Cadernos BDMG
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CADERNOS BDMG Publicação do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais Departamento de Planejamento e Programas N. 16 | ABRIL | 2008 Belo Horizonte Periodicidade Semestral ISSN 1806-3187 Cad. BDMG Belo Horizonte n. 16 p. 1-74 abr. 2008 2 CADERNOS BDMG Revista semestral editada pelo Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais S.A. – BDMG BDMG Conselho de Administração Itamar Augusto Cautiero Franco Presidente Márcio Araújo de Lacerda Vice-Presidente Antonio Augusto Junho Anastasia Ângela Maria Prata Pace Silva de Assis Fábio Proença Doyle Fuad Jorge Noman Filho Paulo de Tarso Almeida Paiva Rondon Pacheco Simão Cirineu Dias Diretoria Paulo de Tarso Almeida Paiva Presidente José Augusto Trópia Reis Vice-Presidente Fernando Lage de Melo Jorge Luiz Schmitt-Prym Ronaldo Lamounier Locatelli Tancredo Augusto Tolentino Neves Editor Técnico Jornalista Maria José Goulart Taucce Reg. Nº 1991 – DRT-MG Foto Capa Renata Carneiro de Oliveira Estagiária de Jornalismo – BDMG Editoração IDM Composição e Arte Impressão XXXXXXXXXXXXXXXXXXX Endereço para Correspondência CADERNOS BDMG D.PP Rua da Bahia, 1600 – 30160-907 Belo Horizonte – MG [email protected] Coordenação Editorial José Augusto Trópia Reis Paulo Eduardo Rocha Brant Juliana Rodrigues de Paula Chiari Mônica de Matos Vieira Gustavo Geaquinto Fontes Marcelo Meira de Jesus Maria Angélica F. Messina Ramos Cadernos BDMG. – N. 1 (mar. 1968)– v. : il. AS IDÉIAS E OPINIÕES EXPOSTAS NOS ARTIGOS SÃO DE RESPONSABILIDADE DOS AUTORES, NÃO REFLETINDO NECESSARIAMENTE A OPINIÃO DO BDMG. É PERMITIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DOS ARTIGOS DESTA REVISTA, DESDE QUE CITADA A FONTE. . –Belo Horizonte : BDMG, 1968– Semestral Publicado pelo: Departamento de Planejamento, Programas e Estudos Econômicos do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais. Nome alterado para, Departamento de Planejamento e Programas. Suspenso em 1968 no n. 3 até 2001. Reiniciou em jan. 2002 no n. 4. ISSN: 1806-3187 1. Desenvolvimento econômico I. Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais. Departamento de Planejamento e Programas. CDU 330.34(05) Catalogação na fonte: Biblioteca do BDMG 3 APRESENTAÇÃO Com o objetivo de gerar e disseminar conhecimento que contribua para potencializar a inteligência competitiva do estado, o Banco de Desenvolvimento do Estado de Minas Gerais S.A. publica semestralmente a revista Cadernos BDMG, já em seu número 16. Essa é uma das iniciativas do Banco que busca manter elevado nível de conhecimento da realidade econômica e social de Minas. O tema abordado nesta edição é a infra-estrutura de logística de transporte. O sistema de transportes é de grande importância para o crescimento econômico, sobretudo em um país de dimensões continentais como o Brasil. No entanto, devido à quase três décadas de baixos investimentos públicos na área, as deficiências e gargalos da logística de transportes brasileira constituem-se em elevado custo e forte obstáculo ao crescimento do setor produtivo nacional, sendo um componente significativo do Custo Brasil. Em Minas Gerais, importantes iniciativas em prol da melhoria da infra-estrutura de transportes do Estado estão sendo implementadas, a exemplo do ProMG, do ProAcesso e da realização da primeira PPP rodoviária do país, a MG-050. Destaca-se, ainda, a formulação do Plano Estratégico de Logística de Transportes – PELT-Minas, que constitui valioso instrumento de suporte técnico ao Governo de Minas, permitindo o embasamento e otimização de suas decisões, presentes e futuras, referentes a esse setor. Nesse contexto, o primeiro artigo, “Parcerias público-privadas no Brasil - o papel didático da lei no estado de Minas Gerais”, de autoria do advogado Marco Aurélio de Barcelos Silva, discorre sobre um novo arcabouço regulatório aplicado às contratações públicas, denominado de parcerias público-privadas (PPP). O objetivo consiste em salientar o grande potencial que este tipo de instrumento tem sobre o incremento da capacidade de oferta de bens e serviços públicos aos cidadãos, inclusive no setor de infra-estrutura rodoviária. O autor também descreve a lei mineira de PPP, destacando seu pioneirismo no país e sublinhando seu papel de grande utilidade para a compreensão do conceito e das normas gerais sobre este instrumento jurídico. O segundo artigo, “Avaliação dos impactos econômicos das políticas de infraestrutura de transporte no Brasil: uma aplicação a duas rodovias federais em Minas Gerais”, de autoria dos economistas Eduardo Amaral Haddad, Fernando Salgueiro Perobelli e Edson Paulo Domingues e do engenheiro Maurício Rezende Aguiar, busca 4 avaliar os efeitos econômicos regionais decorrentes de mudanças na política de logística de transportes em Minas Gerais. Utiliza-se um modelo inter-regional de equilíbrio geral computável para realizar uma série de simulações dos impactos estruturais, em Minas Gerais e no Brasil, que poderiam resultar das melhorias que estão sendo propostas para a BR-262 (nos trechos Betim – Nova Serrana e Nova Serrana – Araxá) e para a BR-381 (no trecho Belo Horizonte – Governador Valadares), no âmbito do Plano Estratégico de Logística de Transportes – PELT-Minas. Paulo de Tarso Almeida Paiva Presidente 5 SUMÁRIO Parcerias Público-privadas no Brasil – O papel Didático da Lei do Estado de Minas Gerais Marco Aurélio de Barcelos Silva ................................................................................................ 7 Avaliação dos impactos econômicos das políticas de infra-estrutura de transporte no Brasil: uma aplicação a duas rodovias federais em Minas Gerais Eduardo Amaral Haddad, Fernando Salgueiro Perobelli, Edson Paulo Domingues e Maurício Rezende Aguiar .............................................................. 29 6 7 PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NO BRASIL – O PAPEL DIDÁTICO DA LEI DO ESTADO DE MINAS GERAIS MARCO AURÉLIO DE BARCELOS SILVA1 1 Graduado em Direito pela UFMG. Especialista em Direito Público pela PUC/Minas. Especialista em Finanças pelo IBMEC. Mestrando em Direito Administrativo pela UFMG. Ex-assessor jurídico e diretor da Unidade PPP do Estado de Minas Gerais. Empreendedor público junto ao Programa Estado para Resultados da Vice-Governadoria do Estado de Minas Gerais. Professor substituto de Direito Administrativo na UFMG. Professor do Curso de Pós-Graduação da Escola de Contas Prof. Pedro Aleixo, do Tribunal de Contas de Minas Gerais. 8 9 INTRODUÇÃO O Brasil experimentou, ainda recentemente, a instituição de um novo arcabouço regulatório sobre o tema das contratações públicas. É certo que iniciativas destinadas a incrementar a capacidade de oferta de bens e serviços públicos aos cidadãos, mediante a descentralização de responsabilidades tipicamente estatais e a contratualização de obrigações junto ao mercado, têm registro histórico já consolidado na realidade nacional. Aqui, no entanto, falamos especificamente das parcerias público-privadas (PPPs), considerando-se a nomenclatura e as características atribuídas, pela lei, a um conjunto específico de arranjos negociais entre o Poder Público e a iniciativa privada. As PPPs, no âmbito federal, foram disciplinadas pela lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004 – alvo de um intenso debate legislativo, para cuja redação final colaboraram expressivos setores da sociedade civil organizada.1 Esse diploma, embora de abrangência nacional (vale lembrar que a lei federal nº 11.079 instituiu “normas gerais” sobre a contratação de parcerias público-privadas, ou seja: definiu regras de observância obrigatória tanto para a União, quanto para Estados e Municípios), não é o primeiro instrumento normativo a tratar do tema. Um pouco mais de um ano antes, em 16 de dezembro de 2003, era publicada a lei nº 14.868 do Estado de Minas Gerais (Lei Mineira de PPP), essa, a primeira a mencionar a terminologia e os conceitos e a primeira a instituir um programa de parcerias público-privadas no país.2 Nos termos da Mensagem nº 86 do Poder Executivo Estadual, de 09 de julho de 2003, que encaminhou o projeto de lei nº 889/2003 à Assembléia Legislativa de Minas Gerais, a instituição do Programa de Parcerias Público-Privadas de Minas deu-se com o propósito de, entre outros, “fomentar a colaboração da iniciativa privada com o Poder Público estadual na realização de cometimentos de interesse público”.3 1 2 3 O projeto de lei nº 2546/2003 tramitou por mais de um ano, desde a sua propositura pelo Poder Executivo, até a aprovação pelo Congresso Nacional. O caminhar legislativo foi acompanhado de perto por vários representantes de alguns dos Estados da Federação (incluindo-se o Estado de Minas Gerais) e de municípios, bem como por juristas, professores e representantes de uma plêiade de agentes econômicos, dentre associações de classe, sindicatos, empreiteiros, instituições financeiras e demais interessados da sociedade civil organizada. O texto do projeto sofreu várias modificações e podem-se constatar sensíveis diferenças entre a redação original do projeto e aquela sancionada pelo Presidente Luis Inácio Lula da Silva, em dezembro de 2004. Outros Estados da Federação, como São Paulo (lei estadual nº 11688, de 19 de maio de 2004) e Santa Catarina (lei estadual nº 12930, de 4 de fevereiro de 2004) também promulgaram suas leis de parcerias público-privadas antes mesmo da União, a exemplo do Estado de Minas Gerais. Cf. publicação do Diário do Legislativo, de 12 de julho de 2003. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 7-28, abr. 2008 10 Com efeito, mais que propor a adoção de um conjunto de práticas renovadas para a realização de empreendimentos e serviços públicos por meio da parceria com particulares, a Lei Mineira de PPP serviu – e ainda serve – de importante instrumento hermenêutico para a compreensão do instituto das PPP no Brasil, assim como para a compreensão do contexto em que elas foram adotadas e para a compreensão acerca de sua natureza jurídica. Observando-se a estrutura lógica do conteúdo disciplinado no texto da Lei Mineira de PPP, é possível afirmar haver, de um lado, normas de caráter “orgânico-formal” e, de outro, normas de caráter “material” atinentes ao Programa de Parcerias Público-Privadas por ela instituído.4 Normas de caráter orgânico-formal compreendem aquelas responsáveis pelas imbricações promovidas na estrutura organizacional da Administração Pública, através do que foram repartidas as competências e fixados os papéis de órgãos e entidades no planejamento e na execução do Programa de PPP. Normas de cunho material são aquelas que tratam das especificidades metodológicas e da tentativa de aprimoramento dos instrumentos contratuais existentes, disponibilizando-se à Administração Pública arranjos alternativos ao incremento da oferta de infra-estrutura e da prestação de serviços públicos, por meio da ativa participação de particulares. A hipótese sustentada neste artigo é a de que a Lei Mineira e o Programa de PPP do Estado de Minas Gerais, ao inaugurarem essa conformação normativa e ao trazerem os desdobramentos práticos dela decorrentes, cumprem um papel de grande utilidade para a compreensão do conceito da parceria público-privada ainda em formação no Brasil. Sob o prisma da lei estadual nº 14.868/03, é possível analisar alguns dos principais impactos gerados pela adoção do modelo da PPP na realidade jurídico-administrativa pátria, seja no que diz respeito ao regime das concessões de serviços públicos, seja no que diz respeito à demanda resultante por uma postura renovada do Estado frente aos negócios realizados com a iniciativa privada em prol dos interesses dos cidadãos. 4 Esse modelo estrutural não teria se limitado à própria lei estadual nº 14868/03, sendo encontrado em outros modelos legislativos instituídos posteriormente pelos demais entes da Federação. Em decorrência desse fenômeno, construiu-se, no país, uma relativa uniformização das características e dos conceitos atinentes ao tema das PPPs, que resultaram na conformação básica do arranjo brasileiro de PPPs rematada pela legislação federal. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 7-28, abr. 2008 11 1. APRESENTANDO O PANO DE FUNDO DO RACIOCÍNIO 1.1. Parcerias público-privadas – significado e significante Em se tratando de um ensaio técnico, cumpre registrar os melhores esforços aqui adotados no sentido de se afastar o viés ideológico recorrentemente lançado sobre a acepção “parceria público-privada”. Assim sendo, e respeitando-se todas as críticas até então erigidas contra o instituto, 5 assume-se não haver a anunciada incongruência entre o nome concedido pelo legislador e o respectivo arranjo criado pela legislação brasileira. Na realidade, o termo “parceria” empregado na lei e por vezes referenciado na literatura estrangeira6 não quis disfarçar a natureza contratual – e, portanto, sinalagmática – dos ajustes celebrados sob o regime de uma PPP. Tanto isso é verdade que a legislação mineira mencionou serem instrumentos de parceria público-privada mecanismos “contratuais” já existentes7 , ao passo que a lei federal, por sua vez, ao tratar do assunto conceituou uma PPP como um legítimo “contrato administrativo” de concessão.8 9 5 6 7 8 9 Kioshi Harada, por exemplo, acreditando serem antagônicos o interesse público e o interesse privado, afirma ser promíscua a relação entre um e outro em uma PPP (HARADA, Kyoshi. Parcerias Público-Privadas. Texto disponível no endereço eletrônico http://www.haradaadvogados.com.br. Acesso em: 02 de agosto de 2006). O mesmo autor, em outra oportunidade, aduz que setor público e setor privado não se confundiriam, estando informados por regimes jurídicos diferenciados, contrapostos em termos de princípios informadores. Daí porque, ainda para ele, seria “injurídica e ilegítima, para dizer o menos, a deliberada confusão que se vem fazendo ao longo do tempo, atingindo o ápice nos dias atuais, mergulhados em crise político-institucional”, nela inseridas as terceirizações e as parcerias público-privadas (HARADA, Kyoshi. Confusão entre o Direito Público e o Direito Privado. Sobre o protesto de certidões de dívida ativa. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 854, 4 nov. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7552>. Acesso em: 29 de julho de 2006). Celso Antônio Bandeira de Mello, por sua vez, também revelando postura crítica sobre o instituto, afirma que as parcerias público-privadas seriam um instituto controvertido forjado na Inglaterra, constituindo a “crème de la crème” do néo liberalismo, haja vista o “apaixonado desvelo na proteção do grande capital e das empresas financeiras” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. As parcerias público-privadas. Texto disponível no endereço eletrônico http://www.migalhas.com.br. Acesso: em 25 de julho de 2006). O nome PPP é oriundo, de fato, da experiência inglesa, onde se traduz na expressão: “public-private partnership”. A lei estadual nº 14868/03, em seu art. 11, dispôs serem “instrumentos” de parcerias público-privadas as concessões de serviços públicos precedidas ou não de obra pública, as pemissões de serviços públicos, bem como “outros contratos ou ajustes administrativos”. Diz o art. 2º da lei federal nº 11079/04: “Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa”. Sobre as concessões, autores antigos da literatura especializada já reconheciam o seu caráter imanentemente contratual. Na obra “Concessão tarifas interêsse público”, Nelson Rodrigues Silva, ao transcrever as peças processuais de ação cominatória proposta pela “The San Paulo Gas Company” contra o Município de São Paulo, sustentava posição segundo a qual seria “princípio fora de qualquer discussão que a concessão é um contrato de direito público e que, como tal, tem duas espécies de cláusulas que o compõem: cláusulas contratuais e cláusulas regulamentares”. A causa de pedir da ação residia no desejo da companhia de gás em promover aumento das tarifas, sob a alegação de aumento dos preços de matéria prima, a hulha estrangeira (in: SILVA, Nelson Rodrigues. Concessão tarifas interêsse público. Justo preço de uma utilidade pública é aquele obtido pela apuração exata do custo de produção, acrescido de uma remuneração razoável do capital efetiva e prudentemente empregado pelo concessionário. Publicação da Prefeitura do Município de São Paulo, 1945. p. 32). Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 7-28, abr. 2008 12 A existência de uma prestação ofertada por uma parte e a exigência de contraprestação junto à outra não pode ser motivo suficiente para afirmar haver, entre ambas, propósitos repelentes. Da lógica subjacente ao mecanismo de um contrato, vê-se que contratante e contratado buscarão, na verdade, ajustarem-se à satisfação do interesse contraposto, pois disso dependerá a satisfação do seu próprio interesse. Por conseqüência, em uma parceria público-privada, embora esteja voltado em última análise para a obtenção do retorno sobre o capital investido, o parceiro privado terá de realizar adequadamente a sua prestação para fazer jus ao pagamento correspondente, tendo de atender aos objetivos estipulados pela parte contrária – isto é, o Poder Concedente. É no interesse do Estado (e logo, no cumprimento das condições que realizem a satisfação de demandas da coletividade) que o particular contratado terá necessariamente de se vincular. Nessa confluência imediata de interesses revelar-se-ia, ao que se entende, o acerto do legislador quanto à adoção do termo “parceria”. 1.2. Sentido amplo e sentido estrito do vocábulo “parceria público-privada” Outro aspecto merecedor de destaque é o da abrangência do sentido: “parceria públicoprivada”. Visto que uma PPP é um contrato, há de se identificar quais espécies de arranjos se encaixariam com justeza ao conteúdo da expressão, tendo-se em conta a acepção consagrada na legislação brasileira. Com efeito, o termo parceria público-privada comporta uma plêiade de significações, sendo, no ensinamento do professor carioca Marcos Juruena Villela Souto, impreciso e podendo relacionar desde as concessões e permissões comuns, até outros tipos de terceirizações, acordos-de-programa, termos de parceria, contrato de gestão, além de consórcios e convênios.10 Sob essa abrangência mais vasta, está-se diante do “sentido amplo” do vocábulo parceria público-privada, em que se consideram todas as formas de associação entre os setores público e privado para a consecução de fins de interesse público.11 Não é essa, porém, a nuança a interessar neste estudo. Dentre as diversas fórmulas possíveis, cumpre pinçar as características específicas daquilo que se seria o “conceito estrito” de uma PPP. Esse esforço será empreendido nos capítulos subseqüentes, e dele resultará o sentido doravante empregado para o termo. 10 11 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo das parcerias. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005. p. 30. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. Concessão, permissão, franquia, terceirização e outras formas. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 33. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 7-28, abr. 2008 13 2. DECODIFICANDO O CONTRATO DE PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA 2.1. O arquétipo legal dos contratos de PPP Assumida a missão de se identificarem as características próprias de um contrato de parceria público-privada na legislação brasileira (o “sentido estrito” de uma PPP), entram em cena as contribuições da lei estadual nº 14.868/03 para o desenvolvimento de reflexões acerca da natureza do instituto, lembrando-se ter sido esse diploma o primeiro a existir no país sobre o tema. Sem embargo, a competência para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a administração pública direta e indireta de todas as esferas de governo, é da União (vide o art. 22, XXVII, da Constituição da República de 1988). Essa circunstância da realidade jurídica brasileira, ao tempo em que ainda não era promulgada a lei federal nº 11.079/04 (a Lei Federal de PPP), levou ao surgimento de algumas dúvidas atinentes à constitucionalidade das leis dos estados que se adiantaram a tratar do assunto, como é o caso do Estado de Minas Gerais. A principal dúvida residia na possibilidade de outros entes da Federação, que não a própria União, legislarem sobre uma “nova” modalidade de contratação pública.12 Ocorre, não obstante, que a Lei Mineira de PPP – como de resto, a dos demais Estados da Federação à época – não teve por objetivo criar uma nova modalidade de licitação ou contratação. Ela simplesmente estabeleceu regras já concebidas para serem compatíveis com as leis federais.13 Na legislação de Minas, é possível dizer que parcerias público-privadas representam um “método”. Seria, em última análise, uma nova roupagem atribuída a instrumentos clássicos já utilizados pelo Poder Público, fruto de um esforço de aprimoramento da arquitetura de modelos contratuais existentes.14 12 13 14 Também a lei federal nº 8666, de 21 de junho de 1993 (a Lei de Licitações e Contratos Administrativos), em seu art. 22, § 8º, dispunha ser vedada a criação de outras modalidades de licitação que não aquelas por ela disciplinadas. É o que entende Fernando Dias Menezes de Almeida, professor de Direito da USP, ao comentar, por exemplo, a lei nº 11688/04, do Estado de São Paulo. Para o autor, a Lei Paulista de PPP (também instituída antes da legislação federal) não pretendeu – e nem poderia – ter criado novos tipos contratuais (in: ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. As parcerias público-privadas e sua aplicação pelo Estado de São Paulo. In SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 529). Vera Monteiro, professora da FGV de São Paulo e uma das maiores especialistas do tema no país, afirma que o “modelo PPP” de contratação não seria propriamente novo; do ponto de vista estritamente jurídico, já seria possível cogitar de sua aplicação a partir do arcabouço vigente – o da lei 8987/95, o que teria sido feito pelas leis estaduais precedentes à lei federal nº 11079/04 (cf. MONTEIRO, Vera. Legislação de parceria públicoprivada no Brasil – aspectos fiscais desse novo modelo de contratação. In SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 91). Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 7-28, abr. 2008 14 Uma forma eficaz de ilustrar esse raciocínio decorre da leitura do art. 11 da lei estadual nº 14.868/03. Para a lei, a realização das parcerias público-privadas deveria levar em consideração instrumentos anteriormente concebidos, como o da concessão de serviço público, precedida ou não de obra pública, da concessão de obra pública, da permissão de serviço público e da subconcessão, sem prejuízo de outros contratos ou ajustes administrativos.15 De maneira similar, na lei do Estado de São Paulo a parceria público-privada é definida como o “mecanismo de colaboração entre o Estado e agentes do setor privado”, o que, para alguns autores, vem reforçar a idéia de um legítimo “modus operandi” renovado sobre as fórmulas típicas de contratação existentes no Direito Administrativo.16 Mas não só nos Estados Federados, também na Lei Federal de PPP (que adotou idéias previstas na legislação do Estado de Minas Gerais) é possível extrair-se desdobramento favorável à visão sustentada. Como informa Carlos Ari Sundfeld, professor titular de Direito Administrativo da PUC/SP e um dos responsáveis pelos estudos que redundaram na elaboração do anteprojeto da lei estadual nº 14.868/03, as PPPs teriam o objetivo de complementar a legislação existente no país para viabilizar contratos específicos que, por proibição legal ou insuficiência legislativa, não podiam ser anteriormente realizados.17 Registre-se, nesse sentido, que o legislador federal, no art. 2º da lei nº 11.079/04, definiu expressamente as parcerias público-privadas como contratos administrativos de concessão, consolidando definitivamente a posição de que esses (isto é, os contratos de concessão) seriam o arquétipo jurídico escolhido para a aplicação dos conceitos e das inovações metodológicas surgidas inauguralmente por meio das iniciativas dos estados federados.18 PPPs, assim, seriam em última instância “rótulos” atribuídos a contratos de concessão que apresentassem os princípios, as diretrizes e as metodologias previstas na lei, e para os quais a execução estivesse condicionada à aprovação de um órgão técnico e de um conselho deliberativo adredemente concebido. 15 16 17 18 A mesma idéia pode ser reforçada pelo disposto no art. 12 da Lei Mineira de PPP, segundo o qual os instrumentos de parceria público-privada previstos no art. 11 devem se reger pelas normas gerais do regime de concessão e permissão de serviços públicos e de licitações e contratos. Quanto à Lei Paulista de PPP, vale mencionar novamente o entendimento do professor Fernando Dias Menezes de Almeida, para quem uma parceria público-privada não pode ser um tipo contratual inédito. Para ele, as PPPs seriam um “mecanismo jurídico” passível de se associar a diversos contratos, como os de concessão. (Op. cit. P. 528). SUNDFELD, Carlos Ari. Guia jurídico das parcerias público-privadas. In SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 21. É o que também defende Carlos Pinto Coelho Motta, segundo quem o regime jurídico do contrato administrativo de parceria público-privada se estruturaria a partir da figura jurídica da concessão, expandindo os seus horizontes conceituais. (MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações e contratos. 10. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 1020). Oportuno mencionar, a esse respeito, reflexão da professora titular de Direito Administrativo da USP, Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Para a autora, muitas das novas figuras surgidas no Direito Administrativo ou são institutos velhos renascidos com nova força e sob novo impulso – como a concessão de serviço público; ou institutos velhos que apareceriam com nova roupagem (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 15). É o que aplica ao caso das PPPs. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 7-28, abr. 2008 15 No caso de Minas Gerais, esses elementos (metodologia contratual e posicionamento dos órgãos e entidades envolvidos na formulação de uma política de parceria público-privada) traduziriam o sentido do que acima se nomeou como os aspectos “orgânico-formais” e “materiais” da legislação de PPP no Brasil. É o que se analisará mais tarde neste texto. 2.2. A nova dimensão das concessões brasileiras Conforme tivemos a oportunidade de mencionar, as PPPs brasileiras teriam sido moldadas a partir do “chassis” das concessões de serviços públicos, essas últimas já amplamente difundidas e experimentadas na realidade nacional. Tal constatação, no entanto, não basta em si mesma, devendo ser apontados alguns efeitos importantes originados a partir da taxonomia empregada pelo legislador federal, ao conceituar o contrato de parceria público-privada como espécie do gênero concessão. O primeiro desdobramento resultante desse cenário traduz-se na afirmação de que a legislação de PPP teria promovido uma ampliação sobre o objeto de um contrato de concessão. Tradicionalmente, as concessões no Brasil focaram a possibilidade de transferência, a um particular, da responsabilidade de prestar um “serviço público”, entendendo-se por serviço público uma “utilidade material fruível distintamente por um usuário”.19 Quem arca (ou deveria arcar) com o serviço prestado nesse modelo seria o usuário, por meio de tarifas pagas ao concessionário. Em uma parceria público-privada, no entanto, o trinômio “concessão”, “serviço público” e “tarifa” abre-se de forma a permitir o nascimento de outros arranjos negociais, arquitetados, não obstante, sobre a mesma lógica econômica do modelo anterior. Nesse sentido, permanece-se dizendo que o Poder Público transfere a um particular a responsabilidade pela prestação de uma atividade; essa atividade, porém, não necessariamente há de se confundir com o conceito de serviço público e, muito menos, haverá de ser remunerada por tarifas cobradas de terceiros (os usuários nas concessões de serviços públicos). Como teremos a oportunidade de aprofundar mais adiante, essas atividades integram uma categoria conceitual mais abrangente, passando as concessões operadas em uma PPP a relacionar-se à idéia de verdadeiros “empreendimentos públicos” concedidos. 19 Evidentemente, sabe-se que o conceito de serviço público na doutrina administrativista não é preciso e pode envolver uma vasta gama de atividades. Não pretendemos adentrar na interminável discussão sobre o conteúdo subjacente à expressão “serviços públicos”. Preferimos adotar, portanto, definição inspirada no entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, professor titular de Direito Administrativo da PUC/SP, para quem: “serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público [...]”. (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 612). Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 7-28, abr. 2008 16 Seja como for, prosseguindo na identificação preliminar dos impactos gerados pela legislação das parcerias público-privadas no Brasil, temos, além da ampliação do objeto das concessões, a previsão expressa de garantias às receitas do concessionário. Com efeito, na lei federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 (Lei de Concessões), havia dispositivo cuja redação mencionava a figura de receitas “alternativas” ou “acessórias” às tarifas cobradas dos usuários, nos contratos de concessão de serviços públicos.20 Para alguns autores, esse dispositivo já permitiria a complementação de tarifas pelo Poder Concedente às tarifas, mediante o aporte de recursos orçamentários. Todavia, considerando-se a inexistência de uma regulamentação detalhada, e tendo-se em vista as incertezas quanto aos termos e condições em que o patrocínio público poderia ser realizado, a norma não logrou efetividade na experiência pretérita brasileira. A legislação das PPPs, assim, ao retomar o assunto, não só permitiu de maneira inconteste o complemento de receitas dos concessionários para negócios cujo retorno se mostrasse potencialmente deficitário, mas especialmente, atrelou essa possibilidade de patrocínio público à figura um arranjo garantidor destinado a mitigar o risco inadimplência do Estado.21 É sob esse cenário que vemos o nascimento do que se denominou concessão “administrativa” e concessão “patrocinada”. Na primeira hipótese, está-se diante do contrato de prestação de serviços de que a própria Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.22 No segundo caso, está-se diante de uma concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que já tratava a lei federal nº 8.987/95, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.23 É importante esclarecer que a terminologia “patrocinada” e “administrativa” foi consagrada no direito brasileiro com a entrada em vigor da lei federal nº 11.079/04. No entanto, embora as leis anteriormente promulgadas nos estados não mencionassem essa conceituação, é possível dizer que elas adotaram estruturas semelhantes à natureza de uma e de outra modalidade 20 21 22 23 Trata-se do art. 11, da lei federal 8987/95, que assim dispõe: “no atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei”. O professor Alexandre Aragão, em artigo bastante didático e de fácil acesso sobre as parcerias públicoprivadas, destaca um entendimento segundo o qual seria possível, mesmo sob a manto da lei federal nº 8987/ 05, haver o subsídio público às tarifas dos usuários. De uma forma ou de outra, a expressa admissão das concessões patrocinadas na lei nº 11079/04, segundo o autor, não teria sido desperdiçada, já que “sob a égide apenas da lei nº 8987/95, as discussões eram tantas que muitos agentes públicos e privados não tinham segurança suficiente para celebrar delegações de serviços públicos com essa modelagem mais ‘criativa’, com alguma espécie de apoio financeiro direto do Poder Público”. A lei de parcerias público-privada teria trazido, então, o elemento confiança e transparência a essa natureza de contratos. (ARAGÃO, Alexandre. As parcerias público-privadas – PPPs no direito positivo brasileiro. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico 02, mai./jun./jul. 2005). Veja-se o art. 2º, § 2º, da lei federal nº 11079/04. Veja-se o art. 2º, § 1º, da lei federal nº 11079/04. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 7-28, abr. 2008 17 contratual, reconhecendo-se, por exemplo, instrumentos como o da contraprestação adicional à tarifa e o das correspondentes garantias nas concessões. Tomando-se, em especial, o texto da lei estadual nº 14.868/03, é possível identificar ambas as figuras (contraprestação do Poder Concedente e garantias de pagamento) em diferentes passagens. No art. 1º, parágrafo único, da Lei Mineira de PPP, define-se a parceria públicoprivada como um contrato de colaboração entre o Estado e o particular, por meio do qual esse último participa da implantação e do desenvolvimento da obra, serviço ou “empreendimento público”, bem como da exploração e da gestão das atividades deles decorrentes. Entende-se haver, nesse caso, a semente do que se denominaria concessão administrativa, observando-se, em especial, o fato de a lei se referir a “empreendimento público”24 como possível elemento transferível à exploração de um parceiro privado – em um nítido reconhecimento de que não só os serviços públicos propriamente ditos poderiam figurar como objeto de uma PPP.25 Por outro lado, no art. 15 da Lei Mineira de PPP, ao encontrarmos as formas de remuneração do contratado no âmbito dos “instrumentos de PPP”,26 verificamos a origem da idéia do “patrocínio” do Poder Público sobre as tarifas cobradas dos usuários.27 A razão para o patrocínio é simples. As parcerias público-privadas estão, em sua origem, vocacionadas para setores cuja exploração pelo particular não é capaz de produzir receita suficiente por meio de tarifas obtidas exclusivamente dos usuários. É o que se depreende, por exemplo, do teor do art. 5º, § 1º, da lei estadual nº 14.868/03, que identifica setores como de 24 25 26 27 O art. 5º, IV, da lei estadual nº 14868, arrola expressamente a implantação e a gestão de um empreendimento público como objeto possível para uma PPP. Por empreendimentos públicos tem-se uma plêiade de atividades exploradas e geridas pelo concessionário, incluída a administração de recursos financeiros, materiais e humanos. O art. 18 da Lei Mineira também corrobora o raciocínio, na medida em que prevê a possibilidade de se ter um contrato de concessão, sem que sejam cobradas tarifas de usuários. Nos termos do dispositivo: “o contrato de parceria regido pela legislação geral sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos que não seja remunerado por tarifa cobrada dos usuários e que obrigue o contratado a fazer investimento inicial superior a R$20.000.000,00 (vinte milhões de reais) não terá prazo inferior a dez e superior a trinta anos”. É forçoso ressaltar que alguns autores, como Marcos Juruena Villela Souto, entendem que mesmo a concessão administrativa teria por objeto um serviço público – sendo que tomam a expressão “serviço público”, para esses efeitos, no seu sentido mais amplo. Assim é que consideram como objeto dessa modalidade de parceria os “serviços sociais, que não comportam exploração com intuito de lucro, mas, não sendo exclusivos do Estado, por não exigirem uso de autoridade, podem comportar investimentos e gerenciamento privado, sob remuneração estatal” e os “serviços instrumentais ou administrativos, de apoio à prestação de outros serviços, que igualmente podem receber investimento e gestão privada, mediante contraprestação paga pelo Estado” (cf. SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo das parcerias. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2005. p. 34). Veja-se o art. 11, lei estadual nº 14868/03. O art. 15 da Lei Mineira de PPP dispõe que “o contratado poderá ser remunerado por meio de uma ou mais das seguintes formas: I - tarifa cobrada dos usuários, nos contratos regidos pela lei federal de concessão e permissão de serviços públicos; II - recursos do Tesouro estadual ou de entidade da Administração Indireta estadual; III - cessão de créditos do Estado ou de entidade da Administração Indireta estadual, excetuados os relativos a impostos; IV - transferência de bens móveis e imóveis, na forma da lei; V - títulos da dívida pública, emitidos com observância da legislação aplicável; VI - cessão do direito de exploração comercial de bens públicos e outros bens de natureza imaterial, tais como marcas, patentes, bancos de dados; VII - outras receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 7-28, abr. 2008 18 educação, de saúde, de assistência social, de saneamento básico, de segurança pública e sistema penitenciário, de ciência e de pesquisa como passíveis de figurar em um contrato de PPP. Com efeito, é patente o cunho imanentemente social dessas atividades e, por conseqüência, a importância dos instrumentos de PPP para a ampliação do espectro da oferta de serviços públicos, inclusive quanto à abrangência dos nichos da população beneficiária (levando-se em conta a possibilidade dos subsídios tarifários).28 Finalmente, quanto à previsão de garantias destinadas a assegurar a continuidade do pagamento público em uma parceria público-privada 29 , o texto da Lei Mineira de PPP menciona arranjos dessa natureza em seu art. 16. Para a lei, os créditos do contratado poderão ser protegidos por meio de garantia real, pessoal, fidejussória e seguro; pela atribuição ao contratado do encargo de faturamento e cobrança de crédito do contratante em relação a terceiros, salvo os relativos a impostos; pela previsão de formas de compensação de créditos recíprocos de contratante e contratado; e pela vinculação de recursos do Estado, inclusive por meio de fundos específicos, ressalvados os impostos.30 31 28 29 30 31 Floriano de Azevedo Marques Neto, embora reconhecendo a ampliação da cobertura e da abrangência dos serviços públicos no último quarto do século passado, destaca que a oferta dessas prestações, no mais das vezes, nunca se direcionou precipuamente para as parcelas mais desvalidas da população. Para o autor, a opção quanto à forma de financiamento dos serviços públicos ensejaria uma forte opção de concentração ou desconcentração de renda (in: MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Concessão de serviço público sem ônus para o usuário. Direito público. Estudos em homenagem ao professor Adilson Abreu Dallari. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 338-339). Os arranjos de parcerias público-privadas poderiam ser identificados como resposta a essa incômoda circunstância da realidade brasileira. Para Luiz Ferreira Xavier Borges, a credibilidade seria um fator-chave em toda a parceria, principalmente em projetos de longo prazo. Para o autor, “a credibilidade quanto à disponibilidade de recursos anuais para complementação da receita será o fator crítico da implantação da PPP no Brasil, devido à existência de exemplos históricos de quebra de regras contratuais” (in Parceria Público-Privada: riscos e mitigação de riscos em operações estruturadas de infra-estrutura. Revista do BNDES 23, jun. 2005. p. 92-93). A legislação federal, adotando idéia análoga àquela inaugurada na legislação mineira, mencionou, além das fórmulas de garantias acima identificadas, a contratação de: seguro-garantia com as companhias seguradoras não controladas pelo Poder Público; garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras não controladas pelo Poder Público; e garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade. Dentre as figuras criadas no Brasil, com a finalidade de garantir o fluxo de pagamento de um parceiro privado, cita-se o Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas – FGP – da União e a Companhia Paulista de Parcerias – CPP – do Estado de São Paulo. Minas Gerais, em princípio, teria escolhido a figura de um fundo fiduciário, criado pela lei estadual nº 14869, de 16 de dezembro de 2003. O primeiro projeto de parceria do Estado, porém, valeu-se da participação de uma empresa estatal denominada Companhia de Desenvolvimento Econômico do Estado de Minas Gerais – Codemig – por meio da vinculação de receitas a ela pertencentes. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 7-28, abr. 2008 19 3. OS TRAÇOS METODOLÓGICOS DE UM CONTRATO DE PPP Acima, verificou-se serem as parcerias público-privadas espécie do gênero “concessão”. Quanto a esse instituto, as PPPs teriam ampliado seu objeto, abarcando atividades não necessariamente enquadráveis no conceito típico de serviço público,32 e teriam disciplinado a participação do Poder Público na complementação direta das tarifas pagas pelos usuários, amparando-a em um arranjo de garantias contra eventual inadimplência ou quebra de contrato (“default”). Mas, considerando-se tratarem de um aprimoramento do modelo de contratação da Administração Pública, em que consistiria, efetivamente, a metodologia ínsita a um contrato de PPP? Para o desenvolvimento de uma resposta satisfatória, deve-se destacar novamente o papel didático da legislação do Estado de Minas Gerais e os elementos nela disciplinados. Sem embargo, ao instituir o Programa Estadual de Parcerias Público-Privadas, a Lei Mineira identificou as “diretrizes” e os “procedimentos” próprios a serem observados na realização de um contrato daquela natureza. Por diretrizes aplicadas a contratos de PPP entendem-se as características atinentes ao objeto e à execução desses instrumentos (seriam as regras de cunho “material” de que se falou antes). Quanto aos procedimentos, têm-se as normas pertinentes ao planejamento, trâmites e requisitos obrigatórios para a celebração de um contrato dessa espécie (aproximando-se da idéia de regras de cunho “orgânico-formal” também mencionadas anteriormente). 3.1. Programa de PPP – diretrizes e princípios As diretrizes definidas para os contratos de PPP constituem o traço elementar desse tipo de arranjo. Na Lei Mineira de Parcerias Público-Privadas, esses aspectos estão descritos logo no art. 2º do diploma. 33 Há similitude entre o que está na lei estadual nº 14.868/03 e o que também foi abraçado, com uma ou outra adaptação, pelas demais leis dos estados e da própria União.34 32 33 34 Faz-se referência, aqui, ao que se entende por “serviços prestados ao Estado”. Para melhor entendimento do conceito, sugere-se consulta a Carlos Ari Sundfeld no estudo Guia jurídico das parcerias público-privadas (In SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 30-31). O art. 2º da lei estadual nº 14868/03 arrola, como diretrizes dos contratos de PPP: eficiência na execução das políticas públicas e no emprego dos recursos públicos; qualidade e continuidade na prestação dos serviços; universalização do acesso a bens e serviços essenciais; respeito aos direitos dos usuários e dos agentes privados responsáveis pelo serviço; garantia de sustentabilidade econômica da atividade; estímulo à competitividade na prestação de serviços; responsabilidade fiscal na celebração e execução de contratos; indisponibilidade das funções reguladora, controladora e fiscalizadora do Estado; publicidade e clareza na adoção de procedimentos e decisões; remuneração do contratado vinculada ao seu desempenho; participação popular, mediante consulta pública. As diretrizes do Programa de PPP, no Estado de São Paulo, estão previstas no art. 1º, parágrafo único, da lei estadual nº 11688/04; na União, elas estão disciplinadas no art. 4º da lei federal nº 11079/04. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 7-28, abr. 2008 20 Um dos principais pontos fixados na legislação refere-se ao enfoque atribuído à eficiência na execução dos contratos de parceria público-privada. É com base nessa definição que se estabeleceu a variabilidade da remuneração do parceiro privado segundo o desempenho por ele obtido na oferta dos serviços explorados.35 Outro estandarte importante diz respeito à universalização dos bens e serviços essenciais e o respeito aos direitos dos usuários e dos agentes privados responsáveis pela prestação das atividades pertinentes ao objeto da parceria. 36 Há, também, diretrizes que informam as características do empreendimento em si: de um lado, temos a garantia de sustentabilidade econômica da atividade (a justificar, por exemplo, o subsídio tarifário pelo Estado); e de outro lado, está o estímulo à competitividade na prestação dos serviços e a responsabilidade fiscal na celebração e execução de uma PPP.37 Outro princípio informador do instituto – e que, embora aparente certa obviedade, cumpre o papel “simbólico” de afastar a interpretação equivocada quanto ao objeto das delegações operadas em uma PPP – reafirma a indisponibilidade das funções reguladora, controladora e fiscalizadora do Estado. Observe-se que também existem vedações à celebração de parcerias público-privadas quando elas envolvam a terceirização de mão-de-obra que configure objeto único do contrato, a prestação isolada, que não envolva um conjunto de atividades, ou ainda, quando apresentarem valor inferior a vinte milhões de reais para o contrato.38 Finalmente, como postulado das parcerias recentemente instituídas no país, registra-se a publicidade e a clareza na adoção de procedimentos e decisões, bem como a participação popular, mediante consulta pública. Como distinção própria dos contratos de PPP, deve-se destacar, por outro lado, o princípio da repartição objetiva dos riscos entre as partes, previsto no art. 4º, VI, da Lei 35 36 37 38 Veja-se o art. 15, § 1º, da lei estadual nº 14868/03. Veja-se, também, o art. 8º, I, da Lei Paulista de Parcerias e o art. 6º, parágrafo único da lei federal nº 11079/04. É possível encontrar-se disposições paralelas na lei federal nº 8987/95, quando descreve, no art. 6º, § 1º, o sentido da expressão “serviço adequado”. Sem dúvida, a responsabilidade fiscal na celebração de PPPs é uma das grandes preocupações do legislador. A maioria das leis hoje vigentes no país sobre o tema condicionam a celebração de PPPs à elaboração da estimativa de impacto orçamentário-financeiro, à demonstração da origem dos recursos e à compatibilidade com as leis de planejamento orçamentário. A Lei Federal de PPP também impôs um limite sobre os gastos públicos gerados em razão da execução dos contratos de parcerias público-privadas, correspondente a 1 % (um por cento) da receita corrente líquida do exercício. Veja-se o disposto no art. 5º, § 2º, da lei estadual nº 14868/03, e no art. 2º, § 4º, da lei federal nº 11079/04. O fundamento para esse limite de valor consiste no alto curso de transação e agência que a celebração de uma PPP envolve. É o que defende Maurício Portugal Ribeiro, ex-chefe da Unidade PPP do Ministério do Planejamento, para quem os custos para avaliação e modelagem de PPP seriam altos e inelásticos em relação à escala do projeto (in: Comentários à lei de PPP – parceria público-privada. Fundamentos econômicojurídicos. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 76). Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 7-28, abr. 2008 21 Federal de PPP – uma sofisticação em face da estrutura de riscos presente na Lei de Concessões (e mesmo, na Lei de Licitações e Contratos Administrativos). Na lei federal nº 8.987/95, via-se que os riscos de uma concessão comum seriam de responsabilidade do concessionário, e apenas dele. Em uma PPP, porém, os riscos devem ser distribuídos entre as partes, tendo-se em mente a capacidade de cada um em controlá-los e prover medidas mitigadoras. 39 Apresentados todos esses elementos, é possível extrair da fotografia de uma parceria público-privada que elas seriam espécies de contratos de concessão, tendo por objeto serviços públicos potencialmente deficitários ou empreendimentos públicos geridos em favor da própria Administração Pública, nos quais o parceiro privado é remunerado segundo a qualidade da prestação dos serviços, tendo o resguardo de garantias contra o inadimplemento do parceiro público, havendo, de resto, o compartilhamento objetivo de riscos entre as partes, segundo a capacidade de cada um em administrá-los. 3.2. Programa de PPP – aspectos orgânico-formais Observadas as características dos contratos de PPP, cumpre analisarmos os requisitos necessários à sua devida formalização. No país, as leis até então existentes têm sido unânimes em – a exemplo do que também se estabeleceu originalmente na Lei Mineira de PPP – submeter a um conselho deliberativo a decisão de se aprovar ou não a instituição de um projeto de PPP. Por outras palavras, isso significa que um dado contrato, ainda que apresente os elementos conceituais típicos do instituto e siga os princípios a ele correspondentes, precisa passar pelo crivo do Conselho Gestor de Parcerias (ou Comitê Gestor de Parcerias, conforme denominação atribuída pela lei federal nº 11.079/04), para então se conceber como uma legítima parceria público-privada. Na legislação do Estado de Minas Gerais, o Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas – CGP – é um órgão colegiado, presidido pelo Governador e composto pelo Advogado-Geral do Estado e pelos Secretários de Estado de Desenvolvimento Econômico, de Planejamento e Gestão, de Fazenda, de Transportes e Obras Públicas, de Desenvolvimento Regional e Política Urbana e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, também podendo nele ter assento, como membro eventual, o titular da secretaria diretamente relacionada com o serviço ou a atividade objeto da parceria (como o Secretário de Saúde ou de Educação, por 39 Joaquim Aragão e demais autores identificam essa assertiva como uma máxima referente ao processo de alocação de riscos em uma PPP (ARAGÃO, Joaquim; BRASILEIRO, Anísio; LIMA NETO, Osvaldo et alii. Parcerias sociais para o desenvolvimento nacional e fatores críticos para o seu sucesso. Natal: EDUFRN, 2004. p. 76). Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 7-28, abr. 2008 22 exemplo).40 Dentre as atribuições do CGP, cita-se a de aprovar os projetos de PPP apresentados pelos órgãos ou entidades da Administração, assim como a de aprovar as respectivas minutas de edital e de contrato. Outra tarefa de especial relevo consiste em elaborar o Plano Estadual de Parcerias Público-Privadas, fruto da preocupação com o correto planejamento41 das ações empreendidas no âmbito de um Programa de PPP. A figura do conselho gestor é fundamental para a consolidação das boas práticas de gestão, vinculadas ao sucesso dos programas de PPP. A bem da verdade, nem toda a proposta de projeto teria o condão de se desdobrar em uma parceria público-privada, já que existem condicionantes para a sua aprovação. Em primeiro lugar, o projeto apresentado deve revelar adequação técnica quanto às diretrizes, conceitos e metodologia definidos na lei. Por isso, exige-se a apresentação de um estudo técnico prévio que revele, dentre outros, a vantagem econômica e operacional da alternativa para o Estado (o que corresponderia à expressão inglesa “value for money”), assim como a viabilidade dos indicadores de resultado a serem adotados para a avaliação do contratado, a viabilidade econômica do projeto e a forma e os prazos de amortização do investimento privado. 42 Esses elementos, uma vez reunidos, devem apresentar suficiente subsistência para o convencimento do CGP quanto à adequabilidade da proposta e os fins pretendidos pelo órgão ou entidade idealizadores. Ainda como condicionante à realização de uma PPP, opõe-se a escassez do estoque das garantias demandadas por cada projeto. Para se evitar a celebração de parcerias em número maior do que o que se pode garantir, revela-se mais uma vez conveniente o controle centralizado de seleção de projetos pelo CGP. O Conselho, com bases em critérios técnicos, poderá definir quais propostas viabilizarão um uso otimizado das garantias disponíveis. Como último requisito de análise, há a questão atinente à adequação do projeto com as orientações políticas do governo. Nos termos da lei nº 14.868/03, o contrato de PPP só poderá ser elaborado se o seu objeto estiver previsto nas leis do Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado – PMDI – ou do Plano Plurianual de Ação Governamental – PPAG.43 A verificação 40 41 42 43 Na União, o Comitê Gestor de Parcerias é composto por representantes do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – que tem por atribuição a coordenação das respectivas atividades –, por representantes do Ministério da Fazenda e da Casa Civil da Presidência da República (vide o art. 14 da lei federal nº 11079/ 04). Em São Paulo, o CGP, vinculado ao Gabinete do Governador, é integrado pelo Secretário-Chefe da Casa Civil, pelo Secretário de Economia e Planejamento, pelo Secretário da Fazenda, pelo Secretário da Ciência, Tecnologia, Desenvolvimento Econômico e Turismo, pelo Procurador Geral do Estado e por até três membros de livre escolha do Governador do Estado (veja-se o art. 3º da lei estadual nº 11688/04). Toma-se, para esses fins, a noção que considera o planejamento como a “função administrativa envolvida com a definição de metas para o desempenho organizacional futuro e a decisão sobre as tarefas e uso dos recursos necessários para alcançá-las” (DAFT, Richard L. Administração. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005. p. 551). A exigência de comprovação desses elementos encontra-se expressa no art. 10, da lei estadual nº 14868/03. O art. 10, V, da lei federal nº 11079/04 estabelece, como uma das condições para a contratação de uma PPP, que o seu objeto esteja previsto no plano plurianual em vigor no âmbito onde o contrato será celebrado. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 7-28, abr. 2008 23 do atendimento a esse quesito também se insere nas atribuições do CGP, que conformará o portfólio de projetos de parcerias ao planejamento governamental de médio e longo prazo existentes. Seguindo-se adiante no exame das estruturas orgânicas do Programa de PPP, a legislação mineira previu a criação de uma unidade técnica com o objetivo de assessorar as decisões do Conselho Gestor de Parcerias. Novamente, trata-se de estrutura que se replica nas leis dos diversos entes da Federação, denotando um traço marcante do esquema de parcerias públicoprivadas que, até então, vem se solidificando no Brasil.44 Em Minas Gerais, essa estrutura técnica denominou-se Unidade PPP e concentra, além de outras: a tarefa de executar as atividades operacionais e de coordenação de parcerias público-privadas; a de assessorar o CGP e divulgar os conceitos e metodologias próprios dos contratos de parcerias público-privadas; e a de dar suporte técnico às Secretarias de Estado na elaboração de projetos e contratos de parceria, especialmente nos aspectos financeiros e de licitação.45 No Estado de São Paulo, a criação da unidade técnica foi prevista no art. 3º, § 8º, da lei estadual nº 11.688/04. A ela também foram atribuídas as funções de apoio nas atividades operacionais e de coordenação de parcerias público-privadas, bem como no assessoramento ao Conselho Gestor do PPP e na divulgação dos conceitos e metodologias próprios do instituto. No âmbito federal, a previsão de uma unidade de assessoramento técnico consta do art. 14, § 8º, da lei nº 11.079/04. O âmbito de atuação dessa unidade, chamada de Comissão Técnica das Parcerias PúblicoPrivadas – CTP –, está disciplinado no decreto federal nº 5.385, de 4 de março de 2005, que lhe defere, dentre outras, a competência por propor ao CGP a definição dos serviços prioritários para a execução sob o regime de parceria público-privada; recomendar ao CGP a autorização para a abertura de procedimentos licitatórios e a aprovação das minutas de editais e de contratos; propor ao CGP os procedimentos para a celebração dos contratos de parceria público-privada e analisar suas eventuais modificações; elaborar a proposta do Plano de Parcerias Público-Privadas e preparar a minuta de relatório de acompanhamento e avaliação de sua execução, a serem submetidas ao CGP; e estudar e formular proposta de resoluções e procedimentos de competência do CGP. Outro alicerce do modelo de PPP brasileiro reside na figura dos “Planos de Parcerias Público-Privadas”. O planejamento foi missão conferida, de acordo com a legislação, ao Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas, seja nos estados, seja na União. Em Minas 44 45 Joaquim Aragão e demais autores identificam a criação e manutenção de uma Unidade de PPP como um dos elementos necessários ao estabelecimento de um política nacional de PPPs (ARAGÃO, Joaquim; RASILEIRO, Anísio; LIMA NETO, Osvaldo et alii. Parcerias sociais para o desenvolvimento nacional e fatores críticos para o seu sucesso. Natal: EDUFRN, 2004. p. 98-103). O decreto estadual nº 43.702, de 16 de dezembro de 2003, detalha as atribuições da Unidade PPP. Destacamse a responsabilidade de desenvolver, analisar e recomendar ao CGP projetos elaborados dentro da modelagem da Parceria Público-Pivada, a de prover suporte técnico ao CGP, a de disseminar a metodologia própria dos contratos de parceria público-privada, a de instituir o Centro de Referência de conhecimento sobre conceitos, metodologia e licitação de projetos de Parceria Público-Privada e a de prestar assessoramento técnico às Unidades Setoriais de PPP. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 7-28, abr. 2008 24 Gerais, o Plano Estadual de PPP deve ser elaborado anualmente pelo Poder Executivo. Nele, deverão constar os objetivos e as ações de governo, apresentando-se, justificadamente, os projetos a serem executados pela Administração Pública. Na Lei Paulista, o planejamento das ações relativas às parcerias público-privadas também foi objeto de atenção legislador daquele estado, conforme se lê do art. 2º da lei estadual nº 11.688/04.46 Na União, faz-se menção, no decreto nº 5.385/05, ao PLP – Plano de Parcerias Público-Privadas, também de competência do CGP.47 O planejamento, enfim, aliado às demais condicionantes exigidas para a celebração de um contrato de parceria público-privada, compreende uma importante ferramenta para a construção de uma “carteira de projetos” de PPP. Para conferir transparência e governança aos programas de parcerias, há de ser observada, pelas esferas administrativas competentes, a descrição das características, bem como a motivação apontada para cada empreendimento selecionado, observados os critérios apontados pela lei e tendo-se por base a manifestação técnica das unidades especialmente criadas na estrutura administrativa bem como a ausculta à sociedade.48 DAS CONCLUSÕES Pelo que brevemente foi exposto neste ensaio, fez-se possível extrair que as parcerias público-privadas, nos contornos trazidos pela legislação brasileira, representam um aprimoramento das ferramentas contratuais da Administração Pública. Trata-se de uma tentativa de se ampliarem os instrumentos de atuação do Estado, contando-se, para tanto, com a colaboração direta dos particulares.49 Viu-se, no entanto, haver um sentido amplo e um sentido estrito para as parcerias PPPs. No primeiro caso, encontram-se as diversas fórmulas de articulação do Poder Público com a iniciativa privada – como é o caso dos convênios, das sociedades de economia mista, das organizações da sociedade civil de interesse público, dentre outras. No segundo caso, está-se 46 47 48 49 “Art. 2º O PPP será desenvolvido por meio de adequado planejamento, que definirá as prioridades quanto à implantação, expansão, melhoria, gestão ou exploração de bens, serviços, atividades, infra-estruturas, estabelecimentos ou empreendimentos públicos.” “Art. 14. Será instituído, por decreto, órgão gestor de parcerias público-privadas federais, com competência para: I – definir os serviços prioritários para execução no regime de parceria público-privada; II – disciplinar os procedimentos para celebração desses contratos; (...)” A consulta pública é instrumento arrolado expressamente na legislação de parceria público-privada. Vejam-se os arts. 7, § 2º, e 12, § 2º, da lei estadual nº 14.868/03; o art. 21, da lei estadual nº 11.688/04; e o art. 10, VI, da lei federal nº 11.079/04. Já se registrou que o envolvimento da esfera privada na prestação de atividades de interesse público, por seu turno, também não constitui uma novidade. O contrato administrativo, desde o seu nascedouro, é o meio através do qual o particular vem colaborando com a Administração, fornecendo-lhe os bens e serviços de que ela necessita ou ajudando-a a desempenhar as suas funções (cf. ESTORNINHO, Maria João. Requiem pelo contrato administrativo. Coimbra: Almedina, 1990. p. 59). Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 7-28, abr. 2008 25 diante de um ajuste envolto em princípios e metodologias próprios, que vieram definidos no direito positivo e levaram em conta o arquétipo lógico dos contratos de concessão de serviços públicos. As diretrizes, características e mecanismos atinentes ao sentido “estrito” das PPPs foram primeiramente instituídos, no Brasil, pela lei nº 14.868, de 16 de dezembro de 2003, do Estado de Minas Gerais. As disposições desse Diploma Legal não se confrontam com as normas da legislação nacional, sendo replicadas não só nas leis estaduais posteriormente criadas, como também na própria lei federal nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Dentre as contribuições da legislação mineira, destaca-se a configuração dada ao instituto em si. As parcerias público-privadas são lidas, na lei estadual nº 14.868/03, como um método. Seria um novo arranjo aplicável a fórmulas tradicionais de contratação pública. Como foi visto – e essa perspectiva confirma-se na Lei Federal de PPP –, foi tomada por base a estrutura contratual das concessões de serviços públicos, reguladas em sua origem pela lei federal nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Com a criação das parcerias público-privadas, passa-se a ter duas novas espécies de concessão no país: a de serviços públicos propriamente dita (“concessões comuns”), e a concessão de “empreendimentos públicos”. Essa última modalidade decorre diretamente de uma visão ampla sobre o objeto das concessões, conforme a disciplina encontrada nas leis de parcerias público-privadas. Nela se encaixariam os serviços prestados por um particular cujo usuário seria o próprio Estado (seriam as “concessões administrativas”). Mas mesmo sobre as concessões de serviços públicos, também são verificadas modificações: quanto a elas, a legislação de PPP teria criado uma subcategoria: as “concessões patrocinadas”. Há, agora, expressa possibilidade de aporte de subsídios pelo Poder Público sobre as tarifas cobradas dos usuários, amparada por meio de garantias ao concessionário contra eventual falta de pagamento do patrocinador, no longo prazo do contrato. Cita-se ainda como característica do “mecanismo PPP” a ênfase dada ao desempenho do contratado, condicionando-se o seu pagamento ao atendimento de níveis de qualidade previamente fixados no contrato; e a repartição objetiva de riscos entre as partes, de acordo com a capacidade de cada um em melhor administrá-los. Se é certo que as parcerias público-privadas compreendem uma metodologia de contratação, a sua formalização depende da interveniência de estruturas orgânicas especialmente constituídas no âmbito das esferas administrativas. Seja na lei do Estado de Minas Gerais, seja nas dos demais Estados Federados e na da própria União, adotou-se a idéia de um “Programa de PPP”, que tem como pilar o planejamento e a escolha criteriosa de projetos. Sob esse enfoque, salienta-se a atuação de uma estrutura de apoio e assessoramento técnico (denominada, na Lei Mineira, de “Unidade PPP”) e de um órgão deliberativo (denominado, também de acordo com a legislação de Minas, de Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas – CGP). Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 7-28, abr. 2008 26 Somente resultará em um contrato de PPP o projeto que estiver de acordo com os princípios, as diretrizes e as normas presentes na legislação, e que apresentar viabilidade econômica, segundo um modelo financeiro especialmente desenvolvido. Também deverá ser considerado o impacto da sua instituição sobre o estoque de garantias disponível e a sua adequação com as políticas públicas estabelecidas. Esses seriam os critérios submetidos à análise do CGP. Tudo somado, chega-se enfim a que as parcerias público-privadas entram em cena em um período de saturação do represamento das demandas sociais, conjugado com um ambiente de aguda restrição fiscal. Esses novos arranjos contratuais mostram-se como uma alternativa de investimentos em searas imprescindíveis ao desenvolvimento econômico, como a infra-estrutura e os serviços públicos. Mas se é certo que o método PPP tem o condão de alavancar investimentos, disciplinando a forma de atuação de particulares na gestão de interesses públicos, não se pode dizer que se estaria diante do completo afastamento do Estado sobre as tarefas que, imanentemente, ele tem por responsabilidade prover. Pelo contrário, dois espectros tendem a se ampliar com esse novo processo: de um lado, tem-se o incremento da oferta de utilidades públicas, inclusive às parcelas economicamente menos favorecidas da população, incapazes de suportar a cobrança de tarifas; de outro lado, intensifica-se a atuação reguladora e fiscalizadora do Estado, a garantir que a participação dos particulares nessas searas – com a sua flexibilidade, expertise, acesso rápido às inovações tecnológicas, e com a sua orientação em favor da lucratividade – seja condicionada à satisfação do interesse comum. É o sentido da parceria. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 7-28, abr. 2008 27 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. As parcerias público-privadas e sua aplicação pelo Estado de São Paulo. In SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005. ARAGÃO, Alexandre. As parcerias público-privadas – PPPs no direito positivo brasileiro. 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Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 7-28, abr. 2008 29 AVALIAÇÃO DOS IMPACTOS ECONÔMICOS DAS POLÍTICAS DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES NO BRASIL: UMA APLICAÇÃO A DUAS RODOVIAS FEDERAIS EM MINAS GERAIS EDUARDO AMARAL HADDAD1 FERNANDO SALGUEIRO PEROBELLI2 EDSON PAULO DOMINGUES3 MAURÍCIO REZENDE AGUIAR4 1 2 3 4 Professor Titular do Departamento de Economia da USP. Pesquisador da FIPE Bolsista do CNPq e da Fapesp. Professor Adjunto do Departamento de Economia da UFJF. Coordenador do Mestrado em Economia Aplicada FEA/UFJF. Bolsista do CNPq e da FAPEMIG. Economista, Mestre em Economia de Empresas e Doutor em Economia. Professor Adjunto do Departamento de Ciências Econômicas da FACE-UFMG. Professor e Pesquisador no Cedeplar-UFMG. Bolsista do CNPq. Engenheiro Civil - Especialista em Logística e Finanças. Diretor da Tectran - Técnicos em Transporte Ltda. 30 31 Resumo: Neste estudo utiliza-se um modelo de equilíbrio geral computável (EGC) inter-regional implementado para a economia brasileira, baseado em trabalho anterior de Haddad e Hewings (2005), a fim de projetar os efeitos econômicos de mudanças na infra-estrutura de transporte rodoviário em Minas Gerais. Dentre as características embutidas no modelo, o tratamento de economias de escala e dos custos de transporte estabelece uma maneira inovadora de tratar explicitamente questões teóricas relacionadas a sistemas regionais integrados. O modelo está calibrado para 109 regiões, dentre as quais 75 regiões em Minas Gerais. A modelagem explícita dos custos de transporte incorporada ao modelo EGC inter-regional, baseada em fluxos de origem–destino, e que leva em consideração a estrutura espacial da economia Brasileira, cria a capacidade de integrar o modelo EGC a um modelo geo-referenciado de rede de transportes, ampliando o potencial da análise do papel da infra-estrutura de transportes no desenvolvimento regional. O modelo de transporte utilizado é o Highway Development and Management (HDM), desenvolvido pelo Banco Mundial. São discutidas extensões adicionais da especificação do modelo para a incorporação de outras características de planejamento do transporte em um país continental como o Brasil, com o objetivo de construir uma ponte entre práticas convencionais de planejamento do transporte e o uso inovador de modelos EGC. Para ilustrar o poder analítico do sistema integrado, é apresentado um conjunto de simulações que avaliam o impacto econômico de mudanças na infra-estrutura de transporte rodoviário em Minas Gerais, nomeadamente as intervenções planejadas nas rodovias BR-262 e BR-381. Keywords: Infrastructure, transportation, regional development, impact analysis, Minas Gerais economy, measurable general balance. 1. INTRODUÇÃO Um dos principais obstáculos do desenvolvimento econômico no Brasil é o dito Custo Brasil, os custos extras de se fazer negócios no país. No país, as firmas estão submetidas a pesados encargos que empresas concorrentes em outros países não enfrentam, dificultando a concorrência. Isso inclui vários componentes que representam distorções nas relações entre os setores público e privado, refletindo uma legislação inadequada e a provisão deficiente de bens públicos. O debate em curso está centrado na contribuição de diferentes aspectos para o Custo Brasil: custos trabalhistas; infra-estrutura de transporte; o sistema de impostos; e o sistema legal. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 32 Um estudo do World Bank (1996) de meados da década de 1990 forneceu um exame abrangente dos distintos componentes do Custo Brasil e uma investigação da implicação dos mesmos no total dos custos fixos. No que tange os custos de transporte terrestre, que freqüentemente são vistos como um componente significativo do Custo Brasil, as evidências disponíveis coletadas para o relatório sugeriram que os custos de fornecimento de serviços de estrada de ferro e transporte por caminhão eram altos no Brasil. No entanto, devido ao excesso de capacidade produtiva (overcapacity) e competição significativa no transporte por caminhão, tais custos não são repassados para os remetentes (shippers); as taxas de transporte por tonelada-quilômetro são baixas em comparação com o padrão internacional. O problema principal do transporte terrestre, do ponto de vista de quem despacha, não é o custo unitário de diferentes meios de transporte, mas, sim, a dependência excessiva no transporte por caminhão. Os meios de transporte ferroviário e fluvial no caso de trechos longos são muito mais baratos do que o transporte por caminhão, sobretudo para mercadorias de grande volume e massa. Ineficiências e baixa produtividade no setor do transporte ferroviário indicam que a percentagem total de carga transportada por caminhão no Brasil é aproximadamente duas vezes maior do que a da Austrália e dos Estados Unidos. Mais de dez anos depois do mencionado estudo do Banco Mundial, a situação no setor de transportes não mudou. A infra-estrutura do transporte Brasileiro está se deteriorando rapidamente devido à falta de investimento e manutenção, revelando um número elevado de pontos críticos, ou gargalos, na maioria dos corredores. A decadência do sistema de transportes restringe o crescimento econômico, dificultando a competição tanto no mercado interno como no externo. A deterioração da rede de transportes do Brasil nos últimos anos contribuiu para os altos custos operacionais, obstruindo a integração competitiva do país. Devido à baixa qualidade de serviços de infra-estrutura, particularmente nos transportes, estima-se que os níveis de estoque dos produtos finais sejam duas vezes maior no Brasil do que nos Estados Unidos e três vezes maior no caso da matéria-prima. Considerando-se as elevadas taxas de juros no Brasil, o custo de manutenção de estoques suplementares para a economia brasileira está estimado em 4% do PIB. A baixa qualidade de serviços de infra-estrutura, particularmente em transportes, explica a maioria dos altos níveis de estoque no Brasil (Castro, 2004; apud World Bank, 2006). A falta de meios de transporte multimodais bem desenvolvidos no Brasil, somada à baixa qualidade da infra-estrutura rodoviária, tem apresentado efeitos negativos na competitividade do país. Um desdobramento resumido das contas da produção e dos custos de exportação da soja revela que o Brasil perde sua vantagem em custo de produção em relação ao custo de produção dos EUA devido aos custos mais altos de transporte e de exportação (incluindo a administração alfandegária). Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 33 TABELA 1 Custos estimados de exportação de soja, (US$/ton. métrica; 1º trimestre de 2006) Brasil (Mato Grosso) EUA (Iowa) Relação de custo Brasil/EUA 157.86 204.78 0.77 Custo do transporte até o porto de exportação 84.65 30.84 2.74 Custo do frete até Hamburgo 38.51 19.53 1.97 281.02 255.15 1.10 Brasil (Goiás) EUA (Minneapolis) Relação de custo Brasil/EUA Custo de produção 180.71 202.34 0.89 Custo do transporte até o porto de exportação 42.49 34.80 1.22 Custo do frete até Xangai 50.13 35.71 1.40 273.33 272.85 1.002 Para Alemanha (Hamburgo) Custo de produção Custo final em Hamburgo Para China (Xangai) Custo final em Xangai Fonte: U.S. Department of Agriculture, Brazil Soybean Transportation, Aug. 2006 (apud World Bank, 2006). De acordo com a Tabela 1 acima, enquanto que nos EUA o custo do transporte da soja do local de produção até o porto de exportação representa aproximadamente 7,7% a 12,8% do custo final, no Brasil o mesmo fator representa entre 15,5% e 30,1% do custo final. Como resultado, o Brasil perde sua vantagem em custo, principalmente devido aos custos de transporte doméstico. Em outras palavras, o custo do transporte doméstico brasileiro, da porteira da fazenda até o porto, é de 122-274% do mesmo custo nos EUA, enquanto o custo do frete é de 140-197% do custo dos EUA. Recentes iniciativas governamentais para promover investimentos na infra-estrutura incluem o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, revelado no final de Janeiro de 2007.1 Investimentos na infra-estrutura logística estão estimados em US$ 58,3 bilhões no período de quatro anos de 2007-2010, sendo US$ 33,4 bilhões (57,3% do total) apenas para a infra-estrutura rodoviária.2 Um aspecto importante do gerenciamento macroeconômico no Brasil, com possíveis efeitos na provisão pública de infra-estrutura, é o Projeto Piloto de Investimento – PPI, que Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 34 permite ao governo reduzir o superávit primário a um valor equivalente ao aumento de gastos com infra-estrutura. O PPI provavelmente será elevado de 0,2% do PIB para 0,5% do PIB. Como o governo formalmente manteve o alvo fiscal primário3 de 4,25% do PIB em 2007, isto colocará o superávit primário efetivo perto de 3,75% do PIB.4 Em termos financeiros, isto pode representar de US$ 1,9 a 4,7 bilhões adicionais a serem investidos em infra-estrutura, de acordo com as estimativas da FIPE para o Plano Nacional de Logística e Transportes - PNLT. Concomitantemente ao programa de quatro anos (PAC), o governo federal sinalizou também sua intenção em reavivar um planejamento de longo prazo para o transporte no país. O desenvolvimento de um ambicioso Plano Nacional de Logística e Transportes já foi iniciado envolvendo diversos grupos de interesse. O Plano tem o objetivo de apoiar os tomadores de decisão na obtenção de objetivos econômicos por meio de iniciativas de políticas relacionadas tanto à infra-estrutura pública como a privada e à organização do setor dos transportes.5 Na esfera dos governos estaduais, poucas iniciativas aconteceram acerca do planejamento dos transportes. Estados como Bahia, Rio Grande do Sul e Minas Gerais desenvolveram diagnósticos completos do setor, incluindo exercícios de projeção futura visando identificar possibilidades de intervenção, no longo prazo, das políticas governamentais dentro dos limites territoriais dos respectivos estados.6 Um relatório recente da World Road Association (2003, p.7) aponta que existe a necessidade crescente de modelos econômicos e sócio-econômicos para auxiliar no gerenciamento das estradas. Em um contexto onde as administrações públicas encaram uma demanda cada vez mais forte por políticas sociais e onde os orçamentos para estradas tendem a ser contingenciados ou mesmo fortemente reduzidos, a avaliação econômica – e a otimização – de ações e/ou diretrizes de investimento em estradas torna-se uma exigência recorrente. Este trabalho estabelece uma tentativa de suprir tal exigência. Utilizamos um modelo de equilíbrio geral computável (EGC) inter-regional implementado para economia a brasileira, baseado em trabalho anterior de Haddad e Hewings (2005), para avaliar os possíveis efeitos econômicos de políticas de transporte rodoviário em Minas Gerais. Dentre as características embutidas nessa estrutura, a modelagem de economias de escala e dos custos de transporte estabelece uma maneira inovadora de tratar explicitamente questões teóricas relacionadas a sistemas regionais integrados. O modelo explícito de custos de transporte incorporado ao modelo EGC inter-regional, baseado em fluxos de origem – destino, e que leva em consideração a estrutura espacial da economia Brasileira, permite a integração do modelo EGC interestadual a um modelo geo-referenciado de rede de transportes, ampliando o potencial da modelagem na compreensão do papel da infra-estrutura no desenvolvimento regional. O modelo de transporte utilizado é o Highway Development and Management Model (HDM), desenvolvido pelo Banco Mundial, implementado utilizando o programa TransCAD. Neste trabalho, são discutidas extensões adicionais da especificação do atual modelo para a incorporação de outras características de planejamento do transporte em um país continental Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 35 como o Brasil, com o objetivo de construir uma ponte entre práticas convencionais de planejamento de transporte e o uso inovador de modelos EGC. Para ilustrar o poder analítico do sistema integrado, apresentamos um conjunto de simulações que avaliam o impacto econômico de mudanças físicas / qualitativas na malha rodoviária Brasileira, especificamente melhorias nas rodovias BR-262 e BR-381. Ao invés de fornecer uma avaliação crítica deste debate, pretendemos enfatizar os prováveis impactos estruturais de tal política. Esperamos que os resultados reforcem a necessidade de melhor especificação das interações espaciais em modelos EGC inter-regionais. O restante do trabalho está organizado da seguinte forma. Após a discussão de relevantes questões de modelagem, focando no tratamento dos custos de transporte em modelos EGC, a próxima seção, seção 3, apresentará um resumo do modelo EGC a ser usado nas simulações, focando em suas características gerais; a seção 4 discutirá a abordagem da integração dos modelos de transporte e EGC. Em seguida, os experimentos de simulação são projetados e implementados, e os resultados principais serão discutidos na seção 5. Por fim, as considerações finais avaliam os resultados obtidos e procuram colocá-los em perspectiva, considerando sua abrangência e limitações. 2. ASPECTOS METODOLÓGICOS O desenvolvimento de modelos EGC regionais e inter-regionais, nos últimos quinze anos, se ampliou consideravelmente, assim como o interesse na sua utilização.7 Diferentes modelos foram construídos para diversos países e regiões do mundo. Grupos de pesquisa, localizados principalmente na Austrália, Brasil, Canadá, Alemanha, Escócia e Estados Unidos, bem como pesquisadores independentes, contribuíram para esse desenvolvimento através da especificação e implementação de uma variedade de modelos alternativos. Desenvolvimentos teóricos recentes na nova geografia econômica trazem novos desafios para cientistas regionais, em geral, e, em particular, para aqueles que trabalham com modelagem de EGC interregional8. Experimentos com a incorporação de economias de escala, de imperfeições do mercado e de custos de transporte devem fornecer formas inovadoras de tratar explicitamente de questões teóricas relacionadas a sistemas regionais integrados. Dentre as possíveis aplicações dos modelos EGC inter-regionais podemos mencionar a análise das políticas de planejamento do transporte com efeitos estendidos para além das economias regionais e nacionais (inclusive de mercados comuns como áreas da União Européia, do MERCOSUL ou do NAFTA). O planejamento do sistema de transporte nos âmbitos nacional e/ou estadual é um processo amplamente institucionalizado em diversos países. A utilização de procedimentos analíticos baseados em modelos encontra-se em prática, incluindo a aplicação de métodos convencionais de insumo-produto para a previsão de movimentos de frete. No entanto, os impactos gerados por feedback (feedback impact) de ações relativas ao transporte nas economias regionais e/ou nacionais não está totalmente computado nesses Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 36 procedimentos. Nos últimos anos, o desenvolvimento de técnicas aperfeiçoadas foi o foco de vários esforços, unindo os campos de pesquisa em transporte e em economia nos EUA (i.e.: Friez et al., 1998) e UE (e.g. Bröcker et al., 2001), sem omitir os esforços em países asiáticos (i.e.: Miyagi, 2001) e no Brasil (i.e.: Pietrantonio, 1999). Investimentos em rodovias e outras formas de aperfeiçoamento do sistema de transportes representam uma maneira importante de alcançar crescimento econômico regional e nacional. Expansão e aperfeiçoamentos de recursos ligados aos transportes podem ser usados como um modo de reduzir custos de negociação para empresas e de expandir as oportunidades econômicas em uma região/país, uma vez que possivelmente contribui para aumentar a renda e melhorar o padrão de vida da população residente. Como relatado por Weisbrod e Treyz (1998), estudos que intentam identificar a implicação nacional de investimentos na infra-estrutura de transportes tendem a focar a análise nos ganhos de produtividade, definidos, em termos gerais, como a razão entre o produto e a utilização de fatores primários. De uma perspectiva regional, a geração de renda decorrente da expansão de plantas existentes ou da atração de novas firmas tem sempre sido percebida como um benefício a ser perseguido por governos. Porém, de uma perspectiva nacional, ao aceitar a idéia de que, em essência, a produtividade é o principal elemento impulsionador do crescimento econômico, a realocação de firmas dentro do espaço econômico nacional somente pode ser visto como um benefício se existir um elemento de produtividade subjacente associado a este movimento (superiores aos custos de realocação). Entretanto, investimentos em transporte, além de seu impacto na produtividade sistêmica, têm possíveis impactos diferenciados nos diferentes espaços econômicos. Intervenções localizadas espacialmente podem aumentar a competitividade regional. Economias de escala e efeitos de acessibilidade poderiam levar à expansão ou retração das áreas de mercado de empresas locais e gerar oportunidades de acesso a mercados mais abrangentes de insumos. Um dos elementos fundamentais a ser considerado é a interação espacial entre regiões: mudanças em determinada localidade podem resultar em mudanças em outras regiões por meio dos vários tipos de relações (complementares ou competitivas) associadas a agentes regionais em espaços econômicos relevantes. Nesse contexto, a modelagem desenvolvida nesse trabalho representa uma tentativa de tratar alguns desses assuntos no contexto de uma abordagem unificada, que permite o tratamento apropriado do papel da infra-estrutura de transportes na alocação de recursos em uma determinada economia. A modelagem explícita dos custos de transporte, em um modelo EGC inter-regional integrado a um modelo geo-referenciado da rede de transportes, nos permitirá avaliar, sob uma perspectiva macro-espacial, os efeitos econômicos de projetos e programas específicos de transporte. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 37 2.1. Tratamento dos custos de transporte Tem sido observado em outros trabalhos (Haddad, 2004) que os modelos EGC atuais não estão livres de limitações para representar fenômenos espaciais. A visão de Walter Isard de modelos integrados, que anteciparam as propostas registradas em Isard e Anselin (1982), forneceram um mapa para o desenvolvimento de análises mais sofisticadas de sistemas econômicos espaciais (Hewings, 1986; Hewings et al. 2003). Considerando suas muitas virtudes, porém, se avaliados adequadamente, os modelos EGC inter-regionais são os principais candidatos de se constituírem no sub-sistema central de um sistema plenamente integrado. Avanços metodológicos também devem ser buscados para que se alcance os planejadores. A infra-estrutura espacial e os fenômenos sócio-econômicos são elementos chave que moldam e auxiliam a melhor compreensão de espaços econômicos. Em uma de suas dimensões relevantes, uma estrutura que incorpore o modelo explícito de custo de transporte, baseado na capacidade de integrar o modelo EGC inter-regional com um modelo geo-referenciado da rede de transportes, aumenta o potencial do sistema integrado em compreender o papel da infraestrutura no desenvolvimento regional. Tentativas iniciais de associar um modelo de rede de transportes a um modelo CGE inter-regional estão documentadas em Kim e Hewings (2002, 2003), com resultados atraentes para os planejadores regionais. A incorporação de fluxos de troca espacial em modelos econômicos, especialmente daqueles relacionados a interligações comerciais inter-regionais, geralmente deveria estar associada à especificação dos serviços de transporte. Considerando-se os modelos EGC interregionais existentes, pode-se identificar pelo menos três abordagens para introdução da representação do transporte, todas levando em conta o fato de que o transporte é uma atividade que demanda recursos. Esta suposição básica é essencial quando se pretende estruturar apropriadamente um modelo EGC inter-regional, tornando-se inválidos os resultados do modelo caso não seja considerada (ver Isard et al., 1998). Primeiramente, é possível especificar a tecnologia de transporte adotando a hipótese de custo de transporte iceberg, baseada em Samuelson (1952). Assume-se que uma certa porcentagem da mercadoria transportada é gasta durante o transporte. Analiticamente, uma maneira possível de introduzir custos iceberg é considerar a taxa de transporte η i > 0 como sendo a parte da mercadoria i perdida por unidade de distância e zrs a distância de r a s; então, a quantidade a chegar em s – se uma unidade de produto i for enviada de r a s – é exp(–η izrs ) que é inferior à unidade, se zrs é positivo (Bröcker, 1998). Para a calibragem, assume-se que as taxas de transporte η i para cada setor são conhecidas na forma de dados de custo de transporte por unidade de distância como porcentagens dos valores das respectivas mercadorias. A variável z rs potencialmente fornece a ligação para a integração com um modelo georeferenciado de transporte. Dentre os modelos que utilizam essa estrutura de tecnologia de transporte incluem-se Bröcker (1998ab, 2002), Kilkenny (1998), Hu (2002), e Almeida et al. (2007). Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 38 Em segundo lugar, pode-se assumir que serviços de transporte sejam produzidos por um setor regional de transportes otimizador . Uma fronteira de possibilidades de produção (PPF) plenamente especificada deve ser introduzida para o setor de transportes, que produz bens consumidos diretamente por usuários e que sejam consumidos para facilitar as trocas, i.e. serviços de transporte são utilizados para levar mercadorias do local de produção ao local de consumo. A modelagem explícita de tais serviços de transporte e o custo de mover produtos baseado em pares de origem-destino representa um avanço teórico importante (Isard et al., 1998), mesmo que torne a estrutura do modelo um tanto complicada na prática (Bröcker, 1998b). O modelo pode ser calibrado levando em consideração a estrutura de custos de transporte específicos para cada fluxo de mercadorias, fornecendo diferenciação espacial de preços, que, indiretamente, trata a questão relacionada à eficiência da infra-estrutura regional de transportes. Nesse sentido, o território tem papel fundamental.9 Exemplos podem ser encontrados em Haddad (1999, 2004), e Haddad e Hewings (2001, 2005). Finalmente, uma terceira abordagem para introduzir o transporte em modelos EGC consiste no desenvolvimento de um módulo satélite para o sistema de transportes. O subsistema de transportes é geralmente modelado de forma exógena, gerando insumos de transporte que alimentam a função de produção no modelo EGC. Nesse caso, não há fundamentação micro por trás do modelo satélite, como é o caso das equações comportamentais no núcleo do modelo EGC inter-regional. Roson (1994) e Kim e Hewings (2002, 2003) fornecem alguns exemplos dessa abordagem. 3. O MODELO EGC INTER-REGIONAL Nosso ponto de partida é o modelo B-MARIA, desenvolvido por Haddad (1999). O modelo B-MARIA – e suas extensões – tem sido amplamente utilizado para estimar os impactos regionais de políticas econômicas no Brasil. Desde a publicação do texto de referência, vários estudos foram iniciados utilizando, como ferramenta analítica básica, variações do modelo original.10 Além disso, revisões criteriosas do modelo podem ser encontradas em Journal of Regional Science (Polenske, 2002), Economic Systems Research (Siriwardana, 2001) e em Papers in Regional Science (Azzoni, 2001). Estudos utilizando o modelo B-MARIA e suas extensões são beneficiados pela flexibilidade, que permite aos usuários lidar com os impactos diferenciados das políticas públicas nas diversas regiões e setores no sistema brasileiro inter-regional. Partindo de sua estrutura básica, variações das características gerais (cenários regionais e setoriais, anos de referência) foram implementadas, assim como extensões metodológicas (i.e. tratamento do setor externo, desagregação mais refinada das contas do setor público). Alguns exemplos das aplicações incluem: estudos das perspectivas da dinâmica regional Brasileira [Baer et al., (1998); Haddad et al. (1999)]; avaliação do processo de liberalização do comércio no início da década de 1990 [Haddad e Hewings (2000a); Haddad e Azzoni (2001)]; avaliação dos impactos dos Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 39 investimentos no setor automobilístico [Haddad and Hewings (1999)]; avaliação de políticas de transporte [Haddad e Hewings (2001, 2005), Haddad e Perobelli (2004); Haddad et al. (2007)]; avaliação metodológica de coeficientes estruturais e parâmetros comportamentais do modelo [Haddad et al. (2002)]; avaliação de impactos regionais de acordos comerciais [Domingues (2002)]; desenvolvimentos metodológicos para o estudo de competição tributária no Brasil [Domingues e Haddad (2003); Porsse (2005)]; e, finalmente, a análise de interações comerciais dentre os estados Brasileiros [Perobelli (2004)]. A estrutura teórica do modelo B-MARIA é bem documentada. Além das leituras de referência fornecidas por Haddad (1999) e Haddad e Hewings (1997), que apresentam o modelo detalhadamente, Domingues (2002), Perobelli (2004), Haddad (2004), Haddad e Hewings (2005), e Porsse (2005) também apresentam versões estendidas do modelo, focando em alguns de seus novos procedimentos de desenvolvimentos e calibragem. Nesse trabalho, desenvolvemos uma versão do modelo B-MARIA específico para tratar de políticas de transporte no estado de Minas Gerais. Utilizamos uma abordagem semelhante a Haddad (2004) e Haddad e Hewings (2005) para integrar o modelo inter-regional EGC com o modelo de infra-estrutura de rede de transporte geo-referenciado. No entanto, ao invés de utilizarmos um modelo de rede de transporte mais simples baseado em apenas um atributo das ligações para tratar da acessibilidade (i.e. velocidade máxima), utilizamos um modelo mais sofisticado, o Highway Development and Management (HDM-4), desenvolvido pelo Banco Mundial.11 3.1 Características básicas do modelo B-MARIA-MG A estrutura do modelo EGC inter-regional utilizado nas nossas simulações, B-MARIA-MG, representa um desenvolvimento mais avançado do Brazilian Multisectoral And Regional/ Interregional Analysis Model (B-MARIA), o primeiro modelo EGC inter-regional plenamente operacional para a economia brasileira. Sua estrutura teórica baseia-se no modelo MONASHMRF (Peter et al., 1996), que representa uma estrutura multi-regional do conjunto ORANI de modelos EGC da economia Australiana. A versão do B-MARIA utilizada nessa pesquisa contém mais de 140.000 equações em sua forma condensada, e foi projetado para a análise de políticas de transporte. O comportamento dos agentes foi modelado em nível regional, adaptando as variações na estrutura das economias regionais. No que diz respeito à configuração regional, a principal inovação no modelo B-MARIA-MG é o tratamento detalhado de fluxos de comércio inter-regionais na economia Brasileira, na qual os mercados de produtos são plenamente especificados para cada origem e destino. O modelo reconhece as economias de 109 regiões brasileiras, 75 localizadas no estado de Minas Gerais (Figura 1). Os resultados são baseados em uma abordagem bottom-up – i.e. os resultados nacionais são obtidos a partir da agregação de resultados regionais. O modelo identifica 8 setores de produção / investimento em cada região produzindo 8 produtos (Tabela 1), uma família representativa em cada região, Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 40 governos regionais e um governo Federal, e uma única área externa que comercializa com cada região doméstica por meio de uma rede de portos de saída e de entrada. Três fatores primários locais são usados no processo de produção de acordo com as dotações regionais (terra, capital e trabalho). O modelo está calibrado para 2002; um conjunto de dados bastante completo está disponível para aquele ano, que é o ano da última publicação das tabelas nacionais completas de insumo-produto que serviram de base para a estimação da base de dados de insumo-produto interestadual (Fipe, 2007), o que facilitou a escolha do ano base. FIGURA 1 Estrutura regional no modelo B-MARIA-MG Fonte: Elaboração própria. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 41 TABELA 2 Setores no modelo B-MARIA-MG 1 Agricultura 2 Mineração 3 Ind. de transformação 4 Construção 5 Transportes 6 Comércio 7 Administração pública 8 Outros serviços Fonte: Elaboração própria. A estrutura do modelo B-MARIA-MG explicitamente inclui alguns elementos importantes de um sistema inter-regional, o que é necessário para uma melhor compreensão do fenômeno macro-espacial, sendo: fluxos inter-regionais de bens e serviços, custos de transporte baseados em pares de origem-destino, movimento inter-regional de fatores primários, regionalização das transações do setor público e segmentação do mercado de trabalho regional. Listamos abaixo as modificações estruturais adicionais implementadas no modelo básico, relacionadas tanto a questões de especificação como a mudanças na base de dados. Primeiramente, introduzimos a possibilidade de retornos não constantes no processo de produção, seguindo Haddad (2004). Tal extensão é essencial na representação adequada de um dos mecanismos atuantes de uma economia espacial. O procedimento de modelagem adotado em B-MARIA-MG utiliza hierarquias de elasticidade de substituição constante (CES) para especificar a tecnologia de produção. Dadas as propriedades das funções CES padrão, retornos não-constantes estão descartados. Porém, é possível modificar suposições nos valores dos parâmetros para introduzir retornos não constantes de escala. Mudanças nas funções de produção do setor de indústria de transformação 12 em cada uma das 109 regiões foram implementadas a fim de incorporar retornos não constantes de escala, um pressuposto fundamental para a análise de sistemas inter-regionais integrados. Mantivemos a hierarquia da estrutura de produção CES aninhada (nested), o que é muito conveniente para fins de calibragem (Bröcker, 1998), mas modificamos as hipóteses dos valores dos parâmetros, conduzindo para uma forma mais generalizada. Este artifício permite a introdução de economias de escala paramétricas no modelo (ponderadas como economias de aglomeração), Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 42 por meio da exploração de propriedades locais da função CES. Deve-se tomar cuidado para que sejam mantidas as propriedades de convexidade locais das formas funcionais para garantir, sob o ponto de vista teórico, a existência de equilíbrio. A segunda modificação principal, que trata de algumas questões de modelagem discutidas na seção anterior, refere-se à introdução de ligações entre o núcleo do modelo EGC interregional e um modelo geo-referenciado de rede de transportes. Essa modificação permite uma caracterização mais adequada da estrutura espacial da economia, onde o papel da infraestrutura de transportes e o efeito da distância são explicitamente considerados. Nessa especificação mais sofisticada de custos de transporte, a possibilidade analítica de tratar dos efeitos de escala no transporte também é introduzida. Na próxima seção, essa questão será discutida em detalhe. Outra mudança menor considera a expansão do conjunto de indicadores para a inclusão de outras dimensões do desenvolvimento sócio-econômico, como o bem-estar, a pobreza, a competitividade e a concentração regional.13 No debate público, como observado por Dixon e Rimmer (2002), é geralmente útil resumir os vários resultados das simulações EGC em alguns poucos números. A medida de bem-estar foi derivada das propriedades subjacentes da função de utilidade. Refere-se à variação equivalente do excedente do consumidor, um indicador de bem-estar, e é incluído no modelo em termos de unidades monetárias do ano de referência (milhões de reais de 2002).14 O indicador de pobreza é baseado na interação de mudanças na renda familiar regional e elasticidades de pobreza específicas de cada região, estimado por Vinhais (2006); enquanto os outros indicadores são calculados diretamente dos resultados do modelo. 3.2. Base de dados estrutural O núcleo da base de dados CGE requer informações setoriais e regionais detalhadas sobre a economia brasileira. Dados nacionais (como matrizes de insumo-produto, comércio exterior, impostos, margens e tarifas) estão disponíveis no IBGE. No nível regional, um conjunto completo de cálculos foi desenvolvido pela Fipe-USP (Fipe, 2007). Esses dois conjuntos de informação foram agrupados em uma matriz de contabilidade social inter-regional balanceada. Trabalho anterior neste sentido foi implementado com sucesso em modelos EGC inter-regionais para o Brasil (i.e. Haddad, 1999; Domingues, 2002; Perobelli, 2004, Porsse, 2005). 3.3. Parâmetros comportamentais A experiência com a estrutura do modelo B-MARIA sugere que a substituição inter-regional é o mecanismo chave que direciona os resultados espaciais do modelo. Em geral, ligações Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 43 inter-regionais têm papel importante no funcionamento de modelos EGC inter-regionais. Tais interligações são impulsionadas pelas relações comerciais (fluxos de mercadoria) e pela mobilidade de fatores (migração de capital e trabalho). No primeiro caso, de interesse direto para o nosso exercício, fluxos de comércio inter-regionais devem ser incorporados ao modelo. Assim, as bases de dados de insumo-produto inter-regionais são necessárias para calibrar o modelo e as elasticidades do comércio regional têm papel crucial nos resultados das simulações. Um problema freqüente relacionado aos dados utilizados no processo de modelagem é a falta de tais elasticidades de comércio em nível regional. A regra usualmente seguida é a utilização de elasticidades do comércio externo como referência para a escolha do parâmetro regional. Porém, um estudo recente de Bilgic et al.(2002) tende a refutar a hipótese que as elasticidades de comércio internacional representam os limites inferiores para elasticidades de comércio regional de bens comparáveis, uma suposição amplamente aceita por pesquisadores que trabalham com modelagem EGC. Suas estimativas de elasticidade de comércio regional para a economia dos EUA modifica a visão predominante e chama a atenção desses pesquisadores para a estimação apropriada de parâmetros-chave. Nesse sentido, um esforço foi iniciado para se estimar elasticidades de comércio regional para o Brasil, que fossem consistentes com o modelo (ver Haddad e Hewings, 2005). Estimativas são apresentadas na Tabela 3. TABELA 3 Elasticidades de comércio regional no modelo B-MARIA-27 Agricultura 1.570 Mineração 0.001 Ind. de transformação 2.079 Construção 0.002 Transportes 1.465 Comércio 0.694 Administração Pública 0.007 Outros serviços 1.465 Fonte: Haddad e Hewings (2005). Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 44 Outros parâmetros comportamentais chave foram estimados apropriadamente; tais parâmetros incluem estimativas econométricas para economias de escala (Haddad, 2004); estimativas econométricas para elasticidades de demanda de exportação (Perobelli, 2004); bem como estimativas econométricas para as elasticidades das trocas regionais. Outro conjunto de parâmetros chave, relacionado a elasticidades de substituição com o comércio internacional, foram tomadas de um estudo recente desenvolvido no IPEA, para bens manufaturados, e de estimativas consistentes no modelo EFES para bens agrícolas e serviços. 3.4. Ambientes de simulação Com o propósito de capturar os efeitos das políticas na área de infra-estrutura dos transportes, as simulações ocorreram sob dois ambientes de simulação, conhecidos na literatura de EGC como “fechamentos”, denominados curto prazo e ao longo prazo. Uma distinção entre os fechamentos de curto e longo prazos está relacionada ao tratamento da mobilidade e expansão do capital encontrado na abordagem microeconômica padrão para ajustes de políticas. No fechamento de curto prazo, os estoques de capital são mantidos fixos, enquanto, no longo prazo, é permitido que as e choques afetem o estoque de capital. Além da suposição da imobilidade inter-regional e inter-industrial do capital, a especificação de curto prazo inclui população e oferta de trabalho regionais fixos, diferenciais regionais de salário fixos, e salário real nacional fixo. O emprego regional é determinado pelos salários, que indiretamente determinam as taxas de desemprego regionais. No que diz respeito à demanda, os gastos com investimento fixos – firmas não podem reavaliar suas decisões de investimento no curto prazo. O consumo das famílias segue a renda familiar disponível, e o consumo real do governo, tanto em nível regional quanto federal, é fixo (alternativamente, o déficit governamental pode ser configurado exogenamente, permitindo mudanças nos gastos governamentais). Finalmente, as variáveis de preferência e de tecnologia são exógenas. A especificação de um equilíbrio de longo prazo de estado estacionário também é empregada, na qual o capital é móvel entre as regiões e setores. Em geral assume-se que o capital e o investimento crescem proporcionalmente. As principais diferenças em relação ao curto prazo estão no mercado de trabalho e na formação de capital. No primeiro caso, o emprego agregado é determinado pelo crescimento da população, pelas taxas de participação da força de trabalho e pela taxa natural de desemprego. A distribuição da força de trabalho entre as regiões e setores é inteiramente determinada de forma endógena. O trabalho é atraído para indústrias mais competitivas em áreas geográficas mais favorecidas, mantendo os diferenciais de salário regionais constantes. Enquanto, de forma similar, o capital é atraído na direção de indústrias mais favorecidas. Este movimento mantém as taxas de retorno em seus níveis iniciais. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 45 4. MODELAGEM DOS CUSTOS DE TRANSPORTE O conjunto de equações que especifica os preços de compra no modelo B-MARIA impõe lucros puros zero na distribuição de mercadorias para os diferentes consumidores. Os preços pagos por cada consumidor pela mercadoria i ofertada pela região s e consumido na região q iguala a soma de seu valor básico e os custos das taxas relevantes e dos bens de margem. O papel dos bens de margem é o de facilitar fluxos de mercadorias dos pontos de produção ou pontos de entrada para seus consumidores domésticos ou pontos de saída. Bens de margem, ou, simplesmente, margens, incluem transporte e serviços comerciais, que levam em conta os custos de transação em sentido amplo. 15 Assume-se que as margens sobre mercadorias utilizadas pelas indústrias, investidores e famílias são produzidas no ponto de consumo. Assume-se que as margens sobre produtos de exportação são produzidas no ponto de produção. A forma funcional geral utilizada para a equação de demanda de margem é apresentada abaixo: (1) onde XMARG(i,s,q,r) é a margem r no fluxo da mercadoria i, produzida na região s e consumida na região q; AMARG(i,s,q,r) é uma variável de tecnologia relativa a fluxos de origem-destino específico para uma determinada mercadoria; η(i, s, q, r) é a taxa de margem de fluxos básicos específicos; X(i,s,q) é o fluxo da mercadoria i, produzida na região s e consumida na região q; e θ (i, s, q, r) é um parâmetro que reflete economias de escala para transporte (em grande quantidade). Na calibragem do modelo, θ (i, s, q, r) está configurado como sendo um, para todos os fluxos. No B-MARIA, os serviços de transporte (e serviços comerciais) são produzidos por um setor regional de transportes (serviços comerciais) otimizador demandante de recursos. Uma fronteira de possibilidades de produção (PPF) plenamente especificada deve ser introduzida para o setor de transporte, que produza bens consumidos diretamente por consumidores e que sejam consumidos para facilitar o comércio, i.e. os serviços de transporte são utilizados para levar mercadorias do local de produção ao local de consumo. A modelagem explícita de tais serviços de transporte e o custo de deslocar produtos baseado em pares de origem-destino representa um avanço teórico importante (Isard et al., 1998), mesmo tornando a estrutura do modelo mais complexa na prática (Bröcker, 1998b). Como será demonstrado, o modelo é calibrado levando em consideração a estrutura do custo de transporte específico do fluxo de cada mercadoria, fornecendo diferenciação espacial de preços, que, indiretamente, trata a questão relacionada à eficiência da infra-estrutura de transporte regional. Nesse caso, o espaço assume um papel central. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 46 O modelo explícito de custo de transporte, baseado em fluxos de origem-destino, que leva em consideração a estrutura espacial da economia Brasileira, cria a capacidade de integração entre o modelo CGE interestadual e um modelo de rede de transporte geo-referenciado, aumentando o potencial desta estrutura na compreensão do papel da infra-estrutura no desenvolvimento regional. Duas opções para integração estão disponíveis utilizando a versão linearizada do modelo, onde a equação (1) torna-se: (2) Considerando-se uma rede de transporte geo-referenciada plenamente especificada, é possível simular mudanças no sistema que podem afetar a acessibilidade relativa (por exemplo, melhoria das estradas, investimentos em novas auto-estradas). Uma matriz de custos de transporte inter-regional pode ser calculada ex ante e ex post, e mapeada para o modelo CGE inter-regional. Esse mapeamento inclui dois estágios, um associado com a etapa de calibragem e outro com a etapa de simulação; ambos são discutidos abaixo. 4.1. Integração na fase de calibragem No modelo EGC inter-regional assume-se que o locus de produção e consumo em cada região está localizado no centróide de cada zona de tráfego. O modelo de transporte calcula a matriz de custos de transporte inter-regional baseado no custo operacional de veículos.16 Enquanto os custos de construção e manutenção de rodovias consomem uma grande parcela dos orçamentos nacionais, os custos de operação e depreciação de veículos sustentados pelo público utilizador das rodovias são ainda maiores. Portanto, é importante que políticas para as rodovias levem em consideração a totalidade dos custos de transporte. Isto requer métodos quantitativos para prever o desempenho e os custos de ambos, rodovias e veículos, referentes às amplas e diversificadas redes rodoviárias e sob as várias políticas e estratégias de investimento e de administração (ver Archondo-Callao e Faiz, 1994). Dados da rede Brasileira foram obtidos da base de dados desenvolvida para o Plano Estratégico de Logística de Transporte de Minas Gerais (PELT-MG) (Fipe, 2007). Este banco de dados, na forma utilizada nessa pesquisa, inclui não somente a rede rodoviária, mas também a malha ferroviária e outros meios de transporte de menor importância para Minas Gerais, possibilitando a investigação de alternativas multimodais. Toda a manipulação de dados e cálculos de rede foi conduzida utilizando os módulos geral e de planejamento de transporte do software TransCAD (Caliper, 2000). As velocidades e os recursos operacionais dos veículos motorizados são determinados como funções das características de cada tipo de veículo e da geometria, tipo de superfície e Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 47 condição atual da estrada, tanto em condições de fluxo livre quanto de tráfego congestionado. Os custos operacionais são obtidos pela multiplicação das quantidades dos vários recursos pelos custos unitários ou preços, que são especificados pelo usuário em termos financeiros ou econômicos. Os seguintes componentes de custo operacional de veículos são considerados nesse estudo: consumo de combustível, consumo de óleo lubrificante, gasto de pneus, consumo de peças, horas trabalhadas na manutenção, depreciação, juros, horas dos empregados no transporte e custos fixos. Os custos do transporte por ferrovias utilizado nesse estudo foram baseados em valores vigentes de frete cobrado pelas operadoras. Portanto, o custo de transporte para cada par de origem-destino foi inicialmente calculado para o modal de transporte específico, em R$/ tonelada. Em seguida, estes custos foram ponderados pela tonelagem utilizada em cada meio de transporte, fornecendo a informação necessária para calibragem do modelo. 17 O processo de calibragem do modelo B-MARIA requer informação sobre as margens de transporte relativas ao fluxo de cada mercadoria. Informação agregada para margens em transações inter-setoriais, criação de capital, consumo doméstico e exportações estão disponíveis a nível nacional. O problema persiste em desagregar esta informação considerando a anterior desagregação espacial de fluxos de mercadorias na geração de contas inter-regionais de insumo-produto, e de informação adicional disponível – modelo de transporte, matriz de custos ponderados de transporte multimodal e agregados nacionais para margens específicas. Em resumo, a estratégia de calibragem adotada neste trabalho leva em consideração explicitamente, para cada par de origem-destino, elementos chave do sistema econômico interregional integrado Brasileiro, isto é: a) o tipo de comércio envolvido (as margens variam de acordo com os fluxos de mercadoria específicos); b) a rede de transporte multimodal; e c) efeitos de escala no transporte, na forma de economias de longa distância. Além disso, a possibilidade de se tratar explicitamente com retornos crescentes no transporte também é introduzida na etapa de simulação, como discutido na próxima seção. As taxas de margem são calculadas na forma de mark-up, considerando a relação entre margens e os respectivos fluxos básicos. 4.2. Integração na fase de simulação Ao fazer simulações com B-MARIA, pode-se considerar a ocorrência de mudanças na rede física de transporte. Por exemplo, pode-se querer avaliar os efeitos econômicos espaciais de um investimento em uma nova auto-estrada, gastos com melhoria nas estradas, ou mesmo a adoção de um sistema de pedágio, todos os quais terão impactos diretos no custo de transporte, seja reduzindo o tempo de viagem, seja por meio do aumento direto de pagamentos desembolsados. O desafio se torna o de se encontrar meios de traduzir tais políticas em Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 48 mudanças na matriz de custos de transporte inter-regional. Tal matriz serve como base de integração do modelo de transporte ao modelo CGE inter-regional na fase de simulação, e é fornecido pelas estimativas de custo utilizando o modelo HDM-4. Uma maneira de integrar os dois modelos, em seqüência, requer ou a utilização da variável amarg(i,s,q,r) ou o uso do parâmetro θ (i, s, q, r), na equação (1), como variáveis de interligação (linkage variables). Mudanças na matriz de custos de transporte inter-regional são calculadas no modelo de transporte de forma a criar uma interface com o modelo CGE interregional. No modelo B-MARIA, informação sobre taxas de transporte está disponível, bem como informação sobre as mais relevantes interligações de rede, possibilitando a estimativa de uma função de custos de transporte consistente com o modelo. De posse de tal ferramenta, mudanças nas taxas de transporte podem ser estimadas e incorporadas no modelo EGC interregional, como a seguir. Reorganizando a equação (1), temos: (3) onde θ (i, s, q, r) = 1 implica que o lado esquerdo torna-se a taxa de transferência (comércio ou transporte) específica. Uma mudança percentual na taxa de transferência pode então ser mapeada na variável de tecnologia, AMARG(i,s,q,r). Portanto, na forma de mudança percentual, amarg(i,s,q,r) torna-se a variável de ligação relevante, como: (4) Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 49 5. PROJETOS DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES Nessa seção, ilustramos a capacidade analítica da estrutura unificada na avaliação de projetos de transporte específicos contemplados no Programa de Aceleração do Crescimento PAC. O estudo de caso sob consideração refere-se a dois projetos de melhoria de auto-estradas federais – BR-262 e BR-381 – no estado de Minas Gerais. A análise a seguir sugere uma estratégia de aplicação da estrutura desenvolvida aqui para a avaliação de um projeto em um contexto sistêmico, em sua fase operacional. O objetivo é o de explorar as características do modelo integrado na fase de simulação e não o de prosseguir com uma avaliação sistêmica do projeto, que está fora do escopo desse trabalho. No restante do trabalho avaliaremos o impacto nas variáveis nacionais e em um conjunto mais abrangente de variáveis socioeconômicas. As características dos projetos, atualmente em seus estágios de planejamento, estão detalhadas em um documento preparado pela Fipe (2007) para a Secretaria de Transportes e Obras Públicas de Minas Gerais. As diretrizes utilizadas para justificar as escolhas dessas rotas específicas das rodovias BR-262 e BR-381 a serem melhoradas estão baseadas em razões da localização estratégica desses trechos no sistema de transporte nacional, pois constituem dois dos principais corredores relacionados às regiões mais dinâmicas do país. Além disso, esperase que tais melhorias irão promover o desenvolvimento regional no estado de Minas Gerais, uma das principais economias do país. Com comprimento total de 441 Km, entre Betim e Uberaba, o projeto da BR-262 consiste na duplicação do trecho existente entre Betim e Nova Serrana, e a construção de pistas de aclive e de ultrapassagem entre Nova Serrana e Araxá. O custo total do projeto está estimado em R$ 554 milhões.18 O projeto da BR-381 considera a duplicação da pista entre Belo Horizonte e Governador Valadares, com comprimento total de 304 Km. O custo total de implementação está estimado em R$ 1.395 milhões. A diferença entre os dois projetos está no papel que exercem na integração de regiões Brasileiras. Enquanto o projeto da BR-262 constitui uma grande melhoria na integração lesteoeste do país, ligando a costa do Sudeste às áreas agrícolas do Centro-oeste, a BR-381 tem papel estratégico na integração do Nordeste com o Sudeste e o Sul do país. Esses eixos distintos de integração exercem papéis diferentes no sistema inter-regional brasileiro, uma vez que a competição espacial ocorre em menor grau no caso da BR-262 do que no caso da BR-381. Nesse último caso, espaços econômicos mais densos estão diretamente envolvidos no processo espacial, enquanto no caso anterior, espaços mais especializados têm papel mais proeminente. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 50 FIGURA 2 Localização dos projetos de melhoria de estradas BR-262 BR-381 Fonte: Secretaria de Transportes e Obras Públicas, Minas Gerais. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 51 5.1. Funcionamento do mecanismo Nessa sub-seção, apresentamos as principais relações causais subjacentes aos resultados da simulação. O exercício de simulação considera a implantação de dois projetos relativos à melhoria de estradas no estado de Minas Gerais. De acordo com a estrutura do modelo isto pode representar uma mudança no sentido de uma redução de margens, i.e. a utilização de serviços de transporte por unidade de produto é reduzida, implicando em uma redução direta do produto do setor de transportes. À medida que os carregamentos se tornam menos recursointensivos, a força de trabalho e o capital são liberados gerando um excesso de oferta de fatores primários no sistema econômico. Isso cria uma pressão de queda sobre os salários e a remuneração do capital, que são repassados na forma de menores preços. A redução nos custos de transporte diminui o preço dos bens compostos, com implicações positivas na renda regional real: nessa abordagem de competitividade de custos, as firmas se tornam mais competitivas – à medida que os preços de produção caem (insumos ficam mais baratos); os investidores prevêem retornos possivelmente maiores – à medida que o custo do capital produtivo também cai; e as famílias aumentam sua renda real, permitindo aumento de consumo. O aumento na renda gera maior demanda doméstica, enquanto que o aumento na competitividade dos produtos nacionais estimula a demanda externa. Isso possibilita uma produção crescente das firmas – dirigida tanto para o mercado doméstico como para o internacional – o que requer mais insumos e fatores primários. A demanda crescente pressiona para aumentos de preços nos mercados de fatores, com uma concomitante expectativa de que os preços de bens domésticos também aumentem. Mudanças nos preços em um segundo momento seguem ambas as direções – diminuição ou aumento. O efeito líquido é determinado pelo poder relativo das forças de compensação. A figura 3 resume os mecanismos de transmissão associados aos principais efeitos de primeira e segunda ordem no processo de ajuste em que se baseiam os resultados agregados do modelo. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 52 FIGURA 3 Relações causais na simulação Fonte: Elaboração própria. No que diz respeito aos efeitos espaciais, três forças principais operam no curto prazo – dois efeitos preço e um efeito renda – e o resultado líquido dependerá em grande parte da estrutura do sistema interestadual integrado. No que tange ao desempenho regional, dois mecanismos de substituição decorrentes de efeitos preço são relevantes para entender o processo de ajuste. Primeiramente, existe um efeito substituição direto. Considere duas regiões Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 53 com relação de troca ente si, uma exportando e a outra importando, r e s, respectivamente. À medida que o custo do transporte entre as duas regiões decresce, r aumentará sua penetração em s, produzindo mais para s, uma vez que agora é mais barato comprar de r. Um efeito substituição opera no sentido de que s substituirá diretamente por produtos de r o produto regional ou o produto de outra região (inclusive produtos estrangeiros). Além disso, ocorre outro efeito substituição. Para que se produza para s, r comprará insumos de outras regiões. Uma vez que tais insumos estão agora mais baratos, devido a reduções no custo do transporte, a região r, com melhor acesso às fontes de insumo, torna-se mais competitiva, expandindo seu produto. Esse é o efeito substituição indireto. Porém, uma terceira força de compensação aparece na forma de efeito renda. Com melhor acessibilidade, a demanda de produtos da região r aumenta. As fontes de maior demanda para o produto da região advêm de um efeito substituição – os preços dos produtos de r estão agora mais baixos – e de um efeito renda – a renda real aumenta. Isso cria uma pressão sobre os preços e o efeito líquido dependerá se os efeitos substituição direta e indireta prevalecerão sobre o efeito renda. No longo prazo um quarto mecanismo torna-se relevante: o efeito “realocação” (“re-location” effect). À medida que os fatores estão livres para se movimentar entre as regiões, novas decisões de investimento definem a realocação marginal de atividades, no sentido de que a distribuição espacial dos estoques de capital e da população se altera. O principal mecanismo afetando o desempenho regional está associado à criação de capital. À medida que os custos de transporte diminuem, o melhor acesso a bens de capital produzidos em outras regiões aumenta a taxa de retorno na região. Ao mesmo tempo essa situação possivelmente beneficia regiões importadoras de capital e tem impacto positivo nos setores de bens de capital das regiões produtoras desses bens. Finalmente, as regiões podem ser afetadas desfavoravelmente pela re-orientação de fluxos de comércio (desvio do comércio), à medida que a acessibilidade relativa muda dentro do sistema. Portanto, ganhos totais em eficiência no setor de transportes não são necessariamente acompanhados por ganhos totais em bem-estar. Essa questão do desvio de comércio versus criação de comércio tem assumido posição destacada na literatura sobre comércio internacional. 5.2 Resultados O modelo B-MARIA foi utilizado para estimar os impactos de curto e longo prazos de ambos os projetos durante suas fases operacionais. Os principais resultados estão discutidos abaixo.19 Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 54 Impactos nacionais A Tabela 4 apresenta resultados de simulação para agregações nacionais. Duas imagens distintas vêm à tona, demarcando as diferenças estruturais específicas entre os dois projetos. No caso do projeto da BR-262, os resultados obtidos estão mais enquadrados com as expectativas do senso comum em relação a projetos de infra-estrutura. Ganhos em eficiência (crescimento real do PIB) são positivos tanto no curto quanto no longo prazo, enquanto ganhos de bem-estar (variações equivalentes) são revelados apenas no longo prazo. Vale ressaltar que no longo prazo os efeitos no PIB são ampliados. Em termos de emprego, no curto prazo verificamos resultados negativos (redução no número de empregos), encabeçado pelo fraco desempenho dos setores de transporte e construção; este último, especificamente, tem elevado coeficiente de fator trabalho. No longo prazo o desempenho negativo do emprego ainda prevalece, mas em menor grau, uma vez que os efeitos de atividade sobrepõem parcialmente os efeitos estruturais setoriais. Mudanças nos termos de troca tendem a beneficiar as exportações brasileiras apenas no curto prazo, uma vez que os resultados apontam para a crescente competitividade dos produtos brasileiros. Essa conclusão é reforçada pelo desempenho do setor de comércio internacional: aumento no volume de produtos exportados, que contribui, em grande medida, para o crescimento do PIB no curto prazo. Quando comparado com outros componentes do PIB, o comércio internacional é o único componente que apresenta desempenho positivo no curto prazo. No longo prazo, no entanto, essa situação se reverte. Enquanto verifica-se uma penetração mais forte de produtos importados, devido à reversão dos termos de troca, a absorção doméstica torna-se o principal componente a impulsionar o crescimento do PIB. O raciocínio por trás desse resultado é como se segue. No curto prazo, os componentes da absorção doméstica são menos propensos a mudanças, enquanto no longo prazo os fatores primários (a força de trabalho e o capital) são mais flexíveis. As pressões para aumento dos preços dos fatores primários são, portanto, menos sensíveis, permitindo uma queda mais forte nos custos domésticos de produção. No entanto, nessa simulação específica, os preços das exportações tendem a crescer em relação aos preços domésticos, dificultando o balanço do comércio internacional. 20 Tal fato está intrinsecamente relacionado à localização do projeto, que se situa em uma posição de interligação entre mercados produtores agrícolas (nas porções oeste e central do país) a importantes centros consumidores domésticos no leste. Uma vez que essa ligação leste-oeste não está substancialmente associada aos corredores de exportação da produção agrícola, os efeitos positivos estão principalmente associados a benefícios aos mercados domésticos. Além disso, a natureza bastante distinta das respectivas estruturas econômicas dos espaços interligados impõe uma competição espacial bastante fraca entre as regiões na área de influência da BR-262. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 55 Nesse sentido, os efeitos espaciais no PIB (Figura 4) revelam, tanto no curto como no longo prazo, impactos positivos em regiões diretamente influenciadas pela BR-262. Vale ressaltar que tais impactos positivos se propagam sobre o espaço, no longo prazo. Além disso, efeitos de realocação tendem a ser direcionados a regiões de produção agrícola no oeste, bem como a áreas diretamente ligadas ao próprio projeto dentro dos limites territoriais de Minas Gerais. TABELA 4 Resultados nacionais: variáveis selecionadas (em mudança percentual) Fonte: Elaboração própria. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 56 FIGURA 4 Resultados espaciais: PIB real (em mudança percentual) Projeto BR-262 Curto Prazo Longo Prazo Fonte: Elaboração própria. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 57 No que diz respeito ao projeto BR-381, os resultados macroeconômicos no curto prazo são qualitativamente equivalentes àqueles apresentados pelo projeto BR-262: o crescimento do PIB sustentado, em grande parcela, pelo setor internacional e as melhorias nos termos de troca, bem como o aumento da competitividade sistêmica. Porém, um resultado um tanto surpreendente21 (considerando-se o senso comum) ocorre: o PIB real no longo prazo está projetado para decrescer, depois que o projeto de duplicação entrar em operação. Para que se entenda melhor os mecanismos por trás desse resultado factível, consideremos os seguintes fatos estilizados, representados na Figura 5. As duas caixas referem-se à dimensão espacial associada com a área de influência de primeira ordem do projeto, considerando o sistema inter-regional integrado. O ponto A poderia referir-se a um ponto nodal localizado ao norte do ponto nodal setentrional extremo associado ao projeto, i.e. o ponto B (Governador Valadares). O ponto mais ao sul relacionado ao projeto, o ponto C (Belo Horizonte), também é uma referência de limite nessa análise. Mais ao sul, o ponto D poderia ser, por exemplo, São Paulo e o ponto E, Curitiba. A idéia é criar uma estrutura que revelará resultados possíveis em um contexto de competição espacial. Três regiões distintas estão contempladas: Região 1 (Nordeste), incluindo o ponto A; a Região 2 (Minas Gerais), incluindo os pontos B e C; e a Região 3 (São Paulo e Sul do Brasil), incluindo os pontos D e E. Deve ser enfatizado que a BR-381 tem papel relevante na integração dessas três regiões. Mais importante ainda, ela é parte de uma das principais rotas ligando o Nordeste ao Sul do país. Quando o projeto for implementado (Situação 2), a duplicação da pista B-C altera consideravelmente a designação do tráfego na malha. Ligações que não foram especificamente consideradas no projeto começam a receber mais tráfego, aumentando seus custos operacionais devido aos efeitos de congestionamento.22 Na simulação com o modelo de transporte, de um total de 11.881 pares de origem-destino (O-D), 7.384 apresentaram queda de custos enquanto 3.462 apresentaram aumento de custos.23 A maioria das ligações relevantes que apresentaram aumento de custo estão localizadas nas áreas de maior densidade econômica ao sul de Belo Horizonte ou, de acordo com nossa estrutura representada na Figura 4, na Região 3. Esta situação pode certamente levar a impactos negativos, especialmente naquelas regiões que apresentam aumento nos custos de transações espaciais, prejudicando sua competitividade. No caso específico do projeto BR-381, o papel hierárquico destas regiões no sistema inter-regional Brasileiro é importante para entendermos os resultados finais agregados. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 58 FIGURA 5 Interpretação esquemática da simulação do Projeto da BR-381 Fonte: Elaboração própria. A figura 6 nos ajuda a esclarecer essa questão. Ela apresenta resultados de PIB tanto para o curto como para o longo prazo, de uma perspectiva espacial. Olhando mais de perto tais resultados para longo prazo, surge uma explicação “contábil” para o resultado negativo do PIB real. Contribuições regionais para o PIB nacional mostram que regiões com desempenho positivo (74 delas) representam um impacto total de 0,00388, enquanto regiões com desempenho negativo (35) representam um impacto total de -0,00682. Portanto, o impacto negativo, em termos absolutos, é 75% maior que o positivo. O mapa indica que impactos negativos estão concentrados na totalidade da região Sul, em todas as regiões dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. 58% do impacto negativo total vêm de regiões de São Paulo e 12% do Rio de Janeiro. Nas regiões que apresentam desempenho positivo, as contribuições principais vêm do Nordeste, especialmente Salvador, Aracaju e Fortaleza, representando 68% do impacto positivo total no crescimento do PIB. Há, portanto, claramente uma situação onde a competição espacial tem papel proeminente. Dado o cenário favorável para os custos de produção relativos no Nordeste, em um dado contexto de infra-estrutura de transporte de baixa qualidade sistêmica, aquela região aumenta sua área de mercado espacial em detrimento do Sudeste mais rico, que sofre com os efeitos na malha viária. Os resultados no curto prazo representam uma situação contra-factual caracterizada por mecanismos menos flexíveis de transmissão inter-regional, uma vez que não existe a possibilidade da mobilidade inter-regional de fatores. No caso do Sul (inclusive São Paulo), parece haver uma interdependência competitiva mais forte com Minas Gerais e com as Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 59 economias do leste nordestino, principalmente as mais industrializadas. Os resultados para o PIB real, em termos percentuais, tornam essa característica mais evidente, à medida que se verifica um crescimento econômico de Minas Gerais e do Nordeste à custa do crescimento daquelas regiões ao sul de Minas Gerais, mesmo com o desempenho negativo de economias ocidentais do Nordeste, Tocantins e Mato Grosso. No curto prazo, a economia de Minas Gerais e do Nordeste polariza os efeitos associados com os fluxos de bens, ampliando suas áreas de mercado à custa, não somente das economias ocidentais no Nordeste, mas também das economias do sul do país. Os resultados para o PIB real mostram que o estado recebedor dos investimentos é o que concentra a maioria dos benefícios. No longo prazo, os parâmetros comportamentais têm papel ainda mais proeminente no funcionamento do modelo. Efeitos de realocação de capital e fator trabalho operam definindo uma nova geografia de vencedores e perdedores. O estado de Minas Gerais e o Nordeste se colocam como os maiores atraentes de atividades econômicas, competindo diretamente com o centro-sul do país. O resultado líquido é a realocação de atividades na direção dessas áreas, produzindo dois regimes espaciais de possíveis vencedores e perdedores. Antes de passarmos para a análise dos impactos específicos no estado de Minas Gerais, é importante enfatizar a natureza sistêmica dos problemas sob análise. Como já foi visto, projetos isolados podem promover resultados indesejáveis se não forem considerados dentro do contexto de um programa de investimentos bem especificado. A natureza integrada dos sistemas de transporte pode induzir os formuladores de políticas a cometer erros ao delinear programas sem uma noção razoável dessa propriedade. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 60 FIGURA 6 Resultados espaciais: PIB real (em mudança percentual) Projeto BR-381 Curto Prazo Longo Prazo Fonte: Elaboração própria. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 61 Impactos regionais Esta subseção considera mais de perto os efeitos dentro dos limites territoriais de Minas Gerais. Uma vez que os dois projetos estão localizados nesse Estado, é importante avaliar os impactos específicos no estado. Os formuladores de políticas em Minas Gerais podem ter interesses especiais em tais projetos, dado que esses projetos têm papel estratégico na malha de transporte do estado. Padrões comuns aparecem relativos a efeitos agregados dos dois projetos a Minas Gerais (Tabela 5). Em geral, os resultados positivos são mais fortes no projeto BR-262 do que no projeto BR-381. Porém, ambos seguem na mesma direção para a maioria dos indicadores. Como um todo, os ganhos em eficiência (crescimento real do PIB) são positivos, com impactos maiores ocorrendo no longo prazo. A receita tributária real também segue o mesmo padrão. Indicadores de competitividade sugerem melhorias nos termos de comércio com outros países e uma redução no Custo Minas – mensurado em termos do deflator do PIB estadual. Vale lembrar que no longo prazo os efeitos nos termos de troca são ampliados, o que não ocorre com o Custo Minas no projeto BR-381. No longo prazo, surge uma situação menos favorável, uma vez que a competitividade como um todo em Minas Gerais parece ser obstruída por aumentos de custos de produção associados a aumentos dos preços dos bens de consumo, afetando também o bem-estar em termos de variação equivalente. Este efeito está relacionado à competição espacial direta com economias similares no Nordeste. Em termos de concentração regional, nosso indicador considera o crescimento relativo de regiões mais pobres do Estado – Norte e Jequitinhonha/Mucuri. Esse resultado revela que ambos os projetos são pró-concentração, mas isso acontece em menor grau no projeto BR-381. Finalmente, ambos os projetos são também pró-pobres, projetando reduções no índice de pobreza (headcount poverty index) para o Estado de Minas Gerais, tanto no curto (mais fraco) como no longo (mais forte) prazos. Porém nesse caso, o projeto BR-262 tem melhor desempenho. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 62 TABELA 5 Resultados estaduais: indicadores selecionados (em mudança percentual) Fonte: Elaboração própria. As figuras 7 e 8 demonstram os efeitos PIB espaciais de ambos os projetos focando nas regiões de Minas Gerais. Como um todo, os resultados mais fortes nas áreas de influência dos projetos são claramente notados. Além disso, tais efeitos tendem a se espalhar com o tempo, como sugerido pelo menor número de regiões apresentando desempenho negativo no longo prazo. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 63 FIGURA 7 Resultados estaduais espaciais: PIB real (em mudança percentual) Projeto BR-262 Curto Prazo Longo Prazo Fonte: Elaboração própria. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 64 FIGURA 8 Resultados estaduais espaciais: PIB real (em mudança percentual) Projeto BR-381 Curto Prazo Longo Prazo Fonte: Elaboração própria. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 65 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Tem sido apontada a necessidade de se ter ferramentas apropriadas para avaliação de impactos econômicos das políticas de infra-estrutura de transportes. Este trabalho buscou encarar essa questão. Já foi sugerido que modelos CGE inter-regionais podem, potencialmente, ser empregados na análise de políticas de planejamento de transportes. Buscamos ilustrar uma maneira na qual esse potencial pode ser implementado. No entanto, esta ferramenta ainda não é parte recorrente do processo de planejamento de transportes. Para tanto, aperfeiçoamentos adicionais ainda são necessários para que se possa lidar com os avanços metodológicos na modelagem tanto no campo da economia quanto na área de transportes. Apesar de representar o efeito da infra-estrutura de transportes de maneira consistente, a utilização de versões atuais de modelos CGE inter-regionais tem algumas desvantagens quando o objetivo é substituir modelos convencionais utilizados no planejamento dos transportes no âmbito estadual ou nacional. Versões futuras de modelos CGE inter-regionais devem considerar a incorporação de algumas características usuais de modelos de planejamento de transportes convencionais como, por exemplo, uma visão multimodal mais ampla, atributos qualitativos e sem precificação, efeitos de congestionamentos, e uma desagregação espacial mais refinada que permita uma análise intra-regional igualmente mais refinada. Em alguma medida, a abordagem integrada aqui proposta trata diretamente de algumas dessas questões. Mais importante, porém, os resultados obtidos são encorajadores no sentido de que as questões mais amplas tratadas nesse trabalho, apesar de difíceis, não são insuperáveis. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 66 NOTAS 1 O PAC pretende aumentar o crescimento médio anual do PIB para 5% ao ano (quase que dobrar a média de longo prazo do país), principalmente através do aumento de investimentos em infra-estrutura, que será viabilizado, em parte, por meio de incentivos fiscais direcionados (EIU, Fevereiro 2007). 2 www.brasil.gov.br (Programa de Aceleração do Crescimento 2007-2010). 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 Saldo primário não financeiro do setor público (excetuando-se pagamentos de juros). EIU (2007). www.centran.eb.br (Programa Nacional de Logística e Transportes). No caso de Minas Gerais, o Plano Estratégico de Logística de Transporte de Minas Gerais (Pelt-MG) foi baseado na utilização de abordagens metodológicas de ponta para lidar explicitamente com a interface entre transporte e economia, desde os diagnósticos até a avaliação de projetos de transporte. Para uma resenha sobre modelos EGC regionais na década de 1990, vide Partridge e Rickman (1998). Ver, por exemplo, Fujita et al. (1999) e Fujita and Thisse (2002). Pode-se derivar uma ligação direta entre estoque de capital associado ao setor de transportes e a infra-estrutura da malha de transportes. Porém, problemas de identificação aparecem uma vez que não se pode identificar as magnitudes relativas à ligação supracitada com o capital público da infra-estrutura de transportes, limitando possibilidades analíticas com um sistema de informação geo-referenciado. Dentre eles, quatro dissertações de doutorado: Domingues (2002), Perobelli (2004), Porsse (2005), e Ferraz (2007), este último em seu estágio de conclusão. http://www.worldbank.org/transport/roads/tools.htm. Apenas as atividades da indústria de transformação foram contempladas com esta mudança. Estas medidas foram incluídas apenas da perspectiva do estado de Minas Gerais. Na apresentação dos resultados, nesse trabalho, evidenciaremos apenas o indicador de crescimento econômico. Daqui por diante, serviços de transporte e margens serão utilizados alternadamente. Utilizamos o modelo padrão HDM-4 – Highway Development and Management. Matrizes O-D plenamente especificadas estavam disponíveis na realização deste procedimento. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 67 18 19 20 21 22 23 Valores de dezembro de 2006. Resultados de simulações foram computados usando GEMPACK (Harrison e Pearson, 1994, 1996). Assume-se que o balanço comercial marginal esteja em equilíbrio no longo prazo. De uma perspectiva teórica, políticas de infra-estrutura podem diminuir o crescimento na economia como um todo. Alguns modelos de transbordamento (spillover) localizado (Baldwin et al., 2003) fornecem resultados que apontam nessa direção. Dependendo da ligação, uma faixa ampla de pares OD podem utilizá-la. Isso é mais comum em áreas economicamente mais densas. Os restantes não apresentaram qualquer mudança de custo. Cadernos BDMG, Belo Horizonte, n. 16, p. 29-72, abr. 2008 68 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Almeida, E. S., Haddad, E. A. and Hewings, G. J. D. (2007). The Transport-Regional Equity Issue Revisited. Regional Studies, forthcoming. Arcahondo-Callao, R. S. and Faiz, A. (1994). “Estimating Vehicle Operating Costs”. World Bank Technical Paper n. 234, The World Bank, Washington, D.C. Asano, S. e Fiuza, E. P. S. (2003). “An Analysis of the Brazilian Consumer Behavior: A Microeconometric Study Based on Regional Price Indexes and Metropolitan Household Expenditures”. In: T. Fukuchi e M. A. F. H. Cavalcanti (Eds.), Modeling the Brazilian Economy: Macroeconomics, Security and Consumer Demand, Rio de Janeiro, IPEA. Azzoni, C. R. (2001). “Book Review: Regional Inequality and Structural Changes – Lessons from the Brazilian Experience”. Papers in Regional Science, 83(2). Baer, W., Haddad, E. A. e Hewings, G. J. D. 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Pode ser completado por um subtítulo diferenciado tipograficamente, ou separado por dois-pontos. O título em inglês é opcional e deverá preceder o resumo em língua inglesa. 2. Autores: o(s) nome do(s) autor(es) virão por extenso, abaixo do título à direita, acompanhado(s) de um breve currículo que os qualifique na área de conhecimento do artigo. O(s) currículo(s) (suas qualificações e instituição a qual é vinculado, endereço postal e eletrônico) do(s) autor(es), deve(m) aparecer em notas de rodapé; 3. Resumo: em português e em inglês, não ultrapassando 250 palavras (NBR 6028). O Resumo em português virá logo abaixo do nome do autor. O resumo em inglês – Abstract - virá logo após a conclusão do trabalho. 4. Palavra(s)-chave: em português e em inglês – Keywords. As palavras-chave em português virão logo após o resumo em português, e, as em inglês, virão logo após o resumo em inglês, separadas entre si por ponto. 5. Numeração de seção: o número indicativo de seção precede o título da seção, alinhado à esquerda, dele separado por um espaço de caractere. (NBR 6024) 6. Títulos e subtítulos das seções: deverão apresentar apenas a primeira letra em maiúscula, podendo ou não ser negritados. 7. Citação: a citação direta, de até três linhas, deve vir inserida no texto, entre aspas duplas e em itálico. A citação direta, com mais de três linhas, deve ser destacada com um recuo de 4 cm da margem esquerda. A fonte deverá ser menor do que o texto. O espacejamento entre linhas deve ser simples. Palavras estrangeiras deverão vir entre aspas. (NBR 10520) 8. Referências: obedecerão a NBR 6023 da ABNT. Têm espaçamento simples e duplo entre si, e devem vir em ordem alfabética de autor. 74 9. Glossário, Apêndice e Anexo: O apêndice é o texto ou documento elaborado pelo autor para complementar sua argumentação. O anexo é o texto ou documento não elaborado pelo autor para complementar sua argumentação. Deverão vir – se houver – depois das referências bibliográficas na ordem em que se apresentam acima. 10. Ilustrações: qualquer que seja seu tipo (desenhos, quadros, tabelas, mapas e outros) deverão se restringir ao absolutamente necessário à clareza do texto, e estarem localizadas as mais próximas possíveis do trecho a que se refere. Os títulos ou legendas devem ser claros e objetivos e deverão estar posicionados no texto abaixo do local onde será inserida a ilustração. Deverá vir em disquete/cd-rom à parte, e o arquivo deve receber o mesmo título ou legenda já inseridos no texto. Deverão estar em formato TIFF ou EPS em alta resolução (400dpi). 11. Sigla: quando aparece a primeira vez no texto, a forma completa do nome precede a sigla, colocada entre parênteses. 12. Formato: Os trabalhos deverão ser digitados em Word for Windows, fonte: Times New Roman; tamanho: 12; Folha: A4 (21 cm x 29,7 cm); espacejamento 1,5; margem esquerda e superior de 3 cm, margem direita e inferior de 2 cm. Os artigos poderão ser enviados por e-mail ou por correio. Por e-mail: [email protected] como o assunto: Cadernos BDMG Via correio: em disquete ou cd-rom para: Banco de Desenvolvimento do Estado de Minas Gerais, D.PP – Cadernos do BDMG. Rua da Bahia, 1.600 – Bairro Lourdes, 30160.907 – Belo Horizonte – MG Os artigos assinados são de responsabilidade do(s) autor(es).