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Responsabilidade do fiador após o vencimento do prazo do
contrato de locação
LUIS ARLINDO FERIANI
Doutorando em Direito Processual Civil pela Pontificia Universidade
Católica de São Paulo, Mestre em Direito pela PUC, Professor da
PUC-Campinas. Juiz de Direito Aposentado. Advogado.
Área do Direito: Processual
Resumo: O presente artigo envolve o estudo a respeito da viabilidade jurídica de se
responsabilizar o fiador pelas obrigações assumidas no contrato de locação, mesmo após o
vencimento do seu prazo, ao contrário do entendimento que vem sendo dado pelo Egrégio
Superior Tribunal de Justiça.
Abstract: This article aims to analyze the legal feasibility of making the guarantor responsible for
the obligatios assumed in the lease contract, even after its maturity date, as opoposed to the
considered opinion of the Brazilian Superior Court of Justice.
Palavras chave: Contrato de locação; vencimento do prazo; responsabilidade do fiador.
Key words: lease contract; maturity date; guarantor’s responsability
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RESPONSABILIDADE DO FIADOR APÓS O VENCIMENTO DO
PRAZO DO CONTRATO DE LOCAÇÃO.
1.- INTRODUÇÃO
A Súmula 214, do STJ, dispõe que: “O fiador na locação
não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu.”
Com
fundamento
na
súmula
em
questão
existem
várias
ementas
jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça, complementando o referido
enunciado, com o entendimento no sentido de que o fiador não responde até a
efetiva entrega das chaves do imóvel locado, mesmo existindo cláusula
expressa em tal sentido, asseverando ser ineficaz a cláusula que assim
estabelece. O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, ao contrário, tem
entendido que o fiador que assinou contrato comprometendo-se como devedor
solidário, até a entrega definitiva do imóvel, responde pelas obrigações
posteriores ao vencimento do prazo expresso no contrato de locação, que foi
prorrogada tacitamente, por prazo indeterminado, desde que não se tenha
exonerado da mesma.
O presente artigo objetiva evidenciar que a interpretação do
Superior Tribunal de Justiça não é a mais correta, segundo as regras da
hermenêutica.
2.- DA NATUREZA JURÍDICA DA FIANÇA
Mesmo
tratando-se
de
contrato
que
gera
apenas
obrigações ao fiador, pode-se considerá-lo como de natureza bilateral não
perfeita, uma vez que após cumprir a obrigação, o fiador subroga-se nos
direitos do credor originário, podendo, até mesmo, utilizar-se do mesmo
processo.
Embora, como regra, possa ser caracterizado como um contrato
benéfico ou gratuito, sem qualquer benefício ao fiador, ao menos na fiança locatícia, é
certo que inexiste óbice à fixação de remuneração, como forma de compensação pelo
risco assumido, o que não é tão incomum na fiança mercantil ou comercial.
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Sem dúvida é um contrato acessório, pressupondo a existência
de uma obrigação principal, de ordem legal ou convencional.
São as três características mais comuns do contrato de locação,
que dão sustentação à integração de forma e interpretação, gizadas nos artigos 818 a
837 do Código Civil.
O art. 819, do Código Civil, tendo em vista a sua natureza
benéfica e gratuita, só admite a forma escrita e impõe a interpretação restritiva, ao não
admitir a extensiva.
Pelas mesmas razões, o legislador atrelou, ainda, ao direito do
fiador, os seguintes benefícios: a) o benefício de ordem, previsto no art. 827, do
Código
Civil,
fixando-a
como
garantia
subsidiária,
admitindo,
outrossim,
a
solidariedade, somente se houver renúncia expressa do fiador, ao mencionado
benefício; b) previsão, nos artigos 837 e 838, do Código Civil, da possibilidade de o
fiador opor as exceções que lhe forem pessoais e as extintivas de obrigação, entre as
quais quando a culpa pelo descumprimento pelo afiançado se deu em razão de
qualquer favorecimento, omissão ou conduta por parte do credor, incluindo eventual
inércia deste; c) por último, o artigo 818, do Código Civil, atribui ao fiador o dever de
garantir a satisfação ao credor, somente no caso de descumprimento do afiançado,
em decorrência da natureza acessória do contrato de fiança.
A concretização da fiança depende de forma escrita ad
solemnitatem, imposta pela lei (art 819, do Código Civil), por instrumento público ou
particular, no próprio corpo do contrato principal ou em separado. Basta, assim, que
seja dada por escrito, não havendo exigência de forma especial para a sua
comprovação e existência. Dessa forma, pode-se concluir que se trata de contrato
formal, uma vez que não pode ser presumida.
A gratuidade é uma das caracteristicas da fiança, isto porque o
fiador, normalmente, auxilia o afiançado de favor, nada exigindo em contrapartida,
mormente tratando-se de contrato de locação.
A fiança pode se dar através de carta simples ou qualquer outro
documento, onde deverá constar a sua modalidade e extensão, sem exigência de
termos sacramentais, como ressalta Carlos Roberto Gonçalves, em sua obra Direito
Civil Brasileiro, 10ª edição, 2013.
È fácil, assim, concluir que a sua extensão pode ser
perfeitamente prevista como sendo até a entrega efetiva das chaves.
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3.- ANTINOMIA
A Súmula 214 do Superior Tribunal de Justiça, publicada no
Diário da Justiça em 02.10.1998, página 250, dispõe que: “O fiador na locação não
responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu.”
Como regra, os contratos de locação (principal) e o de fiança
(acessório), são formalizados em um só instrumento. Vencido o prazo convencionado
pelos contratantes, é certo que o contrato continuará vigente por prazo indeterminado,
constando, normalmente, dos referidos contratos, que a responsabilidade do fiador se
estenderá até a efetiva entrega das chaves do imóvel locado. Com efeito, o art. 39, da
Lei nº 8245/91, giza que: “Salvo disposição contratual em contrário, qualquer das
garantias da locação se estende até a efetiva devolução do imóvel, ainda que
prorrogada a locação por prazo indeterminado, por força desta lei.”
Existe entendimento no sentido de que no caso da fiança
locatícia existe disposição legal em contrário, em razão da exigência de forma escrita
para a validade da garantia. Com efeito, dispõe o art. 819, do Código Civil, que: “A
fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.” Assim,aplicando-se
os conceitos de hermenêutica ao próprio dispositivo legal, seria inadmissível a garantia
fidejussória acompanhar a prorrogação da locação.
O parágrafo primeiro do artigo 46, da Lei nº 8245/91, preceitua
que, findando o prazo pactuado pelos contratantes, se o locatário continuar na posse
do imóvel locado, por mais de trinta (30) dias, sem oposição do locador, presumir-se-á
prorrogada a locação por prazo indeterminado, mantidas as demais cláusulas e
condições do contrato (art. 46, parágrafo primeiro: “Findo o prazo ajustado, se o
locatário continuar na posse do imóvel alugado por mais de trinta dias sem oposição
do locador, presumir-se-a prorrogada a locação por prazo indeterminado, mantidas as
demais cláusulas e condições do contrato”.
Segundo alguns doutrinadores, estaria havendo antinomia entre
as normas. O art. 39, em conjunto com o parágrafo primeiro, do artigo 46, da Lei nº
8245/91, dispõem que o contrato de locação e suas garantias ficam tacitamente
prorrogados, em razão do silêncio entre locador e locatário, decorridos trinta dias do
vencimento do contrato, enquanto que o artigo 819, do Código Civil, só admite a
formalização da fiança, por escrito, impondo interpretação restritiva. Segundo esses
doutrinadores, cabe ao aplicador do direito utilizar dos critérios jurídicos para a solução
da antinomia entre as normas jurídicas.
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O Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem
entendido, de forma majoritária, que deve prevalecer a cláusula convencionada pelas
partes, no sentido de a responsabilildade do fiador se estender até a efetiva entrega
das chaves, ou seja: “Fiança- Responsabilidade do fiador – locação – fixação até a
entrega das chaves. Contrato prorrogado – exoneração – ausência – reconhecimento
– Fiador que se obrigou até a entrega real e efetiva do imóvel e não requereu sua
exoneração, como permitido pelo artigo 1500 do Código Civil de 1916, continua
respondendo pelas obrigações de seu afiançado, mesmo após o vencimento do
contrato escrito, exceto por aquelas decorrentes de aditamentos feitos sem a sua
anuência.” Apelação com revisão 779.092-00/4-29ª Câmara – Relator Desembargador
Dyrceu Cintra, j. 02.03.2005.
Em sentido contrário, o Superior Tribunal de Justiça, na
conformidade do que dispõe a Súmula 214, tem entendido que mesmo que haja
previsão de responsabilização contratual do fiador até a efetiva entrega das chaves, o
garantidor não seria responsável por obrigações decorrentes de prorrogação legal à
qual não anuiu. Segundo o referido entendimento cessa a relação jurídica, em relação
ao fiador, com o vencimento do contrato, delimitando a sua responsabilidade,
estritamente, por possível inadimplência do afiançado dentro do prazo de vencimento
expresso do contrato com prazo determinado, ou seja: “STJ – 5ª Turma. Relator
Ministro Arnaldo Esteves de Lima. 21.10.2004. Votação unânime. Ementa: “A despeito
de o fiador haver-se comprometido com as obrigações do locatário até a devolução do
imóvel, tal não deve prevalecer se ele não concordou, expressamente, com a
prorrogação do contrato (Súmula 214 STJ), ante a natureza benéfica dessa garantia,
cuja interpretação deve ser restritiva. 2. O termo inicial da exoneração do fiador, em
ação declaratória com esse objetivo deve coincidir com a data da citação, conforme
aliás, dispôs a sentença. 3. Recurso Especial conhecido e provido, nos termos do voto
do relator.” STJ. REsp 440.110/SP. Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca. DJU
11.11.2002, pág. 284. Ementa: “A jurisprudência da Corte vem-se firmando no sentido
de não admitir interpretação extensiva ao contrato de fiança, daí não poder ser
responsabilizado o fiador por prorrogação de prazo no contrato de locação, a que não
deu anuência, mesmo que exista cláusula de duração da responsabilidade do fiador
até a efetiva entrega das chaves. Recurso conhecido e provido.”
Sabemos que antinomia é o conflito entre duas normas, dois
princípios, ou de uma norma e um princípio geral de direito em sua aplicação prática a
um caso particular. É a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa
saber qual delas deverá ser aplicada ao caso concreto. A antinomia pode dar origem à
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lacuna de conflito ou de colisão, porque, em sendo conflitantes, as normas se excluem
reciprocamente, por ser impossível deslocar uma como a mais forte ou decisiva, por
não haver uma regra que permita decidir entre elas, obrigando o magistrado a
solucionar o caso sub judice, segundo os critérios de preenchimento de lacunas.
Dessa forma, para que se tenha presente uma real antinomia, são imprescindíveis três
elementos: a incompatibilidade, a indecidibilidade e a necessidade de decisão. Só
haverá antinomia real se, após a interpretação adequada das duas normas, a
incompatibilidade entre elas perdurar. Para que haja antinomia será mister a existência
de duas ou mais normas relativas ao mesmo caso, imputando-lhe soluções
logicamente incompatíveis.
Antinomia real, segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr., é “a
oposição que ocorre entre duas normas contraditórias (total ou parcialmente),
emanadas de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, que colocam o
sujeito numa posição insustentável pela ausência ou inconsistência de critérios aptos a
permitir-lhe uma saida nos quadros de um ordenamento dado”.
As antinomais classificam-se quanto:
1.- Ao critério de solução. Hipótese em que se terá: a) antinomia
aparente, se os critérios para a sua solução forem normas integrantes do ordenamento
juridico: b) antinomia real, quando não houver na ordem juridica qualquer critério
normativo para solucioná-la, sendo, então, imprescindível à sua solução a edição de
uma norma nova. Segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr. e Alf Ross, seria de bom alvitre
substituir tal distinção, baseada na existência ou não de critérios normativos para sua
solução, por outra, em que antinomia real seria aquela em que a posição do sujeito é
insustentável porque há: a) lacuna de regras de solução, ou seja, ausência de critérios
para solucioná-la, ou b) antinomia de segundo grau, ou melhor, conflito entre os
critérios existentes; e antinomia aparente, o caso contrário. O reconhecimento de
antinomia real, neste sentido, não exclui a possibilidade de uma solução efetiva, pela
edição de nova norma, que escolha uma das normas conflitantes, ou pelo emprego da
interpretação equitativa, recurso ao costume, aos princípios gerais de direito, à
doutrina etc. Embora a antinomia real seja solúvel, não deixa, por isso, de ser uma
antinomia, porque a solução dada pelo órgão judicante a resolve tão somente no caso
concreto, não suprimindo sua possibilidade no todo, do ordenamento juridico, e
mesmo na hipótese de edição de nova norma, que pode eliminar a antinomia, mas
gerar outras concomitantemente.
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2.- Ao conteúdo. Ter-se-á: A) Antinomia própria, que ocorre
quando uma conduta aparece ao mesmo tempo prescrita e não prescrita, proibida e
não proibida, prescrita e proibida. Por exemplo: se a norma do Código Militar
prescreve a obediência incondicionada às ordens de um superior e disposição do
Código Penal proibe a prática de certos atos (matar, privar alguém de liberdade),
quando um capitão ordena o fuzilamento de um prisioneiro de guerra, o soldado vê-se
às voltas com duas normas conflitantes – a que o obriga a cumprir ordens do seu
superior e a que o proibe de matar um ser humano. Somente uma delas pode ser tida
como aplicável, e essa será determinada por critérios normativos; B) Antinomia
imprópria, a que ocorrer em virtude do conteúdo material das normas, podendo
apresentar-se como: a) antinomia de princípios, se houver desarmonia numa ordem
juridica pelo fato de dela fazerem parte diferentes ideias fundamentais, entre as quais
se pode estabelecer um conflito. Exemplo: quando as normas de um ordenamento
protegem valores opostos, como liberdade e segurança; b) antinomia valorativa, no
caso de o legislador não ser fiel a uma valoração por ele próprio realizado, como, por
exemplo, quando prescreve pena mais leve para delito mais grave; se uma norma de
Código Penal punir menos severamente o infanticidio (morte voluntária da criança pela
mãe no momento do parto, ou logo após o nascimento) do que a exposição de criança
a perigo de vida pelo enjeitamento, surge esse tipo de antinomia, que deve ser, em
geral,
aceita
pelo
aplicador:
c)
antinomia
teleológica,
se
se
apresentar
incompatibilidade entre os fins propostos por certa norma e os meios previstos por
outra para a consecução daqueles fins. Essa antinomia pode, em certos casos,
converter-se em normativa, devendo como tal ser tratada; em outros, terá de ser
suportada, como a antinomia valorativa. A esses tipos de antinomia imprópria há quem
acrescente a antinomia técnica, atinente à falta de uniformidade da terminologia legal,
como por exemplo, o conceito de posse em direito civil é diverso daquele que lhe é
dado em direito administrativo. Essas antinomias são impróprias porque não impedem
que o sujeiro aja conforme as normas, mesmo que com elas não concorde. As
antinomias próprias caracterizam-se pelo fato de o sujeito não poder atuar segundo
uma norma sem violar a outra, devendo optar, e esta sua opção implica a
desobediência a uma das normas em conflito, levando-o a recorrer a critérios para sair
dessa situação.
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3) Ao âmbito. Poder-se-á ter: A) Antinomia de direito interno, que
ocorre entre normas de um mesmo ramo do direito ou entre aquelas de diferentes
ramos jurídicos. B) Atinomia de direito internacional, a que aparece entre convenções
internacionais, costumes internacionais, princípios gerais de direito reconhecidos pelas
nações civilizadas, decisões judiciárias, opiniões dos publicistas mais qualificados
como meio auxiliar de determinação de normas de direito, normas citadas pelas
organizações internacionais e atos jurídicos unilaterais. Nessas normas existem
apenas hierarquias de fato; quanto ao caráter subordinante, são elas mais normas de
coordenação do que de subordinação, e, quanto à sua autoridade, mais do que sua
fonte importa o valor que elas encarnam. C) Antinomia de direito interno-internacional,
que surge entre norma de direito interno e norma de direito internacional, e resume-se
no problema das relações entre dois ordenamentos, na prevalència de um sobre o
outro na sua coordenação.
4) À extensão da contradição. Segundo Alf Ross, ter-se-á: A)
Antinomia total-total, se uma das normas não puder ser aplicada em nenhuma
circunstância sem conflitar com a outra. B) Antiniomia total-parcial, se uma das normas
não puder ser aplicada, em nenhuma hipótese, sem entrar em conflito com a outra,
que tem um campo de aplicação conflitante com a anterior apenas em parte. C)
Antinomia parcial-parcial, quando as duas normas tiverem um campo de aplicação
que, em parte, entra em conflito com o da outra e em parte não. A esse respeito bem
semelhante é a posição de Hans Kelsen.
Kelsen ensina que, para haver conflito normativo, as duas
normas devem ser válidas, pois se uma delas não o for não haverá qualquer
antinomia. Por isso, ante a antinomia jurídica real o aplicador do direito ficará num
dilema, já que terá de escolher, e sua opção por uma das normas conflitantes
implicaria a violação da outra.
A ciência jurídica, ante o postulado da coerência do sistema,
aponta critérios a que o aplicador deverá recorrer para sair da situação anormal.
Referidos critérios não são princípios lógicos, mas jurídico-positivos, pressupostos
implicitamente pelo legislador, apesar de se aproximarem muito das presunções. A
ordem jurídica prevê uma série de critérios para a solução de antinomias aparentes no
direito interno, que são:
1.- O hierárquico, baseado na superioridade de uma fonte de
produção juridica sobre a outra. A ordem hierárquica entre as fontes servirá para
solucionar conflitos de normas em diferentes níveis, embora, às vezes, possa haver
incerteza para decidir qual das duas normas antinômicas é a superior.
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2.- O cronológico, que remonta ao tempo em que as normas
começaram a ter vigência, restringindo-se somente ao conflito de normas pertencentes
ao mesmo escalão.
3.- O de especialidade, que visa a consideração da matéria
normada, com o recurso aos meios interpretativos. Para Bobbio, a superioridade da
norma especial sobre a geral constitui expressão da exigência de um caminho da
justiça, da legalidade à igualdade, por refletir, de modo claro, a regra da justiça suum
cuique tribuere. Ter-se-á, então, de considerar a passagem da lei geral à especial, isto
porque as pessoas pertencentes à mesma categoria deverão ser tratadas de igual
forma, e as de outra, de modo diverso. Há, portanto, uma diversificação do desigual.
Esse critério serviria, numa certa medida, para solucionar antinomia, tratando
desigualmente o que é desigual, fazendo as diferenciações exigidas fática e
axiologicamente, apelando para isso à ratio legis. Realmente, se, em certas
circunstâncias, uma norma ordena ou permite determinado comportamente somente a
algumas pessoas, as demais, em idênticas situações, não são alcançadas por ela, por
se tratar de disposição excepcional, que só vale para as situações normadas.
Afigura-se claro que, desses critérios, o mais sólido é o
hierárquico, mas nem sempre por ser o mais potente; é o mais justo.
Se esses critérios forem aplicáveis, a posição do sujeito não
seria insustentável, porque teria uma saída; logo a antinomia por um deles
solucionada será aparente.
Se não for possível o afastamento do conflito normativo, ante a
impossibilidade de se verificar qual é a norma mais forte, surgirá a antinomia real ou
lacuna de colisão, que será solucionada por meio dos princípios gerais do
preenchimento de lacunas, artigos 4º e 5º, da LINDB.
Havendo antinomia real ou lacuna de conflito, em casos
excepcionais o valor justus deverá lograr entre duas normas incompatíveis, devendose seguir a mais justa ou a mais favorável, procurando salvaguardar a ordem pública
ou social.
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3.- SOLUÇÃO DA ANTINOMIA
O argumento principal, que sustenta o entendimento dos
que limitam a extensão da responsabilidade do fiador ao prazo inicial previsto
no contrato é a teor da Sumula 214. Ocorre que, a referida súmula apenas e
tão somente giza que: “O fiador na locação não responde por obrigações resultantes
de aditamento ao qual não anuiu.”
O art. 819, do Código Civil, por sua vez, dispõe que: “A fiança
dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.”
A extensão do prazo da fiança até a entrega das chaves, não se
trata de cláusula de aditamento do contrato e, com relação a ela, extensão, o fiador
concordou expressamente, por escrito, ao assinar como fiador. O que se deve
entender é que o fiador, nesse caso, não responde por qualquer obrigação que não
esteja expressamente prevista no contrato, tal como correção do valor do aluguel por
índice divergente daquele constante do contrato, ou decorrente de acordo entre as
partes contratantes; inclusão de encargos, não previstos inicialmente, ou seja, a sua
responsabilidade deve ficar restrita àquilo a que se obrigou e nada além.
Se o fiador, em cláusula específica relativa à fiança, constante
do contrato de locação concordou que a extensão de sua responsabilidade se
prolonga até a efetiva entrega das chaves do imóvel locado, evidente que expressou a
sua vontade livre e espontânea em tal sentido, não competindo ao intérprete fazer
qualquer restrição, seja a que título for, exceto com relação aos limites das obrigações
assumidas, ou seja, dívida principal e seus acessórios, incluindo as custas e despesas
judiciais.
Assim, além de referida interpretação não contrariar o teor da
súmula 214, que nada diz em sentido divergente, temos também que a legislação
específica que disciplina a locação, por tratar de matéria especial deve prevalecer,
diante da norma geral, sendo muito significativo o teor do art. 819-A, acrescentado
pela Lei nº 10.931, de 2.8.2004, no sentido de que: “A fiança na locação de imóvel
urbano submete-se à disciplina e extensão temporal da lei específica, somente se
aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a
legislação especial”. Referido dispositivo foi vetado, porém, não esconde a intenção do
legislador.
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É importante também considerar que é perfeitamente possível a
fiança por prazo indeterminado, tanto assim que o art. 835, do Código Civil, disciplina
a respeito, gizando que: “O fiador poderá exonerar-se da fiança que tiver assinado
sem limitação de tempo, sempre que lhe convier, ficando obrigado por todos os efeitos
da fiança, durante sessenta dias após a notificação do credor.”
É claro que, a interpretação da sumula 214 do STJ e do art. 819,
do Código Civil, no sentido de que o fiador, apesar de existir cláusula contratual
obrigando-o até a efetiva entrega das chaves, responde apenas pelo período inicial do
contrato, e não pelo que lhe sobrevem, por prazo indeterminado, em decorrência da
sua prorrogação, contraria o art. 835, do mesmo código, que preve, de forma clara e
sem sombra de dúvida que a fiança pode ser assumida sem limitação de tempo, ou
seja, por prazo indeterminado.
Assim, não há como sustentar a restrição da responsabilidade
do fiador com relação ao prazo inicial do contrato de locação, sendo mais correta a
restrição quanto às suas obrigações, que devem limitar-se àquilo que ficou constando
do contrato, sem estender a ele qualquer outra obrigação à qual não tenha anuido por
escrito.
O critério da especialidade é suficiente para a solução da
antinomia aparente existente com relação à questão. Com efeito, a norma especial, no
caso, é a constante da lei que trata da relação obrigacional da locação, uma vez que
aquela do Código Civil é de caráter genérico, referindo-se ao contrato de fiança em
geral. Dessa forma, havendo cláusula expressa prevendo a prorrogação da locação
por prazo indeterminado, considerando-se, outrossim, que o art. 835, do Código Civil
prevê a possibilidade de ser prestada a fiança, sem limitação de tempo, não há como
aceitar-se que a limitação venha a ser imposta pelo julgador, contrariamente ao
interesse dos contratantes, inclusive do prestador da fiança, devendo prevalecer o
princípio da boa fé contratual, que seria contrariada com a suposição de que o fiador
teria concordado com a cláusula de prorrogação de sua responsabilidade até a
entrega das chaves, mesmo que no prazo indeterminado do contrato, com a
predeterminação de que isso não viria a ocorrer porque, alguém, que não participou do
contrato (o Poder Judiciário) compareceria para limitar aquilo que por ele, fiador, não
foi limitado.
Vicente Ráo já ensinava, com relação à declaração expressa em
contrato que: “Considera-se expressa a declaração de vontade produzida com o
propósito consciente de torná-la conhecida por outrem, ou, tal seja o caso, para que
produza, pura e simplesmente, os efeitos que a lei lhe atribui.”
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Evidente que, tratando-se de pessoa maior e capaz, é
necessário que o fiador tenha a sua vontade respeitada, tal como expressada por ele,
sendo precipitada qualquer alusão quanto à pertinência de investigação em torno de
sua real intenção ao se prestar a firmar contrato em benefício do afiançado. Não se
afigura correta, outrossim, a qualificação do contrato de locação, como contrato de
adesão, prevalecendo o disposto no art. 422, do Código Civil, que dispõe que: “Os
contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua
execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
Caso haja interesse do fiador em ver-se desonerado da fiança
deverá proceder na conformidade do que estabelece o art. 835, do Código Civil. Não é
razoável prestigiar-se interpretação para o desequilíbrio total da contratação, com
superação da vontade escrita do fiador, deixando-se o locador sem garantia, findo o
prazo inicialmente pactuado, levando-se em consideração o fato de que, se o fiador
simplesmente deixar de anuir por escrito com a prorrogação, e o afiançado não
apresentar outro fiador , em substituição, o locador com certeza sofrerá prejuízo
irreparável, uma vez que deverá propor ação de despejo, por violação de cláusula
contratual que obriga o locatário a oferecer garantia, em substituição, sendo certo que
não obterá resposta do Poder Judiciário, em tempo oportuno, resposta necessária
para evitar o seu prejuízo.
A jurisdição deve ser exercida com a finalidade de se alcançar a
paz social. Interpretação contrária à vontade manifestada por escrito, com base em
suposição de que a referida vontade não expressaria a verdadeira intenção do
subscritor, não colabora com a paz social, na medida em que pode causar prejuízo
irreparável àquele que confiou na boa fé do contratante e agiu com probidade na
conclusão do contrato, bem como com relação à sua execução.
Partindo-se dessas premissas, pode-se chegar à conclusão de
que a interpretação do Superior Tribunal de Justiça não é a que mais atende às
exigências da ordem constitucional e legal, no sentido de que o juiz “ Na aplicação da
lei...atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.” (art.
5º, da LINDB.
Por outro lado, é por demais sabido que, apesar de estabelecer
uma relação entre o fiador e o credor, via de regra, mormente nos grandes centros, o
primeiro nem chega a conhecer o segundo, uma vez que o afiançado apresenta ao
locador o contrato já assinado, com firma reconhecida, não havendo qualquer
fundamento para a suposição no sentido de que o fiador se veja constrangido e presta
a fiança como que forçado pelas circunstâncias.
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O ensinamento de que nos contratos a título gratuito a
interpretação deve ser sempre favorável ao devedor, nada tem a ver com a questão da
locação, como visto acima, de maneira que a intepretação que vem sendo dada pelo
Superior Tribunal de Justiça não se afigura como a mais correta, e nem mesmo como
a mais justa, mesmo porque não se pode partir da premissa de que o fiador mereça
qualquer proteção adicional porque seria a parte mais fraca do contrato, já que na
prática é por demais sabido que são inúmeras as pessoas que não conseguindo
sobreviver com a irrisória aposentadoria resolvem locar o seu único bem, de valor
maior, para poder complementar a sua renda mensal e, portanto, poder ter condições
da própria sobrevivência.
Nada mais correto do que a interpretação que vem sendo dada
pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no sentido de que se for
intenção do fiador exonerar-se da fiança, deve se valor da ação própria, após a
conversão do contrato com prazo determinado, para indeterminado, mantendo o
perfeito equilibrio entre os contratantes e dando às normas que regulam a matéria a
correta interpretação e aplicação.
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