Da cadeia alimentar ao jogo das profissões

Transcrição

Da cadeia alimentar ao jogo das profissões
Diário da Pikitim
Volta ao mundo em família
Da cadeia
alimentar
ao jogo das
profissões
Os pais estavam longe de
imaginar que a caótica e poluída
Manila fosse palco da primeira
experiência museológica
verdadeiramente significativa da
Pikitim. Mas foi. E correu tão bem
que, por insistência da miúda,
tiveram de voltar uma segunda
vez ao Museu Pambata. Uma
bela forma de começar a estadia
nas Filipinas. Luísa Pinto e Filipe
Morato Gomes (texto e fotos)
F
olheávamos um
guia de viagens à procura de actividades para fazer em Manila,
quando reparámos numa caixa
intitulada Manila for kids onde,
logo a abrir, se sugeria a visita a
um museu chamado Pambata.
Dizia isto: “A primeira paragem
deverá ser no encantador Museu
Pambata; as suas exposições interactivas exploram Manila pelos
olhos de uma criança.”
Algumas pesquisas depois, estava
decidido: iríamos ao Museu Pambata logo pela manhã do novo dia.
“O que é um museu?”, indagou
a Pikitim, desconfiada, quando lhe
contámos os planos para o dia.
Quando lhe falámos da possibilidade
de “entrar” num corpo humano e
de brincar às profissões, não só a
desconfiança desapareceu como
a excitação tomou conta dela. Por
essa altura, com o entusiasmo nos
píncaros, já temíamos que as expectativas saíssem defraudadas.
Apanhámos um jeepney — uma
longa carrinha com bancos laterais
na parte traseira, transporte público
usual e barato nas cidades filipinas
— rumo ao parque Rizal.
Desde logo, a Pikitim adorou andar de jeepney (nos dias seguintes
não faltaram pedidos para “dar um
passeio de jeepney”), pouco se importando com os gases dos canos de
escape inalados durante a viagem.
Íamos com o objectivo declarado
de visitar imediatamente o museu
mas, ao atravessar o espaço verde
do parque Rizal, a Pikitim não pôde
deixar de reparar num enorme
parque infantil temático, com elefantes, dinossauros, tartarugas e
muitos outros escorregas e casinhas
de brincar em forma de animais.
Resultado: mudança de planos e
umas boas duas horas passadas a
correr, saltar, escorregar e brincar
no parque. É assim viajar com crianças!
Chegámos ao Pambata apenas ao
início da tarde, repletos de excitação e altas expectativas. E a visita
começou bem. Logo à entrada, o
primeiro momento de entusiasmo
numa sala dedicada aos oceanos,
onde a miudagem podia vestir
cabeças de peixes ou polvos feitas de
tecido, num ambiente azul e verde
a simular o fundo do mar povoado
de algas, peixes e medusas. Logo a
seguir, na sala ao lado, uma bancada
com borboletas e uma lupa permitia ver a bicharada ao pormenor.
20 | FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012
Na sala dedicada aos oceanos
no Museu Pambata, os miúdos
podem vestir cabeças de peixes
feitas de tecido
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LAOS
Mar do Sul
da China
BIRMÂNIA
TAILÂNDIA
VIETNAME
Manila
CAMBOJA
FILIPINAS
Ilhas Tailandesas
Mar Sulu
Langkawi
MALÁSIA
Mar Celebes
Singapura
INDONÉSIA
Adiante, ainda na área dedicada à
natureza, a Pikitim aprendeu (e registou na memória, como ficámos a
saber dias mais tarde) o conceito
de cadeia alimentar, ao ver um
peixe grande que comia um peixe
pequeno que comia algas, ou uma
enorme águia que comia uma cobra
que comia ratinhos.
Apesar de estar a gostar, não tardou a perguntar pela sala do corpo
humano. Era o que mais queria
visitar.
Subimos então ao primeiro andar
do museu. À entrada, uma boca aberta com a língua de fora a fazer de
rampa permitia à criançada entrar
na sala propriamente dita através
de um tubo — o esófago. E não faltavam possibilidades de interacção
e aprendizagem. Ouvir as batidas de
um coração em repouso, a dançar
ou em esforço de corrida, visualizar
o tamanho dos intestinos, observar
o que acontece à comida desde a
boca até à sanita, ouvir diferentes
sons produzidos pelo corpo humano, completar um puzzle com
A Pikitim
surpreendeu-nos
com um pedido:
“Amanhã posso
ir outra vez ao
museu?”
os principais órgãos internos do
corpo, fazer um jogo para perceber a importância do tacto, ver o
coração a bombear sangue… tudo
numa sala multicolorida e aprazível
que incentivava todos os miúdos a
interagir.
Para a Pikitim, a “loucura” ficava,
no entanto, paredes-meias com a
sala dedicada ao corpo humano: era
um corredor que simulava um mercado de rua, com diferentes bancas
onde se entreteve a brincar ao faz de
conta até à exaustão (dos pais!). Foi
vendedora de peixe, comercializou
frutas e legumes e trabalhou numa
padaria, mas a “profissão” preferida
foi, sem dúvida, estar à frente de
um restaurante de rua a cozinhar e
servir mãe e pai transformados em
clientes esfomeados. Foi a sua ala
preferida do museu.
Numa outra sala, a Pikitim absorveu a mensagem de que é preciso
poupar os recursos naturais do
planeta, minimizando a água, a electricidade e o papel que gastamos diariamente. As noções não eram propriamente novas para ela — fazemos
por incutir-lhe os princípios básicos
da sustentabilidade desde cedo —,
mas a verdade é que, desde a visita
ao Museu Pambata, parecem ter-se
enraizado de forma mais profunda.
Desde esse dia, não lhe falta atenção
para os descuidos dos adultos: “Pai,
esqueceste-te de apagar a luz, é preciso poupar o planeta” ou “Mãe, não
estragues a folha, podemos escrever
do outro lado”.
Sempre atenta, foi também em
Manila que a Pikitim reparou pela
primeira vez nos guias turísticos,
motoristas de tuk-tuk e vendedores
de rua apregoando gelados, bebidas ou chapéus que volta e meia
nos interpelavam. “Estes senhores
só querem vender coisas”, notou. “É
verdade, filha, mas é o trabalho deles”, respondemos, para que fosse
tolerante e não ficasse demasiado
chateada com a insistência de alguns
vendedores ambulantes.
Foram dias de aprendizagem
contínua, os passados em Manila.
Para além do Museu Pambata e dos
fortuitos contactos de rua, houve
ainda oportunidade para participar
num walking tour direccionado para
as crianças. Foi um misto de visita
ao Forte Santiago, peça de teatro
improvisada e visita a um outro museu, o da Luz e Som, onde a Pikitim
conheceu um pouco da história das
Filipinas, em especial a recente ocupação espanhola e o herói nacional
José Rizal. E a tal ponto a história
ficou enraizada que foram imensos
os desenhos por ela dedicados à
figura de Rizal.
Ao terceiro dia em Manila, após
um passeio em Intramuros, o centro histórico da cidade, mais dedicado aos pais que à filha, a Pikitim
surpreendeu-nos com um pedido:
“Amanhã posso ir outra vez ao museu?”, referindo-se ao Pambata,
também conhecido por Museu
das Crianças. Ficámos contentes,
quase emocionados. Respondemos
que sim, que poderia ir ao museu as
vezes que quisesse. O Pambata tinha
cumprido a sua missão. A primeira
grande experiência museológica da
Pikitim tinha ultrapassado as melhores expectativas.
FUGAS | Público | Sábado 10 Março 2012 | 21