POLÍTICA NA INTERNET E CONTROLE DIGITAL
Transcrição
POLÍTICA NA INTERNET E CONTROLE DIGITAL
610 Esta obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional ISSN 2175-9596 VIGILÂNCIA, JUSTIÇA E AUTO-DEFESA ARMADA NO MÉXICO: ATORES NÃO-ESTATAIS DE CONTROLE SOCIAL Surveillance, justice and self-defense armed in Mexico: non-State actors of social control Antonio Fuentes Días a (a) Universidad Autónoma de Puebla, Puebla – México e-mail: [email protected] Resumo O artigo discute o surgimento de respostas dos cidadãos à violência em segmentos sociais urbanos, como nas comunidades rurais, caracterizadas principalmente pela apropriação e privatização da segurança. Propõe entender essas respostas, como parte de um continuum na gestão particularizada de riscos, que assume muitas formas, a partir do domínio da segurança privada, vigilância eletrônica e encerramento urbano até justiça vigilante e autodefesa armada. Tudo no âmbito da governamentalidade neoliberal onde exercem efeitos do controle social. Esses fenômenos envolvem momentos de apropriação e retenção de força e controle, além de instituições estatais. A tendência de apropriação de segurança e regulação da violência nessas áreas particulares, as formas em que este tem aparecido (encerramentos urbanos e comunidades defensivas), fala de uma forma diferente de reorganização territorial e do governo da população contida nestes campos. A novidade em relação à segurança que as ordens privados colocam em jogo, é precisamente a tendência de apropriação / privatização e, particularmente, a tendência para a dissociação do monopólio estatal da violência. Palavras-chave: segurança, auto-defesa, violência, neoliberalismo Abstract The article discusses the emergence of citizen responses to violence in both urban social segments, such as in rural communities, mainly characterized by the appropriation and privatization of security. Proposes understand these responses, as part of a continuum in particularized risk management, which takes many forms, from the field of private security, electronic surveillance and urban enclosure, until vigilante justice and armed self-defense. All within the framework of neoliberal governmentality where exert effects of social control. These phenomena involve moments of reappropriation and retention of strength and control, beyond state institutions. The tendency to reappropriation of safety and regulation of violence in those 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios. 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil, p. 610624. ISSN 2175-9596 DÍAS, Antonio F. 611 particular areas, the ways in which this has appeared (or defensive enclosures urban communities), speaks differently territorial government reorganization and the population contained in these fields. The novelty regarding safety that private orders at stake, is precisely the tendency to appropriation / privatization and particularly its tendency to dissociation of the state monopoly of violence. Keywords: security, self-defense, violence, neoliberalism. INTRODUÇÃO Além das articulações imediatas, qualquer tentativa de analisar a violência deve ser entendida dentro de amplos contextos históricos e de formas de controle social e de regulação que envolve seu exercício. A violência não se expressa apenas no ato visível e consciente de dominação de uma (s) por outro (s), mas também nas formas em que as pessoas a experimentam naturalmente. Nesse sentido, as formas de violência que são geradas pelos contextos de regulação econômica em todo o mundo passam do nível macro estrutural ao interação cotidiana, na forma de microdespotismos da vida cotidiana (Pinheiro, 1996). Neste artigo vou me referir as estratégias que grupos e comunidades no México tem utilizado para superar a violência inerte da vida cotidiana, também propõe compreender estas estratégias na linha da governamentalidade neoliberal. Nas últimas três décadas no México e na América Latina, o exercício da violência passo de radicar nas agencias do Estado a seus principais sujeitos da dissuasão e terror (em seus diferenciais para cada um dos países latino-americanos) a uma violência disseminada nas relações sociais cotidianas e com multiplex executores. Proponho que esta mudança revela uma transformação na maneira que politicamente são mediadas as relações sociais, relacionadas com o exercício da governação neoliberal e acumulação de capital (Fuentes Diaz, 2014) Nas últimas décadas, a violência presente no México criou raízes em um contexto em que o neoliberalismo foi transformando as instituições do Estado e mudando a vida econômica e social. Neste cenário, violência e democracia foram ligadas sob a lógica de segurança; paradigma central do governo contemporâneo, que tem interligados os contextos sociais de incerteza com a exigência cidadão, muitas vezes para o estabelecimento da " mão forte", criando uma nova forma de consenso social (Murillo, 2004). Como os estudos sobre o governo contemporâneo têm argumentado (Foucault, 2007), a insegurança tem de ser entendida como um produto inerente ao regime neoliberal, perigo e incerteza nas atividades econômicas, centradas na atividade individual 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil DÍAS, Antonio F. 612 como base da competência sem regulação estatal, apresenta "riscos" que devem ser gerenciados pelas políticas de segurança. Sim a segurança torna-se central para a compreensão da implantação do neoliberalismo, permite entender como isso tem impactado a reorganização das relações sociais em diversas áreas, para os casos que se apresentam aqui, desde a segregação espacial do encerramento urbano – a Cidade de muros 1- ate auto proteção comunitária. Para desenvolver essa perspectiva vou mencionar estes dois fenômenos presentes no México. Segurança privada e segurança apropriada Anteriormente concebida como um serviço central as funções do Estado, para a manutenção do monopólio público da força, a segurança pública foi relaxada e superada pela crescente onda de instabilidade no contexto da crise fiscal do Estado dos anos 80 e incentivada pela impunidade e corrupção. Para alguns analistas (Hassam, 2000; Del Olmo, 2000) tanto a desconfiança pública ligadas à corrupção e indistinção das forças policiais do crime, como a incapacidade do Estado de cobertura territorial para as populações longas dos centros políticos, foi formando a ideia de uma segurança privatizada. Este impulso da segurança privada, combinava com a apropriação de funções da segurança que outros setores sociais faziam frente o mesmo défice publico da segurança e justiça. Ambas vezes, a privatização e apropriação, correspondem ao tempo de redução de algumas funções públicas do Estado. Privatização deve ser entendida como à sessão de direitos a particulares, de funções que o Estado exercia de maneira exclusiva -como o monopólio da força neste caso-. Isso se encaixa, corretamente, no regime de verdade (Foucault, 1992), dirigido pelo neoliberalismo, que se refere à menor regulação pública de atividades privadas. Á apropriação, deve ser entendida como a ocupação de funções que particulares desempenham no lugar do Estado quando esse não executa ou falha em sua cobertura. Assim, podemos dizer que, em termos de segurança, a apropriação e a privatização são dois modos de existência que estão em sintonia com o regime de veridicção neoliberal. De alguma forma, o incentivo para a privatização de uma série de antigas funções nas mãos do Estado - como 1 A Cidade de muros, é a categoria analítica dada por Teresa Caldeira (2007), para referir-se a padrões de segregação espacial da violência diária e vazio institucional, caracterizado por: a privatização da justiça e da segurança, isolamento segmentos da sociedade em enclaves fortificados e a proliferação de ações ilegais. Isso resulta em fragmentação do espaço público e da fragilidade do Estado de Direito. 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil DÍAS, Antonio F. 613 segurança- tomou impulso desde a sociedade civil, apropriado funções antes delegadas nas instituições do Estado, através da participação. Segurança Cidadã O problema da segurança é complexa e não é o propósito deste artigo detalhá-la, só gostaria de salientar aqui que, sob a desregulação do estado no México, a política pública de segurança teve uma viração no sentido do modelo inclusivo de participação cidadã na luta contra o crime. Durante a década de 2000, este modelo foi implementado em vários Estados. O modelo sugeria que grupos organizados de cidadãos pudessem realizar atividades preventivas e funções de observação e denuncia de eventos criminais. Este modelo, de escala global é agora amplamente administrado em vários países. Na América Latina, tem sido sustentado pela criminologia crítica como uma alternativa aos critérios de segurança nacional promovidos pelos regimes autoritários de ditaduras militares. Como e evidente as políticas de participação cidadã na segurança, contam com aumento gestão privada individual em espaços anteriormente públicos, a dizer de Aniyar (1999, p. 87). A descentralização administrativa é parte dessa nova concepção de gestão pública. E a participação social torna-se um extremo do continuum de descentralização, que culmina com as políticas de privatização, que são fornecidos, como já foi dito, praticamente em todas as ordens. "Pôr a participar", então, é uma maneira de compensar deficiências, reais ou programadas do Estado. Exemplos desta instrumentação tem sido feitas na Cidade do México e no Estado do México. Na primeira, em 2000, o Ministério da Segurança Pública implementou os "observadores voluntários" chegando-se a alistar mais de 200 pessoas, cuja principal função era a detecção de pontos de venda de drogas (Bolaños, 2000). Em 2001, no Estado do México, o Programa "Vigilantes voluntários” conseguiu mobilizar perto de 23 mil pessoas, além da participação de 500 motoristas (Chávez, 2001). Privatização da Segurança Um panorama para América Latina nos últimos 15 anos sobre o ascensão de segurança privada, permite ver como tem sido instalada como algo ótimo na economia de serviços. Na Venezuela, 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil DÍAS, Antonio F. 614 por exemplo, em 2000 possuía perto de 500 empresas de segurança 2 (El Universal -Venezuela-, 03/19/00). Na Argentina, no início de 2000, apareceram 270 empresas com 85 mil policiais privados. No Brasil, ao final dos anos 90, havia mais de mil empresas legalizadas que empregam 500 mil policiais privados, mas havia também perto de outros 600 funcionários que trabalham em empresas de segurança informais excedendo o monto total das tropas militares que consistiam naqueles anos, de 180 mil soldados e policiais militares (Suzely, 1998). Na Cidade do México só o número de empresas de segurança para 2000 foi de 660, de acordo com o Ministério da Segurança Pública, tiveram 37.000 policias privados, recrutados inclusive das forças policiais em ativo. (González, 2000: 26). Para o 2013, foram registrados 8.000 empresas de segurança mesmas que empregam 700 000 policiais privados (Salazar, 2013). A proteção para a minoria que pode pagar é um negócio substancial. Por exemplo, a empresa Texas Armoning Corporation vendeu no México a empresários e funcionários públicos, mais de 750 veículos blindados, os custos variaram entre US $30 000 e 70 000 (Rangel, 2000: 16). Em 2013, as empresas de segurança alcançaram um rendimento anual de 11, 500 milhões de dólares (Salazar, 2013). Implosão espacial: Segurança, gueto, apartheid A privatização e apropriação de recursos de segurança, resultou na fragmentação do espaço caracterizado pela apropriação de segurança, de setores excluídos mesmo como de setores de elite. Por um lado, o espaço onde habitam as minorias favorecidas, os setores que podem pagar pela proteção pessoal através das empresas de segurança privada e edificações fechadas ou countrys, e por outro, aqueles setores que estabelecem controles de vizinhança, grupos de vigilantes e linchamentos. Em ambos espaços se conseguem apropriações da segurança, com diferenças em sua organização e instrumentação legal, mas em ambos se exibe o jeito do que a insegurança e medo tornam-se 2 O fenômeno da privatização da segurança na Venezuela tem características especiais interessantes, a partir do uso generalizado de vigilantes informais chamados "guachimanes". O guachimanismo é resgatado por setores meios, com escassos recursos para financiar serviços de segurança sofisticados, que consiste na contratação de um guarda ou vigilante, sem qualquer treinamento. Esta prática é apresentada como um mecanismo de autodefesa "associado principalmente ao medo da violência criminal, e não no sentido do crime em termos gerais ... serviços de monitoramento informais estão relacionados com propósitos individuais e não coletivos, cobrindo fins mais específicos: proteção contra a criminalidade "(Romero Salazar, Alexis, 2001). 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil DÍAS, Antonio F. 615 fatores inerentes à organização social contemporânea e experiência cotidiana de tais relações sociais. Isso levou a propor a Rotker (2000)3, a ideia de que a construção política da América Latina é hoje moldar cidadanias de medo. O mesmo medo que valida a demanda por maior segurança. No entanto, o impacto sobre a estrutura social que esta privatização gerou, tendeu à segregação tanto global como local do espaço em áreas que podem-se sobrepor com aquelas da exclusão social. Seguindo a Bourdieu, pode-se argumentar que o espaço físico reproduz o espaço social: [...] [Que gera] áreas onde o espaço social tende a reproduzir forma mais ou menos distorcida, no espaço físico [...] A partir do resultado que todas as divisões e distinções do espaço social (Cima / Baixo , esquerda / direita, etc.) são expressos no espaço físico real e simbolicamente apropriado como espaço social codificado (por exemplo, o contraste entre as bairros elegantes [...] bairros e subúrbios) (Bourdieu, 1999, p. 179 ). Para entender melhor essa divisão do espaço social reproduzida no espaço físico, se pode usar a noção de gueto e apartheid como formas de organização da segurança em âmbitos espaciais diante o contexto de medo e risco.4 Compreendamos por gueto, o âmbito espacial onde recluem os setores favorecidos, caracterizados por serviços de segurança privada e assentamentos "amuralhados" (Caldeira, p. 2007) Assim, a guetização seria a proliferação de enclaves fortificados, onde padrão de segregação espacial mudou interações públicas entre as classes. Todos os enclaves fortificados compartilhar algumas coisas básicas, a dizer de Caldeira (2007, p. 313) "são propriedade privada para uso coletivo e enfatizam o valor do que é privado e restrito, enquanto desvalorizam o que é público e aberto na cidade ". É impressionante como a valorização do privado, que estas formas urbanas implicam, se corresponde aos cânones neoliberais de declínio do público. O encerramento urbano transluze na prática, a incorporação da ideologia neoliberal. No México, a proliferação de encerramentos urbanos tem sido documentado desde o início dos anos 90. Por exemplo, desde 1995, na Cidade do México, mais de 20 colônias pertencentes a 3 Um estudo sobre a instituição da cidadania nas sociedades violentas, sob o medo da vida cotidiana na América Latina, é a compilação de Susana Rotker, Ciudadanías del miedo, Nueva Sociedad, Caracas, 2000 4 É interessante notar que tanto o apartheid como o gueto se relacionam entre si. Em certa medida, o apartheid precisam do gueto para se reproduzir, porque é de lá que leva trabalhadores para empregos de baixa remuneração: cozinheiros, jardineiros , pedreiros, e assim por diante. 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil DÍAS, Antonio F. 616 diferentes delegações políticas tinham instalado sistemas de alarme, ruas tinham ilegalmente fechado as ruas, construindo obstáculos de concreto. Nas delegações Atzcapotzalco e Benito Juárez tinham instalado sistemas de alarme entre os vizinhos organizados em comitês de vigilância para proteger-se de crime ao mesmo tempo que das forças policiais (Castillo, 1995). Para o ano seguinte, no Coyoacán, pelo menos 20 colônias colocaram relhas nos ingressos, impedindo a livre circulação de veículos e pessoas, chegando a intervir, inclusive a Comissão de Direitos Humanos do Distrito Federal (Olayo, 1996). O encerramento se presenta em quase todas as cidades do país. Nas principais como Guadalajara, Monterrey e Puebla é possível ver inúmeros assentamentos fechados e com segurança privada. A contraparte, o apartheid,5 refere-se ao âmbito espacial onde a segurança e apropriada sob ações vigilantes, refere-se a este "oceano de excluídos, ao exército de reserva de mão de obra [...] com as suas ordens de segurança informais em imparável crescimento " (Hassam, 2000: 113). Aqueles que não possuem os recursos materiais e simbólicos para garantir a "compra de segurança" compartilham a característica de exclusão seletiva em seus contextos locais para também impor suas ordens de segurança, instituindo uma ordem paralela de controle e vigilância (para sedefender inclusivo das próprias autoridades). Este fenômeno caracterizado como Vigilantismo (Huggins, 1991), consiste em ações que compensem a falta de segurança pública em cenários de risco, com exercícios apropriados por particulares para seu exercício, que consiste em: "armar-se individualmente, [formar] grupos de autodefesa, venda de serviços de proteção, constituição de bandas que pertencem às formas de organização de segurança [...] onde o Estado deixo de funcionar "(Hasam, 2000, p. 119). Podemos ver, em ambas formas de organização de segurança, a centralidade da apropriação de funções. Em diferentes níveis e com diferentes estratégias, a segurança tem se tornado um assunto privado. 5 Alguns autores usam a noção de gueto para designar as áreas de despromoção social, localizada na parte inferior da hierarquia urbana, neste trabalho será utilizado para a mesma designação, a noção de apartheid, que se refere, geralmente, mais a uma política de exclusão apoiada pelo Estado, do que a uma forma espacializada produto de essa política (ghetto). Assim, deve ser entendido neste ensaio que gueto designam as zonas de detenção dos privilegiados, os "bunkers dos felizes". Vale ressaltar qu e as duas formas (do gueto, o apartheid) diferem em estrutura e em sua composição social em cada contexto nacional, por isso nos atinge a atenção Wacquant quando discute as diferenças nos critérios de exclusão do gueto americano e do "subúrbio" francês (em nossos termos, entre ambos tipos de apartheid) no primeiro numa base racial, no segundo sobre uma base de classe. Loïc Wacquant. “De Norteamérica como utopía al revés”, en Bourdieu, Pierre (comp.) La miseria del mundo, Fondo de Cultura Económica, 2000, Argentina, p.125-132 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil DÍAS, Antonio F. 617 Ordens privados de regulação da segurança A percepção de insegurança e vulnerabilidade dos segmentos sociais no país, que é a base da tendência para o surgimento da forma apartheid e gueto, pode se olhar desde outra perspectiva que enfatiza o surgimento de ações defensivas. No México, a urgência de segurança nas últimas três décadas levou a grupos e comunidades a defender se de delitos cometidos a bens e pessoas a partir do exercício da violência coletiva. Desde os anos 80 do século XX até 2013, houve cerca de 900 linchamentos integrados como um repertório de ações legítimas. Os linchamentos se tornaram processos recorrentes e ações naturalizadas, para punir delitos ou violações graves aos valores da comunidade (Fuentes Diaz, 2006). Em suas implementações, podem ser eventos lotados e altamente ritualizados, ou espontâneos, com poucos participantes. Em ambos os casos, a vítima é numericamente inferior aos castigadores . A consumação de linchamentos apresenta inúmeras humilhações corporais: espancamentos, enforcamentos, lacerações, apedrejamentos e incinerações, entre os mais comuns. De acordo com a literatura sobre esse fenômeno, aparecem em setores com alta vulnerabilidade social e marcada por um alto nível de desconfiança no sistema de justiça, em contextos de incerteza e medo (Fuentes Diaz, 2006, 2011). É a esses procedimentos que apropriam a violência instituindo ordens da segurança defensiva, o que eu chamo ordens privados de regulação da segurança . Uma grande proliferação destas ordens foram erguidas no México a partir da década do 90 e hoje tem uma força expressiva de dimensões ainda por investigar, através da autodefesa armada. Essas ordens estiveram presentes na história da construção do Estado no México em todo o país, mas é a partir dos anos noventa que sua presença teve renovado vigor usando um repertório de ações entre as quais estão os atos de justiça, linchamentos e comunidades defensivas. Sobre o fenômeno justiceiro destaque um evento que ocorreu em 1993, em San Blas Atempa, Oaxaca. Esta comunidade de 20.000 habitantes, contava nesse ano com cinco policiais municipais e a polícia estadual não se atrevia a entrar por medo de ser repelidos. Roubos e assaltos constantes fizeram surgir um herói popular conhecido como Chente. A nota de Salanueva (1993), nos permite compreender a apropriação de funções de segurança além das instituições estatais. Sem polícia que perseguiram aos criminosos que chegavam a roubar ao San Blas, ele se deu a tarefa de matá-los um por um. Isso o tornou querido para as pessoas. Mas não só Sanblaseños 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil DÍAS, Antonio F. viam a ele para matar este ou aquele criminal, 618 mesma polícia encargava assassinatos. Eventualmente Chente foi capaz de tirar proveito de sua situação. Ele decidiu que se continuasse matando faria isso por dinheiro (...) chegou a matar pelo menos trinta pessoas. Os assassinatos transcenderam na capital de Oaxaca, onde surgiu a ordem de captura a qualquer custo. No ano passado, a pretexto de que tem envolvido como o tráfico de drogas foi preso e encarcerado. O Sanblaseños protestaram frente autoridades estaduais com a esperança de deixá-lo livre. Na mesma década outros casos de ações justiceiras em Coatzacoalcos, Veracruz (Lastra, 1999), Concordia, Sinaloa (Guerra, 2000), Guadalajara, Jalisco (Cobian, 1989) e Cuernavaca, Morelos (La Jornada, 2000) foram documentados. Esse fenômeno, presente em outras regiões da América Latina, tem sido amplamente estudado na literatura especializada no Brasil. 6 Defesa Comunitária Diante da permissibilidade das instituições do Estado em matéria de justiça e segurança, para as duas últimas décadas, várias comunidades do país, foram além da defesa espontânea e ocasional dos linchamentos e ações justiceiras, e tem virado a estruturas permanentes de vigilância, segurança e justiça. No início de 2013, nos estados de Michoacán e Guerrero, no ocidente do México, surgiram em diferentes comunidades rurais e urbanas, grupos organizados para a defesa da suas comunidades contra grupos do crime organizado. A organização de defesa comunitária envolveu um processo de médio e longo prazo, em que a aprendizagem de outras experiências relacionadas com a contenção e redução de crimes contra 6 No Brasil, o fenômeno dos justiceiros levou inúmeras investigações. Vários autores localizam esse fenômeno na margem estreito da vida institucional no Brasil produto da ditadura a meados do século XX, um período caracterizado pela violência paramilitar dirigida a opositores do regime e igualmente imputável à falta de cobertura do estado em grandes áreas rurais. Assim, na ausência de segurança patrocinada pelo Estado, se formaram grupos de limpeza civil contra os quais no imaginário foram constituídos como potenciais inimigos da segurança e da ordem: os marginais. Os justiceiros começaram a ter uma grande simpatia popular, eles foram considerados defensores dos pobres, e um consenso sobre o extermínio desses "inimigos internos" permitiu a criação de esquadrões da morte, grupos que estiveram sendo formados durante ditadura para desmantelar núcleos adversários. Assim, se estabeleceram em quase instituições patrocinadas pelo Governo e mantendo uma grande aceitação popular, tanto assim que tiveram porta-vozes da comunicação, que falavam com a prensa para indicar os locais onde supostos criminosos foram executados. É claro que eles não estavam isentos de corrupção. Os esquadrões da morte também foram vinculados ao tráfico de armas, drogas e esquemas de proteção. Veja Rodríguez Fernández, Eloísa. 1991. “Authoritarian Society: Breeding Ground for Justicieros” en Huggins, Martha, Vigilantism and the State in Modern Latin America. Praeger; veja Regina da Costa, Marcia. São Paulo e Rio de Janeiro: A Constituição do Esquadrão da Morte. Apresentação no XXII Congresso Nacional de ANPOCS. 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil DÍAS, Antonio F. 619 bens e pessoas que tinham sido o motivo para sua formação, foram possíveis diante uma notável ausência de segurança e de justiça do estado. Os primeiros grupos de defesa comunitária, nos últimos tempos, surgiram na década de 90 frente ao surgimento das condições de insegurança generalizada no país em cidades pequenas ou áreas rurais, contra ações como roubo de gado, roubo, assassinato, estupro e sequestro (Fuentes Diaz, 2006, 2011). Por esse tempo, alguns desses grupos foram apoiados pela Secretaria da Defesa Nacional para treinar seus corpos de defesa, por exemplo em Rincón de los Romos no estado de Aguascalientes e no San Luis Potosi, em 2001; no mesmo ano, se lançou a operação de dois "brigadas de execução " contra o crime no estado de Morelos. Em 2006, uma brigada de autodefesa, no Santa Cruz, Valle de Chalco Solidaridad e outra no Chimalhuacán, ambos no Estado do México foram formadas (Ramón, 2006). A experiência de defesa comunitária mais organizada para o apoio de suas forças de segurança, tem sido a Coordinadora Regional de Autoridades ComunitariasPolícia Comunita (CRAC-PC), dos povos da região da Serra e Costa Chica do estado de Guerrero, fundada em 1995, que tem conformado um sistema de justiça comunitária fincada na prática do direito consuetudinário. Para esse período, a reação dos grupos de defesa se articulava ainda mais contra a insegurança gerada pelo crime de oportunidade. A mudança na defesa comunitária hoje, particularmente em Michoacán, é a preservação da vida contra o estupro, assassinato e extorsão dos grupos de narcotráfico. A diversificação de atividades ilegais no caso do cartel dos Cavaleiros Templários, como a exportação ilegal de minerais para a China e extorsão, estabeleceu-se como uma empresa neoliberal bem sucedida (Paleta e Fuentes Diaz, 2013). Estima-se que a quantidade de extorsão para 2012 foi de 2, 460 milhões de pesos (cerca de 189 milhões dólares) (Macías, V. Rosales, R., 2013). A diversificação das atividades do narcotráfico virou-se para o que pode ser considerado como um despotismo tributário, com um reforço do controle territorial que estabeleceu ordens para legais que disputam com força a soberania do Estado, ou entram em composição com o Estado para cometer atividades criminais, criando uma zona cinzenta de excepcionalidade entre crime e Estado (Fuentes Diaz, 2014b). 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil DÍAS, Antonio F. 620 Re-apropriação de Segurança Fenômenos como os linchamentos, as execuções e grupos de defesa da comunidade, envolvem momentos de apropriação e retenção de força e segurança além das instituições estatais. No entanto, a questão da apropriação da segurança no estabelecimento dos ordens de segurança privada, é um fenômeno que nos últimos meses tornou-se mais prevalente e posicionou-se como um desafio para o Estado. O ponto é que as diferentes comunidades organizadas para a segurança, levaram à criação de estruturas de segurança de forma permanente e alguns transitaram para a criação de sistemas alternativos de justiça. Exemplos, como esses, tem sido documentados para países como o Peru e Moçambique (Starn, 1991; Alberdi, 2001). Ambos com estados omissos quanto à extensão da proteção a grandes setores da população e elevados déficits nos índices de justiça. No contexto mexicano, algumas comunidades não só tem formado sistemas de justiça alternativa e forças de segurança permanentes, mas se mudaram para a formação de governos "autônomos". Como exemplo posso citar a comunidade de Cherán, Michoacán, que a partir da defesa da propriedade comunal como a floresta, ergueram estruturas defensivas permanentes dissolvendo tanto à polícia como a governo municipal e instituindo um Conselho Comunitário como uma forma de autogoverno, apoiado no exercício do direito consuetudinário (Fuentes Diaz, 2014). Segurança no Neoliberalismo A tendência de apropriação de segurança e regulação da violência nessas áreas particulares, as formas em que este tem aparecido (o encerramentos urbanos e comunidades defensivas), fala de uma forma diferente de reorganização territorial e do governo da população contida nestes âmbitos. Nas primeiras linhas deste artigo, observou que o perigo e insegurança não são consequências não intencionais ou efeitos negativos da economia neoliberal, mas uma parte inerente de sua implantação. "Transitoriedade, instabilidade e incerteza são os ingredientes básicos do governo liberal onde a liberdade e o medo estão vinculados entre si. O medo tem um papel importante no governo neoliberal. A ameaça constante de desemprego e da pobreza, a ansiedade sobre o futuro, induz planejamento e prudência "(Lemke, 2010). 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil DÍAS, Antonio F. 621 A novidade em relação à segurança que as ordens de segurança privada colocam em jogo, é precisamente a tendência de apropriação / privatização e, particularmente, a sua tendência para a dissociação do monopólio estatal da violência; à proliferação de multiplex pontos desde onde exercer ações da segurança y regulação da violência, incluindo o próprio Estado. A privatização da produção de segurança não implicitamente leva à atenuação das competências de regulação do Estado, mas a coexistência de múltiplos centros, onde exercer o controle social. Aqui radico o surgimento das cidades amuralhadas, o apartheid marginal e as formas de defesa comunitária, em todas as suas formas. Constituindo-se em novas formas liberais de contenção de risco, enquantose incorporam como exercícios auto-reguladores da inerente insegurança sistêmica. Assim entendido, as formas privadas e apropriadas de segurança, são compensadores, simultaneamente, da retirada de segurança do Estado, as duas formas estão ligadas ao aumento da participação dos cidadãos, incluindo a cidadania armada. Esta apropriação é o novo rosto da governamentalidade que cria riscos e incentiva a sua contenção por múltiplos atores que exercem força no estabelecimento de segurança. A apropriação tem um controle territorial e social. Esses atores através de vigilância eletrônica, segurança privada, linchamento e autodefesa armada, agora exercer efeitos estatais (Trouillot, 2003). Mais pesquisas serão necessárias para detalhar essa função. REFERÊNCIAS Alberdi, J. (2001) Gobernabilidad y Formas populares de Justicia en la Nueva Sudáfrica y Mozambique: Tribuales comunitarios y Vigilantismo. Convergencia, 25, 11-35. Aniyar de Castro, L. (1998). La participación ciudadana en la prevención del delito: Antecedentes, debates y experiencia. Los comités de Seguridad Vecinales. Ponencia presentada en el foro La prevención de la violencia como objeto de investigación y de programas de acción. Buenos Aires. Bolaños, A. (2000). La Jornada, 15/03/2000. Bourdieu, P. (1999). Meditaciones pascalianas. Barcelona: Anagrama. 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil DÍAS, Antonio F. 622 Caldeira, T. (2007). Ciudades de muros. Barcelona: Gedisa. Castillo García, G. (1995). Proliferan en la ciudad de México redes de autodefensa vecinal. La Jornada 10/07/1995. Chávez Gonzáles, S. (2001). Operan 23 mil ‘vigilantes voluntarios’. La Jornada 23/03/2001. Cobian, F. (1989). Aprehenden al presunto asesino de indigentes. La Jornada, 12/04/89. Del Olmo, R. (200). Ciudades duras y violencia urbana. Nueva Sociedad, 167. Diario El Universal. (2000). Venezuela, 19/03/00. Foucault, M. (1992). Microfísica del poder. Madrid: Editorial La Piqueta. Foucault, M. (2007). El nacimiento de la biopolítica. Fondo de Cultura Económica, Argentina. Fuentes Díaz, A. (2006). Linchamientos: fragmentación y respuesta en el México Neoliberal, BUAP. Fuentes Díaz, A. (2011). México en fragmentos: violencia, miedo y linchamientos. In Ocampo Banda Luis Ernesto (Comp.). El túnel del miedo (p.123-151). Buenos Aires: Elaleph. Fuentes Díaz, A. (2014a). Necropolítica, violencia y disputa desde los márgenes del estado en México. In Wacquant et. al. Tiempos Violentos: Barbarie y decadencia civilizatoria (pp. 297319). Buenos Aires: Herramienta. Fuentes Díaz, A. (2014b). Autodefensa y Justicia en los márgenes del Estado. In Clivajes. Revista de Ciencias Sociales, 2, Universidad Veracruzana. González, S. (2000). En dos años se incrementaron 50% las empresas de seguridad privada: SSP. La Jornada, 23/06/00. 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil DÍAS, Antonio F. 623 Guerra, V. (2000). Se arman sinaloenses ante la inseguridad en varias zonas. La Jornada 31/03/00. Recuperado de http://www.24-horas.mx/guardias-y-escoltas-improvisados-y-en-ellimbo/ Hasam, S. (2000). Privatización de la seguridad: guerra económica y social . In Kurnitzky, H. (Comp.) Globalización de la violencia. Mexico: Editorial Colibrí. Huggins, M. (1991). Vigilantism and the State in Modern Latin America. New York: Praeger. Lastra Ríos, J. (1999). Intentan incendiar a niño de la calle en Coatzacoalcos. La Jornada 15/12/99. Lemke, T. (2010). Los riesgos de la seguridad: liberalismo, biopolítica y miedo. Santiago: Universidad Diego Portal. Macías, V., & Rosales, R. (2013). Extorsión a aguacateros da a Templarios 2000 millones de pesos al año. El Economista. Recuperado em 2 de novembro de 2013 de http://m.eleconomista/seguridadpublica Murillo, S. (2004). El nuevo pacto social. La criminalización de los movimientos sociales y la ideología de la inseguridad. Revista OSAL,14. Olayo, R. (1996). En Coyoacán, al menos 20 colonias enrejadas. La Jornada, 28/10/96. Pérez, P., Guillermo, Fuentes Díaz, A. (2013). Territorio, Inseguridad y Autodefensas comunitarias en localidades de la meseta purépecha en Michoacán, México. Revista Márgenes, 10 (13),62-68. Pinheiro, P. (1996). Democracies without Citizenship. Report on Crime and Impunity, 30 (2). Ramón, R. (2006) Ante el azote de la delincuencia nacen brigadas de autodefensa. La Jornada. Rangel, J. (2000). La Herencia para la mano dura. Milenio Diario, 16-17. Regina da Costa, M. (1998). Sao Paulo e Río de Janeiro: A Constituicao do Esquadrao da Morte. Ponencia presentada en el XXII Congreso Nacional de ANPOCS. 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil DÍAS, Antonio F. 624 Rodríguez Fernández, E. (1991). Authoritarian Society: Breeding Ground for Justicieros. In Huggins, M. Vigilantism and the State in Modern Latin America. New York: Praeger. Romero Salazar, A. (2001). La vigilancia privada informal: una respuesta de las clases medias a la violencia delincuencial. Ponencia presentada en el XXIII Congreso de ALAS. Antigua Guatemala. Rotker, S. (Ed.). (2000). Ciudadanías del miedo. Caracas: Nueva Sociedad. Salanueva Camargo, P. (1993). En San Blas la justicia por propia mano es costumbre. La Jornada, 13/03/93. Salazar, A. (2013). Guardias y escoltas improvisados y en el limbo. Diario 24 horas. Starin. O. (1991). Reflexiones sobre rondas campesinas. Protesta rural y nuevos movimientos sociales. Lima: IEP ediciones. Suzely Kalil, M. (1990). A seguranca Privada em Sao Paulo. Sao Paulo em Perspectiva, 4 (1). Trouillot, M. R. (2003). Global Transformation: Antropology and the modern world. Palgrave: McMillan. Wacquant, L. J. D. (2000). De Norteamérica como utopía al revés. In Bourdieu, P. (Coord.) La miseria del mundo. Fondo de Cultura Económica, Argentina Zepeda Leucona, G. (2000). Expectativas de justicia defraudadas: la actuación de las procuradurías de justicia en el esclarecimiento y persecución de los delitos. Diálogo y Debate, año 3, 12. 3o Simpósio Internacional LAVITS: Vigilância, Tecnopolíticas, Territórios 13 à 15 de Maio, 2015. Rio de Janeiro, Brasil