; trabalhadores autônomos e micro-produtores do setor informal; e outros grupos social e economicamente vulneráveis, do meio urbano e rural; com atenção especial para adolescentes, jovens, mulheres e idosos. (BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 126, 2008). Os tipos de ações a serem executadas, constantes do Artigo 4º, são “programas de educação profissional e projetos especiais”. O primeiro contempla “ações voltadas para a qualificação e requalificação da População Economicamente Ativa (PEA), classificadas em programas nacionais, estaduais ou emergenciais”; no plano nacional, ações “em consonância com eixos estratégicos do desenvolvimento nacional e diretrizes do CODEFAT”; no âmbito estadual, além dos já cobertos por programas nacionais, “outros setores e/ou clientelas prioritárias em cada Estado, definidos pelas secretarias de trabalho e comissões de emprego estaduais e do Distrito Federal, em consonância, também, com eixos estratégicos de desenvolvimento de cada Estado e com as peculiaridades locais”; “os programas emergenciais se destinam a atender demandas urgentes, surgidas ao longo da implementação de planos ou projetos em parceria com a SEFOR (Secretaria de Formação Profissional), do Ministério do Trabalho e Emprego, associados a conjunturas de crise e/ou a processos de reestruturação e modernização produtiva que atinjam determinados setores ou clientelas”. 81 Os chamados “projetos especiais” cobririam “ações de caráter metodológico-conceitual, visando a garantir mobilização, articulação, informação, avaliação, supervisão, acompanhamento e avanço conceitual dos programas de educação profissional”, também desdobrados em dimensões no plano nacional e no plano local, visando – nesta última esfera – a 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 81 18/6/2009 09:47:25 contemplar o que não fosse alcançado em programas desenvolvidos em escala nacional. É útil observar um aspecto – embora de amplo conhecimento entre especialistas que analisam políticas públicas para o mercado de trabalho no Brasil – relativo à dimensão e à natureza da meta estabelecida pelo PLANFOR. Recorra-se a ao artigo 2º da resolução 258/2000: O PLANFOR tem o objetivo de construir, gradativamente, oferta de Educação Profissional (EP) permanente, com foco na demanda social e no mercado de trabalho, de modo a qualificar ou requalificar, a cada ano, articulado à capacidade e competência existente nessa área, pelo menos 20% da PEA, maior de 16 anos de idade, com vistas a contribuir para: I - aumento da probabilidade de obtenção de trabalho e de geração ou elevação de renda, tendo por objetivo reduzir os níveis de desemprego e subemprego; II - redução da pobreza; 82 III - aumento da probabilidade de permanência no mercado de trabalho, reduzindo os riscos de demissão e as taxas de rotatividade; e IV - elevação da produtividade, da competitividade e da renda. (BRASIL, 2000, grifo nosso). Pelo menos duas ponderações devem ser feitas a respeito de tais objetivos. Primeiro, a fantástica meta de 20% (de fato distribuída em 7% para as secretarias de trabalho estaduais e o restante para as “parcerias”, em particular instituições do Sistema S)8 revelou-se, desde o início, não factível, constituindo uma enorme pressão para cumprimento de metas pelos estados, com conseqüente queda de qualidade dos cursos (e seminários) de qualificação oferecidos; dado o não Nos termos do Artigo 3º da Resolução 258/2000: “O PLANFOR é implementado por meio de Planos Estaduais de Qualificação (PEQs) e Parcerias Nacionais ou Regionais (PARCERIAS), viabilizados mediante convênios ou outros instrumentos legais pertinentes, firmados entre os respectivos executores e o MTE, por intermédio da SPPE”. (BRASIL, 2000). 8 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 82 18/6/2009 09:47:25 realismo da pretensão, tal meta foi na prática flexibilizada e depois descartada. A segunda ponderação é com respeito a uma contradição intrínseca do objetivo de elevação da produtividade, considerados o público-alvo e a retórica da redução da exclusão social (redução do desemprego e da pobreza). De fato, dada a preeminência da meta social (foco nos segmentos sociais “excluídos”), o público atendido tende a ser formado por trabalhadores cujo nível de escolaridade se situa aquém do patamar mínimo que contribuiria para, depois de certo número de horas de treinamento, o indivíduo ter – pelo menos potencialmente – elevado seu nível de produtividade. Sabe-se que requisitos de eficiência e produtividade estão associados a trabalhadores com adequado nível de escolaridade, aqueles que teoricamente estão aptos a absorver novas técnicas – e este é exatamente o segmento que não é alvo prioritário do programa. Tal contradição tem sido mantida mesmo depois da mudança para o atual Plano Nacional de Qualificação (PNQ). Julgamos que a política de qualificação profissional deveria contemplar duas vertentes: o atendimento da demanda social; e o alcance da demanda de mercado, neste último caso via parcerias entre governo e setor privado na montagem de cursos de qualificação profissional dirigidos a grupos ocupacionais específicos de trabalhadores mais qualificados, detentores de maior nível de escolaridade. Em tal caso, buscandose a linha da integração de políticas e programas, esses cursos deveriam ser conduzidos em parcerias com escolas técnicas, universidades e entidades do Sistema S – considerando-se também a necessidade de discussões sobre os conteúdos dos cursos, com revisão das ementas e adequação de carga horária no plano das diversas especializações. 83 Importante notar que a idéia de parceria e integração também é pertinente à vertente da demanda social (materializada em propostas de cursos para ocupações como garçom, atividades de cozinha/culinária e embelezamento afro, trabalho autônomo das mais diversas especialidades etc., geralmen- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 83 18/6/2009 09:47:25 te acopladas a atividades informais). Considerada a deficiência em educação básica e em conhecimentos gerais – de amplos segmentos da força de trabalho – os conteúdos básicos previstos em normas do CODEFAT (elevação da escolaridade, inclusão digital, conhecimentos gerais, mercado de trabalho, meio ambiente, direitos humanos e cidadania) deveriam ser ministrados em parceria com o Ministério da Educação, via integração de programas entre as duas esferas ministeriais. 84 Observe-se, ademais, que nas normas do CODEFAT procurava-se contemplar um leque de competências englobadas nas definições (artigo 9º da Resolução 258/2000); de habilidades básicas (competências e conhecimentos gerais, que incluíam cidadania e direitos humanos); habilidades específicas (referentes a conteúdos específicos de ocupações); e habilidades de gestão (gestão, autogestão, trabalho autônomo). Isso traduz o objetivo de os cursos de qualificação profissional cobrirem habilidades em dimensão ampla e plural, o que – em tese – permitiria a distinção entre as duas vertentes mencionadas: de um lado, a combinação de habilidades básicas com habilidades específicas, ou de habilidades básicas, específicas e de gestão9 – para trabalhadores cuja expectativa de inserção tivesse foco em atividades empresariais de comércio, serviços e indústria, o que aqui denominamos “demanda de mercado”; de outro, a combinação de habilidades básicas com habilidades de gestão para trabalhadores cuja expectativa de inserção fosse em atividades de autogestão, particularmente no setor informal, a “demanda social”. As alternativas acima consideradas estavam no campo de possibilidades vislumbradas na Resolução 258/2000, artigo 9º: Definem-se como ações de Educação Profissional (EP), no âmbito do PLANFOR, cursos, treinamentos, assessorias, extensão, pesquisas e estudos, concebidos com foco na demanda do mercado de trabalho e no perfil da população-alvo, contemplando o desenvolvimento de habilidades básicas, específicas e ou de gestão, sem prejuízo de outros que se definam em função do mercado de trabalho e do perfil da população a ser atendida. 9 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 84 18/6/2009 09:47:25 Na prática da execução do programa, no entanto, duas situações tenderam a prevalecer: capacitação de trabalhadores cujo perfil ocupacional era típico de engajamento em atividades informais; em geral, os cursos de qualificação para o segmento empresarial, ministrados por entidades do Sistema S, não atingiam o mesmo nível de qualidade dos cursos regulares dessas entidades – um obstáculo básico sendo o baixo teto de custo financeiro por treinando (ou educando), nos termos definidos pelo CODEFAT – particularmente no caso do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). Tal quadro tendia a se consolidar como decorrência da conjunção de dois fatores: ausência de distinção clara nas resoluções do CODEFAT entre demanda de mercado e demanda social; fragilidade das ações de monitoramento e avaliação, a despeito da tentativa de montagem de uma rede de controle social (comissões estaduais e municipais de emprego). Permanecia apenas como retórica o objetivo de “aumento da produtividade e da eficiência” da força de trabalho, descurando-se da realidade de predominância de cursos de qualificação com perfil de preparação de mão-de-obra para inserção em ocupações informais – o que refletia o baixo grau de escolaridade e qualificação de largos segmentos da força de trabalho e o insatisfatório nível de crescimento da economia, com ritmo de geração de empregos aquém do crescimento da população economicamente ativa. 85 Este último aspecto remete a um ponto crucial, no caso brasileiro, no que se refere às políticas públicas de emprego implementadas a partir de 1995. Tem sido muito adverso o quadro de crescimento econômico desde então, exceto no período mais recente (2004 a 2007), quando a taxa média de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro (4,5% ao ano) representa o dobro da verificada nos anos de 1995 a 2003 (2,2% ao ano)10. Conforme dados do IPEA. Disponível em: <www.ipea.gov.br/ ipeadata>. Cuja fonte básica é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 10 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 85 18/6/2009 09:47:25 86 Como se sabe, a política macroeconômica de estabilidade de preços no Brasil – a partir da implementação do Plano Real, em 1994 – teve como pilares básicos uma rigorosa política monetária de juros altos, uma política cambial com o objetivo precípuo de combate à inflação (em contraposição ao histórico uso do câmbio como instrumento de defesa das exportações brasileiras e de apoio à indústria nacional), abertura comercial e financeira e redução da participação do Estado na economia – cânones do neoliberalismo. Ficou evidente, desde o início, que em tal contexto a economia permaneceria em níveis de crescimento abaixo da média histórica do País e do potencial da estrutura produtiva brasileira e do estoque de recursos naturais exploráveis. Daí o reconhecimento, pelos próprios formuladores e executores da política macroeconômica, de que eram esperados níveis mais altos de desemprego. O objetivo de consolidação de um “sistema público de emprego” constituiria o contraponto a compensar a modesta dinâmica econômica e a insuficiente geração de postos de trabalho. Na verdade, a atribuição ao sistema público de emprego de tal papel compensatório refletia um diagnóstico que focava no mercado de trabalho a origem básica do aumento dos níveis de desemprego, o que redundava em se privilegiar, no diagnóstico, o lado da oferta de trabalho (insuficiente qualificação da força de trabalho face às transformações tecnológicas e organizacionais das empresas); daí a centralidade que passa a ter a política de qualificação de mão-de-obra com a instituição do PLANFOR um ano depois da implementação do Plano Real. Tal diagnóstico refletia, no Brasil, o abandono da visão consolidada na experiência dos países desenvolvidos, no pósguerra – quando do avanço das experiências de montagem do welfare state. De fato, nesse período (1945-1975) foi fundamental o papel do Estado na economia mundial (particularmente na Europa), quando houve combinação de crescimento econômico, progresso tecnológico, aumento de produtividade, baixa inflação e baixo desemprego. Em tal contexto, em que o Estado foi peça-chave na recuperação das economias e na execução de políticas públicas, fortalecia-se a idéia de 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 86 18/6/2009 09:47:25 que manter sustentada a demanda agregada – garantindo-se níveis de pleno emprego – era a melhor política de emprego. Assim, os programas de enfrentamento de mismatch entre demanda e oferta de mão-de-obra eram instrumentos acessórios nas políticas de emprego. Em um contexto como esse, programas públicos de emprego tendem a assumir caráter focalizado e acessório, dirigindo-se a estratos sociais específicos diretamente atingidos por situações de desemprego decorrente de estrangulamento na estrutura produtiva, de inovações tecnológicas ou de desajustes temporários. Deve-se notar, a propósito, que ao abandono da perspectiva típica da chamada “era de ouro” do capitalismo correspondia a ascensão, no plano ideológico e no mundo das políticas econômicas nacionais, da visão liberal do “Estado mínimo” – mudança ideológica reforçada pelo fim do ciclo de crescimento com estabilidade de preços e pelo desmoronamento das experiências socialistas, que tem como símbolo maior a “queda do Muro de Berlim”, em novembro 1989. A pressão por adoção do ideário liberal terminou por gerar efeito concreto no Brasil, nos anos noventa. 87 No caso brasileiro, a despeito da significativa expansão econômica do pós-guerra (crescimento do PIB de 7,1% ao ano no período 1947-1980), o panorama, considerada a esfera econômico-social, era bem diferente do observado em países capitalistas desenvolvidos. A ocorrência de um expressivo setor informal no mercado de trabalho (que ajudava a manter relativamente baixa a taxa de desemprego aberto) já era um traço histórico. A partir dos anos oitenta e nas duas décadas seguintes, os níveis de desemprego passaram a se elevar, sem que diminuísse a importância do setor informal. Na maior parte desses anos combinaram-se inflação alta, baixo crescimento, alto desemprego, permanência de um expressivo setor informal. Ou seja, a marca do mercado de trabalho passa a ser a conjugação de desemprego com “precarização” das relações de trabalho – como ficou evidenciado em indicadores de de- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 87 18/6/2009 09:47:25 semprego oculto (por trabalho precário e por desalento), gerados pelo Departamento Inter-Sindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE), além dos indicadores de desemprego aberto do IBGE e do DIEESE-SEADE – referentes a diversas regiões metropolitanas e capitais do País. 88 É, portanto, em um ambiente de grande déficit social que se inaugura, no Brasil, em 1995, depois de implementada a política econômica do Real, a rota de consolidação de um sistema público de emprego, tendo-se como carro-chefe (em termos de visibilidade e do volume de recursos alocados aos programas) o programa de qualificação de mão-de-obra. A ambiciosa meta então estabelecida para o PLANFOR (treinar um contingente de 20% da força de trabalho do País, como já referido neste estudo) seria uma tentativa (retórica, como se observou ao longo dos anos) de se ter em conta a dimensão do desemprego e da subocupação no segmento informal do mercado de trabalho. Para os formuladores e executores da política macroeconômica era claro que – considerados os pilares básicos do Plano Real – o desemprego seria mantido em níveis altos; ademais, o grau de informalidade no mercado de trabalho não teria tendência de redução. Mas a ênfase no lado da oferta de trabalho (insuficiência de qualificação) era espelho da desconsideração dos aspectos estruturais da economia e da aparente pouca relevância atribuída aos impactos, no mercado de trabalho, da política macroeconômica do Real. Passagem para o PNQ Na transição para o PNQ – a partir de 2003 – duas mudanças no contexto de operação do sistema público de emprego passariam a alimentar expectativas de alterações significativas na execução e no acompanhamento dos programas conduzidos nessa esfera das políticas públicas: i) emergência de um governo associado ao Partido dos Trabalhadores (PT), em substituição ao governo do partido que bancou a política 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 88 18/6/2009 09:47:25 econômica do Real desde o final de 1993 até o início de 1994 – Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB); ii) retomada (moderada) de crescimento da economia brasileira, desde 2004 (alimentada por conjuntura internacional favorável), tendência que se manteve nos anos seguintes e se acentuou depois de 2006, com a expansão da demanda agregada sendo também influenciada pela ampliação do mercado interno e pela melhora de expectativa dos agentes econômicos.11 Expectativas da sociedade, e em particular do meio acadêmico, foram alimentadas pela perspectiva renovadora da gestão pública que se prenunciava com o advento da nova administração federal; afinal, tratava-se de busca de mudanças no plano políticoadministrativo, conforme indicava a retórica da oposição que se tornara governo. Ora, no flanco da economia a manutenção dos pilares da política macroeconômica da era do Real provou ter sido a opção correta – regime de metas de inflação, política monetária cautelosa na administração da taxa de juros básica, política cambial; por outro lado havia, no plano da governança pública, maior margem de liberdade para mudanças alimentadas pelo discurso que projetava modernização administrativa e maior rigor no monitoramento e na avaliação das políticas públicas12. 89 Atribui-se tal melhora do panorama interno à política de redução (mesmo moderada) da taxa de juros básica da economia, aceleração da política de reajuste real do salário mínimo (desde 1995) e ampliação dos programas públicos de transferência de renda (em particular o Bolsa-Família). 12c Mecanismos mais efetivos e permanentes de monitoramento e avaliação de políticas públicas constituíam importante item da agenda acadêmica, conforme expresso em seminários de avaliação promovidos pelo Ministério do Trabalho e Emprego, no âmbito do PLANFOR. Tal demanda era recorrente também em encontros científicos da Academia, a exemplo dos Encontros Nacionais da Associação Brasileira de Estudos do Trabalho. A emergência, a partir de 1995, de diversos programas sociais – financiados por recursos do FAT – envolvendo crédito e qualificação profissional, está na raiz da demanda (de segmentos da sociedade) por esquemas estáveis e eficientes de avaliação de políticas públicas. Na verdade, em outras áreas – a exemplo da assistência social, que refletia a ampliação de programas de transferências de renda – também se acumulava essa demanda. 11 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 89 18/6/2009 09:47:25 No que diz respeito ao sistema público de emprego – rebatizado como Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda (SPETR) – e em particular à política de qualificação da força de trabalho, documentos oficiais do Ministério do Trabalho e Emprego13, a resposta crítica formulada pela nova gestão federal foi o PNQ. Na fundamentação do que seria a nova política pública de qualificação de mão-de-obra destacam-se observações críticas sobre o PLANFOR: i) insuficiência ou ausência de integração entre a política de qualificação profissional e outras políticas de emprego (intermediação de mão-de-obra, seguro desemprego, políticas de crédito etc.); ii) ausência de articulação com políticas educacionais; iii) fragilidade da rede de controle social; iv) predominância de cursos de curta duração; v) fragilidade do sistema de planejamento, monitoramento e avaliação. 90 Tais aspectos são de fato contemplados em relatórios de avaliação e trabalhos acadêmicos – entre os quais se incluem resultados de estudos realizados pelos autores do presente artigo. Deve-se notar que “integração de políticas e programas”, “articulação com a política educacional” e “rede de controle social” já eram parte dos objetivos retóricos do PLANFOR. Trata-se de temas que ficaram mais no plano das intenções. Por outro lado, a síntese crítica assumida em documentos oficiais do PNQ não inclui referências a cursos-fantasma e ao caráter ficcional da base de dados concernente aos resultados da política nacional de treinamento de mão-deobra. De fato, as estatísticas oficiais, da época, sobre o número de trabalhadores treinados, publicadas pelo Ministério do Trabalho, retratam uma situação que guarda discrepância do que deve ser a real dimensão da qualificação profissional; a unidade de medida (“treinandos”) não pode ser diretamente entendida como trabalhadores treinados, pois envolve múlVer “Plano Nacional de Qualificação, PNQ - 2003-2007”. Disponível em: <www.mte.gov.br>. 13 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 90 18/6/2009 09:47:25 tipla contagem (uma pessoa que faça mais de um curso ou módulos de um mesmo curso é contada como “treinando” por cada curso ou módulo feito). Também contribuem para tornar mais frágeis as estatísticas oficiais ocorrências como o registro de cursos que eventualmente não venham a ser ministrados, ou o número de inscritos ser superior ao efetivo dos que de fato freqüentam os cursos14; ademais, durante o período do PLANFOR – quando um seminário de oito horas podia ser contabilizado como um curso de qualificação profissional – uma pessoa que participasse de, por exemplo, três seminários de um dia seria contada como três unidades de “treinandos”15. O resultado global é que, a depender do rigor adotado por cada secretaria estadual de trabalho, as estatísticas de qualificação profissional podem se situar mais próximas da ficção que da realidade. Uma mudança concreta do PNQ – exigência de uma média de 200 horas para os cur- Ao longo da experiência do PLANFOR, problemas dessa natureza foram detectados em vários estados. Uma ocorrência recente – já no âmbito do PNQ – foi o caso da Organização Não- Governamental (ONG) Ágora, sob investigação por supostamente ter malversado o montante de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais) de um contrato com o Ministério do Trabalho e Emprego para a realização de cursos de qualificação em Brasília, São Paulo e Rio Grande do Sul. (DINHEIRO..., 2004). 15 A partir de 2003 – no contexto do PNQ – o CODEFAT definiu 200 horas como a carga horária média que deveria ser atingida em cada Estado. Ademais, alguns Estados – a exemplo de Pernambuco – fixaram um mínimo de 80 horas de curso. Isso naturalmente trouxe um problema adicional que requer um trabalho mais abrangente e minucioso de acompanhamento e de avaliação: verificar a possibilidade de adaptação burocrática do conteúdo de cursos de menor duração à nova carga horária sem um criterioso dimensionamento do programa ministrado. Uma forma de se evitar esse problema é a análise do material didático apresentado pelas entidades executoras, associada a entrevistas com instrutores, coordenadores de cursos e educandos, com vistas a se verificar se o conteúdo do curso corresponde ao que é esperado em termos de qualificação profissional, além de se observar o aspecto da pedagogia. Sabe-se que em Pernambuco esse tipo de trabalho foi realizado nos anos 2005-2006. 14 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 91 91 18/6/2009 09:47:25 sos de qualificação profissional16, reduzindo a proliferação de cursos de curta duração – certamente ameniza o problema, embora permaneça a discrepância decorrente da inexatidão da medida “treinando” – no PNQ, “educando”. No entanto, deve-se considerar que a média de 200 horas (em si, insuficiente, dada a deficiência de escolaridade básica de segmentos expressivos da força de trabalho) – inclui a realização de cursos de curta duração, do que decorre que se trata, pelo menos em parte dos cursos oferecidos, de algo claramente insuficiente para a formação de trabalhadores com qualificação ocupacional específica, em condições competitivas para uma boa inserção no mercado de trabalho. 92 Algumas alterações processadas nas normas do CODEFAT relativas à política de qualificação profissional – no âmbito do SPETR –, fora a já mencionada elevação da carga horária dos cursos, são essencialmente cosméticas – apenas para apor a marca política da nova administração federal. De fato, o que era Plano Estadual de Qualificação (PEQ), passou a se chamar Plano Territorial de Qualificação (PlanTeq), e o objeto central passou a ser “qualificação social e profissional”17. A resolução 333/2003 (PNQ) mantém a mesma estrutura de instâncias político-administrativas, como já estabelecido pela Resolução 258/2000 (PLANFOR): CODEFAT/ Ministério/Secretarias Estaduais de Trabalho/Comissões Estadual e Municipal de Trabalho, e as chamadas parcerias – as entidades executoras em cada unidade da Federação e as parcerias nacionais (entidades do Sistema S, entidades sindicais e ONGs). Sob o PNQ, ficou definido (artigo terceiro, parágrafo 10) que os cursos de qualificação propriamente ditos “não poderão ter carga horária inferior a 40 horas”; seminários, oficinas, laboratórios e outras modalidades, com duração não inferior a 16 horas; devendo a média global de todas as ações não ser inferior a 200 horas. 17 Rigorosamente, o adjetivo “social” não tem, neste caso, um sentido preciso e pode dar margem a interpretações várias: o que significaria qualificar “socialmente” um trabalhador? O Estado deve qualificar “socialmente” um indivíduo? 16 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 92 18/6/2009 09:47:25 Com respeito à partição dos recursos, é útil que sejam observadas diferenças entre as duas resoluções. Da resolução 258/2000: Art. 14. Cada PEQ deverá obedecer aos seguintes percentuais de aplicação dos recursos do FAT, alocados ao convênio anualmente: I - mínimo de 80% dos recursos e 90% da oferta de vagas em ações de qualificação profissional para a população-alvo definida no art. 8º e respectivos parágrafos desta Resolução; 18 II - até 16% dos recursos e 10% da oferta de vagas em ações de qualificação profissional para outros grupos relevantes para o desenvolvimento sustentado, devendo contemplar, obrigatoriamente, a formação de membros de Comissões Municipais de Emprego; O artigo 8º da Resolução 258/2000 (BRASIL, 2000) define como público-alvo os seguintes segmentos da “PEA urbana ou rural”: I - pessoas desocupadas, principalmente as beneficiárias do segurodesemprego e candidatas a primeiro emprego; II - pessoas sob risco de desocupação, em decorrência de processos de modernização tecnológica, privatização, redefinições de política econômica e outras formas de reestruturação produtiva; III - pequenos e microprodutores, agricultores familiares e também pessoas beneficiárias de alternativas de crédito financiadas pelo FAT (PROGER, PRONAF e outros); IV - pessoas que trabalham em condição autônoma, por conta própria ou autogestionada, e em atividades sujeitas a sazonalidades por motivos de restrição legal, clima, ciclo econômico e outros fatores que possam gerar instabilidade na ocupação e fluxo de renda. § 1º Em qualquer das categorias indicadas, terão preferência de acesso aos programas do PLANFOR pessoas mais vulneráveis economicamente e socialmente, definindo-se o grau de vulnerabilidade em função da combinação de atributos que possam implicar desvantagem ou discriminação no mercado de trabalho, bem como dificultar o acesso dessas pessoas a outras alternativas de qualificação ou requalificação profissional. O público-alvo definido pela Resolução 333 (PNQ) também é referido no artigo 8º e constitui um conjunto mais detalhado – embora essencialmente o mesmo definido na Resolução 258. 18 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 93 93 18/6/2009 09:47:25 III - até 4% dos recursos em projetos especiais, incluindo obrigatoriamente avaliação externa da implementação do PEQ e da gestão local e atualização do cadastro de entidades e avaliação da oferta de educação profissional na unidade federativa, podendo também contemplar, respeitado o limite de recursos para projetos especiais, ações de apoio à gestão do PEQ e estudos prospectivos da demanda de trabalho e qualificação profissional, como subsídio ao PEQ. (BRASIL, 2000). Da resolução 333/2003: Art. 14. Cada PlanTeQ deverá obedecer aos seguintes percentuais de aplicação dos recursos do FAT, alocados ao convênio anualmente: I – mínimo de 85% dos recursos e 90% da oferta de vagas em ações de qualificação profissional para a população prioritária definida no art. 8º e respectivos parágrafos desta Resolução; 94 II – até 15% dos recursos e 10% da oferta de vagas em ações de qualificação social e profissional para outros grupos de trabalhadores/as vinculados/as à especificidade da PEA do território, podendo também contemplar, respeitado o limite de recursos, estudos prospectivos da demanda de trabalho e qualificação profissional, como subsídio ao PlanTeQ. (BRASIL, 2003). Fica evidente que, sob o PNQ, é excluída a destinação de recursos para avaliação externa (obrigatória no PLANFOR). Ou seja, aumenta-se em cinco pontos percentuais relativamente ao PLANFOR a dotação para qualificação profissional, mas elimina-se a parte referente a avaliação externa – tema a ser examinado em seção própria, adiante. Nas normas referentes ao PLANFOR, o artigo 15 explicita a alocação a ser feita por cada parceria: Art. 15. Cada PARCERIA deverá obedecer aos seguintes percentuais de aplicação dos recursos do FAT, alocados ao convênio anual: I - mínimo de 96% dos recursos em ações de qualificação profissional para a população alvo definida no art. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 94 18/6/2009 09:47:26 8º e respectivos parágrafos desta Resolução, podendo contemplar também outros grupos relevantes para o desenvolvimento sustentado e a formação de membros de Comissões Estaduais de Emprego; II - até 4% dos recursos em projetos especiais, incluindo obrigatoriamente avaliação externa da implementação da PARCERIA e da gestão local, podendo também contemplar, respeitado o limite de recursos para projetos especiais, ações de apoio à gestão da PARCERIA e outros projetos de desenvolvimento, produção, experimentação e avaliação de metodologias e materiais técnico-didáticos pertinentes aos objetivos do PLANFOR. (BRASIL, 2000). Nas normas do PNQ, o artigo 15 trata dos chamados Projetos Especiais de Qualificação (ProEsqs), “de caráter nacional ou regional com instituições governamentais, não-governamentais ou intergovernamentais, no âmbito do Programa do Seguro-Desemprego” (BRASIL, 2003): Art. 15. Cada ProEsq deverá obedecer aos seguintes percentuais de aplicação dos recursos do FAT alocados ao convênio anual: I – até 20% em ações de qualificação da população prioritária, exclusivamente para efeito de validação e divulgação do estudo, pesquisa, metodologia ou tecnologia de qualificação; II – no mínimo 80% dos recursos na elaboração e execução de pesquisa, sistematização, estudo ou publicação, formação de formadores e no desenvolvimento, produção, experimentação e avaliação de metodologias, tecnologias e materiais técnico-didáticos pertinentes aos objetivos do PNQ. 95 Os ProEsqs “contemplam a elaboração de estudos, pesquisas, materiais técnico-didáticos, metodologias e tecnologias de qualificação social e profissional destinadas a populações específicas ou abordando aspectos da demanda, oferta e do aperfeiçoamento das políticas públicas de qualificação e de sua gestão participativa, implementados em escala regional ou nacional” (artigo 3º. parágrafo 5º da Resolução 333) e “só podem ser desenvolvidos em escalas nacional 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 95 18/6/2009 09:47:26 ou regional. Devem envolver a presença de pelo menos 03 (três) Estados de uma mesma região – quando adquirem caráter regional - ou pelo menos 08 (oito) Estados abrangendo todas as regiões do país – quando adquirem caráter nacional (Art. 3o § 6o da Resolução 333 do CODEFAT)”. (BRASIL, 2003). Em 2004, são instituídos – no âmbito do PNQ – os Planos Setoriais de Qualificação (PlanSeQs), a serem formalizados via convênio (ou outro instrumento legal) diretamente entre o MTE e “entidades executoras de ações de qualificação social e profissional” (instituições sem fins lucrativos). (BRASIL. RESOLUÇÃO N° 408, 2008). 96 Dessa forma o PNQ fica configurado em três linhas programáticas: Planos Estaduais de Qualificação (PLANTEQs), formalizados via convênio entre o MTE e os governos estaduais (secretarias de trabalho); PROESQs (projetos especiais) e PLANSEQs (planos setoriais), os dois últimos estabelecidos via convênios (ou outro instrumento legal) diretamente entre o MTE e entidades executoras. Os elementos aqui aportados, referentes às Resoluções 258 e 333, deixam evidentes as seguintes mudanças na normatização da política pública de qualificação da força de trabalho no Brasil: i) A alocação de recursos para avaliação externa e a obrigatoriedade dessa avaliação, nos planos estaduais de qualificação profissional – definidas na Resolução 258 (PLANFOR) – são eliminadas pela Resolução 333 (PNQ).19 ii) A idéia de avanço metodológico – já contida na Resolução 333, via “projetos especiais” e sempre objeto de discussão nos seminários de avaliação no âmbito do PLANFOR – é revestida de maior ambição, expressa nas proposições dos PROESQs e PLANSEQs. Aspectos referentes ao sistema de avaliação da política pública sob análise serão discutidos em seção própria. 19 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 96 18/6/2009 09:47:26 iii) A retórica – um traço característico das normas emitidas pelo CODEFAT – ganha no PNQ maior grandiloqüência, como se observa no seguinte trecho: “Os Projetos Especiais de Qualificação resultam de uma parceria entre o Estado e instituições da sociedade civil, com o propósito de favorecer o desenvolvimento político-conceitual, a articulação institucional, a qualidade pedagógica e a efetividade social e política do PNQ”. (BRASIL, 2004, p. 5, grifos nossos). iv) O aspecto retórico e de generalidade também se destaca na Resolução 408/2004 (PLANSEQ), conforme se observa no primeiro dos 13 parágrafos que esta resolução acrescenta ao artigo 3º da Resolução 333. (BRASIL, 2004).20: § 11º Os Planos Setoriais de Qualificação - PlanSeQs são um instrumento complementar aos PlanTeQs, orientado ao atendimento transversal e concertado de demandas emergenciais, estruturantes ou setorializadas de qualificação, identificadas a partir de iniciativas governamentais, sindicais, empresariais ou sociais, cujo atendimento não tenha sido passível de antecipação pelo planejamento dos entes federativos ou municipalidades conveniadas ao PNQ. (BRASIL. RESOLUÇÃO N° 408, 2008, grifo nosso). 97 Obviamente, da forma como está expresso, o parágrafo permite a inclusão de qualquer iniciativa. Para se ter uma idéia do que um projeto sob o PLANSEQ poderia constituir é necessário observarmos casos concretos: por exemplo, recolhem-se da página do MTE as seguintes informações sobre exemplos de projetos PLANSEQ em Pernambuco e no País (MINISTRO..., 2008): i) Planseq Petróleo e Gás Natural, em Ipojuca – PE A Resolução 408, entre outras alterações da Resolução 333, acrescenta a esta, no artigo 3º os parágrafos de número 11 a 23. 20 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 97 18/6/2009 09:47:26 Projeto para o Estaleiro Atlântico Sul (em implantação) – Meta total de qualificação:1.940 beneficiários diretos e 5.680 indiretos21, até 31 de dezembro de 2008. – Duas etapas. A primeira com início em 22 de outubro [2007] – 383 pessoas. A segunda, de 3 de março a 14 de agosto 2008, “aproximadamente 580 pessoas”. – Cursos ministrados para as seguintes ocupações: qualificação de armador de ferro, carpinteiro de forma, pedreiro de concreto e soldador ponteador. – Carga horária total de 200 horas-aula para cada ocupação. – Cada etapa constituída de quatro módulos: reforço da escolaridade e língua portuguesa; matemática e lógica; Saúde, Meio Ambiente e Segurança (SMS); conteúdos específicos e práticos das ocupações. – Outras turmas (14) concluídas no município de Escada – 280 pessoas treinadas. Previstas turmas para os municípios de Cabo de Santo Agostinho e Moreno, completando a meta total. 98 – Entidade Executora: SENAI-PE. – Recursos: R$ 1,41 milhão “para completar essa proposta de qualificação social e profissional em nível básico”. ii) No mesmo material de divulgação é feita referência a “outro Planseq”, dirigido a beneficiários do Bolsa-Família – “185 mil pessoas em 13 regiões metropolitanas” –, com o objetivo de promover “ação de qualificação e inserção profissional em obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC)”. Essas informações deixam evidente que o PLANSEQ pode se traduzir em projetos relevantes. No segundo caso, Trata-se de uma curiosidade, já que é difícil imaginar como um trabalhador poderia ser beneficiário indireto de uma capacitação – algo bem diferente do conceito de emprego indireto. Se a referência é a pessoas indiretamente ocupadas, fica-se sem a informação de como tais pessoas seriam alcançadas por cursos de qualificação profissional. 21 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 98 18/6/2009 09:47:26 reflete a intenção de se buscar a chamada “porta de saída” para beneficiários do Bolsa-Família. No primeiro, representa o foco em mão-de-obra para setores específicos da atividade econômica, o que corresponde à idéia, já referida neste estudo, de se atender à demanda de mercado – em contraposição à demanda social, tendendo esta última a se consolidar como a clientela primordial do PLANTEQ. É necessário, no entanto, que sejam feitas qualificações dessas duas vertentes. Com respeito ao atendimento da demanda de mercado deve-se – conforme o ponto de vista defendido neste estudo – buscar parceria com o setor privado, dividindo os custos dos programas, o que não parece ser o caso do Planseq Petróleo Gás, em Pernambuco. Por outro lado, mesmo que se vislumbre aqui uma separação metodológica entre “demanda social” e “demanda de mercado”, a Resolução 408 (que institui o PLANSEQ e se constitui de acréscimos à Resolução 333) define no parágrafo 14 acrescentado ao artigo terceiro da Resolução 333: “Constituem público prioritário dos PlanSeQs o/a trabalhador/a desocupado/a e as populações socialmente vulneráveis definidas nos incisos I a IX do art. 8º” [da Resolução 333]. Significa que o PLANSEQ é enquadrado na mesma perspectiva do PLANTEQ, constituindo, de fato, um adendo para se captar a demanda que eventualmente não tenha sido atendida por este último. Reiteramos que seria um avanço fazer a recomendada distinção entre demanda social e demanda de mercado, nesta última definindo-se claramente os termos da parceria financeira com o capital privado. A respeito disso, a Resolução 408 menciona “co-financiamento” em termos de contrapartidas dos agentes envolvidos (“contrapartida real do/s demandante/s, dividida segundo o porte e a capacidade econômica dos agentes públicos, privados e sociais envolvidos, inclusive de investidores, que serão contabilizadas, no projeto, como uma única contrapartida” -conforme inciso IV do parágrafo 21 acrescido à Resolução 333). Como não são estabelecidos detalhamentos 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 99 99 18/6/2009 09:47:26 dessa contrapartida e no projeto o item contrapartida é consolidado, o co-financiamento se refere ao que cada agente envolvido – secretarias estaduais, municipais, ONGs, sindicatos e empresas privadas – pode aportar em termos de apoio: pessoal, equipamentos etc., sem necessariamente envolver recursos financeiros. Portanto, o aporte financeiro termina por ser exclusivamente do FAT. No que se refere ao PLANSEQ Bolsa-Família, uma questão importante é a magnitude da tarefa de se garantir vagas no mercado de trabalho para o público-alvo (185 mil pessoas); significa ter em mente a dimensão temporal para alcance da meta, sob pena de serem alimentadas falsas expectativas e geradas frustrações nos beneficiários, um problema recorrente em ações de fomento da “empregabilidade” de segmentos da força de trabalho no plano federal e no plano estadual, sob o rótulo de primeiro emprego, centros da juventude etc. 100 Outros elementos devem ser considerados para se apreender a atual configuração da política nacional de qualificação profissional. Trata-se de aspectos referentes à instituição do chamado Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda (SPETR) – nova denominação para o sistema nacional de emprego – cujas categorias-chave são “arranjos municipais”, “articulação”, “integração” e “participação”. O SPETR engloba ações estabelecidas desde os anos setenta e oitenta (intermediação de mão-de-obra, seguro-desemprego), ao que foram sendo adicionadas, a partir dos anos noventa, ações de qualificação profissional, crédito para emprego e renda, programas de primeiro emprego para estratos jovens da força de trabalho e, recentemente, o chamado Programa de Microcrédito Produtivo Orientado (PMPO) e ações de apoio a empreendimentos de “economia solidária”. No entanto, qualificação profissional – tema deste trabalho – é a linha programática que tem sido o principal objeto de atenção das representações da sociedade civil, em parte por conta do aprofundamento da crise do mercado de trabalho a partir dos anos noventa; ademais, a possibilidade de liberação de recursos para instituições representativas da sociedade atuarem 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 100 18/6/2009 09:47:26 como entidades executoras de capacitação também desempenhou papel decisivo para tal interesse. As expectativas de utilização desses recursos públicos foram sendo ampliadas e consolidadas ao longo dos anos, em particular entre 1995 e 2001, quando o montante de recursos do FAT destinados a políticas de emprego alcançou valores expressivos.22 Na linha de buscar ampliar o envolvimento de representações da sociedade no SPETR, foi estabelecida uma sistemática de trabalho e de divulgação de resultados que privilegia os congressos – com a arregimentação de representantes do governo federal, de governos estaduais e de grandes municípios (com mais de 300 mil habitantes), comissões estaduais e municipais de emprego, entidades representativas empresariais e dos trabalhadores.23 É importante assinalar que nos congressos nacionais do SPETR há participação – assim como ocorria nos seminários de discussão sobre o PLANFOR, promovidos pela então Secretaria de Formação de Mão-de-Obra (SEFOR), do MTE – de técnicos vinculados à Academia (universidades e instituições de pesquisa), alguns também vinculados ao governo federal, a governos estaduais ou a ONGs. Ocorre que preocupações como “articulação” e “integração” (de políticas e programas) eram pontos de destaque nas discussões conduzidas nos encontros sobre o PLANFOR e também em encontros científicos. Do mesmo modo, era pontuado nos encontros acadêmicos o aspecto da limitada capacidade das 101 Dados do MTE informam que, para o sistema público de emprego como um todo, foi a seguinte a evolução da alocação de recursos do FAT (em R$ bilhão): 1995 – 0,347; 1996 – 1,171; 1997 – 1,444; 1998 – 1,714; 1999 – 1,482; 2000 – 1,522. Em 2001, houve redução para R$ 1,012 bilhão e nos anos 2002-2005 os valores se situaram na faixa de R$ 0,5 bilhão. (POLÍTICAS..., 2008). 23 No período do PLANFOR, os encontros organizados pelo MTE tinham menor dimensão – embora qualitativamente com as mesmas representações dos eventos realizados sob o SPETR. Conforme estimativa do próprio MTE, cerca de 1.500 pessoas teriam participado do I e do II Congressos do SPTER, realizados – respectivamente – em dezembro de 2004 e julho de 2005. 22 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 101 18/6/2009 09:47:26 políticas para o mercado de trabalho de reduzir o nível de desemprego ou de aumentar a renda dos trabalhadores em contexto adverso da economia. 102 Portanto, as principais recomendações para o avanço no sistema nacional de políticas de emprego vinculadas à articulação, à integração e à participação – nos congressos nacionais do SPETR – são tentativas de resolver velhos problemas. O que representaria novidade, como decorrência dessas recomendações, seria a instituição do chamado “Convênio Único” e do Plano Plurianual, o que permitiria a integração das ações operadas sob o SPETR24; o convênio único devendo ser celebrado com estados, Distrito Federal, capitais e municípios com mais de 300 mil habitantes (mais de 200 mil habitantes, segundo a Resolução 560, de 28 de novembro de 2007 – que revogou a Resolução 466). As resoluções do CODEFAT não especificam o significado desses instrumentos para a integração das ações do SPETR. Moretto (2007, p. 13) tenta descobrir um sentido para tal: Podemos dizer que o desenho institucional que resulta do [II] Congresso é um avanço em relação à situação anterior. A instituição de um convênio único entre o MTE e as unidades da federação ou grande município, a partir de planos previamente discutidos e que incorporam as várias ações a serem realizadas no âmbito de cada espaço territorial, racionaliza os procedimentos ao mesmo tempo em que exige maior empenho em planejamento. A existência de um plano plurianual permite que a unidade da federação faça o pagamento de despesas sem que tenha ocorrido o repasse, o que não podia ser feito Conforme Resolução 466, de 21 de dezembro de 2005. (BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 466, 2008). De fato, esta Resolução foi revogada pela Resolução 560/2007, na qual não consta referência ao convênio único. Por outro lado, havia sido publicada – em 16 de fevereiro de 2006 – a Resolução 475 (13/02/2006), que se baseia na Resolução 466, e estabelece (no artigo 1º.) que a Secretaria de Políticas Públicas de Emprego (SPPE/MTE) fica autorizada a “firmar Convênios Plurianuais Únicos com estados ou municípios, pelo período de março de 2006 a dezembro de 2009.” (BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 475, 2008). 24 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 102 18/6/2009 09:47:26 anteriormente, permitindo que se cumpra com os compromissos com os fornecedores. Esse aspecto positivo convive, entretanto, com a ausência de um fluxo contínuo de recursos, o que implica em custos administrativos e financeiros que poderiam ser evitados se o cronograma de repasse fosse respeitado. Ademais, convive-se também com a redução do volume de recursos, trazendo insegurança com relação à continuidade das ações. É difícil se identificar inovação. A elaboração de planos de trabalho por parte dos estados já era prática exigida por normas do CODEFAT, desde o PLANFOR – quando também se buscava a integração, experiência da qual resultou a iniciativa, em vários estados, de criação de unidades administrativas que “integravam” seguro-desemprego, qualificação profissional, intermediação, operações de crédito25. Com respeito ao plano plurianual a vantagem apontada por Moretto (2007) depende da disponibilidade de cada estado de adiantar recursos; ademais, o grau de eficiência administrativa é influenciado pela velocidade dos trâmites burocráticos (nos planos estadual e federal) – o que sempre levou a atrasos no início da execução do plano estadual de qualificação profissional26. 103 Por outro lado, Moretto (2007, p. 19) vê nos centros de atendimento ao trabalhador uma importante inovação no sentido da integração: Com relação à questão da integração e articulação das políticas, a decisão de se criar um local único para acesso aos serviços de colocação e do seguro-desemprego, é um passo importante, pois em um único atendimento o trabalhador pode acessar os dois serviços. Em Pernambuco, por exemplo, foi criada a Agência do Trabalho em Recife – modelo que foi multiplicado para vários municípios em todo o Estado. 26 Novamente recorrendo-se a Pernambuco como exemplo, a execução do PLANTEQ 2007 foi iniciada em 2008. Tais atrasos em geral levam a uma concentração de cursos em um curto período de tempo, o que tende a gerar prejuízos pedagógicos. 25 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 103 18/6/2009 09:47:26 Mas, como já referido, tal linha de ação já era parte da prática instituída sob o PLANFOR. O que constituiria um avanço seria a interligação, via informática, dos centros de atendimento, inovação ainda por ser implementada e que demanda um sistema mais amigável e mais eficiente que o SIGAE (Sistema Integrado de Gestão das Ações de Emprego)27, além de capacitação do pessoal técnico desses centros (MORETTO, 2007, p. 14): A integração dos vários centros pode eliminar a concorrência entre as várias agências hoje existentes, pois independentemente de quem faça a captação da vaga, esta estará disponível para todas as agências, facilitando, assim, encontrar o trabalhador mais adequado e mais rapidamente para preenchê-la [sic]. Do mesmo modo, elimina a necessidade de o trabalhador fazer a inscrição em várias agências, pois o banco de dados será único. 104 O aspecto da “participação” é referendado, no II Congresso do SPETR, pela ênfase na gestão tripartite dos diversos programas e ações – elemento que, para ser de fato efetivo, necessitaria de grandes avanços, até agora imperceptíveis, na “rede de controle social” constituída pelas comissões de emprego. No entanto, a experiência desses catorze anos do sistema público de emprego (em suas diversas áreas e ações) revela que a “rede de controle social” permanece como um elo frágil da política pública de emprego. Em suma, o que o exame da documentação oficial do MTE revela é a maior carga retórica das resoluções emitidas pelo CODEFAT, como se a afirmação de intenções e princípios fosse garantia de mudanças. Um exemplo claro está na já referida Resolução 560, que, no artigo 3º anuncia que “de27 Software utilizado pelo MTE, pelas secretarias de trabalho dos estados para registro de informações sobre os programas executados (inclusive intermediação e seguro-desemprego) e para acesso das entidades executoras das ações de qualificação profissional, que informam diretamente ao sistema sobre os beneficiários (número de educandos, dados pessoais, cursos realizados, evasão etc.), sem controle adequado da qualidade da informação ou qualquer avaliação crítica sobre a veracidade do que é informado. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 104 18/6/2009 09:47:26 verão ser observados”, na “execução das ações que integram” o SPTER, 11 “princípios”: da inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho; da integração; da gestão participativa; da continuidade [das ações]; da eficiência e eficácia; da efetividade social; da atenção aos grupos vulneráveis; da viabilidade de controle; da qualidade no atendimento; da sustentabilidade financeira; da legalidade, do interesse e da moralidade pública. O mesmo grau de retórica é reservado ao sistema de “monitoramento e avaliação”, agora centralizado no MTE e sem alocação de recursos para tal nos repasses aos estados – tema que é objeto da seção a seguir. Implicações da Nova Configuração da Política Nacional de Qualificação de Mão-de-obra, no Âmbito do SPETR A análise documental até aqui conduzida evidencia importantes implicações práticas do atual desenho do sistema público de emprego no Brasil, particularmente no que concerne à linha programática da qualificação profissional. A seguir, um sumário dessas implicações. i) 105 Fica evidente, nos documentos oficiais que definem e regulamentam os PROESQs e os PLANSEQs, uma primazia – na captação de recursos – das ONGs, de entidades do Sistema S, de federações sindicais e ONGs que são braços dessas federações (algumas ONGs mantêm contrato no plano estadual e simultaneamente via relação direta com o Ministério). ii) É eliminada a destinação de recursos para avaliação externa no âmbito estadual, mantendo-se apenas a avaliação externa no plano nacional, atualmente a cargo da instituição “interuniversitária” UNITRABALHO. Essa experiência de avaliação centralizada já havia ocorrido no início do PLANFOR, sem resultados satisfatórios – o que terminou por levar à descentralização com destinação aos estados de recursos específicos para avaliação externa e monitoramento. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 105 18/6/2009 09:47:26 iii) Assim, simultaneamente à maior participação de ONGs nos recursos do FAT dirigidos a programas de qualificação profissional, a centralização da avaliação no Ministério fragiliza a ação de controle social. A menção à atuação das Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs) na fiscalização, e de órgãos de controle como os tribunais de contas e a Controladoria Geral da União e auditoria do MTE, seria uma complementação do sistema de controle28. No entanto, as DRTs não têm equipe, nem seria papel dessas instâncias administrativas fazer acompanhamento técnico (monitoramento, avaliação, estudos de egressos dos cursos de qualificação) – elemento essencial para se ter, de fato, um sistema de avaliação que permita correções de rota e elaboração de estudos de eficiência e eficácia dos programas. Ademais, os tradicionais órgãos de controle apenas detectam, ex-post, falhas e desvios de rota. 106 iv) Outra importante mudança na prática atual – relativamente ao período do PLANFOR – é a escassez de informações sobre os resultados dos programas de qualificação e sobre estudos de avaliação. Antes se dispunha de uma base de dados sobre os resultados da execução dos Planos Estaduais de Qualificação Profissional (PEQs). Embora tais informações carregassem diversas fragilidades, pelo menos havia disponibilidade de uma base de dados. Ou seja, em vez de haver avanço, houve redução do grau de transparência das ações realizadas. Significa, portanto, que no campo da avaliação e do monitoramento das ações de qualificação profissional, retrocesso se sobrepõe a avanço. Considerada a importância crescente Observe-se que as referidas instituições já têm atribuições de fiscalização e controle bem definidas na legislação pertinente, além de terem uma prática corrente de atuação de controle nas respectivas áreas. Portanto, não caberia a uma instância do MTE definir um papel específico de controle da política de qualificação profissional. 28 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 106 18/6/2009 09:47:26 de ONGs e outras instituições sem fins lucrativos nos contratos ou convênios diretamente com o MTE para montagem de cursos de qualificação profissional, a ausência de um sistema descentralizado de avaliação externa pode potencializar problemas no que concerne à utilização desses recursos públicos29. Na seção seguinte serão feitas considerações adicionais sobre avaliação e monitoramento no sistema público de emprego, com destaque nas mudanças operadas no âmbito do PNQ. A propósito, matéria do Jornal Folha de São Paulo (quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008), sob o título “Ministério do Trabalho favorece o PDT”, sugere que aliados do PDT, presidido pelo ministro Carlos Lupi, estariam sendo favorecidos pelo fato de “12 entidades ligadas ao PDT” terem recebido cerca de R$ 50 milhões (de um total de R$ 111,5 milhões) “para realizar treinamento de jovens em vários estados do País”. Dirigentes das entidades beneficiadas seriam “parentes, doadores de campanha ou políticos do próprio PDT”. Na matéria são citados nomes de entidades, de pessoas, e relações de parentesco e/ou partidárias. Os valores liberados se refeririam ao período de 30/11/2007 até janeiro/2008, no montante de cerca de R$ 70 milhões, “se computadas verbas para bolsas destinadas a jovens”. O total de beneficiários da capacitação seria 29,5 mil jovens. É também mencionado que, “em vários casos”, a entidade terceirizaria a realização dos cursos. Entre as entidades recebedoras estariam a DataBrasil (“que funciona dentro da sede da Força Sindical”). Segundo a matéria, o MTE não nega as destinações de recursos, e informa que não assina convênios com partidos políticos, pois “existem normas a serem cumpridas”. Evidente que tais informações não necessariamente significam que os recursos seriam usados de forma perdulária. No entanto, a ocorrência deixa bem evidente que um sistema de monitoramento e avaliação descentralizado e autônomo em relação ao SPETR é uma necessidade crucial. Ademais, regras mais rígidas de alocação de recursos do FAT para qualificação profissional são obviamente urgentes. Supostas fraudes no passado desse programa (“cursos-fantasma” e entidades que recebiam recursos cujo montante e cuja meta de qualificação eram absolutamente incompatíveis com a estrutura de tais entidades), desde o PLANFOR, hoje ainda sob investigação, revelam que o problema não é novo – fato que dramatiza a urgência de uma completa reestruturação de procedimentos na liberação de recursos, no acompanhamento e na avaliação das ações. 29 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 107 107 18/6/2009 09:47:26 Problemática da Avaliação e do Monitoramento no Sistema Nacional de Emprego A criação do FAT, em 1990, e a emergência de novos programas dirigidos ao mercado de trabalho respondem a demandas que foram expressas na Constituição de 1988, e seguem recomendações da Organização Internacional do Trabalho. A idéia de montagem de uma “rede de controle social” é um elemento fundamental incorporando todas as políticas sociais. 108 O desenho dos programas de qualificação profissional – assim como os referentes a crédito para emprego e renda – pressupõe uma ativa participação de representações da sociedade civil na identificação de demandas, no planejamento de atividades, e nos processos de monitoramento e avaliação. De forma resumida – afinal, trata-se de algo bastante conhecido dos especialistas e referido em vários trabalhos – a rede institucional desses programas compreende o seguinte, nos termos prevalecentes no período do PLANFOR: i) O MTE opera convênios ou contratos com governos estaduais (secretarias de trabalho), entidades do Sistema S, ONGs, sindicatos e federações sindicais. ii) Cada secretaria estadual estabelece contratos com entidades sem fins lucrativos (ONGs, Universidades, Sistema S), podendo ser também celebrados contratos/convênios com representações sindicais. Os contratos das secretarias de trabalho envolvem cursos de qualificação profissional, monitoramento, avaliação, estudos e apoio à gestão dos programas estaduais. iii) Cada secretaria de trabalho deve chamar a colaboração da comissão estadual de emprego para o planejamento das ações e para a elaboração do Plano de Trabalho. iv) A comissão estadual e as comissões municipais de emprego – de formação tripartite e paritária de representações dos trabalhadores, dos empresários e do governo – devem cumprir o papel de identificar 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 108 18/6/2009 09:47:26 demandas, colaborar para a elaboração do Plano de Trabalho estadual e participar do monitoramento e da avaliação das ações de execução do Programa. v) Ações de monitoramento, avaliação externa e apoio à gestão devendo ser conduzidas por ONGs (desde que não participem da atividade de qualificação profissional) ou por universidades, ou instituições vinculadas a universidades. Os elos frágeis dessa rede institucional são bem conhecidos: a) dependência formal e política das comissões de emprego, relativamente a governos municipais e ao governo estadual (este último responsável pelos atos legais de criação e homologação das comissões); b) no nível local, as comissões municipais ficam sob influência da prefeitura e de disputas políticas locais, em geral matizadas por parlamentares, vereadores, cabos eleitorais e lideranças sindicais consolidadas; c) o atraso educacional que o Brasil carrega ao longo de décadas, em particular no interior do País, torna difícil a tarefa de composição das comissões com pessoas cuja escolaridade seja compatível com o desempenho de funções que requeiram capacitação técnica adequada; d) por conta da própria regulamentação relativa às comissões de emprego – há uma rotatividade de componentes, o que dificulta a consolidação de comissões com capacidade técnica em caráter duradouro. 109 Que mudanças foram efetivamente operadas pelo PNQ no campo do monitoramento e da avaliação? Da Resolução 333 (BRASIL, 2003) e de resoluções mais recentes pode ser extraída a seguinte síntese30: Ver artigo terceiro (parágrafos quinto e sexto); artigo primeiro, primeiro parágrafo; Artigo 17, parágrafos 6, 7, 8 e 9. Ver, também, Resolução 560 (28/11/2007) e Resolução 575 (28/04/2008); esta última, que revoga as Resoluções 333/2003 e 408/2004, e à qual é anexada um Termo de Referência para o PNQ, passa a ser o instrumento definidor e normatizador do Programa. (BRASIL. RESOLUÇÃO N° 560, 2008; BRASIL. RESOLUÇÃO N° 575, 2008). 30 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 109 18/6/2009 09:47:26 i) O PNQ promete implementar um ambicioso conjunto de estudos, via “laboratórios experimentais”, em busca de “inovação metodológica na área de qualificação profissional” e da melhora da política de treinamento de mão-de-obra – tais estudos devem ter ampla dimensão nos planos nacional e regional. ii) O sistema de monitoramento e de avaliação passa a ser centralizado no Ministério do Trabalho e Emprego (o que significa voltar a um modelo anterior, já experimentado e que não se mostrou satisfatoriamente operacional e efetivo). iii) É atribuída a instâncias regionais do MTE a tarefa de execução de ações de monitoramento, em adição às atividades regulares de fiscalização do cumprimento – por empresas públicas e privadas, e instituições – da legislação que regula as condições de trabalho e as relações trabalhistas. 110 iv) De fato, o sistema de monitoramento e avaliação redefinido pelo PNQ – agora sob os termos da Resolução 575 (28/04/2008), que substitui a Resolução 333 – sucumbe à retórica31 e passa a significar “controle e monitoramento” por instâncias convencionais (delegacias regionais do trabalho, Tribunal de Contas, auditorias). O uso da retórica é, de fato, um aspecto dominante. No “Termo de Referência” anexado à Resolução 575, os princípios sobre os quais deve operar o PNQ, antes anunciados como sendo onze (na Resolução 560, como vimos na subseção II.2 deste trabalho), passam a ser oito: “I. Articulação entre Trabalho, Educação e Desenvolvimento; II. Qualificação como Direito e Política Pública; III. Diálogo e Controle Social, Tripartismo e Negociação Coletiva; IV. Respeito ao Pacto Federativo; V. Adequação entre as Demandas do Mundo do Trabalho e da Sociedade e a oferta de ações de qualificação; VI. Trabalho como Princípio Educativo; VII. Reconhecimento dos saberes acumulados na vida e no trabalho; VIII. Efetividade Social e na Qualidade Pedagógica das ações”. (BRASIL. RESOLUÇÃO N° 560, 2008; BRASIL. RESOLUÇÃO N° 575, 2008). 31 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 110 18/6/2009 09:47:26 Observe-se que, por um lado, é estabelecido – na seção 12 do Termo de Referência anexado à Resolução 575 – que “Para garantir a efetividade social, a qualidade pedagógica, a eficiência e a eficácia das ações previstas, além da transparência e lisura na aplicação dos recursos, o PNQ disporá de um processo permanente de acompanhamento de ações [...]”. (BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 575, 2008). Por outro, no artigo 13 da Resolução 575, afirma-se: Por demanda do MTE, poderão ser celebrados convênios ou contratos de gestão voltados para a elaboração de avaliação externa, monitoramento e supervisão, incluindo acompanhamento de egressos dos cursos do PNQ, ações de apoio à gestão, diagnósticos e estudos prospectivos da demanda de trabalho e qualificação profissional. (BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 575, 2008). Ademais, é assegurado – ao final do Termo de Referência – que: 111 O DEQ/SPPE/MTE deverá sistematizar os resultados, com vistas à divulgação periódica, por meio de relatórios, boletins e outros instrumentos, tendo em vista a sua competência, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, de acompanhamento, supervisão, controle e avaliação técnico-gerencial do PNQ. (BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 575, 2008). E, no artigo 30 da Resolução 575, se estabelece: O MTE mobilizará as Superintendências Regionais do Trabalho e Emprego – SRTE ou respectivas Gerências, dentro das atribuições que lhe cabem institucionalmente, sem sobreposição com as atribuições de outros órgãos públicos de controle, no sentido de acompanhar e monitorar as ações do PNQ realizadas no âmbito das respectivas unidades da federação. (BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 575, 2008). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 111 18/6/2009 09:47:26 Por fim, anote-se que, no Artigo 30, § 1º da Resolução 575, é previsto que “As SRTE32 terão autonomia para a realização das ações de supervisão e monitoramento das ações previstas no PNQ, devendo o MTE e as entidades convenentes subsidiar as Superintendências” com as informações pertinentes. (BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 575, 2008, grifo nosso). 112 A combinação das referidas normas leva a duas constatações importantes: a) o que deveria ser permanente (avaliação externa) passa a ser uma possibilidade que depende de iniciativa do Ministério; b) o monitoramento – que pressupõe geração de informações técnicas (sobre freqüência, evasão, preenchimento da carga horária etc.) fica na esfera de instâncias do Ministério cuja atribuição é a de fiscalização e que, portanto, não substitui uma ação permanente de monitoramento. Assim, geração de informações sobre as ações de qualificação profissional é um aspecto claramente prejudicado. Divulgação de informações sobre a execução do programa de qualificação profissional também é um elemento sacrificado, como se percebe em qualquer tentativa de acesso à página do MTE em busca dessas informações. De fato, o único documento disponível na página do Ministério, já há algum tempo, é “PNQ/PLANTEQs – Indicadores de Desempenho 2003 e 2004”, com base em resultados de 2003 e resultados preliminares de 2004 (90% da execução do Programa). Trata-se de dados globais, na forma de apresentação em Power-Point – não constituindo um detalhado documento técnico. Por outro lado, sabe-se que o MTE contratou, em 2004, a instituição interuniversitária Unitrabalho para a tarefa de fazer avaliação externa do PNQ. Os resultados desse trabalho foram expressos em “seminários de avaliação”, não estando 32 Secretaria Regional de Trabalho e Emprego (SRTE). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 112 18/6/2009 09:47:26 disponível na página dessa instituição qualquer relatório técnico eventualmente elaborado.33 É evidente, portanto, que o sistema anterior de monitoramento e avaliação foi substituído por outro que não traz melhoras; ao contrário, reduz a capacidade dos estados de monitorar e avaliar o programa. O sistema vigente no PLANFOR pelo menos tinha procedimentos mais claros, com destinação de recursos do FAT para as secretarias estaduais de trabalho contratarem trabalho de monitoramento e de avaliação externa, esta última operando independentemente da supervisão contratada diretamente pelo MTE. Pelo sistema atual, a avaliação fica circunscrita àquela centralizada no Ministério, não havendo alocação de recursos para os estados operarem o monitoramento e a avaliação. Assim, depende de cada governo estadual a alocação de recursos próprios para esse mister. O resultado é que as ações de qualificação profissional podem ser executadas sem um processo adequado e sistemático de acompanhamento e avaliação, ou seja, sem um trabalho de supervisão e avaliação externa, desenvolvido por iniciativa do governo estadual via contratação de uma instituição autônoma. Em decorrência disso, elimina-se a possibilidade de supervisão dinâmica - pelo que ajustes e correções de rota melhoram a qualidade do resultado. Como já observado neste artigo, a experiência revela que, tanto no PLANFOR quanto no PNQ, a avaliação externa centralizada em Brasília não teve alcance satisfatório. 113 No “III Seminário Nacional de Avaliação do PNQ”, realizado em São Paulo (29 e 30 de setembro de 2005), foi mencionada a possibilidade de novos contratos entre o MTE e a Unitrabalho, para avaliação do PNQ de 2005 e de 2006, retomando-se um convênio com 36 universidades. (REDE UNITRABALHO, 2008). Sabe-se que, em 2005, foi firmado novo convênio entre o MTE e a Unitrabalho para avaliação do PNQ 2005. (COSTA; GPBETTI, 2008). A partir do PNQ 2006, não se encontra registro de outros convênios de avaliação externa com qualquer instituição. Isso significa que aparentemente o Programa vem sendo tocado sem qualquer acompanhamento ou avaliação externa. 33 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 113 18/6/2009 09:47:26 Considerações Finais A análise conduzida neste ensaio deixa evidente que o programa nacional de qualificação profissional teria esboçado alguma inovação apenas na exigência de maior carga horária dos cursos. No entanto, o desdobramento positivo dessa medida depende de um adequado sistema de acompanhamento e avaliação e da introdução de procedimentos com vistas à adequação do conteúdo dos diversos cursos (em geral, semelhantes aos realizados no âmbito do PLANFOR) a uma maior carga horária. Na verdade, nenhum desses dois requisitos está em operação e, portanto, urge que sejam implementados. 114 A possibilidade de contratação de auditoria independente para o exame de procedimentos administrativos e do desempenho dessas representações regionais do Ministério, o funcionamento de aparelhos de controle do próprio MTE, da Controladoria Geral da União e de Tribunais de Contas, embora constituam úteis instrumentos convencionais, e obviamente não dependam de autorização do CODEFAT, servem mais para detectar falhas na execução e nos procedimentos legais do que para evitar ocorrência de problemas associados a planejamento, adequação e pedagogia dos cursos. No caso de uma política pública da natureza da qualificação profissional, uma sistemática permanente e descentralizada de monitoramento e avaliação – que, como vimos, torna-se elemento ausente sob o PNQ – é o que interessa, em termos de garantia de efetividade, para a identificação e correção de falhas no processo de execução dos programas. Ademais, um apropriado sistema de monitoramento e avaliação torna imperativa a necessidade de inclusão de análise de conteúdo e da pedagogia dos cursos, de modo que sejam evitados ajustes “burocráticos” à carga horária ampliada; há possibilidade de que as entidades executoras dos cursos estejam absorvendo acréscimo de horas sem 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 114 18/6/2009 09:47:26 modificação substancial no programa dos cursos de menor duração, e sem incluir itens relevantes para a formação profissional específica – dessa forma apenas cumprindo mecanicamente a exigência de elevação da carga média para 200 horas. Ademais, é necessário que as secretarias estaduais de trabalho estejam atentas para os casos de determinadas especialidades para as quais uma carga horária ampliada seja excessiva34. Em suma, é imperativo que tais aspectos sejam contemplados nos planos estaduais de qualificação profissional; caso contrário, o balanço entre avanços e perdas tende a permanecer francamente negativo. Um desafio apenas mencionado na ampliada retórica das resoluções do CODEFAT é o “controle social” das ações. A rede institucional das comissões de emprego continua como dantes, sem que tenham sido modificados procedimentos legais e burocráticos na direção de efetivamente conferir autonomia e estabilidade a essas comissões, devendo-se também pensar em incentivos não-monetários para que tais representações da sociedade civil se sintam motivadas a cumprir papel mais ativo. Uma maior estabilidade da composição desses grupos seria benéfica no sentido de internalizar por mais tempo a capacitação que devem receber a cada ano. Por outro lado, o próprio conteúdo da qualificação dessas comissões deveria ser rediscutido de forma aberta, no sentido de se garantir a preparação dos componentes em termos de habilidades para prospectar informações sobre a economia local (de cada município) e para identificar demandas de qualificação profissional, assim como formar capacidades de pesquisa e sistematização de informações. Considerado o que vem ocorrendo nesses catorze anos de política pública nacional de qualificação do trabalhador, a rede de controle social continua tão frágil quanto vem sendo registrado na literatura especializada. 115 No caso do Estado de Pernambuco, a secretaria que executa políticas para o mercado de trabalho estabeleceu um mínimo de 80 horas para os cursos. Observa-se, no entanto, que as entidades executoras tendem a convergir para a “carga média” de 200 horas, de modo a atender os requisitos das Resoluções do CODEFAT. 34 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 115 18/6/2009 09:47:27 Reestruturação dos cursos é outra necessidade, paralelamente ao processo de adequação da carga horária às diversas especialidades – um trabalho que deve contar com o concurso de especialistas de diversas áreas. De fato, a “grade curricular” ainda é praticamente a mesma, desde o período do PLANFOR e, na ausência de trabalho sistemático de monitoramento e avaliação, persiste a lacuna representada pela não operação de elementos indutores de renovação programática e pedagógica; anote-se que são quase quinze anos dessa política pública em uma época de rápidas transformações tecnológicas que afetam o mercado de trabalho e a estrutura das especializações profissionais. 116 Em tal contexto, a incorporação – ao processo de monitoramento e de avaliação – de sistemático exame crítico do material didático, por parte das secretarias estaduais de trabalho, também se torna uma inovação a ser implementada, com possibilidade de serem promovidos importantes avanços na efetividade da qualificação profissional. É também necessário – como já referido neste ensaio – que o programa de qualificação profissional seja executado tendo-se em conta a distinção entre “demanda social” e “demanda de mercado”, acoplada a procedimentos de integração entre o MTE e o Ministério da Educação e entre o MTE e o setor privado (via entidades do Sistema S), com efetivo co-financiamento da qualificação profissional nos casos de pólos industriais e de grandes empreendimentos privados. Recuperar a produção de informações sobre a qualificação profissional (estudos de avaliação externa, de avaliação pedagógica e avaliação de egressos dos cursos de qualificação) e, de forma transparente, ofertar à sociedade o conjunto de informações produzidas é outra urgente demanda para se avançar na efetiva melhora dessa importante política pública. É também necessário reconhecer a fragilidade de um processo de qualificação em que o educando não é submetido a uma avaliação de desempenho, prontamente compondo as estatísticas de “trabalhadores profissionalmente qualifica- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 116 18/6/2009 09:47:27 dos”. Na maioria dos casos, tratam-se de cursos que não potencializam, significativamente, as chances de “empregabilidade” ou de aumento da renda do educando – embora uma avaliação precisa da eficácia desses cursos ainda dependa da materialização de consistentes estudos de avaliação de egressos. Por outro lado, deve-se considerar que a política de qualificação profissional é, em si, limitada diante da dimensão dos problemas que se revelam no mercado de trabalho (desemprego e precarização de parcela expressiva da força de trabalho). Ademais, consideradas as insuficiências aqui apontadas – presentes desde o período do PLANFOR, e que ainda persistem, agravadas pela fragilidade de mecanismos de avaliação e de controle social – o papel que tal política exerce, em termos de efetividade social, tende a ser pouco significativo. A propósito dessa limitada importância relativa, estudo do IPEA corrobora tal linha de argumentação: A carência de recursos leva inexoravelmente a uma limitação do alcance do programa, que passou de 147 mil trabalhadores qualificados, em 2004, para 118 mil em 2005 e 105 mil em 2006. De toda forma, a escala do programa é claramente insuficiente para cobrir tão-somente os cerca de 5 milhões de trabalhadores que buscam o SINE e requerem o seguro-desemprego anualmente, sendo portanto totalmente incapaz de alcançar o conjunto de trabalhadores desempregados ou subocupados do país. (BOLETIM..., 2007a, 2007b, p. 148, grifo nosso). 117 Um aspecto adicional que contribui para dificultar alterações substantivas na política pública de qualificação profissional – apontado pelos autores em outro trabalho (ARAÚJO; LIMA, 2004) – é a resistência a mudanças, decorrente da possibilidade de perda de receita por parte das entidades executoras dos cursos de qualificação ou de dividendos político-eleitorais, por parte de entidades sindicais e de instâncias governamentais nos estados. Como reconhecido em trabalho do IPEA (BOLETIM..., 2007a, 2007b, p. 204-205) – que não endossa, mas discute o argumento – trata-se da possibilidade de “cooptação” pelo Estado, o que inibiria o poder de crítica de entidades ou instituições financiadas: 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 117 18/6/2009 09:47:27 ... ao tornar-se um dos principais financiadores das atividades dessas organizações, o Estado estaria se tornando capaz de controlar uma fonte potencial de críticas à sua ação. Por outro lado, é reconhecida a possibilidade de mudanças não previstas em função de eventual interveniência política de atores participantes da gestão tripartite do programa. A propósito da mudança ministerial ocorrida em 2007 (quando assume o MTE o ministro Carlos Lupi, do Partido Democrático Trabalhista), registra-se em estudo do IPEA que tal mudança deve 118 representar um crescimento da influência da Força Sindical na formulação e execução das políticas a cargo do ministério, haja vista ser esta central a principal base de sustentação do PDT no movimento sindical. Em função dessas mudanças, cabe indagar acerca das perspectivas de continuidade ou alteração das orientações estratégicas estabelecidas desde 2003. (BOLETIM..., 2008, p. 145-146). Tal pressentimento reflete temor de que ocorram alterações indesejadas, o que significaria acrescentar limitação a um já combalido sistema de controle social. Inevitável concluir que – a despeito da mudança PLANFOR-PNQ – é premente a necessidade de uma reorientação da política pública de qualificação profissional no Brasil, para o que se espera este artigo seja uma contribuição; ademais, seria útil que das resoluções emanadas do CODEFAT fosse eliminada a excessiva carga retórica – e privilegiado o lado operacional de normas e recomendações. Referências ARAÚJO, T. P. de; LIMA, R. A. de. PNQ e PLANFOR: o que mudou na política brasileira de qualificação profissional?. In: ALBUQUERQUE, N. S. C. de; ALESSIO, R. S. (Org.). Políticas de qualificação do trabalho em debate: limites, avanços e desafios. Recife: FASA, 2004. 122 p. p. 31. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 118 18/6/2009 09:47:27 BOLETIM DE POLÍTICAS SOCIAIS - ACOMPANHAMENTO E ANÁLISE. Brasília, DF: IPEA, n. 14, 2007a. ______. Brasília, DF: IPEA, n. 13, 2007b. Edição Especial. ______. Brasília, DF: IPEA, n. 15, mar. 2008. BRASIL. 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Estabelece regras para execução das ações integradas do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda, no âmbito do Sistema Nacional de Emprego – SINE. Disponível em: <http://www. mte.gov.br/legislacao/resolucoes/2007/r_20071128_560. pdf>. Acesso em: 20 out. 2008. BRASIL. Resolução Nº 466, de 21 de dezembro de 2005. Revogada pela Resolução nº 560/2007. Institui, no âmbito do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda, o Plano Plurianual Nacional e Estadual do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda e o convênio único, visando à integração 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 119 18/6/2009 09:47:27 das funções e ações do Sistema no território. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/Legislacao/Resolucoes/2005/ r_20051221_466b.pdf>. Acesso em: 20 out. 2008. BRASIL. Resolução nº 475, de 31 de maio de 2005. Altera o Programa Carta de Crédito Associativo e dá outras providências. 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Disponível em: <http://www.mte. gov.br/delegacias/pe/sgcnoticiaDRT.asp?IdConteudoNotic ia=3836&PalavraChave=planseq>. Acesso em: 8 out. 2008. MORETTO, A. Os desafios para a consolidação do sistema público de emprego no Brasil. In: ENCONTRO NACIONAL DA ABET, 10., 2007, Salvador. Anais... Salvador: ABET, 2007. POLÍTICAS públicas de emprego e sistema público de emprego: trabalho e renda: integrado e participativo. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO PRODISSIONAL E TECNOLÓGICA, 1., 2006, Brasília, DF. Anais... Brasília, DF: Ministério da Trabalho e Emprego. Disponível em: <http:// portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/confetec_apresenta_remigio.pdf>. Acesso em: 12 out. 2008. 121 REDE UNITRABALHO. III Seminário Nacional de Avaliação do PNQ. Disponível em: <http://www.unitrabalho.org. br/paginas/noticias.asp?numero1=50>. Acesso em: 27 out. 2008. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 121 18/6/2009 09:47:27 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 122 18/6/2009 09:47:27 4 POLÍTICAS PÚBLICAS DE TRABALHO E RENDA EM CONTEXTO DE BAIXO CRESCIMENTO ECONÔMICO: A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA RECENTE José Celso Cardoso Jr1 Roberto Gonzalez2 Franco de Matos3 Introdução Tanto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, quanto na Constituição Federal Brasileira de 1988, o direito ao trabalho digno ou trabalho decente, conforme a Organização Internacional do Trabalho (OIT) aparece como elemento central e estruturante da sociedade. Entretanto, segundo a OIT (2007), o número de pessoas desempregadas no mundo manteve-se elevado a níveis sem precedentes, em 2006, num contexto mundial de crescimento econômico. O estudo sublinha que a expansão capitalista aumentou a proletarização da força de trabalho disponível, implicando maior taxa de atividade, especialmente entre mulheres e pessoas mais velhas. Entretanto, como a taxa de ocupação não se ampliou adequadamente ao aumento da taxa de atividade, os dois efeitos combinados resultaram na rigidez ou na elevação da taxa de desemprego. Assim, ainda conforme o documento, embora haja mais pessoas trabalhando que antes, o número de desempregados manteve-se em uma marca sem precedentes, de 195,2 milhões de pessoas em 2006. O relatório conclui que para manter ou reduzir as taxas de 123 Técnico de Pesquisa e Planejamento do IPEA. Economista, graduado pela USP, com mestrado e doutorando pelo IE/Unicamp. 2 Técnico de Pesquisa e Planejamento do IPEA. Sociólogo, graduado pela UFRGS, com mestrado em Sociologia do Trabalho pela UNB. 3 Economista, graduado pela USP, com mestrado e doutorando pelo PROLAM/USP. 1 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 123 18/6/2009 09:47:27 desemprego deve ser fortalecido o vínculo entre crescimento e trabalho. Destaca que a criação de empregos decentes e produtivos, e não de qualquer emprego, é essencial para reduzir o desemprego e baixar o número de famílias que vivem em situação de pobreza, o que, por sua vez, se constitui em um requisito para o desenvolvimento e o crescimento econômico no futuro. O relatório destaca ainda as tendências que demarcam o panorama mundial recente do emprego e desemprego: • durante a última década o crescimento refletiu-se mais no aumento da produtividade que no de emprego. Entre 1996 e 2007, a produtividade aumentou 26%, enquanto o número de empregados no mundo aumentou somente 16,6%; 124 • o desemprego atinge mais fortemente os jovens entre 15 e 24 anos, pois afeta 86,3 milhões de pessoas desse grupo de idade, equivalentes a 44% de todos os desempregados do mundo em 2006; • permanece o hiato de emprego entre mulheres e homens. Em 2006, 48,9% das mulheres de 15 anos ou mais estava trabalhando, índice levemente abaixo dos 49,6% de 1996; enquanto a relação emprego-população dos homens foi de 75,7% em 1996, e de 74% em 2006; • em 2006, a presença do setor de serviços como provedor de empregos aumentou de 39,5% para 40%, e pela primeira vez superou a agricultura, que baixou de 39,7% para 38,7%. O setor industrial proporcionou 21,3% do total de empregos. Assim, fica patente que o ambiente de crescimento econômico mundial não foi capaz de dirimir as inseguranças e assimetrias relacionadas ao mundo do trabalho, justificando uma reflexão mais amiúde sobre o papel das políticas públicas de emprego, trabalho e renda, assim como o papel do Estado como indutor do desenvolvimento econômico conciliado à inclusão social e laboral. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 124 18/6/2009 09:47:27 Quanto ao Brasil, passados cerca de 25 anos (1980/2005) de semiestagnação econômica, o país parece ter diante de si um ambiente econômico e político mais adequado para sustentar taxas de crescimento econômico aliadas à ampliação das políticas de inclusão social. Entretanto, embora a instituição das políticas públicas de emprego no Brasil remontem à década de 1970, com a instituição do Serviço Nacional de Empregos (SINE), ou antes, mesmo com a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), na década de 1940, ou do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), na década de 1960, a depender do recorte analítico utilizado, foi num período recente de baixo crescimento econômico que elas se consolidaram. Este trabalho procura fazer uma revisão dessas políticas, assim como refletir seu alcance num ambiente de retomada de crescimento. Para tanto, divide-se em cinco seções, além desta apresentação. Na primeira será discutido o ambiente de semiestagnação econômica e o mundo do trabalho no Brasil pós-estabilização monetária. Na segunda, serão apresentadas a evolução e a estrutura do atual Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda (SPETR) brasileiro, além de suas principais limitações. Na terceira, será abordado o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), principal fonte de financiamento daquelas políticas, assim como na seção seguinte será feito um balanço acerca dos resultados dos principais programas e ações no âmbito do FAT. Na quinta seção serão comentadas outras fontes de financiamento público em prol do desenvolvimento produtivo que indiretamente impactam na geração de emprego e renda. E por fim, tecem-se considerações finais sobre desafios atuais e perspectivas para a política pública de emprego e renda no Brasil. 125 Semiestagnação Econômica e o Mundo do Trabalho no Brasil Pós-Estabilização Monetária O mercado de trabalho brasileiro passou por modificações sensíveis desde 1995, ano marcado pela volta da estabi- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 125 18/6/2009 09:47:27 lidade monetária da economia nacional, após longo período inflacionário. Entre 1995 e o final de 1998, num ambiente macroeconômico marcado por sobrevalorização cambial e diferencial positivo e elevado entre as taxas de juros domésticas e internacionais, as principais variáveis do mercado de trabalho nacional sofreram um processo de deterioração. Os níveis absolutos e relativos de desemprego aumentaram, bem como a informalidade das relações contratuais e a desproteção previdenciária para amplos segmentos do mercado de trabalho urbano, enquanto os níveis reais médios de renda do trabalho e a sua distribuição pioraram. 126 Entre o período de desvalorização cambial de 1999 e meados de 2003, apesar do arranjo de política econômica restritiva (câmbio semiflutuante, elevados superávits fiscais, taxas de juros também elevadas e metas rígidas de inflação), a economia brasileira operou num contexto de comércio internacional favorável, o que permitiu certo arrefecimento das tendências anteriores para as principais variáveis do mercado de trabalho. Os níveis absolutos e relativos de desemprego pararam de subir no mesmo ritmo de antes, a informalidade das relações de trabalho e o grau de desproteção previdenciária arrefeceram, embora mantivessem patamares elevados. Além disso, os níveis médios de renda real do trabalho continuaram a cair para a maior parte das classes ocupacionais, embora a distribuição dos rendimentos esboçasse uma pequena melhora, sobretudo depois de 2001. Por fim, no período mais recente, desde 2004, a despeito de o arranjo de política macroeconômica manter-se praticamente inalterado, a pujança do comércio exterior, combinada com pequenas reduções nos patamares de juros internos e com uma importante expansão das várias modalidades de crédito, aumentos do salário mínimo à frente da inflação e expansão das políticas sociais, houve uma reação positiva do mercado de trabalho a estímulos, até certo ponto tímidos, da política econômica. A taxa de desemprego aberto, o grau de informalidade das relações de trabalho e o grau de despro- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 126 18/6/2009 09:47:27 teção previdenciária esboçaram uma diminuição, enquanto o nível de remunerações da base da pirâmide social parou de cair em 2004, elevando-se ligeiramente desde então, o que contribuiu para prolongar o processo virtuoso de redução das desigualdades de renda. Nesta seção serão apresentadas as principais variáveis que indicam o comportamento do mercado de trabalho brasileiro na última década, relacionadas à ocupação e desocupação, informalidade e distribuição de renda, caracterizando o contexto recente em que operaram as políticas públicas de trabalho e emprego. Os dados reunidos são de fonte do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), tendo sido elaborados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Evolução e Composição da Ocupação e Desocupação da Força de Trabalho A Tabela 1 que integra este tópico permite três considerações principais: 127 • Em primeiro lugar, há que se destacar uma piora generalizada, em variáveis cruciais do mercado de trabalho, durante o primeiro o período 1995/99, de análise.4 • A taxa de ocupação (PO/PEA) regrediu de forma mais acentuada que a taxa de participação (PEA/ PIA) entre 1995/99, fazendo a taxa de desemprego (PD/PEA) crescer 62,6% no período, o que a elevou de 6,1% em 1995 para 9,9% em 1999. • Já entre 2001/05, apesar da forte recuperação da taxa de participação (PEA/PIA), a ocupação total teve um desempenho bastante positivo, contribuindo para a manutenção da taxa de desemprego num patamar ligeiramente inferior a 10% ao ano. Alerte-se para o fato de que, na Tabela 1 abaixo, para se manter a comparabilidade básica, as comparações são feitas entre intervalos de mesmo número de anos, isto é: 1995/99 e 2001/05. 4 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 127 18/6/2009 09:47:27 Tabela 1 – Mudanças na Composição do Mercado de Trabalho Nacional entre 1995 e 2005 População Ocupada 1995 População Ocupada 1999 População Ocupada 2001 População Ocupada 2005 Variação 1995/1999 Variação 2001/2005 População em Idade Ativa (PIA) 86.844.125 97.394.347 103.059.409 112.044.816 12,1% 8,7% População Economicamente Ativa (PEA) 64.594.325 72.274.808 75.897.343 85.826.536 11,9% 13,1% População Ocupada Total (PO) Composição do Mercado de Trabalho 60.661.351 65.119.743 68.601.819 77.519.737 7,3% 13,0% Taxa de Participação (PEA / PIA) 74,4% 74,2% 73,6% 76,6% -0,2% 4,0% Taxa de Ocupação (PO / PEA) 93,9% 90,1% 90,4% 90,3% -4,1% -0,1% Taxa de Desemprego (PD / PEA) 6,1% 9,9% 9,6% 9,7% 62,6% 0,7% 33.383.619 35.913.595 39.581.532 45.852.402 7,6% 15,8% Empregado Assalariado Total Assalariado Com Carteira Assalariado Sem Carteira Militar 128 19.064.436 19.664.351 21.961.776 26.462.968 3,1% 20,5% 9.841.855 11.530.983 12.856.904 14.158.860 17,2% 10,1% 282.364 288.891 267.106 253.760 2,3% -5,0% Funcionário Público Estatutário 4.194.964 4.429.370 4.495.746 4.976.814 5,6% 10,7% Trabalhador Doméstico Total 4.514.037 5.019.957 5.490.403 6.174.596 11,2% 12,5% Doméstico Com Carteira Doméstico Sem Carteira 947.137 1.314.510 1.500.260 1.686.982 38,8% 12,4% 3.566.900 3.705.447 3.990.143 4.487.614 3,9% 12,5% 10.148.963 11.262.304 11.629.435 12.721.728 11,0% 9,4% 3.564.359 3.575.242 3.202.067 3.252.182 0,3% 1,6% 2.466.068 2.674.429 2.836.181 3.203.238 8,4% 12,9% Trabalhador Não Remunerado 4.369.723 4.514.675 3.899.379 3.912.632 3,3% 0,3% Trabalhador Produção Consumo Próprio 2.209.320 2.072.669 1.838.936 2.318.243 -6,2% 26,1% 0 85.720 121.508 84.716 - -30,3% Trabalhador por Conta-Própria nãoagrícola Trabalhador por Conta-Própria agrícola Empregador Trabalhador Construção Uso Próprio Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)/Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD´s) de 1995, 1999, 2001 e 2005. Obs 1: Foi considerada apenas a População de 16 a 59 anos de idade. Obs 2: Os cálculos excluíram as pessoas da zona norte rural. Obs 3: Excluiu-se também os trabalhadores com renda não declarada e aqueles com renda igual a zero. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 128 18/6/2009 09:47:28 O aumento da população ocupada não parece desprezível diante das baixas taxas de crescimento da economia durante todo o período considerado. Esse comportamento é compreensível, pois em um contexto de retração prolongada no nível de atividade que se instaura sobre um mercado de trabalho já de oferta abundante de mão-de-obra e desprovida de amplos mecanismos de proteção social, a dinâmica de criação de novos postos de trabalho parece depender relativamente mais das condições de oferta que das de demanda por trabalho. Isso impacta principalmente no crescimento do setor terciário da economia e, efetivamente, foi este setor que registrou o maior crescimento no período considerado. Também com relação às dinâmicas setoriais, embora uma boa parte do contingente de pessoas ocupadas em atividades terciárias seja fruto do aumento das taxas de participação da mão-de-obra no mercado de trabalho, caso, por exemplo, da entrada relativamente maior de mulheres na composição da População Economicamente Ativa (PEA), há que se destacar também o fato de ter havido no período em foco uma migração significativa de trabalhadores industriais para postos de trabalho abertos no comércio e serviços em geral. Ambos os setores, caracterizados, no mais das vezes, por ocupações precárias, vale dizer: ausência de vínculo formal de emprego, rendimentos baixos, jornadas de trabalho longas, ausência de vinculação ou representação sindical, ausência de contribuição previdenciária, logo, de proteção contra a perda de renda etc. Em suma: grande vulnerabilidade individual, familiar e social. Cabe destacar, porém, que a informalidade cresceu também entre os empregos no setor industrial. 129 Grau de Informalidade na População Ocupada e Cobertura Previdenciária Ainda considerando as informações fornecidas pela Tabela 1, destacam-se: 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 129 18/6/2009 09:47:28 • Em termos absolutos, a população ocupada aumentou duas vezes e meia mais no subperíodo 2001/05 do que entre 1995/99.5 • O emprego assalariado teve um comportamento muito distinto entre os dois subperíodos: enquanto no primeiro o emprego com carteira assinada teve um incremento de apenas 3,1%, no segundo essa expansão foi de 20,5%. Dito de outra maneira, isso significou que de cada 100 novas ocupações geradas entre 2001 e 2005, 50,5% foram com carteira, contra um percentual de apenas 13,5% entre 1995 e 1999. Claramente aconteceu de parte expressiva dos empregos sem carteira ter-se formalizado, pois a taxa de crescimento dos sem carteira caiu de 17,2% para 10,1% entre os dois subperíodos analisados, fazendo com que essa categoria reduzisse sua contribuição, no total das ocupações geradas, de 37,9% para 14,6% entre os dois subperíodos. • Com relação ao emprego doméstico, embora a taxa de expansão dessa categoria ocupacional tenha sido praticamente a mesma nos dois subperíodos, ocorreu que entre 1995 e 1999 o emprego doméstico com carteira cresceu 38,8% contra uma expansão de apenas 12,4% entre 2001 e 2005. Por conta disso o emprego doméstico com carteira representou 8,2% de todo o incremento da ocupação no subperíodo, de 1995 a 1999, e apenas 2,1% no incremento da ocupação entre 2001 e 2005. 130 • No caso dos trabalhadores por conta própria, arrefeceu-se entre 2001 e 2005 a tendência de crescimento dessa categoria ocupacional no total da ocupação, de tal maneira que neste subperíodo apenas 12,2% de cada 100 novas ocupações foram por conta própria, contra uma contribuição de 25% em cada 100 novas ocupações geradas entre 1995 e 1999. Alerte-se para o fato de que, na Tabela 2, para se manter a comparabilidade básica, as comparações são feitas entre intervalos de mesmo número de anos, isto é: 1995 e 1999 e 2001/2005. 5 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 130 18/6/2009 09:47:28 • Já no caso dos trabalhadores na produção para o autoconsumo, ocorreu, entre 2001 e 2005, um aumento nãodesprezível de participação desta categoria no total da ocupação, pois de cada 100 novas ocupações criadas, algo como 5,4% foram de trabalhadores na produção para o autoconsumo. Parece pouco, mas este percentual foi exatamente igual à contribuição verificada para a categoria dos funcionários públicos estatutários. Ademais, este dado é surpreendente também porque havia havido uma redução de 6,2% dos trabalhadores na produção para o autoconsumo entre 1995 e 1999. A Tabela 2 apresenta a participação percentual de cada categoria ocupacional no total da ocupação, sua trajetória entre 1995 e 2005, bem como a vinculação previdenciária em cada caso, merecendo as seguintes considerações principais: Tabela 2 – Distribuição Percentual da População Ocupada e Vinculação Previdenciária. Brasil: 1995 a 2005 Composição do Mercado de Trabalho % sobre População Ocupada 1995 % sobre População Ocupada 1999 % sobre População Ocupada 2001 % sobre População Ocupada 2005 % de não-contribuintes INSS 1995 % de não-contribuintes INSS 1999 % de não-contribuintes INSS 2001 % de nãocontribuintes INSS 2005 População Ocupada Total (PO) 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 47,6% 47,4% 50,8% 48,7% Empregado Assalariado Total 55,0% 55,2% 57,7% 59,1% 29,7% 29,9% 29,3% 27,3% 31,4% 30,2% 32,0% 34,1% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% 16,2% 17,7% 18,7% 18,3% 92,1% 90,5% 88,2% 86,5% 0,5% 0,4% 0,4% 0,3% 99,1% 99,8% 99,0% 99,0% 6,9% 6,8% 7,6% 6,4% 0,0% 0,0% 0,0% 0,5% Trabalhador Doméstico Total 7,4% 7,7% 8,0% 8,0% 77,5% 71,6% 70,3% 70,0% Doméstico Com Carteira 1,6% 2,0% 2,2% 2,2% 0,0% 0,0% 0,0% 0,0% Doméstico Sem Carteira 5,9% 5,7% 5,8% 5,8% 96,6% 97,0% 96,7% 96,3% Assalariado Com Carteira Assalariado Sem Carteira Militar Funcionário Público Estatutário 131 continua... 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 131 18/6/2009 09:47:28 continução Tabela 2 Trabalhador por ContaPrópria nãoagrícola 16,7% 17,3% 17,0% 16,4% 75,7% 79,6% 81,3% 82,1% Trabalhador por Conta-Própria agrícola 5,9% 5,5% 4,7% 4,2% 95,6% 94,2% 95,3% 92,3% Empregador 4,1% 4,1% 4,1% 4,1% 31,5% 37,5% 39,2% 39,0% Trabalhador Não Remunerado 7,2% 6,9% 5,7% 5,0% 98,1% 97,8% 97,2% 97,0% Trabalhador Produção Consumo Próprio 3,6% 3,2% 2,7% 3,0% 99,5% 99,6% 99,5% 99,4% Trabalhador Construção Uso Próprio 0,0% 0,1% 0,2% 0,1% 100,0% 100,0% 100,0% 99,0% Fonte: IBGE/PNAD, 2001, 2004 e 2005. Obs 1: Foi considerada apenas a População de 16 a 59 anos de idade. Obs 2: Os cálculos excluíram as pessoas da zona norte rural. Obs 3: Excluíram-se, também, os trabalhadores com renda não declarada e aqueles com renda igual a zero. Obs 4: No detalhamento da composição dos conta própria foram excluí- 132 dos os que não declararam se contribuem ou não com a previdência. • Cabe destacar o aumento de 55% para quase 60% no grau de assalariamento geral da força de trabalho, mas com queda do emprego com carteira entre 1995 e 1999, e recuperação mais que proporcional entre 2001 e 2005, o que serviu para compensar também a queda de participação ponta a ponta (1995 e 2005) dos militares e funcionários públicos no total da ocupação. Ainda dentro desta categoria dos assalariados em geral, bastante relevante é a informação sobre vinculação previdenciária dos trabalhadores sem carteira assinada, que mostra estar havendo um processo de filiação voluntária lento, mas não desprezível, pois entre 1995 e 2005, enquanto cresceu de 16,2% para 18,3% o peso dos sem carteira no total da ocupação, diminuiu de 92,1% para 86,5% o percentual daqueles que não contribuem para regime algum de previdência. • No caso dos trabalhadores domésticos, por sua vez, também houve aumento da filiação previdenciária, 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 132 18/6/2009 09:47:28 mas esta de natureza compulsória, já que motivada pelo aumento da participação dos domésticos com carteira assinada no total da ocupação. Veja-se que o percentual de não-contribuintes da previdência social dentre os domésticos sem carteira manteve-se sempre em patamar elevado, superior à casa dos 96% em todos os anos analisados. • Fenômeno oposto pôde ser observado junto à categoria dos trabalhadores por conta própria e dos empregadores. Em ambos os casos, entre 1995 e 2005, a manutenção das participações relativas no total da ocupação, de cerca de 17% para os autônomos, e de 4% para os empregadores, traduziram-se em aumento da desproteção previdenciária no período. • Por fim, no caso dos trabalhadores por conta-própria, a porcentagem de não-contribuintes passou de 75,7% para 82,1% entre 1995 e 2005, e a dos empregadores passou de 31,5% para 39% no mesmo intervalo de tempo. 133 Evolução e Distribuição dos Rendimentos do Trabalho No que diz respeito à evolução dos rendimentos do trabalho, o Gráfico 1 que segue mostra que o período 1995 e 2005 pode ser subdividido em três momentos distintos, a saber: • Entre 1995 e 1998, há uma ligeira elevação dos rendimentos médios reais de todas as categorias ocupacionais selecionadas, à exceção dos trabalhadores por conta própria e dos empregadores; • Entre 1998 e 2004, os rendimentos ocupacionais de todas as categorias sofrem queda sistemática em termos reais; • Entre 2004 e 2005, depois de ter-se estancada a queda, esboça-se uma pequena recuperação dos rendimentos médios reais de todas as categorias estudadas, ainda que em intensidades diferenciadas e nem sem- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 133 18/6/2009 09:47:28 pre suficientes para recompor o poder aquisitivo relativo ao ano de 1995. Isso aconteceu apenas para os estatutários e militares (recomposição de 10,4% frente a 1995) e empregados sem carteira (recomposição de 7,1%). Nos demais casos, os ganhos obtidos em 2005 foram insuficientes para uma recomposição integral do ano-base, ou seja, perdas acumuladas de –15% para os assalariados com carteira assinada, –17,3% para os empregadores e –21,4% para os trabalhadores por conta própria. Além disso, como também se pode ver no Gráfico 1, os valores médios mensais dos assalariados com e sem carteira e dos trabalhadores por conta própria não ultrapassam três salários mínimos aos valores vigentes em 2005.6 134 Gráfico 1 – Evolução do Rendimento Médio Mensal Real da População Ocupada, com Rendimento do Trabalho Principal, por Posição na Ocupação - Brasil Fonte: IBGE/PNAD. Desde então, no biênio 2006/2007 continuou havendo – com base nas informações divulgadas até o momento pela PNAD/IBGE – recuperação dos rendimentos médios de todas as categorias ocupacionais, fenômeno este que deve arrefecer-se de 2008 em diante, a depender da reação governamental brasileira à crise internacional deflagrada no segundo semestre de 2008. 6 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 134 18/6/2009 09:47:28 • Outro aspecto a compor o quadro geral do mercado de trabalho brasileiro no período 1995 a 2005 refere-se à distribuição dos rendimentos pessoais do trabalho. Nota-se um movimento quase contínuo de queda do índice de Gini para a concentração pessoal da renda, não obstante ele ainda se encontrar em patamar muito elevado e caminhar para baixo em ritmo muito lento. Também preocupante é o fato de essa desconcentração da renda do trabalho ter-se dado, na maior parte do tempo (1995 a 2003), simultaneamente aos processos de aumento do desemprego, queda dos rendimentos reais e diminuição da participação da renda do trabalho na renda nacional.7 Nesta perspectiva, é preciso dizer que a hierarquia de remunerações responde a características da estrutura produtiva, preponderantemente vinculada aos segmentos estruturados dos mercados de trabalho. Como o peso e a dinâmica desse segmento não conseguem absorver integralmente toda a oferta efetiva de mão-de-obra, tem-se necessariamente um perfil concentrado para a distribuição dos rendimentos provenientes do trabalho, que é reforçado pela existência de um nível muito baixo de salários para a maior parte das pessoas pertencentes à base pouco estruturada do mercado de trabalho. 135 Fazemos referência aqui ao fato de que somente entre 2004 e 2007, segundo dados até o momento disponíveis da PNAD/IBGE, poderse-ia falar em um processo de desconcentração virtuosa dos rendimentos do trabalho, já que neste curto espaço de tempo a queda do índice de Gini se deu associada – simultaneamente – ao aumento da ocupação em geral, aumento mais que proporcional da formalização dos vínculos trabalhistas, aumento dos rendimentos médios de todas as categorias ocupacionais, com destaque para aumentos mais que proporcionais dos rendimentos localizados na base da pirâmide distributiva, e aumento também da participação da renda do trabalho na renda nacional. 7 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 135 18/6/2009 09:47:28 Evolução, Estrutura Atual do SPETR e Principais Limitações 136 É, pois, frente a um mercado de trabalho marcado por desemprego elevado, alto patamar de informalidade e por uma renda média baixa e mal distribuída que as políticas de emprego, trabalho e renda se organizaram a partir de meados da década de 1990 no Brasil. Neste sentido, embora o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) possa ser questionado sobre a abrangência e eficácia de sua atuação frente à dimensão dos principais problemas do mercado de trabalho nacional, não resta dúvida de que, sobretudo desde a Constituição de 1988 e da Lei 7.998, de 1990,8 criaram-se as bases materiais para que políticas antes desconexas (como a intermediação de mão-de-obra e o seguro-desemprego) e novas políticas (como a qualificação profissional e a geração de emprego e renda) pudessem ser organizadas em torno de uma estratégia nacional de emprego, trabalho e renda no país. Esses normativos estabeleceram um novo arranjo de funções e ações básicas e complementares que passam a integrar institucionalmente o sistema público de emprego, concepção que passa a ser acrescida, posteriormente, dos termos trabalho e renda. Deste modo, pode-se afirmar, em linhas gerais, que está em construção no país algo que se poderia chamar de um Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda (SPETR), isto é, um conjunto de programas de governo dirigidos ao mercado de trabalho nacional tendo em vista os objetivos de: • Combater os efeitos do desemprego (através de transferências monetárias como as previstas no seguro-desemprego); A Constituição de 1988 fixou, através dos artigos 7o, 22o e 239o, o seguro-desemprego como direito da seguridade social e estabeleceu o PIS/PASEP como sua fonte vinculada de financiamento. Já a Lei 7.998, de janeiro de 1990, regulamentou o referido artigo constitucional e ampliou as atribuições do FAT. 8 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 136 18/6/2009 09:47:28 • Requalificar a mão-de-obra e reinseri-la no mercado (através dos programas de qualificação profissional e de intermediação de mão-de-obra); e • Estimular ou induzir a geração de novos postos de trabalho por meio da concessão de crédito facilitado a empresas e/ou trabalhadores que busquem algum tipo de auto-ocupação ou ocupação associada ou cooperativada. Tendo por base este recorte analítico, o Quadro 1 oferece um resumo da situação atual concernente às políticas de emprego, trabalho e renda no Brasil, operantes a partir do MTE. Nome Abono Salarial Seguro-Desemprego Descrição Benefício no valor de um salário mínimo anual, assegurado aos empregados que percebem até dois salários mínimos de remuneração mensal, desde que cadastrados há 5 anos ou mais no PIS/PASEP e que tenham trabalhado pelo menos 30 dias em um emprego formal no ano anterior. Assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude da dispensa sem justa causa. Concedido em parcelas mensais, que variam de três a cinco, dependendo do número de meses trabalhado nos últimos 36 meses, para um período aquisitivo de 16 meses, ou seja: - três parcelas, se trabalhou pelo menos seis dos últimos 36 meses; - quatro parcelas, se trabalhou pelo menos doze dos últimos 36 meses; - cinco parcelas, se trabalhou pelo menos vinte e quatro dos últimos 36 meses. Intermediação Captação de vagas junto a empresas de Mão-de-Obra e encaminhamento de trabalhadores / SINE em busca de emprego. Ano de Início 1989 (1970 para contas individuais) 137 1986: Trabalhador Formal 1992: Pescador Artesanal 2001: Trabalhador Doméstico 2003: Trabalhador Resgatado 1977 continua... 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 137 18/6/2009 09:47:28 138 Qualificação Profissional Oferta de cursos de qualificação profissional para trabalhadores desempregados ou em risco de desemprego e microempreendedores. 1995 Primeiro Emprego para Juventude Promoção do ingresso do jovem no mundo do trabalho por meio de qualificação profissional, estímulo financeiro às empresas contratantes, parcerias para contratação de aprendizes e apoio à constituição de empreendimentos coletivos pelos jovens. 2003 Geração de Emprego e Renda Concessão de crédito produtivo assistido a micro e pequenas empresas, cooperativas e trabalhadores autônomos. 1995 Economia Solidária Apoio à formação e divulgação de redes de empreendimentos solidários, pelo fomento direto, mapeamento das experiências e constituição de incubadoras. 2003 Quadro 1 – Principais Programas Federais de Emprego, Trabalho e Renda no Brasil Fonte: Elaboração Própria dos Autores. Naturalmente, os programas diferenciam-se acentuadamente quanto ao grau de consolidação institucional e sua importância em termos de recursos e pessoas beneficiadas. Porém, grosso modo, cobrem aquilo que poderia constituir um sistema integrado de emprego, trabalho e renda, que visasse a garantir a proteção monetária temporária contra o desemprego, a requalificação e a reinserção dos trabalhadores no mundo do trabalho. Em que pesem as especificidades operacionais de cada programa, é possível constatar diferentes graus e formatos institucionais de descentralização federativa, participação não-estatal na provisão de serviços de emprego e participação social na formulação e controle público das ações, tais quais descritos no Quadro 2 seguinte: 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 138 18/6/2009 09:47:28 Tipo de Política Agentes Executores: Níveis de Descentralização e Participação Não-Estatal nas políticas do SPETR Intermediação de Mão-de-Obra Estados - Centrais Sindicais – Municípios Seguro-Desemprego Habilitação Pagamento MTE-DRT – Estados – SINE- CEF CEF Estados - Municípios - CenQualificação Profistrais Sindicais - Sistema S sional - ONGs Geração de Trabalho e Renda Primeiro Emprego Fomento à Economia Solidária Inst. Financeiras Oficiais (BB, CEF, BNB, BASA, BNDES). ONGs ONGs Esferas de Participação Social Codefat: conselho tripartite e paritário Codefat: conselho tripartite e paritário Codefat: conselho tripartite e paritário Comissões Estaduais e Municipais de Emprego Proger: Codefat Primeiro Emprego: Conselho Consultivo 139 Economia Solidária: Conselho Consultivo Quadro 2 – Níveis de Descentralização, Participação Não-Estatal e Esferas de Participação Social nas Políticas do SPETR Fonte: Elaboração Própria dos Autores. O Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT): Evolução, Dilemas e Alternativas para o Financiamento das Políticas Públicas de Trabalho e Emprego no Brasil A constituição do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) como fonte de recursos para o seguro-desemprego e as demais políticas de mercado de trabalho foi fundamental para o desenvolvimento, ainda que incompleto e inconstante, de um sistema público de emprego, trabalho e renda no país. Isso porque se assegura ao fundo a receita de um tributo específico (a contribuição PIS/PASEP), o que lhe permite 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 139 18/6/2009 09:47:28 acumular ativos que são remunerados. Por conta disso, o FAT acumulou desde a sua instituição um patrimônio crescente e dispõe de uma receita financeira secundária cuja importância é cada vez maior para cobrir despesas correntes e refinanciar operações de crédito. Ainda assim, o FAT atualmente enfrenta limites para o financiamento das suas despesas correntes, o que tem levado à redução dos gastos não-obrigatórios, afetando principalmente a manutenção do Sistema Nacional de Emprego (SINE) e dos programas de qualificação profissional. A Estruturação do FAT 140 O artigo 239 da Constituição Federal de 1988 estabeleceu que a arrecadação do PIS/PASEP passaria a financiar o programa de seguro-desemprego e de abono-salarial. O mesmo artigo fixou que pelo menos 40% da arrecadação seria destinada ao financiamento de programas de desenvolvimento econômico por meio do BNDES, com critérios de remuneração que preservassem o valor dos empréstimos realizados. Em janeiro de 1990 foi efetivamente criado o FAT pela Lei no 7.998/90, que veio a regulamentar o referido artigo constitucional. Essa lei também estipulou que o Programa do Seguro-Desemprego teria por finalidade, além da assistência financeira temporária, “auxiliar os trabalhadores requerentes ao Seguro-Desemprego na busca de novo emprego, podendo, para esse efeito, promover a sua reciclagem profissional”. Abriu-se, assim, a possibilidade de custear, com recursos do FAT, as despesas para manutenção do Sistema Nacional de Emprego e dos programas de qualificação profissional. Um segundo passo na consolidação do FAT foi dado pela Lei 8.352/91, a qual determinou que: • parte das disponibilidades financeiras do FAT formasse a reserva mínima de liquidez destinada a garantir, em tempo hábil, os recursos necessários ao pagamento das despesas referentes ao seguro-desemprego e ao abono-salarial; 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 140 18/6/2009 09:47:28 • que os recursos da reserva mínima de liquidez somente poderiam ser aplicados em títulos do Tesouro Nacional, por intermédio do Banco Central do Brasil; e • que o montante das disponibilidades financeiras do FAT que excedesse o valor da reserva mínima de liquidez poderia ser aplicado em depósitos especiais remunerados nas instituições financeiras oficiais federais, as quais o utilizariam como funding para linhas de crédito, desde que autorizado pelo CODEFAT. Da mesma forma que os depósitos constitucionais, os recursos tanto da reserva mínima de liquidez quanto dos depósitos especiais geram remunerações que se constituem em receita corrente do FAT. Conformou-se, a partir desse momento, o desenho atual de funcionamento do FAT. De um lado, uma receita composta tanto de arrecadação de contribuições (principalmente PIS/PASEP) quanto de retornos financeiros (sobre depósitos constitucionais, depósitos especiais e sobre a reserva mínima de liquidez). De outro, despesas correntes com benefícios constitucionais (seguro-desemprego e abono salarial), intermediação de mão-de-obra (SINE), programas de qualificação profissional e alocação de fundos para linhas de crédito ligadas a programas de geração de emprego e renda ou de apoio a microempreendimentos. 141 Evolução das Receitas, Despesas e Patrimônio do FAT Do momento de sua criação até 1994, o fundo experimentou uma situação de significativa folga financeira, conseguindo acumular um grande patrimônio nesse período. As despesas totais de custeio, incluídos o seguro-desemprego, o abono-salarial e os demais programas de apoio ao trabalhador, somadas às transferências ao BNDES, foram quase sempre inferiores à arrecadação líquida do PIS/PASEP. A partir de 1995, entretanto, houve forte aumento de dispêndios decorrente da expansão do seguro-desemprego, acompanhado 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 141 18/6/2009 09:47:28 pela retenção de parte da receita bruta do PIS/PASEP pelo Fundo Social de Emergência (FSE), posteriormente rebatizado de Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e, atualmente, de Desvinculação de Receitas da União (DRU), visando à formação de superávit fiscal primário. A consequência imediata foi a formação de um déficit das receitas primárias frente às despesas obrigatórias (seguro-desemprego e abono salarial), obrigando o uso das receitas financeiras para cobrir os gastos correntes discricionários do MTE (SINE, qualificação etc) e expandir os depósitos especiais. 142 Mesmo com esse déficit primário, o patrimônio do FAT tem crescido de forma praticamente contínua ano após ano. Entre 1995 e 2007, sua taxa de crescimento foi de 7,3% ao ano, com uma única queda em 2002; em termos absolutos, passou de R$ 60,2 bilhões para R$ 139,1 no período. Esse desempenho é surpreendente porque está longe de refletir o ciclo econômico do período, que teve taxa anual média de crescimento de apenas 2,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Dado que a arrecadação do PIS/PASEP cresceu em termos reais 4,3% a.a., deduz-se que foram as receitas secundárias, isto é, o retorno financeiro dos ativos, que permitiram essa valorização. até 2006 , em R $ milhões de dez/2006 e 2007 em valores nominais 140000 120000 100000 80000 60000 40000 20000 0 1991 1992 BB EXTRAMERCADO 1018,7 4795,6 5858,7 4515,6 8590,8 BNDES 40% 8439,6 14836,2 20627 25204 31513,4 36823,4 41453,6 45887,6 53203,1 55189,9 58928,7 63538,5 63682,7 62429,4 62868,9 68427,8 72776,9 79842,4 8189,5 9594,5 DEPÓSITOS ESPECIAIS 1990 0 982,6 4657,2 1993 1994 1995 1996 11560,1 9601,4 1997 1998 1999 8035,4 9475,7 8095,3 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 10700,8 14246,1 11044,4 16294,8 16330,2 14390,6 8156,9 11856,7 17276,7 20666,2 24480,8 24587,5 25306,7 24360 25334,3 26018,3 28738 38050 2007 9975,3 48481,9 49271,9 Gráfico 2 – Evolução do Patrimônio do FAT, segundo seus Principais Componentes Fonte: MTE. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 142 18/6/2009 09:47:28 250,00 230,00 210,00 Índice (1995 = 100) 190,00 170,00 150,00 130,00 110,00 90,00 70,00 50,00 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Cresimento acumulado da arrecadação PIS/PASEP 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Crescimento Acumulado do PIB Cresimento Acumulado do Patrimônio do FAT Gráfico 3 – Crescimento Acumulado do PIB, da Arrecadação do PIS/PASEP e do Patrimônio do FAT (1995 – 2007) Fonte: MTE. O crescimento vertiginoso do patrimônio do FAT merece três considerações: 143 • Primeiro, isso foi possível porque o FAT havia acumulado nos primeiros cinco anos de existência um volume de recursos considerável, e os seus ativos (compostos pelos repasses consitucionais, pelos depósitos especiais e pelo “extramercado”, a reserva aplicada em títulos públicos) são remunerados por taxas de juros elevadas, geralmente situadas em patamar bem superior à inflação corrente. Ou seja: dado que, por conta da transferência constitucional de 40% ao BNDES, o FAT imobiliza uma grande parte da arrecadação PIS/PASEP a cada ano, seria de se esperar uma certa acumulação de patrimônio mesmo em um contexto de taxas de juros menores. Porém, a magnitude da expansão do patrimônio do fundo em um contexto de déficit primário só pode ser explicada pelo fato de as taxas SELIC e Taxa de Juros de Longo Prazo 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 143 18/6/2009 09:47:28 (TJLP) (principais referências para remuneração dos empréstimos do FAT ao BNDES) terem excedido em muito a inflação e a variação real do PIB durante os últimos quinze anos. 144 • Em segundo lugar, é fato que uma parcela crescente do FAT corresponde a depósitos especiais, em sua maioria ligados a programas de crédito, como por exemplo o PRONAF e o PROGER. Esses programas indubitavelmente contribuíram para a democratização do acesso ao crédito, porém, precisamente pelo fato do funding desses programas ser o FAT, os mesmos precisam operar com taxas de juros elevadas para os tomadores finais. Implicitamente, isso já é reconhecido em alguns programas, na medida em que há no PRONAF um subsídio custeado por outros recursos, e que o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), lançado em 2005, está operando basicamente com recursos extra FAT, remunerados a taxas de juros menores. • O terceiro ponto diz respeito ao custeio do Programa Seguro-Desemprego. O dispêndio do FAT com o custeio de programas cresceu desde 2000 a uma taxa menor que a arrecadação do PIS/PASEP, sugerindo uma perspectiva positiva para a relação receita primária/gastos correntes. No entanto, a análise do gasto de custeio revela um rápido crescimento das despesas com pagamento de benefícios, acompanhado de uma redução do gasto em políticas voltadas para o reemprego do trabalhador (intermediação e qualificação). Em outras palavras, houve um ajuste interno à rubrica “custeio de programas”, sendo uma parte do aumento do gasto com benefícios coberto pela redução da despesa com outros programas. Como a Tabela 3 abaixo demonstra, a partir de 2002 essa redução foi tão acentuada que permitiu também a melhora do saldo de caixa até 2006 (grosso modo equivalente ao resultado primário do fundo). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 144 18/6/2009 09:47:28 Tabela 3 – Demonstrativo da Execução Financeira do FAT. Em R$ milhões* Ano 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Arrecadação PIS/PASEP (1) 12.942,4 12.817,3 12.921,2 13.875,5 12.981,1 14.693,3 15.100,3 15.603,3 15.792,1 16.891,0 17.713,6 20.046,3 19.348,6 Receita MTE líquida/ A (2) Custeio de Programas Constitucionais/ B (3) Custeio do SINE e Qualificação/ C (4) Outras despesas de custeio/ D (5) Saldo final A(B+C+D) 7.834,2 9.753,1 7.170,3 10.098,4 283,0 82,4 -2.284,3 742,7 472,8 -4.143,6 7.679,4 9.717,7 938,1 561,2 -3.537,6 8.960,9 10.857,7 1.058,8 719,8 -3.675,4 7.819,3 9.643,3 856,8 680,5 -3.361,3 8.836,3 8.915,0 952,9 627,5 -1.659,1 9.103,9 10.017,3 1.014,3 690,1 -2.617,8 9.277,8 10.810,2 374,1 676,1 -2.582,6 9.159,8 10.232,7 167,5 373,5 -1.613,9 9.949,9 10.481,3 163,4 349,0 -1.043,8 10.601,4 11.810,4 175,5 387,2 -1.771,7 12.257,3 15.203,7 173,6 511,2 -3.631,2 11.701,0 17.830,0 151,5 486,4 -6.766,9 145 Fonte: MTE. (*) Os valores até 2006 foram corrigidos pelo IGP-DI para preços de 31/ dez/2006. Em 2007, valores expressos em moeda corrente. (1) Já descontada das Desvinculações (FSE, FEF e DRU). (2) Já descontado repasse ao BNDES. (3) Inclui despesas relativas ao pagamento de benefícios do Seguro-Desemprego e do Abono Salarial. (4) Inclui despesas relativas à intermediação de mão-de-obra e aos Planos de Qualificação Profissional (PLANFOR e PNQ). (5) Inclui despesas relativas ao apoio operacional ao seguro-desemprego, ao abono salarial e ao PROGER, e a outros projetos/atividades. O crescimento das despesas constitucionais nos anos recentes decorreu do aumento de benefícios emitidos no período 2000/2007: o número de beneficiários cresceu 31% no caso do seguro-desemprego e 74% no caso do abono-salarial. Deve ser lembrado que esse crescimento não se deve a uma liberalidade maior na concessão de benefícios, mas ao crescimento do número de trabalhadores que cumprem os requisitos le- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 145 18/6/2009 09:47:28 gais para acessá-los. Dado o aumento de empregos formais e a manutenção dos elevados níveis de rotatividade, grande número de trabalhadores que antes não podiam solicitar o seguro-desemprego por não terem seis meses de emprego formal, passaram a fazê-lo. Ademais, como a maioria desses empregos estão remunerados na faixa de um a dois salários mínimos, também geraram direito ao abono salarial. É possível especular que mantendo-se o atual ritmo de formalização dos empregos a baixos salários, a despesa com esses dois programas continue a crescer, em termos reais, a taxas superiores à arrecadação PIS/PASEP, pressionando ainda mais para baixo os demais gastos do MTE. 146 O uso das receitas financeiras é limitado, porém, pelo fato de as despesas por elas financiadas impactarem negativamente no superávit primário. Uma vez que este é calculado pela diferença entre as receitas e as despesas correntes, não contabiliza as receitas financeiras; os gastos com programas de emprego, contudo, são despesas correntes. Como já visto, a conseqüência é a contenção de todos os gastos não-obrigatórios, já que os pagamentos do seguro-desemprego e do abono salarial não podem ser suspensos. Assim, a partir de 2003, o déficit primário do FAT desceu ao patamar mais baixo desde 1995, quando se introduziu a prática das desvinculações. O uso das receitas financeiras se reverteu em favor dos depósitos especiais, que têm crescido principalmente pela criação de novas linhas de crédito e pela expansão das linhas voltadas ao capital de giro. É verdade que, na medida que este excedente de recursos se transforma também em novas linhas de crédito, não é possível dizer que as receitas financeiras não contribuam para impulsionar as atividades produtivas. Todavia, é preciso levar em conta que é a desvinculação de recursos do FAT que produz, em primeira instância, o déficit primário do fundo, e que esse recurso ajuda na geração do superávit primário do governo federal como um todo. Indiretamente, é a restrição de gastos em serviços de emprego que permite a “sobra” que retornará ao FAT como receita financeira. Por outro lado, 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 146 18/6/2009 09:47:28 esse processo tem consequências negativas do ponto de vista da concepção de seguro-desemprego expressa na lei do FAT, a qual havia delineado um programa que associava a concessão do benefício a serviços complementares de emprego, como a intermediação e a qualificação profissional. Na medida em que o FAT deixa de financiar estes outros programas, começa a desfazer-se a idéia de um sistema público integrado e mais abrangente de emprego. A restrição de recursos para os serviços de emprego traz conseqüências para sua eficácia e efetividade. No caso da qualificação profissional, isso é mais visível: passou-se de 3 milhões de trabalhadores treinados com recursos do FAT, em 2000, para pouco mais de 100 mil treinandos em 2007. No caso do SINE, não houve tal diminuição de trabalhadores atendidos, até por conta de ser um serviço contínuo. Deve ser ressaltado, todavia, que a diminuição dos recursos para o SINE pode ter tido consequências em termos da qualidade do serviço; um indicativo disso é a queda na taxa de admissão, que mede a eficácia da intermediação realizada – depois de um pico de quase 9% em 2002, vem caindo anualmente até atingir 6,8% em 2007. 147 Alternativas para o Financiamento das Políticas Públicas de Emprego no Brasil Uma primeira proposta concreta seria simplesmente buscar o incremento da receita primária do FAT por meio da instituição do adicional da contribuição do PIS/PASEP para as empresas de maior rotatividade, dispositivo originalmente previsto no Artigo 239 da Constituição, mas nunca regulamentado. Acontece que este dispositivo tende mais a ser revogado que regulamentado, como demonstra a proposta de reforma tributária em curso no parlamento. Uma outra proposta, lançada no II Congresso do Sistema Público de Emprego de 2005, seria vincular 8% da arrecadação PIS/PASEP para as funções do sistema, exclusive seguro-desemprego e abono salarial. Temos razões para crer 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 147 18/6/2009 09:47:28 que esta alternativa não resolveria o problema de financiamento do conjunto do sistema, pois a parte da arrecadação que fica com o MTE já se mostra hoje insuficiente para cobrir até mesmo as despesas obrigatórias. 148 Fazendo um rápido exercício com os dados de 2005, ano em que a arrecadação primária do FAT - já descontada a Desvinculação de Recursos da União (DRU) foi de R$ 17 bilhões, esse percentual de 8% significaria algo como R$ 1,36 bilhões por ano, valor cerca de oito vezes superior aos R$ 170 milhões gastos naquele ano com os programas de intermediação de mão-de-obra e qualificação profissional. Apesar disso, este montante não chega a ser excepcional se comparado ao efeito da DRU sobre a arrecadação bruta PIS/PASEP. Como se sabe, a DRU desvincula 20% da arrecadação anual do PIS/PASEP, o que em 2005 significou algo como R$ 4,2 bilhões, ou seja, uma perda da ordem de R$ 1,7 bilhões para o BNDES e de R$ 2,5 bilhões para o MTE. No caso do MTE, este valor é tão significativo que sua revinculação teria feito o déficit primário do FAT converter-se em superávit em 2005. Assim, uma alternativa mais vantajosa à proposta de vinculação de 8% da arrecadação PIS/PASEP seria propor a revinculação de ao menos uma parte dos recursos que atualmente são subtraídos do FAT por meio da DRU. Não apenas a DRU retém muito mais recursos do que a proposta de subvinculação de 8% mencionada acima, como é possível argumentar que uma parte desses recursos revinculados retornaria ao FAT sob a forma de receitas financeiras, as quais poderiam ser usadas para cobrir parte das despesas correntes não-obrigatórias do MTE. É nessa direção que gostaríamos de apresentar uma proposta complementar à revinculação da DRU. Essa alternativa consistiria em explicitar e disciplinar o uso das receitas financeiras do FAT no financiamento de certos gastos correntes do MTE. É certo que esse uso levanta o problema da preservação do patrimônio do fundo, mas embora esta seja de fato uma preocupação das mais relevantes, é preciso lembrar que des- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 148 18/6/2009 09:47:28 de 1995 esse uso já tem se dado com intensidade variável. Assim sendo, argumentamos ser possível criar uma regra que preveja a utilização de um percentual determinado das receitas secundárias do FAT em gastos correntes, separandose uma parte destinada a manter o valor real do patrimônio e outra voltada para a expansão dos programas de crédito. É claro que uma regra como esta deveria ser discutida com os atores representados no CODEFAT e em outros fóruns, mas nosso argumento é o de que isso não só evitaria que programas necessários ao SPETR fossem sistematicamente contigenciados, como também poderia viabilizar alguns programas de inclusão financeira (microfinanças etc) com juros abaixo das taxas oficiais, configurando uma espécie de “subsídio cruzado” entre as diversas linhas de crédito atualmente existentes.9 Como nota final, sugere-se que seria mais interessante um equilíbrio do FAT em que a arrecadação primária apropriada para o sistema fosse maior, com uma receita financeira menor em função de uma menor taxa de juros paga pelos títulos públicos. Esse seria um cenário que favoreceria o 149 9 A ambas as propostas anteriores – a revinculação da DRU ao FAT e a conversão das receitas financeiras do fundo em mais uma fonte explícita de financiamento das políticas de emprego – deveríamos adicionar uma mudança na forma de contabilização das receitas e dos gastos correntes do MTE. A fim de conferir um tratamento homogêneo para as categorias orçamentárias em jogo, seria necessário contabilizar como receita primária do MTE e/ou do próprio FAT, as receitas financeiras efetivamente utilizadas, segundo a prescrição acima, no custeio de parte dos gastos correntes do MTE. Fazendo isso, eliminar-se-ia um dos problemas atuais do FAT, por onde o déficit primário se vê exarcebado simplesmente pelo fato de que se computam as despesas totais com programas como custeio orçamentário, mas não se computa como receita primária aquela parte da receita financeira proveniente das aplicações e empréstimos do FAT, a qual foi efetivamente utilizada para financiar parcela importante das despesas correntes. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 149 18/6/2009 09:47:28 crescimento de empregos e salários, ao mesmo tempo em que permitiria uma institucionalização dos serviços de emprego. Ao contrário, a manutenção do quadro atual levará a uma dependência cada vez maior do FAT em relação às suas receitas financeiras que, por sua vez, aproveitam-se da manutenção de um patamar elevado de juros que prejudica a geração de empregos e salários na economia. Balanço da Política, Principais Programas e Ações no Âmbito do FAT Nesta seção, pretende-se apresentar um conjunto básico de informações atinentes aos principais programas finalísticos do MTE, agrupados de acordo com uma forma particular de classificação: 150 • Programas de garantia de renda: seguro-desemprego e abono salarial; • Programas que realizam serviços: intermediação de mão-de-obra e qualificação profissional; • Programas de geração de emprego, trabalho e renda: Proger, economia solidária e microcrédito produtivo popular; e • Programas que fiscalizam as relações e condições de trabalho. Programas de Garantia de Renda: Seguro-Desemprego e Abono Salarial Seguro-Desemprego A baixa cobertura relativa do Seguro-Desemprego se deve, ainda hoje, a uma série de fatores, tais como o caráter tardio da montagem do SPETR no país, o nível ainda incipiente de integração entre os principais programas, a diversidade de situações a serem enfrentadas no mercado de traba- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 150 18/6/2009 09:47:28 lho brasileiro etc. Além desses, vale aqui ressaltar outros dois fatores dos mais importantes: • A capacidade atualmente exaurida de gasto, presa que está à estrutura própria de financiamento da área; e • O uso do vínculo assalariado contributivo como critério de acesso dos beneficiários ao Seguro-Desemprego, este que é o principal programa do nosso SPETR, pelos recursos envolvidos e pelo grau de cobertura atingido. Tendo em mente estes dois aspectos, é preciso dizer que, embora a base de financiamento do programa seja primordialmente o faturamento das empresas (e em menor medida a folha de salários), estabeleceu-se o vínculo assalariado contributivo como condição de elegibilidade porque, ao que tudo indica, esta seria uma forma tanto de valorizar e incentivar o assalariamento formal, quanto de impor melhores condições de fiscalização ao programa. Na prática, serviu também como teto à expansão da cobertura, tendo em vista o potencial limitado de financiamento de um programa de seguro-desemprego mais abrangente. 151 Mas o problema é que, diante da elevação da taxa de desemprego aberto ao longo dos anos 1990, do crescimento do desemprego de longa duração (associado ao desemprego de inserção para jovens e de exclusão para adultos e idosos), e da crescente proporção de contratos de trabalho atípicos (diferentes do contrato por tempo indeterminado) e precários (alta proporção de trabalhadores por conta própria, assalariados sem registro e trabalhadores produzindo para subsistência, principalmente no meio rural), um programa de SeguroDesemprego centrado no assalariamento contributivo como condição de acesso estaria, por natureza, limitado a apenas um subconjunto de trabalhadores. Deste modo, embora este programa consiga cumprir as prescrições contidas em seu marco legal e institucional – atender temporariamente com recursos financeiros os desempre- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 151 18/6/2009 09:47:29 gados oriundos do setor formal da economia –, ele é pouco eficaz para fazer frente às dimensões do problema contemporâneo do desemprego, aspecto que pode ser evidenciado pelos indicadores da Tabela 4. Tabela 4 – Indicadores de Desempenho do Seguro-Desemprego, em Porcentagem (%) média Programa 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 95/07 98,5 Seguro-desemprego Taxa de habilitação (1) 98,9 99,2 99,4 99,1 97,7 98,1 98,3 98,4 98,5 98,4 98,0 98,1 98,2 Taxa de cobertura (2) 65,9 63,4 65,5 65,6 67,2 62,1 63,9 66,3 67,0 62,4 62,3 62,7 62,9 64,4 Taxa de reposição da renda (3) 51,0 49,4 50,6 44,5 45,5 51,3 53,9 57,2 60,3 61,3 64,0 65,1 68,3 55,6 Fonte: MTE. Notas: (1) segurados / requerentes; (2) segurados / demitidos sem justa causa; (3) valor médio do benefício / valor médio de demissão. 152 Em outras palavras, embora a sua taxa de habilitação (segurados / requerentes) tenha estado próxima dos 100% ao longo de todo o período estudado, a sua taxa de cobertura (segurados / demitidos sem justa causa do setor formal) tem girado em torno de 64,4%, patamar este que seria bem menor se levasse em conta o conjunto dos trabalhadores desempregados da economia em dado momento. Por outro lado, a taxa de reposição da renda (valor médio do benefício / valor médio do salário de demissão do segurado) vem melhorando continuamente desde 1998. Mas, embora a taxa de reposição tenha passado de 51%, em 1995, para 68%, em 2007, isto pode estar sendo contrabalançado pelo aumento na duração média do desemprego, pois já que o número de parcelas pagas pelo seguro não se alterou durante o período, é possível que parte dos segurados esteja passando mais tempo sem emprego depois de esgotada a duração do benefício. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 152 18/6/2009 09:47:29 Tabela 5 – Número de Segurados do Seguro-Desemprego e Número de Abonos Salariais Pagos por Ano Seguro-Desemprego (segurados) Abono Salarial Trab. Do- Trab. Resga- (benefícios emitidos) méstico tado Ano Formal Pescador Artesanal 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 4.742.043 4.360.917 4.400.738 4.357.528 4.325.867 4.185.673 4.690.038 4.811.169 4.973.676 4.815.067 15.710 20.090 29.127 30.997 46.935 57.861 73.699 91.973 114.073 185.990 2.105 8.016 9.207 9.490 832 1.965 2005 5.402.487 195.160 10.040 3.043 9.685.483 2006 5.742.298 308.031 10.846 2.651 11.095.398 2007 6.182.184 371.692 11.788 3.891 13.843.626 5.308.749 5.023.939 4.664.910 4.467.820 4.512.878 4.819.813 4.837.664 5.618.806 6.722.309 7.853.189 153 Fonte: MTE. Obs: (1) Nº de segurados da modalidade Trabalhador Doméstico em 2001 compreende período julho-dezembro. (2) Nº de segurados da modalidade Trabalhador Resgatado em 2005 compreende período janeiro-março. (3) Nº de segurados da modalidade Formal inclui Bolsa de Qualificação Profissional. Percebe-se, na Tabela 5, que em termos absolutos ainda é a modalidade do seguro formal que responde pela maioria dos novos beneficiários, saltando de menos de 5 milhões, entre 1995 e 2004, para 6 milhões em 2007. Como não houve mudanças significativas nas normas de concessão do segurodesemprego, o crescimento do número de beneficiários deve ser explicado pelas mudanças no mercado de trabalho. Em virtude dos requisitos de acesso ao seguro-desemprego, o crescimento do número de segurados não é influenciado somente pela taxa de desemprego presente, mas também (e tal- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 153 18/6/2009 09:47:29 vez preponderantemente) pela quantidade de trabalhadores que no ano anterior tiveram passagem por emprego formal e foram demitidos, isto é, pela alta taxa de rotatividade nos empregos formais.10 154 A questão, então, é saber até que ponto o seguro-desemprego é capaz de oferecer proteção efetiva ao desempregado, bem como favorecer sua reinserção no mercado de trabalho. A se manter o atual quadro, a tendência parece ser a de manter o ciclo em que os segurados esgotam rapidamente as suas parcelas (em média, quatro meses), sem obter colocação nem treinamento por parte do SPETR, e acabam aceitando ocupações mal remuneradas e de curta duração. Por conta disso, o seguro-desemprego não cumpre a função anticíclica que desempenha nos países centrais: seu gasto aumenta em períodos de aceleração da atividade econômica, enquanto se mantém relativamente rígido em períodos de elevação do desemprego. Também há um certo consenso de que falta coordenação entre a concessão do auxílio e a oferta de serviços de emprego, como intermediação, requalificação etc. Mas as propostas de mudança do seguro-desemprego não são convergentes. Em um extremo, critica-se sua suposta sobreposição com o FGTS, e há sugestões de fundi-los. Em apoio a este argumento, alega-se que o próprio fundo de garantia acaba funcionando como um seguro por causa da alta rotatividade, que faz com que os saques sejam constantes, e os valores recebidos sejam bastante baixos. Essa proposta desconsidera as diferenças entre a natureza indenizatória do FGTS (um direito que não caberia condicionar à busca de emprego, por exemplo) e a natureza assistencial do seguroUma comparação simples ilustra este ponto. Durante o período 2004/2006, o número de trabalhadores desocupados nas regiões metropolitanas cobertas pela PME diminuiu cerca de 9% no período, enquanto que o número de segurados cresceu mais de 14% nas mesmas regiões. Ao mesmo tempo, o volume de trabalhadores desligados cresceu 21,6%, para as mesmas localidades, e a taxa de rotatividade medida segundo os registros do CAGED para o conjunto das regiões metropolitanas variou de 2,74% para 2,93%. 10 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 154 18/6/2009 09:47:29 desemprego (que pode ser interrompido caso haja recusa sistemática de ofertas de trabalho). Na outra ponta já houve reivindicações das centrais sindicais para aumentar o número de parcelas do seguro em função do aumento da duração do desemprego e do crescimento dos desempregados de longa duração. O problema é que esse tipo de proposta, ao não mexer nas regras de acesso ao seguro, ampliaria a cobertura do tempo de desemprego para os que já o acessam, mas manteria inalterada a taxa de cobertura em relação aos demais trabalhadores. Abono Salarial Ainda pela Tabela 5, vê-se que entre 1995 e 2001, a quantidade de abonos emitidos situou-se num patamar de pouco menos de 5 milhões ao ano, mas em 2002 este nível subiu para a casa dos 5,6 milhões, saltando para 9,6 milhões em 2005, e para 13,8 milhões em 2007, num ritmo que impressiona, mas não surpreende. Uma das causas deste crescimento vertiginoso é o incremento no padrão de divulgação do programa, pois até recentemente muitos trabalhadores com direito ao benefício, identificados pelo MTE através do seu número PIS/PASEP no sistema RAIS/Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), simplesmente deixavam de comparecer em tempo hábil às agências da CEF/BB para receber o abono salarial. 155 Um outro motivo estaria relacionado ao período de sete anos consecutivos (1996/2003) de queda dos rendimentos médios reais dos trabalhadores ocupados, inclusive dos trabalhadores assalariados com carteira que, recebendo ao longo do ano menos de dois salários mínimos mensais, fazem jus ao benefício.11 Isso significa que o crescimento dos beneficiários Apenas para se ter uma idéia, este contingente de trabalhadores passou de 13,1% para algo como 25,2% do total de ocupados do país, entre 1995 e 2005. Em termos absolutos, isto significou um salto de 7,3 para 17,4 milhões de trabalhadores com carteira e renda de até dois salários mínimos mensais, segundo a PNAD/IBGE. 11 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 155 18/6/2009 09:47:29 se deve ao crescimento de empregos formais na faixa de 1 a 2 salários mínimos, justamente a faixa de remuneração de cerca de 90% das novas ocupações assalariadas com carteira criadas nos últimos anos. Além disso, é preciso também considerar a própria elevação do valor real do salário mínimo, fenômeno este que faz aumentar o número de trabalhadores elegíveis, na medida em que os rendimentos superiores ao mínimo não cresceram na mesma magnitude. 156 De todo modo, apesar do aumento expressivo de cobertura, parece haver certo consenso no fato de que, estando o valor do abono limitado a um salário mínimo anual por trabalhador contemplado, ele é pouco eficaz para combater a pobreza ou amenizar a desigualdade de rendimentos do trabalho, a despeito de ser um benefício concedido a trabalhadores pobres oriundos do setor formal da economia. Como o valor total gasto com o programa já ultrapassou o montante anual de R$ 2 bilhões, talvez essa pudesse ser uma quantia aplicada de forma mais racional em outra(s) política(s) de proteção ao trabalhador, como o próprio Seguro-Desemprego, caso o objetivo seja manter o espírito de priorizar a garantia de benefícios na forma monetária. Uma perspectiva alternativa seria atualizar o propósito original da criação do abono salarial, isto é, garantir a participação dos trabalhadores na renda nacional por meio dos incrementos de produtividade geral da economia para o que contribui a massa trabalhadora como um todo. Nesse sentido, o abono salarial poderia ser visto como parte de um conjunto de medidas destinadas a garantir um patamar mínimo de renda a todos os cidadãos. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 156 18/6/2009 09:47:29 Programas que Realizam Serviços: Intermediação e Qualificação Profissional Intermediação de Mão-de-Obra Desde a década de 1990, houve progressiva ampliação e melhoria dos serviços oferecidos pelos postos de atendimento do SINE, decorrência direta do estabelecimento do FAT como fonte permanente de financiamento. Com isso, o número de colocados no mercado de trabalho formal via SINE passou a crescer desde 1995, em resposta aos aperfeiçoamentos do programa ao longo do tempo. Com base na Tabela 6 e Gráfico 4 que seguem, vê-se que não apenas aumentou o número de trabalhadores inscritos, mas também o de vagas captadas junto às empresas e o de trabalhadores efetivamente contratados. Também cabe ressaltar que o serviço aumentou sua eficácia, especialmente no que tange ao aproveitamento das vagas captadas, como pode ser visto na Tabela 6. 157 Tabela 6 – Indicadores de Desempenho da Intermediação de Mão-de-Obra, em Porcentagem (%). Programa 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Intermediação de mão-de-obra via SINE Taxa de aderência (1) 39,2 40,1 46,5 44,1 40,5 45,4 51,8 52,7 54,1 53,1 52,0 49,6 47,5 Taxa de admissão (2) 1,5 1,9 2,5 3,6 5,2 6,0 7,2 8,9 8,6 7,9 7,3 6,8 6,8 Fonte: MTE. Notas: (1) colocados via SINE / vagas captadas pelo SINE; (2) colocados via SINE / admitidos segundo CAGED. Apesar disso, a atratividade do SINE tem sido maior para os trabalhadores que para as empresas, de modo que, embora esse indicador tenha melhorado ao longo dos anos, ainda há uma proporção razoável de vagas que não são preenchidas pelos trabalhadores inscritos. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 157 18/6/2009 09:47:29 6.000.000 5.000.000 4.000.000 3.000.000 2.000.000 1.000.000 0 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Trabalhadores Inscritos Vagas Captadas Trabalhadores Colocados Gráfico 4 – Movimentação de Vagas e Trabalhadores pelo SINE Fonte: MTE. 158 Esses indicadores sugerem que, conquanto o serviço de intermediação alcança uma fatia razoável do mercado de trabalho formal, sua contribuição para reduzir o desemprego, mesmo que apenas seu componente friccional, é, na melhor das hipóteses, limitada. De fato, atualmente o MTE encara as agências do SINE mais como “porta de entrada” para outros serviços de emprego que exclusivamente provedoras do serviço de intermediação. Qualificação Profissional No que se refere aos resultados dos primeiros anos desse novo formato da qualificação profissional, há indicações positivas do ponto de vista qualitativo, embora ainda tímidas do ponto de vista numérico. O principal indicativo dessa mudança de qualidade é a extensão da carga horária dos cursos, aproximando-se da meta de 200h, enquanto em 2002 essa média havia caído para pouco mais de 60h, o que implicava que em muitos casos as oportunidades de formação 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 158 18/6/2009 09:47:29 ofertadas aos trabalhadores eram totalmente insuficientes para influir significativamente na sua inserção no mercado de trabalho. Os indicadores do programa também mostram um nível aparentemente alto de articulação com outras políticas: cerca de ¾ dos educandos são beneficiados por outras políticas de inclusão social ou de trabalho e renda. Além disso, acentuou-se a focalização em grupos mais vulneráveis, como desempregados, mulheres e jovens: os educandos desempregados passaram de 55,5% do total, em 2000, para 64,4%, em 2005. A participação de mulheres cresceu de 58,7%, em 2002, para 61,1%, em 2004, e a participação de jovens ampliou-se de 40,3% para 52,4% no mesmo período. Como se vê na Tabela 7 abaixo, apesar dos dados de 2007 não estarem ainda consolidados até o fechamento desta edição (ver Tabela 4), a tendência observada nos últimos anos de aumento da carga horária média dos cursos e do custo por educando/hora convergem para as mudanças propostas em 2003 no que se refere à prioridade dos cursos de longa duração e da melhoria da qualidade dos cursos. 159 Tabela 7 – Evolução da Qualificação Social e Profissional (2003 a 2007) Ano Educandos Educandos Inscritos Concluintes Custo EduCarga Horácando/Hora ria Média Concluintes Concluintes R$ 110,88 2,35 Taxa de evasão 2003 144.557 139.433 2004 155.145 147.352 176,70 2,47 3,5% 5,0% 2005 124.518 117.430 184,34 2,54 5,7% 2006 119.332 112.650 195,20 2,54 5,6% 2007* 52.842* 31.978* 197,14* 2,69* - Fonte: MTE. *Os dados de 2007 são parciais, tendo em vista que a execução dar-se-á até 30 de abril de 2008 e as prestações de contas até maio de 2008. Por outro lado, a diminuição do volume de recursos liquidados aponta para uma limitação do alcance do progra- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 159 18/6/2009 09:47:29 ma, a exemplo do que vem se observando desde 2005.12 Prova disso é que o número total de educandos abarcados por essas ações ainda é relativamente pequeno em relação à PEA. No que tange à qualificação profissional de jovens, ela foi em parte assumida pelo Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego para os Jovens (PNPE), voltado para a inserção laboral de jovens entre 16 e 24 anos, de baixa renda e escolaridade. No seu primeiro ano de funcionamento, 2003, esse programa consistiu, sobretudo, no subsídio ao emprego de jovens, sendo uma parte do salário do jovem contratado custeada com recursos governamentais durante um ano. Diante da pequena adesão das empresas, o foco do programa foi redirecionado para a oferta de qualificação profissional por meio dos Consórcios Sociais da Juventude, que são redes de ONGs que se encarregam também do encaminhamento do jovem ao mercado de trabalho. Em termos de jovens atendidos e de recursos aplicados, a vertente de qualificação do PNPE tem tido dimensão comparável ao do conjunto do PNQ. 160 Sua especificidade é tornar-se um programa de qualificação voltado para jovens. A nova política nacional de juventude, anunciada em setembro de 2007, previa a unificação de todos os programas com essas características. As modalidades dos Consórcios Sociais da Juventude Cidadã, juntamente com o Programa Escola de Fábrica, do Ministério da Educação, comporiam o Projovem Trabalhador. A operação dessas modalidades continua a cargo dos respectivos ministérios, porém não há até o momento clareza quanto ao desenho futuro de uma ação unificada. Programas de Geração de Trabalho e Renda: PROGER, PNMPO, ECOSOL Programas de Geração de Emprego e Renda Dentro do movimento de utilizar os recursos do FAT para incrementar as políticas de emprego no país, a Lei 8.352/91 determinou que as disponibilidades financeiras do FAT poderiam 12 Vide seção específica sobre evolução dos gastos à frente. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 160 18/6/2009 09:47:29 ser aplicadas em Depósitos Especiais remunerados a cargo das instituições financeiras oficiais federais, o que abriu espaço para novas políticas voltadas à geração de emprego e renda. A implementação desses programas foi feita por meio da abertura de linhas especiais de crédito a setores com pouco ou nenhum acesso ao sistema financeiro convencional, como micro e pequenas empresas, cooperativas e formas associativas de produção, além de iniciativas de produção próprias da economia informal. Os programas foram sendo efetivados a partir de 1995, tendo como agentes financeiros, inicialmente, o BB e o BNB. Posteriormente, foi incluída a FINEP, e mais recentemente o próprio BNDES, a CEF e o Banco da Amazônia (BASA). A cada ano, inúmeras linhas de crédito foram sendo incorporadas ao Programa, que deixou de privilegiar sua função precípua – conceder empréstimos a pequenos empreendedores formais e informais com pouco ou nenhum acesso ao sistema financeiro tradicional – e passou a suprir a escassez de crédito de diferentes setores da economia. Atualmente, conforme a Tabela 8, existem 20 linhas de crédito no âmbito do programa, sendo que grande parte delas não se destina a pequenos empreendimentos populares, tendo, algumas vezes, questionável compromisso com os objetivos de geração de trabalho e renda. 161 Gráfico 5 – Evolução do Número de Operações com Recursos do FAT e Respectivos Valores Anuais Fonte: MEC. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 161 18/6/2009 09:47:29 Tabela 8 – Evolução dos Programas de Geração de Emprego e Renda com recursos do FAT (Brasil: 2006 e 2007) 2006 PROGRAMAS PROGER Urbano FAT-Empreendedor Popular PROGER Turismo PROGER Exportação Jovem Empreendedor PROGER Rural PRONAF PROEMPREGO FAT-HABITAÇÃO 162 FAT-Material de Construção FAT-FOMENTAR FAT-INTEGRAR FAT GIRO RURAL FAT GIRO Setorial FAT GIRO Coop. Agropecuário FAT Inclusão Digital IE Econômica IE Insumos Básicos FAT-EXPORTAR* FINEP Total Valor total/orçamento MTE 2007 Variação Qtd. Operações Valor em R$ 2.227.654 7.232.268.351,0 6.648 36.757.961,0 5.687 25.936.655,0 2.017 74.285.803,0 2.290 104.650.190,2 242 9.071.523,0 232 30.021.607,3 179 2.181.604,0 63 922.763,3 Qtd. Operações 1.784.846 Valor em R$ 6.754.693.022,8 2.610 68.719.994,0 997 27.980.433,0 386.301 2.243.415.327,0 169.811 1.637.801.739,3 1.186 503.337.212,0 1.204 378.164.969,1 24 1.741.562,0 - - 114.802 245.944.853,0 89.317 222.551.477,3 7.079 2.120.213.716,0 13.692 3.326.829.718,1 2 2.069.690,0 - 6.399 2.081.901.617,0 3.946 716.344.391,3 7.566 1.824.542.606,0 7.077 1.063.264.128,1 27 33.764.522,0 11 6.550.000,0 10.013 11.600.028,0 1.866 2.074.854,4 - 2.956 4.993.096.926,0 947 4.023.704.590,3 607 1.489.712.456,0 203 510.940.956,6 196 1.729.575.481,0 123 1.430.222.875,6 50 349.975.958,1 55 232.911.939,6 2.776.558 25.054.177.190,1 2.082.367 20.495.566.311,3 - 0,87 - 0,66 Qtd. Operações Valor em R$ (0,20) (0,07) (0,14) (0,29) 0,14 0,41 (0,04) 2,31 (0,65) (0,62) (0,56) 0,02 (1,00) (0,22) (0,58) (0,59) (0,27) (0,25) (1,00) (0,10) 0,93 0,57 (1,00) (1,00) (0,38) (0,66) (0,06) (0,42) (0,59) (0,81) (0,68) (0,67) (0,37) 0,10 (0,25) - (0,81) (0,82) (0,19) (0,66) (0,17) (0,33) (0,18) - Fonte: Elaboração Própria dos Autores Baseada nos Dados do MTE. Obs.: * Não incluem os programas financiados com os depósitos constitucionais no BNDES. Dados preliminares. Posição em 17 de março de 2008. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 162 18/6/2009 09:47:29 Além disso (ou por causa disso!), é preciso atentar para o fato de que o atual esquema de financiamento dos programas de geração de emprego e renda também têm dado sinais de esgotamento. A acelerada elevação do montante de recursos aplicados em depósitos especiais nos últimos anos acarretou uma sensível redução dos excedentes à Reserva Mínima de Liquidez (RML). Ademais, sabe-se que a RML deve crescer de maneira a acompanhar a elevação dos gastos com os benefícios constitucionais. Nesse quadro, se a fonte de recursos dos depósitos especiais é parte do excedente da RML, e este excedente está escasseando, então novos aportes de recursos aos programas de geração de emprego e renda – via Programações de Depósitos Especiais (PDEs) aprovadas pelo Codefat – não conseguirão manter, em um futuro próximo, os níveis que recentemente vinham atingindo. Em 2007, esta esperada inflexão na evolução dos programas de geração de emprego e renda parece ter ocorrido. Como pode ser observado na Tabela 9 a seguir, o número de operações de crédito nesse ano caiu 25% em relação ao verificado em 2006, e o valor total dessas operações teve uma queda de 18,2%, o que, em valores absolutos, representou quase R$5 bilhões. 163 Tabela 9 – Evolução dos Depósitos Especiais, do Saldo Extramercado e das Reservas Mínimas de Liquidez do FAT (Brasil: 2000-2007) Depósitos Especiais Ano Saldo (em 31/12) Alocações 2000 15.782 2.131 2001 15.192 2.232 2002 19.972 5.481 2003 22.083 5.673 2004 27.350 6.902 2005 37.692 13.920 2006 48.482 16.202 2007 49.242 9.533 (em milhão de R$) Saldo Extramercado (em 31/12) RML (em 31/12) Excedente à RML (em 31/12) 6.673 2.812 3.861 8.885 3.645 5.240 8.707 2.567 6.140 13.830 4.957 8.873 15.541 5.006 10.535 11.621 6.822 4.799 8.157 7.552 605 9.975 9.489 486 Fonte: MTE. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 163 18/6/2009 09:47:29 Certamente, uma redução no número e no valor total das contratações não evidencia per se que os programas de geração de emprego e renda começam a enfrentar limites ao seu crescimento. A verificada retração poderia advir, por exemplo, de uma reorientação das diretrizes dos programas, tornando-os mais focados nos seus objetivos originais de conceder crédito à população excluída do sistema financeiro em projetos que priorizem a geração de emprego e renda. Poderia, também, ser resultado de entraves administrativos e/ou políticos para a aprovação da alocação de depósitos especiais por parte do Codefat. Ou, ainda, poderia representar que recursos alocados em depósitos especiais ficaram represados nas instituições financeiras oficiais, sem que tivessem sido emprestados aos tomadores finais. 164 Entretanto, das hipóteses levantadas, a que parece mais factível remete à questão do financiamento. Por um lado, as informações analisadas não permitem dizer que ocorreu uma reorientação dos programas de geração de emprego e renda. As quedas no número e no valor total das contratações foram generalizadas, tendo impactado praticamente todas as linhas de crédito. Além disso, nota-se um crescimento do valor médio das operações contratadas (9,07%), resultado bastante improvável caso os empréstimos tivessem priorizado o acesso aos pequenos empreendedores formais ou informais. Por outro lado, uma análise mais atenta a respeito da evolução das alocações em depósitos especiais e dos excedentes à RML parece dar evidências suficientes de que o atual esquema de financiamento do sistema público de emprego tem causado constrangimentos às políticas de geração de trabalho e renda. Verifica-se, na Tabela 9 acima, que o valor total de novos recursos aplicados na forma de depósitos especiais caiu sobremaneira. Em 2006, as alocações de depósitos especiais totalizaram R$16,2 bilhões, enquanto em 2007 essa quantia foi de apenas R$ 9 bilhões, uma redução de 44%. Isso significa que os recursos disponibilizados para os programas de geração de emprego e renda, de fato, diminuíram. Aliás, os 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 164 18/6/2009 09:47:29 novos aportes de depósitos especiais em 2007 reduziramse mais que a queda verificada no valor total emprestado pelas instituições financeiras (18,2%), o que põe em xeque a hipótese dos recursos terem ficados represados nas instituições financeiras. Atendo-se à trajetória dos excedentes à RML, nota-se que a queda é, de fato, acentuada. Na verdade, o resultado de 2007 expressa o patamar mínimo já verificado no histórico do FAT. Sendo assim, não seria razoável considerar que a retração nas alocações de depósitos especiais foi uma medida deliberada ou resultado de algum entrave administrativo. Ela é, sem dúvida, conseqüência da escassez de recursos disponíveis para financiar os programas de geração de emprego e renda. Neste contexto, algumas considerações se fazem pertinentes. Aceitando as regras de gestão financeira do FAT como dadas, as atuais restrições de recursos para as alocações em depósitos especiais colocam em primeiro plano a necessidade de se racionalizarem os programas de geração de emprego e renda, reduzindo a pulverização de recursos entre linhas de crédito de impactos duvidosos sobre a geração de trabalho e promovendo uma democratização mais efetiva do acesso ao crédito. Nesta direção, parece oportuno rediscutir o desenho institucional dos programas de geração de emprego e renda, uma vez que a trajetória de 13 anos desses programas evidenciou resultados muito tímidos no que diz respeito à democratização e à difusão do acesso ao crédito. 165 Na atual arquitetura institucional, quem define a alocação dos recursos do FAT, em última instância, são as instituições financeiras oficiais federais, que em geral operam segundo uma lógica de mercado, revelando profundo desinteresse em atingir as camadas mais vulneráveis, percebidas como o segmento de maior risco. Assim, dentre as questões centrais que merecem ser reconsideradas, estão: a obrigatoriedade de remuneração mínima do FAT vinculada à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP); as formas de participação e os mecanismos de controle social; a articulação dos programas de gera- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 165 18/6/2009 09:47:29 ção de emprego e renda com as demais políticas de trabalho e renda; e a exclusividade das instituições financeiras oficiais federais em receber os repasses diretos do FAT. Por outro lado, há que se avaliar, também, a pertinência de se alterar as atuais regras de gestão financeira do FAT, desde que tais alterações não comprometam o patrimônio do Fundo e, muito menos, o pagamento dos benefícios constitucionais. Por alguns anos os recursos do FAT, na forma dos programas de geração de emprego e renda, supriram a escassez de crédito de diferentes setores econômicos, representando uma expressiva injeção de crédito na economia. Assim, reconhece-se que é importante estudar se a reorientação dos programas de geração de emprego e renda e, consequentemente, a extinção de algumas linhas, provocariam gargalos à produção nacional, ou se essa demanda de crédito poderia ser perfeitamente suprida pelos bancos de desenvolvimento, agências de fomento e bancos comerciais. 166 Programas de Microcrédito Produtivo O FAT, na área de microcrédito, liberou, em 1996, recursos para o BNDES no âmbito do Programa de Crédito Produtivo Popular (PCPP), que buscava formar uma rede de instituições privadas capazes de financiar pequenos empreendimentos. Esse programa, todavia, havia financiado apenas 300 mil empreendimentos até 2001. Assim, em 2002, foi criado um novo programa de microcrédito com recursos do FAT, o FAT Empreendedor Popular, que buscava expandir a capacidade de financiamento de pequenos empreendimentos no Brasil. Na mesma linha do microcrédito, mas no âmbito do próprio MTE, foi criado em 2004 o Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado (PNMPO), instituído com o objetivo de incentivar a geração de trabalho e renda entre os microempreendedores populares. Por microcrédito orientado entende-se aquele baseado em metodologia na qual existe o relacionamento direto do chamado “agente de crédito” junto aos empreendedores no local onde é executada a atividade econômica. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 166 18/6/2009 09:47:29 Em 2007, o PNMPO apresentou continuidade na sua trajetória de crescimento, ainda que a taxas mais baixas que a verificada no ano anterior. O volume de operações de microcrédito naquele ano foi de 963,5 mil, representando um crescimento de 16,24% em relação a 2006. O total de recursos liberados foi da ordem de R$ 1,1 bilhão, cabendo ressaltar que grande parte desse valor refere-se à atuação do CrediAmigo – vinculado ao Banco do Nordeste – que já opera com microcrédito há dez anos. Tabela 10 – Evolução do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado - PNMPO (Brasil: 2005 - 2007) Ano 2005 2006 2007 Total Qtde de operações concedidas de Microcrédito 632.106 828.847 963.459 Crescimento no ano (em %) Valor Concedido (em R$ 1,00) Crescimento no ano (em %) - 602.340.000,0 - 0,31 831.815.600,8 0,38 0,16 1.100.375.829,9 0,32 2.424.412 167 2.534.531.430,7 Fonte: MTE/Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado. Além de concentrado em uma única instituição, destaca-se que o volume de recursos emprestados ainda está bastante abaixo do potencial existente, uma vez que os agentes financeiros podem usar para financiamento desse programa os recursos da exigibilidade bancária, que, caso não sejam aplicados, são recolhidos pelo Banco Central sem qualquer remuneração. Para se ter uma idéia desse potencial, a exigibilidade bancária, em dezembro de 2007, era de R$2,98 bilhões. Entretanto, tudo indica que o programa ainda não conseguiu criar incentivos suficientes para que as operações de microcrédito se tornem atrativas aos interesses privados dos bancos e se difundam conforme é socialmente desejável. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 167 18/6/2009 09:47:29 Programa de Economia Solidária Por fim, em 2003, criou-se um programa voltado ao fortalecimento da Economia Solidária, segmento constituído pelos empreendimentos autogestionários, isto é, administrados pelos próprios trabalhadores. Apesar de contar com poucos recursos (que não vêm do FAT), e de ainda não ser evidente sua inclusão no rol das políticas de emprego, este programa é mencionado aqui pelo fato de ser um dos poucos que se propõem, explicitamente, a atuar com trabalhadores fora da relação de assalariamento sem ser ao mesmo tempo um programa vinculado essencialmente ao crédito: suas ações incluem o mapeamento dos empreendimentos existentes, a constituição de uma rede de incubadoras e o apoio a fóruns de articulação das redes de economia solidária. 168 Essa proposta vem tendo, porém, grandes dificuldades para avançar mais rápido, em decorrência, principalmente, da discrepância que se verifica entre o volume dos desafios com que se defronta e os recursos disponibilizados para o financiamento das suas ações. Tal disparidade faz com que os escassos recursos alocados – tanto financeiros quanto de pessoal – sejam distribuídos entre diversas frentes de intervenção, colocando em questão a própria capacidade de as ações virem a ter a efetividade pretendida. Assim, a manutenção das bandeiras da economia solidária, sintetizadas na sua capacidade de contribuir para um modelo de desenvolvimento econômico que seja ética, social e ambientalmente superior, terá de estar cada vez mais ancorada no desempenho que chegar a ter no campo estritamente econômico, sendo aí fundamental o fortalecimento das políticas públicas de apoio ao setor. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 168 18/6/2009 09:47:29 Evolução dos Gastos do SPETR com seus Principais Programas No que se refere aos gastos, é possível evidenciar alguns pontos interessantes a partir do Gráfico 6, lembrando, no entanto, que: • A receita primária do FAT não é a única fonte de recursos do MTE para financiar o conjunto de suas ações, embora seja, realmente, a mais importante; • Alguns programas do MTE dispõem de recursos que não aparecem no Orçamento Fiscal ou da Seguridade Social. São os casos, por exemplo, do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) e dos Programas de Geração de Emprego e Renda (PROGER, PRONAF, PNMPO). Em relação a estes, a maior parte dos recursos é composta de créditos concedidos pelas instituições financeiras oficiais, que por sua vez são financiadas com aportes do FAT por meio dos depósitos especiais remunerados. 169 Isto posto, cabe observar que olhando o SPETR exclusivamente pelo lado dos gastos realizados, transparece uma longa distância de patamar entre os seus diversos programas. Enquanto os programas de garantia de renda (seguro e abono) alcançaram o patamar de 12 e 5 bilhões ao ano respectivamente, os programas que realizam serviços (Intermediação, Qualificação, Fiscalização e Segurança e Saúde no Trabalho) jamais suplantaram a casa de R$1 bilhão em qualquer ano da série. E como indicado acima, não há perspectiva, no curto prazo, de uma mudança desses patamares de gasto, pois o seu financiamento já está a depender dos retornos financeiros do FAT (nos casos da intermediação e da qualificação profissional) ou de recursos ordinários (nos casos da fiscalização e da segurança e saúde no trabalho), ambas as fontes limitadas e incertas pela natureza discricionária que possuem. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 169 18/6/2009 09:47:29 14000000 Valor es em R$ mil cte dez/2007 IPCA/IBGE 12000000 10000000 8000000 6000000 4000000 2000000 0 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 Seguro-Desemprego Abono-Salarial Intermediação + Qualificação Fiscalização + Saúde no Trabalho PNPE + ECOSOL BNDES 40% 2007 Gráfico 6 – Evolução dos Gastos do SPET/MTE e BNDES 40% Fonte: Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (SIAFI) 170 Por fim, quanto aos dois programas criados em 2003 (Primeiro Emprego e Economia Solidária), basta dizer que eles nem mesmo utilizam a fonte FAT para se financiarem. Em ambos os casos, a tendência é a de se fixarem em recursos ordinários do Tesouro, a despeito do caráter discricionário – e supostamente mais frágil – desta fonte. Este aspecto evidencia um dos problemas centrais do SPETR nas atuais circunstâncias, pois quaisquer novas iniciativas que visem a alargar a cobertura dos programas já existentes ou mesmo abrir novas frentes de atuação governamental no mundo do trabalho ver-se-ão limitadas pela capacidade exaurida de gasto desta área. E o problema é que ainda não existem no Brasil políticas públicas de geração de trabalho e renda para segmentos expressivos da população em idade ativa que estejam ou desempregadas por longo período (tanto no conceito de desemprego aberto como pelo desalento) ou subempregadas em condições precárias (em termos de estabilidade na ocupação, regularidade de rendimentos, 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 170 18/6/2009 09:47:29 contribuição previdenciária, apenas para ficar nos aspectos mais importantes). As propostas recentes em torno da idéia de economia solidária parecem promissoras, mas são ainda muito incipientes para afetar a magnitude dos problemas presentes em nosso mercado de trabalho. Por sua vez, a família de programas de concessão de bolsas (ou transferência direta de renda com condicionalidades), visando ao combate direto e imediato à fome e à pobreza, nasceu, ou estão se desenvolvendo mais pelos campos da assistência social, saúde e educação, o que os torna pouco eficazes para enfrentar a questão da inserção pelo mundo do trabalho. Assim, políticas tradicionais como seguro-desemprego, intermediação e qualificação profissional, porquanto importantes, têm sido pouco eficazes para enfrentar esta situação de heterogeneidade e precariedade do mercado de trabalho nacional, e este é justamente o desafio posto para as novas políticas e programas governamentais no campo do trabalho. 171 O Atual Estágio de Desenvolvimento do SPETR O tema da reorganização das políticas públicas de trabalho e renda em torno de um sistema integrado e mais eficaz foi recolocado em pauta a partir da realização do II Congresso Nacional do Sistema Público de Trabalho, Emprego e Renda (SPETR) em julho de 2005, precedido de cinco congressos regionais. O II Congresso teve o propósito explícito de elaborar resoluções para a normatização do sistema, englobando as políticas de seguro-desemprego, intermediação de mão-de-obra, qualificação e certificação profissional, geração de emprego e renda e inserção da juventude no mundo do trabalho. Foram definidos “princípios gerais de construção” do SPETR, tais quais os descritos no Quadro 4 a seguir: 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 171 18/6/2009 09:47:29 • Erradicação da pobreza, da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais pela via do trabalho, tendo como bases o desenvolvimento sustentado em âmbito nacional, regional e local; • Fortalecimento das políticas ativas, especialmente de geração de emprego, trabalho e renda; • Fortalecimento e participação ativa dos atores sociais na gestão do SPETR; • Articulação do SPETR com ações e programas dos diversos órgãos governamentais e não-governamentais que atuam na área social, notadamente os que utilizam recursos da seguridade social; • Universalização das ações do SPETR como direito, com ações afirmativas para segmentos populacionais específicos e mais vulneráveis à exclusão social; 172 • Integração à elevação de escolaridade, visando ao pleno desenvolvimento dos trabalhadores e trabalhadoras para o exercício da cidadania e da qualificação para o trabalho; • SPETR integrado em todas as suas funções, descentralizado, capilar, informatizado e com informações acessíveis sobre o mercado de trabalho para todos os atores sociais, visando à efetividade social das políticas de emprego, trabalho e renda e à estruturação de um sistema único. Quadro 4 – Princípios Gerais de Construção do SPETR no Brasil, segundo Resoluções do II Congresso Nacional do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda Realizado em 2005 pelo MTE Fonte: Elaboração Própria dos Autores. As resoluções aprovadas dizem respeito à integração das funções do SPETR (inclusive por meio de um sistema informatizado único), à atualização do marco normativo, à repactuação das competências entre os níveis federativos e organizações da sociedade civil executoras, à participação social e fortalecimento da gestão tripartite, ao financiamento do sistema, à integração do SPETR com políticas educacionais e 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 172 18/6/2009 09:47:29 com a rede de educação profissional e à articulação das ações do sistema com políticas de desenvolvimento. Esse conjunto contém desde indicações de mudança legislativa até demandas para abertura de fóruns de discussão, ou seja, diferem acentuadamente quanto a sua importância e quanto à possibilidade de serem implementadas de imediato. Ademais, toda esta agenda parece não estar tendo a mesma dose de priorização ministerial desde que houve, no bojo da reforma ministerial que tomou conta dos primeiros quatro meses de 2007, a substituição da linha de comando do MTE. Este, grosso modo, passou das mãos do Partido dos Trabalhadores (PT) e seu braço sindical, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), para o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o qual, por sua vez, tem como principal base sindical a Força Sindical (FS), justamente a central de sindicalistas rivais à CUT.13 Desafios Atuais e Perspectivas 173 Este trabalho procurou traçar um amplo panorama sobre como estão estruturadas no Brasil as políticas públicas de trabalho e emprego, assim como destacar seus principais indicadores de evolução em anos recentes. Essas considerações finais se aterão, contudo, a destacar alguns dos principais desafios atuais e perspectivas que se impõem às políticas públicas de trabalho e emprego no Brasil. É preciso dizer que a mudança de rumos no MTE não parece ter sido motivada por julgamentos do presidente ou da cúpula do governo acerca de uma suposta má gestão dos programas ou mau desempenho político desta pasta no embate conjuntural. Ao contrário, a mudança na condução do MTE para o segundo governo Lula inscreve-se na lógica da cultura política nacional, segundo a qual é perfeitamente possível sacrificar um ministério menor, em termos de importância política e estratégica, para acomodar e viabilizar um desenho mais amplo de reforma ministerial, dada como necessária para assegurar governabilidade ao novo mandato que se inicia. 13 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 173 18/6/2009 09:47:29 Como síntese das considerações feitas ao longo do texto, é possível dizer que: • Dado o caráter tardio do nosso SPETR, não é de estranhar que ele ainda careça de integração entre seus principais programas e de maior participação social em suas mais importantes resoluções; • Dado o caráter imitativo do SPETR, primordialmente centrado em programas que atuam pelo lado da oferta de trabalho, não é de estranhar o seu baixo impacto agregado frente aos principais problemas de um mercado de trabalho ainda marcado por grande heterogeneidade e precariedade de condições; 174 • Para ser mais eficaz, as políticas e programas do SPETR precisariam estar mais integradas entre si e melhor sintonizadas com políticas nacionais de desenvolvimento socioeconômico que ainda estão por ser estabelecidas no país. Não obstante, em linhas gerais, deve-se reconhecer que o MTE tentou ir adequando o desenho de seus programas aos problemas mais sérios do mercado de trabalho, embora sempre com atrasos, insuficiência de meios e, muito importante, pouco espaço de influência na definição da política macroeconômica, responsável que é, em última instância, pelos principais determinantes agregados do nível e qualidade das ocupações e rendimentos dos trabalhadores. Alie-se a isso a ênfase conferida pelo MTE a políticas ditas passivas (seguro-desemprego e intermediação de mão-de-obra), as quais atuam sobre as características da oferta de trabalho. Neste contexto, e à medida que o pleno emprego deixa de fazer parte do horizonte de decisões políticas fundamentais da sociedade, reduz-se o potencial macroeconômico de geração de postos de trabalho e de melhoria das ocupações a partir das políticas tradicionais de emprego e renda. Os instrumentos clássicos do SPETR tornam-se, em grande parte, compensatórios e de baixa eficácia, posto atuarem, principalmente, sobre os condicionantes do lado da oferta do mercado de trabalho 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 174 18/6/2009 09:47:29 (intermediação e qualificação profissional). Estes, por si mesmos, são incapazes de engendrar a abertura de novas vagas, já que os principais determinantes do nível e qualidade das ocupações não fazem parte do conjunto de programas e ações sob alcance do SPETR/MTE. Neste sentido, cabe ressaltar que ainda há questões importantes que permanecem sem equacionamento adequado, particularmente no que se refere aos públicos “não-tradicionais” destas políticas. O problema da relação do SPETR com o setor não estruturado do mercado de trabalho, que hoje é coberto por iniciativas isoladas, foi abordado em algumas resoluções do II Congresso do SPETR, realizado em 2005, e que remetem, fundamentalmente, à articulação do sistema a outras iniciativas, especialmente aquelas que pretendem estimular o desenvolvimento territorial, como os investimentos dos fundos constitucionais e as agências de fomento, cujos programas devem passar a ter metas de emprego. O congresso também apontou a necessidade de que o Ministério do Trabalho e Emprego participe dos fóruns governamentais que definem as políticas econômicas, e propôs especificamente que o Conselho Monetário Nacional passe a ter uma representação tripartite, incluindo o MTE, representantes de trabalhadores e empregadores. 175 Assim, ao relacionar o problema da informalidade e da inclusão de grupos vulneráveis com políticas de desenvolvimento, o II Congresso abordou a principal limitação do SPETR, isto é, que ele pode apenas tentar gerenciar eficazmente um determinado nível de emprego. Os determinantes do desemprego e da precariedade das ocupações não estão ao alcance das políticas tradicionais de emprego, pois estas agem, como dito acima, sobre a oferta de mão-de-obra; e mesmo os programas que atuam sobre a demanda, o fazem no nível micro, isto é, procurando viabilizar pequenos negócios, enquanto o nível de emprego geral depende, na verdade, da demanda agregada da economia. No lado da integração com políticas de desenvolvimento territorial, a questão ultrapassa o escopo dos serviços pú- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 175 18/6/2009 09:47:29 blicos de emprego, e a governabilidade do MTE atualmente é pequena, já que: a) como mencionado, a arquitetura dos programas de geração de emprego ancorados no FAT, via de regra, deixa o poder de decisão com as instituições financeiras, e b) as iniciativas de desenvolvimento territorial estão dispersas por uma variedade de entes governamentais e geralmente envolvem algum grau de pactuação entre os níveis federativos. Assim, embora existam experiências bem sucedidas de convergência das ações federais em determinados locais, isso geralmente ocorre em circunstâncias específicas e por indução de um ator local suficientemente articulado. Compreende-se, portanto, que o SPETR carece dos mecanismos institucionais para atuar nos territórios onde as oportunidades de emprego são restritas. 176 Outro ponto crítico é que os ganhos potenciais do Plano Plurianual podem se perder caso não se assegure um fluxo estável de recursos. Isso, por sua vez, tem sido cada vez mais difícil para o MTE, tendo em vista não apenas a diminuição das dotações orçamentárias, como também os sucessivos contingenciamentos que ameaçam a continuidade e o equilíbrio entre as funções do SPETR. É por isso que o financiamento do SPETR foi uma das discussões centrais do II Congresso, e que deu origem a algumas propostas de mudanças menos convencionais. Foi destacado que há vários vetores pressionando a disponibilidade e a alocação de recursos do FAT, tais como: a) a perda de uma parte substancial da receita por conta da DRU, que não é compensada pela adição de recursos de outras fontes para as políticas de mercado de trabalho; b) as restrições colocadas à utilização das receitas secundárias (de origem financeira) para gastos correntes não constitucionais, por conta da política de geração de superávit fiscal primário do governo federal; c) o comprometimento crescente dos recursos do fundo com o pagamento de benefícios constitucionais. Formas alternativas de financiamento tornam-se, portanto, desafio fundamental para a continuidade e ampliação das políticas de trabalho e emprego no Brasil. Neste docu- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 176 18/6/2009 09:47:29 mento foram discutidas, superficialmente, algumas alternativas, tais como: a) a proposta lançada no II Congresso do SPETR, que sugere vincular 8% da arrecadação PIS/PASEP para as funções do sistema, exclusive seguro-desemprego e abono-salarial; b) a revinculação de ao menos uma parte dos recursos que atualmente são subtraídos do FAT por meio da DRU; c) o uso de receitas financeiras – decorrentes das aplicações remuneradas do FAT – para a cobertura de parte dos gastos correntes do MTE. Independentemente da alternativa que vier a ser adotada, ela já se faz realmente premente na situação atual, que é de esgotamento dos esquemas vigentes de financiamento das políticas do SPETR. Esgotamento este que já se dá num contexto de pressão política tanto para a criação de novos tipos de serviços quanto para a expansão dos serviços tradicionais, em direção a segmentos populacionais até então à margem das políticas, o que certamente implicará grande fonte de tensão sobre os recursos existentes. 177 Referências AZEREDO, B. Políticas públicas de emprego: a experiência brasileira. São Paulo: ABET, 1998. BORGES, M. A. Uma contribuição ao debate do sistema nacional de emprego. Revista Abet, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 204, 2003. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Ações de trabalho e renda no âmbito do Governo Federal. Brasília, DF, 2006. BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. I Congresso Nacional: sistema público de emprego, trabalho e renda. São Paulo, 2004. ______. II Congresso Nacional: sistema público de emprego, trabalho e renda. São Paulo, 2005. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 177 18/6/2009 09:47:30 ______. 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Esta questão se torna mais relevante para aqueles países com extensa área geográfica, população elevada e diferentes estádios de desenvolvimento industrial ou espacial. 181 As aglomerações produtivas são relevantes para o desenvolvimento local e os Arranjos Produtivos Locais (APL) são aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais, em torno de uma específica atividade econômica, apresentando vínculos mesmo que incipientes. (REDESIST, Livre Docente em Economia, professor do Programa de Pós-Graduação em Administração e Controladoria da UFC e Pesquisador do CAEN/UFC. 2 Graduado pela Faculdade de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade, da Universidade Federal do Ceará/UFC e mestrando do CEDEPLAR/UFMG. 3 Professora do Departamento de Economia Aplicada da Universidade Federal do Ceará; Professora do Programa de Pós-Graduação em Administração e Controladoria/UFC, e Editora da Revista Contextus/UFC. 4 Diretor de Estudos e Pesquisas do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho - IDT e Mestre em Planejamento e Políticas Públicas/ UECE. 1 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 181 18/6/2009 09:47:30 2008). Nesse sentido, estudos sobre especialização produtiva regional devem considerar em que medida os APLs afetam variáveis como tamanho médio, salário, qualificação da mãode-obra etc., para que se possa conhecer melhor a dinâmica produtiva local. Holmes e Stevens (2002); Barrios; Bertinelli e Strobl (2003); Soares e Santos (2007) e Soares; Santos e Freitas (2008) mostram que a especialização industrial regional é uma variável importante na geração de economias de escala da indústria. Ademais, mostram que características regionais e industriais influenciam o modo como as economias de escala são geradas dentro das aglomerações. 182 Para se ter uma noção do que está ocorrendo em termos de mudança estrutural da economia cearense, observa-se que vem crescendo de modo acelerado o número de empresas cuja sede está em outro estado da federação. Constata-se que, de acordo com o cadastro geral de empresas realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1996, até 1969 o Ceará dispunha de 211 empresas cuja sede se localizava em outro estado, magnitude que gradativamente vem se expandindo quando passou para 1498, no ano de 1996. (SOARES, 1998). Tais alterações econômicas refletiram-se nos níveis de emprego e no tamanho médio das empresas, pois houve o surgimento de novas grandes e médias empresas associadas ao surgimento de uma franja de empresas micro e pequenas em larga proporção, a ponto de reduzir o tamanho médio das empresas operando no Ceará. (SOARES, 1998). Esta questão tem-se aprofundado nos anos mais recentes. A reestruturação produtiva do Ceará é conseqüência de uma política industrial baseada em incentivos fiscais predominantemente sustentados pelo governo estadual, que tem como marco determinante a criação de vantagens fiscais e de infra-estrutura em conjugação com investimentos e recursos federais em projetos de acordo com a política nacional de fomento aos eixos de desenvolvimento econômico e social, particularmente nos campos de turismo e transporte. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 182 18/6/2009 09:47:30 Talvez um dos aspectos mais relevantes da nova política industrial no Ceará esteja na ênfase dada à interiorização e à busca de novas tecnologias através da instalação de empresas modernas e da expansão do sistema estadual de tecnologia. Estes vetores de política sinalizam a existência de uma busca pela competitividade, particularmente evidenciada quando se observa uma recomposição na pauta de exportações cearenses a favor de novos produtos manufaturados. Este capítulo objetiva analisar os impactos da especialização industrial regional da economia cearense sobre as economias de escala da indústria local. Dada a importância da formação de Arranjos Produtivos Locais (APL), procura-se também verificar em que medida a sua presença em regiões especializadas afeta os níveis de economia de escala, sob a hipótese de que provoca uma redução do efeito escala. As regiões de análise são formadas pelas microrregiões do estado do Ceará, englobando dois períodos: 2000 e 2005. Quanto à identificação dos APL’s do Ceará, são adotados os resultados encontrados por Suzigan (2006), que identifica, para todas as microrregiões brasileiras, aquelas que apresentam algum tipo específico de APL. 183 Além desta introdução e da conclusão, a seção 2 faz uma breve avaliação sobre a relação entre especialização e Arranjos Produtivos Locais (APLs); a seção 3 expõe os aspectos metodológicos, abordando o modelo econométrico, as equações a serem estimadas e a origem dos dados; a seção 4, por sua vez, mostra os resultados segundo duas configurações de análise: uma descritiva, mostrando o comportamento das variáveis selecionadas; e, outra, com os resultados da estimação das equações de regressão que medem o impacto da especialização sobre a economia de escala. Especialização Regional e Arranjos Produtivos Locais Segundo Haddad et al. (1989), especialização industrial refere-se à concentração de atividades produtivas em pontos 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 183 18/6/2009 09:47:30 do espaço geográfico-político-administrativo. Uma questão importante, associada a esse termo, é a formação de economias de aglomeração, ou seja, as vantagens oriundas da proximidade geográfica dos atores, incluindo acesso a conhecimentos e capacitações, mão-de-obra especializada, matérias-primas e equipamentos, dentre outros. A aglomeração amplia as chances de sobrevivência e crescimento das empresas, constituindo-se em relevante fonte geradora de vantagens competitivas, enfatizadas pela importância das economias externas, pela complementariedade e transações entre plantas. (DINIZ; CROCCO, 1996; KRUGMAN, 1991). Isto é particularmente significativo no caso de micro, pequenas e médias empresas, que tendem a se fortalecer pela proximidade locacional, pela necessidade de contado direto, troca de informações, articulações estratégicas e de fluxos de mercadorias e de trabalho. 184 Estudos sobre concentração industrial no Brasil têm encontrado algumas propriedades bastante interessantes, tais como o novo processo de relocalização da indústria, nomeado por Azzoni (1985) como o fenômeno da “reversão da polarização” da indústria, um movimento de desconcentração industrial em direção a novas áreas produtivas, notadamente no interior das regiões Sudeste e Sul. Na verdade o fenômeno da “reversão da polarização” tem se acelerado em novas dimensões em virtude das características recentes da economia brasileira relacionadas com o processo de globalização e do novo paradigma tecnológico que se incorporou ao processo produtivo. Tais circunstâncias econômicas têm produzido uma reestruturação produtiva com deslocamento de empresas entre macrorregiões ou entre microrregiões de uma mesma macrorregião, cujos efeitos são a conformação de um novo perfil regional de produção. Mais recentemente tem-se observado o aprofundamento deste processo com o surgimento de Arranjos Produtivos Locais (APL) em todas as macrorregiões brasileiras, inclusive, em microrregiões de pouca tradição industrial. (DINIZ; 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 184 18/6/2009 09:47:30 CROCCO, 1996; PACHECO, 1999; SABÓIA, 2000; SOARES; SANTOS, 2007; SOARES; SANTOS; FREITAS, 2008). O conceito de APL faz referência a um arranjo local de firmas posicionadas em diferentes âmbitos da cadeia produtiva, tanto firmas concorrentes quanto complementares, presença de instituições de apoio como universidades, institutos de pesquisa, associações de classe, etc. O APL está caracterizado pela maior densidade de suas articulações intrassetoriais, pela sua concentração geográfica e pelas sinergias que são geradas no seu interior em termos de progresso técnico, produtividade e competitividade. (AQUINO; BRESCIANI, 2005). O Quadro 1, extraído de Aquino e Bresciani (2005), apresenta as principais diferenças entre quatro diferentes tipos de aglomerações: distrito industrial, cadeia produtiva, cluster e APL. Note-se que para identificação de um APL é preciso que existam especialização industrial e outros fatores. Assim, o conceito de APL é derivado do conceito de especialização, no sentido de que para sua caracterização deve haver a identificação de mais fatores além de especialização, tais como cooperação e integração entre empresas, que, na tradição de Porter (1989), caracteriza-se como um conjunto de forças que integram o espaço econômico e criam vantagens competitivas locais que são transferidas para as empresas que operam nestes ambientes produtivos. Conceito Distrito Industrial Cadeia Produtiva Concentração Geográfica Existente Especialização Setorial Pode Existir Integração de Atores Pode Existir Pode Existir Fundamental Fundamental Cooperação entre Empresas Pode Existir Pode Existir Fundamental Fundamental Cluster Pode Existir Pode Existir Existente Existente 185 APL Existente Existente Quadro 1 – Comparação entre os Conceitos Relacionados à Aglomeração Industrial Fonte: Aquino e Bresciani (2005). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 185 18/6/2009 09:47:30 No Brasil, costuma-se tratar APL como uma formação que, em geral, abarca micro, pequenas e médias empresas (BRITO; ALBUQUERQUE, 2002; HASENCLEVER; ZISSIMOS, 2006; CROCCO et al., 2006), que tendem a gerar ganhos de escala, dado que a formação das economias externas incrementa a capacidade competitiva das empresas e as ajudam a superar as barreiras ao seu crescimento. Suzigan (2006), por meio de um refinamento interessante do método de seleção de aglomerações de empresas, utiliza uma metodologia para identificação de APL’s, que consiste no cálculo de Quocientes Locacionais (QL’s), tomando como base os dados de emprego da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS)/Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) segundo as classes da Classificação Nacional das Atividades Econômicas (CNAE), tendo como região geográfica analisada as microrregiões brasileiras. 186 Devido à grande diversificação e densidade da estrutura industrial da economia brasileira, Suzigan (2006) propõe ainda que diferentes filtros devam ser adotados para cada estado brasileiro (ver Tabela 1). Nos estados que apresentam estrutura industrial mais densa, são adotados filtros mais rigorosos, enquanto para os estados menos desenvolvidos industrialmente, os critérios adotados são menos rigorosos. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 186 18/6/2009 09:47:30 Tabela 1 – Definição dos Filtros para Identificação de APL’s segundo Suzigan (2006) Filtros Gini (maior que) QL (maior que) Número de estabelecimentos (maior ou igual a) Participação no emprego (maior ou igual a) SP, MG 0,5 2 10 1% - RS 0,5 2 10 1% 2000 SC, PR qualquer 2 10 1% - RJ qualquer 2 10 1% 1000 Estados Volume de emprego (maior ou igual a) CE, BA, PE, GO, ES qualquer 2 5 1% 1000 PA qualquer 2 5 1% 250 MA, PI, TO, AL, SE, AM, RO, AC, AP, RR, MT, MS, RN, PB qualquer 1 5 1% - Fonte: Suzigan (2006). Metodologia 187 Especialização e Economia de Escala: Um Modelo Econométrico Holmes e Stevens (2002) mostraram que se pode fazer uma avaliação da relação entre economias de escala e concentração geográfica da atividade produtiva. Contrariando hipótese corrente na literatura especializada, revelaram, segundo um modelo econométrico de decomposição do quociente locacional para a economia americana, que a presença de economia de escala na atividade produtiva era determinada pela existência de concentração geográfica. Tal resultado foi constatado por Barrios; Bertinelli e Strobl (2003) para a Irlanda, acrescentando-se que certas características setoriais e locais ampliam o efeito. Ademais, mostrou que a política econômica afeta o processo de concentração, fato comprovado por uma análise painel temporal. Seguindo a metodologia de Holmes e Stevens (2002) e Soares; Santos e Freitas (2008) ajustaram o modelo para o Bra- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 187 18/6/2009 09:47:30 sil e verificaram a prevalência da hipótese sobre o efeito escala para as regiões de forte especialização industrial, segundo o quociente locacional calculado a partir da variável emprego da RAIS. Tais resultados foram expandidos para testar o modelo ampliado de acordo com Barrios; Bertinelli e Strobl (2003) e gerou também estimativas similares às destes autores. No entanto, os estudos anteriores citados não analisaram a hipótese de que a presença de APL pode amortecer o impacto da especialização sobre o efeito escala, isto porque, como já discutido, no APL predominam micro, pequena e média empresa. 188 A metodologia utilizada por Holmes e Stevens (2002) mostra a relação entre escala e concentração econômica mediante a construção de um modelo de regressão que parte da medida de especialização industrial pelo indicador do quociente locacional ( Q x ), gerado segundo a variável emprego, onde “x” representa o setor produtivo selecionado. Assim, faz-se a decomposição do Q x de forma a captar duas possíveis fontes de especialização nas localidades: i) importância relativa da razão número de estabelecimentos por trabalhador na microrregião comparado ao correspondente indicador nacional; ii) contribuição das economias de escala medidas pelo tamanho médio dos estabelecimentos nas microrregiões relativamente ao tamanho médio do país. x Para o cálculo do Q utiliza-se a fórmula conhecida na literatura: Qix,l x i ,l x l xi x (1) Onde: xi ,l = emprego na indústria i da microrregião l; xl = emprego total das indústrias da microrregião l; xi = emprego na indústria i de todas as microrregiões; x = emprego total das indústrias do país. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 188 18/6/2009 09:47:30 Para decompor a medida do quociente locacional partese da expressão (1), que por meio de uma manipulação matemática chega-se à identidade (2): Qix,l Qin,l Qis,l (2) Sendo que: Qin,l Qis,l ni ,l ni xl x xi ,l ni ,l xi ni (2.1) (2.2) Onde: ni ,l = estabelecimentos da indústria i da microrregião l; ni = total de estabelecimento da indústria i no país. 189 De (2.1) vê-se claramente que o quociente mostra no numerador a participação do número de estabelecimentos da indústria “i” da microrregição “l” em relação a esta mesma indústria em nível nacional e, no denominador, a participação relativa do emprego microrregional no nacional. Assim, este indicador mostra a contribuição relativa do número de estabelecimentos para a formação do emprego regional. Quando a razão é maior do que a unidade a contribuição do número de plantas instaladas é determinante para a geração do emprego local. Por outro lado, a expressão (2.2) mostra a razão entre o tamanho médio da planta local, refletindo a escala de produção local em confronto com a mesma dimensão em nível nacional. Esta medida pode ser tratada como uma proxy para a presença de economias de escalas na região de referência, quando seu valor for superior à unidade. Logaritimizando a equação (2) tem-se: 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 189 18/6/2009 09:47:30 qix,l qin,l qis,l (3) onde: qij,l ln(Qi ,jl ) j x, n, s O modelo visa a testar a hipótese de que um maior grau de especialização da microrregião em determinada indústria acarreta maior tamanho médio da planta industrial. Sendo assim, supondo as hipóteses usuais do modelo clássico de regressão, estima-se uma regressão usando-se o método dos Mínimos Quadrados Ordinários (MQO) para cada indústria i n conforme a equação 4. Equação similar pode ser feita para q n n s , para efeito de estimação de . Assim, 1. 190 qis,l i is qix,l i ,l l 1,2,3,..., k (4) Equações para Estimação Soares; Santos e Freitas (2008) avançam na metodologia proposta por Holmes e Stevens (2002) realizando estudo empírico sobre a indústria de transformação do Brasil. Para tanto, partiram do pressuposto de que os resultados não seriam tão robustos quanto os encontrados por Holmes e Stevens (2002), pois os mesmos não consideraram os efeitos diferenciados das características industriais e regionais, bem como dos impactos das mudanças temporais associadas às mudanças estruturais da economia que envolvem o padrão de especialização do emprego industrial. A partir da conclusão de Soares; Santos e Freitas (2008), considera-se que as diferenças regionais são fundamentais na determinação do padrão da economia de escala da cada região. Neste contexto, os APL’s apresentam características que podem modificar as diferenças de tais padrões. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 190 18/6/2009 09:47:30 Neste sentido, procura-se verificar o impacto que uma região com APL proporciona sobre a escala da economia. Com isso, a equação 4 é reespecificada como um modelo com dados em painel, considerando o tratamento econométrico com efeitos fixos como a metodologia adequada para incorporar o efeito das variáveis não observadas. Assim, a equação de regressão a ser estimada, usando os MQO, assume a seguinte configuração: qis,l ,t i ,l ,t s qix,l ,t DAPLi ,l ,t i ,l ,t (5) Onde: DAPLi ,l ,t = dummy APL, assumindo valor um para cada região l em que há algum tipo de APL e zero nos demais casos. A equação 5 examina como a especialização industrial relativa de uma microrregião afeta a escala produtiva das plantas da indústria local. Capta também a contribuição de cada indústria e das características regionais sobre a economia de escala, além dos impactos da presença de APL na região expressos pelo parâmetro . Para identificação da micrrorregião com presença de APL usam-se os resultados de Suzigan (2006). 191 Faz-se, ainda, a construção de uma equação para captar as influências devidas ao tipo de indústria, agregadas por categoria de uso dos bens (Tabela 2), bem como devidas às políticas econômicas implantadas nas regiões captadas por uma dummy temporal. Assim, a equação é reescrita conforme segue: 2 qis,l ,t s qix,l ,t l DAPLi ,l ,t i I i ,l ,t t Tt i ,l ,t (6) i 1 Onde: Ii = 1, se indústria i e igual zero nos demais casos; T = 1 se 2005 e igual zero se 2000. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 191 18/6/2009 09:47:31 Esta equação também pode ser estimada tomando como n variável dependente q . Neste caso, podem ser estimadas oito regressões, quatro para cada variável dependente, de modo a expressar desde a situação do modelo puro, sem a presença dos três conjuntos de dummies, ao modelo completo, com a incorporação dos três conjuntos de dummies. Base de Dados 192 Para a aplicação da metodologia de identificação estatística das áreas onde há especialização industrial foram utilizados os dados de vínculos empregatícios e número de estabelecimentos da RAIS/MTE referentes aos anos de 2000 e 2005. O universo de análise, convergente com a proposta do trabalho e as características da base de dados da RAIS, foi delimitado em dois diferentes níveis. Do ponto de vista geográfico, tomam-se como unidade básica de estudo as microrregiões cearenses definidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (Anexo A). Isto permite agrupar mais de um município, abrindo a possibilidade de incorporar à análise o conjunto de cada aglomeração industrial e todas as possíveis relações industriais locais, mas que ultrapassam as fronteiras de um município específico. Do ponto de vista da atividade econômica, foi utilizada uma desagregação setorial segundo o nível de divisão da CNAE/95 (Anexo B) do IBGE, abarcando toda a indústria de transformação. Para a estimação do modelo são agregadas, ainda, as indústrias em três categorias de acordo com o tipo de uso dos bens (ver Tabela 2). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 192 18/6/2009 09:47:32 Tabela 2 – Agregação das Indústrias de 2 Dígitos por Categoria de Uso dos Bens Categorias Divisão Bens de Consumo Não Duráveis 15; 16; 17; 18; 19 (BCND) Bens Intermediários (BI) 21; 22; 23; 24; 25; 26; 27; 28; 37 Bens de Capital e Consumo Duráveis 20; 29; 30; 31;32; 33; 34; 35; 36 (BCD) Fonte: Adaptada de Paiva; Cavalcante e Albuquerque (2007). Análise dos Resultados Análise descritiva dos resultados Padrão do emprego e do salário A Tabela 3 mostra a distribuição do emprego por microrregião de acordo com o tamanho dos estabelecimentos, para 2005. No Ceará, 58,95% do emprego estão nas micros, pequenas e médias empresas e 41,05% nas grandes empresas. Tomando-se como foco as regiões com APL, em geral, o emprego se concentra nas médias, pequenas e micros empresas. Enquanto que, nas regiões que não possuem APL, em geral, o emprego se concentra na grande empresa. Vale destacar essas microrregiões: Sobral, Itapipoca, Uruburetama, Pacajus. Em algumas regiões, sem APL, onde o volume de emprego é menor, o emprego se concentra na média empresa, por exemplo: Ipu, Santa Quitéria, Médio Curu, Sertão de Senador Pompeu, Médio Jaguaribe, dentre outras. Assim, nas regiões sem APL, o emprego está concentrado nas médias e grandes empresas, enquanto nas regiões com APL, o emprego está concentrado nas médias, pequenas, e microempresas, tendo a média empresa grande importância para os dois agrupamentos de microrregião. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 193 193 18/6/2009 09:47:32 Tabela 3 – Distribuição do Emprego por Microrregião e Tamanho, 2005 Pequena empresa Micro empresa Microrregião Grande empresa Total Absoluto % Absoluto % Absoluto % Absoluto % Absoluto % Litoral de Camocim e Acaraúa 251 14,19 357 20,18 630 35,61 531 30,02 1.769 100,00 Ibiapabaa 225 26,19 148 17,23 486 56,58 0 0,00 859 100,00 Coreaúa 65 38,46 104 61,54 0 0,00 0 0,00 169 100,00 Meruoca 6 100,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 6 100,00 Sobral 740 4,14 946 5,29 1.392 7,79 14.791 82,77 17.869 100,00 Ipu 100 46,73 0 0,00 114 53,27 0 0,00 214 100,00 Santa Quitéria 53 25,60 0 0,00 154 74,40 0 0,00 207 100,00 Itapipoca 69 2,56 91 3,38 0 0,00 2.536 94,07 2.696 100,00 Baixo Curu 151 17,44 196 22,63 519 59,93 0 0,00 866 100,00 Uruburetama 146 3,58 146 3,58 633 15,53 3.151 77,31 4.076 100,00 Médio Curu 66 13,10 21 4,17 417 82,74 0 0,00 504 100,00 Canindé 42 19,09 178 80,91 0 0,00 0 0,00 220 100,00 Baturité 178 25,46 418 59,80 103 14,74 0 0,00 699 100,00 Chorozinhoa 119 11,84 155 15,42 134 13,33 597 59,40 1.005 100,00 a 194 Média empresa 266 6,71 544 13,73 905 22,84 2.247 56,71 3.962 100,00 21.058 19,67 28.424 26,55 24.334 22,73 33.260 31,06 107.076 100,00 Pacajus 277 2,14 552 4,27 1.996 15,44 10.099 78,14 12.924 100,00 Sertão de Cratéusa 155 41,78 216 58,22 0 0,00 0 0,00 371 100,00 Sertão de Quixeramobima 330 39,01 403 47,64 113 13,36 0 0,00 846 100,00 Sertão de Inhamuns 33 100,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 33 100,00 Sertão de Senador Pompeu 106 23,87 118 26,58 220 49,55 0 0,00 444 100,00 Litoral de Aracati 119 7,27 310 18,95 700 42,79 507 30,99 1.636 100,00 1.039 18,08 963 16,76 1.207 21,00 2.538 44,16 5.747 Cascavel a Fortalezaa Baixo Jaguaribea 100,00 continua... 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 194 18/6/2009 09:47:32 continuação Tabela 3 Médio Jaguaribe 86 27,92 49 15,91 173 56,17 0 0,00 308 Serra do Pereiro 15 100,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 15 100,00 Iguatua 495 24,79 352 17,63 318 15,92 832 41,66 1.997 100,00 Várzea Alegrea 25 8,53 268 91,47 0 0,00 0 0,00 293 100,00 Lavras da Mangabeira 27 29,03 66 70,97 0 0,00 0 0,00 93 100,00 Chapada do Araripe 58 100,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 58 100,00 Caririaçu 14 100,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 14 100,00 Barro 56 100,00 0 0,00 0 0,00 0 0,00 56 100,00 Cariria 2.520 21,69 3.120 26,85 3.651 31,43 2.327 20,03 11.618 100,00 Brejo Santo Ceará 100,00 75 40,98 108 59,02 0 0,00 0 0,00 183 100,00 28.965 16,20 38.253 21,39 38.199 21,36 73.416 41,05 178.833 100,00 Fonte: Elaboração Própria dos Autores Baseada nos Dados da RAIS/2005. Nota: a indica presença de APL na microrregião. A Tabela 4 mostra os salários médios por microrregião e por tamanho do estabelecimento, tendo-se, ainda, a distribuição microrregional da massa salarial do estado. Fica claro mais uma vez o diferencial entre: Fortaleza e as demais microrregiões, Fortaleza concentra mais de 66% da massa salarial do Ceará. Existem, ainda, microrregiões que se destacam perante as demais, concentrando boa parte da massa salarial, no caso de Sobral, Pacajus, Baixo Jaguaribe e o Cariri. Outro fator interessante é que o salário médio pago no Ceará pela média empresa, R$ 673,08, é maior do que em todos os outros tamanhos de empresas. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 195 195 18/6/2009 09:47:32 Tabela 4 – Distribuição do Salário por Microrregião, 2005 Micro empresa Média empresa Grande empresa Total S.M. (R$) Massa Salarial (%) S.M. (R$) Massa Salarial (%) S.M. (R$) Massa Salarial (%) S.M. (R$) Massa Salarial (%) S.M. (R$) Massa Salarial (%) Litoral de Camocim e Acaraúa 337,84 0,76 325,58 0,70 310,77 0,76 352,82 0,47 330,22 0,62 Ibiapabaa 319,52 0,65 445,39 0,40 580,26 1,10 0,00 0,00 488,72 0,45 Coreaúa 296,81 0,17 288,20 0,18 0,00 0,00 0,00 0,00 291,51 0,05 Microrregião 196 Pequena empresa Meruoca 300,57 0,02 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 300,57 0,00 Sobral 358,92 2,38 397,40 2,28 597,00 3,23 454,02 16,69 458,22 8,75 Ipu 335,70 0,30 0,00 0,00 321,75 0,14 0,00 0,00 328,27 0,08 Santa Quitéria 426,83 0,20 0,00 0,00 348,10 0,21 0,00 0,00 368,26 0,08 Itapipoca 330,05 0,20 388,92 0,21 0,00 0,00 452,84 2,85 447,54 1,29 Baixo Curua 353,56 0,48 322,16 0,38 412,62 0,83 0,00 0,00 381,85 0,35 Uruburetama 433,16 0,57 318,67 0,28 321,27 0,79 425,07 3,33 405,43 1,77 Médio Curu 285,56 0,17 422,03 0,05 433,62 0,70 0,00 0,00 413,75 0,22 Canindé 320,51 0,12 329,45 0,36 0,00 0,00 0,00 0,00 327,75 0,08 Baturité 397,22 0,63 425,31 1,08 320,11 0,13 0,00 0,00 402,66 0,30 Chorozinhoa 306,38 0,33 300,66 0,28 324,34 0,17 401,21 0,60 364,22 0,39 Cascavel 336,57 0,80 349,44 1,15 345,58 1,22 556,69 3,11 465,23 1,97 Fortalezaa 399,50 75,49 440,65 75,85 789,12 74,69 656,06 54,23 578,66 66,19 Pacajus 413,17 1,03 752,82 2,52 531,09 4,12 491,31 12,33 506,95 7,00 Sertão de Cratéusa 319,20 0,44 428,96 0,56 0,00 0,00 0,00 0,00 383,10 0,15 Sertão de Quixeramobima 379,68 1,12 545,49 1,33 1.233,76 0,54 0,00 0,00 572,74 0,52 Sertão de Inhamuns 308,00 0,09 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 308,00 0,01 Sertão de Senador Pompeu 308,87 0,29 337,06 0,24 444,07 0,38 0,00 0,00 383,35 0,18 376,94 0,40 509,70 0,96 446,83 1,22 406,17 0,51 441,06 0,77 335,58 3,13 371,56 2,17 511,86 2,40 400,14 2,52 407,14 2,50 352,17 0,27 323,87 0,10 364,43 0,25 0,00 0,00 354,55 0,12 429,71 0,06 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 429,71 a Litoral de Aracati Baixo Jaguaribea Médio Jaguaribe Serra do Pereiro 0,01 continua... 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 196 18/6/2009 09:47:32 continuação Tabela 4 Iguatua 326,81 1,45 328,50 0,70 317,67 0,39 399,17 0,83 355,80 0,76 Várzea Alegre 319,14 0,07 375,09 0,61 0,00 0,00 0,00 0,00 370,31 0,12 Lavras da Mangabeira 326,71 0,08 422,99 0,17 0,00 0,00 0,00 0,00 395,04 0,04 Chapada do Araripe 314,35 0,16 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 314,35 0,02 Caririaçu 304,62 0,04 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 304,62 0,00 Barro 325,26 0,16 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 0,00 325,26 0,02 Cariria 340,27 7,69 382,27 7,22 473,92 6,73 438,64 2,54 413,25 5,13 a Brejo Santo 317,61 0,21 343,07 0,22 0,00 0,00 0,00 0,00 332,64 0,07 Ceará 384,72 100,00 431,69 100,00 673,08 100,00 548,08 100,00 523,43 100,00 Fonte: Elaboração Própria dos Autores Baseada nos Dados da RAIS/2005. Nota: a indica presença de APL na microrregião. Dimensão industrial das microrregiões Tem-se, na Tabela 5, uma descrição dos números de setores presentes nas microrregiões destacando ainda, as mesorregiões às quais as microrregiões pertencem. São apresentados, na referida Tabela 5, a quantidade de setores que são especializados e quantos não são especializados por microrregião, segundo o cálculo do Quociente Locacional (QL). A partir da decomposição do QL, em Qs e Qn, que captam os efeitos escala e número de estabelecimentos, respectivamente, destaca-se ainda, a quantidade de setores em que prevalece o efeito escala (Qs > Qn), e em quantos prevalece o efeito número de estabelecimentos (Qs < Qn). Ainda são diferenciadas na Tabela 5, as microrregiões que possuem APL das que não possuem. 197 Podem-se classificar a partir dessa Tabela 5 três grupos de regiões de acordo com a dimensão econômica da microrregião, determinada pela freqüência de setores econômicos presentes na microrregião. Uma faixa com baixa dimensão econômica, de zero a oito indústrias presentes na microrregião, outra com média dimensão econômica, maior ou igual a oito e menor que quinze indústrias, e alta dimensão econômica, microrregiões com quantidade igual ou superior a quinze indústrias. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 197 18/6/2009 09:47:32 A Tabela 5 mostra que existem sete microrregiões com alta dimensão econômica, de acordo com o mapa cearense (Anexo B), das quais três localizam-se nas mesorregiões mais ao norte do Estado – Região Metropolitana de Fortaleza (Fortaleza, Pacajus) e noroeste cearense (Sobral); uma mais para centro do Estado – sertões cearenses (sertão de Quixeramobim) – e as duas outras duas mais ao sul – centro-sul cearense (Iguatu) e sul cearense (Cariri). Estes resultados revelam que há a formação de regiões econômicas que funcionam como centros regionais na maioria das mesorregiões, o que pode significar o fortalecimento da economia estadual. Tabela 5 – Número de Setores Presentes nas Microrregiões, 2005 Especializadas Efeito dominante Mesorregião Microrregião Total Escala Nº de Estabelecimentos Escala Nº de Estabeleci-mentos 198 Noroeste Cearense Norte Cearense Metropolitana de Fortaleza Não Especializadas Efeito dominante Litoral de Camocim e Acaraúa 12 1 3 2 6 Ibiapabaa 13 0 3 0 10 Coreaúa 5 0 3 0 2 Meruoca 1 0 1 0 0 Sobral 20 2 0 13 5 Ipu 8 1 3 0 4 Santa Quitéria 7 0 3 0 4 Itapipoca 11 2 0 2 7 4 Baixo Curu 10 0 4 2 Uruburetama 11 2 0 7 2 Médio Curu 6 1 1 2 2 Canindé 8 0 5 0 3 Baturité 12 1 5 0 6 Chorozinhoa 5 1 1 1 2 Cascavela 10 3 0 4 3 Fortalezaa 23 6 13 1 3 Pacajus 18 4 0 10 a 4 continua... 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 198 18/6/2009 09:47:32 continuação Tabela 5 Sertões Cearenses Jaguaribe Sertão de Cratéusa 10 0 7 0 3 Sertão de Quixeramobima 15 2 4 0 9 Sertão de Inhamuns 5 0 4 0 1 Sertão de Senador Pompeu 11 1 5 0 5 Litoral de Aracati 9 2 1 3 3 7 Baixo Jaguaribe 13 2 1 3 Médio Jaguaribe 9 1 3 0 5 Serra do Pereiro 3 0 2 0 1 Iguatua 17 3 5 0 9 Várzea Alegrea 7 0 3 1 3 Lavras da Mangabeira 5 0 3 1 1 5 0 4 0 1 4 0 3 0 1 4 0 4 0 0 Cariri 17 1 8 4 4 Brejo Santo 6 0 4 0 2 a Centro-Sul Cearense Sul Cearense Chapada do Araripe Caririaçu Barro a 199 Fonte: Elaboração Própria dos Autores Baseada nos Dados da RAIS/2005. Nota: a indica presença de APL na microrregião. Em geral, nas microrregiões que possuem APL, a quantidade de setores é maior é maior onde o efeito número de estabelecimentos supera o efeito escala. Isso vale para os setores que foram identificados como especializados e não especializados de acordo com o Quociente Locacional. Devem-se destacar as microrregiões de Sobral e Pacajus que, apesar de grande importância econômica para o Estado, não é caracterizado nenhum APL, nessas microrregiões, e a quantidade de setores onde o efeito escala é superior, é bem maior. Esse fato revela outra hipótese interessante: nas regiões com APL predomina o efeito número de estabelecimentos, enquanto nas regiões apenas identificadas como especializadas há predominância do efeito escala. Como 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 199 18/6/2009 09:47:32 QL é um indicador que mede a relação média de números de emprego industrial local sobre, no caso, essa relação em nível estadual, isso significa que para região ser caracterizada como especializada ela deve apresentar uma concentração de emprego em determinado setor maior que a relação no Estado. Neste caso, nada garante que esse fato se deve a existência de uma grande empresa na região, empregando grande percentual da mão-de-obra, ou, que se deve a existência de várias empresas de porte menor empregando essa mão-de-obra. É por isso que a predominância do efeito número de estabelecimentos nas regiões com APL mostra que nessas regiões a mão de obra é empregada, em geral, por várias empresas. Já nas regiões sem APL, mas especializadas, a mão de obra é empregada por uma grande empresa, visto que, em geral, predomina o efeito escala. 200 Distribuição espacial das microrregiões especializadas Na Tabela 6 identificam-se os setores que são especializados, em cada microrregião e quais desses setores compõem o APL em 2005. Além disso, se mostra os setores onde o efeito número de estabelecimentos é maior que o efeito escala. As indústrias estão identificadas por seus códigos da divisão da CNAE. Em geral, os setores que estão presentes na economia cearense, que compõem ou não APL, são das seguintes categorias de uso dos bens: bens de consumo não-durável e bens intermediários. Vê-se claramente que a maioria dos setores estão identificados na coluna onde o efeito número de estabelecimentos é maior que o efeito escala. Esse fato também é percebido nos setores que compõem o APL. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 200 18/6/2009 09:47:32 Tabela 6 – Distribuição da Especialização Microrregional das Indústrias, 2005 Microrregiões Litoral de Camocim e Acarau Ibiapaba QL>1; Qs>Qn QL>1; Qn>Qs 19 20a; 26; 36a 15; 23; 36 Coreau 18a; 20; 26 Meruoca Sobral Ipu 15 19; 21 18 Santa Quiteria Itapipoca 15; 27; 36 19; 23; 29 15; 19 Baixo Curu 15; 21; 26a; 36 Uruburetama 19; 34 Medio Curu 19 Caninde 21 19; 20; 22; 26; 36 Baturite 18 15; 17; 25; 26; 29 Chorozinho 15 29 Cascavel 15; 19; 26a Fortaleza 15; 16; 17a; 20; 23; 28a Pacajus 15; 17; 20; 22; 26a; 27; 34 24; 27 Sertao de Inhamuns Sertao de Senador Pompeu 15; 17a; 20; 26 17; 20; 22; 26; 28 19 16; 17; 20; 21; 26 Litoral de Aracati 19; 26 15 Baixo Jaguaribe 19; 36 26a Medio Jaguaribe 36 20; 24; 25 19; 29; 37 20a; 26; 28; 33; 36a Serra do Pereiro Iguatu 18; 24 Varzea Alegre 20a; 26; 36a Lavras da Mangabeira 15; 20; 24 Chapada do Araripe 15; 20; 26; 36 Caririacu 15; 24; 36 Barro Cariri 201 17; 19; 21; 34 Sertao de Crateus Sertao de Quixeramobim 18a; 22; 24; 25a; 27; 29; 30; 31; 32; 33; 34; 35; 37 15; 25; 26; 36 24 Brejo Santo 19a; 20; 21; 25a; 26; 27; 36a; 37 15; 21; 23; 26 Fonte: Elaboração Própria dos Autores Baseada nos Dados da RAIS/2005. Nota: a indica presença de APL na microrregião. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 201 18/6/2009 09:47:32 Análise econométrica do impacto da especialização A análise descritiva envolvendo as regiões que possuem APL e as que não possuem evidenciou que algumas peculiaridades dessas regiões podem afetar a presença de escalas produtivas nas microrregiões. Para se confirmar essas diferenças em termos de significância estatística, nesta seção são apresentados os resultados das estimações das equações de regressão apresentadas na metodologia (equações 4, 5 e 6). 202 A Tabela 7 apresenta os resultados para a regressão 4 e 5 para cada indústria inclusive para toda a Indústria de Transformação. Como esperado, em geral, as estimativas dos coeficientes de qx nos dois modelos foram positivas e significantes para algumas indústrias, não se apresentando o resultado da estimação, pois a base de dados para as mesmas era muito pequena. Esse resultado mostra que a especialização industrial determina a presença de economia de escala nas plantas produtivas locais. A incorporação das dummies para as regiões com APL s gera algumas alterações nas estimativas de quando, em geral, a magnitude do parâmetro diminui. Esse resultado mostra que a especialização industrial determina a presença de economia de escala nas plantas produtivas locais, mas devido às especificidades e características das regiões com APL esse efeito é minimizado. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 202 18/6/2009 09:47:32 Tabela 7 - Resultado das Regressões para Cada Indústria (Variável Dependente: qs) Indústrias Fabricacao de produtos alimentícios e bebidas Fabricacao de produtos do fumo Sem dummy APL qx Com dummy APL qx 0,681499* 0,668176* - - Fabricacao de produtos texteisa 0,745576* 0,749375* Confeccao de artigos do vestuario e acessoriosa 0,549453* 0,524231* Preparaçao de couros e fabrç. de artefatos de couro, artigos de...a 0,96038* 0,94726* Fabricacao de produtos de madeiraa 0,078205 0,092633 Fabricação de celulose, papel e produtos de papel 0,65174* 0,582506* Edicao, impressao e reproducao de gravacoes 0,159833 0,142690 Fabrç. de coque, refino de petroleo, elaboracao de combustiveis nu.... - - 0,300503* 0,32395* Fabricacao de artigos de borracha e plasticoa 0,625588* 0,604338* Fabricacao de produtos de minerais nao metalicosa 0,2226918* 0,219287* Metalurgia basica 0,597301* 0,596515* Fabricacao de produtos de metal - exclusive maquinas e equipamentos 0,35379* 0,317254* Fabricacao de maquinas e equipamentos 0,716231* 0,723633* - - 0,628804* 0,604713* - - Fabrç. de equipamentos de instrumentacao para usos medico-hospital.... 0,588937* 0,932816* Fabrç. e montagem de veiculos automotores, reboques e carroceri... 0,799081* 0,774166* Fabricacao de outros equipamentos de transporte - - Fabricacao de moveis e industrias diversas 0,399387* 0,395576* Reciclagem Indústria de Transformação 0,142092 0,732452* 0,518039 0,768552* Fabricacao de produtos quimicos Fabrç. de maquinas para escritorio e equipamentos de informatic... Fabricacao de maquinas, aparelhos e materiais eletricos Fabrç. de material eletronico e de aparelhos e equipamentos de com.... a 203 Fonte: Elaboração Própria dos Autores Baseada nos Dados da RAIS/2005. Nota: a indica presença de APL na microrregião. * significante a 5%. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 203 18/6/2009 09:47:32 A Tabela 8 apresenta os resultados com a agregação das indústrias por categoria de uso dos bens. De acordo com os resultados, nota-se que ao adicionar cada conjunto de dums mies, o parâmetro de diminui, enquanto o n aumenta. Em Soares; Santos e Freitas (2008) ao estimarem o modelo econométrico da economia de escala em função da especialização considerando as características regionais, industriais e do tempo, a magnitude do parâmetro s aumentou. Assim, percebe-se que as regiões com APL apresentam características que, diferente das demais regiões especializadas, minimizam o efeito escala. Assim, o amortecimento do efeito escala é ainda maior quando se consideram as características das indústrias de acordo com o uso dos bens e quando se consideram as variações temporais que captam os efeitos das políticas econômicas nas regiões. 204 Tabela 8 – Resultado das Regressões por Categoria de Uso dos Bens Variáveis Independentes Variável dependente qs Variável dependente qn Regressão 1 Regressão 2 Regressão 3 Regressão 4 Regressão 5 Regressão 6 Regressão 7 Regressão 8 0.450175* 0.448223* 0.377751* 0.378446* 0.549825* 0.551777* 0.562839* 0.562748* Dummies para os APL’s Não Sim Sim Sim Não Sim Sim Sim Dummies para o Tempo Não Não Sim Sim Não Não Sim Sim Dummies para as Indústrias Não Não Não Sim Não Não Não Sim 0.178266 0.201236 0.204126 0.200960 0.245989 0.267066 0.269717 0.266813 qx R² Ajustado Fonte: Elaboração Própria dos Autores. * significante a 5%. Considerações Finais Este trabalho procurou apresentar uma nova metodológica para estimar os impactos sobre o tamanho médio da 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 204 18/6/2009 09:47:32 empresa em conseqüência da especialização produtiva local, medida pelo quociente locacional. Aspecto relevante desta construção metodológica é oferecer instrumento analítico que contrapõe grande parte da literatura que trata deste assunto, partindo de regressões de natureza meramente empírica. A análise descritiva mostrou algumas diferenças entre as regiões com APL e sem APL, por exemplo, as regiões com APL têm como principal agente empregador as micro, pequenas e médias empresas. Além disso, apresentam menores salários e a mão de obra é menos qualificada em relação aos demais tipos de regiões especializadas no Ceará. A decomposição do quociente locacional mostrou que, de fato, naquelas microrregiões com especialização industrial o impacto sobre a escala produtiva foi positivo e significante. Porém nas especializações que são identificadas como APL o impacto sobre a escala produtiva é minimizado. Isso faz com que o impacto sobre a quantidade de estabelecimentos na região seja mais expressivo. 205 Cabe notar, também, que o padrão de especialização identificado pelas características industriais e pelas especificidades regionais amplia o efeito da especialização sobre a escala, revelando que a dinâmica produtiva de uma localidade depende do padrão produtivo da indústria e das vantagens oferecidas pela localização regional. Uma fragilidade do modelo é que não revela que fatores contribuem para existência de economias de escala. Assim, devido a necessidades nas orientações de políticas de desenvolvimento regional, recomenda-se avançar com a aplicação desta metodologia, incorporando, no modelo, variáveis econômicas, sociais e de infra-estrutura que possam caracterizar as microrregiões de modo a se detectar quais os fatores que explicam a existência de economia de escala em territórios com produção especializada. Deve-se avançar ainda com a abrangência do estudo, já que para uma economia menos desenvolvida como é a do Ceará, os resultados foram ao encontro das hipóteses. Pode-se 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 205 18/6/2009 09:47:32 ampliar a base de dados, partindo do Ceará para outros estados mais desenvolvidos da federação ou para todo o Brasil. Desta forma os resultados poderão ser mais expressivos. Fazendo-se isso para cada tipo de indústria, pode-se organizar uma política de localização produtiva com maior eficiência de longo prazo, acelerando-se, com isso, o processo de crescimento regional e reduzindo as desigualdades econômicas entre regiões. Referências AQUINO, A. L.; BRESCIANI, L. P. Arranjos produtivos locais: uma abordagem conceitual. Organizações em Contexto, ano 1, n. 2, p. 153-167, dez. 2005. 206 AZZONI, C. R. Indústria e reversão da polarização no Brasil. 1985. 170 f. Tese (Livre Docência) - Faculdade de Economia e Administração, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1985. BARRIOS, S.; BERTINELLI, L.; STROBL, E. Geographic concentration and establishment scale: can panel data tell usmore?. Core: Université Catholique de Louvain, 2003. (Discussion Paper, n. 36). BRITTO, J.; ALBUQUERQUE, E. M. Clusters industriais na economia brasileira: uma análise exploratória a partir de dados da RAIS. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 32, n. 1, p. 71-102, jan./mar. 2002. CROCCO, M. 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Novos padrões de localização industrial?: tendências recentes dos indicadores de produção e do investimento industrial. Brasília, DF: IPEA, 1999. (Texto para Discussão, n. 633). PAIVA, W. L.; CAVALCANTE, A. L.; ALBUQUERQUE, D. P. L. Localização industrial: evidências para a economia cearense. Fortaleza: IPECE, 2007. (Texto para Discussão, n. 44). 207 PORTER, M. Vantagem competitiva das nações. 5. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1989. REDESIST. Rede de pesquisa em sistema e arranjos produtivos e inovativos locais. Disponível em: <http://www.redesist.ie.ufrj.br/>. Acesso em: 27 nov. 2008. RESENDE, M.; WYLLIE, R. Aglomeração industrial no Brasil: um estudo empírico. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 35, n. 3, p. 433-460, jul./set. 2005. SABÓIA, J. Desconcentração industrial no Brasil nos anos 90: um enfoque regional. Planejamento Econômico e Regional, Rio de Janeiro, v. 30, n.1, p. 69-116, abr. 2000. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 207 18/6/2009 09:47:33 SOARES, A. C. L. As recentes políticas de industrialização do Ceará: uma análise sob o ponto de vista da reestruturação produtiva. 1998. 96 f. Monografia (Bacharelado em Economia) - Faculdade de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade, Universidade Federal do Ceará, 1998. SOARES, F. A.; SANTOS, S. M. dos. Aglomerações industriais brasileiras sob o enfoque da concentração geográfica. In: HERMANNS, K.; ARRAES, R. A. (Org.). Desigualdades e políticas regionais. Fortaleza, 2007. SOARES, F.A.; SANTOS, S. M.; FREITAS, E. E. Especialização industrial e economia de escala: uma análise a partir das microrregiões brasileiras. Disponível em: <http://www.bnb. gov.br/content/aplicacao/eventos/forumbnb2008/gerados/anais_encontro.asp>. Acesso em: 4 dez. 2008. 208 SUPERINTENDÊNCIA DE ESTUDOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DA BAHIA. Notas metodológicas. Disponível em: <http://www.sei.ba.gov.br/index.php?option=com_cont ent&view=article&id=99&Itemid=173>. Acesso em: 3 dez. 2008. SUZIGAN, W. (Coord.). Identificação, mapeamento e caracterização estrutural de arranjos produtivos locais no Brasil: relatório consolidado. [S.l.]: IPEA, 2006. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 208 18/6/2009 09:47:33 ANEXO A Tabela 9 – Códigos da CNAE 1.0 para as Divisões da Indústria de Transformação CNAE - Divisões (2 dígitos) Industrias 15 fabricaçao de produtos alimenticios e bebidas 16 fabricaçao de produtos do fumo 17 fabricaçao de produtos texteis 18 confecçao de artigos do vestuario e acessorios 19 preparaçao de couros e fabricaçao de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados 20 fabricaçao de produtos de madeira 21 fabricaçao de celulose, papel e produtos de papel 22 ediçao, impressao e reproduçao de gravaçoes 23 fabricaçao de coque, refino de petroleo, elaboraçao de combustiveis nucleares e produçao de alcool 24 fabricaçao de produtos quimicos 25 fabricaçao de artigos de borracha e de material plastico 26 fabricaçao de produtos de minerais nao-metalicos 27 metalurgia basica fabricaçao de produtos de metal - exclusive maquinas e equipamentos fabricaçao de maquinas e equipamentos fabricaçao de maquinas para escritorio e equipamentos de informatica fabricaçao de maquinas, aparelhos e materiais elétricos 28 29 30 31 32 fabricaçao de material eletronico e de aparelhos e equipamentos de comunicaçoes 35 fabricaçao de equipamentos de instrumentaçao médico-hospitalares, instrumentos de precisao e opticos, equipamentos para automaçao industrial, cronometros e relogios fabricaçao e montagem de veiculos automotores, reboques e carrocerias fabricaçao de outros equipamentos de transporte 36 fabricaçao de moveis e industrias diversas 37 reciclagem 33 34 209 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)/Comissão Nacional de Classificações (CONCLA). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 209 18/6/2009 09:47:33 ANEXO B 210 Mapa 1 – Mesorregiões e Microrregiões do Estado do Ceará Fonte: IBGE. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 210 18/6/2009 09:47:33 7 PAPEL DOS SERVIÇOS NO DESENVOLVIMENTO REGIONAL BRASILEIRO APÓS 1990 Ricardo Azevedo Silva1 Introdução2 Embora o Terciário venha assumindo peso elevado nas economias, seja em relação à riqueza gerada, seja no que diz respeito ao emprego, trata-se do setor menos compreendido da economia, mas que vem sendo alvo de interesse de estudos recentes diante de sua crescente importância na economia capitalista. Em países subdesenvolvidos, inclusive no Brasil, há menor disponibilidade de séries estatísticas, pois até bem pouco tempo não eram muitos os levantamentos de dados macroeconômicos voltados para os serviços. Contribuem para a dificuldade nos estudo a complexidade e a diversidade que o Terciário apresenta em economias subdesenvolvidas e periféricas e, no caso brasileiro em particular, as diferentes estruturas regionais colocam dificuldades específicas em torno do tema. A todas essas questões soma-se uma, de ordem geral, recorrentemente apontada pela literatura: a dificuldade metodológica para a classificação das atividades do Terciário. 261 Apesar dessas dificuldades, há um relativo consenso entre os pesquisadores: primeiro, nosso Terciário frente aos outros dois grandes setores (Agricultura e Indústria) é o que mais cresce e responde por cerca de 60% ou mais do Produto Interno Bruto (PIB) do país; segundo, o Terciário, embora gere um volume expressivo de emprego, em geral é um setor de baixa capitalização, atrasado e com baixa produtividade, gerando empregos precários na maior parte dos casos. Economista e doutorando em Desenvolvimento Econômico pelo IE/UNICAMP. 2 Este artigo baseia-se em várias pesquisas anteriores, a saber: Silva (2002) e Silva (2005a, 2005b). 1 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 261 18/6/2009 09:47:33 Outra questão que se coloca é a qualidade desse Terciário: este tem formado/abrigado setores dinâmicos capazes de gerar encadeamentos positivos ou mesmo estimular/impulsionar (“induzir”) a economia brasileira? Ou, ao contrário, seu crescimento tem se dado principalmente em atividades mais intensivas em força de trabalho (e pouco qualificadas) vinculadas principalmente à maior dispersão urbana verificada no Brasil nas últimas décadas? A essas duas questões relaciona-se uma terceira: qual tem sido a dinâmica regional recente dos serviços no Brasil? 262 Contudo, a complexidade do Terciário torna seu estudo muito mais difícil. Além da dificuldade metodológica de definição e classificação do setor, no caso brasileiro os obstáculos são ainda maiores, dada a heterogeneidade estrutural que marca sua economia com a conformação de um terciário de características complexas, abarcando atividades bastante diferenciadas, incluindo uma ampla gama ligada a práticas de sobrevivência urbana, muitas vezes não captadas nas estatísticas disponíveis, e que são fundamentais para reprodução das camadas mais pobres. Cabe aqui uma ressalva: as análises e críticas baseadas em dados estatísticos muitas vezes não captam determinadas formas de remuneração não monetária, ligadas à alimentação, saúde, moradia etc., algumas até inerentes às escolhas individuais e relacionadas aos costumes e limitações geoclimáticos locais. Barreiras quase intransponíveis a serem analisadas nos estudos macrorregionais e macrossetoriais, pois o grau de desenvolvimento desses espaços não pode ser padronizado e depende de ações políticas frente às demandas e necessidades socioeconômicas específicas, inclusive relativas ao meio ambiente. Para o entendimento do Terciário brasileiro seria necessário um conjunto de estudos bastante extenso. De tal forma, fazem-se necessários diversos levantamentos de dados e abordagens, dada a importância de contornar as limitações existentes e unir esforços aos estudos que vêm sendo realizados recentemente. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 262 18/6/2009 09:47:33 Uma análise regional incluindo o mercado de trabalho envolveria uma série de estudos e desdobramentos que vão além de um texto como este. Pretendemos, tãosomente, contribuir para uma melhor compreensão do Terciário partindo de uma reflexão sobre as transformações recentes da economia brasileira, fazendo uma análise regional de dados de geração do PIB e também de geração de ocupações. Neste sentido, este artigo buscou levantar algumas questões referentes ao papel dos serviços no desenvolvimento da economia brasileira sob a ótica regional, seus efeitos sob a ‘espacialidade’ da riqueza e prováveis consequências para as regiões brasileiras consideradas menos desenvolvidas. Procurou-se contribuir para esclarecer melhor as características dos setores do Terciário nacional, destacando a geração de renda e emprego. Para tal, este artigo foi dividido em cinco partes: 1ª) Esta introdução, que levanta o problema a ser pesquisado, compõe a primeira seção. 2ª) Na segunda parte é feita uma síntese sobre a organização espacial no Brasil, estrutura econômica e urbanização, que envolve os aspectos centrais do desenvolvimento regional relacionados ao nosso tema. 3ª) Na terceira parte é feita uma discussão sobre as transformações recentes do Terciário brasileiro e suas implicações para a dinâmica da economia brasileira através de uma reflexão sobre os efeitos regionais do recente reordenamento da economia brasileira da década de 1990, frente à crise internacional, destacando o papel dos serviços nesse processo de reordenamento e os rebatimentos regionais. 4ª) Na quarta parte fazemos uma análise de dados sobre a geração de riqueza baseada na evolução regional do PIB e das ocupações no setor Terciário brasileiro. 5ª) Por fim, são feitas as considerações finais, onde são apresentadas algumas conclusões e discutidas as implicações dos aspectos estudados para a economia brasileira. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 263 263 18/6/2009 09:47:33 Evolução da Organização Espacial no Brasil, Estrutura Econômica e Urbanização 264 A organização espacial do Brasil apresenta, historicamente, três momentos distintos que refletem os diferentes estágios do padrão de acumulação e divisão social do trabalho que marcaram o processo de ocupação socioeconômico e demográfico de seu vasto território continental e que resultaram, em larga medida, também, sua inserção na economia mundial. O período primário-exportador, pré-1930, caracterizou-se por aquilo que Oliveira (1982) classificou como arquipélago regional, com as regiões brasileiras se articulando muito mais com o mercado externo que entre si, e com baixa divisão social do trabalho, o que resultou uma rede de cidade também desarticulada, fortemente litorânea. Embora fosse marcada por especificidades locais, ao mesmo tempo era concentrada economicamente (no litoral) e dispersa demograficamente (FARIA, 1976, 1991), com a existência de um significativo número de núcleos urbanos interiorizados (AZEVEDO, 1956), ainda que com rarefeita população. Vinda a industrialização, deu-se a unificação do mercado nacional (1929-1980), que articulou economicamente as regiões e, por consequência, a rede de cidades que efetivamente passaram a constituir uma rede urbana adensada por fluxos crescentes de mercadorias, capitais e pessoas. Este processo, até final dos anos 1960, apresentou-se concentrado nas principais metrópoles brasileiras – especialmente Rio e São Paulo – que cresceram acima da média nacional, tanto econômica quanto demograficamente. O final desse segundo momento vai se dar, no entanto, com um processo de desconcentração econômica, que ganhou impulso nos anos 1990. Desde os anos 80 observam-se, também, mudanças importantes no padrão demográfico do país, com o maior ritmo de crescimento das cidades pequenas e médias, menor crescimento das metrópoles do Sudeste que se tornaram menos atrativas às migrações, além do surgimento de novas aglomerações urbanas não metropolitanas que adensaram a rede urbana 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 264 18/6/2009 09:47:33 brasileira. Acrescente-se, ainda, que o número de municípios no país salta, por razões diversas que não cabem aqui discutir, de 3992, em 1980, para 5506, em 2000. Ainda que se manifeste com especificidades regionais (BAENINGER; BRITO, 2007), a desconcentração demográfica acena para uma configuração territorial do país muito mais complexa e heterogênea, com o sistema de cidades apresentando duas características que se acentuam: do ponto de vista interurbano, a rede urbana se complexifica pelo surgimento de aglomerações que passam a exercer centralidade em áreas pouco adensadas anteriormente, aumentando sua integração. Ademais, a desconcentração demográfica associada aos impactos dos benefícios coletivos decorrentes da Constituição de 1988 que atingiram as áreas menos urbanizadas criou maior circulação monetária geradora de externalidades para as atividades de serviços básicos, pouco sofisticados e intensivos em força de trabalho, além daqueles ligados às atividades decorrentes da descentralização do serviço público – saúde e educação basicamente. Cano (2007) aponta, inclusive, para o fato sui generis de que a urbanização em partes de algumas áreas, como no semiárido nordestino, não decorre da expansão da agricultura, nem da indústria e nem do serviço público, mas seria movida pelos efeitos das políticas coletivas. 265 Por outro lado, núcleos urbanos com dinamismo econômico acima da média nacional passam a se articular com mais intensidade com o exterior, tencionando elos da rede urbana, pois os centros de decisão que ordenam aqueles encontram-se no exterior, e não no território nacional, numa verdadeira articulação local-global, com potencial desenvolvimento de forças centrífugas fragmentadoras. Do ponto de vista intraurbano as mudanças no padrão demográfico reproduzem, especialmente nas cidades médias, problemas que são típicos de regiões metropolitanas: insuficiência de infraestrutura urbana, violência crescente, periferização das cidades etc., indicando que a ocupação e o reordenamento territoriais tenderiam a reproduzir os mesmo problemas verificados alhures no país. Apesar do baixo ritmo de crescimento da economia brasileira no período pós-1980, observa-se que a organiza- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 265 18/6/2009 09:47:33 266 ção espacial do país tornou-se muito mais complexa. Do ponto de vista econômico a desconcentração criou novos pontos de dinamismo no território, tornando a decisão de investimento mais independente do antigo padrão de localização, que era fortemente metropolitano e concentrado no Sudeste e dependente, prioritariamente, do ritmo de crescimento do mercado interno comandado pelo aumento da renda gerada a partir dos investimentos produtivos e seus desdobramentos intersetoriais. Ademais, a maior internacionalização da economia brasileira motivada pelo ajuste exportador (anos 1980) e pela acelerada abertura econômica promovida pela política neoliberal (anos noventa) redefiniu os determinantes locacionais do investimento produtivo do país que – a despeito de se manter baixo, vis-à- vis suas taxas históricas – tornaram-se, desde então, muito mais atrelados ao dinamismo da economia internacional que ao crescimento do mercado interno, como ocorrera entre 1920 e 1980. Muitas áreas ligadas à atividade exportadora – agronegócios e indústrias de bens intermediários, principalmente – puderam se conectar diretamente à economia internacional com a qual mantêm, em muitos casos, vínculo mais forte que com o núcleo industrial do país, estimulando interpretações sobre a tese do enfraquecimento da integração nacional e da maior fragmentação da economia brasileira, em parte derivadas dos efeitos dessa maior articulação local-global. O reordenamento da economia apontada na década de 90 teve participação importante do setor serviços, que se reestruturou com rebatimentos espaciais expressivos, como trataremos a seguir. Transformações Recentes no Terciário Brasileiro e Possíveis Implicações Para a Dinâmica da Economia Brasileira: Uma Visão do Início da Década de 1990 O padrão de organização espacial do país foi impactado pelas mudanças no cenário de crise econômica internacional da década de 1990, que afetaram profundamente as ativida- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 266 18/6/2009 09:47:33 des produtivas nas diferentes regiões brasileiras. A maior abertura econômica provocou impactos regionais importantes a partir do processo de reestruturação produtiva. Dentre os principais traços deste destacam-se: ajuste defensivo, pautado em expressivo aumento de produtividade via redução de custos, notadamente do trabalho; introdução de inovações organizacionais e melhoria dos sistemas de qualidade em busca de maior eficiência no processo produtivo; terceirização de atividades e especialização produtiva e; - crescente utilização de insumos importados.3 No geral defendia-se que o mercado de trabalho fora afetado negativamente com impactos regionais específicos. No geral foi expressivo o aumento da penetração das importações na oferta doméstica, especialmente nos setores intermediários e em bens de capital, cujas cadeias produtivas foram as que sofreram maiores esvaziamentos devidos não só à substituição da oferta local de importantes segmentos intermediários por importações, como também pela estagnação dos investimentos. Numa economia continental fortemente integrada, a maior penetração das importações representou inicialmente a quebra de elos importantes de cadeias produtivas, tensionando a integração regional da economia brasileira. 267 Neste contexto, alguns analistas temiam que a eficiência microeconômica teria prevalecido sobre as estratégias macroeconômicas de desenvolvimento socioeconômico regional, industrial e de fortalecimento do capital nacional. Do ponto de vista setorial a política econômica privilegiou as forças do mercado, enquanto determinante do processo de modernização do parque produtivo, impulsionando a internalização no país de capacidade para inovar. Do ponto de vista regional, regiões produtoras de bens intensivos em recursos naturais para exportação se beneficiaram da maior internacionalização da economia brasileira, resultando em taxas de crescimento acima da média nacional. 3 Ver Silva (2002, 2005a, 2005b). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 267 18/6/2009 09:47:33 Todo o processo até aqui sinteticamente abordado, ao qual a economia brasileira foi submetida na década de 1990, traduziu-se numa reestruturação das atividades produtivas em nível nacional com características regionais específicas. Sob a ótica do emprego, o mercado de trabalho teria sido severamente atingido, como mostram diversos estudos da área. Apontavam como um grave problema da década o desemprego e a deteriorização das condições de uso e de remuneração da força de trabalho, com achatamento da remuneração e aumento da informalização. 268 De fato, no que tange ao desemprego, segundo dados copilados da PNAD, entre 1992 e 1999, a taxa anual de crescimento da população desempregada (7,42%) foi muito superior à da população ocupada (1,37%), da PEA (1,88%) e a da população brasileira (1,35%), demonstrando um claro desequilíbrio no mercado de trabalho vis à vis a uma alteração na estrutura PEA/população total. Consequentemente, os desempregados passaram de 7,2% para 10,4% da população brasileira e, como agravante, a parcela de empregos formais medidos pela Rais caiu de 45,9% para 41,3% no total dos empregos neste intervalo.4 Ou seja, ao mesmo tempo em que a PEA aumentou mais que o total da população, o mercado não teria absorvido a procura por trabalho com carteira assinada, provocando um crescente desemprego, especialmente nas regiões metropolitanas, aumentando os problemas urbanos nas maiores aglomerações do país. Entre 1990 e 1998, só na indústria de transformação, a qual foi a mais afetada e apresenta altíssimo percentual de empregos formais e melhor remuneração, eliminaram-se 18,6% do pessoal ocupado (2,5% ao ano), cerca de 2,5 milhões de empregos, passando-se de cerca de 9 milhões para 7,5 milhões de empregos. Conforme as PNADs de 1991 e 1999, o número absoluto de desempregados no Brasil cresceu de 4.765.212 em 1991, para 7.145.095 em 1998 (49,94% de crescimento), alcançando 7.865.563 em 1999 (65,06% de crescimento em relação a 1991). Paralelamente, o número absoluto de trabalhadores sem carteira assinada passou de 14.459.115 para 16.414.250, crescimento de 13,52%. 4 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 268 18/6/2009 09:47:33 Esses estudos também registraram o crescimento de outras formas de contratação da mão-de-obra dos autônomos, prestadores de serviços, microempreendedores e/ou dos “conta-própria”, o que teria agravado os problemas com o aumento da concorrência por trabalho. Embora isso tenha se constatado em muitos casos, principalmente em determinadas atividades e localidades, para esses tipos de ocupação é difícil medir as condições de uso e remuneração do trabalho. Os dados enfrentam dificuldades de dimensionar outras formas de remuneração (alimentação, saúde, moradia etc) e especificidades do desenvolvimento local, como mencionamos na introdução. Reflexões sobre os Efeitos Regionais Supostamente, com a ampla abertura comercial e o novo padrão concorrencial, as regiões do Brasil que abrigavam as economias mais diversificadas, especialmente as que exerciam função de fornecedoras de mercadorias e serviços às outras economias de sua própria região ou de outros estados brasileiros, seriam as mais afetadas pela reestruturação econômica da década de 1990. Tanto pela exposição de seu próprio mercado consumidor quanto dos mercados nacionais demandantes de seus produtos a novos concorrentes internacionais dotados de um padrão tecnológico e organizacional mais avançado e operando com custos mais baixos. 269 Já as economias em maior ou menor grau de especialização e pouco diversificadas, tradicionalmente importadoras líquidas de mercadorias e serviços de outras localidades do país, seriam as menos afetadas por sua menor exposição setorial ao acirrado padrão concorrencial que se estabeleceu. Até mesmo, conforme o caso, podendo se beneficiar da acentuada queda dos impostos de importação e da posterior apreciação cambial, que reduziu o custo dos produtos estrangeiros de sua pauta de importações, além de viabilizar novas alternativas frente ao fornecimento nacional. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 269 18/6/2009 09:47:33 Por outro lado, os condicionantes da reestruturação produtiva e a forma como se deu a inserção da economia brasileira no mercado internacional privilegiaram inicialmente a localização de investimentos nas áreas mais dinâmicas e competitivas do país, especialmente no que tange às estratégias das grandes empresas em relação à internacionalização da economia. O padrão tecnológico imposto pelo novo ambiente concorrencial tornou mais atrativa a proximidade aos grandes centros, dotados de um terciário avançado, capaz de oferecer suporte às demandas da produção reestruturada, como a da indústria que, no processo de reestruturação, terceirizou etapas de sua atividade. Como ressalta Tânia Bacelar, 270 os novos requisitos locacionais da acumulação flexível, como: melhor oferta de recursos humanos qualificados, maior proximidade com centros de produção de conhecimento e tecnologia, maior e mais eficiente dotação de infra-estrutura econômica, proximidade com os mercados consumidores de mais alta renda [...] atuam no sentido da concentração dos investimentos em áreas mais avançadas. (ARAÚJO, 2000, p. 118). Diniz (2000a, p. 15) reforça: Considerada a distribuição regional da produção e da renda brasileiras e a rede de cidades da Região CentroSul, onde estão localizadas as maiores universidades e instituições de pesquisa, o mercado de trabalho profissional e a infra-estrutura urbana de serviços modernos, tenderia a ampliar a força da rede de serviços, promovendo ou acentuando a concentração regional. Deve-se destacar o avanço da Logística de Distribuição, que ganhou maior destaque com o aprofundamento da internacionalização da economia brasileira. Neste segmento observam-se também efeitos concentradores ao predominar um sistema tecnológico e administrativo inviável aos pequenos e médios distribuidores, que perderam mercado para grande distribuidores, sejam terceirizados ou não, sendo gradativamente excluídos ou tendo seus mercados consumidores, antes preservados, reduzidos. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 270 18/6/2009 09:47:33 Até 1999, pelo menos, como mostra Silva (2002), as regiões periféricas foram as maiores perdedoras em termos de distribuição do PIB, para o que contribuiu a gradativa piora da infraestrutura devido ao grau de endividamento dos municípios, dos estados e da União, afetados pela crise internacional e pela falta de recursos para conservação dos aparatos existentes. Em geral, a severa redução dos investimentos estatais que haviam exercido papel fundamental no desenvolvimento regional, contribuindo significativamente para a descentralização das atividades econômicas, na década de 1990 contribuiu inicialmente para o fortalecimento dos centros mais desenvolvidos do país, na medida em que a ausência desse importante vetor restringiu as possibilidades de espraiamento das atividades para outras localidades menos desenvolvidas. Como forma de contornar a crise fiscal da União e dos próprios estados, a grande maioria destes acentuou a antiga prática de atração de investimentos, pautada principalmente na renúncia fiscal. Prática denominada “Guerra Fiscal”, devido ao elevado grau de benefícios oferecidos especialmente ao capital de médio e grande portes que tiveram condições de deslocar plantas, privilegiando, no curto prazo, os estados receptores, mas dada a crise afetou suas finanças no médio e longo prazos. Fator que comprometeu ainda mais os bancos estaduais e colaborou para a “quebra” ou saneamento pela União da maior parte deles, medida imprescindível em uma economia capitalista. 271 Neste cenário, perderam-se importantes instrumentos de políticas de desenvolvimento que ainda ofereciam crédito de longo prazo, além das empresas estatais diretamente envolvidas com a produção física. Com isso, comprometeu-se boa parte dos efeitos de desconcentração regional da atividade produtiva do centro-sul em direção ao Nordeste, observados no período de 1970-85, que subsistiriam em alguns setores até a entrada da década de 1990 e que vêm passando por forte reestruturação. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 271 18/6/2009 09:47:33 Aspectos do Envolvimento dos Serviços no Processo de Reordenamento Econômico: Abordagem Regional O Terciário nacional foi envolvido de forma estratégica no profundo reordenamento da economia nacional, abordado acima. Setor que vinha ganhando participação no valor adicionado da economia brasileira e, principalmente, na geração de ocupações nas últimas décadas do século XX, acompanhando uma tendência geral da economia contemporânea. Na década de 1990, essa posição (quantitativa) se mantém, mas sua importância assumiu novos contornos de forma mais visível, dado o papel estratégico que muitos de seus segmentos assumem no processo. 272 Esse macrossetor foi palco de inovações tecnológicas e organizacionais importantes, assim como de mudanças no que tange ao funcionamento de suas atividades e à importância de sua participação no processo produtivo da economia contemporânea, estabelecendo novas relações com os outros dois grandes setores (primário e secundário). Com a terceirização decorrente da reestruturação produtiva, atividades do terciário ganharam papel de destaque, especialmente na determinação de escolhas locacionais dos investimentos. Por outro lado, avanços tecnológicos permitiram oferecer com maior diversidade serviços estratégicos imprescindíveis à economia reestruturada, influenciando a macroeconomia espacial e o funcionamento do mercado de trabalho, dada a localização diferenciada regionalmente dos serviços mais avançados. Em ramos de atividade como telecomunicações, bancos, redes de comércio atacadista e varejista, turismo, entre outros, verificaram-se exemplos de processos de modernização, de restruturação e/ou de adoção de nova logística de distribuição. Tais processos, ocorridos em intensidade e extensão variadas nos setores do Terciário brasileiro, tiveram expressiva repercussão macroeconômica na década de 1990 com consequências posteriores. Contudo, como já ressaltado, os condicionantes da reestruturação produtiva e a remodelação 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 272 18/6/2009 09:47:33 da inserção econômica do País e das empresas no mercado internacional privilegiaram a localização de investimentos próximos às áreas urbanas mais dinâmicas e competitivas do país ou em espaços com possibilidades de conexão aos centros dinâmicos e aos mercados mais atrativos. A concorrência aprofundou-se e se tornou cada vez mais necessário o acesso aos serviços característicos de um Terciário avançado capaz de oferecer suporte às demandas da produção reestruturada de atividades industriais e agropecuárias. [...] a integração agricultura-indústria-serviços aumenta a demanda dos chamados serviços à produção, especialmente com o crescimento da internacionalização e a necessidade de administração e controle das grandes organizações (engenharia, pesquisa e desenvolvimento, mercado, propaganda, seguros, bancos, processamento de dados, contabilidade), e à circulação (venda, transporte, assistência técnica, manutenção, instalação etc.). Por sua vez, o aumento da terciarização amplia a complementaridade entre indústria e serviços e implica na atração dos serviços para próximo à produção, com tendência à reaglomeração e à “clusterização” [...]. (DINIZ, 2000a, p. 14). 273 Neste contexto, a própria estruturação do setor Terciário se deu de forma heterogênea, em termos setoriais e/ou espaciais. Enquanto algumas atividades se reestruturaram e se modernizaram privilegiando determinadas localidades, outras atividades e localidades ficaram à margem desse processo, mantendo características tradicionais (informalidade, atraso tecnológico e organizacional etc.), ou mesmo sendo excluídas do mercado. O processo de modernização organizacional e tecnológico ditou dinâmicas distintas entre os espaços regionais, tendo sido as grandes concentrações urbanas (notadamente as regiões metropolitanas) os principais alvos do processo de reordenamento recente do Terciário que avançou em ritmo e direção diferentes conforme a região. Como parte deste contexto, o intenso processo de privatização, somado aos significativos movimentos de fusões e aquisições ocorridos principalmente na década passada, envolveram o setor Serviços, principal alvo dos investimentos 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 273 18/6/2009 09:47:33 estrangeiros interessados, em grande parte, na exploração do mercado interno em segmentos nos quais a demanda estava garantida. A entrada de novos agentes no mercado alterou bastante os padrões concorrenciais, trazendo novas exigências às empresas participantes, principalmente nos segmentos onde esse processo foi mais acentuado. Os setores Telecomunicação e Finanças foram exemplos típicos de grandes alterações em seu perfil setorial. 274 A reorganização do Terciário, como já destacado, afetou o mercado brasileiro como um todo, influindo decisivamente no ambiente concorrencial ao reduzir distâncias, estabelecer novas modalidades de comercialização, impor padrões tecnológicos e organizacionais, elevar exigências de produtividade e qualidade etc. A busca de agilidade e flexibilização no processo produtivo está entre os fatores que contribuíram para ampliar a importância e condicionar o desempenho recente do Terciário no Brasil para cujo crescimento foram decisivos os efeitos do fenômeno da terceirização, que elevou a participação de suas atividades no processo produtivo e contribuiu para o próprio crescimento estatístico de seus segmentos. Por outro lado, tornou-se ainda mais problemática a divisão metodológica em três macrossetores, e os recortes setoriais foram mais recorrentemente utilizados, dificultando a análise econômica, dada a crescente dificuldade em identificar com maior clareza as relações intersetoriais. A seguir, partindo de alguns dados levantados, procuraremos contribuir com subsídios para o entendimento de questões até aqui abordadas. Análise dos Dados Como mencionado na introdução, a complexidade do Terciário brasileiro torna seu estudo muito mais difícil. Além da dificuldade metodológica de definição e classificação do setor, os obstáculos são ainda maiores, dada a heterogeneidade estrutural que marca a economia com a conformação de um terciário de características complexas, abarcando ati- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 274 18/6/2009 09:47:33 vidades bastante diferenciadas, incluindo uma ampla gama ligada a práticas de sobrevivência urbana, muitas vezes não captadas nas estatísticas disponíveis e que são fundamentais para a reprodução das camadas mais pobres. Para o entendimento do Terciário brasileiro seria necessário um conjunto de estudos bastante extenso. De tal forma, fazem-se necessários diversos levantamentos de dados e abordagens, dada a importância de contornar as limitações existentes e unir esforços aos estudos que vêm sendo realizados recentemente. Nesta seção faremos uma análise regional de dados de geração do PIB e também de geração de ocupações. Iniciemos pelos dados do PIB. O Terciário Brasileiro pela Ótica Setorial Em primeiro lugar, é preciso registrar que apesar das limitações de dados disponíveis no Brasil (SILVA, 2005a, 2005b), houve um esforço das instituições oficiais coordenadas pelo IBGE, desde 1998, para aprimorar as contas regionais de modo a torná-las comparáveis aos demais países, conforme a metodologia internacional recomendada pela ONU. Por outro lado, o IBGE, através de pesquisas anuais, tem buscado avaliar melhor o Terciário frente às dificuldades de quantificar vários serviços. 275 Na série das contas regionais que engloba o período 1985-2004, é possível verificar que o consenso entre os pesquisadores de que nosso Terciário frente aos outros dois grandes setores (Agricultura e Indústria) é o que mais cresceu não mais se verificou, especialmente nos anos subsequentes à crise do real seguida da desvalorização cambial, em 1999, e a posterior retomada do crescimento econômico. É possível notar, na Tabela 1, a preços de mercado de 2004, o peso dos Serviços no PIB nacional, que vinha aumentando, caiu já em meados dos anos de 1990, enquanto a Indústria, depois da desvalorização, recuperou parte da perda sofrida desde fins da década de 1980; sendo que a de transformação se recupera mais nitidamente só depois de 2003. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 275 18/6/2009 09:47:33 Tabela 1- Participação Setorial no PIB Total – Brasil Anos Selecionados 1985/2004 (Preços de Mercado de 2004) TOTAL DO VA 276 1985 1990 1995 2000 2004 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Agropecuária 7,7 7,7 7,9 8,5 9,5 Indústria Total * 44,9 43,6 43,1 43,9 43,9 Indústria extrativa mineral 3,1 3,2 3,1 4,3 4,6 Indústria de transformação 31,5 29,0 29,1 28,1 29,1 Eletricidade, gás e água 2,9 3,4 3,6 3,8 3,5 Construção Civil 7,4 8,0 7,3 7,7 6,7 Serviços (Terciário)* 47,8 49,1 48,7 47,6 46,6 Com e Reparação de Veíc., Objetos Pess. e Domésticos 6,7 6,8 7,3 6,8 6,7 Alojamento e Alimentação 1,2 1,4 1,3 1,3 1,3 Transportes e Armazenagem 1,6 1,7 1,7 1,9 1,9 Comunicações 0,7 1,0 1,4 2,1 2,2 Intermediação financeira Atividade Imob., Aluguéis e Serviços prest. às empresas 6,5 6,4 6,3 6,2 6,2 8,7 9,4 9,5 9,6 9,3 Administração Pública, Defesa e Seguridade Social 18,2 18,0 16,9 15,8 15,1 Saúde e Educação Mercantis 2,5 2,4 2,3 2,2 2,1 Outros Serviços Coletivos, Sociais e Pessoais 1,3 1,5 1,4 1,3 1,4 Serviços domésticos 0,5 0,5 0,5 0,5 0,5 Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nos Dados de IBGE. Diretoria de Pesquisas. Departamento de Contas Nacionais. Contas Regionais do Brasil 1985-2000. Microdados e Silva (2005a, 2005b). Obs.: Nesta Tabela os valores a preços de 2004 foram obtidos deflacionando os valores nominais correntes a partir do índice de Crescimento setorial do próprio IBGE. A partir dos valores nominais deflacionados calculamos as participações setoriais a valores de 2004. No entanto, o mais importante não é o peso do macrossetor Serviços no PIB, mas entender melhor a dinâmica interna do terci- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 276 18/6/2009 09:47:33 ário após as transformações recentes. Ou seja, a questão que se coloca é se esse terciário tem formado/abrigado setores dinâmicos capazes de gerar encadeamentos positivos ou mesmo estimular/ impulsionar (“induzir”) a economia brasileira. Ou, ao contrário, se seu crescimento tem se dado principalmente em atividades mais intensivas em força de trabalho (e pouco qualificadas) vinculadas principalmente à maior dispersão urbana verificada no Brasil nas últimas décadas. A essas duas questões podem ser relacionadas a dinâmica regional recente dos serviços no Brasil. Como já mencionado, a reestruturação do terciário foi heterogênea: alguns setores se modernizaram e assumiram um papel dinâmico; outros se caracterizam, principalmente, como atividades tradicionais e/ou tecnologicamente atrasadas, intensivas em trabalho. Boa parte dessas últimas vinculadas a estratégias de sobrevivência, seja de microempresas, seja de ocupados, como é o caso das pessoas jurídicas e dos autônomos/conta-própria. Acreditamos que isso está relacionado com a dinâmica regional e urbana do País. A Tabela 2 mostra o crescimento dos setores da economia brasileira segundo a segmentação adotada pelas contas regionais do IBGE e uma adaptação ao modelo de classificação setorial adotada por Browning e Singelmann (1978): six-sector escheme (extrativa; transformativa; serviços distributivos; serviços produtivos, serviços coletivos e serviços pessoais). Ela pode ser adequada à divisão do PIB em três setores: primário, secundário e terciário e permite agrupar em categorias os setores do Terciário, conforme algumas características comuns.4 277 Considerando os três macrossetores na Tabela 2 a seguir, nota-se que a Agropecuária, que recebeu importantes investimentos na década de 1990, inclusive estrangeiros, apresentou o melhor desempenho no intervalo 1985-2004, enquanto o pior desempenho foi dos Serviços (Terciário). A Indústria se recupera depois do final dessa década: a extrativa mineral, já na segunda metade da década de 1990, puxada em parte pela extração de petróleo, apresentou crescimento acima da média; o setor industrial de transformação ganhou impulso depois da desvalorização cambial de 1999. 4 Para esclarecimentos metodológicos, ver Silva (2008). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 277 18/6/2009 09:47:33 Tabela 2 – Evolução do Volume do Valor Adicionado por Setores de Atividade Anos Selecionados 1985/2004 - Brasil (1985=100) 1985 1990 1995 2000 2004 Total do VA 100 111,0 127,4 146,5 163,0 1. Agropecuária (primário) 100 110,8 131,0 161,3 201,6 2. Indústria Total (secundário) 100 107,9 122,3 143,2 159,4 Indústria extrativa mineral 100 113,8 126,6 200,4 238,8 Indústria de transformação 100 102,2 117,6 130,8 150,4 Eletricidade, gás e água 100 132,5 158,9 194,7 201,0 Construção Civil 100 119,8 126,3 152,0 148,4 3. Serviços (Terciário) 100 114,0 129,6 145,8 159,0 Com e Reparação de Veíc., Objetos Pess. e Domésticos 100 114,0 139,6 148,8 164,2 Transportes e Armazenagem 100 117,7 137,3 176,3 199,9 100 120,3 138,9 161,3 174,6 3.1 Serviços Distributivos 278 3.2 Serviços produtivos (complementares) Atividade Imob., Aluguéis e Serviços prest. às empresas Comunicações 100 168,4 265,5 445,9 532,7 Intermediação financeira 100 109,4 124,0 140,4 155,2 Administração Pública, Defesa e Seguridade Social 100 109,8 118,8 127,4 135,3 Saúde e Educação Mercantis 100 109,4 118,1 128,3 136,0 Alojamento e Alimentação 100 128,1 137,8 157,8 175,2 Outros Serviços Coletivos, Sociais e Pessoais 100 123,8 130,1 141,5 164,5 Serviços domésticos 100 98,9 133,0 141,6 152,5 3.3 Serviços Sociais (coletivos) 3.4 Serviços Pessoais Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas. Departamento de Contas Nacionais. Contas Regionais do Brasil 1985-2004. Microdados. Obs.: O IBGE utiliza seu deflator implícito do PIB. Para cada setor o IBGE utiliza um deflator específico. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 278 18/6/2009 09:47:33 O desempenho da Indústria é fundamental para a dinâmica do Terciário. A Indústria de Transformação, que mais propicia encadeamentos com o Terciário, apresentou menor crescimento no período 1985-2004, o que limita seus efeitos multiplicadores. No auge da crise econômica temia-se, inicialmente, que isto contribuiria negativamente para o crescimento do PIB dos Serviços, especialmente os segmentos serviços prestados às empresas e comércio atacadista. Ainda que com menor intensidade, provavelmente também seriam afetados mais diretamente os setores Transportes e Armazenagem e Intermediação Financeira. Mas é preciso olhar o desempenho do Terciário com mais cuidado, considerando seus setores de forma desagregada e por categorias de serviços. Para tanto, utilizamos a adaptação à classificação de Browning e Singelmann (1978). Baseandose nesta, os melhores resultados estão nas categorias Serviços Distributivos e Serviços Produtivos, cujo crescimento está atrelado mais às atividades industriais e agroindustriais. Dentre os Serviços Produtivos, as Comunicações apresentaram crescimento expressivo (Tabela 2), com a maior taxa dentre todas as atividades do Terciário. De forma geral, todas as atividades incluídas nesta categoria passaram por transformações e processo de modernização na década de 1990 (ver à frente). Por este motivo, entre outros, apesar do ritmo de crescimento lento da economia brasileira, as atividades desta categoria apresentaram bom desempenho. 279 Em relação a Telecomunicações, um dos principais alvos do processo de privatização, podem-se citar as seguintes novidades: adoção da tecnologia digital; novas possibilidades de aplicação e ampliação da gama de serviços de telecomunicações, notadamente pela articulação com a informática (telemática); profunda alteração no quadro de agentes envolvidos com o setor; e expressiva elevação dos investimentos no setor, mas inicialmente com a criação de postos de trabalho em proporção menor que a esperada.6 Na telefonia deve-se reconheA mensuração dos empregos de atendimento ao cliente é difícil, pois nem sempre estão organizados em empresas exclusivamente prestadoras desse serviço. 6 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 279 18/6/2009 09:47:33 cer a expansão de linhas, especialmente móveis, que permitiu uma maior agilidade e sinergia entre setores fornecedores e consumidores. Contudo, o setor ainda mantém traços de concentração, notadamente na telefonia fixa, onde havia pouca ou nenhuma alternativa de prestador e os serviços são alvos de críticas e reclamações por parte dos usuários, embora se deva registrar que a privatização reordenou o setor, desconcentrando-o regionalmente. A queda na participação Intermediação Financeira no PIB total (29,3% em 1985 para 13,3% em 2004), deve-se aos efeitos do controle da inflação que superestimava sua participação no agregado da economia. Apesar dessa perda de participação, o setor financeiro passou por um profundo processo de reestruturação e modernização que lhe possibilitou aumentos de produtividade. 280 Dentre as alterações importantes nos bancos devem ser destacados os seguintes impactos iniciais: ocorreu um forte processo de automatização (em particular para facilitar o autoatendimento), com consequente redução de empregos diretos no setor; houve uma perda do lucro inflacionário com reorientação das estratégias de atuação do setor e consequente cobrança de tarifas não cobradas anteriormente; e presenciou-se, também, uma expressiva elevação da participação do capital estrangeiro no setor (palco de privatizações), após a reestruturação bancária, sem que isso provocasse inicialmente uma melhoria significativa dos serviços, como foi previsto. Depois, com o forte processo de centralização do capital e o fortalecimento dos grandes grupos, principalmente nacionais, a participação estrangeira caiu. Recentemente os empregos no ramo de intermediação financeira, inclusive os bancos, vêm apresentando crescimento. Outra questão importante a destacar é que a função de oferecer crédito passa cada vez mais a envolver agentes de outras atividades (do comércio principalmente), seja de forma direta ou em associação com instituições financeiras. Atualmente, deve-se reconhecer a formação de um sistema financeiro sólido e facilitação do acesso ao crédito. Por outro lado, frente às sucessivas crises 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 280 18/6/2009 09:47:33 do mercado financeiro internacional os juros reais, mesmo apresentando uma queda importante, continuam muito elevados, o acesso ao crédito barato é limitado e, por fim, o peso da operação financeira em vários outros segmentos vem ganhando participação no faturamento concorrendo com suas atividades-fins. Já na categoria Serviços Distributivos, apenas o setor de Transportes e Armazenagens se destaca em termos de crescimento, beneficiado pelo papel central que os transportes assumem numa economia mais internacionalizada, a despeito dos baixos investimentos em infraestrutura. O outro setor que compõe esta categoria, o Comércio e Reparações, apresentou crescimento semelhante à média da economia. Contudo, ambos também passaram por modernizações. O setor de Transportes ganhou importância com o crescente papel estratégico que vem assumindo a atividade de logística. Inicialmente, muitas empresas industriais reduziram seus departamentos de compra e de vendas, transferindo atribuições para empresas especializadas em logística de distribuição. Ao mesmo tempo, muitas transportadoras se tornaram empresas de logística. Entre as inovações do setor estão: introdução de rotas monitorizadas por satélite; incremento da utilização da paletização das cargas; e atuação estruturada em plataformas de distribuição. Com o incremento de novas técnicas e tecnologias, o setor reduziu custos de distribuição e o tempo despendido, acirrando assim a concorrência regional. A maior internacionalização da economia exigiu, também, modernização do segmento, dada a importância estratégica dele na competitividade externa das empresas brasileiras. 281 O Comércio, mesmo que de forma bastante heterogênea, também foi recentemente palco de alterações importantes, que impactaram empresas atacadistas e algumas varejistas. Entre as inovações mais expressivas ocorridas na década de 1990, podemos mencionar: introdução do scanner; informatização das operações administrativas e do controle de estoques; Troca Eletrônica de Documentos (EDI); e mudanças organizacionais nos processos de trabalho. Os ganhos provenientes das novas 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 281 18/6/2009 09:47:33 tecnologias, a circulação mais ágil de informação e a adoção da logística de distribuição contribuíram para a consolidação do maior poder de mercado das grandes redes atacadistas e varejistas. Os atacadistas de menor porte procuraram se aproximar, através de suportes como crédito diferencial, dos micro, pequenos e médios varejistas, estes, em busca de se associarem para aumentar seu poder de compra. Porém, grande parte destes últimos manteve-se às margens das modernizações. 282 Em relação aos Serviços Pessoais, dependentes da renda das famílias, via de regra não apresentaram crescimento expressivo no período 1985-2004, embora o setor Alojamento & Alimentação tenha apresentado algum crescimento a considerar. Contudo, boa parte do desempenho desse setor está relacionada a custos das atividades empresariais (Exs: valerefeição e turismo de negócios). Por outro lado, seu desempenho em geral foi afetado pela queda dos rendimentos médios das famílias, em especial a classe média, afetados por efeitos negativos de sucessivas crises, embora do ponto de vista do emprego, como veremos na seção seguinte, ele serviu de “amortecedor“ das tensões por abrigar parcela importante da força de trabalho deslocada do mercado formal. Por fim, os Serviços Coletivos, que fogem à lógica de mercado, foram os que apresentaram as menores taxas de crescimento. Por um lado, no que tange ao setor público, além da forma específica do cálculo do valor adicionado7, houve Conforme os esclarecimentos metodológicos do IBGE, por ser um serviço fornecido gratuitamente à coletividade, o produto dos serviços públicos precisa ser medido a partir de uma metodologia específica. O Valor da Produção (não-mercantil) da administração pública é calculado pela soma dos gastos correntes realizados com a prestação dos serviços públicos. Vale dizer, no caso da administração pública, a produção é calculada a partir da soma dos custos de produção (material de consumo, mais gastos com pessoal ativo e inativo). Os gastos correntes que entram no cômputo da produção são: material de consumo utilizado pelas administrações (Consumo Intermediário) mais salários e encargos Coletivos dos empregados (ativos e inativos) no serviço público (Valor Adicionado). Assim, o VA desse setor consiste basicamente nos salários pagos menos os gastos de consumo. 7 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 282 18/6/2009 09:47:33 uma redução do Estado no que tange às atividades administrativas de 1989 a 2002, com crescimento insuficiente de pessoal frente à demanda. Por outro lado, houve aumento da demanda por serviços públicos concomitantemente a uma forte expansão do número de municípios. Portanto, aumenta a necessidade de serviços burocráticos e administrativos e de serviços ligados à reprodução da força de trabalho: saúde e educação e serviços de seguridade social garantidos pela constituição de 1988. O crescimento desses últimos (serviços ligados à reprodução da força de trabalho) foi mais perceptível nos últimos anos com a entrada em vigor da legislação. Podemos enumerar alguns motivos que elevaram a demanda por serviços públicos: aumento do número de municípios; queda da renda/maior demanda por serviços públicos gratuitos; aumento da taxa de urbanização e crescimento populacional mesmo em desaceleração. Nem todos os setores e segmentos que compõem os serviços coletivos e pessoais passaram por processo de modernização, que nesses setores ocorreu de forma localizada e desordenada. No que se refere aos serviços coletivos pertencentes à administração pública, principal responsável, a modernização envolveu determinados segmentos e parte da enorme gama de unidades administrativas e prestadoras dos serviços públicos de forma desigual em momentos distintos, ficando amplos espaços à margem do processo.8 No que se refere aos serviços coletivos não mercantis, a modernização dependeu da capacidade das empresas e dos incentivos. Os municípios e estados mais desenvolvidos e/ou com demanda atrativa foram os locais privilegiados, como foi o caso da Saúde e Educação mercantis. 283 Devem ser destacados dois aspectos da evolução recente do Terciário no Brasil. Primeiro, a sua modernização foi tardia em relação às economias desenvolvidas e esteve 8 O sistema de arrecadação tributária foi exemplo de modernização. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 283 18/6/2009 09:47:34 concentrada nos grandes centros urbanos, guardando diferenciações em termos regionais. Segundo, muitos setores, como os relacionados aos serviços pessoais ou domiciliares e ao pequeno comércio, como também alguns serviços públicos, não só não se modernizaram como permanecem exercendo um papel importante na geração de ocupações e de renda. Um dos efeitos do processo de modernização até aqui sintetizados foram novas formas de ocupação e contratação, indicando um crescimento dos postos de trabalho no setor. Na Tabela 3 é possível verificar o peso dos serviços no PIB do Terciário brasileiro, agrupados segundo nossa classificação adaptada à construída por Browning e Singelmann (1978). Nota-se que os serviços produtivos, seguidos dos serviços coletivos, são os que mais pesam no PIB do Terciário. 284 Nos serviços produtivos destacam-se as Atividades Imobiliárias, Aluguéis e Serviços prestados às empresas (principalmente os Serviços prestados com maior peso nesse ramo) que ganharam participação entre 1985 e 2004. Comunicações foi o setor que mais aumentou sua participação e seu peso do PIB do Terciário, passando a se tornar relevante. Nos serviços coletivos o peso da Administração Pública, Defesa e Seguridade Social, que incluem educação e saúde, embora tenha caído continua sendo muito expressivo, não só para o Terciário nacional como para a economia brasileira como um todo, evidenciando a grande importância econômica do setor público no Brasil. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 284 18/6/2009 09:47:34 Tabela 3 – Participação Setorial no PIB do Terciário – Brasil Anos Selecionados 1985/2004 (valores de 2004) 1985 1990 1995 2000 2004 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 3.1 Serviços Distributivos 17,3 17,4 18,5 18,3 18,6 Com e Reparação de Veíc., Objetos Pess. e Domésticos 13,9 13,9 15,0 14,2 14,4 3,3 3,4 3,5 4,0 4,2 33,2 34,3 35,4 37,5 38,0 18,2 19,2 19,5 20,1 20,0 3. Serviços (Terciário) Transportes e Armazenagem 3.2 Serviços produtivos (complementares) Atividade Imob., Aluguéis e Serviços prest. às empresas Comunicações 1,4 2,1 2,9 4,3 4,7 Intermediação financeira 13,6 13,0 13,0 13,1 13,3 3.3 Serviços Sociais (coletivos) 43,2 41,6 39,5 37,8 36,8 Administração Pública, Defesa e Seguridade Social 38,0 36,6 34,8 33,2 32,4 Saúde e Educação Mercantis 5,2 5,0 4,7 4,5 4,4 3.4 Serviços Pessoais 6,4 6,7 6,5 6,4 6,7 Alojamento e Alimentação 2,5 2,8 2,6 2,7 2,7 Outros Serviços Coletivos, Sociais e Pessoais 2,8 3,0 2,8 2,7 2,9 Serviços domésticos 1,1 0,9 1,1 1,1 1,0 285 Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nos Dados de IBGE. Diretoria de Pesquisas. Departamento de Contas Nacionais. Contas Regionais do Brasil 1985-2000. Microdados e Silva (2005a, 2005b). Obs.: Nesta tabela os valores a preços de 2004 foram obtidos deflacionando os valores nominais correntes a partir do índice de Crescimento setorial do próprio IBGE. A partir dos valores nominais deflacionados calculamos as participações setoriais a valores de 2004. Por fim, deve-se destacar que os serviços distributivos continuam tendo um peso significativo no PIB do Terciário nacional e ganharam pouco de participação no período. Tanto os Transportes quanto o Comércio e Reparações de veículos, objetos pessoais e domésticos ganharam participação. Embora este último tenha seu melhor momento em meados da década de 1990, no auge do plano real. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 285 18/6/2009 09:47:34 Feitos estes registros e observações sob a ótica setorial, a seguir trataremos da estrutura do PIB sob a ótica regional. Ou seja, procuraremos observar alguns efeitos das transformações recentes sobre a distribuição do produto da economia entre as macrorregiões do País, refletindo sobre os movimentos mais importantes. Depois faremos o mesmo no que se refere às ocupações geradas pelos setores do Terciário nacional. A Geração do Produto Interno Bruto sob a Ótica Regional 286 As mudanças da conjuntura econômica brasileira desde a década de 1980, o reordenamento da economia, a reestruturação das atividades e transformações até aqui sinteticamente mencionadas, refletiram sobre a economia regional do País. O Terciário, ao participar desse processo, teve alguns de seus setores e segmentos exercendo papel estratégico. Partindo de dados de geração de produto/riqueza (PIB), faremos a seguir uma análise regional de forma a contribuir para o entendimento desse processo. A Tabela 4 mostra a estrutura do PIB, especialmente do Terciário, em termos regionais. Consideramos aqui também a estrutura demográfica no que tange ao peso da população de forma a avaliar melhor a evolução da participação regional no produto. Tabela 4 – Participação das Regiões e Unidades da Federação no PIB e População no Brasil - 1985/2004 (em %) 1985 1990 Regiões 1995 PIB 1999 2004 1985-2004 População Norte 3,61 4,66 4,56 4,47 5,23 5,58 7,92 Nordeste 13,43 12,56 12,77 13,06 13,97 29,10 27,77 Sudeste 60,36 57,00 58,27 57,81 54,96 43,10 42,61 Sul 16,60 17,12 17,87 17,85 18,35 15,53 14,67 8,66 6,53 6,80 Centro-Oeste Brasil 6,00 100,00 100,00 100,00 100,00 7,49 6,70 7,03 100,00 100,00 100,00 Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nos Dados de IBGE. Diretoria de Pesquisas. Departamento de Contas Nacionais. Contas Regionais do Brasil 1985-2000. Microdados. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 286 18/6/2009 09:47:34 É conhecida a elevada disparidade regional da riqueza gerada no Brasil, como mostra a Tabela 4, que considera o período recente 1985-2004. No Terciário isso também se verificava, mas a concentração se mostrou ligeiramente menos acentuada em relação ao total do PIB brasileiro, como mostra a Tabela 5. O que chama a atenção é que o peso do Sudeste é muito elevado e mesmo em leve declínio no período ainda superava bastante seu peso populacional. Destaca-se o Estado de São Paulo ainda com praticamente um terço do PIB dos Serviços do Brasil, detendo, especialmente em seus maiores centros, o Terciário mais diversificado e moderno do País, particularmente o da Região Metropolitana de São Paulo.9 Em geral, os estados onde se localizam as maiores e mais desenvolvidas regiões metropolitanas possuem as maiores participações do produto dos serviços, seja em nível nacional ou regional. Tabela 5 – Participação das Regiões e Unidades da Federação no PIB do Terciário Brasil - 1985-2004 (em %) 1985 1990 Regiões Norte 1995 1999 2004 PIB 1985 2004 População 3,25 4,04 3,88 4,15 4,65 5,58 7,92 Nordeste 13,18 13,22 13,02 13,39 14,94 29,10 27,77 Sudeste 59,26 54,79 59,01 58,54 55,16 43,10 42,61 Sul 14,88 14,13 15,66 15,23 15,63 15,53 14,67 13,83 8,43 8,69 9,62 6,70 7,03 Centro-Oeste Brasil 9,43 100,00 100,00 100,00 287 100,00 100,00 100,00 100,00 Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nos Dados de IBGE. Diretoria de Pesquisas. Departamento de Contas Nacionais. Contas Regionais do Brasil 1985-2000. Microdados. Mesmo com uma pequena melhora na distribuição espacial do PIB produzido pelo Terciário no Brasil, com a qual o Norte e o Nordeste ganharam leve participação, ainda se 9 Ver Cano et al. (2007). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 287 18/6/2009 09:47:34 mantém elevada a concentração desse grande setor no Sudeste, e levemente no Sul e Centro-Oeste. Estas três regiões, que respondiam por 64,3% da população brasileira, detinham 80,4% do PIB da atividade em 2004, embora seja preciso considerar que a localização do Distrito Federal no Centro-Oeste acentua seu peso ao responder por 52% do PIB do Terciário dessa região enquanto representava 34% do total do PIB da região. Por outro lado, as duas regiões mais pobres, Nordeste e Norte, com 35,7% da população brasileira, detinham apenas 19,6% do PIB da atividade nesse mesmo ano. O pequeno ganho dessas regiões está relacionado a alguns fatores como: efeitos da inclusão da previdência rural (especialmente no Nordeste), aumento da urbanização e deslocamento de algumas atividades produtivas para subespaços dessas regiões. Essas duas últimas também impactaram positivamente o Terciário do Centro-Oeste. 288 A Tabela 6, agrupada por setores e categorias de serviços do Terciário, seguindo a nossa adaptação metodológica, mostra as variações no período. À primeira vista somos levados a acreditar que houve uma pequena, mas importante, desconcentração do produto gerado pelo Terciário no período 1985-2004. Destaca-se o recuo do Sudeste em relação às outras regiões, com variação negativa em oito dos dez setores do Terciário, enquanto o Norte e o Nordeste, as duas regiões mais pobres do País, e o Centro-Oeste ganharam participação no produto desse grande setor. Mas para avaliarmos melhor essa desconcentração é preciso considerar também a variação populacional. Tanto no Norte quanto no CentroOeste a variação populacional foi positiva e superior aos seus respectivos ganhos de participação no PIB do Terciário. Isso aconteceu especialmente no Norte, que embora tenha obtido ganho relativo no PIB de oito dos dez setores do Terciário, em nenhum desses setores esse ganho foi superior ao seu ganho populacional. Com isso anulou-se totalmente a desconcentração da riqueza gerada pelos serviços nessa região. Isso não aconteceu no Centro-Oeste, pois todos os seus ganhos de 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 288 18/6/2009 09:47:34 participação no PIB em sete setores do Terciário foram superiores ao seu ganho populacional. Por outro lado, no Sul, o pequeno ganho relativo no PIB do Terciário foi acentuado pela pequena perda populacional, o que tornou relevante a concentração nessa região, a segunda mais rica do país. Em dois dos cinco setores nos quais essa região perdeu peso no PIB, as perdas foram inferiores à sua perda populacional, o que anulou parte da desconcentração. Tabela 6 – Variação das Participações Regionais no PIB dos Setores do Terciário Brasil e Regiões - 1985-2004* (Em Pontos Percentuais) Serviços Serviços Produtivos Distributivos Serviços Total do Sociais Serviços Pessoais Setor (coletivos) Regiões C&R T&A AI&SE Com IF Adm SE Norte 0,38 1,56 -0,24 1,85 0,93 1,57 1,85 -0,41 1,37 1,09 1,40 Nordeste -0,52 3,55 -4,23 5,44 1,05 2,09 0,46 -3,02 5,33 1,86 1,76 -1,33 Sudeste -4,97 -2,64 7,47 -14,98 -0,05 -6,6 -5,22 0,21 -9,51 -2,8 -4,1 -0,49 Sul 3,38 -3,09 -1,25 5,8 2,63 -0,71 1,87 3,38 -2,65 -0,67 0,75 -0,86 CentroOeste 1,73 0,6 -1,75 1,89 -4,56 3,65 0,19 0,33 A&A OS 1,04 -0,16 5,45 Parcela da SD’s Terciário População 0,52 2,34 289 Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nos Dados de IBGE. Diretoria de Pesquisas. Departamento de Contas Nacionais. Contas Regionais do Brasil 1985-2000. Microdados e Silva (2005a, 2005b). Obs: ADM refere-se à Administração Pública, Defesa e Seguridade Social; AI&SE a Atividades Imobiliárias, Aluguéis e Serviços Prestados às empresas, C&R ao Comércio e reparação de veículos, de objetos pessoais e de uso doméstico, IF à Intermediação Financeira, SE à Saúde e Educação Mercantis, T&A a Transportes e Armazenagem, A&A a Alojamento e Alimentação, OS a Outros Serviços , SD’s refere-se a Serviços Domésticos e Terciário à variação total no setor. No Sudeste, como a perda populacional foi muito pequena, praticamente não se atenuou a desconcentração da riqueza do Terciário nessa região. Dos oito setores nos quais a região sofreu perda relativa no produto nacional, apenas a Intermediação Financeira apresentou perda menor que a perda populacional. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 289 18/6/2009 09:47:34 Já no Nordeste, seu ganho relativo no produto foi acentuado por sua perda de participação populacional. Essa região teve desempenho relativo ascendente em sete setores do Terciário e em um (Comércio e Reparação) dos três setores em que o desempenho foi declinante a perda foi inferior à sua perda populacional, aumentando, assim, o produto desse setor por habitante. Em suma, a desconcentração regional do PIB ocorrida nos serviços no período 1985-2004 reduziu a concentração regional em vários setores do Terciário, mesmo que os efeitos da variação regional da população brasileira tenham, em alguns casos, contribuído para isso. Dadas essas variações, a estrutura regional do PIB do macrossetor Terciário e de seus setores no Brasil apresentou, em 2004, a seguinte estrutura mostrada na Tabela 7. 290 Tabela 7 – Participações Regionais no PIB das Atividades do Terciário segundo as Categorias de Serviços e Distribuição Populacional – Brasil e Regiões – 2004 (em %) Serviços Distributivos Regiões Serviços Produtivos C&R T&A AI&SE Com Serviços Total do Parcela Sociais Serviços Pessoais Setor da (coletivos) IF Adm SE A&A OS SD’s 6,67 4,88 3,13 7,37 Terciário População Norte 4,93 5,88 2,86 3,76 1,79 3,14 4,65 7,92 Nordeste 15,35 16,8 10,12 14,82 8,13 19,99 15,07 16,67 17,48 12,69 14,94 27,77 Sudeste 51,77 53,37 66,92 58,27 65,98 45,13 52,34 56,13 52,41 60,48 55,16 42,61 Sul 20,96 17 Centro6,99 6,94 Oeste BRASIL 100,0 100,0 15,54 15,22 14,51 13,31 18,77 17,43 13,15 15,38 15,63 14,67 4,56 7,93 9,62 7,03 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 9,59 14,9 8,95 6,64 9,58 8,3 Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nos Dados de IBGE. Diretoria de Pesquisas. Departamento de Contas Nacionais. Contas Regionais do Brasil 1985-2000. Microdados e Silva (2005a, 2005b). Obs: ADM refere-se à Administração Pública, Defesa e Seguridade Social; AI&SE a Atividades Imobiliárias, Aluguéis e Serviços Prestados às empresas, C&R ao Comércio e reparação de veículos, de objetos pessoais e de uso doméstico, IF à Intermediação Financeira, SE à Saúde e Educação Mercantis, T&A a Transportes e Armazenagem, A&A a Alojamento e Alimentação, OS a Outros Serviços , SD’s refere-se a Serviços Domésticos e Terciário ao total do setor. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 290 18/6/2009 09:47:34 Em termos de queda de PIB, na região Norte se destaca o Pará (1,7% do PIB do Terciário nacional). No Nordeste, a Bahia e Pernambuco (4,25% e 3,29% do PIB do Terciário nacional). No Sudeste, São Paulo e Rio de Janeiro (31,51% e 12,17%). No Sul o Rio Grande o Sul (7,2%) e no Centro-Oeste, o Distrito Federal (5,03%). Ou seja, os mesmos estados que detinham as maiores participações em 1985. Na próxima seção será avaliado o que aconteceu com a geração de ocupações em termos regionais, considerados os quatro grupos de serviços do Terciário conforme a classificação adotada: distributivos, produtivos, coletivos e pessoais. O Terciário pela Ótica do Emprego Os dados dos setores foram elaborados a partir dos microdados da PNAD e copilados de forma a adequar as diferentes atividades de trabalho nos dez setores segundo o agrupamento realizado pelo IBGE, e depois agrupados nas categorias de serviços conforme a classificação aqui adotada. Em cada categoria foi sinteticamente analisada a evolução regional entre 1995 e 2006 do total dos ocupados por região e do percentual de ocupados sem contribuição à previdência pública. Portanto, estes últimos, além de não possuírem registro em carteira, estariam totalmente desprotegidos pelas garantias previdenciárias. 291 Mas, antes de fazer a análise, cabe aqui uma observação: além das dificuldades financeiras de expandir a rede de atendimento da previdência pública, parte dos ocupados, por diferentes razões, opta por não contribuir, por exemplo, por precisarem utilizar recursos para girar seus negócios, ou por encontrarem dificuldade de estabelecer esse vínculo em serviços esporádicos, ou mesmo porque já possuem alguma outra renda ou garantia de sobrevivência.10 Isso não diminui 10 Podemos citar alguns exemplos típicos: os micro empreendedores e/ou conta-própria (pequenos agricultores, vendedores ambulantes, camelôs, prestadores de serviços dos mais variados segmentos etc.) e, inclusive participantes de programas sociais e beneficiários que necessitam complementar sua renda. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 291 18/6/2009 09:47:34 as preocupações sociais, pois a maioria desses casos está relacionada à dificuldades de estabelecer maiores níveis de remuneração de ordem monetária frente a diversos limites e especificidades setoriais e espaciais, já mencionados, em uma economia capitalista em expansão. 292 Os Serviços Distributivos, categoria com maior contingente de ocupados entre as quatro categorias de serviços de nossa classificação, são compostos pelo setor Comércio e Reparações de veículos e objetos pessoais e de uso doméstico, que responde pela maioria dos empregos, e pelo setor de Transportes e Armazenagem. Nos serviços distributivos houve um crescimento de 43,6% do total das ocupações no Brasil entre 1995 e 2006, como mostra a Tabela 8. Em termos relativos a região Norte se destacou com 82% de crescimento, sendo que a região Sudeste foi a que teve o pior desempenho no intervalo (39,1%). Contudo, essa última região ainda concentra cerca de 46% das ocupações dessa categoria de serviços, seguida pelo Nordeste, que manteve sua participação no total dos ocupados em torno de 24%. Os dados da PNAD também mostram os Estados que se destacaram em termos de crescimento: Roraima (175,3%), Pará (93,4%), e Mato Grosso do Sul (77,1%).11 Por outro lado, as maiores concentrações de ocupados estão nos Estados de São Paulo (4,76 milhões), Minas Gerais (2 milhões) e Rio de Janeiro (1,73 milhões). Mas Roraima, em 2006, possuía apenas 36 mil ocupados, ou seja, seu crescimento foi expressivo apenas em termos percentuais. 11 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 292 18/6/2009 09:47:34 Tabela 8 – Serviços Distributivos: total de Ocupados, percentual de ocupados sem contribuição à previdência e crescimento percentual dos ocupados-1995/2006 1995 1995 2006 2006/1995 1.367.763 Sem Contribuição (%) 58,8 Nordeste 3.307.123 55,3 4.642.025 63,5 40,4 Sudeste 6.390.210 24,1 8.888.788 32,1 39,1 Sul 2.167.067 27,3 3.133.740 29,3 44,6 957.527 49,7 1.458.620 43,8 52,3 13.573.594 33,9 19.490.936 41,3 43,6 REGIÕES Norte Centro-Oeste BRASIL Total de ocupados 751.667 Sem Contribuição (%) 56,1 2006 Total de ocupados Variação (%) 82,0 Fonte: IBGE/PNAD. Chama a atenção, também, que nos dois anos analisados os ocupados sem contribuição à previdência tinham peso muito mais elevado no percentual de ocupados sem contribuição, enquanto no Norte, principalmente no Nordeste, aumentou o percentual de ocupados não cobertos por planos previdenciários atingindo 63,5% dos ocupados nessa região em 2006. Em 2006, os Estados com as piores situações em relação a essa cobertura ao trabalhador eram Mato Grosso do Sul (77,1%), Acre (76,2,% dos ocupados não contribuíam) e Sergipe (70%). 293 Em relação aos Serviços Produtivos, compostos pelo setor Atividade Imobiliária, Aluguéis e Serviços prestados principalmente às empresas, que responde pela maioria dos empregos (cerca de 75%), e pelos setores de Comunicações e de Intermediação Financeira, houve um crescimento de 69,6% do total das ocupações no Brasil entre 1995 e 2006, como mostra a Tabela 9 a seguir. Em termos relativos, a região Norte se destacou com 126,8% de crescimento, sendo que também foi a região Sudeste que apresentou o pior desempenho no intervalo (60,1%). Contudo essa última região, mesmo perdendo participação (4 pontos percentuais) ainda concentra em 2006 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 293 18/6/2009 09:47:34 praticamente 57% das ocupações dos Serviços Produtivos, seguida pelo Nordeste e Sul, com pouco mais de 15% do total dos ocupados. Os dados da PNAD também mostram que entre os Estados se destacaram em termos de crescimento: Roraima (257,7), Pará (170,3%), e Espíríto Santo (153,8%). 294 Nos serviços produtivos os ocupados sem contribuição à previdência apresentaram peso mais reduzido em 2006 (26,2% do total de ocupados). As regiões com pior nível de cobertura da previdência foram o Nordeste (33,8%), e o Norte (36,4%). Em todas as regiões, com exceção do Centro-Oeste, o percentual de ocupados não cobertos por planos previdenciários aumentou entre 1995 e 2006, com destaque para o Nordeste onde o crescimento desse grupo foi maior. Em 2006, os Estados com as piores situações em relação a essa garantia ao trabalhador eram os Estados de Alagoas (48,3% dos ocupados não contribuíam), do Maranhão (45,5,%), e da Paraíba (43,9%). Já os Estados com as maiores concentrações de ocupados são: São Paulo (2,34 milhões), Rio de Janeiro (0,85 milhões) e Minas Gerais (0,58 milhões). Tabela 9 – Serviços Produtivos: Total de Ocupados, Percentual de Ocupados sem Contribuição à Previdência e Crescimento Percentual dos Ocupados-1995/2006 1995 1995 2006 2006 Norte 122.128 Nordeste 571.621 27,6 1.097.112 33,8 91,9 2.446.647 21,6 3.916.034 23,7 60,1 634.390 24,4 1.077.892 26,3 69,9 295.018 30,7 533.790 23,8 80,9 4.069.804 24,0 6.901.758 26,2 69,6 REGIÕES Sudeste Sul Centro-Oeste BRASIL Total de ocupados Total de ocupados 276.930 Sem Contribuição (%) 36,4 2006/1995 Sem Contribuição (%) 35,4 Variação (%) 126,8 Fonte: IBGE/PNAD. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 294 18/6/2009 09:47:34 Os Serviços Coletivos constituem o grupo com o terceiro maior contingente de ocupados entre as quatro categorias de serviços de nossa classificação. É composto pelo setor de Educação e Saúde Mercantis e pela Administração Pública, Defesa e Seguridade Social (incluindo educação e saúde) que respondem pela grande maioria dos empregos (75% das ocupações). Nesse grupo houve um crescimento de 46,4% do total das ocupações no Brasil entre 1995 e 2006, como mostra a Tabela 10. Em termos relativos, a região Norte novamente se destacou com 81% de crescimento, sendo que a região Nordeste foi a que teve o pior desempenho no intervalo (35,2%). Os dados da PNAD também mostram que entre os Estados o Pará se destacou com crescimento de 126,9% no número total de ocupados no intervalo considerado. O pior desempenho foi da Paraíba, com crescimento de apenas 18,9%. O Sudeste obteve um leve aumento de participação no número de ocupados e era a região que mais concentrava ocupados nesse grupo em 2006, com cerca de 45,6% das ocupações. A ela se seguia o Nordeste, que mesmo depois de pequena perda de participação no total dos ocupados, ainda respondia por 24,1% dos ocupados em 2006. 295 Tabela 10 – Serviços Sociais: Total de Ocupados, Percentual de Ocupados sem Contribuição à Previdência e Crescimento Percentual dos Ocupados - 1995/2006 1995 REGIÕES Norte Total de ocupados 491.744 1995 Sem Contribuição (%) 14,0 2006 Total de ocupados 890.395 2006 Sem Contribuição (%) 11,1 2006/1995 Variação (%) 81,1 Nordeste 2.199.273 21,8 2.972.614 17,1 35,2 Sudeste 3.791.251 10,0 5.620.352 14,0 48,2 Sul 1.232.727 10,3 1.813.529 14,0 47,1 701.031 11,7 1.024.359 10,9 46,1 8.416.026 13,5 12.321.249 14,3 46,4 Centro-Oeste BRASIL Fonte: IBGE/PNAD. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 295 18/6/2009 09:47:34 Dada a sua composição, que inclui o setor público, o grupo dos serviços coletivos é o que apresenta a menor participação de ocupados sem contribuição à previdência. Em nenhuma das regiões o peso dos ocupados sem contribuição é dos mais expressivos. Contudo, enquanto o peso desse tipo de ocupação caiu no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, nas regiões Sul e Sudeste ele subiu entre 1995 e 2006. Em 2006, os Estados com as piores situações em relação a essa cobertura ao trabalhador eram os Estados do Piauí (24,0%), do Alagoas e do Sergipe (ambos com cerca de 20%). 296 Os Serviços Pessoais abriga o segundo maior contingente de ocupados entre as quatro categorias de serviços de nossa classificação. Esse grupo é composto pelos seguintes setores: setor de Alojamento e Alimentação, setor dos Outros Serviços, Coletivos e Pessoais, ambos com mais de 3 milhões de ocupados em 2006 e, ainda pelo setor de Serviços Domésticos, que responde por praticamente 50% das ocupações em 2006. Os Serviços Pessoais apresentaram um crescimento de 29,4% do total das ocupações no Brasil entre 1995 e 2006, como mostra a Tabela 11. Em termos relativos, mais uma vez a região Norte se destacou com 69,4% de crescimento, sendo que a região Sul foi a que teve o pior desempenho no intervalo (19,8%), em torno de 49% das ocupações dessa categoria de serviços, seguida pelo Nordeste, que manteve sua participação no total dos ocupados em torno de 23%. Os dados da PNAD também mostram que entre os Estados se destacaram em termos de crescimento: Roraima (190,3%) e Amapá (155,2%), mas ambos em termos absolutos contêm número pequeno de ocupados nesse grupo de serviços (23,9 mil e 33,4 mil ocupações). Por outro lado, as maiores concentrações de ocupados estão nos Estados de São Paulo (3,4 milhões), Minas Gerais (1,59 milhões) e Rio de Janeiro (1,45 milhões). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 296 18/6/2009 09:47:34 Tabela 11 – Serviços Pessoais: Total de Ocupados, Percentual de Ocupados sem Contribuição à Previdência e Crescimento Percentual dos Ocupados – 1995/2006 1995 REGIÕES Norte Total de ocupados 473.911 1995 Sem Contribuição (%) 88,9 2006 Total de ocupados 802.931 2006 Sem Contribuição (%) 82,0 2006/1995 Variação (%) 69,4 Nordeste 2.476.313 86,1 3.137.894 78,8 26,7 Sudeste 5.210.689 64,4 6.688.220 56,9 28,4 Sul 1.579.103 67,3 1.892.042 58,8 19,8 823.960 80,1 1.145.655 68,1 39,0 10.563.976 72,2 13.666.742 64,6 29,4 Centro-Oeste BRASIL Fonte: IBGE/PNAD. Os serviços pessoais é a categoria de serviços com o maior percentual de ocupados sem contribuição à previdência. Embora esse tipo de contratação venha caindo proporcionalmente, ainda atingia 64,6% do total de ocupados em 2006. As regiões com pior nível de cobertura da previdência foram o Nordeste (82%) e o Norte (78,8%). Ao menos, em todas as regiões o percentual de ocupados não cobertos por planos previdenciários diminuiu consideravelmente entre 1995 e 2006, com destaque para o Centro-Oeste onde essa queda foi mais expressiva. Contudo, essa situação em 2006 ainda era muito preocupante nos serviços pessoais. Em 2006, em três dos estados do Norte e em quatro do Nordeste o percentual de ocupados sem contribuição ultrapassava 80%, sendo a situação mais delicada a do Piauí, onde 86,6% dos ocupados não contribuíam para a previdência. 297 Por fim, cabe aqui uma comparação da evolução do emprego entre os quatro grupos de serviços nos moldes da abordagem acima realizada. Primeiro, no que tange ao crescimento das ocupações, e depois, em relação à falta de garantia previdenciária à mão-de-obra. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 297 18/6/2009 09:47:34 Em termos de crescimento do número de ocupados, foram os Serviços Produtivos que apresentaram a maior taxa de crescimento entre 1995 e 2006, bem acima da taxa de crescimento do total de empregos do macrossetor Terciário que cresceu consideravelmente, como é possível notar na Tabela 12. Da mesma forma, alguns setores que compõem esses serviços foram os que apresentaram o melhor desempenho, em termos de PIB, entre 1995 e 2004 (ver Tabela 2). Contudo, esse grupo é o que possui o menor número de ocupados, embora apresente o segundo menor percentual de ocupados sem contribuição. Segundo os dados de emprego da PNAD, o crescimento das ocupações no setor das Atividades Imobiliárias, Aluguéis e Serviços prestados, que responde pala maioria dos empregos no grupo, foi o que mais se destacou, sendo que a região que apresentou o maior crescimento foi a região Norte, que apresentou a maior taxa de crescimento entre todos as categorias de serviços. 298 Tabela 12 – Total De Ocupados, Percentual De Ocupados Sem Contribuição À Previdência E Crescimento Percentual Dos Ocupados Segundo Os Grupos De Serviços-Brasil – 1995/2006 1995 1995 2006 2006 2006/1995 Grupos(categorias) Total de ocupados Sem Contribuição (%) Total de ocupados Sem Contribuição (%) Variação (%) Serviços Distributivos 13.573.594 33,9 19.490.936 41,3 43,6 Serviços Produtivos 4.069.804 24,0 6.901.758 26,2 69,6 Serviços Sociais (coletivos) 8.416.026 13,5 12.321.249 14,3 46,4 Serviços Pessoais 10.563.976 72,2 13.666.742 64,6 29,4 Total 36.623.400 - 52.380.685 - 43,0 Fonte: IBGE/PNAD. Já os Serviços Pessoais, que detêm o segundo maior contingente de ocupados, apresentaram a menor taxa de crescimento no intervalo considerado. Este também é o grupo com o maior percentual de ocupações sem contribuição 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 298 18/6/2009 09:47:34 previdenciária. A taxa de crescimento dos Serviços Distributivos foi a segunda menor e este grupo apresenta o segundo maior percentual de ocupações sem contribuição. O grupo dos Serviços Coletivos é o que detém o maior contingente de ocupados (37,2% do total de ocupados no Terciário em 2006) com percentual significativo de ocupações sem contribuição à previdenciária. Por fim, os Serviços Coletivos apresentaram a segunda maior taxa de crescimento entre as categorias de serviços, com baixo percentual de ocupados sem contribuição previdenciária e detinham, em 2006, uma parcela expressiva do total dos ocupados no Terciário brasileiro (23,5%). Ainda é preciso destacar que foi expressivo o crescimento dos ocupados no macrossetor Terciário brasileiro entre 1995 e 2006, seja em termos absolutos (acréscimo de 15,76 milhões de ocupações), seja em termos percentuais. Por outro lado, exceto pelos Serviços Coletivos, onde o percentual de ocupados sem contribuição previdenciária ainda é significativo, nos demais grupos este tipo ocupação aumentou no intervalo, destacando-se os Serviços Distributivos. Mas dado que o intervalo observado é de onze anos, seriam necessários outros estudos para qualificar sua importância em termos econômicos, inclusive considerando aspectos como remuneração, jornada de trabalho, rotatividade da mão-de-obra, perfil dos ocupados quanto à idade, sexo, vínculo de trabalho etc. 299 Considerações Finais No desenrolar deste estudo, procuramos contribuir para um melhor entendimento do desenvolvimento recente do Terciário no Brasil, enfatizando sua importância para a economia nacional e os processos de modernização observados em vários de seus segmentos econômicos, destacando comparações regionais, seja em termos da riqueza gerada (PIB), seja em termos de postos de trabalho. Não se trata, agora, de retomar todos os resultados da pesquisa e indicações apre- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 299 18/6/2009 09:47:34 sentadas ou abordadas, mas de enfatizar alguns aspectos que merecem maior destaque e estudos mais aprofundados. 300 1) Como mencionado, as atividades típicas dos serviços vêm passando por modificações que incorporaram transformações, em grande parte facilitadas por avanços tecnológicos que permitiram o surgimento e/ou a modernização de determinados tipos de serviços. Deve ser destacado que a reorganização do Terciário afetou o mercado brasileiro como um todo, influindo decisivamente no ambiente concorrencial ao reduzir distâncias, estabelecer novas modalidades de comercialização, impor padrões tecnológicos e organizacionais, elevar exigências de produtividade e qualidade etc. A busca de agilidade e flexibilização no processo produtivo está entre os fatores que contribuíram para ampliar a importância e condicionar o desempenho recente do Terciário no Brasil. Se por um lado a modernização do Terciário permitiu um avanço das grandes empresas sobre a periferia, por outro lado também vem permitindo o atrelamento e desenvolvimento de espaços econômicos a centros importantes de relações industriais e comerciais. Os avanços tecnológicos e o barateamento de determinados serviços de apoio à produção e comercialização contribuem para tal. Destacam-se as telecomunicações, especialmente no que tange à transmissão de dados por satélite; para o barateamento dos transportes e para as facilidades de acesso aos serviços bancários. Ainda que tenha avançado nesse sentido, muitos dos serviços modernos exigem unicamente condições de infraestrutura de energia elétrica para instalação de terminais de computadores nas empresas ou cobertura da telefonia móvel, o que dispensou postos de trabalho, mas abriu outras oportunidades e formas de contratação. Esse novo contexto certamente influi e continuará influindo na economia regional do país. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 300 18/6/2009 09:47:34 2) No que tange a geração e distribuição da riqueza gerada medida pelo PIB, ainda que os dados por estados e macrorregiões encubram muitos efeitos do reordenamento recente da economia brasileira e da modernização dos serviços de apoio à produção e distribuição, foi possível notar uma desconcentração da riqueza produtiva que vem acompanhada com uma desconcentração populacional. Também se observou uma alteração na composição interna do grande setor Terciário. Mas, o importante a destacar são a expansão e a modernização dos serviços que vêm afetando as relações econômicas na esfera produtiva (e entre os diversos setores do próprio Terciário), assim como a reconfiguração espacial dessas atividades. Mesmo de forma heterogênea, as implicações desse processo não podem ser desprezadas. No caso da experiência brasileira, o desenvolvimento do Terciário no contexto da reestruturação econômica teve participação importante. A economia nacional foi palco de grandes transformações, nas quais os serviços modernizados e mais dinâmicos têm desempenhado um papel decisivo. O reordenamento da economia nacional e as novas formas de inter-relacionamento setorial vêm exercendo efeitos sobre a localização de muitas atividades econômicas. Além disso, os dados disponíveis indicam que as regiões e os estados mais “desenvolvidos” (notadamente os que apresentam as maiores estruturas industriais) continuam mantendo peso expressivo no PIB e no total das ocupações do terciário nacional. Certamente, isso tem sido influenciado pela expansão dos outros dois grandes setores da economia: a agropecuária e a indústria, assim como as influenciará, inclusive, propiciando oportunidades de desenvolvimento econômico de outras regiões e localidades. 301 Baseando-se nos dados do PIB, a desconcentração ocorrida nos serviços no período 1985-2004, ainda insuficiente para reduzir significativamente a forte concentração existente, acabou sendo, em parte, atenuada pela variação regional 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 301 18/6/2009 09:47:34 da população brasileira. Ou seja, em muitos estados e nas macrorregiões com menor peso no produto econômico cresceu mais a população que o PIB Total e setorial do Terciário, portanto, exercendo efeito redutor sobre o produto per capita. Contudo, é inegável que houve um crescimento importante do PIB do Terciário dessas regiões, e com as novas oportunidades de negócios e encadeamentos, as perspectivas precisam ser revistas. Inclusive, é necessário revisar a visão desenvolvimentista que aponta o crescimento como solução econômica para o País. 302 Em termos setoriais, a análise dos dados sobre o crescimento do Terciário no Brasil nos levaria a crer numa forte interdependência dos serviços com o desempenho da Indústria e da Agricultura. Mas há razões para supor que tenha havido uma autonomização, como pode não parecer a alguns analistas, que aponte para uma “economia autossuficiente dos serviços” – isto é, para um rearranjo no qual o Terciário passe a ditar a dinâmica e o sentido do desenvolvimento capitalista e a puxar o crescimento da economia brasileira arrastando consigo os demais setores.11 Na série das contas regionais que engloba o período 1985-2004, foi possível verificar que o consenso entre os pesquisadores de que nosso Terciário frente aos outros dois grandes setores (Agricultura e Indústria) é o que mais cresceu não mais se verificou especialmente nos anos subsequentes à crise do real seguida da desvalorização cambial em 1999 e a posterior retomada do crescimento econômico. O peso dos Serviços no PIB nacional a preços de mercado de 2004, que vinha aumentando, caiu já em meados dos anos de 1990. Enquanto a Indústria, depois da desvalorização, recuperou parte da perda sofrida desde fins da década de 1980; sendo que 11 Contudo, a evolução das ocupações mostra crescimento maior justamente dos serviços produtivos, fortemente influenciados pelas atividades produtivas industriais e agroindustriais. Da mesma forma, vem aumentado a sinergia de determinados serviços e as demais atividades produtivas. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 302 18/6/2009 09:47:34 a de transformação se recupera mais nitidamente só depois de 2003. Em termos de crescimento, considerando os três macrossetores, nota-se que a Agropecuária apresentou o melhor desempenho no intervalo 1985-2004, enquanto o pior desempenho foi dos Serviços (Terciário). Por outro lado, os setores do Terciário que apresentaram maior dinamismo em termos de crescimento do PIB (Comunicações, Transportes & Armazenagem & Alojamento e Alimentação) e nos quais o processo de modernização foi mais intenso não eram os com maior representatividade na geração do PIB da economia brasileira, embora venham ganhando representatividade e repercutindo significativamente sobre diversas atividades, exercendo uma ação articuladora e propulsora em algumas regiões. O aprofundamento de estudos sobre esses efeitos é uma agenda de pesquisa importante, dadas as novas possibilidades de desenvolvimento regional. Entre as quatro categorias de serviços da classificação adotada, nos Serviços Produtivos destacaram-se as Atividades Imobiliárias, Aluguéis e Serviços prestados principalmente às empresas que ganharam participação entre 1985 e 2004. Comunicações foi o setor que mais aumentou sua participação e seu peso do PIB do Terciário passou a se tornar relevante. Enquanto nos Serviços Coletivos, o peso da Administração Pública, Defesa e Seguridade Social, embora tenha caído, continua sendo muito expressivo, não só para o Terciário nacional como para a economia brasileira como um todo, evidenciando a grande importância econômica do setor público no Brasil. Deve-se destacar também que os Serviços Distributivos continuam tendo um peso significativo no PIB do Terciário, mas ganharam pouca participação no período. Tanto os Transportes e Armazenagem quanto o Comércio e Reparações de veículos, objetos pessoais e domésticos ganharam participação. 303 3) No que tange ao emprego, destaca-se o expressivo crescimento dos ocupados no setor terciário brasileiro entre 1995 e 2006, seja em termos absolutos 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 303 18/6/2009 09:47:34 (acréscimo de 15,76 milhões de ocupações), seja em percentuais. Por outro lado, entre as quatro categorias de serviços, exceto pelos Serviços Coletivos, onde o percentual de ocupados sem contribuição previdenciária ainda é representativo, nos demais grupos esse tipo ocupação aumentou, destacando-se os Serviços Distributivos. Vale destacar que em todas as categorias as regiões Norte e Nordeste apresentaram as maiores taxas de ocupados sem contribuição. Contudo, é inegável que houve um crescimento expressivo dos ocupados. Isso, a princípio, marca um momento em que é comum postergar a contribuição à previdência, exigindo, assim, estudos mais atualizados. 304 As categorias com maior contingente de ocupados foram os Serviços Distributivos, compostos pelo setor Comércio e Reparações de veículos e objetos pessoais e de uso doméstico, que respondem pela maioria dos empregos, e pelo setor de Transportes e Armazenagem. Nos serviços distributivos houve um crescimento de 43,6% do total das ocupações no Brasil entre 1995 e 2006. Em termos relativos, a região Norte se destacou com 82% de crescimento, e a região Sudeste apresentou o pior desempenho no intervalo (39,1%), mas ainda concentrava aproximadamente 46% das ocupações dessa categoria de serviços em 2006, seguida pelo Nordeste com 24%. Em relação aos Serviços Produtivos, compostos pela Atividade Imobiliária, Aluguéis e Serviços prestados principalmente às empresas, que respondem pela maioria dos empregos (cerca de 75%), e pelos setores de Comunicações e de Intermediação Financeira, houve um crescimento de 69,6% do total das ocupações no Brasil entre 1995 e 2006. Em termos relativos, o Norte se destacou com 126,8% de crescimento, sendo que a região Sudeste apresentou o pior desempenho (60,1%), mas concentrava 57% das ocupações dos Serviços Produtivos em 2006, seguida pelo Nordeste e Sul (15% cada). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 304 18/6/2009 09:47:34 Nos Serviços Coletivos o total das ocupações apresentou um crescimento de 46,4% entre 1995 e 2006. Este grupo é composto pelo setor de Educação e Saúde Mercantil e pela Administração Pública, Defesa e Seguridade Social, que inclui educação e saúde e respondiam pela maioria dos empregos em 2006 (75%). Em termos relativos, o Norte se destacou com 81% de crescimento, e o Nordeste teve o desempenho menos expressivo (35,2%). O Sudeste ganhou participação no número de ocupados e era a região que mais concentrava ocupados nesse grupo em 2006 (45,6% das ocupações), seguido pelo Nordeste (24,1%). Por fim, os Serviços Pessoais, com o segundo maior contingente de ocupados, apresentaram a menor taxa de crescimento entre 1995 e 2006 (29,4%). É composto pelos setores de Alojamento e Alimentação e dos Outros Serviços Coletivos, Coletivos e Pessoais, e, ainda pelo setor de Serviços Domésticos, com praticamente 50% das ocupações do grupo. Nesse grupo a região Norte também se destacou com 69,4% de crescimento dos ocupados. A região Sul teve o pior desempenho (19,8%). 305 Em suma, a região Norte apresentou as maiores taxas de crescimento das ocupações, o que contribui para a desconcentração regional do emprego. Por outro lado, nessa região, assim como no Nordeste, as ocupações sem contribuição têm um peso muito elevado, revelando baixa proteção aos trabalhadores do setor. Por outro lado, embora o Sudeste, em geral, tenha apresentado baixo crescimento do número de ocupados, em termos absolutos apresentou aumentos expressivos e as menores proporções de ocupados sem contribuição. Por fim, dada a importância dos efeitos do crescimento do Terciário sobre o desenvolvimento econômico regional e a geração de empregos, deve-se destacar a importância de estudos sobre os estímulos e bloqueios resultantes da política macroeconômica recentemente adotada e sobre o atual papel do Estado na reorientação das atividades econômicas no País, considerando a importância da alocação dos fatores e de políticas voltadas para o desenvolvimento agrícola, industrial e regional frente a constantes crises do setor financeiro internacional. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 305 18/6/2009 09:47:34 Referências ARAÚJO, T. B. de. Ensaio sobre o desenvolvimento brasileiro: heranças e urgências. Rio de Janeiro: Revan, 2000. AZEVEDO, A. de. Vilas e cidades do Brasil colonial: ensaio de geografia urbana retrospectiva. São Paulo: USP, 1956. (Boletim de Geografia). BAENINGER, R.; BRITO, F. Crescimento das Cidades, das Metrópoles e do Interior do Brasil Contemporâneo. 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Os economistas começam a estimar uma relação de “U” invertido entre renda per capita e participação da indústria na economia: a principal questão era a de determinar quais as causas e consequências para essa relação. Nas últimas décadas o aumento do comércio internacional (com a redução do superávit ou mesmo o aparecimento déficit comercial em manufaturas para alguns países desenvolvidos) e a redução do peso da indústria nas economias motivaram em grande parte o ressurgimento do debate sobre as causas da chamada desindustrialização desses países nos meios acadêmicos, principalmente entre os formuladores de política e formadores de opinião. Essa discussão, muitas vezes acalorada, pode ser exemplificada na recente edição da The Economist “O mundo em 2009”, onde o executivo-chefe da Rolls-Royce, John Rose, faz um apelo para o renascimento 211 Pesquisador do IPEA e Diretor-Adjunto de Estudos Regionais e Urbanos do IPEA. 2 Bolsista do IPEA. 1 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 211 18/6/2009 09:47:35 da indústria inglesa como uma das únicas saídas para a crise mundial, ou no famoso manifesto no fim dos anos 80 de Cohen e Zysman (1987) intitulada “Manufacturing Matters” (A indústria é importante!). O debate nesta linha de argumentação em favor de uma desindustrialização parece ter conquistado muitos adeptos fora da academia, o que gerou respostas muitas vezes inflamadas por economistas acadêmicos. Por exemplo, Krugman (1996, p. 9, tradução nossa) afirma acerca do debate sobre a desindustrialização: “É interessante se perguntar como um consenso intelectual [desindustrialização fruto do déficit comercial] pôde emergir sobre um tema econômico, essencialmente sem nenhum apoio de pesquisa econômica.” Ou mesmo, Skethhat e Youridini (2003, p. 25, tradução nossa) afirmando que “parece haver uma certa glorificação da industria de manufaturas, a qual nos lembra os Fisiocratas, que afirmavam que toda a riqueza vem da agricultura porque não se pode comer máquinas”. O debate centra-se basicamente sobre dois pontos: 212 1) as causas da desindustrialização sendo fruto do déficit comercial em manufaturas. 2) Quais as consequências desse processo sobre o crescimento futuro das economias desenvolvidas? Existiria um processo benigno de desindustrialização ou a economia estaria condenada a uma queda na taxa de crescimento do PIB no longo prazo? Essa querela, focada inicialmente em países em desenvolvimento, começou a tomar corpo no Brasil principalmente pela perda de participação da indústria de transformação no PIB a partir da segunda metade dos anos 1980. Palma (2005) e Scatolini et al. (2007) chegam a afirmar que o Brasil estaria entrando no processo de desindustrialização em níveis de renda per capita muito abaixo dos países desenvolvidos, e que somente o “processo natural” de crescimento da renda per capita não seria suficiente para explicar a queda relativa no produto industrial observada no Brasil. A grande questão seria também de entender o porquê desse processo prematuro de desindustrialização e suas consequências sobre o crescimento futuro da economia. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 212 18/6/2009 09:47:35 Uma questão quase esquecida nesse debate sobre desindustrialização seria qual o seu impacto sobre a distribuição regional da indústria, isto é, esse grande processo de reestruturação da indústria, seja ele benigno ou com consequências danosas para o futuro, certamente não é neutro com relação à configuração espacial da indústria no Brasil. O foco deste trabalho é exatamente o de observar como esse processo de perda de participação da indústria na economia tem afetado a distribuição da indústria em termos regionais. Em especial, busca-se entender como a dinâmica do emprego industrial no Brasil foi afetada regionalmente, dado o quadro de redução de participação da indústria na economia e nos anos recentes de recuperação do emprego formal. Utilizam-se os dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), entre 1990 e 2007, para se entender tal processo de reconfiguração da indústria no espaço. Diniz (1993) argumenta que há uma desconcentração industrial com maior ênfase na Região Metropolitana de São Paulo e no Estado de São Paulo para um polígono localizado no Centro-Sul do País. A queda do investimento público e a incapacidade de ação estatal resultam numa desconcentração industrial, ainda concentrada em regiões do Centro-Sul brasileiro. Este trabalho, portanto, realiza uma análise exploratória dos dados RAIS para se inferir algumas conclusões sobre a reconfiguração espacial da indústria. Certamente, essa dinâmica tem impactos não triviais sobre as políticas de desenvolvimento regional e industrial, mostrando a necessidade de integração dessas políticas.3 213 A recente Política de Desenvolvimento Produtivo pouco trata da questão da configuração espacial da indústria. Por exemplo, efeitos positivos de aglomeração podem ser estimulados como fonte de ganhos de produtividade, como também fica clara a necessidade de se complementarem investimentos públicos como forma de ampliar os efeitos encadeadores locais de empreendimentos industriais. A União Européia coloca como um ponto central para a sua política de elevação da “competitividade” o fortalecimento de aglomerações industriais e ampliação da conectividade entre as regiões e localidades. 3 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 213 18/6/2009 09:47:35 O trabalho está divido da seguinte forma: na próxima seção faz-se uma revisão da literatura sobre a desindustrialização e o debate sobre a configuração espacial da indústria no Brasil. Na seção 3, apresentam-se os dados que mostram a perda de participação da indústria no PIB brasileiro. A seção 4 concentra esforços sobre a distribuição da indústria no espaço brasileiro e a evolução dessa distribuição entre as microrregiões brasileiras. Utiliza-se a técnica de Análise Exploratória de Dados (ESDA) para se identificarem aglomerações industriais e uma caracterização das regiões ganhadoras nesse processo. Numa seção seguinte analisam-se as vinte microrregiões que mais perderam ou ganharam empregos entre 1990 e 2007 para tentar coligar algumas possíveis tendências desse processo. Por fim são traçadas algumas conclusões. Revisão da Literatura 214 A revolução industrial representou uma grande mudança estrutural na economia com a redução da importância do setor agrícola e a elevação da participação da indústria. Contudo, a partir da década 30 do século XX, houve uma crescente preocupação sobre outra mudança estrutural em favor do setor serviços, e a perda relativa de importância da indústria. Skethhat e Youridini (2003) argumentam que existem três principais “explicações clássicas” para a transição para uma economia de serviços: 1) Serviços seriam “bens superiores”. Haveria uma mudança na demanda em favor do setor serviços quanto maior fosse a renda per capita, isto é, haveria uma parcela cada vez mais elevada da renda alocada para serviços uma vez que as economias aumentassem a sua renda per capita. Clark (1951) e Fisher (1935) são as principais referências nessa linha. Parte-se do pressuposto que há uma hierarquia de preferências ou necessidades, e os serviços estariam numa escala mais baixa de necessidades. Assim, somente depois 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 214 18/6/2009 09:47:35 de atendidas as mais básicas necessidades é que se tornaria possível adquirir serviços. 2) Diferencial de produtividade em favor da indústria: este tipo de explicação aponta para o diferencial de produtividade com a indústria sendo a fonte primária de ganhos de produtividade na economia, ou seja, haveria uma redução da mão-de-obra empregada na indústria. Isso implicaria que o setor serviços absorveria mais rapidamente a mão-de- obra excedente da indústria. A realocação da mão-de-obra de um setor altamente produtivo para o setor serviços explicaria a redução do peso da indústria na economia. Basicamente este é o argumento de Baumol (1969). 3) Especialização de serviços: haveria uma terceirização (outsourcing) da indústria em favor de um setor serviços cada vez mais especializado. Haveria, portanto, uma nova divisão de trabalho inter-setores favorecendo uma especialização em serviços. Um exemplo frequentemente citado seria a terceirização do setor de marketing de uma firma industrial. 215 A primeira hipótese de mudanças pelo lado demanda se justificaria por uma possível hierarquia de produtos, sendo que serviços representariam um consumo de alto luxo, portanto necessitando uma renda mais elevada para que se consiga alocar parte da renda nesse segmento. Segundo Skethhat e Youridini (2003), no entanto, tal hipótese não encontra bases empíricas para sustentar a explicação da mudança setorial via elevação da renda per capita. Estudos realizados por Fuchs (1968) para economia americana mostram que a elasticidade renda dos serviços é bastante próxima à elasticidade renda dos demais bens, e que não seria suficiente para explicar a alteração da estrutura de empregos em favor de serviços. Outro impacto pelo lado demanda seria devido ao comércio exterior. O aumento da desigualdade de salários (entre trabalhadores não qualificados e qualificados) nos países desenvolvidos e desemprego (em especial na Europa) pode- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 215 18/6/2009 09:47:35 216 riam ser explicados pela a deslocalização de empresas para os novos países emergentes. Isto é, a perda da indústria seria explicada pelo déficit comercial em manufaturas. Rowthorn e Ramaswamy (1999) tentam estimar os efeitos do comércio exterior sobre o processo de desindustrialização a partir de regressões da participação do emprego industrial. Os autores utilizam dados de painel para países desenvolvidos entre a década de 1970 a1990. O efeito do déficit comercial em manufaturas sobre a participação do emprego industrial no PIB, ainda que significativa na explicação da redução da indústria no PIB, não seria quantitativamente relevante para explicar a redução da indústria no produto. Estes autores argumentam que, na verdade, a desindustrialização seria um processo, e que a economia no longo prazo teria como motor setores de serviços com elevada produtividade, como o setor de comunicações. Em outras palavras, para estes autores o comércio Norte-Sul não é responsável pela queda na participação do emprego industrial no total de empregados. A balança comercial, em alguns países, seria positiva, e mesmo países que apresentem déficits nestes valores são bastante reduzidos como proporção do PIB. A partir de regressões lineares eles encontram uma relação não-negativa entre a participação do emprego industrial (consideram apenas a indústria de transformação), o déficit em manufaturas poderia explicar a diferença na participação entre países e não ao longo do tempo. Ainda que não considerem explicitamente os efeitos dinâmicos da desindustrialização sobre o crescimento da economia, os autores argumentam que a produtividade em serviços, como novas tecnologias da informação, compensaria a perda relativa da indústria e tal fato garantiria o crescimento sustentado a longo prazo.4 Rowthorn e Ramaswamy (1999) argumentam, ainda, que a perda de importância da indústria no emprego total tem efeitos diretos sobre o grau de sindicalização da economia. Segundo eles, o setor serviços (à exceção do serviço público) seria por demais complexo para permitir, por exemplo, negociações coletivas. 4 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 216 18/6/2009 09:47:35 Krugman (1996) é outro autor que não considera relevante o impacto do comércio exterior no fenômeno da desindustrialização. O autor reconhece que este efeito realmente possa ser teoricamente possível, entretanto sua estimativa para o impacto do comércio exterior seria quase irrelevante em termos quantitativos. Ele estima em 0,363% o impacto da desindustrialização induzida pela pressão concorrencial externa da manufatura sobre o bem-estar das famílias. A partir de um simples modelo, que toma como dado o diferencial de salários entre a indústria e os demais setores da economia, conclui-se que a parcela da desindustrialização seria mais devida ao efeito doméstico (o diferencial de salários), que induzida pela balança comercial deficitária em manufaturas. Imbs e Wacziarg (2003) encontram uma relação não monotônica entre grau de concentração setorial da economia e renda per capita. De acordo com os dados utilizados pelos autores, as economias tendem a se diversificar setorialmente no início do desenvolvimento, e após um dado nível de renda per capita a tendência é revertida, ou seja, há uma reconcentração setorial da economia. Há teorias tanto para a diversificação (preferências não homotéticas e teoria do porfólio, onde os ativos seriam os setores) quanto para a concentração setorial (teoria das vantagens comparativas de Ricardo e a nova economia geográfica, com externalidades de demanda e ganhos de aglomeração). Essas teorias, no entanto, só explicam relações monotônicas entre grau de diversificação e renda per capita. Imbs e Wacziarg (2003) tornam endógeno o grau de diversificação da economia a partir de um modelo onde há interação de produtividade e custos de transação. 217 Baumol (1967) é precursor da chamada visão pelo lado oferta5. Tal abordagem, que ficou conhecida como “doença do custo”, tem um argumento que é bastante simples: a produtividade na indústria cresceria a uma taxa mais elevada que no setor serviços. Devido ao fato de que os salários seriam equalizados entre os setores, o nível de preços no setor servi5 Krugman (1996) denominaria este um dos efeitos domésticos. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 217 18/6/2009 09:47:35 ços cresceria a taxas mais elevadas, os empregos migrariam da indústria para os serviços. Desta forma, o setor industrial teria cada vez menos peso na economia. Um efeito de longo prazo seria a queda na taxa de crescimento da economia, que convergiria para os níveis do crescimento da produtividade no setor mais estagnado, que é exatamente o setor terciário. Este influente artigo motivou diversos trabalhos, como o já citado Rowthorn e Ramaswamy (1999); Oulton (2001) e Groot (1998), o próprio estudo clássico de Fuchs (1968) que traz evidências em favor de Baumol (1967).6 218 Outra fonte frequentemente levantada como uma possível explicação do processo de desindustrialização seria a especialização de serviços levando a indústria a terceirizar com maior intensidade atividades não diretamente ligadas a produção, por exemplo: contabilidade, marketing, vendas, dentre outros. Certamente, este é um tópico relevante na discussão do tamanho do peso do setor manufatureiro na economia, no entanto ele parece ser apenas uma parte da explicação, não sendo possível atribuir toda a mudança a esse processo de terceirização. Uma abordagem alternativa para explicar a questão da desindustrialização vem da chamada nova economia geográfica. Estes autores argumentam que não é possível explicar o fenômeno a partir de uma visão de concorrência perfeita. Assim, aplicam o modelo de concorrência oligopolística, onde ressaltam também dois fenômenos observados concomitante à queda na participação do emprego da indústria: constante declínio nos custos de transporte e ainda mais impressionante redução nos custos de comunicação. Estes dois fatos são utilizados pelos autores para estudarem o impacto sobre a deslocalização de empresas manufatureiras ou, pelo menos, transferência de atividades industriais do centro em direção à periferia. O crescimento do preço relativo de serviços é uma implicação direta do modelo de Baumol (1967). Segundo Schettkat e Yocarini (2003), tal fato é observado para alguns tipos de serviços, mas não todos. Maiores detalhes veja o artigo de Schettkat e Yocarini (2003). 6 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 218 18/6/2009 09:47:35 Os modelos tradicionais da Nova Economia Geográfica (NEG) argumentam que quando os níveis do custo transporte estão muito elevados não haveria tendência a aglomeração de atividades. No entanto, com a queda dos custos de transporte haveria incentivos para a aglomeração de atividades, dado o clássico processo de cumulativo, incentivando a concentração das atividades devido aos retornos crescentes de escala. No entanto, haveria um valor ótimo para o custo de transporte, e abaixo deste valor os incentivos para a deslocalização seriam mais elevados que as chamadas forças centrípetas, ou seja, os incentivos para manter a atividade econômica aglomerada nas economias centrais. As conclusões da NEG são de que existiria uma relação não-linear entre redução de custos de transporte e aglomeração, com três intervalos possíveis: um primeiro com elevados custos de transporte onde a economia tenderia a se distribuir de forma mais equânime no espaço. Um segundo intervalo para níveis intermediários de custo de transporte (e integração econômica), onde a aglomeração na economia central seria uma solução estável. Finalmente, haveria um nível de redução de custos do transportes no qual haveria uma deslocalização de atividades das economias centrais em direção da periferia e as economias tenderiam a convergência de renda. Não obstante, outra constatação empírica, concomitante à redução dos custos de transportes, é a redução dos custos de comunicação. O aumento da “conectividade” entre as regiões reduziria os custos de gerenciamento de várias plantas em diversas partes do mundo, o que facilitaria o deslocamento das atividades econômicas. Fujita e Thisse (2004) consideram tais efeitos a partir de um mercado de trabalho com mão-deobra qualificada e não-qualificada. Nicoud (2006) considera os efeitos encadeadores para a frente e para trás na economia como a maior força impulsionadora das aglomerações. O resultado obtido por Nicoud (2006) é que a redução dos custos de comunicação permitiria às empresas localizadas na região central deslocalizar apenas algumas poucas atividades de baixos salários, mantendo a principal atividade ainda no 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 219 219 18/6/2009 09:47:35 “centro”. A periferia se beneficiaria muito pouco da deslocalização das atividades. Segundo o autor, a redução dos custos de comunicação faria com que a aglomeração fosse um equilíbrio estável para um intervalo maior dos custos de transportes. Em outras palavras, um processo de integração comercial tenderia a beneficiar mais diretamente as economias centrais. Os custos de transportes, para iniciar um processo benigno de desconcentração industrial entre países, seriam muito menores, isto é, mais difícil de ser atingido. O interessante da discussão da NEG é que inclui explicitamente os efeitos da secular redução nos custos de transporte e comunicação, que permitem a chamada fragmentação da produção. Esta seria uma possível explicação para o fenômeno de desindustrialização e relocalização da produção. 220 Outros autores que analisam a questão da desindustrialização seriam aqueles de inspiração estruturalista, para quem o cerne do desenvolvimento seria a mudança estrutural da economia. A ampliação da estrutura produtiva reduziria a dependência externa e possibilitaria ao país diversificar a pauta de exportações em favor de produtos de maior conteúdo tecnológico, reduzindo os efeitos deletérios dos chamados termos de troca. Grande parte da literatura internacional sobre a desindustrialização tem como foco os países desenvolvidos. Alguns autores estudando o caso de países em desenvolvimento argumentam que estes poderiam estar entrando num processo de desindustrialização em níveis de renda per capita mais baixo que o anteriormente observado. Ou seja, ainda que o processo de desindustrialização, fruto do crescimento da renda per capita, seja um processo benigno, países subdesenvolvidos estariam entrando neste processo em estágios muito prematuros de desenvolvimento, isto é, com níveis de renda per capita abaixo do observado em países desenvolvidos. Shafaeddin (2005) analisa o efeito do fenômeno da desindustrialização (e da especialização) de países em desenvolvimento. Ressalta que países em desenvolvimento, principalmente economias engajadas em um processo de substituição de importações, 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 220 18/6/2009 09:47:35 teriam sofrido uma especialização da economia e consequente perda de peso da indústria após iniciarem um processo de liberalização comercial e reformas com vistas a alteração do modelo de desenvolvimento. Palma (2005) também analisa o processo de desindustrialização da economia em países em desenvolvimento. Ele encontra também uma relação não linear (relação de “U invertido”) entre a participação do emprego industrial e a renda per capita: No entanto, apenas o crescimento da renda per capita não é suficiente para explicar a evolução do setor industrial com relação ao PIB. A partir dessas regressões para 81 países, em 1960, e 105 em 1970, 1980, 1990 e 1998, o autor identifica quatro fontes de desindustrialização: 1ª Fonte: Relação de “U invertido” entre o emprego industrial e a renda per capita. Essa relação foi desenvolvida por Rowthorn e Ramaswamy (1999) a partir da participação do emprego industrial no emprego total sobre o log natural da renda per capita e log natural da renda per capita ao quadrado. Foi utilizada nessa regressão uma base de dados com informações sobre 70 países para o ano de 1990. 221 2ª Fonte: relação inversa entre renda per capita e emprego industrial: a relação entre renda per capita e participação relativa do emprego industrial não é estável com o passar do tempo. A partir de dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para emprego industrial e tabelas Summers e Heston Penn para renda per capita o autor fez a mesma regressão de Rowthorn para 1960 (81 países), 1970, 1980, 1990 e 1998 (todos estes a amostra tinha os mesmos 105 países). O declínio ao longo do tempo da relação entre emprego industrial e renda per capita é a segunda fonte de desindustrialização. Entre as causas desse declínio figuram: novo paradigma tecnológico (microeletrônica), terceirização, realocação de produção para países em desenvolvimento, políticas econômica (principalmente para 1980, segundo o autor). 3ª Fonte: declínio da renda per capita correspondendo ao turning-point da regressão. Há uma nítida redução do ponto 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 221 18/6/2009 09:47:35 de virada da regressão do ano de 1980 para 1990. Até 1980 nenhum país tinha renda per capita superior ao ponto de virada. Em 1990 30 países já haviam ultrapassado a renda per capita de virada. Segundo o autor, como o processo de queda do emprego industrial acontecia desde os anos 60, isso sugere que a desindustrialização não acontecia porque os países tinham renda superior ao ponto crítico, mas por causa da segunda fonte de desindustrialização. Em suma, as três primeiras fontes de desindustrialização são: relação de U invertido entre renda per capita e emprego industrial, relação inversa entre emprego industrial e renda per capita ao longo do tempo, e diminuição do valor da renda per capita associada ao ponto de virada da regressão. 222 Palma (2005) discute, então, a possibilidade de um novo conceito de doença holandesa. A relação emprego industrial e renda per capita seria diferente para países que procurassem obter um saldo comercial industrial positivo e aqueles que se contentassem em ter um déficit comercial industrial que seria “neutralizado” por um superávit comercial em produtos primários, serviços, turismo ou via conta de capitais. Uma vez que essa relação é conhecida, podemos definir a doença holandesa como uma segunda via de desindustrialização de países que passam do primeiro grupo (saldo comercial industrial) para o segundo (déficit comercial industrial). A primeira via de desindustrialização é decorrente das três primeiras fontes de desindustrialização natural de países desenvolvidos, enquanto a segunda via decorre da passagem de grupo e, consequentemente, do aumento das exportações de bens primários, serviços, turismo e finanças, ou seja, em consequência de déficits comerciais no setor manufatureiro. Scatolin et al. (2007) focam especificamente no caso brasileiro traçando uma comparação com o caso do Estado do Paraná. Discute-se a perda persistente de participação relativa no valor adicionado e no emprego no Brasil a partir do meio da década de 1980. Os autores argumentam que as evidências do caso brasileiro, no entanto, mostram que houve uma queda na produtividade relativa do setor industrial 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 222 18/6/2009 09:47:35 brasileiro em relação aos EUA, portanto o argumento de que a mudança estrutural seria fruto de um processo dinâmico benigno de ganhos de produtividade não teria fundamentação empírica. Destaca-se a possibilidade de algumas políticas macroeconômicas (alta taxa de juros e câmbio valorizado) e a queda de investimento no setor industrial como uma das causas do processo de desindustrialização. Este quadro de alteração da estrutura produtiva no Brasil contrasta com a situação do setor industrial no Estado do Paraná. Fica claro que o estado não compartilha das mesmas tendências do País como um todo. Houve um aumento da participação relativa do setor industrial, assim como do emprego relacionado ao mesmo. Os autores levantam hipóteses para este descolamento do comportamento do Estado do Paraná, entre elas incentivos fiscais por parte do governo estadual e beneficiamento de uma política de desconcentração industrial no Brasil. Deve-se ressaltar que Scatolini et al. (2207) argumentam que o impacto da desindustrialização ou, pelo meno, a reconfiguração da indústria não é neutro em termos espaciais. 223 Tratando da dinâmica da desconcentração industrial no Brasil, Diniz (1993) argumenta que este processo passou por duas fases: uma primeira onde houve espraiamento industrial da Região Metropolitana de São Paulo para o interior do Estado, e para praticamente todos os estados brasileiros. Na segunda fase há uma reconcentração no polígono formado por BH-Uberlândia-Londrina/Maringá-Porto Alegre-Florianópolis-São José dos Campos-BH. Diniz (1993) analisa cinco fatores teóricos que podem explicar a dinâmica industrial no período analisado. Estes cinco fatores são: (a)deseconomias de aglomeração na RMSP e sua criação em outros centros urbanos e regiões; (b)o papel do Estado, seja através de políticas regionais explícitas, seja pela consequência espacial de outras decisões de importância; (c)disponibilidades diferenciadas de recursos naturais; (d)unificações do mercado e mudanças de estrutura produtiva; (e)concentração de pesquisa e renda. O autor analisa a primeira fase da desconcentração onde praticamente todos os estados brasileiros apresentam ganho no peso 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 223 18/6/2009 09:47:35 224 industrial. Logo após, segundo o autor, devido à maior ênfase em indústrias de alta tecnologia e o relativo fracasso das políticas regionais e do investimento estatal há uma concentração poligonal, uma vez que o crescimento industrial passa a estar circunscrito ao Estado de São Paulo e ao polígono em volta dele. Ele analisa as mudanças tecnológicas e o potencial para aglomeração poligonal. Assim, de acordo com Diniz (1993), a desconcentração industrial que ocorreu a partir dos anos 1970 se fez no mesmo padrão de industrialização anterior (indústrias básicas – articuladas à base de recursos naturais – e dos bens duráveis de consumo. No entanto, as mudanças tecnológicas em curso (anos 1990) induzem à expansão de setores fortemente ancorados na ciência e na técnica, com reduzida ou inexpressiva demanda por recursos naturais. Os requisitos locacionais dessa “nova” indústria estão ligados a centros de pesquisa, mercado de trabalho profissional, clima de negócios, base educacional e cultural. Logo, partindo da estimativa de quinze cidades brasileiras com alguma experiência em pólos tecnológicos, o autor faz uma “previsão” sobre o comportamento industrial: reconcentração industrial nessas cidades (que estão no polígono). Ele cita casos como as experiências da Unicamp (telecomunicações), Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) (departamento de materiais), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) (microeletrônica) e Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) em Campina Grande. Por fim, o autor considera a formação do Mercado Comum do Sul (Mercosul) como um fator favorável à concentração no Sudeste brasileiro, devido à proximidade com os outros países membros e a já concentrada estrutura industrial. Embora ocorrendo a desconcentração industrial em termos nacionais (mesmo que marginalmente), há vários fatores que atenuam a continuidade desse processo: má distribuição de renda, mercado de trabalho profissional, crise econômica (anos 1980), concentração da pesquisa, redução dos investimentos estatais diretos e diminuição na velocidade de expansão da fronteira agrícola e mineral devido às condições precárias de infraestrutura, desafios tecnológicos e custos de transporte. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 224 18/6/2009 09:47:35 Oliveira e Guimarães Neto (1997), analisando o período de 1990 a 1995, mostram que a queda do emprego nas regiões brasileiras ainda que estejam correlacionadas com a dinâmica nacional, existem especificidades regionais que explicam a redução do emprego. Estes autores argumentaram ainda que o processo de redução do emprego atingiu mais fortemente regiões centrais localizadas em especial em São Paulo e no restante do Sudeste e Sul. Desindustrialização: Do Que Estamos Falando? Os autores que discutem a questão da desindustrialização no Brasil partem da constatação da perda da participação da indústria de transformação a partir de metade da década de 1980. Observa-se uma queda persistente do emprego e do produto no total da economia brasileira a partir desse período. A evolução da estrutura produtiva setorial do Brasil no período de 1947 a 2007 pode ser acompanhada pelo Sistema de Contas Nacionais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A partir da análise do Gráfico 1, nota-se a perda constante de importância no PIB do setor Agropecuário. A agricultura atinge um máximo de participação, em 1950, de 25,0%, com queda constante no produto até atingir, em 2007, o total de 5,9%. A indústria de transformação tem um crescimento a partir de 1950 até 1985, quando atinge um máximo de 35% do PIB. A partir de então observa-se uma queda de participação do PIB. Exatamente esta queda da indústria a partir da metade da década de 1980 é identificada como o início do processo de desindustrialização. Os Serviços, por outro lado, mantêm a participação no PIB praticamente constante e a partir da queda da indústria observa expressivo crescimento, chegando a atingir quase 80% do PIB em 1994. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 225 225 18/6/2009 09:47:35 Agro IT 07 99 03 20 20 95 19 91 19 87 19 83 19 75 79 19 19 71 19 67 19 63 19 59 19 55 19 19 19 19 51 Ser 47 % do PIB 90,000 80,000 70,000 60,000 50,000 40,000 30,000 20,000 10,000 0,000 Ano Gráfico 1 – Participação da Agricultura, Indústria de Transformação e Serviços Fonte: IBGE. 226 A série do emprego que apresenta o período em que se inicia a queda da participação da indústria é apresentada no Gráfico 2 com dados da RAIS/MTE. A série do emprego pode ser dividida7 em duas fases: a primeira fase de queda consistente até 1999/2000, e a segunda fase a partir de 2000, quando o emprego industrial passa a se recuperar, com o crescimento da formalização do emprego no Brasil. Note-se que somente a partir de 2002 o setor da indústria manufatureira atingiu o mesmo nível do emprego que em 1985. Dado este desempenho do emprego na indústria de transformação, a participação do emprego industrial no total do emprego formal tem queda acentuada passando de 27,0% em 1986 para 18,3% do total do emprego em 2007. A partir do período de recuperação do emprego industrial iniciado em 1999/2000, a participação do emprego na indústria no total da economia interrompe o processo de perda de participação, mantendo constante em torno de 18% do total do emprego. 7 Observa-se um pequeno crescimento do emprego industrial até 1988. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 226 18/6/2009 09:47:35 250 200 150 100 50 0 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 Serviços 1994 1995 1996 1997 1998 Indust ria Transf ormação 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 Tot al Gráfico 2 – Evolução do Emprego Formal no Brasil, nos Setores Indústria de Transformação, Serviços e no Agregado da Economia 1985 a 2007 Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)/ Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). 227 O argumento frequente, levantado por Palma (2005) e outros autores, seria de que a queda na participação da indústria observada no Brasil, a partir de 1985, realizou-se em níveis muito mais baixos de renda per capita. O ponto de inflexão seria observado para valores muito menores que em economias desenvolvidas. De fato, o ponto máximo de participação da indústria foi atingido em 1985, quando a renda per capita era de US$ 5.600,00 (reais de 2007). O Gráfico 3 apresenta regressões não-lineares (método lowess) para a série de participação do PIB industrial no total economia para o período 1947-2007. Os resultados apontam para valores ainda mais baixos que os encontrados por Palma (2005) de níveis de renda per capita para o ponto de inflexão, ou seja, para a queda da indústria. A regressão não-linear ajustada mostra que o ponto de inflexão de queda da participação da indústria é atingida em valores equivalentes à renda per capita de 1973 ou 1974, isto é, algo equivalente a R$ 7.570 e R$ 8.400 (reais de 2007). Note-se que a partir de 1973 há um descolamento dos pontos em relação à 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 227 18/6/2009 09:47:35 curva, com dois grupos distintos nos anos 70 e 80 (muito acima do esperado pela curva estimada) e o grupo dos anos 90/2000 muito abaixo dos valores observados mesmo no início da série, e abaixo do estimado pela curva. A curva, estimada pela regressão não linear mostra também uma assimetria muito forte, isto é, a curva apresenta uma queda abrupta após atingir o ponto de inflexão. É necessário, portanto, maior aprofundamento destas observações para tentar-se inferir as causas de tal queda abrupta na relação da participação da indústria no PIB e o log do PIB per capita. 228 Gráfico 3 – Participação da Indústria de Transformação no PIB e o Logaritmo da Renda Per Capita entre 1947 e 2007 Fonte: IBGE/Contas Nacionais. Para a regressão linear com o logaritmo do PIB ao quadrado (metodologia empregada por Palma (2005) e os demais autores nesta linha de pesquisa, à exceção de Imbs e Wacziarg (2003), estima-se um valor de R$ 6.789,05 (reais de 2007) como o do ponto de inflexão para a queda da indústria no PIB. Este valor seria equivalente à renda per capita de 1970/71. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 228 18/6/2009 09:47:35 F Gráfico 4 – Participação da Indústria de Transformação no PIB e o Logaritmo da Renda Per Capita entre 1947 e 2007 – Regressão Linear com Termo Quadrático Fonte: IBGE/Contas Nacionais. Observa-se que parece haver uma quebra no processo, a partir de 1985, com baixo crescimento do PIB per capita acompanhado de uma queda na participação da indústria no PIB. Na regressão linear com termo quadrático, tanto os anos do milagre econômico quanto os dados da década de 90/2000 estão fora do intervalo de confiança, ou seja, estas observações podem ser caracterizadas como valores extremos e não podem ser explicadas somente pela variável renda per capita. Dito de outra forma, somente o “comportamento natural” (ou seja, a primeira fonte de desindustrialização levantada por Palma (2005) da renda per capita não é suficiente para a queda na participação da indústria no PIB. A relação não linear ou pelo menos a rápida perda de peso da indústria certamente é um fato em busca de melhor fundamentação teórica, com consequências para as políticas públicas e para o crescimento de longo prazo da economia. A questão que se pretende analisar neste artigo é como a dinâmica da indústria em termos de distribuição regional do emprego foi afetada nos anos 1990 e 2000, num quadro de perda de empregos industriais. Dadas a concentração da renda e a ainda mais forte concentração da 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 229 229 18/6/2009 09:47:35 indústria, quais foram as regiões mais afetadas, como se comportou a distribuição do emprego no Brasil? A próxima seção trata mais detalhadamente desta questão. Dinâmica do Emprego Industrial no Brasil em Termos Regionais Diante do quadro apresentado na seção anterior, de redução da participação da indústria no PIB, esta seção procura analisar os impactos sobre o emprego industrial em termos de microrregiões no Brasil. Foram utilizados os dados da RAIS para medir o emprego organizado na indústria de transformação. Optou-se por utilizar a série de dados da Rais, a partir de 1990, dada a melhor cobertura a partir desse ano.8 230 A Tabela 1 apresenta algumas estatísticas descritivas da distribuição do emprego da indústria manufatureira e o total do emprego formal da economia entre as 558 microrregiões brasileiras. Nota-se que entre 1990 e 2000 o país apresenta um decréscimo no total do emprego formal na indústria manufatureira. O estoque total de empregos foi reduzido em quase 580 mil empregos, isto é, houve uma queda total de 10% na década de 90. Anualizando a taxa de crescimento do emprego industrial, chega-se a 1,1% de queda anual. Os dados no quinquênio seguinte mostram a recuperação do emprego com um aumento de 25,5% em relação à base de 2000, resultando uma taxa de crescimento anualizada de 5,8%. O comportamento da indústria manufatureira esteve entre 2000 e 2007 bastante próximo do desempenho da economia brasileira, o que estabilizou a queda na participação do emprego industrial formal no total do emprego formal na economia, conforme ressaltado anteriormente. A expressiva perda de empregos na manufatura durante os anos 1990 refletiu-se na participação do emprego industrial formal na economia. Nos anos 90 este percentual estava em 23,6%, e caiu para 18,6% em 2000. 8 Houve uma melhoria na cobertura da RAIS a partir dos fins dos anos 80. Ainda que essa melhoria tenha também ocorrido durante a década de 1990, acredita-se que a necessidade de se constituir um quadro mais amplo com um alcance temporal maior é mais importante que o eventual risco de contaminação dos dados pelo ganho de cobertura da RAIS no início da década de 1990. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 230 18/6/2009 09:47:35 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 231 42129,8 5.464.388 9783,4 1120 56598,5 17,64 Estoque Total Média Mediana Desvio Padrão Assimetria Fonte: RAIS/MTE. 14,44 214524,7 6955 23.198.656 558 Total de Microrregiões Todos Setores (B) Ind. de Trans. (A) Estatísticas Descritivas 1990 1,17 16,1 14,9 18,0 23,6 A/B 16,63 43911,4 1292 8761,9 4.906.524 558 Ind. de Trans. (A) 14,00 206350,5 7826 42438,8 23.755.736 Todos Setores (B) 1995 1,07 14,7 13,6 17,0 20,7 A/B 14,14 34503,8 1819 8723,9 4.885.361 558 Ind. de Trans. (A) 17,5 15,1 13,7 1,08 46836,8 10283 205710,9 13,03 12,69 37817,9 2538 10952,6 6.133.461 12,78 238220,6 16012 59354,7 33.238.617 18,6 26.228.629 558 Todos Setores (B) A/B Todos Setores (B) Ind. de Trans. (A) 2005 2000 1,00 13,0 14,2 16,8 18,5 A/B) 12,39 42596,4 2818 12646,7 7.082.167 558 Ind. de Trans. (A) 12,88 270687,2 18005 67156,1 37.607.430 Todos Setores (B) 2007 0,90 13,3 14,4 17,3 18,8 (A/B) Tabela 1 – Brasil - Estatísticas Descritivas sobre o Emprego da Indústria de Transformação e da Economia nas Microrregiões 1990 a 2007 231 18/6/2009 09:47:35 232 Quanto à média do emprego na indústria manufatureira entre as microrregiões, esta série também apresenta acentuada queda entre 1990 e 1995, no entanto mantém-se relativamente estável entre 1995 e 2000. A redução da média neste período de perda de empregos industriais é acompanhada de uma queda no desvio-padrão entre as microrregiões, o que parece indicar um grande movimento de relocalização do emprego na manufatura no Brasil. A mediana da distribuição do emprego formal apresenta crescimento em todos os anos da série, a despeito da queda do emprego em termos absolutos na década de 90. Novamente o crescimento da mediana também aponta para este movimento de reconfiguração espacial da indústria na economia brasileira. Outro dado que mostra uma clara evidência de desconcentração industrial é a queda constante do grau de assimetria da distribuição. O grau de assimetria (skewness) representa o quão concentrada em uma das pontas da distribuição a variável está. Ela pode ser positiva, indicando a concentração à esquerda, ou negativa indicando uma concentração à direita. No caso atual da distribuição do emprego formal manufatureiro no Brasil, há uma “assimetria à esquerda”, ou seja, grande parte das microrregiões está próxima à origem, poucas microrregiões possuem valores expressivos de empregos na indústria.9 Na seção seguinte, faz-se uma análise mais detalhada das medidas de concentração espacial do emprego industrial no Brasil. Medidas de Concentração A curva de Lorenz é uma medida do grau de concentração de uma distribuição. No Gráfico 5 apresentam-se as duas curvas para os anos extremos da série. Quanto mais próxima a curva de Lorenz estiver da reta de 45 graus, mais igualitária é a distribuição. No eixo X está ordenado da menor para a maior microrregião em termos de emprego industrial. No A distribuição Normal, por exemplo, sendo simétrica, tem um grau de assimetria igual 0. 9 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 232 18/6/2009 09:47:35 eixo das ordenadas encontram-se as participações acumuladas, a última microrregião (no caso a que possui maior parcela do emprego industrial, microrregião de São Paulo Capital), atinge-se 100% do emprego entre as regiões. Graficamente, fica clara a redução das desigualdades entre as microrregiões, a despeito do processo de perda relativa de peso da indústria. A curva de Lorenz, referente ao ano de 2007, tem um claro deslocamento na direção da reta de 45º, isto é, indicando uma distribuição mais igualitária. Uma medida formal para se quantificar essa desigualdade está descrita na Tabela 3 com o chamado Índice de Gini. Quanto mais próximo de 1, mais desigual a distribuição, significando que toda distribuição está concentrada, de forma degenerada, na microrregião mais elevada. Em 1990, o grau de concentração medido pelo Índice de Gini atingiu 0,86083, reduzindo-se para 0,77746 no último ano da série, 2007. Nota-se também que a maior queda do Índice de Gini ocorre entre 1995 e 2000, o que novamente indica que, a despeito da perda absoluta de empregos, há de fato uma desconcentração do emprego industrial. 233 1 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 2007 547 534 521 508 495 482 469 456 443 430 417 404 391 378 365 352 339 326 313 300 287 274 261 248 235 222 209 196 183 170 157 144 131 92 118 79 105 66 53 40 1 27 14 0 1990 Gráfico 5 – Curva de Lorenz da Distribuição do Emprego na Indústria Manufatureira no Brasil 1990 E 2007 Fonte: MTE/RAIS. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 233 18/6/2009 09:47:35 O índice de Moran, também conhecido como de autocorrelação espacial é outro indicador para se auferir a concentração espacial. Ele mede o grau de relacionamento linear de variáveis distribuídas no espaço com os seus vizinhos, ou seja, o quanto o emprego numa região vizinha poderia estar correlacionado com o emprego numa dada microrregião. A questão-chave em modelos de estatística espacial é o de definir esta vizinhança, pois existem vários tipos de vizinhança. Neste trabalho utilizou-se a matriz de contiguidade, isto é, são consideradas vizinhas apenas as microrregiões que são contíguas, que possuem fronteiras. Esta definição de matriz de vizinhança é conhecida na literatura como matriz queen. Formalmente, a autocorrelação espacial é definida como: Im = 1 å wij åw ij i¹ j i¹ j 234 æ y i - y öæ y j - y ö ÷ ÷ç ç ÷ ç s ÷ç s y ø è y øè onde wij=0 se a região não for vizinha, e wij=1 caso a região seja contígua. O valor y é a média aritmética da variável e s y o desvio padrão. Em outras palavras, o índice de autocorrelação irá medir o quanto o valor observado em uma região depende ou não dos valores observados nas regiões vizinhas. Tabela 2 – Medida de Concentração Espacial do Emprego Formal entre as Microrregiões Brasileiras – 1990 a 2007 Medidas de Concentração Espacial 1990 1995 2000 2005 2007 Índice de Gini 0,86083 0,83723 0,79951 0,78077 0,77746 Ìndice de Moran 0,30765*** 0,28205*** 0,27467*** 0,26683*** 0,26003**|* G Generalizado 1,55824*** 1,194782*** 0,854089*** 0,690587*** 0,653530*** Fonte: RAIS/MTE. *** significância ao nível de 1%. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 234 18/6/2009 09:47:35 Certamente para o caso da distribuição do emprego na manufatura na economia brasileira observa-se um elevado grau de autocorrelação espacial. Todos os valores apresentados na Tabela 2 são significativos, ou seja, rejeita-se com um grau de significância bastante elevado a hipótese nula de que o emprego industrial não apresenta um padrão de concentração espacial, isto é, rejeita-se a hipótese nula de que os dados estão dispersos de maneira aleatória no espaço. Há um padrão de concentração no espaço. Interessante observar, contudo, que para a economia brasileira os índices de autocorrelação de Moran vêm se reduzindo ao longo do tempo. A queda do índice de Moran é outra forma mais rigorosa de se testar a hipótese de desconcentração industrial. Os dados para o período indicam uma queda na autocorrelação espacial, ou seja, o emprego estaria distribuído de maneira menos concentrada espacialmente. Outro indicador utilizado na análise exploratória de dados espaciais é o chamado Índice Generalizado G. Enquanto o Índice de Moran tenta avaliar ou não o grau de concentração espacial, ou seja, identifica se os dados são ou não concentrados no espaço, o Índice Generalizado G tenta captar o tipo de aglomeração espacial. Valores positivos e significativos de G indicam que há uma grande aglomeração de valores elevados, ou seja, no caso presente se uma microrregião apresenta um elevado número de empregos industriais tenderia a ter vizinhos com o mesmo comportamento. Os valores obtidos para a distribuição do emprego manufatureiro no Brasil apontam para a concentração de valores elevados. No entanto, observa-se que o valor do índice G também se reduz ao longo do tempo, o que mais uma vez indica uma desconcentração das atividades, ou seja, ainda que continue a existir uma elevada concentração de microrregiões altamente industrializadas, essa concentração vem se reduzindo ao longo dos últimos anos. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 235 235 18/6/2009 09:47:35 Análise de Indicadores Locais de Aglomeração Espacial (LISA) 236 Outra forma de se analisar esse processo é através de mapas e da chamada análise Local Indicators of Spatial Association (LISA). Os mapas apresentam a evolução do emprego por microrregião com alguma presença industrial entre 1990 e 2007. Definiu-se uma microrregião industrial como aquela tivesse mais de 5.000 empregos na indústria manufatureira. O primeiro ano da série em análise é 1990. Nesse ano evidenciase a importância de São Paulo (Capital) e interior, a região Sul, em especial a região de Porto Alegre/Caxias e Santa Catarina com o Vale do Itajaí. No Paraná aparece Curitiba como a microrregião mais importante do Estado e o sudeste do Estado. Fortaleza desponta como uma microrregião isolada, e no restante do Nordeste há uma concentração em Recife e na zona da mata pernambucana, além de Salvador e alguma presença no recôncavo. Na região Norte aparecem apenas as microrregiões de Manaus, Belém e alguma atividade ligada à região de Carajás. Na região Centro-Oeste há apenas alguns focos nas capitais Goiânia, Campo Grande e Cuiabá. Uma outra medida bastante relevante para se estudar a reconfiguração da indústria no país é o centro geográfico da distribuição10. Tomando-se o centro geográfico da distribuição do emprego industrial no Brasil em 1990, nota-se que ele se localiza no sul de Minas, refletindo a forte polaridade das principais áreas industriais localizadas nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro. O centro geográfico pode ser interpretado como centro de gravidade da distribuição. 10 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 236 18/6/2009 09:47:36 Mapa 1 – Distribuição do Estoque Emprego Formal entre as Microrregiões Brasileiras em 1990 Fonte: MTE/RAIS. 237 Quando se observa a distribuição do emprego em 1995, contata-se que mesmo diante de um quadro de perda absoluta de empregos industriais existe um considerável aumento de regiões industriais, ainda que concentrada nas vizinhanças de São Paulo ou no “polígono” apontado por Diniz (1993). Notadamente, há uma expansão em direção do norte do Paraná, e a região Centro-Oeste e Sul de Minas. Há uma redução do emprego na microrregião de São Paulo Capital e no interior, como também na microrregião do Rio de Janeiro em função da redução dos empregos industriais nestas áreas metropolitanas. Observa-se, também, uma redução do emprego industrial na microrregião de Recife e no interior11. Com estas pequenas alterações, e num quadro de redução do emprego Oliveira e Guimarães Neto (1997) ressaltam, por exemplo, o impacto negativo do setor sucro-alcooleira, em Pernambuco, como um fator relevante para explicar a redução do emprego industrial naquele Estado. 11 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 237 18/6/2009 09:47:36 industrial entre 1990 e 1995, o centro geográfico da distribuição do emprego nas microrregiões, ainda que se desloque um pouco na direção Oeste, praticamente se mantém inalterado. 238 Mapa 2 – Distribuição do Estoque Emprego Formal entre as Microrregiões Brasileiras em 1995 Fonte: MTE/RAIS. No ano 2000 o país encontrava-se num quadro de redução do total de empregos industriais, não obstante continuar a se observar a reconfiguração do emprego industrial no Brasil. No Nordeste, Fortaleza continua a se destacar como um centro industrial, no entanto observa-se um crescimento no interior, em especial na microrregião do Crato e de Sobral. Pernambuco, principalmente Recife, perdem empregos industriais, bem como a região da mata pernambucana. As microrregiões de Imperatiz e Açailândia, além da Microrregião de Teresina despontam com alguma atividade industrial relevante, isto é, acima do limite de 5000 empregos na industria manufatureira. O sul da Bahia também aparece com alguma atividade industrial. No Centro-Oeste, o sudoeste de Goiás e a microrregião de Goiânia são beneficiadas pelo processo de 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 238 18/6/2009 09:47:36 desconcentração industrial, bem como Campo Grande e a microrregião de Ponta Porã e Dourados. No Mato Grosso, começa a se destacar a região de Sinop, além da capital, Cuiabá. No Norte, a microrregião de Manaus continua a perder empregos mas se mantém como o principal pólo industrial do Norte. A microrregião de Belém também apresenta retração no emprego industrial, enquanto observa-se trajetória oposta na microrregião de Paragominas, que amplia o emprego industrial. Na região Sudeste observa-se uma expansão na direção do sul de Minas e da microrregião de Belo Horizonte. No Sul a expansão no oeste do Paraná fica evidente, e em Curitiba o vale do Itajaí e a microrregião de Caxias do Sul destacam-se com a ampliação do emprego industrial. Como resultado desse movimento, o centro geográfico da distribuição do emprego desloca-se de forma mais acentuada na direção Noroeste. 239 Mapa 3 – Distribuição do Estoque Emprego Formal entre as Microrregiões Brasileiras em 2000 Fonte: MTE/RAIS. A partir do ano de 2005, com a recuperação no início dos anos 2000, as perdas de empregos industriais são revertidas. Observa-se uma expansão da indústria no sul de Goiás, no tri- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 239 18/6/2009 09:47:36 ângulo mineiro, na região central do Estado de Mato Grosso. Em direção à região Sul há uma ampliação do oeste do Paraná e um crescimento expressivo de microrregiões industriais em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Fortaleza consolidase como a principal microrregião industrial do Nordeste, no entanto o movimento de ampliação da indústria de transformação em outras regiões é observado como no sul da Bahia, no recôncavo e na microrregião de Salvador, Mossoró, com atividade industrial nos estados do Sergipe, Alagoas e Paraíba. No Norte observa-se uma recuperação do emprego industrial na microrregião de Manaus, uma ampliação da atividade na microrregião de Porto Velho, e no Pará uma ampliação ao sul de Paragominas. Dado esse movimento, o centro geográfico da distribuição se altera na direção Noroeste, ainda mais fortemente, também devido a esse processo de ampliação da produção industrial nas microrregiões fora do eixo São Paulo-Rio-Minas. 240 Mapa 4 – Distribuição do Estoque Emprego Formal entre as Microrregiões Brasileiras em 2005 Fonte: MTE/RAIS. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 240 18/6/2009 09:47:36 A expressiva criação de empregos nos últimos anos não interrompeu o processo de reconfiguração da produção industrial no Brasil. Nota-se a importância da microrregião de Curitiba, Blumenau e Joinville, a grande expansão em direção ao Centro-oeste, com destaque para o pólo Paragominas-Imperatriz. Devido a essa expansão do emprego a medida de centro geográfico novamente se desloca na direção Noroeste. 241 Mapa 5 – Distribuição do Estoque Emprego Formal entre as Microrregiões Brasileiras em 2007 Fonte: MTE/RAIS. Uma metodologia muito utilizada para se identificarem aglomerados espaciais é a chamada Análise LISA (indicadores locais de aglomeração espaciais). A noção intuitiva dessa técnica é bastante simples: identificam-se pontos focais (hot spots) através da significância dos índices de correlação local. A metodologia permite destacar quatro tipos diferentes de pontos focais: High-High: microrregião com elevado empregado industrial e com a vizinhança contando também com elevado emprego industrial. (hot spots). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 241 18/6/2009 09:47:36 Low-low: microrregião com baixo estoque de empregos industriais e a vizinha com o mesmo padrão.(cold-spots). High-low: a microrregião apresentação um alto número de empregos industriais, enquanto os vizinhos apresentam um pequeno número de empregos industriais. Podem-se considerar regiões classificadas neste grupo como sendo um enclave industrial. Low-High: a vizinhança apresenta um elevado emprego industrial, no entanto a região em análise tem um baixo nível de emprego industrial. A análise LISA foi realizada em duas variáveis: • Estoque do Emprego Industrial. • Variação do Estoque Industrial. 242 A análise para a primeira produz informações sobre aglomerações industriais mais relevantes, podendo ser comparada a evolução no tempo dessas aglomerações e o surgimento de novos pólos. A variação do estoque indica as regiões que mais perderam ou ganharam em termos absolutos, e sua relação com os vizinhos. A variável foi calculada tendo como base o ano de 1990, desta forma a variação do estoque em 2007 será representada pela diferença entre o ano de 2007 e a base 1990. Os mapas mostram aumento de pontos considerando High-high, por exemplo em 1990, apenas da microrregião de Curitiba, Belo Horizonte, Rio de Janeiro Vale do Parnaíba e o triangulo formado por Campinas-São Paulo-São José dos Campos pólos industriais. Comparando-se com o mapa de 2007, nota-se claramente a ampliação em direção a Riberão Preto e a incorporação de novos aglomerados industriais, BlumenauJoinville. A região de Divinópolis, Caxias do Sul e Porto Alegre aparecem como pontos focais relevantes no nível de emprego. Fortaleza passa a se destacar como um enclave industrial, ou seja, um ponto High-Low, elevado emprego industrial e vizinhança com baixo emprego. Identificam-se, ainda, algumas regiões low-high em São Paulo, ou seja, regiões com baixo emprego industrial numa ilha cercada de baixo emprego. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 242 18/6/2009 09:47:36 Mapa 6 – Análise LISA para o Estoque de Emprego Formal em 2007 Fonte: MTE/RAIS. 243 Mapa 7 – Análise LISA para o Estoque de Emprego Formal em 1990 Fonte: MTE/RAIS. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 243 18/6/2009 09:47:36 244 O Mapa 8 com a análise LISA para a variação do emprego no ano de 2007 apresenta um quadro bem mais complexo que para os anos anteriores12. Aqui identificam-se claramente ganhadores no processo de desconcentração, destacando-se Curitiba, Goiânia, Blumenau, Joinville e Caxias do Sul.13 Estas seriam regiões que apresentaram elevado crescimento do emprego, e a vizinhança também apresentou um elevado crescimento do emprego. Belo Horizonte-Divinópolis é um foco de crescimento na zona da mata mineira. Além do norte fluminense, destacam-se como regiões ganhadores de empregos numa região com baixo crescimento do emprego (isto é, são classificadas no grupo High-Low), poderiam ser destacadas como ilhas de crescimento do emprego industrial. A microrregião de São Paulo é classificada como uma região de baixo crescimento do emprego, com a vizinhança tendo um alto crescimento, o que novamente reflete a perda de importância de São Paulo (capital) na produção industrial. O Rio de Janeiro e Vale do Paraíba são identificados como regiões low-low, ou seja, baixo crescimento em regiões que apresentaram baixo crescimento. A análise LISA, portanto, nos permite identificar como o processo de desconcentração industrial afetou a configuração do emprego industrial no Brasil. Em comparação com 1990, identifica-se, claramente, um número maior de pólos industriais, enquanto a variação do emprego mostra que nos anos 1990 há claramente um processo concentrado espacialmente de destruição ou baixo crescimento de emprego em aglomerações industriais relevantes. Quando se dá recuperação do emprego, consegue-se identificar regiões ganhadoras de empregos de três tipos: 1) Pontos focais positivos fora do eixo São Paulo-Belo Horizonte-Rio de Janeiro, as microrregiões e o entorno com elevado crescimento do emprego, entre elas estão Goiânia, Curitiba, Caixas do Sul e Blumenau-Joinville. 12 Por parcimônia não foram incluídos os mapas com a análise LISA para anos anteriores. O leitor interessado pode solicitar diretamente aos autores estes mapas. 13 Interessante observar que para o ano de 2005 somente a região de Blumenau é identificada como um ponto focal high-high. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 244 18/6/2009 09:47:36 2) Microrregiões que apresentam alto crescimento do emprego industrial, mas o entorno baixo crescimento. São elas Belo Horizonte-Divinópolis, o norte fluminense. 3) Microrregiões, que perderam significativamente empregos, e a vizinhança teve comportamento parecido. Dois exemplos: a Microrregião do Rio de Janeiro (Capital) e Vale do Paraíba. O processo de desconcentração industrial parece ter se acentuado durante o período de recuperação do emprego industrial nos últimos anos. Ainda que a grande redução dos anos 90 observada no interior de São Paulo tenha se revertido, esta microrregião não foi classificada como um ponto focal de crescimento do emprego. 245 Mapa 8 – Análise LISA da Variação do Estoque do Emprego Formal entre 1990 e 2007 Fonte: MTE/RAIS. Tomando-se as maiores microrregiões pode-se observar claramente a dinâmica de relocalização do empresas. Estas dez microrregiões representavam 32,2% do total do emprego 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 245 18/6/2009 09:47:36 industrial no Brasil, portanto as dez maiores microrregiões em 1990, 46,8% do total. Entre estas dez maiores microrregiões industriais em 2007, cinco microrregiões estão localizadas na região Sul, enquanto em 1990 apenas contavam as microrregiões de Curitiba e Porto Alegre. Da região Nordeste apenas Recife constava entre as dez maiores regiões industriais durante a década de 1990 e início dos anos 2000. Recife perde participação absoluta e a microrregião de Fortaleza passa ser a mais industrializada do Nordeste e a constar entre as dez maiores microrregiões brasileiras. Importante notar também a perda relativa de microrregiões localizadas no interior de São Paulo, em 1990, cinco das dez maiores estavam localizadas no Estado de São Paulo, e em 2007 apenas São Paulo e Campinas figuravam entre as dez maiores microrregiões empregadoras do setor manufatureiro. 246 O comportamento agregado das dez maiores microrregiões evidencia também a desconcentração industrial. As dez maiores perdem empregos industriais tanto em termos absolutos quanto em termos relativos. Tabela 3 – 10 maiores Microrregiões Industriais em 1990 e 2007 1990 Emprego Industrial São Paulo 1.203.384 2007 (%) Total Ind. Trans 22,0 Emprego Industrial São Paulo 793.604 (%) Total Ind. Trans. 14,5232 Rio de Janeiro 390.878 7,2 Rio de Janeiro 245.702 4,496423 Porto Alegre 219.643 4,0 Campinas 226.385 4,142916 Campinas 182.226 3,3 Porto Alegre 223.921 4,097824 Belo Horizonte 153.622 2,8 Belo Horizonte 209.288 3,830035 Guarulhos 113.496 2,1 Curitiba 189.892 3,475083 Curitiba 112.568 2,1 Caxias do Sul 127.040 2,324872 Sorocaba 94.787 1,7 Blumenau 126.134 2,308291 São Jose dos Campos 89.181 1,6 Fortaleza 125.262 2,292334 Recife 86.327 1,6 Joinville 120.844 2,211483 2.388.072 43,7 Total 2.646.112 48,4 Total Fonte: RAIS/MTE. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 246 18/6/2009 09:47:36 O Gráfico 3 mostra a evolução ao longo da década de 1990 e nos anos 2000. Observam-se claramente três grupos distintos. O primeiro, formado por microrregiões que tiveram um crescimento muito acima da média nacional, como Curitiba, Fortaleza, Blumenau, Joinville, com um acréscimo total no estoque de empregos industriais no período acima de 60%. As microrregiões de Campinas e Belo Horizonte têm comportamento muito próximo da média nacional, com um crescimento total do emprego acima de 20%. Por fim, destaca-se o comportamento das microrregiões de São Paulo e Rio de Janeiro. Estas perdem sistematicamente empregos até o ano 2000, e a partir desta data há uma relativa estagnação do emprego industrial nestas microrregiões. A microrregião de Porto Alegre tem uma dinâmica diferenciada dos demais grupos, com o emprego industrial mantendo-se praticamente estável. Em resumo, pode-se afirmar que houve uma desconcentração com grande perda da microrregião de São Paulo e Rio de Janeiro. Microrregiões localizadas no Sul foram beneficiadas com essa relocalização de empresas, como também a microrregião de Fortaleza. 247 180 160 140 120 100 80 60 40 20 0 1990 1995 2000 2005 2007 Sao Paulo Rio de Janeiro Campinas Porto Alegre Belo Horizonte Curitiba Caxias do Sul Blumenau Fortaleza Brasil Joinvile Gráfico 6 – Evolução do Emprego nas Dez Maiores Microrregiões Industriais Brasileiras – 1990 a 2007 Fonte: MTE/RAIS. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 247 18/6/2009 09:47:36 Identificando Ganhadores e Perdedores no Processo de Desconcentração Industrial Um critério neste trabalho para se definirem ganhadores e perdedores nesse processo de reconfiguração da produção industrial no Brasil foi de aumento/redução na participação relativa de cada microrregião no emprego industrial no Brasil entre 1990 e 2007. Isto é, comparou-se a participação relativa do emprego industrial no Brasil em 2007 com essa mesma relação em 1990. Tomando-se a diferença dessas participações nos pontos inicial e final do período, pode-se obter uma relação das microrregiões que mais ganharam em termos de participação do emprego industrial e as que mais perderam, isto é, esta medida descreve quais regiões ampliaram sua participação no emprego industrial no Brasil e quais regiões reduziram a participação no emprego total.12 248 A Tabela 4 mostra as vinte microrregiões que mais ganharam em participação relativa no emprego industrial entre 1990 e 2007. Estas microrregiões totalizaram 1,320 milhões de trabalhadores em 2007, ou seja, 18,6% do emprego industrial brasileiro. No agregado, as vinte maiores microrregiões ganhadoras, em termos relativos, ampliaram em 6,1% sua participação no emprego industrial entre 1990 e 2007. No período analisado o estoque do emprego industrial no Brasil cresceu 29,6%, enquanto o agregado das vinte maiores ganhadoras cresceu 82,2%. 14 A participação do emprego industrial da microrregião i em 1990 é igual a li ,1990 = Emprego Industrial na Microrregião , a variação do emprego é Estoque Emprego Industrial Brasil dada por Dli = li , 2007 - li ,1990 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 248 18/6/2009 09:47:36 Tabela 4 – Vinte Microrregiões que Mais Ganharam Participação no Emprego Industrial entre 1990 e 2007 Emprego Industrial 1990 Participação Emprego no Total do Industrial emprego in2007 dustrial 1990 Participação no total do emprego Industrial 2007 Variação na Participação do Emprego entre 1990 e 2007 Curitiba 112.568 2,06 189.892 2,68 0,62 Goiânia 25.534 0,47 70.630 1,00 0,53 Chapecó 8.408 0,15 38.053 0,54 0,38 Blumenau 76.851 1,41 126.134 1,78 0,37 Divinópolis 21.032 0,38 48.412 0,68 0,30 Caxias do Sul 81.521 1,49 127.040 1,79 0,30 Rio Claro 11.993 0,22 35.759 0,50 0,29 Joinville 77.499 1,42 120.844 1,71 0,29 Apucarana 11.157 0,20 34.002 0,48 0,28 Sudoeste de Goiás 1.673 0,03 21.773 0,31 0,28 Toledo 7.400 0,14 29.226 0,41 0,28 Manaus 68.496 1,25 108.771 1,54 0,28 Fortaleza 81.172 1,49 125.262 1,77 0,28 Maringá 13.808 0,25 36.504 0,52 0,26 Sobral 2.649 0,05 20.655 0,29 0,24 Sao Miguel dos Campos 13.661 0,25 33.938 0,48 0,23 Londrina 21.636 0,40 43.623 0,62 0,22 Ribeirao Preto 38.084 0,70 64.980 0,92 0,22 Cascavel 5.917 0,11 23.547 0,33 0,22 Cianorte 3.855 0,07 20.171 0,28 0,21 Total Emprego Industrial Brasil 5.464.388 249 7.082.167 Fonte: MTE/RAIS. Note-se que das microrregiões que mais ganharam em participação apenas Rio Claro e Ribeirão Preto estão localizadas no Estado de São Paulo. Também das microrregiões localizadas no Nordeste apenas figuram Sobral e Fortaleza. Goiânia e o sudoeste de Goiás destacam-se na região CentroOeste, enquanto observa-se uma recuperação do pólo indus- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 249 18/6/2009 09:47:36 trial de Manaus. As demais microrregiões estão localizadas na região Sul, com destaque para o Paraná, que conta seis microrregiões entre as vinte maiores ganhadoras em termos de participação no emprego industrial. 250 Qualificando-se intersetorialmente os ganhos dessas microrregiões, o comportamento é bastante heterogêneo. Por exemplo, o crescimento de emprego industrial em Fortaleza, e em especial em Sobral, marca o período de fraca coordenação da política de desenvolvimento regional, onde predominou a guerra fiscal e a competição via baixos salários. Nestas duas regiões, por exemplo, o crescimento do emprego está concentrado na indústria de calçados, têxteis, alimentos e bebidas. Em geral, a observação do ganho de emprego industrial reflete a importância de outros fatores locacionais, e que mesmo com incentivos fiscais agressivos o crescimento significativo do emprego em indústrias de maior porte tecnológico se deu em microrregiões que já possuíam um parque industrial mais diversificado, como por exemplo, Curitiba e Caxias do Sul. Externalidades locais, ganhos de aglomeração e concentração espacial de trabalhadores especializados (labour market pooling), reduzem o poder de atração de regiões menos desenvolvidas e pode sinalizar para uma explicação, conforme Diniz (1993), para o crescimento do emprego industrial, em especial aquele relacionado ao processo produtivo mais complexo, nas vizinhanças de São Paulo e em centros industriais já consolidados. O Gráfico 7 expressa melhor essa relação. No eixo X estão os coeficientes locacionais da indústria tradicional15, ou seja, a participação da industria tradicional no emprego industrial na dada região dividido pela mesma relação no Brasil. Desta forma, um coeficiente locacional menor que 1 indica que a região possui relativamente menos 15 Indústria tradicional foi definida como o agregado das indústria de madeira e mobiliário, borracha, fumo e couro, calçados, têxtil, alimentos e bebidas. Para indústrias mais avançadas tecnologicamente, inclui-se química, metarlurgia, minerais não-metálicos, eletrônicos e comunicações, material de transporte e mecânica. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 250 18/6/2009 09:47:36 empregos na indústria tradicional que a média nacional em 1990, caso contrário a microrregião seria mais especializada que a média da economia nacional em indústrias tradicionais. No eixo y inclui-se a participação do ganho de emprego da microrregião em indústrias tradicionais, isto é, se uma determinada região teve um ganho acima de 0,5, significa que mais da metade dos empregos criados entre 1990 e 2007 se concentrou em indústrias tradicionais. As microrregiões mais industrializadas relativamente são Manaus, Curitiba, Caxias do Sul e Rio Claro. Desta forma, as microrregiões ganhadoras em indústrias mais avançadas foram aquelas que já possuíam uma base industrial, mesmo à exceção de Londrina e Riberão Preto, que se localizam na vizinhança de regiões industrializadas. Interessante, portanto, ressaltar que fatores locacionais (como mercado de trabalho de mão-de-obra qualificada, acesso a fornecedores e ao mercado consumidor, externalidades de aglomeração), ou seja, incentivos à aglomeração parecem ser mais importantes para indústrias mais avançadas tecnologicamente que incentivos fiscais. Outra observação interessante deve-se ao fato de o Brasil, dada a estrutura produtiva em 1990, apresentar uma tendência à criação de empregos em indústrias tradicionais acima do valor estimado pela regressão. Em outras palavras, o ajuste simples realizado indica que o Brasil deveria ter criado mais empregos em setores mais avançados tecnologicamente. O número de observações é, contudo, insuficiente para se inferir conclusões mais precisas acerca deste tema, mas é interessante observar que há uma relação positiva entre o grau de especialização da região em indústrias de menor conteúdo tecnológico e a criação de empregos industriais em indústrias tradicionais. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 251 251 18/6/2009 09:47:36 252 Gráfico 7 – Coeficiente Locacional em Indústrias Tradicionais e Participação do Emprego em Indústrias Tradicionais no Total da Variação do Emprego nas Vinte Maiores Microrregiões Ganhadoras de Empregos Industriais entre 1990 e 2007 Fonte: RAIS/MTE As vinte microrregiões que mais perderam empregos industriais em termos relativos estão explicitadas na Tabela 5. Estas regiões no agregado representavam, em 1990, 2,744 milhões de empregos, ou seja, 50,8% do total do emprego industrial no Brasil. Estas vinte microrregiões possuíam nesse mesmo 1990 1,436 milhões de empregos em indústrias mais avançadas tecnologicamente, representando 58,1% do total do emprego industrial brasileiro nestas indústrias tecnologicamente mais avançadas. Este grupo de microrregiões é bastante industrializado e com forte presença em indústria de maior conteúdo tecnológico. Comparando-se com 2007, estas vinte microrregiões apresentam perda de mais de 521 mil empregos industriais. Desta forma, este conjunto de microrregiões passa a representar, em 2007 apenas 31,0% do total do emprego industrial no Brasil. Deve-se ressaltar 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 252 18/6/2009 09:47:36 que grande parte desta dinâmica de destruição de empregos deve-se à microrregião de São Paulo, onde houve uma redução de 409 mil empregos industriais, e também a microrregião do Rio de Janeiro apresenta uma redução de 145 mil empregos industriais. Apenas as duas microrregiões perdem 14,0% do total do emprego industrial no Brasil no período analisado. Outro ponto interessante a notar é a perda de empregos industriais em Recife e na zona da mata pernambucana. Juntas elas perderam quase 47 mil empregos industriais, ou seja, uma redução de 27,0% no total do emprego em comparação entre 1990 e 2007. A grande perda de empregos concentra-se na indústria têxtil (em especial para o caso de Recife) e alimentos e bebidas para as microrregiões da mata pernambucana setentrional e meridional. Essas microrregiões de Pernambuco são as únicas incluídas entre as vinte maiores regiões perdedoras de emprego que se localizam no Nordeste. Além de São Paulo Capital, há sete microrregiões localizadas no Estado de São Paulo: Franca, Sorocaba, São José dos Campos, Moji das Cruzes, Guarulhos e Campinas. Deve-se ressaltar, contudo, que grande parte das perdas, para este grupo de microrregiões paulistas, concentraram-se em indústrias tradicionais. Em indústrias tecnologicamente mais avançadas, estas microrregiões, de fato, apresentaram um ganho no emprego total, à exceção de Santos e Guarulhos. Portanto, algumas regiões do interior parecem se especializar ainda mais em termos relativos em indústrias tecnologicamente mais avançadas. Em 1990 a participação do emprego em indústrias mais avançadas tecnologicamente nestas regiões totalizava 362, 5 mil empregos, ou seja, 59 % do total do emprego industrial nessas microrregiões. Já no ano de 2007 essa participação aumenta para 63,2% do emprego concentrado em indústrias mais avançadas tecnologicamente. De fato, excluindo-se Santos e Guarulhos, que foram microrregiões que perderam efetivamente empregos, as demais microrregiões apresentaram uma taxa de cres- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 253 253 18/6/2009 09:47:36 cimento do emprego em indústrias mais avançadas tecnologicamente entre 1990 e 2007 de 30,8%, bastante acima da média nacional de 21%. Para as demais regiões, Juiz de Fora figura entre as vinte microrregiões que mais perderam participação, a despeito da instalação de uma montadora de veículos na década de 1990. Observa-se nesta microrregião o crescimento no setor de material de transportes, mas acompanhada de queda no setor de metalurgia e mecânica. Novamente aqui parece indicar que mesmo que uma política agressiva seja colocada em prática, não havendo uma estrutura industrial previamente instalada os efeitos encadeadores, mesmo em indústrias avançadas e capital intensivo, são bastante reduzidos. 254 As demais regiões com perda significativa encontramse no Sul, com Porto Alegre e Pelotas, Belém na região Norte, e regiões do interior do Estado do Rio de Janeiro, como a região Serrana, Vale do Paraíba e Campos dos Goytacazes. Para Porto Alegre é também observada a mesma dinâmica de microrregiões do interior de São Paulo. Há uma queda do emprego manufatureiro em indústrias tradicionais, mas um aumento no emprego em indústrias mais avançadas tecnologicamente, ainda que esse crescimento tenha ficado abaixo da média nacional.16 O crescimento do emprego em indústrias mais avançadas em Porto Alegre foi de 12,0%. A média nacional foi de 21%. Para emprego em indústrias tradicionais caiu 5% em Porto Alegre, o que elevou a participação de indústrias mais avançadas tecnologicamente para 44% do total do emprego industrial. 16 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 254 18/6/2009 09:47:36 Tabela 5 – Dezenove Microrregiões que Mais Perderam Participação no Emprego Industrial entre 1990 e 2007 Emprego Industrial 1990 São Paulo Participação Participação Variação na no Total do Emprego no total do Participação emprego Industrial emprego do Emprego industrial 2007 Industrial entre 1990 e 1990 2007 2007 1203384 22,02 793.604 11,21 Rio de Janeiro 390878 7,15 245.702 3,47 -3,68 Porto Alegre 219.643 4,02 223.921 3,16 -0,86 Recife -10,82 86327 1,58 65.497 0,92 -0,65 113496 2,08 114.138 1,61 -0,47 47096 0,86 32.604 0,46 -0,40 35885 0,66 23.081 0,33 -0,33 Mata Setentrional Pernambucana 32.095 0,59 20.443 0,29 -0,30 Vale do Paraiba Fluminense 37.706 0,69 32.148 0,45 -0,24 Serrana 25100 0,46 19.030 0,27 -0,19 São José dos Campos 89181 1,63 102.168 1,44 -0,19 Moji das Cruzes 62842 1,15 68.722 0,97 -0,18 Guarulhos Mata Meridional Pernambucana Santos Sorocaba 94787 1,73 112.362 1,59 -0,15 Pelotas 17.764 0,33 12.612 0,18 -0,15 Belém 33271 0,61 33.271 0,47 -0,14 -0,14 Juiz de Fora 29854 0,55 28.791 0,41 182226 3,33 226.385 3,20 -0,14 Franca 29768 0,54 31.996 0,45 -0,09 Campos dos Goytacazes 13651 0,25 11.356 0,16 -0,09 Campinas Total Emprego Industrial Brasil 255 5464388 Fonte: RAIS/MTE. Em resumo, pode-se afirmar que: • A perda relativa de empregos industriais foi em grande parte dada pela queda do emprego industrial nas duas maiores aglomerações metropolitanas brasileiras, Rio de Janeiro e São Paulo. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 255 18/6/2009 09:47:36 • A perda de empregos industriais em regiões com diversificação industrial e com base industrial relevante se concentrou em indústrias tradicionais, o que levou de fato a uma especialização dessas regiões em indústrias de maior conteúdo tecnológico. • As microrregiões perdedoras de emprego em termos relativos estão em grande parte localizadas no Sul e Sudeste, à exceção de Recife e zona da mata pernambucana no Nordeste, e Belém na região Norte. • Para as vinte microrregiões ganhadoras, apenas Ribeirão Preto e Rio Claro estão localizadas em São Paulo. O Paraná e Santa Catarina têm maior parte das regiões ganhadoras. No Nordeste aparecem Fortaleza e Sobral, enquanto no Norte Manaus é o destaque com a recuperação do pólo industrial. A região Centro-Oeste está entre as maiores ganhadoras com Goiânia e o Sudoeste de Goiás se destacando. • Regiões periféricas, como as localizadas no Nordeste, tendem a atrair indústrias de menor conteúdo tecnológico, enquanto as microrregiões que já contavam com uma estrutura industrial diversificada tendem a criar mais empregos em setores mais avançados tecnologicamente. Isto é, as microrregiões ganhadoras em indústrias mais avançadas foram aquelas que já possuíam uma base industrial diversificada, ou seja, os fatores locacionais (como mercado de trabalho de mão-de-obra qualificada, acesso a fornecedores e ao mercado consumidor, externalidades de aglomeração) ou economias de aglomeração seriam mais importantes para indústrias mais avançadas tecnologicamente que incentivos fiscais ou custo da mão-de-obra. Um caso clássico de deslocalização do emprego é Sobral, onde praticamente todo o aumento do emprego industrial deveu-se à indústria de calçados. 256 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 256 18/6/2009 09:47:36 • Novamente a desconcentração industrial é refletida na maior diversificação regional entre as microrregiões ganhadoras de empregos industriais. • Finalmente deve-se estudar a possibilidade de terceirização explicando a redução do emprego industrial, em especial nas regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro. Além disso, deve-se estudar a qualidade do emprego, mesmo em indústrias mais avançadas. Um estudo mais atento sobre a qualidade de empregos criados em microrregiões periféricas é um passo lógico da pesquisa ora em curso. Certamente é um estudo que deve ser realizado para melhor qualificar o processo de desconcentração industrial observado no Brasil, uma vez que a desconcentração parece ser mais forte em indústrias tradicionais que em indústrias de conteúdo tecnológico mais avançado. 257 Conclusão Há um grande debate na literatura econômica sobre o peso da indústria na economia. Essa discussão, muitas vezes bastante apaixonada, tenta entender o impacto da perda de importância da indústria no produto e no emprego. Os estudos para países desenvolvidos tendem a enfatizar questões domésticas como a maior produtividade do setor industrial vis-à-vis o setor de serviços como uma das causas da desindustrialização. Outros autores, no entanto, enfatizam o comércio externo como um dos fatores de desindustrialização A fragmentação produtiva, explicada pela queda nos custos de transporte e de comunicação, também é outra causa apontada pela literatura econômica. Autores de tradição estruturalista analisando o caso de países em desenvolvimento tendem a levantar a hipótese de uma “nova doença holandesa”, isto é, o déficit comercial em manufaturas, a abertura econômica e políticas macroeconômicas que tenderam a elevar a taxa de juros e valorizar o câmbio como o cerne desse processo. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 257 18/6/2009 09:47:36 Ainda que não haja um indicativo conclusivo, de fato observa-se no Brasil uma relação não linear, em forma de “U invertido”, com uma perda persistente do emprego industrial no total do emprego a partir da segunda metade da década de 1980. Este trabalho procurou descobrir quais seriam as consequências desse processo sobre as microrregiões. A primeira constatação é uma desconcentração industrial, com a perda de importância das regiões metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro. Considerando-se o nível de 5.000 empregos industriais como um limite para definir uma microrregião industrial, observa-se uma elevação do número de microrregiões industriais no Centro-Oeste em direção à região Sul, em especial no Paraná e Santa Catarina. O centro geográfico da distribuição é alterado em direção Noroeste quando se compara 1990 com 2007. 258 Detalhando-se as microrregiões ganhadoras e perdedoras nesse processo conclui-se que a maioria das microrregiões que mais perderam empregos estão concentradas no Sudeste, em especial em São Paulo. Contudo, regiões com uma base industrial relevante, por exemplo, no interior de São Paulo, ainda que tenham reduzido sua participação no emprego industrial, especializaram-se em indústrias de maior conteúdo tecnológico. Em vários casos houve ganho de empregos industriais nessas indústrias capital-intensivas. Para as regiões ganhadoras a conclusão é que para as indústrias de maior conteúdo, economias de aglomeração parecem ser mais importantes que incentivos fiscais, ou mesmo tais incentivos parecem ser efetivos para essas indústrias quando já existe na região uma base industrial importante. Este trabalho deve ser visto como um primeiro passo para entender o processo de reconfiguração da indústria, contudo é urgente a elaboração de estudos que possam delinear as consequências da redução do emprego sobre o crescimento de longo prazo e o processo de relocalização do emprego nessas microrregiões. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 258 18/6/2009 09:47:36 Referências BAUMOL, W. J. Macroeconomics of unbalanced growth: the anatomy of urban crisis. American Economic Review, v. 57, p. 415-426, 1967. CLARK, C. The conditions of economic progress. London: MacMillan, 1951. COHEN; ZYSMAN. Manufacturing matters. [S.l.: s.n.], 1987. DE GROOT, H. 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A controvérsia gira, principalmente, em torno de dois pontos: a importância dessa queda no aumento do bem-estar das famílias brasileiras e a incerteza da persistência dessa tendência.3 Este estudo inserese neste contexto e pretende contribuir desenvolvendo dois objetivos: o primeiro é o de analisar as mudanças na distribuição da renda domiciliar por pessoa no Brasil, entre 2001 e 2006, de acordo com o tipo de renda e a macrorregião do país. 311 Doutora e Livre Docente em Economia pela Universidade de São Paulo (Brasil) com Pós-doutorado pelo Massachusetts Institute of Technology. Atualmente é Professora Titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade e Presidente do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina, da Universidade de São Paulo, Pesquisadora Sênior do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenadora Científica do Núcleo de Estudo e Pesquisa de Política Internacional, Estudos Internacionais & Políticas Comparadas, Núcleo de Estudos e Pesquisas de Política Internacional (NESPI)-Universidade de São Paulo (USP)/CNPq. 2 Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica (PUC)-SP, Professor da Faculdade de Economia da Fundação Santo André e pesquisador do NESPI-USP/CNPq. Os autores agradecem a Fábio Tatei, pela montagem do banco de microdados das PNADs. Emails: [email protected] e http://www.econ.fea.usp.br/cacciamali 3 Vejam-se, entre outros, para a correlação entre essa queda e o bem-estar das famílias, o estudo de Barros et al. (2006a). Com relação à magnitude dessa queda, destaca-se a abordagem crítica de Salm (2006c). 1 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 311 18/6/2009 09:47:37 O segundo objetivo é o de investigar a magnitude da variação da renda no período e mensurar o impacto sobre o total da renda domiciliar por decil de renda. Consideraram-se as macrorregiões Norte (urbana), Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-Oeste e as categorias de renda domiciliar per capita total; do trabalho; aposentadorias e pensões; e transferências públicas totais. A seleção dos tipos de renda mencionados refere-se à importância que cada tipo tem na composição da renda domiciliar e ao objetivo de averiguar a responsabilidade de cada um na diminuição do grau de desigualdade ao longo do período. O recorte dos dados segundo as macrorregiões brasileiras, por outro lado, justificou-se, ainda que insuficiente para dar conta das múltiplas espacialidades nacionais, pela necessidade de conferir maior número de evidências sobre o comportamento e a evolução da desigualdade da renda nessas regiões. 312 Quanto ao período analisado, contemplaram-se dois subperíodos de 2001 a 2004, e de 2004 a 2006. Essa desagregação temporal reportou-se a um conjunto de evidências produzidas sobre o tema, entre 2001 e 2004, que apontavam a redução do índice de Gini de 0,59 para 0,57.4 Assim, verificamos, entre 2004 e 2006, a consistência da tendência à queda do grau de desigualdade. Por fim, a escolha de analisar a magnitude da variação da renda segundo estrato decílico de domicílios permitirá averiguar o impacto da queda da desigualdade sobre o aumento da renda real das famílias, em especial, as mais pobres da população. Com a finalidade de apresentar alguns dos resultados alcançados ao longo da investigação em curso, estruturamos este trabalho em quatro seções, além da introdução e das considerações finais.5 Dentre os estudos mais recentes podemos mencionar: Soares (2006); Hoffmann (2006b); Ferreira et al. (2006); IPEA (2006) e Soares et al. (2006). 5 Os autores desenvolveram, recentemente, uma pesquisa sobre a evolução da distribuição de renda no Brasil que permitiu a produção de dois artigos: Cacciamali (2007) e Cacciamali e Camillo (2008). 4 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 312 18/6/2009 09:47:37 Na primeira seção apresentaremos a sistematização da literatura sobre o tema. Trataremos das causas da desigualdade da distribuição de renda no Brasil depois da rápida industrialização da segunda metade do século XX, das interpretações dominantes da escola do individualismo metodológico dos anos de 1990, dos argumentos sobre a importância dos diferentes tipos de renda na diminuição da desigualdade entre 2001 e 2004 e da controvérsia sobre a relevância da magnitude da diminuição da desigualdade sobre o aumento de bem-estar das famílias de baixa renda. Optamos por analisar a literatura pertinente desde os anos de 1960. Essa escolha foi motivada porque os estudos até 1980, baseados em arcabouço teórico keynesiano, kaleckiano ou no estruturalismo histórico, reportavam-se às relações entre a distribuição funcional e pessoal da renda. A partir de 1990, a dominação da ciência econômica pela escola do individualismo metodológico praticamente implicou o abandono do estudo dessas relações. O arcabouço analítico neoclássico não privilegia a decomposição da renda nacional entre a renda do trabalho e do capital. A abordagem isolada da distribuição pessoal ou familiar da renda per capita considera, em geral, e de forma subestimada, apenas a renda do trabalho ativo e inativo e as transferências públicas de renda. Esses componentes representam em torno da metade da renda total do Brasil. Dessa forma, as análises a partir dos surveys familiares ofuscam a concentração de renda advinda do poder de mercado do setor privado. Quanto maior o grau de monopólio, maior é o poder do setor privado e do governo, por meio da regulação, de se apropriar de parcela crescente do valor adicionado do país.6 Queremos destacar que desde os anos de 1960 a política econômica das diferentes administrações federais – do regime militar ou do democrático – privilegiou, salvo em 313 Os rendimentos do trabalho têm se apropriado de uma parcela cada vez menor da renda nacional no Brasil, passando de 53,5% em 1990 para 42,8% da renda nacional (DIEESE, 2006), indicando elevação da concentração funcional de renda, num momento atual marcado pela redução da desigualdade pessoal de renda. 6 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 313 18/6/2009 09:47:37 períodos curtos e com diferentes intensidades, ao longo dessas décadas, lucros, impostos e rendas financeiras. Dessa maneira, estimativas da massa salarial indicam que depois de ter atingido o patamar de 30% da renda interna, a sua participação, na atual década, gira em torno de 35%. 314 A segunda seção aborda a evolução dos indicadores de Gini por tipo de renda, entre 2001 e 2006, de tal forma a contextualizar a queda da desigualdade da distribuição de renda no Brasil e em cada macrorregião. Com o objetivo de identificar os principais tipos de renda associados à redução dos respectivos índices, examinaremos, na segunda seção, para cada região, os resultados da decomposição da variação do índice de Gini, ou seja, o coeficiente de participação relativa de cada fonte de renda, o coeficiente de concentração de cada uma delas e o resultado total. A quarta seção trata da variação da participação da renda domiciliar segundo a distribuição por décimo de domicílios, bem como da aferição do ganho real médio de renda para cada décimo. A combinação das variações de renda com os ganhos monetários reais, embora seja insuficiente para se avaliar o bemestar social de forma ampla, fornece indícios sobre o impacto da redução da concentração de renda sobre o bem-estar das famílias, decorrência que não é visualizada por meio do índice de Gini – medida adimensional. Por fim, teceremos as considerações finais. Nesta parte relacionaremos os resultados que obtivemos com as principais constatações da literatura especializada, apontando causas adicionais que influenciam a conservação da concentração da renda e que não são correntemente discutidas na literatura. Apontaremos, ainda, perspectivas para a sustentabilidade da tendência decrescente do grau de desigualdade. Interpretações Críticas sobre a Literatura que Trata das Causas e do Comportamento da Desigualdade na Distribuição de Renda no Brasil No Brasil, os estudos sistemáticos sobre a distribuição de renda iniciam-se a partir da década de 1970. Ao considerarmos o período posterior à segunda metade do século passado, 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 314 18/6/2009 09:47:37 as causas da persistente e elevada concentração da renda brasileira podem ser analisadas em dois períodos: a controvérsia de 1970 e o pensamento hegemônico dos anos de 1990.7 A literatura especializada de inspiração keynesiana e kaleckiana, típica dos anos de 1970, trata conjuntamente do crescimento econômico, da distribuição funcional e da distribuição pessoal da renda. Duas são as causas principais, de acordo com vários autores, do aumento do grau de desigualdade na distribuição da renda, entre 1960 e 1970: o crescimento econômico centrado no desenvolvimento da indústria e impulsionado pelo setor de bens de consumo duráveis, intensivo em capital; e o declínio do valor real do salário mínimo a partir da instauração do regime militar.8 Fishlow (1978), por exemplo, seguindo o marco teórico keynesiano, entende que o aumento do salário mínimo pode propagar impulsos capazes de elevar os demais salários e promover uma melhor distribuição de renda. (FISHLOW, 1978). Segundo esse autor, a política salarial instaurada pelo regime militar, entre 1964 e 1967, impediu o crescimento do salário mínimo e do salário médio. Nesse período, o salário mínimo, por decreto federal, foi reajustado abaixo da inflação e aos salários-bases das distintas categorias profissionais foram aplicadas fórmulas de reajuste que subestimavam a inflação futura, implicando perdas salariais recorrentes. Soma-se a esses fatos a suspensão das negociações capital-trabalho dificultando a incorporação de ganhos de produtividade aos salários. Nesse contexto, o aumento do grau da desigualdade da distribuição pessoal da renda, nos anos de 1960, é aderente à diminuição da participação relativa dos salários e ao aumento da massa de lucro no período, ou seja, é consistente com o aumento da desigualdade funcional da renda. 315 No primeiro grupo destacam-se os estudos de Langoni (1973); Fishlow (1978) e Bacha (1978), enquanto no segundo notam-se os estudos coordenados por Barros e Mendonça (1995). 8 Veja-se uma resenha sobre o tema em Cacciamali (2005). 7 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 315 18/6/2009 09:47:37 Nessa direção, Souza e Baltar (1979), de um lado, e Macedo e Garcia (1979), de outro, travam um debate emblemático. Os dois primeiros autores, partindo de enfoque marxista-estruturalista, argumentam que no Brasil o salário mínimo determina o salário da mão-de-obra não qualificada do núcleo tipicamente capitalista da economia – a indústria. Constituise, portanto, um parâmetro, tanto para a hierarquia salarial das empresas quanto para as remunerações dos trabalhadores não qualificados que se inserem nas atividades do setor informal.9 Assim, para Souza e Baltar, a contenção do salário mínimo, durante o regime militar, provoca a ampliação da dispersão salarial no período e o aumento da concentração funcional e pessoal da renda. 316 Roberto Macedo e Manuel Enriquez Garcia contestam o papel redutor do salário mínimo durante esse mesmo período. (MACEDO; GARCIA, 1979). Os autores, utilizando-se do modelo de Lewis, defendem que o salário de subsistência é o determinante da taxa básica de salário da economia urbano-industrial e a evolução desse indicador depende do comportamento do índice de custo de vida. Conforme visto anteriormente, na década de 1960, o salário mínimo, recorrentemente, foi reajustado abaixo do índice de custo de vida, tornando-se inoperante. De acordo com essa linha de interpretação, o salário mínimo, nessas circunstâncias, perde a sua atribuição e a sua relevância de indicador de salário básico da economia, que passa a ser estabelecido pelo mercado. 9 De acordo com a definição da Organização Internacional do Trabalho, o setor informal é o conjunto das empresas familiares operadas pelos proprietários e seus familiares, ou em sociedade com outros indivíduos. São unidades produtivas que não são constituídas como entidades legais separadas de seus proprietários e que não dispõem de registros contábeis padrão. O setor informal, sob a ótica da ocupação, é definido como o conjunto de trabalhadores inseridos nessa forma de organização da produção, que inclui os proprietários, a mão-de-obra familiar e os ajudantes assalariados. (CONFERÊNCIA..., 1993). Define-se o setor formal, por oposição, como o conjunto de empresas, organizações formais sob relações capitalistas, de produção e jurídicas, bem como seus respectivos trabalhadores. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 316 18/6/2009 09:47:37 Assim, a diminuição do salário mínimo apenas redunda na diminuição do número de ocupados com essa remuneração.10 Nos anos de 1960, outra racionalização para o aumento do grau de desigualdade da distribuição pessoal da renda, baseada na elevação da concentração funcional da renda, foi elaborada por Bacha (1978). Bacha (1978) elabora os seus argumentos a partir do comportamento no período da estrutura ocupacional e salarial das grandes empresas. A política salarial executada pelas grandes empresas, na presença de elevadas taxas de crescimento econômico e da ausência de regulação distributiva no mercado de trabalho, origina exacerbada desigualdade salarial entre as ocupações gerenciais e aquelas da produção. Em um ambiente de alta competição para atrair mão-de-obra qualificada, as empresas de maior porte possuem margens de lucro que lhes permitem pagar salários mais altos, principalmente para os seus gerentes. Dessa maneira, a alta hierarquia das firmas, apoiando-se na sua posição diferenciada no mercado, indicada pelo maior poder de monopólio, estabelece seus vencimentos para além da produtividade marginal do trabalho, abocanhando parcela dos lucros. 317 No início da década de 1970, a análise de Langoni (1973) sobre o aumento do grau de desigualdade da distribuição da renda não considera o comportamento da distribuição funcional da renda, privilegiando a metodologia e o argumento econômico mais freqüentemente utilizado nas décadas posteriores: o individualismo econômico e a teoria do capital humano. Langoni (1973) defende que a concentração da renda no Brasil, da década de 1960, derivou principalmente da incapacidade Diferentes testes empíricos apóiam a hipótese de que os reajustes do salário mínimo determinam os demais salários da economia, sejam eles aproximados pelos salários medianos reais da indústria, dos serventes do setor da construção civil, dos empregados com carteira assinada ou dos empregados não qualificados com carteira assinada, registrando elasticidades salário mínimo/salário selecionado que variam de 0,50 a 0,90. Veja-se uma resenha, entre outros, em Cacciamali (2005). 10 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 317 18/6/2009 09:47:37 do sistema educacional brasileiro de produzir trabalhadores qualificados na proporção demandada pela crescente industrialização.11 Ademais, reinterpretando Kuznets (1955), Langoni (1973) afirma que o aumento da concentração da renda, em um período de crescimento industrial acelerado é esperado, tendo em vista o aumento da heterogeneidade estrutural do setor produtivo brasileiro. Segundo Kuznets (1955), a concentração da renda aumenta nas fases iniciais do desenvolvimento econômico, reduzindo-se quando a estrutura produtiva apresenta predominantemente setores de maior produtividade. Assim, sob a ótica de manter o crescimento econômico, a concentração de renda é um fenômeno passageiro, típico de uma economia em processo de reestruturação produtiva e desenvolvimento. Nos setores de atividade de maior produtividade a distribuição pessoal da renda dependerá ainda mais da escolaridade dos trabalhadores. 318 Analisando os estudos realizados a partir dos anos de 1990, nota-se a influência da abordagem de Langoni (1973), baseada na teoria do capital humano e no abandono de quaisquer relações com a distribuição funcional da renda. A Hegemonia do Individualismo Metodológico Na década de 1990, Barros e co-autores ampliam e complementam o modelo langoniano. Em artigo de Barros e Mendonça (1995), estes identificaram teórica e empiricamente os determinantes da desigualdade de renda no Brasil, principalmente aqueles da desigualdade salarial. Os autores destacam três fatores: a segmentação no mercado de trabalho brasileiro, por exemplo, segundo ramo de atividade, formal-informal e regional; a discriminação por cor e sexo; e a experiência no Além da escolaridade, Langoni (1973) insere, no modelo econométrico, a variável idade como proxy da experiência, obtendo resultados robustos, que ratificam a sua opção pelo poder explicativo do capital humano. 11 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 318 18/6/2009 09:47:37 mercado de trabalho e a escolaridade do trabalhador, ambos associados ao capital humano que ele incorporou. Os resultados da investigação de Barros e Mendonça (1995) indicaram que a segmentação por ramo de atividade devido à heterogeneidade estrutural explica 15% da desigualdade salarial, a segmentação formal-informal responde por apenas 1%, embora os diferenciais salariais entre trabalhadores formais e informais não sejam desprezíveis12 e a segmentação regional importa entre 2 e 5% da desigualdade salarial, porque a diferenciação salarial dos trabalhadores com qualificações similares entre as regiões é pequena. (BARROS; MENDONÇA, 1995). Quanto à discriminação por cor e sexo, Barros e Mendonça (1995) mostraram que a variável cor participa com 2% na explicação da desigualdade de renda brasileira, e 5% representa a participação da discriminação de sexo. Por outro lado, a experiência do trabalhador no mercado de trabalho explica 5% da desigualdade salarial, a sua experiência na empresa responde por 10% e a escolaridade explica de 35 a 50%. Ou seja, os autores concluíram que as variáveis de capital humano explicam a metade ou mais da desigualdade salarial brasileira, resultados que se alinham às constatações de Langoni da década de 1970. Com isso esses autores remetem a discussão sobre a desigualdade de renda para as características da oferta de trabalho, assim como propõem ações públicas focalizadas na oferta de trabalho. Barros e Mendonça 319 Informa-se que Barros et al. (2006a) entendem a segmentação formal-informal de uma maneira pouco rigorosa na medida em que o segundo segmento compreende todos os empregados que não dispõem de carteira de trabalho assinada, inclusive empregados domésticos, e trabalhadores por conta própria. Essa heterogeneidade, provavelmente é uma das causas do resultado alcançado. Os empregados domésticos dispõem, por exemplo, do menor nível de renda entre as demais categorias, os trabalhadores por conta própria mostram elevada dispersão de vencimentos, assim como os empregados sem carteira de trabalho assinada, embora em um patamar médio inferior ao dos trabalhadores por contra própria. 12 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 319 18/6/2009 09:47:37 (1995), posteriormente, com recursos de pesquisa originários principalmente do Banco Mundial e a partir do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), criaram as condições para a elaboração de inúmeros estudos que sobrepujam na ordem das explicações para a ocorrência da desigualdade os fatores de demanda, os fatores institucionais, os tipos de política pública de mercado de trabalho, o tipo de regulamentação de mercado de trabalho e a política macroeconômica. (BARROS; MENDONÇA, 1995). 320 Cinco anos depois, Barros e Mendonça (2000) elaboraram um estudo que concordava com as principais conclusões do artigo de 1995 citado acima. No estudo de 2000, os três autores identificaram o fator heterogeneidade educacional como o principal determinante da desigualdade salarial brasileira, sendo responsável por 39,5% dessa desigualdade. Segundo Barros e Mendonça (2000), as diferenças educacionais entre os trabalhadores brasileiros são desvendadas pelo mercado de trabalho, pois mostram que os trabalhadores mais escolarizados auferem salários maiores porque apresentam maior produtividade. Além de identificarem a escolaridade como o principal determinante da desigualdade salarial no Brasil, esses autores também apontavam problemas permanentes do sistema educacional brasileiro que reforçam a concentração de renda, principalmente, o relativo atraso educacional, estimado em uma década. (BARROS; MENDONÇA, 2000). Outro estudo dos anos de 1990 combina-se com os resultados anteriores. Ferreira (2000), utilizando-se das evidências empíricas de Barros e Mendonça (2000), também constatou que a escolaridade é o principal determinante do perfil desigual da distribuição de renda no Brasil. Segundo Ferreira (2000), os anos de estudos explicam entre 33 e 50% da desigualdade total, embora, outras causas devam ser citadas, por exemplo, os efeitos da segmentação e da discriminação. Além dos resultados empíricos, Ferreira (2000) construiu um modelo teórico para explicar a persistência da desigualdade de renda no Brasil. Esse modelo contém uma característica de dinâmica intergeracional que retroalimenta a 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 320 18/6/2009 09:47:37 desigualdade existente. Essa retroalimentação inicia-se com uma elevada desigualdade educacional que causa uma acentuada desigualdade de renda. Essa última, por sua vez, ao criar grupos populacionais de rendas baixas, também promove uma desigualdade de poder político. Essa desigualdade de poder político perpetua a desigualdade educacional, uma vez que os grupos populacionais de rendas baixas não conseguem alterar as decisões políticas que podem favorecê-los, como a expansão de escolas públicas de qualidade. Dessa forma, o circuito de retroalimentação se completa com as diferenças educacionais provocando desigualdade de renda e desigualdade de poder político, impedindo que esse circuito seja interrompido. Ferreira propõe a expansão e melhoria dos gastos públicos em educação com a focalização nos grupos de elevado déficit educacional. (FERREIRA, 2000). Século XXI: O Início da Diminuição do Grau de Desigualdade da Distribuição de Renda 321 Mais recentemente, a literatura nacional investigou as causas da queda da concentração pessoal de renda depois de 2001. O debate recente, além de incorporar parte dos resultados derivados dos estudos dos anos de 1970 e dos anos de 1990, também incluiu outros itens determinantes da variação da concentração de renda, por exemplo, os gastos sociais da Seguridade Pública e do Programa Bolsa Família. A introdução dessas variáveis expandiu o número de determinantes da variação do grau de desigualdade da distribuição de renda sem romper com a literatura anterior, ao contrário, ampliou as conexões causais. Essas conexões apareceram numa série de estudos que se utilizam de técnicas matemáticas de decomposição.13 Soares (2006) decompôs a variação da concentração da renda domiciliar brasileira no período de 1995 a 2004 e conDentre esses estudos mais recentes podem ser mencionados: Soares (2006); Hoffmann (2006b); Ferreira et al. (2006) e IPEA (2006); Soares et al. (2006). 13 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 321 18/6/2009 09:47:37 clui que depois de 2001 a participação da renda do trabalho explica 75% da queda da desigualdade; e que nesse processo as transferências públicas do Programa Bolsa Família destacam-se pela sua contribuição com 27%. Hoffmann (2006b), utilizando-se da mesma técnica de decomposição de Soares, obteve resultados similares para algumas regiões brasileiras. As transferências públicas, especialmente no Nordeste, contribuíram significativamente para a redução da concentração de renda domiciliar com 86,9%. Para as demais regiões analisadas, Hoffmann (2006b) obteve resultados que ressaltam a renda do trabalho como o principal tipo de renda envolvido com o movimento de redução da desigualdade. 322 Ferreira et al. (2006) também efetuaram uma série de decomposições da desigualdade de renda brasileira. Dentre os principais resultados, os autores salientaram as contribuições da escolaridade e da discriminação por cor. Em 2004, as diferenças educacionais entre os responsáveis pelo domicílio explicam 38% da desigualdade total, enquanto a variável cor responde por 11%. Contudo, apesar da elevada capacidade explicativa da educação, entre 1981 e 2004 houve uma redução de sua importância, indicando a redução nos retornos à escolaridade, enquanto a importância da discriminação por cor se mantém. Adicionalmente, os autores identificaram que em 2004 a renda do trabalho contribui com 67%, e as aposentadorias e pensões com 18%. A importância das transferências públicas para a redução da concentração da renda brasileira, depois de 2001, tornou-se um objeto específico de análise. Soares et al. (2006) analisando essa questão concluíram, por meio de decomposição, que o Benefício de Prestação Continuada, o Programa Bolsa Família e as aposentadorias e pensões no piso, contribuíram, respectivamente, com 7%, 21% e 32% para a redução da desigualdade no período de 1995 a 2004. A principal causa para que essas transferências públicas contribuíssem para a redução da desigualdade foi a diminuição de seus coeficientes de concentração, fato que vem acompanhado da ampliação da focalização desse tipo de gasto público. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 322 18/6/2009 09:47:37 O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) também analisou a contribuição das transferências públicas para a redução da desigualdade, no período de 2001 a 2004, e o estudo concluiu que as aposentadorias e pensões no piso, o Benefício de Prestação Continuada e as transferências do Programa Bolsa Família contribuem, juntos, com 30% da redução total. O estudo realizado por esse Instituto também analisou a importância de outros fatores para a redução da desigualdade no período. Dentre eles, o estudo destacou a escolaridade, a produtividade do trabalho e a segmentação regional com 16, 18 e 11% da explicação total, respectivamente. Tendo em vista esses resultados, o IPEA sugere ampliar ainda mais a cobertura dos programas públicos de transferência de renda, bem como programas de qualificação da força de trabalho e maior a integração dos mercados de trabalho. (IPEA, 2006). Declínio do Grau de Desigualdade e a Magnitude da Variação da Renda 323 Paralelamente às questões discutidas anteriormente sobre as causas do comportamento da desigualdade da distribuição pessoal de renda, o meio técnico-acadêmico estabeleceu outra polêmica sobre o tema. O mote do debate agora é a relação entre a magnitude da queda da desigualdade de renda e o bem-estar das famílias mais pobres. Os argumentos que perpassam essa contenda podem ser agrupados em três vertentes que se distinguem pelo grau de importância que cada uma confere à redução do grau de desigualdade. A primeira vertente, representada por Barros et al. (2006a, 2006b) e Hoffman (2006a, 2006b), entende que a magnitude da queda foi intensa, ocasionou forte redução da pobreza e acarretou expressivos ganhos de bem-estar social. Barros, utilizando-se de uma linha de pobreza de R$ 162,59 e de extrema pobreza de R$ 81,29, conclui que, no período mencionado, o número de pobres caiu em 3,8 milhões e o de extremamente pobres reduziu-se em 5,6 milhões. Esses nú- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 323 18/6/2009 09:47:37 meros absolutos, em 2005, representavam, respectivamente, 34,1 e 13,2% do total das famílias brasileiras. Hoffmann (2006b, p. 70), por sua vez, defende que a magnitude da queda da desigualdade de renda, no Brasil, no período de 2001 a 2005, é elevada e proporcional ao aumento da desigualdade na década de 1960 que tanto chamou a atenção na literatura da época. Essa redução de 2,8 pontos percentuais em quatro anos pode parecer pequena, mas cabe assinalar que o valor absoluto de sua intensidade anual é semelhante ao do crescimento de 8 pontos percentuais do índice de Gini do rendimento da PEA no Brasil, na década de 1960 que mereceu grande destaque na literatura sobre distribuição de renda e no debate público. 324 Destacamos, entretanto, que o “acentuado crescimento na renda dos mais pobres” e a “elevada queda da desigualdade de renda” durante o período em tela, no Brasil, encobrem o real poder de compra das linhas de pobreza que foram empregadas por Barros. Ou seja, é possível sair da linha de pobreza no período mencionado e continuar com um padrão de vida muito reduzido, em função de esse valor ser insuficiente para a sobrevivência e o bem-estar social de uma família. A segunda abordagem, defendida por Dedecca (2006), reconhece que a redução da desigualdade é significativa, mas incapaz de promover uma mudança estrutural na distribuição de renda no Brasil. Dedecca (2006, p. 220) admite a importância da queda da desigualdade, mas considerou que “[...] os avanços são ainda muito limitados, e podem ser facilmente revertidos em razão do seu baixo impacto sobre o perfil estrutural da distribuição de renda familiar”. Essa afirmativa se justifica, segundo esse autor, porque entre 1995 e 2005, considerando-se a distribuição de renda, os décimos inferiores da população não aumentaram a sua participação na massa salarial, além de, entre 2002 e 2005 se reduzirem as médias de rendimento real para o primeiro, sexto e nono décimo da população. Esse comportamento indicou a “[...] deterioração dos níveis de rendimentos da população brasileira” que ocorreu 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 324 18/6/2009 09:47:37 “porque a elevação de certos rendimentos passa a ser obtida... com a redução do de outros”. Sendo assim, o autor nota que o padrão médio de renda familiar não sofreu significativas alterações e conclui que a recuperação da renda familiar em 2005 não se restringiu aos estratos mais pobres e que “o processo parece estar se estabelecendo sem a observância de uma elevação do padrão médio de bem-estar da sociedade”. Finalmente, o terceiro posicionamento afirma que o estreitamento do grau de desigualdade na distribuição de renda “nada tem de substancial”. (BARROS et al., 2006a). (BARROS; MENDONÇA, 1995). Salm (2006) entende que “a queda em torno de 4% nada tem de substancial, principalmente se levarmos em conta os níveis absurdamente elevados de concentração de renda de que padecemos”. Além de acreditar que a magnitude da queda é relativamente reduzida, esse autor questionou a direção de causalidade entre a desigualdade e a pobreza - estabelecida pelos autores da primeira vertente de interpretação – e propôs a inversão de causalidade por meio de uma pergunta provocativa: “...por que não inverter os termos da proposição e, em vez de dizer, como consequência da queda da desigualdade reduziram-se a pobreza e a extrema pobreza, dizer como conseqüência da queda na pobreza e da extrema pobreza, reduziu-se a desigualdade?” 325 A inversão de causalidade, indicada por Salm (2006), é consistente com a interpretação estrutural do processo de desenvolvimento econômico, na medida em que esse modelo prioriza a elevação da produtividade e o crescimento econômico como os instrumentos privilegiados para superar os elevados patamares de desigualdade de renda. Naturalmente, sabemos que a produtividade e o crescimento econômico são fatores econômicos essenciais para elevar o nível de bem-estar e combater a desigualdade de renda, desde que os ganhos de produtividade sejam repassados aos vários níveis salariais, que o governo execute políticas redistributivas e que os trabalhadores, na sua grande maioria, apresentem cobertura associativa ou sindical em prol de seus interesses. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 325 18/6/2009 09:47:37 A Diminuição do Coeficiente de Gini no Início do Século XXI Entre 2001 e 2006, a queda da desigualdade na distribuição de renda diminuiu quatro pontos percentuais. A maior queda ocorreu no Sul, de um Gini de 0,56 para 0,51, que contrastou com as demais regiões, todas com uma redução igual ou menor que a média nacional. (Tabela 1). Tabela 1 – Grau de Desigualdade Regional da Renda do Trabalho, das Transferências Públicas e das Aposentadorias e Pensões para os anos 2001, 2004 e 2006 Brasil e Macroregiões Brasil Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul 326 Renda do Trabalho Transferências Públicas Aposentadorias e Pensões GINI GINI GINI GINI GINI GINI GINI GINI GINI 2001 2004 2006 2001 2004 2006 2001 2004 2006 0,56 0,54 0,53 0,56 0,18 0,13 0,54 0,53 0,51 0,56 0,53 0,52 0,43 0,02 0,02 0,51 0,50 0,52 0,62 0,59 0,59 0,28 0,09 0,09 0,59 0,61 0,58 0,59 0,58 0,58 0,61 0,10 0,12 0,59 0,56 0,59 0,53 0,51 0,51 0,67 0,36 0,28 0,52 0,51 0,48 0,55 0,52 0,52 0,67 0,47 0,39 0,55 0,51 0,48 GINI GINI GINI Total Total Total 2001 2004 2006 0,56 0,53 0,52 0,55 0,52 0,51 0,61 0,58 0,57 0,59 0,57 0,57 0,53 0,51 0,50 0,56 0,52 0,51 Fonte: Elaboração Própria dos Autores a partir dos Microdados das PNADs de 2001, 2004 e 2006. A desigualdade de renda do trabalho diminui em todas as regiões, mas permanece alta, sobretudo no Nordeste e Centro-Oeste. Essas duas regiões apresentam os maiores coeficientes de desigualdade, próximos a 0,60, o que indica a existência de mercados de trabalho de estruturas ocupacionais muito heterogêneas e de elevados diferenciais salariais. A renda das aposentadorias e pensões distribui-se de forma muito concentrada e, como era de se esperar, o perfil da distribuição é similar ao da renda do trabalho e da própria cobertura do Sistema Público de Seguridade Social. Em 2006 as maiores desigualdades de renda ocorrem para as macrorregiões Nordeste e Centro-Oeste, que atingem coeficientes de Gini de 0,58 e 0,59 respectivamente. As menores desigualdades são apresentadas pelas macrorregiões Sudeste e Sul, que mostram coeficientes idênticos de 0,48. A contribuição desse tipo de renda para a redução do grau de desigualdade da renda é de 8,64% entre 2001 a 2004, e 33,69% entre 2004 e 2006. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 326 18/6/2009 09:47:37 O Sul, entre 2001 e 2004, como era de se esperar, apresenta a maior contribuição – 25,35% - devido à maior cobertura da legislação trabalhista e da seguridade pública. O grau de desigualdade das transferências públicas de renda, em 2001, alcança um coeficiente de 0,56 para o agregado e indica o maior valor do benefício vitalício frente às demais e escassas transferências de renda até aquele período. Entretanto, a ampliação dos programas, especialmente do Programa Bolsa Família, conduz à queda abrupta do coeficiente entre 2001 e 2004, e mostra-se, neste último ano, em 0,18. Entre 2004 e 2006, o grau de desigualdade das transferências públicas manteve a tendência de queda e, para o período completo, de 2001 a 2006, o coeficiente é de 0,13. A desigualdade da distribuição cai de forma expressiva, especialmente, para o Norte urbano, onde alcança um coeficiente de Gini próximo a zero (0,02). A segunda maior queda relativa ocorre na macrorregião Centro-Oeste, passando de um coeficiente de 0,61, em 2001, para 0,13 em 2006. A participação relativa do primeiro décimo de domicílio em 2006 é similar entre as regiões, entre 7 e 8%, exceto para o Sul, que apresenta 5,2%. A queda abrupta das desigualdades nesse tipo de renda ratifica as informações sobre o adequado grau de focalização do Programa Bolsa-Família no atendimento dos domicílios de menor renda. Ao decompor a queda da desigualdade da renda domiciliar per capita, nota-se que entre 2001 e 2004 os programas analisados contribuem com mais de um quarto (25,71%) na redução do grau de desigualdade da distribuição da renda domiciliar per capita em nível agregado.14 327 A distribuição de renda domiciliar per capita por tipo mostra que o trabalho ocupa a maior parcela, situando-se em 74% para Brasil em 2006, e ultrapassando os 80% para as Chamamos a atenção para o fato de que, neste estudo, assim como em outros, o tipo de renda transferências públicas agrega a parcela de juros recebida pelas famílias. Entretanto, devido à subdeclaração desta parcela na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), a superestimação da renda referente às transferências é diminuta. 14 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 327 18/6/2009 09:47:37 macrorregiões Centro-Oeste e Norte urbano. (Tabela 2). As transferências públicas de renda – Bolsa Família, Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e outros – ocupam parcela reduzida da renda domiciliar per capita, apenas 2%, em 2006. A única macrorregião que, no período, amplia de forma significativa a participação desse tipo de renda na renda domiciliar é o Nordeste, 4% naquele mesmo ano. Considerando-se a magnitude da pobreza no Brasil, esses resultados indicam que as transferências de renda pouco representam na composição da renda nacional e regional, enquanto as aposentadorias e pensões representam no agregado um quinto (21%) da renda domiciliar per capita e constitui um tipo de renda relevante para a análise do processo redistributivo. Tabela 2 – Participação Relativa %da Renda do Trabalho, Aposentadorias e Transferências Públicas 328 Brasil Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul Trabalho Trabalho Transferências Transferências Aposentadorias 2001 2006 2001 2006 75 74 1 2 83 81 1 2 73 71 1 4 81 79 1 2 74 72 1 1 74 73 2 2 2001 20 14 23 14 22 22 Aposentadorias 2006 21 14 23 16 23 22 Fonte: Elaboração Própria dos Autores a partir dos Microdados das PNADs de 2001 e 2006. A Importância de Cada Tipo de Renda no Comportamento do Grau de Desigualdade A decomposição da variação do índice de Gini referente à renda domiciliar per capita foi efetuada para o Brasil e para as cinco macrorregiões para os períodos de 2001-2004, 2004-2006 e 2001-2006 utilizando-se de calculo diferencial. O resultado da diferenciação resultou em dois efeitos: renda e concentração.15 Matematicamente os efeitos renda e concentração podem ser formalizados da seguinte maneira: [(C* - G*) < < & 15 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 328 18/6/2009 09:47:37 As estimativas realizadas, inicialmente, apontam dois fatos. O primeiro é que a contribuição da renda do trabalho é o fator mais importante na queda da desigualdade da distribuição da renda; o segundo refere-se à correlação positiva entre a contribuição da renda do trabalho e a diminuição do grau de desigualdade da distribuição de renda – quando a contribuição da renda do trabalho se reduz entre 2004 e 2006, a queda do índice de Gini diminui. Apenas a macrorregião Norte (urbana) apresenta correlação negativa entre a contribuição da renda do trabalho e a queda da desigualdade regional. Conforme pode ser observado na Tabela 3, a importância do efeito renda foi relativamente pequena na diminuição da desigualdade de renda, exceto para o Nordeste e o Norte: -25%, entre 2001 e 2006, e -69% entre 2004 e 2006, respectivamente. O peso do efeito renda nessas duas regiões deve ser remetido ao aumento das transferências públicas que no Nordeste se mantiveram altas e com poucas oscilações nos dois subperíodos, condizente com o montante de transferências efetuadas para essa macrorregião pelo Programa Bolsa Família aproximadamente 50% do total dos gastos do programa. No caso do Norte o aumento ocorreu no período de 2004 a 2006 e, conforme visto anteriormente, os gastos representam cerca de 2 % de renda domiciliar total em 2006. As demais estimativas do efeito renda indicam que as rendas do trabalho e das aposentadorias e pensões não se ampliaram significativamente no período de 2001 a 2006, numa clara indicação do baixo desempenho do mercado de trabalho e dos resultados da reforma da previdência. 329 Tabela 3 – Participação do Efeito-Renda na Variação das Desigualdades Regionais para os dois Subperíodos (20012004 - 2004-2006) e para o Período (2001-2006) Brasil e Macroregiões Brasil Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul Renda do Trabalho Efeito Efeito Efeito Renda Renda Renda Transferências Públicas Efeito Efeito Efeito Renda Renda Renda Aposentadorias e Pensões Efeito Efeito Efeito Renda Renda Renda 2001 a 2004 2004 a 2006 2001 a 2006 2001 a 2004 2004 a 2006 2001 a 2006 2001 a 2004 2004 a 2006 2001 a 2006 -0,20 -0,27 -1,20 0,00 0,20 0,03 -0,21 -1,60 0,50 * 0,00 -0,11 -0,30 -0,47 -0,83 -0,21 -0,10 -0,03 -4,30 -8,51 -27,30 -3,25 -0,05 0,17 -17,27 -69,41 -24,93 * -7,53 -2,97 -6,09 -14,88 -24,65 -9,02 -0,77 -0,06 -0,34 -0,12 0,24 0,04 -0,65 -0,08 0,08 0,08 -1,77 * 0,51 -0,23 -0,25 0,05 0,00 0,62 -0,76 -0,16 Fonte: Elaboração Própria dos Autores a partir dos Microdados das PNADs de 2001, 2004 e 2006. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 329 18/6/2009 09:47:37 O efeito concentração mostra-se mais importante para a queda da desigualdade da distribuição da renda domiciliar per capita total do que o efeito renda nos dois períodos considerados. Ou seja, a redução da concentração da renda do trabalho, das transferências públicas e das aposentadorias e pensões exerceram maior poder sobre a queda da desigualdade total: -55,5% na média brasileira. (Tabela 4). Tabela 4 – Participação do Efeito-Concentração na Variação das Desigualdades Regionais para os dois Subperíodos (2001-2004 - 2004-2006) e para o Período (2001-2006) Brasil e Macroregiões Brasil Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul 330 Renda do Trabalho Transferências Públicas Aposentadorias e Pensões Efeito Efeito Efeito Efeito Efeito Efeito Efeito Efeito Efeito Concentração Concentração Concentração Concentração Concentração Concentração Concentração Concentração Concentração 2001 a 2004 2004 a 2006 2001 a 2006 2001 a 2004 2004 a 2006 2001 a 2006 2001 a 2004 2004 a 2006 2001 a 2006 -63,84 -72,37 -67,68 -54,10 -70,58 -64,35 -39,02 -79,02 -36,31 * 17,26 -32,77 -55,51 -73,31 -56,35 -58,17 -53,24 -54,10 -21,41 -13,20 -14,16 -22,58 -16,09 -10,12 -6,71 -0,44 -1,21 * -11,41 -10,05 -19,13 -16,10 -10,99 -29,37 -16,24 -11,01 -8,30 -4,96 11,45 -19,46 -10,68 -25,27 -33,77 43,86 -35,06 * -67,01 -46,10 -16,60 4,10 -5,78 -2,54 -27,20 -31,94 Fonte: Elaboração Própria dos Autores a partir dos Microdados das PNADs de 2001, 2004 e 2006. A desconcentração da renda do trabalho contribui expressivamente para a diminuição na macrorregião Norte (urbana), atingindo o peso de -79,02% no subperíodo de 2004 a 2006, e -73,31% no período de 2001 a 2006. Os resultados da renda do trabalho para as demais macrorregiões aproximam-se da média nacional, exceto o Centro-Oeste com taxa próxima a -58%. As aposentadorias e pensões contribuem para a queda da desigualdade total com cifras relativamente reduzidas, exceto para as macrorregiões Sudeste (com -27,2%) e Sul (31,94%), devido à menor cobertura nas demais regiões e à maior participação das aposentadorias derivadas do setor público vis-à-vis aquelas derivadas do setor privado que têm perfil mais concentrado. As transferências públicas, entre 2001 e 2006, apresentam resultados expressivos quando comparados com a sua baixa participação na renda domiciliar per capita total, sobretudo, 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 330 18/6/2009 09:47:37 no período entre 2001 e 2004 (-21,41%). Entre 2004 e 2006, o efeito concentração desse tipo de renda perde importância (-6,71%) para a queda da concentração em virtude do esgotamento do efeito homogeneização do valor das transferências públicas que ocorrera no período anterior. Somando-se os resultados dos efeitos renda e concentração obtém-se o efeito total dos três tipos de renda selecionados (trabalho, transferências públicas e aposentadorias e pensões) que podem ser observados na Tabela 5. Entre 2001 e 2004, a renda do trabalho apresenta a maior contribuição para a queda da desigualdade de renda total, com cifras que ultrapassam os 70% nas regiões Norte (urbana) e Sudeste, resultados relacionados à importância das mudanças do mercado de trabalho urbano, por exemplo, o aumento da oferta de mão-de-obra mais escolarizada e a diminuição das diferenças de anos de escolaridade entre os trabalhadores redundaram no estreitamento dos diferenciais de salários.16 Entre 2004 e 2006, a importância da contribuição da renda do trabalho diminuiu concomitante à menor redução do Gini. Mesmo assim, o resultado da Tabela 3 indica que a renda do trabalho importa, nesse subperíodo, em média, -39,23% para a diminuição da desigualdade, atingindo cifras superiores a -80% para a macrorregião Norte (urbana) e -70% para o Sul e Sudeste. 331 Nos anos de 2001 a 2004 as transferências públicas contribuem com parcela significativa da queda da desigualdade na macrorregião Nordeste, atingindo uma cifra de 41,46%. (Tabela 5). No segundo subperíodo de 2004 a 2006 as transferências públicas atingem uma contribuição muito expressiOs resultados alcançados merecem dois comentários adicionais. O primeiro é que, em função da técnica matemática utilizada, era esperado esse resultado, uma vez que a renda do trabalho representa cerca de três quartos da renda domiciliar per capita. Em segundo lugar, embora o mercado de trabalho se constitua em um forte candidato na explicação da redução da desigualdade, não se pode, a partir do modelo matemático adotado, afirmar que apenas esses fatores estejam envolvidos com a redução das desigualdades. 16 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 331 18/6/2009 09:47:37 va na região Norte (urbana), sugerindo inserção dos gastos sociais, como o Programa Bolsa Família, na distribuição de renda urbana. Considerando o período completo de 2001 a 2006, ocorre uma redução da contribuição das transferências públicas, oscilando de 11,07% (para a região Sul) a 38,39% (para a região Centro-Oeste). Tabela 5 – Decomposição dos Tipos de Renda. Efeito Total. Brasil e Microrregiões. 2001-2006 Fonte: Elaboração Própria dos Autores a partir dos Microdados das PNADs de 2001, 2004. e 2006. 332 Desagregação da Distribuição de Renda por Décimos da População e Macrorregiões Com o propósito de se avaliar a magnitude da variação da renda entre diferentes estratos da população, construímos decis de domicílios e respectiva participação na renda para cada tipo de renda – domiciliar total, trabalho, aposentadoria e pensões e transferências públicas – para cada macrorregião. O primeiro décimo dos domicílios mostra que, em 2006, a despeito de todos os esforços de transferência de renda, o Nordeste percebe uma participação da renda inferior a todas as demais regiões (0,797%), resultado também da menor variação positiva (0,197%) ao longo de 2001 e 2006. Essa macrorregião, no período analisado, combina três características que definem o círculo vicioso da pobreza: baixa variação do primeiro decil da distribuição de renda; elevados coeficientes de Gini (de 0,61 em 2001 e 0,57, em 2006) e, como veremos 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 332 18/6/2009 09:47:37 adiante, baixo rendimento médio no primeiro decil de R$ 45 reais, em valores reais de 200417. Tabela 6 – Distribuição da Renda Domiciliar per Capita Total Tabela 6 - Distribuição da Renda Dom iciliar per Capita Total Dis trib. B ra s il 2001 B ra s il 2006 Va r. 20062001 No rte 2001 No rte 2006 Va r. 20062001 No r de s te 2001 No r N ode s te r2006 d e Va r. 20062001 Su de s te 2006 Su de s te 2001 Va r. 20062001 S ul 2006 Va r. 20062001 0,75 1,048 0,298 0,96 1,367 0,407 0,6 0,797 0,197 0,87 1,23 0,86 1,29 2,01 2,522 0,512 2,27 2,754 0,484 1,61 1,945 0,335 2,38 2,73 0,35 2 2,61 0,61 1,89 2,21 2,92 3,416 0,496 2,96 3,518 0,558 2,43 2,861 0,431 3,37 3,65 0,282 2,89 3,6 0,71 2,61 2,94 0,33 4º Decil 4 4,373 0,373 3,89 4,131 0,241 3,1 3,715 0,615 4 4,59 0,589 3,74 4,23 0,49 3,29 3,715 0,425 5º Decil 4,57 5,284 0,714 4,93 5,271 0,341 4,02 4,554 0,534 4,99 5,36 0,368 6º Decil 5,83 6,227 0,397 5,64 6,509 0,869 5,26 5,823 0,563 6,18 6,51 0,333 5,89 6,45 0,56 4,92 5,292 0,372 7º Decil 7,38 7,701 0,321 7,36 7,707 0,347 6,42 7,355 0,935 7,79 8,11 0,32 7,52 8,26 0,73 6,39 6,647 0,257 8º Decil 10 10,19 0,189 9,84 10,19 0,354 8,59 9,173 0,583 10,6 10,5 -0,06 10 10,4 0,33 9,07 9,072 0,002 15,59 15,18 -0,41 14,96 15,08 0,119 13,9 14,14 0,237 16,2 15,5 -0,702 15,3 15,1 -0,18 15,4 14,469 -0,931 10º Decil 46,95 44,06 -2,89 47,19 43,47 -3,72 54,1 49,64 -4,43 43,7 41,8 -1,836 47 42,7 -4,23 51,66 50,309 -1,351 0,55 3,96 1,053 Va r. 20062001 3º Decil 5,31 0,81 C e ntro Oe s te 2006 2º Decil 4,76 0,43 C e ntro Oe s te 2001 1º Decil 9º Decil 0,356 S ul 2001 4,293 0,243 0,32 0,333 Fonte: Elaboração Própria dos Autores a partir dos Microdados das PNADs de 2001 e 2006. Entre 2001 e 2006, para o Brasil, a participação do último décimo dos domicílios - 10% mais ricos – reduz-se de 46,95% para 44,06%. Em todas as macrorregiões, a trajetória do último decil é semelhante à realidade nacional, mas o Nordeste e o Centro-Oeste, conforme os respectivos coeficientes de Gini já mostraram, mantêm-se como as regiões que, em 2006, apresentaram a maior apropriação de renda por parte do decil mais rico da ordem de 49,64% e 50,31% do total, respectivamente. (Tabela 6). 333 A variação da renda domiciliar do segundo décimo de domicílios ocorre em escala inferior a 1%, de forma análoga à variação do primeiro decil, fatos que sugerem o baixo impacto da queda da desigualdade na renda média dos domicílios Esse dado sobre a renda real do primeiro decil foi extraído de Dedecca (2006). construído pelo autor para uma distribuição de renda familiar per capita A mensuração do bem-estar social não é tarefa fácil, uma vez que os próprios conceitos dependem de um conjunto amplo de melhorias socioeconômicas e políticas e não apenas da renda. Nesse estudo será usado como indicador de bem-estar social o poder de compra adicional gerado pela variação de renda dos decis e o índice de Sen. 17 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 333 18/6/2009 09:47:37 mais pobres. Aliás, exceto os últimos decis que mostram queda de participação na renda total, todos os demais decis apresentam variações baixas, porém positivas e, em geral, abaixo de 0,3%. 334 Os estratos intermediários, situados entre os 20% mais ricos e 20% mais pobres, apresentam variações percentuais da renda domiciliar per capita maiores que o primeiro décimo dos domicílios. Assim, a desconcentração da renda, depois de 2001, ocorre de maneira pulverizada, ao invés de concentrar-se entre os mais pobres. Esse comportamento ratifica a importância da renda do trabalho vis-à-vis às transferências de renda pública na queda da desigualdade da distribuição de renda. Isso porque os estratos intermediários empregaram-se em virtude das oportunidades do mercado de trabalho, enquanto os mais pobres tiveram menor probabilidade de se empregar com melhor qualidade, e apenas uma parte recebeu as transferências públicas que são, como devem ser, de baixo valor. Estimativas realizadas por Cacciamali e Camillo (2008b) por décimo de domicílio e tipo de renda apontam que a renda do trabalho apresenta resultados muito próximos da distribuição da renda domiciliar total apresentada na Tabela 6. Esse resultado é esperado porque a renda do trabalho, conforme visto anteriormente, representa a maior parcela de renda domiciliar per capita e influencia o resultado agregado dos tipos de renda. As variações de renda, ao longo de 2001 e 2006, para todas as macrorregiões e para todos os decis da distribuição, expressam-se em valores decimais sempre inferiores a 0,9%. As maiores variações são encontradas na região Sul no terceiro e sétimo decil, no Nordeste do quarto ao oitavo decil, e no sexto decil da região Norte. (Tabela 6). Em 2001 a menor renda média domiciliar do primeiro decil ocorre no Nordeste (R$ 71,4) e a maior encontra-se no Sul (R$182,77). (Tabela 6). O Norte - urbano, Sudeste e Centro-Oeste apresentam, no primeiro decil, rendas médias próximas de R$112,74, R$110,72 e R$117,47, respecti- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 334 18/6/2009 09:47:37 vamente. Em 2006, as rendas médias cresceram e atingiram R$171,68, R$170,31 e R$170,59, respectivamente para as três macrorregiões mencionadas acima. Em termos reais, esse crescimento da renda gera, aproximadamente, em valores de 2002, R$ 60 adicionais em cinco anos, permitindo que anualmente a renda do primeiro decil de qualquer uma dessas três macrorregiões (Norte-urbana, Sudeste e Centro-Oeste) aumentasse, em média, R$12 mensais. Supondo um domicílio nesse decil com quatro pessoas, a renda adicional por pessoa atinge R$3 mensais e, conseqüentemente, o aumento por pessoa é de R$ 0,1 por dia. Os resultados para o segundo décimo de domicílios são similares e mostram valores de R$ 65, exceto para o Nordeste, que cresce R$45, e efetuando os mesmos cálculos levam a pouco mais de R$3 mensais por pessoa. Ou seja, o impacto da diminuição da desigualdade sobre os estratos de renda mais pobres pode ser considerado pequeno em termos de renda média em todas as macrorregiões. (Tabela 7). 335 Tabela 7 – Renda Média Domiciliar Total (R$) por Decis e Índice de Bem Estar de Sen Distrib. Macro-Regiões 2001 - 2006 Norte Norte Var. % 2001 2006 Nordeste 2001 Nordeste 2006 1º Decil 112,74 171,68 52,28 71,4 105,05 2º Decil Var. % 47,13 110,72 170,31 53,82 182,77 267,46 46,34 25,78 170,99 216,39 431,76 41,01 224,39 295,38 31,64 422,57 499,07 18,10 458,46 558,89 21,91 334,55 419,03 25,25 476,26 14,86 266,8 331,2 24,14 541,82 612,06 12,96 542,97 633,25 16,63 414,64 514,09 23,98 5º Decil 499,94 593,48 18,71 802,51 18,49 528,26 633,1 19,85 6º Decil 618,69 742,97 20,09 420,21 504,32 20,02 867,29 918,03 5,85 833,59 924,73 10,93 670,72 766,79 14,32 7º Decil 748,16 809,83 8,24 498,44 587,02 17,77 1092,16 1146,71 4,99 1022,56 1161,66 13,60 868,66 991,58 14,15 8º Decil 1004,51 1076,01 232,19 293,3 26,32 658,9 785,13 19,16 1487,81 1513,67 1,74 1343,17 1495,69 11,36 1218,59 1363,64 11,90 1442,3 1516,68 5,16 992,61 1064,74 7,27 2242,69 2196,88 -2,04 1908,56 2077,01 8,83 1907,47 2074,11 8,74 10º Decil Renda Média ** 3813,74 3711,25 -2,69 2948,97 3200,17 8,52 5455,11 5414,42 -0,75 4655,35 4734,46 1,70 5461,5 5581,43 Domiciliar Índice de Sem * 920,54 983,69 6,86 658,62 751,73 14,14 1319,69 1358,1 2,91 1194,64 1304,39 9,19 1175,28 1280,64 8,96 414,24 482,01 16,36 256,86 323,24 25,84 620,25 679,05 9,48 525,64 639,15 21,59 481,86 550,67 14,28 9º Decil 7,12 677,3 20,81 Centro- Centro- Var.% Oeste Oeste 2006 2001 117,47 170,59 45,22 307,09 9,44 388,13 Var.% 306,2 756,75 321,28 Sul 2006 414,66 691,45 23,61 Sul 2001 244,15 28,19 353,08 Var. % 4º Decil 428,13 285,63 Sudeste 2006 3º Decil 333,97 26,55 Sudeste 2001 2,20 Fonte: Elaboração Própria dos Autores a partir dos Microdados das PNADs de 2001 e 2006. * O índice de Sen é calculado multiplicando-se a renda média domiciliar por 1 menos o Gini da região. Embora a mensuração do Bem Estar seja mais complexa, o índice utilizado permite ponderar a renda média pelo grau de desigualdade da renda ** Todas as rendas foram deflacionadas pelos deflatores construídos por Corseuil e Foguel (2002). Esses deflatores podem ser encontrados no IPEADATA 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 335 18/6/2009 09:47:37 Por outro lado, o crescimento monetário real das rendas médias do terceiro ao sexto decil nas cinco macrorregiões situa-se entre R$ 51 (para o Sudeste no sexto decil) e R$125 (para o Norte urbano), gerando aumentos de R$ 13 até R$31 mensais por pessoa, respectivamente. O Sudeste apresenta o menor crescimento das rendas médias do terceiro ao sexto decil e o Nordeste mostra as maiores taxas de crescimento das rendas médias reais do quarto ao sexto decil. (Tabela 7). Adicionalmente, para completar o diagnóstico sobre a renda real, destacamos o indicador de Sen que aponta, para qualquer uma das cinco macrorregiões, a queda da renda real domiciliar de aproximadamente metade de seu poder de compra em decorrência das elevadas desigualdades da distribuição de renda.18 336 Por fim, podemos concluir que as mudanças na distribuição de renda por decis são compatíveis com as respectivas rendas médias, indicando uma evolução relativamente pequena dos decis inferiores, típica de uma estrutura distributiva pouco maleável. Também é importante considerar que o período analisado é relativamente curto. Ou seja, não se esperam mudanças abruptas na distribuição de renda nesse curto prazo, ainda mais numa economia como a brasileira marcada pela trajetória histórica de elevadas desigualdades de renda, tanto funcional quanto pessoal, e a manutenção de forte riqueza patrimonial, financeira e humana. Considerações Finais O debate sobre a distribuição pessoal de renda no Brasil intensifica-se a partir da queda da desigualdade verificada em 2001. Esse debate incorpora as transferências públicas, a discriminação no mercado de trabalho e a segmentação regional como condicionantes da desigualdade de renda e tem Apenas para ratificar a explicação do índice de Sen contida no rodapé da tabela 6, é importante considerar que sua metodologia de cálculo possui o seguinte procedimento metodológico: multiplica-se a renda média domiciliar por 1 menos o Gini da região. 18 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 336 18/6/2009 09:47:37 o mérito de ampliar o número de variáveis para além da variável educação. Contudo, o debate atual reproduz a abordagem hegemônica da década de 1990, remetendo tal queda aos aspectos ligados ao déficit de capital humano, às rendas do trabalho e às transferências públicas, desconsiderando qualquer análise sobre os demais tipos de renda e mesmo sobre sua distribuição funcional. Nesse sentido, discute-se a distribuição de cerca de menos da metade da renda, captada pelos surveys domiciliares, e não se analisa a evolução da apropriação de lucros, impostos, juros e rendas financeiras, fato que maquia quaisquer bons resultados sobre a menor desigualdade de renda. Circunscritos às limitações supracitadas, os resultados que obtivemos na decomposição da desigualdade nacional e regional da renda convergem para aqueles apresentados na literatura nacional, principalmente no que tange à participação da renda do trabalho na queda das desigualdades que indicam elevada participação desse tipo de renda. A participação das transferências públicas mostra seu foco regional, com predominância na macrorregião Nordeste que absorve parcela significativa dessas transferências, dentre elas o Programa Bolsa Família. 337 Os decis inferiores da distribuição de renda domiciliar per capita, por outro lado, mudam numa escala não desprezível, mas decimal. Por definição matemática, uma mudança decimal só pode gerar resultados significativos caso o montante sobre o qual incida seja elevado. Seria no mínimo exagerado afirmar que a renda domiciliar per capita brasileira encaixa-se nesse caso de montante elevado. Naturalmente que uma variação decimal pode permitir a aquisição de um bem ou serviço essencial para alguma família do decil inferior, ou até tirá-la da faixa de pobreza pré-estabelecida, mas a elevação do bem-estar social depende de mudanças maiores na oferta de serviços públicos e de consumo das famílias brasileiras. Sem uma mudança estrutural na oferta de bens públicos, distribuição de escolaridade e maior acesso às oportunidades de trabalho, o poder de compra, principalmente 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 337 18/6/2009 09:47:37 das populações dos estratos mais pobres, altera-se pouco, predominando o consumo de bens e serviços estritamente vinculados à sobrevivência. Os decis da distribuição da renda do trabalho, construídos para o período de 2001 e 2006, indicam que a composição da força de trabalho mudou no período mais recente. A manutenção de elevada taxa de desemprego urbano durante mais de dez anos e a redução da dispersão dos anos de escolaridade entre os trabalhadores contribuíram para estreitar os diferenciais de salário. Uma mudança distributiva combinada com baixo crescimento da renda média em geral e reduzido aumento relativo nos estratos mais pobres não pode ser classificada como uma mudança estrutural da distribuição da renda. 338 Os resultados para os decis analisados alinham-se à escassa literatura nacional crítica, indicando que os decis inferiores (mais pobres) não apresentam elevações expressivas em suas participações relativas, caracterizando uma mudança pouco (ou nada) estrutural na distribuição pessoal de renda no Brasil e regiões. Também é importante considerar que a literatura nacional mais recente estabeleceu algumas associações entre a distribuição de renda e o consumo dos domicílios por estratos de renda. A desigualdade de consumo entre as famílias, em 2003, fica evidente: enquanto os 20% mais pobres consumiam R$ 142,59 reais, essa cifra para os 10% mais ricos atingia R$ 2403,18 reais – praticamente 17 vezes mais. Além dessa desigualdade de consumo, os 20% mais pobres apresentavam, nesse mesmo ano, déficit orçamentário de R$ 70,14 reais, e os 10% mais ricos um superávit de R$ 587,57 reais.19 O déficit do orçamento familiar dos 20% mais pobres aumentou, em 2003, em comparação ao déficit de 1996, além do rendimento real médio diminuir R$ 16,10 reais, numa clara indicação de perda do poder de compra. Para os 50% mais pobres, a trajetória de consumo e do déficit orçamentário foi similar.20 Dados extraídos de: Diniz et al. (2007). Os autores utilizaram como base de dados as Pesquisas de Orçamentos Familiares de 1987-1988; 1995-1996 e 2002-2003. 20 Diniz et al. (2007). 19 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 338 18/6/2009 09:47:38 Em suma, embora a renda do trabalho esteja contribuindo significativamente para a queda da desigualdade nacional e regional da renda, não há indícios de uma mudança estrutural ampla na distribuição de renda pessoal nos domicílios brasileiros, permitindo, assim, a manutenção de um baixo poder de compra e de fortes restrições de acesso aos bens públicos por parte dos estratos de renda inferiores. Uma mudança desse tipo (não estrutural) na distribuição de renda é compatível com o melhor desempenho do mercado de trabalho em um ambiente de maior formalidade e estreitamento dos salários. As transferências públicas, como mecanismos de curto prazo de combate à desigualdade de renda, principalmente o Programa Bolsa Família, poderão perder capacidade de redução das desigualdades no médio e no longo prazo, uma vez que seus impactos tendem a ser maiores enquanto os estratos inferiores absorverem parcelas inexpressivas da renda domiciliar. As aposentadorias e pensões, exceto no Sudeste e no Sul, desempenharão papel limitado no processo redistributivo, enquanto o Sistema Público de Seguridade Social apresentar baixa cobertura nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. 339 Por fim, não se pode deixar de mencionar que o período de 2001 a 2004 apresentou características auspiciosas que apoiaram a diminuição da desigualdade de renda, tais como crescimento econômico continuado, maior crescimento econômico nas regiões economicamente atrasadas do país, política ativa de salário mínimo, tendência de crescimento do emprego formal e vigorosa política de transferências públicas de renda na forma do Programa Bolsa Família, maior cobertura da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), e maior concessão de aposentadorias rurais. Esse ambiente, caso se mantenha, acrescido de investimentos em infra-estrutura social e econômica tenderão a diminuir o elevado grau de concentração de renda que ainda vigora em todas as macrorregiões do país. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 339 18/6/2009 09:47:38 Referências BACHA, E. L. Hierarquia e remuneração gerencial. In: TOLIPAN, R.; TINELLI, A. C. (Org.). A controvérsia sobre a distribuição de renda e o desenvolvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. BARROS, R. P. de et al. A importância da queda recente da desigualdade para a pobreza. In: BARROS, R. P. de; FOGUEL, M. N.; ULYSSEA, G. (Org.). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília, DF: IPEA, 2006a. V. 2. ______. A queda recente da desigualdade de renda no Brasil. In: BARROS, R. P. de; FOGUEL, M. N.; ULYSSEA, G. (Org.). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília, DF: IPEA, 2006b. V. 2. 340 BARROS, R. P. de; MENDONÇA, R. 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(CARNEIRO, 2002). 345 A recuperação da atividade econômica observada entre 1984 e 1986, devida a um excepcional aumento das exportações, deu a falsa impressão de que o país poderia retornar à sua anterior trajetória de crescimento. O Plano Cruzado, por um curto período de tempo, conseguiu bloquear os aumentos de preços e elevar o poder de compra dos salários. Entretanto, a partir de 1987, reafirmou-se o contexto de estagnação e a volta de uma cada vez mais descontrolada inflação. O fraco desempenho da economia brasileira na década de 80 provocou expressivas alterações na composição das oportunidades do mercado de trabalho, sem interromper, entretanto, a tendência de aumento da taxa de participação e sem provocar aumento desenfreado do desemprego. (BALTAR, 2004). Doutor em Economia Aplicada e Pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) - Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE-Unicamp). 1 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 345 18/6/2009 09:47:38 A década de 1990 foi marcada pela liberalização comercial e financeira, racionalização e modernização da estrutura produtiva, as quais repercutiram no nível de emprego e afetaram os setores mais estruturados e organizados da economia. Reduziu a criação de novos postos no mercado de trabalho e o desemprego cresceu assustadoramente. A flexibilização da produção, a desconcentração industrial, a busca de qualidade total, as formas transitórias de produção e outros tipos de desregulações estão cada vez mais presentes nas indústrias, que buscam se adaptar às novas formas de produção e à lógica do mercado mundial. Há subcontratação de parte do trabalho para seus estabelecimentos transnacionais, generaliza-se a utilização de mão-de-obra temporária e, ao mesmo tempo, busca-se o consentimento da força de trabalho para a reversão de contratos sociais mais benéficos aos trabalhadores. 346 Enquanto em alguns setores os trabalhadores se tornaram mais qualificados, como o supervisor e o vigilante de um processo produtivo, houve desqualificação em outros setores, como na metalurgia, onde a habilidade do trabalhador foi substituída pelo simples papel de operador de máquinas semi-automáticas. A automação acentuou o processo de eliminação do emprego rural, reduziu o emprego industrial e, por outro lado, fez crescer o peso do setor de serviços na estrutura social, principalmente serviços pessoais. Ao mesmo tempo, há uma expansão generalizada de diversas formas de trabalho: temporário, parcial, precário, terceirizado, subcontratado, vinculado à economia informal e ao setor de serviços. (ANTUNES, 2000). Nesse contexto de baixo crescimento do produto, transformações da estrutura produtiva e das formas de contratação, o objetivo central deste ensaio é analisar a dinâmica do mercado de trabalho brasileiro entre os anos de 1981 e 2007. Pretende-se, ainda, realizar um estudo segmentado, identificando os setores econômicos e grupos ocupacionais mais ou menos afetados nesse período. A hipótese central destas análises é que as transformações evidenciadas nesse período acentuaram o já precário quadro de exclusão socioeconômica 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 346 18/6/2009 09:47:38 dos principais grupos da população ocupada no Brasil. Para cumprir tais objetivos, este trabalho foi estruturado em três seções, além desta parte introdutória: i) apresentação das fontes de informações e da metodologia de análise dos dados; ii) análise da dinâmica geral das transformações no mercado de trabalho brasileiro; iii) descrição da tipologia de estratificação ocupacional e análise dos impactos sobre estrutura de classes da população ocupada no Brasil. Metodologia de Trabalho A principal fonte de informações utilizada neste trabalho é a base anual de microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Utilizaram-se, ainda, informações do sistema de Contas Regionais do Brasil para obtenção do Produto Interno Bruto (PIB) entre os anos de 1981 e 2007. 347 Na composição na População Economicamente Ativa (PEA), consideraram-se como ocupados os indivíduos com dez anos ou mais de idade que tinham trabalho remunerado na semana ou que exerciam trabalho não-remunerado em pelo menos quinze horas na semana. Como desempregados, aqueles indivíduos com dez anos ou mais de idade que não estavam ocupados na semana, mas que em um período de dois meses estavam à procura de trabalho. Os padrões econômicos da população ocupada foram analisados a partir do rendimento autodeclarado da ocupação principal. Todos os valores foram deflacionados para reais (R$) de outubro de 2007 a partir do INPC corrigido para a PNAD, disponibilizado pelo IPEA. (CORSEUIL; FOGUEL, 2002). Por sua vez, os valores do PIB foram corrigidos pelo deflator implícito do PIB e foram obtidos no endereço eletrônico do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. (IPEADATA, 2008). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 347 18/6/2009 09:47:38 Dinâmica do Mercado de Trabalho Brasileiro Durante boa parte das duas últimas décadas, o desempenho do PIB real do Brasil esteve muito aquém do crescimento de sua PEA. De maneira geral, o PIB cresceu 96% entre 1981 e 2007, contra 100% da PEA no mesmo período. Enquanto o crescimento da PEA foi impulsionado pela maior participação das mulheres no mercado de trabalho e pelo aumento da participação de jovens ingressantes na População em Idade Ativa (PIA), o PIB sofreu os efeitos macroeconômicos de adaptação da economia brasileira à restrição de crédito internacional através de uma profunda recessão no início dos anos 80, hiperinflação a partir da segunda metade desta mesma década, abertura comercial, racionalização e modernização da estrutura produtiva na década de 90 e oscilações perante inúmeras crises do sistema financeiro internacional. 348 Após crescer a respeitáveis taxas de 8,6% ao ano durante a década de 70 2, o PIB brasileiro passou, a partir da década de 80, a oscilar entre períodos de recessão e baixo crescimento. Na década de 80 o crescimento do PIB caiu para 3,1% a.a., o mesmo verificado para a PEA. O pior desempenho ocorreu, entretanto, na década de 90, quando o PIB cresceu apenas 1,6% a.a. contra 2,6% a.a. da PEA. Nos anos 2000, impulsionado pela nova onde de crescimento da economia mundial, o PIB voltou a apresentar taxas mais elevadas de crescimento, sobretudo a partir de 2004, mantendo um saldo positivo quando comparado ao crescimento da PEA no mesmo período: 3,3% a.a. contra 2,5% a.a. 2 PIB brasileiro em R$ de 2005. (IPEA, 2006). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 348 18/6/2009 09:47:38 Gráfico 1 – Taxa Anual de Crescimento do PIB Real e da População Economicamente Ativa – Brasil 1981 a 2007* Fonte: Contas Regionais do Brasil; IBGE; PNAD e IBGE/Microdados. * Exclusive áreas rurais dos Estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. O baixo crescimento econômico no período analisado contribuiu para o expressivo aumento do número de desempregados no país. (Gráfico 2). Durante a década de 80, mesmo sob condições de baixo crescimento do produto, houve reestruturação das posições do mercado de trabalho no Brasil e o aumento da taxa de participação na população em idade ativa conteve a expansão do desemprego no país. (BALTAR, 2004). De fato, nesse período a população ocupada cresceu a taxas semelhantes ao do produto nacional, enquanto que o número de desempregados pouco variou e a taxa de desemprego não ultrapassou o equivalente a 6% da PEA. 349 Entretanto, na década de 90, período marcado pela intensificação da liberalização econômica, comercial e reorganização da estrutura produtiva, houve o pior nível de crescimento das ocupações nesses 27 anos de análise. Em 1992 o desemprego no Brasil quase dobrou em relação ao observado em 1990 (80% superior), atingindo 8,4% da PEA. Entre 1990 e 1999, a ocupação cresceu apenas 1,7% a.a., enquanto o desemprego cresceu a expressivas taxas de 13,1% a.a. Nos anos 2000 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 349 18/6/2009 09:47:38 houve uma ligeira retomada do crescimento das ocupações (2,8% a.a.) e o desemprego parou de crescer assustadoramente. Continua, entretanto, representando parcela expressiva da população, afligindo cerca de 10 milhões de brasileiros em 2007, população 3,5 vezes superior à observada em 1990. 350 Gráfico 2 – Evolução da População Ocupada e Desempregada – Brasil 1981 a 2007* Fonte: PNAD e IBGE/Microdados. * Exclusive áreas rurais dos Estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. Outro impacto negativo do baixo crescimento econômico pode ser observado na distribuição da população ocupada segundo classes de rendimento do trabalho principal. (Gráfico 2). Baseado em múltiplos de R$ 300 de outubro de 2007, valor pouco inferior aos R$ 380 do salário mínimo vigente na época, foram definidas cinco faixas de rendimentos da ocupação principal, ou estratos econômicos: 1) Superior (acima de R$ 3.000); 2) Médio (entre R$ 3.000 e R$ 1.500); 3) Baixo (entre R$ 600 e R$ 1.500); 4) Inferior (entre R$ 300 e R$ 600); 5) Ínfimo (abaixo de R$ 300). Em uma breve analogia aos padrões sociais da população, poder-se-ia associar os dois últimos estratos econômicos (inferior e ínfimo) às condições de pobreza e indigência do trabalhador, já que se referem a valores insu- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 350 18/6/2009 09:47:38 ficientes para manter padrões sociais básicos de consumo de uma família de quatro pessoas3. Por sua vez, os três primeiros estratos (superior, médio e baixo) representariam diversos estágios de inserção do trabalhador na classe média brasileira. (QUADROS, 2003). O primeiro fato a destacar é o baixo padrão econômico da população ocupada no Brasil. A média histórica é de 37% dos ocupados ganhando menos de 300 reais mensais, e de 64% ganhando menos de 600 reais. Os momentos de ganhos econômicos mais significativos aos trabalhadores foram observados: i) no Plano Cruzado, em 1986, que por um curto período de tempo conseguiu bloquear o aumento dos preços e aumentar o poder de compra dos trabalhadores; ii) o início do Plano Real, em 1995, que, baseado no controle da inflação, reduziu em 7 pontos percentuais a parcela de ocupados dos níveis inferior e ínfimo; e iii) na segunda metade dos anos 2000, quando, favorecido pela nova onda de crescimento econômico e pelo programa de valorização do salário mínimo, a parcela de ocupados do estrato ínfimo reduziu para o menor valor da série histórica (22%). 351 Mas, de maneira geral, constata-se que, passados 27 anos de profundas transformações econômicas, há muito pouco a comemorar. Entre 1981 e 2007 houve apenas uma modesta redução de três pontos percentuais na participação de ocupados pertencentes aos dois últimos estratos econômicos. Prevalecem ainda baixíssimos padrões econômicos, com 57% dos ocupados ganhando menos de R$ 600 mensais. Kageyama e Hoffmann (2006) definem, por exemplo, o valor de ½ salário mínimo como linha de pobreza domiciliar per capita, ou seja, o valor per capita abaixo do qual os integrantes domiciliares são considerados como pobres. Considerando um “ocupado padrão”, que seja responsável por uma família composta por quatro integrantes (responsável, esposa e dois filhos), um único rendimento mensal de R$ 600 equivaleria a uma renda per capita de R$ 125, valor inferior a meio salário mínimo de outubro de 2007 (R$ 380). 3 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 351 18/6/2009 09:47:38 Gráfico 3 – Evolução da População Ocupada segundo Faixas de Rendimento da Ocupação Principal – Brasil 1981 a 2007* Fonte: PNAD e IBGE/Microdados. Exclusive áreas rurais dos Estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. * 352 Nesse período as transformações da estrutura setorial estiveram associadas, sobretudo, à expressiva expansão das ocupações relacionadas a prestação de serviços e redução das ocupações agrícolas. Esta última se deveu tanto pelo processo de mecanização agrícola quanto pelo êxodo de agricultores empobrecidos aos grandes centros urbanos. Reduziu em quase 1 milhão de pessoas o número de ocupados em atividades agrícolas entre 1981 e 2007, e a participação desse setor na estrutura setorial dos ocupados caiu 15 pontos percentuais. (Tabela 1). Continua, entretanto, representando uma parcela expressiva da população (13 milhões de ocupados ou 15% da estrutura setorial), com participação inferior somente à dos setores de comércio e reparação e atividades industriais. Caiu também, embora de forma menos intensa, a participação do setor industrial, tanto no ramo da transformação quanto no de outras atividades industriais. Por outro lado, cresceu principalmente a participação dos setores de: i) comércio e reparação de veículos, objetos pessoais e domésticos (10 milhões de novas ocupações e crescimento de 6 pontos percentuais na estrutura setorial); e ii) educação, 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 352 18/6/2009 09:47:38 saúde e serviços sociais (5 milhões de novas ocupações e crescimento de 3 pontos percentuais na estrutura setorial), atividades prestadas a empresas (aumentou em 2,2 pontos percentuais). Também foi expressivo o crescimento do número de trabalhadores dos serviços domésticos (4 milhões de novas ocupações e crescimento de 2 pontos percentuais na estrutura setorial). Mesmo crescendo 49% o rendimento médio deste setor entre 1981 e 2007, associado, provavelmente, à maior formalização das ocupações e valoração do salário mínimo, continua sendo o segundo menor rendimento médio da estrutura setorial, superior apenas ao das atividades agrícolas. Analisando ainda a dinâmica do rendimento médio dos setores, observa-se uma tendência de redução dos valores nos setores melhor remunerados e crescimento naqueles pior remunerados. É o caso, por exemplo, do crescimento do rendimento médio dos ocupados nos setores de serviços domésticos (49%) e serviços pessoais e recreativos (47%), respectivamente, o segundo e o terceiro pior remunerado setor econômico em 1981. Por outro lado, caiu 18% o rendimento médio do setor financeiro e 6% o de outras atividades industriais, respectivamente, o primeiro e segundo setores melhor remunerados em 1981. Exceção ocorreu com o rendimento médio dos ocupados na administração pública, que cresceu 13% no período e continua sendo o terceiro setor melhor remunerado da atividade econômica. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 353 353 18/6/2009 09:47:38 Tabela 1 – Evolução da População Ocupada segundo Grupo de Atividade Econômica – Brasil 1981 a 2007* 1981 Grupo de Atividade Atividades Agrícolas % Renda Média Pessoas (1.000s) % Renda Média 13.270 29,5 385,8 12.550 14,7 371,7 7.607 16,9 1.128,1 12.853 15,0 907,9 612 1,4 1.672,8 729 0,9 1.567,6 Construção Civil 3.625 8,1 746,4 5.911 6,9 748,3 Comércio e Reparação 5.733 12,7 957,2 16.060 18,8 852,4 Alojamento e Alimentação 1.068 2,4 806,9 3.282 3,8 688,4 Transporte, Armazenagem e Comunic. 1.929 4,3 1.334,6 4.334 5,1 1.117,1 Setor Financeiro 922 2,1 2.378,5 1.180 1,4 1.939,1 Outros Serviços 713 1,6 1.222,4 2.343 2,7 1.059,5 Indústria da Transformação Outras Atividades Industriais 354 Pessoas (1.000s) 2007 Atividades a Empresas 976 2,2 1.312,2 3.966 4,6 1.343,2 Administração Pública 1.977 4,4 1.433,7 4.468 5,2 1.614,2 2.819 6,3 1.111,1 8.272 9,7 1.140,6 1.010 2,2 568,1 2.989 3,5 832,7 2.718 6,0 221,3 6.682 7,8 330,5 44.980 100,0 841,5 85.618 100,0 864,1 Educação, Saúde, Serviços Sociais Serviços Pessoais e Recreativos Serviços Domésticos Total Fonte: PNAD e IBGE/Microdados, IBGE. Valores em Outubro de 2007 (INPC corrigido para a PNAD – IPEA) * Exclusive áreas rurais dos Estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 354 18/6/2009 09:47:38 Impactos sobre a Estrutura de Classes Após um rápido panorama das tendências gerais dos ocupados no mercado de trabalho brasileiro, pretende-se identificar os grupos sociais mais ou menos afetados nestes 27 anos de análise. Inspirado na análise de Mills (1979) sobre a nova classe média norte-americana, Quadros (2003) propõe uma tipologia de estratificação social baseada na inserção das pessoas ocupadas no mercado de trabalho. O pressuposto desta análise é que grupos sociais com estilos de vida relativamente homogêneos podem ser obtidos a partir da combinação entre inúmeras possibilidades de geração de renda, prestígio social e poder político das ocupações, uma praxy para o comportamento de classes de uma sociedade. Uma análise detalhada dessa estrutura ocupacional pode ser encontrada em Gori Maia (2008), cuja síntese descritiva de suas treze principais classes apresenta-se na Quadro 1. 355 Sigla A C D Classe Ocupacional Descrição Empregadores Empreendedores, do setor agrícola ou não agrícola, que empregam 10 ou mais ocupados. Profissionais autônomos Ocupações típicas de classe média, onde predominam atividades relacionadas ao comércio, escritório e prestação de serviços, exercidas de forma independente pelo ocupado (vendedores e demonstradores, supervisores, representantes comerciais, entre outros); Profissionais assalariados Profissões típicas de classe média, onde predominam atividades relacionadas ao comércio, escritório e prestação de serviços, exercidas de forma assalariada pelo ocupado (auxiliares administrativos, recepcionistas, professores, entre outros). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 355 18/6/2009 09:47:38 Trabalhadores autônomos Ocupações não-agrícolas de perfil operário ou assemelhado popular, que são exercidas de forma independente pelo ocupado (vendedores ambulantes, trabalhadores da construção civil, prestadores de serviços na área de higiene e estética corporal, entre outros). G Trabalhadores assalariados Ocupações não-agrícolas de perfil operário ou assemelhado popular, que são exercidas de forma assalariada pelo ocupado (zeladores e ascensoristas, ajudantes de obras, guardas e vigias, entre outros). I Trabalhadores domésticos Ocupações associadas ao trabalho no serviço doméstico remunerado. H-1 Proprietários agrícolas conta-própria Ocupações associadas à pequena produção no ramo da agricultura ou pecuária familiar realizada sem o emprego de mão-de-obra assalariada. H-2 Trabalhadores agrícolas autônomos Profissões agrícolas exercidas de forma autônoma (pescadores, caçadores, extrativistas, entre outros). H-3 Assalariados agrícolas Profissões agrícolas exercidas de forma assalariada permanente ou temporária (bóia-fria). J-1 Trabalhadores não- remunerados não- agrícolas J-2 Trabalhadores não- remunerados agrícolas F 356 Ocupações não-remuneradas não-agrícolas exercidas durante pelo menos uma hora por semana em ajuda a membro do domicílio, aprendiz ou estagiário. Ocupações não-remuneradas agrícolas exercidas durante pelo menos uma hora por semana, seja em atividade de autoconsumo ou em ajuda à produção familiar. Quadro 1 – Classes Ocupacionais Fonte: Elaboração Própria do Autor. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 356 18/6/2009 09:47:38 O grupo majoritário da estrutura sócio-ocupacional brasileira é a massa trabalhadora não-agrícola, posições de perfil tipicamente operário-urbano e de menor prestígio social (38 milhões de trabalhadores autônomos, assalariados e empregados domésticos, correspondendo a 44% dos ocupados em 2007). Entre 1981 e 2007 a massa trabalhadora não-agrícola ainda apresentou crescimento de 3 pontos percentuais e importantes alterações em sua composição interna: reduziu a participação de trabalhadores assalariados e aumentou a de trabalhadores domésticos e autônomos. O crescimento das posições autônomas e redução dos assalariados da massa trabalhadora não-agrícola estaria associado ao fenômeno da desproletarização do trabalho industrial e subproletarização do setor de serviços. (ANTUNES, 2000). Segundo Antunes (2000), observa-se no mundo capitalista contemporâneo uma tendência de redução da classe operária tradicional e ampliação do assalariamento no setor de serviços e de inúmeras categorias de trabalho parcial, precário, terceirizado, subcontratado e vinculados à economia informal. 357 A estrutura ocupacional brasileira ainda mostra que a proliferação de ocupações associadas à prestação de serviços fez aumentar, sobretudo, a participação de profissionais (19 milhões de novas ocupações e crescimento de 10 pontos percentuais na estrutura ocupacional). Em 2007 essa classe já representava mais de 37% da população ocupada do país. Em contrapartida, como salientado anteriormente, a mecanização agrícola e o êxodo rural contribuíram para a expressiva redução da participação da massa trabalhadora agrícola, que perdeu cerca de 600 mil postos de trabalho entre 1981 e 2007 e reduziu de 19% para 9% sua participação na estrutura sócioocupacional brasileira. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 357 18/6/2009 09:47:38 Tabela 2 – Estrutura Ocupacional – Brasil 1981 a 2007* 1981 Grupo Ocupacional Empregadores Profissionais Classe Ocupacional Pessoas (1.000s) Rnd Méd 3,2 2.998,7 3.389 4,0 2.863,2 1.613 3,6 1.420,6 4.934 5,8 1.327,9 D Profissionais Assalariados 10.184 22,6 1.563,9 26.330 30,8 1.248,2 Total 11.797 26,2 1.544,3 31.264 36,5 1.260,7 4.393 9,8 698,5 10.046 11,7 642,2 11.601 25,8 691,2 20.955 24,5 616,9 G Trabalhadores Assalariados I Trabalhadores Domésticos 2.662 5,9 217,4 6.689 7,8 330,5 18.656 41,5 625,3 37.691 44,0 572,6 3.649 8,1 575,5 3.335 3,9 534,3 357 0,8 274,9 412 0,5 321,5 H-3 Assalariados Agrícolas 4.638 10,3 327,9 4.309 5,0 387,6 Total 8.645 19,2 429,8 8.056 9,4 443,7 741 1,6 1.394 1,6 0,0 J-2 Agrícolas 3.718 8,3 3.789 4,4 0,0 Total 4.459 9,9 5.184 6,1 0,0 34 0,0 1.016,0 85.618 100,0 864,1 H-2 Trabalhadores Autônomos J-1 Não Agrícolas Trabalhadores Não Remunerados % 1.424 H-1 Proprietários Conta-Própria 358 Pessoas (1.000s) A Empregadores Total Massa Trabalhadora Agrícola Rnd Méd C Profissionais Autônomos F Trabalhadores Autônomos Massa Trabalhadora Não Agrícola % 2007 Ignorados Total 44.980 100,0 841,5 Fonte: PNAD e IBGE/Microdados. Valores em outubro de 2007. * Exclusive áreas rurais dos Estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. O crescimento da participação das classes associadas às posições de maior prestígio social em relação às precárias posições agrícolas impediu a queda do rendimento médio dos ocupados, que cresceu 3% entre 1981 e 2007. Isso porque o crescimento das formas precárias de inserção no mercado de trabalho, aliado às circunstâncias econômicas pouco favoráveis das últimas décadas, resultou em expressivas perdas reais dos rendimentos médios em praticamente todas as classes 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 358 18/6/2009 09:47:38 ocupacionais. As únicas classes com ganhos reais no período foram aquelas mais precárias, que possuem os menores rendimentos médios da estrutura ocupacional: i) trabalhadores domésticos (crescimento de 52%); ii) trabalhadores agrícolas autônomos (crescimento de 17%); iii) assalariados agrícolas (crescimento de 18%). Por outro lado, as demais classes apresentaram perdas reais entre 5% (empregadores) e 20% (profissionais assalariados) no período. O processo de empobrecimento das classes ocupacionais brasileiras pode ainda ser constatado analisando-se os percentuais de ocupados pertencentes aos estratos inferior ou ínfimo (ou seja, com renda inferior a 600 reais), os quais aqui se denominam subclassificados (Gráfico 3). Para simplificar a análise, as classes ocupacionais dos ocupados remunerados apresentam-se em quatro grupos ocupacionais: empregadores (A); colarinhos brancos (C e D); massa trabalhadora não- agrícola (F, G e I); e massa trabalhadora agrícola (H-1, H-2 e H-3). Após 27 anos de baixo crescimento econômico, aumentou a parcela de subclassificados nos principais agrupamentos ocupacionais. Os grupos mais prejudicados foram justamente os dois mais expressivos da estrutura sócio-ocupacional: i) massa trabalhadora não-agrícola, com crescimento de 4 pontos percentuais na parcela de sublcassificados; e ii) profissionais, com crescimento de 6 pontos percentuais na parcela de subclassificados. Os empregadores tiveram crescimento de 3 pontos percentuais na participação de subclassificados, e a massa trabalhadora agrícola, que já apresentava elevados níveis de pauperização e miséria em 1981, reduziu em apenas 1 ponto percentual a participação de subclassificados em 2007. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 359 359 18/6/2009 09:47:38 Gráfico 3 – Percentagem de Ocupados nos Estratos Inferior e Ínfimo segundo Grupos Ocupacionais – Brasil 1981 a 2007* Fonte: PNAD e IBGE/Microdados. * Exclusive áreas rurais dos Estados de Rondônia, Acre, Amazonas, Roraima, Pará e Amapá. Conclusão 360 Em um contexto de baixo crescimento do produto nacional, liberalização comercial e financeira e profundas transformações na economia e na estrutura produtiva, este trabalho procurou apresentar alguns indicadores que mostram o agravamento e estagnação das já precárias condições de trabalho no Brasil. O baixo crescimento econômico não foi suficiente para absorver a crescente população economicamente ativa e se observou, a partir da década de 90, um substancial incremento da população desempregada. A massa salarial cresceu quase no mesmo ritmo da população ocupada e o rendimento médio ficou praticamente estagnado. Houve, por outro lado, queda dos rendimentos médios em alguns dos principais segmentos da população ocupada. Observou-se, por exemplo, uma tendência de redução dos rendimentos médios dos setores melhor remunerados e crescimento daqueles pior remunerados. Em relação às classes ocupacionais, verificou-se que o crescimento das classes associadas a posições não-agrícolas (principalmente profissionais), em detrimento das posições agrícolas de baixos padrões sociais, foi acompanhado por um processo que pode 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 360 18/6/2009 09:47:38 ser denominado de “regressão social”. Aumentou a parcela de subclassificados em praticamente todos os grupos ocupacionais, principalmente naqueles de maior prestígio social. Assim, a tênue redução de subclassificados no conjunto da população ocupada se deveu às mudanças observadas na composição da estrutura ocupacional, e não na melhora generalizada das classes ocupacionais. Referências ANTUNES, R. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez, 2000. BALTAR, P. Posição na ocupação e rendimento da população ocupada em atividades não agrícolas no Brasil: 1981-2001. In: ENCONTRO NACIONAL DE ESTUDOS POPULACIONAIS, 14., 2004, Caxambu. Anais... Caxambu: ABEP, 2004. 361 CARNEIRO, R. Desenvolvimento em crise: a economia brasileira no último quarto do século XX. São Paulo: Editora UNESP, 2002. CORSEUIL, C. H.; FOGUEL, M. N. Uma sugestão de deflatores para rendas obtidas a partir de algumas pesquisas domiciliares do IBGE. Rio de Janeiro: IPEA, 2002. (Texto para Discussão, n. 897). GORI MAIA, A. Estrutura de classes e desigualdades no Brasil. Campinas: LTR, 2008. IPEADATA. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov. br/>. Acesso em: 8 out. 2008. IPEA. Disponível em: <http://www.ipeadata.gov.br>. Acesso em: 5 dez. 2006. KAGEYAMA, A.; HOFFMANN, R. Pobreza no Brasil: uma perspectiva multidimensional. Revista Economia e Sociedade, Campinas, v. 15, n. 1, jan./jun. 2006. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 361 18/6/2009 09:47:39 MILLS, W. A nova classe média. Tradução de Vera Borda. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1979. QUADROS, W. J. Aspectos da crise social no Brasil dos anos oitenta e noventa. 2003. Tese (Livre-Docência) - Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003. 362 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 362 18/6/2009 09:47:39 10 SETOR INFORMAL: CONCEPÇÕES TEÓRICAS E CONVENIÊNCIAS IDEOLÓGICAS Fernando J. Pires de Sousa1 Nos países desenvolvidos o capitalismo expandiu a sociedade assalariada e o seu pleno desenvolvimento implicou a incorporação extraordinariamente expressiva da força de trabalho nessa condição. Se, por um lado, o assalariamento constituía uma condição essencial ao regime capitalista para o processo de acumulação do capital, por outro ele possibilitava gerenciar a coesão social a partir de um processo gradual de satisfação de necessidades, graças, certamente, à ingerência do Estado e à organização dos trabalhadores. De princípio, foram contempladas as necessidades fundamentais à sobrevivência e, em seguida, as demais necessidades inerentes às diferentes circunstâncias da existência humana e das relações sociais. Os países que não conseguiram engendrar esse processo apresentam problemas sociais graves de caráter estrutural. Uma grande parte da população, pelo fato de permanecer fora da relação salarial, não tem acesso aos frutos da expansão e dos benefícios sociais, embora estes possam atingir níveis consideráveis. 363 Face aos países desenvolvidos, o fato marcante das economias que sofrem atraso econômico-social é a existência representativa de atividades não comandadas por relações de produção formalmente estabelecidas. Isso constitui uma problemática que suscitou grandes polêmicas sobre as teorias do subdesenvolvimento e da pobreza, a natureza e o papel do Estado (e a definição de políticas públicas), a relação 1 Doutor em Economia pela Université Paris XIII, França. Professor do Departamento de Teoria Econômica, Faculdade de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade (FEAAC) e dos cursos de pós-graduação em Saúde Pública e em Avaliação de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 363 18/6/2009 09:47:39 Estado-sociedade, e o papel dos organismos internacionais a respeito da indicação de políticas direcionadas aos países do terceiro mundo. Este ensaio visa, então, a retomar a discussão acerca das principais interpretações que contemplam a questão do mercado informal com o propósito de remarcar a forte conotação ideológica intencionalmente manipulada pelas instituições internacionais, por determinados autores e pelos estados nacionais dos países do terceiro mundo. Essa manipulação é usada como forma de paliar os problemas estruturais vinculados à pobreza e à questão social e perpetuar um padrão de acumulação fortemente excludente que tende a se aprofundar sob a égide neoliberal. 364 A dimensão que assume o informal, inserido em praticamente toda a estrutura produtiva, com uma forte expressão em termos de absorção de força de trabalho, sempre conferiu um significado importante como campo de convergência de políticas públicas. Estas visam a regular uma situação que, dependendo da conjuntura, poderia ser encarada como positiva para a promoção do desenvolvimento econômico, ou para, simplesmente, constituir uma estratégia de enfrentamento da miséria e dos problemas sociais. A margem de manobra que esse significativo e heterogêneo segmento de atividades possibilita constitui um trunfo para se perpetuar o referido padrão de acumulação sem, todavia, chegar a comprometer a coesão social. Na realidade, legitimam-se formas de relação Estado – sociedade nos países do terceiro mundo como especificidades de uma lógica de regulação fundada na reprodução do poder do Estado em consonância com a peculiaridade de reprodução do capital. Certamente este contexto, fundamentado na legitimidade forçosamente alcançada em razão da precariedade social existente, é favorável à convergência de interesses contrários ao avanço dos direitos sociais e trabalhistas e de expansão do assalariamento formal da força de trabalho nesses países. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 364 18/6/2009 09:47:39 Concepções do Informal e Manipulação dos Organismos Internacionais A gênese do conceito e sua evolução sempre foram fortemente vinculadas aos interesses dos governos dos países centrais, que sob expressiva influência das circunstâncias da conjuntura econômica foram ideologicamente difundidas pelos organismos internacionais. A tentativa de definição do setor informal surgiu, no início dos anos 19702, devido às inquietações do escritório internacional do trabalho perante esse fenômeno quase de massa no terceiro mundo. De teorização recente, este assunto suscitou a produção de uma literatura muito vasta dentro e fora dos países subdesenvolvidos e mudou de concepção segundo as políticas, especialmente do Birô Internacional do Trabalho (BIT) e do Banco Mundial, agências portadoras dos interesses dos centros hegemônicos do capitalismo mundial. Em primeiro lugar, a visão predominante do informal era depreciada, baseada no fato de que ele contradiz o predomínio de uma economia formal fundada sobre a empresa moderna, legalmente constituída e estruturalmente organizada. Daí passa-se a uma concepção de valorização, que se poderia mesmo considerar como imposta pela conjuntura da crise econômica e do emprego, onde o informal seria a alternativa dissimulada a fim de conter as tensões sociais. 365 O documento do BIT (BIT, 1972), publicado em 1972, propunha “estratégias para aumentar o emprego produtivo no Kenya”, que, de maneira inédita, incluía na definição “de setor informal” diferentes formas antigas de sobrevivência dos trabalhadores, que anteriormente eram assimiladas às noções de marginalidade, de subemprego e de pobreza (desde o comércio ambulante, passando pelo 2 O conceito de “setor informal” foi disseminado pelo Birô Internacional do Trabalho (BIT), num estudo sobre o Kenya, em 1972, mas o termo já havia sido empregado, pela primeira vez, por Hart (1973); Cacciamali (1983); Charmes (1990) e Tokman (1990). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 365 18/6/2009 09:47:39 trabalho doméstico, ou ao seio da empresa formal no que diz respeito à não declaração do emprego)3. Em primeiro lugar, o esforço era intensificar o desenvolvimento econômico para integrar todos os trabalhadores na condição salarial, por meio da modernização. “A formalização do informal” aparecia como um imperativo para eliminar o anacronismo do atraso econômico-social abolindo o dualismo entre um setor tradicional no qual predomina o subemprego e um setor moderno fundado sobre o assalariamento da força de trabalho. Considerando a falta de reconhecimento da rentabilidade das atividades produtivas “do setor não estruturado”4 (uma outra maneira de evocar “o setor informal”), o relatório Kenya preconizava a existência de um dinamismo neste setor Antes do documento do BIT, o estudo de Hart (1973, p. 61-89), que ele já tinha apresentado em 1971 (antes da sua publicação) quando da conferência sobre o subemprego urbano na África, analisava a problemática do informal, mas sem lhe dar uma dimensão setorial, porque restrita à questão da renda gerada por essas atividades como complemento à renda familiar, que compreende freqüentemente recursos de origem formal e informal. O caráter setorial do informal foi dado pelo trabalho do BIT a partir de uma visão do setor “como agrupamento de unidades de produção, identificadas a partir de características essencialmente técnicas às quais se tem um fraco nível de regulamentação.” (LAUTIER, 1994, p. 9-10, tradução nossa). Além disso, a problemática do informal a partir da renda (da renda real disponível) adotada por Hart (1973) foi em seguida substituída pela da Organização Internacional do Trabalho (OIT) - seguida também pelo Programa Regional de Emprego para a América Latina e o Caribe (PREALC) por meio de uma abordagem privilegiando o emprego (em termos de excedente estrutural de força de trabalho), que se torna dominante. (MIRAS, 1991). 4 Não se deveria então subestimar essa rentabilidade a partir do problema das baixas remunerações do trabalho neste setor, pois os empregos oferecidos apresentavam um nível de remuneração que, por exemplo, era superior à média da remuneração dos trabalhadores na pequena agricultura. É assim que se pode visualizar a migração para a cidade, cujas alternativas de ganhos não se encontram tão somente no setor estruturado, mas também no setor não estruturado das cidades. (BIT, 1975). 3 366 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 366 18/6/2009 09:47:39 (pelo qual se poderia mesmo vislumbrar evoluções técnicas) capaz de contribuir para o esforço de um desenvolvimento integrado e sustentado. A estratégia era então privilegiar o crescimento (indistintamente, em todos os setores)5 e promover, a partir dele, uma melhor eqüidade, pela via da redistribuição. Esta seria possível pelo reforço das relações entre os dois setores por meio da eliminação das barreiras que tornavam difíceis a intensificação dos fluxos de moeda, de bens e de serviços entre eles, bem como pela promoção do investimento produtivo no setor não estruturado. De acordo com essa visão, o Estado exerceria um papel primordial de intervenção planificada no domínio econômico, suprimindo os obstáculos regulamentares ao florescimento das atividades neste setor, intervindo na estrutura da demanda para direcioná-la mais para os produtos do setor não estruturado e promovendo o aporte técnico às atividades produtivas urbanas e rurais. O Estado poderia também intervir diretamente no desenvolvimento integrado por meio de compras governamentais a título de despesas de consumo e de investimento, e pelo estímulo à subcontratação pelo estabelecimento de contratos com os poderes públicos e o setor estruturado em termos capitalistas. (BIT, 1975). Neste sentido, o referido relatório, enaltecendo as potencialidades do setor “não estruturado” cujas atividades poderiam se tornar formais, de produção rentável, caracteriza-o pela existência de vários fatores que o distinguem do setor estruturado. Esta caracterização constitui mesmo um truísmo, pois o que não caracterizava o formal seria fator de 367 Sobre a importância atribuída ao setor não estruturado para o desenvolvimento, o relatório assinala: “Os programas oficialmente postos em prática estão longe de ser completos. O setor não estruturado pode ser considerado como um complemento ao desenvolvimento planejado. A condição de se exercer, num quadro determinado, a atividade econômica realizada em pequena escala neste setor pode ter uma forte influência na estrutura da economia do país e contribuir para alargar a gama de atividades geradoras de renda que são necessárias para uma população em crescimento rápido.” (BIT, 1975, p. 270, tradução nossa). 5 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 367 18/6/2009 09:47:39 identificação do informal, simetricamente inverso. Desta maneira, não é difícil reconhecer o informal como setor. Vejamos abaixo os fatores ligados ao setor “estruturado” (ou formal) da economia, seguidos respectivamente dos fatores do setor “não estruturado” (ou informal), postos entre parênteses: 368 a) dificuldade de acesso aos ofícios em questão (facilidade de acesso); b) demanda freqüente aos recursos do estrangeiro (utilização de recursos locais); c) propriedade sob a forma de sociedade (propriedade familiar das empresas); d) operações conduzidas em grande escala (escala restrita das operações); e) técnicas à forte intensidade de capital e freqüentemente importadas do estrangeiro (técnicas à forte intensidade de mão-de-obra e adaptadas); f) qualificações obtidas no sistema institucional de ensino, freqüentemente graças a cursos no exterior (qualificações que se adquirem fora do sistema escolar oficial); g) mercados protegidos por barreiras aduaneiras de contingenciamento e licenças. (Mercados que escapam de qualquer regulamento e são abertos à concorrência). (BIT, 1975, p. 7-8). De maneira semelhante, outro estudo, consubstanciado no Programa Regional de Emprego para a América Latina e o Caribe (PREALC), reproduziu para a América Latina a concepção setorial do informal adotada pelo BIT, confrontando ao mesmo tempo uma dimensão moderna de organização produtiva com outra cujas características eram opostas. (PREALC, 1978). Assim, no setor informal encontram-se as atividades a baixo nível de produtividade, os trabalhadores independentes (com exceção dos profissionais), e as empresas pequenas não organizadas. Além disso, o emprego não é guiado por critérios técnicos de acordo com as necessidades de contratação, pois a demanda de mão-de-obra depende da parte da força de trabalho não absorvida pelo setor formal. A característica notável dos trabalhadores das atividades informais é, por conseguin- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 368 18/6/2009 09:47:39 te, a precariedade. Uma razão fundamental pela qual eles se encontram na precariedade é que, em geral, são procedentes da zona rural, com predominância de jovens, pessoas idosas e mulheres com baixa qualificação. Grande parte se compõe de analfabetos funcionais (menos de três anos de escolaridade). Estas características seriam já importantes para justificar os diferenciais de remuneração do trabalho e da produtividade em relação ao setor dinâmico da economia. Contudo, ainda que se possa associar em grande medida as atividades informais ao subemprego urbano (os que têm rendimentos e/ou empregos instáveis), constata-se a presença de empregos de longa duração em quase todos os ramos competitivos. A existência de relações funcionais entre os setores informais e formais incentivava as políticas do PREALC no sentido de promover a “formalização do informal” (preconizada pelo BIT), por meio de uma estratégia de seleção de ramos de atividades produtivas que apresentavam ligações reais ou potenciais com o setor formal. Já os que não apresentavam tais características não seriam contemplados, pois tenderiam a desaparecer6. Em termos gerais, para os objetivos de crescimento da produtividade e do rendimento total do setor informal, atividades com maiores performances seriam, portanto, selecionadas como objeto de medidas visando ao aumento da eficiência econômica e da produção. 369 Logo depois deste trabalho do PREALC tem-se também a contribuição para o pensamento teórico sobre o informal, notadamente a partir das interpretações de Souza (1980). De certa forma, ante as apreensões referentes à relação setor informal e pobreza, como constante no documento do PREALC, até então dominante, a preocupação evidente deste autor era não cair na 6 Assim: “Es necesario estudiar las relaciones intersetoriales a nivel de un mismo rubro a fin de conocer qué actividades informales deberán ser fomentadas y qué otras habrán de desaparecer, por las escasas perspectivas que presentan. Se procurará que las primeras establezcan vínculos con el setor formal, de manera que amplíen su mercado y eleven su productividad y nivel de ingresos; las segundas deberán ser objeto de una política consistente en la reubicación de las personas actualmente ocupadas en ellas.” (PREALC, 1978, p. 12). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 369 18/6/2009 09:47:39 armadilha dualista7. Mas a atenção essencial consistia no esforço de negar uma concepção setorial do informal, caracterizado assim por ser entendido como “um depositário” de mão-deobra não assimilada pela economia formal. Isso decorreria da facilidade de absorção de novos produtores (fracas barreiras à entrada), por corresponder a atividades de importância econômica reduzida, situadas na base das estruturas oligopolizadas ou sobre mercados competitivos, constituindo assim uma espécie “de circuito inferior da economia” que engloba, de resto, um campo heterogêneo de atividades. A questão seria então identificar as atividades produtivas que poderiam ser consideradas como não tipicamente capitalistas, pela inexistência representativa do trabalho assalariado8. Assim, a visão de Souza (1980) – reconsiderando a rentabilidade das atividades informais para fazer frente à concorrência capitalista, no sentido da fraca eficiência produtiva como entrave para se tornarem competitivas – afasta-se das políticas de for- 370 Segundo Souza (1980, p. 131): “o fato de definir dois setores diferenciados dentro da economia urbana não significa que se adote um esquema analítico dualista. Pelo contrário, o marco de análise estabelecido distingue-se do dualismo devido às relações existentes entre dois setores definidos e ao grau de homogeneidade que se encontra no seu interior”. 8 Assim, “no setor formal prevalecem as relações capitalistas, no sentido de que se distingue a propriedade do capital e do trabalho, e que a produção está dirigida principalmente para o mercado. No informal, por sua vez, em que pese cumprir-se esta última condição, não predomina a divisão entre proprietários do capital e do trabalho e, conseqüentemente, o salário não constitui a forma usual de remuneração ao trabalho”. (SOUZA, 1980, p. 132-133). Souza (1980) define então uma tipologia que compreende as formas de organização mercantis simples (sem assalariamento permanente, englobando as empresas familiares e trabalhadores por conta própria); os trabalhadores por conta própria subordinados (os que são autônomos, mas que, com efeito, produzem ou asseguram serviços para uma única empresa); os pequenos vendedores de serviços; e o serviço doméstico (que embora assalariados prestam serviços a uma unidade não-econômica, às famílias. Considera também as “quase-empresas capitalistas”, que agrupam microunidades econômicas, cuja organização assemelha-se às empresas familiares, que não podem ser caracterizadas como unidade tipicamente capitalista, e que, apesar da existência da relação salarial, a formalização contratual legal não existe geralmente. 7 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 370 18/6/2009 09:47:39 malização do informal preconizadas pelo PREALC, valorizando então o informal como uma alternativa de atenuação da questão social. Contrapõe-se, assim, numa certa medida, às determinações das agências internacionais a paliar as repercussões sociais da crise econômica, propondo, então, a preservação e a promoção de atividades informais. Em contrapartida, enquanto aquelas se baseavam nas convicções liberais de remoção do Estado, desregulamentando para facilitar a formalização dessas atividades, a tese de Souza (1980) propunha um papel importante do Estado na sua identificação com vistas a protegê-las frente à concorrência do setor formal9. Recomenda, então, estender ao setor informal políticas econômicas que privilegiam o setor formal, como facilidade ao crédito, financiamento, subsídios etc. Paralelamente, considera importante o apoio específico das políticas públicas no que se refere à expansão de mercado para os produtos daquele setor – via, principalmente, compras governamentais e subcontratação – e para a organização e administração dos microempreendimentos, inclusive a partir do cooperativismo. Propõe também políticas de infra-estrutura, de ciência e tecnologia, e de formação profissional com vistas a promover melhorias de produtividade e da qualidade da produção e comercialização do referido setor. Convém destacar que essa interpretação repercutiu de forma significativa no caso brasileiro, com forte influência teórica nas investigações empíricas sobre o informal. (FUENTES, 1997). 371 De certa forma, também nesta mesma linha de preservação do informal, porém com forte viés liberal, o UNICEF preconiza uma nova política para o terceiro mundo frente à urgência de atenuar a situação de crise que colocava então 9 Assim, ele assinala: “É indispensável estabelecer os mecanismos para, de alguma maneira, proteger o mercado do setor informal vis-à-vis o do setor formal, junto com as medidas destinadas a aumentar o seu grau de eficiência produtiva. […] A política para o setor informal deveria como um primeiro passo identificar os setores nos quais se tratará de restringir a penetração ou ampliação da participação do “setor formal. […] O problema central da política de promoção ao setor informal passa a ser então a seleção das atividades”. (SOUZA, 1980, p. 181-183). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 371 18/6/2009 09:47:39 o desenvolvimento no centro nevrálgico da questão social a partir de uma nova onda ideológica de ajustamento estrutural “a rosto humano”10. Certamente o malogro dos propósitos do BIT e do PREALC suscitou a crítica da incapacidade dos países do terceiro mundo em “eliminar” as atividades informais pela sua integração na economia formal a partir da promoção do desenvolvimento econômico sustentado, ao modo “dos trinta gloriosos”, com a generalização do assalariamento da força de trabalho. O desenvolvimento perdia, então, sua importância frente a essa nova concepção do informal. 372 Por trás daquela expressão sugestiva e sensibilizadora escondia-se uma estratégia de intensificação liberal – pela adaptação à conjuntura adversa – em que o informal passa a assumir um lugar singular numa nova forma de apreender o desenvolvimento. Agora não mais pela apologia no sentido explícito de expansão do crescimento econômico e conseqüente “eliminação” do informal (integrando-o no setor formal), mas, ao contrário, pela promoção deste. A preocupação é, então, de atribuir-lhe um papel importante como resposta aos problemas do desemprego e da precariedade social por meio da criação de empregos De acordo com Cornia; Jolly e Stewart (1987, p. 2), o sentido dos termos visage humain (rosto humano) é compreendido por esta instituição do seguinte modo: “As incidências no plano humano do ajustamento devem fazer parte integrante da política de ajustamento como um todo sem ser tratadas para tanto como um elemento suplementar da proteção.” Considera-se que há aqui uma inflexão na história do informal, marcada por uma fase em que existia uma alternativa de sobrevivência pela possibilidade de transformá-lo numa pequena empresa formal (de 1971 a 1985), e outra fase (a partir de 1986) em que era considerado como uma saída possível para diminuir os problemas sociais. (LAUTIER, 1994). 11 A propósito dessa mudança radical de visão, Lautier (1991, p. 19, tradução nossa) observa: “O objetivo não é mais o de integrar toda a população no emprego “moderno” (pela integração gradual dos indivíduos, ou pela modernização das unidades de produção). É tão somente criar empregos e rendas, quaisquer que sejam os tipos de emprego e os níveis de renda; a dicotomização da economia e da sociedade não é mais vista de modo patológico (uma doença “a erradicar”); ela é aceita, reivindicada. O desenvolvimento, ou o emprego, nesses discursos, não são mais questões políticas ou econômicas, são unicamente questões sociais”. 10 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 372 18/6/2009 09:47:39 e, por conseguinte, da geração de certo nível de renda11. A “responsabilidade” imputada ao informal conduzia ao outro pilar da estratégia liberal, ou seja, à crítica referente à responsabilidade do Estado em relação ao informal, ou melhor, de sua “irresponsabilidade”. A desregulamentação era a regra, porque a justificativa do peso das leis assentadas no direito que normalizam a formalização das atividades produtivas (com extensão a toda sorte de burocratização e de pressão fiscal excessiva) impedia a organização e a legalização dos negócios. Em conseqüência, comprometia as perspectivas de investimento e de retorno econômico para os microempreendedores. De qualquer forma, era uma surpreendente negação da estrutura reguladora concebida para gerar o processo de desenvolvimento fundado na aliança entre o Estado e a indústria para edificar uma sociedade assalariada, sob a égide de um modelo político de caráter populista e de práticas corporativistas. (LAUTIER, 1991). À primeira vista isso poderia parecer paradoxal, mas não o é. Anteriormente, a noção de modernidade assentada no desenvolvimento significava a apologia do lado formal da economia que devia “imperativamente assimilar” o lado informal (por conseguinte a importância funcional das leis demarcativas entre os dois). Doravante, modernidade traduz-se pela “apologia” do setor informal, ou pelo menos pela sua coexistência “pacífica” com o setor formal (cujo não cumprimento das leis não se traduziria como transgressão insuportável). Em contrapartida, ao se pretender suprimir os obstáculos legais pela redução ao mínimo de regulamentação estatal relativamente ao emprego para promover a formalização, esta se nivelaria por baixo. E isso por meio da legalização de atividades econômicas demasiadamente fracas, nas quais residiriam as situações de subemprego observadas em razão da sub-remuneração da força de trabalho. Poder-se-ia mesmo afirmar ironicamente que se chegaria a formalizar “o mínimo de sobrevivência” do trabalhador. Com efeito, a questão era antes suprimir os obstáculos à criação de pequenas empresas formais, mas na medida em que a desregulamentação não comprometesse o controle das contas públicas (considerando a ameaça de deriva dos déficits interno e externo). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 373 373 18/6/2009 09:47:39 O Debate Teórico: O Informal em Relação ao Formal e a Sua Importância para a Acumulação Capitalista Certamente, as propostas das instituições internacionais, como as do BIT/PREALC, repousavam sobre uma concepção positiva das atividades informais em relação à dinâmica global da economia, já que estas últimas geravam “relações benignas.” (PREALC, 1978). Em outros termos, o informal é, teoricamente, uma fonte potencial de acumulação, quer seja considerado como autônomo ou complementar. O fundamento é a sua capacidade de gerar excedentes que, no primeiro caso, são utilizados no próprio setor, o que geraria o seu crescimento autônomo (na visão dualista da economia). 374 No segundo caso, a acumulação global seria favorecida de maneira complementar pelo suporte dado ao setor formal graças à integração por meio da produção e pelo papel atribuído aos ramos dos serviços (principalmente o comércio e as atividades domésticas), de importância complementar à produção nas atividades organizadas formalmente segundo o modo capitalista. O potencial de progresso do setor informal resultaria, assim, dessa inter-relação, o que favoreceria o acesso aos diferentes mercados dinâmicos da economia, tornando possível a inserção gradual de categorias dos trabalhadores deste setor em melhores níveis de renda. Em consonância, portanto, com estes quadros analíticos, as políticas preconizavam seja o investimento tecnológico para melhorar a produtividade e a rentabilidade das atividades informais (considerando a premissa da autonomia), seja o reforço de suas inter-relações com os outros domínios da economia. Além disso, poder-se-ia promover a integração com os poderes públicos (em harmonia com a premissa da complementaridade), assim como reforçar a luta contra a pobreza pela redistribuição da renda12. Preconizava-se, assim, a subcontratação com o setor formal e os governos, a intensificação das vendas da produção informal (por exemplo, ferramentas e equipamentos agrícolas) e atenção prestada aos mais pobres por meio da redistribuição da renda. (PREALC, 1978). 12 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 374 18/6/2009 09:47:39 Já a concepção de Souza (1980), considerando a importância da heterogeneidade estrutural, que corresponde à própria segmentação das atividades produtivas da economia de uma forma geral, opõe-se à adoção de um quadro analítico único no sentido de englobar as diferentes atividades para investigar o conjunto do setor informal. Contudo, conserva uma visão setorial da economia, pois o seu propósito é distinguir as atividades formais das atividades informais pelo critério da existência da relação salarial que caracteriza o capitalismo. Assim, no informal, a propriedade do capital e a propriedade do trabalho não são separadas; conseqüentemente, a relação salarial não predomina. Nessa perspectiva, permanece como marca do informal o estatuto de atividades de importância econômica reduzida, subordinadas – de acordo com a hierarquia estabelecida pela referida heterogeneidade – às atividades organizadas de maneira capitalista13. Ele reconhece a existência de atividades desde as dinâmicas e fortes, em termos de absorção de mãode-obra, até as com reduzidas capacidades de contribuição ao crescimento econômico e com pouca expressão em termos de geração de ocupações. E isso apesar da importância atribuída a uma visão global da economia, cujas relações formal e informal são complexas, complementares e competitivas, obedecendo às leis gerais de acumulação do capital. 375 Como não é fácil apreender este contexto, e principalmente de identificar de forma objetiva e operacional as linhas demarcativas classificadoras entre esses dois tipos de atividades, compreende-se que, ideologicamente, o esforço para se ter uma visão holística funda-se na oposição prévia às Tokman (1990, p. 122, tradução nossa) explica a heterogeneidade das atividades informais, mas permanecendo com a concepção de setor, em razão da característica geral de uma variação limitada dos rendimentos: “[...] apesar da heterogeneidade do setor, os rendimentos ocupam finalmente apenas uma escala de variação bastante limitada. […] A variação do rendimento nos parece indicar que, no conjunto, seríamos autorizados a conservar a idéia de setor. Mas a variação do modo de organização e também do modo de determinação da renda confirmaria a presença de diferentes segmentos neste setor.” 13 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 375 18/6/2009 09:47:39 376 políticas públicas reducionistas. Estas associam o informal à pobreza, procurando legitimar a adoção de políticas focalizadas que visam a atenuar a questão social pela via das políticas voltadas para o mercado informal. A preocupação é, portanto, propor políticas macroeconômicas globais, mas que sejam capazes, numa certa medida, de suscitar distribuição de renda, reduzindo assim a pobreza. Para se chegar a isso seria necessário, em primeiro lugar, selecionar as atividades informais para “protegê-las da eliminação” como conseqüência da expansão do setor formal. (SOUZA, 1980)14. Duas medidas são, então, propostas por este autor como solução à baixa produtividade e aos níveis reduzidos de renda característicos da produção e do trabalho nas atividades informais. Elas compreendem políticas de extensão do referido mercado, pela expansão da produção em resposta a estímulos visando a aumentar a demanda dos produtos procedentes deste setor, e políticas que visam a aumentar sua eficiência econômica, seja pela redução dos custos de produção, seja pelo crescimento da sua participação no valor adicionado relativo ao agregado da produção da economia. Outras formulações também consideram teoricamente o setor informal como incapaz de gerar excedentes importantes devido ao seu caráter subordinado e dependente. A visão transcende aqui o domínio das atividades localizadas, regionais e mesmo nacionais, para situar-se na esfera global, ou seja, na lógica da acumulação do capital em nível internacional. Esta constituía a visão da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) em relação ao subdesenvolvimento, cujo argumento fundamental consiste em que os países industrialmente avançados retinham nas suas economias os seus ganhos de produtividade, e se apropriavam, por diferentes meios, daqueles que são gerados nas economias menos desenvolvidas. Conseqüentemente, uma estrutura produtiva hetero- 14 Tendo em conta a incapacidade de expansão das atividades informais frente à concorrência assimétrica com o setor formal onde, mesmo se existissem políticas estatais de promoção deste setor, seria difícil se ter êxito devido à sua heterogeneidade significativa. (FUENTES, 1997). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 376 18/6/2009 09:47:39 gênea perpetuava-se nessas economias pela incapacidade de disseminação uniforme do progresso técnico que se concentrava nos ramos modernos sem integrar os ramos tradicionais, que permanecem superpostos aos primeiros. Já a teoria da dependência, partindo da crítica aos determinantes externos vinculados à relação centro-periferia e às propostas de superação do subdesenvolvimento, pela via da industrialização, centra o foco de análise nos condicionantes internos dos países do terceiro mundo, em particular da América Latina, com ênfase na luta de classes. A correlação de forças políticas desfavoráveis à classe trabalhadora perpetuava um modelo de dominação francamente vantajoso à acumulação de capital com concentração de renda e patrimônio, fundado numa profunda desigualdade social. A proposta cepalina de industrialização forjava uma estrutura produtiva, e conseqüentemente do trabalho, fortemente anacrônica, pois restrita em termos de modernização das relações de produção e de expansão do assalariamento da força de trabalho. (PREALC, 1978; THEODORO, 1988; BRESSER-PEREIRA, 2005; FURTADO; FERRER, 1998). 377 Nessa concepção as perspectivas do setor informal são muito negativas. A dependência do informal, numa situação de autonomia setorial, verificar-se-ia pelo caráter marginal do acesso aos mercados de matérias-primas e de produtos. Isso se dá pelo fato de sua expansão restringir-se – dada a concorrência – a determinados produtos pela dificuldade de acesso à produção de bens dominados pela produção das empresas oligopolísticas do setor formal, o que constitui uma restrição significativa à sua acumulação produtiva e, por conseguinte, à extração de excedentes. Se o setor informal mantém um nível de integração com o setor formal, é em seu detrimento (de maneira assimétrica), ao se considerar a exploração traduzida pelas restrições impostas pelos fornecedores e pelos compradores dos seus produtos, bem como pelos fracos diferenciais de preços que o prejudicam (compras muito caras e vendas baratas). Deste modo, a sua vulnerabilidade consiste na sua fraca influência sobre a determinação dos preços e sobre o controle dos mercados, verificados exteriormente, de acordo com a lógica de 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 377 18/6/2009 09:47:39 acumulação ditada pela dinâmica capitalista, notadamente dos países industrializados. No entanto, há concepções que encaram tal realidade de maneira não radical, considerando o setor informal numa situação intermediária, nem realmente autônomo nem fortemente integrado ao setor moderno da economia. Neste caso, não é difícil compreender que este setor sofre de uma espécie de dependência heterogênea ligada a restrições de ordem interna ao processo de acumulação da economia nacional, bem como de ordem externa, que caracteriza mesmo o subdesenvolvimento. Assim, poucas alternativas permitem vislumbrar o seu desenvolvimento, mas outros fatores tornariam, contudo, possível manter sua existência. (PREALC, 1978). Em síntese, o problema de uma visão dualista da economia não está superado. 378 Contudo, as severas críticas contra uma representação dividida da economia conduziram os organismos internacionais a abandonar o postulado dualista, ou pelo menos fugir desta referência. Assim, as diferenças estruturais existentes no sistema produtivo resultavam de uma lógica de acumulação global específica dos países subdesenvolvidos, que se revelaram incapazes de distribuir os frutos do desenvolvimento de maneira harmoniosa nas suas economias, o que explicaria a existência de profundas estratificações técnico-produtivas e do mercado de trabalho. (FUENTES, 1998). O “progresso” de sentido na perspectiva do setor tradicional – sinônimo de atraso econômico, de fonte e reserva de pobreza – passou então a congregar suas atividades sob uma nova denominação capaz de associá-lo não à idéia de estagnação, mas, pelo contrário, num estatuto mais elevado, compreendido como capacidade de empreender ou mesmo de arrefecer a questão social, aproximando-o assim das performances das atividades produtivas modernas, então associadas ao setor formal. Parte-se assim do dualismo na direção agora do setorial. A visão de um setor informal não fechado nas suas leis próprias de definição e de evolução traduz-se, portanto, no reconhecimento de interdependências entre os setores informal e formal. Isso induziu mudanças também das políticas, com o 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 378 18/6/2009 09:47:39 abandono dos limites do informal para concentrar-se na promoção das relações com os ramos dinâmicos da economia. A Ênfase no Estado como Ator Principal no Debate Teórico sobre o Informal A agitação teórica que vem reforçar ideologicamente os dogmas liberais em relação às políticas econômico-sociais do terceiro mundo surgiu em meados dos anos 1980, numa obra que procurava apreender a problemática do informal a partir do estudo da realidade peruana. (DE SOTO, 1994). Este trabalho teve por objeto deslocar o centro de gravidade das explicações sobre a existência do informal (e de tudo o que o acompanha: subemprego, marginalidade, pobreza), da esfera estrita das conseqüências de um processo de desenvolvimento econômico anacrônico para a inculpação do Estado. Este último passa a ser considerado o responsável pelo excesso de regulamentação estatal promovido principalmente pelo direito. A persistência no subdesenvolvimento explica-se, então, pelo freio imposto em razão do excesso e do peso das normas para a disseminação e o desenvolvimento de atividades produtivas segundo o estatuto de empresas legalmente constituídas. O conceito de informal foi construído, portanto, em referência à existência de atividades que se encontravam fora da estrutura legal formalmente reguladora do funcionamento da produção social15. 379 Assim, a partir da primeira frase de abertura desta obra (no prefácio à edição francesa) apreende-se a aversão ao “abuso” da intervenção do Estado na vida econômica e suas conseqüências nefastas para o desenvolvimento: “Esta obra descreve a emergência de uma nova classe, ator da revolução conduzida contra um sistema legal que constitui uma verdadeira barreira contra o desenvolvimento”. Esta classe compreenderia todos os que se encontram “na informalidade”, assim explicado: “A informalidade não é mais um setor preciso ou estático da sociedade; é uma franja de sombra intermediária do mundo legal onde se refugiam os indivíduos quando o respeito das leis custa mais caro do que transgredi-las […]. As atividades informais são também aquelas para as quais o Estado criou um sistema legal de exceção no qual “um informal” pode agir, sem, contudo, aceder à proteção e às vantagens do sistema legal.” (DE SOTO, 1994, p. 5, 20, tradução nossa). 15 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 379 18/6/2009 09:47:39 380 Para ter êxito no seu empreendimento, o empresário defrontava-se, assim, com uma dupla restrição, devendo por um lado superar os obstáculos ao acesso à legalidade (“os custos de acessão à legalidade”) e, por outro, suportar os custos de permanência nesta condição (“os custos de durabilidade”). Mas tal acepção não significa a supressão das “boas” leis, ou seja, das que asseguram a eficácia da atividade econômica. O Estado mínimo surgiria, portanto, após a supressão das “más” leis, que gangrenam o corpo econômico, impedindo, desse modo, o seu desenvolvimento16. Certamente, a conclusão tirada deste balanço de custos evidencia os prejuízos causados à acumulação pelos efeitos negativos da série de fatores que repercutem no funcionamento e na performance do conjunto da economia. Assim seriam afetados notadamente a produtividade, os investimentos e o progresso tecnológico. A ineficácia do sistema fiscal e a pressão resultante do aumento dos impostos e das tarifas públicas seriam visíveis. Além disso, a significativa representatividade das atividades informais e a sua progressão gerariam restrições à elaboração de políticas macroeconômicas de grande amplitude. (DE SOTO, 1994). Nesta perspectiva, a obrigação legal a respeito da fiscalização não é considerada como desfavorável à atividade econômica, mas um fator importante em relação à determinação ou não da legalidade das empresas. São “mais os custos legais não fiscais” (“a multiplicação das leis, que forçam os empresários a superar uma série de restrições – que efetuem inúmeras diligências junto às administrações até a gestão minuciosa do seu pessoal”) que são os verdadeiros responsáveis pela presença significativa das atividades informais na economia. (DE SOTO, 1994, p. 97-99, 111-113, tradução nossa). Além disso, a ausência de uma boa lei, garantindo “os direitos de propriedade, os contratos e o direito extracontratual” para promover o desenvolvimento das atividades econômicas constituiria custos importantes para o empresário informal. A estes custos acrescentam-se “os custos simples da ilegalidade (custos para escapar às sanções das autoridades; custos para as transferências nítidas ao setor formal e custos derivados do não-pagamento de impostos e do não respeito às leis do trabalho)” para compreender o que o autor considera como o conjunto dos “custos da informalidade” suportados pelas empresas que vivem nesta situação. (DE SOTO, 1994, p. 98, 115-122, tradução nossa). 16 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 380 18/6/2009 09:47:39 Essa visão passou então a ser alvo das críticas dos defensores do papel do Estado como regulador da produção social, procurando minar os fundamentos teóricos desta nova interpretação, sublinhando sua fraqueza analítica por se limitar a uma visão partilhada da sociedade. Assim, os que procuram sobreviver graças ao trabalho informal estão verdadeiramente nessa condição devido à excessiva presença do Estado na estruturação das atividades econômicas. Ora, a expansão das atividades informais no terceiro mundo suscitou interpretações muito divergentes com respeito à relação Estado-informal. Elas vão da incapacidade técnico-burocrática (ou mesmo da falta de elaboração mais detalhada do direito) do Estado para controlar estas práticas, até a conivência com a ilegalidade. E isso, politicamente, na medida de se defrontar à problemática social e à perpetuação de formas clientelistas e patrimoniais de poder. No extremo, a tolerância de atividades econômicas fora das restrições legais pode mesmo conduzir à negligência em relação à repressão de práticas delituosas, como o tráfico de drogas, o contrabando e a corrupção17. Se o excesso de regulamentação e as despesas decorrentes são “produtores” de informalidade, a não-aplicação do direito na proibição dessas atividades constitui uma espécie de precedente que, num processo de generalização, produz uma forma substantiva de relação Estado-sociedade caracterizada pela mescla de códigos públicos e privados prejudiciais à sociedade como um todo. No entanto, parece que nos encontramos frente a uma situação inelutável desde que “a causa” estrutural da não- 381 Lautier (1994, p. 99-112). Em relação à tolerância do Estado para com a informalidade, este autor considera que isso não representa necessariamente “um simples sinal de fraqueza do Estado”. Porque o estado, de fato, torna-se “mesmo um modo de governo”. “O Estado tolera a informalidade por razões múltiplas que decorrem mais da necessidade política que da funcionalidade econômica”. (LAUTIER, 1994, p. 105-106). Em termos de caracterização geral “a economia informal não se encontra “fora” da regulação estatal; a não-observância do direito negocia-se tanto quanto seu respeito”. (LAUTIER, 1994, p. 108, tradução nossa). 17 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 381 18/6/2009 09:47:39 observação do direito seja inerente à não-universalização do assalariamento nos países subdesenvolvidos. Além disso, a não-generalização da mercadoria nesses países, ou seja, a constituição de uma sociedade guiada pela relação salarial não permitiria deduzir a natureza de classe do Estado, como acontece nos países desenvolvidos. No entanto, essa dedução seria possível perante as relações mantidas com “a economia mundial constituída” que representa assim uma espécie de mediatização da aplicação na periferia capitalista das leis da acumulação que emanam das economias centrais. Nesta perspectiva, o Estado sofre nestes países restrições externas permanentes em razão da necessidade de reprodução do capital à escala internacional. No mais, ele constitui o espaço de “difusão das relações mercantis e capitalistas necessárias à realização da divisão internacional do trabalho”, veiculando assim “a violência necessária para que ela se realize”, conforme Mathias e Salama (1983). 382 O fenômeno do setor informal no terceiro mundo pode assim ser antes a representação mais concreta dessa “imposição” na divisão internacional do trabalho que o resultado de uma fraca determinação na aplicação das leis estatais de regulação do mercado de trabalho18. No mais, o fraco desenvolvimento da proteção social nesses países revela que o Estado mantém mesmo, em grande medida, uma legitimidade fundada numa estrutura social bastante desigual. Além disso, Desse fato, o desenvolvimento do setor informal “traduz as modalidades particulares de extensão do capital no contexto do subdesenvolvimento, manifesta os mecanismos originais de assalariamento incompleto e/ou semi-assalariamento”. A legitimação nos países subdesenvolvidos seria compreendida então como resultante “de uma combinação entre a legitimação “capitalista” e “tradicional.” (LAUTIER, 1994, p. 64, 97). Neste contexto, confronta-se com um tipo de legitimação que mistura a observância dos direitos e dos deveres fundados na lei e no “favor”, difundindo, assim, as práticas clientelistas e corporativistas. Todavia, parece que são inelutavelmente os imperativos da dinâmica da acumulação capitalista para com esses países que definem esta situação. 18 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 382 18/6/2009 09:47:39 credita-se mesmo à generalização do assalariamento da força de trabalho o progresso do direito e a sua legitimação, cuja referência maior encontra-se no modelo de sociedade solidamente fundada sobre o capital e a relação salarial. Nestas sociedades, os papéis dos parceiros sociais são bem definidos, são regulados por uma estrutura político-legal e institucional que assegura um estágio avançado de cidadania. Em outros termos, a trilogia direitos civis, direitos políticos e direitos sociais – destacados como os pilares que apóiam as democracias modernas – é uma realidade. Atingiu a sua maturidade graças à edificação do último pilar, durante esta segunda metade do século. Este pilar garantiu não somente a estrita reprodução imediata da força de trabalho pela implicação das responsabilidades dos empresários na relação capital-trabalho, mas principalmente a satisfação de uma gama de necessidades inerentes à sociedade como um todo (trabalhadores e nãotrabalhadores), sob a égide do Estado, a título de cobertura dos riscos sociais. 383 Relação Estado-Sociedade, o Informal e a Referência ao Sistema de Emprego: Uma Forma Particular de Legitimidade A partir de uma visão de unicidade das relações sociais e de uma perspectiva analítica mais ampla, fundada na relação Estado-sociedade, foi construído, nos anos 1990, um outro quadro teórico que tenta compreender e explicar o fenômeno “do informal” no terceiro mundo, em especial na América Latina. Em primeiro lugar, rejeita-se qualquer referência ao informal como elemento constitutivo de um setor econômico (em alusão às explicações das instituições internacionais, notadamente o BIT e o PREALC), considerando que essa concepção foi imposta por tais organismos. Negando o caráter simbiótico das relações formais-informais chegava-se a opor “duas esferas de uma sociedade, todavia única”, conforme Lautier et al. (1991, p. 8), ou mesmo ocultar, sob essa dimensão nova e delimitada, a velha problemática 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 383 18/6/2009 09:47:39 verdadeira da pobreza. Nesse sentido, denuncia-se veementemente a força ideológica dessa setorização, considerando sua importância como substituição conceitual da pobreza no sentido da marginalidade que se encontra então englobada, no setor informal, durante os anos 1970. Como setor, substituiria a dimensão política da questão social comprometendo o modo de desenvolvimento econômico excludente (e mesmo pondo em questão a sociedade como um todo) por uma dimensão técnica, cuja solução limita-se à intervenção das políticas econômicas públicas, restrita à esfera setorial19. O que é utilizado como argumento essencial de negação do informal como setor, a saber, a relação de convívio legalidadeilegalidade, torna-se uma justificação da nova abordagem constantemente centrada “na informalidade”. 384 Esta noção tenta explicar – além da onipresença do informal, ou seja, nas pequenas e nas grandes empresas (mesmo no setor público), e assumindo várias formas (trabalho independente, subcontratação) – o binômio não obediência e não-aplicação da lei “proibitiva” do trabalho executado em atividades econômicas informais como uma forma de ser das nações menos desenvolvidas. Portanto, tais como existem, estas nações têm também um Estado que consagra relações de “informalidade” com a sociedade, que afinal legitima a profusão de práticas mistas, ou mesmo as formas Isso funciona ainda como instrumento de controle social pelo Estado e de legitimação do seu poder: “Neste sentido, o informal é efetivamente setor, e tanto que setor de intervenção, tal qual o vêem os poderes públicos. […] Tanto a marginalidade é analítica e antropológica quanto a noção de setor informal é de ordem econômica e operacional. Esta centralidade evitou a derrapagem que podia provocar uma problemática que do social viria a questionar a política. Com o setor informal, pelo contrário, o econômico (revestido de uma perspectiva operacional) limita-se a formular respostas técnicas (crédito, formação, gestão) de acordo com um vocabulário valorizador (microempresários, promoção etc.), terminando por dar uma contribuição à reabilitação do Estado.” (MIRAS, 1991, p. 111-113). 19 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 384 18/6/2009 09:47:39 mistas do direito20, que se explica praticamente devido a não generalização da relação salarial. A partir desta compreensão de informalidade estrutura-se o conceito de sistema de emprego como a articulação dos diversos segmentos de atividades e de ativos que, na sua disposição espontânea, constituem uma totalidade plenamente heterogênea. Sob esta forma, este último não poderia ser ordenado em dois setores (um formal e outro informal), cujo fundamento da coesão global e da dinâmica encontra-se no seu modo particular de regulação. O que diferencia então o sistema de emprego no terceiro mundo em relação ao dos países desenvolvidos é a predominância de uma especificidade reguladora das relações entre os elementos que compõem esta heterogeneidade. Ela é comandada por uma lógica de reprodução do poder do Estado (bem como da reprodução do capital) fundada sobre “a negligência” na observância do direito, materializado por práticas paternalistas e clientelistas que caracterizam a “informalidade” das relações. Neste sentido, o sistema de emprego transcende a esfera do mercado de trabalho – no qual estritamente a oferta e a procura pela mão-de-obra se vinculam – para compreender o conjunto do sistema articulado das unidades produtivas (de dimensões diferentes: da grande empresa industrial ao artesanato de pequena expressão econômica; formais e informais em relação ao respeito da lei). Isso compõe a rede heterogênea da estrutura de produção que no caso dos países de capitalismo retar- 385 Por conseguinte, o “não-respeito da lei” como ângulo político de análise da informalidade “é um modo de funcionamento complexo e coerente das sociedades e caracteriza igualmente as grandes e pequenas empresas, a administração estatal e o contrabando”. As formas mistas do direito “misturam autoridade e conivência, repressão e tolerância, formalismo dos códigos e laxismo das práticas.” (LAUTIER, 1991, p. 6-8, tradução nossa). “Mistas por um lado porque procedem de compromissos entre códigos públicos e códigos privados, por outro lado porque os elementos de códigos públicos que aqui se encontram não são freqüentemente sancionados pela justiça estatal.” (LAUTIER, 1990, p. 190, tradução nossa). 20 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 385 18/6/2009 09:47:39 datário (países onde o assalariamento não é predominante), as relações são mediadas pela prática da informalidade. (MIRAS, 1991; THEODORO, 1988). 386 Se a informalidade materializa-se por acordos implícitos entre os agentes econômicos (empregadores e trabalhadores), fora do quadro legal, o “consentimento” do Estado a estas práticas caracteriza apenas uma forma particular de legitimidade. Essa legitimidade gera uma espécie “de consolidação” da exclusão social pela assimilação daqueles que, permanecendo em condições de trabalho informais, seriam naturalmente excluídos da proteção social institucionalizada para acolher notadamente os que são protegidos pela condição salarial. Encontrase assim perante uma situação que parece paradoxal devido à coexistência entre normas jurídicas que estruturam relações formais no mundo do trabalho e normas tácitas (que não obedecem, portanto, as regras legais), mas, contudo, legitimadas. Certamente, elas alteram esta formalidade, mas na realidade participam sob uma forma integrada da definição de um regime singular de acumulação que reproduz as desigualdades. Com efeito, existiria uma espécie de complementaridade entre integração e exclusão social, constituída por uma representação de cidadania assimétrica apoiada pela coesão social de diferenças de estatutos devido à mediação das práticas clientelistas. É, portanto, a partir das relações entre o Estado e a sociedade civil fundadas sobre a harmonia entre uma estrutura legal pública e arranjos que caracterizam a informalidade das relações na esfera privada, que se forma enfim um todo institucional regulador das relações sociais e do trabalho. Isso permite a viabilidade de um processo simultâneo de integração e de diferenciação social. (MARQUES-PEREIRA, 1998). Sob este ângulo, é importante sublinhar o contraponto em relação à maneira de manter a coesão social nas sociedades onde predomina o respeito à legalidade estatal. A legitimação do papel centralizador do Estado, fundado no seu princípio de soberania para salvaguardar a identidade da nação, confere-lhe o poder da edificação normativa 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 386 18/6/2009 09:47:39 que progride a fim de barrar os antagonismos e promover a coesão social21. A estratégia visando a moderar a força dos conflitos políticos consiste em promover a diferenciação social (resultando ela própria desse processo de normalização) materializada por uma estratificação categorial crescente que enviesa a luta social (fragmentando-a) por meio da ilusão da ascensão no estatuto categorial22. Há, assim, duas maneiras de manter a coesão social, uma “integra excluindo” – e o cimento da coesão são as práticas clientelistas (ou “a informalidade”) –, enquanto o outro “integra diferenciando” – e o cimento da coesão é então a normalização. O que é evidente é o fato de que nos dois casos o capitalismo sempre sai ganhando, pois sua preservação é assegurada, e até mesmo a promoção do seu tônico: as diferenciações sociais23. Ultrapassando o estrito domínio econômico na definição do setor informal, a maneira de analisar o fenômeno da existência de relações de produção fora das regras formais de organização funcional e jurídica reforça a crítica à setorialização da economia. Se existem outras motivações na escolha dos indivíduos em relação à sua inserção na vida do trabalho que não sejam guiadas por uma racionalidade apenas econômica e que ponham em confronto as opções trabalho formal-informal, não se poderia considerar estes dois campos de acesso ao trabalho como claramente dissociados. Motivações 387 21 “O Estado tem, portanto, uma dupla face: a unidade de processos políticos que institui as normas; a pluralidade dos processos administrativos que as gerenciam. O processo político distingue a normalização estatal da normalização contratual porque ele procede da soberania da nação.” (AGLIETTA; BRENDER, 1984, p. 113, tradução nossa). 22 “A normalização separa, define lugares, distribui indivíduos nas funções, estratifica grupos e atribui papéis. ” […] “Essa dupla realidade do Estado, por sua vez centralizada no respeito ao princípio de soberania e agente de uma normalização cada vez mais flexível e diversificada, represa os antagonismos que poderiam revelar-se irredutíveis se eles se aprofundassem, e transforma os afrontamentos políticos em lutas categoriais para a conquista de posições numa estratificação social em movimento”. (AGLIETTA; BRENDER, 1984, p.13, 113-114, tradução nossa). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 387 18/6/2009 09:47:39 que, além disso, são tornadas evidentes por inquéritos antropológicos sobre a carreira profissional dos trabalhadores e pelos aspectos sociais e familiares de suas vidas. Embora os inquéritos sejam restritos para se generalizar a negação da divisão setorial da economia em geral, relativizando a idéia globalizante de sistema de emprego24, eles evidenciam a existência de outros fatores determinantes. Estes são não somente de natureza econômica, mas também de natureza social, pois conduzem os agentes econômicos a se engajarem numa atividade legalmente constituída ou não. Na perspectiva global do sistema de emprego, a verdadeira complementaridade entre informal e formal25 reenvia à consideração os aspectos inerentes à legalidade e à legitimidade que regulam as formas de trabalho. Em síntese, a questão central na perspectiva analítica é aquela em relação à lei e ao seu aporte na definição da legitimidade, o que torna compreensível a evolução da regulação do sistema de emprego e as 388 “Sobre este aspecto da importância da diferenciação social para o capitalismo, convém citar esta passagem: “Uma sociedade animada pelo capitalismo tem mesmo é que mover-se na ambivalência para não matar uma força que é, por sua vez, sua energia vital e seu veneno. Ela mantém sua coesão produzindo diferenciações, ou seja, organizando-se. Na sociedade assalariada essa organização se define em torno de duas relações fundamentais: a concorrência comercial e a relação salarial.” (AGLIETTA; BRENDER, 1984, p. 17, tradução nossa). 24 A antropologia do trabalho torna evidente a não-oposição entre os setores formal e informal, mas os resultados obtidos por enquetes realizadas a nível microssociológico são bastante restritos para autorizar a sua extrapolação para as relações à escala macrossociológica: “A generalização, em termos de sistema de emprego, dos determinantes sociais das relações de trabalho, situados numa escala microssociológica (o bairro ou a empresa, por exemplo), suscita múltiplas questões de método que tornam problemática uma definição satisfatória desta noção”. (MARQUES-PEREIRA, 1998, p. 314, tradução nossa). 25 O que não se resume a uma complementaridade econômica entre dois setores, pois é necessário sublinhar a importância das diferenças de engajamento no trabalho de acordo com a existência de uma estrutura legal e o tipo de legitimidade decorrente. 23 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 388 18/6/2009 09:47:39 conseqüências em termos de estruturação (ou, mais precisamente, de reestruturação), bem como de reprodução da força de trabalho. (MARQUES-PEREIRA, 1998). Essa regulação pode assumir a orientação vislumbrada pelos poderes públicos por meio da implementação das políticas sociais de emprego (que obedecem notadamente a objetivos guiados por restrições conjunturais), segundo o grau de legitimidade que chegam a inserir. É sob este aspecto que se pode apreender a amplitude do caráter singular de legitimação do Estado nos países da América Latina, em especial no Brasil. Com efeito, sua forma construiu-se ao longo dos anos por um processo pedagógico de elaboração da cidadania que confere “legitimidade” a um movimento (aparentemente contraditório) de incremento da exclusão. Isso tem se verificado simultaneamente na integração social, o que permite explicar por que a questão social não provoca desdobramentos que poderiam comprometer a ordem social e política. Na realidade, conforme Sousa (2006), pode-se considerar que o mercado de trabalho constitui uma variável de ajuste para a globalização e para a proteção social. 389 Conclusão A formalização do informal, preconizada pelo Relatório Kenya e PREALC, e pela proposta de De Soto (1994), e sua preservação ou mesmo proteção, segundo as propostas do UNICEF, apresentam forte viés liberal pelo fato de promoverem a desregulamentação das atividades produtivas, portanto, com redução de direitos trabalhistas e sociais. Isso condiz com o entendimento ou não do informal como setor dinâmico e gerador de excedente econômico. Num caso, parte-se da premissa de relações funcionais entre os dois setores, sendo necessária a desregulamentação para facilitar a formalização, considerando que essas atividades apresentam certo grau de dinamismo e eficiência, contribuindo, assim, para o desenvolvimento econômico, mas na perspectiva de expansão do setor formal, “eliminando”, pela absorção, o setor informal. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 389 18/6/2009 09:47:39 Chega-se mesmo a estimular a proliferação das atividades informais com vistas a formalizá-las. Em certa medida funcionaria como uma espécie de “incubadora” de empreendimentos produtivos a partir da ação do Estado. É como se o Estado assumisse a incubação de atividades informais. Noutro caso, desconsidera-se a capacidade de geração de excedentes dessas atividades, portanto com fraca capacidade de inserção concorrencial no capitalismo segundo normas legais exigidas de funcionamento e, por conseguinte, de contribuição ao desenvolvimento econômico. Nessa perspectiva, o papel central desempenhado pelo informal não passaria de uma estratégia do Estado com vistas a explorá-lo enquanto importante trunfo para paliar a questão social, cujas atividades existentes deveriam ser “protegidas” e até estimulada sua proliferação, a despeito do próprio impedimento legal. 390 De forma incisiva, é a proposta De Soto (1994) que centra as críticas mais aguçadas sobre o Estado, culpando-o pelo excesso de normas que dificultam a disseminação de atividades produtivas legalmente constituídas. Esta é a razão pela qual se justificaria a existência de um significativo setor informal e a persistência de uma situação social precária, fundada na marginalidade, no subemprego e na pobreza. Ele passa então a advogar a favor da desregulamentação estatal, todavia circunscrita à supressão do aparato normativo que constitui uma carga de custos à formalização dos empreendimentos, mas que não prejudique o funcionamento do mercado nem afete substancialmente a arrecadação fiscal. Em outros termos, sua preocupação reside em reduzir a carga da burocracia, eliminando as “más” leis responsáveis pelos custos não-fiscais. Neste sentido, o autor acredita na capacidade expansiva dos empreendimentos não formais aproximando-se, assim, das argumentações dos organismos internacionais, mas propondo uma desregulamentação que não chegue a prejudicar o pleno desenvolvimento das atividades econômicas. A análise do UNICEF (CORNIA; JOLLY; STEWART, 1987) sobre o caráter não dinâmico das atividades informais 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 390 18/6/2009 09:47:39 considera-o como estratégia, por um lado, de preservação da ocupação de parcela considerável da PEA e, por outro, como nível precário de sustentabilidade econômica da população pobre pela obtenção de certa renda. Essa dupla função, garantia de ocupação e de renda mínima, funcionaria, assim, como “amortecedora” das tensões sociais como prevenção ao aprofundamento dos índices de criminalidade e marginalidade etc. Vale registrar que a idéia subjacente não era uma aposta na capacidade dinâmica e de geração de excedente das atividades informais e no próprio dinamismo da economia como um todo, cujas forças convergiriam para o avanço na formalização das atividades e, conseqüentemente, para a expansão do assalariamento da força de trabalho. Muito pelo contrário, era antes simplesmente não seguir o rigor exigido pelo Estado para a existência legal das atividades produtivas ou eliminar os entraves para o livre exercício de significativa parcela de microempreendimentos. Souza (1980) reconhece também o informal como forte absorvedor de força de trabalho – e não necessariamente como potencial produtivo em termos capitalistas – e exercendo significativo papel social relativamente à pobreza. Todavia, ele discorda das outras concepções por identificar uma saída para o setor informal, mas não pela via da desregulamentação das atividades produtivas. Muito ao contrário, considera importante a intervenção do Estado no sentido de proteger e promover as diversas atividades estendendo ao setor informal políticas econômicas e políticas públicas que privilegiam o setor formal. Dessa forma aqui não se vislumbra a retirada do Estado pela “precarização” do formal para aproximá-lo do informal ou facilitar sua absorção, mas sim levar ao informal as vantagens e os privilégios dispensados ao setor formal, combatendo deste modo uma sorte de discriminação negativa, caso se possa encarar assim, referente às atividades desenvolvidas no setor informal. O combate à pobreza ou à precariedade social tem aqui uma conotação valorativa de inclusão social, embora reconhecendo o baixo potencial de expansão 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 391 391 18/6/2009 09:47:39 econômica dessas atividades, no sentido mesmo de ultrapassarem os limites da informalidade e alçarem assim à condição de atividades formais. 392 Todas essas concepções apresentam, todavia, a característica comum de encarar o informal na perspectiva setorial, o que constitui objeto de crítica pelas interpretações que partem de uma visão de integralidade consubstanciada na lógica que permeia as relações Estado-sociedade nos países do terceiro mundo relativamente aos do primeiro. Nesse sentido, insere-se aqui o conceito de informalidade como especificidade de regulação existente naqueles países fundada na reprodução do poder do Estado, em consonância mesmo com a especificidade de reprodução do capital. O informal estaria presente assim em toda a estrutura produtiva graças à “informalidade” das relações Estado-sociedade, o que possibilita transcender a própria dimensão de mercado de trabalho na perspectiva da constituição do conceito de sistema de emprego que articula os diversos segmentos de um conjunto de atividades plenamente heterogêneas. A especificidade nesta forma de regulação chega mesmo a se legitimar por assumir um significado cultural nas referidas sociedades onde há coexistência harmoniosa entre uma dimensão normativa, formalmente legal, e outra tácita, portanto à margem da legalidade. Como elemento de consolidação dessa legitimidade se sobressai então toda uma rede de mediações clientelistas que favorecem a integração do tecido social por meio de relações informais mantidas entre as esferas políticas, econômicas e sociais. Enfim, a heterogeneidade identificada no conceito de sistema de emprego constitui mesmo o “jeitinho” – plagiando o adágio popular do “jeitinho brasileiro” – colocado em prática pelo Estado e pelo capital nas sociedades terceiromundistas, notadamente da América Latina, para acomodar a pobreza e o fraco aparato público de proteção social a um regime de acumulação excludente que usufrui sobremaneira desta rede de relações não amparadas pela normalidade jurídica. A legitimidade desta situação se verifica pela força 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 392 18/6/2009 09:47:40 ideológica de uma dominação que se fundamenta na inexorabilidade da falta de alternativas pela via da plena inclusão social e do estatuto da cidadania. É dessa forma que se abona o exercício de atividades informais para os que se encontram nos limites da sobrevivência e se dissemina em toda a estrutura produtiva a inserção de atividades profissionais precárias como forma de se conservar (ou obter ganhos suplementares ao salário direto) um lugar no sistema de emprego. No geral confere uma satisfação restrita das necessidades, contexto que se aprofunda com a desregulamentação e a flexibilização das relações de trabalho verificadas com o avanço neoliberal. Referências AGLIETTA, M.; BRENDER, A. Les métamorphoses de la société salariale: la France en projet. Paris: Calmann-Lévy, 1984. 393 BIT. Emploi, revenus et égalité: stratégie pour accroître l’emploi productif au Kenya. Genève, 1975. ______. Employment, incomes and equality: a strategy for increasing productive employment in Kenya. Genève: OIT, 1972. BRESSER-PEREIRA, L. C. Do ISEB e da CEPAL à teoria da dependência. In: ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA POLÍTICA, 10., 2005, Campinas. 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Longe do ideal, contudo, percebe-se ainda o predomínio de longas jornadas de trabalho, salários baixos e desiguais, além de forte insegurança e desproteção na maioria das ocupações existentes. Sem falar do desemprego a superar a taxa de 8% do total da força nacional de trabalho. Mas o avanço do ambiente mais adequado e contínuo nos investimentos (públicos e privados) no Brasil poderá permitir à economia registrar, proximamente, um conjunto de indicadores de desempenho do mercado de trabalho comparável ao verificado ao longo da década de 1970, últimos anos do período de ouro vivido pelo capitalismo nacional. Dessa forma, o país interromperá a fase de quase três décadas de piora considerável e generalizada no padrão de vida daqueles que possuem somente a sua força de trabalho para sobreviver, conforme apresentado a seguir. 397 Para isso, contudo, o presente estudo precisou se apoiar na sistematização de uma série de dados oficiais gerados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – censos demográficos, pesquisa nacional por amostras de domicílios, contas nacionais, índices de preços, entre outros. Em síntese, a apresentação dos dados agrega elementos mais substantivos à interpretação sobre a relação da macroeconomia com o mercado de trabalho desde o final do “milagre Professor e pesquisador licenciado do Instituto de Economia (IE) e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). 1 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 397 18/6/2009 09:47:40 econômico” durante o regime militar até o primeiro mandato do Governo Lula. Além disso, destaca-se também o breve registro sobre o atual padrão de contratação laboral brasileiro, incapaz de permitir a convergência dos requisitos de segurança no emprego e da formação no local de trabalho com a elevação da produtividade. A sua revisão, portanto, constitui-se uma tarefa principal de modernização das relações de trabalho combinado ao ambiente de fortalecimento das condições macroeconômicas no Brasil. Do contrário, a sociedade perde, mais uma vez, a oportunidade de fazer convergir o crescimento econômico com o pleno emprego e a distribuição mais desigual da renda e da riqueza. Condições Gerais da Macroeconomia do Emprego 398 Com expansão média de 8,8% ao ano, a década de 1970 conferiu o último fôlego do ciclo de meio século de contínua expansão rápida e sustentada da economia nacional verificado desde o início dos anos 30. O que se assistiu a partir de 1980 foi a seqüência do baixo dinamismo econômico (2,4% a.a.) acompanhada de significativa oscilação nas atividades produtivas2. Em conseqüência, o funcionamento do mercado de trabalho produziu amplo resultado desfavorável ao conjunto da mão-de-obra. Assim, o último quartel de século que se iniciou com a crise da dívida externa (1981 – 83) caracteriza-se como um dos mais longos e regressivos social e economicamente após a abolição da escravidão (1888), com semi-estagnação do produto por habitante e queda na taxa dos investimentos. De um lado, prevaleceu a contínua perda de participação relativa do rendimento do trabalho na renda nacional. De outro, assistiu-se ao avanço tanto das ocupações precárias 2 Para maiores detalhes sobre as razões do fim do ciclo de ouro do capitalismo brasileiro, ver Mello e Belluzzo (1983). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 398 18/6/2009 09:47:40 demarcadas pela desproteção social e trabalhista quanto do desemprego aberto em escala jamais observada no país. 60 56,6 50 52,0 50,0 45,0 40 39,1 30 1959/60 1969/70 1979/80 1989/90 2005 Gráfico 1 – Brasil – Evolução da Participação do Rendimento do Trabalho na Renda Nacional em Anos Selecionados (Em %) Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nas Contas Nacionais Publicadas pelo IBGE. Quando se analisa o período de trinta anos (1976 a 2006), percebe-se, por exemplo, que o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu à taxa média anual de somente 2,8%, sendo de 2,9% como média anual na década de 1980, de 1,8% na década de 1990 e de 3,1% no período de 2000 a 2006. A perda de dinâmica da economia nacional deveu-se muito mais ao esvaziamento dos investimentos produtivos no mesmo período de tempo (crescimento médio anual de 1,6%) do que o baixo comportamento do consumo interno (crescimento médio anual de 2,6%). 399 Em síntese, o investimento registrado em 2006 foi 30,4% inferior à trajetória do Produto Interno bruto (PIB) desde 1976. Também em comparação ao PIB de 2006, percebe-se que o consumo das famílias foi 8,2% menor, o que indica o quanto os agregados externos passaram a ter importância maior na composição do produto brasileiro. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 399 18/6/2009 09:47:40 250 232,5 230 210 213,4 190 161,7 170 150 130 100,0 110 90 70 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 PIB Consumo das famílias 0 1 2 3 4 5 6 Investimento Gráfico 2 – Brasil – Evolução do Índice do PIB, do Consumo e dos Investimentos (1976 = 100) Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nas Contas Nacionais Publicadas pelo IBGE. 400 Na realidade, parte importante do desempenho do produto nacional passou a estar associada à economia internacional. Entre 1976 e 2006, as exportações cresceram ao ritmo médio anual de 7,9% e as importações subiram 4,7% ao ano. Enquanto as vendas do Brasil para o exterior aumentaram 4,2 vezes mais rapidamente que o PIB, as compras realizadas por residentes no exterior cresceram 1,7 vezes acima da evolução do próprio Produto Interno Bruto. Com o ajuste exportador procedido no início da década de 1980, a abertura comercial e a internacionalização da economia nacional verificadas nos anos de 1990, a inserção do Brasil no exterior ganhou maior importância. Essa novidade em relação à economia nacional trouxe implicações também para a composição setorial do PIB. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 400 18/6/2009 09:47:40 1000 900 978,4 800 700 600 500 400,4 400 300 200 232,5 100 0 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 Exportação Importação 0 1 2 3 4 5 6 PIB Gráfico 3 – Brasil – Evolução do Índice de Exportação e de Importação (1976 = 100) Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nas Contas Nacionais Publicadas pelo IBGE. Frente à discrepância no desempenho dos componentes (internos e externos) da demanda agregada nacional nos últimos trinta anos, a estrutura da produção sofreu alterações significativas. A principal ocorreu nos setores agropecuários e industriais, com a perda relativa de importância em relação ao setor de serviços. 401 70 64,0 59,2 60 49,2 50 43,7 39,9 45,1 40 30,9 32,9 30 20 11,2 10,9 7,9 10 5,1 0 1976 1986 Agropecuária 1996 Indústria 2006 Serviços Gráfico 4 – Brasil – Evolução da Composição do PIB (Total = 100 %) Fonte: Elaboração Própria do Autor Baseada nas Contas Nacionais Publicadas pelo IBGE. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 401 18/6/2009 09:47:40 Na composição geral do PIB, o setor agropecuário respondeu, em 2006, a somente 53% do que equivalia em 1976 (de 10,9 para 5,1%), assim como o setor industrial foi somente 77,4% do que era no mesmo período de tempo (de 39,9 para 30,9%). Somente o setor terciário (serviços) cresceu a sua participação relativa em 30% (de 49,2 para 64%) entre 1976 e 2006. Comportamento do Mercado de Trabalho 402 Diante de tão intensa alteração na estrutura produtiva, acrescida ainda do baixo dinamismo da produção e da forte oscilação no nível de atividade econômica, o mercado de trabalho apresentou, em sequência, situação inédita até então observada. Em trinta anos de desempenho singular da economia nacional o mercado de trabalho registrou geração de excedente de força de trabalho quase cinco vezes maior em 2006 que o verificado em 1976. 570 520 470 466,7 420 370 320 270 220 170 120 208,2 100,0 70 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 0 Desemprego 1 2 3 4 5 6 Ocupação Gráfico 5 – Brasil – Evolução do Índice da Ocupação e do Desemprego (1976 = 100) Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Ajustada Publicada pelo IBGE. Isso ocorreu fundamentalmente porque a abertura de novas vagas ficou aquém do ingresso de mão-de-obra no in- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 402 18/6/2009 09:47:40 terior do mercado de trabalho. Para a entrada média anual de quase 2 milhões de trabalhadores a economia gerou próximo de 1,7 milhão de vagas em média a cada ano. Em síntese: de cada grupo de 100 pessoas ativas que ingressaram no mercado de trabalho 85 trabalhadores encontraram algum tipo de ocupação, enquanto 15 permaneceram desempregadas. Além do desemprego aberto em alta percebe-se também o comportamento desfavorável do rendimento do trabalhador. Especialmente em relação à evolução do PIB, que cresceu 2,8% ao ano, o rendimento médio real do ocupado aumentou somente 1,1% ao ano em média entre 1976 e 2006, apontando o desvio da renda para os proprietários. Em três décadas o rendimento médio real dos ocupados apresentou cinco movimentos de expansão do seu poder aquisitivo (1980-1981; 1985-1986; 1989; 1993- 1996; e 20052006) e quatro movimentos de queda (1976-1979; 1987-1992; 1997- 2004). O ano de maior poder aquisitivo do rendimento do trabalhador foi em 1986 (Plano Cruzado) e o menor em 1979 (política salarial de arrocho do regime militar). 403 130 118,9 120 109,9 106,6 110 100,0 100 90 82,9 89,2 89,9 80 76,6 70 73,5 72,6 66,9 60 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 0 1 2 3 4 5 6 Gráfico 6 – Brasil – Evolução do Índice do Rendimento Médio Real dos Ocupados (2006 = 100) Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Ajustada Publicada pelo IBGE. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 403 18/6/2009 09:47:40 Em paralelo ao elevado desemprego e à contida evolução na remuneração média dos trabalhadores, observou-se o avanço da precarização dos postos de trabalho. A tendência de contenção à expansão das vagas sem proteção da legislação social e trabalhista que vinha se verificando até o final da década de 1970 foi interrompida com a crise da dívida externa logo no início dos anos 1980. Somente na segunda metade da década de 1980 os postos de trabalho protegidos voltaram a superar brevemente as ocupações sem nenhuma proteção social e trabalhista. A partir da década de 1990, por sua vez, ganhou dimensão a geração dos postos de trabalho precários, sem proteção social e trabalhista, que ainda permanecem superando o total das vagas protegidas existentes no interior do mercado de trabalho no ano de 2006. 404 Após o ajuste no interior do mercado de trabalho transcorrido durante o governo Collor, que comprimiu drasticamente o emprego de boa qualidade no país, a distância que separa o conjunto das ocupações desprotegidas do segmento de trabalhadores cobertos pela legislação social e trabalhista passou gradualmente a ser reduzida. Mas foi somente a partir de 2000, com a mudança no regime cambial, que a geração de ocupações protegidas passou a ocorrer em maior ritmo que os postos de trabalho desprotegidos. No ano de 2006, por exemplo, a maior parte das ocupações (51,2%) no Brasil ainda não possui qualquer tipo de proteção social e trabalhista, enquanto em 1999 eram 56,5% do conjunto dos ocupados. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 404 18/6/2009 09:47:40 59 57,0 57 56,5 55 53 50,3 51 49 47 45 52,3 52,1 49,7 50,7 51,2 49,3 48,8 47,9 47,7 43 43,0 41 43,5 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 0 1 Ocupação protegida 2 3 4 5 6 Ocupação desprotegida Gráfico 7 – Brasil – Evolução da Composição dos Trabalhadores Ocupados segundo Grau de Proteção* e de Desproteção** (Total = 100%) Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Ajustada Publicada pelo IBGE. * Proteção: ocupações com alguma proteção por parte da legislação social e trabalhista, como no mínimo o acesso à previdência social. 405 ** Desproteção: ocupações sem nenhuma proteção por parte da legislação social e trabalhista. Em síntese, percebe-se que durante os últimos trinta anos (1976-2006), o funcionamento do mercado de trabalho não se apresentou, em geral, favorável ao conjunto dos brasileiros. Em consonância com a grave situação da economia nacional, caracterizada pelo baixo dinamismo e elevada oscilação nas atividades produtivas, os trabalhadores tiveram de conviver com o significativo desemprego aberto e a ampliação dos postos de trabalho precários. Não obstante as condições gerais de degradação do trabalho humano no Brasil, percebe-se que o melhor desempenho macroeconômico observado desde 2005, se continuado nos anos de 2008 até 2010, contribuirá com resultados mais satisfatórios para o mercado de trabalho. Mantida a expansão anual do PIB em 5%, acompanhada de investimentos e da permanência do saldo comercial positivo, o Brasil poderá apresentar no- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 405 18/6/2009 09:47:40 vamente a maior parcela das ocupações protegidas, bem como a taxa de desemprego próxima à da década de 1970. 300 280 260 281,5 240 220 200 180 208,2 160 140 120 100,0 100 137,8 80 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86 87 88 89 90 91 92 93 94 95 96 97 98 99 0 1 Massa de rendimento Rendimento médio 2 3 4 5 6 Ocupação Gráfico 8 – Brasil Índice da Massa de Rendimento Real, do Rendimento Médio Real e da Ocupação (1976 = 100) Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Ajustada Publicada pelo IBGE. 406 Neste sentido pode-se compreender como a evolução da massa de rendimento (ocupados mais rendimento), que alcançou parâmetros importantes em 2006, poderá até interromper a tendência de meio século de queda na participação do rendimento do trabalho na renda nacional. Tudo isso é possível de ocorrer até o final da década de 2000, caso a trajetória de expansão econômica atual não seja, mais uma vez, contida, conforme se verificou em outras oportunidades equivalentes ao longo das últimas três décadas. Padrão Flexível de Contratação Laboral e Desigualdade Salarial No ano de 2006, o Brasil teve 8,1 milhões de trabalhadores com carteira assinada demitidos sem justa causa no setor privado. Considerando-se somente este contingente identifica-se que a taxa nacional de rotatividade anual aproximou-se de um terço de todos os ocupados no mercado de trabalho formal. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 406 18/6/2009 09:47:40 Diante dos requisitos econômicos envolvidos no processo de rompimento do contrato individual de trabalho, a soma comprometida ao ano equivaleu a 13,3 bilhões de reais. Apesar do valor nominal expressivo, essa quantia representou apenas 2,1% da massa de rendimento do total dos trabalhadores contratados em regime formal e somente cerca de 1% do total do custo do trabalho do empregador. Além do reduzido impacto na estrutura de custos das empresas, prevalece uma enorme flexibilidade quantitativa dos trabalhadores, o que torna distantes os esforços de elevação da escolaridade e da qualificação dos empregados. Com a reduzida temporalidade contratual, percebe-se como a opção brasileira voltada à gestão da força de trabalho encontra-se ainda longe das novas exigências mundiais de competitividade. Isso porque um dos principais pilares estruturantes da reorganização do trabalho na nova economia do conhecimento encontra-se diretamente associado ao abandono do modelo taylorista de supervisão direta das atividades laborais. Cada vez mais ganha importância a autonomia relativa do trabalhador e equipes de empregados voltadas à resolução de problemas e à melhora da qualidade dos sistemas de produção e distribuição. O crescente envolvimento da mãode-obra no processo produtivo permite ampliar consideravelmente o ganho de produtividade. 407 A partir de sua maior participação, o trabalhador passa a fazer mais e melhor, com maior velocidade e menor custo, desestimulando a adoção de medidas espúrias de atendimento empresarial ao imperativo da competitividade. De um lado, a crença de que o crescimento no lucro do empregador significaria ao trabalhador maior tempo de emprego e remuneração ampliada desestimula a desconfiança que tradicionalmente separa o empregado do empregador. Da mesma forma, o acolhimento das contribuições da mão-de-obra pelo patrão implica efetividade e eficácia crescentes nas funções exercidas (queda na porosidade do tempo de trabalho e no desperdício de material e aumento na dura- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 407 18/6/2009 09:47:40 bilidade do equipamento utilizado e na aplicação dos insumos), com inegável redução dos custos de produção e maior produtividade. De outro lado, a formação laboral reconhecida pelo patronato por intermédio da maior longevidade no emprego na mesma empresa permitiu ao trabalhador converter em investimento o custo da qualificação contínua. Com isso, a inovação no processo produtivo deixou de ser matéria exclusivamente empresarial para se transformar em assunto de interesse dos próprios trabalhadores. As exigências de flexibilidade no interior do moderno sistema de produção expressam intensa transição funcional por parte dos trabalhadores, cuja formação contínua se traduz em mais inovação e, por conseqüência, produtividade superior. Confirma-se, em síntese, a perspectiva dos países que procuram sustentar o crescimento econômico pela via do trabalho com alta produtividade, sobretudo nas atividades de maior valor agregado e intensivo conteúdo tecnológico. 408 Mesmo não se configurando num todo homogêneo, percebe-se que a opção dos países da Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico (OCDE) aponta para a convergência da antiguidade do trabalhador no estabelecimento com produtividade e remuneração positivas. Isso porque se conforma o imperativo da competitividade na forma da flexibilidade funcional de seus trabalhadores. Ao invés da flexibilidade funcional, prepondera no Brasil fundamentalmente a flexibilidade quantitativa dos trabalhadores. Em outras palavras, o abusivo uso da rotatividade como mecanismo de intensificação primitiva do trabalho sem ganhos consistentes e sustentáveis de produtividade. Assim, o imperativo da competitividade somente termina sendo perseguido com prejuízos ao trabalhador, com soma zero para o país. O empresário se ilude com o ganho no curto prazo, embora possa estar inviabilizando o médio e longo prazos. O Brasil não se viabiliza neste começo de século enquanto nação sustentada no padrão de emprego asiático, o que o impede de ser uma China com mais população no continente americano. A enorme rotatividade da mão-de-obra praticada 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 408 18/6/2009 09:47:40 somente se mostrou atrativa durante o ciclo do fordismo, tardiamente adotado no país, cuja produção interna se viabilizou com perda de participação do trabalho na renda nacional por meio da economia fechada e subdesenvolvida. O avanço da flexibilidade quantitativa ocorreu desacompanhado da flexibilidade qualitativa no processo de contratação laboral. Entre 1980 e 2005, o Brasil ceifou 1/5 do poder aquisitivo do trabalhador, e a produtividade praticamente não se expandiu fortemente, o que termina revelando a clara opção pela manutenção do atraso nas relações de trabalho. Menos tempo de trabalho na empresa combina com menor salário, insuficiente formação profissional, contida inovação técnica e produtividade estancada. Incluídos, ainda, os postos de trabalho informais à enorme rotatividade praticada no Brasil, percebe-se o quanto é primitivo o processo de seleção e contratação de trabalhadores pelas empresas. Talvez por isso o tempo de serviço na mesma empresa seja curto, assim como a maior produtividade e o avanço na formação contínua no próprio local de trabalho tendem a permanecer tão distantes da realidade geral do padrão de contratação. 409 50 36,2 40 30 20 11,7 10 2,9 0,2 0 -10 -20 Produtividade anual Salário m édio anual Média de anos na Menos de um ano em presa na em presa Dez anos e m ais na em presa -0,7 Gráfico 9 – Modelo Brasileiro de Gestão do Emprego Formal entre 1980 e 2005 (Em % a Produtividade Período na Empresa e em Anos o Tempo Médio na Empresa) Fonte: Organização Internacional do Trabalho (OIT); EUROSTAT e Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 409 18/6/2009 09:47:40 Por força disso, o Brasil termina se encontrando entre os países de maior desigualdade salarial do mundo. Atualmente, a distância que separa o menor do maior salário no país chega a atingir quase duas mil vezes. Isso porque a mais baixa remuneração recebida pelo trabalhador no ano de 2006 foi de 70 reais mensais, enquanto o mais elevado salário identificado pela Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílio (PNAD) do IBGE foi de 120 mil reais mensais. 410 A desigualdade salarial no interior do mercado de trabalho pode ser ainda maior, uma vez que se considera apenas o setor estruturado do mercado de trabalho, responsável por 7,7 milhões de trabalhadores. Por setor estruturado compreendem-se aqueles postos de trabalho ocupados por empregados formalmente contratados e que possuem maior grau de escolaridade, maior tempo de serviço e possuem, ainda, entre 25 e 59 anos de idade. Caso fosse incluída também a remuneração praticada no setor informal, possivelmente a desigualdade de remuneração dos trabalhadores alcançaria níveis ainda mais expressivos. Analisando-se o grau de desigualdade salarial entre o setor privado e a administração pública, verifica-se que a maior desigualdade decorre das remunerações pagas pela iniciativa privada. Enquanto no setor público a desigualdade salarial entre o menor e o maior salário alcança quase 190 vezes, no setor privado ela chega a ultrapassar a 1.700 vezes. Mesmo sendo nove vezes menor, não parece haver justificativas para manter a enorme desigualdade salarial no interior da administração pública brasileira. No setor privado a injustiça é indescritível. Como pode alguém ser tão mais importante que outro para justificar uma diferença de remuneração de quase duas mil vezes? Como se sabe, a justiça social constitui-se uma das principais características do desenvolvimento de uma nação. Com a desigualdade salarial verificada no Brasil percebe-se o quanto o país precisa avançar. E isso parece ser mais necessá- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 410 18/6/2009 09:47:40 rio justamente nas regiões onde o nível de desenvolvimento econômico encontra-se mais avançado, especialmente no setor privado. A região Sudeste, por exemplo, apresenta desigualdade entre o maior e o menor salário equivalente a quase 343 vezes, enquanto a região Norte possui a menor desigualdade de remuneração (28,2 vezes). No caso da administração pública, a menor desigualdade salarial encontra-se na região Sul. Já a maior distância que separa o menor do maior salário no setor público localiza-se na região Centro Oeste. 2000 1714,3 1800 1600 1400 1200 1000 800 600 342,9 400 200 28,2 8 0 ,5 44,4 7 9 ,2 7 7 ,8 115,4 9 8 ,0 6 3 ,9 50,0 18 6 ,7 411 0 Norte Norde ste Sude ste Setor privado Sul Ce ntro O e ste Brasil Adm instração pública Gráfico 10 – Desigualdade salarial em 2006 no Brasil (número de vezes que separa a maior da menor remuneração no setor estruturado do mercado de trabalho) Fonte: Elaboração do IPEA Baseada nos Dados da PNAD Publicada pelo IBGE. Caberia uma reflexão mais aprofundada a respeito das causas de tamanha desigualdade. Parte disso pode ser identificada na contida remuneração dos trabalhadores de salário de base. Em outras palavras, a desigualdade é elevada não em função de salários muito altos, mas porque na base da pirâmide as remunerações são extremamente reduzidas. Embora existam salários altos para dirigentes de empresas e postos de maior responsabilidade na administração pública, sabe-se que o grosso dos trabalhadores ocupados percebe mensalmente remunerações de fome. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 411 18/6/2009 09:47:40 Por conta disso, uma das principais medidas de contenção da desigualdade salarial diz respeito à elevação dos salários de base da pirâmide salarial. O salário mínimo, neste sentido, possui um papel de inegável contribuição para reduzir a desigualdade, pois não se trata de comprimir os salários do topo da pirâmide, mas de elevar mais rapidamente o poder aquisitivo dos trabalhadores de base. 412 De outra parte, o país precisaria reinventar a atual estrutura de tributação. Além de alta, a carga tributária termina se concentrando justamente nas menores remunerações. De acordo com a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE, o trabalhador que recebe mensalmente até dois salários mínimos tem uma carga tributária de até 48% de seu rendimento. Por força dos impostos indiretos (que se encontram incluídos nos preços de bens e serviços básicos), quem recebe dois salários mínimos mensais deixa quase um salário mínimo com a Receita Federal. Já o trabalhador com remuneração superior a 30 salários mínimos mensais transfere para os impostos somente 26% de sua renda. Em síntese, quem ganha mais paga menos impostos. Ao contrário de quem recebe menos, cuja carga tributária é quase o dobro dos salários maiores. Frente a isso, parece não haver outra solução para o caso da vergonhosa desigualdade salarial no Brasil que não seja a completa inversão da carga tributária. Com a progressividade na tributação (quem ganha mais paga mais impostos e vice-versa), a desigualdade salarial seria bem menor que a atual. Repensando a Garantia do Emprego A fase de reformas inaugurada na década de 1990 prometia a generalizada modernização do país que, frente ao histórico de enorme exclusão social já acumulada, gerou a crença de redução sensível das terríveis desigualdades de oportunidades. Decorrida mais de uma década da realização das reformas de corte neoliberal, colhem-se os frutos que apontam 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 412 18/6/2009 09:47:40 para o aumento das injustiças no país. Exemplo disso pode ser observado pelas indicações de agravamento da exclusão de pessoas ao acesso à proteção social. Pode-se recordar, por exemplo, que um dos pilares da reforma previdenciária efetuada na segunda metade da década de 1990 foi o abandono do princípio de acesso à aposentadoria por tempo de trabalho. Em conformidade com as novas regras estabelecidas, o trabalhador, para habilitar-se ao recebimento da aposentadoria, precisaria antes contribuir, em geral, por 35 anos (se homem) ou 30 anos (se mulher). Além desse novo requisito obrigatório de acesso ao benefício da aposentadoria estabeleceu-se, ainda, a carência mínima de 180 contribuições (o que corresponde a 15 anos de contribuições contínuas). Desde a introdução do sistema de aposentadoria no Brasil, em 1923, sabe-se que o tempo de trabalho pode equivaler ao tempo de contribuição quando há estabilidade no emprego, seja pela manifestação do pleno emprego, seja pela existência de garantias legais estabelecidas no ato de contratação laboral. Como a experiência do pleno emprego se mostrou praticamente ausente no país, percebe-se como ainda predomina o contingente atual de mais de 55% da força de trabalho sem estar protegido pela legislação social e trabalhista. Somente nos três decis mais ricos da distribuição da renda do trabalho há, por exemplo, 70% das famílias com membros contribuintes da previdência, enquanto nos três decis mais pobres não chegam a 30% das famílias. 413 Entre os ocupados que conseguem contribuir para a previdência social prevalece no setor privado o grave fenômeno da rotatividade no trabalho, que torna muito difícil ao empregado cumprir o ano todo com doze prestações mensais ao sistema de aposentadoria. Isso não apenas compromete o atendimento dos requisitos mínimos para o acesso à inatividade remunerada, como torna mais vulnerável o financiamento da própria previdência social. Como se sabe, a substituição do regime da estabilidade no emprego pela garantia do acesso ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), ocorrida em 1966, fez com que o empregado e o empregador passassem a dispor de enorme flexibilidade na determinação da duração do tempo de trabalho. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 413 18/6/2009 09:47:40 414 Em resumo, percebe-se que ocorreu o inegável aumento da desconfiança tanto do empregador em relação ao empregado, que o demite sem causa quando lhe convém, quanto o empregado, que se desfaz do contrato de trabalho diante da alternativa ocupacional de melhor condição. De um lado, os investimentos em qualificação terminam sendo contidos, uma vez que a empresa teme fortalecer a formação de seu empregado sob pena de terminar perdendo-o para outra firma, muitas vezes concorrente, bem como o próprio trabalhador desconfia de que a maior qualificação profissional possa limitar o raio de procura por outras formas de trabalho impostas pela recorrente rotatividade no emprego. De outro, o registro anual de mais de oito demissões nos empregos formais no setor privado implica a absurda taxa de rotatividade acima de 1/3 dos postos de trabalho (quase duas vezes maior que a dos Estados Unidos), e em dois milhões de processos trabalhistas no sistema judiciário (17% do total das demissões anuais). Por conta disso, o Brasil possui quase 6 milhões de empregados com carteira assinada com menos de um ano no estabelecimento. Deste contingente que representa mais de 1/5 do total dos empregos formais, há 3,7 milhões de indivíduos (13,1% dos empregados com carteira no Brasil) que, a cada 12 meses, somente conseguem contribuir por cinco meses de prestação, o que torna a habilitação para a aposentadoria por tempo de contribuição extremamente difícil. Projetado no longo prazo, o trabalhador deverá precisar de aproximadamente 84 anos para reunir o tempo necessário de contribuição para se aposentar. Considerando-se, também, que, em média, o início na vida laboral ocorre aos 15 anos de idade, compreende-se que somente por volta dos 99 anos de idade é que o acesso à aposentadoria por tempo de contribuição deverá ocorrer. Esse cenário parece ser pouco realista para se concretizar, uma vez que a expectativa de vida ao nascer encontra-se, na média da população brasileira, levemente acima dos 70 anos (esta média deve ser mais baixa para o grupo de pessoas de menor renda devido às características socioeconômicas, 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 414 18/6/2009 09:47:40 com desempenho de ocupações com maior incidência de doenças/acidentes laborais e maiores jornadas de trabalho). No contingente de maior vulnerabilidade ao acesso à previdência social, deve-se acrescer também o grupo de mais 2,2 milhões de indivíduos (7,7% dos empregados com carteira no país) que a cada 12 meses somente consegue contribuir com nove prestações. No longo prazo, esse mesmo segmento ocupacional precisará de quase 48 anos para poder cumprir os requisitos básicos para se aposentar. 30 120,0% 100,0% 25 100,0% 20 80,0% 15 60,0% 10 40,0% 20,8% 13,1% 3,7 5 28,3 5,9 Total empreg.C.Cart. Empreg.< 1 ano 0 Nº (em milhões) 7,7% 20,0% 2,2 0,0% Empreg.contrib. 5 / 12Empreg.contrib. 9 / 12 meses meses % 415 Gráfico 11 – Brasil – Distribuição dos Empregados com Carteira por Tempo de Contribuição à Previdência Social (Em Nº Milhões e Em %) Fonte: PNAD publicada pelo IBGE. Considerando-se que, em média, começam a vida profissional aos 15 anos de idade, somente por volta dos 62 anos alcançarão as condições necessárias para a aposentadoria por tempo de contribuição. Mesmo que minimamente factível, dada a expectativa de vida no Brasil, não se pode dizer que esse cenário traga alento a essa parcela dos trabalhadores brasileiros. Neste sentido, a aposentadoria por tempo de contribuição permanece uma meta incerta, quando não inatingível, apesar das contribuições realizadas ao longo da trajetória ativa do trabalhador. Isso porque o emprego formal em expansão tem sido justamente aquele de maior rotatividade, o que contribui para a formação de uma nova legião de excluídos fundamentados pelas reformas neoliberais da década de 1990. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 415 18/6/2009 09:47:40 Assim, cabe destacar que a recorrente intermitência da contribuição entre os empregados sujeitos à maior rotatividade termina por comprometer o financiamento da própria previdência social, uma vez que 21% do total dos empregados formais do país contribuem menos de 12 meses a cada ano de sua vida ativa no mercado de trabalho. Além das debilidades na sustentação do seu financiamento no Brasil, percebe-se como a busca da modernidade torna-se falsa na medida em que termina gerando exclusões adicionais de pessoas que mesmo trabalhando e contribuindo deixam possivelmente de ter acesso à previdência social. Em síntese, pode-se observar como somente a existência de legislação social e trabalhista protetora não se mostra plenamente suficiente para a sua total efetividade. Sem o pleno emprego, o marco regulatório do mercado de trabalho deixa de cobrir o conjunto da mão-de-obra desempregada e ocupada informalmente. 416 Quando o Brasil tinha o ritmo de expansão econômica vigorosa (1933- 1980), o grau de cobertura da legislação social e trabalhista subiu rapidamente. Na década de 1940, quando da criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), havia para cada grupo de dez ocupados somente um protegido. 60 55 50 5 4 ,7 ** 5 0 ,3 45 5 0 ,1 4 1,8 40 4 4 ,9 3 7 ,4 35 30 25 2 3 ,1 20 15 12 ,9 10 5 0 1940 1950 1960 1970 1980 1990 2000 2010 Gráfico 12 – Brasil – Evolução da Participação dos Trabalhadores Protegidos pela Legislação Social e Trabalhista no Total da Ocupação (Em %) Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Ajustada Publicada pelo IBGE. * Proteção: ocupações com alguma proteção por parte da legislação social e trabalhista. ** Estimativa. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 416 18/6/2009 09:47:40 Quatro décadas depois, o Brasil conseguiu cobrir com proteção social e trabalhista mais de 50% do total dos ocupados. A partir disso, o grau de proteção dos ocupados estancou, somente recuperado na década atual. Para o ano de 2010 o Brasil deverá registrar menos de 55% do total dos ocupados com algum grau de proteção social e trabalhista. Por conta disso percebe-se o quanto a macroeconomia do emprego assume maior centralidade na determinação das possibilidades de proteção social e trabalhista. Mas isso pode não garantir que a totalidade dos trabalhadores seja plenamente beneficiada. Para a existência do direito ao trabalho, assim como ao direito à propriedade, a macroeconomia do emprego deve estar comprometida com o crescimento das forças produtivas. No caso da não existência do pleno emprego, cabe a garantia de renda que deveria ter a função de substituir a escassez de postos de trabalho para todos. Considerações Finais 417 O Brasil, que emergiu da Revolução de 30, caminhou no sentido da modificação importante do conceito tradicional da propriedade. Ao invés do clássico entendimento que separa o proprietário do não-proprietário imobiliário (posse da terra) e de demais detentores das fontes de geração de renda e riqueza, passou a ganhar maior relevância a interpretação a respeito da propriedade social mediada pelo trabalho e diversos mecanismos de proteção e segurança societal. Justamente em torno dos riscos relacionados ao pleno exercício do trabalho (acidente, doença, invalidez e morte, desemprego e instabilidade contratual, precocidade e envelhecimento, variabilidade e sub-remuneração, despreparo formativo, entre outros), conformou-se a propriedade social, operada, na maioria das vezes, por fundos públicos absorvedores de parcela do excedente econômico nacionalmente gerado pelo conjunto do país. Neste sentido, deve-se reconhecer o papel pioneiro das ações estabelecidas em 1923, com a Lei 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 417 18/6/2009 09:47:40 Eloy Chaves (base da previdência social), e, em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho, que fundamentaram a propriedade social no Brasil. O financiamento da propriedade social ocorre de forma tanto contributiva (previdência social) como impositiva (tributos e taxas). O resultado final disso tem sido a geração de uma massa expressiva de recursos comprometida originalmente com a promoção e a defesa do bem-estar social geral dos detentores da propriedade social. Na medida em que avançou a titularidade da propriedade social, o brasileiro ampliou o tempo de vida para além do exercício exclusivo do trabalho. Antes da existência da propriedade social, por exemplo, o trabalho comprometia 2/3 do tempo de vida de cada cidadão. 418 Por conta disso, o ingresso na vida laboral iniciava-se aos 5/6 anos de idade e se encerrava somente com a morte, geralmente próxima dos 35 anos, que representava a expectativa média de vida dos brasileiros do início do século 20. Ao se acrescentar ainda a ausência da regulação do tempo de trabalho (48 horas semanais, férias, descanso semanal, feriados) e de medidas de aposentadoria e pensão, o tempo de trabalho podia equivaler a mais de 5,5 mil horas de trabalho por ano. Com o desenvolvimento urbano e industrial protagonizado desde a década de 1930, parte dos ganhos de produtividade foi carreada para a nova propriedade social. Em conseqüência da difusão da titularidade dos novos proprietários, tornou-se possível reduzir o peso do trabalho heterônomo (realizado em troca de uma remuneração pela sobrevivência) para 1/5 do tempo de vida. Isso porque o ingresso no mercado de trabalho foi postergado para os 15 anos de idade, após o acesso ao ensino básico, enquanto o saída para a inatividade se deu a partir da contribuição por 35 anos ao fundo previdenciário. Contando com a duplicação da longevidade da vida ao longo do século 20 (de 35 para 70 anos), percebese que o desenvolvimento nacional permitiu a propriedade social alargar o tempo de vida, bem como direcioná-lo à so- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 418 18/6/2009 09:47:40 ciabilidade moderna, com mais educação, saúde, consumo e investimento humano. No limiar do século 21, com a perspectiva de elevação da longevidade de vida para acima dos cem anos de idade e profunda ampliação da produtividade do trabalho, especialmente do trabalho imaterial, abrem-se oportunidades inéditas de o desenvolvimento fortalecer ainda mais a nova propriedade social. Seus detentores possuem cada vez maior influência sobre as decisões públicas e privadas nacionais, como no caso dos fundos de aposentadoria e pensão, FGTS, Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), entre outros. Tudo isso motiva preparar, em novas bases, as ações estratégicas para o desenvolvimento brasileiro de longo prazo. Para quem vai viver cem anos, com a intensificação da produtividade, ampliam-se as possibilidades de ingresso no mercado de trabalho após os 25 anos de idade, conforme já ocorre para os filhos dos ricos no país, assim como o tempo de trabalho em menor escala, contando com o seu exercício em diversas modalidades, ficando cada vez mais distante o tradicional local de trabalho, como no passado recente. Se tecnicamente já é possível, por que não convergir para as condições estruturais necessárias para que isso realmente venha a ocorrer? Somente com a promoção do desenvolvimento nacional os brasileiros universalizam as possibilidades de acesso a uma nova propriedade social. 419 Referência MELLO, J.; BELLUZZO, L. Reflexões sobre a crise atual. In: COUTINHO, R.; BELLUZZO, L. (Org.). Desenvolvimento capitalista no Brasil. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1983. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 419 18/6/2009 09:47:40 420 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 420 18/6/2009 09:47:40 12 IMPACTOS DA FINANCEIRIZAÇÃO MUNDO DO TRABALHO NO Cássio da Silva Calvete1 Introdução A ditadura do capital financeiro e a imposição do pensamento único procuram impor a máxima de que a situação atual e as condições no mercado de trabalho são inexoráveis e necessárias. A personificação do mercado financeiro com atribuições de humores (nervoso, calmo, excitado etc.), coloca-o na condição de demiurgo da economia. Ao mesmo tempo em que seus humores podem impingir verdadeiros desastres à economia, e por conseqüência às sociedades e às pessoas, os mercados são inatingíveis e têm vontade própria, não podendo ser submetidos e nem subjugados pelos homens. Essa falácia tem como objetivo passar como naturais as mazelas derivadas da sua estruturação. Fome, miséria, má distribuição de renda, desemprego, trabalho informal e precarização dos postos de trabalho são a outra face dos mercados pujantes e do enriquecimento de poucos. 421 Este estudo procura mostrar como o novo regime de acumulação liderado pelas finanças, ou simplesmente financeirização, impõe mudanças no mundo do trabalho, e mais particularmente na gestão da mão-de-obra, analisando em que medida e de que forma a lógica financeira e as suas exigências interferem nas relações trabalhistas. Doutor em Economia Aplicada na área de Economia Social e do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas, Economista do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) e Professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). 1 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 421 18/6/2009 09:47:40 Gênese da Financeirização Financeirização é um termo enxuto que muitas vezes é utilizado para sintetizar uma série de fenômenos ligados ao mercado financeiro. Porém, para além desse propósito, ele também é utilizado para conceituar um novo regime de acumulação descrito por vezes como regime de acumulação liderado pelas finanças ou simplesmente regime de acumulação à dominante financeira. A expressão, envolta em polêmica, às vezes tem seu uso preterido em função da utilização das expressões globalização financeira, finança mundializada ou mundialização financeira2. O termo passou a ser utilizado para descrever o fenômeno do aumento do poder das finanças no mundo, não somente na economia e na política, mas em todas as áreas da atividade humana. 422 O fenômeno da financeirização, como todo fenômeno histórico, traz consigo a dificuldade de não ter fronteiras nem marcos definitivos que possam estabelecer de forma precisa o período da sua gênese. Ele é conseqüência de uma sucessão de acontecimentos que, contínua e paulatinamente, levam à sua concretização. Por isso mesmo é difícil, senão impossível, delimitar exatamente quando ele principia. Não obstante, Chesnay (1998), distingue três etapas do processo de evolução contínua da financeirização. A primeira etapa é caracterizada como de internacionalização financeira “indireta”; a segunda, de desregulamentação e liberalização financeira; e a terceira, de incorporação dos mercados emergentes. Segundo o Chesnay (1998), a primeira etapa vai de 1960 a 1979, e tem como destaques a formação do mercado de eurodólares em off-shore, a formação de mercados de títulos de crédito nos EUA, a revogação do sistema de Bretton Woods, que põe fim ao padrão ouro do dólar americano, a adoção das 2 As duas últimas expressões foram utilizadas como títulos de duas obras de François Chesnay sobre o tema. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 422 18/6/2009 09:47:40 taxas de câmbio flexíveis, o surgimento de mercados derivados e o início do endividamento do Terceiro Mundo. Estes acontecimentos formam o alicerce sobre o qual vai se estruturar a financeirização. A segunda etapa, de desregulamentação e liberalização financeira, vai de 1979 a 1985, e tem como destaques o início do monetarismo nos Estados Unidos e no Reino Unido nos governos de Ronald Regan e Margaret Thatcher, a liberalização dos movimentos de capitais, a expansão dos mercados de bônus, o crescimento rápido dos derivativos e dos ativos de fundos de pensão e dos mutual funds, securitização da dívida pública e a arbitragem internacional sobre os mercados de bônus. Ainda segundo Chesnay (1998), a terceira etapa inicia-se em 1986, e tem como destaque o que ficou conhecido como big-bang na city – liberalização abrupta do mercado financeiro inglês, que obrigou as demais praças a acelerar seus processos de liberalização-, além da abertura e desregulamentação dos mercados de ações e de matérias-primas, o aumento das transações sobre os mercados de câmbios, a aceleração do crescimento do mercado de bônus e dos mercados emergentes de matérias-primas e a incorporação dos mercados emergentes do Terceiro Mundo com o aumento da interligação aos mercados financeiros dos países do centro do sistema e a extensão da arbitragem. 423 A transformação do sistema financeiro, caracterizada pela desregulamentação dos mercados, liberalização dos fluxos de capitais e pela taxa de juros flutuantes foi viabilizada e impulsionada pelas mudanças nas legislações nacionais, pelo surgimento de novos instrumentos financeiros, pelo avanço das telecomunicações e da informática e pelo aumento dos recursos das instituições financeiras. O crescimento econômico das instituições financeiras, acompanhado do aumento do seu poder político, da hegemonia sobre o Estado, do controle sobre os fluxos de capital, da participação nos processos políticos e, inclusive, da participação nos 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 423 18/6/2009 09:47:41 aparatos de Estado, são os responsáveis pela hipertrofia das finanças na economia mundial e sua influência em todas as áreas da atividade humana. A Hegemonia do Capital Financeiro 424 A crise estrutural do capitalismo (CHESNAY, 1996; KURZ, 1992; MÉSZÁROS, 2002), iniciada na década de 1970, transformou as políticas keynesianas e o Estado social-democrata em vilões de todos os problemas econômicos. Abriu espaço para o ressurgimento das políticas liberais, que são mais funcionais ao capital financeiro internacional, e juntamente com elas reapareceram revigorados os valores associados a essas políticas: consumismo, competitividade exacerbada, individualismo e utilitarismo. Como a outra face da mesma moeda, as políticas liberais atacam os mecanismos de regulação públicos, o Welfare State, o setor produtivo estatal e o sistema nacional de relações do trabalho. A mundialização financeira impôs a participação de todos os países. A crescente mobilidade de capitais no plano internacional, associada à adoção de taxas de juros flutuantes que tornam errática a posição financeira das nações, também exigiu a liberalização financeira dos países emergentes. Ainda que de forma subsidiária, concomitantemente ocorria também a mundialização da produção, que provocou profundas modificações nos parques industriais. A nova lógica capitalista exige, mais que nunca, a participação dos países considerados emergentes. A livre mobilidade de capitais, ao mesmo tempo em que deixa os países reféns do capital especulativo, é apresentada como solução para a estabilização de suas finanças. A nova escala planetária em que atua o capital na sua acumulação e expansão é incompatível com fronteiras nacionais e leis que impeçam a sua livre movimentação. Porém, a mudança essencial é que a nova mobilidade de capitais, associada à liberalização financeira, mudou a lógica vigente do capitalismo. Da lógica do investimento, da produ- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 424 18/6/2009 09:47:41 ção e do lucro no setor produtivo D — M ... P... M’ — D’ passa para uma lógica puramente especulativa D — D’. Os ativos passam a ter quase 100% de liquidez, e os ganhos de curto prazo são o objetivo corrente. A instabilidade da demanda e o risco da atividade produtiva, num cenário de grande competitividade e rápido processo de inovações associadas à alta rentabilidade do mercado financeiro, levaram à financeirização do capital produtivo e, mais do que isso, conduziram o setor produtivo à mesma lógica do sistema financeiro. Nesta sociedade regida pelo curto prazo, os interesses estão direcionados para o consumo imediato. O capital, que comanda o tempo no processo de produção, atualmente, também comanda o tempo livre. O apelo ao consumo exacerbado, a mercantilização de tudo, a valorização do homem pela marca que ele consome e a ideologia do desfrute são funcionais ao capital. Nesse processo o lazer foi transformado em consumo e apresenta-se em grande parte monetizado. Como o consumo é efêmero e cada vez mais na sociedade tudo é consumo, tudo é efêmero. Segundo Arendt (2003), o aumento da intensificação do trabalho e do consumo via obsolescência programada transformou toda produção em produção de bens de consumo, evidenciando a vitória do animal laborans sobre o homo faber. O labor do animal laborans também é consumo e, conseqüentemente, é efêmero; portanto, cada vez mais intenso na sociedade atual. A dinâmica de todo o processo − financiamento, investimento, produção, distribuição, consumo − passou a ter maior velocidade a partir do ritmo do capital financeiro, passando pelas novas formas de produção e de consumo e chegando aos novos valores da sociedade: o tempo se acelerou. 425 A continuidade do processo de acumulação de riqueza que, segundo Marx é a quinta essência da economia capitalista, com os atuais e crescentes níveis de produtividade só consegue se sustentar com o contínuo crescimento do círculo: aumento da produção, aumento da intensidade do trabalho, aumento da produtividade, aumento do consumo, aumento da produção. (ARENDT, 2003). As novas formas de organiza- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 425 18/6/2009 09:47:41 ção do processo de produção e da sociedade são flexíveis. A flexibilidade, enquanto grande diretriz que perpassa todas as formas de organização da sociedade atual, esconde um sistema de poder baseado em três elementos: reinvenção descontínua de instituições, especialização flexível de produção3 e concentração de poder sem centralização. (SENNETT, 2000). 426 A flexibilidade requer novas formas de controle. O controle na sociedade ou no chão-de-fábrica continua a existir, porém com outro aspecto e com novas exigências. A necessidade da flexibilidade está associada ao império do curto prazo. A hegemonia do capital financeiro trouxe consigo a fluidez e a efemeridade do seu mercado, que passou a reger o setor produtivo e até mesmo a influenciar os valores da sociedade. A confiança, a lealdade, o senso objetivo e o compromisso mútuo são valores corroídos pelo fim do longo prazo. O setor produtivo, na gestão da mão-de-obra, na relação interempresas e na relação com a sociedade, valoriza e impõe os novos valores associados ao curto prazo: a flexibilidade, o gosto pelo risco, a cooperatividade superficial e a adaptabilidade. (SENNETT, 2000). Financeirização e Impactos no Mundo do Trabalho A opção pela aplicação financeira, em detrimento do investimento produtivo, põe em questão as conseqüências A utilização dos termos flexibilidade e rigidez para referir as formas de organização do processo de produção de especialização flexível e fordista, respectivamente, está envolta em polêmica. Apesar de muito usuais, essas terminologias carecem de maior precisão. (SAYER, 1989; SOUZA, 1990; WOOD, 1991). É importante lembrar que o fordismo comportava enorme flexibilidade, à medida que qualquer trabalhador podia ser rapidamente substituído por outro que se encontrava no exército de reserva de mão-de-obra. A terminologia de flexibilidade, como é usualmente utilizada, carrega em si um forte e enganoso apelo ideológico de referência aos aspectos positivos da modernidade e esconde a verdadeira intenção da retirada das regulamentações estatais das relações de trabalho e transferência de poder para as empresas nessas relações. (URIARTE, 2002). 3 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 426 18/6/2009 09:47:41 sobre o mundo do trabalho, e mais especificamente sobre a gestão da mão-de-obra, o nível de ocupação e desemprego desse novo modelo. A primeira impressão é a diminuição dos postos de trabalho em conseqüência da aplicação financeira em detrimento do investimento produtivo, este sim, gerador de postos de trabalho. Porém, a dúvida se estabelece na medida em que o desenvolvimento financeiro tem uma relação diretamente proporcional com o crescimento econômico. Para que o mercado financeiro tenha um bom desempenho é necessário que o setor produtivo esteja evoluindo positivamente. Apesar do grande descolamento que o mercado financeiro apresenta do setor produtivo, este último ainda é a referência que valida seus movimentos de elevação ou retração. Não obstante, segundo Chesnay (2005), a mundialização não é um processo integrador e nem base de uma repartição menos desigual das riquezas, ao contrário ela é, em parte, causadora da exclusão econômica, do aumento da informalidade e do desemprego nos países da OCDE. Storckhammer (2004), ao olhar para o interior das empresas e perceber a opção pela obtenção de taxas de lucros mais elevadas conquistadas através da diminuição do capital fixo e do próprio crescimento da firma, conclui que o resultado é a diminuição da ocupação. 427 Bruno e Freire (2007), ao estudar os impactos da financeirização sobre a ocupação no Brasil, verificaram o declínio da taxa de acumulação de capital fixo produtivo, gerando uma baixa demanda por trabalho que é incapaz de reduzir significativamente as taxas de desemprego. Segundo os autores, essa conclusão é valida para o país tendo em vista as características particulares do processo brasileiro, onde a renda financeira é composta predominantemente de juros. Sauviat (2005), afirma que a lógica financeira pela busca da flexibilidade tornou os empregos menos estáveis e permanentes, lembrando que na década de 1980 as grandes empresas norte-americanas adotaram a estratégia do downsizing, que atingiu os segmentos mais protegidos dos trabalhadores 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 427 18/6/2009 09:47:41 – os operários sindicalizados. Segundo Sauviat (2005, p. 42) a “instabilidade dos mercados financeiros foi levada para o centro da atividade das empresas e da ‘economia real’”. Ressalta, ainda, que o ano de 2001 concentrou as dez falências mais importantes da história dos EUA até aquele momento. Mesmo que esses fenômenos (falências, downsizing) não tenham levado à diminuição absoluta dos postos de trabalho no plano macroeconômico, é inegável que contribuíram para a precarização dos postos de trabalho, para a insegurança no emprego e para o aumento da flexibilização nas relações trabalhistas. 428 Por fim, Scherer (2003), ao discorrer sobre o modelo de Governança Corporativa norte-americana, onde o que é relevante é o desempenho de curto prazo, cita que as medidas que têm maior impacto no mercado financeiro para reverter uma avaliação negativa da empresa são: a venda ou encerramento de unidades que têm desempenho abaixo do esperado e o anúncio de demissões. Visto isso, pode-se inferir que mesmo que não haja comprovação de que a financeirização seja responsável diretamente pela diminuição dos postos de trabalho num plano macroeconômico, ela em nada contribui para amenizar o problema, além de ser um dos pilares da nova arquitetura do modo de produção capitalista juntamente com a liberalização e desregulamentação do comércio internacional, a fragilização dos estados nacionais e dos sistemas nacionais de relações do trabalho. As Flexibilizações na Gestão do Trabalho Tendo como pano de fundo as mudanças numa dimensão mais ampla, como as explicitadas anteriormente, as empresas buscaram inovações para elevar a rentabilidade do capital e manter a competitividade seja no mercado interno, seja no mercado internacional. A forma rígida de organização do processo de produção que vigorou do final do século XIX 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 428 18/6/2009 09:47:41 até meados da década de 70 do século XX não atendia mais às necessidades do setor produtivo. Na busca pela flexibilidade, a reestruturação produtiva passou a ser necessária. As novas formas de organização do processo de produção trouxeram mudanças significativas em relação ao que vigorava de forma hegemônica até meados da década de 70. Indubitavelmente, as mudanças ocorridas em nível macroeconômico têm reflexos na organização industrial e social que, por sua vez, reafirmam e aceleram as transformações macroeconômicas. Na antiga etapa do desenvolvimento das formas de organização do processo de produção, das relações industriais e do estado das artes, a “rigidez” da produção era determinada, em parte, pela especialização das máquinas e pela automação dedicada e repetitiva das mesmas e, em parte, pela demanda em massa, que exigia altos níveis de produção, contudo, sem a necessidade de uma diferenciação exacerbada. A menor mobilidade do capital internacional, a estabilidade da taxa de juro fixa, a relativa estabilidade da demanda e o estado das artes coadunavam com a “rigidez” da gestão da mão-de-obra. 429 Nos primórdios do capitalismo, a fixação rígida da jornada de trabalho, com seu tempo de duração e de horário de começo e fim, diário e semanal, além da jornada de tempo integral, foi funcional aos empresários. Esse foi o meio de formar na classe trabalhadora uma habituação própria do trabalho no interior da fábrica. Essa máxima, que valeu no início da revolução industrial, continuou valendo até meados dos anos 70 do século passado. Essa forma de organização do processo de produção, com enorme intensificação do processo de trabalho e completa separação entre concepção e execução, foi rejeitada pelos trabalhadores. Assim, só conseguiu se impor na medida em que se alastrou por todo o parque industrial e deixou o trabalhador sem outra opção de trabalho. (BRAVERMAM, 1981). Também nessa etapa, os horários fixos e de tempo integral foram funcionais para facilitar o controle do tempo dos trabalhadores por parte dos capitalistas. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 429 18/6/2009 09:47:41 A globalização financeira, a mundialização da produção, o acirramento da competição internacional, o surgimento de novas tecnologias e a instabilidade da demanda forçaram a reestruturação produtiva. O desempenho de curto prazo passou a ser o objetivo principal e, como metas complementares ou auxiliares despontaram a necessidade da diminuição dos custos, do aumento da produtividade, a redução do espaço de produção, do tempo e do capital de giro. Nesse cenário, surgiu a exigência da re-regulamentação das relações trabalhistas e a flexibilização4 na gestão da mão-de-obra como forma de reduzir os custos, diminuir os riscos, aumentar a intensidade do trabalho, ganhar margem de manobra para se adaptar à demanda instável, aumentar o tempo de utilização do capital constante e intensificar o seu uso. Enfim, a reestruturação produtiva busca redução de custo, aumento de poder em relação à disposição do tempo do trabalhador e intensificação do trabalho. 430 A flexibilização busca não só o aumento do tempo de uso do capital variável (mais-valia absoluta) e aumento da intensidade de sua utilização (mais-valia relativa), mas também o aumento do tempo do uso do capital constante e a intensidade de sua utilização. Na atual gestão de pessoal, destaca-se a busca pela flexibilização e pela participação dos trabalhadores. Agora, sob o signo da financeirização, as empresas procuram diminuir as regras que implicam compromissos para si: buscam a diminuição de vínculos com os trabalhadores, a flexibilidade na alocação do tempo de trabalho e pagamento salarial variável. Contraditoriamente a esse movimento de descomprometi4 As expressões correntemente utilizadas de flexibilização e re-regulamentação do mercado de trabalho expressam a reformulação da ordem jurídica que permite maior leque de opções aos empregadores no âmbito do pagamento salarial, da modulação da jornada de trabalho e da forma do contrato de trabalho. Entre as mudanças verificadas no Brasil, nos últimos anos, encontra-se a instituição do banco de horas, do contrato temporário, participação nos lucros e resultados, terceirização e cooperativas de trabalho. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 430 18/6/2009 09:47:41 mento, há uma exigência maior de participação e identificação do trabalhador para com a empresa. Os instrumentos de persuasão são o risco crescente do desemprego e os novos valores associados ao curto prazo, de autonomia, gosto pelo risco, adaptabilidade e flexibilidade. A flexibilidade na gestão da mão-de-obra abrange três dimensões: da remuneração, do tipo de vínculo e da jornada de trabalho. Para cada uma das dimensões foram impostas novas práxis e elaboradas novas regulamentações que permitem a flexibilização sob o comando das empresas. Cada nova medida adotada confere ênfase na flexibilização de uma das três dimensões, no entanto, invariavelmente, atuam sobre as três. No tipo de vínculo As novas medidas possibilitando novos tipos de vínculos entre as empresas e os trabalhadores vêm em substituição ao padrão anterior de vínculo com um trabalhador de emprego padronizado. (CETTE; TADDÉI, 1992). Visam à contratação com menores custos, menor burocracia, mais flexibilidade para se adaptar às flutuações da demanda, menores riscos, intensificação do ritmo de trabalho e aumento do tempo de uso do capital variável. 431 Neste aspecto, podem-se diferenciar dois tipos de novos vínculos: um referente ao mercado de trabalho interno das empresas, de trabalhadores que, de uma forma ou outra, continuam com um vínculo formal e legal com a mesma; e outro referente ao mercado externo, onde os trabalhadores não têm (ou, em muitos casos, deixam de ter) um vínculo formal de emprego com a empresa, são prestadores de serviços. A desestruturação do mercado de trabalho com a transformação do assalariado em autônomo visa a anular as conquistas de limitação e redução da jornada de trabalho que os trabalhadores conquistaram ao longo da história. O “falso autônomo” é pseudo-responsável pelo seu tempo. Na aparência, a exten- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 431 18/6/2009 09:47:41 são da jornada de trabalho é definida por ele próprio, porém de forma diferente do “verdadeiro autônomo”, não mais conforme as suas necessidades de subsistência ou interesse de acumulação de riqueza, mas, sim, pela necessidade de atender à demanda e os prazos da empresa contratante. 432 No caso de o trabalhador ter o vínculo empregatício, o que muda em relação ao emprego padronizado é a precariedade que essa nova relação tem. Dentre as diversas formas de precarizações, destacam-se a perda de direitos, a insegurança e a temporalidade definida de seu vínculo. Como paradigmas de cada uma delas, têm-se, respectivamente, o estagiário, o trabalhador por tempo parcial e o trabalhador por contrato temporário. Podem-se citar também os trabalhadores em turnos de revezamento, que, inicialmente, eram contratados apenas para produções em processo contínuo e que, atualmente, são contratados para todos os tipos de serviço. Ao contrário da idéia que os adeptos da flexibilização tentam passar, pesquisas de opinião e análises mais apuradas demonstram que o tempo parcial e o trabalho em turnos, na grande maioria dos casos, são imposições do empregador, e não uma opção do empregado. (BOULIN, 1992; ROSENBERG, 1992). As terceirizações, que de longa data existem, mas que se restringiam a áreas de apoio à produção como alimentação, vigilância e limpeza, agora se responsabilizam, em muitos casos, por atividades-fins das empresas. As terceirizações adquiriram novo perfil, não só pelo conteúdo do seu trabalho, mas também pelo local de produção e pela diversidade de formas de contratação. O trabalho terceirizado, atualmente, pode ser de apoio, de escritório, de marketing, contábil, jurídico, de ginástica laboral, de psicologia, de análise de sistemas e, ainda, de produção. Quanto ao local da prestação de serviço e/ou produção, pode ser nas próprias dependências da empresa, no domicílio, em dependências próprias e em dependências próprias montadas pelas empresas compradoras do serviço e/ou da produção. As formas de contratação também passaram a contar com várias possibilidades: a antiga contratação de uma em- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 432 18/6/2009 09:47:41 presa já constituída para prestar serviço ou realizar parte da produção, contratações de autônomos e de cooperativas, dentre outras. A terceirização traz várias vantagens para a empresa contratante, desde a diminuição dos espaços físicos e redução dos estoques e a conseqüente diminuição do capital de giro quando associada ao Just-in-Time, até, e principalmente, a transferência dos riscos e do ônus da manutenção de um elevado quadro de pessoal que em parte do ano poderia ficar ocioso devido à instabilidade da demanda. Associado a isso tudo, a diminuição do quadro permanente torna mais fácil às empresas impor aos trabalhadores que restaram contenções salariais e maiores exigências quanto ao ritmo e ao tempo de trabalho. A terceirização e as diversas formas de contratação temporária possibilitam às empresas a contratação do serviço na quantidade exata e no momento preciso em que desejam, sem incorrer nos custos e nos riscos da manutenção de um quadro fixo elevado de trabalhadores, mantendo sob seu vínculo apenas aqueles trabalhadores que fazem parte do núcleo duro da empresa. (ROSENBERG, 1992). 433 Na remuneração Evidentemente, essas novas formas de vínculos têm reflexos também na remuneração do trabalhador, que passa a sofrer as mesmas inconstâncias da contratação do serviço terceirizado e que, invariavelmente, tem remunerações inferiores às dos trabalhadores da própria empresa. Porém, os trabalhadores do núcleo duro da empresa também tiveram os seus salários flexibilizados com a adoção da Participação nos Lucros e Resultados (PLR). As suas remunerações passam a ter percentuais cada vez maiores da parcela variável que está atrelada ao desempenho de curto prazo da empresa. Assim, a remuneração do trabalhador, cada vez mais, fica condicionada ao desempenho da empresa, que passa a dividir com os trabalhadores os riscos da sua atividade econômica. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 433 18/6/2009 09:47:41 Na mesma linha do aumento da remuneração variável como forma de intensificar o ritmo de trabalho e diminuir os riscos das empresas também existe a prática da stock option ─ remuneração com ações ou apenas a facilitação da compra de ações da própria empresa em que trabalha, mecanismo que inicialmente foi utilizado por dirigentes e funcionários de altos escalões e agora se estende para todos os trabalhadores da empresa. 434 O resultado do aumento da precarização e da diversificação das formas de inserção e de remuneração foi o aumento da desigualdade de renda. Desigualdade entre os trabalhadores com contratos precários e os permanentes padronizados, e entre esses e os assalariados de “alto escalão”, dirigentes remunerados e com ganhos atrelados ao desempenho das ações nas bolsas de valores. Nos Estados Unidos a diferença entre os ganhos de um diretor de empresa e seus trabalhadores aumentou muito nas últimas décadas. (SAUVIAT, 2005; REICH, 2008). Paradoxalmente, o futuro do trabalhador também está atrelado ao desempenho de curto prazo das empresas. Os fundos de pensão das grandes empresas, que são os responsáveis pelo pagamento das aposentadorias dos seus funcionários, são importantes agentes do mercado financeiro. Fundos que são formados pelos rendimentos dos assalariados adquiriram dimensão e permissão para atuar no mercado financeiro para garantir rentabilidade e liquidez para honrar as aposentadorias. A rentabilidade que garantirá as aposentadorias no futuro depende do desempenho de curto prazo da sua carteira de ações. No tempo de trabalho A flexibilização da distribuição da jornada de trabalho ocorre via modulação anual, novos turnos e liberalização do trabalho aos domingos e feriados. A modulação anual, que no Brasil tomou a forma do “banco de horas”, refere-se à 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 434 18/6/2009 09:47:41 prática da contratação e da contabilização da jornada de trabalho de forma anual e não mais mensal ou semanal. Desse modo, a empresa pode ajustar a utilização do tempo de trabalho conforme as necessidades advindas das variações da demanda, variações estas que podem ter uma sazonalidade ou simplesmente ocorrerem de forma aleatória. Em ambos os casos, a modulação da jornada é eficaz em ajustar a utilização do tempo de trabalho às necessidades da produção. A modulação anual e a liberação dos trabalhos aos domingos e feriados trouxeram consigo a desoneração, para as empresas, do trabalho aos finais de semana. É cada vez mais comum o trabalho ser executado sem pagamento do adicional. (ROSENBERG, 1992). Os três casos, modulação da jornada de trabalho, adoção de novos turnos e liberalização dos trabalhos aos domingos e feriados, inserem-se na luta pelo controle da distribuição do tempo do trabalhador. Em geral, a utilização do tempo, quando vigoram essas possibilidades, fica, de forma unilateral, a critério do empregador. (BOULIN, 1992; ROSENBERG, 1992). Assim ele passa a ter à sua disposição, a qualquer hora do dia e a qualquer dia da semana, o tempo do trabalhador. Essa disponibilidade é gratuita; o empregador só precisa remunerá-la quando fizer uso efetivo da força de trabalho. Porém, independentemente de o trabalho ser sistemático, eventual ou não ocorrer nunca fora do horário comercial, a simples obrigatoriedade de deixar o tempo disponível à empresa para ela utilizá-lo caso tenha necessidade traz sérios transtornos para a vida pessoal e familiar do trabalhador. Ele já não dispõe do seu tempo livre e, muitas vezes, é impossível estudar ou planejar formas de lazer coletivo. Seguidamente o trabalhador é avisado, um ou dois dias antes, de que terá que trabalhar no domingo ou horas a mais em determinado dia. A compensação pode vir em um dia da semana em que seus filhos estarão na escola e o cônjuge trabalhando. O trabalhador terá um dia livre sem planejamento e sem contato familiar; um longo, monótono e aborrecido dia livre, contribuindo, assim, para a desintegração familiar e social. (BOULIN, 1992). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 435 435 18/6/2009 09:47:41 A modulação da jornada de trabalho pode ser acordada na empresa para todos os trabalhadores, apenas de determinado setor ou, ainda, individualmente. Quando a contratação é individualizada, a fiscalização do cumprimento da jornada de trabalho e do respectivo pagamento torna-se mais difícil para os agentes externos à empresa. (FRACALANZA, 2001). A fiscalização pelo sindicato ou por órgãos públicos ganha maiores dificuldades, principalmente em países pouco desenvolvidos ou em desenvolvimento, onde os descumprimentos às normas são mais freqüentes. 436 A adoção de mais um turno, noturno, ou de turnos ininterruptos de revezamento5 são opções que vêm crescendo junto aos empresários por aumentarem significativamente o período de utilização do capital constante. O sistema de turnos ininterruptos de revezamento vem crescendo nas manufaturas desde meados da década de 1980. Ele é mais utilizado em grandes firmas, com elevada composição orgânica de capital, onde o uso prolongado do capital é importante para o retorno mais rápido do recurso financeiro investido, e para acelerar a depreciação, evitando que ele se torne obsoleto antes do retorno do capital investido. Produção em grande escala e motivos técnicos justificam a utilização dos turnos de revezamento em grandes siderúrgicas − onde a fornalha não pode ser apagada − ou em indústrias químicas de processo contínuo, em que o seu uso é uma imposição técnica. Também são importantes nos serviços prestados à comunidade como saúde, transporte e segurança. Porém a composição orgânica do capital, cada vez mais elevada, torna atrativo e freqüente o trabalho em turnos de revezamento nas grandes empresas, independentemente da imposição técnica. Apesar das vantagens para as empresas e para a geração de novos postos de trabalho, esse tipo de organização também tem seus inconvenientes. A desestruturação familiar e os “Shift-working may be defined as a situation where one wage earner replaces another at the same task within a 24-hour period.” (OECD, 1998, p. 161). 5 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 436 18/6/2009 09:47:41 problemas de saúde são mais comuns entre os trabalhadores em turnos de revezamento e em turnos noturnos. As novas tecnologias, como telefone celular, blackberry, internet, também atuam no sentido de colocar o trabalhador 24 horas por dia à disposição do empregador. É cada vez mais comum o trabalhador estar de plantão, em estado de alerta, para o caso de a empresa ligar para o seu celular. A remuneração para esse estado de alerta é irrisória e muitas vezes inexistente; ela de fato acontece quando efetivamente ocorre o contato. O trabalhador fica 24 horas à disposição para a eventualidade da necessidade de sua utilização, porém esse tempo não é devidamente remunerado. Maior participação e maior identificação do trabalhador com a empresa têm como objetivo aumentar a intensificação do trabalho; intensificação obtida não mais com uma vigilância externa ao trabalhador pelas chefias ou pelos ritmos das máquinas, mas, sim, com a vigilância interna, o autocontrole do trabalhador. As vantagens para as empresas são: diminuição dos custos associados à vigilância com a diminuição dos níveis hierárquicos, fim do desperdício de ter funcionários com a tarefa exclusiva de controlar os seus subordinados e, principalmente, o aumento da intensidade verificada com o controle mais efetivo que é propiciado pelo autocontrole individual e coletivo dos trabalhadores. 437 A participação, permitida e exigida do trabalhador, viabilizada pelos programas de qualidade total e pela maior autonomia que eles gozam, restringe-se ao chão-de-fábrica, com o objetivo de obter sua contribuição na melhoria da qualidade do produto, redução de custos e aumento de produtividade. As participações nas definições do que, como, quando e onde produzir não são permitidas. Essas decisões são as chamadas decisões gerenciais e ficam a cargo única e exclusivamente das direções das empresas. O autocontrole individual caracteriza-se pela própria conscientização que o trabalhador deve adquirir da “necessidade” da intensificação do seu trabalho, seja para manter a firma 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 437 18/6/2009 09:47:41 competitiva no mercado interno e/ou externo, garantindo a sua fatia no mercado e, conseqüentemente, o seu emprego, seja na concorrência interna com seus colegas para se mostrar tão ou mais eficiente que eles e assim garantir o seu emprego. A estratégia do terror e a possibilidade iminente do desemprego funcionam perfeitamente para aumentar a intensidade do trabalho. Também é muito utilizada a motivação pecuniária através do pagamento de participação nos lucros ou resultados estabelecidos no curto prazo e que não são incorporadas à remuneração fixa. O estabelecimento de metas por períodos é cada vez maior, com sucessivas metas mais altas e mais difíceis de ser atingidas. Associadas à política de metas, aumenta em importância a parcela variável do salário em detrimento da parcela fixa. Cada vez mais a parcela variável representa percentual maior do total da remuneração percebida pelo trabalhador. 438 O anseio pela preservação do padrão de vida e a ameaça do desemprego fazem o trabalhador exercer sobre si mesmo a pressão pelo aumento da intensidade do trabalho. O envolvimento não é mais apenas da sua força física de trabalho, mas também da sua capacidade intelectual, buscando reduzir custos e colaborar com inovações incrementais. A maior autonomia, o círculo de controle de qualidade e as caixas de sugestões espalhadas pelas empresas buscam a exploração da capacidade intelectual do trabalhador. O comprometimento é total: físico, intelectual e espiritual O autocontrole coletivo é decorrente da nova forma de organização em células de produção que se estabeleceu em substituição à linha de produção. A existência no interior da fábrica de teamworks, ou grupos de trabalho, possibilita estabelecer a concorrência entre eles através de um prêmio de produção para o “time” ou célula mais produtiva. O prêmio pode ser na forma pecuniária ou em viagem. A premiação e a nova relação buscam atingir três objetivos: atiçar a concorrência entre os diferentes grupos de trabalho, estabelecer o controle e as cobranças do trabalhador individual pelo próprio grupo de que ele faz parte, substituir a solidariedade de classe estabelecida no antagonismo capital/trabalho pelo espírito 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 438 18/6/2009 09:47:41 de grupo baseado na identificação com a empresa e no antagonismo com outros grupos dentro da própria empresa com os quais compete pela conquista do prêmio. (SILVA, 2003). A organização em células de produção também possibilita que um mesmo trabalhador opere mais de uma máquina. O trabalhador polivalente pode operar muitas máquinas ou executar várias funções em uma só. Nos dois casos, ocorre uma forte intensificação do trabalho, que requer atenção redobrada por exigir a execução de mais de uma tarefa, muitas vezes, simultaneamente. Essa nova forma de autocontrole coletivo é perversa, porque, ao mesmo tempo em que exige um trabalho em grupo baseado na solidariedade, é extremamente impiedosa com o trabalhador que, por algum motivo, segundo a avaliação dos colegas, não esteja atendendo às exigências do grupo e, dessa forma, impedindo o mesmo de atingir os ganhos de produtividade de forma superior aos demais grupos. Sob o falso manto de autonomia e democracia ― uma vez que é o próprio grupo que decide sobre a intensidade do trabalho, os tempos de pausa para o lanche e até mesmo a exclusão de algum membro ―, estabelece-se a vigilância coletiva e condiciona-se o espírito de solidariedade. 439 O grupo de trabalho, ou, em outros termos, o próprio coletivo de trabalhadores agora separado em grupos é que passa a exigir de cada membro maior dedicação, maior qualificação, polivalência, empenho, intensificação do trabalho etc. As técnicas organizacionais de círculo de controle de qualidade e controle de qualidade total prestam-se perfeitamente como instrumentos de avaliação de desempenho do trabalhador individual por parte do grupo a que ele pertence. O Just-in-Time, com sua ausência de estoques, funciona como um sinal de alerta a cada problema ocorrido ao longo do processo de produção, evidenciando as falhas e denunciando o seu autor. Qualquer problema que apareça é imediatamente detectado e resolvido, evitando o re-trabalho e reduzindo o tempo de produção. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 439 18/6/2009 09:47:41 Alterações no Sistema Nacional de Relações do Trabalho 440 Essa nova relação no interior das empresas e todas as demais mudanças na gestão de pessoal vêm sendo viabilizadas na esteira das mudanças do Sistema de Relações de Trabalho (SRT). Esse sistema, como tão bem descrito por Dunlop (1993), é parte integrante de um sistema econômico e social mais amplo e tem como alicerce, por um lado, o Estado de bem-estar social e, por outro, a interrelação, com distribuição equânime de poder entre três atores: representantes dos trabalhadores, representantes dos empregadores e governo nacional. Essas relações são institucionalizadas e mediadas por acordos entre as partes, que estabelecem regras e normas com força de lei. Essas relações e, mais especificamente, esses sistemas se estabeleceram sob determinadas condições políticas, sociais, econômicas e tecnológicas. Com as mudanças nesses macrocondicionantes, vêm sofrendo enormes pressões para suas alterações. São as alterações mais significativas em curso nos sistemas de relações do trabalho: (a) as re-regulamentações encaminhadas pelo Estado, propiciando maior flexibilidade e heterogeneidade nas contratações, nas formas de pagamento de salários e na jornada de trabalho; (b) a descentralização das negociações que vêm sendo realizadas em nível local; e, (c) a desproporção do poder que vem pendendo em favor das empresas. O enfraquecimento do movimento sindical, que dificulta a luta do mesmo em favor dos trabalhadores, tem como principais causas: a insegurança no mercado de trabalho, a heterogeneização da classe trabalhadora, o fim do compromisso social-democrata de distribuição dos ganhos de produtividade, a dualização do mercado de trabalho, o crescente desemprego estrutural e o crescimento dos valores do individualismo e do consumismo que minam os valores sobre os quais se sustenta a solidariedade sindical. Por causa desse enfraquecimento, o movimento sindical não consegue impedir as re-regulamentações realizadas pelo governo e as flexibili- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 440 18/6/2009 09:47:41 zações impostas pelas empresas, que vêm no sentido de tirar direitos, intensificar o ritmo de trabalho, diminuir os tempos mortos do trabalho e modular, a critério patronal, a jornada de trabalho. A nova gestão de pessoal atua cada vez mais com menos freios legais, sociais e sindicais. Considerações Finais As mudanças impostas pela financeirização são profundas e nefastas para a classe trabalhadora. Mesmo que o crescimento do desemprego estrutural e da informalidade ainda não esteja comprovadamente associado ao novo modelo de acumulação, é indiscutível que a nova forma de organização do processo de produção, com seus métodos de gestão da mão-de-obra, foi moldada em função dos requisitos exigidos pelo capital financeiro e pela lógica associada aos valores de curto prazo. As alterações nos sistemas nacionais de relações do trabalho, nos tipos de vínculos, nas formas de remuneração e na gestão do tempo do trabalho que tornaram mais flexíveis as relações trabalhistas foram impostas no sentido de moldar o mercado de trabalho à fluidez e à efemeridade do capital financeiro. A flexibilidade nas relações trabalhistas tem como objetivo aumentar a adaptabilidade das empresas para melhorar o desempenho de curto prazo, diminuir os custos, intensificar o ritmo de trabalho e aumentar a produtividade. 441 A governança corporativa, que levou os dirigentes de empresas a terem os mesmos interesses e a mesma lógica dos acionistas, caminha a passos largos para cooptar também os trabalhadores. A disseminação da prática de utilização da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) por parte das empresas aumentou e continua aumentando a importância da parte variável das remunerações. A remuneração com ações (stock options), que primeiro cooptou os dirigentes, passa a ser utilizada também como alternativa para conquistar os trabalhadores para a lógica do capital. Já são três os instrumentos 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 441 18/6/2009 09:47:41 de associação dos trabalhadores à dinâmica de curto prazo do capital: PLR, aplicação dos fundos de pensão e stock options. A questão fundamental a ser levantada é: essa lógica do curto prazo, que é tão benéfica aos rentistas que vivem da especulação financeira, também será benéfica aos trabalhadores que dependem única e exclusivamente da sua força de trabalho para viver? A experiência está a nos dizer que não. A lógica do curto prazo traz a corrosão dos valores, como muito bem aponta Richard Sennett, a instabilidade, a insegurança no mercado de trabalho e mesmo no trabalho, a intensificação do ritmo de trabalho e suas conseqüências: o estresse, a depressão, o cansaço e as doenças ocupacionais. Referências 442 ARENDT, H. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003. BOULIN, J. L’organisation sociale du temps. 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(LEFEBVRE, 1980, p. 193). 445 É inegável que nesta fase do capitalismo contemporâneo o conhecimento científico já é a força produtiva principal; no entanto, o indivíduo social ainda é uma potencialidade. Neste capítulo defendemos o argumento de que o que temos mesmo é a presença do antitrabalhador coletivo e social, indicando a efetiva negação do trabalho vivo nos processos de trabalho, mas também sua redefinição no conjunto da socie1 A idéia central deste capítulo já foi discutida pela autora num artigo intitulado L´(anti)-travailleur collectif et la crise de la société du travail apresentado no Congrés Marx Internacional na Université Paris X, Nanterre - França, em 1998. Também foi apresentado no Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Política (SEP), em Curitiba, em 1990. No entanto, nesta versão o argumento é substancialmente ampliado e a noção de antitrabalhador social é introduzida. 2 Professora titular da Universidade Federal do Paraná (UFPR), pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e atualmente diretora de Estudos Regionais e Urbanos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). 3 Riqueza e não valor. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 445 18/6/2009 09:47:41 dade. Tal redefinição ancora uma certa unidade do trabalho no mundo e supera a construção clássica do trabalhador coletivo no âmbito de cada empresa, como definido por Marx em O Capital. O conceito de trabalhador coletivo foi apresentado por Marx no capítulo sobre a manufatura, o qual introduz a parcelização das tarefas e das qualificações necessárias que permitem a produção de um mesmo valor de uso. A cada mudança do processo de trabalho torna-se necessário redefinir o trabalhador coletivo, bem como as suas condições de produção e reprodução. (DONA-GIMENEZ, 1979). O desenvolvimento dos Grundrisse antecede o “O Capital” e não obedece ao seu rigor analítico. No entanto, apresenta uma interpretação rica e detalhada das tendências do capitalismo e possui uma enorme capacidade de nos auxiliar na compreensão deste momento do capitalismo contemporâneo. 446 Aqui o nosso interesse é apresentar uma interpretação que dê concretude à noção de “indivíduo social” de Marx num momento no qual o capitalismo assume um desenvolvimento sem precedentes, pois a mercadoria é realmente “cidadã do mundo”. Ademais, o processo de globalização produtiva e financeira, a incorporação de grandes massas populacionais aos mercados consumidores e aos mercados de trabalho em decorrência da expansão econômica de países como a China e a Índia, e a conformação da firma-rede como formato organizacional dominante de firma geram impactos importantes sobre o trabalho. O processo de trabalho, tal como entendido por Marx, e já superado quando da introdução da máquina que substituiu a ferramenta, instrumento esse adequado apenas à fase manufatureira, explodiu tanto no plano espacial como organizacional. A presença crescente da firma-rede nos diferentes mercados consolidou a prática de cooperação entre empresas, que funciona como uma proteção contra a incerteza dos mercados, mas também permitiu a distribuição do processo de produção em diferentes países tanto para conceber quanto para produzir uma mercadoria. As práticas da definição de competência 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 446 18/6/2009 09:47:41 central de cada firma4, a subcontratação para a produção das outras fases e a deslocalização industrial em busca de menores salários, incorporando segmentos populacionais antes à margem da produção capitalista, são exemplos eloqüentes. Para Marx o capitalismo está assentado em duas pernas: o assalariamento e a moeda. Entretanto, ao longo de seu desenvolvimento tende sempre a negar a primeira e se apoiar na segunda. A tradição da economia política, desde Adam Smith, foi de atribuir ao trabalho humano a capacidade de criação de riqueza; mas nunca foi qualquer trabalho. Para Smith, inicialmente, era o trabalho útil que assume posteriormente a condição de trabalho produtivo, identificando quais atividades seriam capazes de gerar excedentes e promover a acumulação. Para Marx, entretanto, a capacidade de geração de excedentes é generalizada, dependendo de uma única condição: a de que esse trabalho (ou melhor, a força de trabalho) seja vendida na esfera pública e, portanto, vendida a um capitalista contra um pagamento, o salário. O assalariamento é, portanto, a base sobre a qual se ergue o capital. Até hoje essa é a forma prevalente de inserção nos mercados de trabalho5. A tendência de sua negação decorre do caráter contraditório do capital, que busca incessantemente essa riqueza abstrata e também poder de compra universal, a moeda6. 447 Para uma corrente importante entre os neoschumpeterianos, por exemplo, a firma é um núcleo de competência e pode ser definida meramente pelo o que ela sabe fazer. Nesse sentido, ela pode decidir quais atividades ela não abre mão de realizar. No caso da automotiva, por exemplo, o central é a concepção do produto. Não sem razão, a Renault intitula-se “criadora de automóveis.” 5 Ver Carleial e Azais (2007) para maiores detalhes; só como exemplo, na França, em 2005, do conjunto dos trabalhadores ocupados, 92% eram assalariados. 6 A discussão contemporânea sobre a moeda é vasta, complexa e rica. Por exemplo, Aglietta e Orlean (1990) colocam a moeda no centro do sistema econômico e apontam para a violência que ela representa ao excluir os que não a detêm. 4 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 447 18/6/2009 09:47:41 O avanço do capitalismo tem ampliado o seu caráter contraditório especialmente em decorrência das mudanças ocorridas ocorrido nos processos de produção a partir da introdução permanente de progresso técnico, das subsequentes revoluções tecnológicas que alteraram os processos, sua gestão e a sua dependência do trabalho vivo imediato. 448 A relação entre trabalho e tecnologia nos processos de trabalho constitui-se também uma tradição da economia política, uma vez que a clássica produção de alfinetes de Adam Smith já evidenciava as mudanças que a divisão do trabalho poderia trazer em termos de ganhos de produtividade, emulação entre os trabalhadores e aprendizado. Mas não só; ali, naquele momento, já estava claro para ele que a prática da observação ao participar de cada etapa do processo geraria neles uma capacidade especial de produzir instrumentos que facilitassem o trabalho, redundando, assim, na constituição de um setor destinado só a produzir máquinas. Desde sempre a interpretação dos economistas reconhecia “um saber” da produção que, associado à subjetividade de cada trabalhador, produziria um dado conhecimento apropriável privadamente e retratado, primordialmente, em instrumentos e máquinas. Evidentemente, nada comparável aos processos de trabalho atuais, beneficiados pela revolução microeletrônica e pela convergência das tecnologias de informação e comunicação. Assim, o avanço do capital no último século nos permite enxergar de forma mais precisa a presença determinante do conhecimento nos processos de produção e a negação do trabalho nestes processos, mas, ao mesmo tempo, uma generalização do trabalho abstrato. (OLIVEIRA, 2003). Tal generalização multiplica as possibilidades de extração de mais-valia relativa e mais-valia absoluta, independentemente do quadro institucional e do espaço territorial no qual acontece a produção. Este fato confere a sustentação do que chamaremos aqui antitrabalhador coletivo e social, instituindo uma possibilidade efetiva de aproximação dos trabalhadores no mundo. Essa aproximação se concretiza, preferencialmente, através 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 448 18/6/2009 09:47:41 da presença da firma-rede mundializada, a qual, por sua vez, retrata a atual divisão internacional do trabalho. O capítulo está organizado em três seções além desta introdução. Na primeira parte apresentamos o conceito de trabalhador coletivo em Marx e as pistas de sua superação com a emergência do antitrabalhador coletivo e social. Na segunda, apresentamos as transformações sofridas pelo capitalismo especialmente no que se refere ao trabalho e à natureza da firma. Na última seção, então, estabeleceremos a proposta do antitrabalhador coletivo e social enquanto compreensão possível para o “indivíduo social” proposto por Marx neste momento do desenvolvimento do capital. O Conceito de Trabalhador Coletivo e a sua Superação O conceito de trabalhador coletivo é exposto no capítulo sobre a manufatura em O Capital, de Marx, mas enquanto tendência da produção capitalista ele já estava presente a partir da cooperação, fase predominantemente lógica de seu pensamento na qual se instala a natureza do trabalho sob o capital como um trabalho necessariamente cooperado. Trata-se, então, de um conceito historicamente datado: “É o trabalhador coletivo formado pela combinação de um grande número de operários parciais que constitui o mecanismo específico do período manufatureiro.” (MARX, 1974, p. 31). 449 A manufatura iniciou uma época estruturada a partir da divisão do trabalho e da ferramenta que constituía o prolongamento da mão do trabalhador. A organização do trabalho permitia a divisão das tarefas, o aperfeiçoamento das ferramentas e instituiu, por seu turno, as hierarquias das tarefas e dos salários. A organização do trabalho propiciou a ampliação da mais-valia, aumento ainda limitado em função da natureza da ferramenta. Esse período também engendrou a extensão do assalariamento e o domínio do capital industrial. Do mes- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 449 18/6/2009 09:47:41 mo modo preparou a passagem da subordinação formal (do trabalho ao capital) à subordinação real. O trabalhador coletivo se tornou finalmente um conceito estreitamente ligado ao processo de produção, ao progresso técnico, à divisão do trabalho e à noção de trabalho cooperado em Marx. A cada momento em que o processo de trabalho se instalava para produzir um dado valor de uso, o trabalhador coletivo devia ser estruturado. A cada mudança do processo de trabalho era preciso renovar o trabalhador coletivo, ou seja, os trabalhadores também reciclavam seu conhecimento e seu savoir-faire. É verdade que esta construção é uma abstração, mas foi concebida em relação à realidade naquele momento. 450 A importância do trabalhador coletivo – sua estruturação, a necessidade de sua estabilização em cada empresa – pode ser atestada por várias pesquisas, principalmente após a segunda guerra mundial. Dona-Gimenez (1979, p. 263) sustentou a hipótese segundo a qual a definição de trabalhador coletivo para o andamento “normal” do processo de trabalho exigia sempre uma correspondência entre as práticas de produção e as práticas de reprodução. Sobre este tema o exemplo que pode nos interessar é o famoso caso de Ford, a partir do five dollars a day, até o exemplo de exigência de coordenação entre o trabalho e a vida privada. Para Dona-Gimenez (1979, p. 266), a unidade das práticas de produção e de reprodução permite desenvolver a idéia que a disciplina de usina, no sentido amplo, abrange não somente as condições nas quais é efetuado o trabalho, mas também as condições nas quais deve ser efetuada a reprodução da força de trabalho de forma que os membros do trabalhador coletivo sejam capazes de recomeçar no dia seguinte e nos demais dias que virão. Não podemos esquecer que no movimento real do capitalismo o acesso a vários meios de consumo e direitos sociais deu origem a lutas concretas que produziram resultados diversos nos países desenvolvidos. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 450 18/6/2009 09:47:41 A partir do momento no qual foi possível produzir a máquina e estabelecer o sistema de máquinas, no entanto, o trabalhador coletivo, tal como inicialmente proposto, foi superado. Assim, o próprio movimento do capital é responsável pelo surgimento do antitrabalhador coletivo. A presença da máquina altera a posição de comando que o trabalho tinha em sua posição anterior, na manufatura; consequentemente, “o processo de produção deixou de ser um processo de trabalho.” (LEFEBVRE, 1980, p. 186). O fato mais marcante é que a negação do processo de trabalho permitiu o crescimento considerável da produtividade, tornando-se, assim, a forma mais apropriada ao desenvolvimento efetivo do capital. Assim, a forma mais apropriada é a forma negada. Na grande indústria, ou seja, sob o modo de produção tipicamente capitalista, a incorporação mais intensa da ciência no processo de produção criou uma situação totalmente nova. Neste sentido, Texier (1993, p. 142) afirma que o trabalho imediato – ou seja, o trabalho vivo e o tempo que ele dura – tem uma importância limitada se comparado aos efeitos produtivos do trabalho científico e de sua aplicação tecnológica. Esta é a grande transformação qualitativa que temos que absorver em todas suas consequências. 451 Neste momento revolucionário “o que assume o lugar do trabalho imediato enquanto princípio determinante da produção é o trabalho geral do conhecimento científico”. (TEXIER, 1993, p. 144). que é também uma produção histórica7 8. Mais precisamente: “O trabalho vivo produtivo de riqueza material é então conservado sob forma do trabalho de vigilância socialmente combinado. Por outro lado, o que é radicalmente suprimido é o caráter decisivo do trabalho vivo na produção da riqueza material”. (TEXIER, 1993, p. 144) 8 O domínio da ciência tem como consequência, segundo Lazzarato e Negri (1991), por exemplo, o desenvolvimento de dois tipos de trabalho: o imaterial e o material. Para nós, esta interpretação abstrai a importância do trabalho cooperado na sociedade e a ligação entre todos os tipos de trabalho. A unidade de trabalho comanda esta fase do capital, ou seja, o antitrabalhador coletivo comanda este período. 7 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 451 18/6/2009 09:47:41 Mas, qual seria, então, o lugar atribuído ao trabalho imediato, segundo Marx? O trabalho do operário é reduzido “a uma simples abstração”9. A tendência imposta pela concorrência no nível dos capitais particulares evidencia processos de produção automatizados, informatizados, cientificizados. O trabalho imediato (vivo) é, então, deslocado de sua posição anterior de comando do processo e de base única da riqueza; no entanto, continua sendo um momento imprescindível da produção. Por outro lado, se a ciência desloca o trabalho imediato do processo de produção, ela o redistribui em toda a sociedade, ao mesmo tempo em que suscita a emergência de novas atividades10. 452 Para recapitular o argumento desenvolvido até aqui: o desenvolvimento do capital e a exigência de valorização engendram uma nova força produtiva, a ciência (o conhecimento científico) que, por sua vez, nega o trabalho imediato. Assim, o capital recorre à tecnologia e à ciência como intermediários necessários à sua própria valorização sob a forma de dinheiro. A passagem referida dos Grundrisse, mencionada acima, coloca em evidência a mais forte negação do trabalho no capitalismo. Essa mudança afeta de forma radical a realidade no mundo do trabalho e a nossa capacidade de interpretálo e dominá-lo analiticamente. Ficam misturadas e confusas as noções de trabalho produtivo e improdutivo, de trabalho formal e informal, de trabalho material e imaterial etc. O mais importante, entretanto, é o fato de que do ponto de vista da apropriação dos valores produzidos e criados não interessa mais de que trabalho se trata. Ganha, então, concretude a generalização do trabalho abstrato. À fase de domínio da acumulação à escala financeira, que representa o desenvolvimento mais intenso da moeda, corresponde o antitrabalhador coletivo, ou seja, o trabalho negado, desvalorizado. Lefebvre (1980, p. 186). Nesta passagem já se insinua que qualquer trabalho conta, ou seja, pode ser apropriável. 9 10 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 452 18/6/2009 09:47:41 Pelo desenvolvimento das próprias forças produtivas o capitalismo chegou a uma fronteira na qual o assalariamento continua a forma prevalente de inserção nos mercados de trabalho. O trabalho é negado nos processos de trabalho e reposicionado na sociedade, a incorporação de trabalhadores na produção da mercadoria mundializada independe do território, das diferentes regulações e condições de vida entre eles, negando o clássico trabalhador coletivo. Instituiu-se, assim, uma relação específica entre conhecimento, exploração e financeirização, representada aqui pelo antitrabalhador coletivo, síntese do trabalho cooperado e fortemente diferenciado nesta fase do capitalismo. Vejamos este argumento mais de perto. As Tendências Relevantes do Desenvolvimento Recente do Capitalismo11 O modo capitalista de produção repousa sobre a propriedade privada dos meios de produção postos em ação pela força de trabalho, a qual, organizada de acordo com a divisão do trabalho vigente, vai gerar mercadorias e/ou serviços. Tais mercadorias e serviços, se vendidos, possibilitarão a realização de valor acrescido que será apropriado privadamente. 453 A firma emerge ao longo do desenvolvimento capitalista exatamente como um formato de organizar a produção e o trabalho com o fim de produzir bens e/ou serviços. Os movimentos de concentração e centralização de capitais impõem a introdução do progresso técnico, alteram a natureza e a organização do trabalho, ampliam as escalas de produção das Esta seção aborda as tendências relevantes do capitalismo contemporâneo. Aqui lançamos mão de deferentes correntes de pensamento para ilustrar este período. Como é sabido, a análise desenvolvida por Marx aborda unicamente o movimento mais geral do capital; a nossa análise, porém, exige a inclusão dos movimentos efetivados pelos capitais em particular, ou seja, o movimento efetivo do capital imposto pela concorrência. Daí por que a análise incorpora diferentes abordagens teóricas. 11 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 453 18/6/2009 09:47:41 firmas, alterando a sua forma de organização e de propriedade através das sociedades anônimas, sofisticam os mercados financeiros, buscando assim reagir às diferentes expressões da concorrência intercapitalista. As mudanças nos formatos organizacionais das firmas procuram reduzir a grande incerteza que as ronda e dificulta seus planos, defendendo-as da ação dos mercados. 454 Para essa contribuição é importante demonstrar que a firma atual se organiza sob a forma de firma-rede, mundializada, e também expressão da divisão internacional do trabalho. A constituição da firma-rede ocorre na esteira das transformações geradas pela crise dos anos setenta do século passado. Ao mesmo tempo em que a ciência se impunha como força produtiva, as empresas viveram um forte ajustamento para superar a queda da rentabilidade e da produtividade. O acordo que emergiu exigiu uma nova forma de organizar a firma; a pressão da concorrência intercapitalista e as exigências do consumidor num mundo globalizado impuseram novas regras. A grande empresa, enquanto tendência dominante, foi então substituída por um modelo mais leve, a firma-rede. Da subcontratação clássica (ALTHERSON, 1997) ao co-desenvolvimento (LAIGLE, 1996), existem muitas maneiras de dividir o trabalho entre empresas num mesmo lugar, num mesmo país, numa mesma região, ou ainda no nível mundial. Esse formato organizacional possui três elementos centrais: a descentralização voltada para o mercado, a forma contratual que permite uma enorme lista de relações diversificadas (formas jurídicas, estilos, hierarquias, ocupações, territórios, países etc.) e o caráter plurifuncional entre as unidades que trabalham em rede. O caráter dominante da firma-rede é atestado por diferentes pesquisas teóricas e empíricas. Boutiller (2005), numa análise de mudança social, estuda a evolução das firmas no longo prazo, desde a formatação inicial de Marx, para quem cada capital particular constitui parte alíquota da massa de capital em movimento e considera o dono do dinheiro que circula como capital seu proprietário. A autora considera nesse percurso Schumpeter (1976) e o empresário inovador, en- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 454 18/6/2009 09:47:41 quanto figura capaz de romper com o fluxo circular da renda através da introdução de novas combinações que podem ser novos produtos, novos mercados, novos materiais ou novo formato organizacional. Esse empresário tem por função convencer ao banqueiro de lhe conceder crédito, transformandose, assim, no motor do desenvolvimento. Já em 1942, a interpretação de Schumpeter (1979) vai substituir o indivíduo pela grande empresa e a sociedade por ações substitui o proprietário individual. Em seguida, Galbraith (1978) vai identificar na grande empresa que planeja o mercado mundial a substituição do empresário por uma tecno-estrutura que separa acionistas e administradores ou gestores do capital e uma aproximação entre essas empresas e o Estado. Boutiller (2005) considera, finalmente, que a firma atual, a firma-rede busca exatamente compensar as tendências de burocratização instaladas no passado e tornar-se mais horizontal e mais flexível. Faber; Jorna e Van Engelen (2005), numa análise que privilegia a perspectiva organizacional e de gestão das firmas, propõem uma classificação que articula desenvolvimento dos mercados, tecnologia e competição para definir não a firma ideal, mas identificar a imagem do que a firma está desejando ser. (Quadro 1). Faber; Jorna e Van Engelen (2005) utilizam uma tipologia produzida dos teóricos Bolwijn e Kumpe para o período de 1960 a 1990 e complementam esse quadro até os anos 2000. Décadas “conceito” de firma 1960 1970 1980 1990 2000 Eficiente Qualidade Flexível Inovativa Conhecimento 455 Quadro 1 – Evolução do “Conceito” de Firma Fonte: Faber; Jorna e Van Engelen (2005). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 455 18/6/2009 09:47:42 Na década de 60 do século passado os mercados exigiam das firmas produtos a baixo custo. A ênfase, então, era na hierarquia e especialização. Já nos anos 70 do mesmo século o modelo de firma esteve centrado na qualidade e a ênfase, então, era nos aspectos de comunicação e cooperação. Nos anos oitenta, o modelo era da firma flexível cujo foco se fazia então na integração e descentralização da produção. A firma inovativa emerge nos anos noventa, centrando as suas atenções na participação e democratização. Certamente a base dessa tipologia é evolucionária. Cada fase estabelece as bases do modelo seguinte. Assim, o modelo caminha em direção à constituição da firma centrada no “conhecimento” ou knowledge firm. 456 Do ponto de vista empírico, Veltz (2000) e Zarifian (1999) estudam o comportamento das firmas-rede no setor de telecomunicações, bancos e eletrônica. A indústria automobilística12, por sua vez, é o exemplo recente mais eloqüente de uma intrincada firma-rede que se espalha pelo mundo levando consigo fornecedores e parceiros identificados como fazendo parte de uma rede mundial de produtores, cuja qualidade central é exatamente ser confiável enquanto fornecedor mundial13. Neste movimento mais recente ganha força a ampliação do Investimento Direto Estrangeiro (IDE), o qual, até os anos noventa do século passado tinha se restringido à chamada tríade: Europa, Estados Unidos e Japão. A partir dos anos noventa, entretanto, alteraram a rota para incluir a América Latina, a Ásia e a Europa Oriental, constituindo, finalmente, as firmas-rede mundializadas. De acordo com a United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD), em 2000 haviam 63.212 sociedades-mães multinacionais localizadas em 47 países de origem controlando 821.818 filiais estrangeiras Ver a este respeito Pries (1998) e Humprey e Salerno (1998). O caso brasileiro é exemplo enquanto sede de experimentos organizacionais inovadores na rede automobilística. Aqui as empresas montadoras adotaram a concepção de pólos, condomínios industriais e de consórcio modular. Ver Carleial; Meza e Neves (2001b). 12 13 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 456 18/6/2009 09:47:42 em 175 países hospedeiros. Em 1977, tais indicadores eram: 11000 sociedades-mães com 82.000 filiais estrangeiras. Este é o resultado das fusões e aquisições internacionais que cresceram significativamente intensificando o comércio internacional intrafirmas, que chega a atingir um terço das trocas internacionais, sendo que outro terço se faz entre as empresas-mãe e seus fornecedores. (VELTZ, 2000). Este fato certamente acelera a troca de informações sobre novos procedimentos, novos produtos e novas formas de gestão do trabalho. A dominância do conhecimento na organização da firma indica a diversificação de seus ativos, bem como de suas fontes de renda. Algumas vezes escamoteado como capital fixo, o conhecimento vai se consolidar como um ativo cujo direito de uso pode ou não ser vendido, não como se vende uma máquina, mas para mera utilização por um dado período de tempo contra um pagamento. Durante os últimos vinte anos a produção dos neoschumpterianos tem logrado evidenciar a relevância dos processos de aprendizado enquanto elemento central da trajetória das firmas; aprendizados decorrentes não só de saberes codificáveis como também de saberes e práticas subjetivas e conhecimentos tácitos não codificáveis14. 457 No âmbito interno das firmas a gestão do trabalho alterou-se para centrar-se no trabalho em grupo, que busca ampliar a produtividade e, ainda, obter um controle coletivo do trabalho, não personificado no gerente (ou gestor), mesmo que a avaliação de cada trabalhador continue individualizada e medida por diferentes (e quase obscuros) modelos de avaliação de competência15. A introdução de novas tecnologias e de novos padrões organizacionais nos processos de produção associadas à subjetividade de cada trabalhador tem ampliado a possibilidade de apropriação privada do conhecimento ali gerado. 14 15 Dosi (1984) e Dosi et al. (1988). Zarifian (1999) e Hirata (1998). 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 457 18/6/2009 09:47:42 458 O conjunto dos resultados empíricos disponíveis sobre esse aspecto indicam, cada vez mais, que as novas regras de controle e as exigências de gestão exercem seu poder de forma decisiva sobre o trabalhador, cobrando mais responsabilidade, competência e performance. Gaulejac (2005) apresenta uma análise detalhada da natureza atual da gestão contemporânea do trabalho com ênfase na crescente responsabilização de trabalhadores, executivos e gerentes nos resultados obtidos pela empresa, mas num processo, digamos, de mão única, ou seja, a cooperação é para a obtenção do resultado para a firma. Do ponto de vista ainda da organização do trabalho, a presença da ciência nesses processos aqui descritos apresenta uma diferença qualitativa em relação à fase da grande indústria. Não se trata apenas de conhecimento incorporado na máquina, sob a forma de capital fixo, mas também de uma organização pensada cientificamente que interliga máquinas, trabalhadores, gerências, planejamento, controle e avaliação de resultados pensados cientificamente para cada unidade produtiva que compõe a firma-rede em qualquer parte do mundo. Do mesmo modo alteraram-se as formas de remuneração. Nem sempre ao trabalho corresponde um salário. Os trabalhadores podem ser pagos mediante ações da própria empresa em que trabalha ou de alguma empresa do grupo (sim, porque a centralização de capitais no período foi significativa!), por conta de poupança ou, ainda, por participação nos lucros. Assim, da discussão até aqui apresentada é possível estabelecer uma comparação entre o modelo de firma mais desenvolvida apresentada por Marx e aquela que passaremos a chamar de firma hipermoderna16, a firma-rede. (Quadro 2). 16 A qualificação “hipermoderna” foi apropriada de Castel (2005) em seu artigo sobre o indivíduo hipermoderno. Tal qualificação explicita o entendimento de que estamos ainda na modernidade, mas numa fase muito específica na qual o trabalho assalariado é a forma prevalente de inserção nos diferentes mercados de trabalho e a exploração da força de trabalho é exponencial. Este momento é o resultado da conjugação de duas razões centrais: a perda relativa da força dos trabalhadores em relação aos capitalistas, e a implementação de uma base material mais complexa na qual as máquinas e o desenvolvimento mais intenso do conhecimento jogam um papel único, negando assim qualquer semelhança com o desenvolvimento do capitalismo cognitivo. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 458 18/6/2009 09:47:42 A firma organizada segundo a concepção da grande indústria: centrada no proprietário. A firma hipermoderna (a firma-rede): empresa coletiva, preferencialmente uma sociedade por ações, sob o domínio do conhecimento. Características centrais: Caracterísitcas centrais: • a geração de valor • a geração de valor excedente através da utilização da força excedente através da de trabalho dentro e fora utilização da força de dos processos produtivos trabalho; • o valor é uma condipróprios à firma; • o valor não é mais capaz de ção prévia aos preços; reger os preços(Prado, 2004) ; • o valor é regido pelo • obtenção de renda pela via tempo de trabalho socialmente necessário. financeira, tout court; • obtenção de renda pela transferência de tecnologias, conhecimento e serviços tecnológicos, ou seja, pela venda de ativos tecnológicos; • obtenção de renda em decorrência da redução de custos originários da prática da subcontratação; • obtenção de renda em decorrência da deslocalização de plantas. 459 Quadro 2 – Firma Centrada no Proprietário e Firma-Rede (Hipermoderna): Organização e Fontes de Renda Fonte: Elaboração Própria da Autora. O lado esquerdo do quadro acima evidencia o núcleo central da firma típica de um período histórico do capitalismo, retratado especialmente no capítulo sobre a Grande Indústria em O capital, no qual o tempo de trabalho socialmente necessário regula o valor (trabalho) que, por sua vez, é subjacente aos preços de produção. Neste caso, a relação entre acumulação e exploração do trabalho é direta, sendo, portanto, essa a única fonte de excedente gerado na produção. O lado direito do quadro retrata a natureza da firmarede (hipermoderna) inspirada pela interpretação de Marx nos Grundrisse, a qual decorre da substituição do trabalho pelo conhecimento enquanto força produtiva, reduzindo o 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 459 18/6/2009 09:47:42 trabalho do operário a uma “pura abstração” e transformando o processo de trabalho em processo de produção17. Neste caso procurou-se identificar todas as transformações recentes do padrão de firma, diversificando suas fontes de rendimento e multiplicando as formas de obtenção de rendas. Admitimos, então, que a presença mais acentuada do conhecimento nos processos de produção, concomitante com a financeirização, tem propiciado a constituição de uma relação própria entre-conhecimento exploração do trabalho e financeirização. Neste sentido o formato de exploração do trabalho mantém as formas clássicas de apropriação da mais-valia absoluta e relativa, ou seja, ampliando jornada de trabalho, ganhos de produtividade cada vez menos mensuráveis adequadamente18, intensificando trabalho, mas, também, lançando mão das vantagens das mudanças organizacionais ocorridas na firma e, ainda, do novo padrão de divisão internacional do trabalho. 460 A pista central que esta análise expõe é que o formato de firma-rede e as práticas de subcontratação e de deslocalização produtiva e industrial permitem que essa firma se constitua num núcleo de contratos. Assim, ela pode dominar e extrair excedentes de trabalhadores regidos por diferentes regulamentações do trabalho se compararmos, por exemplo, Brasil e França, ou mesmo os Estados Unidos e a China; e ainda de trabalhadores não protegidos por qualquer regulamentação, ou seja, os trabalhadores informais. Do mesmo modo, extrai excedentes de trabalhadores com diferentes participações no processo de produção, desde aqueles que concebem e desenvolvem os produtos até aqueles que simplesmente fazem a montagem (aqui os exemplos A relação entre mundialização e processo de produção, do ponto de vista teórico, pode ser vista em Lautier (1998). 18 Veltz (2000) aborda a crise teórica do conceito valor-tempo, bem como do conceito de produtividade; para esse autor é impossível hoje uma mensuração adequada da produtividade, uma vez que o tempo de trabalho invadiu praticamente todo o tempo de vida. 17 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 460 18/6/2009 09:47:42 são incontáveis: Nike, Dell, Benetton, toda a rede automobilística deslocada para a América Latina, a confecção deslocada para a Tailândia, China, México, Indonésia, entre outros) ou, ainda, daqueles trabalhadores que prestam serviços aos consumidores do mundo em desenvolvimento, mas estão localizados territorialmente na periferia do capitalismo, como é o caso dos trabalhadores dos serviços de call centers, especialmente para cartões de crédito. (ROSENFIELD, 2007). Para Prado (2004, p. 12), nesta fase o momento racional do capitalismo é deixado para trás, uma vez que deixa de existir a adequação entre forças produtivas e relação de produção: [...] as relações sociais capitalistas baseadas na propriedade dos meios de produção e na apropriação da maisvalia entram em contradição explosiva com as forças produtivas quantitativa e qualitativamente transformadas. Pois estas forças produtivas imensamente poderosas não dependem mais, crucialmente, do tempo de trabalho, mas sim de uma compreensão científica e tecnológica da natureza que Marx designou denominar de inteligência coletiva (general intellect). 461 Para os objetivos deste capítulo é importante remarcar que é o conhecimento como produto histórico e força produtiva que vai incitar, produzir e reiterar um formato de trabalho cooperado para além da firma. Estamos, então, diante de uma mercadoria mundializada, mas o conhecimento que permite a sua concepção, desenvolvimento e produção é restrito geograficamente, salvo se for possível pagar por ele; a moeda, por sua vez, é acessível por diferentes meios, segundo os modelos de desenvolvimento de cada país. Para alguns, a moeda é obtida mediante a exportação de produtos; para outros através da titularização das dívidas dos Estados Nacionais ou, ainda, de uma maior inserção dos mercados financeiros mundializados. O trabalho, por sua vez, é territorializado, ou seja, apesar da mundialização cabe a cada país gerir o seu mercado de trabalho e a sua política social. E, finalmente, o trabalho 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 461 18/6/2009 09:47:42 abstrato se generaliza. A generalização do trabalho abstrato significa que a apropriação dos excedentes gerados ocorre independente do território, das diferentes legislações que regem o trabalho e das condições de trabalho vigentes em cada país. Estamos, então, diante de uma forma de generalização do trabalho abstrato (OLIVEIRA, 2003) para além do setor de atividade econômica, de sua localização no mapa produtivo mundial, da natureza das diferentes relações salariais ou da existência ou não de um contrato de trabalho. Instala-se, assim, um tipo de trabalho cooperado no âmbito da produção capitalista, viabilizada, fundamentalmente, pela presença da firma-rede mundializada. 462 Este parece ser o formato adequado para o trabalho nesta fase do desenvolvimento capitalista retratado por uma mais intensa integração internacional dos mercados de bens e o financeiro, produzindo mercados de trabalho cada vez mais fragilizados pelo lento crescimento econômico, pela perda de poder político dos sindicatos, pelo ataque sistemático aos modelos de Estado de Bem-Estar no mundo desenvolvido e, ainda, pela quase impossibilidade de sua implementação nos países subdesenvolvidos. Na realidade, ao lado de um claro movimento de globalização produtiva e financeira, assiste-se também a uma espécie de concorrência entre os modelos de Estado Social entre diferentes blocos de países, cada um buscando ser o mais atraente possível para sediar novos investimentos, ameaçados cada vez mais pelo poder sedutor das condições chinesas de produção. Todo esse processo ancora-se fortemente numa transformação tecnológica importante: a microeletrônica, que permitiu a convergência das tecnologias de comunicação e informação, invadindo os diferentes setores da atividade econômica, transformando o formato de firma e de gestão do trabalho, retratando cada vez mais a dominância da ciência nos processos produtivos. 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 462 18/6/2009 09:47:42 O Antitrabalhador Coletivo e Social como Antecedente do “Indivíduo Social” em Marx O desenvolvimento capitalista se faz permanentemente através das contradições entre as relações sociais de produção e o desenvolvimento de suas forças produtivas. A análise apresentada na seção anterior evidenciou os elementos centrais que expressam o momento mais recente desse desenvolvimento: a dominância do conhecimento e a centralidade da moeda, representada pela intensa financeirização dos últimos anos numa escala mundial. Esse desenvolvimento produziu mudanças importantes na natureza da firma e do trabalho, engendrando uma relação própria entre conhecimento, exploração do trabalho e financeirização. No centro dessa fase encontra-se a firma-rede enquanto formato adequado às exigências da concorrência intercapitalista. Em primeiro lugar, porque, contraditoriamente, constitui-se uma estratégia redutora dessa mesma concorrência ao construir mercados próprios, fornecedores próprios, estabelecendo relações de compra e venda em condições privilegiadas, ou seja, protegidas do mercado. Em segundo lugar, porque a aproximação entre capital industrial e capital financeiro acentuou-se, constituindo-se mercados financeiros também preferenciais. Em terceiro lugar, o padrão científico e tecnológico dos processos de produção das firmas-rede e de seus fornecedores e sistemistas é muito próximo, pois tal relação é regulada institucionalmente através de padrões de qualidade e controle rigidamente construídos e vigilantemente perseguidos. Em quarto lugar, a firma-rede é mundializada, ou seja, ela retrata a divisão internacional do trabalho vigente. 463 A firma-rede também evidencia a profunda diferenciação que há entre países e blocos de países no que se refere ao acesso à tecnologia e informação. Finalmente, por ser também um núcleo de contratos, a firma-rede viabiliza a produção de um mesmo bem e/ou serviço por trabalhadores regidos 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 463 18/6/2009 09:47:42 por distintas regulamentações do trabalho ou sem qualquer proteção social. A firma-rede, a nosso ver, é o exemplo mais preciso que temos da capacidade de “apropriação da força produtiva geral” do trabalho. Por outro lado, a firma-rede produz também uma aproximação entre os trabalhadores de diferentes países, formações, práticas profissionais e inserções sociais, uma vez que mesmo regido por legislações sociais distintas, eles manipulam o mesmo produto, utilizam o mesmo software, trocam informações sobre estoques, práticas produtivas e organizacionais num processo que pode vir a ser de desfetichização das condições de produção, trabalho e vida. 464 Foi a esse processo que chamamos de generalização do trabalho abstrato; nesse sentido qualquer trabalho conta e pode ser apropriável pelo capital, pois está interligado numa cadeia de produção sistematizada e coerente. Este processo é absolutamente consistente com a prevalência do assalariamento enquanto forma de inserção nos mercados de trabalho. Estamos diante de um dado formato de trabalho cooperado que transcende a uma firma, a uma região ou a um país. Certamente, esse é um momento do desenvolvimento do capital cujas regras e medidas evaporam-se. Ganha extrema importância, então, a contribuição de Marx nos Grundrisse. Na passagem que originou este capítulo, ele expõe aspectos que já são reais no capitalismo contemporâneo, como o papel do conhecimento científico enquanto força produtiva. No entanto, o “indivíduo social” ainda é uma potencialidade. Este descompasso decorre do fato de que o revolucionário desenvolvimento das forças produtivas encontra-se impossibilitado de produzir todos os efeitos possíveis, limitado que está pela apropriação privada de seus resultados. Neste sentido, “o indivíduo social” proposto por Marx deve pertencer a uma formação social mais desenvolvida. O que de fato temos é o antitrabalhador coletivo e social. Antitrabalhador coletivo, pois foi gestado pelas condições de pro- 07340 - Emprego Trabalho e Política Pública - Livo Miolo.indb 464 18/6/2009 09:47:42 dução que superaram a manufatura e o seu trabalhador coletivo. Antitrabalhador coletivo e social, pois incorpora todo e qualquer trabalho produzido pela sociedade. Esta figura é um indicador da permanência do trabalho cooperado nesta fase do desenvolvimento capitalista. Fiel à natureza do capital, o anti-trabalhador coletivo e social resulta de modificações nos processos de produção decorrentes da incessante incorporação do progresso técnico e ancora-se na expressão atual da divisão internacional do trabalho, a firmarede. É também a forma adequada para o trabalho neste momento do capital. O antitrabalhador coletivo e social é “uma unidade” formada pelos trabalhadores ligados à ciência, produtores de conhecimento, trabalhadores industriais, trabalhadores da grande e da pequena empresa, trabalhadores de uma firma-mãe ou de uma firma subcontratada/terceirizada, trabalhadores de todos os países (desenvolvidos ou não), trabalhadores ocasionais, a tempo parcial, a domicílio e, ainda, os desempregados. 465 Como o próprio Marx afirmou, uma formação social jamais desaparece antes que sejam desenvolvidas todas as suas forças produtivas. Neste sentido, o antitrabalhador coletivo e social, mesmo sendo produto do desenvolvimento histórico do capital, pode ser também uma “pista” para se pensar para além dele. Referências AGLIETTA, M.; ORLEAN, A. A violência da moeda. São Paulo: Brasiliense, 1990. ALTHERSON, C. La sous-traitance à l’aube du XXIe siècle. Paris: L’Harmattan, 1997. BOUTILLIER, S. Mondialisation, nouvelle organisation industrielle et transformation du capitalisme. 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