GUIA de NEGOCIANTES

Transcrição

GUIA de NEGOCIANTES
APOTEC – ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE TÉCNICOS DE CONTABILIDADE
GUIA de NEGOCIANTES
de Mathieu DE LA PORTE,
Uma Tradução Editada em 1794
CENTRO DE ESTUDOS
DE HISTÓRIA DA CONTABILIDADE
Hernâni O. Carqueja
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RESUMO
Boletim N.º 38 do Centro
de Estudos de História
da Contabilidade
Outubro de 2007
Edição: APOTEC - Associação Portuguesa de
Técnicos de Contabilidade
Conselho Editorial:
– Prof. Doutor
Rogério
F. Ferreira
– Manuel J. Benavente
Rodrigues
Coordenação:
– Isabel Cipriano
Estes apontamentos visam comentar a edição do “Guia de Negociantes”, tradução editada mais de um século depois da primeira edição do livro
original em francês, recordar alguns traços mais marcantes do contexto
económico e político em que Mathieu de la Porte viveu, e escreveu os livros,
e divulgar alguns aspectos das soluções que expôs num outro livro, a
“Ciência dos Negociantes”.
Portugal representou um pólo de desenvolvimento comercial, com particular importância no xadrez europeu dos séculos XV e XVI. Considerando as
relações com a Flandres, testemunhadas pela existência duma feitoria importante no início do século XVI, e a união real com Espanha entre 1580 e 1640,
facilitadora da influência recíproca, o facto de tanto na Flandres como em
Espanha existirem livros abordando as partidas dobradas logo no século
XVI, a existência de prelos em Portugal desde o século XVI e o português
ser a língua oficial desde D. Dinis, surpreende o vazio dos séculos XVI
e XVII quanto a livros em Português sobre partidas dobradas, e o atraso
relativo evidenciado pelos primeiros livros editados. Só na segunda
metade do século XVIII apareceram os primeiros livros em Português: “Mercador Exacto” em 1759, de Bonavie, o “Tratado Sobre Partidas Dobradas” em
1764, de autor não conhecido, Arte sobre Partidas dobradas” em 1765, de
Venâncio Coutinho e o “Guia de Negociantes”, em 1794, livro que representa
um patamar do conhecimento menos elaborado do que “Ciência dos Negociantes”, o livro base para referência do autor, Mathieu de la Porte.
Mathieu de la Porte, além de autor tomado pelo censor como uma
referência na apreciação conducente à autorização da publicação do
primeiro livro em português sobre as partidas dobradas recenseado, o “Mercador Exacto” de Bonavie, editado em 1759, e reedições em 1771 e 1779,
assume particular importância quando Gonçalves da Silva qualifica este
primeiro livro em português como uma “medíocre adaptação” de
obra do francês “De Laporte”. A influência de De la Porte em Portugal é
também documentada pelo livro editado em português em 1794, o “Guia
de Negociantes”, embora a primeira edição em francês tenha sido editada
mais de século antes, em 1685. A tradução, foi feita por um aluno do segundo
ano do curso da Aula do Comércio, José Joaquim da Silva Perez, que precisa
a sua identificação acrescentando “de Milão”, o que sugere essa naturalidade.
São muito escassos os testemunhos sobre a vida de Mathieu de la Porte,
mas os que existem caracterizam-no como um “europeu antes de existir
União Europeia”. Nasceu na Holanda, país com o qual manteve laços ao
longo de toda a sua vida, mas trabalhou em França e naturalizou-se francês.
Viveu numa época de afirmação e expansão da Holanda e da França.
A notoriedade internacional de Mathieu de la Porte, como elo na cadeia
de criação e transmissão do saber contabilístico, é justificada principalmente
por uma outra sua obra, a “Ciência dos Negociantes” editada em francês
em 1704 e que registou reimpressões e reedições até 1800. No legado de
De la Porte destacam-se a clareza e esquematização da sua exposição, a
utilização de livros auxiliares, o esclarecimento dos procedimentos
para encerramento e reabertura de contas e o seu contributo para a
racionalização da lista de contas.
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APOTEC – ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE TÉCNICOS DE CONTABILIDADE
PALAVRAS E EXPRESSÕES CHAVE
CENTRO DE ESTUDOS
DE HISTÓRIA DA CONTABILIDADE
Abjuração do protestantismo, Aula do Comércio, balanço, conta, contabilidade,
contas gerais, crédito, D. José I, D. Maria I, De la Porte, De Laporte, Delaporte, deve,
débito, Guerra da Holanda, haver, iluminismo, Luís XIV, Mathieu de la Porte,
naturalização como francês, partidas dobradas, plano de contas, renascença.
ÍNDICE:
Resumo
Palavras e expressões chave
Apresentação
O “Guia de Negociantes” e os outros livros de contabilidade portugueses até 1800
O profissional de escrita e mestre de partidas dobradas
O contexto em que viveu
O conteúdo da tradução do “Guia de Negociantes”
A verdadeira regra para achar o devedor e o credor
Os exemplos (ajustados pelo tradutor)
Uma operação invulgar, e outras curiosidades
O “GUIA” e a “CIÊNCIA” dos Negociantes
Debitar, creditar e fórmulas de lançamento
O fecho e reabertura de contas, e o balanço
Classificação e seriação de contas
Em fecho: o legado de De la Porte
Bibliografia
ANEXO I – Índice do GUIA DE NEGOCIANTES
ANEXO II – Licença para editar em 1758
ANEXO III – Extracto do “Código de Savary”
ANEXO IV - Quadro de Contas, conforme Lemarchand (1998:553)
SÉCULOS XVII e XVIII
(Extracto de apontamento por Adriano Vasco Rodrigues)
Intencionalmente não intitulei este apontamento de Os grandes eventos (...);
dando-lhes, aos eventos, forma definida através do artigo plural os, porque
considero os fenómenos históricos demasiado complexos e interligados, mesmo
aqueles que nos parecem insignificantes, pelo que não é legítimo singularizá-los
como únicos responsáveis pela marcha do Progresso. Por essa razão, pensei que
seria mais correcto apresentar um título genérico que abrangesse uma série de
acontecimentos resultantes da complexidade fenoménica histórica, apontando
algumas balizas, ou marcos, da Civilização Europeia do século XV aos nossos dias.
A fim de não ser um mero registo cronológico, procuramos introduzir anotações sintéticas, assinalando as mudanças mais significativas.
Século XVII
A primeira metade deste século é marcada pela Guerra dos Trinta Anos, que
ensanguentou o Centro da Europa, principalmente a Alemanha, numa luta entre
Católicos e Evangélicos. É o grande século da França, o Século de Luís XIV, o
Século do Absolutismo, pré-figuração do Estado Moderno e do Mercantilismo,
das fortalezas à Vauban, dos exércitos numerosos e dos mosqueteiros. Foi o
período da Idade de Ouro dos Países Baixos, em que a Marinha Mercante das
Províncias Unidas tinha mais tonelagem que as frotas francesa e inglesa
reunidas. Foi também o período auge dos autos de fé na Península Hispânica.
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1600
1602
1610
1618
1629
1633
1640
1648
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Criação da Companhia Inglesa das Índias Orientais.
Criação da Companhia Holandesa das Índias Orientais.
Invenção do Telescópio (Galileu).
Defenestração de Praga.
Início do Governo de Richelieu.
Condenação de Galileu.
Restauração da Independência de Portugal.
Tratado de Westfália.
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DE HISTÓRIA DA CONTABILIDADE
1649-58 – Ditadura de Cromwell.
1649 – Decapitação de Carlos I e Proclamação da República na Inglaterra.
1660 – Restauração da Monarquia Inglesa com os Stuarts.
1664 – Fundação da Companhia Francesa das Índias Orientais, por Colbert.
1679 – Declaração do Habeas Corpus, na Inglaterra. Garantia das Liberdades
Individuais.
1682 – Instalação da Corte em Versailles. Rei Sol.
1682-725 – Reinado de Pedro, o Grande, da Rússia.
1683 – Cerco de Viena pelos Turcos Otomanos.
1685 – Revogação do Édito de Nantes (Restrição da liberdade religiosa em França).
1694 – Criação do Banco de Inglaterra.
Século XVIII
É o século do Despotismo Iluminado e dos Reis Sol, da expansão da Rússia e
da formação do Reino da Prússia. Marca o apogeu do Barroco e os inícios da
Revolução Industrial e do comércio marítimo feito com grandes veleiros, os
clippers. Mas é também o século da Independência dos Estados Unidos e da
Revolução Francesa e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
1701 – Início do Governo de Frederico I, Rei da Prússia.
1713 – Tratado de Utrecht (Origem do desenvolvimento do Império Britânico
Ultramarino).
1735 – Metalúrgia do Carvão (Abrahão Darky).
1755 – Terramoto de Lisboa.
1756-63 – Guerra dos Sete Anos.
1776 – Independência dos Estados Unidos.
1776 – Primeira linha de caminho de ferro.
1789 – Revolução Francesa e Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.
1793 – Adopção do Sistema Métrico, em França.
APRESENTAÇÃO
O livro motivador desta apresentação, “Guia de Negociantes”, chegou até mim
incluído na compra numa loja especializada em móveis usados, dum lote de livros
usados em que só alguns eram sobre contabilidade. Demorei a atribuir-lhe o
significado que agora lhe reconheço, e demorei também a reconhecer como provável
que tenha feito parte da biblioteca que pertenceu a José Henriques Garcia(1).
É um dos poucos livros em português editados antes de 1800, e é tradução dum
autor, Mathieu de la Porte, que Gonçalves da Silva aponta como fonte do livro de
Bonavie, “Mercador Exacto Nos Seus Livros De Contas”, o livro actualmente
aceite como o primeiro em português sobre a técnica das partidas dobradas(2). A
influência em Portugal dos livros em francês sobre partidas dobradas começou
cedo, e prolongou-se por longo período, até ao Código da Contribuição Industrial
de 1964. Este acolhe uma perspectiva de representação contabilística em que o
balanço de resultados evidencia influência de ideias de Zappa e Schmalenbach,
e marca o fim dum longo período da prevalência no saber contabilístico em
Portugal da influência de autores em francês.
A série de autores em francês influentes abriu com De la Porte, seguiu-se
Degranges, depois Courcelle-Seneuil e ainda no sec. XIX, Léautey et Guibault; já
no século XX tal influência é evidenciada pelo acolhimento dispensado às obras
de Dumarchey, e atenção evidenciada por Lopes Amorim relativamente a René
Delaporte. Acrescentem-se a influência provável de Barrême (1721), a tradução
(1844) da obra de Poitrat, e ainda a edição em Portugal de obras em francês, por
exemplo sobre contabilidade agrícola. Considerando a disponibilidade dos livros
de texto, parece inegável a grande influência dos escritos em francês desde a Aula
do Comércio até ao referido Código da Contribuição Industrial.
O meu especial interesse como estudioso de contabilidade está focado no
processo de construção do saber contabilístico que agora usufruímos. Anoto desde
já que o “Guia de Negociantes” não é para mim um livro cujo conteúdo tem
particular importância: não é a obra prima do autor e não representa qualquer
avanço significativo. Só o facto de ter sido editado em português na última década
do século XVIII o torna notado. De la Porte é normalmente apreciado com
base na “CIÊNCIA dos Negociantes”, livro cuja primeira edição é referida
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CENTRO DE ESTUDOS
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a 1704(3), quase vinte anos depois da primeira edição do “GUIA de Negociantes”,
e que representa outro folgo. O livro a “CIÊNCIA dos Negociantes”, provavelmente referido à edição de 1712, é a base de apreciação quando Vlaemminck
(1961:201) diz que “Mathieu de la Porte é o autor francês do século XVII que,
mais que Stevin e os outros, contribuiu para dar à contabilidade a forma clássica
que hoje apresenta. O seu tratado que já conta dois século e meio, não se apresenta
como excessivamente arcaico quando comparado com muita da produção moderna”. Não ficou isolado na sua opinião, partilha-a com Stevelinck (1970:130), que
escreve: “As obras de Matthieu de la Porte tiveram uma enorme repercussão”,
com Melis (1950:719) que, procurando caracterizar a evolução em França, refere:
“Deixemos de parte os pequenos tratados e mencionemos a obra de Savary e,
especialmente, a «Ciência dos Negociantes» de De la Porte, que, ...., foi editada nos
setecentos” e com Lemarchand (1998:557): “ele fixa, por cerca de dois séculos, o
modelo do manual francês de contabilidade”.
A importância reconhecida a De la Porte no desenvolvimento do saber contabilístico
dentro do contexto internacional, a curiosidade de Gonçalves da Silva o considerar
base do livro de Bonavie e na informação para autorização de publicação deste livro
(ver ANEXO III) ser autor citado, e o facto do “GUIA de NEGOCIANTES ou NOVO
TRATADO SOBRE os LIVROS DE CONTAS EM PARTIDAS DOBRADAS”, ser
tradução de um livro de “Mr. DE LA PORTE” com a primeira edição em francês
mais de um século antes, são argumentos da minha justificação para esta compilação de apontamentos e comentários.
(continua)
(1)
(2)
(3)
Um outro livro do mesmo lote tinha o ex-líbris deste ilustre contabilista e coleccionador.
Consideramos testemunho convincente da influência de De la Porte quando da publicação do
livro de Bonavie a informação que se transcreve no ANEXO II.
Na bibliografia Melis (1950:730) menciona a edição de 1712, e não a primeira, que é de 1704
(Jouanique; 1996:341). Verifiquei que em edição de 1769, de exemplar da biblioteca do colega
José Martins Lampreia, os exemplos aparecem datados de 1712 (HOC), data que também é a
referida por Reymondin; 1909:89, e Zurdo; 1933:147. Entretanto Jouanique (1996:341) é
taxativo: “Não temos informações até 1704, data em que aparece a primeira edição de La Science
dês Négociants”. Face a esta constatação ficamos com o problema da data dos exemplos, 1712, o
que sugre diferenças relativamente a uma edição referida a 1704.
Lopes Amorim (1929:60), indica 1685 e o título “Traité de la Science des Négociants et Teneurs
de Livres”, o que sugere uma referência indirecta e está errada. Nenhum dos títulos começa por
“Traité”, termo que aparece na segunda parte do título do “GUIA”, e a data de 1685 não respeita
à “CIÊNCIA” mas sim ao “GUIA”. Anote-se que Amorim, 1969, faz várias citações de De la Porte
com diferentes referências de datas, por exemplo: (1969:161 e 170) 1673, (1969:164) 1704, (1969:
149, 164 e 215) 1712, (1969:190) 1741, (1969:143) 1743. A compilação das diferentes citações
acentua a ideia de que todas são indirectas e não foram confirmadas, pelo que algumas vezes
veicularam erros das fontes.
Cruz Vidal (1956:289) na bibliografia indica correctamente os títulos dos livros e sobre as datas,
respectivamente 1685 e 1704 para o “Guide” e a “Science”, anota: “No que se refere à disputa acerca
da data de publicação destes livros, veja-se Fábio Besta, La ragioneria, vol II, pp. 444/45.”
COMPOSIÇÃO DO CENTRO DE ESTUDOS DE HISTÓRIA
DA CONTABILIDADE PARA O TRIÉNIO 2007-2009
Presidente Honorário: ANTÓNIO LOPES DE SÁ, PROF. DOUTOR | Conselho Científico: ANA RITA SILVA DE SERRA FARIA, DR.ª •
Docente na Universidade do Algarve – ANTÓNIO CAMPOS PIRES CAIADO, PROF. DOUTOR • Professor no ISEG – ANTÓNIO LOPES DE
SÁ, PROF. DOUTOR • Professor Catedrático – ARMINDO FERNANDES COSTA, DR. • Revisor Oficial de Contas e Professor na Universidade
do Minho – HERNÂNI OLÍMPIO CARQUEJA, DR. • Director da Revista de Contabilidade e Comércio – JOAQUIM ANTÓNIO CALADO
COCHICHO, DR. • Responsável pela Biblioteca dos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo – JOSÉ MARTINS LAMPREIA, DR. • ROC – JUDITE
CAVALEIRO PAIXÃO, DR.ª • Directora do Arquivo Histórico do Tribunal de Contas – MARIA DA CONCEIÇÃO COSTA MARQUES, DR.ª •
Professora no ISCAC – ROGÉRIO FERNANDES FERREIRA, PROF. DOUTOR • Professor Catedrático | Conselho Executivo: ABÍLIO
MARTINS • Associado da APOTEC – ANA CRISTINA MOURA MENDES, DR.ª • TOC e Associada da APOTEC – HELDER VIEGAS DA SILVA,
DR. • Professor no ISCAL – JOÃO FILIPE GONÇALVES PINTO, DR. • Presidente da Assembleia Geral da APOTEC – JOSÉ ANTÓNIO R.
PEDRO MURALHA, DR. • ROC – MANUEL JOSÉ BENAVENTE RODRIGUES • Membro da Direcção Central da APOTEC – MANUEL
VIRIATO CARDOSO PATULEIA • Presidente da Direcção Central da APOTEC – MARIA TERESA DE OLIVEIRA DIAS NETO, DR.ª • Vice-Presidente da Direcção Central da APOTEC – MATILDE CONCEIÇÃO ESTEVENS, DR.ª • Docente no ISCAL – OLGA CRISTINA PACHECO
SILVEIRA, DR.ª • Secretária da CNCAP – SEVERO PRAXEDES SOARES, DR. • Director do Jornal de Contabilidade
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CENTRO DE ESTUDOS
DE HISTÓRIA DA CONTABILIDADE
FORMAÇÃO HISTÓRICA,
CORRENTES DOUTRINAIS
E PLANOS DE INVESTIGAÇÃO
DA CONTABILIDADE
Vicente Montesinos Julve
Catedrático da Faculdade de Ciências Económica e Empresariais da Universidade de Saragoça
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(continuação)
6.8. Considerações acerca do período científico em Espanha
Durante o século XIX continua a influência, em Espanha, das doutrinas contistas, mas pode
observar-se a introdução das modernas teorias italianas, cuja presença será mais patente já dentro do
presente século(274).
Na segunda metade do século XIX aparece uma grande quantidade de livros, entre os quais se
destaca o publicado por Francisco Castaño Diéguez, “A Verdadeira Contabilidade, ou seja, Curso
Completo, Teórico Prático, de Escrituração por Partidas Dobradas” (1863), que se situa entre a simples
personificação e a teoria personalista, revelando influência da doutrina de Cerboni. Emilio Oliver
Castañer, em “O Guarda-Livros Consultor” (1884) e nas “Partidas Dobradas” (1900), apresenta uma
obra de interesse profundamente prático, sobretudo pelas monografias de contabilidades especiais que
exemplifica, embora, doutrinariamente, ainda se mostre partidário decidido da teoria das cinco contas
gerais Bonifácio González Ladrón de Guevara, autor do “Descobrimento da Ciência da Contabilidade ou Escrituração Demonstrativa” (1886), “Elementos de Contabilidade Demonstrativa” (1888)
e “Contabilidade Técnica” (1891), considera a contabilidade uma ciência exacta, e o direito como parte
da ciência da contabilidade.
Ladrón de Guevara ataca as partidas dobradas em geral e a logismografia em particular. Neste
sentido tenta apresentar uma inovação da mesma maneira que já o tentara, quase um século antes, o inglês
E. T. Jones. Na sua obra, apesar dos duros ataques que dirige à logismografia, nota-se a influência desta,
assim como a do francês Lefévre de Châteaudun com a sua teoria dos “quadros de valor”.
Antonio Torrents e Monner propõem uma classificação decimal das contas, enquanto na sua
maioria, os autores de fins do século XIX continuavam adeptos da teoria das cinco contas. As suas ideia
sobre esta questão aparecem nos livros “Tratado Completo Teórico-Prático de Contabilidade Mercantil,
Industrial e Administrativa” (1885) e “Tratado de Escrituração” (1895).
Podemos encerrar esta referência a tratadistas do século XIX com o nome de Garci Ducazcal,
autor de “Contabilidade, Escrituração e Administração” (1894), cujo mérito principal consiste em ter
sido o primeiro publicista a distinguir contabilidade de escrituração.
Nas obras publicadas durante a primeira metade deste século predomina a noção de contabilidade
como ciência dos registos. Ocasionalmente, é concebida, neste época, como ramo da matemática, e, em
muitos casos, revela influência da doutrina italiana, principalmente dos cerbonianos. Assim, temos,
por exemplo, Antonio Sacristán y Zavala, na sua “Teoria da Contabilidade Geral e de Administração Privada” (1918), e o professor Del Junco y Reyes, na sua “Contabilidade Geral” (1943), que,
explicitamente, classificam a contabilidade de “ramo da matemática”. O próprio Sacristán, Luís
Ballesteros Marín-Baldo, autor do “Tratado Elementar de Contabilidade Geral, Comercial e
Bancária” (1941). Ramón Cavanna-Sanz, nas suas “Lições de Contabilidade” (1929) e Antonio
Lasheras-Sanz, no “Tratado de Contabilidade de Seguros” (1948), revelam-nos indícios da influência cerboniana na doutrina do nosso país.
Em épocas mais recentes, Fernando Boter Mauri, bom conhecedor das correntes doutrinais da
contabilidade, mostra-se interessado numa exposição clara e didática dos princípios contabilísticos e
declara-se a favor do “facilitismo contabilístico” ao afirmar: “Por nossa parte, declaramos desde já
peremptoriamente, que somos partidários do ‘facilitismo científico’, pois o principal objectivo de um
autor há-de consistir em que os seus leitores entendam as ideias e os conceitos expostos no seu livro”(275).
A obra de Antonio Goxéns Duch, talvez a mais extensa da literatura contabilística do nosso país,
não pode enquadrar-se, decididamente, em determinada escola, visto que ele mesmo afirma que, “na
actualidade, os autores manifestam uma série de conceitos eclécticos”(276). Para este autor, a
contabilidade constitui “um conjunto de trabalhos materiais e intelectuais que se reflectem em
instrumentos próprios (livros, com as suas contas e lançamentos, quadros, registos, resumos, balancetes,
fichas, estatísticas e outros documentos contabilísticos) sistemática e harmonicamente estruturados e
materialmente organizados para servir, conhecer, demonstrar, prever e censurar uma gestão económico-administrativa”(277). Mostra-se defensor do Plano Contabilístico Internacional, que, não obstante, é
desfavoravelmente julgado pelo professor Boter Mauri, cuja obra acabamos de analisar(278).
As correntes económicas italianas, cujas posições são sustentadas por Besta, Zappa e Masi, não
conseguem aceitação por parte da doutrina contabilística espanhola antes da década de quarenta.
Emigdio Rodriguez Pita publica em 1956 a sua obra principal, “Ciéncia de Contabilidade”, influenciada pela doutrina de Besta, de Masi e, sobretudo, de Zappa. Define a contabilidade como a ciência que
estuda “as leis do equilíbrio patrimonial produzido por actos administrativos”(279). Deste autor já tinha,
porém, sido publicada em Barcelona, em 1945, outra obra importante, o “Curso de Contabilidade Geral”.
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DE HISTÓRIA DA CONTABILIDADE
Com os trabalhos de José María Fernández Pirla, em especial a sua “Teoria Económica da
Contabilidade”, o aspecto económico da nossa disciplina recebe um impulso muito importante. Os estudos
contabilísticos entram, no nosso país, em nova fase, caracterizada por esforços metodológicos destinados
a integrar as diversas doutrinas e os diversos ramos da contabilidade num núcleo económico comum.
Neste sentido parece orientar-se a maior parte dos trabalhos – felizmente, cada vez mais responsáveis
e numerosos – que, em matéria contabilística, vão brotando dos autores espanhóis da actualidade.
6.9. A Contabilidade Social em Espanha
A primeira voz que se levantou no nosso país em defesa da elaboração de contas nacionais foi a de
Manuel de Torres Martinez numa conferência proferida na Câmara de Comércio de Madrid em
Janeiro de 1950(280). Estas ideias só se viriam a materializar oito anos depois, com o aparecimento, em
1958, dos primeiros dados estruturados de acordo com o modelo contabilístico normalizado da O.E.C.E.
O ano, porém, que se considera ponto de partida da contabilidade nacional é o de 1954, por ser o da
compilação da primeira tabela “input-output” da economia espanhola. Aliás, os dados dessa tabela
provaram ser de grande utilidade para a elaboração das contas nacionais.
Esta primeira versão deve-se a uma equipa dirigida por Manuel de Torres e composta por Andrés Álvarez, Sampedro Sáez, Fuentes Quintana, Alcaide Tnchausti (Angel), Fernandez Castaneda e Santos Blanco.
A Secretaria Geral do Ministério da Fazenda vem publicando, desde 1959, em sucessivas edições,
as contas nacionais relativas ao período de 1954-63. Em 1969 foram publicadas pelo Instituto Nacional
de Estatística que facultou as relativas ao período de 1964-70, com um avanço para 1971.
Em 1970 deu-se início à elaboração das contabilidades a nível regional, instrumento básico de uma
política económica que considere as necessidades específicas das diferentes áreas territoriais. Foram,
então, começando a ser publicadas, sucessivamente, as contas regionais das Baleares, de Galiza, do
Sueste, de Valência, das Canárias, etc.. Essencialmente, estas contas padecem de dois defeitos fundamentais: falta de continuidade na sua elaboração e frequente impossibilidade de confronto entre as
relativas a diferentes anos devido a variações metodológicas(281).
No que se refere às tabelas “input-output” da economia espanhola(282), a sua origem remonta à
criação, no Instituto de Estudos Políticos, de uma secção de economia, a cargo do professor Valentin
Andrés Álvarez, que deu início aos estudos sobre esta questão. Manuel de Torres sugeriu a ideia de
complementar tais estudos com a assessoria de economistas italianos. O resultado foi a colaboração de
Vera Cao-Pinna, que apoiou os economistas espanhóis na compilação da primeira tabela. Como fruto
destes esforços, aparece, em 1958, a tabela “input-output” da economia espanhola, referente ao ano de
1954. O trabalho é assinado por Angel Alcaide, Gloria Begé, Joaquin Fernandez Castañeda e Alfredo
Santos Blanco, com prólogo de Valentin Andrés Alvarez e epílogo de Manuel de Torres.
Era demasiado sintética, ao considerar somente 28 sectores produtivos e 4 finais: mas também era
um primeiro passo fundamental para a descrição aprofundada do funcionamento do conjunto da nossa
economia.
Posteriormente, desenvolve-se a tabela de 1958, muito mais analítica ao considerar 207 sectores
produtivos e 5 finais. A de 1962 é menos pormenorizada, mas atinge maior grau de perfeição e está
adaptada aos critérios propostos pela Repartição de Estatística das Comunidades Europeias. Em anos
posteriores vão surgindo sucessivas tabelas, embora sem regularidade, pelo que ficam importantes
vazios nos períodos intermédios.
Também se começa a dispor de tabelas “input-output” a nível provincial e regional, como sejam: as de
Valência (província e região), de 1969 e 1970, elaboradas pela S.I.E.; a da economia catalã, referida a 1967
e publicada pelas câmaras oficiais de comércio, indústria e navegação da Catalunha; as da economia
aragonesa. Alava, Guipuzcoa, Navarra e Biscaia; as da economia asturiana, andaluza, segoviana, etc.(283).
Existem, igualmente, estimativas de rendimento e riqueza nacionais, elaboradas à margem de
sistemas contabilísticos coordenados(284). A primeira estimativa do rendimento nacional de Espanha foi
realizada por Michael Mulhall (1885), seguida pelas de J. Navarn Reverter (1889), do visconde de Eza
(1916), de Andrés Barthe (1917) de Francisco Bernis (1917), de Ceballos Teresi (1921), e de Vandelló e
do Banco Urquijo, ambas com valores referentes a 1923, e ambas sendo as mais precisas.
Em 1935 aparece a estimativa de António de Miguel, e, a partir de 1945 até 1957, realizam-se
estimativas indirectas a nível oficial.
No que respeita à riqueza, a única fonte oficial é a do Conselho de Economia Nacional, “A Riqueza
de Espanha em 1913, 1935”, publicada em 1947. A nível privado, podemos citar as estimativas da Junta
de Meios e de Michael G. Mulhall, no século passado; no presente, realizaram-se as de Antonio
Goicoeches, Andrées Bartho, visconde de Eza, Ceballos Teresi, Assembleia de câmaras de comércio,
Indústria e navegação, Carlos Caamaño, Banco Urquijo, Antonio Miguel, as publicadas no Anuário
Ibéñez, a de Manuel Fuentes Irurozqui e, a mais recente, da Universidade Comercial de Deusto.
in Jornal de Contabilidade, Outubro 1981
(continua)
Veja-se, J. M.ª González Fernando, obra citada, págs. 291-300. A. Calafell Castelló: “Conceito e Conteúdo”, obra citada,
em “Técnica Económica”, Janeiro de 1961, págs. 25-26.
F. Boter Mauri: “As Doutrinas Contabilísticas”, obra citada, pág. 7.
(276)
A. Goxens Duch: “Elementos da Contabilidade e Escrituração”, Barcelona, Editora Latina, 1959, pág. 43.
(277)
Ibid., pág. 45.
(278)
Este ponto é destacado por D. Amodeo em “Ragioneria Generale...”, obra citada, pág. 1057n.
(279)
E. Rodriguez Pita: “Ciência da Contabilidade”, Barcelona, edição do autor, 1956, pág. 36.
(280)
Veja-se J. Valarde Fuertes e R. Campos Nordman: “Lições de Estrutura e Instruções Económicas de Espanha” (tomo I),
Madrid, 1968, págs. 198-210. R. Tamames Gómez: “O Rendimento Nacional, a Contabilidade Nacional as Tabelas ‘InputOutput’ da Economia Espanhola”, Valência, Faculdade de Ciências Económicas, 1968, págs. 50-81.
(281)
Acerca deste tema, veja-se Instituto de Desenvolvimento Económico (vários autores), “Contabilidades Regionais e Tabelas
‘Input-Output’ a Nível Regional”, Madrid, I.O.E., 1973.
(282)
Veja-se A. Alcaide Inchausti: “Análises ‘Input-Output’”, obra citada, págs. 183-186. J. Valarde Furtes e R. Campos
Nordman: “Lições...” obra citada, págs. 158-182. R. Tamames Gómez: “O Rendimento...” obra citada, págs. 88-110.
(283)
Veja-se Instituto de Desenvolvimento Económico (vários autores): “Contabilidades Regionais...”, obra citada.
(284)
Acerca destas estimativas, pode consultar-se, J. Velarde Fuertes e R. Campos Nordman: “Lições...”, obra citada, págs. 10-22.
Traduzido por Jacinto Medina Camacho da revista “Técnica Contable” n.º 356, de Agosto de 1978.
(274)
(275)
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APOTEC – ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE TÉCNICOS DE CONTABILIDADE
NOVAS DA HISTÓRIA
CENTRO DE ESTUDOS
DE HISTÓRIA DA CONTABILIDADE
PRÉMIO ENRIQUE FERNANDEZ PEÑA DE HISTORIA DA
CONTABILIDADE 2008
A Comissão de História da Contabilidade da AECA, presidida pelo Professor Esteban
Hernandez Esteve, premeia todos os anos trabalhos sobre história da contabilidade, em
qualquer das línguas ibéricas, publicados ou apresentados oficialmente em Congressos,
Encontros e similares, assim como em Universidades, entre 1 de Julho de 2007 e 30 de
Junho de 2008.
12.º CONGRESSO MUNDIAL DE HISTORIADORES DE CONTABILIDADE
Istambul – 20 a 24 de Julho de 2008
O próximo Congresso Mundial está já apenas a menos de um ano de distância. Será
responsável directo pelo evento, o professor Oktay Guvemli da Universidade de Mármara,
uma das mais prestigiadas universidades turcas, a qual organiza o Congresso em
colaboração com a Associação de Professores de Contabilidade e Finanças da Turquia.
O Congresso terá lugar no edifício Harbiye, que actualmente acolhe um Centro
Cultural e o Museu Militar mais completo do Médio Oriente e onde se conservam
documentos e livros de contabilidade, que pela primeira vez serão expostos ao público.
Para mais notícias sobre o Congresso: www.12wcah2008ist.org/index.php
ACADEMY OF ACCOUNTING HISTORIANS:
“Vangermeersch Manuscript Award”
Em 1988 a Academia dos Historiadores de Contabilidade instituiu um Prémio para
encorajar jovens professores universitários a fazer investigação histórica em contabilidade.
Assim têm condições de elegibilidade para este prémio, todos os professores universitários de contabilidade com o grau de mestre ou doutor obtido nos últimos sete anos.
Para mais informações pode contactar “The Academy of Accounting Historians”, The
University of Alabama, Box 870220, Tuscaloosa, AL, USA 35487 ou em
www.accounting.rutgers.edu/raw/aah
ACADEMY OF ACCOUNTING HISTORIANS:
“Margit F. Schoenfeld and Hanns Martin W.Schoenfeld Scholarship
in Accounting History, 2008”
A Academy of Accounting Historians convida a que se apresentem pedidos para apoios
a Teses Doutorais em História da Contabilidade ou a publicação de artigos derivados de
uma Tese. O valor eleva-se a $US D 3.000,00. Mais informações podem obter-se em
Stephen Walker, President, Academy of Accounting Historians, Cardiff Business School,
Cardiff University, Aberconway Building, Colum Drive, CF10 3EU, Wales, UK Email:
[email protected]. Os pedidos devem ser apresentados até 31 de Dezembro de 2007.
IV JORNADA DE HISTÓRIA DA CONTABILIDADE DO CEHC DA APOTEC
24 de Novembro de 2007 – Auditório da Associação Nacional de
Farmácias em Lisboa
Presidente da Jornada: Rogério Fernandes Ferreira
Investigadores convidados: António Campos Pires Caiado, Ana Rita Faria, Armindo
Costa, Esteban Hernandez Esteve, Helder Viegas da Silva, Hernâni Olímpio Carqueja,
Juan Lanero, Manuel Benavente Rodrigues, Maria da Conceição Marques, Matilde
Estevens, Yannick Lemarchant.
ALGUNS ENDEREÇOS ÚTEIS EM HISTÓRIA DA CONTABILIDADE:
Revista electrónica “De Computis” – AECA – Espanha: www.decomputis.org
Società Italiana di Storia della Ragioneria: www.sisronline.it
The Academy of Accounting Historians: www.accounting.rutgers.edu/raw/aah
Comissão de História de Contabilidade da AECA: www.aecal.org/comisiones/
comisionhc.htm
Accuonting History Special Group of the Accounting and Finance Association of
Australia and New Zealand: www.muprivate.edu.au/index.php?id=156
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APOTEC – ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE TÉCNICOS DE CONTABILIDADE
CENTRO DE ESTUDOS
DE HISTÓRIA DA CONTABILIDADE
ARTE E CONTABILIDADE
A MESA DE ESTRASBURGO
Terá sido fabricada cerca de 1600 e conserva-se nesta cidade, no Musée
de l’Oeuvre Notre-Dame.
O tampo mede 153 cm por 98 cm, e possui um rebordo para evitar a
queda dos contos.
Contém dois ábacos iguais, simétricos, dispostos a serem manuseados
em simultâneo por diferentes oficiais.
Este ábaco em linha diz-se híbrido porque se apresenta seccionado em
fatias atribuídas às respectivas unidades monetárias e que se identificam
com facilidade: libra (lib), shilling (B), dinheiro (de, de denarius) e o meio
dinheiro (hli de halbling).
Quanto às linhas horizontais, estão identificadas em números romanos, excepção própria dos ábacos híbridos.
MB
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