Sangue, Sofrimento e Fé – Artigos Complementares
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Sangue, Sofrimento e Fé – Artigos Complementares
Sangue, Sofrimento e Fé – Artigos Complementares O livro original em inglês Sorrow and Blood ficou bem grande, decidimos diminuir o tamanho para ele ficar mais acessível ao público brasileiro... Aí a grande luta foi escolher os artigos que não deviam entrar. Não havia artigo que não fosse importante e relevante. Com oração, discussão e reflexão cuidadosa fizemos uma seleção, mas cremos, desde o princípio, que os demais artigos deviam também estar à disposição dos leitores brasileiros. Assim oferecemos esses artigos complementares, certos de que quem ler vai continuar a ter um crescimento na fé e a ser moldado para um compromisso de apoio à igreja sofredora. SUMÁRIO 1. A demografia do martírio - Todd M. Johnson.........................................4 2. De Gênesis a Apocalipse. Perseguição como tema central das Escrituras - Wolgang Haede................................................................11 3. Perseverança e sofrimento no plano de Deus no livro de apocalipse Margaretha Adiwardana.......................................................................19 4. O problema do mal e o sofrimento - Isaiah M. Dau..............................24 5. O evangelho da prosperidade. Uma heresia com raízes no norte se espalha, com reflexos sobre a pobreza e o sofrimento na África - Grant LeMarquand.........................................................................................46 6. O ocidente moderno secular. Abrindo espaço para Deus - Janet Epp Buckingham..........................................................................................59 7. Uma abordagem indutiva para se entender a perseguição no oriente médio - Andrew Edward.......................................................................67 8. A Rússia czarista e a união soviética e pós-soviética - Mark R. Elliott.....................................................................................................79 9. Os mártires de Ruanda. Uma nova definição de perseguição e martírio - Célestin Musekura.............................................................................93 10. China. Um Estudo de Caso - G. Wright Doyle...................................102 11. Índia. Um novo momento kairós para a igreja na Índia - Richard Howell................................................................................................ 12. O incidente dos reféns coreanos. Sete lições aprendidas - David Tai Woong Lee e Steve Sang-Cheof Moon..............................................110 13. Resumo do diálogo global. Pastores, Pastores de Missão, Agência, e Líderes de Redes refletem sobre políticas em campos sensíveis.....121 14. Preparando a igreja e agências missionárias para o sofrimento, a perseguição e o martírio - Stephen Panya Baba...............................124 15. Preparando a igreja local e nossos missionários - Paul Estabrooks.........................................................................................133 16. Preparando uma agência de missões. Um ponto de vista dos EUA - S. Kent Parks..........................................................................................138 17. Código de melhores práticas. Visitas Transculturais a Nações Restritas - Voz dos Mártires Canadá.................................................142 18. Melhores práticas para grupos estrangeiros visitando a igreja perseguida - Aliança Evangélica Cristã Nacional do Sri Lanka.........145 19. Melhores práticas para o ministério à igreja perseguida e em parceria com ela - Parceria pela Liberdade Religiosa......................................148 20. Reflexões sobre a teologia, a estratégia e o engajamento - Chris Seiple.................................................................................................152 21. A cura e o consolo de jesus cristo para os traumas - Kyle Miller......159 22. Um Culto de Oração a Favor da Igreja Perseguida. Dia Internacional de Oração pela Igreja Perseguida - Yvonne Christine DeAcutis Taylor.................................................................................................167 PARTE UM CONSTRUINDO O ALICERCE DISCERNINDO O TEMPO Esta seção de nosso livro estabelece sua mais ampla abrangência: O levantamento global leva a reflexões pessoais; um estudo das diferentes respostas à violência, à perseguição e possível martírio leva a pontos de vista diferentes sobre a definição e a contagem de mártires; um esclarecimento sobre perseguição conclui com uma história pessoal e uma pergunta importante – a perseguição faz a igreja crescer ou morrer? Com estes capítulos, começamos a construir nosso alicerce. Nos dias de hoje testemunhamos mais uma vez esta combinação complexa de ataque e ação ousada. Estamos vivendo os dias de maior crescimento da igreja, em que multidões estão abraçando o Reino de Cristo. Ao mesmo tempo, são dias de uma das maiores perseguições de cristãos na história da humanidade. É um paradoxo sobrenatural. Bem-vindo à primeira seção de nosso livro – William D. Taylor A DEMOGRAFIA DO MARTÍRIO Todd M. Johnson Durante toda a história do Cristianismo, em todas as suas tradições e em todas as partes do mundo, aproximadamente 70 milhões de cristãos foram assassinados por sua fé em Cristo, e podem, portanto ser chamados de mártires. ORIGEM DA PALAVRA MÁRTIR A Palavra mártir em português deriva do grego, martys, que significa “testemunha”. No Novo Testamento, é usada como “uma testemunha da ressurreição de Cristo”. Este testemunho resultou tantas vezes em morte que, até o fim do primeiro século, martys passou a significar um cristão que testificava sobre Cristo através de sua própria morte. Este significado mais amplo se tornou a norma aceita na história da igreja. DEFINIÇÃO DE TERMOS Numa análise quantitativa do martírio, os mártires cristãos são definidos como “crentes em Cristo que perderam suas vidas prematuramente, em situações de testemunho, como resultado da hostilidade humana.” Esta definição tem cinco elementos essenciais que podem ser descritos da seguinte forma: 1. Crentes em Cristo: Esses indivíduos vêm da comunidade cristã como um todo, Católicos Romanos, Ortodoxos, Protestantes, Anglicanos, Cristãos marginais e independentes. No ano 2010 AD, mais de 2.2 bilhões de indivíduos podem ser considerados cristãos, e desde o tempo de Cristo, mais de 8.5 bilhões creram em Cristo. 2. Perderam suas vidas: A definição é restrita a cristãos que realmente foram mortos, por qualquer razão que seja. 3. Prematuramente: O martírio é repentino, abrupto, inesperado, indesejado. 4. Em situações de testemunho: ‘Testemunho’ nesta definição não quer dizer apenas o testemunho público ou a proclamação a respeito do Cristo Ressurreto. Refere-se ao estilo de vida e ao modo de vida do crente em Cristo, estando ele ou não proclamando ativamente no momento de sua morte. 5. Como resultado da hostilidade humana: No caso, exclui as mortes por acidentes, desastres, terremotos e outros “atos divinos”, doenças, ou outras causas de morte, mesmo sendo trágicas. É importante ressaltar que esta definição omite um critério considerado essencial por muitas igrejas na sua martiriologia – santidade heroica – que corresponderia a uma vida de santidade e uma postura de bravura. Com certeza estas qualidades são essenciais para a martiriologia, para que ela tenha valor na inspiração e educação dos membros da igreja que tiverem que passar por perseguição, e principalmente para novos convertidos. No entanto, a santidade heroica não é necessária para a definição demográfica porque muitos Cristãos foram mortos logo após sua conversão, e antes de terem a chance de desenvolver seu caráter cristão, sua santidade e sua coragem. DEFINIÇÃO MAIS DETALHADA Uma definição mais complexa vê os mártires como cristãos cuja lealdade e testemunho de Cristo (como testemunhas do fato da ressurreição de Cristo e também como testemunhas legais e defensores das reinvindicações de Cristo no caso legal cósmico de Deus contra o mundo) leva diretamente ou indiretamente ao confronto ou à disputa com oponentes hostis (sejam eles não cristãos ou cristãos de outras persuasões) como resultado ou de 1) serem cristãos, ou 2) serem parte de um corpo de Cristo ou de uma comunidade, ou 3) serem obreiros cristãos, ou 4) afirmarem o Cristianismo como verdadeiro, ou 5) se apegarem a algum princípio ou prática cristã, ou 6) se apegarem a princípios cristãos diferentes dos de seus oponentes, ou 7) falarem em nome de Cristo, ou 8) recusarem-se a negar a Cristo ou suas convicções cristãs: o que então resulta em violência e na perda de suas vidas prematuramente, voluntária ou involuntariamente (o derramamento de seu sangue; serem mortos, executados, assassinados, apedrejados, mortos a pauladas, decapitados, mortos por guilhotina, enforcados, estrangulados, esfaqueados, comidos vivos, mortos por gás, injeção ou eletrocutados, sufocados, fervidos em óleo, assados vivos, afogados, queimados, massacrados, crucificados, linchados, mortos na forca ou à bala, assassinados, empurrados na frente de veículos em movimento, enterrados vivos, esmagados até a morte, envenenados, drogados até a morte, mortos por fome, falta de medicação, por produtos químicos ou eletronicamente, mortos extrajudicialmente, mortos por tortura, mortos de apanhar, mortos sob custódia, mortos na prisão, mortos assim que saíram da prisão, ou deixados para morrer). Qualquer desses métodos pode utilizado, com ou sem a oportunidade de negarem a sua fé. Repare que o (6) acima significa que a maioria dos cristãos mortos, supostamente por serem “hereges”, durante séculos, na verdade deveriam ser incluídos no rol de mártires. O item (3) acima também inclui obreiros cristãos mortos durante seu ministério, ou os que estavam no caminho da violência por acaso (o que inclui obreiros mortos por ladrões, soldados, polícia, etc...). Note também que a definição de martírio na demografia inclui crianças e bebês que perdem suas vidas junto aos mártires adultos. CONTANDO MÁRTIRES O método básico para se contar mártires na história cristã é falar de “situações de martírio” em pontos específicos da história. Uma situação de martírio é definida como “martírio em massa ou múltiplos martírios em determinado ponto da história cristã”. A partir daí, se determina o número de pessoas mortas naquela situação correspondente à definição de martírio descrita acima. (Isto é explicado mais detalhadamente em World Christian Trends). Note que em qualquer situação de morte ou assassinato em massa de cristãos, não se definem como mártires o número total de mortos, mas apenas a fração daqueles cujas mortes resultaram de alguma forma de testemunho cristão, seja individual ou coletivamente. Por exemplo, nossa análise não classifica “participante das Cruzadas” como “mártir”, mas simplesmente afirma que durante as Cruzadas, muitos cristãos zelosos foram, de fato, martirizados, de acordo com a definição de mártir acima. Da mesma forma, na América Latina nos anos 80, não contamos como mártires todos os cristãos que se tornaram vítimas de assassinatos políticos, mas somente aqueles cuja morte envolvia o testemunho cristão. Ilustrações típicas disto seria o grande número de congregações inteiras que, enquanto cantavam, soldados trancaram as portas da igreja e atearam fogo, queimando tudo sem que houvesse sobreviventes. Um ajuste ao total é incluir “mártires colaterais” ou situações restritas ou isoladas ou individuais. Isto incluiria casos em que um cristão é morto como resultados da hostilidade humana, mas em que as circunstâncias não tenham nada a ver diretamente com o Cristianismo organizado. O MARTÍRIO NÃO É UM FENÔMENO EXCLUSIVO DO CRISTIANISMO PRIMITIVO O martírio acontece por causa da perseguição e resulta em morte, que é em si um testemunho por Cristo. Na igreja primitiva, desenvolveu-se a ideia que não era suficiente ser chamado de cristão – era necessário dar prova disso. Esta prova geralmente era algum tipo de reconhecimento verbal (testemunho) da identificação com Cristo, a começar pela confissão “Jesus é o Senhor”. Baumeister escreve: “Morrer por ser cristão é a ação por excelência em que o discípulo chamado a isto confirma sua fé, seguindo o exemplo do sofrimento de Jesus e, através da ação, é capaz de se tornar novamente uma palavra com poder de falar a outros.” Eventualmente os que confessavam foram distinguidos dos mártires. Quando a maioria dos cristãos ouve a palavra “mártir”, tendem a pensar na perseguição romana dos primeiros cristãos. Quando se fala da Ecclesia Martyrum, ou Igreja dos Mártires geralmente se pensa que ela se refere apenas ao período inicial da história da igreja, as dez perseguições imperiais romanas. Mas, não é o caso. O martírio é uma característica consistente da história da igreja e ocorre em todas as tradições e confissões cristãs. Pode-se perceber que todas as dez maiores situações de martírio do Quadro 1 ocorreram no segundo milênio da fé cristã. A taxa de martírio em todo mundo através dos séculos tem sido surpreendentemente constante em 0,8 %, Um em cada cento e vinte cristãos no passado foi martirizado, ou no futuro provavelmente será. POR QUE HÁ MÁRTIRES? De acordo com o teólogo latinoamericano Leonardo Boff, eles existem por duas razões: 1) Cristãos preferem sacrificar suas vidas a serem infiéis às suas convicções e 2) Pessoas que rejeitam a proclamação perseguem, torturam e matam (Metz 1983). Esta presença generalizada do mal no mundo, combinada à devoção cristã, está na raiz do martírio. Quando examinamos uma lista de mártires através dos séculos, a mais abrangente possível nos dias de hoje, algumas descobertas nos surpreendem. No Quadro 1 temos uma lista das dez maiores situações de martírio conhecidas, classificadas por tamanho. Note que mais de 20 milhões foram martirizados nos campos de concentração soviéticos e que mais da metade dos 70 milhões de cristãos martirizados foram mortos só no século XX. Embora poderes estatais (ateístas e outros) sejam responsáveis pela maior parte dos martírios, se examinarmos mais de perto a lista de situações de martírio, perceberemos que muitas vezes foram os próprios cristãos os perseguidores responsáveis por martirizar outros 5,5 milhões de cristãos. O Quadro 2 revela que mais da metade de todos os mártires eram Cristãos Ortodoxos. Uma explicação parcial deste fato é a existência de vastos impérios anticristãos centralizados na região da Europa Oriental no decorrer da história. Não obstante, todas as tradições cristãs sofreram o martírio. Quadro 1. Dez maiores situações de martírio na história do Cristianismo, classificadas por tamanho Situação 1. 1921-50, cristãos morrem em Martirizados 15.000.000 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. campos de concentração soviéticos 1950-80, cristãos morrem em campos de concentração soviéticos 1214, Genghis Khan massacra cristãos 1358, Tamerlane destrói a igreja Nestoriana 1929-37, cristãos Ortodoxos mortos por Stalin 1560, Conquistadores matam milhões de Ameríndios 1925, Soviéticos tentam liquidar Católicos Romanos 1258, Bagdá capturada em massacre por Hulaku Khan 1214, Diocese de Herat saqueada por Genghis Khan 1939, Nazistas executam milhões em campos de concentração 5.000.000 4.000.000 4.000.000 2.700.000 2.000.000 1.200.000 1.100.000 1.000.000 1.000.000 Quadro 2. Confissões dos mártires, totais de 33 a 2000 AD Tradição Ortodoxos Ortodoxos Russos Sírios Orientais (Nestorianos) Ortodoxos Ucranianos Gregorianos (Armênios Apostólicos) Católicos Romanos Católicos (antes de 1000 AD) Independentes Protestantes Anglicanos Cristãos Marginais Total de todos os mártires Mártires 43.000.000 25.000.000 12.800.000 4.000.000 1.200.000 12.200.000 900.000 3.500.000 3.200.000 1.100.000 7.000 70,000,000 O IMPACTO POTENCIAL DO MARTÍRIO Em alguns países, descobrimos que o martírio foi seguido do crescimento da igreja. Um exemplo contemporâneo é a igreja na China. Em 1949 havia apenas um milhão de cristãos na China. Cinquenta anos de governo Comunista, anti-religião, foram a causa da morte de 1,2 milhões de mártires. O resultado: crescimento explosivo da igreja, que hoje conta com 100 milhões de cristãos. Hoje em dia, situações consideráveis de martírio continuam na República Democrática do Congo, no Sudão, na Indonésia, na Nigéria, e em outros lugares em todo o mundo. Definir e enumerar mártires no sentido mais amplo possível tem tanto limitações quanto vantagens sobre outros métodos. Em primeiro lugar, é limitado porque deixa de fora questões de qualidade, como um estilo de vida de santificação (mencionado acima) ou a persuasão teológica dos mártires cristãos. Em segundo lugar, faz um relatório apenas sobre o martírio do ponto de vista demográfico, deixando de fora milhares de histórias e casos fascinantes. Felizmente, estes não faltam em outras publicações. Duas vantagens também podem ser ressaltadas aqui. Em primeiro lugar, por causa da codificação extensiva das situações de martírio (disponíveis em World Christian Trends), pode-se abordar os dados de forma seletiva. Questões como “Quantos mártires Católicos Romanos houve na América Latina no século dezenove?” podem ser respondidas. Em segundo lugar, esta abordagem resiste à fragmentação, colocando todos os mártires cristãos dentro do mesmo fenômeno global. O FUTURO DO MARTÍRIO Podemos ser tentados a acreditar que a humanidade gradualmente superará sua natureza violenta, e que, talvez daqui a cem anos, as pessoas não mais se matarão, por qualquer razão que seja. No entanto, é difícil que isso se concretize. No futuro, é mais do que provável, haverá outras situações de martírio, e os nomes dos indivíduos martirizados provavelmente se acumularão a cada ano que passa. Nota. Este artigo foi condensado da Parte 4, “Martiriologia”, do livro World Christian Trends (WCT), de Barrett e Johnson. A compilação dos dados sobre os mártires cristãos em todos os países em vinte séculos de história do Cristianismo se encontra em dois grandes quadros no WCT: Quadro 4-10, 4-11, “Lista alfabética de 2.500 mártires conhecidos, dos anos 33-2000 AD. Estatísticas por país sobre mártires podem ser encontradas acessando www.worldchristiandatabase.org. QUESTÕES PARA REFLEXÃO 1. Os editores acreditam que este artigo detalhado, embora seja breve, surpreenderá a maioria dos leitores. Quais as implicações da informação contida neste artigo para o movimento missionário moderno? 2. Discuta a definição de martírio utilizada neste artigo. 3. O artigo apoia a afirmação que o “resultado” de uma perseguição severa dos cristãos na China foi o crescimento explosivo? 4. Existem mártires nos dias de hoje que se encaixam no modelo de “santidade heroica” descrito neste artigo? REFERÊNCIAS Livre des martyrs chrétiens. B. Chenu et al. Paris: Éditions du Centurion, 1988. Martyr invictus. T. Baumeister. Münster, 1972. Martyrdom today. J. Metz & E. Schillebeeckx (eds). Edinburgh: T. & T. Clark, 1983. Martyrs and martyrologies. D. Wood (ed). Oxford, UK: Blackwell, 1993. Their blood cries out: the untold story of persecution against Christians in the modern world. P. Marshall with L. Gilbert. Dallas: Word Publishing, 1997. World Christian Trends. D. Barrett & T. Johnson. Pasadena, CA: William Carey Library, 2001. Todd M. Johnson é o Diretor do Centro para o Estudo do Cristianismo Global no GordonConwell Theological Seminary em South Hamilton, MA. Ele é co-autor da Enciclopédia Cristã Mundial, World Christian Encyclopedia, 2ª edição (Oxford University Press, 2001) e co-editor do Atlas of Global Christianity (Edinburgh University Press, 2009). Parte 2 Reflexões bíblico-teológicas Breves pensamentos sobre o livro de Apocalipse Mais uma vez fico profundamente comovido quando percebo que 99,4% das Escrituras foi escrito a partir de ou em contextos de incerteza, violência, exílio, pobreza e fraqueza. Isso coloca uma lente única – uma hermenêutica nova, mas normal – diante de nossos olhos quando nos debruçamos sobre a Palavra. Lá estavam eles para demonstrar o discipulado transformacional como seguidores de Cristo, tanto reunidos (a igreja local) quanto espalhados (a igreja em missão). Isso não significa que aqueles que vivem em realidades de paz, prosperidade, poder e influência não podem interpretar o texto corretamente. Antes, significa que a igreja histórica contemporânea precisa entender os propósitos do Espírito Santo enquanto este inspirava o registro das Escrituras naqueles contextos. Adoração e protesto dos mártires Vou comentar apenas dois temas: adoração e de protesto dos mártires. Há cerca de dezessete cenas de adoração no Apocalipse. Elas vão desde pequenos córregos ao longo do caminho até cataratas enormes mais maravilhosas do que as de Victoria, do Niágara ou de Foz do Iguaçu. É adoração que vem de algumas vozes até incontáveis miríades; vem de quatro seres vivente até os vinte e quatro anciãos; de anjos e de toda a criação; de todos os povos, tribos, línguas e nações até as suas misturas. Que maravilha incrível de sons, cores, criatividade, diversidade e entrega total! Ouça o protesto dos mártires: Quando ele abriu o quinto selo, vi, debaixo do altar, as almas daqueles que tinham sido mortos por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho que sustentavam. Clamaram em grande voz, dizendo: “Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas, nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra?” Então, a cada um deles foi dada uma vestidura branca, e lhes disseram que repousassem ainda por pouco tempo, até que também se completasse o número dos seus conservos e seus irmãos que iam ser mortos como igualmente eles foram. (Ap 6.9-11) Descubra a identidade deste povo que impetuosamente clama: Depois destas coisas, vi, e eis grande multidão que ninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, em pé diante do trono e diante do Cordeiro, vestidos de vestiduras brancas, com palmas nas mãos; e clamavam em grande voz, dizendo: “Ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação”. (Ap 7.9-10) Imagine o que seria ouvir esse clamor e saber que “são estes os que vêm da grande tribulação, lavaram suas vestiduras e as alvejaram no sangue do Cordeiro” (Ap 7.14). William D. Taylor De Gênesis a Apocalipse Perseguição como tema central das Escrituras Wolgang Haede Os cristãos no contexto ocidental podem ficar surpresos com o fato de que a Bíblia fala sobre perseguição e sofrimento1 literalmente de Gênesis a Apocalipse 2. 1 2 A perseguição acontece quando sofremos por causa da justiça e por obediência a Deus. Incluí algumas formas de sofrimento neste artigo que não se tratam exatamente “perseguição” para dar uma noção mais ampla. A maior parte das reflexões deste artigo são extraídas do livro de Glenn Penner, In the Muitos dos livros da Bíblia foram escritos num contexto de sofrimento (p.ex. Jó, muitos dos Salmos, Jeremias, as cartas de Paulo da prisão) ou para pessoas que enfrentavam perseguição (p.ex. 1 Tessalonicenses, 1 Pedro, Apocalipse). Naturalmente, no presente artigo abordaremos apenas algumas dessas referências à perseguição. Após a queda Depois que Adão e Eva caíram em pecado, Deus não apenas declarou que o sofrimento humano seria uma punição pelo pecado (Gn 3.16, 19); a promessa imediata de um salvador que “esmagaria a cabeça” (Gn 3.15) da serpente satânica incluía o anúncio da dor que o salvador teria que suportar para trazer a salvação: a serpente iria “morder o seu calcanhar”. Sim a salvação seria consumada, mas haveria muita dor nessa trajetória para a “semente da mulher” e para o seu povo. A primeira morte na história da humanidade foi de um mártir: Caim matou seu irmão Abel porque este era justo (Mt 23.35) e Caim teve inveja do “melhor sacrifício” (Hb 11.4). Quando Jesus falou sobre “o sangue do justo Abel até o sangue de Zacarias” (Mt 23.35; Lc 11.51), ele colocou Abel em pé de igualdade com Zacarias, que morreu por causa da sua mensagem (2 Cr 24.20-22). A história minuciosa do justo Jó (Jó 1.1) deixa claro que o sofrimento nem sempre é consequência do pecado individual. As pessoas podem sofrer pelo simples fato de serem justas, embora nem sempre as razões sejam óbvias. O povo de deus, um povo sofredor Quando os israelitas foram oprimidos e ameaçados de extinção no Egito, um novo aspecto da perseguição pôde ser observado. Os israelitas foram escravizados e viram seus filhos serem mortos (Êx 1) não por causa de algum pecado que tivessem cometido, mas pelo simples fato de pertencerem ao povo escolhido de Deus. Mais tarde, o rei escolhido para o povo de Deus foi perseguido durante anos (1 Sm 19-31). Saul, o rei rejeitado, tentava matar Davi, o rei ungido. Shadow of the Croiss, a Biblical Theology of Persecution and Discipleship (2004). Tive o privilégio de traduzir esse livro para o alemão em um período em que testemunhei a perseguição na Turquia. As referências bíblicas são da Nova Versão Internacional (NIV). Davi é o autor de diversos salmos. Alguns deles já na introdução expressam o contexto da perseguição sofrida por Davi (p.ex. Sl 34; 52; 54; 57; 59), e muitos outros salmos foram escritos claramente em situações de sofrimento. Profetas perseguidos pelo seu próprio povo Quando os profetas começaram a dizer ao povo de Israel que voltasse para Deus e para a Lei de Moisés foram perseguidos por causa do seu ministério. O profeta Jeremias nos dá o exemplo mais impactante de perseguição a um mensageiro de Deus em decorrência da sua pregação. Provavelmente por cerca de 40 anos, Jeremias enfrentou sofrimento por ter sido obediente à ordem de Deus de pregar sua palavra. Quando ele pediu ao Senhor uma explicação sobre a discrepância entre a prosperidade dos ímpios e seu próprio sofrimento (Jr 12.1 em diante), a única resposta que obteve foi a de que as coisas ficariam ainda piores (Jr 12.5). A mensagem de Deus pregada por Isaías acrescenta uma nova dimensão à questão do sofrimento. O sofrimento não é meramente uma consequência do pecado ou um método para unir os pecadores. O sofrimento não resulta apenas da obediência a Deus ou do fato de se pertencer ao seu povo. Os sofrimentos do Servo do Senhor anunciados por Isaías3 são o método através do qual Deus nos traz perdão e salvação. “O castigo que nos trouxe a paz estava sobre ele” (Is 53.5). Os sofrimentos operam a salvação. O sofrimento do próprio deus Quando falamos sobre o Servo Sofredor do Senhor, que é Jesus Cristo em sua morte pela redenção da humanidade, podemos nos perguntar: Deus sofre – mesmo antes de se encarnar na pessoa de Jesus? Ou, como diriam os filósofos, será que o sofrimento contradiz a natureza imutável de Deus? O Antigo Testamento apresenta um Deus que não poderia ter sido forçado a sofrer por qualquer outro poder superior, mas que escolheu amar (PENNER, 2004, 3 Confira os chamados “cânticos do Servo” em Isaías 42.1-4; 49.1-6; 50.4-9,1 e especialmente 52.13-53.12. p. 89) e, ao escolher amar, assumiu o risco de ser rejeitado e de sofrer. No AT, Deus sofre com a rejeição dos homens (Gn 6.6; Is 63.10). Além disso, ele participa do sofrimento do povo que ele ama quando esse povo é oprimido (Êx 2.24; Is 63.9). O Senhor também sofre quando aplica a punição ou quando tem que arrancar aquilo que ele mesmo plantou (Jr 45.2). O sofrimento do próprio Deus é um forte argumento para preparar seu povo para o fato de que não teriam uma vida de facilidades (ver Baruque, o servo de Jeremias, em Jr 45.5). Anúncio dos sofrimentos escatológicos No livro de Daniel, o Filho do Homem “vindo com as nuvens do céu” recebe autoridade da parte de Deus (Dn 7.14). Juntamente com ele “os santos do Altíssimo receberão o reino e o possuirão para sempre” (Dn 7.18). Entretanto, por um determinado período de tempo eles serão “entregues” à besta que os persegue (Dn 7.25). Mais uma vez, nós vemos a verdade de Gênesis 3.15: o caminho para o triunfo passa pelo sofrimento. Jesus como servo sofredor Quando Jesus veio como Servo Sofredor, ele foi confrontado com as expectativas das pessoas que esperavam que ele fosse um Messias triunfante e sem sofrimento. Após o clímax da confissão de Pedro sobre Jesus como “Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16.16)4, Jesus precisou repreendê-lo usando as palavras “Para trás de mim, Satanás!” (Mt 16.23), porque Pedro queria poupar Jesus do sofrimento. Estamos subindo para Jerusalém, e o Filho do homem será entregue aos chefes dos sacerdotes e aos mestres da lei. Eles o condenarão à morte e o entregarão aos gentios para que zombem dele, o açoitem e o crucifiquem. No terceiro dia ele ressuscitará! (Mt 20.18-19) Jesus dedicou seu tempo ensinando seus discípulos que ele deveria ir a Jerusalém e sofrer muitas coisas (Mt 16.21), o que culminou com os ensinos 4 Citei o Evangelho de Mateus na maior parte dos exemplos. Naturalmente há vários textos paralelos nos outros Evangelhos também. ministrados após a Páscoa, quando os confrontou com as Escrituras: “Não devia o Cristo sofrer estas coisas, para entrar na sua glória?” (Lc 24.26). Preparando seus discípulos para o sofrimento e martírio É claro que Jesus conhecia as Escrituras, incluindo os textos que falavam sobre a tribulação pela qual passariam “os santos do Altíssimo” (Dn 7.18 em diante). Como Filho de Deus, ele sabia que Pedro seria martirizado (Jo 21.19). Portanto, certamente ele sabia aquilo que aprendemos com a história da igreja primitiva: que provavelmente todos os doze apóstolos, exceto Judas e João, morreriam por professar a fé em Jesus. Portanto, quando Jesus enviou os doze para pregar e curar em Israel (Mt 10), preparando-os para o seu futuro ministério mundial, dedicou uma grande parte do seu ensino ao tema da perseguição (10.16-42). Em seus ensinos, Jesus demonstrou que há uma estreita relação entre missão e perseguição. Sofrer diretamente nas mãos do povo por causa do ministério é algo que poderia se chamar de perseguição. Aqui no Ocidente, nós cristãos estamos acostumados a suavizar as palavras de Jesus nesse discurso e em outros trechos, aplicando-as diretamente aos desafios da vida diária que nós vivenciamos. Entretanto, quando Jesus enviou seus amigos “como ovelhas entre lobos” (Mt 10.16), ele sabia que os lobos os morderiam e feririam gravemente. Quando encorajou seus discípulos dizendo “quem perder a vida por minha causa, a encontrará” (Mt 16.25), Jesus sabia que aqueles homens que estavam diante dele literalmente morreriam como mártires. E quando ele comissionou cada um dos seus seguidores dizendo “tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16.24), aqueles que o ouviam certamente se lembraram de criminosos diante de uma execução e eles sabiam que Jesus não estava falando somente sobre a necessidade de lidar com os pequenos problemas da vida sem ficar com raiva de Deus. Sofrimento na igreja neo-testamentária Após terem recebido o Espírito Santo no Pentecostes, os apóstolos pareciam ter compreendido o que Jesus havia ensinado acerca do sofrimento. Quando Pedro e João enfrentaram pela primeira vez forte perseguição da parte do Sinédrio de Jerusalém, não demonstraram surpresa. Pelo contrário, eles “saíram do Sinédrio alegres por terem sido considerados dignos de serem humilhados por causa do Nome” (At 5.41). A acusação contra Estêvão e sua consequente execução (At 6.9-8.1) claramente apresentou paralelos com o sofrimento e morte de Jesus. O caso do primeiro mártir, portanto, estabelece um exemplo da veracidade das palavras de Jesus: “Se me perseguiram, também perseguirão vocês” (Jo 15.20), bem como da validade da sua promessa: “pois naquela hora o Espírito Santo lhes ensinará o que devem dizer” (Lc 12.12). O sofrimento e Paulo No mesmo dia em que Paulo teve um encontro especial com Jesus, o Senhor disse a respeito dele: “eu mostrarei a ele o quanto deve sofrer pelo meu nome” (At 9.16). Pouco depois da sua conversão, ele teve que fugir de Damasco por causa de uma conspiração para tirar-lhe a vida (At 9.23-25). Posteriormente, ele relata para a igreja de Corinto uma série de sofrimentos que experimentara por amor a Cristo durante o seu ministério (2 Co 11.23-29). Em seu ministério apostólico, Paulo deu um exemplo de sofrimento para os novos crentes e disse a eles que o imitassem (1 Ts 1.6-7). Ficamos com uma clara impressão de que perseguição e sofrimento faziam parte do ensino fundamental de Paulo a todas as igrejas (p.ex. At 14.22). Ele expressou isso claramente para seu jovem discípulo Timóteo: “todos os que desejam viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos” (2 Tm 3.12). Cinco das treze cartas do Novo Testamento (Efésios, Filipenses, Colossenses, 2 Timóteo e Filemon) foram escritas por Paulo enquanto estava preso. Quando o apóstolo expressa aos Colossenses seu desejo de “completo no meu corpo o que resta das aflições de Cristo” (1.24), com certeza ele não está afirmando que o sofrimento de Jesus na cruz pela salvação do mundo não era o suficiente. No entanto, segundo as próprias palavras de Jesus para Paulo na estrada de Damasco (At 9.4 – “por que você me persegue?”), os sofrimentos da igreja são a continuação dos sofrimentos de Jesus. Assim como Cristo sofreu para nos salvar, ele continua sofrendo através do seu corpo, a Igreja, pela proclamação da salvação. E esses sofrimentos ainda não se completaram. Nas cartas aos Coríntios, Paulo parece ter precisado defender seu ministério contra pessoas que o atacavam, dizendo que “a obra de Deus foi feita em força e poder, não em fraqueza e sofrimento” (PENNER, 2004, p. 178). Da mesma maneira que Jesus precisou explicar o papel do sofrimento no plano de Deus, Paulo teve que ensinar que Deus mostra a sua glória através das coisas “insignificantes deste mundo e as que nada são” (1 Co 1.28), que o “poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2 Co 12.9). A questão do sofrimento nas outras cartas A carta aos Hebreus foi escrita para cristãos que haviam experimentado algum tipo de perseguição (Hb 10.32-34). Quando os “heróis da fé” são apresentados no capítulo 11, há uma mudança importante a partir do versículo 35: “Alguns foram torturados e recusaram ser libertados, para poderem alcançar uma ressurreição superior”. Nem sempre Deus livrou aqueles que confiaram nele. Perseverar em meio ao sofrimento pode ser um sucesso ainda maior. Tiago conclama os crentes a se alegrar nas “diversas provações” (Tg 1.2). A primeira carta de Pedro foi escrita para encorajar os seguidores de Jesus que viviam onde hoje é a Turquia, que haviam sido “entristecidos por todo tipo de provações” (1 Pe 1.6). Apocalipse: a igreja triunfante em meio ao sofrimento O Apocalipse foi dado a João quando ele se encontrava na ilha de Patmos, como prisioneiro, e seus escritos foram enviados às igrejas da região do Egeu que estavam enfrentando perseguição (Ap 2.3; 2.9) e até morte (Ap 2.13). Todas as igrejas são chamadas a “vencer” (2.11; 2.26). No capítulo 12, o tema de Gênesis 3.15 reaparece e é mais trabalhado: o dragão, “a antiga serpente chamada diabo ou Satanás” (Ap 12.9), peleja contra a mulher, contra o seu filho e contra “os restantes da sua descendência” (12.17). Assim como em Gênesis 3.15, fica claro quem será o vitorioso final, mas também é verdade que o caminho para a vitória passa pela perseguição. Os vitoriosos serão aqueles que “mesmo diante da morte, não amaram a própria vida” (Ap 12.11). Sim, a história do trabalho de Deus para salvar a humanidade é uma história de sofrimento, perseguição e martírio – que percorre toda a Bíblia. Em Apocalipse 6.9-11, vemos uma assembleia dos mártires que clamam ao Senhor: “Até quando, ó Soberano santo e verdadeiro, esperarás para julgar os habitantes da terra e vingar o nosso sangue?” (Ap 6.10). A resposta que recebem é que: “esperassem um pouco mais, até que se completasse o número dos seus conservos e irmãos, que deveriam ser mortos como eles” (6.11). Quando virá o julgamento? Depois que o último mártir for morto! Assim como Abel, o primeiro homem na história da humanidade que morreu como mártir por sua fé, também temos razões para crer que a última pessoa a morrer nesta terra antes da volta de Jesus será um mátir. Perguntas para reflexão 1. Quais livros da Bíblia foram escritos num contexto de sofrimento e perseguição? 2. Que experiência contribuiu significativamente para que esse missionário alemão para a Turquia tivesse condições de escrever este artigo? 3. Considerando que o autor foi convincente em seus argumentos sobre a centralidade do sofrimento nas Escrituras, como explicar o fato de que os cristãos ocidentais, geralmente em condições de fartura e paz social, tenham tão pouca consciência disso? E qual o efeito desta situação? 4. Se o método de Deus para difundir a salvação passa pelo sofrimento, como isso deveria influenciar nossa maneira de evangelizar? Referência PENNER G. In the shadow of the cross: A biblical theology of persecution and discipleship. Bartlesville, OK: Living Sacrifice Books, 2004. Wolgang Haede: Alemão, com mestrado em teologia pelo FETA Basel, Suíça, juntamente com sua esposa Janet, de Antioquia, na Turquia, e a filha Debora, trabalha como plantador de igreja e professor de teologia na Turquia desde 2001. Necati Aydin, um dos três cristãos mortos em 2007 em Malatya, Turquia, era casado com a irmã de Janet. Wolfgang escreveu um livro sobre a vida e morte de Necati, publicado em alemão (“Mein Schwager: ein Martyrer” – Meu cunhado: um mártir) em 2009. PERSEVERANÇA E SOFRIMENTO NO PLANO DE DEUS NO LIVRO DE APOCALIPSE Margaretha Adiwardana Um dos temas principais do livro de Apocalipse é a “absoluta autoridade e suprema soberania de Deus sobre toda a criação” (Hughes 1990, 52). O apóstolo João compreende o plano de Deus na história e fica claro que Deus está no controle. O resultado prático do conhecimento deste fato capacita os cristãos a perceber o sofrimento à luz do reino eterno de Cristo (Wilcock 1991, 42). Outro tema do Apocalipse é o sofrimento e a perseverança inerentes ao plano de Deus para a salvação. Sofrimento e morte são vistos como glorificação, pois Deus está no centro da história (Morris, 1995, 359). A ênfase é dada na vitória, e o sofrimento é considerado meramente como um meio para a realização do plano de Deus, permitido por Ele, sob a perspectiva da cruz. Portanto, os cristãos deveriam compreender o sofrimento, visto que o sofrimento de Cristo na cruz trouxe salvação. Isso muda nossa concepção do sofrimento e transforma os valores dos que seguem a Cristo. O sofrimento não é de puramente mau. Quando é gerado de forma correta, trará frutos para o bem (Morris, 1995, 359). Seguir a Cristo e tornar-se como ele significa carregar a cruz (Lc 9:23). O serviço cristão é sacrificial, tem um alto preço, pois levar o evangelho a outros é andar no caminho da cruz (393). João, nosso companheiro e irmão, sofreu pelo Reino e pacientemente suportou o sofrimento pela palavra de Deus e pelo testemunho de Jesus (Ap 1.9). Perseverar com paciência é a capacidade de suportar a perseguição e o sofrimento (Bratcher 1984, 13). Ele participa “do alto preço da aflição pessoal que é intrínseco à verdadeira comunidade da fé... na tribulação, Reino e paciência, em Jesus” (Hughes, 1990, 23). O sofrimento faz parte do chamado dos que pregam a Palavra de Deus e são testemunhas de Jesus (At 1.8). Tribulação e Reino estão ligados. Para Sweet, “a tensão entre eles se expressa na perseverança, uma palavra-chave (Ap 2.2,19; 3.10; 13.10; 14.12), que carrega expectativa em lugar de estoicismo” (1979, 67). Jesus conhece aqueles que perseveram e enfrentam provações pelo seu nome (Ap 2.2-3). “Vocês não se cansaram”, significa que Deus reconheceu que as pessoas não desistiram nem ficaram desanimadas (Bratcher 1984, 20). A perseverança na tribulação requer um grande esforço, muito trabalho e paciência. Hughes menciona que os cristãos em Éfeso não abandonaram a luta quando enfrentaram dolorosa oposição e aflição porque tinham Jesus no centro de suas vidas, ao invés de si mesmos. Por isso, expressavam gratidão e não buscavam mérito próprio. Suportar as aflições e humilhações por amor a Cristo trouxe bênçãos (Mt 5.11). O caminho do sofrimento é difícil, mas conduz a uma glória incomparável (Fp 2.8; Ro 8.18; 2 Co 4.17; Hughes 1990, 34-35). Deus conhecia a tribulação, pobreza, e as prisões, julgamentos, e mesmo morte que estavam por atingir a igreja de Esmirna, uma igreja pobre numa cidade rica (Ap 2.9, 11). Mounce sugere que sua pobreza era gerada pelo ambiente antagônico, que tornava difícil a sobrevivência dos cristãos. Os cristãos de Esmirna podem ter sido vítimas de multidões enfurecidas e da espoliação de seus bens (confira Hebreus 10.34; Mounce 1977, 92). Eles foram caluniados (v. 9). Blasfêmia significa difamação. Sweet comenta que o culto cristão era proibido e considerado como comportamento anti-social. Os magistrados poderiam obrigalos a renunciar o cristianismo e a recusa poderia significar uma sentença de morte (confira I Pe 4.12-16; Sweet 1979, 85). Jesus os exortou a não terem medo do sofrimento que viria, mas que fossem fiéis até a morte. No verso 10, a expressão “coisas que haverão de padecer” indica a presciência, soberania e permissão de Deus e que seus sofrimentos e os ataques do diabo faziam parte do plano divino (Sweet 1979, 85). Deus prometeu a coroa da vida para os que vencerem tribulações, e que eles não experimentarão a segunda morte (conf. Mc 24.13). Os vencedores descritos no Apocalipse são aqueles que permaneceram fiéis ao Senhor, a despeito das tentações e perseguição, talvez até a morte. Os mártires vencem a besta (15.2). Eles são vencedores e recebem a coroa da vida, da mesma forma que os vencedores de jogos e guerras (I Co 9.25). A coroa da vida simboliza a vida eterna dada aos vencedores (Ap 4.4; 14.14; Js 1.12; I Pe 5.4; Shedd 1989, 292). A igreja em Tiatira possuía obras, amor, fé, serviço, e sua perseverança era conhecida por Deus (Ap 2.19). Os feitos ou obras são definidos por Beasley-Murray como o critério da fé genuína no último julgamento e no julgamento presente; a perseverança necessária para as obras dignas de fé está relacionada ao esforço para manter-se firme na fé (1978, 73-74). Apocalipse 2.24 afirma que o Senhor sabe até onde os crentes podem suportar o sofrimento, não permitindo que eles sofram além de sua capacidade. O verso 25 exorta os fiéis a guardar o que possuem até o retorno de Jesus. O vencedor é aquele que faz a vontade de Deus até o fim (v.26; Bratcher 1984, 31). Eles receberão autoridade, governo e poder sobre nações (v. 27). Aqueles que guardam o mandamento de Jesus de suportar com paciência serão poupados na última hora do julgamento que está por vir sobre todo o mundo (Ap 3.10). Eles não serão poupados do sofrimento, mas receberam a promessa de que serão capazes de atravessar o período de aflições e sofrimento (Bratcher 1984, 31). O plano e a soberania de Deus incluem o martírio de cristãos (Ap 6.9-1). Isso acontece ainda nos dias de hoje e continuará a acontecer “até que o número se complete”. Para Sweet (1979, 142) “a questão é a imutabilidade dos planos divinos – a demora não é procrastinação ou fraqueza. Aqui temos o calendário divino, materializado no sacrifício de Cristo, do qual o seu povo deve participar (confira Cl. 1.24). A proteção contra a “hora do juízo” (3.10) não significa imunidade física, conforme nos alertou o Senhor (Mt 10.28; 24.9).” Eles foram martirizados porque foram fiéis, recusaram-se a negar a Deus e pregaram a palavra de Deus. Agora descansam, aguardando o juizo final de Deus sobre o maligno, que os matou. Vestes brancas são concedidas aos mártires após a Grande Tribulação (Ap 2:13-17). O Cordeiro em pessoa vai finalmente livra-los de todo sofrimento, será o seu pastor, dará vida eterna a eles e enxugará de seus olhos toda lágrima (Ap 21.4,7). Hughes observa que os mártires têm um papel especial no plano de Deus (confira 1.9; 2.13; 3.8; 7.14; 11.3s; 12.11; 14.12s; 20.4). O martírio silenciou uma das fiéis testemunhas do Senhor. Aparentemente, Deus foi derrotado e houve retrocesso para a igreja. Mas isso comprovadamente resultou em progresso do evangelho e poder e bênção para igreja (Hughes, 1990, 90). Ladd faz uma relação desta passagem com o ensino de Jesus de que seus discípulos devem tomar a cruz, o que não significa carregar fardos pesados, mas a disposição de sofrer o martírio: O evangelho será efetivamente proclamado, mas num contexto de hostilidade, que a despeito da presença do evangelho do reino, será caracterizado por guerra, sofrimento causado por necessidades materiais e econômicas, e morte... (a) um fato que a igreja precisa encarar em sua missão de proclamar o evangelho do reino é presença da perseguição e o martírio...As almas dos mártires são vistas sob o altar como se tivessem sido sacrificadas...Portanto, os mártires cristãos são considerados como sacrifícios ofertados a Deus...O Novo Testamento enfatiza que, por sua própria natureza, a igreja é o povo do martírio (Ladd 1972, 102f). Os mártires vencem Satanás e seus anjos pelo sangue do Cordeiro, pela palavra do seu testemunho (o testemunho do evangelho), e por não amarem suas vidas até a morte (Ap 12.11). Ladd declara “seu martírio foi em si mesmo uma vitória sobre Satanás, não uma vitória física, na qual suas vidas fossem poupadas e eles ficassem livres da perseguição, mas uma vitória espiritual que provou serem vazias as acusações contra os irmãos” (1972, 173). Os santos precisam perseverar e ser fiéis, atentando para a advertência sobre a besta que haveria de vir (Ap 13.10). Ele encoraja os crentes a obedecerem a Deus, mesmo sofrendo prisão e morte. Hughes comenta que Deus assegura aos servos fiéis que nada pode lhes acontecer que não esteja sob o controle dele ou contrarie a sua vontade: Em todas as coisas, Deus dirige e governa de acordo com seu plano. É quando aceitamos a aflição que a paciência e a fé dos santos se revela triunfante. Tais provas atestam que sua fé é genuína e sua esperança em Cristo, inabalável. A ideia da inevitabilidade implica na supremacia da vontade divina, que é sempre direcionada para o bem e para bênção da comunidade dos redimidos (Hughes 1990, 150). Apocalipse 14.12 enfatiza que perseverar significa guardar o mandamento de Deus e a fé em Jesus. Os que morrem no Senhor são abençoados, e suas obras os seguem (vs. 13, confira Jo 15.16). Mounce afirma que a fidelidade a Cristo produz martírio, mas traz bênção e uma vitoriosa entrada no repouso (1977, 277). Em Apocalipse 16.5-7, o Deus Todo-Poderoso, verdadeiro e justo, julga todos aqueles que perseguem e matam seus profetas e santos (conf 18.24), que foram seduzidos pela feitiçaria (19.2). Deus dará roupas brancas como símbolo de justiça (Ap 19.7) àqueles que foram mortos por causa do testemunho de Jesus e da palavra de Deus, que não adoraram à besta nem a sua imagem, nem receberam a sua marca. Eles reinarão com Cristo e viverão para sempre como seus sacerdotes (Ap 20.4). Morris afirma: Ninguém menos que o próprio Deus será o consolador do seu povo. Ele enxugará toda lágrima. Seu cuidado é infinito... A morte não triunfará no final e o povo de Deus verá que ela será derrotada... A tristeza, o lamento e a dor também cessarão. Para João, isso ocorre porque “as primeiras coisas já passaram”... A vida, como a conhecemos, será totalmente substituída por uma nova ordem. João havia chorado diante da perspectiva de que não houvesse ninguém que fosse digno de abrir os selos (v. 4). Não há uma resposta para o problema do mal sobre a terra? Suas visões responderam essa pergunta. O Cordeiro venceu. Agora ele percebe que as lágrimas também cessaram (Morris 1995, 245). O Apocalipse revela o projeto do plano de Deus para a salvação do homem e da história deste mundo. O Cordeiro abre o livro porque ele havia comprado com seu sangue pessoas de todas as nações (Ap 5). Um anjo disse que a salvação seria pregada a todas as nações e então viria o julgamento (Ap 14.6-7). João também viu sob o altar as almas dos que foram mortos por causa da palavra de Deus e do testemunho que deram (6.9). Então João ouviu que o acusador havia sido vencido por aqueles que não amaram suas próprias vidas e enfrentaram a morte, pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho. O diabo está enfurecido porque seu tempo é curto (12.10-12). Eis o projeto: a salvação veio através da morte de Jesus. Isso precisa ser pregado a todos os povos, do contrário, eles permanecerão sob o julgamento de Deus. No final, teremos a salvação de muitas pessoas de todos os povos. Mas antes disso, o diabo mostra sua fúria. Os que testemunharem do Cordeiro serão martirizados. Entretanto, eles vencem porque mantém o testemunho da Palavra de Deus. João adverte sobre o sofrimento, julgamento e a tribulação, que inclui privação, calúnia, e até a morte. Ele também nos assegura que Deus está no controle, realizando o plano divino de salvação para toda a criação. Wilcock aplica tais coisas à igreja dos dias de hoje, onde alguns cristãos sofrem enquanto outros vivem em relativo conforto: A perspectiva imediata era de sofrimento e mesmo a morte. Essa era uma certeza – um fato que traz lições para aqueles dentre nós que levam uma vida comparativamente tranquila. Será que seríamos pegos desprevenidos se a perseguição batesse em nossa porta amanhã? Muitos irmãos têm vivido com essa expectativa e nós precisamos fazer o mesmo. Porque a grande tribulação que João vê no final dessa era, ele também vê, em menor escala, constantemente presente na experiência do povo de Deus. E isso é uma provação. É a ação do diabo, mas Deus tem um propósito para isso (Wilcock 1991, 45). A igreja de hoje precisa dar atenção às advertências e ao encorajamento proferidos por João. Beasley-Murray enfatiza o valor que a igreja tem para Deus e seu destino na eternidade. Por causa do seu testemunho para o mundo, a igreja enfrenta sofrimentos. Se atentar para as palavras de João, a igreja não será pega de surpresa pela oposição à sua missão junto às nações. Deus sabe tudo isso, mas ele restringe sua intervenção. Ele encoraja os cristãos a perseverarem. Sofrendo com seu Senhor, a igreja vai compartilhar da sua glória no reino vindouro. “O sofrimento é permitido para garantir a aprovação daqueles para os quais o reino é preparado” (Beasley-Murray 1978, 44-45, 81). O Apocalipse mostra o eterno plano de Deus por completo: salvação, juízo, pregação do evangelho a todos os povos, a batalha entre os seguidores de Jesus e Satanás, e a vitória final de Deus. A realização dos propósitos de Deus inclui sofrimento para os seguidores de Jesus, a quem a pregação do evangelho foi confiada. De alguma maneira, o sofrimento faz parte do plano de Deus para a salvação dos crentes. A exortação repetidamente encoraja a perseverar até vencer. Mesmo até a morte. CONCLUSÃO Os cristãos devem estar preparados para o sofrimento, especialmente aqueles que pregam o evangelho. Às vezes Deus permite o sofrimento a fim de cumprir seu divino plano de redenção, moldando seu povo através dele e demonstrando sua glória quando eles perseveram e triunfam, mantendo-se fieis a Ele. Negar a si mesmo, tomar a cruz e renunciar nosso conforto e bens, colocando Deus antes mesmo de nossa família e nosso lar, enfrentar o ódio, rejeição e perseguição, tudo isso faz parte do custo do discipulado verdadeiro. A perseverança é necessária quando enfrentamos tentações e sofrimento. Os seres humanos são avessos ao sofrimento, mas os cristãos não deveriam se surpreender com ele nem tentar fugir dele. Eles devem se regozijar na certeza do propósito final de Deus, considerando-se abençoados por sofrerem pelo nome de Cristo e por sua justiça. A perseverança é alimentada através do entendimento da Palavra de Deus, participação na comunidade cristã, e imitação do exemplo de Jesus, o Servo Sofredor. PERGUNTAS PARA REFLEXÃO 1. Por que o sofrimento tem uma importância tão grande no plano de salvação de Deus? 2. Como explicaríamos a definição de Beasley-Murray de que “Os feitos ou obras são... o critério da fé genuína no juízo vindouro e no juízo presente? A perseverança necessária para as obras de fé está relacionada ao esforço de manter a fé verdadeira”, fazendo uma relação com a igreja em Tiatira, que possuía obras, amor, fé, serviço e perseverança, os quais Deus conhecia (Ap 2.19)? 3. Quais implicações para a igreja derivam do fato de que o sofrimento está diretamente ligado à proclamação das boas novas de salvação a todos os povos, os quais foram comprados pelo sangue do Cordeiro? 4. Na vida da nossa igreja e amigos, em que medida o sofrimento faz parte do preço de seguir a Cristo, vivendo uma vida justa, e proclamando o evangelho? Referências: A Sra. Margaretha Nalina Adiwardana é presidente e diretora executiva da AME (Associação Missão Esperança), que trabalha com assistência em situações de catástrofes internacionais e desenvolvimento de comunidades, além de oferecer parcerias e fortalecimento a igrejas locais. Ela é a fundadora e coordenadora da REDE SOS GLOBAL, uma rede brasileira de assistência em situação de catástrofe. A Sra. Adiwardana dá treinamento a missionários de diversas organizações, seminários e escolas de treinamento. O PROBLEMA DO MAL E O SOFRIMENTO Uma abordagem comparativa entre a visão africana e a ocidental Isaiah M. Dau INTRODUÇÃO Quem sou eu? Sou uma mulher vestida de trapos, uma muher incapaz de falar uma língua estrangeira: Sou cega, e analfabeta. Sempre cuidei do gado para sobreviver, mas agora todos nossos animais foram roubados. Meus filhos foram subornados para me atormentar. Meu Nhialic, meu Nhialic, tem misericórdia de mim. Só tu podes me tirar deste sofrimento. Já passei dez dias sem comer e sobrevivi só com a água que tu me deste . 5 Diga-me você, sem rodeios, eu o desafio. Imagine que o destino da humanidade estivesse em suas mãos e que para tornar as pessoas felizes, proporcionar-lhes no final a paz e o sossego, fosse indispensável torturar apenas uma criaturinha pequena... Você concordaria, nestas condições, em arquitetar tal felicidade? Responda sem mentir!6 O problema do sofrimento humano coloca a fé sob uma enorme pressão. Como é de se esperar, gera discussões em todas as culturas e comunidades. Toca as pessoas e põe em cheque sua fé em um Deus de amor. Recentemente, a realidade do mal e do sofrimento ganhou maior visibilidade através da globalização e da rápida disseminação da informação. Consequentemente, com o aumento rápido da teconologia da comunicação em nossa época, quase todos os dias somos confrontados com vítimas ou vítimas em potencial do sofrimento e do mal em nosso mundo, como nunca antes na história humana. As imagens aterradoras do genocídio e assassinato em massa em Ruanda e nos Balcãs nos anos 90 ainda nos assombram. O mesmo acontece com o horror de membros decepados de crianças, algumas de meses de idade em Sierra Leoa ou com imagens da fome causada pelo próprio homem na Etiópia, na Eritréia, no Sudão, em Angola e na República Democrática do Congo, só como exemplo. Ficamos sem fôlego, perguntando desesperados e frustrados: “por que existe o sofrimento, afinal?” Qual é o propósito ou valor do sofrimento na existência humana?” Onde está Deus quando o mal nos assalta? Embora essas perguntas sejam mais fáceis de se fazer do que de se responder, elas constituem o que tradicionalmente se tem chamado de “o problema do mal e do sofrimento” Elas revelam a nossa busca humana por 5 Esta é a oração feita num campo de refugiados em Uganda por uma vítima de guerra sudanesa em fevereiro de 1994. Ela narra em oração seu sofrimento por causa da guerra em que ela perdeu o gado e a casa de sua família. Sua fé em Nhialic ou “aquele lá de cima”, nome que os Dinkas do Sudão usam para Deus, é muito real e é a única coisa que lhe dá forças para soreviver no meio da brutalidade da guerra ao seu redor (Ver Dau 2000). A oração é citada por Marc Nikkel em “Children of our Fathers ‘Divinities’” (Nikkel 1997, 61-78). 6 Esta é a pergunta feita por Ivan Karamazov ao seu irmão Alyosha sobre o problema do sofrimento (Dostoyevsky 1993, 282). uma resposta diante desse problema perturbador. “Nosso coração humano clama por uma resposta que alcance os que choram e sofrem com uma palavra de esperança num mundo em desepero” (Carson 1978, 13). Embora essa resposta não surja como a humanidade espera, podemos experimentar a presença de Deus até no sofrimento. Como C. S. Lewis sabiamente observou, “Deus sussurra aos nossos ouvidos nos prazeres, fala às nossas consciências, mas grita em nosso sofrimento, o sofrimento é o megafone que acorda um mundo ensurdecido.” (Lewis 1967,10). Mas a busca por uma resposta nunca levou a um consenso, o que inevitavelmente leva a diversos pontos de vista e interpretações. É isso que representam as citações acima, uma da África e outra do mundo ocidental. Tokunboh Adeyemo classificou acertadamente esta diversidade nas visões da realidade como um “choque entre duas visões de mundo” (Adeyemo 1988, 369). Essas afirmações são típicas das diferenças nas interpretações do problema sobre o mal e o sofrimento. A primeira é a oração de uma mulher sudanesa, lidando com a realidade do sofrimento e a fé na brutalidade da guerra e da morte em seu país. A segunda é um protesto ocidental clássico contra a domesticação aparente da relação entre o mal e o sofrimento, encontrada na teodiceia e teologia do século dezenove na Europa. Este protesto é personificado no romance clássico de Fyodor Dostoyevsky Os Irmãos Karamazov, que desafia a pressuposição tradicional de que o sofrimento tem um propósito quando se tem uma visão mais abrangente das coisas, de acordo com o plano original divino. É um protesto muito forte contra o sofrimento de crianças e se recusa a aceitar uma justificativa para o sofrimento, nem mesmo o gozo futuro depois da morte. A oração da mulher sudanesa expressa a confiança na fidelidade e na provisão de Deus durante a guerra e o sofrimento. Neste artigo, procuramos analisar o entendimento africano tradicional sobre o sofrimento e o mal, comparando-o com a visão ocidental. Para iniciar, defendemos que a visão africana da realidade é holística, raramente distinguindo o sagrado do secular ou o espiritual do material. Depois, examinamos alguns pensamentos africanos tradicionais sobre a origem do mal e do sofrimento, procurando diferenciar entre o mal natural e o mal moral. A seguir, investigamos orações, elegias, protestos e lamentações expressas no contexto tradicional africano como uma forma de enfrentar a realidade trágica do sofrimento e do mal. Comparamos as visões africana e ocidental antes de concluir com as implicações teológicas relativas ao problema do mal e o sofrimento. Estas implicações teológicas são tiradas do arcabouço da encarnação como a resposta cristã ao problema do mal e do sofrimento. Falamos da cruz, da comunidade, da esperança e do caráter como base para transcender e tranformar o sofrimento e o mal no mais alto bem desta vida. UMA COSMOLOGIA HOLÍSTICAvisão africana do mal e o sofrimento é um componente de uma cosmologia complexa mas holística. Esta cosmologia, como John S. Mbiti e outros indicaram, consiste hierarquicamente de Deus, espíritos ou divindades, ancestrais, os mortos-vivos, os vivos, os não nascidos, os animais, as plantas, etc... Nesta visão de mundo, a realidade é um todo coerente e unificado. O bem e o mal, a benção e a maldição, o consolo e o sofrimento, a alegria e a tristeza, o sucesso e a falha, a vida e a morte são todos parte da realidade existencial. Longe de ser fatalista, a visão de mundo africana aceita que a vida às vezes é injusta e amarga. Embora esta visão de mundo nunca domestique ou aceite fatalisticamente o sofrimento e o mal como normais, ela reconhece que essas são realidades da vida que devem ser encaradas e resistidas, mesmo sendo desagradáveis, como de fato o são. Assim, a visão africana reconhece o sofrimento e o mal como destino da humanidade, que Deus não intensionava que ela experimentasse, mas que, mesmo assim, acontece neste mundo. O mal e o sofrimento são vistos como realidades que devem ser encaradas como parte de uma trágica existência. Os povos africanos têm uma consciência aguda do mal no mundo e procuram combatê-lo de várias formas (Mbiti 1990, 199). Mas, como K. A. Busia observa, o problema do mal, como muitas vezes é discutido na filosofia e na teologia cristã ocidentais, não aparece no conceito africano de divindade. O Ser Supremo do africano é o Criador, a fonte da vida, mas entre ele e a humanidade estão principados e potestades, bons e maus deuses, espíritos, forças mágicas e feiticeiras para explicar os acontecimentos estranhos no mundo (Busia 1998, 197). Muitos pensadores tradicionais africanos, como é o caso entre os Akan, embora reconheçam a existência do mal moral no mundo, geralmente não acreditam que isso é inconsistente com a afirmação de que Deus é onipotente. De seu ponto de vista, o mal é o resultado do exercício da liberdade de escolha humana, que Deus lhe concedeu (Gyckye 1987, 128). O MAL E O SOFRIMENTO NO PENSAMENTO TRADICIONAL AFRICANO No pensamento tradicional africano, a origem do mal é presumida, não explicada. Muitas tribos africanas rejeitam categoricamente a ideia de que o mal teve sua origem em Deus. Algumas, como os Vugusu do Quênia, acreditam que o mal se originou de seres espirituais ou divindades. Os Dinka do Sudão acreditam que os jak, ou espíritos independentes, ao contrário dos yieth, espíritos ancestrais, causam a destruição e o sofrimento (Deng 1972, 122-3). Essas divindades, ou espíritos foram criados por Deus, mas só se tornaram más quando se rebelaram contra Deus e começaram a fazer o mal. Francis Deng observa que os jak na cosmologia Dinka agem como a polícia de Deus, executando o julgamento sobre os que praticam o mal.7 Mbiti acredita que este conceito é uma personificação do mal em si (1990,199-210). O mal supostamente surgiu como resultado da transgressão humana de um mandamento divino, cujo conteúdo varia de uma tribo a outra. Existe uma noção generalizada no pensamento tradicional africano, que no princípio Deus e os humanos viviam juntos na terra e se comunicavam com frequência. Mas devido a algum comportamento mau por parte do homem e da mulher, Deus deixou a terra e foi morar no céu, deixando a humanidade na busca constante e sem sucesso para alcancá-lo (Smith 1950, 7-8). Uma história da “Queda”, mais ou menos semelhante à história bíblica de Gênesis 3, é contada de diferentes formas e com diferentes sabores na tradição oral africana para tentar explicar a origem do mal.8 Os Dinka do Sudão relatam um mito no qual os primeiros seres humanos, um homem e uma mulher, transgrediram o mandamento divino de não cultivar um território proibido. A mulher, que é vista como a maior culpada, enquanto lavrava a terra com um arado longo, bateu na divindade e ele deixou a terra. Muito ofendida, a divindade enviou um pardal chamado atoc, para partir a corda que anteriormente ligava os humanos a Deus no céu. Assim, o acesso ao céu onde os humanos seriam restaurados em sua vitalidade e juventude depois de velhos lhes foi negado. Foi assim que tudo “foi estragado”.9 A fome, a doença, o sofrimento, e a morte foram os resultados desta separação abrupta entre a humanidade e Deus até os dias de hoje (Lienhardt 1961, 32-55). 10 7 Deng explica ainda que os jak, ou espíritos maus, não agem apenas quando são ordenados. Todo o sofrimento sem explicação é atribuído à maldade deles, embora a predisposição culpada e fatalista dos humanos atribua muitas vezes a origem causadora do mal a alguma falha humana, mesmo que isso seja um erro (1972, 123). 8 Para mais referências sobre as semelhanças entre a visão de mundo africana e judaica, como aparece no Velho Testamento, veja “Some African Insights and the Old Testament”, de Desmond Tutu (1972, 16-22). 9 David Bosch afirma corretamente que a palavra usada para pecado em várias línguas africanas significa “estragar”, especialmente estragar ou atrapalhar relacionamentos humanos (ver o seu “Problem of evil in Africa: A survey of African views on witchcraft and of the Christian Church response” (1987, 50). 10 E. Bolaji Idowu conta a história da criação e da queda para os Iorubas em seu livro A humanidade havia desobedecido o mandamento de Deus e escolhido seus próprios caminhos ao invés dos caminhos de Deus; portanto, de acordo com os Dinka, a humanidade deve aceitar o sofrimento e a morte como consequências lógicas de sua desobediência. Assim, Deus não é a origem do mal. Para os Dinka e outros povos africanos, como os Ashanti, os Iorubas, os Nuer, e muitos outros, o mal não se origina em Deus; Deus não faz o que é mau nem causa dano a ninguém. De acordo com o povo Ila, Deus está sempre certo e portanto não pode ser acusado de ofensa, não pode ser acusado de nada, não pode ser questionado (Smith e Dale 1920. 199-211). Rosemary Guillebaud relata que os povos Banyarda-Urundi acreditam que nada supera Imana. Ele dá a vida a tudo e nele não existe mal nenhum. Todo o bem provém dele e se deixar de existir prosperidade, é porque Imana se afastou dos humanos. Eles acreditam que é impossível ocorrer o mal se ele estiver presente (Guillebaud 1950, 186). O povo Nuer do Sudão também tem esta mesma visão (Pritchard 1956, 21). A ORIGEM DO MAL De acordo com John Mbiti, em quase todas as sociedades africanas, os espíritos são ou a origem do mal ou os agentes do mal (Mbiti 1990, 199). Os mortos-vivos, que se tornam desligados dos vivos, também são vistos como causadores do medo e do mal aos vivos. Se eles forem enterrados de forma imprópria, negligenciados ou desobedecidos eles se vingam e punem os que os ofenderam. Os vivos sofrem as consequências de suas ações quando experimentam o mal e o sofrimento, porque deixam de prestar aos mortos-vivos a honra que merecem. Já que Deus está sempre certo, a desgraça, o sofrimento, e o mal chegam aos humanos principalmente por suas próprias ações (Pritchard 1956, 19-21). No entanto, há ocasiões em que o mal e a desgraça são atribuídos a Deus. Deus, como aquele que sabe todas as coisas, pode ser responsabilizado por epidemias e aflições. Mbiti relata que o povo Tilo acredita que Deus tem o poder de matar e o poder de dar a vida (Mbiti 1971, 81). Embora não se deva rejeitar Deus por causa do mal, a maioria dos povos africanos acredita que ele é o único que pode livrá-los do mal e da desgraça. O povo Nuer acredita que Deus é o único que pode remover o mal e a desgraça de seu caminho. Assim, no pensamento africano, Deus pode ser exonerado da responsabilidade pelo mal, mas ao mesmo tempo pode estar Olodumare: God in the Yoruba Belief (1962, 18-29). Há semelhanças surpreendentes entre esta tradição e a de outros povos africanos, inclusive os Dinka. implicado. Seja qual for o caso, os africanos tradicionais jamais rejeitarão a Deus por causa do mal, do sofrimento, e da desgraça que os aflige. Pelo contrário, eles se apegam a Deus ainda mais, apesar do mal e do sofrimento. As pessoas, no entanto, podem reclamar com Deus e os ancestrais por causa dos sofrimentos e do mal que lhes sobrevêm, mas jamais acusarão a Deus de qualquer infração moral. Deus é seu último recurso quando todos os outros falham (Smith 1950, 30). Ele não pode ser acusado de fazer o que é reprovável porque a culpabilidade sempre recai sobre os ombros da humanidade (Magesa 1997, 50). O MAL NATURAL E O MAL MORAL Neste ponto, devemos distinguir entre o mal que uma pessoa faz a outra e o mal que naturalmente ocorre e está além do controle humano. O primeiro está no contexto dos relacionamentos em comunidade e tem a ver com questões de virtude e caráter. Entre os povos Nuer e Dinka, assim como muitos outros povos africanos, se conformar aos padrões de comportamento na família e na comunidade é de suma importância. Não aderir a estes padrões é uma ofensa grave que pode trazer consequências más, como maldição ou a morte. A conformidade aos costumes e às normas da comunidade determina em grande parte se uma pessoa é considerada má ou boa. Se uma pessoa age de forma a não prejudicar os relacionamentos na comunidade ela é boa, e se ela fizer o contrário, ela é má. 11 As pessoas deveriam estar prontas a colher os resultados de sua conduta. A maioria dos africanos crê que o bem sempre segue a conduta certa e o mal segue a má conduta. As consequências de nossas ações, sejam boas ou más, sempre nos acharão mais cedo ou mais tarde. Esta é a lógica na religião Nuer, e até certo ponto, na dos Dinka. Se uma pessoa sempre faz o que é certo, não comete infrações contra as interdições e mandados divinamente sancionados, não faz mal aos outros, e cumpre suas obrigações para as divindades e para seus amigos e parentes, ela evitará sérias desgraças. Essa pessoa pode não evitar, no entanto, desgraças que sobrevêm a todas as pessoas (Pritchard 1956, 17). Ninguém pode evitar o sofrimento. Deus não pune aqueles que fazem mal aos outros sem o saberem; mas, as consequências das ações de alguém, sejam elas deliberadas ou não, são aceitas quando estas são expostas. 12 Ainda 11 Comparar com Mbiti e sua discussão dos conceitos de mal, ética, e justiça em seu African Religions and Philosophy (1990, 199-210) 12 Ser exposto quando se está errado resulta em vergonha e culpa. Pode não ser inteiramente correto se afirmar, como diz Van der Walt, que a vergonha tem um papel assim, não existe o conceito de um pecado pessoal inerente que não esteja ligado à conduta de alguém na comunidade. O sofrimento em qualquer modalidade nesta categoria é sempre atribuído a algo ou alguém na comunidade. Nas palavras de Mbiti: Cada forma de dor, desgraça, tristeza, ou sofrimento; cada doença e mal estar; cada morte, seja a de um velho ou de um bebezinho; cada colheita perdida nos campos, ou caçada frustrada na mata, ou pesca mal sucedida nas águas; cada mau presságio ou sonho; estas e todas as outras manifestações do mal que as pessoas vivenciam são culpa de alguém nessa sociedade corporativa (1990, 204). Geralmente, essa pessoa pode ser uma feiticeira, um feiticeiro ou um mago. “A feiticeira”, como David Bosch indicou acertadamente, “é uma pecadora por excelência, não primariamente por causa do que faz, mas por causa das consequências más de seus atos: doença, esterilidade, catástrofe, desgraça, perturbação de relacionamentos na comunidade, pobreza, e assim por diante” (1987, 50). No pensamento tradicional africano, parece nada acontece sem ser causado por alguma coisa ou alguém. É verdade, como Laurenti Magesa observa, que na ética moral tradicional africana, o pecado e o mal não existem nem podem existir na experiência humana a não ser que sejam percebidos nas pessoas. São as pessoas que são más, ou pecadoras, sejam elas ajudadas ou não por forças invisíveis. Porque, até quando as forças do mal causam dano, é porque pessoas más as usam para alcançar seus objetivos (Magesa 1997, 162). As pessoas, no entanto, não são inerentemente pecadoras mas são pecadoras porque fazem o mal e destróem relacionamentos na comunidade. Assim, tudo que acontece na sociedade tradicional africana pode ser explicado misticamente ou naturalmente, às vezes resultando em suspeita duradoura na comunidade e na fragmentação. Isto é o que constitui o mal moral no pensamento tradicional. O segundo tipo de mal é o que os seres humanos sofrem como resultado de causas naturais. Pode ser na forma de secas, epidemias, enchentes, e outras calamidades naturais que podem não ser atribuídas diretamente à atividade humana. O sofrimento, o mal e a desgraça podem vir como resultado destas coisas. Mas nada acontece na sociedade africana sem ter sido causado por alguém ou algo. Consequentemente, sempre se busca ou se dá uma explicação possível para tudo o que acontece aos seres humanos. mais importante que a culpa na ética comunitária africana. A culpa parece levar à vergonha e não o inverso. Como no caso dos Dinka, isto é verdade (ver Van der Walt 1997,33). Neste processo, a introspecção ou até mesmo uma caça às bruxas inevitavelmente se segue na comunidade, mesmo que seja para encontrar um bode expiatório. O mau olhado ou o mau coração e a boca má, por causa de inveja, ódio e rivalidade ou mesmo a raiva ancestral podem ser causas a se examinar quando se passa por sofrimento e tragédia (Fortes 1987, 211-7). Quando isso acontece, todo aspecto da conduta humana na comunidade pode ser considerado como causa possível para o sofrimento ou a desgraça pelos quais agora se está passando. Em algumas sociedades, pensa-se que o sofrimento resulta da punição de Deus aos ofensores que desobedecem suas leis. Para os Dinka, como Francis Deng explica, qualquer pessoa que sofrer enfermidade ou desastre busca nas profundezas de seu próprio interior ou de seus parentes próximos para encontrar o pecado que trouxe tal problema. Então, quando uma pessoa Dinka fica doente ou sofre um acidente, provavelmente atribuirá isto às divindades que estão punindo os malfeitores (Deng 1972. 128). Para os Nuer e outros povos africanos, as desgraças últimamente provêm de Deus através de agentes humanos ou espirituais (Pritchard 1956, 18).13 Seja qual for a explicação dada, os seres humanos, e não Deus, são os culpados por seu próprio sofrimento. ENFRENTANDO O MAL E O SOFRIMENTO Seja onde for e da forma como vierem o mal e o sofrimento, devem ser resistidos e confrontados. Os povos africanos nunca ficam passivos diante do sofrimento. Eles tentam fazer tudo o que for possível para aliviar o sofrimento e restaurar a saúde e a harmonia no indivíduo e na comunidade. Sacrifícios, libações, e orações são oferecidas a Deus e a divindades para solicitar sua intervenção e sua ajuda na hora do sofrimento. Às vezes, esta ajuda é conseguida, outras vezes, não. No fim, a resignação ao mistério do mal e do sofrimento prevalece quando as respostas são poucas. O pensamento tradicional africano aceita que a vida é cheia de coisas sem explicação e inescrutáveis. O sofrimento e o mal, a vida e a morte, Deus e a humanidade são parte deste mistério da existência humana no mundo. Apesar disso, o sofrimento não é aceito fatalisticamente; é algo com que se luta. É essa luta contra o sofrimento que acaba se resumindo na batalha contínua e na busca pelo verdadeiro significado da vida com relação a Deus e à origem do mal. Na religião tradicional africana, Deus é o absoluto soberano, externo à sua criação, tão distante em sua glória que é 13 Os Dinka também acreditam que a humanidade, como um todo, está sujeita ao poder supremo único de Deus, porque é Deus que cria e destrói todos os homens (Deng 1972, 126). inatingível a não ser através de intermediários. Ao mesmo tempo, ele também é visto como imanente nos seres humanos, como expresso simbolicamente nas histórias da criação (Smith 1950, 27). Esta tensão no entendimento tradicional de Deus se manifesta particularmente quando o sofrimento e a adversidade são enfrentados. Ela claramente vem à tona em tempos de angústia, dor e sofrimento. Nós exploramos isto nos cânticos de oração e elegias funerais das religiões africanas, especialmente aquelas que são feitas em momentos de angústia e sofrimento. A oração no pensamento tradicional africano expressa o que mais preocupa ou o que mais alegra o interior. A oração é uma parte integral dos sistemas religiosos africanos. A oração é feita na vida e na morte, na doença e na cura, na prosperidade e na pobreza, no trabalho e no descanso, na guerra, na adversidade e na paz, na viagem e no lugar de moradia, no plantio e na colheita, como oferta, dedicação, bênção, agradecimento, confissão, em todas as áreas da vida, sem excessão. A oração é feita principalmente a Deus e em segundo lugar a intermediários. De acordo com Mbiti, todos oram, no sentido que todos que estiverem presentes na hora e lugar da oração participam do conteúdo das orações, e podem às vezes participar repetindo orações padrão (Mbiti 1975, 3). Há muitos tipos de oração na religião tradicional africana. 14 Nas orações feitas na hora do sofrimento e da adversidade, as pessoas basicamente lutam com Deus e com a realidade do mal e do sofrimento. As orações às vezes são feitas com linguagem muito forte. Os sofredores reclamam e brigam com Deus por não intervir na hora da necessidade. Deus é tratado como um colega humano. A expressão dos sentimentos é parte integral da oração. Orar não é apenas adorar; é também um diálogo retórico, um diálogo em que o questionamento humano e o exame de consciência ocorrem na presença de Deus e de outras realidades espirituais (Mbiti 1975, 44). Um coração pesado pelo luto ou por uma perturbação emocional é expresso abertamente a Deus numa combinação de canto e oração. Rosemary Guillebaud, que trabalhou como missionária em Burundi por muitos anos, gravou as seguintes orações em forma de canto. A perda de um ente querido desencadeou a primeira dessas cantigas e a pessoa enlutada, num 14 John S. Mbiti colecionou mais de duzentas dessas orações num livro chamado The Prayers of African Religion (1975). As orações tratam de várias questões relativas à fé em Deus, a vida, e relacionamentos na comunidade. O sofrimento é uma dessas questões. Sou muito grato ao professor Mbiti por chamar minha atenção para esta fonte preciosa quando tive o privilégio de conhecê-lo em uma conferência em Stellenbosch, África do Sul, em maio de 1999. lamento voltado para si mesma, culpa Imana por tratá-lo injustamente: Quanto a mim, Imana (Deus) me devorou, Quanto a mim, não me tratou como aos outros. Com cânticos eu cantaria, Se meu irmão (ou quem tenha morrido) estivesse comigo. A tristeza não é andar cabisbaixo de luto, A tristeza não é sair chorando (porque isso não leva embora a tristeza). Quanto a mim, Imana me devorou, Quanto a mim, não me tratou como aos outros; Se tivesse me tratado como aos outros, eu poderia ser um Desdenhador-de-Inimigos Ai de mim! (Guillebaud 1950, 198s). Ser devorado por Imana implica, entre outras coisas, em ter sido tratado injustamente por um Deus que se presume ser bom e justo. Isto demonstra um sentimento que equipara a morte de um parente à própria morte. Mas Imana não é rejeitado aqui. Está sendo acusado por não ter feito pelo queixoso o que fez por outras pessoas. Imana deu a outros o que ele não deu ao queixoso. Ele lhes deu filhos, lhes deu cestas cheias de prosperidade em produtos da terra, e lhes deu touros e outras bençãos. Somente o queixoso foi esquecido e assim ele protesta e reclama. O tom de sua reclamação e protesto também aparece na seguinte oração-canto por outro indivíduo que também está sofrendo com o coração pesado diante de uma possível perda na família, provavelmente de seu único filho. Não sei para que Imana está me castigando: se eu pudesse encontrá-lo eu o mataria. Imana, por que você está me castigando? Por que não me fez como as outras pessoas? Nào dava para me dar pelo menos um filhinho? Yo-o-o! Estou morrendo de angústia! Se eu pudesse te encontrar e retribuir! Por favor (Imana), deixe-me te matar! Deixe-me te atravessar com uma espada, ou te cortar com uma faca! O Imana, você me abandonou! Yo-o-o! (Ai de mim!). O pesar diante de uma perda irreparável de um único filho levou este indivíduo a planejar um ataque a Imana. Como Jó em seu sofrimento, o queixoso exige saber o porquê Imana o está punindo. Ele vai além de Jó, deixando claro que caso encontrasse Imana, sua intenção era de esfaqueá-lo. Palavras fortes como estas expressam tanto a fé em Deus quanto a ira contra aquele cuja presença ou ausência são sentidas na hora da dor e do sofrimento. A fé no fato da sua presença, mesmo se esta não for sentida, mas a raiva por ele parecer não intervir quando mais se precisa dele. Tanto a noção de fé quanto de raiva, denotam um processo de jornada espiritual que leva a um conhecimento maduro de Deus e à liberdade de expressar diante dele os mais profundos sentimentos humanos. Uma pessoa humana briga e dialoga com Deus como se estivesse face a face com ele. Como Mbiti indica, esta é uma dimensão marcante da espiritualidade africana que deveria ser cuidadosamente preservada, não descartada (Mbiti 1975, 44). Queremos enfatizar que não existem componentes ateus nesta oração. Na sociedade africana tradicional, há espaço para se reclamar, discutir, ou mesmo brigar com Deus, mas não há espaço para o ateísmo. A crença em Deus e em outras divindades é uma parte inerente da vida cotidiana para todos. A religião é inseparável das atividades diárias da vida. Como diz Mbiti, os povos africanos são “notoriamente religiosos”. Assim, é virtualmente impossível, numa sociedade tradicional africana, ser parte da comunidade e não ser parte dos sistemas e crenças religiosas. Cada um é porque sua comunidade é. É impossível ser ateu se sua comunidade não é e vice versa. Não há, portanto, nenhum ateu praticante nas comunidades tradicionais africanas , e não existe a “teologia da morte de Deus”. Isto é verdade até mesmo quando o sofrimento e a adversidade abundam e quando não há resposta para o problema do mal e o sofrimento. Mas enfrentar o problema do mal e do sofrimento com relação à fé em Deus é uma realidade contínua como se percebe na oraçãocanto. Há uma outra área na qual a sociedade tradicional africana tem que lidar com o mal e o sofrimento. É na área da realidade inevitável da morte. Quando a morte chega, o diálogo entre as pessoas e Deus claramente aumenta. No pensamento tradicional africano, a morte é vista como o clímax do mal porque leva a vida embora. Quando alguém morre, aceita-se que Deus a abandonou. Embora se pense que uma pessoa vá para outra terra quando morre, ainda assim, a morte é uma experiência assutadora. A possibilidade de se morrer, especialmente de se morrer sem filhos, é a pior coisa que poderia acontecer a uma pessoa (especialmente a um homem). Morrer numa idade avançada depois de criar uma família não é tão mal. De fato, há comunidades que acreditam que uma morte assim não é algo tão ruim porque a pessoa morta deixa descendentes para perpetuarem sua linhagem. No entanto, a morte sempre desperta sentimentos muito fortes, expressos em orações e cânticos. Essas orações e cânticos, cheios de tristeza, dor, agonia, desespero e sofrimento são verbalizações de protesto. O lamento ou até a culpa é despejado sobre Deus e outras entidades espirituais por não suster a vida como deveriam ter feito. Veja a seguinte oração de lamento do Congo: Oh, grande Nzambi ou Deus, o que tu fizeste é bom, mas tu nos trouxeste uma grande tristeza através da morte. Tu deverias ter planejado uma forma de não nos submeter à morte. Oh, grande Nzambi, estamos afligidos por grande tristeza. Esta oração é uma repreensão velada a Nzambi por ter submetido as pessoas à morte. No entanto, não é motivo para duvidar de sua bondade ou da bondade da ordem na criação. Essa bondade já é reconhecida no início da oração. A tristeza que a morte traz é o que motiva a oração-lamento. O desejo que Deus tivesse planejado melhor as coisas para que os seres humanos não fossem sujeitos à morte é um desejo universal que expressamos diante do sofrimento e da tragédia. 15 A verbalização deste desejo é um tipo de desespero diante do mistério do mal e do sofrimento, especialmente num momento de tragédia. Mas, o fato que se pode orar numa hora dessas é uma afirmação de fé em Deus, mesmo se o mistério do mal permanece sem solução. Orar nessa hora é um alívio ao coração pesaroso e triste. A linguagem forte e a ira manifestas na oração são parte do processo de enfrentar a realidade do sofrimento e do luto. Isto não deveria ser condenado, mas sim expresso e tratado pela passagem do tempo, para que resulte em alívio e restauração para os enlutados. As orações-lamentos ou cantos associados ao sofrimento e à morte incluem a aceitação de que a morte atinge a todos, mas que ela não deveria chegar cedo demais. No canto-lamento a seguir vemos este pensamento expresso com a ideia de que a morte não é o fim da vida, mas o começo de outra vida. Queria que não fosse hoje! Deus, você chegou cedo demais! Dê-lhe água, ele saiu sem comer; Acenda um fogo, ele não deve partir com frio; Prepare, fulano (o nome da pessoa morta), um lugar para nós, Logo estaremos te alcançando, Vamos nos encontrar. 16 A dor da tristeza de se perder um ente querido provoca em nós o sentimento universal de que a morte deveria esperar um pouco. Gostaríamos que ela não viesse durante certas etapas da vida, especialmente se a pessoa que morreu não conseguiu completar o 15 Esta é minha paráfrase dos comentários de Mbiti sobre a oração acima (ver 1975,91). 16 Este canto, bem como os outros cantos e orações citados estão registrados em Mbiti (1975, 88-100). ciclo vital, que inclui se casar e ter filhos, ou não viveu nem o suficiente para chegar a apreciar sua “comida”. Esta é a razão porque se diz a Deus que a pessoa “saiu sem comer”. Ela não viveu o suficiente para apreciar a sua vida; morreu jovem. Mas esta é a natureza da morte, ela vem quando menos se espera, como um ladrão no meio da noite. Como os Akan dizem, “Todos estão em dívida com a morte”, e “Estar nas mãos da morte é realmente estar nas mãos de alguém”, porque é apenas uma questão de tempo para que “todo homem morra e apodreça”. (Nketia 1954, 128). Neste canto-oração, fala-se tanto com Deus quanto com a pessoa que morreu. Diz-se a Deus para que dê um pouco de água e comida à pessoa que morreu. O que fica implícito é a crença numa terra além da morte, onde se come e se bebe. Portanto, a pessoa morta não é considerada realmente morta, mas como se tivesse partido para essa terra. Esta é a razão porque se pede a Deus para preparar um lugar para os que ainda estão vivos no lugar para onde essa pessoa vai. A esperança de se reunir logo com os que partiram é expressa nas palavras “Logo estaremos te alcançando, vamos nos encontrar.” O conceito de morte como uma jornada para outro mundo também pode ser expresso em elegias funerais. Nessas elegias, diz-se aos que partiram para que não revelem segredos deste mundo para as pessoas do outro mundo: Não diga nada, Yaa Nyaako (nome do que partiu), não diga nada. Se fizer, seu discurso será longo. Quando chegar, não conte histórias. Yaa Nyaako, não conte histórias. Se fizer, suas histórias serão longas (Nketia 1954, 122) O fato de que a morte não é o fim da vida aparece novamente. Também fica implícito na lamentação que a vida neste mundo é parecida com a vida no outro mundo. Lá, pessoas podem conversar, e até contar segredos como fazem aqui. Esta crença não minimiza a dor, o sofrimento, e a tristeza sentidos na hora da morte nem explica o mistério da morte. O senso de incerteza e desorientação com relação ao porquê a morte chegou ainda paira no ar. É uma causa de questionamento ou até de raiva, como expresso em outra lamentação: Quando o Criador criou as coisas, Quando o Eclético Criador criou as coisas, Como ele criou? Ele criou o luto, Ele criou a tristeza, A tristeza do luto, Ai de mim! Cálices! Ai de mim! Cálices! Anno Ofori (nome do morto) que significa a morte para outros, Eu poderia me matar por causa desse acontecimento (Nketia 1954, 199-31) A realidade do sofrimento e do mal como manifesta na morte nos escapa como sempre. É um mistério, que se enfrenta, não se explica, nas religiões tradicionais africanas. Isto se mostra nos cantos, orações-lamentos, e lametações na hora da morte. Elas são expressões de fé e de raiva de um Deus cuja presença e ausência são experimentadas diante da realidade do sofrimento. AS VISÕES AFRICANA E OCIDENTAL: UMA COMPARAÇÃO E AVALIAÇÃO Nas religiões africanas tradicionais, tanto o bem quanto o mal são aceitos como parte da vida. A vida para um africano, portanto, é uma realidade holística. Na visão africana, ao contrário do que acontece na visão ocidental, a dicotomia entre o sagrado e o secular, entre o espiritual e o material quase não existe. Como Bennie Van der Walt acertadamente observou, o pensamento africano tem um objetivo holístico, um conhecimento integral da totalidade (Van der Walt 1997. 89). Esta totalidade da visão de mundo tradicional é caracterizada pela multiplicidade de seres espirituais, a conexão e a interação entre esses seres, uma ausência quase total de dicotomia entre o sagrado e o secular, a interpretação religiosa de todas as experiências da vida, a batalha cósmica e a centralidade da pessoa humana na comunidade dos mortos e dos vivos (Adeyemo 1998, 373). A visão africana aceita conviver com os paradoxos da vida como o bem e o mal, ao invés de se preocupar com a busca de uma solução. O sofrimento e o mal não são vistos como algo a se explicar ou interpretar, mas como realidades a se enfrentar como parte de uma existência trágica. Não é o mesmo que acontece na visão ocidental, que sujeita a realidade a uma análise detalhada e a uma explicação científica. Mas não há falta de explicação na visão tradicional africana. Porque embora o mundo tradicional africano não seja mecanicista como o do Ocidente, ele procura dar explicações cósmicas e religiosas aos eventos e calamidades que o acometem e perturbam .17 Desastres naturais como secas, fomes, epidemias, doenças e 17 Kwasi Wiredu observou acertadamente que o princípio de explicação racional ou de evidência não está completamente ausente do pensamento do africano tradicional. Porque nenhuma sociedade sobreviveria por muito tempo sem basear grande parte de outros males sociais e morais não acontecem por acaso, são causados. Causas possíveis dessas calamidades podem ser um feiticeiro, o mau olhado, a boca má, ou até espíritos ancestrais vingativos que estejam punindo uma comunidade ou um indivíduo por negligenciar algum dever ou alguma honra que lhes é devida, ou o julgamento de Deus por algum mal escondido. Para evitar esses males cósmicos e sociais, atividades religiosas como a oração, o sacrifício, a invocação e o exorcismo são realizadas, mesmo que seja apenas para manter o equilíbrio da comunidade constantemente ameaçada por calamidades naturais e sociais. Assim a religião para um africano, como Adeyemo observa, não é apenas um departamento da vida; ela sustenta e permeia toda a vida (Adeyemo 1998, 374). A religião é o meio através do qual o africano interpreta sua realidade. A sociedade africana é tão impregnada com a religião e a ética que é difícil que exista sem elas (Parrinder 1976, 146). Assim, a visão africana do sofrimento e do mal é holística e não dualista, como na visão ocidental. Ela aceita o sofrimento e o mal como realidades da vida que devem ser enfrentadas, confrontadas, e vencidas. Ela não vê o mal e o sofrimento como questões a se explicar, nem os aceita fatalisticamente. O sofrimento é parte integral da vida que temos neste mundo. Porque a vida é uma unidade integral no pensamento africano tradicional, a distinção entre a ortodoxia e a ortopraxia da teologia da Libertação, a dialética da cruz e da ressurreição (Jürgen Moltmann), e outras modificações do pensamento dualista ocidental não fazem sentido. A cruz e a ressurreição não formam uma dialética, mas duas dimensões de um só evento. A ortodoxia e a ortopraxia são impossíveis de se separar, porque uma não pode existir sem a outra já que a crença e a prática são dois lados de uma mesma moeda. Estranhamente, no entanto, a explicação de Karl Barth do mal como sendo a sombra da criação e sua afirmação de que a criação consiste tanto de Sim quanto de Não se encaixa bem na visão tradicional africana. 18 Como Barth argumenta, a criação consiste de luz e sombra, crescimento e deterioração, progresso e suas atividades cotidianas em crenças derivadas da evidência. Ver seu Philosophy and an African Culture (1980, 43). 18 A interpretação de Barth do mal como o lado escuro da criação tem muitas dificuldades. Se examinarmos de perto, pode ser entendida como se a criação antes da Queda fosse imperfeita. Embora Barth não negue a Queda, como faz Hick, sua discussão do mal como a sombra da criação é problemática e continua sendo o aspecto mais difícil de sua teologia (Ver seu Church Dogmatics 3-3 (1932-1967, 296s), cf Hick (1987, 141) e Dau (2000, 126-9). impedimento, começo e fim, sucesso e fracasso, ganho e perda, riso e lágrimas. Há um lado escuro quanto um lado brilhante da vida (Church Dogmatics 3:3 1976, 296). Kwasi Wiredu argumentou eloquentemente a partir do ditado Akan, “o falcão diz que tudo que Deus criou é bom,” que de certa forma o mal está envolvido no bem (Wiredu 1998, 198). Wiredu diz que o sentimento é de que o mal, embora seja mal, está inevitavelmente envolvido no bem, e isto é ultimamente o melhor. Isto seria aprovado por Leibniz porque concordaria com sua máxima do “melhor de todos os mundos possíveis”. 19 De acordo com os Akan “se algo não der errado, não dará certo”, um ditado que ressalta o fato que não se pode falar sobre o bem sem a possibilidade de contrastá-lo com o mal (Wiredu 1998, 198). Assim, Wiredu parece implicar que Leibniz encontraria um lugar para sua filosofia no pensamento tradicional africano. No entanto, isto é assunto para debate. A visão tradicional africana também concordaria com G.C. Berkouwer e seu argumento que não é próprio que as criaturas tentem justificar os caminhos de Deus diante dos homens quando o oposto deveria ser o caso (Berkouwer 1983, 242). Igualmente, a visão africana, como “Believing Theodicy” de Berkouwer, se recusaria a descartar Deus por causa do problema do mal e o sofrimento, como aconteceu no pensamento ocidental na forma do ateísmo, mas ainda manteria um protesto diante do sofrimento como meio de diálogo com Deus. Seria de se duvidar, que se dissesse que os cantos, orações, lamentos e lamentações funerais das religiões tradicionais africanas que examinamos sejam o mesmo que a doxologia da igreja diante do mal, o que Berkouwer discute. No entanto, há semelhanças impressionantes entre a visão africana e a visão bíblica. Ambas veem a realidade como uma totalidade, como um todo integral. Ambas presumem, não explicam o mal e o sofrimento. Ambas mantêm a linguagem de protesto contra o sofrimento e o mal expressa em cantos, lamentos, orações, e elegias como podemos ver nos Salmos e nos Profetas (ver Sl 10.13, 17-18; 22.1, 11; 13.1 e Hc 1.2-4, 12-17). Em termos bastante gerais, parece que o modo de pensar africano é mais próximo do modo de pensar Hebraico holístico e concreto como aparece no Velho 19 Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) foi um gênio multifacetado, com interesses em ciência, matemática, política, direito, economia, teologia, e filosofia. Ele argumentou que, ao criar o mundo, Deus escolheu entre dois sistemas possíveis o melhor mundo possível porque ele é um Deus sábio. “Nosso mundo”, concluíu, “é o melhor mundo possível, apesar da presença do mal nele.” (Ver seu Theodicy, publicado pela primeira vez em 1710, 123-35). Testamento do que o modo de pensar greco-romano dos ocidentais. Talvez por isso muitos africanos parecem se identificar mais com a literatura do Velho Testamento do que a do Novo Testamento (Van der Walt 1997, 89). Embora a linguagem de protesto seja às vezes muito forte nas orações, cantos e lamentações funerais, bem como nos Salmos e nos Profetas, não é a mesma coisa que um protesto ateu, originado pelo problema do mal no pensamento ocidental. Tendo dito isso, temos que admitir que ainda existe na visão africana um elemento de obscuridade sobre a origem do mal e do sofrimento em relação a Deus. Por um lado, a visão tradicional geralmente exonera Deus da culpa pela existência do mal no mundo, que é colocada diretamente sobre os ombros da humanidade. Mas, por outro lado, ela culpa Deus ultimamente como aquele que é onipotente e poderia deter o mal, se desejasse, como aparece nas religiões Nuer e Dinka. A visão africana no contexto da reflexão cosmológica defende uma doutrina de onipotência não qualificada de Deus com relação a questões de ter ou não influência direta sobre o destino da humanidade sobre a terra. Mas, também defende a diminuição da onipotência de Deus, uma redução da onipotência de Deus até o nível de uma potestade humana (Wiredu 1998, 199). A visão tradicional africana do sofrimento e do mal tem os mesmos problemas que a visão ocidental: não chega às profundidades do mistério do mal e do sofrimento. Mas diferente da visão ocidental, o tradicionalismo africano aceita este mistério como uma face da realidade ao invés de explicá-lo. IMPLICAÇÕES TEOLÓGICAS E CONCLUSÕES A diversidade de interpretações gerada pelo problema do mal e o sofrimento em várias culturas pressupõe sua insolubilidade. Nem a visão africana, nem a ocidental oferece uma resposta a este problema perene. Com certeza, não há sistema humano que resolva adequadamente o problema do mal e o sofrimento, se “resolver” significar a eliminação do problema para que não soframos nem morramos mais neste mundo. Tanto a visão africana quanto a ocidental ou defende uma doutrina não qualificada da onipotência de Deus ou uma redução desta onipotência. A visão ocidental é basicamente dualista e a visão africana é essencialmente holística. De ambas podemos concluir o seguinte: ambas discutem o problema do mal e o sofrimento em relação a um Deus supremo, o Criador. Ambas lutam com a realidade e o fato do mal como um problema existencial. Nenhuma trata adequadamente do problema do mal e do sofrimen-to como um problema que revela o potencial humano de infligir o mal. Em algumas religiões africanas, os seres humanos não são inerentemente bons ou pecadores, mas são considerados maus apenas quando e se suas ações atrapalham a harmonia e a tranquilidade da comunidade. Semelhantemente, uma parte da filosofia ocidental relativiza o pecado humano, declarando que o que se chama de “pecado” poderia ser diferente em disposição e inclinação, o que varia de cultura para cultura e de pessoa para pessoa. Finalmente, ambas buscam em recursos humanos e comunitários as respostas ao problema do mal e do sofrimento. Seja na forma de oração, protesto, ou lamentações funerais, essa resposta abrange uma luta com o mistério do mal, real, mas inexplicável. Da perspectiva bíblica, tanto a visão africana quanto a ocidental ficam aquém de admitir que o sofrimento e o mal sejam indicações de algo terrivelmente errado em nossa natureza como seres humanos. A Bíblia chama isto de pecado, uma força capaz de nos alienar de Deus e uns dos outros, e assim perder o objetivo da vida para o qual fomos criados. Esta é a força que nos move a fazer o mal e a infligir sofrimento uns aos outros. Assim, nós como seres humanos precisamos ser libertados não somente do mal que possa nos acontecer, mas também do mal que temos o potencial de fazer acontecer ao nosso próximo. Do ponto de vista bíblico a resposta a esse problema é a redenção dada em Jesus Cristo. Neste sentido, “a solução última ao problema do mal deve estar no fato que o Deus que criou o mundo é o mesmo Deus que o redimiu; o Criador é ele mesmo, em Cristo, quem leva o pecado e o sofrimento de toda a criação, sendo aquele que traz a redenção que há de vir. Mas, somente o cristão pode saber que Cristo explicou o sofrimento no ato de derrotá-lo” (Richardson 1983, 196). Consequentemente, a redenção através de uma teofania sofredora é a única resposta verdadeiramente cristã ao problema do mal (Surin 1982, 114). A encarnação como resposta cristã ainda não explica o mal e o sofrimento, mas cria um arcabouço viável no qual o crente pode responder ao problema do mal e o sofrimeto e assim transcendê-lo e transformá-lo. A vinda de Deus à humanidade em Jesus Cristo e sua identificação conosco em toda forma de sofrimento é a base da nossa resposta positiva ao mal e ao sofrimento. Assim, a teologia da cruz, que também é a teologia do sofrimento, é a base para a transformação e transcendência do problema do sofrimento e o mal sem ser destruído por ele. A cruz faz isto, transmitindo-nos o seguinte: Em primeiro lugar, a cruz fala da presença de Deus e sua participacão em todo nosso sofrimento humano. Martin Luther King, Jr. notou que Deus não nos abandona em nossas batalhas e agonias, mas nos procura na escuridão, e sofre conosco em nossas tragédias (King 1963, 16). Dito de outra forma, Deus não observa nosso sofrimento de uma distância segura, mas desce até nós e participa conosco. Consequentemente, a cruz é a demonstração suprema da solidariedade de Deus conosco neste mundo de sofrimento. Na cruz, vemos Deus permitindo que Jesus sofresse como nós, não porque fosse obrigado a isso, mas porque voluntariamente escolheu fazê-lo, por causa de seu amor redentor por nós. Assim, a cruz de Cristo sempre será uma lembrança poderosa de que Deus estava preparado a sofrer para redimir o mundo e que ele espera que seu povo tenha o mesmo compromisso em sua participação na tarefa de restaurar o mundo à sua glória anterior (McGrath 1995, 15, 26). Assim, o problema do sofrimento e do mal está profundamente enraizado no mistério divino da cruz, mas ao mesmo tempo, é profundamente humano. A essência deste mistério é que a redenção do mundo por Deus, que assumiu o sofrimento na forma de cruz, para permitir à humanidade que reconhecesse a Deus e reconhecesse a si mesma num relacionamento vital caracterizado pelo amor. Em segundo lugar, a cruz conduz nosso olhar, partindo da contemplação de nossa própria angústia e sofrimento para ver o Deus sofredor e transformador que compartilha de nosso sofrimento (Inbody 1997, 180). Quando olhamos para a cruz, percebemos que Deus sofreu de uma forma que nenhum de nós sofreu ou jamais sofrerá. Na cruz, Deus nos deu tudo de si, entregou tudo para que possamos viver. Fazendo isso, ele demonstrou o seu imenso amor por nós. Assim, a morte de Jesus Cristo na cruz nos coloca face a face com a maravilha do amor sacrificial de Deus, de tal forma que somos fortalecidos para lidar com nosso próprio sofrimento com coragem e determinação. Ao olharmos para a cruz, encontramos uma força e uma coragem incríveis para enfrentar o medo e o terror do sofrimento. O sofrimento possui o que Alister McGrath chamou de “dois gumes: a dor aguda de experimentá-lo e a intensidade insuportável do que ele significa ou implica” (McGrath 1995, 68). Por isso a possibilidade de passar pelo sofrimento nos aterroriza e intimida a todos. Mas a cruz nos lembra que seu poder foi vencido e seu aguilhão se tornou cego. Embora a presença e o fato do mal e do sofrimento sejam ainda realidades pertinentes desta vida, a cruz aponta para sua derrota final e sua eliminação no futuro quando Deus trouxer à existência a nova ordem das coisas em que não haverá mais sofrimento, lágrimas e a morte. Em terceiro lugar, a cruz nos encoraja a responder ao sofrimento de outras pessoas assim como Deus respondeu ao nosso sofrimento. Na cruz, recebemos o estímulo para aliviar e curar o sofrimento dos outros. Porque o sofrimento de qualquer ser humano entristece o coração de Deus, aqueles que já provaram o consolo da cruz precisam estender aos que sofrem o amor e a compaixão de Cristo. Acudir as necessidades daqueles que sofrem demonstra a mensagem da cruz. Quando suprimos as necessicades espirituais, emocionais e materiais daqueles que estão sofrendo de alguma maneira, nós lhes asseguramos que Deus não os abandonou em sua dor e miséria. Quando nós como comunidade da fé transmitimos desta forma a mensagem da cruz na prática do amor e da compaixão, nós damos forças aos que sofrem para que transcendam e transformem sua dor e sofrimento. Finalmente, a cruz lembra a todo o que crê que seguir a Jesus envolve sofrimento. Existe algo que se denomina “comunhão dos seus sofrimentos” para os discípulos de Jesus. Eles não são chamados apenas a crer em Cristo, mas também a sofrer por ele. Neste sentido, tanto a alegria quanto o sofrimento são partes integrantes da experiência cristã, da mesma forma que o verão e o inverno são estações do ano (Smith 1971, 92). As Escrituras deixam claro que o cristão não é dispensado do sofrimento só por ser um seguidor de Cristo. Há, portanto, uma forte indicação nas Escrituras de que a coroa que temos precede a cruz que carregamos e que ser cristão envolve tomar a sua cruz, com todo o sofrimento e as dificuldades que a acompanham, e carregá-la até que ela deixe em nós as suas marcas. Suportar a cruz para este fim redime a pessoa para um caminho mais excelente, que vem somente através do sofrimento (King 1963, 25). Assim, os sofrimentos e as glórias e bençãos da cruz são inseparáveis. No arcabouço da encarnação, nós não somente encontramos vitória e consolo no exemplo eminente da cruz, mas também no amor e no apoio valoroso da comunidade de fé. A comunidade nos dá a capacidade de transformar e transcender o sofrimento. Em termos históricos, como observou corretamente Stanley Hauerwas, os cristãos nem sempre tiveram uma “solução” para o problema do mal, mas tinham uma comunidade de cuidado que tornava possível que absorvessem o terror do mal que ameaça todas as relações humanas (Hauerwas 1990, 53). No cuidado de nossa comunidade descobri-mos, na hora do sofrimento, o que significa ter nossos fardos carregados. Além disso, o sofrimento no arcabouço da encarnação tem a capacidade de moldar nosso caráter. O sofrimento produz perseverança e a perseverança produz caráter. Esta formação de um caráter cristão resiliente, através daquilo que sofremos, nos dá forças para suportar e estar firmes no meio das provações e testes. O cristão é inspirado pela viva esperança de que o sofrimento e o mal serão ultimamente derrotados quando a redenção que já recebemos em Cristo for plenamente consumada. Esta esperança é mais forte do que a morte e é absolutamente imbatível diante do mal e do sofrimento. Ela participa do presente e antecipa o futuro. Desta forma, com a certeza da presença de Deus e de seu sofrimento conosco, como demonstrado na cruz, assim como efetuado no amor e cuidado da comunidade de cristãos, com o foco no objetivo de moldar um caráter resiliente e tendo em vista uma esperança de que tudo que nos causa sofrimento será ultimamente destruído, recebemos o poder de transcender e transformar o sofrimento e o mal no maior bem possível nesta vida. Embora a encarnação, tendo suprido tudo isto, possa não ser descrita necessariamente como teodiceia, ainda é o único sistema que garante à humanidade a vitória do bem sobre o mal, da vida sobre a morte. Tendo isso em mente, no entanto, ainda reconhecemos com Kenneth Surin que o mal é um mistério profundo. Como Deus lida com o mal e o vence também é um mistério. Devemos refletir sobre o sofrimento no contexto do amor infinito de Deus, porque é nele que encontramos a certeza da vitória. Mas não podemos usar isso como pretexto para a indiferença diante do sofrimento, nem como um consolo fácil para as vítimas do sofrimento e da tragédia (Surin 1982, 115). QUESTÕES PARA REFLEXÃO 1. Dau declara que “a visão africana da realidade é holística, raramente distinguindo o sagrado do secular ou o espiritual do material. Nesta visão de mundo, a realidade é um todo coerente...” Como esta visão de mundo os ajuda a enfrentar o sofrimento? 2. De acordo com a visão de mundo africana, é sempre importante descobrir quem ou o que causou o mal e o sofrimento. Nada, na sociedade africana, simplesmente acontece sem ser causado por alguém ou algo. Como podemos buscar entender esta visão de mundo e, ao mesmo tempo, ajudá-los a superar este padrão de pensamento? 3. A resposta africana ao sofrimento e ao mal é semelhante à do Antigo Testamento, de acordo com Dau. Como podemos voltar a uma resposta bíblica ao sofrimento? Como podemos permanecer abertos para aprender de pessoas tão carentes? REFERÊNCIAS O evangelho da prosperidade Uma heresia com raízes no norte se espalha, com reflexos sobre a pobreza e o sofrimento na África Grant LeMarquand “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.” (Jo 10.10) “Não escolheu Deus os que para o mundo são pobres, para serem ricos em fé e herdeiros do reino que ele prometeu aos que o amam? Entretanto, vós outros menosprezastes o pobre. Não são os ricos que vos oprimem e não são eles que vos arrastam para tribunais?” (Tg 2.5-6) Qualquer análise sobre o “evangelho da prosperidade” precisa considerar a tensão entre essas duas passagens bíblicas. De um lado está o fato de que as promessas feitas por Deus ao seu povo podem ser encontradas em toda a Bíblia, e essas promessas incluem mais do que a vida eterna. Nas palavras de Jesus, o povo de Deus é chamado para viver uma vida abundante. Essa vida abundante inclui inumeráveis bênçãos: a alegria do casamento e a constituição de uma família, saúde e longevidade, boa alimentação, paz, segurança, prosperidade, os prazeres do mundo criado e aqueles advindos das artes e da música produzidos pelo homem. Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, essas bênçãos são tidas como boas e legítimas, coisas que se espera que todos, especialmente o povo de Deus, possam usufruir. As bênçãos não são deificadas na Bíblia – a idolatria é um perigo a se evitar – mas são consideradas como dádivas de um Pai amoroso. Por outro lado, vivemos em um mundo desfigurado pela impiedade, e o povo de Deus não está isento da maldade do nosso tempo. Na verdade, em certos lugares e épocas, o povo de Deus se torna o maior alvo dessa batalha com as forças do pecado e da morte. Se, como disse Tiago, “os pobres desse mundo são os ricos em fé”, parece que também é verdade que aqueles que são ricos na fé frequentemente são pobres. Por certo isso é verdadeiro no século XXI, no qual a maioria dos cristãos são oriundos das regiões do mundo menos desenvolvidas economicamente, enquanto as regiões ricas são mais resistentes à mensagem do evangelho. O presente ensaio fará uma breve análise da maneira pela qual o movimento conhecido como o “evangelho da prosperidade” tem afetado as regiões do mundo que mais precisam de “saúde e riqueza”, bem como de alguns dos problemas gerados por esse movimento. Vamos centrar nossa atenção na África, porque o evangelho da prosperidade tem crescido ali e porque o autor conhece bem esse continente. O pentecostalismo na África O pentecostalismo na África pode ser classificado em três diferentes grupos. Neste ensaio, não faremos distinção entre o pentecostalismo e o movimento carismático (HOLLENWEGER, 1972; HOLLENWEGER, 1997; COX, 1995; KALU, 2008). Claramente, ambos pertencem ao mesmo movimento, embora haja manifestações distintas em suas teologias e formação social. Primeiro, existe o que podemos chamar de pentecostalismo clássico. São igrejas originadas através do trabalho de missionários ocidentais, advindas do movimento holiness e do evento explosivo conhecido como “Avivamento da Rua Azuza”. Em segundo lugar, os avivamentos que aconteceram na África no século XX deram origem a movimentos que se ajustavam às igrejas fundadas por missionários1. Essas igrejas instituídas por africanos têm uma base étnica e são mais abertas à cultura africana do que as igrejas estabelecida por esforços missionários. Elas são geralmente carismáticas e adotam profecias, sonhos, visões, libertação de espíritos malignos e oração por cura em sua adoração e prática (BARRET, 1968; DANEEL, 1987). A terceira forma é chamada de vários nomes. Em geral, tais igrejas se denominam igrejas da “Palavra”, igrejas da “Fé”, ou igrejas “Palavra da Fé”. Elas são consideradas como igrejas que pregam saúde e riqueza, ou doutrinas de fé e prosperidade. O movimento “palavra da fé” tem elementos comuns a outras formas de pentecostalismo (oração por cura, uso dos dons do Espírito), mas não devemos confundi-los (BARRON, 1987; HANNEGRAAF, 1993; SHORTER; NJIRI, 2001; GIFFORD, 2004). Todos esses movimentos podem ser vistos como respostas à mudança social na África. A conversão original de africanos ao pentecostalismo clássico (e a outras igrejas fundadas por movimentos missionários) significava a conversão da religião local para uma religião que tinha um alcance universal. O mundo se tornou maior que a tribo – era preciso que houvesse uma religião que representasse esse mundo mais abrangente (HORTON, 1972). No entanto, as igrejas fundadas pelos missionários, embora prometessem uma visão de mundo mais global, geralmente transmitiam uma visão de mundo Ocidental. Para os africanos, tornar-se cristão era tornar-se estrangeiro. As igrejas instituídas por africanos foram uma resposta à necessidade de se sentirem em casa, a fim de que o evangelho tivesse expressões mais contextualizadas. As igrejas da prosperidade também são uma resposta a novas realidades: a urbanização e a globalização. As cidades africanas têm experimentado uma explosão populacional. A urbanização tem criado uma nova cultura: a forma de se 1 O Avivamento da África Oriental que começou em Uganda e Ruanda em 1930 se restringiu às igrejas protestantes, mas perdeu algumas práticas carismáticas do início do movimento. Algumas das principais igrejas na África também abraçaram o movimento carismático. vestir e meios de transporte ocidentais, a televisão, internet e telefones celulares fazem parte do cenário das cidades africanas. A necessidade de se sentir em casa na sua própria cultura tem sido ofuscada pelo desejo de participar da cultura globalizada. As igrejas autóctones africanas adoravam na língua do seu grupo tribal. As igrejas da prosperidade africanas usam todos os artifícios da sociedade moderna, incluindo intrumentos musicais eletrônicos, cenários requintados – e a língua inglesa. Os pregadores da prosperidade que pregam nas ruas não apenas falam inglês, como têm um sotaque americano, imitam os pregadores norte-americanos, que podem ser vistos 24 horas por dia em algumas cidades africanas através do canal Trinity Broadcast Network, produzido por americanos. O movimento “Palavra da Fé” Embora o movimento “Palavra da Fé” esteja geralmente associado a organizações e personalidades religiosas americanas, ele é na verdade um movimento mundial. O pentecostalismo africano tem se espelhado na prática dos americanos, mas também em líderes como o pastor coreano Yonggi Cho (YOO, 1988), assim como tem influenciado outras partes do mundo (WAGNER; THOMPSON, 2004). O fluxo não segue apenas da América para o mundo. Por outro lado, as raízes americanas da teologia da prosperidade são fundamentais para a compreensão do movimento. A maioria das pessoas associa os ensinos mais recentes da teologia da prosperidade com o nome de Kenneth A. Hagin, o pregador texano que argumenta que assim como Deus trouxe o mundo à existência através da sua palavra da mesma forma os seres humanos têm o poder de trazer coisas à existência através de sua palavra – os crentes podem falar uma “palavra da fé” e aquilo que eles falam vai acontecer. Embora a cura e a prosperidade recebam muita atenção, é a ideia da palavra da fé, também conhecida como “confissão positiva”, que está por trás das manifestações visíveis de saúde e riqueza. [QUADRO] Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós. (Rm 8.18) Hagin foi influenciado por E. W. Kenyon, um professor de teologia da Nova Inglaterra que ensinava que o pacto de Abraão com Deus assegura bênçãos materiais para os que têm fé. Outros veem semelhança entre o movimento “Palavra da Fé”, ciência cristã e o “poder do pensamento positivo” de Norman Vincent Peale. Entretanto, na base de todos eles está o desejo da cultura americana por uma religião funcional, utilitária, que possa ajudar os crentes em sua vida cotidiana. Entre os mais recentes pregadores da prosperidade encontram-se o filho de Hagin, Kenneth W. Hagin, Gloria e Kenneth Copeland, Oral Roberts, Joel Osteen, Benny Hinn, Creflo Dollar e muitos outros. Os que combatem suas teorias argumentam que Jesus não foi rico e que ele falava contra aqueles que confiavam em suas riquezas e que ele afirmou que os pobres são bem-aventurados. Os discípulos de Jesus não se tornaram prósperos. Pelo contrário, eles foram martirizados. Os críticos argumentam ainda que nem sempre a pobreza e a doença são resultado de falta de fé, visto que há pecadores ricos e cheios de saúde, assim como santos empobrecidos e enfermos. Aguns críticos enfatizam os erros doutrinários de certos pregadores da prosperidade, como a afirmação de que os crentes são “pequenos deuses”, uma ideia que parece ser cristologicamente herética. O evangelho da prosperidade na África Na África, o movimento do evangelho da prosperidade tem se estabelecido nas áreas urbanas. As cidades africanas não oferecem segurança. Embora muitos se mudem para as cidades em busca de educação e emprego, muitos ali moram em enormes favelas, têm dificuldade de acesso a serviços de saúde, vivem com medo da criminalidade e estão frequentemente longe do apoio familiar e das tradições. O sucesso e a segurança são uma ilusão. Os sonhos que são em geral negados pelas cidades são prometidos pelos pregadores da prosperidade para aqueles que têm fé suficiente. A pregação da prosperidade não tem prevalecido nas regiões mais pobres da África. Embora as cruzadas de Reinhart Boonke, o evangelista alemão influenciado pela teologia da prosperidade, tenham tido algum impacto no Sudão, aparentemente tais resultados não foram duradouros. As igrejas pentecostais são ativas no Sudão do Sul, mas elas são mais conservadoras. As que pregam a prosperidade crescem na África em lugares onde não há segurança, mas onde existe a possibilidade de enriquecimento – nos centros urbanos de países mais abastados, como Gana, Nigéria e Quênia. Certo bispo africano relatou o caso de sua filha, uma estudante universitária. Ela havia recebido o dinheiro referente ao pagamento das taxas da faculdade, mas, pouco depois, ela pediu mais dinheiro para o mesmo fim. Ele perguntou-lhe o que tinha acontecido com o dinheiro e ela respondeu que havia “plantado a semente” – dado seu dinheiro de oferta para a igreja na esperança de que aquele valor voltaria para ela multiplicado. Outro amigo africano me falou de uma mulher que havia se sentido movida a doar o carro que havia acabado de ganhar do marido para o pastor da sua igreja, onde se pregava a prosperidade, na esperança de obter um retorno finaceirto maior. Muitos cristãos africanos têm histórias semelhantes a essas. Mas esses relatos não foram verificados. Um estudo sobre o evangelho da prosperidade nas igrejas nigerianas realizado por Adekunle Dada, embora reconhecidamente menos abrangente do que o necessário para oferecer resultados científicos, aponta na mesma direção do que me contaram. Dada entrevistou crentes de dez diferentes igrejas da teologia da prosperidade. Ao todo, foram 50 entrevistas, nas quais ele fazia três perguntas (DADA, 2004, p. 101): 1. O que levou você a se unir a essa igreja? 2. Você está satisfeito com sua atual condição espiritual e física? 3. O evangelho da prosperidade impactou sua vida como você esperava? O grupo de indivíduos era formado de pessoas que frequentavam igrejas da prosperidade, não dos que haviam se decepcionado e ido para outro lugar. Embora mais da metade tenha se tornado parte da igreja por causa da promessa de “prosperidade e paz de espírito” (DADA, 2004, p. 101), e embora a grande maioria se sentisse satisfeita com a experiência de estar na igreja, 75% admitiram não ter visto qualquer progresso na sua vida financeira. O pesquisador explica que, na verdade, um número mínimo de pessoas relatou melhoria nessa área (p. 102). Dada concluiu que a maioria dos crentes estava satisfeita com sua igreja, embora as promessas de prosperidade não tivessem se cumprido. Dada lança a hipótese de que a discrepância entre promessa e seu cumprimento deve levar a um certo nível de “dissonância cognitiva” entre os membros da igreja. Os pregadores da prosperidade justificam essa discrepância através de inúmeras racionalizações – pecado na vida de alguém e a incapacidade de ofertar o suficiente para o ministério são as explicações mais relevantes. Em outras palavras, “os membros são os culpados pela sua falta de prosperidade” (DADA, 2004, p. 103). Essa tática pode retardar a decepção, mas a culpa e, por fim, a rejeição obviamente se constituirão em um problema para o movimento da prosperidade. Até à presente hora, sofremos fome, e sede, e nudez; e somos esbofeteados, e não temos morada certa, e nos afadigamos, trabalhando com as nossas próprias mãos. Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos; quando caluniados, procuramos conciliação; até agora, temos chegado a ser considerados lixo do mundo, escória de todos. (1 Co 4.11-13) Outro problema são os casos cada vez mais frequentes de fraude e ganância da parte dos pastores. O fato de que os pastores se tornam mais ricos, ao passo de que o mesmo não acontece com suas ovelhas, só é aceitável enquanto as pessoas acreditarem que o pastor é mais piedoso ou tem mais fé do que os membros da congregação. Porém quando o pastor se envolve em algum escândalo, ou quando se percebe que o líder está enriquecendo às custas da congregação, a desilusão se generaliza. Para que os pregadores da prosperidade se tornem, nas palavras de Dada, “sinceros campeões dos pobres”, eles devem ser vistos como menos egoístas. Fica claro que os ensinamentos da prosperidade têm boa aceitação dentro da visão de mundo africana. Da mesma forma que alguns americanos aceitam o evangelho da prosperidade porque ele tem relação com a prática da vida diária. Portanto, a aceitação da mensagem da prosperidade demonstra que a África precisa de um evangelho que faça mais do que salvar almas. Embora muitas pessoas no Ocidente estejam satisfeitas com um evangelho que lida apenas com a consciência – com pecado e perdão – a visão de mundo africana é mais holística. Uma mensagem que não considere as necessidades da comunidade será considerada inútil. As igrejas que oram pelo “pão de cada dia”, mas não têm resposta para a fome humana, que oram “livrai-nos do mal”, mas não conseguem lidar com as manifestações demoníacas serão consideradas fracas. Um evangelho que não contempla a necessidade dos pobres é um evangelho incompleto. É interessante perceber que este é um ponto de contato entre o evangelho da prosperidade e as teologias da libertação. Ambos percebem que a pobreza não é um tema insignificante na mensagem do evangelho. Se os evangélicos, com razão, combatem algumas vertentes da teologia da libertação, eles também deveriam oferecer uma visão bíblica que leve em conta o ser humano como um todo. Da mesma maneira, se o evangelho da saúde e da riqueza é visto como deficiente, não deve ser por considerarmos a pobreza como algo bom ou que as doenças são a vontade de Deus. A mensagem bíblica mostra claramente que a doença, morte, dor, pobreza e opressão são parte do mundo caído que Jesus veio redimir. Os pregadores da prosperidade defendem uma escatologia realizada e não percebem que os crentes devem fazer parte desse mundo caído juntamente com os não crentes. No entanto, outros cristãos têm uma visão da realidade próxima do gnosticismo e creêm que o mundo é mau em si mesmo e deve ser suportado até que possamos escapar para o céu. Resposta Uma resposta africana para a pregação da prosperidade deve incluir o reconhecimento de que há dimensões da cosmovisão africana que podem deixar os crentes africanos vulneráveis às tentações desses pregadores. Assim como os crentes americanos podem ser ludibriados por pregadores que prometem dinheiro e cura que não podem oferecer, porque os americanos buscam uma fé funcional, que seja prática, semelhantemente os cristãos africanos podem ser enredados pela pregação da prosperidade por causa da grande necessidade de segurança na África e porque a visão de mundo africana é – corretamente! – holística e inclui cada dimensão da vida em seu escopo. Os cristãos africanos, portanto, precisam estar atentos e examinar qualquer nova mensagem à luz de todo ensino das Escrituras. Deve haver uma resposta do Ocidente ao evangelho da prosperidade como pregado na América do Norte e na Europa – e especialmente na forma como ele é exportado através de “cruzadas” e programas de televisão para o mundo não ocidental. Parece claro que embora muitos tenham africanado o evangelho da saúde e da riqueza, seu principal ponto de origem é os Estados Unidos. Como um produto exportado dos EUA, ele encontrou um mercado ávido em outras terras, que têm buscado se libertar não só da pobreza como também da doença, o que nem os sistemas de saúde africanos tradicionais nem os modernos têm conseguido fazer. A semente do evangelho da prosperidade caiu no solo fértil de países repletos de pessoas que não têm o suficiente, que sabem que são pobres e desejam escapar do ciclo de pobreza no qual frequentemente se encontram. Os pregadores americanos desse falso evangelho precisam avaliar sua forma de abordar os não ocientais à luz do ensinamento de Paulo em 1 Tessalonicenses 2.3-10: Pois a nossa exortação não procede de engano, nem de impureza, nem se baseia em dolo; pelo contrário, visto que fomos aprovados por Deus, a ponto de nos confiar ele o evangelho, assim falamos, não para que agrademos a homens, e sim a Deus, que prova o nosso coração. A verdade é que nunca usamos de linguagem de bajulação, como sabeis, nem de intuitos gananciosos. Deus disto é testemunha. Também jamais andamos buscando glória de homens, nem de vós, nem de outros. Embora pudéssemos, como enviados de Cristo, exigir de vós a nossa manutenção, todavia, nos tornamos carinhosos entre vós, qual ama que acaricia os próprios filhos; assim, querendo-vos muito, estávamos prontos a oferecer-vos não somente o evangelho de Deus, mas, igualmente, a própria vida; por isso que vos tornastes muito amados de nós. Porque, vos recordais, irmãos, do nosso labor e fadiga; e de como, noite e dia labutando para não vivermos à custa de nenhum de vós, vos proclamamos o evangelho de Deus. Vós e Deus sois testemunhas do modo por que piedosa, justa e irrepreensivelmente procedemos em relação a vós outros, que credes. Diferentemente de outros pregadores itinerantes, o ministério de Paulo entre os Tessalonicenses não impunha aos seus ouvintes um fardo finaceiro – ele trabalhava com suas próprias mãos para sustentar seu ministério, o qual não se baseava em motivações impuras, como a ganância. Ele não bajulava nem enganava, mas como uma mãe cuidadosa, sempre desejava o melhor para os que se tornavam seus filhos espirituais. Essa não é a atitude que frequentemente vemos em pastores da prosperidade que prometem recompensas que não podem dar em troca de ofertas que eles não merecem. Qualquer resposta aos defensores do evangelho da prosperidade deve reconhecer que Deus quer abençoar: devemos orar por cura e por comida para os famintos e devemos crer que nossas orações serão atendidas. Mas também somos chamados a minorar a pobreza e suas causas e a cuidar dos enfermos, trabalhando para a erradicação das doenças. As igrejas devem se tornar comunidades para as quais o mundo possa olhar e, ao invés de dizer “olhem como o pastor dessa igreja é rico”, eles digam “olhem como eles se amam”. Mais importante ainda: a igreja global deve reaprender que o verdadeiro evangelho é o que coloca Deus no seu centro. Infelizmente, a exemplo de outros movimentos heréticos, o falso evangelho da prosperidade é antropocêntrico: “tudo está centrado no ser humano e nas atitudes dele ou dela, não em Deus e em sua graça”. De igual modo, a mensagem da palavra da fé “é um escândalo”, visto que ela está focada “em coisas materiais, mostrando Cristo como Mamom, o deus das riquezas, e a igreja em opulência, em contraposição com os valores de humildade, sacrifício e abnegação que caracterizam o reino de Deus” (SARACCO, 2007, p. 324, 326). Perguntas para reflexão 1. De que maneiras o evangelho da prosperidade é uma heresia? 2. Como podemos alcançar os cristãos que estão sob a influência do evangelho da prosperidade, reconhecendo os ensinos autênticos que eles receberam, mas tentando levá-los ao equilíbrio? 3. Quais textos e temas bíblicos seriam importantes nessa tarefa? Referências BARRETT, D. Schism and renewal in Africa: An analysis of six thousand contemporary religious movements. Nairóbi: Oxford University Press, 1968. BARRON, B. The health and wealth gospel. Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1987. COX, H. Fire from heaven: The rise of Pentecostal spirituality and the reshaping of religion in the twenty-first century. Reading, MA: Addison-Wesley, 1995. DADA, A. O. Prosperity gospel in Nigerian context. In: Orita, 2004, nº 36 (1–2), p. 101 DANEEL, M.L. Quest for belonging: An introduction to a study of African independent churches. Gwere, Zimbabwe: Mambo Press, 1987. GIFFORD, P. Ghana’s new Christianity: Pentecostalism in a globalising African economy. Londres: Hurst and Company, 2004. HANNEGRAAFF, H. Christianity in crisis. Eugene, OR: Harvest House Publishers, 1993. HOLLENWEGER, W. The Pentecostals. Londres: SCM, 1972. ______. Pentecostalism. Peabody, MA: Hendrickson, 1997. HORTON, R. 1972. African conversion. Africa 41:85–108. KALU, O. 2008. Pentecostalism in Africa. Oxford: OUP. SARACCO, J.N. Prosperity theology. In: CORRIE, John (ed.). Dictionary of Mission Theology: Evangelical foundations. Downers Grove / Nottingham: IVP, 2007. SHORTER, A.; NJIRI, J. New religious movements in Africa. Nairóbi: Paulines, 2001. WAGNER, P.; THOMPSON, J. (ed.). Out of Africa: How the spiritual explosion among Nigerians is impacting the world. Ventura: Regal, 2004. YOO, B. W. Korean Pentecostalism. Nova York: Peter Lang, 1988. Grant LeMarquand é canadense, foi professor de Estudos Bíblicos e Missão na Trinity School for Ministry, um seminário evangélico anglicano em Ambridge, Pensilvânia. Ele atualmente é bispo na diocese anglicana do Egito com o Norte da África e o Chifre da África. É autor de An Issue of Relevance: A Comparative Study of the Story of the Bleeding Woman in North Atlantic and African Contexts (Peter Lang, 2004) e edições do Trinity Journal for Theology and Ministry. Parte III Reflexões da história e estudos de caso Lições da igreja primitiva Vamos agora estudar os nossos temas do ponto de vista da história. Vamos ler a narrativa sobre Ásia Menor desde o primeiro século até os dias atuais e conhecer histórias e estudos de caso de todo o mundo. Vamos viajar para o Oriente Médio, a China, o Japão, a Rússia, o Sri Lanka e a Nigéria, para o Vietnã e o Irã. Vamos sofrer com a tragédia de Ruanda e a cumplicidade da igreja durante o genocídio, mas nos regozijar em nova esperança para os dias de hoje. Nós vamos escutar narrativas pessoais de gerações sob perseguição e nos sentaremos com os pobres da Índia. Minhas reflexões para esta parte do nosso livro são moldadas pelo impactante livro de Gerald L. Sittser, Water from a deep well: Christian spirituality from early martyrs to modern missionaries [Água de um poço profundo: Espiritualidade cristã dos primeiros mártires até os missionários modernos]. Não posso recomendar este livro o suficiente, dada a sua rica perspectiva histórica sobre a espiritualidade, com implicações profundas para os crentes, a igreja e a missão. Eu resumo dois temas que Sittser desenvolve em seus dois primeiros capítulos, a espiritualidade dos primeiros mártires cristãos e da comunidade cristã primitiva. “Perseguição, sofrimento e morte estão no centro da mensagem cristã” (p. 29). Ele contrasta martírio cristão com os modernos atentados suicidas, diametralmente opostos: “Os primeiros mártires cristãos foram vítimas de ódio... Eles absorveram a violência, não a infligiram. Eles foram chamados ao martírio, eles não o impuseram a pessoas inocentes, que é o que os homens-bomba fazem hoje” (p. 31). E o que havia de especial nessas primeiras comunidades cristãs? Eles mantiveram uma vida de santidade desde os primórdios: “A cosmovisão cristã condenou o infanticídio, o aborto e o incesto e desaprovou a infidelidade conjugal, o divórcio e a poligamia” (57). Eles resgataram bebês abandonados – na maioria, meninas – encontrados nas vielas de Roma e lhes deram lares cristãos. “Em segundo lugar, a comunidade cristã propiciava um elevado grau de estabilidade social, o que chamou a atenção de pessoas que viviam em um mundo que parecia oscilar à beira do caos” (p. 60-61). Isso foi particularmente verdadeiro para as cidades, arruinadas pela violência. Os cristãos se tornaram “família” para estrangeiros e forasteiros que se afluíam às cidades. Deles era a aquela comunidade radical e eles eram todos “estrangeiros residentes”, cidadãos do reino de Deus. “Em terceiro lugar, a igreja se importava com as pessoas durante períodos de crises intensas” (p. 62). Eles modelaram uma vida de serviço sacrificial durante as pragas (165 e 250 d.C.), servindo aos doentes, tantos cristãos quanto pagãos. Talvez 25% da população morreram em cada um desses flagelos. Um percentual significativo de cristãos havia se recuperado da praga e tornou-se imune a ela. Foram considerados curandeiros milagrosos e eles acreditavam em um sobrenatural Deus de milagres, de quem testemunhavam. “Finalmente, os líderes ajudaram a criar um senso de pertencimento ao atuarem como pastores do rebanho, fornecendo cuidados pastorais do berço ao túmulo”. Em um mundo sem nenhuma contrapartida secular ou religiosa à figura do pastor, líderes cristãos “praticavam a ‘cura das almas’, para ajudar os crentes a progredir na fé” (p. 65). Os cristãos amaram os indesejados e trataram escravos e estrangeiros com bondade incomum. Eles cuidaram de viúvas e órfãos. Por volta do ano de 250 depois de Cristo, a igreja de Roma tinha cerca de 1.500 viúvas e pessoas em dificuldades sob seus cuidados (p. 59). Consequentemente, esse estilo de vida tornou-se testemunho público e, aos poucos, pessoas de todos os níveis da sociedade começaram a vir a Cristo William D. Taylor O OCIDENTE MODERNO SECULAR Abrindo espaço para Deus Janet Epp Buckingham O Tratado de Paz de Westphalia de 1648 estabeleceu pela primeira vez o “Estado secular” em resposta às guerras religiosas que assolaram a Europa por décadas. Na época, parecia uma grande inovação. Previamente, a religião do soberano ditava a religião dos cidadãos. Muitos cidadãos, sob pena de morte, tinham sido forçados a oscilar entre o Catolicismo Romano e alguma forma de Protestantismo. O “Estado secular” não era o que temos hoje. O soberano detinha o direito de determinar a religião de Estado, mas outras minorias religiosas gozavam de um certo grau de liberdade religiosa. Quando se considera que esse novo sistema substituiu o Santo Império Romano, com uma religião imposta pela Inquisição, este foi um grande avanço. Ninguém na época poderia imaginar o que se tornaria o Estado secular moderno. A Revolução Francesa na década de 1790 iniciou o Estado moderno secularista. Como a Igreja Católica Romana era vista como parte do “governo”, foi perseguida junto à aristocracia; igrejas foram fechadas, terras da igreja foram confiscadas pelo Estado e vendidas, e padres tiveram que se tornar empregados do Estado. A Revolução estabelecia uma separação entre igreja e Estado que ia além do que os americanos haviam feito durante sua própria revolução um século antes. Alguns defendem o Estado secular com base no fato de que, em sua forma ideal, ele é neutro com relação à religião. Infelizmente, não é assim que as coisas acontecem na prática. O secularismo se tornou uma religião em si mesma, e sem rivais. Os chamados “especialistas” disseram que a religião estava fadada à lixeira da história, pronunciando que a civilização Ocidental era agora uma sociedade pós-Cristã (Norris e Ingelhart, 2004). A proteção dos direitos humanos à liberdade de religião acabou se tornando livramento da religião. Não há espaço para Deus no Estado secular moderno, e portanto não há entendimento da religião. Quando o Estado se separa oficialmente de qualquer religião estabelecida, não pode reconhecer que Deus é soberano. Assim, o próprio Estado se torna o único recurso a que ele próprio pode recorrer, bem como seus cidadãos, para encontrar respostas. Assim, deve negar o lugar da religião. Não estou argumentando que o Estado deveria se alinhar a qualquer religião, isto acarretaria problemas também, mas devemos entender a força propulsora por trás do Estado secular moderno para que entendamos o lugar dos cristãos no mesmo. Outra qualidade do Estado secular moderno é que para que uma diversidade de indivíduos e grupos coexistam na sociedade, o Estado deve ser “cego para com as diferenças”. No entanto, devido às diversificadas necessidades dos indivíduos e grupos na sociedade, isto não funciona. O Estado secular força as pessoas a deixarem de lado justamente o que estabelece sua identidade. Isto, é claro, significa que não podem expressar suas necessidades diversas porque isto revelaria suas identidades específicas. Mas, há uma abordagem alternativa. Quer seja chamada de “pluralismo com princípios” (Centro para Justiça Pública) ou de “multiculturalismo” (Habermas 2008: 5), ela é semelhante: reconhece as diferenças que temos como indivíduos com identidades centradas em nossas comunidades, mas se compromete ao respeito mútuo e ao diálogo para que haja coexistência pacífica. RESTRIÇÕES ENFRENTADAS POR CRISTÃOS As restrições enfrentadas pelos cristãos no Ocidente secular varia de leves a severas, mas são geralmente acompanhadas de uma linguagem de “tolerância”. As restrições geralmente são leis promulgadas de forma adequada por algum nível do governo e portanto são aplicadas pela justiça. Diante dos tratados internacionais e da constituição que protegem a liberdade religiosa, isto é ainda mais insuportável. A própria justiça em que os cristãos confiaram para defender seus direitos acaba restringindo-os. RESTRIÇÕES DE EXPRESSÃO O primeiro grupo de exemplos trata da expressão pública da religião, abrangendo a pregação, o evangelismo e a liberdade de expressão. Estas são expressões da religião básicas, especialmente para o Cristianismo. O caso do pastor Suéco Ake Green foi muito repercutido internacionalmente. O pastor Green foi acusado criminalmente por pregar um sermão em sua igreja expondo o ponto de vista bíblico sobre a homossexualidade. No pricípio foi condenado e recebeu a sentença de um mês na prisão por ter “desrespeitado” os homossexuais, o equivalente a “injúria verbal” no Brasil. Em 2005, essa decisão foi revogada no apelo, com base na Convenção Europeia sobre os Direitos Humanos, que protege fortemente a liberdade religiosa ( Riksäklagaren v. Ake Green 2005). Os testemunhas de Jeová são bem conhecidos pela evangelização de porta em porta. Um grego testemunha de Jeová foi condenado pelo crime de proselitismo por esta prática e sentenciado a quatro meses de prisão. A Corte Europeia dos Direitos Humanos conseguiu reverter a sentença em 1993 (Kokkinakis v. Grécia) A corte enfatizou fortemente que a liberdade religiosa é um dos fundamentos da sociedade democrática. Também afirmou que o direito de “manifestar” sua religião em conversas com outras pessoas é um direito fundamental. Embora estes sejam casos bem divulgados que foram julgados em instâncias superiores, também têm havido muitas questões semelhantes em todos os países Ocidentais. Estes dois casos envolviam acusações criminais, tornando impossível aos religiosos não se defenderem na justiça. Muitas questões semelhantes são resolvidas pela desistência dos religiosos de buscarem seus direitos, ou por uma decisão nas instâncias inferiores que não pode ser levada adiante por falta de dinheiro para um apelo. Da perspectiva de um canadense, posso me lembrar de dezenas de casos em que os crisãos foram excluídos ou marginalizados. Embora os religiosos, quer muçulmanos, quer judeus ou cristãos sejam muitas vezes marginalizados, os cristãos são especialmente alvo de exclusão. Um pastor na costa leste do Canadá requisitou o uso do palco em um parque público no centro da cidade para uma peça. O pedido foi negado com base em que a religião causa controvérsias. Quando sua igreja apresentou a peça, apesar de não terem permissão, o pastor foi acusado de invasão de propriedade. Ele se defendeu com sucesso comprovando que tinha tentado conseguir a permissão, e ainda levou o município à justiça por discriminação (Gilliard 2004). Uma característica comum de muitos casos legais religiosos é que envolvem códigos e tabelas de direitos humanos. Esse tipo de proteção a direitos nacionais e internacionais (International Covenant on Civil and Political Rights: International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights) começou depois da Segunda Guerra Mundial, como resposta às consciências recentemente sensibilizadas pelo Holocausto. As pessoas compreenderam que o preconceito, se for tolerado, pode levar à perseguição, tortura e até ao genocídio. A proteção legal dos direitos humanos tem uma função importante. Os cristãos deveriam estar cientes deste tipo de proteção tanto a nível local quanto internacional. Infelizmente, a proteção legal dos direitos humanos tem sido uma faca de dois gumes. No Canadá, as políticas já foram usadas tanto contra os cristãos como a favor dos mesmos. Por exemplo, uma reclamação envolvendo os direitos humanos foi feita por causa de uma carta pastoral de um bispo católico romano no leste do Canadá, dizendo que ela “provavelmente incitaria o ódio e desprezo contra os homossexuais.” Na Suécia, uma acusação contra o Pastor Green, de acordo com uma lei que parecia semelhante, considerou sua ofensa criminosa enquanto no Canadá foi apenas a violação de parte do código de direitos humanos. A reclamação foi arquivada porque o Bispo Henry goza de liberdade religiosa e sua carta pastoral foi considerada uma perspectiva religiosa sobre o casamento de pessoas do mesmo sexo. Uma das tendências mais perturbadoras é a censura e a punição de alunos cristãos nas Universidades. Professores universitários parecem ser a vanguarda dos secularistas militantes. Procuram endoutrinar uma ideologia anti-religiosa ou, mais focalizada ainda, anti-cristã. Os alunos que defendem suas próprias crenças são humilhados e às vezes punidos com notas baixas. Em casos extremos, os cristãos que expressam suas posições, como os que são contra o aborto ou questionam o homossexualismo ou o casamento de pessoas de mesmo sexo, são expulsos da universidade ou não conseguem se formar. Alunos já foram presos por postarem cartazes gráficos contra o aborto no campus. Antigamente as universidades eram um centro de livre expressão de ideias, as agora se tornaram enclaves do que é politicamente correto. RESTRIÇÕES DAS PRÁTICAS RELIGIOSAS O Ocidente secularizado protege as práticas religiosas privadas, mas tende a limitar expressões públicas da religião. Isto tem se evidenciado nos Estados Unidos, que tem uma alta porcentagem de sua população de cristãos praticantes, mas também tem uma das organizações secularistas mais estridentes, a União Americana pelas Liberdades Civis (American Civil Liberties Union – ACLU). Outros países enfrentam questões semelhantes, mas em menor grau, ou vistas de outra forma. Os Estados Unidos devem ter um dos níveis mais altos de religiosidade entre os países do Ocidente. Os presidentes, há muito tempo, convocam dias nacionais de oração e são regularmente fotografados em igrejas e junto a líderes religiosos. As igrejas americanas exibem publicamente a bandeira americana e misturam nacionalismo com fervor religioso. Por outro lado, muitas batalhas jurídicas já aconteceram por causa de orações feitas por alunos em eventos esportivos e cerimônias de formatura, ou até mesmo por causa de histórias contadas às crianças e de trabalho em sala de aula, por mencionarem Jesus ou o Cristianismo. Juízes foram forçados a remover quadros ilustrativos dos Dez Mandamentos de suas cortes. Isto tudo é semelhante à recusa por parte da União Europeia de reconhecer sua herança cristã. Escolas têm sido um campo de batalhas na América do Norte, com relação ao conteúdo religioso, e clubes de alunos cristãos já foram até expulsos. Ostensivamente, a expulsão é feita com base na “separação entre igreja e Estado”. Este princípio for articulado em uma carta de um ex-Presidente dos Estados Unidos a uma igreja para lhe garantir que estava protegida da interferência do Estado (Jefferson 1802). Não é um princípio constitucional nos EUA e certamente em nenhuma outra parte do mundo. Até nos EUA o princípio nunca teve como intenção impedir a reunião de jovens livremente para orar quando outros diversos clubes têm a liberdade de se reunir. Isso é uma discriminação clara contra a religião. No Canadá, escolas públicas tinham instrução religiosa e oração pública até que uma Carta de Direitos foi introduzida em 1982. É irônico que um documento de direitos humanos tenha sido utilizado para limitar a religião nas escolas. Ela foi excluída porque o foco era a religião Cristã, apesar do Canadá ser mais de 80 porcento Cristão. Desde então, as escolas religiosas prosperaram. Também já houve várias tentativas de controlar os currículos dessas escolas religiosas, forçando-as a ensinar algumas matérias sobre sexualidade ou sobre a evolução. Por enquanto, essas tentativas não foram bem sucedidas. A França está na vanguarda quanto à restrição de roupas religiosas. Foi o primeiro país Ocidental a banir o uso de símbolos religiosos que chamem a atenção (Loi de laïcité) em 2004. Embora tecnicamente essa lei imponha restrições tanto a cristãos quanto a muçulmanos, comumente é conhecida como “proibição do véu” pela imprensa internacional. A província francofone do Canadá pensou em adotar uma proibição semelhante – somente limitaria o uso do niqab, mas em um número maior de áreas públicas. De fato, mulheres usando o niqab seriam impedidas de acessar serviços públicos. Muitas das questões referentes às restições de práticas religiosas surgem devido à presença de grupos minoritários. Mas com a mudança na sociedade, tornando-se mais secularizada, cristãos praticantes se tornaram um grupo minoritário. Se antes tínhamos os Adventistas do Sétimo Dia ou os Judeus pedindo isenção do trabalho aos sábados, agora os cristãos também precisam pedir a mesma isenção porque as lojas ficam abertas aos domingos. Antes eram os muçulmanos proibidos de usar o hijab ou os Sikhs de usar o kirpan, agora são os cristãos que não podem usar uma cruz à vista. Profissionais cristãos têm buscado a objeção de consciência que lhes permita recusar a participação em abortos e eutanásia. Em países como o Canadá, onde o casamento foi redefinido para incluir casais de mesmo sexo, os oficiais responsáveis por casamentos civis não conseguiram isenção e têm o dever de oficiar casamentos de casais do mesmo sexo, mesmo que isto vá contra sua religião. Profissionais cristãos enfrentam restrições para expressar sua religião de diversas formas. Enfermeiras e cuidadores profissionais na Grã-Bretanha foram disciplinados por terem se oferecido para orar por pacientes e por clientes. Organizações cristãs também já foram ameaçadas e restringidas em algumas de suas práticas. Nos anos 90, uma universidade cristã do Canadá perdeu o reconhecimento de seu programa educativo porque a universidade tinha uma política de padrões comunitários em que os alunos concordavam em não manter relações sexuais fora do casamento. Isto foi considerado discriminação contra os homossexuais. A universidade apelou em diversas instâncias e finalmente teve sucesso na Corte Suprema do Canadá (B.C. College of Teachers v. Trinity Western University). Um ministério cristão que cuida de adultos com problemas mentais teve que enfrentar um grupo de direitos humanos que questionou sua prática de empregar preferencialmente cristãos em sua instituição (Christian Horizons 2010) COMO OS CRISTÃOS DEVERIAM RESPONDER Os cristãos no Ocidente têm muitos meios de influenciar a lei e as políticas públicas para promover a liberdade religiosa. Estes países são democracias e por isso os cristãos têm oportunidades de se candidatar a cargos públicos e de participar diretamente no processo de elaboração das leis. Os cristãos podem se engajar na sua defesa diante de políticos como indivíduos ou como organizações. Todos os países Ocidentais estão sob o império da lei, e portanto pode se buscar a justiça através do sistema judiciário. Além disso, há liberdade de imprensa, e assim os cristãos podem divulgar sua mensagem através da mídia. É crucial que todos que se envolvam em qualquer um desses tipos de defesa entendam o processo e falem e ajam de modo apropriado. Muitos cristãos no Ocidente secularizado são complacentes com relação à sua liberdade religiosa. Acreditam que enquanto o culto não estiver sendo ameaçado, a liberdade religiosa está garantida. Também se acredita amplamente que os que acabam tendo que se defender na justiça são “desordeiros ou vândalos”. Nenhuma dessas coisas é verdade. Há limitações constantes da manifestação pública da fé pelos cristãos. Alguns cristãos sofrem até restrições em sua prática religiosa privativa. Limitar nossa prática religiosa ao que ocorre somente na igreja ou em casa é realmente estreitá-la muito. As comunidades religiosas historicamente se engajaram em um número de questões sociais, não se confinando apenas à adoração e cuidado pastoral. Ministérios cristãos existem em todo o mundo para cuidar dos mais vulneráveis, alimentar os famintos, vestir os carentes e habilitar os pobres para saírem da pobreza. Eles criam escolas, hospitais, e orfanatos. Mas além disso, os cristãos também são motivados a compartilhar o evangelho através de uma variedade de formas de evangelismo: impresso, meios de comunicação, e encontros pessoais. Os cristãos não deveriam ter que se limitar às funções “religiosas” tradicionais só porque a sociedade em geral se declara ofendida por ser exposta ao Cristianismo. A estratégia de resolução de conflitos que aparece em Mateus 18, embora tenha sido estabelecida para resolver conflitos entre cristãos, é um bom ponto de partida para resolver questões de conflito religioso também. A sociedade Ocidental é uma sociedade pluralista, o que quer dizer que há muitas religiões e culturas convivendo lado a lado. Precisamos nos dar bem porque vivemos juntos. Se existe um problema, o primeiro passo deveria sempre ser de tentar conversar com a pessoa ou grupo que toma decisões e discutir por que permitir a prática e a expressão da religião seria positivo. Deve-se evitar o uso de linguagem religiosa nessas circunstâncias e procurar utilizar uma linguagem que seja bem compreendida pela pessoa. Muitas vezes a linguagem dos direitos humanos é a que melhor se compreende na sociedade secular. Se a primeira reunião não tiver resultados positivos, é hora de demonstrar a força através de uma reunião com um maior número de pessoas com poder de decisão, ou de contatar uma autoridade de nível mais alto, como um supervisor. Este passo exige oração e discernimento. Cada tentativa pode dar errado porque o responsável por tomar decisões pode se sentir ameaçado e endurecer na sua posição. Essa pessoa pode estar tentando levar em consideração os interesses de outra pessoa ou outro grupo e talvez tenhamos que negociar nossa reivindicação, contanto que não abramos mão do que cremos. Somente no caso do diálogo falhar devemos partir para uma abordagem de confronto. Os cristãos só devem dar este passo depois de muita oração e reflexão. Nunca para nos orgulharmos. Em Atos 25.10, Paulo apelou para César, mas só depois de passar anos na prisão, sem que qualquer acusação séria contra ele chegasse a ser feita. Paulo conhecia os caminhos a que podia recorrer diante da lei, ele tinha sido educado na lei, então foi o que ele fez. Para os cristãos na sociedade secular moderna, este tipo de apelo poderia ser a políticos, a uma instância superior na justiça, à mídia, ou às três coisas juntas. Políticos cristãos podem abrir portas na política e no governo para ajudar aqueles cujos direitos são violados. Advogados cristãos podem ajudá-los na elaboração de argumentos de defesa. Cristãos na mídia podem usar sua influência para introduzir histórias ou depoimentos positivos no momento certo em canais de mídia proeminentes. Existem muitas críticas à proposta do uso dos sistemas políticos e judiciários pelos cristãos para garantir a liberdade religiosa. Alguns cristãos se opõem dizendo que Jesus nos manda “dar a outra face” (Mt 5.39). Afinal, devemos amar nossos inimigos e orar por aqueles que nos perseguem (Mt 5.44). Outros dizem que Paulo nos manda obedecer às autoridades (Rm 13.1-5). Ainda outros interpretam mal a instrução de Paulo à igreja, “Por que não sofrer, antes a injustiça?” (1Co 6.7) Esta recomendação se encontra no contexto de não levar outros crentes à justiça. Os cristãos não deveriam recorrer prontamente à justiça assim que são injuriados, mas quando outras abordagens não dão resultado, a ação política ou legal deve ser considerada. O Ocidente secularista se orgulha de proteger os direitos humanos, e a liberdade religiosa é um dos direitos humanos protegidos. Uma vantagem de se levar os casos à justiça é que um resultado positivo em um caso pode beneficiar toda uma comunidade. O desafio diante dos cristãos é de criar espaço para Deus em uma cultura que tenta excluí-lo. Os cristãos, e pessoas de outras religiões também, não deveriam ter que restringir suas crenças e práticas religiosas às suas casas, mas deveriam poder expor a riqueza de sua fé. Já recomendei que os cristãos deveriam utilizar uma linguagem comum aos secularistas, mas ao mesmo tempo, devemos tomar o cuidado de não diluir aquilo que cremos. Como Ludin nos admoesta, “Os cristãos correm o perigo de vender seu direito de primogenitura – seu vocabulário de pecado e graça, julgamento e perdão, morte e ressurreição – por um prato frio de lentilhas de jargão e obscuridade.” (Ludin 1993, 30). Como nos diz Jesus “sede prudentes como as serpentes e símplices como as pombas.” (Mt 10.16). Para criar espaço para Deus, os cristãos devem aproveitar oportunidades de falar a verdade em processos políticos e legais de forma agradável e apelativa. QUESTÕES PARA REFLEXÃO 1. Os desafios que os cristãos enfrentam no Ocidente secular são diferentes dos que enfrentam em outras partes do mundo? 2. Porque os cristaos no Ocidente estão em vantagem se comparados aos que vivem em outros países, com relação a tratar das violações da liberdade religiosa? 3. Há passos positivos que os cristãos ou as igrejas podem dar para criar um ambiente mais positivo para a expressão religiosa na sociedade Ocidental? 4. Discuta a abordagem que você considera a mais promissora para lidar com uma violação de liberdade religiosa no Ocidente secular. REFERÊNCIAS Habermas, J. 2008. Notes on a post secular society. www.signandsight.com. Posted June 18, 2008. Jefferson, T. 1802. Letter to the Danbury Baptist Association. 1 January. Ludin, R. 1993. The culture of interpretation: Christian faith and the postmodern world. Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans. Norris, P., and R. Inglehart. 2004. Sacred and secular: Religion and politics worldwide. Cambridge: Cambridge University Press. Referências a Cortes de Justiça e a Estratégias Políticas: British Columbia College of Teachers v. Trinity Western University. 2001. 1 SCR 772 (Supreme Court of Canada). Gilliard v. Pictou (Town). 2005. NSHRBID No. 2. International Covenant on Civil and Political Rights. 1976. GA Res 2200A (XXI), 21 UN GAOR Supp (No. 15) at 52, UN Doc. A/6316, (1966), 999 UNTS 171, 1976 CTS, No. 47, signed at New York 19 December 1966, entered into force 23 March 1976. International Covenant on Economic, Social, and Cultural Rights. 1976. GA Res 2200A (XXI), 21 UN GAOR Supp (No. 16) at 49, UN Doc. A/6316 (1966), (1966), 993 UNTS 3, 1976 CTS, No. 46, signed at New York 19 December 1966, entered into force 3 January 1976. Kokkinakis v. Greece. 1993. Judgment of 25 May 1993, Series A No. 260- A. European Court of Human Rights. Loi n° 2004-228. 2004. Du 15 mars encadrant, en application du principe de laïcité, le port de signes ou de tenues manifestant une appartenance religieuse dans les écoles, collèges et lycées publics, 2004-228 of 15 March 2004. Ontario Human Rights Commission v. Christian Horizons. 2010. ONSC 2105. Ontario Divisional Court. Riksåklagaren v. Åke Green. 2005. Judgment of 29 November 2005, case number B 1050-05. Supreme Court of Sweden. Janet Epp Buckingham, LL. D. , é professora associada na Universidade Trinity Western e Diretora do Centro de Liderança Laurentian em Ottawa. Anteriormente, foi Diretora de Políticas Legais e Públicas para o Evangelical Fellowship do Canada e Diretora Executiva da Christian Legal Fellowship. Sua ese de doutorado em Direito da Universidade de Stellenbosch focalizou a liberdade religiosa no Canada e na África do Sul. Recebeu a honra do prêmio Bom Samaritano dos Advocates International. UMA ABORDAGEM INDUTIVA PARA SE ENTENDER A PERSEGUIÇÃO NO ORIENTE MÉDIO Andrew Edward Durante as décadas em que morei no Oriente Médio acumulei muitas histórias. Ao contar algumas delas, espero que meus leitores possam aprender alguma coisa sobre a perseguição de uma forma indutiva. Minha abordagem será de contar um incidente sobre um tipo de perseguição e depois fazer algumas perguntas para nos ajudar a pensar mais profundamente sobre a história. Todos os nomes nos exemplos são fictícios, mas as histórias são verdadeiras. Talvez seja útil para as pessoas que trabalham em situações difíceis, realizar este exercício em grupo. Geralmente pensamos em perseguição apenas em termos de religião. No entanto, as pessoas também podem ser perseguidas por convicções políticas, econômicas, educacionais ou sociais. Geralmente, as pessoas são perseguidas por uma combinação de diversos motivos. Uma definição abrangente da perseguição é “Qualquer ação injusta, com níveis variáveis de hostilidade, uma ou mais motivações, direcionada a um indivíduo específico ou a um grupo específico, resultando em níveis variáveis de dano, considerados da perspectiva da vítima,” (Tiezen, 2008:41). A perseguição ocorre em toda parte e em todos os países do mundo. Muitos estão envolvidos. Já observei famílias, professores, empregadores, treinadores, pregadores, estudiosos, servidores públicos, empregados de empresas, e soldados participando de perseguição. Às vezes, a perseguição leva à morte. Quando alguém morre por Cristo, isto é chamado de martírio. Nisso, concordo com David Barrett na World Christian Encyclopedia (Barrett et al., 2001) e com Christof Sauer do International Institute of Religious Freedom (Sauer, 2008: 26-48). Meu foco neste artigo será sobre os cristãos que enfrentam perseguição. RECONHECENDO A PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA NO ORIENTE MÉDIO A perseguição é utilizada como uma ferramenta para influenciar a mudança de comportamento que resultará na conformidade com a opinião da sociedade. Os perseguidores utilizam pressões físicas, sociais, psicológicas e mentais para conseguir controlar as pessoas. O objetivo é de forçar as pessoas a mudar com relação às normas que o grupo dominante deseja impor a todos os cidadãos. A perseguição pode ser levada a cabo na privacidade de um lar, entre os vizinhos, no mercado, e em prédios governamentais. A perseguição política e religiosa no Oriente Médio está em toda parte. Um vento de mudança, no entanto, está soprando no mundo Árabe, com cidadãos comuns pressionando seus governos para que parem com a perseguição e instaurem mudanças democráticas. A EXPERIÊNCIA DE RAMI Rami (pseudônimo) se tornou um discípulo de Jesus Cristo no início de sua vida adulta. Ele, sua esposa e filhos se amavam e cuidavam uns dos outros. Rami trabalhava na cidade e era fiel em suas responsabilidades. Um dia, alguns anos após Rami ter se tornado cristão, alguém na cidade o acusou de ser um apóstata. A polícia enviou seu caso para a Corte Sharia. Se ele não renunciasse o compromisso com Cristo, a Corte Sharia o declararia um apóstata do Islamismo. Esta conclusão daria à corte o poder de cancelar seus direitos civis e de colocá-lo sob custódia do Estado. Sua certidão de casamento seria anulada. Seus filhos seriam tirados dele. Ele ficaria proibido de assinar contratos para alugar uma casa, comprar um carro, ou emprestar dinheiro. Qualquer contrato teria que ser assinado por um tutor, já que ele estaria sob custódia, e assim seria considerado como um menor de idade. A única religião que poderia praticar seria o Islamismo. A polícia e a corte acharam que ele negaria sua fé em Cristo e voltaria para o Islamismo. Mas, ele se recusou a voltar atrás em sua fé. Como exige a lei Sharia, ele foi declarado apóstata e recebeu a sentença acima mencionada. Ele sabia que, como apóstata, outros se considerariam no direito de matá-lo. Rami e sua esposa e filhos se mudaram para outro país árabe onde ele poderia viver em liberdade. Eventualmente, conseguiram asilo em um país do Ocidente, onde vivem até hoje. Seu caso é um caso claro de perseguição religiosa, até pelos padrões das Nações Unidas. A sentença de Rami deixou claro para outros seguidores de Jesus Cristo que existe uma espada sobre suas cabeças. Se forem acusados de serem apóstatas e não negarem sua fé, eles também serão sentenciados como Rami e terão que enfrentar as consequências. Convidar muçulmanos a aceitar a Cristo é algo que se faz em obediência ao Senhor Jesus. Os muçulmanos que aceitam a Cristo no mundo árabe enfrentam adversários em sua própria família, na polícia e nas cortes, e em qualquer pessoa que queira acusá-los de apostasia diante das Cortes Sharia. A perseguição e o martírio são sempre uma possibilidade. Questões para Reflexão: Mesmo sabendo muito bem que enfrentarão perseguição, muçulmanos estão aceitando a Cristo como seu Salvador. Quais seriam algumas razões por que estão dispostos a enfrentar grandes perdas por Cristo? O que significa para eles ganhar a Cristo? PERSEGUIÇÃO PRIVADA Um adolescente atribulado entrou em contato com uma estação de rádio e TV que divulgava o Evangelho de Jesus como o Messias. Ele escreveu para o endereço de um dos programas, pedindo um curso por correspondêcia. Fez as lições em sua casa e guardou os papéis em um armário trancado, do lado de sua cama. No seu país, ele encontrou Árabes que o ajudaram nesse curso por correspondência. Alguns meses mais tarde, ele percebeu que desejava receber a salvação de seus pecados através de Jesus. Recebeu a Cristo como Salvador e começou sua caminhada como discípulo. Um dia, ele voltou para casa e descobriu uma pilha de papéis queimados em seu quarto. Ficou sabendo que seu irmão mais novo tinha conseguido abrir a gaveta trancada e mostrado para os pais o que ele andava lendo. Seus pais ficaram muito bravos e queimaram o material de estudo. Quando o jovem se encontrou com seus pais, eles bateram nele e o avisaram para não se envolver com a Bíblia ou livros cristãos. Embora seu pai fosse um advogado e oficial num dos ministérios do governo, o adolescente continuou a estudar materiais cristãos, mas não mais em sua casa. Com o tempo, sua vida se tornou insuportável e ele acabou saindo de casa. Aos dezoito anos de idade, ele teria a liberdade de viajar para fora do país. Ele foi para um país próximo onde pode continuar seu discipulado num nível de faculdade. Alguns anos depois, ele terminou seu programa de estudos. Enquanto estava estudando, recebeu a visita de seu pai. Seus pais sabem que ele tem a educação para se tornar um professor da religião cristã. Sabem que ele deixou Maomé e está seguindo a Cristo. Estão conversando com ele de novo e estão convidando para que ele volte para casa. O jovem precisa avaliar os riscos de se mudar de volta para seu lar. Questões para Reflexão: Este jovem será aceito por seus pais e irmãos como seguidor de Jesus? Será que um membro de sua família ou algum amigo o acusará de apostasia e o levará à corte Sharia? Ele deveria correr o risco de perder seus direitos civis e sua vida? Seria esta a hora de Deus para ele enfrentar perseguição pesada e talvez até o martírio? NASCIMENTOS E RENASCIMENTOS MILAGROSOS Ali é um homem de pouco mais de quarenta anos. Ele e sua esposa, vamos chamá-la de Sarah, formavam uma família muçulmana devota e feliz em seu casamento. Sua única tristeza era não terem filhos. Em busca deste sonho, já haviam tentado fertilização in vitro em diversos hospitais. Depois de terem gasto mais de 25 mil dólares nesses procedimentos, sua esposa ainda não ficara grávida. Ali e Sarah viajaram para Chipre. Durante a viagem, resolveram pedir a um bispo cristão que orasse para que tivessem filhos. Foram a uma igreja e o bispo orou por eles para que tivessem um bebê. Pouco tempo depois, eles voltaram à sua terra natal e Sarah concebeu e teve um filho. Ali e Sarah estavam convencidos de que esta criança era um milagre de Deus. O bispo cristão tinha orado em nome de Jesus. Eles começaram a procurar informações sobre Jesus. Encontraram alguns Árabes que lhes disseram que poderiam comprar uma Bíblia e outros livros. Aos poucos, eles perceberam que desejavam seguir a Cristo. Eles foram transformados. Uma confiança na verdade da Bíblia e na história de Jesus, o Salvador, brotou em seu coração. Eles começaram a crescer em sua fé e a ler mais sobre seu novo discipulado. Um dia, um membro da família veio ao seu apartamento e encontrou livros cristãos. Ali e Sarah admitiram que os livros eram deles. O material foi levado ao pai de Ali para que ele o examinasse. Quando ele os confrontou, o pai descobriu que Ali e Sarah agora estavam seguindo a Jesus. Sua reação imediata foi dizer a Ali que ele tinha de sair do apartamento que o pai tinha lhe dado e que Ali não mais trabalharia para ele. De uma hora para outra, Ali e Sarah ficaram desempregados e sem ter onde morar. O marido de uma irmã de Sarah conseguiu um apartamento para eles e deixou que eles usassem seu caminhão para trabalhar. Eles sobrevivem de trabalhos avulsos que Ali consegue fazer. Um dia, Sarah disse a Ali: “O Senhor prometeu nos dar o pão de cada dia. Ele não disse nada sobre carne. Mesmo que tenhamos comido muita carne no passado, ficaremos felizes com o pão que Deus nos dará a cada dia.” No início de 2010, um dos irmãos de Sarah ligou para ela, para avisar que seu pai estava muito doente e precisava vê-la. Quando ela chegou com seus dois filhos, descobriu que seu pai estava muito bem. Seu irmão só queria que ela fosse até sua casa. O irmão estava com raiva por ela e Ali terem se tornado cristãos. Ele a separou de seus filhos e a trancou no banheiro. Ela ficou trancada no banheiro por vários dias. Durante este tempo, ele bateu nela diversas vezes e a ameaçou com uma faca. Quando Ali voltou do trabalho, viu que Sarah não estava em casa. Começou a procurar por ela. Ficou sabendo que estava presa com seus filhos na casa do irmão. Depois de três dias, deixaram que ele os trouxesse de volta para casa. Alguns meses se passaram. Um dia, o pai de Ali o confrontou e ameaçou machucá-lo se ele não deixasse o país. Ele fez outro filho jurar sobre o Alcorão que atiraria nas pernas de Ali se ele não fosse embora do país permanentemente. Seu pai consentiu em esperar um ano para que ele encontrasse outro país para morar. Ali percebeu que não iria adiantar ir até a polícia. Se ele fizesse isso, eles o entregariam à corte Sharia. Esta descobriria que ele não negaria sua fé e eles o declarariam um apóstata, tirariam seus direitos civis, anulariam seu casamento e levariam seus filhos, e não deixariam que ele praticasse outra religião que não fosse o Islamismo. A sentença máxima para apóstatas é a morte. No país vizinho, a Arábia Saudita, eles decapitam os apóstatas. Quando Ali deixou a casa de seu pai, começou a procurar um país para o qual pudesse fugir com sua família e onde pudesse trabalhar. Ele começou a contatar embaixadas para ver se alguém poderia ajudá-lo. Descobriu um país que permitia aos seus oficiais que entrevistassem pessoas em busca de asilo. Ali e Sarah já foram à embaixada duas vezes. Seu pedido de asilo está pendente. Enquanto isso, o tempo corre e o ano que seu pai lhe concedeu vai se aproximando do fim. Se Ali não sair de seu país, seu irmão vai atirar em suas pernas. Como diabético, a sua vida estará em risco por causa da perda de sangue. O martírio pode ser seu fim. Embora ele esteja preparado para isso, quem irá cuidar de sua esposa e filhos? Quem os protegerá de seu pai e de seus irmãos quando Ali já estiver no túmulo? Se a família o acusar de apostasia, a polícia mandará Ali para a Corte Sharia. As autoridade da corte civil não vão intervir. O julgamento da Corte Sharia será enviado para a Corte de Apelação Sharia. O resultado já é conhecido. Não haverá escape para um apóstata do Islamismo. Questões para Reflexão: O que pode ser feito quando a própria família de uma pessoa se sente no direito de espancá-la, aleijá-la, ou matá-la porque ela deixou de seguir a Maomé para seguir a Jesus? Para onde fugir quando as cortes civis o abandonam à sua sorte nas Cortes Sharia? Se você for casado, como pode proteger sua esposa e filhos da sentença inevitável das Cortes Sharia? PERSEGUIÇÃO INSTITUCIONALIZADA O propósito principal das escolas públicas é de proporcionar um local seguro e onde se é aceito, para o treinamento e o ensino de crianças que se tornarão bons cidadãos. Desde o Jardim da Infância até o último ano do colégio, a escola ensina seus alunos a se tornarem pessoas responsáveis e a respeitarem aqueles que são diferentes. Mas se você for um seguidor de Jesus proveniente de um lar cristão ou muçulmano, você terá que enfrentar desafios intelectuais, sociais e acadêmicos na escola pública. Em escolas particulares, a perseguição pode ser menor. Você pode ter que enfrentar a má vontade de professores, o bullying dos colegas e às vezes a mudança de ano escolar por examinadores. Quando as pessoas vão para casa e contam aos seus pais o que está acontecendo na escola, muitos pais simplesmente se calam. Eles têm medo de falar com a escola e ter mais problemas para si e para seus filhos. Um dia, durante o jejum do Ramadã, numa escola particular, uma criança cristã sofreu bullying de crianças muçulmanas. Eles o levaram ao banheiro da escola e cobriram sua boca com chocolate, porque o cristão não estava jejuando durante o Ramadã. O assédio foi relatado aos professores e à administração. Nada foi feito para corrigir as crianças que maltrataram o colega. As crianças percebem logo que este tipo de tratamento não é punido pela escola. Eles crescem sabendo que os bullies muçulmanos serão aceitos como parte da vida. E também descobrem que a maioria dos adultos não querem se envolver com esses alunos. É difícil manter a esperança quando se percebe que há regras diferentes para as religiões diferentes. Todas as escolas no Oriente Médio têm aulas de religião. Todas as crianças cujos papéis de identificação dizem que são muçulmanas têm que participar dos cursos de Educação Islâmica. Filhos de pais que agora seguem a Jesus, mas que eram muçulmanos quando nasceram, não podem escolher que aulas de religião seus filhos terão. Os filhos e os pais são forçados, contra a vontade própria, a estudar o Islamismo. Os alunos têm que estudar aquilo que seus pais lhes dizem em casa que é errado. PERSEGUIÇÃO SECRETA Há lugar para cristãos e muçulmanos em sistemas governamentais que seguem o princípio da lealdade aos altos ideais do grupo. Quando todos se comprometem com as mesmas coisas, a unidade pode promover o crescimento e o desenvolvimento nacionais. Mas, quando se deixa de lado estes altos ideais por causa de preconceito religioso ou partidarismo, o resultado pode afetar gerações. Um jovem pediu um emprego relacionado ao seu treinamento profissional. Ele foi entrevistado pelo empregador, que o considerou um bom candidato ao emprego. Daí, seus papéis foram enviados ao Departamento de Segurança Interna do Ministério do Interior. O ministério respondeu ao empregador em potencial, indicando que o candidato não era qualificado para o emprego por motivos de segurança. Nenhuma explicação foi dada. O jovem pediu um outro emprego semelhante. A mesma coisa aconteceu. O empregador era favorável à sua contratação. Mas, o Departemento de Segurança Interna o declarou um risco à segurança e não qualificado para o trabalho. Em ambos os casos, não houve oportunidade de perguntar porquê não houve liberação da segurança. Fica-se imaginando o porquê da rejeição por duas vezes. Seria porque o pai da pessoa é um líder de igreja influente e o governo está tentando reduzir sua influência? Seria porque a pessoa mesma já havia usado a liberdade de expressão, e o governo achava que ele tinha ido longe demais quando disse alguma coisa há anos? Seria porque ele tem um espírito independente e não se deixa influenciar facilmente pela pressão? Todas estas perguntas ficam sem resposta porque ninguém pode perguntar às autoridades. Quando o jovem se casa e tem filhos e eles chegam à idade de procurar um emprego, eles podem ir a alguns dos mesmos lugares onde seu pai tentou trabalhar e pedir emprego nesses lugares. E o empregador talvez também lhes seja favorável, mas as autoridades de segurança os rejeitarão. Se o pai desses filhos ainda não fez um pedido de imigração para outro país, logo fará, mesmo que leve vinte anos. Países muçulmanos perdem alguns de seus cidadãos mais capacitados, sejam muçulmanos ou cristãos, quando essas pessoas mais velhas percebem que seus filhos são rejeitados pelo mesmo sistema que os rejeitou quando eram jovens. Questões para Reflexão: O que mantém pessoas em uma situação em que eles sabem que provavelmente serão discriminadas geração após geração? Será seu chamado que os impede de migrar para outro lugar? LICENÇAS PARA REFORMAR PRÉDIOS Em 1980, mais ou menos, uma grande igreja em Assuit, no Egito, pediu uma licença para consertar e renovar os banheiros da igreja. O pedido foi feito para a prefeitura de Assuit. Foi passado para o Governador de Assuit. Mais tarde, o pedido de licença foi para o departamento de autorizações no Cairo. Finalmente, o pedido chegou ao gabinete do Presidente da República, Anwar Sadat. No Egito, qualquer permissão para conserto de uma igreja tem que ser aprovado pelo Presidente do país. Embora seja possível ao Presidente ver que todos os papéis estão em ordem e que é lógico dar a sua aprovação, isto raramente acontece. Hosni Mubarak se tornou o próximo Presidente do Egito. Ainda não havia permissão para o conserto dos banheiros da igreja. A igreja esperou quinze anos até receber a resposta. Um dia, um novo governador da Província de Assuit foi designado. Ele chamou o pastor e disse: “Não vamos reparar que vocês estão fazendo os consertos por várias semanas”. Sua mensagem velada era que eles deveriam consertar os banheiros o mais rápido possível. Questões para Reflexão: Qual seria o propósito de impedir consertos em prédios de igrejas? O que isso nos diz sobre o valor que a liderança muçulmana dá aos cristãos? PERSEGUIÇÃO COMBATENDO A LITERATURA Às vezes, tentativas são feitas de afastar as pessoas de uma fé religiosa através de atos de violência contra a própria religião. Uma das formas de se fazer isto é pela destruição de Bíblias, hinários e outros tipos de literatura religiosa. A queima de livros Uma das ferramentas utilizadas pelos perseguidores para prejudicar os crentes é a queima de livros. Se ninguém se machucar, o governo encara isso como um radicalismo inofensivo. Em maio de 2008, em Yehuda, Israel, cidadãos devotos judeus se reuniram para fazer uma fogueira. Ela foi acesa e o fogo foi alimentado por cópias do Novo Testamento e livros relacionados, tirados das casas na comunidade. Isso aconteceu dois dias antes do feriado que comemora o Rabi Akiva, da Revolta de 135 AD. Uma das formas de se celebrar este feriado é com fogueiras. Um dos jornais populares em Israel, Maarin, publicou um artigo curto e uma foto do evento em Or Yehuda na Edição Online de 20 de maio de 2008. O artigo ainda podia ser acessado no início de dezembro de 2010. Cidadãos da cidade e arredores se reuniram na hora determinada para acender a fogueira. Participantes, inclusive o Vice-Prefeito, alimentaram o fogo com o material impresso. Questões para Reflexão: O que fez os líderes pensarem que queimar livros sobre o Messias seria uma boa ideia? Que mensagem eles estavam querendo comunicar aos seus filhos, a outros judeus, a muçulmanos, a cristãos, à sua nação, e ao mundo? Que tipo de medo eles podem ter desencadeado para os cristãos Messiânicos? A queima de Bíblias O Alto Egito passou por uma instabilidade política nos anos 80. Depois que o Presidente Sadat foi assassinado, os que apoiavam seus assassinos atacaram o principal posto policial da cidade de Assuit. Muitos perderam suas vidas. O exército egípcio teve que mandar soldados paraquedistas para conseguir controlar a situação. Um novo tipo de radicalismo islâmico foi instaurado na região. Um dia no fim dos anos 80, um grupo de estudantes radicais e seus líderes foram de Assuit à cidade de Sohaj. Eles tinham a intenção de começar uma desordem na cidade, instigando a raiva e conflitos entre cristãos e muçulmanos. Um grupo desses estudantes veio a uma das igrejas em Sohaj num dia de semana com o objetivo de queimar Bíblias que lá estavam. Entraram na igreja, e juntaram as Bíblias e hinários numa pilha. Jogaram um líquido inflamável sobre os livros e atearam fogo. Destruíram os livros, alguns dos bancos, e deixaram as paredes e o teto pretos com a fumaça. No seu fervor, os estudantes subiram para o apartamento do pastor, no segundo andar. Felizmente, o pastor tinha trancado a porta do apartamento. Ele, sua esposa e filhos estavam lá dentro. Os atacantes gritavam dizendo que iriam matá-los. O pastor pegou o telefone e ligou para o posto da polícia. Logo, a polícia chegou. Os atacantes fugiram, e a calma retornou. Eventualmente, a polícia identificou os atacantes e mandou muitos deles para a cadeia. A igreja foi consertada. Os móveis foram consertados. Novas Bíblias e hinários foram comprados para repor os que foram queimados. A polícia recomendou à igreja que fizessem um muro mais alto em redor da igreja. Um guarda armado foi colocado à porta da igreja, vinte e quatro horas por dia. Questões para Reflexão: Qual é a mensagem que os queimadores de livros desejam comunicar? Quando os governos intervêm rapidamente em tragédias relacionadas à religião, qual é a mensagem que eles desejam comunicar? Qual é o efeito de longo prazo dos ataques às famílias por terroristas inspirados pela religião? Que tipo de aconselhamento e cuidado pastoral seria necessário para a família e para o pastor desta igreja ou de outras igrejas que experimentaram ataques semelhantes? A PERSEGUIÇÃO DO PONTO DE VISTA DO PERSEGUIDOR Ao tentarmos lidar com a perseguição, pode ser útil tentar mencionar os passos que ocorrem numa perseguição, um tipo de taxonomia da perseguição, do ponto de vista do responsável pela mesma. É duvidoso que um perseguidor tenha consciência desta taxonomia. Espero que aqueles que testemunham a perseguição me ajudem nesta discussão, me dizendo que passos lhes parecem verdadeiros e onde poderiam adicionar outros fatores. Cada seção da taxonomia é um acréscimo à anterior. Depois de apresentar e explicar a taxonomia, ela será ilustrada com uma história sobre perseguição que aparece neste capítulo. Minha esperança é que, explicando a perseguição da perspectiva do perseguidor, teremos ideias sobre quais tipos de intervenção podem ou não ser recomendáveis quando a perseguição ocorre. TAXONOMIA DA PERSEGUIÇÃO DO PONTO DE VISTA DO PERSEGUIDOR 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. A perseguição é concebida quando uma pessoa sente que seu modo de vida está sendo ameaçado por outra pessoa. A perseguição começa com uma pessoa que transforma ameaças percebidas em ameaças realizadas contra outras pessoas. A perseguição aumenta quando a pessoa que sente que seu modo de vida está sendo ameaçado consegue influenciar outros para que adotem seu ponto de vista. A perseguição se expande quando outros começam a ver as ações de perseguição como uma boa forma de apoiar sua causa. O governo interfere na perseguição com uma política ou regra que torna a perseguição legal. As pessoas se acostumam à perseguição dos outros e continuam a realizá-la porque se sentem bem com isso e eles nem se lembram bem porque começaram a perseguição. A vontade de manter a perseguição diminui. O perseguidor entra em hibernação até que um novo evento ocorra e apresente uma pessoa ou alguma coisa como ameaça. Um evento ocorre que desperta o perseguidor da hibernação, e ele redefine seus parâmetros. O perseguidor começa a falar sobre uma pessoa que o está ameaçando e o processo recomeça. Pode ser uma ajuda para aqueles que passam por perseguição saber, pelo menos um pouco, como os perseguidores agem diante dos problemas. Vamos tentar ilustrar com um dos casos mencionados antes e ver o que podemos aprender. REAÇÃO DE RAMI TAXONOMIA 1. Nosso modo de vida é ameaçado 2. O perseguidor pega a ameaça que sente e a transforma em uma ameaça à outra pessoa. 3. O perseguidor ajuda outras pessoas a enxergarem a pessoa como uma ameaça e estimula seu tratamento como alguém que está ameaçando suas vidas. 4. Temos justa causa. As pessoas como Rami não deveriam ter liberdade de agir sem enfrentar as consequências negativas. 5. O governo cria uma nova política ou lei sobre como tratar socialmente os cidadãos desviados. 6. Os perseguidores continuam a perseguir porque se sentem bem com isso. 7. O desejo de manter a perseguição diminui. Um amigo ou membro da família viu seu status de convertido como uma vergonha e desonra para a família. Um amigo ou membro da família faz algo que Rami considera uma ameaça. Vários oficiais ouvem falar de Rami e começam a agir contra ele na comunidade e na sua família Os perseguidores começam a ameaçar Rami com o que vão fazer contra ele. A Polícia Interna entrevista Rami e lhe pergunta o que está acontecendo em seus relacionamentos. Rami é levado diante da Corte Sharia para ser julgado. Rami é sentenciado pela Corte Sharia e deixa de ser uma preocupação do perseguidor. 8. O perseguidor entra em hibernação. Rami se foi. Não precisamos nos Está cansado e quer descansar. Já preocupar mais com ele. não está mais interessado em Rami. 9. O perseguidor reemerge da Ele começa a falar das questões de Rami. hibernação, redefine os parâmetros da perseguição. 10. O perseguidor volta a falar de Ele começa a se sentir incomodado por ameaças. outra pessoa... Embora esta taxonomia possa não se encaixar bem em toda situação, pelo menos ela nos dá uma ferramenta para ajudar a pensar por quê o perseguidor faz o que ele faz. Também pode ajudar a pessoa perseguida a saber o que ela pode esperar no decorrer do processo e como ela pode se preparar para isso. Pode também ajudar aqueles que estão orando pelos perseguidos a saber como orar. CONCLUSÃO A perseguição está em toda a parte no Oriente Médio. Acontece em todos os países. Onde há cristãos, eles acham um meio de persegui-los. Se não há cristãos na comunidade, eles encontram outros grupos e outras seitas religiosas a quem perseguir. O desafio para os cristãos é decidir como desejam lidar com a perseguição e ao mesmo tempo manter um testemunho verdadeiro por Cristo no Oriente Médio. Alguns cristãos serão chamados a emigrar para outros países. Outros serão chamados a permanecer no Oriente Médio. Seja no mundo Árabe ou em terras distantes, os cristãos Árabes precisam encontrar formas de ajudar a alcançar o mundo Árabe para Cristo. Uma boa forma de ajudar é de orar regularmente pelos amigos e parentes no Oriente Médio. Ore que eles sejam fieis ao seu chamado para ficar na região e servir ali. Ore que crentes no mundo Árabe ajam com amor e bondade para com outros cristãos e para com os muçulmanos, e seus colegas de trabalho. Ore para que cristãos falantes de Árabe não se cansem de fazer o bem desta forma. Deus trabalha através de nós, de forma invisível e poderosa quando realizamos sua vontade. Ore por ousadia. Ore para que, quando os crentes árabes ouvirem a voz do Senhor dirigindo para que compartilhem sua fé de formas criativas obedeçam. Ore para que tenham a disposição de falar com as autoridades, se tiverem oportunidade, com o objetivo de talvez reduzir a perseguição e pressões sobre outros que estejam sendo perseguidos. Outra forma de apoiar o testemunho cristão no Oriente Médio é visitar. Visitantes de fora são tratados com hospitalidade por muçulmanos e por cristãos. Estes encontros podem ajudar muito a fazer as pessoas se comportarem o melhor possível. As experiências que as pessoas têm juntas em sua terra natal, com visitantes de outras cidades e países, deixam uma lembrança duradoura que pode melhorar o relacionamento entre grupos religiosos por muito tempo depois do visitante já ter partido. Uma das coisas com a qual sempre podemos contar é que a perseguição continuará até a volta do nosso Senhor para nos buscar. Aprendemos a viver com ela e a ter esperança. Com a expectativa da volta de Cristo em breve, e com a confiança em sua presença aqui e agora, compartilhamos o seu evangelho com nossas familias e vizinhos. Cremos que é a mensagem do evangelho que traz à luz a verdade de Deus em toda parte. Oramos que nossas palavras e nossas vidas iluminem o caminho até o Salvador para muitas pessoas. QUESTÕES PARA REFLEXÃO 1. 2. Como a reflexão indutiva por parte dos perseguidos pode ajudá-los em suas respostas à perseguição? Como ela pode ajudar outros nos contextos de perseguição? E se os perseguidos não tiverem a oportunidade de avaliar cuidadosamente sua resposta? Em um grupo, selecione duas das sete histórias que o nosso autor relatou e promova a discução de suas “questões para reflexão” no fim da história. REFERÊNCIAS Barrett, D. B., G. T. Kurian, and T. M. Johnson. 2001. World Christian encyclopedia, 2 vols, 2nd ed. Nairobi: Oxford University Press. Sauer, C. 2008. Researching persecution and martyrdom. International Journal for Religious Freedom. Vol 1:1, (26–48). Tieszen, C. 2008. Re-examining religious persecution: Constructing a theological framework for understanding persecution.Kempton Park: AcadSA Publishing. Dr. Andrew Edward (pseudônimo) é um seguidor do Senhor Jesus Cristo, aquele que foi declarado Filho de Deus através do poder de sua ressurreição. É membro de uma igreja árabe e mora no Oriente Médio há muitos anos. Sua vida profissional se dedica à educação de crianças, jovens e adultos dessa região. A RÚSSIA CZARISTA E A UNIÃO SOVIÉTICA E PÓS-SOVIÉTICA Mark R. Elliott No início do século XX, a Rússia Czarista baniu ou restringiu toda expressão do Cristianismo que não fosse Russa Ortodoxa, a igreja de Estado privilegiada. Entre as comunidades cristãs que não mais existiam legalmente estava o Catolicismo do Rito Oriental (que cultuava segundo a liturgia Ortodoxa e tinha padres casados, sob a autoridade do Papa em Roma). Pejorativamente chamada de Igreja “Uniate” pelos russos, havia sido suprimida em quase todo o império em 1839 e também no antigo Distrito Austríaco Kholm em 1875 (Elliot 1985:212). A Rússia Czarista também negava a legalidade aos Stundistas – Evangelicais Eslavos que se diziam originários da Ucrânia, assim chamados por sua hora de oração (stunde) , palavra emprestada de seus mentores alemães Menonitas. As autoridades chamavam de Stundistas qualquer cristão que resolvessem assediar ou prender. Outros evangelicais que enfrentavam oposição tanto do Estado quanto dos Ortodoxos eram os convertidos eslavos à fé Batista (originária do Cáucaso e da Ucrânia), os seguidores do Coronel Vasilii Pashkov, convertido ao protestantismo, conhecidos como Pashkovitas, e mais tarde os cristãos evangélicos (originários de São Petersburgo), Metodistas, e Adventistas do Sétimo Dia (Sawatsky 1981:34). Em 1900, Católicos do Rito Latino, predominantemente poloneses, bielorussos e lituanos nas fronteiras ocidentais da Rússia, foram considerados legais mas estavam sendo submetidos a uma russificação forçada. No século XIX , milhares de poloneses que tinham se oposto ao regime czarista tinham sido deportados para a Sibéria, fazendo que o Catolicismo estivesse presente, mesmo sem sua intenção, ao leste dos Urais (Chaplitskii e Osipova 2000:lxi). Trabalhando paralelamente, o Estado Russo e sua igreja do Estado impuseram numerosas restrições a outra comunidade cristã, os Velhos Crentes. Também conhecida como Raskolniki (Separatistas), eles tinham rejeitado mudanças na liturgia Ortodoxa e na representação de ícones imposta pelo Patriarca Nikon no fim do século XVII. Até 1900, as execuções, aprisionamentos, e os impostos altamente discriminatórios, levando à fuga, autoimolações, e predições apocalípticas pelos Velhos Crentes, já tinham dado lugar há muito tempo a uma combinação de medidas burocráticas que ora incentivavam , ora reprimiam , mas não conseguiram intimidar essa oposição religiosa intransigente e cada vez mais forte (Beeson 1982:91; Robson 1995:14-40). A partir de 1900, Batistas alemães, colonizadores Menonitas alemães, e Luteranos, principalmente alemães em sua origem, quase chegaram a ser tolerados como igrejas não-Ortodoxas. No entanto, eles também foram submetidos a diversos impedimentos burocráticos, e os últimos foram legalmente confinados à região do Báltico e a certas cidades maiores do império. Em cada caso, igrejas não-Ortodoxas foram proibidas de aceitar convertidos dos Russos Ortodoxos. Um amálgama ideológico de xenofobia, nacionalismo e triunfalismo Ortodoxo serviu de justificativa para a grande variedade de medidas tomadas pelo Estado russo contra cristãos não-Ortodoxos – e outras religiões também. Nicolau II, o último czar da Rússia (1896-1917), e seu conselheiro reacionário, Konstantin Pobedonostsev, Oberprokurator do Santo Sínodo Russo Ortodoxo (1880-1905), personificaram a intolerância arraigada no Estado Russo e sua igreja de Estado. Ambos eram ardentemente etnocênctricos e anti-semíticos, e temiam que expresões não-Ortodoxas da fé comprometessem a viabilidade do domínio russo. As dificuldades enfrentadas pelos evangélicos durante o mandato de Pobedonostsev abrangiam a discriminação para empregos, tumulto nos cultos, impossibilidade de comprar ou arrendar terras para casas de oração, multas, espancamentos, identificação em passaporte discriminada como “Stundist”, falta de reconhecimento pelo Estado dos casamentos “stundist”, privação de direitos parentais, exílio em outros países, prisão e deportação para o Transcaucaso e para a Sibéria (Brandenburg 1974:123,125; Hefly 1979: 227; Sawatsky 1981:35-36). Em 1884, Alexander III tinha ordenado pessoalmente o exílio do Coronel Pashkov. Outro evangélico proeminente na capital, Ivan Prokhanov, conseguiu escapar da polícia russa fugindo para o exterior em 1895. Antes de 1917, o pastor Batista Feodor Kostronin passou nove anos na prisão e dezesseis no exílio, enquanto Vasili Ivanov- Klyshnikov (mais tarde secretário da União Batista) foi preso trinta e uma vezes e exilado duas (Brandenburg 1974:130). A Revolução Russa de 1905 trouxe um alívio temporário aos não-Ortodoxos por meio do Édito de Tolerância de Nicolau II (abril de 1905). Pela primeira vez na história russa, todos os cidadãos do império tiveram garantida a liberdade de consciência, inclusive o direito legal de deixar a igreja Ortodoxa e ir para outra igreja. No entanto, assim que a ameaça imediata ao trono passou, Nicolau II gradualmente renegou seu próprio Manifesto de Outubro de 1905 com suas provisões de governo representativo e liberdades civis, inclusive a liberdade religiosa. Os evangélicos sofreram assédio e discriminação crescentes, inclusive por censura, limitações no trabalho com os jovens, e a exigência de permissão policial para reuniões Protestantes (frequentemente negadas). Um clima de anti-Protestantismo criado pelo Estado, pela igreja do Estado e pela imprensa influenciada pelo Estado levou a uma repressão não oficial, ou seja, a ação de desordeiros, às vezes fomentada por padres, levando a ferimentos e mortes (Brandenburg 1974:152; Sawatsky 1981:36). Somente a ineficiência de uma burocracia inepta, num território espalhado em onze fusos horários salvou os evangélicos e outros crentes não-Ortodoxos de uma perseguição mais sistemática. A Primeira Guerra Mundial trouxe novas provações para os evangélicos, que foram corretamente acusados de inclinação pacifista, mas incorretamente acusados de simpatia para com os alemães. Autoridades do tempo da guerra colocaram os cultos evangélicos sob vigia da polícia, fecharam casas de reunião, e prenderam e deportaram pastores. O presidente da União Batista teve que se esconder na Ásia Central enquanto o líder cristão evangélico, Ivan Prokhanov enfrentou o julgamento em 1916, mas foi absolvido. Pastores russos da igreja Batista Alemã, Walter Jack e Karl Fullbrandt, foram exilados na Sibéria e na Rússia norte-europeia, e William Fetler foi deportado para o exterior (Brandenburg 1974:150, 157-58, 173). Nas vésperas dos levantes revolucionários de 1917, deve se notar também, a Igreja Russa Ortodoxa também sofreu suas próprias privações debilitantes. Desde Pedro o Grande até Nicolau II, a igreja estatal padeceu em cadeias de veludo impostas pelo Santo Sínodo que foi forçado a funcionar como um órgão do governo. Seus oberprokurators civis – até mesmo os generais militares – impediram todas as tentativas de reforma interna e renovação da igreja. As vitórias comunistas na Revolução de outubro de 1917 e a Guerra Civil Russa (191821) levaram ao poder um regime terminantemente ateu que seria responsável pela perseguição mais abrangente e mortal de cristãos – e de outras religiões – na história da humanidade até hoje. Muito superior em tamanho, intensidade e precisão às perseguições do Império Romano, a campanha anti-religiosa Soviética de 1917-1989 parece ter sido superada em consequências letais apenas por uma outra, a da China Comunista desde 1949. A Igreja Ortodoxa Russa, percebida pelo novo Estado Marxista como uma fonte majoritária de oposição, foi submetida a um assalto especialmente impiedoso durante as primeiras duas décadas do poder Soviético. As 54.147 igrejas Ortodoxas e as 25.593 capelas desde 1914 foram reduzidas a um número entre 100 e 300 até agosto de 1939 (Beglov 2008:68; Davis 2003:12-13; Ellis 1986: 4,14; Emel’ianov 204:3; Hefly 1979:270; Newton 1990:83; Pospielovsky 1988:66; Tsypin 1994:107). Até 1939, em Moscou restavam apenas 15 a 20 paróquias ativas, de mais de 600; em Leningrado restavam 5 de 401, em Tambov, 2 de 110; e na Diocese de Kiev, 2 de 1.600 (Davis 2003:12-13; Pospielovsky 1988:66; Tsypin 1994:107). De 1.025 monastérios e conventos Ortodoxos ativos em 1914, menos de vinte permaneciam até 1943. Somente quatro bispos tinham algum grau de liberdade, embora vivessem constantemente sob a ameaça iminente de serem presos ou pior (Davis 2003:11,64; Hefty 1979:27; Zugger 2001: 247) De aproximadamente 51 mil padres em 1914, não mais que 300 ou 400 ainda estavam servindo suas paróquias em 1939 (Beeson 1982:58; Davis 2003:129). De mais de 1.000 padres na região de São Petersburgo em 1917, apenas 15 tinham a liberdade para realizar missas na renomeada Região de Leningrado em 1937. Forças alemãs avançando pela Ucrânia em 1941 encontraram somente dois padres Ortodoxos que ainda restavam em duas igrejas abertas na Diocese de Kiev, de 1.435 padres em 1917 (Davis 2003:11,13). As perdas institucionais e humanas estarrecedoras da igreja Ortodoxa devem também ser necessáriamente calculadas em termos de prisões, execuções e trabalho forçado, com as taxas de mortalidade na prisão chegando até a 85 porcento (Pospiedovsky 1984:177). O patriarca Aleksei II estimou que até o fim dos anos 30, o governo Comunista Russo foi responsável pelas mortes de aproximadamente 80 mil membros do clero, monges, e freiras Ortodoxos (Davis 2003:11; Hefly 1979:270). Execuções de padres somente em 1918-19 e 1930-31 foram estimadas em mais de 15.000 e 5.000, respectivamente, sem contar as mortes na prisão e nos campos de trabalho forçado (Emel’ianov 2004:2-3). Além disso, o número de membros das igrejas Ortodoxas que pereceram por sua fé nas décadas entre as guerras deve ter chegado pelo menos às centenas de milhares (Shkarovskii 1999, 93). Antes da Primeira Guerra Mundial, a população da Rússia czarista incluia mais de cinco milhões de Católicos Romanos, com a maior concentração na Ucrânia Ocidental, na Polônia dividida, na Bielorússia, na Lituânia e na Látvia (Chaplitskii e Osipova 2000:xxii; Zugger 2001:21-22, 36, 42, 45, 264). As perdas territoriais no tempo da guerra isolaram a Rússia de porções significativas de sua fronteiras ocidentais com sua grande população Católica, de tal forma que, até 1917, o novo Estado Soviético tinha apenas um número muito reduzido de 1.4 milhões de Católicos. A hostilidade renitente do Kremlin para com o Vaticano e o medo dos quinta colunistas nas fronteiras ocidentais vulneráveis quase levaram ao completo fim institucional do Catolicismo em solo Soviético em duas décadas. A repressão Comunista reduziu o número de igrejas Católicas ativas de 980 em 1917 a duas paróquias para exibição em Moscou e Leningrado em 1939 (Beeson 1982:23; Solchanyk e Hvat 1990:53). O número de padres também caiu drasticamente de 912 em 1917 a dois em agosto de 1939. Em 1934, a Rússia Soviética não tinha nenhum bispo Católico, de 21 em 1917; nenhuma escola paroquial ou instituição social funcionando, de 300 a 500 em 1917, e nenhum Seminário funcionando, de quatro que operavam previamente (Beeson 1982:123; Hefly 1979:232). Inicialmente, os protestantes se beneficiaram da queda dos Romanovs e da fixação Bolshevik sobre o que percebiam como ameaça da Ortodoxia. A relativa negligência benigna do novo regime permitiu um crescimento evangélico dramático nos anos 20. Batistas e cristãos evangélicos, que juntos eram um pouco mais de 100 mil membros em 1905, chegaram a 250 mil até 1921, e 500 mil membros, com até um a dois milhões incluindo as crianças e seguidores até 1929 (Elliott 1981:17; Elliott 1992:192; Elliott 2003:26; Sawatsky 1981:27; Sawatsky 1992:240). A década de 30, porém, trouxe a repressão esmagadora na forma do fechamento indiscriminado de igrejas, prisões, sentenças para encarceramento e campos de trabalho forçado, e execuções. A impiedosa e indiscriminada campanha antirreligiosa daquela década levou à total eliminação da vida institucional para os Batistas, Luteranos, Menonitas, Metodistas, Pentecostais e Adventistas do Sétimo Dia. Na região de Leningrado, somente em 1937-38, trinta e quatro pastores e ativistas cristãos evangélicos e Batistas perderam suas vidas (Nikol’skaia 2009:105). Uma igreja cristã evangélica solitária em Moscou pode ter sido a única congregação Protestante ainda funcionando legalmente em 1939, de mais de 7.000 em 1928 (Elliott 2003:26; Sawatsky 1981:48; Sawatsky 1992:243). Os anos 30 também testemunharam um crescimento da propaganda antirreligiosa promovida pelo Estado, contra todo tipo de fé religiosa. O regime Soviético se empenhou extraordinariamente e investiu prodigiosas quantias neste esforço, por exemplo com sua Liga dos Militantes sem Deus, cuja membresia atingiu 5,5 milhões em 1932. Embora a campanha antirreligiosa tenha sido bem sucedida no fechamento de igrejas, não conseguiu tornar ateus os milhões de crentes. Eram tantos que os resultados a este respeito foram suprimidos do censo de 1937 (Powell 1975ª:35,134). As divisões da Europa Oriental precipitadas pelo Pacto Nazi-Soviético de agosto de 1939 incluiam a ocupação da Polônia Oriental (1939), e dos Estados Bálticos da Estônia, Látvia e Lituânia (1940) pelo Exército Vermelho. Estes ganhos territoriais introduziram na União Soviética temporariamente muitos milhões de Católicos Romanos, Ortodoxos e Protestantes, incluindo Luteranos, cristãos Evangélicos, Batistas, Petencostais, Moravianos, Metodistas, Igreja de Cristo, e Igreja Reformada. A repressão religiosa começou rapidamente nessas regiões recentemente anexadas, mas foi interrompida pela invasão da União Soviética pela Alemanha em junho de 1941. Na sua maior parte, as políticas de ocupação nazista eram tão draconianas quanto as do Kremlin, mas os alemães permitiram a reabertura de milhares de igrejas. Em 1943, Stalin realizou uma reviravolta surpreendente, fazendo concessões aos crentes que parecem ter sido motivadas pelo desejo de 1) facilitar os esforços de guerra; 2) contrabalancear o entusiasmo que acompanhou o reavivamento da igreja nos territórios ocupados pelos alemães; 3) utilizar a Igreja Ortodoxa na supressão do Catolicismo do Rito Oriental em terras anexadas no fim da guerra; e 4) empregar a igreja na expansão das políticas externas Soviéticas. Depois de convocarem o Metropolitano Sergei para uma reunião tarde da noite com Stalin, em setembro de 1943, as autoridades, sob as órdens de Stalin, apressaram a reunião de um Concílio Ortodoxo um mês mais tarde, que elegeu Sergei como patriarca. Até 1950 Stalin tinha permitido que o Patriarcado de Moscou reabrisse mais de 14 mil igrejas, dirigidas por uns 12 mil padres (Davis 2003:126,130). Além disso, a Igreja Ortodoxa Russa conseguiu reestabelecer 67 monastérios e conventos, oito seminários, e duas academias teológicas (Beeson 1982:58). Para ter um controle mais conveniente, Stalin também engenhou uma fusão dos Cristãos evangélicos e dos Batistas em outubro de 1944. O reconhecimento do Estado desta nova denominação foi tal que até 1950 já havia 5.400 igrejas e 512.000 membros, com o número de aderentes relatado como “muitas vezes maior” (Sawatsky 1981:67. Ver também Brandenburg 1974:198; Newton 1990:83). Ao mesmo tempo, o Catolicismo Romano dentro da União Soviética conseguiu um novo fôlego de vida, não por concessões do Kremlin, mas simplesmente pela absorção da Ucrânia ocidental, da Bielorrússia, da Lituânia e da Látvia, depois da Segunda Guerra Mundial, que incluiam mais Católicos do que se poderia extirpar. O Catolicismo do Rito Oriental, no entanto, foi destinado por Moscou para a aniquilação total, novamente, com a colaboração do Patriarcado de Moscou. Em 1946, nas regiões da Ucrânia ocidental tomadas da Polônia e em 1949 na Ucrânia Transcarpatiana, tomada da Checoslováquia, o Catolicismo do Rito Oriental deixou novamente de existir legalmente. Assim, a Ortodoxia Russa conseguiu milhões de aderentes compulsórios e milhares de igrejas. No processo, milhares de padres Católicos do Rito Oriental foram “convertidos” à Ortodoxia Russa, esconderam-se, ou foram presos e deportados para a Síbéria para os campos de trabalho forçado (Bociurkiw 1996:148-228; Chaplitskii e Osipova 2000:liv-lv; Elliott 1985:214-16; Solchanyk e Hvat 1990:54-56). Todos os sete bispos da igreja foram presos e despachados para campos soviéticos, sendo que somente um, o Cardeal Joseph Slipyi conseguiu sair vivo da Sibéria (Chaplitskii e Osipova 2000:lvii; Elliott 1985:214; Pelikan 1990:169). As concessões religiosas de Stalin no tempo da guerra, que não se extenderam aos Católicos do Rito Oriental, também não se aplicaram aos Estados Bálticos recém anexados. Ao invés disso, depois de sua reocupação pelo Exército Vermelho em 1944, a Estônia, a Látvia e a Lituânia passaram por uma repressão religiosa sistemática. O fechamento de igrejas, aprisionamentos, interrogatórios brutais, execuções, deportações em massa para a Ásia Central e para a Sibéria, com uma alta porcentagem de mortes no caminho: estes foram os destinos de Católicos do Báltico, Luteranos, e outras comunidades Protestantes menores também. Em 1940, uma igreja Católica Lituana forte tinha 1.180 igrejas, um pouco menos que 1.500 padres, 1.530 monges e freiras em 158 monastérios e conventos, e 4 seminários. Em 1979 só sobravam 574 igrejas funcionando; em 1969 somente 700 padres celebravam missas e em 1982 todos os monastérios e conventos já haviam sido fechados e somente um seminário com dificuldades permanecia aberto em Kaunus (Beeson 1982:120, 125-26; Bordeaux 1979:152, 166). Na Látvia depois da Segunda Guerra Mundial, o número de igrejas Católicas caiu de 500 a 179 en 1964 (Popielovsky 1988: 152; Solchanyk e Hvat 1990:59). Nikita Khrushchev, um dos principais tenentes de Stalin na supressão da resistência armada e na oposição religiosa na Ucrânia pós-guerra, acabou sucedendo seu mentor no Kremlin. Sua campanha antirreligiosa de 1959 a 1964 foi responsável pela segunda mais intensa perseguição de cristãos na era Soviética, ultrapassada apenas pela que foi ainda mais repressiva nos anos 30. Das 13.325 igrejas Ortodoxas em funcionamento em 1959, somente 7.600 continuavam abertas em 1964, uma queda de 47 porcento (Davis 2003: 126. Ver também Tsypin 1994: 160). Ações do Estado reduziram o número de padres Ortodoxos de 12.000 em 1950 a 10.237 em 1960, a 6.800 em 1966 (Davis 2003:130-31; Tsypin 1994:160, com números um pouco menores). O número de Seminários Ortodoxos caiu de 8 em 1955 a 3 em 1964 (Davis 2003:181-82; Ellis 1986:120), enquanto monastérios e conventos Ortodoxos caíram de 64 em 1957 para 18 em 1964 (Davis 2003:165). Paralelamente às perdas Ortodoxas, os Cristãos Evangélicos-Batistas tiveram uma redução das suas igrejas em funcionamento de 5.400 em 1960 a 2.000 em 1964 (Steeves 1990:84). A campanha antirreligiosa de Khrushchev envolveu não somente a utilização disseminada do aparato administrativo e da polícia no fechamento de igrejas, monastérios e Seminários, também mobilizou a mídia, escolas, universidades e até hospitais psiquiátricos na difamação dos cristãos que na maioria não podiam se defender. No entanto, o que diferenciou mais claramente a repressão de Khrushchev do assalto à igreja de Stalin foi a emergência dos movimentos de oposição de Ortodoxos e Protestantes que o Kremlin não foi capaz de eliminar. Mesmo antes da campanha de Khrushchev, o Catolicismo do Rito Oriental tinha estabelecido um precedente desde 1946, por se recusar a desaparecer. Na Ucrânia ocidental uma igreja de catacumba desafiadora competia vigorosamente com a Ortodoxia Russa imposta pelo Estado. Num desafio impressionante à polícia do Estado, os Católicos do Rito Oriental participavam em cultos clandestinos, sustentavam monges e freiras clandestinos e eram sustentados por eles, operavam Seminários secretos, e circularam protestos contra as múltiplas violações da liberdade de consciência que sofriam (Elliott 1985:216-18; Zugger 2001:443-44). O mesmo pode ser dito dos Católicos Lituanos que, apesar de terríveis ataques do Estado, organizaram uma oposição determinada contra as campanhas antirreligiosas Soviéticas, instigados pela fusão da antiga Russofobia e da fé, assim como acontecia na vizinha Polônia. Movimentos dissidentes Ortodoxos e Protestantes de porte começaram a emergir no início dos anos 60. De um lado, o Kremlin instruiu a Igreja Ortodoxa Russa e algumas outras igrejas a participarem no Concílio Mundial de Igrejas (1961-62), exigindo que esses grupos cativos proclamassem no exterior as intenções pacíficas da política externa Soviética e a “liberdade religiosa” na URSS. Por outro lado, oponentes da manipulação governamental da religião começaram a se manifestar. Entre os corajosos Ortodoxos que condenaram a passividade e as concessões do Patriarcado de Moscou (e foram presos por um ano por isso) estavam: Anatoly Levitin-Krasnov (1949, 1969, 1972), o Arcebispo Yermogen ( aposentou-se à força num monastério, 1965) , Alexander Solzhenitsyn (1974), Alexander Ogorodnikov (1978), Padre Gleb Yakunin (1979), Lev Regelson (1980), Padre Dmitri Dudko (1980), e Irina Ratushinkaya (1982). Semelhantemente, oponentes do domínio do Estado sobre a vida da igreja Protestante começaram a desafiar as autoridades eclesiásticas e civis. Em 1960, oficiais Soviéticos intimidaram líderes Cristãos Evangélicos-Batistas (CEB) para que publicassem uma Carta de Instrução às congregações locais, impedindo a participação de crianças no culto e advertindo contra “tendências missionárias prejudiciais” (Sawatsky 1981:139). A reação foi uma absoluta revolta que levou a uma divisão da denominação em agosto de 1961 (Bourdeaux 1968). Os Batistas Dissidentes, também conhecidos como Initsiativniki (o Grupo Iniciativa), enfrentaram uma perseguição ferrenha pelo Estado e a prisão de seus líderes e ativistas, incluindo (com um ano de prisão): Peter Rumachik (1961), A. F. Prokofiev (1962), Aida Skripnikova (1962), Georgi Vins (1966), Gennadi Kriuchkov (1966), e Lydia Vins (1969). Adventistas do Sétimo Dia também tiveram uma experiência semelhante de divisão, com resultados idênticos, incluindo a prisão de seus líderes, com Vladimir Shelkov (1895-1980) se tornando especialmente conhecido por seu desafio corajoso e vinte e cinco anos de prisão (Beeson 1982:96-97; Elliott 1983; Pospielovsky 1988:158; Sapiets 1990:68-134). A maioria dos Pentecostais já haviam recusado o reconhecimento legal há muito tempo sob a cúpula da União CEB reconhecida pelo Estado. Como resultado, eles também sofreram assédio frequente, detenções, prisões, e fechamento de igrejas durante a campanha antirreligiosa de Khrushchev, mas antes e depois dela também. A situação dos Pentecostais é representada pela perseguição sofrida pelos “Sete Siberianos” (Peter e Augustina Vashchenko, suas filhas Lida, Lyuba e Lila, e Maria Chmykhalova, e seu filho Timothy). Vários membros dessas pacientes famílias foram vítimas de prisões, tratamento psiquiátrico forçado e até mesmo abdução das crianças pelo Estado. Em 1978, em desespero, oito membros dessas famílias Pentecostais viajaram a Moscou, com sete conseguindo passar pelos guardas Soviéticos para entrar na Embaixada Americana. Ali permaneceram no limbo, até que emigraram , finalmente, para os EUA em 1983 (Hill 1991:25-40; Pollock 1979). Uma forma notávelmente bem sucedida de dissensão, empregada não somente pelos Sete Siberianos, mas por todas as confissões Cristãs, especialmente desde os anos 60, foi “samizdat”, um tipo de literatura “auto-publicada” de protesto, distribuída por meios clandestinos. Exemplos marcantes incluem, de Alexander Solzhenitsyn Carta ao Patriarca Pimen na Quaresma, de abril de 1972, a Crônica da Igreja Católica da Lituânia , uma série de publicações que sobreviveu por um bom tempo (1972-88), o protesto de 1975 dos Padres Gleb Yakunin e Lev Regelson diante do Concílio Mundial de Igrejas, e a produção prodigiosa do dissidente Adventista Vladimir Shelkov e o da Imprensa Batista dissidente Khristianin (de 1971 em diante), que imprimiu mais de um milhão de livros e brochuras até o fim dos anos 80 (Nikol’skaia 2009:289-91; Rowe 1994:172). A política religiosa Soviética sob Leonid Brezhnev (1964-82), Yuri Andropov (198284) e Konstantin Chemenko (1984-85) pode ser melhor descrita como uma mistura de incentivo e castigo. Esta estratégia diferenciada significava pequenas concessões simbólicas para igrejas legalmente reconhecidas, tal como a permissão do Estado para que os Ortodoxos aumentassem o número de bispos, o lançamento de um curso por correspondência do Seminário para os Batistas, e a impressão e importação de algumas Bíblias e hinários para ambos. Ao mesmo tempo, o Kremlin foi tenaz em sua repressão dos Ortodoxos, Católicos e Protestantes clandestinos. Mas o reconhecimento do Estado dava pouca proteção, porque o número de Ortodoxos registrados legalmente caiu de 7.600 em 1964 para 6.754 em 1985, e o número de sacerdotes Ortodoxos caiu de 6.800 em 1966 para aproximadamente 6.000 em 1988 (Davis 2003:126, 131-32. Ver também Sawatsky 1992:247-48). Em março de 1985, a liderança da União Soviética passou para as mãos de Mikhail Gorbachev, de 54 anos. Suas campanhas de glasnost (abertura) e perestroika (reestruturação) iniciaram uma nova era, não somente nas arenas política e econômica, mas também nas relações entre igreja e Estado. Novas liberdades para celebrar o milênio do Cristianismo na Ucrânia e na Rússia em 1988 foram acompanhadas da libertação de todos os prisioneiros de consciência (1986-89), de um fim à censura religiosa, da importação de Bíblias em grande escala, de um fim às interferências sobre as transmissões em ondas curtas de caráter religioso, e da permissão para que alguns dos cristãos perseguidos emigrassem (Elliott 1989 e 1990). Em 1989, a Igreja Católica do Rito Oriental conseguiu sua legalização. Em 1990, o Parlamento Soviético (em 1º de outubro) e o Parlamento da República Russa (em 25 de outubro) adotaram leis sobre a liberdade de consciência comparáveis em sua generosidade às existentes em todo o mundo. E em 1991, o Kremlin aboliu seu maléfico Conselho para Assuntos Religiosos (Ellis, 1996:157-63, 166). No entanto, assim como o Édito de Tolerância de Nicolau II logo foi substituído por restrições renovadas sobre os cristãos não-Ortodoxos, assim também, nos anos 90, os Ortodoxos, nacionalistas e Comunistas fizeram questão de prejudicar a livre expressão da fé de igrejas e missionários não-Ortodoxos. Já em 1992, o Patriarca Aleksei II pediu que a legislação limitasse o trabalho missionário estrangeiro na Rússia (Elliott 1997b). Finalmente, em 1997, os esforços concertados do Patriarcado de Moscou de restringir as atividades de missionários e de religiões “não tradicionais” foram recompensados com legislação que, se fosse imposta como a hierarquia Ortodoxa desejava, teria reduzido dramaticamente as liberdades religiosas adquiridas através das leis de 1990 sobre a liberdade de consciência. Mas, uma lacuna não intencional na legislação permitiu que igrejas se filiassem a “associações religiosas centralizadas” que as isentaram das provisões mais onerosas da lei. Além disso, uma decisão da Corte Constitucional Russa de 1999 colocou de lado outras provisões discriminatórias da lei. No entanto, a intenção da lei Russa e das decisões da corte nunca tiveram tanta influência quanto o preconceito e a arbitrariedade dos administradores encarregados de sua implementação. Como resultado, o clima de suspeita de religiões não Ortodoxas, encorajado pelo Patriarcado de Moscou e pela imprensa desde 1990, resultou em assédio e arbitrariedades por parte de oficiais locais e federais no seu tratamento de Católicos e Protestantes (Elliott 1997ª; Elliott 1999; Elliott 2000). No início do século XXI, os cristãos não Ortodoxos se veem novamente diante de um aumento de restrições à liberdade de consciência. A Igreja Ortodoxa, o Estado e a imprensa afirmam que a lealdade e o patriotismo de crentes não Ortodoxos são suspeitos e que eles e seus amigos missionários encobrem espiões a serviço de países estrangeiros (Uzzell 2003). Assaltos atuais à liberdade religiosa de cidadãos não Ortodoxos na Rússia – com ecos familiares do passado – incluem dificuldades frequentes para comprar, renovar, e alugar propriedades para culto, negação crescente de residência para missionários, discriminação no emprego, e aumento da exclusão de Católicos e Protestantes da praça pública, capelania militar e do ministério em orfanatos, escolas, e lares para idosos (Elliott 2005). Depois da divisão da União Soviética em 1991, todas as quinze repúblicas anteriormente Soviéticas adotaram constituições e legislação garantindo a liberdade de consciência. Porém, embora alguns Estados sucessores tenham, em grande parte, honrado as liberdades civis de seus cidadãos (Estônia, Látvia, Lituânia e Ucrânia), muitos outros não o fizeram. Os violadores mais flagrantes da liberdade de consciência são o Turcomenistão, Uzbequistão, Tadjiquistão e a Bielorrússia, com a perseguição de religiões indesejáveis comparáveis em muitos aspectos a alguns dos piores dias da repressão Soviética. A Rússia, o Cazaquistão, o Quirguistão e a Moldávia ocupam uma posição média: na maior parte não tão opressiva às religiões desfavorecidas quanto era comum na União Soviética, mas, na prática, muito longe de seus compromissos domésticos e internacionais de proteger a liberdade religiosa de seus cidadãos (Forum 18; Lukin 2011; Marshall 2008). A perseguição de cristãos na experiência Russa, Soviética e Pós-Soviética foi tão vasta, apesar de alívios temporários, e tão persistente que a solidariedade pode ficar entorpecida diante de estatísticas tão estarrecedoras. Indivíduos cristãos que enfrentaram a opressão com coragem ou que morreram apegados à sua esperança em Cristo podem nos comover mais do que os milhões que foram martirizados, muito além da nossa capacidade de compreensão. Em 1967, o jornal antirreligioso, Nauka i religiia (Ciência e Religião) reclamou do caso de uma aluna do segundo ano procedente de um lar cristão. Sua professora tinha explicado em sala de aula que os cosmonautas russos tinham viajado 300 kilômetros no espaço e não tinham visto sinal de Deus. Esta educadora olhou para sua aluna crente, e perguntou se esta evidência do cosmos a convencia de que não havia Deus. Diante da intimidação, de pé, ao lado de sua carteira, com os colegas assistindo, esta criança de oito anos teve a presença de espírito dada por Deus para responder: “Não sei se 300 kilômetros é muito, mas sei muito bem que apenas aqueles que são puros de coração veem a Deus” (Powell, 1975b:155; Mateus 5,8). Será que ainda precisamos perguntar como os pequeninos nos guiam? Lydia Mikhailovna Vins suportou mais de três anos de prisão (1970-73) por seu papel na fundação e administração do Conselho de Parentes de Prisioneiros, um empreendimento notável que informava o Ocidente de todo tipo de violação pelos Soviéticos dos direitos religiosos dos Batistas dissidentes. O sofrimento que ela teve de suportar por sua fé é difícil de absorver: seu marido, Peter, um pastor Batista, foi preso três vezes (1930, 1936 e 1937) e morreu num campo de trabalhos forçados na Sibéria em 1943; seu filho, Georgi, um dos principais pastores Batistas dissidentes, serviu duas penas de prisão por sua fé (1966-69 e 1974-79); sua nora, Nadezhda, formada na universidade de filologia, só conseguiu um emprego como vendedora de sorvetes; e seus netos, por causa de sua fé, sofreram assédio na escola e o desemprego depois. Apesar de suas “três gerações de sofrimento” Lydia Vins escreveu para seu filho na prisão (4 de outubro de 1967): “Acredite no homem. Creia que existe em todos um lugar, debaixo de seus sentimentos maléficos, onde a verdadeira face de sua origem divina pode ser vista. As pessoas acham isso pouco prático e muitas vezes... mas é muito bom não guardar rancor mesmo diante dos sofrimentos da vida” (Vins 1975:9091. Ver também Vins 1976:89-97). Em 1974, a KGB prendeu Nijole Sadunaire por fazer cópias com papel carbono do Crônica da Igreja Católica da Lituânia. Interrogada, torturada e condenada, num julgamento fechado, a três anos em um campo de trabalho forçado de regime rigoroso, seguidos de três anos de exílio na Sibéria, ela nunca entregou o nome de seus colegas dissidentes Católicos. Sua autobiografia espiritual, contrabandeada para o Ocidente e publicada sabiamente sob o título de Radiance in the Gulag (Uma luz no Gulag) , é um profundo testemunho de sua fé indomável. Ferida em sua carne, mas destemida em seu espírito, ela deixava seus captores atônitos diante de sua paciência e amor: “Este é o dia mais feliz da minha vida. Estou sendo julgada pela verdade e por amor aos meus concidadãos... Minha sentença será meu triunfo! ... Como alguém poderia não se regozijar quando o Deus Todo Poderoso garantiu que a luz vence as trevas e que a verdade triunfará sobre o erro e a falsidade!” Depois do julgamento de Nijole, seus jovens guardas Russos, que não compreendiam o Lituano, lhe disseram: “Por dois anos temos escoltado pessoas para o julgamento, e nunca vimos nada igual. Você era o procurador, e todos eles eram como criminosos condenados à morte! O que foi que você disse durante o julgamento que os amedrontou tanto?” (Sadunaite 1987:57-58). No dia 16 de fevereiro de 1960, numa conferência internacional de desarmamento promovida pelo Kremlin, o Patriarca Ortodoxo Russo Aleksei I proferiu um discurso que provavelmente foi escrito para ele pelo Metropolitano Nikolai. Nele, o Patriarca, nos primeiros ímpetos da terrível campanha antirreligiosa de Khrushchev, declarou ousadamente que “as portas do inferno não prevalecerão contra a igreja de Cristo” (Fletcher 1968:188; Mateus 16,18). Ao invés de descontar sua ira sobre Aleksei, que era muito visível, o regime Soviético exerceu sua retaliação sobre Nikolai, o primeiro tenente do patriarca. O Metropolitano não foi mais visto em público depois de fevereiro de 1960. Nikolai “se demitiu” de seu posto como presidente do Departamento de Relações Externas Russo Ortodoxo no dia 21 de junho de 1960. A seguir, a igreja aceitou seu “pedido” de demissão de seus compromissos como metropolitano no dia 15 de setembro de 1960. Sua morte no dia 13 de dezembro de 1961, se deu após uma hospitalização em isolamento tão restrito que nem mesmo sua irmã, uma freira Ortodoxa, teve permissão de vê-lo. Desde então, há suspeitas de uma morte por causas não naturais (Fletcher 1968: 199-201). Stalin e sua Liga dos Militantes sem Deus já se foram. Khrushchev, que falhou em sua promessa de apresentar o último cristão diante das câmeras de TV, e sua Sociedade Znanie (Conhecimento) também já se foram. A Igreja (Ortodoxa Russa, privilegiada em detrimento próprio, Protestante e Católica, restritas sem utilidade), no entanto, permanece. De fato, as portas do inferno não prevaleceram. QUESTÕES PARA REFLEXÃO 1. Contraste o tratamento do governo Russo da Ortodoxia Russa antes de 1917 e no período entre guerras, de 1917 a 1939. 2. Compare e contraste as campanhas antirreligiosas dos anos 30 e entre 1959 e 1964. 3. Quais semelhanças pode haver entre atividades dissidentes de Ortodoxos, 4. 5. 6. 7. Católicos e Protestantes dos anos 60 aos anos 80? Como as igrejas eram manipuladas às vezes umas contra as outras? Que vantagens e desvantagens têm os cristãos Ortodoxos, Católicos e Protestantes no período pós-Soviético? O que havia de original e o que havia de comum nas experiências sofridas por Lydia Vins, Nijole Sadunaire e Metropolitan Nikolai? Que lições sobre a perseverança e a resistência, os cristãos nos cinco países comunistas restantes poderiam aprender das experiências de cristãos na Rússia/União Soviética? Elliott se refere a ondas de repressão de cristãos durante a era Soviética (19171989) como as mais mortais em toda a história até então. Qual é o significado da perseguição bem documentada de cristãos na Rússia tanto muito antes do Comunismo quanto depois de seu fim? Por que, apesar de promessas de maior liberdade depois da queda da União Soviética, a experiência de muitos cristãos não Ortodoxos apresenta “ecos familiares do passado”? REFERÊNCIAS Beeson, T. 1982. 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É o editor fundador do East-West Church and Ministry Report (Relatório de Ministério e da Igreja Oriental-Ocidental) (www.eastwestreport.org). Professor aposentado de história, o Dr. Elliott serviu anteriormente como Diretor do Instituto de Estudos Cristãos Oriental-Ocidental da Faculdade Wheaton, e como Diretor do Centro Global Universidade de Samford. OS MÁRTIRES DE RUANDA Uma nova definição de perseguição e martírio Célestin Musekura A dificuldade de compreender a perseguição e o martírio em Ruanda foi mencionada para mim por meu amigo Antoine Rutaysire por causa da ligação desses assuntos aos tumultos políticos e tribais que acontecem no país. Além disso, a definição tradicional de perseguição e martírio cristãos tem sido questionada pelas alterações na intensi-dade, forma, métodos, intenções, algozes, etc. Algumas perseguições têm sido equi-paradas ou confundidas com violação de direitos humanos sem levar em consideração o impacto e a influência da religião no contexto. Houve certo grau de perseguição em Ruanda durante as épocas agitadas como nos dias de revolução (1959-1963), ou quando as guerras tribais entre os tutsis — rebeldes dominados conhecidos como Frente Patriótica Ruandesa (RPF) — e os hutus, exército dominado (outubro de 1990 a março de 1994), os dias de genocídio contra os Tutsi e os Hutus moderados (7 de abril a julho de 1994), e o período de massacres de milhares de Hutus e congoleses que viviam em Ruanda, em campos de refugiados e em regiões remotas do leste de Congo (abril de 1994 e 2008). A perseguição e o martírio acontecem por causa do que os líderes dizem (seja certo ou errado) ou deixam de dizer. A interpretação do que eles disseram ou do que eles quiseram dizer. Para os propósitos deste artigo, vou me referir a esses três tipos de mártires de Ruanda: os pastores e líderes de igreja que foram perseguidos e mortos por causa de seu testemunho de fé; aqueles que foram martirizados porque reafirmaram a verdade e, portanto, desafiaram seus algozes; e aqueles que morreram porque se sentiram na obrigação de proteger seus irmãos e foram mortos junto com eles. Deixamos claro que os bispos, sacerdotes, pastores e líderes de igreja que estão presos justa e corretamente por causa de sua participação no genocídio e em assassinatos antes, durante, e depois do genocídio de Ruanda não são considerados mártires ou vítimas de perseguição religiosa. Antes de nos concentrarmos na primeira categoria de mártires de Ruanda, é importante esclarecermos que o martírio, na definição tradicional, é considerado relacionado às forças externas à igreja que buscam destrui-la. Infelizmente, no caso de Ruanda, os que perseguiram e continuam perseguindo a igreja e aqueles que mataram os bispos, sacerdotes e líderes leigos tutsi e hutus eram, em muitos casos, membros de igrejas católicas protestantes. A perseguição em Ruanda é uma perseguição, assassinato e martírio por motivos políticos, cujos objetivos não eram necessariamente exterminar o cristianismo, mas silenciar a voz da igreja ou eliminar testemunhas idôneas de assassinatos, genocídio e massacres, impetrados por diversos grupos de guerrilha, tribos e grupos políticos. O que aconteceu aos líderes de igreja, bispos, padres, pastores e líderes leigos ruandenses redefine o significado e os pressupostos relacionados à perseguição e martírio. Mártires com testemunhos fiéis Nos anos que se seguiram à independência de Ruanda dos belgas e especialmente durante o tempo em que os poderes políticos em Ruanda eram controlados por homens fortes da região norte, qualquer bispo, líder de igreja ou membro do clero que ousasse falar contra as políticas do regime hutu era intimidado, perseguido e, em alguns casos, desaparecia misteriosamente ou era encontrado morto. Toda vez que visito o memorial do genocídio na Igreja Nyamata, vou ao túmulo da Irmã Tonia Locatelli, uma freira italiana que foi assassinada pelo regime hutu em 1992, quando tentou alertar a comunidade internacional sobre o perigo iminente de exterminação de tutsis em Bugesera na província leste de Ruanda. Irmã Locatelli é um bom exemplo de testemunha fiel e serva de Deus e do povo. Outros líderes de igreja foram perseguidos, assassinados e torturados só por pertencerem ao “grupo ou tribo errado(a)”, sem necessariamente fazerem ou deixarem de fazer, sem dizer ou deixar de dizer algo errado. O compilador do “Today’s [unofficial] Martyrs of the Roman Catholic Church”1 faz um comentário interessante sobre esses mártires de Ruanda que foram mortos por “guerrilheiros, algozes não-identificados, guerrilheiros hutus, militantes, etc.”. Porque os líderes políticos de Ruanda se consideravam cristãos e se identificavam como cristãos, eles não querem ser vistos como perseguidores e torturadores e assassinos de líderes religiosos. Eles preferem usar meios para intimidar, silenciar, aniquilar, e fazer desaparecer bispos, padres, pastores, e líderes leigos — não por causa do que estes fizeram, mas simplesmente porque pertencem à tribo indesejada. Eles são tratados como o resto da sua tribo. Se o governo hutu está matando os tutsis, então os bispos, os padres, os pastores e líderes leigos dos tutsis têm de ser mortos. Os líderes mortos por motivos étnicos não são mártires no sentido estrito da palavra. No entanto, entre esses líderes, há aqueles que foram mortos porque abominaram e denunciaram publicamente, — em seus sermões, homilias e pregações — os atos de injustiça perpetrados pelos líderes políticos contra ruandenses inocentes. Eles foram violentados, intimidados, aprisionados e mortos porque desempenhavam fielmente seus papéis. Porque se recusaram a ser persuadidos a ficar do lado de suas tribos, ou de qualquer tribo, perderam suas vidas — alguns misteriosamente e outros abertamente. Esses são os que chamamos de mártires de Ruanda. Padre Marcel era um sacerdote hutu na Igreja Católica Romana de Mubuga na Província Oeste de Ruanda que foi morto por um soldado hutu por causa de sua convicção como sacerdote. No relatório “Rwanda: Cases for Appeals”, a Anistia Internacional relata uma conversa entre a vítima e o soldado, conforme narrada por uma testemunha ocular: — Você, o padre, saia! Os outros vão morrer. — Mas essas pessoas são cristãs! Como você, como eu... — É uma ordem do governo. — Você não vai fazer jorrar sangue de católicos, não em uma igreja! (Anistia Internacional, 2004, p. 10). O diálogo termina quando padre Marcel, que tinha se ajoelhado implorando pelas vidas dos tutsis, é morto esfaqueado. No dia seguinte, estima-se que cerca de 4 mil tutsis foram massacrados por um grupo de cerca de 500 guerrilheiros com armas de fogo, granadas, e facões. Um líder cristão foi assassinado porque ele não quis fazer o que era contra sua crença. Ele preferiu morrer a entregar suas “ovelhas” ao matadouro. Em vez disso, o sangue do pastor e o das ovelhas se tornaram um no altar. Padre Marcel é mártir por causa de seu testemunho fiel. No mundo de hoje e especialmente na África sub-saariana, perseguição e martírio continuarão a resultar não na recusa de repudiar ou negar sua fé ou crença, porém mais ainda na recusa de agir contra suas convicções cristãs. Padre Marcel se tornou mártir de suas convicções enquanto muitos sacerdotes deixaram que seu povo fosse morto ou até se envolveram nas mortes. MARTÍRIO E ASSASSINATO POLÍTICO A morte dos líderes de igreja, bispos, pastores, sacerdotes, freiras e líderes leigos ruandenses tanto pelos governos e exércitos dominados pelos tutsis quanto pelos hutus antes, durante e depois do genocídio levou os estudiosos de perseguição religiosa e de direitos humanos a refletirem sobre a possibilidade de categorizar essas execuções como perseguições ou apenas como assassinato político. Um olhar mais cuidadoso para o número de bispos, padres, pastores e freiras tutsis que foram mortos antes do genocídio, em suas casas, paróquias, conventos, igrejas, carros, etc., revelará que os líderes religiosos foram alvos deliberados, já que durante a pior violência tribal anterior, de 1959 e 1963, os bispos, pastores, padres e freiras não foram mortos. E os assassinos nunca perseguiram suas vítimas dentro das igrejas. Ao investigar os assassinatos de tantos sacerdotes, pastores, freiras e outros líderes religiosos tutsis, pelo governo hutus e guerrilheiros, os ativistas de direitos humanos e pesquisadores Rakiya Omaar e Alex de Waal afirmam que nos anos que precedem o genocídio, “havia uma quantidade desproporcional de sacerdotes tutsis e muitas crianças tutsis, a quem foi negada a educação do Estado sob o sistema de cotas, ingressaram nos seminários. Como os sacerdotes têm uma certa influência, podiam dizer na igreja o que os tutsis não poderiam dizer em qualquer outro lugar. A igreja permaneceu como o único lugar que se mantinha aberto para que os tutsis pudessem falar livremente. Logo foi crescendo a percepção de que os sacerdotes tinham um status social privilegiado. Desde 1990, vários sacerdotes usavam o púlpito para denunciar muitas injustiças. Mas alguns pagaram um alto preço por isso” (Omaar e de Waal, 1994, p. 14). Omaar e de Waal continuaram a listar sacerdotes, freiras e membros do clero específicos que foram mortos nos arredores de Kigali e nas Prefeituras (Províncias) de Gisenyi, Butare e Kibungo. A igreja católica em Ruanda qualificou os assassinatos de membros do seu clero e de líderes leigos como perseguição e martírio. Os autores de “Rwanda: The Persecuted Church; The Forsaken Nation” afirmam que “A igreja católica em Ruanda tem milhões de razões para se alarmar com a perseguição, os assassinatos, e as chacinas do seu clero em Ruanda. A quantidade de sacerdotes e freiras que estão sendo assassinados pelos líderes ruandenses não têm precedentes” (AfroAmerica Network, 1999). Os autores listaram os bispos católicos (Ruandenses e estrangeiros) que foram mortos em Ruanda entre 1994 e 1998): Sua Eminência Vincent Nsengiyumva, Arcebispo de Kigali, morto pelo Exército Patriótico de Ruanda (RPA, na sigla em inglês), em Gakurazo em 5 de junho de 1994. Sua Eminência Joseph Ruzindana, Bispo de Byumba, morto pelo RPA, em Gakurazo em 5 de junho de 1994. Sua Eminência Innocent Gasabwoya, vigário-geral de Kabgayi, morto pelo RPA, em Gakurazo em 5 de junho de 1994. Sua Eminência Thaddee Nsengiyumva, Bispo de Kabgayi, morto pelo RPA em 5 de junho de 1994. Sua Eminência Phocas Nikwigize, Bispo de Ruhengeri, morto pelo RPA em 30 de novembro de 1996, em Goma, República Democrática do Congo. Sua Eminência Jean Marie Rwabirinda, vigário-geral de Kabgayi, morto pelo RPA, em Gakurazo em 5 de junho de 1994. Sua Eminência Andre Sibomana, Bispo em exercício de Kabgayi, misteriosamente assassinado (aparentemente, pelo serviço secreto do RPA) em Kabgayi em 9 de março de 1998. Capelão Antoine Hategekimana, morto em Bukavu em novembro de 1996, pelo Exército Patriótico de Ruanda (RPA), juntamente com Sua Eminência Christopher Muzihirwa-MweneNgabo, Arcebispo de Bukavu, República Democrática do Congo. Capelão Fidel Gahonzire, Capelão do Hospital de Kabayi, morto pelo RPA em Gakurazo em 5 de junho de 1994. Padre Guy Pinard, canadense, morto pelo RPA em fevereiro de 1997, enquanto celebrava uma missa. Sua Eminência Boniface Kagabo, Bispo em exercício de Ruhengeri, morto pelo RPA em 26 de maio de 1998. Padre Vjeco Curic, um frade da Croácia, foi morto misteriosamente por seu carona (aparentemente do serviço secreto do RPA) em frente à igreja da Sagrada Família de Kigali em 31 de janeiro de 1998. A partir dessa lista de bispos e estrangeiros mortos, os repórteres prosseguiram com outra extensa lista que fornece a distribuição dos sacerdotes e freiras assassinados, por diocese. Além dessas listas que apresentam principalmente os mártires católicos, há muitos bispos, sacerdotes, pastores, evangelistas e líderes leigos protestantes que foram perseguidos, torturados, intimidados, exilados e assassinados por causa de suas posições e influência. Espera-se que o Concílio Protestante de Ruanda ou a Aliança de Evangélicos de Ruanda coletem a lista e os nomes das vítimas de assassinato político, perseguição e martírio em Ruanda antes, durante e depois do genocídio de 1994. No entanto, a maioria dos cristãos de Ruanda dirão que em muitos casos, essas mortes e torturas não foram apenas de ordem política mas também de natureza religiosa. Os assassinatos não eram direcionados a cristãos ou quaisquer grupos religiosos do país, mas antes a membros do clero e líderes cristãos por causa de suas posições em relação a questões políticas e morais que os líderes políticos estavam enfrentando. Se esses líderes contrariavam (de forma certa ou errada) a agenda dos poderes políticos e do partido majoritário, em seguida vinham perseguições e assassinatos. Outros líderes religiosos foram escolhidos para serem intimidados, torturados, assassinados e martirizados porque pertenciam a certa tribo e, portanto, “mereciam” o mesmo tratamento dispensado aos seus companheiros de tribo ou precisavam ser silenciados porque poderiam falar em favor das pessoas ou testemunhar contra as atrocidades perpetradas contra os membros das comunidades e congregações. O objetivo desse tipo de perseguição era intimidar, silenciar, incutir a ideologia política, esconder a verdade, apagar evidências, vingar-se, perseguir e matar. Uma nação desprovida de consciência nacional, de vozes proféticas, de zeladores dos valores morais e da justiça social, e desprovida de vozes contra a crueldade, as violações de direitos humanos, a limpeza étnica, massacres e genocídios, permite que o governo e os políticos façam o que bem entenderem. A perseguição e martírio de cristãos ruandenses visava livrar a sociedade desses olhos, voz e alma. MÁRTIRES DA VINGANÇA E DA RETALIAÇÃO Há aqueles que argumentam que o assassinato de muitos bispos, pastores, freiras e sacerdotes católicos e protestantes foram motivados em grande parte por vingança. As tropas e os guerreiros da RPF não esperavam encontrar nas igrejas os corpos sem vida de seus parentes Tutsi que queriam salvar. Mesmo os membros do clero que esconderam as pessoas em suas igrejas não esperavam que a milícia e os guerreiros violassem a igreja. Historicamente e na violência hutu-tutsi de 1959 e 1963, aqueles que se refugiaram nas igrejas foram salvos em muitos casos. O que foi mais desumano e mais repugnante no genocídio de 1994 é que as milícias não só entraram nos santuários para matar tutsis mas também alguns membros do clero convidaram os assassinos a entrarem na igreja para matar aqueles que eles tinham enganado ou escondido dentro do templo. Infelizmente para a Igreja Católica, a maioria dessas igrejas eram católicas, já que estas eram mais firmes, bem protegidas, e de alguma forma, historicamente mais respeitadas pelos líderes políticos da época, já que a maioria dos líderes hutus frequentavam a Igreja Católica. [A ninguém torneis mal por mal; procurai as coisas honestas, perante todos os homens. Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens. Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor. (Ro 12.17-19)] O número de bispos, sacerdotes, freiras e líderes leigos católicos que foram mortos pelo grupo RPF, dominado pelos tutsis, é maior em proporção, velocidade e extensão do que o número de bispos protestantes perseguidos, torturados, aprisionados e mortos. Os lugares onde a maioria desses bispos, sacerdotes e freiras foram assassinados levam a pensar se isso era retaliação ou destruição intencional do poder e da influência da Igreja Católica que dominava e influenciava a política em Ruanda e também desempenhara um papel na revolução de 1959 que trouxe os hutus ao poder e enviou muitos tutsis para o exílio. Jerome Karabayinga e Clarisse Mwambali do World News Journal relataram sobre um sacerdote em Kabgayi, Ruanda, que, durante a celebração de Pentecostes de 24 de maio de 1999 “descreveu como a liderança da Igreja Católica, antes indubitável dominante da vida espiritual ruandense, tem sido vagarosa, mas consistentemente dizimada” (Karabayinga e Mwambali, 2008). O padre continuou seu sermão dizendo: “Antes de concluirmos, lembremos que neste exato momento Sua Eminência Augustin Misago, Bispo de Gikongoro está preso em condições penosas pelos nossos líderes; que Sua Eminência Thaddee Ntahinyurwa, Bispo de Cyangugu e muitos, muitos outros religiosos e leigos estão sendo perseguidos pelos nossos líderes políticos” (Karabayinga e Mwambali, 2008). O martírio por vingança é o mais provável no caso da morte dos treze membros do clero hutu, incluindo o arcebispo católico romano de Kigali e dois bispos, por quatro soldados rebeldes que deveriam protegê-los. A rádio rebelde Ruandense Muhabura relatou que “os guardas acreditavam que os membros do clero tinham participado dos massacres aos seus parentes” (AP, 1994). Esse incidente foi um dos primeiros de uma série de assassinatos e execuções de membros do clero e nos leva a perguntar se a vingança estava limitada a esses soldados de baixo escalão entre o grupo de rebeldes dominado pelos tutsis ou se havia uma ordem superior para matar intencionalmente os bispos e sacerdotes. Será que o fato de encontrar os corpos nas igrejas motivou ou encorajou os assassinatos daqueles que não foram capazes de protegê-los ou daqueles que foram vistos como traidores e agentes da matança hutu? Essas são perguntas que podem não ser respondidas nesta vida. As razões mais apontadas para o descrédito e algumas vezes a demonização da igreja ruandense e especialmente da Igreja Católica Romana são os relacionamentos próximos que os mais antigos membros do clero tinham com o antigo governo acusado de planejar e executar o genocídio. Sabe-se que antes do genocídio, alguns bispos e líderes denominacionais estavam muito próximos do regime hutu. O Arcebispo Católico de Kigali, Dr. Vicent Nsengiyumva, serviu no comitê de membros sêniores do partido dominante MNND até 1990. Mais tarde ele foi confessor oficial da esposa do presidente, Agatha Habyarimana, que é acusada de ser uma das mandantes do genocídio. Aqueles que veem a execução de membros do clero ruandense como assassinato político, não como perseguição e martírio, usam essa ligação entre a igreja e o Estado na argumentação. No entanto, o número estimado de “cerca de 320 sacerdotes, freiras e seminaristas mortos no genocídio” (Walsh, 2004) não apoia essa linha de pensamento porque muitos deles eram clero de baixo escalão, que provavelmente não tinha contato direto com os líderes políticos. Provavelmente alguns desses sacerdotes e freiras não tinham influência sobre quem seus líderes iriam servir nos comitês e comissões do governo. A vingança deveria se limitar aos líderes superiores da igreja, não a sacerdotes e freiras de vilas e paróquias. O paradoxo dos relacionamentos próximos entre o governo e a igreja de Ruanda continua a desafiar as mentes dos historiadores da igreja até hoje, dezesseis anos depois do genocídio. Uma observação cuidadosa do relacionamento atual entre o governo de Ruanda, o partido da situação, e os bispos da igreja Anglicana, mostra algumas relações semelhantes ou até mais profundas do que aquelas que existiam entre o governo hutu e a Igreja Católica Romana durante os anos que precederam ao genocídio. Phillip Cantrell observa que “os líderes da Igreja Anglicana de Ruanda conseguiram muito apoio da maioria da comunidade evangélica dos Estados Unidos, mesmo enquanto faziam parte da campanha da Frente Patriótica Ruandesa (RPF) para confirmar sua legitimidade, ofuscando a história complexa e peculiar de Ruanda e a sua própria. Além disso, o relacionamento das igrejas com o regime de Kagame tem paralelos perturbadores com o relacionamento da Igreja Católica e da Protestante com o governo pré-genocídio” (Cantrell, 2007, pp. 334-335. Em um país onde os políticos não são abertamente anti-cristãos, pelo contrário, se declaram cristãos, a tentação dos líderes de igrejas mais proeminentes de chegarem perto demais do regime governante é uma realidade. No entanto, os líderes políticos sabem da influência que os bispos e os líderes de igrejas têm e portanto procuram o apoio deles atraindo-os para si por meio de favores, presentes, cargos e ganhos materiais. Esperamos que a chacina de bispos católicos e o apoio aos bispos Anglicanos não sejam considerados ou interpretados como uma manobra ou tática para substituir uma igreja poderosa e influente e sua liderança por outra. Será que outro período de perseguição, martírio e assassinato de membros do clero acontecerá novamente, quando um novo “faraó, que não conhece José” ascender ao poder em Ruanda? Será que a atual igreja de Ruanda evita a perseguição e o martírio se conformando às vontades políticas e acatando indiscriminadamente as políticas do regime ou do partido dominante? Ou será que a igreja de Ruanda, seja Católica ou Protestante (incluindo a Anglicana) continuará a ser a voz, os olhos, e a alma da nação através do exercício do seu papel profético e sacerdotal ao mesmo tempo em que se submete às autoridades governamentais e as honra quando se mostram corretas (Rm 13.17; 1Pe 2.17). CONCLUSÃO O contexto, a natureza, o formato, o nível, a intensidade e a extensão da perseguição e o martírio em Ruanda desafiam as definições tradicionais de perseguição e martírio. Em nenhum outro momento da história da igreja tantos bispos, sacerdotes, pastores, freiras e líderes leigos foram mortos intencionalmente e, em muitos casos, torturados, perseguidos e assassinados por membros de suas congregações que se declaravam cristãos. A matança de bispos, pastores, padres e freiras era considerada normal como a matança de civis hutus inocentes por tutsis vingativos, compelidos por seu próprio luto pela perda dos seus entes queridos nas mãos de hutus assassinos? Ou as mortes dos membros do clero hutu eram uma perseguição contra a igreja que foi vista como aliada do governo hutu que cometeu o genocídio? Será que a perseguição ou o martírio de bispos e padres era uma forma de se livrar de possíveis vozes opositoras de bispos hutus a fim de estabelecer uma nova liderança da igreja com bispos tutsis aliados do regime tutsi assim como os bispos hutus eram aliados do regime hutu? Timothy Longman observou que na Ruanda pós-genocídio “o governo do RPF tem sido cuidadoso em evitar que uma sociedade civil independente ressurja. O governo tem interferido até mesmo na nomeação dos líderes da igreja” (Longman, 1999, p. 354). Será que alguns desses bispos foram mortos por causa de suas convicções e porque convocaram o regime a explicar as ameaças às pessoas? Alguns desses bispos e sacerdotes morreram por causa de suas pregações ou por causa do que diziam ou deixavam de dizer? Perseguição e martírio na África estão tomando uma nova forma e uma nova definição. Assassinato político, mortes misteriosas, desaparecimento, intimidações, exílio forçado, falsas acusações, incriminação, desumanidade e demonização — tudo isso tem sido usado para perseguir os líderes da igreja africana. E os perseguidores são de dentro da igreja — um irmão ou irmã em Cristo! PERGUNTAS PARA REFLEXÃO 1. Como Musekura define os mártires no contexto do genocídio de Ruanda? Que papel tiveram sua fé e testemunho cristão (inclusive o comportamento ético) para que fossem perseguidos? 2. O martírio em Ruanda aconteceu em uma sociedade dita cristã. Musekura diz que os algozes não estavam tentando levar as pessoas a negarem a fé. Por que então esses líderes cristãos foram perseguidos e mortos e em que sentido podem ser definidos como mártires? 3. Musekura escreve que desde 1994 vários membros do clero Católico Romano foram mortos pela RPF. Como podemos ajudar a evitar que as vítimas de ontem se tornem os algozes de hoje? Qual papel ativo e positivo a comunidade cristã internacional pode ter, em serviço à comunidade cristã local neste contexto? REFERÊNCIAS Anistia Internacional. 1994. Rwanda: Cases for Appeals. Novembro 1:10. Associated Press. 1994. Thirteen Rwandan clergymen slain by rebels. Los Angeles Times: June 9. http://articles.latimes.com/1994-06-09/news/mn2199_1_rebel-radio. Cantrell, P. A. 2007. The Anglican Church of Rwanda: Domestic agendas and international linkages. Journal of Modern African Studies 45, pp. 334-335. Karabayinga, J., e C. Mwambali. 2008. A list of clergymembers killed in Rwanda 1994-1998. World News Journal. 13 de junho. http://africannewsalaysis.blogspot.com/2008/06/list-of-clergymembers-killed-inrwanda. Longman, T. 1999. State, civil society, and genocide in Rwanda. In: State, conflict and democracy in Africa, ed. R. A. Joseph. Boulder, CO: Lynne Rienner. Omaar, R., e A. de Waal. 1994. Rwanda: Who is killing; who is dying; what is to be done — A discussion paper. African Rights. 14 de maio. Walsh, D. 2004. The long road to redemption: How did Catholics priests in Rwanda end up in prison on murder charges? An Irish missionary priest talks to Declan Walsh Dr. Célestin Musekura é presidente e fundador do African Leadership and Reconciliation Ministries (www.alarm-inc.org). É um pastor batista que nasceu e cresceu em Ruanda. Musekura é autor de An Assessment of Contemporary Models of Forgiveness (Peter Lang Publishing, Inc. 2010), colaborador do Africa Bible Commentary: A One-Volume Commentary, escrito por 70 acadêmicos africanos (Zondervan, 2010) e co-autor de Forgiving as We’ve Been Forgiven (InterVarsity Press, 2010). NOTA 1. http://www.catholicdoors.com/news/martyrs2.htm, acesso em 10 de junho de 2011. CHINA Um Estudo de Caso G. Wright Doyle CONTEXTO HISTÓRICO O governo chinês sempre restringiu a prática religiosa desde os primórdios da história de que se tem registros (Poceski, 2009, p. 258). Apesar das crenças alternativas geralmente serem toleradas, sempre houve apenas uma cosmovisão “ortodoxa”. Na China oficialmente ateísta atual, a ortodoxia sancionada pelo Estado é o comunismo ou “socialismo com características comunistas”. Em todas as eras o governo central sempre reclamou para si a autoridade suprema, total e exclusiva sobre seus cidadãos com diversas liberdades concedidas como privilégios, não como direitos. Tanto o corpo como as propriedades dos cidadãos chineses sempre foram considerados como à disposição do Estado. Os governantes da China assumiram integral soberania sobre toda a vida, incluindo a religiosa, com a breve exceção da época Republicana (1911 -1949), e até mesmo as igrejas e escolas cristãs tiveram que registrar-se no governo e respeitar os seus regulamentos (como permissão apenas para serviço de capelania opcional, não obrigatório). Embora o grau de interferência do governo tenha variado muito ao longo dos séculos, a prerrogativa de funcionários para controlar a prática da religião nunca esteve em questão (Kindopp e Hamrin, 2004, 1-24). Além disso, alguns grupos religiosos não são tratado com tolerância, e foram rotulados como "seitas" [literalmente, "maus ensinamentos"], que significa não só que se desviam das normas reconhecidas dentro das principais religiões (como o budismo, o taoísmo, confucionismo , islamismo, ou o cristianismo), mas também que representam risco à segurança do regime e ameaça à ordem social. A partir desse raciocínio, a perseguição ativa — e frequentemente violenta — do governo tem sido empregada para reprimir esses movimentos, alguns dos quais, realmente são revolucionários (Poceski, 2009, 183-185). A PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA NO PASSADO Em várias épocas, monastérios daoístas e budistas e suas propriedades foram expropriadas pelo Estado, dependendo das tendências religiosas do imperador da época. Durante a Grande Revolução Cultural (1966-1976), fiéis das cinco religiões oficialmente reconhecidas, assim como devotos da religião popular, foram perseguidos abertamente: igrejas e templos foram fechados; os membros do clero foram presos ou destituídos dos seus cargos e títulos eclesiásticos; e práticas religiosas foram completamente proibidas (Charbonnier, 2002, 425-443; Lambert, 1994, 18-25). Embora tolerado em algumas épocas, o cristianismo encontrou forte oposição durante grande parte da sua história na China. Missionários da Igreja Síria do Oriente (também chamados de "nestorianos") foram bem recebidos quando apareceram pela primeira vez na China, e foram até mesmo patrocinados pelo imperador, mas seus seguidores foram posteriormente perseguidos durante a dinastia Tang, quando os budistas foram favorecidos (Moffett, 1998, 288-295) e, novamente, quando os budistas também foram atacados (Moffett, 1998, 302304; Charbonnier 2002, 63-67). Durante a dinastia Mongol (Yuan), tanto a Igreja do Oriente como os primeiros missionários católicos romanos receberam uma calorosa recepção (Charbonnier 2002, 69-83). Quando descobriu-se que os jesuítas possuíam habilidades técnicas úteis e equipamentos modernos, eles foram admitidos até mesmo na Cidade Proibida e obtiveram permissão para proclamar sua fé. Milhares aceitaram a pregação deles e dos franciscanos e dominicanos que os seguiram, mas todos foram posteriormente proscritos como resultado da “Controvérsia dos Ritos”. A intervenção do Papa em uma disputa sobre se os ritos confucionistas de culto aos ancestrais e ao imperador seriam aceitos pelos católicos romanos chineses foi severamente rejeitada pelo imperador como uma interferência totalmente ilegítima nos assuntos internos e um perigoso questionamento das práticas consideradas essencias à estabilidade social. Começando em 1706, sacerdotes católicos romanos e depois chineses convertidos sofreram intensa perseguição (Broomhall, 2005, 1.19-25; Charbonnier, 2002; Moffert, 2005; Poceski, 2009, 216-222). Os protestantes também foram banidos e se viram sob forte oposição quando tentaram entrar na China no início do século 19. Somente após a Primeira Guerra do Ópio, que terminou em 1842, eles se beneficiaram das disposições do tratado que lhes garantiu a liberdade de visitar e morar na China, no início em alguns lugares designados e, depois de mais algumas guerras e tratados, em todo o território. No entanto, apesar de protegidos por lei, sofreram forte oposição das autoridades locais, que muitas vezes instigavam a violência da multidão contra eles (Broomhall 2005, 2,12-13, 32-55, e seguintes; Moffett 2005, 285-298). Há várias razões para essa hostilidade: Em primeiro lugar, na mente do povo os missionários ocidentais e seus seguidores estavam inevitavelmente ligados às potências estrangeiras, que continuavam a humilhar e até mesmo ocupar a China (Poceski 2009, 224). Talvez o mais repugnante de tudo fosse a associação natural de missionários estrangeiros com o odiado comércio de ópio, que foi imposto à China pelos tratados negociados sob a ameaça de canhões e baionetas ocidentais, especialmente quando alguns deles serviram como intérpretes para os estrangeiros vitoriosos (embora invariavelmente tentassem suavizar as disposições dos tratados). Os missionários ocidentais eram também considerados socialmente perigosos porque traziam consigo uma nova religião, que era muito diferente da cosmovisão confuciana e que representava um desafio também ao budismo, ao daoísmo e à religião popular da China. E, principalmente, os protestantes costumavam ensinar que o “culto” aos ancestrais era idolatria (apesar de os confucionistas classificarem esses rituais apenas como veneração); isso enfraqueceu toda a base da percepção chinesa de piedade filial, um pilar de toda a sociedade. As autoridades cultas percebiam também o humanismo confucionista como diretamente oposto ao teísmo cristão. Os católicos romanos eram alvo do maior ressentimento, porque segundo algumas disposições do tratado os convertidos a essa religião eram isentos de pagarem algumas taxas do templo e serem processados por magistrados locais. Logicamente esta isenção dava margem a abusos dos crentes com motivos inescrupulosos. Nem os agentes governamentais apreciavam a posição em que o governo colocou os bispos católicos romanos (Moffert, 2005, 470, 472). A máxima expressão da hostilidade anti-cristã dos chineses foi a Rebelião dos Boxers (1899-1901) em que milhares de crentes chineses e centenas de missionários estrangeiros foram mortos e diplomatas estrangeiros foram sitiados em Pequim. As forças militares de oito nações desmantelaram o cerco, e algumas delas causaram estragos na capital, aprofundando ressentimento contra todas as coisas estrangeiras (Charbonnier 2002, 334-335; Moffett 2005, 484-487). O sistema imperial e o confucionismo que o fortalecia foram repudiados na era republicana, quando os cristãos em geral gozavam de liberdade, mas eram duramente atacados por intelectuais, alguns dos quais mais tarde se tornaram proeminentes no Partido Comunista (Charbonnier 2002, 384-387). Na década de 30 os comunistas começaram a infligir punições aos cristãos; esta tendência para a repressão emergiu com toda a força após o estabelecimento da República Popular da China em 1949. Desde então, cristãos tanto católicos quanto protestantes sofreram diferentes graus de pressão, discriminação, limitações legais e perseguição explícitas. As razões apresentadas incluíam acusações de que os cristãos e os missionários que lhes ensinavam até serem obrigados a deixar o país no início dos anos 50, eram (ou são) agentes de governos estrangeiros (Poceski 2009, 262-263); disseminadores de ideias estrangeiras contrárias à cultura chinesa e à doutrina comunista, e potenciais instigadores de resistência organizada ao governo. Até a formação, nos anos 50, das organizações oficiais “patrióticas” protestantes e católicas romanas, os que estavam fora do sistema sofriam pressão constante para se juntarem a eles ou pararem de praticar sua fé. Ao se recusarem a fazer isto, sofriam duras represálias, incluindo detenções, multas, espancamento, tortura, e até a morte. Reuniões foram invadidas e os líderes detidos, o tratamento mais ameno incluia visitas frequentes para questionamento ou expropriação de propriedade por parte de seguranças. Líderes protestantes extraordinários, como Wang Mingdao, Allen Yuan (Yuan Xiangchen), Watchman Nee (Ni Tuosheng) e Samuel Lamb (Lin Xiangao) foram submetidos na era Mao à acusação, interrogatório, prisão e tratamento cruel (Aikman 2003 , Anderson 1991; Harvey 2002; Kindopp e Hamrin 2004, 122-148; Lee 2001; Xi 2010), assim como milhares de crentes leigos. Por um tempo, durante e depois da Revolução Cultural (1966-1976), muitos observadores ocidentais acreditavam que o cristianismo na China tinham sido exterminado. No entanto, a patir de 1979, no contexto da política de abertura ao mundo exterior de Deng Xiaoping, começaram a surgir notícias, no início esporadicamente, depois com muita frequência, sobre uma vasta expansão do cristianismo na China. Esta expansão só tem aumentado desde o final da década de 1980, estendendo-se das áreas rurais para as cidades e de grupos marginalizados às elites proeminentes (Aikman 2003; Lambert 1994; 1999; Lawrence 1985; Wallis, 1986). Apesar do perigo e da grande dificuldade, os cristãos continuaram a orar, pregar e evangelizar. Milagres de cura e livramento no perigo os tornaram mais ousados e impressionaram seus opressores, assim como a perseverança alegre a paciente daqueles que sofreram terrivelmente pela sua fé. A perseguição se tornou o catalisador de um crescimento sem precedentes tanto em número como em dedicação. Líderes de igrejas domésticas mais antigos se lembram de como a MPTA (Movimento Patriótico das Três Autonomias) participou ativamente nos ataques contra aqueles que não se juntaram à organizações oficiais (Harvey, 2002) ou que tinham diferenças teológicas. Até mais recentemente, alunos e professores evangélicos foram silenciados ou expulsos do Seminário Teológico Jinling em Nanjing durante a campanha de “Reconstrução Teológica” do bispo KH Ting iniciada em 1998 (Yamamori e Chan, 2000; Xi, 2010, 210). Porém, de forma geral, a maioria das organizações do MPTA e das igrejas nas casas têm desfrutado de relativa harmonia, e até cooperação, em muitos lugares. As tensões diminuíram muito quando as igrejas Verdadeiro Jesus e Pequeno Rebanho “foram retiradas da lista de organizações ilegais [e] lhes foi assegurado certo reconhecimento como grupos distintos dentro da estrutura das Três Autonomias” (Xi, 2010, 211) SITUAÇÃO ATUAL Sob a premissa fundamental de “liderança” (supremacia) do Partido Comunista, a constituição chinesa garante liberdade de crença religiosa (embora não haja liberdade de prática religiosa) e cinco religiões mundiais organizadas: budismo, daoísmo, islamismo, catolicismo romano e protestantismo. Cada uma tem sua associação “patriótica”, que está sob controle do Partido Comunista e do governo. Regulamentos promulgados em 1994 e 2004 detalham os limites atuais da prática religiosa legal na China (Burklin 2005, 219-239). Dentro de limitações específicas, os crentes dessas associações podem se reunir para adoração e ensino; se envolver na educação religiosa dos adultos; administrar sacramentos, educar, ordenar e apoiar o seu clero, e participar de certas atividades de caridade. Os regulamentos têm permitido, por exemplo, que a editora da Protestant Amity Foundation imprima e distribua milhões de Bíblias em chinês. Apenas os religiosos locais podem vender esses materiais “religiosos”, como Escrituras e hinários. Mas livrarias públicas e privadas em cidades de todo o país vendem vários outros materiais sobre temas religiosos publicados na China com ISBN legítimos. As restrições à prática religiosa incluem: as “três especificidades” (as atividades da igreja podem ser realizadas apenas em lugares específicos, em horários específicos e por líderes treinados na China); a proibição de evangelização fora das instalações da igreja; recepção não-autorizada de recursos, inclusive dinheiro ou ensino de cristãos de fora da China; crítica ao governo ou ao socialismo, entre outras coisas. Dentro dessas limitações, os cristãos das igrejas oficiais gozam de liberdade crescente. Até certo ponto, há até proteção legal limitada para as congregações reconhecidas; algumas impetraram processo contra agentes locais que expropriaram suas propriedades, por exemplo. Na prática, essas regras tornam fora da lei as atividades religiosas nãoautorizadas, ou seja, reuniões e outras atividades de grupos religiosos nãoregistrados, incluindo igrejas domésticas protestantes e membros de grupos da igreja católica romana que, por lealdade ao Papa, se recusam a participar da Associação Católica Patriótica. Desde cerca de 2005, até mesmo esses grupos têm podido exercer todas as funções normais com relativa impunidade, embora sejam prejudicados pelo acesso restrito a contas bancárias e dificuldades para alugar ou comprar propriedades. Eles têm operado abertamente e até marcam sua presença substancialmente através da Internet. Com raras exceções, não tem havido perseguição a cristãos por causa das crenças ou práticas cristãs — a despeito da percepção disseminada na mídia ocidental de que é o contrário que acontece. Estudos acadêmicos sobre religião, incluindo o cristianismo, se multiplicaram nos últimos anos nas universidades. Há mais de trinta instituições para estudo da religião, sendo algumas apenas sobre o cristianismo, assim como estudos em grupos de estratégia do governo. Conferências acadêmicas sobre o cristianismo, e até mesmo sobre religião e política ou legislação são organizadas, e jornais e livros são publicados regularmente. De acordo com a legislação federal (Burklin, 2005, pp. 203-207), a menos que sejam formalmente convidadas por uma das igrejas oficiais, cristãos estrangeiros não podem proclamar publicamente sua fé na China. Não podem falar em encontros cristãos, a não ser aqueles voltados para expatriados, que devem ser liderados por pastores chineses designados; nem podem treinar líderes; não podem “discipular seguidores...., nem se dedicar a outras atividades missionárias” (Burklin, 2005, p. 206); nem doar dinheiro para grupos cristãos; não podem publicar nem distribuir literatura; ou realizar evangelismo. Aqueles que violam essas disposições devem ser expulsos sumariamente do país e proibidos de voltar por vários anos. A aplicação esporádica dessas regras não significa que as atividades religiosas dos estrangeiros são desconhecidas ou aceitas pelo governo, que as tolera temporariamente conforme a conveniência. Alguns estrangeiros foram convidados a deixar a China nos últimos anos porque violaram essas normas. Contudo, se sofre como cristão, não se envergonhe, mas glorifique a Deus por meio desse nome. Pois chegou a hora de começar o julgamento pela casa de Deus; e, se começa primeiro conosco, qual será o fim daqueles que não obedecem ao evangelho de Deus? (1 Pedro 4.16-17)] No entanto, centenas, talvez milhares, de cristãos estrangeiros que são professores, obreiros sociais e pessoas de negócios, têm vivido na China e testemunham silenciosamente sua fé. Alguns que estudam o idioma chinês têm passado a maior parte do tempo evangelizando universitários sem muita intervenção do governo. Essa liberdade generalizada levou alguns observadores estrangeiros a afirmarem categoricamente que os cristãos na China têm quase total liberdade para praticar e propagar sua fé. Eles apontam especialmente para a larga amplitude de ação dada à igreja católica romana oficial e às organizações protestantes e aos estrangeiros que trabalham com eles. Alguns até afirmam que os crentes e líderes das igrejas domésticas somente são punidos quando violam a lei (Burklin 2005, 76 -77). Outros falam do “mito” da perseguição a cristãos na China, admitindo a sua existência, mas chamando-o de “esporádico e ocasional” (Falkenstine 2008, 78). Recentes exceções a essa prática não-oficial de tolerância envolveram grandes congregações, especialmente aquelas que queriam alugar ou possuir construções e, especificamente, a Igreja Shouwang em Pequim, que tentou comprar uma propriedade; grandes congregações com marcante presença pública (como um alto-falante anunciando o horário de culto nas ruas); grandes igrejas ou “redes” envolvidas em treinamentos que incluem missionários de outras áreas, especialmente de outras províncias; redes menores com influência em cidades importantes; grupos cristãos com relações ostensivas com estrangeiros, especialmente norte-americanos; advogados cristãos envolvidos em defesa de direitos humanos, especialmente quando parecem ter relações com governos estrangeiros. (Mais de duzentos cristãos chineses foram proibidos de ir ao Congresso Lausanne na Cidade do Cabo por várias razões, incluindo as citadas acima). Além disso, todas as igrejas não-registradas, e especialmente as seitas milenaristas e messiânicas, que lembram ao governo de revoltas anteriores inspiradas na religião, estão sob constante supervisão e suspeita do governo. Os grupos religiosos experimentam também a antipatia do governo por qualquer crescimento da sociedade civil, o que causou um aumento de restrições às ONG’s, inclusive às organizações sociais e igrejas cristãs, desde 2005. A nível local, congregações específicas com frequência enfrentam perseguição por agentes corruptos do governo que querem subornos ou coisas de valor. É comum a discriminação no trabalho e emprego em instituições estatais, inclusive nas universidades; proclamar abertamente fidelidade ao cristianismo pode ser uma barreira ao desenvolvimento na profissão ou até mesmo razão para ser demitido. E, claro, nada de cunho cristão pode ser veiculado na rádio ou televisão pública (com uma exceção notável para dois documentários sobre um missionário protestante e um católico romano que contribuíram de forma signficativa para a sociedade). Cada vez que cristãos ocidentais protestam e principalmente quando imploram aos seus governos para falarem em apoio aos cristãos chineses, são acusados de interferir em assuntos internos chineses. De fato, alguns acreditam que gestos bem intencionados (como receber cristãos chineses na Casa Branca) e declarações do Departamento de Estado ou incluídas no programa Voz da América, embora algumas vezes talvez tenham sido temporariamente bemsucedidas, em geral saíram pela culatra, porque geralmente são vistas como uma confirmação da suspeita de que os cristãos locais são, na verdade, instrumentos subversivos dos poderes anti-chineses. A situação mudou drasticamente em abril de 2011, quando os líderes da Igreja de Shouwang, tendo o acesso negado ao restaurante onde costumavam se reunir, decidiram fazer um culto de louvor ao ar livre num espaço público. Várias tentativas de se reunirem terminaram em prisão temporária de centenas de membros de igrejas, prisão domiciliar para os líderes, e a ameaça de ação penal contra eles. Líderes de outras igrejas de outros pontos da China foram detidos com acusações criminais; muitos parecem ter sido parte do grupo que tentou ir ao Congresso Lausanne. Em maio, líderes de vinte igrejas domésticas ao redor da China assinaram e enviaram uma petição ao Congresso Nacional Popular, apoiando a Igreja de Shouwang e pedindo ao governo central que revisse e revisasse as leis sobre as práticas religiosas. Cristãos estrangeiros que viviam na China tiveram seus vistos de retorno negados, e muitas conferências e reuniões com estrangeiros foram canceladas. Se continuar, essa tendência que é parte de uma ofensiva maior a vozes dissidentes na China, pode marcar uma regressão significativa das liberdades de que gozam os cristãos na China nos últimos anos. Implicações para missões: Nessas condições, os cristãos estrangeiros deveriam focalizar a oração, evangelização e treinamento de chineses que vivem ou estudam no exterior; e desenvolvimento de um grupo de discípulos maduros fluentes no idioma chinês, com conhecimento da cultura chinesa, e comprometidos em ser “presença fiel” de longo prazo na China, ao invés de evangelismo de curto prazo. PERGUNTAS PARA REFLEXÃO 1. Quais são as razões, de acordo com Doyle, para as autoridades da China terem ficado desconfiadas ou terem reprimido os missionários e cristãos locais ao longo da história? Quais dessas razões eram/são evitáveis? 2. Do segundo ao último parágrafo, Doyle descreve os preocupantes desdobramentos recentes e temores de que a China em 2011 possa estar regredindo quanto às liberdades concedidas aos cristãos nos últimos anos. Quais poderiam ser as razões para esses desdobramentos? E comos os cristãos chineses poderiam reagir a isto? 3. No parágrafo final, Doyle inclui recomendações para a intervenção por missões estrangeiras. Reflita sobre as mesmas. REFERÊNCIAS Aikman, D. 2003. Jesus in Beijing: How Christianity is transforming China and changing the global balance of power. Washington, DC: Regnery Publishing, lnc. Anderson, K. 1991. Bold as a Lamb: Pastor Samuel Lamb and the underground church of China. Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing House. Broomhall, A. J. 2005. The shaping of modern China: Hudson Taylor's life and legacy. Dois volumes. Pasadena, CA: William Carey Library. Burklin, W. 2005. Jesus never left China: The rest of the story. The untold story of the church in China now exposed. 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Wright Doyle é Diretor do Global China Center (www.globalchinacenter.org) e editor geral do Biographical Dictionary of Chinese Christianity (www.bdconline.net). Entre seus livros, está China: Ancient Culture, Modern Society (co-autor). É também diretor do China Institute (www.chinainst.org). NOTA 1. Como as revoltas dos Turbantes Amarelos Daoístas, da Sociedade Budista Lótus Branco, e da Rebelião semi-cristã de Taiping no século dezenove; bem como o papel dos cristãos na derrubada dos regimes comunistas na Europa Oriental no final do século 20. ÍNDIA Um novo momento kairós para a igreja na Índia Richard Howell Os membros da igreja primitiva sabiam que eram mordomos do evangelho de Jesus Cristo; estavam verdadeiramente conscientes de que o evangelho é para todo tempo e para todo o mundo e não apenas para uma época, lugar ou povo. Consequentemente, com frequência a igreja cruzou fronteiras e se tornou uma fé não-judaica. Ela também alcançou, segundo a tradição, a costa da Índia. O primeiro encontro da fé cristã com a Índia foi com a chegada de Tomás o Apóstolo ao sul da Índia, especialmente ao sul de Malabat em 52 d. C., onde muitas comunidades cristãs foram estabelecidas. Uma igreja foi erguida e até hoje presta tributo à vida de São Tomás como testemunha fiel de Cristo no local onde foi martirizado em 72 d. C. (cf. Brown, 1982). A igreja na Índia é tão antiga quanto o cristianismo em si, e também tão antiga quanto a sua história de sofrimento e perseguição. TRADUZINDO A MENSAGEM DO EVANGELHO No dia de Pentecostes Deus revelou que o evangelho deve ser comunicado a todos em suas próprias línguas, quando o povo reunido exclamou: “Nós os ouvimos declarar as maravilhas de Deus em nossa própria língua!” (At 2.11). As religiões não-cristãs ainda consideram o idioma de suas escrituras como intraduzível. Os muçulmanos, por exemplo, ainda oram em árabe, a ordem social brâmane dos hindus ainda recita seus mantras em sânscrito, assim como os sikhistas usam o Gurumukhi e Pali é o idioma do Budismo Theravada. Esta é uma característica especial da fé cristã, de ser traduzida para a língua do povo a que se destina, porque a fé cristã acredita na encarnação de Deus. A fé não foi propagada na língua do seu fundador, Jesus Cristo. Ele falava aramaico; as Escrituras foram inspiradas pelo Espírito Santo em grego. O ensino de que Deus entende e fala todas as línguas é revolucionário no contexto de pluralidade religiosa e cultural da Índia. “O cristianismo adquiriu uma orientação cultural e geográfica global” (Sanneh, 2008, 3). Os primeiros missionários protestantes, Bartholomäus Ziegenbalg e Heinrich Plutschau, desembarcaram em uma pequena colônia Danish chamada Tranquebar, no sul da Índia, em 9 de julho de 1706. Ziegenbalg criticou publicamente alguns membros da casta brâmane, acusando-os de desprezarem as castas mais baixas da sociedade hindu. Por isso, ao menos um grupo conspirou para matá-lo. No entanto, de forma geral seu trabalho não encontrou audiência hostil. Os primeiros exemplares do Novo Testamento saíram da pequena gráfica missionária em Tranquebar em 1714. Os missionários pioneiros eram de origem alemã, de confissão luterana, apoiados por um piedoso rei dinamarquês, e apoiados pela Sociedade para a Promoção do Conhecimento Cristão (SPCK, na sigla em inglês), uma organização inglesa. O próximo grande missionário pioneiro, o inglês batista William Carey, desembarcou em 11 de novembro de 1793. Ele também começou o trabalho em uma colônia dinamarquesa de Serampore. Traduziu a Bíblia para o bengali, sânscrito e várias outras línguas e dialetos. O sermão de Carey, a partir de Isaías 54.2-3, usava repetidamente a frase que se tornou uma das suas mais famosas citações: “Espere grandes coisas de Deus; realize grandes coisas para Deus”. Com seus 4.635 grupos populacionais distintos e seus numerosos grupos linguísticos, a Índia é uma nação da diversidade na unidade. Cerca de mais de trezentos grupos populacionais têm uma presença cristã; a maioria destes são de origem dalit e de povos tribais. “Antes dos movimentos para alcançar as massas, a igreja indiana era formada apenas por um pequeno grupo de convertidos da elite da casta alta. A entrada de camponeses, aos milhares, causou um profundo impacto no panorama demográfico da igreja. O centro da igreja se mudou das cidades para as vilas” (LAING, 2001, p. 92). A RESPOSTA TRIBAL AO EVANGELHO O advento do cristianismo no nordeste da Índia remonta ao século 19. Os missionários encontravam inúmeros desafios para chegarem a lugares remotos e acidentados para evangelizarem. Lakshom Bhatia escreve que “as práticas de manter como troféu cabeças de inimigos, os ataques intertribais, os sacrifícios de animais e diversas festividades eram consideradas como pecados pelos missionários, e o primeiro passo para o perdão seria a confissão perante o Espírito Santo.” As confissões levaram a um grande crescimento no número de seguidores de Jesus Cristo. Além disso a fé cristã estabeleceu profundas raízes em outros estados do nordeste da Índia. Os sistema Bawi de escravatura, que prevalecia na sociedade Mizo foi abolido e substituído pela ética cristã de igualdade, fraternidade, e amor e respeito mútuos. A missão introduziu caracteres de escrita para o dialeto Dhulian dos Mizos, que se tornou a lingua franca* como resultado disso a educação e a alfabetização progrediram rapidamente. O ENCONTRO DOS DALITS COM O CRISTIANISMO O foco tradicional da casta hindu na perspectiva dos brâmanes, coloca os dalits na periferia. Eles são considerados párias, impuros. O sistema de castas se baseia no princípio da discriminação e da desigualdade, que todos os seres humanos não nascem iguais. Este é um dos mais rígidos e institucionalizados instrumentos de brutalidade da sociedade hindu. Como categoria conceptual, o conceito de castas só foi seriamente desafiado depois da chegada dos missionários cristãos, que trouxeram a ideia radical de estender a educação aos dalits. Apesar de a sociedade indiana defender a tolerância, ela permanece como uma sociedade intolerante e cruel. [Depois de ter bradado novamente em alta voz, Jesus entregou o espírito. Mt 27.50] Quem consegue abandonar a hierarquia de castas e reivindicar os benefícios da tolerância? Quem pode desafiar a hierarquia verticalmente e aspirar por uma casta mais alta e esperar adaptação? No Natal de 1927, Dr. Ambedkar, um líder dalit, queimou publicamente o Manu Smiriti, o documento fundamental e mais sagrado dos brâmanes, usado para justificar as castas e atribuir a intocabilidade. Voltar-se para Cristo representou um esforço da parte dos dalits de ganharem dignidade, amor próprio, e a capacidade de escolherem suas próprias identidades. Aos dalits que começaram a seguir a Cristo foram negados os benefícios do sistema de quotas que o governo concedia apenas aos dalits hindus. Isto é discriminação. Vengal Chakkarai, um hindu de alta casta convertido a Cristo, defendia que a igreja deveria “confrontar o hinduísmo nas planícies da vida”. Com isso ele queria dizer que a igreja deveria confrontar a opressão e a exploração que resultam das castas. O crescimento do cristianismo no século 19 se deu no contexto da Índia colonial e em meio a um crescente despertamento da consciência nacional, liderado pelas sociedades missionárias oficiais, fundadas por estrangeiros ocidentais, que controlavam a propagação e o direcionamento de missões. A missão fundou o que chamamos de igrejas tradicionais, que continuam a imitar as estruturas e a liturgia da igreja ocidental; denominadas cativeiro latino da igreja (cf. Boyd, 1975). O CRESCIMENTO CONTEMPORÂNEO DA IGREJA Com o crescimento contemporâneo da igreja na Índia, a ênfase agora é na igreja local, que não importa e imita o estilo, as leis, a liturgia e a teologia das igrejas europeias. As igrejas estão cada vez mais enraizadas culturalmente em seus contextos. É verdadeiramente um novo kairos para a igreja na Índia. As culturas nativas descobriram o cristianismo e Jesus Cristo. O fato de que os indianos estão se convertendo em meio a uma ressurgência de forças anti-cristãs militantes sugere certo grau de compatibilidade dos nativos com o evangelho. O crescimento contemporâneo da igreja é pós-colonial, em meio a um nacionalismo hindu militante, e está acontecendo sem as estruturas organizacionais ocidentais. E este crescimento se dá em meio à instabilidade generalizada. Isso precisa ser denominado como o crescimento do cristianismo indiano. Reuniões religiosas informais de novos crentes continuam a acontecer. A igreja está tentando se redefinir. PERSEGUIÇÃO AOS CRISTÃOS A história é testemunha de amplos conflitos religiosos na sociedade indiana. O jargão religioso é muito eficaz para exaltar os ânimos nos conflitos étnicos e religiosos. O jargão religioso bélico é muitas vezes usado como ferramenta motivacional para fins políticos, pois nada é melhor do que a guerra para unir e mobilizar pessoas e recursos em prol de uma causa. Para que a linguagem espiritual leve ao conflito é essencial que os fiéis acreditem que a guerra espiritual pode ser uma realidade também em termos humanos. “Ao identificar as lutas terrenas com a luta cósmica entre ordem e desordem, bem e mal, luz e trevas, justiça e injustiça, os políticos e os líderes religiosos lançam mão da mentalidade disponível que justifique o uso de meios violentos” (Juergensmeyer, 1991, p. 386). A intolerância religiosa não é estranha ao hinduísmo “apesar do mito do século 19 segundo o qual os hindus são, por instinto e religião, pessoas não-violentas. A origem desse mito é em parte atribuída à imagem romântica do passado indiano projetada, por exemplo, por estudiosos como Max Müller”. No entanto, os cristãos só se tornaram um alvo político em 1998, quando a Índia teve seu primeiro governo nacionalista hindu — em uma coalizão liderada pelo Partido Bharatiya Janata (BJP, na sigla em inglês). A Índia independente experimentou seu primeiro ataque indiscriminado de larga escala contra cristãos no distrito de Dangs, no estado de Gujarat, em dezembro de 1998. Em janeiro de 1999 um missionário australiano, Graham Staines, e seus dois filhos menores de idade foram queimados vivos no distrito de Keonjhar, em Orissa. Segundo as confissões de Swami Aseemanand, do [grupo fundamentalista] Sangh Parivar que, segundo relatos, teria assumido para si a tarefa de alvejar missionários cristãos que trabalhavam no distrigo de Dangs, no estado de Gujarat, desde que ele chegou lá no final de 1995, os grupos fundamentalistas Vishwa Hindu Parishad e o Bajrang Dal organizaram uma campanha no dia de Natal em 1998 em Subir para impedir celebrações natalinas. Em 2006, Aseemanand organizou um Shabri Kumbh em Dangs. O slogan era: “Cada pessoa que se converte ao cristianismo é mais um inimigo do país”. O padrão estabelecido por Aseemanand em Dangs foi reproduzido em Kandhamal por Swami Laxmananda Saraswati. Depois da morte de Saraswati nas mãos dos maoístas, os trabalhadores de Sangh Parivar desencadearam uma onda de violência contra os cristãos por quarenta e dois dias, nos quais mataram cerca de 100 pessoas, queimaram 147 igrejas, deixaram aproximadamente 48 mil pessoas desabrigadas e estupraram uma freira. O governo estadual falhou totalmente no seu papel de proteger os cristãos inocentes que não conseguiam se defender. A polícia ficou por perto e vez ou outra se aliou às manifestações do Sangh na violência. As atrocidades contra os cristãos em Orissa foram as piores já registradas na história do cristianismo na Índia. A história é a mesma em Karnataka. O estado está sob uma onda de perseguição a cristãos sem precedentes, com mais de 1.000 ataques em 500 dias. Em 26 de janeiro de 2010, no dia em que celebramos do Dia da República da Índia, o milésimo ataque de Karanataka aconteceu na cidade de Mysore. Nos últimos anos, o número de ataques a cristãos, registrados pela Aliança Evangélica da Índia, tem sido mais de mil ataques por ano. A Lei da Liberdade Religiosa em sete estados da Índia exigem que o cidadão peça permissão de um oficial do governo designado antes de decidir-se a louvar a Cristo e se tornar seu seguidor. A comunidade cristã na Índia não apresenta histórico de envolvimento em violência religiosa, embora sejam vítimas de violência. Eles trabalham para minimizar a miséria humana e a injustiça porque creem que Deus ama todas as pessoas igualmente e deseja justiça para todos. O SOFRIMENTO COMO PARTE DA IDENTIDADE CRISTÃ A igreja deve integrar o sofrimento e a dor como parte da história da igreja. A maior parte da linguagem bíblica sobre missões, sobre promover a fé, reflete a noção de bênção em vez de luta, reconciliação e paz em vez de violência e ódio. Aqueles que estão traumatizados e feridos pela violência precisam da cura de suas memórias. Como a igreja deveria se lembrar do seu sofrimento, perseguição e martírio? Deveríamos acalentar a raiva fria e persistente, a sede por vingança, e reagir como animais feridos? Para reagirmos como seres humanos livres devemos valorizar os sentimentos, até mesmo os desejos de vingança, mas devemos também seguir os preceitos morais implantados por Deus na essência da nossa humanidade. Como igreja devemos estar determinados a não perder de vista o mandamento de amar o próximo, mesmo que este aja como nosso inimigo. A vítima pode exigir que os algozes que são verdadeiramente culpados sejam tratados como merecem, com a aplicação rigorosa da justiça retributiva. O Estado é um dom de Deus para a graça comum e tem autoridade para manter a lei e a ordem e controlar o mal na sociedade (Romanos 13.1-7). No entanto, é preciso enfatizar que o amor cristão pelos inimigos não exclui preocupações quanto à justiça mas vai além, incluindo o perdão e a reconciliação. PERGUNTAS PARA REFLEXÃO 1. A “traduzibilidade” das Escrituras tem aplicabilidade mais ampla do que na área de linguística? 2. Discuta os elementos e as consequências do choque inevitável entre o sistema de castas e o evangelho. 3. Reflita sobre a observação de Howell: “O fato de que os indianos estão se convertendo em meio a uma ressurgência de forças anti-cristãs militantes sugere certo grau de compatibilidade dos nativos com o evangelho.” 4. Resuma a descrição de Howell sobre a reação do cristão ao aumento da perseguição na Índia. REFERÊNCIAS BROWN, L. 1982. The Indian Christians of St. Thomas. Cambridge: Cambridge University Press. Primeira publicação em 1956. SANNEH, L. 2008. Disciples of all nations. Oxford: Oxford University Press. BHATIA, L. 2010. Contradiction and change in the Mizo society. In Margins of Faith: Dalit and Tribal Christianity in India, eds. R. Robinson and J. M. Kujur. Thousand Oaks, CA: Sage Publications. THAPAR, R. 1994. Sydicated Hinduism. In Hinduism reconsidered, ed. G. Sonteimer and H. Kilke. New Delhi: Manohar. BOYD, R. 1975. India and the Latin captivity of the church. New York: Cambridge University Press. LAING, M. 2001. The consequences of the “Mass Movements:” An Examination of the consequences of mass conversion to Protestant Christianity in India. Indian Church History Review, XXXV/2 (Dezembro). Dr. Richard Howell, de Nova Delhi, na Índia, é secretário geral da Aliança Evangélica da Índia (EFI, na sigla em inglês) e da Aliança Evangélica da Ásia (AEA). Ele é membro do Fórum Cristão Global (GCF, na sigla em inglês) e foi diretor do Seminário Bíblico Allahabad, em Uttar Pradesh, na Índia, de 1990 a 1996. Tem um BA (Hons), MA e BD da Índia, um ThM do Canadá e um Phd da Holanda. O INCIDENTE DOS REFÉNS COREANOS Sete lições aprendidas David Tai Woong Lee e Steve Sang-Cheof Moon INTRODUÇÃO Vinte obreiros de curto prazo da Igreja de Sammool deixaram o Aeroporto Internacional Incheon, como outras equipes similares deixavam o país para servir em diferentes partes do mundo. Já que várias outras viagens temporárias de missões já tinha sido organizadas pela Igreja de Sammool, esta não parecia diferente das empreitadas anteriores. Havia algumas outras equipe de trabalho de curto prazo, representando diversas organizações, operando no Afeganistão e não parecia haver nenhum perigo iminente. Havia uma obreira solteira enviada pela mesma igreja morando no mesmo local por mais de um ano e alguns trabalhadores de outras ONG’s que já estavam lá há algum tempo — poucos poderiam culpá-los de ter uma falsa sensação de segurança. Todavia, é necessário revisitarmos o incidente para analisarmos as lições que podem ser aprendidas em cada fase do incidente: pré-sequestro, sequestro, e finalmente, o póssequestro. RESUMO DO CASO DE SEQUESTRO Pré-sequestro A Igreja de Sammool pertence à denominação Presbiteriana Koshin. Esta foi fundada depois da libertação Coreana da anexação japonesa depois da 2ª Guerra Mundial. Durante a ocupação, os cristãos coreanos foram forçados a fazer parte do chamado “culto ao Imperador [ao imperador japonês]”. Alguns se recusaram a fazer reverência diante do imperador, arriscando suas vidas. Koshin foi formada por aqueles que não reverenciaram a imagem do imperador. A Igreja de Sammool tem sido uma das igrejas líderes dessa denominação. O pastor Un-Jo Park, um evangélico convicto, é considerado por muitos como um dos pastores proeminentes na Coréia. Enviar obreiros temporários era uma forma de expresar a filosofia do ministério da igreja local — enfatizar tanto o evangelismo quanto a ação social. O SEQUESTRO A equipe de vinte pessoas deixou o Aeroporto Internacional Incheon em 13 de julho de 2007. Eles chegaram a Cabul no dia seguinte. Foi relatado que o grupo de vinte pessoas desempenhou com sucesso suas ações sociais na área de saúde e educação de 14 a 18 de junho, no nordeste do Afeganistão, que é uma região relativamente segura. No entanto, em 19 de julho, juntaram-se a eles três médicos que já estavam no Afeganistão e a seguir foram de Cabul para Candahar. Esses três seriam seus guias. Foi durante essa viagem que o sequestro aconteceu. Eles deveriam ter ficado desconfiados quando o motorista do ônibus entregou a direção a um outro motorista, e mais desconfiados ainda quando o motorista de ônibus parou para pegar um estranho na estrada. O resto nós já sabemos. Os vinte e três foram tomados como reféns e passaram-se quarenta e dois dias até que os últimos reféns fossem libertados. Duas pessoas morreram; os vinte e um voltaram para casa em segurança, mas não sem cicatrizes físicas e emocionais que acompanharão alguns deles por muito tempo. [“Vocês serão expulsos das sinagogas; de fato, virá o tempo quando quem os matar pensará que está prestando culto a Deus.” João 16.2] Em 21 de julho, o presidente da Coréia, Moo Hyun Noh, pediu publicamente ao Talibã, através da CNN, uma rede global de notícias, que libertasse os reféns assim que fosse possível. Àquela altura a situação estava fora de controle e tinha se tornado uma questão nacional. Todo o gabinete do governo Coreano, incluindo o presidente, se tornou um comitê de contigência. Toda a nação se via em suspense e terror, conforme as notícias se alternavam entre ruins e piores. O governo coreano proibiu viagens ao Afeganistão em 21 de julho. Depois de longos dias e horas de negociação, o Talibã finalmente concordou em deixar os últimos reféns saírem, sob duas condições: Uma, que as tropas não-combatentes da Coréia instaladas no Afeganistão fossem retiradas até o final de 2007. Duas, que todos os trabalhadores cristãos, incluindo o pessoal das ONG’s, deveriam deixar o Afeganistão assim que fosse possível. Houve boatos de que a equipe de negociação do governo coreano teria pago um grande resgate em troca dos reféns. No entanto, não há confirmação disso. O governo coreano negou essas alegações. Deixe-me chamar a nossa atenção para as reações de vários setores da sociedade durante e após o sequestro. Os secularistas estão em um extremo do continuum daqueles que manifestaram sua opinião sobre o pós-sequestro e a missão realizada pela igreja coreana; e os conservadores quanto à teologia, mas radicais em suas maneiras de fazer missões estão no outro extremo do continuum. Os secularistas fizeram severos ataques contra as missões cristãs e a igreja. A Igreja de Sammool sofreu duras críticas, e elas ainda não terminaram. A seguir estão algumas amostras das reações dos diferentes grupos sobre o sequestro, especialmente com relação à Igreja de Samool e quanto à igreja em geral. É quase unanimidade entre todas as partes envolvidas dizer que o sequestro afetou futuras negociações de sequestro, tanto nacional quanto internacionalmente. A perda é incalculável. Regras sobre negociação em caso de sequestro existentes no passado foram violadas, o que pode aumentar a frequência de sequestros ao redor do mundo. A igreja coreana deve asumir a responsabilidade por este resultado e desistir de fazer missões de forma confrontadora e vigorosa e mobilizações de massas de maneira ostensiva, especialmente em países difíceis e perigosos como o Afeganistaão e outros países islâmicos com hostilidades similares. Os líderes da Igreja Presbiteriana Yong Dong, e outros pastores progressistas que pensam como ele, declararam que os dias de enviar obreiros em missões já passaram. No entanto, a maioria das igrejas coreanas não se identifica com essa visão. Talvez a declaração feita pelo Dr. Han Hum Ok (recém-falecido), o pastor emérito da Igreja Amor e Dr. Myung Hyuck Kim, Presidente da Aliança Evangélica Coreana, e de outros, reflita a posição da maioria na igreja evangélica coreana. Eles protestam contra métodos invasivos e ostensivos de missões e, ao mesmo tempo, concordam que o evangelismo e a responsabilidade social ainda são centrais para missões. No geral, eles foram mais precisos na descrição da situação. Eles repudiaram alguns grupos radicais que realizaram ações evangelísticas ostensivas para milhares de pessoas a despeito dos fortes protestos do governo afegão, da imprensa, e até dos misisonários locais. PÓS-SEQUESTRO Dezenove reféns libertados chegaram ao Aeroporto Internacional Incheon em 2 de setembro de 2007. Dois já tinham chegado antes. De vinte e três reféns, dois foram mortos e vinte e um foram finalmente libertos. Foram levados ao Sam Hospital, em An Yang, cidade-satélite de Seul, onde uma equipe de investigação estava pronta para encontrar os antigos reféns. Eles passaram dez dias sendo interrogados e aconselhados em ambiente seguro. A seguir, foram levados para uma cidade remota na Província de Kang Won para uma semana de terapia de grupo. Muitos deles, àquela altura, tinham voltado à vida normal, mas não sem sequelas. Para alguns deles, as cicatrizes se manteriam por um longo tempo. Ao menos dois casais se formaram entre eles. Vários mudaram de profissão. Oito familiares se tornaram cristãos. As famílias dos dois membros que foram mortos foram os mais atingidos. LIÇÕES MISSIOLÓGICAS A PARTIR DO SEQUESTRO Este sequestro nos oferece importantes lições em meio ao sofrimento e à perda. Devemos nos lembrar de que o incidente aconteceu conforme a providência de Deus, e devemos tirar lições a partir dele, para melhorar a prática mundial de missões, especialmente dos países em desenvolvimento. Lição nº 1: Aprendemos que paixão e pureza de mente não são suficientes para boas práticas em missões. Os membros da equipe que foi sequestrada e os envolvidos nas igrejas e nas agências tinham pureza de mente e paixão, refletindo o zelo da igreja coreana por missões. No entanto, paixão pura não é suficiente para missões. Precisamos de sabedoria também. Há mais falta de sabedoria do que de pureza nas missões transculturais. Presumimos que nossa experiência e conhecimento em nossa própria cultura funcionam em outro contexto cultural, mas não é verdade. Precisamos ser sábios como serpentes na obra de Deus, especialmente quando mudamos de cultura por causa do evangelho. Os cristãos coreanos são conhecidos pela sua paixão e zelo pela causa do reino de Deus, mas precisam aprender o que significa ser sábios e estratégicos nos ministérios transculturais. Os países de mais tradição como enviadores de missionários devem ajudar os países novatos como enviadores, com sua sabedoria e especialização no ministério, especialmente em locais com problemas de segurança. Lição nº 2: Aprendemos que entender o contexto cultural local é um pré-requisito para atividades misionárias. Um reconhecimento do ambiente pode ser necessário como parte do ministério transcultural. Precisamos de informações precisas e pesquisas exaustivas sobre a situação local e as circunstâncias antes de embarcar no sério compromisso nos campos de missões. A motivação missionária pura deveria levar a pesquisas exaustivas sobre as características culturais, as mudanças sociais e os potenciais riscos na área alvo. Ativismo e excesso de otimismo podem levar à negligência desse passo. A pesquisa em missões não tem sido suficientemente enfatizada nas igrejas e missões coreanas ao longo dos anos. As tendências ativistas dos misisonários coreanos que buscam resultados vísiveis do ministério vão de encontro às estratégias de desenvolvimento do movimento missionário. Igrejas e missões precisam criar um ambiente de aprendizado organizacional para desenvolverem atividades missionárias transculturais maduras. Lição nº 3: Aprendemos que precisamos buscar qualidade em vez de quantidade de crescimento nessa fase do desenvolvimento do movimento missionário na Coréia. O movimento missionário coreano atingiu crescimento estrondoso nos últimos trinta anos, em termos quantitativos, mas não cresceu qualitativamente tanto quanto era necessário. Não é uma questão de isso ou aquilo, mas sim de isso e aquilo. Porém, o crescimento quantitativo parece ser mais urgente nessa fase do desenvolvimento, por causa do desequilíbrio entre os tipos de crescimento. Sem programas apropriados de cuidado e treinamento do missionário, a quantidade de missionários e obreiros de curto prazo não é em si uma razão de contentamento. O crescimento qualitativo significa buscar padrões globais em missões neste mundo globalizado. Há traços culturais regionais refletidos no movimento missionário nacional, mas precisamos buscar uma verdadeira visão global além de uma verdadeira visão local para que o movimento missionário alcance uma visão “glocal”. Parcerias e contatos além das fronteiras culturais e organizacionais são desejáveis para o crescimento qualitativo nesta era de globalização. Muitas igrejas e missões coreanas não estão suficientemente em contato com outras organizações missionárias. Quando estamos conectados adequadamente podemos tomar decisões melhores. Consequentemente podemos prevenir muitos perigos desnecessários, especialmente em situações hostis, como no Afeganistão. Lição nº 4: Aprendemos que precisamos investir em desenvolvimento de conhecimento para a maturidade do movimento missionário. Há aproximadamente 20 mil missionários coreanos em mais de 170 países do mundo, mas há menos missionários especialistas que seriam necessários para prevenir uma repetição dessa crise. Precisamos de experiência em redes de informações, pesquisa e desenvolvimento, em coordenação estratégica, em mobilização, em cuidado do missionário (incluindo aconselhamentos), treinamento missionário, e administração. Para um desenvolvimento equilibrado, as igrejas locais da Coréia precisam ver e investir em desenvolvimento de experiência técnica entre as agências missionárias. Existem fontes limitadas, mas ricas, de conhecimento disponível entre as comunidades missionárias da Coréia, mas o expertise não é compartilhado abertamente por causa da centralização em grandes igrejas locais. Lição nº 5: Aprendemos que ações evangelísticas de massa no campo têm sérios efeitos colaterais negativos. O caso do sequestro de 2007 teve algo a ver com essas ações evangelísticas com propósitos missionários em Kabul em 2006. Os grandes eventos missionários foram planejados e executados com boas intenções, mas sem dar atenção à oposição dos missionários coreanos já no Afeganistão. No delicado contexto islâmico, eventos massivos dessa natureza podem ser vistos como uma ação religiosa de estrangeiros. Uma ação evangelística pode elevar o nível de tensão rapidamente; é preciso muita sabedoria quando missionários planejam um programa assim. É miopia espiritual se missionários pensam que devem expulsar depressa os demônios e espíritos maus para facilitar e garantir os frutos das atividades missionárias nos países-alvo. Uma perspectiva de longo prazo é necessária e desejável se quisermoa enfrentar bem a batalha espiritual. Preocupa-nos a mentalidade de curto prazo de alguns programas evangelísticos de impacto, especialmente em países hostis, como o Afeganistão. Ficamos pensando se eles estão baseados em cosmovisões erradas. Precisamos recuperar o equilíbrio bíblico entre os extremos. Lição nº 6: Aprendemos que as viagens com a “visão” de curto prazo precisam focar em educar seus participantes e não em fazer evangelismo direto em países de acesso limitado para cristãos. É amplamente aceito que não podemos esperar muito de uma curta viagem, especialmente em locais de acesso restrito a cristãos. Cada vez menos países permitem que estrangeiros façam atividades de evangelismo direto. Precisamos ser realistas ao estabelecer objetivos para uma viagem de curto prazo a áreas difíceis. Precisamos aprender primeiro, antes de nos envolver em sérias atividades missionárias. Podemos pensar no que fazer e orar sobre o que fazer e em como servir às pessoas locais de uma perspectiva missionária enquanto estivermos coletando informações e adquirindo conhecimento sobre as pessoas nativas. Uma tentação da parte das igrejas enviadoras e dos visitantes de curto prazo é deixar resultados visíveis de suas atividades. Já existem muitas construções e instalações indesejadas que não foram iniciadas a partir de um levantamento completo das necessidades. Artefatos físicos que não são voltados para as necessidades reais servem para a autosatisfação das igrejas enviadores e dos visitantes de curto prazo, mas não servem aos nativos. Visitantes de longo prazo podem focar em aprender o que significa viver como cristão nesse mundo globalizado. Podem aprender a orar, doar e dessa maneira fazer mais para alcançar os não-alcançados no plano salvífico de Deus. Lição nº 7: Aprendemos que precisamos nos empenhar mais para cuidar dos missionários. Há riscos e perigos envolvidos nas atividades missionárias, tanto de longo quando de curto prazos. Os missionários estão mais vulneráveis do que nunca a vários tipos de perigos e riscos em potencial. As igrejas e missões coreanas precisam enfatizar o cuidado ao missionário para um equilíbrio entre uma vida sacrifical e bem-estar. É obrigação dos pastores das igrejas enviadoras e dos líderes de missões cuidarem bem de suas ovelhas. Algumas vezes as pessoas enfatizam demais o martírio e negligenciam suas obrigações quanto ao cuidado com o missionário. Como pastores, colegas missionários, líderes de missões e apoiadores, nossa parte é oferecer o melhor cuidado aos missionários. De acordo com minha pesquisa, voltada a dirigentes de missões coreanas, o cuidado ao missionário é visto como um dos pontos fracos da missão coreana. Precisamos conscientizar e orquestrar esforços a nível nacional para promover o cuidado ao missionário. Seja em ministérios de longo ou curto prazo, precisamos da abordagem encarnacional que enfatiza a unidade na diversidade, a humildade e o esvaziar-se de si mesmo, a contextualização, poder não agressivo, e a presença do Espírito Santo. O sequestro de agosto de 2007 acabou sendo um mal que veio para o bem, para a maturidade e o desenvolvimento da missão coreana na medida em que nos comprometermos com o ministério encarnacional. PERGUNTAS PARA REFLEXÃO 1. Este artigo contém as reflexões sinceras de dois líderes missionários coreanos. Discuta a frase “É quase unanimidade entre todas as partes envolvidas dizer que o sequestro afetou futuras negociações de sequestro, tanto nacional quanto internacionalmente. A perda é incalculável.” 2. Discuta as implicações mais amplas da declaração de que “Há traços culturais regionais refletidos no movimento missionário nacional”. 3. De que maneiras específicas os “países enviadores por tradição” podem ajudar os “países novatos como enviadores”? O que seria necessário para este trabalho? 4. De que formas a “abordagem encarnacional” mencionada no final do capítulo pode mitigar potenciais crises futuras? Dr. Davi Tai-Woong Lee treina missionários transculturais coreanos há vinte e cinco anos. Ele é diretor-fundador do Centro de Treinamento Missionário Global e foi presidente da Comissão de Missões da Associação Evangélica Mundial (de 1994 a 2002). Seu Mestrado em Divindade e seu Doutorado em Missiologia são do Trinity Seminary. Atualmente é diretor da Global Leadership Focus. Dr. Steve Sang-Cheol Moon é diretor do Instituto Coreano de Pesquisa em Missões, localizado em Seul, Coréia do Sul. É casado com Mary Hee-Joo e têm dois filhos que agora são universitários. Steve é principalmente pesquisador e palestrante sobre a igreja e missões na Coréia. Ele tem PhD em Estudos Interculturais pela Trinity Evangelical Divinity School. PARTE 4 PREPARO, APOIO E RESTAURAÇÃO Aprendendo para ensinar... Como nos prepararmos com antecedência? Como recuperar e sarar? Colocamos esses dois temas lado a lado nesta seção importante do livro. Jesus preparou seus apóstolos e outros seguidores para o futuro com palavras diretas e realistas. Ele sabia o que estava fazendo e nós devemos fazer o mesmo. Muitos cristãos no Norte Global e, para nossa surpresa, na América Latina, dizem: “Mas a perseguição e o martírio não acontecem aqui”. Pois é, talvez ainda não, ou talvez não como em outros países. Como podemos identificar a igreja sofredora ao redor do mundo e aprender com ela? Como deveríamos preparar nossos servos transculturais para seu futuro ministério num mundo incerto e violento? Os cristãos no Norte mais rico têm uma teologia do sofrimento, da perseguição e do martírio? Quais são suas heresias e fraquezas particulares? No entanto, as deficiências não se restringem ao Norte. Elas também aparecem em grande parte do Sul, especialmente onde um evangelho "light” tem sido pregado, ou onde a herética teologia da prosperidade já criou raízes. Nos capítulos seguintes apresentamos um apanhado de vozes comprometidas com o preparo tanto da igreja local como de seus missionários para o futuro próximo. Ouvimos a conversa global de líderes de missão e de professores de missões. Examinamos códigos de melhores práticas para o ministério de curto e de longo prazo em lugares difíceis. Incluímos recursos para os que buscam a cura de seu trauma devido ao sofrimento e à perseguição. Começamos a entender o papel do estudo acadêmico e da pesquisa para nossos tópicos centrais. Há muito mais que poderíamos ter incluído nesta seção e no livro. Porém reflita agora sobre estas amostras e se pergunte: “O que eu posso aprender? O que minha família pode aprender? O que minha igreja, minha missão, minha equipe, meu ministério, meu seminário, meu centro de treinamento missionário podem aprender ao ajustarmos nossa visão e redesenharmos nosso preparo para o futuro?” William D. Taylor RESUMO DO DIÁLOGO GLOBAL Pastores, Pastores de Missão, Agência, e Líderes de Redes Refletem sobre políticas em campos sensíveis Nota do editor: Este é um resumo curto de um artigo bem mais desenvolvido que foi publicado em Connections: The Journal of the WEA Mission Commission (Julho 2008, http://www/weaconnections.com/Back-issues/Missions-in-contexts-of -suffering,-violence,-perse/A-GlobalDialoque.aspx). Na edição da Connections, você encontrará partes de uma comunicação global entre sociedades missionárias, movimentos missionários e líderes missionários que tratam de questões relativas à missão no contexto de sofrimento, violência, perseguição e martírio. Alguns responderam brevemente às questões; outros, de forma mais narrativa; e outros ainda enviaram cópias de suas políticas por escrito. Alguns líderes, devido à delicadeza das questões, pediram para não serem incluídos na edição do jornal, ou deram permissão para citarmos o que disseram anonimamente. Um afirmou que poderia escrever muito pouco porque sua agência estava no meio de negociações delicadas para libertar um missionário recentemente sequestrado. QUESTÕES CENTRAIS 1. Quais são as políticas de seu movimento missionário nacional, agência enviadora, ou igreja para o envio de missionários, de curto e longo prazo para contextos de risco? Cite algumas diretrizes específicas. 2. Vocês possuem uma declaração curta de sua teologia bíblica sobre a perseguição e o martírio? Se a resposta for positiva, por favor, compartilhem conosco. 3. Que diretrizes vocês têm (ou acham que precisam desenvolver) no caso de sequestro de missionário ou filho/a de missionário? 4. Que diretrizes vocês têm (ou acham que precisam desenvolver) sobre o pagamento de resgate de um missionário sequestrado? 5. Que cuidado pós-traumático é oferecido às suas famílias missionárias no caso de passarem por uma situação de violência, doença ou morte? 6. Que tipo de treinamento pré-campo vocês oferecem ou encorajam para contextos de risco, violência, perseguição, ou martírio? 7. O que mais deveríamos dizer às nossas igrejas e futuros missionários sobre este assunto? 8. Por favor, inclua um pequeno exemplo ou estudo de caso, se puder. RESUMO DAS RESPOSTAS Suponha que você seja o líder de uma igreja ou agência que envia pessoas para lugares perigosos, como muitos fazem, inevitavelmente. Como deveria preparar seus enviados para tais missões? O que você deve fazer quando o perigo deixar de ser uma possibilidade e se tornar uma realidade? Que preparativos, planos, e políticas devem exixtir a priori e ser entendidas por todos os envolvidos? Como você pode agir de forma responsável, e ao mesmo tempo reconhecer que alguns lugares onde há maior necessidade de testemunhas comprometidas do evangelho são também os mais hostis? E como você pode cuidar das pessoas após um evento desse tipo? A seguir, apresentamos um amálgama de doze respostas extensas a estas questões. Havia um consenso significante, mas alguns detalhes foram contribuições individuais. As duas primeiras questões se referem a políticas e diretrizes para o envio de missionários (1) de curto prazo, e (2) de longo prazo para contextos de risco. É raro enviar missionários de curto prazo a situações de risco ou isoladas, e onde isto chega a ser proposto, é porque há missionários maduros como parte da equipe, que já estão no local para onde os missionários de curto prazo serão enviados. Esta equipe pode ser de uma agência parceira, e não a que está enviando os missionários de curto prazo, mas deve ser estável e experiente, afirmativa em seu desejo de receber as pessoas e de aconselhar e mentorear as mesmas apropriadamente. Uma agência exige que missionários de curto prazo assumam a responsabilidade de fazer um seguro de viagem com a provisão da necessidade de evacuação, enquanto seus missionários de longo prazo recebem cobertura da própria agência na eventualidade destes casos. Muitos enfatizam que missionários de curto prazo devem seguir as insturções da liderança da equipe, mas isto também é exigido dos missionários de longo prazo. Isto é importante para proteger os cristãos locais quando há problemas. Muitas agências possuem regras muito rigorosas para o recrutamento, especialmente para aqueles que desejem ir para locais de risco ou mais difíceis. Verificam a maturidade geral, emocional e a saúde física, e resiliência espiritual, que são essenciais para tais colocações. Também insistem na participação de um treinamento de orientação, no qual as especificidades de cada destino são descritas. Uma organização inclui um treinamento por simulação. Tanto para missionários de curto prazo quanto para de longo prazo, a agência deve fornecer informações cuidadosas e honestas sobre a situação a ser enfrentada pela pessoa, para que, se houver risco em potencial, o obreiro possa compreender plenamente, assim como sua família imediata e igreja de envio. Algumas agências têm manuais detalhados, que são revisados frequentemente, de acordo com as mudanças de situação, lidando com princípios básicos para tratar as situações de crise, tais como assalto ou ataque, e todos os membros da equipe têm que conhecer estas informações muito bem. A maioria das agências também observam as recomendações de embaixadas nacionais de seu pessoal, especialmente com relação à evacuação quando níveis gerais de perigo aumentam, como no caso de começar uma guerra civil. É claro, o que é percebido como situação de alto risco vai variar de uma parte do mundo para outra, e de fato, alguns contextos podem ser de maior risco para pessoas de determinados grupos. Isto é especialmente complicado para agências internacionais, porque seu pessoal vem de diversos países, com diferentes expectativas sobre o que constitui “risco razoável”, sobre quais dificuldades são aceitáveis, e até mesmo quais as exigências legais de diferentes países dr origem. Então, por exemplo, um dos participantes Indiano, comenta que missionários da Índia, a maioria dos quais trabalha em contextos transculturais na própria Índia, passam mais por problemas de risco para sua saúde em áreas remotas do que de martírio. Muitos ficam doentes com malária, febre tifóide, icterícia, encefalite, e outras doenças. Comparativamente, muitos missionários ocidentais esperariam ser evacuados bem mais rápido que nossos irmãos Indianos, para receberem tratamento médico de especialistas, e, de qualquer forma, eles podem ter seguro de saúde, o que não é viável financeiramente para muitos do sul global. Surpreendentemente, apesar da maioria das agências terem documentos e treinamento sobre as respostas práticas diante de situações de risco, apenas uma, a organização “guarda-chuva” alemã DMG, tem um resumo de sua teologia bíblica da perseguição ou do martírio. Talvez isto reflita o ativismo evangelical, mas muitos líderes, surpreendidos pela questão, comentaram que isto é algo que precisam providenciar. Kirk Franklin, da Wycliffe Internacional, infelizmente comentou que missionários ocidentais não têm essa teologia do sofrimento porque culturalmente. em décadas recentes, há uma busca de redução dos danos, de evitar o risco, e promover o conforto pessoal. Ao mesmo tempo, a maioria das agências têm suas declarações de fé, o que já é um bom começo e, de fato, afirmam algumas verdades fundamentais. Então, por exemplo, Patrick Fung, da OMF Internacional, afirma que “Nossa dependência está em Deus para nossa proteção e seguraça.” Há um consenso forte de que no caso de sequestro, inclusive de filhos de missionários, não se deve pagar resgate, porque isso colocaria em perigo os outros. É claro que isto traz grande agonia à família da pessoa sequestrada, e por isso há um esforço especial para apoiá-la e aconselhá-la. Na maioria das vezes, a família é evacuada para o país de origem, ou pelo menos para um lugar seguro. Já que essa é uma política de consenso, a pessoa sequestrada teria o consolo de saber que sua família está em segurança e recebendo cuidados necessários. Às vezes, um sequestro é uma indicação que toda a equipe deveria ser evacuada, pelo menos por um tempo, mas esta decisão também é muito difícil e emocionalmente desgastante. Deve-se pedir conselho aos cristãos locais, especialmente se forem diretamente afetados pelo que potencialmente os sequestradores possam fazer. Onde for possível, negociadores experientes devem ser chamados e o governo local informado, se necessário. Se a situação for muito sensível, pode não ser aconselhável a divulgação das informações, mas se o incidente já tiver se tornado público, redes cristãs devem ser mobilizadas, para orar pelos envolvidos e pela resolução do conflito em segurança. Agências devem entrar em contato com os parentes mais próximos e com as igrejas de origem, para informar sobre o que está acontecendo, antes que a mídia, cristã ou não, divulgue as notícias. Qualquer experiência traumática – sequestro, estupro, assalto a mão armada, assassinato e muitos outros – pode afetar profundamente a pessoa ou pessoas diretamente envolvidas, mas também seus colegas de equipe. A maioria das agências têm esquemas de aconselhamento por profissionais e boas sessões de troca de informações (debriefing) , mas, inevitavelmente, isso varia de lugar para lugar em termos de qualidade e adequação. Nenhum dos respondentes comentou sobre o aconselhamento para os cristãos locais que fossem diretamente afetados; não havia uma questão explícita a este respeito, mas temos a responsabilidade de cuidar não só de nossos próprios membros, mas também daqueles entre os quais servimos. Também, a maioria dos respondentes falou de uma resposta imediata à crise, para a qual existe muita experiência atual em muitas partes do mundo, mas pouco foi dito sobre um apoio de longo prazo. Tanto adultos quanto crianças têm que conviver com as consequências de um trauma por muitos anos depois do ocorrido. Um bom cuidado pós-traumático é caro, e pode sobrecarregar grupos mais pobres. Bob Lopez, da Associação Missionária Filipina (Philippine Mission Association), escreve: “Algumas vezes, dependendo da necessidade, tentamos levantar apoio financeiro para a família”, o que nos lembra que mais e mais da força missionária mundial vem de países onde o apoio geral do Estado (sistema de saúde, aposentadoria, habitação, etc...) é limitado ou ausente; neste caso, a agência missionária pode ter que se responsabilizar por muito tempo e de forma prática, pelo apoio aos traumatizados ou feridos. Da Índia vem a observação que, no momento, há muito pouco cuidado disponível, e uma parcela muito pequena no orçamento para o cuidado póstraumático; ao mesmo tempo, há uma consciência cada vez maior da necessidade de se enfrentar esta questão. Junto ao cuidado profissional, é claro, existe o apoio crucial de uma comunidade amorosa. Então, a igreja e a família, tanto no local de serviço quanto no de envio, têm um papel importante. No entanto, em ambos os casos, pode haver pouco entendimento do que está se passando com a pessoa ferida. Muitas vezes, pessoas traumatizadas não conseguem se expressar adequadamente, e feridas profundas não podem ser colocadas em palavras facilmente. Aqueles que desejam ajudar podem não ter as qualificações ou mesmo imaginar como fazer isto da melhor forma. Apesar disto, tanto líderes de agência quanto parceiros de oração podem cercar a pessoa de cuidados e apoio pacientes. QUESTÕES PARA REFLEXÃO 1. É possível prever toda crise que poderia surgir? Como indivíduos, sua igreja enviadora, e a agência podem, juntos, procurar suprir um treinamento razoável? Se o indivíduo diz que se sente fortemente chamado para um lugar potencialmente perigoso, como a igreja e a agência deveriam lidar com essa situação, se o considerarem inadequado? 2. Um número crescente de missionários transculturais vêm de países economicamente pobres, ou lugares onde a igreja enviadora é pequena e/ou pobre. Que desafios especiais estão diante deles? A igreja global deveria colaborar financeiramente para o cuidado de sua saúde, por exemplo? Qual seria o impacto positivo, e qual o impacto negativo de fazer isto? 3. A recusa de pagar o resgate de uma pessoa sequestrada muitas vezes leva à sua morte. Esta política de recusar o resgate é correta? Por que? Por que não? Há circunstâncias em que pode ser certo pagar? Qual seria a consequência provável ? PREPARANDO A IGREJA E AGÊNCIAS MISSIONÁRIAS Para o sofrimento, a perseguição e o martírio Stephen Panya Baba A NECESSIDADE DO PREPARO Um grande progresso foi feito na evangelização de povos não alcançados nos últimos anos e por isso damos glória a Deus. No entanto, como Deus disse a Josué em Josué 13.1, ainda muitíssima terra ficou para se possuir. De acordo com a Operation World, dos 16,350 povos na lista do Projeto Josué, 6.645 estão classificados como menos alcançados ou não alcançados, o que é aproximadamente 40,6% dos grupos. Além disso, a população total de indivíduos de grupos não alcançados é de 2,84 bilhões, ou 41,1 porcento da humanidade. É de grande interesse e relevância especial para nosso assunto que a grande maioria dos não alcançados são originários da “janela 10/40”. A janela 10/40 é uma área retangular no Norte da África, Oriente Médio, e Ásia, entre 10 graus e 40 graus de latitude. Todos os cinquenta países menos cristãos e menos evangelizados do mundo estão localizados nessa região. Ela contém mais de 90 porcento dos grupos não alcançados do mundo – mais de cinco mil tribos e grupos etnolinguísticos, com pouco ou nenhum testemunho do evangelho. Esta região é muito resistente ao evangelho, uma região de poderosas fortalezas satânicas. De acordo com John Piper, alcançá-los, como nos ordena Jesus, será perigoso e custará caro. Alguns de nós e alguns de nossos filhos seremos mortos. Portanto, não nos surpreende que esta região tenha o menor número de missionários. O preço de ser testemunha de Cristo nesta vasta região não alcançada é muito alto e para muitos, é um preço para o qual não estão preparados, ou que não estão dispostos a pagar. Se a tarefa de evangelização mundial precisa ser realizada, então a igreja e missionários enviados por ela deverm estar preparados a pagar o preço de alcançar os grupos não alcançados restantes, especialmente na janela 10/40. Com certeza, isto implicará em sofrimento, perseguição, e até martírio. Isto exige que a igreja e seus missionários sejam intencionalmente preparados. A PRONTIDÃO DA IGREJA E DE AGÊNCIAS MISSIONÁRIAS Missionários são enviados ao campo por várias denominações, para serem testemunhas do evangelho. Estas denominações desenvolveram, ao longo de anos, algumas peculiaridades que podem incluir crenças teológicas e doutrinárias, o ambiente religioso, social e até econômico de suas operações, etc... Portanto, algumas igrejas e missionários podem estar mais preparados para enfrentar o sofrimento, a perseguição e o martírio, por causa de sua perspectiva doutrinária, ênfase bíblica deliberada e perspectiva teológica correta a respeito desses assuntos. Por exemplo, muitas igrejas no mundo de dois terços foram fundadas por missionários ocidentais que sacrificaram muito em termos de sofrimento, perseguição e martírio. Consequentemente, elas enfatizaram ensinos bíblicos sobre isto, primariamente para encorajar o envolvimento missionário das igrejas que estavam se estabelecendo, de modo que elas enviassem missionários autóctones que estivessem bem preparados para se sacrificar e perseverar na evangelização de muitas áreas não alcançadas. De fato, muitas dessas denominações foram mal compreendidas, incluindo a minha própria, e acusadas erroneamente de pregar a pobreza como uma virtude espiritual ou de terem equiparado a pobreza e o sofrimento à espiritualidade. Um dos princípios da antiga Missão Interior do Sudão, no princípio, era de plantar igrejas com visão missionária. Isto foi feito através de publicações, ensino bíblico, e métodos de formação de aprendizes, de modo que os novos convertidos praticassem o que tinham aprendido, participando no ministério de evangelização. Esta era a prática da SIM desde o início de seu trabalho na Nigéria. O resultado natural de seus métodos e práticas garantiu o estabelecimento de igrejas autóctones com visão missionária, prontas a levar o evangelho a outras áreas, enfrentando grandes sacrifícios. Yusuf Turaki recorda a atitude dos missionários pioneiros da SIM, que foi passada à igreja estabelecida, citando uma carta escrita pelo Sr. Gowans a sua mãe, em que dizia: “Nosso sucesso nesta empreitada significa que o país estará aberto para o evangelho; nosso fracasso, no máximo, nada mais do que a morte de dois ou três fanáticos iludidos. Mas, se falharmos, será nossa própria culpa, por falta de fé. Deus é fiel – ele não falha. Mas, nem a morte significa derrota. Seus propósitos são alcançados. Ele usa mortes bem como vidas para propagar a sua causa. Afinal, será que não vale a pena este investimento? Sessenta milhões estão em jogo! Será que não vale a pena arriscar até nossas vidas por tantos?” Turaki concluiu que não há dúvida se esses missionários pioneiros estavam espiritualmente preparados desde o princípio, para enfrentar qualquer dificuldade ou perigo pelo caminho, e alcançar o Sudão com o evangelho. De fato, eles estavam, porque em menos de um ano, dois dos três missionários pioneiros morreram no lugar que mais tarde se tornou a Nigéria atual. Deus, no entanto, providencialmente poupou Roland Bingham, que perseverou no trabalho, contra todas as expectativas, o que eventualmente resultou no estabelecimento das igrejas da antiga SIM, agora chamadas de igrejas da Evangelical Church Winning All (ECWA), que tem mais que cinco mil congregações locais e pastores, e mais que seis milhões de membros em todo o mundo. Além disso, os missionários da Evangelical Missionary Society (EMS) da ECWA continuam a ministrar em áreas remotas infestadas de doenças e no norte da Nígéria, centro do Islamismo fanático e volátil. Esta é a herança dos missionários pioneiros e que continua a ser passada a gerações subsequentes. Recentemente, durante o levante muçulmano contra os cristãos no norte da Nigéria, um de nossos missionários da EMS, Isma Dogari, foi sequestrado, forçado a entrar numa mesquita, e pressionado para negar a Cristo e aceitar o Islamismo. Quando se recusou, arrancaram os seus olhos e depois o mataram. Algumas das denominações estabelecidas pelos missionários pioneiros ocidentais que passaram por sofrimento, perseguição e martírio no início de seus ministérios desenvolveram uma forte resiliência em decorrência disso. Isto não só as ajudou a sobreviver na fornalha em chamas, mas também as preparou da melhor forma, para serem testemunhas missionárias do evangelho em outras situações semelhantes de aflição. Por exemplo, quando as igrejas nas casas da China planejaram entrar para o movimento “Visão de Volta a Jerusalém”, um movimento que que começou com a esperança de levar o evangelho, desde a nações não alcançadas vizinhas da China até chegar a Jerusalém, primeiramente exigiram que fossem enviados seus melhores obreiros. Para decidir quais eram os melhores obreiros, procuraram aqueles que estavam em posições de liderança no movimento de igrejas nas casas há pelo menos dez anos, que tinham sofrido muitas dificuldades pelo Reino de Deus, e cujos ministérios estavam frutificando muito há muito tempo. Estes eram os critérios necessários, porque vinte e nove dos trinta e seis obreiros enviados foram presos em seus primeiros dias de trabalho missionário! Assim, o que encontraram foi uma situação que já haviam previsto, e para a qual estavam preparados de antemão. A maioria das denominações que foram fruto de projetos missionários sacrificiais ou que cresceram e floresceram em meio ao sofrimento, perseguição e martírio naturalmente estariam mais preparadas e adaptadas para alcançar áreas de dificuldades semelhantes. Infelizmente, muitas igrejas implantadas por denominações modernas não tiveram o privilégio de desenvolver-se a partir de situações difíceis, mas são produto de um evangelismo moderno de shows, ou do chamado evangelho da prosperidade – um evangelho que tem propagado o Cristianismo principalmente aos que já foram evangelizados, e que não exige que os cristãos tomem sua cruz, e, como Paulo, preencham o que resta das aflições de Cristo, na sua carne, a favor do seu corpo, que é a igreja (Cl 1.24). Assim, não estão prontos a pagar o preço de levar o evangelho aos povos não alcançados ou aos menos evangelizados. Outras igrejas, especialmente no hemisfério ocidental, mas também nas regiões do Sul da maioria, se tornaram complacentes no seu conforto há muitos anos. Perderam o fogo evangelístico e o zelo missionário e, com certeza, relutam em sair de sua zona de conforto, a arriscar qualquer coisa por amor do progresso do evangelho que elas mesmas afirmam como único meio e poder para a salvação de almas. Em Crônicas 12.32, os homens de Issacar eram conhecidos como homens que entendiam sua época e sabiam o que Israel deveria fazer. Em tempos como estes, há uma necessidade premente de acordar e preparar a igreja e agências missionárias, para enfrentar os desafios de missões no século vinte e um. Isto passa necessáriamente pelo preparo para o sofrimento, perseguição e martírio. UMA ABORDAGEM DUPLA Geralmente, o preparo da igreja e de agências missionárias para o sofrimento, perseguição e martírio pode ser considerado de duas perspectivas principais: A PERSPECTIVA TEOLÓGICA, DOUTRINÁRIA E ESPIRITUAL Foi a perspectiva bíblica, teológica, doutrinária e espiritual correta que inspirou o grande Guilherme Carey, conhecido como pai das missões modernas, a despertar toda a igreja de Cristo para sua responsabilidade divina de levar o evangelho aos povos não alcançados do mundo. Nos dias de hoje, é a visão teológica, doutrinária e espiritual correta sobre o sofrimento, perseguição e martírio que é necessária, para estimular a igreja a alcançar o restante dos povos não alcançados que estão localizados nos chamados países fechados. Exigirá sacrifício, até mesmo o sacrifício de nossas vidas, levar o evangelho até eles. A igreja precisa ser despertada para a verdade do evangelho de que, nas palavras do Pastor Tson , “o sofrimento de Cristo é para a nossa propiciação, o nosso sofrimento é para a propagação.” O sofrimento, a perseguição e o martírio, como preço necessário a se pagar na propagação do evangelho, são enfatizados nas Escrituras. Isto precisa ser ensinado e enfatizado na igreja, e nas agências missionárias. Agências missionárias precisam se certificar de que os missionários sendo enviados conhecem as seguintes Escrituras em particular: Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me. Com isso, ele estava se referindo a seguir o caminho do seu sofrimento, perseguição e até a morte se fosse a vontade de Deus (Mt. 16.24) A Bíblia deixa claro em Atos 14.22 que “através de muitas tribulações, nos importa entrar no reino de Deus.” (Atos 14.22) O Senhor Jesus nos avisou que “vem a hora em que todo o que vos matar julgará com isso tributar culto a Deus.” (João 16.2). Quão verdadeiras são estas palavras para aqueles que estão sendo martirizados por fanáticos muçulmanos hoje, em nome de estar seguindo um mandato de seu deus Alá! Pedro disse: “ Amados, não estranheis o fogo ardente que surge no meio de vós, destinado a provar-vos, como se alguma coisa extraordinária vos estivesse acontecendo;” (1 Pedro 4.12) Tiago disse: “Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria o passardes por várias provações, sabendo que a provação da vossa fé, uma vez confirmada, produz perseverança. Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que sejais perfeitos e íntegros, em nada deficientes.” (Tiago 1.2-4) Falando sobre o fim dos tempos em que estamos, Apocalipse 13. 5-7 diz: “ Foi-lhe dada uma boca que proferia arrogâncias e blasfêmias e autoridade para agir quarenta e dois meses; e abriu a boca em blasfêmias contra Deus, para lhe difamar o nome e difamar o tabernáculo, a saber, os que habitam no céu. Foi-lhe dado, também, que pelejasse contra os santos e os vencesse.” Portanto, o martírio é, com certeza, a vontade de Deus para alguns cristãos. A igreja e as agências missionárias não deveriam, entretanto, encorajar os cristãos e os missionários a desejar ou a procurar a perseguição, o sofrimento e o martírio pela causa do evangelho. Gordon Heath, escrevendo sobre desejar a perseguição, enfatiza esta afirmação, dizendo que os cristãos primitivos desconfiavam daqueles que estavam em busca de perseguição. A igreja primitiva aprendeu rapidamente que os que faziam isto eram geralmente os que não a conseguiam suportar. Ele continua, dizendo que a perseguição precisa ser vista como o que realmente é – “cheia de sangue, dor, e uma tragédia.” Os cristãos deveriam esperar e se preparar para a perseguição, mas jamais procurar ou desejar a mesma. Se vier, e não puder ser evitada, então sofra. Mas se não vier, não a deseje nem a provoque. A não ser que as igrejas e agências missionárias estejam preparadas para aceitar o sofrimento, a perseguição e o martírio como parte do plano divino e de seus propósitos para seu chamado, isto pode se tornar sua maior perdição. Adoniram Judson vivia nas campinas da graça soberana de Deus. Enfrentou tanta adversidade no campo missionário, inclusive perdendo suas esposas e seus filhos e ficando psicológicamente deprimido, que confessou: “Se eu não tivesse a certeza de que cada provação adicional foi ordenada pelo infinito amor e misericórdia, não poderia ter sobrevivido a tantos sofrimentos acumulados.” Uma ênfase renovada no desenvolvimento do relacionamento pessoal dos cristãos e sua comunhão com o Senhor precisa ser dada pela igreja e pelas agências missionárias, para que os cristãos e missionários possam resistir e florescer onde há sofrimento, perseguição e martírio. Em muitos casos, os missionários acabam ministrando em situações isoladas e difíceis, de tal forma que é a espiritualidade interna, construída e sustentada pelos seus próprios hábitos devocionais de oração e comunhão com o Senhor, que vai sustentá-los. Não é incomum missionários serem presos e colocados na cadeia, e submetidos a trabalho forçado. Nessas circunstâncias, sua única fonte de sobrevivência é sua força espiritual interior, porque geralmente são destituídos de qualquer comunhão ou ajuda. Cristãos e missionários só podem continuar bem em situações de sofrimento, perseguição e martírio se derem atenção ao desenvolvimento desses recursos espirituais internos. Esta é a experiência da igreja na China e na maioria dos países em circunstâncias semelhantes. A perseguição brutal da igreja na China fez com que ela ficasse sem nada externo que pudesse ser associado ao Cristianismo. Prédios de igrejas foram confiscados e, ou foram demolidos, ou usados como casas, ginásios ou depósitos. Bíblias e hinários foram queimados, e a liderança das igrejas, quase inteiramente removida. No entanto, apesar de estarem vivendo num sistema empenhado na sua destruição, as igrejas na China aprenderam a não ter medo – não porque apreciem a perseguição e a tortura, mas porque conhecem a Deus e foram profundamente transformadas. Elas experimentaram o amor profundo e íntimo de Deus, e agora conhecem pessoalmente a verdade das suas promessas. PREPARO FÍSICO Em nenhum outro lugar, a verdade encontrada em Mateus 10.16 é mais aplicável que na forma como a igreja e as agências missionárias deveriam agir diante do sofrimento, perseguição e martírio. É necessário ser prudentes como as serpentes e símplices como as pombas. Se a igreja precisa preparar cristãos e missionários para qualquer eventualidade e, de fato, como já falamos antes, estar pronta para sofrer e, se necessário, morrer por seu testemunho cristão, existe uma base teológica, para que a igreja dê passos razoáveis no preparo de cristãos e missionários fisicamente para uma resposta prática. Alguns sofrimentos e perseguição podem ser provocados por ignorância, insensibilidade e até descuido evidente para com a cultura, tradição e religião dominante da comunidade, ou para com os campos missionários. Portanto, missionários precisam ser apropriadamente orientados para ministrar na cultura e no contexto socioreligioso de seus campos, de modo a evitar sofrimento autoinfligido. Também, tem havido uma grande mudança de atitude de muitos (certamente não de todos) missionários ocidentais de hoje, comparando-se aos missionários veteranos de antigamente, pelo menos na opinião do que um Africano pode observar. Os “velhos veteranos” estavam, com certeza, mais preparados para circunstâncias adversas. Isto transparecia nas poucas posses que traziam para o campo missionário. Além disso, eles também estavam mais dispostos a viver no nível básico de subsistência, juntamente à a população autóctone com que conviviam durante toda a vida. Alguns missionários até começavam a treinar como iriam viver no campo missionário, mesmo antes de saírem de seu país de origem, vivendo com menos luxo e comendo refeições menos elaboradas. Ao contrário, muitos dos missionários de hoje chegam com equipamento pesado e variado, alimentos importados, e outras conveniências para tornar suas vidas o mais confortável possível no chamado campo missionário. Diferente do que ocorria antes, sua base de atuação missionária se restringe muitas vezes a vilas e cidades, porque, como eles justificam frequentemente, “há razões de segurança e de saúde”. Muitos dos missionários de hoje operam a partir de suas bases confortáveis em vilas e cidades, e ocasionalmente visitam os missionários autóctones que trabalham em regiões perigosas e difíceis. Esses missionários também só ficam no campo missionário enquanto for conveniente para eles. Muitas vezes, eles voam para casa ao menor sinal de perigo ou conflito. Este tipo de atitude é uma das maiores razões que levaram à ideia, certa ou errada, de que as agências missionárias do Sul só precisam do apoio financeiro dos parceiros do Norte. A ideia é que este apoio financeiro pode ajudar a sustentar bem mais missionários autóctones, já acostumados com a dificuldade, e assim, ser um apoio mais efetivo, por uma fração do valor do que custaria sustentar um missionário ocidental. Missionários que vêm de países desenvolvidos, especialmente Ocidentais, precisam ser orientados quanto à necessidade de serem testemunhas para as equipes missionárias autóctones em seu contexto e estar preparados para baixar seu padrão de vida, enfrentar perseguição, e até o martírio, junto com as ovelhas que o Senhor lhes der para cuidar, e não fazer como os mercenários que fogem cada vez que há uma ameaça. Embora missionários precisem estar preparados e dispostos a sofrer e até a morrer, se for da vontade soberana de Deus, a experiência de Cristo após seu nascimento (Mateus 2.13) nos ensina que pode haver situações em que precisemos mesmo fugir da perseguição. Quando o Rei Herodes ordenou que as crianças de dois anos para baixo fossem mortas, Deus ordenou que os pais do bebê Jesus fugissem para o Egito até que este rei morresse. Também a experiência de Paulo ilustra bem a necessidade de se estar aberto à direção e orientação de Deus nessas situações. No princípio, quando estava sendo perseguido pelos Judeus, Paulo foi descido, dentro de um cesto, da janela na muralha. Outra vez, no entanto, ele foi avisado que corria perigo de morte, mas respondeu que sua vida só teria valor para ele, se pudesse completar a carreira de levar o evangelho (Atos 20.24) A igreja Chinesa tem feito os missionários se prepararem para correr e escapar, se essa for a direção de Deus. Eles dizem: “sabemos que o Senhor nos manda para a prisão para testemunhar a seu respeito, mas também cremos que o diabo às vezes deseja nos aprisionar, para parar o ministério que Deus nos chamou para fazer. Ensinamos aos missionários habilidades especiais, tais como o que fazer para se libertar de algemas, em trinta segundos e como pular de uma janela no segundo andar sem se machucar.” Este tipo de preparo não é descabido na igreja, e especialmente para missionários que serviriam em países onde há tendência à perseguição, como na janela 10/40. Embora uma agência missionária possa ter que acionar planos de emergência no caso de perigo para os missionários, as decisões sobre se os missionários deveriam ficar ou fugir, como regra geral, deveriam ser tomadas pelos próprios missionários, e não impostas a eles. Pela experiência da igreja de nossa denominação (ECWA), a igreja precisa tomar as seguintes medidas para se preparar para o sofrimento, a perseguição e o martírio: Oração A igreja deveria estar altamente mobilizada para orar constantemente contra o aumento da violência e pelo consolo e encorajamento de vítimas de violência. Sensibilizar líderes e membros da igreja quanto aos primeiros sinais de conflito e como conseguir ajuda Na nossa experiência, cristãos têm reagido aos conflitos ao invés de serem proativos. Membros de igreja precisam ser sensibilizados e ensinados a detectar ataques iminentes e chegar a um lugar seguro durante ataques. Suprir ajuda imediata A igreja deve estar sempre preparada, por causa do aumento de ataques, para se deslocar até as áreas afetadas, para verificar as condições dos seus membros e suprir ajuda imediata em termos de transporte de pessoas, comida, roupas, cuidados médicos, cobertores, colchões, e outros itens essenciais para famílias afetadas. Uma rede deveria ser estabelecida, para tornar mais fácil a mobilização de membros de igrejas e cristãos para regiões, estados, zonas, e até países fora das áreas de crise, e para enviar ajuda aos irmãos e irmãs afetados e necessitados imediatamente e também por longo prazo. Apoiar membros para que reconstruam suas casas e igrejas A igreja deve estabelecer um fundo de emergência ao qual possa recorrer para ajudar seus membros a reconstruirem suas casas e locais de adoração. Isto deveria ser feito para aliviar seu sofrimento, mas também para garantir a permanência do testemunho cristão nessas áreas. Investigação, coleta de relatórios, e apresentação da posição da igreja diante de comissões de investigação e da mídia A igreja precisa analizar objetivamente cada situação de crise (causas, nível de prejuízos e suas intenções) e elaborar um relatório detalhado para a liderança da igreja. Num país como a Nigéria, o governo tradicionalmente investiga a crise. O relatório da igreja pode ser enviado à comissão, representando a voz dos membros afetados. Representação legal para os membros presos Como é comum durante casos de violência religiosa, membros da igreja muitas vezes são presos injustamente por agentes da polícia preconceituosos contra sua religião, o que piora o sofrimento das famílias, porque geralmente quem é detido é justamente a pessoa que sustenta a casa. A igreja deveria ter um serviço legal gratuito a que possa recorrer, para garantir a justiça para esses membros e sua libertação. Apelo à calma e repúdio à violência Em contraste aos grupos religiosos no país, que usam, muitas vezes, seus locais de culto para incitar e infligir a dor e a violência contra cristãos, a igreja deveria usar seu púlpito e a mídia para apelar aos seus membros e igualmente a outros cristãos que permaneçam calmos diante da perseguição contra eles, evitando a violência e buscando a paz por todos os meios necessários. Consulta ao governo/a outros grupos religiosos A igreja deveria continuar se encontrando com autoridades governamentais, se possível, para consultá-las e oferecer sugestões úteis para interromper outras crises no país originadas pela intolerância religiosa. Ajudar na segurança Se possível, a igreja deveria estar sempre em contato com os militares, com a polícia, e outras agências de segurança, para ajudar a controlar a situação de violência e se possível, prevenir a violência antes que ocorra. Por fim, surge a questão: “Cristãos e agência missionárias deveriam ser preparados a se defender, usando armas de guerra? Esta é uma pergunta muito difícil que precisaria de uma consideração à parte. Porém, é certo que, diferente dos muçulmanos que consideram como mártires os representantes do Jihad que matam ou cometem suicídio enquanto estão divulgando o Islamismo, nenhum cristão pode ser considerado mártir a não ser que morra voluntariamente, como um sacrifício necessário que ele tenha que fazer por causa de seu testemunho cristão. QUESTÕES PARA REFLEXÃO 1. Quais foram os princípios dos missionários pioneiros da SIM quanto à disposição a pagar o preço de estabelecer igrejas no interior da África? Qual foi o fruto de sua atitude e dedicação? Como seu exemplo nos inspira em nosso trabalho? 2. Como, de acordo com Baba, as igrejas podem aprender a se preparar para o sofrimento e o martírio, e quais seriam atitudes inadequadas em resposta a tais dificuldades? Como sua igreja responde a estas questões, tanto a igreja local, quanto a igreja global de Cristo? 3. O que você acha das medidas que as igrejas da ECWA desenvolveram para se preparar para a crise e a perseguição? Como podemos adaptar suas diretrizes ao nosso contexto e a outros contextos? REFERÊNCIAS Abu, S. n.d. ECWA’s response to the religious conflict in Plateau and other northern states of Nigeria. Palestra apresentada ao Secretário para Respostas a Conflitos da ECWA. Baba, P. 2009. A vision received, a vision passed on. Jos, Nigeria: ACTS. Hattaway, P. 2003. Back to Jerusalem.Tyrone GA: Authentic Media. Heath, G. L. 2010. Wishing for persecution? International Journal for Religious Persecution 3/1, 15–22. www.iirf.eu. Mandryk, J. 2010. Operation world. Colarado Springs, CO: Biblica. Piper, J. 2009. Filling up the afflictions of Christ. Wheaton, IL: Crossway. Turaki, Y. 1993. An introduction to the history of SIM/ECWA in Nigeria 1893–1993. Jos, Nigeria: ECWA Publications. Sr. Stephen Panya Baba formado em contabilidade na universidade, tem Mestrado em Estudos Bíblicos (MABS) do Seminário Teológico da ECWA, Igbaja, Nigéria. Trabalhou doze anos como implantador de igrejas e pastor em Abuja, Território da Capital Federal da Nigéria, antes de assumir seu presente mandato como Diretor da Sociedade Missionária Evangélica (SME) da Evangelical Church Winning All (ECWA) em janeiro de 2009. Mora em Jos, na Nigéria Central. PREPARANDO A IGREJA LOCAL E NOSSOS MISSIONÁRIOS Paul Estabrooks Em janeiro de 2004, eu estava liderando um grupo da minha igreja no Canadá, que estava numa viagem missionária a Cuba. A igreja em Cuba tinha passado por um movimento de grande avivamento e o movimento de igrejas nas casas estava cheio de novos cristãos. Em Havana, visitamos o Seminário Batista e tivemos o prazer de estar com o seu presidente, já idoso, Reverendo Dr. Vegilla. Ele falava inglês fluentemente e nos contou como havia passado cinco anos no sistema carcerário de Castro nos anos 60, só por ser um pastor cristão. Também especificou as pressões por que a igreja passou nas mãos do regime de Castro nos últimos quarenta e cinto anos. Depois sorriu e, de forma positiva e gentil, concluiu: “Mas aprendemos três coisas nestes anos. Aprendemos a não temer, a não odiar e a não prejudicar!” Meditei sobre esta afirmação por algum tempo e concluí que ela expressa muito sucintamente a essência bíblica de permanecer firme durante qualquer tempestade. Aprender “a não temer” infere o desenvolvimento de ousadia e coragem. Aprender a “não odiar” implica em focalizar o amor, o perdão e a graça. E aprender a “não prejudicar” indica um compromisso com os princípios bíblicos de dizer não à violência e sim ao amor radical. Três lições de grande valor. Através de seu ministério aos cristãos perseguidos em países comunistas durante a guerra fria, o Irmão André e seus grupos da Portas Abertas perceberam a necessidade de treinamento preparatório em regiões onde os cristãos eram ameaçados de perseguição. Anos de escuta e observação de princípios de vida cristã vitoriosa – bem como de derrotas – em países de acesso restrito formaram a base para este treinamento. O Dr. Everett Boyce, da eguipe de Portas Abertas na Ásia, produziu o primeiro manual de treinamento, intitulado More than Conquerors (Mais que Vencedores). Ensinou estas lições a cristãos de diversas denominações no sudeste da Ásia, no início dos anos 80. Seu foco principal eram métodos bíblicos e práticos de preparo contra a ameaça do Comunismo e de como responder a ele. Com o aumento dos desafios do Islamismo militante e da intolerância religiosa em nações Hindus e Budistas, logo ficou evidente que o programa de treinamento precisava se expandir. Isso deu origem ao manual de treinamento Standing Strong through the Storm (SSTS) (Ficando Firme na Tempestade) . Um comitê de membros talentosos da equipe da Portas Abertas do sudeste da Ásia, do Golfo, da América Latina, da China e da África trabalhou em conjunto, para garantir que o produto final fosse bíblico, prático e ensinável. Tive o privilégio de escrever o currículo do texto. O Dr. Jim Cunningham, agora no Canada Institute of Linguistics na Universidade Trinity Western, produziu os manuais do aluno e do professor. Embora os testes no campo tenham sido bem sucedidos no Sri Lanka e no nordeste da Índia, foi no conflito entre muçulmanos e cristãos em Ambon, na Indonésia, que tivemos a primeira oportunidade significativa de realmente ver resultados. Em 1998, dois obreiros da Portas Abertas encontraram-se com pastores de destaque na ilha, recomendando o seminário do SSTS. Sua resposta não foi surpresa: eles achavam que o crescente conflito com os muçulmanos extremistas poderia afetar Jakarta, a capital, mas não sua ilha, onde muçulmanos e cristãos conviviam em paz há séculos. A Indonésia já foi descrita como “ponto de encontro das religiões do mundo”. Lá estão a maior comunidade islâmica do mundo, além de três outras grandes religiões: Cristianismo, Budismo e Hinduísmo. Embora a maioria da população seja muçulmana, a Indonésia não é um Estado religioso. De acordo com o lema nacional “unidade na diversidade”, a filosofia do Estado de Pancasila é baseada em cinco princípios, a saber: 1. 2. 3. 4. 5. Crença em um Deus todo-poderoso, único e onipotente; Um humanitarismo civilizado e justo; Uma democracia guiada pela sabedoria e pela representatividade; Justiça social para todos, e Uma Indonésia unida. No início de 1999, o grupo extremista muçulmano conhecido como Laskar Jihad, com ajuda de estrangeiros do Afeganistão, começou a agitar a comunidade muçulmana na cidade de Ambon, na ilha de Ambon, capital da província de Maluku. Um infeliz incidente entre um motorista de ônibus cristão e um passageiro muçulmano provocou o primeiro ato de violência. A comunidade cristã foi atacada, igrejas queimadas e casas destruídas, deixando muitos refugiados e muitos cristãos mortos. A comunidade cristã respondeu imediatamente. Seus pensamentos, influenciados por um conceito amplamente adotado em todo o mundo – especialmente em países como o Sudão e a Nigéria – poderiam ser articulados da seguinte forma: “Precisamos mostrar a esses muçulmanos que nosso Deus é mais forte que o deus deles!” Eles se armaram e destruíram mesquitas, lares muçulmanos e pessoas. Isto acendeu a chama da violência que aumentava cada vez mais. Logo, milhares estavam mortos, dos dois lados, e dezenas de milhares perderam suas casas e se tornaram refugiados. A polícia e os militares pareciam impotentes para impedir a luta. De fato, muitas vezes foram acusados de ficar do lado da Laskar Jihad, Em meio à violência, no entanto, alguns relataram episódios de forte testemunho cristão. Uma dessas histórias se deu com um jovem cristão de quinze anos chamado Roy Pontoh que foi martirizado. No verão de 1999, ele foi a um acampamento cristão na ilha de Ambon, onde os estudos Bíblicos eram baseados em 2 Timóteo e o tema era “Soldados de Jesus Cristo”. Uma multidão armada de muçulmanos atacou o acampamento e encontrou o jovem Roy segurando sua Bíblia. Eles resolveram usá-lo como exemplo na frente dos outros, fazendo perguntas ameaçadoras, que ele respondeu com respeito e gentileza. Depois, ele foi trucidado com uma machete até morrer, e a última palavra que disse foi “Jesus”. O ciclo da violência tinha alcançado tal gravidade no fim de 2001 que líderes das igrejas quase desistiram de uma solução pacífica. Eles decidiram que estava na hora de convidar Portas Abertas para dar o semi-nário SSTS. Nem é preciso dizer, houve violência e destruição ao nosso redor, enquanto nos reuníamos com cinquenta líderes de igrejas na cidade de Ambon. Uma das cenas mais tristes que testemunhamos foi em uma mesquita, da qual só restaram as paredes enegrecidas da fachada. Nas paredes estava escrito em tinta vermelha em inglês – não em Bahasa Indonésio – “Eu amo Jesus!” Sabíamos que Jesus estava chorando ao ver a situação em Ambon. A resposta ao seminário foi reservada a princípio, mas depois foi muito positiva – especialmente por causa das histórias de perseguição em outros países e pelo ensino bíblico sobre o perdão e a oração. Entre as respostas recebidas encontramos: “A questão é, será que vou viver para Jesus agora? É mais difícil viver para Jesus todos os dias do que morrer por ele uma vez só.” Outra, dizia: O ensino sobre o perdão foi uma grande benção para mim. A lembrança de que devemos perdoar até mesmo os que nos machucaram profundamente e causaram muita destruição tocou minha vida. Reconheço que em meu coração, às vezes, quero parar de perdoar. Mas, sei que não posso mudar o que Jesus nos mandou fazer, que é perdoar até nossos inimigos. Quero me comprometer mais e colocar isto em prática. Uma confissão memorável veio de um pastor respeitado que disse ao grupo: O ensino mais difícil deste seminário foi o ensino sobre o perdão. É fácil citar Lucas 23.34, onde Jesus disse: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem,” mas eu disse a mim mesmo que não podia perdoar esses muçulmanos porque eles sabiam o que estavam fazendo, quando queimaram minha casa. Eles sabiam o que estavam fazendo, quando assassinaram minha esposa. E sabiam o que estavam fazendo, quando queimaram minha igreja! Não tinha conseguido perdoá-los até hoje. Pela graça de Deus agora eu os perdoo – e os perdoarei. Seus comentários iniciaram uma série de conversas no fim do seminário sobre “Que passos devemos dar agora?” O seminário havia afetado os pastores profundamente, e agora eles estavam buscando sabedoria para reagir. O Reverendo Dr. Iman Santoso, líder do Movimento de Oração Nacional na Indonésia, era um dos membros de nossa equipe. Ele propôs aos pastores que gastassem o restante daquele primeiro dia do Ramadã juntos em oração. Isto trouxe resultados surpreendentes! Depois de orar juntos de joelhos diante do Senhor, pedindo perdão, cura e reconciliação, eles concordaram em voltar aos seus púlpitos no domingo e pedir aos membros de suas igrejas: Fiquem em casa nos próximos três dias, se puderem; só vão trabalhar se tiverem que fazer isto; mas, separem este tempo para a oração e o jejum diante do Senhor. Então, como Ester, depois de jejuar e orar por três dias, nós iremos aos líderes muçulmanos e vamos buscar estabelecer um acordo de paz (Bohm, 2005: 201-202). O que os pastores e seus membros não sabiam é que, enquanto eles oravam e jejuavam, os conselheiros da Jihad Afegã começaram a sair da ilha para Kabul, para se prepararem para a invasão do exército americano em resposta ao 11 de setembro. Na semana seguinte, uma pequena delegação foi enviada aos líderes da comunidade muçulmana e pediu o seu perdão e a paz. Os líderes muçulmanos de Ambon aceitaram o pedido de perdão e, no Natal de 2001, um acordo de paz, negociado pelo governo, foi assinado, as cercas de arame farpado foram removidas das ruas e os cristãos e muçulmanos voltaram a comprar e vender nas lojas uns dos outros. Um grupo de cristãos decidiu estabelecer uma torre de oração que funcionaria dia e noite, no último andar do hotel onde o seminário de SSTS havia ocorrido da primeira vez. Esta vigília de oração continua até hoje. O SSTS está sendo ensinado num seminário de três dias em mais de vinte e sete línguas em muitas partes do mundo em que os cristãos vivem sob pressão. Há seis partes, depois da introdução: 1. O caminho da cruz. A singularidade de Cristo é o ponto de partida, com a profecia de Isaías sobre Jesus como “Servo Sofredor” como base. Jesus também avisou repetidas vezes que se ele foi perseguido, seus seguidores também o seriam. Uma definição bíblica de perseguição de Lucas 6.22 leva a várias bases bíblicas para o sofrimento no mundo e como o cristão deveria reagir diante deste sofrimento e perseguição. Resumindo, ele deveria andar “no caminho da cruz” ao invés de “no caminho da cultura”. 2. A igreja e a família vitoriosas. A simplicidade da igreja exige entendimento de sua essência, suas funções, e formas, para que cresça, seja flexível e não se detenha, sendo vitoriosa num mundo de antagonismo e oposição. 3. Conhecendo o nosso inimigo. (as estratégias de Satanás contra os crentes.) Nosso inimigo, Satanás, tem táticas tanto internas quanto externas, mas todas podem ser categorizadas como engano e intimidação. A vitória vem quando resistimos a ele – especialmente à sua tática favorita, o medo da morte. 4. Provisão para a vitória. Deus já providenciou recursos necessários para ficarmos firmes: toda a armadura de Deus, a Bíblia, a oração e o Espírito Santo. 5. Treinamento em retidão. (Desenvolvendo um espírito de servo.) A pessoa que é como Cristo age como sal e luz na comunidade, demonstrando amor a todos. Cada um também encoraja os outros e cada um persevera. Resumindo, a vida é vivida com perdão e graça, como servos de Jesus Cristo. 6. A vitória (Vitoriosos na superação) O segredo de permanecer firme não é a riqueza, nem a prosperidade, nem a ausência de problemas, mas a obediência diante de provações e dificuldades. Algumas igrejas em países ocidentais consideram estes ensinamentos importantes para seus membros também. Satanás só usa táticas diferentes contra nós que estamos vivendo nos chamados países livres. Um pastor da Noruega me disse: “Não somos perseguidos aqui. Somos apenas seduzidos!” Então o SSTS também é promovido como seminário em países ocidentais e o livro texto também está disponível para estudos em grupos pequenos. Um livreto chamado Red Skies @Dawn: The Coming Storms ( Estabrooks e Cunningham 2005) foi produzido para suprir essas oportunidades. Depois, recebemos o pedido de países que utilizavam o SSTS para que fizéssemos o treinamento de futuros pastores e líderes da igreja num nível acadêmico de Seminário. O Dr. Jim Cunningham já visitou Seminários em países como o Sri Lanka e Bangladesh, para ajudar a desenvolver um currículo para um curso sobre A Teologia da Perseguição e o Discipulado. Hoje, enquanto escrevo, ele está de volta a Ambon, na Indonésia, com oito de onze escolas de teologia na ilha de Ambon, cada uma querendo adicionar este curso ao seu currículo. Os textos principais são Standing Strong through the Storm (Estabrooks e Cunningham, 2004) e a dissertação de doutorado sobre o sofrimento, a perseguição e o martírio do pastor Romeno, Josef Ton (Ton, 2000), In the Shadow of the Cross, de Glenn Penner (Penner, 2004) e Faith that Endures: The Essential Guide to the Persecuted Church (Boyd-MacMillan, 2006), do notável autor Dr. Ron Boyd-MacMillan, da Portas Abertas. O Dr. Cunningham e eu demos este curso uma vez em 2010 como uma matéria optativa intensiva no Seminário ACTS, no campus da Universidade Trinity Western em Langley, British Columbia, no Canadá. Outros Seminários agora estão pedindo. No discurso no cenáculo, alguns dias antes de sua crucificação, Jesus disse aos seus discípulos: “ Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim.” (João 15.18). O ódio a Jesus Cristo é o fundamento na perseguição de cristãos, não importa quão intensa. Hoje, cristãos evangélicos em sociedades livres são odiados por muitos, por causa de sua fé no Jesus sobrenatural – embora Jesus, na forma de uma joia ao redor do pescoço, em filmes, na música e até em tatuagens tenha se tornado moda. Além dos ataques contra a fé em Jesus, há também ataques contra a Bíblia, contra a igreja e sua missão – evangelismo. Os ventos dessas tempestades estão começando a soprar com força. Como, então, os cristãos nas sociedades ocidentais respondem a essas tempestades? Vamos nos acovardar com um medo paralizante e perder a energia para as boas obras que ajudariam os outros antes, durante e depois da tempestade? Vamos fugir da tempestade que está chegando e tentar nos esconder? Vamos nos tornar verbalmente e fisicamente agressivos, atacando como fariseus, para mudar um sistema que está fora de controle? Vamos sorrir com complacência e dizer: “As coisas precisam piorar antes da volta de Jesus Cristo à terra como Rei dos Reis e Senhor dos Senhores. Vamos dizer que a perseguição é boa porque separa as ovelhas dos cabritos e permite que a igreja cresça, então ‘Não se preocupe, alegre-se, tudo vai dar certo!? ‘” Estas opções não são nem bíblicas, nem realistas. Com base em nossas observações de cristãos em outros países que perseveraram na perseguição, ou que a estão experimentando agora, devemos nos preparar intelectualmente, praticamente e espiritualmente para as tempestades de hoje, bem como para as tempestades que ainda chegarão. QUESTÕES PARA REFLEXÃO 1. Leia Marcos 4.35-41. Que princípios de sobrevivência às tempestades aprendemos desta passagem? 2. Leia Apocalipse 12.11 em seu contexto. Explique como o sangue do Cordeiro, a palavra do testemunho e o amor sacrificial (martírio) podem ir de encontro às acusações de Satanás. 3. É possível amar seu inimigo e ainda lutar contra ele? Explique sua resposta com base bíblica. 4. Identifique as razões bíblicas primárias por que devemos perdoar os outros. Por que é tão difícil colocar em prática o perdão? REFERÊNCIAS Bohm, C. J. 2005. Brief chronicle of the unrest in the Moluccas: 1999–2005. Ambon, Indonésia: Crisis Centre Diocese of Amboina. Boyd-MacMillan, R. 2006. Faith that Endures: The essential guide to the persecuted church. Grand Rapids, MI: Fleming H. Revell. Estabrooks, P., and J. Cunningham. 2004. Standing strong through the storm: Victori-ous living for Christians facing pressure and persecution.Santa Ana, CA: Open Doors International. ———. 2005. Red skies @ dawn: The coming storms.Santa Ana, CA: Open Doors International. Penner, G. 2004. In the shadow of the cross: A biblical theology of persecution and discipleship. Bartlesville, OK: Living Sacrifice Books. Ton, J. 2000. Suffering, martyrdom and rewards in heaven.Wheaton, IL: Romanian Mis-sionary Society. Paul Estabrooks completou mais de trinta anos de ministéiro entre cristãos perseguidos com Portas Abertas Internacional, e atualmente serve como Especialista Senior em Comunicações. É autor de quatro livros, o mais recente sendo Night of a Million Miracles (A Noite de um Milhão de Milagres), em que descreve sua coordenação do Projeto Pérola, a entrega secreta de um milhão de Bíblias chinesas. PREPARANDO UMA AGÊNCIA DE MISSÕES Um ponto de vista dos EUA S. Kent Parks Vale a pena sofrer pelo que estamos fazendo agora? Qual seria um objetivo pelo qual vale a pena sofrer? O que é sofrimento legítimo? A forma como os crentes enfrentam o sofrimento é um instrumento de Deus para mostrar a sua glória? A maior parte da comunidade missionária global concordaria rapidamente que os modelos coloniais de compounds missionários e vistos missionários não são legítimos no mundo de hoje. Mas, práticas baseadas nos resquícios culturais desta era continuam a afetar parte do conhecimento popular sobre missões. O treinamento para o ministério encarnacional geralmente enfatiza servir por muitos anos num mesmo local para que possa ser efetivo, aprender apenas uma cultura muito bem, e manter um visto válido. Às vezes, o sucesso significa quais programas se implantar de modo a ser aceito pelo governo e pela sociedade. Às vezes, ele é medido pelo número de igrejas institucionais que se consegue instalar, ao invés de como iniciar o Corpo de Cristo orgânico e que se reproduz. Às vezes o sucesso é medido por quão próximo se chega do sofrimento, sem ter que realmente passar por ele. Por isso, tenho as seguintes questões: VALE A PENA SOFRER POR TUDO QUE SE CHAMA DE “MISSÕES”? Muitos esforços missionários usam uma definição mínima: a igreja está fazendo coisas boas. O objetivo de muitos esforços geralmente é definido como transformação, ou ser a presença de Cristo, ou fazer o bem em nome de Jesus. Com tais definições impossíveis de se medir, qualquer atividade ou a mera capacidade de existir é definida como “missões”. Muitos esforços missionários não se encaixam nem em padrões profissionais de efetividade nem em padrões bíblicos (os quais podem ser mais parecidos do que se pode imaginar). Um compromisso com a excelência bíblica exige que se pague o preço integral ao invés do preço de barganha que muitos buscam. Será que vale a pena sofrer por um projeto humanitário que não tenha nenhuma definição clara de como medir a transformação da comunidade tanto física quanto espiritual? Será que vale a pena sofrer por um programa que pode eventualmente levar a um testemunho e a alguns crentes e somente a um resultado temporário subsidiado? Quando o sucesso é definido por “apenas o que se faz”, enquanto se aceitam as restrições do governo ou de religiões para não contar a história de Jesus (sob o disfarce de ser “sábio como as serpentes...”), isto significa logicamente que 1) as pessoas realmente vão “ver” Jesus de forma a levá-los a um relacionamento pessoal com ele e 2) os poucos que se decidirem a seguir a Jesus serão uma ameaça ao ponto que alguém na sociedade se importe, e assim o sofrimento valeria a pena? Será que vale a pena sofrer por construir um prédio e alcançar um número pequeno de pessoas que vivem nesse aquário? Será que vale a pena sofrer se tudo o que se está fazendo é começar uma escola de treinamento vocacional chamada de Seminário, para treinar pessoas para fazerem funcionar essas instituições de poucas pessoas? Vale a pena sofrer por criar um bom programa de educação primária ou secundária com a esperança (mas não com um plano definitivo) de que pessoas conheçam a Jesus por osmose? Francamente, não vale a pena sofrer por um programa de agricultura, ou por uma escola (secundária ou faculdade, qualquer uma), ou por começar uma colônia estranha de qualquer país de origem (chamada de “igreja, com um prédio, pastor formado, etc...), seja ela coreana, norteamericana, de Singapura ou iberoamericana. PARA O QUÊ VALE A PENA SOFRER? Na verdade, a pergunta é: “Por que os apóstolos de Jesus sofreram?” A resposta é que a natureza inerente às palavras, obras e maravilhas do Reino de Deus abertamente realizadas (palavra, ação, milagres) foi rapidamente reconhecida como uma ameaça total às estruturas de poder do governo, da religião, da filosofia e do modo de vida da sociedade e uma contradição a elas. Jesus, os apóstolos e a igreja primitiva sofreram porque eles pediram às pessoas, sem pedir desculpa por isso, que mudassem sua lealdade aos reinos terrestres para uma lealdade ao Reino de Jesus. Ironicamente, quando um objetivo tão alto é visto como algo possível, mesmo que exija um preço igualmente alto, as pessoas se sacrificam para alcançar este objetivo. Um objetivo pelo qual vale a pena sofrer é ver grupos que se reproduzem de “pessoas obedientes”(discípulos) de Jesus Cristo, que começam a reproduzir mais grupos de pessoas obedientes, que começam a reproduzir mais grupos de pessoas obedientes, que... Estes grupos que se reproduzem são ensinados a obedecer tudo o que leem nas Escrituras, sob a orientação do Espírito Santo (assim eliminando a necessidade de uma pessoa de fora “que seja “treinada” ou que fique tempo demais). Estes grupos obedientes – a verdadeira ekklesia - , tendo aprendido a ser dirigidos pelo Espírito de Jesus, começam a alimentar os pobres em seus bairros, a destruir casas de virgens para liberar adolescentes da opressão sexual, a ajudar as viúvas, e a amar seus inimigos (pessoais e étnicos). Eles se tornam uma encarnação completa de Jesus em sua cultura, com uma massa crítica suficiente para não exigir manutenção externa. Eles mudam o equilíbrio das lealdades em sua sociedade. Eles se unem para completar a Grande Comissão. Por tal mudança para o Reino de Deus, vale a pena sofrer qualquer coisa. Os obreiros e a organização devem estar preparados para enfrentar momentos de Getsêmani (Mateus 26.36ss) em que, como Jesus, o obreiro, ou obreiros, percebe que deve beber o cálice do sofrimento, para realizar o plano de Deus. Nos lugares em que movimentos reais tiverem acontecido, as testemunhas transculturais que trazem a mensagem de mudança e os líderes dos grupos multiplicadores sofrerão. O de fora terá que resolver se é mais importante manter um visto e evitar o sofrimento, ou ajudar a começar um movimento de milhares que terão um relacionamento real, abundante e eterno com Jesus – e pagar o preço do sofrimento, seja qual for. C.T. Studd, um líder de missões conhecido de outro século resumiu isto da seguinte forma: "Se Jesus Cristo é Deus e morreu por mim, não há sacrifício grande demais que eu não faça por amor a Ele." ENTENDA O QUE É SOFRER PELO EVANGELHO E O QUE NÃO É Quando se pede a uma sociedade uma mudança de lealdade para Jesus, o sofrimento nas mãos do governo, de líderes políticos e culturais da sociedade vai ocorrer (por exemplo, açoites, prisão, perda de um visto). Mas, às vezes, o sofrimento acontece porque alguém utiliza métodos inadequados (como usar um alto falante para perturbar os muçulmanos na saída das suas orações vespertinas na capital da Malásia). Outras vezes, quando alguém escolhe conscientemente não obedecer as leis legítimas, como adquirir uma permissão para trabalhar, essa pessoa precisa estar disposta a sofrer as consequências de seus atos ao invés de escrever uma carta da oração falando mal desse governo asiático corrupto que a está perseguindo. Sofrer por ser ousado da forma correta e sofrer por ser estúpido são duas coisas completamente diferentes. Além disso, os missionários devem ser equipados para perceber que o sofrimento pode vir na forma de ataques do Mal e de seus seguidores. Este sofrimento pode assumir a forma de uma série de doenças, crises familiares, etc... O propósito não é de jogar a culpa de qualquer dificuldade sobre um ataque espiritual do mal. O propósito é de ajudar nossas equipes a entender que toda necessidade pode e deve ser levada ao Senhor para sua solução. Quando várias equipes que estavam trabalhando com um grupo de não alcançados começaram a passar por uma série de doenças, algumas pessoas no grupo perceberam que o padrão estava fora do normal. Convidaram todas as equipes e todos os parceiros em oração para se unirem e orarem por alívio destas doenças. De repente as doenças pararam. A confiança para pedir ajuda ao Senhor diante de qualquer forma de sofrimento deve ser desenvolvida em todos os obreiros. ENTENDA QUE A FORMA COMO OS CRISTÃOS ENFRENTAM O SOFRIMENTO É UM GRANDE TESTEMUNHO SOBRE JESUS E PARA A GLÓRIA DE DEUS Às vezes, Deus cura nesta terra para demonstrar seu poder. Às vezes, este Deus de toda consolação (2 Co 1.3-4) ajuda as pessoas a terem a paz que excede todo entendimento durante o sofrimento e a morte. Às vezes, a cura é eterna depois da morte nesta terra. Se ser um seguidor de Jesus significasse que a pessoa seria sempre curada e nunca passaria por sofrimento, muitos poderiam aceitar esta opção barata, ao invés de seguirem a Jesus por amor a ele. Um entendimento mais completo do sofrimento por amor do evangelho nos ajuda a entender por que organizações missionárias não pagam resgate, não só para que os missionários não se tornem um alvo lucrativo. Muda a questão sobre se os missionários devem ficar ou fugir diante da violência num país. Muda se vamos deixar “ o lobby de Deus” ao invés do “lobby do governo” promover a libertação de alguém da cadeia. Muda se vamos correr para ajudar novos cristãos a escapar de provações. Num país hostil ao Cristianismo, seis cristãos/líderes foram levados a julgamento por suas vidas, acusados de heresia. Eles ligaram para uma pessoa de fora (plantador de igreja), pedindo conselho. Ao invés de tentar resgatá-los, a pessoa de fora lhes recomendou que pedissem sabedoria a Deus. Eles ligaram de volta para dizer que Deus os havia dirigido para ir a julgamento e não para fugir. Quando começou o julgamento, com um painel impressionante de juízes religiosos e uma corte lotada, um demônio começou a se manifestar através de uma mulher. Estes líderes religiosos – inclusive alguns shamãs poderosos – não conseguiram parar ou remover a mulher. Os juízes anunciaram que teriam que adiar o julgamento para mais tarde. O Senhor orientou aos seis líderes que pedissem ao painel de juízes se poderiam resolver o problema. O painel concordou, com cepticismo. Os homens começaram a orar baixinho, mas de forma audível, no nome de Jesus para que o demônio fosse embora. O demônio foi expulso e a mulher ficou quieta, e todos ficaram em silêncio na corte. Muitos passaram a crer em Jesus, inclusive alguns juízes. Se, como geralmente manda a sabedoria popular, esses cristãos tivessem sido levados clandestinamente a um lugar seguro diante do possível sofrimento, Deus não teria demonstrado seu poder para mudar vidas de forma tão visível. Este tipo de compromisso é evidente na forma como Hudson Taylor (líder, na Missão para o Interior da China) enfrentou o sofrimento. Enquanto estava na Europa recrutando mais missionários e também doente, ficou sabendo do aumento do número de missionários mortos no Levante dos Boxers na China (por volta de 1900). O que ele conseguiu dizer foi: “Não consigo pensar, não consigo orar, mas consigo confiar.” Cento e oitenta e oito missionários morreram no Levante dos Boxers, e embora a Missão tenha sofrido as maiores perdas (setenta e nove), Hudson Taylor se recusou a pedir ressarcimento ou compensação (o que os Poderes Ocidentais tinham exigido que a China oferecesse). Ele considerava essas ações contrárias ao evangelho. O trabalho da missão não diminuiu depois do Levante. Pelo contrário, foi mais vigoroso. O número de obreiros quadruplicou nas próximas décadas (Hefley 1994). Ele pôde enfrentar esta terrível tragédia porque já havia lutado com o Senhor em 1865, em Brighton Beach, sobre o risco e o sofrimento que ele estava pedindo aos novos candidatos que enfrentassem. “Eventualmente, um facho de luz se abriu sobre sua mente e ele exclamou: ‘Se estamos obedecendo ao Senhor, a responsabilidade está sobre ele, não sobre nós. ’” Logo em seguida, ele escreveu em sua Bíblia: ‘Em Brighton, 25 de junho de 1865, orei por vinte e quatro obreiros dispostos e habilitados para irem à China” (http://www.wholesomewords.org/missions/biolaylor3.html). CONCLUSÃO Como organização, estamos trabalhando para treinar nosso pessoal, não para o sofrimento, mas para ajudarem sociedades inteiras a mudarem sua lealdade para Jesus. Se ou quando isso acontecer, eles vão sofrer. O sofrimento por programas e instituições ou vistos não vale a pena. O sofrimento para ver nascer um Corpo de Cristo dinâmico e obediente vale. O objetivo não é de se estar fisicamente seguro. Uma frase “O lugar mais seguro para se estar é no centro da vontade de Deus” é falsa, se implicar que a morte, o estupro, os açoites, a prisão, etc... não vão acontecer. Jesus estava absolutamente no centro da vontade de Deus e, assim mesmo, foi morto. Mas, esta afirmação é verdadeira se entendermos segurança como vibração espiritual, uma comunhão íntima com Deus e eficiência. Mais importante, como podemos ter a ousadia de pedir às pessoas a quem somos enviados, que sigam a Jesus – que arrisquem-se a ficar alienados e a serem perseguidos pela sociedade – se não estivermos dispostos a enfrentar exatamente o mesmo? QUESTÕES PARA REFLEXÃO 1. 2. 3. 4. Vale a pena sofrer pelo que estamos fazendo agora? Qual um objetivo pelo qual vale a pena sofrer? O que é sofrimento legítimo? A forma como os cristãos enfrentam o sofrimento é um instrumento que Deus usa para sua glória? REFERÊNCIA Hefley, J., e M. Hefley. 1994. The Boxer Rebellion – 1990. By their blood: Christian martyrs of the twentieth century. Grand Rapids, MI: Baker House Books. Dr. Kent Parks é pastor, professor de Seminário e plantador de igrejas há vinte anos entre grupos não alcançados de muçulmanos no Sudoeste da Ásia. Em 2008, se tornou presidente da Missão para Povos Nào-Alcançados (Mission to Unreached Peoples), que focaliza o estímulo a movimentos integrais para Cristo entre os 27.9 porcento do mundo que ainda não têm acesso para ver ou ouvir as Boas Novas. CÓDIGO DE MELHORES PRÁTICAS Visitas Transculturais a Nações Restritas Voz dos Mártires Canadá PREÂMBULO Cremos que tudo que fazemos e dizemos tem o potencial de construir ou destruir a confiança de nosso grupo e de nossos parceiros internacionais. É com este entendimento que nos comprometemos a seguir as Melhores Práticas para Visitas Transculturais a Nações Restritas. ANTES DA VISITA 1. Antes de partir, todos os membros do grupo participarão de uma sessão de treinamento informativo amplo e formal que tratará das seguintes questões: Segurança Objetivos e expectativas Papéis no grupo (líder, finanças, devocionais, pessoas de contato, etc...) Questões médicas Questões transculturais Preocupações éticas Questões de comunicação Ambiente político/histórico/religioso Bem estar espiritual Outras questões relevantes, por exemplo pagar pelas próprias refeições, gastos com viagens no local, não pedir para usar os telefones pessoais ou a Internet, etc... 2. Queremos que todos os membros do grupo se reúnam para este treinamento. Em situações excepcionais pode ser possível realizar o treinamento via Skype e Powerpoint, conforme decisão do líder de equipe. 3. Antes de cada viagem, um grau de segurança deve ser atribuído a cada país por executivos da missão e também as práticas apropriadas a se empregar. Os níveis de segurança serão Verde (sem restrições), Amarelo (restrito) ou Vermelho (muito restrito). 4. Cada viagem será aprovada pelo executivo da missão somente após orar e identificar um benefício específico para a missão e para os parceiros, e após estabelecer propósitos claros da viagem. DURANTE A VISITA 1. Procuraremos ser bons hóspedes enquanto estivermos no país. Procuramos não ser um peso para nossos anfitriões. De fato, isto é muito difícil. Não podemos evitar ser um peso para suas agendas, mas podemos exercitar a prudência e a modéstia, por exemplo, evitando ser um peso financeiro para eles. 2. Expressaremos claramente nossas expectativas e objetivos para a visita aos nossos anfitriões/parceiros, e ao mesmo tempo seremos sensíveis às suas necessidades, preocupações e desejos que podem diferir dos nossos. Se não pudermos chegar a um consenso, a opinião de nosso anfitrião/parceiro prevalecerá. 3. As atividades no campo de visita serão alinhadas às prioridades e parcerias de longo prazo. Parcerias de longo prazo e suas prioridades sempre terão precedência sobre necessidades e aspirações de curto prazo. Por exemplo, jamais colocaremos em risco nosso parceiro ou nosso projeto por causa de uma foto ou de uma entrevista. 4. Todos os presentes não relacionados ao projeto serão dados pelo líder do grupo, em nome da missão, através de nossos parceiros locais e só depois de consultar com eles sobre se é ou não apropriado. Idealmente, presentes deveriam ser anônimos com o entendimento que isto não é o estabelecimento de precedentes. Todos os presentes precisam se alinhar à missão, propósito e valores da missão. Devem ter um recibo e devem ser relatados. 5. Tomaremos cuidado de não prometer o que não foi autorizado ou criar expectativas para as quais não podemos garantir o cumprimento. Nós nos esforçaremos para explicar claramente os processos de decisão da missão que impedem cada indivíduo de se comprometer desta forma. Isto inclui pedidos de ajuda financeira, fotos, vídeos, serviços e projetos. 6. Nos nos comprometemos a nos reunir como grupo todos os dias da viagem para orar e ler a Bíblia. 7. Nós nos comprometemos a nos reunir todos os dias para avaliar o progresso dos objetivos da viagem, a dinãmica no grupo, a situação atual de segurança, e questões que possam ocorrer, para determinar o curso de ação corretiva. 8. Nós nos comprometemos a seguir as diretrizes e liderança de nossos parceiros quanto ao que relatar e como podemos tornar isto público. Em princípio, diremos menos do que for aprovado pelos parceiros no país mas não diremos mais do que eles aprovarem. Sempre confirmaremos se é apropriado usar fotos ou entrevistas com líderes de confiança/parceiros no país, mesmo se o entrevistado já nos tiver dado a aprovação. 9. Nós nos esforçaremos para chamar o mínimo de atenção enquanto estivermos no país. Nós informaremos nossos parceiros/anfitriões a respeito deste desejo, e pediremos que nos ajudem e nos aconselhem sobre como fazer isto de forma apropriada e especialmente quando isto envolve convites para pregar, visitar nas casas e entrevistar pessoas, etc... APÓS A VISITA 1. Dentro de uma semana após a conclusão de cada viagem, cada membro do grupo individualmente e o grupo como um todo passarão por encontros para debriefing pelo executivo da missão. Nosso alvo é que todos os membros do grupo se reúnam após a viagem para estes encontros de debriefing. Em circunstâncias excepcionais pode ser possível realizar este debriefing por conferências via Skype, segundo o parecer do executivo da missão. 2. Dentro de um mês após a conclusão da viagem, cada membro do grupo entregará um relatório por escrito, incluindo como os propósitos da viagem foram alcançados, qual foi a dinâmica no grupo, como está evoluindo a parceria, um relatório das finanças, e quais são os encaminhamentos necessários. QUESTÕES PARA REFLEXÃO 1. Quais são os principais valores e motivos subjacentes a estas melhores práticas recomendáveis no envio de pessoas para visitar cristãos em nações restritas? 2. Como estas melhores práticas podem bater de frente com o “espírito da época” que também afetou muitos cristãos ocidentais? 3. Baseado em suas experiências, existem questões sobre visitas transculturais que não foram contempladas neste código de melhores práticas? A Voz dos Mártires Canadá apoia irmãos e irmãs perseguidos em todo o mundo. Eles ajudam cristãos que são, ou já foram perseguidos por seu envolvimento na propagação do evangelho, divulgando seu testemunho e informando os cristãos no Canada sobre como ajudar. MELHORES PRÁTICAS PARA GRUPOS ESTRANGEIROS VISITANDO A IGREJA PERSEGUIDA Aliança Evangélica Cristã Nacional do Sri Lanka 1. Choque cultural Será muito útil para a organização enviadora conduzir uma breve orientação para os visitantes e para seus funcionários, antes de chegar ao Sri Lanka. Isto os ajudará a compreender a situação local e a ser culturalmente sensíveis. Essa orientação é essencial para a segurança dos visitantes e dos pastores locais em ambientes de risco. 2. Objetivos A maioria das organizações estabelecem objetivos antes de visitar a igreja perseguida. Seria muito útil comunicarem seus objetivos de viagem ao parceiro com antecedência, dando tempo para qualquer adaptação, e escolhendo a data para a visita levando em consideração ambos os parceiros. 3. Itinerário Ao planejar sua viagem, etc..., nós, os parceiros locais, temos que trabalhar dentro de certos limites. Por exemplo, algumas partes do Sri Lanka não são facilmente acessíveis e pode levar oito horas para chegar por terra. Viajar para outras áreas exige que se tenha permissão prévia do Ministério da Defesa. É essencial que os visitantes consultem o parceiro local no preparo do itinerário. Uma visita repentina para um local determinado pode não ser possível. 4. Sabedoria local É necessário sempre seguir a orientação do parceiro local ao visitar o campo. O anfitrião terá um entendimento melhor e mais experiência no local, e está numa posição melhor para tomar decisões e avaliar corretamente a situação. 5. Entusiasmo versus bom senso Embora apreciemos os esforços dos visitantes de registrar em fotos e divulgar o sofrimento da igreja perseguida no Sri Lanka, deve-se manter em mente que quando os visitantes forem embora depois de uma breve visita, os pastores locais, os fucionários e os obreiros contiuarão a viver aqui mesmo, em meio à perseguição, e vulneráveis. Por exemplo, um repórter ou uma equipe de filmagem muito expansivos que atraia a atenção acaba colocando o pastor local em perigo. Deve-se lembrar que a maioria dos lugares a serem visitados são vigiados e monitorados pelas partes interessadas. 6. Timidez diante das câmeras A maioria das vítimas de perseguição é de origem muito humilde. Para eles, falar com um jornalista estrangeiro, ser entrevistado, fazer pose para a filmagem de um vídeo, etc... são experiências muito estranhas. Muitos não se sentem bem “atuando” diante das câmeras. Esta situação precisa ser tratada com delicadeza. 7. Aceitar um “não” É parte de nossa cultura receber bem os visitantes. Principalmente no meio rural. A maioria dos cristãos atenderão aos pedidos de um hóspede, mesmo se for inconveniente, perigoso, vergonhoso ou desconfortável. Por exemplo, pedir a uma vítima de perseguição para representar uma cena traumática de um ataque ou repetir uma experiência dolorosa várias vezes. Nestes casos, é nossa responsabilidade, como parceiro local, intervir em favor das vítimas, e negar o pedido. Por favor, confiem em nosso julgamento nesses casos, mesmo se a vítima “parece” estar disposta a concordar com o pedido do visitante. 8. Presentes As igrejas ou vítimas que serão visitadas podem ter muitas necessidades materiais, e muitas vezes um visitante fica comovido a ajudar. É melhor consultar o parceiro local, para saber se o presente ou a promessa de ajuda são apropriados, antes de se comprometer com as vítimas. Idealmente, todo presente da organização visitante deveria ser dado através do parceiro local. Como parceiros locais, nós também podemos fornecer os recibos apropriados e prestar contas destes presentes. 9. Roupas e conduta Em muitos lugares a serem visitados, roupas apropriadas são uma forma de demonstrar cortesia aos seus anfitriões. Por exemplo, se você for convidado para falar ou compartilhar numa reunião, ou visitar um escritório de uma empresa, vestir shorts não é apropriado. A maioria dos locais de interesse cultural, que geralmente são também locais de culto Budista, exigem roupas que demonstrem modéstia. Semelhantemente, o comportamento considerado normal e aceitável no Ocidente pode não ser aceitável nas regiões rurais que são muito conservadoras. Busquem a direção de seus anfitriões, para saber o que é apropriado. 10. Relatórios Em algumas situações, publicar informações sensíveis pode colocar em risco os cristãos locais e atrapalhar o trabalho da Igreja. É melhor seguir a direção dos parceiros locais e sempre verificar os relatórios, scripts, e cópias uns dos outros antes de publicar. 11. Nosso compromisso Como parceiros e anfitriões, nós nos comprometemos a tornar sua visita frutífera e mutuamente benéfica, assumindo uma imensa responsabilidade de garantir a segurança e o interesse dos pastores locais, dos cristãos e da igreja. Por isso, defendemos que os visitantes devem sempre seguir os conselhos de nossos funcionários quanto ao que é apropriado em termos de ações e comportamento durante as visitas ao campo. Formuladas por: Roshini Wickremesinhe, Advogado e Procurador jurídico, Aliança Cristã Evangélica Nacional do Sri Lanka, 2003, atualizadas em 2007. DEZ FORMAS DE REDUZIR A TENSÃO NA COMUNIDADE EM QUE VOCÊ SERVE 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. Seja sensível à altura do som nas reuniões e cultos Integre-se na sua vila sem se isolar da comunidade Seja culturalmente sensível em sua conduta, especialmente quando lidar com jovens Evite programas com muita publicidade nos feriados religiosos especiais Não use programas de assistência social como “isca” para o evangelismo Adote um estilo de vida simples, consistente com o da vila Promova unidade entre líderes cristãos na região Reúnam-se em congregações pequenas, se persistir a hostilidade Evite promover estrangeiros ou pessoas de fora a posições de proeminência na vila ou na igreja 10. Evite sempre comentários depreciativos sobre outras religiões Usado com a permissão da Comissão de Liberdade Religiosa da Aliança Cristã Evangélica Nacional do Sri Lanka QUESTÕES PARA REFLEXÃO 1. Do ponto de vista da organização enviadora, estas melhores práticas formuladas pela igreja anfitriã são razoáveis? Quais são as mais difíceis de se colocar em prática? 2. Há preocupações legítimas da agência enviadora que não tenham sido contempladas por estas melhores práticas? A Aliança Cristã Evangélica Nacional do Sri Lanka (ACENSL) serve a igreja nacional do Sri Lanka. Participam da ACENSL cinco denominações cristãs, 74 igrejas e organizações cristãs, que representam mais de 200.000 cristãos evangélicos. MELHORES PRÁTICAS PARA O MINISTÉRIO À IGREJA PERSEGUIDA E EM PARCERIA COM ELA Parceria pela Liberdade Religiosa O Código de Melhores Práticas para o ministério à igreja perseguida e juntamente com ela em todo o mundo é designado como documento de referência, para orientar as políticas e a prática de organizações participantes. Seu objetivo não é estabelecer padrões legais ou responsabilidades legais. Ao contrário, este código foi desenvolvido com base na responsabilidade para com os participantes e parceiros no trabalho de liberdade religiosa, com o objetivo de que sejam servidos nos mais altos padrões possíveis. O código não reflete necessariamente a prática atual, mas estimula a busca pela excelência. No entanto, padrões mínimos estão implícitos, e portanto, estes princípios deveriam ser vistos como passos num processo, ao invés de um fim em si mesmos. Também reconhecemos que o código pode não ser aplicável a todas as situações no ministério em prol da liberdade religiosa. Embora nenhum documento ou acordo sobre princípios possa refletir a atitude e relacionamentos dos quais eles se originam, foi o que procuramos fazer. As seguintes questões foram identificadas pelos membros da Parceria pela Liberdade Religiosa PLR (Religious Liberty Partnership) como necessidades que deveriam ser tratadas neste documento: Problemas de ministério direcionado pelo doador ou pelo mercado Entendimento em comum das necessidades da situação Não causar dano Valor e reconhecimento transcultural Pensamento de longo prazo que seja proativo ao invés de reativo A tendência de ver dinheiro/tecnologia/recursos como a resposta principal para as necessidades Possíveis discórdias sobre as causas principais da perseguição Preparo para o ministério/ treinamento bíblico e teológico/ conhecer e aplicar princípios bíblicos relativos à perseguição Integridade na comunicação o Entre organizações o Dentro da própria organização ou da rede o Entre nacionais e internacionais o No levantamento de parceiros em outro país Respeitar a visão relacional do corpo de Cristo Parcerias e colaborações Prestação de contas entre ministérios da PLR Reconhecimento da centralidade da igreja local – isto é, os recursos deveriam passar pela igreja e a deveria haver capacitação da igreja local para ajudar e aconselhar Conceito de trabalho com os líderes da igreja perseguida como iguais, ao invés de vêlos primariamente como vítimas Acesso igual às oportuniades, inclusive para aqueles que não sabem inglês Perigo de profissionalismo excessivo PRINCÍPIO 1: COLABORAÇÃO E PARCERIA A igreja perseguida é melhor servida por ministérios que trabalham juntos em cooperação, mantendo, ao mesmo tempo, distinções de ministério. Isto implica na redução da duplicação; no compartilhamento sábio de informações; desenvolvimento de um entendimento comum dos problemas e das causas primárias da perseguição; relacionamento forte e confiança; e prestação de contas (informação, dinheiro, etc...) INDICADORES PRINCIPAIS Estamos investindo tempo para desenvolver relacionamentos e a confiança uns nos outros Estamos procurando evitar duplicação de ministério em uma área determinada, se possível Estamos procurando desenvolver nosso capital intelectual coletivo, compartilhando informações, conhecimento e lições aprendidas Estamos trabalhando na redução de atitudes competitivas Estamos falando bem uns dos outros e fazendo contato direto uns com os outros no caso de discórdia Estamos lançando mais projetos em conjunto Estamos aprendendo a compartilhar o sucesso uns com os outros PRINCÍPIO 2: NÃO CAUSAR DANO O ministério à igreja perseguida deveria ser realizado tendo como valor central a certeza de que trabalhamos ativamente para nunca causar dano àqueles a quem procuramos servir. Isto implica em sensibilidade transcultural e reconhecimento; acesso igual a oportunidades; apoio de líderes locais; planejamento de longo prazo e sustentabilidade; e exame de possível exploração. INDICADORES PRINCIPAIS Estamos respeitando a cultura, a língua e as práticas locais Estamos aprendendo quando aceitar um “não” para evitar a exploração/exposição dos cristãos perseguidos em nome da publicidade/promoção Estamos promovendo a unidade e não alimentando a desunião entre cristãos locais, dando acesso amplo aos recursos, consulta sobre projetos possíveis, e avaliação de projetos atuais e passados, especialmente com relação à sustentabilidade. PRINCÍPIO 3: EDUCAÇÃO E TREINAMENTO Como entidades em formação, procuramos sempre aprender de nossos erros, bem como dos erros de outros ministérios, e queremos usar essa oportunidade para servir melhor à igreja perseguida. Isto implica em preparo para possíveis perseguições futuras; treinamento em princípios bíblicos e teologia; orientação e ensino aos obreiros contra a dependência; e a promoção da liderança da igreja local. INDICADORES PRINCIPAIS Estamos dando orientação e treinamento sobre questões importantes tais como dependência, parceria, sensibilidade cultural, etc... aos nossos funcionários e obreiros. Estamos promovendo o entendimento e percepção de diferentes níveis de perseguição. Estamos preparando apropriadamente nossa liderança, funcionários, e parceiros quanto aos princípios bíblicos e missiológicos sobre perseguição. PRINCÍPIO 4: COMUNICAÇÃO Procuramos demonstrar integridade em todas as nossas comunicações. Isto implica em integridade nas promoções; integridade na coleta de informações; integridade na disseminação; e integridade no uso de estatísticas. INDICADORES PRINCIPAIS As organizações estão realizando uma comunicação efetiva, sem exagerar as necessidades, as estatísticas, e o sofrimento dos cristãos perseguidos Estatísticas e pesquisas corretas e verificáveis estão sendo usadas O uso apropriado de fontes, reconhecimento, e permissão estão sendo praticados Demonstramos sensibilidade ao impacto sobre os cristãos perseguidos em nossa coleta de informações Estamos seguindo as diretrizes e orientações de diversos líderes locais sobre o que pode ser relatado e publicado Buscamos consenso sobre os números a serem utilizadospara relatar sobre os que estão sendo perseguidos e o número de mártires. PRINCÍPIO 5: PRESTAÇÃO DE CONTAS A prestação de contas mútua leva a um ministério mais eficaz e à mordomia fiel em nosso chamado aos perseguidos. Isto implica em padrões de qualidade na contabilidade; informação; e avaliação. INDICADORES PRINCIPAIS Adotamos padrões de contabilidade nacionais, inclusive com auditoria da contabilidade. As organizações estão abertas a opiniões de outros membros da PLR com relação à nossa fidelidade e ao nosso cumprimento das melhores práticas Qualquer dúvida sobre a prestação de contas pode ser levantada pessoalmente. Quando há falhas na resolução de problemas entre nós, eles são tratados pelos princípios de Mateus 18 e possível mediação. PRINCÍPIO 6: DEFESA PÚBLICA Promoveremos a conscientização sobre cristãos perseguidos, e também procuraremos influenciar resoluções e estruturas socio-econômicas e políticas. Isto inclui a defesa sendo feita em benefício dos cristãos perseguidos; e a defesa sendo feita em colaboração com outros ministérios. INDICADORES PRINCIPAIS Povos negligenciados estão recebendo atenção apropriada. Quando possível, a defesa pública está sendo feita em cooperação com outras organizações As campanhas e a defesa pública estão sendo feitas com a participação e aprovação das famílias envolvidas e da liderança da igreja local sempre que possível. PRINCÍPIO 7: ESTRATÉGIAS OPERACIONAIS O ministério à igreja perseguida deve ir além de estratégias “comercializáveis”. Isto implica em participar com os líderes da igreja perseguida e entender que pode haver diferenças de opinião entre cristãos locais sobre como lidar com uma dada situação. INDICADORES PRINCIPAIS Garantimos que nosso trabalho nunca seja determinado apenas pelo doador. Dinheiro, tecnologia e recursos não estão sendo vistos como a única “resposta”. Quando procuramos tratar das necessidades dos perseguidos, estamos olhando além dos recursos monetários, técnicos e materiais. As organizações estão crescendo numa motivação do coração a favor dos perseguidos, e não meramente pelos padrões seculares de administração. Escritórios regionais são estabelecidos com sensibilidade à cultura, contexto e realidades econômicas locais (salário, pessoal) , e não são implantados se organizações nacionais já estiverem fazendo o trabalho necessário. O envolvimento da organização está contribuindo para aumentar a capacidade e autosuficiência de líderes e igrejas nacionais. Tornamos disponíveis nossa visão, missão e estratégias, uns aos outros. PRINCÍPIO 8: LEVANTAMENTO DE RECURSOS O levantamento de recursos para o ministério à igreja perseguida deve exemplificar integridade. INDICADORES PRINCIPAIS Estatísticas, fatos, e testemunhos corretos e verificáveis são usados nos materiais de levantamento de recursos, evitando-se abordagens sensasionalistas. As necessidades dos perseguidos são apresentadas de forma verdadeira, com respeito, sem explorar seu sofrimento para ganho material e sem aumentar o risco para eles através da publicidade. Vemos estas melhores práticas como um “documento vivo”, elaborado por uma força tarefa multi-organizacional da Religious Liberty Partnership em agosto de 2007. Esta é a sétima versão, de março de 2011. Perguntas, comentários e pedidos de informação adicional devem ser enviados para: Brian F. O’Connell, Facilitador da RLP [email protected] Telefone: +1-425-218-4718 www.RLPartnership.org QUESTÕES PARA REFLEXÃO 1. Como escrever um Código de Melhores Práticas ajuda a atingir os objetivos de uma organização? 2. Porque devemos rever estes códigos importantes? 3. Qual dos sete princípios é uma ponto forte da sua organização? Qual precisa ser trabalhado? The Religious Liberty Partnership é um grupo de mais de trinta organizações que, procurando servir à igreja perseguida em todo o mundo, colaboram no esforço de tratar das questões de defesa e conscientizar sobre a perseguição religiosa global. REFLEXÕES SOBRE A TEOLOGIA, A ESTRATÉGIA E O ENGAJAMENTO Chris Seiple Os desafios do século vinte e um podem ser reduzidos a uma única questão: como podemos viver e trabalhar tranpondo as nossas mais profundas diferenças? Todo desafio é, acima de tudo, uma questão de como decidimos nos relacionar. A mera tolerância não é suficiente. Já no engajamento que ultrapassa nossas divisões, baseado no respeito e na conciliação, há uma chance de haver sinceridade construtiva – de nomear as diferenças, identificar valores e interesses comuns, e construir soluções para lidar com as raízes de questões complexas. Embora não haja nada distintamente cristão nesta lógica, os cristãos e a igreja deveriam ser os primeiros a abraçar esta realidade – como “embaixadores da reconciliação” (2 Cor 5.16-21). Para determinar se alguém está pronto para ser um embaixador da reconciliação, devemos examinar três questões: 1. Qual é a teologia de engajamento? 2. Qual é a estratégia de engajamento? 3. Como este engajamento é implementado? Estas são as questões que nós, no Instituto para o Engajamento Global (IEG) temos discutido há uma década, procurando obedecer ao nosso chamado de ampliar a liberdade religiosa sustentável em todo o mundo através de nossos parceiros locais. A seguir, estão alguns pensamentos que me ocorreram, ao tentar confiar cada dia mais em Jesus, e ao entender que minha fé é real e relevante nos lugares mais frágeis e complexos do mundo. UMA TEOLOGIA DE ENGAJAMENTO Como eu trabalho no mundo onde a maioria é muçulmana e na Ásia Oriental Comunista, seis princípios ficam claros para mim a cada dia. Acredito que compreender seu impacto prático seja o precursor de um engajamento construtivo e da reconciliação, não importa qual sua vocação ou localização. Deus é soberano. Se Deus é soberano, então não existem problemas insuperáveis. Se o mundo é dele, e ele está agindo nele, então deveríamos esperar que ele esteja trabalhando nas situações mais difíceis. Para seus bons propósitos, ele usa pessoas boas, pessoas más, e aqueles que não reconhecem sua existência (Isaías 45). Seu mistério e majestade são tais que nem podemos relatar. EU SOU O QUE SOU (Êxodo 3:14). Seria sábio de nossa parte não colocar outros deuses diante dele, inclusive nossa religião, nosso país, e nossas metodologias de defesa. Fomos criados para glorificar a Deus. Quando os hebreus saíram do Egito, Deus deu ao seu povo orientações sobre como glorificá-lo. Os Dez Mandamentos (Êxodo 20.3-17) deixaram claro que nós, humanos, devemos adorar somente a Deus, honrar nossos pais (Jeremias 1.5), e respeitar nosso próximo “criado à imagem de Deus” (Gn 1.27). Nós o glorificamos através do amor ao nosso próximo. “O Deus do Sinai” (Juízes 5.5; Salmos 68.8) é glorificado quando amamos ao nosso próximo. C. S. Lewis certamente compreendeu. “O fardo, ou peso, ou a carga da glória do meu próximo deveriam ser colocados sobre meus ombros diariamente, uma carga tão pesada que somente a humildade pode carregar... Não existem pessoas comuns... Depois do Santo Sacramento, o nosso próximo é o objeto mais sagrado que se apresenta aos nossos sentidos” (citado em Dorsett 1988:369-370). Este próximo é, acima de tudo, o estrangeiro. Deus é claro quando diz ao seu povo que, porque ele é soberano, e porque ele os fez para glorificá-lo, eles deveriam amar àqueles que são diferentes deles: “Como o natural, será entre vós o estrangeiro [alguém não de Israel, não da cultura majoritária] que peregrina convosco; amá-lo-eis como a vós mesmos, pois estrangeiros fostes na terra do Egito.” [onde Israel tinha sido uma minoria étnica na cultura majoritária egípcia] (Levítico 19.34; Ezequiel 47.22-23). Assim como seu Pai, Jesus diz aos seus discípulos: “Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? ... E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais?” (Mateus 5.46-48). Ao falar com uma prostituta desprezada e rejeitada em plena luz do dia numa sociedade patriarcal – coisa que não se faz por razões culturais, religiosas e de gênero – Jesus deu um exemplo muito claro aos seus seguidores (João 4.4-42). Se vivermos este amor, seremos estrangeiros. Ao crer que Jesus morreu e ressucitou para vencer nossa própria alienação de Deus, agora nos tornamos estrangeiros neste mundo. Porque somos nova criatura em Cristo, não mais seremos “estrangeiros e peregrinos, mas concidadãos dos santos, e somos da família de Deus” (Efésios 2.19). Mas, porque nossa lealdade última é a Jesus, somos agora “peregrinos e forasteiros” (1 Pedro 2.11) neste mundo – um mundo que nos tratará da mesma forma como tratou a Jesus (João 15.18; 1 Pedro 2.21). Ao por em prática este amor, quanto mais nossa identidade tiver raízes na do nosso próximo, mais nos tornaremos plenamente humanos e cidadãos do céu, chamados como despenseiros de nossa cidadania global e nacional. Marque presença e cale-se. Com o entendimento teológico acima mencionado, aderimos ao trabalho de Deus no contexto de um país específico. Alguns perguntam: “O que Jesus faria?” Mas a pergunta, na verdade, é “O que Jesus está fazendo?” A resposta, que recebemos daqueles que moram no local é que Deus está presente e trabalhando, muitas vezes através da sua igreja local, muito antes de chegarmos, e ele estará lá muito depois de sairmos (Jó 38). Deus não precisa de nós para alcançar seus propósitos (Gênesis 18.14; Números 11.23), mas ele nos convida a participarmos com ele no que está realizando. Jesus foi claro sobre a natureza do chamado e as consequências: “Eis que eu vos envio como ovelhas para o meio de lobos; sede, portanto, prudentes como as serpentes e símplices como as pombas.” (Mateus 10.16) Resumindo, Deus é soberano e nos criou para glorificá-lo. Nós o glorificamos através do nosso amor aos nossos próximos estrangeiros, inclusive aos nossos inimigos. Aprendemos a amar em contextos diferentes, discernindo como Jesus já está trabalhando nesse local. Só assim poderemos amar nosso próximo de forma apropriada e nos tornar embaixadores da reconciliação. Não existe maior alegria do que a de obedecer a este chamado, mas, em minha experiência, pode haver consequências desagradáveis. Cristãos bem intencionados e não-cristãos vão categorizá-lo e estigmatizá-lo, alguns dizendo que você é muito “liberal” e outros, “muito conservador”. Em outros países, vão dizer que você é um espião do seu país de origem, e no seu país de origem vão dizer que você não é “brasileiro” de verdade. Recomendo que você mantenha um relacionamento correto com Deus e obedeça o que ele está pedindo que você faça. Em segundo lugar, tenha relacionamentos com algumas pessoas chave, com quem possa se abrir e prestar contas de forma sincera, e que o ajudem a discernir o que vem de Deus e o que não vem dele. Finalmente, feche os olhos ao orar, para que os “fatos” à sua frente não o façam retroceder diante da tarefa, porque essa é a definição de infidelidade (Hebreus 10.36-39). UMA ESTRATÉGIA DE ENGAJAMENTO Não existe nenhum grande desafio neste mundo que possa ser resolvido por uma só entidade. O século XXI terá como característica definidora coalisões e comunidades de pessoas dispostas, que trabalham no ponto de contato entre as esferas pública e privada, em busca de soluções sustentáveis para problemas que parecem insuperáveis. Para os cristãos, cada desafio global é uma oportunidade de demonstrar o amor reconciliador de Cristo. Os cristãos são o corpo de Cristo, perfeitamente pré-posicionados em todas as vocações e locais, para serem embaixadores intencionais da reconciliação. Somos bons próximos, usando nossa vocação – de tradutores da Bíblia a engenheiros elétricos, ou militares, ou enfermeiros – como uma oportunidade de sermos embaixadores da reconciliação. Meu chamado é para trabalhar em prol da liberdade religiosa em dois níveis. Primeiro, existe sua definição básica, reconhecida em alianças internacionais em prol dos direitos humanos e na maioria das constituições nacionais. A liberdade religiosa é a oportunidade de se escolher uma religião livremente, de propagar sua reliagião e de mudar de religião, ou de não ter nenhuma crença religiosa. Como organização cristã, no entanto, também pensamos na liberdade religiosa como o maior presente, depois da graça, de um Deus que dá presentes. Não posso amar meu próximo estrangeiro que carrega a imagem de Deus – não posso glorificar a Deus – se eu não respeitar a liberdade do meu próximo de aceitá-lo ou rejeitá-lo. Desta forma, o IEG procura comunicar e viver a liberdade religiosa como uma responsabilidade de respeitar, e de se reconciliar com nosso próximo (estrangeiro). Se quisermos ser “prudentes como as serpentes e símplices como as pombas”, devemos ter a liberdade de perguntar quais são as necessidades ou o interesse próprio de nosso próximo. Fazer isto pode catalizar um relacionamento que talvez não se desenvolvesse de outra forma. No IEG, tivemos que descobrir como a liberdade religiosa serve os interesses e necessidades dos Estados e sociedades de forma consistente com o melhor contexto sócio-político-religioso local. Por exemplo, as pessoas que podem por em prática o que está no centro de sua identidade – isto é, a crença em um determinado sistema de fé – são menos propensas a se rebelarem contra o Estado (Jenkins 2004, 2007). Elas também são mais propensas a serem íntegras em suas palavras e ações, atuando como uma rocha de moralidade contra a corrupção que vem com a transição para uma economia de mercado (como mais de um oficial Comunista me confidenciou). Estes crentes também têm uma probabilidade maior de serem bons cidadãos, demonstrando sua fé através do serviço aos desfavorecidos ao seu redor. Isto pode aliviar as responsabilidades financeiras dos governos. Nesse tipo de ambiente pode se criar uma estabilidade, que ajuda a atrair investimentos estrangeiros tão necessários para a prosperidade das pessoas e do país. Ao apresentarmos o “caso” da liberdade religiosa desta forma – combinando a teologia ao interesse próprio – estabelecemos uma estratégia de engajamento. Com base no exemplo de Jesus com a mulher samaritana, chamamos esta estratégia de “diplomacia relacional”. A diplomacia relacional do IEG tem três características principais. Em primeiro lugar, a diplomacia relacional engaja o Estado e a sociedade de forma tranparente, trabalhando simultaneamente de cima para baixo (governo) e de baixo para cima (a partir das raízes). Chamamos isto de diplomacia do “Tipo 1.5” porque trabalhamos no espaço entre a diplomacia tradicional, de governo a governo (Tipo 1), e a não tradicional, a diplomacia de pessoa a pessoa (Tipo 2). Esta abordagem exige que os que a praticam ouçam diligentemente, pesquisem, e busquem compreender os contextos sócio-cultural-religioso locais. Com o tempo, com paciência e persistência, relacionamentos se desenvolvem, mas não sem dificuldade e confusão. Cria-se um espaço onde se pode nomear as diferenças e descobrir valores em comum. Conversas com parceiros nos níveis nacional e provincial levam a um consenso sobre o papel da religião em sua sociedade, e eventualmente sobre como podem promover a liberdade religiosa da melhor forma. Em segundo lugar, o consenso atingido pela diplomacia relacional é definido por tratados assinados que promovem a liberdade religiosa de forma contextual. Este “mapa” demonstra uma estratégia tangível de passos mensuráveis e com prestação mútua de contas. A abordagem de respeito mútuo cria uma situação que beneficia ambas as partes, promovendo os interesses de comunidades religiosas marginalizadas, bem como os governos preocupados com a segurança e com a coesão social. Finalmente, e mais importante, esses tratados permitem uma transparência pública em que todas as partes podem cobrar responsabilidades e celebrar a implementação dos alvos do tratado. Este tipo de engajamento baseado na dignidade de nações e culturas – através de parceiros nos níveis governamental e de raíz – pode ter um impacto duradouro e positivo. O IGE procura criar um espaço para o diálogo crítico sobre como um Estado e a sociedade podem proteger e promover a minoria estrangeira no seu meio como um vizinho pleno. É um “meio termo radical” em que cidadãos podem ser respeitosamente honestos e concordar em discordar (quando necessário), e ao mesmo tempo manter seus relacionamentos. A APLICAÇÃO DA DIPLOMACIA RELACIONAL Não tem sido fácil ser cristão no Laos e no Vietnã desde que os governos comunistas tomaram posse em 1975. Há somente dez anos, cristãos eram presos em troncos de madeira no Laos, e em 2001 e 2004 muitas Divisões do Exército Vietnamita promoveram a repressão nos planaltos centrais – onde o Cristianismo está crescendo rapidamente entre grupos étnicos minoritários. No entanto, com mais da metade de sua população nascida desde 1975, a necessidade de prover educação e empregos, de competir na economia global, e de equilíbrar o grande vizinho do Norte, ambos os países começaram intencionalmente a buscar um relacionamento com os Estados Unidos Os EUA responderam com preocupação sobre a situação dos direitos humanos nos dois países, especialmente a questão da liberdade religiosa. De fato, os EUA colocaram o Vietnã na lista de piores violações da liberdade religiosa em setembro de 2004 e ameaçaram fazer o mesmo com o Laos. Em 2011, passando por uma melhora mal distribuída, a liberdade religiosa está consideravelmente melhor do que há dez anos. Muitas questões e muitos indivíduos tornaram esta mudança possível, especialmente pessoas empenhadas nos governos dos dois lados que desejam um relacionamento bilateral forte. O IEG trabalha naquele espaço entre o Tipo 1 e Tipo 2 de diplomacia, buscando aumentar a confiança e contribuindo para maior liberdade religiosa. O IEG é a única organização nãogovernamental internacional de liberdade religiosa que assinou um tratado com o Vietnã e com o Laos para este fim. Estes tratados incluem o IEG no treinamento de líderes religiosos locais e do governo sobre a liberdade religiosa em províncias onde anteriormente ocorreram os piores casos de perseguição religiosa. É marcante que uma ONG de dez pessoas, cristã, tenha assinado tratados com os governos comunistas do Laos (6 milhões de habitantes) e do Vietnã (87 milhões de habitantes). É como se uma ONG muçulmana do Irã viesse ao distrito mais evangelical do Texas e quisesse ensinar princípios de educação à Associação de Pais e Mestres local. Como foi que isso aconteceu? Muitos fatores contribuíram para isso. Primeiro, meu pai tinha participado de 300 missões de combate num avião, partindo de Danang, Vietnã, 25 das quais sobre o Laos na “guerra secreta”. Mais tarde, Deus lhe deu um coração voltado para a reconciliação com esses países. Como fundador do IEG, junto com a minha mãe, eles foram obedientes ao chamado de se engajarem. (Para outros relatos, ver as referências.) Eles focalizaram o Laos, enquanto eu focalizei o Vietnã, um engajamento que nos foi apresentado por um oficial Vietnamita que, descobrimos mais tarde, havia lutado contra meu pai em Danang (Seiple 2008). Deus é soberano, ele tem um plano. Ele usa nossa família para seus propósitos. Em segundo lugar, nós continuamos a viajar para lá, buscando entendimento antes de nos engajarmos. De muitas formas, especialmente nas primeiras viagens ao Laos e ao Vietnã, não importava o que disséssemos ou fizéssemos. O que realmente contava é que voltávamos. Nosso “sim” era “sim” e nosso “não” era “não”. Eles podiam confiar em nós. Encontramos o mesmo tipo de pessoas em ambos os governos, pessoas que desejavam o melhor para seu país e que viram que trabalhar com o IEG beneficiaria o seu governo. Em terceiro lugar, entendemos o contexto geopolítico-econômico e os pontos de negociação. Depois de ver progresso tangível na liberdade religiosa em lugares que outras organizações para os direitos humanos não visitavam, pudemos apresentar um entendimento mais amplo de liberdade religiosa do que a versão simples, preto-no-branco que era oferecida por algumas ONGs. Como resultado, pudemos dar a ambos os governos sugestões que beneficiariam a todos. Importantíssimo, éramos sempre transparentes, dizendo a mesma coisa a todos os envolvidos – fosse o embaixador americano, o presidente vietnamita, um líder de igreja nas casas, um deputado, ou o governador de uma província (por favor, veja as referências em meu testemunho diante do Senado dos EUA, Seiple 2006b). Declarações de dois oficiais vietnamitas do alto escalão resumem o porquê fomos abençoados com algum “sucesso”. O próprio relacionamento só aconteceu por causa da visita de oficiais vietnamitas à nossa casa. Um deles disse: “Vocês são os primeiros americanos que não me deram uma lista primeiro, me dizendo o que fazer.” Com o desenvolvimento e amadurecimento do relacionamento, nos disseram em Hanoi: “Quer gostemos ou não, temos que reconhecer que a liberdade religiosa é um interesse nacional permanente dos Estados Unidos.” CONCLUSÃO Entre o desejo humano de ser respeitado como igual e a lógica às vezes renitente dos interesses pessoais há um espaço para o engajamento construtivo de forma “prudente como as serpentes” e “símplice como as pombas”, e para sermos embaixadores da reconciliação nos lugares mais complicados. Não por nossa causa, mas porque decidimos aderir silenciosamente ao que Jesus já estava fazendo através daqueles que escolheu (não-cristãos) e ungiu (cristãos) para isso. Os seguidores de Cristo são chamados para serem construtores de pontes, embaixadores práticos da reconciliação. Este chamado não é uma questão para ser debatida, mas sim para ser obedecido. A construção obediente de pontes exige um compromisso de longo prazo, discernimento, e a disposição de “levar chumbo” de todos os lados – teológica e politicamente. Através dessa obediência, pode haver um impacto significativo e sustentável em prol da liberdade religiosa e nosso Deus soberano é glorificado. QUESTÕES PARA REFLEXÃO 1. Jesus demonstrou de forma intencional o seu amor por uma pessoa muito diferente dele (a mulher Samaritana), atravessando todas as barreiras geográficas, teológicas, sociais e de gênero para fazer isso. Podemos fazer menos? 2. Como podemos amar alguém completamente diferente de nós mesmos? Quais são os passos práticos que precisamos dar, pessoalmente e profissionalmente? 3. Você tem uma teologia e estratégia de engajamento em sua igreja? Como se aplica localmente? Globalmente? REFERÊNCIAS Dorsett, L. W., ed. 1988. The essential C. S. Lewis. (C. S. Lewis, The weight of glory, originally preached as a sermon on June 8, 1941.) New York: Macmillan Publishing Company. Galli, M. 2007. Good morning, Vietnam. Christianity Today, May: 26–32. Jenkins, P. 2004. The politics of persecuted minorities. In Religion and security: The new nexus in international affairs, ed. por D. Hoover and R. Seiple. Landham, MD: Row-man Littlefield. (Este capítulo foi adaptado como artigo mais tarde, “Repression and rebellion”, in The Review of Faith and International Affairs, 5 (1), (2007): 3–12.) Seiple, C. 2005. Religious freedom and reconciliation. September 6. https://www.globalengage.org/pressroom/ftp/475-from-the-president-religious-freedom-and-reconciliation.html. ———. 2006a. The gate at Bethel: Building religious freedom in Vietnam. July 6. https://www.globalengage.org/pressroom/ftp/469-the-gate-at-bethel-building-religious-freedom-in-vietnam.html. ———. 2006b. Vietnam, religious freedom, and PNTR. Testemunho diante do Comitê de Finanças do Senado dos EUA, July 12. http://finance.senate.gov/sitepages/hearing071206.htm. ———. 2007. Religious freedom in Vietnam: An update. Testimony before the Congressional Human Rights Caucus (CHRC), the CHRC Taskforce on International Religious Freedom, and the Congressional Caucus on Vietnam, December 6. http://www.globalengage.org/WorkArea/showcontent.aspx?id=9080. ———. 2008. The road to reconciliation. November 5. https://www.globalengage.org/pressroom/ftp/775-the-road-to-reconciliation.html. ———. 2009. Case study II—Vietnam. In International religious freedom advocacy: A guide to organizations, law, and NGOs. K. H. Thames and A. B. Rowe. Waco, TX: Baylor University Press. Ver Apêndice VIII para todos os acordos assinados pelo IEG com o Vietnã. ———. 2010. Miracle on the Mekong. March 30. https://www.globalengage.org/pressroom/ftp/1148-miracle-on-the-mekong.html. Chris Seiple, PhD, é o presidente do Instituto para o Engajamento Global (www.globalingage.org) e fundador de The Review of Faith and International Affairs. É coautor de International Religious Freedom Advocacy (2009), e de Religion and Security Handbook . Ele serve no Conselho de Relações Estrangeiras, no Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, na diretoria do WBT e no Comitê Consultivo Federal da Secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, em seu “Strategic Dialogue with Civil Society” (Diálogo Estratégico com a Sociedade Civil), onde ele também atua como consultor sênior para o grupo de trabalho do comitê “Religion and Foreign Policy” (Religião e Política Externa). A CURA E O CONSOLO DE JESUS CRISTO PARA OS TRAUMAS Kyle Miller AS PERGUNTAS DIFÍCEIS “Mataram minha esposa e filhos! Eu saí, eles vieram e os mataram!” Ibrahim 20 me encarou com intensa tristeza e raiva enquanto conversávamos numa tarde quente de outubro de 2008. Os seus olhos se encheram de lágrimas ao relatar os detalhes da morte de sua família, pelas mãos da milícia que havia atacado e destruído sua vila africana no ano anterior. Ficava ainda mais triste pela culpa de não ter estado em casa. A história era de partir o coração, e Ibrahim terminou dizendo: “E ainda estou com muita, muita raiva, e não sei como lidar com isso!” O que Deus poderia me ajudar a dizer a Ibrahim? Que palavras haveria para responder a esse profundo sofrimento ainda tão vivo? Como é que eu poderia ajudá-lo, especialmente sabendo que ele, provavelmente, não acreditava que Jesus Cristo é o Filho de Deus? “Como posso acreditar que Deus é bom e que me ama depois de todas essas coisas horríveis que me aconteceram?” Olga me perguntou em junho de 2011. Estávamos conversando através de um tradutor, um dos funcionários que me auxiliava no aconselhamento dos moradores da Freedom Home em Chisinau, Moldávia. Em seu desespero, Olga, assim como Ibrahim, estava me perguntando algo impossível de responder. Olga tinha sido negligenciada e passado por abusos numa família Moldova pobre da zona rural, antes de ser vendida para ciganos. Ela 20 Nomes e alguns locais trocados por uma questão de privacidade e segurança. acabou numa capital nas redondezas, onde sofreu atrocidades inenarráveis nas mãos de traficantes para a exploração sexual e os que utilizam seus serviços. Durante a conversa com Olga e outros residentes, a maioria falava com uma dissociação, sem demonstrar emoções ao descrever os horrores de serem escravos sexuais, constantemente sob a ameaça de tortura ou de morte para si ou para seus amigos, caso não cooperassem ou se tentassem fugir. Como eu poderia responder a essas questões, com uma vida tão diferente? Como poderia dizer qualquer coisa, mesmo que fosse verdade, que não soasse ridiculamente banal ou insensível, em comparação com o genocídio cruel da família de Ibrahim e com a dúzia de estupros por dia e a tortura de Olga? Deus me mostrou que a única coisa a fazer é ser pobre de espírito para que possa ser rico do Espírito de Deus e não tentar explicar os fatos. Depois de aconselhar pessoas durante toda minha vida, estou aprendendo em cada santo momento a chorar com os que choram (Romanos 12.15) e a não me deixar vencer pelo mal que lhes foi feito, mas vencer o mal com o bem (Romanos 12.21). O CORPO DE CRISTO E O MINISTÉRIO DA RECONCILIAÇÃO Num mundo cheio de sofrimento, perseguição e martírio, é difícil imaginar um papel mais importante no corpo de Cristo do que oferecer a compaixão de Cristo, seu consolo e cura para os sobreviventes de grandes atrocidades. A grande comissão de Jesus para fazer discípulos em Mateus 28.19-20 parece mais fácil de explicar para alguém num café com ar condicionado do Ocidente do que numa igreja secreta nos lares na China, num apartamento caindo aos pedaços na União Soviética ou num vilarejo na África prestes a ser atacado. Mas, quando olhamos para estes mesmos versículos com as lentes do ministério da reconciliação do trauma, que foi dado por Deus a Jesus Cristo em Isaías 61 e, também por meio dele, a nós, então, pela fé, o invisível se torna visível (Hebreus 11.1) e o impossível começa a acontecer (Mateus 19.26). Ore ao Pai Celeste, usando Isaías 61, e diga-lhe que você deseja cumprir o chamado em sua vida, cada vez que ele lhe der oportunidades: O Espírito do SENHOR Deus está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu para pregar boas-novas aos quebrantados, enviou-me a curar os quebrantados de coração, a proclamar libertação aos cativos e a pôr em liberdade os algemados; a apregoar o ano aceitável do SENHOR e o dia da vingança do nosso Deus; a consolar todos os que choram e a pôr sobre os que em Sião estão de luto uma coroa em vez de cinzas, óleo de alegria, em vez de pranto, veste de louvor, em vez de espírito angustiado (Isaías 61.1-3) Estou seguindo a Jesus neste ministério de reconciliação do trauma (2 Coríntios 5.18). Mesmo que o mal e a tristeza das pessoas possam ser devastadores, mesmo que eu me sinta aquém – Deus é maior (1 João 4.4). É por isso que eu participo de viagens missionárias com minha igreja, por isso estou num programa de PhD em um Seminário, e até por isso é que estou escrevendo este capítulo – para que eu possa confiar a vocês o que Deus me ensinou ( 1 Timóteo 2.2). Estou seguindo a Jesus e me tornando a pessoa que preciso ser, para alcançar os Ibrahins, e as Olgas da minha vida. Vamos seguir a Cristo no “caminho sobremodo excelente” (1 Coríntios 12.31) para que juntos em todo o mundo possamos “ser chamados carvalhos de justiça, plantados pelo Senhor, para a sua glória” (Isaías 61.3c). No preparo para este chamado, duas verdades de Deus podem nos ajudar. Em primeiro lugar, precisamos receber e compartilhar transformação, não informação, para que quando oferecermos as Escrituras, a esperança e a autoridade espiritual, Deus possa tranformar as pessoas da mesma forma milagrosa como nos transformou. Em segundo lugar, não precisamos ser sobreviventes de um genocídio ou da escravidão sexual para ajudar alguém que seja. Se você é, então a redenção de Deus significa que ele poderá usá-lo/a de formas que não pode me usar. De qualquer jeito, para que você seja eficaz, Deus o/a está chamando a enfrentar seu próprio trauma. Jesus ensina em Lucas 16.10 que temos a responsabilidade de encarar nosso próprio trauma junto com ele, mesmo que pareça “apenas uma coisa pequena” em comparação com o trauma de genocídio ou do tráfico humano. “Aquele que é fiel nas coisas pequenas (seus próprios traumas) também é fiel nas coisas grandes (o trauma severo de outra pessoa); e aquele que é desonesto em algo pequeno também o será em algo grande.” Se eu e você estivermos (1) não nos aproximando de Deus e de todos em nossas vidas com a humildade de um pobre de espírito; (2) não enfrentando a dor, o trauma e o sofrimento de nosso passado; (3) não recebendo as coisas difíceis da vida – até mesmo as menores – como oportunidades da parte de Deus para nos tornarmos como ele; e portanto (4) não crescendo em Cristo de forma perceptível, então estaremos despreparados quando enfrentarmos essas provações em primeira mão ou tentarmos ajudar outra pessoa em segunda mão. Provérbios 24.10 diz que “Se te mostras fraco no dia da angústia, a tua força é pequena.” Utilizando uma analogia, se eu, como um treinador de basquete não promover o treinamento para meu time, quando chegar a hora do jogo, meus jogadores provavelmente vão perder. Gostaria de colocar este princípio em prática agora: Estou orando agora por todos que lerão este capítulo. Peço que você ore pelos outros leitores e por mim, que todos nós cresçamos em Cristo, que nos tornemos mais pobres de espírito para que possamos ser ricos do Espírito de Deus, que possamos ver e sentir a dor e o trauma ao nosso redor como Jesus faria. Três elementos são necessários para que relacionamentos de discipulado que transformem e que curem possam ocorrer: (1) um modelo bíblico, (2) humildade e disposição para aprender da parte do obreiro, e (3) humildade e disposição para aprender da parte do sujeito. A disposição para aprender é um componente do Modelo de Trauma das Beatitudes. Quando Jesus dirige um obreiro disposto a aprender, a vida do obreiro será transformada e suas próprias feridas serão curadas (1 Pedro 2.24). Com isso, o obreiro terá experimentado pessoalmente o processo e o poder de Jesus. Ele se tornará mais atento e equipado para ministrar às feridas profundas daqueles a quem está servindo, e para ter a fé e a paciência com os traumatizados, de modo a promover a cura transformadora, assim como Deus fez em sua vida previamente (2 Coríntios 1.2-4). Muitos versículos do Velho Testamento nos admoestam sobre não estarmos dispostos a aprender. Eclesiastes 4.13 diz “Melhor é o jovem pobre e sábio do que o rei velho e insensato, que já não se deixa admoestar” Esse rei já foi sábio e podia receber instrução de outras pessoas, mas no momento seu valor é menor do que o de um adolescente pobre, que é sábio porque é capaz de receber instrução. Podemos ligar este provérbio a um atributo de Jesus Cristo que embora seja poderoso, não é muito conhecido – sua disposição para aprender através do sofrimento. Hebreus 5.8 ilustra as boas novas da disposição para aprender. Claramente descreve que Cristo não só aprendeu a obediência – mas também que o fez através do sofrimento. “embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu.” Cristo demonstra a maturidade constante através da aprendizagem, e também constante aprendizagem através da vida e do sofrimento. Isto é verdade num país desenvolvido – todos temos que enfrentar nosso próprio sofrimento e, através dele, desenvolver uma fome e sede da justiça de Deus (Mateus 5.6) para que tenhamos autoridade espiritual tanto em nossos relacionamentos pessoais quanto em nossas vidas profissionais. No entanto, é ainda mais necessário para os que estão nos países em desenvolvimento, trabalhando com sobreviventes de atrocidades, desastres naturais e guerra. O MODELO DE TRAUMA DAS BEATITUDES Jesus Cristo disse em Mateus 5.3-5: “ Bem-aventurados os humildes de espírito, porque deles é o reino dos céus. Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra.” Baseado no Modelo de Aconselhamento das Beatitudes que tenho usado desde 1984, desenvolvi o Modelo de Trauma das Beatitudes (MTB) em 2008 para ensinar aos nossos sobreviventes do genocídio na África. O MTB é um modelo de processo tranformacional e relacional – não um modelo de performance de curto prazo – não um modelo de especialista; um modelo exegeticamente bíblico – não um modelo topicamente bíblico; e um modelo centralizado no espiritual – não um modelo psicológico conceitual. As Beatitudes em Mateus 5, especialmente as três primeiras nos versículos 3-5, nos dão um primeiro pontapé bíblico e espiritual para começar a conversar e orar com alguém que esteja enfrentando tristeza e aflição. O MTB nos dá uma abordagem para: (1) conhecer a Deus (humilde de espírito) para se tornar livre de seu velho eu, (2) se tornar livre da dor dos pecados passados e presentes (chorar); e (3) aprender a se relacionar com os outros em paz e poder e a não vitimizar ou ser vitimizado pelos outros (manso). O Modelo de Trauma das Beatitudes é uma abordagem que não exige uso de papel (três princípios para cada uma das três Beatitudes). Foi desenvolvido para ser apresentado a uma audiência ainda não cristã; as apresentações não incluem referências limitadas a uma cultura, mas têm referências a culturas específicas; e a abordagem missional é semelhante ao modelo de missões médicas (Desenvolva relacionamentos → Ofereça cuidado médico → Continue os relacionamentos → Compartilhe sobre Jesus Cristo na medida do possível, e não exija uma profissão de fé para que recebam cuidado médico). Em nosso programa de alcance a uma vila africana em 2008 , conseguimos ensinar ou conversar com 800 dos 2.000 habitantes em pequenos grupos. O Modelo de Trauma das Beatitudes e a história de José foram muito convincentes para apresentar, mas foi muito doloroso conversar, orar e chorar com as pessoas, metade das quais (muitas eram crianças sobreviventes) haviam testemunhado a tortura e a morte de seus entes queridos no genocídio. Não há palavras para descrever o que meus novos amigos, como o Ibrahim, estavam sentindo ao falar, mas estavam ansiosos por falar. Eles contaram à nossa igreja que desde o último ataque no ano anterior, eles estavam gratos pelo cuidado médico e pela comida que outras ONGs estavam suprindo, mas que até nossa vinda, ninguém havia lhes perguntado especificamente o que havia acontecido com eles, nem haviam se sentado para ouvir suas histórias. Depois dessa experiência que mudou minha vida em 2008, fui covidado por Andy e Nancy Raatz, fundadores da Freedom Home na Moldávia, Chisinau, para dar um treinamento para seus funcionários, ensinando o Modelo de Trauma das Beatitudes, em maio de 2010. O MTB foi adaptado para ser efetivo para as funcionárias jovens e cristãs, falantes de Romeno ou Russo, da Freedom Home da Moldávia. Este evento foi seguido no ano seguinte por um treinamento através de Skype todo mês para todos os funcionários. Estes começaram a usar o MTB com os residentes, e centenas de pessoas de todo o mundo se uniram à Freedom Home em oração, numa campanha de batalha espiritual de oito semanas na primavera de 2011. Depois, em junho de 2011, um grupo da nossa igreja, Igreja Batista Great Hills em Austin, no Texas, foi até a Moldávia para dar mais treinamento sobre o Modelo de Trauma das Beatitudes para os funcionários. Foi uma benção aconselhar os funcionários individualmente, e também as jovens residentes que estão se recuperando de terem sido traficadas para a exploração sexual. Os nove princípios transformadores da MTB que são ensinados, e aplicados, são os seguintes: Humildes de espírito (Mateus 5.3) 1. Perceba que não podemos suprir nossas próprias necessidades, devemos nos tornar continuamente pobres de nosso espírito e ricos do Espírito de Deus (Isaías 57.15; Mateus 11.28-30; 2 Coríntios 8.9; Filipenses 2.1-7; Tiago 4.6; 1 Pedro 5.5-7). 2. Cresça no conhecimento verdadeiro de Deus, tornando-se humilde de espírito (Colossenses 2.2; 3.10; 2 Pedro 1.2-4.8). 3. Receba e ande na sua nova identidade em Cristo, despindo-se do velho homem e revestindo-se do novo homem, como quem você realmente é em Cristo. (Colossenses 3.9-11) Chorar (Mateus 5.4) 1. Entenda e mude suas reações à vida do tipo Triste→Irada→Má (Marcos 3.5, Efésios 4.26). 2. Desenvolva a disposição de perdoar aqueles que lhe fizeram mal; arrependa-se de seus pecados e peça e receba perdão de Jesus Cristo (Mateus 6.12; Efésios 4.32). 3. Aprenda como passar pelo luto por sua dor, culpa, medo, tristeza, trauma e ansiedade, para criar um vácuo que Deus possa preencher com seu consolo (Mateus 5.4; 2 Coríntios 1.2-4) Manso (Mateus 5.5) 1. Entenda que a mansidão como a de Cristo não é fraqueza, mas o poder divino sob controle divino (Gálatas 5.22-23; Mateus 19.26; Filipenses 4.13). 2. Aprenda a entregar a Deus suas ansiedades, e pare de exigir “direitos pessoais” que são um mito. Ao se esvaziarem de seus direitos, os sobreviventes do trauma param de tentar se tornar saudáveis e fortes em si mesmos e, ao invés disso, aceitam que Jeová Rafá é o que cura e que o Senhor dos Exércitos pode lhes dar forças para ficarem firmes em Cristo (1 Coríntios 8,9, especialmente 9.4-6). 3. Transforme-se de vítima em vitorioso/a (1 Coríntios 15.57) em Cristo, um soldado (Filipenses 2.25; Filipenses 1.2) um vencedor (1 João 2.13; 4.4; 5.4-5, Romanos 8.37). Bem-aventurado “Bem-aventurado” é uma das palavras menos compreendidas de Jesus. Bem-aventurado não significa feliz, sortudo, ou afortunado; sua raíz significa grande, e portanto significa grande, realizado e cheio de propósito. Bem-aventurado não significa que as circunstâncias da vida são fáceis ou isentas de dor. A bem-aventurança engloba o benefício de ter um propósito crescente e a paz ao amadurecer na jornada com Cristo. John Stott nos dá uma excelente sinopse das Bem-aventuranças: As Beatitudes pintam um quadro abrangente do discípulo cristão. Nós o vemos primeiramente sozinho, de joelhos diante de Deus, reconhecendo sua pobreza espiritual e chorando por isso. Isto o torna manso, ou gentil em todos os seus relacionamentos, já que a honestidade faz com que ele permita que outros pensem dele o que, diante de Deus, ele mesmo confessa ser... Assim é o homem ou a mulher que é bem-aventurado/a, isto é, que tem a aprovação de Deus e encontra a auto-realização como um ser humano (citado em Greenman et all, 2007: 258-259). Em todas as suas tribulações, Jesus tinha este propósito e paz de bem-aventurado, já que sabia que estava fazendo o que seu Pai lhe ordenava (João 14.10). Foi essa vida de bem-aventurança por seu Pai que o preparou para levar os pecados do mundo – “o qual, em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo caso da ignomínia, e está assentado à destra do trono de Deus.” (Hebreus 12.2) Não há nada rápido, fácil ou indolor sobre o Modelo de Trauma das Beatitudes para a cura. Por exemplo, discutir sobre ser bem-aventurado com as jovens na Moldávia é difícil – precisava ser reconhecido que suas vidas não tinham sido bem-aventuradas. Mas muitas de nossas conversas sobre seus anos no tráfico começavam com o meu compartilhar sobre o que Jesus significou para este mundo. De fato, como as pessoas nas vilas africanas, elas também estavam mais do que prontas a falar; eu nunca tive que perguntar: “O que aconteceu com você quando foi traficada?” Depois de alguns minutos de conversa sobre sua infância, Deus, e sua vida na Freedom Home, suas experiências no tráfico começavam a jorrar. Quando somos pobres de espírito, Deus nos dá “maior graça” (Tiago 4.6) – tanto para a pessoa que Deus está curando quanto para o funcionário que está ajudando a curar. Tenho agora mais de meio século de vida. Já vivi em cinco países, visitei vinte e cinco, e aconselhei milhares de pessoas. Mas, as coisas que ouvi dos sobreviventes do genocídio na África e das sobreviventes do tráfico humano na Moldávia foram muito mais maléficas e emocionalmente arrasadoras do que se possa escrever ou imaginar. Porém, Deus está nos chamando para ajudar os sobreviventes a receber “uma coroa em vez de cinzas” para que o “Senhor Deus faça brotar a justiça e o louvor perante todas as nações” (Isaías 61. 3,11). Pessoas traumatizadas experimentam a nova bem-aventurança em Jesus em partes iguais de “desconforto” e de “esperança”. É desconfortável, não porque o Espírito de Deus não os esteja atraindo com seu amor, mas porque não só foram traumatizadas centenas de vezes, mas, no caso das meninas traficadas, elas também foram enganadas e muitas vezes. Combinando ‘traumatizadas’ com ‘enganadas’, isso as torna naturalmente muito desconfiadas, tanto do amor de Deus quanto do amor das funcionárias que cuidam delas. Mas, ao se tornarem pobres de espírito, percebendo que não podem suprir suas próprias necessidades e devem depender do Espírito de Deus, a “maior graça” cresce, e elas gradualmente se enchem de esperança, e sua ansiedade e depressão podem começar a diminuir. Ao perceberem lentamente que não estão sozinhas, e ao receberem o amor de Deus e uma nova família, elas podem baixar a guarda no presente, revertendo sua ansiedade e depressão em expectativa e alegria. A bem-aventurança acontece para os funcionários da Freedom Home na Moldávia quando respondem ao chamado de Deus nas suas próprias vidas, permitindo que seu Pai Celeste os cure de seus traumas e os amadureça com o poder da ressurreição de Jesus Cristo , através da obra do seu Espírito Santo. A bem-aventurança para as oito residentes e seus filhos acontece quando são curadas e quando recebem a visão redentora de Deus para suas vidas. Algumas delas participam no ministério aos envolvidos no tráfico humano. Ao realizarem este trabalho, podem ser as mãos e os pés de Cristo, como Paulo explica em 2 Coríntios 1.2-4, “consolando os que estão em qualquer angústia, com a consolação com que elas mesmas foram contempladas por Deus.” A bem-aventurança acontece para os 800 adultos e crianças com quem conversamos na África quando eles começam a seguir a Jesus Cristo como seu Salvador e Senhor. Conseguimos, de forma sutil mas suficiente, compartilhar o “evangelho transformador da graça” com eles FINALIZANDO Não sei onde Ibrahim se encontra hoje, mas Deus estava trabalhando nele. A última coisa que ele me perguntou foi: “Você está me dizendo que preciso perdoar as pessoas que mataram minha mulher e meus filhos?” Grato pelo tempo da tradução para poder orar, eu respondi: “Não, Ibrahim, não estou te dizendo isso. Deus é quem está te dizendo isso.” Ele acenou com a cabeça, sorriu, e aceitou o pensamento. Ele compreendeu, como já havíamos discutido, que se ele não os perdoasse, o seu próprio ódio acabaria tornando-o como eles. Em fevereiro de 2009, a vila onde tínhamos estado foi atacada novamente e roubada, mas todos escaparam primeiro. Das vezes que conversei e orei com Ibrahim, sei que ele ouviu o evangelho da graça de Jesus Cristo, e continuo orando por ele e por todos na sua vila. Para contrastar, sei onde está Olga, e ela está bem, assim como as outras residentes. A tremenda diferença não é apenas que a Olga agora é salva por Jesus Cristo, mas também que os Raatzes, os funcionários e as residentes estão juntos, trabalhando com os princípios do Modelo de Trauma das Beatitudes, pela graça e bom humor de Deus. Deus usa sua Palavra, através de seu povo e por seu Espírito, nas situações mais traumáticas, para realizar sua vontade e propósito de amor para as vidas das pessoas. Pretendo voltar à Moldávia no ano que vem, oro que eu possa voltar para a África assim que possível. Peço a você que ore por todas essas pessoas de quem cuido e a quem sirvo e eu vou orar por vocês e pelas pessoas a quem Deus os chamou para cuidar e servir. QUESTÕES PARA REFLEXÃO 1. Compartilhe uma área de orgulho (auto-suficiência) em sua vida e como ela o prende em seu ministério. Diga ao grupo que você sente o toque de Deus para se arrepender do orgulho e que você deseja ser pobre de espírito e se tornar rico do Espírito de Deus. Pense em uma forma como seu ministério às pessoas será mais eficiente se você se tornar mais humilde. 2. Compartilhe um trauma em sua vida que Deus lhe mostrou que quer curar, para que você seja saudável e possa ajudar aos outros com maior poder a sararem de seus traumas. Além de compartilhar essa nova determinação com a pessoa ou grupo, compartilhe qual será o próximo passo de cura para você (isto é, perdoar alguém ou pedir o perdão de alguém) 3. Compartilhe que grupo de pessoas traumatizadas Deus colocou em seu coração para servir; conte o que você sente e qual é o seu discernimento quando ora por eles. Explique as mudanças em sua vida que você teria que fazer para estar preparado/a para ajudá-los a sarar e serem transformados; peça oração. REFERÊNCIA Greenman, J. P., T. Larsen e S. R. Spencer. 2007. The sermon on the mount through the centuries: From the early church to John Paul II. Grand Rapids, MI: Brazos Press. Kyle Miller cresceu na Ásia como filho de missionários. Casou-se com Terri e são abençoados com seus filhos Nathan, Kevin, Kristin e Katherine. Kyle tem um BA e dois mestrados da Universidade do Texas, em Austin, em psicologia/aconselhamento. Atualmente, está no programa de PhD em aconselhament do Seminário Batista Southwestern em Ft. Worth, no Texas. Kyle é o Pastor Titular da igreja Batista Great Hills, em Austin, e gosta muito de servir a Jesus em outros países através do treinamento em trauma e em viagens de ministério. PARTE CINCO Temas finais As lições dos cristãos celtas Chegando à última seção do nosso livro, nos perguntamos como devemos responder a tantos desafios. Somos chamados a interceder, mas o que mais podemos fazer? Vamos refletir brevemente sobre algumas lições do cristianismo celta e alguns de seus líderes principais: Patrício, Columba, Columbano, Aidan, Hilda, Ita, para mencionar somente alguns. O cristianismo celta moldou a Irlanda e outras áreas das Ilhas Britânicas, especialmente desde os séculos quarto ao oitavo. Num sentido bem real, eles salvaram a civilização ocidental, preservando a educação, bibliotecas e manuscritos das Escrituras. Sua decadência começou durante o século nono quando as invasões vikings destruíram muitas comunidades. Reavivamentos da espiritualidade cristã celta de vez em quando surgem na Grã-Bretanha para mais uma vez abençoar o mundo. Na atualidade, desfrutamos de um reavivamento nos estudos sobre música, missão e espiritualidade do cristianismo celta. Os valores centrais dos irmãos celtas incluem uma visão elevada de amor pelas Escrituras e pela fé na Trindade, vida interior profunda de oração e santidade, compromisso com a simplicidade, respeito holístico pela criação, importância dada à comunidade, envolvimento em guerra espiritual, um lugar mais abrangente para as mulheres na igreja e na missão, a liberação das artes visuais e musicais, o envio de pessoas de gerações mais jovens e mais idosas para o trabalho missionário e uma missão que flui da comunidade e da espiritualidade. Sua estrutura social religiosa era mais relacional do que hierárquica. Finalmente, eles preparavam, sustentavam e enviavam equipes para o ministério – fluindo a partir da comunidade e voltando à mesma. Esses crentes falavam de missão em termos de peregrinatio – peregrinação ou desejo de explorar o desconhecido, portanto, fazer missão. Seu símbolo para o Espírito Santo era o indomável ganso selvagem, clamando de longe, levado pelo vento ou contra ele a terras desconhecidas. Essa peregrinatio os levou a evangelizar os pictos, na Escócia, o país de Gales, grande parte do norte e centro da Inglaterra e lugares distantes como Itália, Ucrânia e o reino Bizantino. Aqui está o que veremos nesta parte do livro: a peregrinatio e o martírio e sacrifício missionários. Yvonne e William D. Taylor Um Culto de Oração a Favor da Igreja Perseguida Dia Internacional de Oração pela Igreja Perseguida21 Yvonne Christine DeAcutis Taylor Notas introdutórias para o preparo dessa celebração solene 1. Se você considera usar as ideias dessa liturgia, sinta-se livre para adaptá-las à luz de sua própria situação e objetivos. Essa liturgia enfoca a oração, formas de adoração e de meditação silenciosa. 2. Esse culto vai durar aproximadamente 60–90 minutos, dependendo da celebração, ou não, da Santa Ceia. 3. Esse culto requer uma equipe comprometida que vai orar para torná-lo em realidade. Exige muito trabalho preparatório, mas prometemos que você e seus irmãos não vão esquecê-lo tão cedo. 21 Pode parecer uma liturgia um pouco estranha para nós evangélicos brasileiros, mas pode ser uma experiência enriquecedora, e que nos leva a interceder com mais empatia pela igreja perseguida (nota da tradutora). 4. Decidi incorporar o mais possível dos nossos sentidos no culto, e encorajamos você a fazer o mesmo, envolvendo a pessoa completa no culto completo. Há coisas para ouvir (música, Escrituras), para ver (bandeiras das nações, a organização, velas, visuais), para cheirar (velas, ou possivelmente incenso), para tocar (o boletim, as bandeiras, as velas que são carregadas) para saborear (se vocês concluem com a Santa Ceia). 5. Algumas igrejas podem incluir a Santa Ceia, mas isso vai tornar a liturgia mais demorada. Não foi incorporado na presente liturgia. 6. Escolha a música apropriada. Tambores bem tocados podem servir bem a liturgia. 7. Providenciamos a ordem de culto para os que vão dirigir o programa, e no fim você vai encontrar parágrafos para introduzir no boletim que será entregue a todos. Orientações para os coordenadores: 1. Antes das pessoas chegarem, preparem o ambiente com velas acesas em diferentes tamanhos e cores, velas pequenas para crianças e adolescentes, maiores para adultos (representando a diversidade da igreja perseguida). Vermelho pode se referir aos perseguidos e branco aos mártires de Apocalipse 6:11. Use bandeiras das nações onde Cristãos são perseguidos hoje. A luz central está apagada. 2. Quando as pessoas entram, recebem o boletim, entram no lugar de culto e se sentam em silêncio. 3. Imagens da igreja perseguida em redor do mundo aparecem e desaparecem na tela. Quando a liturgia começa 1. A luz vai se apagando e uma imagem da cruz aparece na tela. 2. Aí a pessoa responsável pelo som começa a tocar a música solene. • Depois do fim da música fiquem em silêncio por 10 segundos 3. Um cantor (um homem com a voz forte, com ou sem o uso de microfone), fala do fundo do auditório e clama: “A terra é do Senhor… (pausa)… Que toda a terra silencie na sua presença.” 4. Depois de 15–20 segundos de silêncio, o cantor fala, “A Palavra de Deus vem até nós. Prestemos atenção!” 5. Comece com a leitura de Escrituras selecionadas, feitas por pessoas que lêem bem e que praticaram a leitura dos textos. Escolhi os textos seguintes, mas você pode usar outros que tem conteúdo e poder semelhante. Nota: as luzes continuam baixas, e as imagens na tela voltam a aparecer. Leitores, cantor e a leitura congregacional declamam escrituras sobre sofrimento e perseguição. 1. Leitor 1: “Desde os dias de João Batista até agora, o reino dos céus sofre violência e os violentos se apoderam dele.” (Mt 11.12 – Bíblia de Jerusalém). 2. Leitor 2: “Então Jesus disse a seus discípulos, ‘Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me.” (Mt 16:24–25). 3. Congregação: “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia.” (Jo 15:18–19). 4. Leitor 1: “Então sereis atribulados, e vos matarão. Sereis odiados de todas as nações, por causa do meu nome. Nesse tempo muitos hão de se escandalizar, trair e odiar uns aos outros; levantar-se-ão falsos profetas e enganarão a muitos. E por se multiplicar a iniquidade, o amor se esfriará de quase todos. Aquele, porém, que perseverar até o fim, esse será salvo.” (Mt 24:9–13). 5. Cantor: Dos fundos do auditório; pausa por 15–20 segundos depois da leitura do texto de Mateus 24, depois clama em alta voz: “Aqui está a perseverança e a fidelidade dos santos.” (Ap 13:10b). 6. Leitor 2: “Porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes” (Ef 6:12). 7. Congregação: “Amados, não estranheis o fogo ardente que surge no meio de vós, destinado a provar-vos, como se alguma coisa extraordinária vos estivesse acontecendo; pelo contrário, alegrai-vos na medida em que sois coparticipantes dos sofrimentos de Cristo” (1Pe 4:12–14). 8. Cantor: Dos fundos do auditório; pausa por 15–20 segundos depois da leitura do texto de 1 Pedro 4, e depois clama em alta voz: “Aqui está a perseverança e a fidelidade dos santos”. 9. Leitor1: “Lembrai-vos dos dias anteriores, em que, depois de iluminados, sustentastes grandes lutas e sofrimentos; ora, expostos como em espetáculo, tanto de opróbrio quanto de tribulações, ora tornando-vos co-participantes com aqueles que desse modo foram tratados. Porque não somente vos compadeceste dos encarcerados, como também aceitastes com alegria o espólio de vossos bens, tendo ciência de possuirdes vós mesmos patrimônio superior e durável.” (Hb 10:32–34). 10. Leitor 2: “Quando ele abriu o quinto selo, vi, debaixo do altar, as almas daqueles que tinham sido mortos por causa da palavra de Deus e por causa do testemunho que sustentavam. Clamaram em grande voz, dizendo: Até quando, ó Soberano Senhor, santo e verdadeiro, não julgas, nem vingas o nosso sangue dos que habitam sobre a terra? Então, a cada um deles foi dada uma vestidura branca, e lhes disseram que repousassem ainda por pouco tempo, até que também se completasse o número dos seus conservos e seus irmãos que iam ser mortos como igualmente eles foram.” (Ap 6:9–11). 11. Cantor: Dos fundos do auditório pausa por 15–20 segundos depois da leitura de Apocalipse 6, e depois clama em alta voz: “Aqui está a perseverança e a fidelidade dos santos”. 12. Congregação: “Então, ouvi grande voz do céu, proclamando: Agora, veio a salvação, o poder; o reino do nosso Deus e a autoridade do seu Cristo, pois foi expulso o acusador de nossos irmãos, o mesmo que os acusa de dia e de noite, diante do nosso Deus. Eles, pois, o venceram por causa do sangue do Cordeiro e por causa da palavra do testemunho que deram e, mesmo em face da morte, não amaram a própria vida. Por isso, festejai, ó céus, e vós, os que neles habitais.” (Ap 12:10–12a). 13. Leitor1: “Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: ‘Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram’” (Ap 21:3–4). 14. Cantor: Dos fundos do auditório, pausa por 15–20 segundos depois da leitura de Apocalipse 21, depois clama em alta voz: “Isso requer a perseverança e a fidelidade dos santos”. Transição: Um período de 15–20 segundos de silêncio segue a conclusão das leituras bíblicas. 1. Agora segue um período de louvor apropriado, com seleções de hinos e cânticos históricos e atuais, que enfocam a igreja sofredora, por uns 15–20 minutos. Deus se aproxima de nós quando o louvamos. Muda-se a iluminação, mas continua a luz baixa. 2. O foco agora se muda para a narrativa, oração e intercessão. As luzes novamente ficam mais baixas. • Peça para que alguém que tenha experimentado perseguição pela sua fé fale, de preferência de outro contexto cultural ou geográfico (máximo de 6–8 minutos). • Peça que a pessoa escreva o que vai dizer. Assim se controla o tempo e a história, e ajuda os líderes a lidar com a pessoa para que fale de maneira apropriada. 3. Começam as orações dos participantes. Isso pode exigir alguma explicação do líder. As luzes continuam baixas e não haverá imagens no telão. Gaste pelo menos 20 minutos em oração. Imprima os pedidos de oração. • Você pode criar cantos para oração por países ou situação específicos, onde cristãos experimentam perseguição severa, colocando bandeiras e outros objetos. • Você pode pedir que as pessoas circulem para outra bandeira ou lugar de intercessão no salão. • Você pode pedir que pessoas específicas orem por vários pedidos sobre situações atuais de perseguição da igreja no mundo. Nota: Se quiserem podem começar a Santa Ceia nessa altura. Isso depende do tempo que foi separado para o culto e o lugar que ocuparia na liturgia de sua igreja. Lembre-se que o foco principal dessa liturgia é a oração e a meditação silenciosa. Concluindo o culto: 1. O líder convida as pessoas a voltar para seus assentos e juntos fazem as seguintes orações: “Deus Todo Poderoso, que nos criaste em tua imagem: Dê-nos graça para confrontar o mal sem temor e a não nos conformar com a opressão e que possamos reverentemente usar nossa liberdade, ajude-nos a usá-la para manter a justiça em nossas comunidades e entre as nações, para a glória do teu santo Nome; por meio de Jesus Cristo nosso Senhor, que vive e reina contigo e o Espírito Santo, um só Deus, agora e para sempre, Amém.” • Todos juntos façam a oração Celta, abençoando aqueles por quem oramos: > Que Deus o Pai lhes envolva com seus anjos de luz; > Que o Filho lhes envolva com o sangue que derramou; > Que o Espírito lhes envolva com seu fogo de poder. > Para salvar, para guardar, para curar, para proteger. > Cada dia, cada noite, cada luz, cada escuridão, até o fim de suas viagens. • Amém. 2. O líder termina o culto com comentários finais, pedindo que as pessoas fiquem para continuar a orar e meditar ou que saiam em silêncio. Seria bom ter material informativo sobre a igreja perseguida sobre algumas mesas, no fundo do salão. • Aí o líder pede por silencio completo. Espere por 30 segundos. As luzes estão bem baixas; há uma imagem bem forte no telão. 3. O cantor clama bem alto, dos fundos: “Louvado seja Deus: Pai, Filho e Espírito Santo – e louvado seja o seu Reino, hoje e para sempre, e por todas as eras. Amém!” 4. Pausa, e toca-se uma música selecionada, com volume baixo. 5. As pessoas saem em silêncio ou ficam para orar em silêncio enquanto o CD toca em som baixo. 6. Imagem final de cruz Celta no telão, as velas estão acesas, as luzes estão baixas. Notas para serem entregues aos participantes: Um tempo para leitura, silêncio e oração pela igreja perseguida Bem vindo! Obrigado por vir e juntar-se a crentes em muitas nações para orar pelos nossos irmãos e irmãs em Cristo que estão sofrendo e sendo perseguidos em outras partes do mundo. É bom buscar informação, fazer uma lista das necessidades e passar para as orações como fazemos frequentemente, vamos fazer esse período de oração de forma um pouco diferente. O tom dessa noite vai ser mais enfocado num ouvir silenciosamente a Deus, e em adorá-lo e depois responder à maneira como o Espírito nos dirige quando entramos no período de intercessão por aqueles que sofrem pelo seu Nome. Muitas vezes entramos correndo na presença de Deus a partir de nossas vidas confusas e fragmentadas e mergulhamos na oração onde nós falamos muito e ouvimos pouco. Para essa finalidade usaremos vários meios para nos ajudar a aquietar nossos corações e entrar num lugar de escuta com atenção, humildemente pedindo por uma identificação mais profunda com aqueles que sofrem e por saber como podemos orar melhor por eles. As imagens no telão vão lhes lembrar do sofrimento da igreja e das palavras de Cristo em Lucas 9.23, 24 e 14.27, que nós, também, devemos compartilhar sua cruz. As velas, grandes e pequenas, vermelhas e brancas, simbolizam adultos e crianças, mártires e aqueles que sofrem ao redor do mundo. Elas também nos lembram que “as orações dos santos sobem como incenso diante do trono de Deus” (Ap 5.8). A música sugerida convida a um lugar de silêncio e paz, e também nos lembra da glória que nos espera, e da honra que será dada àqueles que sofrem por amor a Jesus. Ouvimos hinos de louvor e também hinos que clamam a Deus por sua misericórdia pelos cristãos em qualquer lugar. Peça a Deus que prepare seu coração para ouvir a leitura da Palavra, para o período de louvor, e finalmente para as orações. Agradeça-o porquê Cristo está sentado à sua mão direita no trono de Deus e sempre intercede pelos seus (Ro 8.34). E agradeça-o pelo seu Espírito Santo que mora em cada um de nós e que, em e através de nós “ora pelos santos de acordo com a vontade de Deus” (Ro 8.26, 27). Depois do louvor e da oração, vamos concluir o culto como começamos, em silêncio. Alguns podem desejar ficar mais um pouco para orar silenciosamente e continuar numa postura de adoração. Quando sair, por favor faça-o em silêncio e espere para entrar em conversa com outros até estar fora do lugar de oração. Obrigado por estar conosco essa noite. Quando você levar em seu coração os perseguidos e os que sofrem, que a bênção de Deus esteja sobre você “cada dia, cada noite, cada passo do caminho aonde for.” Inclua o conteúdo das Escrituras a ser lidas e a liturgia. Notas finais: Sou grata a Deus pela liderança da Igreja Presbiteriana de Cedar Springs, Knoxville, TN, USA, que permitiu que eu introduzisse e usasse essa liturgia para o Dia Internacional de Oração pela Igreja Perseguida de 2003. Busque maiores recursos em: www.IDOP.org. Yvonne DeAcutis Taylor tem ministrado junto com seu marido William em missão transcultural desde 1967. Ela é formada em artes liberais e música. Ela é uma musicista clássica e uma estudante de espiritualidade cristã em várias correntes históricas do Cristianismo. Seu chamado por Deus para o ministério inclui formação espiritual e mentoria/direção espiritual, assim como dedicação à intercessão. Áreas adicionais de estudo e de ministério específico são história da igreja e Cristianismo Céltico. Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: "Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. e lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram." Apocalipse 21:3–4
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