REDAÇÃO EM SALA DE AULA: UMA PROPOSTA DE REESCRITA
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REDAÇÃO EM SALA DE AULA: UMA PROPOSTA DE REESCRITA
REDAÇÃO EM SALA DE AULA: UMA PROPOSTA DE REESCRITA Maria Helena Corrêa da Silva Matei (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo/aluno Pós-Graduação-Mestrado) “ ... se é verdade que sou poeta pela graça de Deus – ou do demônio -, também é verdade que sou pela graça da técnica e do esforço e por dar-me conta em absoluto do que é um poema.” (Federico Garcia Lorca, apud Toledo, 2008). Introdução Muitos estudantes têm grandes dificuldades em escrever de modo claro, ligando as ideias numa sequência, constituindo assim uma unidade de sentido, em outras palavras, um texto coerente. Este estudo visa propor um trabalho de reescrita que possibilite a reflexão sobre a construção textual, mostrando que, para escrever, o dom ajuda muito, mas o aprendizado e o conhecimento das estratégias para este fim contribuem de modo considerável. Escrever exige, além do conhecimento do assunto – ninguém escreve se não tem o que escrever – o domínio de estratégias apropriadas. As escolas, como as de Ensino Fundamental II, na maioria das vezes, não preparam os estudantes para utilizarem aspectos importantes da língua na construção do sentido. Esses estudantes não têm consciência de que existem elementos estruturais (lexicais, gramaticais, semânticos, discursivo etc.) que precisam ser articulados no texto. Em sala de aula, “as oportunidades de escrita são quase sempre, reduzidas às (poucas) aulas de redação e aos eventuais apontamentos de aula normalmente copiados do quadro”. E os estudantes quando escrevem “limitam-se a uma escrita com finalidade escolar apenas; ou seja, uma escrita reduzida aos objetivos imediatos das disciplinas, sem perspectivas sociais inspiradas nos diferentes usos da língua fora do ambiente escolar” (Antunes, 2009). Para a construção de qualquer tipo de texto, a gramática de uma língua é um instrumento de importância, pois, através dela, podemos ter textos coerentes ou não, dependendo do modo de empregá-la. É a utilização dos recursos gramaticais de modo adequado que se garantirá a coesão. O conhecimento humano não pode ser expresso a não ser através de uma língua. É necessário que tenhamos um sistema de codificação para poder nos expressar. E para isso, a gramática é uma tecnologia indispensável que juntamente com o léxico realiza as relações textuais. Antunes (2009) afirma que “não existe texto sem gramática nem existe gramática que não seja para que os textos sejam possíveis”. Muitos estudantes, ao escrever, se frustam por não conseguirem passar para o papel aquilo que lhes vai no pensamento, pois este não está claro. Escrevemos para que o outro leia e isso nos inquieta. Muitos pensam que escrever bem é tão difícil que nem adianta tentar aprender. Muitos ainda têm “a convicção de que, se não aprendemos é porque não fomos capazes e, assim, somos o único responsável por nosso insucesso” (Antunes, 2009). A escola precisa dar condições para que o estudante desenvolva sua competência escritora. “Redação é um vocábulo, paradoxalmente, de conotação benéfica e perversa. Benéfica para os que conseguem alcançar o estabelecimento harmônico entre o pensar e o escrever; perversa, para aqueles que não realizam bem essas etapas” (Toledo, 2008). 1 – Considerações sobre texto, coesão e coerência Para abordarmos a questão dos recursos coesivos e apresentarmos uma proposta de reconstrução textual, faremos algumas considerações sobre o que é texto e sobre dois de seus princípios de textualidade: coesão e coerência. 1.1 Texto Ao falar em texto, não podemos deixar de nos referir ao discurso, pois este é concebido como “uma atividade comunicativa de um sujeito, numa situação de comunicação dada, englobando o conjunto de enunciados produzidos pelo locutor (ou pelo locutor e interlocutor, no caso dos diálogos) e o evento de sua enunciação” (Fávero e Koch, 1983). O discurso é dinâmico, seu início se dá quando o locutor realiza processo de codificação (Abreu, 1991). Essa situação se inverte a todo momento, o locutor fica na função de alocutário, portanto, decodifica e este na função de locutor, codifica. É um processo de interação onde o sentido vai se construindo. O discurso é histórico (aqui/agora) feito para uma ocasião, para um público determinado. O texto é um produto da enunciação, estático, definitivo, às vezes com alguma marca dessa enunciação que ajudará na tarefa de decodificá-lo (Abreu, 1991). Embora não haja consenso entre os teóricos sobre o que venha a ser um texto, adotaremos aqui a noção que é mais evidenciada nos estudos linguísticos da atualidade. Segundo Fávero (2009), o termo texto pode ser tomado em duas acepções: uma em sentido amplo e outra em sentido estrito. Aquela diz respeito à capacidade textual que o homem tem que “abrange qualquer tipo de comunicação realizada por meio de um sistema de signo, como poemas, músicas, pinturas, filmes, escultura etc.” (Martino, 2008); esta refere-se ao discurso que é manifestado linguisticamente por meio de textos (Fávero, 2009). Texto seria um todo significativo dotado de sentido (Martino, 2008). Nós não nos comunicamos através de palavras, frases isoladas e sim através de textos. Este “não é qualquer aglomerados de frases. É preciso verificar a viabilidade de um anunciado ser ou não um texto” (Martino, 2008). Para que um sequenciamento coesivo, ou não, constitua um texto, é necessária a unidade de sentido manifestada através de sua unidade temática, isto é, o fundamental para que um texto seja um texto é a presença da coerência. O conteúdo do texto se caracteriza por um conjunto de relações responsáveis pela ‘tessitura’ do texto (Fávero & Koch, apud Martino, 2008). “O texto é um tecido verbal estruturado de tal forma que as ideias formam um todo coeso, uno, coerente”. Ele “exige determinadas habilidades do produtor, como conhecimento do código, das normas gramaticais que regem a combinação dos signos. A competência na utilização dos signos possibilita melhor desempenho” (Medeiros, apud Martino, 2008). 1.2 Coesão e Coerência Coesão e coerência são dois princípios fundamentais na construção da textualidade. São distintos? Muitos estudiosos fazem distinção entre esses princípios textuais, outros não a fazem e outros ainda não se referem a distinção alguma. Charolles (1997), por exemplo, é um dos que preconiza a inutilidade dessa distinção. Diz este autor “No estado atual das pesquisas (...) não mais parece possível, tecnicamente, operar uma partição rigorosa entre as regras de abrangência textual e as de abrangência discursiva” (grifo nosso). O autor coloca que não pode haver mais uma distinção rigorosa entre coesão e coerência. Assim, entendemos que o autor também adimite que exista uma distinção, mas em grau diminuto, embora diga que seja inútil. Concordamos com Martino (2008), quando diz que existe essa distinção, embora aconteça numa relação estreita, mas existe. Podemos encontrar um sequenciamento coesivo de fatos isolados que não forma um texto; do mesmo modo, podemos encontrar textos sem nenhuma coesão aparente, mas sua textualidade se justifica pela coerência (Fávero,2009). Ambas são responsáveis por dar textualidade a um conjunto de enunciados. A coesão diz respeito à estruturação da sequência superficial do texto, enquanto a coerência diz respeito ao processamento cognitivo. A primeira ocorre no nível microtextual e está na superfície do texto; a segunda ocorre no nível macrotextual, responsável pelo sentido. Para se ter a competência escritora é necessário trabalhar as duas numa relação. “A coesão ajuda a estabelecer a coerência na produção de textos, na percepção de seus sentidos, pois o sentido a transmitir é definido por meio de palavras, e o sentido das palavras é definido pelo contexto em que foram empregadas” (Benveniste, apud Marino, 2008). “O texto constitui-se não apenas de uma sequência de palavras ou de frases. A sucessão forma uma cadeia que vai muito além da simples sequencialidade: há um entrelaçamento significativo que aproxima as partes formadoras do texto. Os elementos constitutivos vão construindo o texto e são as articulações entre vocábulos, entre as partes de uma oração, entre as orações e entre os parágrafos que determinam os contatos e conexões e estabelecem sentido ao todo” (Martino, 2008). 2 – Análise 1 Utilizando-nos de um texto produzido por um aluno do 2º ano do Ensino Fundamental II, destacaremos alguns recursos coesivos de substituição gramatical, alguns da conexão que se realiza através de conectores e ainda da definitivização, recurso da repetição responsável pela conexão sequencial. Dos primeiros salientaremos algumas unidades gramaticais como os pronomes ele(a), sua, o e o advérbio lá; dos segundos avaliaremos o valor semântico da conjunção como que apresenta uma relação de causalidade e o da conjunção enquanto que apresenta uma relação de temporalidade e do último, especificaremos entidades já mencionadas no texto. 1 Reescrita feita pela classe, com a orientação do professor. Linha 1: “O João estava com um lindo riso na janela as meninadas brincando na trepadeiras ...” Primeiramente, vamos fazer uma observação em relação ao emprego do termo riso. No texto sob análise, riso foi trocado pela termo sorriso, uma vez que o sentido que se propõe no texto é o de revelar alegria, sem no entanto acompanhada de ruído, como acontece com a ação do rir que apresenta um som característico, conforme o dicionário Aurélio. Para que o nexo não fique comprometido, é necessário, nesse seguimento, estabelecer uma relação semântica que seja responsável pela conexão entre as duas orações. Parece-nos que essa conexão pode ser realizada por uma relação de temporalidade que expressa o tempo quando são realizadas as ações (Antunes, 2009). Neste caso, o tempo das ações é simultâneo, por isso, usaremos o conector enquanto que expressa relação de simultaneidade. Primeiro momento da reescrita: João estava com um lindo sorriso na janela, enquanto a meninada estava brincando (brincava) na trepadeira. Linhas 3 e 4: “E la quando ele olhou a amada de João olhando suavemente para ele”. O emprego da pro-forma adverbial lá substitui o componente na trepadeira. Neste caso, estabeleceu-se a coesão, porque a substituição ocorreu na medida em que o advérbio lá retoma anaforicamente os elementos gramaticais na trepadeira. O lá exerce função pro-sintagma, segundo Fávero (2009). Os pronomes ele, sua, podem substituir anaforicamente o termo antecedente João. Essa referência feita a João perpassa o texto do começo ao fim. Essa ligação entre o termo referente e seu termo substituto forma um nexo coesivo. Segundo momento da reescrita: Quando para lá ele olhou, de lá, a sua amada estava olhando suavemente para ele.. Linhas 5 e 6 : “E lá estava o birote no lindo e longo cabelo de Beatriz”. Para preservar o referente textual, o advérbio lá só pode se referir ao sintagma na trepadeira. Assim, a progressão do texto é garantida quando consideramos que quem está na trepadeira é Beatriz e não o birote (este está nos cabelos de Beatriz). Poeticamente, poderíamos aceitar essa construção, porém, para se preservar a coesão, o texto tem que apresentar uma unidade de referência, uma vez que não houve menção de outra expressão de lugar que justificasse a retomada através desse advérbio. O enfoque que estamos dando é para Beatriz estar na trepadeira e não o birote. Terceiro momento da reescrita: Lá estava Beatriz com um birote nos lindos e longos cabelos. Linhas 7 e 8: “E Beatriz tão semelhante chamom ele chamou ele para brincar na trepadeira:”. Aqui, notamos novamente o problema de nexo. É necessário que se estabeleça uma relação semântica sinalizada pela conexão (Antunes, 2009). A sequencialização por conexão é estabelecida nesse seguimento de orações quando utilizamos a relação de causalidade em que a primeira oração expressa a causa que levou Beatriz chamar João para brincar com ela na trepadeira (consequência). O operador através do qual se estabelece essa conexão é chamado do tipo lógico, porque junta duas ideias numa relação de causalidade (Fávero, 2009). A coerência se mantém, porque se torna explícita a relação entre as duas ideias desse período e aquelas apresentadas anteriormente no texto. A expressão “tão semelhante” retoma “a sua amada estava olhando-o suavemente”. A retomada do referente se faz por meio de uma expressão que denota quase uma igualdade. Na continuidade do texto essa expressão é substituida por zero, oculta-se o item gramatical: olhando suavemente. É um caso de coesão por elipse. A elipse consiste, muitas vezes, no simples apagamento de um termo ou expressão presentes no contexto anterior (e aí se justifica a ideia de substituição por ø (Koch, 1991). A elipse serve para se evitar repetições de palavras ou expressões, o elemento oculto estará subentendido (Martino, 2008). Identificada a expressão anafórica, devemos identificar a continuidade para estabelecer a progressão textual. Como ele estivesse tão semelhante a ela (olhando suavemente), essa é a informação nova que se relaciona a “a sua amada estava olhando suavemente para ele”, informação velha. Isso garante a coerência do texto, pois a coerência exige a progressão semântica (Martino, 2008). “Beatriz chamou-o para ...”. Aqui, novamente temos o caso de substituição cujo pronome o retoma o termo João anaforicamente. Ele, o, sua formam uma cadeia anafórica relativa a um mesmo referente João. Quarto momento da reescrita: Como ele estivesse tão semelhante a ela (olhando suavemente), Beatriz chamou-o para brincar na trepadeira. Voltando às linhas 1 e 5. “O João estava com um lindo riso na janela e a meninada brincando na trepadeira”. O artigo definido retoma uma entidade conhecida, isto é, que já foi mencionada anteriormente no texto. O artigo indefinido é catafórico, remete à informação que vem posterior e o artido definido é anafórico, remete à informação que está anteriormente colocada (Koch,1991). A definitivização também é um recurso coesivo, já que retoma ou antecipa elementos presentes no texto. Marcuschi a apresenta como repetidores, já Fávero (2009) questiona essa apresentação. Segundo a autora, poderia ser um caso de substituição. Mesmo sabendo que fica esquisito apresentar uma entidade nova com o artigo definido, poderíamos até considerar a definitivização no inicio desse texto, pois ocorre dialogicamente, isto é, embora o narrador tenha usado o definido sem antes ter tido mencionado a entidade a qual se refere, o emprego do definido nesse início do texto faz sentido, porque estamos considerando aí a condição de produção. O narrador trata seus leitores com certa familiaridade, uma vez que o texto foi produzido em sala de aula para, possivelmente, ser escolhido pelos colegas. O mesmo acontece com a meninada brincando na trepadeira. “E lá estava o birote no lindo e longo cabelo de Beatriz”. Aqui, o uso do definido o foi trocado pela classe pelo indefinido, uma vez que a entidade birote está sendo mencionada pela primeira vez no texto; portanto, não é conhecida. Não é um caso de retomada; desse modo, o emprego do definido torna-se inadequado. Quinto momento da reescrita: Lá estava Beatriz com um birote nos lindos e longos cabelos. Após a reescrita do texto, podemos dizer que esses recursos coesivos aqui apresentados garantiram sua coerência, isto é, a unidade temática foi preservada e foi dado o título A paquera. Conclusão Trabalhar o modo de funcionamento do texto é dar ao estudante informações básicas para que ele escreva de uma maneira mais elaborada, evitando frases desconexas que levam a um texto mal formado. Segundo (Martino, 2008), o que falta ao estudante é “reconhecer que, treinando o uso dos elementos de coesão e percebendo o funcionamento da coerência”, a escrita “poderá ser vista como possível”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ABREU, Antonio Suárez. Curso de Redação. 3. ed. São Paulo: Ática, 1991. ANTUNES, Irandé. Lutar com PALAVRAS – coesão e coerência. 5. ed. São Paulo: ABDR, Editora Afiliada, 2009. ________ Aula de português, encontro & interação. 7. ed. São Paulo: TT Parábola, 2009. CHAROLLES, Michel. Introdução aos problemas da coerência dos textos, in O Texto Leitura & Escrita, tradução: Galves, Charlotte; Orlandi, Eni Puccinelli; Otoni, Paulo. Campinas: Pontes, 1997. FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e coerência textuais. 11. ed. São Paulo: Ática, 2009. FÁVERO, Leonor Lopes & Koch, Ingedore. Linguística Textual, introdução. São Paulo: Cortez, 1983. FIORIN, José Luiz; SAVIOLI, Francisco Platão. Lições de texto: leitura e redação. São Paulo: Ática, 2002. KOCH, Ingedore G. Villaça. A coesão textual. 4. ed. São Paulo: Contexto, 1991. ________ A coerência Textual. 4. ed. São Paulo: Contexto, 1992. MARTINO, Agnaldo Sérgio de. Coerência e Coesão na interpretação de textos em provas de concursos públicos. Dissertação de mestrado. PUC-SP, 2008. RABAIOLLI, Maristela. Coesão textual em contraste: escola pública e privada. Revista Virtual de Estudos da Linguagem – Revel. Ano 4, n°6, 2006. – <http://www.revelhp.cjb.net>. Acesso em: 23 fev. 2010. TOLEDO, Marleine Paulo M. e F. O ato de Redigir. 2. ed. São Paulo: Nankin editorial, 2008. Anexo TEXTO DO ALUNO “O joão estava com um lindo riso na janela as meninadas brincando na trepadeiras. E la quando ele olhou a amada de joão olhando suavemente para ele: E lá estava o birote no lindo e longo cabelo de Beatriz. E Beatriz tão semelhante chamom ele chamou ele para brincar na trepadeira:” Reescrita Coletiva (feita pela classe) A paquera João estava com um lindo sorriso na janela, enquanto a meninada brincava na trepadeira. Quando para lá ele olhou, de lá, a sua amada estava olhando suavemente para ele. Lá estava Beatriz com um birote nos lindos e longos cabelos. Como ele estivesse tão semelhante a ela (olhando suavemente), Beatriz chamou-o para brincar na trepadeira.
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