UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA Educação
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UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA Educação
UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DEPARTAMENTO DE TEORIA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO E PEDAGOGIA SOCIAL Educação Ambiental no Contexto de uma Comunidade Pedagógico-Terapêutica: estudo de caso da Casa de Santa Isabel TRABALHO DE INVESTIGAÇÃO TUTELADO Mariana Salgado Peres Santiago de Compostela, 2008 II UNIVERSIDADE DE SANTIAGO DE COMPOSTELA FACULDADE DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DEPARTAMENTO DE TEORIA E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO E PEDAGOGIA SOCIAL Educação Ambiental no Contexto de uma Comunidade Pedagógico-Terapêutica: estudo de caso da Casa de Santa Isabel Trabalho de Investigação Tutelado no âmbito do Curso de Doutoramento InterUniversitário em Educação Ambiental na Universidade de Santiago de Compostela realizado por Mariana Salgado Peres, sob a orientação do Professor Doutor Jose Antonio Caride Gómez Santiago de Compostela, 2008 LISTA DE SIGLAS AFACIDASE – Associação de Familiares e Amigos do Cidadão Com Dificuldades de Adaptação da Serra da Estrela ANDDI – Associação Nacional de Desporto para a Deficiência Intelectual APA – Agência Portuguesa do Ambiente ASPEA – Associação Portuguesa de Educação Ambiental ASTA – Associação Sócio-Terapêutica de Almeida ATC – Association of Therapeutic Communities (Associação de Comunidades Terapêuticas) CERVAS – Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens CIF – Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde CISE – Centro de Interpretação da Serra da Estrela CLAS Seia – Conselho Local de Apoio Social de Seia CNA – Comissão Nacional do Ambiente CNIS – Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade DREC – Direcção Regional de Educação do Centro EA – Educação Ambiental ECRII – Early Cildhood Research Institute on Inclusion EDS – Educação para o Desenvolvimento Sustentável/Sustentado ENDS – Estratégia Nacional de Desenvolvimento Sustentável EUA – Estados Unidos da América FEEI – Fórum de Estudos de Educação Inclusiva FENPROF – Federação Nacional de Professores GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente IA – Instituo do Ambiente IAACF – Instituto António Aurélio da Costa Ferreira ICNB – Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade II IEFP – Instituto de Emprego e Formação Profissional INE – Instituto Nacional de Estatística IPA – Instituto Português do Ambiente IPSS – Instituição Particular de Solidariedade Social JNICT – Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica LPN – Liga para a Protecção da Natureza NEE – Necessidades Educativas Especiais NE – Necessidades Especiais PEI – Programa Educativo Individual PIEA – Programa Internacional de Educação Ambiental PNSE – Parque Natural da Serra da Estrela PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente ONGA – Organização Não Governamental de Ambiente REAPN – Rede Europeia Anti-Pobreza SNPRCN – Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura) IEEP – International Environmental Educational Program (Programa Internacional de Educação Ambiental) WFTC – World Federation of Therapeutic Communities (Federação Mundial de Comunidades Terapêuticas) III AGRADECIMENTOS Mariana, 2007 A todos aqueles que, de alguma forma, estiveram presentes neste percurso de vida. Bem-Hajam! IV RESUMO O presente estudo aborda a Educação Ambiental numa Comunidade Pedagógico-terapêutica com pessoas com Necessidades Especiais – a Casa de Santa de Isabel –, situada na região da Serra de Estrela, em Portugal. O enquadramento teórico-conceptual aborda o panorama nacional e internacional da Educação Ambiental, da Educação Inclusiva, das Comunidades e das Comunidades Terapêuticas, numa perspectiva actual e histórica. A investigação constitui um estudo de caso, de corte etnográfico, da comunidade referida. Procura-se compreender a perspectiva dos seus membros, bem como de elementos externos relacionados com ela, através de um enfoque metodológico qualitativo. Atendendo a algumas especificidades deste contexto, são criadas pontes entre as várias dimensões da educação, principalmente as analisadas no enquadramento conceptual, configurando uma abordagem educativa integrada. Palavras-chave: Educação Ambiental, Educação Inclusiva, Necessidades Especiais, Comunidade, Comunidade Terapêutica, Educação Holística. V ABSTRACT This study approaches the Environmental Education in a Pedagogicaltherapeutic Community with people with Special Needs – Casa de Santa Isabel –, situated in the region of „Serra da Estrela‟, in Portugal. Through an actual and historical perspective, the theoretical framework focuses on the national and international scenery about Environmental Education, Inclusive Education, Communities and Therapeutic Communities. The research is a case-study, with an ethnographical and qualitative approach of the community referred. Therefore, it aims to understand the vision of its members and others related to it. According to some of the contexts‟ particularities, we try to create bridges among the various educational dimensions, mainly the ones mentioned in the conceptual framework, thus developing an integrated and comprehensive educational approach. Key-words: Environmental Education, Inclusive Education, Special Needs, Community, Therapeutic Community, Holistic Education. VI Índice LISTA DE SIGLAS .............................................................................................................. II AGRADECIMENTOS......................................................................................................... IV RESUMO .......... .................................................................................................................... V ABSTRACT ...... ................................................................................................................... VI INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12 CAPÍTULO 1: ENQUADRAMENTO TEÓRICO-CONCEPTUAL .............................. 18 1.1 Educação ou Educações? Origem e baptismos de um conceito ................................. 18 1.2. Educação Ambiental ..................................................................................................... 20 1.2.1. Notas Históricas e Emergência da Educação Ambiental: de um passado naturalista e conservadorista a uma actualidade plural e complexa .................... 20 1.2.2. Educação Ambiental e Educação para o Desenvolvimento Sustentável: um debate conceptual sem repercussão prática relevante ............................................ 26 1.2.3. Correntes em Educação Ambiental .......................................................................... 29 1.3. Educação Inclusiva ....................................................................................................... 36 1.3.1. Considerações sobre Necessidades Educativas Especiais: um campo vasto e diverso ......................................................................................................................... 37 1.3.2. Antecedentes e origem da Educação Especial: evolução na abordagem à diferença humana ...................................................................................................... 39 1.3.3. Educação Inclusiva, construção e desenvolvimento de um conceito ..................... 42 1.4. Comunidades ................................................................................................................. 50 1.4.1. Comunidades como forma de organização social – dos primórdios da humanidade até aos nossos dias ................................................................................ 51 1.4.2. Notas históricas e formas de expressão das Comunidades Terapêuticas – debate entre modelos de inspiração europeia e norte-americana.......................... 53 1.4.3. O movimento Camphill e algumas vertentes práticas da Antroposofia – Pedagogia Waldorf e Pedagogia Curativa ................................................................ 57 7 CAPÍTULO 2: ENQUADRAMENTO TEÓRICO CONTEXTUAL – PORTUGAL .... 61 2.1. Notas históricas e actualidade da Educação Ambiental: um percurso marcado por (des)continuidades ................................................................................................. 62 2.2. Da Educação Especial à Educação Inclusiva: entre um passado de segregação e um presente polémico de pretensa inclusão ............................................................ 69 2.3. Comunidades Terapêuticas e Afins: Ecoaldeias, Aldeias SOS e ASTA ................... 76 CAPÍTULO 3: ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO – ESTUDO DE CASO DE CORTE ETNOGRÁFICO DE UMA COMUNIDADE PEDAGÓGICO-TERAPÊUTICA – CASA DE SANTA ISABEL ...... 81 3.1. Paradigmas quantitativo e qualitativo em investigação ............................................ 82 3.2. O enfoque qualitativo, de corte etnográfico, como opção metodológica .................. 86 3.3. Técnicas de recolha de dados ....................................................................................... 89 3.3.1. Observação naturalista, participante ....................................................................... 89 3.3.2. Análise documental .................................................................................................... 90 3.3.3. Entrevistas semi-estruturada e conversacional-informal ....................................... 91 3.3.4. Inquérito por questionário ........................................................................................ 94 3.4. Percurso da investigação e processos de controlo previstos ...................................... 95 CAPÍTULO 4: ENQUADRAMENTO CONTEXTUAL .................................................. 98 4.1. Caracterização do concelho de Seia, no interior de Portugal, região da Serra da Estrela ...................................................................................................................... 98 4.2. Casa de Santa Isabel, uma comunidade de vida: perspectiva histórica e actualidade .................................................................................................................. 102 5. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ........................................................ 113 5.1. Visão Global da Casa de Santa Isabel como comunidade de vida e como comunidade terapêutica ............................................................................................. 114 5.3. Educação Ambiental na Comunidade ....................................................................... 124 5.4. Relação com o exterior e Educação Ambiental da comunidade envolvente .......... 136 5.5. Papel da Educação Ambiental na vivência e no desenvolvimento do ser humano ........................................................................................................................ 147 8 5.6. Prospectiva da Casa de Santa Isabel (sonhos, projectos, necessidades...) .............. 151 CONSIDERAÇÕES FINAIS E PROSPECTIVA ........................................................... 155 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 161 APÊNDICES....................................................................................................................... 174 Apêndice 1: Guiões das entrevistas semi-estruturadas ................................................... 175 Apêndice 2: Inquérito por questionário ........................................................................... 179 Apêndice 3: Transcrição integral de algumas entrevistas – Ligação, Todo e Cor ....... 182 ANEXOS ............................................................................................................................. 203 Anexo 1: Carta da Terra ................................................................................................... 204 Anexo 2: Declaração de Salamanca .................................................................................. 212 Anexo 3: Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro ............................................................ 216 Anexo 4: Regulamento Interno da Casa de Santa Isabel ............................................... 228 Anexo 5: Artigos de Imprensa sobre a Casa de Santa Isabel ......................................... 233 Anexo 6: Extractos do jornal "Confiança no Futuro", da Casa de Santa Isabel ......... 244 Anexo 7: Relatórios de Actividades da Casa de Santa Isabel, anos 2006 e 2007 ........ Erro! Marcador não definido. Anexo 8: Poemas/Orações quotidianos da Casa de Santa Isabel e outros relacionados com a Comunidade .............................................................................. 247 Anexo 9: Registos de eventos organizados pela Casa de Santa Isabel ........................... 250 Anexo 10: Moção atribuída à Casa de Santa Isabel, em 2006, pelo Município de Seia .......................................................................................................................... 254 9 Índice de Quadros Quadro 1. Concepções de Educação Ambiental ................................................................ 23 Quadro 2. Cartografia de correntes em Educação Ambiental ......................................... 30 Quadro 3. Integração versus Inclusão na educação. ......................................................... 44 Quadro 4. Preocupações e pontos fortes da Educação Inclusiva. .................................... 47 Quadro 5. Evolução da Educação Especial em Portugal. ................................................. 71 Quadro 6. Tipologia e nome das pessoas entrevistadas (entrevistas semi-estruturadas).............................................................................................. 93 Quadro 7. Síntese do percurso de investigação ................................................................. 96 Quadro 8. Factores de distorção e processos de controlo utilizados................................ 97 Quadro 9. Distribuição das actividades económicas por sector de actividade, no concelho de Seia (1981,1991,2001). ................................................................. 102 Índice de Figuras Figura 1. Estratégias e enfoques das correntes em Educação Ambiental. ...................... 35 Figura 2. Contínuo entre investigação qualitativa e quantitativa.................................... 84 Figura 3. Mapa de Portugal e do concelho de Seia. .......................................................... 98 Figura 4. Gráfico de distribuição da população residente no concelho de Seia, por grupos etários (1991-2001). ............................................................................. 101 Figura 5. Representação das dimensões e valores fundamentais da vida na Casa de Santa Isabel. ...................................................................................................... 106 10 Índice de Fotografias Fotografia 1. Panorâmica da Casa de Santa Isabel......................................................... 103 Fotografia 2. A relação humana, a partilha e a festa na Casa de Santa Isabel ............ 118 Fotografia 3. Escola Micael ............................................................................................... 126 Fotografia 4. Horticultura, elaboração de preparados terapêuticos e silvicultura ...... 127 Fotografia 5. Artesanato da Casa de Santa Isabel .......................................................... 129 Fotografia 6. Actividades de Educação Ambiental realizadas em conjunto com a comunidade envolvente.................................................................................... 146 Fotografia 7. Convívio, alegria e festa na Casa de Santa Isabel. ................................... 153 11 INTRODUÇÃO O URBANO VISITA A SAVANA Olhou a paisagem e seus infinitos. Depois de inspirar fundo, Perguntou: – A imagem está óptima. Mas não tem legendas? BURACOS Fartou-se de rir Silvestre Vitalício quando lhe falaram do buraco de ozono. Como podem ser tão supersticiosos?, perguntou. Se o céu inteiro é um buraco !, argumentou. Pecado é o Homem usar seu vazio para tapar esse altíssimo nada. Mia Couto, 2007 O Trabalho de Investigação Tutelado, aqui apresentado, enquadra-se no Doutoramento Interuniversitário em Educação Ambiental. Neste contexto, o seu tema central é a Educação Ambiental numa comunidade pedagógico-terapêutica com pessoas com Necessidades Especiais – Casa de Santa Isabel. Atendendo a algumas especificidades desta comunidade, esta investigação aborda, também, a Educação Inclusiva e as Comunidades Terapêuticas, procurando criar pontes entre as várias dimensões das práticas discursivas e não discursivas que se conjugam no contexto em estudo. 12 Neste ponto contínuo do nosso percurso de vida em que realizamos o trabalho, agora apresentado, olhamos o caminho, nas várias direcções que podemos abarcar com o olhar, e prosseguimos, sem tentar perder de vista o que nos trouxe até aqui, onde estamos e para onde vamos, assim a caminhar. Revendo, de uma forma breve, o nosso passado, salientamos alguns aspectos. Desde criança, vivemos em interacção com o meio rural, a natureza, os animais... Durante a nossa formação académica, em psicologia, lentamente, fomo-nos distanciando e, ao mesmo tempo, sentindo mais forte esta ligação, o que aos poucos nos aproximou da Educação Ambiental. Na tentativa de compreender processos psicológicos individuais, recorremos sempre às dimensões sociocultural e ambiental, a que atribuímos grande relevância. Ao longo de toda a nossa vivência académica, fomos sentindo o peso do mundo urbano: no estilo de vida, na existência de demasiadas linhas rectas, no cheiro da cidade, na velocidade... Durante o estágio curricular com jovens, num bairro problemático da cidade do Porto, este fardo tornou-se ainda mais pesado, despertando em nós um interesse crescente pela compreensão da organização social e ambiental daquele contexto e, de uma forma mais geral, do país e de outros pedaços da aldeia global. A nossa monografia de final de curso, enquadrada na área da psicologia do comportamento desviante (divergente), versava o tema Ecoaldeias, intitulando-se "Ecoaldeias –Uma Proposta (Alter)Nativa". Terminada a licenciatura, viajámos por Portugal, Espanha, Escócia, França, Itália e Alemanha, visitando algumas ecoaldeias e outros projectos relacionados com o meio ambiente e com a educação, colaborando em diversas actividades. A nossa formação no âmbito do doutoramento teve início no ano de 2007, durante uma fase de regresso à cidade berço e de trabalho numa Associação de Desenvolvimento Regional, sobretudo com populações imigrantes, para além da concepção e dinamização de um projecto de Educação Ambiental e de interpretação do meio rural local. Em Janeiro de 2008, integrámos a Casa de Santa Isabel, passando, desde então, a viver e a trabalhar na comunidade, contexto que nos pareceu reunir vários aspectos com os quais temos afinidades importantes – abordagem educativa integrada do ser humano, vivência e trabalho com pessoas com Necessidades Especiais, contexto rural e comunitário. Hesitámos em realizar, no presente ano, o Trabalho de Investigação Tutelado em Educação Ambiental, considerando que tal exigiria tempo, dedicação, vontade, vivência, experiências e conhecimentos que, 13 como um todo, não possuíamos. Contudo, gradualmente, o estudo foi sendo desenvolvido e, em Junho passado, resolvemos aceitar o desafio. Já em 2006, quando, pela primeira vez, visitámos esta Casa, ficou em nós uma semente de curiosidade. Há várias maneiras de conhecer, de nos aproximarmos de algo e, neste caso, não voltámos apenas para viver, mas também para trabalhar e ainda para estudar a Casa de Santa Isabel, no âmbito deste programa de doutoramento. O estudo deveria, por sua vez, procurar ser tão abrangente, integrado e vivo como era, para nós, o referido contexto. Assim, revemo-nos nas palavras de Matoso (1988:18), quando afirma, "a apreensão do real em todas as suas facetas implica que se ponham em jogo todas as faculdades de observação, não apenas as racionais, mas também as volitivas, o que corresponde a dizer que os sentidos do corpo e do espírito se deverão abrir de tal modo ao real que ele seja como que interiorizado, absorvido, captado em nós mesmos. Este exercício é, por isso, um acto de amor". A este respeito, recordamos também uma conversa com a pessoa que mais nos marcou durante o percurso académico, que sublinhava à importância de não termos resolvido e descoberto os resultados da investigação, antes mesmo de a ter iniciado, como muitas vezes acontece. Façamos uma aproximação à realidade, com olhos de quem verdadeiramente quer conhecer, deixemos que a investigação nos surpreenda, desenvolvendo-a com todo o «rigor» investigativo. A Casa de Santa Isabel, a nossa unidade de análise, à qual também nos referiremos ao longo deste trabalho, como Comunidade, ou apenas Casa, é uma comunidade terapêutica com crianças jovens e adultos com Necessidades Especiais, situada numa zona rural, no sopé da Serra da Estrela, interior centro de Portugal. Em palavras dos seus membros, na Casa de Santa Isabel "colaboradores e alunos partilham a vida conjuntamente, como se de uma família se tratasse" (AA.VV. 2005a: 35), procurando criar relações saudáveis "num ambiente dedicado à renovação pessoal e social, à terapia e ao cuidado da terra" (www.casa-santaisabel.org). A nível legislativo, é uma IPSS, que contempla, actualmente, seis Lares Residenciais, uma Escola de Ensino Especial, um Centro de Actividades Ocupacionais e algumas áreas de Formação Profissional. É uma comunidade de vida e de trabalho, com uma orientação pedagógica forte. Por esta razão, apesar de se designar, vulgarmente, como comunidade terapêutica iremos, algumas vezes, neste trabalho, denominá-la de comunidade pedagógico-terapêutica. A sua actuação 14 pedagógica é inspirada na Antroposofia, orientando-se, assim, com base na Pedagogia Curativa, na Sócio-Terapia e na Pedagogia Waldorf. É uma comunidade aberta, intercultural e dinâmica, que, apesar de raramente mencionar o termo Educação Ambiental, desenvolve, no seu quotidiano, práticas educativas e de gestão ambiental integradas, que daremos conta ao longo deste trabalho. Muito se tem falado e escrito sobre educação/educações nas suas variadas dimensões, porém, na prática, aparecem quase sempre desligadas, não atendendo ao ser humano como um todo. Em nossa opinião, a comunidade em estudo procura fazer esta conjugação de uma forma harmoniosa. Num cenário nacional e mundial regido de uma forma desequilibrada, por factores económicos, onde são visíveis o despovoamento rural e a concentração urbana, acompanhados de fortes alterações nos estilos de vida, e com reflexos nos problemas ambientais e sociais da actualidade, consideramos importante o diálogo entre o rural e o urbano, orientando-nos, particularmente, para dar voz ao rural. A investigação assumiu, assim, um corte etnográfico, utilizando estratégias empíricas e naturalistas, que proporcionam dados fenomenológicos. Procurámos representar as concepções dos participantes, focando os processos de ensino-aprendizagem, as relações entre os actores do acto educativo, bem como os contextos em que este tem lugar (Goetz e Lecompte, 1988). Partimos de um objectivo geral – conhecer e compreender a abordagem de Educação Ambiental desenvolvida na Comunidade Pedagógico-Terapêutica – Casa de Santa Isabel –, tendo ainda presentes dois outros grandes objectivos que pretendíamos apenas aflorar e, talvez, aprofundar em abordagens posteriores: analisar a relação entre a Educação Ambiental e a vivência e desenvolvimento das várias dimensões das pessoas com Necessidades Especiais residentes na Comunidade; compreender em que medida as dimensões da Educação Ambiental desenvolvidas na Casa de Santa Isabel poderiam adaptar-se a outros contextos. No decorrer da investigação, foram surgindo várias questões, no âmbito dos objectivos acima referidos, das quais destacamos: Quais as actividades e estratégias utilizadas, que podem considerar-se de Educação Ambiental? Como e porquê emergiram neste contexto? De que forma variáveis como _ contexto comunitário, participação na gestão ambiental, ambiente familiar, actividades ao ar livre, relação com a natureza, espiritualidade, entre outras _, se conjugam na Educação Ambiental preconizada nesta comunidade terapêutica? De que modo contribuem para o 15 desenvolvimento das pessoas nas suas várias dimensões (cognitiva, social, emocional)? Este trabalho escrito, espelhando o percurso do investigador, desenvolve-se ao longo de cinco grandes etapas, que gradualmente nos vão aproximando da comunidade, que constitui o caso de estudo. No primeiro capítulo, procedemos ao enquadramento conceptual da investigação, buscando conhecer as origens da educação, tentando aprofundar as suas dimensões ou baptismos, Ambiental e Inclusiva, quer numa perspectiva histórica, quer na actualidade. No domínio da Educação Ambiental, é abordado o polémico debate entre esta e a Educação para o Desenvolvimento Sustentável e problematizam-se algumas correntes. A Educação Inclusiva emerge no contínuo do desenvolvimento da educação e da educação especial, que acompanha as mudanças políticas e socioculturais. Uma vez que o objecto de estudo desta investigação é uma comunidade terapêutica, são também abordadas as Comunidades em geral e mais detalhadamente as Comunidades Terapêuticas. Para além do eixo sincrónico, é percorrido um eixo diacrónico, fazendo-se uma breve aproximação a diferentes tipos de comunidades. A segunda etapa apresenta os temas referidos no capítulo anterior, e que constituem o principal marco teórico-conceptual da investigação, agora analisados no panorama português. Também neste ponto, a reflexão contempla uma óptica evolutiva, ao longo dos tempos. Num cenário actual de grandes desigualdades, de desemprego, de problemas sociais e ambientais, abordamos as perspectivas da Educação Ambiental e da Educação Inclusiva, conscientes que este pode ser, também, um tempo de oportunidades em relação ao modelo em que vivemos. No que respeita às Comunidades, dada a escassez de literatura em Portugal, são referidos apenas alguns exemplos, que revelam afinidades importantes com a comunidade em estudo. O capítulo três é dedicado à descrição metodológica, focando inicialmente os paradigmas quantitativos e qualitativos em investigação, de uma forma global, aproximando-se gradualmente da metodologia usada no estudo. Referimos, assim, os objectivos e as questões levantadas na investigação, bem como as técnicas de recolha de dados utilizadas, as estratégias de amostragem e o caminho percorrido, bem como os mecanismos de controlo previstos. Segue-se um quarto andamento, no qual se realiza o enquadramento contextual da investigação. Da breve descrição ambiental, social, cultural e 16 económica do concelho de Seia, passamos à descrição da Casa de Santa Isabel, evocando a sua história e o momento presente, atravessando as dimensões ambiental, social, cultural e espiritual. Na quinta etapa são apresentados, analisados e interpretados os dados recolhidos, dando sobretudo voz aos vários colaboradores desta pesquisa. Para tal, os dados foram organizados segundo temas ou categorias que vão desde uma visão global da Casa de Santa Isabel, à sua abordagem educativo-ambiental, rematando com uma reflexão prospectiva sobre a instituição. As considerações finais integram o corpus teórico e empírico, criando pontes entre as várias dimensões – ambiental, inclusiva, em/com valores, intercultural, para a cidadania, artística –, que se podem conjugar nas comunidades terapêuticas e educadoras. 17 CAPÍTULO 1: ENQUADRAMENTO TEÓRICO-CONCEPTUAL 1.1 Educação ou Educações? Origem e baptismos de um conceito Educar é construir, é libertar o homem do determinismo, passando a reconhecer o papel da História. (...) e o educador já não é aquele que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando, que ao ser educado, também educa (...). Paulo Freire, 1996 Otero, 1982 18 Afinal, o que é EDUCAR? Para melhor compreendermos o que é a educação, comecemos por analisar a origem do conceito. Em termos etimológicos, a palavra educação tem origem no latim educatio. O termo parece sintetizar duas outras expressões latinas _ educare e educere. A primeira pode ser traduzida por "alimentar", "cuidar", "criar", contraposta à segunda, que significa "tirar para fora de", "sair de si", "conduzir para" (Babo, 2004). Através da primeira expressão, podemos ver a educação como a formação e a transformação do educando por de uma acção exterior a ele, atribuindo-lhe aparentemente um papel mais passivo, aproximando-se da hetero-estruturação. Por outro lado, a segunda expressão remete-nos para uma transformação que ocorre a partir do próprio educando, fazendo sair dele e desabrochar essa mudança, motivando assim uma auto-estruturação (ibidem). Delval, 1991 (cit. in Caride, Pereia e Vargas, 2007: 159), considera a educação como "uma prática social inerente à existência humana, que pode caracterizar-se como o conjunto de actividades através das quais as pessoas aprendem e ensinam o seu universo natural e sociocultural". Esta é apenas uma definição possível, de entre as múltiplas que encontramos na literatura que, para além de partirem de origens distintas _ educare e educere _ (apesar da tendência actual para fomentar a perspectiva de educere), assumem, frequentemente, baptismos diversos, que se traduzem nas expressões: Educação Ambiental, educação para a convivência, educação cívico-política, educação para a cidadania, educação em direitos humanos, educação inclusiva, educação intercultural, educação para a paz, educação em valores, etc. (isto, sem nos determos nos jogos com as preposições _ com, em, para..._, que medeiam a palavra educação e o substantivo que a baptiza). Em termos conceptuais, bem como na prática, estas educações cruzam-se e, por vezes, confundem-se, sendo questionada a pertinência desta variedade de baptismos. Além disso, na prática, o desempenho educativo é influenciado por uma multiplicidade de factores, que vão para além da teoria ou o do baptismo subjacente. Neste sentido, a complexidade e a simplicidade encontram-se, oscilando entre valorizar e desvalorizar as designações e os debates conceptuais e procurando sempre conhecer a fundo cada caso. 19 A investigação apresentada nesta monografia dedica-se, como referimos na introdução, ao estudo de uma comunidade terapêutica com pessoas com Necessidades Especiais, enfatizando a educação ambiental na comunidade. Neste contexto, apesar de conscientes das pontes entre as várias educações ou dimensões da educação e entre estas e alguns princípios dos movimentos comunitários de uma forma geral, abordaremos em separado, no enquadramento teórico, as dimensões ambiental e inclusiva da educação, bem como os contextos comunitários. Estes aspectos serão conjugados, principalmente, a partir da análise da comunidade em estudo. 1.2. Educação Ambiental Percebi que me encontrava sobre um pequeno grão de rocha e de metal envolto em água e ar, a rodopiar entre a luz e a escuridão. À superfície desse pequeno grão, multidões de homens, geração após geração, tinham vivido entre trabalhos e cegueiras, interrompidos ocasionalmente por momentos de alegria e de lucidez. E toda a sua história, com as suas peregrinações, impérios, filosofias, o orgulho das suas ciências, as suas revoluções sociais, o seu anseio cada vez maior de harmonia, não passava de uma cintilação num dia da vida das estrelas. Stapleton, 1937 1.2.1. Notas Históricas e Emergência da Educação Ambiental: de um passado naturalista e conservadorista a uma actualidade plural e complexa O presente capítulo aborda os fundamentos teóricos da Educação Ambiental, que constituem o pano de fundo desta investigação. O conceito de Educação Ambiental, cuja patente internacional data de 1972, com a Declaração de Estocolmo, tem sido, tanto no plano teórico como em termos práticos, fruto e alvo de abordagens diversas e heterogéneas, que partilham a preocupação comum pelo meio ambiente e o reconhecimento do papel central da educação para o melhoramento da nossa relação com ele (Sauvé, in Sato, 2004). 20 Nós, seres humanos, somos apenas uma pequena partícula no espaço e no tempo. Ao longo da nossa existência como espécie, temos buscado não apenas a sobrevivência, mas também o desenvolvimento, a transformação, nossa e do mundo, mais concretamente, dos ecossistemas que integramos e partilhamos. Segundo o que hoje nos conta a história, fundamentalmente a partir do século XIX, onde começou a ter expressão a grande transformação tecnológica, a intervenção humana dispersou-se gradualmente por todo o planeta. A par destas transformações, ocorreram importantes mudanças políticas, sociais, económicas, culturais e ambientais, grande parte associadas aos modelos de desenvolvimento da sociedade capitalista e liberal ou neoliberal, sobre as quais não nos vamos deter no presente trabalho. Deste modo, numa dinâmica de inter-relações complexas, verificou-se, gradualmente, um afastamento entre o homem e os outros elementos dos ecossistemas (destacando também o afastamento, em alguns aspectos, dos outros seres da mesma espécie e, também de si próprio), bem como um desenraizamento e até uma falsa noção de separação e independência entre os dois. Este «jogo de forças», tendo possibilitado inúmeros desenvolvimentos e a melhoria das condições de vida do ser humano, perpetuou e, em alguns casos, agravou até a pobreza e a exclusão social, bem como as desigualdades entre os países ditos desenvolvidos e os países ditos em vias de desenvolvimento e mesmo no seio destes últimos. Como refere Caride (2004: 166), "poblamos un mundo con grandes e injustas disparidades. Mientras un tercio de sus habitantes vivimos en la cultura de la satisfacción, en la expresión que tomamos de Galbraith (1997), los dos tercios restantes sufren la miseria, el abandono y el hambre". É, contudo, de salientar que, embora em circunstâncias diferentes, pobres e ricos, esfomeados e sobrealimentados, indivíduos de países ditos em desenvolvimento e indivíduos de países ditos desenvolvidos, todos integram o mesmo planeta e vivenciam uma época histórica marcada pela consciência de inúmeros problemas à escala global, apesar desta consciência não ser partilhada por todos. É neste contexto que, no início do séc. XIX, surgem as primeiras vozes críticas dos efeitos nocivos e destruidores, associados aos novos processos de industrialização e urbanização, corporalizando-se um movimento conservacionista e protector da natureza que, ao longo do século, se foi abrindo à escala mundial. Os anos 60, marcados pelo lançamento da obra Primavera Silenciosa, de Rachel Carson, constituíram um marco importante no despertar da consciência ecológica mundial 21 (Caride e Meira, 2001). Seguiram-se alguns acontecimentos marcantes, entre os quais destacamos: - A Conferência de Estocolmo, em 1972, sobre o Meio Ambiente Humano, na qual se adoptou o Primeiro Plano de Acção Mundial sobre Meio Ambiente e o Programa PNUMA, como instrumento de acção global; - A primeira conferência internacional dedicada à Educação Ambiental, que decorreu em Tiblisi, em 1977 e à qual, em 1987, se seguiu outra dedicada à educação e formação ambiental, em Moscovo; - O Workshop sobre Educação Ambiental em Belgrado, onde surgiu a Carta de Belgrado sobre Educação Ambiental e foi lançado o Programa Internacional de Educação Ambiental da UNESCO _ IEEP, em 1975; - A publicação do Relatório Brundtland, em 1987, que destacava três dimensões fundamentais do desenvolvimento sustentável: protecção ambiental, crescimento económico e equidade social; - A Conferência Cimeira da ONU, em 1992, no Rio de Janeiro, onde se envolveu todo o mundo em busca do desenvolvimento sustentável e, na qual surgiram, entre outros documentos, o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global e um esboço da "Carta da Terra", aperfeiçoada até à sua aprovação final, na Assembleia da ONU, em 2002 (cf. anexo 1); - A Conferência de Tessalónica (Grécia) promovida pela UNESCO, em 1997, subordinada ao tema Ambiente e Sociedade: Educação e Consciência Pública para a Sustentabilidade; - A proclamação da Década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável – DEDS (2005-2014), pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, em 2002. Estes são apenas alguns marcos visíveis na história da Educação Ambiental, que se enquadraram num contexto de transformações ambientais, culturais, económicas, espirituais, políticas, sociais, como anteriormente referimos. Constituindo-se a Educação Ambiental como um "objecto hiper-complexo" (Sauvé, 1999, cit. in Torales, 2006), que conjuga a actuação de diversas áreas científicas (ecologia, biologia, educação, etc.), passou-se de uma abordagem conservacionista, a uma abordagem ambientalista, ecologista; de uma visão dicotómica entre o homem e 22 a natureza, a uma visão como um todo; oscilou-se entre o afastamento da esfera ambiental e as esferas cultural, económica, espiritual, política, social e uma integração de todas; problematizou-se entre uma visão organicista e holística e uma visão construtivista e da complexidade. Actualmente, integram o campo da Educação Ambiental discursos e práticas divergentes, que contemplam aspectos das várias abordagens agora referidas, configurando um mapa das educações ambientais que, nas palavras de Carvalho "não é auto-evidente, tampouco transparente para quem envereda pela multiplicidade das trilhas conceituais, práticas e metodológicas que aí se ramificam" (Carvalho, 2004: 14). Para melhor elucidar o constructo de Educação Ambiental, apresentamos, no quadro 1, algumas concepções: Quadro 1. Concepções de Educação Ambiental Autor (a)/ Instituição Conceito Declaração da A educação ambiental é um processo de reconhecimento de valores e clarificações de conceitos, Conferência objetivando o desenvolvimento das habilidades e modificando as atitudes em relação ao meio, Intergoverna- para entender e apreciar as inter-relações entre os seres humanos, suas culturas e seus meios mental de Tibilisi (1977) C. Picomell e J. Sureda (1979) M. Novo Vilaverde (1986) S. Van Marte (1990) biofísicos. A educação ambiental também está relacionada com a prática das tomadas de decisões e a ética que conduzem para a melhoria da qualidade de vida. A educação ambiental, como um processo educativo enfocado na resolução de problemas meio-ambientais, tem como finalidade a inculcação de conhecimentos, atitudes e valores que podem ajudar as pessoas a participar ativamente na busca de soluções aos problemas ambientais. A educação ambiental pode definir-se como o processo que consiste em aproximar as pessoas a uma concepção global de meio ambiente (como um sistema de relações múltiplas) para adquirir conhecimentos, elucidar valores e desenvolver atitudes que permitam adotar uma posição critica e participativa a respeito das questões relacionadas com a conservação e a correta utilização dos recursos e qualidade de vida. A educação ambiental serve para ajudar a cada um de nós a fim de que possamos compreender o funcionamento dos sistemas ecológicos, a estabelecermos nossa própria relação com esses sistemas e adotarmos os modos de vida (individuais ou coletivos) de forma a reduzir os impactos de nossas atividades sobre os sistemas vivos. A educação ambiental equivale a um processo educativo, aberto e permanente, pessoal e J. Caride Gómez (1991) coletivo, de orientação teórico-prática, mediante o qual os indivíduos e a comunidade tomam consciência de sua realidade físico-social e cultural, objetivando adquirir e transmitir os valores e atitudes necessárias para a compreensão e transformação do mundo, atendendo aos supostos básicos da qualidade ambiental. Medina (1998) A educação ambiental como processo que consiste em propiciar às pessoas uma compreensão crítica e global do ambiente, para elucidar valores e desenvolver atitudes que lhes permitam adotar uma posição consciente e participativa a respeito das questões relacionadas com a conservação e a adequada utilização dos recursos naturais, para a melhoria da qualidade de vida e a eliminação da pobreza extrema e do consumismo desenfreado. A educação ambiental visa a construção de relações sociais, econômicas e culturais capazes de respeitar e incorporar 23 as diferenças (...), à perspectiva da mulher e à liberdade para decidir caminhos alternativos de desenvolvimento sustentável, respeitando os limites dos ecossistemas, substrato de nossa própria possibilidade de sobrevivência como espécie. Sauvé (2005) Trata-se de uma dimensão essencial da educação fundamental que diz respeito a uma esfera de interações que está na base do desenvolvimento pessoal e social: a da relação com o meio em que vivemos, com essa "casa da vida" compartilhada. Fonte: Torales, 2006, com base nos estudos realizados por Caride, 1991 e Sauvé, 1997. A diversidade de concepções apresentadas no quadro espelha a já mencionada complexidade e multiplicidade de abordagens à Educação Ambiental, quer ao longo da sua evolução no tempo, quer no momento presente. Na verdade, coexistem nos nossos dias concepções teórico-práticas «antigas» e mais recentes, nomeadamente, conservadoristas, naturalistas, ambientalistas, ecologistas, com um enfoque sócio-ambiental crítico, etc. A este propósito, estamos de acordo com González Gaudiano (2008), quando afirma que, na actualidade, o campo da Educação Ambiental é caracterizado pelas seguintes tendências: - Persistem, ainda, em muitos educadores preocupações conservacionistas e ecológicas extremas (que negligenciam a dimensão social e económica dos problemas ambientais), bem como propostas que, apesar de aparentemente bem intencionadas, apresentam lacunas importantes, quer na sistematização, quer na adequação da sua orientação aos problemas e condições locais e regionais; - Apesar de ser considerado prioritário nos discursos, planos e declarações institucionais, verifica-se a desvalorização do papel da Educação Ambiental por parte das políticas públicas; - A intenção de substituir a Educação Ambiental pela Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS) tem sido fonte de conflitos e alvo de fortes críticas, sobretudo, pela opacidade e vacuidade do conceito de desenvolvimento sustentável e outros que integram a proposta, questionando as suas intenções e apontando também a falta de inovação da proposta relativamente a anteriores referentes no âmbito da Educação Ambiental. Também Garcia Diaz (2004), numa síntese "muito simplificada" (como ele próprio a caracteriza) dos paradigmas actualmente existentes em Educação 24 Ambiental, vai de encontro a alguns dos aspectos referidos por González Gaudiano. Considera, assim, que coexistem sobretudo três grandes tendências: - Um modelo de corte naturalista, muito centrado na investigação e compreensão do meio e em conceitos ecológicos; - Um outro, predominante, de tipo ambientalista, que se dedica principalmente à protecção, preservação e respeito pelo meio, através da compreensão, sensibilização, conscientização e capacitação da população para o tratamento dos problemas ambientais; - Um último modelo, emergente, próximo do desenvolvimento sustentável e da mudança social, que contempla uma diversidade de variantes e submodelos, que vão desde posturas que não questionam o sistema social estabelecido, até posturas mais radicais, para as quais a solução da crise social e ambiental passa por uma mudança profunda nas estruturas socioeconómicas contemporâneas. Concordamos com a síntese elaborada pelos dois autores sobre o panorama actual, principalmente, remetendo-nos para as duas realidades mais próximas – Portugal e Espanha. No que concerne ao debate contemporâneo entre a Educação Ambiental e a Educação para o Desenvolvimento Sustentável, embora, por vezes, este pareça cingir-se apenas a uma discussão/reflexão retórica sobre as palavras, que não vemos reflectir-se na prática, parece-nos fundamental desenvolvê-lo. A discussão destes conceitos constitui uma oportunidade para questionar, problematizar e desocultar, pelo menos levemente, realidades e jogos de poder que influenciam diversos domínios, entre os quais, a Educação Ambiental. Utilizando as palavras de Meira (2005: 14), quando se refere ao actual momento de crise e de desconstrução (ou "destruição") do campo da Educação Ambiental, esta é "uma oportunidade única para uma reflexão sobre o seu objecto e natureza, sobre o sentido que tem como praxis de mudança de uma realidade que se considera insustentável social e ecologicamente, e sobre a trama plural de enfoques teóricos, ideológicos e metodológicos, que se foram configurando nos seus 30 anos de história". Neste contexto, iremos, de seguida, debruçar-nos sinteticamente sobre o debate entre os dois conceitos, reflectindo, em simultâneo, sobre a evolução e a actualidade da Educação Ambiental. 25 1.2.2. Educação Ambiental e Educação para o Desenvolvimento Sustentável: um debate conceptual sem repercussão prática relevante Aparentemente, quase nada mudou. As expectativas que alguns alimentavam em relação a uma sociedade mais justa e solidária foram goradas, continuando a viver-se num supermercado económico e cultural em que uns globalizam e outros são globalizados. Lipovetsky (2007: 297), numa crítica à sociedade de consumo em que vivemos, sublinha: “Não restam dúvidas de que é necessário corrigir a sociedade de hiperconsumo, de a reorientar, reduzindo as desigualdades e promovendo a responsabilidade: mas não estamos, todavia, preparados para abandonar a «economia ligeira» em benefício de uma espécie de ascetismo racional. Aí constataríamos, uma vez mais, que o inferno está cheio de boas intenções.” Efectivamente, a filosofia proposta na conferência sobre a Educação Ambiental e a Escola, organizada pela União Mundial para a Conservação e pela UNESCO em 1971, nos EUA, entendia a Educação Ambiental como um processo de reconhecimento de valores e clarificação de conceitos para desenvolver as destrezas e as atitudes necessárias para entender e apreciar as inter-relações entre o homem, a sua cultura e o seu meio biofísico. A Educação Ambiental também compreendia a prática na tomada de decisões e a própria formulação de um código de comportamentos sobre aspectos relacionados com a qualidade ambiental. Estes princípios orientadores reuniram um grande consenso, sendo confirmados, posteriormente, na Conferência de Estocolmo, em 1972. Todavia, os programas desenvolvidos desde 1975, sob a égide da UNESCOPNUMA, não tiveram em linha de conta um pensamento estratégico de políticas ambientais, em que a participação se traduzisse num processo de aprendizagem reflexivo e crítico em relação ao modelo hegemónico da economia de mercado. Neste contexto, vários autores dão conta das múltiplas críticas feitas às práticas conservacionistas, naturalistas e ineficazes da Educação Ambiental, referindo que se limitavam, apenas, a responder à crise ambiental. É neste ambiente de incerteza e descrença que, em 1995, é cancelado o Programa Internacional de Educação Ambiental (PIEA), iniciando-se o novo paradigma do Desenvolvimento Sustentável. É de referir que, em 1987, no relatório 26 de Brundtland não é feita qualquer referência à Educação Ambiental, embora se assuma a educação, sobretudo em países ditos subdesenvolvidos e em grupos sociais desfavorecidos, como a melhor resposta à crise ambiental. De acordo com González Gaudiano (2001) os argumentos para a opção da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, em detrimento da Educação Ambiental, são os seguintes: - A Educação Ambiental era entendida de uma forma abstracta e, frequentemente, desarticulada da realidade local ; - A Educação Ambiental era reproduzida na transmissão de conhecimentos sem grande preocupação na assumpção de comportamentos responsáveis; - A Educação Ambiental estava demasiadamente preocupada com a conservação e preservação dos recursos naturais sem atender às dimensões económicas e socioculturais que devem orientar a operacionalização dos conceitos e das técnicas com vista a uma melhoria das condições de vida das pessoas e do futuro da humanidade. Meira (2006), fazendo uma leitura de vários discursos da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, acrescenta outros argumentos. Vejamos alguns: - A Educação Ambiental centrou-se demasiado em contextos educativos formais, esquecendo os contextos não formais e informais; - A visão simplista e conservacionista da Educação Ambiental não se compagina com o paradigma da complexidade e da pós-modernidade; - A dicotomia entre uma visão da Educação Ambiental demasiado naturalista e uma visão economicista da educação; - Inoperância metodológica da Educação Ambiental face às novas tecnologias da informação e da comunicação e do trabalho em rede; - Hegemonia da globalização económica e cultural face à inexistência de referentes teórico-conceituais e metodológicos da Educação Ambiental em relação à Educação para o Desenvolvimento Sustentável. Todavia, Meira (2005: 14) sublinha: “Não encontramos razões de carácter lógico, epistemológico, teórico-pedagógico, metodológico ou ideológico para aceitar, sem mais, que a Educação para o Desenvolvimento Sustentável seja ou 27 possa chegar a ser algo substancial, distinto «superior» ou mais «eficaz» que a Educação Ambiental”. Embora na Conferência de Tessalónica (UNESCO, 1997) se tenha agradecido à Educação Ambiental o trabalho desenvolvido, assumiu-se a Educação para o Desenvolvimento Sustentável como o caminho a seguir. Meira (2005, 2006), a propósito do debate entre a Educação Ambiental e a Educação para o Desenvolvimento Sustentável, faz alusão a estudos realizados sobre a percepção destas concepções por práticos e experts no campo educativo-ambiental, referindo que existem leituras diferentes e, por vezes, antagónicas sobre estes conceitos, desde a ideia de continuidade ou complementaridade até à existência de uma sobreposição parcial e/ou intersecção ou, ainda, a visão da Educação para o Desenvolvimento Sustentável como um elo na evolução da Educação Ambiental. Em nossa opinião, têm razão alguns autores quando questionam o conceito de desenvolvimento sustentável, como sendo um termo ambíguo e polissémico, que alberga interesses ocultos muito ao jeito do mundo ocidental. Por outras palavras, temos receio que os problemas sócio-ambientais ameacem os nossos estilos de vida. Neste contexto, Meira (2006: 24) sublinha: “Os discursos simétricos do desenvolvimento sustentável e da sociedade «pós materialista», coexistem com uma cultura da insustentabilidade que se impõe através dos recursos da publicidade da mercantilização e da dependência docilmente assumida de um estilo de vida que produz, objectiva e subjectivamente bem-estar aos que o gozamos”. Assim, a praxis educativa da sociedade resultará num fracasso, caso não se operem mudanças estruturais na globalização socioeconómica e no imperialismo cultural estabelecidos. Mais ainda: a Educação Ambiental deve ser um compromisso de todos e de cada um para melhorar o nosso caminho colectivo. Quino, 1990 28 1.2.3. Correntes em Educação Ambiental Como temos vindo a reflectir até aqui, a Educação Ambiental não é, quer em termos teóricos, quer práticos, um campo bem definido/delimitado e consistente. A sua diversidade e heterogeneidade, embora enriquecedoras, podem também constituir um entrave ao seu desenvolvimento, dificultando a reflexão e avaliação das suas práticas e contribuindo para que, neste campo amorfo, algumas das actuações, aparentemente bem intencionadas, permaneçam na intenção. Por outro lado, parece ser característica do ser humano, em campos cada vez mais vastos e aparentemente complexos do saber e da prática, querer resgatar o todo e, segundo critérios que respondem a objectivos, dividi-lo, categorizá-lo, para melhor o compreender, em unidades que sabe que se tocam e, por vezes, se misturam, mas que têm também uma especificidade importante. Deste modo, aproveitando a sistematização de algumas concepções em Educação Ambiental elaborada por Sauvé (2005), procuraremos compreender melhor a teoria e a prática da Educação Ambiental, em função dos seguintes parâmetros: - Concepção dominante do meio ambiente; - Intenção central da Educação Ambiental; - Enfoques e estratégias dominantes. O estudo que permitiu a sistematização referida foi desenvolvido, principalmente, num contexto cultural europeu e norte-americano. A noção de corrente/concepção proposta pela autora refere-se a uma maneira geral de conceber e de praticar a Educação Ambiental. Assim, surgiram correntes com as suas especificidades, mas também com pontos de convergência, de forma que, quando a partir de um exemplo concreto procuramos enquadrar uma destas categorias, deparamo-nos, frequentemente, com a confluência de características-chave de mais do que uma corrente. O quadro 2 apresenta a referida classificação, bem como a concepção de meio ambiente subjacente a cada uma. 29 Quadro 2. Cartografia de correntes em Educação Ambiental Correntes de longa tradição na Educação Ambiental, bastante difundidas nas décadas Correntes mais recentes de 70 e 80 CORRENTE/CONCEPÇÃO DE MEIO AMBIENTE - - Naturalista (Natureza); Conservacionista/recursista (Recurso); cada realidade e da rede de relações que une tudo isto Problematizadora; num conjunto que adquire sentido); - Sistémica (Sistema); Científica (Objecto de estudos científicos); Humanista (Meio de vida, com as suas dimensões históricas, culturais, económicas, estéticas, etc.); - Holística (Global; o todo; a totalidade de cada ser, de Bio-regionalista (Lugar de pertença/Projecto comunitário); - políticas, Práxica (Lugar de transformação, de relação entre acção e reflexão); - Moral/ética (Objecto de valores). Crítica (Objecto de transformação, lugar de emancipação); - Feminista (Objecto de solicitude); Etnográfica (Território, lugar de identidade, natureza/cultura); - Da Eco-educação (Pólo de interacção para a formação pessoal/Identidade); - Da sustentabilidade (Recursos para o desenvolvimento económico/Recursos partilhados). Fonte: Adaptado de Torales, 2006, a partir de Sauvé, 2005. Das quinze correntes de Educação Ambiental, mencionadas por Sauvé, desenvolveremos apenas sete1 das oito que têm uma tradição mais recente, por nos parecerem mais relevantes para o estudo de caso desta investigação. Corrente holística Esta corrente vem opor-se à abordagem exclusivamente analítica e racional das realidades ambientais. Enfatiza a importância do entendimento global e complexo das realidades nas suas diversas dimensões e, deste modo, do enquadramento do todo que constitui cada ser (dando destaque ao ser humano) no todo formado pela dinâmica de inter-relações entre os seres nos diferentes contextos, dos seres entre si e consigo mesmos, formando conjuntos que adquirem sentido. A concepção de meio ambiente presente pretende, assim, ser global e resgatar este todo unido e integrado. As propostas que se inscrevem na corrente holística são algo heterogéneas, relacionando-se algumas principalmente com questões do tipo psico-pedagógico, 1 Não será, neste ponto, desenvolvida a Educação para a Sustentabilidade, também chamada Educação para o Desenvolvimento Sustentável, uma vez que já nos referimos a esta corrente no ponto anterior, relativa ao debate entre a Educação Ambiental e a Educação para o Desenvolvimento Sustentável. 30 abordando o desenvolvimento global da pessoa na relação com o meio ambiente e outras com uma visão cosmológica, que concebe um todo configurado por uma complexa teia de relações, preconizando, habitualmente, um conhecimento e uma vivência desse todo através da actuação participativa no e com o ambiente. Algumas perspectivas holísticas mais profundas têm importantes influências de filósofos e pensadores como Heidegger, Goethe, entre outros. Corrente bio-regionalista Esta corrente relaciona-se com um movimento sócio-ecológico, interessado na dimensão de gestão da "casa de vida partilhada" (Sauvé, 2005) que é o ambiente. A concepção de ambiente prende-se, assim, com a de bio-região, ou seja, um espaço geográfico definido mais pelas suas características naturais do que pelas características políticas, com todo um valor simbólico, de significante e com significado, associado ao sentimento de identidade e de pertença das comunidade humanas. De um modo geral, a ética inspiradora desta corrente é ecocêntrica e a actuação educativo-ambiental ocorre preferentemente nos meios local e regional, com enfoques participativos e comunitários, procurando desenvolver o conhecimento e a vivência destes meios e, ainda, um sentimento de pertença, a favor da sua valorização. Corrente práxica A tónica da corrente práxica é claramente colocada na acção, centrando a aprendizagem na acção, através dela e para melhorá-la. Embora não seja muito clara a concepção de ambiente dominante nesta corrente, é nítido que o ambiente é objecto de acção, de mudança e de reflexão e aprendizagem por meio desta actuação, numa dinâmica bidireccional entre dois pólos _ acção e reflexão. O processo, por excelência, da corrente em questão é a conhecida investigação-acção. A sua abordagem é participativa e implica, habitualmente, diversos actores de uma situação que se pretende transformar. De um modo geral, as propostas que se enquadram na corrente práxica preconizam, não apenas, a mudança e a resolução de problemas sócio-ambientais, mas também transformações no processo educativo, no sentido de tornar os educandos agentes activos no referido processo. 31 Corrente de crítica social Esta corrente, inspirada na «teoria crítica», inicialmente desenvolvida nas ciências sociais, dedica-se principalmente à análise das dinâmicas sociais que estão na base das realidades e das problemáticas ambientais. Tal como na corrente práxica (à qual esta corrente é, por vezes, associada) o ambiente é visto não apenas como um objecto de transformação, mas mais do que isso, é encarado como contexto de emancipação intimamente relacionado com as dinâmicas sociais, económicas, políticas, culturais, etc., que o integram. Assim, tendo como foco principal as dinâmicas mencionadas, pretende-se envolver educadores e educandos num processo de questionamento profundo (análise de intenções, de posições, de argumentos, de valores explícitos e implícitos, de decisões e de acções dos diversos protagonistas), através de um diálogo constante de práticas e de saberes distintos e complementares (entre os quais, os científicos formais, os quotidianos, os tradicionais, as experiências), na busca de soluções válidas para a transformação das realidades sócio-ambientais. Este processo tem uma componente necessariamente política e implica, desde logo, a problematização e o questionamento dos próprios educadores e educandos, que devem confrontar-se com a pertinência dos seus fundamentos e da sua forma de actuar. Corrente feminista Esta corrente, tal como a holística, opõe-se à supremacia de uma abordagem racional e analítica sobre outras, que é característica, por exemplo, da corrente de crítica social. Todavia, à semelhança desta última, a corrente feminista dedica-se à análise das relações de poder nos grupos sociais, enfatizando as relações de género, actualmente, mais numa óptica de trabalho e de (re)construção dessas relações, do que de denúncia de situações ligadas ao tema. Apela, assim, ao reatar dos laços perdidos com a natureza, tarefa indissociável da presença do elemento feminino e da harmonização das relações entre os seres humanos, destacando a relação entre Homem e Mulher. Valoriza, principalmente, os processos, desenvolvendo abordagens de Educação Ambiental, que, para além de analíticas, são intuitivas, afectivas, simbólicas, espirituais, 32 artísticas..., apelando aos vários sentidos. Enquadra-se numa ética de responsabilidade, dando ênfase ao cuidado afectuoso e à entrega ao outro. O ambiente pode ser, neste quadro, entendido essencialmente como um lugar de solicitude (Torales, 2006). Corrente etnográfica A corrente etnográfica coloca em destaque a cultura e o carácter cultural da relação com o meio ambiente. Tendo por base esta premissa, a Educação Ambiental não deve impor uma visão do mundo, que será principalmente a visão ocidental, das sociedades pós modernas (Galvani, 2001, in Sauvé, 2005), devendo ter em consideração as diferentes culturas e inspirar-se/beber da relação entre estas e o meio ambiente. O meio ambiente é, deste modo, concebido, sobretudo, como Território, um lugar/conjunto de identidade e de cultura. Através de um enfoque analítico, mas também intuitivo e simbólico, educadores e educandos transportam-se e aprendem com um universo cultural diverso. Para tal, utilizam-se diversas estratégias, das quais destacamos o conto, a lenda, a canção, a imersão numa paisagem, para além de outros símbolos vivos das várias culturas, frequentemente esquecidas ou adormecidas. A etnopedagogia (Pardo, 2001, in Sauvé, 2005), inspirada em abordagens educativas de populações autóctones diversas, constitui uma vertente da corrente etnográfica. Corrente da eco-educação A eco-educação parte da premissa de que a relação entre ser humano e meio ambiente é bidireccional, ou seja, é interacção e acresce, ainda, que esta interacção é educativa. Assim, para além de abordar a actuação do ser humano sobre o meio ambiente físico, analisa principalmente a actuação/influência do segundo sobre o primeiro. De acordo com a perspectiva eco-educativa, o meio ambiente configura-se como um pólo desta interacção, que contribui para a eco-educação do ser humano. Dada a diferença dos marcos teóricos de referência, podemos distinguir nesta corrente duas vertentes: a eco-formação (assumindo a formação o sentido do alemão bildung) e a eco-ontogénese. A primeira dedica-se ao estudo da eco-formação do ser 33 humano, que se articula com a auto-formação e com a hetero-formação (Pineau, 2000; Sauvé, 2005). Pretende assim, ao trabalhar sobre o ser-no-mundo, compreender as esferas biológica e, sobretudo, simbólica, que configuram a teia de relações entre o ser humano e o ambiente, resgatando a sua história eco-lógica (Cottereau, 2001; cit. in Sauvé, 2005), que tem um papel importante na Educação Ambiental. Por sua vez, Tom Berryman (2002, in Sauvé, 2005) fala em eco-ontogénese, conceito de inspiração psicológica, que remete para a génese da pessoa na sua relação com o meio ambiente. Na opinião deste autor, à semelhança do anterior, numa perspectiva educativa é necessário compreender a relação do homem com o ambiente. No entanto, Berryman trabalha uma perspectiva de desenvolvimento do ser humano, por etapas, ao longo da sua vida, procurando caracterizar e distinguir nestas o modo de relação do ser humano com o meio ambiente, associando-lhe práticas específicas de Educação Ambiental em cada etapa. As correntes aqui apresentadas são sistemas abertos com limites/fronteiras permeáveis à construção de laços entre si, podendo ter um importante papel na compreensão daquele que constitui o objecto de estudo da presente investigação, contribuindo para associar a prática de um exemplo vivo aos pressupostos teóricos que lhe estão subjacentes. Na figura 1, da página seguinte, procurámos, de uma forma esquemática, situar cada uma das correntes mencionadas no que respeita ao enfoque dominante e às diferentes dimensões da sua actuação. Sublinhamos que esta é apenas uma das leituras possíveis, a heterogeneidade que caracteriza cada uma das correntes. 34 Figura 1. Estratégias e enfoques das correntes em Educação Ambiental. AGIR 1 3 4 7 2 5 6 PENSAR SENTIR LEGENDA: Correntes: 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. Práxica Crítica Social Bio-regionalista Eco-educação Etnográfica Feminista Holística Enfoque: Sócio-ambiental Ecológico Sócio-ambiental, enfatizando o desenvolvimento humano Ecológico, enfatizando o desenvolvimento humano Fonte: Elaboração própria, 2008. Importa reter que, apesar da diversidade das correntes em Educação Ambiental, existe entre elas um lastro comum que se inscreve no desenvolvimento social e humano e que o sentir, o pensar e o agir exigem responsabilidade cívica em relação à própria hospitalidade do mundo natural e solidariedade/inclusão entre os seres humanos. 35 1.3. Educação Inclusiva Quino, 1990 No jardim dum manicómio, encontrei um rapaz de rosto pálido e belo, cheio de espanto. Sentei-me a seu lado no banco e perguntei-lhe: - Porque estás aqui? Olhou-me, admirado, e disse: - É uma pergunta indiscreta, mas vou responder. Meu pai queria fazer de mim uma reprodução de si próprio, e o mesmo quis fazer meu tio. Minha mãe pretendia fazer de mim a imagem de seu ilustre pai. Minha irmã considerava seu marido, marinheiro, o exemplo perfeito que eu deveria seguir. Meu irmão achava que eu tinha que ser como ele, um excelente atleta. Por sua vez, os meus professores, o doutor em Filosofia, o professor de Música e o de Lógica, cada um deles queria que eu fosse apenas o reflexo do seu rosto no espelho. Foi assim que vim parar a este lugar. Acho-o, aliás, cordato. Pelo menos, aqui, posso ser eu próprio. Depois, subitamente, virou-se para mim e perguntou: - Mas diz-me lá, também te trouxeram a este lugar a educação e o bom conselho? Não, respondi. Eu sou um visitante. Então, ele disse-me: - Ah! Tu és um daqueles que vivem no manicómio, do outro lado do muro. Gibran, 2002 36 1.3.1. Considerações sobre Necessidades Educativas Especiais: um campo vasto e diverso Tal como no ponto anterior, repensaremos o tema da educação, mais concretamente a educação de pessoas com Necessidades Especiais, vulgarmente designada por Educação Especial e, nos últimos anos, abrigando-se, também, no seio da expressão Educação Inclusiva. Apesar de na literatura existente os conceitos referidos aludirem particularmente ao contexto escolar, iremos deter-nos, na medida do possível, numa abordagem mais ampla destes constructos, considerando não apenas a educação escolar, mas a educação numa perspectiva global e a possibilidade de transferir alguns aspectos do contexto escolar para outros contextos, dado que o âmbito do nosso estudo não se circunscreve apenas à escola. Os seres humanos são intrinsecamente heterogéneos. Cada qual é uma individualidade única, mas também semelhante ao outro, uma unidade biopsicossocial, com características do todo que integra e que se conjugam numa configuração idiossincrática dinâmica, sem igual. Ao longo da história da humanidade sempre terão existido diferenças entre os seres humanos por motivo de deficiências mentais e/ou físicas, congénitas ou adquiridas, para além de muitas outras, sendo objecto de várias abordagens, dependendo das características sociais, culturais, espirituais e económicas de cada época. O conceito de Necessidades Educativas Especiais _ NEE (aludindo aqui também ao de "Necessidades Especiais" _ NE, do ponto de vista da educação), hoje, ainda, o mais utilizado, foi introduzido, em 1978, no Reino Unido pelo Warnock Report, na sequência de movimentos que, um pouco por toda a Europa, questionavam o efeito da categorização das deficiências na intervenção educativa. Estes colocavam antes a tónica na avaliação das características individuais dos sujeitos, promovendo depois a activação de medidas e recursos educativos adequados a cada caso específico. Assim, o "conceito de necessidades educativas especiais abrange todos os alunos que exigem recursos ou adaptações especiais no processo de ensino/aprendizagem, não comuns à maioria dos alunos da mesma idade, por 37 apresentarem incapacidades que se reflectem numa ou mais áreas de aprendizagem" (in http://www.dgidc.min-edu.pt). Actualmente, concebe-se a educação de crianças e jovens com NEE e a sua plena integração e participação na sociedade como um direito, sendo da responsabilidade do Estado e da Sociedade criar e garantir condições que facilitem o cumprimento integral desse direito (UNESCO, 1994; cf. anexo 2). Para melhor compreender o conceito de NEE, que alberga em si tanta diversidade (indo muito além da noção de deficiência) e tem por base a necessidade de adaptação dos currículos e das estratégias educativas, podemos distinguir, desde logo, dois níveis diferenciados: NEE significativas e NEE ligeiras, que podem alterar-se com o decorrer do tempo em cada indivíduo. Neste âmbito, Correia (2008a) considera: - As crianças e os adolescentes com NEE significativas exigem adaptações generalizadas do currículo às características de cada um, adaptações essas que tendem a manter-se durante grande parte ou todo o percurso escolar do aluno, embora adequando-se à sua evolução. - As crianças e os adolescentes com NEE ligeiras exigem uma modificação apenas parcial do currículo escolar, que é adaptado às características do aluno num determinado momento do seu desenvolvimento. De realçar também que o currículo deverá ser, na medida do possível, adaptado a todos e a cada um, como é apanágio da Educação Inclusiva, que abordaremos mais adiante. Contudo, pode, talvez, dizer-se que há níveis, maiores ou menores, de adaptação integrados já numa flexibilização mais geral dos currículos, procurando usar diferentes metodologias de ensino-aprendizagem, abertura, atenção/presença, flexibilidade, etc. Vejamos, ainda, uma categorização das NEE, apresentada pelo mesmo autor, que não deve ser tomada como uma rotulagem estanque e representativa da pessoa, mas como um meio de facilitar, juntamente com outros dados sobre cada pessoa, a elaboração de um programa de intervenção flexível apropriado a cada um. Embora possam ser mencionadas diferentes classificações das NEE, seguimos Correia (2008a), que apresenta uma nomenclatura adoptada internacionalmente, sobretudo, nos países ocidentais: 38 - Dificuldades de aprendizagem específicas (de carácter processológico, associadas ao processamento da informação); - Problemas de comunicação (associados, principalmente, à fala e à linguagem); - Deficiência mental/problemas intelectuais; - Perturbações emocionais ou do comportamento (que incluem psicoses, etc.); - Multideficiência (conjunto de várias deficiências na mesma pessoa); - Deficiência auditiva; - Problemas motores (tais como a paralisia cerebral, a distrofia muscular, etc.); - Problemas diversos de saúde (entre os quais a tuberculose, a febre asmática, a asma, a hemofilia, a nefrite, a epilepsia, o cancro, etc.); - Desordem por défice de atenção e hiperactividade; - Deficiência visual; - Autismo; - Síndrome de Asperger; - Surdo-cegueira; - Traumatismo craniano; - Podem, ainda, ser consideradas neste grupo as crianças sobredotadas. Após esta visão da diversidade que abarca o conceito NEE, importa agora identificar alguns antecedentes da Educação Especial, procurando compreender melhor como chegamos até aqui, qual o caminho desde a antiguidade até à actual Educação Especial e Educação Inclusiva. 1.3.2. Antecedentes e origem da Educação Especial: evolução na abordagem à diferença humana Como mencionámos anteriormente, houve, ao longo da história, várias acepções ao campo que hoje se enquadra nas Necessidades Educativas Especiais. O que chegou aos nossos dias da antiguidade fala-nos de um cenário de rejeição das pessoas com alguma deficiência ou outras características que as distinguiam, sendo 39 abandonadas, sacrificadas, condenadas à morte, exibidas em festividades, alvo de atitudes de segregação e marginalização. A Idade Média e, ainda, os séculos XVI e XVII são caracterizados pelo misticismo e pela relação com a mitologia para explicar esta forma de diferença entre os seres humanos, que eram também vistos como loucos. Na época, a Igreja surgiu como protectora das pessoas excluídas da sociedade, criando albergues e asilos, para as alojar e afastar das comunidades. O Renascimento (podemos até aludir aqui ao conceito de Renascimento Humanista) possibilitou o estudo e a elevação do homem, surgindo as primeiras abordagens educativas em relação às pessoas com alguma deficiência. Era das Instituições É na época do Iluminismo, fundamentalmente a partir do século XVIII, que a educação ocupa um lugar de destaque para os grandes pensadores, operando-se também alterações importantes na visão das diferenças entre os seres humanos, incluindo as relativas a deficiências e outras perturbações funcionais2. Esta fase, compreendida entre os finais do século XVIII e os princípios do século XIX, é conhecida como a "Era das Instituições", caracterizada pela emergência de instituições especializadas no tratamento/cura (termo mais utilizado na época) e educação de pessoas com deficiências, iniciando a história da Educação Especial. Durante este período, proliferaram diversos tipos de estabelecimentos especializados para deficientes visuais, auditivos e mentais que os afastavam da sociedade para lhes prestar assistência, tratar e proteger, mas também no intuito de os afastar da sociedade, para a qual eram, de algum modo, entendidos como uma ameaça. Destacam-se algumas personalidades relevantes como Rousseau, Pestalozzi, Abbé de L'Epée, Valentim Hauy, Jean Itard, entre outros, sendo este último considerado "o pai da educação especial" (Mayor Sanchéz, 1998; Babo, 2004). Itard (1775-1838), um educador francês, aluno do médico e pedagogo Philippe Pinel (1745-1826), dedicou grande parte da sua vida à educação de crianças surdas e trabalhou, ao longo de seis anos, na educação de Victor l'Aveyron – o "Menino Selvagem", encontrado nos bosques de Laucane (Lopes, 1997). 2 Para uma contextualização mais completa, é importante referir que, nesta altura, a educação regular estava ainda dependente da Igreja e, só, muito gradualmente, começou a surgir a educação pública. 40 Nesta fase, o progresso da medicina e mais tarde da psicologia desempenharam um papel importante no estudo da deficiência e de outros tipos de diferenças motoras e/ou emocionais/psíquicas. Esquirol, psiquiatra francês (17821840), aluno de Pinel, estabeleceu a distinção entre doente mental e débil mental, sendo o primeiro portador de perturbações emocionais, que podiam ou não ser acompanhadas por degeneração ao nível intelectual, e o segundo caracterizado essencialmente por deficiência intelectual existente desde o nascimento ou desde a primeira infância. Seguin (1812-1880) rejeitou a noção de incurabilidade e foi, também, pioneiro no tratamento e na educação dos então chamados "deficientes mentais", fundando, em 1837, a primeira escola de educação para o efeito. Na esteira de Babo, "podemos dizer que Seguin foi um percursor da filosofia integracionista e a sua obra, conjuntamente com a de Itard, são marcos de referência para a Educação Especial" (Babo, 2004: 56). Já no final do século XIX, início do século XX, com a massificação do ensino escolar, tornaram-se evidentes as discrepâncias dentro de turmas que se pretendiam homogéneas, pelo que, com o intuito de melhorar a educação criaram-se centros de educação especial, com programas próprios, técnicos e especialistas, constituindo um "subsistema de Educação Especial diferenciado, dentro do sistema educativo geral"(ibidem: 57). Era da Normalização - Integração A segunda Grande Guerra Mundial (1939-1945), a Declaração dos Direitos do Homem, em 1948, e a Declaração dos Direitos da Criança, em 1959, constituíram três pilares importantes na mudança da filosofia da Educação Especial, segundo alguns estudiosos do tema – Era da Normalização-Integração (Lopes, 1997). Particularmente, a partir da década de 50, verificou-se uma evolução significativa na quantidade e qualidade dos serviços ligados à educação especial, com o contributo de disciplinas da área da pedagogia, psicologia, medicina e biologia. De salientar, também, o desenvolvimento de associações de pais e voluntários, reivindicando um lugar para a pessoa com deficiência na sociedade. A década de 60 foi palco de vários discursos políticos e sociais que reclamavam a igualdade no acesso à educação e o direito à integração de todos os cidadãos na vida social e económica da comunidade, salientando alguns a importância de que todos vivessem com as suas famílias e que fossem membros activos da sociedade. 41 "Acredita-se que não há crianças ineducáveis, substituindo-se o culto da cura (século XIX) pelo culto da educabilidade" (Lopes, 1997: 39). Os países nórdicos, como a Suécia, a Dinamarca e a Noruega foram pioneiros neste movimento integracionista, sendo, em 1968, aprovada pelo Parlamento sueco a Lei da Normalização, à qual se seguiram diversos discursos que problematizavam o conceito de normalização e, posteriormente, também o de integração, afirmando o risco de se tornarem tão segregadores como os anteriores, ao fomentar a comparação com uma norma numa perspectiva de homogeneização (ibidem). Em 1975, nos EUA, é publicada uma lei (Public Law nº 94/142) que defendia a necessidade de planos individualizados de ensino, utilizando recursos diferenciados adaptados a cada pessoa. Em 1978, surge no Reino Unido o conceito de pessoas com Necessidades Educativas Especiais que, como afirmámos anteriormente, abrange grupos muito heterogéneos (Correia, 1997). A Educação Especial e a educação numa perspectiva global foram, desde então, palco de mudanças relevantes em várias partes do mundo, surgindo diversos documentos internacionais e nacionais inspirados nesta filosofia da integração. Em 1990, realizou-se a Conferência Mundial sobre a Educação Para Todos, em Jontien, na Tailândia, que reafirma o direito à educação para todos. Posteriormente, em 2000, o mesmo princípio é, de novo, reafirmado em Dakar no Fórum Mundial sobre Educação para Todos. Em 1994, das resoluções da Conferência Mundial da UNESCO sobre "Necessidades Educativas Especiais: Acesso e Qualidade", em Salamanca, surgiu a expressão "Escola Inclusiva", que pretende atender à criança como um todo e não apenas à criança aluno (cf. anexo 2). Outros encontros se seguiram, em que o conceito foi debatido, articulando-se, ainda, com outras terminologias da educação, tais como Educação Intercultural, Educação para a Convivência, Educação para a Cidadania, entre outras. 1.3.3. Educação Inclusiva, construção e desenvolvimento de um conceito Como é visível na anterior análise histórica, a Educação Especial começou por ser uma disciplina com um objecto multidimensional, interdependente de outras disciplinas, tais como, a medicina, a psicologia e a sociologia, que adoptava uma 42 abordagem multiparadigmática, integrando a investigação científica e a prática profissional (Mayor Sánchez, 1988). Já no século XX, emergiram, neste campo, nos diversos países do mundo, várias correntes e mesmo diferentes variedades terminológicas, entre as quais, destacamos a Pedagogia Curativa 3 , a Pedagogia Especializada, a Pedagogia Correctiva (Remedial Teaching) e a Educação para Crianças Excepcionais, todas destinadas a pessoas com alguma deficiência ou outro tipo de perturbações, configurando a sua actuação através de uma articulação entre a educação, a medicina e a psicologia (Lopes, 1997). A partir dos anos 60 e, particularmente, nos anos 70, o conceito de Educação Especial evoluiu num sentido mais específico, sendo utilizado para designar "o conjunto de apoios específicos e adaptações que tem de usufruir o sistema educativo regular, para ajudar o aluno no seu processo de desenvolvimento e de ensino aprendizagem" (Babo, 2004: 83). Efectivamente, já na abordagem à evolução da educação Especial, no ponto anterior, se constata que, sobretudo, a partir da década de 90, surge o conceito de Educação Inclusiva, consignado, desde então, em vários documentos da política internacional, vindo complementar o conceito de Educação Especial. Este conceito tem suscitado, por um lado, algumas divergências e, por outro lado, algum consenso, cumprindo uma importante função de enfatizar questões relacionadas com a qualidade no campo da Educação Especial. O paradigma da inclusão, emergente de uma forma gradual, nalguns países, já desde a década de 60, acompanhando um movimento mundial em prol dos Direitos Humanos, baseia-se na crença de que a diversidade é parte da natureza humana, sendo a diferença uma riqueza e não um problema. Assim, só promovendo, desde cedo uma educação inclusiva, as crianças que não têm necessidades educativas especiais vão aprender a aceitar e interagir com as crianças com necessidades educativas especiais e estas vão atingir o pleno direito de cidadania, não só na escola e na família, mas na comunidade e na sociedade (Bairrão, 1998). No que concerne ao contexto escolar, Fonseca (200: 12) afirma que "a Educação Inclusiva significa assegurar a todos os estudantes sem excepção, independentemente da sua origem sócio-cultural e da sua evolução psicobiológica, a igualdade de oportunidades educativas, para que desse modo, possam usufruir de 3 Sobre a Pedagogia Curativa será feita uma breve abordagem no tópico dedicado às Comunidade Terapêuticas. 43 serviços educativos de qualidade, conjuntamente com outros apoios complementares e possam beneficiar igualmente da sua integração em classes etariamente adequadas perto da sua residência, com o objectivo de serem preparados para uma vida futura o mais independente e produtiva possível, como membros de pleno direito da sociedade". Já as anteriores perspectivas integracionistas procuravam, essencialmente, através do apoio individualizado aos alunos, integrá-los nas escolas de ensino regular, de forma a interagirem com os seus pares e tentando que acompanhassem os currículos. No entanto, estes modelos centravam a problemática e a actuação nas minorias, procurando adequá-las à maioria, o que se considerou, na prática, estar a contribuir para perpetuar a segregação. Começaram, assim, a ser questionados estes modelos, propondo-se uma nova abordagem que atendesse ao todo – a Educação Inclusiva. O princípio da prática educativa inclusiva reside na sua aplicabilidade a todos os alunos, sendo o currículo e a estratégia organizativa das escolas os esteios principais da sua implementação, respondendo à multiplicidade de necessidades existentes nos alunos (Tilstone, Florian e Rose, 2003). O quadro seguinte sistematiza as diferenças entre a Integração e a Inclusão na Educação. Quadro 3. Integração versus Inclusão na educação. INTEGRAÇÃO Perspectiva centrada no aluno INCLUSÃO Perspectiva centrada no currículo Atenção centrada nas incapacidades da criança. Atenção centrada na intervenção pedagógica capaz de desenvolver as capacidades de todos os alunos. Intervenção individualizada, visando essencialmente a recuperação do deficit, a cargo de especialistas. Intervenção visando o grupo e procurando assegurar a maior eficácia para todos através de estratégias diversificadas. Espaços especiais e programas diferentes para os alunos com necessidades educativas especiais. Adaptação das estratégias de ensino na sala de aula, de modo a responder às necessidades individuais (com o apoio que for necessário) e visando o currículo comum. As dificuldades do aluno são um estímulo à melhoria do ensino. Homogeneidade Ensino orientado para o aluno médio. Heterogeneidade, diversidade, diferenciação Ensino orientado para a individualidade do aluno (áreas académica, sócio-emocional, pessoal, etc.) Fonte: Adaptado de Correia, 2008 e Fernandes, 2002. 44 Esta visão não contraria necessariamente a existência de estabelecimentos de apoio de ensino especializado, antes pretende criar condições para reduzir a necessidade deste tipo de intervenções. Para além da importância da existência de estruturas consistentes na Escola e da sua interacção com os restantes agentes sociais, atrás mencionados (família e comunidade), é também imprescindível agir com prudência e estar consciente da gradualidade dos processos, correndo o risco de causar uma exclusão ainda maior. Inúmeros factores influenciam o desenvolvimento prático destes pressupostos teóricos, sendo fulcral dar voz a quem está no terreno e convive diariamente com esta realidade. Há que atender às diferenças de todos (com e sem NEE), como é apanágio do conceito de inclusão; há que ter em conta que somos seres de hábitos e estes levam o seu tempo a mudar; há que estar atento aos processos de mudança e criar condições para que estes possam ocorrer (ouvir, questionar, dialogar, formar, criar estruturas de apoio consistentes, contar com um ratio adequado entre educadores e educandos) e há, ainda, que procurar atender e desocultar o que é menos visível (jogos de poder, conflitos relacionados com a conjuntura educativa, etc.), que também exercem o seu poder de influência. Neste sentido, Farrell (1996, in Tilstone, Florian e Rose, 2003) sublinha alguns aspectos que não serão facilmente abordados na escola inclusiva, enfatizando a importância, para algumas destas crianças e jovens, da atenção individualizada e num clima protegido, que é mais característico das escolas de ensino especial. Embora compreendamos o que afirma o autor, questionamos também se esta concepção não se prende demasiado com a imagem actual da escola, que deverá, de acordo com a filosofia da escola Inclusiva, gradualmente alterar-se, abrindo-se e procurando atender a todos e a cada um. Com vista a promover a educação dos alunos nas áreas académica, sócioemocional e pessoal, os serviços educativos devem ser complementados com actividades que envolvam a participação comunitária, possibilitando ao aluno o desenvolvimento de aptidões inerentes ao quotidiano, entre as quais, o lazer, a autonomia, a responsabilidade, etc. Apela-se, assim, a uma escola aberta à comunidade, bem como à união de esforços e à articulação entre Escola, Família, Comunidade e Estado, a fim de criar um sistema verdadeiramente inclusivo (Correia, 2008a). A prática da educação inclusiva deve prioritariamente ser precoce, sendo o núcleo familiar imprescindível, dado que é o contexto de educação primária. Por 45 outro lado, a preparação da transição para a vida activa é também de relevar, visto que esta é uma das áreas com lacunas importantes. É, contudo, de referir que o respeito pelo ritmo de cada um é fundamental e acelerar desde cedo orientações para uma determinada área, pode não ser o melhor caminho. Read (2003) aborda a relevância da compreensão do modo como cada aluno aprende, utilizando, para tal, diferentes estratégias de ensino-aprendizagem. Nas palavras do autor, "criar metas para a aprendizagem e individualizar a aprendizagem, podem assumir novos significados "(cit. in Tilstone, Florian e Rose, 2003: 187). Partilhamos a opinião de Read e consideramos que este é um aspecto fundamental da educação para todos e que, actualmente, na maioria das escolas não é muito valorizado, embora estejamos aparentemente no bom caminho. Todavia, existe neste campo um jogo de forças opostas e a educação continua a ser, sobretudo, verbal e analítica. Estamos também conscientes da versatilidade e agilidade que tal exige por parte dos educadores mais envolvidos, assumindo, aqui, a abertura da escola à comunidade e à família e o trabalho em rede, um papel relevante. Correia, referindo-se à educação escolar inclusiva, sugere algumas estratégias, aludindo, porém, à necessidade de adequação das mesmas aos contextos e aos actores envolvidos, bem como de um investimento significativo por parte do professor no que denomina a "arte de ensinar" (2008a: 95). Nas estratégias enunciadas, enfatizamos as seguintes: criação de um ambiente de interacções positivas; promoção de condições para o desenvolvimento de amizades entre os alunos; sensibilização das crianças para a inclusão; implementação de práticas educativas flexíveis. A "arte de ensinar", referida por Correia, exige que o educador se sinta envolvido e, como tantas vezes referia Freire (1996), saber e gostar daquilo que faz (claro que com os seus altos e baixos), promovendo não uma educação bancária, mas uma educação libertadora. No que respeita ao processo de planificação e de avaliação da aprendizagem, além da relevância do trabalho em equipa, da planificação baseada numa avaliação completa e adequada a cada aluno, alguns autores (Tilstone, Florian e Rose, 2003) potenciam a participação dos alunos. À medida que as escolas caminham na direcção de uma prática inclusiva aperfeiçoada, será importante desenvolver estratégias que aumentem a participação dos alunos no processo de planificação e de avaliação da sua aprendizagem, podendo este ser um importante factor de desenvolvimento e aumento da sua auto-estima. 46 O quadro número 4 sintetiza algumas reflexões sobre preocupações e pontos fortes da Educação Inclusiva, particularmente em contexto escolar. Quadro 4. Preocupações e pontos fortes da Educação Inclusiva. Preocupações - - - - - não serão garantidos os direitos de igualdade de oportunidades dos alunos com NEE, se forem eliminadas as opções que consideram outras modalidades de atendimentos para além da classe regular (Hallahan et al., 2005; Heward, 2003; Kauffman, 1989); há um risco de frustração por parte dos alunos com NEE, caso não sejam capazes de atingir os objectivos da classe regular, o que muito provavelmente irá interferir com a sua autoestima (Warnock, 2005; Dupre, 2000; Shapiro, 1988); a integração dos alunos com NEE significativas na classe regular pode interferir negativamente no sucesso escolar dos outros alunos, dado que o professor terá de dedicar mais tempo aos alunos com NEE (Kauffman, 1989); falta de preparação de alguns professores para responder às Necessidades Especiais dos alunos ou para assumir uma maior responsabilidade no seu ensino, havendo ainda muitos professores do ensino regular que, ainda, não aceitaram completamente a ideia de inserção dos alunos com NEE nas classes regulares (Heward, 2003; Correia e Martins, 2000; Kauffman, 1989); falta de preparação da escola como instituição (organização, estratégias de ensino) para as alterações associadas à educação inclusiva; Pontos fortes - promove a igualdade de oportunidades para todos os alunos, proporcionando uma educação de qualidade; - proporciona ao aluno com NEE interacções sociais com os seus pares e com a comunidade, preocupando-se com o seu desenvolvimentos global, num espírito de pertença, de participação em todos os aspectos da vida escolar, mas nunca esquecendo a resposta às suas necessidades específicas; - valoriza e, ao mesmo tempo, retira o estigma negativo das diferenças, que afinal existem entre todas as pessoas, cuja partilha é uma riqueza; - facilita o diálogo entre professores do ensino regular e professores de educação especial, facilitando aos segundos oportunidades de desenvolvimento de uma maior compreensão sobre os diferentes tipos de NEE e sobre os alunos com NEE e aos professores da educação especial, perceber melhor os programas curriculares (este diálogo irá favorecer uma melhor planificação educativa e, provavelmente, uma educação com mais qualidade); - promove o trabalho em colaboração, a troca de experiências e a partilha de metodologias entre professores, bem como a consciencialização de cada um sobre as suas práticas; - proporciona aos professores a oportunidade de trabalhar mais em rede com outros profissionais (psicólogos, terapeutas da fala, etc.), promovendo o desenvolvimento de respostas mais completas e adequadas a cada aluno; - a falta de serviços, eventualmente, necessários para atender às Necessidades Especiais de alguns alunos, pode prejudicar a maximização do seu potencial; - - é importante que se implemente um sistema de intervenção precoce eficaz; aumenta a comunicação entre os profissionais da educação e os pais; - - é necessário realizar uma avaliação global, que permita a elaboração de programas educativos adequados às capacidades e necessidades de cada aluno; melhora a vivência familiar, que vê o seu filho como um cidadão de plenos direitos e, de um modo geral, participa mais do processo educativo em rede com a escola e a comunidade; - transforma as escolas em verdadeiras comunidades de apoio, onde os alunos se sentem valorizados, apoiados de acordo com as suas necessidades e preenchidos pessoal e socialmente; - estimula todos os agentes educativos - escola, pais e comunidade -, envolvendo-os na procura de repostas adequadas a cada criança e ao trabalho em rede, proporcionando assim uma educação mais adaptada a cada um e mais inclusiva. Fonte: Elaboração própria, com base em Correia, 2008a. 47 Em jeito de conclusão, deixamos alguns ideias-síntese que resultaram da investigação desenvolvida num projecto longitudinal de cinco anos, iniciado em 1994 – Early Childhood Research Institute on Inclusion (ECRII) – e que envolveu investigadores de renome internacional (Odom, 2002, in Correia, 2008a): - Educadores, famílias e administradores têm opiniões diferentes quanto ao conceito de inclusão, o que influencia a forma como as práticas inclusivas são planeadas e implementadas; - Os programas educativos e, não apenas as crianças, devem obedecer à filosofia inclusiva. Assim, a adequação dos princípios de inclusão a todas as crianças depende da planificação, formação e apoios eficazes; - A colaboração é a chave da eficácia dos programas inclusivos, sendo importante que não se cinja à escola, envolvendo também os pais e a comunidade; - A individualização do ensino é uma componente importante da inclusão. As necessidades individuais das crianças com NEE requerem repostas, muitas vezes, colmatadas pela Educação Especial, cujas estratégias diversificadas podem ser integradas nas actividades de rotina da sala de aula; - Para que os ambientes inclusivos sejam eficazes, além da formação, são necessários apoios adequados, tais como, recursos humanos e materiais, tempo de planificação e consultoria; - A inclusão pode beneficiar as crianças com e sem NEE. Muitos pais de crianças sem NEE, que integraram programas inclusivos, referem mudanças benéficas nos seus filhos, quanto à auto-confiança, auto-estima e compreensão do conceito de diversidade. Temos consciência da análise superficial em relação à educação inclusiva, no entanto, sabemos que o desenvolvimento, a vivência e a inclusão dos alunos com necessidades educativas especiais depende da confluência de diversos factores, alguns dos quais foram mencionados ao longo desta reflexão, não sendo os conceitos de integração e de segregação "pólos de um contínuo linear, mas mesmo que o fossem, o conceito de verdadeira inclusão não apareceria em nenhum ponto dessa linha" (Steele, 2003, cit. in Tilstone, Florian e Rose, 2003: 269). 48 Na verdade, o caminho sobre a educação especial e a educação inclusiva abarca várias questões, que não podem ser abordadas num trabalho estritamente académico. Continuamos a falar em Incluir, que tal como Integrar, traz uma noção de separação, denotando a existência de um «dentro» e um «fora». Em diferentes dicionários, Incluir é descrito como «meter dentro», «inserir», além de outros significados. Sabemos que se fala em Educação Inclusiva para todos, tentando não se diferenciar na diferença. Estamos também conscientes que, embora todos sejamos diferentes, somos mais semelhantes com uns nalguns aspectos do que com outros. E para compreendermos melhor estas diferenças e semelhanças, agrupamos segundo determinados critérios, e daí a existência do conceito de Necessidades Educativas Especiais. Contudo, persiste uma bipolarização no conceito de Educação Inclusiva. Que alternativas a esta designação? Educação apenas? Educação para Todos? Educação com Todos? Sim, porque se pretende que seja participada por todos. Poderíamos continuar esta reflexão, mas deixamos que uma imagem fale por si. Quino, 1990 Efectivamente, o mundo complexo do século XXI requer uma educação inclusiva que não seja excludente, um novo olhar sobre as questões da diferença, da alteridade e das relações com o outro nas diferentes comunidades. 49 1.4. Comunidades Mariana, 2006 Antigamente tudo era comunidade. Mas chegaram uns forasteiros que anularam o regime de comunidade e começaram a dividir a terra em pedaços e a apropriar-se deles. Os índios tinham que trabalhar para os novos donos. Então os pobres porque assim começou a haver pobres neste mundo - perguntavam: - O que havia de mal na comunidade? Ninguém lhes respondia, ou como resposta eram obrigados a trabalhar até rebentar. Os poucos índios cuja terra ainda não tinha sido usurpada, combinaram continuar com o seu regime de comunidade, porque o trabalho não deve ser para que alguém morra ou sofra, mas sim para proporcionar bem-estar e alegria, essa era a origem da comunidade. Alegria, 2000 50 1.4.1. Comunidades como forma de organização social, dos primórdios da humanidade até aos nossos dias Não pretendendo negligenciar os aspectos que poderão ser «mais negativos» da vida em pequena comunidade, nem pensar que os forasteiros de que nos fala Alegria foram uns seres extra-humanos ou extraterrestres, que nada têm a ver connosco..., não deixo de acompanhar a reflexão do autor, nem de esboçar um sorriso quando, ao lê-la, sou transportada para esse conceito de comunidade. O meu agradecimento a quem me possibilitou a sua leitura. Assim, faremos uma abordagem, não apenas das comunidades ditas terapêuticas, mas das pequenas comunidades, de uma forma mais abrangente, focando também as denominadas, por alguns autores, comunidades intencionais. Esta opção relaciona-se com as características da comunidade que constitui o estudo de caso da nossa investigação, que para além de ser uma comunidade terapêutica, é uma comunidade de vida. O enquadramento teórico do tema segue uma perspectiva longitudinal, viajando no tempo, até onde nos leva alguma da história que se conta nos nossos dias, uma vez que, como referimos no início desta monografia, numa primeira abordagem exploratória a uma temática, a sua história, ainda que superficial, parecenos fundamental, revelando, mais do que «as realidades passadas», a (re)construção que fazemos delas. É, ainda, importante referir que, no estudo efectuado, encontrámos poucas referências ao movimento comunitário, às pequenas comunidades, às comunidades intencionais e às comunidades terapêuticas. No entanto, estamos também conscientes de que a referida pesquisa não foi suficientemente exaustiva. A organização da vida em comunidade tem a idade da humanidade. Nas palavras de Ullate (2004: 41), “assim é o tempo dos homens, sempre novo mas recorrente, mutável a velocidades cada vez maiores e ao mesmo tempo imutável no que se refere às «coisas de sempre»”. Globalmente, os indivíduos que integram movimentos comunitários estão de alguma forma em desacordo com o status quo, buscando outras alternativas. Alguns destes movimentos perseguem um ideal de vida pautada por valores considerados nobres, tais como igualdade, justiça, liberdade, 51 fraternidade, partilha e verdade. Alguns estudiosos do tema recorrem à expressão comunidades intencionais para designar diversos tipos de comunidades _ grupos de pessoas que vivem em conjunto, partilhando valores e objectivos, entre outros aspectos que variam conforme o tipo de comunidade (Kozeny, 2002). Faremos, de seguida, uma breve referência histórica sobre os movimentos comunitários, principalmente no contexto europeu, alguns dos quais movidos por valores agora referidos. As primeiras comunidades intencionais de que há registo encontram-se no Velho Testamento e datam do século VIII a.C., integrando profetas como Amos, que tentaram construir uma realidade social baseada em princípios comunitários de justiça e de não-exploração. Por sua vez, Platão (século IV a.C.) é um dos clássicos mais conhecido que iniciou escritos acerca das comunidades intencionais. A primeira comunidade intencional descrita denomina-se Homakoeion e foi desenvolvida por Pitágoras no Sul da Itália, cerca do ano 525 a.C. Esta comunidade era formada por várias centenas de indivíduos vegetarianos, de ambos os sexos, que partilhavam a propriedade e seguiam determinados princípios intelectuais e místicos, com vista a atingir uma sociedade ideal (Hagmaier et al., 2001). Alguns historiadores afirmam que Jesus Cristo terá vivido numa comunidade de nome Essene e que a evolução inicial do Cristianismo está relacionada, em parte, com esta sua experiência comunitária. Após a sua morte, alguns dos seus seguidores desenvolveram comunidades que estão na base de muitas comunidades cristãs da actualidade. Eram caracterizadas, sobretudo, pela partilha e pela igualdade, opondo-se à hegemonia materialista do Império Romano. Durante os séculos XVIII e XIX, os movimentos comunitários estavam fundamentalmente associados a filósofos e praticantes como Charles Fourier, Robert Owen, Étienne Cabet e John Humphrey Noyes, entre muitos outros, que conceberam a ideia de uma nova ordem social, livre dos problemas causados pela industrialização e da opressão do capitalismo. O século XX foi palco do maior número e da maior diversidade de movimentos comunitários. Durante a primeira década deste século, emergiu o movimento israelita dos Kibbutz 4 . Após a Segunda Grande Guerra Mundial, verificou-se um crescimento acentuado da procura de uma vida comunitária em 4 Cada Kibbutz é uma entidade sócio-económica distinta, baseada no princípio da partilha da propriedade, sendo o trabalho considerado uma forma essencial de envolvimento na vida da comunidade. 52 várias partes do mundo, sendo de destacar aqui o que ficou conhecido como o Movimento Hippie5 (http://www.ic.org.). Desde então, o fenómeno dos movimentos comunitários tem assumido uma maior diversidade de formas de expressão e as suas raízes filosóficas e espirituais são mais complexas, integrando desde fundamentos cristãos, religiões orientais, princípios de antroposofia, ideias de regresso à natureza, ecologia, pacifismo, anarquismo e muitas outras ideologias, vividas de uma forma distinta por diferentes seguidores. A tendência futura destes movimentos parece ser no sentido do aumento e da diversificação, permanecendo sempre dois tipos de tensões/forças fundamentais: as que tendem a criar e a construir material e simbolicamente o grupo e a sua identidade e as que tendem a fragmentá-las; ambas também relacionadas com a cultura externa, da qual fazem parte e dependem inevitavelmente (http://www.ic.org.). 1.4.2. Notas históricas e formas de expressão das Comunidades Terapêuticas – debate entre modelos de inspiração europeia e norte-americana Embora as comunidades com finalidades terapêuticas, utilizando ou não esta terminologia, existam, muito provavelmente, desde há já alguns séculos e mesmo milénios, o nome Comunidade Terapêutica é principalmente atribuído ao psiquiatra escocês Maxwell Jones. Já anteriormente, durante a década de 40, autores como Harry Stack Sullivan, Karl König, Tom Main6, R. D. Laing, entre outros, tinham desenvolvido abordagens em torno do conceito acima referido, cujas principais influências se encontram na pedagogia, na educação terapêutica, na medicina social e nas mudanças ocorridas ao nível das relações humanas entre as duas grandes guerras mundiais (Pines, 1999). O modelo defendido por Maxwell Jones surge do campo da psiquiatria social, em Inglaterra, após a segunda Grande Guerra Mundial 7 (1953), num contexto, 5 6 7 O movimento Hippie terá sido o maior e mais significativo movimento comunitário do século XX. Teve início nos EUA, nos anos 60, e a sua influência rapidamente ultrapassou as fronteiras do país, expandindo-se até à Europa e à Austrália. Era formado por sujeitos que viviam a luta pelos direitos civis nos EUA e contra a guerra do Vietname, revoltando-se contra a política tradicional e as estratégias de governação materialistas e hipócritas e desejando "apenas a Paz e o Amor". Em 1946, Tom Main referiu num artigo, pela primeira vez, o conceito Comunidade Terapêutica. A Segunda Grande Guerra Mundial constituiu um marco muito importante no campo da educação e da terapia. Toda a destruição e o clima criado durante e após a guerra, para além de outros factores, conduziu a uma enorme necessidade de criar alternativas educativas e terapêuticas para fazer face a toda aquela situação. 53 principalmente a partir dos anos 60, de um forte movimento antipsiquiátrico e de contestação sociopolítica dos conceitos de Psiquiatria e de Doença Mental. A sua proposta apresentava uma alternativa aos tradicionais hospitais psiquiátricos, assentes num modelo hierarquizado, caracterizando-se pela vivência grupal e pela partilha de responsabilidades por todos no tratamento “criando-se uma cultura terapêutica potenciadora de transformação e de mudança" (Vieira, 2007:16). Pretendia, deste modo, democratizar a estrutura de tratamento, fazendo com que toda a população participasse na orientação do quotidiano, promovendo a comunicação no seio da comunidade e incluindo todos e também o ambiente, no processo terapêutico. Estas comunidades contemplavam Assembleias-gerais, participadas pelos elementos internos, bem como diversas actividades grupais que visavam a aquisição de competências sociais e o desenvolvimento da capacidade para assumir responsabilidades (ibidem). Sensivelmente na mesma época (1958), surgiu nos EUA, influenciada pelo método de entreajuda utilizado pelos Alcoólicos Anónimos (que datam de 1935), a primeira residência para tratamento de pessoas dependentes de heroína, denominada comunidade alternativa de ensino e da vida – Synanon. O seu fundador, Charles Dederich, um alcoólico anónimo recuperado, tinha uma ideologia de contracultura que pretendia aplicar àquela comunidade, funcionando como uma família alargada, sob a autoridade moral do patriarca, o que foi alvo de várias críticas. É então que, em 1963, um dissidente de Synanon-O'Brien funda a primeira Comunidade Terapêutica para toxicodependentes, a Daytop Village, em Nova York, procurando imprimir uma maior humanização e uma estrutura mais flexível. Desde então, seguiram-se outras experiências no âmbito das Comunidades Terapêuticas livres de drogas que, no início dos anos 70, se desenvolveram também na Europa (Tinoco, 2006). Entretanto, já durante os anos 50 e 60, tinham emergido, no contexto Europeu, vários projectos inspirados no modelo de Jones e em abordagens de alguns dos seus antecessores do campo da psiquiatria, da psicologia, da sociologia, mas fundamentalmente, no que concerne às comunidades terapêuticas para crianças e jovens, inspirados por filósofos e pedagogos _ Decroly, Claparède, Kohnstamm, Ferrière, Piaget, Montessori, Dewey, Freinet, Steiner _ associados ao movimentos da Escola Nova e a outras correntes renovadoras. Particularmente, na década de 70, desenvolveu-se um diálogo entre as comunidades terapêuticas para crianças e jovens e as que se destinavam a uma população adulta, sendo, em 1972, fundada na 54 Inglaterra a Associação de Comunidades Terapêuticas (Association of Therapeutic Communities - ATC), que ainda hoje existe e tem como principal função apoiar e promover o intercâmbio e a partilha entre os profissionais que trabalham nestas comunidades. Posteriormente, foram criadas outras associações e federações deste tipo, entre as quais a Federação Mundial de Comunidades Terapêuticas (World Federation of Therapeutic Communities - WFTC). Apesar de entre os anos 40 e 70 as comunidades terapêuticas serem encaradas principalmente como uma expressão de contracultura, por volta dos anos 80, a aceitação deste tipo de comunidades melhorou, sendo apreciadas as suas potencialidades (Barber, 2001). Da análise da história destes movimentos, sobretudo nos EUA e no continente europeu, podem claramente distinguir-se dois grandes domínios que, embora com uma base comum, tiveram origens históricas e um percurso evolutivo diferente; destinam-se a populações distintas e promovem a sua actuação através de uma metodologia, em grande parte, também, diversa. Um destes domínios, mais desenvolvido no continente Europeu, embora nem sempre adoptando o nome de Comunidade Terapêutica, contempla comunidades de vida destinadas a crianças, jovens e adultos com diversas problemáticas do foro psicológico, psiquiátrico, social, educacional, etc. O outro, que emergiu nos EUA, destina-se essencialmente a pessoas que fazem consumos excessivos e/ou são dependentes de algumas substâncias psicoactivas, ditas drogas. Um estudo comparado das duas correntes acima referidas (Broekaert et al, 2000), segundo os parâmetros: democracia versus hierarquia8; grupo de auto-ajuda versus profissionalismo e perspectivas psicodinâmicas versus comportamentalismo, caracteriza a corrente de origem Europeia como democrática, influenciada pelas perspectivas psicodinâmicas, enfatizando o papel da aprendizagem social e dos profissionais que integram a comunidade, que confluem para a construção de um ambiente terapêutico. Em contrapartida, as comunidades terapêuticas de origem norte americana são descritas como hierarquizadas, fundamentalmente comportamentalistas, baseando uma grande parte da intervenção terapêutica no grupo de encontro/auto-ajuda. Segundo os autores do estudo, o afastamento entre as 8 Relativamente a estes dois parâmetros, é importante referir que os autores não os vêm como opostos, vendo antes a autocracia como oposto da democracia. Contudo, excluindo desde logo a modalidade de liderança autocrática, comparam entre a modalidade democrática essencialmente baseada no consenso e a modalidade democrática baseada numa estrutura hierárquica. 55 duas correntes tem, contudo, vindo a diminuir, principalmente dada a influência da abordagem sistémica, que contribuiu para a concepção destas comunidades como "sistemas abertos", "organismos vivos" (Bridger, 1984: 56). De um modo geral, acompanhando as mudanças da sociedade nos mais variados níveis, embora tentando manter a sua identidade, a tendência das comunidades terapêuticas, o que já se tem vindo a verificar em algumas, será para a diversificação, flexibilização e abertura (Broekaert et al,, 2000), nomeadamente: - Diversificação de públicos-alvo; - Diversificação e flexibilização de metodologias de organização da vida e de tratamento e/ou educação; - Abertura à comunidade e trabalho em rede. Centrando-nos agora na tradição europeia, dado ser a origem da comunidade terapêutica do nosso estudo, bem como a que aborda o principal público-alvo da referida comunidade, vejamos algumas concepções e características que são comuns à maioria das comunidades terapêuticas9. Kennard (1994, in Broekaert et al., 2000) descreve as comunidades terapêuticas para crianças e adultos como um grupo de pessoas que vivem ou se encontram habitualmente juntas e participam em diversas actividades com um objectivo determinado, experienciando relações informais e não-hierárquicas. Acrescenta outros aspectos, tais como: a partilha de informação entre os elementos do grupo; a aprendizagem vivencial; uma culture of inquiry (esta caracteriza-se pela sua abertura, pelo questionamento e pela análise cuidadosa das respostas, revelandose, assim, disposta a aprender e a transformar-se), uma consciência psicodinâmica e, ainda, uma definição clara dos tempos, espaços e papéis. À semelhança do referido por Kennard, no que respeita aos princípios base de uma comunidade terapêutica, a Associação de Comunidades Terapêuticas (http://www.therapeuticcommunities.org) considera um modelo de relação colaborativo, democrático e desinstitucionalizado entre todos os elementos da comunidade, promovendo uma cultura mais humana e participativa. Refere também que, em consonância com esta filosofia, os pacientes/utentes/clientes da comunidade 9 Tivemos alguma dificuldade em encontrar bibliografia sobre comunidades terapêuticas para crianças, jovens e adultos, que não fossem as conhecidas Comunidades Terapêuticas livres de drogas. Desta forma, para não nos afastarmos do tema principal, o enquadramento teórico sobre as comunidades terapêuticas foca fundamentalmente a perspectiva histórica/evolutiva. 56 são designados como residentes ou membros da comunidade. Como modalidades terapêuticas, enfatiza a psicoterapia de grupo, a psicanálise tradicional, além das experiências de vida ali proporcionadas, com importantes contributos para o desenvolvimento da criatividade e das habilidades e competências sociais. Mais uma vez, salienta a importância da participação de todos na organização diária e na orientação da comunidade, contribuindo para desenvolver a noção de responsabilidade pessoal e de partilha. Através deste conjunto terapêutico, que denominam de psicossocial, pretende-se que o indivíduo tenha uma melhor compreensão de si mesmo e optimize o seu equilíbrio interpessoal, primeiro no seio da comunidade terapêutica e, posteriormente, na comunidade envolvente. 1.4.3. O movimento Camphill e algumas vertentes práticas da Antroposofia – Pedagogia Waldorf e Pedagogia Curativa Como mencionámos no início deste tema, embora Maxwell Jones seja considerado o precursor das Comunidades Terapêuticas, houve alguns contributos anteriores de grande relevância. Iremos abordar, de forma sucinta, a proposta de Karl König _ Comunidades Camphill _, pela relação de proximidade que tem com a comunidade terapêutica objecto de análise desta investigação. As comunidades Camphill são comunidades de vida, que pretendem valorizar cada pessoa por aquilo que ela é, pela sua individualidade única e pelos contributos específicos que traz à vida em comunidade. Assim, cada comunidade é distinta, de acordo com as características de cada um e do seu todo. Contudo, todas se orientam por uma vida de partilha, sendo também fomentada a relação com a comunidade envolvente. As comunidades Camphill destinam-se a pessoas com Necessidades Especiais, que vivem em conjunto com colaboradores e as suas famílias num ambiente familiar. Mais do que o "cuidado de", pretende-se a criação de condições que promovam o desabrochar e o desenvolvimento de cada um (http://www.camphill.org.uk). A vida numa comunidade deste tipo é idealmente caracterizada por relações de respeito mútuo, num ambiente de educação, de terapia e de trabalho; pela participação de todos nas tarefas e na organização da comunidade; por um ritmo de 57 actividades quotidianas saudável e adequado a cada um e ao colectivo; por celebrações periódicas, em grande parte de natureza cristã; por uma vida cultural e artística rica; por uma relação saudável com o ambiente, nomeadamente no que concerne aos hábitos de consumo ao nível de alimentação, higiene, etc., bem como a outros aspectos da vida do dia-a-dia (http://www.camphill.org/whatis.php). O movimento Camphill foi fundado em Aberdeen, por Karl König, um pediatra e educador austríaco que, fugindo da invasão Nazi, se instalou na Escócia juntamente com um grupo de jovens cientistas, artistas e caregivers (cuidadores). Ali fundaram, em 1940, a primeira comunidade/escola para crianças com diversas problemáticas, sobretudo deficiências, visando criar uma nova forma de vida social onde cada ser humano pudesse desenvolver o seu potencial (http://www.camphillhermanus.org.za/). Actualmente, existem mais de uma centena de comunidades Camphill, distribuídas por cerca de 20 países (http://www.camphill.org.uk/). O movimento baseou-se, em grande parte, nos trabalhos de Rudof Steiner, nomeadamente na Antroposofia e, em termos de educação e de tratamento, na pedagogia Waldorf e na pedagogia Curativa. Seguidamente, faremos uma breve referência a estes conceitos, uma vez que iluminam, também, a filosofia de base e a actuação da comunidade do presente estudo. Antroposofia O austríaco Rudolf Steiner criou, no início do século XX, a antroposofia como "ciência espiritual, como a arte e impulso social, e procurou consolidá-la em almas e círculos humanos" (Hemleben, 1989: 87). Palavra proveniente do grego (antropos e sofos) _ conhecimento do ser humano _, pode ser entendida como "um método de conhecimento da natureza do ser humano e do universo, que amplia o conhecimento obtido pelo método científico convencional, bem como a sua aplicação em praticamente todas as áreas da vida humana" (in http://www.sab.org.br). A antroposofia tem por base a união entre o espiritual e o físico, vendo o ser humano como um ser tripartido, constituído por corpo, alma e espírito. Algumas das vertentes práticas da antroposofia são: a medicina antroposófica, a arquitectura (Goetheanum), a agricultura biodinâmica, a educação infantil e juvenil (pedagogia Waldorf), algumas áreas da farmácia homeopática (Wala, Weleda, Sirimim), da filosofia (Filosofia da Liberdade), da euritmia (o movimento como verbo visível e som visível) (http://pt.wikipedia.org/wiki/Antroposofia). 58 Pedagogia Waldorf A pedagogia Waldorf surge após Emil Molt, director da empresa WaldorfAstoria, ter solicitado a Rudolf Steiner a estruturação de cursos de formação que estimassem e incentivassem como seres humanos os operários da empresa que dirigia. É, em 1919, que nasce a primeira escola Waldorf. As escolas Waldorf são auto-geridas pelo seu corpo pedagógico (docentes), que é também um corpo em constante formação em equipa. O currículo pretende atender, em termos metodológicos e de conteúdo, às necessidades específicas das crianças e dos jovens, de acordo com as suas idades, tendo como prioridade última a promoção de cada indivíduo. Para tal, recorre a estratégias muito diversas, que passam por actividades intelectuais, artísticas e práticas, enfatizando a arte e o apelo à criatividade. O ritmo é uma palavra-chave na pedagogia Waldorf (ritmos da terra, ritmos das estações do ano, ritmos de funcionamento de cada um...), que orienta o ensino de temas por épocas, a adaptação dos currículos a cada aluno, a estrutura de cada aula e de cada dia, bem como a articulação entre o pensar, o sentir e o agir. A avaliação do desempenho escolar não consiste na atribuição de uma nota, mas antes na elaboração de textos descritivos, que falam da pessoa como um todo, contemplando não apenas capacidades intelectuais, mas também sociais, emocionais, etc. (Hofrichter, 2005). Existe uma relação de proximidade entre o educador e o educando, dedicando-se o primeiro a "gerar em cada aluno um genuíno entusiasmo por aprender"(Asche et. al, 1991: 2). Neste sentido, há também a preocupação, sobretudo nas crianças mais pequenas, que exista uma figura de continuidade na educação escolar, ou seja, um professor que se mantém por vários anos, podendo outros educadores variar com frequência (Göbel e McAlice, 1994). Pedagogia Curativa Baseada também na Antroposofia, a Pedagogia Curativa abrange os campos da pedagogia, da psicologia e da medicina. O conceito surgiu pela primeira vez em 1924, em conferências proferidas por Rudolf Steiner. Posteriormente, a sua disseminação esteve muito associada ao movimento Camphill. Considerando cada pessoa como uma individualidade única e preciosa, a pedagogia curativa procura compreendê-la à luz das três disciplinas referidas e tendo como pano de fundo a antroposofia, essencialmente no que respeita à sua visão do 59 ser humano. Parte do princípio de que as várias problemáticas, habitualmente integradas no conceito Necessidades Educativas Especiais, são "formas extremas de algo natural, que reside em cada um de nós" (http://sab.org.br/). Por outro lado, considera as fases de desenvolvimento das crianças e dos jovens e a quadrimembração do ser humano, proposta pela antroposofia: Corpo Físico, a estrutura material, palpável e mensurável, sujeita às leis da física e da química e relacionada com o elemento terra e com o reino mineral; Corpo Etérico ou vital, intimamente ligado ao elemento água e ao reino vegetal e representante das forças responsáveis pelo princípio da vida; Corpo Astral, anímico ou alma, isto é, a nossa consciência e sensibilidade, que têm um papel organizador dos processos vitais e se relacionam, sobretudo, com o elemento ar e com o reino animal; e, finalmente a Organização do Eu ou espírito, que é o elemento que distingue o ser humano e que coordena o todo. Mediante a compreensão destes aspectos em cada ser humano, procura promover-se o seu desenvolvimento saudável e fomentar "a capacidade de poder viver e vivenciar o que é mais verdadeiro no próprio ser" (ibidem) e a articulação entre os elementos atrás referidos, constituintes do ser humano, o que, em termos práticos, se traduz, essencialmente, na busca de harmonia entre três áreas _ o pensamento, o sentimento e a vontade (agir). Tal como na pedagogia Waldorf, o ritmo, a arte e o apelo à criatividade são fundamentais em termos metodológicos, configurando actividades práticas, intelectuais e sensitivas diversas, que não são apenas ocupacionais ou terapêuticas, mas algumas também com carácter de utilidade e de integração de um todo onde decorrem. Quando se realiza um trabalho com pessoas adultas, o termo pedagogia curativa, dá lugar fundamentalmente ao de sócio-terapia ou terapia social. Embora a educação dos seres humanos seja contínua, ou seja, ao longo de toda a vida, considera-se que os adultos devem ser vistos como já educados na sua essência, passando a convivência e a integração social e profissional a ser a finalidade principal. 60 CAPÍTULO 2: ENQUADRAMENTO TEÓRICO CONTEXTUAL – PORTUGAL Viemos com o peso do passado e da semente esperar tantos anos torna tudo mais urgente e a sede de uma espera só se estanca na torrente e a sede de uma espera só se estanca na torrente. Vivemos tantos anos a falar pela calada só se pode querer tudo quando não se teve nada só se quer a vida cheia quem teve a vida parada só se quer a vida cheia quem teve a vida parada. Só há liberdade a sério quando houver a paz o pão habitação saúde EDUCAÇÃO só há liberdade a sério quando houver liberdade de mudar e decidir quando pertencer ao povo o que o povo produzir. Sérgio Godinho, 1974 Quino, 1990 61 2.1. Notas históricas e actualidade da Educação Ambiental: um percurso marcado por (des)continuidades Uma vez que este estudo é desenvolvido em Portugal, faremos uma pequena abordagem do contexto nacional, para além da visão global e da perspectiva internacional, por vezes, muito restrita aos continentes americano e europeu, dos constructos teóricos aqui repensados. Sendo a Educação o conceito fundamental deste trabalho, demos voz ao presente capítulo, através da melodia e da imagem que nos fazem pensar, sorrir, sentir... e talvez agir. Que também nos educam, ao falar-nos do mundo e de nós, ao falar-nos, se quisermos, do nosso país. Portugal vive hoje uma democracia que, desde a sua fundação, possibilitou desenvolvimentos importantes em diferentes domínios, nomeadamente nos domínios da liberdade, da educação e da equidade. No entanto, a torrente que estancava a sede da espera, como canta Sérgio Godinho, e que movia moinhos na pós-revolução, foi amainando. Também expressa o cantor que só quer a vida cheia quem teve a vida parada. Agora, temos a vida mais cheia, talvez. Ou estará a parar novamente... É sempre perigoso generalizar, porque a verdade é que as desigualdades se têm agravado e, se nós comermos dois frangos e o vizinho nenhum, a média terá sido um frango por pessoa. A vida é feita de ciclos, como as ondas que vêm e vão e se juntam todas, fazendo parte do mesmo mar. E, retomando a actualidade do país, é muito nítido hoje um descontentamento mais ou menos generalizado em vários campos da vida, entre os quais o educativo. Apelando à equidade, à educação para todos, ao tão famoso desenvolvimento sustentável, embora coexistam muitas iniciativas neste sentido, as transformações sócio-económicas, culturais e ambientais a uma escala global e, também, no país, configuram um cenário algo cinzento. Por exemplo: através de uma imigração sem escrúpulos, do referido aumento das desigualdades, da existência de conflitos reais e simbólicos entre os desiguais e os iguais, da pobreza, tão complexa que se perpetua e agudiza, da degradação ambiental, da corrida ao crescimento e... da corrida, imaginamos lá, para onde. Sabendo reconhecer as cores vivas que tem esta 62 época, há que seguir o caminho e almejar a transformação, perseguindo uma transformação social mais justa e solidária. Faremos agora uma breve abordagem ao percurso histórico até à actualidade da Educação Ambiental, da Educação Especial e da Educação Inclusiva em Portugal. Relativamente às comunidades em geral e às comunidades terapêuticas, em particular, a diversidade é enorme e a escassez de literatura sobre o tema é grande (exceptuando o caso das comunidades livres de drogas, que se afastam mais do nosso propósito). Iremos, seguidamente, referir alguns movimentos comunitários que, em nossa opinião, se enquadram no âmbito deste estudo. No contexto nacional, a Educação Ambiental desenvolveu-se, fundamentalmente, ao longo dos anos 90, embora tivesse já nos anos 70 começado a adquirir alguma visibilidade institucional. Para melhor compreendermos a concepção de Educação Ambiental existente em Portugal e a sua evolução, trazemos à colação uma breve resenha histórica, que foca particularmente a dimensão política da educação e do ambiente no país, na qual destacamos dois momentos chave: a revolução de 25 de Abril de 1974 e a entrada de Portugal na União Europeia em 1986 (Ramos Pinto, 2004). A revolução do 25 de Abril de 197410 e as alterações a nível político e social a ela associadas tiveram as suas repercussões também ao nível da política ambiental. Até esta data, a abordagem da administração e da sociedade às questões ambientais assumia ainda uma lógica e prática conservacionistas, por exemplo, através da actuação da Liga para a Protecção da Natureza (LPN), criada em 1948. O Terceiro Plano de Fomento de 1968 menciona, pela primeira vez, de forma explícita e coerente, as questões ambientais e, um ano mais tarde, a partir de uma reunião da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica (JNICT), surge um documento que teve um papel importante na história do ambiente em Portugal Monografia Nacional sobre problemas relativos ao Ambiente. No ano de 1971, relacionada com a participação de Portugal na Conferência de Estocolmo, é criada a Comissão Nacional do Ambiente (CNA) que, orientada segundo uma lógica de preservação e protecção da natureza e do ambiente, visava incentivar a participação dos diferentes actores sociais através de campanhas de informação e do incentivo à constituição de associações (ibidem). 10 Este dia, também conhecido como "Dia da Liberdade", pôs fim ao regime político ditatorial que vigorava no país desde 1926. 63 Já no pós 25 de Abril, em 1975, é criada a Secretaria de Estado do Ambiente (Decreto-Lei 550/75 de 30 de Setembro), integrada no Ministério do Equipamento Social e Ambiente. No âmbito da reestruturação do CNA, surge o Serviço Nacional de Participação das Populações, liderado por João Evangelista, com um muito importante papel nas propostas educativas e na concretização de uma política regional e local do ambiente. Da sua actuação, destacamos o programa "O Homem e o Ambiente", para professores, que abordava as vertentes ecológica, social e sóciocultural, promovendo uma Educação Ambiental com uma visão integrada e interdisciplinar. Nesta época, com a Reforma do Sistema Educativo, são contemplados nos currículos alguns temas ambientais (ibidem). Em 1976, a Constituição Portuguesa estabelece, no artigo 66º, os "direitos do ambiente", então divulgados nos estabelecimentos de ensino. A quarta revisão da Constituição inclui neste mesmo artigo, já destinado ao "ambiente e qualidade de vida", a "Educação Ambiental e o respeito pelos valores do ambiente" como tarefa do Estado com a participação dos cidadãos (Ramos Pinto, 2006). Em 1983, com a extinção da Comissão Nacional do Ambiente, que tinha vindo até então a desenvolver um trabalho pioneiro, e o surgimento posterior do Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza (SNPRCN), a abordagem da Educação Ambiental voltou a ter uma vertente mais conservacionista. Em 1986, foi alvo de novas transformações, com a criação da Direcção de Interpretação, Informação e Educação Ambiental (ibidem). Um marco importante para uma nova política do ambiente ocorre, em 1986, com a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia, actual União Europeia. Este foi, também, o ano da publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo, que reconhece a Educação Ambiental nos novos objectivos da formação dos alunos. No ano seguinte, foram publicados os diplomas legais fundamentais: Lei de Bases do Ambiente (Lei nº 11/87 de 7 de Abril) e a Lei das Associações de Defesa do Ambiente (Lei nº 10/87 de 4 de Abril), começando a ser integradas as directivas comunitárias nas mais diversas áreas e passando o Estado a ter um papel mais significativo na defesa do ambiente, ao actuar como interventor, regulador e fiscalizador (ibidem). Em 1990, a elevação da Secretaria de Estado do Ambiente a Ministério do Ambiente e dos Recursos Naturais veio reforçar a importância do ambiente a nível político-governamental. Foi, ainda, neste ano que surgiu a Associação Portuguesa de 64 Educação Ambiental (ASPEA) que tem como principal objectivo "o desenvolvimento da Educação Ambiental no ensino formal e não formal" (in http://www.aspea.org.). Em 1995, é publicado o primeiro Plano Nacional de Política de Ambiente, que dedica um capítulo à Educação Ambiental, prevendo uma articulação entre políticas de educação, de ambiente e de formação, o que não constituiu uma política eficaz. Já no ano seguinte, os Ministérios do Ambiente e da Educação assinaram um protocolo de colaboração, que embora tenha impulsionado diversas acções e parcerias, no âmbito da Educação Ambiental, não colmatou várias lacunas relacionadas com a inexistência de uma estratégia consistente e de uma política pública de Educação Ambiental (Ramos Pinto, 2004). Em 2001, com a reestruturação da Lei Orgânica no Ministério do Ambiente, o Instituto Português do Ambiente (IPA) funde-se com a Direcção-Geral do Ambiente, dando origem ao Instituto do Ambiente (IA) (Decreto-Lei nº 8/2002, de 9 de Janeiro), unindo, assim, os dois serviços e vivendo-se então um período de indefinição, de cortes financeiros a projectos de organizações não governamentais de ambiente _ ONGA e outros factores de instabilidade (ibidem). Em 2003, é aprovada a Lei Orgânica do Instituto do Ambiente (Decreto-Lei nº 113/2003, de 4 de Junho) que lhe atribui, entre outras funções, "Realizar acções de sensibilização, educação e formação dos cidadãos no domínio do ambiente e promover a estratégia nacional de educação ambiental através da qual se garanta a integração das matérias relevantes no sistema e programas de ensino, em articulação, no que se refere aos níveis regional e local, com as comissões de coordenação e desenvolvimento regional" (Decreto-Lei nº 113/2003, artigo 3º). No que respeita à Educação Ambiental, à semelhança do que aconteceu a nível internacional, também Portugal foi passando de abordagens mais conservacionistas e naturalistas a concepções mais integradoras e interdisciplinares. Assim, essencialmente na década de 90, marcada pela criação das Agendas 21 e pela proliferação de encontros e parcerias no âmbito da Educação Ambiental, começam a surgir equipamentos que podemos designar de equipamentos para Educação Ambiental11, com conteúdos não apenas ecológicos e de conservação, mas também humanos e sociais (Barracosa, 2004). De um levantamento feito em 2004 (ibidem), verificou-se a existência de pelo menos 87 destes equipamentos no país, dos quais 11 Os equipamentos para a Educação Ambiental correspondem a todas as iniciativas que, contando com instalações apropriadas e equipas educativas especializadas, oferecem programas e actividades específicos de Educação Ambiental. 65 apenas 11 tinham surgido antes de 1990. A autora agrupa estes equipamentos em seis categorias distintas - Centros de Interpretação, Centros de Educação Ambiental, Centros de Educação Ambiental centrados numa temática, Quintas Pedagógicas e Jardins, Aquários e afins. A autora constatou, ainda, que cerca de 38% eram Centros de Educação Ambiental, situando-se cada um das restantes categorias entre os 10 e os 17%, à excepção dos Centros de Educação Ambiental Temáticos, que constituíam apenas 7% do total. Da sua análise, considera que os equipamentos para a Educação Ambiental são recursos em expansão no país, caracterizados por uma grande diversidade de infraestruturas, modos de funcionamento, recursos disponíveis e concepções de Educação Ambiental. No que concerne a concepção de Educação Ambiental, o seu estudo assinala que quase metade dos equipamentos estudados assume uma concepção atitudinal/comportamental, que encara a Educação Ambiental como uma técnica de conduta, aplicada para a promoção de atitudes e de hábitos correctos, que facilitem a resolução de problemas ambientais. No que diz respeito à tutela dos equipamentos, verificou a implicação de uma vasta gama de actores sociais, sendo a maioria públicos (60%). Apesar do crescimento quantitativo destas estruturas, refere lacunas ao nível qualitativo, nomeadamente nas infraestruturas, na forma de organização e nos serviços e programas pedagógicos que desenvolvem, sugerindo como prioridade a aposta na qualidade. A autora menciona, ainda, a tão aclamada estratégia Nacional para a Educação Ambiental, salientando o papel importante destes equipamentos na elaboração e implementação da referida estratégia. Actualmente, apesar do desinvestimento governamental na Educação Ambiental e de alguma indefinição relacionada, também, com o debate entre esta e a educação para o desenvolvimento sustentável, poderá, com algum esforço, ser um período fértil para a evolução do conceito e das práticas neste âmbito. Como já referimos, sobretudo desde os anos 90, o interesse pelo tema tem crescido e, concretamente, no que concerne a equipamentos para a Educação Ambiental, o aumento foi significativo. Poderíamos enunciar diferentes iniciativas relacionadas com a temática da Educação Ambiental no contexto nacional, nos últimos tempos. Para além do que já foi dito, destacamos as Agendas 21 e Agendas 21 Escolares; a contínua actuação das organizações não governamentais de ambiente (ONGA), a intervenção crescente, por parte de empresas, na área do ambiente. 66 Nas X Jornadas Pedagógicas de Educação Ambiental da ASPEA, em 2003, o IA refere novamente a tão aguardada estratégia, então chamada Estratégia Nacional de Educação Ambiental para a Sustentabilidade, já de acordo com a sua integração na Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Sustentável _ ENDS. Após a apresentação pela UNESCO do programa para a década (2005-2014) da Educação para o Desenvolvimento Sustentável, foi criado um grupo de reflexão para definir uma estratégia a nível nacional. Feita a radiografia do contexto português, o grupo refere que as mudanças ocorridas nas últimas décadas não foram acompanhadas nas áreas da educação, da ciência e do ambiente, com reflexos na insustentabilidade que se vive. Salienta, igualmente, a falta de consolidação da cidadania e de uma participação activa, a nível local e global. Face a esta situação, o grupo entende que é urgente dinamizar o debate com vista a combater a desinformação, e concretizar acções e projectos, numa visão de futuro entre o desejável e o possível, que não se limite a mais um plano a nível nacional. Na proposta apresentada em 2006, define cinco objectivos para a década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável em Portugal, a saber: "- Valorizar a função fundamental que a educação e a aprendizagem desempenham na procura do Desenvolvimento Sustentável; - Facilitar as relações e o estabelecimento de redes, o intercâmbio e a interacção entre as partes interessadas na EDS; - Proporcionar um espaço e oportunidades para melhorar e promover o conceito de Desenvolvimento Sustentável e a transição para esse desenvolvimento, mediante todos os tipos de sensibilização e aprendizagem dos cidadãos; - Participar na melhoria da qualidade do ensino a da aprendizagem no domínio da educação para o Desenvolvimento Sustentável; - Elaborar estratégias a todos os níveis, para reforçar as capacidades em matéria de Educação para o Desenvolvimento Sustentável " (AA. VV., 2006: 7). Além disso, identificam áreas de intervenção, propõem acções transversais e apresentam projectos concretos, envolvendo escolas, autarquias, mass media, o 67 mercado e as ONG, num trabalho de inovação, cooperação, co-responsabilização e rede de parcerias. Na esteira dos autores, é através do "envolvimento em acções que visam e Desenvolvimento sustentável que se consegue levar a cabo a própria educação para o Desenvolvimento Sustentável. (…) Este processo educativo visa não só dominar os conceitos, mas passá-los à prática – não se trata apenas de «saber» o Desenvolvimento sustentável, mas «fazer» Desenvolvimento Sustentável" (AA. VV. , 2006: 10). Em 2007, completou-se o processo de reestruturação da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) (Decreto Regulamentar nº 53/2007), que surgiu da fusão do Instituto do Ambiente e do Instituto de Resíduos, procurando assim uma maior eficácia na gestão das políticas de ambiente e desenvolvimento sustentável. Ainda em Junho deste mesmo ano, "num momento especialmente crítico, no qual assistimos a alterações significativas em diversas estruturas afectas ao Estado Português e quando o ambiente é confrontado com desafios à escala mundial" (in http://www.quercus.pt.), foi criada a Plataforma pela Educação Ambiental, formada por diferentes organismos: Associação Portuguesa de Engenharia Ambiental (APEA), ASPEA, CFMBM (Centro de Formação Maria Borges Medeiros _ Escola Secundária José Gomes Ferreira), Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA), Liga para a Protecção da Natureza (LPN), Associação Internacional de Investigadores em Educação Ambiental (NEREA Investiga), Associação PATO (Associação de Defesa do Paul de Tornada) e QUERCUS. Com a criação desta plataforma, visavam "traçar um diagnóstico rigoroso da situação actual da Educação Ambiental em Portugal, auscultando os diversos intervenientes e contribuir de forma activa na construção de soluções com carácter permanente e sustentável" (ibidem.), promovendo uma maior atenção às situações que limitassem o natural processo de consolidação da Educação Ambiental no país, contrariando o desinvestimento que se vinha a verificar. Concordamos com Gomes (2006: 84) quando, a propósito da década da Educação para o Desenvolvimento Sustentável _ 2005-2014, promovida pela UNESCO, refere: "A sua concretização compete aos países, aos seus governos, às suas instituições, às organizações não governamentais, às associações cívicas, à cooperação, a nível local, nacional, regional e internacional; do seu êxito dependerá 68 o empenhamento e compromisso dos participantes, e da sociedade em geral, para que estes dez anos não passem, deixando tudo na mesma". Efectivamente, mudar é preciso. Sendo a mudança um processo dialéctico, exige ousar sonhar e operacionalizar outras formas de organização e participação em que as pessoas, as instituições e as empresas sintam que a vida é tomar partido nos projectos em que acreditam e que com dinâmicas pedagógicas valorizem a convivência, a solidariedade, a justiça, a sustentabilidade e a inclusão de todos. 2.2. Da Educação Especial à Educação Inclusiva: entre um passado de segregação e um presente polémico de pretensa inclusão Em Portugal, considera-se que a Educação de crianças com Necessidades Especiais (termo não utilizado na altura) teve início na segunda metade do século XIX, distinguindo-se duas vertentes: uma essencialmente assistencial, nos chamados asilos, e outra de carácter mais educativo, em institutos para crianças e jovens com cegueira e surdez, ambos financiados, em grande parte, por beneméritos. Em 1882, surgiram as primeiras abordagens consistentes para a educação de pessoas com surdez e cegueira, quando, a pedido de José António de Freitas Rego, o rei D. João VI contratou o sueco Aron Borg para organizar um Instituto de Surdos Mudos e Cegos. Já em 1877, foi fundado um outro instituto congénere que, à semelhança do primeiro, passou, após alguns anos, a incorporar a Casa Pia12 (Lopes, 1997). No que respeita aos asilos, 1863 foi um marco importante, com a criação do Asilo de Cegos de Nossa Senhora da Esperança, em Castelo de Vide, que, embora fosse inicialmente destinado a pessoas cegas e idosas, passou depois a receber também crianças e jovens. Em 1888, em Lisboa, foi criado o Asilo-Escola António Feliciano de Castilho, destinado a crianças (ibidem). Desde então, verificou-se uma emergência gradual de instituições de carácter essencialmente assistencial (asilos) e/ou educativo (institutos), com um forte impulso a partir da Primeira República Portuguesa, em 1910, inscrita nos ideais da Revolução 12 A Casa Pia foi fundada, em 1780, como resposta sobretudo aos problemas sociais decorrentes do terramoto de 1755, que devastou a cidade de Lisboa. Hoje, é um "Instituto Público sob tutela do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, destinado ao acolhimento, educação, ensino e inserção social de crianças e de jovens em perigo, ou em risco de exclusão social, e ainda à reabilitação, formação e integração de crianças e jovens surdos e surdocegos" (http://www.casapia.pt). 69 Francesa e tendo como pilares de base a educação e a cultura. Relativamente às crianças com alguma deficiência, a reforma educativa de 1911 fazia duas propostas diferentes: a dispensa de frequência da escola e a criação de escolas especiais para a sua educação e tratamento (Babo, 2004). António Aurélio da Costa Ferreira, pedagogo e provedor, dá um passo importante na educação de pessoas surdas, em 1913, organizando o primeiro curso de especialização de professores e, três anos mais tarde, funda, em Lisboa, um instituto para a observação de crianças com deficiência mental e perturbações da linguagem (associado à Casa Pia) e que viria mais tarde a ter o seu nome (Instituto António Aurélio da Costa Ferreira – IAACF). Com o tempo, este passou a ser também um centro de estudos e de formação em educação especial e, mais tarde, em 1976, já na tutela da Secretaria Geral do Ministério da Instrução, torna-se o centro orientador e coordenador de serviços de selecção e distribuição das crianças com deficiências físicas e mentais pelas instituições adequadas, coordenando e fiscalizando a sua educação e o centro de estudo e preparação do pessoal docente e auxiliar dessas instituições (Lopes, 1997). Finalmente, em 1946, são criadas as classes especiais junto das escolas primárias (Decreto-Lei de 03/08/46), sob a orientação do instituto atrás referido, que constituíram das primeiras experiências do que se designa por Educação Integrada. É na década de 60, que passa a existir uma intervenção oficial na Educação Especial, sobretudo pela acção do Instituto de Assistência a Menores (IAM), da Direcção Geral de Assistência Social, que organizou estabelecimentos educativos especiais para pessoas com deficiências visuais, auditivas e mentais; serviços de apoio precoce e formação de professores. Assim, pela primeira vez, alunos com deficiência puderam participar nas classes regulares e receber depois apoio especializado, nas chamadas "salas de apoio" (Correia, 1997). Nos anos 70, o Ministério da Educação assume progressivamente o sector da Educação Especial e, em 1976, com a primeira Constituição do regime democrático, pretende-se garantir o direito de igualdade de oportunidade de acesso e êxito escolar, sendo, gradualmente, criadas estruturas para o efeito. O quadro 5 apresenta, de forma resumida, o percurso da Educação Especial até esta altura, bem como a sua evolução posterior, quase até aos nossos dias. 70 Quadro 5. Evolução da Educação Especial em Portugal. Etapas Organização das Respostas Educativas Legislação I Actuação de beneméritos. Institutos e Asilos para 1940) Educativa Iniciativa privada. Criação dos primeiros (1800- Linhas Gerais de orientação da Politica pessoas cegas, surdas e para Separação total da educação especial os, chamados, na altura, relativamente ao sistema regular de ensino. débeis mentais. Intervenção oficial por parte do Ministério da II Educação. Reestruturação do primeiro Lei 31.801 -1940 Permanece a separação total das escolas centro português de especiais face ao sistema regular de ensino. observação, diagnóstico e apoio médico-pedagógico (1940- para as denominadas, na 1964) época, crianças anormais Criação de serviços de educação especial num departamento central do Ministério da Lei 35.801 de 31/08/46 Saúde e Assistência. Lei 48.483 - 1968 Descentralização e expansão dos serviços de Abertura de várias escolas especiais para pessoas cegas, III surdas e débeis mentais educação especial dos Ministérios da Saúde (internatos ou semi- e Assuntos Sociais, tais como Centros de internatos). (19641975) Educação Especial (Ministério dos Assuntos Sociais) nalgumas capitais de distrito. Papel crescente da iniciativa privada (colégios Criação de departamentos de educação particulares) no campo de especial nos serviços centrais do Ministério deficiência mental. Primeiras experiências de integração de alunos cegos em classes da Educação (DEE(s) do Ensino Básico e Lei 5/73 de 25 de Julho Secundário). Constituição da República Adopção clara de uma política de integração regulares. Criação de Equipas distritais para apoio pedagógico a das crianças e adultos deficientes, na crianças com deficiências integradas em escolas IV regulares (nos vários graus de ensino). sociedade. Lei 174/77 Lei 4/78 Despacho 53/78 Criação de classes de apoio (19761985 para crianças com dificuldades escolares. Criação de um Serviço de orientação e intervenção no progressiva dos alunos com deficiência nas classes regulares ao nível de: a) Organização Lei 84/78 Circular UT/ES 33/79 campo das dificuldades escolares. Definição do regime de integração Despacho 59/79 b) Curriculum c) Colaboração com o professor especializado. 71 Etapas V (19861988) Organização das Legislação Respostas Educativas Criação das equipas a nível Lei 46/86 de concelho. Educativo diversificados de integração em estabelecimentos regulares de Ensino, tendo Regulamentação do seu em conta as necessidades de atendimento Funcionamento. Decreto - Lei n. ° 319/91 de 23 de Agosto VI equipas de educação 1993) especial. crianças com NEE, no contexto da "escola para todos". todos os alunos com NEE. 173/ME/91 Portaria 61 I/93 de 29 de Junho Importância dada à família, com a possibilidade de intervir na avaliação e programação educacional. Regulamentação do 319/91 nas escolas do ensino regular e jardins-de-infância Introdução de uma mudança significativa na Criação dos apoios situação existente no âmbito dos apoios a educativos centrados crianças com NEE. nas escolas do ensino infância. Institucionalização da integração plena das Autonomia da escola para dar resposta a Despacho Conjunto nº regular e jardins-de- especializados. se formularem currículos alternativos. educativas através das (1986- específico e apoio de educadores Adaptações curriculares e possibilidades de Continuação das respostas 2001) A Educação especial organiza-se preferencialmente segundo modelos /SEAM/SERE/88 (1997- Educativa Lei de Bases do Sistema Despacho Conjunto n. ° 36 VII Linhas Gerais de orientação da Politica Despacho Conjunto nº Criação de condições que facilitem a 105/97 de 1 de Julho. diversificação de práticas pedagógicas e gestão dos recursos disponíveis. Clara prioridade à colocação de pessoal docente e de outros técnicos nas escolas. Fonte: Adaptado de Babo, 2004 e Afonso, 2001. Como é visível no quadro acima apresentado, a Educação Especial em Portugal acompanhou, de modo geral, a evolução da abordagem internacional ao tema, embora com um atraso inicial em relação aos países pioneiros. Particularmente, na segunda metade do século XX, passou-se de uma abordagem ainda muito assistencialista e de educação totalmente separada, para a uma educação integrada, em prol da igualdade de oportunidades para todos, tendo, sobretudo, as 72 décadas de 70 e 80 sido palco de uma proliferação significativa de estabelecimentos de Educação Especial e de outras estruturas de apoio, que contribuíram para melhorar a qualidade da educação. No entanto, à semelhança do que sucedeu no panorama internacional, o conceito de integração e a sua prática foram problematizados, buscando-se alternativas, no sentido de promover uma educação de maior qualidade, mais adaptada a todos, mas também a cada um, visando a promoção de uma verdadeira inclusão. Em 1994, Portugal assinou a já mencionada Declaração de Salamanca, em prol da Educação Inclusiva. Nos últimos anos, este conceito tem vindo a ser debatido pelos vários agentes educativos, sendo também objecto da investigação académica, procurando adaptá-lo ao contexto nacional, gerando contudo alguns receios e dúvidas. Um estudo realizado por Correia e Martins (2002, in Correia, 2008a) aponta que, embora a maioria dos professores acredite no conceito de inclusão, estes manifestam receios em relação ao processo de mudança, principalmente porque sentem lacunas ao nível da formação para ensinar alunos com NEE. A partir de 2006, com a mudança para o XVII Governo Constitucional, têm vindo a operar-se várias mudanças no campo da Educação Especial, aparentemente com vista a promover uma Educação Inclusiva. Desde então, foram implementadas algumas medidas, das quais destacamos: - Reorientação gradual das Escolas de Ensino Especial para Centros de Recursos, ou seja, estruturas de apoio a professores, pais e outros profissionais e ainda de complemento educativo para grupos de alunos com problemáticas de grande complexidade, que estabelecem protocolos com as escolas de ensino regular da sua área geográfica; - Redução do público-alvo da Educação Especial; - Alteração das normas de recrutamento para a educação especial e colocação de vários docentes sem formação nem experiência na área. No início do presente ano, foi publicado um novo regime de Educação Especial (Decreto-Lei nº 3/2008, de 7 de Janeiro; cf. anexo 3), posteriormente, alterado na Assembleia da República pela Lei nº 21/2008, de 12 de Maio, apenas em questões de pormenor. A publicação do referido decreto ocorreu sem discussão pública prévia e sem qualquer avaliação do modelo anterior (Decreto-Lei nº 319/91, de 23 de Agosto) e tem vindo a ser alvo de algumas críticas. 73 O Decreto-Lei nº 3/2008 (artigo 1º,1 e 2) "define os apoios especializados a prestar na educação pré-escolar e nos ensinos básico e secundário dos sectores público, particular e cooperativo, visando a criação de condições para a adequação do processo educativo às necessidades educativas especiais dos alunos com limitações significativas ao nível da actividade e da participação num ou vários domínios de vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de carácter permanente, resultando em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento interpessoal e da participação social", tendo como "objectivos a inclusão educativa e social, o acesso e o sucesso educativo, a autonomia, a estabilidade emocional, bem como a promoção de igualdade de oportunidades, a preparação para o prosseguimento de estudos ou para uma adequada preparação para a vida profissional e para uma transição da escola para o emprego das crianças e dos jovens com necessidades educativas especiais nas condições acima descritas". Como podemos ler na referência anterior ao novo regime do ensino especial, este pretende dar resposta a várias das preocupações contempladas nos pressupostos teóricos que configuram o conceito de educação inclusiva, extrapolando o contexto escolar e abordando a inclusão também na sociedade. Contudo, através da leitura da lei em questão verificamos que não são operacionalizados conceitos-chave como Educação Especial, Educação Inclusiva e Necessidades Educativas Especiais. Estes são, como referimos anteriormente, conceitos muito abrangentes e que albergam campos bem heterogéneos, que podem treinar-se ocos e vazios, caso não sejam explicitados. No que concerne ao público-alvo dos apoios definidos pelo referido DecretoLei, o artigo 4º é mais específico, quando faz alusão à forma de organização das escolas, mencionando a criação de escolas de referência para a educação bilingue de alunos surdos e de alunos cegos e com baixa visão; unidades de ensino estruturado para a educação de alunos com perturbações do espectro de autismo e unidades de apoio especializado para a educação de alunos com multideficiência e surdocegueira congénita (integradas nos agrupamentos escolares). Deste modo, parecem ser excluídos alunos com Necessidades Especiais importantes, também elas permanentes, tais como, dificuldades de aprendizagem específicas (disgrafias, dislexias, dispraxias, etc.), dificuldades de aprendizagem não verbal, problemas intelectuais, perturbações emocionais e de comportamento graves, entre outras. Nas 74 palavras de Correia (cit. in Sousa, 2008: 1) "mais de 90% das dificuldades estão à margem desta legislação", enquanto que, segundo a Federação Nacional dos Professores (FENPROF), "poderão atingir cerca de 60% dos alunos que deveriam ser e não serão apoiados" (FENPROF, 2008: 13). Efectivamente, a lei salienta a importância do processo de avaliação dos alunos, que deve contar com o contributo dos vários intervenientes no processo educativo e resultar num relatório técnico-pedagógico, onde constem os resultados decorrentes da avaliação, obtido por referência à Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), da Organização Mundial de Saúde. Esta, por sua vez, servirá de base à elaboração do Programa Educativo Individual (PEI), que "fixa e fundamenta as respostas educativas e respectivas formas de avaliação" (artigo 8º, 1). No que respeita à utilização da CIF no processo de avaliação dos alunos, têm surgido várias críticas. Enunciamos três que consideramos pertinentes: o facto de este ser apenas um instrumento concebido para adultos (a CIF-CJ seria o correspondente, para crianças e jovens); ser exclusivamente um sistema de classificação, que não retira a necessidade de todos os procedimentos avaliativos, questionando-se, assim, o porquê da sua utilização, num contexto em que se pretende atender ao indivíduo e não rotular e comparar; o facto de ser um sistema de classificação oriundo da saúde e não da educação (Correia, 2008b; FEEI, 2007b). A lei salienta a importância da intervenção precoce, da criação de parcerias e cooperação com instituições e outros actores da comunidade, dando ênfase à preparação da transição para a vida pós-escolar, nomeadamente para o emprego, embora não sendo muito clara em relação a alguns destes aspectos. No âmbito de uma Educação Inclusiva, Portugal vive no presente uma corrida à compreensão e transferência da Lei nº 3/2008 para a prática, que vinha dando pistas da sua emergência mesmo antes da publicação, verificando-se mudanças nos estabelecimentos de ensino regular e especial, essencialmente ao nível da organização (criação de unidades de ensino e de apoio, segundo os parâmetros da lei, etc.) e da classificação da avaliação dos alunos (utilização da CIF). Segundo a FENPROF (2008), o governo está a desinvestir e pretende diminuir ao máximo o número de alunos com NEE por escola, contratando menos professores e, por conseguinte, reduzir as despesas com a educação. 75 2.3. Comunidades Terapêuticas e Afins: Ecoaldeias, Aldeias SOS e ASTA Como mencionámos no início deste capítulo, o movimento comunitário é muito diverso e, dadas as características do nosso objecto de estudo e o enquadramento desta investigação na Educação Ambiental e na Educação Inclusiva, gostaríamos de abarcar não apenas o referente às comunidades terapêuticas, mas a uma esfera mais ampla que aborde outras comunidades. No entanto, não pretendemos alongar-nos demasiado nesta temática, dada a escassez de literatura, no contexto nacional e, como tal, optámos apenas por fazer uma breve alusão a alguns movimentos comunitários que, actualmente, existem em Portugal e que vão de encontro à nossa problemática. Analisaremos, assim, três tipos de comunidades distintas: as Ecoaldeias, as Aldeia SOS e as Comunidades Terapêuticas com pessoas com Necessidades Especiais, que se baseiam principalmente na pedagogia curativa e na sócio-terapia, nas quais se integra também a comunidade objecto de análise desta investigação _ Casa de Santa Isabel. Embora existam, em Portugal, algumas comunidades terapêuticas livres de drogas, fundamentalmente dedicadas ao tratamento de pessoas dependentes e/ou consumidoras de certas substâncias psicoactivas, ditas drogas, e apesar de serem as mais estudadas na literatura que encontrámos (embora, mesmo sobre elas, a literatura seja escassa), optámos por não aprofundar esta vertente. Ecoaldeias O conceito de ecoaldeia surgiu, formalmente pela primeira vez, na preparação de um Seminário da Gaia Trust13, em Thy, na Dinamarca, em Setembro de 1991, organizado por membros Context Institute14. Este Seminário reuniu representantes de diversos projectos identificados pelos seus organizadores, que englobavam desde comunidades bem consolidadas, tais como Solheimer na Islândia, Findhorn na Escócia, Crystal Waters na Austrália e Lebensgarten na Alemanha, até projectos 13 A Gaia Trust é uma associação de origem dinamarquesa, fundada em 1987, por Ross e Hildur Jackson, com o objectivo principal de apoiar e contribuir, através de diversas iniciativas pró-activas e de donativos financeiros, para a construção de uma sociedade mais sustentável e mais espiritual. 14 O Context Institute é uma associação fundada em 1979, por Diane e Robert Gilman. É uma das primeiras Organizações Não Governamentais – ONG directamente centradas no tema da sustentabilidade. Em 1983, o instituto iniciou a publicação de um jornal denominado In Context, premiado em 1991 e 1994 pelo Utne Readers Alternative Press Award, na categoria de Best Coverage of Emerging Issues. 76 mais recentes e/ou de menor dimensão. A expressão «comunidades sustentáveis», mais usada até então, não parecia ser adequada e representativa destes ideários. Surgiu, assim, o termo Ecoaldeias para designar estes projectos (http://www.gaia.org.ecovillage). As ecoaldeias são idealmente comunidades de pessoas à escala humana, assentes numa estrutura social coesa, que procuram desenvolver um modo de vida que promove o equilíbrio com a natureza e o espírito solidário entre os seus membros, integrando três dimensões fundamentais: a dimensão social, a dimensão ecológica e a dimensão espiritual (Gil e Castro, 2000). No que concerne às ecoaldeias, em Portugal existem ainda poucos exemplos adaptados ao conceito agora abordado, isto é, que reflictam e se dediquem à construção de uma comunidade de acordo com os princípios deste tipo de projectos e integrem as redes deste movimento (cf. a Rede Ibérica de Ecoaldeias _ RIE, a Global Ecovillage Network _ GEN e a GEN-Europa). No entanto, existem várias experiências em eco-quintas que se aproximam de muitos dos seus fundamentos, embora contando com um número de elementos muito reduzido, sendo os portugueses, uma minoria. A maior e mais conhecida ecoaldeia do país é Tamera, fundada em 1995, situa-se no monte Cerro, no Alentejo, sendo formada maioritariamente por alemães. Ocupam um terreno com 134 hectares e o número de residentes é variável, estimando-se, na actualidade, em aproximadamente 200. Esta comunidade é, também, denominada Biótopo de Cura I e pretende ser uma base e um local de aprendizagem para a construção de uma força global de paz e de um modelo de cultura não-violenta. Em Tamera, desenvolve-se um trabalho de pesquisa no âmbito de novos caminhos de convivência do ser humano com a natureza, com o outro e consigo mesmo, baseado na confiança e no desbloqueio das forças vitais (bloqueadas pelo medo e pela violência). A comunidade tem como principais tarefas a educação dos mais jovens e a construção de um modelo denominado “Solar Village” (Aldeia Solar), auto-sustentável em alimentos e energia solar e também na acção política através da rede política global, designada GRACE. Tamera, está aberta aos visitantes, realizando workshops e uma iniciativa que designam de Universidade de Verão (http://www.tamera.org.). 77 Aldeias SOS Hermann Gmeiner fundou a primeira Aldeia SOS de crianças na Áustria, em Imst, após a 2ª Grande Guerra Mundial (1949). À semelhança de outros movimentos desta época, pretendia fazer face aos graves problemas familiares causados pela guerra, nomeadamente dar uma família, uma mãe, irmãos e um lar às crianças órfãs e abandonadas, que eram, nesta época, em grande número (http://www.aldeiassos.org). Desde então, surgiram diversas Aldeias SOS, que ultrapassaram as fronteiras austríacas, contemplando, nos nossos dias, cerca de 452 aldeias em todo o mundo, que albergam um número aproximado de 47.400 crianças. Em Portugal, foi criada, em 1964, a Associação das Aldeias de Crianças SOS Portugal, uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS), que "tem como objectivo o acolhimento de crianças órfãs, abandonadas ou pertencentes a famílias de risco que não podem cuidar delas, proporcionando-lhes um modelo familiar de cuidados a longo prazo e uma formação sólida para alcançarem uma vida autónoma e a integração plena na sociedade" (ibidem). A primeira Aldeia de Crianças SOS no país foi fundada em 1967, em Bicesse (Cascais). Actualmente existem três: em Bicesse, em Gulpilhares (Vila Nova de Gaia) e na Guarda, acolhendo aproximadamente 160 crianças e jovens. Para além das aldeias de crianças, a associação conta, ainda, com um centro social de apoio a mães reformadas e a pessoas idosas da comunidade, em Bicesse, bem como outros projectos de apoio social destinados a crianças em risco. Partindo do princípio que dar abrigo, satisfazer as necessidades básicas e possibilitar a educação e a formação de crianças e jovens abandonados é importante, mas não suficiente, a associação referida e as aldeias SOS procuram promover, também, a sua integração numa família, com mãe e irmãos, bem como numa pequena comunidade. Os quatro pilares base do seu modelo pedagógico são: a mãe, os irmãos e irmãs (constituindo uma família), o lar e a “aldeia”. Pretende-se proporcionar às crianças e jovens "um modelo familiar de cuidados a longo prazo e uma formação sólida, que lhes permita alcançarem uma vida autónoma e a integração plena na sociedade" (ibidem). Assumindo valores como Coragem, Compromisso, Confiança e Responsabilidade, procura, num contexto familiar e 78 comunitário de suporte, promover o crescimento saudável das crianças e dos jovens, com amor, com respeito e com segurança. ASTA _ Associação Sócio-Terapêutica de Almeida, A ASTA é uma IPSS, fundada em 1998, em Cabreira do Côa _ concelho de Almeida, Distrito da Guarda, iniciando actividades em Outubro do ano 2000. À semelhança das aldeias SOS e da Casa de Santa Isabel, a ASTA tem um cariz familiar e comunitário e, tal como a segunda, destina-se a pessoas com Necessidades Especiais (essencialmente jovens, a partir dos 15-16 anos, com deficiência mental e multideficiência) e baseia a sua actuação na pedagogia curativa e na sócio-terapia e (http://www.assterapeutica.com). A sua missão é "através da convivência e do trabalho pedagógico e sócioterapêutico, num contexto comunitário de cariz rural, contribuir para a autonomia, auto suficiência e auto estima, por forma a que cada um se converta num membro social digno, útil e produtivo (respeitando sempre os potenciais e características de cada um), tendo em conta as três condições indispensáveis para que um ser humano/cidadão se sinta verdadeiramente incluído: uma família, um trabalho e um grupo social" (ibidem). A ASTA conta actualmente com dois núcleos habitacionais _ a Casa da Oliveira e a Casa Cristalina _, encontrando-se em recuperação a Casa S. Miguel e integra 32 jovens (internos e externos) e 22 colaboradores (incluindo pessoal do quadro e voluntários). O quotidiano e o trabalho sócio-terapêutico desenvolvem-se nas seguintes áreas: estimulação intelectual e sensorial, carpintaria, olaria-azulejaria, tecelagem, horticultura, jardinagem, equitação terapêutica, teatro, música, entre outros ateliers temporários. A partilha de tarefas domésticas, a socialização feita através das saídas conjuntas para compras, férias, espectáculos, visitas e convívios com outras instituições nacionais e estrangeiras e os eventos anuais desempenham também um papel fundamental na vida das pessoas que integram a ASTA (ibidem). Dos objectivos desta associação, destacamos os seguintes: - Oferecer uma alternativa de vida familiar, proporcionando uma vivência de união, de partilha e de construção conjuntas, interagindo também com as famílias de origem; - Desenvolver actividades artesanais e artísticas, através dos vários ateliers; 79 - Estabelecer um contacto rítmico com a terra e com a natureza, através da jardinagem, da agro-pecuária e da horticultura; - Promover um apoio individualizado e estimular as potencialidades criativas e de socialização, principalmente através de actividades artísticas; - Responsabilizar todos e cada um pelas tarefas domésticas, valorizando o respectivo trabalho; - Promover manifestações culturais, tais como exposições, congressos, conferências, etc., contribuindo para uma maior socialização e para o reconhecimento e dignificação da diferença (ibidem). 80 CAPÍTULO 3: ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO – ESTUDO DE CASO DE CORTE ETNOGRÁFICO DE UMA COMUNIDADE PEDAGÓGICOTERAPÊUTICA – CASA DE SANTA ISABEL Iriku tinha gostado muito do pai. Agora, o velho tinha ido juntarse aos antepassados. Muitas vezes, enquanto entrançava um cesto de bambu, Iriku pensava: “Se a minha esposa não tivesse tido tanta aversão pelo meu honorável pai, ele teria sido mais feliz nos seus últimos dias. (...) Teríamos tido longas e agradáveis conversas. Ele ter-me-ia falado de pessoas e coisas do passado”. E a melancolia invadia-o. Num dia de mercado, Iriku o cesteiro escoou o seu lote de cestos mais rapidamente do que de costume. Passeava-se um pouco ocioso entre os vendedores, quando reparou num mercador chinês, que com frequência tinha estranhos objectos para vender: “Aproxima-te, Iriku, disse o mercador, tenho aqui uma coisa extraordinária.” E, com um ar de mistério, retirou duma caixa um objectos redondo e plano, coberto por um pano de seda. Colocouo nas mãos de Iriku e, com precaução, fez deslizar o pano. Iriku debruçou-se sobre a superfície polida e brilhante. Aí reconheceu a imagem do pai, tal como tinha sido no tempo da sua juventude. Emocionado, exclamou: Este objecto é mágico! – Sim, disse o mercador, chama-se a isto um espelho, e é grande o seu valor!” Mas a febre tinha-se apossado de Iriku: “Ofereço-te tudo o que tenho, disse ele. Quero este «espelho mágico» para levar para casa a imagem de meu bem amado pai.” Depois de longa negociação, Iriku entregou ao mercador toda a receita da sua manhã. Logo ao regressar a casa, Iriku dirigiu-se ao sótão e escondeu a imagem do pai num baú. Nos dias seguintes, eclipsava-se, subia ao sótão, retirava o «espelho mágico» do baú; ficava longos momentos a contemplar a imagem venerada, e era feliz. A sua mulher não tardou a notar o estranho comportamento. Uma tarde, quando abandonou um cesto a meio entrançar, ela seguiu-o. Viu-o subir ao sótão, rebuscar um baú, tirar de lá um objecto desconhecido, olhá-lo longamente com um misterioso semblante de prazer. Voltou depois a tapar o objecto com um pano e guardou-o com gestos carinhosos. Intrigada, ela esperou que ele se fosse embora, abriu por sua vez o baú, descobriu o objecto, retirou o pano de seda, olhou e viu: “Um mulher!” Furiosa, desceu e apostrofou o marido: “Com que então, atraiçoas-me indo contemplar uma mulher dez vezes por dia! 81 – Claro que não! – exclamou Iriku. Não te quis falar nisso porque tu não gostavas nada do meu pai, mas é a imagem dele que eu vou ver, e isso acalma o meu coração. – Miserável mentiroso! – vociferou a mulher. Eu vi o que vi! Foi uma mulher que tu escondeste no sótão! – Asseguro-te…” A disputa azedava, estava infernal, quando uma monja mendicante apareceu à porta. O casal solicitou o seu arbítrio. A monja subiu ao sótão, voltou: “É uma monja!”… disse. Toda a infelicidade dos homens advém de que eles não vivem no mundo, mas no seu mundo. AA.VV., 2002 Nunca me conformei com um conceito puramente científico da existência, ou aritemético-geométrico, quantitativo-extensivo. A existência não cabe numa balança ou entre as fronteiras dum compasso. Pesar e medir é muito pouco; e esse pouco é ainda uma ilusão. O passado é feito de imponderáveis, e a extensão de pontos inextensos, como a vida é feita de mortes... A realidade não está nas aparências transitórias, reflexos palpitantes, simulacros luminosos, um aflorar de quimeras materiais. Teixeira de Pascoaes, 1937 3.1. Paradigmas quantitativo e qualitativo em investigação O ser humano é, por natureza, curioso. Nascemos já com sede de descobrir, de conhecer e, a pouco e pouco, vamo-nos abrindo a horizontes mais amplos, na acepção denotativa do termo. Alguns sentidos apuram-se, vão-se alterando, outros vão talvez adormecendo, caso não lhes façamos cócegas. Cada pessoa, à sua forma (sendo este sua, um sua no mundo e com outro), vai descascando, desvendando... vai investigando. No entanto, os sentidos envolvidos na descoberta são diferentes em cada ser, tal como os seres são diferentes entre si. Estes mesmos sentidos, embora aspirando, por vezes, à objectividade e à neutralidade, são indissociáveis do «eu» que os alberga, embora a influência deste «eu» varie com os diversos condicionantes da investigação. O conto que introduz este capítulo, termina dizendo que o ser humano não vive no mundo, mas no seu mundo... Preferiria antes dizer que «o ser humano vive no mundo através do seu mundo», ou «o ser humano vive no seu mundo, no mundo»! É 82 visível a diferença? Tal como defendia Kant, os fenómenos constituem o mundo como nós o experimentamos, segundo o nosso filtro, que configura a nossa subjectividade. Por outro lado, e extremamente relacionado com este factor, embora não pretendendo menosprezar a investigação quantitativa/experimental (de que falaremos mais adiante), por si só (que tem também o seu enquadramento, dependendo, entre outros, dos objectivos da investigação, do carácter do objecto de estudo e da postura do investigador), consideramos que a balança ou as fronteiras do compasso, como foi referido por Teixeira de Pascoaes, não podem albergar e expressar o todo da existência. Por outras palavras: os conceitos puramente científicos associados à ciência positivista, não são capazes de captar e de representar as realidades na sua complexidade. Estas são dinâmicas, enleadas, complexas, vão talvez mesmo além da quarta dimensão espacial e temporal, hoje estudada na física, para lá dos limites da nossa compreensão e da nossa subjectividade. Nas palavras de Boaventura Sousa Santos (1987: 52), "A ciência moderna não é a única explicação possível da realidade e não há sequer qualquer razão científica para a considerar melhor que as explicações alternativas da metafísica, da astrologia, da religião, da arte ou da poesia. A razão porque privilegiamos hoje uma forma de conhecimento assente na previsão e no controlo dos fenómenos nada tem de científico. É o juízo de valor". Não pretendemos, todavia, desencorajar a investigação, considerando-a um acto criador com muito potencial de conhecimento, de vivência e de transformação do mundo. Visamos, apenas, chamar à atenção deste factor de incerteza, de dúvida e abertura. A investigação científica tem as suas regras, mas é também um campo muito vasto, que compreende uma grande diversidade de abordagens, sendo possível, grosso modo, distinguir dois grandes paradigmas _ o paradigma positivista/quantitativo e o paradigma qualitativo _, que assumem também outras denominações, podendo o segundo paradigma ser classificado ainda, por alguns autores, como interpretativo e crítico. No que concerne à metodologia, que é o foco central deste capítulo, as fronteiras entre os paradigmas devem ser permeáveis, contribuindo assim para enriquecer o nosso conhecimento da realidade. As abordagens multi-método e a triangulação de dados de fontes diversas permitem, de um modo geral, uma maior aproximação à realidade. Em nossa opinião, em vez de observarmos os paradigmas 83 quantitativo e qualitativo como duas esferas separadas, podemos encará-los como dois pólos de um contínuo. Embora assumamos as suas diferenças claras e o carácter de transição/revolução científica entre os dois, nas palavras de Popper, consideramos que, principalmente na passagem à prática, as fronteiras entre os dois paradigmas se devem diluir. Para uma melhor elucidação do que caracteriza cada um dos paradigmas referidos, apresentamos, de seguida, uma síntese esquemática: Figura 2. Contínuo entre investigação qualitativa e quantitativa. Pólos do contínuo da investigação Realidade/Situação QUALITATIVA Investigação QUANTITATIVA Advoga o uso de métodos qualitativos. Fenomenologismo e compreensão: "interessados em compreender a conduta humana desde o próprio marco de referência de quem actua". Observação naturalista e sem controlo. Subjectiva. Próxima dos dados; perspectiva «desde dentro». Fundamentada na realidade, orientada aos descobrimentos, exploratória, expansionista, descritiva, indutiva. Orientada para o processo. Válida: dados «reais», «ricos» e profundos. Não generalizável: estudo de casos (mas transferível). Holista. Assume uma realidade dinâmica. Advoga o uso de métodos quantitativos. Positivismo lógico: "pesquisa os factos ou causas dos fenómenos sociais, prestando escassa atenção aos estados subjectivos dos indivíduos". Medição penetrante e controlada. Objectiva. À margem dos dados; perspectiva «desde fora». Não fundamentada na realidade, orientada à comprovação, confirmatória, reducionista, infernal e hipotético-deductiva. Orientada para o resultado. Fiável: dados «sólidos» e repetíveis. Generalizável: estudos de casos múltiplos. Particularista. Assume uma realidade estável. Fonte: Elaboração própria, com base em Serafini, 1990. Como é visível no esquema, os paradigmas divergem claramente em relação à sua ontologia, epistemologia e metodologia, entre outros aspectos. No entanto, 84 encarando-os como pólos extremos da abordagem à realidade, as suas divergências podem, como já mencionámos, apontar possibilidades de diálogo; nos pontos inextensos que configuram a extensão que os medeia, podemos encontrar possibilidades diversas de aproximação à realidade, de acordo com o estudo que pretendemos fazer. Deste modo, partilhamos a opinião de Lundberg (cit. in Grawitz, 1984: 324), quando afirma: "querer opor os métodos qualitativos e quantitativos, quando eles se completam, é renunciar a encontrar a solução eficaz para os problemas e arriscar-se a travar o desenvolvimentos das ciências sociais". A investigação em ciências socais e humanas, e, assim, também em educação, tem vindo, desde há décadas, a questionar o paradigma positivista da ciência, ao mesmo tempo que se tem verificado "um crescente interesse por formas de conhecimento que ampliem e diversifiquem os estilos e as vias de acesso às realidades educativas" (Caride & Meira, 1995: 137). Os objectos e objectivos de estudo das ciências naturais e das ciências sociais e humanas são, de um modo geral, distintos e, se já a investigação apenas quantitativa e experimental nas primeiras é passível de ser questionada (e é-o), no caso das ciências sociais e humanas, ainda se torna mais óbvia esta premissa. Aludindo ao que referimos anteriormente, o controlo de uma situação social em condições artificiais, por si só, produz uma alteração dessa mesma realidade e a simples análise situacional de algumas variáveis, descontextualizada ao nível histórico, social, cultural..., negligencia aspectos de grande importância para a sua compreensão, ao dedicar-se essencialmente à recolha de dados objectivos e de alguma forma quantificáveis, para a obtenção de tendências observáveis e generalização dos dados. Estes e outros aspectos, relacionados com uma tentativa de superar as incompatibilidades que se têm registado entre o sujeito que conhece e o objecto do seu conhecimento (Caride e Meira, 1995), promoveram o questionar do paradigma clássico de investigação e a crescente utilização de paradigmas alternativos. 85 3.2. O enfoque qualitativo, de corte etnográfico, como opção metodológica Investigar implica o posicionamento por parte do investigador, a vários níveis, como é visível no anterior debate entre abordagens quantitativas e qualitativas. Este deverá colocar a si mesmo diversas questões, como por exemplo: O que o motiva a estudar aquela realidade? Como a concebe? O que pretende estudar dela? Como poderá obter da melhor forma esses dados? Estas e muitas outras questões vão surgindo no decorrer da pesquisa. As opções e decisões do investigador revelam-no no contexto em estudo, falam sobre ele e sobre a sua relação com essa mesma realidade. Particularmente, na investigação qualitativa, é crucial que ele conheça e compreenda esta relação, promovendo, assim, a «fiabilidade» e a «objectividade» dos dados. Em Janeiro do corrente ano, iniciámos o trabalho como colaboradora interna na comunidade terapêutica que constitui a unidade de análise do nosso estudo – Casa de Santa Isabel – e, foi, também, durante este tempo que realizámos a investigação agora apresentada. No entanto, o nosso conhecimento da comunidade era já anterior. Visitámola, pela primeira vez, há aproximadamente dois anos e, desde então, despertou o nosso interesse. Voltámos, posteriormente, duas vezes e, finalmente, decidimos viver e trabalhar nela durante algum tempo. Assim, por razões de ordem prática, a Casa de Santa Isabel tornou-se um contexto primordial de investigação, fundindo-se por momentos o trabalho com a investigação. Contudo, muito mais importante do que este aspecto, a comunidade pareceu-nos ser, em diversas esferas, um exemplo muito interessante de Educação, nomeadamente no campo da Educação Ambiental (embora não utilizando essa designação), com uma idiossincrasia que queríamos conhecer e compreender melhor. Por outro lado, situa-se num contexto rural, factor de atracção para nós enquanto «pessoa» e «investigadora», considerando de extrema relevância o diálogo entre o rural e o urbano e orientando-nos, particularmente, para dar voz ao rural. Um outro factor que nos impeliu a estudar este contexto, no âmbito do doutoramento em Educação Ambiental, prende-se com a vontade de relacionar o tema principal do doutoramento com uma educação para todos e cada um – com e 86 para as pessoas –, ou seja, uma educação que tenha em conta as diferenças entre os sujeitos e procure utilizar estratégias que a tornem acessível a todos, essencialmente às pessoas com Necessidades Especiais (embora conscientes da amplitude deste conceito e não pretendendo dicotomizar pessoas com e sem Necessidades Especiais). Deste modo, ao longo da investigação, pretendemos captar a realidade na sua complexidade e aprofundar o conhecimento e a compreensão da mesma, considerando a perspectiva dos seus actores nos contextos naturais da sua acção. Não se visou a formulação de leis de funcionamento globais, atendendo-se antes ao contexto específico em estudo, segundo uma perspectiva ideográfica, de estudo de caso (colectivo), através de uma aproximação qualitativa à realidade. Destacamos, de seguida, algumas características da investigação qualitativa, apontadas por Bogdan e Biklen (1994), que integram, em nossa opinião, a pesquisa realizada: - A fonte directa dos dados é o ambiente natural, sendo o investigador o principal instrumento de recolha dos mesmos; - Os dados recolhidos são principalmente descritivos; - O investigador interessa-se fundamentalmente pelos processos; - A análise dos dados é feita pelo investigador, de uma forma, sobretudo, indutiva; - O investigador interessa-se por compreender o significado que os participantes atribuem às suas experiências. O estudo em causa assume um corte etnográfico, utilizando estratégias empíricas e naturalistas que proporcionam dados fenomenológicos, procurando, como já mencionámos, representar as concepções dos participantes (Goetz e LeCompte, 1988). A etnografia é, na sua origem, o estudo descritivo (graphos) da cultura (ethos) de uma comunidade (Aguirre, 1995). No campo da educação, a abordagem etnográfica dirige-se, essencialmente, aos processos de ensinoaprendizagem, às relações entre os actores do fenómeno educativo e aos contextos sócio-culturais em que este tem lugar (Goetz e Lecompte, 1988). Também a nossa investigação se dirigiu fundamentalmente aos aspectos referidos por Goetz e Lecompte, partindo de um objectivo geral _ conhecer e compreender a abordagem de Educação Ambiental desenvolvida no contexto da Comunidade Terapêutica _ Casa de Santa Isabel. Tínhamos presente, ainda, dois 87 outros grandes objectivos que pretendíamos apenas aflorar e, talvez aprofundar em abordagens posteriores. Vejamos: analisar a relação entre a Educação Ambiental e o desenvolvimento das várias dimensões e a vivência das pessoas com Necessidades Especiais residentes na Comunidade; compreender em que medida as características da Educação Ambiental desenvolvida na Casa de Santa Isabel poderiam adaptar-se a outros contextos. Os objectivos referidos estavam configurados por algumas questões, a saber: quais as actividades e estratégias utilizadas, que podem considerar-se de Educação Ambiental? Como e porquê emergiram neste contexto? Quais as características destas actividades e estratégias e como integram o quotidiano da vida das pessoas com Necessidades Especiais? De que forma variáveis como _ contexto comunitário, participação na gestão ambiental, ambiente familiar, actividades ao ar livre, relação com a natureza, espiritualidade, entre outras _, se conjugam na Educação Ambiental preconizada nesta comunidade terapêutica? De que modo contribuem para o desenvolvimento destas pessoas nas suas várias dimensões (a nível cognitivo, social, prático, afectivo, relacional, sensitivo)? Que percepções as pessoas com Necessidades Especiais têm destas actividades e do ambiente? Em que medida algumas das estratégias e actividades de Educação Ambiental utilizadas na comunidade podem ser adaptadas a outros contextos, que integrem ou não pessoas com Necessidade Especiais? O macroscópio», de Rosnay (1977: 10) é um instrumento que nos inspirou e que pensamos utilizar. Nas palavras do autor, é “um instrumento simbólico feito de um conjunto de métodos e de técnicas extraídos de disciplinas muito diversas (...), que filtra os pormenores, amplia o que os liga, põe em evidência o que os aproxima (...), permitindo observar aquilo que é simultaneamente demasiado grande e por demais complexo para os nossos olhos”. Deste modo, pretendeu-se, sobretudo, uma abordagem ecológica e contextualizada no espaço e no tempo, que desvelasse as relações e as ligações no todo e que pudesse expressar-se numa monografia fundamentalmente descritiva, reveladora da realidade desta comunidade com a maior fidelidade possível. Somos, todavia, conscientes do carácter exploratório desta investigação e da subjectividade relacionada com a sua abordagem, pelo que definimos, desde logo, alguns processos de controlo, com o intuito de imprimir uma maior fiabilidade e validade aos dados, a que nos vamos referir mais adiante. 88 As ferramentas/técnicas de investigação escolhidas pretenderam conjugar a abordagem e os objectivos já mencionados, com as características da realidade em estudo e do investigador. A observação naturalista constituiu a fonte primordial dos dados e o filtro orientador para a elaboração e utilização dos outros instrumentos de pesquisa, nomeadamente, as entrevistas semi-estruturadas e/ou os questionários em grupo. Recorremos também à análise de alguns documentos relevantes, bem como à realização de pequenas entrevistas conversacionais-informais, obtendo dados que triangulámos com os recolhidos através das restantes técnicas. Faremos, de seguida, uma breve referência a cada uma destas ferramentas de recolha de dados. 3.3. Técnicas de recolha de dados 3.3.1. Observação naturalista, participante A observação pode ser considerada o ponto de partida de toda a ciência, sendo, para além de uma actividade natural do quotidiano, um instrumento primordial da investigação científica (Ballester, 2004). A metodologia observacional varia consoante o grau de estruturação, o nível de cobertura, o grau de controlo da situação, o momento da observação, a técnica de registo e a unidade de observação (ibidem). No que concerne à etnografia, a observação naturalista participante assume um papel fundamental, o que se verificou também na abordagem à Casa de Santa Isabel. Aqui, a observação, para além de naturalista e participante (não como um observador estranho/intruso, mas como um elemento da comunidade), foi inicialmente não estruturada, assumindo, gradualmente, alguma estruturação, de acordo com objectivos específicos que emergiram durante a investigação. Esta técnica foi transversal às várias dimensões do estudo e permitiu captar o global (observação completa), as relações e os detalhes das situações (observação molecular de situações específicas) e observar comportamentos espontâneos nos seus contextos naturais, englobando diversas formas de expressão para além da verbal. O registo sistemático das observações, de carácter, principalmente, 89 descritivo/objectivo e, por vezes, interpretativo, tornou possível a compilação de dados relevantes. Estes foram, posteriormente, analisados e triangulados com os dados obtidos através de outras técnicas, contribuindo, como mencionámos anteriormente, para orientar a utilização e a elaboração das entrevistas semiestruturadas e dos questionários em grupo. 3.3.2. Análise documental Neste contexto, entendemos a análise documental como o estudo de registos directamente relacionados com o objecto da investigação. Não integramos neste conjunto a literatura relacionada com os pressupostos teóricos que enquadram a pesquisa, mas apenas os documentos referentes, neste caso concreto, à comunidade investigada _ Casa de Santa Isabel. Os registos que acompanham a existência de uma entidade, seja ela individual ou colectiva, reflectem a sua identidade e a sua história. Existem diversos tipos de registos, nomeadamente registos escritos e imagens que podem ter origem no interior ou fora da entidade em estudo, factores que devemos ter em consideração aquando da sua análise e interpretação. Os registos analisados referentes à Casa de Santa Isabel foram, essencialmente, provenientes de documentos escritos, internos e externos à comunidade, dos quais destacamos: artigos de jornais e revistas sobre a comunidade; relatórios de actividades dos últimos anos; panfletos e cartazes referentes a actividades organizadas pela comunidade; o regulamento interno da instituição; o seu antigo jornal _ "Confiança no Futuro" _; o seu sítio na Internet _ www.casa-de-santaisabel.org. _ e, ainda, brochuras e outros documentos internos da Casa de Santa Isabel. A análise documental, para além de nos dar uma visão interna e externa, numa perspectiva identitária e histórica desta comunidade, contribuiu também, à semelhança da observação, para a escolha e estruturação das técnicas de recolha de dados subsequentes. 90 3.3.3. Entrevistas semi-estruturada e conversacional-informal A entrevista é uma técnica muito utilizada na abordagem qualitativa da investigação social e educativa, permitindo obter informações através da relação dialógica entre duas ou mais pessoas _ entrevistador(es) e entrevistado(s) (Peres, 1999). Este intercâmbio, fundamentalmente verbal, reflecte, no fundo, relações que estabelecemos no quotidiano, sendo regulado por regras de interacção próprias. Existe, no entanto, uma multiplicidade de conceitos, estilos e modalidades de entrevistas, que dependem, entre outros, de factores relacionados com a situação, com o entrevistado e com o entrevistador. No que respeita aos tipos de entrevista, autores como Ghiglione e Matalon (1992) distinguem: directiva ou estandardizada, semi-directiva e não-directiva. Patton (1980). Outros autores de referência, utilizam antes a terminologia: entrevista estandardizada aberta-fechada, entrevista guiada e entrevista ou conversa informal. Outros, ainda, como Quivy e Campenhoudt (1998), classificam as entrevistas em estruturadas, semi-estruturadas e não-estruturadas. A presente investigação contemplou entrevistas que designámos de semi-estruturadas e conversacionaisinformais. A entrevista semi-estruturada compreende uma relação, frequentemente, assimétrica entre duas pessoas _ entrevistador e entrevistado. Pelo facto de ser semiestruturada, pressupõe a elaboração prévia de um guião (cf. apêndice 1) permanecendo, contudo, em aberto a integração de novos temas, a alteração da ordem dos tópicos-guia e surgindo, por vezes, outras questões no decurso da própria entrevista. Foram realizadas 13 entrevistas semi-estruturadas individuais e três a grupos de dois sujeitos com uma relação importante entre si. Previamente à realização das entrevistas, o guião foi avaliado por um investigador externo e foi efectuado um ensaio com um voluntário da comunidade, a fim de testar o instrumento. A estratégia de selecção dos entrevistados foi significativa/intencional, na medida em que se pretendeu representar vários «tipos» de sujeitos intervenientes no contexto em estudo, nomeadamente, companheiros externos e internos, com períodos 91 diferentes de permanência na comunidade (desde, aproximadamente, dois anos até à quase totalidade do tempo de vida da comunidade); colaboradores externos e internos, variando também os períodos de residência na Casa de Santa Isabel; voluntários externos e internos 15 ; e, ainda, pessoas externas à comunidade. Relativamente a estes últimos, para uma maior consistência dos dados e, de acordo com os objectivos da investigação e algumas condicionantes práticas, optámos por entrevistar apenas sujeitos que integram instituições ligadas à Educação e/ou ao Ambiente e à Educação Ambiental, que se relacionam de algum modo com a Casa de Santa Isabel, nomeadamente o Centro de Interpretação da Serra da Estrela _ CISE (Seia), o Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens _ CERVAS (Gouveia) e a Escola Evaristo Nogueira (São Romão). Estamos conscientes de que não representam a visão global dos externos, porém, não sendo este o foco principal do estudo e numa primeira fase16, interessava-nos conhecer a opinião de pessoas relacionadas, de alguma forma, com as temáticas antes mencionadas. Por sua vez, dentro de cada um das tipologias de sujeitos mencionadas, a selecção foi, em parte aleatória, embora condicionada pela disponibilidade dos mesmos. Além disso, foi tido em consideração, no caso dos companheiros, a possibilidade de comunicação e de compreensão verbal e, no que respeita aos colaboradores mais antigos (que constituíram o maior número de entrevistados), procurou-se contemplar visões complementares (baseando esta interpretação na nossa observação, em diversas conversas informais com estes e outros elementos e, ainda, nas funções por eles desempenhadas na comunidade). As entrevistas foram previamente marcadas e os entrevistados informados acerca do tema e do âmbito da investigação. Destes, dois colaboradores internos (Todo e Tudo) tiveram ainda acesso a um pré-projecto do presente estudo, com vista a um melhor esclarecimento e à apreciação do mesmo pela comunidade. As entrevistas foram gravadas em registo magnético com o consentimento dos entrevistados e o diálogo prosseguiu, frequentemente, após desligar o gravador, proporcionando informações que, na sua maioria, não foram directamente analisadas 15 Designam-se internos ou externos os companheiros e colaboradores, que, respectivamente, habitam ou não na Casa de Santa Isabel. As pessoas externas passam o seu dia-a-dia na Casa de Santa Isabel, habitualmente, de Segunda a Sexta-feira, entre as 9h e as 17h, em horários variáveis. Alguns dos companheiros internos residem também nos fins-de-semana, outros regressam, semanalmente, ao seu seio familiar. Sublinhamos que os números disponibilizados são referentes ao ano lectivo 2007/2008. Englobamos sob a designação de colaboradores, todos os «trabalhadores» da Casa. 16 Este estudo poderá ter continuidade ao longo do doutoramento. 92 e trabalhadas com os restantes dados. Uma vez que optámos por não referir o nome dos entrevistados e considerámos demasiado impessoal e fria a atribuição de uma letra, de um número ou de outro nome, decidimos designar cada pessoa por um elemento que, em nossa opinião, lhe está associado. O quadro seguinte apresenta uma listagem dos entrevistados. Quadro 6. Tipologia e nome das pessoas entrevistadas (entrevistas semi-estruturadas). TIPOLOGIA DE SUJEITOS NOME COR Companheiros internos17 SER FUNDAÇÃO SORRISO TODO TUDO Colaboradores Internos VIDA MÃES (2 pessoas) NINHO (2 pessoas) Colaboradores Externos Voluntários PÓLOS (2 pessoas) LUA (interna) PONTE (externa) LAR (Escola E. N.) Agentes externos (área da Educação e do Ambiente) PRESENÇA (CERVAS) ÁGUA (CERVAS) LIGAÇÃO (CISE) Fonte: Elaboração própria, 2008. A realização de entrevistas semi-estruturadas permitiu aprofundar, explicitar e complementar dados recolhidos através da observação, sobrepassando os eixos sincrónico e diacrónico, pretendendo, desta forma, obter uma visão não apenas da actualidade, mas também do passado e uma prospectiva da comunidade, apelando não só ao pensamento, como ainda ao sentimento e à acção. Ao longo de cada entrevista, o campo foi-se estreitando, da abordagem global à comunidade até à análise do seu carácter educativo-ambiental, procurando-se através de uma prévia negociação significados sobre a Educação Ambiental, conhecer e compreender as 17 Embora fosse nossa intenção entrevistar companheiros internos e externos, devido à época de início de férias em que fizemos as entrevistas, para além de outras condicionantes da investigação, não realizámos entrevistas semi-estruturadas a companheiros externos. 93 concepções dos participantes em relação ao tema. Foram também realizadas diversas pequenas entrevistas conversacionaisinformais. Estas, como o próprio nome indica, são um tipo de entrevista semelhante a uma conversa informal. Na nossa investigação, envolveram, frequentemente, mais do que duas pessoas e foram surgindo, de acordo com o decorrer das situações e a percepção do investigador sobre elas. Esta técnica contribuiu para atenuar a assimetria na relação entre as duas partes _ entrevistador e entrevistado(s) e proporcionou uma maior aproximação da naturalidade dos contextos e das situações. O registo destes dados acompanhou a informação recolhida através da observação e contribuiu para a elaboração das entrevistas semi-estruturadas, fornecendo, ainda, outros elementos que não foram directamente trabalhados na análise e interpretação dos dados. 3.3.4. Inquérito por questionário O inquérito por questionário é também uma técnica amplamente utilizada na investigação em ciências sociais, quer em abordagens quantitativas, quer em abordagens qualitativas, embora de forma diversa. O questionário é um instrumento constituído por um conjunto de perguntas fundamentalmente de resposta fechada, previamente elaboradas, iguais para todos os indivíduos e ordenadas de forma rígida, que são, geralmente, registadas por escrito. Habitualmente, os questionários são preenchidos por uma amostra representativa da população que se pretende estudar (Aguirre, 1995). Em etnografia, os questionários baseiam-se em informações reunidas previamente, através de métodos mais informais e menos estruturados e têm o intuito de confirmar dados, analisar os constructos dos participantes ou, podem ainda, ser instrumentos projectivos (Goetz e Lecompte, 1988). À semelhança do que afirmam os autores acima referidos, o questionário elaborado no âmbito desta investigação constituiu uma das últimas abordagens ao objecto de estudo, pretendendo confirmar e esclarecer alguns aspectos através de uma técnica, por um lado mais quantitativa e objectiva e, por outro lado, mais representativa de uma faixa da população em estudo _ os colaboradores e voluntários internos, que não só trabalham, como vivem na comunidade. Deste modo, com base 94 nos dados recolhidos pelas técnicas anteriores e tendo como foco principal a Educação Ambiental na comunidade, desenhou-se um pequeno conjunto de questões, segundo uma escala tipo Lickert, devendo algumas completar-se com uma resposta aberta (cf. apêndice 2). Foi realizado um teste-piloto do questionário a um colaborador interno que não participou, posteriormente, na resposta ao mesmo. Consideramos, contudo, que o questionário deveria ter sido previamente aplicado a mais elementos, contribuindo para uma melhor avaliação do mesmo e tornando-o mais claro, principalmente tendo em conta a existência de colaboradores de diversas nacionalidades. Para a obtenção de uma amostra significativa dos colaboradores e voluntários internos e, com o objectivo de promover também o debate sobre o tema em pequenos grupos que trabalham, habitualmente, em conjunto, foi distribuído um questionário por cada casa, que poderia ser anónimo, solicitando que respondessem em equipa (colaboradores e voluntários). Perfez um total de seis questionários, correspondente ao número de lares residenciais da comunidade. Embora as equipas das casas sejam, habitualmente, formadas por quatro ou cinco pessoas, visto que o questionário foi preenchido numa época de férias, a maior parte das equipas contemplou apenas duas ou três pessoas, diminuindo bastante a representatividade da amostra. 3.4. Percurso da investigação e processos de controlo previstos Após a referência e a descrição da metodologia e das técnicas utilizadas, procuraremos encadeá-las, estabelecendo um fio condutor e apresentar de uma forma esquemática o percurso desta investigação. Como referimos anteriormente, o nosso primeiro contacto com a Casa de Santa Isabel ocorreu há aproximadamente dois anos, quando a visitámos pela primeira vez. Ficámos curiosos e motivados pelo seu carácter comunitário, de inspiração em princípios como a solidariedade, a equidade, a vivência integrada no meio ambiente; pelo seu carácter rural; pela envolvência com pessoas com Necessidades Especiais e pela abordagem artística. Este primeiro contacto, de certa forma, encantou-nos e motivou o regresso como visitante e, numa fase posterior, a integração na comunidade. Estávamos então em Janeiro de 2008. No ano anterior, tínhamos trabalhado até final de Dezembro numa associação 95 de desenvolvimento regional do Norte de Portugal, num âmbito distinto, sobretudo com populações imigrantes e com pequenas experiências com intuito educativoambiental. Com a mudança, em Janeiro, a adaptação à vivência e ao trabalho (nomeadamente na escola de ensino especial, num grupo de teatro e na casa) foi decorrendo de forma gradual, «exigindo» da nossa parte uma presença forte. Assim, embora a investigação deste contexto fosse desde há algum tempo, uma possibilidade e realidade informal, só no mês de Maio ela foi realmente assumida por nós, apresentada à comunidade e formalmente iniciada. O quadro seguinte resume este percurso, bem como as etapas decorrentes da investigação: Quadro 7. Síntese do percurso de investigação PERÍODO Agosto de 2006 FASE DA INVESTIGAÇÃO Primeira visita à Casa de Santa Isabel. Apresentação de um pré-projecto de investigação na Casa de Santa Isabel no Setembro de 2007 âmbito de trabalhos de disciplinas integradas no doutoramento interuniversitário em Educação Ambiental. Entrada como voluntária interna na Casa de Santa Isabel. Janeiro de 2008 Desde então, realizámos alguma observação não estruturada e entrevistas conversacionais-informais, que prosseguiram até meados do mês de Julho. Apresentação do projecto de investigação na Casa de Santa Isabel, no âmbito do Maio de 2008 TIT, ao orientador do mesmo. Apresentação do projecto também a alguns colaboradores internos da comunidade, tendo sido aceite em conselho de colaboradores o seu desenvolvimento. Junho de 2008 Julho de 2008 Julho/Agosto de 2008 Início da análise documental direccionada para a investigação. Realização das entrevistas semi-estruturadas e, posteriormente, dos questionários. Elaboração da monografia escrita. Fonte: Elaboração própria, 2008. Como é visível no quadro anterior, apesar da imersão mais ou menos prolongada na realidade e da utilização de diversas técnicas de recolha de dados, a investigação propriamente dita, de uma forma estruturada, decorreu num curto espaço de tempo. Partilhamos a opinião de Goetz e Lecompte (1988), quando referem que, embora a etnografia possa ser considerada mais rica e vantajosa para a investigação em educação, tem também os seus perigos, dos quais salientam a possibilidade de se limitar a um conjunto de técnicas, a questões respeitantes apenas ao método, reproduzindo assim uma distorção, tal como sucede com o positivismo. Apesar de 96 aceitarmos a simples recolha etnográfica dos dados, consideramos que em investigação, é importante a reflexão acerca dos marcos teóricos subjacentes e a relação destes com os dados recolhidos, ainda que possam ambos ir surgindo em paralelo, no decorrer da investigação. Assim, procurámos, na nossa análise, realizar uma triangulação entre a metodologia, os dados e a teoria, cruzando estas três vertentes na análise e interpretação dos mesmos. Conscientes da subjectividade dos dados (sabendo que, se por um lado, a integração na comunidade nos permite mais facilmente obter informações, aceder à realidade e à sua compreensão, por outro lado, pode tornar-nos mais «cegos» ao estarmos tão implicados na mesma); da dificuldade em captar o global e o particular, bem como as ligações no todo e da influência das características do investigador, procurámos, através de várias estratégias promover o que, nas palavras de Guba (1985; cit. in Caride e Meira, 1995) podem designar-se de: credibilidade da investigação (associada à tradicional validade interna); transferibilidade (relacionada com a tradicional validade externa); dependência (como alternativa à fiabilidade) e confirmabilidade (que visa designar a objectividade e neutralidade do investigador). O quadro 8 resume as estratégias de controlo utilizadas, relacionando-as com a dimensão que visam controlar. Quadro 8. Factores de distorção e processos de controlo utilizados. FACTORES DE DISTORÇÃO ESTRATÉGIAS DE CONTROLO Irrepetibilidade da situação (problemas de comparação). Funcionamento dos instrumentos (erros de medida). Preconceitos introduzidos pelo investigador (problemas de neutralidade). Factores que actuam de forma não explícita, gerando problemas de interpretação. Trabalho de campo mais ou menos prolongado; Imersão na realidade; Triangulação de técnicas e de dados; Busca de Saturação. Descrição minuciosa do contexto e da metodologia; Fundamento suficiente da significação da amostra seleccionada, procurando envolver toda a comunidade. Triangulação metodológica; Ensaios prévios; Avaliação dos instrumentos (guião das entrevistas semi-estruturadas e questionário) por um investigador externo. Clarificação dos valores do investigador; Auto-reflexão e vigilância epistemológica, havendo uma preocupação constante em minimizar a nossa influência como investigador sobre as situações e analisar de forma objectiva e fiel os dados; Tentativa de triangulação teórica e disciplinar, conduzindo à definição de um marco teórico. DIMENSÃO CONTROLADA Credibilidade Transferibilidade Dependência Confirmabilidade Fonte: Elaboração própria, com base em Caride e Meira, 1996. Com base no processo metodológico referido, entramos no contexto da nossa investigação. 97 CAPÍTULO 4: ENQUADRAMENTO CONTEXTUAL 4.1. Caracterização do concelho de Seia, no interior de Portugal, região da Serra da Estrela A comunidade terapêutica que constitui a unidade de análise da presente investigação está localizada na vila de São Romão, concelho de Seia. Este concelho fica situado no interior centro de Portugal, no sector Sudoeste e encosta Noroeste da Serra da Estrela, a mais alta montanha de Portugal Continental, que atinge na Torre 1993 metros de altitude. Estende-se ao longo de uma área de aproximadamente 436 quilómetros quadrados, contemplando 29 freguesias (http://www.cm-seia.pt). Na figura seguinte podemos observar a respectiva situação geográfica. Figura 3. Mapa de Portugal e do concelho de Seia. Fonte: viajar.clix.pt/ e http://209.15.138.224/portugal_maps/s_portugal1x.htm. 98 A cidade de Seia é a sede do concelho com um centro histórico rico em património, sendo de destacar a igreja Matriz, a capela de São Pedro (Monumento Nacional), o solar dos Botelhos e o conjunto monumental formado pela igreja da Misericórdia, a Casa do Despacho e o solar da família Miranda Brandão, onde funcionam a biblioteca e a ludoteca municipais. A casa da Cerca de Santa Rita que alberga o Museu do brinquedo e a Casa das Obras onde está instalada a Câmara Municipal são, também, edifícios importantes. Não podemos deixar de referir o Museu do Pão, de iniciativa privada, criado mais recentemente, sendo um centro de preservação das tradições, história e arte do pão português, com múltiplas actividades ligadas á cultura, à pedagogia e ao lazer. Neste espaço, podemos revisitar os trabalhos cíclicos da terra, percorrendo a eira, o moinho, a casa, o forno, a padaria, entre imagens e realidade. Pretende ser um museu vivo, numa perspectiva pedagógica, recriando com os mais novos a manipulação da farinha e a feitura do pão (http://www.museudopao.pt/). No que concerne aos valores naturais, há em Seia testemunhos da acção glaciária, visíveis no vasto conjunto de circos, vales, lagoas, etc., que conferem a esta área uma grande riqueza em termos paisagísticos, biológicos e geológicos. O Centro de Interpretação da Serra da Estrela (CISE) é um serviço do município de Seia cuja finalidade é promover o conhecimento e a divulgação do património ambiental da região da Serra da Estrela. Numa perspectiva de promoção de acções ambientais, tem-se estabelecido uma rede de parcerias entre várias instituições da região, nomeadamente o CISE; o Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE), sedeado em Manteigas, que abrange os concelhos da Guarda, Celorico da Beira, Covilhã, Seia, Gouveia e Manteigas e integra o Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens (CERVAS), com sede em Gouveia; a ludoteca de Seia, entre outros. Recentemente, no final de Julho do ano corrente, o PNSE inaugurou o Centro de Interpretação Ambiental da Serra da Estrela, na Torre. Estes organismos, os autarcas e a sociedade civil, conscientes das potencialidades do património natural desta região, entendem que a melhor forma de combater o despovoamento é promover o desenvolvimento sustentável da região, apostando no turismo ambiental e rural, na animação comunitária e no equilíbrio ecológico da região (Jornal Porta da Estrela, 30 de Junho de 2006). No concelho de Seia, cerca de 80% dos seus 436 km2 são espaços florestais, constituídos, fundamentalmente, por áreas de mato e de povoamentos jovens de 99 pinheiro bravo de regeneração natural, em consequência dos incêndios dos últimos anos. Com o objectivo de inverter este flagelo, no concelho de Seia é necessário trabalhar em três vertentes principais: a prevenção, a sensibilização e a vigilância/detecção. Para isso, todos os anos, de Junho a Setembro, este município dispõe de duas viaturas 4x4 e duas motorizadas todo terreno a funcionar em turnos com horários passíveis de alteração, em função do foto período e da ocorrência de incêndios. Em termos demográficos, segundo os censos 2001 (baseamo-nos nestes por serem dos mais recentes, os que oferecem maior fiabilidade) residiam, neste altura, no concelho de Seia 28144 habitantes, dos quais 3101 em São Romão. Dados mais recentes, referentes ao ano 2007, apontam para a existência de 27082 pessoas no concelho (INE, estimativas anuais da população residente). Verifica-se, assim, uma tendência para o decréscimo da população que, entre 1991 e 2001, tinha já diminuído 7,3%, à semelhança do que tem também acontecido na região da Serra da Estrela (54042 habitantes, em 1991; 49895 habitantes, em 2001 e 47904 em 2007), em contraste com a região centro de Portugal, onde está inserida, que tem sido palco de um ligeiro crescimento populacional. De um modo geral, as freguesias do concelho possuem um carácter bastante rural e têm vindo a perder a sua atractividade. Um dos motivos para a fuga populacional prende-se com melhores perspectivas de vida oferecidas pelos centros urbanos, dentro e fora do concelho. É o caso da cidade de Seia, que, entre 1991 e 2001, teve um aumento populacional de 7,1% (CLAS Seia, 2005). É também visível a tendência para o envelhecimento da população, como ilustra o gráfico da figura 4, que apresenta a distribuição da população do concelho por grupos etários. Esta tendência tem-se mantido. Em 2001, o índice de envelhecimento do concelho era de 151, tendo aumentado para 174,2, em 2004 e 179,2, em 2007 (INE, estimativas anuais da população residente). 100 Figura 4. Gráfico de distribuição da população residente no concelho de Seia, por grupos etários (1991-2001). 9000 8000 7000 6000 5000 1991 4000 2001 3000 2000 1000 0 0-14 15-24 25-44 45-64 65+ idade Fonte: INE, Censos 1991 e 2001. Na sua maioria, a população do concelho apresenta um nível de escolaridade relativamente baixo. Segundo os Censos de 2001, 45% da população total completou apenas o 1º Ciclo do Ensino Básico, havendo uma taxa de analfabetismo de 11,6% e somente 7,7% dos indivíduos completaram o ensino médio ou superior (ibidem). Dados referentes ao ano 2002 revelam uma percentagem de pensionistas no concelho de 30%, sendo 63% destes por velhice, 23% por sobrevivência e 14% por invalidez. Neste mesmo ano, residiam no concelho 1974 pessoas portadoras de deficiência, o que, em termos percentuais, corresponde a 7% da população total. Espelhando a tendência do país e do mundo ocidental, Seia tem vindo a aumentar, ao longo das últimas décadas, a actividade económica no sector terciário, diminuindo de forma significativa a actividade do sector primário, como podemos ver no quadro seguinte. 101 Quadro 9. Distribuição das actividades económicas por sector de actividade, no concelho de Seia (1981,1991,2001). Ano Sector Primário Sector Secundário Sector Terciário Total 1981 2697 24% 5915 54% 2475 22% 11087 1991 1236 12% 5772 54% 3635 34% 10643 2001 549 5% 4980 45% 5437 50% 10966 Fonte: Adaptado de Ventura e Oliveira, 2004. Nesta breve análise, é visível que a região de Seia possui condições e recursos naturais para o desenvolvimento da Educação Ambiental, bem como para o desenvolvimento, entendido como um processo multidimensional, em que se procura conciliar o território, o ambiente, a economia e a organização social, numa perspectiva democrática e participativa e contrariando o êxodo populacional. 4.2. Casa de Santa Isabel, uma comunidade de vida: perspectiva histórica e actualidade A Casa de Santa Isabel é uma comunidade terapêutica com crianças, jovens e adultos com Necessidades Especiais. Constitui uma comunidade de vida, de aprendizagem e de trabalho, "onde colaboradores e alunos partilham a vida conjuntamente, como se de uma família se tratasse" (Cit. in AA.VV. 2005a: 35), procurando criar relações saudáveis "num ambiente dedicado à renovação pessoal e social, à terapia e ao cuidado da terra" (in www.casa-santa-isabel.org). Estende-se ao longo de aproximadamente 35 hectares, no sopé da Serra da Estrela, numa zona rural que tem vindo a ser reflorestada e transformada pela Comunidade, desde o início da sua existência. 102 Fotografia 1. Panorâmica da Casa de Santa Isabel. Fonte: Própria, 2008. A Casa de Santa Isabel é uma comunidade internacional aberta e muito dinâmica, constituída, desde sempre, por pessoas de várias nacionalidades (actualmente, alemães, brasileiros, chilenos, colombianos, holandeses, portugueses, suíços...), que orienta a sua actuação segundo os princípios antroposóficos, nomeadamente com base na pedagogia curativa e na sócio-terapia, havendo ainda algum espaço para a pedagogia Waldorf, a agricultura biodinâmica, a medicina e a arquitectura antroposóficas. Esta comunidade integra um vasto movimento internacional de pedagogia curativa e sócio-terapia, "que procura proporcionar a cada pessoa a possibilidade de auto-desenvolvimento e de realização do seu potencial"(...). A Casa de Santa Isabel "orienta o seu trabalho tendente a uma vida com qualidade. O respeito pela natureza, uma alimentação saudável, uma agricultura isenta de químicos, uma arquitectura orgânica, um incremento das artes, um ensino global que responda às 103 verdadeiras necessidades dos alunos, são alguns dos tópicos pelos quais pugna" (AA.VV. 2005a: 35). Actualmente, a Comunidade contempla dois núcleos, unidos por um caminho de serra que se percorre em 10 minutos, a pé. Um deles – "Quinta do Formigo", situa-se mais próximo de Seia, num pequeno vale, e integra três lares residenciais _ Casa Noé, Casa Rafael e Casa Uriel –, uma horta, um jardim de ervas aromáticas e medicinais e um pomar de nogueiras e outras árvores. O outro núcleo, mais próximo de São Romão, é também formado por três lares residenciais – Casa Cristóvão, Casa Elias e Casa Gabriel –, uma escola – Escola Micael –, as oficinas, o escritório/recepção e, ainda, hortas e algumas árvores de fruto. Durante o dia, encontram-se na Comunidade aproximadamente 150 pessoas, das quais 44 18 são companheiros internos, 47 companheiros externos, 21 são colaboradores internos (alguns com as suas famílias), 29 colaboradores externos e 7 voluntários. A nível legislativo, a Casa de Santa Isabel é uma IPSS, que integra as seguintes valências: - Escola de Ensino Especial 19 – desenvolve actividades diferenciadas de natureza sócio-educativa, destinadas a crianças e jovens com NE, de acordo com o currículo Waldorf. - Centro de Actividades Ocupacionais – destinado a jovens e adultos, com actividades que visam desenvolver as suas capacidades, promover o seu bem-estar e a sua integração social, facilitando o encaminhamento, sempre que possível, para programas adequados, de integração sócio-profissional. Aqui contemplam-se, principalmente, as seguintes áreas: tecelagem, oficina de papel reciclado, oficina artística, agricultura, jardinagem, lavandaria e sala de costura. - Formação Profissional – dirige-se a pessoas, com idade igual ou superior a 16 anos, cujo principal objectivo é desenvolver a aquisição de competências necessárias à obtenção de uma qualificação profissional, que proporcione a obtenção de emprego. A instituição promove, actualmente, formação profissional nos seguintes sectores: padaria, cozinha, carpintaria, silvicultura e construção civil. 18 Nome geralmente utilizado na Casa de Santa Isabel para designar as pessoas com necessidades especiais. 19 Esta escola poderá vir a transformar-se em Centro de Recursos, de acordo com as reestruturações que têm vindo a ocorrer no ensino especial e com a nova lei da inclusão, abordada no capítulo referente ao enquadramento teórico contextual. 104 - Lar Residencial – que se destina a alojar crianças, jovens e adultos, de ambos os sexos, que não tenham família ou se encontrem temporária ou definitivamente impedidos de residir no seu meio familiar (Rede Social de Seia, 2004). No que concerne à organização interna, a Casa de Santa Isabel "procura ter uma estrutura horizontal, em que todos os colaboradores participem nas decisões. Todos se devem sentir responsáveis pela vida da comunidade, independentemente da sua actividade" (AA.VV. 2005a: 36). Deste modo, o órgão executivo máximo é o Conselho de Colaboradores 20 , que reúne quinzenalmente e no qual todos os colaboradores, envolvidos nas actividades pedagógicas ou laborais, podem participar livremente, emitir pareceres e apresentar propostas. Este conselho visa, ainda, promover um processo de conscientização da vida comunitária, fomentando o envolvimento e o interesse dos diversos colaboradores pelas tarefas do quotidiano da instituição. Dele emergem vários grupos de trabalho, de acordo com as diferentes áreas de actuação, nomeadamente: Grupo Económico, Grupo de Admissão de Alunos, Grupo de Monitores, Grupo de Professores, Grupos das Casas e Grupo de Estudos, e outros que se relacionam com actividades pontuais, dos quais destacamos a realização de diversas festas, ao longo do ano. De um modo geral, estes grupos reúnem semanalmente. Procurando descrever a vida e elucidar melhor a organização da Casa de Santa Isabel, optámos por distinguir cinco grandes dimensões _ social, cultural, _ espiritual, ambiental e económica , que apresentamos na figura seguinte, permeadas por alguns valores transversais a todas elas, que expressam o ideal da vida desta comunidade. 20 Segundo o Regulamento Interno, integram o Conselho de colaboradores "indivíduos que tenham perfeito um mínimo de três meses de trabalho, sendo excluídos deste grupo, os indivíduos voluntários a curto prazo" (cf anexo 4). 105 Figura 5. Representação das dimensões e valores fundamentais da vida na Casa de Santa Isabel. Fonte: Elaboração própria, 2008. Existe uma ligação muito estreita entre as cinco dimensões mencionadas, que são interdependentes e configuram o todo que constitui a Casa de Santa Isabel. Estas integram, ainda, outras vertentes que, apesar de não designarmos aqui como dimensões, são de grande relevância e assumem uma posição transversal. Salientamos a vertente da educação, da pedagogia e a vertente da saúde. Faremos, de seguida, uma descrição das dimensões apresentadas, agrupando-as da seguinte forma: - Dimensão Cultural, Espiritual e Social; - Dimensão Ambiental; - Dimensão Económica. 106 Dimensão Cultural, Espiritual e Social A vida social e cultural é pautada, quotidianamente, por momentos de convívio, de partilha, de diálogo e de festa. Pretende-se que a vivência comunitária decorra num ambiente e num espírito de apoio e de entreajuda, em que cada um se sinta, simultaneamente, livre como indivíduo e unido/pertencente a um grupo, conciliando, deste modo, a liberdade individual e a responsabilidade de cada um na construção do todo. No site da casa de Santa Isabel, pode ler-se: "o reconhecimento do pleno potencial de cada indivíduo promove tanto a independência como a interdependência, o que possibilita a cada pessoa o seu crescimento na vida da comunidade enquanto permite à comunidade o crescimento com o indivíduo" (in http://www.casa-santa-isabel.org). A organização social tem em vista promover os seguintes aspectos: respeito pela diversidade como elemento fundamental da vitalidade da comunidade; a responsabilização de todos pelo bem comum; o apoio necessário a todos; a participação activa dos indivíduos na comunidade; a livre expressão de todos; um sentimento generalizado de confiança, de segurança e de justiça; a maximização da comunicação e da interacção entre os indivíduos da comunidade e destes com a comunidade exterior, criando um ambiente facilitador do desenvolvimento, da aprendizagem e do desabrochar da criatividade individual e colectiva. A música e a poesia (alguma em jeito de oração), associadas a cada época do ano, acompanham vários momentos do dia-a-dia, desde as refeições, ao trabalho, até momentos dedicados ao lazer. No final do dia, há, habitualmente, actividades artísticas conjuntas, cujos temas e expressões variam entre o teatro, a pintura, a música e o conto. A televisão está presente apenas em alguns momentos e de forma seleccionada, sobretudo para a visualização de filmes ou documentários. Um dia por semana, realizam-se reuniões de convívio entre os colaboradores e os companheiros de cada casa, sendo todos convidados a participar activamente no funcionamento e na organização da vida do lar e da comunidade, para além de constituírem um momento de partilha de acontecimentos, sentimentos, pensamentos, desejos, etc., com um carácter mais formal. No fim-de-semana, além do cuidado e das limpezas mais profundos da casa e do espaço envolvente, organizam-se passeios, piqueniques e outras actividades lúdicas e culturais, dentro e fora da comunidade. É de salientar que existe, actualmente, uma grande participação dos elementos da comunidade em diversos 107 eventos da região, tais como: exposições, feiras, cinema, teatro, percursos de interpretação da natureza, etc. Em algumas das casas, constitui também um hábito de fim-de-semana, a consulta conjunta de jornais e revistas ou outros meios de comunicação, partilhando informação de âmbito local, nacional e internacional. O Domingo é, ainda, presenteado com uma celebração cristã, animada por música, uma leitura bíblica e um comentário vivo, de acordo com a época. Também, a abertura da semana de trabalho começa com um testemunho ou uma história, de algum modo ligada ao respectivo período do ano. Como é uma comunidade tão ampla, as festas de aniversário são uma constante. Além destas e das tradicionais festas de abertura e encerramento do ano lectivo, são comemoradas algumas festas cristãs, que se associam às diferentes estações do ano: na Primavera, a Páscoa, a Ascensão e o Pentecostes; no Verão, o São João; no Outono, o São Miguel e no Inverno, o Advento, a preparar a festa de Natal. Nas férias, principalmente no Verão, organizam-se viagens, acampamentos, dentro e fora do país, nos quais participam, fundamentalmente, os companheiros que não têm família e que vivenciam estes momentos com os colaboradores num contexto familiar. Existe, ainda, uma tradição de intercâmbios e parcerias com instituições congéneres, e não só, de âmbito nacional e internacional. Embora grande parte destes intercâmbios tenham lugar em período de férias, durante o ano lectivo são comuns encontros e visitas de elementos externos à comunidade, bem como desta ao exterior. A dimensão espiritual na Casa de Santa Isabel está, como mencionámos antes, intimamente ligada às festas do ano e à celebração de Domingo. Aí se procura, em jeito de encontro social, evocar, vivenciar e aprofundar com os companheiros as mensagens relacionadas com a vida de Cristo. Estas festas e celebrações são uma parte do que há de "explicitamente espiritual" na vivência da comunidade e acontecem de uma forma aberta e divertida, que permite a cada um vivê-las de acordo com as suas próprias referências e/ou religiões. A Comunidade procura uma vivência da “dimensão espiritual” que permita, por um lado, a coexistência de todas as crenças e, por outro, o aprofundamento do trabalho pedagógico. Esta foi a proposta de Steiner. Assim, aos colaboradores não é pedido que leiam este ou aquele livro, mas o trabalho, em si, exige-lhes reflexão e aprofundamento. De uma ou de outra forma, a vivência com os companheiros 108 conduz à percepção de que, na essência, todos somos semelhantes e essa é, no fundo, a base mais espiritual (a que está invisível e se vai revelando...) da vida na Casa de Santa Isabel. Dimensão Ambiental A Casa de Santa Isabel está localizada, como já referimos, no sopé da Serra da Estrela numa zona rural, onde as casas, com uma arquitectura orgânica se integram na paisagem. O espaço envolvente tem vindo a ser transformado e reflorestado pela Comunidade. Uma equipa de colaboradores e de companheiros faz crescer um viveiro de espécies autóctones e trabalha diariamente na limpeza das matas e no processo de reflorestação. O material vegetal resultante desta limpeza, é compostado e, posteriormente, utilizado pelo grupo de agricultura. Os bens agrícolas, provenientes de uma actividade isenta de produtos químicos e, em alguns aspectos, baseada no calendário lunar e no calendário biodinâmico, servem as casas residenciais, embora constituindo uma percentagem muito pequena da alimentação total. Da actividade florestal, provém, ainda, lenha principalmente utilizada para o aquecimento das residências. No que concerne ao aproveitamento energético, existe alguma preocupação na utilização de energias renováveis (painéis solares), bem como, em alguns aspectos, na construção de uma maneira ecológica. Anualmente, uma parte da Casa de Santa Isabel, junta-se, a fim de realizar a colheita de nozes, castanhas, uvas e outros alimentos, que, para além de servirem directamente a Comunidade, são vendidos na vila de São Romão, ou utilizados na confecção de pão ou bolachas. A Casa revela uma consciência ecológica também na reciclagem e separação de lixos, na compostagem de resíduos orgânicos domésticos, na recuperação e reutilização de artigos. Existe ainda uma oficina de reciclagem de papel, na qual se elaboram diferentes artigos, tais como cadernos, postais, envelopes, álbuns entre outros. Na compra de produtos alimentares, de higiene, de limpeza, etc., procuram-se artigos saudáveis e pouco poluentes. Há também a preocupação de comprar artigos biológicos e/ou locais, incentivando o comércio tradicional local. A Comunidade fomenta um sentimento de ligação à terra, bem como o respeito e a responsabilidade para com ela, quer através dos procedimentos 109 quotidianos anteriormente descritos, quer através de rituais de agradecimento à mesma (cf anexo 8). Neste sentido, cruzam-se as dimensões ambiental, cultural, social, espiritual. Considera-se também que uma economia saudável e justa, deve ter em conta preocupações ecológicas e sociais. Dimensão Económica Esta dimensão é enquadrada nos princípios que orientam a comunidade, numa perspectiva global, não perdendo de vista valores imprescindíveis como sejam: diversidade, equidade, equilíbrio, qualidade, solidariedade, desenvolvimento, entre outros. Deste modo, não é a dimensão económica que comanda as restantes, mas antes, como foi já mencionado, o equilíbrio e a articulação entre todas, sendo, por vezes, esta delegada para segundo plano, na medida em que a grande finalidade é atingir objectivos de âmbito social, ambiental, cultural e espiritual. São os diferentes grupos de trabalho que, em colaboração com o grupo económico, definem e regulam os orçamentos anuais e outros gastos, procurando satisfazer as necessidades de todos, de uma maneira democrática e justa, tendo consciência das limitações financeiras. Além de algumas doações feitas, sobretudo no início do projecto, a Casa de Santa Isabel tem como principais fontes de financiamento: o Centro Regional de Segurança Social da Guarda _ CRSS da Guarda, o Instituto de Emprego e Formação Profissional _ IEFP e a Direcção Regional da Educação do Centro _ DREC. Há a destacar, ainda, a contribuição de algumas famílias, sempre que possível, e a venda do artesanato, elaborado fundamentalmente no âmbito das diversas actividades ocupacionais e de formação profissional, que não sendo o objectivo principal, faz parte e tem um papel importante no processo de educação, terapia e vivência de todos. Apela-se ainda à criatividade da comunidade para gerar outras fontes de financiamento, dado que "a dinâmica de uma comunidade em desenvolvimento exige sempre a criação de estruturas novas, de novos investimentos, aspecto em que a Casa de Santa Isabel é praticamente dependente de terceiros" (Casa de Santa Isabel, s/d; cf. anexo 6:). Tendo por base o princípio de que o valor do trabalho de cada pessoa não pode ser expresso em dinheiro, associado ao princípio da solidariedade, desde o início do projecto, constituiu-se um fundo social, para o qual, mensalmente, os 110 colaboradores internos21 doam os seus salários, recebendo, também mensalmente, um montante fixo, igual para todos 22 . O montante que se acumula no fundo social é utilizado para diversos fins, de acordo com as vontades conjugadas daqueles que o integram, procurando atender às diferentes necessidades. Por outro lado, o fundo social permite também suportar um maior número de colaboradores e fomentar as entradas financeiras da instituição, através de doações mensais. História Embora a existência formal da Casa de Santa Isabel date do ano de 1981, foi em 1975 que esta comunidade começou a ser pensada, inicialmente através de conversas sobre problemas em educação, entre uma professora primária e o seu professor de alemão – Henrique Weztenfeld –, conhecedor e admirador das escolas de orientação antroposófica. Seguiram-se momentos de diálogo com o senhor Carlos Belo, homem rico e sem herdeiros, que pretendia doar parte dos seus bens a uma obra de cariz humanitário e se entusiasmou com o projecto.23 Reunidas as condições físicas para a sua concretização e, após alguns anos de contactos, surgiu um conjunto de pessoas, inicialmente quatro (entre os quais, um de nacionalidade portuguesa, dois holandeses e uma americana, naturalizada sueca), com vontade de responder ao desafio, contribuindo para dar resposta às graves carências ao nível do acompanhamento e da integração de crianças e jovens com Necessidades Especiais, que a região apresentava. Doações da Holanda e de Portugal24 tornaram, então, possível que, em Maio de 1981, fosse inaugurada a primeira casa – Casa Elias – e, logo no ano seguinte, uma segunda – Casa Gabriel –, ambas destinadas a crianças e jovens. Em 1983, com o contributo da Fundação Calouste Gulbenkian, surge a Escola Micael, sendo no ano seguinte inaugurado o edifício oficinal, com as áreas de tecelagem, olaria, carpintaria e construção civil, além da lavandaria, da agricultura e da cozinha, como áreas pré-profissionais. 21 Consideram-se aqui apenas os colaboradores internos que se liguem mais do que um ano à comunidade. 22 Este montante é estabelecido anualmente, de acordo com um orçamento prévio, no qual são incluídos também os filhos dos colaboradores. 23 A História da Casa de Santa Isabel foi elaborada essencialmente com base em brochuras antigas de divulgação da mesma e conversas informais com alguns dos seus membros. Outras fontes de recolha destes dados, surgem referenciadas ao longo do texto. 24 É de referir que as doações vindas de Portugal se destinaram ao mobiliário e à montagem de painéis solares, sendo os últimos muito pouco comuns na construção daquela época. 111 Nesta época, foi necessária a criação de um novo núcleo, destinado aos adultos, que teve início em 1985, com a recuperação de uma ruína integrada na zona agrícola – Quinta do Formigo –, que foi baptizada de Casa Noé. Esta "constituiu o embrião de uma futura aldeia de adultos" (AA.VV. 2005a: 39). Ambos os pólos se foram ampliando e desenvolvendo, em termos de infra-estruturas, tendo surgido em 2005 o sexto lar residencial – Casa Rafael –, na Quinta do Formigo. Actualmente, encontra-se em construção um anexo à Casa Uriel – o Urielito – e está a ser aumentado o edifício oficinal. O Nome da Comunidade foi escolhido em homenagem à Rainha Santa Isabel, "conhecida pelo seu amor e compaixão pelos pobres e necessitados". Foi também ela "quem introduziu o cultivo do Espírito Santo em Portugal, o que mais tarde levou aos grandes descobrimentos marítimos dos portugueses, nos séc. XV e XVI" (in http://www.casa-santa-isabel.org). Conhecido o contexto da unidade de análise, faremos, de seguida o tratamento e interpretação dos dados, conjugando com o marco teórico-conceptual. 112 5. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS “Num grupo de vários professores que partilham a mesa, conta-me um amigo que, quando estava a fazer o bacharelato em Salamanca, uma professora tinha dividido a turma em vários grupos. Um era o grupo dos olmos. Estes estavam, convenientemente, numerados: “olmo um”, “olmo dois”, olmo três”… Não denominava os alunos e alunas pelos seus nomes, mas sim pelo número de olmo que lhe correspondia. Quem o contava era precisamente um desses olmos. A pergunta inevitável surge de um dos comensais: - Porque vos chamava olmos? - Porque, segundo dizia, não se pode pedir peras a um olmo. Os “olmos” são “olmos” (não se lhes pode pedir, por conseguinte, que dêem peras) não tanto porque têm umas capacidades insignificantes, mas porque estão plantados em terrenos não produtivos. Esta visão encerra um fatalismo que opera destrutivamente. É-se ou não se é “olmo”, independentemente do que se gostaria ou deveria ser. Paulo Freire, no seu belo livro À Sombra Desta Árvore, condena a desesperança e o fatalismo. Rebela-se perante a ideia de que “é necessário dobrar a cabeça porque nada se pode fazer perante o inevitável”. Disse: “Uma das diferenças fundamentais entre a minha pessoa e os intelectuais fatalistas – sociólogos, economistas, filósofos ou pedagogos, pouco importa – está em que, ontem como hoje, jamais aceitei que a prática educativa deveria limitar-se apenas à leitura da palavra, à leitura do texto, mas que deveria incluir a leitura do contexto, a leitura do mundo. A minha diferença está, sobretudo, no optimismo crítico e nada ingénuo, na esperança que me acalenta e que não existe para os fatalistas”. A esperança, diz Paulo Freire, tem a sua matriz na natureza do ser humano. Sendo este inacabado e consciente da sua inconclusão ou, como dizia François Jacob, programado para aprender, não poderia existir sem se mover na esperança. Pôr a etiqueta sobre a mente e o coração das pessoas, dizer que são olmos dos quais não se pode esperar nem sequer uma pêra é instalar-se e pretender instalá-los na desesperança, no fatalismo. Subscrevo o pensamento do pedagogo brasileiro recentemente falecido. “A esperança é a exigência ontológica dos seres humanos. Mais ainda, na medida em que as mulheres e homens se tornam seres de relações com o mundo e com os outros, a sua natureza histórica encontra-se condicionada à possibilidade ou não dessa concretização”. Não há “olmos” na educação. Apenas há “pereiras”, de tipos muito diferentes, certamente, das quais se pode esperar uma boa colheita de frutos se as ajudarem a crescer, se as regarem, adubarem, se as podarem, se encontrarem primaveras na sociedade e na escola que lhes permitam desenvolver-se, florescer. Parafraseando Neruda: a educação faz com os meninos e as meninas o que a primavera faz com as cerejas”. Santos Guerra, 2003 113 Neste capítulo, procederemos, em simultâneo, à apresentação, análise e interpretação dos dados recolhidos através das diversas técnicas utilizadas _ observação naturalista participante, análise documental, entrevistas semi-estruturadas e conversacionais-informais, e inquérito por questionário. No decurso da investigação, a complexidade e multiplicidade do campo educativo ambiental na Casa de Santa Isabel foi adquirindo sentido e configurando um todo integrado que optámos por dividir em temáticas ou categorias, num sentido de estreitamento e de aproximação à Educação Ambiental na unidade de análise, terminando com algumas considerações dos actores da Comunidade sobre as suas perspectivas futuras. Visto que o caminho traçado para a recolha dos dados sobre cada temática assumiu algumas especificidades, pareceu-nos pertinente, em alguns casos, referir, de novo, aspectos relativos ao procedimento metodológico. Apresentaremos, de seguida, a análise e interpretação dos dados, acompanhando-a com imagens de registos fotográficos obtidos na Casa de Santa Isabel que, a nosso ver, contribuem para tornar esta reflexão mais viva e mais próxima da realidade. 5.1. Visão Global da Casa de Santa Isabel como comunidade de vida e como comunidade terapêutica A descrição da Casa de Santa Isabel, apresentada no enquadramento contextual desta investigação e elaborada, principalmente, através da análise de documentos internos e externos à mesma, constitui o primeiro passo da análise dos dados recolhidos, possibilitando uma visão global da Comunidade. A esta perspectiva, trazemos agora à colação outros elementos, que constituem, essencialmente, o rosto e a voz dos seus actuais actores. Tanto no inquérito por questionário como nas entrevistas semi-estruturadas, a primeira questão não remetia directamente para a Educação Ambiental, mas antes para a visão global da comunidade. Nos questionários, a afirmação inicial adaptada 114 de textos escritos por elementos da própria comunidade, era a seguinte: "A Casa de Santa Isabel pretende proporcionar a cada pessoa a possibilidade de realização do seu potencial, em harmonia consigo mesmo, com os outros e com o meio". Metade das respostas revelam concordar plenamente com a afirmação, enquanto nas restantes os inquiridos manifestam concordar (não plenamente). Os dados obtidos através das entrevistas vão neste mesmo sentido, destacando uma grande parte dos entrevistados: a existência de relações de proximidade entre companheiros e colaboradores; a partilha e o atendimento uns aos outros; a abordagem ao individuo como um todo, nas suas várias dimensões e o respeito pela sua individualidade, bem como o interesse pela formação dos companheiros para a vida. Torna-se, assim, visível uma abordagem educativa com e para a convivência, a cidadania, os valores, sendo também inclusiva (olhando a cada um e ao todo e tendo em conta uma perspectiva de continuidade, de educação para a vida). A actuação da Comunidade parece ainda estar de acordo com o que refere Baptista (2008) que, a propósito da intervenção sócio-educativa, considera que esta não pode ser reduzida a uma “pedagogia de socorro” para os excluídos, devendo encontrar-se uma outra lógica de acompanhamento das trajectórias de vida baseada na educação e na solidariedade social. Todos somos “sujeitos de ajuda” e todos necessitamos “de ser salvos”, tendo consciência de que "ninguém se salva sozinho". Transcrevemos de seguida algumas falas sobre a Casa de Santa Isabel, que elucidam os aspectos acima referidos: "Esta casa foi bem construída para as pessoas que aqui estão. É exacta para as pessoas que aqui estão (...) Gosto de cá estar. Gosto das pessoas que aqui estão"(Ser). " (...) eu, de facto, vejo a Casa de Santa Isabel como uma Comunidade, como um grupo de pessoas que partilham o mesmo espaço (...) o que eu mais admiro, o que eu considero mais interessante é, em primeiro lugar, o respeito que há pelos alunos (...), o respeito que têm por eles e o interesse que manifestam também pela sua verdadeira formação" (Ligação). "Para mim é um lugar especial e misterioso, porque à primeira vista estamos aqui para atender as pessoas com necessidades especiais, mas, hoje em dia, quase todas as pessoas têm necessidades especiais. Então, nós estamos a atender-nos uns aos outros e é isto que eu acho especial. Podemos aprender muito uns com os outros (...)" (Todo). 115 "Sinto que há ali uma vontade e também uma ligação bastante forte das pessoas que estão lá a viver. Também, pelo facto de estarem lá a viver... Isso proporciona outras oportunidades de relacionamento. Parece-me, ainda, que as pessoas que lá estão, com necessidades especiais, estão bastante estimuladas e têm, acho eu, um nível de percepção das coisas bastante elevado" (Presença). "Acho que é de louvar o trabalho que fazem, a integração que fazem, o esforço que é visível e depois também a tentativa de conseguir a integração de todos aqueles alunos na comunidade, tentando dar-lhes sempre uma orientação para a vida. (...) Não me posso também esquecer das actividades culturais que organizam e da forma como todos são envolvidos" (Lar). "Eu, como colaborador interno, vejo-a mais como comunidade de vida. É evidente que também é terapêutica, mas é terapêutica para todos, colaboradores e alunos. (...) Escola e terapêutica é a vida. Pedagogia é a vida, é o dia-a-dia. Está tudo integrado" (Tudo). "Como comunidade terapêutica, embora não tenha formação adequada para me pronunciar, penso que abordam o indivíduo como um todo – espírito, corpo e mente –, o que só pode ter vantagens terapêuticas. Existe um grande respeito pela individualidade, o que penso também ser vantajoso. Como comunidade de vida, encontrei laços verdadeiros de afecto e de partilha, guias morais, respeito pela individualidade de cada um e não uma atitude de compaixão triste. O respeito pela opinião/iniciativa dos colaboradores, no sentido de independência, é estimulante para o trabalho nas diferentes casas" (Ponte). "Como comunidade terapêutica, gosto muito da forma como se realiza o trabalho" (Ninho). "Uma instituição onde vivemos todos juntos, onde me sinto bem (há 25 anos)" (Fundação). "A Casa de Santa Isabel para mim é tudo. Aqui fazemos muita coisa dentro e fora. (...) Onde nós conseguimos fazer boas coisas, uns ensinam umas coisas, outros, outras e, quando nós quisermos, podemos convidar muita gente" (Sorriso). Da parte dos companheiros – Cor, Fundação e Sorriso –, é visível uma grande ligação e satisfação com a vida na Comunidade. Um aspecto considerado algo negativo, sublinhado por alguns colaboradores e voluntários, sobretudo aqueles que não estão desde os primeiros passos da comunidade, prende-se com alguma falta de comunicação entre as casas, bem como 116 entre as casas e as oficinas. Quando refere a independência do trabalho entre as várias casas da comunidade, "Ponte" acrescenta: "Mas também pode ser contraproducente, pois cada casa parece viver um pouco fechada sobre si, sendo que também há uma separação clara entre a vida das casas de São Romão e das casas do Formigo". Por sua vez, "Ninho", afirma: "Como comunidade de vida, há coisas boas e há coisas más, alguns problemas de comunicação. Algo poderia ser feito em relação à distribuição das tarefas, haver mais ligação entre as casas e as oficinas (...). É um projecto de vida bonito, que está a precisar de uma força nova, que continue o caminho da Casa de Santa Isabel". Ao longo da nossa estadia na Casa de Santa Isabel, fomos observando e ouvindo, em pequenas conversas, referências similares às que transcrevemos das entrevistas. Actualmente, pela maioria das pessoas que integram a comunidade, bem como pelos elementos externos entrevistados 25 , é enfatizada, principalmente, a dimensão social, de partilha, de vida terapêutica, de educação e de respeito pela individualidade, na vida em comunidade. É de sublinhar que, apesar da primeira questão da entrevista ter sido de carácter global, os inquiridos sabiam que se enquadrava num trabalho sobre Educação Ambiental, o que poderá, de alguma forma ter condicionado esta resposta. No entanto, houve nesta etapa apenas uma referência clara ao ambiente, feita por "Pólos", que caracteriza a Casa de Santa Isabel como "um espaço integrado, um espaço onde se tenta não só responder às necessidades dos alunos e companheiros que nos estão confiados e procuram ampliar as suas aprendizagens com a sua formação, mas um espaço que tenta também, sob o ponto de vista paisagístico e de organização ambiental, corresponder às questões do mundo moderno. Apostamos na diversidade, apostamos em conhecer a diversidade que nos rodeia, porque nós seres humanos também somos diversidade e se conhecermos essa diversidade estamos a conhecer-nos também a nós próprios". Sublinhamos, contudo, que textos redigidos por elementos da comunidade, bem como alguns artigos de imprensa sobre a mesma, enfatizam a vertente ambiental na descrição da Comunidade (cf. anexo 5, artigo 2). As imagens que se seguem (a roda de mãos é um dos símbolos utilizados para representar a Comunidade; as restantes fotografias foram obtidas em festas e encontros ocorridos na Casa de Santa Isabel) ilustram as dimensões de relação 25 Salientamos novamente o facto dos entrevistados externos terem sido, apenas, pessoas relacionadas com a educação e/ou educação ambiental, nomeadamente CISE, CERVAS e Escola Evaristo Nogueira. 117 humana, de proximidade e respeito, de partilha, de convívio e de festa, acima mencionadas. Fotografia 2. A relação humana, a partilha e a festa na Casa de Santa Isabel Fonte: Casa de Santa Isabel, 2008. Não podemos deixar de referir o reconhecimento que a Comunidade tem tido na região. No ano 2006, aquando do 25º aniversário da Casa de Santa Isabel, o município de Seia atribui-lhe uma moção/voto de louvor, "realçando o mérito da sua actividade junto dos seus membros e junto da comunidade em geral" (cf. anexo10). Mais recentemente, em 3 de Julho do corrente ano, esta autarquia assinalou o 22º aniversário da elevação de Seia a cidade, e concedeu à Comunidade a Campânula de Mérito e Dedicação, felicitando-a, novamente, pelas actividades que tem vindo a desenvolver na comunidade envolvente e, particularmente, pelo apoio prestado a crianças, jovens e adultos com Necessidades Especiais. À semelhança de outras Comunidades e Comunidades Terapêuticas, a Casa de Santa Isabel procura ter uma estrutura horizontal e incentivar a participação de todos na organização da vida. Embora, na prática, existam hierarquias e o processo de decisão recaia, muitas vezes, sobre os membros da direcção, há uma preocupação constante em ouvir e dialogar e de envolver as pessoas de forma activa nas 118 actividades da comunidade. Ainda no que respeita à organização interna e à vivência quotidiana da comunidade, esta assemelha-se muito às comunidades Camphill, baseando a sua actuação na antroposofia e nas vertentes práticas da mesma, nomeadamente a pedagogia curativa e a sócio-terapia. Difere da generalidade das comunidades terapêuticas de inspiração norte-americana, aproximando-se mais das de tradição europeia, inspiradas no modelo de Maxwell Jones, na medida em que pretende criar um ambiente/cultura terapêutica, participada por todos, apelando à responsabilidade e ao desenvolvimento da autonomia e do potencial de cada um. Como comunidade de vida, tal como as comunidades intencionais e também algumas comunidades terapêuticas abordadas no enquadramento contextual do presente estudo, procura alternativas para alguns aspectos que caracterizam a tendência de vida actual. Destas, destacamos as seguintes: o sistema de organização social em comunidade pequena, de apoio mútuo, de partilha e de solidariedade; a tentativa de viver uma vida mais tranquila e saudável; a preocupação em desenvolver uma relação equilibrada com o ambiente e a criação de um sistema económico alternativo mais equitativo e com um fundo social comum, que atende às necessidades individuais e do todo. Quando questionados acerca do que os motivou a integrar a Casa de Santa Isabel, em consonância com os aspectos antes referidos, alguns colaboradores responderam: "Em relação ao que me motivou, eu tinha trabalhado como voluntário numa quinta biodinâmica, também com este tipo de população (...), onde éramos muitos capitães num barco. Eu tinha os meus 28 anos e queria mesmo fazer alguma coisa e estava aberto ao que poderia surgir. E quando soube que aqui havia um projecto a ser criado de raiz (e eu não tinha formação nesta área), que tinha como base a antroposofia, que tinha uma estrutura horizontal e com um fundo social, que estava aberto a analisar as necessidades, em vez de fazer simplesmente um pagamento por escalões, então isto foi o que me motivou" (Todo). "Principalmente uma vontade de entrega e de partilha de algo que tínhamos dentro e que sentíamos que podia ajudar. Também voltar a sentir que, dentro do mundo ou das vidas tão automáticas, se podia romper essa inércia e fazer algo diferente" (Ninho). "Pertencia a um grupo cultural chamado "Projecto arte e cultura" (grupo de jovens que queria lutar um pouco contra a pasmaceira cultural que havia aqui). Isto em 80/81. Foi através deles que conheci a Casa de Santa Isabel e a sua vivência e decidi, logo que terminei a tropa, ir experimentar e gostei tanto que acabei por ficar e decidi que os meus estudos seriam através da auto-educação. (...) Andava também em busca de coisas novas, 119 coisas diferentes. (...) Logo, desde o início, a vivência diferente da Casa de Santa Isabel chamou-me para aqui" (Tudo). No que respeita à evolução da comunidade ao longo dos tempos, parece verificar-se, tal como referem Broekaert et al. (2000), em relação às comunidades terapêuticas, de uma forma geral, uma tendência para a abertura ao meio e para o trabalho em rede com outros organismos externos, bem como para a diversificação e flexibilização na organização da vida e de tratamento e/ou educação, embora tentando manter a sua identidade. Retomaremos este aspecto no tema "Relação com o exterior e Educação Ambiental da comunidade envolvente". Deste modo, rematamos esta visão global com uma reflexão de "Todo", durante a entrevista, que elucida a tendência sublinhada pelos autores referidos. Em resposta a uma questão sobre a relação com o exterior, "Todo" afirma: "É cada vez mais. Ultimamente nós reconhecemos que havia aí uma falha e agora há cada vez mais este intercâmbio. (...) A comunidade envolvente está também a acordar para necessidades deste tipo, de criar relações. Aliás, isto foi também o tema internacional daqueles encontros onde eu vou uma vez por ano representar Portugal. Lá, o tema, durante três anos, foi "Núcleo e Periferia", ou seja, como uma instituição antroposófica pode manter a sua identidade e não tornar-se uma coisa como todas as outras, no entanto, mantendo esta consciência, que no fundo queremos, de estar muito abertos a tudo o que se passa à volta. Então, é um tema que está presente na consciência de muita gente." A este propósito, também Baptista (2006:245) sublinha: “A comunidade é o lugar humano onde se aprende a ser próximo do próximo. Um lugar feito de vizinhanças e de histórias comuns. Um lugar povoado de odores, de sons, de rituais, de gestos de culto, de festas, de aflições, de partilhas, de narrativas, de obras, de abraços, de risos e de choros. E, nesta medida, um lugar de familiaridade e de pertença. Não é possível promover o capital social e cultural das comunidades, sem honrar a densidade antropológica dos espaços habitados por gente concreta, de gente com problemas, conflitos e vontades de ser. Os laços humanos carecem de um enraizamento comunitário. (…) Tal como as pessoas, as comunidades envelhecem quando se fecham sobre si próprias, quando escolhem viver de costas voltadas para as interpelações do mundo”. 120 5.2. Concepções de Educação Ambiental No estudo de caso da Casa de Santa Isabel, considerando as pessoas que nele participaram (elementos internos e externos à Comunidade), também como investigadores-actores, procurámos, antes de abordar a problemática da Educação Ambiental, conhecer as suas concepções numa perspectiva global. Pretendíamos, assim, olhar a realidade Educativo-Ambiental através dos olhos destes actores, no intuito de conhecer e compreender a sua perspectiva e, ainda, partilhar concepções e significados, que nos permitissem um melhor entendimento e aprofundamento da Educação Ambiental naquele contexto. As entrevistas semi-estruturadas constituíram a principal fonte directa de concepções de Educação Ambiental. No entanto, nem todas as entrevistas abordaram este aspecto, dado o seu carácter aberto e flexível, bem como o facto da expressão/comunicação, sobretudo com os companheiros, ter sido, por vezes, difícil. Apresentamos, de seguida, algumas concepções de Educação Ambiental referidas pelos inquiridos: " Educação Ambiental é tudo. É esta vivência diária que nós temos com os alunos. Nós fazemos parte do ambiente, tal como fazem os animais e as plantas. Todos nós fazemos parte do ambiente. Então, a Educação Ambiental deve ser uma coisa que é muito ligada à vida, ao dia-a-dia e que tem que estar na nossa presença sempre. E, depois, há esses clichés – a reciclagem, a protecção da natureza, o não fazer lixo aqui e ali, procurar em vez de ter uma agricultura agressiva, ter antes uma agricultura biológica. Na verdade, para mim é um bocado difícil falar sobre Educação Ambiental, porque a Educação Ambiental para mim é tudo. É a vida. Faz parte do nosso dia-a-dia" (Tudo). "Para mim, a Educação Ambiental e a educação para a cidadania andam paralelas uma à outra, muda um pouco de nome, mas, na verdade, actualmente a Educação Ambiental sobe em cima da educação para a cidadania. (...) Para mim, a Educação Ambiental entra num âmbito completo da educação que, no fundo é o que fazemos aqui, de um modo geral" (Vida). "Educação Ambiental é, de facto, conhecer o que nos rodeia. É compreender que há ecossistemas, que a vida não acontece por si, que a vida está presente, mas 121 para que outras espécies se possam manter é necessário que os equilíbrios não sejam perturbados" (Pólos). "Eu entendo que a Educação Ambiental é criar consciência nas pessoas de que temos uma responsabilidade pelo nosso mundo, de que a terra é um organismo vivo e de que podemos prejudicar o organismo terra e, no fundo, a nós também e a toda a criação, toda a natureza, se continuamos a actuar de uma maneira muito egoísta, a utilizar, em vez de conviver. Esta, acho que é a grande tarefa da Educação Ambiental, a de despertar esta consciência de que a terra não é para tirar coisas, mas para cultivar e para utilizar e criar, tendo sempre na consciência o futuro e não fazendo uma agricultura que deixe a terra pior para as próximas gerações do que estava quando nós começámos a trabalhar" (Todo). "É um conjunto de princípios, valores e acções, que têm como objectivo ensinar a melhorar, manter e conservar o meio ambiente em que vivemos, tomando consciência da importância que isto tem, para nós e para as gerações futuras" (Ninho). "Para mim, a Educação Ambiental é a aprendizagem dos ritmos e processos naturais, de modo a interagir com o ambiente de forma sustentável e equilibrada, de maneira a que perdure a coexistência de todas as formas de vida" (Ponte). "Assim de uma forma muito resumida, a Educação Ambiental é a capacidade que as pessoas têm de absorver conceitos e aprender informações relacionadas com a participação de cada indivíduo, a nível pessoal, em pequenas acções do dia-a-dia, principalmente e, na relação que isso tem com a conservação da natureza, dos recursos naturais e do ambiente a nível global. É o acto que cada um pode ter, que contribua para uma acção generalizada e isso só pode ser percebido, quando há quem ensine, mas, acima de tudo, as pessoas que aprendem têm que ter sido preparadas para tal" (Presença). "Eu definiria Educação Ambiental como um modo de aproximar as pessoas das questões relacionadas com o ambiente, sejam animais, sejam plantas, seja a protecção do ambiente. E isto pode ser feito de vários modos, desde uma simples conversa de café, passando por coisas mais complexas, como conferências e acções mais especializadas e mais estruturadas. No fundo, sensibilizar para as questões do ambiente" (Água). "Se, de facto, a Educação Ambiental não for um processo, que possa ser ensinado, para poder ser apreendido, partilhado, construído e com uma orientação 122 teórico-prática, se calhar não conseguimos promover o equilíbrio dos ecossistemas. Se isto não for uma preocupação de todos e de cada um, a começar pela relação das pessoas entre si, passando pela relação destas com o ambiente, de facto, se não for por aqui, não chegamos lá. (...) Não basta fazer sensibilização. Tem que haver acção e as pessoas têm que ver. As acções também não podem ser pontuais, têm que ser uma prática do dia-a-dia. (...) São pequenos gestos que fazem toda a diferença. Não são as grandes manifestações, que se fazem com data e hora marcada e com foguetes lá pelo meio. É pela acção diária" (Lar). Na interacção com as pessoas, ao longo da vivência na Casa de Santa Isabel e, concretamente, durante as entrevistas, apercebi-me da dificuldade generalizada de traduzir em palavras, de forma clara, completa e sucinta, o campo complexo da Educação Ambiental. À semelhança do que sucede na literatura sobre o tema e que configura o panorama actual e a evolução deste constructo, as concepções de Educação Ambiental dos actores do estudo são diversas. Não há um padrão comum na Comunidade, nem uma distinção clara entre as concepções provenientes de dentro e de fora desta. Há pontos de convergência, mas também algumas diferenças ao nível dos aspectos realçados por cada um. Enquanto alguns inquiridos salientam o "criar consciência" (Todo), "absorver conceitos e aprender informações" (Presença), "conhecer o que nos rodeia" (Pólos), remetendo para uma vertente mais cognitiva e/ou analítica da Educação Ambiental, outros referem-na como "um conjunto de princípios, valores e acções" (Ninho), "uma prática do dia-a-dia", "um processo (...) aprendido, partilhado e construído" (Lar), percepcionando assim, uma dimensão mais prática e valorativa. Algumas concepções apresentam um óptica naturalista e/ou conservadorista da Educação Ambiental, bem patente, por exemplo em "Presença". Podemos ainda observar uma visão mais integradora e, em alguns casos, holística, com um enfoque principalmente ecológico, considerando o homem como parte do ambiente vivo, com o qual interage _ "fazemos parte do ambiente" (Tudo); "a terra é um organismo vivo" (Todo); "compreender que há ecossistemas, que a vida não acontece por si, que a vida está presente" (Pólos). Principalmente em "Todo" e em "Vida", é visível uma concepção da Educação Ambiental como filosofia de vida, fundindo-se com «outras educações» (Vida) e, no fundo, com a vida, a principal educadora e pedagoga, visível nas palavras de "Tudo", anteriormente transcritas: 123 "Escola e terapêutica é a vida. Pedagogia é a vida, é o dia-a-dia. Está tudo integrado". Estamos, contudo, conscientes de que a situação de entrevista, nem sempre proporciona uma resposta reflectida, sendo, por vezes, parcial. No decorrer das entrevistas, partilhámos significados e reflectimos em conjunto, permitindo aprofundar possíveis concepções. Foi mais ou menos consensual e aceite por todos os inquiridos, a concepção que apresentámos, enfatizando os seguintes aspectos: - Ser um processo pedagógico, que pode utilizar diferentes estratégias, devendo ser continuado, integrando o dia-a-dia das pessoas, e adequar-se às características do público-alvo; - Não se cingir ao nível do conhecimento e da consciência, actuando também nas dimensões do sentimento e da acção; - Problematizar o conceito de equilíbrio dinâmico, articulando com a preocupação pelo futuro e pela vida das gerações futuras (vegetais e animais, incluindo as humanas); - Integrar o ser humano nos ecossistemas, acentuando a relevância da qualidade das relações entre os seres humanos, essencial para a vida e para o educativo-ambiental, bem como em qualquer dimensão educativa. A articulação entre a política, a economia, a cultura e o ambiente, no âmbito da Educação Ambiental, foi apenas abordada de forma muito superficial nas entrevistas. Numa primeira fase de estudo, pretendíamos, sobretudo, conhecer e compreender as concepções mais «imediatas» e globais acerca do tema, identificando, deste modo, aspectos que podem ser abordados num estudo posterior, mais aprofundado. 5.3. Educação Ambiental na Comunidade Desde a primeira visita à Casa de Santa Isabel, entre vários aspectos, chamounos à atenção o estilo de vida de partilha, o meio ambiente/espaço vivo e simbólico em que se vive, a relação dos seres humanos com este, bem como a organização e gestão ambiental desenvolvidas pela comunidade. Estudar e aprofundar a temática da 124 Educação Ambiental neste contexto (conceito que não parecia fazer parte do vocabulário quotidiano da Comunidade, embora integrando a prática), surgiu, assim, como um desafio interessante, que fomos aprofundando durante a nossa vivência, desde Janeiro, na Comunidade. A observação e o envolvimento na vida do dia-a-dia, como observador participante, permitiram não apenas reflectir como elemento externo, mas viver a experiência daquilo que constitui a Educação Ambiental na Casa de Santa Isabel. Numa primeira etapa, através da observação e de conversas informais, apercebemo-nos da diversidade de domínios de actuação da Educação Ambiental ali desenvolvida, configurando-a como um campo complexo e amplo, cujo estudo deveria conjugar várias áreas e abordagens. Dada a escassez de tempo para um estudo exaustivo, optámos, como mencionámos já no ponto anterior, por considerar os actores da Comunidade como investigadores da sua própria realidade, reflectindo com eles acerca da Educação Ambiental naquele contexto. Deste modo, procurámos entrevistar pessoas que trabalham e/ou vivem em áreas distintas da Comunidade, a fim de obter uma visão mais abrangente e mais fiel à realidade da Casa de Sana Isabel como um todo. No início de Junho do corrente ano, elaborámos uma síntese dos aspectos observados ao longo da nossa estadia na Casa, que apresentamos de seguida, relativos às dimensões ambiental e educativa da comunidade, a que posteriormente acrescentámos alguns detalhes. Como o nosso trabalho foi principalmente na escola, demos uma maior atenção a este contexto. Escola (abordagem baseada na pedagogia Waldorf e na pedagogia curativa) (cf. fotografia 3) - Vivência dos ritmos da terra (alusão constante e descrição das estações do ano, representando-as em conjunto com algumas celebrações anuais cristãs na "Mesa da Estação"26; observação e vivência do meio envolvente, sendo feitos alguns passeios ao exterior); - Estímulo à criatividade e à fantasia, através de estórias e de trabalhos artísticos, entre os quais, a música, a pintura e diversos tipos de trabalhos manuais, utilizando materiais naturais, como a lã, a madeira e o barro; 26 A "Mesa da Estação" é um espaço que representa a época do ano, de acordo com as estações e algumas celebrações cristãs, no interior dos diversos lares e oficinas. Esta é adornada com pinturas, fotografias, elementos da natureza, objectos significativos etc. 125 Fotografia 3. Escola Micael Fonte: casa de Santa Isabel, 2008. - Ideal de abordagem educativa visando o desenvolvimento integrado das várias dimensões do ser humano, em harmonia consigo, com o outro e com o seu meio (perspectiva holística); articulação entre o sentimento, o pensamento e a vontade; - Turmas pequenas (menos de 10 alunos) e heterogéneas, apenas com alunos considerados com Necessidades Educativas Especiais, havendo uma relação de proximidade com as professoras; - Participação na gestão do ambiente escolar (dentro e fora da sala de aula) . tarefas diárias: regar as plantas, limpar a sala de aula, mudar o lixo; . sementeiras na sala de aula; . dedicação ao jardim da escola (embora reduzida); . dedicação à mesa da estação. - Poesia (em jeito de oração) e músicas com conteúdos relacionados com a natureza e com os ciclos da vida (cf. anexo 8). 126 Comunidade (abordagem baseada na pedagogia curativa e na sócio-terapia) - Referência constante à natureza e seus elementos em diversos poemas, ditos diariamente, em grupo, em jeito de oração e de agradecimento; - Reciclagem, compostagem e recuperação de algumas coisas em segunda mão, integradas no quotidiano e realizadas por todos (colaboradores e companheiros) (cf. fotografia 4); - Separação de águas: água da fonte (de uma mina) para beber, cozinhar, etc. e água canalizada da rede para outros fins; - Utilização de painéis solares, vidros duplos, sistemas de aquecimento a lenha (alguns com grande aproveitamento, sendo a lenha proveniente de uma gestão sustentável da floresta, efectuada por companheiros e colaboradores, essencialmente, no âmbito de uma formação profissional e ocupação/trabalho em silvicultura), entre outros aspectos que caracterizam a arquitectura orgânica e a construção ecológica; - Agricultura biológica (constitui uma pequena parte do alimento da Comunidade, integra a formação profissional de elementos externos e é também ocupação de alguns companheiros e colaboradores); Fotografia 4. Horticultura, elaboração de preparados terapêuticos e silvicultura Fonte: Casa de Santa Isabel, 2008. 127 - Horta de plantas medicinais e aromáticas (que constitui também ocupação de alguns companheiros e colaboradores e a partir da qual se elaboram chás, óleos, pomadas, entre outros, para a comunidade e também para venda). Estes são também elaborados a partir de outras plantas silvestres locais, recolhidas anualmente por grupos de colaboradores e de companheiros (cf. fotografia 4); - Formação profissional e/ou ocupação dos companheiros em padaria (em forno a lenha), carpintaria (que abordaremos mais à frente, dando voz ao formador), silvicultura (gestão sustentável da floresta: reflorestação, abate selectivo de árvores e utilização da madeira para a comunidade, compostagem do material vegetal resultante da limpeza das matas) e cozinha (fundamentalmente vegetariana, procurando que seja saudável na forma de confecção; tenta-se, também, utilizar produtos biológicos e/ou locais) e construção civíl (cf. fotografia 4 e 5); - Tecelagem, onde trabalham, sobretudo, companheiros (preocupação na utilização de lã local, comprada directamente aos pastores ou às fábricas da região; em alguns trabalhos segue-se o processo tradicional de lavagem e tingimento, utilizando, por vezes, materiais naturais como as cascas da cebola, seguindo-se a cardagem ou fiação...) (cf. fotografia 5); - Oficina de Papel Reciclado, onde trabalham maioritariamente companheiros (utiliza restos de papel dos lares e oficinas, bem como do exterior da Comunidade; uso também de materiais vegetais, como canas de milho, talos de alho e de cebola, folhas de algumas plantas...) (cf. fotografia 5); - Preocupação com a proveniência e a forma de consumo, procurando consumir artigos biológicos e/ou locais, de uma forma regrada; - Loja local, onde são vendidas vários «produtos» de artesanato criados na comunidade; havendo ainda outras formas de distribuição dos mesmos, nomeadamente, através de contactos informais (cf. fotografia 5); - Criação, no presente ano, de um novo percurso pedestre na mata da Casa de Santa Isabel, por alunos de uma escola alemã que visitaram a comunidade durante alguns dias; - Realização de passeios, principalmente na região da Serra da Estrela, 128 alguns dos quais interpretativos do meio ambiente, em colaboração com o CISE; - Interacção com o exterior (visitas de externos à comunidade e vice-versa), existência de acordos e parcerias com vários organismos e participação em projectos e eventos, tais como, feiras de agricultura biológica, feira Antiga de São Romão, feiras de artesanato, campeonatos desportivos, intercâmbios, projectos escolares locais, actividades em parceria com o CISE, participação no "Dia Eco-Escolas", participação no "Cine-Eco", etc. Fotografia 5. Artesanato da Casa de Santa Isabel Fonte: Casa de Santa Isabel, 2008. Quando fizemos esta síntese estávamos conscientes que a maioria dos 129 aspectos se coadunavam directamente com a gestão ambiental, porém, questionávamo-nos acerca do seu carácter educativo-ambiental. Era, também, nosso intuito articular de uma forma mais clara as dimensões ambiental, social e económica da Casa de Santa Isabel. Contudo, considerámos prioritário compreender as concepções das pessoas envolvidas no estudo sobre a Educação Ambiental na Comunidade. De seguida, faremos uma análise conjunta dos dados obtidos através das entrevistas semi-estruturadas e dos inquéritos por questionário. Em ambos os casos, partimos de uma definição de Educação Ambiental, da nossa autoria. Sublinhamos a dificuldade em encontrar um conjunto de palavras claro e objectivo, que traduzisse, de forma coerente, o todo da Educação Ambiental, de modo a ser partilhado e compreendido por um público tão diverso. Teria sido importante salientar a dimensão social e humana e, talvez substituir o termo equilíbrio por outro mais objectivo. Apesar de nas entrevistas haver espaço de diálogo, de esclarecimento e de problematização dos conceitos, o mesmo não aconteceu nos inquéritos por questionário. Isto poderá ter influenciado algumas respostas. No início do mês de Julho, altura em que decorreram as entrevistas, considerámos que não era importante questionar sobre a existência ou não de Educação Ambiental na Casa, mas iniciar esta temática com uma questão acerca da forma como ela é vivida neste contexto. Embora as repostas tenham sido diversas, assumindo alguns dos inquiridos que a aproximação ao tema varia entre as pessoas da Comunidade, a maioria dos entrevistados referiu algumas das dimensões ambientais acima mencionadas, destacando-se as seguintes áreas: agricultura e horticultura biológicas, silvicultura (sobretudo a reflorestação), reciclagem e compostagem dos resíduos domésticos. Foi, também, bastante referida a preocupação em consumir produtos biológicos e/ou locais, bem como um consumo energético regrado e proveniente de fontes pouco poluentes. Sobre este último aspecto, foram reconhecidas algumas lacunas, nomeadamente, o facto de grande parte dos painéis solares não estarem a funcionar convenientemente e os desperdícios energéticos devido ao sobreaquecimento em algumas casas. É de salientar que, nos inquéritos por questionário, os exemplos mencionados pelos inquiridos em resposta à presença da Educação Ambiental no quotidiano da comunidade, foram semelhantes aos obtidos nas entrevistas, referidos neste parágrafo. 130 Embora havendo uma tendência para sublinhar apenas aspectos relativos à dimensão ambiental, quando questionados por nós acerca da sua conjugação com a dimensão educativa, os inquiridos referiam, principalmente, a existência de uma "educação através do exemplo" e de uma "educação prática, presente no dia-a-dia". As falas que se seguem, elucidam bem esta visão: "Ali, vocês estão a ensinar a aplicar e depois há todo um contexto de relação com a natureza – o bosque, a horta..." (Presença). A Educação Ambiental ocorre de forma integrada. (...) Os alunos já vivenciam isto como vivenciam a sua refeição. É uma coisa que faz parte deles, do seu dia-a-dia, é uma prática comum, como levantar-se de manhã, lavar os dentes, fazer o pequeno-almoço e as limpezas... esta parte ambiental faz também parte disso. (...) É uma educação através do exemplo. (...) Nós aqui nunca sensibilizamos muito, é verdade, porque nós naturalmente já fazemos isso (Tudo). "Aqui respeito as coisas e as pessoas, como elas me respeitam a mim. (...) Quando volto a casa parece que estou no meio de uma floresta e quando venho para aqui, já parece que estou paraíso. (...) (a respeito da reciclagem) Aqui, se calhar, sempre fizeram. E eu fui vendo, fui vendo e fui-me habituando e fazendo. (...) Agora já estou habituado e se sair daqui, não vou deixar de fazer" (Ser). Ao referir a evolução da abordagem educativo-ambiental na Comunidade, alguns inquiridos acrescentam outros aspectos do processo educativo e da relação com o ambiente, remetendo-nos para uma concepção da educação holística e, de alguma forma, também naturalista: "Esta consciência ambiental já vem desde o início da comunidade. (...) A ligação à natureza e as preocupações ambientais fazem parte da vivência pedagógica e terapêutica com os alunos, fazem parte da nossa vida. Sempre existiram" (Tudo). "Eu acho que, em geral, tinham uma preocupação com uma educação holística. (...) Como eu disse, nós, socialmente e também em termos de natureza, tentamos ser um núcleo saudável. É mais isto. A consciência ambiental acho que foi crescendo com o tempo e com a sociedade. E eu estou também convencido, Mariana, de que quando as pessoas estão felizes e contentes, têm menos necessidade de consumir. (...) E, se calhar, quando as pessoas com deficiência mental, que normalmente têm um destino pesado, encontram aqui um ambiente onde estão integradas de uma maneira boa e humana, também desaparecem um pouco estas 131 angústias e medos. E isto começa aí também. Quando as pessoas estão em paz, estão também melhor inseridos no seu meio ambiente e daí consomem menos... Isso entra em tudo também" (Todo). "É claro que eu tenho uma maior proximidade das pessoas da Casa de Santa Isabel que têm uma maior simpatia pelas questões do ambiente e também da Educação Ambiental. (...) Das pessoas com quem eu lido mais proximamente, eu posso dizer-te que sinto por parte destes colaboradores um grande respeito, um respeito enorme pela natureza. (...) E isto é uma das coisas que mais me toca na relação com a Casa de Santa Isabel (...). E esse respeito reflecte-se também no respeito que a Casa de Santa Isabel tem pelos alunos e pelas pessoas que trabalham com ela. Acho que este é um dos pontos mais importantes. Depois, também me parece que têm uma visão bastante abrangente em relação ao ambiente. A sua abordagem não se resume a um ou dois temas, tendo em consideração várias áreas naturais muito diversificadas, que vão desde a água, às árvores, às aves, aos cogumelos. É, portanto, uma visão muito integradora da natureza. Normalmente, os programas de Educação Ambiental estão orientados para um tema em particular e com a Casa de Santa Isabel isto não acontece. É tudo muito transversal. (...) Mas, como eu disse, eu não tenho uma percepção muito abrangente do que se passa na generalidade das casas, mas conhecendo como funciona a Casa de Santa Isabel, parece-me que a Educação Ambiental estará obrigatoriamente presente em todos os aspectos, desde a forma como cozinham, como cuidam da casa, como cuidam dos espaços" (Ligação). Os dados obtidos através dos inquéritos por questionário, aplicados aos grupos de colaboradores e voluntários de cada lar residencial, vêm reforçar esta perspectiva. Sublinhamos a existência de um questionário, entre os seis, cujos dados se destacam, apresentando apenas respostas de discordância ou ausência de opinião, para além de não terem preenchido nenhuma das questões de resposta aberta. Das afirmações apresentadas no questionário, as que melhor parecem caracterizar a Educação Ambiental na Casa de Santa Isabel, dada a grande concordância manifestada, são as seguintes: "A Educação Ambiental insere-se na filosofia de vida da comunidade" (três repostas "concordo plenamente", duas "concordo" e uma “sem opinião”); "A Educação Ambiental integra o quotidiano da Comunidade" (quatro respostas "concordo", uma "concordo plenamente" e uma “sem opinião”); "A Educação Ambiental é desenvolvida num contexto familiar e de 132 solidariedade" (quatro respostas "concordo", uma "concordo plenamente" e uma “sem opinião” 27 ). Além destas, foi também revelado acordo, de uma forma consensual (cinco repostas "concordo") com a afirmação “A Educação Ambiental é participada por todos”. Sublinhamos, novamente, que a filosofia de vida da comunidade é inspirada na antroposofia e baseada nas suas vertentes práticas. Estas orientam-se para uma aproximação holística ao ser humano e ao mundo e têm, por sua vez, grande influência de pensadores como Goethe. Este autor, cuja visão teve repercussões importantes no pensamento ecológico, considerava que na natureza "a questão do todo e das partes é inseparável; um não pode ser visto sem o outro, e os dois devem ser vistos como parte de um processo em constante mudança, crescimento, morte e renascimento (...) Os processos fundamentais da natureza, as polaridades de ligação e separação, da inspiração e expiração, como ele os via, estão reflectidos no ser humano (...), a natureza interna e a natureza externa são indistinguíveis" (Palmer, 2006: 72). Neste contexto, a abordagem educativa holística contempla o ambiente e a relação do homem com este, integrando-o e sendo integrado por ele. Por outro lado, ainda em relação aos inquéritos por questionário, os aspectos menos consensuais, bem como, aqueles em que se verificou um maior grau de discordância, foram a existência de uma Educação Ambiental reflexiva e crítica (duas repostas "discordo", duas repostas "sem opinião" e duas repostas "concordo") e o facto da Educação Ambiental na comunidade estar "demasiado associada aos ritmos de vida, sendo difícil aos seus actores replicar algumas destas práticas noutros contextos" (duas repostas "discordo", uma reposta "sem opinião", duas respostas "concordo"28). No que concerne ao primeiro aspecto mencionado no parágrafo anterior, as respostas vieram também de encontro ao que tínhamos observado e obtido através das entrevistas. Trata-se de uma comunidade em que a estratégia educativa adequada à maior parte das pessoas não deve dirigir-se fundamentalmente à dimensão cognitiva, mas antes à dimensão sensitiva, prática, social, etc.. Este factor, conjugado com outras características da vivência actual da comunidade, levam a que, apesar das reflexões grupais e individuais sobre a temática ambiental e sobre a temática educativa, não seja frequente a reflexão conjunta da Comunidade sobre a Educação 27 Sublinhamos o facto de ter sido sempre a mesma equipa a manifestar-se “sem opinião”. 28 Apenas apresentamos cinco repostas, uma vez que um grupo não respondeu a esta pergunta. 133 Ambiental. Relativamente ao segundo aspecto, parece-nos que, por um lado, a estrutura gramatical da questão29 pode ter dificultado a sua compreensão e, por outro lado, a diversidade de respostas pode ser real. A replicação de algumas práticas de gestão e de Educação Ambiental da Comunidade poderá ser difícil noutros contextos, uma vez que estas se relacionam intimamente com os seus ritmos e espaços de vida ou, em contrapartida, eles podem estar tão «enraizados», o que facilitará a sua replicação noutros contextos. Questionamo-nos, também, sobre a interiorização deste comportamentos, pensamentos e sentimentos. Será que as estratégias educativas se adequam realmente a cada um e ao todo? A análise conjunta dos dados, remete-nos para um modelo/corrente de Educação Ambiental holístico, embora com traços importantes das seguintes correntes: - Corrente naturalista – dado o relevo atribuído à natureza, à sua observação e interacção com ela, numa perspectiva principalmente experiencial, práxica e sentimental; - Corrente práxica – uma vez que a aprendizagem ambiental se processo, sobretudo, pelo exemplo e pela prática, embora apelando também ao pensamento e ao sentimento; - Corrente etnográfica – procura, na relação entre o homem e o ambiente, revitalizar e reviver aspectos da tradição local, por exemplo, através da recriação do ciclo da lã; - Eco-educação – sobretudo na relação da comunidade com a natureza, esta é tida por alguns como «o melhor mestre», procurando aprender e incentivar a aprendizagem com ela; - Corrente bio-regionalista – considerando a Comunidade Casa de Santa Isabel como a bio-região, espaço simbólico que, de uma forma participativa, todos procuram cuidar e preservar, existindo um sentimento de identidade com esta; - Corrente da sustentabilidade – trata-se de uma comunidade de carácter sócio-educativo e terapêutico, que procura gerir e educar para uma gestão equilibrada das esferas social, ambiental, económica, cultural e espiritual. 29 Para além de uma estrutura gramatical complexa, a questão integra duas partes distintas "a Educação Ambiental está associada aos ritmos de vida da comunidade" e "é difícil a replicação de algumas das práticas de educação ambiental noutros contextos". Para facilitar a compreensão e obter dados mais fiáveis, consideramos que deveríamos ter dividido e simplificado a questão. 134 Na continuidade desta reflexão, damos novamente voz aos participantes do estudo, que nos contaram também algumas vivências e experiências relacionadas com o tema. "Recordo-me até de uma ocasião, num passeio de observação de cogumelos com alguns colaboradores e alunos. Nessa saída, eu colhia os cogumelos, desmontava-os, para lhes mostrar aqueles pormenores que ajudam a identificar as espécies, e depois atirava-os para o chão, assim de uma forma descuidada. E o Bert, que tem muito respeito por todos os seres vivos, chamou-me à atenção para o facto de eu não estar a tratar aquele organismo com o devido respeito. Portanto, a partir daquele momento, eu passei a colher os cogumelos com muito mais cuidado, a depositá-los cuidadosamente no chão e não como se se tratasse de um qualquer objecto com pouco significado [sorrisos]" (Ligação). "Em relação à Casa de Santa Isabel, a Educação Ambiental que eu vi ali, pode ser traduzida num pequeno momento, que foi quando um deles me esteve a ensinar a separar o lixo na cozinha, a explicar, pacote por pacote, onde ficava [sorrisos]. E sabia tanto como eu, obviamente. Sabia mais até, nalguns casos! Por isso, a Educação Ambiental naquele caso em concreto, tendo sido feita da mesma forma, teve uma aplicação directa. E, obviamente, eles não só foram ensinados, como também viram outras pessoas a fazer exactamente igual, e isso entrou totalmente dentro do seu dia-a-dia" (Presença). "Aqui temos o ambiente dentro de nós" (Cor). "Eu tento fazer o melhor possível para o meu planeta ficar melhor" (Cor). "Uma vez houve um incêndio, que fez com que a água viesse suja das torneiras e depois voltou outra vez limpa. (...) A poluição marcou-me pela negativa" (Fundação). No âmbito da formação profissional em carpintaria, a fala seguinte elucida a dimensão educativo-ambiental: "Grande parte das madeira que utilizamos, eu diria 90% são madeiras que são produzidas nas nossas florestas, onde há uma gestão florestal equilibrada, sustentável, (...) e faz parte do currículo ter actividades que tenham a ver com a florestação. (...) Também já foram feitas estas acções com pessoas da comunidade exterior, por exemplo, com o CISE. Outras madeiras são restos de serrações, de onde saem muitos pedaços de madeiras nobres, que não são aproveitadas e ficam lá esquecidas e amontoadas. (...) Assim, eles aprendem que as madeiras podem não apenas ser usadas de uma forma comercial, mas até pedaços 135 que já não interessam dessa forma comercial, podem ser recuperados de uma forma mais artística. (...) Tentamos na nossa abordagem explicar, que as madeiras são diferentes, todas as árvores são diferentes, que é interessantíssimo observá-las e poder identificá-las através da observação. Coleccionamos pequenas sementes, as suas folhas, os seus rebentos e no trabalho teórico da formação em carpintaria eles aprendem também a distingui-las e a identificá-las também em campo, quando vamos lá fora. Isso dá-lhes um conhecimento mais alargado da natureza que nos envolve, que sempre foi conhecida pelos nossos antepassados e, de certa forma, agora num mundo onde consumimos mais imagens, não só imagens visuais e sonoras..., deixamos os sentidos e a capacidade de observação um bocado para segundo plano. Nós tentamos apelar à observação, apelar a esta vivência (Pólos). 5.4. Relação com o exterior e Educação Ambiental da comunidade envolvente A Casa de Santa Isabel é, actualmente, uma comunidade bastante aberta ao exterior, sendo esta uma das preocupações reveladas pelos seus membros. Balançam, assim, entre a vontade de abertura ao meio envolvente e, ao mesmo tempo, de preservação da sua identidade própria, como mencionámos na análise dos dados referentes à visão global desta Comunidade. Durante a vivência na Casa de Santa Isabel, fomo-nos apercebendo das pontes da Casa com o exterior, tomando parte em alguns dos encontros, intercâmbios e eventos, em parceria com a comunidade exterior. Neste apartado, faremos, numa primeira fase, a análise da relação da Casa de Santa Isabel com o exterior numa perspectiva global e, posteriormente, a abordagem ao papel desempenhado pela Comunidade na Educação Ambiental do meio envolvente. Partindo, sobretudo, da análise documental (cf. anexos 7 e 9) e da nossa experiência na Comunidade, faremos referência às ligações mais relevantes da Casa de Santa Isabel com o exterior, nos últimos anos. É imprescindível mencionar o papel desempenhado pela comunidade, desde o início da sua existência, na inclusão das pessoas com Necessidades Especiais, contribuindo para colmatar uma lacuna 136 existente a este nível na região. Gradualmente, a Casa cresceu e foi ao encontro de algumas pessoas esquecidas, por vezes, mesmo escondidas e, não apenas as integrou na sua Comunidade, como também procurou inclui-las na comunidade envolvente, desempenhando também um importante papel na educação desta comunidade. Acordos e parcerias com entidades A instituição tem acordos com organismos como o Centro Regional de Segurança Social da Guarda, o Instituto de Emprego e Formação Profissional e o Ministério da Educação, que contribuem para o funcionamento dos lares residenciais e do centro de actividades ocupacionais, da formação profissional e da escola de ensino especial, respectivamente. A Casa de Santa Isabel tem, também, parcerias com algumas escolas da região, prestando apoio a alunos com Necessidades Educativas Especiais, e com o Instituto Português da Juventude, bem como com algumas organizações estrangeiras, mediadoras da comunicação com pessoas que pretendem fazer trabalho voluntário. A nível local, a Comunidade integra, ainda, a Rede Social de Seia, pertencendo ao seu núcleo executivo e participa em algumas reuniões do Conselho Municipal de Educação. A nível nacional, é associada da Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade – CNIS e da Associação Nacional de Desporto para a Deficiência Intelectual – ANDDI, com as quais colabora pontualmente. Mais recentemente, no ano 2006, a Casa de Santa Isabel tornou-se também associada da Rede Europeia Anti-Pobreza – REAPN. Actividades de formação, culturais, sociais e de lazer relacionadas e/ou organizadas com a comunidade envolvente Anualmente, realizam-se várias celebrações na Comunidade, sendo convidados, por vezes, elementos externos, nomeadamente os familiares e amigos dos membros da comunidade. Existe, ainda, o "Dia Aberto"30, que este ano decorreu a 19 de Junho, data em que todos os interessados foram convidados a visitar a Casa de Santa Isabel. Neste dia, para além das actividades quotidianas habituais, 30 O "Dia Aberto", no âmbito da "ExpoSocial - Mostra de Serviços de Apoio Social e Potencialidades do Concelho", é uma iniciativa promovida pelo Município de Seia e pelo Conselho Local de Acção social - CLAS do concelho, em que participam várias instituições da região, que abrem as portas a todos os interessados 137 organizou-se um concerto e a apresentação de um conto com marionetas, um atelier de pintura, etc. Sublinhamos, contudo, que esta abertura à comunidade envolvente não se cinge a eventos com esse propósito específico, como é o caso do "Dia Aberto", recebendo, frequentemente, visitas de escolas dos vários níveis de ensino, desde o pré-escolar ao superior (diversos Jardins de Infância e Escolas dos 1º, 2º e 3º Ciclos do Ensino Básico da região, a Escola Secundária de Seia, Escola Profissional de Gouveia, Instituto Superior de Ciências Educativas de Mangualde, Escola Superior de Turismo e Telecomunicações de Seia, Instituto Politécnico da Guarda, Escola Artística "Árvore" do Porto, etc.), bem como de outras pessoas/entidades individuais e colectivas. Algumas visitas têm objectivos específicos, enquadrados, por exemplo, em trabalhos da área-projecto ou outros trabalhos escolares, enquanto outras visam apenas conhecer a Casa de Santa Isabel. Destacamos, também, a organização, pela Casa de Santa Isabel, em Novembro de 2006, do Congresso Ibérico de Companheiros (onde estes foram os principais protagonistas), sobre o tema "Fases da Vida", tendo participado diversas entidades externas. A formação contínua dos colaboradores e voluntários que integram a Comunidade é uma preocupação constante. Neste sentido, é desenvolvido anualmente trabalho interno, individual e em equipa, e são, ainda, realizados workshops e acções de formação, orientadas por elementos externos à Casa de Santa Isabel, principalmente pessoas com formação em áreas de inspiração antroposófica. É também frequente a colaboração de elementos da Comunidade nas instituições acima referidas, quer como participantes em encontros e conferências/workshops, quer como orientadores e/oradores nestes eventos, abordando temáticas diversas dentro do seu âmbito de actuação, tais como a pedagogia curativa e a sócio-terapia, a educação Waldorf, a educação de um modo geral, as Necessidades Educativas Especiais, a vida na Casa de Santa Isabel, a inclusão de pessoas com Necessidades Especiais. A um nível mais lúdico e de lazer, salientamos a participação dos elementos da comunidade em eventos culturais, sobretudo da região, tais como concertos, peças de teatro, cinema, feiras e exposições, não só como espectadores, mas também como elementos activos. Vejamos alguns exemplos (cf. anexos 7 e 9): - Feiras e exposições de artesanato; - "Feira da Solidariedade", na ASTA; 138 - "Jornada da Partilha" da AFACIDASE, de Manteigas; - Actuação do Rancho "Flores de Santa Isabel", em várias instituições da região; - Participação no Carnaval Escolar, na freguesia ou no concelho; - Participação em torneios e outras actividades desportivas a nível local, regional e nacional, tais como o Torneio Nacional de Futsal Adaptado, o Campeonato Nacional de Futsal, organização de corridas em colaboração com a ANDDI; - Participação e organização de concertos e peças de teatro, de que destacamos, em 2008, o concerto de Primavera – "Casa de Santa Isabel & Amigos", precedido por uma palestra intitulada "Água, um bem a preservar", que contou com a colaboração do CISE, e, em 2006, a apresentação da peça de teatro "Parsifal", com a participação de grande parte dos elementos da Casa, no âmbito das comemorações dos seus 25 anos (ambos os eventos foram apresentados em auditórios de Seia); - Participação anual na Feira Antiga/Arraial Beirão, em São Romão, onde, para além da venda de artesanato, apresentou o "Circo Isabellini", com alunos e colaboradores da Casa de Santa Isabel e participou na mostra gastronómica com um restaurante vegetariano; - Realização da "Feira dos Tesouros", uma feira de trocas, em São Romão; - Participação e organização conjunta de algumas actividades com o CISE, nomeadamente passeios de interpretação ambiental na Serra da Estrela, noites de astronomia, eventos de fotografia; - Participação no "Festival Internacional de Cinema e Vídeo de Ambiente" – Cine-Eco, realizado, anualmente, em Seia, tendo participado, em 2007, no XIII festival, com um filme sobre a Casa de Santa Isabel, realizado por Paulo Cartaxana e intitulado "A Casa"; - Participação de companheiros em sessões de hipoterapia, em colaboração com a GNR de Gouveia e a Associação Equestre "Entre Amigos", bem como em sessões de natação e outras actividades aquáticas, na Piscina Municipal de Seia; - Promoção de intercâmbios anuais com organizações congéneres, principalmente com a ASTA, a AFACIDASE, a Associação 29 de Abril (Montemor-o-novo) e a Asociación San Juan (Tenerife); 139 - Existência de uma loja da Casa de Santa Isabel – "Quatro Estações", localizada em São Romão, que vende principalmente artesanato feito na Comunidade (atoalhados, naprons e tapetes feitos na tecelagem, postais, cadernos e álbuns da oficina de reciclagem; obras em madeira, provenientes da oficina de carpintaria; pão, bolachas e croissants da padaria da Casa; doces caseiros, nozes do Pomar da Quinta do Formigo; peças artísticas em lã, barro e madeira, elaboradas no atelier artístico); - Participação noutros eventos, tais como a Comemoração do"Dia EcoEscolas", em São Romão, que congregou várias escolas e instituições. Foram realizados jogos lúdicos e procedeu-se à recolha e separação de lixo na Vila e Levada de S. Romão, envolvendo cerca de 900 pessoas. Não podemos esquecer que a maioria dos colaboradores externos da comunidade vive no concelho de Seia e um pequeno número de membros da comunidade, sobretudo companheiros, trabalha fora da mesma. Diariamente, não só colaboradores, mas também companheiros visitam São Romão, frequentando cafés, mercearias, entre outros espaços da Vila. Os fins-de-semana e as férias são, como já referimos, recheados de actividades lúdicas e culturais, não só na região, como também ao nível nacional e internacional, no que respeita aos períodos de férias. A Casa de Santa Isabel desempenha também um papel fundamental na revitalização e preservação de algumas tradições na região, procurando adaptá-las à actualidade e conferindo-lhes também o toque criativo de cada um e do todo que a Comunidade constitui. Exemplo disto é a utilização da lã de ovelha, de longa tradição na zona, em várias peças de artesanato, reconstruindo todas as etapas que vão desde a lavagem da «lã em bruto», até à cardagem, fiação e tecelagem, e, ainda, em processos relacionados com os ofícios de padaria, carpintaria, agricultura, etc. A análise documental veio reforçar a nossa percepção de abertura da Casa de Santa Isabel à comunidade, num domínio que não se cinge aos temas relacionados com a terapia, a pedagogia ou as Necessidades Especiais, mas, sobretudo, a eventos lúdicos e culturais, no âmbito da música, do teatro, do cinema, do ambiente, bem como, convívios festivos locais e regionais. Pareceu-nos importante aprofundar mais esta questão ao nível das entrevistas, procurando conhecer e compreender a perspectiva dos membros da Comunidade sobre o tema. Aos inquiridos externos (nestes, não incluímos os colaboradores e os 140 voluntários externos, considerando-os, elementos da comunidade), a questão limitouse à ligação entre a organização que integram e a Casa, bem como ao papel desempenhado por esta na Educação Ambiental do meio envolvente. No que concerne ao relacionamento da Comunidade com o meio envolvente, de uma forma global, algumas das pessoas mais antigas na Casa, referiram que, apesar da abertura constante, ao longo dos cerca de 27 da sua existência, houve um período intermédio de um certo fechamento, sobretudo motivado pela existência de um grande número de estrangeiros e por diferenças culturais com o exterior. No entanto, esta abertura vem sendo cada vez maior, em diversos campos, já referidos anteriormente. Este aspecto foi reforçado pelos restantes inquiridos, não apenas em resposta a questões sobre a relação da comunidade com o exterior, mas, como veremos mais adiante, também em relação às perspectivas futuras da Casa de Santa Isabel, salientando a importância desta abertura ao meio envolvente. Não podemos, contudo, deixar de mencionar a "sensação de isolamento e de ilha" "Ponte", mencionada, nas entrevistas semi-estruturadas, pelos voluntários. Apesar de toda a interacção e da preocupação com este aspecto, existe na opinião de alguns, uma clara separação entre a Casa de Santa Isabel e a comunidade envolvente, que parece prender-se, essencialmente, com diferenças culturais e de estilos de vida. "Ponte" refere que "a vida da comunidade é muito protectora e cria um mundo à parte". Este facto, conjugado com as características protectoras dos contactos dos companheiros (sobretudo os internos) com a comunidade envolvente, contribui para que alguns não valorizem o contexto em que vivem e sonhem viver fora da Casa. Isto sucede, pontualmente, com um número reduzido de companheiros. De seguida, transcrevemos algumas falas das entrevistas semi-estruturadas, que elucidam os aspectos agora abordados. "Houve um período que, talvez por ter muitos estrangeiros, a comunidade fechou-se um pouco. Pessoas de outros países caíram aqui no interior tão profundo de Portugal e tinham que primeiro conquistar o seu espaço para depois ir para fora. E isso levou algum tempo, mas a partir de um certo momento, houve mais colaboradores de língua portuguesa, não só portugueses, mas brasileiros e outros latinos. Isso também deu alguma abertura para o exterior. (...) Acho que tem havido e que continuará a haver uma perfeita abertura e uma vontade enorme de trabalhar em parceria com outras instituições (...) É evidente que tem que ser tudo ponderado, porque nós temos os nossos ideais e é evidente que as coisas têm que ser 141 ponderadas. E estamos também abertos a ir para a sociedade, a propor e acho que há cada vez mais esse espírito de partilha. (...) Somos uma instituição terapêutica, mas também somos uma instituição viva e isso é vida. E estamos num meio em que, na verdade, é preciso propor coisas e agitar águas, digamos, para isto não ficar estagnado. Acho que é esta interacção e esta vivência conjunta com outras instituições, que leva, na verdade, a um dinamismo e leva o concelho e a região a outro patamar" (Tudo). "Parece-me uma boa coisa como está ligada a São Romão. Os alunos vão lá às compras e ao café e toda a gente se conhece. (...) Por outro lado, eu acho que esta vida da comunidade é muito protectora e cria um mundo à parte, que é muito bonito e para muitos deles, é muito bom, mas também eles ficam isolados do mundo real. E para uns, talvez seja bom, mas para outros talvez não, porque se perde a visão realista do mundo. (...) Eu vejo com os alunos que já estão há muitos anos aqui, que não sabem valorizar o que têm aqui. E quando se compara com a vida dos portugueses que tens aqui à volta, que têm que trabalhar muito mais para terem uma vida mais ou menos agradável..." (Lua) "A abertura das pessoas em volta para saber o que fazemos é boa, mas nós falhamos, talvez um pouco, em expor-nos para fora. (...) vêm também cá para ver uma quinta a funcionar, as ervas aromáticas... hum, fazemos encontros de astronomia. Portanto, tudo coisas interessantes, não sobre deficiência, mas coisas interessantes, que acontecem aqui. (...) Acho que estamos num bom caminho, sem perdermos a nossa identidade, assimilarmo-nos mais ainda com o meio envolvente" (Todo). "Existem muitos contactos das pessoas que vivem na Casa de santa Isabel com a comunidade local (...). Mas, não deixa de haver uma sensação de isolamento, de ilha, sobretudo para os companheiros internos e para os colaboradores que vêm de fora. É compreensível, dada a falta de autonomia de alguns companheiros e o abandono a que foram votados pelas famílias, bem como devido às dificuldades da língua por parte dos colaboradores que vêm de outros países. Contudo, gostaria de ver mais habitantes da Casa em São Romão" (Ponte). "A Casa de Santa Isabel participa numa grande quantidade de actividades desenvolvidas no meio envolvente. A Comunidade assume um papel não só participativo, mas de apoio a uma ampla gama de actividades (musicais, educativas, desportivas, culturais) e tem também um papel activo na organização de actividades 142 que, sendo do interesse da Casa de Santa Isabel, também o são da comunidade. Quer dizer, a relação com a comunidade mais próxima é muito importante" (Ninho). Centrando-nos agora no papel educativo-ambiental da Casa de Santa Isabel na comunidade envolvente, começamos por enfatizar a simples interacção quotidiana com a Casa, das pessoas que vivem no exterior e ali trabalham. Na entrevista semiestrturada "Mães" afirmaram ter alterado, em alguns aspectos, os seus hábitos de vida, embora muitas coisas não constituíssem novidade para elas. Nas suas palavras "As práticas e cuidados ambientais da Comunidade são importantes para todos, para nos ensinar que as coisas podem ser diferentes e mais úteis do que às vezes eram". Ao longo da entrevista com "Tudo" surgiu também a seguinte reflexão: tal como a Educação Ambiental no interior da Comunidade, o nosso papel na Educação Ambiental do meio envolvente tem ocorrido principalmente através do exemplo, destacando que os companheiros transmitem alguns hábitos às suas famílias e estas, quando visitam a casa, aprendem também com o ambiente que aqui se vive. O mesmo sucede com as várias pessoas e grupos que visitam a Casa, alguns dos quais o fazem com objectivos no âmbito da temática ambiental, principalmente de observação da horta de plantas medicinais e aromáticas e da agricultura biológica, bem como da mata que integra o espaço da Casa de Santa Isabel. Relativamente a esta última, vejamos o que refere "Ligação": A Casa de Santa Isabel, ao nível da Educação Ambiental, e o trabalho da Casa de Santa Isabel em si, tem reflexos na paisagem e na vegetação da encosta onde a Casa vive. Eu conheço esta encosta há bastantes anos e verifico que o trabalho feito pela equipa de florestação tem contribuído para que aquela encosta, que era relativamente pobre em termos de vegetação – era uma encosta dominada por pinheiros e por mato – e actualmente é uma das encostas, em termos de vegetação, mais interessantes do concelho de Seia. Começou a haver o predomínio de folhosas, como o castanheiro... Depois, isso tem reflexos a outros níveis, como a diversidade de cogumelos, a diversidade de aves, a diversidade de plantas. E é muito interessante verificar como é que uma instituição que tem outros objectivos, não é?! Porque os objectivos da Casa de Santa Isabel passam pela formação dos alunos. E, como é que esta instituição conseguiu transformar a paisagem desta forma, agora tão mais rica, tão mais bonita. Isto também acho que é um contributo da Casa de Santa Isabel, importantíssimo para Seia". 143 Por sua vez, "Vida", referindo-se à existência de um papel educativoambiental da Comunidade para com o meio envolvente, afirma: "Em vários aspectos creio que sim, pelos nossos valores e prioridades de vida, que a sociedade actual tem diferente de nós. (...) A loja é um ponto importante onde as pessoas descobrem um pedaço de nós. De repente, lembram que o doce, o chá, o pão, já era do tempo da avó... A loja mantém-nos abertos". Conta, ainda, a propósito da presença dos companheiros nos cafés da vila de São Romão, que nunca deixam lixo no chão: "As pessoas de um café já nos vieram dizer: – Os alunos da Casa de Santa Isabel portam-se melhor do que os alunos do 2º e 3º ciclos! E, de uma certa forma, os nossos são tomados como exemplo em diversos aspectos". Da análise das falas acima transcritas, bem como da observação e conversas informais, verificamos que, na maioria dos casos, não existe uma abordagem intencional de Educação Ambiental do meio envolvente. Nas palavras de "Ponte": "Não me parece que desempenhe grande papel, pois a maioria das pessoas não me parece que conheça a vivência diária na comunidade. Mas a participação em eventos como caminhadas, organizadas, por exemplo, pelo CISE, como o "Dia das Eco-Escolas", são sinais positivos de que a Casa de Santa Isabel tem preocupações ambientais e mostra isso à comunidade". Por sua vez, "Tudo" refere: "O papel fundamental da Casa de Santa Isabel agora, em termos de Educação Ambiental, é partilhar. Acho que não precisamos de provar mais nada para nós, neste momento. Porque, na verdade, acho que nós já vivemos com esta preocupação, faz parte de nós a educação ambiental. Mas acho que devemos ir para fora e divulgar como nós vivemos aqui". No entanto, é importante referir que, à semelhança do que ocorre no interior da Casa de Santa Isabel, esta função é, por vezes, desempenhada, através do exemplo e do que poderemos considerar eco-educação, no sentido da influência do ambiente no ser humano, como expressam "Vida" e "Tudo", em falas acima transcritas. A complexidade deste tema parece reflectir-se nas repostas à questão nos inquéritos por questionário. Metade dos inquiridos revela não ter opinião, sendo este o item do questionário com uma maior percentagem de respostas "sem opinião". Das restantes, duas equipas concordaram que a Casa desempenha um importante papel na Educação Ambiental da comunidade envolvente e uma equipa concordou plenamente. Retomando as palavras de "Ponte", é também importante sublinhar a relação da Casa com organismos ambientais, como o CERVAS e o CISE. No caso do 144 segundo, com o qual tem já uma longa relação informal e de proximidade, não só participa, mas organiza diversos eventos enquadrados na Educação Ambiental, havendo a preocupação de divulgar e de convidar a comunidade envolvente, de uma forma geral. Como refere "Ligação": "Acho que há uma preocupação grande da parte da Casa de Santa Isabel, não só em relação à Educação Ambiental, como também em relação a outras áreas, para que haja um envolvimento da comunidade envolvente. Por isso, todas estas actividades que nós temos realizado com a Casa são actividades sempre abertas, que não se fecham à comunidade. Aliás, outra coisa muito interessante é que, quer as sessões de astronomia, quer os percursos pedestres, tiveram sempre a participação de pessoas que não pertencem a nenhuma destas duas instituições. E isso foi muito enriquecedor para os alunos da Casa de Santa Isabel, mas eu tenho a certeza que também para as pessoas que participaram nestas actividades e conheceram a Casa de Santa Isabel". Voltamos também a referir alguns eventos importantes na Educação Ambiental da comunidade, nomeadamente a organização da "Feira dos Tesouros"; a participação no"Dia Eco-Escolas"; a introdução ao concerto de Primavera "Casa de Santa Isabel e Amigos" com uma palestra "Água _ um bem a preservar" (realizada por um elemento do CISE); a participação no Cine-Eco, com o filme "A Casa" e, ainda, o apadrinhamento e libertação de duas corujas do mato, na floresta da Comunidade, em colaboração com o CERVAS (cf. fotografia 6). Tal como afirmam "Ninho", a Casa assume nestes e em outros eventos "um papel participativo e activo, sempre com muito entusiasmo, demonstrando um apoio constante a todas as iniciativas neste âmbito". 145 Fotografia 6. Actividades de Educação Ambiental realizadas em conjunto com a comunidade envolvente. Fonte: Casa de Santa Isabel, 2008. Da análise conjunta dos dados recolhidos através das diversas técnicas, articulando a informação relativa à relação da Comunidade com o meio envolvente, com a que estabelece directamente o seu papel na Educação Ambiental do mesmo, é visível uma grande potencialidade da Casa de Santa Isabel na educação da comunidade envolvente, de uma forma geral. É um organismo muito dinâmico e aberto ao exterior, sendo bastante solicitado por este e participando em diversos eventos de formação, sociais, culturais e recreativos da comunidade. Por outro lado, caracteriza-se por um estilo de vida, pautado por valores fundamentais de respeito pelos seres humanos e pelo ambiente, de equidade, de solidariedade, de diversidade, de qualidade... e tem, ainda, a capacidade de encantar, como foi referido por alguns dos elementos externos entrevistados. Deste modo, sobretudo através do exemplo e do estilo de vida, conjugando a Educação Ambiental, a Educação Inclusiva, a Educação Intercultural, a Educação para os Valores, a Educação para a Cidadania, entre outros «baptismos» da educação, a casa de Santa Isabel tem e pode ter cada vez mais um importante papel na educação da comunidade, partilhando e sendo, também, educada por esta. 146 5.5. Papel da Educação Ambiental na vivência e no desenvolvimento do ser humano O papel da Educação Ambiental na vivência e no desenvolvimento do ser humano, principalmente no que respeita a pessoas com Necessidades Especiais foi, neste contexto, abordado de uma forma superficial. Dada a complexidade do tema, consideramos que analisá-lo exigia uma imersão na realidade mais prolongada no tempo, bem como a conjugação de disciplinas da área da psicologia, da sociologia e da saúde. Contudo, pareceu-nos pertinente fazer uma referência breve ao tema, desde a perspectiva dos vários actores envolvidos nesta investigação. Apesar de estarmos conscientes da especificidade da Casa de Santa Isabel – contexto dedicado a pessoas com Necessidades Especiais –, devido à heterogeneidade deste grupo e tendo como objectivo não cair numa bipolaridade sem relevância (pessoas com e sem Necessidades Especiais), olhámos sobretudo ao ser humano, de uma forma global. Embora certos de que muito mais se podia dizer e aprofundar sobre o tema, dadas as condicionantes anteriormente referidas, cingimo-nos a uma breve análise, com base em considerações desenvolvidas nas entrevistas semi-estruturadas e no inquérito por questionário. Em resposta à questão 4 do questionário, referente à importância da Educação Ambiental para a vivência e o desenvolvimento dos companheiros, a totalidade das pessoas manifestou acordo com a afirmação. Quatro equipas responderam "concordo" e duas responderam "concordo plenamente". Ao justificar o seu posicionamento, três dos grupos inquiridos referem o desenvolvimento de sentimentos e de valores de respeito pelo meio ambiente, através de boas práticas e/ou a tomada de consciência da importância de como nos relacionamos com o ambiente. Dos restantes três grupos, um não respondeu e outro salientou a influência da diversidade de abordagens à Educação Ambiental existentes na Casa sem, contudo, elucidar mais. Um último grupo revelou que, na sua opinião, "proporciona aos companheiros uma vivência mais realista do mundo, ajudando-os a encontrar-se melhor a si próprios e contribuindo assim para um auto-desenvolvimento". 147 Os dados provenientes dos inquéritos por questionário revelaram visões aparentemente simplistas do tema, salientando apenas (à excepção de um grupo) o sentido unidireccional homem ambiente (e não o sentido bidireccional e/ou a complexidade da relação), embora estando implícito, também, um sentido de desenvolvimento humano, na alteração do seu conhecimento, valores e práticas em relação ao ambiente. Nas entrevistas, a abordagem, embora superficial, permitiu aprofundar a visão dos actores da comunidade31. É visível, principalmente, uma concepção holística da Educação Ambiental, bem como do desenvolvimento que esta promove no ser humano. Nesta perspectiva, alguns inquiridos salientam a importância da ligação/sintonia homem-ambiente ("Pólos", "Todo", "Lar") e outros realçam a educação do ser humano como um todo, nas suas várias dimensões – emocional, social, intelectual, etc. ("Vida"). Como mencionámos no ponto 5.3, referente à Educação Ambiental na Casa de Santa Isabel, a dimensão educativa, inspirada na antroposofia, assume uma perspectiva holística, que abrange também a Educação Ambiental. Os seguintes extractos das entrevistas, referentes à importância da Educação Ambiental para a vivência e para o desenvolvimento do ser humano, elucidam as opiniões referidas no parágrafo anterior: "Sim, porque é isto que nos liga a todos, somos nós no nosso ambiente (...) o melhor mestre, no fundo, é a natureza. (...) O ambiente que nos rodeia, se tiver diversidade, se essa diversidade for cuidada e respeitada e conhecida, permite que tenha um efeito terapêutico e que não venhamos a sofrer de patologias como os grandes espaços massificados despoletam, que levam a que os indivíduos estejam dissociados do meio ambiente. A educação ambiental contribui para criar esta unidade" (Pólos). "Isto faz parte da integração, em que também acredito. É importante que as pessoas se sintam integradas e sintonizadas com o seu meio ambiente. E quando nós temos conhecimento e agimos de acordo com as necessidades do ambiente, então também nós próprios nos sentimos mais integrados. E acho que, nesse sentido, as coisas batem certo dos dois lados. Se nós fizermos bem ao ambiente, então, ao mesmo tempo, estamos também a agir com mais harmonia na nossa vida" (Todo). 31 Referimo-nos aqui sobretudo aos colaboradores e voluntários da Casa, uma vez que o tema não foi abordado nas entrevistas aos companheiros, nem à maioria dos elementos externos à Comunidade. 148 "Acho que é importante para todos! Aliás, eu acho que o grande problema do homem tem sido o progressivo alheamento desta relação com o ambiente e com a natureza. Não quer dizer que agora temos que andar aqui todos com cuidado para não pisar as ervinhas, coitadinhas, etc., etc.. Não tem nada a ver com coisas dessas. (...) Tem a ver é, de facto, com o pensarmos e sentirmos seriamente os equilíbrios" (Lar). "A Educação Ambiental aqui procura desenvolver o ser humano como um todo. A importância da qualidade emocional da vida, equilíbrio sem tensão, boa alimentação para a saúde (para superar dificuldades a nível de temperamento e físico... busca qualitativa da alimentação que não atingimos sempre, mas procuramos conscientemente); a nível de tratamento médico, procuramos medicamentos que respeitem a natureza humana, no sentido de utilizar o mínimo de químicos possível, tentando evitar que o corpo crie determinados vícios, então os medicamentos homeopáticos que utilizamos levam que o organismo seja estimulado a fortalecer-se e transformar as suas dificuldades; a nível de habitabilidade, ter sempre a consciência de não utilizar demasiada água, usar detergentes biodegradáveis e porquê; ritmo de dormir, descansar, comer, actividades sociais, passear, relações sociais com respeito e igualdade independentemente das dificuldades de cada um; buscar o equilíbrio e o respeito do indivíduo" (Vida). Tendo em conta o modelo de Educação Ambiental desenvolvido na Casa de Santa Isabel, "Ponte" e "Ninho" salientam, ainda, a sua relevância para o desenvolvimento social e pessoal dos companheiros. Nas suas palavras: "a Educação Ambiental, a sua prática, é mais uma ferramenta para a integração social e uma oportunidade para o desenvolvimento pessoal" (Ponte);"tem um papel importante, já que permite uma interacção entre as pessoas da Casa, partilhando tarefas e permitindo que assumam algumas responsabilidades nestas tarefas, para além de promover uma ligação fundamental das pessoas com o meio ambiente, com o seu meio envolvente e com o lugar onde moramos todos juntos e que devemos cuidar" (Ninho). A observação e as entrevistas informais realizadas ao longo da nossa pesquisa, reforçam a visão expressa no parágrafo anterior. Neste ponto, é importante ter em consideração as especificidades da Comunidade em estudo, onde uma grande parte das pessoas tem problemas cognitivos e outros, dificultando a sua relação/situação no espaço e no tempo. Assim, uma Educação Ambiental holística e artística (que apele 149 aos vários sentidos) e também «prática integrada»32, através da realização de tarefas de gestão ambiental, contribui para promover uma melhor integração/ligação de todos com o ambiente, fomentando o desenvolvimento social (através da realização das actividades em grupo, da partilha e da divisão de tarefas) e o desenvolvimento pessoal (pela participação e responsabilização, não de uma forma fatalista abstracta, mas concreta e quotidiana), bem como a autonomia. Salientamos, ainda, o facto de no contexto da Casa de Santa Isabel, as pessoas poderem vivenciar alguns ciclos de vida que ali se completam, como por exemplo, o ciclo que medeia a sementeira de um legume e a utilização do composto que também o integra para a fertilização da terra, onde, novamente, outro crescerá. Retomando a reflexão de um grupo de colaboradores e voluntários, em resposta a esta temática, no inquérito por questionário, podemos ler: "a Educação Ambiental proporciona aos companheiros uma vivência mais realista do mundo, ajudando-os a encontrar-se melhor a si próprios e contribuindo assim para um autodesenvolvimento". "Lua" enfatiza, ainda, a contribuição da Educação Ambiental para a descentração do ser humano de si mesmo: "acho que é importante para que as pessoas não olhem apenas para si, mas olhem para fora e vejam o que há à volta deles e vejam que têm possibilidades, mas também responsabilidades" (Lua). Novamente, a Educação Ambiental surge-nos, não como uma educação apenas relacionada com o ambiente visto de uma forma reduccionista, mas como uma educação transversal, que cruza as esferas da cidadania _ valores, saberes e práticas que dignificam o ser humano no Todo complexo que integra. 32 Ao caracterizar como «integrada» a prática, pretendemos destacar a sua inserção na vida quotidiana, de uma forma pedagógica, útil e funcional. 150 5.6. Prospectiva da Casa de Santa Isabel (sonhos, projectos, necessidades...) Neste ponto serão apenas referidos dados provenientes das entrevistas semiestruturadas. As necessidades e os sonhos mais referidos pelas pessoas inquiridas foram: - Maior abertura e interacção com o exterior, de uma forma geral; - Promoção da integração no mercado de trabalho, dos jovens e adultos que fazem formação profissional na Casa de Santa Isabel; - Criação de um grupo de trabalho, na agricultura, mais forte e estável; - Maior estabilidade ao nível das equipas de trabalho. A primeira é bem patente nas falas de "Pólos" e de "Tudo", quando afirmam, respectivamente: "Criar uma interacção maior entre a Casa de Santa Isabel e o exterior, de forma a que nos vejam e que sejamos ainda mais divulgados do que somos actualmente" e "parcerias e trabalhos em conjunto (...) se falamos em integração, não podemos falar só em especificidades, temos que falar também no geral", salientando, assim, dois aspectos da abertura ao meio envolvente. Os mesmos elementos, bem como "Ninho", destacam também a necessidade de integração dos formandos da Casa de Santa Isabel no mercado de trabalho. Nas palavras de "Ninho", "Um dos grandes desafios é tentar integrar no mercado de trabalho os formandos da formação profissional. Aí temos que ter um trabalho muito grande de sensibilização, por exemplo, dos empresários. Os nossos jovens, apesar das dificuldades que têm, são jovens produtivos. Temos jovens que saíram com contrato de trabalho e hoje em dia são suporte de famílias. Alguns, que os pais achavam que nunca poderiam trabalhar, foram sozinhos. Alguns têm hoje um contrato de trabalho sem termo". Ainda em relação a este aspecto, "Pólos" enfatiza uma vertente de desenvolvimento pessoal e de desenvolvimento da autonomia e da liberdade, como podemos perceber das suas palavras: "que fosse possível, também de uma forma integrada, encontrarem na comunidade envolvente, espaços onde se pudessem continuar a desenvolver, onde pudessem ser cidadãos livres, onde a sua autonomia pudesse ser mais desenvolvida e potenciada, quer dizer, onde pudessem 151 agir livremente sobre a sua vida, onde pudessem ter a sua forma de ganhar a vida, ter o seu espaço, ter possibilidades, no fundo, de serem". Neste âmbito, não existe a nível nacional e regional, uma estrutura global de apoio, que promova a integração das pessoas na vida em sociedade. Assim, num contexto de crise económica e de desemprego, quando não há também apoio familiar que contribua para a referida integração, esta torna-se difícil, acontecendo em alguns casos, graças ao esforço e boa vontade e ao bom relacionamento entre a Casa e alguns organismos externos. Esperemos que a tão aclamada Lei da Inclusão, que coloca em relevo a integração profissional e global das pessoas com Necessidades Educativas Especiais, realmente contribua para a consecução deste objectivo. No que concerne à existência de um grupo de trabalho mais forte e estável na agricultura e à estabilidade das várias equipas de trabalho, transcrevemos uma fala de "Ninho": "É importante adaptar-se às mudanças em vários aspectos (...), estabilidade ao nível das equipas de trabalho, que permita um trabalho mais tranquilo, de acordo com as características de cada um dos companheiros; um grupo de agricultura mais forte, o que é muito útil para dar estrutura, ritmo e ver os resultados do trabalho". Para além destes aspectos, cada pessoa mencionou, ainda, sonhos e desafios mais directamente relacionados consigo mesmos e/ou com a sua área de trabalho, embora, com repercussões para a Comunidade como um todo. Vejamos alguns sonhos e desafios formulados: "Para mim, o desafio maior é manter a escola viva" (Vida). "O que eu mais queria era que houvesse muitas crianças. Mais crianças, esse era o meu sonho" (Cor). "Eu acho que as pessoas com deficiência mental têm uma tarefa especial de possibilitar coisas que são necessárias, mas que sem eles não seriam realizadas, como, com absoluto altruísmo, reflorestar zonas ardidas que são dos outros. E aí temos potencialidades. Aí, a Casa de Santa Isabel vai irradiar no seu meio ambiente. E isso é um sonho meu, que acho que temos cada vez mais possibilidades de realizar" (Todo). "Muita música. Acho que devia haver ainda mais música e aulas de música, que é muito bom" (Sorriso). "Para mim, viver na Casa de Santa Isabel foi uma experiência de vida completa, engrandecedora, terapêutica, que mudou muitos aspectos da minha vida, 152 por exemplo, a forma de alimentação (mais saudável). O meu sonho é que outros pudessem desfrutar deste pequeno paraíso, numa forma de intercâmbio. Gostava também de ver mais portugueses a colaborar anualmente na casa, pois noto que a linguagem pode ser uma barreira nalguns casos. Gostava também que os companheiros que têm mais autonomia fossem encorajados a ir à localidade, ter amigos fora da Casa e poderem ir jantar, passar um fim-de-semana com esses amigos, etc. Mas, estou também consciente das dificuldades" (Ponte). Destacamos, ainda, uma referência de "Lua", apontando um aspecto que, apesar de não ser referido por outros elementos da Comunidade, parece integrar as suas preocupações em relação ao futuro: "Acho que é preciso fazer uma gestão económica cada vez mais regrada, porque estamos a viver muito o presente da situação e o futuro, não sabemos bem como será". Abrimos as portas ao futuro, novamente com algumas imagens de alegria, de convívio e de festa e com algumas palavras de "Tudo", que consideramos espelharem um desejo comum de toda a comunidade, que atravessa a noção de tempo, percorrendo o passado, o presente e o futuro. Fotografia 7. Convívio, alegria e festa na Casa de Santa Isabel. Fonte: Casa de Santa Isabel, 2008. 153 “O meu sonho principal é que os nossos jovens, companheiros, sejam felizes. Esse é o meu sonho principal! E acho que trabalhamos todos para isso. Por vezes, não adianta entrar com muitos programas pedagógicos ou... não sei... Nós temos é que lhes dar condições de felicidade e procurar que através dessa felicidade eles consigam condições de autonomia, bem-estar... Mas aquilo que eu quero mesmo é que eles sejam felizes. Não interessa fazer programas standard (...), temos que olhar mesmo caso a caso, conhecer as necessidades individuais das próprias pessoas e procurar responder a essas necessidades (...) O meu sonho é que a Casa de Santa Isabel continue, ainda, se possível, com melhor qualidade, no sentido de tornar as pessoas felizes, incluindo os colaboradores. Isso também é muito importante, porque nós somos uma comunidade de vida e não estamos aqui só para os jovens e companheiros, estamos aqui com eles, não estamos para, estamos com.” (Tudo). 154 CONSIDERAÇÕES FINAIS E PROSPECTIVA Sementes Olhos, vale tê-los, se, de quando em quando, somos cegos e o que vemos não é o que olhamos mas o que o olhar semeia no mais denso escuro. Vida vale vivê-la se, de quando em quando, morremos e o que vivemos não é o que a Vida nos dá nem o que dela colhemos mas o que semeamos em pleno deserto. Mia Couto, 2007 Na curva final do trabalho escrito, procuramos conjugar forças e vontade para construir um texto coerente que reúna as partes fundamentais desta investigação. Apesar de cansados, sorrimos ao olhar para trás e rever todo o processo. Antes de prosseguir, queremos, mais uma vez, agradecer não só a todos os seres humanos que de alguma forma estiveram presentes, mas também ao "todo" que, numa perspectiva tão complexa quanto simples, possibilitou este processo. Nas paragens aparentes de um caminho de estudo e de pesquisa, o investigador convoca todos os seus sentidos na abordagem à realidade e procura, depois, expressar, de forma sucinta, o que apreendeu, frequentemente, através de palavras. Estas são um veículo fundamental, entre os diversos meios de comunicação. Contudo, apesar da busca de objectividade, as palavras são, por vezes, obstáculos à 155 comunicação e não exprimem o todo da realidade que captamos com os diversos sentidos. Citando Mário Cesariny “Ao longo da muralha que habitamos/Há palavras de vida há palavras de morte(...)/Há palavras acesas como barcos/ E há palavras homens, palavras que guardam/ O seu segredo e a sua posição/ (…) Palavras que nos sobem ilegíveis à boca/ Palavras diamantes palavras nunca escritas/ Palavras impossíveis de escrever/ Por não termos connosco cordas de violinos/ Nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar/ (…) Entre nós e as palavras, os emparedados/ Entre nós e as palavras, o nosso dever falar” (You are welcome to elsinore, in Pena Capital, 1990). É, contudo, a elas que recorreremos aqui, estruturando esta reflexão em duas partes fundamentais: - considerações acerca do processo e do percurso de investigação; - integração global dos dados conceptuais e empíricos recolhidos. Atendendo ao processo e ao percurso desta investigação, começamos por sublinhar que, apesar da nossa imersão prolongada na realidade em estudo, a investigação propriamente dita decorreu num curto espaço de tempo. Consideramo-la como uma primeira etapa de um estudo mais profundo, que poderemos realizar no âmbito da investigação doutoral. Assim, no que concerne aos objectivos, nesta fase, privilegiámos principalmente o primeiro – conhecer e compreender a abordagem de Educação Ambiental desenvolvida no contexto da Comunidade Terapêutica Casa de Santa Isabel. De uma forma superficial, e, sobretudo, sem articulação com um marco teórico-conceptual, abordámos também o segundo objectivo – compreender a relação entre a Educação Ambiental e a vivência e desenvolvimento das várias dimensões do ser humano, no contexto em estudo. Sobre o último objectivo – compreender em que medida as características da Educação Ambiental desenvolvidas na Casa de Santa Isabel poderiam adaptar-se a outros contextos –, optámos por não fazer aqui refrência, considerando que a sua análise exaustiva exigia mais tempo e outros elementos. Apesar do enfoque qualitativo, através da observação, da análise documental, das entrevistas e do inquérito por questionário, nos ter possibilitado uma aproximação à Comunidade do ponto de vista dos seus actores e de alguns elementos externos relacionados, pareceu-nos, desde início, interessante complementar esta abordagem com dados provenientes de grupos de discussão, bem como de actividades expressivas sobre o tema. Os grupos de discussão teriam sido importantes para incentivar o debate sobre e a Educação Ambiental na comunidade e, 156 por outro lado, as actividades expressivas permitiriam uma outra visão, menos analítica e centrada na palavra, para além de uma melhor compreensão, sobretudo, da perspectiva dos companheiros. Sublinhamos, ainda, a dificuldade sentida na elaboração dos instrumentos de recolha de dados, nomeadamente na construção de uma definição de Educação Ambiental, clara e objectiva, que traduzisse, de forma coerente o conceito, de modo a ser partilhado e compreendido por um público tão diverso. Apesar de nas entrevistas haver espaço de diálogo, de esclarecimento e de problematização dos conceitos, o mesmo não aconteceu nos inquéritos por questionário, o que poderá ter influenciado algumas respostas. Na pesquisa teórica, que decorreu a par do estudo empírico, deparámo-nos com algumas dificuldades em encontrar literatura sobre determinados dos temas, principalmente no contexto nacional e, no caso das Comunidades Terapêuticas, também no contexto internacional. Relativamente a este último, consideramos que teria sido interessante abordar, ainda, as Comunidades Pedagógicas ou Comunidades Educadoras, já que a Educação era o tema fundamental do nosso estudo. No entanto, tentamos fazer essa integração no cruzamento entre os dados empíricos e teóricos. Além disso, é de sublinhar que as fontes teórico-conceptuais em que nos baseamos são de origem Ocidental (norte-americana e europeia). Ficamos com vontade de conhecer outras, nomeadamente, a perspectiva oriental. No que respeita ao enquadramento teórico e teórico contextual é ainda de referir que, dada esta ser a primeira vez que abordamos com alguma profundidade os temas, particularmente a Educação Inclusiva e as Comunidades Terapêuticas, pareceu-nos importante desenvolver e compreender a sua evolução histórica. No entanto, estamos conscientes que esta deveria ser mais aprofundada e consistente, não sendo, contudo, este o objectivo do presente trabalho. Após a reflexão sobre o percurso e o processo que constituiu esta investigação, procuraremos fazer uma integração dos dados teórico-conceptuais e empíricos, começando pela referência aos aspectos que se coadunam directamente com a Educação Ambiental, seguindo depois a visão global da Casa de Santa Isabel. No que concerne à Educação Ambiental na Comunidade, bem como nos restantes temas abordados, não existe um padrão de respostas comum entre os elementos internos33 e externos à mesma. Existe sim uma diversidade de opiniões e 33 Consideramos como internos os colaboradores, companheiros e voluntários internos e externos da Comunidade. 157 perspectivas, mas também um pano de fundo mais ou menos comum entre todos, que remete para uma visão integrada da educação na Comunidade, nas palavras de alguns dos seus actores – uma Educação Holística. Esta bebe influências da Antroposofia, de Rudolf Steiner e, por sua vez, de pensadores que tiveram uma influência importante no pensamento ecológico, como Goethe. A abordagem educativa holística contempla o ambiente e a relação do homem com este (que o integra e é integrado por ele) e dirige-se ao ser humano nas suas várias dimensões, procurando utilizar estratégias que conjuguem o sentir, o pensar e o agir, e promovam o desenvolvimento do potencial de cada um. Por outro lado, o facto de a Comunidade revelar uma grande abertura ao meio envolvente, proporciona uma abordagem educativa integrada e articulada também com a comunidade exterior. Embora não havendo uma intenção educativo-ambiental explícita do meio envolvente, dada a interacção entre este e a Casa de Santa Isabel, de várias formas, uns aprendem com os outros. A abertura e o trabalho em rede com a comunidade envolvente, é uma das preocupações actuais da Casa. Alguns dos participantes desta investigação referem a Educação Ambiental, de um modo global e na Comunidade, principalmente através do que podemos designar de «velhos clichés» da Educação Ambiental _ reciclagem, compostagem, reflorestação, etc., sem mencionar o processo educativo e não a relacionando com outras educações. Contudo, quer no inquérito por questionário, quer nas entrevistas, quando aprofundamos, a Educação Ambiental é relacionada, sobretudo, com a filosofia de vida e com o quotidiano da comunidade (que tem, por princípio, uma actuação educativa) e com o estilo de vida, decorrendo principalmente pelo exemplo e pela prática. Para melhor elucidar o que foi dito, damos a palavra a "Tudo": " Educação Ambiental é tudo. É esta vivência diária que nós temos com os alunos. Nós fazemos parte do ambiente, tal como fazem os animais e as plantas. Todos nós fazemos parte do ambiente. Então, a Educação Ambiental deve ser uma coisa que é muito ligada à vida, ao dia-a-dia e que tem que estar na nossa presença sempre. E, depois, há esses clichés - a reciclagem, a protecção da natureza, o não fazer lixo aqui e ali, procurar em vez de ter uma agricultura agressiva, ter antes uma agricultura biológica. Na verdade, para mim é um bocado difícil falar sobre Educação Ambiental, porque a Educação Ambiental para mim é tudo. É a vida. Faz parte do nosso dia-a-dia". 158 Assim, neste contexto, de uma forma integrada e quotidiana, a educação atravessa as dimensões ambiental, artística, para/em convivência, para/em valores, inclusiva, etc., abarcando o ser humano como um todo. Procura-se, na relação de proximidade, conhecer e adaptar as estratégias educativas a cada um, respeitando a sua individualidade e promovendo o desenvolvimento do seu potencial. No entanto, apesar da dimensão holística de Educação Ambiental, colocada em destaque pelos próprios actores da Casa de Santa Isabel, consideramos que a Educação Ambiental desenvolvida na Comunidade tem traços importantes das correntes naturalista, práxica, etnográfica, eco-educativa e bio-regionalista. Para além destas, apesar de não haver uma dimensão crítica e reflexiva, partilhada por todos, podemos ver esta dimensão de uma forma implícita na própria existência da Comunidade. Para além de uma vivência e organização social, marcadas pelos valores da solidariedade, da partilha, do respeito, da equidade, da diversidade, do ritmo, etc., a Casa de Santa Isabel possui um sistema económico alternativo, que pretende orientar-se segundo estes mesmos valores. Por outro lado, apesar da configuração actual da Comunidade, nas suas várias dimensões, esta não é estanque, mas antes dinâmica e aberta ao questionamento e à reflexão. Como comunidade de vida, comunidade terapêutica, comunidade educadora, entre outros baptismos possíveis, a Casa de Santa Isabel: - É um contexto de encontro da diversidade, tentando assegurar e melhorar a qualidade de vida de todos; - É um espaço de convivência permanente que desafia e estimula o ser humano a um desenvolvimento integrado das suas várias dimensões, atendendo à sua individualidade; - É uma comunidade com equipamentos educativos e recursos humanos que permitem desenvolver uma pedagogia de proximidade centrada em sentimentos, relações e valores que dignificam a pessoa humana, sendo, contudo, destacado como factor negativo, por certos elementos, alguma instabilidade motivada por mudanças periódicas nas equipas de colaboradores e voluntários internos; - As crianças, os jovens e os adultos desta comunidade convivem num ambiente saudável, sendo visíveis processos de integração/inclusão e desenvolvimento de capacidades sociais, artísticas…; 159 - Não é apenas um lugar onde se vive, mas um território vitalizado de promoção da cidadania, em que se harmoniza a educação/formação com valores como a solidariedade, a inclusão, a participação; - É uma comunidade aberta e muito dinâmica, com uma identidade própria, onde se articulam as esferas familiar, escolar, formativa e comunitária. Apesar da referida abertura, alguns consideram que coexiste algum fechamento ao exterior, motivado por questões culturais e pela tentativa de manter a identidade da Comunidade. Ainda no que concerne a relação com o exterior, por vários factores, é difícil a integração profissional dos membros da Casa na comunidade envolvente; - Embora não sendo “a alma de um povo”, mantém vivos valores saberes e atitudes que celebram a vida em comunidade – uma aliança entre o homem, o mundo e a natureza. Como em todos os contextos onde há vida, a casa de Santa Isabel é, também, um espaço de conflitos, de desequilíbrios, de desigualdades. Mantém, contudo um espírito aberto à mudança, no sentido de melhorar a vida na Comunidade e no meio envolvente. Prossegue a curva, a que chamamos “final” deste trabalho, completa o ciclo contínuo... Seguimos, novamente, rumo à Casa de Santa Isabel, para um novo ano de vida. 160 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AA. VV. (2002). Os melhores contos Zen. 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XXIV Conferencia Mundial de Comunidades Terapeuticas, una alternativa de desarrollo humano y social: http://www.mundolibre.org.pe/conferencia/index.htm, consultado em 20 de Julho de 2008. 173 APÊNDICES 174 Apêndice 1 Guiões das entrevistas semi-estruturadas 175 Guião da Entrevista Semi-estruturada (Colaboradores internos e externos e voluntários internos e externos) Objectivos Algumas questões guia de partida O que o motivou a vir para a Casa de Santa Compreender a visão global da Casa Isabel? de Santa Isabel, bem como as motivações que inicialmente os Qual a sua visão da Casa de Santa Isabel levaram a integrar esta Comunidade. como comunidade terapêutica e como comunidade de vida? Como avalia a sua experiência aqui? (questão mais utilizada para os voluntários) Compreender a concepção Educação Ambiental das pessoas. de O que entende por Educação Ambiental? (após negociação de significados entre entrevistador e entrevistados(s)) Identificar e compreender a Educação Ambiental na Comunidade, em termos teóricos e práticos. Compreender a percepção das pessoas relativamente ao papel da educação ambiental no desenvolvimento pessoal e social e na vivência das pessoas com NE e das pessoas, de uma forma geral. De forma é que a Educação Ambiental está presente na vida da comunidade? Que características considera mais relevantes nas práticas de educação ambiental desenvolvidas na Casa de Santa Isabel? Qual o papel da Educação Ambiental no desenvolvimento pessoal e social e na vivência dos alunos/companheiros com Necessidades Especiais (ou para as pessoas, de um modo geral)? Conhecer vivências relacionadas com Podia contar alguma vivência relacionada o tema da Educação Ambiental, que com o tema, que o tenha marcado? tenham sido marcantes para os sujeitos. Compreender a inter-relação da Casa de Santa Isabel com a comunidade envolvente, bem como a percepção dos seus colaboradores sobre esta, principalmente no que concerne ao seu papel na Educação Ambiental da comunidade envolvente. De que forma é que a Casa de Santa Isabel se relaciona com o meio envolvente (parcerias, projectos, eventos, encontros, conferências...)? E qual o papel que a Casa de Santa Isabel desempenha na educação da comunidade envolvente? Perceber as expectativas das pessoas Quais os desafios (necessidades, em relação ao futuro da Casa de Santa expectativas, sonhos) da Casa de Santa Isabel Isabel em relação ao futuro? (recursos humanos, organização, oferta educativa....) 176 Guião da Entrevista Semi-estruturada (Pessoas externas à Casa de Santa Isabel que integram instituições que trabalham no campo da Educação e/ou da Educação Ambiental e que conhecem/têm alguma relação, a nível institucional com a Casa) Objectivos Algumas questões guia de partida Compreender a relação entre a instituição em Qual a relação da Casa de Santa Isabel com o questão e a Casa de Santa Isabel CISE/ Escola/CERVAS? (parcerias, interesses comuns, visitas e intercâmbios mútuos, formal ou informal...) Compreender a visão global da Casa de Qual a sua visão da Casa de Santa Isabel Santa Isabel. como comunidade terapêutica e como comunidade de vida? Compreender a concepção de Educação O que entende por Educação Ambiental? Ambiental das pessoas. (após negociação de significados entre entrevistador e entrevistados(s)) Identificar e compreender a visão externa sobre Educação Ambiental na Comunidade, em termos teóricos e práticos. Compreender a percepção das pessoas relativamente ao papel da educação ambiental no desenvolvimento pessoal e social e na vivência das pessoas com NE e das pessoas, de uma forma geral. Qual a sua percepção sobre a Educação Ambiental na Casa de Santa Isabel? Como está ela presente no dia-a-dia desta comunidade? Qual o papel da Educação Ambiental no desenvolvimento pessoal e social e na vivência dos alunos/companheiros com Necessidades Especiais (ou para as pessoas, de um modo geral)? Conhecer vivências relacionadas com o tema Podia contar alguma vivência, relacionada da Educação Ambiental, que tenham sido com o tema, que o tenha marcado? marcantes para os sujeitos. Compreender a percepção dos sujeitos Qual considera ser o contributo desta acerca do contributo da Casa de Santa Isabel instituição para a Educação Ambiental da para a Educação Ambiental da comunidade comunidade envolvente? envolvente. No futuro, pensa desenvolver e/ou Perceber as expectativas de futuro ao nível aprofundar alguns projectos e/ou parcerias do relacionamento da instituição em questão com a Casa de Santa Isabel? com a Casa de Santa Isabel. 177 Guião da Entrevista Semi-estruturada (Companheiros internos e externos) Objectivos Algumas questões guia de partida Compreender a visão global da Casa de O que pensa da Casa de Santa Isabel? Santa Isabel. O que é para si a Casa de Santa Isabel? Compreender a vivência pessoal e social das Como se sente aqui? pessoas na Casa de Santa Isabel. Como é a sua relação com as pessoas com que vive, com que trabalha? Como é o seu dia-a-dia? Descreva alguns momentos? Compreender a concepção de Educação O que é para si o ambiente? Ambiental das pessoas. Como é a relação das pessoas com o ambiente? Que importância tem o espaço/ambiente onde vive? (após negociação de significados entre entrevistador e entrevistados(s)) Identificar e compreender a Educação Ambiental na Comunidade, em termos teóricos e práticos. Identificar e compreender a visão externa sobre Educação Ambiental na Comunidade, em termos teóricos e práticos. Há preocupação com o meio ambiente na comunidade? Aqui, as pessoas aprendem a viver de uma forma harmoniosa com o ambiente? Conhecer vivências relacionadas com o tema Podia contar alguma vivência, relacionada da Educação Ambiental, que tenham sido com o tema, que o tenha marcado? marcantes para os sujeitos. Compreender a percepção dos sujeitos acerca do contributo da Casa de Santa Isabel para a Educação Ambiental da comunidade envolvente. Qual é a ligação da Casa de Santa Isabel com a comunidade em volta (São Romão, Seia,...)? Qual a função da Casa de Santa Isabel no ensino/educação da comunidade de São Romão/Seia? No futuro, pensa desenvolver e/ou Perceber as expectativas de futuro ao nível aprofundar alguns projectos e/ou parcerias do relacionamento da instituição em questão com a Casa de Santa Isabel? com a Casa de Santa Isabel. 178 Apêndice 2 Inquérito por questionário 179 Este questionário surge no âmbito de uma investigação sobre Educação Ambiental numa comunidade pedagógico-terapêutica com pessoas com necessidades especiais. Neste sentido, solicitamos a vossa colaboração. É apresentada uma concepção de Educação Ambiental, que serve de ponto de partida para a reflexão que vos propomos. A Educação Ambiental é um processo pedagógico, de orientação teórico-prática, mediante o qual os indivíduos e a comunidade sentem, pensam e agem sobre a "casa de vida" que partilham e integram, contribuindo para o desenvolvimento equilibrado dos ecossistemas. ___________________________________________________________________________ Questionário Posicione-se relativamente às afirmações que indicamos, de acordo com a seguinte escala: 1 - "discordo plenamente" 2 - "discordo" 3 - "sem opinião" 4 - "concordo" 5 - "concordo plenamente" 1. A Casa de Santa Isabel pretende proporcionar a cada pessoa a possibilidade de realização do seu potencial, em harmonia consigo mesmo, com os outros e com o meio. 1 2 3 4 5 2. Na Casa de Santa Isabel, a Educação Ambiental, 2.1. Integra o quotidiano da comunidade. 1 2 3 4 5 - Caso concorde com a afirmação, dê alguns exemplos: 2.2. É participada por todos. 1 2 3 4 5 2.3. É fundamentalmente reflexiva e crítica. 1 2 3 4 5 180 2.4. Insere-se na filosofia de vida da comunidade. 1 2 3 4 5 2.5. É desenvolvida num contexto familiar e de solidariedade. 1 2 3 4 5 2.6. Está associada aos ritmos de vida da comunidade, sendo difícil aos seus actores replicar algumas destas práticas noutros contextos. 1 2 3 4 5 3. A Casa de Santa Isabel desempenha um importante papel na Educação Ambiental da comunidade envolvente. 1 2 3 4 5 3. A Educação Ambiental é importante para a vivência e o desenvolvimento dos companheiros/alunos. 1 2 3 4 5 - Justifique de forma resumida a sua opinião. O presente inquérito é um dos instrumentos que integram esta investigação, sendo posteriormente feita uma triangulação com dados recolhidos por outras técnicas. Somos conscientes de que muito fica por expressar ao preenchê-lo. Assim, gostaríamos que utilizasse o espaço que se segue para acrescentar algumas observações e/ou sugestões que considere pertinentes para o tema. Obrigado pela vossa colaboração! 181 Apêndice 3 Transcrição integral de algumas entrevistas – Ligação, Todo e Cor 182 CISE, 7 de Julho, 2006, 17h Mariana- Podemos começar por falar um pouco sobre o que é a Educação Ambiental, para que não estejamos a falar de um conceito sobre o qual temos noções diferentes, sem antes as partilharmos, sabermos quais essas noções. Tentei construir uma definição, a partir de várias concepções de autores que trabalham o tema. Podemos dizer que a Educação Ambiental é um processo pedagógico (e aqui saliento - «processo pedagógico» -, sobretudo pelas confusões que, por vezes, surgem entre educação e gestão ambiental, que são distintas, apesar de poderem tocar-se), de orientação teórico-prática, mediante o qual os indivíduos e a comunidade sentem, pensam e agem sobre a "casa de vida" que partilham e integram, contribuindo para o desenvolvimento equilibrado dos ecossistemas (que também os seres humanos integram) [silêncio]. Ligação - Eu não conhecia essa definição, mas concordo com ela e acho que é nesse âmbito que Marianatrabalhamos no CISE na área da Educação Ambiental. Portanto, acho que desse ponto de vista não vai haver equívocos [sorrisos]. Mariana- [sorrisos] Então, continuando, qual é a tua visão da Casa de Santa Isabel, daquilo que conheces dela, como uma comunidade de vida e como uma comunidade terapêutica? Ligação - Bom... hum... [sorrisos]. Em relação à Casa de Santa Isabel... eu, de facto, vejo a Casa de Santa Isabel como uma Comunidade, como um grupo de pessoas que partilham o mesmo espaço, onde uns dão formação e outros recebem formação. E sobre a Casa de Santa Isabel, o que eu mais admiro, o que eu considero mais interessante é, em primeiro lugar, o respeito que há pelos alunos. Eu vou chamar-lhes alunos. Então, o respeito que têm por eles e o interesse que manifestam também pela sua verdadeira formação. E isso passa, muitas vezes, por organizar e promover actividades fora da Casa e procurar parcerias com outros organismos, e o CISE é um deles. Mariana- Quando falas em formação, falas num sentido lato ou num sentido mais específico? Ligação - Sim. Não estou a falar em formações profissionais específicas. A formação passa também pela aquisição de conhecimentos e competências pessoais, ao nível da música, da pintura, da interpretação da natureza, do simples fruir do dia-a-dia..., portanto, a todos os níveis. Mariana- E qual é a relação da Casa de Santa Isabel com o CISE? 183 Ligação - A relação da Casa de Santa Isabel com o CISE tem sido muito simples, muito fácil. Em primeiro lugar, porque há um bom relacionamento entre as pessoas que trabalham no CISE e as pessoas que trabalham na Casa de Santa Isabel. Portanto, tem sido extremamente fácil desenvolver trabalho em conjunto. Depois, entre o CISE e a Casa de Santa Isabel há também muitos pontos em comum, que são, por exemplo: o gosto pela natureza, o gosto pela Serra da Estrela, o gosto pelo ar livre. Já desenvolvemos trabalhos com a casa de Santa Isabel pelo menos há 5-6 anos e, ao longo destes anos, tem sido extremamente fácil e fluida a relação entre as duas instituições. Há uma muito boa relação também entre os alunos da Casa de Santa Isabel e as pessoas que trabalham no CISE. Às vezes, eles vêm perguntar-me: "Ó (nome), quando é que vamos fazer outro percurso?" Posso também referir, se quiseres, algumas das áreas em que nós temos trabalhado. Mariana- Sim, sim. Ligação - Algumas das actividades mais interessantes que temos desenvolvido são as sessões de astronomia. Tu ainda não participaste em nenhuma... Mariana- Não, mas já vi registos documentais de algumas. Ligação - Já organizámos várias sessões de astronomia. Estas sessões têm-se realizado não só em Seia, mas também noutros locais da Serra da Estrela, como a Torre, e correm sempre muito bem. Também temos participado em acções de florestação na área da Serra da Estrela. Algumas destas actividades foram-nos propostas pela Casa de Santa Isabel, outras fomos nós que propusemos à Casa. E a Casa de Santa Isabel, naquelas que nós temos proposto, tem aparecido sempre com muitos voluntários e alunos e a participação tem sido óptima. Outras áreas em que nós temos participado com a Casa de Santa Isabel têm sido a realização de saídas temáticas, como saídas para a observação de cogumelos, e em percursos pedestres. E nestas acções há sempre participação de alunos e de colaboradores, o que as torna muito mais ricas, porque há uma maior diversidade de participantes. Além disso, a Casa de Santa Isabel visita frequentemente as exposições do CISE e temos sempre o gosto de fazer pessoalmente estas visitas. Mariana- Essa relação, do que entendi, não surge de uma parceria ou de um protocolo, mas é uma relação informal. Ligação - Sim, sim. É uma relação informal que funciona. Não necessitamos de um protocolo. É claro que poderia ser definido, mas se o protocolo existisse, eu penso que a relação seria igualmente boa! 184 Mariana- Sim, isso é muito interessante. Então, um telefona ou contacta e sugere, vamos fazer uma acção tal e tal e o outro faz o mesmo? Ligação - Sim, é exactamente assim [silêncio]. Mariana- E qual é a tua percepção sobre a Educação Ambiental na Casa de Santa Isabel. Mediante o que conheces da comunidade, como é que tu achas que a Educação Ambiental está presente na comunidade. Ligação - Bom, em relação a essa questão eu não tenho uma percepção muito objectiva. Eu não vivo o dia-a-dia da Casa de Santa Isabel, por isso a minha visão é, de certeza, uma visão tendenciosa. Mariana- Sim . Por isso te pergunto, "através do que tu conheces". Ligação - É claro que eu tenho uma maior proximidade das pessoas da Casa de Santa Isabel que têm uma maior simpatia pelas questões do ambiente e também da Educação Ambiental. Por isso, é natural que, junto destas pessoas, a Educação Ambiental seja muito importante. Das pessoas com quem eu lido mais proximamente, eu posso dizer-te que sinto por parte destes colaboradores um grande respeito, um respeito enorme pela natureza. Recordo-me até de uma ocasião, num passeio de observação de cogumelos com alguns colaboradores e alunos. Nessa saída, eu colhia os cogumelos, desmontava-os, para lhes mostrar aqueles pormenores que ajudam a identificar as espécies, e depois atirava-os para o chão, assim de uma forma descuidada. E o Bert, que tem muito respeito por todos os seres vivos, chamoume à atenção para o facto de eu não estar a tratar aquele organismo com o devido respeito. Portanto, a partir daquele momento, eu passei a colher os cogumelos com muito mais cuidado, a depositá-los cuidadosamente no chão e não como se se tratasse de um qualquer objecto com pouco significado [sorrisos]. E isto é uma das coisas que mais me toca na relação com a Casa de Santa Isabel, é o respeito por toda a natureza. E esse respeito reflectese também no respeito que a Casa de Santa Isabel tem pelos alunos e pelas pessoas que trabalham com ela. Acho que este é um dos pontos mais importantes. Depois, também me parece que têm uma visão bastante abrangente em relação ao ambiente. A sua abordagem não se resume a um ou dois temas, tendo em consideração várias áreas naturais muito diversificadas, que vão desde a água, às árvores, às aves, aos cogumelos. É, portanto, uma visão muito integradora da natureza. E isso também é uma perspectiva que me agrada muito. Normalmente, os programas de Educação Ambiental estão orientados para um tema em particular e com a Casa de Santa Isabel isto não acontece. É tudo muito transversal. Mas, como eu disse, eu não tenho uma percepção muito abrangente do que se passa na 185 generalidade das casas, mas conhecendo como funciona a Casa de Santa Isabel, parece-me que a Educação Ambiental estará obrigatoriamente presente em todos os aspectos, desde a forma como cozinham, como cuidam da casa, como cuidam dos espaços exteriores. Há ainda outro contributo muito grande da Casa de Santa Isabel, e este, provavelmente, não será referido por outras pessoas que entrevistes. A Casa de Santa Isabel, ao nível da Educação Ambiental, e o trabalho da Casa de Santa Isabel em si, tem reflexos na paisagem e na vegetação da encosta onde a Casa vive. Eu conheço esta encosta há bastantes anos e verifico que o trabalho feito pela equipa de florestação tem contribuído para que aquela encosta, que era relativamente pobre em termos de vegetação - era uma encosta dominada por pinheiros e por mato - e actualmente é uma das encostas, em termos de vegetação, mais interessantes do concelho de Seia. Começou a haver o predomínio de folhosas, como o castanheiro... Depois, isso tem reflexos a outros níveis, como a diversidade de cogumelos, a diversidade de aves, a diversidade de plantas. E é muito interessante verificar como é que uma instituição que tem outros objectivos, não é?! Porque os objectivos da Casa de Santa Isabel passam pela formação dos alunos. E, como é que esta instituição conseguiu transformar a paisagem desta forma, agora tão mais rica, tão mais bonita. Isto também acho que é um contributo da Casa de Santa Isabel importantíssimo para Seia. Mariana- E relativamente ao papel desempenhado pela Casa na Educação Ambiental do meio envolvente, qual a tua visão? Ligação - Acho que há uma preocupação grande da parte da Casa de Santa Isabel, não só em relação à Educação Ambiental, como também em relação a outras áreas, para que haja um envolvimento da comunidade envolvente. Por isso, todas estas actividades que nós temos realizado com a Casa são actividades sempre abertas, que não se fecham à comunidade. Aliás, outra coisa muito interessante é que, quer as sessões de astronomia, quer os percursos pedestres tiveram sempre a participação de pessoas que não pertencem a nenhuma destas duas instituições. E isso foi muito enriquecedor para os alunos da Casa de Santa Isabel, mas eu tenho a certeza que também para as pessoas que participaram nestas actividades e conheceram a Casa de Santa Isabel. A Casa tem ainda um papel muito importante na região pela forma como cultiva, como trata da floresta. Fazem-no com muito mais sensibilidade, muito mais respeito pelo ambiente. Acho que também têm uma função muito importante na divulgação do artesanato. Aliás, a Casa de Santa Isabel tem um artesanato óptimo, provavelmente do melhor artesanato do concelho de Seia. E esse artesanato serve para utilizar os recursos naturais da região, desde a madeira a outros produtos. 186 Mariana- Há, então, essa preocupação em que as coisas sejam abertas a todos? Ligação - Sim, totalmente abertas. Não há razão para que as actividades sejam feitas exclusivamente para a Casa de Santa Isabel. Pelo contrário, acho que faz parte do processo de formação educativa, ambiental, cívica, etc., dos alunos, essa integração com a comunidade em geral. Mariana- Falando agora numa perspectiva futura. Vocês pensam continuar a desenvolver projectos em comum, aprofundar esta relação? Ligação - O nosso desejo é sempre de aprofundar mais esta relação. Agora, honestamente, não sou capaz de prever em que direcção. Mas... hum, posso dizer que em muitas das actividades que nós desenvolvemos, nós acabamos por pensar sempre na Casa de Santa Isabel, por pensar: "Será que é possível incluir a Casa de Santa Isabel nisto?". Eu acho que é uma relação que deverá aprofundar-se e que ainda não está de todo esgotada aos temas em que temos trabalhado. 187 Casa de Santa Isabel, 7 de Julho de 2008, 10h30 Mariana- A primeira pergunta que gostava de te colocar, tem a ver com o que te motivou a vir par a Casa de Santa Isabel. Como tiveste conhecimento da sua existência e o que te motivou a vir para cá? Todo - Eu descobri a Casa de Santa Isabel através do chamado « por acaso», no qual eu acho que não acredito. Houve várias coisas no meu caminho que me indicaram que existia a Casa de Santa Isabel. Em relação ao que me motivou, eu tinha trabalhado como voluntário numa quinta biodinâmica, também com este tipo de população, onde havia já um jardineiro, havia alguém responsável pelas vacas, alguém responsável pela agricultura e éramos muitos capitães num barco. Eu tinha os meus 28 anos e queria mesmo fazer alguma coisa e estava aberto ao que poderia surgir. E quando soube que aqui havia um projecto a ser criado de raiz (e eu não tinha formação nesta área), que tinha como base a antroposofia, que tinha uma estrutura horizontal e com um fundo social, que estava aberto a analisar as necessidades, em vez de fazer simplesmente um pagamento por escalões, então isto foi o que me motivou. E o resto veio depois. Mariana- Vieste, então, ver e foste encontrando essas coisas que procuravas, foste construindo... Todo - Sim, viemos cá e sentimos uma atracção por este vale aqui do Formigo. A ligação com a própria comunidade e também com a comunidade portuguesa, veio depois. Mariana- Nessa altura já existia a Casa Noé? Todo - Não, havia duas casas para crianças e naquela altura era necessário criar alguma coisa para os adultos. A Casa de Santa Isabel foi concebida inicialmente como um lar para crianças e o que aconteceu foi que a primeira geração de utentes não eram crianças, mas jovens com 14 -15 anos, que tinham de sair dum meio ambiente onde estavam ameaçados e estavam a chegar à idade de maturidade sexual. E três anos depois, já manifestavam que precisavam de um núcleo novo para adultos e nós também procurávamos uma coisa terapêutica no âmbito da agricultura e silvicultura com adultos. E aí, nós entrámos no barco. Mariana- Isto foi em que ano? Todo - Foi em 83, que visitámos, e, em 84, nós viemos. E começou em 81. Portanto, tudo isto era muito novo. Foi aí que nós começámos a reconstruir a Casa Noé [silêncio]. 188 Mariana- E agora, quando olhas para a Casa de Santa Isabel, como é que tu a vês, como uma comunidade de vida e uma comunidade terapêutica? Todo - Para mim é um lugar especial e misterioso, porque à primeira vista estamos aqui para atender as pessoas com necessidades especiais, mas, hoje em dia, quase todas as pessoas têm necessidades especiais. Então, nós estamos a atender-nos uns aos outros e é isto que eu acho especial. E também esta confluência de muitas nacionalidades. Podemos aprender muito uns com os outros no meio de uma cultura que, em si, não está muito aberta para coisas novas. Mariana- Há sempre coisas a criar, a desenvolvver?... Todo - Ya, ya. E também já foi implantada aqui a ideia de não criar formas sem que haja também um conteúdo que preencha as formas. E daí, não temos estruturas muito rígidas, o que tem os seus pontos fracos. Depois destes 27 anos, estamos, muitas vezes, a improvisar. Mas, por outro lado, não há uma rigidez, como por exemplo, alguém que disse e já dizia há 25 anos que é assim e assado. Isto torna a instituição maleável e aberta para novas coisas [silêncio]. Mariana- Tu referiste há pouco uma cultura algo fechada. A que cultura te referes? Todo - Eu acho que me referi a ela como não estando muito receptiva, não muito aberta. Mariana- Sim. Todo - Este é um país com uma tradição Católica e o que fazemos aqui é uma coisa, em geral, cristã e para algumas pessoas se não és católico, então o que é que és? E também, quando começou a ideia de pôr a pessoa com deficiência mental mesmo no foco da atenção, não era muito comum ainda. Ou viviam com os pais ou os avós, um pouco escondidos no campo, ou estavam em grandes instituições. Mas esta maneira como nós vivíamos aqui, não era muito comum e daí surgiram muitas questões: o que era? se era comunista? se era uma seita religiosa?! Portanto, aí a cultura não estava muito aberta para as ideias que trouxemos. Mas claro, Portugal também é um país com uma cultura de muita tolerância e, por isso é também notável que as pessoas tolerassem, muitas vezes, quando íamos para fora com os companheiros. Alguém que se está a babar pode ir à missa e comungar também e alguém que não está tão «bem da cabeça» pode participar nas procissões e levar também alguma coisa. E isto é muito bonito. Nós procurávamos uma coisa nova, como conceito e como maneira de vida e são raras as pessoas desta cultura que decidem fazer parte desta comunidade. E daí, falei sobre a abertura. Mariana- Sentes que este aspecto tem vindo a mudar com o tempo. Há mais trocas e mais permeabilidade? 189 Todo - No início vieram muitas pessoas aqui da área local como voluntários e depois uns ficaram como colaboradores externos, outros fixaram-se aqui e outros foram para o estrangeiro. Esta foi uma onda e depois não vieram mais ondas. De vez em quando, ainda aparece alguém. Mas isso não mudou muito. A abertura das pessoas em volta para saber o que fazemos é boa, mas nós falhamos, talvez um pouco, em expor-nos para fora. No início tínhamos uma figura carismática na pessoa do Taciano e quando ele se retirou, ninguém se colocou naquela situação dele, de ir para fora e trazer camionetas e grupos de estudantes para aqui, dar entrevistas... Mariana- Ao longo deste ano e até da análise documental que fiz, pareceu-me que havia bastantes trocas entre a Casa e o meio envolvente. De que forma ocorre esta relação com a comunidade envolvente (encontros, parcerias, projectos, outros eventos em comum....)? Todo - É cada vez mais. Ultimamente nós reconhecemos que havia aí uma falha e agora há cada vez mais este intercâmbio. Começou com as escolas que frequentavam os filhos dos colaboradores. Foi muito bom quando nós convidámos as escolas para assistir aqui à peça de Natal. As professoras foram lá contar histórias, que é uma coisa rara, porque o que se faz é ver televisão. Eles vêm também cá para ver uma quinta a funcionar, as ervas aromáticas... hum, fazemos encontros de astronomia. Portanto, tudo coisas interessantes, não sobre deficiência, mas coisas interessantes, que acontecem aqui. Alunos que já não fazem ideia do que o pai deles faz, porque é funcionário, sem uma actividade profissional muito óbvia aos olhos deles, vêm cá e vêem os ofícios, vêem o que faz um carpinteiro, o que faz um tecelão, um padeiro... e daí, temos aqui alguma coisa a mostrar para fora. Nós tentámos também criar um espaço na escola secundária para vender o artesanato dos nossos alunos lá, mas não foi possível realizar, porque a lei não permite a venda de coisas em edifícios do Estado. Mas há agora uma procura constante, modesta, mas constante, de ligações reais. Temos a nossa lojinha, onde as pessoas vão comprar pão e outras coisas. E agora estamos também a falar sobre a vinda de cavalos dum Centro Equestre para cá e acho que estamos num bom caminho, sem perdermos a nossa identidade, assimilarmo-nos mais ainda com o meio envolvente. Mariana- Como tu disseste, as coisas que vocês organizam estão sobretudo relacionadas com temas interessantes e não com a deficiência mental. Concertos, passeios, noites de astronomia... Todo - Ya. Havia a ideia de que isto era uma casa dos maluquinhos e é muito bom as pessoas verem que há aqui pessoas um pouco diferentes, no entanto, há aqui coisas muito interessantes, bastante normais... 190 Mariana- Houve também um dia aberto a toda a comunidade. Reparei que este ano várias instituições organizaram um dia aberto e a Casa de Santa Isabel também. Estes dias abertos são já prática na região? Sabes como surgiram? Todo - Não, acho que não existia. E isso também é uma coisa interessante. A comunidade envolvente está também a acordar para necessidades deste tipo, de criar relações. Aliás, isto foi também o tema internacional daqueles encontros onde eu vou uma vez por ano representar Portugal. Lá o tema, durante três anos, foi "Núcleo e Periferia", ou seja, como uma instituição antroposófica pode manter a sua identidade e não tornar-se uma coisa como todas as outras, no entanto, mantendo esta consciência, que no fundo queremos, de estar muito abertos a tudo o que se passa à volta. Então, é um tema que está presente na consciência de muita gente. Mariana- Podes dar-me uma imagem desta identidade de uma instituição antroposófica? O que é que caracteriza essa identidade? Todo - [silêncio] Isto é um pouco perigoso, porque parece que estamos a criar um estatuto privilegiado para nós, que nós somos diferentes ou melhores do que os outros. E isso não é assim. Eu acho que muitas pessoas, independentemente de onde trabalham, descobrem alguma coisa de magia. Atrás da deficiência há alguma coisa pura e ingénua, que não deficiente, um núcleo de personalidade sã, não é? Muitos chegam a este pequeno mistério. O que eu acho especial na antroposofia é que isto é um dado com que se trabalha, é uma coisa da qual tentamos estar conscientes, todos os dias. Além disso, as terapias e todo o «tratar» com estas pessoas com deficiência, que, como dizia um amigo, são pessoas portadoras de deficiência mental e não deficientes (então, são pessoas que têm esta deficiência mental e dum outro lado têm muitas qualidades, em que, por vezes, são superiores a nós). Tentamos, com uma certa estrutura, com uma consciência constante, como ideal/objectivo, apelar a este lado positivo e saudável e puxar pelas qualidades. Por exemplo, em relação a uma pessoa que em muitas instituições seria colocada numa sala com cores suaves, com música de fundo e com tapetes, dessas snoezelen rooms, nós diríamos que é bom para também descansar e relaxar. Mas, mesmo uma pessoa como o J, que aparentemente não quer participar no mundo, no fundo no fundo, está mais realizado quando ele também participa em trabalhos reais, em trabalhos de prestar serviços, porque ele tem os seus 37 anos e a ligação real do mundo com o mundo de uma pessoa adulta também é através do ser útil para os outros. Então, procuramos dentro de todas as suas características descobrir onde ele pode realizar esta sua participação de utilidade no mundo. E daí, se calhar, somos um pouco diferentes dos outros. Mas, como eu disse no princípio, acredito que quase todos chegam a este ponto de dizer: "Olha, eles tem coisas espantosas!", embora normalmente a estrutura não esteja virada 191 para buscar estas capacidades ou características, mas mais para uma convivência em que não se prejudica ou perturba ninguém e onde não há erupções de violência e tudo isto. Então, ai, eu acho que a aproximação é um pouco diferente. Mariana- Focando-nos agora mais directamente na Educação Ambiental, que é o tema principal do trabalho. O que é que tu entendes por Educação Ambiental? Todo - Eu entendo que a Educação Ambiental é criar consciência nas pessoas de que temos uma responsabilidade pelo nosso mundo, de que a terra é um organismo vivo e de que podemos prejudicar o organismo terra e, no fundo, a nós também e a toda a criação, toda a natureza, se continuamos a actuar de uma maneira muito egoísta, a utilizar, em vez de conviver. Esta, acho que é a grande tarefa da Educação Ambiental, a de despertar esta consciência de que a terra não é para tirar coisas, mas para cultivar e para utilizar e criar, tendo sempre na consciência o futuro e não fazendo uma agricultura que deixe a terra pior para as próximas gerações do que estava quando nós começámos a trabalhar. Mariana- Eu tentei também recolher, através de várias concepções, uma definição de Educação Ambiental para partilhar contigo e, depois desta partilha mais conceptual sobre Educação Ambiental, podermos passar a uma visão mais real/prática. Esta definição vai bastante no sentido de algumas das coisas que já referiste. Assim, a Educação Ambiental é um processo pedagógico (e aqui saliento «processo pedagógico" sobretudo pelas confusões que, às vezes, surgem entre educação e gestão ambiental, que são distintas, apesar de poderem tocar-se), de orientação teórico-prática, mediante o qual os indivíduos e a comunidade sentem, pensam e agem sobre a "casa de vida" que partilham e integram, contribuindo para o desenvolvimento equilibrado dos ecossistemas, estes também humanos. Tu falaste em criar consciência e talvez seja também importante salientar o sentir e o agir. Todo - Sim, assim é mais abrangente. Mariana- E sobre este equilíbrio, vemo-lo como algo dinâmico, que conduz também a um equilibro futuro, tentando ir de encontro ao que tu referiste ao focar as próximas gerações. Todo - Poderíamos juntar também aí o dar e o receber. E acho que é muito importante como tu dizes: consciência e sentir e também agir. Eu, antes de vir para aqui, trabalhei também em Educação Ambiental e não me satisfez porque ficou por aí, por criar consciência e conhecimento e as pessoas continuavam a viver da mesma maneira. É importante a articulação destes três. Mariana- Voltando agora à Casa de Santa Isabel. De que forma é que tu vês a Educação Ambiental presente na vida da comunidade? 192 Todo - Hum [silêncio]. Eu vejo-a presente na responsabilidade que a comunidade tomou pelos seus terrenos. Eu, finalmente, depois de ter trabalhado 9 anos na agricultura, pude realizar o meu sonho, que era continuar a trabalhar na silvicultura, que era a minha formação. Quando comprámos terreno, para garantir que não haveria mais urbanizações à nossa volta, logo as pessoas disseram: "Espera ai. Nós temos os terrenos, mas também temos que mantê-los bem!". E daí, começámos a trabalhar na prática também na gestão florestal e paisagística dos terrenos. Aí houve o despertar do interesse, não só de uma pessoa, mas de vários colegas, que pensaram que isto era importante. Desde o início, também foi claro que a agricultura deveria ser uma agricultura biológica, sustentável, com pormenor de que tentámos desenvolver uma agricultura biodinâmica. Mas isto é um extra que nós hoje não podemos realizar por falta de pessoas motivadas, que não só pensem, mas também ajam. Isto em relação à parte natural. Depois, e também graças ao João Castella, que esteve aqui, temos muita consciência da importância da reciclagem. Temos os nossos próprios contentores e fizemos pressão perante a Câmara para termos um pequeno Ecoponto aqui. Desde o início, também se separa o lixo para o composto. Este é em todas as casas recuperado. Por outro lado, mesmo uma consciência ecológica, eu acho que ainda não é muito fácil. Não. Podemos melhorar ainda muito. Mariana- O que é que te leva a dizer isso? Podes dar-me alguns exemplos? Todo - Por exemplo, quando se construíram as primeiras casas, também arranjámos dinheiro para comprar painéis solares. Mas um painel solar precisa também de atenção, de manutenção, de consciência. E as pessoas estavam muito preocupadas com o seu dia-a-dia e não estavam assim muito motivadas para os gastos e para o lado ecológico e, em vez de irem lá e quererem mantê-los em funcionamento, alguns diziam: "Isto só dá chatices! Vamos tirar esta porcaria daqui!". E desapareceram outra vez. Depois, nós recuperámos algumas coisas rejeitadas de lá para aqui, porque eu acredito nisto. Também com o uso dos carros, não há muita consciência. Em relação ao aquecimento, às vezes, também não. Nós temos imenso trabalho em fornecer lenha seca. Mas, por vezes, eu entro em casa às nove da manhã e todos foram para a escola ou para o trabalho, e alguém acabou de preencher a caldeira toda, que está a queimar lenha que ninguém aproveita. E daí eu dizer que nós não temos, em geral, muita consciência. Ainda há muitas casas que utilizam bastante lixívia e comida em latas e ainda produzimos imenso lixo. Acho que há! Há consciência, mas poderia ser muito melhor. Resumindo, eu diria que não temos uma atitude muito ecológica como comunidade, em geral. Há impulsos, há pessoas que fazem isto, mas em geral... Mariana- Partilho contigo algo em relação à Educação Ambiental aqui. Fui reflectindo ao longo deste tempo se estaria a ver coisas que são Gestão Ambiental como Educação 193 Ambiental. Onde é que estas se tocam na vida da comunidade? A Educação Ambiental é um processo pedagógico, falamos em educar o outro. Como será que as coisas aqui passam de uns para os outros? Como é que tu vês esta questão? Todo - Ya [silêncio]. Talvez façamos pouco de Educação Ambiental estruturada. Mariana– Mas a educação também não tem que ser sempre tão estruturada. Todo - Sim. Por um lado, também estou a pensar... Sabes, a instituição tem hábitos, por exemplo, o de dizer um verso em que se agradece à mãe terra, ao sol, pelos alimentos que recebemos. E isto é quase a educação primordial ambiental. É bonito isso que fazemos. Mas, estamos em tempos modernos e se os colaboradores (porque não podemos exigir isto normalmente aos alunos) não estão conscientes daquilo que eles dizem, isto é a tal forma sem conteúdo, que eu disse no início, e acaba por não dizer nada. Por outro lado, água mole em pedra dura, não é?... É bom que digamos todos os dias e, se calhar, uma vez por ano alguém pensa: "Mas o que estamos a dizer? E porque estamos a dizer isto?" E daí, eu acho que, como tu dizes, é um processo, e temos que constantemente tentar criar essa consciência, começar nos colaboradores, mas pouco a pouco também nos companheiros. Fazemos parte de um todo e temos que educar-nos, a nós próprios, para tratar bem do ambiente. Não sei se isto responde à tua pergunta... Mariana- Sim, no fundo isto é uma conversa aberta. E agora eu também partilho as minhas reflexões contigo. Outra coisa que tenho também reflectido sobre o tema aqui é que com todos, mas essencialmente com algumas das pessoas com mais dificuldade de compreensão e de abstracção, o facto das coisas estarem enquadradas num ritmo de vida, de tu ires fazendo, as pessoas verem que tu estás a fazer, tendo tu uma relação de proximidade, familiar com elas, também isto é uma forma de educação. Que pode ser acompanhada de explicações/reflexões, de vez em quando. Por outro lado, aqui vemos alguns ciclos fecharem-se. Por exemplo, os restos de comida que deitamos fora, servem de composto, vão para a terra e ajudam a alimentar as plantas que depois nós comemos. Esta continuidade, associada a um ritmo, a uma vivência dos ciclos, quando comparada com uma educação que se caracteriza pela realização esporádica de acções estruturadas, mesmo que muito completas... Como vês tu esta situação aqui na Casa de Santa Isabel? Todo - Sim, isso acontece aqui e realmente há um ideal e a realidade deveria, cada vez mais, coincidir com ele. O ideal está lá. Na realidade tentamos, mas não cumprimos sempre. Embora, em comparação com o que se passa no resto da sociedade, não fazemos mal. Mas, voltando a este exemplo do núcleo e da periferia. Nós fazemos agora formação profissional nas oficinas com os adultos, e o Estado tem uma certa estrutura para a formação 194 profissional ser dada. Então, quando alguém entra para a comunidade vê-se: "Ah! talvez vá para esta área, ou para aquela área". Antigamente, com o pensamento do núcleo, alguém que entrava aqui fazia primeiro um sistema rotativo, de passar por todas as áreas. Por exemplo, a Fernanda Maria, trabalhou, antigamente, na agricultura. E acho que é muito bom. Todas as pessoas sabem exactamente, mesmo quando estão depois na carpintaria ou na lavandaria, o que é fazer composto e que realmente dos restos velhos se faz um estrume, que depois vai para a terra. Aí acho que, querendo ser fiéis ao nosso núcleo de pensar, deveríamos dizer: "Alto aí! A vossa estrutura exige isto, mas nós acreditamos que é saudável para o desenvolvimento, porque também é uma certa Educação Ambiental, que as pessoas que comem uma alface saibam de onde vem, as pessoas que colocam a lenha na caldeira saibam de onde vem e tudo isto, ou seja, que todos os alunos passem por várias áreas, que os nossos silvicultores trabalhem ecologicamente e saibam também que as calças que põem a lavar vão ser lavadas com detergente", não é?! Devemos ter esta consciência de tudo. E daí, se calhar, quando estamos mais conscientes do que nós propriamente queremos, estamos mais capazes de dizer ao Estado que podemos trabalhar nos seus moldes, mas queremos também manter esta ideia. E, neste momento nós estamos abertos para o que vem ao nosso encontro e estamos, por vezes, a esquecer o que nós queremos, o que nós fazíamos antigamente. Então daí, é sempre um jogo, até onde adaptar e até onde ser um pouco fiel aos nossos ideais. Mas acho que, em geral, procuramos ter uma boa relação com o ambiente social e com o ambiente natural. Mariana- Houve alguma experiência, que te marcou, que esteja relacionada com a Educação Ambiental? Todo - Assim, não me lembro [silêncio]. O que a mim me marcou, foi, antes de vir para cá, trabalhar numa quinta onde se lavavam os pratos só com água quente, sem detergente e onde a água depois escoava para baixo, para um balde e a seguir ia para os porcos. E depois os porcos matavam-se e comiam-se. Isso, achei fantástico! Apela a esta ideia do ciclo fechado. Isto marcou-me e, ainda hoje em dia, quando estou a fazer a pré-lavagam dos pratos, eu acho pena que esta água vá logo simplesmente para o esgoto. Isto é uma loucura! Mariana- Aqui, na casa Elias, existe um sistema de limpeza de água com plantas, que ouvi comentar que não estava a funcionar muito bem. Todo - Está. Podia ser melhorado, mas está. Mariana- E aproveita as águas de onde? Todo - Quando não se utilizam produtos agressivos como a lixívia, toda a água vai para uma fossa onde os sólidos e os líquidos são separados. Os sólidos vão ser digeridos e quase que o 195 volume desaparece. E os líquidos vão logo para um campo com ervas, onde o que está neles ainda por digerir, vai para o crescimento das plantas. Depois, a água vai para regar as hortas. Mariana- Pois. Então, as águas são as chamadas "cinzentas" e "pretas"? Todo - Sim. Mariana- Há pouco referiste várias preocupações ambientais da comunidade, algumas delas já antigas. As pessoas que iniciaram a comunidade tinham já preocupações ambientais e de Educação Ambiental? Todo - Eu acho que, em geral, tinham uma preocupação com uma educação holística. Acho que se pode dizer isto. Como eu disse, nós, socialmente e também em termos de natureza, tentamos ser um núcleo saudável. É mais isto. A consciência ambiental acho que foi crescendo com o tempo e com a sociedade. E eu estou também convencido, Mariana, de que quando as pessoas estão felizes e contentes, têm menos necessidade de consumir. Quando vejo esses grandes centros comerciais e quando vejo que na imprensa há uma tendência de só provocar medos e angústias nas pessoas, eu acho que isto, não sei se inconscientemente ou não, vai de mão em mão. E, se calhar, quando as pessoas com deficiência mental, que normalmente têm um destino pesado, encontram aqui um ambiente onde estão integradas de uma maneira boa e humana, também desaparecem um pouco estas angústias e medos. E, certamente, nós todos temos menos a tendência de fazer um consumismo excessivo. E isto começa aí também. Quando as pessoas estão em paz, estão também melhor inseridos no seu meio ambiente e daí consomem menos... Isso entra em tudo também. Mariana- Numa perspectiva holística, como tu próprio referiste, e relacionando com a ecologia humana, o ser humano como um sistema integrado e ligado a outros sistemas. E quando este ser humano tem uma vida interior rica, está bem consigo, está em paz (o que já por si, depende também das suas relações nestes outros sistemas), as relações que tem, são naturalmente influenciadas, no sentido em que tu estavas a dizer. Todo - Sim. Mariana- E achas que a Educação Ambiental é importante para o desenvolvimento pessoal e social e para a vivência das pessoas com necessidades especiais? Todo - Sim. Mariana- De que forma? Todo - Isto faz parte da integração, em que também acredito. É importante que as pessoas se 196 sintam integradas e sintonizadas com o seu meio ambiente. E quando nós temos conhecimento e agimos de acordo com as necessidades do ambiente, então também nós próprios nos sentimos mais integrados. E acho que, nesse sentido, as coisas batem certo dos dois lados. Se nós fizermos bem ao ambiente, então, ao mesmo tempo, estamos também a agir com mais harmonia na nossa vida. Mariana- [silêncio] Há ainda um outro aspecto que gostaria de conhecer a tua opinião. Aqui, desde pequenos, quer em casa, quer na escola, as pessoas partilham tarefas de limpeza das casas, regar as plantas... cuidar do seu ambiente, não directamente da natureza apenas, mas do espaço em que vivem. Isso integra o seu dia-a-dia?! Todo - Sim. Mariana- Consideras que isto pode também integrar a Educação Ambiental? Estes e outros exemplos do quotidiano aqui, parecem-te importantes para o desenvolvimento da autonomia, para o desenvolvimento das noções de espaço e de tempo? Todo - Sim. E isto vai ser muito importante para nós como instituição, estarmos conscientes disto: o trabalho que se faz em convivência, na vida quotidiana e, realmente, o procurar sempre a autonomia das pessoas que têm algumas limitações, é muito formativo e já é terapêutico em si. Nós não vivemos primeiro e depois começam as terapias e depois vem o tempo livre, que não tem nada a ver com a terapia. Não vivemos assim. Também é importante este cuidar da sua casa, que não é a casa da instituição, mas é a minha casa, o que faz com que tenha mais respeito e cuidado também. E, ao mesmo tempo, sentem que há um lugar no mundo do qual vale a pena cuidar. Sentir que eu valho a pena e vale a pena estar numa casa que vale a pena, num ambiente que vale a pena. Esta auto-estima de que todos precisamos, começa aí também. E o colaborador que está a investir não sei quantas horas em me ensinar, a mim, a sei lá, por exemplo, a varrer o chão! Era muito mais rápido se ele o fizesse e eu sentava-me num canto calado. Mas ele está a investir em mim. Então, inconscientemente quase, eu sinto que eu próprio valho a pena. E depois, vale a pena, então, que nós os dois juntos estejamos a varrer o chão, também porque vale a pena que a casa fique bonita, até pelas outras pessoas, que são também pessoas importantes. Dar valor a tudo! Isso, acho que é a base da Educação Ambiental Holística. Que tudo vale a pena, se a alma não é pequena. Mariana- E quais são os desafios da Casa de Santa Isabel para o futuro? (necessidades, expectativas, sonhos...) Todo - Hum... Com a tendência do fluxo de colaboradores para acelerar e com o materialismo que se vive na sociedade, o desafio é nós conseguirmos ficar um pouco fieis ao 197 nosso ideário [silêncio]. E, como nós crescemos, e cada um tem cada vez mais tarefas específicas ou especializadas, que, apesar desta diferenciação e especialização, as pessoas continuem a sentir a base que temos em comum. Isto vai ser cada vez mais difícil e acho que para o bom funcionamento de uma comunidade deste tipo, é mesmo imprescindível sabermos o que cada um está a fazer e dar valor também a esse trabalho. Porque, a tendência é fácil, quando nós fornecemos a lenha, as pessoas tendem a dar-lhe menos valor do que quem trabalhou para trazer as árvores e rachar a lenha. Nós agora ainda não temos jardineiros e, então, as pessoas fazem a jardinagem da própria casa. Se fazem alguma coisa que não fica tão bem, tentam remediar. Mas, se viesse um jardineiro, talvez deixassem de fazer jardim. Se nós fazemos o pão com os alunos, o pão tem outro valor. Agora, se o encomendarmos, mais facilmente pode acontecer o seguinte: "Encomendamos três? Não. Encomendamos quatro e o que sobrar vai para as galinhas!". E o facto de manter esta ligação saudável, em que, apesar de eu já não fazer tudo, os colegas fazem; e de não institucionalizar, isto é um desafio. Porque a institucionalização pode ser um inimigo de todos esses valores de que estamos a falar, porque cria distância. E o que nós queremos de tudo isto, é criar ligações vivas com as matérias-primas e os processos e as pessoas e a sociedade e a natureza. Este é um desafio, o ficar comunidade e não nos tornarmos uma instituição. Mariana- Mantendo ao mesmo tempo estas relações vivas com o exterior... Todo - Sim. Mas eu também aprendi que do exterior não vêm só ameaças e perigos. Também vêm desafios em termos de oportunidades, como agora surgiu a oportunidade de termos aqui cavalos. Tivemos aqui animais, mas saíram pouco a pouco pela porta traseira. Agora estão a bater outra vez à porta principal: "Cá estamos! Nós queremos entrar!". E nós, como comunidade, não porque alguém de dentro queria, pensamos: "Ah! Se calhar até é boa ideia!". E, isso, graças à abertura para o mundo à nossa volta. Mariana- Falei-te em necessidades, sonhos... Todo - Uma grande necessidade era um agricultor aqui, que se quisesse ligar à casa pelo menos durante sete anos. Mariana- Tens também algum sonho que queiras partilhar? Todo - Eu?! [silêncio] Sim, a Casa de Santa Isabel quando começou era uma ponta de lança, uma coisa inovadora no país e eu acho que, neste momento, já estamos a ser ultrapassados. E, não por ambição pessoal, mas acho que nós temos possibilidades também com os companheiros de ser outra vez uma luz, um ponto de referência. Acho que estamos no bom caminho, temos potencialidades e podíamos irradiar mais nesse sentido. Quando nós 198 começámos a reflorestar as zonas ardidas na Serra da Estrela, eu disse uma vez, assim, estas palavras: "Eu acho que as pessoas com deficiência mental têm uma tarefa especial de possibilitar coisas que são necessárias, mas que sem eles não seriam realizadas, como, com absoluto altruísmo, reflorestar zonas ardidas que são dos outros. E aí temos potencialidades. Aí, a Casa de Santa Isabel vai irradiar no seu meio ambiente. E isso é um sonho meu, que acho que temos cada vez mais possibilidades de realizar. 199 Casa Cristovão, 7 de Julho de 2008, 15 horas Mariana- Obrigada por estares comigo nesta conversa. Uma das coisas que queria perguntar-te é o que é para ti a Casa de Santa Isabel? Cor - Para mim foi muito bom. Desde pequenina, vim para cá, com oito anitos. Vim muito pequenina para cá. Aqui me cuidaram como se fosse uma mãe verdadeira e ainda é. Aliás, há mais pessoas, que é como se fossem minhas mães. Tratam-me muito bem e eu gosto muito delas. E estou a gostar muito da Casa de Santa Isabel. Foi o melhor que eu tive na minha vida. Cresci aqui, como outras pessoas, algumas com filhos, algumas casadas... Eu fui criada aqui na Casa de Santa Isabel. E quando, às vezes, vou à casa dos meus pais, sinto-me mal lá e vejo que aqui tenho a minha vida. Mariana- Gostavas então de continuar aqui a viver? Cor - Quero continuar aqui a viver e se encontrar um rapaz que se interesse por mim, que me trate bem, que me estime bem e eu também a ele, quero estar aqui com ele. Mariana- Então sentes-te... Cor - [interrompe] Sinto-me muito feliz aqui. Também queria conhecer outros países, mas vou esperar e mais lá para a frente... Mariana- E nas férias, às vezes, saímos para outros países, não é!? Cor - Sim. Agora nas férias vou para a Suíça uns dias. Vai ser muito bom para mim. Estou a gostar muito daqui. Mariana- E como é a tua relação com as pessoas aqui na Casa de Santa Isabel? Cor - Sempre me senti bem. Nunca tive grandes problemas com eles. Os colaboradores também percebem o meu caso, que é um bocadinho diferente dos outros. Eles compreendemme e ajudam-me em muitas coisas. Pelo menos, ultrapassei muito. Mariana- E como é o teu dia-a-dia aqui? Conta-me alguns momentos do teu dia-a-dia? Cor - O meu dia é: de manhã, levantar-me logo muito apressada, quase a correr e despacharme para o meu trabalho novo, que é muito puxado. Não posso chegar atrasada. Tenho que cumprir sempre os horários [silêncio]. Mariana- E na comunidade, quais são as tuas actividades? Cor - Aqui tenho muitas actividades. Gosto de ajudar na cozinha, ajudar os outros. Gosto 200 muito de me oferecer para ajudar os outros. Eu não penso para mim só, que eu não sou egoísta. Isso não. Eu quero ajudar os outros, é o prazer que eu tenho na minha vida. Mariana- Sentes que aqui aprendeste? Cor - Aprendi muito aqui. Tudo! Cuidar do jardim, regar as plantas, falar com os animais, até falar com bichos que não existem, eu consigo. Mariana- Achas que aqui as pessoas vivem em harmonia com o ambiente, o espaço, as plantas, os animais e a natureza? Cor - Algumas pessoas não gostam da natureza. Tratam mal a natureza. Eu já reparei [silêncio]. Mariana- Podes dar um exemplo? Cor - Às vezes, os colaboradores deitam qualquer lixo no jardim. As cascas de laranja, em vez de as deitarem no lixo, deitam-nas pela janela. Dizem que é bom para a terra. Eu não acho que seja bom para a terra. Eu já ouvi dizer que a casca de laranja tem químicos. Deitam-lhes venenos e, por vezes, tratam mal a terra. Mariana- E tu, como tratas a terra? Cor - Eu tento fazer o melhor possível para o meu planeta ficar melhor. Mariana- E onde aprendeste estas coisas? Cor - Aprendi na escola. Mariana- Aqui na escola da Casa de Santa Isabel? Cor - Sim, na formação ensinam os alunos a darem-se bem com o ambiente, para estarem bem no ambiente. E quando virmos um lixo no chão, devemos apanhar. Mariana- E antes de te ensinarem na escola, lembraste se já sabias algumas coisas? Cor - Eu já sabia um bocadinho. Mariana- O que gostas mais aqui na Casa de Santa Isabel? Cor - O que eu gosto mais é de estar com as crianças. E aqui tenho descanso, posso sair com amigos, posso ir ao café com os colaboradores, às vezes, vou ao cinema, posso ir a festas. Mariana- E, agora, pensando no futuro, quais são os teus sonhos e o que achas que é necessário na Casa de Santa Isabel. 201 Cor - O que eu mais queria era que houvesse muitas crianças. Mais crianças, esse era o meu sonho. (De seguida, pedi-lhe que me contasse algum acontecimento relacionado com o ambiente, com a natureza, que a tivesse marcado. Depois de algum silêncio, começou a falar de como veio para a Casa de Santa Isabel e divergimos para assuntos mais pessoais, que não me parecem relevantes para o tema. Alongou-se, então, a nossa conversa e, no final, já não me pareceu pertinente regressar ao tema fundamental da entrevista) 202 ANEXOS 203 Anexo 1 Carta da Terra 204 CARTA DA TERRA PREÂMBULO Estamos num momento crítico da história da Terra, numa época em que a humanidade tem de escolher o seu futuro. À medida que o mundo se torna cada vez mais interdependente e frágil, o futuro encerra, ao mesmo tempo, grandes perigos e grandes promessas. Para avançar, devemos reconhecer que, no meio de uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana, e uma só comunidade na Terra, com um destino comum. Devemos conjugar forças para gerar uma sociedade global sustentável, baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça económica, e numa cultura da paz. Para alcançar este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos a nossa responsabilidade uns para os outros, para com a grande comunidade da vida, e para com as gerações futuras. Terra, a Nossa Casa A humanidade é parte de um vasto universo em evolução. A Terra, a nossa casa, está viva como comunidade de vida única. As forças da natureza fazem da sobrevivência uma aventura exigente e incerta, mas a Terra providenciou as condições essenciais para a evolução da vida. A capacidade de recuperação das comunidades vivas, e o bem-estar da humanidade, dependem da manutenção de uma biosfera saudável em todos os seus sistemas ecológicos, uma enorme diversidade de plantas e animais, solos férteis, águas puras e ar limpo. O ambiente global com seus recursos não renováveis, é uma preocupação comum a todas as pessoas. A protecção da beleza, diversidade e vitalidade da Terra é um dever sagrado. A Situação Global Os padrões dominantes de produção e consumo estão a provocar a devastação dos ecossistemas, a redução drástica dos recursos, e uma explosiva extinção de espécies. As comunidades estão a ser minadas. Os benefícios do desenvolvimento não são partilhados equitativamente, e o fosso entre ricos e pobres aumenta colossalmente. A injustiça, a pobreza, a iletracia e os conflitos armados têm aumentado, e são a causa de muitos sofrimentos. O crescimento sem precedentes da população humana tem sobrecarregado os sistemas ecológicos e sociais. As bases da segurança global estão ameaçadas. Essas tendências são perigosas mas evitáveis. Desafios para o futuro A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e uns dos outros, ou pôr em risco a nossa existência e a da diversidade da vida. São necessárias mudanças fundamentais nos nossos valores, instituições e modos de vida. Devemos entender que, quando as necessidades básicas estiverem ao alcance de todos, o desenvolvimento humano estará voltado, primariamente, a ser mais e não a ter mais. Temos o conhecimento e a tecnologia necessários para abastecer todos e reduzir os impactes sobre o ambiente. O crescimento de uma sociedade civil global está a criar novas oportunidades para construir um mundo democrático e humano. Os nossos desafios em questões ambientais, económicas, políticas, sociais e espirituais estão interligados, e juntos podemos estabelecer soluções que incluam todos estes aspectos. 205 Responsabilidade Universal Para aceitarmos estas aspirações, devemos decidir viver com um sentido de responsabilidade universal, identificando-nos com toda a comunidade global, bem como com as nossas comunidades locais. Somos, ao mesmo tempo, cidadãos de nações diferentes e do mundo, no qual as dimensões local e global estão ligadas. Cada um partilha da responsabilidade pelo bem-estar actual, e o futuro da humanidade e de todo o mundo vivo. O espírito de solidariedade humana e de parentesco com todas as formas de vida é fortalecido quando vivemos com reverência pelo mistério da existência, com gratidão pelo dom da vida, e com humildade, considerando o lugar que ocupa o ser humano da Natureza. Necessitamos urgentemente de uma visão conjunta de valores básicos, para proporcionar um fundamento ético à comunidade global emergente. Por isso, juntos na esperança, afirmamos os seguintes princípios, todos interdependentes, visando um modo de vida sustentável como objectivo comum, através dos quais a conduta de todos os indivíduos, organizações, empresas, governos e instituições transnacionais será guiada e avaliada. PRINCÍPIOS I. RESPEITAR E CUIDAR A COMUNIDADE DA VIDA 1. Respeitar a Terra e a vida em toda a sua diversidade. a) Reconhecer que todos os seres estão interligados e que cada forma de vida tem valor, independentemente da sua utilidade para os seres humanos. b) Afirmar a fé na dignidade inerente de todos os seres humanos e no potencial intelectual, artístico, ético e espiritual da humanidade. 2. Cuidar da comunidade da vida com compreensão, compaixão e amor. a) Aceitar que, com o direito de possuir, administrar e usar os recursos naturais, vem o dever de impedir danos causados ao ambiente, e de proteger os direitos das pessoas. b) Assumir que o aumento da liberdade, dos conhecimentos e do poder implica aumento da responsabilidade na promoção do bem comum. 3. Construir sociedades democráticas que sejam justas, participativas, sustentáveis e pacíficas. a) Assegurar que as comunidades, a todos os níveis, garantam os direitos humanos e as liberdades fundamentais, e proporcionem a cada um a oportunidade de usar o seu potencial. b) Promover a justiça económica e social, proporcionando a todos alcançar uma subsistência significativa e segura, que seja ecologicamente responsável. 4. Garantir as dádivas e a beleza da Terra para as actuais e as futuras gerações. a) Reconhecer que a liberdade de acção de cada geração é condicionada pelas necessidades das gerações futuras. 206 b) Transmitir às futuras gerações valores, tradições e instituições que apoiem, a longo prazo, a prosperidade das comunidades humanas e ecológicas da Terra. Para poder cumprir estes quatro grandes compromissos, é necessário: II. INTEGRIDADE ECOLÓGICA 5. Proteger e repor a integridade dos sistemas ecológicos da Terra, com especial preocupação pela diversidade biológica, e pelos processos naturais que sustentam a vida. a) Adoptar planos e estratégias de desenvolvimento sustentável, a todos os níveis, que façam com que a conservação ambiental e a reabilitação sejam parte integrante de todas as iniciativas de desenvolvimento. b) Estabelecer e proteger de forma viável as reservas naturais e a biosfera, incluindo regiões selvagens e áreas marinhas, para proteger os sistemas de sustento à vida da Terra, manter a biodiversidade e preservar a nossa herança natural. c) Promover a recuperação de espécies e de ecossistemas ameaçados. d) Controlar e erradicar organismos não-nativos ou geneticamente modificados que causem dano às espécies nativas, ao ambiente, e prevenir a introdução desses organismos. e) Gerir o uso de recursos renováveis como a água, o solo, os produtos florestais e vida marinha de uma forma que não ultrapasse as taxas de regeneração e que protejam a saúde dos ecossistemas. f) Gerir a extracção e o uso de recursos não-renováveis, como minerais e combustíveis fósseis por forma a que diminuam a exaustão e não causem dano ambiental grave. 6. Prevenir os impactes negativos para o ambiente como o melhor método de protecção ambiental e, quando o conhecimento for limitado, assumir uma abordagem de precaução. a) Orientar acções para evitar a possibilidade de sérios ou irreversíveis danos ambientais, mesmo quando a informação científica for incompleta ou inconclusiva. b) Impor o ónus da prova àqueles que afirmarem que a actividade proposta não causará dano significativo, e responsabilizar as partes pelos danos causados no ambiente. c) Garantir que a decisão a ser tomada se oriente pelas consequências humanas globais, cumulativas, de longo prazo, indirectas e de longo alcance. d) Impedir a poluição de qualquer parte do ambiente, e não permitir o aumento de produção de substâncias radioactivas, tóxicas ou outras substâncias perigosas. e) Evitar que o ambiente seja danificado por actividades militares. 207 7. Adoptar padrões de produção, consumo e reprodução que protejam as capacidades regenerativas da Terra, os direitos humanos e o bem-estar comunitário. a) Reduzir, reutilizar e reciclar materiais usados nos sistemas de produção e consumo e garantir que os resíduos possam ser assimilados pelos sistemas ecológicos b) Actuar com restrição e eficiência em relação ao consumo energético e recorrer cada vez mais aos recursos energéticos renováveis, como a energia solar e a eólica. c) Promover o desenvolvimento, a adopção e a transferência equitativa de tecnologias ambientais seguras. d) Incluir totalmente os custos ambientais e sociais de bens e serviços no preço de venda, e habilitar os consumidores a identificar produtos que satisfaçam as mais altas normas sociais e ambientais. e) Garantir acesso universal aos cuidados médicos que fomentem a saúde reprodutiva e a reprodução responsável. f) Adoptar modos de vida que acentuem a qualidade de vida e a subsistência material num mundo finito. 8. Desenvolver o estudo da sustentabilidade ecológica e promover a permuta aberta e a ampla aplicação do conhecimento adquirido. a) Apoiar a cooperação científica e tecnológica internacional relacionada com a sustentabilidade, com especial atenção às necessidades das nações em desenvolvimento. b) Reconhecer e preservar os conhecimentos tradicionais e a sabedoria espiritual, em todas as culturas, que contribuam para a protecção ambiental e o bem-estar humano. c) Garantir que informações de vital importância para a saúde humana e para a protecção ambiental, incluindo informação genética, estejam disponíveis no domínio público. III. JUSTIÇA SOCIAL E ECONÓMICA 9. Erradicar a pobreza como um imperativo ético, social e ambiental. a) Garantir o direito à água potável, ao ar puro, à segurança alimentar, aos solos não contaminados, ao abrigo e saneamento seguro, distribuindo os necessários recursos nacionais e internacionais. b) Proporcionar educação e recursos a cada ser humano, para assegurar uma subsistência sustentável, e proporcionar segurança social, e rendimentos sociais a todos aqueles que não capazes de manter-se por conta própria. c) Reconhecer os ignorados, proteger os vulneráveis, servir aqueles que sofrem, e permitir-lhes desenvolver as suas capacidades e alcançar as suas aspirações. 208 10. Garantir que as actividades e instituições económicas, a todos os níveis, promovam o desenvolvimento humano de forma equitativa e sustentável. a) Promover a distribuição equitativa da riqueza internamente e entre as nações. b) Promover o desenvolvimento dos recursos intelectuais, financeiros, técnicos e sociais das nações em desenvolvimento, e isentá-las de dívidas internacionais onerosas. c) Garantir que todas as transacções comerciais apoiem o uso de recursos sustentáveis, a protecção ambiental e normas laborais progressistas. d) Exigir que corporações multinacionais e organizações financeiras internacionais actuem com transparência em benefício do bem comum, e responsabilizá-las, pelas consequências das suas actividades. 11. Afirmar a igualdade e a equidade entre sexos como pré-requisito para o desenvolvimento sustentável e assegurar o acesso universal à educação, assistência na saúde e às oportunidades económicas. a) Assegurar os direitos humanos das mulheres e das jovens e acabar com toda a violência contra elas. b) Promover a participação activa das mulheres em todos os aspectos da vida económica, política, civil, social e cultural, como parceiras plenas e parietárias, decisoras, líderes e beneficiárias. c) Fortalecer as famílias, e garantir a segurança e a educação de todos os membros da família. 12. Defender, sem discriminação, os direitos de todas as pessoas a um ambiente natural e social capaz de assegurar a dignidade humana, a saúde corporal e o bem-estar psíquico, concedendo especial atenção aos direitos dos povos indígenas e das minorias. a) Eliminar a discriminação em todas as suas formas, como baseadas em raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, idioma e origem nacional, étnica ou social. b) Afirmar o direito dos povos indígenas à sua espiritualidade, educação, terras e recursos, assim como às suas práticas, relacionadas com formas sustentáveis de vida. c) Honrar e apoiar os jovens das nossas comunidades, habilitando-os a cumprir o seu papel essencial na criação de sociedades sustentáveis. d) Proteger e restaurar lugares notáveis pelo significado cultural e espiritual. 14. Integrar, na educação formal e na aprendizagem ao longo da vida, os conhecimentos, valores e capacidades necessárias para um modo de vida sustentável. a) Oferecer a todos, especialmente às crianças e aos jovens, oportunidades de educação que lhes permitam contribuir activamente para o desenvolvimento sustentável. b) Promover a contribuição das artes e humanidades, assim como das ciências, na Educação para a sustentabilidade. 209 c) Intensificar o papel dos média no sentido de aumentar a sensibilização para os desafios ecológicos e sociais. d) Reconhecer a importância da educação moral e espiritual para uma subsistência sustentável. 15. Tratar todos os seres vivos com respeito e consideração a) Impedir maus tratos aos animais integrados em sociedades humanas e protegê-los de sofrimentos. b) Proteger animais selvagens de métodos de caça, armadilhas e pesca, que causem sofrimento extremo, prolongado ou evitável. c) Eliminar ou evitar até ao máximo possível a captura ou destruição de espécies não visadas. 16. Promover uma cultura de tolerância, não violência e paz a) Estimular e apoiar o entendimento mútuo, a solidariedade e a cooperação entre todas as pessoas, internamente e entre as nações. b) Implementar estratégias amplas para prevenir conflitos armados e usar a colaboração na resolução de problemas para manejar e resolver conflitos ambientais e outras disputas. c) Desmilitarizar os sistemas de segurança nacional até chegar ao nível de uma postura nãoprovocativa da defesa, e converter os recursos militares em propósitos pacíficos, incluindo restauração ecológica. d) Eliminar armas nucleares, biológicas e tóxicas e outras armas de destruição em massa. e) Assegurar que o uso do espaço orbital e cósmico mantenha a protecção ambiental e paz. g) Reconhecer que a paz é a plenitude criada por relações correctas consigo mesmo, com outras pessoas, outras culturas, outras vidas, com a Terra e com a universalidade da qual somos parte. O CAMINHO EM FRENTE Como nunca antes na história, o destino comum chama-nos para encontrar um novo começo. Tal renovação é a promessa dos princípios da Carta da Terra. Para cumprir esta promessa, temos que nos comprometer a adoptar e promover os valores e objectivos da Carta. Isto requer uma mudança na mente e no coração. Requer um novo sentido de interdependência global e de responsabilidade universal. Devemos desenvolver e aplicar com imaginação a visão de um modo de vida sustentável aos níveis local, nacional, regional e global. A nossa diversidade cultural é uma herança preciosa, e diferentes culturas encontrarão as suas próprias e distintas formas de concretizar esta visão. Devemos aprofundar e expandir o diálogo global gerado pela Carta da Terra, porque temos muito que aprender a partir da busca iminente e conjunta pela verdade e pela sabedoria. A vida muitas vezes envolve tensões entre valores importantes. Isto pode significar escolhas difíceis. Porém, necessitamos encontrar caminhos para harmoniosamente conjugar diversidade com unidade, o exercício da liberdade com o bem comum, objectivos de curto 210 prazo com metas de longo prazo. Todo o indivíduo, família, organização e comunidade têm um papel vital a desempenhar. As artes, as ciências, as religiões, as instituições educativas, os meios de comunicação, as empresas, as organizações não-governamentais e os governos são todos chamados a oferecer uma liderança criativa. A parceria entre governo, sociedade civil e empresas é essencial para uma governabilidade eficaz. Para construir uma comunidade global sustentável, as nações do mundo devem renovar o seu compromisso com as Nações Unidas, cumprir as suas obrigações respeitando os acordos internacionais existentes e apoiar a implementação dos princípios da Carta da Terra como um instrumento internacional legalmente unificador quanto ao ambiente e ao desenvolvimento. Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova veneração face à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, a intensificação da luta pela justiça e pela paz, e a alegre celebração da vida. Associação Portuguesa de Educação Ambiental: http://www.aspea.org 211 Anexo 2 Declaração de Salamanca 212 DECLARAÇÃO DE SALAMANCA Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais Reafirmando o direito à educação de todos os indivíduos, tal como está inscrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, e renovando a garantia dada pela comunidade mundial na Conferência Mundial sobre a Educação para Todos de 1990 de assegurar esse direito, independentemente das diferenças individuais. Relembrando as diversas declarações da Nações Unidas que culminaram, em 1993, nas Normas das Nações Unidas sobre a Igualdade de Oportunidades para as Pessoas com Deficiência, as quais exortam os Estados a assegurar que a educação das pessoas com deficiência faça parte integrante do sistema educativo. Notando com satisfação o envolvimento crescente dos governos, dos grupos de pressão, dos grupos comunitários e de pais, e, em particular, das organizações de pessoas com deficiência, na procura da promoção do acesso à educação para a maioria dos que apresentam necessidades especiais e que ainda não foram por ela abrangidos; e reconhecendo, como prova desde envolvimento, a participação activa dos representantes de alto nível de numerosos governos, de agências especializadas e de organizações intergovernamentais nesta Conferência Mundial. 1. Nós delegados à Conferência Mundial sobre as Necessidades Educativas Especiais, representando noventa e dois países e vinte cinco organizações internacionais, reunidos aqui em Salamanca, Espanha, de 7 a 10 de Julho de 1994, reafirmamos, por este meio, o nosso compromisso em prol da Educação para Todos, reconhecendo a necessidade e a urgência de garantir a educação para as crianças, jovens e adultos com necessidades educativas especiais no quadro do sistema regular de educação, e sancionamos, também por este meio, o Enquadramento da Acção na área das Necessidades Educativas Especiais, de modo a que os governos e as organizações sejam guiados pelo espírito das suas propostas e recomendações. 2. Acreditamos e proclamamos que: cada criança tem o direito fundamental à educação e deve ter a oportunidade de conseguir e manter um nível aceitável de aprendizagem, cada criança tem características, interesses, capacidades e necessidades de aprendizagem que lhe são próprias, 213 os sistemas de educação devem ser planeados e os programas educativos implementados tendo em vista a vasta diversidade destas características e necessidades, as crianças e jovens com necessidades educativas especiais devem ter acesso às escolas regulares, que a elas se devem adequar através duma pedagogia centrada na criança, capaz de ir ao encontro destas necessidades, as escolas regulares, seguindo esta orientação inclusiva, constituem os meios capazes para combater as atitudes discriminatórias, criando comunidades abertas e solidárias, construindo uma sociedade inclusiva e atingindo a educação para todos; além disso, proporcionam uma educação adequada à maioria das crianças e promovem a eficiência, numa óptima relação custo-qualidade, de todo o sistema educativo. 3. Apelamos a todos os governos e incitamo-los a: conceder a maior prioridade, através das medidas de política e através das medidas orçamentais, ao desenvolvimento dos respectivos sistemas educativos, de modo a que possam incluir todas as crianças, independentemente das diferenças ou dificuldades individuais, adoptar como matéria de lei ou como política o princípio da educação inclusiva, admitindo todas as criança nas escolas regulares, a não ser que haja razões que obriguem a proceder de outro modo, desenvolver projectos demonstrativos e encorajar o intercâmbio com países que têm experiência de escolas inclusivas, estabelecer mecanismos de planeamento, supervisão e avaliação educacional para crianças e adultos com necessidades educativas especiais, de modo descentralizado e participativo, encorajar e facilitar a participação dos pais, comunidades e organizações de pessoas com deficiência no planeamento e na tomada de decisões sobre os serviços na área das necessidades educativas especiais, investir um maior esforço na identificação e nas estratégias de intervenção precoce, assim como nos aspectos vocacionais da educação inclusiva, garantir que, no contexto duma mudança sistémica, os programas de formação de professores, tanto a nível inicial com em serviço, incluam as respostas às necessidades educativas especiais nas escolas inclusivas. 4. Também apelamos para a comunidade internacional; apelamos em particular: aos governos com programas cooperativos internacionais e às agências financiadoras internacionais, especialmente os patrocinadores da Conferência Mundial de Educação para Todos, à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), ao fundo das Nações Unidas para a Infância, (UNICEF), ao Programa de Desenvolvimento da Nações Unidas (PNUD), e ao Banco Mundial: - a que sancionem a perspectiva da escolaridade inclusiva e apoiem o desenvolvimento da educação de alunos com necessidades especiais, como parte integrante de todos os programas educativos; às Nações Unidas e às suas agências especializadas, em particular à Organização Internacional do Trabalho (OIT), à Organização Mundial de Saúde (OMS), UNESCO e UNICEF: 214 a que fortaleçam a sua cooperação técnica, assim como reenforcem a cooperação e trabalho, tendo em vista um apoio mais eficiente às respostas integradas e abertas às necessidades educativas especiais; às organizações não-governamentais envolvidas no planeamento dos países e na organização dos serviços: - a que fortaleçam a sua colaboração com as entidades oficiais e que intensifiquem o seu crescente envolvimento no planeamento, implementação e avaliação das respostas inclusivas às necessidades educativas especiais; à UNESCO, enquanto agência das Nações Unidas para a Educação: - a que assegure que a educação das pessoas com necessidades educativas especiais faça parte de cada discussão relacionada com a educação para todos, realizada nos diferentes fóruns; - a que mobilize o apoio das organizações relacionadas com o ensino, de forma a promover a formação de professores, tendo em vista as respostas às necessidades educativas especiais; - a que estimule a comunidade académica a fortalecer a investigação e o trabalho conjunto e a estabelecer centros regionais de informação e de documentação; igualdade, a que seja um ponto de encontro destas actividades e um motor de divulgação e do progresso atingido em cada país, no prosseguimento desta Declaração; - a que mobilize fundos, no âmbito do próximo Plano a Médio Prazo (1996-2000), através da criação dum programa extensivo de apoio à escola inclusiva e de programas comunitários, os quais permitirão o lançamento de projectos-piloto que demonstrem e divulguem novas perspectivas e promovam o desenvolvimento de indicadores relativos às carências no sector das necessidades educativas especiais e aos serviços que a elas respondem. 5. Finalmente, expressamos o nosso caloroso reconhecimento ao Governo de Espanha e à UNESCO pela organização desta Conferência e solicitamo-los a que empreendam da Acção que a acompanha ao conhecimento da comunidade mundial, especialmente a fóruns tão importantes como a Conferência Mundial para o Desenvolvimento Social (Copenhaga, 1995) e a Conferência Mundial das Mulheres (Beijin, 1995). Aprovado por aclamação, na cidade de Salamanca, Espanha, neste dia, 10 de Junho de 1994. 215 Anexo 3 Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro 216 217 218 219 220 221 222 223 224 225 226 227 Anexo 4 Regulamento Interno da Casa de Santa Isabel 228 229 230 231 232 Anexo 5 Artigos de Imprensa sobre a Casa de Santa Isabel 233 Artigo 1 Jornal "Notícias da Serra", 5 de Dezembro de 1996 234 Artigo 2 235 236 237 Revista Raia, nº 71, Maio de 2006, pp. 25-29 238 Artigo 3 239 Jornal "O Primeiro de Janeiro", 16 de Junho de 2005, pp.4-5. 240 Artigo 4 241 Jornal "O Primeiro de Janeiro", 3 de Maio de 2006, pp. 10-11. 242 Artigo 5 Jornal Terras da Beira, nº 694, Outubro de 2006, p.9 243 Anexo 6 Extractos do jornal "Confiança no Futuro", da Casa de Santa Isabel 244 245 246 Anexo 8 Poemas/Orações quotidianos da Casa de Santa Isabel e outros relacionados com a Comunidade 247 ALGUNS POEMAS/ORAÇÕES QUE INTEGRAM O QUOTIDIANO DA VIDA NA CASA DE SANTA ISABEL Eu contemplo o mundo à minha volta Onde o sol envia a sua luz, Onde as estrelas brilham, Onde as pedras repousam, Os animais sentindo vivem, Onde a alma do homem Oferece acolhimento ao espírito. Eu perscruto nas profundezas da alma, Que vive dentro de mim. O espírito divino tece No sol e na luz da alma, Lá fora nos espaços do mundo, Cá dentro, nas profundezas da alma. Até vós, ó espírito divino Quero dirigir-me, Pedindo bênçãos e forças, Para que desabroche na minha alma O aprender e o trabalhar. Verso da Manhã, Rudolf Steiner (início de cada dia na Escola Micael) Semeia a semente debaixo da terra O sol ela sente a chuva ela espera Para a terra ficar macia tenho as mãos cheias de amor Devagar já brota o broto e germina então a flor. Extracto de uma canção cantada pelos jovens A luz do sol, passada a noite, Vai clareando o dia. A alma acorda com força nova Do sono que dormia. Tu, minha alma, Dá graças pela luz, Pois dentro de ti, O poder de Deus reluz. Que tu, minha alma, No dia a ressurgir, Sejas capaz de agir. Poema/Oração que inicia o dia no lar 248 Luísa Barreto, 2007 249 Anexo 9 Registos de eventos organizados pela Casa de Santa Isabel 250 Panfleto do Congresso Ibérico de Companheiros, intitulado "Fases da Vida" (Casa de Santa Isabel, Novembro de 2006). 251 Brochura de divulgação Exposição de trabalhos dos alunos da Casa de Santa Isabel (Casa de Santa Isabel, Julho de 2005). 252 Brochura de divulgação da "Feira de Tesouros" (Casa de Santa Isabel, Outubro de 2006). 253 Anexo 10 Moção atribuída à Casa de Santa Isabel, em 2006, pelo Município de S e ia 254 255