Leia aqui o texto A Revolução na Ópera, de Jorge Coli
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A Revolução na Ópera Jorge Coli André (Andrea, em italiano) Chénier realmente existiu. É um poeta maior da língua francesa. Talvez seja mesmo possível dizer, pelo menos por duas razões, que ele é o primeiro grande poeta moderno. Primeiro, porque assinala a falência do grande poema, de tradição épica, para instaurar o lirismo do fragmento, do incompleto, que é tão sugestivo à imaginação, tão favorável ao íntimo e ao confessional. Depois, porque, pela primeira vez na história, a produção artística de um escritor maior vem mesclada, em suas fibras mais profundas, com a expressão de convicções políticas. Esse fenômeno novo mistura também os ideais, a criação e a vida: Chénier foi preso e guilhotinado durante o período do Terror, na Revolução Francesa. A ópera Andrea Chénier é baseada no destino desse personagem, de espírito livre, que se deixa tomar pelas esperanças revolucionárias, mas que logo percebe os perigos trazidos pelos excessos dos radicalismos políticos. Como é dito na ópera, nasceu em Constantinopla, foi soldado, mesmo se por um período breve de sua mais tenra juventude. Publicou pouco e foi de fato conhecido apenas depois de sua morte, aos 32 anos. A trama não se quer, porém, fiel aos acontecimentos. Ela borda livremente. Chénier conheceu de fato uma jovem nobre da família Coigny. Porém, não se chamava Maddalena, como na ópera, mas Aimée (o que seria Amata, em italiano): a substituição deve ter sido feita por razões de eufonia. Chénier a encontrou na prisão de Saint Lazare, para a qual o espírito livre e irrequieto da jovem a havia conduzido. Aimée de Coigny tinha então 18 anos, já era casada há dois, com o duque de Fleury. Chénier dedicou a ela um admirável poema, intitulado A Jovem Cativa, que clama: “Não quero morrer ainda”. Ela teve mais sorte do que Chénier, executado na véspera da reviravolta termidoriana, responsável pelo fim do Terror. Ao contrário do que acontece na ópera, salvou-se, continuou uma vida brilhante, colecionando casos amorosos. Uma vez Napoleão fez-lhe a grosseria de perguntar: “A senhora gosta muito dos homens, não é verdade?” A resposta veio, fulminante: “De fato, Sire, mas só dos bem educados”. Quanto a Gérard, parece ter sido inspirado menos em Michel Gérard, deputado na constituinte revolucionária, camponês cheio de bom senso, do que em Guenot, chefe de polícia corrupto e sem escrúpulos, que pegou Chénier em uma armadilha e forjou documentos para mandá-lo à prisão. Guenot era um “monstro fascinante”, para empregar a expressão do historiador inglês Richard Cobb, bem incapaz da reviravolta ético-sentimental que ocorre com o Gérard da ópera. Todas as modificações ocorridas no enredo são liberdades teatrais destinadas a criar belas situações de melodrama: a verdade da história cede lugar à verdade da ópera. Illica, o libretista, ao contrário do que era costume, não partiu de algum conto, peça ou romance anterior; criou tudo por si mesmo. Era um poeta de grande talento; sua adaptação muito livre do Comme un dernier rayon (Como um último raio, como um último zéfiro/Animam o fim de um belo dia,/Ao pé do cadafalso ensaio ainda uma vez com minha lira.), escrito pelo verdadeiro Chénier, tornou-se a inspirada passagem Come un bel dì di maggio/che con bacio di vento/e carezza di raggio/si spegne in firmamento. (Como um belo dia de maio/que, com beijo do vento/e carícia do sol/se extingue no firmamento). Quanto ao último dueto que une Andrea e Maddalena no amor e na morte, com sua oposição entre dia e noite, com seus apelos de união engolfada no infinito, é uma clara retomada das exclamações que se encontram no núcleo do segundo ato de Tristão e Isolda, de Richard Wagner. Illica, que foi também libretista favorito de Puccini, rompeu com a métrica muito redonda dos versos destinados à ópera (seu colaborador Giacosa dizia que ele não empregava decassílabos, mas “illicassílabos”), preferindo formas irregulares. Mais ainda, nas palavras do musicólogo Julian Budden, “Ele (Illica) era especialmente hábil com o que poderia ser chamado de conjuntos ‘dinâmicos’ ou ‘cinéticos’ durante os quais a ação avança (por exemplo, a chamada das prostitutas em Manon Lescaut, a cena do Café Momus em La Bohème, a parada dos representantes do povo em Andrea Chénier)”. Com a música de Giordano, é fácil passar de “cinético” para “cinemático”, ou, melhor ainda, a “cinematográfico”. Porque Giordano, apoiado nas características teatrais próprias a Illica, mais do que o próprio Puccini, parece fazer, com os sons, aquilo que os cineastas iriam, mais tarde, fazer com a câmera e com a moviola. É, por assim dizer, um proto-cinema musical. Ele não emprega os cortes violentos, os contrastes abruptos do jovem Verdi, feitos para atingir com força as fibras nervosas do ouvinte em termos mais genéricos: caracteriza precisamente cada situação, sabe apresentar um conjunto, localizar um personagem, pô-lo em evidência. Ou seja, faz uma tomada geral, uma tomada aproximada, um close, para empregar a linguagem cinematográfica, articulandoos pelos cortes da música: é assim no início, com o zunzum da arrumação do grande jardim de inverno, seguido pela fala que Gérard dirige a seu pai e, enfim, pela imprecação T’odio, casa dorata, a qual se concentra inteiramente na veemência raivosa, dando ao revoltado a evidência de um close. Mais adiante, as vozes dos miseráveis que perturbam a festa e que se aproximam de modo muito progressivo, superpondo-se e suplantando a música de baile, é um notável fade in sonoro. Andrea Chénier é inteiramente concebida por esse modo avant la lettre de “filmagem” musical. É uma ópera da giovane scuola, que caracteriza a renovação da ópera italiana no final do século XIX e início do XX. Esse período é chamado habitualmente de “verismo”, termo derivado de vero, verdadeiro. A expressão foi, de início, aplicada à literatura italiana marcada por Zola, que se interessava pelo mundo do campo, particularmente o da Sicília, porque seus maiores representantes, entre eles Verga, o maior de todos, eram sicilianos e se serviam largamente dos costumes insulares arcaicos. Mas a produção da giovane scuola vai muito além de uma definição tão estreita. É verdade que se conhece mal esse período, porque as obras então realizadas, que se mantêm no repertório dos teatros, são poucas. Fora Puccini, muitos compositores permaneceram graças ao formidável sucesso de uma única ópera, como é o caso de Mascagni, com Cavalleria Rusticana, Leoncavallo com I Pagliacci. Ocorre hoje uma redescoberta desse período injustiçado, e alguns magníficos compositores andam voltando aos poucos aos palcos: Franchetti, Alfano, Smareglia, Cilea, Catalani e, um pouco mais jovens, Montemezzi, Wolf-Ferrari, Zandonai. Duas óperas de Giordano nunca desapareceram dos grandes palcos: são elas Andrea Chénier (1896 – mesmo ano da La Bohème de Puccini) e Fedora (1898). Siberia (1903) e a deliciosa Madame SansGêne (1915) são, entre outros títulos, obras de sua autoria que mereceriam ressurreição definitiva. Andrea Chénier não tem nada da brutalidade “verista” e camponesa. Mas significa mudança considerável diante das tradições. Embora sendo uma ópera “histórica”, não se confunde com o modelo francês do “grand-opéra”, que marcaria o Verdi de D. Carlo e que Mussorgski levaria a um apogeu absoluto. Primeiro, porque essa História não põe em cena os poderosos e suas angústias. Depois, porque não há grandes massas corais que oferecem (como em Mussorgski, ainda) às coletividades uma presença de protagonista. Andrea Chénier revela a História pelos bastidores e por personagens que são vítimas. É significativo que Andrea Chénier tenha como subtítulo não dramma storico, mas dramma di Ambiente Storico. Daí a recusa das grandes cenas que oferecem uma unidade musical eloquente e solene, daí o princípio de subdivisão pela montagem. Daí a necessidade de apresentar as facetas rapidamente sucessivas das situações. Umberto Giordano nasceu em Foggia, perto de Nápoles em 1867, e morreu em Milão, em 1948. Estudou no Conservatório de Nápoles e se apresentou para o concurso organizado pelo editor e empresário Sonzogno em 1889, no qual o vencedor foi Mascagni, com Cavalleria Rusticana. A ópera de Giordano, Marina, pegou o sexto lugar, mas foi notada pelo editor, que lhe encomendou uma outra, Mala Vita, cuja história se passa nos bas-fonds de Nápoles. Mala Vita causou escândalo na Itália, mas se afirmou, com sucesso, na Alemanha e na Áustria. Em seguida, Regina Dias foi um fiasco absoluto. Depois, porém, com Andrea Chénier, cujo libreto havia sido declinado por seu colega Franchetti, Giordano surge como um dos mestres novos da giovane scuola. Seguiram-se os triunfos de Fedora e Siberia. A partir daí, nem Marcella, nem Mese Mariano, que antecipa Suor Angelica de Puccini, nem a adorável Madame Sans-Gêne, que foi estreada em Nova Iorque, firmaram-se. Até que, em 1924, La Cena delle Beffe oferece ao compositor um último e inesperado sucesso. La Cena delle Beffe, hoje esquecida, é uma obra de grande beleza.
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