Sub-Relatório Majune_Constatações da
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Sub-Relatório Majune_Constatações da
Embassy of Sweden Maputo Constatações da Realidade em Moçambique - Construindo uma melhor compreensão das dinâmicas da pobreza e bem-estar – Ano Um, 2011 Sub-Relatório, Distrito do Majune Em cooperação com: As ‘Constatações da Realidade em Moçambique’ são implementadas pela ORGUT Consulting em associação com a AustralCOWI e o Chr. Michelsen Institute em nome da Embaixada da Suécia em Maputo. As Constatações da Realidade são implementadas no período 2011-2016 e em cada ano o trabalho de campo é realizado no Município de Cuamba, no Distrito do Lago e no Distrito de Majune na Província do Niassa. Este é o sub-relatório anual do trabalho de campo numa destas localidades. Além disso, em cada ano será produzido um Relatório Anual para resumir as constatações e conclusões. A equipa de campo para o Distrito do Majune é constituída por: Minna Tuominen, Rachi Picardo and Teófilo Maguanda. Este documento foi financiado pela Embaixada da Suécia em Maputo. A Embaixada não partilha necessariamente os pontos de vista expressos neste documento. O seu conteúdo é da inteira responsabilidade do autor. ORGUT Consulting AB, 2012-01-13 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE ÍNDICE 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 2 1.1 As Constatações da Realidade .................................................................................... 2 1.2 Distrito de Majune ........................................................................................................ 3 1.3 Primeiras impressões sobre o Distrito .......................................................................... 5 2. A COMUNIDADE ........................................................................................................... 7 2.1 História da Comunidade............................................................................................... 7 2.2 Organização Sócio-Cultural ......................................................................................... 9 2.3 Panorama institucional ................................................................................................12 2.4 Adaptações económicas .............................................................................................17 2.5 Percepções locais de pobreza ....................................................................................20 3. RELAÇÕES SOCIAIS DA POBREZA............................................................................25 3.1 Organização da família e do agregado familiar ...........................................................25 3.2 Relações gerais de género .........................................................................................27 3.3 Redes sociais e estratégias de sobrevivência .............................................................29 4. DINÂMICA DA POBREZA E MOBILIDADE SOCIAL .....................................................33 LISTA DE LITERATURA ......................................................................................................34 ANEXO I DADOS SELECCIONADOS SOBRE AS FAMÍLIAS FOCO ..................................35 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE Mapa 1. Constatações da Realidade em Moçambique / Locais do Projecto no Niassa 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE Mapa 2. Distrito de Majune 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE 1. INTRODUÇÃO A monitoria da pobreza em Moçambique tem lugar principalmente no quadro da implementação da Estratégia para Redução da Pobreza em Moçambique PARP/A (GdM 2005; 2011), e é informada por dados quantitativos com origem em diferentes tipos de estudos nacionais e estudos similares feitos por organizações de ajuda bilaterais e multilaterais (ver e.g. INE 2010; MPD 2010; Banco Mundial 2007; UNICEF 2011). Todavia, estes estudos, pela sua natureza quantitativa, não captam todas as dimensões da pobreza que são relevantes para o desenho de políticas e programas. Enquanto os dados quantitativos produzem informação valiosa sobre o mapeamento e o perfil da pobreza no espaço e no tempo, os dados qualitativos são necessários para melhor compreender a dinâmica da pobreza e as estratégias de sobrevivência dos pobres (ORGUT 2011; Addison et al. 2009). 1.1 As Constatações da Realidade Com estes antecedentes, a Embaixada Sueca em Maputo e a Autoridade Sueca para o Desenvolvimento Internacional (Sida) decidiram ser necessário avaliar o impacto das políticas de desenvolvimento e redução da pobreza „a partir de baixo‟, e consultar regularmente as populações locais com o objectivo de entender os processos e relações locais. Uma série de cinco “Constatações da Realidade” terá lugar no período 2011-2015 focando a dinâmica da pobreza e bem-estar com um enfoque particular na boa governação, agricultura/clima e energia que são sectores chave na cooperação Sueca para o desenvolvimento com Moçambique (Anexo 1). Cada Constatação da Realidade será publicada na forma de um Relatório Principal e três Sub-Relatórios de cada um dos três locais de estudo seleccionados (ver ORGUT 2011 para mais detalhes). Mais concretamente, espera-se que as “Constatações da Realidade em Moçambique”: i) Informem sobre a discussão pública entre os actores de desenvolvimento mais importantes sobre a redução da pobreza, especialmente na província do Niassa; ii) Contribuam para uma melhor compreensão dos métodos de monitoria qualitativa da pobreza em Moçmbique; e iii) Proporcionem à Suécia dados qualitativos relevantes sobre os desenvolvimentos e resultados da sua acção em Moçambique e apoiem a ulterior implementação do seu programa no Niassa. Espera-se que as Constatações da Realidade atinjam estes objectivos aumentando o conhecimento sobre: i) A pobreza (dimensões não tangíveis da pobreza, tais como vulnerabilidade e impotência; percepções de pobreza das pessoas pobres; processos causais que sustentam a dinâmica da pobreza: estratégias de luta/sobrevivência adoptadas por mulheres e homens vivendo na pobreza); ii) As relações com o poder local e com as instituições do estado (instituições formais [i.e. políticas, administrativas] que permitem ou constrangem as pessoas a executar as suas estratégias; instituições informais [i.e. culturais, sociais, familiares ou 2 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE baseadas no parentesco, etc.] que permitem ou constrangem as pessoas a realizar as suas estratégias), e; iii) As políticas e serviços (acesso a, uso de e procura de serviços públicos, de acordo com as pessoas que vivem na pobreza; qualidade dos serviços públicos, de acordo com as pessoas que vivem na pobreza). A série de estudos foi iniciada por um Relatório Inicial publicado em Agosto de 2011 (ORGUT 2011). Através desse exercício foi decidido que as Constatações da Realidade se basearão em trabalho de campo em três Distritos/Municípios diferentes na Província do Niassa que apresentem variações em termos de localização geográfica, acesso a serviços públicos e níveis de pobreza e bem-estar. As três áreas seleccionadas foram i) O Distrito do Lago, ii) o Município de Cuamba e iii) o Distrito de Majune (ver o Mapa 1). O trabalho de campo para a 1ª Constatação da Realidade foi realizado em Setembro de 2011. Metodologicamente, os estudos baseiam-se numa combinação de informação quantitativa existente, proveniente do Instituto Nacional de Estatística (INE) e das Autoridades Distritais; um Questionário de Levantamento nos três locais do projecto (em 2011 e 2015); entrevistas a informadores chave na capital provincial Lichinga e nos Distritos/Municípios seleccionados; um conjunto de metodologias qualitativas/participativas, incluindo o envolvimento com agregados familiares em diferentes situações sócioeconómicas; e observação participante nas comunidades locais seleccionadas para o trabalho de campo (ver ORGUT 2011 para mais informação). Este é o 1º Sub-Relatório do Distrito de Majune. Em Majune, a informação qualitativa foi recolhida principalmente na comunidade de Malila e na capital distrital Malanga. Para o estudo, foram entrevistadas 120 famílias nas comunidades de Malanga, Malila, Matucuta, Mecualo e Simango. Os Sub-Relatórios dos distritos do Lago e do Município de Cuamba serão publicados separadamente. Os pontos principais de cada sub-relatório serão incluídos no Relatório Principal da 1ª Constatação da Realidade. 1.2 Distrito de Majune Majune está situado no coração da província do Niassa. É limitado pelo Distrito de Mavago no norte, N‟gauma, Mandimba e Maúa no sul, Marrupa a leste e Muembe e Lichinga a oeste. Apesar da sua localização central, ficou durante muitos anos isolado dos centros urbanos provinciais, Lichinga e Cuamba, devido às fracas condições rodoviárias. Foi apenas entre 2003 e 2005 que foi reabilitada a estrada nacional 14 (EN14), que liga Lichinga a Majune e Marrupa, e que terminou o isolamento físico do distrito. O último censo (2007) estimou a população de Majune em 29.700 pessoas e a densidade populacional é de 3,28/km2. 1 Majune divide-se em três Postos Administrativos, Malanga, Nairubi e Muequia, dos quais Malanga, a capital do distrito, é o mais populoso; de acordo com o Administrador do Distrito, mais de 80% da população do distrito vive em Malanga. Em Majune, o grupo etno-linguístico dominante é o Yao, que foi o primeiro a fixar-se na área. De acordo com a história oral local registada durante a actividade do Histograma, os Yaos pertencem à família do sultão Mataka, um dos maiores líderes tradicionais do Niassa. Numa fase posterior não datada da história, alguns grupos de Macuas deixaram a área de Maúa, fugindo dos leões, e estabeleceram-se em Majune. A tradição Yao segue o parentesco matrilinear e muitos deles praticam o Islamismo. Os Macuas partilham a tradição matrilinear, mas não necessariamente a religião; alguns Macuas converteram-se ao Cristianismo quando frequentaram as escolas missionárias Católicas.2 Diz-se que os Yaos não frequentavam as escolas missionárias porque as cozinhas das escolas serviam regularmente carne de porco. Por isso, dizem as pessoas, os Yaos têm geralmente menos 1 Censo de 2007/2008; Governo do Distrito de Majune, 2007: Plano Estratégico de Desenvolvimento Distrital de Majune. Horizonte 2007-2011. 2 Entrevista com o Administrador Distrital. 3 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE educação do que os Macuas. De facto, a frequência global da escola primária em Majune é muito baixa, apenas 55,61% da população entre os 6 e 13 anos mas também a média provincial no Niassa é apenas de 58,49% (em oposição aos 67,92% a nível nacional). Não obstante a influência da Igreja Católica, o Censo de 2007 indica que 88% da população de Majune é Muçulmana. As oportunidades de emprego formal no Distrito são muito limitadas. A vasta maioria da população de Majune vive da agricultura (88% ), que é principalmente feita em pequena escala com instrumentos manuais, sem sistemas mecânicos de irrigação ou o auxílio de produtos químicos. Mesmo assim, e graças à fertilidade do solo, muitas pessoas cultivam alimentos e culturas de rendimento como o tabaco e o algodão. Além da agricultura, a pesca de pequena escala é também comum no Distrito, cruzado por vários rios. Embora a Província do Niassa, segundo o terceiro Estudo Nacional sobre a Pobreza (IOF 2007/8), assinale uma clara redução da pobreza, muitos dos indicadores relacionados com o bem-estar material colocam o Distrito de Majune no extremo mais pobre. As casas estão geralmente construídas com materiais frágeis e os bens duráveis como TVs ou telemóveis são escassos. De um modo geral, os agregados familiares chefiados por mulheres estão entre os mais pobres. De acordo com o Censo de 2007, 35,2% dos agregados familiares de Majune são chefiados por mulheres . A Tabela 1 reúne alguns destes indicadores mais importantes de Majune como reportados no Censo de 2007. A tabela será actualizada no fim do período do projecto, quando se espera que estejam disponíveis os dados do novo Censo. Tabela 1: Indicadores sociais – Distrito de Majune Indicadores Sociais População Proporção de agregados familiares mulheres Frequência da escola primária Habitação com tecto sólido Electricidade em casa Posse de TV Posse de rádio Posse de telemóvel Posse de bicicleta Fonte: INE 2007 chefiados por 2007 29,702 35,2% 2015 54.3% 0,13% 0,39% 0,8% 49.3% 0.61% 63,1% A tabela seguinte apresenta alguns dados económicos e sociais de Majune, compilados de documentos oficiais do Governo Distrital. A tabela será actualizada em cada ano da Constatação da Realidade, a fim de acompanhar os indicadores gerais de desenvolvimento do Distrito. Tabela 2: Indicadores Económicos – Distrito de Majune Indicadores Económicos Produção agrícola (1.000 kgs) Extensionistas agrícolas Produção de animais domésticos (1.000 kgs) Energia (número de clientes) Fontanários públicos INAS (Número de beneficiários) Fundo Des. Distrital (Nº de Projectos) Fundo Des. Distrital (Total, Mt) Fundo Des. Distrital (Reembolsado, Mt) Fonte: Governo Distrital de Majune 2010. 2010 31.769 Kgs 4 Sem dados 223 92 648 136 7.517.000 Mt 562.500 Mt 2011 - 2012 - 2013 - 2014 - 4 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE De acordo com os documentos oficiais do Governo e com os vários informadores chave (incluindo funcionários do governo, comerciantes locais e membros da comunidade), a redução da pobreza em Majune e em especial o desenvolvimento do Distrito são grandemente desafiados por (i) fraca rede de estradas nas partes interiores do distrito, o que impede a comercialização dos produtos agrícolas; (ii) falta de oportunidades de emprego; (iii) baixo nível educacional da população que resulta em falta de mão-de-obra qualificada; e (iv) falta de electricidade. Caixa 1: Visão do Governo do Distrito de Majune para o período 2009-2011 Tornar o Distrito de Majune como referência de desenvolvimento no grupo dos distritos do polo da Zona Nuclear de Marrupa (Marrupa, Maúa e Majune) e, que o mesmo seja em beneficio das comunidades locais garantindo desta forma, a melhoria de condições de vida através de uso sustentável de recursos disponíveis. 1.3 Primeiras impressões sobre o Distrito Tirando a sua estreiteza, a estrada nacional N14 de Lichinga a Majune está num estado razoavelmente bom, sem grandes buracos. Foi reabilitada há 6 anos e a viagem que costumava durar entre 2 e 3 dias pode agora ser feita num par de horas. O Niassa é uma província escassamente povoada e isso torna-se visível quando se viaja para Majune. Ao longo da estrada passamos por algumas povoações mas entre elas há quilómetros e quilómetros de terra abundanre sem a presença de qualquer aglomerado humano. Não admira, por isso, que a vida selvagem tenda a tomar o controlo destas terras. É meados de Setembro e a maioria das aldeias está enfeitada com capulanas coloridas que ondulam como bandeiras nos telhados das casas e no alto das árvores. É um sinal da celebração do unyago. Nestas casas há crianças que tiveram ritos de iniciação e que agora são esperadas de volta a casa como membros de pleno direito da comunidade. O Unyago implica vários dias a comer, beber e dançar para celebrar a passagem das crianças à maioridade. Antes de se atingir o Rio Luambala, o condutor abranda a Capulanas levantadas indicando a celebração de ritos de velocidade, desliga o rádio do iniciação carro e tira o seu boné. Estamos a passar pela sepultura da primeira „rainha‟ Bibi Achivanjila, que é vista como a principal líder espiritual de Majune. A „rainha‟ faleceu no princípio do século XX e para a substituir a população local designou sucessivamente quatro „rainhas‟ para continuarem o seu legado. Cada uma delas chama-se Bibi Achivanjila. A estrada leva-nos até à ponte sobre o rio Luambala; a ponte tem também o nome da muito respeitada „rainha‟. Antes da sua reabilitação, a estrada era um dos lugares mais perigosos no caminho para Lichinga, dado que tinha de se atravessar o rio em canoas frágeis e instáveis. Conta-se que muitas pessoas perderam a vida ao atravessar o rio. Actualmente, a ponte forte livra-nos de tais perigos e a viagem continua. 5 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE Uma das características notáveis durante a nossa viagem é a ausência de comércio à berma da estrada. Não há bebidas ou frutas disponíveis para os viajantes, nem tomates ou pequenos biscoitos, nem sequer amendoim, que são alimentos típicos vendidos ao longo da maioria das estradas principais que atravessam Moçambique. No máximo, pode-se ver às vezes próximo da estrada grandes plásticos com farinha de milho espalhada, mas até isso está ali para secar e não para vender. Claramente, a população local ainda não se apercebeu das oportunidades comerciais abertas pela estrada reabilitada. O carro aproxima-se de Malanga, a capital do distrito de Majune. Para chegarmos lá temos de sair da estrada principal e conduzir um quilómetro ao longo de uma estrada de areia. Por sorte ainda não estamos na época das chuvas e a areia está seca e fácil de passar. Chegamos ao princípio da noite. Está escuro como breu porque não há electricidade na capital do distrito. De facto, não há electricidade em todo o distrito. Um par de painéis solares oferece escassa iluminação às poucas casas à volta da Administração Distrital, mas o resto do distrito está engolido pela escuridão. Quase não há pessoas nas ruas. Apenas os grilos cricrilam nesta noite quente e escura. São 7:30 da noite de uma Terça-feira e o distrito de Majune já está a dormir. 6 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE 2. A COMUNIDADE 2.1 História da Comunidade O nome de Majune deriva do termo local idjune que significa “passarinhos” em Yao. A lenda local conta que existia uma árvore frondosa no centro onde se localiza actualmente a sede do distrito (Malanga). Esta árvore era escolhida pelos pássaros da região para colocarem os seus ninhos. Os residentes na região começaram a chamá-la de tchitela cha winjy idjune, que significa “árvore de muitos passarinhos” na língua Yao. Os primeiros colonos Portugueses, ao chegarem à província do Niassa em meados do século XIX, atribuíram à região o nome pelo qual o distrito é actualmente conhecido, Majune (GDN 2007).3 A população nativa do distrito de Majune pertence à tribo do sultão Mataka, que é o principal líder tradicional da Província de Niassa. 4 De acordo com um grupo de chefes tradicionais que participaram no exercício de histograma na comunidade de Malila, há muitos anos o sultão Mataka nomeou um dos membros da sua família, Matola, como régulo para supervisar a área de Membros da comunidade contando-nos a sua história Majune. Até agora, a mais alta autoridade tradicional em Majune é um descendente do primeiro régulo Matola e é também chamado régulo Matola. Não obstante, como mencionado acima, mais do que o Sultão Matola foi a „rainha‟ Bibi Achivanjila que marcou a história de Majune e que é a indiscutível líder espiritual do distrito. O nome Achivanjila provém da palavra Kulivanjila, que em língua Yao significa “conseguiu sozinho”. Este nome foi atribuído há mais de 100 anos a uma mulher que, com a sua coragem, conseguiu salvar muitos escravos da morte e tornar-se Rainha “sem apoio de ninguém”, servindo-se apenas da sua coragem e determinação (GDM 2007). De acordo com a lenda local, tudo isto aconteceu em tempos de guerra e escravatura. Houve muitas hostilidades entre as tribos e foi nesse contexto que a mulher que mais tarde se tornou a primeira „rainha‟ foi capturada numa área do Lago Niassa e levada para o território do Sultão Mataka, onde se estabeleceu entre muitos outros escravos. Veio depois um tempo em que o Sultão Mataka entrou em conflito com o Rei Makanjila, que governava uma área que actualmente pertence ao Malawi. Um dia, uma escrava do Lago Niassa pediu para ver o Sultão Mataka, tendo-se oferecido para moer farinha e preparar 3 Historicamente, o distrito de Majune é conhecido como um dos principais centros dos anteriores campos de reeducação criados após a independência para albergar prisioneiros políticos e opositores do regime político da Frelimo, estabelecido na altura. Presos políticos como Uria Simango, Lázaro NKavandame, Padre Mateus Ngwengere, dr. João Unhai, entre outros, estiveram detidos no campo de reeducação de N‟telela no distrito de Majune (In: Moçambique para Todos, 11.05.2011). 4 O actual régulo Mataka X vive no distrito de Mavago. 7 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE maquea5 que ajudaria os soldados do Sultão a vencer o Rei Makanjila. O Sultão aceitou mas disse-lhe que se perdesse um único dos seus soldados cortaria a mulher em pedaços e servi-la-ia em caril. Enquanto moía a farinha, a mulher ensinou os soldados de Mataka a cantar uma cantiga que era popular entre o povo do Rei Makanjila. Na altura em que a escrava deu a maquea como pronta, o Rei Makanjila esperava que o seu filho regressasse a casa vindo da Tanzania onde estava a estudar. O Sultão Mataka levou os seus soldados até ao território do Rei Makanjila. Quando estavam a chegar, os soldados de Mataka começaram a cantar a canção que a mulher lhes tinha ensinado. O Rei Makanjila pensou que seria o seu amado filho e saiu a correr para a escuridão. Foi então que os soldados de Mataka atacaram e lhe cortaram a cabeça. Quando regressou a casa, Mataka chamou a escrava que tinha preparado a maquea e pediu-lhe para se casar com ele. Ela foi nomeada „rainha‟ e recebeu o nome de Bibi Achivanjila. Deste modo, a líder espiritual e figura predominante na história de Majune começou a sua vida como escrava e as suas acções transformaram-na na rainha Bibi Achivanjila. No princípio do século XX rebentou uma guerra entre os colonialistas Portugueses e Alemães. Os Portugueses acusaram a „rainha‟ de colaborar com os Alemães e consequentemente aprisionaram-na na Ilha do Ibo na Província de Cabo Delgado. Na altura em que foi libertada, o régulo Matola fugira à guerra para a Tanzania. Bibi enviou-lhe uma mensagem e ele voltou para Moçambique. Diz-se que foi em 1914 que a guerra terminou. Foi então que a Bibi e o Matola decidiram retirar as suas pessoas das margens do rio Lugenda e do rio Nhamuzi e levá-las para Luambala, onde Bibi Achivanjila 6 faleceu em 1929. A sua sepultura tornou-se um santuário onde, ainda hoje, muitas pessoas vão pedirlhe ajuda. Após a morte da primeira Bibi Achivanjila, a comunidade escolheu uma nova „rainha‟. O processo de sucessão da Rainha nunca obedeceu ao critério da linhagem familiar. Até hoje, numa situação em que precisam de identificar a sucessora, a comunidade escolhe uma mulher da povoação, que não seja de uma tribo do distrito, e que tenha coragem, responsabilidade e conhecimento da realidade da comunidade. A Rainha tem o papel de aconselhar espiritualmente a comunidade, preparar as cerimónias de pedido de chuva, produção e bênção da comunidade (maqueas) e estabelecer a comunicação através de sonhos entre a comunidade e as Rainhas antecessoras. A Rainha que sucedeu à primeira Bibi ouvia várias queixas das mulheres da comunidade sobre os maridos que não permaneciam em casa por causa da pesca no rio Luambala. Foi por isso que em 1930 ela decidiu mudar a comunidade para as terras férteis do monte Malila. A primeira casa a ser construída nessa nova povoação de Malila foi a da Rainha, construída pela população. A casa da Rainha é importante para a população da região porque é nesse lugar onde os antepassados se manifestam, através dos sonhos da Rainha actual, informando a comunidade sobre como proceder para aumentar a produção ou afastar os espíritos maus que a atacam. Também o monte Malila é agora um lugar importante para a população, tendo-se tornado num local de peregrinação e de evocação dos espíritos dos defuntos. Durante a guerra de resistência que se seguiu ao período pós independência, a população de Malila fragmentou-se. Uma parte foi para Lichinga ou países vizinhos, e outra permaneceu em Malila. A partir de 1992, após a assinatura do acordo geral de paz entre a Frelimo e a Renamo, a população regressou a Malila. É no povoado de Malila onde o nosso estudo de Reality Check se centrou. 5 6 Maquea é uma comida que se pensa transmitir poderes sobrenaturais. A actual Bibi Achivanjila é a 5ª e vive em Malila. 8 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE Desenvolvimentos Recentes Nos últimos vinte anos, a comunidade de Malila esteve virada para a restauração da sua organização sócio-cultural e para o estabelecimento e consolidação da paz. No entanto, apesar da paz, a população permaneceu socialmente isolada durante muito tempo. Em 1998 a ponte sobre o Rio Luambala quebrou-se e a ligação para Lichinga ficou cortada. Apenas se pode atravessar o rio em canoa ou usar uma estrada secundária através do distrito de N'gauma.7 A maioria das pessoas preferiu permanecer onde estava e evitar a viagem. Só em 2005 ficou pronta pare ser usada uma nova ponte e reabilitada a estrada para Lichinga. O isolamento do distrito tem dificultado que se resolva o conflito homem-fauna bravia, que ainda hoje é um dos problemas que mais afecta a vida das comunidades do distrito. As machambas da comunidade de Malila situam-se nas encostas do monte Malila, que possui terras férteis para agricultura e água abundante para o regadio das culturas. Contudo, esta região é habitat de porcos selvagens, javalis, elefantes e macacos que invadem as machambas na altura da colheita estragando todos os produtos. A acção dos animais é mencionada várias vezes como um dos principais factores que contribuem para a existência de bolsas de pobreza no distrito. O isolamento também contribui por um lado para a falta de emprego, e por outro lado para a falta de motivação das crianças e jovens para estudar. Os jovens que contudo optam por estudar até à 10ª classe (a classe mais elevada no distrito) acabam por migrar para distritos como Marrupa, Lichinga e Cuamba onde há maiores oportunidades de geração de rendimento. A falta de emprego leva a que a renda das famílias seja muito baixa e que a população viva sem muitas possibilidades de quebrar a barreira da pobreza criada pela dependência extrema da agricultura de subsistência. A esperança do futuro: ponte sobre o Rio Luchimua No que se refere às transformações previstas para um futuro próximo, a administração do distrito de Majune e os residentes da comunidade de Malila referem que a construção da ponte sobre o rio Luchimua, que separa o distrito de Majune do distrito de Mandimba, será o grande marco do desenvolvimento do distrito. Para a população de Majune a ligação com Mandimba terá maior impacto económico e possibilitará um acesso rápido aos mercados do distrito de Cuamba e do Malawi (que alimentam a cidade de Lichinga) onde os preços dos produtos são mais competitivos e o acesso mais rápido, do que quando realizado a partir de Lichinga8. 2.2 Organização Sócio-Cultural A construção cultural das comunidades do distrito de Majune está ligada aos hábitos e costumes do grupo Yao. Ao mesmo tempo as pessoas em Majune são fundamentalmente 7 Jornal Notícias: Rainha Achivanjila: O „simbolo‟ de Majune. Publicado em 11.10.2011. De acordo com o director interino dos Serviços Distritais de Infra-Estruturas, a inauguração da ponte sobre o rio Luchimua estava marcada para Novembro de 2011. Entretanto, a nossa equipa deslocou-se ao local da obra e verificou que há poucas possibilidades que a inauguração decorra no período indicado. 8 9 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE religiosas, de tal forma que raramente alguém questiona os dogmas das religiões e uma grande proporção da população pratica a sua fé indo regularmente às mesquitas ou igrejas. De acordo com os dados do INE, em 2007 a religião predominante do distrito de Majune era a muçulmana com 87.9% de praticantes, seguida da religião católica com 11% de praticantes, sendo que as outras religiões cristãs tinham 1.1% de praticantes. Os dados do inquérito realizado no âmbito da presente pesquisa, que decorreu no Posto Administrativo de Malanga, localidades de Mecualo e Malanga-Sede, indicam que 90.8% da população inquirida é praticante do islão e 9.2% pratica a religião católica. Apesar de coabitarem no mesmo distrito, há uma grande distinção em termos de núcleos populacionais (povoações ou bairros) e de hábitos culturais entre os descendentes do grupo Yao e os do grupo Macua, no distrito de Majune. Os Yao são tidos como povos muito fechados sem muito contacto com outras regiões da província e com raízes tradicionais e espirituais orientadas pela Rainha e pelo régulo Matola. As comunidades Macuas são habitadas por pessoas naturais e exteriores ao distrito, e há uma mistura de praticantes de religiões cristãs, islâmica e animista. Contudo, não há nenhuma hostilidade entre estes dois grupos. As diferenças são respeitadas e actualmente verificam-se vários casos de união matrimonial entre membros dos dois grupos. As autoridades tradicionais têm um papel central na vida das comunidades da província do Niassa no geral e do distrito de Majune em particular. Apesar da legitimidade das autoridades tradicionais em muitas comunidades ser transmitida por herança, ela deve ser reconhecida e aprovada pelas comunidades controladas por estes líderes tradicionais. Este processo é orientado por hierarquias e linhagens de poder previamente estabelecidas. Porém, em muitas outras comunidades, a eleição dos membros ocorre através de uma votação secreta, ou aberta, em que todos os habitantes no território de chefatura em questão participam (Akesson & Nilsson 2006). O sistema de lideranças comunitárias no distrito de Majune assenta na coexistência de três estruturas de poder definidas localmente: (i) a estrutura tradicional formal constituída pela Rainha, Régulos do primeiro, segundo e terceiro escalão, N‟dunas e Apuiamwene (chefes de famílias); (ii) a estrutura do partido Frelimo constituída pelos secretários dos bairros, chefes de células do partido e chefes de quarteirão; e (iii) a estrutura religiosa. De facto, a estrutura de liderança tradicional não é entendida como uma forma de liderança em si, porém é reconhecida como sendo de grande importância para as comunidades do distrito de Majune. Liderança tradicional A Rainha, o régulo Matola e o régulo Niputa (representante do grupo Macua) fazem parte da liderança tradicional do primeiro escalão por serem representantes de dois povos, Yao e Macua. Os régulos do segundo escalão são os indicados pelo régulo Matola para o auxiliarem na gestão do distrito. Os régulos do terceiro escalão são por sua vez indicados pelos régulos do segundo escalão para auxiliar na gestão da comunidade. Contudo, estes últimos devem ser aprovados pelo régulo Matola. O sistema de transferências de poder ou herança do regulado é feito entre os descendentes da linhagem do régulo, ou seja, em caso de morte o régulo sucessor deve ser o sobrinho materno, ou paterno do régulo anterior, a transferência nunca é feita para os descendentes directos (filhos ou irmãos). Para os Yao, a Rainha e o régulo Matola são instituições fundamentais para a manutenção dos hábitos e costumes do povo. Entretanto, as figuras da Rainha e do régulo Matola actual não são de consenso e têm perdido legitimidade entre os membros da comunidade, alegadamente porque eles são casados de facto. Segundo a visão histórica e cultural dos Yao, a Rainha é esposa espiritual do Rei Mataka, sobrinho e soberano do régulo Matola. Neste sentido, ao contraírem matrimónio, a Rainha e o régulo Matola estão a “corromper” os hábitos do grupo Yao. 10 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE A perda da legitimidade destas importantes figuras tradicionais do distrito de Majune contribui para a falência de um dos mecanismos indispensáveis de apoio aos membros mais carenciados da comunidade. No passado os régulos tinham o poder de exigir às famílias que tivessem excedentes que ajudassem as famílias ou membros mais pobres da comunidade. Actualmente, o apoio aos mais pobres depende da vontade individual dos membros da comunidade que possuam excedentes e nem a Rainha ou régulo parecem ter poder de exigir que os membros da comunidade apoiem os mais pobres. Liderança política Uma outra forma de liderança comunitária comum no distrito de Majune é composta pela estrutura política do partido Frelimo. A estrutura de liderança do partido Frelimo coexiste com a estrutura de liderança tradicional, sendo que, na maioria dos casos, as duas se confundem. Esta aparente confusão surge no âmbito da atribuição de tarefas administrativas aos líderes tradicionais e do pagamento pela administração distrital de um subsídio à Rainha e aos régulos do primeiro e segundo escalões. Segundo alguns pesquisadores, isto pode ser entendido como uma tendência do estado em “capturar” o apoio dos líderes tradicionais para a manutenção do status quo político (Akesson & Nilsson 2006). Os líderes tradicionais que não sejam membros ou simpatizantes do partido Frelimo não beneficiam deste subsídio e, para além de serem afastados do normal convívio social da sua comunidade, sofrem represálias por parte da comunidade local, sendo constantemente acusados de traição, inimigos da comunidade e de criminosos. O régulo Njaco, representante do MDM (Movimento Democrático de Moçambique)9 no distrito de Majune, refere ter sido “isolado” da comunidade e aconselhado a renunciar ao posto de régulo da sua comunidade. Apesar deste régulo ainda não ter sido beneficiado do subsídio que o governo do distrito oferece aos líderes tradicionais, ele é sempre convocado pela administração distrital para participar nas reuniões para a discussão de questões ligadas ao desenvolvimento do distrito. Entretanto, na área do régulo Njaco, o secretário do partido Frelimo parece ter mais poder, legitimidade e respeito da comunidade local. Liderança religiosa Adicionalmente, existe a estrutura religiosa composta pelo Chehé e pelo padre/animador católico, para os muçulmanos e os cristãos, respectivamente. O Chehé tem o papel de orientador das orações na mesquita e estabelece contacto com Allah. Além disso, ele tem o papel de educador através da madrassa (escola islâmica) onde algumas crianças da comunidade aprendem o alcorão. Entretanto, apesar do islão ser praticado pela maioria da população do distrito, não foram feitas referências às madrassas durante o trabalho de campo. O padre/animador católico tem importância educativa tendo contribuído para a alfabetização dos residentes da comunidade de Malila através da missão católica do distrito. Para os residentes da comunidade de Malila, apesar do poder do distrito estar repartido entre as estruturas de liderança tradicional, política e religiosa, os curandeiros são uma fonte importante de poder, principalmente em casos de doenças ou de problemas espirituais que a comunidade não consegue resolver por si mesma. Porém, os preços cobrados por estes são elevados e a maioria da população não consegue pagar. 9 O MDM é um partido político da oposição em Moçambique, criado em 2009 e conseguiu eleger oito deputados para a Assembleia Geral da República de Moçambique no mesmo ano. 11 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE 2.3 Panorama institucional A identificação das instituições e pessoas importantes ou influentes no distrito de Majune baseou-se na construção do diagrama de Venn, 10 a partir do qual os membros das comunidades indicaram quais instituições e prestadores de serviço são importantes ou influentes no dia-a-dia da comunidade e o grau de acesso a elas. Neste sentido, a discussão que se segue refere-se aos resultados da aplicação do diagrama de Venn na comunidade de Malila. No distrito de Majune, a distribuição das instituições governamentais e nãogovernamentais circunscreve-se sobretudo à sede, Malanga. Nas comunidades mais distantes da sede não existe nenhuma instituição administrativa formal, e desta forma os membros destas comunidades não têm muita informação sobre as instituições e sobre o tipo de serviços a que poderiam aceder na sede do distrito. A comunidade de Malila é até certo ponto favorecida no contacto com as instituições Resultado da actividade do diagrama de Venn. públicas, por se encontrar próxima da sede do distrito (à distância de 2.5 km). Não obstante, os residentes de Malila revelaram durante as entrevistas, que não têm muita informação sobre as instituições existentes no distrito, nem sobre os serviços que cada uma das instituições oferece. Neste sentido, desenharemos nesta secção um panorama sobre as diferentes instituições públicas, privadas e não governamentais que operam no Distrito de Majune, assim como as instituições ou pessoas que os membros da comunidade de Malila identificaram como importantes durante o exercício do diagrama de Venn. Serviços governamentais O Governo Distrital de Majune é composto de (i) Gabinete do Administrador Distrital, (ii) Secretaria Distrital, (iii) Serviço Distrital de Planeamento e Infra-estruturas, (iv) Serviços Distritais de Actividades Económicas, (v) Serviços Distritais de Saúde, Mulher e Acção Social e (vi) Serviços Distritais de Educação, Juventude e Tecnologia. Apesar da presença nominal no distrito destas instituições, a verdadeira prestação de serviços públicos é bastante limitada devido principalmente aos recursos humanos e materiais inadequados.11 O Serviço de Planeamento e Infra-estruturas está actualmente sem um Director e, nesta altura, funciona a tempo parcial com um técnico da Secretaria Distrital. Os serviços económicos são tratados por quatro extensionistas agrícolas (um para a capital distrital Malanga, um para Rubi, um para Lugenda e outro para Malila), que promovem práticas sustentáveis de agricultura e armazenamento. Considerando que 88% da população adulta (ou 9.830 pessoas) em Majune são agricultores, o rácio de extensionistas 10 Este é um dos métodos participativos usados no âmbito da pesquisa, para a identificação das instituições e pessoas importantes no distrito. 11 Um exemplo da escassez de recursos materiais é o facto de o governo do distrito apenas possuir um carro, que serve de veículo oficial do Administrador e como carro para transportar os técnicos que necessitam de executar trabalho de campo. 12 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE está longe de ser suficiente. Além disso, há um extensionista no distrito para a área de Silvicultura. Os serviços de segurança social/protecção estão ao cuidado de um Técnico de Acção Social que tem de identificar as pessoas mais vulneráveis e colocá-las em contacto com o INAS12 (i.e. a entidade governamental que verdadeiramente põe em prática e providencia apoio social às pessoas vulneráveis). Todavia, a delegação do INAS mais próxima está situada no distrito vizinho de Marrupa e é a partir daí que são tratadas as pessoas mais vulneráveis de Majune, Maúa e Nipepe, além de Marrupa. Compreensivelmente, os processos movem-se com lentidão e os subsídios financeiros são muitas vezes atrasados. Em Majune, o Técnico de Acção Social só pode emitir certificados de pobreza13 às pessoas com maior necessidade para facilitar o seu acesso a serviços sociais gratuitos do sector público. No entanto, a procura de certificados é baixa dado que muitas pessoas desconhecem tal possibilidade. A saúde e a educação são os únicos sectores públicos que estão mais adequadamente providos de pessoal e equipamento. Ainda bem que assim é, considerando que estes são os serviços sociais mais essenciais que definem a capacidade global de desenvolvimento social e que têm um efeito directo sobre o bem-estar geral. Abaixo, discutimos portanto mais detalhadamente estas duas áreas de prestação de serviços públicos. Serviços de saúde: O sector saúde em Majune consiste em 11 centros de saúde - 8 unidades públicas e 3 privadas – dirigidos pela igreja Católica. Há um médico e dois técnicos de medicina no distrito. No total, o sector conta com 38 funcionários especializados. De acordo com o Director Distrital de Saúde, Mulher e Acção Social, os problemas de saúde mais comuns no distrito incluem a malária e a diarreia, ou doenças relacionadas com a água em geral, já que é limitado o abastecimento de água potável. Além do mais, a malnutrição infantil é um problema, embora o Director não seja capaz de quantificar a extensão do problema. O maior centro de saúde em Malanga foi, há dois anos, reabilitado e alargado. O velho Anteriores serviços de saúde na capital do distrito edifício principal foi transformado em maternidade e foram construídos novos edifícios Os participantes dos grupos focais realizados para internamento, morgue e armazém de com mulheres e homens da povoação, medicamentos e artigos médicos. Há painéis referem que o grande acontecimento dos últimos anos é a reabilitação do centro de solares de geração de energia para o centro e saúde da localidade sede (Malanga). Antes da um fontanário no pátio. As redondezas estão reabilitação do centro de saúde, as mulheres limpas e não cheiram. O centro tem 13 camas, parturientes dividiam a maternidade com os cada uma equipada com uma rede mosquiteira. doentes das outras consultas, homens e Havia uma fila de 25 pessoas à espera de mulheres. A falta de uma maternidade e a grande exposição que as mulheres grávidas atendimento quando nos deslocámos ao centro tinham na hora do parto contribuía para que a na manhã de Quinta-feira. Uma hora mais tarde, maioria delas preferisse fazer os partos em quando terminámos a nossa volta pelo centro, casa, sozinhas ou com ajuda das parteiras só 4 pessoas aguardavam ainda na fila. O tradicionais, contribuindo assim para o aumento do risco de óbitos nas crianças entre centro de saúde de Malanga parece ser um 0-5 anos. caso modelo de serviços de saúde rurais bem dirigidos. Contudo, o centro não tem pessoal ou equipamento cirúrgico e, por exemplo, casos obstétricos de emergência têm de ser levados para Lichinga. Afortunadamente, o distrito obteve, há um ano, uma nova ambulância. 12 O nome anterior do INAS era GAPVU (Gabinete de Apoio à População Vulnerável). Algumas pessoas em Majune ainda referem o GAPVU quando falam sobre o INAS. 13 O certificado de pobreza é um documento fornecido pelo INAS (Instituto Nacional para a Acção Social) que permite às pessoas pobres terem acesso aos principais serviços e instituições sociais públicos, relacionados principalmente com saúde, educação, transporte e, em alguns casos , acesso a cestos de comida fornecidos pelo governo sem qualquer espécie de pagamento. Nos municípios este certificado é fornecido pelo Conselho Municipal. 13 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE O Director Distrital de Saúde, Mulher e Acção Social contou-nos que uma consulta normal numa unidade de saúde pública custa 1 Mt (USD 0,04) e a medicamentação custa 5 Mt (USD 0,19). Para aumentar o uso do serviço de saúde e melhorar a saúde pública em geral, o sector saúde está instruído para fornecer serviços gratuítos a todas as crianças, pessoas inválidas, pessoas com doenças crónicas e todos os doentes com malária. Durante o estudo de base que levámos a efeito no distrito de Majune, foi pedido aos agregados familiares entrevistados que indicassem quais os serviços públicos a que tinham acesso. Além disso, foi-lhes também solicitado que classificassem a qualidade desses serviços usando uma escala de 1 a 5 (sendo 1 muito mau e 5 muito bom). Como resultado, mais de três quartos (76%) dos agregados familiares estudados tinham usado, nos últimos 6 meses, um centro de saúde público. A maior parte deles classificou os serviços como muito bons ou bons. Serviços de educação: O sector de educação em Majune compreende 31 escolas. Destas, 18 cobrem o primeiro ciclo da instrução primária (da 1ª à 5ª classe), 11 cobrem a totalidade do ensino primário (da 1ª à 7ª classe) e apenas 2 abrangem o nível de educação secundária. Cinco escolas são geridas pela Igreja Católica e as restantes são instituições do estado. Em 2010, havia no distrito 232 professores para um total de 8.738 estudantes matriculados14, i.e. significando que há em média um professor para cada 38 alunos, o que representa um rácio consideravelmente melhor do que a média nacional (1:58).15 Segundo o relatório de 2010 do Governo Distrital, havia menos 88 estudantes do que no ano anterior. De acordo com o Chefe do Departamento de Educação Básica dos Serviços Distritais de Educação, Juventude e Tecnologia, o ensino primário até à 7ª Classe é actualmente totalmente gratuito. Não há propinas escolares e os livros e material são fornecidos gratuitamente. Deste modo, os agregados familiares não têm quaisquer implicações financeiras por mandarem as suas crianças para a escola. No entanto, para as crianças se matricularem necessitam de apresentar um certificado de nascimento. Em geral, a prática de registo dos nascimentos é baixa no país (31% de crianças com menos de 5 anos têm registo de nascimento) e na província do Niassa é particularmente baixa; só 15% das crianças com menos de 5 anos foram registadas.16 A fim de impulsionar o nível de registo das crianças, o Governo começou a oferecer nas escolas serviços de registo gratuítos no início do ano escolar. Dos 120 agregados familiares estudados, mais de dois terços (67%) classificam os serviços de instrução primária no distrito como A educação em Malila muito bons ou bons. O facto de haver apenas duas escolas secundárias em todo o distrito coloca grandes limitações às ambições educacionais da população local. Não admira portanto que apenas 5% dos jovens entre os 13 e os 17 anos frequentem a escola secundária de Majune. O abandono escolar é um grande problema no distrito. Diferentes fontes de informação indicam que as principais causas de abandono incluem tarefas domésticas (incluindo a agricultura, pesca e caça), envolvimento das crianças no comércio informal e casamentos de adolescentes. Também a tradição do unyago (ritos de iniciação), que normalmente têm lugar entre Julho e Setembro, interfere Em Malila, há uma escola primária da 1ª à 7ª Classe. Em 2010 a escola tinha 993 estudantes matriculados, dos quais 466 (ou 47%) eram raparigas. Há apenas 6 salas de aula e, a fim de poder cumprir o curriculum, a escola trabalha em três turnos começando o primeiro às 6 horas da manhã, o segundo às 9:45 e o terceiro às 13 horas. Devido à falta de electricidade não é possível organizar turnos para mais tarde. Segundo o Director da escola, o número global de estudantes matriculados é o mais alto no que respeita à 1ª Classe, mas reduz gradualmente à medida que as crianças vão crescendo. Refere que o abandono escolar é comum sobretudo porque muitos pais não estão conscientes das vantagens da educação. “As crianças não gostam de ir à escola e os pais não insistem que elas voltem à escola […],” explica. 14 Governo Distrital de Majune: Relatório Balanço do Governo Distrital de Majune 2010. Banco de dados do Banco Mundial com indicadores sócio-económicos em http://data.worldbank.org/indicator/SE.PRM.ENRL.TC.ZS (consultado em 27.10.2011) 16 INE 2009: Relatório Preliminar do Inquérito sobre Indicadores Múltiplos, 2008. 15 14 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE seriamente no ano escolar. É precisamente por esta razão que o governo distrital ordenou este ano que este ritual tradicional deve ser realizado durante as férias anuais de Dezembro a Fevereiro. Muitas povoações desrespeitaram a ordem do governo, mas em Malila a comunidade adiou o unyago até ao fim do ano.17 Outros serviços públicos Conselho consultivo: No contexto de descentralização das diferentes estruturas de governação, Moçambique introduziu o mecanismo de Conselhos Consultivos, que deve promover a participação popular na governação pública. De acordo com a Lei 8/2003 de 19 de Maio que cria os Órgão Locais do Estado (LOLE), a estrutura dos Conselhos Consultivos deve ser alargada até ao nível de povoação. Em princípio, os Conselhos Consultivos devem servir de plataforma para a comunicação entre grupos da população e o governo local. Mais especificamente, os Conselhos Consultivos devem aumentar a consciencialização ao nível local sobre as leis nacionais e assegurar a participação dos membros da comunidade na elaboração dos planos estratégicos locais. Até agora, porém, em toda a província do Niassa o foco principal dos Conselhos Consultivos locais tem sido a distribuição do Fundo de Desenvolvimento Local (FDL, ou 7 milhões). Os Conselhos Consultivos devem reunir-se duas vezes por ano, ou com mais frequência se houver necessidade. Os Conselhos devem incluir representantes da sociedade civil/sector privado e representantes da comunidade local que sejam propositadamente eleitos para essa tarefa. Podem ser incluídos representantes do governo como participantes convidados. Em Majune, há actualmente Conselhos Consultivos ao nível de distrito (1), de Posto Administrativo (3), localidade (7) e povoação (27). A expansão dos Conselhos Consultivos aos níveis locais é um fenómeno bastante recente. Por exemplo, em Malila o Conselho Consultivo só foi criado em 2009. De acordo com as entrevistas aí feitas a membros da comunidade, só poucas pessoas têm conhecimento do Conselho Consultivo local. A existência deste mecanismo de participação local só é do conhecimento dos membros da estrutura política e dos líderes comunitários. A ONG dinamarquesa IBIS através do seu programa “Construindo Cidadania em Moçambique” capacita os membros da comunidade em Majune na monitoria da governação local, definição de agenda de debate político, capacidade crítica através da advocacia e monitoria das actividades dos Conselhos Consultivos Locais. O resultado destas formações é a criação dos “Agentes de Mudança Comunitária” que têm o papel de informar outros membros da comunidade sobre as principais decisões de interesse local e difundir instrumentos de monitoria de governação como é o caso da LOLE. Entretanto, à semelhança dos conselhos consultivos locais, os agentes de mudança também são desconhecidos, provavelmente por acumularem várias funções na comunidade e pertencerem a várias organizações em simultâneo, incluindo os partidos políticos. Tribunal comunitário: De acordo com os membros da comunidade entrevistados em Malila, o tribunal Comunitário é uma das instituições mais importantes na vida da comunidade, tendo sido classificado como mais importante do que a „rainha‟ ou o Secretário do Partido Frelimo. O tribunal comunitário é a instituição onde são tomadas as principais decisões em relação aos problemas na comunidade. Neste tribunal, para além dos membros mais velhos da comunidade e dos representantes das famílias alargadas apuiamwenes, participam também o secretário do partido no bairro e outros membros influentes como o presidente do conselho consultivo local. O facto do secretário do partido ser membro do tribunal comunitário reflecte a falta de clareza na definição dos papéis de cada uma das 17 De acordo com a tradição Yao, a circuncisão masculina é uma parte essencial dos ritos de iniciação dos rapazes. A operação é geralmente feita no mato com equipamento rudimentar. A estação fria (Junho-Agosto) é a ideal para a circuncisão, dado que o risco de infecção é naturalmente mais baixo. Se o ritual for transferido para a estação quente (DezembroFevereiro), é provável que aumente o número de complicações relacionadas com a circuncisão. No entanto, nem os funcionários do governo nem mesmo os funcionários da saúde tomaram qualquer posição sobre esta matéria. 15 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE instituições. De forma notável, o tribunal Comunitário não inclui quaisquer membros femininos. Segundo um informador chave de Malila, as mulheres „não têm a coragem‟ de participar na tomada de decisões ao nível exigido pelos tribunais Comunitários. Partidos políticos: Em Majune, a Frelimo é o partido político dominante. Geralmente, os membros do Frelimo são agentes influentes na comunidade e são consultados pelos membros da comunidade para as questões de interesse comum. De acordo com o Administrador Distrital, há também no distrito alguns simpatizantes da Renamo mas o partido mais antigo da oposição não tem aqui um escritório. Em contraste, o partido mais novo da oposição, o MDM, estabeleceu há dois anos uma sede local em Majune. O presidente do partido, Daviz Simango, visitou o distrito um par de vezes e concedeu algum apoio financeiro à secção local do partido. Tirando isso, o MDM não recebe qualquer financiamento externo. Segundo o Administrador Distrital, o Governo local tenta mobilizar o MDM para tomar parte em diferentes eventos de governação local, mas os membros do partido da oposição não respondem activamente aos convites. Uma curta entrevista com o representante local do MDM revela que houve alguns casos de ataques violentos contra membros do MDM, o que faz com que os membros deste partido oposicionista se sintam intimidados pela maioria da população. Na realidade, o representante local do MDM é um líder comunitário (régulo) do Bairro Malanga mas, desde que declarou a sua filiação política, perdeu o respeito dos membros da sua comunidade. Instituições e serviços privados Organizações religiosas: Há algumas comunidades religiosas que fornecem alguns serviços sociais. A maior delas é a comunidade Muçulmana que está representada por três mesquitas em Malila. Mas muitas pessoas dizem que a mesquita não faz nada para ajudar os pobres. Em contraste, a igreja Católica, através das suas Dioceses, dirige diversas escolas e postos de saúde em Malila. A igreja Católica opera através de animadores que são membros da comunidade local e que servem de mediadores entre a igreja e a comunidade. Os animadores foram votados pelos membros da comunidade consultados como algumas das pessoas mais importantes da comunidade, que são também muito facilmente abordáveis. Vários dos nossos entrevistados referiram a ajuda prestada pela igreja Católica, mas os padres que actualmente estão em Majune revelaram que a igreja está a sentir dificuldades financeiras. Assim, a igreja teve de fechar a única escola préprimária que há em Majune devido à insuficiência de recursos financeiros. Organizações não governamentais: Há também algumas organizações não governamentais estabelecidas em Majune, incluindo o Conselho Cristão de Moçambique, o Mundukide, a Ibis, a Concern Universal e a União de Camponeses. A maioria trabalha na área da boa governação e desenvolvimento da capacidade dos cidadãos de monitorar o desempenho do governo local. Nesse sentido, as ONGs têm sido importantes para que as pessoas em Majune abram os olhos e têm sido bem sucedidas em incitar discussões sobre democracia e participação dos cidadãos na governação local. Além disso, essas organizações oferecem apoio na construção de furos e poços de abastecimento de água, no fomento de novas técnicas de cultivo, na defesa dos direitos dos camponeses, entre outros sectores. A IBIS e a Concern Universal são as ONGs mais antigas no distrito e actualmente não têm um representante local (no distrito), sendo que todas as actividades são coordenadas a partir da sede em Lichinga. As duas ONGs actuam na capacitação de organizações de base comunitária na advocacia e governação local, com maior enfoque nos conselhos consultivos locais e na interpretação da LOLE, Lei dos Órgãos Locais do Estado, ao nível das comunidades. O Conselho Cristão tem um único técnico no distrito, a implementar projectos ligados ao abastecimento de água, saneamento, alfabetização de adultos, boa governação e transformação de armas por enxadas. A Mundokide é uma ONG de origem Espanhola que 16 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE trabalha no distrito de Majune desde 2009, está virada para a introdução do cultivo de hortícolas no distrito e o micro crédito a pequenos produtores para o aumento e diversificação da produção agrícola. Empresas privadas: No distrito estão também activas empresas do sector agrícola e do sector de caça, como são os casos da Mozambique Leaf Tobacco (MLT), vocacionada no fomento da cultura do tabaco, Luambala Jatropha, vocacionada na produção de jatropha, Majune Safari, na promoção de turismo e caça no distrito, e a Tenga Lda. na produção de macadamia. Apesar destas empresas empregarem a mão-de-obra local, ainda há uma grande maioria da força de trabalho local que permanece desocupada ou circunscrita à agricultura familiar. 2.4 Adaptações económicas Actividades geradoras de rendimento O distrito de Majune é economicamente dependente da agricultura de subsistência praticada pela maioria dos agregados familiares. Dos 120 agregados familiares inquiridos no âmbito do nosso inquérito de base, 88% possuem machamba.18 A maioria dos agregados familiares do distrito (81%) possui apenas uma machamba. As culturas alimentares mais produzidas são milho, mapira, mexoeira, arroz, feijões de vária natureza, amendoim, batata reno, batata-doce, mandioca e hortícolas, cujos excedentes são comercializados nos mercados locais e em outros distritos da província (MAE 2005 & GdM 2007). De acordo com o nosso estudo de base, 51% dos que cultivam uma machamba venderam alguns dos seus produtos. Contudo, a comercialização agrícola é desafiada grandemente pelas condições fracas de vias de acesso. Ouvimos várias histórias de grupos populacionais cuja colheita acaba apodrecendo no celeiro porque não conseguem transportar os produtos para os mercados. Isto pode explicar a razão porque a maioria (61%) dos agregados familiares no nosso estudo que venderam uma parte dos seus produtos, ganhou menos de 1.000 Mt (USD 37). A principal cultura de rendimento do sector familiar é o tabaco, fomentado anteriormente pelo Grupo João Ferreira dos Santos e actualmente pela MLT (Mozambique Leaf Tobacco). Entretanto, há um grande descontentamento dos camponeses do distrito em relação à introdução pela MLT da nova variedade de tabaco denominada “Virgínia”, cujas técnicas de cultivo são difíceis e não são dominadas pela maioria dos camponeses. “Na campanha agrícola 2009/2010 quando a MLT introduziu o tabaco Mercado central em Malanga Virgínia fomos apanhados de surpresa, principalmente porque ninguém conhecia esta cultura e a MLT não ensina as técnicas de cultivo,” explicou o Presidente do Conselho Consultivo do Povoado de Malila, 18 De acordo com os dados do Censo de 2008, 91% dos agregados familiares de Majune tinham uma machamba. Considerando a pequena amostra do nosso estudo de base e o intervalo de confiança do censo nacional, os resultados podem considerar-se congruentes. 17 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE que também é agricultor. A qualidade do tabaco produzido não satisfaz o fomentador e este tem recusado comprar a produção. “Perdemos uma campanha inteira a trabalhar o tabaco para não ganhar nada,” lamentou o Presidente do Conselho Consultivo. A situação tem afectado muito negativamente a economia das famílias que se serviam do tabaco como a principal fonte de rendimento, e vários são os produtores que abandonaram o cultivo desta cultura no último ano. No passado cultivou-se também algodão em Majune mas, dado que o tabaco tem sido a cultura mais rentável, a produção de algodão não tem aumentado consideravelmente. Entretanto, actualmente o grupo João Ferreira dos Santos está reintroduzindo o fomento do cultivo do algodão, porém esta iniciativa ainda não constitui uma alternativa ao rendimento dos agregados familiares. A par da agricultura, as comunidades do distrito praticam a pesca nos vários rios. 26% dos agregados familiares estudados afirmaram praticar a pesca. Mas as possibilidades de conservação do peixe são limitadas (sal) e por isso não há uma comercialização do peixe em grande escala. Em consequência, a pesca continua a ser uma actividade de pequena escala que oferece alguma variedade ao regime alimentar dos agregados familiares rurais mas que não aumenta significativamente o seu rendimento. A população local também pratica caça mas, à semelhança da pesca, a caça não se tornou um motor económico. De acordo com os resultados do inquérito de base realizado no âmbito desta primeira Avaliação Qualitativa de Pobreza (Constatação da Realidade), a grande maioria dos agregados familiares das comunidades pesquisadas em Majune (61%) tem a agricultura familiar como a principal ocupação. Ora isto não significa que esta população apenas obtém rendimento através da prática desta actividade. A maioria dos chefes dos agregados que não estão empregados na agricultura familiar são funcionários públicos e todos residem na vila de Malanga, trabalhando nas várias instituições públicas ali presentes. Adicionalmente quase 10% dos chefes dos agregados são reformados, na sua maioria ex-funcionários do exército moçambicano. Tabela 3: Ocupação principal dos chefes de agregados familiares em Majune Ocupação principal dos chefes de agregados familiares Funcionário no sector público Empregado no sector privado Agricultor Pescador Trabalhador por conta própria, com pessoal Trabalhador por conta própria, sem pessoal Ocupado em actividades ocasionais ou sazonais Reformado Total Chefes masculinos de agregados familiares (%) 13,1 7,1 51,2 4,8 1,2 Chefes femininos de agregados familiares (%) 13,9 2,8 83,3 0,0 0,0 8,3 1,2 13,1 100,0 0,0 0,0 0,0 100,0 Total (%) 13,3 5,8 60,8 3,3 0,8 5,8 0,8 9,2 100,0 Os resultados do nosso inquérito indicam que no distrito de Majune existem poucos camponeses com capacidade de empregar mão-de-obra local que cultive nas suas machambas; ao mesmo tempo, há poucos agentes económicos que desenvolvam os seus negócios usando a força de trabalho local. A economia na capital distrital de Malanga e no povoado de Malila é muito pequena, e é caracterizada por uma circulação reduzida de dinheiro e de produtos, dominada por alguns vendedores informais maioritariamente concentrados nos mercados locais. Por conseguinte, na comunidade de Malila prevalece ainda a economia baseada em trocas, i.e. as famílias 18 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE trocam produtos excedentes da machamba por outros produtos ou bens. Na vila de Malanga, por ser relativamente mais urbanizada que a comunidade de Malila e por ser habitada por funcionários públicos, há alguma circulação de dinheiro, porém há poucos produtos – agrícolas e industriais/processados – disponíveis para compra no mercado local. De acordo com os resultados do inquérito por nós realizado, 30% dos agregados indicou não ter ganho nenhum dinheiro para além das actividades agrícolas no mês que antecedeu a pesquisa. Dos agregados familiares que tiveram outras fontes de rendimento adicionais à actividade agrícola, 21% teve rendimentos inferiores a Mt 1,000, 28% teve rendimentos entre Mt 1,000 e 2,500 e 18% dos agregados tiveram rendimentos a situarem-se entre Mt 2500 e 5000 no mês anterior ao nosso estudo. Apenas 3% dos agregados entrevistados teve rendimentos superiores a Mt 5,000, no mesmo período do ano. Estes agregados residem na sua maioria na vila de Malanga, trabalham nas instituições públicas e privadas que ali existem, ou combinam a venda dos produtos excedentes da machamba com a prática do comércio informal de pequena escala nos mercados locais. A fraca circulação de dinheiro entre os agregados das localidades pesquisadas no âmbito da presente pesquisa contribui para que as despesas semanais dos agregados familiares sejam na sua maioria inferiores aos 250 meticais, ou seja, menos de 25 meticais dia. Há um grupo de agregados familiares (22%) que teve despesas equivalentes a 251-500 meticais na semana que antecedeu a pesquisa. Estas despesas referem-se na sua maioria à compra de produtos alimentares e de limpeza das casas. A nossa equipa esteve no distrito de Majune na segunda semana do mês e a maioria dos agregados familiares já havia realizado as suas despesas, o que geralmente ocorre entre a última e a primeira semana do mês quando as famílias ainda têm dinheiro resultante das várias fontes de rendimento de que dispõem. Adicionalmente, 11% dos agregados familiares do distrito gastaram menos – entre Mt 501 e 750 – na aquisição de vários produtos para o consumo da família. Entretanto houve um grupo de agregados, 28%, que teve despesas acima dos 1.000 meticais na semana que antecedeu o estudo. Este último grupo apresenta valores de despesa mais consistentes com a média de despesa mensal da província do Niassa, que de acordo com os dados do último IOF está fixada em Mt 3,926, o equivalente a Mt 981 por semana. (INE 2010). A recém reabilitada estrada nacional EN 14, para além de reduzir a distância entre a sede do distrito, a cidade de Lichinga e o distrito de Marrupa, parece não afectar de forma significativa o desenvolvimento das actividades económicas formais ou informais do distrito, pois não se verificam grandes actividades de comercialização de produtos locais ao longo da estrada. Entendemos que no período anterior à reabilitação da estrada o distrito esteve bastante isolado das restantes regiões da província; neste sentido, o impacto económico da reabilitação da estrada é lento e visível apenas para os que conheceram o isolamento e a a escassez do passado. Compreensivelmente, as oportunidades de emprego em Majune são escassas. Há apenas alguns agricultores comerciais que cultivam principalmente jatropha e nozes de macadamia para os mercados de exportação. Estas explorações agrícolas são tratadas mecanicamente e portanto não são de mão-de-obra intensiva. Há também algumas reservas privadas que promovem safaris e turismo de caça e empregam algum pessoal local. Além disso, há algumas oportunidades de emprego sazonal dadas pela Administração Nacional de Estradas (ANE), que todos os anos reabilita algumas estradas secundárias e terciárias com trabalhadores contratados localmente. O trabalho é fisicamente extenuante mas proporciona um pagamento mensal igual ao salário mínimo. Dado o carácter do trabalho de reabilitação de estradas (fisicamente exigente, implica uma longa estadia em campos de trabalho), é quase exclusivamente feito por homens. Serviços financeiros O acesso aos serviços financeiros é limitado no distrito de Majune, o que por sua vez pode dificultar o aumento de rendimento do agregado familiar. Apesar disso, os agregados 19 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE familiares que foram indicados durante o nosso estudo como estando em melhor situação produziram o seu rendimento sem terem qualquer apoio financeiro de serviços financeiros formais. Desde 2006, o Fundo de Desenvolvimento Local (FDL, ou 7 milhões, distribuído entre as localidades e povoações dos distritos) trouxe algumas oportunidades de crédito às populações rurais, mas o acesso a este financiamento é difícil, por um lado devido aos procedimentos burocráticos e pouco claros, e por outro devido às excessivas hierarquias decisórias associadas a este fundo. No âmbito do Fundo de Desenvolvimento Local, os projectos devem passar pela aprovação de Conselhos Consultivos de Povoação, Conselhos de Localidade e por fim pelo Conselho Consultivo Distrital, dependendo do nível da administração do estado em que o proponente do projecto resida. Neste sentido, cabe ao Conselho Consultivo Distrital a decisão final sobre a aprovação, porém este conselho geralmente decide em função do parecer dos Conselhos Consultivos dos níveis mais baixos da administração do estado, porque estes últimos conhecem melhor a capacidade financeira dos candidatos aos fundos. A monitoria dos projectos aprovados deve ser feita pela administração do distrito. Entretanto, a administração distrital de Majune não possui meios de transporte para percorrer todas as povoações do distrito, e assim sendo não tem realizado as actividades de monitoria. Isto contribui para que, por um lado, sejam aprovados projectos pouco sustentáveis economicamente e sem possibilidade de retorno do investimento do dinheiro do estado. Por outro lado, há casos em que o montante financiado é muito inferior ao valor requerido sem que nenhuma explicação para isso seja dada pelos membros do conselho consultivo que tomaram a decisão de aprovação do projecto. A título de exemplo, um dos Wakupatha Panandis (ver mais abaixo) que possui um carro de 32 lugares para transporte de passageiros, solicitou um empréstimo de Mt 350,000 para a aquisição de mais uma viatura para aumentar a sua frota e melhorar o acesso ao transporte no distrito. Foi-lhe oferecido um financiamento de Mt 80,000 sem nenhuma explicação para a redução. O wakupatha panandi acabou por rejeitar a oportunidade. “Recusei este dinheiro porque não dava para nada. Assim continuo com o meu único carro até poder comprar outro,” explicou ele. Para além deste financiamento do governo, uma ONG espanhola, Mundokide, concede micro-crédito para a produção de horticulturas no distrito. Porém este é um projecto a título experimental, que abrange apenas 160 agricultores que beneficiam de créditos entre Mt 600 e 2.400. Os valores são devolvidos em 6 meses a uma taxa de juro de 1-2%. A Mundokide tem conseguido manter a taxa de retorno de empréstimo acima de 90% (94% em 2010), mas a sua iniciativa ainda é recente e não está muito difundida entre os agricultores do distrito. 2.5 Percepções locais de pobreza Quando uma pessoa estranha chega à povoação de Malila, facilmente classificaria a comunidade de “muito pobre”. Quase todas as casas são construídas em tijolo de barro e os telhados são feitos de capim. Quase todas as casas têm no quintal um celeiro em mau estado feito de varas e capim para armazenar a colheita – é claramente uma povoação agrária. Não há ruas além de vias estreitas e enlameadas que estabelecem uma rede sinuosa de caminhos através da povoação. A maioria das pessoas – tanto as crianças como os adultos – anda descalça e as suas roupas têm um aspecto velho. Não há água corrente na povoação e muito menos electricidade. Aos olhos de um estranho, em Malila a pobreza parece estar em toda a parte. Todavia, a fim de sabermos os pontos de vista locais sobre a pobreza e bem-estar, discutimos com um grupo de membros comunitários sobre a existência de diferentes grupos sócio-económicos na sua comunidade. O grupo reconheceu quatro categorias sócioeconómicas diferentes que são apresentadas abaixo. Além disso pedimos aos membros da 20 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE comunidade para identificarem algumas famílias que representassem cada uma das categorias sócio-económicas. Mais tarde, durante a semana, contactámos estas famílias e convidámo-las a tomar parte no estudo. No total envolvemos sete famílias: uma da „classe‟ mais próspera e duas de cada uma das outras. O plano é fazer estudos de caso com estas famílias seguindo-as ao longo dos próximos cinco anos, e aprender com elas sobre a dinâmica da pobreza e bem-estar. O Anexo III deste relatório compila alguma informação básica sobre estas sete famílias foco. Wakupatha – é o grupo de pessoas mais rico, “que vive numa casa com mobília” e que “tem um carro ou uma motocicleta”. Os Wakupathas “têm muitas coisas” e não precisam de fazer agricultura, dado que “têm possibilidades de comprar milho.” Segundo as pessoas com quem discutimos, não há actualmente wakupathas a viver em Malila. O único wakupatha identificado, o senhor Fernando, vive em Malanga sede, i.e. no centro da capital do Distrito, onde desenvolve vários negócios diferentes, incluindo uma loja/bar, uma pensão, uma empresa de construção e serviços de transporte. Tem vários carros e duas casas: uma em Malanga sede e outra em Lichinga. Ao contrário da grande maioria da população local, o senhor Fernando não pratica nenhuma actividade agrícola. Wakupatha panandi – Esta é a segunda categoria mais rica, que inclui pessoas que “vivem da sua machamba” mas que também possuem vários bens importantes como uma bicicleta ou até um carro. Ambas as famílias que a comunidade identificou como wakupatha panandi, têm um carro e vivem do negócio de transportes. Ambas vivem numa casa construída com tijolos de cimento e coberta por chapas de zinco. As suas casas têm vários quartos e uma casa de banho interior. Além disso, ambas têm um gerador, uma TV e um rádio. Nenhuma das duas famílias tem machamba e ambas compram toda a sua comida. Wakulaga – este grupo de pessoas cultiva a machamba e sustenta-se com a sua produção. Os Wakulaga constituem uma categoria bastante vasta que abrange a maioria das pessoas de Malila, incluindo os líderes da povoação (Secretário do Bairro, presidente do Conselho Consultivo, etc.), vulgares membros da comunidade e também famílias muito vulneráveis. Os membros da comunidade local identificaram duas famílias wakulaga pobres para representarem no nosso estudo esta categoria social. Ambas as famílias são chefiadas por mulheres e incluem diversas crianças pequenas; vivem em habitações pequenas (menos de 20 m2) e com mau aspecto, com 1-2 divisões. Ambas as mulheres que chefiam os agregados familiares têm impedimentos físicos (idade avançada ou incapacidade física) que limitam a sua capacidade para cultivar toda uma machamba. Consequentemente, ambas as famílias dependem de outras pessoas para se sustentarem. Mazikine – este é o grupo sócio-económico mais pobre. As pessoas “não têm machamba nem lugar para dormir, nem sequer um cobertor, nada”. Os mazikine “não colhem nada e não têm dinheiro”. “Comem nas casas de outras pessoas” e por isso os mazikine “vivem como animais”. De novo a comunidade identificou dois agregados familiares mazikine, ambos de um só membro: um homem idoso incapacitado fisicamente. Nenhum dos dois homens estava em condições de fazer trabalho agrícola e ambos dependem inteiramente de outras pessoas para se sustentarem. As estruturas das suas casas e os materiais de construção não eram muito diferentes das casas das famílias wakulaga acima 21 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE mencionadas. No entanto, o facto de viverem nas suas próprias casas torna-os ainda mais vulneráveis e mais dependentes da benevolência de outras pessoas. Durante os dias que passámos com as famílias foco, tornaram-se aparentes algumas características interessantes. Por exemplo, todos os chefes dos agregados familiares mais ricos tinham viajado bastante dentro do país (e.g. durante o serviços militar) e/ou são originários de outra parte do país. Por isso, estiveram expostos a diferentes modos de vida e de trabalho. Além do mais, nenhuma das famílias mais ricas depende da agricultura, tendo outras fontes de rendimento. A geração de rendimento de uma família wakupatha panandi Um caso interessante é o da senhora Glória (wakupatha panandi), a esposa de um transportador de Malila, que encontrou várias formas alternativas de geração de rendimento a partir das facilidades que criou em casa. A senhora Gloria é de Nampula e veio para Malila através do casamento. O seu marido tem um camião com que ele transporta pessoas e bens entre Lichinga e a Vila de Malanga. A família possui uma machamba mas pagam a pessoas da comunidade para trabalhar nela. Têm três filhos, mas apenas o mais novo está em casa com a Senhora Glória; os outros estudam em Lichinga. O marido da senhora Glória sai de casa ao nascer do sol e só volta quando já está a anoitecer. No seu dia-a-dia, a senhora Glória cuida das tarefas domésticas e espera que o marido regresse no final do dia. Foi num desses dias que ela decidiu usar uma parte da mesada que o marido lhe dava para comprar crédito para revender à população da comunidade. Ela vende o crédito a 5-10 Mt acima do preço de compra. O negócio começou a crescer e com o sucesso da venda de crédito, ela decidiu usar o gerador da casa para oferecer serviços de recarga das baterias dos telefones celulares mediante pagamento. Ela cobra 10 meticais por carregamento de um telefone. Também começou a cobrar a entrada às pessoas que queiram assistir a televisão em sua casa, principalmente nos dias de jogo de futebol. O negócio tem crescido tanto que ela abriu uma conta no banco onde tem acumulado poupanças e está actualmente a construir uma casa na cidade de Nampula. Ela gostaria que o negócio crescesse e que ela pudesse ganhar mais dinheiro para não depender financeiramente do marido é aumentar as suas poupanças. 22 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE Como o senhor Fernando se tornou wakupatha O senhor Fernando é natural da província de Inhambane e chegou ao Niassa em 1980, quando foi colocado na 7ª brigada no distrito de Cuamba. Durante a guerra deslocou-se entre vários batalhões do exército das províncias da Zambézia e de Nampula. É nessa época que se casa pela primeira vez e instala a sua família em Lichinga. Em 1991 o senhor Fernando foi transferido para o distrito de Majune. Lá ele conheceu a mulher com quem estabeleceu uma segunda família. Quando chegou ao distrito de Majune, ele, a esposa e uma dúzia de outras pessoas eram os únicos habitantes da sede do distrito. Com o dinheiro do subsídio do exército (Mt 1,500) decidiu começar um negócio de comercialização de produtos de primeira necessidade como açúcar, sabão, óleo. Inicialmente comprava os produtos no Malawi e vendia-os em Majune. Começou com uma pequena banca e conta com orgulho que o seu estabelecimento foi o primeiro do distrito. Com o passar dos anos, entre percalços e sucessos, o senhor Fernando conseguiu diversificar as suas actividades para o sector de transporte, construção, transporte de mercadorias e hotelaria (possui um bar e uma pensão de 22 quartos na vila de Malanga). “Fui subindo devagar”, disse, e esclarece que sempre procurou perceber quais as mercadorias e os serviços que tivessem boa saída localmente. Foi nessas áreas em que ele investiu e assim aos poucos conseguiu gerar lucros. Hoje, o senhor Fernando tem 57 anos e tornou-se um empresário de sucesso. A gestão dos seus negócios é repartida entre Lichinga e Majune. Em Lichinga, a sua primeira esposa gere o negócio de transportes; em Majune, a segunda esposa cuida do sector de hotelaria. Ele próprio gere o negócio de construção. O senhor Fernando não possui machamba; compra tudo que consome em casa. Trabalha com o governo distrital em vários sectores, desde a construção até ao fornecimento de energia de gerador ao distrito, esta última interrompida devido aos custos do projecto. Pese embora todo o seu sucesso, e empregar 35 pessoas, o senhor Fernando sonha ainda poder construir um armazém para abastecer os comerciantes locais mais pequenos. Interessantemente, os agregados familiares mais pobres também não se envolvem na agricultura. Não têm qualquer fonte de rendimento e por isso dependem inteiramente de outras pessoas. Contudo, no passado, a maioria deles dependeu da agricultura e foi só quando as suas capacidades físicas diminuíram que se tornaram destituídos. Torna-se também evidente que a pobreza é um conceito relativo, que para nós significa coisas bastante diferentes do que significa para a população local. Um agricultor de pequena escala, cujo rendimento anual é inferior a 10.000 Mt, parece-nos pobre mas em Malila representa a „classe média‟ local. O nível de rendimento e os bens destes agregados familiares são reconhecidamente escassos, mas no entanto são capazes de alimentar as suas O que é o bem-estar para as pessoas famílias e isso parece ser a principal linha de Malila? divisória entre os que localmente são -“Ter comida para comer e água para beber e tomar banho.” considerados pobres e os que não são. -“Ter dinheiro no bolso.” -“Ter uma casa com paredes rebocadas [em vez de blocos em bruto], um telhado coberto com chapas de zinco e janelas com vidros.” -“Ter uma cama e um cobertor; pratos e panelas; roupas.” -“Ter uma esposa.” -“Ter uma machamba.” -“Ter saúde.” -“Poder estudar e ter um emprego.” Não obstante a distinção entre as diferentes „classes‟ sócio-económicas, parece que a população de Malila interage facilmente através das „classes‟. As duas famílias wakupatha panandi foco parecem socializar sem restrições com os seus vizinhos e amigos que são consideravelmente mais pobres. Isto foi observado ao longo de vários dias, quando passávamos pelas suas casas e de cada vez encontrávamos várias crianças e adultos da vizinhança que tinham parado para conversar. Surpreendentemente, também os muito pobres podem tomar parte activa na vida social da povoação. Uma das duas pessoas mazikine 23 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE identificadas é o adjunto do Secretário de Bairro e, embora seja deficiente físico, diz que participa sempre nas reuniões e eventos da povoação. Realmente, identificámo-lo quando de uma das reuniões de grupo que tivemos com a população local. Assim, parece que em Malila não há grandes fronteiras sociais entre as diferentes „classes‟. As pessoas não são isoladas ou discriminadas por causa da sua pobreza, mas uma incapacidade física/mental pode limitar a interacção social. Em alguns casos, a deficiência reduz a capacidade das pessoas se moverem e socializarem normalmente com outros membros da comunidade, como é o caso do senhor Paulo (mazikine) que está demasiado doente para sair da sua casa o que limita os seus contactos sociais às poucas pessoas que o visitam e lhe trazem alguma comida. Noutros casos, as pessoas incapacitadas auto-discriminam-se e limitam as suas próprias oportunidades sociais. Este é o caso da senhora Rosa (wakulaga) que se feriu durante o período da guerra quando estava a fugir da luta. Caiu num buraco no terreno e partiu um pé. Nunca recebeu assistência médica e com o passar do tempo a ferida não tratada transformou-se numa incapacidade permanente. Coxeia e periodicamente fica quase imobilizada com uma terrível dor no pé. Quando teve o acidente, a senhora Rosa vivia com um oficial do exército de quem teve três Fotografia tirada pelo senhor Cassamo (mazikine) mostrando a sua filhos. O oficial convidou-a a casa, que representa a sua pobreza. mudar-se com ele para Maputo mas ela rejeitou a oferta devido à sua deficiência. “Eu sou uma aleijada. O que faria eu em Maputo, onde há tantas mulheres bonitas?,” perguntou ela. A sua baixa auto-estima é evidente. “Se eu fosse casada, teria um homem para me ajudar”, disse ela, “mas como sou uma aleijada ninguém pede para se casar comigo.” De facto, os nossos estudos de caso sugerem que uma incapacidade física é muitas vezes razão para uma separação. Embora não haja discriminação entre as diferentes „classes‟ sociais e embora as diferenças entre as „classes‟ (particularmente entre os mazikine e os wakulagas) nem sempre sejam muito evidentes, parece que as pessoas em Malila estão bem conscientes da sua posição na hierarquia social local. Esta auto-consciência tornou-se muito óbvia durante um exercício em que foi dada a algumas das nossas famílias foco uma máquina fotográfica para tirarem fotografias da „pobreza‟ e do „bem-estar/desenvolvimento‟. As wakupatha panandis que participaram neste exercício fizeram fotografias delas mesmas, das suas casas (por dentro e por fora) e de bens que possuíam (comida, carros, geradores, etc.) de modo a demonstrarem riqueza e boa vida. O único mazikine que participou nesta actividade também tirou fotografias da sua casa e do seu pé paralisado, para mostrar a pobreza. 24 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE 3. RELAÇÕES SOCIAIS DA POBREZA 3.1 Organização da família e do agregado familiar Em Malila, o casamento ou uma relação marital é vital para o bem-estar, não só para fins reprodutivos mas também para a mera sobrevivência. A agricultura, que é a principal fonte de subsistência para a maioria, exige trabalho duro e habitualmente quanto mais pessoas trabalham nos campos, maior é a colheita. Uma única pessoa dificilmente pode produzir o suficiente para um ano inteiro. Além disso, o trabalho agrícola manual é fortemente condicionado pelo género; na agricultura há uma clara divisão de responsabilidades entre homens e mulheres. Uma relação marital também garante alguma segurança social, dado que as agruras da vida podem ser partilhadas e respondidas em conjunto com outra pessoa adulta. Uma pessoa adulta solteira – seja homem ou mulher – enfrenta sozinha as dificuldades e se as suas capacidades físicas estão por qualquer razão reduzidas, por exemplo devido a doença, a pessoa avança rapidamente para a destituição. Assim, uma relação marital não é apenas uma opção desejada mas sim uma necessidade. De acordo com isto, não surpreende notar-se que todas as nossas famílias foco mais ricas (wakupatha e wakupatha panandi) sejam compostas de casais casados, enquanto todos os nossos agregados familiares mais pobres (wakulaga and mazikine) são chefiados por um adulto solteiro. A fim de transferir o conhecimento sobre os papéis e responsabilidades tradicionais de um marido e de uma esposa, os jovens no princípio da adolescência – rapazes e raparigas separadamente – passam por ritos de iniciação que normalmente têm lugar entre Junho e Setembro. Segundo a tradição Yao, os rapazes são circuncisados durante o período do rito, que pode prolongar-se por um a dois meses ou tanto tempo quanto as feridas demorarem a sarar. Durante este período, os rapazes permanecem em grupo longe da sua comunidade. Descartam-se das suas velhas roupas e mantêm-se nus durante este período de reincarnação simbólica. Os corpos das raparigas são deixados intocádos mas – tal como os rapazes – são ensinadas acerca das funções reprodutivas e de como agradar aos seus futuros maridos. No final dos ritos de iniciação, as comunidades organizam uma festa unyago que se prolonga por vários dias. Agora, os jovens iniciados são considerados prontos para a vida marital. Nos velhos tempos, não eram aceites casamentos mistos entre Yaos e Macuas. Os Macuas não seguiam os mesmos ritos de iniciação nem a prática da circuncisão e, por essa razão, os Yaos consideravam-nos impuros. Os matrimónios eram discutidos e acordados entre as famílias e a prática dos Yao favorecia de facto os casamentos entre primos ou outros membros da família. Actualmente, diz-se que o casamento já não é tanto um assunto da família. As raparigas e os rapazes jovens decidem por eles mesmos com quem casar e os casais mistos Yao-Macua parecem ser cada vez mais comuns. Ouvimos também de um homem jovem macua, que é também membro da Administração Distrital, que os Macuas adoptaram a mesma prática de circuncisão masculina dos Yao. É provável que este rito de transformação tenha minorado os impedimentos aos casamentos mistos. 25 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE Sócio-culturalmente, Majune é dominada pelo sistema de parentesco matrilinear em que as crianças seguem a linhagem das mães e pertencem assim à família da mulher. Tipicamente também o marido quando se casa, muda-se para a família da mulher ou para próximo dela (matrilocal). Ao mesmo tempo a religião dominante em Majune é a Islâmica, que enfatiza o patriarcado e a superioridade do homem e permite que um homem tenha até quatro esposas. A combinação destes dois tipos diferentes de influências gerou uma cultura que é polígama e matrilinear. Dos 120 chefes de agregados familiares estudados em Majune no contexto do nosso estudo de base, 93 (78%) vivem em relação marital. Destes, 28% vive num cenário de agregado familiar polígamo. Numa perspectiva masculina, ter múltiplas esposas implica maior segurança alimentar. Cada esposa tem uma machamba separada que cultiva para se alimentar a si e aos seus filhos. O marido beneficia da colheita de cada esposa dado que come (e dorme) alternadamente com cada uma delas. A poligamia pode assim ser vista como uma espécie de estratégia de sobrevivência que aumenta a produção alimentar do agregado, melhorando com isso as Uma família wakulaga apreciando uma refeição em frente à sua casa. possibilidades de bemestar. A poligamia pode também ser vista como uma medida de segurança do marido para reduzir o risco de ficar sozinho se a mulher falecer ou se divorciar. No entanto, esta é uma medida de segurança unilateral. Se o marido morre, o efeito negativo é multiplicado pelo número de esposas. Para a mulher, uma relação polígama pode não ser igualmente benéfica, mas muitas vezes a importância de se casar pesa mais do que a importância da monogamia. Além disso, muitos homens polígamos são mais velhos e relativamente bem estabelecidos na vida e podem por isso oferecer à mulher, até certo ponto, melhores condições de vida do que um jovem marido monogâmico. O senhor Fernando (wakupatha) e a sua família ilustram bem os benefícios da poligamia. O senhor Fernando tem uma esposa em Lichinga e outra em Malanga (Majune). Obedecendo aos princípios da poligamia, o senhor Fernando procura tratar igualmente as duas esposas. Ambas têm uma casa bem construída onde vivem com as suas muitas crianças. Em conjunto, o senhor Fernando é pai de 16 filhos. Como homem de negócios, o senhor Fernando entregou a cada esposa a gestão de um tipo de actividade comercial. Em Lichinga, a esposa gere o negócio de transportes do senhor Fernando; em Malanga, a outra esposa toma conta da sua loja/bar e da pensão. O previdente Fernando criou deliberadamente condições para que ambas as esposas se sustentem a si próprias e à sua prole, de forma que se ele morrer as suas duas famílias não sejam afectadas pela pobreza. Deve contudo notar-se que o senhor Fernando é, em Majune, um homem extraordinário não apenas pela sua riqueza mas também porque vem do sul do país onde as mulheres têm um maior espaço social e económico (Tvedten, Paulo, Tuominen 2010). A decisão de fazer das suas duas esposas mulheres de negócios não seria uma escolha facilmente replicável por 26 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE um marido Yao, independentemente do seu nível de rendimento. A tradição Muçulmana, da forma que é aplicada no Norte de Moçambique, coloca as mulheres na esfera doméstica e atribui exclusivamente aos homens a responsabilidade pela geração de rendimento. A morte é o fim mais comum de uma relação marital, mas por vezes em Malila um casamento termina em divórcio ou separação, embora esta não seja uma prática bem aceite pela tradição Islâmica. Entre os nossos sete estudos de caso, descobrimos três famílias divorciadas, tendo o divórcio de duas delas sido motivado por uma deficiência física ou mental da esposa. Em ambos os casos, o marido deixou a esposa e os filhos e mudou-se para fora da comunidade. Como mencionado acima, os agregados familiares com apenas um membro adulto são vulneráveis perante qualquer sofrimento. Particularmente na idade avançada em que a força física começa a diminuir, a pessoa adulta que ficou sozinha com os seus filhos torna-se frequentemente dependente da ajuda de outras pessoas. Na amostra do nosso estudo em Majune, 20% dos chefes de agregados familiares eram viúvos ou separados. Entre os agregados familiares chefiados por mulheres esta era a situação em 66% dos casos, facto este que ajuda a perceber a razão porque tantos agregados familiares chefiados por mulheres se encontram entre os mais pobres. Embora o casamento seja geralmente visto como estratégia de sobrevivência indispensável, em certas ocasiões o casamento pode tornar-se num fardo. Este era o caso da esposa do senhor Cassamo (mazikine) que deixou o seu marido após 10 anos de vida marital. O senhor Cassamo foi sempre deficiente físico, dado que tem as pernas aleijadas desde a infância, provavelmente devido à pólio. O senhor Cassamo nunca pôde executar quaisquer trabalhos agrícolas mas no tempo da sua juventude costumava ganhar a sua vida pilando manualmente cereais para outras pessoas. Era casado com uma mulher de Malila com quem tinha um filho. Quando o filho já andava na escola, o senhor Cassamo perdeu subitamente a visão, ficando cego e totalmente dependente de outras pessoas. Foi quando a sua esposa o abandonou. Tão cruel quanto possa ser, pode ter sido a única forma de a mulher sobreviver. Para uma mulher idosa, é suficientemente duro cultivar sozinha uma machamba para a sua subsistência, para não falar de alimentar outra pessoa adulta que não pode contribuir de nenhuma forma. Miraculosamente, porém, o senhor Cassamo conseguiu alguma ajuda por parte de freiras Católicas que o levaram ao Malawi para ser operado aos olhos. O senhor Cassamo recuperou a sua visão e voltou para Moçambique e para Malila. Todavia, a sua mulher nunca o quis de volta e, desde então, o senhor Cassamo tem vivido só. “Se ao menos eu fosse casado, a minha vida seria boa,” queixou-se ele. “Eu viveria bem e teria alguém para me ajudar,” concluiu o senhor Cassamo. 3.2 Relações gerais de género No contexto da primeira Constatação da Realidade, as relações de género eram avaliadas principalmente através do estudo de base. Durante os próximos anos, o estudo da dinâmica do género será aprofundado através de métodos qualitativos. Apresentaremos abaixo as principais conclusões do nosso estudo. Antes de mais, 70% dos agregados familiares estudados em Majune são chefiados por um homem. Quando perguntado quais os aspectos que determinam quem é o chefe do agregado familiar, a grande maioria disse que é quem gere as finanças do agregado ou quem toma as decisões importantes para o agregado familiar. Vê-se claramente que num agregado familiar a divisão geral do trabalho está fortemente ligada ao género. Em geral, as mulheres e raparigas são responsáveis pela maioria das tarefas caseiras, incluindo limpar a casa e o quintal, cozinhar e ir buscar água. Em alguns casos os homens podem ajudar a arranjar lenha, mas mesmo isso é principalmente feito pelos membros femininos dos agregados familiares. 27 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE Tabela 4: Divisão de responsabilidades pelas tarefas caseiras entre os membros do agregado familiar Por ir buscar água (%) 9,2 Pela obtenção de lenha (%) 21,7 Pela limpeza da casa (%) Por cozinhar (%) Chefe do agregado familiar Esposa do chefe do agregado familiar Casal que chefia o agregado familiar 10,8 10,0 43,3 54,2 44,2 37,5 2,5 0,0 0,0 1,7 Raparigas/mulheres 32,5 31,7 36,7 15,8 Rapazes/homens 0,8 0,0 0,0 8,3 Todas as crianças 4,2 1,7 6,7 5,0 Todo o agregado familiar 4,2 0,0 0,8 6,7 Um estranho 1,7 2,5 2,5 3,3 100,0 100,0 100,0 100,0 Membro do agregado familiar Total De acordo com o estudo, há mais equilíbrio na divisão dos trabalhos agrícolas. A maioria destas actividades, incluindo capinar, semear, colher e mesmo limpar a terra e enxotar os animais é feita por toda a família. O nosso estudo não aprofundou a divisão das tarefas agrícolas, mas é provável que em Majune, como em qualquer parte de Moçambique, a divisão do trabalho entre homens e mulheres se diferencie entre culturas de rendimento e culturas alimentares. Normalmente as mulheres são responsáveis pela produção de alimentos, enquanto os homens respondem pelas culturas de rendimento. Tabela 5: Divisão de responsabilidades pelas tarefas agrícolas Pela limpeza da terra (%) Por semear (%) Pela capinagem (%) Pela colheita (%) Por enxotar os animais (%) 14,2 6,7 5,8 4,2 15,8 7,5 5,8 5,8 3,3 9,2 30,8 25,8 35,8 20,8 15,0 Raparigas/mulheres 0,8 1,7 1,7 1,7 2,5 Rapazes/homens 1,7 0,0 1,7 0,0 12,5 Todas as crianças 0,8 0,0 0,0 0,0 0,0 Todo o agregado familiar 30,0 47,5 34,2 57,5 31,7 Um estranho 2,5 0,8 3,3 0,8 1,7 Não tem machamba 11,7 11,7 11,7 11,7 11,7 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Membro do agregado familiar Chefe do agregado familiar Esposa do chefe do agregado familiar Casal que chefia o agregado familiar Uma área de responsabilidade que é claramente dominada pelos homens é a tomada de decisões sobre o uso dos recursos económicos do agregado familiar. Em 76% dos agregados famliares estudados em Majune, por um lado o chefe do agregado familiar decide sozinho sobre a parte da colheita que vai ser armazenada e, por outro lado, a que vai ser vendida. Do mesmo modo, é muito mais frequente serem os homens a negociar os preços 28 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE de venda de cada cultura e na grande maioria dos agregados familiares (81%) é o chefe do agregado familiar que decide sozinho o que fazer com o rendimento obtido. Considerando que Majune segue a estrutura de parentesco matrilinear e o padrão de residência matrilocal, é surpreendente observar que 88% dos agregados familiares estudados atribuíram ao chefe do agregado familiar a propriedade da casa principal, enquanto 82% atribuíram-lhe a propriedade da machamba. Deve ser lembrado que 70% dos chefes de agregados familiares são masculinos. É também notável que a vasta maioria dos entrevistados tenha referido que a esposa e os filhos do chefe do agregado familiar devem herdar a casa e a machamba após um eventual falecimento do marido. É necessário estar consciente de que na tradição matrilinear as mulheres devem passar os seus bens para os seus próprios filhos, enquanto os homens normalmente transmitem os bens aos filhos das suas irmãs. Deste modo, estes resultados sugerem que a tradição matrilinear pode estar a passar por algumas alterações. Todavia, não possuímos ainda informação suficiente para tirar quaisquer conclusões a este respeito, mas durante as Constatações da Realidade dos próximos anos estudaremos mais detalhadamente a posição da tradição matrilinear. 3.3 Redes sociais e estratégias de sobrevivência Num contexto em que o estado não é intervencionista e os mecanismos de protecção social apoiados pelo estado são fracos, as redes sociais informais tornam-se críticas para lidar com a miséria. A fome é provavelmente a condição mais aguda que activa a cadeia de disponibilização de apoio. Geralmente, a família alargada oferece a base mais segura para essas redes mas, nas comunidades pobres, as redes de apoio informais podem esgotar-se caso as necessidades ultrapassem excessivamente os recursos disponíveis. Quando uma dificuldade se prolonga, torna-se parte da normalidade e reduz-se a sua capacidade de invocar empatia e de mobilizar apoio externo. Noutros tempos, em Majune, era o régulo que tinha a responsabilidade de animar as redes sociais para ajudarem numa situação de necessidade. Um grupo de líderes tradicionais de Majune contou como isto acontecia, por exemplo numa situação de fome: “No princípio, as pessoas respeitavam os líderes tradicionais. O régulo tinha o direito de tirar alimentos dos que produziam bastante para dar aos que nada tinham. Toda a gente trabalhava na machamba do régulo e nas suas próprias machambas. Dessa forma, quando alguém não tinha comida, o régulo dava-lha. Mas actualmente, toda a gente só pensa em cuidar de si e apenas Deus cuida de todos nós. Agora, o régulo já não tem voz activa.” Apesar desta imagem desolada descrita pelos líderes tradicionais, em Malila as pessoas mais pobres ainda recebem alguma espécie de ajuda. Funciona de maneira diferente do passado mas, até certo ponto, ainda funciona. Apoio individual Provavelmente, a forma mais comum de ajuda é providenciada através de agregados familiares individuais que podem esporadicamente oferecer alguma comida a um vizinho pobre, ou a outros membros da comunidade necessitados. Mais raramente, podem dar pequenas quantias de dinheiro. A comida pode consistir em farinha de milho ou mesmo e apenas grãos de milho. Num dia de sorte, até pode ser acompanhada de feijão ou algum caril (i.e molho). 29 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE A dona Assa, que encontrámos em Malila, chefia um dos agregados familiares wakulaga mais pobres. A dona Assa deve rondar os 50 anos mas parece muito mais velha. Vive numa pequena cabana (menos de 15 m2) juntamente com a sua filha adulta, que é deficiente tanto física como mentalmente, e três pequenos netos. A dona Assa não está de boa saúde e já não consegue cultivar a machamba da família. A sua filha também não é capaz de fazer qualquer trabalho agrícola. Deste modo, a única forma de alimentar a família é pedir ajuda aos membros da comunidade Refeição do dia de uma família wakulaga pobre vizinhos. Por vezes, um dos vizinhos mais próximos toma a iniciativa de levar alguma comida à família da dona Assa. Nesses dias ela não precisa de ir mendigar, mas também há dias em que ninguém ajuda. Nessas ocasiões, a dona Assa dirige-se a um dos moínhos locais para recolher farelo deixado pelas pessoas que aí moem o seu milho e o seu trigo. A família alargada oferece uma importante rede de apoio; os membros da família têm uma obrigação moral e social de ajudar os seus parentes pobres. Para isso é importante viver próximo da família. De acordo com o estudo conduzido no contexto da primeira Constatação da Realidade, 15% dos agregados familiares entrevistados em Majune recebem alguma forma de ajuda dos vizinhos ou de membros da família. Mas também há limites para o apoio que a família pode oferecer. A dona Rosa (wakulaga) vive juntamente com os seus três filhos na povoação de Niputa, próximo de Malila. Tal como a maioria das pessoas pobres que encontrámos em Majune, também a dona Rosa é aleijada. Como já mencionado, partiu um pé durante a guerra e nunca foi tratada. Dada a sua deficiência, a dona Rosa não é capaz de cultivar uma machamba inteira mas sim um pequeno terreno que produz alimentos suficientes para cerca de quatro meses. No resto do ano, a dona Rosa vive das contribuições da sua irmã e do marido desta que vivem na casa ao lado. A família da irmã da dona Rosa está em melhor situação, dado que são dois adultos saudáveis a trabalhar para o agregado familiar. No entanto, eles também vivem da sua machamba e só podem ajudar a dona Rosa com alguns produtos excedentes. Isso significa que durante a maior parte do ano a dona Rosa e os seus filhos comem apenas uma refeição diária. Apoio colectivo A maior vulnerabilidade é enfrentada pelos agregados familiares formados por um adulto solteiro que não tem parentes com quem possa contar. O senhor Paulo (mazikine) é um viúvo idoso que vive sozinho em Malila. Quando era mais novo, o senhor Paulo costumava trabalhar como extensionista para um produtor privado de algodão. Mudou-se várias vezes, até para o Zimbabwe e Malawi, à procura de uma vida melhor. Onde quer que estivesse, continuava a trabalhar na produção de algodão. Nessa época, diz o senhor Paulo, a sua vida era boa. Tinha o suficiente para comer e nunca precisou da ajuda de outras pessoas. No Malawi, o senhor Paulo casou e teve quatro filhos. Passados anos, a sua filha mais velha casou. Depois a esposa do senhor Paulo adoeceu subitamente e faleceu e algum tempo mais tarde ele adoeceu também. As suas pernas foram perdendo a força e tornou-se-lhe difícil mover-se. Não podia continuar a trabalhar e foi morar com os seus filhos mais novos na casa da sua filha. Mas o novo marido da filha não estava disposto a sustentá-lo. Foi 30 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE então que o senhor Paulo decidiu voltar para Moçambique, embora os seus filhos ficassem no Malawi. Não nos explicou a razão da sua decisão. Provavelmente desejaria morrer na sua terra natal para ser enterrado junto dos seus antepassados. Desde que regressou a Malila, o senhor Paulo diz que tem dependido da ajuda de outras pessoas. Longe dos seus filhos ou de outros parentes próximos, o senhor Paulo não pode contar com muita ajuda. Mas, contra todas as probabilidades, o senhor Paulo recebeu realmente formas extraordinárias de ajuda por parte dos membros da comunidade de Malila. Inicialmente, sob a liderança do Presidente do Conselho Consultivo local foi construída uma casa para o senhor Paulo. É uma construção pequena e nesta altura em estado precário, mas é de qualquer modo maior do que muitas outras casas da povoação. Os membros da comunidade também lhe construíram uma casa de banho exterior mas esta desmoronou-se já há algum tempo. O Presidente do Conselho Consultivo recolhe regularmente dos membros da comunidade alguma comida para o sustentar. O senhor Paulo reconhece que a comunidade tem cuidado bem dele. Na realidade, é notável a capacidade de uma comunidade tão pobre mobilizar uma ajuda colectiva tão extensa – e mesmo assim ainda não é suficiente para prover o senhor Paulo de condições de vida decentes. A maior parte das vezes, o senhor Paulo come apenas uma refeição por dia. Desde que a sua casa de banho exterior caiu ele tem tido de usar as latrinas dos seus vizinhos. Dado não ser capaz de ir buscar água, só raramente toma um banho. O senhor Paulo está doente e sofre de grandes dores no peito. Não é capaz de se deslocar sozinho até ao posto de saúde, que fica a 2,5 km de distância, e ninguém o levou lá. A boa vontade da comunidade não é suficiente para responder às muitas necessidades do senhor Paulo. Os recursos são certamente escassos, mas mais importante é que a ajuda não é suficientemente bem organizada para ser sustentável a longo prazo. Parece que a ajuda está concentrada em muito poucas pessoas. E ao mesmo tempo, podemos perguntar-nos porque é que o apoio não é igualmente distribuído entre todos os necessitados. Acesso a e relevância dos serviços públicos Como já mencionado, os serviços de segurança social em Majune são insuficientes. De acordo com o nosso estudo, 2,5% dos entrevistados (ou seja 3 respondentes) recebem assistência social fornecida pelo governo. Das nossas famílias foco, a dona Assa (wakulaga) é a única que recebe apoio do governo, providenciado através do INAS na forma de 100 Mt (USD 3,7) por mês. Às vezes, diz ela, há demoras no pagamento que podem durar vários meses, mas quando recomeça a receber o dinheiro, o INAS paga-lhe retroactivamente. A ajuda recebida não é suficiente para cobrir as necessidades da dona Assa e da sua família durante um mês inteiro, mas ajuda a aguentar algum tempo. Além disso, diz a dona Assa, ela põe de parte 10 Mt do subsídio para usar em caso de doença. Quando o dinheiro acaba, a dona Assa volta a mendigar. Em Majune, os outros serviços sociais públicos englobam serviços de saúde e educação. O Governo introduziu várias medidas com o fim de aumentar o uso dos serviços públicos, as quais incluem a abolição de propinas escolares ao nível de escola primária e adoptou taxas simbólicas no sector da saúde. Mas serão estas medidas suficientes para permitir que os pobres tenham acesso aos serviços públicos? De acordo com o Director Distrital de Saúde, Mulher e Acção Social, as pessoas pobres decidem procurar os serviços de saúde numa fase muito tardia. “Eles pensam que têm de pagar e por isso preferem usar a medicina tradicional,” explica ele. As nossas famílias foco mais pobres confirmam a explicação do Director. Mas, para ela, a distância física até ao centro de saúde é um obstáculo pelo menos tão significativo como a expectativa do pagamento. O senhor Paulo está simplesmente demasiado fraco para ir pelo seu pé ao centro de saúde. O senhor Cassamo, que é coxo e caminha com a ajuda de um bastão de madeira, diz que leva um dia inteiro a percorrer, ida e volta, os 2,5 km até ao centro de saúde. O mesmo se aplica à senhora Rosa, cujo pé aleijado a obriga a caminhar devagar e penosamente. E durante a época das chuvas a estrada de areia até Malanga torna-se ainda 31 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE mais difícil para ela. Assim, os agregados familiares mais pobres e os que são fisicamente incapacitados muitas vezes não têm outra opção que não seja tomarem ervas localmente disponíveis e ter esperança em melhores dias. Mas a nossa surpresa é grande quando a dona Assa diz que a sua filha deficiente tinha ido ao centro de saúde de Malanga para dar parto. Ela levou também aí o seu bebé a um controlo pós-natal – tudo gratuito. O dinheiro pode afinal ser o factor mais decisivo quando se trata de procurar o serviço de saúde. A procura de serviços de educação parece ser uma questão mais complexa. Para muitas famílias wakulaga que produzem o seu sustento através da agricultura de pequena escala, cada par de mãos é necessário para maximizar a produção de comida. Mandar os filhos à escola significa que a família fica com menos mão-de-obra nos campos. Assim, a senhora Rosa (wakulaga) por exemplo proibiu a sua filha de ir à escola. Devido à sua própria deficiência física, teria muita necessidade da ajuda da sua filha na pequena machamba da família, mas a filha quer ir à escola. “Há alguém da família que tivesse morrido por não ter estudado?” perguntou a dona Rosa à sua filha. A sobrevivência diária da família depende da produção agrícola. Os possíveis benefícios a longo prazo que a família podia obter através da educação dos filhos estão demasiado distantes de poderem aliviar o sentimento agudo da fome. Além disso, algumas pessoas em Malila argumentam que “os jovens que vão à escola nunca mais querem trabalhar na machamba”. E, dado não haver oportunidades de emprego no distrito, a educação da juventude parece não trazer quaisquer benefícios. Isto pode explicar porque é que tantas pessoas com quem falámos parecem um tanto indiferentes em relação à educação dos seus filhos. Até uma das nossas famílias wakupatha panandi permite que a sua filha de 6 anos fique em casa e explica simplesmente que “ela [a filha] não quer ir à escola”. A única pessoa que encontrámos e que mostra um profundo interesse em que os seus filhos vão à escola é a senhora Glória (wakupatha panandi), que mandou as suas duas filhas mais velhas para Lichinga quando ainda eram pequenas para garantir o seu acesso à melhor educação possível. Na sua opinião, a qualidade da escola primária local não é suficientemente boa. A senhora Glória quer que as suas filhas façam todo o percurso até à universidade – coisa que ela não pôde fazer. Resumindo, em Malila a ajuda aos pobres assenta principalmente nos membros da comunidade que podem, isolada ou colectivamente, providenciar algum tipo de apoio para os mais pobres. A resposta dada pelos serviços públicos é, na maioria dos casos, insuficiente em termos de conteúdo e limitada em termos de cobertura. 32 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE 4. DINÂMICA DA POBREZA E MOBILIDADE SOCIAL Revendo a situação das nossas famílias foco mais pobres, podem-se facilmente identificar vários denominadores comuns. Em primeiro lugar, os chefes de agregados famíliares pobres nunca foram à escola nem dão muita importância à educação dos seus filhos. Todas as nossas famílias pobres são chefiadas por apenas um adulto e o nível de vulnerabilidade de um agregado familiar chefiado por um adulto solteiro – independentemente do sexo do adulto – é grande. Na maioria dos casos, viveram a sua vida cultivando a terra mas, com o avanço da idade ou devido a deficiência física, a sua capacidade de efectuar trabalho agrícola reduziu. Consequentemente, não são mais capazes de sustentar a sua vida e dependem da ajuda de outras pessoas. As suas redes de família alargada ou são fracas ou não existem e por isso vivem da caridade oferecida pelos membros da comunidade. Em resumo, os principais factores que alimentam a pobreza em Malila parecem ser: (i) agregado familiar chefiado por um adulto solteiro; (ii) incapacidade permanente/doença crónica, e (iii) idade avançada – por esta ordem. Qualquer destes três factores aumenta enormemente a vulnerabilidade de um agregado familiar; uma combinação de dois ou mais factores numa família multiplica a vulnerabilidade. Ao mesmo tempo, é notável que algumas pessoas sejam capazes de encontrar um caminho para sair da pobreza. Todos os chefes dos nossos agregados familiares mais ricos nasceram em famílias pobres, mas acumularam riqueza pouco a pouco e gradualmente ascenderam na hierarquia sócio-económica. Uma característica que é comum em todas as nossas famílias mais ricas é o nível comparativamente elevado de educação formal atingido pelos chefes de agregado familiar. Além disso, todos viajaram consideravelmente e viram diferentes partes do país. Tanto a educação formal como as experiências de viagem tendem a desenvolver um certo nível de auto-confiança e de coragem para se libertarem das práticas económicas localmente dominantes e tentarem estratégias alternativas de geração de rendimento. E quanto mais diversificam as suas fontes de rendimento, mais longe ficam da pobreza. Todos os chefes de agregados familiares mais ricos começaram, quando ainda jovens adultos, a meter-se nos negócios, em oposição à agricultura e, deste modo, tiveram muitos anos à sua frente para criar prosperidade. Todos eles ergueram os seus negócios através da prestação de serviços nas áreas onde a procura local era considerável. Mais estruturalmente, a mobilidade social ascendente numa comunidade pobre como Malila é desafiada por um lado pela limitada educação e oportunidades de emprego e, por outro lado, pelo baixo poder de compra. Para se fazer ali negócio sustentável, é necessário compreender onde estão as necessidades locais. Nesse contexto, é preciso muita paciência e persistência para criar riqueza. Por outro lado, não há muitos competidores. Se alguém for capaz de pôr um negócio a funcionar, pode até ser mais fácil prosperar nesse contexto do que num cenário urbano agitado. É provável que o acesso à estrada melhorada para Mandimba e Cuamaba traga mais actividades comerciais para Majune e impulsione a economia local. Nessa situação, as nossas famílias ricas enfrentarão novos desafios através de uma competição crescente e terão eventualmente de renovar uma vez mais as suas estratégias de rendimento a fim de não perderem terreno. Nos próximos anos as Constatações da Realidade seguirão a sua capacidade para enfrentar as novas circunstâncias e permitir-nos-ão aprender mais sobre as possibilidades de sair da pobreza e ascender na hierarquia sócio-económica. 33 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE LISTA DE LITERATURA Documentos do Governo INE (2008) Estatísticas do Distrito de Majune. Maputo: Instituto Nacional de Estatística. INE (2009b). Recenseamento Geral de População e Habitação 2007. Maputo: Instituto Nacional de Estatística. INE (2010). Inquérito sobre o Orçamento Familiar 2008/09. Quadros Básicos. Maputo: Instituto Nacional de Estatística. INE (2011). Agenda Estatística 2011. Maputo: Instituto Nacional de Estatística. Imprensa Nacional de Moçambique (2006). Decreto nº 6/2006 de 12 de Abril Estabelece O Estatuto Orgânico do Governo Distrital. Maputo: Imprensa Nacional. Imprensa Nacional de Moçambique (2003): Lei nº. 8/2003 de 19 de Maio Estabelece o Quadro Legal dos Órgãos do Estado. Maputo Imprensa Nacional. MISAU (2005). Moçambique. Inquérito Demográfico e de Saúde 2003. Maputo: Ministério da Saúde. Niassa Åkesson, Gunilla e A. Nilsson (2006). National Governance and Local Chieftancy. A multilevel power assessment of Mozambique from a Niassa perspective. Maputo: Embaixada da Suécia e Sida. Concern (2011). Relatório Anual de Actividades 2010. Lichinga: Concern Universal Moçambique. GdN (2007). Plano Estratégico Provincial 2007-2017. Niassa. Lichinga: Governo da Província do Niassa. GdN (2011a). Plano Económico e Social de 2011. Niassa. Lichinga: Governo da Província do Niassa. GdN (2011b). Plano Económico e Social de 2010. Relatório Balanço Anual 2010. Niassa. Lichinga: Governo da Província do Niassa. GdN/DdM (2007). Plano Económico e Social para 2007. Majune: Governo do Niassa (Distrito de Majune). GdN/DdM (2010). Relatório-balanço do ano de 2010. Majune: Governo do Niassa (Distrito de Majune). GdN/DdM (2011). Plano Económico e Social para 2011. Majune: Governo do Niassa (Distrito de Majune). GdN/DdM (2011). Relatório-balanço referente ao Primeiro Trimestre de 2011. Majune: Governo do Niassa (Distrito de Majune). MAE (2005). Perfil do distrito de Majune 2005. Maputo. Metier Consultoria & Desenvolvimento, Lda. Outros Documentos Cunguara, Benedito e Joseph Hanlon (2010). Poverty is Not Being Reduced in Mozambique. Crisis States Working Papers No. 2. Londres: London School of Economics. GRM International (2008, 2009, 2010). Bangladesh Reality Check. Annual Reports. Estocolmo: Autoridade Sueca para o Desenvolvimento Internacional. ORGUT (2011). Constatação da Realidade em Moçambique – Relatório Inicial. TVEDTEN Inge, Paulo Margarida, Tuominen Minna (2010). A woman should not be the boss when a man is present-Gender and Poverty in Southern Mozambique. Noruega: Chr. Michelsen Institute. 34 1A CONSTATAÇÃO DA REALIDADE EM MOÇAMBIQUE, 2011: SUB-RELATÓRIO, DISTRITO DE MAJUNE ANEXO I DADOS SELECCIONADOS SOBRE AS FAMÍLIAS FOCO Nome (fictício) Categoria sócioeconómica Estado civil Composição do agregado familiar Sr. Fernando wakupatha Casado, 2 esposas Sra. Gloria wakupatha panandi Casada O Sr. Fernando tem 2 famílias e sustenta 2 famílias, uma em Lichinga e uma em Majune. Tem 16 filhos e divide o seu tempo igualmente por ambas as famílias. A Sra. Glória vive em Malila com o seu marido e um filho de 3 anos. Duas filhas mais velhas frequentam a escola em Lichinga e vivem com o cunhado da Sra. Glória. Sr. Samuel wakupatha panandi Enviuvou e voltou a casar Dona Rosa wakulaga Divorciada Dona Assa wakulaga Viúva Sr. Cassamo mazikine Divorciado Sr. Paulo mazikine Viúvo O Sr. Samuel foi casado duas vezes. A sua primeira mulher morreu e os seus X filhos vivem actualmente em Lichinga, sustentados pelo Sr. Samuel. O Sr. Samuel voltou a casar e vive em Malila com a sua jovem esposa, o filho de ambos e uma filha de um anterior casamento da sua esposa, além de uma sobrinha também da sua esposa. A Dona Rosa é chefe do agregado familiar e vive com os seus três filhos. A Dona Assa é chefe do agregado familiar. Vive com a sua filha adulta que é deficiente e 3 netos (filhos das suas filhas). O Sr. Cassamo vive sozinho. A sua exesposa vive em Malila e ele tem um filho adolescente que estuda em Muembe. O Sr. Paulo vive sozinho. Tem 4 filhos, todos a viverem no Malawi. Habilitações literárias do chefe do agregado familiar Antiga 3ª Classe (equivalente à actual 6ª Classe) 6ª Classe (esposa) 5ª Classe Nenhuma Nenhuma Fonte de rendimento Loja/bar, pensão, empresa de construção, serviços de transporte, distribuição de livros escolares Serviços de transporte (marido), venda de crédito de telemóvel, carregamento de telemóveis, projecção pública de jogos de futebol na TV contra pagamento Serviços de transporte Machamba, recebe ajuda da família da irmã Recebe ajuda dos vizinhos Nenhuma Recebe ajuda dos vizinhos, reparação de baldes Sem informação Recebe ajuda dos vizinhos 35