O TRABALHO DE ROLFING®, INTEGRAÇÃO ESTRUTURAL E

Transcrição

O TRABALHO DE ROLFING®, INTEGRAÇÃO ESTRUTURAL E
1
CENTRO UNIVERSITÁRIO ÍTALO BRASILEIRO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
CURSO EM INTEGRAÇÃO ESTRUTURAL ROLFING®
CINTIA LIE UEZONO
O TRABALHO DE ROLFING®, INTEGRAÇÃO ESTRUTURAL
E PERCEÇÃO DE SI E DO AMBIENTE EM CLIENTE
ORIENTAL
SÃO PAULO
2014
2
CINTIA LIE UEZONO
O TRABALHO DE ROLFING®, INTEGRAÇÃO ESTRUTURAL
E PERCEÇÃO DE SI E DO AMBIENTE EM CLIENTE
ORIENTAL
Monografia
apresentada
ao
Centro
Universitário Ítalo Brasileiro, como parte dos
requisitos para conclusão do curso de PósGraduação
em
Integração
Estrutural
Rolfing® sob orientação da Prof.ª Drº Pedro
Otávio Barreto Prado.
SÃO PAULO
2014
3
Cintia Lie Uezono
O TRABALHO DE ROLFING®, INTEGRAÇÃO ESTRUTURAL E PERCEÇÃO DE SI
E DO AMBIENTE EM CLIENTE ORIENTAL
Monografia apresentada ao Centro Universitário Ítalo Brasileiro, como parte dos
requisitos para conclusão do curso de Pós-Graduação em Integração Estrutural
Rolfing® sob a orientação da Prof.ª Drº Pedro Otávio Barreto Prado.
Nota _____________
Data da Aprovação: ____/____/______
4
A Deus que tem me conduzido a cada
passo, fazendo com que eu me conheça
cada vez mais, amando a minha história
cada dia mais e possibilitando mudanças
para o meu futuro.
5
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais Raimundo e Sonia que sempre me incentivaram na vida e nos
estudos, pelas noites de “Vai dormir que está tarde!”, mas quando viam que estava
estudando traziam um copo de chá, me davam um beijo e diziam “Estarei orando por
você” sempre com aquele olhar de orgulho.
Aos meus irmãos Kooji e Emi que em meio as brincadeiras e risadas me
ajudavam a descontrair em momentos de descanso.
Aos prof. Dr. Pedro Prado e profa. Daniele Seo agradeço pela orientação
ímpar ao meu trabalho de Conclusão de Curso e incentivo à pesquisa, fazendo
renascer a vontade de pesquisar aquilo que acredito e gosto, dedico minha
admiração e meu respeito.
Ao meu sujeito de pesquisa, pela confiança em ter me permitido participar em
seu processo de Integração Estrutural Rolfing®.
À amiga Sayuri, por ser esta benção na minha vida, não apenas como amiga,
mas como mentora e pessoa que admiro muito.
As minhas amigas e amigos de longa data com quem tive de deixar de sair
muitas vezes, mas que sempre me apoiaram, brincavam e incentivavam a continuar,
muito obrigada.
Enfim, agradeço a todos que, de alguma maneira, contribuíram para que eu
pudesse concluir meu curso.
6
Ainda a palavra não chegou à língua, e tu,
Senhor, já a conheces toda. Pois tu
formaste o meu interior, tu me teceste no
seio de minha mãe.
Salmo 139:4 e 13
7
RESUMO
A cultura exerce grande influência em muitos aspectos da vida das pessoas, incluindo
linguagem, imagem corporal, comportamentos, percepções e emoções. Neste estudo foi
verificado e analisado como as mudanças estruturais, advindas do processo de IE Rolfing®,
influem nas relações das percepções de si e do ambiente em paciente oriental (japoneis).
Mais especificamente buscaram-se buscou-se identificar as mudanças estruturais obtidas no
trabalho de Rolfing®, exemplificar essas mudanças,apontando-as e as correlacionando-as
com as possíveis mudanças nas relações consigo e com o ambiente, e assim contribuir para
inserir o Rolfing® como uma abordagem terapêutica reconhecida no meio formal científico.
Para isto, foi realizado um estudo de caso, com uma paciente oriental, nascida no Japão, do
sexo feminino, a qual foi submetida a uma avaliação utilizando-se do gráfico de apreciação
do próprio corpo, gráfico de sintomas, entrevista inicial e final do Naper, desenho da pessoa
(desenho de como a pessoa se vê) e fotos da cliente nos 4 perfis antes e depois do
processo de Integração Estrutural Rolfing®. Relatos da cliente também foram descritos
neste trabalho. Ao final do processo, a cliente não relatou mudança consciente quanto a sua
percepção em relação ao próprio corpo, contudo os outros métodos de avaliação nos
mostram que houve sim mudanças relativas a este processo de Integração Estrutural.
Conclui-se, portanto a partir dos dados obtidos, que houve todo um processo de
reconstrução da imagem corporal, mesmo que no nível inconsciente, proporcionando a
cliente mais vivências e experiências que a podem auxilia-la na conscientização da sua
identidade.
Palavras chave: Rolfing®, integração estrutural, percepção, oriental
8
ABSTRACT
Physical changes effected through Rolfing® Structural Integration have been shown to
influence perception of the body and its relationship to the environment. However, culture
has a great influence on human behavior, including not only language, comportment and
emotion, but also body image and perception. This case study examined how a woman born
in Japan responded to Rolfing SI. Specifically, it sought to identify the structural and
functional changes Rolfing produced, and to correlate these physical changes with the
potential changes in the subject’s self-perception, and contributing to insert Rolfing as a
therapeutic approach in formal scientific means. The subject was evaluated before and after
the course of treatment through various means, including a map of body sensation; a chart of
symptoms; the subject’s drawings of herself; photographs of the four subject profiles;
interviews; and the subject’s reports. At the end of the process, the subject reported not
change related to the perception of her own body, but other evaluation methods show that
there were in fact changes related to this process of Structural Integration. Therefore, we
conclude that there was a whole process of reconstruction of the body image, even if an
unconscious level, as the subject continues to live with the transformed physical experience,
her sensations might give her an opening to greater self-awareness.
Key-words: Rolfing, structural integration, perception, japanese.
9
SUMÁRIO
1. CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO
11
15
2. CAPÍTULO 2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo geral
15
2.2 Objetivos específicos
15
3.CAPÍTULO 3 REVISÃO DA LITERATURA
16
3.1 Rolfing
16
3.2 Cultura
18
3.2.1. Oriente X Ocidente
20
3.2.2. Histórico e cultura japonesa no Brasil
22
3.3. Imagem corporal
26
4.CAPÍTULO 4 - Metodologia
28
5.CAPITULO 5 - Resultados e Análises
30
5.1 Antes
30
5.1.1. Entrevista inicial
30
5.1.2. Fotos antes do processo
30
5.1.3. Desenho de como a cliente se vê – Antes
31
5.1.4. Gráficos de Penna – Antes
33
5.2. Descrição dos atendimentos
35
5.2.1. Sessão 1 – o início
35
5.2.2. Sessão 2
36
5.2.3. Sessão 3
37
5.2.4. Sessão 4
37
5.2.5. Sessão 5
38
5.2.6. Sessão 6
39
10
5.2.7. Sessão 7
40
5.2.8. Sessão 8
40
5.2.9. Sessão 9
41
5.2.10. Sessão 10
42
5.3. Depois – a despedida
43
5.3.1. Entrevista final
43
5.3.2. Fotos depois do processo
43
5.3.3. Desenho de como a cliente se vê – depois
44
5.3.4. Gráficos de Penna - depois
46
5.4. Comentários gerais
48
5.4.1. Relatos e entrevista
48
5.4.2. Fotos e análise dinâmica
49
5.4.3. Desenho de como a cliente se vê
50
5.4.4. Gráficos de Penna
51
6.CAPÍTULO 6 – Conclusão
53
ANEXO 1
58
ANEXO 2
59
ANEXO 3
60
ANEXO 4
71
ANEXO 5
75
11
CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO
Atualmente vive-se em um mundo cada vez mais globalizado, no qual as
pessoas transitam com muito mais facilidade para cada vez mais longe; em que as
diferentes culturas se mesclam mais facilmente e com isto são agregadas e
moldadas em diversos habitats.
A cultura exerce grande influência em muitos aspectos da vida das pessoas,
incluindo linguagem, alimentação, estrutura familiar, vestuário, imagem corporal,
religião, crenças, comportamentos, percepções e emoções. Ela pode ser definida,
segundo Burns et. al. (1995) como o conjunto de comportamentos e idéias
característicos de um povo, que se transmite de uma geração a outra e que resulta
da sociabilização e aculturação verificadas no decorrer de sua história.
Em meio às imigrações de diversos povos ao Brasil, no decorrer de sua
história: negros africanos, portugueses, espanhóis, holandeses, franceses, suíços,
alemães, italianos, japoneses, sírio-libaneses, armênicos, chineses e mais
recentemente pelos coreanos, vem ocorrendo uma miscigenação das diversas
culturas. Em alguns casos, como no da cultura oriental, com história de imigração
mais recente, esta miscigenação ocorre mais naturalmente anos depois de sua
chegada ao País, isto se deve a história de imigração destes povos orientais.
No início do século XX (1908) os japoneses que chegaram ao Brasil pela
promessa de enriquecimento rápido, de 2 a 3 anos, e a possibilidade de retorno ao
seu país de origem, fizeram com que muitos deles não aprendessem o português,
nem se misturassem com pessoas de outras etnias, a fim de não perderem sua
identidade como povo japonês. Com a impossibilidade de enriquecimento rápido, e
com isto não conseguindo retornar ao país de origem, eles acabaram se
estabelecendo no Brasil e, pouco a pouco, ao longo de gerações identificando-se um
pouco mais como brasileiros.
Neste contexto de busca por uma identificação, a autora do presente estudo
conhece o Rolfing®1, que, de maneira sucinta, é a filosofia, a ciência e a arte de
1
Rolfing® é uma marca registrada. Dada à natureza acadêmica deste trabalho e buscando clareza de leitura, foi
omitido o símbolo de marca registrada que deve acompanhar o termo “Rolfing”. Entretanto, o termo é marca
registrada do Rolf Institute nos Estados Unidos e da Associação Brasileira de Rolfing no Brasil.
12
integrar o corpo - estrutura humana no espaço-tempo e da gravidade pela
manipulação miofascial e educação do movimento. (MAITLAND e SULTAN, 1992).
Rolfing, originalmente denominado Integração Estrutural e atualmente
chamado de Integração Estrutural Rolfing® foi criado pela bioquímica norteamericana Ida Pauline Rolf na década de 50 em Esalen, Califórnia.
O Rolfing® faz uma abordagem sistêmica que pode trazer ao corpo, através
de manipulações miofasciais, alterações funcionais do sistema musculo-esquelético,
mudanças na sensação sentida pelo corpo, na percepção e na coordenação,
influindo desta forma no modo deste indivíduo de expressar e no seu relacionamento
com o ambiente. (MERLINO, 2005)
Segundo Caspari (2003 e 2005) à medida que trabalhamos com a percepção,
produzimos efeitos sobre as sensações. A maioria dos rolfistas aceita que os
músculos e fáscias possam “conter” lembranças e emoções do passado. Assim,
naturalmente, os clientes às vezes experienciam emoções, quando fixações antigas
nas fáscias, articulações ou vísceras são liberadas. Como percepção é a ponte entre
o físico e o emocional, podemos ter influências sobre o psicológico da pessoa
trabalhando a percepção e a coordenação do contexto na gravidade.
Motta (2003) relata que Ida Rolf coloca seu foco no tecido conjuntivo, àquele
que une os ossos e envolve os músculos e as células, tais como a fáscia e os
ligamentos. O sistema fascial modificado dá uma nova organização ao corpo
humano; isto é apresentado por uma visão em que todas as suas partes específicas
são agrupadas e sustentadas de uma determinada forma, por ação do tecido
conjuntivo como um todo. Com isso, através de toque no tecido, manipulação,
muda-se as estruturas, sendo possível mudar as funções. Além disso, como o tecido
conjuntivo é contínuo, seu efeito atingiria o corpo todo e não simplesmente as
partes.
Segundo Rolf (1990), o permanente intercâmbio metabólico que se torna
possível pela relação íntima da fáscia com o metabolismo da água permite a
reorganização estrutural. A fáscia tem características de fibras colágenas, estas por
sua vez são uma geléia amorfa fluida que se distribui de forma universal pelo corpo,
compondo desta forma o ambiente interno universal. Além do meio interno, Rolf
observou que a miofascial é o meio pelo qual o indivíduo se comunica e influência
seu mundo exterior. Quando a energia mecânica (como pressão e fricção) é
aplicada sobre a fáscia, há a reorganização bioquímica das mesmas. Rolf propôs a
13
teoria de que a energização manual da fáscia que pode redirecionar e distribuir as
fibras de colágeno mais elásticos e maleáveis.
Merlino (2004), em seu trabalho Das Emoções, coloca:
®
“Quando trabalhamos com o Rolfing estamos lidando com
esta matéria interoceptiva, e fatalmente vamos esbarrar no
sentimento de emoções. Apesar disso, é usual tratar o corpo
como matéria exclusivamente biomecânica. Sempre que surge
uma emoção, um sentimento, ao se manipular um tecido do
corpo, isso é acompanhado de surpresa genuína, já que não se
está tratando do objeto causal ou, pelo menos, catalizador, da
emoção original e temporalmente congruente. Na percepção do
sujeito, a emoção fica descolada do seu agente. Aquele tecido
carregado de conteúdos antigos,
ao sair do estado de
congelamento, libera uma carga de sentimento que surpreende o
sujeito.“
Neste contexto, Prado (2006) afirma que às vezes, os padrões estruturais e
de movimento de uma pessoa particular, são partilhados dentro de um grupo
cultural, e estão associados a determinados acontecimentos históricos ou épocas.
Neste contexto, o presente estudo visa estudar de que maneira o Rolfing® pode
influir nas relações deste indivíduo consigo mesmo e com o ambiente.
A autora deste estudo, de descendência japonesa, passou um ano no Japão
e, ao retornar ao Brasil, teve uma crise de identidade, questionando-se: “No Japão
sou brasileira, e no Brasil sou japonesa? Então de onde eu sou?”. Ao passar pelo
processo de Rolfing®, a autora pode conhecer um pouco melhor seus limites, modo
como usa o corpo, enfim, pode conhecer mais sobre si mesma e como utiliza o
corpo no ambiente; o que com o tempo possibilitou a resposta daquele
questionamento.
Para o presente estudo, questiona-se de que maneira as mudanças
estruturais, funcionais e de visão de mundo obtidas no trabalho de Rolfing® influem
nas relações de percepções do cliente, de descendência oriental, consigo mesmo e
com o ambiente? Uma hipótese a esta pergunta é que o processo de Rolfing® influi
na percepção de si e do ambiente em cliente oriental.
14
Segundo Prado (2006), foi Maitland quem trouxe para o contexto do Rolfing o
termo “psicobiológico”, que se refere ao estado biológico do comportamento, área de
conhecimento que lida com a interação entre a biologia e a psicologia e,
tradicionalmente, se dedica à neurociência.
No Rolfing®, o uso do termo “psicobiológico” abre espaço para lidar
“...com o que tradicionalmente se chamou de mente e isto
inclui a visão de mundo da pessoa. Esta taxonomia inclui a
habilidade de percepção da sensação de si mesmo corporalmente
(self-sense), a orientação perceptiva e emocional do paciente em
relação a como ele percebe seu movimento, sua auto-imagem e
seu lugar no mundo”. (MAITLAND, 2000,p121).
Segundo Godard (2002) apud Merlino (2005) se o movimento está bloqueado
em um lugar do corpo, a percepção está bloqueada ali. Estes movimentos
bloqueados podem ser facilitados com o Rolfing®.
Uma vez que os padrões estruturais e de movimento de uma pessoa podem
ser influenciados pelo grupo social, acontecimentos históricos e da época na qual
ela está inserida, a história e o contexto no qual este indivíduo está inserido é
fundamental.
No relato de Caspari (2010), o mundo não é um mundo igual a todos, e o
trabalho do Rolfing® pode ser trans-posto (ao contrário de im-posto) nas várias
culturas, e exatamente por isto, este é um trabalho que pode ser para todos.
Considerando o contexto oriental e ocidental do mundo, a cultura se difere
bastante, e há muitos estudos baseados nos costumes e culturas ocidentais, porém
pouco se tem relatado sobre o contexto oriental, principalmente quanto ao Rolfing®.
No Brasil há uma grande diversidade étnica. A população que se declara
oriental é constituída por 2,1% da população brasileira, segundo censo do IBGE de
2010. Muito admirada pelos seus costumes mais rígidos, a cultura oriental tem
algumas peculiaridades que podem ser expressas no corpo.
15
CAPÍTULO 2 - OBJETIVOS
2.1 Geral
Verificar e analisar de que maneira as mudanças estruturais, advindas do
processo de IE Rolfing®, influem nas relações das percepções de si e do ambiente
em paciente oriental.
2.2 Específicos
1) Identificar as mudanças estruturais obtidas no trabalho de Rolfing®
2) Exemplificar essas mudanças, correlacionando-as com as possíveis
mudanças nas relações consigo e com o ambiente.
3) Contribuir para inserir o Rolfing® como uma abordagem terapêutica
reconhecida no meio formal científico.
16
CAPÍTULO 3 - REVISÃO DA LITERATURA
3.1 Rolfing®
Integração Estrutural Rolfing, também conhecido como Rolfing®, foi criada
pela dra. Ida Pauline Rolf (1896-1979) na década de 50 em Esalen, Califórnia, que
inicialmente ela denominou de Structural Integration. Nascida nos Estados Unidos,
Ida Rolf foi bacharel em química, recebeu seu título de doutorado em bioquímica da
Universidade de Columbia. Trabalhou como pesquisadora no Instituto Rockefeller,
nos departamentos de bioquímica e química orgânica.
Após um acidente causado por um coice de cavalo, a dra. Rolf teve sequelas
pulmonares. Ao receber tratamento com um osteopata, iniciou-se no conceito de que
mudando a estrutura do corpo, poderia se mudar a função. Na ioga, ela teve
experiência com o alongamento dos músculos e a liberdade das articulações e, com
essas práticas, conseguiu associar melhor o corpo aos aspectos emocional e
espiritual. Ao estudar física, em Zurique, entrou em contato com a homeopatia, cuja
abordagem implica na cura geral do cliente por meio de administração de remédios
que levariam o próprio organismo a produzir seus recursos bioquímicos e de
autocura.
O Rolfing, assim como a osteopatia e homeopatia, fala da integração da
estrutura humana no ambiente, levando em conta uma visão mais holística; mas
diferente das outras teorias, o Rolfing leva em conta o contexto gravitacional, através
de uma abordagem somática, que se vale da plasticidade fornecida à estrutura
humana pelo tecido miofascial, tornando então, o arranjo estrutural.
Segundo Rolf (1999)
“O campo gravitacional da Terra é de longe a influência física
mais poderosa sobre qualquer vida humana. Quando o campo de
energia
humana
e
a
gravidade
entram
em
guerra,
é
desnecessário dizer que a gravidade sempre vence. Ela pode ser
amiga do homem e reforçar sua atividade, ou pode ser sua
terrível inimiga e levá-lo à destruição física.
... O equilíbrio revela a circulação da energia gravitacional através
do corpo”.
17
Rolf olhava para a condição humana através de seu relacionamento com o
ambiente e imprimiu no seu trabalho a visão de que o tecido humano é carregado de
conteúdos, de memórias, de cultura, mas apesar disso maleável e disponível para
mudança. (MERLINO, 2005).
Um novo entendimento proposto pela dra. Ida (1999), vê a fáscia não apenas
como um tecido conjuntivo, mas como um sistema muito importante de trabalho do
homem psicológico. A fáscia é um tecido que está continuamente se organizando.
Em seu livro, Rolf (1999) coloca:
“Estamos em uma era de transição cultural. Não reverenciamos
mais o entendimento da estrutura do corpo [...] com ênfase na postura
[...]. Como resultado, nossos corpos tendem a se tornar fisicamente
desorganizados e mecanicamente desorganizados; a ausência de leis
para o corpo parece, então, ganhar ascendência sobre a vida do
indivíduo. A ordem ou a ausência dela começa no inconsciente, nível
insidioso que está abaixo da consciência do homem.”
Em meio a esta desorganização, o Rolfing busca equilibrar essas fáscias,
resultando num maior conforto, melhor vitalidade e consequentemente, benefícios
nos casos de doenças físicas ou psicológicas. Visando facilitar o ensino e
aprendizagem, Ida Rolf traçou uma estratégia de 10 sessões de intervenção manual
profunda na estrutura elástica do tecido conjuntivo. Essas sessões foram mais tarde
descritas por alguns professores do Rolf Institute, sendo conhecida como a série
clássica do Rolfing, as quais visam facilitar e orientar os alunos que estão iniciando
neste processo de aprendizagem e trabalho.
No final da década de 80, a receita foi revista pelos professores avançados do
corpo docente, iniciando um trabalho de descrição dos princípios que regem a
estratetização
da
abordagem.
Uma
vez
estabelecidos
os
“princípios
de
estratetização do Rolfing”, estabeleceu-se o pensamento não formulístico. (Prado,
2006).
Os princípios de intervenção do Rolfing, os quais regem o nosso trabalho,
foram descritos por Maitland e Sultan (1992), com apoio de Salveson.
18
1. Holismo
“Nenhum princípio pode ser completamente atingido, a menos que todos sejam
completamente atingidos”.
2. Palintonicidade
“A harmonia somática é função da harmonia palintônica”.
Sendo harmonia palintônica a ordem espacial que descreve as relações
dentro/fora, frente/trás, lado/lado, cima/baixo.
3. Adaptabilidade
“A integração somática é uma função da capacidade da pessoa de se adaptar a
um ambiente em constante mutação”
4. Suporte
“A integração somática é uma função do suporte dinâmico.”
5. Fechamento
“Atinge-se o “fechamento” quando a pessoa toda, de acordo com suas limitações
que mudam e as limitações que não mudam, pode sustentar as mudanças
introduzidas sem nenhuma outra intervenção”.
Rolf queria o desenvolvimento do trabalho pela função, pelo movimento e
buscava isto através da manipulação do tecido conjuntivo. Baseado no conceito não
formulístico, alguns alunos da dra. Rolf faziam explorações pelo movimento e, desta
forma, perceberam que poderia se obter transformações estruturais apenas
mediante o trabalho de movimento. Este trabalho foi ganhando forma e atualmente é
conhecido como “Rolfing Movement”.
3.2 Cultura
Cultura vem do latim colere que significa cultivar. Genericamente a cultura é
todo aquele complexo que inclui o conhecimento, a arte, as crenças, a lei, a moral,
os costumes e todos os hábitos e aptidões adquiridos pelo homem não somente em
família, como também por fazer parte de uma sociedade como membro dela.
19
Em ciências sociais, cultura é definida como um conjunto de ideias,
comportamentos, símbolos e práticas sociais, aprendidos de geração em geração
através da vida em sociedade. Seria a herança social da humanidade ou ainda de
forma específica, uma determinada variante da herança social. Já em biologia a
cultura é uma criação especial de organismos para fins determinados.
Para Burns et. al. (1995) cultura é o conjunto de comportamentos e ideias
característicos de um povo, que se transmite de uma geração a outra e que resulta
da sociabilização e aculturação verificadas no decorrer de sua história, as quais,
segundo Rhodes (2012), são mais facilmente transmitidas de pais para filhos.
Sara Boas (2004) apud Caspari (2011) conceitua cultura:
“Não é uma nacionalidade ou um tipo de vida. Antes disso, ela é
mais uma entre muitas outras lentes possíveis através da qual
podemos ver a vida; uma maneira de compreender nossas ações,
idéias e experiências. Podemos imaginar a cultura como um iceberg.
Escondido sob a água está o sentido de realidade, as crenças e os
valores compartilhados, que estão na origem de um conjunto de ‘regras
não-escritas’ sobre como agir, pensar e sentir as redes de significado e
a memória coletiva, que formam a base do ‘dar sentido’ e de outros
fenômenos, que podemos pensar como inconsciente coletivo. Na
superfície estão os padrões de comportamento observáveis, os códigos
de conduta explícitos, o meio-ambiente e os artefatos materiais que
construímos”.
A principal característica da cultura é o mecanismo adaptativo que é a
capacidade, que os indivíduos têm de responder ao meio de acordo com mudança
de hábitos, mais até que possivelmente uma evolução biológica. A cultura é também
um mecanismo cumulativo porque as modificações trazidas por uma geração
passam à geração seguinte, a qual vai se transformando perdendo e incorporando
outros aspetos procurando assim melhorar a vivência das novas gerações.
As práticas culturais são relações comportamentais aprendidas que recorrem
entre indivíduos e ao longo de gerações (verticais ou não), selecionadas por seu
impacto no grupo praticante (ou nos membros do grupo) ou em outras
práticas. Desta forma, práticas culturais são variáveis independentes controlando o
20
comportamento humano individual e são, ao mesmo tempo, variáveis dependentes
originando-se do comportamento individual: tomadas como a unidade de conteúdo
dos fenômenos culturais, práticas culturais são relações (mutáveis) sempre em
transformação que tendem a complexidade.
É importante ressaltar que todas as culturas têm uma estrutura própria, todas
mudam, todas são dinâmicas. Assim, não é possível falarmos de povos sem história,
porque tal fenômeno significaria a existência de uma cultura que não passasse por
transformações ao longo do tempo. Outro dado a considerar é que as culturas estão
sempre em interação, pois nenhuma cultura é isolada. Há trocas culturais e
influências mútuas em todas as sociedades. Nesse sentido, se todas as culturas são
dinâmicas e mudam ao longo do tempo, todas as sociedades são também históricas.
(SILVA e SILVA, 2006)
3.2.1. Oriente X Ocidente
Os psicólogos culturais têm encontrado padrões consistentemente diferentes
de raciocínio e percepção em diferentes sociedades: algumas culturas mostram um
padrão mais holístico e outras um padrão mais analítico. Sintetizam-se estes
pensamentos na tabela abaixo:
OCIDENTE
ORIENTE
Individualista
Coletivo
Direto
Indireto
Ênfase no contexto a curto prazo
Ênfase no contexto a longo prazo
Quadro 1: Diferenças gerais entre Oriente e Ocidente
Quanto à origem das palavras, a palavra oriente vem do latim oriens, ‘o sol
nascente’, de orior, orire, ‘surgir, tornar-se visível’, palavra da qual nos vem também
‘origem’. Já a palavra ocidente vem do latim occidens, ‘o sol poente’, de occ-cidere,
de op, ‘embaixo etc’, e cadere, ‘cair’.
Segundo Sproviero, o ponto de partida para caracterizar o Oriente e o
Ocidente é geográfico, no entanto tais conceitos geográficos revelam profundo e rico
21
conteúdo cultural. Nesse sentido, e em primeira instância, podemos dizer que o
Ocidente é fundamentalmente a Europa; o Oriente é fundamentalmente a Ásia. A
oposição entre Oriente-Ocidente é a oposição Europa-Ásia. Um ponto assentado por
historiadores, não sem contestação, é que na Ásia principiaram as primeiras
civilizações humanas. Diz-nos o famoso historiador italiano do século passado,
Cesare Cantù (1804-1895), que a Ásia é o berço do gênero humano e da civilização,
sendo não só a parte mais extensa do mundo como também a mais favorecida pela
natureza. Pelo menos para o início dos povos civilizados a Ásia avantajava-se em
relação à Europa. As primeiras grandes civilizações nasceram no chamado
“Crescente Fértil”, região que vai desde o Egito até a Mesopotâmia. Nesse caso o
Egito, apesar de ser África, tem sua história muito mais entremeada com a dos
povos da Ásia do que com os da África, como a Etiópia, inimigo irredutível da ordem
egípcia.
Já no âmbito da medicina, Caspari (2011) cita em seu trabalho uma nota da
parede do Mori Art Museum, na Exposição de Medicina e Arte, em Tóquio (2009): as
culturas orientais vêem o corpo de modo diferente das visões tradicionais no
Ocidente, e esta divergência cultural levou ao desenvolvimento de diferentes
abordagens na medicina. No Oriente, a medicina pode ser classificada de modo
geral em medicina chinesa, indiana e tibetana, e foi o sistema chinês que forneceu a
base a partir da qual desenvolveu‐se a medicina japonesa. A medicina chinesa está
baseada em manter o corpo em equilíbrio. Inclui o pensamento ying‐yang e as cinco
fases, sendo estes vistos como essenciais para manter a saúde. Contrastando, a
medicina indiana tem suas origens no pensamento ayurvédico, com cerca de 5 mil
anos. O Ayurveda ensina a importância da medicina preventiva e enfatiza que o
equilíbrio deve ser mantido em todos os aspectos da vida de uma pessoa – corpo,
mente, comportamento, ambiente – para que
ela seja saudável. E a medicina
tibetana, baseada nas medicinas Ayurveda e chinesa, bem como na influência de
outras culturas, enfatiza as relações entre a mente e o corpo e o universo como um
todo.
Enquanto
segundo
Queiroz
(1986)
a
medicina
ocidental
moderna
desenvolveu-se mudando uma cosmologia voltada para a pessoa humana para uma
cosmologia voltada para o objeto. Neste processo houve ganhos e perdas; enquanto
que por um lado houve o aperfeiçoamento de técnicas terapêuticas e o
desenvolvimento de um corpo constante de conhecimento com a concomitante
22
redução das controvérsias sobre a natureza da doença e de seu tratamento; por
outro lado, a medicina perdeu sua visão unificadora do paciente em particular e da
vida em geral como agentes que resultam, na saúde e na doença, de fatores
ambientais, sociais e econômicos, além dos fatores biológicos.
Abaixo se sintetiza algumas curiosidades.
OCIDENTE
ORIENTE
- Reza-se para o exterior (Deus está no
céu)
- Reza-se para o interior (despertar o
Deus que existe em mim)
- Dança-se com os pés e corpo de
maneira harmoniosa, porém rígida
- Dança-se com todo o corpo, incluindo
ombros, olhos, boca e mãos
- Alimentação a base salina
- Alimentação doce, amarga e ácida
- Sociedade igualitária
- Sociedade hierárquica
Quadro 2: Curiosidades a nível mais prático entre Ocidente e Oriente.
3.2.2. Histórico e cultura japonesa no Brasil
Em meio às imigrações de diversos povos ao Brasil, no decorrer de sua
história: negros africanos, portugueses, espanhóis, holandeses, franceses, suíços,
alemães, italianos, japoneses, sírio-libaneses, armênicos, chineses e mais
recentemente pelos coreanos, está ocorrendo uma miscigenação das diversas
culturas. Em alguns casos, como no da cultura oriental, com história de imigração
mais recente, esta miscigenação ocorre mais naturalmente anos depois, isto se deve
a história de imigração de cada povo.
No século XIX a economia do Brasil era agrícola e extremamente dependente
da monocultura cafeeira. A cultura do café, por sua vez, dependia totalmente da
mão-de-obra de escravos negros. Em 1888, com a abolição da escravidão no país, e
os senhores do café tiveram que buscar soluções para a crescente falta de mão-deobra. Antes mesmo da abolição da escravatura, o governo brasileiro tentou suprir a
23
falta de trabalhadores com imigrantes europeus, mas as péssimas condições de
trabalho e de vida dadas pelos patrões cafeicultores, acostumados a tratar de forma
sub-humana sua mão-de-obra, além de desmotivar a vinda de imigrantes fez com
que alguns países, como a França e a Itália, até impedissem durante alguns anos
que seus cidadãos emigrassem para o Brasil. Assim, o governo brasileiro passou a
cogitar trazer imigrantes da Ásia.
Não bastava, entretanto, trocar um tipo de imigrante por outro. No século XIX
os brancos cristãos tinham um forte preconceito contra todo o resto da humanidade,
e no Brasil os asiáticos eram tidos como “negros amarelos”. Esses imigrantes
japoneses não eram desejados no Brasil, tanto que entre vários relatos, em 1892, o
jornal Correio Paulistano publicou artigos de Francisco Cepeda que se referia aos
asiáticos com expressões como “se a escória da Europa não nos convém, menos
nos convirá a da China e do Japão”.
Porém é fato universal que quando se há necessidade de trabalhadores,
governos e contratadores tornam-se mais convenientes e menos exigentes,
desenvolvendo relações diplomáticas entre ambos os países (Brasil-japão).
O Japão da segunda metade do século XIX foi um país de dramáticas
transformações. Durante dois séculos e meio o Japão esteve isolado do resto do
mundo, em uma sociedade feudal e a economia estava estagnada num sistema
agrário e dependente da cultura do arroz, enquanto as potências ocidentais,
industrializadas e tecnologicamente avançadas, conquistavam colônias na África e
Ásia. A partir de 1854, com navios americanos e ingleses exigindo com uso de
canhões a abertura dos portos japoneses, o enfraquecido governo xogunal teve que
ceder crescentes privilégios comerciais aos estrangeiros, o que gerou uma crise
interna sem precedentes. Revoltas levaram a uma guerra civil, que culminou com a
vitória dos que queriam a restauração do poder ao imperador, e que defendiam a
modernização rápida do Japão em moldes ocidentais. Era o início da Era Meiji
(1868-1912).
Em 20 anos, a modernização Meiji revolucionou o país, propiciando
oportunidades para a aristocracia, que ocupou importantes cargos na nova estrutura
político-governamental, e para uma emergente burguesia que enriqueceu com os
métodos industriais e financeiros importados do ocidente. Mas os benefícios do
enriquecimento do país ficaram nas mãos de poucos, e fazer rapidamente do Japão
uma potência bélica do mesmo nível que as potências ocidentais foi mais prioritário
24
que necessidades sociais. A maior parte da população vivia no campo, onde
impostos crescentes levavam mais e mais famílias à fome. Em busca de empregos e
melhores condições de vida, muitos migraram do campo para as cidades, entretanto,
sendo o Japão um arquipélago superpovoado, o governo japonês passou a
promover a emigração como alternativa. Entre a pobreza em casa e um trabalho em
terras estrangeiras – que por mais legalizado que fosse tinha obviamente muitos
riscos – muitos japoneses preferiram a segunda opção.
Contrariando as expectativas negativas de como efetivamente eram os
japoneses, J. Amândio Sobral, inspetor de imigrantes do Estado de São Paulo,
redigiu um texto no qual expressou abertamente elogios ao comportamento, pois
apesar de serem operários, agiam com dignidade e educação, e, à aparência dos
japoneses que foi relatada da seguinte forma: “A vestimenta européia conquista
terreno no império do Sol Nascente. Foram os próprios imigrantes que compraram
as suas roupas, adquiridas com seu dinheiro, e só trouxeram roupa limpa, nova,
causando uma impressão agradável”.
Outro ponto que chamou a atenção de Sobral na época foi o grau de
confiança que os japoneses tinham em suas mulheres, “a ponto de, para não
interromperem uma lição adventícia de português, lhes confiarem a troca de seu
dinheiro japonês em moeda portuguesa”. Na época, os homens no Ocidente não
confiavam em suas esposas para lidar com assuntos relacionados a dinheiro, mas
as japonesas faziam câmbio para seus maridos.
Os japoneses que chegam ao Brasil, em 18 de junho de 1908, com a
promessa de enriquecimento fácil, em dois dias de trabalho no Brasil os imigrantes
esperavam ganhar o salário mensal de um policial no Japão, e rápido, de 2 a 3 anos,
com isto, o sonho de retorno ao seu país de origem, fazia com que muitos deles não
aprendessem o português, nem se misturassem com pessoas de outras etnias, a fim
de não perder sua identidade como povo japonês. Com a impossibilidade de
enriquecimento rápido e com isto não conseguindo retornar ao país de origem, eles
acabaram se estabelecendo no Brasil e, pouco a pouco, ao longo de gerações
identificando-se um pouco mais como brasileiros.
O quadro 3 mostra algumas diferenças de valores predominantes na cultura
brasileira e japonesa. Isto facilita o entendimento de algumas atitudes e
pensamentos provenientes de cada sociedade
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Brasil
Japão
Pessoa x indivíduo
Coletivismo
Católico
Virtudes de frugalidade, trabalho e
educação.
Paternalismo
O governo sobre o individual
Sociedade privada
Estrutura social altamente ligada
“jeitinho brasileiro”
Obrigações de mutualidade
Busca ser “mais igual” que os outros
Relacionamentos verticais (hierarquia)
Orientação para a família
Orientação para a família e para o grupo
Esperteza
Emoção/intuição
Adultos
Maturidade
Quadro 3: Valores predominantes na cultura dos indivíduos brasileiros e japoneses.
Fonte: Adaptado de: PÉPECE, O.M.C. Valores culturais e comportamento de
consumo: o que difere entre as culturas brasileira, japonesa e norte-americana
(2002).
Recentemente a autora do presente estudo esteve no Japão para um
programa de especialização e observou algumas diferenças comportamentais que
não são tão claras, mas ao longo do convívio e conversando com o povo local
puderam ser constatadas. No Brasil é habitual conversar olhando nos olhos, isto traz
mais confiabilidade e segurança; já no Japão, por ser um povo muito hierárquico,
quando conversamos é comum olhar para o nariz ou pescoço do outro, pois olhar
nos olhos é uma forma de encarar/desafiar/chamar para uma briga.
26
Outro ponto interessante é quanto ao andar a dois; entre os casais no Brasil
anda-se lado a lado, no mesmo plano, enquanto que para a cultura japonesa, o
homem anda à frente da mulher, mas em ambos os casos seria no sentido de
proteção, muda-se apenas a proximidade dos corpos e a forma de se demonstrar.
3.3. Imagem corporal
A imagem do corpo trata das vivências de representações, que, tomando por
base sensações provenientes dos músculos e de seus invólucros, assim como das
vísceras, entre outros, se tornam objetos de construção dessa imagem, que é ímpar
e subjetiva. Sensação, então, se apresenta como um dos substratos de nossas
experiências, na medida em que é ponte comunicando o meio externo com nosso
complexo meio interno. (MOTTA, 2003).
O termo "imagem" em japonês se refere mais à forma como outros, do que a
si mesmo, como as pessoas percebem a si mesmo, em contraste com o uso
ocidental, que inclui como se pensa de si mesmo. A 'imagem corporal' termo não é
traduzida em japonês, mas sim, ele é usado como uma palavra (não coloquial)
estrangeira e suas nuances estão relacionados a campos mais especializados, tais
como arte e cosmetologia. Palavras mais familiares que se relacionam com esta
seriam mitame (見た目) ou Gaiken (外 见), uma palavra um pouco mais formal. Eles
podem ser traduzido como "aparência exterior” ou “como os outros vêem o próprio
corpo ou presença" Gaiken expressa isso de forma mais complexa; enquanto que
Mitame é mais imediato. Nem é limitada a organismos ou seres humanos, e ambos
são muitas vezes utilizados em um contexto de "Você não deve julgar outra pessoa
por seu mitame ou Gaiken". (EDISON & NOTKIN, 2009)
Para Grogan (2008) e Smolak & Striegel-Moore (2001) apud Chisuwa &
O’Dea (2010) o reconhecimento, em relação à diferença cultural da imagem
corporal, tem sido aumentando dramaticamente à medida que cada cultura tem uma
ideia diferente quanto a imagem corpo.
O’Dea (1999) apud Chisuwa e O’Dea (2010) relata que apesar de uma
imagem de corpo ideal magro ter sido confirmada principalmente entre as mulheres
caucasianas ocidentais, não houve diferença cultural de percepção quanto ao corpo
e forma do corpo ideal para homens e mulheres entre os estudantes universitários
na Austrália, do norte europeu, do sul europeu e descendentes de asiáticos.
27
Muitos japoneses quando falam de corpos, falam alguma coisa sobre a falta
de limites, ou falta de extremidades. Segundo Yoshioka, "'karada' (体) a palavra
japonesa tradicional para "corpo" inclui a parte kara, que significa "forma" ou "vazio".
Karada pode ser descrito como "fluxo vazio", diz Yoshioka que este termo descreve
um corpo que é uma forma ou casca, que o vento pode literalmente passar,
enquanto o conceito ocidental é de um corpo substancial, opaco, delimitações.
Segundo ele, karada é um termo íntimo e pessoal para o corpo, muito perto de
medir. Fukuzawa Junko diz: "Acho que os corpos têm limites nos EUA, mas eles não
têm no Japão". O termo mais formal (originalmente chinês) shintai sokutei (身体 测)
refere-se a medidas do corpo (shintai ( 身体 ), que significa corpo na expressão
formal, e sokutei (测定), que significa medição). Esta frase é comumente associada
com o dia anual da escola em que os alunos esperam na fila para ter suas alturas,
pesos e outras medidas tomadas e registradas. Estética japonesa procura, como
correspondente japonês descreve, "corpos longos e os pés curtos". Kobayashi
acrescenta: "Em japonês, o toushin prazo (头 身) descreve a relação da cabeça para
sua altura de corpo inteiro (tou significa cabeça e shin significa corpo). Hachitoushin (ou a cabeça de um ser de um oitavo de sua altura total) é considerada a
proporção ideal. A 'grande cara "pode ser considerado um indicador de atitude
insolente". Os modelos freqüentemente comentam sobre o atual, em arco - nariz
redondo de olhos jovem, de pele clara estereótipo de beleza. (EDISON & NOTKIN,
2009)
28
CAPÍTULO 4 - METODOLOGIA
O estudo trata de um estudo de caso.
Segundo Yin (2005), o estudo de caso pode ser tratado como importante
estratégia metodológica para a pesquisa em ciências humanas, pois permite ao
investigador um aprofundamento em relação ao fenômeno estudado, revelando
nuances difíceis de serem enxergadas “a olho nu”. Além disso, o estudo de caso
favorece uma visão holística sobre os acontecimentos da vida real, destacando-se
seu caráter de investigação empírica de fenômenos contemporâneos.
O presente estudo, cujo atendimento foi realizado no consultório da rolfista,
caracteriza-se como uma pesquisa descritiva e qualitativa.
Para este trabalho foram realizadas uma entrevista inicial, com uma avaliação
inicial, fotos nos 4 perfis, 10 sessões de Rolfing® estrutural e movimento.
Essas fotos foram feitas com o indivíduo fotografado de corpo inteiro, vestindo
maiô de 2 peças (biquíni), nas posições frontal, de costas e laterais, antes e depois
de cada sessão, como forma de registro das alterações corporais/posturais
pretendidas durante o processo de Rolfing®.
O estudo foi realizado com uma cliente do sexo feminino, oriental, nascida no
Japão e que veio ao Brasil ainda jovem, atualmente com 71 anos, casada, sem
doença pré-existente grave e nunca tinha passado pelo processo de IE Rolfing®.
Para a avaliação foi realizado:
1 - antes dos atendimentos foram realizados:
1.1. gráfico de apreciação do próprio corpo (Penna, 1990 – anexo 1),
1.2. gráfico de sintomas (Penna, 1990 – anexo 2),
1.3. entrevista inicial do Questionário Naper (anexo 3),
1.4. desenho da pessoa, desenho de como a pessoa se vê
1.5. fotos nos 4 perfis.
2 - Durante o processo de atendimentos
2.1. relatos do cliente,
2.2. anotações de percepções da terapeuta,
2.3. fotos nos 4 perfis.
3 - Ao final
3.1. relatório do rolfista do Naper (anexo 4),
3.2. relatório do cliente do Naper (anexo 5),
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3.3. gráfico de apreciação do próprio corpo (Penna, 1990),
3.4. gráfico de sintomas (Penna, 1990),
3.5. desenho de como a pessoa se vê
3.6.fotos nos 4 perfis.
30
CAPÍTULO 5 - RESULTADOS E ANÁLISES
Apresentaremos os resultados dos diferentes instrumentos utilizados por
sessão e, a seguir faremos uma análise também por sessão e, finalmente,
comentários gerais.
5.1. Antes
5.1.1. Entrevista inicial
A cliente chegou ao consultório um pouco tímida e envergonhada com a ideia
de ficar de biquíni/roupa íntima. Durante a entrevista, relatou ter 71 anos, ser
casada, teve 3 filhos, mas 2 já falecidos. Cursou o 1º grau completo, mas não pôde
cursar o restante por ter de ajudar a família na lavoura. Nunca passou pelo processo
de Rolfing®, e está fazendo o processo a pedido da rolfista e curiosidade em
conhecer o Rolfing®, em termos físicos. Se sente bem em relação ao corpo e não
apresenta nenhuma queixa, nem dor física. Do ponto de vista emocional, sente-se
regular e não percebe nenhuma relação entre como está o emocional e o corpo,
apenas chora ocasionalmente pela perda dos filhos, e logo se sente aliviada. Pratica
atividade física 4 vezes por semana, sendo 2 vezes por semana hidroginástica, 2
vezes ginástica para a 3ª idade e faz caminhada de 1 hora todos os dias.
5.1.2. Fotos antes do processo
Na foto de frente observa-se um rosto inexpressivo, trapézio direito mais alto,
deixando o ombro direito mais elevado, tendência a maior descarga de peso no
hemicorpo esquerdo, pés bem unidos, proporcionando assim uma pequena base de
apoio.
No perfil esquerdo, cabeça com olhar mais baixo, rotação anterior de ombro
esquerdo, cotovelo levemente fletido, shift anterior de quadril, retificação das curvas
fisiológicas da coluna.
Na foto de costas, ombro direito mais elevado em relação ao esquerdo e mais
protuso anteriormente, espaço entre últimas costelas e crista ilíaca diminuída à
direita.
No perfil direito cabeça anteriorizada, retificação das curvaturas fisiológicas da
coluna, shift anterior de quadril.
31
Figura 1: quatro perfis do cliente antes do processo
5.1.3. Desenho de como a cliente se vê – Antes
A cliente estava bastante resistente a fazer o desenho de si mesma, alegando
“não desenhar bem”, mas desenhou. Bastante preocupada com a estética, no que
ou outros vão pensar.
A partir do desenho feito antes do processo (figura 2), podemos ressaltar
alguns aspectos: Retrato expressivo, sem a discriminação dos segmentos não
aparece (cotovelos, joelhos, quadril), sugerindo uma tensão generalizada. Olhar
bastante expressivo, marcante, mas sem foco em quem vê o desenho. As roupas
justas no tronco sugerem tensão no sleeve/core, também diminuindo a capacidade
respiratória e a expansão pessoal. Os detalhes do desenho mostram elaboração, o
que sugere funções mentais e emocionais e sensoriais mais sofisticadas. Um
detalhe bastante interessante é o fato de a folha ter sido dobrada ao meio para se
desenhar o rosto, o que sugere perfeccionismo, tentando buscar simetria, no
desenho.
32
Figura 2: Desenho do próprio cliente de como ele se vê antes do processo
33
5.1.4. Gráficos de Penna – Antes
Na avaliação, foi solicitado que a cliente preenchesse os gráfico de Penna
(Anexos 1 e 2), como demostrado a seguir.
Durante o preenchimento dos gráficos (anexo 1 e 2), a cliente apresentou
certa aversão a figura, esboçando um sorriso.
Figura 3. Anexo 1 preenchido pela cliente antes do processo
Neste gráfico de apreciação do próprio corpo, a cliente coloca da seguinte
maneira as partes do corpo as quais não gosta e as respectivas razões:
1.
Seios, por serem desalinhados
2.
Manchas no rosto, por ser “みかけ が わるい”
3.
Batata da perna, pois são grossas demais
Em alguns momentos ela não soube colocar em português expressões do tipo
“ み か け が わるい ” (mikake ga warui), que pode ser traduzido como “ruim na
34
aparência”. Segundo Xatara (1998) expressões idiomáticas são lexias (parte mais
curta de um texto que pode ser lido entendê-lo) complexa indecomponível,
conotativa e cristalizada em um idioma pela tradição cultural, o que nos permite
entender um pouco melhor que quando traduzida, algumas destas expressões
perdem a sua intensidade/significado.
Figura 4. Anexo 2 preenchido pela cliente antes do processo
Ao preencher o anexo 2 (gráfico de sintomas), a cliente relatou não ter
incômodos, apenas um desconforto leve que não era significativo, mas para não
ficar com a folha em branco, ela relatou um leve e não muito frequente desconforto
no pescoço.
35
5.2. Descrição dos atendimentos
5.2.1. Sessão 1 - o início
A sessão foi iniciada com uma conversa sobre o que é o Rolfing e como seria
o toque. Deixando-a sempre bem a vontade para questionar e falar sobre as
sensações e desconfortos durante as manipulações. Foi lembrado que o trabalho é
conjunto, que não estamos trabalhando apenas um monte de músculos e fáscia,
mas “Não trabalhe nas pessoas. Trabalhe com elas. Os clientes estão ansiosos para
mudar, para desenvolver”, como dizia a criadora do Rolfing, Ida Rolf.
Quando questionado sobre como estaria a sua respiração, a cliente já
questionou “Por quê? Tem algo errado?” e foi colocado pela pesquisadora que
aquele momento era um momento para a cliente se perceber, perceber o próprio
corpo.
A cliente percebeu pouco do próprio corpo, não conseguindo relatar muito
bem sobre as sensações do mesmo. Para tentar facilitar a percepção foi realizado o
trabalho em um hemi-corpo e pedido para a cliente notar se havia alguma diferença,
mas nada foi relatado, percebido. Ela mencionou sobre o nascimento dos filhos três,
inclusive dos dois já falecidos. Falou do quanto chorou quando veio ao Brasil, o
quanto chorou e o quanto trabalhou na lavoura para sobreviver, mas sem esboçar
sentimento, apenas relatando os fatos.
Schilder apud Penna (1990), um grande estudioso de imagem corporal, após
1950 considera que a imagem corporal é constituída por três estruturas em
constante intercâmbio: a fisiológica, a libidinal e a sociológica. Esta tríplice
perspectiva modificou o enfoque tradicional, abrandou os excessos das hipóteses
centralistas e abriu espaço para a consideração do papel do meio-ambiente na
transformação contínua dos modelos posturais. A estrutura libidinal considera o
corpo tal como ele é vivido ou experienciado pelas pessoas, dando destaque aos
seus aspectos afetivos, emocionais, cognitivos e eróticos. Nesse sentido, se buscou
com o trabalho de Rolfing®, acessar essas sensações do corpo através da história,
aquilo que já foi experienciado, que a cliente fosse trazendo, de modo espontâneo.
36
5.2.2 Sessão 2
Ao chegar, a cliente estava um pouco menos ansiosa do que na sessão
anterior. Ela estava feliz e aliviada por saber que não precisa fazer cirurgia de
catarata agora, como um médico anterior havia falado.
Foi explicado sobre o trabalho da sessão 2 e começaram as manipulações.
Nesta sessão em especial, pelo fato do terapeuta ficar na região do pé do
cliente, não houve muito contato visual durante a sessão. A cliente comentou que
tem vergonha, fica indignada de ver pessoas nuas, sem vergonha do mostrar o
próprio corpo, mesmo entre mulheres no vestiário da natação. Segundo a visão da
própria cliente, o nosso corpo nú, como na sua origem é uma coisa muito intima, que
não deve ser mostrado para ninguém e muito menos é permitido, na concepção
dela, ser mostrado aos outros.
Ao levantar da maca, a cliente foi questionada se houve sensação de estar
mais alta ou baixa, percebeu com desconfiança, que talvez estivesse um pouco mais
alta. Neste contexto de perceber o caminhar, ela comentou “Japonês tem as pernas
tortas e por isto anda esquisito. Por isto eu sempre procuro andar no meio fio da
calçada, assim os pés sempre ficam numa linha, andando reto e minha perna fica
menos torta”.
Ao final da sessão, nos primeiros passos houve um estranhamento, mas por
conta da concepção de certo e errado da cliente, ela retomou o modo de caminhar
(usar o pé) habitual.
Um conceito bastante usado na formação de Rolfing é “camada de
disponibilidade”, isto é o quão disponível, aberto o cliente está para receber e este
processo.
Uma reflexão pessoal da rolfista: na cultura japonesa tradicional, há o certo e
o errado, não o meio termo; esta é uma cultura bem rígida, na qual você sempre
está sendo observado e julgado, onde importa mais o que a outra pessoa pensa de
você, o que ele pode achar, do que o que está ocorrendo de fato. Neste sentido, o
japonês age muito no “é assim”, “preciso fazer certo”, “o correto é assim”, esta
cultura rígida acaba se refletindo inclusive no andar.
“O modo como você caminha através da sala é o modo como você caminha
pela vida.” Vivian Jaye
37
5.2.3 Sessão 3
A cliente chegou para a sessão um pouco triste por não ter conseguido fazer
os 60 minutos de caminha diária, apenas 40 minutos no dia anterior.
Foi explicado sobre a sessão e ao posicionar a cliente, esta comentou que
precisava deitar devagar e com jeito para não amassar o cabelo. Quanto ao
processo, não notou diferença entre o hemi-corpo o trabalhado em relação ao não
trabalhado, nem no final do trabalho nos dois hemi-corpos, no entanto ela
questionou se a terapeuta estava observando alguma diferença. Ela argumentou isto
questionando o que a terapeuta teria visto, uma vez que teria um ponto de vista
profissional. A terapeuta salientou que o trabalho seria em conjunto para que essas
observações e tornassem perceptíveis.
Na sessão anterior a cliente começou a falar da rigidez como observadora, na
qual apenas vê o fato e comenta, como se o fato em si não influenciasse ela, mas na
sessão atual ela já traz para si a questão da rigidez, de como essa rigidez se
expressa na vida dela.
Penna (1990) comenta de estudos da década de 50, onde Werner & Wapner
traz em seu estudo a importância do organismo ser estudado em seu contexto
ambiental. Tanto para o estudo da percepção de objetos como da percepção do
próprio corpo, deve-se ter em conta uma unidade: a relação organismo-ambiente.
Ainda no mesmo estudo, os autores concluem que não existe a percepção de
objetos exteriores sem um referencial corporal. E, inversamente, não pode haver
percepção do corpo como objeto sem um marco de referência ambiental.
Outro fato interessante nesta sessão é que a cliente relatou imaginar uma
linha no chão sempre que caminha, para andar sobre ela e assim “não ficar com a
perna torta”. Ela sempre anda pensando na linha no chão, desta forma, os pés ficam
sempre voltados para frente e a perna que tem a tendência de ficar torta (por ser de
origem japonesa) recebe estímulos e fica mais reta. – Isto segundo relato da cliente.
5.2.4 Sessão 4
Iniciou-se como de costume a sessão.
Ela comentou do pai que foi bem rígido na infância, do quanto ela aprendeu
com ele. E falou de um conhecido que não cuidou do pai no final da vida, mesmo na
doença do pai. Neste contexto veio uma reflexão dela: “como pode ter filhos que não
38
cuidarem dos pais na velhice” e comentou que mesmo o pai sendo bravo, que
cuidou dele.
Não querendo dar trabalho para os mais próximos e pensando em levar uma
vida mais saudável, ela está muito feliz com as atividades físicas que vem
desenvolvendo (ginástica para 3ª idade, hidroginástica e coral), mas comentou do
estresse que é ficar esperando os demais colegas para início das atividades.
Pensando no contexto organismo-ambiente no qual não pode haver
percepção do corpo como objeto sem um marco de referência ambiental, a
lembrança do pai na infância já seria uma estrutura libidinal, por se tratar de uma
experiência vivida ou experienciado.
Em contra-partida, um aspecto sempre citado por ela é o físico- ideal. Chang
et al (2007) apud Majewski et al (2012), apontaram que mulheres orientais, estavam
mais preocupadas com a sua imagem corporal, aparência do que as mulheres
ocidentais.
5.2.5. Sessão 5 – o meio do processo
Ao ser explicado que nesta sessão iríamos trabalhar na região abdominal,
logo se ouviu “aí, mais minha barriga está grande”.
Durante a sessão houve algumas manifestações abdominais, em geral ruídos
audíveis, mas não ouve relato de incômodo e ela conseguiu brincar com a situação
dizendo “é a minha digestão”.
Nesta sessão houve estruturação do core que permitiu mais verticalidade a
cliente.
Após a sessão, o quadril ficou bem mais articulável, maleável, com mais
contralateralidade, mas por causar certa estranheza, logo a cliente voltou a pensar
na linha do chão e andar sobre ela. Quando questionada se esta nova possibilidade
de movimento poderia ser mantida, mesmo em partes, a cliente fez uma careta e
falou que desta nova maneira não era possível andar “reto”.
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Figura 5: quatro perfis do cliente após sessão 5 do processo
Nas fotos estáticas, podemos observar que na figura 1, a cliente estava
menos estruturada, presença um pouco maior da linha que orienta, dá a direção
para o corpo cara cima, observáveis principalmente nas fotos de perfil. O shift
anterior do quadril também apresentou uma diminuição, onde o centro de gravidade
está mais perto da linha, do eixo.
5.2.6 Sessão 6
Cliente chegou a sessão relatando que teve diarreia 4 dias depois da sessão,
mas que agora estava bem. Ela comentou que o marido também teve diarreia, e
mais forte que ela, o que exclui a possibilidade de ser algo do processo de Rolfing.
Foi explicado o que seria trabalhado nesta sessão e solicitou-se que o cliente
andasse antes começar as manipulações. Neste andar foi observado que parte do
que foi adquirido na sessão anterior se manteve, havia um pouco de dissociação de
cinturas.
Após o trabalho nas costas, houve o relato de que a coluna havia ficado
levemente mais forte o que era bom.
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Cabe uma reflexão: uma paciente com mais mobilidade de quadril tende a ter
um melhor “jogo de cintura” na vida real, ou seja, sabem lidar melhor com
imprevistos e se adaptam melhor as diversas situações?
Um grande sábio, Godard, já disse que a postura é potencial de ação, então
neste contexto, um corpo mais bem posturado tem maior potencial de ação, o que
permite uma melhor adaptabilidade para lidar com as situações.
5.2.7 Sessão 7
Comentou-se sobre o que seria trabalhado nesta sessão e quando cogitou-se
a possibilidade de trabalhar dentro do nariz ouviu-se “de verdade? Todo mundo faz
isto? Se faz parte, tudo bem”. Durante o trabalho percebeu que estava com a
respiração mais livre e que não precisava fazer força para a entrada de ar pelo nariz,
que este entrava entrando ar mais naturalmente.
Ao levantar da maca, ficou um pouco aérea ao começar, ficou batendo e
balançando a cabeça para “voltar logo ao normal”.
A partir do momento em que este corpo está experimentando novos
movimentos, onde antes não havia, isto acaba abrindo novas possibilidades de
vivenciar e experimentar este “novo” corpo. Como dizem os professores de Rolfing®
Monica Caspari e Marcelo Muniz, respectivamente, “isto causa um pouco de
estranheza”, mas ainda assim “isto também é você”. Todas essas mudanças na
estrutura causam um redimensionamento de significados nas práticas corporais
(SILVA & DAMIANI, 2005).
Para auxiliar a cliente a ficar com menos sensação de estranheza, optou-se
por um trabalho um pouco mais dinâmico, pois uma vez que a estrutura já está
liberada através do trabalho estrutural, o trabalho funcional lida com as fixações nos
padrões de movimento.
5.2.8 Sessão 8
Nesta sessão começamos o trabalho de finalização e optou-se por trabalhar
um pouco mais de movimento que nas sessões anteriores. Quando questionado de
maneira geral sobre suas percepções e sensações, a cliente não soube relatar muito
das sensações, mas na tentativa de uma abordagem diferente, foi questionado
quanto a uma área mais específica, por exemplo, o quadril, e a cliente soube falar
mais das percepções, sensações. Ela ficou com sensação de peso nas pernas, o
41
que não foi bom. Então foi feito um trabalho de movimento nos pés, onde se sentiu
que o pé articula mais para andar.
Quando proposto uma vivencia de movimento e ela percebeu que conseguia
fazer de modo consciente, ficou muito feliz e relatava tudo o que ela estava
percebendo e adequando para um movimento mais fluido.
Segundo Caspari (2005), Godard chama de lesão as fixações estruturais e de
inibição as restrições nas fáscias ou articulações quando o cliente é testado na
amplitude
de
movimento
passivo.
As
inibições
crônicas
normalmente
se
transformam em lesões, sendo resultado da imagem corporal (ditada por nossas
experiências, história e crença) e não do esquema corporal (como nós somos).
Sendo esta uma sessão de fechamento, foi realizado um trabalho com foco
na relação: organismo-ambiente, para que todas as mudanças obtidas através do
processo e que causaram certa estranheza pudesse, aos poucos ser experimentado
pela cliente e, desta forma possibilitar uma mudança em um nível mais profundo. Ou
seja, isto pode trazer uma mudança de imagem corporal mais positiva, mesmo com
movimento. De acordo com o modelo final encontrado por Barbosa et al (2011) uma
imagem corporal mais positiva é associada a uma melhor qualidade das relações
interpessoais.
5.2.9 Sessão 9
Ao chegar na sessão ela estava enérgica, falando que havia perdido um
ensaio do coral; ela chegou 30 minutos atrasada e não conseguiu entrar no local. E
estava estressada com os preparativos de uma apresentação do coral, desde
cabelo, roupa, afinação da voz.
Nas atividades de movimento ela percebeu a relação dos sentidos (olhar,
olfato, audição) em relação à largura do passo, exclamando “Nossa, está ligado”.
Saiu com a sensação da cabeça mais horizontalizada, o que trouxe a sensação de
ser uma modelo.
Segundo Toledo & Barela (2010): existe um intrincado relacionamento entre
informação sensorial e atividade motora correspondente para o funcionamento do
controle postural. Assim, não apenas as alterações motoras (por exemplo, força
muscular) devem ser consideradas no entendimento do funcionamento do sistema
de controle postural e, em específico, as alterações que ocorrem nesse
42
funcionamento decorrentes do envelhecimento, mas também as alterações que
ocorrem nos canais sensoriais e a integração dessas informações realizada pelo
sistema nervoso central. É com base nessas informações que as forças que atuam
no corpo e as alterações na orientação postural decorrentes da atuação dessas
forças serão identificadas, e respostas motoras serão organizadas.
Penna (1990) também comenta que:
Toda a questão sobre o papel das informações exteroceptivas e
proprioceptivas foi ampliado recentemente, em particular através das investigações
que consideram o corpo em relação estreita com o meio ambiente, tal como já
haviam assinalado anteriormente autores como Werner & Wapner (1949,1952). O
aspecto da influência visual no planejamento da ação recebeu a atenção de Gibson
(1966) que formulou o conceito do arranjo óptico (optic array) para explicar como a
recepção da luz é variável de acordo com o ponto de observação, ou seja, segundo
a posição do observador no espaço. Admite o autor que haveria, deste modo, a
recepção das informações não somente do reflexo da luz sobre a superfície dos
objetos, mas também, sobre o ambiente em relação ao sujeito.
As inibições de movimento, segundo Caspari (2005), tem sua origem na
maneira como percebemos o mundo, o que envolve nossas emoções.
Por isto, em muitas situações traumáticas, fechamos o nosso corpo,
desconectando-o parcialmente de nossas emoções como mecanismo de defesa
para tentar minimizar a dor.
5.2.10 Sessão 10 – A última sessão
A última sessão deste processo.
Questionado se as mudanças ocorridas na sessão anterior se mantiveram, a
cliente não se lembrava das mudanças.
Ao caminhar, foi trabalhada novamente a questão da visão periférica, da
possibilidade de olhar para mais coisas simultaneamente, e pela primeira vez a
cliente vivenciou esta nova possibilidade de olhar, o que trouxe uma sensação de
menos fixação na região de ombros.
43
Nas vivências de relação com o meio externo, houve mais dificuldades em
compreender a situação, como o próprio corpo está, achar presença em si mesma,
para a partir daí ir de encontro com o meio externo.
Caspari (2005) menciona que:
O movimento correto não pode ser alcançado analiticamente: fazer um
movimento corretamente nunca significa fazer a coisa certa, mas obter as
informações certas. A informação certa revela todo o aspecto de sensações,
organização e ritmo, que permitem o surgimento do movimento certo. “No
movimento eficiente, não há “corpo”, apenas o processo imaginário de vetorização
antecipada do espaço e do meu corpo nele” (Hubert Godard).
5.3. Depois – a Despedida
5.3.1. Entrevista final
No relatório final, a cliente relata que não notou muita diferença de forma
geral, que não percebe nenhuma mudança; quanto ao objetivo inicial que era
conhecer o trabalho, foi atingido, mas não soube responder se o Rolfing ajudou em
outro aspecto da vida e da pessoa (cliente em questão).
De maneira geral, ela avaliou o processo como regular, assim como quando
questionada quanto a como ela se sente e sentia emocionalmente.
5.3.2. Fotos depois do processo
Na foto de frente observa-se um rosto expressivo, trapézio direito levemente
mais alto que o esquerdo, deixando o ombro direito um pouco mais elevado,
tendência a maior descarga de peso no hemicorpo esquerdo, pés unidos,
proporcionando assim uma pequena base de apoio, core e sleeve bem organizados,
há sensação de espaço visceral, mas “parece” sustentando bem, pernas longas.
No perfil esquerdo, cabeça bem organizada, leve rotação anterior de ombro
esquerdo, cotovelo levemente fletido, shift anterior de quadril, um pouco de curva
lombar, a nível fisiológico da coluna.
44
Figura 6: quatro perfis do cliente após todo o processo
Na foto de costas, ombro direito quase nada mais elevado em relação ao
esquerdo e mais protuso anteriormente, espaço entre últimas costelas e crista ilíaca
bem definido e estruturado, pernas longas e bem estruturadas
No perfil direito cabeça levemente anteriorizada, retificação das curvaturas
fisiológicas da coluna, shift anterior de quadril.
5.3.3. Desenho de como a cliente se vê – Depois
Assim como na avaliação, a paciente apresentou certa resistência a fazer o
desenho do próprio corpo alegando que já havia feito, conversando sobre o papel do
desenho como instrumento de avaliação e parte do processo ela prontamente
desenhou, desta vez muito mais rápido e preciso, usou menos vezes a borracha.
45
Figura 7: Desenho do próprio cliente de como ele se vê ao final do processo
46
O desenho de maneira geral tem movimento e parece mais real.
A partir deste desenho, podemos ressaltar alguns aspectos: Retrato
expressivo, olhar bastante expressivo, marcante e com foco em quem vê o desenho.
As roupas soltinhas, mas sem perder a forma, permitindo desta forma a expansão
pessoal. Os detalhes do desenho mostram elaboração, o que sugere funções
mentais e emocionais e sensoriais mais sofisticadas. Um detalhe bastante
interessante é o uso da saia pela personagem do desenho, o que traz a sensação
de movimento para os membros inferiores e a ideia de feminilidade.
5.3.4. Gráficos de Penna – Depois
Figura 8. Anexo 1 preenchido pela cliente após do processo
47
Neste gráfico de apreciação do próprio corpo, depois do processo de Rolfing,
a cliente coloca da seguinte maneira as partes do corpo as quais não gosta e as
respectivas razões:
1.
Batata da perna, pois possui varizes
2.
Barriga, por ser grande
3.
Manchas no rosto (しみ), por ser “みかけ が わるい”.
Figura 9. Anexo 2 preenchido pela cliente após do processo
Ao preencher o anexo 2 (gráfico de sintomas) após o processo de Rolfing, a
cliente relatou não ter incômodos, nem desconfortos, mesmo que leve. Ela apenas
escreveu “não ten”, para que a folha não ficasse em branco.
48
5.4. Comentários gerais
5.4.1. Relatos e entrevista
No início do processo, uma informação trazida pela própria cliente foi que ela
sempre se imaginava andando sobre uma linha, com os pés sempre voltados para
frente, para que as pernas e principalmente os joelhos não ficassem tortos.
Ao término das sessões, conversando sobre o processo dela, pedindo para
que ela prestasse atenção no andar e relatasse como está o corpo dela e as
sensações naquele momento, ela comentou “está normal, estou andando reto, não
tô?”. A cliente não conseguiu assimilar as experiências de um novo movimento dos
quadris enquanto anda, por exemplo, uma possível hipótese para isto é pensar em
termos de cultura, criação. Segundo Pepece (2002) considerando a cultura
japonesa, suas obrigações de mutualidade e seus relacionamentos verticais
(hierarquia), comparado à cultura brasileira, existe certa rigidez, que pode ser
expressa até mesmo de modo inconscientemente na maneira de andar da cliente. A
cliente diz “eu sempre penso em uma linha no chão e ando em cima dela para não
andar torto”. Continuando “já está normal eu pensar em andar sobre uma linha
agora, nem preciso mais pensar tanta atenção quanto antes”.
Caspari nos traz a seguinte frase: “percepção: onde o psicológico e o físico se
conectam”, e Callister (2003) diz que “a percepção da dor e os comportamentos
associados são influenciados pelos contextos socioculturais dos indivíduos com dor”.
Um detalhe importante é que no início do trabalho quando a cliente era
questionada “Como você se sente? Como está o seu corpo?” obtinha-se como
resposta “tudo bem, não tem dor”, ao longo das sessões a terapeuta, com isto,
mudou a forma de perguntar “O que você sente de diferente? Peso, volume,
tamanho, cor, cheiro, alguma sensação diferente?”, pois se percebeu que para ela
sensação se referia basicamente à presença ou ausência de dor.
Outra questão bastante interessante de se perceber é o fato de em inúmeros
momentos, a cliente faz uma observação e/ou comentário preocupando-se com a
parte estética, com o que o outro (neste caso a terapeuta) observa e pode vir a
julgar.
A verdade não “habita” apenas o “homem interior”, ou, antes, não existe
homem interior, o homem está no mundo, é no mundo que ele se conhece. Quando
volto a mim a partir do dogmatismo do senso comum ou do dogmatismo da ciência,
49
encontro não um foco de verdade intrínseca, mas um sujeito consagrado ao mundo”.
(MERLEAU-PONTY, 1999, p. 6)
Segundo as reflexões de Merleau-Ponty, apud Marin e Lima (2009), na obra
O visível e o invisível: a retomada da percepção como fundamento possível do saber
primordial sobre as coisas. Nota-se isto quando a cliente busca no mundo, no caso
as pessoas, na figura da terapeuta, crenças e vivências pessoais para perceber as
mudanças ocorridas a nível do homem interior.
5.4.2. Fotos e análise dinâmica
Comparando as figuras 1 e 6, observa-se que houve mais verticalidade,
abertura da frente da coluna, horizontalização da cabeça, afrouxamento do sleeve,
aumento da lombar, mais sustentação nas pernas, braços mais longo ao longo do
tronco, mudança na expressão facial.
Na dinâmica, pode-se observar uma melhora na contralateralidade das
cinturas, um “afrouxamento” da coluna, andar firme e reto, bloqueando um pouco do
movimento contralateral da pelve.
A visão periférica ora está presente, ora ausente, como se o corpo ainda
estivesse se adaptando e experimentando esta nova possibilidade, bem como a
horizontalização da cabeça.
Visão periférica pode ser ilustrada de maneira simbólica como na imagem
abaixo:
Imagem 10: Visão periférica
Fonte: galeria de imagens do google
50
Segundo Caspari (2005), a imagem e o esquema corporal dependem de
diferentes aspectos da visão. A visão focal, que também pode ser chamada de visão
central, como demonstrada na imagem 10, é registrada no nível cortical do cérebro,
permitindo-nos nomear o que vemos e desta forma, informar a imagem corporal. Por
outro lado, a visão periférica, é registrada no nível subcortical, nos permitindo
perceber as relações espaciais e, assim, informar o esquema corporal.
O modo de uso da visão muitas vezes não é percebida pelo cliente, vale
ressaltar que no caso apresentado neste estudo estamos tratando de uma cliente de
origem japonesa, a qual foi educada a ser extremamente objetiva e a olhar para o
nariz ou pescoço do interlocutor enquanto fala, a fim de não encarar e ficar com a
sensação de encarar o interlocutor. Isto são questões culturais que ficam na pessoa,
que tem o olhar focal tão habitual que esta nova possibilidade está aos poucos
sendo assimilada pelo cliente, mesmo que a nível inconsciente a princípio.
De acordo com Bond (2001) quando se explora a visão periférica ou a
audição periférica (os sons que estão além do ambiente circundante imediato)
tende-se a alongar a coluna em direção ao céu, com a consequente sensação de
flutuar.
5.4.3. Desenho de como a cliente se vê
Neste estudo, um dos parâmetros no qual mais se obteve resultado mais
notável foi o desenho de como a pessoa vê a si mesma (figuras 2 e 7). Ao final (a
figura 7), o desenho como um todo está mais macio, tem mais volume de
sleeve/core, os traços estão mais suaves, assim como os ombros, o cabelo inclusive
tem mais movimento e parece mais real. O olhar está mais voltado para o
observador, os lábios estão definidos e continuamos com a presença do sapato de
salto. As roupas mudaram e agora ela está mais feminina usando uma saia com um
pouco mais de volume na base.
Uma peduliaridade da figura 7, diferentemente da primeira (figura 2), a cliente
não dobrou a folha para desenhar o rosto, a folha está inteira.
O segundo desenho de maneira geral tem mais movimento e parece mais real
do que o primeiro.
Françoise Dolto (1984/1992) apud Tiussi (2011), psicanalista francesa, dizia
que todo sujeito teria uma imagem inconsciente do corpo, que se trata de vivências
de imagens extremamente arcaicas e precoces de corpo, situadas na base do
51
narcisismo. Esta vivência poderia ter início já no ventre da mãe, antes do
nascimento do bebê, mas quando este já possui um corpo. E continua a ser
formatada de acordo com as experiências de vida da pessoa.
Para Gilbert Simondon, parece haver um poderoso esquema de pensamento
que atravessa todos os domínios: a crença na existência de indivíduos e na
estabilidade desses indivíduos, das relações intraindividuais e interindividuais. Esse
esquema induz o pensamento a uma atenção excessiva à individualidade
constituída,
amarrando-a
a
um
princípio
de
identidade
capaz
de
reunir
multiplicidades em unidades supostamente reconhecíveis, não-divididas, estáveis. O
problema herdado por nós, o da constituição do indivíduo, ou seja, “o que faz com
que uma substância ou natureza comum a vários se torne este ou aquele indivíduo”,
encontra em Simondon uma resposta que se desvia daquelas respostas que
sugerem a existência de uma substância ou “natureza comum a vários”.
Neste contexto, pode-se dizer que se existe uma natureza comum, esta é
admirável aos japoneses, os quais buscam o coletivo, e não o individual, por outro
lado Barthémy (2005) apud Marin e Lima (2009) colocam que “aquilo que define a
individualidade é ao mesmo tempo aquilo que a distingue”. Isto seria uma hipótese
ao que ocorre com os desenhos, de um lado um desenho todo simétrico, rígido, com
pouco movimento, sugestivo de uma cultura rígida, com regras e normas claras e
objetivas, onde há pouca adaptabilidade para mudanças.
5.4.4. Gráficos de Penna
Na comparação dos gráficos de Penna, o gráfico de apreciação do próprio
corpo (figuras 3 e 8) não houve mudanças significativas quanto ao conteúdo, mas
quanto ao que mais incomoda mudou houve diferença. Após o processo já não é
mais o desnível dos seios que mais incomodam, mas as varizes na batata da perna.
Em segundo vinham às manchas no rosto, mas agora é a barriga grande que a
incomoda, coisa que não a incomodava antes. E por fim a batata que mais
incomodava deu lugar às manchas no rosto. Outro fato que chamou a atenção foi à
intensidade da cor usada para colorir as partes, após o processo, que estão bem
mais claras, sugestivo de que estes incômodos também diminuíram.
Vale a pena lembrar que no início do processo houve certa aversão a imagem
da mulher nua, porém neste momento do trabalho, a cliente encarou a figura com
mais naturalidade e até comentou “parece o meu cabelo”.
52
No padrão de beleza japonês bonito é ter rosto fino, delicado, pele bem clara
(quanto mais branco melhor) e sem manchas; ser magra, sem volume muscular e ter
pálpebras com dobra, lembrando que esta é uma sociedade que pensa sempre no
coletivo, o que o outro vai ver/pensar é muito importante, por isto a preocupação
demasiada com a estética e o com que os outros podem achar.
Nos gráficos de apreciação do próprio corpo (figuras 3 e 8) é interessante
salientar que ao início do processo, os seios desalinhados a incomodava por conta
do desalinhamento. O seio é um símbolo forte de feminilidade no oriente e o
nivelamento, a “exigência”, quase um perfeccionismo com reação a simetria dos
mesmos é vem mais de encontro com a educação mais rígida e exigente do oriental.
Ainda em comparação a essas figuras, na figura 3 ela coloriu manchas nos braços e
na batata da perna ela coloriu pontualmente, já na figura 8 ela não comentou nem
coloriu os braços e na batata da perna o colorido esta mais preciso, referente a área
que a incomoda.
Na comparação do gráfico de sintomas (figuras 4 e 9) por sua vez, a cliente
anteriormente relatou ter um leve incomodo na região de base do pescoço, já ao
final do processo ela alega não haver nada que a faça sentir dor ou sensação
desagradável.
Segundo Callister, a percepção da dor e os comportamentos associados a ela
são influenciados pelos contextos socioculturais no qual este indivíduo está inserido.
Apesar de a cliente dizer que não ouve diferença entre o antes e depois do
processo, pudemos observar inúmeras diferenças estruturais (fotos) e de certa
forma de percepção (gráficos e desenhos), por isto a importância do uso destas
diversas ferramentas. Para Kleinsmith, embora reconheçamos a importância de
outras modalidades, tais como rosto e voz, as posturas corporais inteiras também
são bastante importantes para a transmissão de emoção (na verdade, 55% da
comunicação
não-verbal.
(Mehrabian e Frei, 1969)).
Diz-se
ser
expressa
através
linguagem
corporal
53
CAPÍTULO 6 CONCLUSÃO
Como proposto inicialmente neste trabalho, mudanças estruturais puderam
ser identificadas e exemplificadas através dos desenhos e fotos apresentados no
início e ao término do processo de IE Rolfing.
O presente estudo não apresenta mudança consistente do ponto de vista da
cliente quanto a sua percepção em relação ao próprio corpo, contudo foram
utilizados outros métodos de avaliação que nos mostram que houve sim mudanças
relativas a seu processo de Integração Estrutural – lembra que mudanças são no
corpo, na percepção, no comportamento, na auto imagem, etc....
A não percepção de qualquer mudança durante o processo de IE Rolfing por
parte da cliente, juntamente com os dados colhidos através de outros métodos de
avaliação, os quais apresentam mudanças, nos mostra que neste processo houve
mudança sem percepção consciente da mesma.
Uma possível hipótese para este fato é que as mudanças ocorridas ainda
estão em processo de assimilação, não se tornando consciente até o momento do
fechamento deste processo.
Outra hipótese, que pode ou não estar associada à hipótese acima, é o
fato de a cultura japonesa ser extremamente rígida, exigente, controladora e
hierárquica, o que eleva e torna quase inatingível certas formas de mudança.
Exemplificando isto, sendo o terapeuta o “sensei (professor)” que estudou e vai
trabalhar, ele está um degrau acima em termos de nível hierárquico, o que dificulta a
cliente de reclamar ou dizer algo que ela não esteja gostando, mas por ser algo de
saúde, torna-se inquestionável a conduta. Neste contexto o novo, uma nova
possibilidade é algo que foge inteiramente do controle e não nos permite definir com
precisão de onde vem e para onde vai a mudança, com isto, se não houve mudança
100% entendida e assimilável há grandes chances de a cliente não relatar, mas que
puderam ser observadas nos outros métodos de avaliação.
Conclui-se, portanto que a partir dos dados obtidos, que houve todo um
processo de reconstrução da imagem corporal, mesmo que no nível inconsciente,
proporcionando-lhe mais vivências e experiências que a auxiliam na conscientização
da sua identidade, consciência esta que continua em construção, ou melhor,
reconstrução. Essa reconstrução leva muito em conta os paradigmas construídos ao
logo da vida e que levam em conta o contexto rígido, no qual pouco se permitia
mudanças.
54
Isto sugere um futuro estudo longitudinal que poderá avaliar melhor o
impacto do trabalho de Rolfing em cliente oriental a médio e longo prazos, pensando
que o corpo ainda está assimilando e experimentando algumas possibilidades
vividas neste processo. Se a percepção de transformações e que tipo de resultados
estão na consciência do cliente após o processo, talvez seja interessante refazer
uma reavaliação após 6 meses e até outro após 1 ano, para isto talvez refazer o
desenho do próprio cliente de como ele se vê e utilizar as fotos nos 4 perfis seja
interessante.
55
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58
ANEXO 1
GRÁFICO DE APRECIAÇÃO DO PRÓPRIO CORPO (Penna, 1990)
Determinadas áreas do corpo podem ser menos apreciadas do que outras,
por diversas razões.
No desenho abaixo, mostre com um sombreamento aquelas partes do seu
corpo das quais você não gosta ou gosta menos do que as outras.
Depois, escreva o nome das áreas sombreadas e diga qual a sua crítica
sobre elas.
Desta parte do corpo (cite)
Não gosto porque:
1-----------------------------------
1-------------------------------
2-----------------------------------
2--------------------------------
3-----------------------------------
3--------------------------------
59
ANEXO 2
GRÁFICO DE SINTOMAS (Penna, 1990)
Freqüentemente as pessoas se queixam de dores que reaparecem, de vez
em quando, nas mesmas regiões do corpo.
Mostre nesta figura, onde você tem dor ou outra sensação desagradável
habitualmente, caso as tenha.
Faça isto sombreando a área correspondente no desenho com um lápis ou
uma caneta.
Depois, escreva o nome das áreas que você sombreou e diga o que costuma
sentirem cada uma delas.
Nesta parte (ou órgão)
costuma sentir
1-------------------------------
1-----------------------
2------------------------------
2------------------------

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