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ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca de Xanxerê Vara Criminal Autos n° 080.12.002015-7 Ação: Ação Penal - Júri/Júri Autor: Ministério Público Acusado: Jovani Salvalaggio e outro Vistos. JOVANI SALVALAGGIO e EMANUEL LUCAS SPAGNOL, devidamente qualificados nos autos, foram denunciados pelo Ministério Público: o primeiro em razão da suposta prática das infrações penais previstas nos artigos 121, caput, e 339, ambos do Código Penal, e no artigo 312 da Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), em concurso material de crimes (artigo 69 do Código Penal); o segundo como incurso no artigo 121, caput, combinado com o artigo 29, ambos do Código Penal, pelos fatos assim narrados na exordial acusatória: No dia 14 de abril de 2012, por volta das 8h, Jovani Salvalaggio, conduzindo o veículo Nissan Frontier, placas MKD 3262, pela rodovia BR 282, sentido Xaxim-Xanxerê, passou a trafegar na faixa central da via, destinada ao tráfego oposto, quando colidiu frontalmente com o Peugeot 207, placas MHM 3057, que vinha em sentido contrário (Xanxerê-Xaxim), em sua mão de direção, conduzido por Gleyce Andréia Ruas Lubi, que morreu instantaneamente com a força do impacto (vide Laudo Cadavérico de fls. 31/38). De registrar que Jovani Salvalaggio conduzia sob a influência de álcool, voltando, juntamente com Emanuel Lucas Spagnol, proprietário da caminhonete em que seguiam, de uma noitada na cidade de Chapecó, onde chegaram por volta da meia noite e percorreram diversos bares e casas noturnas até perto das 7h. De registrar que, embora sem se submeter a teste de alcoolemia (Termo de Recusa de fl. 12), o Auto de Constatação de fl. 50, aliado ao relato das testemunhas que tiveram contato com ele logo depois do acidente, comprovam que Jovani Salvalaggio estava embriagado. Outrossim, as graves avarias do veículo Peugeot 207, no qual trafegava a vítima (vide Relatório de fls. 44/46), permite concluir que, além de estar na sua contramão de direção, Jovani Salvalaggio imprimia na Nissan Frontier velocidade excessiva. Deste modo, ao dirigir pela contramão de direção, embriagado e em alta velocidade, Jovani Salvalaggio assumiu o risco de provocar a morte de Gleyce Andréia Ruas Lubi, porque aceitou de antemão a ocorrência de tão grave resultado, tolerando e conformando-se com sua ocorrência, não desistindo de trafegar de forma irregular por rodovia bastante movimentada, embora plenamente previsível que seu proceder poderia causar, como causou, o fatídico acidente. Fica evidente, portanto, que a Jovani Salvalaggio era indiferente o resultado de sua conduta, o que caracteriza o chamado "dolo eventual". Por sua vez, Emanuel Lucas Spagnol, proprietário da Nissan Frontier, Endereço: Rua Victor Konder, 898, Centro - CEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail: [email protected] ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca de Xanxerê Vara Criminal ao entregar a direção a Jovani Salvalaggio, consentindo que seu veículo fosse conduzido por pessoa embriagada e, por conseguinte, sem condições para tanto, concorreu decisivamente para o evento criminoso, produzindo, com tal conduta, condição e situação sem a qual o resultado morte não teria ocorrido, de tal modo a formar nexo e relação de causalidade, ainda mais nas circunstâncias em que se encontravam, quando podia ter-se representado como possível a consequência de sua ação. Com sua conduta, portanto, Emanuel Lucas Spagnol concretamente auxiliou e participou da morte de Gleyce Andréia Ruas Lubi, já que, além de entregar a condução de seu veículo a pessoa que não poderia dirigir, ainda permaneceu ao seu lado durante todo o trajeto, fornecendo a Jovani Salvalaggio os meios indispensáveis para a prática do homicídio, além de dar a ele apoio moral e psicológico. Ademais, importante registrar, também, o descaso de Emanuel Lucas Spagnol com as previsíveis consequências de entregar a direção de seu veículo para pessoa embriagada porque, não bastasse ter criado o risco da ocorrência do resultado letal com seu proceder, nada fez para impedir que Jovani Salvalaggio conduzisse o automóvel em velocidade excessiva e na contramão de direção, chegando a dormir durante o trajeto, o que torna inegável sua prévia aceitação do risco de ceifar a vida alheia, tolerando tão grave resultado, também estando caracterizado o chamado "dolo eventual" em seu proceder. Deste modo, Emanuel Lucas Spagnol aderiu à conduta de Jovani Salvalaggio, concorrendo, destarte, para o crime de homicídio. Da Inovação Artificiosa de Local de Acidente Logo depois da colisão, Jovani Salvalaggio, pretendendo inovar artificiosamente o estado de coisas, a fim de induzir em erro a Autoridade Policial e, futuramente, o Juiz do caso, antes da chegada dos Policiais Rodoviários Federais, retirou do interior do veículo Nissan Frontier, placas MKD 3262, um copo de vidro (vide Termo de Exibição e Apreensão de fl. 77), jogando-o em um terreno, na tentativa de ocultar que havia consumido bebida alcóolica inclusive enquanto conduzia o automotor. Da Denunciação Caluniosa Finalmente, Jovani Salvalaggio atribuiu falsamente a Emanuel Lucas Spagnol a direção do veículo Nissan Frontier, placas MKD 3262, no momento da colisão, aos Policiais Rodoviários Federais que chegaram ao local, inclusive escrevendo de próprio punho no Termo de Declaração de fl. 49 que as iniciais do condutor são E.L.S, o que causou inegável tumulto nas investigações, inclusive levando a Autoridade Policial a autuar Emanuel Lucas Spagnol em flagrante delito (fl. 2). De registrar, nesse passo, que a intenção de Jovani Salvalaggio não era sua autodefesa, mas sim assegurar o pagamento do seguro do automóvel Nissan Frontier, tomando tal atitude depois de consultar um corretor de seguros. A denúncia foi recebida no dia 18 de maio de 2012 (fl. 121). Os acusados foram citados (fls. 143 e 186) e apresentaram resposta à acusação (fls. 146/147 – JOVANI e fls. 196/198 - EMANUEL). Endereço: Rua Victor Konder, 898, Centro - CEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail: [email protected] ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca de Xanxerê Vara Criminal O juízo deixou de absolver sumariamente os acusados, designando-se audiência (fl. 199). Durante a instrução foram ouvidas seis testemunhas arroladas pela acusação e uma testemunha protegida, havendo desistência em relação às demais; e, por fim, os réu foram interrogados (fls. 255/260 e 319). Em suas alegações, o Ministério Público, apontando a comprovação da materialidade e a existência de indícios de autoria, requereu a pronúncia dos acusados (fls. 331/352). A defesa de JOVANI requereu a absolvição sumária em relação ao crime doloso contra a vida por inexistência do fato e, no tocante ao crime de denunciação caluniosa, por ausência de dolo. Subsidiariamente, postulou a desclassificação do crime de homicídio para o delito de homicídio culposo na direção de veículo automotor (fls. 372/379). A defesa de EMANUEL pleiteou a absolvição do crime de homicídio doloso sob o fundamento de que a conduta praticada não constitui infração penal. Subsidiariamente, também requereu a desclassificação para o crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor (fls. 380/384). É o relatório. Fundamento e decido. Cuida-se de ação penal pública incondicionada, por meio da qual JOVANI SALVALAGGIO é acusado da prática das infrações penais previstas nos artigos 121, caput, e 339, ambos do Código Penal, e no artigo 312 da Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), em concurso material de crimes (artigo 69 do Código Penal) e EMANUEL LUCAS SPAGNOL é acusado da prática da infração penal prevista no artigo 121, caput, do Código Penal, c/c artigo 29 do mesmo codex. A materialidade do acidente está provada pelo laudo cadavérico de fls. 31/37, croqui de fls. 38/39 e fotografias de fls. 46/47. De outro norte, o conjunto das provas coligidas demonstrou a existência de delito diverso daqueles relacionados no artigo 74, § 1º, do Código de Processo Penal (crimes dolosos contra a vida). Em seu interrogatório, o réu JOVANI declarou: Não são verdadeiros os fatos narrados na denúncia. Saiu em direção a Chapecó, na companhia de EMANUEL. Ao chegar em Chapecó, assumiu a direção do veículo, pois EMANUEL não conhecia o trânsito da cidade. Passaram a noite em Chapecó. Disse que EMANUEL ingeriu bebida alcóolica, negando que tivesse bebido. Frisou que não bebeu absolutamente nada. Foram a diversos locais no decorrer da noite e retornaram já no amanhecer do dia, ocasião em que estava dirigindo a Endereço: Rua Victor Konder, 898, Centro - CEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail: [email protected] ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca de Xanxerê Vara Criminal caminhonete. Como EMANUEL havia bebido, ele reclinou o banco da caminhonete e se deitou. EMANUEL veio dormindo no banco do passageiro. Rumava no sentido de Xanxerê. Em determinado ponto da estrada, chegou em uma curva que tangenciava para a direita e em seguida para a esquerda. Havia um caminhão que estava parado do lado esquerdo, no sentido contrário, na terceira faixa. Repentinamente surgiu um carro que veio de encontro à sua pista. Salientou que estava em sua faixa, negando que tivesse realizado alguma ultrapassagem. Ao ser informado que a vítima estava morta, ficou desesperado e saiu do local. Negou a existência de algum copo de vidro. Ligou para o tio de EMANUEL e em seguida para um corretor de seguro. Admitiu que fez a ligação para o corretor mesmo após saber da morte da vítima. Assumiu que conduzia o veículo no momento do acidente, mas na delegacia alterou a versão para dizer que EMANUEL era o condutor. Depois se arrependeu, justificando que o fez porque ficou confuso em razão do acidente. Não havia bebido nada. Recusou-se a se submeter ao etilômetro por estar no exercício de um direito seu, objetivando resguardar-se de algo que não soube dizer o que era. Informou também que ficou preocupado com EMANUEL, por isso pediu ao rapaz da Saveiro para retirá-lo do local. Disse na delegacia que EMANUEL era o condutor por conta do seguro. Depois admitiu que estava dirigindo. O policial que o atendeu recomendou que colocasse apenas as iniciais no momento em que fez a declaração de fl. 49. O guarda de trânsito o obrigou a assinar e recomendou que ele inserisse as iniciais. Por fim, afirmou que "achava estar em sua mão de direção" (CD de fl. 260). O acusado EMANUEL, em seu interrogatório, afirmou: São parcialmente verdadeiros os fatos narrados na denúncia. Combinou com JOVANI de ir até a cidade de Chapecó. Ao chegar lá, entregou a direção do veículo a JOVANI, pois não conhecia a cidade. Disse que ingeriu bebida alcóolica, mas JOVANI não. Na volta de Chapecó, reclinou o banco e pegou no sono, ressaltando que JOVANI não bebeu. Acredita que tenha ingerido uma caixa de latas de cerveja. Estava amanhecendo o dia quando saíram de Chapecó. JOVANI estava dirigindo o veículo desde o começo. Em nenhum momento pegou a direção. Só acordou após o acidente, não tendo visto nada, pois estava dormindo no momento da colisão. JOVANI lhe informou que a mulher do outro veículo havia morrido. Em nenhum momento alegou que estava dirigindo. Embora JOVANI não tenha bebido nada, não soube explicar o motivo pelo qual ele se recusou a fazer o teste do "bafômetro" (CD de fl. 260). Amauri Luís Friederich, Policial Rodoviário Federal, narrou que: Os dois ocupantes da caminhonete tentaram se evadir do local do acidente com outro veículo (Saveiro cor laranja). Determinou que os acusados desembarcassem e ficassem ali mesmo. Os réus estavam preocupados com a questão do seguro. O passageiro se submeteu ao exame de alcoolemia, mas não o condutor. A declaração de fl. 49 foi feita logo depois do acidente, ocasião em que JOVANI informou que o condutor do veículo era EMANUEL. A informação inicial passada à autoridade policial foi no sentido de que EMANUEL dirigia o Endereço: Rua Victor Konder, 898, Centro - CEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail: [email protected] ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca de Xanxerê Vara Criminal automóvel. Os réus apresentavam sinais de embriaguez. Os veículos trafegavam em direções opostas e a colisão ocorreu porque a caminhonete (veículo em que estavam os acusados) invadiu a contramão de direção. Os acusados não demonstraram preocupação com a morte da vítima, pois estavam preocupados em evadirem-se do local e também com o seguro. O teste do etilômetro foi oferecido a ambos os réus. Era possível compreender o que os acusados diziam, embora estivessem com sinais de embriaguez. Constatou os referidos sinais em virtude de apresentarem odor etílico, dificuldade no equilíbrio e fala alterada. EMANUEL aparentava grau maior de embriaguez, mas JOVANI também estava. Os vestígios do acidente encontravam-se na faixa em que trafegava a vítima (CD de fl. 260). Jacir João Dalazen, Policial Rodoviário Federal, declarou: Atendeu a ocorrência. Foi verificado que a caminhonete Nissan invadiu a contramão e atingiu o Peugeot que trafegava no sentido contrário. Quando chegou ao local, os dois ocupantes da caminhonete já tinham saído do veículo e havia outra pessoa que queria retirá-los de lá. Confirmou que essa outra pessoa estava em uma Saveiro. Verificou a vítima fatal no outro veículo e localizou os réus, que voltavam de uma festa em Chapecó. Os acusados estavam em visível estado de embriaguez. EMANUEL se submeteu ao teste do "bafômetro", mas o outro acusado se recusou. Em um primeiro momento chegou à conclusão de que EMANUEL era o condutor, por conta da declaração de fl. 49 feita por JOVANI. Notou que EMANUEL apresentava sinais de alteração maiores do que JOVANI. Inicialmente soube que JOVANI conduzia o automóvel e EMANUEL era o passageiro. Os acusados só estavam preocupados com eles mesmos, informando ainda que no local do acidente a ultrapassagem não é permitida. A colisão ocorreu na faixa mais à direita da motorista do Peugeot. JOVANI apresentava sinais e odor de quem tinha bebido (CD de fl. 260). Jacques Douglas Romão, Bombeiro Militar, narrou que: Estava próximo ao local dos fatos, tendo chegado logo após o acidente. Saiu para verificar a vítima e, ao notar ela ela havia sofrido um grande trauma no pescoço, concluiu que estava morta. Reconheceu o acusado EMANUEL em audiência como sendo a pessoa que aparentava estar alcoolizada. EMANUEL apresentava sinais visíveis de embriaguez, pois estava confuso e exalava odor etílico. Não teve contato com JOVANI, mas percebeu que ele falava ao telefone celular. Confirmou que a declaração foi prestada por JOVANI depois que ele soube da morte da vítima, tendo inserido as iniciais de EMANUEL. JOVANI demonstrou preocupação com o ocorrido. Não se recorda de ter visto nenhum copo de vidro no interior da caminhonete. Apesar de ter declarado na fase policial que um policial teria solicitado que JOVANI constasse na declaração que ele ocupava o banco do passageiro, em juízo não confirmou essa informação (CD de fl. 260). Juliano Marció relatou: Mora nas imediações do local do acidente. Ouviu o barulho da colisão Endereço: Rua Victor Konder, 898, Centro - CEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail: [email protected] ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca de Xanxerê Vara Criminal e, da sacada da sua casa, avistou a caminhonete. O veículo estava entrelaçado nas árvores. Nesse instante não conseguiu ver o outro automóvel, supondo que havia sido apenas uma "escapada" de pista por parte do motorista da caminhonete. Depois que tomou conhecimento da gravidade dos fatos. Sua avó viu o momento em que os acusados arremessaram garrafas de vidro do interior do carro. Confirmou que encontrou a taça de vidro e a levou para a delegacia. Enquanto estava com sua avó, um dos réus veio pedir ajuda, alegando que estava passando mal. O proprietário da Saveiro cor laranja é seu amigo e estava sendo persuadido a retirar os acusados do local dos fatos, mas o Policial Amauri impediu que isso acontecesse. Um dos réus apresentava sinais visíveis de embriaguez, pois nem conseguia ficar em pé, permanecendo sentado à beira da rodovia. O outro acusado que veio conversar falava tranquilamente, não sabendo dizer se ele estava embriagado. Ele veio pedir ajuda e falava pelo telefone celular. O copo estava em um pequeno barranco, um pouco mais acima do local onde a caminhonete colidiu com a árvore (CD de fl. 260). Fábio José Busatta declarou: Não viu o momento da colisão, apenas ouviu o grito de sua ex-namorada Bruna Wasserberg, que estava no banco do passageiro. Também não viu o momento em que foi ultrapassado pela caminhonete, informando ainda que não foi até o referido veículo. Estavam brigando no dia dos fatos (CD de fl. 260). A testemunha sigilosa declarou que: O condutor usava camiseta preta e se encontrava embriagado. O condutor estava retirando o passageiro do veículo, o qual estava tão embriagado que nem conseguia ficar em pé. Salientou que o condutor também estava ébrio. O condutor retornou ao veículo, retirou uma taça de vidro e a arremessou em direção ao terreno de uma casa existente no local. Ao final, declarou que não tem certeza de quem conduzia o veículo (fl. 319). O depoimento da testemunha Bruna Wasserberg será valorado mais adiante. Sabe-se que o juiz deve pronunciar o acusado sempre que convencido da existência da materialidade e de indícios suficientes da autoria de crime doloso contra a vida. A pronúncia é uma decisão de cognição incompleta, com o fim de encaminhar os acusados a julgamento pelo Tribunal do Júri Popular. Por sua vez, em razão do convencimento formado pela análise e valoração das provas colhidas durante a instrução processual, deverá o Juiz decidir pela desclassificação, remetendo-se o processo ao juiz singular, se concluir que nenhuma das infrações penais praticadas pelos réus possui natureza de crime doloso contra a vida. No caso em apreço, conforme anteriormente mencionado, diante das provas coligidas na instrução criminal, depreende-se que existe prova da materialidade do acidente, mas não da infração penal imputada aos acusados pelo órgão ministerial (crime Endereço: Rua Victor Konder, 898, Centro - CEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail: [email protected] ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca de Xanxerê Vara Criminal doloso contra a vida). Também não existem mínimos indícios de autoria para concluir pela existência de crime doloso contra a vida. Antes de ingressar no exame do mérito, torna-se necessário assentar definições acerca do dolo eventual e da culpa consciente. Leciona Julio Fabbrini Mirabete: No dolo eventual, a vontade do agente não está dirigida para a obtenção do resultado; o que ele quer é algo diverso, mas, prevendo que o evento possa ocorrer, assume assim mesmo o risco de causá-lo. Essa possibilidade de ocorrência do resultado não o detém e ele pratica a conduta, consentindo no resultado. Há dolo eventual, portanto, quando o autor tem seriamente como possível a realização do tipo legal se praticar a conduta e se conforma com isso. [...] A culpa consciente ocorre quando o agente prevê o resultado, mas espera, sinceramente, que não ocorrerá. Há no agente a representação da possibilidade do resultado, mas ele a afasta por entender que o evitará, que sua habilidade impedirá o evento lesivo que está dentro de sua previsão. [...] A culpa consciente avizinha-se do dolo eventual, mas com ela não se confunde. Naquela, o agente, embora prevendo o resultado, não o aceita como possível. Neste, o agente prevê o resultado, não se importando que venha ele a ocorrer. Pela lei penal estão equiparadas a culpa inconsciente e a culpa com previsão, "pois tanto vale não ter consciência da anormalidade da própria conduta, quanto estar consciente dela, mas confiando, sinceramente, em que o resultado lesivo não sobrevirá". Já quanto ao dolo eventual, este se integra por estes dois componentes – representação da possibilidade do resultado e anuência a que ele ocorra, assumindo o risco de produzi-lo. Igualmente, a lei não o distingue do dolo direto ou eventual, punindo o autor por crime doloso. (MIRABETE, Julio Fabbrini – Manual de Direito Penal, vol. I, 29ª edição, p. 127 e 137, Ed. Atlas, 2013) original sem grifos. Sobre o mesmo tema, escreve Fernando Capez: A culpa consciente difere do dolo eventual, porque neste o agente prevê o resultado, mas não se importa que ele ocorra ("se eu continuar dirigindo assim, posso vir a matar alguém, mas não importa; se acontecer, tudo bem, eu vou prosseguir"). Na culpa consciente, embora prevendo o que possa vir a acontecer, o agente repudia essa possibilidade ("se eu continuar dirigindo assim, posso vir a matar alguém, mas estou certo de que isso, embora possível, não ocorrerá"). O traço distintivo entre ambos, portanto, é que no dolo Endereço: Rua Victor Konder, 898, Centro - CEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail: [email protected] ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca de Xanxerê Vara Criminal eventual o agente diz: "não importa", enquanto na culpa consciente supõe: "é possível, mas não vai acontecer de forma alguma". (CAPEZ, Fernando – Curso de Direito Penal, Parte Geral, vol. 1, 17ª edição, Ed. Saraiva, 2013) original sem grifos. E ainda colhe-se precedente do Supremo Tribunal Federal: Dolo eventual e culpa consciente. 1. O dolo eventual do art. 15, I, in fine, do Código Penal, pressupõe consciência e anuência do agente, ainda quando não queira o resultado. 2. O dolo eventual confina-se, mas não se confunde com a culpa consciente, na qual, prevendo ou devendo prever o resultado, o agente espera levianamente que ele não se realize. 3. A embriaguez, seja voluntária ou culposa, por si só não caracteriza o dolo eventual. (STF – HC 46.791/RS, Rel. Min. Aliomar Baleeiro, RTJ 51/668), original sem grifos. Estabelecidos os conceitos preliminares, denota-se que é patente a omissão legislativa no sentido de não diferenciar o homicídio culposo praticado com ingestão de álcool daquele cometido sem o consumo desta substância. Esta desigualdade não autoriza o julgador a transmudar a conduta do agente, que é culposa, para um tipo doloso, em nome de uma pseudojustiça com nítido prejuízo ao princípio da legalidade, criando uma distorção ainda maior na tentativa de suprir a lacuna da lei penal: ao aplicar um tipo diferente à conduta do agente, gera uma desequilíbrio ainda mais intenso do que o que se buscava corrigir, pois estar-se-á igualando a conduta daquele que não queria matar, embora tenha agido com culpa consciente, com aquele que de fato desejava causar o resultado ou que este lhe era indiferente. Evidentemente, a lei sanciona com maior rigor os crimes cometidos com dolo (quando o agente age intencionalmente) e menor censura os delitos culposos, que são cometidos sem intenção de provocar o resultado (com culpa em razão da imprudência, negligência ou imperícia). Tratando especificamente do crime de homicídio, a lei determina aplicação das seguintes penas: homicídio doloso, pena de reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos; homicídio privilegiado, pena de reclusão de 6 (seis) a 20 (vinte) anos, que deve ser diminuída pelo juiz de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço); homicídio qualificado, pena de reclusão de 12 (doze) a 30 (trinta) anos e finalmente o homicídio culposo, cuja pena é de detenção de 1 (um) a 3 (três) anos. Caso a morte tenha sido causada culposamente pelo agente na direção de veículo automotor, há um tipo penal específico previsto no artigo 302 da Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e que comina pena de detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Nos delitos praticados mediante estado de embriaguez, para o reconhecimento do dolo eventual, é mister que haja um plus, um elemento adicional que demonstre que o agente era indiferente à produção do resultado mais grave. A ingestão de álcool, desacompanhada de outros elementos de prova, não pode conduzir à equivocada conclusão de que o agente aceitou e tolerou a ocorrência do evento mais lesivo, sob pena de haver o agasalhamento da teoria da responsabilidade penal objetiva, não acolhida e repudiada pelo Direito Penal pátrio. Nesse sentido: Endereço: Rua Victor Konder, 898, Centro - CEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail: [email protected] ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca de Xanxerê Vara Criminal RECURSO CRIMINAL CONTRA DECISÃO DE PRONÚNCIA – ACUSADO INCURSO NO CRIME DE HOMICÍDIO, SUPOSTAMENTE PRATICADO COM DOLO EVENTUAL – ACIDENTE DE TRÂNSITO – HIPÓTESE CONCRETA QUE NÃO PERMITE O JULGAMENTO PERANTE O TRIBUNAL DO JÚRI – ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA, CONTUDO, IMPOSSÍVEL – DEMONSTRAÇÃO DE CULPA – EMBRIAGUEZ QUE, POR SI SÓ, NÃO PODE CONDUZIR À CONCLUSÃO QUE AGIU COM INDIFERENÇA – DESCLASSIFICAÇÃO PARA A CONDUTA PREVISTA NO ART. 303 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO – PROVIMENTO PARCIAL. (Recurso Criminal nº 2013.009660-9, de Rio do Sul, Rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho), original sem grifos. APELAÇÃO CRIMINAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. SENTENÇA DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL CULPOSA (ART. 303 DO CTB). INSURGÊNCIA DA ACUSAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. EMBRIAGUEZ QUE POR SI SÓ NÃO CARACTERIZA DOLO EVENTUAL. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO EM CONCRETO QUE NÃO APONTAM PARA A EXISTÊNCIA DE DOLO EVENTUAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE DESCLASSIFICAÇÃO.RECURSO DA DEFESA. PLEITO ABSOLUTÓRIO POR AUSÊNCIA DE PROVAS. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS RODOVIÁRIOS FEDERAIS QUE DEMONSTRAM A CULPABILIDADE DO RÉU NO ACIDENTE DE TRÂNSITO. INDÍCIOS DE QUE A VÍTIMA ESTAVA EMBRIAGADA E NÃO POSSUÍA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR QUE NÃO AFASTAM A CULPABILIDADE. INEXISTÊNCIA DE CONCORRÊNCIA DE CULPA NA SEARA PENAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE. DOSIMETRIA DA PENA. ADEQUAÇÃO DE OFÍCIO. APLICAÇÃO DA PENA BASE. DISCRICIONARIEDADE DO MAGISTRADO QUE DEVE SER DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA, E NÃO AFRONTAR O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. PENA MÍNIMA QUE FOI DOBRADA EM RAZÃO DE APENAS 2 CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS, QUE EMBORA GRAVES, NÃO SÃO SUFICIENTES PARA TAL ELEVAÇÃO. ADEQUAÇÃO DE 1/3 PARA CADA CIRCUNSTÂNCIA. PLEITO DEFENSIVO PARA REDUÇÃO DA PENA DE SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR. SIMETRIA COM A PENA CORPORAL. ADEQUAÇÃO QUE SE FAZ NECESSÁRIA.PEDIDO DE REDUÇÃO DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA FIXADA EM DOIS SALÁRIOS MÍNIMOS. ENTENDIMENTO DESTA CORTE DE JUSTIÇA DA IMPOSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO EM PATAMAR SUPERIOR AO MÍNIMO LEGAL SEM A DEVIDA FUNDAMENTAÇÃO. REDUÇÃO QUE SE IMPÕE. RECURSO DA ACUSAÇÃO DESPROVIDO, E RECURSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO. (Apelação Criminal nº 2012.056626-8, de São Miguel do Oeste, Rel. Desa. Substituta Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Endereço: Rua Victor Konder, 898, Centro - CEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail: [email protected] ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca de Xanxerê Vara Criminal Schaefer), original sem grifos. Cumpre destacar que em casos de grande repercussão na imprensa (sítios de notícias, redes sociais, rádio, televisão etc), meios de comunicação de massa de amplo acesso à divulgação, há uma tendência de prejulgamento. Isso ocorre não em decorrência de maldade ou despreparo da comunidade envolvida, mas sim por conta do desconhecimento da realidade dos fatos, os quais só vêm à tona, até mesmo para os atores do processo, após a instrução do feito. Não foge do conhecimento deste julgador a constatação de que a morte de um ente querido, seja em decorrência de homicídio doloso, seja em virtude de homicídio culposo, provoca enorme sofrimento no seio da família do falecido. Este sofrimento, embora intenso e duradouro em ambos os crimes, não autoriza o Magistrado a imputar ao autor de homicídio culposo pena mais grave prevista na modalidade dolosa. Tal atitude, além de não trazer o ente querido de volta à vida, ofenderia flagrantemente o Estado Democrático de Direito, causando também enorme insegurança jurídica em razão da fragilização dos princípios constitucionais da legalidade e da isonomia. Em síntese, a repercussão do crime, por si só, não pode desencadear o fenômeno da "caça às bruxas", na falsa crença de que o simples fato de ter havido comoção popular pela morte de pessoa querida na comunidade pode autorizar a supressão de princípios constitucionais e a não observância do direito penal positivado no Brasil. Em abono a esse entendimento, as palavras do professor Vicente Greco Filho: É comum dizer-se que a fase da pronúncia é a de remeter o réu a júri. Mas rejeitamos, terminantemente, essa impostação. A função da fase de pronúncia é exatamente a contrária. Em outras palavras, a função do juiz togado na fase da pronúncia é a de evitar que alguém que não mereça ser condenado possa sê-lo em virtude do julgamento soberano, em decisão quiçá, de vingança pessoal ou social. Ou seja, cabe ao juiz na fase da pronúncia excluir do julgamento popular aquele que não deva sofrer a repressão penal. Usando expressões populares, pode-se dizer que compete ao juiz evitar que um inocente seja lançado "às feras", correndo o risco de ser condenado. (GRECO FILHO, Vicente – Tribunal do Júri – Estudo sobre a mais democrática instituição jurídica brasileira; coordenação Rogério Lauria Tucci, p. 118/119, Ed. RT, 1999). No caso em apreço, não se está afirmando que os acusados são inocentes, ou seja, que não teriam causado a morte da vítima; muito menos que o fato não foi grave, pois uma vida foi perdida. Contudo, estando evidenciado que o delito praticado não se reveste de natureza dolosa, havendo elementos que comprovam existência de crime culposo, é tarefa do Magistrado excluir os réus do julgamento popular pelo simples motivo de não ser o Tribunal do Júri competente para tanto. E aqui o vocábulo "competência" é empregado no sentido técnico-jurídico, significando que os jurados não possuem parcela de poder estatal para julgar os crimes culposos, mesmo quando estes causam a morte de uma pessoa. Ao contrário do Direito estadunidense, que autoriza o julgamento Endereço: Rua Victor Konder, 898, Centro - CEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail: [email protected] ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca de Xanxerê Vara Criminal de demandas das mais variadas espécies (inclusive patrimoniais) pelos jurados (a indústria cinematográfica de Hollywood retrata com felicidade essa realidade jurídica dos Estados Unidos da América do Norte), a Constituição da República Federativa do Brasil outorgou a competência para julgamento pelo Tribunal do Júri tão somente em se tratando de crimes dolosos contra a vida (não abrangendo, por óbvio, os delitos culposos, salvo quando conexos com aqueles): É reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (artigo 5º, XXXVIII, da Constituição da República, grifo nosso). Menciona-se ainda o Código de Processo Penal: Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 115, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados (artigo 74, § 1º, do Código de Processo Penal), grifo nosso. Os referidos dispositivos citados no artigo transcrito acima correspondem, respectivamente, aos seguintes crimes: homicídio doloso simples, homicídio privilegiado, homicídio qualificado, induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio, infanticídio e aborto. Em relação ao crime de homicídio culposo, gize-se que se encontra previsto no § 3º do artigo 121 do Código Penal e, se o fato envolver veículo automotor, no artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro, fugindo, portanto, da competência do Tribunal do Júri, em perfeita harmonia com a previsão constitucional. Se o julgador verificar que não há indícios suficientes da existência de dolo eventual, deverá afastar os acusados do Tribunal do Júri. Se agir de forma diversa, poderá estar, por via oblíqua, condenando pessoas que praticaram crime diferente daquele que está sendo imputado (caso a decisão dos juízes leigos seja injusta). Nesse sentido: DIREITO MATERIAL E PROCESSUAL PENAL - DUPLO HOMICÍDIO E LESÕES CORPORAIS GRAVÍSSIMAS DECORRENTES DE ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO DESCLASSIFICAÇÃO PARA CRIMES DE TRÂNSITO - RECURSO CRIMINAL OBJETIVANDO A PRONÚNCIA, A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL - SUPOSTO ESTADO DE EMBRIAGUEZ QUE, POR SI SÓ, NÃO IMPLICA EM ACEITAÇÃO DO RESULTADO AGENTE QUE ACIONA O FREIO ANTES DA COLISÃO CARACTERIZAÇÃO DE CULPA - RECURSO NÃO PROVIDO. [...] 3 "Não se pode partir do princípio de que todos aqueles que dirigem embriagados e com velocidade excessiva não se importem em causar a morte ou mesmo lesões em outras pessoas, [...] o clamor social no sentido de que os motoristas que dirigem embriagados e/ou em Endereço: Rua Victor Konder, 898, Centro - CEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail: [email protected] ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca de Xanxerê Vara Criminal velocidade excessiva devem ser punidos severamente, quando tiram a vida ou causem lesões irreparáveis em pessoas inocentes, não pode ter o condão de modificar toda a nossa estrutura jurídico-penal" [...] (Recurso Criminal n. 2007.063865-9, de Joinville, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. em 17/06/2008), grifo nosso. Além disso, o julgador deve saber inferir, por meio de sua experiência pessoal e profissional, noções básicas de psicologia, as quais são adquiridas pelo exercício da judicatura ou de outra função pública similar e pelo contato com inúmeros acusados, de modo a diferenciar aqueles que pouco se importam com a vida, agindo com indiferença, daqueles que simplesmente apavorados, agem de forma desesperada e atrapalhada, conduzindo à falsa aparência de somente se importarem com as questões materiais do acidente. Uma vez explanados o regramento jurídico e as cautelas necessárias para análise do caso em testilha, ingressa-se no exame do mérito da causa. É praticamente inconteste que o motorista JOVANI ingeriu bebida alcóolica. Muito embora JOVANI tenha se recusado a se submeter ao exame do etilômetro e negado a embriaguez, os Policiais Rodoviários Federais Amauri Luís Friederich e Jacir João Dalazen foram categóricos em afirmar que JOVANI e EMANUEL apresentavam sinais visíveis de embriaguez, tanto que foi realizado o auto de constatação de embriaguez de fl. 50. Contudo, encerrada a instrução criminal, observa-se que os efeitos do álcool em relação ao motorista (JOVANI) eram bem menos latentes do que em relação ao passageiro (EMANUEL). Não obstante as testemunhas Amauri Friederich e Jacir Dalazen tenham relatado que o motorista apresentava sinais de embriaguez (que devem ser entendidos como sintomas de ingestão de bebida alcóolica e não que eles estavam necessariamente "bêbados"), nenhuma delas declarou que o acusado JOVANI apresentava sinais de perda de consciência, tropeços e dificuldade de permanecer em pé. O próprio Policial Amauri afirmou que era possível compreender o que os acusados diziam, esclarecendo ainda que JOVANI estava menos embriagado que EMANUEL. No mesmo sentido encontra-se o depoimento da testemunha Juliano Marció, ao afirmar que JOVANI (o outro acusado) conversava normalmente, não sabendo dizer se ele se encontrava embriagado. Portanto, é possível concluir que, embora JOVANI tenha feito ingestão de bebida alcóolica, não há elementos nos autos demonstrando que ele se encontrava consideravelmente embriagado, com perda total ou parcial da consciência, apesar de ser factível intuir que algum efeito psíquico a bebida possa ter causado (como por exemplo a diminuição de reflexo). Em razão disso, não existem provas mínimas a demonstrar que o acidente não teria ocorrido diante da não ingestão de bebida alcóolica, ou seja, que o consumo de álcool foi o fator decisivo para o acidente. Aliás, ainda que JOVANI se submetesse ao exame de "bafômetro", o resultado obtido no teste de alcoolemia seria relativo, pois os efeitos do álcool variam de pessoa para pessoa, sendo de caráter individual. Endereço: Rua Victor Konder, 898, Centro - CEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail: [email protected] ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca de Xanxerê Vara Criminal Repise-se que o fato de ingerir bebida alcóolica, por si só, não pode levar à automática conclusão de que o agente aceitou a ocorrência do resultado mais grave. A respeito: PENAL. HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO QUALIFICADO A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EMBRIAGUEZ ALCOÓLICA. ACTIO LIBERA IN CAUSA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO ELEMENTO VOLITIVO. REVALORAÇÃO DOS FATOS QUE NÃO SE CONFUNDE COM REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO PROBATÓRIO. ORDEM CONCEDIDA. 1. A classificação do delito como doloso, implicando pena sobremodo onerosa e influindo na liberdade de ir e vir, mercê de alterar o procedimento da persecução penal em lesão à cláusula do due process of law, é reformável pela via do habeas corpus. 2. O homicídio na forma culposa na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB) prevalece se a capitulação atribuída ao fato como homicídio doloso decorre de mera presunção ante a embriaguez alcoólica eventual. 3. A embriaguez alcoólica que conduz à responsabilização a título doloso é apenas a preordenada, comprovando-se que o agente se embebedou para praticar o ilícito ou assumir o risco de produzi-lo. 4. In casu, do exame da descrição dos fatos empregada nas razões de decidir da sentença e do acórdão do TJ/SP, não restou demonstrado que o paciente tenha ingerido bebidas alcoólicas no afã de produzir o resultado morte. 5. A doutrina clássica revela a virtude da sua justeza ao asseverar que “O anteprojeto Hungria e os modelos em que se inspirava resolviam muito melhor o assunto. O art. 31 e §§ 1º e 2º estabeleciam: 'A embriaguez pelo álcool ou substância de efeitos análogos, ainda quando completa, não exclui a responsabilidade, salvo quando fortuita ou involuntária. § 1º. Se a embriaguez foi intencionalmente procurada para a prática do crime, o agente é punível a título de dolo; § 2º. Se, embora não preordenada, a embriaguez é voluntária e completa e o agente previu e podia prever que, em tal estado, poderia vir a cometer crime, a pena é aplicável a título de culpa, se a este título é punível o fato”. (Guilherme Souza Nucci, Código Penal Comentado, 5. ed. rev. atual. e ampl. - São Paulo: RT, 2005, p. 243). 6. A revaloração jurídica dos fatos postos nas instâncias inferiores não se confunde com o revolvimento do conjunto fático-probatório. Precedentes: HC 96.820/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 28/6/2011; RE 99.590, Rel. Min. Alfredo Buzaid, DJ de 6/4/1984; RE 122.011, relator o Ministro Moreira Alves. 7. A Lei nº 11.275/06 não se aplica ao caso em exame, porquanto não se revela lex mitior, mas, ao revés, previu causa de aumento de pena para o crime sub judice e em tese praticado, configurado como homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB). 8. Concessão da ordem para desclassificar a conduta imputada ao Endereço: Rua Victor Konder, 898, Centro - CEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail: [email protected] ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca de Xanxerê Vara Criminal paciente para homicídio culposo na direção de veículo automotor (art. 302, caput, do CTB), determinando a remessa dos autos à Vara Criminal da Comarca de Guariba/SP (STF – HC nº 107.801/SP, Rel. Min. Luiz Fux). Ademais, não há indicativos de alta velocidade no veículo em que se encontravam os acusados. Não há prova pericial neste sentido, nem tampouco qualquer prova testemunhal comprovando essa circunstância. Ao contrário, analisando os danos ocorridos nos veículos envolvidos, observa-se que não destoam daqueles que ocorrem por fatalidade ou até mesmo por imprudência do motorista, não necessariamente por estarem atrelados à alta velocidade. Ressalte-se que a caminhonete, depois do choque com o veículo da vítima, ainda colidiu com uma árvore, causando danos que, embora consideráveis, não impediriam seu conserto. Acrescente-se que, observando as fotografias da vítima, denota-se que não houve mutilação corporal ou muitas lacerações, como normalmente ocorre em acidentes automobilísticos de alta velocidade. Cabe destacar que a morte ocorreu em razão da quebra da coluna vertebral (trauma raquimedular, conforme se vê no laudo de fl. 32), o que pode ter ocorrido em razão de o choque ter se concentrado no lado esquerdo do veículo (onde se encontrava a vítima) e não pela suposta e não comprovada velocidade excessiva. Corroborando esta conclusão, encontram-se as fotografias de fls. 61/63 e 68/72, em que se evidencia que os acusados sofreram pequenos ferimentos ("arranhões") em virtude da colisão. Mesmo que se argumente que o dispositivo de bolsas infláveis anticolisão (air bags) tenha funcionado com eficiência e diminuído o impacto sobre o corpo dos acusados, é forçoso reconhecer que diante de colisões violentas o referido dispositivo torna-se inútil, ainda mais levando-se em consideração que nenhum dos acusados utilizava cinto de segurança no momento do acidente, conforme afirmado por JOVANI às fls. 56/57, bem como que o veículo onde estavam os réus colidiu com o automóvel da vítima e, após, com uma árvore. Anote-se também que, ao contrário da primeira impressão gerada pela reação dos acusados relatada pelos policiais (tentativa de fuga do local dos fatos, ligação feita a corretor de seguros e declaração falsa feita por JOVANI para imputar a direção do veículo a EMANUEL), compulsando detidamente os autos, inclusive a prova produzida sob o crivo do contraditório, observa-se que se tornou desmistificada a figura dos réus de serem insensíveis e indiferentes ao resultado morte. Conforme declarou Jacques Douglas Romão (Bombeiro Militar), JOVANI demonstrou preocupação com o ocorrido. No mesmo sentido encontra-se o relato da testemunha Bruna Wasserberg, ao informar que JOVANI indagou a ela se estava machucada, supondo que estivesse no veículo conduzido pela vítima, bem como o fato de que ele foi se certificar como estava Gleyce Andréia (vítima) e que ficou chocado com a situação. Endereço: Rua Victor Konder, 898, Centro - CEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail: [email protected] ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca de Xanxerê Vara Criminal Não deve ser desconsiderado que é possível perceber diante da comparação entre a fotografia de fl. 63 e a imagem obtida do acusado JOVANI quando de seu interrogatório (aproximadamente um ano e meio depois) nítidos sinais de sofrimento e envelhecimento precoce, como marcas de expressão e branqueamento de cabelo, que não existiam na referida fotografia do jovem de 26 anos de idade. Esta circunstância reforça a conclusão de que o réu JOVANI não agiu de modo indiferente e que vem sofrendo com o acidente causado. No momento em que JOVANI ligou para o corretor de seguro, já havia decorrido um tempo razoável da morte da vítima, tendo sido afastado do veículo Peugeot pelos policiais, pois nada mais poderia ser feito, o que foi confirmado pelas testemunhas Jacques Romão e Bruna Wasserberg. Com efeito, embora as testemunhas Amauri Friederich e Jacir Dalazen tenham declarado que os acusados só estavam preocupados com eles mesmos e também com o seguro do automóvel em que trafegavam, é forçoso reconhecer que a reação de cada pessoa após um evento com consequências trágicas é análise por demais subjetiva e não pode ser confundida com o dolo ou a culpa no momento da prática da conduta, até porque o remorso não integra o tipo penal. É evidente que a atitude dos réus após o acidente não permite que seja reconhecida como exemplar, mas também não pode ser tida como insensível, tampouco que o fato não foi grave, considerando o fato de que uma pessoa veio a óbito. De outro norte, com exceção do testemunho prestado por Bruna Wasserberg, nenhuma das testemunhas afirmou que o acusado JOVANI demonstrou ter aceitado o resultado morte, muito menos que tenha agido de modo a tolerá-lo. Passa-se a analisar os depoimentos da testemunha Bruna Wasserberg. Na fase policial, ao prestar depoimento que ela mesma digitou, Bruna afirmou: Que no dia 14/04/2012 deslocava-se de Xaxim a Xanxerê no veículo dirigido por seu namorado Fábio José Busatta, o qual dirigia um Golf de cor branca; que trafegavam a uma velocidade aproximada de 60 km/h, quando na curva do britador foram ultrapassados por uma caminhonete de cor preta; que continuaram logo atrás da mencionada caminhonete, quando perceberam que a caminhonete tomou a pista do centro, já que no local há três pistas (duas que sobem e uma que desce); que repentinamente subia pela pista do centro um veículo de cor escura, posteriormente identificado como um veículo Peugeot; que a colisão entre ambos foi inevitável; que com o impacto o veículo Peugeot rodopiou e foi parar fora da pista, na faixa de domínio; que a caminhonete balançou para a direita e depois, desgovernada, atravessou a pista da direita para a esquerda e desapareceu entre umas árvores (...) O rapaz, ao tomar conhecimento que a motorista do outro veículo estava morta, simplesmente virou as costas e retornou para onde estava Endereço: Rua Victor Konder, 898, Centro - CEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail: [email protected] ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca de Xanxerê Vara Criminal a caminhonete (fls.78/80), grifos nossos. Em juízo, Bruna declarou: Retornava com seu ex-namorado de Xaxim com destino a Xanxerê. A caminhonete em que estavam os réus vinha logo atrás do veículo em que estava como passageira. No momento em que a caminhonete ultrapassou o veículo dirigido por seu ex-namorado, colidiu de frente com o automóvel conduzido pela vítima. O acusado que dirigia efetuou a ultrapassagem e continuou trafegando na via contrária em vez de retornar para a mão de direção. Viu o momento da colisão, a qual ocorreu na faixa central. Juntamente com seu ex-namorado, foi a primeira a chegar até o veículo em que se encontrava a vítima, constatando que ela estava morta. Outras pessoas já estavam retirando os réus da caminhonete. Não viu nenhuma Saveiro. Houve uma confusão porque os acusados queriam se retirar do local, mas os populares não permitiram. Um dos réus, imaginando que ela fosse ocupante do outro veículo, indagou se estava machucada. O acusado em questão foi se certificar de como estava a motorista, sendo retirado depois. Ele ficou chocado com a situação, reconhecendo essa pessoa em audiência como sendo JOVANI. Salientou que JOVANI estava com hálito de álcool quando conversaram. A pista estava livre para JOVANI retornar após a ultrapassagem, mas ele continuou trafegando na contramão de direção (CD de fl. 260), grifos nossos. O depoimento da referida testemunha, que poderia, em tese, indicar a existência de dolo eventual, não é digno de credibilidade pelos motivos que serão expostos abaixo. Inicialmente, cumpre destacar que o Policial Rodoviário Federal Jacir João Dalazen, na fase policial, afirmou categoricamente que: Tinha um casal nas imediações, os quais ao serem questionados prestaram informações confusas, já que diziam que os veículos trafegavam no mesmo sentido, quando na verdade, pela prova material e versão dos ocupantes da caminhonete, os veículos trafegavam em sentido contrário; que diante da situação não chegou a cadastrar o casal como testemunha (fl. 06), grifos e negritos nossos. Ora, se o mencionado Policial Rodoviário, com sua experiência, deixou de arrolar Bruna Wasserberg e seu então namorado como testemunhas, isso demonstra que o relato apresentado por ela não reflete a realidade do acidente. No momento em que ocorreu a colisão é que a verdade dos fatos estava latente; entretanto, Bruna apresentou versão tão desarmônica com a dinâmica do acidente (tanto que confundiu a posição dos veículos envolvidos na colisão, chegando a afirmar que ambos trafegavam no mesmo sentido) que nem sequer foi cadastrada como testemunha pelo Policial Dalazen. Curiosamente, seis dias após os fatos, quando o acidente foi amplamente divulgado pela mídia (sítios de notícias, televisão, redes sociais etc), em que os referidos veículos de comunicação noticiaram supostas versões do fatídico evento, Bruna compareceu voluntariamente à Delegacia de Polícia e apresentou sua declaração dos fatos, Endereço: Rua Victor Konder, 898, Centro - CEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail: [email protected] ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca de Xanxerê Vara Criminal muito embora, repise-se, o Policial Dalazen tenha concluído que sua versão, logo depois do acidente, era confusa, tanto que nem sequer soube informar em qual mão de direção estavam os veículos envolvidos no abalroamento. Aliás, ainda que se repute adequado o depoimento prestado na fase policial, Bruna afirmou categoricamente que a colisão foi inevitável (diversamente da inusitada versão que foi apresentada em juízo), podendo-se concluir que, após a ultrapassagem supostamente imprudente efetuada por JOVANI, o condutor não teve como evitar o acidente. Bruna também disse em seu depoimento policial que JOVANI simplesmente virou as costas ao saber que a vítima estava morta; em seu interrogatório judicial declarou que JOVANI ficou chocado com o ocorrido. E não é só. Em juízo, quase um ano e meio depois, Bruna Wasserberg inovou seu depoimento, acrescentando que após a ultrapassagem, JOVANI continuou trafegando na via contrária em vez de retornar para sua mão de direção, asseverando, ao final da declaração, que a pista estava livre para retornar, tendo JOVANI continuado a trafegar na contramão de direção, ou seja, que ele nunca retornou para sua mão de direção. Na fase policial Bruna não mencionou essa circunstância (condução do acusado JOVANI na contramão sem retornar para sua mão de direção), mesmo tendo havido o decurso de apenas seis dias da data do acidente. Em nova contradição, Bruna afirmou na polícia que o veículo em que encontrava (Golf) foi ultrapassado pela caminhonete conduzida por JOVANI e que ela e seu ex-namorado continuaram trafegando atrás, sendo que a caminhonete Nissan Frontier ingressou na faixa do centro, causando a colisão. Infere-se, portanto, que JOVANI completou a ultrapassagem (pois ela mesma afirmou que permaneceram atrás da caminhonete) e retornou para sua mão de direção pouco antes de adentrar na faixa central e colidir com o automóvel conduzido pela vítima. Em juízo, afirmou que JOVANI realizou a ultrapassagem e não retornou para sua mão de direção, tendo continuado a trafegar na contramão, dando azo à equivocada interpretação de que o condutor da caminhonete agiu com dolo eventual. Por fim, declarou em juízo o ex-namorado de Bruna Wasserberg (Fábio José Busatta) que não viu a colisão, pois estavam brigando no momento do acidente. Fábio afirmou que apenas ouviu o grito de Bruna. Embora seja reconhecida a capacidade feminina em focalizar a atenção em vários pontos ao mesmo tempo, as variadas versões dos fatos apresentadas por Bruna não tornam possível crer que ela tenha captado tantos detalhes do acidente. Com efeito, as contradições existentes nos depoimentos prestados, somadas à experiência do Policial Rodoviário Jacir Dalazen, que nem sequer arrolou Bruna Wasserberg como testemunha, diante da confusão apresentada em sua versão após o Endereço: Rua Victor Konder, 898, Centro - CEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail: [email protected] ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca de Xanxerê Vara Criminal acidente, agregadas ainda à repercussão gerada pelos fatos e reproduzida na imprensa e à discussão do casal no momento do acidente, tornaram suas declarações isoladas do conjunto probatório carreado aos autos. É possível que a testemunha Bruna Wasserberg tenha sido influenciada pela repercussão gerada pelo lamentável acidente, mas cabe a este julgador apreciar os elementos de prova colhidos no processo, não merecendo nenhuma credibilidade as informações trazidas por ela, tendo em vista as contradições que se iniciaram logo no primeiro contato que teve com o Policial Rodoviário Dalazen e que foram corroboradas pela própria conduta dela (seja no momento em que depôs voluntariamente na polícia, seja por ocasião de sua oitiva em juízo). Não há que se falar que o depoimento gerou dúvidas, haja vista que as contradições se mostraram tão patentes (e confirmadas pelo Policial Dalazen) a ponto de concluir-se pela certeza de sua não admissão como elemento de formação da convicção do julgador. Assim, não havendo como considerar o testemunho de Bruna Wasserberg, não há nenhuma outra prova nos autos que indique que o acusado JOVANI trafegou pela contramão de direção por tempo superior ao necessário para a efetivação da ultrapassagem do veículo onde se encontrava o casal (Golf branco). O fato de a colisão ter ocorrido na contramão de direção não induz a conclusão de que os réus assumiram o risco de causar o resultado do evento, bem como pouco se importavam em provocar a morte de pessoas que trafegavam no local. Frise-se que a maioria dos acidentes envolvendo veículos automotores que transitam em sentido diverso ocorre quando um dos automóveis ingressa na mão de direção do outro. Por isso, considerar que todo acidente ocorrido na mão contrária de direção de um dos veículos é suficiente para concluir que o motorista assumiu o risco de produzir a morte de quem trafega no sentido oposto, sendo indiferente a eventual morte causada pela colisão, além de desarrazoado, é impor a responsabilidade penal objetiva no Direito Penal, em nítida e flagrante violação ao princípio constitucional da legalidade. Dessa forma, o fato de a colisão ter ocorrido na mão de direção do veículo conduzido pela vítima, sem a existência de outros elementos a indicar a presença de dolo eventual dos acusados, não é hábil para manter a capitulação originária do crime de homicídio doloso (artigo 121, caput, do Código Penal). Em resumo, não há provas mínimas nos autos para se concluir: a) que o veículo transitava em alta velocidade; b) que o acusado JOVANI trafegou na contramão de direção por tempo superior ao necessário para efetuar a ultrapassagem; c) que o fato de o motorista JOVANI ter ingerido bebida alcóolica contribuiu de forma decisiva para o acidente; d) que o acusado JOVANI assumiu o risco e aceitou a produção do resultado morte. Portanto, observa-se que o fato de o acidente ter ocorrido na contramão de direção do veículo conduzido pelos réus é insuficiente para a caracterização do dolo eventual. Endereço: Rua Victor Konder, 898, Centro - CEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail: [email protected] ESTADO DE SANTA CATARINA PODER JUDICIÁRIO Comarca de Xanxerê Vara Criminal No que concerne ao acusado EMANUEL, em virtude da inexistência de crime doloso contra a vida e tendo sido denunciado como partícipe, a insubsistência desse delito doloso, por óbvio, a ele aproveita. Gize-se ainda que as conclusões acima expostas afastam qualquer dúvida deste julgador acerca da não configuração do dolo eventual. Logo, não é o caso de aplicação do princípio in dubio pro societate, que levaria os réus a julgamento perante o Tribunal do Júri. Portanto, não havendo indicativos mínimos da existência de dolo eventual, a desclassificação da infração é medida que se impõe, devendo os fatos, após a preclusão desta decisão e dos procedimentos de praxe (artigo 384 e parágrafos do Código de Processo Penal), serem analisados pelo juiz singular e não mais pelos jurados. Por fim, ressalto que, em razão da desclassificação, fica prejudicada a valoração dos crimes conexos, bem como do pedido de absolvição sumária, os quais deverão ser analisados oportunamente. Ante o exposto, por estar convencido que os acusados JOVANI SALVALAGGIO e EMANUEL LUCAS SPAGNOL não cometeram crime doloso contra a vida, DESCLASSIFICO a imputação de crime de homicídio doloso para outro de competência do juízo singular, com fulcro no artigo 419 do Código de Processo Penal. Após a preclusão, intime-se o Ministério Público para aditar a denúncia no prazo de 5 (cinco) dias, ouvindo-se, após a providência, as defesas dos acusados, também no prazo de 5 (cinco) dias. As partes poderão arrolar até 3 (três) testemunhas (artigo 384, § 4º, do Código de Processo Penal). Por derradeiro, os réus serão novamente interrogados e as partes deverão apresentar novas alegações. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Xanxerê (SC), 13 de fevereiro de 2014. José Antônio Varaschin Chedid Juiz Substituto Endereço: Rua Victor Konder, 898, Centro - CEP 89.820-000, Xanxerê-SC - E-mail: [email protected]