A RESPONSABILIDADE SEGUNDO CLAUS ROXIN
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A RESPONSABILIDADE SEGUNDO CLAUS ROXIN
Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery http://re.granbery.edu.br - ISSN 1981 0377 Curso de Direito - N. 4, JAN/JUN 2008 A RESPONSABILIDADE SEGUNDO CLAUS ROXIN: ESTUDOS PRELIMINARES. GRUPO DE ESTUDOS PERSPECTIVAS ATUAIS DO DIREITO PENAL 1 André de Assis Moreira, Catarine Santini, Eduardo de Toledo Diogo, Jéssica Laynne Antunes Vieira, Luna-Maris Visa Panizzi, Guilherme Madeira Martins, Grazielle Adversi de Souza e Rayssa de Souza Pereira. RESUMO Este artigo analisa a proposta do penalista alemão Claus Roxin de substituir a categoria da culpabilidade pela da responsabilidade em complemento ao injusto na teoria do delito. Para tanto, situa a discussão no marco do sistema penal funcionalista teleológico-racional, traçando a relação da política criminal e da teoria dos fins da pena ao conceito de culpabilidade. Investiga também o princípio da culpabilidade para chegar à nova proposta, que aliando a tradicional culpabilidade da teoria normativa pura à necessidade preventiva da pena cria uma nova categoria, qual seja, a referida responsabilidade. Em seguida, são avaliadas as possibilidades de exclusão da responsabilidade, o que permitiria soluções mais adequadas aos casos concretos, já que se trata de um sistema aberto a valores e não tolhido por dados ontológicos como o sistema finalista. Por fim, tendo por base tal análise descritiva da responsabilidade, serão delineados os primeiros apontamentos críticos, ressaltando pontos positivos e negativos, e, terminando por concluir que a teoria da responsabilidade é uma teoria em construção, que não encontra nenhum óbice para aplicação no ordenamento jurídico-penal pátrio e é recomendável por permitir a solução de conflitos de forma justa, seguindo os pressupostos de um direito penal funcionalista e garantidor. PALAVRAS-CHAVE: responsabilidade, culpabilidade, teoria dos fins da pena, funcionalismo teleológico-racional, Claus Roxin. ABSTRACT 1 Artigo produzido como requisito final do grupo de estudos “Perspectivas atuais do direito penal” orientado pela professora de Direito Penal da Faculdade Metodista Granbery Débora da Cunha Piacesi – mestre em Ciências Penais pela Universidade Cândido Mendes - UCAM/RJ, e-mail: [email protected]. This article analyzes the category of responsibility as proposed by Claus Roxin instead of the category of culpability. In order to do that, it studies the functionalist penal system, tracing the relation between criminal politics and theories of criminal punishment linked to the concept of culpability. It also investigates the so called principle of culpability, as a way to understand the new proposal, which adding the traditional category of culpability with the theories of general and specific positive deterrence forms the new category of responsibility. The article also evaluates the possibilities of exclusion of responsibility, so as to reach a critical point of view about the new category. It concludes that although the theory of responsibility proposed by Roxin is still in construction, it is recommended for Brazilian criminal law system because being a theory open to values it allows the most adequate solution to each case, following the guidelines of a criminal system that respects the rights of the citizens it rules to the fullest. KEY-WORDS: responsibility, culpability, theories of criminal punishment, functionalism, Claus Roxin. 1. POLÍTICA CRIMINAL E A TEORIA DOS FINS DA PENA. Inserida dentro da teoria do direito penal de Claus Roxin – qual seja, o funcionalismo teleológico-racional – a Política Criminal possui o papel de aferir e filtrar a legitimidade da intervenção punitiva do Estado face aos indivíduos, acarretando conseqüências tanto no princípio da culpabilidade como na teoria dos fins da pena. É a abertura do funcionalismo para os valores sua grande vantagem frente ao finalismo. Roxin utiliza a Política Criminal em sua teoria, pois para ele a pena não deve somente ser analisada do ponto de vista jurídico, mas também do ponto de vista político. O direito penal não deve tutelar somente a vítima; tutela também o delinqüente. A pena, nesse sentido, não tem como função prevenir delitos somente, mas também prevenir punições injustas.2 Esse aproveitamento da Política Criminal se traduz em um aprimoramento do Estado de Direito, enquadrando o direito penal aos preceitos constitucionais atuais: a Política Criminal torna o direito penal mais eficaz perante a sociedade, preservando o máximo possível os preceitos constitucionais, como a liberdade dos cidadãos.3 2 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 342. 3 ROXIN, Claus. Política Criminal e sistema jurídico penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 03. 2 Se a Política Criminal possui o papel de só permitir a atuação punitiva do Estado quando a mesma for legítima, há que se esclarecer como se opera a busca pela Política Criminal apta a exercer tal função. A resposta começa pela procura de um equilíbrio entre a dicotomia: liberdade do indivíduo X poder estatal – até que ponto se deve proteger a liberdade do indivíduo perante o ilimitado poder estatal. A resposta para essa dicotomia, no que diz respeito ao Direito Penal, foi a abertura da Dogmática Jurídica para a Política Criminal, que vai permitir conciliar o Estado de Direito com o Estado Social. O resultado é um sistema punitivo valorado pela Política Criminal, e, portanto, legítimo perante o cidadão. É nesse sentido que é possível afirmar que a Política Criminal torna o direito penal mais eficaz perante a sociedade, tutelando também os delinqüentes, que possuem dignidade como seres humanos, fato que tem que ser levado em conta pelo sistema punitivo do Estado. A pena que está então amparada por valorações político-criminais se mostrará mais válida para a solução dos problemas da sociedade. Essa concepção, na qual as valorações Político Criminais ganham um papel de destaque, é característica do chamado “Sistema Teleológico-Racional do Direito Penal”, uma das vertentes do funcionalismo. Em resumo, dentro da evolução da teoria do delito, primeiro tivemos o sistema clássico, seguido pelo sistema neoclássico. Depois tivemos o sistema finalista, ao qual, por fim, o “funcionalismo” irá se opor. Para melhor compreensão, calham as palavras de Claus Roxin: Os adeptos desta concepção [funcionalismo] estão de acordo – apesar de várias divergências quanto ao resto – na recusa às premissas sistemáticas do finalismo e em partir da idéia de que a construção sistemática jurídico-penal não deve orientar-se segundo dados prévios ontológicos (ação, causalidade, estruturas lógicoreais etc.), mas ser exclusivamente guiada por finalidades jurídicopenais.4 O funcionalismo é um sistema penal jovem – teve os primeiros apontamentos teóricos na década de 70 – que é caracterizado por um tripé: clareza conceitual, proximidade à realidade e valorações político criminais.5 Greco ilustra neste sentido: 4 ROXIN, Claus. Funcionalismo e Imputação Objetiva no Direito Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 205. 5 PIACESI, Débora da Cunha. Funcionalismo Roxiniano e Fins da Pena. No prelo. 3 Numa síntese: o finalista pensa que a realidade é unívoca (primeiro engano), e que basta conhecê-la para resolver os problemas jurídicos (segundo engano – falácia naturalista); o funcionalismo admite serem várias as interpretações possíveis da realidade, de modo que o problema jurídico só pode ser resolvido através de considerações axiológicas, isto é, que digam respeito à eficácia e a legitimidade da atuação do direito penal.6 As “várias interpretações possíveis da realidade”, como afirma Greco, mostram o caráter dinâmico desse sistema. Algo semelhante é a teoria da textura aberta do direito de Herbert Hart, a qual podemos utilizar como objeto de reflexão quanto ao funcionalismo e seus objetivos. Hart, buscando um meio termo – a “meia-encosta” – entre o formalismo e o antiformalismo da hermenêutica jurídica, afirma que há uma textura aberta no direito, na qual áreas de conduta devem ser deixadas para um futuro desenvolvimento, determinando assim um equilíbrio dos interesses conflitantes, que vão variar de caso para caso.7 De forma semelhante é o funcionalismo, que irá adequar o direito penal para melhor eficácia com as valorações político criminais.8 Esse fato permite uma maior proximidade às realidades sociais, possibilitando um maior dinamismo para o direito penal. Essa pode ser considerada uma das maiores contribuições do funcionalismo roxiniano. Em decorrência desses fatores, o sistema do funcionalismo vai acarretar conseqüências no modo como são analisados os fins da pena. No tocante ao tema, em uma síntese simplificadora, tem-se a teoria da retribuição – que credita como função da pena a imposição de um castigo, com fundamentos ora religiosos, ora morais em Kant, ora lógicojurídicos em Hegel9 –, a teoria da prevenção especial – que credita como função da pena evitar a prática de novos delitos por um condenado específico, por meio da segregação (prevenção especial negativa de Lombroso) ou da ressocialização (prevenção especial positiva de Von Liszt)10 – e a teoria da prevenção geral – que credita como função da pena também evitar a prática de um delito a partir de efeitos buscados não mais no condenado, e sim na sociedade, pela intimidação e dissuasão (prevenção geral negativa de Feuerbach) ou 6 GRECO, Luis. Introdução à dogmática funcionalista do delito. Revista Jurídica. Porto Alegre, julho 2002, p. 39. 7 HART, Herbert. O Conceito de Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994, p. 148. 8 ROXIN, Claus. Funcionalismo e Imputação Objetiva no direito Penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 65. 9 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 105. 10 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 116. 4 do reforço dos valores protegidos pela norma e confirmação de validade das normas (prevenção geral positiva de Roxin e Jakobs, respectivamente).11 Importa fazer aqui a ressalva de que temas como função da pena, conceito material de delito e teoria do bem jurídico, embora básicos, seguem como problemas ainda não esclarecidos ou resolvidos com exatidão.12 Portanto, para desenvolvimento do presente artigo – e da própria dogmática jurídico-penal – alguns recortes e tomadas de posição se fazem necessários. Nesse sentido, entende-se aqui como missão do direito penal – em consonância com a maioria da doutrina penal moderna – a proteção subsidiária de bens jurídicos; e como teoria da função da pena – nesse caso discussão um tanto quanto mais acirrada – as funções de prevenção geral, (negativa e, com ênfase, positiva) e especial (apenas em sua vertente positiva). Tal posicionamento se faz necessário porque para avaliar a proposta roxiniana de responsabilidade – tão radicalmente vinculada à teoria dos fins ou funções da pena – há que se partir de seus conceitos de funções ou fins da pena. Sendo assim, Roxin propõe sua própria teoria denominada de unificadora dialética e rebatizada como unificadora preventiva, numa modificação que mais enfatiza o caráter preventivo, em especial, o positivo, do que afasta o caráter dialético. Na primeira versão da teoria apresentada em 1966,13 unificavam-se a prevenção geral positiva, para a cominação de delitos e penas; a retribuição, para a determinação da sentença; e a prevenção especial positiva ou função de ressocialização, no momento da execução da pena. Tal união, posto que operada dialeticamente ou diacronicamente, realizaria uma síntese distinta das teses resolvendo as antinomias da teoria da função da pena.14 Em um segundo momento, já na última edição do Tratado de 1997,15 Roxin coloca em relevo, como dissemos, o aspecto positivo da prevenção geral, que é encontrado na 11 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 114. ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Tomo I. Fundamentos. La Estructura de la Teoría Del Delito. Traducción y notas Diego-Manuel Luzón Pena, Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Editorial Civitas, S. A., 1997. 13 ROXIN, Claus. Problemas Fundamentais de Direito Penal. 2. ED. Lisboa: Veja, 1993, p. 44. 14 PIACESI, Débora da Cunha. Funcionalismo Roxiniano e Fins da Pena. No prelo. Analisando a função da pena em Roxin: HIRECHE, Gamil Föppel el. A Função da Pena na Visão de Claus Roxin. Rio de Janeiro: Forense, 2004. 15 ROXIN, Claus. Derecho Penal. Parte General. Tomo I. Fundamentos. La Estructura de la Teoría Del Delito. Traducción y notas Diego-Manuel Luzón Pena, Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal. Madrid: Editorial Civitas, S. A., 1997, p. 91. 12 5 conservação e reforço da confiança na firmeza e no poder de execução do ordenamento jurídico, para o qual a pena tem a missão de demonstrar a inviolabilidade do ordenamento jurídico perante a comunidade, reforçando sua confiança jurídica e os valores tutelados pelas normas penais. O texto do manual, portanto, além de apresentar a teoria preventiva geral positiva, seguramente, reconstrói a teoria unificadora dialética nos limites de seu marco teórico, isto é, analisando a função preventiva da pena como a união dos aspectos geral negativo e geral positivo e do aspecto especial positivo -e negando a retribuição e o aspecto especial negativo- na concepção dialética de complementação e restrição de um aspecto frente ao outro.16 Percebe-se, assim, que a versão da teoria preventivo-geral positiva de Roxin acredita que a função da pena seria a de passar confiança no ordenamento jurídico, além de oferecer a proteção subsidiária de bens jurídicos, sempre amparados pelo princípio da culpabilidade, visando a ressocialização do delinqüente.17 Como exemplo dessa teoria, Roxin18 afirma que, ao determinar uma pena, a culpabilidade fará efeito como fundamento e limitação da mesma, e a lei não poderá impor a pena correspondente ao grau de culpabilidade em toda a sua extensão se não houver a necessidade da proteção de bens jurídicos ou necessidade de ressocialização. Assim, se mesclam, claramente, a análise da importância da justificativa para a imposição de penas – isto é, reconhecer que a mesma busca proteger os bens jurídicos, demonstrando ao restante da sociedade a manutenção da vigência da norma apesar do crime e a importância de seguir respeitando dado valor por ela tutelado19 (e não por mera necessidade de manutenção da ordem vigente como na versão da prevenção geral positiva de Jakobs)20 e a busca pela ressocialização do condenado – e o estudo da política criminal e 16 PIACESI, Débora da Cunha. Da fundamentação da pena: uma análise descritivo-crítica da função preventiva geral positiva.166 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Cândido Mendes, 2006, p. 101. 17 ROXIN, Claus. Culpabilidad y Prevención em derecho penal. Madrid: Reus, 1981, p. 95, e PIACESI, Débora da Cunha. Funcionalismo Roxiniano e Fins da Pena. No prelo. 18 ROXIN, Claus. Culpabilidad y Prevención em derecho penal. Madrid: Reus, 1981, p. 96. 19 Conforme: ROXIN, Claus. A Proteção de bens jurídicos como função do Direito Penal. Org. e trad. André Luís Callegari, Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2006. 20 Ver: JAKOBS, Günther. La Pena Estatal: Significado y Finalidad. Traducción de: Manuel Cancio Meliá e Bernardo Feijoo Sánchez. Madrid: Thompson Civitas, 2006. 6 de outros conceitos que serão melhor analisados a seguir, como o do princípio da culpabilidade e da própria responsabilidade. 2. DO PRINCÍPIO DA CULPABILIDADE. Em primeiro lugar, importa ressaltar, como Rodrigues21, a primeira acepção de culpabilidade, cuja origem pode ser encontrada no brocardo nullum crimen sine culpa e que remete ao entendimento de que a responsabilidade penal deve ser sempre subjetiva, só existindo quando comprovados dolo ou culpa (stricto sensu) na conduta. Uma segunda acepção da culpabilidade, como aduz Amaral Júnior22, se relaciona à busca pela “segurança de uma pena justa, proporcional à culpabilidade pessoal do autor do delito, frente às penas excessivas, desproporcionadas à gravidade do fato ou à reprovação moral que o autor do mesmo esteja a merecer”, ou seja, acepção que se relaciona à limitação da pena. Analisar a responsabilidade proposta por Roxin em substituição à culpabilidade implica analisar a terceira acepção da culpabilidade, qual seja, seu aspecto de elemento do conceito analítico de crime fundamentador da pena. Todavia, antes disso – e seguindo a lição do próprio mestre – insta avaliar a culpabilidade como princípio, na segunda acepção. Nesse intuito, há que se estabelecer, primeiramente, um panorama da evolução do conceito de culpabilidade na Alemanha. Até os anos sessenta, dominava na Alemanha a teoria da retribuição, segundo a qual toda culpabilidade deve ser apenada. Segundo Arthur Kaufmann: “(...) não só a pena tem que corresponder à culpabilidade, se não de que esta também se faz necessária a pena, se deriva de seu caráter absoluto (...). A pena tem que corresponder à culpabilidade, mas também a culpabilidade exige em princípio uma pena”.23 Partindo desse ponto é conveniente destacar que o princípio da culpabilidade possui duas concepções, a concepção unilateral e a concepção bilateral. Uma concepção bilateral do princípio da culpabilidade significa que a extensão e a gravidade da pena não podem ser, em nenhum caso, superiores ao grau de culpabilidade, 21 RODRIGUES, Cristiano. Teorias da Culpabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 11. AMARAL JÚNIOR, Ronald. Culpabilidade como princípio. IBCCRIM. Disponível na internet: www.ibccrim.org.br, 14.04.2004. Acesso em: 10 mar. 2008. 23 KAUFMANN, Arthur apud ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. España: Reus s.a., 1981, p.188. 22 7 mas também, ao mesmo tempo, que a culpabilidade exige o grau de pena que lhe corresponde, de tal maneira que não seria admissível uma pena inferior, ou seja, a concepção bilateral tem esse nome, pois apresenta dois lados da pena, um máximo e um mínimo que não podem, de forma alguma, ser ultrapassados, nem para mais nem para menos.24 Já na concepção unilateral, a pena também não pode ser superior ao grau de culpabilidade, mas quando as necessidades de prevenção geral e especial assim exigirem a pena pode colocar-se aquém do limite mínimo, ou até mesmo não haver pena, já que essa concepção só delimita um máximo que não pode ser ultrapassado. Claro está que na determinação da pena não se pode partir dessas duas concepções ao mesmo tempo.25 A concepção bilateral correspondeu à tradição dominante na Alemanha desde Kant e Hegel. Mas atualmente na doutrina e na jurisprudência alemã, existe uma unanimidade em torno da concepção unilateral de tal princípio. Isso significa dizer que se defende ainda que a pena supõe culpabilidade, mas já não se aceita que todo comportamento culpável exija sempre uma pena. Considera-se que um comportamento culpável só deve ser castigado quando as razões preventivas, ou seja, a missão do Estado de assegurar a convivência em paz e em liberdade, torna indispensável o castigo.26 Dois importantes exemplos são o perdão judicial e o erro de proibição, casos em que a ressocialização não seria necessária. O movimento de reforma alemã, desde o Projeto alternativo de 1966, defende que uma conduta não pode ser castigada unicamente por sua imoralidade culpável, mas somente quando isto seja necessário para a proteção dos bens jurídicos, quando represente uma lesão insuportável a uma ordem social pacífica.27 Na teoria geral do delito, se consideram três pressupostos da pena que são a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade. Atua antijuridicamente quem, sem estar autorizado, realiza um tipo jurídico-penal e, com isto, uma ação socialmente danosa. Tal comportamento só é culpável quando é reprovável sua autoria, pois poderia atuar de modo distinto, conforme o direito. Tais conceitos levam a diferenciação das causas de justificação 24 ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. España: Reus s.a., 1981, p.195. ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. España: Reus s.a., 1981, p.197. 26 ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. España: Reus s.a., 1981, p.189. 27 ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. España: Reus s.a., 1981, p.189. 25 8 e das causas de exclusão da culpabilidade, assim como entre o estado de necessidade justificante e exculpante, por exemplo. Dessa forma, temos que não é antijurídico o feito realizado em legítima defesa, como sem culpabilidade é o delito realizado em estado de enfermidade mental.28 Roxin defende a concepção unilateral do princípio da culpabilidade, como uma forma de salvaguardar a liberdade individual. Deve-se impedir que as necessidades preventivas gerais ou especiais permitam aplicar uma pena maior que a correspondente pelo conteúdo do injusto e da culpabilidade do caso concreto. A Política Criminal, na concepção unilateral, cumpre a função de limitadora da pena, já que só “autoriza” a imposição de uma pena se, além da culpabilidade, se apresentam as necessidades de prevenção geral e especial. Roxin, que defende a teoria da margem de liberdade, entende que a culpabilidade é fundamento de determinação da pena, de tal modo que o marco para a determinação concreta da pena se forme pela culpabilidade (vale ressaltar que algumas características da personalidade do autor são relevantes para definir o grau de culpabilidade que, por sua parte, reduz a necessidade preventiva geral) e que, dentro dessa margem de liberdade, sejam as considerações preventivas que decidam sobre a magnitude da pena. A culpabilidade cumpre o papel não apenas de limitar a pena, mas também o poder de intervenção estatal, pois, o grau de culpabilidade assinala o limite máximo da pena. Roxin pretende ligar o conceito de culpabilidade à função limitadora do Estado e desligar do princípio retributivo. Fica em relevo, dessa forma, a importância da relação entre a culpabilidade e a política criminal, visto que se por um lado a culpabilidade impõe limites ao abuso políticocriminal do poder punitivo, limites que, desde o ponto de vista do Estado de Direito, são necessários; por outro lado, uma política criminal orientada somente pelos critérios preventivos impede que um comportamento seja castigado apenas por sua culpabilidade. Daí a entrada dos aspectos político-criminais no conceito de responsabilidade, trazendo um grau de limitação da pena maior do que se fosse somente baseado no Princípio da Culpabilidade. Segundo Roxin, “a constatação da capacidade de culpabilidade requer uma 28 ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. España: Reus s.a., 1981, p.193. 9 certa generalização normativa, orientada nas exigências do ordenamento jurídico”29. Quando falta a culpabilidade faltam também às necessidades preventivas, geral e especial, de uma pena. Como preleciona José Manuel Gómez Benitez – ainda que para posteriormente apresentar uma visão crítica de Roxin – o princípio da culpabilidade pelo ato vai unido ao de proteção de bens jurídicos. Existe uma relação direta entre o valor do bem jurídico lesionado ou posto em perigo e a gravidade da culpabilidade, já que ele se apresenta como mecanismo de garantia e protetor do indivíduo frente ao Estado sancionador. Quando comparado com o injusto, para Roxin, a culpabilidade é considerada uma das perspectivas materiais mais importantes conseguidas pelo Direito Penal, e todos os elementos do injusto são, também, indiretamente critérios de culpabilidade e responsabilidade.30 Assim, a teoria da responsabilidade, que analisaremos a seguir, ao somar a necessidade preventiva de pena à culpabilidade, permite uma notável ligação da teoria do delito (terceira acepção da culpabilidade como elemento do conceito de crime que fundamenta a aplicação de pena) com a teoria da pena (segunda acepção determinante para a individualização da pena) aberta a influxos da política criminal, a parâmetros valorativos que são desdobrados de acordo com a matéria jurídica e não com definições conceituais fechadas. Assim, Rodrigues: Desta forma percebemos que a culpabilidade é fator determinante para a adequação da pena à necessidade de prevenção geral e específica, pois opera como limitador primário na sua aplicação, sendo sua análise indispensável à individualização da pena, evitando abusos e arbitrariedades que ultrapassem suas funções, inerentes a uma estrutura jurídico-penal justa e seguradora de direitos. 31 O grau de culpabilidade do réu é fundamento para a determinação da pena, mas deve-se levar em conta os efeitos que essa pena fará na vida futura do réu na sociedade e os 29 ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. España: Reus s.a., 1981, p. 177. GOMÉZ BENÍTEZ, José Manuel. Sobre lo interno y lo externo, lo individual y lo colectivo enel concepto penal de culpabilidad. In: Silva, Sánchez (ed.). Política Criminal y Nuevo Derecho Penal.Libro homenaje a Claus Roxin.Barcelona: José Maria Bosch Editor, 1997, p. 270 31 RODRIGUES, Cristiano. Teorias da Culpabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 14. 30 10 efeitos da punição ou da falta dela para os próprios membros da sociedade. E apesar da culpabilidade não determinar com precisão a pena, ela limita, e juntamente com a teoria da margem de liberdade, atinge sua finalidade político-criminal de restabelecer a paz jurídica perturbada e aumentar a consciência jurídica da sociedade, protegendo subsidiariamente os bens jurídicos. Dessa forma, percebe-se a importância e a inovação que traz Roxin no seu conceito de “responsabilidade”, englobando não só a tradicional culpabilidade, mas ressaltando também as necessidades preventivas, que quando não encontradas podem até justificar a não aplicação de pena ao indivíduo, já que Roxin adota a concepção unilateral de culpabilidade. 3. RESPONSABILIDADE E SUA EXCLUSÃO: A PROPOSTA DE ROXIN. Como se depreende da análise ora iniciada, Roxin reformula o modelo tradicional da culpabilidade, criando para o sistema do fato punível uma segunda categoria a acompanhar o injusto que seria a responsabilidade.32 Esta deve tomar por objeto, além da culpabilidade, as necessidades preventivas para o sancionamento penal. Segundo Roxin, a distinção entre o injusto e a culpabilidade não pode ser dividida claramente em uma parte externa e interna, em elementos objetivos e subjetivos, como na teoria clássica de Beling.33 Há muita discussão a respeito das terminologias e dos conteúdos da culpabilidade. Contudo, Roxin acredita ser unânime falar que a mesma se distingue do injusto pela peculiar forma de valoração a que se submete a ação do autor.34 A culpabilidade vai muito além do que um simples juízo de reprovabilidade ou censura da conduta praticada pelo autor, ou um conjunto de condições que justificam a imposição de uma pena ao autor de um delito, para Roxin a culpabilidade por si só, entendida como a possibilidade de atuar de um modo distinto, é insuficiente para justificar a imposição da pena, por esse motivo o autor inova trazendo o seu conceito de “responsabilidade”, que seria a idéia da culpabilidade mais as necessidades de prevenção 32 ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Tradução de Luís Greco – Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2006, p. 85. 33 ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. España: Reus s.a., 1981, p. 57. 34 ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. España: Reus s.a., 1981, p. 57. 11 especial positiva ou geral negativa e, em especial, positiva. Fica excluída a responsabilidade quando não há necessidade de prevenção, quando, por exemplo, o indivíduo já está ressocializado. (art. 59 CPB com art.1º da Lei 7210-LEP). Roxin propõe diferenciar o objeto de valoração, a valoração mesma e a união dos dois. O primeiro está relacionado ao tipo da culpabilidade, à totalidade do fato (injusto; elementos específicos, como o dolo e a culpa; e as circunstâncias decisivas). A segunda é conhecida como “reprovabilidade” que é o poder de livre decisão do particular. E por fim, a ligação desses dois conceitos, que diz respeito à culpabilidade ou ao fato culpável.35 Como se sabe, os três elementos tradicionais da culpabilidade são: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. Contudo, Roxin pensa que o decisivo não é imputar a alguém uma pena unicamente pelo fato de estarem contidos esses elementos na conduta do autor. É importante também analisar as necessidades preventivas da pena, de sancionar ou não no caso concreto. É ponto de vista das teorias retributivas puras tornar a punibilidade do autor que agiu ilicitamente dependente somente de sua culpabilidade, sem levar em conta as necessidades jurídico-penais de o fazer responsável ou não por sua ação. Segundo os retribucionistas, “o sentido da pena se encontra exclusivamente na compensação da culpabilidade”.36 Atualmente, a concepção dominante acredita que a sanção só é cabível quando é imprescindível por razões preventivas para manter a ordem pacífica na sociedade.37 Contudo, embora a culpabilidade por si só não seja de modo algum suficiente para impor uma pena é condição necessária para limitar e demarcar o poder estatal na imposição penal. Para Roxin: Enquanto a teoria do ilícito responde à pergunta sobre que atos são objetos de proibições penais, a categoria da responsabilidade visa solucionar o problema dos pressupostos com base nos quais o agente poderá ser responsabilizado pessoalmente pelo injusto que praticou.38 35 ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. España: Reus s.a., 1981, p. 58. ROXIN, Claus. Estudo de Direito Penal. Tradução de Luís Greco – Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2006, p. 85. 37 ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. España: Reus s.a., 1981, p. 72. 38 ROXIN, Claus. Estudo de Direito Penal. Tradução de Luís Greco – Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2006, p. 85. 36 12 Para demonstrar a influência da prevenção no afastamento da própria categoria tradicional da culpabilidade, Roxin39 utiliza o caso de um jovem de 14 anos de idade e, portanto, penalmente incapaz, que quebra a janela de um vizinho propositalmente. Nota-se que ele tem plena consciência de que não é permitido agir assim e é capaz de se comportar de acordo com esta exigência. Mas, contudo, o legislador dispensa a pena porque a coletividade não considera ameaça os delitos cometidos por menores de idade (falta necessidade preventiva geral), além disso, não é indicado educar crianças por meio de pena criminal (falta necessidade preventiva especial). Se, com o crescimento da criminalidade praticada por crianças nos últimos anos, já se escutam vozes a exigir a diminuição da maioridade penal para os 12 anos, isto só pode fundar-se não em uma culpabilidade recentemente descoberta no incapaz de culpabilidade, e sim na necessidade de uma prevenção mais eficaz. Será tarefa da criminologia demonstrar que instrumentos de educação e controle social devem aqui ser utilizados e que, de qualquer maneira, o direito penal não é um meio idôneo para disciplinar e socializar crianças.40 O elemento da teoria do delito, que tradicionalmente se denomina culpabilidade, passa a ser entendido e configurado como a comprovação, enriquecida pela necessidade de prevenção, da “responsabilidade” individual. Os fatores de prevenção têm uma importância decisiva para a imposição da pena e desempenham um papel na formação dos tipos de delitos e na configuração das causas que afastam a responsabilização do agente. A dogmática jurídico-penal fica mais próxima de sua missão de elaborar conhecimentos do ponto de vista teórico, em seus mínimos detalhes, e fazê-los frutíferos para a jurisprudência e a legislação. A proposta roxiniana da responsabilidade leva, portanto, à análise das causas de exclusão da responsabilidade. Nesse sentido, Roxin cita Gimbernat:41 “a exclusão da responsabilidade pode ser explicada pela falta de necessidade de prevenção jurídico-penal”. A partir desse raciocínio, conclui Roxin que é a falta de necessidade de prevenção especial ou geral positiva da pena que dá lugar à exclusão da responsabilidade, ou seja, que “as 39 ROXIN, Claus. Estudo de Direito Penal. Tradução de Luís Greco – Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2006, p. 90. 40 ROXIN, Claus. Estudo de Direito Penal. Tradução de Luís Greco – Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2006, p. 91. 41 GIMBERNAT apud ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. España: Reus s.a., 1981, p. 77. 13 tradicionais causas de exclusão da culpabilidade são, na verdade, casos de exclusão da responsabilidade baseadas nos fins da pena.” 42 Isso quer dizer que para Roxin não há necessidade de se aplicar sanção penal quando o agente, apesar de ter cometido um ato ilícito, não precisa ser ressocializado, e quando a falta de punição não trará maus exemplos para a sociedade; considerando que tal agente é socialmente integrado e só cometeu o ato ilícito devido a uma situação específica. O que resta modificado em muitos casos não é tanto o resultado da questão, já que situações como a coação moral irresistível e o excesso de necessidade exculpante já estão previstas como causas de exclusão da culpabilidade, mas sim o fundamento que permite o afastamento da culpabilidade agora rebatizada como responsabilidade. Reconhece-se uma grande diferença entre afastar o crime por falta de reprovação pessoal do agente baseada em um poder de agir de outro modo que não pode ser empiricamente comprovado, e afastar a responsabilidade porque não estão presentes exigências de prevenção geral e especial da pena. Além da construção de um arcabouço teórico mais coerente que legitima a dogmática jurídico-penal, a proposta da responsabilidade, ao somar as necessidades de prevenção geral e especial, permite a criação de outras hipóteses de exclusão da responsabilidade adequadas ao caso concreto. Parte-se do fundamento para as hipóteses jurídicas e não o contrário. Para exemplificar sua análise Roxin traz à baila, entre outras hipóteses que para serem analisadas teriam que ser objeto de outro artigo, o erro de proibição. O ordenamento jurídico alemão segue a chamada Teoria da Culpabilidade, segundo a qual o erro de proibição não exclui a pena do delito doloso, fórmula essa que se apóia no conceito bilateral do princípio da culpabilidade, ou seja, se o indivíduo podia evitar o erro agindo conforme o direito, age culpavelmente. Não se pergunta aqui se as razões preventivas fazem necessário o castigo do que atua em erro de proibição evitável, em todos os casos, somente a culpabilidade já obriga à imposição da pena.43. Na opinião de Roxin, é injusto e desnecessário castigar como delinqüentes dolosos a quase todos os que atuam em erro de proibição, já que tal pessoa “não se rebela de propósito contra a lei”, pois quem atua 42 43 ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. España: Reus s.a., 1981, p. 151. ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. España: Reus s.a., 1981, p.193. 14 erroneamente, mas acatando a ordem jurídica, não vai voltar a cometer o feito quando souber que ele é proibido, e tampouco oferece tão mau exemplo para que seja necessário, por razões de prevenção geral, impor-lhe uma pena, de acordo com uma visão políticocriminal. Portanto, segundo a concepção unilateral, só haveria necessidade de castigá-lo quando por razões preventivas.44 No caso do erro de proibição, por exemplo, o autor realizou uma ação antijurídica mesmo tendo a possibilidade de agir conforme o direito, afirma-se então a culpabilidade desse autor, pois ele teria a opção de agir de outro modo. Todavia, para Roxin, não é necessário, do ponto de vista preventivo especial, uma atuação sobre o autor. Ele foi impulsionado a cometer o delito pela anormalidade da situação, não existindo, portanto, perigo de reincidência e encontrando-se o indivíduo socialmente integrado. Fica claro então que, tendo-se em vista a culpabilidade, o erro de proibição inevitável não é punido, pois falta um dos aspectos culpáveis do crime, que é a potencial consciência da ilicitude. E considerando a culpabilidade um elemento que compõe o crime, o erro de proibição inevitável seria somente uma ação típica e ilícita. Já, quanto à responsabilidade, o erro de proibição, em alguns casos, mesmo o evitável, não é punido, pois a pena neste caso não cumpriria suas finalidades. Não há razões para responsabilizar o agente por ter agido de uma forma da qual qualquer pessoa de discernimento agiria. Não justifica aplicar pena a uma pessoa socialmente integrada que, se tivesse consciência da ilicitude, não agiria da mesma maneira, como também não justifica aplicar a pena visando afirmar a validade da norma, ou visando satisfazer o sentimento de justiça, pois, se qualquer pessoa prudente pode se encontrar numa situação de erro, a não punição não significa um mau exemplo. A proposta roxiniana da responsabilidade trata da questão de maneira mais ampla que a culpabilidade, pois não priva de sanção somente pelo seu aspecto não culpável, mas visando evitar as conseqüências negativas da aplicação desnecessária da pena, e realçando a idéia que a sanção penal deve cumprir com as suas finalidades. Permite também uma melhor análise da adequação da aplicação da pena em cada caso, já que delimita um fundamento para a exclusão da responsabilidade, qual seja, a aferição da necessidade de prevenção geral e especial positiva. 44 ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. España: Reus s.a., 1981, p.194. 15 4. CONCLUSÃO: Breves apontamentos críticos. A partir das ponderações feitas acerca da responsabilidade, temos a base para analisar o tema que é de grande valia para o direito penal, pois trata-se de uma proposta de mudança no que diz respeito a um assunto de total relevância para os aplicadores e estudiosos da ciência penal e também para o próprio Estado Democrático de Direito, qual seja, a formação do conceito de crime e a conseqüente imposição de pena ao criminoso. O objeto de análise do presente artigo é a teoria da responsabilidade. Essa consiste em acrescentar um novo conceito à culpabilidade, aproveitando a tradicional culpabilidade e inserindo a necessidade de prevenção especial e geral positiva, ou seja, apesar do sujeito ter praticado uma conduta típica e ilícita, não haveria a necessidade de ser responsabilizado, ficando este livre da sanção penal (por prevenção especial e prevenção geral), pois seu ato não o colocou à margem da sociedade. Dessa forma, a própria sociedade repele a aplicação da punição. Por conseguinte, a necessidade de prevenção geral positiva é abortada, partindo da análise do caso específico, da verificação da falta de responsabilidade e da inexistência de maus exemplos sob o prisma do funcionalismo. Dessa primeira aproximação ao estudo do tema, tornou-se possível o delineamento de aspectos negativos e aspectos positivos acerca da proposta roxiniana de responsabilidade. O fato de Roxin ter escolhido o conceito de culpabilidade tradicional como ponto de partida e ter aditado as necessidades preventivas em sua nova formulação, gerando a teoria da responsabilidade, poderia ser questionado. Isso porque ao não modificar a base da responsabilidade não resta claro, a princípio, como a nova proposição passaria ao largo da principal crítica ao conceito de culpabilidade, a de que o livre arbítrio como base para a reprovação pessoal do agente é indemonstrável empiricamente. Sabe-se que é praticamente impossível ao aplicador do direito detectar se o agente executor do injusto teria efetivamente a possibilidade de optar por outra conduta que não a criminosa, no momento do fato. Todavia, esse aspecto, ainda que não solucionado, foi simplesmente deixado de lado, já que é a política criminal por intermédio da teoria dos fins da pena que determinará a responsabilidade e seus efeitos serão sempre in bonam partem. 16 Assim, a culpabilidade por si só não tem como ser comprovada empiricamente, pois não há como demonstrar o livre arbítrio, mas aliada à prevenção, transformada em responsabilidade, atua como limitadora do Estado na aplicação da pena, ao demarcar quais atos serão objetos de proibições penais. De tal forma, a responsabilidade contribuirá ao possibilitar um sistema aberto, mais justo e mais ideal em cada caso. Solucionando problemas dos pressupostos com base nos quais o agente poderá ser responsabilizado pessoalmente pelo injusto que praticou, visando a necessidade individual do particular de receber a pena. Ficando claro que a proposta de Roxin é o oposto do que propõem os retributivistas já que estes vêem na pena somente a compensação da culpabilidade. Conclui-se criticamente que o ponto crucial da obra do penalista alemão é que a estrutura de sua teoria ainda está por ser delineada, ou seja, é um arcabouço políticocriminalmente adequado, mas que exige a criação de maiores parâmetros para não gerar riscos relativos à segurança jurídica. Exigir para a aplicação da pena que a caracterização da responsabilização respeite todos os elementos dogmáticos (tipicidade, ilicitude, culpabilidade) e os elementos político-criminais (só será aplicada quando necessária a ressocialização ou o reforço do valor ofendido pelo delito) torna a teoria adequada. Porém, há que se garantir que a aferição da necessidade de pena no caso concreto respeitará critérios que permitam maior discricionariedade, mas não ampliem espaço para arbitrariedades. Viabilizando uma maior interferência subjetiva do juiz no caso que se mostra à sua frente, a teoria da responsabilidade aumenta o risco de decisões discrepantes. O magistrado, não via de regra, mas sim via de exceção – e é na exceção que reside o perigo – poderá decidir, influenciado pela circunstância, como, por exemplo, a do sujeito ativo pertencer à mesma classe social, da maneira mais adequada que lhe pareça, com base no sistema aberto e na discricionariedade que detêm, e o controle de tal decisão terá sido dificultado. Diante de todas as vantagens que o artigo apresenta para o emprego de um sistema penal de tipo aberto, reconhece, por outro lado, que num tal sistema corre-se o risco de menor controle da atuação do magistrado. Nesse sentido, entende-se que melhor que afastar a possibilidade de aplicação da teoria é reconhecê-la como em construção. Ao utilizar o ponto de vista jurídico sob a ótica da Política Criminal, Roxin defende a tutela da vítima e também do delinqüente, prevenindo estes de punições injustas e 17 garantindo a todos a preservação dos preceitos constitucionais, mostrando-se mais válida para a solução dos problemas da sociedade. A grande vantagem da proposta de Roxin foi acrescentar um novo aspecto (necessidades preventivas) ao modelo tradicional da culpabilidade, sob o nome de responsabilidade. Esta permite um modelo funcionalista mais “aberto”. Por intermédio de uma política criminal que esteja dentro dos limites legais, baseada nas teorias dos fins da pena, pode-se determinar se o sujeito é responsável ou não pelo ato que cometeu. Percebese que o juízo de responsabilidade não se dirige ao fato, mas sim ao autor, pois visa a analisar a necessidade individual do particular de receber pena. E se erige em mais um filtro limitador da intervenção punitiva estatal cumprindo as exigências do direito penal de ultima ratio. A responsabilidade, ao dispensar a aplicação da pena por falta de razões preventivas gerais e especiais positivas, a exemplo da coação moral em que até existe a possibilidade de agir de outro modo, mas a conduta do coagido não demonstra necessidade de prevenção, fundamenta o afastamento da responsabilização do agente. Em suma, o modelo apresentado por Roxin permite uma maior proximidade à realidade, no que diz respeito ao caso concreto. Abrindo caminho para uma possibilidade efetiva de ressocialização, uma vez que as penas poderão ser sopesadas fielmente quanto ao “peso” do delito e às condições do delinqüente. A conclusão do presente artigo encontra na teoria mais aspectos positivos do que negativos. A proposta roxiniana da responsabilidade é uma teoria em construção, compatível com o ordenamento jurídico-penal brasileiro. Ela permite a solução de conflitos de forma justa, assegurando proteção a cada cidadão e limitando em benefício dele o poder estatal. Sendo imprescindível, para tanto, fixar padrões para a aplicação dessa teoria, garantindo uma plena segurança jurídica. 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARAL JÚNIOR, Ronald. Culpabilidade como princípio. IBCCRIM. Disponível na internet: www.ibccrim.org.br, 14.04.2004. Acesso em: 10 mar. 2008. 18 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 2006. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. GOMÉZ BENÍTEZ, José Manuel. Sobre lo interno y lo externo, lo individual y lo colectivo enel concepto penal de culpabilidad. In: Silva, Sánchez (ed.). Política Criminal y Nuevo Derecho Penal. 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