RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO CIRURGIÃO PLÁSTICO
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RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO CIRURGIÃO PLÁSTICO
50 RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO CIRURGIÃO PLÁSTICO SURGEON DOCTOR'S LIABILITY PLASTIC Alcina Alves de Araújo1 Wilton Machado2 RESUMO O presente estudo bibliográfico utilizou-se de método dedutivo com o objetivo de analisar a responsabilidade do médico cirurgião plástico (estético e reparador), bem como as razões que provocam o aumento das ações em juízo relacionadas à insatisfação nos serviços de cirurgia plástica, estética e embelezadora. Tendo em vista a evolução da responsabilidade civil, a grande tendência é a sua objetivação, substituindo-se a técnica individualista baseada na culpa por uma noção indenizatória de solidariedade social, em que se atribui a reparação ao criador do risco. Entretanto, não se pode afirmar que a teoria da culpa esteja superada, vez que, no ordenamento vigente, convivem as duas teorias: a da culpa, imperando como direito comum, ou a regra geral básica da responsabilidade civil e a teoria do risco regulando as situações específicas determinadas por lei, ressaltando-se que a responsabilidade civil do médico, incluída a do cirurgião plástico estético, configura um caso típico de responsabilidade civil subjetiva, isto é, um caso em que se impõe, indiscutivelmente, a apuração da culpa do profissional. Ao final do estudo, percebeu-se que as cirurgias plásticas estéticas, como as demais especialidades, configuram-se como obrigações de meios, tendo em foco além da correção da desproporção física, também as doenças psicológicas que podem ser eliminadas com uma cirurgia estética, não negando, deste modo, sua característica medicinal. O fator aleatório encontra-se presente em qualquer cirurgia, podendo provocar complicações imprevisíveis ou incontroláveis, como a conduta do paciente, que vinculada à reação pessoal de seu organismo, pode interferir no resultado final da cirurgia. Palavras-chave: Cirurgia Plástica. Obrigação de Meio. Obrigação de Resultado. ABSTRACT This bibliographic study used the deductive method with the objective of analyzing the responsibility of the plastic surgeon (aesthetic and restorative) and they cause increased shares in escrow related to dissatisfaction in plastic surgery, cosmetic and beautifying services. Given the evolution of civil liability, the doctrine notes that the major trend is its objectification, replacing the individualistic fault-based technique for an indemnification notion of social solidarity, which is attributed to repair the creator of risk. However, we cannot say that the theory of guilt is overcome, since, in the current system, the two theories coexist: the guilt, reigning as common law, or the basic rule of liability and risk theory regulating specific situations determined by law, emphasizing that the liability of the physician, including the aesthetic plastic surgeon, configures a typical case of subjective liability, a case in which, arguably, requires the determination of the guilt of professional. At the end of the study, it was noticed that aesthetic plastic surgery, like other specialties appear as obligations of means, in focus b eyond the correction of physical disproportion also psychological diseases that can be eliminated with a cosmetic surgery, not denying thus its medicinal characteristics. The random factor is present in any surgery and may cause unpredictable or uncontroll able 1 2 Alcina Alves de Araújo – Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Alta Floresta – FADAF. Wilton Machado - Advogado. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Alta Floresta – Professor. 51 complications, such as the patient's behavior, which linked to the personal reaction of your body, can interfere with the final result of the surgery. Keywords: Plastic Surgery. Half of Obligation. Obligation of Result. 1.INTRODUÇÃO A procura por cirurgia plástica de natureza estética tem aumentado progressivamente no Brasil, e com esse aumento acompanha a procura à justiça para dirimir conflitos oriundos de resultados não esperado ou diferente do que era de interesse do cliente, o principal confronto se dá pelo reconhecimento da falta de necessidade terapêutica e sim apenas pela reparação estética, no caso de ocorrência de dano ao paciente que antes sadio, adquiriu uma sequela ou até mesmo desvio do seu interesse na reparação de um formato indesejado, mas que não colocaria outros órgãos, partes do corpo ou a própria vida em risco. Quase sempre o médico é considerado culpável por se tratar de dano advindo de cirurgia que diretamente não se apresentava no quadro patológico do paciente, trata-se de um paciente sadio e a intervenção cirúrgica não é uma necessidade imediata ou mesmo preventiva para a manutenção da saúde do paciente e assim ao ocorrer o dano há também, o questionamento sobre a responsabilidade civil do profissional médico encarregado em prestar o serviço. A responsabilidade civil é a obrigação de reparar o dano que uma pessoa causou a outra, o tamanho do dano sofrido por outra pessoa, em que medida e a quem está imputada a obrigação de reparo. Assim, o estudo tem por objetivo analisar a responsabilidade do médico cirurgião plástico (estético e reparador) e o que provocam o aumento das ações em juízo relacionadas à insatisfação nos serviços de cirurgia plástica, estética e embelezadora. O trabalho está dividido em capítulos. Será apresentado, primeiramente, o histórico sobre a responsabilidade civil do médico, a responsabilidade civil objetiva e subjetiva, a responsabilidade civil contratual e extracontratual, os pressupostos da responsabilidade civil, a conduta humana, culpa e risco, o dano e o nexo causal. O segundo capítulo trata da natureza contratual da relação médico/paciente, a obrigação de meio e de resultado, clausula de não indenizar, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a responsabilidade civil do médico, o risco e erro, erro médico, o erro culposo e o erro doloso, erro do paciente, erro de diagnóstico, erro escusável e erro inescusável e as causas que contribuem para ocorrência do erro. 52 O terceiro capítulo discorre sobre os aspectos históricos da cirurgia plástica, a obrigação de meio e obrigação de resultado, a cirurgia plástica e a inexistência da responsabilidade frente a um resultado diferente do esperado. 2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA CIRURGIA PLÁSTICA Embora contemporânea, na qualidade especialidade, a cirurgia plástica tem suas origens determinadas desde a antiguidade, pelas mãos de indianos. Segundo Oliveira (2008, p. 30): Na índia e na China, a cirurgia floresceu por volta do segundo milênio a.C. Na índia, principalmente, onde eram permitida dissecções anatômicas, e muitas tribos realizavam mutilações para estigmatizar os vencidos ou adúlteros, como amputações nasais, auriculares e mesmo genitais, a cirurgia teve campo para desenvolver-se. Sushruta, o mais famoso cirurgião hindu, deixou em seu livro orientação para o preparo e dissecção de cadáveres assim como descrição de instrumentos e técnicas cirúrgicas, entre elas, a reconstrução nasal por retalho frontal, tida como a mais antiga referência escrita da especialidade. Já houve determinada época, quando não era incomum que, por força da lei ou pela vontade dos reis, as pessoas viessem a perder o seu nariz, ou parte dele. Tal ato era justificado como uma forma de sanção pela prática de alguns delitos, inclusive, segundo Kfouri Neto (2001, p. 158), o da infidelidade conjugal, mas podia ser também, uma marca que recebiam, por parte do comandante vitorioso, os prisioneiros de guerra. A mutilação carimbava o indivíduo de duas maneiras: fisicamente, pela indignidade e, psicologicamente, pelo sinal humilhante da escravatura ou pela marca do ilícito praticado. Para Giostri (2004, p. 123): Os mutilados que dispunham da probabilidade, ajudavam aos artífices da Índia para que estes lhes modelassem e reconstituíssem um substituto para o complemento nasal perdido. De obsoletos que eram, os métodos iniciais foram se completando pouco a pouco e, para tanto, se comprometeram egípcios, gregos, romanos e chineses entre outros. Bueres explana que no séc. XVI, Gaspar Tagliacozzi, natural de Bolonha, foi o primeiro a utilizar-se de enxertos do braço para restaurar narizes e orelhas. Essa técnica ainda se encontra divulgada nos compêndios médicos. Na época moderna, a cirurgia plástica, ramo da cirurgia geral, teve seu princípio de ascensão, como especialidade, a partir de 1914, em decorrência da tentativa de readaptação funcional dos feridos em campo de guerra, sobretudo dos traumatismos de face. Por estranho que possa parecer nos dias atuais, foram a guerra e seus milhares de mutilados que propiciaram o desenvolvimento e a aceitação daquela especialidade. De acordo 53 com Oliveira (2008, p. 33): No séc. XIX, a cirurgia dá o maior passo da história com a descoberta da anestesia geral, em 1846, por Willian T. G. Morton, e da antissepsia, por Lister, em 1865. Nesse momento, o interesse dos cirurgiões volta-se para o que, até então, era mais difícil de ser tocado, a cavidade abdominal. A anestesia aumenta a possibilidade e a antissepsia a margem de êxito. A cirurgia estética começou, então, a caminhar a passos largos, agregando-se à sociedade como solução das mais empregadas para obtenção de uma das finalidades principais da Medicina, o bem estar do indivíduo. Portanto, sua existência no mundo do Direito vem de recentíssima data. De acordo com Giostri (2004, p. 124): A busca da estética pela via da cirurgia embelezadora alcançou tamanha demanda que acabou por favorecer a possibilidade de aparecimento de profissionais nem sempre bem preparados e com a suficiente perícia técnica, como requer uma tal especialidade, favorecendo, assim, uma maior probabilidade de ocorrência de resultados nem sempre positivos. Advém que mesmo aquele profissional que é competente e habilitado, não está livre de malogros, pois se um ato cirúrgico pode ser planejado meticulosamente, todavia, o resultado final nunca estará asseverado. 3 OBRIGAÇÃO DE MEIO E OBRIGAÇÃO DE RESULTADO Vale registrar a unanimidade da doutrina ao afirmar que não resta dúvida que a obrigação do médico (clínico, cirurgião geral e cirurgião plástico reparador ou reconstrutor) é de meio, já que ele não se implica com a cura, mas, sim, busca segundo Oliveira (2008, p. 71), utilizar toda a sua potencialidade física e mental, todo o cuidado consciencioso e atento, de acordo com as aquisições da ciência e de toda a aparelhagem disponível e adequada, para atingir o melhor resultado para seu paciente. Com efeito, o médico não se obriga a devolver a saúde ao paciente sob os seus cuidados, mas a conduzir-se com toda a diligência no bom emprego dos conhecimentos científicos, tendo em vista, tanto quanto possível, aquele objetivo. Assim, aponta Santos (1984, p. 371) que: 54 Para responsabilizar o profissional pelos insucessos no exercício de seu mister, que venham a causar danos aos seus clientes, em consequência de sua atuação profissional, é necessário que resulte provado de modo concludente que o evento danoso se deu em razão de negligência, imprudência, imperícia ou erro grosseiro de sua parte, sob as vestes tanto da ação, quanto da omissão. Dito de outro modo, sendo a obrigação do médico uma obrigação de meio e não de resultado, é ele responsável pelo insucesso de intervenção clínica ou cirúrgica apenas quando resta provada a sua conduta culposa. Sem a prova de tal pressuposto da responsabilidade civil, o evento danoso deverá ser debitado ao infortúnio.. Por outro lado, a dificuldade começa e cresce, quando o tema é a cirurgia plástica estética, também designada de cosmetológica ou embelezadora, que, segundo Oliveira (2008, p. 73), no entender de vários autores e maioria dos julgadores, insere-se na modalidade obrigação de resultado, como também tem sido na anestesiologia. Cumpre iniciar o estudo pelo renomado tratadista Dias (2006, p. 373) que, ao discorrer sobre o aspecto eminentemente moderno da Medicina, aduz: [...] esta aplicação da ciência não tem sido encarada com muita benevolência pelos tribunais, naturalmente impressionados pela feição menos nobre da cirurgia estética posta a serviço da vaidade fútil ou dos até inexequíveis processos de rejuvenescimento, mas esquecidos das assombrosas possibilidades que ela pode abrir à humanidade, dentro das altas finalidades da arte médica. [...]. A cirurgia plástica reparadora representa uma obrigação de meio na relação contratual médico paciente, ligada a um estado de necessidade ou a uma condição terapêutica. [...] Os enxertos reparadores de deformidade cicatricial, o lábio leporino, as fissuras palatinas congênitas ou adquiridas, as osleotomias de recomposição plástica, após consolidação viciosa, a cirurgia de mão e tantos outros dados importantes da cirurgia plástica nos dão, sobremaneira, a amplidão dos seus horizontes, sedimentando o conceito, o respeito, e o privilégio de seus seguidores. [...] Quando, em qualquer situação, o cirurgião plástico assumir ao paciente, definitivamente, que, segundo Oliveira (2008, p. 74), a cirurgia realizada devolver-lhe-á totalmente as funções ou a qualidade estética solicitada, elabora-se entre o paciente e o médico uma obrigação de resultado. Cahali (1986, p. 320 apud Oliveira, 2008, p, 74) sustenta: [...] Quando se tratar de cirurgia estética, a responsabilidade pelo dano por ela produzido deverá ser apreciada com muito mais rigor que nas operações necessárias à saúde e à vida do doente, pois, na operação plástica, estritamente estética, o medico está lidando com uma pessoa em perfeito estado de saúde que apenas deseja melhorar sua aparência e com isto se sentir psiquicamente melhor. Existe neste caso uma obrigação de resultado que se não alcançada vai dar lugar a uma presunção de culpa contra o médico com a consequente reversão do ônus da prova. França (2003, p. 242), adotando uma posição bastante extremista, a respeito dos 55 pacientes que recorrem ao cirurgião plástico, ressalta: [...] interessados numa obrigação de resultado, e quando este não é conseguido surgem sérias imputações penais e pesadas responsabilidades civis. E que o sucesso é o único resultado almejado, e aí está o que diferencia estas intervenções dos outros ramos da cirurgia, os quais estão alicerçados no interesse imediato de, muitas vezes, salvar uma vida. Chega-se à conclusão de que jamais poderá haver fracasso naquelas operações. Por sua vez, Stoco (2004, p. 534) preleciona Em se tratando de cirurgia meramente estética não há como deixar de afirmar a obrigação de resultado do médico. Não se pode deslembrar que a responsabilidade de que cogitamos é contratual. Enquanto na atividade tradicional o médico oferece serviços de atendimento através de meios corretos e eficazes, comprometendo-se a proporcionar a seu paciente todo o esforço, dedicação e técnicas, sem contudo, comprometer-se com a cura efetiva, na atividade de cirurgião estético o médico contrata um resultado previsto, antecipado e anunciado. Não ocorrendo este, salvo intercorrências e episódios que atuem como elidentes de sua responsabilidade, cabe exigir-lhe o adimplemento da obrigação de resultado assumida. No mesmo sentido, ensina Pereira (2010, p. 157): [...] a cirurgia estética gera obrigação de resultado e não de meio. Com a cirurgia estética, o cliente tem em vista corrigir imperfeição ou melhorar a aparência. Ele não é um doente, que procura tratamento, e o médico não se engaja na sua cura. O profissional está empenhado em proporcionar-lhe o resultado pretendido, e se não tem condições de consegui-lo, não deve efetuar a intervenção. Em consequência, recrudesce o dever de informação ' bem como a obrigação de vigilância, cumprindo, mesmo, ao médico recusar seu serviço, se os riscos da cirurgia são desproporcionais às vantagens previsíveis. Nota-se que existe uma corrente majoritária entendendo que a obrigação assumida pelos cirurgiões plásticos nas intervenções meramente estéticas é uma obrigação de resultado, porém há uma corrente que afirma ser uma obrigação de meio. Para Giostri (2004, p. 126): As obrigações do clínico geral, do cirurgião e do cirurgião plástico reparador são, coerentemente, analisadas como sendo de "meio". A do cirurgião plástico estético é ainda apresentada por alguns, como sendo de "resultado", o que, além de impróprio, como já se procurou evidenciar de maneira exaustiva, é a implicação de não haver, ainda, na área do Direito das Obrigações, uma figura que se coloque como um meio termo entre aqueles dois tipos de obrigação. Tal lacuna acaba por motivar, não só avaliações equívocas, como uma maior dificuldade para os magistrados, podendo levar a conclusões (e julgamentos) nem sempre coerentes com a realidade dos fatos. Visto o posicionamento da doutrina majoritária atual, apresenta a seguinte postura da jurisprudência, segundo Bussada (2000, p. 129): 56 Cirurgia plástica. Responsabilidade civil. Indenização. Danos morais e materiais. Erro médico. Responde o cirurgião plástico pelo insucesso da cirurgia, com apresentação de necrose e cicatrizes, e pela ausência de informação à paciente de que seria impossível a obtenção do resultado desejado, em face da obrigação assumida contratualmente. (TAIV1G - AC. 256.152-2 - 4a C.Cív. - Rei. Juiz Ferreira Esteves - j. em 12.08.1998) Segundo Stoco (2004, p. 550): Indenização. Responsabilidade civil. Erro médico. Cirurgia plástica. Danos estéticos. Hipótese de cicatrizes hipertróficas localizadas nas mamas. Considerações sobre a cirurgia reparadora e estética. Configuração da obrigação de resultado. Verba devida para a realização de nova cirurgia para reparação do dano. Recurso provido. Quanto aos cirurgiões plásticos, a obrigação que assumem è de resultado. Os pacientes, na maioria dos casos de cirurgia plástica, não se encontram doentes, mas pretendem corrigir um problema estético. Interessa-lhes, precipuamente, o resultado. Se o cliente fica com aspecto pior, após a cirurgia, não se alcançando o resultado que constituía a própria razão de ser do contrato, cabe-lhe o direito à pretensão indenizatória pelo resultado não alcançado. (TJSP – 1ª C. - Ap. 227.747-1 - Rei. Guimarães e Souza - j. 15.07.1995). Em relação a obrigação de meio, o Superior Tribunal de Justiça assim decidiu o assunto: Recurso Especial - Ação de Indenização Paciente Decorrente de Complicação Responsabilldade Subjetiva do Médico Causalidade - Fundamento Suficiente para Saúde Recurso Especial Provido. Danos Morais - Erro Médico - Morte de Cirúrgica - Obrigação de Meio - Ausência de Culpa e de Nexo de Afastar a Condenação do Profissional da Ainda segundo o Superior Tribunal de Justiça: I - A relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral (salvo cirurgias plásticas embelezadoras). obrigação de meios, sendo imprescindível para a responsabilização do referido profissional a demonstração de culpa e de nexo de causalidade entre a sua conduta e o dano causado, tratando-se de responsabilidade subjetiva; II - O Tribunal de origem reconheceu a inexistência de culpa e de Nexo de causalidade entre a conduta do médico e a morte da paciente [...] IV - In casu, o v. acórdão recorrido concluiu haver mera Possibilidade de o resultado morte ter sido evitado caso a paciente tivesse acompanhamento prévio e contínuo do médico no período pós-operatório, sendo inadmissível, pois. a responsabilização do médico com base na aplicação da "teoria da perda da chance"; V - Recurso especial provido. (STJ - REsp 1104665 / RS - 3a T. Cív. - Rei. Min. Massami Uyeda - julgado em 09 de Junho de 2009). Portanto, das informações entende-se que, devido ao fato de ser tão recente tal área de especialidade médica, o mundo jurídico ainda está se adequando a ela e, simultaneamente, de modo ainda um tanto precário, servindo-se de circunstâncias analógicas e de figuras nem sempre apropriadas. 57 3.1 Cirurgia Plástica A cirurgia plástica, área de especialidade da cirurgia geral, abrange segundo Giostri (2004, p. 123), as cirurgias reparadoras e as cirurgias estéticas, estas últimas também conhecidas como cosméticas, embelezadoras, estruturais e, até, do equilíbrio psicológico. As cirurgias plásticas avaliadas como reparadoras se destinam a corrigir deformidades congênitas ou adquiridas. Para a citada autora (2004, p. 123): As do tipo estética, como o nome já informa, têm como finalidade aperfeiçoar o físico do paciente, seja por um embelezamento maior, pela retirada de marcas do tempo ou de sinais outros que lhe perturbem o bem viver, ou seja, aqueles elementos que possam alterar, num sentido negativo, a sua qualidade de vida. Com relação aos dois tipos existentes de cirurgia plástica tem-se ainda o posicionamento de Kfouri Neto (2001, p. 165): Distingui-se, inicialmente, nessa especialidade, duas atividades diferentes: a cirurgia estética propriamente dita e a cirurgia estética reparadora. A primeira destina-se a corrigir imperfeições da natureza: a segunda tem por fim verdadeiras enfermidades, congênitas ou adquiridas. Para Giostri (2004, p. 121), resta justificada tal nomenclatura quando se lê a explicação dada pelo psiquiatra francês Logre, sobre os graus de desequilíbrio que uma deformidade física, ou uma alteração estética, podem trazer para uma pessoa. A par disso, é de se ressaltar que ninguém vai se submeter a cirurgia (e anestesia) alguma se está contente com o que tem e na situação em que se encontra. Para a citada autora (2004, p. 122): O doentio estético sente uma apreensão excessiva e se preocupa patologicamente por uma ínfima deficiência somática, ou por crer estar fora dos padrões de beleza consagrada ou, ainda, porque pensa não ter um bom aspecto frente a seus pares devido a uma deformidade mínima que, aos olhos dos outros, pode até passar despercebido, mas para si é insuportável, sendo, às vezes, menos suportável que uma grave doença. Segundo Carvalho (2001, p. 99), o bem star pessoal, a autoestima e a realização de cada indivíduo estão em íntima correlação com o seu físico, com seu psiquismo e com o tipo de convivência social que lhe é imposta. Haja vista que a atual definição de saúde dada pela própria Organização Mundial de Saúde (OMS) concluiu ser ela "um estado completo de bem-estar físico, mental e social", e não meramente a ausência de uma enfermidade, conforme se conceituava anteriormente. 58 De acordo com Giostri (2004, p. 121), esse conjunto de fatos tem movido cada vez mais a atenuar a linha que separa a cirurgia estética, da outra, reparadora. Vê-se nesse processo não só um ato de justiça, como um mecanismo de defesa dos próprios cirurgiões plásticos, no sentido de se libertarem do rótulo da ‘obrigação de resultado’, ligado à plástica estética. Não se percebe uma justificativa sustentável, seja ela médica ou jurídica, para a almejada distinção da natureza obrigacional entre os dois tipos de métodos plásticocirúrgicos. E é lamentável constatar que muitos daqueles que julgam causas médicas ainda confundem o nome da obrigação de resultado com o vocábulo resultado. Há, contudo, um universo semântico-jurídico separando ambos os elementos. Basta um pouco de pesquisa séria na área e todas as dúvidas se dissipariam. O fato de o médico estar trabalhando com um organismo sadio, se, por um lado, lhe aumenta a responsabilidade, em especial de informação, nem por isso justifica, por outro, transformar a categoria de sua prestação obrigacional. Salvo casos excepcionais, ela sempre será de meios, uma vez que aquele profissional está a laborar em uma seara total do fator álea, o que equivale falar que a própria incerteza do fato desacredita a caracterização de sua prestação obrigacional como uma obrigação de resultado. Some-se a isso, ainda, a participação (ativa e passiva) do paciente no resultado final e ter-se-á mais um forte elemento contra a classificação ‘de resultado’ na seara da prestação obrigacional da cirurgia plástica. Para Carvalho (2001, p. 102), mais ainda, o material e o campo de trabalho, tanto na cirurgia plástica estética, quanto na reparadora são os mesmos: o corpo humano. Por outro lado, a cirurgia estética que era vista, de início, como um sinônimo de vaidade, teve esse perfil completamente modificado, não só a partir do conceito de saúde da OMS, mas pela pura observação dos fatos, pois não há mais como negar que ela é um beneficio para a saúde (psicológica e emocional) do individuo./São inúmeras as cirurgias embelezadoras que se realizam por recomendação de psicólogos e de psiquiatras, em razão dos resultados benéficos que trarão à autoestima de seus pacientes. Quantas pessoas, sabe-se, que se excluem, voluntariamente, do convívio social, por não aceitarem as próprias características físicas. E, se existe uma possibilidade de contornar o problema que as aflige, há que se perguntar: - essa solução não pode ser considerada terapêutica? Ou será pura vaidade? Esse último conceito está totalmente superado e, se alguém ainda o conserva, há que reavaliar seus parâmetros de nível de informação. Há poucas décadas havia ainda pessoas que externavam sua não aceitação da cirurgia plástica estética como sendo um benefício físico e 59 psicológico. E até alguns escritos foram publicados nesse sentido. Todavia, hodiernamente, há que se reconhecer que tais conceitos não merecem mais crédito, pois, além de estarem desatualizados, não refletem o pensamento dominante. Por tantas e tais razões, há de ser derrubadas duas concepções, porque errôneas e injustas, a primeira, aquela que diz respeito à separação entre cirurgia plástica reparadora e cirurgia plástica estética, ambas têm tanto o cunho reparador como o estético. A segunda, o hábito ainda arraigado de conceituar como sendo obrigação de meio a prestação obrigacional ocorrida na área dita ‘reparadora’ e como sendo uma obrigação de resultado os procedimentos ocorridos na área considerada ‘estética’. Para Giostri (2004, p. 125), a simples impossibilidade de predeterminar o resultado de qualquer processo cirúrgico, tanto em um campo quanto em outro, desautoriza essa distinção. 3.2 Inexistência da responsabilidade frente a um resultado diferente do esperado A cirurgia estética, pelas peculiaridades e meandros que encerra, deve ser, segundo Giostri (2004, p. 132), admirada do ponto de vista subjetivo e, quanto à atividade do cirurgião, como em todas as demais profissões, a busca da melhor conduta deve direcionar todas as atitudes levadas a efeito pelo profissional. Pondera Dias (2006, p. 16) ser impossível compreender a irresponsabilidade de um médico que pratique uma operação de tal natureza, sem a existência de “um como que estado de necessidade, apreciável segundo as circunstâncias e na proporção dos riscos que imponha ao paciente”. Não obstante, mesmo não correspondendo o resultado ao sucesso esperado, Dias (2006, p. 19) aponta fatos em que a cirurgia estética pode não originar responsabilidade para o facultativo, desde que tenha seguido certas condições fundamentais, a saber: a) tenha sido razoavelmente necessária; b) o risco corrido pelo paciente seja de menor magnitude que a vantagem buscada; c) tenha sido a intervenção exercida de acordo com as regras da profissão. Entende-se, também, que antes ou a par disso, é necessário que o cliente tenha recebido a fundamental e ampla informação segundo Carvalho (2001, p. 105), de todo o procedimento que se irá proceder em seu corpo; bem assim, de todas as possibilidades de ocorrências indesejáveis, ou seja, dos riscos inerentes a todo procedimento cirúrgico. Deve igualmente ser 60 informado que sua participação no resultado final é importante e pode até ser decisiva. Para Dias (2006, p. 19), tal informação deve ser fornecida dentro do nível de compreensão daquele que a ouve, o que é variável de pessoa para pessoa. Deve, ainda, o profissional médico documentar-se acerca das informações prestadas, pois, segundo Dias (2006, p. 19), em caso de insucesso, com posterior ação judicial de responsabilidade, aquele documento lhe será de valia como comprovante do seu dever cumprido de bem informar. Por tal razão, todo consentimento informado deve ter seu comprovante de recebimento. Para Giostri (2004, p. 135): Quanto à possível não culpa e não responsabilização do médico, caberá a uma perícia idônea confirmar que a intervenção foi cometida de acordo com os ditames e as normas técnicas da profissão, e que o resultado indesejado incidiu por implicações outras, que não o ato médico em si, uma vez que a culpa médica não se presume, ela há que ser claramente comprovada. Além do que, conforme já insistentemente frisado, o resultado final não depende só do ato médico, depende da participação do paciente, do cumprimento de suas obrigações na relação contratual que se estabelece entre o profissional e o cliente, além de estar na dependência de inúmeras ouras variáveis, tais quais: idade, tipo de pele, raça, local de residência, familiares, tipo de alimentação, hábitos de higiene e psiquismo (este último, importantíssimo). CONSIDERAÇÕES FINAIS Tendo em vista a evolução da responsabilidade civil, observa a doutrina que a grande tendência é a sua objetivação, substituindo-se a técnica individualista baseada na culpa por uma noção indenizatória de solidariedade social, em que se atribui a reparação ao criador do risco. Entretanto, não se pode afirmar que a teoria da culpa esteja superada, vez que, no ordenamento vigente, convivem as duas teorias: a da culpa, imperando como direito comum, ou a regra geral básica da responsabilidade civil e a teoria do risco regulando as situações específicas determinadas por lei, ressaltando-se que a responsabilidade civil do médico, incluída a do cirurgião plástico estético, configura um caso típico de responsabilidade civil subjetiva, isto é, um caso em que se impõe, indiscutivelmente, a apuração da culpa do profissional. As obrigações de meio e de resultado não podem ser vistas como categorias restritas, já 61 que não se encontram em extremos opostos, ou bem delimitados, impondo-se uma análise concreta de cada situação, devido à diversidade que o conteúdo de cada uma delas pode apresentar. Revela-se razoável adotar o critério marcado pela jurisprudência francesa, que leva em conta uma série de elementos aplicáveis (vontade das partes, a natureza da obrigação envolvida, o fator álea, a co-participação do interessado e a noção de equidade), o que serve de orientação ao intérprete, para determinar, em um caso concreto, frente a qual tipo de obrigação se encontra. Considerando que sobre o corpo humano impera o imprevisível e o imponderável, e tendo em vista que cada organismo pode responder de maneira diferente frente a uma mesma intervenção clínica ou cirúrgica, é inadequado o uso da obrigação de resultado para caracterizar prestação obrigacional desenvolvida na área da cirurgia plástica estética, vez que não pode ser assegurado ao paciente um resultado certo e predeterminado, mesmo diante da execução da melhor técnica. Seguro é que a álea está presente em toda intervenção cirúrgica, sendo imprevisíveis as reações de cada organismo à agressão do ato operatório. Assim, o conceito de beleza é um elemento subjetivo, e a perspectiva de cada paciente sobre certo tratamento e seu resultado é de foro intimo e pode não calhar com o resultado final objetivado. O uso da categoria obrigação de resultado deve se destinar apenas a searas onde não exista o fator álea e onde o elemento diligência não assuma qualquer relevância. As cirurgias plásticas estéticas, como as demais especialidades, configuram-se como obrigações de meios, tendo em foco além da correção da desproporção física, também as doenças psicológicas que podem ser eliminadas com uma cirurgia estética, não negando, deste modo, sua característica medicinal. O fator aleatório encontra-se presente em qualquer cirurgia, podendo provocar complicações imprevisíveis ou incontroláveis, como a conduta do paciente, que vinculada à reação pessoal de seu organismo, pode interferir no resultado final da cirurgia. Assim, torna-se claro que não poderá ser responsabilizado o cirurgião diligente e cuidadoso que não atingiu o resultado esperado. Não é legítimo e ético, todavia, que um médico prometa resultados certos e acabados, despertando expectativas infundadas no paciente, vez que este se mostra suscetível de sofrer diversos acontecimentos durante uma intervenção cirúrgica ou terapêutica, que impedem o alcance de um resultado determinado previamente. Em decorrência disso, é imprescindível o dever de informações claras e precisas ao paciente sobre o ato cirúrgico pretendido e dos seus reais limites, expondo o profissional todas as possíveis complicações mais importantes referidas pela literatura médica, e limitando as perspectivas impossíveis. Caso seja descumprido tal dever, e danos sejam ocasionados ao 62 paciente, deverá o médico-cirurgião ser responsabilizado, mas pelo descumprimento da obrigação de meios. 4 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988. BUSSADA, Wilson. Erro médico: interpretados pelos tribunais. Porto Alegre: Síntese, 2000. CAHALI. Yusscf Said. Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1988. CARVALHO, José Carlos Maldonado de. Responsabilidade civil médica. Rio de Janeiro: Destaque, 2001. DIAS, José Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. FRANÇA. Genival Veloso de. Direito médico. São Paulo: BYK. 2003. GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico: à luz da jurisprudência comentada. Curitiba: Juruá, 2004. KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade civil do médico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. OLIVEIRA, Mariana Massara. Responsabilidade civil dos médicos. Curitiba: Juruà, 2008. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2010. SANTOS, Ulderico Pires dos. A responsabilidade civil na doutrina e jurisprudência. Rio dc Janeiro: Forense, 1984. 63 SILVA, Plácido. Vocabulário jurídico. 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