estado da arte nacional e internacional do agronegócio da irrigação
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estado da arte nacional e internacional do agronegócio da irrigação
ESTADO DA ARTE NACIONAL E INTERNACIONAL DO AGRONEGÓCIO DA IRRIGAÇÃO - 2000 1 SÉRIE POLÍTICAS E ESTRATÉGIAS PARA UM NOVO MODELO DE IRRIGAÇÃO V. 1 – A Importância do Agronegócio da Irrigação para o Desenvolvimento do Nordeste V. 2 – Estado da Arte Nacional e Internacional do Agronegócio da Irrigação 2000 V. 3 – Modelo Geral para Otimização e Promoção do Agronegócio da Irrigação do Nordeste V. 4 – Modelo Específico para a Otimização e Promoção do Projeto de Irrigação Salitre – Juazeiro da Bahia 2 ESTADO DA ARTE NACIONAL E INTERNACIONAL DO AGRONEGÓCIO DA IRRIGAÇÃO - 2000 Francisco Mavignier Cavalcante França Coordenador BANCO DO NORDESTE Fortaleza – 2001 3 Obra publicada pelo Diretoria Presidente: Byron Costa de Queiroz Diretores: Osmundo Rebouças, Marcelo Pelágio da Costa Bomfim Ernani José Varela de Melo e Raimundo Nonato Carneiro Sobrinho Ambiente de Recursos Logísticos Célula da Produção Gráfica Av. Paranjana, 5.700 – Passaré 60740-000 Fortaleza – Ceará – Brasil Tel. (085) 299.3137 – Fax: 299.3788 Internet: http://banconordeste.gov.br Tiragem: 1.000 Exemplares Cliente Consulta: 0800-783030 Coordenação Editorial: Ademir Costa Revisão Vernacular: Floriano Lopes Jordão Normalização Bibliográfica: Rita de Cássia Alencar Depósito Legal junto à Biblioteca nacional, conforme decreto n.º 1823, de 20 de dezembro de 1907 Copyright © by Banco do Nordeste Banco do Nordeste B213 Estado da arte nacional e internacional do agronegócio da irrigação/ Francisco Mavignier Cavalcante França, coordenador. – Fortaleza: Banco do Nordeste, 2001. 562 p. – (Série políticas e estratégias para um novo modelo de irrigação, v. 2). Equipe do Consórcio responsável pelo estudo: Plena Consultoria de Engenharia Agrícola Ltda; Fundação Getúlio Vargas; Projetos Técnicos Ltda (PROJETEC). 1 – Irrigação. 2 – Irrigação-Nordeste. 3 – Desenvolvimento do Nordeste. 4 – Irrigação-Bahia. I – França, Francisco Mavignier Cavalcante. II – Série. CDD: 631.587 Impresso no Brasil/Printed in Brazil 4 Coordenador Geral do Estudo Francisco Mavignier Cavalcante França Equipe do Consórcio Responsável pelo Estudo Plena Consultoria de Engenharia Agrícola Ltda. Elias Teixeira Pires (Coordenador do Consórcio) Eliseu Andrade Alves José Luiz dos Santos Rufino Mário Ramos Vilela Paulo Severino de Rezende Ruy Aderbal Rocha Ferrari Fundação Getúlio Vargas Ednéia da Silva Bezerra Gregory Honczar Guilherme Soria Bastos Filho Ignez Guatimosim Vidigal Lopes Mauro de Rezende Lopes Nuno Monteiro Casassanta Stivilane Dornelas PROJETEC - Projetos Técnicos Ltda. André Luiz da Silva Leitão Fábio Chaffim Barbosa Jaco Charcot Rios João Joaquim Guimarães Recena Luiz Alberto Teixeira Equipe Técnica do Banco do Nordeste Cláudio Vasconcelos Frota Francisco Mavignier Cavalcante França Maurício Teixeira Rodrigues Rubens Sonsol Gondim Comitê Gestor Interinstitucional Rômulo de Macedo Vieira (Coordenador) - Ministério da Integração Nacional Edson Zorzin - CODEVASF Francisco Mavignier Cavalcante França - Banco do Nordeste Guilherme Lincoln Aguiar Ellery - DNOCS José Honório Accarini - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SPI) Washington Aquino de Mendonça - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SEAIN) 5 Grupo de Apoio Técnico Interinstitucional Francisco Mavignier Cavalcante França (Coordenador) Artur Eustáquio R. Saabor - Ministério da Integração Nacional Clésio Jean Almeida Saraiva - DNOCS Edson Zorzin - CODEVASF Euzébio Medrado da Silva - EMBRAPA Humberto Leite Freitas Filho - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SEAIN) José Honório Accarini - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (SPI) Manfredo Pires Cardoso - Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária da Bahia Equipe do Banco Interamericano de Desenvolvimento Francisco Basílio Souza (Coordenador) Asako Yamamoto Benard Darnel Charles Smith Fausto Medina-Lopez Juan Luna-Kelser Myriam Quintero Valnora Leister Equipe de Advisers (Consultores Independentes) Alejandro Luis Seminario Duany - Peru Augustín A. Millar - Chile Francisco de Souza - Brasil Jim Charles Bryon - EUA John Wilkison - Brasil José Cruz Roche - Espanha Pablo Lalanda Carrobles - Espanha Juan Sagardoy - Itália Colaboradores: Aluysio Antônio da Motta Asti, Armando Munguba Cardoso, Carlos Alberto de Carvalho, Francis Puglise, Frederico Reis de Araújo, Hans Steinbichler, José Airton Mendonça de Melo, José Bento Corrêa, José Eduardo Borella, José Olimpio Rabelo de Morais, José Paulo Silveira, José Raimundo Machado dos Santos, José William Araújo Sousa, Juscelino Antonio de Azevedo, Laudo Bernardes, Leda Maria Marques Cavalcante, Luís Carlos Ramos de Lima, Luiz Hildemar Colaço, Maria Lucinete Valente, Otávio Gondim Pereira da Costa, Ricardo Lima de Medeiros Marques, Roberto Duarte Vidal Silva, Rodrigo Magalhães Neiva Santos, Valdir Castelo Branco, Yara Januzzi 6 APRESENTAÇÃO O Nordeste brasileiro tem reconhecidamente as melhores condições para produção de frutas e hortaliças em todo o mundo, o que abre grandes possibilidades para o desenvolvimento da agricultura irrigada na Região. A relevância estratégica dessa atividade, que se destaca pela geração de emprego, renda e divisas, inspirou a criação do projeto Novo Modelo de Irrigação, no âmbito do Programa Avança Brasil, do Governo Federal. De caráter inovador, este projeto busca, principalmente, estimular o investimento privado em todas as fases do agronegócio da irrigação, orientar a produção para as oportunidades de mercado e redirecionar a participação do governo na atividade, priorizando os papéis de indução, orientação, regulação e promoção. Objetiva, ainda, gerar sinergia entre a iniciativa privada e as esferas governamentais, garantir eficiência no uso e na gestão da água para irrigação, identificar novas fontes e modelagens de financiamento e propor mecanismos para controle dos impactos ambientais e sociais. Diante da abrangência de objetivos, da importância estratégica e do espírito inovador do Projeto, identificou-se a necessidade de elaborar um estudo referencial para orientar os diversos organismos que estarão envolvidos na implementação do Novo Modelo de Irrigação. A viabilização de tão importante tarefa foi efetivada por meio da parceria entre o Ministério do Planejamento e Gestão, Ministério da Integração Nacional, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco do Nordeste. Elaborado com a contribuição de mais de 1.500 especialistas nacionais e internacionais em agronegócio da irrigação, este trabalho consiste numa coleção composta dos seguintes volumes: 1 - A Importância do Agronegócio da Irrigação para o Desenvolvimento do Nordeste, 2 - Estado da Arte Nacional e Internacional do Agronegócio da Irrigação 2000, 3 - Modelo Geral para Otimização e Promoção do Agronegócio da Irrigação e 4 - Modelo Específico para Otimização e Promoção do Projeto de Irrigação Salitre-Juazeiro da Bahia. É com satisfação, pois, que o Banco do Nordeste traz a público esse conjunto de estudos, como forma de disseminar, junto aos agentes públicos e privados, as novas estratégias que irão dinamizar o agronegócio da irrigação na Região, comprometendo-se, desde já, a incorporar em suas políticas e programas as recomendações aqui apresentadas. Byron Queiroz Presidente do Banco do Nordeste 7 8 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO........................................................................ 7 1 - INTRODUÇÃO ...................................................................... 15 2 - ASPECTOS METODOLÓGICOS .......................................... 19 3 - ESTADO DA ARTE NACIONAL ........................................... 22 3.1 - Marco Legal....................................................................... 22 3.1.1 - Política nacional de irrigação - lei de irrigação............ 24 3.1.1.1 - REFERÊNCIA LEGAL.................................................. 24 3.1.1.2 - ANÁLISE CONCEITUAL .............................................. 42 3.1.2 - Política nacional de meio ambiente.............................. 47 3.1.2.1 - Referência Legal........................................................... 47 3.1.2.2 - Princípios e conceitos da Política Nacional de Meio Ambiente relacionados à Irrigação ................................ 49 3.1.2.3 - SISNAMA e CONAMA .................................................. 50 3.1.2.4 - Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (Rima) ........................................ 51 3.1.2.5 - Do licenciamento ambiental .......................................... 52 3.1.2.6 - Reservas Legais ........................................................... 54 3.1.2.7 - Educação ambiental...................................................... 56 3.1.2.8 - Crimes ambientais ........................................................ 56 3.1.29 - Pacto Federativo de Gestão........................................... 57 3.1.3 - Política nacional de recursos hídricos......................... 60 3.1.3.1 - Referência Legal........................................................... 60 3.1.3.2 - Fundamentos e Diretrizes da Política Nacional de Recursos Hídricos ......................................................... 61 3.1.3.3 - Instrumentos ................................................................. 62 3.1.3.4 - Planos........................................................................... 62 3.1.3.5 - Classes de uso preponderante dos corpos de água...... 63 3.1.3.6 - Outorga e cobrança ...................................................... 63 3.1.3.7 - Sistema de Gerenciamento e Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos........................... 64 3.1.3.8 - Infrações e Penalidades................................................ 68 3.1.4 - Constituição Federal, editada em 5 de outubro de 1988.. 69 3.1.5 - Legislação e normas relacionadas à irrigação............ 72 3.2 - Marco Institucional ........................................................... 77 9 3.2.1 - Trajetória institucional dos assuntos irrigação e meio ambiente.............................................................77 3.2.1.1 - Ministério do Interior (Minter).........................................77 3.2.1.2 - Ministério Extraordinário para Assuntos de Irrigação.....81 3.2.1.3 - Ministério da Agricultura ................................................82 3.2.1.4 - Ministério da Agricultura e Reforma Agrária ..................82 3.2.1.5 - Ministério da Integração Regional e Ministério do Meio Ambiente...............................................................85 3.2.1.6 - Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal ........................................................86 3.2.1.7 - Ministério do Meio Ambiente e Secretaria Especial de Políticas Regionais da Câmara de Políticas Regionais do Conselho de Governo ..............................87 3.2.1.8 - Ministério da Integração Regional e Ministério do Meio Ambiente..........................................................87 3.2.2 - Situação atual dos órgãos relacionados à irrigação e meio ambiente.............................................................88 3.2.2.1 - Política nacional de recursos hídricos............................88 3.2.2.2 - Política nacional do meio ambiente ...............................90 3.2.2.3 - Política nacional de irrigação.........................................94 3.3 - Pólos de Irrigação .............................................................99 3.3.1 - Petrolina/Juazeiro.........................................................103 3.3.1.1 - Caracterização do Pólo ...............................................103 3.3.1.2 - Caracterização dos Perímetros Irrigados.....................104 3.3.2 - Oeste baiano.................................................................114 3.3.2.1 - Caracterização do Pólo ...............................................114 3.3.2.2 - Caracterização dos Perímetros Irrigados.....................116 3.3.3 - Baixo Jaguaribe............................................................119 3.3.3.1 - Caracterização do Pólo ...............................................119 3.3.3.2 - Caracterização dos Perímetros Irrigados.....................120 3.3.4 - Alto Piranhas ................................................................124 3.3.4.1 - Caracterização do Pólo ...............................................124 3.3.4.2 - Caracterização dos Perímetros Irrigados.....................125 3.3.5 - Açu-Mossoró ................................................................127 3.3.5.1 - Caracterização do Pólo ...............................................127 3.3.5.2 - Caracterização do Perímetro Irrigado de Baixo Açu ....128 3.3.6 - Norte de Minas..............................................................129 3.3.6.1 - Caracterização do Pólo ...............................................129 3.3.6.2 - Caracterização dos Perímetros Irrigados.....................130 10 3.3.7 - Assistência técnica...................................................... 135 3.3.8 - A questão da inovação tecnológica nos pólos de irrigação ....................................................................... 139 3.3.8.1 - O Papel da Inovação Tecnológica e das Instituições de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) Agrícola......... 139 3.3.8.2 - O Esforço de P&D no Semi-Árido do Nordeste ........... 140 3.3.8.3 - Novas Iniciativas de P&D em Curso, para a Fruticultura Irrigada do Nordeste.................................................... 145 3.3.8.4 - As Relações Tecnológicas e Gerenciais do Agronegócio Frutícola Nordestino .................................................... 147 3.3.9 - Processo de organização dos produtores ................. 149 3.3.10 - Pós-colheita, distribuição e mercado....................... 153 3.3.10.1 - Pólo Norte de Minas.................................................. 156 3.3.10.2 - Pólo Oeste Baiano .................................................... 159 3.3.10.3 - Pólo Petrolina/Juazeiro ............................................. 161 3.3.10.4 - Pólo Baixo Jaguaribe ................................................ 166 3.3.10.5 - Pólo Açu-Mossoró..................................................... 172 3.3.10.6 - Pólo Alto Piranhas..................................................... 176 3.3.10.7 - Estrutura Atual da Organização das Cadeias............ 180 3.3.11 - Crédito rural ............................................................... 185 3.3.12 - Participação pública e privada nos empreendimentos com irrigação ............................. 189 3.4 - Rio Grande do Sul........................................................... 191 3.4.1 - Marco legal ................................................................... 192 3.4.1.1 - Práticas de Gestão de Recursos Hídricos................... 192 3.4.1.2 - Experiências de desregulamentação e privatização de projetos públicos .................................................... 195 3.4.1.3 - Expansão de áreas irrigadas....................................... 197 3.4.2 - Planejamento da irrigação........................................... 198 3.4.3 - Produção, produtividade, pós-colheita, distribuição e mercado .................................................................... 199 3.4.4 - Econômico-financeiro ................................................. 203 3.4.4.1 - Financiamento ............................................................ 203 3.4.4.2 - Recuperação dos investimentos ................................. 203 3.4.4.3 - Fontes potenciais de financiamento ............................ 203 3.4.4.4 - Seguros para lavoura.................................................. 204 3.4.5 - Serviços de apoio ........................................................ 204 3.4.5.1 - Assistência Técnica e Extensão Rural ........................ 204 3.4.5.2 - Prevenção sanitária .................................................... 204 11 3.5 - Seguro de Produto ..........................................................204 4 - O ESTADO DA ARTE INTERNACIONAL............................209 4.1 - O Caso do Chile...............................................................216 4.1.1 - Quadro geral .................................................................216 4.1.2 - Evolução dos marcos legal e institucional da irrigação no Chile.........................................................218 4.1.3 - Modelo econômico-financeiro.....................................230 4.1.4 - Modelos de produção, pós-colheita e distribuição....236 4.1.5 - Perspectiva para a agricultura irrigada no Chile........248 4.2 - O Caso da Argentina.......................................................251 4.2.1 - Quadro geral .................................................................251 4.2.2 - Evolução do marco legal e institucional.....................253 4.2.3 - Mecanismos de recuperação dos investimentos imobilizados em obras de infra-estrutura comum de irrigação e no custeio dos serviços de operação e manutenção..................................................................263 4.2.4 - Modelos de produção, pós-colheita e distribuição....265 4.3 - O Caso do Peru ...............................................................270 4.3.1 - Quadro geral .................................................................270 4.3.2 - Estratégia peruana para transferência de grandes projetos hidráulicos costeiros (de irrigação, geração de energia elétrica e de saneamento básico) para o setor privado ................................................................270 4.4 - O Caso da França............................................................282 4.4.1 - Quadro geral .................................................................282 4.4.2 - Marcos legal e institucional dos recursos hídricos e da irrigação em França.............................................283 4.4.3 - A organização dos produtores rurais na França........285 4.4.4 - A comercialização da produção da agricultura francesa ........................................................................288 4.5 - O Caso da Colômbia .......................................................291 4.5.1 - Quadro geral .................................................................291 4.5.2 - Evolução dos marcos institucional e legal da irrigação na Colômbia .................................................292 4.5.3 - Mecanismos de recuperação de custos .....................298 4.6 - O Caso do México ...........................................................305 4.6.1 - Quadro geral .................................................................305 4.6.2 - Evolução dos marcos institucional e legal da irrigação no México .....................................................307 12 4.6.3 - Transferência dos distritos de irrigação aos usuários-irrigantes ...................................................... 312 4.6.4 - Mecanismos de financiamento da irrigação no México .......................................................................... 314 4.6.5 - Reformas nas políticas de irrigação no México......... 317 4.6.6 - Resultados alcançados ............................................... 318 4.7 - O Caso da Espanha ........................................................ 320 4.7.1 - Quadro geral ................................................................ 320 4.7.2 - Evolução dos marcos legal e institucional da irrigação na Espanha .................................................. 322 4.7.3 - Financiamento da irrigação......................................... 329 4.7.4 - Cadeias agroindustriais na Espanha.......................... 337 4.8 - O Caso da China ............................................................. 342 4.8.1 - Quadro geral ................................................................ 342 4.8.2 - Transferência do gerenciamento da irrigação ........... 344 4.8.3 - O quadro atual da gestão da irrigação na China ....... 350 4.9 - O Caso de Israel.............................................................. 353 4.9.1 - Quadro geral ................................................................ 353 4.9.2 - Evolução dos marcos institucional e legal da irrigação em Israel....................................................... 354 4.9.3 - Tarifas de água............................................................. 361 4.9.4 - Participação do setor público e privado .................... 365 4.9.5 - Problemas futuros e perspectivas.............................. 368 4.10 - O Caso dos Estados Unidos da América .................... 369 4.10.1 - Quadro geral............................................................... 369 4.10.2 - Evolução dos marcos institucional e legal do subsetor de irrigação no oeste americano.............. 371 4.10.3 - O processo de transferência da O&M para os distritos de irrigação................................................. 374 4.10.3.1 - O Projeto de Irrigação da Bacia do Rio Colúmbia ..... 374 4.10.3.2 - A Trajetória da Irrigação no Vale do Rio Colorado, no Oeste Americano ................................................. 388 4.10.4 - Organização da cadeia de produtos hortícolas nos EUA ..................................................................... 392 4.10.5 - Mecanismos de recuperação de investimentos nos Estados Unidos .................................................. 407 4.10.6 - Formas de financiamento nos Estados Unidos ....... 409 4.11 - O Caso da África do Sul ............................................... 410 4.11.1 - Quadro geral............................................................... 410 13 4.11.2 - Evolução dos marcos institucional e legal da irrigação na África do Sul..........................................416 4.12 - Experiência Internacional de Recuperação de Custos e Investimentos em Projetos de Irrigação.....430 4.13 - Organização das Cadeias Hortícolas: a Plataforma de Negócios..................................................................448 4.14 - Competitividade e Coordenação de Sistemas Agroindustriais aplicáveis à Agricultura Irrigada......455 5 - MONITORAMENTO DA IRRIGAÇÃO..................................465 5.1 - Manejo da Irrigação no Mundo.......................................467 5.2 - Manejo da Irrigação no Brasil.........................................469 5.3 - Aspectos Básicos do Manejo .........................................469 5.3.1 - O solo como suporte e referência...............................470 5.3.2 - Determinação de quando e quanto irrigar..................470 5.3.3 - Eficiência na aplicação da água ..................................473 5.4 - Implementação de um Programa de Manejo .................478 6 - FORMAS DE NORMATIZAÇÃO E PADRONIZAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE IRRIGAÇÃO...............................480 6.1 - Função e Objetivos da Normatização dos Equipamentos de Irrigação e Drenagem ......................482 6.2 - A Situação da Normatização de Equipamentos de Irrigação no Brasil..........................................................486 6.3 - As Normas Internacionais para Irrigação ......................491 6.3.1 - Normas recentes ..........................................................492 6.3.2 - Normas que estão sendo preparadas. ........................492 6.4 - Vinculações das Organizações que tratam das melhorias dos Equipamentos de Irrigação...................494 6.5 - Vantagens da Normatização para Irrigação...................496 7 - ANÁLISE GLOBAL E RECOMENDAÇÕES DECORRENTES .................................................................498 8 - BIBLIOGRAFIA CONSULTADA..........................................507 9 - ANEXOS..............................................................................525 9.1 - O Agronegócio Hortícola Chileno: Instituições de Apoio, Regionalização. Presente e Futuro ...................525 9.2 - Análise da Experiência Internacional Global – Recuperação de Investimentos Públicos em Irrigação..........................................................................550 14 1 - INTRODUÇÃO Há cinco anos, realizou-se na China, com a participação de 28 países, a Primeira Conferência Internacional sobre Transferência do Gerenciamento da Irrigação das agências governamentais para organizações de produtores. É emblemático que essa primeira conferência tenha sido realizada na China, um país de economia centralmente planejada e de forte participação do Estado nas atividades produtivas, inclusive agrícolas, além de uma tradição milenar em irrigação. O primeiro projeto foi ali implantado há 2.605 anos. Hoje é detentora, a um só tempo, da maior população, da produção de alimentos (incluindo as frutas), com cerca de 48 milhões de hectares de terras irrigadas, em 1992 (20% do total mundial). Para tanto, dispõe da maior rede de obras de irrigação e complementares construídas pelo Estado e, por séculos, também operadas pelo governo (Chen & Ji, 1998). A partir de 1980, com a implantação das reformas econômicas, a atenção governamental chinesa foi dirigida para a transferência do gerenciamento dos sistemas de irrigação, historicamente implantados e operados pelo governo central, para os governos provinciais e, em seguida, destes para os irrigantes e suas associações. Essa transferência era realizada por meio de contratos de gestão, legitimando, na atualidade do gerenciamento da irrigação chinesa, o princípio de que “a pessoa que investe e gerencia o projeto será beneficiária dele”. Nas duas últimas décadas este princípio vem sendo observado, nos países analisados neste Relatório, independentemente do porte da economia, do estádio de desenvolvimento econômico e do regime político. O interesse sobre este assunto vem crescendo em todo o mundo, especialmente a partir do aparecimento das políticas de ajustamento estrutural, em meados da década de 80, e que se têm tornado uma política nacional em muitos países da Ásia, África e América Latina. As razões mais comuns que levam os governos a desejar transferir responsabilidades no gerenciamento da irrigação para os agricultores são: (i) persistente incapacidade fiscal dos gover15 nos para continuar financiando o custo de operação e manutenção (O&M) da irrigação; (ii) constrangimento político para os governos recuperarem esse custo dos agricultores, os quais, por sua vez, resistem a pagar por serviços de baixa qualidade; (iii) gerenciamento dificultado por agências governamentais centralizadas; e (iv) confiança crescente na capacidade de agricultores e suas organizações para assumir essa gestão (IIMI, 1995). Entre as muitas e complexas questões que envolvem essa transferência explícita de responsabilidades, a devolução correspondente de poder do setor público para o privado, e a relação entre irrigação, agricultura irrigada e agronegócio, dedicou-se atenção às seguintes questões: • quais são as condições essenciais, de ordem políticoinstitucional, legal, técnica, econômica e social, adredemente estabelecidas, que tornam essa transferência viável? • sob quais circunstâncias deve ou não a transferência ser implementada? • quais as condições motivadoras/provocadoras dessa transferência, e que termos de arranjos contratuais encorajam os agricultores e os tornam aptos para assumirem efetivamente a gestão transferida e/ou delegação recebida? • quais os passos, no processo de transferência, que fortalecem ou enfraquecem a capacidade de gerenciamento dos agricultores? • que mudanças no design do sistema de irrigação podem ser necessárias, de modo a tornar a infra-estrutura compatível com a capacidade local de gestão? • como pode ser mais bem administrada a recorrente resistência burocrática à transferência de responsabilidade e devolução de poder para os novos gestores? • que tipos de serviços de suporte são necessários para tornar a agricultura localmente gerida, viável e sustentá16 vel como monitoramento da irrigação, assistência técnica, pesquisa? • que outros modelos de promoção e gestão podem, eventualmente, ser mais apropriados que as tradicionais organizações de agricultores para o desenvolvimento de sistemas de irrigação de médio e grande porte? • quais os impactos da transferência nos desempenhos físicos (hidrológicos) e financeiros da gestão dos projetos de irrigação e na rentabilidade das atividades agrícolas neles instaladas? Assim, na análise do Estado da Arte das políticas e instrumentos de promoção da agricultura irrigada e da irrigação, de implantação e gerenciamento de projetos delas resultantes, onde a participação do setor público foi e/ou continua sendo incisiva, procurou-se captar os fatos mais salientes da experiência vivida ou em curso, em seis pólos de irrigação, localizados no Nordeste brasileiro, norte de Minas, no Estado do Rio Grande do Sul e em onze países investigados, responsáveis por 35% da área irrigada no mundo. Um cuidadoso cruzamento de algumas dessas questões ou temas mais relevantes captou a forma como foram tratadas/equacionadas nos países e na realidade dos projetos brasileiros estudados. A análise desses dois tratamentos às questões acima explicitadas resultou em valiosos subsídios para a formulação de ações a fim de se desenvolverem, validarem e estabelecerem as bases estruturais, conceptuais e regulatórias, operacionais e financeiras, com enfoque na região Nordeste do Brasil, para a implementação do Novo Modelo de Irrigação. Este documento está dividido em mais nove capítulos além deste. Capítulo 1 – Introdução. Capítulo 2 – Metodologia - descreve a metodologia utilizada na elaboração do documento. Capítulo 3 – Estado da Arte Nacional - descreve os marcos legal e institucional que atualmente dão sustentação à política e programas de irrigação no Brasil; descreve os seis principais 17 pólos de irrigação no Nordeste brasileiro e norte de Minas; relata a experiência e a situação atual da irrigação no Rio Grande do Sul (Estado com mais área irrigada), além de uma forte participação privada. E, finalmente, trata de uma questão importante para a garantia de uso de tecnologia na produção agrícola, abordando o seguro de produto. Capítulo 4 – O Estado da Arte Internacional - descreve os marcos legal e institucional, a cadeia produtiva de onze países, que, somados ao Brasil, detinham 35% da área irrigada e da população do mundo, com diferentes formas operacionais de programa de irrigação e de mercado agrícola, analisando os países: Chile, Argentina, Peru, França, Colômbia, México, Espanha, China, Israel, Estados Unidos da América e África do Sul. Finalmente, neste capítulo, faz-se um levantamento e análise de um dos temas importantes, em perímetros públicos de irrigação, qual seja, a experiência internacional de recuperação de custos e investimentos. Capítulo 5 – Monitoramento da irrigação - neste capítulo realizou-se uma análise conceitual sobre monitoramento de irrigação e sua aplicação em vários países, inclusive no Brasil, e nova variação de custo para sua utilização. Capítulo 6 – Formas de normatização e padronização de equipamentos de irrigação - descrevem-se sobre a função e os objetivos da normatização, a situação no Brasil e as normas internacionais. Capítulo 7 – Análise global e recomendações decorrentes - neste capítulo faz-se uma análise das experiências existentes nos vários segmentos; marco legal, institucional, processo de produção, mercados, comercialização, etc., nos pólos e países analisados, que servirão de base à proposta do novo modelo conceptual de irrigação para o Brasil. Capítulo 8 – Literatura - apresenta-se, neste capítulo, a relação de toda a literatura analisada e citada na elaboração do presente relatório. Capítulo 9 – Anexos - apresentam-se alguns documentos complementares, que abordam aspectos de plataforma de negócios e recuperação de custos de investimentos públicos em irrigação. 18 2 - ASPECTOS METODOLÓGICOS Este documento é o fundamento dos estudos para uma proposta de bases estruturais, conceptuais, regulatórias, operacionais e financeiras, que permitirá a implementação do Projeto Novo Modelo de Irrigação na Região Nordeste do Brasil e Norte de Minas, com uma visão de que irrigação faz parte de um agronegócio, que é necessário estimular o investimento privado no desenvolvimento da agricultura irrigada (numa visão de cadeia produtiva) e reorientar a participação do governo (orientação, regulação, promoção, dentre outros). O estudo foi desenvolvido numa visão holística e global, contemplando a irrigação pública e privada, com vistas ao pequeno, médio e grande irrigante, de forma individual e suas organizações, o gerenciamento de perímetros públicos de irrigação, as questões relacionadas ao mercado, processo de comercialização, insumos, crédito rural, entre outros temas. Com o conceito e objetivo descrito anteriormente, desenvolveram-se os estudos deste documento, utilizando-se a seguinte base metodológica: • Identificaram-se países que apresentam as mais diversas experiências com irrigação e com agronegócio em situações diferenciadas quanto à economia, política governamental, etc. Dessa forma analisaram-se países com histórico em participação privada em irrigação como os Estados Unidos da América (EUA), com participação pública e transferência para organizações (México, Colômbia etc.), com forte esquema organizacional para mercado (Chile, França, Espanha, EUA etc.) Foram escolhidos 11 países, que, somados ao Brasil, respondiam por 35% da área irrigada no mundo, em 1990. • Identificou-se a concentração de projetos públicos e privados de irrigação no Nordeste e norte de Minas. Foram estudados os seis principais pólos, onde se concentram 73% da área irrigada pública do Nordeste do Brasil e 19 norte de Minas. Na região atuam entidades governamentais e privadas no processo de desenvolvimento dos pólos. Já se nota uma definição clara de sua potencialidade com a agricultura irrigada diante do mercado nacional e internacional, ex.: Pólo Petrolina/Juazeiro, Pólo Oeste Baiano, Pólo Açu/Mossoró. • Realizou-se um seminário em cada pólo selecionado, com 243 participantes, entre produtores, agroindustriais, representantes de empresas de insumos, de comercialização, órgãos públicos, pesquisa, etc., no período 05/07 a 15/07/99. Foram colhidas informações sobre as características de cada pólo e subsídios sobre a estratégia de participação privada e o papel do Governo. • Efetuou-se uma análise detida da bibliografia nacional e internacional sobre os mais variados temas como: recuperação de investimentos públicos, tarifação de água, plataforma de negócios, visão de mercado, marco legal e institucional, etc. • Utilizou-se a experiência da equipe de consultores do Consórcio e as suas observações decorrentes de visitas realizadas, nos últimos anos, para conhecer aspectos ligados a projetos de irrigação, gestão de perímetros, políticas governamentais, cadeia produtiva, entre outros temas. Os países visitados foram: EUA, México, Colômbia, Chile, Argentina, Espanha, França e Israel. No estudo empreendido, buscou-se não só descrever o contexto em que essa atividade foi implantada, como ela se desenvolve na atualidade e suas perspectivas, mas também recolher as lições mais relevantes e aplicáveis no desenvolvimento sustentado da agricultura irrigada brasileira, sobretudo no Nordeste. Preocupou-se em identificar os obstáculos e facilidades encontrados e os correspondentes fatores causais, os caminhos percorridos para sua superação ou manutenção, bem como a visão de futuro que instituições e empreendedores têm da agricultura irrigada e da própria irrigação, em seus territórios, ante um ambiente global em inequívoca e acelerada mutação. 20 Almeja-se, através do presente Relatório, ter construído um quadro referencial, que sirva de base para as discussões que se seguirão com a continuidade do Estudo, com vistas a oferecer subsídios e orientações seguras para se adotar uma nova política de irrigação bem sintonizada com as expectativas e possibilidades do país, no curto, médio e longo prazos. 21 3 - ESTADO DA ARTE NACIONAL O Estado da Arte Nacional foi realizado a partir da descrição e análise referente ao marco legal da irrigação, marco institucional, os pólos de irrigação do Nordeste e norte de Minas e sobre o Estado do Rio Grande do Sul, que detém a maior área irrigada no País. A análise do marco legal, no caso específico da legislação sobre irrigação, mostra que esta legislação cria alguns obstáculos à maior participação da iniciativa privada em perímetros públicos de irrigação, com a utilização induzida da cobrança de K1 (parcela da tarifa de água correspondente à amortização dos investimentos públicos em obra de infra-estrutura de uso comum). Ao mesmo tempo, na análise sobre marco institucional, verifica-se que, nos últimos 35 anos, as funções da irrigação percorreram vários ministérios e ao sabor da política de cada presidente. Vários órgãos foram criados e extintos, o que representa, na prática, sérias dificuldades na gestão de suas atribuições, pelos órgãos executores, resultantes da descontinuidade administrativa e política. Tudo isso contribui, de forma negativa, para um maior avanço da iniciativa privada no agronegócio da irrigação. Não obstante, é notório que se criou, no Brasil, grande experiência institucional e competência técnica na promoção da irrigação. Apesar de alguns aspectos negativos que se apresentam referentes ao marco legal e institucional, verifica-se, nos 6 pólos de desenvolvimento integrado do Nordeste analisados, o potencial da participação da iniciativa privada no agronegócio da irrigação, com avanços no processo organizacional voltados para o mercado interno e externo. Os resultados servirão de base para o Novo Modelo Conceptual de Irrigação no Brasil. 3.1 - Marco Legal O desenvolvimento de atividades voltadas à irrigação no Brasil, em especial a implantação de projetos públicos, no que tange aos aspectos legais, repousa sobre três eixos básicos: 22 • a Política Nacional de Irrigação instituída pela Lei n.º 6.662, de 25/06/79, e toda a regulamentação e normas decorrentes; • a Política Nacional do Meio Ambiente, ditada pela Lei n.º 6.938, de 31/08/81, também com ampla regulamentação e dispositivos normativos definidos, inclusive pelos estados1; e, finalmente, • a Política Nacional de Recursos Hídricos, estabelecida pela Lei n.º 9.433, de 08/01/97, ainda não totalmente regulamentada. Para efeito deste estudo, foram analisados cada um desses instrumentos legais, assim como os atos que os regulamentaram e as principais normas deles decorrentes, com relação aos aspectos considerados fundamentais para o desenvolvimento da irrigação no País, em especial na região semi-árida nordestina, e que exercem alguma influência sobre a atual situação da irrigação pública. São instrumentos editados em épocas diferentes, com diferentes repercussões sobre o estado atual da irrigação no País. Cada uma das políticas será detalhada, enfatizando-se, de modo sintético, cada um de seus principais aspectos, e considerando a evolução temporal, sempre que possível. Para finalizar, acrescenta-se uma relação de todos os dispositivos constitucionais relacionados à irrigação. Enumeram-se também os atos legais e normativos federais levados em conta para o estudo e que, em determinado momento, tiveram repercussão sobre o estado atual do setor irrigação no País, especialmente no que se refere à participação do poder público e com ênfase na região semi-árida, onde essa participação, ao longo desses últimos 20 anos, foi mais efetiva. 1 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm. 23 3.1.1 - Política nacional de irrigação - lei de irrigação 3.1.1.1 - Referência Legal A preocupação com a irrigação foi demonstrada pelos governantes, já em 1967, com a edição do Decreto-Lei n.º 200, que, ao criar o Ministério do Interior, destacou a irrigação como assunto da área de competência desse Ministério, associada ao beneficiamento de áreas e obras de proteção contra as secas e inundações (inciso V do art. 39)2. Contudo, o primeiro ordenamento jurídico sobre irrigação no Brasil ocorreu em 25 de junho de 1979, com a edição da Lei n.º 6.6623, que dispôs sobre a Política Nacional de Irrigação, denominada Lei de Irrigação. Essa Lei só foi regulamentada cinco anos depois pelo Decreto n.º 89.496, de 29/3/844, tendo este sido modificado pelos decretos n.º 90.309, de 16/10/84 (Brasil, 1984), n.º 90.991, de 26/2/85 (Brasil, 1985) e n.º 93.484, de 29/10/86 (Brasil, 1986). Esses três foram revogados pelo de n.º 2.178, de 17/3/975. Em 21 de maio de 1993, foi editada a Lei n.º 8.6576, que acrescenta parágrafos ao art. 27 da Lei de irrigação. Ainda em vigor, a Lei de Irrigação editada há mais de 20 anos, em um contexto diferente do atual, retrata as características econômicas e políticas da época, tendo inclusive sido superada em alguns de seus dispositivos, por alterações havidas na Constituição de 1988, e, mais recentemente, em janeiro de 1997, pela edição da Lei n.º 9.433, que estabelece a Política Nacional de Recursos Hídricos7. A Política Nacional de Irrigação foi formulada sobre postulados que enfatizavam a função social da irrigação no País, em especial em regiões atingidas pelos fenômenos climáticos adversos. 2 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0200.htm. Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/LEI6662.html. 4 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/D89496.html. 5 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/D2178.html. 6 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/LEI8657.html. 7 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9433.htm. 3 24 Embora a Lei de Irrigação cite, por várias vezes, a participação dos estados, dos municípios e da iniciativa privada, centraliza no poder público federal, na época o Ministério do Interior e suas entidades vinculadas, parcela significativa de atuação, não só no planejamento mas também na execução, operação e funcionamento dos projetos de irrigação, assim como das infraestruturas sociais deles decorrentes. Cabe lembrar que, à época, o Ministério do Interior (Minter) tinha como entidades vinculadas órgãos de desenvolvimento regional, bancos de desenvolvimento e outras entidades com finalidades ligadas a objetivo de desenvolvimento, aliados a uma única pasta, o que deveria permitir melhor articulação interinstitucional. Assim, o Minter era composto de órgãos e entidades de: • desenvolvimento regional: Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste (Sudeco), Superintendência de Desenvolvimento do Sul (Sudesul) e Secretaria Especial da Região Sudeste (Serse); • atuação sub-regional, em especial na irrigação: Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) e Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs); • saneamento e irrigação: Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS); • bancos de desenvolvimento: Banco do Nordeste do Brasil e Banco da Amazônia (Basa); • territórios federais: Amapá, Rondônia e Roraima; • Fundação Nacional do Índio (Funai), Projeto Rondon e as funções de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente; além do Banco Nacional da Habitação (BNH). Cabe também assinalar que, no período que se seguiu à edição da Lei até o final da década de 80, foram fartos os recursos oriundos de empréstimos internacionais que visavam ao financiamento da implantação de projetos públicos de irrigação. 25 Os projetos de irrigação foram assim definidos pelo art. 8º da Lei de Irrigação: Públicos - “aqueles cuja infra-estrutura de irrigação é projetada, implantada e operada, direta ou indiretamente, sob a responsabilidade do Poder Público”. Privados - “são aqueles cuja infra-estrutura de irrigação é projetada, implantada e operada por particulares, com ou sem incentivos do poder público” e acrescenta que os “projetos privados que pretendem beneficiar-se dos incentivos do Poder Público deverão ser analisados e aprovados pelo Ministério do Interior”. A partir dessa definição, a implantação e operacionalização dos projetos públicos ocupam o maior espaço no documento legal. Ao ser regulamentada pelo Decreto 89.496, de 29/3/84, essas regras e normas foram mais detalhadas, e a maioria delas ainda vigora hoje. Poucas modificações foram introduzidas no texto legal original pelos 4 decretos que o modificaram, além da Lei n.º 8.657/93. A Codevasf e o Dnocs, órgãos remanescentes do extinto Ministério do Interior, hoje vinculados ao Ministério da Integração Nacional, com parcela significativa de atuação no setor da irrigação, e em especial o primeiro, introduziram mudanças operacionais na condução da irrigação, onde os dispositivos legais o permitiram. Dessa forma, os principais preceitos que vigoram e conduzem à implantação dos projetos públicos de irrigação, decorrentes da Lei de Irrigação, estão assim definidos: a) Uso do Solo − Localização Segundo o ditame legal, os projetos públicos seriam localizados, prioritariamente, em terras do patrimônio público, para esse fim reservadas ou adquiridas (art. 12 – Decreto 89.496/84)8. 8 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/D89496.html. 26 − Destino da Terra Nessas áreas, as terras agricultáveis deveriam ser destinadas à exploração intensiva - agropecuária ou agroindustrial - e divididas em lotes de dimensões variadas, de acordo com a estrutura de produção projetada, que poderiam ser alienados ou cedidos a irrigantes ou cooperativas ou, ainda, incorporados ao capital social de empresas ou sociedades civis que tivessem como objetivo a agricultura irrigada (art. 13)9. − Origem das Terras A proposta de ocupação dos lotes começa a ser delineada, quando o legislador trata da origem da terra – reservada ou adquirida. Quando se refere à ocupação, ele a restringe às áreas consideradas de interesse social dominante, pois esse era o argumento utilizado para desapropriação das áreas (Art. 28 da Lei de Irrigação)10. Definia também que nas áreas de interesse social predominante deviam prevalecer os lotes familiares, admitidas pequenas e médias empresas, desde que não ocupassem em conjunto área superior a 20% do perímetro (Art. 14 – Decreto 89.496/84)11. Por área de interesse social predominante eram entendidas as regiões sujeitas ao fenômeno das secas ou com elevadas taxas demográficas ou de desemprego e ainda com a existência de grande número de pequenos agricultores com terra insuficiente, ou sem terra, ou com terra de baixa produtividade (Art. 14 – Decreto 89.496/84). A Lei e o Decreto regulamentador tratam desse assunto, no capítulo Desapropriação. Muito utilizada quando da implantação de projetos de irrigação nas décadas de 70 e 80, a aquisição de terras, via desa9 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/D89496.html. Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/LEI6662.html. 11 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/D89496.html. 10 27 propriação, praticamente caiu em desuso, em razão dos conflitos que gerava e das ações judiciais deles decorrentes. Atualmente, as terras são negociadas e adquiridas a preços de mercado, quando da identificação da área onde será implantado projeto de irrigação, caso essas já não sejam de propriedade da entidade administradora, de modo a evitar os problemas e confrontos causados pelas ações de desapropriação. Não sendo áreas desapropriadas de interesse social dominante, a ocupação não sofre os limites da lei original. Cabe ressaltar que o Decreto n.º 2.178/97 12 definiu, finalmente, como projetos de interesse social predominante aqueles “exclusivamente” destinados ao reassentamento de populações desalojadas por força de construção de obra em área pública, como é o caso dos projetos da Codevasf, no Baixo São Francisco (Alagoas e Sergipe), e da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), em Itaparica (Pernambuco e Bahia). − Destinação das áreas O ordenamento legal definia que nas áreas de interesse social predominante deviam prevalecer os lotes familiares, admitidas pequenas e médias empresas, desde que não ocupassem em conjunto área superior a 20% do perímetro (Art. 14 – Decreto 89.496/84.) Caindo em desuso o mecanismo da desapropriação por interesse social, as terras passam a ser adquiridas por negociação com os proprietários. Mediante proposta da entidade executora dos projetos públicos de irrigação no Vale do São Francisco, esse dispositivo foi alterado pelo Decreto 90.309/94 (Brasil, 1984), que introduziu a possibilidade, mediante proposta da entidade administradora do projeto, e, em caráter excepcional, o Ministro de Estado poderia elevar o percentual de participação de empresas para 50%. A partir dessa determinação legal, para cada projeto a ser implantado era solicitada e obtida uma autorização ministerial para 12 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/D2178.html. 28 destinação de 50% da área a pequenos produtores e os outros 50% a empresários. Buscando dar aos empreendimentos mais forte caráter econômico, o Decreto n.º 2.178/97 passou a permitir que até 100% da área fosse ocupada por empresas. − Aproveitamento da Estrutura Fundiária Preexistente O art. 19 do Decreto 89.496/84 prevê a possibilidade de aproveitamento da estrutura fundiária preexistente nas áreas onde será implantado projeto de irrigação. Esse aproveitamento pode ser total ou parcial. Neste caso, os proprietários são considerados irrigantes, e, caso suas propriedades sejam menores ou maiores do que as definidas pelo projeto, poderá ser promovido o remembramento ou desmembramento dessas áreas, mediante prévia desapropriação ou aquisição. Aos proprietários nessa situação é permitida a escolha entre permanecer no projeto como irrigante e, durante o processo de implantação no projeto, poderão cultivar suas áreas em regime de comodato ou se empregarem na construção do projeto. Têm, também, preferência para aquisição de lote no respectivo projeto os que residam no imóvel, e exerçam atividade agrícola e/ou pecuária como posseiros, parceiros-outorgados, arrendatários ou trabalhadores rurais. − Caracterização dos tipos de lotes • Lote familiar O parágrafo 2º do art. 14 do Decreto 89.496/8413 definiu lote familiar como “imóvel que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva a força de trabalho disponível, garantindo-lhes a sobrevivência e o progresso social e econômico” e o art. 15 tenta fixar uma dimensão ao definir “o lote familiar, cuja dimensão deverá corresponder à área mínima de 13 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/D89496.html. 29 produção, capaz de assegurar a promoção econômica e social do irrigante e sua família”. A partir da determinação legal relativa à área mínima, os lotes familiares se compunham de áreas que variavam entre 4 e 6 hectares, de acordo com os estudos de cada projeto. Cabe assinalar que em alguns projetos existiram lotes de 1,5 ha, e, em outros, o lote familiar chegou a 8,0 ha. Verificou-se, na prática, que esse tamanho de lote não permitia a emancipação econômica do grupo familiar. Assim, no caso, a Codevasf, por decisão de sua Diretoria Executiva, passou a permitir que os pequenos produtores adquirissem outras áreas no Projeto, podendo atingir o limite de 15 hectares. Finalmente, o Decreto n.º 2.178/97 considera lote familiar o imóvel rural explorado diretamente pelo agricultor e sua família e que lhe garanta a subsistência, admitida a contratação de mão-deobra complementar e de serviços de terceiros, possibilitando o progresso social e econômico14. O artigo 15 da Lei 6.662/79 considerava os lotes familiares como propriedade resolúvel e indivisível15. Essa condição de resolubilidade impedia que o irrigante desse o imóvel em garantia para os financiamentos bancários. Como, na maior parte das vezes, não dispunha de outros bens ou de capital, não podia habilitar-se ao crédito agrícola, pois a realidade dos pequenos produtores ocupantes de lotes familiares era de famílias carentes, grandes, sem qualquer preparo técnico ou capital, sem crédito no sistema financeiro e sem bens para dar em garantia dos empréstimos para implantação e custeio das culturas. O art. 27 estabelecia que se o adquirente do imóvel ou seu sucessor viesse desistir da exploração direta ou deixasse injustificadamente de explorar as áreas, o imóvel seria revertido ao patrimônio da entidade alienante, dando forma à cláusula de resolubilidade. 14 15 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/D2178.html. Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/LEI6662.html. 30 Com edição da Lei n.º 8.657, de 21 de maio de 1993, que acrescenta parágrafos ao art. 27, essa situação ficou assim contornada16: • A reversão não se operará caso o imóvel esteja hipotecado a instituições financeiras que tenham prestado assistência creditícia. • Se a instituição financeira pretende a imediata satisfação do seu crédito hipotecário em razão da inadimplência do irrigante devedor, deverá notificar a entidade alienante trinta dias antes de promover a execução forçada. • A entidade alienante notificada, pretendendo beneficiarse da reversibilidade, poderá oferecer à instituição financeira garantia para substituição da hipoteca. • Lote empresarial Embora não tivesse da legislação maiores atenções, os lotes empresariais foram crescendo de importância nos projetos públicos de irrigação. Não só pelo aspecto econômico da geração de maior produção, como também pelo efeito-demonstração que representam junto aos pequenos produtores, pelo desenvolvimento de tecnologia e ainda pela geração de empregos. O tamanho dos lotes empresariais também é definido nos estudos de cada projeto, possuindo, em média, no Vale do São Francisco, 30 ha, podendo variar, individualmente, de 7,6 ha a 70 ha. • Lotes para profissionais de Ciências Agrárias Ao que tudo indica, a intenção do Ministro Extraordinário para Assuntos de Irrigação, ao baixar a Portaria 74, de 3 de junho de 1986, onde estabelecia que nos projetos públicos de irrigação deveriam ser destinados lotes a profissionais de Ciências Agrárias, no limite máximo de 10% da área total de um projeto, era 16 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/LEI8657.html. 31 obter um efeito-demonstração e alguma orientação técnica aos pequenos produtores, por observação de seus vizinhos17. Embora não tivesse tido o efeito esperado, a Portaria continua em vigor, pois só pode ser tornada sem efeito por outro ministro, sucessor da responsabilidade sobre o assunto irrigação. Hoje, os lotes destinados a profissionais de Ciências Agrárias, no caso da Codevasf, são objeto de concurso público de provas e títulos, destinados a profissionais de nível médio (técnicos agrícolas) e de nível superior (engenheiros-agrônomos), conforme estabelecido pela Diretoria Executiva da Empresa. − Amortização O artigo 16, Decreto n.º 89.496/84, estabelecia que todas as obras e serviços executados no lote teriam seu custo incorporado ao valor da terra, para efeito de cessão de uso, alienação ou incorporação societária18. O parágrafo 3º desse artigo estabelecia que a amortização de lote familiar seria calculada em Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTN) e feita no prazo de até 25 anos, inclusive 5 de carência, a juros de até 6% ao ano, atendidas as peculiaridades do projeto. Esse parágrafo foi objeto de 4 das modificações introduzidas durante esse período – Decreto n.º 90.309, de 16/10/84 (Brasil, 1984), n.º 90.991, de 26/2/85 (Brasil, 1985), n.º 93.484, de 29/10/86 (Brasil, 1986), todos revogados pelo de n.º 2.178, de 17/3/97, que volta a estabelecer nova redação aos artigos 14 e 16, tendo culminado com a seguinte redação: “O adquirente de lote familiar amortizará os recursos públicos aplicados em benfeitorias internas, o valor da terra, apurados à data da titulação, no prazo de até 25 anos, inclusive até cinco de carência, a juros de seis por cento ao ano”19. 17 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/P74030686.html. 18 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/D89496.html. 19 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/D2178.html. 32 Por benfeitorias internas entende-se o desmatamento, o sistema de irrigação on farm, a gradagem e outras necessárias à colocação imediata do lote em produção, quando do assentamento das famílias. Para os lotes empresariais, define: “o adquirente de lote empresarial amortizará o valor do lote no prazo de até 12 anos, inclusive 3 de carência, a juros de seis por cento ao ano”. No que tange a benfeitorias nos lotes empresariais, o art. 39 dispõe que são de responsabilidade das empresas as benfeitorias internas em lotes a elas destinados. Com a edição do Decreto 2.178, de 17 de março de 1997, foi introduzida a possibilidade de que, no caso da administração indireta, essas atividades fossem delegadas a organizações de produtores. Os recursos públicos aplicados em infra-estrutura coletiva (ou comum) de irrigação serão amortizados pelos irrigantes em forma de tarifa (art. 40 – Decreto n.º 84.496/84), no prazo de 50 anos. Na ocorrência de reinvestimentos, esses serão adicionados ao investimento inicial, e o prazo será reajustado, mantendo-se a parcela anual de amortização. Cabe assinalar que uma das incoerências da legislação é o artigo 25 da Lei 6.662/79, que define que as “infra-estruturas de irrigação, nos projetos públicos implantados com recursos orçamentários da União, serão de propriedade do Governo Federal”20, independentemente dos 50 anos de amortização efetuada pelo irrigante. − Áreas de Sequeiro As áreas não-irrigadas, interiores ou adjacentes a projeto de irrigação, poderão ser consideradas como compreendidas no projeto para efeito de produção integrada, de sequeiro ou sob irrigação, conforme estabelece o art. 18 do Decreto 89.496/84. Essas terras são alienadas aos proprietários de lotes irrigados, ou não, pelo valor comercial que representam. 20 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/LEI6662.html. 33 Muitas vezes, observadas suas características pelos proprietários, podem ser objeto da alocação de uma tomada dágua se o sistema de irrigação assim o permitir e ainda houver concordância da entidade gestora, quando passam a ser consideradas irrigáveis e, como tais, sujeitas a todas as determinações legais. − Subdivisão de lotes e da transferência A subdivisão de lotes será permitida mediante prévia aprovação da entidade administradora. É vedada a divisão em lotes de tamanho inferior ao da área mínima do projeto (Art. 19)21. Esse dispositivo se aplica inclusive no caso de falecimento do proprietário (art. 15), ficando definido, para o caso do lote familiar, que este, não cabendo na meação do cônjuge sobrevivente ou no quinhão de um dos herdeiros, será escolhido dentre eles o administrador do lote, salvo se, preferindo extinguir a comunhão, um dos herdeiros ou cônjuge sobrevivente requerer a respectiva adjudicação, repondo a diferença em dinheiro. Não havendo interesse da família, procede-se à venda judicial, independente de formalidade de praça ou leilão, pelo preço mínimo de avaliação. A preferência será da entidade administradora do projeto ou pessoa por ela indicada. O mesmo se aplica na transferência inter vivos. − Irrigante O capítulo IV do Decreto regulamentador trata da definição de Irrigante, considerando como tal “a pessoa física ou jurídica que se dedique, em determinado projeto de irrigação, à exploração do lote agrícola, do qual seja proprietária, promitente compradora ou concessionária do uso” (art. 45)22. Por irrigante individual entende-se a pessoa física que explora lote familiar. O adquirente de lote empresarial denomina-se simplesmente de empresa. 21 22 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/D89496.html. Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/D89496.html. 34 O parágrafo único do art. 39 do Decreto regulamentador considera empresa o “empreendimento de pessoa física ou jurídica que se dedique à exploração econômica e racional de lote agrícola, administrada pelo próprio empresário ou prepostos e com emprego permanente de pessoal assalariado”23. Explicita os deveres do irrigante (art.46), alertando para que o seu não-cumprimento o sujeita a multas previstas no contrato, acarretando sua rescisão, com direito à indenização por benfeitorias consideradas necessárias e úteis, e ao reembolso, pelo comprador, das prestações pagas. No caso de retomada do lote, tratando-se de área remanescente da estrutura fundiária original será promovida a desapropriação por interesse social, não considerando no cálculo da indenização o custo das obras de infra-estrutura e a valorização delas decorrentes. O art. 47 estabelece, ainda, que se o adquirente ou seu sucessor deixar de explorar o lote, este será revertido à entidade alienante, indenizadas apenas as despesas feitas com a aquisição e as benfeitorias necessárias e úteis. − Seleção de irrigantes O art. 20 do Decreto 89.496/84 determinava que os critérios básicos para seleção de irrigantes em projetos públicos de irrigação seriam estabelecidos pelo ministério a que o órgão estiver vinculado, de acordo com as características locais, regionais ou específicas de cada projeto. Por delegação, esses critérios são determinados pela entidade administradora do projeto. Em vista do caráter social que dominava o espírito da lei, os pequenos produtores eram selecionados para assentamento em projetos de irrigação, obedecendo basicamente aos critérios de miséria e pobreza: a maioria analfabeta ou semi-analfabeta, com grande prole, com histórico de vida de sobrevivência à seca, com pouco ou nenhum conhecimento de agricultura, geralmente plantios de milho e feijão de sequeiro e alguma criação de caprinos e nenhum capital. 23 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/D89496.html. 35 Essa situação onerava o órgão empreendedor com ações de assistência técnica intensiva, fornecimento de sementes, construção de casas, orientação sanitária, atendimento à saúde e educação e outros congêneres, verificando-se pouco resultado produtivo na assimilação das técnicas de irrigação e na gestão do empreendimento agrícola. Esses critérios foram paulatinamente mudando, verificando-se, por exemplo na Norma NOR 501, que dispõe sobre assentamento de pequenos produtores em projetos de irrigação, baixada pela Diretoria Executiva da Codevasf, em 1994, que na seleção atual são privilegiados os critérios de nível educacional, experiência com agricultura, disponibilidade de algum capital para investimento, de modo a permitir que os empreendimentos agrícolas irrigados, dos projetos públicos de irrigação, possam tornar-se competitivos (Brasil, 1994). Para seleção e assentamento de ocupantes de lotes empresariais, é realizada licitação pública com base nas disposições da Lei 8.666, de 21/06/93, privilegiando o melhor preço oferecido para a área24. Para seleção e assentamento de ocupantes de lotes destinados a técnicos de Ciências Agrárias, conforme previsto na Portaria n.º 74, de 03/06/1986, do então Ministro Extraordinário para Assuntos de Irrigação, é realizado concurso público, em articulação com instituição pública de ensino que ministre cursos compatíveis com a formação exigida25. − Titulação No início do programa de irrigação, os ocupantes de lotes familiares recebiam uma autorização de ocupação, sem qualquer cobrança, e depois de comprovada sua boa performance como irrigante é que se procedia à titulação. Esse procedimento, além de prejudicar aqueles produtores que necessitavam do título de propriedade para negociações com 24 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666orig.htm. Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/P74030686.html. 25 36 o Banco, não favorecia os que não conseguiam desenvolver-se, que continuavam encostados no projeto, servindo de mão-de-obra para os demais. A partir do início dessa década, a Codevasf alterou esse procedimento, passando a proceder à titulação, à alienação e à escrituração definitiva do lote, no momento do assentamento, à semelhança do que acontecia com os lotes empresariais, quando, então, assinam notas promissórias equivalentes ao valor da aquisição, nas condições acordadas no ato da assinatura da escritura, conforme dispõe a Norma 501, aprovada pela Resolução n.º 289, de 28/7/1994, modificada pela de n.º 141, de 30/04/1999, da Diretoria Executiva da Codevasf (Brasil, 1994). − Emancipação O art. 9º do Decreto n.º 89.496/84, que regulamentou a Lei de Irrigação, em seu parágrafo primeiro, estabelece que os projetos públicos de irrigação, de interesse social predominante, parcial ou totalmente implantados, poderão ser declarados emancipados, por ato do ministro de Estado, observados os preceitos legais pertinentes. Assim, para que a emancipação possa ser declarada, são necessários (§ 2º )26: • a conclusão das obras de infra-estrutura consideradas indispensáveis; • o assentamento de, pelo menos, 2/3 dos irrigantes; • e que a comunidade esteja social e economicamente apta a se desenvolver, dispondo de uma organização interna que lhe assegure a vida administrativa própria e atividades comerciais autônomas. E continua o diploma legal, em seu parágrafo 3º, que mesmo emancipadas as infra-estruturas continuam a pertencer ao Poder Público, como define o art. 42, e serão administradas, operadas e mantidas pelo respectivo órgão executivo, ao qual compe26 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/D89496.html. 37 tirá o controle do uso da água e a cobrança das tarifas correspondentes, bem como as parcelas remanescentes da amortização da infra-estrutura e das benfeitorias dos lotes. O Decreto n.º 2.178, de 17/03/97, ao modificar o art. 42, introduzindo o parágrafo 4º , especifica que, no caso da administração indireta dos projetos públicos, as competências de administração, operação, conservação e manutenção das infra-estruturas poderão ser delegadas a organização de irrigantes27. Nos últimos anos da década de 80, a Codevasf desenvolveu intenso trabalho junto aos perímetros irrigados em operação, no sentido de induzir a formação de cooperativas de irrigantes, com a finalidade de transferir a administração do perímetro a essas organizações de produtores e emancipá-los. Chegou a ser baixada a Portaria Ministerial n.º 614, de 05/10/1989, do Ministro de Agricultura, que declarava emancipados 10 projetos públicos de irrigação da Empresa28. Essa experiência, embora tivesse sido cercada de muito investimento em recuperação de infra-estrutura e treinamento, não contou com a aceitação da maioria dos técnicos da casa e acabou por não ser bem-sucedida, retornando os projetos à administração da Empresa, logo após a mudança de Governo. Iniciou-se, então, uma nova fase, a da criação dos distritos de irrigação. Constituem organizações civis, sem fins lucrativos, que congregam necessariamente todos os irrigantes de um projeto de irrigação, sejam pequenos, médios ou grandes. Cabe-lhes administrar, operar, conservar e manter as infra-estruturas de uso comum, hoje existentes, e praticamente todos os projetos administrados pela Empresa, e também em vigor naqueles supervisionados pelo Dnocs. Ao distrito cabe estabelecer e cobrar o correspondente ao componente K2 da tarifa de água, que constitui o rateio dessas despesas entre os irrigantes, à semelhança do que ocorre em um 27 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/D2178.html. Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/P614051089.html 28 38 condomínio, conforme definido no § 5º , do art. 43 do Decreto n.º 89.496/84, acrescentado pelo Decreto n.º 2.178, de 17/03/1997. b) Uso da Água Esse capítulo da Lei e do Decreto regulamentador sofre severas críticas dos especialistas. Quando da edição da Lei de Irrigação, continuava vigorando o Decreto n.º 24.643, de 10 de julho de 1934, que sancionou o Código das Águas29. A Lei de Irrigação avoca ao então Ministério do Interior a competência de supervisionar e fiscalizar a utilização de águas públicas, superficiais ou subterrâneas, para fins de irrigação (R 21, Decreto 89.496/84). O regulamento, ao estabelecer uma série de critérios para utilização das águas públicas, introduz uma condicionante de que “enquanto não forem conhecidas as águas permanentes do rio e ou a disponibilidade de águas para irrigação e atividades decorrentes, serão outorgadas apenas autorizações para derivação das águas do rio”30. Na prática, prevaleceu o disposto no Código das Águas. As outorgas em rios foram consideradas federais, solicitadas à Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente e as relativas a rios considerados estaduais ao órgão de recursos hídricos do Estado (Art. 29 e 43 – Decreto 24.643/34). O art. 20 da Constituição de 1988 estabelece o domínio da União e dos estados sobre as águas, e o inciso IV do art. 22 define a competência da União de legislar privativamente sobre as águas (Brasil, 1988). Com o advento da Lei n.º 9.433, de 08/01/97, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, ainda em fase de regulamentação, uma série de alterações devem ser implementadas, 29 30 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2463.htm Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/D89496.html 39 com a criação das agências de águas ou de bacias e dos comitês de bacias hidrográficas31. O Decreto n.º 2.612, de 3/6/98, regulamentou o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, vinculando-o ao Ministério do Meio Ambiente, com as competências, dentre outras, de32: • Promover a articulação do planejamento dos recursos hídricos com os planejamentos nacional, regionais, estaduais e dos setores usuários. • Deliberar sobre projetos de aproveitamento de recursos hídricos, cujas repercussões extrapolem o âmbito dos estados onde serão implantados. • Aprovar propostas de instituição de comitês de bacias hidrográficas. • Aprovar e acompanhar a execução do Plano Nacional de Recursos Hídricos. • Aprovar o enquadramento dos corpos de água em classes preponderantes de uso, em consonância com as diretrizes do Conselho Nacional de Meio Ambiente e segundo a classificação estabelecida da legislação ambiental. A Secretaria Executiva do Conselho (art. 3º), exercida pela Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, coordenará a elaboração do Plano Nacional de Recursos Hídricos e o Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos. c) Obras e Benfeitorias dos Projetos Públicos O art. 36 do regulamento da Lei de Irrigação define que as obras e benfeitorias dos projetos públicos compreendem33: • as infra-estruturas de irrigação de uso comum (barragens e diques; estruturas e equipamentos de adução, condução e distribuição de água; estradas e linhas de 31 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9433.htm. Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2612.htm. 33 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/LEI6662.html. 32 40 transmissão de energias internas; rede de drenagem principal e prédios administrativos); • as infra-estruturas sociais de uso comum (obras e equipamentos ambulatoriais ou hospitalares, prédios e equipamentos escolares; estruturas e equipamentos urbanos e de saneamento); • benfeitorias internas realizadas nos lotes (desmatamento, sistematização, canais e drenos parcelares, habitações e outras obras de utilização individual). A lei original determinava que as infra-estruturas de irrigação fossem projetadas, implantadas, operadas, conservadas e mantidas sob a administração direta ou indireta das entidades vinculadas ao Ministério do Interior, ou de quem o sucedesse (art. 42), e que as despesas referentes à administração, operação, conservação e manutenção das infra-estruturas fossem divididas, proporcionalmente, entre os irrigantes. O Decreto 2.178/97 introduziu um novo parágrafo no art. 42, onde define: no caso de administração indireta, as entidades administradoras deverão, preferencialmente, delegar às organizações de irrigantes de projetos, as atividades de administração, operação, conservação e manutenção da infra-estrutura de irrigação de uso comum34. d) Tarifa de água Com base nos dispositivos relacionados à amortização, foi estabelecida a chamada tarifa de água (art.43), constituída de dois componentes35: • parcela correspondente à amortização dos investimentos públicos em obras de infra-estrutura de usos comuns, calculada, anualmente, com base no valor atualizado dos investimentos contabilizados e estabelecida para cada hectare de área irrigável do usuário, pelo ministro ao qual o órgão administrador esteja vinculado; 34 35 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/D2178.html. Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/LEI6662.html. 41 • parcela correspondente ao valor das despesas de administração, operação, conservação e manutenção das infra-estruturas, rateadas entre os irrigantes e definidas pelo órgão ao qual está afeto o projeto, ou conforme modificação introduzida pelo Decreto 2.178/97, pela organização que administra o projeto, calculada anualmente para cada 1.000 metros cúbicos de água fornecida. Estabelece, ainda, que o valor mínimo de consumo de cada usuário será equivalente a 30% do consumo previsto. 3.1.1.2 - Análise Conceitual No Brasil, a irrigação divide-se em particular e pública. O setor privado é responsável por 95% da área irrigada total e por 72% no Nordeste. Os projetos privados são desenvolvidos pela iniciativa particular. É de sua propriedade a terra e a infra-estrutura de irrigação. Em alguns casos, principalmente na região Sul, o governo construiu represas e canais, cabendo sua administração à iniciativa particular. Mas não fica sempre claro quem é o dono da infraestrutura que o governo construiu. Ainda mais, nem informal nem formalmente, desenvolveram-se mecanismos que permitam a associação do governo com a iniciativa particular, pelos quais aquele possa ser um sócio capitalista. Ou seja, o projeto misto de irrigação não se tornou realidade entre nós. O crédito agrícola subsidiado foi o principal instrumento de estímulo à iniciativa privada. Mas os prazos não guardavam uma relação estreita com o retorno da atividade. Muito generosos em algumas situações e, em outras, pressupuseram, ao menos implicitamente, retornos exageradamente elevados para a irrigação. A maior área dos projetos públicos do Nordeste está no Vale do Rio São Francisco, sob a responsabilidade da Codevasf. O Dnocs cobre as áreas não contidas na bacia do São Francisco. Destacam-se, mais recentemente, os governos estaduais. Mesmo no Nordeste, dois terços da área irrigada é do setor privado. O governo, pioneiramente e via projetos públicos, difundiu a irrigação no Nordeste, assumindo o risco que todo novo empre42 endimento traz. Criou oportunidades tanto para irrigação empresarial como para aquela da agricultura familiar. Gerou novos conhecimentos e, enfim, abriu os horizontes para um negócio competitivo. Empenha-se, atualmente, em ampliar as exportações dos pólos irrigados. Na concepção vigente, o projeto público é construído (ou adquirido) pelo poder público que se torna proprietário da infraestrutura de irrigação de uso coletivo. É sua a responsabilidade pela administração do mesmo, muito embora possa delegá-la a uma associação de irrigantes (distrito de irrigação etc.). A Lei de Irrigação, em vigor, fala em ressarcimento dos investimentos. Mas, incorretamente, na medida em que o poder público se mantém como proprietário da infra-estrutura de uso coletivo. Na realidade, a tarifa dágua cobre, apenas, a depreciação e a manutenção do projeto e não pode contribuir para a amortização dos investimentos públicos como manda a referida Lei. A lei permite que o poder público delegue a uma associação de irrigantes ou um distrito de irrigação a administração do projeto. Note-se que a administração é feita em nome e no lugar do poder público. Não cabe, portanto, a cobrança de aluguel. Obviamente, a lei proíbe a venda do projeto ao distrito e ao setor privado, quando diz ser propriedade pública a infra-estrutura de irrigação de uso coletivo. Na concepção ainda prevalecente no Brasil, um projeto público é aquele construído ou adquirido pelo governo, que permanece proprietário da infra-estrutura de irrigação de uso coletivo e tem a responsabilidade de administrá-lo, ainda que possa delegar sua administração ao distrito de irrigação. O projeto público, pela Lei vigente, não pode ser arrendado nem vendido. Enfatizando, a tarifa dágua cobre, apenas, as despesas de depreciação e manutenção do projeto. Esse fato, para a atualidade da irrigação brasileira, constitui uma das dificuldades para a expansão da agricultura irrigada no semi-árido nordestino e para um maior envolvimento, ali, do setor privado em projetos públicos de irrigação. Quem adquire os 43 lotes (irrigantes empresários), paga pela amortização da infraestrutura e nunca será seu dono. Além disso, ainda não se desenvolveu, entre nós, mesmo experimentalmente, nenhum procedimento de associação do governo com o setor privado na implantação de projetos mistos de irrigação (grifo nosso). Com efeito, a Lei de Irrigação em vigor prevê o ressarcimento dos investimentos públicos em irrigação pelos usuários, mas de forma incorreta, na medida em que o poder público se mantém como proprietário da infra-estrutura de irrigação de uso coletivo. Na realidade, a tarifa dágua estabelecida cobre apenas a depreciação (K1) e a manutenção (K2) desse ativo e não poderia contribuir, como determina a legislação atual, para a amortização do investimento público, porque vedada sua transferência e até mesmo seu arrendamento, mediante pagamento de aluguel, ao setor privado. Assim, alguns conceitos, como o de aluguel do capital, depreciação e K1, K2 deverão ser revistos, senão vejamos: Aluguel do capital A infra-estrutura de uso coletivo, nos projetos de irrigação, constitui um bem de capital que, nos projetos públicos e pela lei atual, é de propriedade do governo. Sendo um bem de capital, que presta serviços aos irrigantes, cabe-lhe uma remuneração, no caso sob a forma de aluguel, o qual deve refletir o custo de oportunidade do capital. Em termos de longo prazo e níveis internacionais, este valor gira em torno de 3 a 6%. A tradição brasileira de irrigação pública jamais imputou valor a este aluguel. Tudo se passou como se os serviços, que essa infraestrutura de uso coletivo prestou, valessem zero, como aluguel. Alguém pode objetar que nenhum aluguel dessa infraestrutura coletiva é, formalmente, estipulado. Mas os serviços que presta são normalmente disponibilizados aos irrigantes e, por isto, em princípio, devem ser remunerados por quem deles usufrui. E a remuneração devida corresponde ao aluguel desta infra-estrutura. É claro que o detentor ou proprietário do bem de capital pode, 44 como o poder público fez no caso dos projetos públicos brasileiros, imputar zero como o valor do aluguel. Cabe ainda salientar que há somente duas situações, do ponto de vista do dono do bem de capital: ele pode vendê-lo ou alugá-lo. Veja o exemplo em que o dono do capital também opere a empresa implantadora do projeto de irrigação. Neste caso, ele é o capitalista e o empreendedor, ao mesmo tempo. Aluga o capital à empresa e cobra, por isto, um aluguel. Realiza, como empreendedor, a produção (o projeto de irrigação, no caso), pagando todos os fatores de produção, inclusive o aluguel do capital, a depreciação etc. O que sobrar, do cotejo do valor da produção com o valor das despesas, é a remuneração do empreendedor. Em resumo, o aluguel é pagamento dos serviços do capital. Deve refletir o custo de oportunidade do capital. Numa economia aberta, do ponto de vista de longo prazo, é o custo de oportunidade do capital, ao nível internacional. Portanto, o poder público deve formalizar o aluguel da infra-estrutura de uso coletivo aos irrigantes, por intermédio do distrito de irrigação. Este valor pode ser utilizado para cobrir obrigações com bancos, com empréstimos (grifo nosso). Depreciação Como o K1 está sendo pago, conforme a Lei para amortizar o investimento coletivo, e este não será de propriedade do usuário, na realidade ele é uma cobrança da depreciação. Todo bem de capital se desgasta, fisicamente, com o uso. Esta perda dá origem à depreciação. Outro tipo de perda é quando o bem de capital se torna obsoleto, devido à inovação tecnológica. Nesse caso, se a empresa não o substituir, não terá condições de permanecer no mercado, porque se torna menos competitiva. Há vários métodos de depreciar. O mais comum deles é o linear. Baseia-se nas seguintes hipóteses: a) o bem continua produzindo, com a mesma produtividade, durante sua vida útil, se adequadamente mantido; 45 b) o bem desgasta-se contínua e proporcionalmente aos anos de funcionamento; c) o bem desaparece no último dia da vida útil, podendo deixar um valor residual que precisa ser corretamente descontado da depreciação. O referido valor é maior no caso de obsoletismo. Assim, o valor de K1 recebido dos irrigantes e que, na realidade, se refere à depreciação, precisa ser acumulado numa conta, com o objetivo de substituir os itens de capital que deixaram de funcionar. Esta conta, obviamente, somente é movimentada para receber os valores correspondentes à depreciação e pagar a aquisição dos itens que foram substituídos (grifo nosso). Não pode ser usada para nenhuma outra finalidade, como honrar compromissos com bancos e amortizar investimentos etc. Entretanto, é importante observar alguns procedimentos quanto à depreciação da infra-estrutura de uso coletivo. A depreciação é linear. É feita por itens. Para cada item, a depreciação anual é o valor do mesmo, sempre como se novo fora, dividido pelo número de anos que permanecerá em pleno uso. Uma vez calculada, não mudará de ano para ano, enquanto o item durar, exceto pela atualização de valor, quando há inflação. Se um item for substituído por um de melhor qualidade (por causa do seu obsoletismo), a depreciação para o item introduzido será calculada conforme o mesmo procedimento, tendo-se o cuidado de abater o valor, do item substituído, do valor da depreciação anual. O mesmo procedimento aplica-se a novos investimentos e para itens que ficaram obsoletos ou gastos e foram substituídos. Ou seja, abatese o item que foi substituído da depreciação, se for o caso, e se introduz o novo item, tendo-se em conta seu valor e duração. O valor total da depreciação é a soma das depreciações dos itens. Manutenção A vida útil de um bem de capital é dada em anos. Para viver operando adequadamente, nos anos estabelecidos como vida útil, o bem de capital requer manutenção. Esta manutenção dá origem a despesas que, agregadas às correspondentes à administração do projeto, resultam nas despesas de manutenção que é o 46 K2. Assim, os valores arrecadados dos irrigantes, para cobrir despesas de manutenção, devem ser acumulados na conta manutenção, que fará face às despesas correspondentes. 3.1.2 - Política nacional de meio ambiente 3.1.2.1 - Referência Legal A Lei de Irrigação trata superficialmente da questão ambiental, definindo no inciso V do parágrafo único, do art. 2º , que trata dos princípios do regime de uso das águas e solo para fins de irrigação: “observância das normas de prevenção de endemias rurais e de salinização dos solos, bem como da preservação do meio ambiente e da boa qualidade das águas”36. As intervenções referentes à irrigação nos anos 70 e início dos anos 80 levavam em conta as recomendações do Código das Águas (Decreto 24.643, de 10/07/34) e do Código Florestal (Brasil, 1965). Em 31/8/81, foi editada a Lei n.º 6.938, que dispôs sobre a Política Nacional do Meio Ambiente (Brasil, 1981). Somente foi regulamentada em 01/6/83, pelo Decreto n.º 88.35137. Esse Decreto e os que o sucederam (89.532/84, 91305/85, 93630/86, 94085/87, 94764/87, 94.998/87, 96.150/88, 97.558/89, 97.802/89 e 98.109/89) foram revogados pelo de n.º 99.274, de 6/6/90, que estabelece novo regulamento para a Lei 6.902, de 27/04/91, que dispõe sobre a criação de Estações Ecológicas e Áreas de Proteção Ambiental e para a Lei 6.938, de 31/8/81, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente38. Também continua em vigor e deve ser observado o Código Florestal, editado pela Lei n.º 4.771, de 15/09/65, que regulamenta as atividades de proteção da vegetação nativa39. 36 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/LEI6662.html. Disponível na Internet em: http://www.geocities.com/sosnascentes/federal2/8835183.htm. 38 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4771.htm. 39 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/ D99274.htm. 37 47 Além da legislação federal, devem ser observadas as legislações estaduais, onde houver. Os projetos de irrigação são considerados elementos causadores de impactos ambientais, como qualquer outra atividade, e sujeitos às normas gerais estabelecidas pela lei federal para atividades potencialmente poluidoras. Assim, sujeitam-se à legislação federal e às definidas pelos órgãos de meio ambiente dos estados onde o empreendimento deve ser implantado. Não havendo, por parte do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), jurisprudência específica, o que se verifica, na prática, são exigências absurdas e despropositadas de órgãos ambientais dos estados, pretendendo que as ações reparadoras dos impactos do meio causados pelos projetos de irrigação suplementem as deficiências locais em todas as áreas de atuação, como, por exemplo: educação formal, ações preventivas e corretivas de saúde e saneamento, manutenção e conservação de achados arqueológicos, crédito rural, articulação interinstitucional, cooperativismo, além daquelas relacionadas à flora, fauna, à proteção de mananciais e à educação ambiental. No que tange ao Código Florestal, os projetos de irrigação devem obedecer aos requisitos relacionados à preservação das florestas e demais vegetações naturais e ainda aos limites estabelecidos para preservação, normalmente denominados de Reserva Legal. Já existem questões judiciais, nas quais são questionados se os custos de manutenção de reservas legais e outras ações dessa natureza exigidas pelos órgãos ambientais devem ser de obrigação do proprietário da área. 48 3.1.2.2 - Princípios e conceitos da Política Nacional de Meio Ambiente relacionados à Irrigação Foram estabelecidos, dentre outros, como princípios básicos para a Política Nacional de Meio Ambiente (art. 1º - Lei n.º 6.938/81)40: • Racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar. • Proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas. • Controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras. • Recuperação de áreas degradadas. • Proteção de áreas ameaçadas de degradação. • Educação ambiental. − Irrigação: atividade poluidora O art. 3º se dedica a várias definições e conceitua: Poluidor: a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental. Recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo e os elementos da biosfera. Com essas duas definições, os projetos de irrigação passam a ser enquadrados como elementos poluidores e assim passíveis da observância de todos os dispositivos relacionados a elementos poluidores. No art. 4º são definidos os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, estabelecendo, no inciso VII “imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e ou indenizar 40 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm. 49 os danos causados e, aos usuários, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”. 3.1.2.3 - SISNAMA e CONAMA A Lei de Meio Ambiente, em seu art. 6º , constitui o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama) que congrega os órgãos responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental (Brasil, 1981). Como órgão superior do Sisnama (art. 3º - Decreto 99.274/90), encontram-se o Conselho de Governo, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), Órgão Central, hoje, o Ministério do Meio Ambiente, e, como órgão executor, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) (Brasil, 1990). Como órgãos seccionais do Sisnama estão definidos os órgãos e entidades federais com atividades relacionadas à proteção ambiental e os órgãos estaduais, responsáveis pela execução de programas e projetos e pelo controle e fiscalização das atividades capazes de provocar degradação ambiental. São ainda definidos os órgãos locais, que são de âmbito municipal, e a quem cabem o controle e a fiscalização dessas ações nas suas respectivas jurisdições. Dessa forma, os projetos de irrigação passam a ser sujeitos às normas de controle estabelecidas, também, pelos órgãos estaduais de meio ambiente. A Lei cria, também, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) (art. 7º), a quem compete baixar as normas necessárias à implementação da Política Nacional de Meio Ambiente (art.7º Decreto 99.274/90), destacando-se, para efeito dos projetos de irrigação, os incisos41: • III - Estabelecer normas e critérios para o licenciamento de atividades efetivas ou potencialmente poluidoras, a ser concedido pelos Estados e pelo Distrito Federal. 41 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/ D99274.htm. 50 • IV - Determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos sobre as alternativas e possíveis conseqüências ambientais dos projetos públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais, estaduais ou municipais, bem como a entidades privadas as informações indispensáveis à apreciação dos estudos de impacto ambiental e respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa degradação ambiental. • IX - Estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente, com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente hídricos. 3.1.2.4 - Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (Rima) A Resolução Conama n.º 01, de 23/01/86, regulamentando o disposto na Lei de Meio Ambiente, estabelece as definições, responsabilidades, os critérios básicos e as diretrizes para uso e implementação da Avaliação de Impacto Ambiental, constituindose no elemento normativo básico para as ações de meio ambiente relacionadas a projetos de irrigação42. O art. 2º define que “dependerá de elaboração de Estudo do Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (Rima), a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do Ibama em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente”. O inciso VII, desse artigo, especifica, dentre as atividades modificadoras do meio ambiente: “Obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos, tais como: barragens para fins hidrelétricos acima de 10MW, de saneamento ou de irrigação, abertura de canais para navegação, drenagem e irrigação, retificação de cursos dágua, abertura de barras e embocaduras, transposição de bacias e diques”. 42 Disponível na Internet em: http://www.ambiente.sp.gov.br/leis_internet/geral/licenc/ resconama186.htm. 51 A Resolução do Conama n.º1 estabelece (art. 6º) as diretrizes e atividades que nortearão os estudos de impactos ambientais, compreendendo: • Diagnóstico ambiental da área de influência do projeto, incluindo os meios físico, biológico e ecossistemas naturais e o sócio-econômico. • Análise dos impactos ambientais e do projeto e suas alternativas. • Definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos; e elaboração do programa de acompanhamento e monitoramento de todos os fatores considerados. • Define, ainda, que esse estudo deverá ser realizado por equipe multidisciplinar não dependente do proponente (art.7º), e também que correrão por conta do proponente todas as despesas e custos referentes à realização do estudo e elaboração do relatório (art. 8º ). 3.1.2.5 - Do licenciamento ambiental A Lei 6.938/81 estabelece em seu art. 10 que a construção, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os capazes de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento por órgão estadual, componente do Sisnama e do Ibama, em caráter supletivo43. Licenciamento ambiental é o procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação, modificação e operação de atividades e empreendimentos utilizadores de recursos ambientais considerados efetiva ou potencialmente poluidores, ou daqueles que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, desde que verificado, em cada caso concreto, que foram preenchidos, pelo empreendedor, os requisitos legais exigidos. 43 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm. 52 O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) , pela Resolução n.º 237, de 19 de dezembro de 1997, definiu os empreendimentos e atividades que estão sujeitos ao licenciamento ambiental44. Na área de irrigação, estão previstas as obras civis relacionadas com: - barragens e diques; - canais para drenagem; - retificação de curso de água; - abertura de barras, embocaduras e canais; e - transposição de bacias hidrográficas. Esse licenciamento será efetuado em um único nível de competência, repartindo-se harmoniosamente as atribuições entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), ao nível federal, os órgãos ambientais estaduais e os órgãos ambientais municipais. Em linhas gerais, ao Ibama compete o licenciamento de empreendimentos e de atividades com impacto ambiental de âmbito nacional ou que afete diretamente o território de dois ou mais estados federados, considerados os exames técnicos efetuados pelos órgãos ambientais dos estados e municípios em que se localizar o empreendimento. Aos órgãos ambientais municipais compete o licenciamento de empreendimentos e atividades de impacto local e dos que lhes forem delegados pelos estados por meio de instrumento legal ou convênio. Compete aos órgãos ambientais estaduais ou do Distrito Federal o licenciamento ambiental dos empreendimentos e atividades cujos impactos diretos ultrapassem os limites territoriais de um ou mais municípios ou que estejam localizados em mais de um município, em unidades de conservação de domínio estadual 44 Disponível na Internet em: http://home.techno.com.br/vidagua/leis/rconama23797.htm. 53 ou em florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente. Além disso, pode haver delegação do Ibama para os estados, por instrumento legal ou convênio. O art. 19 do Decreto n.º 99.274/90 estabelece as seguintes licenças que deverão ser obtidas pelo empreendedor do projeto (Brasil, 1990): • Licença Prévia (LP), na fase preliminar do planejamento da atividade, contendo os requisitos básicos a serem atendidos nas fases de localização, instalação e operação, observados os planos municipais, estaduais e federais de uso do solo. • Licença de Instalação (LI), autorizando o início da implantação, de acordo com as especificações constantes do projeto executivo aprovado. • Licença de Operação (LO), autorizando, após as verificações necessárias, o início da atividade licenciada e o funcionamento de seus equipamentos de controle de poluição, de acordo com o previsto nas licenças prévias e de instalação. 3.1.2.6 - Reservas Legais As reservas legais, assim entendidas as áreas de preservação existentes nos projetos de irrigação, são criadas em função das exigências do Código Florestal, instituído pela Lei n.º 4.771, de 15 de setembro de 196545, modificado pela Lei n.º 7.803, de 18/07/8946. O parágrafo segundo do artigo 16 esclarece: “A reserva legal, assim entendida a área de, no mínimo, 20% (vinte por cento), de cada propriedade, onde não é permitido o corte raso, deverá ser averbada à margem da inscrição da matrícula do imóvel no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua 45 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4771.htm. Disponível na Internet em: http://www.geocities.com/sosnascentes/leis1/780389.htm. 46 54 destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento da área". Estabelece ainda o art. 17 que, nos loteamentos de propriedades rurais, a área destinada à reserva legal poderá ser agrupada numa só porção, em condomínio entre os adquirentes. Por meio desse dispositivo, as áreas de reserva legal dos projetos de irrigação são, via-de-regra, agrupadas. Deve-se destacar, ainda, que a Lei institui as áreas de preservação permanente, definidas no art. 2º do Código Florestal. Com a redação dada pela Lei 7.803/89, ficou assim definido: a) ao longo dos rios ou de qualquer curso dágua, desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja: 1) de 30 m para os cursos dágua de menos de 10 m de largura; 2) de 50 m para os cursos dágua que tenham de 10 a 50 m de largura; 3) de 100 m para os cursos dágua que tenham de 50 a 200 m de largura; 4) de 200 m para os cursos dágua que tenham de 200 a 600 m de largura; 5) de 500 para os cursos dágua que tenham largura superior a 600 m. b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios dágua naturais ou artificiais; c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados "olhos-dágua", qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 m de largura; d) no topo de morros, montes, montanhas e serras; e) nas encostas ou parte destas, com declividade superior a 45º , equivalente a 100% na linha de maior declive; 55 f) nas restingas, como fixadoras de dunas e estabilizadoras de mangues; g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 m em projeções horizontais; h) em altitude superior a 1.800 m, qualquer que seja a vegetação. 3.1.2.7 - Educação ambiental A Lei n.º 9.795, de 27 de abril de 1999, institui a Política Nacional de Educação Ambiental47. Por esse instrumento legal, os órgãos integrantes do Sisnama devem promover ações de educação ambiental, integradas aos programas de conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente (Inciso III, art. 3º ). Quando define as ações de educação ambiental não formal, o texto legal remete para o incentivo a ser dado pelo Poder Público, nos níveis federal, estadual e municipal (art. 13), dentre outros, a sensibilização ambiental dos agricultores. A educação ambiental já constituía item clássico de exigência dos órgãos de meio ambiente, quando da definição das medidas mitigadoras dos impactos ambientais dos projetos de irrigação. Com a edição dessa Lei, ainda não regulamentada, certamente serão adicionadas novas exigências no que tange à educação ambiente. 3.1.2.8 - Crimes Ambientais Em 12 de fevereiro de 1998, foi editada a Lei n.º 9.605, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente48. No que se refere à implantação de projetos de irrigação, considerados potencialmente poluidores pela Lei do Meio Ambien47 48 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9795.htm. Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9605.htm. 56 te, o art. 60 da Lei dos Crimes Ambientais estabelece que “construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares” pertinentes, incorre o infrator à penalidade de detenção de um a seis meses ou à multa, ou a ambas as penas cumulativamente. Também pode ser objeto de punição a infração administrativa (art. 70), que representa toda ação ou omissão que violem as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente. A Lei 9.605/98 foi regulamentada pelo Decreto n.º 3179, de 21/09/99, o qual, na Seção III, estabelece as sanções aplicáveis à poluição e as outras infrações ambientais, com multas que variam de R$ 1.000,00 a R$ 50 milhões, ou multa diária49. No seu artigo 41, § 1º , alínea III, define as infrações e perspectivas de sanções, relacionadas ao uso de recursos hídricos e sua poluição. 3.1.2.9 - Pacto Federativo de Gestão Por Pacto Federativo de Gestão deve ser entendido um instrumento jurídico similar a um termo de acordo ou convênio, no qual as partes se articulam e colaboram para obtenção de um objetivo comum. Esse instrumento está sendo utilizado com a finalidade de integrar as ações de proteção ao meio ambiente e aos recursos naturais entre os órgãos federais de gestão, fiscalização e controle e os estaduais, de modo a promover uma gestão compartilhada e descentralizada. Como exemplo, cita-se o Pacto Federativo de Cooperação Administrativa celebrado entre o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o Estado da Bahia, a Secretaria do 49 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3179. htm 57 Planejamento, Ciência e Tecnologia da Bahia, objetivando um sistema de cooperação administrativa para o exercício das competências constitucionais de proteção ao meio ambiente e aos recursos naturais renováveis, no qual uma série de competências federais são delegadas aos órgãos ambientais e florestais do Estado da Bahia. São citados apenas os dispositivos de alguma forma relacionados com a implantação da agricultura irrigada. A cláusula segunda (Das Obrigações das Partes) estabelece para o Ibama, no Estado da Bahia, em seu item 4: Quanto ao meio ambiente: • licenciar as atividades e obras localizadas em áreas de interesse e/ou competência da União, ou de significativo impacto ambiental, de âmbito nacional ou regional, com prévio exame técnico do órgão ambiental estadual; • autorizar, com prévia análise ao órgão estadual competente, a exploração florestal e o uso alternativo do solo nas áreas de competência e ou interesse; • administrar o Cadastro Técnico Federal das Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental e o Cadastro Técnico Federal de Atividades Potencialmente Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Ambientais, sem prejuízo do Cadastro Estadual; • executar programas, nacionais e regionais, de qualidade do ar, da água e do solo, sob a responsabilidade da União; • fornecer subsídios para a elaboração do relatório anual da qualidade ambiental, conforme o disposto na legislação vigente; • realizar auditorias ambientais; 58 • manifestar-se sobre a aquisição de imóveis rurais destinados à implantação de projetos de assentamentos para fins de reforma agrária; • licenciar, autorizar e fiscalizar a supressão de cobertura florestal em áreas de preservação permanente. Pelo Pacto coube ao Estado da Bahia, por meio de suas respectivas secretarias de Estado, o exercício de suas competências institucionais e, observados os dispositivos das constituições federal e estadual e da legislação em vigor, especialmente: Quanto aos recursos hídricos: • propor normas de utilização, preservação e recuperação dos recursos hídricos no Estado; • analisar, quanto aos interesses do Estado, os atos de concessão para uso dos recursos hídricos estaduais; • licenciar, controlar e fiscalizar as atividades utilizadoras dos recursos hídricos do Estado; • elaborar e executar programas de proteção e recuperação de mananciais e bacias hidrográficas. Quanto aos recursos florestais: • autorizar, controlar e fiscalizar a exploração florestal e o uso alternativo do solo, exigindo e controlando a reposição florestal a ela inerente, sempre em consonância com os dispositivos legais contidos nas normas federais e estaduais sobre o assunto; • identificar, elaborar, captar recursos e gerenciar projetos de recuperação ambiental e desenvolvimento de atividades relacionadas à utilização de recursos naturais renováveis; • administrar a reposição florestal obrigatória, conforme legislação pertinente; executar a política de fomento florestal; 59 • realizar a monitoração da cobertura vegetal do Estado da Bahia; • cadastrar e registrar as pessoas físicas e jurídicas que exerçam atividades relacionadas à flora, sem prejuízo do Cadastro Técnico Federal. Com a celebração desse instrumento, as ações relativas a meio ambiente são, praticamente, delegadas ao Estado, que deverá ser o interlocutor com os órgãos empreendedores para as ações ambientais. 3.1.3 - Política nacional de recursos hídricos 3.1.3.1 - Referência Legal A Lei n.º 9.433, de 8 de janeiro de 1997, instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e regulamentou o inciso XIX, do art. 21 da Constituição Federal que estabelece, como competência da União, “instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso”50. Denominada Lei das Águas, estabelece os mecanismos de participação dos usuários de água e enfatiza o uso múltiplo e sustentado dos recursos hídricos. Em 3 de junho de 1998, houve a primeira regulamentação da Lei das Águas, com a edição do Decreto n.º 2.612, que regulamenta o Conselho Nacional dos Recursos Hídricos51. Aguardando regulamentação, encontram-se os aspectos relacionados a: • Comitês de Bacias Hidrográficas; • Outorga de Direito de Uso de Recursos Hídricos; • Cobrança pelo Uso de Recursos Hídricos; 50 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9433.htm Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2612. htm 51 60 • Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos (SINRHI) e • Agências de Água ou Bacia Hidrográfica. A Lei das Águas veio não só complementar lacunas de dispositivos existentes no Código das Águas, editado em 1934, como também criou mecanismos de planejamento, gestão e controle do uso dos recursos hídricos, em todo o território nacional. Certamente, com a edição desses regulamentos, haverá necessidade de compatibilizar preceitos estabelecidos por diversas legislações anteriores, como, por exemplo, a própria Lei de Irrigação, devendo ocorrer, inclusive, repercussões nas estruturas dos órgãos e entidades que hoje possuem competências relacionadas a recursos hídricos. Considerando água como um recurso natural finito, dotado de valor econômico (inciso II do art. 1º ), estabelece a outorga de direitos de uso e a cobrança pelo seu uso, o que deverá racionalizar esse uso. Nesse aspecto, deverá ocorrer uma das conseqüências imediatas sobre o setor irrigação. A seguir, serão abordados os principais aspectos da Lei das Águas, com repercussão sobre a irrigação no País: 3.1.3.2 - Fundamentos e Diretrizes da Política Nacional de Recursos Hídricos Definidas no art. 1º da Lei das Águas, as bases da política enfatizam52: • água como um bem público, limitado e de valor econômico; • uso prioritário para o consumo humano, em situação de escassez; • uso múltiplo das águas como base da gestão; 52 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9433.htm. 61 • bacia hidrográfica como unidade territorial de planejamento e implementação; e • gestão descentralizada. O art. 3º estabelece as seguintes diretrizes gerais para implementação da política: • integração de gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental e com a do usos do solo; • adequação da gestão às diversidades regionais do País; • adequação do planejamento com os setores usuários e com os planejamentos regional, estadual e nacional. 3.1.3.3 - Instrumentos São instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos: • planos de recursos hídricos; • enquadramento dos corpos de água em classes, segundo o uso preponderante; • outorga de direitos de uso; • cobrança pelo uso; • compensação aos municípios; e • sistema de informações. 3.1.3.4 - Planos Estabelece nos art. 6º e 7º a elaboração de planos diretores para fundamentar e orientar a implantação da política de longo prazo, com horizontes compatíveis com seus programas e projetos, suportados em diagnósticos da situação atual, análise das alternativas de crescimento demográfico, balanço das disponibilidades e demandas futuras, metas de racionalização de uso, prioridades para outorga, diretrizes e critérios de cobrança, e propostas de áreas sujeitas à restrição de uso. 62 Esses planos serão elaborados por bacia hidrográfica, por estado e para o país. 3.1.3.5 - Classes de uso preponderante dos corpos de água Guardando a compatibilidade definida com a gestão ambiental, essas classes serão estabelecidas pela legislação ambiental, o que atualmente já ocorre. 3.1.3.6 - Outorga e cobrança Reservando longo espaço para esses temas (art. 11 a 22), são os seguintes os princípios estabelecidos pela lei, especialmente aqueles relacionados com irrigação53: • A derivação, captação de parcela existente em um corpo de água ou de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo, estão sujeitas à outorga. • Toda outorga estará condicionada às prioridades estabelecidas nos planos de recursos hídricos. • Toda outorga deverá respeitar a classe em que o corpo de água estiver enquadrado e a manutenção das condições de transporte aquaviário, quando for o caso. • A outorga deve preservar o uso múltiplo. • Será efetivada por ato da autoridade competente do Poder Executivo Federal, dos estados ou do Distrito Federal. Estes últimos poderão receber delegação de competência do nível federal. • A outorga poderá ser suspensa, por não-cumprimento dos termos, ausência de uso por três anos consecutivos, prevenir degradação ambiental, atender usos prioritários e manter a navegabilidade do corpo de água; • A outorga não implica alienação. 53 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9433.htm. 63 • Serão cobrados os usos de recursos hídricos sujeitos à outorga. • Critérios de fixação de valores de cobrança. • Os valores arrecadados com a cobrança serão aplicados prioritariamente na bacia em que foi gerado. Esse assunto deverá ser objeto de regulamentação específica, ora em tramitação no Congresso Nacional. 3.1.3.7 - Sistema de Gerenciamento e Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos O Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos, definido no art. 25 e 26, constitui-se da coleta, tratamento, armazenamento e recuperação de informações sobre os recursos hídricos e fatores intervenientes de sua gestão e será alimentado com dados gerados pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos54. O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos objetiva coordenar a gestão integrada das águas, arbitrar conflitos, implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos, promover a cobrança pelo uso, além de planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos hídricos (art.32). O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos é composto por: • Conselho Nacional de Recursos Hídricos. • Conselhos de Recursos Hídricos dos estados e do Distrito Federal. • Comitês de Bacia Hidrográfica. • Órgãos federais, estaduais e municipais com competências relacionadas à gestão de recursos hídricos. • Agências de água ou bacia hidrográfica. 54 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9433.htm. 64 − Conselho Nacional de Recursos Hídricos O Conselho Nacional de Recursos Hídricos, de que tratam os artigos 34 e 35, foi regulamentado pelo Decreto n.º 2.612, de 3 de junho de 199855. Integrante da estrutura do Ministério do Meio Ambiente, tem, dentre outras, as competências de: • Promover a articulação do planejamento dos recursos hídricos com os planejamentos nacional, regionais, estaduais e dos setores usuários. • Deliberar sobre os projetos de aproveitamento de recursos hídricos, cujas repercussões extrapolem o âmbito dos estados onde serão implantados. • Aprovar propostas de instituição dos comitês de bacia hidrográfica. • Aprovar e acompanhar a execução do Plano Nacional de Recursos Hídricos. • Estabelecer critérios para a outorga de direitos de uso e cobrança. • Aprovar o enquadramento dos corpos d’água em classes preponderantes de uso, em consonância com as diretrizes do Conama e de acordo com a classificação da lei ambiental. Presidido pelo ministro do Meio Ambiente, possui representantes dos ministérios, da Agência Nacional de Energia Elétrica, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, além de cinco representantes dos conselhos estaduais de recursos hídricos, seis de usuários (dentre esses, um dos irrigantes) e três de organizações civis de recursos hídricos. O titular da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente será o Secretário Executivo do Conselho. 55 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2612. htm. 65 A Secretaria de Recursos Hídricos do MMA será a Secretaria Executiva do Conselho e terá como atribuições, dentre outras, a de coordenar o Sistema Nacional de Informações de Recursos Hídricos. − Comitês de Bacia Hidrográfica Definidos no art. 37 da Lei das Águas e ainda aguardando regulamentação, os comitês poderão ter como área de atuação a totalidade da bacia, sub-bacia de tributário ou de tributário desse tributário, ou grupo de bacias ou sub-bacias contíguas56. Aos comitês compete: • debater as questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes; • arbitrar, em primeira instância administrativa, conflitos relacionados a recursos hídricos; • aprovar e acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia hidrográfica; • propor ao Conselho Nacional e aos estaduais as acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga; • estabelecer os mecanismos de cobrança e sugerir os valores a serem cobrados; • estabelecer critérios e promover o rateio do custo das obras de uso múltiplo de interesse comum ou coletivo. Os comitês serão formados por representantes: • da União; • dos estados e do Distrito Federal, cujos territórios se situem, ainda que parcialmente, em suas áreas de atuação; 56 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9433.htm. 66 • dos municípios situados, no todo ou em parte, em sua área de atuação; • dos usuários de água de sua área de atuação; • das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia. O número de representantes e o critério de indicação deverão ser fixados em regimento interno. Os representantes dos poderes executivos da União, estados e Distrito Federal deverão constituir metade dos membros. − Agências de Água As agências de água (art. 42 a 44) serão a Secretaria Executiva do respectivo ou dos respectivos comitês de bacias hidrográficas um ou mais comitês, na mesma área de atuação57. Só poderão ser criadas quando da prévia existência do Comitê e deverão ter sua viabilidade econômica assegurada pela cobrança de usos dos recursos hídricos de sua área de atuação. Compete às agências de água, no âmbito de sua área de atuação: • manter o balanço atualizado da disponibilidade de recursos hídricos; • manter o cadastro de usuários; • efetuar a cobrança pelo uso, mediante delegação do outorgante; • analisar e emitir parecer sobre projetos e obras a serem financiadas com recursos gerados pela cobrança, encaminhando-o à instituição responsável pela administração desses recursos; • acompanhar a administração financeira dos recursos gerados pela cobrança; 57 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9433.htm. 67 • gerir o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica; • celebrar convênios, contratar financiamentos e serviços, elaborar proposta orçamentária e submetê-la ao Comitê; • promover estudos relacionados à gestão dos recursos hídricos; • elaborar o Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica; • propor ao respectivo comitê: o enquadramento dos corpos de água para encaminhamento ao Conselho Nacional ou aos estaduais; os valores a serem cobrados pelo uso dos recursos hídricos; o plano de aplicação dos recursos arrecadados e o rateio de custo das obras de interesse comum ou coletivo. Também em fase de regulamentação. − Organizações Civis de Recursos Hídricos São sociedades civis, legalmente organizadas e relacionadas a recursos hídricos: consórcios ou associações intermunicipais, de usuários, organizações técnicas e de ensino e pesquisa; organizações não-governamentais de defesa de interesses difusos e coletivos da sociedade e outras reconhecidas pelo Conselho Nacional ou pelos estaduais de recursos hídricos (art. 47 e 48). 3.1.3.8 - Infrações e Penalidades O art. 49 estabelece como infração: • Derivar ou utilizar recursos hídricos sem a respectiva outorga. • Iniciar a implantação ou implantar empreendimento relacionado com a derivação ou utilização de recursos hídricos, superficiais ou subterrâneos, que implique alterações no regime, quantidade ou qualidade desses, sem a autorização competente. 68 • Utilizar recursos hídricos ou executar obras e serviços em desacordo com a outorga. • Perfurar poços ou operá-los sem a autorização devida. • Fraudar medições ou declarar valores diferentes dos medidos. • Infringir normas da lei e dos regulamentos. • Obstar ou dificultar o acesso da fiscalização. O art. 50 estabelece as penalidades para as infrações que variam da advertência por escrito até multas e embargos, com revogação da outorga, esclarecendo que a reincidência implica dobrar a penalidade. 3.1.4 - Constituição Federal, editada em 5 de outubro de 1988 São listados, a seguir, os tópicos relacionados com irrigação, constantes da Constituição de 1988, com a redação atual, dada pelas emendas constitucionais, onde ocorreu (Brasil, 1988): "Art. 20. São Bens da União: ... III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais. ... Art. 21. Compete à União: ... XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso. Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: ... 69 IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão. ... Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: ... VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora; VIII - fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar; XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios. Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: ... VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. ... Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados: I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União. ... 70 Art. 43. Para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando o seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais. ... § 2.º Os incentivos regionais compreenderão, além de outros, na forma da lei: IV - prioridade para o aproveitamento econômico e social dos rios e das massas de água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda, sujeitas a secas periódicas. § 3.º Nas áreas a que se refere o § 2.º, IV, a União incentivará a recuperação de terras áridas e cooperará com os pequenos e médios proprietários rurais para o estabelecimento, em suas glebas, de fontes de água e de pequena irrigação. ... Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente: ... VII - a eletrificação rural e irrigação. ... Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1.º para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público: ... IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio 71 ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, ao qual dar-se-á publicidade. ... ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS ... Art. 42. Durante quinze anos, a União aplicará, dos recursos destinados à irrigação: I - vinte por cento na Região Centro-Oeste; II - cinqüenta por cento na Região Nordeste, preferencialmente no Semi-árido." 3.1.5 - Legislação e normas relacionadas à irrigação Apresenta-se, a seguir, um resumo dos Instrumentos legais, legislação e normas relacionadas à irrigação no Brasil. QUADRO 1 LEGISLAÇÃO E NORMAS RELACIONADAS À IRRIGAÇÃO N.º Instrumento legal Ementa 1 Decreto n.º 7.619, de Cria a Inspetoria de Obras Contra 21/10/1909 as Secas (IOCS) 2 Decreto n.º 13.687, de Transforma a Inspetoria de Obras 09/07/1919 Contra as Secas em Inspetoria Federal de Obras contra as Secas (IFOCS) 3 Decreto n.o 24.643, de Decreta o Código das Águas 10/07/1934 4 Decreto-Lei n.º 852, de 1938 Introduz modificações no Código das Águas 5 Decreto-Lei n.º 8.486, de Estrutura o Departamento Nacio28/12/1945 nal de Obras Contra as Secas (DNOCS) 6 Lei n.º 541, de 15/12/1948 Cria a Comissão do Vale do São Francisco (CVSF) 7 Lei n.º 4.771, de 15/09/1965 Institui o novo Código Florestal (continua) 72 QUADRO 1 (continuação) LEGISLAÇÃO E NORMAS RELACIONADAS À IRRIGAÇÃO N.º Instrumento legal Ementa Aprova a Reforma Administrativa, 8 Decreto-Lei n.º 200, de 25/02/1967, passando a vigo- instituindo o Ministério do Interior rar em 15/03/1967 9 Decreto-Lei n.º 292, de Transforma a Comissão do Vale 28/02/1967 do São Francisco em Superintendência do Vale do São Francisco (SUVALE) 10 Decreto n.º 63.775, de Cria o Grupo Executivo de Irriga11/12/1968 ção para o Desenvolvimento Agrícola, no âmbito do Ministério do Interior 11 Lei n.º 6.088, de 16/07/1974 Cria a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF) 12 Lei n.º 6.662, de 25/06/1979 Sanciona a Lei de Irrigação que dispõe sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos 13 Decreto n.º 86.146, de Implementa o Programa de Apro23/06/1981 veitamento das Várzeas Irrigáveis (PROVÁRZEAS) pelo Ministério da Agricultura 14 Lei n.º 6.938, de 31/08/1981 Dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente 15 Decreto n.º 86.916, de Instituído o Programa de Financi10/02/1982 amento para Equipamentos de Irrigação (PROFIR) 16 Decreto n.º 88.351, de Regulamenta a Lei 6.938/81 e a 01/06/1983 Lei n.º 6.902/81 17 Decreto-Lei n.º 2.032, de Dispõe sobre o ressarcimento de 29/06/1983 investimentos realizados em irrigação nas regiões semi-áridas do Nordeste 18 Decreto n.º 89.496, de Regulamenta a Lei n.º 6.662/79, 29/03/1984 Lei de Irrigação 19 Decreto n.º 90.309, de Altera o Decreto n.º 89.496/84 16/10/1984 (continua) 73 QUADRO 1 (continuação) LEGISLAÇÃO E NORMAS RELACIONADAS À IRRIGAÇÃO N.º Instrumento legal Ementa 20 Decreto n.º 90.991, de Altera o Decreto n.º 89.496/84 26/02/1985 21 Resolução CONAMA n.º 001, Estabelece responsabilidades, de 23/01/1986 critérios, definições, diretrizes para avaliação de impacto ambiental 22 Portaria n.º 74 de 03/06/1986, Dispõe sobre a destinação de do Ministro Extraordinário lotes, em projetos públicos de para Assuntos de Irrigação irrigação, para profissionais de Ciências Agrárias 23 Resolução CONAMA n.º 20, Estabelece a classificação das de 18/06/1986 águas doces, salobras e salinas do Território Federal 24 Decreto n.º 92.344, de Institui o Programa de Irrigação do 29/01/1986 Nordeste (PROINE) 25 Decreto n.º 92.395, de Institui o Programa Nacional de 12/02/1986 Irrigação (PRONI) 26 Lei n.º 7.511, de 07/07/1986 Altera a Lei n.º 4.771/75 – Código Florestal 27 Decreto n.º 93.407, de Regulamenta o Decreto-Lei n.º 04/11/1986 2.032 28 Decreto n.º 93.484, de Altera o Decreto n.º 89.496/84 29/10/1986 29 Decreto n.º 94.314, de Aumenta o prazo para execução 07/05/1987 do PRONI 30 Decreto-lei n.º 2.369, de Altera o Decreto-Lei n.º 2.032/83 11/11/1987 31 Decreto n.º 95.192, de Altera o Decreto n.º 93.507 ou 12/11/1987 93.407 32 Decreto n.º 95.733, de Dispõe sobre a inclusão no orça12/02/1988 mento dos projetos e obras federais, de recursos destinados a prevenir ou corrigir prejuízos de natureza ambiental 33 Lei n.º 7.735, de 22/02/1989 Extingue a SEMA e a Superintendência de Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE) e cria o IBAMA (continua) 74 QUADRO 1 (continuação) LEGISLAÇÃO E NORMAS RELACIONADAS À IRRIGAÇÃO N.º Instrumento legal Ementa 34 Lei n.º 7.804, de 18/07/1989 Altera a Lei n.º 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente 35 Decreto n.º 97.628, de Regulamenta o art. 21 da Lei n.º 10/04/1989 4.771/65 – Código Florestal 36 Decreto n.º 97.635, de Regulamenta o art. 27 da Lei n.º 10/04/1989 4.771/65 – Código Florestal 37 Lei n.º 7.803, de 18/07/1989 Altera a Lei n.º 4.771/65 – Código Florestal 38 Lei n.º 7.875, de 13/11/1989 Modifica o Código Florestal instituído pela Lei n.º 4.771/65 39 Portaria Normativa n.º 1, de Dispõe sobre a cobrança no forne04/01/1990, do IBAMA cimento de licença ambiental, bem como sobre os custos operacionais referentes à análise e vistoria de projetos 40 Lei n.º 8.029, de 12/04/1990 Extingue a Superintendência de Desenvolvimento do Centro Oeste (SUDECO), Superintendência de Desenvolvimento da Região Sul (SUDESUL) e o Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) 41 Decreto n.º 99.240, de Regulamenta a Lei n.º 8.029/90 07/05/1990 42 Decreto n.º 99.274, de Regulamenta a Lei n.º 6.938/81 06/06/1990 43 Decreto n.º 99.451, de Transfere para a Secretaria Nacio15/08/1990 nal de Irrigação do Ministério da Agricultura e Reforma Agrária as atribuições e o acervo do extinto DNOS e as atividades de controle das cheias para a Secretaria de Políticas Regionais da Presidência da República 44 Lei n.º 8.657, de 21/05/1993 Altera a Lei n.º 6.662/79 – Lei de Irrigação (continua) 75 QUADRO 1 (conclusão) LEGISLAÇÃO E NORMAS RELACIONADAS À IRRIGAÇÃO N.º Instrumento legal Ementa 45 Lei n.º 8.666, de 21/06/1993 Regulamenta o art.37, inciso XXI da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública 46 Resolução CONAMA N.º 02, Reparação de danos ambientais de 18/04/1996 47 Lei n.º 8.666, de 21/06/1993 Institui normas para licitações e contratos da Administração Pública 48 Lei n.º 9.433, de 08/01/1997 Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos - Lei das Águas 49 Resolução CONAMA n.º Redefine conceitos relacionados a 237, de 19/12/1997 meio ambiente, atividades sujeitas a licenciamento, competências de órgãos ambientais, dentre outros 50 Lei n.º 9.417, de 26/12/1997 Institui a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) 51 Decreto n.º 2.178, de Altera o Decreto n.º 84.496/84 que 17/03/1997 regulamenta a Lei de Irrigação 52 Lei n.º 9.605, de 12/02/1998 Lei dos Crimes Ambientais 53 Lei n.º 9.649, de 27/05/1998 Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios 54 Decreto 2.612, de 03/06/98 Regulamenta o Conselho Nacional dos Recursos Hídricos previsto na Lei 9.433/97 55 Lei n.º 9.795, de 27/04/1999 Dispõe sobre Educação Ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental 56 Medida Provisória n.º 1.874- Altera a Lei n.º 9.605/98 – Lei dos 13, de 28/07/1999 Crimes Ambientais 57 Medida Provisória n.º 1.911- Altera a Lei n.º 9.649/98, que dispõe 8, de 29/07/1999 sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios FONTE: Elaboração dos autores. 76 3.2 - Marco Institucional A análise da situação institucional do segmento irrigação no Brasil nos remete ao Decreto-Lei 200, de 25 de janeiro de 1967, que, pela primeira vez introduziu a irrigação como função do Estado58. Editado durante o regime militar, a estrutura de governo por ele definida, vigorou, com pequenas alterações, até 1986, já na Nova República. De 1986 até 1999, as funções irrigação e meio ambiente, esta diretamente relacionada com a primeira, percorreram vários ministérios, ao sabor da política definida por cada um dos presidentes eleitos, desde então. Essas constantes alterações representaram, na prática, sérias dificuldades na gestão de suas atribuições, pelos órgãos executores, pois delas resultam a descontinuidade não só administrativa como política. Alguns órgãos conseguiram manter certa independência e seguir seu rumo, outros foram muito afetados por esse problema, como será visto no final deste documento. O conhecimento dessa trajetória será tratado a seguir, identificada pelo nome do ministério ou ministérios responsáveis pelos assuntos irrigação e meio ambiente, em cada período: 3.2.1 - Trajetória institucional dos assuntos irrigação e meio ambiente 3.2.1.1 - Ministério do Interior (Minter) A edição do Decreto-Lei n.º 200, em 25 de fevereiro de 1967, que dispôs sobre a organização da Administração Federal e estabeleceu diretrizes para a Reforma Administrativa, constituiu um marco legal para a estruturação, organização e administração pública federal. 58 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/ Del0200. htm. 77 Pelo Decreto-Lei n° 200, foi criado o Ministério do Interior (pelo artigo 199, item II), por desdobramento do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, absorvendo também as funções então desenvolvidas pelo Ministro Extraordinário para Coordenação dos Organismos Regionais, cargo criado pela Lei n.º 4.344, de 21/06/1964. A história do Ministério do Interior tem sua origem no Alvará de 28/7/1736, assinado por D. João VI, criando, juntamente com duas outras, a Secretaria de Estado dos Negócios Interiores do Reino. Com o advento do Império e da República, passou a denominar-se, sucessivamente Secretaria de Estado dos Negócios Interiores do Império e Secretaria de Estado dos Negócios do Interior. O Decreto n.º 366, de 24/04/1890, deu nova distribuição aos serviços da Secretaria de Estado dos Negócios do Interior (Brasil, 1890). A Lei n.º 23, de 30/10/1891 (Brasil, 1891), reorganizou os serviços da Administração Federal, distribuindo-os em seis ministérios, sendo um deles o Ministério da Justiça e Negócios Interiores, que vigorou até a Reforma Administrativa de 1967. O Decreto-Lei 200, em seu art. 35, adota uma classificação setorial para os ministérios, conforme a função exercida no Governo. Assim, existiam ministérios dos seguintes setores: - Político; - Planejamento e Governamental; - Econômico; - Social; e - Militar. O Ministério do Interior foi classificado no setor econômico, junto com os ministérios da Fazenda, dos Transportes, da Agricultura, da Indústria e do Comércio e das Minas e Energia. O art. 39 se dedica aos assuntos que constituem a área de competência de cada ministério e estabelece para o Ministério do Interior: 78 I. Desenvolvimento regional. II. Radicação de populações, ocupação do território, migrações internas. III. Territórios federais. IV. Saneamento básico. V. Beneficiamento de áreas e obras de proteção contra secas e inundações. Irrigação. VI. Assistência às populações atingidas pelas calamidades públicas. VII. Assistência ao índio. VIII. Assistência aos municípios. IX. Programa Nacional de Habitação. Assim surgiu o tema irrigação como função de governo, aliada ao problema de combate aos efeitos de secas e inundações, e ficaram vinculadas ao Minter as entidades e órgãos que tinham atividades e competências relacionadas ao tema, em especial: I. Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), criado pelo Decreto-Lei n.º 8.486, de 28 de dezembro de 1945 (Brasil, 1945); e II. Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), empresa pública criada pela Lei n.º 6.088, de 16 de julho de 197459. Observados os itens que compõem a função do Ministério do Interior, verifica-se uma função mais social do que econômica; mas o art. 189 coloca sob a égide do Minter os órgãos que lhe darão a feição econômica, como suporte social, alertando que o faz, “sem prejuízo de sua subordinação técnica à autoridade monetária nacional:” - Banco de Crédito da Amazônia 59 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/LEI6088. html. 79 - Banco do Nordeste do Brasil - Banco Nacional da Habitação Em 11/12/68, foi criado no âmbito do Minter, pelo Decreto n.º 63.755, o Grupo Executivo de Irrigação para o Desenvolvimento Agrícola (Geida), visando a preparação do I Plano Plurianual de Irrigação (Brasil, 1968). O Ministério do Interior sofreu muitas regulamentações: Leis n.º s 5.371, de 5 de dezembro de 1967, 6.310, de 15 de dezembro de 1975, 6.902, de 27 de abril de 1981, e 6.938, de 31 de agosto de 1981; e nos decretos n.ºs 73.030, de 30 de outubro de 1973, 83.355, de 21 de abril de 1979, 88.351, de 1º de junho de 1983, 96.634, de 2 de setembro de 1988, e, finalmente, o de n.º 96.934, de 4 de outubro de 1988. Esses últimos foram editados na Nova República, que ocorreu a partir de 1985, com o fim do regime militar. Quando da última regulamentação do Ministério do Interior, no Governo José Sarney, já havia sido criado o cargo de Ministro Extraordinário para Assuntos de Irrigação e passado para ele as atribuições do setor. Nesse momento, é destacada a preocupação com o meio ambiente, não incluída na versão original. Esse último decreto de regulamentação representa uma evolução de temas pontuais para temas de responsabilidade política do governo, e estão assim especificados: I. desenvolvimento regional e urbano; II. radicação de populações, ocupação do território, migrações internas; III. assistência às populações atingidas pelas calamidades públicas; IV. defesa e preservação do meio ambiente; V. assistência às populações indígenas. O Decreto 96.634/88 transfere para o Ministério do Interior o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), criado pela Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981, como órgão colegiado, e a 80 Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema), criada pelo Decreto n.º 73.030, de 30 de outubro de 1973, como órgão autônomo, em razão da transformação do Ministério da Habitação, Urbanismo e Meio Ambiente (MHU), criado pelo Decreto 95.075, de 22/10/1987, em Ministério da Habitação e do Bem-Estar Social (MBES). O Conselho Nacional do Meio Ambiente, órgão superior do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), presidido pelo Ministro de Estado do Interior, tinha como competência assistir o Presidente da República na formulação de diretrizes da Política Nacional do Meio Ambiente. Caberia à Secretaria Especial do Meio Ambiente, sem prejuízo das atribuições específicas legalmente afetas a outros ministérios, assegurar a conservação do meio ambiente e o uso racional dos recursos ambientais. A Lei n.º 8.028, de 12/04/90, no art. 27, item V, extingue o Ministério do Interior60. 3.2.1.2 - Ministro Extraordinário para Assuntos de Irrigação Em 12 de fevereiro de 1986, pelo Decreto n.º 92.395, foi instituído o Programa Nacional de Irrigação (Proni) e atribuída ao Ministro de Estado Extraordinário para Assuntos de Irrigação a sua execução (Brasil, 1986), na forma do artigo 37 do Decreto-Lei n.º 200, de 25 de fevereiro de 1967, alterado pelo artigo 1º do Decreto-Lei n.º 900, de 29 de setembro de 1969. Passaram a integrar a competência do Ministro de Estado Extraordinário para Assuntos de Irrigação as atribuições conferidas ao Ministro do Interior, por força da Lei n.º 6.662, de 1979, regulamentada pelo Decreto n.º 89.496, de 1984, e suas alterações, bem como as atinentes à execução de outros planos, projetos ou programas de irrigação previstos em legislação específica. Vincularam-se ao Ministro de Estado Extraordinário para Assuntos de Irrigação, com os respectivos acervos, pessoal e recursos de qualquer natureza, as seguintes entidades: 60 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8028.htm. 81 I. Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), autarquia vinculada ao Ministério do Interior, criada pelo Decreto-lei n.º 8.486, de 28 de dezembro de 1945. II. Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), autarquia vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente, criada pelo DecretoLei n.º 2.367, de 4 de julho de 1940. III. Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), empresa pública vinculada ao Ministério do Interior, criada pela Lei n.º 6.088, de 16 de julho de 1974. 3.2.1.3 - Ministério da Agricultura A situação descrita anteriormente perdurou apenas até 20 de janeiro de 1989, quando foi editado o Decreto n.º 97.465, que transferia para o Ministério da Agricultura as entidades vinculadas ao Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário (Mirad) extinto pela Medida Provisória 12, de 15/01/89, e ao Programa Nacional de Irrigação (Proni). Nova mudança de subordinação para os órgãos executores do programa de irrigação. 3.2.1.4 - Ministério da Agricultura e Reforma Agrária Menos de dezoito meses mais tarde, em 15/03/90, é editado o Decreto n.º 99.180, que reorganiza o Poder Executivo (Brasil, 1990). O Ministério da Agricultura passa a denominar-se Ministério da Agricultura e Reforma Agrária, com as seguintes atribuições: I. produção agrícola e pecuária; II. padronização e inspeção de produtos vegetais, animais ou de insumos utilizados nas atividades agropecuárias; III. reforma agrária e apoio às atividades rurais; IV. meteorologia; climatologia; 82 V. pesquisa e experimentação agropecuárias; VI. vigilância e defesa sanitária animal e vegetal; VII. irrigação. O art.177 definiu como órgãos específicos do Ministério da Agricultura e Reforma Agrária: I. o Conselho Nacional de Agricultura; II. a Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira; III. a Secretaria Nacional da Defesa Agropecuária; IV. a Secretaria Nacional da Reforma Agrária; V. a Secretaria Nacional de Irrigação; e VI. o Instituto Nacional de Meteorologia. Os assuntos meio ambiente e desenvolvimento regional ficaram ligados diretamente ao Presidente da República. Foram criados como órgãos de assessoramento imediato ao Presidente da República: • a Secretaria do Meio Ambiente; • a Secretaria do Desenvolvimento Regional. A Secretaria do Meio Ambiente recebeu as seguintes competências: I. planejar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades relativas à Política Nacional do Meio Ambiente; II. propor ao Conselho Nacional do Meio Ambiente o estabelecimento de normas e padrões gerais relativos à preservação e conservação do meio ambiente; III. promover e apoiar as ações relacionadas com a recuperação de áreas degradadas; IV. incentivar e promover pesquisas e estudos técnicocientíficos, em todos os níveis, relacionados com a sua área de competência, divulgando os resultados obtidos; 83 V. gerir a aplicação dos recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente; VI. promover a educação ambiental e a formação de consciência coletiva de conservação e de valorização da natureza, com vistas à melhoria da qualidade de vida; VII. estabelecer cooperação técnica e científica com instituições congêneres; VIII. promover a integração de programas e ações a cargo de órgãos e entidades da Administração Pública Federal, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, relacionados com o meio ambiente e os recursos naturais renováveis. À Secretaria do Meio Ambiente foram vinculados, dentre outros, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A Secretaria do Desenvolvimento Regional recebeu por competências: I. planejar, coordenar, supervisionar e controlar a ação dos órgãos e entidades de desenvolvimento regional; II. promover a articulação dos órgãos e entidades de desenvolvimento regional com ministérios e demais secretarias, com vistas ao exame, discussão e implementação de programas comuns às respectivas áreas de atuação e competência; III. participar, sem direito a voto, das reuniões dos conselhos deliberativos dos órgãos e entidades federais de desenvolvimento regional; IV. compatibilizar os planos de desenvolvimento regionais; V. promover e incentivar o turismo, como fator de desenvolvimento. À Secretaria do Desenvolvimento Regional foram vinculados os órgãos remanescentes de desenvolvimento regional: a 84 Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia, a Superintendência da Zona Franca de Manaus e a Empresa Brasileira de Turismo A irrigação permaneceu no Ministério da Agricultura, que passou também a tratar dos assuntos de reforma agrária, ganhando nova denominação: Ministério da Agricultura e Reforma Agrária. Para desempenho das funções de irrigação, ficaram os seguintes órgãos: a Secretaria Nacional de Irrigação, com a finalidade de promover e executar o Programa Nacional de Irrigação, mediante a coordenação e implementação de programas específicos, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas e a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco. Em 12 de abril de 1990, portanto um mês depois do Decreto 99.180/90, foi editada a Lei n.º 8.028, que manteve a estrutura de Governo estabelecida pelo Decreto61. Em 7 de maio de 1990, pelo Decreto n.º 99.240, o Governo extingue uma série de órgãos, dentre eles, o Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) (Brasil, 1990). 3.2.1.5 - Ministério da Integração Regional e Ministério do Meio Ambiente Nova reorganização se dá na estrutura do Governo, com a edição da Lei n.º 8.490, de 19 de novembro de 199262, regulamentada pelo Decreto n.º 801, de 20 de abril de 1993 (Brasil, 1993). Observa-se que a Lei tem data posterior à do Decreto, por ter resultado de sucessivas reedições de medidas provisórias. O assunto irrigação passa à égide do Ministério da Integração Regional, ao qual são vinculados os seguintes órgãos: a) Autarquias: Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste 61 62 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8028.htm. Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8490.htm. 85 Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia Superintendência da Zona Franca de Manaus Departamento Nacional de Obras Contra as Secas b) Empresas Públicas: Companhia de Desenvolvimento de Barcarena Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco É criado o Ministério do Meio Ambiente, ao qual se vincula o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). 3.2.1.6 - Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal No governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, foi editada a Medida Provisória n.º 813, convertida na Lei n.º 9.649, de 27 de maio de 1998, e regulamentada pelo Decreto n.º 1.361, da mesma data. A nova estrutura de governo define o Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal concentrando em um mesmo Ministério os assuntos relacionados à gestão de recursos hídricos, irrigação e meio ambiente. O novo Ministério tem, assim, as seguintes atribuições: a) planejamento, coordenação, supervisão e controle das ações relativas ao meio ambiente e aos recursos hídricos; b) formulação e execução da política nacional do meio ambiente e dos recursos hídricos; c) preservação, conservação e uso racional dos recursos naturais renováveis; d) implementação de acordos internacionais na área ambiental. 86 3.2.1.7 - Ministério do Meio Ambiente e Secretaria Especial de Políticas Regionais da Câmara de Políticas Regionais do Conselho de Governo Foi editado, em 1.o de janeiro de 1999, o Decreto n.º 2.923, que dispõe sobre a reorganização de órgãos e entidades do Poder Executivo Federal. As competências sobre as obras contra as secas e de infra-estrutura hídrica do Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal são transferidas para a Secretaria Especial de Políticas Regionais da Câmara de Políticas Regionais do Conselho de Governo. Modificam-se, mais uma vez, as vinculações, ficando assim definidas63: • ao Ministério do Meio Ambiente: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama); • à Secretaria Especial de Políticas Regionais, da Câmara de Políticas Regionais, do Conselho de Governo: - Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf); - Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam); - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene); No Ministério do Meio Ambiente ficaram mantidas as funções relativas à gestão dos recursos hídricos, a cargo da Secretaria de Recursos Hídricos. 3.2.1.8 - Ministério da Integração Regional e Ministério do Meio Ambiente Passados cerca de sete meses do segundo mandato, nova reorganização na estrutura de governo é feita por intermédio da Medida Provisória n.º 1.911-8, de 29 de julho de 1999, parcialmente regulamentada pelo Decreto n.º 3.131, de 9 de 63 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2923. htm. 87 agosto de 199964, que dispõe sobre a vinculação de entidades integrantes da Administração Pública Federal indireta. É criado o Ministério da Integração Nacional e o Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal passa a denominar-se de Ministério do Meio Ambiente. Novamente os órgãos executores passam a ter nova vinculação: • ao Ministério do Meio Ambiente, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis; • ao Ministério da Integração Nacional: - Departamento Nacional de Obras Contra as Secas; - Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia; - Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste; - Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco. 3.2.2 - Situação atual dos órgãos relacionados à irrigação e meio ambiente Visando dar coerência à legislação atual, relacionada a recursos hídricos, irrigação e meio ambiente, eixos básicos necessários à implantação de projetos de irrigação, especialmente os públicos, apresenta-se, a seguir, a situação atual dos órgãos colegiados e executores dessas três políticas: 3.2.2.1 - Política nacional de recursos hídricos A Lei n.º 9.433, de 9 de janeiro de 1997, instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos65. O Sistema de Gerenciamento é composto de: 64 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3131. htm. 65 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9433.htm. 88 • Conselho Nacional de Recursos Hídricos; • Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal; • Comitês de Bacia Hidrográfica; • Órgãos federais, estaduais e municipais com competências relacionadas à gestão de recursos hídricos; e • Agências de Água. À Secretaria de Recursos Hídricos, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, compete implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos, propor normas, definir estratégias, implementar programas e projetos, nos temas relacionados com: I. a gestão integrada do uso múltiplo sustentável dos recursos hídricos; II. a implantação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; III. a integração da gestão dos recursos hídricos com a gestão ambiental; IV. implementação dos instrumentos da Política Nacional de Recursos Hídricos, dentre eles a outorga de direitos de uso de recursos hídricos de domínio da União, exceto a outorga para aproveitamento de potenciais hidráulicos e em conformidade com os critérios gerais estabelecidos pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos. O titular da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente é o Secretário Executivo do Conselho; a Secretaria de Recursos Hídricos do MMA é a Secretaria Executiva do Conselho, e tem como atribuições, dentre outras, a de coordenar o Sistema Nacional de Informações de Recursos Hídricos. Em 3 de junho de 1998, houve o primeiro regulamento da Lei das Águas, com a edição do Decreto n.º 2.612, que regulamenta o Conselho Nacional dos Recursos Hídricos (Brasil, 1988). 89 Presidido pelo Ministro do Meio Ambiente, o Conselho Nacional de Recursos Hídricos possui representantes dos ministérios, da Agência Nacional de Energia Elétrica, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, além de cinco representantes dos conselhos estaduais de recursos hídricos, seis de usuários (dentre esses, um dos irrigantes) e três de organizações civis de recursos hídricos. As agências de água serão a Secretaria Executiva do respectivo ou dos respectivos comitês de bacias hidrográficas (um ou mais comitês, na mesma área de atuação). Os comitês poderão ter como área de atuação a totalidade da bacia, sub-bacia de tributário ou de tributário desse tributário, ou grupo de bacias ou sub-bacias contíguas. Todos esses assuntos ainda estão aguardando regulamentação. 3.2.2.2 - Política nacional do meio ambiente − Conselho Nacional de Meio Ambiente O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), instituído pela Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e regulamentada pelo Decreto n.o 99.274/90, alterado pelo Decreto n.o 2.120/97, é o órgão consultivo e deliberativo do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama). O Conama é composto de Plenário e Câmaras Técnicas, e presidido pelo Ministro do Meio Ambiente. A Secretaria Executiva do Conama é exercida pelo Secretário de Formulação de Políticas e Normas Ambientais do MMA. O Conselho é um colegiado, representativo dos mais diversos setores do governo e da sociedade civil, que lidam direta ou indiretamente com o meio ambiente. A composição do Plenário é feita da seguinte forma: • um representante de cada Ministério e das demais secretarias da Presidência da República e do Ibama; • um representante de cada um dos governos estaduais e do Distrito Federal; 90 • representantes das seguintes entidades: Confederações Nacionais da Indústria, do Comércio e da Agricultura; Confederações Nacionais dos Trabalhadores na Indústria, do Comércio e da Agricultura; Instituto Brasileiro de Siderurgia; Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes); Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN); e Associação Nacional dos Municípios e Meio Ambiente (ANAMMA); • representantes de associações legalmente constituídas para a defesa dos recursos naturais e do combate à poluição, de livre escolha do Presidente da República; e • representante de sociedades civis, legalmente constituídas, de cada região geográfica do País, cuja atuação esteja diretamente ligada à preservação da qualidade ambiental e cadastradas no Cadastro Nacional das Entidades Ambientalistas (CNEA). Conama possui 10 câmaras técnicas permanentes e 8 câmaras técnicas temporárias. Cada câmara técnica é composta de 7 conselheiros, que elegem um presidente e um relator. As câmaras técnicas temporárias são criadas por determinação do plenário por prazo definido, para cumprir objetivo predeterminado. São as seguintes as câmaras técnicas permanentes: • Assuntos Jurídicos. • Controle Ambiental. • Ecossistemas. • Energia. • Gerenciamento Costeiro. • Mineração e Garimpo. • Recursos Hídricos e Saneamento. • Recursos Naturais Renováveis. 91 • Transportes. • Uso do Solo. Existe o pleito dos órgãos executores da Política Nacional de Irrigação para que seja criada uma câmara específica para que trate do assunto irrigação. O Conama reúne-se trimestralmente no Distrito Federal, e pode realizar reuniões extraordinárias, quando necessárias, inclusive fora do Distrito Federal. É competência do Conama: a) estabelecer diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e recursos naturais; b) baixar normas necessárias à execução e implementação da Política Nacional do Meio Ambiente; c) estabelecer normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; d) determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos sobre as alternativas e possíveis conseqüências ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais, estaduais ou municipais, bem como a entidades privadas, as informações indispensáveis à apreciação dos estudos de impacto ambiental e respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa degradação ambiental; e) decidir, como última instância administrativa, em grau de recurso, mediante depósito prévio, sobre multas e outras penalidades impostas pelo Ibama; f) homologar acordos, visando à transformação de penalidades pecuniárias na obrigação de executar medidas de interesse para a proteção ambiental; g) estabelecer normas e padrões nacionais de controle de poluição causada por veículos automotores terrestres, aeronaves e embarcações; 92 h) estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção da qualidade do meio ambiente, com vistas ao uso racional dos recursos ambientais, principalmente os hídricos; i) estabelecer normas gerais relativas às unidades de conservação e às atividades que podem ser desenvolvidas em suas áreas circundantes; e j) estabelecer os critérios para a declaração de áreas críticas, saturadas ou em vias de saturação. O Conama legisla por meio de resoluções, quando a matéria tratar de deliberação vinculada à competência legal, e por meio de moções, quando versa sobre matéria, de qualquer natureza, relacionada com a temática ambiental. Como órgãos seccionais do Sisnama, estão definidos os órgãos e entidades federais com atividades relacionadas à proteção ambiental e aos órgãos estaduais, responsáveis pela execução de programas e projetos e pelo controle e fiscalização das atividades capazes de provocar degradação ambiental. São ainda definidos os órgãos locais de âmbito municipal, cabendo-lhes o controle e a fiscalização dessas ações nas suas respectivas jurisdições. − Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis (Ibama) O Ibama foi instituído pela Lei n.º 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, pela fusão de quatro órgãos distintos: a Secretaria do Meio Ambiente (Sema), o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF), a Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe) e a Superintendência do Desenvolvimento da Borracha (SUDHEVEA). Sua estrutura de funcionamento foi aprovada pelo Decreto n.º 78, de 5 de abril de 1991. Com jurisdição em todo o território federal, o Ibama dispunha de Superintendências Estaduais e Unidades Descentralizadas nos estados, sendo ainda auxiliado, em suas atribuições, pelos órgãos de meio ambiente dos estados, que também detém funções estabelecidas pelo Sisnama. 93 O Decreto n.º 2.923/99 extinguiu as superintendências estaduais e as unidades descentralizadas do Ibama, transferindo suas competências para o Presidente do órgão, estabelecendo que em 120 dias o Ministro do Meio Ambiente deveria propor o número e a localização de representações regionais do Ibama66. Atualmente, essas funcionam, precariamente, como representações, aguardando regulamentação, pois a própria existência do Ibama como autarquia, é questionada; inclusive há proposta da sua transformação em agência. 3.2.2.3 - Política nacional de irrigação Agora vinculada ao Ministério de Integração Nacional, a execução de programas federais relacionados à irrigação continua afeta à Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) e ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). – Departamento Nacional de Obras Contra as Secas Dentre os órgãos regionais, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs) constitui a mais antiga instituição federal com atuação no Nordeste. Criado sob o nome de Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), pelo Decreto 7.619, de 21 de outubro de 1909, editado pelo então Presidente Nilo Peçanha, foi o primeiro órgão a estudar a problemática do semi-árido. O Dnocs recebeu ainda em 1919 (Decreto 13.687) o nome de Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (Ifocs), antes de assumir a sua denominação atual conferida em 1945 (Decreto-Lei 8.846, de 28/12/1945). Transformou-se em autarquia federal, pela Lei n° 4229, de 1o/06/1963. De 1909 até por volta de 1959, era praticamente a única agência governamental federal executora de obras de engenharia na região. Construiu açudes, estradas, pontes, portos, ferrovias, hospitais e campos de pouso, implantou redes de energia elétrica e telegráficas, usinas hidrelétricas e foi, até a criação da Sudene, 66 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2923. htm. 94 o responsável único pelo socorro às populações flageladas pelas secas cíclicas que assolam a região. Chegou a constituir-se a maior "empreiteira" da América Latina, na época em que o Governo Federal construía, no Nordeste, suas obras por administração direta. Marcou, assim, com a sua presença, praticamente todo o solo nordestino. Além de grandes açudes, como Orós, Banabuiú, Araras, pode-se registrar a construção da rodovia Fortaleza - Brasília e o início da construção da barragem de Boa Esperança. Com a criação de órgãos especializados, o acervo de obras construídas pelo Departamento, vinculado a ações "nãohídricas", foi transferido ao referido órgão. Posteriormente, transferiram-se aos estados, às redes de abastecimento urbano e à Superintendência do Vale do São Francisco (Suvale), hoje Codevasf, os projetos públicos de irrigação, situados no Vale do Rio São Francisco. O Dnocs, com sede e foro em Fortaleza-CE, tem atuação e representação em todos os estados do Nordeste, na área denominada de Polígono das Secas. Conforme dispõe a sua legislação básica, tem por finalidade executar a política do Governo Federal, no que se refere a: a) beneficiamento de áreas e obras de proteção contra as secas e inundações; b) irrigação; c) radicação de população em comunidades de irrigantes ou em áreas especiais, abrangidas por seus projetos; d) subsidiariamente, outros assuntos que lhe sejam cometidos pelo Governo Federal, nos campos do saneamento básico, assistência às populações atingidas por calamidades públicas e cooperação com os municípios. Com base em suas competências legais, o Dnocs assim define a sua área de atuação: • Desenvolvimento e Gerenciamento dos Recursos Hídricos. 95 • Desenvolvimento Agrícola e Hidroagrícola. • Desenvolvimento da Pesca e Aqüicultura. • Desenvolvimento e Adaptação de Tecnologia. • Desenvolvimento de Projetos Complementares de Adução e Distribuição de Água para Usos Múltiplos. No que se refere à irrigação, o Dnocs possui, hoje, 27 projetos públicos de irrigação implantados no Nordeste. Nos últimos 10 anos, o Governo Federal vem editando medidas de extinção ou transformação do Dnocs, sempre revertidas por ações políticas. Na Mensagem ao Congresso Nacional em 1996, na abertura da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 50ª Legislatura, o Presidente da República, em seu discurso, assim se manifestou sobre o assunto: “Em adição às suas ações estruturadoras, concentradas nos eixos de integração, e ao apoio decisivo às regiões menos desenvolvidas nas áreas de turismo, de recursos hídricos e de saneamento e habitação, o Governo encaminhará propostas de reforma das instituições e dos instrumentos da política regional (especialmente SUDENE, SUDAM, SUFRAMA, DNOCS e CODEVASF); incentivos fiscais e fundos constitucionais de financiamento), para melhor equipá-los aos desafios do desenvolvimento equilibrado. Essas propostas estão sendo conduzidas no âmbito das discussões da reforma do Estado e serão elaboradas em estreita colaboração com os organismos regionais diretamente envolvidos” (Brasil, 1996). Sucessivas medidas provisórias foram editadas com artigos que tratavam da proposta de reforma acima citada. Em 1.o de janeiro deste ano, quando da edição da Medida Provisória n.º 1.795 (Brasil, 1999), que modificou a Lei n.º 9.649, de 27 de maio de 1998 (reeditada por oito vezes até formar a de número 1.911-9, em vigor, e que determina a atual estrutura do Poder Executivo do Governo Federal), o DNOCS voltou a constar 96 como órgão extinto. Cerca de dois meses depois, esse artigo deixou de figurar da reedição da Medida Provisória. A situação atual do Dnocs é de um órgão com muitas dificuldades para levar a efeito seu plano de trabalho, devido a sérias deficiências de recursos humanos, carência de recursos orçamentários e financeiros. O seu parque de máquinas está com prazo de vida útil ultrapassado e em precário estado de conservação. Esses fatores, aliados à instabilidade política de sua permanência no Governo como entidade executora do programa de irrigação, impede um desempenho muito favorável. − Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) A história da Codevasf remonta à Constituição de 1946, que reconhece explicitamente a importância do rio São Francisco, ao inserir, no Ato das Disposições Transitórias, o artigo 29, que determina a execução de um plano de aproveitamento das possibilidades econômicas do rio e seus afluentes, num prazo de 20 anos, aplicando-se quantia anual não inferior a 1% da renda tributária da União. Foi criada, em decorrência, a Comissão do Vale do São Francisco (CVSF), pela Lei n.º 541, de dezembro de 1948, que atuou durante os 20 anos estabelecidos pela Constituição. Em 25 de fevereiro de 1967, o Decreto-Lei n.º 292, sucedendo a Comissão do Vale do São Francisco, criou a Superintendência do Vale do São Francisco (Suvale), autarquia vinculada ao extinto Ministério do Interior (Brasil, 1967). Em 16 de julho de 1974, por meio da Lei n.º 6.088, foi criada a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf), como empresa pública, destinada a promover o desenvolvimento do Vale, utilizando a irrigação como força propulsora67. O art. 27, do Decreto-Lei n.º 200, em vigor à época, assegurava às empresas públicas e às sociedades de economia mista condições de funcionamento idênticas às do setor privado, caben67 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/LEI6088. html. 97 do a essas entidades, sob a supervisão ministerial, ajustar-se ao plano geral do Governo68. Na prática, essa condição foi paulatinamente sendo perdida. Hoje a empresa está sujeita às mesmas normas e condições estabelecidas para as autarquias federais. O principal diferencial, atualmente, se dá quanto ao pessoal, que é contratado pelo regime celetista. Mesmo assim, o quadro se sujeita à aprovação dos órgãos de controle do Governo, não havendo liberdade para novas contratações. A Codevasf tem sede e foro no Distrito Federal e jurisdição nos estados de Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal, abrangendo áreas integrantes das regiões Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, tendo por delimitação a bacia do rio São Francisco. Em 1988, pelo Decreto n.º 95.940/88, a Codevasf foi autorizada a implantar, administrar e operar projetos públicos de irrigação na região Nordeste69. A Codevasf dispõe de superintendências regionais em Minas Gerais, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, e duas na Bahia. A lei de criação da Codevasf coloca como sua finalidade básica o aproveitamento, para fins agrícolas e agroindustriais, dos recursos de água e solo do Vale do Rio São Francisco. Atualmente, são as seguintes as áreas de atuação da Codevasf: • Construção de sistemas de abastecimento de água, eletrificação rural e construção de poços e açudes • Irrigação pública e comunitária • Transferência de tecnologia 68 Disponível na Internet em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0200. htm. 69 Disponível na Internet em: http://www.codevasf.gov.br/port/legislacao/D95940. html. 98 • Desenvolvimento do semi-árido nordestino e do Vale do São Francisco • Desenvolvimento da pecuária • Estudos e pesquisas • Capacitação da juventude rural • Investimentos e oportunidades • Programas de desenvolvimento da aquicultura e dos ecossistemas aquáticos Também objeto de tentativas federais de fusão e transformação, a Codevasf deixou, nos últimos anos, de constar nos textos legais de reformulação da máquina governamental como passível de extinção. Por outro lado, também tem padecido de problemas administrativos, principalmente relacionados à impossibilidade de reposição e renovação de seu quadro de pessoal, e da inexistência de recursos para conduzir novos projetos de irrigação, com estudos disponíveis, pela não-aprovação de novos empréstimos internacionais, que, na maior parte das vezes, financiaram os projetos de irrigação em operação. 3.3 - Pólos de Irrigação Neste capítulo, apresenta-se o “Estado da Arte”, com diagnóstico prospectivo dos atuais projetos nos cinco principais pólos de irrigação do Nordeste (Baixo Jaguaribe, Petrolina-Juazeiro, AçuMossoró, Alto Piranhas e Oeste Baiano) e Pólo Norte de Minas. A partir de estudos sobre a agroindústria no Nordeste - Caracterização e Hierarquização de Pólos Agroindustriais - foram identificadas mais de 12 regiões potenciais para o desenvolvimento de agroindústrias no Nordeste brasileiro e norte de Minas. A partir de então, o Banco do Nordeste, em parceria com o Ministério de Planejamento (Projeto Avança Brasil), começou a estruturar o Projeto Pólos de Desenvolvimento Integrado do Nordeste. E dentre desse programa, uma das estratégias principais é a de potencializar o crescimento de setores dinâmicos da economia 99 regional dentre os quais se destaca a cadeia agroalimentar. Assim, foram contemplados dentro do programa Brasil em Ação 10 pólos, dentro do Projeto Pólos de Desenvolvimento Integrado, os quais o Banco do Nordeste do Brasil S.A., com a missão de promover o desenvolvimento sustentável da região Nordeste, elegeu como uma das suas macroestratégias para a potencialização do desenvolvimento de setores dinâmicos da economia regional. Dentro desses pólos, a agricultura irrigada caracteriza-se como carro-chefe do desenvolvimento regional, daí denominar-se de pólos de irrigação do Nordeste. Dentre os pólos de irrigação do Nordeste, foram selecionados, para o estudo, os 6 pólos (5 no Nordeste e 1 no norte de Minas), que são responsáveis por 41% da área irrigada no Nordeste em 1998 e onde se concentra a maior área irrigada (implantada e em implantação) em perímetros públicos de irrigação, respondendo neste caso por 57% da área irrigada em perímetro público. A TABELA 1 mostra a área irrigada de cada pólo analisado e, na FIGURA 1, visualiza-se a localização de cada pólo na região. 100 TABELA 1 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS PÓLOS DE IRRIGAÇÃO DO NORDESTE E NORTE DE MINAS SELECIONADOS PARA O ESTUDO ÁREA IRRIGADA PÓLO PRIVADA PÚBLICA TOTAL N.º DE PROJETOS PÚBL ICOS Em Em Implantação PRINCIPAIS CULTURAS Operação n.º ha Petrolina/Juazeiro 43.561 48.917 92.478 10 3 Oeste Baiano 40.000 7.006 47.006 3 1 Baixo Jaguaribe Alto Piranhas Açu-Mossoró 6.500 2.770 2.371 6.831 3.231 2.629 13.331 6.001 5.000 3 2 1 1 2 1 Norte de Minas 5.513 28.487 34.000 3 1 57.500 Uva, manga, cana, tomate, banana, cebola 2.075 Milho, soja, café, feijão, banana, limão 10.500 Arroz, milho, feijão 5.560 Banana, coco, arroz, milho 2.977 Melão, feijão, milho, melancia 16.000 Banana, cebola, tomate, feijão, limão 94.612 Total 100.715 97.101 197.816 22 9 FONTE: Elaboração dos autores. NOTA: Área irrigada - Refere-se à área com infra-estrutura de irrigação implantada e em condições de ser operada. 101 FIGURA 1 DISTRIBUIÇÃO ESPACIAL DOS PÓLOS AGROINDUSTRIAIS DO NORDESTE Para definição do “Estado da Arte” desses pólos, realizaram-se viagens aos pólos, entrevistas com produtores (pequenos, médios e grandes), organizações, instituições e recorreu-se à bibliografia e relatórios existentes. Os dados e fatos mostram situações bastante semelhantes entre os perímetros e pólos quanto à assistência técnica, pesquisa e crédito rural, o que motivou apresentação sobre esses itens de forma geral para todos. O mesmo se verificou quanto aos aspectos de mercado/comercialização. Há uma semelhança dentro de cada perímetro no pólo. Por isso descreve-se esse assunto de forma agregada para cada um. Quanto à gestão do sistema de irrigação (operação e manutenção), verifica-se que, a partir de meados de 80, houve a transferência dessa atividade para as organizações de produtores, com avanço significativo por parte da Codevasf e, mais timida- 102 mente, por parte do Dnocs. Essa questão, que é particularizada para cada perímetro, mereceu tratamento também diferenciado. 3.3.1 - Petrolina/Juazeiro 3.3.1.1 - Caracterização do Pólo O Pólo Petrolina/Juazeiro situa-se no semi-árido nordestino, no submédio São Francisco. É constituído pelos municípios de Petrolina, Lagoa Grande, Santa Maria da Boa Vista e Orocó em Pernambuco, e Juazeiro, Sobradinho, Casa Nova e Curaçá, no Estado da Bahia. A ação intensiva da agricultura na região iniciou-se nos anos 70 e acelerou-se nos anos 80, quando se intensificou a implantação de projetos de irrigação. Hoje estão implantados e em operação 10 projetos públicos: Senador Nilo Coelho, Bebedouro, Maria Tereza, Caraíbas, Brígida, Maniçoba, Tourão, Mandacaru, Curaçá e Pedra Branca. Dois projetos, Salitre e Pontal, encontram-se em fase de implantação. A área irrigada no Pólo, por parte da iniciativa privada e em perímetros públicos, é estimada em mais de 95.000 ha. Em perímetros públicos esta área atinge 51.439 ha. Nessas áreas é cultivada uma grande variedade de espécies, com destaque para uva, manga, banana, coco, goiaba, cítricos, grãos, cana-de-açúcar, tomate industrial e de mesa, pimentão, melancia, melão e abóbora, entre outras. As cidades de Petrolina e Juazeiro são as mais importantes da região. Ali se concentram os negócios do setor agrícola. O Pólo se caracteriza, também, pela existência de grande número de empresas de industrialização e comercialização de produtos agrícolas. Dentre as principais, destacam-se a Cica, Etti e Frutos do Vale (beneficiamento de tomate), Agrovale (açúcar e álcool), Milano (uvas e vinhos), Fruitfort e Curaçá Agrícola (manga), Varig e Carrefour (diversos produtos agrícolas), Grupo Queiroz Galvão (uva e manga), Fazenda Catalunha (tomate, uva e manga), Mapel (manga) e CAJ (manga e uva). 103 O escoamento da produção do Pólo é feito principalmente por rodovias pavimentadas, tais como a BR-122, BR-232, BR-235, BR-428 e BR-407, que facilitam a saída para os portos de Recife e Salvador, litoral nordestino, além de permitir a descida para a região Centro-Sul do país, onde se encontram os grandes mercados internos. Além disso, a cidade de Petrolina conta com um aeroporto, que vem sendo utilizado para transporte de produtos agrícolas, especialmente frutas, para outros centros consumidores. O Pólo vem-se destacando como importante exportador de frutas (mercado europeu e americano), principalmente de manga e uvas de mesa. 3.3.1.2 - Caracterização dos Perímetros Irrigados − BRÍGIDA, CARAÍBAS E PEDRA BRANCA • Descrição Os perímetros irrigados de Brígida, Caraíbas e Pedra Branca diferem dos demais perímetros públicos no que diz respeito à sua origem. Tais perímetros foram implantados pela Chesf, a partir de um processo de negociação, para reassentamento dos produtores rurais desalojados das margens do rio São Francisco, quando da construção da hidroelétrica de Itaparica, na divisa dos estados da Bahia e Pernambuco. Assim, o custo das obras de infra-estrutura para captação de água, aquisição de terra e outras infra-estruturas foram implantadas pela Chesf (com empréstimo junto ao Banco Interamericano para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Bird)), para posterior transferência aos produtores, porém sem recuperação de custos de investimentos. A área irrigável por produtor varia de 1,5 a 6,0 ha, definida para cada família no processo de negociação. As características básicas de cada projeto são: Brígida Localizado no município de Orocó, em Pernambuco, entrou em operação em 1994. A área total do perímetro é de 8.300 ha e a irrigável atinge 1.435,5 ha, hoje totalmente utilizada. 104 Estão assentados no Projeto 428 pequenos irrigantes. Eles utilizam a aspersão convencional para irrigação de suas áreas. Caraíbas Localizado no município de Santa Maria da Boa Vista em Pernambuco, entrou em operação em 1998. Tem uma área total de 24.000 ha: 5.223 ha são irrigáveis e 2.700 ha são irrigados atualmente por 1.476 pequenos irrigantes que adotam a aspersão convencional. Pedra Branca Localizado nos municípios de Curaçá e Abaré, no Estado da Bahia, entrou em operação em 1995. Tem uma área total de 9.224,5 ha e uma área irrigável de 2.422,5 ha totalmente utilizada, onde estão assentados 707 pequenos produtores, que empregam a aspersão convencional. • Gestão da Operação e Manutenção Os 3 projetos têm características semelhantes quanto ao sistema de irrigação, com captação da água no rio São Francisco e distribuição em canais revestidos. Os lotes agrícolas a recebem de forma pressurizada. A operação e a manutenção do sistema são realizadas pela Codevasf (que contratou empresas para isso), num processo de negociação entre a Chesf, a representação dos produtores e a Codevasf. Está em andamento, em conformidade à negociação entre a CHESF e representação de produtores, o processo de transferência da operação e manutenção às organizações dos produtores. Conforme negociação dos produtores, os custos de operação e manutenção (O&M) são de responsabilidade da Chesf, portanto os produtores ainda não pagam por esses custos. • Caracterização da Produção A organização da produção nos aspectos do que plantar e vender, crédito, assistência técnica é realizada pelas cooperativas existentes em cada projeto, o que ocorre desde o final de 1997. 105 No período de 92/95, esse trabalho era coordenado pela Codevasf, com apoio de empresas privadas, contratadas por ela. Os recursos para esta atividade são oriundos da Chesf, conforme acordo entre o grupo de produtores e a Chesf. Segundo informações das cooperativas existentes no perímetro irrigado de Brígida, Cooperança e Coobrígida em 1998, a área cultivada no perímetro de 2.694 ha se dividiu entre feijão (37,0%), tomate (21,9%), banana (15,1%), cebola (9,2%), coco (5,8%), melancia (5,6%), além da goiaba, mamão e milho, com áreas menores (5,4%). A cooperativa Coopebran, do perímetro irrigado de Pedra Branca, informa que os produtores existentes no perímetro utilizaram suas áreas em 1998, cultivando 3.082 ha com feijão (49,6%), banana (13,2%), cebola (11,9%), tomate (9,1%), milho (4,1%), melancia (3,8%), além de amendoim, goiaba, coco, mandioca, mamão e manga, em menores áreas (8,3%). No Perímetro de Caraíbas, não se obtiveram informações sobre a produção, área que recentemente entrou em operação. Uma pequena parcela dos produtores tem-se destacado, partindo para o plantio de frutas com regular nível tecnológico, porém a maioria ainda se mantém no cultivo de grãos e pequenas hortaliças. − NILO COELHO • Descrição O Perímetro Irrigado Senador Nilo Coelho abrange parte dos municípios de Petrolina, em Pernambuco, e de Casa Nova, na Bahia. Foi implantado pela Codevasf em 1984 e possui uma área total de 40.763 ha e uma área irrigada de 15.255 ha, onde estão assentados 1.607 irrigantes: 1.475 pequenos produtores e 132 empresas. A captação de água é feita na Barragem de Sobradinho– BA, no rio São Francisco, de propriedade da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (Chesf), possuindo o sistema 1 estação de bombeamento principal e 31 secundários para distribuição de 106 água. O sistema de irrigação predominante é o de aspersão convencional. Existem áreas com microaspersão, pivô central e gotejamento, principalmente nas áreas das empresas. • Gestão da Operação e Manutenção A gestão da operação e manutenção do Projeto Senador Nilo Coelho é feita pelo Distrito de Irrigação do Perímetro Irrigado Senador Nilo Coelho (DISPNIC), criado em 1989. A estrutura gerencial é a mesma de todos os distritos de irrigação dos perímetros implantados pela Codevasf, constituindose de Assembléia Geral, Conselho de Administração e Conselho Fiscal. A Codevasf participa do Conselho de Administração sem direito a voto, mas com direito a veto. O Conselho de Administração contrata uma Gerência Executiva, que, com base nas normas e ações definidas, se responsabiliza pela gestão da operação e manutenção do perímetro. Em 1990 foi implantada a atual política tarifária, cobrandose as taxas de recuperação dos investimentos (K1) e de operação e manutenção (K2). Quanto à primeira tarifa (K1), tem valor único para todos os perímetros da Codevasf, ou seja, R$ 4,85/ha/mês, sendo cobrada trimestralmente. O valor da tarifa K2 é composto de um preço fixo (R$ 9,49 ha/mês), acrescido de uma valor variável, conforme a forma de recebimento de água: - para produtores que recebem água com pressurização coletiva, o valor é de R$ 18,29/1.000m3. - para produtores que recebem água sem pressurização, o valor é de R$ 3,65/1.000m3. A tarifa de K2 é arrecadada pelo Distrito. Em 1998 ocorreu uma inadimplência de 69% entre os pequenos produtores e 48% entre os empresários segundo informação do DISPNIC. Anteriormente a 1990, a cobrança era feita pela Codevasf. 107 • Caracterização da Produção A área cultivada pelos pequenos irrigantes do Projeto Nilo Coelho, segundo o Relatório Anual de Produção da Codevasf –3ª SR no ano de 1998, foi de 9.962,8 ha, assim distribuídos: banana (28,6%), manga (14,29), coco (13,5%), feijão (14,8%), goiaba (10,5%), uva (5,3%), acerola (4,5%), tomate (2,3%), além de 21 outras espécies de olerícolas e frutas (6,3%). Já os empresários, no mesmo período, tinham área cultivada de 4.700 ha, ocupadas com manga (53,3%), uva (8,6%), coco (6,8%), banana (5,5%), algodão (5,0%), tomate industrial (4,0%), goiaba (2,1%) e outras 24 espécies diversas (13,8%). O perímetro, tanto entre os pequenos produtores quanto entre empresários, se caracteriza por elevada diversificação da produção. − BEBEDOURO • Descrição O Perímetro Irrigado de Bebedouro, localizado no município de Petrolina, em Pernambuco, foi implantado pela Suvale, hoje Codevasf e entrou em operação em 1970. Possui uma área total de 8.076,88 ha, sendo 2.418 ha irrigadas.Estão assentados 145 irrigantes: 139 pequenos e 6 empresas. O sistema de irrigação por superfície, em 80% da área, e microaspersão, pivô central e aspersão convencional no restante. Grãos, frutas e olerícolas são plantadas pelos irrigantes. A captação da água é feita no rio São Francisco, por meio de elevatória até o canal principal, de onde há distribuição, por gravidade para todo o Perímetro. • Gestão da Operação e Manutenção A gestão da operação e manutenção do Projeto de Bebedouro foi realizada até 1997 pela Cooperativa Agrícola Mista do Perímetro Irrigado de Bebedouro Ltda. (CAMPIB). Em 1998 passou ao Distrito de Irrigação do Perímetro Irrigado de Bebedouro, cuja estrutura é idêntica aos demais perímetros públicos implantados pela Codevasf, ou seja, é constituída de uma Assembléia Ge108 ral, que elege um Conselho de Administração e um Conselho Fiscal. O Conselho de Administração contrata uma Gerência Executiva que se responsabiliza pela gestão da operação e manutenção do perímetro. A tarifa K1 é recolhida diretamente pela Codevasf, no valor de R$ 4,85/ha/mês. Para a taxa de operação e manutenção (K2), o Distrito estabeleceu um valor fixo de R$ 13,70/ha/mês e um valor variável de R$ 11,12/1.000m3, valores esses arrecadados diretamente pelo Distrito de Irrigação. A taxa de inadimplência dos produtores foi de 20% em 1998. • Caracterização da Produção Em 1998, os empresários cultivaram 424 ha: 37,3% da área com arroz, 24,7% com goiaba, 14,2% com tomate industrial, 13,2% com sorgo e o restante com uva, banana, feijão e abóbora (10,6%). Os pequenos produtores cultivaram 877 ha: sendo 42,2% com feijão, 37,7% com uva, 7,7% com manga, 4,6% com goiaba e o restante com melancia, banana, coco e acerola (17,8%), conforme Relatório Anual de Produção da Codevasf -3ª SR. − MARIA TEREZA • Descrição O Perímetro Irrigado de Maria Tereza, localizado no município de Petrolina no Estado de Pernambuco, entrou em operação em 1998. Foi implantado pela Codevasf. Apresenta uma área total de 14.284,29 ha, uma área irrigada de 4.798 ha, onde predomina o sistema de aspersão convencional, existindo irrigação localizada (microaspersão e gotejamento) nos lotes de empresas. No Perímetro estão assentados 457 irrigantes: 420 pequenos produtores e 37 empresas, que iniciaram seus plantios em 1998/99. A água para irrigação, também como no Nilo Coelho, advém da Barragem de Sobradinho-BA. 109 • Gestão da Operação e Manutenção A gestão da operação e manutenção do Projeto Maria Tereza é feita pelo Distrito de Irrigação do Perímetro Irrigado Senador Nilo Coelho (DISPNIC). A implantação do sistema de tarifas se deu em setembro de 1998 para as empresas e em abril de 1999 para os pequenos produtores. Nesse período, a inadimplência de K2 das empresas foi de 20% e a dos pequenos produtores, 38%. Os valores cobrados tanto de K1 como de K2 são os mesmos do Perímetro Senador Nilo Coelho, ou seja, K1 = R$ 4,85/ha/mês e K2 constituído de um valor fixo R$ 9,49/ha/mês e um valor variável de R$ 18,29/1.000m3 (com pressurização no lote) ou R$ 3,65/1.000m3 (sem pressurização no lote). − MANIÇOBA • Descrição O Perímetro Irrigado de Maniçoba, localizado no município de Juazeiro no Estado da Bahia, foi implantado pela Codevasf. Entrou em operação em 1981. Possui uma área total de 12.317,3 ha e 4.292,83 ha irrigadas, onde estão assentados 261 irrigantes: 234 pequenos e 27 empresas. Utilizam a irrigação por sulcos em 94% da área irrigável e microaspersão em 6%. A captação de água é feita no rio São Francisco, por meio de bombeamento até o canal principal que distribui por gravidade para a área do Projeto. • Gestão da Operação e Manutenção A gestão da operação e manutenção é feita pelo Distrito de Irrigação do Perímetro Irrigado de Maniçoba. Tem a mesma estrutura dos demais distritos implantados pela Codevasf, ou seja, uma Assembléia Geral que elege o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal. O Conselho de Administração contrata uma gerência executiva que se responsabiliza pela gestão de operação e manutenção do Perímetro. 110 A cobrança de tarifas de recuperação de investimentos (K1) e de operação e manutenção K2 é realizada desde 1981. A tarifa K1 é recolhida diretamente à Codevasf, no valor de R$ 4,85/ha/mês. A tarifa de K2 é recolhida pelo Distrito de Irrigação e tem um valor fixo de R$ 3,93/ha/mês e um valor variável de R$ 18,10/1.000m3. Em 1998, a inadimplência de K2 dos pequenos produtores foi de 48% e a dos empresários atingiu 5% . • Caracterização da Produção O Perímetro apresenta uma produção bastante diversificada Os empresários cultivaram, em 1998, segundo o Relatório Anual de Produção da Codevasf – 6ª SR, 2.635 ha, assim distribuídos: cana-de-açúcar (49,3%), manga (22,3%), feijão vigna (5,4%), coco (3,8%), uva (3,5%), além de cebola, melancia, banana, melão, maracujá, tomate industrial, goiaba, pupunha, entre outras (18,7%). A área cultivada, em 1998, pelos pequenos irrigantes foi de 2.497,5 ha, assim distribuídos: feijão vigna (27,1%), manga (18,2%), coco (12,9%), goiaba, (11,7%), banana (7,6%), melancia (6,1%) e maracujá (4,9%), além de cebola, tomate industrial, limão, abóbora, melão e outras frutícolas e olerícolas (11,5%). − CURAÇÁ • Descrição O Perímetro Irrigado de Curaçá, localizado no município de Juazeiro, foi implantado pela Codevasf, tendo entrado em operação em 1982. Possui uma área total de 15.412 ha e área irrigada de 4.350 ha, onde estão assentados 290 produtores: 268 pequenos irrigantes que usam a irrigação por superfície, e 22 empresas que irrigam por meio de sulcos, irrigação localizada (gotejamento e microaspersão). A água para irrigação advém de 2 captações no rio São Francisco e 19 estações de recalque. É distribuída no Projeto por meio de canais, por gravidade. 111 • Gestão da Operação e Manutenção No Perímetro Irrigado de Curaçá, há duas organizações de gestão da operação e manutenção: União dos Produtores do Perímetro Irrigado de Curaçá, constituído por pequenos produtores, e o Distrito de Irrigação do Perímetro Irrigado de Curaçá, que congrega pequenos produtores e empresas. O sistema de tarifas foi implantado em 1982, Atualmente o K1 tem valor idêntico aos demais perímetros irrigados da Codevasf, ou seja, R$ 4,85/ha/mês. Já o K2, possui valores diferenciados. A União dos Produtores do Perímetro de Curaçá estabeleceu uma taxa fixa no valor de R$ 3,40/ha/mês e uma variável de R$ 23,80/1.000m3. O Distrito de Irrigação do Perímetro de Curaçá definiu esses valores em R$ 3,30/ha/mês e R$ 23,80/1.000m3, respectivamente. A arrecadação é feita por cada uma das organizações em sua área de abrangência. A taxa de inadimplência foi de 35% entre os irrigantes da União dos Produtores e 53% no Distrito de Irrigação de Curaçá, em 1998. • Caracterização da Produção De acordo com o Relatório Anual de Produção da Codevasf -6ª SR em 1998, os empresários tinham o seguinte aproveitamento de suas áreas: 47,7% cultivados com manga, 20,8% com uva, 13,4% com tomate industrial, 10,7% com milho e 4,5% com coco. Existem ainda áreas menores plantadas com pinha, banana, limão, entre outras, (2,9%) para uma área cultivada de 2.238 ha. Os pequenos produtores, no mesmo período, cultivaram 2.604,5 ha, sendo 25,9% da área com feijão, 23,2% com melancia, 19,9% com coco, 12,1% com manga, 4,1% com goiaba, e cebola, tomate industrial, uva, pinha, maracujá e banana (16,7%). Essa situação caracteriza o Perímetro com bom nível de diversificação da produção agrícola. − TOURÃO • Descrição O Perímetro Irrigado de Tourão, localizado no município de Juazeiro, foi implantado pela Codevasf em 1976. Possui uma área 112 total de 11.240,18 ha e uma área irrigada de 10.824,58, onde estão assentados 48 irrigantes: 34 pequenos, 13 médios empresários e 1 grande empresário. O sistema de irrigação predominante é o de superfície. Entretanto, há áreas irrigadas com microaspersão, pivô central e gotejamento. • Gestão da Operação e Manutenção A gestão da operação e manutenção do Perímetro é feita pela Associação dos Usuários do Perímetro de Tourão. A Associação possui Conselho Fiscal e uma Diretoria, que contrata o pessoal necessário à execução das atividades de operação e manutenção. A cobrança da tarifa de água pela Associação iniciou-se em 1997. Antes era feita pela CODEVASF. A tarifa atual de operação e manutenção (K2) é constituída de um valor fixo de R$ 16,00/ha/mês e outro variável de R$ 6,00/1.000m3. O pagamento é efetuado diretamente à Associação. O valor de K1 é o mesmo adotado em outros perímetros da CODEVASF, ou seja, R$ 4,85/ha/mês, pagos diretamente à CODEVASF. • Caracterização da Produção De acordo com o Relatório Anual de Produção da CODEVASF-6ª SR, em 1998 os empresários de Tourão cultivaram 10.870 ha: 87,8% com cana-de-açúcar, 4,2% com manga, 3,1% com tomate industrial, 1,3%, com cebola e 3,6% com melão, feijão, uva, goiaba, coco, banana e outras fruteiras e olerícolas, em escala menor. Os pequenos produtores assentados cultivaram, em 1998, cerca de 475 ha: 42,4% com cebola, 16,9% com melão, 16,8% com feijão vigna, 5,7% com tomate industrial, 5,6% com milho, e manga, goiaba, coco, feijão phaseolus e maracujá, com 12,6%. 113 − MANDACARU • Descrição O Perímetro Irrigado de Mandacaru, localizado no município de Juazeiro, foi implantado pela Suvale, hoje Codevasf, em 1973, com área total de 894,2 ha e área irrigada de 419,6 ha. Estão assentados 54 pequenos irrigantes que utilizam a irrigação por superfície. A captação da água para irrigação é feita no rio São Francisco, por bombeamento, e distribuída no Projeto por meio de canais, por gravidade. • Gestão da Operação e Manutenção A Cooperativa Agrícola Mista do Perímetro Irrigado de Mandacaru (CAMPIM) é a responsável pela gestão da operação e manutenção no Perímetro. O início do sistema de cobrança de tarifas se deu a partir de 1975. Atualmente, a tarifa de operação e manutenção (K2) é constituída de uma parte fixa de R$ 3,00/ha/mês e outra variável de R$ 18,00/1.000m3. Esse pagamento é feito diretamente à Cooperativa. A inadimplência média atingiu 15% dos pequenos irrigantes, em 1998. • Caracterização da Produção Os produtores assentados no Perímetro Irrigado Mandacaru cultivaram 649 ha, em 1998, segundo Relatório Anual de Produção da CODEVASF-6ª SR, assim distribuídos: cebola (30,1%), feijão vigna (18,3%), melão (14,2%), manga (11,6%), tomate industrial (11,4%), goiaba (5,7%), coco (4,5%) e áreas menores com milho, tomate de mesa, banana, maracujá e uva (4,2%). 3.3.2 - Oeste baiano 3.3.2.1 - Caracterização do Pólo O Pólo de Irrigação Oeste Baiano, situado na área do cerrado brasileiro, compõe-se dos municípios de Barreiras, Santa Maria da Vitória, Correntina, Riachão das Neves e São Desidério. 114 O Oeste Baiano, além de sua vocação e potencialidade agrícola, apresenta opções interessantes para escoamento da produção agropecuária, como o Corredor de Exportação Norte, formado pelo sistema ferrovia Norte-Sul, estrada de ferro Carajás e Porto de Itaqui e o Corredor Região Oeste – Aratu/Ilhéus, que forma um sistema intermodal rodohidro-ferroviário, com articulações da estrada Barreiras-Ibotirama, hidrovia do São Francisco e ferrovia Juazeiro-Aratu-Ilhéus. Existe, ainda, a saída direta para o grande mercado do Centro-Sul, pela ligação rodoviária com Brasília e daí, por rodovia ou ferrovia, até as fontes de consumo ou embarque. O centro urbano mais dinâmico do Pólo é a cidade de Barreiras, que polariza toda a região, distando cerca de 837 km de Salvador e do porto de Aratu e 639 km de Brasília. As condições edafoclimáticas do Pólo são favoráveis à produção agrícola de sequeiro e irrigada. Atualmente é um dos mais dinâmicos pólos de desenvolvimento do País, destacando-se na produção comercial de soja, milho, arroz, café, trigo, fruticultura, olericultura e pecuária. O Pólo Oeste Baiano apresenta, atualmente, uma área irrigada estimada em mais de 49.000 ha. A iniciativa privada é responsável por 40.000 ha. O restante da área irrigada está sob domínio de 4 perímetros públicos de responsabilidade da CODEVASF, onde 3 deles estão em operação (São Desidério/Barreiras Sul, Nupeba e Riacho Grande), e 1 em fase final de conclusão (Barreiras Norte). Nas áreas irrigadas pela iniciativa privada (a quase totalidade usa pivô central), a pauta de produção baseia-se na cultura do milho (11.900 ha), soja (10.600 ha), feijão (2.800 ha), pastagem (1.600 ha), algodão (1.160 ha), café (1.150 ha), além de outros grãos, frutas, conforme informações fornecidas pela Associação dos Irrigantes de Barreiras, em setembro de 1999. Nos perímetros irrigados públicos estão cultivadas áreas com fruticultura, principalmente banana, manga e uva, olerícolas e grãos. 115 3.3.2.2 - Caracterização dos Perímetros Irrigados − SÃO DESIDÉRIO/BARREIRAS SUL • Descrição O Perímetro São Desidério/Barreiras Sul, implantado pela CODEVASF, abrange parte dos municípios de São Desidério e Barreiras. Possui uma área total de 3.980,56 ha e área irrigada de 2.325,37 ha, onde estão assentados 312 pequenos agricultores. O método de irrigação utilizado é o de superfície por sulcos; mas alguns produtores iniciaram a substituição por aspersão convencional. O Perímetro é abastecido pela água da barragem existente no Ribeirão São Desidério e distribuída nos lotes agrícolas, por gravidade, por canais e acéquias. • Gestão da Operação e Manutenção A gestão da operação e manutenção, desde 1996, é feita pelo Distrito de Irrigação do Perímetro São Desidério/Barreiras Sul (DISB). A estrutura gerencial do Distrito é idêntica à dos demais distritos de irrigação, onde a Assembléia dos irrigantes elege os Conselhos de Administração e Fiscal. Uma gerência executiva é contratada para execução das atividades de operação e manutenção. A implantação da política tarifária no Perímetro data de 1980. O critério de cobrança da tarifa de operação e manutenção toma como base o hectare irrigável. A taxa de recuperação dos investimentos (K1) é paga diretamente à CODEVASF, por meio do Banco do Brasil, no valor de R$ 4,85/ha/mês. Quanto à tarifa de operação e manutenção (K2), é paga diretamente ao Distrito de Irrigação, no valor atual de R$ 6,90/ha irrigável. Segundo informações do DISB, o índice de inadimplência da tarifa K2 foi da ordem de 80% em 1998. • Caracterização da Produção A pauta de produção dos pequenos irrigantes do Perímetro São Desidério/Barreiras Sul é bastante diversificada. Em 1998 116 foram cultivadas 25 espécies entre frutas, olerícolas e grãos. A atividade pecuária mostrou-se bastante importante no Perímetro. Segundo Relatório Anual de Produção da CODEVASF-2ª SR, em 1998 foram cultivados 1.722 ha, assim distribuídos: pastagens e forrageiras (33,5%), feijão (21,0%), coco (13,0%), manga (10,1%), milho (6,9%), banana (6,7%), mandioca (3,3%) e outras olerícolas e frutas (5,5%). − RIACHO GRANDE • Descrição O Perímetro de Irrigação Riacho Grande, localizado no município de Riachão das Neves, entrou em operação em janeiro de 1998, e foi completada a ocupação em agosto de 1999. Possui uma área total de 3.348 ha e 1.587,7 ha irrigados, assim distribuídos: 71 lotes de pequenos agricultores (495,47 ha), 47 lotes empresariais (1.069,23 ha),incluindo profissionais de Ciências Agrárias, e 1 lote de 24 ha destinado ao Projeto Amanhã da CODEVASF. A captação de água é feita no Rio Grande e fornecida de forma pressurizada. O sistema de irrigação entregue aos pequenos produtores foi aspersão convencional. Entretanto, 19 deles já foram beneficiados com financiamento do Banco do Nordeste para troca de parte do equipamento para microaspersão em cerca de 85,5 ha. Todos os 47 lotes empresariais foram vendidos, mas não foram implantados por falta de regularização contratual. • Gestão de Operação e Manutenção O Perímetro foi implantado pela CODEVASF. Atualmente é responsável pela sua operação e manutenção. O Distrito de Irrigação de Nupeba e Riacho Grande (DINR), encontra-se em fase de organização. A cobrança de tarifas iniciou-se em março de 1999, feita pela própria CODEVASF. A tarifa de recuperação de investimentos (K1) é cobrada no valor e forma idênticos aos demais perímetros públicos da CO117 DEVASF, ou seja, R$ 4,85/ha/mês. Entretanto, a partir de 02/09/99, conforme Resolução 398 da CODEVASF, o K1 passou a ter 4 anos de carência para os pequenos irrigantes. Não existe carência para os empresários. A taxa de operação e manutenção (K2) é dividida em duas partes: uma fixa de R$ 8,68/ha/mês e outra variável de R$ 17,60/1.000m3, com um ano de carência para os pequenos produtores. Esses valores são definidos pela CODEVASF enquanto não os transfere para o Distrito, em fase de organização. • Caracterização da Produção O Perímetro entrou em operação em janeiro de 1998. Apenas os pequenos agricultores iniciaram a utilização de suas áreas. No ano de 1998, conforme Relatório Anual de Produção da CODEVASF 2ª SR, foram cultivados 526 ha, assim distribuídos: feijão (50,1%), melancia (20,2%), milho (9,4%), abóbora (9,4%), arroz (6,2%) e outras culturas anuais e frutas (4,7%). − NUPEBA • Descrição O Perímetro Irrigado de Nubepa, localizado no município de Riachão das Neves, entrou em operação em fevereiro de 1998. Possui uma área total de 4.153 ha: 3.092 ha irrigados para 101 pequenos produtores (751,0 ha), 95 lotes empresariais (2318,8 ha) e 1 lote de 23 ha para o Projeto Amanhã da CODEVASF. A captação de água é realizada no Rio Grande e fornecida de forma pressurizada. O sistema de irrigação recebido pelos pequenos produtores foi o de aspersão convencional. Entretanto, 66 pequenos produtores obtiveram financiamento no Banco do Nordeste e estão implantando, em parte da área do lote, microaspersão, perfazendo 297 ha. Os lotes empresariais foram todos vendidos, mas não implantados por falta de regularização contratual. 118 • Gestão da Operação e Manutenção O Perímetro de NUPEBA, como o de Riacho Grande, é gerido pela CODEVASF, nessa fase em que o Distrito de Irrigação dos Perímetros de Nupeba e Riacho Grande– DINR está em fase de organização. As observações realizadas para o Riacho Grande são válidas para o Nupeba. • Caracterização da Produção Em 1998, conforme Relatório Anual de Produção da CODEVASF-2ª SR, foram cultivados no Perímetro 835 ha, assim distribuídos: feijão (52,9%), melancia (17,9%), milho (10,9%), abóbora (12,3%), arroz (3,3%) e outras culturas anuais e fruteiras (2,7%). − BARREIRAS NORTE O Perímetro Barreiras Norte, localizado no município de Barreiras, também com captação no Rio Grande, está em fase de conclusão de obras. Nele serão assentados 106 pequenos irrigantes (756,4 ha), 53 empresários (1.286,2 ha), 1 lote com 23 ha para o Projeto Amanhã e 1 lote para uma estação de piscicultura (10,63 ha). 3.3.3 - Baixo Jaguaribe 3.3.3.1 - Caracterização do Pólo O Pólo do Baixo Jaguaribe abrange uma parte do semiárido do Estado do Ceará e compreende os municípios de Limoeiro do Norte, Tabuleiro do Norte, Quixeré, Jaguaruana, Icapuí, Aracati, Itaiçaba, Palhano, Russas, Morada Nova e São João do Jaguaribe. O Pólo, além das condições edofoclimáticas favoráveis à produção irrigada, tem uma excepcional localização e está próximo e eqüidistante de centros consumidores importantes do Nordeste, como Fortaleza, Natal, João Pessoa e Recife. Liga-se a toda a região nordestina por estradas pavimentadas de boa qualidade. Além disso, possui uma excelente logística de transporte para escoamento de sua produção, tanto para o mercado externo 119 quanto interno, dada sua eqüidistância dos portos de Mucuripe, Pecém, Natal e Recife/Suape. A região do Pólo apresenta uma área irrigada estimada em cerca de 13.330 ha. A iniciativa privada é responsável por cerca de 6.500 ha. O restante da área pertence aos perímetros públicos do DNOCS, Morada Nova, Jaguaruana e Jaguaribe-Apodi, que estão em operação. Existem, ainda, mais 10.508 ha do Perímetro Tabuleiros de Russas, de responsabilidade do DNOCS, que está em fase de conclusão. Em vista da diversificada condição do Pólo em relação aos seus recursos naturais, a produção também varia bastante de um para outro perímetro, em termos de plantio, predominando, entretanto, as culturas de arroz, de milho, fruticultura, olericultura e pecuária do leite. 3.3.3.2 - Caracterização dos Perímetros Irrigados − JAGUARIBE-APODI • Descrição O Perímetro irrigado Jaguaribe-Apodi, localizado no município de Limoeiro do Norte, foi implantado pelo DNOS. Ultimamente passou à responsabilidade do DNOCS. As obras foram iniciadas em 1985, numa área denominada área piloto (1.143 ha), concluída em 1989. A outra área, denominada 1ª etapa (1.750 ha), foi concluída em 1998; a 2ª etapa está em fase de licitação pela Secretaria de Agricultura Irrigada (SEAGRI). A área irrigada do Perímetro é de 2.893 ha, ocupados por 320 agricultores: 64 pequenos, 168 médios e 88 grandes irrigantes. O sistema de irrigação utilizado pelos produtores é o gotejamento (300 ha), microaspersão (150 ha) e pivô central no restante da área. A captação da água para irrigação é feita no rio Quixeré, afluente do rio Jaguaribe, no reservatório formado pela barragem de Pedrinhas. A água é bombeada para reservatório nas proximidades da borda da Chapada de Apodi, e daí se origina o canal principal, que, por gravidade, distribui a água para as áreas irriga120 das, por meio de canais secundários e terciários, de onde são feitas as captações para os pivôs, gotejamento e microaspersão. • Gestão da Operação e Manutenção A gestão do Perímetro era feita, de 1990 a 1996, pelo Distrito de Irrigação de Jaguaribe-Apodi (DIJA), passando, a partir desta época, a ser feita por uma Comissão formada por representantes de quatro cooperativas e associações existentes no Perímetro, em razão do Convênio do Distrito com o DNOCS não ter sido renovado e o Distrito ter sido extinto. No momento, está em organização uma Federação de 15 associações, que substituirá a Comissão na gestão de operação e manutenção. A implantação do atual sistema de cobrança de tarifa se deu a partir de 1997 e tem características próprias. A taxa de operação e manutenção para o sistema principal foi estabelecida pela Comissão, no valor de R$ 4,40/ha/ano, cobrada pela Companhia de Eletricidade do Ceará (COELCE), que retém 10%. Para a operação e manutenção do restante do sistema, é cobrada pelas 4 cooperativas existentes uma taxa de R$ 15,00/ha/mês. Os produtores ali assentados ainda não pagam, nem foram cobrados om relação ao K1. Não existe inadimplência no Perímetro. • Caracterização da Produção Segundo dados da Cooperativa Agropecuária do Perímetro Jaguaribe-Apodi (COOAJA)/Gerência Executiva do Projeto Jaguaribe-Apodi, em 1998 foi cultivada uma área de 2.607 ha, assim distribuída: milho verde (47,6%), feijão vigna (44,8%), banana (5,7%) e mamão (1,9%). Explora-se ainda pequena área com pecuária bovina. − MORADA NOVA • Descrição O Perímetro Irrigado Morada Nova abrange parte dos municípios de Morada Nova e Limoeiro do Norte. Foi implantado pelo DNOCS, tendo as obras civis se iniciado em 1968 e terminado em 121 1978. A área total do Perímetro é de 4.484 ha e a área irrigada 3.737 ha. Estão assentados 785 irrigantes: 782 pequenos e 3 médios. A irrigação por superfície é a utilizada. A água para irrigação advém de duas captações no rio Banabuiú. A primeira, que beneficia a maior parte da área, é feita sem bombeamento até o canal principal, havendo posteriormente dois bombeamentos para elevação até outros patamares do canal principal. A segunda captação é feita por bombeamento diretamente para o canal principal. A distribuição na área do Perímetro é feita por meio de canais, por gravidade. • Gestão da Operação e Manutenção A gestão da operação e manutenção do Perímetro é feita desde 1991 pela Cooperativa Central dos Irrigantes do Vale do Banabuiú Ltda. (CIVAB), com apoio do DNOCS. Entre 1988 e 1990, a gestão de operação e manutenção era realizada pelo Distrito de Irrigação, que foi extinto. O atual sistema de cobrança tarifária foi implantado em 1991. O valor referente à recuperação dos investimentos (K1) é de R$ 111,06/ha/ano, o que deveria ser pago ao DNOCS, mas a inadimplência é de 100%. Quanto à tarifa de operação e manutenção (K2), seu valor atinge R$ 11,70/1.000m3 e é recolhido pela CIVAB. A inadimplência alcançou 5%, em 1998. • Caracterização da Produção O Perímetro de Irrigação de Morada Nova caracteriza-se por monocultura de arroz. De uma área cultivada de 4.601 ha, em 1998, segundo o DNOCS (DIRGA-GAP), a cultura do arroz ocupou 94,7% da área irrigada, a do o feijão 2,3%, do milho 1,8% e de banana 1,2%. Desenvolveu-se ainda a pecuária bovina. Com relação ao apoio à produção, existem no Perímetro três cooperativas singulares que prestam apoio aos irrigantes em crédito e mecanização agrícola; uma cooperativa central que, além de operação e manutenção, presta apoio na comercialização de produtos agrícolas. 122 − JAGUARUANA • Descrição O Perímetro Irrigado de Jaguaruana fica localizado no município de Jaguaruana e foi implantado pelo DNOCS. As obras civis foram iniciadas em 1975 e terminadas em 1979. A área total do Perímetro é de 240 ha e a irrigada atinge 201,5 ha, onde estão assentados 40 pequenos irrigantes. Utilizam aspersão convencional em 56% da área e irrigação por superfície em 44%. A água para irrigação é captada no rio Jaguaribe, por meio de bombeamento até o canal principal que a distribui por gravidade ao setor de irrigação por superfície e ao setor de irrigação por aspersão. Aí a água é pressurizada até a entrada do lote. • Gestão da Operação e Manutenção A gestão de operação e manutenção do Perímetro é feita pela Associação dos Irrigantes de Jaguaruana (ASSIJA), com o apoio do DNOCS. A cobrança de tarifas iniciou-se em 1991. A tarifa de amortização dos investimentos (K1) é de R$ 111,14/ha/ano e a de operação e manutenção (K2) alcança R$ 12,90/1.000m3. A primeira é paga ao DNOCS e a segunda, à ASSIJA. A inadimplência do pagamento de K1 foi de 100% e a do K2, 22%, em 1998. • Caracterização da Produção A área cultivada no Perímetro de Jaguaruana apresentou a seguinte distribuição em 1998, segundo o DNOCS (DIRGA-GAP): 33,3% com feijão, 20,0% com cebola, 13,3% com arroz, 13,0% com uva e o restante distribuído entre banana, tomate e goiaba. O Perímetro desenvolve também uma pequena atividade de pecuária bovina. 123 3.3.4 - Alto Piranhas 3.3.4.1 - Caracterização do Pólo O Pólo Alto Piranhas se localiza no extremo-oeste do Estado da Paraíba. É composto pelos municípios de Souza, Aparecida, Marizópolis, São Francisco, Vierópolis, Cajazeirinhas, Pombal, São Bentinho, São Domingos do Pombal, Condado, São João do Rio do Peixe e Cajazeiras. Além da localização estratégica e das potencialidades voltadas à produção, especialmente das Várzeas de Souza, o Pólo possui aspectos importantes para o desenvolvimento da região. Apresenta proximidade dos grandes centros consumidores do Nordeste, dos portos de Cabedelo, Suape e Pecém, sendo interligado a eles por estradas pavimentadas de boa qualidade ou por via férrea às cidades de Fortaleza, Campina Grande e Porto de Cabedelo. Ademais, o Pólo está eqüidistante dos pólos Petrolina/Juazeiro, Açu/Mossoró e Baixo Jaguaribe. No Pólo, há três grandes centros urbanos, próximos entre si: Cajazeiras, Souza e Pombal, que apresentam os serviços básicos disponíveis. Apesar de algumas infra-estruturas serem relativamente boas na região, há marcos críticos que interferem no desenvolvimento do Pólo, como: problemas de abastecimento de água quando ocorre estiagem, sistema viário vicinal deficiente, energia elétrica não cobre todo o Pólo, deficiências que concernem à infra-estrutura urbana nas áreas de saúde, educação e saneamento básico, principalmente nas cidades de menor porte. O Pólo apresenta atualmente uma área irrigada estimada de cerca de 6.000 ha, com problemas de falta de água no rio do Peixe e rio Piranhas. A iniciativa privada é responsável por cerca de 2.770 ha. O restante da área irrigada foi implantada pelo DNOCS em 2 perímetros: Eng.º Arcoverde e São Gonçalo. Além desses perímetros, o Governo da Paraíba, com apoio do Governo Federal, resolveu construir obras de infra-estrutura para levar água do açude Coremas/Mãe d’Água até as Várzeas de Souza, para irrigar 5.000 ha. 124 A produção agrícola do Pólo é bem diversificada. A cultura da banana e do coco ocupa a maior parte das áreas irrigadas. 3.3.4.2 - Caracterização dos Perímetros Irrigados − SÃO GONÇALO • Descrição O Perímetro irrigado São Gonçalo está localizado no distrito de São Gonçalo, município de Souza, no Vale do Piranhas, sertão do Estado da Paraíba. Dista 40 km da capital. A superfície irrigável implantada é de 2.989 ha. A irrigação por superfície é o método adotado em toda a área. Existe ainda uma área de sequeiro de 597,8 ha, contando, então, o perímetro com uma área total de 3.586,8 ha. A ocupação do Projeto é feita por 454 pequenos produtores e 27 profissionais de Ciências Agrárias. O suprimento hídrico provém dos açudes públicos Eng.º Ávidos e do açude São Gonçalo. A distribuição é feita por meio de canais, por gravidade, para toda a área. • Gestão da Operação e Manutenção A gestão da administração, operação e manutenção da infra-estrutura de irrigação e drenagem de uso comum do Perímetro é realizada por uma Junta de Usuários de Água do Perímetro São Gonçalo (JUSG), por força de acordo firmado com o DNOCS, com apoio de servidores do próprio DNOCS. A JUSG tem uma Diretoria composta de presidente, secretário, tesoureiro. Não dispõe de conselho fiscal e de administração. Em 1991, iniciou-se a cobrança das tarifas de recuperação dos investimentos (K1) e de operação e manutenção (K2) pela JUSG, anteriormente cobrada pelo DNOCS. No perímetro irrigado São Gonçalo, o valor de K1 cobrado é de R$ 90,93/ha/ano, É recolhido pela JUSG e repassado ao DNOCS. O valor de K2 é de R$ 11,02/1.000m3, recolhido pela JUSG para cobrir gastos de operação e manutenção. A taxa de 125 inadimplência da tarifa K1 é de 95%, e a de K2 foi de 38% dos produtores, observada em 1998. • Caracterização da Produção O sistema de produção do Perímetro apresenta pequena diversificação. Da área cultivada em 1998, cerca de 1.218 ha, a cultura da banana ocupou 44,2%, a do coco 24,6%, a do arroz 23%, a do milho 7% e a da goiaba, tomate industrial e outras culturas de menor significado,1,2%. − ENGº . ARCOVERDE • Descrição O Perímetro Eng.º Arcoverde se localiza no município de Condado-PB, no Vale do Rio Piranhas, distando 377 km da capital do Estado, João Pessoa. A superfície total do Perímetro é de 448 ha, com uma área irrigada de 242 ha. Na implantação do Perímetro foram criados 60 lotes. Atualmente encontram-se ocupados com 55 pequenos agricultores. O Perímetro é abastecido pelo açude público Eng.º Arcoverde, utilizando-se complementarmente água proveniente de 105 poços amazonas, em razão de o açude não atender às demandas de irrigação e do abastecimento humano de Condado, ultimamente interditado pela Justiça para fins de irrigação. A distribuição da água do açude para irrigação era feita pelo sistema de canais que a conduziam aos lotes por gravidade. O sistema de irrigação inicialmente implantado foi a irrigação por superfície através de sulcos em declive. Posteriormente foi em parte substituído pelos métodos de aspersão convencional (150 ha) e gotejamento (60 ha), por meio de aquisição de módulos individuais, de irrigação com captação de água a partir dos poços amazonas. • Gestão da Operação e Manutenção O DNOCS, em 1991, por meio de convênio, transferiu à Cooperativa Agrícola Mista dos Irrigantes de Condado Ltda (CA126 MIC), as atividades relativas à gestão de operação, manutenção e apoio à produção agropecuária do Perímetro. Atualmente essas atribuições são exercidas de forma precária pela cooperativa, que conta ainda com o apoio de servidores do DNOCS. A cooperativa, criada em 1975, é constituída de uma diretoria e um conselho fiscal. Em 1991, iniciou-se, pela CAMIC, a cobrança das tarifas de recuperação dos investimentos (K1) e de operação e manutenção (K2). No Perímetro Irrigado de Eng.º Arcoverde, o valor de K1 cobrado é de R$ 120,94/ha/ano, arrecadado pela CAMIC e repassado ao DNOCS; o valor de K2 é de R$ 11,01/1.000m3, arrecadado e aplicado no Perímetro pela própria Cooperativa. A taxa de inadimplência dos produtores para o K1 foi de 94% e de 20% para o K2, observadas em 1998. • Caracterização da Produção O sistema de produção do Perímetro apresenta pouca diversificação. Da pequena área cultivada de 66 ha, em 1998, a banana ocupou 30,3%, o feijão 21,2%, o milho 18,1%, a melancia e o melão 12,2%, o coco 7,6%, o pimentão 7,6% e o tomate 3%. A água é um fator limitante no desenvolvimento dos cultivos. 3.3.5 - Açu-Mossoró 3.3.5.1 - Caracterização do Pólo O Pólo Açu-Mossoró é composto pelos municípios de Mossoró, Açu, Baraúna, Carnaubais, Upanema, Ipanguaçu, Alto do Rodrigues, Afonso Bezerra, Pendências, Serra do Mel e Itajá. Está localizado no extremo-norte do Estado do Rio Grande Norte e tem como centros urbanos mais importantes as cidades de Mossoró e Açu. A região, além das condições edafotoclimáticas favoráveis à produção irrigada, está próxima e eqüidistante de centros consumidores importantes do Nordeste, como Fortaleza, Natal, João Pessoa e Recife, e do porto de Mucuripe em Fortaleza, do futuro 127 porto de Pecém e dos portos de Natal e de Recife/Suape, o que lhe confere condições excepcionais tanto no mercado interno quanto externo, para escoamento da produção. O Pólo Açu-Mossoró apresenta uma área irrigada estimada em torno de 5.000 ha. A iniciativa privada é responsável por cerca de 237 ha. O restante da área irrigada pertence ao Perímetro Irrigado Público Baixo Açu, implantado pelo Governo do Estado do Rio Grande do Norte, por meio da Secretaria de Recursos Hídricos. A região tornou-se conhecida como a maior produtora de melão do Brasil, sendo responsável pela instalação de diversas empresas no Estado, além de se caracterizar como a principal exportadora do produto. 3.3.5.2 - Caracterização do Perímetro Irrigado de Baixo Açu • Descrição O Perímetro Irrigado Baixo Açu, localizado nos municípios de Afonso Bezerra e Alto dos Rodrigues, possui uma área total de 8.902,31 ha e uma área irrigável de 5.606,1 ha. A implantação do Perímetro aconteceu em duas etapas: a etapa 1 entrou em operação em novembro de 1993, com uma área irrigada de 2.629,1 ha, onde estão assentados 186 irrigantes: 161 pequenos irrigantes com aspersão convencional, 14 médios que irrigam por gotejamento e 11 grandes que utilizam pivô central; a etapa 2 do Perímetro Baixo Açu tem início de operação previsto para o ano 2000, com uma área irrigável de 2.977 ha, onde deverão ser assentados 138 irrigantes (120 pequenos e 18 grandes). • Gestão da Operação e Manutenção A captação da água é feita no rio Açu, com bombeamento para o canal principal, sendo conduzida às tomadas do pivô central e para pressurização da aspersão convencional. A operação e manutenção são feitas pela Secretaria de Recursos Hídricos do Estado do Rio Grande do Norte (SERHID) que contratou empresa para executar essas tarefas. O Distrito de Irrigação do Baixo Açu está em fase de organização. 128 A única tarifa paga no Projeto é a de energia elétrica.A conta é rateada entre 11 associações (uma por setor). As associações cobram dos irrigantes, repassam ao Distrito e este paga à Companhia de Energia Elétrica (COSERN). Mesmo assim, a inadimplência dos pequenos produtores atingiu 5% em 1998. • Caracterização da Produção A área cultivada pelos empresários do Perímetro Irrigado Baixo Açu, em 1998, foi de 1.147 ha, assim distribuída: feijão vigna (45,3%), milho (30,4%), melão (11,9%), algodão (8,7%). A área restante foi cultivada com feijão phaseolus, manga, banana e sorgo (2,7%). Os pequenos produtores no mesmo período cultivaram 1.627 ha com feijão vigna (40,2%), milho verde (18,9%), melancia (15,9%), sorgo (8,7%), abóbora (6,1%), melão (4,8%) e áreas menores de banana, goiaba, pimentão, batata-doce, algodão, manga, acerola e graviola (5,4%), o que caracteriza uma boa diversificação da produção. 3.3.6 - Norte de Minas 3.3.6.1 - Caracterização do Pólo O Pólo de Irrigação Norte de Minas é composto pelos municípios de Janaúba, Porteirinha, Nova Porteirinha, Jaíba, Matias Cardoso, Verdelândia e Manga. O norte de Minas Gerais está incluído no Polígono das Secas. Devido a sua localização e das potencialidades voltadas especificamente para os aspectos de produção propriamente ditos, possui a região alguns fatores que a qualificam como das mais promissoras para um firme desenvolvimento nos próximos anos. Ela conta com um sistema viário de estradas asfaltadas de boa qualidade, ligando-a aos principais centros consumidores internos e aos portos de Santos, Rio de Janeiro e Vitória, para o mercado externo. Além disso, fica próxima dos países do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL). Há disposição, tanto do Governo Federal, quanto do estadual de investirem na infra-estrutura da região. O município de Janaúba possui a melhor estrutura urbana e, conseqüentemente, polariza toda a região. Distante cerca de 129 130 km de Montes Claros, a principal cidade do norte de Minas, e 541 de Belo Horizonte. O Pólo apresenta uma área irrigada de mais de 34.000 ha: a iniciativa privada é responsável por uma área aproximada de 5.500 ha. O restante da área irrigada está sob o domínio dos perímetros públicos de irrigação, de responsabilidade da CODEVASF: Jaíba, Gorutuba e Lagoa Grande. Os referidos perímetros públicos são produtores de grande variedade de frutas e hortaliças, tais como: banana, uva, mamão, goiaba, limão-taiti, manga, coco, cebola e tomate. A banana ocupa a maior área plantada e o mais elevado volume de produção. Não se identifica plano de instalação de grandes empresas no Pólo. Existem agroindústrias na região. 3.3.6.2 - Caracterização dos Perímetros Irrigados − JAÍBA • Descrição O denominado Projeto Jaíba, cujo início de implantação remonta à década de 70, situa-se nos municípios de Jaíba e Matias Cardoso e é o maior dos 3 perímetros irrigados do Pólo. Prevêse a irrigação de 100.000 ha e está dividido em 4 etapas. A primeira tem uma área total de 29.444,43 ha e área irrigada de 22.009,24 ha. A infra-estrutura hidráulica coletiva está totalmente concluída e já estão assentados 1.431 produtores: 1.284 pequenos irrigantes, ocupa 6.417,19 ha de um total de 10.475,24 ha a eles destinados e 147 empresários exploram hoje mais ou menos 1.200 ha, de um total previsto de 11.534 ha. A área restante se encontra em fase de seleção de pequenos irrigantes e licitação dos lotes empresariais, devendo o número de irrigantes chegar a 2.000. A referida etapa foi implantada pela CODEVASF, com participação inicial do Governo do Estado, por meio da RURALMINAS. A implantação da segunda etapa do Projeto, com área aproximada de 16.000 ha, é de responsabilidade do Governo do Estado de Minas Gerais e se encontra em fase de obras de infra-estrutura. 130 Os lotes deverão ter dimensão variável de 10 e 90 ha. O início de operações está previsto dentro de aproximadamente 2 anos. A terceira etapa do Projeto Jaíba encontra-se em fase de estudos de viabilidade pela CODEVASF, para as definições necessárias à sua implementação. Para a quarta e última etapa não existem ainda maiores definições. Saliente-se que o Projeto já possui duas estações de bombeamento, com capacidade para atender à demanda das 4 etapas. A água para o Projeto é captada no rio São Francisco, por meio de derivação direta, elevação a dois patamares, e distribuída por canais na área, perfazendo uma vazão outorgada de 80m3/s. • Gestão da Operação e Manutenção A gestão da operação e manutenção no Projeto Jaíba é realizada pelo Distrito de Irrigação de Jaíba (DIJ), criado em 1988. Representou a primeira experiência de gestão descentralizada, implantada pela CODEVASF. A estrutura organizacional do Distrito é constituída pela Assembléia Geral, composta por todos os irrigantes, representantes da CODEVASF e RURALMINAS (ambas sem direito a voto, mas com direito a veto), que elegem um Conselho de Administração e um Conselho Fiscal. O Conselho de Administração contrata uma Gerência Executiva que, dentro das normas e ações definidas, se responsabiliza pela gestão do Perímetro. Em 1989, iniciou-se a cobrança das tarifas de recuperação dos investimentos (K1) e de operação e manutenção (K2). Quanto à primeira tarifa (K1), que tem valor único, R$ 4,85/ha/mês, estabelecido para todos os perímetros públicos da CODEVASF, os pequenos produtores irrigantes tinham carência de 1 ano. A resolução 398 da CODEVASF, de 02/09/99, elevou a carência para 4 anos a partir do assentamento, só iniciando o pagamento a partir do 5º ano. Quanto aos empresários, iniciavam o pagamento logo no mês seguinte à assinatura do contrato de compra do lote. Com a nova resolução, o prazo será contado a partir da data de disponibilidade de água e energia elétrica no lote ou data da resolução que autoriza a alienação do lote, a que ocorrer por último. 131 O valor da tarifa K2 é fixado de acordo com a forma de recebimento da água, uma vez que cada setor hidráulico do Projeto recebe água de forma diferenciada: − para os setores que recebem água de forma pressurizada, o valor é de R$ 30,43/1000m3; − para os setores que recebem água sem pressurização (cabendo ao usuário a responsabilidade pela pressurização), o valor é de R$ 14,34/1.000m3. No que se refere à tarifa de operação e manutenção (K2), os pequenos irrigantes têm carência de 1 ano, pagando 20% do valor no segundo ano, 40% no terceiro, 80% no quarto e 100% a partir do quinto ano. Os empresários iniciam o pagamento no mês subseqüente à assinatura do termo de posse do lote. O recebimento da tarifa K2 é realizado pelo Distrito de Irrigação de Jaíba (DIJ) e apresentou em 1998 uma inadimplência de 40-50% por parte dos pequenos irrigantes. Não ocorreu inadimplência da parte dos empresários. Em relação à tarifa K1, o Distrito não pôde informar sobre inadimplência, pois a taxa é cobrada pela CODEVASF, não dispondo, assim, da informação. O sistema de irrigação para os pequenos irrigantes (modelo familiar) é o de aspersão convencional. Verificou-se uma mudança dos usuários para microaspersão, já atingindo uma área de mais de 15% de substituição. Na área empresarial predomina microaspersão e pivô central. Especificamente no caso do DIJ, há uma diferença em relação a outros distritos implantados no Vale do São Francisco, uma vez que atua na organização da produção, no apoio técnico à produção, entre outras atividades, não executando ele apenas atividades de operação e manutenção do sistema hidráulico coletivo. • Caracterização da Produção A área cultivada e, conseqüentemente, a produção dos pequenos irrigantes assentados no Projeto Jaíba é bastante diversificada, chegando, em 1998, ao cultivo de 5.486 ha de mais de 20 espécies diferentes entre culturas anuais e perenes. Desta área cultivada, 132 a fruticultura contribuiu com 34,7%, destacando-se a banana, a olericultura com 11,8% e as culturas tradicionais com 53,5%. A área empresarial apresentou, em 1998, um cultivo em 1.065 ha. A banana ocupou 65% da referida área. − GORUTUBA • Descrição O Perímetro Irrigado de Gorutuba se localiza no município de Nova Porteirinha. Sua fonte de água é a Barragem do Bico da Pedra, distribuída por gravidade através de uma rede de canais e asséquias. Com uma área total de 7.064,01 ha e uma área irrigada de 4.818,95 ha, o Perímetro iniciou o assentamento de irrigantes e empresários em 1978 e concluiu em 1987. Hoje estão assentados 432 pequenos irrigantes, 42 não-irrigantes e 44 empresários. A área irrigável dos empresários é de 2.290,28 ha, representando, 47,5%, e dos pequenos irrigantes 2.528,67 ha ou 52,5%. Dessa área irrigaram-se, em 1998, 3.256,82 ha (1.347,01 ha pelos empresários e 1.909,81 ha pelos pequenos irrigantes). O Perímetro passou por várias alterações nos planos de produção dos assentados. De início, a maior área foi dedicada a culturas tradicionais, evoluindo para olerícolas e, posteriormente, para fruticultura e olericultura. Os pequenos irrigantes mantêm ainda áreas em grãos para subsistência, mas investiram e continuam investindo na fruticultura, principalmente banana. Já os empresários, desde o início, colocaram a fruticultura como atividade básica. A banana representou carro-chefe da produção de suas áreas. • Gestão da Operação e Manutenção A operação e manutenção do Perímetro são feitas, desde 1996, pelo Distrito de Irrigação do Perímetro Irrigado de Gorutuba (DIG). Sua estrutura gerencial compõe-se da Assembléia, constituída por todos os irrigantes e representante da CODEVASF (sem direito a voto e com direito a veto), que elege um Conselho de Administração e um Conselho Fiscal, e por uma Gerência Executiva para implementação de suas diretrizes. 133 Entre os pequenos irrigantes, 57,08% utilizam a irrigação por sulcos, 14,31% empregam a aspersão convencional e 28,61%, a microaspersão. Entre os empresários, 62,99% utilizam a irrigação por sulcos, 8,10%, a aspersão convencional, 20,39% empregam a microaspersão e 8,52% utilizam o gotejamento. Quanto às tarifas, o K2 de R$ 11,00/1.000m3 é cobrado mensalmente, pelo Distrito, de cada irrigante. Em 1998, verificouse a inadimplência dos pequenos irrigantes e empresários em torno de 15%. O K1 é recebido trimestralmente pela CODEVASF, através de cobrança bancária. O valor é definido igualmente para todos os perímetros, em R$ 4,85/ha/mês. • Caracterização da Produção Tomando-se como base a área cultivada pelos empresários, as culturas exploradas foram as seguintes em 1998: banana (76,8%), manga (11,1%), limão (3,7%), milho (3,2%), uva (2,5%), sendo completada com pinha, feijão, melancia, algodão e outros (2,7%). Já os pequenos irrigantes ocuparam as áreas com banana (82,7%), feijão phaseolus (3,8%), limão (3,1%), manga (1,6%), coco (1,4%), milho (0,9%), completando com goiaba, laranja, batata-doce, mandioca, melancia, arroz, algodão, acerola, uva, quiabo e outras frutas, e olerícolas, mostrando, como nos demais perímetros, maior diversificação na área plantada. Em 1998, a área cultivada pelos empresários foi de 1.180 ha e pelos pequenos irrigantes, 2.016 ha. − LAGOA GRANDE • Descrição O Projeto Lagoa Grande tem área total de 1.660 ha. Localiza-se no município de Janaúba. Não é caracterizado como um projeto público, como Jaíba e Gorutuba, uma vez que as terras eram de propriedade dos atuais irrigantes. A cooperativa do Vale Gorutuba, hoje extinta, implantou a infra-estrutura hidráulica, de captação e distribuição de água, com recursos e fiscalização da CODEVASF, obras essas entregues em 1975. Essas infraestruturas coletivas estão em fase de transição para a CODE- 134 VASF. A água é captada no rio Gorutuba, cuja vazão é regularizada pela Barragem Bico da Pedra. • Gestão da Operação e Manutenção O Projeto tem a gestão da operação e manutenção feita pela Associação dos Proprietários Irrigantes da Margem Esquerda do rio Gorutuba (ASSIEG), que conta com 55 associados, aos quais fornece água para irrigação, por meio de contrato. A Associação tem uma Diretoria eleita que se responsabiliza pela administração do Projeto, contratando para os serviços necessários uma equipe técnica. O método de irrigação mais utilizado pelos irrigantes é a microaspersão. O K1 é pago diretamente à CODEVASF, por cobrança bancária, no valor de R$ 4,85/ha/mês. A cobrança da tarifa de operação e manutenção é feita pela ASSIEG e calculada utilizando três componentes: total de custos fixos, dividido proporcionalmente pela área irrigável, mais total de custos variáveis, dividido proporcionalmente pela área irrigada no mês, mais R$ 1,00/ha irrigado/mês como fundo de reserva. Isso proporcionou, em 1998, uma tarifa de R$ 5,60/ha/mês. Verificou-se uma inadimplência de 10%. • Caracterização da Produção Em 1998, de uma área cultivada de 1.127 ha, a banana ocupou 89,0%, o coco 4%, o limão 3,3%, o mamão 1,3%, a pinha 0,9% e as demais explorações (graviola, abacaxi e feijão phaseolus) 2,5%. 3.3.7 - Assistência técnica Neste capítulo, discute-se o mecanismo de assistência técnica prestada aos produtores irrigantes em todos os pólos. Essa discussão ocorre mais pela forma que pelo conteúdo e resultados, uma vez que, para se obterem informações neste nível, haveria necessidade de pesquisa e avaliação, que demandariam tempo além do previsto neste contrato. Para os pequenos produtores, vinculados aos perímetros públicos de responsabilidade da CODEVASF, há um apoio finan135 ceiro e um programa com diretrizes, estratégias e busca de resultados. Não se observou o mesmo procedimento com relação aos perímetros do DNOCS. Quanto aos médios e grandes irrigantes, quer em perímetro público ou em propriedades privadas, a assistência técnica é contratada junto a empresas privadas ou a profissionais autônomos. A evolução histórica relacionada à atividade de assistência técnica, especificamente para os perímetros públicos, é interessante e deve ser comentada. Nas décadas de 60 e 70, os princípios que orientaram a política governamental de desenvolvimento e as políticas públicas de intervenção no setor rural e na estrutura de produção agrícola, levaram à implantação de uma série de projetos públicos de irrigação, definindo uma estratégia de funcionamento. Foram criadas cooperativas em cada um deles. A assistência técnica era prestada pelos próprios órgãos promotores, pelas entidades oficiais de assistência técnica e extensão rural ou pelas próprias cooperativas, custeadas pelo poder público. Na análise dos dados históricos sobre desenvolvimento dos projetos públicos de irrigação, observa-se que, até meados dos anos 80, a estratégia de intervenção do Estado no sistema de produção agrícola irrigada e a forma e meios utilizados para favorecer a autogestão e emancipação dos perímetros, foram ineficientes, assim como se mostraram ineficientes as ações de assistência técnica que faziam parte da estratégia oficial. A partir daí, os promotores dos projetos públicos priorizaram investimentos nos componentes da estrutura empresarial das cooperativas, para que pudessem alcançar o esperado desempenho. Após início com resultados estimulantes, começaram a surgir problemas, principalmente devido à ausência do espírito associativista, que levaram ao fracasso da experiência. A partir de meados da década de 80, a direção da CODEVASF impôs outro ritmo ao processo de emancipação, estimulando o debate de estratégias para a condução do processo de cogestão, com ênfase na área de produção. A equipe de assistência técnica tem papel importante na sua execução. 136 No inicio da década de 90, o DNOCS acompanhou a CODEVASF, quanto à orientação do trabalho de assistência técnica. Tais procedimentos foram abandonados a partir de meados da década. Tanto ao nível de perímetro público (pequenos, médios ou grandes irrigantes) ou em propriedades privadas, o trabalho da assistência técnica tem colocado ênfase maior nos aspectos de produção dentro da propriedade, não se envolvendo nos aspectos ligados ao agronegócio, como ocorre, por exemplo, na França, Chile e em outros países. Atualmente, existem nos perímetros irrigados, públicos ou privados, diversas formas de assistência técnica. Estas variam em função de sua gestão e das fontes de recursos, como pode-se verificar a seguir: 1º ) A instituição pública contrata empresas de serviços de assistência técnica Nesta modalidade, muito utilizada pela CODEVASF, empresas ou técnicos especializados são contratados, por meio de licitação, para prestar assistência técnica aos pequenos irrigantes. São os casos dos projetos Gorutuba, Maniçoba, Curaçá, São Desidério, Nupeba, Riacho Grande, Tourão e Mandacaru. 2º ) A instituição pública repassa recursos aos Distritos de Irrigação para contratar serviços ou montar equipe própria de assistência técnica Neste caso, cita-se a CODEVASF que repassa recursos aos distritos de irrigação de Jaíba, Nilo Coelho e Bebedouro. Estes, com equipe terceirizada ou própria, prestam assistência técnica. 3º ) A assistência técnica é prestada diretamente pelo poder público Esta modalidade ocorre no Perímetro Irrigado Baixo-Açu. A Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Norte (EMATER-RN) presta assistência técnica aos irrigantes. 137 4º ) A instituição pública repassa os recursos às cooperativas para prestarem assistência técnica aos irrigantes É o que ocorre com a Companhia Hidroelétrica do Vale do São Francisco (CHESF) que repassa recursos às cooperativas dos perímetros para custearem os serviços de assistência técnica, como nos perímetros de Pedra Branca, Brígida e Caraíbas. 5º ) Os irrigantes contratam individualmente a assistência técnica com recursos próprios Nesta situação enquadram-se irrigantes que contratam empresas para elaboração de projetos de financiamento e/ou para prestar assistência técnica. Esses produtores, em geral, são localizados em áreas empresariais dos perímetros irrigados de Jaíba, Gorutuba, Lagoa Grande, Jaguaribe-Apodi, Morada Nova, Nilo Coelho, Curaçá, Maniçoba, Tourão e Baixo-Açu. Em geral, nos perímetros irrigados de pequenos irrigantes, onde não há assistência técnica custeada com recursos públicos, esta modalidade também ocorre. Como exemplo, citam-se os perímetros do DNOCS, especificamente Jaguaruana, Morada Nova, Eng.º Arcoverde e São Gonçalo. Em Jaguaruana, os produtores que têm acesso ao crédito rural contratam agrônomo ou empresa da região para elaborar o projeto e prestar assistência técnica, o mesmo ocorrendo em Morada Nova. Já nos perímetros de Eng.º Arcoverde e São Gonçalo, esta atividade vem sendo exercida pela EMATER–PB. Alguns produtores contratam profissionais como funcionários para prestar assistência técnica nos lotes. Isto ocorre em alguns lotes empresariais de Jaíba, Gorutuba, Lagoa Grande, Tourão, Maniçoba, Curaçá, Jaguaribe-Apodi e Baixo-Açu. 138 3.3.8 - A questão da inovação tecnológica nos pólos de irrigação 3.3.8.1 - O Papel da Inovação Tecnológica e das Instituições de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) Agrícola Sem perder de vista que os seis pólos de irrigação analisados se localizam no Nordeste brasileiro e região norte de Minas Gerais, convém que, na descrição e análise mais ampla da questão da inovação tecnológica nesses pólos, se discuta o papel que a inovação (não apenas na pesquisa agrícola) vem assumindo no mundo atual. Com efeito, abandonando a forma tradicional de crescimento, através do aumento dos recursos disponíveis para uso, as sociedades modernas vêm sendo crescentemente forçadas a lançar mão de outra fonte de crescimento – as mudanças que afetam a quantidade de produto obtido por unidade de insumo empregado, tornando-se assim mais dependentes do avanço tecnológico contínuo, com vistas a manter e/ou melhorar seu desempenho econômico. Por isso é que a tecnologia - aqui conceituada como “[...] conjunto de habilidades, conhecimentos e procedimentos, de que lançamos mão, para fabricar, usar e fazer coisas úteis” (ÁVILA, 1985), tornou-se elemento central na análise do fenômeno do crescimento econômico em geral, e também da agricultura, em particular. Em que pese a dificuldade metodológica para se avaliar sua contribuição, resta a convicção de que, qualquer que tenha sido essa contribuição, ela deverá aumentar no futuro. Não resta dúvida de que a manutenção do dinamismo tecnológico, por sua vez, está umbilicalmente atrelada à geração de invenções - invenção aqui entendida como “[...] uma prescrição inédita, para determinado e fabricável produto ou operável processo”, (ÁVILA, 1995). Ocorre que a necessária manutenção de um fluxo contínuo de invenções não é, contudo, condição suficiente. Isto é melhor compreendido, do ponto de vista econômico, caso se observe a distinção entre invenção e inovação. Esta última é definida como uma: “[...] invenção aplicável (resultante de um processo de geração de invenções) e levada ao mercado pela primeira vez através do processo de inovação, isto é, de todo o complexo de motivações relacionadas com 139 a transformação de uma invenção em inovação: a intensidade de estímulo e o tempo de resposta, ou seja, a lucratividade ou retornos esperados e o conjunto de incertezas, presentes no processo” (ÁVILA, 1985). Relativamente à inovação, a literatura destaca o papel dos clientes, fornecedores e instituições de pesquisa neste processo (Case, 1992). Em quase todos os setores competitivos bemsucedidos, as principais empresas e suas organizações também adotam medidas explícitas para que sejam criados fatores especializados, como recursos humanos, conhecimento científico ou infra-estrutura. Com base nesse referencial, a descrição do estado da arte dos esforços para geração (P&D) e generalização de suas “descobertas” (o processo de difusão) nos pólos analisados mostram claramente que os esforços e resultados alcançados pelas instituições de pesquisa agropecuária (como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), as empresas e institutos estaduais de pesquisa agrícola e faculdades de agronomia), no que se refere à agricultura irrigada e à irrigação no semi-árido do Nordeste brasileiro, até aqui, concentraram-se no processo produtivo agrícola (dentro da porteira), pouco alcançando as atividades que ocorrem antes e depois dele e, muito menos, os processos gerenciais cujo somatório (dos três) abarca o agronegócio como um todo. 3.3.8.2 - O Esforço de P&D no Semi-Árido do Nordeste Centrando agora a atenção nas peculiaridades edafoclimáticas das regiões, onde os seis pólos analisados estão instalados, a grande variabilidade temporal e espacial no rendimento dos principais cultivos agrícolas, que ali normalmente ocorre, está associada, principalmente, aos recorrentes déficits hídricos no solo. Isso decorre, sobretudo, da aleatoriedade temporal e espacial e da precipitação pluviométrica. Resultantes dessas oscilações, na produtividade agrícola, emergem conseqüências, econômicas e sociais, tais como: variações acentuadas nos preços de mercado, descapitalização dos produtores, gastos públicos com seguro agrícola e êxodo rural. 140 Em tais situações, a prática da irrigação é apontada como uma das alternativas mais eficazes do ponto de vista técnico e, em muitas circunstâncias, também do ponto de vista econômico, para fazer face a esse problema, conferindo estabilidade à produção agrícola, onde e quando dela se possa lançar mão e, desse modo, contribuindo decisivamente para a conquista e sustentação de vantagem competitiva dinâmica ao agronegócio regional. Houve um grande crescimento das áreas irrigadas no País nos últimos 20 anos. As instituições de pesquisa agropecuária estavam estruturadas muito mais para fazer investigação com explorações sob regime de sequeiro. A adequação ou criação de estruturas de experimentação para o desenvolvimento de pesquisas na área da agricultura irrigada foi um processo demorado. Atualmente, o sistema brasileiro de pesquisa irrigada já imprime maior enfoque à investigação de técnicas apropriadas aos cultivos irrigados. Como a geração de informações, principalmente na área de fruticultura, é lenta, a apropriação desses benefícios pelos agricultores também se dar a médio e longo prazo. Apesar disso, existem alguns resultados pontuais para alguns produtos e práticas, principalmente aqueles produtos de ciclo mais curto. Há, no entanto, um hiato entre o crescimento da agricultura irrigada e a oferta de informações tecnológicas. Especialmente na área de cultivares, manejo de irrigação e de fertirrigação, fitossanidade, controle de plantas daninhas, colheita e pós-colheita, o que não ocorre em países que investiram vigorosamente em pesquisa com agricultura irrigada como o Chile e os Estados Unidos, entre outros. Na área abrangida pelos pólos de irrigação, existem algumas unidades de pesquisa agropecuária, que vêm desenvolvendo pesquisas com diversas fontes de recursos ou estão integradas ao “Programa Brasil em Ação”, a saber: 141 Pólo Norte de Minas: As unidades experimentais da Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado de Minas Gerais (EPAMIG), situadas no Perímetro Gorutuba e de Jaíba, vêm desenvolvendo pesquisa sobre culturas irrigadas, como uva, banana e coco, entre outras. A Universidade Federal de Viçosa e a EMBRAPA estão desenvolvendo também algumas pesquisas na área do Pólo, de forma pontual, por meio de convênio com o Distrito de Irrigação e empresários. Pólo Petrolina-Juazeiro: Existe em Petrolina o Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Semi-Árido (CPATSA), da EMBRAPA, que desenvolve pesquisas em fruticultura e culturas anuais, estendendo sua área experimental a perímetros irrigados como Mandacaru, Nilo Coelho e Bebedouro. Também o Instituto de Pesquisa Agrícola de Pernambuco (IPA) vem desenvolvendo pesquisa com culturas irrigadas no Pólo, com bons resultados em cebola e tomate industrial. Pólo Oeste Baiano: Existe apenas a Empresa de Desenvolvimento Agropecuário (EBDA), com uma unidade experimental no Perímetro Irrigado São Desidério/Barreiras Sul. A EMBRAPA tem alguns convênios com empresas privadas para pesquisas na região, mas concentrada nas áreas de grãos. Pólo Alto Piranhas: A EMBRAPA vem pesquisando a cultura do algodão no Perímetro de São Gonçalo e a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Paraíba vem desenvolvendo, há 2 anos, nesse Perímetro, pesquisas com uva, pupunha, arroz, manga, goiaba e outras culturas. Pólo Baixo Jaguaribe: Há em Icó-CE um convênio DNOCS/EMBRAPA para desenvolver pesquisa com arroz, e, na Chapada do Apodi, o Governo do Estado do Ceará, vem realizando, há dois anos, pesquisa com fruticultura. Pólo Açu-Mossoró: O Centro Nacional de Pesquisa de Algodão (CNPA) e o Centro de Pesquisa Agropecuária Tropical (CNPAT) da EMBRAPA realizam diversos trabalhos na região do Pólo de Irrigação, além de experimentos realizados pelo CNPA em lotes do Perímetro Irrigado Baixo-Açu. A Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (EMPARN) possui duas 142 unidades de pesquisa, uma em Ipangaçu e outra em Mossoró, além de uma área no Baixo-Açu, onde realiza pesquisas em agricultura irrigada. A Escola Superior da Agricultura de Mossoró (ESAM) também desenvolve pesquisas na região. A Associação para Desenvolvimento do Agronegócio do Vale Açu (VALEFRUTAS) tem promovido, também, pesquisas de manejo de pragas e controle de qualidade de frutos, em parceria com a EMBRAPA e universidades. Outras instituições também desenvolvem pesquisas que dão suporte tecnológico à agricultura irrigada dos pólos de irrigação, como o Centro de Pesquisa do Milho e Soja (CNPMS), o Centro Nacional de Pesquisa do Cerrado (CPAC), o Centro Nacional de Pesquisa Horticultura (CNPH), o Centro Nacional de Pesquisa de Mandioca e Fruticultura (CNPMF) e Centro Nacional de Pesquisa Agropecuária dos Tabuleiros Costeiros (CPATC). A partir de 1970, uma grande mudança na estrutura de pesquisa agropecuária nacional foi promovida pelo Governo Federal, com a criação da EMBRAPA, vinculada ao então Ministério da Agricultura e transformando unidades regionais de pesquisa agropecuária em centros nacionais de pesquisa por produto ou recurso natural. Assim, foram criados no Nordeste: o Centro Nacional de Pesquisa do Trópico Semi-Árido (CPATSA), em Petrolina (PE); o Centro Nacional de Pesquisa de Mandioca e Fruticultura (CNPMF), em Cruz das Almas (BA) e o de Caprinos (CNPC), em Sobral, (CE). Concomitantemente, a EMBRAPA articulou-se com os governos estaduais, com vistas à criação e fortalecimento de instituições estaduais de pesquisa agropecuária, compondo, desse modo, o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária, coordenado e apoiado técnica e financeiramente pela primeira, além dos órgãos federais de apoio à pesquisa em geral, como o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), ambos vinculados ao Ministério de Ciência e Tecnologia. No período 1972-85, grande ênfase foi dada, no País e no Nordeste, à modernização e ao fortalecimento desse sistema arti143 culado de pesquisa agropecuária, que incluía também algumas universidades e escolas de agronomia, da rede do Ministério da Educação. Com efeito, nesta fase, as instituições estaduais de pesquisa agropecuária do Nordeste, como a Empresa de Pesquisa Agropecuária do Ceará (EPACE), Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (EMPARN), Empresa de Pesquisa Agropecuária (EMEPA), o Instituto de Pesquisa Agropecuária de Pernambuco (IPA/PE), a Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado de Alagoas (EPEAL), Empresa de Pesquisa Agropecuária da Bahia (EPABA) e Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG), de um lado, e a EMBRAPA, do outro, ampliaram e qualificaram seus quadros de pesquisadores, sua infra-estrutura de pesquisa, aparelhando laboratórios e estações experimentais, incrementando, sobremaneira, o esforço de pesquisa no Nordeste, inclusive em agricultura irrigada. As referidas estações vinham oferecendo apreciável (ainda que não suficiente) suporte tecnológico às novas culturas, inclusive às instaladas nos pólos de irrigação, subsidiando a assistência técnica (pública e privada) e os agentes financeiros em suas ações de apoio técnico e creditício aos agricultores nordestinos, com recomendações de culturas e cultivares melhorados e adaptados à região, segundo as demandas de mercado, bem como de práticas de irrigação e agronômicas mais recomendáveis, técnica, econômica e ambientalmente. Por fim, desenvolveram e produziram material genético básico melhorado (sementes e mudas), que era fornecido a empresas especializadas para sua multiplicação e posterior distribuição/venda aos agricultores da região. Não obstante, a partir da segunda metade da década de 80, os investimentos públicos em ciência e tecnologia foram declinando continuamente no País, o que resultou, de imediato, na drástica redução do apoio direto da EMBRAPA às instituições estaduais de pesquisa agropecuária. Sem ele, os governos estaduais foram invariável e crescentemente restringindo também seu apoio a esses órgãos de pesquisa, chegando mesmo a fundi-los com outras instituições voltadas à assistência ao setor agrícola. Numa tentativa de contrabalançar essa retração do aparato institucional de pesquisa dos Estados do Nordeste, a EMBRAPA, ampliou, nos últimos dez anos, sua atuação direta naquela região, 144 implantando novas unidades de pesquisa em Sergipe, Alagoas, Piauí e Ceará, como, respectivamente, o Centro de Pesquisa Agropecuária dos Tabuleiros Costeiros (CPATC) e Centro Nacional de Pesquisa de Agroindústria Tropical (CNPAT). 3.3.8.3 - Novas Iniciativas de P&D em Curso, para a Fruticultura Irrigada do Nordeste Além das mudanças na infra-estrutura física para pesquisa agropecuária, o Sistema Nacional de Pesquisas Agropecuárias (SNPA), sob a liderança da EMBRAPA, cada vez mais contingenciado em seus orçamentos (pela União e estados) vem procurando aperfeiçoar suas práticas gerenciais e de trabalho científico, de forma a racionalizar custos (“fazer mais com menos”), ampliando parcerias, inclusive com o setor privado, introduzindo práticas modernas de planejamento da pesquisa e de medição de desempenho de seus pesquisadores e, por fim, com maior envolvimento dos próprios usuários da pesquisa nessas ações, desde a fase de levantamento de necessidades dos agricultores. Um bom exemplo dessas inovações pode ser observado no Pólo Norte de Minas, em que foi criado um Consórcio de Pesquisa, liderado pela EPAMIG e com a participação de três centros nacionais de pesquisa da EMBRAPA (hortaliças, mandioca e fruticultura e milho e sorgo). De um primeiro programa conjunto de pesquisa agropecuária para o norte de Minas, que já vem oferecendo subsídios aos irrigantes dos projetos Gorutuba e Jaíba, evoluiu-se para uma inovadora metodologia de prospecção de demandas de pesquisa em agricultura irrigada para a região semiárida do norte de Minas. A primeira atividade constou da realização de um seminário temático, no período de 27 a 30 de abril de 1998, em Montes Claros, MG, que envolveu a participação de 178 pessoas, entre pesquisadores do SNPA e de universidades, agentes de assistência técnica e de crédito rural, produtores irrigantes e suas entidades de classe; fornecedores de energia elétrica, vendedores de máquinas e equipamentos; produtores e distribuidores de sementes e mudas; vendedores de defensivos, corretivos e fertilizantes e representantes de agroindústrias. Nesse encontro, após levantados participativamente os problemas tecnológicos regionais, foram definidas, conjuntamente, as 145 prioridades e linhas de pesquisa em tecnologia de irrigação (3 subtemas) e em agricultura irrigada (4 subtemas); os objetivos e atividades para Difusão e Transferência de Tecnologia e, por fim, as ações governamentais e institucionais, necessárias para que seja assegurada a execução plena do programado (EMBRAPA, 1998). Embora pioneira e ainda incipiente no semi-árido brasileiro, esta metodologia de prospecção de demandas de pesquisa é de uso crescente no mundo desenvolvido onde outros participantes da cadeia do agronegócio (grandes varejistas, atacadistas e empresas de logística também) participam desses eventos de levantamento de necessidades de conhecimentos e tecnologias, bem como na própria definição das linhas de pesquisas e onde o próprio setor privado, inclusive produtores rurais, financiam projetos, sob encomenda, de pesquisa aplicada. Embora ainda não tenha alcançado esta amplitude de participação no sistema brasileiro, coordenado pela EMBRAPA, a metodologia está agora incorporada ao sistema de programação da pesquisa das demais unidades da EMBRAPA, inclusive as localizadas no Nordeste. Com a implantação do Programa Brasil em Ação e sua continuidade com o Avança Brasil, uma iniciativa do Governo Federal, cujos projetos integrantes e respectivos orçamentos se encontram presentemente em discussão no Congresso Nacional, coube à EMBRAPA coordenar o empreendimento: Inovação Tecnológica na Fruticultura Irrigada no Nordeste Brasileiro, cujos objetivos são: - Tangíveis - viabilizar inovações tecnológicas para a fruticultura irrigada do Nordeste com vistas a: a) aumentar a exportação de frutas brasileiras, produzidas naquela região; b) adequar a produção às exigências do mercado consumidor quanto a tamanho, sabor, cor e outras características das frutas, tal como uva sem sementes etc.; c) explorar as vantagens provenientes das diferenças sazonais para a exportação para o hemisfério Norte. 146 - Intangíveis a) melhorar a capacidade tecnológica, empresarial e gerencial dos agentes das cadeias produtivas de frutícolas (abacaxi, banana, caju, coco, mamão, manga, melão, uva e espécies exóticas), para uma melhor inserção competitiva no mercado interno e externo; b) proporcionar o surgimento e consolidação no Nordeste de forças endógenas de desenvolvimento, com a melhoria da capacidade dos agentes da cadeia produtiva na solução de limitações e desafios. “Através da inovação tecnológica, o empreendimento otimizará a utilização dos recursos hídricos disponíveis na região, como as águas do rio São Francisco, água subterrânea sedimentar e grandes açudes, pois, a potencialização das vantagens naturais do Semiárido brasileiro depende, entre outros fatores, da disponibilidade de tecnologias simples e avançadas na produção de frutas sob irrigação. São cultivares adaptados à região e altamente produtivos sob irrigação, adequados ao que o mercado exige; práticas culturais eficientes em produtividade e diminuição de custos e tecnologias organizacionais, incluindo a capacitação de mão-de-obra” (EMBRAPA, 1998). Presentemente, já se encontram implementadas no campo 260 atividades, entre projetos de pesquisa e atividades de difusão e transferência de tecnologias, por 32 unidades de pesquisa, sendo 16 da própria EMBRAPA, 8 instituições estaduais de pesquisa agropecuária e 8 universidades, envolvendo recursos financeiros adicionais do Programa Avança Brasil, no período de cinco anos, no valor de R$ 50 milhões (EMBRAPA, 1999). 3.3.8.4 - As Relações Tecnológicas e Gerenciais do Agronegócio Frutícola Nordestino Como já discutido, as tecnologias agrícolas (assim como o crédito agrícola) são condições necessárias, mas não suficiente para conferir e sustentar a competitividade dinâmica da agricultura irrigada, ora em franca expansão no Nordeste brasileiro. Quando se observa a amplitude das atividades ocorridas no interior das 147 cadeias do agronegócio, bem se pode inferir o quanto se deve caminhar ainda para dotar os pólos agroindustriais nordestinos de conhecimentos, habilidades e tecnologias, necessários ao seu pleno desenvolvimento, envolvendo, portanto, não só as ações de P&D e de difusão tecnológica, fundamentais ao processo produtivo intraempreendimentos agrícolas, mas também os demais processos que transcorrem em toda a cadeia, incluídas as práticas gerenciais. Neste sentido, quando se observa o aparato de apoio que os setores da indústria e do comércio brasileiros criaram para dar suporte de capacitação e treinamento às empresas constituintes de ambos – o conceituado Sistema dos S (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC) e, só mais recentemente, Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SENAT), além do próprio SEBRAE, para assistência gerencial às empresas de pequeno porte, podese melhor avaliar quão precário é ainda o suporte para o agronegócio brasileiro, no tocante à capacitação e desenvolvimento de seus recursos humanos, como pré-requisito essencial à introdução de inovações também no agronegócio, principalmente quando confrontado com o disponível para nossos concorrentes na maioria dos países analisados neste Relatório. Não obstante tais lacunas, é animador verificar que, na maioria dos pólos agroindustriais nordestinos, cresce a consciência dos agentes produtivos, de suas lideranças e de agências governamentais para com tais déficits e a conseqüente implementação de iniciativas, portadoras de futuro, que visam sua superação como, por exemplo, o Programa Avança Brasil, do Governo Federal, com vários empreendimentos no Nordeste; o Banco do Nordeste, com suas ações de catalisador da promoção do desenvolvimento integrado dos pólos e, como tal, um parceiro estratégico, entre outros, no Programa Especial de Exportações (PEE), coordenado pela Câmara de Comércio Exterior (CAMEX). Em conseqüência, multiplicam-se as iniciativas das administrações estaduais, tais como as dos governos da Bahia, Pernambuco, Ceará e de Minas Gerais, entre outros, em seus atuais esforços, em parceria com o Ministério das Relações Exteriores, o SEBRAE-APEX e as Federações da Indústria e do Comércio estaduais, no fortale148 cimento de aglomerados empresariais (como o PEE/BA e o Programa “Bahia Competitiva”; o Projeto “Cresce Minas”, liderado pela Federação da Indústria do Estado de Minas Gerais (FIEMG), entre outros) e na organização/capacitação/promoção para exportação. A confluência dessas iniciativas, dos empreendedores e agências governamentais, em sendo efetivamente implementadas, contribuirá de forma marcante para a inserção competitiva da fruticultura irrigada do semi-árido brasileiro, tornando o Brasil, não só um grande país na produção, mas também no comércio internacional de frutas. Elas são indispensáveis à superação do grande desafio para a agricultura irrigada nordestina como um todo e da fruticultura em particular, já que foi vencida a etapa inicial centrada em obras de infra-estruturas físicas, nos projetos públicos. Agora era a vez da promoção de projetos de irrigação, da concepção de projetos centrados na produção agrícola sob irrigação, ainda hoje predominante em muitos perímetros públicos, para alcançar-se, sem tardança, uma abordagem centrada no mercado, a qual se compõe não só da cultura de foco no cliente (em suas necessidades e expectativas), mas também de estratégias competitivas (menor custo ou diferenciação de produtos? e âmbito competitivo das empresas ou foco: mercado interno e/ou externo?) e de suas táticas (o composto de marketing ou 4 ps.: produto, preço, pontos de venda ou distribuição e promoção). 3.3.9 - Processo de organização dos produtores Como observado também na experiência dos países analisados neste Relatório, na implantação de grandes projetos de irrigação pelo setor público, grande lapso de tempo costuma separar a fase de identificação, de desenho do projeto e de construção, dos arranjos de natureza política, institucional e financeira - indispensáveis a sua efetiva implantação - de sua implementação final. É que, dado o volume apreciável de recursos financeiros envolvidos, não raro, mudanças no quadro macroeconômico, nas prioridades e no modus operandi dos governos deles patrocinadores resultam invariavelmente em descontinuidades, as quais, não só retardam sua implantação física, como também tumultuam a vida dos agricultores neles assentados e suas organizações, pelas incertezas geradas. 149 Tratando-se dos pólos de irrigação em estudo, os projetos neles implantados, puderam ser enfrentados pelas agências governamentais neles envolvidas, os irrigantes e suas representações, e a custos administráveis para ambos, mormente se consideram que, entre a fase inicial de identificação dos respectivos projetos de irrigação e sua mais intensa exploração agrícola decorreram às vezes até 40 anos(Projeto Jaíba). Mesmo assim, ainda se encontra, na segunda etapa de implantação, das quatro previstas. Relativamente à organização dos produtores nesses pólos, pode-se verificar a seguinte caminhada no tempo: a) Uma fase inicial, quando não só o processo de seleção e assentamento dos futuros irrigantes era inteiramente conduzido pela agência governamental, responsável pela implantação do projeto de irrigação, mas também as iniciativas para implantação de qualquer forma (econômica, social) de organização desses produtores, após sua integração ao Projeto. É que, nesta fase, só eram admitidos nos projetos pequenos agricultores sem-terra, preferencialmente da região onde os projetos se instalavam, com pouca ou nenhuma experiência anterior com agricultura comercial e, muito menos, irrigada. Daí o viés assistencialista e fortemente dirigista da ação governamental, ademais de predominantemente centrada nos aspetos de engenharia dos projetos e suas obras. b) Uma segunda fase, quando se evoluiu para a admissão, além dos pequenos agricultores, de outras categorias de irrigantes nos projetos – de pequenos, de médios e grandes empresários – e, sobretudo, para o processo interno de transferência planejada, inicialmente da operação e manutenção de suas infra-estruturas de uso comum, para as organizações de irrigantes, quando também se transitou de uma atenção exclusiva aos assuntos e problemas relacionados estritamente à engenharia de obras, para um espectro mais amplo, com foco na promoção da agricultura Irrigada, como força motriz do desenvolvimento da região, onde os projetos foram instalados (como exemplo, os perímetros de res150 ponsabilidade da CODEVASF, na região Petrolina/Juazeiro e norte de Minas). Assim, a agência governamental, agora de mãos dadas com as organizações, com outras instituições públicas, entidades representativas dos agricultores e o apoio do Banco do Nordeste (na área de crédito e capacitação gerencial), intensificam outras ações voltadas para o aperfeiçoamento das práticas agrícolas e comerciais dos agricultoresirrigantes, tais como a complementação, reabilitação e modernização dos esquemas de irrigação; drenagem dos projetos e mesmo sua ampliação; a provisão de assistência técnica e extensão rural, através de empresas privadas contratadas; crédito rural (através de agentes financeiros oficiais). Além da continuidade à seleção e assentamento de futuros irrigantes, nas novas áreas incorporadas, desenvolvem também outras ações, de cunho horizontal, buscando maior envolvimento e coordenação de outras instâncias governamentais, inclusive estaduais e municipais, para a oferta de bens públicos essenciais ao bem-estar das famílias assentadas, mas também cruciais para a criação de externalidades que confiram vantagem competitiva, dinâmica e sustentável aos pólos de irrigação. Nesta fase, portanto, predominam os esforços conjuntos de assistência técnica e financeira e de mobilização interinstitucional na capacitação e fortalecimento dos produtores irrigantes e de suas organizações, para assumirem todas as decisões relacionadas não só à agricultura irrigada, mas também a atividade econômica ou negócio principal nos pólos, como o processo de gestão dos projetos de irrigação e suas interações (de natureza política, social e econômica) com o ambiente externo, como forma mais proativa de desempenharem papel mais saliente no processo mais abrangente de promoção do desenvolvimento regional. É dessa fase o surgimento de associações de produtores, a criação espontânea ou o maior envolvimento de cooperativas agrícolas de produção na comercialização de insumos e produtos e de crédito, na intermediação financeira, como a FRUCOOP, a Cooperativa dos Produtores de Janaúba (COOPERJANA), a 151 CREDIVAG, a Cooperativa Agrícola de Juazeiro (CAJ) e a COOPEFRUTA, buscando inclusive exorcizar uma história de insucesso, com a criação induzida, de cima para baixo e fortemente assistencialista, de tais organizações, em projetos públicos de irrigação no semi-árido brasileiro. Também emergem formas mais avançadas de representação e mobilização da classe de produtores irrigantes como a Associação Central dos Fruticultores do Norte de Minas (ABANORTE) com a missão de “promover a fruticultura qualificada do Norte de Minas, através do fortalecimento do Associativismo e a articulação dos interesses público e privado, objetivando o desenvolvimento sócio-econômico da região”, VALEXPORT (Petrolina/Juazeiro), no processo de divulgação, caracterização de qualidade dos produtos do Vale do São Francisco etc. c) finalmente, uma terceira fase, em curso, na qual a agência governamental liberando-se do dia-a-dia dos projetos de irrigação, nos perímetros públicos (na medida em que participa apenas do Conselho de Administração dos Distritos de Irrigação, ainda assim com direito a veto, mas sem voto), aplica sua expertise, tempo e capacidade empreendedora, na identificação e promoção de novos projetos de irrigação na região do Nordeste brasileiro (inclusive nos atuais pólos de irrigação), sem prejuízo de continuar emprestando-lhes, e a seus projetos constituintes e a suas organizações, apoio técnico, financeiro e político, fundamentais a sua efetiva consolidação. Vencidas as naturais resistências e dificuldades nos processos de transferência de responsabilidade, na operação e manutenção da infra-estrutura coletiva dos perímetros irrigados e da conseqüente devolução de poder aos usuários da água, em cada projeto de irrigação, esta etapa sinaliza o limiar de uma nova forma de atuação do setor público na irrigação, sobretudo no Nordeste brasileiro. Segundo a nova forma, as agências governamentais, de atuação regional e setorial, operariam como Sopros (promotora do empreendimento e mobilizadora de novas fontes de recursos financeiros), ou como gerenciadoras globais das grandes obras de infra-estrutura comum, nos novos projetos de irrigação, por elas identificados. Para tanto, envolveriam mais amplamente o 152 setor privado em todas as fases do processo decisório e nos investimentos necessários à sua viabilização. 3.3.10 - Pós-colheita, distribuição e mercado70 Nos seis pólos estudados, as principais cadeias produtivas são de frutas irrigadas. A possibilidade de ganhos mais elevados com o cultivo irrigado, principalmente com culturas de maior valor agregado como as frutas, está estimulando a reconversão produtiva em muitos pólos que até então continuavam a produzir grãos (caso, por exemplo, do Pólo do Baixo Jaguaribe). Entretanto, mudar a exploração da cultura não é suficiente para garantir maior margem de lucro ao produtor. Para produtos perecíveis, como os hortifrutigranjeiros, a inexistência ou mau funcionamento da cadeia pode representar custos ao produtor. Essa deficiência na organização ocorre principalmente com os pequenos produtores. Estes são tomadores de preço e se sujeitam a qualquer preço, principalmente quando se trata de produto perecível. Se a venda não for realizada no dia pode representar a perda total do valor do produto. No caso dos maiores produtores ou empresários rurais, a organização em torno de cooperativas de comercialização confere maior poder de mercado. Cooperativas com packing houses conseguem ainda agregar mais valor ao produto com a padronização. Alguns produtos como a uva, no Pólo de Petrolina/Juazeiro, ou o café irrigado, no Pólo Oeste Baiano, já têm uma cadeia bem organizada, com estratégias de prospecção, inserção e consolidação de mercados. Discute-se muito nos pólos a atuação de empresas-âncora como possível suporte na solução dos problemas de organização da comercialização, principalmente para melhorar o controle de qualidade e a introdução de uma distribuição eficiente. A empresalíder seria uma forma de criar interdependência da produção e da agroindústria com destino à exportação regional ou nacional. A não 70 Este segmento baseou-se em coletas de campo, entrevistas e seminários realizados pela equipe técnica do Consórcio e em dados obtidos junto ao Banco do Nordeste. Outras fontes estão explicitadas ao longo do texto. 153 ser através de algumas cooperativas, os produtores, em geral, não adotam estratégias de mercado para a inserção de seus produtos. Alguns deles, de maior porte, pagam a consultorias especializadas em informações e orientação sobre o seu negócio. Em vez de consultorias, muitos acabam contratando um agente negociador que comercializa a produção por conta própria em outros estados. Estrangulamento da cadeia: insumos de produção, crédito e logística pós-colheita O negócio de irrigação pode estar comprometido também por uma série de gargalos encontrados ao longo da cadeia. No caso da água, insumo essencial à cultura irrigada, a regularidade no fornecimento chega a ser precária em alguns pólos. O problema decorre, na maioria das vezes, da falta de manutenção na infra-estrutura comum de irrigação e do não-funcionamento dos mecanismos de recuperação de investimentos. O fornecimento de insumos básicos à produção não parece problema na maioria dos pólos, já que as principais empresas do ramo de insumos químicos têm representantes ou mesmo fábricas instaladas localmente. Crédito é outro item importante na expansão da atividade irrigada. Na fruticultura, por exemplo, a implantação custa entre US$ 8 mil e US$ 10 mil/ha. Entretanto, a experiência nos perímetros irrigados demonstra um seletivo processo de concessão do crédito rural, através de garantias, limites, custos de transação, entre outros. O tempo de liberação, o timing da liberação e o processo de preenchimento de formulários (nem sempre simplificados) também são freqüentemente citados como problemas na obtenção de crédito. A pequena ou quase inexpressiva participação de agentes financeiros privados na oferta de crédito é, muitas vezes, justificada pela baixa qualidade dos portfólios, alta desistência de clientes, dificuldade na aplicação de contratos e inabilidade na gestão de custos. 154 Outros fatores impeditivos e obstáculos A dinamização do negócio da irrigação depende, muitas vezes, de mais fatores que disponibilidade de crédito, insumos, ou condições de infra-estrutura para a comercialização. As técnicas de produção e comercialização exigem elevados níveis de educação e conhecimento técnico, o que torna o processo o mais das vezes inacessível aos produtores mais pobres. O retorno dos investimentos em educação não é imediato. Por isso, observa-se, com freqüência, um movimento de êxodo da primeira geração com maior nível de educação, em busca de oportunidades de trabalho fora do meio rural. Mecanismos de geração de empregos no campo, não necessariamente agrícolas, seriam importantes instrumentos para a fixação da mão-de-obra mais qualificada na região. Falta a muitos dos produtores uma visão mais empresarial. Em conseqüência do desenvolvimento dos pólos de irrigação, há um fluxo migratório das populações vizinhas para as principais cidades. Esses migrantes instalam-se precariamente nas cercanias das cidades e, eventualmente, são absorvidos durante a safra agrícola. O uso da irrigação em grandes áreas contínuas tem gerado externalidades ao meio ambiente. Estas devem ser levadas em conta para a sustentabilidade da atividade. Quando não utilizada racionalmente, acarreta graves problemas de salinização do solo, contaminação de recursos hídricos e escassez de água para consumo. Presença ou plano de instalação de grandes empresas no pólo A presença ou plano de instalação de grandes empresas, indústrias ou agroprocessadoras é, sem dúvida, um fator determinante para a dinamização do negócio de irrigação nos pólos estudados. A agricultura irrigada tem por si só um impacto no desenvolvimento de setores não-agrícolas da economia (comércio, serviços, transportes, produção industrial de insumos e máquinas agrícolas). Assegurar condições para a geração desse tipo de atividade não-agrícola é fundamental para que o desenvolvimento do Pólo seja sustentado. 155 A implantação de agroindústrias, além de agregar valor aos produtos oriundos do pólo, cria empregos permanentes no campo e interioriza o desenvolvimento. Novos produtos como indutores de demanda Existe no mercado internacional demanda potencial para frutas exóticas, como graviola, goiaba, entre outras. Entretanto, uma ação de marketing se faz necessária para abrir os canais de escoamento da produção tanto para o mercado interno como externo. No caso do Pólo Petrolina/Juazeiro, a produção de uva sem sementes é uma estratégia que vem sendo adotada por produtores locais para melhor inserção no mercado internacional. 3.3.10.1 - Pólo Norte de Minas De acordo com o nível do produtor (empresário rural ou pequeno produtor), diferentes estratégias de prospecção e inserção de mercados são encontradas. Com os pequenos, a identificação de compradores se faz somente após o plantio, ou seja, não há prospecção de mercado. Tratando-se de produtos perecíveis, como frutas e hortaliças, a não-realização de uma venda representa grande prejuízo. Para o pequeno produtor, restam três caminhos para a comercialização: o primeiro, através de um intermediador, que oferece embalagem e transporte para buscar na sua propriedade o produto; o segundo, levar o produto à CEASA de Belo Horizonte e tentar a negociação na “pedra”, estando sujeito à venda por qualquer preço; a terceira opção é vincular-se a uma cooperativa ou associação, a intermediadora local, que supostamente oferecerá melhores preços e contatos para a comunidade. Atualmente não existem contratos de longo prazo. O risco de celebrar um contrato desse tipo para frutas é muito alto, demandando, em contrapartida, formas avançadas de organização. O produtor não pode determinar o preço porque tem um produto perecível. De fato, ele “recebe” o preço que lhe pagam e tem pouco poder de negociação. Já os grandes produtores contam com estratégias de inserção de mercado, têm acesso à informação e demonstram alta 156 capacidade empresarial nos programas de irrigação. Existem alguns grupos mais organizados em forma de cooperativas ou associações. A Cooperativa dos Produtores de Janaúba (COOPERJANA), por exemplo, tem 30 associados que possuem packing houses e já entregam o produto embalado à câmara de resfriamento na cooperativa. Existe um processo de registro de marca própria. A Associação dos Bananicultores e Fruticultores do Norte de Minas (ABANORTE)71, em parceria com o SEBRAE, está promovendo estudos de prospecção de mercado, executados pelo Setor Estratégico para Exportação (SETEX). As cooperativas vêm investindo também na diferenciação dos produtos, através da identificação do produto pelo nome do produtor, na embalagem. Estrangulamento da cadeia: insumos de produção e logística póscolheita São fatores restritivos do Pólo Norte de Minas: mau estado de conservação da malha viária municipal e estadual, principalmente da estrada Jaíba à área empresarial C2; falta de interligação com rodovias federais e acesso a portos e aeroportos (ligação da produção aos centros consumidores); ferrovias insuficientes e em precárias condições; deficiente infra-estrutura de transporte refrigerado para frutas; inadequado sistema de transporte aeroviário (Janaúba conta com um aeroporto para pequenas aeronaves, enquanto o aeroporto de Confins fica muito distante, inviabilizando a modalidade de transporte); pós-colheita e carga/descarga inadequadas; ausência de estrutura de frios para armazenagem. A deficiência encontrada na estrutura de comercialização do Pólo é também em parte explicada pelo baixo nível de organização dos produtores. Com isso, falta informação sobre mercados, padronização de produtos e regras de embalagem. O desconhecimento dos agentes, de linhas de financiamento para a montagem de empreendimentos-líderes, com controle da cadeia pro71 Criada em 1993, conta com 12 entidades associadas. Não existem produtores associados diretamente; estes tornam-se membros através de sua associação ou cooperativa. A associação tem 2.217 cooperados, sendo 1.500 voltados para a fruticultura. 157 dutiva/comercial, coloca os produtores em posição desfavorável diante dos intermediadores. O alto valor agregado que poderiam obter decorrente da produção de frutas é, em parte, dissipado ao longo da cadeia. A expansão da área de plantio da banana no Pólo não foi acompanhada por um grande esforço para dominar a estrutura da logística e comercialização. Como resultado, a demanda interna não tem sido suficiente para absorver a oferta, resultando em preços baixos, comprimindo as margens dos produtores. O desenvolvimento de agroindústrias na região seria com certeza um caminho em direção à dinamização do Pólo. Entretanto, faltam estudos que identifiquem o tipo de indústria a ser instalada, bem como disponibilidade de financiamento e divulgação para sua instalação. Outros fatores impeditivos, obstáculos e soluções bem-sucedidas • Meio ambiente A barragem do “Bico da Pedra”, no rio Gorutuba, é um caso decorrente dos problemas ambientais que as atividades irrigadas podem gerar quando não utilizadas de forma racional ou mal utilizadas. São apontados problemas de contaminação e de uso excessivo da água. • Educação e treinamento técnico Em geral, pequenos produtores assentados não têm conhecimento técnico suficiente sobre manejo de irrigação, controle biológico de pragas ou qualidade na pós-colheita. Como resultado, surgem problemas de falta de qualidade e de padronização. No caso do Projeto Jaíba, com 1.300 produtores, o nível de escolaridade é muito baixo: 90% deles são semi-analfabetos. Dos 10 mil habitantes, 3.500 são crianças e adolescentes. Presença ou plano de instalação de grandes empresas no Pólo Durante as entrevistas, não foi identificada presença ou plano de instalação de grandes empresas no Pólo. Há poucas agroindústrias na região. Uma das maiores ali instaladas, além de 158 doces, produz extrato de tomate. A criação de um fórum permanente de planejamento regional e de um grupo gerenciador nas definições de tipos de agroindústrias para a região seria fundamental à instalação das indústrias. 3.3.10.2 - Pólo Oeste Baiano Assim como no norte de Minas, os produtores de maior porte ou empresários rurais normalmente se encontram mais bem organizados que os pequenos produtores. A produção dos pequenos produtores assentados não envolve compromisso ou contrato, restando apenas três alternativas: intermediador, “pedra” (CEASA), ou uma intermediadora local, que, supostamente, oferecerá melhores preços e contatos para a comunidade. Atualmente não existem contratos de longo prazo. O risco de celebrar um contrato desses para frutas é muito alto, pressupondo formas avançadas de organização. O produtor não pode determinar o preço porque tem um produto perecível. De fato, ele “recebe” o preço que lhe pagam e tem pouco poder de negociação. Há possibilidades de se conseguirem contratos com limão e mamão, culturas mais regulares no ano. No entanto, ainda não existe sincronismo e revezamento na produção para atender à demanda. Observa-se certo dinamismo nas formas associativas e de organização dos produtores. A Cooperativa dos Fruticultores do Oeste da Bahia (COOFRUTOESTE) tem um projeto de R$ 2 milhões para a construção de uma packing house. O empreendimento ajudaria na melhoria da conservação dos produtos e, conseqüentemente, na negociação dos preços. Ao lado da fruticultura irrigada, desponta uma das mais promissoras áreas para a cafeicultura no País. A região de Barreiras, no Pólo Oeste Baiano, conta atualmente com cerca de 5 mil hectares de pés de café, boa parte irrigada. A produtividade é uma das mais altas do País, cerca de 65 sacas/ha no sistema aberto e 120 sacas/ha no sistema adensado. Além das condições edafoclimáticas propícias ao cultivo da rubiácea (topografia plana, ciclos sem muitas chuvas, floradas 159 sem geadas e colheita livre de chuvas torrenciais), a região conta com um grupo de produtores organizados e inovadores que pretendem investir em qualidade e criar marca própria. Isto, através da Associação de Cafeicultores do Cerrado (CACCER), que já reúne 3.500 associados. A expansão da cafeicultura no Estado da Bahia conta com uma linha de financiamento com recursos da ordem de R$ 70 milhões, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico Social (BNDES) e do Financiamento do Nordeste (FNE), repassados pelo Banco do Nordeste. Estrangulamento da cadeia: insumos de produção e logística póscolheita A região conta com representação das principais indústrias de insumos: fábrica de ração e sal mineral, fábrica de fertilizantes, quatro “mineradoras” de calcário, além da Cargill e Ceval como fornecedoras de sementes melhoradas de soja e milho. Em termos de pontos de estrangulamento logístico, notase que não existem caminhões frigorificados. Tem-se de utilizar lonas térmicas em caminhões com frete de retorno do Nordeste para o Sudeste. Os problemas na fase da pós-colheita se refletem na perda de margens que poderiam ser internalizadas pelos produtores. Segundo estudos, a perda do produtor na fruticultura irrigada fica entre 15 e 20%. Faltam às associações e cooperativas, tanques de tratamento das frutas (manga). A “segunda pele”, um película sobreposta às embalagens das frutas nas packing houses, garante 20 dias de durabilidade à fruta, que normalmente seria de cinco dias. No Pólo são também relatados problemas com crédito rural, referentes à disponibilidade e limite, tempo de liberação de crédito e custos de transação. 160 Outros fatores impeditivos No distrito de São Desidério, o êxodo dos filhos dos colonos é visto como considerável perda do mais qualificado capital humano para a condução das áreas irrigadas. A potencialidade dos projetos de irrigação torna-se vulnerável, entre outros fatores, diante da falta de capacitação gerencial e técnica dos indivíduos envolvidos direta ou indiretamente com a produção. O custo fixo é muito alto para que exista risco gerencial na execução destes tipos de programas. Presença ou plano de instalação de grandes empresas no Pólo Existe no Pólo um complexo agroindustrial implantado e em ampliação. Na região de Barreiras, além de pequenas agroindústrias de beneficiamento e processamento, como água de coco congelada, farinha de arroz e milho, há unidades instaladas de grandes agroindústrias nacionais, como a Companhia Santista e a Ceval. 3.3.10.3 - Pólo Petrolina/Juazeiro Alguns fatores positivos devem ser ressaltados quanto à potencialidade e viabilidade do negócio irrigação no Pólo: abundância de mão-de-obra, disponibilidade de terras e água de boa qualidade, condições edafoclimáticas apropriadas, existência de infra-estrutura de exploração (oriunda de investimentos públicos). Há previsão de instalação de um distrito de exportação de frutas. Este distrito contará com packing house, câmara fria, fábrica de embalagens, fábrica de pellets, oficinas, beneficiamento e processamento de frutas, terminal ferroviário, terminal de containers, restaurantes, alfândega e despachante. A CODEVASF oferecerá infra-estrutura básica (água, luz e sistema viário), mas caberá à iniciativa privada as obras das demais instalações. No Pólo encontram-se diversas formas de organização de produtores e outras estruturas associativas. Podem-se citar duas grandes cooperativas: a Agrícola Mista do Projeto de Irrigação de Bebedouro (CAMPIB) e a Agrícola de Juazeiro (CAJ). Existem duas associações: a VALEXPORT e a AGROALIANÇA. Vinculadas à VALEXPORT estão a Câmara de Uva e a Brasilian Grapes Marketing Board (BGMB). 161 Destaca-se no Pólo a produção de uva, manga e coco; mas existem outras 47 culturas irrigadas. A produção de grãos e outras culturas temporárias é destinada ao mercado interno e processamento agroindustrial, e.g., feijão, tomate industrial e de mesa, pimentão, melancia, melão e abóbora. Identificou-se, também nesse Pólo, dualidade no segmento de organização da produção e comercialização dos produtores. No caso dos pequenos, é patente a falta de capacitação empresarial. Tratando-se dos empresários rurais, não é necessária a distinção por área. Observa-se um movimento no sentido de maior organização, como, por exemplo, a utilização de empresas-âncora no segmento da comercialização e a existência de formas associativas como a Valexport. A VALEXPORT representa uma entidade de classe que congrega cooperativas e associações de produtores. Existe há 10 anos e afirma ter planos estratégicos e estudos de demanda. Segundo seu superintendente, são destinados por ano R$ 3 milhões a pesquisas em conjunto com a EMBRAPA, universidades e CNPq. Uma feira anual ocorre entre os meses de setembro e outubro para divulgação e exposição de novas tecnologias e comercialização das frutas. Estão filiados à VALEXPORT grupos como a Cooperativa Agrícola de Juazeiro (CAJ), o Grupo Carrefour, o Grupo Queiroz Galvão e grandes produtores, em forma de associações. A Valexport é uma associada do IBRAF. Ela realiza planejamento de marketing há três anos e concluiu que: o melão será substituído por outras variedades; a uva deve ser produzida sem semente para exportação; a manga demonstra grande potencial de consumo para exportação, através de propaganda; o mamão é a fruta que tem o maior percentual de crescimento nas exportações. Existe alguma sinalização de organização do mercado pelo Sistema Integrado de Comercialização (SIC-Vale), que deverá funcionar como bolsa eletrônica. Atualmente, o projeto está em fase de treinamento de pessoal. Haverá uma espécie de leilão, com padrões de classificação. A VALEXPORT está montando com a EMBRAPA um programa de certificação de produtores para exportação. Foi planejada a criação de um selo de garantia do produto. 162 A CAJ é uma das poucas organizações com logomarca própria. Segundo seu presidente, embora tenha poucos cooperados (cerca de 40), o objetivo é alcançar 50 produtores que vendam produtos de qualidade. O maior problema para a cooperativa é a falta de padronização. Os produtores desejam receber os mesmos preços para produtos com qualidade inferior aos que a cooperativa comercializa. Há um rigor na recepção dos produtos porque a cooperativa tem alguns clientes regulares em São Paulo e Porto Alegre, que são mercados muito exigentes. Para manter um certo padrão de qualidade, a CAJ dispõe de câmaras de resfriamento e investe em embalagens para seus produtos. Atualmente, a Cooperativa Mista do Projeto de Irrigação de Bebedouro (CAMPIB) tem a função apenas da comercializar os produtos. Antes de Bebedouro tornar-se distrito, a cooperativa atuava até com assistência técnica. As cooperativas têm receio de concentrar as vendas em somente um cliente no país e este falir. Por segurança, recorrem à Serasa Centralização de Serviços dos Bancos S.A.72 e buscam informações sobre a capacidade de pagamento. A regularidade dos clientes é mais comum em Porto Alegre. No entanto, fazem entrega em São Paulo e Belém. No Nordeste, as vendas são realizadas à rede de supermercados Bom Preço. Mas não existem contratos de longo prazo. Há relações entre os segmentos para exportação, realizadas por intermediação: As cooperativas reúnem a produção. Existem duas intermediadoras (INTERFRUTA e EBRAZ) que têm galpão e packing houses. Estas mantêm contatos internacionais e comercializam com o Canadá, a Inglaterra e Portugal. O universo dos produtores de uva de mesa do Nordeste não é homogêneo. Os pequenos produtores dos projetos públicos de irrigação representam cerca de 70% dos produtores de uva, embora detenham apenas 17% da área cultivada. A maior parte da produção está concentrada nos estabelecimentos dos médios 72 A Serasa é uma empresa de análises e informações econômico-financeiras e cadastrais de apoio de decisões de crédito e negócios. Foi criada em 1968 pelos bancos para centralizar as informações. 163 e grandes produtores e nas empresas agrícolas instaladas nos projetos públicos ou nas propriedades privadas situadas nas proximidades do rio São Francisco. A presença de diversos tipos de produtores se reflete em diferentes formas produtivas, de comercialização e de mercados finais para a uva, que têm, também, por reflexo, uma diversidade de demandas em relação à pesquisa. Essas estratégias variam, entre outros fatores, conforme a forma de comercialização, a relação entre custo e qualidade da uva produzida e o tamanho do estabelecimento. Existem estratégias voltadas para as épocas de melhores preços nos mercados, de produção contínua, de colocação do produto no mercado externo em conjunto (reduzir custos e garantir volume mínimo a ser exportado), redução da produtividade em troca de qualidade do produto. As unidades produtivas de grande porte geralmente têm pouca flexibilidade organizacional, gerando dificuldades no monitoramento e controle dos parreirais, enquanto as unidades de produção de menor porte, com gerenciamento e supervisão diretos por proprietários profissionalizados, têm maior agilidade na resolução de problemas e obtêm bons resultados em termos de qualidade e preço de venda. A uva produzida é escoada em direção a quatro tipos de mercados, diferenciados tanto pelo destino final do produto, como pelo volume, qualidade e forma de organização dos atores da distribuição. O mercado local, representado pelas cidades do sertão de Pernambuco, Bahia e Piauí, ao redor da zona de produção, recebe 7% da produção do Pólo. Ao mercado regional, que compreende as cidades de pequeno, médio e grande portes, inclusive capitais dos estados do Nordeste, com extensão para o norte do País, são destinados 56% da produção. Para o mercado extraregional ou nacional, estando os maiores centros consumidores do Brasil localizados na região Sudeste, vão 32% da produção. E, ao mercado de exportação, que funciona nas entressafras dos países competidores ou da produção dos países importadores, destinam-se 5% da produção. 164 O mercado externo, embora represente pouco em termos da produção, tem um significado importante para a uva da região. As exportações normalmente são realizadas em dois períodos do ano, abril-junho, com um terço do volume comercializado, e outubro-dezembro, com os dois terços restantes. Em 1996, as exportações brasileiras de uva-de-mesa totalizaram 4,5 mil toneladas, movimentando US$ 6,3 milhões. A região do submédio São Francisco (Petrolina-PE e Juazeiro-BA) respondeu, nesse ano, por aproximadamente 75 % dessas exportações. Os produtores comercializam principalmente através de dois agentes de negócio: atacadistas e cooperativas. Mas a cadeia de comercialização da uva envolve outras organizações de intermediação, que estão ganhando importância na região, tais como os supermercados e as empresas de trading, que realizam compras e estabelecem contratos de parceria ou alianças com atacadistas e as cooperativas. Em termos de pontos de estrangulamento logístico, notase que não existem caminhões frigorificados. Utilizam-se lonas térmicas e caminhões com frete de retorno no Nordeste para o Sudeste. O governo inaugurou uma câmara de resfriamento no aeroporto, avaliada em R$ 2 milhões, para que as exportações fossem realizadas por aviões. Entretanto, de acordo com informações das cooperativas, acredita-se que menos de 1% do total exportado tenha sido realizado por via aérea. A câmara está-se deteriorando no aeroporto pela falta de uso e por não competir com o frete rodoviário ou portuário. No caso das cooperativas, os maiores problemas enfrentados são: excesso de manuseio e ausência de plataformas para descarregamento. • Problemas Sociais e Segurança no Campo Um grave entrave para o desenvolvimento do Pólo são os problemas sociais. Com o seu desenvolvimento, o Pólo vem atraindo populações de áreas vizinhas que se instalam precariamente nos arredores das cidades e são absorvidas durante a safra ou em atividades urbanas não-qualificadas. Os níveis de violência urbana 165 são altos. A ação de narcotraficantes gera uma linha de instabilidade, inclusive no campo, onde ervas psicotrópicas são cultivadas. Junto aos sem-terra, ainda existe a pressão por reforma agrária. Presença ou plano de instalação de grandes empresas no pólo No Pólo há fábricas de beneficiamento de tomate, usinas de açúcar, vinícolas, fábricas de sabão e massas alimentares. 3.3.10.4 - Pólo Baixo Jaguaribe Detentores de diversificada base de recursos naturais em face da variabilidade de relevo, constituído por base geográfica com serra, vale com aluviões, tabuleiros altos e área de sertão, os municípios deste Pólo se especializaram em diversas atividades. Identificam-se como principais cadeias produtivas a cultura do arroz, a fruticultura e a pecuária leiteira. No Projeto Morada Nova, a principal atividade produtiva está centrada no plantio de arroz. Há indício de mudança para a fruticultura, destacando-se a banana e acerola. No Projeto Jaguaribe/Apodi, o plantio é mais diversificado, visto que foi concebido de forma mais moderna, com vários métodos de irrigação. Na área coberta por pivôs centrais se cultivam algodão, feijão, milho, tomate e melancia. Na área de irrigação localizada, a produção está centrada em melão, melancia, mamão e tomate. O Projeto Tabuleiros de Russas, em fase de conclusão, devendo iniciar os assentamentos em 2000, é uma área propícia aos plantios com fruticultura e olericultura por apresentar solos profundos e de textura média. Em termos de áreas plantadas pela iniciativa privada em todo o baixo vale sobressaem as culturas de banana, melão, coco, manga, acerola e início de produção das culturas de uva, graviola e goiaba. Quanto ao processamento dos produtos por agroindústrias, existe uma concentração naquelas que beneficiam o arroz, por ser a atividade produtiva mais antiga. No momento, algumas peque- 166 nas agroindústrias estão sendo instaladas na região como as processadoras de frutas de polpa e as de doce. Outra atividade promissora na região é o turismo, principalmente nos municípios de Icapuí e Aracati. O Pólo usufrui da vantagem de proximidade com centros consumidores (relação de proximidade e eqüidistância de centros consumidores). Em contrapartida, observa-se não haver culturas cuja cadeia esteja organizada logisticamente até a venda final, com exceção de produtos hortícolas. Alega-se que a escala ainda não justifica os investimentos em um sistema logístico mais bem concebido e organizado. Mas esta é uma contradição, pois a proximidade induziria a uma organização logística muito melhor em relação à que hoje existe no Pólo. Estrangulamento da cadeia: insumos de produção, crédito e logística pós-colheita Foi constatado no Pólo que não há garantia de fornecimento de água. Muitos potenciais investidores privados temem alocar recursos em projetos de irrigação na região por saberem que existem problemas de gestão dos recursos hídricos. Estima-se que a construção do açude Castanhão deverá resolver boa parte desse problema. O Orós comporta hoje 1,8 bilhão de metros cúbicos, o Castanhão será de 11 bilhões de metros cúbicos, aumentando a oferta e a continuidade de água para a irrigação. Não existem packing houses e tradings na região, assim como não há qualquer tipo de beneficiamento da produção póscolheita. Na fase de pós-colheita, os principais fatores impeditivos são o manuseio indevido durante e após a colheita dos produtos e a inexistência de acondicionamento adequado, o que acelera o processo de perecibilidade dos produtos hortícolas. Isto faz com que os produtores sejam forçados a vender imediatamente ao preço dado pelos atravessadores. Esta prática é conhecida como “compra alternativa ao lixo”. O que se propõe como solução é a conscientização sobre o tratamento da produção, através de treinamentos do Cetec, e incentivar a instalação de packing houses 167 nas propriedades de maior porte e/ou para atender a condomínios de pequenos produtores. Na fase de comercialização, os obstáculos ou fatores impeditivos procedem do mau gerenciamento das cooperativas, que, por vários anos, as colocou numa situação deficitária. Hoje, elas não conseguem mais cumprir suas atividades comerciais como representantes dos pequenos produtores, que sofrem com a falta de escala e, portanto, falta de poder de barganha. Não há agroindústrias capazes de explorar o potencial produtivo dos produtores. As poucas presentes se limitam a fábricas de doce e de polpa de fruta, que são de pequeno porte. A produção agrícola da região em sua grande parte se destina diretamente aos supermercados da capital do Estado do Ceará, para a CEASA ou são comercializadas livremente no mercado local. Apesar de desfrutar da vantagem de proximidade dos grandes centros consumidores, a região do Baixo Jaguaribe sofre as deficiências da parte rodoviária, principalmente nos aspectos de melhorias das estradas existentes, de construção das estradas vicinais e da interligação asfáltica do Pólo com a cidade de Mossoró (RN). Também são precários os serviços de energia elétrica em toda a área, telefonia, armazenagem, packing houses, câmaras frias e os relacionados com qualidade de vida e progresso social, como escolas, abastecimento de água, esgotamento sanitário e tratamento de resíduos líquidos e sólidos. Especificamente, podem-se citar outros fatores impeditivos à organização produtiva que dizem respeito a: • Capacitação, gestão e organização dos produtores Quanto à gestão e à organização, o Pólo ainda tem muito a evoluir, apesar das experiências de longos anos. Os modelos de gestão e organização implantados, baseados em cooperativas e associações, têm caducado por falta da prática de treinamento constante de mão-de-obra, nos aspectos técnicos e gerenciais, e de uma definição clara de competências entre os diversos atores. 168 No que concerne à organização da cadeia produtiva propriamente dita, observa-se que o único segmento existente e atuante é a produção. As instituições de pesquisa, públicas e privadas, têm-se mostrado pouco eficazes nas suas propostas de ação. Quando muito, produzem conhecimentos inaplicáveis ao lugar. Inexistem vinculações a jusante e a montante da produção, e os canais de ligação com o mercado são frágeis. Um aspecto inovador diz respeito à administração do perímetro irrigado, na Chapada do Apodi, pelos produtores através da Univale. A Univale é uma representação da classe que tem crescido em importância na região. O papel desta associação é organizar a gestão coletiva do perímetro irrigado, aumentar o poder dos produtores nas negociações no mercado e servir como meio para participação da discussão do desenvolvimento econômico e social da região. • Promoções e comercialização Embora os estudos indiquem que há demanda franca para quase todos os produtos, o fato de os produtores plantarem sem sinalizações adequadas de mercado, sem o conhecimento dos canais de distribuição e sem a percepção da sofisticada dinâmica que os envolve, tem gerado sérios transtornos na etapa de comercialização. • Agroindústria Verifica-se a necessidade de um trabalho mais forte de promoção e atração de investimentos privados para o fortalecimento deste segmento, no sentido de viabilizar o estreitamento das relações entre agroindústria e produtor e não somente incorporar insumos tecnológicos. A parceria entre estes agentes promoveria o proveito mútuo de economias de escala e escopo proporcionados pelos processos de integração vertical e horizontal. Além disso, permitiria a criação de um mercado adicional para os produtos oriundos da agricultura irrigada e a interiorização do desenvolvimento econômico. 169 • Financeira Os recursos financeiros internos estão escassos; por isso, busca-se uma forma de atrair investidores internacionais, mas ainda não se sabe como. É preciso criar uma fonte geradora de renda na região, voltada para a própria região. A solução prevista pelo gerente seria dotar o Pólo de infra-estrutura de base no fornecimento de água, através da construção do novo açude e do gerenciamento dos recursos hídricos pela secretaria competente. O treinamento e a capacitação técnica e gerencial dos produtores caberiam a instituições de ensino, pesquisa e extensão, privadas e públicas, bem como ao Banco do Nordeste, que é o principal provedor de recursos financeiros aos projetos de irrigação. Presença ou plano de instalação de grandes empresas no Pólo Com a criação do Sindicato dos Produtores de Frutas do Estado do Ceará (Sindifruta), pretende-se implantar uma fazenda demonstrativa para 15 culturas frutíferas como referência tecnológica para incentivar a implantação de novos projetos e atrair investidores para a região. No Projeto Jaguaribe/Apodi, os 15 lotes serão cultivados com as seguintes fruteiras: coco, abacaxi, maracujá, banana, graviola, ata, uva, mamão, sapoti, cajá, manga, caju, limão. Também constarão dois módulos: um com hortaliças e outro com flores, culturas bastante intensivas e de alto retorno econômico. A implantação deste projeto surgiu da constatação de que uma forte causa de insucesso nos projetos públicos de irrigação é que todos os assentados só exploram culturas de subsistência, por absoluto desconhecimento de outras tecnologias, dada a pouca tradição em fruticultura irrigada nesta região73. 73 Este Modelo de Áreas Demonstrativas foi viabilizado com recursos do Programa de Apoio e Desenvolvimento da Fruticultura Irrigada do Nordeste (PADFIN), pelo Ministério da Agricultura e do Abastecimento e com o apoio do Governo do Estado do Ceará e DNOCS. A implantação da Área Demonstrativa no Projeto Jaguaribe/Apodi será feita em parceria com produtores da região, supervisionada por uma entidade sem fins lucrativos, criada especialmente para implantar, administrar e coordenar todas as ações necessárias à aquisição de insumos e serviços necessários à implantação da área, e definidos pelos consultores específicos para 170 O projeto será um ponto de referência na difusão das melhores tecnologias utilizadas no País, colocado à disposição dos produtores da região. Será uma base para entidades de pesquisas, capacitação, centros tecnológicos e universidades desenvolverem estudos, teses e aulas práticas. Visa, ainda, apoiar o governo do Estado do Ceará na captação de investidores para o setor, disponibilizando dados reais de custo e receitas e o desempenho de campo, alcançado por cada um dos cultivares, dentro do perímetro irrigado. Novos produtos como indutores de demanda Os projetos de desenvolvimentos do Pólo de Jaguaribe também contam com uma proposta de produtos diferenciados demandantes de novos projetos, entre eles a agricultura orgânica (café, caju, acerola) e frutas exóticas, como cajá e cirigüela. O Banco do Nordeste tem realizado seminários como forma de atração de empresas estrangeiras para produzir culturas orgânicas na região e exportar para a União Européia – esta, sim, um grande mercado promissor, cuja produção induzirá novas demandas que hoje não são atendidas. Prevê-se a definição de metas de produção, certificação de origem e controle fitossanitário dos pomares. Futuramente, está prevista a desativação da produção de goiaba (atrai pragas, moscas). Entretanto, a definição das iniciativas a serem adotadas não tem contrapartida nas ações por parte dos irrigantes. Para a exportação, os principais requisitos são a defesa sanitária e a certificação de qualidade, ainda muito precárias e que dependem de capacitação, treinamento e educação dos irrigantes. cada cultura, o Instituto de Desenvolvimento da Fruticultura e Agroindústria (Frutal). Estão previstos acordos com universidades, institutos de pesquisa e de extensão, que visam à realização de trabalhos conjuntos e à formação de técnicos, oferta de estágios e base física de pesquisas e teses. Está prevista a elaboração de projetos em parceria com a SENAR-CE, SEBRAE-CE, DNOCS e outras instituições, visando à capacitação dos irrigantes selecionados pelo DNOCS para a exploração da área do Projeto, utilizando as áreas cultivadas e a estrutura dos canteiros de obra, como salas de aula, o apoio administrativo também está previsto. Os adquirentes dos lotes terão todo o acompanhamento e repasse de tecnologia testados neste programa, com o objetivo de garantir o sucesso do Projeto. 171 3.3.10.5 - Pólo Açu-Mossoró Situado no extremo oeste do Estado do Rio Grande do Norte, caracteriza-se pela produção de frutas e olerícolas irrigadas, predominando as cucurbitáceas como melão e melancia. A irrigação, entretanto, passou a pesar no cômputo geral em face da existência de duas grandes bacias hidrográficas na região, formada pelos rios Piranhas e Apodi, bem como outras bacias de menor porte, como a do Mossoró. O grande potencial hídrico do Pólo é representado pela oferta de 2,4 bilhões de metros cúbicos de água acumulada na barragem Armando Ribeiro Gonçalves, no rio Piranhas, parte dela utilizada para irrigação no projeto Público do Baixo Açu. A tendência, no entanto, é o aproveitamento, também, da água subterrânea para irrigação, cujo aqüífero cobre os municípios da Chapada do Apodi, onde se destacam os aqüíferos aluviais Calcário Jandaíra, Formação Barreira e Arenito Açu. Muito antes de a irrigação pública chegar à região com o Projeto de Irrigação do Baixo Açu, os produtores locais já tinham iniciado a exploração hortícola usando como fonte de abastecimento dágua para irrigação os poços profundos, de boa vazão e com água de excelente qualidade e baixa manutenção. Esta região tornou-se conhecida como a maior produtora de melão no Brasil e uma das mais importantes produtoras de frutas, de forma geral. Aproveitando-se da isenção fiscal de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) proporcionada pelo governo do Rio Grande do Norte, diversos empresários se instalaram na área e criaram empresas (exportadoras e com produção integrada) que hoje são conhecidas no Brasil e no exterior. Em relação à cadeia comercial, alguns empresários do Pólo têm o seu domínio, chegando, mesmo, a manter contratos internacionais para o ano todo. O aproveitamento dos produtos é feito por agroindústrias de pequeno, médio e grande porte. A maior concentração se dá no aproveitamento para polpa de frutas, sucos e castanha de caju. Uma das grandes empresas da cadeia de melão e manga no Pólo beneficia produção própria e de terceiros. Boa parte da 172 produção é destinada ao mercado externo. Originou-se de um estudo prévio sobre a região quanto à sua vocação produtiva, solos, disponibilidade de água, sal, sol e proximidade de portos e centros consumidores. Paralelamente, a empresa continua investigando outros potenciais da região do Vale do Açu. Compreende um trabalho articulado com várias instituições de pesquisa, com recursos do CNPq e outras fontes de financiamento de pesquisas. Encontros sistemáticos são realizados para apresentar os resultados. Objetiva-se desenvolver um melão específico (tecnologia de sementes) para a região que ainda não produz uma variedade de excelente qualidade e sabor. A banana irrigada é produzida por uma empresa estrangeira. Passa por rigorosos controles fitossanitários e de qualidade em relação a aparência e sabor. A seleção, limpeza, embalagem e acondicionamento dos frutos é feita na própria zona de produção, onde um caminhão, com tanque frigorificado a 14oC, recolhe a carga e a transporta diretamente aos portos. O mercado de destino é principalmente a Europa. As bananas rejeitadas na packing houses são destinadas ao mercado local. Os trabalhadores são contratados no próprio município, são treinados para avaliação qualitativa dos frutos e usufruem benefícios de trabalhadores rurais comuns com carteira assinada. Além disso, a empresa oferece cesta básica. Estrangulamento da cadeia: insumos de produção, crédito e logística pós-colheita • Produção e mercado de insumos A inexistência de zoneamento agrícola associada à precariedade no fornecimento de peças de reposição de máquinas e equipamentos, devido à grande distância dos centros fornecedores, são os principais entraves ao desenvolvimento da agricultura irrigada neste Pólo. Ademais, não há sintonia entre a política de crédito rural e os pacotes tecnológicos disponíveis, o que faz com que os grandes produtores, com capacidade própria de financiamento, assumam cada vez mais o controle da atividade produtiva e das conseqüentes vantagens comerciais. 173 • Promoção e comercialização As dificuldades que cercam os aspectos de promoção e comercialização no Pólo Mossoró-Açu são uma continuidade daquelas que envolvem a deficiência na infra-estrutura de póscolheita e na cadeia de frios. A promoção e a comercialização dos produtos da agricultura irrigada são a maior expressão da falta de coordenação da cadeia produtiva. O estrangulamento do sistema agroindustrial é notado pelo individualismo na comercialização, ocasionando irregularidade na oferta por falta de escala para atender às exigências do mercado; descoordenação e excesso de intermediação provocando a redução dos ganhos da comercialização por parte do produtor; falta de uma estrutura de apoio ao produtor para obter informações sobre o mercado e ausência de articulação entre pequenos produtores e suas representações. • Agroindústria Os problemas dizem respeito principalmente à falta de estímulo à implantação de pequenas agroindústrias, à falta de empresas de suporte às agroindústrias já instaladas e à ausência de integração entre as atividades agrícolas e agroindustriais. As agroindústrias já instaladas, por sua vez, reclamam da inexistência de uma política de incentivos fiscais por parte do governo, altos custos com impostos e encargos e falta de política de crédito capaz de reverter os já configurados casos de endividamento de empresas agroindustriais. • Infra-estrutura Observa-se a deficiência ou precariedade da infra-estrutura de estradas, energia, comunicação, portos, aeroportos, habitação, saneamento, escolas e instalações de beneficiamento, em face das necessidades de um Pólo dinâmico. Além disso, a cadeia de frios é ineficiente ou inoperante, fato que dificulta a organização de um centro de comercialização para os produtos do Pólo. 174 • Meio ambiente Os problemas relacionados ao meio ambiente dizem respeito à prática desorganizada do uso da água e do uso de defensivos agrícolas. Tais práticas contribuem para a salinização dos solos e para a poluição ambiental. A gestão dos recursos hídricos e a proteção dos solos inexistem na região, o que tem comprometido cada vez mais a produtividade das zonas agrícolas. • Capacitação, gestão e organização dos produtores O baixo nível de capacitação dos produtores, causado pelo seu elevado grau de analfabetismo, e, conseqüentemente, a falta de capacitação técnica para a produção irrigada têm comprometido a gestão do negócio e a organização da atividade produtiva. Falta a consciência do papel que cada um dos agentes representa no processo de desenvolvimento da região. • Legislação trabalhista A complicada legislação trabalhista, com elevados encargos sociais, representa um ônus considerável incidente sobre a produção e os insumos. Empresários que atuam na produção e exportação de frutas da região advogam a desregulamentação trabalhista no Pólo. Presença ou plano de instalação de grandes empresas no Pólo A fim de estimular a atração de empresas e o desenvolvimento, a administração do Pólo tem atuado em função de promover as atividades econômicas necessárias ao apoio e à otimização do sistema agroindustrial, bem como atividades de base local com forte aderência ao eixo econômico do Pólo: melhoria da infraestrutura urbana, serviços médicos e assistência hospitalar, uso eficiente dos recursos hídricos e preservação do meio ambiente. Para isso, a gerência do Pólo conta com o suporte e apoio financeiro dos projetos financiados por meio do Pronaf (Banco do Nordeste, Banco do Brasil); projetos financiados por meio do Proger (Banco do Nordeste, Banco do Brasil); projetos financiados por meio do Procera (Banco do Nordeste); projetos empresariais necessários à viabilização das atividades complementares à pro175 dução, ao processamento e à distribuição da produção irrigada (Banco do Nordeste, Banco do Brasil e BNDES). Novos produtos como indutores de demanda O Pólo também pretende otimizar as atividades de apoio ao sistema agroindustrial e de aderência às vantagens locais. Nesse sentido, objetiva-se apoiar a criação e/ou modernização de 400 projetos empresariais, individuais e coletivos de base local (piscicultura, cerâmica, carnaúba, pecuária, agricultura de sequeiro, turismo etc.) A título de ilustração da iniciativa para a indução de novas demandas no Pólo, cita-se o projeto de construção de uma estação de piscicultura em Itajá, com produção anual de 40t de pescado e 6 milhões de alevinos, atendendo a 200 piscicultores, gerando 2.200 empregos diretos e 1.300 indiretos, até o final de 1999. 3.3.10.6 - Pólo Alto Piranhas Seguindo sua vocação, o Pólo vem-se caracterizando como área de produção intensiva de frutas e olerícolas irrigadas, predominando a cultura do coco, a banana e hortaliças. Foi nessa região que se desenvolveu uma variedade de coco de excelente qualidade. Hoje é uma das maiores produtoras desse fruto no Brasil, destacando-se, também, como centro produtor de mudas. A pecuária leiteira é uma atividade que também se destaca neste Pólo. Como em outros pólos, a comercialização é realizada isoladamente por cada um dos produtores com agentes negociadores no mercado local ou nas feiras de hortifrutigranjeiros. Não há nenhum tipo de organização para viabilizar o poder de barganha dos pequenos produtores nas transações de compra de insumos ou na venda de seus produtos que são feitas de forma rudimentar. Dessa forma, as negociações são livres no mercado, onde também se determinam os preços, e geralmente são contratadas verbalmente após a colheita. Contratos antecipados ou no período de produção são inexistentes. A falta de organização dos atores produtivos e, portanto, da coordenação do sistema, cede espaço à presença de agentes oportunistas que se apropriam de margens comerciais a jusante da produção que, em outras condições, caberiam aos respectivos segmentos contratantes. 176 Diferentemente dos outros pólos, uma organização de alguns pequenos produtores de coco começa a negociar sua produção através de um condomínio por eles mesmos criado, sinalizando uma incipiente trading. A operação ainda dá seus primeiros passos, mas tem sido muito útil nas negociações. Além disso, tem estimulado a busca por aprendizado e conhecimento técnico em gerenciamento financeiro por parte dos produtores. Esta parece ser uma boa iniciativa que tem estimulado outros produtores na região a buscar o apoio de organismos competentes para se educar e se associar em direção ao planejamento da produção e da estratégia de comercialização comum a todos. A gerência do Pólo, com o apoio do Banco do Nordeste, tem mobilizado ações no sentido de capacitação e treinamento, tanto no âmbito produtivo como no de comercialização. O gerente do Pólo conta com a participação do SEBRAE, Universidade Federal da Paraíba, Projeto Especial de Ações para o Semi-Árido (PEASA), Escola Agrotécnica Federal de Sousa, EMATER e EMBRAPA. O trabalho tem sido satisfatório, segundo se relata. Porém, os problemas têm sido maiores no tratamento com as cooperativas. O treinamento de seus gerentes é complicado. Seu corpo associativista não aceita a contratação de um profissional especializado para geri-las. Aliás, observou-se em todos os pólos visitados que as cooperativas de produção enfrentam enormes problemas de endividamento, incapacidade administrativa dos gestores e descrédito comercial. Outra forma discutida para solucionar os problemas da organização produtiva neste Pólo é o incentivo à formação de parcerias entre os compradores (agroindústria) e os fornecedores (produtores). O fortalecimento destas relações e a solidificação da confiança entre estes agentes permitiriam um melhor planejamento da produção, regularidade de oferta e, conseqüentemente, menores perdas para ambos, com as variações nos preços. Além disso, o controle fitossanitário e o cultivo de frutos específicos seriam melhorados. As bananas produzidas são processadas exclusivamente em indústrias de doces e artesanalmente para compotas, ou são 177 comercializadas no mercado local. O principal destino das frutas selecionadas é o Estado de Pernambuco. A pecuária leiteira, bastante disseminada entre irrigantes e não-irrigantes, é uma atividade ainda muito rudimentar. O leite para consumo é comercializado in natura, praticamente vendido de porta em porta pelos próprios produtores. Uma parte mínima é pasteurizada e comercializada em padarias e supermercados. Entretanto, ainda não existe o leite longa-vida, e a cadeia de frio do leite é assunto desconhecido. Da mesma forma, a inexistência de controle de qualidade na produção de derivados (queijo, requeijão e manteiga) predomina nesta atividade. O coco verde, comercializado em todo o Estado da Paraíba e nos circunvizinhos, é o carro-chefe na produção do Pólo. Sua cultura é favorecida pelas condições edafoclimáticas – altitude e sol o ano inteiro –, o que garante à fruta um excelente sabor. Apesar da viabilidade potencial da cultura, a cadeia produtiva se manifesta apenas pelo segmento produtivo. Não há qualquer forma de processamento da fruta ou de aproveitamento da água do coco. Estrangulamento da cadeia: insumos de produção, crédito e logística pós-colheita O Pólo Alto Piranhas está numa fase muito incipiente de estruturação, e por isso ainda não representa grandes problemas de ordem ambiental. Entretanto, alguns pontos de dificuldades ou estrangulamentos da cadeia produtiva devem ser considerados: • Produção e mercado de insumos A maior dificuldade que o Pólo enfrenta neste aspecto é a oferta insuficiente e má qualidade de sementes e mudas. Como nos outros pólos, o uso inadequado da água no processo de irrigação também tem comprometido a atividade produtiva. • Agroindústria Os problemas que envolvem o segmento agroindustrial repercutem a jusante e a montante da cadeia. Na verdade, este segmento não está organizado na maioria dos municípios que compreendem o Pólo. Os que estão em operação reclamam do 178 crédito de difícil acesso em razão do forte endividamento, da insuficiência de garantias e do elevado risco dos agentes produtivos em face do quadro econômico nacional. Observa-se, contudo, que predominam relações conflituosas entre produtores e agroindústrias; falta de tecnologia necessária para produzir produtos competitivos; inexistência de controle de qualidade de produtos finais; meios inadequados de armazenamento e transporte; e falta de pessoal qualificado em gestão empresarial. • Promoção e comercialização Fato comum em todas as regiões do semi-árido nordestino, a promoção e a comercialização são processos totalmente desconhecidos pelos agentes produtivos. Dadas a falta de coordenação da cadeia produtiva e a ausência de capacitação técnicogerencial em todos os níveis, não se conhece o preço correto do produto que chega ao consumidor final. Nesse sentido, o planejamento da compra de insumos e da produção em si, aliados à inadequada infra-estrutura de armazenamento e transporte de frios, dificultam as ações de promoção e comercialização dos produtos do Pólo. • Infra-estrutura As condições de infra-estrutura representam um complicador a mais no desenvolvimento da agricultura irrigada no Pólo. A insuficiência de estradas vicinais e de capacidade do aeroporto, a falta de energia elétrica em alguns perímetros, a precariedade do sistema de saneamento e abastecimento de água e a inexistência de armazéns e de centros de comercialização dificultam muito o avanço do negócio irrigação no Pólo. • Capacitação, gestão e organização dos produtores A população do Pólo e de toda a região do semi-árido nordestino é carente em educação básica. Os produtores não estão capacitados técnica e gerencialmente para a atividade, o que compromete a sua organização em associações e em cooperativas. Reclama-se da ausência de uma política educacional voltada ao setor primário e de incentivos do governo. 179 Presença ou plano de instalação de grandes empresas no Pólo O plano de instalação de novas empresas no Pólo está ligado ao projeto de desenvolvimento econômico local. A proposta é envolver as comunidades pela capacitação, participação das pessoas nos destinos dos seus municípios, seja auxiliando o planejamento, através de uma gestão social, como também controle, fiscalização e avaliação das atividades exercidas pelos gestores municipais, principalmente pelas associações, comitês municipais e outros meios de organização da população. O objetivo maior deste projeto é promover a auto-organização das comunidades, o fortalecimento organizacional, a geração de empresas e de novos empregos, aproveitando a habilidade vocacional dos recursos humanos e físicos da região. Novos produtos como indutores de demanda Busca-se cada vez mais selecionar culturas adaptadas ao solo da região e beneficiar os produtos de forma a agregar valor. O objetivo é profissionalizar a agricultura irrigada e a cadeia produtiva dos seus respectivos produtos. 3.3.10.7 - Estrutura Atual da Organização das Cadeias Nesta seção registram-se, de forma resumida, para melhor compreensão, as formas de organização das “cadeias” existentes e instituições de mercado e suas principais funções nos pólos estudados. Os modelos retratados doravante são uma simplificação dos sistemas de comercialização predominantes nos pólos. Refletem formas de comercialização/mercado naqueles pólos de irrigação visitados pela equipe técnica deste estudo. Basicamente, a estrutura atual se dá em 4 sistemas: 180 Sistema 1 PRODUTOR AJUNTADOR RURAL ATACADISTA DE DESTINO VAREJISTAS: - SUPERMERCADO - SACOLÃO, FEIRA, ETC Características predominantes: • os atacadistas normalmente estão localizados junto às CEASAs; • “ajuntador” normalmente está vinculado ao atacadista e tem a função de preparar carga, definir o esquema de compra com o produtor (quantidades, data de colheita, condições de pagamento, preço etc.); • o preço praticado é o vigente no dia; • o frete, na maioria das vezes, é pago pelo atacadista; • o atacadista fornece aos supermercados, sacolões, feiras e outros varejistas; • às vezes os atacadistas promovem uma melhor classificação e embalagem, como nos casos de produtos como limão, mamão, manga, cebola, etc.; esta é uma das atividades de coordenação de mercado; • os atacadistas, quando é o caso, possuem estrutura de armazenamento, câmara fria e câmara de climatização. 181 Estima-se que este tipo de coordenação representa, mais ou menos, 60-65% de todo o negócio envolvendo as principais culturas praticadas nos pólos, nos seguintes produtos: banana, cebola, manga, limão, cenoura, uva, entre outros. Em alguns casos, o produtor, quando tem volume para isso, negocia diretamente com o atacadista, sem a figura do “ajuntador rural”. Na verdade, é apenas um preposto do atacadista na realização de pequenas funções que agregam pouco valor ao produto. Há um “acerto ou contrato” informal entre o produtor/ajuntador rural ou produtor/atacadista, em que são definidos: valor de venda, condições e prazos de pagamento, normalmente igual ou superior a 40 dias. Sistema 2 PRODUTOR VAREJISTAS: - SUPERMERCADO - SACOLÃO FEIRA, HOTÉIS AGROINDÚSTRIA Características predominantes: • Essa situação ocorre quando o produtor tem volume, freqüência e qualidade pré-definidas. • Às vezes ocorre um contrato informal, garantindo a compra por um período pré-determinado e o preço vigente na época. • Às vezes esse tipo de venda é realizado dentro das CEASAs, em lugar próprio para os produtores e/ou associações efetuarem negócios. Neste caso, a venda está sujeita às condições do dia. 182 • Produtor tem lugar para comercializar, mas pode acontecer de não conseguir vender por um preço remunerador ou não vender, dependendo da oferta do dia. Estima-se que este tipo de situação representa para os produtores dos pólos com produtos tais como: banana, cebola, limão, goiaba, manga, uva, entre outros. Está envolvido neste sistema um volume de 5 a 10% da comercialização. Todo o risco do processo é do produtor. Sistema 3 PRODUTOR AGROINDÚSTRIA SUPERMERCADO OUTROS VAREJISTAS Características predominantes: • A agroindústria faz um contrato formal, definido para cada safra, quantidade e preço do produto. • A agroindústria fornece apoio ao processo de produção, tais como: assistência técnica, insumos (parte) ou prestar solidariedade na obtenção de crédito. • Nesta situação, o produtor, ao decidir plantar, sabe das condições, preços, qualidade e quantidade. O seu ganho dependerá de sua eficiência. Estima-se que este tipo de situação representa hoje em torno de 5% do volume de produção dos pólos de irrigação. As culturas mais beneficiadas são: tomate industrial, pimentão industrial, uva, manga e coco. 183 Sistema 4 PRODUTOR EMPRESA PROCESSADORA E DE COMERCIALIZAÇÃO ATACADISTAS SUPERMERCADOS MERCADO INTERNACIONAL INDÚSTRIAS / HOTÉIS Características predominantes: • A empresa faz um contrato formal, às vezes informal, para cada safra ou ano, definindo quantidade, qualidade, preço, época de entrega, produto entregue na portaria. • A empresa recebe o produto e o beneficia ou processa, dando-lhe marca, especificações de qualidade, etc. • A empresa fornece assistência técnica. • Às vezes participa com apoio financeiro através de crédito ou insumos. • Às vezes, a empresa tem um percentual de produção própria (algo em torno de 20 a 40%). Estima-se que este tipo de situação representa hoje em torno de 10-15% do volume de produção dos pólos de irrigação. As frutas mais beneficiadas são: manga, uva, melão, goiaba, limão e banana. Verificam-se também, numa variação dessa situação, empresas que vêm-se especializando apenas no processo de comercialização, principalmente para o mercado internacional. 184 Na realidade, os 4 sistemas descritos também ocorrem em outros países em que por exemplo, as situações 3-4 dominam o negócio. Além desses sistemas, operam neste “ambiente de comercialização” outras entidades e empresas prestadoras de serviços de mercado, também em sistemas tradicionais. Estas entidades são: 1. Trading Companies, com oferta de serviços, aproximação de clientes, contatos com distribuidoras no exterior, desembaraço aduaneiro, contato com empresas nacionais, constroem tradição com operação de empresas nacionais. Dependem de boa infra-estrutura de frigorificação (inclusive nos portos), transportes, serviços portuários e comunicação. 2. Sistemas de Corretagem, com serviços de agentes compradores e vendedores, em consignação, sem repartição de riscos. Geram economias de escala na comercialização. Facilitam a associação entre produtores e distribuidores atacadistas e compradores de grandes volumes no mercado. Dependem de padronização de produtos e unidade entre os produtores em torno de qualidade. 3.3.11 - Crédito rural Considerando que o crédito rural, visto para toda a cadeia (produção, pós-colheita, comercialização, industrialização), é uma importante ferramenta no processo de desenvolvimento da agricultura irrigada no Nordeste brasileiro e norte de Minas, apresenta-se, neste capítulo, uma breve revisão sobre o assunto, abordando as linhas de crédito e as observações emitidas pelos atores do processo, durante entrevistas e a realização dos seminários ao nível de cada Pólo. Nos últimos anos, o Banco do Nordeste vem liderando a disponibilização e aplicação do crédito no Nordeste brasileiro e norte de Minas para agricultura irrigada. Mais importante que o recurso financeiro, vem disponibilizando um processo de capacitação gerencial e técnico para os produtores, dentro de uma visão de desenvolvimento regional, com base nos princípios de pólo de desenvolvimento, com enfoque no agronegócio, diferentemente de 185 outros agentes financeiros oficiais que apenas operacionalizam o crédito rural. Outro fator importante, favorável ao Banco do Nordeste, é que o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE), confere ao Banco recursos estáveis para financiar o desenvolvimento regional, e não ser um mero repassador de recursos de outra fonte. Vários são os programas que contemplam as atividades da agricultura irrigada na região estudada, conforme listados a seguir: 1 - para Investimentos - PROGRAMAS FONTE DE RECURSOS Programa de Apoio ao Desenvolvimento Rural do Nordeste RURAL FNE - Programa Nordeste Competitivo - Programa de Fomento à Geração de Emprego e Renda do Nordeste do Brasil (PROGER) BNDES/FINAME FNE/FAT/FDR - Programa de Aplicação dos Recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (PROFAT) FAT - Programa de Promoção do Emprego e Melhoria da Qualidade de Vida do Trabalhador na Região Nordeste de Norte de Minas Gerais (PRO-TRABALHO) FAT - Programa de Geração de Emprego e Renda no Setor Rural do Nordeste do Brasil (PRO-RURAL) FAT (continua) 186 (conclusão) PROGRAMAS FONTE DE RECURSOS - Programa de Apoio Gerencial e Financeiro ao Trabalhador Autônomo de Baixa Renda (PRORENDA) FNE - Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) BNDES/FNE/FAT - Programa de Financiamento à Conservação e Controle do Meio Ambiente (FNE-VERDE) FNE - Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico (PRODETEC) FNE 2 - para Custeio PROGRAMAS FONTE DE RECURSOS - Programa e Apoio ao Desenvolvimento Rural do FNE Nordeste - RURAL - Programa de Apoio às Inovações Tecnológicas (PRODETEC) FNE - Programa de Cooperação NipoBrasileiro para o Desenvolvimento dos Cerrados – 3ª . Fase (PRODECER III) FNE E OUTRAS FONTES 187 3 - Créditos para Comércio Exterior PRODUTO - Adiantamentos sobre Contratos de Câmbio (ACC) FONTE DE RECURSOS RECS. EXTERNOS - Export Note RECS. EXTERNOS - Crédito Documentário de Importação RECS. EXTERNOS - Financiamento à Importação de Curto e Longo Prazo RECS. EXTERNOS Apesar das linhas citadas e do processo de desenvolvimento empreendido nos pólos pelo Banco, muitas críticas foram feitas pelo usuário do crédito, identificadas durante os seminários realizados nos pólos e as entrevistas efetuadas com lideranças, produtores e comerciantes. As observações mais freqüentes estão relacionadas abaixo: • Inadequação entre as condições de financiamento e as características técnicas de produção. • Limite baixo de financiamento, não permitindo a implementação de alta tecnologia. • Baixa disponibilidade de recursos para custeio. • Falta de financiamento para atividade de infra-estrutura de beneficiamento, armazenamento, logística de transporte (ex.: packing house, caminhões frigorificados). • Demora no processo de liberação dos financiamentos considerando o tempo entre a solicitação, autorização e aprovação. • Disponibilização do crédito nem sempre observando as épocas favoráveis ao plantio. 188 3.3.12 - Participação pública e privada nos empreendimentos com irrigação Neste capítulo procura-se fazer uma análise de uma questão de fundo para o Novo Modelo de Irrigação do Brasil, o que se refere à participação pública x privada nos empreendimentos da irrigação. Serão utilizados esses diagnósticos sobre os 6 pólos estudados. Verifica-se que do total da área irrigada nesses pólos até 1998, 49,8% da infra-estrutura de irrigação foi realizada pela iniciativa privada e em 50,2% da área teve a participação pública. A principio, esta informação pode provocar duas reações: 1º) A iniciativa privada tem participado em quantidade maior do que se imaginava. 2º) Na irrigação pública, toda a infra-estrutura de irrigação é por conta do governo. A maior parte da área irrigada por particulares ocorreu em área com proximidade da fonte de água e teve como estimulador o crédito rural com um determinado nível de subsídio. Nos projetos públicos, houve necessidade de se construirem projetos de acumulação de água ou se realizarem captações em fontes com vazão suficiente. A água, porém, foi distribuída para áreas bem distantes dessa fonte, num verdadeiro espaço de “socialização da irrigação”. Ao se analisarem as questões relacionadas aos perímetros públicos nesses pólos, nos últimos 10 – 15 anos, defronta-se com as seguintes situações: 1. O governo investe na infra-estrutura hidráulica de uso comum e posteriormente continua aportando recursos (com maior ou menor escala) na sua operação e manutenção. 2. O aproveitamento agrícola dos projetos não tem uma velocidade imaginada pelos agentes, possivelmente devido a fatores relacionados à baixa capacidade de endividamento dos produtores, crédito rural com restrições 189 de uso relacionadas à quantidade e disponibilidade, seleção inadequada de pequenos irrigantes ou empresários. 3. Quando se refere à infra-estrutura parcelar (entendendose, irrigação, casa, packing house etc.), tem-se: - No caso de pequenos irrigantes, a infra-estrutura de irrigação parcelar é implantada pelo governo e o seu custo adicionado ao valor da terra e pago conforme a legislação. As demais infra-estruturas são de responsabilidade dele, como casa, galpão, etc. - As culturas permanentes são de responsabilidade dos irrigantes e realizadas com recursos próprios ou financiamento. 4. Ocorreu nos perímetros públicos uma forte participação da iniciativa privada. Projetos de irrigação não são apenas obras hidráulicas de uso comum, mas um complexo processo de produção agrícola com uso de tecnologia de aplicação de água como ferramenta. Assim, para que se obtivesse produção agrícola nos perímetros públicos nesses pólos, nos últimos 10 – 15 anos, foram necessários investimentos (a grosso modo) das seguintes magnitudes: - Infra-estrutura hidráulica de uso comum .......... ± 3000 a 3500/ha - Infra-estrutura parcelar de irrigação .................. ± 1500 a 2000/ha - Infra-estrutura parcelar de apoio (casa, galpão, packing house, etc.) ........................................... ± 700 a 1000/ha - Formação de culturas perenes.......................... ± 3000 a 4000/ha - Valor da terra ....................................................... ± 300 a 500/ha - Total de investimentos no Projeto ................... ± 8500 a 11000/ha - Participação pública (que é apenas a estrutura hidráulica de uso comum) ..................................... ± 35,3 a 32,00 - Participação privada....................................................± 65 a 68% 190 Erroneamente se imputa ao projeto de irrigação público custo com: estrada, rede elétrica, casas, escolas etc. e, neste caso, o valor dos projetos públicos somam possivelmente a casa de US$ 4.500 a 5.500/ha. Estes outros itens são de responsabilidade da sociedade em qualquer situação. Além disso, pela legislação atual, o irrigante do perímetro público vem amortizando em 50 anos o custo dessa infra-estrutura hidráulica de uso comum. 3.4 - Rio Grande do Sul O Estado do Rio Grande do Sul irriga uma área aproximada de 1.026.000 ha anualmente; 95,3% dela ou 977.522 ha são plantados com arroz, ficando o restante para olerícolas: batata, tomate, alface, milho verde, pepino, cenoura, entre outras, milho e feijão (EMATER-RS/DPLAN). A área irrigada de arroz é toda por inundação e poderia, no mínimo, ser duplicada, se houvesse melhor manejo da água e fosse encontrada solução tecnológica para a proliferação do “arroz vermelho”, principal praga da cultura arrozeira gaúcha. Devido a essa erva daninha, principalmente os grandes produtores são obrigados a fazer rotação com pastagem, plantando, anualmente, apenas 1/3 da sua área disponível. Sistemas de plantio mais modernos, como o pré-germinado, podem ajudar no controle do “arroz vermelho”, mas os produtores, em sua maioria, pouco podem aproveitar dessa tecnologia e aumentar a área plantada, por limitações dos recursos hídricos. No planalto gaúcho (Passo Fundo), região Nordeste, Ijuí, Cruz Alta e depressão central, onde se produz milho, soja e feijão, são utilizados outros sistemas de irrigação como o pivô central e autopropelido, em função, principalmente, do nomadismo dessas culturas. Devido à importância econômica para o Estado, representando a cadeia produtiva, cerca de 16% do PIB estadual e praticamente 96% da área irrigada, neste relatório, trata-se apenas do sistema utilizado na cultura do arroz, onde estão as características mais interessantes para as definições do Novo Modelo de Irrigação. 191 3.4.1. Marco legal 3.4.1.1 - Práticas de Gestão de Recursos Hídricos a) Outorga A Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, em seu Título VI – Da Ordem Econômica – Capítulo II – Da Política de Desenvolvimento Estadual e Regional, art. 171, institui o Sistema Estadual de Recursos Hídricos, integrado ao sistema nacional de gerenciamento desses recursos, adotando a bacia hidrográfica como unidade básica de planejamento e gestão. Os parágrafos 1º, 2º e 3º do mesmo artigo definem, de maneira geral, o sistema, e conferem prioridades ao aproveitamento da água e destinam os recursos arrecadados (Rio Grande do Sul, 1989). A Lei n.º 10.350, de 30 de dezembro de 1994, institui o Sistema Estadual de Recursos Hídricos, regulamenta o artigo 171 da Constituição Estadual e define a sua composição. O artigo 5º da referida Lei estabelece: “Integram o Sistema de Recursos Hídricos, o Conselho de Recursos Hídricos, os Comitês de Gerenciamento de Bacia Hidrográfica.” O parágrafo único define: “Para os efeitos desta Lei, integrará ainda o Sistema o órgão ambiental do estado”. Até o momento não é feita a outorga de direitos de uso da água no Estado. Caberá ao Departamento de Recursos Hídricos propor ao Conselho de Recursos Hídricos critérios para essa outorga. Tais critérios e os valores a serem cobrados pelo uso da água serão propostos pelos comitês de gerenciamento das bacias, não devendo ser cobrada a outorga. Atualmente estão envidando esforços para a criação e conseqüente funcionamento dos comitês de bacia, existindo 7 deles criados e funcionando, 13 em fases de estruturação, devendo funcionar até o final do ano, e 3 ainda não iniciados. O Decreto n.º 37.033, de 21 de novembro de 1996, que regulamenta a Lei 10.350, define que a outorga das águas de domínio do Estado do Rio Grande do Sul será feita pelo Departamento de Recursos Hídricos (DRH) e pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM), cabendo a coordenação ao primeiro, segundo o artigo 8º do mesmo decreto. 192 b) Sistema de distribuição de água A derivação, captação, adução e distribuição da água para irrigação, historicamente, teve a participação dos governos federal, estadual e também da iniciativa privada. De modo geral, os grandes barramentos existentes foram construídos pelo Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) ou pelo Instituto Rio-Grandense de Arroz (IRGA), autarquia estadual institucionalizada pela Lei n.º 533, de 31.12.1948, ou pelo Governo Estadual. A iniciativa privada construiu pequenas barragens para uso individual ou coletivo, dependendo do caso, ou então fez a captação direta dos cursos dágua por meio de bombeamento ou pequenas derivações. Com a extinção do DNOS, em 1990, a barragem construída no Arroio Duro foi entregue, por contrato, à Associação dos Usuários do Duro (AUD), e a Barragem de Chasqueiro passou à Universidade Federal de Pelotas, que a administra até hoje. Com as dificuldades do Governo do Estado para manter suas barragens, foi aprovada, pela Assembléia Legislativa, uma lei de concessão de bens públicos e algumas delas licitadas e passadas à iniciativa privada. Assim aconteceu com as barragens de Sanchuri, (Vac-4, Vac-6 e Vac-7) no Arroio das Canas e Rio Vacacaí. Ficou o IRGA administrando as barragens de Capané e a Unidade de Produção Agrícola (UPA), na Granja Getúlio Vargas, uma com problemas técnicos e outra com problemas políticos. Estima-se a existência aproximada de 10.000 barragens particulares no Estado, sendo 2.000 delas cadastradas no Departamento de Recursos Hídricos (DRH) e 8.000 clandestinas, situação que deverá regularizar-se com a criação dos comitês de bacia e a aplicação da legislação vigente, com a outorga de direito de uso da água (IRGA/Departamento Comercial e Industrial (DCI)/ Divisão de Política Setorial (DPS)). 193 c) Tarifação da água Como já foi mencionado, ainda não existe outorga de direito de uso e, conseqüentemente, não há cobrança da água pelo Estado. Entretanto, a iniciativa privada e o IRGA cobram pelo seu consumo. Não existe nenhum sistema de medição da quantidade consumida. Segundo cálculos realizados, o consumo médio é de 14.000 m3/ha/ano, variando de 10.000m3 a 18.000m3, conforme o sistema de plantio do arroz e também as condições de fornecimento. A tarifa varia de local para local e de fornecedor para fornecedor, mas é sempre calculada em sacos de arroz, tipo 2 de 50 kg, limpo de impurezas, porém não beneficiado e seco, por hectare. Esse número de sacos varia de 5 a 8 na grande maioria dos casos. Há fatores de ponderação, em algumas situações, dependendo das condições de entrega da água, se direta ou por bombeamento do próprio usuário, e também por sistemas de produção do arroz de menor consumo. d) Posse da terra irrigada A irrigação no Estado é quase totalmente feita em terras privadas; apenas em duas situações foram realizadas em áreas públicas. Uma delas, na Granja Getúlio Vargas (12.000 ha) onde 80 irrigantes se instalaram em 2.500 ha. Esta área se destina a produtores de arroz falidos que a utilizariam por 5 anos, de modo a se recuperarem financeiramente, devolvendo-as posteriormente para que outros também fossem beneficiados. Segundo o IRGA, responsável pela área, poucos cumpriram o contrato. A maioria ainda permanece lá, não tem o título da terra mas a usam como sua. A maioria também não paga a água que consome. O outro assentamento, no município de Camaquã, no local denominado Banhado do Colégio, perfaz 6.000 ha e hoje faz parte da Associação dos Usuários do Duro (AUD). Suas áreas, em média de 25 ha, são tituladas. Não existem conflitos no uso de terra para irrigação. O que ocorre é um intenso sistema de arrendamento. Mais de 2/3 da área plantada com arroz é arrendada. O pagamento é feito tam194 bém em arroz tipo 2, limpo porém não beneficiado, na base média de 20 sacos de 50kg, por hectare arrendado (IRGA/Divisão de Assistência Técnica e Extensão Rural (DATER)). 3.4.1.2 - Experiências de desregulamentação e privatização de projetos públicos O Estado tem experiências relativamente bem-sucedidas nessa área, tanto em projetos estaduais como federais. Para os projetos estaduais, conforme citado, existe legislação aprovada pela Assembléia Legislativa, autorizando o poder público a vender ou fazer a concessão de uso por prazo determinado, por licitação. Assim, a barragem de Sanchuri, em Uruguaiana, foi vendida para a iniciativa privada, ainda na década de 60. Em São Gabriel, três barragens construídas pelo Governo do Estado, VaC-4, Vac-6 e Vac-7, no Arroio das Canas e rio Vacacaí, iniciadas no final da década de 80 e concluídas em 1993, foram inicialmente administradas pelo Conselho de Recursos Hídricos (CRH) e depois pelo IRGA. Em 1997, o Estado as licitou. Um consórcio de empresas (CONSAGUA) venceu a licitação, recebendo a concessão de uso por 30 anos, com direito à prorrogação por mais 20, se houver interesse das partes. O consórcio administra o uso da água, recebendo entre 10 e 13 sacos de 50kg de arroz limpo e não beneficiado por hectare, pagando ao DRH 4 sacos, nas mesmas condições, como reembolso pela concessão. O Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS), ao ser extinto em 1990, tinha duas barragens construídas no Estado do Rio Grande do Sul, passando-as à responsabilidade da Secretaria Nacional de Irrigação (SENIR). A referida Secretaria, que absorveu todo o acervo do DNOS no que se referia à irrigação procurou passar as barragens para terceiros. 195 A barragem de Chasqueiro, no município de Arroio Grande, foi transferida para a Universidade Federal de Pelotas, permanecendo, portanto, dentro da égide governamental. A barragem construída no Arroio Duro, no município de Camaquã, foi disputada por 3 entidades interessadas: a Prefeitura Municipal, um consórcio de empresas que prestava serviços ao DNOS e a Associação de Usuários do Duro (AUD). A referida Associação conseguiu, por meio de um contrato/convênio com a SENIR, a prioridade para administração da barragem. O primeiro convênio, assinado pelas partes no dia 8 de outubro de 1991, tinha duração de 10 anos e podia ser prorrogado. É, sem dúvida, uma experiência vitoriosa, com resultados muito animadores que mostram a viabilidade de administração de perímetros irrigados pelos próprios usuários, desde que tenham interesse e se organizem para tanto. A AUD começou a organizar-se muito antes, por volta de 1983, quando o Governo Federal estabeleceu, como política de ação, que todos os seus organismos se voltassem para a irrigação, visando não só melhorar o relacionamento entre os usuários, mas também interessá-los pelos problemas existentes, buscando soluções conjuntas, preparando-os para uma emancipação que, mais cedo ou mais tarde, deveria acontecer. Naquela época, os usuários do Duro criaram uma Junta Consultiva que passou a relacionar-se mais intimamente com o DNOS. Era o início da Associação. Em 1986, com o Plano Cruzado, foram congeladas todas as tarifas públicas e o DNOS ficou em dificuldades para manter sozinho o Perímetro. Chamou então os usuários e colocou-os a par dos problemas e buscou sua participação financeira. Foi então criada a Associação dos Usuários do Duro (AUD) que, na época, contratou 2 engenheirosagrônomos, colocando-os à disposição do DNOS para os trabalhos no Perímetro, passando a participar diretamente das decisões internas da administração. Com o fim do DNOS, não foi difícil concorrer com outros interessados e conseguir a cessão do Perímetro para sua administração direta. 196 Ressalte-se que a Associação não tem pessoal nem instalações do Governo. À época do convênio foi cedido 1 jeep, 2 draglines e 1 escavadeira Poclain. Todas as demais máquinas e equipamentos foram adquiridos posteriormente. A sede onde está instalada foi construída pela Associação. Ao assumir o Perímetro, eram irrigados anualmente 9.000 ha e havia problemas de relacionamento entre os irrigantes, por falta de critérios transparentes na distribuição da água. Alguns anos, irrigam-se 15.000 ha com a padronização na distribuição que pôs fim às desavenças existentes. Com recursos do Governo Federal foi concluída, em julho de 1999, a recuperação da capacidade de irrigação da barragem. Está sendo construído um canal para a retirada de água do rio Camaquã, o que permitirá uma elevação da área irrigada em cerca de 5.000 ha, anualmente. Todas essas obras foram e estão sendo feitas por administração direta da Associação. A AUD recolheu, durante os anos de 1991 e parte de 1992, 2,1 sacos de 50kg de arroz por hectare, como amortização do investimento feito pelo governo. A partir de outubro de 1992, cessou o recolhimento de 50% desse valor e, em junho de 1997, deixou de recolher, com a responsabilidade de aplicar o valor em projetos de melhoramento do Perímetro, até o final do convênio no ano de 2001. A contribuição dos associados é de 8 sacos de arroz por hectare para aqueles que recebem a água por gravidade e 7 para aqueles que necessitam de bombeamento. 3.4.1.3 - Expansão de áreas irrigadas A expansão de áreas irrigadas no Estado do Rio Grande do Sul é possível, desde que seja feito melhor manejo da água, evitando-se o desperdício, e que se utilizem sistemas de produção que economizem este insumo. O Governo do Estado estudou e definiu 100 áreas potenciais para barramento, o que poderia criar condições para aumentar 197 a área irrigada, e tentou licitar algumas dessas áreas para cessão à iniciativa privada. Entretanto não conseguiu interessados, apesar de 14 empresas terem-se habilitado. O fator limitante parece estar no custo da terra. Comprada pela iniciativa privada, faz com que os preços subam muito, inviabilizando economicamente o projeto. Uma parceria do Governo, desapropriando as terras e depois cedendo-as para recebimento a longo prazo, talvez torne viável o processo, segundo alguns técnicos. 3.4.2 - Planejamento da irrigação O Estado do Rio Grande do Sul tem uma política estadual voltada para seus recursos hídricos, mas não tem política definida para irrigação, conseqüentemente não conta com um programa estadual de irrigação. Existem, como já foi comentado, projetos públicos feitos pelos governos federal e estadual que até hoje são mantidos; o DNOS e o IRGA foram os maiores responsáveis pelo desenvolvimento desses projetos, que tiveram início na década de 40. Os critérios utilizados na escolha das terras para irrigação não foram organizados, e levou-se em conta a existência de condições naturais de solo e água, além do interesse das comunidades. Hoje, com a iniciativa totalmente entregue à área privada, as condicionantes maiores deverão ser aquelas voltadas para a área econômica. Não existe análise da qualidade técnica dos projetos implantados. O Estado possui uma agência de fiscalização de suas concessões, a Agência Estadual de Regulação do Rio Grande do Sul (AGERS). Entretanto, segundo as informações recolhidas, seu funcionamento é precário, principalmente na área rural. Não há controle do consumo de água nos perímetros e áreas irrigadas. O sistema de irrigação por superfície, largamente utilizado no arroz, dificulta esse controle. Estão sendo estudadas formas, e algumas tentativas têm sido feitas, mas com total resistência dos usuários. 198 3.4.3 - Produção, produtividade, pós-colheita, distribuição e mercado O Rio Grande do Sul produz, praticamente, a metade do arroz consumido no Brasil. A média histórica gira em torno de uma produção de 4,5 milhões de toneladas anuais. A safra 98/99, recentemente colhida, chegou a 5,6 milhões. As oscilações na produção são causadas por problemas de mercado, variações nos preços, dificuldades de crédito, mudanças climáticas, alternando anos com excesso de chuva, causando inundações e prejudicando a lavoura, e outros com baixos índices pluviométricos, ocasionando diminuição nas cotas de água para irrigação (IRGA/DCI/DPS). A produtividade varia de acordo com o sistema de plantio, a tecnologia utilizada, as perspectivas de preço e as diversidades regionais, tendo-se mantido, nas últimas safras, entre 4.900 e 5.000kg/ha, acima de 6.000kg/ha, 9,4%, entre 5 e 6000, 26,4%, entre 4 e 5.000, 51,0% e abaixo de 4.000kg/ha, 13,2% (IRGA/DATER). O plantio do arroz se inicia em outubro, prolongando-se até 10 de dezembro, para as variedades mais precoces. A colheita inicia-se em fevereiro, prolongando-se até abril. Feita a colheita, o arroz é submetido a uma pré-limpeza, quando se procura retirar grande parte das impurezas vindas da lavoura. Depois procede-se à secagem. O produto fica com 13% de umidade, aproximadamente; daí é levado para os silos da propriedade das cooperativas ou então segue direto para o beneficiamento (IRGA/DATER). Segundo informações, 15% dos produtores possuem silos graneleiros, 80% entregam sua produção às cooperativas e 5% a destinam diretamente para o beneficiamento. A comercialização é feita, em sua maior parte, pelas cooperativas, muitas delas com marcas próprias já tradicionais. Outra parte da comercialização é realizada diretamente pelos produtores e cooperativas a compradores locais, que, na sua maior parte, representam grandes atacadistas e supermercados. 199 A classificação do produto obedece às “Normas de Identidade, Qualidade, Embalagem e Apresentação do Arroz”, estabelecidas pela Comissão Técnica de Normas e Padrões, organismo oficial ligado à Secretaria Nacional de Abastecimento, do Ministério da Agricultura. Desde 1988 a classificação de produtos de origem vegetal é feita no Rio Grande do Sul pela EMATER-RS, por delegação de competência do Ministério da Agricultura. Basicamente são 5 os sistemas de produção utilizados pelos produtores gaúchos: - Convencional a lanço - Convencional em linha - Cultivo mínimo - Plantio direto - Plantio pré-germinado Essas formas de plantio estão espalhadas por todas as regiões produtoras do Estado, notando-se claramente algumas preferências regionais. As duas últimas constituem avanços tecnológicos, e, como tais, têm ainda aceitação relativamente baixa. As áreas com esses sistemas devem crescer, pois, além de mais produtivas, exigem menor quantidade de água. Segundo dados do Instituto Rio Grandense de Arroz (IRGA), na safra 98/99, 21,27% da área plantada estava no plantio convencional a lanço, 28,16% no convencional em linha, 34,93% em cultivo mínimo, 6,65% de plantio direto e 8,99% de prégerminado (IRGA/DATER). Os custos de produção de arroz são variáveis, dependendo do sistema de plantio, da tecnologia utilizada. Entretanto, pode-se afirmar que o produtor gasta, em média, entre 75 e 80 sacos de arroz limpo não beneficiado, seco para pagar seus custos da lavoura. O Departamento Comercial e Industrial do IRGA calculou em fevereiro de 1999, para a safra que iniciava, pois todas as atividades já haviam sido realizadas, um valor de R$ 1.422,77 por 200 hectare. Considerando o preço da época para o produto, necessitava-se de 76 sacos para cobrir esses custos. Tais custos se referem ao produto limpo, porém não beneficiado, seco, armazenado, como normalmente é comercializado. O beneficiamento, quando efetuado pelo produtor ou cooperativa, acresce 4 a 5% nos custos. O IRGA acompanha o mercado nacional e internacional de arroz, com estudos de demanda nacional e mundial. A produção mundial, segundo o órgão, é suficiente para o atendimento da demanda. Ocorre uma variação máxima de 4 a 6% de demanda ou oferta, dependendo das condições que apresenta cada um dos países produtores. Quando existe algum problema de produção, os preços sobem e com eles a quantidade produzida, fazendo com que na safra seguinte haja excesso com a conseqüente queda de preços e área plantada. No caso do Brasil, não há como se falar, segundo o IRGA, em expansão de mercado. O País importa arroz a preços menores que os praticados no mercado interno. Além disso, os estados de Mato Grosso, Goiás e Tocantins produzem arroz de sequeiro, que concorre em qualidade e preço com aquele produzido no Rio Grande, o que tem comprimido os preços e desestimulado o produtor gaúcho. Atualmente, o preço do saco de 50kg de arroz limpo não beneficiado e seco está cotado para o produtor em R$ 13,00. A Argentina tem colocado arroz no mercado brasileiro a preço inferior ao do País, apesar de ter produtividade menor e custo de produção mais elevado. Os rizicultores gaúchos têm protestado, por meio de suas associações, mas pouco têm conseguido. Há um desestímulo geral que deverá traduzir-se em menor área plantada na safra que se aproxima, bem como diminuição da tecnologia e, conseqüentemente, da produtividade. Para as condições do Rio Grande do Sul, não há estrangulamento de nenhum tipo da cadeia pós-colheita. São normais os serviços de transporte, armazenamento e beneficiamento. Também é normal o mercado de trabalho rural e não há falta de mão-de-obra. 201 O arroz gaúcho é comercializado, em sua quase totalidade, de forma integral, existindo o arroz pré-cozido e o parboilizado, mas em quantidades pequenas, por problemas de mercado e preço. Quanto aos problemas ambientais, a área irrigada no Rio Grande do Sul não tem problemas de salinização, drenagem, erosão e compactação. O uso de defensivos na lavoura do arroz não é grande, e há controvérsia entre os órgãos ligados ao controle do meio ambiente, a Fundação Estadual de Proteção ao Meio Ambiente (FEPAM) e aqueles ligados à produção, como o IRGA, Secretaria de Agricultura, cooperativas de produtores, etc. A FEPAM classifica a lavoura de arroz como altamente poluente, com o que não concordam os técnicos da produção. Estes afirmam que a água utilizada na irrigação fica mais limpa e pura pois é filtrada pelo solo e por plantas aquáticas existentes nos canais. Estão sendo desenvolvidos estudos nas universidades gaúchas para verificar a situação real, pois ela influirá na montagem da tarifa de uso da água a ser paga pelos produtores. O problema de destinação de embalagens de defensivos também não tem ainda solução satisfatória. Pela legislação atual, devem ser devolvidas ao vendedor, que se encarregará de destruí-las ou dar a destinação devida. Acontece que os vendedores não querem recebê-las, o que obriga os produtores a fazer uma tríplice lavagem e destiná-las a lixões próprios, o que, com certeza, não é realizado por todos. Praticamente não existe conflito generalizado por água. Há alguns problemas localizados, onde ocorre falta de barragens. A tomada de água se efetua diretamente do curso, como acontece no Arroio Velhaco e outros. Não havendo outorga, há sempre quem procure utilizar maior quantidade em prejuízo de outros, o que provoca sérios conflitos. Espera-se que os comitês de bacia possam buscar soluções que atendam aos diversos interesses. 202 3.4.4 - Econômico-financeiro 3.4.4.1 - Financiamento As estruturas públicas de irrigação existentes foram construídas pelo DNOS, IRGA e SUDESUL, com recursos próprios ou por meio de financiamentos de organismos nacionais ou internacionais. As estruturas privadas foram construídas com recursos próprios e financiamentos do BRDE ou do Banco do Brasil. Atualmente, não estão sendo feitos mais investimentos, pelo setor público, em irrigação. O Estado do Rio Grande do Sul, em governo passado, tentou criar um sistema estadual de concessão para obras de irrigação, procurando atrair a iniciativa privada. Inicialmente, houve problemas. Os altos custos, principalmente de aquisição das terras onde seriam implantadas as barragens, fizeram com que o projeto não mostrasse atratividade. Começou-se a estudar formas de participação do Estado, principalmente naquelas áreas de interesse político de desenvolvimento ou situações que justificassem a parceria, dando início, com essas discussões, à montagem do sistema de concessão. 3.4.4.2 - Recuperação dos investimentos A recuperação dos investimentos em infra-estrutura e na operação e manutenção é feita pelo mesmo sistema dos demais perímetros irrigados no País. Os produtores pagam uma taxa K1 para pagamento dos investimentos e outra K2 para operar e manter o sistema. No caso do Rio Grande do Sul, o pagamento é feito em sacos de arroz. Os valores pagos já foram comentados anteriormente. 3.4.4.3 - Fontes potenciais de financiamento Segundo os informantes, há interesse dos bancos internacionais em continuar financiando projetos. Recentemente o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) propôs financiar projetos selecionados pelo Estado. 203 3.4.4.4 - Seguros para lavoura O Governo do Estado, por meio do IRGA, indeniza prejuízos dos produtores em conseqüência da queda de granizo, desde que o evento ocorra até o dia 30 de abril, e o produtor tenha inscrito sua lavoura no IRGA. Ele, para que goze do benefício, se obriga a comunicar dentro de 3 dias úteis a ocorrência, protocolandoa em qualquer escritório do órgão. 3.4.5 - Serviços de apoio 3.4.5.1 - Assistência Técnica e Extensão Rural A responsabilidade pela assistência técnica aos produtores de arroz é do IRGA. Alguns produtores têm assistência técnica própria. A EMATER-RS atende aos pequenos irrigantes. Além disso, o IRGA presta serviços de sistematização de solos e de topografia, entre outros. 3.4.5.2 - Prevenção sanitária Cabe também ao IRGA a responsabilidade pela prevenção sanitária. Como o número de produtores é muito grande, cerca de 13.000, e os técnicos em menor número, há um entrosamento entre ele, a EMATER-RS e a EMBRAPA, de tal forma que todos participam, dentro de um programa comum. Da mesma forma, a pesquisa em arroz é de responsabilidade do IRGA, que, por meio de um programa único, divide a tarefa com a EMBRAPA e as universidades do Estado. 3.5 - Seguro de Produto Em todo o mundo o seguro agrícola é um ramo gravoso, requerendo a participação do Governo para reduzir os custos (prêmios), de forma a evitar que o custo dessa modalidade de seguro se eleve acima da capacidade de pagamento dos produtores. O seguro de produto é indispensável à concessão de crédito. Funciona também como um seguro de crédito, tanto na concessão do custeio, quanto no processo de pagamento de dívidas renegociadas. Sem o seguro de produto, o setor financeiro privado e estatal não se interessam pelo financiamento agrícola, principalmen204 te em áreas assoladas por rigores climáticos recorrentes. Hoje, a cobertura do Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (PROAGRO) reduziu-se a cerca de 10% do que havia no passado. Além disso, há um conjunto de culturas e atividades agrícolas que estão fora da cobertura do PROAGRO, requerendo ações do Governo no sentido de recuperar e viabilizar o seguro com a participação do setor privado no Brasil. Para eliminar a gravosidade do PROAGRO, foram adotadas medidas que consistiram nos seguintes pontos: 1) Introdução do zoneamento agrícola para as principais culturas de ciclo anual, com a determinação das épocas recomendadas para o plantio em cada região, a partir da análise estatística do comportamento do clima ao longo dos últimos anos. 2) Redução da amplitude de cobertura dos eventos segurados, eliminando-se a cobertura de perdas decorrentes da tecnologia adotada ou de pragas e doenças. 3) Criação de uma conta especial no Banco Central para crédito e débito de sua movimentação financeira, para avaliar o balanço entre prêmios arrecadados e sinistros pagos. 4) Vigência da cobertura somente após a emergência da planta. 5) Exigência de orçamento especificado para o plantio a ser segurado. 6) Cessação do seguro para investimentos e pecuária, restringindo-o às despesas de custeio. 7) Redução do valor dos prêmios para adequá-los ao risco dos eventos cobertos. 8) Implantação de alíquota única de 2% para os mutuários da agricultura familiar. 9) Incentivo à adoção da técnica de plantio direto, redutora de riscos de perdas por fatores climáticos. 205 O resultado dessas iniciativas levou o PROAGRO a apresentar, em meados dos anos 90, uma conta superavitária no Banco Central. Essa situação mudou em relação ao passado, pois, desde a sua criação, em 1973, o PROAGRO mostrou-se durante muito tempo financeiramente inviável a ponto de acumular um volume considerado de indenizações não honradas, o que, assim, o levou a cair em descrédito perante os agricultores e, principalmente, os agentes financeiros do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) (o chamado PROAGRO – Velho). A participação de seguradoras privadas ou semiprivadas ainda é muito limitada. Hoje existe apenas uma empresa operando em escala razoável com esse seguro no País: a Companhia de Seguros do Estado de São Paulo (COSESP), mesmo assim em área geográfica restrita. Recentemente, uma empresa mexicana especializada em seguro agrícola anunciou uma parceria com o grupo BMG para operar com seguro agrícola no Brasil, a partir de meados de 1999. Há também uma iniciativa de uma empresa nacional em relação à cobertura de perdas na área de cultivo de maçã em Santa Catarina. Mesmo assim, analisando-se a forma de atuação da COSESP, fica a impressão de que, nas condições atuais, uma seguradora privada só consegue sobreviver no ramo, se vender "pacotes" de seguros ao produtor (custeio, investimento, instalações, veículos, vida etc.) e não apenas o seguro agrícola, além de necessitar do amparo oficial, como suporte de última instância, no caso da ocorrência de catástrofes climáticas generalizadas. Não há interesse generalizado, por parte das seguradoras privadas, em participar de seguro agrícola no Brasil, com exceção de alguns ramos, em áreas, cultivos, atividades e regiões que podem-se enquadrar em ramos não-gravosos dessa modalidade de seguro. A razão do desinteresse por parte das empresas privadas repousa em um conjunto de pontos, nos quais se destacam a tradição de ramo pouco atrativo do ponto de vista financeiro para seguradores; a falta do conhecimento da tecnologia moderna da 206 agricultura, que reduz os efeitos do risco climático; o receio por parte das seguradoras de cobertura de riscos, quando há probabilidade de eventos climáticos desfavoráveis de forma generalizada; e, finalmente, a falta de dados estatísticos exatos que permitam um cálculo atuarial acerca do nível do prêmio necessário para tornar o ramo atrativo. Acresce ainda o custo ao nível de carteira dos bancos e das seguradoras, decorrente da necessidade de fiscalização nos estabelecimentos rurais, bastante dispersos no meio agrícola. O futuro do seguro de produto no Brasil dependerá do equacionamento dessas questões e da capacidade de o Governo poder “bancar” os custos de um seguro na decorrência de eventos de catástrofes climáticas generalizadas; este, sim, é um papel do Governo em promover alguma forma de resseguro que proteja as seguradoras privadas de pagamentos de sinistros generalizados na agricultura. A adoção do zoneamento agrícola, das técnicas de plantio direto e do desenvolvimento de tecnologias destinadas a reduzir os riscos climáticos e a preservação dos recursos naturais, tais como a conservação dos solos e recursos hídricos ambientalmente satisfatórios, poderão auxiliar no desenvolvimento futuro do seguro de produto no Brasil. O futuro do seguro rural dependerá de um equacionamento da questão do fundo de estabilização. O Fundo de Estabilidade do Seguro Rural (FESR), criado pelo Decreto-Lei n° 73, de 21 de novembro de 1966, dispõe sobre o Sistema Nacional de Seguros Privados e regula as operações de seguros e resseguros. Segundo o texto legal, o FESR destinase a garantir a estabilidade dessas operações e a atender à cobertura suplementar dos riscos de catástrofes. Estabelece ainda que sua administração caberá à IRB-Brasil Resseguros S/A e que seus recursos serão aplicados segundo o estabelecido pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP). Com a decisão de privatizar a IRB-Brasil Resseguros S/A, sugere-se que a administração do Fundo passe à responsabilidade do Ministério da Agricultura e do Abastecimento. É possível a inclusão das lavouras irrigadas no seguro rural, de forma a reduzir a gravosidade deste ramo securitário. 207 Os cultivos de arroz irrigado do Rio Grande do Sul têm a cobertura do PROAGRO, com um prêmio reduzido, da ordem de 1%. Os produtores utilizam o seguro quando solicitado pelos agentes financeiros, preponderantemente. O arroz irrigado no Brasil, como um todo, utiliza os recursos do seguro em garantia dos recursos de custeio. Para a fruticultura, inclusive a do Nordeste, à medida que vai sendo implantado o zoneamento agrícola, a tendência é crescer a utilização do seguro agrícola. Feito e implantando o zoneamento, os agentes financeiros passarão a utilizar o PROAGRO nos cultivos, como benefício para ambos. A tendência é do crescimento da cobertura do PROAGRO na fruticultura irrigada. 208 4 - O ESTADO DA ARTE INTERNACIONAL Cabe, de início, qualificar o conjunto de países estudados, para melhor compreender sua representatividade, como integrantes de relevo, no universo dos países que mais se valem do concurso da irrigação, na produção agrícola. TABELA 2 PRINCIPAIS PAÍSES EM ÁREA IRRIGADA EM 1990: ÁREA IRRIGADA, POPULAÇÃO, ÍNDICE DE ÁREA IRRIGADA/ HABITANTE; ÁREA IRRIGADA, COMO PERCENTAGEM DA ÁREA CULTIVADA TOTAL E PRODUTO INTERNO BRUTO Países MUNDO 1-China 2-Índia 3-EUA 4-Paquistão 5-Irã 6-México 7-Indonésia 8-Tailândia 9-Turquia 10-Iraque 11-Espanha 12-Romênia 13-Afeganistão 14-Bangladesh 15-Japão 16-Itália 17-Brasil 18-Egito 19-Sudão 20-Vietnã Área Área IrrigaPopulação irrigada da/hab. (milhões) (mil ha) (Índice) b a c 245.067 47.965 45.144 20.900 16.940 7.000 5.600 4.410 4.238 3.800 3.525 3.402 3.109 3.000 2.936 2.846 2.711 2.700 2.648 1.946 1.840 5.285,0 1.155,0 851,0 249,9 121,9 58,9 84,5 182,8 55,6 56,1 18,1 39,3 23,2 15,0 108,1 123,5 57,0 148,5 56,3 24,6 66,7 0,046 0,042 0,053 0,084 0,139 0,119 0,066 0,024 0,076 0,068 0,195 0,087 0,134 0,200 0,027 0,023 0,048 0,018 0,047 0,079 0,028 Área irrigaPIB da/ Área (Milhões Cultivada US$) % e d 0 21,418,190 36.5 354,644 26.6 322,737 11.1 5,554,100 80.9 40,010 40.5 120,404 21.6 262,710 13.8 114,426 20.6 85,345 13.7 150,721 63.1 48,657 16.9 491,938 31.0 38,299 37.2 _ 31.1 29,855 61.9 2,970,043 22.6 1,093,947 4.8 464,989 100.0 43,130 14.7 13,167 28.8 6,472 (continua) 209 TABELA 2 PRINCIPAIS PAÍSES EM ÁREA IRRIGADA EM 1990: ÁREA IRRIGADA, POPULAÇÃO, ÍNDICE DE ÁREA IRRIGADA/ HABITANTE; ÁREA IRRIGADA, COMO PERCENTAGEM DA ÁREA CULTIVADA TOTAL E PRODUTO INTERNO BRUTO (conclusão) Países Área Área IrrigaPopulação irrigada da/hab. (milhões) (mil ha) (Índice) b a c Área irrigaPIB da/ Área (Milhões Cultivada US$) % e d 3.8 297,204 6.2 141,352 17.0 44,331 38.2 32,802 21-Austrália 1.832 16,9 0,108 22-Argentina 32,5 0,052 1.680 23-Filipinas 1.560 60,8 0,026 24-Peru 1.450 21,6 0,067 25-Coréia do Norte 1.420 21,8 0,065 71.0 _ 26-Coréia do Sul 1.345 42,9 0,031 63.8 252,622 27-França 1.300 56,7 0,023 6.8 1,195,438 28-África do Sul 1.290 37,1 0,035 9.0 111,997 29-Chile 1.265 13,2 0,096 41.5 30,307 30-Colômbia 0.950 41,2 0,023 13.6 46,907 31-Israel 206 4,7 0,044 47..2 52,490 Subtotal 200.958 3.845,4 _ _ 14.411.044 Participação - % 82.0 72.8 _ _ 67.3 FONTE: Colunas a,b,c: SECKLER et al. (1998). Colunas d, e: BIRD (2000). NOTA: Em negrito, os países analisados pelo Consórcio PLENA/FGV/PROJETEC. Observou-se no estudo, que os doze países, a par de representativos mundialmente no tocante à extensão da área irrigada e população, formam um mosaico composto, a um só tempo, de semelhanças e de diferenças, relativamente aos contextos, sóciocultural, político, jurídico-legal e econômico, institucional e do uso e disponibilidade relativa de água, dimensões estas que, histórica e mundialmente, conformam a política de irrigação e influem e determinam sua efetividade. De fato, depara-se, no variegado universo pesquisado, com países e regiões que transitam desde regimes políticos e economias “mais e menos abertos”; estágios de maior e menor 210 desenvolvimento econômico-social; prevalência de maior e menor consciência da sociedade, relativamente ao uso e à disponibilidade atual e futura de água e as pressões decorrentes de políticas ambientais, de recursos hídricos e de irrigação mais adequadas; por fim, mas não menos relevante, com maior ou menor sensibilidade da sociedade e dos governos para a essencialidade e conseqüente sustentabilidade econômica da própria atividade agrícola, inclusive a desenvolvida pelo concurso da irrigação, onde condições físicas e contingências sócio-econômicas a recomendam ou exigem. Do exame compreensivo de suas realidades e das políticas adotadas para confrontrá-las, foi possível identificar três subconjuntos de países, quanto à formulação de políticas e suporte à agricultura em geral e à irrigação, em particular, a saber: Primeiro Grupo Constituído de países em que seus governos estimulam o setor privado a ampliar os investimentos em agricultura irrigada, criando, para tanto, instrumentos eficazes para conferir maior atratividade às inversões privadas nesse agronegócio. No arsenal de instrumentos de política utilizados sobressaem: (i) os que incentivam empreendedores privados a investirem no setor (como os leilões de projetos com rebate, do Chile; os leilões de terras do Peru e os subsídios cruzados, na Costa Oeste americana); (ii) os que levam à participação crescente dos próprios usuários da água na gestão dos projetos públicos de irrigação (como as associações de usuários, em todos os países analisados); (iii) as iniciativas que visam alcançar melhor sintonia com a demanda, via melhor coordenação de mercado para os produtores (como as plataformas de informações dos EUA e Chile e o apoio e fortalecimento da organização dos produtores, na França, Espanha e Israel); (iv) valendo-se, não raro, de vantagens econômicas artificiais ou espúrias para manter a atividade agrícola como no Chile (uso predatório da água e uma política sa211 larial rígida), a União Européia, com sua política agrícola comum (PAC), e a dos próprios Estados Unidos, assentadas ainda em uma montanha de subsídios, os quais reduzem, irrealisticamente, os custos de sua produção agrícola); (v) e/ou lançando mão de práticas comerciais discriminatórias para criar barreiras à entrada de produtos concorrentes em seu próprio mercado de alimentos (como a União Européia e os EUA); (vi) outras políticas, com as da maioria dos países desenvolvidos, para assegurar a estabilidade da produção e renda no campo e conferindo competitividade dinâmica à agricultura, via provisão de bens públicos essenciais (educação formal rural de qualidade, saúde, P&D, normatização, defesa sanitária, infra-estrutura de energia, transporte e comunicação). Quanto à escassez relativa de águas, observa-se que os países mais desenvolvidos desse grupo vêm tomando medidas de vulto para enfrentar potenciais e crescentes conflitos pelo uso da água, decorrentes do desenvolvimento urbano-industrial e da escassez relativa de seus recursos hídricos, em certas regiões. Nesses contextos regionais, antes da adoção de medidas mais dramáticas (tornadas inevitáveis em situações-limite), visando aumentar a disponibilidade hídrica (construção de grandes represas, restrição a cultivos e a métodos de irrigação perdulários no consumo de água, reuso e dessanilização da água, transposição de bacias hidrográficas), a política tarifária constituiu-se um instrumento vigoroso para induzir à racionalidade no uso da água, assim como a participação direta dos usuários da água, tanto na esfera decisória de gestão integrada dos recursos hídricos, ao nível de bacia hidrográfica, quanto no âmbito de Operação & Manutenção (O&M) dos projetos de irrigação. Por conseguinte, cresce de importância, nas regiões desses países com menor disponibilidade relativa de água, a estratégia de expansão da produção irrigada, via incrementos na eficiên- 212 cia de uso da água e na produtividade dos cultivos, em detrimento da expansão horizontal da área irrigada. Neste grupo incluem-se a Argentina, o Chile, o Peru, a Colômbia, os Estados Unidos da América, França, Espanha e Israel. Segundo Grupo Integrado de países que, não obstante continuarem mantendo forte ou mediana presença do setor público na execução direta de inúmeras atividades econômicas, inclusive no subsetor da irrigação, avançam também na direção de sua transferência para o setor privado. Tal se dá em decorrência dos persistentes constrangimentos fiscais e orçamentários e a notória conveniência/necessidade de ampliar sua produção agrícola irrigada e manter empregos no campo. Em que pese a importância estratégica do setor agrícola para esses países, é flagrante a diferença de compreensão sobre sua contribuição, tanto dos governos, como da sociedade urbana, resultando em políticas de apoio muito menos efetivas que as do primeiro grupo. Em decorrência disso, a postura dos governos dos países deste grupo, como o Brasil, tais políticas, por ausentes ou precárias no campo, discriminam a atividade agrícola, reduzindolhes, ainda mais, a capacidade de competir, muitas vezes até mesmo internamente e inibindo sua inserção no mercado externo. No tocante à questão da disponibilidade hídrica, principalmente em países com persistentes déficits de água, exceto China (onde também cresça o clamor público pelo uso não sustentado da água), ocorreu um enorme esforço legiferante, encetado nos últimos anos, que visavam políticas ambientais e de recursos hídricos mais sintonizadas com a necessidade de convivência harmônica, entre o homem, os ecossistemas e os diversos usos da água, de forma a assegurar o acesso de todos à água, no presente e no futuro. No entanto, dado o curto período de tempo transcorrido, desde a aprovação destas leis, ainda carentes de regulamentação em muitos de seus dispositivos, sua observância ainda é restrita, não influenciando grandes mudanças comportamentais de agências e atores (públicos e privados), usuários subsetoriais 213 de água, em que pese a pressão crescente de organizações nãogovernamentais ambientalistas, das agências multilaterais de financiamento e da própria sociedade. África do Sul, China e Brasil compõem este grupo. Terceiro Grupo Inclui alguns integrantes do primeiro grupo, países que, relativamente às políticas de meio ambiente, de recursos hídricos e de irrigação, nos últimos anos, ultrapassada a fase legiferante, descrita acima, avançaram na modernização institucional, para a conservação, gestão e explotação sustentada de seus recursos hídricos, em conformidade com o novo quadro jurídico adredemente estabelecido. Esta evolução busca assegurar a sustentabilidade e a eqüidade no uso da água, inclusive para irrigação, de modo a responder, proativamente, à crescente escassez relativa de água (no tempo e/ou no espaço) e às pressões conseqüentes da sociedade, quanto ao atendimento desses requisitos, nos diversos usos da água. Esses países, a despeito de sua forte presença na produção de alimentos, vêem sua expansão futura fortemente ameaçada pela disponibilidade relativa de água, em nível crítico em determinadas regiões e períodos, levando-os a lançar mão, ora da restrição à expansão de novas áreas sob irrigação (Vale Central, nos EUA, Israel), ora da adoção de práticas indutoras à economia de água - tarifação calcada no conceito de hidroeconomicidade, na Espanha; métodos de irrigação mais eficientes, nos EUA, além de substituição de cultivos mais exigentes de água (em Israel); busca de novas fontes de água, pelo reuso da água, dessanilização ou transposição de bacias, como em Israel, Costa Oeste americana e Espanha); e ainda conservando, “produzindo” e poupando água, via manejo integrado de bacias hidrográficas e métodos de irrigação mais eficientes, como na Espanha e França. Neste terceiro grupo incluem-se França, EUA, México, Espanha e Israel. Já num segundo plano ou nível de tomada de decisões – o da definição de planos setoriais e subsetoriais, em que a participa214 ção governamental permanece marcante e indispensável, a literatura consultada sobre os países supramencionados revela estarmos diante de um claro ponto de inflexão, quanto à prática de planejamento setorial, em geral, e subsetorial de irrigação, em particular. A grande mudança observável é a dificuldade crescente em se pensar a utilização apenas unissetorial dos recursos hídricos nacionais e regionais, ignorando ou menosprezando as possibilidades de uso múltiplo e, ademais, negligenciando práticas que induzam à economicidade no seu uso, sobretudo quando consuntivo (caso da irrigação, por exemplo). Daí o embaraço crescente (ainda que pouco percebido, por agências governamentais apegadas ao passado) na elaboração e implementação de planos e programas de irrigação, por exemplo, descolados de um plano diretor de recursos hídricos (cuja menor escala de planejamento é a bacia hidrográfica) e das normas ambientais pertinentes. Também emerge, como inevitável, a participação crescente da sociedade civil e suas representações nos fóruns de discussão de temas relacionados à água e ao meio ambiente, e dos usuários da água e suas organizações nas instâncias diversas administrativas, seja pela dificuldade de atuar, de forma centralizada, na gestão integrada de recursos hídricos, seja pelo constrangimento crescente (organizacional, financeiro) de os governos permanecerem na execução de tarefas perfeitamente delegáveis ao setor privado. Daí, finalmente, a adoção de formas mais avançadas na condução da política de irrigação, desaguando, já no terceiro nível e nos limites dos projetos de irrigação no envolvimento dos grupos de interesse, desde a fase de estudos de viabilidade de novos projetos de irrigação de iniciativa do setor público; passando pela delegação imediata das responsabilidades e culminando com a transferência da infra-estrutura de uso coletivo para o domínio dos seus usuários. As inúmeras avaliações já realizadas por instituições abalizadas, algumas relatadas para Colômbia, México e EUA, mostram que a administração dos projetos de irrigação, pelos próprios usuários, tem tido impacto positivo no sucesso desses projetos, a par de liberar as agências promotoras da irrigação para a implantação 215 de outros projetos e o setor público para outras iniciativas, como a oferta de bens públicos essenciais ao desenvolvimento sustentado da agricultura irrigada e de interesse da sociedade. 4.1 - O Caso do Chile 4.1.1 - Quadro geral O território chileno, com 757 mil km2, estende-se por uma longa faixa, com climas que transitam do desértico ao Norte (com precipitações tão ínfimas que não permitem vida vegetal significativa), ao mediterrâneo, na região central, e ao marinho, no Sul, cujo limite é Punta Arenas, a cidade mais austral do Globo, a quase 5 mil km do extremo Norte. Em contrapartida, essa longa faixa é assaz estreita, com poucas centenas de quilômetros, na parte mais larga. De 32º 20’ aos 39º de latitude, a irrigação passa, gradualmente, de indispensável a irrelevante. De seus 75,7 milhões de hectares de área, 37% são terras com alguma atividade agrícola. Desses 28,7 milhões de hectares, somente 5,1 milhões (17,7%) são terras aráveis, que se subdividem em 3,3 milhões de hectares (64%) de sequeiro e 1,8 milhão irrigáveis, dos quais 1,2 milhão podem ser irrigados permanentemente com segurança e 600 mil hectares (1/3) podem ser irrigados eventualmente. Havendo disponibilidade adicional de água, cerca de 24% das terras de sequeiro podem ser também irrigadas. Uma das características mais importantes das condições chilenas, para efeito de irrigação, é a não-coincidência do período de altas temperaturas e intensa precipitação pluviométrica, ou seja: no inverno, de baixas temperaturas e que permitem apenas cultivos de inverno, concentram-se as chuvas; na primaveraverão, com o aumento paulatino da temperatura, escasseiam as chuvas, tornando-se, às vezes, nulas. Nessas condições, a irrigação torna-se indispensável. Onde e quando praticada, a irrigação tem como fonte de água a Cordilheira dos Andes, que divide transversalmente o território chileno, ao norte, e, na região central, com duas cadeias montanhosas, paralelas longitudinalmente e que, no extremo sul, fundem-se parcialmente, formando canais e fiordes no oceano Pacífico. A água é acumulada em forma de neve e gelo no inverno e se liqüefaz no verão, formando, paulatina216 mente, um fluxo permanente. A Cordilheira dos Andes constitui, pois, um gigantesco reservatório natural de água, proporcionando ao país uma invejável vantagem comparativa pela generosa dotação de um recurso natural estratégico, utilizável a custos mais baixos. Pode também constituir uma invejável vantagem competitiva dinâmica desde que seu uso múltiplo se faça de forma sustentável, tanto como insumo produtivo, em cultivos com oportunidade de mercado, quanto no atendimento a necessidades básicas da população em geral. Quase tão antiga quanto sua população, a irrigação no Chile vem do período pré-colonial, com os índios, que construíram os primeiros canais de irrigação, aproveitados e ampliados pelos colonizadores espanhóis. Assim, as obras de irrigação executadas até fins do século passado foram feitas pela iniciativa privada, consistindo, basicamente, de pequenos canais individuais, com sangradouros independentes nos rios, e que continuam, em grande parte, sendo utilizados ainda hoje. Contudo, quando se trata dos recursos hídricos disponíveis no país, o quadro de seca, que se apresentou mais agudo em 1998, constitui um alerta e uma grande lição: o país não pode mais depender exclusivamente dos seus recursos hídricos superficiais e das grandes obras de acumulação. Assim, outras estratégias têm emergido como evidentes, ante o fantasma de perdas ou diminuição de produção de culturas anuais e de exportação. Entre outras, deve ser aproveitada a fonte de água subterrânea disponível, de boa qualidade, justamente na área de concentração da fruticultura de exportação; intensificação do programa de acumulação (reservação) de água, mediante obras de pequeno e médio portes, para beneficiar produtores, individual e coletivamente; intensificação da aplicação da Lei de Fomento à Irrigação Privada para que, através de maior tecnificação da irrigação, possa ser crescentemente neutralizada a baixa eficiência no seu uso primário. A prática de reuso da água é possível pela sua elevada qualidade na origem e pela adoção de métodos de irrigação mais eficientes (gotejamento e microaspersão), princi217 palmente na zona Centro-Norte, onde a disponibilidade hídrica é mais crítica. Como resultado da atuação privada e estatal, o Chile, até 1990, havia incorporado ao processo produtivo cerca 1, 625 milhões de hectares sob irrigação, de um total de 2.500 milhões de hectares, estimados como economicamente irrigáveis. No conjunto de 29 países, de maior relação área irrigada por habitante, o Chile ocupava, em 1990, a 7ª posição, com 0,096 ha/hab., cerca de duas vezes o índice mundial, de 0,046 ha/hab. e de cinco vezes o índice brasileiro desse ano, de 0,018 ha/habitante. Nesse conjunto, ocupava o Chile o último lugar em população (13,2 milhões de habitantes) e em área irrigada (1, 625 milhões de hectares), em 1990. Em 1996, o Produto Interno Bruto (PIB) chileno foi de US$ 74,292 bilhões, e sua renda per capita de US$ 4,860.00. Em 98, sua população era de 14.880.950 habitantes e seu PIB de US$ 73,14 bilhões. Atualmente, cerca de 234 mil hectares irrigados são ocupados com fruticultura. 4.1.2 - Evolução dos marcos legal e institucional da irrigação no Chile − MARCO LEGAL A atuação governamental na irrigação iniciou-se em 1914, com a promulgação de uma lei especial que autorizava o Estado construir quatro importantes canais principais que irrigariam cerca de 11. 000 hectares. Em 1929, a Lei n.º 4.445 deu forma ao Departamento de Irrigação da Direção Geral de Obras Públicas e se empreendeu um plano extraordinário de obras de irrigação, financiadas com recursos do tesouro nacional, mas exigindo sua aprovação prévia por, pelo menos, 33% dos irrigantes interessados. Estes se obrigavam a reembolsar, ao Estado, a totalidade dos investimentos previstos no anteprojeto da obra a eles submetido. Contudo, inflação crônica e custos elevados das obras conspiraram contra tal dispositivo de recuperação total de custos pelo Estado. Por isso, já em 1950, a Lei 9.962, embora mantivesse a obrigatoriedade de reembolso 218 do custo efetivo das obras, não explicitou cláusulas de reajuste dos montantes devidos. Entretanto, em 1961, a Lei n.º 14.536 introduziu novamente cláusulas de reajuste, tanto para as inversões, quanto para o serviço da dívida. Em 1967 houve uma mudança radical no procedimento para autorizar a realização de obras de irrigação. A Lei n.º 16.640 eliminou a negociação prévia com os irrigantes, determinando, ademais, que as obras permaneceriam como patrimônio do Estado. O princípio de reembolso das inversões foi substituído por uma cota (tarifa) anual pela utilização da infra-estrutura de irrigação fixada, levando-se em conta o montante dos investimentos e a rentabilidade potencial dos solos irrigados. Não obstante tal reforma, o preço real, que deveria ser pago, é 20 vezes superior ao pagamento realmente realizado pelos irrigantes, beneficiários de tais obras (Valdés, 1988). A base do Marco Legal no Chile está constituída de: - Código das águas. - Lei de construção de obras de irrigação pelo Estado. - Lei de fomento ao investimento privado em obras de irrigação e drenagem. Código das águas Definido em 1981, estabelece que todas as águas são de propriedade pública, mas que as pessoas físicas ou jurídicas ou as organizações de usuários podem ter o direito de uso, que envolve o uso e posse da água. As principais características do direito de água são: • trata-se de um direito real que confere ao proprietário o direito de propriedade sobre ele; • são independentes do direito da terra; • os usuários de água são livres para comprar e vender os direitos, conforme definido pelo mercado; 219 • a comercialização, transferência, ou perda do direito se realizam por meio de disposições das leis comuns e pelo estabelecido no código das águas; • os direitos de água podem ser comercializados e transferidos independentemente da terra a qual está-se irrigando. Esse sistema de livre mercado de águas (em que pese a água ser ali também um bem de domínio público), é regulado pelo Código de Águas, de 1981, e pela legislação comum. Apesar da possibilidade de ocorrência de falhas, tem evitado a influência e as disputas políticas por esse insumo produtivo estratégico e contribuído para reduzir os investimentos governamentais em irrigação. Muitas vezes, a política chilena de livre mercado da água tem criado incentivos para a outorga de direitos de uso e promovido maior eficiência nesse uso, possivelmente incrementando os benefícios sociais e reduzindo os custos de transação no mercado. Não obstante o mercado de águas ter-se constituído um instrumento adicional, para o fortalecimento do sistema, a outorga e a livre transação da água, como bem econômico, alguns problemas são acarretados por ele: - por ser a água transacionável, independentemente da terra, em muitos casos e principalmente ao nível de pequena propriedade, vem facilitando a transferência desse direito para grandes usuários da irrigação e/ou abastecimento urbano, deixando, assim, a propriedade sem capacidade potencial de produção estável, mesmo que dotada de infra-estrutura básica para irrigação, mas sem água disponível. Como no Chile, não existe a concentração de irrigantes. A exemplo dos perímetros públicos de irrigação do Nordeste brasileiro, tal realidade não é facilmente percebida; - principalmente o subsetor hidroelétrico, de uso nãoconsuntivo, tem obtido direitos de uso sobre parcela importante de recursos hídricos nacionais, tornando-a reserva para uso futuro. Isto também ocorreu no Brasil. O País não tem mercado de águas. O Plano 2010, da extinta ELETROBRÁS, praticamente “seqüestrou” os prin220 cipais rios brasileiros, com vistas a aproveitamentos energéticos futuros. Em conseqüência disso e na busca de aperfeiçoamento dessa prática, tramita no Congresso chileno (sob forte lobby do subsetor de energia) projeto de lei, com dispositivo que: (i) faculte estabelecer a cobrança pela água outorgada e não-utilizada (evitando-se, desse modo, reter o direito de uso desse bem como reserva de valor); (ii) estabeleça procedimento judicial para essa cobrança; e (iii) introduza um sistema de apelação perante a autoridade administrativa e tribunais de justiça. Como se pode depreender, a atual iniciativa do legislativo, procurando aperfeiçoar o funcionamento desse mercado de águas, corrobora o grau de aceitação política, a qual pôde ser ali estabelecida, mercê da tradição chilena de lidar com os direitos de uso da água, os quais, mesmo que não legalmente registrados, são respeitados e, como tais, transacionados livremente no mercado. Lei da Construção de Obras de Irrigação pelo Estado O Decreto-Lei n.º 1.123/81 determinou que : - haja participação ativa dos usuários potenciais, desde o correspondente estudo de viabilidade da obra, quando de médio e grande portes; - haja compromisso de 33% dos usuários potenciais de adquirirem a propriedade da obra, como requisito prévio para proceder-se ao desenho definitivo (projeto executivo da obra); - haja compromisso firme de 50% dos usuários potenciais de adquirirem a propriedade da obra, para que sua construção seja autorizada; - após construída, a obra seja provisoriamente administrada pelo Estado, mas por um período máximo de quatro (4) anos, visando detectarem-se possíveis falhas em sua edificação, e se capacitarem os irrigantes para sua operação e manutenção (O&M). Logo após encerrado esse período de transição, tanto a propriedade das o221 bras, quanto sua administração têm de ser transferidas para uma organização de usuários; e, finalmente, - o compromisso de pagar parte dos custos dessa obra pode ser firmado por seus beneficiários diretos, individualmente, ou por uma associação de irrigantes. Esse marco legal se aplica à construção de obras de irrigação de médio e grande porte, acima de US$ 12 milhões. Lei de Fomento a Inversão Privada em Obras de Irrigação e Drenagem Em 1986 foi aprovada a Lei n.º 18.450, que criou programa especial de fomento ao investimento privado em obras de irrigação e drenagem, estabelecendo condições para investimentos individuais ou coletivos. O programa permite um rebate nos investimentos feitos pelo agricultor que participar de leilões públicos, podendo o subsídio atingir até 75% dos investimentos comprovadamente realizados. Esse teto de investimentos por produtor atinge 12.000 unidades de fomento (UFs) que corresponde a US$ 375.568,37, sendo que, por unidade de área beneficiada (ha), o subsídio não pode exceder a 300 unidades de fomento, ou seja, US$ 9.389,21. No caso dos pequenos produtores, esse ressarcimento pode chegar até 100%, pois 20% dos custos podem ser cobertos com gastos com estudos técnicos, elaboração e supervisão do projeto. Nesse caso, os gastos podem ser custeados ou feitos diretamente pelo Instituto Nacional de Desenvolvimento Agropecuário (INDAP) instituição governamental de fomento. O leilão de projetos ocorre periodicamente dentro de um cronograma previamente estabelecido, por meio de editais públicos de convocação, onde são fixadas as regras e critérios para eleição das prioridades, considerando principalmente: a) o montante de recursos próprios que o interessado vai efetivamente aportar; b) a área a ser usada na irrigação; 222 c) a área de solos improdutivos que, uma vez resolvidos os problemas de limitações de drenagem, serão incorporados ao uso agrícola; d) o custo total do investimento no projeto; e) a melhoria da potencialidade dos solos que serão irrigados ou drenados, segundo a região onde estiver localizado o projeto; f) o compromisso de concluir a obra em, no máximo, 365 dias após recebimento da carta de bonificação que assegura o ressarcimento dos investimentos, uma vez realizados. A carta de bonificação pode ser dada como garantia para a obtenção de financiamento, na hipótese de o agricultor não dispor da totalidade dos recursos para implementação do projeto. Dada a crescente importância estratégica das águas subterrâneas para o Chile, existem leilões específicos para projetos de perfuração de poços profundos. Em todos os casos, os projetos só podem ser elaborados por consultores habilitados e devidamente registrados na Direção Geral de Águas (DGA). Um critério importante, na seleção de projetos, inclui sua importância regional, as culturas contempladas e sua contribuição para o incremento de divisas, via exportação. Esses projetos devem contemplar no mínimo as seguintes informações: a) identificação da fonte hídrica e análise de seu regime hidrológico, quando se tratar de águas superficiais, o que deverá incluir os estudos necessários à obtenção de informações hidrológicas sobre disponibilidade de água que compreendam uma série histórica mínima de 15 anos consecutivos; b) demanda de água e superfície a ser irrigada com 85% de segurança em relação ao clima; c) definição das obras e equipamentos de irrigação necessários para satisfazer às novas demandas e anteprojeto definitivo, incluindo planos e detalhamento de cálculos que justifiquem as dimensões adotadas; d) superfícies de novas áreas irrigáveis ou seu equivalente, quando se tratar de melhoria em áreas 223 já existentes; e) plano de localização das obras ou sistemas de irrigação que serão beneficiados pelo projeto, utilizando escalas adequadas à sua extensão e características técnicas; f) orçamento em detalhe técnico que permita determinar o custo de construção, reparo ou instalação; g) apresentação de documento que assegure o direito sobre as águas a serem utilizadas. Poderão ser contemplados como investimento: construção, reparação, habilitação, ampliação ou conclusão de obras de irrigação e drenagem, inclusive gastos com equipamentos de irrigação. O custo de elaboração do projeto, supervisão de sua execução e gastos gerais são considerados como parte do custo do projeto e estão limitados a 20% do custo total dos projetos a serem subsidiados. A pontuação para seleção obedece aos seguintes critérios: a) no aporte de recursos próprios, ao que propuser maior montante é atribuído 500 pontos; ao que oferecer o menor, 0 (zero); b) ao projeto que implemente maior área beneficiada conceder-se-ão 200 pontos, e ao que beneficiar menor área, 0 (zero); c) ao projeto de menor custo serão atribuídos 300 pontos e ao de maior, 0 (zero). Aos projetos cujos valores estejam nesses limites serão atribuídas pontuações proporcionais às posições que ocupam nos extremos indicados para cada uma das variáveis acima mencionadas. A soma dessas pontuações permite ordená-las da maior para a menor, passando a ser essa classificação a ordem de prioridade para a homologação das propostas. São autorizadas, então, as propostas, nessa ordem, de acordo com as disponibilidades dos tetos do orçamento alocado a cada concurso. Com o objetivo de melhorar a eqüidade de oportunidades, são realizados leilões públicos em separado para os pequenos agricultores, mais descapitalizados, e para os empresários agrícolas. Os certificados de bonificação são entregues antes que se inicie a construção ou aquisição dos equipamentos, dentro de um prazo de cerca de 30 dias após a publicação do resultado da licitação. Os beneficiários devem permitir inspeções no processo de execução das obras em qualquer etapa de seu desenvolvimento. Os bens adquiridos com a bonificação do Estado não poderão ser 224 vendidos ou retirados das propriedades antes de vencer um prazo de dez anos. A bonificação é paga só após as obras estarem totalmente concluídas e vistoriadas. As vantagens deste sistema têm sido: a) redução no custo por hectare na agricultura irrigada; b) elevada iniciativa e participação do agricultor, com recursos próprios e tecnologia eficiente; e, c) menor participação do Estado no financiamento. Anteriormente essa antecipação era muito elevada. A aplicação desse sistema tem: a) priorizado reparos e modernizações, que geralmente apresentam custos mais baixos por hectare, em detrimento de novas áreas a serem abertas para a irrigação, que são de maior custo; b) beneficiado produtores mais capitalizados, que, em média, têm alocado cerca de 50% do investimento com capital próprio; e, c) privilegiado investimentos onde existe uma fonte de água superficial ou de água subterrânea, disponíveis na propriedade ou adjacências. Este sistema requer informações técnicas bastante completas. O Chile dispõe de informações precisas de: cadastro de usuários de água, topografia, solos, classificação de terras segundo sua aptidão, registro de variáveis climáticas, localização de poços, vazões de cursos naturais de água e de canais. Essas informações estão disponíveis para todos os potenciais candidatos a sua utilização, através do Centro de Informações de Recursos Naturais (CIREN), segundo as necessidades de cada um. A Lei de Fomento à Inversão Privada em Obras de Irrigação e Drenagem vem contribuindo, ademais, para o aumento da eficiência no uso da água e, dessa forma, disponibilizando recursos hídricos para outros usos na propriedade ou colocando-os no mercado de água. O sistema de leilão de projetos é reconhecido mundialmente e bem analisado na literatura, por sua virtude de alocar mais eficientemente os recursos públicos, visando maior eficiência econômica. Inicialmente, só podiam participar desse regime de leilão de subsídios irrigantes que apresentassem projetos de valor inferior a 400 mil dólares. Por ter funcionado a contento, o sistema foi ampliado a partir de 1996, com vigência até 2009. O sistema a225 presentou várias vantagens: requerer injeção de recursos próprios, competência por parte dos irrigantes, melhor desenho técnico dos projetos, facilita o arranjo financeiro dos recursos por parte de bancos privados que participam do financiamento. Resta ao Estado, por meio do subsídio, facilitar a alavancagem de recursos próprios e de terceiros. Este sistema requer informações técnicas bastante completas e que se encontram disponíveis para os candidatos a sua utilização, conforme vimos em parágrafos anteriores. Assim, a Comissão Nacional de Irrigação determinou a ampliação deste regime para projetos de médio e grande portes, com o mesmo sistema de leilão de subsídios. O objetivo é o mesmo para esses dois segmentos de irrigantes, ou seja, atuar seletivamente na escolha dos irrigantes, de acordo com a competência e a capacidade de desenhar um projeto eficiente e demandar o menor volume possível de recursos subsidiados do Estado. O Programa de Pequenas Obras de Irrigação, também conhecido como Programa de Irrigação Campesina, é orientado para assistir aos pequenos produtores na incorporação da prática da irrigação aos seus cultivos ou ainda melhorar essa prática na propriedade. Complementarmente, oferece-lhes assistência técnica, creditícia, gerencial e na comercialização. Os pequenos produtores podem também participar do leilão de subsídios, da Lei n.º 18.450/86. Com efeito, entre 1993-96, realizaram-se 71 leilões específicos para pequenos produtores, com a apresentação de 3.500 projetos; 1.997 deles foram selecionados e beneficiaram 34.356 produtores; 25. 770 eram pequenos produtores (75%), os quais aumentaram a superfície irrigada em 518.000 hectares, dos quais 136. 780 (26,4%) foram dos pequenos produtores. Dados de março de 1997, do INDAP, indicam que, entre 1992-96, construíram-se 762 obras em 156 municípios do País, os quais beneficiaram 26.000 pequenos produtores, com uma área de 105.000 hectares irrigados. Os pequenos produtores rurais no Chile representam 250.000 famílias, possuem 1/3 da superfície irrigada e produzem mais da metade (>50%) dos alimentos da cesta básica chilena. 226 − MARCO INSTITUCIONAL Fruto da herança deixada pela colonização espanhola, o Chile é um país ainda caracterizado pela verticalização do aparelho do Estado e conseqüente centralismo de sua atuação na formulação e implementação de políticas públicas. Suas conseqüências pela relativamente baixa extensão territorial e, na atualidade, pela política econômica vigorante, que estimula a livre concorrência e tolhe a participação governamental em atividades tipicamente privadas. Assim, a política nacional de irrigação é formulada pela Comissión Nacional de Riego (CNR), constituída de um Conselho de Ministros (da Economia, que o preside, da Fazenda, de Obras Públicas, Agricultura e Planejamento). Suas decisões são implementadas por uma Secretaria Executiva, eminentemente técnica e centralizada, com um número reduzido de profissionais. A missão da CNR é a formulação de uma política nacional de irrigação que assegure a expansão e melhoria da área irrigada do País. Para tanto, ela deve: - planejar, desenvolver e elaborar projetos integrados de irrigação que compreendem o conjunto de obras de infra-estrutura hidráulica, sua colocação em operação e o desenvolvimento agrícola, de modo a permitir a utilização agrícola ótima das terras irrigáveis; - avaliar projetos de irrigação que elabore ou que lhe forem apresentados; - celebrar convênios com particulares ou com empresas privadas para estudos ou projetos integrados de irrigação; - supervisionar, coordenar e complementar ação de diversos órgãos, públicos e privados, que atuem na construção, destinação e utilização de obras de irrigação; - prover informações aos ministérios integrantes para a elaboração de antecedentes para alocação de recursos financeiros nacionais e internacionais destinados à irrigação; fazer as gestões para sua obtenção; 227 - representar o Estado na obtenção de créditos externos. Quatro órgãos estatais relacionam-se com a CNR e são vinculados, por sua vez, a ministérios que têm assento no seu Conselho: • Direção de Obras Hidráulicas, do Ministério de Obras Públicas, com atribuições (no caso de obras de irrigação de grande e médio portes) semelhantes às atuais da CODEVASF e DNOCS, no Brasil, com o acréscimo da atividade de fiscalização da construção de obras menores de irrigação e drenagem, executadas segundo a Lei de Fomento à Irrigação. • Direção Geral de Águas do Ministério de Obras Públicas, com atribuições relacionadas à gestão de recursos hídricos, semelhantemente ao papel da COGER, do Estado do Ceará. • Instituto Nacional de Desenvolvimento Agropecuário (INDAP), do Ministério da Agricultura. Voltado ao apoio aos pequenos agricultores e suas organizações, inclusive em áreas irrigadas, com assistência técnica, treinamento, linhas especiais de crédito e outorga de subsídios aos agricultores que constroem pequenas obras de irrigação e drenagem, por meio da Lei de Fomento à Irrigação. Parece um contraponto à política de estímulo à agricultura irrigada de mercado (empresarial), dedicando-se a atender à política de combate à pobreza no campo. • Serviço Agrícola e Pecuário, do Ministério da Agricultura, responsável pelo controle e proteção sanitária e pela proteção dos recursos naturais renováveis. No subsetor de irrigação, atua subsidiariamente como fiscalizador de obras menores, construídas por meio da Lei de Fomento à Irrigação. Com atribuições tão amplas, não existe correspondente no Brasil. A organização para gestão dos recursos hídricos e do uso da água na irrigação: onde governo, usuários da água e comunidade passam a compartilhar decisões. 228 O Código de Águas chileno distingue três níveis de organização de usuários para o manejo da água para a atividade agrícola: Comunidade de Água – composta por dois ou mais detentores de direitos de uso da água em um sistema comum (de irrigação e ou drenagem). São constituídas por escritura pública, na qual são identificados seus membros e especificados seus direitos, suas normas de operação, incluídos os aspectos administrativos e judiciais, asseguradoras de uma adequada distribuição de água entre seus membros e da operação e manutenção das obras de uso coletivo. Problemas e decisões são discutidos em assembléia geral, a qual também elege os dirigentes da Comunidade de Água. Associação de Canaleiros – formada por todos os irrigantes de um canal comum, incluindo as comunidades de água. Tem funções similares às das comunidades de água, diferindo delas apenas por poderem obter financiamentos em grupo, dado seu caráter de coletividade. Junta de Vigilância, constituída ao nível de um corpo dágua comum. Seus membros são pessoas físicas, entidades públicas, associações de canaleiros, comunidades de água e qualquer outra entidade que utilize a água de uma mesma bacia hidrográfica, inclusive outros usuários, além dos irrigantes. As juntas de vigilância gerenciam e distribuem a água entre seus membros, exploram e mantêm a infra-estrutura coletiva e constroem novas obras para melhorar a distribuição da água ou para propiciar seu uso mais eficiente. É estabelecida por escritura pública, firmada por todos os seus membros, e tem organização interna similar à da comunidade de água. As funções mais importantes das organizações de usuários de água são: - derivar e captar água a partir de uma fonte principal; - explorar, preservar e fomentar a infra-estrutura necessária para seus membros; - gerenciar as obras, independente de seu porte, a elas transferidas pelo Estado ou por elas construídas; - distribuir a água outorgada a seus membros; 229 - recolher tarifas e aplicá-las na administração, distribuição, manutenção e amortização das obras a elas transferidas ou por elas construídas; - suspender a entrega de água, vale dizer, privar do exercício de direito de uso da água, àqueles membros inadimplentes ou que utilizam água além de sua cota outorgada; - dirimir, em primeira instância administrativa, os conflitos entre seus membros, em conformidade com a lei. O aparato institucional chileno, de suporte à fruticultura, completa-se com a o Departamento (Dirección) de Promoção das Exportações (Prochile), vinculado ao Ministério das Relações Exteriores e a Corporação e Fomento à Produção (Corfo), antes, vinculada ao Ministério da Agricultura e, hoje, ao Ministério da Economia. Do lado do setor privado, atuam a Asoexport, representando os interesses dos exportadores, e a Fedefruta, representando os interesses dos produtores de frutas chilenos. Por fim, associando o setor público e privado, atuam a Fundação Chile (uma instituição de direito privado) e as câmaras setoriais ou comitês de exportadores. No ANEXO 1 deste Relatório - Plataforma de Informações encontram-se mais informações sobre o aparato institucional chileno. 4.1.3 - Modelo econômico-financeiro − Fontes de financiamento de investimentos dos programas e projetos de irrigação No Chile, o Banco Mundial participa do programa de construção e reabilitação de obras de médio porte, a exemplo do que ocorre no México e, decrescentemente, no Brasil (Pereira, 1998). Este programa, com recursos do Banco, financia a construção ou reabilitação de projetos entre US$ 800 mil a US$ 12 milhões. O financiamento do Banco é parcial, mas é um programa bemsucedido. Ele facilitou a aplicação de diversos instrumentos existentes na legislação chilena para a operação privada dos projetos. Até agora foram aplicados 43 milhões de dólares. 230 Assim, o Chile conta com três programas básicos de financiamento de obras de irrigação. O primeiro, o programa de construção de grandes obras, cobrindo projetos de até 12 milhões de dólares. Esses projetos incluem a construção de barragens, além de canais primários, secundários e terciários de irrigação. O Estado constrói e financia as obras até a entrada das parcelas ou lotes irrigáveis e recupera parte do custo da sua construção, por linha de crédito de longo prazo, outorgado aos beneficiários. De 1990 a 1999 foram investidos 500 milhões de dólares na construção dessas obras. Entretanto, os recursos são fiscais, do orçamento chileno (Pereira, 1998). O segundo programa é de construção e recuperação de obras de médio porte. Inclui financiamentos de 800 mil a 12 milhões de dólares, com recursos parcialmente provenientes do Banco Mundial. Os recursos fiscais e os empréstimos do Banco Mundial se destinam a programas de reabilitação e construção de novos projetos, com recuperação de parte dos custos (Pereira, 1998). O terceiro programa é o de construção de obras de pequeno porte de irrigação e drenagem. Esse programa, criado pela Lei 1.8450/86, destina-se a fomentar os investimentos privados com valores inferiores a 400 mil dólares, no caso de projetos individuais, ou inferiores a 800 mil dólares, no caso de projetos coletivos (Pereira, 1998). Nesse programa, o governo realiza um leilão de subsídios. Estes alcançaram níveis médios de 50% do valor da obra. Assim, o aporte anual do Estado de 25 milhões de dólares converteu-se num investimento total de 50 milhões de dólares anuais, devido à participação do setor privado. − Incentivos fiscais No Chile há um sistema de incentivos fiscais para a implantação de obras de infra-estrutura de irrigação. Em primeiro lugar, desoneram-se as obras de todos os impostos sobre o valor adicionado. O montante dos impostos é uma transferência adicional para os beneficiários, porquanto constitui um crédito fiscal (Pereira, 1998). 231 De acordo com o Decreto-Lei 1.123, de 1981, o Estado dispõe-se a subsidiar o investimento em um projeto cuja escala o torne rentável para o investidor privado, considerando uma taxa interna de retorno de 15%. O beneficiário terá de provar que é possível consegui-la. Este é considerado o projeto de rentabilidade mínima neste tipo de inversão, para que o beneficiário se habilite a obter o subsídio do Estado. Adicionalmente, o projeto tem de apresentar uma rentabilidade social de, no mínimo, 12% (calculada a partir, não de preços correntes, mas de preços econômicos). Se o projeto não lograr atingir uma rentabilidade social de 12%, sua execução não é recomendada, e o projeto não se credencia a receber qualquer forma de subsídio. Os subsídios, no Chile, são outorgados por meio de leilões, por intermédio dos quais eles são concedidos àqueles que solicitarem menor valor de subsídios e comprovada eficiência técnica dos projetos, incluindo maior área irrigada e menores custos unitários. − Condições para implantação de projetos de irrigação no Chile Ao restabelecer que o financiamento estatal, de infraestrutura de irrigação, requer a ativa participação do setor privado e seu prévio compromisso de participar nos custos de construção, e que, tais obras sejam de propriedade privada, após construídas e colocadas em operação, o Decreto-Lei n.º 1123 / 81 determinou que: • haja participação ativa dos usuários potenciais, desde o correspondente estudo de viabilidade da obra, quando de médio e grande portes; • exista compromisso de 33% dos usuários potenciais de adquirirem a propriedade da obra, como requisito prévio para proceder-se ao desenho definitivo (projeto executivo da obra); • haja compromisso firme de 50% dos usuários potenciais de adquirirem a propriedade da obra, para que sua construção seja autorizada; • após construída, a obra seja provisoriamente administrada pelo Estado, por um período máximo de quatro anos, visando detectarem-se possíveis falhas em sua 232 edificação e se capacitarem os irrigantes para sua operação e manutenção (O&M). Logo após encerrado esse período de transição, tanto a propriedade das obras, quanto sua administração têm de ser transferidas para uma organização de usuários; e, finalmente, • o compromisso de pagar parte dos custos dessa obra pode ser firmado por seus beneficiários diretos, individualmente, ou por uma associação de irrigantes. Quando se tratar de obras de irrigação e drenagem de pequeno porte (custo menor que 800 mil dólares), a Lei 18.450/86 torna-se um importante instrumento para incentivar o setor privado a empreendê-las, ao estabelecer que o Estado poderá ressarcir até 75% dos custos de investimentos em tais obras, desde que elas sirvam para incrementar a área irrigada, melhorar a segurança da irrigação em áreas com déficit hídrico ou melhor habilitar solos mal drenados. Esses subsídios são concedidos aos pequenos agricultores, por meio do balcão de projetos, gerenciado pela Comissão Nacional de Irrigação (CNR). Os limites são de 400 mil dólares, para projetos individuais, e de 800 mil dólares, para projetos que beneficiem organizações de irrigantes. − Mecanismos atuais de recuperação dos investimentos imobilizados em obras de infra-estrutura comum de irrigação, bem como de custeio dos serviços de operação e manutenção de um projeto O sistema de recuperação de custos pelo Estado, das obras maiores e médias baseia-se no Decreto-Lei 1.123/81. O Conselho da Comissão Nacional de Irrigação (CNR) estabeleceu a seguinte política de recuperação de custos: • o valor que se utiliza, como base do contrato de venda da infra-estrutura de irrigação, é o do investimento, estimado pela Direção de Obras Hidráulicas, do Ministério de Obras Públicas, e aprovado pela CNR, para o projeto específico, capitalizado na data de entrega efetiva das obras a seus usuários, com as taxas equivalentes ao custo financeiro do Programa; 233 • o custo da obra divide-se pelo total de direitos de uso da água, gerados pela obra de irrigação; o que se vende são alíquotas (frações ideais) da obra, expressas em direitos de uso da água; • os direitos de uso da água, gerados pela obra, são oferecidos, em primeiro lugar, aos agricultores beneficiários, e, em seguida, havendo sobra de direitos, a quem se interessar; • no custo final da obra não se inclui o Imposto Sobre o Valor Agregado (IVA). Esse tributo é uma transferência adicional que seria restituído ao investidor privado, no longo prazo, já que constitui um crédito fiscal; • o Estado dispõe-se a subsidiar o investimento no projeto até um valor que o torne rentável para o investidor privado, considerando uma Taxa Interna de Retorno (TIR), de 15%, que é o mínimo razoável para esse tipo de investimento, desde que o projeto apresente uma rentabilidade social de, pelo menos, 12%; • a parcela anual a ser paga é expressa em unidades que incluem correção monetária correspondente à elevação do custo de vida. No Chile denominam-se unidades de fomento, com uma taxa de juros de 4,5% a.a., ou em equivalente a quintais de trigo, cujo preço é o vigente no mês de janeiro de cada ano, posto em Santiago, com uma taxa de juros de 6%. Os beneficiários optam pelo tipo de anualidade que desejarem; • a parcela anual a ser paga pelos agricultores leva em conta a possibilidade de subsídios adicionais, que são maiores para os pequenos agricultores; • o prazo máximo para pagamento é de 25 anos, incluindo um período de carência de 4 anos, durante o qual só se pagam os juros da dívida; • a recuperação total do investimento, resultante da amortização pelos beneficiários, em nenhuma hipótese pode234 rá exceder à recuperação plena e real do custo da obra, calculado segundo os fluxos financeiros do Estado; • os compromissos ou contratos de pagamento são firmados com as associações de usuários da água ou mediante contratos individuais; • os pagamentos são efetuados conjuntamente com os pagamentos referentes a contribuições da terra, junto à Receita Federal; • como garantia, o Estado constitui hipoteca sobre os novos direitos de uso da água, subscritos pelo usuário. Segundo o Código de Águas do Chile, os direitos de uso da água (um bem público) são independentes do direito de propriedade da terra. Assim, se um agricultor cessa de pagar, são leiloados seus direitos de uso da água, sem prejuízo de seu patrimônio territorial, ou seja, ele retorna a sua condição de antes da construção da obra; • o custo de operação e manutenção (O&M) das obras deve ser financiado na totalidade pelos irrigantes. De acordo com Pereira (1998), a recuperação de custos de operação e manutenção é integralmente feita. Mesmo durante o período sob supervisão do Estado, que abrange os 4 primeiros anos, todos esses são pagos diretamente pelos usuários, por meio de cerca de 4 mil organizações de usuários de água. O sistema de certificados de águas transacionáveis produziu notável efeito no uso racional do fator mais escasso. Mas o país, prospectivamente, apresenta um problema de falta de disponibilidade de água. A solução encontrada pelo governo foi manter os níveis atuais de produção e dirigir produtos específicos para mercados altamente promissores para colocação de frutas. Uma conclusão importante da experiência é que, se a água é um fator muito escasso, é preciso que seu preço reflita o valor do custo de oportunidade. E a maneira de manter a rentabilidade dos projetos de irrigação é canalizar os produtos com maior valor adicionado para mercados mais exigentes e de maior potencial de consumo, ensejando a colocação de grandes volumes de produ235 tos. Presentemente esta é a diretriz estratégica das novas pesquisas feitas em parceria pelo Estado, fundações e setor privado. 4.1.4 - Modelos de produção, pós-colheita e distribuição − Estratégias de prospeção, inserção e consolidação de mercados A evolução da economia chilena nas últimas décadas, calcada no modelo de livre mercado e de abertura comercial para o exterior, em que pesem alguns constrangimentos, causou transformações profundas na estrutura produtiva do país, orientando-a naturalmente para atividades que apresentam claras vantagens comparativas, de modo a alavancar o acesso do produto chileno ao mercado internacional, onde quer que ele esteja. As notáveis condições de adaptação, agressividade, capacidade técnica e eficiência, demonstradas pelos empresários chilenos, refletem-se nos fortes indicadores de crescimento das exportações chilenas, nas duas últimas décadas. Com efeito, neste período, o Chile ampliou sua oferta e produtos exportáveis de 412 para 3.800 e o número de mercados no exterior, de 60 para 170. O número de empresas exportadoras alcançou 5.800, em 1998, ano em que o Chile, com pouco mais de 14 milhões de habitantes, exportou cerca de US$ 15 bilhões (Prochile, 1999). Assim, a experiência chilena, por exemplo, na promoção da fruticultura e da olericultura e na inserção de seus produtos no mercado internacional, é hoje uma referência mundial, seja pela velocidade, quanto pela magnitude dos resultados alcançados. Não obstante, o modelo chileno é também visto por outros como temerário, considerando-o como incapaz de fortalecer o setor primário da produção (via sua maior participação nos gastos dos consumidores finais), dada sua excessiva concentração do poder de negociação nas mãos de empresas-líderes (de processamento e/ou de comercialização da produção hortícola), muitas delas ainda hoje sob controle de capital externo. Antes de se analisarem as restrições ou constrangimentos, que se apresentam à horticultura chilena, convém assinalar a contribuição do modelo chileno para o sucesso inegável de sua produção, processamento e comercialização de produtos hortícolas, nas duas últimas décadas. 236 É evidente que as condições macroeconômicas, criadas pelo governo chileno, antecedendo ao boom hortícola, foram um dos fatores-chaves para criar a necessária atratividade de mais investimentos privados no segmento da horticultura assim como na produção florestal e atividade pesqueira, ambas também internacionalmente competitivas. Mas a ele se juntou a determinante principal (a grande oportunidade no mercado externo), representada pela demanda sazonal insatisfeita e pela possibilidade técnica de atendê-la por meio da extensão do calendário agrícola, da produção de frutas, hortaliças e flores de clima temperado, do hemisfério Norte (onde também estavam os principais mercados consumidores), transferindo seu cultivo (e conseqüente produção sazonal) para países do hemisfério Sul, equilibrando oferta e demanda naquele período, a um custo menor que o prolongamento da disponibilidade interna, via frigorificação prolongada. A conjugação dessas duas circunstâncias (ou fatores) responde pelo grande interesse despertado e decisão subseqüente também de empreendedores externos de aportar capital de risco ao Chile, inclusive em atividades primárias. É evidente que as alianças estratégicas, construídas entre produtores chilenos e empresas européias e norte-americanas de distribuição atacadista, sobretudo de frutas, fizeram desembarcar no agrochileno não só capital, mas também um know-how valioso, de empresas centradas no mercado, vale dizer, dotadas de uma cultura ou postura de foco no cliente; com uma estratégia competitiva (posicionamento e âmbito competitivo amplo, além-mar) e implementando táticas operacionais que não se restringem aos limites da produção primária, ou seja, da porteira da fazenda (o composto de marketing: produto, preço, distribuição e promoção). Assim, ao ampliar o âmbito competitivo dos produtos chilenos, introduzindo-os no mercado externo, essa aliança estratégica criou (e vem mantendo) uma vantagem competitiva dinâmica para a produção chilena, não só expandindo dramaticamente a demanda por seus produtos hortícolas (dada a limitada dimensão do mercado interno), como, principalmente, colocando os produtores chilenos frente a frente com compradores mais sofisticados e exigentes, situados além-mar, “os quais exigem e pressionam por 237 atendimento de alto nível, em termos de qualidade, características do produto(conformidade) e serviços - o que não é regra nos mercados de países menos desenvolvidos” (Porter, 1993). Mas não se esgota no capital aportado e nos conhecimentos adicionados a contribuição decisiva dos parceiros estratégicos. Juntando-se aos empreendedores nativos, eles também contribuíram para que a classe produtora, que passaram a integrar, conseguisse, via maior poder político e de vocalização, influir mais no desenho de políticas públicas de interesse do setor e na eleição de prioridades para os investimentos governamentais, indispensáveis para se criarem condições de competitividade internacional para o produto made in Chile. Com efeito, os investimentos governamentais realizados, preferencialmente na criação/ampliação e modernização de infraestrutura básica (bens públicos) e não em bens privados, permitiram dotar o país de invejáveis condições logísticas, minimizando a desvantagem comparativa da distância aos novos mercados, e contribuem, ainda hoje, para o diferencial chileno, nos custos póscolheita, vis-à-vis países onde ainda impera o foco na produção e onde a classe produtora primária resiste em associar-se estrategicamente a segmentos localizados a montante (ex ante) e a jusante (ex post) da atividade agrícola, para, ao invés de buscar benesses governamentais e vantagens econômicas espúrias, tratarem de exercer atividades legítimas de lobbying, junto a outras instâncias, como a governamental e legislativa. − Mapeamento das principais cadeias produtivas chilenas, vinculadas à atividade hortícola, inclusive irrigada Os papéis dos setores público e privado Observando o caminho percorrido pelo Chile no envolvimento do setor privado e no papel desempenhado pelo setor público na promoção de sua agricultura, sobretudo da horticultura, nas últimas três décadas, Villalobos (1998) indica um conjunto de princípios que devem ser respeitados para atrair investimentos privados. O primeiro deles é a delimitação exata das esferas de atuação do Estado e do setor privado. Ao Estado deve corresponder as tarefas de definição do marco legal e o cumprimento da 238 regulamentação existente; determinar mecanismos e instrumentos para apoiar a busca de competitividade e produtividade; fortalecer as oportunidades de inserção dos pequenos e médios produtores nos negócios; e apoiar o processo de transformação e modernização da agricultura, principalmente em mercados onde exista marketing failure (formação de poder de mercado que impede o desenvolvimento do investimento privado). Ao setor privado deve corresponder as tarefas de assumir as decisões de caráter empresarial. Portanto, cabe ao produtor privado decidir o quê, quanto, como e quando produzir. O Estado deve apoiar as organizações empresariais privadas. E, por último, constitui faculdade exclusiva de quem se define como empresário, assumir os riscos ou benesses de decisões tomadas. Com essa delimitação de esferas de atuação, é possível atrair investimento privado. Por via de conseqüência, não cabe ao Estado imiscuir-se diretamente no quê, quanto, quando e, sobretudo, como produzir. Cabe ao empresário escolher a tecnologia ao seu alcance e ao seu nível de competência, para alocar seus investimentos e colocar em risco seus recursos próprios e seu patrimônio. Uma tarefa importante do Estado é agir seletivamente a fim de facilitar oportunidades para as pequenas e médias empresas de irrigação. Entretanto, para que a política produza um ambiente favorável de investimentos, é preciso que ela seja coerente com o princípio fundamental de perseguir, não indiscriminada, mas seletivamente, o objetivo fundamental da eficiência econômica e financeira da exploração, adotando sistema de leilão de subsídios e criando incentivos fiscais para o desenvolvimento da irrigação. O sistema de leilão dos subsídios garante a máxima eficiência dos recursos públicos. Assim, Villalobos (1998) sugere as seguintes linhas de ação e de atuação do Estado, que criam um ambiente favorável ao desempenho rentável e competitivo dos investimentos privados no setor, que financiariam as atividades de irrigação: • A primeira linha de ação é a busca da internacionalização do setor, visando ampliar a participação dos negócios de irrigação nos mercados externos; o estímulo à 239 inversão estrangeira no setor de irrigação; a atração do investimento estrangeiro que, além de aportar os recursos de capital, traz, também, tecnologia e acesso a novos mercados externos. • A segunda linha de ação é o aperfeiçoamento dos mercados, que inclui uma permanente atuação junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), no sentido de restringir as barreiras de acesso dos produtos (chilenos) aos mercados importadores, fortalecendo e consolidando um mecanismo de certificação de qualidade (atualmente muito bem conduzido ali pela Fundação Chile) e o acesso à informação acerca das barreiras sanitárias e fitossanitárias dos países para os quais se pretende exportar. • A terceira linha de atuação consiste na pesquisa agropecuária, que é pré-condição para a criação de uma massa crítica de conhecimento científico, para servir de base à atuação dos empresários privados, no momento em que estes decidem investir na atividade. O Estado deve assegurar o acesso à tecnologia por parte dos pequenos e médios produtores. • A quarta e mais importante linha de ação consiste na modernização da gestão empresarial, que produza um ambiente propício aos investimentos privados. Nesse sentido, é necessário criar centros de apoio à gestão empresarial; projetos de fomento de comercialização e exportação; difusão de experiências bem-sucedidas de empresas-líderes, sobre as quais se assentou o desenvolvimento empresarial chileno; e, sobretudo, a capacitação empresarial. Villalobos (1998) indica a necessidade de melhorar o acesso à fonte de financiamento por parte dos pequenos produtores. Para tanto, o governo chileno criou o Fundo de Garantia para o Pequeno Empresário (Fogape), o qual foi recentemente modificado com o objetivo de melhorar o acesso aos créditos para os segmentos de pequena e média empresas de irrigação. Por meio desse fundo são outorgadas garantias adicionais para respaldar 240 suas operações de crédito. Em seguida, vem o mecanismo de bonificação (leilões de subsídios) para os investimentos. Finalmente, também importante foi o esforço empreendido no sentido de facilitar a inserção financeira da pequena e média empresas de irrigação no sistema de oferta de recursos por parte dos bancos privados. Em busca da criação e sustentação de vantagem competitiva dinâmica Como se verá a seguir, os problemas enfrentados originalmente pelo Chile, na integração de pequenos e médios produtores, há quase três décadas, representa uma situação similar à que existe ainda hoje no Brasil. O Chile superou as dificuldades, centrando-se em uma nova forma de organização das cadeias de produção para comercialização dos produtos da horticultura e, posteriormente, da pesca (salmão, principalmente) e da silvicultura. Montenegro (1998), calcado em sua experiência na exportação de frutas no Chile, indica que os problemas de pós-colheita enfrentados pelos pequenos e médios empresários são o maior inimigo que o Estado deve atacar no desenho institucional de cadeias produtivas para produção, preparo e comercialização de produtos também na agricultura irrigada. No Chile, segundo o autor, partiu-se de um diagnóstico dos principais problemas encontrados por esse segmento de empresários e organizaram-se, em ordem de prioridade, as ações a serem implementadas. Procurou-se evitar que esses empresários recebessem mensagens e sinais conflitantes, provenientes dos órgãos e dos profissionais das instituições que operavam na irrigação. Promoveu-se um acordo prévio de como se deveria dialogar e emitir sinais para esse conjunto de produtores. Foram formadas equipes técnicas profissionais multidisciplinares, com o objetivo de buscar soluções viáveis para esse segmento de empresários. Uma lição importante foi de que “os profissionais devem ter humildade para ouvir outras pessoas envolvidas na irrigação, além dos próprios produtores”. Identificou-se que os problemas não são os agricultores e sim o ambiente no qual eles operam. Prevalecia no Chile uma 241 articulação indevida entre as instituições que supostamente “deveriam ajudá-los”. Procurou-se então evitar a chamada “paternidade de idéias” por parte de profissionais e instituições, que procuram “impô-las”, desconhecendo os problemas que se apresentam aos pequenos irrigantes, obstaculizando sua adoção por parte deles. Na abordagem adotada pelo Chile, a organização das cadeias foi do tipo trouble shooting (atacar primeiro os problemas mais graves que os produtores enfrentavam antes de cogitar-se de formar uma cadeia sofisticada de pós-colheita e comercialização). Os problemas mais importantes detectados residiam dentro das áreas irrigadas e consistiam no baixo nível educacional dos irrigantes (um quadro mais dramático no interior do Brasil, onde impera a baixa escolaridade da população rural, inclusive dos pequenos irrigantes); desconfiança; individualismo; derrotismo; inveja em relação ao êxito do vizinho; temor do fracasso; e, o que é mais importante, “passividade e subordinação, esperando que o Estado solucionasse todos os problemas”. Esses foram os primeiros problemas enfrentados. Em seguida, foram identificadas as dificuldades na área de produção. Estas residiam no baixo nível tecnológico, por falta de recursos e crédito; na gestão de recursos naturais imprópria e no fato de os produtores conhecerem os cultivos, porém desconheciam os negócios. Esse é o ponto fundamental para a organização das cadeias produtivas que se baseiam em negócios, não necessariamente em cultivos. O terceiro foco de atenção no Chile foram as debilidades comerciais. Os produtores não tinham volume de produção suficiente para formar um negócio; apenas produziam matéria-prima sem conhecer o enfoque moderno de processos, nem as preferências dos consumidores. Eles vendiam apenas onde produziam, sem agregar valor, nem mesmo do frete. Pensavam no mercado interno (deveras limitado e pouco exigente) e não em exportação. Não conheciam a totalidade dos processos que ocorrem após a colheita. A ampliação do conhecimento dos produtores nessas questões fundamentais foi indispensável para iniciar o processo de montagem das cadeias. Havia total divórcio entre a atividade 242 produtiva e o conhecimento do mundo dos negócios, principalmente sobre o significado e alcance de uma cadeia produtiva integrada. Em seguida, a organização da cadeia atacou os problemas ou ameaças externas, quando foi necessário conscientizar os produtores das barreiras tarifárias e não-tarifárias, em particular as restrições fitossanitárias dos países importadores, para que eles tivessem conhecimento de como opera o comércio internacional e programar a produção dentro de elevados padrões fitossanitários. Em seguida, organizou-se no Chile a cadeia, partindo-se do mercado interno: produtor – processador/normalizador - atacadista - supermercado ou atacadista - varejista e cliente final. Só após a organização no mercado interno se fez a organização da cadeia para a exportação, quando o produtor já conhecia melhor o seu setor, mas também o cliente, o varejista, o supermercado e o atacadista do país importador. Por último, organizaram-se as cadeias agroindustriais de exportação, com packing houses. Foram tomadas iniciativas para que os produtores se associassem e se capacitassem para realizar investimento para processamento/beneficiamento e, após isso, definir o investimento para produzir. Organizou-se a cadeia a partir da identificação da demanda no exterior e do investimento em indústrias de processamento ou de normalização, e, só a partir desse ponto, iniciou-se o desenho do parque produtivo. Como a indústria de produtos processados, como a de conservas, tinha de trabalhar ao longo de todo o ano, era necessário descobrir outros produtos para complementar o suprimento. Por exemplo, o primeiro produto seria o aspargo, porque foi identificada uma demanda para esse produto. Para a planta industrial operar o resto do ano, passou-se a cultivar morango. Para se garantir o suprimento, foi anexada à fabrica um setor de congelamento de morango e aspargos. Em seguida, buscou-se um terceiro produto. Este é o conceito não mais de cadeia horizontal, mas do que se denominou no Chile “malha comercial”(modernamente, network), isto é, uma cadeia organizada por uma grande planta processadora de produtos hortícolas. Essa planta multiprocessadora, ligada a uma empresa multicomercializadora, foi a solução eleita para otimizar o negócio hortícola no Chile. Por conseguinte, 243 a organização de todo o sistema é em torno da agroindústria, não partindo necessariamente de um projeto de irrigação com vocações produtivas predefinidas, senão de uma planta processadora multifuncional e multicomercializadora. Acerca da presença dos intermediários no processo, sempre vistos com grande desconfiança, Montenegro (1998) assinala que toda vez que um segmento não se conecta com outro diretamente, existe a presença de um intermediário ou de um elo. Como assinala o autor, “não se pode falar de vantagens ou desvantagens da existência de um intermediário, porquanto é preciso perguntar primeiro se o grupo de produtores está suficientemente associado para assumir funções que algum intermediário das suas cadeias desempenham no lugar dele”. Por conseguinte, ao assumir funções diferentes da simples produção, o agricultor deixa de ser produtor e passa a ser parte de um grupo ou de uma empresa. Essa é a idéia de que só existe intermediário quando os produtores não estão suficientemente associados para desempenharem tarefas que requerem a presença de um outro elo na cadeia. A razão do relativo sucesso da experiência chilena, de acordo com Montenegro (1998), foi a concentração das atividades do setor público em 3 instâncias: i) A primeira, de caráter organizador, em que o Estado ajudou os agricultores a se organizarem, suprindo as necessidades de educação e capacitação associativa, para vencer suas naturais resistências a se associarem. Foram adotados sistemas de incentivos e de oferecimento de serviços de capacitação gratuitos. No Chile se reconhece que, em geral, essa atividade deveria ser paga para que o produtor a valorize. Essa é a parte essencial da coordenação entre as instituições e os profissionais dentro de um sistema multidisciplinar. ii) No âmbito produtivo, o papel fundamental do Estado é a transferência de tecnologia. O Estado, no início do programa de expansão hortícola, concentrou-se em desen- 244 volver a pesquisa, para produzir os produtos de que o mercado necessita, a custos competitivos. iii) No plano comercial, o Estado ofereceu crédito para investimentos em processadoras e packing houses de exportação, que são investimentos elevados, com prazos longos de maturação, que precisam de créditos relativamente baratos e período de carência. Na área da Mercadotecnia, o Estado participou, junto com o setor privado de estudos de mercado (como no caso do Prochile) com capacitação de profissionais, instituições especializadas na área comercial internacional. Com relação ao setor privado, as principais empresas oferecem 3 tipos de serviços: a oferta de serviços básicos, a competência no negócio e o relacionamento com clientes. Na experiência chilena, os casos bem-sucedidos foram aqueles em que os gerentes dos projetos pertenciam ao mundo dos negócios e com este se relacionavam, inclusive com seus pares, para que a empresa pudesse inserir-se nesse mundo. A relação entre as empresas e os produtores individuais passou por grandes dificuldades. Os conflitos não foram resolvidos de forma simples. Por um lado, há um grande número de produtores que não lograram associar-se, por questão de idade e nível de educação, muito embora aspirem a um nível de renda mais alto, como recompensa pelo seu esforço e pelo seu trabalho. No início, verificou-se uma pequena deterioração no relacionamento dos pequenos produtores com as empresas privadas, devido ao conflito de interesses, já que, por parte do empresário, o objetivo era gerar lucro, e isto implicava a deterioração da condição dos produtores. A solução encontrada foi a adoção do regime de contratos entre os produtores e as empresas. Nesses contratos os irrigantes se comprometem a produzir, segundo as normas de qualidade especificadas pelo comprador, e às empresas compete receber a produção, pagar por ela e comercializá-la. A experiência chilena foi bem-sucedida, na medida em que aumentou muito, ao longo do tempo, a participação de empresas especializadas em agronegócio. A experiência, como assinala 245 Montenegro (1998), indica que os profissionais e os agricultores precisam desenvolver e reconhecer outros tipos de capacitação. As empresas com êxito em sua trajetória no mundo do agronegócio são as que podem ajudar nessa direção, pois conseguem aportar o conhecimento, a consultoria, a gestão e as técnicas de comercialização, inclusive no exterior. No caso chileno, as empresas participaram do processo desde o início, antes mesmo da seleção do lugar específico onde se deveriam construir os projetos de irrigação, aportando desde o princípio sistemas de organização de produção e a comercialização. As empresas, em muitos casos, capacitaram profissionais para que estes ajudassem os produtores a se associarem, criando a figura do “monitor”. A participação desses monitores era tão importante que eles se incumbiam de opinar se um determinado crédito era recuperável ou não, dadas as condições de tecnologia e mercado. Essa experiência, em grande parte, o Chile trouxe do exterior. Como assinalam Pereira (1998), Villalobos (1998) e Montenegro (1998), pode-se resumir abaixo a experiência bemsucedida do Chile: A constatação de que o agricultor não pode enfrentar de forma isolada um negócio como a irrigação, dentro de uma cadeia sofisticada, quando a atividade requer um investimento muito elevado e alto nível de capacitação, na gestão da produção e da comercialização. Para participar de uma cadeia comercial bem-sucedida, o produtor tem de ser ou de grande porte (volume de negócios), ou, se médio e pequeno, associar-se, de forma organizada, para ter um volume mínimo crítico de produção. Esses arranjos no Chile compreendem quatro tipos, a saber: produtores isolados (producers) – aqueles produtores, com pequenas áreas e que pagam por todos os serviços de comercialização a intermediários. Sua margem situa-se em torno de 10% do retorno econômico total. Além de ficarem nas mãos dos intermediários, pouco influenciam nos preços (pelo baixo volume ofertado); Produtores que integram as atividades de produção e embalagem (producers and packers) – produtores com uma melhor 246 organização empresarial, que agregam duas atividades, porém suas unidades produtivas ainda não têm os volumes críticos para realizar operações diretas de exportação; Produtores integrando produção, embalagem e exportação (producers, packers and shippers) – aquelas unidades empresariais que realizam todas as operações, da produção à exportação. Nesta condição, existem dois grupos: empresários de grande porte e produtores associados em empresas, especialmente de comercialização, que cuida da terceira atividade (exportação) ou da embalagem e exportação; Finalmente, existem as centrais frutícolas. São empresas que oferecem serviços de embalagem e de comercialização aos produtores individuais. Elas não têm áreas de produção própria. Foram elas que, inicialmente, criaram as condições paras exportações frutícolas chilenas. São grandes comercializadoras, com marcas mundiais, como Chiquita, Dole, Unifrutti e outras. São três os tipos de contratos: livre consignação, retorno mínimo assegurado e venda firme. No primeiro tipo, os produtores (a maioria) estão expostos às informações de preço e liquidações que as empresas decidem passar-lhes. Os outros tipos de contratos dão maior segurança aos produtores, porém não são muito comuns. Para enfrentar as dificuldades de organização dos agricultores, é necessário que eles sejam capacitados ou que a organização seja fruto de um esforço dirigido e consciente, com elevado grau de motivação e capacitação. Nesta área, o governo chileno vem atuando com um arsenal de instrumentos de apoio, visando tornar mais competitivos os pequenos e médios agricultores, num ambiente comercial cada vez mais globalizado. No Chile, existe apoio financeiro tanto para agricultores organizados, como para agricultores isolados, de qualquer porte. Mas exigem-se projetos viáveis. Agricultores e empresas bemsucedidos foram os que implementaram o processo completo, desde a organização, com capacitação, até a finalização do processo, que é a gestão comercial. Assim, agricultores com 5 a 15 247 hectares irrigados de frutícolas podem obter excelente retorno econômico na sua atividade. Em suma, o segredo do sucesso do Chile está baseado em 3 pontos fundamentais: (i) a questão do modelo institucional e organizacional a promover; (ii) a gestão do processo produtivo primário e (iii) a gestão comercial, todas as três combinadas de forma equilibrada. É preciso ressaltar que a gestão da produção é apenas um dos elementos do tripé e não o mais importante deles todos. A ação deve-se iniciar pelo desenho organizacional. O Chile atingiu um patamar de institucionalização desse modelo organizacional do complexo hortícola, passando por grandes dificuldades, as quais, apesar do êxito alcançado, não está livre de constrangimentos, presentes e/ou potenciais. 4.1.5 - Perspectiva para a agricultura irrigada no Chile Embora configuram um caso bem-sucedido de transição para uma nova estratégia de crescimento impulsionado pelas exportações – que passaram de 12% do PIB, em 1974, para 32%, em 89, seu desempenho na década de 80 só foi bom, dada a performance sofrível dos demais países latino-americanos, mergulhados na hiperinflação. Quanto a suas exportações, que haviam aumentado a uma taxa anual de 10,4%, na década e 70, tiveram seu crescimento reduzido à metade, no período 1980/91. A primeira razão para desempenho 50% menor foi que, no período, as exportações mundiais como um todo cresceram mais rápido que a chilena. O segundo motivo é menos aparente, embora mais importante. Ele diz respeito à estrutura do comércio chileno: embora se tornasse muito bom em alguns produtos agrícolas e no setor alimentício, o desempenho de suas exportações ficou estagnado, tratando-se de produtos caracterizados pelo seu maior conteúdo tecnológico e a produtos de fornecedores especializados. Ou seja, as exportações concentravam-se em duas categorias apenas: produtos alimentícios e matérias-primas (frutas, vinho, cobre e produtos florestais, respectivamente) e produtos industrializados, com uso intensivo de recursos naturais (como a farinha de peixe, pescado enlatado, polpa e madeira para fabrico de papel, peixes produzidos em criatórios artificiais). Os produtos industrializados 248 produzidos de forma sustentável, seja com baixa, média ou alta tecnologia, tinham pequena participação nas exportações. Entre as razões que explicam o bom desempenho chileno, nas últimas décadas, também se alinham: - até o fim da década de 80, o governo contemporizava com uma economia baseada no uso não-sustentado de seus recursos naturais, com absoluta ausência de controles ambientais, além da contenção de salários, o que tornava os produtos chilenos altamente competitivos em preço. Por exemplo, a pesca predatória de peixes, na costa chilena, para fabrico de farinha de peixe; - a existência de um segmento da classe rural muito forte, dotado de capital e habilidades empreendedoras, para enfrentar o mercado mundial, ancorando-se na cópia de tecnologia do hemisfério Norte, como na produção de frutas e criação de peixes; - importante apoio das instituições financeiras internacionais, somado ao impulso do comércio internacional, numa nova economia mundial mais aberta; - substancial investimento estrangeiro direto (quase 1 bilhão de dólares ao ano, de 1983 a 90), estimulado pela credibilidade do país junto às instituições financeiras internacionais; e - crescimento dos investimentos públicos, que passaram de 4,6%, em 82, para 8% do PIB, em 87 (Castells, 1999; Sainz & Calcagno, 1992), principalmente para melhorar a infra-estrutura do país, em especial dos portos, aeroportos, da malha rodoviária, principal e secundária, e de outras infra-estruturas de serviços. O objetivo seria facilitar o escoamento dos produtos para o mercado, particularmente o externo, criando vantagem competitiva dinâmica para os produtos made in Chile. O constrangimento, de ordem física e ambiental, para a futura expansão da agricultura irrigada no Chile, sobretudo via projetos privados de irrigação, apoiados pelo Estado, além da restrição 249 macroeconômica imperante, relaciona-se à necessidade de disputar, com o setor privado, a outorga de direitos de uso da água. Mesmo assim, em regiões como a do Sul, só está disponível para terras de baixa aptidão agrícola, ou está no limite de uso da água disponível, nas terras de melhor aptidão agrícola. Em algumas áreas ao norte do país, a utilização de água na mineração do cobre (carro-chefe da economia chilena, representando mais de 40% de seu PIB) está produzindo sua poluição. Parte da água para a irrigação se obtém da mesma fonte. A outra fonte são as águas servidas e não tratadas de Santiago, lançadas no rio Mapocho, na Zona Central do país, onde também ocorre contaminação dos rios por descarga de resíduos industriais líquidos. Portanto, os projetos de irrigação e drenagem de certa envergadura já enfrentam problemas de escassez e de qualidade da água, devendo submeter-se a estudos de impacto ambiental, de acordo com a Lei de Meio Ambiente do Chile. Finalmente, outro problema se refere à competição pelo uso da água entre irrigação, saneamento ambiental, geração de energia e a própria mineração, pela ausência ou não-institucionalização de outros instrumentos importantes de gestão na política chilena de recursos hídricos. Ao se observar o aparato governamental chileno, descrito no capítulo referente ao marco institucional e complementado no Anexo 9.1 deste Relatório, nota-se a preocupante referência ao declínio de um de seus órgãos de pesquisa agrícola, o Instituto Nacional de Investigações Agropecuárias (INIA). O Sistema de Pesquisa Agropecuária chileno encontra-se em acelerado processo de definhamento. Passados quase 30 anos do início da formidável trajetória chilena na produção hortícola, a descontinuidade na atuação de um de seus importantes órgãos de pesquisa agropecuária começa a impor limites à vantagem competitiva dinâmica do país na produção agrícola de exportação. Um exemplo muito lembrado pelos fruticultores chilenos é a ameaça real da maçã brasileira no mercado interno e mesmo internacional. Os cultivares gala, fuji e, mais recentemente, Pink Lady, melhorados pela EMBRAPA no Rio Grande do Sul, vêm ocupando espaço e, com isso, deslocando o produto chileno - a maçã red delicious, entre outros. 250 Compreendem-se tais temores, quando se recorda que o grande impulso inicial à horticultura chilena foi dado pelos importadores europeus e americanos, que, além de know- how mercadológico, aportaram capital de risco e tecnologia agrícola, esta meramente transferida do hemisfério Norte, por se tratar de cultivos de clima temperado. À medida que os concorrentes potenciais, inclusive o Brasil, ampliam sua capacidade própria de gerar tecnologia e não são seguidos, nesse esforço, pelos países menos autônomos na geração desses conhecimentos, crescem os constrangimentos à manutenção da vantagem competitiva desses últimos. No caso da maçã, por exemplo, o Brasil passou de uma produção de 330.800 toneladas, em 1991, para 708 900 t, em 98, e tornou-se um competidor importante do Chile e Argentina, não só no mercado externo, mas também em nosso mercado interno, antes dominado pela fruta estrangeira. Essa fragilidade do Sistema de Pesquisa e Desenvolvimento limita, inclusive, o alcance de outros esforços inovadores. Ao longo desses anos, vêm sendo implementados no Chile, com vistas à transferência e difusão de conhecimentos e tecnologia para suas atividades hortícolas, florestais e pesqueiras. Lideram essas atividades instituições de prestígio, conduzidas por meio de arranjos operacionais modernos, tais como a Fundação Chile, uma corporação de direito privado, criada em 1976, cuja função é transferir tecnologias testadas que contribuam para o melhor aproveitamento dos recursos naturais e da capacidade produtiva do Chile; a Red Cettec, desenvolvida inicialmente na Alemanha, uma rede virtual, composta de centros de transferência tecnológica, conectando profissionais e especialistas com grande domínio de temas relevantes para o desenvolvimento do país, tal como propõem o CNPq, a EMBRAPA e o próprio Banco do Nordeste, para a agricultura irrigada do Nordeste. 4.2 - O Caso da Argentina 4.2.1 - Quadro geral A Argentina, situada no extremo-sul das Américas, detém uma superfície de 3,8 milhões de km2 e uma população de 37.000.000 de habitantes. Seu PIB foi de US$ 298,131bilhões de dólares, em 1998, segundo o BIRD (2000). 251 Sua posição geográfica, estendendo-se do trópico ao círculo polar, lhe confere climas que variam do tropical-úmido ao desértico frio da Patagônia. A zona Norte é a mais importante para a produção agrícola, onde predomina o clima temperado. A zona Este é úmida e possui grandes áreas planas, com extensas pastagens naturais. As zonas Centro e Oeste são mais áridas, requerem irrigação, a qual ali se desenvolveu desde o período colonial. Das referidas zonas provêm frutas tanto de clima temperado, quanto tropical, e hortaliças. São cultivados também a cana-deaçúcar e o algodão. A Argentina é uma república federada, com 23 províncias, que são estados soberanos, inclusive para legislar sobre a água. Somente 13 dessas províncias fazem uso intensivo da água dos rios para irrigação e situam-se no noroeste do país (Jujuy, Salta, Tucumán, Santiago Del Estero, Catamarca e La Rioja), no Nordeste (Corrientes e Entre Rios); no Centro (Córdoba) e no Oeste (San Juan, San Luis, Mendoza - que detém a maior área irrigada, com 360 mil hectares, concentrados em nove áreas - e Neuquen, limítrofes com a região central do Chile). A irrigação na Argentina data da época pré-colombiana e desenvolveu-se principalmente nas atuais províncias do Oeste, onde as deficiências hídricas são maiores. A diversidade agroclimática diferencia as distintas regiões de forma marcante, possibilitando ao produtor argentino, assim, obter grande variedade de cultivos, desde os tropicais até os de clima temperado. Antes de 1970, a área irrigada total no país tinha superado 1.760.000 ha, começando a decair a partir de meados dessa década. Em 1990, a área irrigável somava 1. 680.000 hectares. Como a população argentina daquele ano alcançara 32,5 milhões de habitantes, o índice de área irrigável/habitante foi de 0,052, quase três vezes maior que a do Brasil, naquele ano (0,018) e acima da média dos 29 países com maior área irrigada do globo (0,046). Em 1998, a participação da área irrigada na área cultivável total do país foi de apenas 6,3%, e, em 1980, atingiu 5,8%. Na atualidade, irrigam-se 1.400.000 hectares, que representam aproximadamente metade do seu potencial de terras e águas na região Oeste. Nas áreas úmidas e sub-úmidas, no en252 tanto, aumentaram as áreas com irrigação complementar. O total irrigado representa apenas 4 % da área total cultivada no país. No contexto latino-americano, esta área irrigada representa menos do 10%. No entanto, esse percentual é ali ultrapassado apenas pelo México e Brasil. 4.2.2 - Evolução do marco legal e institucional O processo de irrigação no país foi iniciado no princípio de 1900, com a chegada do fluxo migratório vindo da Europa, trazendo sua experiência e tecnologia. Formula-se, então, a primeira Lei de Águas, inspirada na lei de Espanha, sob a égide da qual o governo articula a construção das primeiras grandes obras hidráulicas. O rápido crescimento da irrigação, com base principalmente nas explorações familiares, começa a declinar em meados da década de 50, para dar lugar às explorações de tipo empresarial, de maior rentabilidade, com áreas de mais de 25 ha, que tiveram expansão entre os anos 60 a 80. Essas empresas, que contavam com gerenciamento mais técnico, agregaram agroindústrias, a fim de obterem maiores vantagens. A partir dos anos 80, com o avanço tecnológico e o começo da globalização, inicia-se a implantação de grandes áreas empresariais integradas, pertencentes a grupos econômicos de investidores, nacionais e internacionais, os quais, na atualidade, ditam o rumo das atividades no subsetor de irrigação na Argentina. Tendo o país um sistema de governo federativo, as províncias (como os estados, no Brasil) passaram a ser autônomas. A administração das águas era exercida nelas em distintas formas, seja centralizada ou descentralizada; em outras províncias a água era administrada por uma empresa nacional de geração hidroelétrica, com centralização nacional; o recolhimento das tarifas praticamente não existia. A partir de 1990, após um grave surto hiperinflacionário, inicia-se o processo de modernização da economia do país. Paralelamente, são privatizadas as grandes empresas nacionais e a administração das águas é repassada às províncias, em todos os casos, com o objetivo de reduzir gastos do governo central, descentralizar a administração e fazê-la de forma participativa com os 253 usuários. Deu-se, desta forma, início ao processo que deve levar à sustentabilidade do sistema. Em cada província foi criada, se já não existia, uma agência de água, para atingir aquele objetivo. Cada província iniciou seu processo de organização da administração e legislação de água, de forma independente, segundo sua experiência histórica. Entretanto, a experiência secular da Província de Mendoza, nesta questão, sempre foi considerada como ponto de partida para as demais províncias. Tal experiência, legal e institucional, será apresentada com maior detalhe para ilustrar a situação nacional. − MARCO LEGAL O regime federativo de governo da Argentina consagra três níveis de governo e administração: nacional, provincial e municipal. A Constituição estabelece a distribuição de competências entre a Nação e as províncias. O Congresso estabelece, por meio do Código Civil, princípios essenciais vinculados à condição jurídica das águas, ao seu uso e às limitações de domínio a ela vinculadas, quais sejam: (i) princípio de dominialidade pública das águas (art. 2.340); (ii) princípio da concessão do uso das águas (art.2.341); (iii) princípio restritivo de domínio privado para certas águas (art. 2.350, 2.635, 2.636 e 2.637); e ( iv) princípio do domínio privado limitado em benefício do uso das águas que surge do âmbito das restrições e servidões civis e administrativas (art. 2.611, 2.639, 3.082 e 3.094). A competência provincial é a de regular o regime jurídico aplicável ao uso dos bens públicos (permissões e concessões), às limitações administrativas à propriedade e às formas que possam adotar a administração, aplicáveis ao governo das águas. Em virtude dessas faculdades próprias, as províncias têm editado leis de águas, referentes especificamente à água de irrigação e, em alguns casos, incluindo as leis de águas subterrâneas. Poucas províncias têm um código de águas, propriamente dito, que inclua um conjunto ordenado e sistemático de disposições relativas à água, seu uso, prioridades, limitações a que está sujeita, normas referentes ao registro e cadastro, obras hidráulicas e outras. 254 A Lei Geral de Águas de Mendoza, sancionada em 1884, será comentada resumidamente, já que foi a referência para as restantes leis do país. A Constituição Provincial (Seção Sexta) conforma a base legal para o regime das águas em Mendoza. A Constituição de 1894 permitiu, também, estruturar o organismo descentralizado, encarregado da administração da água, Departamento Geral de Irrigação (DGI), que obteve plena autonomia com a sanção da Constituição de 1916. A referida Lei estabelece: 1. O princípio da inerência da água à terra é fundamental para promover investimentos em infraestrutura e bens de capital. 2. O regime de perpetuidade nas concessões para irrigação e consumo para povoados. 3. Uma cláusula de outorga de novas concessões, desde que sem prejuízo de terceiros. 4. O poder de polícia da Província. 5. O sistema de entrega da dotação pelo volume, tempo e superfície e pro rata em período de escassez. 6. A administração autárquica pela DGI. 7. A administração descentralizada dos canais, pelas “inspeções”. 8. Restrições ao domínio e servidões administrativas. 9. O DGI tem regulado a outorga de permissões, para uso de deságües, para a extração da areia do leito ou permissões temporárias, nos períodos de vazões abundantes. 10. Estabelece um sistema rígido de prioridades de uso. A Lei normatiza tudo o que diga respeito à água para irrigação, mas não da mesma forma para o uso industrial. 11. O sistema de entrega da dotação não é racional. A Lei 386 define a dotação como a quantidade de água por hectare necessária para a finalidade a que esta se destine. Este sistema tampouco é o desejável. Pretende-se adotar sistemas de entrega mais técnicos, por volume. Para tanto, a infra-estrutura deveria ser reformada completamente. Define-se por concessão de água o direito perfeito, pleno, com conteúdo patrimonial e, conseqüentemente, protegido legalmente como parte do direito de propriedade do titular. A permissão de uso é precária e revogável, outorgando-se geralmente por tempo limitado. O Registro e Cadastro de Águas é a base para os processos de planejamento, legislação e administração do sistema. A importância dada a esta informação está patente, já que, para 255 mantê-lo atualizado, a Lei veda aos cartórios autorizar a lavratura de escritura de domínio ou de constituição de hipotecas dos imóveis com direito de água, sem prévia apresentação da certidão de “ nada consta ” do DGI. A Lei 1920 dispõe sobre o Registro de Águas Privadas, para que o DGI possa exercer o controle dessas águas. Define-se, no Código Civil, como água privada, a água de chuva na área privada, fontes que não formam córregos naturais e vertentes que nascem e morrem dentro da mesma propriedade. As águas públicas são os mares, rios, canais, água que flui nos córregos naturais, lagos, águas subterrâneas e águas que têm ou possam ter aptidão para satisfazer usos de interesse geral. Os consórcios de usuários têm hierarquia constitucional; as Associações de Organismos de Usuários (AOU) constituem-se, segundo a Lei 6.405/96 de Mendoza, que, no momento, é a melhor estruturada do país. Em relação às águas subterrâneas, as leis 4.035 e 4.036/74 compõem um estatuto completo que resolve a situação de direitos adquiridos perante a mudança no Código Civil, que as determinou como públicas. Ainda é necessário determinar o preço da água, objetivando estabelecer cargas financeiras racionais. Não se dispõe de normas de reciclagem da água, para incrementar a sua disponibilidade com as novas técnicas de reuso. No contexto ambiental, também não se conta ainda com normas para resolver os conflitos derivados da contaminação urbana e industrial com efeito direto no uso da água para irrigação. O DGI, preocupado com a degradação da qualidade das águas, tem regulamentado a entrada de água contaminada na rede de canais, com ênfase na concentração orgânica, microorganismos e salinidade. Criou também um Registro Único de Estabelecimentos de águas contaminadas, regulamentando sua destinação ou descarga. A falta de controle das águas e sólidos poluentes, originados nas áreas urbanas, de indústrias várias, de petróleo e de agroindús256 trias, está produzindo níveis indesejáveis de poluentes em reservatórios, atingindo também os aqüíferos subterrâneos, obrigando a perfurar a maiores profundidades para se obter água de qualidade. Os conflitos decorrentes dos usos diversos da água ocasionam os maiores problemas legais nas províncias. Os processos legais são muito lentos, tanto administrativa, quanto judicialmente, devido aos procedimentos formais e burocráticos. Por isso, e, principalmente, por problemas de ordem administrativa, as leis geralmente não se cumprem na plenitude. São, portanto, baixas a sua eficiência e eficácia. Com freqüência, ocorrem: uso ineficiente, falta de pagamento das tarifas dágua, falta de conservação da rede de distribuição, uso clandestino e marginal, venda e derivações proibidas, contaminação, cadastros incompletos e registros desatualizados, deficiente participação dos usuários, não-cumprimento do princípio de prioridades de uso e outros. Na Argentina não existem projetos públicos de irrigação, tal como definidos no Brasil. Existem, sim, alguns poucos projetos de colonização, gerados pelo Estado. Nestes casos, desapropriam-se as terras, por meio de uma lei do Congresso, por intermédio da qual são declaradas de utilidade pública as glebas a desapropriar. Uma comissão avaliadora, criada pela mesma lei, faz um estudo e avalia as áreas a desapropriar, tomando em consideração os investimentos feitos. O resultado da avaliação é notificado aos proprietários, que têm o direito de recorrer se não concordam com o valor. Na própria lei se estabelece a origem dos recursos financeiros para o pagamento das terras desapropriadas. A recuperação do capital investido pelo Estado no projeto é reembolsada. A parte financiada pelos bancos internacionais segue as regras normais, estabelecidas para esses casos. − MARCO INSTITUCIONAL Cada província que faça uso intensivo da irrigação cria uma estrutura organizacional para a administração da água, a partir da descentralização, em 1990. Essas estruturas coordenam a operação dos sistemas hidráulicos da fonte com os responsáveis pela geração de energia. 257 O modelo institucional responde com poucas variações ao modelo aplicado em Mendoza, que já conta com cem anos de experiência. Os governos de Tucumán, Salta, Jujuy e Rio Negro já possuem estrutura similar. Os demais apresentam graus distintos de progresso nos aspetos administrativos, descentralizados e participativos. • Estrutura administrativa: o caso de Mendoza Para traduzir a experiência argentina nesta matéria, detalha-se a estrutura de Mendoza representada pelo Departamento General de Irrigação (DGI). A Lei n.º 322, de 1905, regulamentou as cláusulas constitucionais para a sua organização. A Província de Mendoza possui cinco bacias hidrográficas aproveitadas para a irrigação que disponibilizam uma vazão média de 186 m3/s, originados do degelo da Cordilheira dos Andes. Quatro desses rios estão regulados. A área irrigada é de 360.000 hectares. Existem 585.000 ha outorgados e registrados para irrigação. Considerando outros usos, tais como abastecimento urbano, industrial, energético, recreativo, etc. esta área eleva-se a 700.000 ha. Os deságües são reaproveitados. Existem aqüíferos subterrâneos que também são intensamente explorados, produzindo aproximadamente 50 m3/s. A infra-estrutura de toda a rede de irrigação totaliza 9.000 km e a de drenagem, 2.500 km. O DGI é um organismo autônomo com uma administração autárquica e único responsável pela administração da água na Província. O DGI mantém relação indireta mas não de dependência com o Poder Executivo Provincial. O superintendente é a autoridade máxima, que governa juntamente com um conselho, de cinco membros (um para cada rio), designados pelo Poder Executivo Provincial, em comum acordo com o Senado. Permanecem cinco anos nos seus cargos, renováveis um por ano e reelegíveis; o governador da província tem mandato de quatro anos. Esta nãocoincidência de mandatos dá certa independência política partidária ao organismo em favor da eficiência operativa. Anualmente, sanciona-se o Orçamento de Gastos e Cálculos de Recursos, elaborado pelo Tribunal Administrativo do DGI, 258 integrado pelo Superintendente e o Conselho; ele tem, portanto, caráter impositivo, fixando as tarifas, para poder cumprir suas responsabilidades. Também não precisa de autorização legislativa para o investimento das suas receitas. Sua autonomia patrimonial é completa, dando maior agilidade ao sistema. Cada um dos cinco rios do sistema tem uma “direção autônoma”, autorizado pela Constituição, mas sem prejuízo da dependência ao DGI. Para cada um desses rios existe um “subdelegado,”que depende hierarquicamente do superintendente; por meio de regulamento administrativo, cria-se uma “junta honorária de irrigantes” para cada subdelegação. As grandes obras principais, tais como barragem de acumulação ou de derivação, canais principais, projetados pelo DGI ou pelo Poder Executivo Provincial, devem ser autorizadas pela lei. As funções de cada nível administrativo são as seguintes: Tribunal Administrativo (formado pelo conselho e o superintendente), tem as funções de: (i) nomear e destituir funcionários do DGI; ii) sancionar o orçamento anual e fixar as tarifas e taxas a receber; (iii) aprovar ou não o resultado das eleições de “autoridades de canais” e nomear um interventor (se necessário); (iv) aprovar ou rejeitar o orçamento anual destes canais; (v) expedir regulamentos para o uso interno do DGI mas que também criam direitos e obrigações aos usuários dágua; (vi) outorgar concessões para a utilização de águas subterrâneas. Este tribunal não tem funções juridiscionais. Conselho de Apelações é o tribunal superior de instância administrativa em matéria de distribuição e uso de águas públicas. É formado pelos cinco conselheiros. As decisões do superintendente são recorríveis ao Tribunal, que constitui a última instância administrativa. Acima dela, só a Suprema Corte Provincial (Lei 3 918). Superintendente de irrigação é a autoridade executiva e técnica máxima do DGI, responsável pela administração da água e pela aplicação da Lei de Águas. Tem faculdade para ditar tudo o que for necessário para o bom uso e aproveitamento da água. É o representante legal do DGI e também “Juiz de Águas”, já que decide sobre as questões que tenham sido objeto de apelação às 259 decisões dos subdelegados. Recebe as requisições de concessão de água pública; mas a decisão final é da legislatura. Administra as verbas do DGI, prestando contas ao Tribunal Administrativo. Decreta a forma de entrega da água na época de estiagem. O superintendente é escolhido pelo Senado Provincial de uma lista tríplice, proposta pelo Poder Executivo; permanece cinco anos no cargo e pode ser destituído unicamente por julgamento político, quando demonstre irresponsabilidade no cumprimento de suas obrigações. Subdelegados: são os responsáveis pela administração dos rios; os engenheiros nomeados para o cargo dependem diretamente do superintendente. Os subdelegados são juízes de segunda instância, recebendo as apelações das decisões dos “ inspetores de canais”, quando for o caso. Esta descentralização burocrática territorial, que é feita com base nas bacias hidrográficas, e não nas subdivisões políticas, facilita a gestão de águas. Distribuidores de água (compartidos) são funcionários subalternos dos subdelegados, encarregados de entregar as vazões definidas aos inspetores de canais e de conservar as estruturas hidráulicas existentes nos rios. Juntas honorárias de irrigantes, de caráter consultivo para cada subdelegação, foram criadas pela Resolução no. 53/59 do superintendente. Estão integradas pelo subdelegado, um membro do conselho vinculado à área e três irrigantes, eleitos anualmente pelos inspetores de canais. Representam as partes alta, média e baixa dos canais. As suas funções são: (i) controlar a distribuição de água nos canais; (ii) tentar dirimir conflitos menores; (iii) supervisionar a construção de obras e sugerir outras novas. Autoridades de canais: todos os canais são administrados pelos usuários, à exceção de alguns poucos canais principais, de grande porte, que ficam com a administração direta do DGI. Canais primários, secundários e de menor ordem têm também a sua administração autônoma; canais de drenagem ou que cumprem as duas funções são administrados da mesma forma. O administrador do canal é o inspetor, eleito a cada quatro anos pelos irrigantes registrados no canal. Se a área irrigada for 260 superior a 300 hectares, escolhe-se também uma junta de três delegados, que constituem o corpo deliberativo. As eleições são presididas pelo inspetor a ser sucedido e controladas pelo tribunal administrativo. Estes cargos são ad honorem. No entanto, a Lei especial 2.503, autoriza o tribunal administrativo a concordar com a fixação de salários para os inspetores, quando as funções exigem um tempo maior. As atribuições da junta são: (i) fixar o montante do pro rata anual que devem pagar os usuários; (ii) fixar o orçamento anual do canal; (iii) orçar e autorizar as obras que devem ser feitas no canal; (iv) examinar, aprovar ou desaprovar as contas administrativas apresentadas pelo inspetor; (v) denunciar o Inspetor perante o superintendente, caso sejam comprovadas irregularidades administrativas. O inspetor é um juiz de água de primeira instância que exerce poder de polícia, devendo, portanto, decidir os conflitos levantados por causa da distribuição da água. Ele administra o canal e controla a distribuição da água feita pelos canaleiros, funcionários da organização. Com o dinheiro recolhido, são pagos os salários, limpeza anual e manutenção das obras e melhorias na infra-estrutura. O tribunal administrativo dá as normas formais para apresentação dos orçamentos anuais dos canais, impondo algumas regulamentações de manejo do patrimônio e limitações de gastos. O tribunal pode desaprovar esses orçamentos e definir outros. Mas o tribunal não pode revisar as decisões das autoridades dos canais, no que diz respeito à oportunidade e conveniência, limitando-se apenas a julgar sua legitimidade. Em determinadas circunstâncias, os usuários, em vez de pagar os pro rata, decidem fazer por eles mesmos os trabalhos necessários, incluindo mão-de-obra e materiais. Os usuários água detêm as seguintes faculdades: (i) usar a água (em conformidade com sua classe de uso), durante o tempo, o volume e a superfície para a qual lhe fora outorgada; (ii) exigir do Estado e de terceiros que respeitem os seus direitos, fazendo impor a servidão de canais de irrigação e drenagem, expropriando terras, se for necessário; (iii) exigir que se respeite a qualidade de água a ser usada. Por sua vez, os usuários estão obrigados a: (i) usar a 261 água que lhes foi outorgada; (ii) pagar as tarifas pelo uso da água; (iii) pagar os gastos ocasionados pela servidão exigida; (iv) respeitar a integridade física e química da água; (v) pagar a manutenção de obras e gastos para o funcionamento da organização. A partir do momento em que o irrigante é usuário de um canal, constitui-se, por força de lei, parte do Organismo de Usuários (OU) ou também denominadas inspeções de canal, sendo submetido ao Inspetor, autoridade máxima do canal. As OUs, organização de primeiro grau, são pessoas de direito público, têm autonomia financeira e plena capacidade legal. São submetidos a uma vigilância técnica por parte do superintendente e dos subdelegados de rio. A Organização das Associações de Organismos de Usuários (AOU), organização de segundo grau, criada pela Lei 6.405/96, é de formação voluntária, agrupa duas ou mais OUs, com os objetivos de defender os seus direitos e de fomentar os seus interesses; são organizações legalmente constituídas, com plena capacidade de direito público e privado, podem elaborar seus estatutos, escolher autoridades, aprovar orçamentos e administrar suas receitas. Pela sua natureza, sua área de atuação territorial é zonal/regional. A administração da água em Mendoza foi estruturada inicialmente para uma sociedade agrícola, na qual o agricultor minifundiário - familiar, capitalizado, era o principal ator. No presente, a sociedade usuária é urbana, agrícola, industrial. O perfil do produtor também mudou, do minifundiário para o médio empresário, com ligações estratégicas; as empresas mudaram de grandes investimentos de capital e integradas para cadeia produtiva. Tem-se observado que a participação ativa do irrigante, na administração da água, é inversamente proporcional à superfície irrigada, a partir da faixa de 10-25 ha, chegando a zero em áreas de 100 ha. Por outra parte, a eficiência da irrigação aumenta a partir de áreas acima de 5-10 ha. Esses dados são preocupantes, já que o setor com maiores potencialidades econômicas e de maior conhecimento está sendo alijado da administração do recurso. Assim, a forma de re262 presentação das unidades mais produtivas deveria ser revisada, implicando, para tanto, mudança também na legislação. Vive-se, portanto, uma fase de transição, tentando acompanhar, dentro das possibilidades que oferece o negócio agrícola atual, as novas exigências evolutivas, com vistas a mudanças bem mais profundas. Com o objetivo de fortalecer as OUs, e torná-las mais eficientes, foi iniciado, a partir de 1985, um processo de agrupamento delas, pois é evidente a vantagem em alcançar uma economia de escala das pequenas OUs, reunindo-as em unidades de 5.000 a 10.000 ha ou mais. Assim, as 760 OU existentes foram reduzidas a 360. Desse modo, foram-se criando as AOUs, dando continuidade ao sistema de descentralização administrativa. Desta forma, torna-se viável fazer investimentos diretos em maquinaria, manutenção das redes e até projetos de modernização. Esta mudança racionaliza funções, economiza recursos e resulta numa maior eficiência global no uso da água. O fortalecimento desses organismos de primeiro e segundo graus tem produzido também um incremento no recolhimento das tarifas, maior controle de registros de usuários, disponibilizando uma receita superior para aplicação no melhoramento da rede de irrigação. 4.2.3 - Mecanismos de recuperação dos investimentos imobilizados em obras de infra-estrutura comum de irrigação e no custeio dos serviços de operação e manutenção Custos da água de tarifas para operação e manutenção de água superficial têm os seguintes componentes: a) o orçamento do DGI que considera: (i) custos administrativos; (ii) manutenção das barragens de derivação e dos canais principais; (iii) gastos operacionais com maquinaria pesada para fazer a manutenção dos rios; e (iv) financiamento de obras executadas em barragens e canais principais. Dependendo do rio, esse orçamento varia entre US$ 30,00 a 45,00/ha/ano . 263 b) no orçamento das OUs, o custo compõe-se de: (i) gastos de pessoal; (ii) diárias e passagens; (iii) gastos administrativos; (iv) manutenção de equipamentos; e (v) conservação dos canais e outros. O valor médio é de US$30,00/ha/ano. c) Limpeza da rede de canais: é feita diretamente, de forma periódica, pelos próprios irrigantes, numa extensão proporcional à área irrigada registrada. Considerando uma média de 25 m/ha de comprimento de canal, o custo é de 1 DH ou US$ 16,00/ha/ano. O somatório destes três orçamentos é de US$ 91,00/ha/ ano. Os valores cobrados oscilam entre US$ 60,00 e 75,00/ha/ano, considerando que a limpeza da rede é feita diretamente. Considera-se como norma que a tarifa de água não deve ser superior a 5% do custo de produção dos cultivos da região. No caso de Mendoza, este valor representa apenas 3%. Uma análise feita em Mendoza mostra que os custos da água são significativamente menores para OU com áreas de mais de 13.000 hectares, relativamente às OUs com menos de 1.000 hectares. Essa diferença é de mais de 100%. A percentagem de recolhimento desta tarifa de água está na ordem de 50 a 80%, segundo as distintas áreas. O seu pagamento é função, principalmente, dos resultados agrícolas, os quais, ultimamente, estão em situação de crise, especialmente para o pequeno e médio produtor. Por outra parte, deve-se considerar que não estão sendo cultivados mais de 60.000 hectares com direito de água e muitos registros devem ser atualizados. O cálculo da tarifa não considera a formação de fundo de reserva. Portanto, quando a inadimplência é significativa, não podem ser executadas as obras de manutenção e a modernização necessárias. Para desenvolver obras de maior porte, o DGI tem contado com empréstimos reembolsáveis do Banco Mundial. A racionalidade dos investimentos é avaliada pela utilização da técnica de formulação e avaliação de projetos. 264 Não existem custos diferenciados da água para distintos usos; a infra-estrutura para irrigação está sendo usada, portanto, para todos os usos. Não existe recuperação dos gastos em obras coletivas de captação, armazenamento ou distribuição, quando realizado pelo governo. Os gastos com modernização do sistema coletivo de irrigação e drenagem são recuperados pelo DGI. 4.2.4 - Modelos de produção, pós-colheita e distribuição As informações seguintes baseiam-se nos relatórios de cada província, com dados do ano 1994. Jujuy - a principal cultura, a cana, atualmente em estado de crise, está sendo plantada na sua maior parte num único engenho. O segundo cultivo, o fumo, além de ter o seu consumo em baixa, enfrenta a concorrência do Brasil e do Zimbábue, que plantam áreas 10 vezes maiores a um custo bem menor. Quanto aos citrus, estes padecem de atraso tecnológico e não contam com créditos a longo prazo para a sua substituição. No caso das olerícolas, estão faltando mercados, e os preços pagos são muito baixos. O “Consórcio de Usuários Vale dos Pericos”, que cultiva principalmente fumo, é o único caso de organização de irrigantes que comercializa a sua própria produção, por intermédio da Cooperativa de Tabacaleros de Perico Del Carmen, que também providencia os insumos e desconta as tarifas dágua. Por outra parte, o modelo de gestão da água é ali bastante burocratizado, observando-se uma deterioração progressiva da infra-estrutura de irrigação, sem perspectiva de se poder fazer sua reabilitação. Salta - as áreas plantadas com irrigação variam muito de ano para ano, segundo as oportunidades de mercados e conveniências de comercialização. Os principais cultivos, a cana e o algodão, estão em baixa. A região é favorecida climaticamente para produzir frutas e hortaliças de qualidade, mas a falta de oportunidade para investimentos não permite aplicar os avanços tecnoló265 gicos necessários para que sejam competitivas. Observa-se a carência de uma orientação política. Santiago Del Estero - a irrigação é de grande importância: em 3% da área territorial irrigada; mais de 50% da população vivem da irrigação, e são geradas 60% do PIB. Mesmo assim, cultivam-se apenas 60% da área registrada. Os principais fatores desta situação de crise é a pouca organização e a baixa ou nula rentabilidade do minifúndio. Propriedades de mais de 25 ha (15% do total) começam a ser rentáveis e a considerar uma melhor estruturação para fazer frente aos ajustes cambiantes de mercado. As diferenças sociais se acentuaram marcadamente nos últimos anos. Existem, porém, alguns programas do governo para tentar amenizar esta situação. Os principais cultivos tradicionais, alfafa, algodão e cucurbitáceas, estão em baixa, ainda que os cultivos hortícolas, de alta produtividade, possam avançar. A tarifa de água paga pelo irrigante atinge US$ 18,00/ha/ano. A recuperação é de 75%; as contas em atraso pagam juros bancários. Tucumán - o principal cultivo é a cana-de-açúcar, com base na qual se desenvolveu toda uma infra-estrutura de produção e processamento. A crise produzida basicamente pela falta de competitividade no mercado e pelos elevados custos de produção (US$ 340,00/t vs. US$ 200,00/t no Brasil) tem ocasionado sério endividamento de todos os produtores, principalmente os que têm menos de 5 ha, repercutindo em vários setores econômicos da população. O fumo também atravessa uma situação difícil. Batata e hortaliças têm algumas alternativas. Por outra parte, as obras de infra-estrutura encontram-se muito deterioradas, e grandes extensões de canais necessitam de recuperação. Catamarca - metade da pequena área irrigada é ocupada com fruteiras; existem alguns projetos de irrigação de alto custo, e as áreas irrigadas são bastante distantes. Para as águas superficiais, fixa-se uma tarifa de US$ 30,00/ha/ano; a água subterrânea, 266 no entanto, custa US$ 240,00 para um volume equivalente. Os cultivos com manejo inadequado não dão os retornos necessários; a administração da água é pouco eficiente; a maioria dos vários consórcios de irrigantes, criados por lei para tomar conta da autogestão dos sistemas, não obteve sucesso. Corrientes - a cultura irrigada é o arroz. O tomate e o pimentão, com cobertura em determinado momento, tiveram a maior área plantada do país. Coexiste uma série de sistemas de produção baseados em tipos sociais-agrários. O minifúndio e a tenência da terra são elementos que impedem maior desenvolvimento. Unidades de menos de 10 ha representam 36%, com apenas 0,5% em produção. Unidades de mais de 5.000 ha representam 1,3%, produzindo 43,8%. Os 29% do total das unidades produtivas não são tituladas aos produtores (arrendadas, em parcerias, contratos, etc.) Isto obstaculiza o desenvolvimento. Cultivos feitos em sistema de parceria e familiar de subsistência não têm rentabilidade; o beneficio é apenas o equivalente à mão-de-obra familiar. Existem cooperativas e programas governamentais para dar apoio à agricultura e à integração. Entre Rios - ainda não existe uma boa organização para a irrigação. O bombeamento de água para o arroz representa 20% do custo de produção; os poços são construídos sem controle técnico; áreas contínuas, irrigadas por gravidade, são escassas, devido à topografia irregular. As culturas cítricas estão sendo irrigadas cada vez mais com sistemas localizados. Os cultivos olerícolas estão cobrindo apenas as necessidades do consumo local. La Rioja - os recursos hídricos limitados levaram ao desenvolvimento de projetos de maior eficiência, mas a organização dos irrigantes é ainda pouco desenvolvida. As principais culturas são nogueira, uva, oliveira e olerícolas. San Juan - mais de 80% da área é plantada com uva. San Juan tem-se especializado em variedades de mesa e produção de vinhos licorosos e de alta graduação alcoólica. A crise dos anos 70 atingiu em cheio este tipo de uvas, partindo-se para elaborações alternativas do produto: mosto concentrado, uva dessecada, doces e até a fabricação de pão. Foram concedidos empréstimos 267 para enxertar com variedades finas para vinificação. A crise causou impacto na economia provincial e é sentida até hoje. Na atualidade, observa-se que as áreas cultivadas com olerícolas aumentaram para 10.000 ha. O Departamento de Hidráulica governa, administra e policia os assuntos de água. É um organismo autárquico, dependente do Ministério de Obras e Serviços Públicos. Consta de um conselho de cinco membros: três representando os irrigantes e dois representando o governo. Uma direção geral, composta de um presidente da instituição, juntas departamentais e comissões de irrigantes. Até a década de 60, a participação dos irrigantes se manifestava por meio dos representantes que tinham poder político, obtendo, desta forma, verbas para uma série de investimentos na infra-estrutura do sistema. A partir da década dos 80, o governo assumiu muitas responsabilidades com a construção de uma barragem e a sua infra-estrutura, tornando disponível mais água; o irrigante afastou-se mais ainda, pensando que tivessem solucionado os seus problemas. A tarifa dágua, fixada em US$ 25,00/ha/ano, dá uma cobertura de apenas 35% dos gastos totais anuais. Considerando esse nível de participação dos irrigantes, deduz-se que o dinheiro não é suficiente sequer para o pagamento dos salários dos funcionários. Mendoza - a crise agrícola regional tem sido mais marcante, também, devido à reorientação da demanda de vinhos finos no mercado internacional e à conseqüente substituição de variedades de uva. As próprias bodegas financiam a implantação de variedades finas, com base em contratos de compra de até 10 anos. A elaboração de sucos concentrados para o mercado internacional está em franca expansão, assim como a produção de vinhos variáveis. A fruta fresca, principalmente de caroço, poderia ser bem exportada, não fosse a ocorrência de granizo, que prejudica os plantios, numa percentagem de 10-15%. Os produtos olerícolas têm sérios competidores nos produtos produzidos no Noroeste, de melhor qualidade, e nos de menor custo, produzidos nas áreas de expansão da irrigação nas zonas 268 úmidas do Leste. Recentemente, foi formado um pólo de pequenos exportadores, de até US$1,5 milhão /ano, para estabelecer representações na Europa. Na última década ingressaram em Mendoza grandes investidores de origem chilena e internacional, que têm investido bastante na compra de bodegas (praticamente a metade da capacidade provincial) e que também participam ativamente na comercialização de vinhos e frutas, escoando produto pelo porto chileno de Valparaíso. San Luis - a pequena área irrigada, dominada por minifúndios de menos de 5 ha, caracteriza-se como de subsistência e é operada por consórcios de irrigantes. A direção provincial de Irrigação, que administra estas atividades, não se auto-sustenta com suas receitas. As áreas de plantio são praticamente uma extensão das atividades de San Juan e Mendoza. Neuquen - os sistemas de irrigação foram construídos em 1929. As culturas iniciais foram a alfafa, posteriormente a uva e a maçã. A partir de 1981, a Província assumiu a coordenação da administração das áreas irrigadas. Coincidentemente, iniciou-se a deterioração do setor produtivo e da infra-estrutura. Atualmente, os produtores participam nesta administração por intermédio da câmara de produtores, dos conselhos assessores, das comissões de irrigantes e das cooperativas. Os aspetos de comercialização estão bastante ligados às atividades desenvolvidas em Rio Negro. Rio Negro - a irrigação de 1% da área da Província contribui com mais do 50% do produto interno bruto da região, de forma direta ou indireta, por meio da industrialização e de serviços conexos. Mais da metade da área é plantada com fruteiras: maçã, pêra e algumas frutas de caroço. Pastagens, produtos florestais, uvas e hortaliças são as outras culturas praticadas. As exportações de maçã e pêra de rio Negro são de 200.000 t/ano, representando 90% da exportação nacional. Parte do produto é consumido internamente e industrializado. 269 A atividade industrial é relevante, em virtude dos tratamentos pós-colheita e da embalagem; sucos e caldos para exportação são também industrializados. 4.3 - O Caso do Peru74 4.3.1 - Quadro geral Com uma área territorial de 1.285.216 km2, o Peru contava em 1990 com 1.450 mil hectares irrigáveis e uma população de 21,6 milhões de habitantes; portanto, 0,067 hectare irrigado per capita (maior que a média brasileira de 0,018 ha per capita e mundial de 0,046 ha/hab.), o que o colocava na 24ª posição, num conjunto de 29 países com maior área irrigável naquele ano, mas em 13º quanto à área irrigável per capita (Seckler et al., 1998). Sua população, em 1998, era de 24,8 milhões de pessoas, seu PIB, de US$ 62,745 milhões e sua renda per capita, de US$ 2,440.00. A área irrigada peruana como percentagem da área irrigada total foi de 29%, em 98. A costa peruana é desértica, com uma disponibilidade hídrica anual de 36,600 milhões de metros cúbicos de água superficial em suas 53 bacias hidrográficas, dos quais todos os setores aproveitam 16,5 milhões ou 47,7%. A agricultura é o usuário mais importante, com 14,2 milhões de m³ anuais, ou seja, 86,1% do total aproveitado. Também se aproveitam 1,5 milhão de m3 anuais de águas subterrâneas, dos quais 66% na agricultura. Na região costeira, a área irrigada registrada é de 847.600 hectares. Destes, se irrigam 680 mil hectares anuais. 4.3.2 - Estratégia peruana para transferência de grandes projetos hidráulicos costeiros (de irrigação, geração de energia elétrica e de saneamento básico) para o setor privado O Peru investiu mais de US$ 6.000 milhões em grandes obras de irrigação na Costa, nas últimas décadas. Contudo, os resultados foram acanhados, particularmente na incorporação de novas áreas à agricultura. Em 1996, só haviam sido incorporados 74 Baseado em relatório de consultoria elaborado por Alejandro Seminario (2000). 270 17.000ha (5,7%), de 300.023 ha programados. A oferta de água, até dezembro de 1993, para novos projetos de irrigação nos vales programados, atingiu somente 116.501 ha, de 300.023 ha programados, ou seja, 40,8%. O governo peruano, ao observar o baixo desempenho alcançado nos nove grandes projetos públicos de aproveitamento dos recursos hídricos do país e ante o consenso de que era necessário o país receber de imediato os benefícios da elevada inversão feita, decidiu implementar um programa de transferência de projetos para o setor privado, mediante leilões públicos, por ser a alternativa mais expedita, menos onerosa e com maior impacto econômico e social para os grupos de menor renda. “Construir uma cultura de produtividade e eficiência no uso dos recursos disponíveis no setor agrário é a razão fundamental de promover-se a inversão privada nos grandes projetos hídricos, o que coincide com o que pensam as associações de agricultores modernos do país, em seus esforços para desenvolver o setor agrícola” – este, o objetivo estratégico do governo na privatização do setor de recursos hídricos, incluindo o subsetor de irrigação, “de modo a permitir a geração de empresas competitivas e rentáveis, capazes de exportar para os países desenvolvidos e de promoverem a introdução de tecnologia moderna no restante do setor agrícola e na economia em geral” (Seminário, 1998). O governo peruano estabeleceu, como metas de privatização, para o subsetor de irrigação, sob o argumento, inclusive, de que “há uma grande perda financeira para o governo, devido ao custo de oportunidade do capital imobilizado e não aproveitado nas terras disponíveis” (Seminário, 1998): a) transferir, em três anos, 122.450 hectares irrigáveis, já com dotação de água, para o setor privado moderno; b) transferir toda a infra-estrutura principal de irrigação (inclusive represas), na modalidade de concessão, para empresas privadas; c) transferir projetos hidroelétricos e obras para fins energéticos para o setor privado, em diferentes estádios de construção; 271 d) transferir em concessão para o setor privado, incluindo associações de usuários, empresas municipais ou mistas, obras e plantas de água potável. Para tanto, foi criada a Dirección Ejecutiva de la Comissión de Promoción de la Inversión Privada (COPRI) que é a autoridade máxima na privatização de ativos e empresas do Estado, composta, inicialmente, de cinco ministros: Energia e Minas, Transportes e Comunicação, Economia e Finanças, Pesca e Justiça. Atualmente compõe-se do primeiro ministro e do da Justiça. A Direção Executiva é a Secretaria Técnica da Copri, com um corpo técnico de 15 pessoas, de tempo integral. A Direção Executiva da Copri foi encarregada de preparar as linhas básicas para a privatização dos grandes projetos hídricos da costa, sob o marco das ações estabelecidas para cumprimento da Lei 26.440, a qual estabelece que os projetos hídricos da costa, entre outros, encontram-se inseridos no processo de promoção da inversão privada (Decreto Legislativo 674, que rege a privatização de empresas e ativos do Estado). Em julho de 1995, foi criado um comitê especial para privatização (Cepri–Terras), composto de três membros, que gerencia um grupo de cinco profissionais em tempo integral e, em muitos casos, assessorado por um banco de investimentos. O comitê contrata consultores para trabalhos técnicos. Os planos de promoção da inversão privada e base para os leilões públicos, entre outros, são aprovados pela direção do Cepri-Terras e, em seguida, submetidos à aprovação dos membros da Copri. O Cepri-Terras iniciou o processo de transferência para o setor privado, no período 1996-98, segundo o que estabelece o Decreto Legislativo n.º 674, começando com a promoção de 74.140 hectares de terras, já em condições de serem transferidas imediatamente ou em menos de 1 ano, por terem suas obras já concluídas ou próximas da conclusão e cujos problemas relacionados ao saneamento físico-legal, por exemplo, sejam passíveis de solução normal. Como segunda prioridade, o Cepri cuidaria, paralelamente, de definir o processo de investimento indispensável para concluir as 272 obras físicas e solucionar os problemas que permitiriam proceder ao leilão público de outros 48.310 hectares de terra, em 1 a 3 anos. Uma terceira prioridade, sujeita aos avanços conseguidos nas anteriores, os que condicionariam, inclusive, a decisão do governo peruano em prosseguir no processo, envolveria, finalmente, 177.639 ha, num prazo indefinido, porém buscando facilitar, a todo momento, a participação de investidores privados, dispostos a assumir a totalidade do financiamento concedido, com os objetivos de habilitar terras para irrigação e aproveitar o potencial de geração de energia elétrica, entre outros. Para essa etapa, o governo se propôs facilitar a participação de investidores dispostos a assumir a totalidade do investimento, inclusive atraindo o setor privado, por meio da possibilidade de geração de energia elétrica. O Estado ofereceu terras para a formação do que se denominou “consórcio promotor” ou banco de investimentos. Nessa fase foi promovido o processo de leilão de terras, cujos recursos seriam utilizados para financiar os investimentos em infraestrutura, com o compromisso por parte das empresas com um cronograma determinado e uma garantia de sucesso no empreendimento comercial. As terras foram leiloadas pelo maior preço pago pelas empresas. A promoção de venda das terras realizar-se-ia tanto no mercado interno, como externo, por intermédio do consórcio de promoção. Todavia, as atividades não se limitariam à venda das terras: o Comitê Especial deveria ter autoridade suficiente para promover e coordenar todas as atividades, as quais, direta e indiretamente, dariam suporte necessário ao sucesso da transferência de terras e água, desde assegurar a quantidade de água, prevista no acordo de transferência - o que incluiria um eventual compromisso do Estado de introduzir progressivamente um melhor manejo da irrigação, nos vales velhos, até melhorar e completar a infraestrutura de transportes (terrestre, marítimo e aéreo). Assim, o Comitê Especial, Cepri-Terras, deveria atuar como um catalisador, em uma série de questões, exigidas pelos investidores, como condição para participarem do leilão e serem informados das atividades con273 cretas que seriam tomadas pelas diversas instituições do Estado, como coadjuvantes para o êxito de sua eventual participação. Neste processo, o mais relevante para o Estado é o compromisso de realizar os investimentos, segundo um cronograma predeterminado, do que o preço alcançado no leilão. Isto por que não haveria possibilidade de o Estado recuperar, com o leilão de terras, os elevados investimentos em infra-estrutura, por ele já realizados. Desse modo, mais conviria ao país que as terras começassem a produzir o mais rápido possível, para gerar emprego (o mais importante para o país), alimentos para o mercado interno, divisas e recursos fiscais, entre outros. Seminário (1998) assinala que entre as razões fundamentais, para se promover o investimento privado em grandes projetos de irrigação na Costa Peruana, estava o objetivo de atrair empresas rentáveis e competitivas, capazes de exportar para os países desenvolvidos e aportar tecnologia moderna para o setor de irrigação. Os custos da geração de empregos na agricultura irrigada seriam financiados pelo setor privado, permitindo que o Estado reservasse para si a tarefa de concentrar seus escassos recursos fiscais e promover a melhoria da reforma agrária. No Peru, uma grande parcela dos miniprodutores vendeu suas terras e se empregou na atividade de irrigação agroexportadora. Os pequenos lotes de 5 ou 10 hectares, ou até maiores, foram vendidos a investidores privados e a empresas que detinham tecnologia avançada, permitindo-lhes o emprego na agroindústria exportadora. Em agosto de 1997, efetuou-se o primeiro leilão público internacional, de 12. 579,51 hectares da Etapa I de Chavomochic, considerada exitosa, já que vendeu 6.456 ha (51%). A Copri decidiu então estender a outros projetos hídricos (Resolução Suprema n.º 467-97-PCM, de 18.09.97), encarregando o Cepri de levar a cabo o processo de promoção da inversão privada das terras, com seus respectivos direitos de uso da água, de todos os projetos especiais do Instituto Nacional de Desenvolvimento (Inade), a saber: a) Chira-Piura; b) Olmos-Tinajones (área experimental); 274 c) Jequtepeque-Zaña; d) Chinecas; e) Majes; f) Pasto Grande. Posteriormente, o Complejo Agroindustrial de Chao (1.447 ha), para a produção e processamento de tomate, como parte do Projeto Especial Chavimochic. O Cepri-Terras encarregou-se também de promover a privatização de terras devolutas, as quais não têm água superficial assegurada, mas têm possibilidade de serem irrigadas com águas subterrâneas, com risco assumido pelos adquirentes (Seminário, 2000). − Resultados alcançados (até fevereiro de 2000) Foram leiloados 30 031 ha, dos quais 26 505 ha em grandes projetos hídricos da costa e 3.526 ha em terras devolutas. Foram também alienados diretamente 4.420 ha a ocupantes precários e àqueles com algum direito sobre as terras do Projeto Chavimochic. Atualmente, já é possível vislumbrar a agricultura moderna que tende a praticar-se a 100 km de ambos os lados da rodovia Panamericana Norte, entre Chao e Trujillo, na Província de Liberdade, a cerca de 500 km ao norte de Lima. Os novos proprietários utilizam irrigação por gotejamento, em cultivos altamente tecnificados, como o de aspargo; há plantas processadoras que são exportadas para os principais mercados do mundo e que geram milhares de empregos, aliviando a pobreza, melhorando a qualidade de vida da população local e regional e facilitando, ademais, a descentralização da população no país (Seminário, 2000). A meta de leilão de terras para 2000 é de mais 200.000 hectares, a qual inclui 54.075 ha dos projetos de irrigação na costa peruana, 44.606 ha de terras devolutas, desde que saneadas, física e legalmente. Em janeiro de 2000, iniciou-se a identificação de cerca de 25.000 ha na região amazônica do Peru, visando projetos-pilotos de cultivo de palma (Elaeis Guineensis). Naquela região, há cerca de sete milhões de hectares de terras desmatadas e em estado de abandono que poderiam ser recuperadas através do cultivo da palma oleaginosa (Seminário, 2000). 275 − Problemas na transferência de terras O leilão de terras em grandes projetos de irrigação da costa peruana converteu-se no instrumento de aquisição de áreas de tamanho médio ou considerável (50 a 6.000 ha), com o fim de desenvolver uma agricultura moderna, onde a maioria das propriedades agrícolas eram menores de 10 ha e a única alternativa consistia em comprar os lotes de 1 a 10 ha, aos demais parceleiros ou pequenos proprietários, o que representava uma grande dificuldade pelos problemas físicos e legais e pela elevação dos preços. No primeiro leilão público, no Projeto Chavimochic, em agosto de 1997, foram vendidos 6.456 ha ou 56 lotes, com um preço médio de US$ 3,428/ha e preços-base que variavam de US$ 800.00/ha a US$ 1.800.00/ha. Nos leilões posteriores, nos anos seguintes, os preços caíram substancialmente, desde US$ 1.500.00//ha, 900.00 e 400.00, com preços-base que foram sendo reduzidos aos níveis de US$ 800.00/ha, 500.00 e 400.00, com o fim de atrair os investidores (Seminário, 2000). Assinale-se que 80% dos compradores de terras não pertenciam ao setor agrícola, mas ao comércio (22%), independentes (19%), da construção civil e industrial. Ao final de 1999, começou-se a observar menor demanda por terras, culminando pelo não-aparecimento de nenhum lance no leilão de 1.200ha da Área Experimental de Olmos, no Projeto Olmos-Tinajones, considerada como uma área favorável à agricultura. Os especialistas consideram que isto resultou da menor rentabilidade do setor agrícola e do maior risco das atividades desse setor, em relação aos demais e pela ausência de melhoria no marco legal que facilite a entrada de capital externo. Houve uma flexibilização no Programa de Promoção Empresarial, a qual permite o pagamento diferido das terras, em um período de sete anos, com 2 de carência. A prestação inicial foi reduzida para 10%, em vez de 20% anterior. Agora, aceita-se a mesma terra como garantia de até 60% do saldo devedor, contra 0% anterior, quando se exigiam 100% de garantias extra-negócio, além de fiança bancária. Os juros foram mantidos equivalentes à Libor, mais 2%. 276 Exige-se um comprometimento de inversão de US$ 1,000/ha (cerca de 10 a 20% dos investimentos/ha, segundo os cultivos utilizados), em três anos, para evitar-se especulação com as terras e acelerar a decisão de investimento. Praticamente 100% dos compradores do Projeto Chavomochic cumpriram esta exigência. Para garantir o investimento, o comprador entrega uma carta de fiança, equivalente a 25% (antes era de 50%) do compromisso de investimento, a qual se renova anualmente. Uma vez realizados 50% do investimento, o valor da carta de fiança reduzse proporcionalmente. Há uma alternativa de financiamento de 10 anos, incluídos 4 de carência, exige-se, porém, o dobro de investimento inicial, ou seja, US$ 2 000.00/ha. Para os detentores de lotes maiores, que exigem a construção de uma infra-estrutura de irrigação mais cara, por se situarem, por exemplo, há 10 km do canal principal, o compromisso de investimento equivale ao custo dessa obra, calculando-se uma fiança bancária que não onere em demasia o investimento privado, mas que o incentive a investir. Aos compradores de lotes grandes exige-se também que eles parcelem e vendam, em até quatro anos, pelo menos 20% da área adquirida, com lotes de, pelo menos, 20 ha. Para tanto, exigese também uma fiança que assegure o cumprimento desse segundo compromisso. O preço é o de mercado. Isto foi aplicado em 8.800ha dos projetos Pasto Grande, Majes e Jequetepeque, em sete lotes que variam de 222 a 6.000ha. Os lotes menores localizam-se em zonas com grande demanda de terras, como em Pato Grande, Departamento de Moquegua. Os investidores aceitaram essa condição, destacando que contribuíam para a redução das tensões sociais, além de contarem com vizinhos com os quais poderiam ter uma sinergia muito favorável em suas atividades de produção. − Regularização física e legal das terras a leiloar Nos projetos públicos de irrigação leiloados, a propriedade é clara. No caso das terras devolutas da costa, este saneamento físico e legal tem-se mostrado uma atividade complexa que exige tempo e persistência, como no caso de resgate de resquícios ar277 queológicos, com a interveniência do Instituto Nacional de Cultura. Na selva amazônica, a complexidade aumenta pela presença de comunidades indígenas, com direito assegurado e expectativa de manterem a propriedade da terra. − Segurança do abastecimento de água para irrigação Assegura-se aos compradores de terras uma dotação de 10.000 m3 de água por hectare/ano, respaldados pelo correspondente balanço hídrico a 75% de persistência. Os novos proprietários nos projetos de irrigação, que pagam preços elevados pela água, sentem, contudo, ameaçada essa segurança, pelo fato de que, nos vales tradicionais fronteiriços, na mesma bacia hidrográfica, os irrigantes pagam tarifas mínimas e, em conseqüência, a desperdiçam (US$ 14,28 a US$ 28,57/ha/ano, contra US$ 250/ha /ano, quando consomem a totalidade da água outorgada). Como se vê, também no Peru, o valioso é a água e não a terra. O preço de US$ 0.025/m3 aplica-se a todos os projetos de irrigação. Considera-se que ele permite cobrir os custos de operação e manutenção e parte ou a totalidade do investimento na infra-estrutura de irrigação de uso coletivo. Há consciência governamental de que o desperdício deve ser reduzido, via incremento paulatino das tarifas dágua nos vales tradicionais, acompanhado de melhorias na infra-estrutura e práticas de irrigação. Os novos proprietários exigem que sua dotação de água não seja utilizada pelos irrigantes tradicionais. Presentemente, há uma discussão nacional para modificar a legislação vigente, com aprovação de uma nova lei de águas. Uma comissão, formada pelo Cepri-Terras, deverá substituir, complementar ou modificar a legislação atual sobre recursos hídricos, dentro do marco da Lei de Recursos Naturais. Concordou-se que, com a nova Lei de Águas, esse preço deveria ajustar-se às caraterísticas de cada bacia hidrográfica, incluindo procedimento que permita a participação de todos os usuários da água, dos diversos setores. Entretanto, esta lei ainda não foi aprovada. 278 − Operação e manutenção da infra-estrutura de irrigação de uso coletivo A O&M dessa infra-estrutura é um elemento crítico, coadjuvado pela segurança no fornecimento de 10.000 metros cúbicos de água / ha / ano. Ela é de responsabilidade dos projetos de irrigação e seria paga pelo fluxo de recursos financeiros recebidos dos irrigantes, através da tarifa dágua, asseguradas a dotação de água outorgada e a qualidade dos serviços prestados na sua locação a cada irrigante. Foi estabelecido que a Copri tem a responsabilidade de entregar em concessão a O&M, através de licitação pública. Devese, para tanto, resolver o problema resultante de a maioria das obras terem sido superdimensionadas e de os irrigantes dos vales velhos ou tradicionais pagarem tarifas muito baixas, além da morosidade na solução desses problemas, razão pela qual, no período inicial da transferência, poderia ser requerido um aporte financeiro do Estado. A reforma empreendida no Peru foi de fundo, uma vez que permitiu ao estado canalizar seus recursos para valorizar o fator mais importante na agricultura peruana: o trabalho; com investimentos em capital humano, agricultura, educação e saneamento para que o trabalhador pudesse aproveitar as novas oportunidades da agroindústria de irrigação para exportação. No entanto, em sua caminhada foram emergindo problemas que devem ser considerados para a continuidade dessa experiência, os quais serão tratados a seguir (Seminário, 2000). − Questões a serem aprofundadas Segundo Seminário (2000), os seguintes temas deveriam ser analisados com maior profundidade, à luz da experiência recente do Peru, na transferência e projetos de irrigação para o setor privado. Efetivamente, na definição do modelo conceptual brasileiro, quando aplicáveis à nossa realidade, foram devidamente contemplados, com se verá no relatório correspondente: 279 1. Distribuição e preço da água, nos vales tradicionais e nas áreas vizinhas aos novos proprietários de terras. É necessário estabelecer um marco conceptual, de modo a sustentar a dotação de água aos novos irrigantes que utilizam água pressurizada e o seu preço, vis-à-vis o dos agricultores dos vales tradicionais fronteiriços que utilizam água em excesso, com métodos de irrigação tradicionais e tarifas insuficientes para cobrir os custos de O&M. Aprovada a nova lei de águas, o recurso água se “separaria” do recurso terra e seria alocado em função de seu melhor uso econômico. Assim, agricultores com cultivos consumidores de uma quantidade maior de água, porém muito rentáveis, comprariam água de agricultores que teriam cultivos menos consumidores de água, entretanto menos rentáveis, e seriam incentivados a vender sua dotação excedente. O ponto de partida consistiria em definir os direitos “históricos” dos agricultores tradicionais, por exemplo, através de percentual do caudal do rio, em época de estiagem. 2. Transferência da infra-estrutura de irrigação de uso coletivo Discute-se se a O&M dessa infra-estrutura deve ser transferida por concessão: a) a empresas formadas pelos próprios usuários da água; ou b) por licitação a empresas privadas, com a supervisão da Organização de Usuários do Estado No caso do Projeto Chavimochic, a concessão por licitação pública teve complicações, porque as receitas eram insuficientes para cobrir os custos das obras superdimensionadas; tarifas reduzidas nos vales tradicionais e poucos usuários modernos no início de operação do Projeto. No caso do Projeto Jequetepeque –Zaña, a empresa formada pela organização de usuários malversou os fundos, não teve capacidade técnica para enfrentar o fenômeno ”El Niño”, quando água em excesso entrou nos reservatórios e houve deficiente serviço de O&M, apesar de contar com recursos suficientes. 280 Requer-se um marco conceitual para definir: a) os procedimentos e critérios para escolher a empresa concessionária; b) os custos a serem considerados, de forma que se possa contar com um serviço eficiente e manter as obras em ótimo estado de operação; e c) o papel do Estado na supervisão dos serviços, entre outros. 3. Execução de novos projetos e de novas etapas do projetos de irrigação Dever-se-ia definir um marco conceitual, relativamente à propriedade da terra e os direitos de uso da água, com prérequisito para analisar e definir diretrizes para empreender um novo projeto de irrigação. Ele incluiria uma estratégia para se negociar com os atuais proprietários da terra e detentores da água (no Peru, a água é um bem privado), assim como com aqueles que julgam ter algum tipo de direito ou expectativa sobre esses recursos. Deveria ser estabelecida, ex ante, a área de cultivo que teria direito a uma dotação de água adicional, para melhorar a irrigação e a área nova a incorporar ao cultivo; com a dotação de água correspondente, eles seriam a base para o desenho do projeto. 4. Apoio à criação e fortalecimento das associações de novos proprietários na comercialização e na exportação de produtos da agricultura irrigada Os novos proprietários deveriam ser apoiados desde o início com informações sobre o mercado de exportação e seus problemas, acompanhados da criação e fortalecimento de suas associações. Em fevereiro de 2000, o produtor peruano de aspargo recebeu menos de US$ 50/kg de aspargo, enquanto há um ano recebeu mais de US$ 1,00. O Peru é o primeiro exportador (US$ 120 milhões em 1999) e o segundo produtor mundial de aspargo. Esta perda é explicada pela desorganização dos produtores e, particularmente, pela competição entre eles para colocar suas colheitas junto aos brokers em Miami. Assim, é urgente analisar o papel do Estado e do setor privado. 281 5. Necessidade de um banco de investimento, como assessor na promoção da venda de terras Não há unanimidade sobre a necessidade de um banco de investimentos que assessore a promoção da venda de terras nos projetos de irrigação. No caso dos Cepri-Terras, afirma-se que não foram obtidos os resultados que se esperavam, provavelmente porque a instituição financeira ganhadora da licitação carecia de experiência nesse campo, embora se reconheça também que qualquer outra, no Peru, estaria na mesma situação. Pode-se considerar, por outro lado, que havia demanda insatisfeita por terras para o setor moderno da irrigação, conseqüência da reforma agrária. Este aspecto, atualmente, está sendo revisto pelo Cepri-Terras, dada a redução observada na demanda de terras e as conseqüentes dificuldades para leiloar lotes com grandes áreas. Um banco de investimentos, de atuação internacional, facilitaria o ingresso de capital externo, com as vantagens conseqüentes de complementar o capital nacional, introduzir tecnologia de ponta e ampliar o acesso aos mercados no exterior. 4.4 - O Caso da França 4.4.1 - Quadro geral Situada em uma zona temperada, a maior parte do território da França padece de déficit pluviométrico limitado a um curto período, em regiões sob influência oceânica, as quais precisam receber apenas irrigação suplementar, da ordem de 3mm/dia, durante um a dois meses do verão. A dispersão da rede hidrográfica e os recursos hídricos subterrâneos possibilitam essa irrigação, geralmente individual. Por outro lado, as regiões situadas na margem do Mediterrâneo sofrem pronunciada seca estival que torna obrigatória a irrigação para todos os cultivos de verão, exceto as culturas adaptadas, como a da videira. A necessidade hídrica dessa região é de cerca e 5 mm/dia, durante 5 meses (Frey, 1997). Nas regiões mediterrâneas, canais para transporte de água captada em rios foram construídos no século XII, para movimentar moinhos de óleo ou farinha. Os agricultores ribeirinhos negociavam tarifas de água para irrigação. Do século XVI ao XVIII foram 282 construídas as obras mais importantes para fins agrícolas. No século XX, surgiram os moinhos a motor Ao final da Segunda Guerra Mundial, os sistemas de irrigação de montanha foram abandonados e somente subsistiram os sistemas coletivos de irrigação de planície, estimados em 400.000 hectares. A partir dos anos 1950/55, a irrigação por aspersão surge na França e se desenvolve rapidamente na região mediterrânea, numa fase de expansão econômica da fruticultura e olericultura. Ao final da primeira metade da década de 90, de um consumo líquido total de água, da ordem de 5,7 bilhões de m3, a irrigação na França respondia por 2,4 bilhões de m3 (42%), contra 44% do consumo urbano (Dinar & Subramanian, 1997). Em 1990, sua área total irrigável era de 1.300 mil hectares (4,5% da área agrícola utilizada) e sua população de 56,7 milhões de habitantes. Assim, a área irrigável per capita era de 0,023 ha/hab., o que colocava a França em 28% lugar, acima apenas do Brasil (com 0,018 ha/hab.), dentro de um grupo selecionado de 29 países (Seckler et al., 1998). De 1970 a 79/80, a área irrigada passou de 539 mil hectares para 800 mil hectares (+48%). Em 1998, sua população era de 58,8 milhões de habitantes, seu PIB, de US$ 1,426,967 milhões, e a renda per capita, de US$ 24,210. Naquele ano, a participação da área irrigada sobre o total de terras cultiváveis, em França, foi de apenas 8,6%, e de 4,6%, em 1980. As culturas mais irrigadas na França são: milho, com 341 mil ha ou 43%, culturas perenes ( frutícolas, beterraba açucareira, oleaginosas), com 137 mil ha ou 17%, hortaliças, com 81 mil ha e culturas forrageiras, com 70 mil ha. 4.4.2 - Marcos legal e institucional dos recursos hídricos e da irrigação em França Percebendo que suas reservas de água estavam-se deteriorando com o crescimento industrial do pós-guerra e a urbanização, o governo francês decidiu promover a reestruturação de seu sistema de gerenciamento de recursos hídricos. As mudanças começaram com a Lei de Águas, de 1964, a qual instituiu os comi283 tês, as agências de bacias hidrográficas e a cobrança pelo uso da água. O novo sistema entrou em funcionamento em 1968, quando a nova lei foi implementada. Segundo o novo sistema, o país foi subdividido em 6 grandes bacias hidrográficas, com seus respectivos comitês e agência de bacia. 2/5 de cada comitê é composto de representantes eleitos pelas comunidades, 2/5 por usuários de água e 1/5 por representantes do governo. O número total de representantes varia de 80 a 100 membros. Os presidentes das agências são indicados pelo Ministro do Meio Ambiente, mas seus diretores são indicados pelo comitê, por um conselho de representantes, que os escolhe de modo a refletir a mesma estrutura representativa dos comitês. Com essa estrutura de poder, o gerenciamento das bacias hidrográficas é totalmente descentralizado. A política de água é definida de forma hierarquizada, organizada em torno de uma grande bacia hidrográfica, à qual se ligam as sub-bacias. Os sistemas de precificação da água bruta vêm sendo implementados gradualmente e confrontado com uma série de obstáculos. Tarifa por volume de água, por exemplo, não tem sido bem implementada em algumas sub-bacias, e a maioria dos irrigantes não participa do sistema. Tarifas pela poluição inicialmente só cobriam matéria orgânica e material em suspensão; salinidade e toxicidade foram somente introduzidas em 1973 e 74, respectivamente; nitrogênio e fósforo, em 1982, e hidrocarbonetos e outros materiais orgânicos, em 1992. As receitas geradas pela tarifação são investidas na própria bacia, sob a forma de gastos administrativos, estudos e pesquisas, investimentos de interesse comum e empréstimos para usuários. Em 1996, essas receitas foram de US$ 1,8 bilhão. Com essas receitas os comitês são capazes de cobrir 40% das necessidades de investimentos nas bacias. Os outros 60% são primariamente cobertos por transferências orçamentárias do governo central, já que a França é um estado unitário. Os investimentos são definidos qüinqüenalmente. No período 92/96, eles somaram US$ 14,51 bilhões, assim distribuídos: US$ 1,93 bilhão para tratamento de água na indústria; US$ 7,99 bilhões para tratamento 284 de água em comunidades; US$ 1,17 bilhão para gestão de recursos hídricos, US$ 2,65 bilhões para assegurar água potável e US$ 0,77 milhão para outros setores (ecologia, terras encharcadas, agricultura etc.) Os subsídios ou empréstimos a juros baixos, a serem providos pela agência, alcançaram 6,26 bilhões de dólares naquele período. A noção de desenvolvimento integrado e a necessidade de realizar obras importantes, que visassem mobilizar os recursos naturais franceses levaram à criação de organismos regionais adaptados à situação – as Sociétés d`Amênagement Régional (SAR), sociedades de economia mista que integram as coletividades locais, os bancos e o Estado, com a missão de explorarem obras hidráulicas e perímetros irrigados, por concessão do Estado. Para tanto, elas recebem apoio em capital do Estado e das coletividades, com vistas a reduzir o custo da irrigação, faturado ao agricultor. Em janeiro de 1984, essas sociedades totalizavam 245.000 hectares equipados, ou seja, 16% da superfície irrigável do país, mas com 53% dos equipamentos coletivos. As SARs utilizam-se de várias formas contratuais com as associações de irrigantes, que, por sua vez, cobrem pequenos setores regionais homogêneos e integram profissionais do subsetor de irrigação nos estudos de assentamentos hidroagrícolas. No caso da Direção Departamental da Agricultura e da Floresta de Bouches de Rhône, importantes perímetros irrigados por gravidade existem há muito tempo (76.000 hectares irrigados), os quais são gerenciados por associações sindicais autorizadas. Os anos 60 foram marcados pela realização de barramentos e obras hidráulicas de uso múltiplo, indispensáveis à implantação de grandes perímetros irrigados, além de regularizarem as vazões no verão de rios como o Rhône e Loire. Isso permitiu um desenvolvimento importante da irrigação individual, por aspersão, nas regiões cerealistas do Norte francês. 4.4.3 - A organização dos produtores rurais na França É na França, onde se encontra hoje talvez o mais avançado sistema de organização dos produtores rurais no mundo. 285 Logo após o final da Segunda Grande Guerra, lutavam os franceses de um modo geral com as dificuldades de reconstrução do país, em grande parte destroçado com o conflito, do qual participaram diretamente, tendo sido ocupado pelas tropas nazistas durante um período relativamente longo. A sua agricultura, da mesma forma que os demais setores econômicos, necessitavam reerguer-se para produzir alimentos e fibras, além de dar ocupação à boa parte da população ativa. Era essencial o crescimento da produção para superar o quadro de racionamento e de penúria existente. Como nos momentos de crise é que se coloca em ação a capacidade criativa, utilizou a França, nessa época, um dos trunfos importantes que possuía: a sua cultura milenar. Ao mesmo tempo em que buscava criar condições para evoluir a produção, o governo francês buscou incentivar de todas as formas possíveis o associativismo, através das mais diversas formas de organização dos produtores. Partindo das comunidades rurais e aproveitando os laços étnicos e familiares, procurou organizar os produtores em associações de tal forma que eles participassem ativamente das decisões que devessem ser tomadas e que diziam respeito diretamente a seus interesse. Assim, começaram a surgir às organizações locais de produtores, os conselhos, as comissões de discussão e decisão, que foram dar origem às cooperativas e sindicatos que hoje comandam a agricultura francesa. Já em 1946 foi criada a Confederação Nacional dos Sindicatos de Agricultores, hoje, sem dúvida, o organismo mais importante, reunindo federações departamentais (formadas por sua vez por sindicatos locais) e associações especializadas por produtos. Ainda hoje existem as organizações locais (associações de produtores, cooperativas e sindicatos) interligados regional e nacionalmente, de acordo com seus interesse locais e regionais, em sindicatos nacionais ou cooperativas centrais. Em todas essas organizações, os sistemas de direção são eleitos democraticamente pelos membros e, na quase totalidade, 286 os seus executivos são contratados. Compete-lhes a gerência e as decisões do dia-a-dia, dentro das linhas estabelecidas pela direção. Através de suas organizações, o agricultor francês participa de todas as decisões de seu interesse, partindo do planejamento e definição da política agrícola e suas partes componentes (crédito, pesquisa, assistência técnica, volume de produção, comercialização, preços de garantia, classificação, padronização, etc.), bem como de toda a legislação pertinente. Enfim, os agricultores franceses participam diretamente de todas as decisões que lhes são inerentes, quer sejam técnicas, políticas ou econômicas, mantendo paridade com o governo nos conselhos diversos. Uma vez decididas, cabe ao governo a implantação e fiscalização das medidas adotadas em qualquer nível. Também, através desse sistema de organização, cabe às diversas cadeias produtivas estabelecerem seus padrões de produção e comercialização. Uma vez definidos esses padrões e aprovados pelo governo, cabem-lhes o acompanhamento e responsabilidade pela execução. A emissão dos atestados de origem de produtos, bem como dos selos de qualidade, hoje comuns na agricultura francesa, é de responsabilidade dos próprios produtores pelas suas organizações. Pode-se afirmar, com absoluta segurança, que na agricultura francesa o produtor isolado não sobrevive, a não ser em condições especiais de produção de determinados produtos, muito singular e de comercialização dirigida a mercado específico. A França valoriza também de forma diferenciado o jovem que deseja dedicar-se à agricultura. Existe um sistema próprio de sucessão familiar de forma a evitar a pulverização das propriedades e possibilitar o treinamento do novo agricultor. Ele recebe treinamento em estabelecimentos específicos e financiamento em boas condições para iniciar ou manter as explorações já existentes. Devido à existência do Mercado Comum Europeu, todas as atividades econômicas, inclusive a agricultura, sofrem influência direta das decisões ao nível do bloco. 287 Guardadas as proporções como autonomia e soberania nacionais, cada membro do bloco tem responsabilidades pela participação que afetam diretamente suas decisões internas. Cabe ao Governo Federal a implementação das decisões do bloco e seu cumprimento pelos diversos setores. Assim, o estabelecimento de cotas de produção obriga a ação governamental, no sentido de definições de quantidades a produzir, preços a serem pagos por quantidades extra cotas, divisão das quantidades por regiões produtoras. Todas essas medidas são executadas de comum acordo com as representações de produtores, mas são de responsabilidade de implementação da área governamental. Além do mais, cabe ao Governo a salvaguarda dos interesses da agricultura, principalmente com a competição externa que possa colocar em risco a estabilidade da produção, o que faz muito bem com a criação de proteções tarifárias, ou não. Compete também ao Governo a vigilância sobre os alimentos produzidos internamente e sobre a entrada de produtos de outros países. Todas essas ações têm influência direta na comercialização dos produtos da agricultura francesa. Além do mais, o governo francês dá uma prioridade à aquisição de produtos agropecuários de suas ex-colônias na África e América, o que prejudica, até certo ponto, a concorrência internacional com outros países produtores, inclusive o Brasil. 4.4.4 - A comercialização da produção da agricultura francesa A organização dos produtores rurais na França ajuda, até certo ponto, no encaminhamento da comercialização da produção. Existem, porém, características especiais no desenvolvimento dessa importante atividade do agronegócio francês. Como em qualquer atividade empresarial, a satisfação do consumidor constitui o principal objetivo do setor agroalimentar. Assim, os aspectos relativos à qualidade, higiene e garantia de 288 fornecimentos são levados em conta de maneira muito profissional. Baseado nisto, os dois componentes principais do setor, a produção agrícola e as indústrias agroalimentares, se integram perfeitamente na cadeia. As indústrias fornecem hoje cerca da metade dos produtos alimentares de consumo doméstico. Outra característica é que o setor agroalimentar está organizado em cadeias, o que lhe dá um alcance operacional elevado, pois permite visualizar e tratar de problemas de organização e regulamentação da oferta (englobando as atividades de produção, transformação e distribuição dos produtos agroalimentares) e facilita o controle da qualidade ao longo da cadeia alimentar. Entende-se por cadeia o conjunto dos agentes (empresas e administração) e das operações (de produção, transformação, distribuição, financiamento) que participam na formação e transporte de um produto ou de um grupo de produtos até a etapa final de utilização. Incorpora também os mecanismos de regulação do preço dos produtos e insumos. São dois os circuitos de comercialização aos quais recorrem os produtores franceses na venda de seus produtos: o circuito comercial clássico, através do qual os produtos transitam pelos mercados atacadistas, abastecidos regularmente por despachantes que compram de particulares e cada vez mais de associações de produtores. Aí as relações se determinam por contrato (que definem quantidade e qualidade, época de entrega, mas não o preço) e as negociações são muito difíceis entre os despachantes e os representantes dos grupos de produtores. Foi este o processo que deu origem aos chamados Mercados de Interesse Nacional (MIN), com a construção de estruturas físicas para comercialização nas principais regiões de produção (Chateaurenard, Avígnon para frutas e legumes) e também nos grandes centros de consumos (Paris – Rungis, Lyon etc.) Os MIN ainda que continuem existindo, não são mais obrigatoriamente os pontos de passagem dos produtos, nem representam mais os locais exclusivos onde se confrontam ofertas e demanda e, conseqüentemente, pontos de formação de preços. 289 Hoje o comércio tradicional está enfraquecido com o desenvolvimento dos circuitos diretos de comercialização. Circuitos diretos são aqueles onde os agrupamentos de produtores passam a estar em contato direto com as centrais de compra, quer sejam das cadeias de supermercados, dos atacadistas, das próprias tradings, formadas por conjunto de grupos de produtores e das indústrias agroalimentares. Esse tipo de comercialização tem-se desenvolvido rapidamente na França e representa hoje mais de 60% do comércio total de produtos agroalimentares. Na medida em que os grandes e médios centros comerciais definem suas políticas de abastecimento cada vez mais pelos centros de compras, que lhes são comuns, eles tratam diretamente com seus fornecedores (produtores, grupos de produtores, cooperativas) de modo a se abastecerem. Esse sistema prima pela presença constante dos representantes dos compradores que acompanham a produção, tendo condições de definir com antecedência o que adquirir e de quem adquirir. Outra característica desse sistema é a ausência de qualquer contrato formal de compra entre as partes. Os aspectos de qualidade, com a padronização e classificação dos produtos, emissão de atestados de origem quando é o caso, afixação de selos de qualidade, são regidos por normas estabelecidas de comum acordo entre representantes de produtores, com produtores, cooperativas, indústrias, exportadores e governo uma vez definidos, são de responsabilidade das partes atendê-las e cumpri-las. Além dos agentes compradores já citados, existem ainda, nas regiões produtoras, os produtores/atacadistas que também fazem suas compras de forma direta de outros produtos ou de grupos de produtores, também sem nenhum contrato formal. Na cadeia de comercialização existe ainda o varejista que faz suas aquisições dos atacadistas ou também de produtores individuais ou de grupos. Uma menção especial no segmento de comercialização da produção rural francesa é indispensável à indústria agroalimentar 290 que, como já citado, é responsável pelo fornecimento da metade dos produtos alimentares de consumo doméstico. Trata-se de um setor onde predomina a pequena agroindústria. Muitas delas são familiares, mas produzem dentro de padrões modernos e atendem a toda legislação sanitária. As pequenas e médias empresas representam 97% do número existente e são responsáveis por 65% do volume de negócios do setor. Tratase de área excepcionalmente importante na comercialização da produção agrícola francesa. 4.5 - O Caso da Colômbia 4.5.1 - Quadro geral A Colômbia é um país de topografia acidentada (montanhoso), com uma extensão territorial de 1.141.748 km2 e uma população de 40,8 milhões de habitantes em 1998. A agricultura respondia por 21%, a indústria por 30% e o setor serviços por 49% do PIB (US$ 102,896 milhões em 1998). Atualmente, é a quarta economia da América Latina (Vermillion & GarcésRestrepo, 1998). Detêm recursos hídricos relativamente abundantes, incluindo mais de mil rios perenes (é o quarto país do mundo em disponibilidade hídrica por unidade de superfície) e solos de boa qualidade. Apresenta clima tropical e de altitude; a precipitação média anual é de 1.500mm, distribuídos bimodalmente entre abril/maio e outubro/novembro, tornando a irrigação principalmente como prática suplementar. Ao contrário de alguns países das Américas, Ásia e da África, onde a irrigação tem uma longa história, o investimento em irrigação na Colômbia é mais recente e só na atualidade tem recebido mais atenção. Embora exista evidência de que os índios colombianos já utilizavam algum tipo de estrutura simples de irrigação, o distrito de irrigação mais antigo foi construído, no final do século XIX, pela empresa americana United Fruit, tradicional gigante mundial no segmento de bananas e responsável também pelo mais recente investimento neste setor em 1980. 291 A Colômbia convive com uma relativa escassez de terra arável: 3,6% de seu território; a média da América Latina é de 6,5%. Entretanto, dos 18,3 milhões de hectares aptos para agricultura, 7,4 milhões de hectares são irrigáveis. Entretanto, somente 2,9 milhões de hectares foram cultivados em 1990, dos quais cerca de 900.000 ha, com culturas permanentes ou semipermanentes. Somente cerca de 750 mil hectares (38%) estão equipados para irrigação, dos quais 38% por meio da ação do Estado. Em 1998, sua área irrigada representou 24,0% da área cultivável total e apenas 7,7%, em 1980 (Vermillion & Garcés-Restrepo, 1998). Atualmente, os investimentos em irrigação expandem-se a uma média de 10.000 ha/ano, com uma taxa de investimentos que varia de 3 a 8 milhões de dólares ao ano. Desde 1960, os investimentos desse subsetor na Colômbia têm sido largamente privados. Mas os 463.000 hectares privados, atualmente irrigados, ainda representam apenas 62% do total. A maioria dos cultivos de cana-de-açúcar, banana e flores e áreas significativas com arroz, sorgo, soja, algodão e óleo de palma estão sob irrigação privada. Há, portanto, um elevado potencial para o desenvolvimento da irrigação na Colômbia, principalmente se levar em consideração a grande disponibilidade de água e a fertilidade de seus solos. O desenvolvimento da irrigação na Colômbia, à semelhança de outros países da América Latina, tem sido lento, principalmente aquele patrocinado pelo setor público. Por outro lado, o setor privado vem assumindo sua liderança, inclusive no gerenciamento de alguns projetos públicos de irrigação, por meio de associações de usuários, desde 1991, na Federação Colombiana dos Usuários de Distritos de Irrigação (FEDERRIEGO) e mediante uma delegação administrativa. 4.5.2 - Evolução dos marcos institucional e legal da irrigação na Colômbia − Componentes-chave diferenciadores dos marcos jurídico e regulatório da Colômbia 292 A Lei de Reforma Agrária de 1962 deu grande impulso ao envolvimento do setor público na irrigação. A Agência de Reforma Agrária (INCORA) ambicionara dar aos projetos de irrigação e drenagem a responsabilidade de aliviar o problema, socialmente explosivo na Colômbia, de pobreza generalizada no campo. Desse modo, algumas terras marginais foram desapropriadas de grandes proprietários para fins de irrigação, e redistribuídas aos pobres do meio rural. Foram equipadas pelo governo com infraestrutura principal para irrigação e drenagem, inclusive com financiamento do BIRD (Vermillion & Garcés-Restrepo, 1998). Em 1976, a Reforma Agrária assumiu uma posição secundária, procurando o governo separar a política de combate à pobreza da de desenvolvimento da irrigação. A administração dos distritos públicos de irrigação e drenagem (assoberbada com a deterioração dos projetos de irrigação, altos custos e, principalmente, com pessoal em excesso) foi então transferida para o Instituto Colombiano de Hidrologia, Meteorologia e Adequação de Terras (HIMAT). Assim, os 22 distritos estão atualmente sob a sua responsabilidade. São 337.000 hectares; 62% dos seus ocupantes estão assentados em lotes irrigados abaixo de 5 hectares. Mas as atividades de O&M se encontram transferidas crescentemente aos usuários da água (Vermillion & Garcés-Restrepo, 1998). Hoje, convivem na Colômbia esquemas públicos de irrigação com baixo desempenho, ao lado de um emergente e já considerável setor privado de irrigação, de alta eficiência. A implantação de esquemas de irrigação pela INCORA foi iniciada nos anos 60, alcançando 260 mil hectares, dos quais 69% tiveram os lotes adequadamente equipados para tirar proveito da infra-estrutura coletiva neles instalada. Passado 20 anos, muito da infra-estrutura terciária instalada permanece incompleta. O foco na oferta de infra-estrutura de irrigação, somado aos elevados subsídios aos pequenos irrigantes e à ausência de objetivos econômicos, ou seja, com foco na produção competitiva, no desenvolvimento daqueles distritos, não permitiram o cumprimento dos objetivos. Tanto que nas décadas de 70 e 80 nenhum novo projeto foi implantado pelo setor público. Este se limitou, com apoio de a293 gências multilaterais de financiamento, apenas a reabilitar velhos e problemáticos projetos, com resultados, no mínimo, ambíguos. A Constituição Nacional, de julho de 1991, em seu artigo 65, estabelece que dentre as prioridades governamentais para o setor agrícola estão a construção de infra-estrutura física e a recuperação/adequação de terras (land reclamation), para desenvolver o setor. A fim de superar a estagnação do setor agrícola colombiano, haveria necessidade de se promulgarem novas leis e regulamentações, visando promover a participação dos usuários na identificação, nos estudos técnicos, na contratação, na construção, na gestão e no financiamento das novas obras de irrigação ou recuperação/adequação de terras, necessárias para se romper à estagnação do setor agrícola, principal atividade econômica do país (Vermillion & Garcés-Restrepo, 1998). Assim, no início da década de 90, o governo engajou-se em um ambicioso programa decenal de desenvolvimento agrícola, no qual a irrigação é a pedra angular. Com um custo previsto de US$ 1.06 bilhão, ele almejava desenvolver 535.500 hectares, uma área duas vezes maior que a desenvolvida pelo setor público em toda a história ou 8,1% do potencial do país. O plano cobria projetos de pequeno, médio e grande portes. A gestão seria repassada aos usuários, depois de construídos. Um segundo componente da política colombiana de irrigação é o programa nacional de criação de “minidistritos de irrigação”, que são novos sistemas de irrigação, de pequena escala, a serem localizados em terras de encosta. O objetivo final do programa governamental concentra-se em transferir todos os 23 distritos públicos de irrigação às associações de usuários. Para apoiar essa diretriz, o governo modificou as condições legais que afetavam a gestão da irrigação, por meio da nova Lei de Desenvolvimento de Terras, em janeiro de 1993. Ela estabelece um Conselho Supremo para Desenvolvimento de Terras, subordinado ao Ministro da Agricultura, para coordenar todos os aspetos do subsetor de irrigação. Procurando corrigir os erros do passado, esta nova legislação tem promovido profunda alteração no envolvimento do setor 294 público colombiano na irrigação. Ela estabelece que os investimentos públicos em irrigação e drenagem somente poderão ser feitos doravante se efetivamente demandados pela comunidade dele beneficiária. Assim, dos beneficiários potenciais é exigido: (i) fazer, a priori, os acordos para a formação de uma associação de usuários que assumirá a condução do projeto, uma vez concluído; (ii) participar do planejamento; (iii) garantir, individualmente ou via associação de usuários, o comprometimento de recursos complementares próprios para trabalhos menores e dentro da parcela ou lote. Além disso, (iv), fazer esquemas públicos claramente definidos de ligação do projeto com rodovias de escoamento para portos, outras rotas de exportação ou para os grandes centros de consumo; finalmente (v) mostrar um equilíbrio entre pequenos, médios e grandes beneficiários e buscar alcançar benefícios sociais e econômicos, entre outros. A nova política de irrigação da Colômbia reconhece que ambos os investimentos, privados e públicos, são necessários para o engajamento do país em um ambicioso programa de desenvolvimento. A complexidade de alguns esquemas de irrigação justifica a intervenção governamental e os subsídios para parte dos custos de investimento. A participação governamental, em alguns projetos mais complexos, é ali justificada por duas razões: em primeiro lugar, porque alguns projetos requerem a construção de grandes obras, cujos benefícios e custos extrapolam aqueles que afetam a comunidade de irrigantes. Segundo, os requerimentos de esquemas amplos de desenvolvimento de recursos hídricos muitas vezes ultrapassam a capacidade financeira de instituições privadas (Vermillion & Garcés-Restrepo, 1998). A nova política de irrigação também criou o Fundo Nacional para o Desenvolvimento de Terras (Fonat), cujo objetivo principal é financiar o planejamento, o desenho, a construção de facilidades físicas para irrigação e drenagem e o controle de cheias. A lei também provê os distritos de irrigação, autogerenciados pelos agricultores, de status legal pleno, para obter outorga de direitos de uso da água e propriedade das terras, firmar contratos e gerenciar os distritos de irrigação, em conformidade com os objetivos dos agricultores, incluindo a liberdade para contratar e dispensar 295 pessoal, evitando, assim, numerosas reclamações trabalhistas, ocorridas nos distritos transferidos antes da nova legislação. − Marco institucional Consoante a histórica tradição burocrática, herdada dos espanhóis, a Colômbia mantinha um aparelho estatal rigidamente centralizado, também na irrigação. Na atualidade, continua cabendo ao Ministro da Agricultura conduzir as ações de irrigação e drenagem, mas agora assistido por um Conselho Coordenador e Assessor (CONSUAT), que inclui 5 membros do setor público, de diferentes ministérios e agências governamentais e 4 membros do setor privado, representando os agricultores comerciais, pequenos agricultores, associações de usuários e as comunidades indígenas (Vermillion & Garcés-Restrepo, 1998). Projetos públicos de irrigação podem ser financiados com recursos nacionais, regionais ou municipais, fundos especiais de desenvolvimento ou empréstimos. O CONSUAT deve estabelecer os níveis de custos que devem ser cobertos com fundos públicos, estabelecendo que pequenos irrigantes devem receber 50% de subsídio. Relativamente ao fortalecimento institucional, o HIMAT foi reestruturado e enxugado até o final de 93, transformando-se no Instituto Nacional de Desenvolvimento de Terras (INAT),o que, na Colômbia, é sinônimo de desenvolvimento da irrigação, ou seja, a construção de facilidades de infra-estrutura, destinadas a prover determinada área com irrigação, drenagem /ou proteção contra inundação, com o propósito de incrementar a produtividade da agricultura e/ou do setor animal. O INAT contava em 1993 com 16 diretorias regionais, dedicadas à promoção de projetos de irrigação entre usuários potenciais e ao apoio a suas associações. Com a aprovação da legislação (Lei n.º 41/93, embora ainda carente de regulamentação de alguns de seus dispositivos essenciais), instituindo a nova política nacional de irrigação e que transfere a gestão de todos os distritos de irrigação no país para os agricultores, tornou-se necessário que os agricultores instituíssem uma federação para prover serviços de apoio aos distritos de irrigação, após sua transferência aos agricultores-irrigantes. Assim, em novembro de 1991, os agricultores estabeleceram a Fe296 deração Colombiana de Distritos de Irrigação (FEDERRIEGO), como uma associação não-lucrativa de agricultores membros de Distritos de Irrigação administrados por agricultores. Ela foi legalizada por meio de ato (n.º 0964, de 13 de novembro de 1993) do Ministro da Agricultura da Colômbia. Em 1994, nove distritos de irrigação emancipados (totalizando cerca de 100 mil hectares de área irrigável e 10 mil usuários) a constituíam. Entretanto, foi promovida alteração estatutária para que distritos públicos ainda nãoemancipados e privados pudessem também integrar a Federriego (Vermillion & Garcés-Restrepo, 1998). Os objetivos da Federriego podem ser assim resumidos (Vermillion & Garcés-Restrepo, 1998): • reunir e representar os distritos de irrigação afiliados, como seu porta-voz autorizado, perante terceiros, no país e fora dele, em todos os assuntos de interesse comum e pertinentes ao manejo e exploração de terras recuperadas ou beneficiadas com infra-estrutura de irrigação e/ou drenagem e suas obras afins; • compilar a informação estatística agropecuária dos distritos de irrigação, afiliados ou não, a qual será colocada à disposição do Ministério da Agricultura, do HIMAT, das instituições de desenvolvimento regional, das federações e associações agropecuárias etc., entidades com as quais se coordenará a utilização racional desses dados, a fim de se estabelecerem planos nacionais de exploração agropecuária, buscando regular os mercados dos produtos da agricultura irrigada; • servir de órgão patrocinador de intercâmbios de experiências, tanto técnicas, como administrativas, que propugnem pelo melhor desenvolvimento das áreas irrigadas e pela utilização mais eficiente de seus serviços; • fomentar a unidade de associação, servindo de árbitro e interlocutor amigável nos conflitos entre os afiliados, organizar canais de vinculação e intercâmbio com outras associações nacionais similares e com organismos in- 297 ternacionais, públicos e privados, relacionados com irrigação (land reclamation); • fomentar a agroindustrialização dos produtos básicos dos usuários e seu mercado interno e externo; • fomentar o emprego de novos e variados sistemas de cultivo e utilização da terra, visando a conservação dos recursos naturais e a descontaminação do meio ambiente; • promover a criação de novas associações de usuários de distritos de Irrigação, com vistas a que elas possam assumir o gerenciamento dos distritos de irrigação; • promover a criação de novos distritos de irrigação e a otimização dos já existentes, para que sirvam como executores de novas obras; • servir de mediadora no intercâmbio de bens e serviços entre seus afiliados. 4.5.3 - Mecanismos de recuperação de custos A recuperação dos custos dos investimentos em irrigação tem-se baseado no Estatuto de Valorização, uma taxa que considera a diferença entre o valor histórico da terra e após os investimentos nela realizados, mais uma baixa taxa de juros. O montante assim recuperado no passado foi muito baixo. Tal mecanismo tem-se mostrado efetivo no desenvolvimento de infra-estrutura urbana, mas sua aplicação em projetos de irrigação tem sido frustrante. Tanto assim é, que a nova legislação desenvolve uma nova alternativa de mecanismo, que determina, a priori , quanto o usuário terá de pagar, seguido de um acordo entre ele e a agência, definindo datas de pagamentos e outras exigências para assegurar o cumprimento das obrigações dos usuários. A Lei 41/93 estabelece que a recuperação de custos de capital não deve exceder aos 20% do valor real, costumeiramente coberto pelo Himat no passado, enquanto os custos de O&M devem ser pagos pelos usuários, via suas associações (Vermillion & Garcés-Restrepo, 1998). 298 No tocante a esta recuperação de custos, uma nova abordagem foi introduzida, visando permitir aos agricultores assumirem um grande papel nos investimentos iniciais de irrigação e no financiamento de seu desenvolvimento. Duas alternativas foram consideradas: ambas prevêem uma recuperação mínima de 50% do custo total do projeto. A primeira alternativa envolverá a recuperação de 100% dos custos on farm, mais recuperação de 50% de todos os demais custos de investimento. A segunda alternativa difere da primeira somente em que os 50% excedentes a serem recuperados deverão ser aportados pelos beneficiários, segundo o tamanho do lote. Os grandes pagam mais por hectare. A nova política foi recebida com entusiasmo pelos agricultores, grandes e pequenos, mas, da parte de outros grupos políticos, tem havido alguns obstáculos sérios: em primeiro lugar, por falta de interesse em novos investimentos, estudos de viabilidade e de projetos tornaram-se velhos e, algumas vezes, obsoletos, e, portanto, antieconômicos. Não obstante, eles disputam tempo e recursos com outros projetos de maior potencial. Isso retardou a execução do ambicioso programa governamental de 1990. Ademais, os direitos de uso da água não são bem definidos na Colômbia, o que tem criado algumas dificuldades na negociação dos termos de transferência de alguns distritos de irrigação para seus usuários. Na FIGURA 2, a seguir, apresenta-se o organograma da FEDERRIEGO. 299 FIGURA 2 Organograma da FEDERRIEGO ASSEMBLÉIA GERAL DE REPRESENTANTES AUDITOR FISCAL CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO SECRETÁRIO DA DIRETORIA DIRETOR EXECUTIVO Comitê de Integração Associativa Comitê de Estatísticas Comitê Técnico e Administrativo Comitê de Mercado e Agroindústrias Atualmente, a FEDERRIEGO faz parte do Conselho de Administração do HIMAT, de suas regionais, do Conselho Superior de Adequação de Terras e suas regionais e da Corporação de Pesquisa Agropecuária. As receitas da federação, seu problema principal, reduzem-se a uma cota única de filiação e outra de manutenção anual, de US$ 150/ha irrigável/ano, além da prestação de serviços especializados a outros órgãos e países, relacionados ao manejo da irrigação e capacitação de pessoal de irrigação e de extensão em associativismo. 300 Na Colômbia, o processo de transferência foi caracterizado mais pela negociação dos termos e das condições da política futura de gerenciamento, financiamento, pessoal e melhoramentos das facilidades físicas. Relativamente, pouca atenção foi dada à organização e ao treinamento dos agricultores para o start-up do processo. Isto por que na Colômbia os agricultores têm sido organizados mais como entidades políticas e administrativas, enquanto as atividades de gestão dos sistemas de irrigação foram executadas por quadro de profissionais contratados. Após a transferência, esse staff remanescente e os novos foram adequadamente equipados, inclusive com engenheiros, e avaliados com vistas a sua contratação pela associação de usuários. Os problemas ali registrados se relacionam com as naturais resistências corporativas do setor público à transferência dos sistemas de irrigação aos usuários e ao comprometimento da infra-estrutura a ser transferida, seja pela sua não implantação completa, seja pela manutenção inadequada e a conseqüente negociação para que o governo se responsabilizasse pelo financiamento de sua reabilitação. Finalmente, o não-treinamento prévio dos agricultores para assumirem as novas tarefas de gestão, operação e manutenção, etc., assim como os ocorridos após a transferência, cuja avaliação de seus prós e contras não é conclusiva, embora sugira que os distritos tenham-se tornado auto-suficientes, por meio do aumento de suas receitas, de acordo com suas necessidades e pela redução de pessoal e de custos. Entretanto, não está claro quão sustentáveis eles serão, dados os custos crescentes de manutenção e o declínio dos preços dos produtos agrícolas, especialmente do arroz. Não obstante, a experiência política vivida pela Colômbia na devolução de poder e transferência de funções do setor público para os irrigantes e suas organizações, pode ser útil ao Brasil. Também aqui esta estratégia parece ser um caminho crescentemente sem volta, seja pela persistência dos constrangimentos macroeconômicos, impostos ao setor público, desencorajando-o (ou até mesmo impedindo-o) a perseverar em atividades não necessariamente governamentais, como a implantação e a operação de projetos de irrigação, seja porque essa atividade envolve riscos apreciáveis para os agentes privados, instalados nos projetos pú301 blicos de irrigação, mercê da recorrente descontinuidade política e administrativa que caracteriza a atuação do setor público em qualquer lugar e a qualquer tempo. No coração da teoria da devolução do poder com a transferência do gerenciamento da irrigação está o argumento de que os usuários locais de um recurso, quando são fortalecidos, isto é, revestidos de poder, como um grupo, têm maior estímulo para gerenciá-lo mais eficiente e sustentavelmente do que uma agência governamental, mantida de forma centralizada. Em todos os casos colombianos avaliados por aqueles dois especialistas do International Irrigation Management Institute (IIMI), a Associação de Usuários (AUA) é uma entidade legalmente constituída, com autoridade para gerenciar a água derivada para um projeto de irrigação determinado. Ela é uma entidade não-lucrativa, de âmbito local, com direito legal sobre canais de irrigação e outras estruturas. A ela é assegurado o direito de escolher seus dirigentes, contratar e demitir pessoal, elaborar normas e impor sanções administrativas – até o limite de multar por danos a propriedade, pela interrupção de fornecimento de água – e denunciar o infrator à justiça. Cada Associação de Usuários de Água (AUA) constitui-se de uma assembléia geral de associados e de um conselho de administração, com sete membros titulares e seus suplentes, com mandato de dois anos, podendo ser reconduzidos. Todos os seus membros são proprietários de área no Projeto de Irrigação, irrigada ou não. A assembléia geral reúne-se anualmente para eleger/reeleger os membros do conselho de administração e aprovar as políticas de ação da Associação. No início, não foram transferidas atribuições, tais como: controle pleno do orçamento, plano de O&M, tarifas dágua e pessoal. Após a implementação da nova legislação (Lei 41/93), que instituiu a nova política nacional de irrigação, todas essas atribuições foram finalmente delegadas às AUAs. A Colômbia não possui uma legislação específica destinada às águas e nenhuma autoridade para fazer outorga ou concessão de direitos de uso da água foi delegada pelo Estado aos distritos e, muito menos, aos agricultores individualmente. A outorga baseia-se nos anteceden302 tes de descarga máxima sazonal derivada, estabelecida pelo INAT e previamente definida pela administração da irrigação. Nos casos de abundância de água ou onde haja apenas uma derivação de um rio, nenhuma exigência de outorga prévia é feita. Após a transferência, a AUA assume controle pleno da rede de infra-estrutura coletiva de irrigação, incluindo a tomada dágua principal. Ela pode celebrar contratos com terceiros, aumentar suas fontes de receitas, exceto via tarifas de água. Atualmente, estuda-se eliminar a proibição de lucro em suas atividades. O interesse original do governo em promover a transferência do gerenciamento foi diminuir seus dispêndios com despesas recorrentes da irrigação. No curto prazo, tal ocorreu, de forma dramática, na amostra de distritos analisados por Vermillion & Garcés-Restrepo (1998). Seus gastos caíram de uma faixa de US$ 20 – 80 /ha para zero ou próximo de zero, no período de 1985 a 1995. Enquanto os gastos governamentais com os custos da gerência de rotina foram reduzidos substancialmente ou mesmo eliminados, não há clareza sobre quanto de recursos o governo deixou de prover aos distritos para reabilitação futura dos projetos. Se, após a transferência, as AUAs começam a adiar a manutenção da infra-estrutura principal, antecipando-se a uma possível ajuda governamental para reabilitação dos sistemas, é provável que esses gastos cresçam ao longo do tempo. No tocante aos custos dos agricultores, a transferência teve efeito variável. O distrito de RUT, construído entre 1958–70, foi o primeiro a ser transferido, em 1990, com 9.700 hectares irrigáveis de um total de 13.000ha e com 75% dos irrigantes com área de até 5 ha. Os custos são relativamente altos, pelo bombeamento em dois estádios. Após seis anos, os pagamentos feitos pelos agricultores decresceram, em termos reais, de 22% (de US$ 85/ ha para US$ 63, em 1995). Isso, em virtude do decréscimo no recebimento de tarifas (de 90% para menos de 70%) e pela redução do volume de água entregue por hectare. Como conseqüência da redução do subsídio governamental e decréscimo no pagamento de tarifas, o conselho foi pressionado para aumentar o preço da água (que passou de US$ 67/ha para 108 dólares por hectare) e a reduzir seu orçamento, para 303 equilibrar as finanças. Assim, o orçamento de O&M foi reduzido de 42% entre 1989 e 1995. Contudo, tais esforços não foram suficientes, por causa do subfinanciamento da manutenção e lobby dos agricultores. Em 1995 o governo voltou a pagar alguns custos dos trabalhos de reparação. Aqueles autores concluem que o programa colombiano de transferência do gerenciamento, adotado em 1990, pode ser caracterizado como uma significativa, mas apenas parcial, devolução desse gerenciamento para os usuários da água. O governo manteve uma influência de orientação sobre os distritos, por vários anos, exercendo algum controle sobre os planos de O&M e orçamentos e opondo resistência a que os distritos tentassem dispensar um grande número de funcionários, o que só ocorreu após a promulgação da nova lei de irrigação em 1993. Entretanto, o poder devolvido não inclui o direito formal de acesso à água ou à propriedade da infra-estrutura coletiva de irrigação. O governo também não tornou claras quais seriam suas responsabilidades futuras e sob quais condições, no financiamento de possíveis custos futuros de reabilitação dos projetos. O estudo oferece evidência de que a transferência do gerenciamento da irrigação leva à melhoria da eficiência e reduz os custos de gerenciamento. Mas, para ser viável, o gerenciamento local deve-se investir de autoridade plena sobre planos de O&M, orçamentos, administração financeira e de pessoal, estabelecimento de normas e sanções. Ele reforça o argumento de que é indispensável uma política integrada e consistente de apoio para induzir os agricultores a investirem na sustentabilidade, física e financeira, do projeto, em longo prazo. Exemplos de formas de apoio, muitas vezes ausentes em programas de transferência, em todo o mundo: • política clara relativa aos termos e às condições pelos quais serão providos subsídios ou assistência financeira para reabilitação ou modernização dos sistemas de irrigação; • ligação dessa política com algum nível de investimento local equivalente, desenvolvimento de um fundo de ca304 pital de reposição pelo gerenciamento local e implementação de manutenção, segundo um standard técnico previamente acordado; • acordo, por meio do qual o governo realize auditoria dessa manutenção e ajude a assegurar a integridade do fundo de reposição de capital; • envolvimento eqüitativo dos agricultores nas tomadas de decisão relativas a reparos na fase de prétransferência, para criar neles um senso de propriedade do sistema de irrigação; • adequado treinamento em serviço provido ao novo staff, uma ou duas estações antes da transferência; • acordos especiais para prover subsídios extras, muito bem especificados (retirados gradualmente) para ajudar aos sistemas que têm elevados custos de energia; • um programa para desenvolver um acordo póstransferência, para provisão de serviços de suporte aos projetos localmente gerenciados, para consultorias técnica e financeira, resolução de conflitos e lobby político, tal como oferece a FEDERRIEGO da Colômbia. 4.6 - O Caso do México 4.6.1 - Quadro geral Com 1,96 milhão de quilômetros quadrados e 95,8 milhões de habitantes em 1998, o México ocupava o décimo lugar em população e o 13º na economia mundial. Esse ano, seu PIB foi de US$ 393,508 milhões e sua renda per capita alcançou US$ 3,840.00. Como o Trópico de Câncer o divide praticamente ao meio, o México apresenta duas zonas distintas: uma árida (localizada na faixa dos desertos do planeta) e outra moderada (na franja tropical) (Morales, 1988). Sua topografia apresenta um relevo complexo, de altas cadeias montanhosas (64%) e altiplanos escalonados (36%), dando-lhe características pouco favoráveis à agricultura. 305 Exerce, ademais, um forte impacto nos tipos climáticos e sua distribuição geográfica, nos regimes pluviais, na distribuição da água e na disponibilidade de terras agrícolas. O México recebe 772 mm de chuvas por ano, equivalentes a 1.519 bilhões de m3 de água/ano. Destes, 70% evaporam-se, e o restante, 462 bilhões de m3, escoa para os rios, riachos ou recarregam os aqüíferos subterrâneos. Em 1998 isto representava uma disponibilidade per capita de 4. 977m3/ano. Em termos médios, essa disponibilidade pode ser considerada alta, quando comparada com os países europeus. Contudo, sua concentração temporal, em 4 meses do ano (julho a outubro) e sua distribuição espacial e temperaturas com grande variação produzem uma grande variedade de condições climáticas: 63% de condições áridas, 32% semi-áridas, 5% semi-úmidas e 1% de zonas úmidas (Morales, 1988). A região Norte representa mais da metade do território nacional, abriga 76% da população total, cerca de 40% das terras cultiváveis e 70% das indústrias do México. As regiões Sudeste e Costeira, do trópico semi-úmido, e que representam menos de 25% do território, abrigam apenas 24% da população. Nessas regiões é pouca a atividade industrial e ocorre 67% do escoamento superficial (Morales, 1988). Assim, convivendo com regiões de elevada atividade sócio-econômica e insuficiente disponibilidade de água, vis-à-vis outras regiões, onde abundam as águas e são rarefeitas tais atividades antrópicas, o México enfrenta um grande desafio na gestão dos recursos hídricos, representado pela sobreexploração de seus recursos hídricos, sua importação de outras bacias contíguas, danos ambientais e um constrangimento real à produção agrícola em muitas regiões do país, resultando numa área cultivada de apenas 20 milhões de hectares, dos quais 10 milhões potencialmente irrigáveis. Em que pese tal restrição hídrica, a irrigação no México era uma prática já largamente empregada no período pré-hispânico. Hoje, a irrigação assume um papel crítico na produção agrícola nacional, a qual responde por 76% da água consumida no país, 17% para o abastecimento humano, 5% para indústrias com sis306 tema próprio de abastecimento e 2% para outros usos (Confederação..., 1999). O país ocupa o segundo lugar nas Américas em área irrigável. Em 1990, ocupava a 14ª posição, em área irrigável per capita (0,066 ha/habitante, contra 0,018 do Brasil e 0,046 do mundo) e a 6ª posição em área irrigável, naquele ano (Seckler et al., 1998). Em 1998, sua área irrigada correspondeu a 23,8 % da área cultivável total do país, e 20,3%, em 1980. De 1926 a 1995 a área irrigada no México passou de 800 mil hectares para os atuais 6,2 milhões, dos quais 3,3 milhões de hectares eram atendidos por distritos públicos de irrigação e o restante por sistemas privados, pequenos e comunitários, e por meio de água de poços profundos que representam, no conjunto, 30% das terras agrícolas e 50% do valor total da produção agrícola (Vélez, 1995; Confederação..., 1999). No período 1940-1965, a produção de alimentos cresceu em torno de 7% ao ano acima da demanda, fundamentalmente como resultado da ampliação da fronteira agrícola, graças à dotação de infra-estrutura de irrigação. Mas este crescimento modificouse na década de 80, quando foi reduzido o investimento em infraestrutura tornando o país dependente de importação de alimentos. As terras irrigadas são classificadas em dois tipos, de acordo com sua extensão e a forma de organização de suas operações: (i) as unidades de irrigação, com mais de 25.000 pequenos sistemas de irrigação, irrigam, anualmente, próximo de 2,5 milhões de hectares. Em geral elas têm sido mantidas e operadas pelos usuários-irrigantes. (ii) Distritos de irrigação consistem de esquemas de irrigação em larga escala, em número de cerca de 80, e que irrigam anualmente cerca de 3,3 milhões de hectares. 4.6.2 - Evolução dos marcos institucional e legal da irrigação no México Ao longo de sua história, o México tem-se defrontado com sérios desafios relacionados ao uso da água. O manejo adequado desse recurso e as obras hidráulicas criaram condições necessárias para levar seus benefícios aos mexicanos. 307 A promulgação da Lei de Irrigação em 1947 coroou os esforços do governo mexicano na transferência de responsabilidade pela operação e manutenção da infra-estrutura de irrigação, para os seus usuários. Entretanto, essa política de transferência de poder para os usuários mudou radicalmente, em 1971, com a Lei Federal de Águas que devolveu ao governo central a responsabilidade pela operação e manutenção dos distritos de irrigação. Não obstante tal mudança de rumo permanecia inalterada as razões fundamentais que haviam convencido o governo mexicano, ainda na década de 40, a desconcentrar a operação e manutenção da irrigação no país. Elas foram: a) Deterioração da infra-estrutura de irrigação, por falta de manutenção adequada, redução de fundos alocados para O&M, ao longo dos anos, bem como da participação dos usuários e da redução de subsídios governamentais. Esta, a razão principal. b) Adicionalmente, esta situação colocou os usuários dos distritos de irrigação em vantagem econômica sobre os esquemas de pequena irrigação, os quais tinham de pagar plenamente os custos dos serviços de irrigação, criando, assim, um segmento de produtores privilegiados. Por outro lado, o governo não se mostrava capaz de alocar os recursos, consideravelmente volumosos, necessários à manutenção adequada desses serviços. Essas duas situações também existiam no Brasil, em meados da década de 80, quando o governo federal decidiu pelo processo de transferência, o qual, decorridos quinze anos, ainda não se completou, em decorrência de pressões políticas e corporativas. c) Finalmente, convenceu-se o governo de que a única maneira de assegurar-se uma boa operação da infraestrutura de irrigação era entregando a responsabilidade de gerenciamento do distrito aos seus usuários, desde que fossem as pessoas que se beneficiassem diretamente dos ganhos desses serviços. 308 Assim, o governo mexicano decidiu retomar o processo de transferência. Entretanto, ao iniciá-lo em 1988, defrontou-se com o obstáculo legal, representado pela vigência da legislação de 1971. Para contorná-lo, os distritos de irrigação foram artificialmente subdivididos em “unidades de irrigação”, de forma a atuar em que pudessem consonância com a lei existente e, desse modo, tornar possível transferir suas operações para as associações de usuários (AUAs), que tinham sido previamente criadas. Para se evitar confundi-las com unidades reais de irrigação, elas foram denominadas “módulos”. Um programa nacional de transferência dos distritos de irrigação para as AUAs foi então criado, visando apoiar o processo, a fim de reparar a infra-estrutura deteriorada e fortalecer as AUAs. Para tanto, foi obtido um financiamento do Banco Mundial. O programa foi originalmente concebido para desenvolverse em duas etapas: na primeira, a AUA deveria ser organizada sob a forma de uma associação civil, com personalidade jurídica e patrimônio próprio, para operação e manutenção do “módulo”. Seria concedido à associação um título de concessão para o uso da água, assim como uma permissão para o uso da infra-estrutura e maquinaria para a realização dos trabalhos. Posteriormente, numa segunda etapa, uma sociedade de responsabilidade limitada e interesse público (SLTDA&IP) deveria ser criada, integrada com as diferentes AUAs em um mesmo distrito de irrigação, a qual seria autorizada a utilizar a infra-estrutura principal e o restante da maquinaria. Contudo, alguns problemas fizeram ajustar o programa, postergando essa etapa para depois de perfeitamente concluída a primeira etapa. Uma condição necessária para que a transferência fosse concluída seria que a AUA obtivesse auto-suficiência, econômica e financeira, de forma que pudesse pagar a totalidade dos custos de O&M do módulo, assim como cobrir uma parte dos custos de supervisão (head works), pagando um preço fixo a SLTDA & IP e/ou a CNA, para o O&M da infra-estrutura principal. Recentemente, como suporte adicional a esse processo, mudanças significativas foram promovidas na legislação de águas e de impostos pelo governo federal. Assim, a Lei Nacional de Á309 gua permite, dentro de certos limites, um mercado livre de direitos de água, de forma a promover eficiência em seu uso. Uma mudança na lei federal do imposto de renda reduz o nível de taxação para as AUAs envolvidas com distribuição de água (Véles et al., 1993). Hoje, a sociedade mexicana busca regular a exploração, o uso ou o aproveitamento dessas águas, sua distribuição e controle, assim como sua conservação, em quantidade e qualidade, para lograr seu desenvolvimento integrado e sustentável. Para tanto, a estratégia traçada para cumprir esses objetivos tem como eixo fundamental à ativa participação e decisão dos produtores, cabendo ao estado apoiar seus esforços, de forma descentralizada. Com efeito, a nova orientação da política mexicana de irrigação centra-se no incremento da produtividade, de tal forma que permita, além de incrementar a rentabilidade e retornos dos produtores, fazer um melhor uso da água, reduzir o consumo de energia e melhorar a qualidade dos produtos (prática de fertirrigação). Desse modo , atende-se igualmente ao propósito de liberar volumes de água, em algumas regiões, da agricultura, seu maior consumidor, em favor do fortalecimento do abastecimento doméstico e do desenvolvimento industrial, mas sem sacrificar a produção agrícola total (Confederação..., 1999). − Componentes-chave diferenciadores dos marcos jurídico e regulatório do México Em 1989 ocorreu a maior modificação na lei de águas mexicana, ao criar-se a Comissão Nacional de Águas (CNA), desconcentrada da Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Naturais e Pesca (SEMARNAP), com o mandato explícito de administrar os recursos hídricos, assegurando que sua extração, distribuição, uso e preservação se realizem com eficiência e eqüidade, retomando a rica e histórica experiência hídrica do México. Com a definição de uma nova política de gerenciamento das águas do país, a CNA propôs as seguintes linhas de ação estratégica destinados ao setor de recursos hídricos mexicanos: 310 • melhorar o aproveitamento dos recursos hídricos e da infra-estrutura, buscando-se reforçar a capacidade operacional e financeira das autoridades locais e dos órgãos prestadores de serviço de abastecimento de água potável e saneamento, além de melhorar a operação e desenvolvimento de infra-estrutura para o controle hidrológico e prevenção de riscos; • gerenciar a água eficientemente, por meio do conhecimento mais rigoroso da disponibilidade, qualidade e alocação do recursos hídricos, conjugado com a regularização dos diversos usuários; • modernizar a estrutura gerencial do setor, buscando reordenar as responsabilidades, visando estabelecer condições que ensejem o desenvolvimento ágil e eficiente das ações definidas nos programas hídricos (Confederação..., 1999). Assim, no exercício de seu mandato, a CNA vem evoluindo de suas tradicionais funções normativas, financeiras, operacionais e de construção e promoção do desenvolvimento hídrico, por intermédio de uma estrutura organizacional conformada com a divisão política do país, para uma estrutura de coordenação das ações necessárias para reorganizar o setor de recursos hídricos. Sua função predominante seria de caráter normativo, em matéria de gestão da água e seus bens inerentes, assim como de apoio técnico especializado às autoridades locais, para que essas executem as ações operativas, dentro de um esquema de organização por bacias hidrográficas e 13 regiões hidrológicas. Além dela, integram o aparato de gerenciamento integrado dos recursos hídricos as comissões estaduais de água e os conselhos de bacias hidrográficas com composição e mandato correspondentes, respectivamente, aos conselhos estaduais de recursos hídricos e aos comitês de bacias hidrográficas, além de comitês técnicos de águas subterrâneas (COTAS). Descentralizam-se para instituições estaduais e compartilham-se com o setor privado, funções, programas e recursos operacionais, reservandose à União a infra-estrutura e os equipamentos para o controle do sistema hidrológico, atenção às emergências e apoio ao abaste311 cimento de água e saneamento ambiental de localidades rurais (Confederação..., 1999). 4.6.3 - Transferência dos distritos de irrigação aos usuários-irrigantes Conforme descrito, o governo mexicano iniciou, a partir dos anos 90, uma investida no processo de transferência dos distritos públicos de irrigação aos usuários irrigantes, utilizando-se da seguinte estratégia: • ampliação da construção de infra-estrutura de irrigação, priorizando a conclusão de projetos e obras em estádio mais avançado em sua execução, segundo critérios de rentabilidade econômica, social e financeira; • modernização e reabilitação da infra-estrutura existente nos distritos e unidades de irrigação, em co-participação com associações de usuários e governos estaduais e municipais; • promoção e desenvolvimento sustentável da irrigação, com ações para evitar a contaminação, reduzir a sobreexplotação da água subterrânea e disseminar a cultura de operação adequada e manutenção da infra-estrutura agrícola de irrigação; • apoio de fortalecimento das organizações de usuários da água, às quais é transferida a infra-estrutura hidroagrícola, particularmente quanto a sua administração e viabilidade empresarial. Nesse período, foi transferida aos usuários a operação da infra-estrutura hídrica de 89% da área dos distritos de irrigação, graças ao desenvolvimento dos programas de reabilitação e modernização dos projetos públicos. Isso tudo incorporado à produção agrícola mais de 20.000 hectares; reabilitados mais de 180.000 ha e modernizados 360.000 ha parcelares, dos distritos e das unidades de produção agrícola, entre outras ações, envolvendo mais 490 mil hectares. 312 Tal política resultou no desenvolvimento do Programa Nacional de Descentralização dos Distritos de Irrigação, dentro do Plano Nacional de Desenvolvimento, por sua vez desenhado para estabelecer a co-responsabilidade no gerenciamento dos sistemas de irrigação, entre a CNA e os usuários da água, em que 80 sistemas públicos de irrigação se tornaram financeiramente autosuficientes (Escontria, 1998). O programa de transferência está construído em torno da criação de módulos de irrigação, operados por AUAs, associações civis, legalmente constituídas. Cada módulo cobre uma área específica de serviços e sua delimitação geográfica é baseada em aspetos de natureza hidráulica, social e econômica. Como os distritos de irrigação detêm algumas das áreas mais produtivas do país, o objetivo geral foi assegurar que essas áreas continuassem a ser altamente produtivas em perfeita harmonia com as condições de operação dos sistemas de irrigação. Ao longo do tempo, espera-se que a produção agrícola continuasse crescendo, mas não era esse o objetivo principal. Com efeito, o programa mexicano de transferência do gerenciamento foi desenhado para: • assegurar a sustentabilidade financeira dos distritos de irrigação, ao mesmo tempo em que seja reduzida a carga de seu financiamento pelo governo; • passar a responsabilidade pelo O&M dos distritos para os usuários-irrigantes; • incrementar a eficiência de uso da água e promover e sustentar o desempenho do sistema; • reduzir o número de empregados públicos nos distritos de irrigação. Na fase I, o programa de transferência passou gradualmente a responsabilidade dos distritos públicos para as associações de usuários, que assumiram a operação e manutenção, a mobilização de recursos financeiros, à administração de conflitos, 313 dentro de um módulo, áreas servidas por um ou mais canais secundários; elas variam de 1 a 50 mil hectares. O módulo começa no nível do canal secundário e se estende até o nível de parcela irrigada. A CNA mantém a responsabilidade de gerenciar a fonte de água e o canal principal A fase II criou as Sociedades de Responsabilidade Limitada (LRSs), que são federações de módulos individuais e responsáveis pela operação de todos os canais principais, drenos e estradas do distrito de irrigação. A federação também permite a formação de um pool de manutenção de equipamentos de cada módulo, resultando em economia de escala no seu uso. Onde se instalam as LRSs, a CNA se restringe a gerenciar a fonte de água, assim como a assumir um papel mais compreensivo, de planejamento e de desenvolvimento dos recursos hídricos em geral no país. A partir de 1994, iniciou-se o processo de transferência dos distritos de irrigação aos usuários, conforme o marco das políticas de descentralização. Para tanto, os usuários organizaram-se em Associações Civis de Módulos de Irrigação, que assumiram a operação, conservação e administração das redes secundárias de canais e drenos, de vias de transporte e demais infra-estruturas, compreendidas nos limites de uma seção (perímetro) de irrigação. O governo se reserva o controle, a operação e a conservação das obras principais (estações de bombeamento e canais e drenos principais), entregando a água em bloco às associações em seu ponto de controle. O governo também mantém a responsabilidade pelas atividades de engenharia de irrigação e drenagem e pela supervisão da operação geral dos distritos de irrigação. 4.6.4 - Mecanismos de financiamento da irrigação no México No México, a política de financiamento de projetos hidroagrícolas mudou significativamente nos anos 90, em decorrência de uma escassez generalizada de produtos agrícolas. Para combater a dependência da importação de alimentos, implementou-se uma nova orientação na política de irrigação no país, cujos objetivos fundamentais passaram a ser: aumentar a produtividade dos cultivos, racionalizar o uso da água, aumentar a rentabilidade dos produtos e reduzir o uso de energia elétrica. Constatou-se a necessi314 dade de pesquisas no uso da água e fertilização do solo para se atingir a meta prioritária de elevação de produtividade. Os orçamentos públicos representavam fator limitativo para o desenvolvimento da irrigação no país. Por esta razão, decidiu-se conduzir um amplo programa de emancipação dos projetos de irrigação (Escontria, 1998). A nova política consistiu numa visão de integração dos setores público e privado nos investimentos de infra-estrutura de irrigação e de exploração produtiva. Considerando-se as necessidades de investimentos de grande porte, desenhou-se uma arquitetura de financiamento compatível com a participação do setor privado, que obteve êxito na atração de investimentos privados em grandes obras hidráulicas. Esta experiência constitui um contra-exemplo à afirmação de que o setor privado não se interessa por grandes investimentos em obras de infra-estrutura de irrigação. A construção da hidroelétrica de Quites é um exemplo de experiência bem-sucedida de participação do setor privado. Pela primeira vez, no México, criouse a oportunidade de participação do setor privado no financiamento de uma obra de irrigação de grande porte, conciliando interesses sociais com óbvios méritos econômicos. Abandonou-se o sistema tradicional de construção de infra-estrutura diretamente pelo setor público, em favor da iniciativa de financiamento de empresas privadas, sem o comprometimento de recursos fiscais. O objetivo era reduzir ao mínimo o impacto orçamentário nas contas públicas da geração de energia com irrigação. Decidiu-se oferecer suporte financeiro a uma empresa privada que assumiria os riscos do empreendimento. Em 1992 foi celebrado um convênio entre o governo federal e uma empresa privada, o Consórcio Mexicano Construtor, constituído por empresas mexicanas de reputação internacional, com o desenho de um esquema financeiro baseado em emissão de títulos públicos e contratação de créditos para a empresa levar a cabo o seu empreendimento. A Comissão Federal de Eletricidade ofereceu parte dos créditos à taxa anual de 9%, com prazo de 12 anos. A partir de um estudo de recuperação dos custos, compatível com a rentabilidade de um empreendimento desse porte, a 315 Comissão Federal de Eletricidade financiou 450 milhões de dólares, e a Comissão Nacional de Água, 194 milhões, que representara uma parcela do financiamento total. Foi possível, dessa forma, construir a hidrelétrica, vender eletricidade, ampliar a área de cultivo em 70 mil hectares e reforçar o fornecimento de água para outros 446 mil hectares (Escontria, 1998). Devido a crescentes restrições fiscais, o Estado não pôde levar a cabo o desenvolvimento da irrigação no país. Escontria (1998) indicou que a solução encontrada para financiar o desenvolvimento da irrigação no México foi à transferência da operação e conservação da irrigação para os distritos de irrigantes. A deterioração e a diminuição da eficiência das áreas irrigadas tornaram evidente a necessidade de um novo modelo de financiamento e desenvolvimento da irrigação no México. O Programa Nacional de Irrigação e Drenagem (1988– 1997), no México, financiado pelo Banco Mundial e pelo BID, teve como objetivo sustar o processo de deterioração das áreas de irrigação no país e atenuar o processo de redução dos rendimentos dos cultivos. As instituições financeiras internacionais financiaram a operação e manutenção de 80 distritos de irrigação; a modernização de mais 20 distritos, em 1,9 milhão de hectare; a reabilitação da infra-estrutura e obras complementares e a transferência (como condição primordial) dos distritos de irrigação para a associação de usuários. A partir de 1994, uma segunda geração de reformas foi implementada. Os usuários se organizaram em associações civis de irrigação e assumiram a responsabilidade pela operação, conservação e administração das redes secundárias de canais e de drenos e toda a infra-estrutura dentro dos limites do distrito de irrigação. O Estado apenas manteve o controle, a manutenção e a conservação das grandes obras das redes principais de canais e de obras de drenagem, entregando a água às associações de produtores em postos de controle de vazão de água. Criou-se uma associação nacional de usuários de irrigação com os seguintes objetivos: a assistência técnica; apoio de contabilidade e gestão financeira; assessoria de aspectos legais, financeiros e organizacionais. O propósito dessa associação é consoli316 dar a descentralização por meio de treinamento dos produtores irrigantes e dos gestores dos distritos e das suas associações (Escontria, 1998). 4.6.5 - Reformas nas políticas de irrigação no México Um amplo programa de descentralização e transferência do controle das áreas irrigadas para distritos de irrigação e associação de usuários é uma experiência de transferência bemsucedida e de recuperação de custos. Escontria (1998) mostra que o Programa Nacional de Irrigação, que objetivou a transferência de áreas irrigadas para a associação de usuários, melhorou substancialmente a contribuição dos beneficiários para cobrir os custos de operação e manutenção das áreas de irrigação e financiar a atividade. A recuperação de custos aumentou de 20%, em 1989, para 78%, em 1998. Os subsídios outorgados aos produtoresirrigantes, que eram de 35% em 1989, hoje são apenas de 22%. Em todos os distritos de irrigação que foram transferidos para a gestão privada se alcançou auto-suficiência na recuperação de custos de conservação e manutenção. Atualmente 100% dos distritos de irrigação logram recuperar seus gastos com conservação e manutenção. Esta recuperação de custos é a base para o financiamento da operação do distrito (Escontria, 1998). Um ponto importante a ser analisado na experiência mexicana é que, dentro do Programa Aliança para o Campo, que se iniciou em 1995, os produtores passaram a ter liberdade de decisão para determinarem os programas e ações a serem empreendidos no agromexicano e determinar as melhores formas de exploração da terra, de acordo com sua capacidade econômica, seu nível tecnológico e a sua análise de rentabilidade financeira e econômica. O Estado deixou, portanto, de exercer o dirigismo e o cerceamento da liberdade empresarial do produtor, o que faz sentido, uma vez que os produtores, assumindo a responsabilidade de pagar os custos de manutenção e operação das suas áreas de irrigação, deveriam ter a faculdade de optar livremente pelos sistemas de cultivo, inclusive pelos sistemas de engenharia hidráulica, reduzindo custos para poderem pagar suas contas junto aos distritos. A recuperação de custos foi uma base financeira impor317 tante para o financiamento do setor, inclusive para a atração de crédito privado. De uma maneira consistente com a diretriz geral do país de aumentar os rendimentos físicos e a rentabilidade dos produtores, foi criado o Programa de Fertirrigação, com o objetivo de aumentar a eficiência dos sistemas de irrigação e fertilização no país. O financiamento deste programa e de toda a irrigação não requer aval, garantia, fiança ou seguro. O Governo Federal alavanca recursos de financiamento privado, fornecendo 35% dos créditos solicitados. Os governos estaduais participam com os outros 10% adicionais. Os produtores vão buscar a diferença no sistema financeiro privado ou utilizam seus recursos próprios. Participam desse programa 19,5 mil produtores. A nova reforma resultou num melhoramento tecnológico da irrigação em cerca de 136 mil hectares. Portanto, o projeto de financiamento inclui uma participação da ordem de 3/4 do setor privado e 1/4 do setor público. O Estado retirou-se do financiamento da irrigação e fortaleceu suas instituições para administrar a água. 4.6.6 - Resultados alcançados O México é visto hoje como um país que tem demonstrado ser possível transferir rapidamente grandes sistemas públicos de irrigação para grupos de usuários. Ali, desde 1989, retomou-se um processo de transferência do gerenciamento de distritos públicos de irrigação, de propriedade do Estado, para o gerenciamento conjunto, no qual há uma repartição de responsabilidades na operação e manutenção, entre a agência governamental e as associações de usuários da água (AUAs), como visto anteriormente. O programa mexicano de transferência do gerenciamento da irrigação foi mais rápido do que o planejado. Ao final de 1997, mais de 80% dos 3,3 milhões de hectares de terras públicas irrigadas tinham sido transferidos para o gerenciamento compartilhado. As AUAs têm provado ser capazes de operar e manter os módulos, mesmo quando eles ultrapassam os 50.000 hectares, e as tarifas pelo uso da água recolhidas dos usuários têm coberto as atividades de O&M dos módulos e custeado a maioria das atividades do staff da CNA, relacionadas com O&M, nos níveis dos ca318 nais principais e fontes de provisão de água. Isto contrasta com a situação anterior, em que havia forte dependência de subsídios governamentais e, devido à crônica falta de recursos públicos, também rápida deterioração do sistema coletivo de irrigação (Johnson III, 1998). Houve redução significativa no número de empregados da CNA. Na maioria dos distritos de irrigação os sistemas têm sido operados com menos gente, embora em muitos casos os módulos tenham recrutado staff com alto nível de treinamento. A eliminação de staff sindicalizado, controlando as atividades de O&M, removeu uma das maiores reclamações dos agricultores. Tem sido reportado que a autoridade para contratar e demitir seu próprio quadro de pessoal tem aumentado a capacidade de resposta da equipe operacional às necessidades dos irrigantes. Com o crescimento do orçamento para as atividades de O&M, incluindo mais fundos para manutenção e staff com maior responsabilidade, o programa criou uma situação que é muito mais sustentável que a anterior, antes da transferência (Johnson III, 1998). Apesar de poucos estudos de avaliação de experiências de transferência da gestão dos distritos públicos de irrigação, alguns foram realizados como do Graduate College of Chapingo, com apoio da Fundação FORD, envolvendo quatro dos primeiros distritos de irrigação mexicanos (Véles, 1995), que foram transferidos para AUAs. Nesse estudo, investigou-se, por meio de Survey Case, a opinião dos conselheiros das AUAs e dos usuários em geral, além da análise de dados hidrológicos e econômicos, relativos ao desempenho operacional da gestão. Esses distritos envolvem uma área total de 454 280 hectares, onde quase 50 000 usuários estão organizados em 42 AUAs e duas SLTDA & IP. A opinião dominante dos usuários foi que a gestão da água e a manutenção da infra-estrutura melhoraram, desde o momento que as AUAs responsabilizaram-se pela operação dos distritos de irrigação. Para as questões de natureza qualitativa, colocadas para os usuários, obtiveram-se as seguintes respostas (Véles, 1995): • não se perde tempo para pagar as tarifas de água; 319 • a água é entregue oportunamente; • o staff da AUA atende às reclamações de uma maneira melhor (mais educada e a tempo); • os usuários passam a conhecer o que está acontecendo no O&M do sistema; • todos os usuários estão aptos para participar do processo de tomada de decisão; • nenhum usuário deixa de saber qual o uso de seu dinheiro (tarifa dágua) para atender aos custos de O&M; • melhoria na administração do distrito contribui para a redução desses custos; • corrupção está declinando rapidamente, assim como a equipe de operações está-se tornando mais profissional; • usuários observam melhoria na manutenção da infraestrutura, assim como na entrega de água; • usuários recebem assistência técnica do staff operacional, que se compõe majoritariamente de profissionais de nível superior. 4.7 - O Caso da Espanha 4.7.1 - Quadro geral A Espanha, com uma superfície de aproximadamente 505 000 km2 (a Bahia tem 560.000 km2) e população de cerca de 40 milhões de habitantes, contava em 1993 com 3,402 milhões de hectares irrigados, representando cerca de 16% da área total agricultável e 1,5% da área irrigada do mundo. Dali se originaram cerca de 55-60% da produção agrícola total, em 1993, a qual contribuiu com 4% do PIB do país (Seckler et al., 1998). A Espanha detinha, em 1990, a maior área irrigável na Europa e a 11ª no mundo – 3,134 milhões de hectares, quando sua população era de 39, 3 milhões de habitantes, correspondendo, portanto, a 0,087 hectare irrigável per capita (contra 0,018 do Bra320 sil e 0,046 do mundo, no citado ano) (Seckler et al., 1998). Essa área atingia 2.500 milhões, em 1970, e 2. 822 milhões, em 1980. O país, depois da Suíça, detém a maior altitude média da Europa e clima que varia do atlântico, no noroeste do país, onde ocorrem chuvas abundantes todo o ano, ao mediterrâneo, no litoral oriental (com verão quente e seco), e nos planaltos e planícies do interior. A precipitação média anual é de 660 mm (menor que a mexicana: de 772 mm) e provoca um escoamento superficial e subterrâneo de 110 km3, um pouco menor do que a média européia e praticamente igual ao do rio São Francisco (Cobos, 1988). Entretanto, dada a sua relativamente baixa densidade populacional (12,6 habitantes/km2), a disponibilidade hídrica média por habitante alcança valores próximos de 3.000 m3/hab/ano; a média européia é de 2.600–2.700m3/hab/ano. A exemplo do Nordeste brasileiro (com irregularidade climática), a Espanha beneficia-se da influência positiva de maior radiação solar (até 5 vezes superior à média européia, de outubro a março, no sudeste do país), resultando na produção hortícola de melhor qualidade, com maior cotação no mercado. De 1970 a 1990, a Espanha acrescentou 900 mil hectares na sua superfície irrigada, com uma média anual de 45 mil hectares de incorporações de novos projetos de irrigação. A Espanha agrícola pode ser dividida em três grandes áreas: a zona Norte, de vocação forrageira, pecuária e florestal; a zona Central, predominantemente dedicada aos cultivos extensos de cereais, leguminosas e oleaginosas e a zona costeira, Sul e Mediterrânea, onde as explorações sob irrigação estão orientadas para cultivos hortícolas, ao natural ou sob plástico, e a cultivos subtropicais, como abacate e outros. A sua superfície irrigada teve, na safra agrícola 1996/97, (últimos dados oficiais dsponíveis) como principais cultivos anuais: o milho, a cevada e o trigo, que ocuparam 26% do total da área irrigada. Adicionando-se o arroz, esta área se eleva para 29%. Portanto, quase 1/3 da área irrigada total é explorada com cereais e grãos; 32% com hortícolas ( dos quais 40% com olerícolas, 28% 321 com frutas cítricas e os restantes 32% com árvores frutícolas diversas); 14% com culturas forrageiras e pastagens irrigadas e 3% com algodão. A maior área irrigada com cereais, grãos e fibras explica-se pelas elevadas produções de culturas hortícolas por unidade de área, em relação às demais culturas. Os cultivos hortícolas espanhóis abastecem o país e são importante item da pauta de exportação para toda Europa. Na ano agrícola 1996-97, do total irrigado, 58% foram irrigados por sulco, 25% por aspersão e 18% por irrigação localizada, a qual já alcança 20% na atualidade. 4.7.2 - Evolução dos marcos legal e institucional da irrigação na Espanha − Componentes–chave e diferenciadores dos marcos juridíco e regulatório A tradição espanhola em irrigação é milenar. Ali funcionam, há mais de 15 séculos, infra-estruturas hidráulicas de irrigação, operando até hoje. Há mais de dois séculos, em 1795, num Informe sobre a Lei Agrária, era realçada a necessidade de ampliar sua área irrigada, com vistas a incrementar a produção agrícola espanhola. Entretanto, imaginava-se ser tarefa difícil, por causa do clima e pela dificuldade de sua implantação, ao exigir obras de grande porte e, como tal, de custo elevado. Em decorrência disso, longo tempo decorreu, entre a constatação da necessidade de desenvolver mais a irrigação no país e as ações efetivas para sua consecução. De fato, só em 1847 (52 anos depois), foi criado o primeiro sindicato de irrigação (hoje, Comunidade de Irrigantes, na modalidade jurídica de corporação de direito público) para as áreas de Alicanti e Vega de Almería. A primeira Lei de Águas foi promulgada em 1866 e a efetiva participação do Estado na irrigação iniciouse em 1879, com a legislação sobre obras públicas e a Lei de Canais e Reservatórios, estabelecendo critérios básicos, entre os quais se destacam: • domínio privado somente das águas subterrâneas, associado às terras onde eram exploradas; 322 • a regulamentação das concessões de águas superficiais, públicas, para irrigação e o direito de ribeirinidade, limitando-se a administração pública a fiscalizar sua aplicação e a qualidade das águas; • nas águas correntes superficiais só cabem os aproveitamentos comuns (os usos insignificantes, na atual legislação de águas do Brasil) e os especiais (cujo direito pode ser adquirido, com prescrição de 20 anos, por meio de concessão administrativa – tal como a outorga, no Brasil) e que se distingue, quanto ao prazo, quando para irrigação de terras próprias ou arrendadas. No primeiro caso, a outorga é perpétua e, no segundo, por até 99 anos, após o que o domínio coletivo das obras hidráulicas comuns passará para a comunidade de irrigantes; • a exigência de uma administração comum das águas disponíveis, por meio de “ordenanças” especiais, tornando obrigatória a constituição dos sindicatos de irrigação, sob a forma de comunidades de irrigantes, onde seu número exceda a 20 e a área total irrigável não for inferior a 200 hectares e assim o exigir o interesse da comunidade, julgado pelo governador da província; • as comunidades de irrigantes adquirem mais autonomia; e suas decisões são submetidas à aprovação do governo, o qual não poderá negá-las, nem introduzir modificações sem ouvir o Conselho de Estado; • são regulamentados os apoios técnicos e econômicos para as transformações e melhorias nas terras irrigáveis. − A atuação do Poder Público na irrigação Em 7 de julho de 1911, foi sancionada a Lei de Construções Hidráulicas e de Apoio, destinadas à irrigação, a qual, em seu art. 1º, estabelecia que o Governo realizará a elaboração de projetos de obras de reservação e de distribuição de água, para a implantação de projetos de irrigação e melhorar e ampliar os projetos já estabelecidos. 323 A legislação de águas institucionalizara a intervenção estatal, não só nas ações relativas à provisão de água, mas também na própria irrigação, sob o argumento de ser suplementar à ação privada, naquelas grandes zonas irrigáveis, onde o volume de investimentos em obras de regularização de vazões e de condução de água, até à área irrigável, vis-à-vis o número de usuários, tornava o empreendimento inexequível sem o apoio do setor público. Não obstante, determinadas iniciativas privadas, de melhoria ou transformação em áreas irrigadas, foram apoiadas econômica e financeiramente pelo poder público. Assim, a construção de cada obra seria autorizada, então, por decreto real, por proposta do Ministério de Fomento (atualmente, pelo Ministério do Meio Ambiente), após consulta prévia ao Ministério da Fazenda, segundo as três modalidades e respectivos procedimentos seguintes: 1º - Execução pelo Estado, com apoio das localidades interessadas. Os interessados em novas transformações, de áreas de sequeiro em irrigadas, assegurariam o aporte de 50% dos investimentos: 10 % durante a execução e 40 % em até 20 anos. No caso de melhorias da irrigação, os irrigantes aportariam 20% durante a execução das obras e 30% em até 20 anos. As obras passariam a ser propriedade exclusiva dos proprietários ou comunidades de irrigantes, uma vez completada a totalidade de seus aportes financeiros. O governo poderia delegar àqueles a exploração e conservação das obras. (Grifo nosso). 2º - Execução por empresas ou sociedades, com apoio do governo. Neste caso, os irrigantes ou associações de proprietários ou sindicatos agrícolas atuariam como promotores do empreendimento. A elaboração e aprovação dos projetos de irrigação competiriam ao Governo, e a execução das obras caberia aos promotores, os quais poderiam receber uma subvenção governamental não superior a 50% do orçamento da obra e uma antecipação (financiamento) de até 25%, recuperados em um prazo de 25 anos, com juros de 2% ao ano. 324 3º - Execução exclusivamente a cargo do Estado. Este sistema foi o mais utilizado. Para isso, deveriam observar-se as seguintes condições: a) o projeto deveria ser elaborado e aprovado pelo governo; b) as obras deveriam destinar-se a novos projetos de irrigação; c) as obras deveriam estar incluídas no Plano Geral de Obras Hidráulicas; e d) deveriam existir disponibilidades orçamentárias. A execução das obras principais seria de responsabilidade do Estado. O seu valor seria recuperado, mediante as correspondentes tarifas dágua. Nos três casos supramencionados, as obras complementares, para a irrigação das parcelas, seriam executadas e financiadas pelos proprietários. Em 1926, foram criadas as confederaciones hidrográficas, como órgão gestor de bacia hidrográfica, cujo âmbito territorial incluía várias comunidades autônomas. Atualmente, essas confederações são responsáveis pela gestão dos serviços de oferta de água, em termos de quantidade e qualidade, salvo naquelas zonas onde essa gestão tenha sido transferida às comunidades de Irrigantes. Para tanto, elas cobram os custos de operação e manutenção das obras, via tarifa dágua. − Lei de Reforma e Desenvolvimento Agrário Paralelamente à criação do Conselho Nacional de Água, seguiu-se um processo de reforma da legislação de estruturas agrárias. Assim, em 26 de dezembro de 1939, foi sancionada a Lei Sobre Colonização de Grandes Zonas sucedida, em 1973, pela Lei de Reforma e Desenvolvimento Agrário. Em 1940, criouse o Instituto Nacional de Colonização, sucedido, em 1971, pelo Instituto Nacional de Reforma e Desenvolvimento Agrário (IRYDA), que atuou até 1995, quando suas funções foram assumidas 325 pela Direção Geral de Desenvolvimento Rural, do Ministério de Agricultura, Pesca e Alimentação. − MARCO INSTITUCIONAL VIGENTE A partir de janeiro de 1986, com a integração da Espanha à União Européia, importantes mudanças ocorreram quanto aos critérios sócio-econômicos que presidiam as ações de fomento da irrigação no país, acrescentando-se atenção preferencial às exigências e condições ambientais, sob a égide de uma política mais ampla de estruturação agrária, em cujos marcos deverão enquadrar-se os objetivos da administração em matéria de irrigação. Com a estruturação da Espanha em comunidades autônomas, a legislação agrária nacional e autônoma, relativa aos usos da água para irrigação, prevê os seguintes tipos de normas legais: Legislação Nacional a) zonas de transformação de áreas de sequeiro em irrigadas, de interesse geral do país; b) melhoria e modernização de áreas irrigadas tradicionais. Legislação das Comunidades Autônomas (CAs) a) transferência da faculdade de legislar em matéria de irrigação às CAs; b) legislação de transformação em áreas irrigadas de interesse geral das CAs; c) legislação autônoma sobre o uso da água para irrigação; d) legislação autônoma sobre melhoria e modernização de projetos/áreas irrigadas; e) normas relativas à redução de superfícies irrigáveis por razões ambientais. Na atualidade, a reelaboração dos Planos de Recursos Hídricos de Bacias Hidrográficas (em número de treze), após submetidos à aprovação do Conselho Nacional de Água, darão luz ao Plano Nacional de Recursos Hídricos, elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente, e ao Plano Nacional de Irrigação, elaborado 326 pelo Ministério da Agricultura, Pesca e Alimentação, os quais deverão ser aprovados pelo Conselho de Ministros do governo da Nação. Esses planos constituirão as bases de uma nova política de usos da água e de irrigação na Espanha. O Conselho Nacional de Água é um órgão consultivo superior e independente, do Ministério do Meio Ambiente, e cujo mandato é superveniente ao planejamento hidrológico (nas questões relacionadas ao domínio público dos recursos hídricos) e aos planos e projetos de interesse geral de ordenação agrária, urbana, industrial e de aproveitamentos energéticos ou de ordenamento do território, quando eles afetem o planejamento hídrico ou os usos da água. A Lei de Águas de 1985 estabelece ainda que nas bacias hidrográficas, que ultrapassem o âmbito territorial de uma comunidade autônoma, constituir-se-ão organismos de bacia, denominados confederações hidrográficas (herdeiras das criadas em 1926 e semelhantes aos comitês de bacias hidrográficas de rios federais, da Lei 9.433/97, do Brasil), vinculadas administrativamente ao Ministério de Obras Públicas e Urbanismo, mas com personalidade jurídica própria e plena autonomia funcional. A reforma administrativa então empreendida, que culminou com a criação das confederações hidrográficas e, posteriormente, do Instituto Nacional de Colonização, e a assunção, pelo Estado, não só das obras de regulação e condução de água, mas também das de distribuição e transformação em irrigação, assim como os avanços técnicos alcançados contribuíram, sem dúvida, para um desenvolvimento sem precedentes da irrigação na Espanha A Lei de Águas, aprovada em 1879, autorizava o setor privado a explorar as águas subterrâneas. Esta legislação permaneceu até 1985, quando o financiamento da irrigação voltara a ser quase totalmente privado, inclusive a explotação dos aqüíferos subterrâneos. Em 1985, com a nova Lei de Águas (vigente até hoje), as águas subterrâneas foram declaradas como parte integrante do patrimônio comum (de domínio público), juntamente com as águas superficiais do país, e sua explotação foi submetida também à regulamentação pública. 327 Historicamente, o desenvolvimento da irrigação vem ocorrendo através de comunidades de irrigantes que financiam as obras para a exploração hidroagrícola. A administração pública, entretanto, tem o poder de obrigar, mediante inspeção, a realização de obras destinadas ao melhor aproveitamento da água e evitar deterioração do patrimônio hídrico nacional, porque de domínio público; podendo inclusive suspender a utilização da água se a comunidade não executar as obras necessárias ao seu melhor aproveitamento. Somente em 1985, a Espanha adotou o enfoque de planejamento por bacias hidrográficas no país, com normas básicas sobre construção e transformação para o melhor aproveitamento dos recursos hidráulicos e das terras disponíveis. A atuação do estado por meio do planejamento integrado dos recursos hídricos conforma (tal como a atual legislação de recursos hídricos do Brasil – Lei 9.433 /97 e a correspondente legislação dos Estados nordestinos) um conjunto de normas básicas, relacionadas ao planejamento dos recursos hídricos, de caráter normativo para o setor público, e indicativo ao setor privado, inclusive sobre métodos de irrigação mais adequados para os tipos de solos, climas e cultivos, e, principalmente, as condições exigidas para um eficiente sistema de drenagem. Na atual legislação espanhola, a irrigação continua com o segundo uso prioritário da água, depois do consumo humano, observado o Plano de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica, reduzida a outorga para o máximo de 75 anos, renováveis, se não houver restrição do plano-diretor. Se a iniciativa privada seguir esse direcionamento básico do planejamento hídrico, estará livre para implementar seus investimentos e explorar a atividade no país. Ao Estado coube, portanto, a tarefa de normatizar a utilização da água e regulamentar todos os aspectos que lhe dizem respeito. Em suma, a participação do setor público na irrigação espanhola, desde o início do século, foi de construção de canais primários e de um rigoroso sistema de planejamento e regulamentação dos usos da água. Porém, a maior parte das atividades desenvolvidas da irrigação foram por meio de comunidades de irrigantes, com investimentos feitos pelo setor privado. 328 Na atualidade, grande parte da construção de obras de aproveitamento hidráulico, para fins de geração de energia e irrigação, processa-se por meio de consórcios de grupos construtores nacionais. As empresas de construção civil espanhola têm suficiente experiência e capacidade de gestão e tecnologia para participar como iniciativa privada de todos os negócios de exploração da água. Cabe o Estado fiscalizar, para que o interesse comum seja preservado. Essa explotação dos recursos hídricos, por parte de consórcios de empresas, está assentado em três pilares, que são objeto de regulamentação por parte do Estado. O primeiro deles é a exigência de participação da iniciativa privada para o desenvolvimento de infra-estrutura; em segundo lugar, a regulamentação das formas de financiamento privado para as obras de infraestrutura; e, por fim, a necessidade de configuração, pelo proponente, do pretendido sob a forma de um project-finance. Com esse sistema regulamentado, foi possível desenvolver investimentos de grande vulto, no aproveitamento dos recursos hídricos do país, principalmente para a geração de energia elétrica combinada com a exploração hidroagrícola. 4.7.3 - Financiamento da irrigação Neste item, explicitam-se as participações pública e privada no financiamento de irrigação, a forma de sua recuperação, bem como os percentuais de subvenção governamental por categoria de investimento. Por proposta do Ministério de Agricultura, Pesca e Alimentação e do de Obras Públicas (hoje, do Ministério do Meio Ambiente), o governo poderá declarar de interesse geral da Nação a transformação de uma área irrigável, em uma grande área irrigada. Para tanto, é elaborado e aprovado um plano geral de transformação e um plano coordenado de obras, no qual se estabelecem os prazos para sua execução, o ministério que as executará e o sistema de financiamento. As obras realizadas pelo então Ministério de Obras eram custeadas pelo orçamento daquele Ministério de Obras Públicas (hoje, o são pelo Ministério do Meio Ambiente). A recuperação dos investi329 mentos não subvencionados se dá com a tarifa d’ àgua. Os gastos de conservação e de exploração (O&M) eram ressarcidos pelos irrigantes, mediante outro componente da tarifa (canon de riego). As obras a executar pelo Ministério de Agricultura, Pesca e Alimentação classificam-se nos seguintes grupos: - Obras de interesse geral. São aquelas que beneficiem as condições de toda a comarca ou zona e se avaliem como necessárias à implementação da irrigação, tais como: canais principais, malha viária interna, drenagem, recomposição florestal etc. Estas obras serão financiadas e subvencionadas pelo Estado; - Obras de interesse comum. As que se realizem em zonas, cuja transformação tenha sido declarada de interesse geral do país e afetem a cada um dos setores hídricos, em que se divida a zona e não estejam incluídas no grupo anterior. Serão financiadas em 100% pelo Ministério e terão uma subvenção de 40%; - Obras de interesse agrícola privado. As correspondentes à sistematização ou adequação de terras, canais de última ordem, instalações especiais de irrigação e drenagem na parcela e, em geral, as melhorias permanentes de toda espécie, que devam ser realizadas on farm. Estas obras terão subvenção de 30%. - Obras complementares. As que, sem relacionar-se diretamente com a irrigação, contribuam para seu desenvolvimento econômico e social, resultando em benefício de todos os agricultores da área do projeto. Poderão classificar-se em abrigos para o gado, instalações para o abrigo de máquinas agrícolas, instalações para associações, cooperativas etc. Para abastecimento de água, eletrificação de aglomerados urbanos etc. Essas obras serão solicitadas diretamente pelos agricultores através de suas cooperativas, e podem ser subvencionadas em até 40%. As obras executadas e financiadas pelo Ministério de Agricultura, Pesca e Alimentação passarão à propriedade das respec330 tivas comunidades de irrigantes, logo que o projeto entre em operação. (Grifo nosso). Assim, os planos de obras de irrigação foram sendo implementados, de forma coordenada, pela Direção Geral de Obras Hidráulicas, do Ministério de Obras Públicas, e o IRYDA, do Ministério da Agricultura, Pesca e Alimentação. Para o período 1990/2010, foram elaborados, no ano de 1988, os planos hidrológicos de bacias intercomunitárias (hidrográficas), que prevêem um crescimento dos investimentos em irrigação, com a incorporação potencial de até 22,8 mil hectares/ano, como meta; e a recuperação das áreas irrigadas com uma meta de 6.500 hectares/ano. Os recursos disponíveis, oriundos dos orçamentos do Poder Público, concentrar-se-ão na construção de barragens, na transposição do rio Hebro-Pirineu e nas obras de aproveitamento hidroelétrico do país. Os investimentos em manutenção da infra-estrutura de represas provêm 76% do setor privado e 24% do setor público; entretanto, os novos investimentos em represas serão feitos com recursos públicos da ordem de 80% e 20% do setor privado. Todas as demais obras, além das represas, terão como fonte de recursos, em 100%, o setor privado. Apenas alguns investimentos de obras de irrigação terão 50% de recursos provenientes dos cofres da administração provincial, enquanto a maior parte dos investimentos serão feitos pelo setor privado, como indicam os números mencionados. Na área de irrigação, os gastos com operação e manutenção da infra-estrutura atual são totalmente financiados com recursos privados (Hernando, 1998). Os programas para ampliação das áreas irrigadas são ambiciosos, mas há uma repartição dos recursos, entre o Governo Central, das administrações provinciais e da administração autônoma das comunidades de irrigantes. O novo planejamento de expansão da irrigação foi feito a partir de uma avaliação bastante precisa da demanda pelos produtos agrícolas, bem como da atualização das amortizações dos custos das obras de irrigação, e da atualização do custo real da água visando a necessidade de recuperação dos investimentos. 331 Uma avaliação do programa dos investimentos no futuro (Hernando, 1998) indica que eventualmente existiriam limitações financeiras a condicionar o programa, dada a capacidade de alavancagem de recursos privados e públicos, na situação atual em que se encontra a Espanha. Mas as perspectivas de mercado encorajam novos investimentos. A destinação de recursos públicos para investimentos e gastos em infra-estrutura exige, em função dos montantes estimados, um grande esforço econômico. Ao setor público se reservam as tarefas de realização de algumas infra-estruturas básicas e financiamento seletivo de alguns investimentos necessários. Mas o poder público deverá concentrar-se em desenvolver sua capacidade de gestão da legislação e da regulamentação, ou seja, do marco institucional do país. Ao setor privado se reserva a tarefa de realizar as inversões complementares necessárias. O setor privado pode recorrer ao financiamento por parte dos órgãos públicos na esfera provincial. Entretanto, a maior parte do financiamento deverá originar-se de recursos próprios. Como assinala Hernando (1998) “Se partimos do pressuposto de que os investimentos são economicamente viáveis, os gastos necessários deveriam ser realizados pelos próprios beneficiários, restando ao Estado os gastos decorrentes da atuação manifestamente social; isto é, o recurso público deverá se concentrar em investimentos, cujos benefícios sejam para a sociedade como um todo ou gastos com benefícios tão diversificados que seja difícil a individualização dos benefícios”. Por outras palavras, cabe ao setor público apenas o investimento em bens públicos, tais como: regulamentação, obras destinadas à utilização mais racional da água (Hernando, 1998). Como foi assinalado, na Espanha e no Brasil, o investimento é financiado, na maior parte, pelo setor privado, cabendo ao setor público alguns tipos de investimentos de alavancagem para facilitar aquele investimento privado, mas lá principalmente concentrados na área de represas e de açudagem, inclusive com subvenção ao setor privado. 332 O plano de investimentos 1990/2010 espelha a repartição do financiamento público e privado na irrigação da Espanha. De todo o investimento previsto, o setor público participa com 31% do total, sendo apenas 27% de investimento e 4% para gastos correntes e para manutenção dos órgãos públicos de fiscalização da regulamentação do uso da água. Todo o investimento restante, da ordem de 69% do total do plano proposto, é feito inteiramente com recursos privados. Um ponto importante a assinalar é que todos os gastos públicos, com pessoal destinado a fiscalizar a legislação vigente, é considerado investimento público e monta a 4% no plano considerado. Dos 27% do investimento público nas novas obras, metade deverá ser feita com orçamentos provinciais (orçamento dos estados). A disponibilidade do recurso público depende do quadro macroeconômico do país, ou seja, da inflação, do déficit público e da dívida mobiliária do Estado, assim como da evolução da arrecadação fiscal e do PIB da Espanha. O setor privado encontra maiores possibilidades de investimento, com a queda das taxas de juros e da expansão da demanda por produtos nas áreas de irrigação. Os investidores acreditam que a participação da Espanha no Tratado de Maastricht deverá ser um fator importante para atrair o capital privado para o país, principalmente o capital externo, predominantemente da própria União Européia. Na Espanha estão-se delineando novas oportunidades para investimento privado. Há dois fatores importantes a serem considerados nessa linha: em primeiro lugar, há novas oportunidades de negócio para as empresas construtoras, dentro do plano de construção e exploração das novas obras hidráulicas, com recursos privados alavancados por investimentos reduzidos do setor público; em segundo lugar, há novas formas de financiamento privado de infra-estrutura hidráulica e de saneamento. A nova política fiscal adotada pela Espanha em 1997, denominada “Medidas Fiscais Administrativas e de Ordem Social”, consagra o princípio da necessidade de controlar o déficit público sem elevar os impostos. Esta nova postura fiscal obriga a busca de mecanismos que atraíam o capital privado para a inversão em áreas de interesse público, que atendam às necessidades e às 333 lacunas pela falta de recursos financeiros para investimentos orçamentários da administração pública. Cerca de 51% das grandes barragens foram feitas com vistas ao aproveitamento elétrico e hidroagrícola. Porém, a execução dessas obras contou com o auxílio do Estado em parceria com as comunidades locais interessadas. Uma grande parte da execução dessas obras foi feita em associação de empresas de capital misto; apenas uma pequena parte foi realizada inteiramente com recursos públicos. Na Espanha, o regime econômico-financeiro do contrato de concessão de obras hidráulicas para a geração de energia elétrica destinada à irrigação obedece ao seguinte princípio: as tarifas pagas pelos beneficiários são fixadas por uma administração independente e incluem, obrigatoriamente, os gastos para manutenção do funcionamento eficiente dos sistemas, a conservação e a administração das obras. A administração pública cuida para que em todos os momentos se mantenha um equilíbrio financeiro entre os gastos decorrentes da operação e manutenção e a recuperação de custos compatível com a elevada qualidade dos serviços prestados (Hernando, 1998). O mecanismo de recuperação dos investimentos e de custeio de operação e manutenção na Espanha está assentado no princípio de que o investimento público deve ser complementado pelo financiamento privado, dentro do regime de concessões. Mas esse regime inclui não só a gestão das obras por parte do setor privado, como também a recuperação integral dos custos. Portanto, a gestão do serviço e a oferta da água, em termos de quantidade e qualidade, fazem por parte do setor privado, dentro de um sistema de aproveitamento da infra-estrutura existente sob a gestão privada. Para que o Estado outorgue uma concessão na Espanha, é necessário que a administração privada pleiteante, respeitada a ordem de preferência de usos da água, determinada pelo respectivo Plano Hídrico da Bacia Hidrográfica, comprove que o projeto tenha objetivo econômico e bases financeiras sustentáveis. Desse modo, é necessário demonstrar que a operação gerará um cashflow estável e previsível e que o setor privado enuncie claramente 334 os riscos possíveis que o concessionário deverá assumir perante a administração pública. O pretendente à concessão de uso da água deve demonstrar a sua capacidade de administrar os riscos financeiros e comerciais do empreendimento, antes que lhe seja outorgada a concessão de uso da água. As entidades privadas pleiteantes, além dos requisitos enunciados, têm de demonstrar que seus projetos incluem a modernização dos métodos de irrigação empregados; o fomento a cultivos de baixo consumo de água; a reutilização das águas residuais; o volume de água demandada, as fontes de origem, inclusive aquelas provenientes dos aqüíferos subterrâneos, e um rigoroso plano de uso que incluía poupar água em toda a exploração. Não se esgotam aí as principais necessidades de comprovação, por parte dos pleiteantes, para a outorga da água. Há um conjunto de outros requisitos que assegurem a sustentabilidade financeira do projeto e o atendimento às necessidades dos irrigantes. Dentro desse conjunto de exigências para a outorga da concessão do uso da água, o pleiteante deve provar que a construção da infra-estrutura oferecerá um serviço à altura das necessidades dos usuários; deve provar que o custo a ser cobrado do usuário se traduz em uma tarifa realista que ele possa pagar, usando racionalmente a água; o pleiteante deve provar que a obra deverá implicar melhoria da qualidade do serviço oferecido; deve provar que a sua proposta tem transparência na gestão e contar com o controle direto dos usuários. Na Espanha, grande parte das obras de aproveitamento hidráulico, para fins de energia e irrigação, se processa por meio de consórcio e grupos construtores nacionais. As empresas empreiteiras de construção civil espanhola têm suficiente experiência e capacidade de gestão e tecnologia para participar como iniciativa privada de todos os negócios de exploração da água em benefício dos consumidores. Cabe ao Estado fiscalizar para que o interesse comum seja preservado; mas o ponto importante é que grande parte dessas obras de infra-estrutura são feitas por consórcios de importantes empresas construtoras. 335 No caso espanhol, este aspecto da exploração dos recursos hídricos por parte de consórcios de empresas está assentado em três pilares, que são objeto de regulamentação por parte do Estado. A primeira delas são as restrições à atuação da iniciativa privada para o desenvolvimento de infra-estrutura; a regulamentação consiste nas formas de financiamento privado de infra-estrutura e um rigoroso sistema de apresentação de project-finance. Com esse sistema regulamentado foi possível desenvolver investimentos de grande vulto, no aproveitamento dos recursos hídricos do país, para a geração de energia elétrica combinada com a exploração hidroagrícola. A regulamentação das formas de atuação do setor privado trouxe para a Espanha parte do notável fluxo de investimentos privados e públicos. Estes últimos são provenientes dos fundos da União Européia. Com uma rigorosa regulamentação das formas de exploração, por parte do setor privado, dos recursos hídricos do país, foi possível assegurar fontes de financiamento, inclusive internacional, por parte de organismos multilaterais dentro da União Européia e por parte de grupos investidores privados de grande porte, inclusive do Banco Europeu de Investimento, que é a entidade bancária da União Européia, com atuação destacada nos mercados de capitais europeus. O Banco Europeu de Investimento atuou de duas formas no financiamento das obras de infra-estrutura de aproveitamento hídrico: a concessão de empréstimos e, sobretudo, a outorga de fiança para os investimentos privados, para alavancagem de recursos privados de crédito junto ao mercado financeiro. Assim, na Espanha, uma forma importante de financiamento consistiu na garantia que o Banco Europeu de Investimentos concedia aos projetos privados. São promissoras as perspectivas da Espanha; mas dependem da demanda e da concepção de negócios rentáveis na área de irrigação. Não haverá problemas com relação à oferta, devido às sólidas bases de regulamentação da exploração privada dos empreendimentos. Isso por que a Espanha, pelo seu clima mediterrâneo, tem condições de ofertar uma série de produtos, como 336 cereais, grãos e fibras, além de hortícolas, para atender às necessidades nacionais e da Europa. Existe o apoio da Política Agrícola Comum (PAC). Entretanto, a atuação da PAC não é no sentido da concessão de subsídios acionáveis no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC). Os mecanismos disponíveis para os produtores irrigantes de cereais, fibras e grãos estão incluídos na chamada “caixa azul”, que são concessão de pagamentos não- acionáveis no âmbito da OMC. Entretanto, a produtividade dos cultivos irrigados dispensa grandes volumes de subsídio na atualidade, o que não ocorria quando a atividade, baseada em alta produtividade, não havia se desenvolvido. Um outro fator prospectivo importante é o mercado. Na Espanha, diferente do que ocorre na França, os horticultores estão-se preparando para enfrentar uma concorrência com produto importado em um mercado cada vez mais liberalizado e uma economia globalizada. Dentro da União Européia, a Espanha não tem oposto irrestrita resistência a uma maior liberalização dos mercados agrícolas, em grande parte devido à eficiência da sua horticultura irrigada, que consegue competir com produto importado, proveniente de países altamente competitivos. 4.7.4 - Cadeias agroindustriais na Espanha A agricultura irrigada espanhola está assentada na exploração de cereais, grãos e fibras. Os cultivos mais importantes são o milho, com 355 mil hectares; a cevada, com 298 mil hectares; a alfafa, com 216 mil hectares; o trigo, com 193 mil hectares; a batata, com 133 mil hectares; a beterraba açucareira, com 133 mil hectares; as frutas cítricas, com 265 mil hectares; o girassol, com 169 mil hectares; o algodão, com 182 mil hectares; e o arroz, com 90 mil hectares. Os cultivos hortícolas ocupam 164 mil hectares. A Espanha situa-se numa grande área de livre comércio (na verdade um mercado comum caracterizado como uma região deficitária, principalmente nesses produtos mencionados). As cadeias agroindustriais espanholas são extremamente eficientes na 337 distribuição desses produtos para consumo interno e para consumo no âmbito da Europa, contando com uma organização logística de redes rodoviária e ferroviária altamente eficientes, como existe na Europa. Além disso, para a distribuição de produtos hortícolas, existe toda uma tecnologia moderna de packing houses e plantas multiprocessadoras de frutas, legumes e verduras para distribuição em toda a Europa, a tempo e a hora. O regime de exploração das cadeias de cultivos irrigados na Espanha está assentado em contratos de fornecimento, com rigorosos padrões de qualidade, aperfeiçoados em décadas de experiência junto aos mercados consumidores. As redes de supermercados realizam contratos com as comunidades de irrigantes e os packing houses para distribuição em toda Europa. A organização das cadeias agroindustriais é, portanto, facilitada pelo fato de que a Europa se insere em uma área livre de gravames, altamente deficitária nos produtos oriundos das explorações irrigadas. O setor agroindustrial mais importante da Espanha é o de carnes (18,6%), seguido da indústria de laticínios (11,2%) e de azeites e óleos comestíveis (10,4%). Esse setor emprega diretamente 383.000 pessoas. Periodicamente, um consórcio público e privado realiza análises prospectivas de mercado, identifica a demanda por cultivos anuais, temporários e cultivos permanentes. Recentemente, a Espanha realizou uma análise prospectiva do mercado para fornecer às suas cadeias agroindustriais, seguindo uma orientação segura, a demanda futura pelos produtos da agricultura irrigada. A análise da demanda atual e futura foi classificada em quatro categorias mais importantes. A primeira categoria são os cultivos prioritários que elegem as culturas olerícolas, cítricas e outras frutas. A segunda categoria são os cultivos denominados de “recomendáveis”, isto é, cultivos em que a demanda não é tão forte quanto a primeira categoria, mas que uma avaliação da demanda futura indica como cultivos de menor risco, recomendando-os à cultura irrigada. Neste conjunto 2, situam-se azeitona e uva (de mesa e para vinho), que ocupam, respectivamente, 10 % e 3% da área irrigada. 338 Uma terceira categoria são os cultivos não recomendados à exploração da agricultura irrigada. Entre eles estão o trigo e outros cereais, as oleaginosas, o algodão, a beterraba açucareira, a batata produzida na entressafra, a batata tardia (quando entram as safras de batata do resto dos países da Europa) e as frutas e hortaliças denominadas tardias, que competem com produtos importados de outros países do mundo no mercado europeu. Elas já alcançaram a produção máxima, garantida pela PAC. Existem tarifas sazonais na Europa. A Espanha tem uma restrição técnica para competir com as importações de outros países no final da safra, ou melhor, no período da entressafra. Há uma quarta categoria, a de produtos contingenciados, tais como a beterraba açucareira, fumo e cana, para os quais é recomendada atenção especial por parte das grandes agroindústrias assentadas nas áreas próximas aos projetos de irrigação. Por outro lado, segundo uma prospecção da demanda futura, entre os cultivos que deverão merecer especial consideração estão as agroindústrias que produzem féculas e amidos; em seguida, as agroindústrias que produzem álcool, glúten de milho e produtos que são usados na indústria de alimentos processados. O estudo sugere novas áreas de investimento para a agroindústria espanhola, ao indicar estes produtos como os de maior potencial no futuro, considerando que, no início do próximo milênio, 2/3 dos produtos transacionados no comércio agroindustrial mundial serão de produtos processados e não as commodities tradicionais. Tratando-de dos produtos dos dois primeiros grupos, acima referidos, a Espanha encontra-se em situação mais vantajosa que os demais países da União Européia. Quanto aos produtos do terceiro grupo, certamente a Espanha se encontra em situação pior, por exemplo, que a da França. A sobrevivência desses cultivos irrigados ou de sequeiro dependerá, em grande medida, do apoio da PAC. − A disponibilidade relativa de água orientando sua utilização racional na irrigação Há, prospectivamente, escassez relativa de água na Espanha, mas a legislação de 1985 foi apropriadamente desenhada dentro desse novo quadro. As regras para a exploração privada 339 da agricultura irrigada já contemplam como necessidade de comprovação de viabilidade dos investimentos, a outorga da água, a necessidade de comprovação de métodos e práticas poupadores de água na irrigação. Para orientação das cadeias agroindustriais na Espanha, faz-se também uma avaliação prospectiva da demanda por água. Portanto, ao lado da demanda revelada pelo mercado, leva-se em consideração a necessidade de selecionar um conjunto de cultivos que seja sustentável, do ponto de vista não só econômico como também ecológico, e que poupe água. Assim, para a avaliação da sustentabilidade econômica e ecológica dos projetos de irrigação, instituiu-se um cálculo rigoroso da produção (em pesetas espanholas, por metro cúbico de água consumida, por hectare). Este parâmetro é convertido numa medida de valor da produção por metro cúbico de água utilizado. Ela é a base para estabelecer as comparações entre cultivos, para orientar as cadeias agroindustriais espanholas nos seus planejamentos de produção e processamento, com base em produtividade hídrica e hidroeconomicidade. Assim, dois critérios básicos são empregados, juntamente com a demanda, para determinar o conjunto ou a combinação melhor de cultivos mais eficientes do ponto de vista econômico e de redução do consumo de água. São: o conceito de produtividade hídrica, baseado fundamentalmente na questão da produtividade física; e o conceito de hidroeconomicidade, baseado não só na produtividade física, como também no valor dos produtos nos mercados. Com base nessas avaliações prospectivas de demanda, faz-se todo o planejamento da operação das cadeias agroindustriais na Espanha, pois a demanda é o primeiro fator a ser considerado no negócio da irrigação, principalmente quando não se têm problemas na área de logística e se dispõe de um sistema avançado de contratos e produção planejada, entre as áreas irrigadas, as agroindústrias e os distribuidores, como os supermercado e grandes redes de venda de produto já embalado (que é uma característica espanhola, nos setores de frutas e hortaliças). Na experiência espanhola, vale a pena reiterar a importância dos dois conceitos fundamentais de produtividade hídrica e de 340 hidroeconomicidade como forma de organizar não só a atividade de irrigação, como também de todas as cadeias agroindustriais. Mas a organização da exploração da agricultura irrigada na Espanha está assentada não apenas nesse preceito, mas em três pilares fundamentais. Em primeiro lugar, a garantia da produção agroalimentar e agroindustrial, dentro do enfoque geopolítico, de segurança alimentar, ainda muito importante na Europa. Em segundo lugar, a agricultura irrigada deve ser o elemento impulsionador do desenvolvimento da área rural. Em terceiro lugar, a autosustentação da produtividade hídrica ou hidroeconomicidade, como foi definida no objetivo de se atingir a melhor relação entre pesetas obtidas por cada metro cúbico de água consumida. Não obstante, numa avaliação prospectiva do futuro do agronegócio da irrigação na Espanha, não se pode ignorar que existem alguns fatores limitantes a sua expansão. Em primeiro lugar, a disponibilidade relativa decrescente de recursos hídricos; em segundo, as crescentes limitações de recursos financeiros, dentro da Política Agrícola Comum da Unidade Européia; em terceiro lugar, o desequilíbrio causado pela falta de recursos humanos, conhecidos como fenômeno de “desertificação” humana territorial em algumas áreas irrigadas na Espanha (Hernando, 1998). Vale a observação final de que a Espanha, há cerca de duas décadas, se preparou para competir em uma agricultura com mercados cada vez mais liberalizados, com redução dos subsídios das políticas públicas. Ao contrário do que aconteceu, por exemplo, com a França, que permaneceu ainda dependente dos subsídios da PAC e exerce pressão no sentido de retardar a liberação comercial da Europa e a abertura dos seus mercados à competição no exterior. É preciso assinalar que grande parte do poder competitivo da Espanha advém da sua reconhecida capacidade de competir, em termos de eficiência econômica, nos cultivos hortícolas sob irrigação, com importações provenientes de qualquer país do mundo. Mas esse foi um trabalho preparado cuidadosamente ao longo de duas décadas em que se conferiu, de forma prospectiva, prioridade aos estudos de mercado. 341 4.8 - O Caso da China 4.8.1 - Quadro geral A China é uma das mais antigas sociedades do mundo e tem uma longa história de irrigação. Esquemas de irrigação em grande escala são relatados como existentes há 605 anos antes da era cristã (CHEN & JI, 1995). Com uma superpopulação, excedendo a 1,2 bilhão, a China é extremamente atenta em assegurar o alimento para seu povo. Em 1949, a China possuía 16 milhões de hectares irrigados, expandindo-se rapidamente para, em 1992, alcançar cerca de 48 milhões de hectares, com a fundação da República Popular da China. Esta área irrigada inclui 144 grandes distritos de irrigação, cada um com mais de 200.000 ha efetivamente irrigados. Existem ainda cerca de 5.198 médios distritos de irrigação (entre 627 e 20.000 ha). Sistemas de irrigação grandes e médios atendem cerca de 47% da área irrigada do país. Pequenos reservatórios, açudes e sistemas de bombeamento de água, em área menores que 627 ha, são manejados por organizações locais. Elas somam 27% da área total irrigada no país, enquanto outros pequenos sistemas de irrigação são manejados pelos próprios agricultores. A área irrigada manejada diretamente pelos agricultores representava 26% da área total irrigada em 1991 (Johnson III et al., 1996). Os 5.363 distritos de irrigação chineses são responsáveis por 40% da área irrigada do país e, além de prover os serviços clássicos de irrigação para a produção local, respondem também pelo suprimento de água para consumo humano e industrial de cidades e vilas e por 70-80% do abastecimento de água potável para a população rural e animal. Os distritos de irrigação chineses estão, portanto, envolvidos com o gerenciamento de sistemas para múltiplos usos da água. As questões relacionadas à gestão dos recursos hídricos e de conservação da água costumam assumir importância maior que a própria irrigação. Ademais, trata-se de um país com severas restrições na oferta global de água, em torno de 25% da disponibilidade média 342 per capita mundial. Os recursos hídricos são especialmente escassos na região Norte do país e, no Noroeste chinês, com precipitação anual abaixo de 200mm, não se pode fazer agricultura sem o concurso da irrigação. Mais de 80 mil reservatórios de água, com uma capacidade total de 468 bilhões de metros cúbicos de água, foram concluídos. Contudo, a área que pode ser adicionalmente irrigada é limitada pela baixa disponibilidade de terras aptas e pelo insuficiente suprimento de água. Assim, para incrementar a produção agrícola, é vital a reabilitação dos sistemas de irrigação já instalados (que inclui aproximadamente 20 milhões de hectares de baixa produção), compreendendo a promoção de técnicas de irrigação economizadoras de água e o desenvolvimento de irrigação de baixo consumo de água em terras secas. Em todos os casos, o gerenciamento efetivo da irrigação é a chave para sua implementação bem-sucedida. “A China tornou-se o caso de maior sucesso na história agrícola contemporânea”, nas palavras abalizadas de Norman E. Borlaug, prêmio Nobel da Paz, por sua contribuição científica no melhoramento do trigo e na redução da fome em países subdesenvolvidos, na década de 60 (Borlaug & Dowswell, 1997). Abrigando 1/5 da população mundial, a China é, na atualidade, também o maior produtor mundial de alimentos e o líder em área irrigada total (cerca de 48 milhões de hectares, de uma área potencial de 67 milhões de hectares irrigáveis). Entretanto, ocupa apenas a vigéssima posição em área irrigada per capita (0,042 ha/habitante). Sua produtividade (média de todos os cereais) já se aproxima da norte-americana. Com efeito, esta produtividade média saltou de 1,4t/ha para 4,4, contra 5,4 dos EUA, em 30 anos. Sua produção de cereais evoluiu de 147 milhões de toneladas, em 1961, para 520 milhões, em 1993. Em 1998, sua área irrigada representava 38,3% da área cultivável total e 45,4%, em 1980. Cerca de 65% da safra de grãos alimentícios, 75% de cash crops e 90% das hortaliças, colhidos em 93, foram cultivados sob irrigação, em apenas 50% da área cultivada. 343 Com uma população de 1, 238,6 bilhão de habitantes e um PIB de US$ 959,030, em 1998, sua renda per capita, foi de apenas US$ 750.00. Não obstante, desde 1970 a sua produção de grãos vem sendo afetada seriamente por déficits hídricos, não só na região Norte, onde ocorre menor precipitação (média de 500 mm/ ano e concentrada no verão), mas também na região Sul. No entanto, por várias razões, as perdas de água na irrigação permanecem altas, já que a eficiência dos sistemas de irrigação varia de apenas 25 a 40% (Chen & Ji, 1995). Além de uma distribuição espacial e temporal irregular das precipitações, a China está submetida a condições geográficas e geomórficas complicadas: clima de monções, precipitação anual declinante de 1.600 mm, nas regiões costeiras do Sudeste, para menos de 200 mm, na região Noroeste; concentração das precipitações no verão, que vai de junho a setembro; poucas terras são aptas à atividade agrícola, ou seja, apenas 12% delas são planas e inclinadas e 29% de bacias de montanha. São tudo isso, aliado à histórica decisão geopolítica de manter auto-suficiência na produção de alimentos (sobretudo de grãos), por razões de segurança alimentar e militar, resultaram, ao longo dos anos, em pesados ônus para a população rural, submetida ao meio ambiente e ao cumprimento de ambiciosas metas anuais de produção, a preços rigidamente administrados pelo governo central. 4.8.2 - Transferência do gerenciamento da irrigação Com a fundação da República Popular da China (1949), um maior esforço inicial foi feito para reabilitar os sistemas de irrigação existentes, para restabelecer o sistema de produção de alimentos, destruído durante a longa guerra civil. De 1950 a 1970, vários novos sistemas de irrigação foram desenvolvidos, A maioria era de grande e médio portes. Com o crescimento da capacidade industrial, a China construiu grandes sistemas de irrigação com bombeamento de água, primeiramente de rios e outras fontes de água superficial. A partir de 1970, o sistema de perfuração de po- 344 ços foi desenvolvido e largamente difundido, com vista ao aproveitamento de vastas fontes subterrâneas de água existentes no país. Entretanto, após 1970, começaram manifestações internas, devidas aos impactos negativos desse desenvolvimento massivo do programa de irrigação. Uma combinação de construções abaixo do padrão e manejo precário da irrigação, com as baixas condições econômicas, nacional e locais, resultou em uma situação em que manejo deficiente, deterioração das estruturas e manutenção inadequada fizeram cair o desempenho de toda a irrigação nacional para baixo de seu potencial. No início de 1979, Deng Xiaoping introduziu uma nova era de reformas e abertura da economia chinesa. No princípio, as agências de irrigação encontraram dificuldade para fazer prevalecer sua rígida e vertical estrutura de gestão da irrigação perante a nova ordem instalada. Como resultado, a área irrigada declinou. Após dez anos de esforços, essa tendência declinante foi revertida. O gerenciamernto da irrigação está atualmente fortalecido e consolidado. Algumas reformas incluíram em sua regulamentação: • em primeiro lugar, os projetos de conservação de água devem pagar os serviços de suprimento de água; • o valor cobrado deve ser suficiente para cobrir os custos de operação e manutenção, os quais incluem salários da equipe, de cobrança de tarifas, outras despesas administrativas, reparos, reabilitação e reconstrução, etc. Um padrão de tarifas deve ser estabelecido conforme os custos de suprimento de água, segundo sua disponibilidade e condições econômicas regionais e cultivos beneficiados e outros usos (que pagam sempre mais que o uso agrícola); • a regulação alcança a captação, uso e o gerenciamento da água. A captação de água deve ser feita de acordo com a quantidade demandada, a qual, por sua vez, é atendida em conformidade com sua disponibilidade, medida por critérios estritamente hidrológicos. Aqueles que não pagam, deixam de receber água. O uso dos re345 cursos arrecadados é limitado e supervisionado, sendo aplicado no projeto no qual foi arrecadado; • os direitos e as responsabilidades dos governos central e locais, junto a cada nível, são claramente identificados. Dentro do programa de reforma, um aspecto fundamental, para promover a gestão dos recursos hídricos, tem sido o papel do financiamento. Esforços significativos foram feitos para encorajar os Birôs de Baixo Nível de Desempenho na Conservação de Água (WCBs) e os distritos de irrigação governamentais, para alcançarem sua independência financeira dos governos central e provincial. As medidas propostas incluem: - incremento nas tarifas de irrigação e nas taxas pelo uso de água; - estímulo aos investimentos de fontes privadas; - criação de cooperativas; - financiamentos aos irrigantes, de bancos chineses e estrangeiros; - ajuda de organizações internacionais; - estabelecimento e gerenciamento de empresas correlatas (side lines) para gerar renda adicional nos distritos de irrigação (como, por exemplo, para explorar os ativos subutilizados (reservatórios para venda de água para outros usos fora do distrito; pesca, recreação e turismo); margens de represas e terras reservadas para cultivos de sequeiro e reflorestamento e prestação de outros serviços. Depois que as Comunas do Povo foram desmanteladas, em 1983, elas estiveram na linha de frente de um arranjo em três níveis para a organização da produção, a distribuição e o desenvolvimento e gestão da irrigação. As Comunas tinham geralmente o formato de uma autoridade municipal e consistiam de 10 a 15 brigadas de produção. Uma brigada era composta por várias equipes de produção (unidade básica para a organização da produção). Cada equipe se compunha, por sua vez, de 10 a 20 famí346 lias. Os pagamentos aos agricultores, em dinheiro ou em mercadorias, eram feitos com base numa soma de pontos de tarefas realizadas (work points) pelos agricultores, remunerados pelo seu trabalho na gleba rural e atendimento em atividades comunitárias, incluindo a construção de obras de irrigação e sua manutenção. O desenvolvimento e a gestão da irrigação foram então dirigidos, ao nível de distritos, pelos Birôs de Recursos Hídricos (ou de conservação de recursos hídricos), do Ministério de Recursos Hídricos. No nível dos sistemas de irrigação, o staff do Birô coordenava a gestão da irrigação, com a ajuda de mão-de-obra designada pela Comuna. Durante os anos 50, 60 e 70 deste século, cerca de 2/3 dos fundos governamentais alocados no setor de águas se destinaram à construção e 1/3 à operação. Subsídios, de fundos dos governos central e provincial e das comunas deram suporte ao gerenciamento dos sistemas de irrigação. As tarifas gerais nos sistemas de irrigação foram pagas pelas Comunas em work points. Os gerentes de irrigação eram assalariados públicos do mencionado Birô. Os custos de operação e manutenção não eram pagos pelas comunas, mas, geralmente, pelo Ministério de Recursos Hídricos. Como resultado de ineficiências consideráveis e da queda na arrecadação, disponível para investimentos no desenvolvimento rural, o Sistema de Responsabilidade Pela Produção (PRS) reabilitou as Comunas no início dos anos 80. O PRS assentava as famílias em propriedades rurais e as liberava para organizarem seu sistema de produção e de comercialização e reter para si os lucros. Com o advento do PRS, os subsídios governamentais para irrigação decresceram mais de 60% (de 3,49 bilhões de yuan, em 1979, para 1,3 bilhão, em 81). Entre 79 e 85, os investimentos na construção de obras de irrigação declinaram de 0.87% para 0.21% do produto interno bruto. Esse abrupto declínio nos subsídios governamentais, para o nível local, combinado com o desmantelamento das organizações comunais de manutenção da irrigação, resultou num decréscimo de 2% na área total irrigada na China, naquele período (de 45 para 44,04 milhões de ha).Ao iniciar-se a década de 80, relatórios davam conta de caos generalizado, conflitos pelo uso da água e rápida deterioração da infra-estrutura de irrigação do país. 347 Alarmado com essa tendência, no início dos anos 80, o governo introduziu uma série de reformas, começando com medidas relativamente modestas, movendo-se progressivamente para mudanças mais fundamentais. A primeira reforma foi o Sistema de Responsabilidade Pelo Trabalho Subseqüente (WPRS), introduzido no início dos anos 80. Ela foi uma tentativa de inserir um sistema de incentivos nos birôs oficiais de recursos hídricos, visando incrementar a produtividade da mão-de-obra. Prêmios e penalidades monetárias foram introduzidos na avaliação anual de desempenho, alcançando 20% ou mais do salário-base. Entretanto, os birôs, ao nível de distritos, permaneceram os mesmos, após o desaparecimento das comunas. Após o processo de descoletivização no campo, o Ministério de Recursos Hídricos adicionou um pequeno degrau, abaixo do nível distrital, as Estações de Recursos Hídricos, que foram criadas para substituir as funções das brigadas, no nível de autoridade municipal. Grupos de Gerenciamento de Irrigação de Vilas (VIMG) foram criados, no nível de vilas, depois do desaparecimento das equipes multifuncionais de produção. Eles ficavam sob a jurisdição dos governos das vilas, mas eram gerenciados e financiados independentemente desses governos locais. Duas reformas mais amplas foram introduzidas por meio de instrumentos nacionais de regulação, em 1985: a) o regulamento nacional de tarifas de água e b) o regulamento federal das empresas correlatas diferenciadas ou de multipropósitos (side line). O regulamento de tarifas de água estabeleceu o princípio de que os gastos de operação e manutenção dos distritos de irrigação devem ser cobertos principalmente com as receitas das tarifas recebidas dos irrigantes. O nível preciso dessas tarifas deve ser determinado no nível do projeto, de acordo com os custos locais de O&M. Contudo, os governos central e provincial continuavam a indicar o nível máximo de tarifas que os irrigantes poderiam suportar. Mesmo admitindo-se 100% de tarifas recebidas, elas não cobrem integralmente os custos de O&M, mais os custos de reabilitação e de recuperação dos investimentos. O regulamento de tarifas de água deu suporte ao desenvolvimento de um amplo sistema tripartite de mobilização de recursos. Ele inclui uma tarifa 348 fixada com base na área irrigada, outra baseada no volume estimado de água derivado para o lote irrigado e uma contribuição anual em trabalho (para manutenção do sistema de irrigação). Este último componente da tarifa não é um input pequeno. Estimase que ele representa mais de 1/3 do total dos recursos investidos nos atuais distritos de irrigação chineses. Apesar de a tarifa por volume de água estar se disseminando, ela ainda não está universalizada, dada a dificuldade e o custo da medição. As tarifas de irrigação não podem ser legalmente usadas para outros fins que não a operação e manutenção dos sistemas de irrigação, dentro dos quais foi gerada e recolhida. Os distritos de irrigação muitas vezes subutilizam os ativos e os recursos que têm potencial valor econômico. Há geralmente uma diferença entre o nível de recursos que podem ser levantados com a cobrança de tarifas de água (em razão da relutância política dos irrigantes de pagar o custo total dos serviços de irrigação) e o custo atual de O&M. Para cobrir essa defasagem, ou seja, entre as receitas que podem ser levantadas com as tarifas de água e o total de recursos financeiros, necessários para cobrir os custos de O&M, os salários e o apoio ao pessoal do distrito, o governo introduziu o conceito de empresas correlatas diferenciadas ou de multipropósitos (side line), no subsetor de irrigação. O objetivo era aumentar as receitas adicionais, provenientes do faturamento com outros negócios, para subsidiar (cross subsidise) os custos de gerenciamento da irrigação. Essas receitas são provenientes, em primeiro lugar, dos ativos subutilizados existentes, tais como: reservatórios (pela venda de água para outros usos, fora do distrito de irrigação, pesca, recreação e turismo), do uso das margens das represas e das terras de sequeiro reservadas (para plantios de chá, de frutas cítricas e reflorestamento). Depois, essas empresas ampliaram e diversificaram seus negócios para outras atividades não relacionadas com irrigação diretamente, provendo uma pequena percentagem dos recursos investidos na irrigação. Em 1990, o Ministério de Recursos Hídricos estabeleceu um projeto de pesquisa (Avaliação da Deterioração dos Esquemas de Irrigação e Investigação de Métodos para os Projetos de Irrigação), a fim de orientar o processo de avaliação e transferência. Os resultados dessa pesquisa mostraram que 53,8% da totalidade 349 das construções-chaves estavam abandonadas; 28% dos canais principais estavam deteriorados; 32,4% do revestimento de canais estavam danificados, enquanto 40% das construções, ao longo dos canais principais, estavam deteriorados. Entre as causas desse estado de coisas, identificaram-se: • mais de 50% dos distritos de irrigação de grande escala foram construídos antes de 1960; a maior parte deles estava sendo reabilitada ou reconstruída só na década de 90; o estudo revelou que 67% da deterioração é devida à idade das obras; • baixa qualidade das obras, devido ao grande número de projetos implantados em um período curto de tempo. Esta causa responde por 12% da deterioração identificada; • planejamento e design inadequados, devido a limitações em capacidade técnica e padrões de construção, no período inicial do programa de irrigação chinês, causando uma série de problemas hidráulicos; • gerenciamento ineficiente e danos causados por pessoas, semelhantemente aos que ocorrem em países pouco desenvolvidos; • outras razões incluem fatores, tais como: insuficiência de fundos de manutenção (Chen & Ji, 1995). 4.8.3 - O quadro atual da gestão da irrigação na China Na atualidade, há uma diversidade de arranjos organizacionais no nível dos distritos de irrigação. O que as reformas implementadas têm em comum é uma evolução na direção da autonomia local, administrativa e financeira (em ambos os sentidos, vertical e horizontal). A tarifa tripartite de irrigação diversificou as fontes de financiamento, e grupos locais de gerenciamento da irrigação têm resultado em distritos de irrigação que se tornam entidades crescentemente multifuncionais e multiorganizacionais, com ligações interorganizacionais extensivas, para permitir subsídios cruzados e credibilidade/aceitação conjunta. 350 Os distritos de irrigação são também crescentemente gerenciados por firmas de gerenciamento da irrigação, pequenas e locais, contratadas, por períodos longos, pelo governo local ou dos distritos de irrigação. Estudos desenvolvidos (Johnson III et al., 1995) em dois distritos de irrigação, Bayi (10.415 ha) e Nanyo (3.333 ha), avaliaram os resultados das reformas impostas sobre 3 aspectos: agronômico, sustentabilidade financeira e performance hidrológica. São as seguintes conclusões: Mudanças de natureza agronômica: - Observou-se que o acesso à irrigação mudou significativamente o mix de cultivos, evoluindo de grãos apenas numa estação do ano, para seu cultivo também no inverno (milho e trigo), e introduzindo hortícolas (melancia) e frutas, visando maximizar sua renda. Sustentabilidade financeira: uma questão central, numa política de transferência do gerenciamento da irrigação, tem sido a questão financeira. Nesse processo tem sido crucial que os agricultores e o pessoal do governo reconheçam igualmente que a água para irrigação não é um bem livre, mas um insumo produtivo, dotado de valor. Assim, antes da reforma da economia chinesa, as tarifas de água eram pagas pelas comunas e, desse modo, sua taxa de recolhimento foi sempre de 100%. Todavia, desde que a reforma foi instituída, seu recolhimento caiu drasticamente, causando confusão acerca da responsabilidade da gestão. Por meio de campanhas de esclarecimento, a respeito da importância da tarifa para assegurar o suprimento adequado de água no longo prazo, tem sido possível incrementar o pagamento de tarifas, que evoluiu de 30%, em 84, para 70%, em 91. Também a redução de subsídios governamentais e a necessidade óbvia de aumentar o fundo próprio para dar suporte a O&M dos distritos têm ajudado a aumentar o recolhimento de tarifas dágua em muitas áreas. Desempenho hidrológico: uma das relações hidrológicas mais importantes, no gerenciamento da irrigação, é aquela entre água e terra disponíveis para irrigação. Assim, a primeira tarefa da gerência é comparar a área a ser irrigada com a água disponível no momento. Outras coisas permanecendo constantes, o bom gerente de distrito procurará maximizar a área irrigada, enquanto 351 se produzem safras em níveis aceitáveis em toda a área. Em outras palavras, a tarefa do gerente é fazer com que cada unidade de água bruta disponível vá o mais longe possível, em termos de produtos gerados. Em Nanyao a área irrigada tem permanecido constante nos últimos 20 anos, sugerindo que esse é o máximo de área do projeto, enquanto que o suprimento d’água tem mostrado considerável variabilidade no tempo. Isto indica que o suprimento de água não é fator crítico naquele projeto. O uso de água por unidade de área atualmente é apenas 1/3 do volume suprido na década de 80. Em Bayi, localizada em um terreno plano, mais fértil, somente uma parte da área total é irrigada, a qual tem variado consideravelmente, de ano para ano, de 4.500 a 6.600 hectares, refletindo o impacto da competição pela água do canal vindo do reservatório de Gangnan. Devido ao fato de o projeto Nanyao dispor de mais água que Bayi e estar localizado em uma área de terras menos férteis que o segundo, sua produção por unidade de água é de 1/3 da do segundo (1kg/m3, contra 3 kg/m3). Da avaliação realizada nos dois distritos de irrigação, pode-se depreender que a política de transferência da gestão, tal como a implementada pelo governo chinês, está resultando num gerenciamento local mais viável. Ela provê uma delimitação razoavelmente clara de responsabilidades, de direito de uso da água e a ligação ou correspondência entre uso de água e o pagamento por ele. As empresas correlatas ou de multipropósitos (side line) têm ajudado os distritos a manter os custos da água mais baixos, pelo subsídio cruzado que ensejam, além de assegurar o melhor nível de vida para o staff do distrito. Os irrigantes devem pagar as tarifas de água antes de a receberem. Caso não o façam, sua água é cortada e redistribuída para outros. Dentro de certos limites, irrigantes podem pagar uma tarifa bem mais elevada por um volume maior de água que receber. Isso tem sido um mecanismo poderoso para aumentar a performance da gestão do projeto, tanto hidrológica, quanto financeira. 352 4.9 - O Caso de Israel 4.9.1 - Quadro geral Israel é um pequeno país, situado no Oriente Médio, com cerca de apenas 21,000 km2, localizado na costa oriental do mar Mediterrâneo, entre os continentes da Ásia e da África. Numerosos projetos de desenvolvimento de recursos hídricos remontam há mais de 4 mil anos. Sua densidade populacional é de cerca de 250 habitantes/km2. Em 1998, sua população atingia 6 milhões de habitantes, dos quais apenas 3,5% estavam ocupados na atividade agrícola. O PIB alcançava US$ 100,525 milhões. O país pode ser subdividido em quatro zonas climáticas: úmida, subúmida, semi-árida (60% das terras israelenses) e árida. Duas estações principais caracterizam o seu clima: um medianamente chuvoso, de inverno, e um verão quente e seco. As chuvas começam em outubro-novembro e terminam em março-abril. A precipitação anual média, no inverno do Norte, é de cerca de 900mm, decrescendo até 200mm em Beersheva e para menos de 25mm/ano em Eilat. As temperaturas nos meses mais frios situam-se entre 6-10 graus centígrados, nas regiões de montanha; entre 12-14 graus no planalto costeiro e entre 14-16 graus no vale do Jordão. Nos meses mais quentes do verão, as temperaturas variam entre 24-26 graus na maior parte do país, exceto no vale do Jordão, onde ela pode atingir 30-32 graus. Durante a primavera e outono, calor, ausência de água e fortes ventos, originados nos desertos da região, sopram do Leste ou do Sul. As temperaturas muitas vezes passam dos 36 graus, e a umidade relativa do ar fica abaixo dos 10%. As principais taxas de evaporação potencial variam de cerca de 1.300 mm no Norte para cerca de 2.500mm no Sul. A maioria do território de Israel apresenta 365 dias apropriados para o crescimento das plantas. Os recursos hídricos mais importantes do país são o lago Kinneret (também conhecido como mar da Galiléia), que tem uma superfície de cerca de 175 km2. Situa-se ao Norte, na divisa com a Jordânia; o rio Jordão, a Leste, dividindo Israel com a Jordânia; dois principais aqüíferos (do planalto costeiro, a Oeste e da Montanha Central) e certo número de pequenos aqüíferos, no Oeste da Galiléia e nas áreas de Beit Shean, a montante do lago Kinneret. 353 O potencial de água, no curto prazo, da rede atual é estimada em cerca de 2.020 milhões de m3 (MCM) por ano. Águas subterrâneas representam 60% desse total, e os aqüíferos, mais o lago Kinneret, têm uma capacidade operacional de estocagem equivalente a um ano de fornecimento. No curto prazo, a demanda que pode ser atendida com a presente infra-estrutura hidráulica é estimada em cerca de 2.090 milhões de m3 (MCM) no ano 2000. Ela será atendida com o uso combinado de três fontes de água: água superficial, água salgada e reuso de águas servidas. A demanda agrícola deve representar 56% da demanda total e receberá cerca de 63% das solicitações de fontes de água superficial, 27% de fontes de água salgada e os restantes 10% de águas dos sistemas de tratamento de águas servidas. Entre 1950 e 1990, enquanto o total de terras sob cultivo cresceu 175%, de 248.000 ha, para cerca de 437.100 hectares, houve um incremento concomitante de 550% na área irrigada, que se expandiu de 37.500 ha (15% do total), em 1950, para 205 700 hectares, representando, 47% da área total cultivada do país, em 1990. Em 1990, sua área irrigada era de 206 mil hectares e sua população de 41,4 milhões de habitantes, portanto, com um índice área irrigada por habitante de 0,004, contra 0,018 do Brasil e 0,046 da média mundial. Em 1998, a participação da área irrigada sobre a área cultivável total foi de 45,5%, contra 49,2%, em 1980. 4.9.2 - Evolução dos marcos institucional e legal da irrigação em Israel − MARCO LEGAL Em Israel, o Sistema Nacional de Água é, na maior parte, operado por uma companhia patrocinadora (sponsor) estatal, criada no início da década de 1950 - a Tahal. Os sistemas municipais e de vilas são administrados por conselhos, formados e eleitos, e acompanhados pela população. O suprimento de água, estatal e privado, é regulado pelas políticas de alocação e precificação de água. No setor de irrigação, o desempenho tem sido elevado: a distribuição de água é assegurada, de forma eqüitativa, as entregas são pontuais e as redes de irrigação operam, em geral, eficientemente. 354 O sistema de reuso de água tem sido um dos principais fatores para o desenvolvimento da irrigação israelense, habilitando o governo para adotar políticas que moveram a agricultura irrigada, de uma atividade intensiva em mão-de-obra e de um setor com baixos investimentos, para a condição de atividade de mercado, orientada para a exportação. Métodos economizadores de água têm substituído a irrigação por sulcos, e altas produções têm sido alcançadas, com avançadas práticas agrícolas e hábeis práticas de gestão das propriedades rurais. Desde a criação do Estado de Israel, em 1948, como nação soberana, a água foi reconhecida - e tratada - como um recurso nacional escasso. Ao mesmo tempo, dado que mais da metade do território israelense era árido e desértico, um grande desafio foi lançado: “ou se conquista o deserto, ou ele nos conquista” (primeiro ministro Ben-Gourion). Assim, os recursos hídricos nacionais foram considerados como um bem do Estado, apropriado e regulado pelo governo do país. Os problemas de segurança do país e as diferenças entre custos sociais e custos privados justificaram a introdução de um sistema compreensivo (amplo) de suprimento de água. Visando assegurar o poder governamental de controlar o desenvolvimento do uso da água em escala nacional, foi sancionada a Lei de Águas de Israel, em 1959, a qual constitui o arcabouço de todo o desenvolvimento da irrigação no país. Ela estabeleceu que: - os recursos hídricos em Israel são propriedade pública, controlados pelo Estado e devotados ao atendimento das necessidades de seus residentes e do desenvolvimento do país. Os direitos de propriedade do solo e da terra não asseguram o direito à água neles emergente, armazenada ou drenada. Essa Lei assegurou ao governo o controle das águas superficiais e subterrâneas, tornando Israel um precursor mundial na regulação dessas duas fontes de água, segundo um plano nacional de gerenciamento integrado de recursos hídricos. O principal objetivo da Lei foi a explotação dos recursos hídricos, por meio da outorga de direitos de uso das águas, transferíveis e não transferíveis, para consumidores e usos benéficos. Outro objetivo foi estabelecer preços de água e maximizar a contribuição econômica da agricul355 tura irrigada para o progresso nacional. Assim, ela estabeleceu um fundo de equalização para “reduzir a diferença de tarifas dágua em diferentes partes do país. O fundo foi financiado por meio da oneração da alocação de água para seus usuários. O principal instrumento para assegurar a eqüidade na alocação de água foram as cotas não transferíveis, asseguradas aos usuários. - a Lei de Águas de Israel estabeleceu um Escritório do Comissariado de Água, responsável pela implementação das políticas. Desde que a Companhia Nacional de Transporte e Distribuição de Água (NWC) foi desenhada como um sistema de condução pressurizada de água, todos os fornecimentos de água são registrados com um confiável padrão nas medições de entrega de água. Ela monitora bimensalmente as quotas, levando em conta taxas diferenciais de evapotranspiração. Desse modo, para o uso de água na agricultura, foi estabelecida uma função-tipo dos requerimentos das culturas e impostas, bimensalmente, penalidades pelo repasse das quotas. Essas políticas funcionam como um forte incentivo ao uso eficiente da água, particularmente nas estações de pique de demanda. − MARCO INSTITUCIONAL Em 1950, o governo israelense criou a Companhia Nacional de Planejamento dos Recursos Hídricos, TAHAL, à qual foi dada a responsabilidade para desenhar todos os principais projetos hídricos, de âmbito nacional e regional. Uma segunda companhia - MEKOROT - tinha função semelhante a uma agência de construção e de suprimento de água, originadas de todos os projetos nacionais de captação e reservação, às municipalidades, conselhos locais, assentamentos rurais e empresas privadas (industriais e agrícolas). O Plano Global de Água de Israel integrou todos os recursos em um esquema compreensivo, de tal forma que: • a água pode ser transferida de regiões com superávit, no Norte, para regiões com escassez, no Sul; 356 • o sistema tem flexibilidade operacional, de forma que águas superficiais e subterrâneas possam ser estocadas em aqüíferos e transferidas interregionalmente. Essa estocagem, transferência e distribuição têm sido conduzidas pela MEKOROT. Parte desse sistema de transporte consiste de um canal aberto, mas a rede principal compreende tubulação de concreto, com tubos que variam de 70 a 108 inches de diâmetro. Cerca de 400 milhões de m3 (MCM) de água são bombeados do lago Kinneret (210 m abaixo do nível do mar) para uma elevação de 152, a partir da qual, por gravidade, flui até o planalto costeiro. As áreas na Montanha Central e regiões posteriores ao Sul recebem água por um sistema adicional de bombeamento. A MEKOROT entrega água para os sistemas locais. Antes de atender aos consumidores individuais, diretamente do sistema principal. Sua capacidade de fornecimento no pique é de 20m3/s; • o projeto compreende estações de bombeamento, tubulações, canais, túneis e reservatórios operacionais. Sua construção iniciou-se em 1953 e foi completada em 1964. A extensão do sistema principal de condução de água é de 130 km e o investimento de capital alcançou US$ 147 milhões. Operação e Gestão do Sistema de Água Estratégias de otimização do gerenciamento, para o uso da água, a curto e longo prazos, foram determinadas pela combinação de uma abordagem de análise e técnicas de modelagem. A política geral, a política econômica e as alternativas de alocação de água são incorporadas nos modelos, sob a forma de metas e restrições. Os benefícios anteriores, resultantes de uma estratégia específica em dado setor, vis-à-vis sua próxima e melhor alternativa, podem ser avaliados pelo modelo. Desta forma, os custos econômicos dos constrangimentos são calculados e submetidos aos tomadores de decisão política e econômica. O sistema de planejamento integrado dos recursos hídricos permite contínuos aperfeiçoamentos, como a inclusão de novos problemas e aspectos, que não foram considerados nos últimos 357 estádios do Plano Nacional de Recursos Hídricos (qualidade da água, salinidade e poluição dos aqüíferos subterrâneos). A análise também avalia os custos de desenvolvimento de fontes alternativas de água, usando-se aqüíferos para armazenamento de água e controlando-se a sua demanda. A função-objetivo maximiza (em vários níveis de probabilidade) o valor presente dos benefícios líquidos, resultantes de uma dada e específica condição de oferta de água. São determinados os custos econômicos de constrangimentos institucionais, de forma que pesos apropriados podem ser dados a eles para simular antecipadamente os impactos nos níveis de produção, emprego e renda no meio rural. Separação do Gerenciamento da Rede Principal de Irrigação das Organizações de Usuários A gestão da rede principal de irrigação é de responsabilidade do governo central. A operação desse sistema principal tem tido um alto padrão. O suprimento de água aos usuários foi assegurado convenientemente, de acordo com as cotas aprovadas. Conseqüentemente, as redes operadas pelos comitês locais e agricultores a jusante da entrega do governo foram também hábeis para assegurar oportunamente o fornecimento das cotas aprovadas para cada agricultor, individualmente. Bimensalmente são feitas medições e preparadas as contas de água por companhias de serviço autorizadas. O custo total dos serviços de medição de água, manutenção e contabilidade equivale a cerca de 0.2 dia de trabalho/ano/ha. O trabalho normal de manutenção consiste geralmente de substituição de peças /equipamentos danificados, vazamentos de tubulações e manutenção de válvulas das comportas, bombas, motores e controles eletrônicos. Nos kibutz e moshav as tarefas que exijam mão-de-obra semi-especializada são geralmente feitas por um membro da cooperativa, como parte de suas responsabilidades. Tarefas de manutenção que necessitam de habilidades especializadas (eletricidade, mecânica, eletrônica ou hidráulica) são executadas sob contrato por companhias autorizadas. O gerenciamento e a operação da rede nacional de irrigação são completamente independentes das organizações de gerenciamento dos usuários, a jusante dos pontos de entrega de água do governo. MEKOROT, que opera a rede nacional, por 358 mais de 40 anos, tem suprido com êxito e oportunamente todos os usuários e assegurado esse suprimento, de acordo com a alocação sazonal, outorgada pelo Comissariado de Água. A Companhia tem sido hábil para cumprir integralmente suas obrigações e entregar as cotas de água de acordo com as taxas de fluxo e pressão. Por outro lado, as redes independentes dos usuários incluem um composto flexível de redes de tubulações, tanques elevados de armazenamento e reservatórios interligados, que facilitam a operação do sistema e habilitam a gestão local para atender a situações de emergência que sempre podem ocorrer. Atividades de Pesquisa Agrícola e Extensão Rural em Israel A pesquisa agrícola em Israel tem sido estreitamente associada ao uso eficiente da água. A Organização de Pesquisa Agrícola (ARO) e o Ministério da Agricultura estabeleceram estações experimentais em todas as regiões climáticas do país para tratar dos problemas locais. Um Serviço de Extensão Rural bem organizado e ativo está estreitamente ligado a essas estações experimentais e aos agricultores para sucessivamente: a) treinar novos imigrantes com experiência anterior para tornarem-se excelentes agricultores dentro de uma década; b) desenvolver novas e sustentáveis técnicas de irrigação intensiva e extensiva, no setor privado e no de cooperativas (moshav); c) introdução de novas variedades, com alto potencial produtivo e elevada eficiência no uso da água; d) encorajar a introdução de culturas em estufas (hortaliças e flores) para exportação. O Serviço de Extensão Agrícola desenvolveu uma metodologia especial de treinamento de agricultores, que se tornou conhecida como sistema de Treinamento e Visitas (dias de campo) que, nas últimas duas décadas, tem sido recomendado pelo BIRD aos países em desenvolvimento e já é largamente utilizado no Brasil. Pesquisa e extensão têm tido um papel importante no avanço da agricultura irrigada em Israel. Os programas de crédito 359 agrícola do governo encorajam os agricultores a introduzirem tecnologias inovadoras, propostas por esses serviços. A maioria dos kibbutizim (membros de uma comunidade de cerca de 150 a 400 famílias assentadas em cerca de 300 a 500 ha de terra, com um sistema comum de produção e consumo – o kibutz) planeja atualmente seu sistema de cultivo, empregando técnicas de simulação de modelos e, na programação da irrigação, utiliza programas de computador que levam em conta as condições do solo, as características das plantas e as condições climáticas prevalecentes. Em alguns casos, sofisticadas válvulas solenóides nas comportas são operadas por controle remoto, cujas instruções são comandadas também por computador. A produção de peixes tem avançado consideravelmente em Israel. Em 1980, a eficiência no uso da água nessa atividade cresceu para cerca de 0,63 kg de peixe/m3 de água, representando 370% de aumento em relação a 1960. A produção comercial de peixes, na maioria das vezes, tem-se tornado uma empresa multipropósito. Os açudes (tanques) são úteis também de outras formas, a saber: a) para retenção temporária de água de irrigação, como estocagem noturna ou estocagem intersazonal; b) estocagem do fluxo de inverno, que é bombeado para os tanques de peixes; de outra maneira, seria perdido para o mar; c) depois de produzir uma segunda safra de peixes na primavera, a água remanescente nos tanques é usada na irrigação da cultura de algodão no verão; d) água salgada, que de outra maneira não seria aproveitável na agricultura, é revertida para os tanques; e) os tanques muitas vezes servem como um tratamento terciário para os efluentes domésticos. Desde 1980, mudanças têm-se verificado na renda dos agricultores israelenses, em muitas vilas rurais. Com a diversificação das atividades econômicas, em muitas dessa vilas, somente 30-40 dos empregados residentes estão atualmente engajados na 360 atividade agrícola. Os ganhos de escala, alcançados pelo kibutzim, os têm levado a se moverem para as empresas industriais, que compensam os constrangimentos impostos pela alocação limitada de água. Por outro lado, o moshavim, pela falta de economia de escala, tem sido mais restringido em sua capacidade de ajustamento e muitos pequenos agricultores do moshav têm trabalhado em atividades fora do setor agrícola, para suplementar sua renda. As áreas irrigadas cresceram de 17,000 ha, em 1948, para cerca de 205,00 ha, em 1990 (taxa anual de 12% de crescimento). Ao mesmo tempo, o setor agrícola avançou de um crescimento intensivo em mão-de-obra e com investimentos mínimos e, conseqüentemente, baixa produtividade, para um setor agrícola industrializado, de alto investimento, baseado em cultivares especializados, de elevado potencial produtivo. O Instituto Israelense de Exportação informa que as exportações agrícolas israelenses cresceram de US$ 55 milhões, em 1962, para 1,109 milhões, em 1992, estimando que alcançariam 1,200 milhão em 93. 4.9.3 - Tarifas de água A teoria econômica considerada no uso de recursos hídricos requer que a água seja taxada pelo seu custo marginal, isto é, o custo adicional necessário para produzir outra unidade de água. Em Israel, a política de preços deu prioridade à água de uso agrícola (isto é, água a baixo preço), de forma a atender às metas nacionais. A renda total, resultante do diferencial de tarifas, cobre os custos de operação e manutenção, parte dos investimentos e o custo da disposição de efluentes domésticos. Preços são uniformes para todo o país. Assim, da mesma forma que o preço da tarifa de energia elétrica, para a maioria do país, não está relacionada com a distância. Desse modo, o preço da água não tem sido ditado apenas por considerações econômicas, em razão das políticas de imigração, de desenvolvimento e dos padrões globais dos assentamentos rurais. As políticas governamentais sempre têm determinado a quantidade de terra e água que os agricultores podem ter, a região em que a atividade agrícola pode ser estabelecida e, em mui361 tos casos, os termos de financiamento e preços recebidos por parte ou pelo total produzido. Conseqüentemente, as tarifas de água têm sido consideradas como um dos fatores que afetam o sistema como um todo. Os custos da água em Israel foram classificados em três categorias: a) água de baixo custo - água superficial que exige baixos investimentos para sua disponibilização e distribuição; varia de US$ 0.10 a US$0.15/m3; b) água de custo moderado - água profunda e/ou água superficial; requer(em) altos investimentos de bombeamento e distribuição; varia(m) de US$0.30 a US$0.80/m3; c) água de alto custo - água bombeada para grandes elevações e água dessalinizada; seu custo supera US$0.80/m3. O fornecimento de água é baseado em três grandes princípios: 1º) transporte de água desde áreas plenamente supridas, localizadas no Norte, para as regiões áridas e semiáridas, no Sul; 2º) desenvolvimento de suprimento de uma variedade de fontes, num plano nacional integrado, para suprir as demandas preestabelecidas, baseando-se no crescimento populacional esperado em 40-50 anos. Os desenvolvimentos incluem a explotação de reservas finitas de aqüíferos, particularmente na zona costeira, o uso de águas salgadas, tratadas para o uso agrícola e o reuso de efluentes municipais na agricultura; 3º) assegurar o uso eficiente da água, por meio da combinação de alocação (outorga), política de preços e introdução de tecnologias inovadoras, para minimizar perdas na irrigação e na indústria, alcançar um desenvolvimento sustentável, sem prejuízo da obtenção de ganhos de produtividade e, assim, poder competir, interna e externamente. 362 Os preços da água, para os diferentes setores usuários, estão indiretamente relacionados com os três níveis de custos de aproveitamento da água, mencionados acima. O preço da água para abastecimento humano (após as municipalidades terem adicionado e aprovado as tarifas que cubram a operação, manutenção e disposição das águas usadas) é de cerca de US$ 0.70– 1.0/m3. Já que o consumo de água em Israel é baseado numa alocação de 100-180m3 de água/ família/ano, em média uma família gasta acima de US$ 150 anualmente (exclusive irrigação de gramados e jardins). Isto representa cerca de 1% dos gastos familiares anuais. Os gastos adicionais de água custam US$ 1.6/m3. Enquanto nas indústrias de processamento de alimentos e de papel, com elevado consumo de água, esse custo é sensível, nas indústrias ditas “secas” (pelo menor consumo relativo de água), tais como as de lapidação de diamantes, de manufatura, turismo, farmacêutica e química podem facilmente carregar esse custo de água, considerado médio. A água para consumo industrial tem sido de cerca de US$ 0.2/m3 e de US$ 0.4/m3 para o consumo extra de até 10% e US$ 0.6/m3 para suprimentos acima desse limite. Onde existe atividade agrícola, considerando o valor da produção de água para a agricultura comercial, o preço da água é geralmente maior que US$ 0.12/m3; para os primeiros 50% de água fornecida o preço é US$0,10 e de US$0.14/m3 para os restantes. Para os primeiros 10% de consumo adicional, o preço é de cerca de US$0.26/m3 e de aproximadamente US$0.5/m3 para os seguintes requerimentos extras. Considerando que a média de água alocada para as culturas varia de 3.000 a 7.000m3/ha/ano, os custos da água são de cerca de US$360–480/ha. Somente altas produtividades podem justificar esses custos de água, i.e., 4,5 t /ha na cultura do algodão e 5,0 t / ha na cultura de citrus. De outro lado, uma propriedade familiar, sem uso intensivo de mão-de-obra, pode cultivar de 0,3 a 0,4 ha de hortaliças e flores para exportação, utilizando cerca de 5.000 m3 de água/ano e obtendo uma renda bruta anual de cerca de US$ 45,000. Desde que o custo da água não exceda US$ 600/ano, tal custo não será restritivo da atividade. 363 As entregas de água para órgãos governamentais são monitoradas pela MEKOROT, a qual funciona como agência estatal de construção e de fornecimento de água, a partir de todos os projetos nacionais, para municipalidades, conselhos locais, assentamentos rurais e empresas privadas – agrícolas e industriais. Os preços de água são controlados pelo governo. As entregas para consumidores individuais são monitoradas pela organização de gestão correspondente (municipalidade, moshav, kibutz). O consumo excessivo de água pode custar até três vezes mais que o consumo alocado, o que representa uma restrição efetiva para manter os consumidores dentro de suas cotas. Ela tem também encorajado os usuários a considerar a água como um recurso nacional escasso, principalmente os agricultores que absorvem 60% do consumo de água no país. Eles sabem que não podem cometer excessos nesta área, sob pena de não poderem permanecer economicamente viáveis. Em Israel, o custo da água é relacionado com o custo da eletricidade. A NWC o calcula, considerando a captação a partir do Lago Kinneret, que requer um bombeamento de cerca de 300 400 milhões de metros cúbicos/ano, com cerca de 360 m de altura manométrica inicial e a um custo de cerca de 1.2 kWh de energia por cada metro cúbico fornecido. No mais das vezes, já que toda irrigação em Israel é feita por aspersão, gotejamento ou microaspersão, a água é entregue a uma pressão mínima de 2.5 atmosfera. Assim, a energia elétrica gasta para cada metro cúbico marginal de água soma cerca de 4 kWh. Em 1992 o sistema de água israelense usou 1,955 milhões de kWh de um total gerado de 24,019 milhões de kWh, ou seja, 8%. A operação e manutenção têm sido conduzidas com elevado nível de desempenho. A eficiência global do sistema, desde a fonte de água até as plantas, é elevada, numa média de cerca de 75%, comparada com 10-20% da maioria dos países em desenvolvimento. A alocação de água para agricultores varia de 250 a 800 mm, dependendo da espécie de cultivo. A média de uso de água, na agricultura, medida na propriedade, é de cerca de 430mm/ano. 364 4.9.4 - Participação do setor público e privado A irrigação em Israel apresenta um dos mais elevados índices de eficiência em termos mundiais, principalmente no tocante ao uso da água. Enquanto a área plantada cresceu sete vezes, de 1950 a meados da década dos anos 90, o consumo de água caiu 34,5%, e a produção medida em quilos de produto por metro cúbico de água aumentou 2,5 vezes. Muito embora os produtores não tivessem experiência prévia com irrigação, o desenvolvimento desse setor em Israel foi facilitado por investimentos do governo, na capacidade de os produtores se educarem como irrigantes. Foram instituídos pela Comissão de Água sistemas de controle rigoroso e de restrição do consumo do fator mais escasso: a água. Desde a década de 70, o Estado concentrou suas ações no sentido de disseminar informações sobre sistemas de irrigação “on-farm”, o mais eficientemente possível, por meio de campos de demonstração, financiamento de crédito público para compra e instalação de equipamento de última geração e desenvolvimento, com a ajuda do setor público, de uma indústria muito eficiente na produção de equipamento de irrigação. O setor público desempenhou um papel importante no financiamento da irrigação, construindo infra-estrutura de irrigação e um programa de desenvolvimento social e econômico abrangente para as áreas irrigadas, com vistas a melhorar o bem-estar da população de irrigantes. Além disso, a ação do Estado concentrou-se em um rigoroso programa de pesquisa em tecnologia de irrigação conhecido em todo o mundo e bem adaptada às condições locais dos projetos de irrigação. No processo de difusão de tecnologia, o Estado concentrou suas atenções no teste de variedades; demonstração de técnicas recomendadas à exploração da atividade dos irrigantes; fortalecimento no sistema de extensão rural; desenvolvimento de um programa de treinamento de engenheiros especializados em irrigação; capacitação de técnicos agrícolas, treinamento de produtores para dar suporte às atividades da associação dos usuários de água e preparação da mão-de-obra em geral para traba365 lhar no ramo da irrigação. Entretanto, para complementar todo esse aparato de apoio à atividade, foi criado um rígido sistema de avaliação do custo da água, com severas penalidades para desperdício deste fator escasso em Israel. A participação do setor privado foi decisiva na indústria de equipamentos de irrigação e, recentemente, nas atividades de extensão rural, abandonando um modelo do passado, em que o governo estava envolvido nessa atividade. Finalmente, foi feito um programa de certificação de equipamento de irrigação, dentro de rígidos padrões de economia do fator mais escasso, no caso a água. O Estado facilitou o acesso dos produtores irrigantes ao crédito agrícola, apenas no caso da compra de equipamento de última geração, poupador de água, com um estímulo por meio de subsídio no início do programa, no começo dos anos 80. Hoje, esse programa não é mais necessário, devido ao desenvolvimento da indústria de equipamento. O governo desenhou três programas nacionais de melhoria da eficiência da irrigação. O primeiro, até meados dos anos 60, consistiu na construção da infra-estrutura e no fortalecimento do sistema de regulação da atividade de racionamento de água, inclusive no desenvolvimento da tecnologia de substituição da irrigação por inundação pela irrigação por aspersão. Nos anos 70 foi desenvolvido um novo plano de microirrigação. E o terceiro grande plano, que se iniciou em meados dos anos 80, concentrou os esforços na pesquisa de “refinamento” da tecnologia de irrigação. Nos anos 90, a participação do setor público no financiamento para a irrigação limitou-se à outorga de garantias financeiras para os produtores que adotassem tecnologia poupadora de água e para as indústrias produtoras de equipamento de última geração, além de um programa ambicioso de disseminação de informação acerca dos sistemas mais eficientes em campos de prova e teste para demonstração; concedeu, também, apoio financeiro para a compra e instalação de novos equipamentos, programas esses renovados com periodicidade nos últimos anos. Como a água é extremamente escassa em Israel, a regulamentação do seu uso concentrou-se nas seguintes linhas de 366 ação: licenciamento geral para o uso de água; alocação do recurso nos seus usos mais eficientes em termos de rentabilidade, enfatizando instrumentos de comando e controle (os incentivos econômicos são indiretos); adoção de tarifas e controles volumétricos rigorosos e recuperação integral dos custos de fornecimento de água. O licenciamento para o uso da água é anual e obedece a um rígido planejamento da combinação de cultivos e de regiões ecologicamente mais adaptadas à exploração agrícola irrigada. A diretriz adotada pelo governo era de desenvolvimento de tecnologia, com o objetivo de fortalecer as explorações com maiores rendimentos por hectare com menores volumes de águas utilizados; o princípio basilar era como produzir mais valor com menos água. Até 1974 o governo adotava uma cobrança uniforme em todo país de tarifas de água, e, a partir desse ano, deu início a um processo de cobrança em escala ascendente proporcional ao uso maior de volume de água, além da recuperação integral de custos. Em termos de participação do setor privado no desenvolvimento da irrigação em Israel, o fator mais importante foi o processo de transição da irrigação por superfície para a irrigação por aspersão. Essa tecnologia foi inicialmente importada por Israel, mas o setor privado concentrou a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologia nesse setor de irrigação por aspersão e hoje desenvolve uma das tecnologias mais avançadas, em termos mundiais, de sistemas de irrigação localizada. Grande parte do desenvolvimento se deve ao espírito inovador do setor privado por meio das indústrias produtoras de equipamentos de irrigação. O Estado desempenhou um papel muito importante no início desse processo, ao forçar o uso racionado da água, com mecanismos de comando e controle, e oferecendo subsídios para a adoção de tecnologia moderna. Fora desse sistema de estímulo e incentivo creditício do Estado, o avanço da tecnologia foi feito pelo setor privado. No início do desenvolvimento da irrigação em Israel, o setor público desempenhou um papel muito importante por intermédio da concessão de créditos de longo prazo para a incorporação rural, além de doações a fundo perdido para a instalação de sistemas de inovação de tecnologia avançada poupadora de 367 água. Gradualmente, esses sistemas de incentivos foram reduzidos e eliminados em meados dos anos 80. O controle da concessão dos subsídios se processava por meio da Comissão da Água de Israel, que mantinha severo controle na aprovação de planos de irrigação consistentes, com a regulamentação nacional e projetos elaborados pela extensão rural. Um traço marcante no desenvolvimento da irrigação em Israel é a associação dos usuários de água. A maior parte do suprimento de água é feita pelas associações coletivas denominadas kibutzim, e a incorporação, pelas cooperativas, as denominadas moshavim, que controlam a alocação da água anualmente, a partir da dotação de volume de água definido por parte da comissão de águas de Israel. Há, portanto, um triplo sistema de racionamento: o federal, o das associações de usuários e o preço da água. Os produtores estão organizados local e regionalmente. O processo de educação para a utilização coletiva da água iniciouse no final dos anos 70. No final dos anos 80, os produtores haviam assumido, dentro de um processo de descentralização, o controle da distribuição de água e da gestão das suas associações de usuários. Hoje, essas associações têm um total controle sobre os projetos existentes, reformas, melhorias e construção de novos projetos, e decidem, de forma autônoma, a locação da água, ao nível regional. O sistema israelense de administração foi totalmente descentralizado em meados dos anos 80. 4.9.5 - Problemas futuros e perspectivas Israel, como outros países avançados industrialmente, defronta-se com problemas ambientais, relacionados com o desenvolvimento agrícola e a urbanização. As medições da qualidade de suas águas mostram que Israel deve gerenciar suas águas subterrâneas cuidadosamente, de modo a prevenir conseqüências desastrosas desse desenvolvimento, particularmente no planalto costeiro. A combinação de lençol freático raso, solos arenosos, população densa e bombeamento excessivo de água tem causado o aumento da salinidade dos solos e do nível de poluição de seus aqüíferos. Economistas recomendam que as políticas governamentais devem ser motivadas por dois objetivos: crescimento 368 da prosperidade nacional e promoção da distribuição de renda. Os programas israelenses de desenvolvimento, nos setores de recursos hídricos e de irrigação, têm procurado estar coerentes com esses objetivos, com o emprego de um processo de planejamento compreensivo (global), que leva em consideração os recursos limitados, as mudanças contínuas na demanda, parâmetros de poluição e outras variáveis políticas e sociais. Olhando para o século 21, fica evidente que o país terá de fazer alguns ajustes em suas prioridades no uso da água. Com o crescimento antecipado de sua população e a expansão de sua indústria, algum suprimento de água superficial, presentemente destinado à agricultura, terá de ser alocado aos usos industrial e doméstico. A agricultura terá de ajustar suas metas de produção pela redução de áreas, presentemente destinadas a usuários relativamente grandes consumidores de água (piscicultura em tanques, algodão, banana etc.), substituindo-os por cultivos menos exigentes em água e/ou sistemas mais eficientes no uso de água (girassol, produção de flores e hortaliças em estufas com produção de até 320t /ha, etc.) A agricultura deverá também ajustar suas metas de produção pela expansão do programa de reuso de águas servidas. Espera-se que no próximo século o preço da dessanilização da água permitirá torná-la uma nova e econômica fonte de água para o abastecimento urbano. 4.10 - O Caso dos Estados Unidos da América 4.10.1 - Quadro geral Em 1990, a área irrigada dos Estados Unidos era de 20,9 milhões de hectares (3ª no ranking mundial) e sua população alcançava 249,9 milhões de habitantes. O índice de área irrigada por habitante era de 0,084, contra 0,018 do Brasil e 0,046 da média mundial (Svendsen & Vermillion, 1995). Em 1998, a população norte-americana atingia 270,3 milhões de habitantes e seu PIB, US$ 8,230,397 milhões. No referido ano, a participação da área irrigada, sobre a área total cultivável no país, foi de apenas 12,0%, contra 10,8%, em 1980 (Svendsen & Vermillion, 1995). 369 A experiência norte-americana é freqüentemente citada na literatura sobre criação do mercado de águas. Ali, há um sistema bem estabelecido de cobrança para todos os usos de água, bastante complexo e variável para cada região, em função do clima, escassez de água e maneiras pelas quais o suprimento de água foi desenvolvido. Por exemplo, em muitos projetos de irrigação, patrocinados pelo governo federal, no Oeste americano – compreendendo a região muito árida de 17 estados do Oeste, entre o meridiano 100 e o oceano Pacífico e onde se concentram 83% das terras irrigadas - o Bureau of Reclamation (BUREC), órgão do Departamento do Interior do governo americano, cuja missão é gerenciar, desenvolver e proteger os recursos hídricos e outros recursos relacionados, de forma econômica e ambientalmente correta, no interesse do povo americano, tem subsidiado fortemente os agricultores-irrigantes com contratos de longo prazo de suprimento de água. Esses contratos incluem a recuperação dos custos dos investimentos, mas com taxas subsidiadas de juros e, em todos os casos, a recuperação total dos custos de operação e manutenção (O&M). Na maioria desses projetos, a responsabilidade pelas atividades de O&M tem sido transferida para distritos de água ou associações de usuários. Todos os custos de investimentos e de O&M do componente de hidroenergia desses projetos permanecem com o governo federal, por meio das receitas da venda de energia (Svendsen & Vermillion, 1995). Tipicamente, os projetos de irrigação nos EUA foram construídos, ora por companhias privadas, ora pelos próprios usuários ou por cooperativas de usuários. Essas entidades têm, por mais de 150 anos, sempre de recuperar custos de investimentos e a totalidade dos custos de O&M. Na maioria dos projetos, é feita, anualmente, uma audiência pública de avaliação do orçamento para cobrir os custos de capital e outros custos fixos e variáveis, por um board de diretores, eleito pelos grupos de interesse ou de usuários e pelos próprios usuários. Esse processo, realmente transparente, tem mantido a credibilidade da administração dessas organizações e a disposição dos usuários para pagar sua parte nos custos de fornecimento de sua água. Dos 22 bilhões de dólares investidos em projetos hídricos, aproximadamente 78% foram considerados como reembolsáveis. 370 Desses 16,9 bilhões, 7,1 bilhões foram custeados pelos irrigantes, dos quais 3,4 bilhões foram pagos com rendimentos da geração de energia. Em muitos projetos, que produziram poucos benefícios econômicos, praticamente todos os custos foram cobertos com recursos do setor elétrico (Svendsen & Vermillion, 1995). Em rápidas palavras, a experiência americana com a criação de mercado de água não é composta só de sucesso, mas oferece lições e recomendações que podem ser usadas por sistemas similares com igual expectativa de bons resultados. A principal lição é a necessidade de que sejam assegurados os direitos de uso da água e a competição. De outro lado, essas experiências têm também mostrado que, apesar de as expectativas econômicas não se concretizarem plenamente, os direitos de uso, em razão de sua natureza quantitativa, são, contudo, efetivos para se atingirem os objetivos ambientais, ou seja, esses mercados são sujeitos ao mesmo grau de eficiência institucional que a dos instrumentos de comando e controle. 4.10.2 - Evolução dos marcos institucional e legal do subsetor de irrigação no oeste americano Com a marcha em direção ao Oeste americano, com ampla distribuição de terras, os colonos cedo perceberam que “apenas a terra não tornava uma propriedade agrícola em um empreendimento de sucesso”. É que naquela região a água tornou-se uma força controladora nas vidas dos colonos: ora havia água demais, ora não o suficiente para terminar o ciclo das culturas (Svendsen & Vermillion, 1995). Diante dessa realidade, o Congresso americano aprovou, em 1894, o Carey Act, que autorizava os estados do Oeste a receberem da União 405 mil hectares de terra, em troca de seu povoamento, cultivo e irrigação. Um programa foi criado de forma que os estados pudessem contratar empresas de construção privadas, para execução das obras de irrigação. Essas empresas, por sua vez, venderiam os direitos de uso d’água para obter o retorno dos seus investimentos realizados. Mas este primeiro esforço falhou por duas razões: em primeiro lugar, porque a maioria das pessoas não estava disposta a investir no desenvolvimento da irrigação e, em segundo, porque os estados, 371 na época, eram incapazes de, ou não estavam também dispostos, a administrar um programa de tal complexidade (Svendsen & Vermillion, 1995). Assim, em 1902 foi assinado o Reclamation Act (Lei de Recuperação de Terras), que autorizou a criação do então Serviço de Recuperação de Terras (Reclamation Service), atualmente o Bureau of Reclamation (BUREC), vinculado ao Departamento do Interior (Svendsen & Vermillion, 1995). Em 95 anos, foram aplicados, pelo governo federal, cerca de 70 bilhões de dólares em projetos que tinham como propósito a irrigação, mas 55% desses recursos foram aplicados em estruturas de uso múltiplo. Hoje, um, em cada cinco agricultores do Oeste, recebe água do BUREC, que atende a 4,1 milhões de terras irrigadas (por intermédio de 355 projetos de armazenamento de água, 249 estações de bombeamento de mais de 1.000 HP, cerca de 26 mil quilômetros de canais e mais de 2.400 km de túneis), além de ser o 6º maior gerador de energia elétrica do país (58 usinas hidrelétricas) e fornecedor de água para consumo humano de 31 milhões de pessoas (Svendsen & Vermillion, 1995). À medida que as obras físicas iam sendo construídas, os futuros usuários iam formando associações de usuários de água (AUAs), com forte apoio do Serviço de Recuperação de Terras, para estabelecer contratos com o governo, para recuperação de custos (que freqüentemente atrasava, era adiada ou mesmo perdoado seu pagamento) e também para operação e manutenção das estruturas dos projetos. Com a crise de 29, o governo americano decidiu ampliar o programa, incorporando definitivamente o critério de uso múltiplo nos projetos e o seu financiamento pelo Fundo Geral do Tesouro Federal (Programa New Deal). De acordo com a legislação americana de projetos de recuperação de terras de 1939 (Land Reclamation Project Act), uma parte das estruturas de uso múltiplo deve ser reembolsada pelos beneficiários. Muitos métodos diferentes, para recuperação de custos nos projetos foram experimentados. Nos últimos 50 anos, entretanto, o método denominado separable costs–remaining be372 nefits (custos separáveis-benefícios restantes) foi adotado e vem sendo usado desde então. Esse processo leva em conta os custos fixos, os custos anuais, os benefícios anuais e outros fatores. A idéia é alcançar uma distribuição de custos eqüitativa, baseada nos benefícios relativos, apropriados pelas diversas categorias de usuários da água (Svendsen & Vermillion, 1995). Assim, fica estabelecida, para o propósito de reembolso ao governo, a base de custo, pela qual os cronogramas de reembolso devem ser desenvolvidos. Uma vez alocados os custos, são aplicadas as leis e políticas de recuperação de custos. Alguns custos, que podem ser designados para uma função (atividade) específica e beneficiários também específicos, devem ser totalmente restituídos ao governo por aqueles que usufruírem dos benefícios. Por exemplo, os projetos que fornecem água à municipalidade e às indústrias possuem beneficiários diretos claramente identificados, e, portanto, seus custos fixos foram definidos como recuperáveis. Isto significa que os beneficiários têm de pagar a justa parte desse custo, inclusive juros que se acumularam desde a época do investimento feito. O controle de cheias e a navegação, por outro lado, são considerados, pela lei, como necessários ao bem comum. Uma vez que seus benefícios se encontram amplamente dispersos, seus custos são considerados como não-reembolsáveis e, assim, são assumidos pelos contribuintes em geral. O desenvolvimento da irrigação, no Oeste americano, de há muito foi considerado como um benefício público em geral, porque fornece alimento ao povo. No entanto, a irrigação também oferece benefícios diretos a um segmento da população: os irrigantes. Em conseqüência, seus custos são considerados como recuperáveis para o Tesouro Nacional. Assim, os recursos governamentais, alocados para irrigação, são completamente restituídos, porém sem juros e num prazo médio de 40 anos. Em alguns casos, em prazo ainda maior. Logo após a criação do Reclamation Program, os rendimentos auferidos com a geração de energia foram utilizados para ajudar no financiamento do desenvolvimento da irrigação. Mais tarde, esses recursos foram expandidos e assim utilizados como 373 parte de custos dos irrigantes que excedessem sua capacidade de pagamento, que chegava a menos de 50% dos custos dos projetos de irrigação. Na atualidade, os distritos de irrigação do Oeste americano são organizações modernas, com um conselho de diretores e uma equipe profissional para executar as atividades cotidianas. 4.10.3 - O processo de transferência da O&M para os distritos de irrigação 4.10.3.1 - O Projeto de Irrigação da Bacia do Rio Colúmbia Uma experiência considerada bem-sucedida, no Oeste americano, de transferência da gestão - o Projeto da Bacia do Rio Colúmbia, foi objeto de avaliação recente do processo de transferência do seu gerenciamento (Svendsen & Vermillion, 1995). Ele se localiza no Estado de Washington, na fronteira com o Canadá, e foi um dos primeiros projetos desenvolvidos sob o critério de uso múltiplo. Como tal, compõe-se de um reservatório multipropósito (Grand Coulee Dam), construído pelo BUREC (Bureau of Reclamation) em 1933 e de um projeto de irrigação, construído em 1951, com 230.000 hectares irrigados. Uma segunda etapa, prevista no plano original e também com 230.000 hectares irrigáveis, nunca foi implantada. Seus principais cultivos na atualidade são: milho doce, batata, feijão, frutas, beterraba, uva e maçã (Svendsen & Vermillion, 1995). A gestão da irrigação foi transferida em 1969 a três distritos de irrigação, constituídos, cada um, de 2.000 - 2.500 irrigantes, e dirigidos por um board, de 5 a 7 membros, eleitos entre os irrigantes. O distrito é uma entidade sem fins lucrativos, mas que deve cobrir todos os seus custos. Eles compram a água do BUREC e a revendem aos irrigantes. Os pagamentos ao BUREC incluem o custo da energia gasta para elevar a água do reservatório até a uma altura manométrica de 85 m, de onde é conduzida por gravidade. Entretanto, tal custo é fortemente subsidiado. A partir de 69, o BUREC continuou a operar a infra-estrutura hidráulica principal e mantendo a propriedade de todo o sistema, embora o direito para operá-lo e mantê-lo e o recolhimento das receitas 374 dos serviços de irrigação prestados fiquem com os distritos de irrigação (Svendsen & Vermillion, 1995). O distrito exige dos irrigantes o pagamento antecipado da água a ser fornecida. Caso tal não ocorra, a água será cortada. A hipoteca do lote assegura a recuperação de dívidas não honradas pelos irrigantes, junto ao distrito. A entrega de água nos lotes é planejada, segundo a demanda e medida volumetricamente. O interesse original dos irrigantes pela transferência foi o de obter maior controle sobre a alocação de água, sobre a estrutura de tarifas, sobre os gastos com operação e manutenção do sistema, sua drenagem, e minimizar o preço pago pela água. Da parte do órgão governamental, há concordância quanto à oportunidade de tal transferência, para centrar suas habilidades e recursos na regulação e gestão dos usos da água ao nível da bacia hidrográfica. Estas missões, no caso brasileiro, estão previstas, respectivamente, para a Agência Nacional de Água (ANA) ora em tramitação no Congresso, e os Comitês de Bacia Hidrográfica, segundo a nova legislação de recursos hídricos, ora em fase final de regulamentação, no plano nacional (Lei n.º 9.433/97) e da maioria dos estados nordestinos (Svendsen & Vermillion, 1995). Durante o processo de transferência, os irrigantes contribuíram com 12% dos custos realizados pelo BUREC para concluir o projeto e seu sistema de drenagem. Os restantes 88% vieram da venda de energia elétrica, ali gerada. As principais condições (ou direitos-chaves transferidos aos distritos), que foram aceitas por ambas as partes, no processo de transferência, foram (Svendsen & Vermillion, 1995): - o direito à água, medida volumetricamente; - o direito de planejar e implementar todo o sistema de operação e manutenção; - o direito de aplicar multas e outras sanções aos membros que violarem as normas do distrito; 375 - o direito de negar o acesso à água aos membros inadimplentes ou a não-membros do distrito; - o distrito pode estabelecer os níveis das cotas de água, básica e de excesso, para os irrigantes, mas a cota básica deve permanecer relacionada com as classes de produtividade dos lotes; - o distrito pode vender excesso de água para irrigantes fora de sua jurisdição. Todavia ele não pode vender direitos de uso de água, nem transferir esse direito de um proprietário de lote para outro; - o distrito tem direito de emitir título de posse e hipotecar glebas. Ele não é responsável por danos resultantes de estocagem, transporte, infiltração, enchente e descarga de água de um distrito para outro, nem de um indivíduo para outro; - distritos estão liberados para comprar equipamento pesado e suprimentos para o projeto, segundo um cronograma de pagamento em dez anos. Isto inclui veículos e tratores; - distritos têm o direito de obter receitas de outras fontes, além da tarifa de água, incluindo venda de energia hidroelétrica, gerada por hidroelétrica dentro do sistema. Isto é considerado uma concessão, desde que o distrito pague uma taxa extremamente baixa pela água utilizada do reservatório para esse fim. Entre as responsabilidades-chave do distrito estão (Svendsen & Vermillion, 1995): - o distrito deve cumprir o cronograma de pagamento das obras acordadas, que inclui o pagamento parcial de obras de drenagem; - o distrito é responsável por toda operação e manutenção da infra-estrutura usada individual e coletivamente pelos distritos do projeto, em conformidade com padrões de desempenho do BUREC e viabilidade financeira; 376 - o distrito é responsável pelo pagamento proporcional dos custos recorrentes de um fundo de reserva especial, acordado com o BUREC, e que é retido para ser gerido pelo BUREC; - o distrito é responsável por fazer pagamento anual de um fundo de reserva para reposição do capital (uma taxa igual a 30% da média do custo anual de O&M, dos últimos cinco anos). Ele se destina a repor as facilidades físicas eventualmente deterioradas; - o distrito deve anualmente relatar ao BUREC o avanço dos planos de manutenção. Os direitos mantidos pelo BUREC, após a transferência, foram os seguintes (Svendsen & Vermillion, 1995): - o BUREC tem o direito de reassumir a gestão direta do sistema, se o distrito falhar no repagamento das obras transferidas, no pagamento do fundo de reserva para os serviços de O&M ou em manter adequadamente o sistema operando; - o staff do BUREC, afetado pela mudança de gerenciamento do projeto, deve ser transferido ou para outros projetos do BUREC (tal como ocorreu com a maioria dos membros do staff de construção) ou para os próprios distritos (tal como sucedeu com a maioria dos membros do staff de O&M). Pelo acordo, a maioria dos empregados iniciais do distrito eram empregados formais do BUREC; - salários e benefícios dos funcionários transferidos do BUREC, tais como: os mantenedores de canais e canaleiros permaneceram nos mesmos níveis prevalecentes antes da transferência. Os planos de aposentadoria dos funcionários transferidos foram pagos ou interrompidos; novos planos de aposentadoria foram estabelecidos para eles, pelo distrito; entretanto, sem contagem retroativa. As responsabilidades do BUREC, perante o distrito, depois da transferência, foram as seguintes (Svendsen & Vermillion, 1995): 377 - o BUREC tem a responsabilidade de administrar o fundo de reserva para O&M, que abrange o projeto como um todo, e inclui a estação de bombeamento e de geração de energia (Grand Coulee), o lago Banks, o canal principal e o reservatório Potholes; - o BUREC conduz à revisão (ou exame) a cada três anos, para auditar o padrão de desempenho da O&M do distrito, e faz recomendações para melhorias; - o BUREC retém a propriedade da infra-estrutura hidráulica e mecânica, operada pelo distrito, no mínimo até a total recuperação de seu custo ou substituição de equipamentos e máquinas pelo distrito. Contudo, pela legislação corrente, a transferência, no atacado, da propriedade da infra-estrutura coletiva para o distrito necessita de um ato autorizativo do Congresso americano. O distrito obtém do BUREC uma permissão para retenção do título legal das facilidades físicas, desde que se sinta seguro de que tal concessão está legalmente protegida; - o BUREC deve informar adredemente ao distrito seus planos anuais de manutenção e reparo, de sua própria execução e do distrito; - o governo federal adquirirá os direitos de uso da água dentro da área do projeto. Essa experiência, após longos anos de negociação entre os distritos de irrigação e a autoridade governamental, o BUREC, resultou, ao final, em um relativo balanço entre os direitos e as responsabilidades do distrito, o que não tem sido a regra em países em desenvolvimento, onde há tendência de os governos enfatizarem a transferência de responsabilidades, negligenciando a transferência de direitos, o que reduz a certeza dos usuários de que eles terão realmente o controle real do sistema e ganhos financeiros líquidos com a transferência proposta. Com isto, decresce seu interesse em participar do processo. 378 Avaliação dos Impactos da Transferência Na atualidade, cresce o interesse pela transferência da gestão de projetos públicos de irrigação, do governo para os beneficiários deles, por meio de suas associações, principalmente nos países em desenvolvimento. Nos EUA, onde tal política já é adotada há mais de cem anos, os seus resultados são normalmente medidos lançando-se mão de quatro indicadores, quais sejam: a) adoção de tecnologia; b) desempenho hidrológico do sistema; c) desempenho financeiro da gestão; d) rentabilidade da atividade de produção nos lotes irrigados. a) Impacto na adoção de tecnologia Houve uma substancial mudança tecnológica no Projeto de Irrigação da Bacia do Rio Colúmbia, após a transferência de seu gerenciamento para os três distritos de irrigação criados. Algumas dessas mudanças, como a ampliação da aplicação de água por pivô, central, resultaram de decisão individual dos produtoresirrigantes, em resposta a preços e retorno econômico. Outras mudanças, como a instalação de estações de medição de água fornecida e de sistemas de telemetria, foram iniciativas dos distritos. Parece claro que a transferência não obstaculizou a adoção de novas tecnologias, podendo tê-las acelerado. Causas e efeitos da mudança tecnológica algumas vezes são complexas e indiretas. Por exemplo, ficou demonstrado que a redução na demanda de água, que acompanhou a mudança acelerada para irrigação por aspersão, nos anos 70, resultou, em grande medida, mais da mudança para cultivos que consumiam menos água, do que a da adoção per se de métodos de irrigação mais eficientes. Todavia, é também verdadeiro que a instalação de pivôs centrais melhorou o controle da aplicação da água e facilitou a mudança para novos cultivos, menos intensivos no consumo de água e, muitas vezes, de maior valor econômico. A disposição dos agricultores de investirem em nova tecnologia de aplica379 ção de água, é função, em parte, de sua confiança no Distrito em entregar-lhe, efetiva e regularmente, a água a que tem direito. Os gerentes dos distritos afirmam que a mudança para pivô central tem tido também implicações no gerenciamento do sistema principal, ao não se requererem mudanças da tubulação, não provoca corte abrupto no volume de água consumida na parcela, o que concorreria para o crescimento de perdas naquele sistema principal. b) Desempenho hidrológico A qualidade do serviço de irrigação, recebido pelos irrigantes do Projeto, não parece ter sido afetada significativamente pela transferência. A quantidade de água entregue não mudou marcadamente depois de 1969, e reduções na oferta de água, nos últimos anos, podem ser explicadas amplamente por decréscimos na demanda agregada de água, resultante da substituição nos padrões de cultivo. A demanda, baseada na eqüidade da distribuição de água entre os distritos, declinou nos anos 70 e 80, depois da transferência, mas aumentou em seguida. Na média, essa eqüidade foi praticamente a mesma, antes e depois da transferência. Os agricultores parecem satisfeitos com o ritmo da entrega de água, antes e depois da transferência. A avaliação desse aspecto da gestão é geralmente elevada. Uma análise mais detida da eficiência hidrológica do Projeto da Bacia do Rio Colúmbia revelou algumas mudanças interessantes. Ela mostra que os novos gestores passaram por um período de aprendizagem, de cinco a seis anos, após a transferência, antes de se tornarem perfeitamente hábeis para operar o sistema de entrega de água, tão eficientemente quanto o BUREC o fazia, antes da transferência. Isto demonstra a natureza complexa e delicada do controle requerido para operar eficientemente um grande sistema como esse. Os irrigantes incrementaram continuamente a eficiência, no terceiro nível, desde meados da década de 70. Melhoria de eficiência no uso da água foi orientada pela mudança do método de irrigação de superfície para aspersão, em muitas áreas do projeto. Este crescimento está agora estacionário e, assim, a eficiência na irrigação parcelar pode estar flagrantemente declinando na atualidade. 380 Um aspecto realmente intrigante da hidrologia do sistema é o declínio contínuo, em quinze anos, a partir de 1978, da eficiência do sistema de entrega de água. Ele parece resultar da deterioração nas condições do sistema principal de canais, resultando em crescentes perdas de água, o que foi confirmado por auditorias do BUREC. c) Desempenho financeiro Logo após assumirem a responsabilidade pelo gerenciamento do projeto de irrigação, os distritos movimentaram-se rapidamente para cortar tarifas de água para seus membros. Em média, a tarifa real por acre irrigado (ajustada pela inflação), sob a gestão dos distritos, foi de somente 78% do nível anterior, diminuindo de aproximadamente US$ 27.00/acre, em 1969, para US$ 21.00/acre, em 1989. Ao mesmo tempo, os distritos diversificaram suas fontes de receitas, incrementando sua participação nos resultados da geração de energia, na venda de água e juros de fundos depositados. Isso cobriu parcialmente as receitas perdidas das tarifas de irrigação. A venda de água para não-associados dos distritos também aumentou repentinamente, demonstrando o quanto é valiosa a faculdade de os distritos poderem transferir o direito de uso da água outorgada, sua autonomia financeira e o sistema de precificação quase volumétrico de fornecimento de água para usos mais lucrativos, dentro do subsetor de irrigação. Em média, os custos de operação do sistema, associados com a transferência do gerenciamento, não mostraram uma alteração bem definida, e as médias dos níveis de despesas, antes e após 1969, são rigorosamente similares. Embora não tenha sido possível saber quais os padrões de gastos que prevaleceram na época em que o BUREC detinha o gerenciamento do projeto, o índice de custos de O&M do BUREC, como um todo, tem aumentado mais que o índice geral de custos, sugerindo que as despesas do projeto, sob a gestão do BUREC, podem ter sido mais elevadas do que na atualidade. Não obstante, as auditagens no projeto, realizadas pelo BUREC, dão suporte à hipótese de que, se os gastos com O&M permanecerem constantes, continuará uma gradual deterioração do sistema, o que, exigirá mais investimento na sua reabilitação geral. 381 d) Rentabilidade da atividade agrícola A média trienal do valor bruto da produção agrícola irrigada por acre cresceu persistentemente no projeto nos últimos 30 anos (1960/89). Embora informação sobre retornos líquidos tenha sido apenas esboçada, existe alguma indicação de que tais retornos também têm crescido em termos reais. O nível da tarifa dágua decresceu de cerca de um terço (1/3), desde que os distritos assumiram a gestão do projeto. As tarifas são estimadas para representar, rigorosamente, cerca de 15% da renda líquida média da atividade agrícola. Fatores facilitadores Contexto político A política governamental americana, determinando a transferência do gerenciamento de todos os projetos de irrigação, construídos pelo governo federal para os irrigantes, conferiu a esse processo sentido de inevitabilidade. Ela significou também o acúmulo de considerável experiência, antes que o processo ocorresse com o projeto da Bacia do rio Colúmbia. Os produtores foram convencidos a participar do processo pelos seus distritos de irrigação, inclusive assumindo o pagamento parcial do capital investido pelo governo, a assumir eventualmente sua gestão e a cobrir integralmente os custos de O&M que, de fato, são somente parciais. Essa oferta podia ser recusada e, realmente, foi rejeitada por alguns. A legalidade conferida ao acordo deu um senso de legitimidade aos distritos aos olhos dos produtores e permitiu fortalecer sua faculdade de aplicar sanções aos seus próprios integrantes, quando necessárias. A política federal também exige uma presença contínua do BUREC no projeto, como depositário do direito de uso da água pelo projeto, o proprietário legal de sua infra-estrutura física principal e provedor de supervisão e auditoria. Esta presença é também avaliada pelos distritos como oferecedora de certas imunidades e de um relacionamento no dia-a-dia com o BUREC. Essa cultura de parceria com ambos permitiu resolver em conjunto os problemas durante a transferência, levando-os à decisão mútua de o BUREC continuar gerenciando o fundo de reserva, utilizada, 382 conjuntamente, a contratação, pelos distritos, de serviços técnicos e a serem executados pelo staff do BUREC e a criação de um arranjo satisfatório de transferência de pessoal do BUREC para os distritos de irrigação. Esse relacionamento está sendo presentemente usado na implementação de um programa de implantação de drenagem artificial, dentro do projeto e deve possivelmente facilitar futura assistência para o sistema de reabilitação ou recuperações de maior porte. A política federal de recursos hídricos segue provendo subsídio cruzado aos custos de construção do sistema de irrigação, por meio das receitas de geração de energia, e isso tende a incrementar a rentabilidade da agricultura irrigada nos projetos do BUREC. Concedendo subsídios também à tarifa de energia elétrica consumida no projeto, o governo continua subsidiando os custos de operação. Em contrapartida, os distritos devem trabalhar com orçamentos equilibrados. O mais importante da política de irrigação é que ela vem sendo plenamente observada, desde sua implantação, em suas diretrizes básicas e quanto ao princípio de gerenciamento por distritos de irrigação, financeiramente autônomos, com apenas pequenos ajustes no tempo. Essa consistência dá aos agricultores a confiança necessária para tomarem suas decisões de investimento e assumirem compromissos de longo prazo, que, de outra forma, pareceriam de alto risco. Ela também oferece-lhes segurança para os investimentos privados que eles decidam fazer e que não serão duplicados ou providenciados por outrem, não gerando, assim, nenhum custo futuramente. Contexto social Contrastando com a situação em muitos países em desenvolvimento, a área em que se localiza o Projeto da Bacia do Rio Colúmbia consistia de uma população relativamente homogênea de colonos, os quais eram bem escolarizados e orientados para o mercado. Não existia virtualmente nenhum agricultor sem-terra pobre ou qualquer outro residente com a posse de terra não assegurada. Os agricultores detinham experiência na criação de associações voluntárias para uma variedade de propósitos e davam valor à ação conjunta. Os agricultores e seus distritos de irrigação 383 tinham considerável poder legal e político e, assim, asseguravam os direitos de propriedade da terra e de uso da água. Eles eram hábeis para negociar de igual para igual com o governo e obter numerosas concessões em condições favoráveis, tais como: baixas tarifas de energia elétrica e taxas de juros favoráveis de recuperação dos investimentos públicos nas obras de infra-estrutura principal e relaxamento nos limites de tamanho das parcelas ou lotes. Tais concessões asseguraram que a atividade agrícola se tornasse um empreendimento relativamente estável e rentável. Inicialmente, os agricultores empregaram seu poder político para influenciar as decisões do BUREC, por intermédio de seus representantes eleitos, no Congresso Nacional. Mais recentemente, a confiança dos agricultores se manifesta mais firme na ação legal para assegurar e promover seus interesses na arena pública. Contexto institucional Um número de importantes instituições contribuiu para o sucesso da assunção das responsabilidades e execução do gerenciamento do projeto pelos três distritos de irrigação. A existência de um sistema confiável para especificar, alocar e manter o registro dos direitos de uso da água foi fundamental. Sem ele, seria duvidoso que os agricultores desejassem e estivessem prontos para assumir a gestão da infra-estrutura coletiva do projeto e fazer os investimentos privados correspondentes em equipamentos e facilidades on farm. A forte base legal, subjacente na criação dos distritos de irrigação quase-municipais, também contribuiu para a devolução e gestão do projeto aos distritos de irrigação. A relativa autonomia dos distritos deu-lhes flexibilidade para controlar custos e diversificar suas fontes de receitas. O relacionamento entre o BUREC e os distritos permaneceu por intermédio de um conjunto de contratos de ressarcimento que espelha a transferência de direitos e obrigações de cada parte. Esse tripé institucional de suporte é um sistema legal relativamente imparcial e acessível, que provê um mecanismo para reforçar contratos e julgar disputas. Outra área em que as contribuições dessas instituições são importantes é a da probidade financeira. O Estado, que o distrito passa a representar, exige que suas contas sejam certificadas 384 por contadores públicos e que sejam auditadas por auditores externos independentes. O papel do BUREC no processo O BUREC tem-se caracterizado pelo elevado grau de competência e profissionalismo, antes e depois da transferência. Seu staff recebe salários e seguridade compatíveis com suas responsabilidades, o que lhes foi preservado após a transferência, desde que a maioria deles foi repassada para os distritos. Os que permaneceram no BUREC foram transferidos para outras atividades, dentro ou fora do projeto, ou aceitaram aposentar-se com salários proporcionais ao tempo de serviço. Esses pontos sem dúvida ajudaram a limitar a oposição da parte dos empregados afetados pela transferência da gestão para os distritos, a qual, de outro modo, seria considerável. Notou-se que o BUREC não detinha autonomia financeira. Seu orçamento estava diretamente relacionado com as receitas geradas por suas atividades, como todo órgão público. Os três distritos do projeto em análise satisfaziam esse critério. A autonomia financeira dos distritos de irrigação tem sido identificada como um atributo-chave dos provedores de serviços de irrigação nos países em desenvolvimento e parece assumir um papel crítico em qualquer situação (Small & Carruthers, 1991; Svendsen, Adriano & Martin, 1990). O sistema de irrigação Os elementos físicos e as regras básicas de operação do sistema de irrigação também formam uma parte relevante do contexto da transferência. Em primeiro lugar, o sistema tinha um suprimento de água amplo e confiável. Segundo, a alocação de água tem sido manejada com competência, com base numa demanda previamente acordada, tanto antes como depois da transferência. Isso permite aos agricultores considerável flexibilidade e capacidade de resposta às condições de mercado, por meio da escolha de culturas e padrões de cultivo. Terceiro, existe uma clara demarcação de responsabilidades e controle, na qual quantidades medidas de água são acordadas mediante um amplo acordo e regras, inclusive de pagamentos. As entregas de água, 385 para os distritos e para os irrigantes, são desse modo tratadas como obrigações contratuais, e a água é considerada como um bem econômico, antes do que um direito social. Quarto, o sistema tem uma adequada capacidade de fornecimento para entregar as quantidades requeridas de água por meio de todo o sistema. Quinto, as facilidades físicas do sistema foram melhoradas, como parte do acordo de transferência e foram recebidas pelos distritos em boas condições de operação. Assim, a transferência não se constituiu uma mera entrega de um bem público dilapidado, mas, antes disso, uma venda concessional de um ativo valioso e produtivo. Adicionalmente, muito da expertise técnica necessária para operar o sistema foi transferida pelo BUREC aos distritos. Lições aplicáveis ao processo de transferência em países em desenvolvimento a) Coloque em prática uma clara e consistente política de transferência do gerenciamento da irrigação. b) A transferência é um processo lento e deliberado, e as linhas básicas da política governamental de transferência devem permanecer relativamente inalteradas, por um longo período, para obter a resposta desejada. c) Não exija recuperação total de custos (para o capital investido e de custos de operação) no primeiro momento da transferência. Em muitos casos, tal insistência resultará num incremento tão drástico nos gastos dos agricultores com os custos dos serviços de irrigação que pode resultar em um mar de protestos políticos. Os subsídios cruzados para os custos dos serviços de fornecimento de água para irrigação, de outras fontes de receita, relacionadas com os usos da água, tais como: a geração de energia ou aqüicultura talvez seja uma boa opção. d) Gerencie a autonomia financeira por parte da entidade gerenciadora. Isso tem tido uma importância crítica efetiva em uma grande variedade de circunstâncias, tanto em países 386 desenvolvidos, quanto em desenvolvimento. Ensejar que os distritos ou a organização de agricultores gere receita suficiente para cobrir os custos de operação do sistema provê um conjunto essencial de ligações de feedback, necessário para tornar o gerenciamento confiável para seus membros. Não significa que nenhum subsídio público seja necessário, mas somente que ele seja especificado de tal maneira que não aumente automaticamente para fazer um falso aumento nas receitas da operação do sistema principal de irrigação. e) Providencie uma base legal forte para as organizações de irrigantes. f) Tais organizações devem ter autoridade para fazer acordos contratuais, obter financiamentos e aplicar sanções a seus próprios membros. g) Providencie um sistema de direito de uso da água, seguro, bem especificado e de longo prazo, que pode ser transferido pelos sistemas de irrigação, de modo a oferecer segurança para investimentos de tempo e dinheiro. h) invista para entregar infra-estrutura física acima do padrão. A experiência demonstra que programas que aliam esse upgrading (se necessário) das instalações físicas com a transferência podem ser mais bem-sucedidos do que quando tal não ocorre. h) Estabeleça um sistema profissional de auditoria, claro e transparente, e faça que ele seja utilizado pela organização de gerenciamento. Esse sistema pode ser estabelecido, tanto pelo setor público, quanto privado, desde que cuidadosamente regulamentado para assegurar sua integridade e, finalmente, providencie nova ocupação ou emprego ou então compensação para o pessoal deslocado pela transferência. 387 4.10.3.2 - A Trajetória da Irrigação no Vale do Rio Colorado, no Oeste Americano Durante mais de 150 anos, a Califórnia transferiu água de áreas onde era abundante (das montanhas da costa Norte do Estado e do rio Colorado) para onde era escassa (o deserto do vale do Colorado e para a bacia da costa Sul). Seu clima é mediterrâneo: úmido no inverno e árido no verão. A ocorrência freqüente de eventos de seca e enchentes, nos últimos 70 anos, levou à concepção e implantação do Central Valley Project e do State Water Project, visando melhorar a confiabilidade do abastecimento de água. A irrigação aportou na Califórnia em 1769, com a fundação espanhola da Missão de San Diego, mas foi a corrida do ouro em 1849 que impulsionou o seu desenvolvimento no Estado. Por volta de 1900, um bom número de barramentos foram feitos, no sul da Califórnia, para apoiar a economia agrícola regional. Durante a década de 20, grandes reservatórios foram construídos na região norte da Califórnia, pelos governos estadual e municipais. Algumas delas foram financiadas pelas companhias de eletricidade. O desenvolvimento integrado dos recursos hídricos na Califórnia decorreu da colaboração de três fatos: I) a maioria dos centros urbanos na Costa Sul, árida, tinham recursos limitados de águas superficiais e subterrâneas; II) as melhores terras agrícolas da Califórnia encontram-se no sul do Central Valley e nas regiões do deserto do Colorado, também com recursos hídricos superficiais e subterrâneos limitados; III) o crescimento e a vitalidade econômica não poderiam continuar sem que se chamasse a atenção para a melhor distribuição dos recursos hídricos do Estado. Tais problemas foram, em parte resolvidos com a construção do mais complexo e sofisticado sistema de reservação e transporte de água do mundo, que move cerca de 50% dos recursos hídricos desenvolvidos do Estado, da sua 388 origem até onde ela é demandada. O Projeto do Vale Central foi o primeiro grande projeto desenvolvido pelo governo da Califórnia, compreendendo 20 reservatórios (13,5 km3 de água), 11 usinas hidroelétricas e três criatórios de peixe. Ele fornece água para cerca de 1,22 milhão de hectares de terra no mesmo Vale (1/3 das terras irrigáveis do Estado) e para cerca de 2 milhões de consumidores urbanos. A Califórnia conta, na atualidade, com um Plano de Recursos Hídricos abrangente, isto é, compreensivo, cobrindo todos os usos da água e não apenas um consumo subsetorial (tal como preconizado pela nova legislação de recursos hídricos do Brasil). Isto pela necessidade de desenvolvimento econômico e utilização sustentável da água no meio urbano e na agricultura. Assim, o primeiro Plano de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, abrangendo as dez bacias hidrográficas do Estado (Bulletin 3), ficou pronto em 1957, o qual demonstrou que os recursos hídricos do Estado poderiam atender a todas as necessidades previstas. Oferta e demanda deveriam ser reavaliadas e atualizadas a cada cinco anos. A agricultura irrigada no Estado quase dobrou, desde 1960, tendo passado de 2 milhões para 3,6 milhões de hectares, o que provocou uma sobreexplotação das águas subterrâneas, exigindo desenvolvimento adicional da oferta de águas superficiais. Além disso, a agricultura tornou-se mais mecanizada, e houve aumento de produção anual, o que levou a maior consumo de água. De mais a mais, a sociedade conscientizou-se dos danos ambientais causados, inclusive por práticas não-sustentáveis na agricultura irrigada (como a salinização na parte oeste do vale São Joaquim e o bloqueio da piracema nos maiores rios do Vale Central, pelos barramentos), o que levou a restringir-se a expansão de novos aproveitamentos hidroagrícolas e a um maior envolvimento da população nas tomadas de decisões relacionadas ao Plano de Recursos Hídricos. Atualmente, a agricultura irrigada da Califórnia abrange 3,65 milhões de hectares, nos quais se produzem cerca de 25 bilhões de dólares anuais, os quais, somados ao produto da in389 dústria de irrigação, de fertilizantes, defensivos, transporte e transações financeiras – o agronegócio da agricultura irrigada californiana – alcançam 75 bilhões de dólares anuais. As terras agrícolas da Califórnia representam apenas 3% do total do país (ou seja,12,55 milhões de hectares), mas produzem 11% da produção agrícola total americana. Em 1990, a Califórnia produziu quase 50% das frutas, castanhas e hortaliças do país. Sua agricultura é uma das mais diversificadas do país, com mais de 250 cultivos e criações diferentes, sem que nenhum deles domine a economia agrícola do Estado. Apesar de menos de 5% da população estar diretamente envolvida em atividades agrícolas, a agricultura proporciona empregos para um em cada dez habitantes do Estado. De toda a água da Califórnia, atualmente, 28% destinamse à agricultura irrigada, 28% são utilizadas por atividades ambientais, 8%, pelo setor urbano e 36% se perdem pelo escoamento superficial, após a precipitação. − MARCO LEGAL Em 1887 foi sancionado o Wright Irrigation District Act, que procurou resolver a questão de se ter um recurso público vital (a água) controlado por mãos privadas (os agricultores e suas associações). O primeiro distrito formado segundo a nova lei foi o de Turlock, no Vale Central. Em 1917, o Irrigation District Act abriu caminho para outros tipos de distritos, tais como: os Distritos Hídricos de Condados e Distritos de Serviços Especiais, o que levou à proliferação dessas organizações por todo o Estado. Em 1960 foi aprovado o Burn Act, com um orçamento de 1,75 bilhão de dólares para construção de barragens, reservatórios e aquedutos, para levar água da parte central para a região sul do Estado. Atualmente, o State Water Project consiste de 22 barragens e reservatórios e entrega água para 29 agências de água que a distribuem para consumo urbano e agricultura, equivalentes a 30 km3. O custo da água, para cada agência de água, é baseado na energia gasta no seu bombeamento e no custo das instalações de cada quilômetro de água transportado pelo sistema. Isto leva a custos diferenciados, segundo a distância que o consumo está do reservatório. Assim, na parte alta, esse custo é de US$ 20 / 1233,5 m3, versus US$ 240/1233,5 m3 na parte final 390 do projeto. No caso do State Water Project, visa-se a que os usuários cubram integralmente todos os custos do projeto com juros, salvo poucas exceções (por isso, nele as terras são mais baratas). Já no Central Valley Project, exigia-se apenas o pagamento do principal pelos irrigantes (por isso, as suas terras são mais caras). Cerca de 70 a 80% das receitas dos distritos de irrigação vêm da tarifa dágua, num ano normal. O restante dos ingressos vêm, primeiramente, de impostos sobre propriedades. A Califórnia conta com um extenso Código de Águas que impõe uma limitação significativa sobre os direitos de uso da água, proibindo o desperdício e o uso não razoável, assim como métodos irracionais de utilização ou desvio de água. − MARCO INSTITUCIONAL DA IRRIGAÇÃO NA CALIFÓRNIA O governo federal cuidou de dotar a parte árida do oeste do país de bens públicos essenciais para, num primeiro momento, povoá-la e depois promover o seu desenvolvimento. Para tanto, destinou recursos para a Universidade da Califórnia e desenvolveu e expandiu uma rede de faculdades e escolas agrícolas de assessores rurais, especialistas em irrigação, agrônomos e cientistas. Rodovias e crédito bancário desenvolveram-se concomitantemente às obras hidráulicas, além de outros serviços para fortalecer as economias urbana e rural. Também o governo estadual, pelo Departamento Estadual de Recursos Hídricos, oferece assistência financeira e técnica às comunidades urbanas e rurais, para avaliarem a oferta e demanda de água, como previsto no Plano Estadual de Recursos Hídricos, além de inúmeros programas educacionais e de treinamento em agricultura irrigada e métodos de irrigação; introdução ou expansão de gerenciamento e tecnologias inovadoras. Um bom exemplo é o Sistema de Informações e Gerenciamento da Irrigação da Califórnia: uma rede computadorizada de estações meteorológicas, à qual se ligam os produtores via computador pessoal, obtendo dados essenciais à elaboração de seu calendário de irrigação e sua condução no campo. O Estado conta também com um conselho de gerenciamento hídrico para a agricultura, onde têm assento representantes dos agricultores, ambientalistas e outros. Ele supervisiona a elaboração do Plano Estadual de Gerenciamento dos Recursos Hídricos, avalia e apóia 391 planos e projetos que atendam às diretrizes do Plano Estadual aqui referido. Existe também um Banco Estadual de Água, para atender às emergências de falta dágua nas grandes cidades. Na última estiagem, o Banco comprou água dos irrigantes, os quais, para tanto, mantiveram suas glebas sem cultivo. O Estado, juntamente com o Departamento de Comércio e o de Alimentação e Agricultura, do governo federal, promove o mercado para os produtos agrícolas na Califórnia e internacionalmente. 4.10.4 - Organização da cadeia de produtos hortícolas nos EUA Esse capítulo faz um resumo da literatura sobre as formas de organização e coordenação das cadeias de exploração de cultivos hortícolas na agricultura irrigada nos EUA. O sistema de organização mudou substancialmente nos últimos vinte anos. As primeiras mudanças ocorreram no início dos anos 70 e em pouco mais de quinze anos todos os sistemas de exploração da horticultura haviam mudado radicalmente. Por várias razões, este subsetor mudou de um padrão organizado em torno de pequenas firmas e empresas embaladoras ligadas aos mercados para um sistema muito mais abrangente em que, da produção até o processamento, a organização do sistema passou a ser feita por meio de contratos. Integrou-se a esse sistema um padrão de propriedade e coordenação vertical das etapas póscolheitas sob a forma de joint ventures. Passaram a fazer parte do processo as grandes empresas fornecedoras de insumos intermediários da irrigação, as empresas de processamento dos produtos, surgindo, também, empresas nãotradicionais do tipo “empresas para propósitos especiais”, conhecidas como Special Purpose Company (SPC), que passaram a desempenhar um papel cada vez mais importante na oferta de serviços especializados nessas cadeias nos projetos de irrigação. O novo sistema tem como característica a participação de todas as empresas no financiamento de um grande projeto de exploração hidroagrícola, desde as empresas de insumos até as distribuidoras ao nível de varejo. As novas formas de organização 392 e coordenação das cadeias nos EUA podem ser resumidas nas seguintes perguntas e suas respectivas respostas: Quem tem o controle sobre as decisões estratégicas da cadeia? No passado, o controle estava concentrado nas mãos das empresas embaladoras. Na nova estrutura, independentemente dos efeitos observáveis de desempenho (lucro dos elos e segmentos individuais), é importante entender que passou a existir, na nova organização da cadeia, uma distribuição de direitos de escolha mais eqüitativa entre todos os participantes e uma redistribuição da autoridade na tomada de decisão acerca de aspectos estratégicos da cadeia. Verificou-se, destarte, que mudou o padrão de concentração e tomada de decisões estratégicas, outrora concentrados nas embaladoras; e, no novo modelo, a responsabilidade pelo êxito do negócio foi distribuída entre todos os elos, com maior participação decisória, de cada um, sob um regime de responsabilidade compartida, no qual todos os atores do processo participam das decisões estratégicas comuns (Marion, 1976; 1986). Quais foram os efeitos, em termos de desempenho (lucros), do novo modelo de organização vertical e padrão de coordenação das cadeias? A resposta a esta pergunta tem cinco dimensões importantes em termos de desempenho da cadeia como um todo: a) Ao longo de toda a cadeia, a oferta passou a se equilibrar com a demanda, em termos de preços consistentes com os custos de oportunidade dos recursos empregados em cada elo. A organização da cadeia se processa no ponto em que cada segmento ou cada elo participa da cadeia, recebendo um preço que remunera o custo de oportunidade dos seus recursos em outras atividades. Por exemplo, os produtores permanecem na produção até o ponto em que os preços remuneram os fatores empregados no processo no mesmo nível da remuneração desses fatores em outras atividades. Com isso se estabelece o equilíbrio de produção. As empresas supridoras de insumos intermediários recebem preços pelos 393 seus produtos que remuneram sua atividade no mesmo nível da aplicação desses recursos em outras atividades também rentáveis. As embaladoras, por sua vez, participam do processo até o ponto em que a rentabilidade relativa do seu segmento atrai capitais que poderiam ser empregados em outras atividades. Portanto, neste ponto, todos os elos, inclusive os de distribuição, estão organizados em termos de preços remuneradores que mantêm na atividade todos os segmentos envolvidos. Por outras palavras, se houver preços não consistentes com o custo de oportunidade dos recursos, não há investimento naquele segmento da cadeia. Não existe, por outras palavras, atração de capitais privados para operar na atividade. Este princípio também se aplica às empresas SPC (Special Pourpose Companies) especializadas na oferta de água, instalando-se um equilíbrio de preços ao longo de toda a cadeia. Não há “exploração” de elos específicos mais frágeis por elos mais fortes, em termos relativos, dentro da cadeia (Armbruster & Jesse, 1983). b) O nível de eficiência técnica e operacional é medido ao longo de toda a cadeia. Todo o subsetor ou cadeia opera no seu nível de eficiência técnica e operacional em todos os segmentos de maneira a conformar o máximo possível de eficiência em todos os segmentos. A eficiência técnica e operacional de toda a cadeia atinge seu ponto máximo quando todos os setores atuam no seu máximo de eficiência técnica e operacional; do contrário, a cadeia seria eliminada; c) As taxas de retorno, lucros, direitos de propriedade, riscos, informações e responsabilidades são distribuídos de forma eqüitativa entre todos os segmentos da cadeia. A eficiência das cadeias hortícolas dos EUA pode ser medida pelo sistema de repartição de lucros, direitos de propriedade, riscos inerentes ao negócio, informação e responsabilidade pelas decisões estratégicas tomadas em conjunto. Não poderia haver desequilíbrio em termos de riscos ou lucros ou desníveis relativos de informação entre os elos individuais e os segmentos com394 ponentes da cadeia; as suas decisões estratégicas de comercialização são distribuídas de forma equilibrada entre todos os segmentos; d) Os princípios de livre acesso à cadeia, de ampliação e redução dos negócios, como decorrência de variações do mercado ou decisões individuais dos segmentos, são importantes componentes da eficiência das cadeias. As empresas têm liberdade para encerrar suas operações. Empresas externas podem livremente ter acesso à cadeia, não se formando, como havia no passado, monopólios e oligopólios por parte de segmentos específicos dentro da cadeia. O importante do sistema é garantir a todos o livre acesso e a livre saída dos negócios. e) Um princípio final muito importante é o da confiabilidade e da estabilidade do desempenho da cadeia como um todo, em termos de geração de lucros e resultados financeiros. Portanto, a cadeia se equilibra no momento em que se torna confiável e estável, em termos de geração de resultados para todos os segmentos individuais e para o conjunto como um todo. É preciso assinalar que nessas duas perguntas e nesse conjunto de cinco princípios, o ponto mais importante é o do equilíbrio da repartição de riscos, lucros e responsabilidades, por decisões que envolvem o investimento de capital de todos os segmentos. Por conseguinte, não há dominância de um setor específico sobre os demais. Existe a criação de mecanismos de coordenação que mantêm o equilíbrio das negociações de preços e de quantidades compradas e vendidas entre todos os elos da cadeia. O modelo norte-americano é, de longe, um dos mais organizados do mundo, em termos das cadeias de exploração hortícola, de acordo com os princípios que resumem a literatura disponível (Marion, 1986). Estas cadeias não atingiram, da noite para o dia, esse grau de organização. No passado, havia diversos fatores que comprometiam seu desempenho. Havia um elevado grau de informação insuficiente entre os elos das cadeias, que tornava muito difícil a organização de todo o subsetor. 395 Com o tempo, todos os segmentos passaram a ter suficiente informação acerca do mercado e da operação dos demais elos, de forma a equilibrar a barganha por preços nas negociações. Antes de as cadeias serem organizadas com segmentos interdependentes, cada elo operava maximizando seus lucros individuais, em detrimento dos demais elos. Quando os setores descobriram que era necessário primeiro “fazer crescer o bolo”, para depois reparti-lo entre os segmentos, as cadeias passaram a atrair recursos para investimento. Essa interdependência entre os segmentos foi conseguida por leis de direito de propriedade (inclusive direitos de propriedade intelectual), instituições de coordenação e associação de interesse, para organizar os setores de produção, processamento e distribuição dos produtos hortícolas. As empresas componentes da cadeia descobriram que era necessário desenvolver um grande negócio, mantendo a independência das firmas individuais na produção e prestação de serviços. Para fazer crescer o negócio, era necessária uma coordenação vertical dentro de um complexo ou um sistema que incluía todos os elos da cadeia (Henderson, Scharader & Rhodes, 1983). A atenção de todos os segmentos voltou-se para uma coordenação vertical, com o objetivo de adicionar valor a um produto final da cadeia como um todo. Um outro princípio importante era assumir uma gerência coordenada de todos os elos e segmentos críticos do subsetor, tornando-se necessário sincronizar e integrar, de forma eficiente, a contribuição de cada etapa da cadeia, para assegurar que, no fim da “linha de montagem”, existisse um produto valorizado pelo mercado. Os norte-americanos foram líderes na arte de sincronizar e integrar todos os segmentos, da produção até a distribuição, por meio de um sistema avançado de contratos (Henderson, 1975; Marion, 1986). Muito embora a necessidade de uma definição de harmonização vertical dos estádios de produção da cadeia tivessem sido identificados no início dos anos 60 (Henderson, 1975), somente cerca de 15 anos depois, essa necessidade foi entendida e posta em prática, a partir de uma definição muito simples de coordena396 ção vertical como incluindo: “todas as maneiras possíveis de harmonizar, de forma vertical, os estádios desde a produção até a comercialização”. A coordenação vertical inclui um sistema de preços e outros mecanismos (como contratos, por exemplo), que dirigem todo o investimento de recursos na cadeia. A coordenação vertical não era necessária quando as cadeias que exploravam os cultivos hortícolas eram sistemas econômicos muito simples que consistiam na produção e na disponibilização imediata dos produtos em mercados locais. Ela tornouse uma exigência dos tempos, no momento em que se verificou que havia um mercado externo e interno suficientemente atraente para exigir um grau de coordenação vertical muito maior do que do passado. As cadeias se tornaram unidades de decisão complexas, exigindo uma coordenação vertical, quando diversos elos e estádios da produção tiveram de se especializar, e recursos financeiros e insumos intermediários passaram a ser necessários para a produção de cultivos permanentes (fruticultura). Quando se notou a necessidade de coordenação de unidades produtivas dispersas em amplas áreas de grande intensidade de agricultura irrigada, novas funções foram necessárias na cadeia, tais como, por exemplo, a preservação da qualidade do produto e da sua armazenagem a frio. Por último, constatou-se a necessidade de distribuição, a partir de centros de convergência da produção atomizada dos produtores, para centenas de mercados finais, que exigiram uma organização logística muito mais sofisticada do que prevalecia nos mercados locais. Até os anos 70, partia-se do pressuposto de que os preços ou mecanismos de preços se incumbiriam de oferecer os sinais necessários para sincronizar as atividades econômicas ao longo da cadeia. Mas, como mostrou a experiência, por décadas, antes dos anos 80, o sistema de preços revelou-se como um mecanismo pouco satisfatório para organizar as cadeias. Era necessário adicionar outros ingredientes, porquanto o mecanismo de preços só funciona bem com os pressupostos da teoria da concorrência perfeita: atomização de compradores e vendedores; informação perfeita; perfeita mobilidade de recursos e demanda estável nos mercados finais - pressupostos que não ocorriam na prática. 397 Na verdade, existia produção atomizada; empresas embaladoras concentradas, representando oligopólios; baixos níveis de informação entre produtores e a demanda não era estável, porquanto os produtos competiam no mercado com elevado grau de concorrência. Chegou-se à conclusão de que era necessário desenvolver outros mecanismos, não só os de preço, para organizar e coordenar todos os elos da cadeia. Durante décadas, as informações eram bens privados. Apenas as grandes empresas dispunham de recursos para investir em informação. Nesse ponto, o Estado interferiu e criou serviços de informações como bens públicos, como forma de reduzir o custo de os produtores participarem dos mercados altamente competitivos (Henderson, Scharader & Rhodes, 1983). Um passo importante foi tomado no momento em que se verificou a necessidade da garantia de qualidade, uma vez que os produtos hortícolas eram produzidos em quantidades e qualidades variáveis em diversos pontos da áreas de irrigação. Nesse ponto, o Estado interferiu de novo criando os padrões e definindo o que se denominou “granding” e rígidas especificações técnicas para a classificação dos produtos (Jesse & Jonhson, 1981). Antes da criação desse bem público, as empresas embaladoras pagavam preços variáveis, dependendo da avaliação que elas mesmas faziam da qualidade dos produtos. No início dos anos 80, o sistema de classificação dos produtos facilitou a comercialização e a coordenação das cadeias, pois definiu cada tipo de produto, de acordo com as suas características intrínsecas - e essa tarefa foi desempenhada pelo Estado para “organizar” a comercialização. Em suma, o sistema americano mudou de uma forma de organização horizontal, com controle exercido por um pequeno grupo de empresas (principalmente as empresas embaladoras), para um sistema de coordenação vertical de todos os segmentos da cadeia, com divisão de responsabilidades, riscos e lucros. Já na década de 90, a necessidade de coordenação vertical das cadeias aumentou muito, em decorrência dos problemas de previsões imperfeitas, acerca da evolução prospectiva dos 398 mercados e da elevação dos custos de transação (custos decorrentes da administração do sistema de contratos “sofisticados”), que requerem conhecimentos específicos em aspectos de regulamentação e legislação. Outros fatores complicaram as cadeias, no sentido de impor custos adicionais e requerer maior grau de coordenação vertical. Tais foram os casos do encarecimento do custo da água por razões de escassez; as necessidades do cumprimento de legislação de meio ambiente; e assim, sucessivamente. Diante dos novos desafios, as cadeias tiveram de se organizar cada vez mais ao longo do tempo. No passado, um pequeno número de empresas, na etapa de processamento dos produtos, sentiam-se encorajadas a fomentar a rivalidade entre os produtores e a explorar uma massa de irrigantes que não dispunha de informação suficiente. Mas esse sistema de organização revelou-se capaz de gerar lucro de curto prazo, porém incapaz de gerar um horizonte em relação às cadeias no futuro; e as novas formas de relacionamento entre os agentes e segmentos conferiram mais estabilidade e previsibilidade para o funcionamento da cadeia a médio e longo prazos. Pickard (1982) mostrou que, no processo de transformação das cadeias nos EUA e na Europa, o papel mais importante do Estado foi criar mecanismos de transparência nos preços; isto é, coletar e disseminar informações acerca dos preços nas transações e barganhas entre os produtores e as empresas compradoras, com o objetivo fundamental de capacitar todos os participantes da cadeia a perceberem, com elevado grau de exatidão, as mensagens transmitidas pelos preços em termos de necessidades de oferta e de preferência dos consumidores e da demanda. Esse tipo de atuação do Estado foi importante, porquanto facilitou aos setores de produção, às embaladoras e aos consumidores reagirem aos preços, que passaram a refletir, em termos relativos, a abundância e a escassez dos produtos. O Estado desempenhou papel importante no processo de “descobrir” preços e negócios, reduzindo os custos incorridos individualmente pelos produtores e pelas empresas no processo de levantamento dos preços, operação essa bastante dispendiosa para o produtor e o investidor individual. Um exemplo importante 399 desse tipo de avanço foram os chamados “mercados eletrônicos”, com baixos custos de transação e baixos custos de obtenção de informação sobre preço, de resto um avanço ocorrido de forma notável nos anos 90 (Henderson, 1982). Na organização das cadeias nos EUA, os preços, a análise do comportamento dos preços e o sistema de informações de mercado foram considerados bens públicos (Henderson, Schrader & Rhodes, 1983). Sistemas confiáveis de informação de mercado reduzem dois dos custos mais pesados de um negócio: o custo da transação e o custo da informação que, geralmente, aumentam o grau de incerteza em relação aos preços de mercado. Mas levou muito tempo para que o mercado entendesse que “mais informação é melhor do que menos informação” no ambiente competitivo, porquanto, por muito tempo, a informação era “segredo comercial”. Preços transparentes em mercados determinados para produtos classificados permitiram o aparecimento dos contratos denominados de “fórmula de preços” ou contratos com fixação de preços a determinar, de acordo com cotações em mercados transparentes. Esse sistema foi largamente usado nos Estados Unidos. Um outro mecanismo importante foi o de repartição dos riscos entre todos os elos da cadeia. O sistema de contratos desenvolvido para as cadeias de fruticultura dos EUA foi um sistema eficiente de repartir os riscos entre os indivíduos: cada elo abria mão de parte de seu lucro para dividir os riscos do negócio com o elo a montante ou a jusante da sua operação. Todos os elos, individualmente, ganhavam menos, mas assumiam, em contrapartida, menores riscos relativos. O sistema de contratos com negociação (barganha) coletiva ampliou os benefícios da redução dos riscos, pois tornou todos os elos solidários em torno de uma negociação “democrática”, na qual todos participavam do processo coletivo de decisão estratégica acerca do quê, quando, como e onde produzir e para que mercados específicos. Os contratos de negociação coletiva tornaram os elos mais solidários na exploração do negócio da horticultura irrigada (Helmberger &Hoos, 1965). 400 Os contratos coletivos contribuíram para um maior nível de organização e confiabilidade entre compradores e vendedores, punindo os produtores e as empresas embaladoras por desvio de condutas em termos de pagamento do produto por nível de qualidade. O sistema de classificação (grade standards) criou um denominador comum de qualidade que facilitou os contratos de negociação coletiva. O estabelecimento desses padrões foi feito com a participação de todos os interessados, porém com o patrocínio do Estado. Com a fixação de uma hierarquia de padrões, foi possível criar um sistema de prêmios e descontos por variação de qualidade dos produtos negociados. No caso dos produtos hortícolas, os custos de transação revelam-se os mais elevados entre as atividades agropecuárias de um país. Os custos de transações incluem a busca de compradores alternativos, custos associados ao processamento e transporte físico das mercadorias entre mercados alternativos e, sobretudo, riscos associados à incerteza, em relação à venda ou à compra que um segmento da cadeia faz. Os custos de transação se elevam, quando não se trata apenas de descobrir um comprador ou vendedor para o produto hortícola, mas, sobretudo, para descobrir o momento exato, a qualidade, o local de compra ou venda, o custo mínimo de realizar operação física da venda ou da compra, etc. Estas operações envolvem custos elevados. Os investimentos do Estado na redução desses custos, com informação, por exemplo, podem aumentar significativamente a eficiência das cadeias, principalmente quando a produção é atomizada entre os pequenos e médios produtores. Para esse segmento de produtores, os custos de transação se apresentam tão elevados que virtualmente impedem o acesso ao mercados. O pequeno e o médio produtor devem ter acesso livre à informação e aos mercados, do contrário “pagarão o preço que lhes é cobrado pelos insumos intermediários e receberão pelo produto o preço que lhes é pago”, que era o sistema que caracterizava as cadeias no passado mais remoto nos Estados Unidos. O acesso a mercado para esse segmento de produtores é indispensável, no momento em que as suas atividades requerem insumos intermediários caros, tais como: energia elétrica, fertilizantes, insumos de fitossanidade e tecnologia avançada. A atividade de irrigação, que 401 envolve custo elevado de insumos intermediários, é incompatível com a falta de acesso livre à informação e ao mercado, como mostra a literatura (Marion, 1986). Como assinala Marion (1986), a maior razão para preocupação é a falta de acesso ao mercado dentro do sistema em que o “produtor produz e depois vende”. Possivelmente, esse enfoque para coordenação de uma cadeia é um anacronismo. Os seus custos em termos de instabilidade financeira – risco de falência – são muito elevados (Marion, 1986) para os produtores de pequeno e médio porte. O custo da informação atinge toda a cadeia como assinala Marion (1986). O custo de uma informação por unidade de produto vendida pode ser elevado para uma pequena empresa; entretanto, o volume de informação necessário para um dado nível de desempenho pode ser muito elevado para uma empresa de grande porte, que opera com grandes volumes e numa área geográfica muito ampla. O aspecto do bem público da informação de preços e de mercado levou o Estado a desempenhar um papel importante na chamada “geração de inteligência de mercado e de elaboração de relatórios técnicos de análise de preços” (Marion, 1986). Para o negócio da irrigação como um todo, o custo de informação e de transação são dois elementos importantes para garantir o acesso do pequeno produtor ao mercado nacional e das grandes empresas aos mercados nacionais e internacionais, razão pela qual os investimentos foram feitos nos Estados Unidos e no Chile pelo Estado para facilitar os negócios, reduzindo custos de informação e transação. O acesso à informação é necessário para a coordenação e o funcionamento eficiente dos mercados. Sem ela, por mais eficientes que as cadeias possam ser, do ponto de vista de tecnologia como negócio, sua possibilidade de viabilização é reduzida. Em termos de mecanismos de preço, como assinala Marion (1986), “sem um mecanismo de preços, o sistema econômico não pode sobreviver” – e o mecanismo de preços depende virtualmente de informação. 402 Na organização das cadeias nos EUA, o preço não é o único mecanismo de coordenação das cadeias, mas é um instrumento que permite uma solução de mercado para mecanismos complexos de racionamento da oferta de recursos escassos (seja no caso de produtos, de crédito, de fornecimento de água, de insumos intermediários, de eletricidade). Os mecanismos de preços nas atividades hortícolas irrigadas podem ser classificados nos sistemas gerais de leilão (como leilão eletrônico); nos acordos privados, que podem ser tanto individuais ou coletivos e no sistema de fórmula de preços, que utiliza uma cotação transparente de um mercado determinado para regular os contratos entre os segmentos da cadeia. Há diversos tipos de leilões, como o sistema inglês de ofertas em valores crescentes; o sistema holandês (o chamado relógio holandês), com ofertas decrescentes em termos de preço, com uma hora marcada para o fechamento do último negócio; e sistemas de leilão simultâneo, similares ao leilão eletrônico. Há outros sistemas, como oferta de lotes, porém o sistema de leilão recentemente perdeu a importância, à medida que aumentaram as formas de organização e compra e venda por meio de contratos, que é o sistema que prevalece nas cadeias hortícolas da agricultura irrigada nos EUA. O sistema de contratos permitiu um desenvolvimento de mecanismos de coordenação com desdobramentos, por intermédio do sistema de barganha ou negociação de preços e formas avançadas de coordenação denominadas de integração cooperativa, cujo objetivo fundamental é fazer crescer o negócio mantendo a individualidade de cada segmento envolvido. O objetivo da integração cooperativa é fazer, em primeiro lugar, “crescer o negócio como um todo”, depois se instala uma concorrência pela disputa de parcelas no mercado entre os segmentos participantes. Esta é a forma mais avançada de organização das cadeias, que, inclusive, faz parte da literatura sobre os conglomerados competitivos ou pólos de integração de agronegócios. Uma parcela das negociações de produtos hortícolas é feita por meio dos mercados eletrônicos, cuja idéia e funcionamento 403 são intuitivos. Os primeiros esforços para estabelecer um mecanismo de transações por meio de um sistema eletrônico foram introduzidos para vegetais frescos nos EUA em 1948. O Ministério da Agricultura dos EUA (USDA) fomentou esse tipo de sistema de negociação no início do seu desenvolvimento. Antes de analisar o mecanismo mais importante da organização das cadeias dos hortícolas de irrigação nos EUA, convém analisar uma forma de organização da exploração econômica da atividade, que se originou no final dos anos 70 e constituiu a forma mais usada para a organização dos negócios da irrigação e de diversos outros setores da economia. Hulse (1976) identificou uma nova forma de desenvolvimento de organização de negócio nos EUA que se processou em grande escala na área da horticultura irrigada. Essa nova organização eram joint ventures, ou seja, associações de duas ou mais empresas de negócios, de investidores individuais, produtores, forma de ligação de negócios entre sócios, grandes empresas e cooperativas, com o objetivo de financiar um projeto conjunto para uma operação econômica, por meio de uma grande empresa holding, com uma característica muito importante identificada na época: as entidades, os investidores e os participantes mantinham seus ativos pessoais divorciados do ativo total do novo negócio. Havia a co-participação e a co-propriedade de um novo negócio, cujo objetivo fundamental era adotar uma estratégia de negócios e decisões coordenadas, para explorar uma atividade econômica com envolvimento de, pelo menos, uma boa parte dos principais atores e segmentos de uma cadeia. Os participantes desse projeto de financiamento e exploração dividiam, em bases acordadas e fixadas por contratos, todas as despesas, as perdas financeiras, os riscos e, naturalmente, os lucros; mantinham, contudo, a coordenação do negócio como um todo. As primeiras experiências foram feitas, ainda nos anos 70, de grandes empresas com cooperativas. Posteriormente, essas formas de associação e financiamento de grandes projetos passaram a incluir novas formas de associação de capitais, com o objetivo de desenvolver mecanismos mais eficientes de coordenação e de controle financeiro de todas as etapas componentes do negócio. 404 Nas formas existentes hoje, essas associações em torno de negócios incluem desde as empresas de fornecimento de insumos intermediários até as empresas distribuidoras nos mercados de atacado e varejo, formando um grande conglomerado de negócios, em que o holding tem seus ativos próprios e seu projeto de financiamento próprio, independente dos ativos individuais das entidades que o compõem. Essa é a forma mais avançada de financiamento de grandes projetos, adotada hoje em vários setores da economia, inclusive no setor da horticultura irrigada. Essa forma de organização é mais avançada em termos cronológicos que a integração cooperativa, devido ao fato de que a organização de grandes negócios necessita organização de grandes projetos de investimento. A alavancagem financeira de uma integração cooperativa é menor do que o sistema de holding de empresas. Na atualidade, o regime de contratos entre os compradores e vendedores foi substituído por contratos que integram o maior número possível de participantes da cadeia, dentro do financiamento de um grande projeto. Essa nova modalidade de contratos inclui não só as negociações de produtos específicos, mas a negociação de toda a operação tomada em conjunto, sendo, no momento, a forma mais avançada de coordenação vertical das cadeias da horticultura irrigada nos EUA, assim como em muitos outros setores da economia do país. Entretanto, o sistema mais utilizado na organização das cadeias e da exploração da horticultura irrigada nos EUA ainda é o sistema de contratos. Em grande parte, os cultivos anuais só são plantados após a celebração de contratos entre os produtores e os compradores, sob diversas formas de organização entre os fornecedores de produtos e as grandes empresas processadoras. Os contratos são organizados, em termos de cultivos anuais, com base em custo de produção e preços prospectivos sazonais de mercado. No caso dos cultivos permanentes (frutas), os contratos estão organizados de forma predominante, com base nas condições prospectivas de oferta e demanda de mercado no longo prazo, e menos em termos de custo de produção. Uma primeira modalidade de contrato é a denominada de barganha cooperativa, que estabelece as condições de compra e 405 venda, quando existe um grande número de produtores e um reduzido número de empresas processadoras, que também dependem dos seus fornecedores para o funcionamento, o ano todo, das suas plantas industriais. Esses contratos fixam condições em termos de preço, renda, segurança de mercado e completo acesso à informação (Helmberger & Hoos, 1965). O outro sistema de coordenação da cadeia por meio de contratos é uma modalidade de contratação entre as empresas independentes, geralmente produtoras de médio e grande porte, com grandes empresas embaladoras. As partes essenciais dos contratos são o compromisso de entrega e de recebimento de produtos hortícolas, em períodos escalonados de tempo. Os contratos são celebrados em termos de especificações de mercado, ou seja, quantidades, data da entrega, qualidade, local da entrega futura. Os preços podem ser fixados no momento da assinatura do contrato (menos freqüente), em consignação ou com preços a fixar. Essas duas últimas são as formas mais freqüentes. Prevalece, portanto, a segurança da compra como um fator mais importante para a garantia do produtor. A cláusula mais importante do contrato é a qualidade do produto. O risco de preço geralmente é repartido entre ambas as partes contratantes e não é assumido inteiramente por uma delas. Em geral, os produtores assumem os riscos tecnológicos e de produção, e as empresas processadoras assumem os riscos de mercado. Em alguns casos especiais existe, na exploração da horticultura, o sistema de contratos, conhecido como toll basis, segundo o qual as empresas processadoras são, em larga medida, apenas prestadoras de serviço (muito comum nos Estados Unidos). Nesse caso, os produtores assumem os riscos de produção, de mercados e de preços. Os produtores são empresários do negócio. No caso do processamento de hortaliças e verduras, os contratos não são de prestação de serviços, mas, sim, de garantia de fornecimento de matéria-prima para processamento, durante o ano todo, de uma grande planta industrial de congelados, conservas e produtos similares (Judge et al., 1983). 406 Devido à alta eficiência da tecnologia de produção na horticultura, é muito difícil para um produtor individual operar sem alguma forma de garantia de contrato. Sem a existência do contrato, o irrigante produtor assume os riscos de produção, de tecnologia, de preços de mercado e distribuição, caso ele não encontre um comprador e se veja forçado a transportar seus produtos para os mercados terminais, com comercialização direta. No caso dos pequenos produtores, é muito difícil atingir a eficiência produtiva sem um contrato do tipo de barganha coletiva ou negociação coletiva. Entretanto, as grandes empresas processadoras desenvolvem formas avançadas de contratação de produção coletiva e negociações de contratos antes da definição de plantios. 4.10.5 - Mecanismos de recuperação de investimentos nos Estados Unidos Na Califórnia, o sistema de recuperação de custos mudou do Projeto do Vale Central, desenvolvido no início do século, para o sistema no novo projeto, denominado Projeto Estadual de Água, aprovado em 1960. Enquanto a recuperação de custos, no projeto anterior, previa o pagamento apenas do principal, por parte dos beneficiários dos projetos de irrigação, o novo projeto, a partir de 1960, determinou que os usuários irrigantes pagassem todos os custos do projeto (com poucas exceções), inclusive o custo dos juros, que permitiu maior recuperação de custos a partir da década dos anos 60 (Hart, 1998). A escassez de água em um Estado que cultiva quase 4 milhões de hectares em agricultura irrigada levou a um severo questionamento acerca da possibilidade de os projetos serem subsidiados pelo Estado. Essa controvérsia gerou conflitos, porquanto a agricultura irrigada em larga escala contribuiu para reduzir a disponibilidade da água, acarretou a contaminação dos solos, ameaçando, também, espécies aquáticas; além, naturalmente, de ter ampliado a escassez de água. A mudança da forma de recuperação de custos decorreu, portanto, da escassez de água e do debate em torno de grandes projetos públicos subsidiados, que geravam benefícios privados. Esta foi a razão para a mudança de orientação de um sistema para o outro, do início do século para os anos 60, 407 enfatizando a recuperação integral dos custos, antes de outras medidas destinadas a racionar a água e a preservar o meio ambiente. Existem hoje na Califórnia cerca de 3.700 empresas públicas e privadas que fornecem água para a irrigação e para consumo urbano, com recuperação integral dos custos. O sistema de associação dos irrigantes é feito por meio de cooperativas e empresas de desenvolvimento de projetos de irrigação que, inteiramente privadas, financiam e constroem os projetos no Vale do San Joaquim, no sul da Califórnia. O Estado apenas controla e regulamenta o uso da água. Cabe, porém, ao setor privado o desenvolvimento dos projetos. Os distritos de irrigação foram privatizados e, atualmente, fornecem água aos produtores por meio de seus próprios canais de transporte de água e armazenamento, comprando-a das agências federal e estaduais. Graças aos investimentos em pesquisa de novas variedades com elevados níveis de resposta à fertilização, períodos de cultivos mais curtos, sistemas de múltiplos cultivos, desenvolvimento de variedades resistentes a pragas e doenças e características de amadurecimento dos produtos, dentro de melhores padrões de mercado, a Califórnia hoje irriga 3,65 milhões de hectares. Gera, anualmente, uma receita de 25 bilhões de dólares, além de produzir a jusante da cadeia, uma receita de 75 bilhões de dólares para o Estado, com grande reflexo na indústria de equipamentos de irrigação, nos agentes financeiros, produtores de fertilizantes e defensivos e nos serviços de transporte. A Califórnia produz 250 tipos de cultivos e produtos da pecuária. Hart (1998) enfatiza que todo financiamento da irrigação é privado. De uma forma consistente com a necessidade de sobrevivência financeira, os produtores utilizam os bens públicos oferecidos pelo Estado como pesquisa para decidir sobre o uso eficiente da água, já que eles pagarão o seu custo, e qual o melhor método de irrigação a ser utilizado, a partir das condições de clima e solo, das condições de mercado e variedades a serem plantadas. O produtor tem de tomar uma decisão, como em qualquer negócio, em relação à prática de irrigação, a partir de informações detalhadas sobre a propriedade de solos, sobre custos de capital de operação e de manutenção, usando as suas habilidades empresa408 riais, economizando água e energia, para atingir elevados níveis de rendimento e qualidade. O princípio de que a água é escassa e cara leva os produtores a instalar sistemas de ligar e desligar suas bombas livremente. O sistema de preços raciona a utilização da água. Na Califórnia, cerca de 70 a 80% da receita dos distritos de irrigação provém da recuperação dos custos da água. O restante provém de impostos sobre a propriedade. O custo da água varia não só em relação à quantidade, mas também ao tipo de cultivo irrigado. A recuperação de custos de transporte de água, operação e manutenção e de energia é integral. Uma avaliação prospectiva indica que, no futuro, 153 mil hectares deixarão de ser cultivados no sistema irrigado, devido ao custo da água e, principalmente, ao desenvolvimento de nova tecnologia poupadora de água na região irrigada da Califórnia. A experiência americana mostra que a escassez de água é uma questão a ser levada em conta desde o início do planejamento do projeto. 4.10.6 - Formas de financiamento nos Estados Unidos Em termos de formas de financiamento da irrigação na Califórnia, Hart (1998) indica que, apenas no início do século, o Estado participou no desenvolvimento de obras e distribuição de água. O Estado realizou investimentos em transporte e facilidades logísticas para a comercialização dos produtos e para a produção. Entretanto, o financiamento é feito pelos bancos privados, diretamente aos produtores, para o desenvolvimento da irrigação (onfarm), além de financiamento privado para sistemas de drenagem, máquinas, bombas, poços. Os bancos privados desempenham papel fundamental de financiar os produtores. O Estado da Califórnia financia hoje as empresas distribuidoras de água a juros reduzidos, porém com recuperação integral de custos. O Estado realiza estudos para oferecer assistência técnica e financeira destinada à melhor utilização da água. Os recursos são canalizados à pesquisa sobre o uso da água, à educação e programas de educação e treinamento aos produtores, aos gestores dos distritos de irrigação e para disseminar técnicas 409 de operação e manutenção. Além disso, são oferecidos estudos sobre evapotranspiração e utilização de água nos cultivos. 4.11 - O Caso da África do Sul 4.11.1 - Quadro geral A África do Sul localiza-se abaixo do Trópico de Capricórnio, entre as latitudes 23º 30’ e 34º30’ e longitudes 17º e 32ºE. Seu território (1,223 milhões de km2) representa 4% e sua população (41,5 milhões em 1995), 6% do continente africano. Conta com 3.000 km de costa, no oceano Índico e é banhado também pelo Atlântico Sul, a noroeste. Conta com seis portos principais. Durban é o terceiro maior porto da África. Limita-se com Botswana e Zimbábue, ao Norte, e Moçambique e Swaziland, a Noroeste. Lesotho - com 30.344 km2 e 1,8 milhão de habitantes e 3.000 ha irrigados, em 1990, forma um enclave dentro da República da África do Sul. O país, até 1994, era dividido em quatro províncias: Cabo da Boa Esperança, Natal, Transvaal e Estado livre de Orange. Hoje, são nove. A capital é a cidade do Cabo. Em 1990, sua área irrigada era de 1,290 milhões de hectares e sua população, de 37,1 milhões de habitantes; portanto, com um índice área irrigada por habitante de 0,035, contra 0,018 do Brasil e 0,046 da média mundial. Em 1998, seu PIB foi de US$ 133,461 milhões e sua população de 41,4 milhões de habitantes, Nesse ano, a participação da área irrigada sobre a área cultivável total do país foi de apenas 7,8%, contra 8,5 %, em 1980. No conjunto dos países africanos, a África do Sul é o país mais rico e altamente desenvolvido, com um PNB per capita de US$ 3.010. Cerca de 11% da população dedica-se à agricultura. Suas fabulosas reservas naturais de ouro (40%) e diamantes (25%), além de vários outros minerais, com 88% do grupo de metais de platina, 83% de manganês, 72% de cromo, 45% de vanádio, além de vastos recursos de carvão mineral, tornaram o país a maior reserva minerária do mundo. A mineração responde por 1/3 do seu PIB e é a atividade econômica principal do país. São também famosas suas reservas biológicas, com parques naturais e fauna exuberantes (National..., 1998). A economia sul-africana é a 29ª do mundo, igualando-se à da Argentina, em 1998. 410 Desde as primeiras eleições democráticas, em abril de 1994, a África do Sul tem-se libertado rapidamente do isolamento político e econômico do resto do mundo e é, hoje, o maior participante econômico do continente africano, com 18% do PIB continental (US$ 134 bilhões, em 1996), dos quais 25% provenientes do setor industrial e 50% do setor terciário. Sua pauta de exportações é liderada por ferro, aço, papel e celulose, produtos químicos e alimentícios, os quais representam 35% das exportações. A África do Sul é um importante exportador de produtos agrícolas, especialmente de milho, açúcar, frutas e hortaliças. Mas, como toda a África, enfrenta expressivas variações nos níveis de produção agrícola, devido à seca periódica. Suas importações consistem, principalmente, de máquinas e equipamentos, autopeças, petróleo, vestuário e produtos têxteis. Fisiografia e Clima Topograficamente, a África do Sul pode ser dividida em quatro zonas: o planalto, as escarpas, as montanhas e as planícies costeiras. O planalto apresenta elevada produção agrícola e é interrompido, aqui e acolá, por pequenas elevações montanhosas. A maior parte do país compreende um platô inclinado, de cerca de 1.000 m de altitude. A porção meridional inclina-se para Oeste e do Norte para Leste. A planície costeira varia em toda sua extensão: ela inexiste ao Sul, mas se estende na direção do Atlântico e do oceano Índico. Seckler et al. (1998), empregando o indicador geral de escassez de água para países, do IWMI, classificaram a África do Sul no Grupo 1, composto de países que apresentam relativa escassez de água, segundo os dois critérios75. Esses 17 países76, que detinham, em 1990, 8% da população dos 118 países estudados, localizam-se, na maioria, no oeste da Ásia e norte da África (exceto a África do Sul). 75 Estes dois critérios são: (i) o percentual projetado de incremento na captação de água, no período de 1990 a 2005; e (ii) a captação de água, em 2005, como percentagem dos recursos anuais de água do país, > 50 (Seckler et al., 1998). 76 Os dezessete países integrantes do Grupo 1 são: Líbia, Arábia Saudita, União dos Emirados Árabes, Kuwait, Oman, Jordânia, Yiemen, Israel, Afeganistão, Egito, Tunísia, Iraque, Cingapura, Irâ, Síria, Paquistão e África do Sul. 411 Para os países deste grupo, a escassez de água será o maior constrangimento à produção de alimentos, condições de saúde e qualidade ambiental. Muitos terão de desviar água da irrigação para suprir suas necessidades doméstica e industrial, e necessitarão importar mais alimentos, no horizonte de até 2025 (Seckler et al., 1998). As precipitações pluviométricas são, ali, fortemente sazonais e a orografia governa sua distribuição espacial. A precipitação pluviométrica divide o país em três grandes regiões: a região de chuvas de inverno, a sudoeste da cidade do Cabo; uma área com chuvas durante todo o ano, ao longo da costa Sul, e uma região de chuvas de verão, no restante do país. A precipitação média é de 475 mm anuais. Entretanto, é de apenas 125 mm/ ano nas escarpas da região Leste; 55 mm anuais na costa Oeste, enquanto nas montanhas de Drakenbery ela alcança níveis tais como 1.250 mm. Somente 10% da área total do país recebem mais de 750 mm de precipitação anual. As áreas com baixas precipitações apresentam alta variabilidade, mas nas regiões com elevadas precipitações elas são menos variáveis. No verão (outubro a março) ocorrem 80% das precipitações em cerca de ¾do país. Metade da África do Sul é semi-árida. No verão, a temperatura média varia de 20 a 25º C, enquanto no inverno ela é geralmente amena, mas baixa à noite, muitas vezes abaixo de 4º C. Condições de trópico úmido e subtropicais ocorrem na costa Leste e de seca e desértica, na costa Oeste. Agricultura A agricultura foi introduzida no Sul do país pelos povos de língua banto, originários da Nigéria / Cameroon, no oeste da África, há cerca de 2.000 anos. Os primeiros cultivos de sorgo e milho foram utilizados à época na produção de fubá e cerveja. As pastagens eram pastoreadas em comum e as fontes de água eram controladas pelos diversos clãs. Durante o século XIX e no princípio do século XX, a agricultura sul-africana presenciou o início da irrigação de pastagens em larga escala. A inovação tecnológica mais significante foi a introdução do arado de aiveca, que possibilitou ampliar a área cultivada. 412 A revolução mineral (1870 e 1880) teve um impacto duplo sobre os agricultores africanos. De um lado, abriu novas oportunidades, como a produção de cana-de-açúcar, em Natal. Mas também incrementou a pressão sobre os agricultores africanos: a emergência de uma classe de agricultores negros, orientados para o mercado, alarmou os povos brancos. É desse período a emergência de uma série de normas legais para tornar mais difícil aos nativos manterem sua independência e confinando-os em áreas limitadas, o que levou à superpopulação e à sobreexploração das terras, resultando em pobreza rural. Poucos agricultores africanos conseguiam sobreviver no campo. Em 1995, somente 15% da área total do país eram cultiváveis, dos quais apenas 22% apresentam alto potencial arável. Aproximadamente 1,270 milhões de hectares estão sob irrigação. A água é o fator mais limitante da produção agrícola sul-africana: mais de 50% dela é utilizada na agricultura. A agricultura sul-africana contribuía com 3,6% do PIB, empregando 9,8% da população economicamente ativa, naquele ano. Somando-se a silvicultura e a pesca, esta contribuição sobe para 6,1%. A bacia hidrográfica do rio Transvaal, com suas planícies cobertas de pastagens e espécies arbóreas, cultiva também frutas cítricas e outras espécies frutíferas, milho e fumo. Na faixa costeira são cultivadas frutas cítricas, hortaliças e cana-de-açúcar. A região montanhosa do Cabo cultiva videira e outras frutíferas, bem como trigo. O país tem 81,3 milhões de hectares cobertos permanentemente com pastos e mais de 8,2 milhões de hectares cobertos com florestas. Os solos com maior potencial são os chermozems escuros e praivic solos. As condições desérticas do Oeste resultam em solos castanho-acinzentados e solos cinzentos do deserto, onde a ausência de mistura de solos constitui uma limitação, mas, com a irrigação, eles podem tornar-se produtivos. É escassa a disponibilidade de informações sobre a produção e comercialização de frutas na África do Sul (um dispositivo 413 constitucional protege a divulgação de informações consideradas estratégicas, entre elas, as relacionadas à produção interna). Dados da FAO indicam que, em 1995, o país foi responsável por 9% das exportações mundiais de laranjas e pêra. Na TABELA 3 abaixo estão relacionada’ as principais frutas produzidas na África do Sul em 1998, a área cultivada e a produção anual. TABELA 3 PRODUÇÃO DE FRUTAS – ÁFRICA DO SUL – 1998 África do Sul Frutas - Exceto melão - Total Uva Laranja Maçã Pêra Pêssego e nectarina Banana Abacaxi Toranja e pomelo Limão e lima ácida Tangerina Albaricoque Outras frutas frescas Abacate Cirigüela Manga Mamão Amora Figo Cereja Variáveis Superfície Produção (t) cultivada (ha) 275.096 4.257.506 111.277 1.322.741 4.536 992.804 22.000 576.264 12.000 251.975 24.000 240.176 15.000 200.000 6.000 140.000 4.900 125.000 4.100 88.000 3.600 70.000 5.800 65.000 5.600 55.000 6.000 43.000 4.600 35.157 2.800 25.000 2.300 21.000 650 3.500 600 1.300 180 800 FONTE: FAO, 1999. Desenvolvimento recente do setor agrícola sul-africano Em 1994, o país foi subdividido em 9 províncias, cada qual com o seu próprio departamento de agricultura. A medida mais importante foi a desregulamentação do setor de comércio, para colocá-lo em sintonia com a democratização social e econômica do país, após o apartheid, e com as tendências internacionais de 414 desrregulação. Durante esse processo de transformação, grande ênfase foi dada ao desenvolvimento da agricultura de pequena escala. Significante progresso tem sido feito na reforma agrária, acesso ao crédito e oportunidades de mercado. Mas, vários problemas permanecem, tais como: a escassez de fontes de água, a desertificação, a erosão, a elevação no preço dos insumos, a insegurança pessoal e o crescimento populacional. As variadas condições de clima e topografia, favoráveis ao cultivo de toda espécie, permitem ao país ser auto-suficiente na maioria dos cultivos a que se dedique, exceto em trigo, oleaginosas, arroz, chá e café. Seus principais produtos agrícolas são: milho, com maior área plantada e produção de 3,1 milhões de toneladas anuais, seguido pelo trigo (2, 3 milhões de toneladas) e, em menor escala, da cana-de-açúcar (18 milhões de toneladas), batata, fumo, frutas (incluindo a uva, que supre uma vinicultura em crescimento) e girassol (0,5 milhão de toneladas) , no ano agrícola 95/96. A África do Sul é bem conhecida pela alta qualidade de suas frutas. Durante 1996, foram produzidas 1,2 milhão de toneladas de frutas de clima temperado, sendo 40% exportados; 50% das frutas cítricas são também exportados. A África do Sul exporta hortaliças, frutas de clima subtropical, vinho, flores cortadas e bulbosas, além de milho (principal produto agrícola exportado), lã (o segundo produto agrícola de exportação, colocando o país como 10º exportador mundial, com um rebanho de 27 milhões de ovelhas) e açúcar. Irrigação A área irrigada cresceu 1,03% ao ano, de 1979 a 1990, passando de 1.100.000 hectares para 1.290.000 hectares. Cerca de 65% da área irrigada o são com água subterrânea (Country Profile)77. 77 Disponível na Internet em: http:www.ilri.nl/icid/country.html. 415 4.11.2 - Evolução dos marcos institucional e legal da irrigação na África do Sul Componentes-chave diferenciadores dos marcos jurídico e regulatório da África do Sul Em 1875 foi criada uma Divisão Hidráulica, para planejar o uso da água na África do Sul. Mas uma abordagem sistemática, relativamente ao aproveitamento da água, só emergiu em 1900. A irrigação, como uma prática individual, tem longa trajetória no país. Entretanto, a construção de infra-estruturas de maior porte e de uso comum na irrigação foi iniciada na última metade do século XIX. Em 1914 foi editada a primeira lei, relacionada com o aproveitamento de recursos hídricos na irrigação. (Act nº 32, de 1914, relativo ao esquema de irrigação de Hartebeestpoort, no rio Crocodilo). Os projetos sul-africanos mais importantes incluem uma barragem próxima a Warrenton, a represa do lago Mentz, o Projeto de Grass Ridge, a represa do lago Arthur e a de Van Reynolds. Novas obras incluem as represas de Ruigte, Van-der-Kloaf e Stork-fortein. O Departamento dos Negócios de Água administra a aplicação do Water Act (Lei de Águas do país), desde 1956. Conselhos de irrigação têm sido estabelecidos para construir e gerenciar projetos de irrigação para grupos de agricultores, segundo diretrizes do Water Act. A água é agora considerada um recurso natural precioso e os fundos financeiros das atividades são orçados sob critérios comerciais. As tarifas são suficientes para atender aos custos de operação e manutenção dos projetos de irrigação. Um bom suporte em P&D existe para alavancar os negócios da irrigação no país. Semelhantemente ao Brasil, a África do Sul passou a contar, a partir de 1997, com um moderno arcabouço legal para a gestão e uso sustentados de seus recursos hídricos. A Constituição da República da África do Sul, de 1996, já atribuiu ao governo nacional deveres, em cooperação com outras esferas governamentais, para assegurar que seus limitados recursos de água sejam utilizados para promover a qualidade de vida dos sul-africanos. O sétimo dos princípios fundamentais da Lei de 416 Águas descreve os objetivos do governo, no gerenciamento da água desse modo: “buscar otimizar, no longo prazo, benefícios, ambiental, social e economicamente sustentáveis para a sociedade, a partir de seu uso”. Para alcançar tais objetivos, são necessárias monitoração e avaliação sistemáticas. Além disso, a alocação de água, para quaisquer usos, será feita levando em consideração circunstâncias específicas, nas diferentes regiões do país. Isto será feito levando em conta, primeiramente, as prioridades superiores do governo, de modo a “assegurar-se que todas as pessoas tenham acesso a água suficiente e, em segundo lugar, a proteção dos ecossistemas que guardam nossos recursos de água”. Estas determinações requerem que todos os usos dos recursos de água devem, eventualmente, ser licenciados e registrados. Quanto à proteção dos recursos de água, lançou-se mão de uma abordagem que se baseia em medidas diretas desses recursos (com foco nos recursos hídricos per se, de modo a tornar claros objetivos de alcance de um desejado nível de proteção para cada recurso de água) e em medidas diretas das fontes de impactos (com foco nas fontes pontuais e difusas, portanto, dirigidas para o gerenciamento e controle da geração de perdas do recurso). Assim, em conformidade com o White Paper, integrante da política de água para a África do Sul, datado de abril de 1997, os recursos de água do país devem ser usados dentro de sua capacidade de recuperação. Isto por que se esses recursos são sobreutilizados, visando benefícios de curto prazo, ou se são degradados, devido a impactos de resíduos e uso inadequado do solo, eles podem perder sua capacidade para sustentar sua utilização no longo prazo. Por isso, o uso dos recursos de água deve ser balanceado com a sua proteção, o que inclui benefícios sociais e econômicos, bem como a determinação de objetivos ambientais. Isto deve envolver todos aqueles afetados, ou seus representantes, na avaliação de todas as opções, com base em informações adequadas. 417 Na atual legislação sul-africana de recursos hídricos, tal como em muitas outras, o uso da água compreende não só sua captação e reservação de água superficial, mas também o transporte e tratamento de dejetos, a captação de água subterrânea , a alteração do curso de corpos dágua, a criação de oportunidades para lazer e ecoturismo, atividades que reduzam a disponibilidade de água nos cursos dágua e a conservação da biodiversidade, através da manutenção de habitats. O “Water Services Act”, 1997 - nº 108/97, de 27/11/1997 Proporcionar direitos de acesso ao abastecimento e saneamento básicos; estabelecer um conjunto de padrões e de normas para o uso da água no país, assim como para tarifação dos serviços a ele relacionados; providenciar o planejamento dos recursos de água; prover uma estrutura regulatória, das instituições e da prestação, direta ou por concessão, de serviços relacionados à água e seus diversos usos; providenciar a criação e extinção de conselhos e de comitês de recursos hídricos e estabelecer seus direitos e deveres; prover monitoração dos serviços de água e a intervenção, através do Ministro dos Negócios de Água e Floresta ou de Autoridade Provincial; prover assistência financeira às instituições do setor; investir o Ministro de certos poderes gerais; prover a produção e disseminação de informações, através de um sistema nacional de informações sobre recursos hídricos; promover a accountability dos provedores de serviços de água; e a promoção do gerenciamento e conservação efetivos dos recursos hídricos - são os objetivos da primeira Lei de Águas da África do Sul, sancionada pós-reforma constitucional. Eles se confundem com os constantes da mais recente Lei de Recursos Hídricos do Brasil (nº 9.433/97) (Jones, 1997). O “National Water Act”, 1998 Em 20 de agosto de 1998, é sancionada uma nova legislação de recursos hídricos na África do Sul, o Act nº 36/98, que cria o arcabouço legal para implementação da Política Nacional de Água e promove uma reforma fundamental na legislação relativa aos recursos de água; revoga determinadas leis e matérias correlatas, editadas desde 1914, alcançando até mesmo o Act nº 58 / 97, que emendou o Act nº 108/97, supramencionado (Jones, 1997). 418 Ainda muito mais detalhado (17 capítulos, 164 artigos e 7 apêndices) que o Act 108/97 (12 capítulos, 85 artigos e 2 apêndices), ela determina que o governo central, atuando através do Ministério dos Negócios de Água e Floresta, deve assegurar que a água seja protegida, usada, desenvolvida, conservada, gerida e controlada, de forma sustentável e com equidade, para o benefício de todas as pessoas (assegurando alguma coisa para todos, em qualquer lugar, a qualquer tempo) (Jones, 1997). As estratégias previstas para a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos na África do Sul guardam estreita semelhança com as contidas na Lei 9.433/97 do Brasil, razão pela qual não serão comentadas aqui. Segundo Douglas J. Merrey, atual diretor geral do International Water Managment Institute (IWMI), “a África do Sul é muito interessante e alguns dos princípios, que eles vêm observando na gestão e uso da água, são de aplicação universal, ressalvadas as peculiaridades daquele país”78. Como tal, o conhecimento de sua experiência recente pode contribuir para as ações em curso no Brasil, relativamente à regulação da gestão e desenvolvimento sustentados do setor de recursos hídricos, em geral, e do subsetor de irrigação, em particular, ambas ora em tramitação no Congresso Nacional. Por isso entende-se que o Act nº 36/98, mencionado, deva ser considerado, entre outros, não só na discussão do Projeto de Lei 229/95, ora em tramitação no Senado Federal, mas também na regulamentação da legislação que emergir do Legislativo e no desenho do Novo Modelo de Irrigação. A participação do setor privado no financiamento de projetos de recursos hídricos na África do Sul A atual legislação sul-africana, diferentemente da Lei de Irrigação brasileira em vigor, prevê a transferência de infraestruturas de recursos hídricos, adquiridas ou construídas pelo setor público, para o setor privado. 78 Comunicação pessoal de 13 de dezembro de 1999. 419 Com efeito, no Capítulo 11, do ACT 38/98, que trata das infra-estruturas físicas, voltadas para recursos hídricos, de propriedade do setor público (Government Waterworks), é dado poder ao Ministério dos Negócios da Água e Florestas para “adquirir, construir, alterar, recuperar, operar ou controlar tais infra-estruturas” (grifo nosso) (Jones, 1997). Mas também o gestor público, “pode transferir, vender ou lançar mão de qualquer outra forma de disponibilização de qualquer desses ativos públicos, para qualquer pessoa” (grifo nosso) (Jones, 1997). (Cf. Art. 115, §1º ), ... “desde que seu preço não exceda a um valor, especificado no devido tempo, pelo Ministro, de comum acordo com o Ministro das Finanças ” (grifo nosso) (Jones, 1997). Ademais, está estabelecido, no seu art. 114, que “Esta Lei também se aplica às infra-estruturas hídricas, de propriedade do poder público e construídas anteriormente a sua vigência.” (grifo nosso) (Jones, 1997). Marco Institucional A nova ordem constitucional sul-africana, de 1996, e o recém-criado arcabouço legal de recursos hídricos (1997 e 1998) desse país adotam o conceito amplo de gestão de recursos hídricos, incluindo, pois, a proteção, o uso, desenvolvimento, a conservação, gestão e controle dos recursos de água. Assim, na atualidade sul-africana, vários processos estão em curso para reestruturar e transformar a infra-estrutura institucional deste setor. Entre outros, o conceito de governo cooperativo, estabelecido constitucionalmente (DOUG, 1998). Arcabouço institucional para gestão dos recursos hídricos − Estrutura governamental O governo, nos termos da Constituição da República de 1996 (ACT nº 108/96), é constituído das esferas (níveis) nacional, provincial e local de governo. Elas são distintivas (peculiares), interdepartamentais e interrelacionadas. Contidos em cada nível estão os diferentes órgãos de Estado, que são departamentos governamentais (no nível nacional), departamentos e administra420 ção provinciais (no nível provincial) e municipalidades (como coletivo), no nível local. Também se incluem, como órgãos de Estado, instituições que exercem poder ou executam funções, nos termos da constituição, como, por exemplo, a Comissão para a Eqüidade Geral, ou exercendo poder público ou executando funções públicas, segundo legislação ordinária, tais como as agências de captação de águas e os conselhos de água. Um órgão do Estado não inclui uma Corte. − Os papéis de cada esfera de governo A Constituição define os papéis e responsabilidades de cada esfera de governo, obrigando cada uma delas a cooperar com as demais. Entretanto, numa perspectiva de gestão de recursos hídricos, esses papéis carecem de revisão (tal como ocorre hoje, no Brasil, quanto à titularidade da água, para fins de saneamento básico). − Governo Nacional O papel do governo nacional é, primeiramente, formular e estabelecer a estratégia de desenvolvimento econômico e social da nação. Ele deve assegurar que o governo opere dentro de uma estrutura apta e que esteja organizada e capacitada para promover o desenvolvimento. Assim, ele deve cuidar: - da formulação de políticas, estratégias e legislação; - da coordenação de políticas, estratégias, programas e atividades de todos os órgãos do estado, dentro das três esferas de governo; - do fortalecimento das políticas, estratégias, legislação, práticas e procedimentos; - da disseminação de informações; - de tomar parte em programas, práticas e procedimentos de suporte ou apoio; - da monitoração, auditagem e revisão da implementação de políticas, estratégias, programas, práticas e procedimentos; 421 - da construção de competências. − Governo Provincial O papel do governo provincial é, entre outros: - a implementação do arcabouço estratégico geral, do governo nacional, para o desenvolvimento econômico e social, dentro de suas províncias; - formular e estabelecer a estratégia de desenvolvimento econômico e social para suas províncias, nos assuntos de sua competência; e - coordenar e assistir as municipalidades para exercerem suas funções. − Governo Local É responsável por assegurar a provisão de serviços essenciais às comunidades, de forma sustentável. Cada esfera de governo possui uma autoridade legislativa e outra executiva. Apesar disso, o desenvolvimento de abordagens de âmbito nacional é possível, desde que, entre outras, haja a necessária uniformidade nacional: para proteger o meio ambiente, para manter padrões nacionais e para estabelecer padrões mínimos a serem requeridos na prestação de serviços públicos. − Competências das esferas de governo A Constituição estabelece, para cada esfera de governo, responsabilidades específicas, definindo se determinada competência é exclusiva da esfera nacional, provincial ou local, ou se ela é uma competência concorrente, para os níveis nacional e provincial. − Competências concorrentes Para o caso da gestão dos recursos hídricos, as seguintes matérias são de competência concorrente: Agricultura, administração de calamidades, educação, exclusive a de terceiro grau; meio ambiente, habitação; promoção industrial; conservação da natureza, exclusive parques nacionais e jardins botânicos nacionais; controle da poluição; planejamento e desenvolvimento regional; con422 servação de solos; comercialização; turismo; desenvolvimento urbano e rural; e regulamentação das seguintes questões locais: poluição do ar; regulamento de edificações; planejamento municipal; sistemas de proteção contra cheias e serviços de saneamento básico. Matérias de competência exclusiva do governo provincial: - planejamento provincial; - recreação e lazer provincial; - regulação das seguintes questões locais: - cemitérios; - lavanderias; - controle de perturbações públicas; - parques e recreação municipal; - estradas municipais; e - remoção de rejeitos, bota-fora e disposição de resíduos sólidos. Matérias de competência exclusiva da União: - recursos hídricos; - minerais; - negócios de terras; - energia; e - trabalho. - Competências locais: - poluição do ar; - posturas municipais; - planejamento municipal; - controle de enchentes em áreas em edificação; 423 - serviços de saneamento básico, limitados à água potável e disposição de dejetos; - administração de cemitérios; - controle de lavanderias; - controle de perturbações públicas; - parques municipais e recreação; - estradas municipais; e - remoção de resíduos, bota-fora e disposição de resíduos sólidos. Estrutura governamental diretamente relacionada com a gestão, o uso e a conservação de recursos hídricos na África do Sul. De âmbito nacional: a) Departamento de Negócios da Água e Florestas (equivalente a ministério, no Brasil) Exerce funções que envolvem a gestão dos recursos hídricos sul-africanos. Algumas de suas atividades podem também afetar os recursos hídricos. São responsabilidades desse departamento:(i) serviços de água; (ii.) gestão de recursos hídricos; e (ii.) florestamento. Este Departamento tem a seguinte estrutura e respectivas funções: - Diretoria Principal de Planejamento, com as funções de planejar a estratégia de longo prazo na gestão de recursos hídricos; elaborar projetos de oferta ótima de água para a África do Sul e prover serviços. - Diretoria Principal de Regiões, com as funções de coordenar as atividades de escritórios regionais, que são responsáveis pela implementação de serviços e das funções do Departamento relacionadas com a gestão dos recursos hídricos; e exercer o controle financeiro e orçamentário dos programas regionais e da arrecadação pelo uso da água. 424 - Diretoria Principal de Desenvolvimento, com as funções de: ser responsável pela implementação de projetos para o desenvolvimento dos recursos hídricos; e tratar com empresas de engenharia, indústria e público afetado ou envolvido em obras e na implementação de atividades. - Diretoria Principal de Serviços Científicos, com as funções de avaliar a qualidade da água e a saúde ambiental dos recursos hídricos de superfície; prover expertise e avaliação dos recursos de água subterrânea. - Diretoria Principal de Serviços de Água, com as funções de implementar a nova Lei de Serviços de Água (Act nº 108/97); desenvolver políticas e estratégias para o desenvolvimento institucional e social, através de programas de serviços de água; desenvolver a regulação dos serviços de água em ligação com outros departamentos e esferas de governo; desenvolver normas e padrões e a estrutura de tarifação para serviços de água; construir capacidade de apoio aos governos locais, visando a transferência de instrumentos de gestão; dar suporte a operações sustentáveis em saneamento básico; prover orientações para os serviços de água desenvolverem planos e áreas estratégicas; momitorar e avaliar o acesso aos serviços; e dar suporte e promover a implementação de projetos de infra-estrutura para prover serviços básicos de água. b) Departamento de Agricultura Exerce funções que envolvem também a gestão de recursos hídricos. Sua missão é orientar e criar capacidade no uso sustentável dos recursos; na produção, comercialização e na pesquisa em agricultura (através do ARC- ITSC, o Instituto para cultivos tropicais e subtropicais), de modo a maximizar a contribuição do setor agrícola ao crescimento econômico do país, ao desenvolvimento social, à eqüidade, de forma sustentável. Este Departamento está estruturado em três áreas: - Produção Agrícola, Economia e Marketing; Programas, Informação e Administração; e Gestão financeira. 425 - A Área de Produção Agrícola, Economia e Marketing, conta com as seguintes diretorias, relevantes para os recursos hídricos: - Diretoria de Conservação de Recursos e de Controle de Qualidade, que administra os aspetos de engenharia da Lei de Conservação dos Recursos Agrícolas, de 1983, estabelecendo políticas, normas e padrões, relativos a tecnologias que promovam a proteção, estabilização e reabilitação dos solos e da água; disponibilizar serviço de perfuração de poços para promover o desenvolvimento de fontes de água subterrânea e prover água para dessedentação de animais. Isto assegura terras de pastoreio, que são críticas para assegurar sustentabilidade dessa atividade; planejar, desenhar e construir obras de conservação dos solos, de modo a proteger, estabilizar e reabilitar terras degradadas, onde tais medidas atendam ao interesse nacional. Além dessas atividades, ligadas diretamente à conservação dos recursos de água, solo e flora, que são de importância vital para todos os sul-africanos, nas áreas urbanas e rurais, pois asseguram continuidade da produção agrícola e a segurança alimentar do país, essa diretoria envolve-se também com o controle e qualidade de plantas, promovendo a propagação de material genético de boa qualidade, o controle de determinadas pragas e doenças de plantas; na padronização da qualidade de vários produtos agrícolas, inclusive na elaboração de legislação pertinente. No âmbito da produção de insumos para agricultura, essa diretoria é responsável pelo registro de fertilizantes, rações e medicamentos veterinários, material de reprodução animal e importação de material genético, vegetal e animal. A Área de Programas, Informação e Administração facilita e coordena programas multidisciplinares para ampliar o acesso à agricultura. Ela é também responsável pela implementação e avaliação desses programas, relacionados, entre outros, com o fortalecimento do setor agrícola, agroindústrias, redução de agrovulnerabilidades, avaliação da segurança alimentar e gerenciamento de sistemas de prevenção de calamidades. Estudos são patrocinados 426 para determinar a viabilidade econômica do agronegócio, sua performance comercial e a disponibilização de fundos para o financiamento da atividade agrícola. c) Departamento de Negócios de Terras Exerce funções relacionadas com a gestão de recursos hídricos. Algumas dessas atividades podem também afetar os recursos hídricos. A missão desse Departamento é criar uma distribuição equânime e justa de terras, de modo a promover o seu uso efetivo, como um recurso inserido num contexto de desenvolvimento rural sustentável, segundo “Master Plan” de Reconstrução e Desenvolvimento Nacionais. O Programa de Reforma Agrária da África do Sul é um programa compreensivo, concebido e orientado pela legalidade, enquanto contribuinte para a reconciliação nacional, o crescimento e o desenvolvimento. Seus três pilares são: - programa de redistribuição de terras, que ajuda comunidades e indivíduos, pobres e marginalizados a ter acesso à terra para viver e/ou cultivar; - programa de restituição, que está concebido para recuperar direitos de propriedade de terra e / ou compensação financeira para pessoas que foram forçadas a migrar de suas terras, depois de 1913, via apartheid ou qualquer outra legislação de caráter racialmente discriminatório; e - reforma da titularidade da terra. d) Departamento de Minerais e Energia Exerce funções que envolvem a gestão de recursos hídricos, desde que tais atividades afetem os recursos hídricos. Por serem as competências relativas à energia e mineração exclusivas do governo nacional, isto requer boa coordenação e suporte mútuo entre as diferentes esferas de governo, principalmente em face da natureza diversa dessas competências. 427 Algumas observações finais relevantes: Relativamente à governança cooperativa, explicitada na nova legislação de recursos hídricos da África do Sul, aqui resenhada, ela se torna de importância crucial, pois se observa que certas áreas, relacionadas com a gestão de recursos hídricos, tais como serviços de provisão de água, meio ambiente, política habitacional, controle de poluição e planejamento regional, são competências das esferas nacional e provincial, enquanto a gestão de calamidades e saneamento básico são competências locais. Se os governos, provincial ou local, exercerem essas competências de forma inadequada, ela pode ter um impacto inaceitável nos recursos hídricos. Muitas vezes, as disposições legais seguintes podem, potencialmente, criar conflitos entre o Departamento de Negócios de Água e Floresta e outros órgãos govenamentais de outras esferas de governo: - a gestão dos recursos hídricos é uma competência exclusiva do governo nacional; - meio ambiente, política habitacional, controle da poluição e planejamento e desenvolvimento regional são competências concorrentes, entre governos nacional e provincial, enquanto o planejamento provincial é de competência exclusiva da esfera provincial; - provisão de serviços, que inclui o saneamento básico, é uma competência local. Concluindo, a questão universal do exercício do poder e as dificuldades de coordenação entre diferentes níveis de governo permeiam também a gestão sustentada dos recursos hídricos, e é comum a muitos países, inclusive o Brasil. Dado o pouco tempo de adoção da nova legislação setorial sul-africana, em que pese sua modernidade e estreita afinidade com a legislação brasileira para o setor, ora em fase de intensa discussão, inclusive no âmbito legislativo, não há como extrair de sua experiência recente recomendações para o caso brasileiro, também incipiente quanto à gestão e usos integrados e sustentados de seus recursos hídricos. 428 Mas é digna de nota a preocupação sul-africana de fazer assinalar, já nos próprios textos legais, dispositivos relacionados ao estabelecimento de medidas de desempenho da atuação do setor público, que possibilitem monitorar e avaliar, a qualquer tempo, o grau de eficiência e eficácia com que atuam e a extensão da efetividade das políticas públicas. Outro dispositivo legal inovador, introduzido na Lei de Serviços de Água (Act nº 108/97, no Capítulo VI, referente aos Conselhos de Água – que têm como atividade primária “provide water services to other water services institutions withing its service area” - é o Plano de Negócios Art. 40, § 1º, que deve ser elaborado antes da cada ano fiscal e para um período de cinco anos. Esse plano de negócios deve conter, no mínimo, informações relacionadas com (§ 2º ) (Jones, 1997): • atividades primárias e específicas a serem empreendidas e as metas de desempenho para cada uma delas; • a tarifa aplicável para cada serviço, o método pelo qual ela foi determinada, o fato gerador ou sua motivação e as receitas esperadas com sua cobrança; • previsão dos dispêndios de capital, para as atividades primárias e as demais, para os próximos cinco anos; e • qualquer outra informação que o Ministro dos Negócios de Águas e Floresta pode estabelecer, de tempos em tempos. Já no § 3º , deste mesmo art. 40, se estabelece que um Conselho de Águas pode, mediante aprovação do ministro, excluir comercialmente as informações mais sensíveis do plano de negócios (Jones, 1997). Tal dispositivo legal talvez ajude a explicar as dificuldades com que o Consórcio se defrontou para buscar informações sobre agricultura irrigada daquele país e sua baixa disponibilidade em relatórios de estudos sobre o tema, realizados na África do Sul. 429 4.12 - Experiência Internacional de Recuperação de Custos e Investimentos em Projetos de Irrigação A experiência internacional recente mostra um esforço, por parte de muitos países, no sentido de adotar a tarifa como um preço importante na recuperação dos custos e no racionamento da água. A tarifa passa a refletir a escassez de recursos financeiros para investimentos, uma vez que passa a se destinar a recuperar o capital investido e passa a ser um importante sinalizador para as políticas de uma alocação mais eficiente e de conservação de um recurso cada vez mais escasso, que é a água. A tarifa, como preço da economia, passa a ter dois sinais específicos. O primeiro é a sinalização da escassez do recurso de capital; o segundo é a escassez do recurso de água. Os países passaram a adotar políticas diferentes do passado, em relação ao preço da água, utilizando como sinal para os irrigantes de que há necessidade de racionamento de capital e água. No passado, os países se preocupavam em recuperar o máximo dos custos de operação e manutenção, deixando de lado a recuperação dos custos do principal dos investimentos. Estes anos foram deixados para trás. Hoje, a política adotada pelos países é de recorrer à totalidade dos custos de operação e manutenção e tentar recuperar o máximo possível os custos de capital dos investimentos iniciais. Esta atitude decorreu de dois fatores. Na medida em que não se recupera o custo do investimento inicial, os investimentos não se viabilizam dentro de uma disciplina fiscal mais rigorosa. A falta da recuperação dos custos de operação e manutenção tornam os projetos de irrigação não auto-sustentáveis do ponto de vista financeiro, no médio e no longo prazos. Diante desse quadro, todos os países fizeram profundas reformas no seu sistema de fixação de preços de tarifas. Um importante ingrediente nas reformas feitas pelos países consistiu na transferência total das responsabilidades de recuperação de custos para os usuários. A transferência das responsabilidades de operação e manutenção para os próprios usuários resolveu, pelo menos em parte, o problema da resistência dos irrigantes contra a 430 cobrança de tarifas “mais realistas” e condizentes com os custos reais de operação e manutenção dos perímetros (Dinar & Subramaniam, 1997). Outras reformas importantes incluem a descentralização da administração dos recursos de água e a concessão de incentivos para o setor privado assumir o papel de realizar investimentos, porquanto a participação do investidor privado garante um nível mais alto de recuperação dos custos dos investimentos e da quase totalidade dos custos de operação e manutenção. O envolvimento do setor privado não foi feito sem incentivos, principalmente naqueles projetos que discriminam os pequenos e médios irrigantes, cuja participação em projetos de irrigação eficientes requer alguma forma de estímulos e de subsídios para a implantação de empreendimentos de maior porte. A maioria dos países realizou reformas em direção a tarifas volumétricas, medição controlada do uso de água, abandono no sistema de tarifas uniformes e fixas ou tarifas de valores mínimos. Um denominador comum das experiências bem-sucedidas foi a introdução do sistema de incentivos dirigidos especificamente para o aumento da eficiência das explorações e do uso da água. Por outras palavras, a concessão de incentivos dependia diretamente da eficiência das explorações e do baixo consumo relativo de água. Portanto, no processo de reforma das tarifas, a seletividade atendeu a critérios não só de porte das explorações, mas também como parte indissociável da política global de reformas, o uso mais eficiente de um recurso cada vez mais escasso: a água. Nos EUA, os irrigantes recebem água de um distrito de irrigação, que recupera os custos de operação e manutenção dos reservatórios e dos canais para uso comum. Os distritos de irrigação compram água de agências estaduais e federais, que desenvolvem grandes projetos de represamento e canais de uso comum. Devido à mudança das políticas de recuperação do custos, principalmente dos custos dos investimentos fixos, os distritos de irrigação passaram a desenvolver projetos próprios, comparando os custos das tarifas cobradas pelas grandes agências públicas 431 com as tarifas que representariam custos dos seus próprios investimentos (Wahl, 1997). Como as agências públicas fornecem água para o consumo urbano e industrial, os irrigantes passaram a competir com esses grupos, com a tarifa refletindo um custo de oportunidade do capital e do uso do fator mais escasso em usos alternativos. Como decorrência desses fatos, os distritos de irrigação passaram a explorar seus próprios recursos, por meio de investimentos para aproveitamento de água do subsolo, de rios e reservatórios para acumulação de água pluvial e soluções mais baratas. Essa mudança de mentalidade só foi possível com a reforma nas tarifas de água, de forma a refletir a escassez de capital e água. O resultado dessa mudança de orientação foram custos de água mais baixos e maior confiança na disponibilização da água. Recentemente passou-se a adotar nos EUA um imposto sobre o valor do estabelecimento do irrigante, como forma de obter receitas adicionais para promover a segurança financeira dos distritos de irrigação. A base para essa tributação era o fato de a disponibilidade de água ser capitalizada por meio de seus benefícios financeiros no preço da terra. Como os fatores de oferta inelástica eram a terra e a água, a valorização do negócio de irrigação capitalizou-se nos preços desses dois fatores. Por uma razão de lógica de finanças públicas, a terra deveria ser também tributada, para que as receitas provenientes dessa tributação permitissem o desenvolvimento dos distritos de irrigação. A experiência americana mostrou que a legislação que outorgou subsídios para o desenvolvimento de sistemas de irrigação, por meio da recuperação apenas do principal, sem o pagamento de juros, resultou na oferta de água a um preço consideravelmente mais baixo do que os custos econômicos e as necessidades de recuperação dos investimentos. Isso induziu a um uso de água não-condizente com a escassez do recurso hídrico. Hoje, a legislação mudou e exige a recuperação total dos custos de investimento, inclusive encargos financeiros. Em grande parte, essa mudança se deveu a um crescimento da consciência 432 de que a concessão dos subsídios, feita com recursos dos contribuintes, capitalizava os beneficiários dos programas públicos de irrigação. Com o crescimento do valor do negócio da irrigação e as elevadas rendas auferidas pelos beneficiários, essa política foi regressiva em relação a padrões de eqüidade dos contribuintes. Por essa razão, a avaliação que se faz do sistema americano é de que, quando a irrigação é privada, é preciso adotar uma política de subsídios cautelosa, em razão da implicação que resulta da concessão do subsídio na transferência de renda dos contribuintes para os beneficiários do sistema de irrigação. A concessão de um sistema de subsídios que é capitalizado no preço da terra indica a necessidade de cautela. Subsídio e exploração privada são dois ingredientes que têm de ser combinados, de forma a evitar a transferência de rendas e capitalização dos benefícios nos preços da terra. Portanto, projetos privados bem-sucedidos ou com potencial de sucesso como agronegócio não necessitam necessariamente de subsídios. Além disso, é possível cobrar alguma forma de tributo sobre a valorização da terra, como forma de viabilizar financeiramente um projeto. O processo de reforma do sistema de cobrança de tarifas não foi desprovido de intensa luta política e de grande resistência por parte dos usuários que, além de poder político, detinham contratos de longo prazo de fornecimento de água. A questão só foi resolvida com a Lei de Melhoria do Projeto do Vale Central, no início dos anos 80. Essa lei elevou as tarifas cobradas nos projetos de irrigação do Vale Central da Califórnia. Essa elevação de tarifas impôs aos distritos uma nova disciplina de avaliação de investimentos e cobrança de tarifas, além de tê-los forçado a buscar investimentos próprios de exploração dos seus recursos de água, principalmente captação pluviométrica e de águas de subsolo. O processo de reforma nos EUA está longe de ser uma reforma completa. Entretanto, a poluição da água, a necessidade de preservação do meio ambiente e a concorrência entre os usuários urbanos e rurais da água impulsionarão as reformas até o ponto 433 em que todos os estados adotem legislação, criando maior responsabilidade financeira para os distritos na realização dos seus investimentos e na recuperação deles por meio de tarifas. No Chile, a promulgação da Lei de Desenvolvimento dos Projetos de Irrigação criou condições para a recuperação dos custos de capital. O custo do capital de investimento seria recuperado por meio de tarifas. Quando os investimentos no projeto estão concluídos, o valor total do investimento tem uma redução decorrente da eliminação dos impostos. Mas os irrigantes pagam os custos proporcionais à utilização dos direitos do uso da água. Esta é uma parte não negociável da lei. O que pode ser negociado é o período de carência de pagamento parcelado dos investimentos. Porém, isso é conduzido em uma base projeto por projeto. A carência máxima permitida para o cálculo das tarifas é de 4 anos. O período máximo de recuperação de custos, também para efeito da tarifa, não pode ultrapassar 25 anos. A recuperação do investimento é feita pela unidade de fomento, que é um valor adotado pelo governo para indexar benefícios públicos, equivalentes a 30 dólares, ou a recuperação se processa pela entrega em espécie (trigo) do produto cultivado no perímetro de irrigação. Os produtores que optarem por pagar em dinheiro a sua parcela de recuperação dos custos de investimento nas tarifas têm um abatimento de 1,5 ponto de percentagem na taxa de juros, em relação aos produtores que optarem por pagar em produto. A taxa de juros utilizada no cálculo da tarifa, em nenhuma hipótese, pode ser inferior à taxa de juros dos títulos da dívida pública do Banco Central chileno. Como essa legislação é muito recente, ainda é prematuro avaliar o desempenho desses projetos de recuperação de custo, tanto mais porque ele depende da capacidade dos órgãos públicos de cobrar as tarifas de água com recuperação total de custos – fato que tem sido constatado na literatura com muito pouco sucesso. No caso do México, a legislação é recente, com a lei de contribuições para melhorias das obras públicas federais de infra- 434 estrutura hidráulica. De acordo com essa lei, os beneficiários têm de pagar 90% dos custos totais do investimento. Os produtores pagam essa recuperação de custos por meio de tarifas de água cobradas semestral ou anualmente, com um período máximo de recuperação dos investimentos de 40 anos. Entretanto, as prestações são reajustadas de acordo com índices de preços ao consumidor. A Comissão Nacional de Água calcula os custos a serem recuperados, mas a lei faculta do presidente a concessão de uma redução do valor a ser pago, dependendo do que se convencionou chamar “habilidade para pagar”. No passado, a Comissão Nacional de Águas fixou, em um regime de transição, a meta inicial de recuperar 30% dos custos de capital dos projetos dentro do grande projeto de irrigação e drenagem. No final dos anos 80, a recuperação de 30% dos custos de investimento representou uma substancial melhoria em relação aos índices verificados no passado, cuja recuperação era virtualmente mínima ou zero. A Comissão Nacional de Água celebrou um compromisso com os produtores de recuperação dos investimentos nos distritos na região Nordeste e Norte do país, em que os beneficiários pagavam entre 15 e 25% dos custos de reabilitação e modernização dos projetos de irrigação. Na nova lei mexicana, os beneficiários passarão a pagar 90% dos custos totais dos investimentos. No Peru, as reformas foram de fundo, mais ainda não se atingiu um ponto de recuperação total dos custos dos investimentos. Em 1990, um decreto presidencial instituiu a tarifa volumétrica com 3 componentes. O primeiro componente é destinado à formação de um fundo da associação de usuários. A destinação desse fundo é financiar as operações e a manutenção, a conservação e a melhoria da infra-estrutura comum de irrigação. O segundo componente denominado “canon de aqua” ou uma taxa de água eqüivale a 10% do primeiro componente. As receitas desse segundo componente se destinavam a um fundo de desenvolvimento agrícola (FONDEAGRO) para projetos especiais de irrigação. O terceiro componente é a amortização dos custos de investimento públicos na irrigação, com um montante, também, de 10% do componente destinado à associação dos usuários. O de435 sempenho desse sistema de recuperação de custos já pode ser imediatamente avaliado ao longo da década. A experiência mostrou que os baixos índices de recuperação de custos resultaram em tarifas relativamente muito baixas e não foi possível alimentar um fundo para assegurar a operação e manutenção dos sistemas de irrigação, assim como a amortização dos investimentos não foi suficiente para garantir o desenvolvimento da irrigação. A solução adotada recentemente pelo governo foi transferir para a associação dos irrigantes a responsabilidade pela cobrança de tarifas mais realistas. Recentemente, a sistemática foi modificada, e os distritos de irrigação e as associações de usuários (junta de usuários) elegeram uma meta de recuperação de 80% dos custos de investimento para efeito de manutenção, reabilitação e modernização dos sistemas existentes. Neste caso, pode-se aplicar a máxima: “o limite da generosidade é a falência do sistema”. No caso mais recente dos projetos de reabilitação no México, ficou claro que era necessário - para completar a obra de recuperação dos perímetros - uma recuperação de 100% dos custos de investimento. A solução, no caso mexicano, para a reabilitação dos perímetros irrigados foi o recurso a bancos comerciais que abriram linhas de crédito para os usuários a taxas de juros de mercado, respaldados por uma linha de crédito do Banco Mundial aberta com esse propósito. Entretanto, o risco de crédito e das operações de financiamento são dos bancos. Para essa nova postura, em relação à recuperação dos custos, foi necessário aprovar uma legislação que transferiu a propriedade da infra-estrutura de irrigação para os usuários. Esta reforma foi necessária para que estes pudessem pagar ao banco os seus empréstimos. No caso da presença de pequenos produtores em projetos com menos de 3 hectares, é possível, por decisão do Distrito de Irrigação, que as tarifas pagas por essa classe de usuários sejam menores do que aquelas recomendadas por uma boa prática de recuperação de custos. Nestes casos, os produtores rurais com áreas maiores dentro de uma mesma associação de usuários da 436 água pagam uma tarifa maior, de forma que se garanta à associação a recuperação completa dos custos de investimento de reabilitação dos perímetros. Subramaniam & Spencer (1997) indicam uma tendência mundial para que, cada vez mais, os beneficiários do sistema de irrigação desempenhem um papel dentro de um quadro associativo de administrar seus próprios sistemas de fornecimento de água e alavanquem recursos para investimentos. A constatação básica é que, em muitos países em desenvolvimento, os recursos orçamentários do governo para operação, manutenção e reabilitação dos sistemas de irrigação estão muito abaixo dos níveis necessários, para sustentar uma oferta de água a médio e longo prazos. As tarifas de água cobradas pelas instituições oficiais são insuficientes para financiar os investimentos necessários. Devido às baixas tarifas de água e, principalmente, ao baixo índice de cobrança do que é devido, em larga medida, também à fraqueza administrativa e à resistência dos usuários em pagar o serviço de água, resultam numa oferta “muito pobre” de serviços de fornecimento de água. Subramaniam & Spencer (1997) constatam que os custos da manutenção de órgãos públicos, principalmente o peso dos gastos com salários, quando somados com os gastos nas obras necessárias, tornam esses órgãos deficitários. Constata-se uma falta de consistência entre o pagamento dos custos decorrente do pagamento das tarifas, a qualidade do serviço e os gastos de operação e manutenção. A constatação de que os sistemas de operação de irrigação não são sustentáveis financeiramente e devido à pressão dos ministérios da fazenda dos países em desenvolvimento, os órgãos públicos de irrigação estão gradualmente devolvendo as responsabilidades de administração, de financiamento e de operação às associações de usuários. O princípio adotado tem sido o chamado user’s pay, isto é, os beneficiários dos projetos de irrigação deveriam pagar os custos reais dos serviços que eles desejam receber. Conseqüentemente, as associações de usuários têm um papel importante de 437 fixar uma plataforma de negociação entre os seus membros, conciliando a qualidade do serviço com o preço, muito mais do que num regime de interveniência de um órgão público, que geralmente tem pouca capacidade administrativa (ou força política) de cobrar tarifas de água; principalmente quando a oferta de serviços é pobre e de baixa qualidade. No passado, as tarifas cobradas se destinavam a um fundo comum. Este sistema era tão mais ineficiente quanto maior o projeto de irrigação e maior o fundo. Menores projetos de irrigação com sistemas automáticos de cobrança e de desligamento do membro são mais eficientes do que aqueles administrados por grandes fundos comuns. Uma complicação adicional em projetos de grande porte, com um grande número de usuários, é a dificuldade de alocação dos recursos oriundos da cobrança das tarifas de água. Subramaniam & Spencer (1997) resumem as principais lições para a adoção de um sistema de tarifa para a recuperação de custos. Em primeiro lugar, a fixação dos níveis das tarifas tem de ser feita em conjunto com a determinação da qualidade e segurança do serviço de suprimento de água. Os orçamentos dos distritos de Irrigação devem ser transparentes em termos de rubricas de custos, especificando os tipos de gastos com pessoal, material, equipamentos, veículos e reservas. Em alguns países, os órgãos públicos gastavam cerca de 50 a 60% do total do orçamento com pessoal. Nos períodos de escassez de recursos e compressão de orçamentos, geralmente os cortes de gastos eram justamente nas rubricas de operação e manutenção, poupando os cortes em pessoal. Em segundo lugar, é preciso haver um equilíbrio entre os serviços providos pelos estados, não só de suprimento de água como de controle de enchentes, drenagem, etc. É necessário alocar custos em cada categoria, inclusive na preservação do meio ambiente. Em terceiro lugar, é necessário haver uma transparência absoluta na contabilidade financeira, informando a todos os beneficiários os custos dos serviços e identificando claramente os benefícios deles decorrentes. 438 O México conduziu uma experiência bem-sucedida de um programa de disseminação de informação, treinamento de irrigantes e funcionários de órgãos públicos e dos distritos de irrigação. O programa era destinado a informar as melhores práticas de gestão da água, operação do sistema, manutenção, contabilidade e administração financeira, além de aspectos de organização para a associação de usuários. O Egito desenvolveu um programa de informação, disponibilizado para a organização de usuários, com estimativa de custos de serviços e instruções acerca da conduta a ser adotada na cobrança de tarifas. Em quarto lugar, é necessário envolver os usuários na definição da qualidade dos serviços a serem prestados, como a avaliação exata do custo da qualidade pretendida. Para a agricultura, a quantidade, a tempestividade e a duração do suprimento de água são absolutamente críticos. Portanto, conclui Subramaniam & Spencer (1997), é crucial o envolvimento da associação dos usuários logo no início, no processo de desenho do projeto e na especificação dos tipos de serviços a serem oferecidos, de forma a refletir para os usuários duas dimensões muito claras: a qualidade dos serviços pretendidos e o preço a ser cobrado. O princípio é de que, se os usuários participarem na determinação do tipo de serviço a ser prestado, é muito provável que eles valorizem o serviço e por ele paguem. Essa é uma postura totalmente diferente da que existia, quando as regras de operação dos sistemas de irrigação eram fixadas por órgãos públicos e os usuários foram levados a não pagar pelos serviços prestados, nem de operação e manutenção, nem de recuperação do capital. Esse regime do passado destruiu o tecido organizacional e o equilíbrio entre o custo e a qualidade dos serviços prestados. A superação dessa fase, em que prevalecia o círculo vicioso de baixa qualidade dos serviços e baixo índice de cobrança das tarifas, levou muito tempo. Os países se deram conta de que o sistema do passado teria de ser sepultado, mas as soluções não vieram rapidamente. 439 No México, os administradores das associações de usuários foram contratados pelos próprios irrigantes e por eles foram incumbidos de elaborar projetos de recuperação e implantação dos denominados “módulos”, cada um com uma dimensão, entre 5 mil e 8 mil hectares. Os administradores profissionais contratados pelos usuários desenharam a combinação de cultivos, as necessidades de oferta de água e de serviços compatíveis com o desejo e a capacidade financeira dos produtores. Esse equilíbrio foi necessário para a recuperação da credibilidade da administração técnica, na associação dos usuários. Estabeleceu-se um vínculo empregatício entre os usuários e os administradores técnicos das associações. Com isso, o usuário que pagava uma tarifa tinha de quem cobrar, porquanto os administradores eram empregados da associação e não do Estado. O quinto ponto importante é a necessidade de avaliação de compatibilidade entre o desejo de qualidade dos serviços e a capacidade dos usuários de pagar por eles. Os usuários estariam dispostos a pagar serviços dos quais derivassem benefícios, por meio de uma melhoria na confiança dos serviços prestados, acesso à água de qualidade e quantidade suficiente para aumentar a sua renda derivada da atividade de produção. De alguma forma, os benefícios precisam ser maiores do que os custos de oportunidade de investimento em outras atividades produtivas. Além disso, os beneficiários assumem solidariamente responsabilidades financeiras na operação e manutenção, além daquelas assumidas com o investimento do capital próprio na sua atividade. O sistema de transferência para os usuários dos distritos de irrigação implica transferência da responsabilidade financeira, que é um peso adicional financeiro, além daqueles assumidos na atividade produtiva. Os beneficiários se tornam, portanto, muito mais exigentes em termos da qualidade do serviço, e, com isso, o desejo de pagamento das tarifas aumenta, porquanto os beneficiários se sentem responsáveis porque são proprietários dos serviços, e o fracasso da administração é o fracasso do seu próprio negócio. 440 Como assinalam Johnson & Reiss (1993), os irrigantes estão muito mais propensos a pagar pelos custos de O&M, se o incremento de renda marginal compensar com a aplicação da água e a prestação do serviço do pagamento adicional. É claro que o nível de renda depende diretamente do preço do produto e do acesso ao mercado. Nesse ponto se estabelece um elo entre a capacidade de recuperação dos investimentos em O&M, por meio da tarifa com o valor do negócio de irrigação e a qualidade dos serviços prestados. Uma combinação de um bom negócio de irrigação com a qualidade dos serviços e de fornecimento de água induz a um nível de tarifas que permite a recuperação dos investimentos e a manutenção de um elevado padrão de serviços. O fortalecimento do negócio da irrigação condiciona o nível de benefícios que os irrigantes derivam de um projeto, daí por que a identificação de uma demanda de um negócio de irrigação deve preceder, até mesmo, ao desenho de um projeto. Um bom negócio de irrigação leva os irrigantes a honrarem seus compromissos, com um bom serviço de operação de O&M. Como assinalam Johnson & Reiss (1993), algumas associações de usuários podem-se convencer de que a renda adicional auferida a partir de uma dada tecnologia (por exemplo, estações de bombeamento) pode eventualmente não cobrir os custos de O&M e recuperação dos custos dos projetos, com os cultivos possíveis. Nessas condições, os produtores podem não se sentir encorajados a assumir novas responsabilidades financeiras de um projeto desenhado a partir de uma tecnologia, cujos custos são incobráveis a partir dos negócios de irrigação disponíveis. Nessa hierarquia de importância, a identificação de um bom negócio de irrigação deve preceder ao desenho de um projeto, no sentido de torná-lo economicamente viável. Por dedução lógica, um projeto pode ter um desenho de engenharia de irrigação avançado, porém com custos não compatíveis com o negócio de irrigação disponível dentro do “ambiente econômico”, preço de produtos e nível de acesso a mercados. Esses últimos são os problemas mais importantes a serem atacados num projeto de irrigação. O sexto ponto apontado por Subramaniam & Spencer (1997) diz respeito à recuperação do valor dos ativos imobilizados. 441 Uma parte significativa dos custos dos serviços de irrigação é a depreciação dos ativos utilizados para acumular, transferir e canalizar água para os usuários. A recuperação desses ativos tem uma importância muito grande, na medida em que construções, equipamentos, veículos, equipamentos pesados, canais e sistemas de drenagem, estações de bombeamento e grandes estruturas, como represas, dependam virtualmente da recuperação dos custos, sob pena de que, na falta dela, se diminua rapidamente a vida útil desses ativos. Na prática, os custos de depreciação não se levam em conta no cálculo dos custos da água. Este tipo de problema atinge não só órgãos públicos, mas também associações de usuários de água que oferecem serviços de irrigação. O valor desses ativos cai ao longo do tempo a taxas diferenciadas. A cada ano, os proprietários ou usuários perdem uma parte significativa do valor dos seus ativos quando esses se depreciam, mesmo na hipótese de uma manutenção adequada. Quando a manutenção dos serviços não é adequada, e a recuperação de custos não é levada em conta na cobrança das tarifas, a vida útil dos ativos se encurta e acelera o processo de depreciação financeira de todo o projeto. Por essa razão, é necessário estipularem-se práticas contábeis adequadas para a recuperação do custo de depreciação anual dos ativos, no relacionamento entre os órgãos públicos e as organizações de irrigantes. No México, existem comitês encarregados de zelar pelas obras hidráulicas ao nível de distrito, cuja incumbência principal é formular um plano anual de O&M e aprová-lo junto à associação dos irrigantes. A experiência mexicana é interessante, na medida em que se arrecadam prêmios para cobrir sinistros decorrentes de desastres nas obras hidráulicas, cuja receita se destina a um fundo administrado pela associação dos usuários. O cuidado com a recuperação dos custos dos ativos imobilizados é vital para o desempenho autosustentável, em termos financeiros nos sistemas de irrigação. Como assinalam Subramaniam & Spencer (1997), recentemente os países que desenvolveram sistemas autosustentáveis, em termos financeiros de irrigação, cobram dos usuários contribuições pagas sob a forma de espécie (produtos) e 442 em dinheiro. Este sistema, por sua vez, assegura que o desenho dos sistemas de irrigação atendem a um critério fundamental de serem eficientes em termos de custos. Com esse sistema é possível atingir um elevado grau de atendimento da demanda, por parte das associações de usuários, na medida em que ele gera um sentido de “propriedade” entre os beneficiários do projeto. Para atrair investimentos privados, a manutenção dos serviços e os programas de recuperação das obras comuns e todos os ativos dos perímetros devem ser planejados e implementados de uma maneira economicamente eficiente. É essencial registrar, de forma adequada, informações acerca da localização, idade, condições de operação e oferta de serviços de todos os ativos de um projeto de irrigação. Um investimento rentável nessa linha é o de treinamento e de assistência técnica às associações de usuários, para que esses preparem um inventário dos principais itens de ativos e formulem um plano de manutenção e substituição de obras e equipamentos necessários ao bom desempenho e a uma oferta de serviços de qualidade no fornecimento de água. É importante assegurar à associação de usuários o acesso ao crédito para compra de equipamentos e a recuperação de suas obras de irrigação, na medida em que eles assumem a responsabilidade pela vida útil dos seus ativos imobilizados. Nessas condições, quanto mais elevados os juros e encargos financeiros, tão mais necessários são os mecanismos de cobrança de recuperação do valor dos ativos. O sétimo ponto importante é o estabelecimento de uma ligação entre as tarifas e a qualidade dos serviços. É comum encontrar distritos de irrigação no mundo em que os irrigantes não se dispõem a pagar as tarifas condizentes com o custo dos serviços, porquanto estes não conseguem alcançar a ligação entre a contribuição, por meio dos pagamentos, com os serviços oferecidos pelos órgãos públicos de irrigação. É comum o caso em que os governos destinam recursos para órgãos de irrigação com uma ligação muito tênue entre a qualidade do serviço e as receitas cobradas pelos serviços prestados. No futuro, de acordo com Subramaniam & Spencer (1997), é necessário tornar transparente essa ligação entre a qualidade 443 dos serviços e as receitas auferidas pela cobrança de tarifas. A determinação dos custos é o primeiro passo para tornar essa relação mais transparente. É preciso respeitar o princípio de atribuição de um valor “correto” para um serviço de qualidade, por que este tem um custo. As associações de usuários bem-sucedidas são aquelas que mantêm um sistema transparente de avaliação contábil dos custos e conduzem auditorias contábeis para informar aos irrigantes o “tatus” da situação financeira e a solidez contábil das organizações. Esta prestação de contas geralmente ocorre em assembléias com a participação dos irrigantes. Nas Filipinas, as associações de irrigantes são bastante eficientes em organização, devido a incentivos para cobrança de tarifas, visando a recuperação de investimentos. Na Índia, o sistema consiste em conceder uma parcela da renda auferida na cobrança das tarifas como um bônus para estimular a recuperação dos investimentos. Os resultados das experiências nas Filipinas e na Índia mostram que esse sistema de bonificação de apenas uma parcela das receitas arrecadadas foi bastante eficiente no processo de recuperação dos investimentos. Entretanto, melhores níveis de arrecadação de tarifas não resolvem necessariamente o problema recorrente de que órgãos públicos que ofertam serviços de irrigação tenham elevados custos de custeio da folha de pagamento, como mostra a experiência de ambos os países (Subramaniam & Spencer, 1997). Recente estudo da FAO (1997) indica a preocupação de vários países do mundo de recuperação dos custos de investimento. Reformas recentes, levadas a efeito em alguns países, tinham como objetivo fundamental reduzir o peso fiscal dos projetos de irrigação e aumentar sua eficiência. As principais linhas de ação adotadas pelos países bem-sucedidos no esforço de reduzir o custo fiscal dos projetos de irrigação, por meio de uma redução de custos em geral e recuperação dos investimentos, seguiram as seguintes linhas: 444 a) redução do nível de subsídio outorgado aos projetos de irrigação combinada com uma elevação das tarifas de água para cobrirem custos de O&M; b) descentralização dos sistemas de gestão de irrigação; em alguns casos há transferência da propriedade dos projetos de irrigação aos usuários; c) desenvolvimento de sistemas de racionamento de água. A tendência geral constatada no estudo da FAO foi de que os governos se viram na contingência da necessidade de reduzir os orçamentos de construção de novos projetos de irrigação. Nessas condições, as decisões tomadas foram de reabilitar e consolidar os projetos existentes antes do desenvolvimento de novos projetos. Quaisquer novos projetos adotados, como mostra a experiência resenhada pelo estudo da FAO, passaram a ter de atender a critérios econômicos rígidos e inflexíveis na avaliação da viabilidade financeira. Uma opção importante adotada foi a de que o início do processo de reforma partia prioritariamente dos projetos de menor porte em detrimento dos grandes projetos. Na Colômbia, por exemplo, a Lei 41 de 1993 enfatizou o critério de eficiência econômica, combinado com o critério de eqüidade para a construção de novos projetos de irrigação. A Lei tornou absolutamente obrigatória a participação dos beneficiários no desenho dos projetos, garantindo-lhes o acesso dos pequenos produtores. A Lei também passou a obrigar a recuperação de todos os custos de O&M dos perímetros por parte dos usuários. O órgão público colombiano HIMAT passou a ter um novo papel redefinido mais na linha da assistência técnica do que da administração. No México, a decisão tomada foi de reduzir o ritmo de construção de novos projetos. Como decorrência, assinalou-se até mesmo uma queda na área irrigada no agro mexicano no início dos anos 90. Na década de 80, o governo mexicano reduziu substancialmente recursos de investimentos públicos, de US$ 3 bilhões, em 1981, para US$ 280 milhões,em 1990. As principais reformas adotadas no México foram: elevar os custos de água para os produtores nos distritos públicos de 445 irrigação. Em 1992, os usuários pagavam 83% dos custos que representavam uma elevação em relação ao mesmo percentual que atingia 18% em 1988. Em segundo lugar, o governo mexicano adotou um passo inicial que consistiu na descentralização das unidades de administração do sistema de irrigação e, logo em seguida, iniciou um programa destinado a transferir a responsabilidade da gestão dos distritos de irrigação para a associação de usuários. Além disso, o governo determinou novos critérios econômicos rígidos para a avaliação de novos projetos, assim como enfatizou a reabilitação e a consolidação dos projetos existentes, antes de iniciar novos projetos e novas construções. No Peru, a Lei de Promoção de Investimentos na Irrigação de 1991 iniciou um processo de transferência da gestão e da operação de projetos públicos de irrigação para a comunidade de usuários, que determinou a necessidade inarredável de que as tarifas de água promovessem a recuperação total dos custos de O&M. De acordo com estudos da FAO, o início da presente década marca uma nova era de reformas profundas na forma de administração pública, com o setor privado assumindo cada vez mais o papel de gerir os projetos e recuperar os seus custos. O estudo da FAO (1997) assinala ainda que esse período de transição não foi desprovido de grandes tensões internas, dentro das áreas irrigadas em muitos países do mundo. Como assinala o estudo: “Os maiores obstáculos para as mudanças nas políticas foram representados pela resistência e óbices interpostos pela burocracia e pelos poderes políticos, no sentido de restringir a política de reformas. Verificou-se uma dificuldade de elevar as tarifas e reduzir os níveis de subsídios. Interesses organizados que haviam se beneficiado da construção e da localização dos projetos de irrigação resistiram às reformas. No Equador, a irrigação ainda continua a absorver uma grande parcela do orçamento de dispêndios na agricultura, e os beneficiários apenas pagam uma pequena parte dos custos dos projetos. Na Colômbia, a 446 transferência dos sistemas dos organismos públicos para as organizações de usuários processou-se a um ritmo bastante lento” (FAO, 1997). Entretanto, as reformas foram indispensáveis à luz de dois fatos incontestáveis: em primeiro lugar, a falência fiscal do estado, para manter em funcionamento projetos ambiciosos de irrigação; em segundo, a prevalência da lei universal, em que o “limite da generosidade é a falência do sistema” (FAO, 1997). A esses dois fatores deve-se adicionar ainda a elevação dos encargos financeiros decorrentes dos planos de estabilização dos países em desenvolvimento. Entretanto, a elevação dos encargos financeiros não atinge apenas o setor privado. Os governos encontram crescentes dificuldades de colocação de títulos da dívida pública para gerar recursos e honrar seus débitos. A escassez de fundos públicos e a elevação das taxas de juros impõem uma nova disciplina da reconhecida necessidade de aumento da eficiência financeira dos projetos de irrigação. Se a elevação dos encargos financeiros atinge o setor privado, impondo-lhes uma necessidade crescente de aumento de produtividade para a sobrevivência econômica das empresas, esse princípio em nada difere daquele que deve ser aplicado aos recursos públicos. A viabilização dos recursos públicos depende da eficiência dos sistemas de irrigação atuais e futuros, dentro de uma estrita lógica econômica. A recuperação dos investimentos, por meio das tarifas, tem, portanto, duas condicionantes importantes. A tarifa passa a ter duas dimensões de um preço que raciona recursos: a economia dos recursos escassos de água e dinheiro. No conjunto dos países analisados, os casos bemsucedidos têm um denominador comum: a a eleição da meta fundamental de eficiência de uso de água e dinheiro. Os países bemsucedidos foram aqueles que lograram identificar, com absoluta clareza, que o objetivo primordial da auto-sustentabilidade financeira dos investimentos dependia de uma clara identificação do objetivo da eficiência econômica e de uso de água. Essa é a conclusão mais importante que se pode derivar do estudo dos casos bem-sucedidos das reformas nas áreas da 447 política de irrigação nos países em desenvolvimento, como o Brasil. Uma outra conclusão importante é que o caminho mais bemsucedido para transferir a responsabilidade financeira da recuperação dos custos dos investimentos, por meio da arrecadação de tarifas, foi a transferência de responsabilidade financeira dos projetos de irrigação para a organização de produtores. Os ingredientes que constituem um traço comum das experiências bemsucedidas foram a descentralização da gestão dos sistemas de irrigação e a transferência ou devolução da propriedade dos sistemas de irrigação para os usuários. Entretanto, esse processo, iniciado nos anos 90, teve como condicionamento fundamental a necessidade de treinamento dos usuários para assumirem a responsabilidade financeira dos projetos de irrigação (FAO, 1997). 4.13 - Organização das Cadeias Hortícolas: a Plataforma de Negócios Devido à importância do agronegócio dentro do contexto do Novo Modelo de Irrigação do Brasil, procura-se, neste capítulo, descrever a plataforma de negócios, observada nos documentos até então analisados. A exploração da fruticultura no Chile, Estados Unidos, entre outros países estudados, inclusive a sob irrigação, está assentada no que se pode denominar Plataforma de Negócios. Ela, inovadoramente, contém peças importantes para a orientação dos investimentos privados e forma um conjunto harmônico de informações básicas sobre métodos e processos, desde o conhecimento do potencial e exigências do mercado, até a atividade de produção e sua logística de escoamento, visando atender adequadamente à demanda identificada. Esta Plataforma de Negócios está assentada em 14 blocos de informações básicas, quais sejam: a) Banco de dados estatísticos sobre a horticultura Contém informações, tais como área cultivada, tipos de frutas e hortaliças ao nível regional, volumes exportados e mercados de destino. 448 b) Descrição dos cultivares por espécie hortícola Esse conjunto de informações contém, em forma de quadros, todos os dados acerca de cada espécie frutícola ou olerícola, com a descrição detalhada das características mais importantes de seus cultivares, tais como: tamanho do fruto, forma, cor, período de maturação. A seleção é feita em relação às preferências dos consumidores que elas atendem e, por conseguinte, a importância que têm no mercado de exportação. c) Agroquímicos empregados na fase produtiva, até à pré-colheita Este bloco de informações compreende a descrição detalhada de todos os fertilizantes, químicos e orgânicos, segundo tipo, composição e principais características; aspectos específicos de todos os defensivos utilizados nas lavouras para exportação, ordenados por nome técnico comercial, com formulação, grau de toxicidade, período de carência; informações sobre níveis de tolerância de resíduos para as exportações hortícolas e para mercados específicos (EUA e União Européia). d) Todos os princípios ativos registrados pelo Ministério da Agricultura (SAG); e registros e tolerância de níveis de resíduos de pesticidas de restrições quarentenárias. Este bloco de informações compreende a descrição de todas as exigências de restrições quarentenárias e informações detalhadas acerca de insetos e ácaros de importância quarentenária em frutas e hortaliças para o mercado de exportação. Para cada inseto ou ácaro, há o registro da sua distribuição geográfica, seus hospedeiros, a descrição do agente causador e os respectivos danos às frutas bem como os métodos de controle adotados pelo país. e) Pragas e doenças dos cultivos hortícolas Este bloco contém os antecedentes gerais acerca das principais pragas e doenças de todas as culturas hortícolas. Para cada problema fitossanitário, estão registrados os agentes causais, os hospedeiros, os sintomas, as modalidades de disseminação e os métodos adotados nacionalmente para o seu controle. 449 f) Amadurecimento e índices de maturação das frutas Este bloco contém todos os conceitos básicos acerca da maturação dos frutos, inclusive informações com relação aos métodos de determinação de índices de maturação dos frutos; os quadros básicos nacionais de classificação das frutas, de acordo com os níveis de produção de etileno, e comportamento da fruta no processo de amadurecimento. g) Embalagens para as exportações hortícolas Este conjunto ou bloco de informações contém a descrição das características das principais embalagens utilizadas nas exportações, sendo que, para cada espécie, estão descritos em detalhe todos os dados das fontes de materiais usados nas embalagens, peso líquido, dimensões, peso bruto aproximado, volume em pés e centímetros cúbicos, número de caixas por pallet, etc. – incluindo dimensões de outros elementos, tais como pallets, parrillas, bins e containers. Os países importadores que requerem embalagem especial têm blocos separados de descrição com especificações para o mercado importador. h) Descrição da qualidade dos produtos hortícolas Este bloco contém primeiramente os conceitos básicos acerca de qualidade e normatização, dentro de padrões de qualidade eleitos pelo país destinatário, por espécie, definindo as necessidades básicas e os níveis de tolerância de cada grupo de espécie e a subespécie. Assim, são definidos padrões de qualidade para os mercados mais exigentes, como os mercados norteamericano e europeu. i) Normas de resfriamento de produtos hortícolas Contém todos os dados relativos aos métodos de resfriamento, sua descrição e as espécies em cada tipo, as condições ambientais na colheita, no armazenamento e nas empresas embaladoras, inclusive com temperatura de manutenção durante a comercialização. Um subloco adicional contém a descrição da capacidade instalada dos frigoríficos para frutas frescas regionalizadas, segundo as regiões mais importantes do país. 450 j) Métodos de fumigação de frutas frescas Constando não só os conceitos básicos de fumigação e as especificações referentes ao emprego desse procedimento na fruta fresca, como os padrões adotados para o país, inclusive descrição detalhada da fumigação com anidro sulforoso e brometo de metila. Um subloco nessa categoria contém a descrição da capacidade instalada de fumigação, as espécies que necessitam de tratamento em cada região e todo o processo de fumigação empregado, em detalhe. k) Transporte de produtos hortícolas Neste bloco estão consolidadas todas as informações acerca de transporte marítimo, aéreo e terrestre. Para cada um destes há detalhamento dos serviços oferecidos, tipos de containers, tarifas, caminhões, navios e aviões, inclusive com detalhamento de diagramas explicativos acerca da paletização e do acondicionamento em containers para cada um dos sistemas de transporte. l) Processo da exportação Este bloco contém todos os procedimentos necessários à venda do produto no exterior, inclusive avaliação de riscos, informações sobre procedimentos para trâmites no Banco Central e na exportação, modalidades de venda e financiamento, documentação de embarque, registro de exportação, negociação da carta de crédito, etc. m) Inteligência de mercado Um componente importante da plataforma de negócios da horticultura chilena, por exemplo, é o conjunto de trabalhos técnicos de ampla disseminação no país, desenvolvidos por agência como a Corporação de Fomento da Produção (Corfo) no Chile. Há várias séries de monografias e trabalhos técnicos. Os mais importantes são os relacionados ao potencial agroeconômico de exportação de hortaliças e frutas e a série de estudos de tecnologias de pós-colheita de produtos hortícolas do Chile. 451 Esta série de monografias é de ampla divulgação e constitui um bem público. A Corfo contrata inúmeros estudos temáticos à Universidade Católica do Chile, à Faculdade de Agronomia, ao Centro de Investigações e Assessoria de Empresas (Cade), à Escola de Negócios de Valparaíso, à Fundação Adolfo Ibañez, a Universidade Frederico Santa Maria, à Intec Chile etc. Estes estudos são destinados à venda, a preços reduzidos, para ampla disseminação no mercado. Além das monografias técnicas básicas, há trabalhos sobre inteligência de mercado para estudos específicos em mercados específicos, além de estudos em geral. Por exemplo, estudos sobre a uva-de-mesa, sobre a oportunidade de exportação de hortaliças frescas para os EUA, por via marítima etc. Outros estudos incluem, por exemplo, o perfil do mercado internacional de hortaliças; o mercado hortícola do Japão; a produção em mercado internacional de espécies de frutas, de folhas caducas e uva de mesa; produção no mercado internacional de frutas de consumo fresco; e dezenas de outros estudos acerca das oportunidades de mercado para o alho, a cebola, a couve-flor, a couve-de-bruxelas, o pimentão e assim sucessivamente. São dezenas de monografias acerca de oportunidade de negócios em países importadores. Além disso, a Corfo oferece um conjunto de textos técnicos acerca de restrições fitossanitárias e estudos desenvolvidos por outros países do mundo, principalmente os EUA e Europa. Com esse conjunto de monografias de análises e de inteligência de mercado é possível disseminar informações sobre oportunidade de negócios para o investimento privado. n) Parte complementar Integra ainda essa plataforma de negócios um conjunto de instruções técnicas, com todo o detalhamento de como proceder na exportação de produtos hortícolas, a saber: (i) mecanismos aduaneiros de fomento à exportação; os decretos-leis mais importantes; os sistemas de armazéns particulares de exportação e sistema de recuperação de impostos (reintegros de impostos); (ii) financiamento das exportações, suas principais modalidades e agentes financeiros; e (iii) seguro das exportações. 452 O financiamento e seguro das exportações Financiamento das Exportações As exportações de frutas requerem, antes do embarque e da liquidação das cartas de crédito, uma série de gastos dispendiosos na pós-colheita, desde o processamento pelas embaladoras, compra de embalagem, transporte e embarque nos portos. Como o valor exportado será liquidado em moeda forte, o Banco Central estabelece normas que facilitam aos exportadores obter créditos em moeda estrangeira para financiar as despesas. As normas do Banco Central regulam a obtenção de créditos de pré e pós-embarque, em moeda estrangeira, estabelecendo mecanismos de liquidação de divisas, prazos e formas de pagamento e prorrogação desses créditos. Tais disposições não são, contudo, aplicáveis quando o financiamento é obtido em moeda nacional. Os financiamentos para as exportações de frutas no Chile, por exemplo, podem ser de fontes externas ou internas. O financiamento externo é obtido pelo exportador, em condições normais junto a uma instituição estrangeira, não necessariamente financeira. Já os créditos internos são alavancados através de uma instituição financeira no Chile, que opera com recursos próprios ou intermediando créditos externos. O crédito de pré-financiamento ou pré-embarque proporciona o capital de trabalho necessário durante o período que vai desde a confirmação do pedido de compra, a carta de crédito, até o embarque da fruta. Trata-se de adiantamento de crédito ao exportador de frutas por uma instituição financeira, em função de uma programação de embarques. O crédito é condicionado à determinada utilização, de forma exclusiva. Para conceder o crédito, a instituição financeira solicita ao exportador o status da negociação e a modalidade da transação que vai ser realizada, documentos comprobatórios da real existência dessa negociação, cronogramas de embarques e cronograma de liquidação do financiamento. Realiza, então, uma avaliação do risco da operação. A instituição financeira concede um adiantamento de crédito, equivalente ao total, ou uma parcela da 453 operação. Requer o oferecimento de garantias exigidas pelas normas internas do agente financeiro. O crédito de pós-embarque pode ser também concedido ao comprador no exterior. O objetivo é facilitar a venda a prazo, transferindo ao comprador o crédito bancário e o responsabilizando por sua liquidação. As modalidades de crédito ao importador são: a) o financiamento oferecido pelo exportador a seu cliente-comprador estrangeiro; e, b) o crédito ao comprador, concedido diretamente a quem compra no exterior, através de uma instituição ou conjunto de instituições de crédito do país exportador, para que o exportador possa receber, à vista, o valor da mercadoria importada. As taxas de juros e as de desconto dos títulos de créditos concedidos pelas instituições financeiras dos exportadores são de livre pactuação entre as partes interessadas e se fixam no momento de celebração das operações de crédito, ou de operação de desconto de títulos de crédito da modalidade. Seguro das Exportações No Chile, há um Contrato de Seguro de Transporte, em especial para o transporte marítimo de frutas e/ou hortaliças frescas. O seguro é definido como "um contrato bilateral, condicional e aleatório pelo qual uma pessoa física ou jurídica que assume, em determinado período de tempo, todos ou alguns dos riscos de perda ou deterioração, que correm certos objetos pertencentes a outra pessoa, obriga-se, mediante uma retribuição convencionada, a indenizar-lhe a perda ou qualquer outro dano estimável que sofram os objetos assegurados"79. No Chile, as companhias de seguros são instituições financeiras, administradoras de fundos mútuos formados mediante contribuição. Segundo a norma securitária legal chilena, só poderão ser seguradoras as sociedades anônimas nacionais de seguros, expressamente autorizadas para esse fim nos seus estatutos. 79 Tradução livre do artigo 512, do Código de Comércio do Chile. 454 Além disso, deverão atender a uma série de garantias para poder atuar como companhias seguradoras. No país existem companhias de resseguros, como a Caixa Resseguradora do Chile S. A. e a Caixa de Resseguradora Bernardo O’ Higgins S.A., igualando e homogeneizando os riscos que compõem sua carteira de bens segurados mediante a cessão de parte do prêmio a outras entidades. O resseguro serve para distribuir entre outros seguradores os riscos de maior volume. Para o fruticultor, o seguro representa redução de custos, garantia de renda e maior acesso ao crédito. 4.14 - Competitividade e Coordenação de Sistemas Agroindustriais aplicáveis à Agricultura Irrigada Tendo em vista a preocupação do objetivo final do estudo em se estudar e se for o caso, propor uma nova restruturação do negócio da irrigação, buscou-se neste capítulo retratar o marco teórico com apoio nas literaturas sobre competitividade e coordenação de cadeias agroindustriais. Neste contexto, discute-se o ambiente institucional, organizacional e competitivo das firmas que atuam no negócio da irrigação. Este texto resume a literatura de organização aplicável à reestruturação do negócio da irrigação que se pretende neste trabalho. Serve ao propósito de montar um quadro de referência teórico para fundamentar as propostas de modelos de gestão e modelos econômico-financeiros no contexto do Novo Modelo de Irrigação do Brasil. A competitividade engloba duas dimensões tradicionalmente separadas no enfoque analítico da Teoria da Organização Industrial, mas que se determinam e dificilmente podem ser identificadas isoladamente no mundo real: conduta e desempenho (Farina, Azevedo & Saes, 1997). Enquanto desempenho, a competitividade se expressa como a capacidade de sobrevivência e expansão nos mercados nacionais e internacionais. Nesse contexto, o indicador de participação no mercado é o mais representativo. A dimensão de conduta diz respeito ao processo de concorrência 455 propriamente dito. Os novos modelos do negócio da irrigação deverão atender a ambos os critérios/dimensões. Assim, do ponto de vista das teorias de concorrência, a competitividade pode ser definida como a capacidade de sobreviver e, de preferência, crescer em mercados correntes ou novos mercados, como ocorrerá com a irrigação no futuro, com seu crescimento. Decorre dessa definição que a competitividade é uma medida de desempenho das firmas individuais. No entanto, esse desempenho depende de relações sistêmicas, já que as estratégias empresariais podem ser obstadas por gargalos de coordenação vertical ou de logística. Segundo Porter (1993), um conceito aplicável de competitividade deve ser mais abrangente do que aquele baseado em custos de produção, deve incluir possibilidades de associar competitividade à organização interna eficiente e aos sistemas de comunicação e coordenação de atividades interfirmas. Também nesta linha, Streeter, Sonka & Hudson (1991) destacam as tecnologias de informação como indutores de competitividade em sistemas de agribusiness. As ações estratégicas também são referidas na literatura como componentes do sucesso competitivo de uma firma. Nesta linha, chama-se a atenção para duas abordagens diferentes nos enfoques de ações estratégicas: • Ferraz, Kupfer & Haguenauer (1996) enfatizam as estratégias como base da competitividade dinâmica e as definem como o conjunto de gastos em gestão, recursos humanos, produção e inovação, que visam ampliar e renovar a capacitação das empresas nas dimensões exigidas pelos padrões de concorrência vigentes nos mercados de que participam. Nesse sentido, as estratégias estão condicionadas pelo ambiente competitivo, no qual são definidos os padrões de concorrência. • Best (1999), por sua vez, define ação estratégica como a capacidade que as empresas demonstram, individualmente ou em conjunto, de alterar, a seu favor, carac- 456 terísticas do ambiente competitivo tais como a estrutura do mercado e os padrões de concorrência. Há, portanto, uma importante diferença entre a concepção de Ferraz, Kupfer & Haguenauer (1996) e Best (1999) no que tange à capacidade de ação estratégica como base da competitividade. Para este último, a referida capacidade diz respeito a uma intervenção deliberada sobre o ambiente competitivo. Isto é válido nas cadeias produtivas de alimentos, verduras, frutas e fibras, irrigados ou não, mesmo naquelas marcadas pela presença de commodities como principais produtos, na medida em que subsiste um importante espaço para ações estratégicas, como por exemplo a criação de novos mercados e a segmentação dos mercados existentes. Para Ferraz, Kupfer & Haguenauer (1996), a ação estratégica pode alterar o ambiente competitivo, mas ambos são previamente condicionados pelos padrões de concorrência. As duas concepções são importantes e complementares para a análise da competitividade dinâmica. No entanto, ambas carecem de uma abordagem da capacidade de coordenação da cadeia produtiva em que as empresas desenvolvem suas estratégias, como dentro de uma empresa-gerenciadora global, que será desenvolvida neste trabalho. Uma estratégia de segmentação de mercado, baseada em qualidade do produto, pode exigir a utilização de matérias-primas com especificações mais rígidas. Se a empresa não consegue obter essa especificação junto ao mercado fornecedor, terá ela mesma de produzi-la, por meio de integração vertical a montante, ou terá de convencer algum fornecedor a fazê-lo, dentro das especificações necessárias, envolvendo investimentos dedicados80. Trata-se de governar a transação vertical com o objetivo de viabilizar a estratégia de concorrência horizontal. Este talvez não seja o caso da horticultura irrigada que tem oferta estável de insumos adequados. 80 A especificidade de ativos é considerada por Williamson um dos atributos mais importantes a serem considerados quando da definição das estruturas de governança. Trata-se da perda de valor a que está sujeito um ativo, quando utilizado fora da transação previamente definida. A especificidade será tanto mais alta quanto menor a possibilidade de uso alternativo dos ativos. Combinados com os atributos de incerteza e freqüência das transações, pode-se chegar à integração vertical. 457 Governar a transação significa incentivar o comportamento desejado e, ao mesmo tempo, conseguir monitorá-lo. Essa governança pode ser obtida pelo sistema de preços, quando o produto desejado tem baixa especificidade e é ofertado por vários produtores. Caso contrário, a governança adequada pode exigir a elaboração de contratos onde ficam pré-definidos instrumentos de incentivo e controle, tais como multas, auditorias ou prêmios por resultado. Dito de outra forma, estratégias competitivas dependem de estruturas de governança apropriadas para que possam ser bemsucedidas. Por esse motivo, a capacidade de coordenação vertical torna-se elemento constituinte tanto da competitividade estática quanto da competitividade dinâmica. É essa coordenação que permite à empresa receber, processar, difundir e utilizar informações de modo a definir e viabilizar estratégias competitivas, reagir a mudanças no meio ambiente ou aproveitar oportunidades de lucro. As relações entre ambiente competitivo, estratégias e estruturas de governança e competitividade são ilustradas pela FIGURA 3, a seguir. 458 FIGURA 3 AMBIENTES INSTITUCIONAL, ORGANIZACIONAL E COMPETITIVO QUADRO 1 AMBIENTE ORGANIZACIONAL QUADRO 2 AMBIENTE INSTITUCIONAL - Organizações Corporativas - Bureaus Públicos e Privados - Sindicatos - Institutos de Pesquisa - Políticas Setoriais Privadas - Sistema Legal - Tradições e Costumes - Sistema Político - Regulamentações - Política Macroeconômica - Políticas Setoriais Governamentais QUADRO 3 AMBIENTE TECNOLÓGICO - Paradigma Tecnológico - Fase da Trajetória Tecnológica QUADRO 4 AMBIENTE COMPETITIVO - Ciclo de vida da Indústria - Estrutura da Indústria - Padrões de Concorrência - Características do Consumo QUADRO 5 ESTRATÉGIAS INDIVIDUAIS - Preço / Custo Segmentação Diferenciação Inovação Crescimento Interno Crescimento por Aquisição QUADRO 6 DESEMPENHO (Competitividade) - Sobrevivência - Crescimento Grupos Estratégicos Atributos das Transações ESTRUTURAS DE GOVERNANÇA RELAÇÕES SISTÊMICAS Subsistemas Estratégicos FONTE: Farina, Azevedo & Saes (1997). 459 O ambiente competitivo é constituído pela estrutura do mercado relevante (concentração, economias de escala e escopo, grau de diferenciação dos produtos, barreiras técnicas de entrada e saída), pelos padrões de concorrência vigentes (concorrência preço e extra-preço, presença de grupos estratégicos, barreiras de mobilidade etc.), pelas características do consumidor/cliente, que abrem possibilidades de segmentação de mercado, e pelo ciclo de vida da indústria, coadjuvante na definição dos padrões de concorrência (Farina, Azevedo & Saes, 1997). Os padrões de concorrência constituem as regras do jogo competitivo, ou seja, quais as variáveis-chave para que a empresa possa competir em um determinado mercado (preço, marca, atributos de qualidade, estabilidade de entrega, reputação de confiança, inovação contínua em produto ou em processo etc.) O conjunto dessas variáveis, assim como sua hierarquia, forma o padrão de concorrência de uma agroindústria ou grupo estratégico dentro da mesma agroindústria, como a horticultura irrigada. Para dispor desses instrumentos são necessários investimentos em ativos específicos tais como: desenvolvimento e consolidação de marca junto a clientes e consumidores, equipamentos dedicados, logística de suprimento e distribuição, recursos humanos com treinamento específico etc. Esses são os ativos intangíveis tão importantes na agricultura irrigada. Isto é: tem-se, de modo geral, um conjunto de investimentos em ativos específicos associado a um determinado padrão de concorrência. Se no interior de uma mesma indústria convivem dois ou mais grupos de empresas que se distinguem pelo padrão de concorrência adotado e pelo conjunto de ativos específicos de que dispõem, cada um desses grupos é denominado de grupo estratégico – de investidores estratégicos – como definido em Oster (1994). O grupo de investidores estratégicos será um elemento- chave para a proposta da empresa-gerenciadora global usada neste trabalho. Grupos estratégicos são definidos como clusters de firmas dentro da indústria que utilizam os mesmos ativos específicos e o mesmo conjunto de variáveis de concorrência (preço, marca, linha de produtos, lançamento de novos produtos, propaganda etc.) O que distingue os grupos estratégicos são as diferenças de estra460 tégia competitiva (Oster, 1994). Efeitos cumulativos de propaganda podem representar efetivas barreiras à entrada no segmento de marcas da indústria, mas não afetam a entrada no segmento commodity. As firmas que operam no segmento commodity, por sua vez, enfrentam barreiras de mobilidade para o segmento de marcas (Farina, Azevedo & Saes, 1997). A literatura de Organização Industrial tem sistematicamente mostrado que não há uma relação causal simples e unidirecional entre estrutura de mercado, a conduta (estratégia) das firmas e desempenho do mercado. No entanto, essa complexidade teórica e prática não torna inútil esse tipo de análise para as questões de competitividade nem para a identificação de políticas públicas. Se fosse certo que, agindo sobre uma determinada estrutura de mercado, se produziria o desempenho almejado, bastaria, então, atuar sobre essa estrutura. Seria o ponto de bliss tanto da política industrial quanto das agências de defesa da concorrência (Farina, Azevedo & Saes, 1997). É exatamente nesse sentido que se incorporou ao ambiente competitivo tanto a estrutura dos mercados quanto os padrões de concorrência e as características da demanda, porque todos eles moldam o ambiente competitivo onde as firmas têm de atuar. O ambiente competitivo diz respeito ao ambiente externo à firma, onde habitam seus rivais, clientes e fornecedores. Porter (1993) analisa essas cinco forças (rivalidade competitiva, força dos clientes, força dos fornecedores, ameaça de produtos substitutos e ameaça de entrada de novos concorrentes) no sentido de identificar ameaças à lucratividade (desempenho) da empresa. Tanto o conceito de estrutura quanto de padrão de concorrência estão referidos a um mercado que se denomina relevante para a análise. Esse mercado relevante inclui o conjunto de produtos substitutos e o escopo geográfico da concorrência (escopo dos rivais efetivos). É certo que se o mercado geográfico tem escopo mundial, o padrão de concorrência relevante são os mercados internacionais. No entanto, quando se pensa em política pública e competitividade de sistemas agroindustriais específicos, a referência é o 461 escopo nacional, onde as políticas são passíveis de serem sugeridas e implementadas. Além disso, os padrões de concorrência no mercado interno são importantes para as estratégias individuais locais. Por último, a referência ao escopo nacional pode contemplar soluções cooperativas visando a concorrência em terceiros mercados. As firmas dispõem de um conjunto de recursos produtivos (físicos, humanos, financeiros, etc.) que devem ser ajustados para atender às regras do jogo competitivo. Em mercados fragmentados, onde são comercializados produtos de baixa diferenciação (dados de estrutura), tendem a predominar padrões de concorrência onde a liderança de custo é a principal vantagem competitiva, já que a variável básica de concorrência é preço, as margens são baixas e o giro deverá ser elevado. Nesse caso, economias de escala e escopo marcam as operações das empresas líderes (Best, 1999). Se forem identificadas mudanças tecnológicas ou institucionais que possam resultar na mudança desse padrão de concorrência, então as vantagens competitivas baseadas em liderança de custos deixam de ser suficientes para sustentar a competitividade. Uma situação como essa é de alta relevância para a identificação de fatores que sustentam a competitividade dinâmica. Padrões de concorrência se alteram no tempo, como resposta a mudanças institucionais (como abertura comercial, proteção à propriedade intelectual, etc.), mudanças tecnológicas (como a biotecnologia que gerou uma convergência entre indústrias químico-farmacêuticas e a indústria de sementes), mudanças no próprio ambiente competitivo, do qual o padrão de concorrência faz parte (reestruturação industrial, mudanças de hábito do consumidor) e mudanças nas próprias estratégias individuais das empresas que buscam criar assimetrias e, quando bem-sucedidas, podem alterar o padrão de concorrência ao serem imitadas por concorrentes (Farina, Azevedo & Saes, 1997). A grande dificuldade de tratar dessa dimensão da concorrência é sua natureza intrinsecamente qualitativa. Indicadores sobre coordenação adequada são de difícil definição, embora passíveis de análise, por meio do alinhamento dos atributos das transações entre as etapas do processo produtivo, com as estruturas de governança adotadas (Williamson, 1985). 462 Exemplos típicos de ineficiência de coordenação se encontram em situações nas quais os sistemas de padronização de produtos (por exemplo, grãos) que, por mudança nas exigências técnicas de processamento ou de novos produtos, não respondem mais aos requisitos valorizados pelos consumidores ou clientes, gerando dissonâncias entre ofertantes e demandantes. O sucesso das estratégias individuais está condicionado, ainda, à provisão de um conjunto de bens públicos ou privados, sobre os quais a empresa não tem, individualmente, controle. A logística é um exemplo cabal a esse respeito, já que depende de infra-estrutura de transportes, portos etc. Para firmas cujo negócio está associado a commodities, para os quais a liderança de custos define o padrão de concorrência, o impacto pode ser mortal. No entanto, mesmo para firmas com posicionamento estratégico em produtos diferenciados, a logística pode eliminar ou magnificar suas vantagens competitivas (Farina, Azevedo & Saes, 1997). A capacidade de ação estratégica, associada à competitividade sistêmica, inclui também a articulação de ações cooperativas entre rivais, fornecedores, distribuidores, institutos de pesquisa públicos ou privados. Significa ter a capacidade de mudar as regras do jogo competitivo a seu favor ou mesmo o ambiente institucional exemplo: ações que visam a aprovação das leis de proteção à propriedade intelectual, políticas setoriais governamentais etc. A provisão de bens públicos e coletivos cuja oferta adequada depende da ação do Estado ou de organizações de interesse privado, tais como associações de produtores, distritos de irrigação, sindicatos, etc., ao que se denomina ambiente organizacional, podem ser fundamentais à competitividade. Sistemas de informação sobre mercados, tendências de consumo, monitoramento de inovações e difusão de novas tecnologias, acompanhamento da ação estratégica de concorrentes de outras regiões ou países, são bens necessários à competitividade individual mas que, por suas características de não rivalidade e/ou não-exclusão, admitem comportamentos do tipo “carona”. Isto implica um subinvestimento na provisão destes bens, ou replicam o mesmo investimento em firmas individuais, resultando em desperdício de recursos e ineficiência. Nesse sentido, o ambiente organizacional é 463 muito importante na análise da competitividade (Farina, Azevedo & Saes, 1997; Best, 1999; Streek & Schmitter, 1985). As estratégias e a competitividade dependem, ainda, do ambiente institucional. Aí estão os sistemas legais de solução de disputas políticas, macroeconômicas, tarifárias, tributárias, comerciais e setoriais adotadas pelo governo, assim como por governos de outros países, parceiros comerciais e concorrentes. Nesse sentido, destacam-se a crescente importância das barreiras nãotarifárias e dos controles fitossanitários, os instrumentos de retaliação comercial e, em um contexto mais amplo, a formação de blocos econômicos e a atuação das empresas transnacionais. A definição das cadeias agroindustriais (como no caso da agricultura irrigada) como um nexo de contratos que vão da fazenda ao consumidor, permite dar conta dessa gama de possibilidades organizacionais que respondem a determinantes tecnológicos, institucionais e estratégicos. Permite compreender tanto a organização via mercados, quanto a integração vertical e os contratos com fornecedores e distribuidores. Permite também compreender a direção das mudanças organizacionais exigidas a partir de alterações em variáveis do ambiente competitivo das firmas. Trata-se, portanto de um aparato conceitual particularmente adequado para discutir competitividade (Farina, Azevedo & Saes, 1997). Assim, a organização da firma, da cadeia produtiva, do setor e a regulamentação determinam a competitividade, uma vez que estão na base da capacidade de resposta às oportunidades de negócios. Essa capacidade de resposta depende fundamentalmente da capacidade de coordenação das atividades de produção e distribuição; isto é, da capacidade de transmitir informação, estímulos e controles, ao longo da cadeia produtiva, de forma a responder a mudanças no ambiente competitivo. 464 5 - MONITORAMENTO DA IRRIGAÇÃO Os termos de referência solicitam uma descrição dos sistemas de monitoramento de irrigação existente, tanto ao nível nacional quanto internacional, visando a definição do momento e intensidade de água demandada pelas culturas, incluindo breve descrição de custos, aparato tecnológico e banco de dados necessários. O significado do termo “Monitoramento da Irrigação ou Manejo da Irrigação" é complexo e tem permitido várias interpretações. Dentro de uma visão localizada, é visto como a implantação de uma série de medidas e procedimentos, com vistas a responder a duas perguntas básicas: quando e quanto irrigar? Esta visão localizada dificulta a conscientização dos irrigantes dos benefícios e da importância da implementação de um programa de manejo, pois, apesar de correta, isola os aspectos relacionados diretamente à irrigação dos demais, não considerando de forma clara a interrelação com as demais atividades relacionadas ao sistema de produção. Apesar de bem-intencionada, pode ser umas das principais causas dos insucessos na implantação de programas de manejo da irrigação em campo. Em um contexto mais completo, e atendendo às necessidades e dinâmicas da agricultura atual, o manejo da irrigação deve ser analisado com uma visão mais ampla, que integre outros conhecimentos e respostas, o que tem sido denominado de visão integrada. Neste caso, as perguntas básicas de quando e quanto irrigar estão inseridas dentro de um processo de tomada de decisão mais amplo, que contempla outros aspectos relacionados ao agronegócio. Na visão integrada, o conceito de monitoramento da irrigação amplia-se para manejo da agricultura irrigada, preocupandose em definir etapas e possibilidades de forma mais completa, considerando outros pontos importantes relacionados ao manejo da irrigação: avaliação e ajuste do sistema de irrigação, verificação da eficiência de irrigação, possibilidades, etapas e cuidados na implantação da quimigação (fertirrigação e demais aplicações de produtos químico via água), cultura (espaçamento, tratos cultu465 rais, época de plantio, programação da colheita), utilização ampla das informações climáticas, previsão de produtividade etc. A implantação de um programa de manejo apresenta várias vantagens, destacando-se aumento da produtividade, aumento da rentabilidade, ampliação da área irrigada, otimização da utilização da mão-de-obra, energia elétrica, nutrientes e outros insumos, e preservação do meio ambiente. A resposta à pergunta de quanto irrigar passa pela definição da lâmina de irrigação necessária ao pleno desenvolvimento da cultura, que é denominada de lâmina líquida de irrigação. A aplicação desta lâmina com os atuais sistemas de irrigação implicam perdas que variam com as características do sistema de irrigação, com as condições climáticas do momento da irrigação e com a cultura e seu estádio de desenvolvimento. Tais perdas ocorrem, durante a aplicação, pela evaporação direta, pelo arraste do vento e pela forma com que a água se distribui no solo, denominada de uniformidade de irrigação. A literatura é unanime em destacar a importância e os conceitos de uniformidade da irrigação (Bernardo, 1996; Cuenca, 1989; Burman, Cuenca & Weiss, 1983; Doorenbos & Pruitt, 1977; Christiansen, 1942). Mas, só recentemente tal conceito tem sido considerado de forma mais explícita no cálculo da eficiência de irrigação que transforma a lâmina líquida em lâmina bruta de irrigação (Mantovani, 1993; Keller & Bliesner, 1992; Heermann, Wallender & Bos 1990). Mantovani et al. (1995) apresentam resultados de simulação da lâmina bruta de irrigação, para que a cultura do milho atinja a máxima produtividade em determinada localidade. Observa-se uma variação na lâmina bruta de irrigação de 500 para valores superiores a 1000 mm, quando a uniformidade de aplicação de água, calculada pelo método de Christiansen, varia de 95 para 55%. Aboukhaled (1991) afirma que a uniformidade de distribuição e o controle da aplicação da água são, em geral, os dois maiores pré-requisitos técnicos para uma boa irrigação. Cita resultados da avaliação da irrigação localizada em vários países, onde a uniformidade de distribuição de água está abaixo do dimensiona466 do, concluindo que o desempenho do sistema não depende somente da qualidade do projeto e dos materiais, mas também da ocorrência de entupimento, da operação e da manutenção. Almeida (1997) e Quaresma (1999), para a fruticultura irrigada dos perímetros do Gorutuba e Jaíba, na região norte de Minas Gerais, e Bonomo (1999), para a cafeicultura irrigada das regiões do Triângulo e Alto Paranaíba de Minas Gerais e para a região norte do Espírito Santo, avaliaram a uniformidade e eficiência de irrigação. Encontraram valores de uniformidade abaixo do potencial dos sistemas implantados, principalmente por problemas de manejo e manutenção dos sistemas de irrigação. Resultados referentes à adequação da época e lâmina de irrigação indicam problemas na quase totalidade dos sistemas avaliados, refletindo a falta de qualquer sistema técnico de manejo da irrigação. O conhecimento das características, do funcionamento e das potencialidades de um sistema de irrigação são aspectos fundamentais, que não podem ser negligenciados, pois têm influência no manejo. Por exemplo: o pivô central apresenta características de aplicação de águas distintas com relação à aspersão convencional, que, por sua vez, difere da irrigação localizada e da irrigação por superfície. 5.1 - Manejo da Irrigação no Mundo Informações referentes ao manejo de irrigação, nos distintos países do mundo, são escassas e incompletas. Essa constatação pode ser mais um dos indicativos da pouca ênfase dada ao manejo da irrigação. Informações coletadas em visitas e depoimentos de técnicos de diversos países indicam pouca utilização de critérios técnicos no manejo da irrigação, na ampla maioria da área irrigada mundial. Na literatura, são amplas as citações de equipamentos e processos aplicados ao monitoramento, com o objetivo de manejo da irrigação (Bernardo, 1996; Keller & Bliesner, 1992; Burman, Cuenca & Weiss, 1983 ; Campbell & Campbell, 1982; Cuenca, 1989; Doorenbos & Pruitt, 1977; Fereres, 1990; Jensen, Burman & Allen, 1990; Martin, Stegman & Fereres, 1990). Por outro lado, é muito restrita na definição dos métodos de monitoramento adota467 dos para o manejo da irrigação nas diferentes regiões do mundo. Na maioria das vezes, somente apresentam informações referentes à área irrigada, aos principais problemas, mas não descrevem qual processo técnico de manejo da irrigação vem sendo utilizado e quais os problemas associados. Amplas discussões sobre a irrigação em regiões áridas (Bucks & Dickey, 1990), úmidas (Camp et al., 1990) e tropicais (Bhuiyan & Undan, 1990) são apresentadas com ênfase na caracterização das regiões e sua distribuição nas diversas regiões do planeta, definição de problemas, estratégias de melhoria da produtividade, sem, contudo, apresentar panorama do manejo da irrigação, métodos utilizados, etc. Também as informações relacionadas à irrigação em vários países (Espanha, México, Chile, França e Argentina) descrevem diversos fatores sem, contudo, informar as técnicas de manejo da irrigação adotada (Cobos, 1988; Morales, 1988; Frey, 1988; Valdés, 1988 e Leiva, 1986). Informações sobre implantação de programa de manejo da irrigação para o sul da Austrália (Stapper, 1990), Califórnia-EUA (Craddock, 1990), norte do Colorado-EUA (Early, 1990) indicam a ênfase no manejo da irrigação, utilizando redes de estações meteorológicas e sistemas de suporte à decisão agrícola (softwares). Os referidos sistemas têm a grande vantagem de atender a grandes áreas e de apresentar proposta, operacionalmente factível para a maioria das áreas irrigadas. Outra vantagem do monitoramento baseado no clima é a possibilidades de as informações climáticas serem utilizadas para outros fins importantes, como pode ser a definição das distintas fases fenológicas da cultura (tempo térmico), previsão de doenças (umidade relativa e temperatura), ajuste do horário de irrigação (regime dos ventos), entre outros. Nos citados países é comum também a adoção de métodos de controle da irrigação, baseados em medidas da disponibilidade de água no solo, tanto na forma de sistema único de monitoramento, quanto na forma auxiliar ao método citado. Utilizam-se equipamentos que medem a umidade do solo, correlacionando medidas de tensão de água no solo (tensiômetros), resistência à 468 passagem da corrente elétrica (boyoucos e colman), radiativos (sonda de nêutrons), entre outros. Apesar da maior ênfase de monitoramento baseado em medidas no clima e no solo, o monitoramento da planta começa a ter destaque para algumas culturas e métodos de medida. Mateos, Orgaz & Fereres (1991) apresenta detalhe referente ao manejo da irrigação na cultura do algodão no sul da Espanha, utilizando a temperatura do dossel, obtida com termômetro de infra-vermelho. 5.2 - Manejo da Irrigação no Brasil A situação do manejo da irrigação no Brasil é bastante incipiente, e os conceitos técnicos, associados ao manejo da agricultura irrigada, são aplicados em casos isolados e minoritários. É comum áreas irrigadas com sistemas de última geração, com controle automático da aplicação de água e filtragem, onde foram utilizados os mais recentes avanços da engenharia de irrigação, sem nenhum processo técnico para definições das questões básicas do manejo da irrigação. Nos últimos anos, a expansão da área irrigada, juntamente com a ocorrência de problemas relacionados à disponibilidade hídrica, têm implicado um maior interesse pelos temas relacionados à implantação de um programa de manejo da irrigação. Apesar da existência de um grande número de softwares aplicados ao manejo de irrigação (Mantovani & Costa, 1997), a aplicação deles sempre foi limitada, talvez pela sua visão localizada em relação ao manejo da irrigação e também pela falta de programas adaptados às necessidades da variabilidade da agricultura brasileira. 5.3 - Aspectos Básicos do Manejo No manejo da irrigação deve-se monitorar algum ou alguns fatores, de maneira a responder, de forma objetiva, às questões referentes ao manejo. Este monitoramento pode ser feito na planta, no solo ou no clima. Seja qual for o processo utilizado de monitoramento, é fundamental entender que o manejo só será adequado se forem consideradas as interpelações solo-águaatmosfera-planta. Busca-se, nesta parte deste capítulo, uma des469 crição sobre os vários aspectos que se devem avaliar, quando se deseja implementar um programa de manejo de irrigação. 5.3.1 - O solo como suporte e referência No manejo de uma área irrigada, a propriedade do solo em armazenar água é um conceito básico. A água armazenada disponível às plantas tem os limites superior e inferior denominados, respectivamente, de capacidade de campo (CC) e ponto de murchamento permanente das plantas (PM). Tais limites variam com o tipo de solo e não devem ser tomados como um ponto inflexível de referência, pois o dinamismo da interação solo-água-clima-planta e as variabilidades espacial e temporal do solo afetam esses limites. Mesmo assim, os conceitos de CC e PM são amplamente utilizados como referência para o cálculo da disponibilidade de água, e leva-se em consideração que as três fases do solo (sólido, líquido e gasoso) devam conviver dentro de limites aceitáveis (Ferreira, 1989). O limite ideal de aplicação de água entre a CC e o PM depende de vários aspectos, destacando-se a cultura, o sistema de irrigação utilizado e a estratégia de manejo adotada. Esse limite denomina-se fator de disponibilidade (f), também conhecido como fator de risco. 5.3.2 - Determinação de quando e quanto irrigar A determinação da época da irrigação e da quantidade de água a ser aplicada pode ser feita com o monitoramento da planta, do solo ou do clima (Jensen, Burman & Allen, 1990.) O monitoramento da planta é, sem dúvida, o controle ideal sob o ponto de vista do rigor científico, mas as implicações operacionais dessa prática dificultam sua utilização nas condições de campo. Há diferentes métodos que permitem o monitoramento das plantas: o método das medições do potencial hídrico, o da resistência estomática e o da temperatura das folhas, entre outros. Cada uma dessas técnicas apresenta limitações de aplicabilidade em campo, em razão da pequena disponibilidade de informações dos limites e dos índices recomendáveis à maioria das culturas, além dos problemas operacionais (Burman, Cuenca & Weiss, 1983). 470 De forma indireta, o monitoramento das plantas pode ser feito, utilizando-se de critérios qualitativos, tais como: a coloração da folhagem para o feijoeiro (Azevedo & Caixeta, 1987), a flexibilidade da folha do trigo (Mantovani, 1993) e outros aspectos ou controles externos citados na literatura (Bernardo, 1996). O monitoramento do solo constitui uma metodologia usual para o manejo da irrigação, de modo independente ou associado a outros métodos de controle. Uma vez definidos os limites da CC e do PM e a estratégia de utilização da água disponível (f), o momento de se irrigar e a quantidade de água a ser aplicada são determinados mediante avaliação do teor de água no solo, que pode ser realizada de forma direta, com a retirada de amostras de solo em várias profundidades e locais, definindo, posteriormente, a umidade existente pelo método padrão de estufa (Olitta, 1977; Bernardo, 1996). Por questões operacionais, a determinação do teor de água no solo, para efeitos de manejo da irrigação, é estimada normalmente de forma indireta, com a utilização dos mais diferentes dispositivos, tais como: tensiômetros, sondas de nêutrons, Bouyoucos, Colman etc. Estes métodos são amplamente divulgados na literatura sobre irrigação. A utilização de um deles exige equipamentos apropriados. É importante conhecer suas limitações (Campbell & Campbell, 1982). A grande limitação do uso de medidas da umidade do solo, como estratégia de manejo, deve-se a problemas de disponibilidade de equipamentos que associem precisão, tempo de resposta e operacionalidade, em razão da necessidade de medidas periódicas e representativas do teor de água em todo o campo. A metodologia de monitoramento do clima vem sendo mais utilizada em virtude da possibilidade de utilização de medidas de algumas de suas variáveis, para estimar a evapotranspiração da cultura irrigada (ET), que vai definir o consumo de água pelas plantas. Considerando uma disponibilidade inicial de água no solo, a determinação da ET permite, a qualquer momento, definir a quantidade de água utilizada, possibilitando a identificação do momento da irrigação e a lâmina de água necessária. 471 Essa metodologia está associada a um balanço permanente entre a quantidade disponível em um determinado momento e a quantidade consumida pela cultura em um intervalo de tempo (ET). Normalmente, essa metodologia vem acompanhada de medidas esporádicas de disponibilidade de água no solo, principalmente no início do balanço hídrico. Para determinação da ET de uma cultura, existem vários métodos. O mais difundido é o que utiliza o produto da evapotranspiração de uma cultura de referência (ETo) e um coeficiente de cultura (Kc) (Doorenbos & Pruitt, 1977). Vários métodos para estimativa da ETo já foram avaliados para distintas regiões. Doorenbos & Pruitt (1977) propuseram quatro métodos para a estimativa da Eto. Três desses utilizam medidas de variáveis climáticas (temperatura, umidade relativa, velocidade do vento e radiação solar). O outro emprega medidas de evaporação de um tanque (Método do Tanque Classe A), apresentando facilidades operacionais e ajustes que possibilitaram sua utilização em ampla escala. Eles apresentam também metodologia e informações relativas ao Kc, para as principais culturas irrigadas. Jensen, Burman & Allen (1989) apresentam uma revisão dos principais métodos propostos na literatura para se estimar a ET. Comparam os resultados estimados por esses métodos em distintas condições climáticas, com valores medidos em condições-padrão (grama em pleno desenvolvimento vegetativo, instalada em lisímetros de balança), para possibilitar uma visão dos métodos mais promissores de estimativa da ET. Allen et al. (1994) e Smith (1991) analisaram as dificuldades operacionais da utilização da cultura-padrão e suas medidas de ET em lisímetros, e propõem a utilização de um novo padrão, definido na equação de Penman-Monteith. As boas estimativas de ETo dessa equação (Allen et al., 1989; Jensen, Burman & Allen 1990), as exigências e as dificuldades para se obterem resultados precisos com os lisímetros (Allen, Pruitt & Jensen, 1991) indicam que a idéia de se utilizar a equação de Penman-Monteith como padrão é promissora e necessária. 472 O Tanque Classe A é um método que alcançou grande aplicação no manejo de áreas irrigadas, em razão das facilidades operacionais e de se considerar, inicialmente, que o processo de evaporação de um tanque (EVT) está sujeito às mesmas variáveis da ET de uma cultura, corrigindo-se as diferenças por meio de um coeficiente específico (Kt), em razão das condições climáticas locais e da instalação do tanque. Esse coeficiente transforma a EVT em ETo, que, posteriormente, é multiplicada pelo Kc, para determinar a ET da cultura irrigada. O Método do Tanque Classe A tem a limitação de que as informações aí geradas somente podem ser utilizadas para definição da data e lâmina de irrigação, não permitindo, por exemplo, inferir sobre a possibilidade de ataque de doenças, melhores horários de irrigação em função da presença de ventos mais fracos, etc. Atualmente, o advento de estações meteorológicas automáticas de fácil instalação e acesso aos dados e com preços mais acessíveis tem permitido a expansão da utilização das medidas climáticas completas e atualizadas para o manejo da irrigação. 5.3.3 - Eficiência na aplicação da água Uma vez definido o critério de manejo da irrigação, faz-se a análise da qualidade de aplicação da água. Nessa análise, verificam-se as perdas durante a irrigação e a uniformidade de sua distribuição. Na irrigação por aspersão, a análise das perdas de água durante a sua aplicação refere-se à evaporação direta e ao arrastamento pelo vento da água aspergida sobre as plantas (deriva). As perdas por evaporação direta da água aplicada atingem valores máximos da ordem de 5% na irrigação por aspersão (Heermann, Wallender & Bos, 1990; Mantovani & Berengena, 1992). Esses valores são encontrados em regiões de alta demanda evaporativa e em presença de ventos que trocam o ar úmido da área irrigada pelo ar seco das áreas externas à irrigação. Alguns autores (Frost & Schawalen, 1960; Heermann, Wallender & Bos, 1990) consideram pouco importantes essas perdas por evaporação direta, em razão de sua magnitude e de uma possível compensação pela queda da evapotranspiração. 473 A força dos ventos que provoca a deriva, carregando gotículas de água para fora da área irrigada, é um fator mais importante que as perdas por evaporação direta. Quanto maior for a altura atingida pelo jato de aplicação de água e menor o tamanho das gotas, maior será a quantidade de água perdida. Esses tipos de perdas ocorrem principalmente nos sistemas de aspersão e microaspersão. Outro aspecto importante nessas perdas é a pressão de serviço (PS) dos emissores. Caso haja valores acima do recomendado, poderá ocorrer um fracionamento excessivo do jato, com diminuição do tamanho das gotas (Ramos & Mantovani, 1994; Oliveira et al., 1992; Carvalho et al., 1992), implicando um maior potencial de evaporação e arraste das gotículas que saem do aspersor (Bernardo, 1996). A PS tem particular importância na irrigação pressurizada (aspersão e localizada), pois afeta a vazão aplicada, a eficiência durante a aplicação e a uniformidade. No item seguinte, esses efeitos serão analisados em detalhe. Na irrigação localizada, os problemas da eficiência da aplicação de água são menores que os da aspersão. As perdas por evaporação e deriva (arraste) podem ser negligenciadas no gotejamento, mas devem ser consideradas na microaspersão, exceto no caso de culturas de grande porte (por exemplo, fruteiras), em que os microaspersores estejam cobertos pela copa das plantas. Na irrigação por superfície, a análise de perdas deve ser feita dentro de um outro contexto, porém, de maneira geral, ocorrem perdas pequenas na irrigação por sulco e por faixas, sendo que, na irrigação por inundação, as perdas por evaporação direta atingem valores elevados. Para compensar as perdas durante a aplicação de água, devem-se usar coeficientes determinados para as condições locais, que ajustam a lâmina total à lâmina efetivamente aplicada à cultura. Mantovani & Ramos (1994) apresentam resultados simulados para a cultura do milho e chamam a atenção para o fato de que, dependendo da relação entre o preço do produto agrícola e o custo da água, a utilização de um coeficiente que aumente a lâmi474 na aplicada, para compensar as perdas, pode não ser a estratégia econômica mais adequada. A uniformidade da aplicação de água é um dos parâmetros básicos do manejo da irrigação. Sua importância aumenta, quando se usa a quimificação, pois a eficiência de distribuição do produto químico é um dos pontos básicos a serem considerados para o sucesso deste método. Na irrigação por aspersão, em função do seu sistema de distribuição de água, a uniformidade depende não só das características do sistema, mas também das condições climáticas e, principalmente, da velocidade do vento. A integração das lâminas aplicadas em sistemas móveis de aspersão (pivô central, linear e autopropelidos) proporciona melhores uniformidades que os sistemas estacionários (Heermann & Kohl, 1983). A desuniformidade na irrigação por superfície (sulco, faixas e inundação) é ocasionada pelos diferentes tempos de irrigação, entre o início e fim da parcela (Bernardo, 1996). A irrigação localizada apresenta características de distribuição de água, que favorecem a eficiência da irrigação, pois a água é aplicada em pequenas doses e em alta freqüência diretamente no pé da planta. A principal preocupação para atingir a uniformidade esperada é a variabilidade na vazão dos gotejadores ou microaspersores, em razão dos entupimentos, da variação de pressão na linha e das características de fabricação. (Keller & Karmeli, 1975). O principal parâmetro que descreve a uniformidade da irrigação é o Coeficiente de Uniformidade de Christiansen (CUC). Christiansen (1942), Merrian & Keller (1978) e Bernardo (1996) descrevem a metodologia completa para avaliação da uniformidade dos diversos sistemas de irrigação. As informações anteriores demonstram a necessidade de uma avaliação das áreas irrigadas como forma de verificação da uniformidade real dos sistemas em funcionamento. Observa-se, no trabalho de avaliação de equipamentos de irrigação do tipo pivô central, em Minas Gerais (Soares, Ramos & Lucatto Júnior, 1993), que os CUCs obtidos estão abaixo do esperado para esse tipo de equipamento. Foram avaliados onze equipamentos diferentes nas principais regiões de utilização do pivô no Estado. 475 rentes nas principais regiões de utilização do pivô no Estado. O valor médio do CUC foi de 80,1%, com valores máximo e mínimo iguais a 86,9 e 63,6%, respectivamente. Bonomo (1999) apresenta resultados de avaliação de irrigação na cafeicultura do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba, concluindo que os sistemas de irrigação por aspersão apresentaram resultados satisfatórios de uniformidade, dentro da faixa adequada. Por outro lado, a irrigação por gotejamento apresentou valores aquém dos esperados para este método, possivelmente por problemas de entupimento devido ao manejo inadequado do sistema. Este trabalho continua em andamento. Está sendo ampliado o número de sistemas de irrigação por gotejamento para identificar, de forma objetiva, as causas dos baixos valores de uniformidade. Almeida (1997) apresenta resultados de um estudo da uniformidade e eficiência de irrigação da cultura da banana em condições do perímetro irrigado do Gorutuba, localizado na região norte de Minas Gerais. Os resultados indicam, por um lado, os resultados adequados para irrigação por microaspersão e problemas com a irrigação por aspersão convencional subcopa e por miniaspersão. O alcance do jato e a interferência dos pseudocaule da cultura foram as causas da baixa uniformidade nestes dois últimos sistemas. Em continuidade a estes trabalhos, Quaresma (1999) identificou resultados de uniformidade e eficiência de irrigação por microaspersão em várias frutíferas dos projetos Gorutuba e Jaíba. Os resultados comprovam os excelentes resultados de uniformidade de irrigação na maioria dos lotes avaliados. A uniformidade da irrigação tem como objetivo básico melhorar a produtividade e/ou a rentabilidade da propriedade. Nas situações em que a água é abundante e seu preço muito baixo, os problemas de um manejo inadequado não são destacados, talvez porque os problemas causados são de caráter indireto ou de longo prazo. No entanto, quando a água é limitada, caso de muitas regiões brasileiras, um manejo eficiente tem implicações muito importantes, tanto pela necessidade de atender às demandas agrícolas, como pela competitividade com outras demandas. 476 As perdas durante a aplicação da irrigação e as perdas por percolação significam menor disponibilidade de água para a cultura e maior custo de produção. A falta de uniformidade da irrigação implica excesso de água em uma parte do campo e sua falta em outra, a necessidade de aumentar a lâmina de irrigação para se atingirem melhores produtividades. A pressão de serviço (PS) dos emissores (aspersores, microaspersores e gotejadores) é outro fator importante a ser considerado na análise de uniformidade. Apesar de o controle da pressão ser uma tarefa simples, a falta de conscientização sobre a sua importância faz com que a maioria dos sistemas tenha deficiência ou total falta de infra-estrutura para medidas, ajustes e controle da pressão. Quando o intervalo de variação permitida de pressão ao longo de uma tubulação com aspersores é pequeno, ou quando seu comprimento é muito grande, recomenda-se a utilização de reguladores de pressão (de qualidade), colocados na base do aspersor, para que o sistema tenha condições de trabalhar dentro dos limites técnicos. Um exemplo típico dessa situação acontece no pivô central de baixa pressão. Nele, a perda de carga, em virtude do grande comprimento da tubulação aérea, causaria grande variação na vazão nos aspersores (difusores), incompatível com a uniformidade de aplicação de água desejável. Neste caso, a presença dos reguladores eliminaria o excesso de pressão no início da linha, para que todos trabalhassem sob uma mesma pressão. A eficiência da aplicação de água depende, em grande parte, de uma adequada manutenção do sistema de irrigação. A manutenção abrange todas as etapas que visem a conservar o equipamento ou a estrutura implementada em condições de funcionamento adequado. Canais, drenos, tubulações, motobombas, aspersores, gotejadores, sistema de movimentação e outros componentes apresentam desgastes e alterações que exigem acompanhamento ao longo do tempo, e, no momento oportuno, devemse substituir os componentes e ajustar as estruturas. Não existem recomendações gerais para um plano de manutenção, principalmente pela quantidade de sistemas de irrigação e pela grande variabilidade de condições de funcionamento. Equipamentos mais 477 complexos, como o pivô central ou o autopropelido, vêm acompanhados de manuais que especificam a manutenção periódica e contêm informações que devem ser ajustadas às condições nas quais são utilizados. Na irrigação por superfície, as etapas mais importantes relacionam-se à manutenção dos canais e drenos, com a adequada uniformidade da superfície do solo e com os sistemas de distribuição de água aos sulcos, às faixas ou aos tabuleiros. A irrigação pressurizada (aspersão e localizada) necessita de que o sistema de bombeamento proporcione água em quantidade e pressão compatíveis com o sistema utilizado. Para isso, é necessário avaliar o funcionamento do motor e da bomba, substituindo e ajustando os componentes com problemas. As tubulações não devem perder água nas junções, e as possíveis ocorrências devem ser imediatamente eliminadas. As juntas de borracha, presentes nas conexões das tubulações, não devem ressecar e, no período em que o sistema não esteja sendo utilizado, as tubulações devem ser guardadas em locais onde as borrachas fiquem protegidas da incidência direta dos raios solares. Os componentes responsáveis pela distribuição da água (aspersores, difusores, gotejadores e microaspersores) devem ser permanentemente observados. A substituição ou a recuperação daqueles que apresentam problemas promovem ganhos significativos de uniformidade. Sintetizando, a implementação de programas de manutenção preventiva e corretiva, fundamental para se obter um manejo cada vez mais adequado de irrigação, vem proporcionar também maior eficiência na quimificação. 5.4 - Implementação de um Programa de Manejo Como descrito anteriormente, um programa de manejo de irrigação, entendido como manejo da agricultura irrigada, implica conhecimento de várias magnitudes e específicos para cada região, cultura, tipo de solo e sistema de irrigação. Infelizmente, ainda não se dispõe de informações básicas, ao nível dos pólos de irrigação do Nordeste e no norte de Minas, como: 478 • o limite ideal de aplicação de água entre a cc e pm para as várias culturas e tipo de solo (arenoso, argiloso, etc.); • a melhor teoria e adaptada às condições locais para se determinar a evapotranspiração de uma cultura de referência (ET), a partir de dados climáticos, além dos coeficientes específicos de culturas (Kc) para as diversas culturas e estádios, que permitam com precisão, a definição da evapotranspiração da cultura; • os valores econômicos de coeficiente de tanque (Kt) para as várias culturas e estádios diferenciados, para cada região, para se obter a ET a partir da evaporação de um tanque. Assim, a implementação de um programa de manejo por parte dos produtores deve ser acompanhado por técnicos especializados, para, ao longo do um tempo, fazer os ajustes necessários, não se limitando apenas ao processo da leitura de dados e proposta de lâmina e tempo de irrigação. Ele deve ser informado dos limites de cada método em cada caso. Para se ter uma idéia de custo dos equipamentos que podem ser utilizados, observadas as suas limitações, apresenta-se, a seguir, uma tabela indicativa, obtida a partir de consultas a fabricantes e junto a propriedades que os utilizam no Brasil, para uma área irrigada entre 50-150 ha. TABELA 4 CUSTOS DOS EQUIPAMENTOS Tipo de equipamento Tensiômentos Sondas de nêutrons Tanque classe “A” Estações meteorológicas Custo (US$) do investimento 500 3500 1000 5000 a 8000 FONTE: Elaboração dos autores. NOTA: As estações meteorológicas são compostas de: sensores científicos com informações de intervalo de leitura e precisão para medida de temperatura, umidade relativa, radiação, vento, chuva, umidade foliar; sistema de leitura in loco; sistema de aplicação. 479 6 - FORMAS DE NORMATIZAÇÃO E PADRONIZAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DE IRRIGAÇÃO Neste capítulo, procura-se descrever as formas de normatização e padronização dos equipamentos de irrigação, tanto existentes no Brasil como no exterior, que buscam garantir desempenho, eficiência e funcionamento especificado pelo fabricante. A agricultura irrigada compreende alguns fatores essenciais, associados às características da área irrigada, do clima, dos cultivos, da água, do solo e do produtor irrigante. Tais fatores devem ser considerados de forma eficiente e só terão influência no sucesso da atividade, se o produtor irrigante estiver motivado e puder contar com a certeza da ocorrência oportuna, de forma favorável, ao longo de cada uma das fases do projeto de irrigação (planejamento, implantação e produção) e da drenagem agrícola. Dentre os fatores essenciais ao sucesso da agricultura irrigada, ocorrem o interesse do produtor irrigante, como ente mais importante e central, e os componentes do sistema de irrigação. São específicos a esse aspecto as “máquinas e os equipamentos” de captação de água, para bombeamento, derivação, controle, medição e aplicação de água, os canais e tubulações, os componentes de suporte elétrico; as máquinas e implementos necessários à sistematização, à produção; as tubulações e peças acessórias destinadas à irrigação e drenagem agrícola; a pesquisa tecnológica, assistência técnica e capacitação para o uso das máquinas e equipamentos e, em especial, as normas técnicas associadas à melhoria de qualidade, elevação de vida útil e garantia das partes (fabricante, distribuidores e consumidores). Na tentativa de obter sucesso na agricultura irrigada, o produtor tem-se deparado com falhas no que se refere à oportunidade de cada fator, na obtenção de custos mais baixos e de melhorias em qualidade e durabilidade, seja das máquinas e dos equipamentos requeridos para as infra-estruturas de condução e distribuição de água de uso comum, seja dos sistemas de aplicação de água aos cultivos e naqueles associados à retirada de excedentes de água por meio da drenagem agrícola. 480 As questões relativas às máquinas, equipamentos e implementos para agricultura irrigada relacionam-se mais intensamente com as atividades de pesquisa e tecnologia, difusão tecnológica, assistência técnica, capacitação e instrução agrícola e, em especial, com o desenvolvimento da normatização de sistemas de irrigação e drenagem, relativos tanto à infra-estrutura de uso comum como à parcelar de irrigação, sem desconsiderar as características locais, sociais, econômicas, técnicas ambientais e do sistema de produção agrícola adotado. Os aspectos mais importantes vinculados aos equipamentos a serem considerados, são: a) As máquinas, os equipamentos e os implementos componentes das infra-estruturas de uso comum e parcelares dos projetos de irrigação que devem: permitir o uso racional e eficiente de energia, a otimização na condução adequada na distribuição de água e proporcionar economia na quantidade de água aplicada aos cultivos. b) A adaptabilidade dos equipamentos às características de qualidade da água, que deve ser verificada, também quanto ao poder incrustante, como de corrosividade da água, de forma a construírem-se obras civis, associadas às máquinas e equipamentos, de longa vida útil, com alto padrão de qualidade, sem riscos de perda precoce dos componentes e a preços que tornem atrativa a adoção da prática de irrigação e drenagem agrícola. c) A existência de uma base de normas técnicas que permita a garantia das partes (fabricantes, distribuidores e consumidores), no que respeita à competitividade, uniformidade, qualidade e reposição de peças, duração (vida útil) dos equipamentos e responsabilidades, diante do desempenho indicado e observado. d) O fato de que a drenagem agrícola, especialmente nas áreas semi-áridas, pode reduzir os riscos de salinidade e possibilitar o incremento da produção, com necessidade de indicação clara dos benefícios, diante dos custos que tornem sua adoção viável. 481 6.1 - Função e Objetivos da Normatização dos Equipamentos de Irrigação e Drenagem A necessidade de expandir a produção agrícola, sob irrigação, e, ao mesmo tempo, poupar os limitados recursos hídricos e preservar o meio ambiente orienta de maneira específica a questão da qualidade técnica dos métodos e sistemas de irrigação e a normatização, a certificação e qualidade dos sistemas de irrigação, que são fatores essenciais à eficiência e durabilidade. A agricultura irrigada moderna pode tomar partido de tais fatores, para se adequar à crescente competição pelo uso da água e também para alcançar a sustentabilidade relativa ao aumento da demanda por alimentos da população mundial e ao mercado globalizado competitivo. As normas possibilitam também uma referência técnica segura e ampla, baseada num consenso técnico internacional, que representa a garantia aos participantes do comércio internacional e auxilia no desenvolvimento e na disseminação das técnicas de irrigação e drenagem agrícola, bem como facilitam a ampliação de sistemas, ou a reposição de peças de um projeto, mesmo nas situações em que há necessidade, ao longo do tempo, de que ocorram distintas licitações, às vezes com compras de diferentes fabricantes, uma vez que possibilitam uniformizar os produtos. Assim, as normas internacionais podem ser facilmente utilizadas e adaptadas, de acordo com as diversas e específicas condições regionais e nacionais. Ou seja, uma norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) pode servir de base a uma norma International Standard Organization (ISO), e algumas normas ISO têm sido adotadas como normas NBR/ABNT. Um grande avanço na irrigação mundial ocorreu no período entre 1960 e 1980, tanto nos países desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento. Tal fato proporcionou um acréscimo na produção agrícola, que permitiu atender à demanda por alimentos da população mundial, pela garantia de produção e aumento da produtividade. 482 Apesar da tendência mundial de redução do ritmo de desenvolvimento, de expansão da irrigação, observado desde a década de 80, tornam-se necessários, a longo prazo, o incremento de produção nas áreas irrigadas e também a continuidade na implantação de irrigação em novas áreas. Para que isto ocorra à agricultura irrigada moderna, devese levar em conta: - o acréscimo de competição pelos escassos recursos hídricos, implicando constante pesquisa acerca dos insumos mais adequados e eficientes, seja reduzindo as perdas nos sistemas condutores e distribuidores e de aplicação de água ao nível parcelar, seja melhorando a uniformidade de aplicação de água aos cultivos; - a necessidade de obtenção de alta produtividade de forma sustentável e em grande escala, utilizando uma agricultura irrigada que respeite o meio ambiente e seja manejada de forma eficiente pelos agricultores; - a boa qualidade das obras civis e equipamentos, que, associados ao conhecimento técnico adequado, são os mais importantes fatores no direcionamento da implementação e supervisão dos sistemas de irrigação e drenagem. O uso da irrigação disseminado mundialmente e o desenvolvimento das técnicas de irrigação nas áreas áridas, semiáridas, bem como nos países com áreas mais úmidas que adotam irrigação suplementar, ocasionaram o desenvolvimento de uma importante indústria produtora de equipamentos. Muitos componentes são de diferentes origens; acessórios são fornecidos por mais de um fabricante de um país, outras partes dos equipamentos provêm de diferentes fabricantes ( às vezes de outros países), significando importante parcela dos negócios desde subsetor no mercado internacional. A qualidade e o nível de desempenho dos equipamentos e de seus componentes são fatores essenciais da eficiência plena e da durabilidade dos projetos de irrigação, que têm componentes diversos, equipamentos e acessórios. Os trabalhos de normatização situam-se na perspectiva do mercado internacional e inter483 regional, e possibilitam a referência técnica requerida ao comércio internacional e nacional, preservando a garantia dos usuários e oferecendo base comum competitiva aos fabricantes e fornecedores. Observa-se uma rápida evolução da irrigação em alguns países. Este avanço está baseado em métodos de irrigação, poupadores de água, e possibilitam combinar dotação de água com a aplicação de nutrientes e elementos químicos usados na agricultura, de maneira a tornar competitiva a participação no ambiente globalizado atual. Os primeiros avanços acorreram com as técnicas de irrigação por aspersão. Estas permitiram maior liberdade de implantação de projetos, em relação às limitações de topografia, evitando movimentos de terra para sistematização, que são exigidos pela irrigação por superfície, possibilitando condução e aplicação de água em diferentes pontos das propriedades agrícolas. A irrigação também evoluiu com máquinas que moviam automaticamente sobre as áreas cultivadas com aspersores e canhões de média e alta pressão. Posteriormente, as técnicas de irrigação de aplicação de baixo volume de água (irrigação localizada) possibilitaram a dotação de água individual, direcionando água a pontos de maior eficiência de aplicação de água, a cada cultivo, próximo às raízes, evitandose saturação dos solos e a irrigação de áreas onde não há plantas. Este método utiliza emissores de irrigação localizada, tais como: gotejadores e microaspersores que funcionam a baixa pressão. Em conjunto com a implementação dessas novas técnicas, foi possível notar um rápido crescimento dos investimentos aplicados nas áreas irrigadas e no uso de casas de vegetação (estufas). Dentre os elementos essenciais para o sucesso na implementação de projetos de irrigação, ocorre a adoção de equipamentos, conforme especificados nas normas, o que permite garantias, especialmente relacionadas às dimensões, resistência, desempenho e durabilidade. O desenvolvimento da irrigação, baseado no progresso científico, deve-se em grande parte à disponibilidade de dados observados de desempenho, tanto no campo como em laboratório, 484 que resultaram na melhoria de qualidade, no planejamento e na operação dos sistemas em condições de campo. As normas que envolvem especificações são também necessárias às corretas medições e controle, que passam a permitir a uniformidade de procedimentos relativos a: métodos e ensaios em laboratórios; métodos de verificação e avaliação de desempenho em condições de campo; uso de equipamentos de medição (inclusive de água); uso de equipamentos para regulação, controle e automação. A normatização de equipamentos de irrigação também auxilia: - a obter referências técnicas amplas acerca de equipamentos, acessórios e sistemas, com especificações mais precisas; - a entender as falhas, deficiências e quais melhorias podem facilitar o comércio entre os países e produtores distintos, propondo numa linguagem técnica comum; - na compatibilidade entre os equipamentos fabricados por diferentes indústrias e países, possibilitando dimensões e especificações comuns, expressas no Sistema Internacional de Medidas em Unidades Comuns; - no controle das compras e instalações, possibilitando teste por lotes de equipamentos de cada remessa ou de acordo com certificados de inspeção e ensaios prévios; - no controle do sistema de irrigação em operação; avaliando o desempenho nas condições de campo, fornecendo aos usuários o conhecimento detalhado e a capacidade operacional para ajustar e melhorar o calendário agrícola com a alocação de água e o manejo da instalação, podendo permitir a melhoria de projetos e de operação a cada safra. As medições são indispensáveis para todos estes estádios e podem ser executadas com auxílio das normas. Os avanços por meio de medições decorrem, sem dúvida, de uma vantagem oferecida pela normatização. 485 6.2 - A Situação da Normatização de Equipamentos de Irrigação no Brasil A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), com o apoio da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ) e do Sindicato Nacional da Indústria de Máquinas (SINDIMAQ), tem-se dedicado, desde a década de 80, à normatização técnica para o setor de irrigação e drenagem agrícola. Atualmente, no âmbito do CB-04 do Comitê Brasileiro de Máquinas e Equipamentos Mecânicos e o Subcomitê 015 – Máquinas e Implementos Agrícolas, ocorre a CE 08 – Comissão de Estudos dedicada à Irrigação e Drenagem. Ao longo deste período (1982 a 1999), ocorreram as seguintes normas: 486 QUADRO 2 NORMAS ABNT N.º NBR N.º ABNT 8216:1983 8988:1985 8989:1985 9617:1986 9808:1987 9809:1987 9810:1987 9811:1987 9812:1987 10564:1988 10565:1988 10566:1988 10567:1988 10568:1988 11085:1990 NB-1235:1989 TÍTULO Irrigação e Drenagem Aspersores para irrigação – Avaliação de características operacionais Aspersores para irrigação – Avaliação da distribuição de água Lonas de polietileno de baixa densidade para impermeabilização de canais de irrigação Junta elástica defofo PN 125 de tubos de PVC rígido para sistemas permanentes de irrigação – Verificação de desempenho Tubos de alumínio PN 8o com junta de engate rápido para irrigação Tubos de alumínio para irrigação – Determinação da resistência à pressão hidrostática interna de curta duração Junta elástica de engate rápido de tubos de alumínio PN 80 para irrigação – Verificação do desempenho Tubos de alumínio para irrigação – Determinação da tensão de escoamento, tensão de ruptura e do alongamento Tubo de polietileno para irrigação Tubo de polietileno para irrigação – Verificação da resistência à pressão hidrostática interna de curta duração a temperatura de 20ºC Tubo de polietileno para irrigação – Verificação da resistência à pressão hidrostática interna prolongada às temperaturas de 70ºC e 80ºC Tubo de polietileno para irrigação – Verificação da estabilidade dimensional Tubo de polietileno para irrigação – Verificação da resistência a agente acelerador químico Emprego de tubos de pressão de fibrocimento em sistemas de irrigação (continua) 487 QUADRO 2 NORMAS ABNT (continuação) N.º NBR N.º ABNT 11095:1990 11381:1990 MB-3129:1989 EB-2029:1990 11382:1990 MB-3191:1990 11383:1990 MB-3192:1990 11384:1990 MB-3193:1990 11385:1990 MB-3194:1990 11386:1990 MB-3195:1990 11971:1992 MB 3106:1989 11972:1992 MB 3107:1989 11973:1992 MB 3108:1989 488 TÍTULO Talhas de corrente com acionamento motorizado – Ensaios Mangueiras de elastômero reforçadas com fibras têxteis para sistema de irrigação por aspersor autopropelido Mangueiras de elastômero reforçadas com fibras têxteis para sistema de irrigação por aspersor autopropelido – Verificação da resistência à pressão hidrostática interna de curta duração Mangueiras de elastômero reforçadas com fibras têxteis para sistema de irrigação por aspersor autopropelido – Verificação do alongamento Mangueiras de elastômero reforçadas com fibras têxteis para sistema de irrigação por aspersor autopropelido – Verificação do raio de curvatura Mangueiras de elastômero reforçadas com fibras têxteis para sistema de irrigação por aspersor autopropelido – Verificação da taxa de deslocamento entre o elastômero e o tecido Mangueiras de elastômero reforçadas com fibras têxteis para sistema de irrigação por aspersor autopropelido – Verificação da resistência à tração Composto e tubo de polietileno PE 2,5 AV com elevada resistência a UV – Verificação da dispersão do negro-de-fumo Composto e tubo de polietileno PE 2,5 AV com elevada resistência a UV – Determinação do coeficiente de absorção da radiação ultravioleta Composto e tubo de polietileno PE 2,5 AV com elevada resistência a UV – Determinação do tempo de indução oxidante (continua) QUADRO 2 NORMAS ABNT (conclusão) N.º ABNT TÍTULO 11974:1992 N.º NBR MB 3109:1989 11975:1992 MB 3110:1989 11976:1992 MB 3111:1989 Composto e tubo de polietileno PE 2,5 AV com elevada resistência a UV – Determinação da resistência à queda sob tensão Composto e tubo de polietileno PE 2,5 AV com elevada resistência a UV – Determinação do envelhecimento térmico acelerado Composto e tubo de polietileno PE 2,5 AV com elevada resistência a UV – Verificação da resistência à queda sob tensão Requisitos para elaboração de projeto de drenagem superficial para fins agrícolas Requisitos para elaboração de projeto de drenagem subterrânea para fins agrícolas Drenagem Agrícola – Simbologia e Terminologia Sistema de irrigação por aspersão por pivô central - Característica de desempenho Tubos de PVC rígido defofo PN 60, PN 80 e PN 125 com junta elástica para sistemas permanentes de irrigação Tubos de PVC rígido com junto soldável ou elástica PN 40 e PN 80 para sistemas permanentes de irrigação 14143:1998 14144:1998 14145:1998 14244:1998 14311:1999 14312:1999 FONTE: Elaboração dos autores. Em fase de estudos, no CB.04:SC.015. CE.08 para provavelmente serem publicadas como normas NBR, encontram-se: 489 QUADRO 3 NORMAS EM ESTUDO PROJETO 04:015.08-012 TÍTULO Equipamentos de irrigação agrícola – aspersores rotativos: Parte 1 – Requisitos para projetos e operação. (Corresponde à Revisão da NBR 8988:1985 e formatação para ABNT/NBR da Norma ISO 7749.1) 04:015.08 013 Equipamentos de irrigação agrícola – aspersores rotativos: Parte 2 – Uniformidade de distribuição e métodos de ensaio. (Corresponde à Revisão da NBR 8989:1985 e formatação para ABNT/NBR da Norma ISO 7749.2) 04:015.08 014 Tubos conjugados flexíveis do PEAD (Estudo de Grupo) 04:015.08 004 Conexões de PVC rígido para tubos PN 40 e PN 80 para irrigação (Estudo de Grupo) 04:015.08 005 Conexões de PVC rígido para tubos de engate rápido (Estudo de Grupo) 04:015.08 006 Tubos de PVC rígido com junto soldável agropecuário para sistemas permanentes de irrigação e instalações rurais (Texto base concluído para aprovação do Grupo de Trabalho) 04:015.08 007 Requisitos básicos para projeto e operação de sistemas para quimigação (Estudo de Grupo a Proposta aguarda a Norma ISO equivalente para se constituir em NBR) 04:015.08 Tubo de ferro dúctil para irrigação. (Corresponde à revisão da Norma ABNT/NBR 1060:1989) FONTE: Elaboração dos autores. 490 6.3 - As Normas Internacionais para Irrigação Relativo às normas internacionais para irrigação, existem os seguintes organismos: O Comitê Técnico 23 com o Subcomitê 18 da ISO. (The International Organization for Standardization ISO/TC 23/SC 18), foi criado em 1979 e concluiu mais de 30 normas. O Brasil é membro participante (membro P) com direito a voto, no Comitê Técnico da ISO, que trata de equipamentos de irrigação. QUADRO 4 RELAÇÃO DE NORMAS DESENVOLVIDAS E APROVADAS PELA ISO (SC 18) NÚMERO ANO TÍTULO ISO 7714* 1985 Volumetric valves - General requirement and test methods ISO 7749/1* 1986 Rotating sprinklers part 1 - Design and operation requirements ISO 7749/2* 1990 Rotating sprinklers part 2 - Uniformity of distribution and test methods ISO 8926* 1985 Irrigation sprayers - General requirements and test methods ISO 8224/1* 1985 Traveler irrigation machines - part 1 - laboratory and field test methods ISO 8224/2 1991 Traveler irrigation machines - part 2 - softwall house and couplings - test methods ISO/TR 8059 1986 Automatic irrigation systems - hydraulic control ISO 9260 1991 Emitters - specifications and test methods ISO 9261 1991 Emitting pipe systems - specifications and test methods ISO 9635 1990 Hydraulically operated irrigation valves ISO 9911 1993 Manually operated small plastics valves ISO 9912/2 1992 Filters part 2 - Strainer-type filters ISO 9912/3 1992 Filters part 3 - Autimatic self-cleaning strainer-type filters ISO 9644 1993 Pressure losses in irrigation valves - test method ISO 10522 1993 Check valves ISO 9952 1993 Direct acting pressure regulating valves ISO 11545 1995 Determining the uniformity of water distribution of center pivot and moving lateral irrigation machines equipped with sprayer or sprinkler nozzles - test procedures DIS 12374 Wiring and equipament for electrically driven or controlled irrigation machines DIS 11678 Aluminium irrigation tubes FONTE: Elaboração dos autores. Nota: Os títulos foram mantidos na língua inglesa. * Normas que estão em fase de revisão. 491 6.3.1 - Normas recentes As normas da ISO (TC 23/SC 18) com as quais ocorrem avanços são: ISO/DIS 13460 - Agricultural irrigation equipament – Plastics saddles for polyethilene pressure pipes ISO/DIS 8224-1 Traveller irrigation machines – Part1: Laboratory and field test method ISO/DIS 8026 - Agricultural irrigation equipament – Sprayers – General requirements and test methods 6.3.2 - Normas que estão sendo preparadas São as seguintes (com a indicação do seu número e líder de projeto Project Leader): ISO/CD 7714 - Agricultural irrigation equipament – Volumetric valves – General requirements and test methods (Mr. R. Perez, Israel) ISO/CD 8026 Agricultural irrigation equipament – Sprayers – General requirements and test methods (Mr. A. Marcu, Israel) ISO/CD 8224-1 - Traveller irrigation machines – Part 1: Laboratory and field test method (Mr. D. Baudequin, France) ISO/CD 9260 Agricultural irrigation equipament – Emitters – Specification and test methods (Mr. A. Marcu, Israel) ISO/CD 9261 Agricultural irrigation equipament – Emitting pipe systems – Specification and test methods (Mr. A. Marcu, Israel) ISO/9644/DAM 1 - Agricultural irrigation equipament – Pressure losses in irrigation valves – Test methods – Amendment 1 ISO/DIS 9912-1 - Agricultural irrigation equipament – Filters – Part 1: Classification (Mr. A. Marcu, Israel) ISO/CD 11545 Agricultural irrigation equipament – Centre pivot and moving lateral irrigation machines with sprayer or sprinkler nozzles – Determination of uniformity of water distribution (Mr. A. Dedrick, USA) 492 ISO/DIS 11738 ISO/DIS 13457 - ISO/CD 13458 ISO/WD 15081 ISO/WD 15873 - Agricultural irrigation equipament – Control heads (Mr. A. Marcu, Israel) Agricultural irrigation equipament – Water-driven chemical injector pumps (Mr. Y. Penadille, France) Chemical injection tank units (Mr. A. Marcu, Israel) Graphic symbols for pressurized irrigation systems design (Mr. A. Marcu, Israel) Irrigation equipament – Differential pressure Venturi fertilizer injectors (Mr. A. Mazzei, USA) A situação da preparação de normas na ISO SC-18 é a seguinte: Novos projetos de Norma ISO/NP 15155 - Laboratory test equipament purposes – Technical report for irrigation Projetos de Norma em fase adiantada nos Grupos Técnicos ISO/WD 15081 ISO/WD 15886-1 ISO/WD 15886-2 - ISO/WD 15886-3 - ISO/WD 15886-4 ISO/WD 15873 ISO/WD 15904 - Graphic symbols for pressurized irrigation systems design (ISO TC 23 / SC 18 N 444) Irrigation equipament - sprinklers – Part 1: Classification (ISO TRC 23 / SC 18 N) Irrigation equipament - sprinklers – Part 2: Design and operational requirements (replacing ISO 7749-1: 1995) (ISO TC 23 / SC 18 N) Irrigation equipament - sprinklers – Part 3: Uniformity of distribution and test methods (Revision of ISO 7749-2: 1990) (ISO TRC 23 / SC 18 N) Irrigation equipament - sprinklers – Part 4: Test methods for durability (ISO TRC 23 / SC 18 N) Irrigation equipament - Differential pressure Venturi fertilizer injectors (ISO TRC 23 / SC 18 N) Safety devices for chemigation (ISO TC 23/SC 18 N 460) 493 Projetos de norma em estádio de Projeto de Comitê (CD) ISO/CD 7714 - Agricultural irrigation equipament – Volumetric valves – General requirements and test methods (ISO TC 23/SC 18 N 442) ISO/CD 8026 Agricultural irrigation equipament – Sprayers – General requirements and test methods (ISO TC 23/SC 18 N 451) ISO/CD 8224/1- Traveller irrigation machines – Part 1: Laboratory and field test method (ISO TC 23/SC 18 N 419) ISO/CD 9260 Agricultural irrigation equipament – Emitters – Specification and test methods (ISO TC 23/SC 18 N 451) 6.4 - Vinculações das Organizações que tratam das melhorias dos Equipamentos de Irrigação As grandes vinculações externas da ISO e do Comitê Técnico (TC 23/SC 18) ocorrem com as seguintes entidades: - ICID: International Comission on Irrigation and Drainage (Nova Delhi) - CEMA: Comitê Europeu de Construção de Mecanismos Agrícolas (Paris) - FAO: Food and Agriculture Organization (Roma) - CEN/TC Comitê Europeu de Normatização (Paris) Há também os indicativos e trabalhos da American Society of Agricultural Engineer’s (ASAE) e do Comitê Europeu de Construção de Mecanismos Agrícolas (CEMA) e os trabalhos com a International Comission on Irrigation and Drainage (ICID). Existe um trabalho conjunto entre a ICID e a ISO (TC-23 / SC-18), com intercâmbio de informações. Os especialistas do SC18 participam ativamente dos encontros da ICID. Os trabalhos do TC 23/SC-18 estão ligados a diversos grupos de trabalho da ICID: irrigação mecanizada, irrigação localizada, desempenho de irrigação e terminologia/dicionário de termos técnicos em irrigação. 494 As duas entidades beneficiam-se do intercâmbio de documentos, e as definições do SC-18 têm sido comunicadas à ICID, enquanto os documentos sobre equipamentos mecanizados de irrigação superficial têm sido enviados ao SC-18 para estudos. As duas entidades tentam solucionar questões diferentes e complementares, quanto a dimensões escalas, o mundo industrial e os produtos do SC-18, as técnicas operacionais para melhoria dos sistemas de irrigação pela ICID. Os objetivos da ICID são de informar a comunidade mundial sobre as técnicas para adaptação e seleção de experiências e resultados de pesquisas mais recentes, desenvolver o intercâmbio de informações para se obter, com regularidade, a situação da evolução tecnológica e tendências. Por seu lado, o SC-18 possibilita dados de medição e metodologias para a avaliação, permitindo melhorar a qualidade e desempenho tecnológico dos sistemas de irrigação e contribuir para disseminação mundial das técnicas de irrigação. Tanto a ICID como o SC-18 procuram a promoção e disseminação dos documentos de informação técnica direcionada aos usuários e técnicos orientadores dos irrigantes. As duas organizações tiram partido do intercâmbio de informações. As normas são rapidamente concluídas, devido em parte ao conhecimento que o ICID detém, ao interesse no acompanhamento da evolução e de suas aprovações. A ICID também possibilita a disseminação, para a comunidade mundial, da experiência tecnológica acumulada por alguns países ou de conhecimento da disponibilidade de centros de ensaios, de laboratórios e organizações de controle de qualidade de equipamentos de irrigação. Até o momento, as normas de irrigação têm sido especialmente desenvolvidas e utilizadas largamente nos países industrializados, onde há laboratórios para ensaios e organismos de certificação. Existe um crescente número de especialistas preocupados com o assunto e solicitam auxílio do SC-18 ou de técnicos de países 495 mais avançados, para implementar manuais de normatização, certificação e controle de qualidade de sistemas de irrigação. 6.5 - Vantagens da Normatização para Irrigação A normatização é indispensável no aspecto de qualidade, pois constitui o primeiro estádio do processo de obtenção de qualidade (normatização, certificação e qualidade), fornecendo numa base de referência comum. Uma alta qualidade de sistemas e equipamentos propicia a elevação da precisão e da otimização de distribuição de água nas parcelas e a alta uniformidade de aplicação de água aos cultivos, permitindo reduzir perdas e desperdícios. Permitem o uso mais eficiente das técnicas modernas de irrigação, o planejamento do total de água a ser aplicado e o momento adequado de rega, fornecendo condições operacionais para reduzir o montante de produtos químicos que alcançam os lençóis de água subterrâneos, possibilitando maior proteção ambiental. Estes avanços permitem a valorização dos recursos hídricos disponíveis e proporcionam um melhor conhecimento e elevação do grau de confiança no sistema, levando à melhoria das possibilidades do sistema de controle e permitindo uma operação mais firme e racionalidade nas manutenções. Na elaboração das normas, levam-se em conta os interesses expressos por diferentes parceiros e pelo mercado consumidor, o que permite as suas elaborações, tendo em conta os diversos pontos de vista dos vários interessados: - Agricultores, extensionistas e orientadores técnicos, que se preocupam antes de mais nada com a qualidade e durabilidade dos equipamentos e precisam ter o mínimo de informação e de garantia quanto aos critérios de desempenho, necessitam de dados relevantes e com clareza para comparar soluções, alternativas e permitir a decisão e seleção do equipamento mais adequado (Normas de unificação de apresentação de informações técnicas). A certificação assegura que o equipamento adquirido corresponde ao nível de desempenho para o qual foi selecionado. 496 - Fabricantes e distribuidores de equipamentos, para os quais as normas possibilitam simplificar e acelerar as transações ao nível dos mercados internos e internacionais, reduzindo os custos de produção e possibilitando a abertura de novos mercados. - Autoridades do serviço público e tomadores de decisão, que implementam as políticas de melhoria de qualidade e requisitos de normatização e certificação, bem como de compras de equipamentos de irrigação, de forma isenta. - Laboratórios de ensaios e organismos de controle de qualidade. Estas entidades, que são independentes, estão em situação de oferecer seus conhecimentos técnicos para aferições, medições e testes, por instrumentos e métodos, de maneira a recomendar os avanços requeridos, equipamentos de irrigação aos interessados e ao público. - Agências internacionais. Como observadoras, têm uma posição da situação que está ocorrendo e qual a desejável. Têm capacidade de difundir amplamente na comunidade mundial informações relevantes sobre a qualidade dos equipamentos como fatores indispensáveis à adequada operação dos sistemas de irrigação. 497 7 - ANÁLISE GLOBAL E RECOMENDAÇÕES DECORRENTES Visando atender ao estabelecido nos Termos de Referência, o Relatório do Estado da Arte contém a análise da realidade atual da irrigação, em perímetros públicos, localizados no semiárido brasileiro, bem como de países selecionados, descrevendo não só o contexto em que essa atividade foi implantada e se desenvolve na atualidade, mas procurando extrair dela as lições mais relevantes, de interesse para o Novo Modelo de Irrigação. Para tanto, e tendo em vista que o propósito final do estudo, de que o presente Relatório é uma das partes integrantes, é contribuir para a implementação bem-sucedida de um novo Modelo de Irrigação naquela região, realiza-se neste capítulo uma análise global, e apresentam-se algumas sugestões para implementação do Novo Modelo. Entretanto, essas sugestões não esgotam todo o referencial possível desse estudo. Busca apenas iniciar uma discussão que se aprofundará ao longo do desenvolvimento dos trabalhos. Nestas análises e recomendações, observam-se duas abordagens de políticas tais como a de irrigação e drenagem; a geográfica ou de economia regional (detendo-se nos inputs críticos, de que as empresas geradoras de empregos, de produtos / serviços e de renda, ou o aglomerado delas necessitam para serem dinamicamente competitivas) (Haddad, 1998); e a abordagem setorial (em que os diversos atores ou empresas do setor agroindustrial se organizam e se relacionam numa linha de integração vertical, ou seja, em cadeias produtivas e complexos agroindustriais) (Brandão & Medeiros, 1998). Ademais, centrou-se o foco nos papéis desempenhados por diversos atores (institucionais, públicos e privados) na proposição, discussão, aprovação e implementação de normas e instrumentos legais e na constituição e/ou sustentação de aparatos organizacionais que suportam e dão conseqüência aos programas e projetos, integrantes dessa política, observando as vicissitudes que se lhes apresentavam, no espaço e ao longo do tempo, e que, por sua vez, influenciavam as atividades econômicas no interior da cadeia produtiva. Em última instância, as referidas atividades é que dão a medida da efetividade dessa política. 498 Relativamente aos países analisados, cabe realçar as seguintes observações, por certo relevantes, para a avaliação da atual política de irrigação em curso no Brasil e, sobretudo, para a implementação do novo modelo proposto: i. a utilização da irrigação tem sido uma estratégia bemsucedida para, através da redução do risco tecnológico, diminuir a oscilação na produtividade agrícola e incrementar a taxa de ocupação / utilização de terras, ampliando a oferta de alimentos, de fibras, criando empregos estáveis e melhorando a renda agrícola, além de contribuir para a redução das desigualdades interregionais. No semi-árido nordestino, a oferta hídrica e de terras com adequada aptidão agrícola é uma condicionante crítica à consecução de quaisquer daqueles objetivos; ii. tal iniciativa sempre foi muito induzida e/ou apoiada pelo setor público, independentemente do regime político imperante e do estágio de desenvolvimento em que se encontravam esses países. Não obstante, mudanças nas condições macroeconômicas influenciam, de modo não homogêneo, a forma, intensidade e regularidade do apoio governamental ao setor privado envolvido com a agricultura irrigada. Tais diferenças são explicadas muito mais pela percepção que a sociedade e o governo têm quanto à importância da contribuição que a agricultura deva dar para o desenvolvimento do país e de como devam ser repartidos os papéis e responsabilidades, entre os setores público e privado, do que pelas condições financeiras do erário público; iii. os pesados investimentos iniciais em obras, infraestrutura hidráulica, instalações e equipamentos eletromecânicos, de uso comum, requeridos nos projetos de irrigação e drenagem de médio e grande portes, sempre foram bancados pelos governos, e seus custos apenas parcialmente reembolsados (quando o foram) pelos usuários da água para irrigação. A recuperação desses investimentos e, em muitos casos, de parte dos custos de operação e manutenção dos projetos de irri499 gação é assumida pelo governo, inclusive via maior taxação de outros usos (em projetos de usos múltiplos), como geração de energia elétrica, abastecimento urbano e industrial, principalmente para os quais os beneficiários diretos são mais facilmente identificáveis; iv. dada a complexidade da gestão integrada e sustentada dos recursos hídricos, a qual visa assegurar a oferta, em quantidade e qualidade, de água necessária aos projetos subsetoriais de utilização coletiva desse recurso natural bem como à promoção de um desenvolvimento sustentável e ao crescente constrangimento fiscal e gerencial do setor público, para dar cabo, sozinho, de tarefa tão complexa, a participação dos usuários da água nessa gestão (através de comitês de bacias hidrográficas), assim como em sua explotação (através de associações de usuários da água), intensificou-se, a partir dos anos 80, tanto em economias mais como menos desenvolvidas, independente do regime político imperante; v. esse envolvimento mais amplo do setor privado, nos projetos de irrigação de maior envergadura, invariavelmente se inicia com a transferência aos usuários da água, através de suas organizações, da operação e manutenção da infra-estrutura hidráulica de uso comum e mediante contratos de gestão com a instituição pública, responsável pela identificação, concepção e implantação do projeto de irrigação. Não obstante, em alguns países, ela não se limita à referida etapa. Há formas legais e mecanismos de envolvimento dos usuários desde a fase de concepção e implantação dos projetos de irrigação, como forma de assegurar não só maior transparência, accountability e, assim, maior viabilidade e estabilidade econômico-financeira ao empreendimento como um todo, ao longo do tempo; vi. relativamente à questão ambiental, observa-se uma clara mudança no comportamento das agências governamentais envolvidas não só na gestão, mas também na utilização de recursos hídricos, inclusive para 500 geração de energia hidroelétrica e irrigação. Com efeito, missões e estratégias institucionais, antes centradas na maximização pura e simples do uso da água, vêm sendo revistas, em favor da otimização e estabilidade nos usos da água. Acrescentou-se, por exemplo, ao rol de suas preocupações, a sustentabilidade desses usos. Buscam-se, assim, mecanismos que assegurem aos segmentos usuários da água, sobretudo aos mais frágeis econômica e politicamente, manterem suas atividades econômicas dependentes desse uso intensivo, mas agora de forma a não comprometer sua disponibilidade para todos, em quantidade e qualidade satisfatórias, no presente e no futuro, em observância crescente ao Capítulo 18 da Agenda 21, subscrita na RIO ’92 (Água para produção de alimentos e desenvolvimento sustentáveis). Assim, quanto ao uso da água para irrigação, a preocupação com o balanço hídrico, cada vez mais crítico, e com seu impacto sobre o meio ambiente têm levado governos e agências promotoras de projetos de irrigação, além das organizações de irrigantes e eles próprios, a estimularem, induzirem e mesmo condicionarem a adoção de práticas e métodos poupadores de água, sobretudo em regiões semi-áridas, que vão desde a disseminação do conceito de hidroeconomicidade, na avaliação e controle da eficiência da irrigação, ou seja, adotando-se, além do índice de eficiência física (kg/m³), o indicador de eficiência econômica (valor produzido / unidade de água consumida / unidade de área irrigada), em substituição à dotação de água (volume de água entregue / unidade de área irrigada / tempo); melhor manejo da relação solo-água-planta, incluindo a substituição de cultivos mais exigentes em água por outros, de menor consumo; maior controle da água distribuída e sua cobrança, inclusive sobretaxando demandas adicionais de água, chegando até mesmo à restrição de expansão de áreas irrigadas, onde o conflito pelo uso da água torna-se iminente ou incon501 tornável, pela ameaça ao uso prioritário desta (consumo humano e dessedentação de animais, na legislação de recursos hídricos do Brasil), tolhendo, assim, o desenvolvimento regional. De igual modo, cresce a preocupação e o controle sobre a aplicação racional de insumos modernos na agricultura irrigada, não só para reduzir impactos negativos locais, mas também para conferir-lhe maior vantagem competitiva dinâmica, interna e externamente; vii. uma questão vem desafiando agricultores e governos, ao longo da história da irrigação, e da agricultura em geral: a comercialização da produção, ensejando intervenções de todo o tipo, mas nem sempre com os resultados almejados. Na atualidade, esta questão se aguça, mercê da globalização das atividades econômicas e dos mercados, por conseqüência (graças a inovações nos campos da informática, das comunicações e dos transportes, sobretudo as ocorridas nas duas últimas décadas), que resultaram numa maior liberdade de movimentação para as empresas, tornando o fator tempo por demais crítico, o que, por sua vez, leva as empresas a inovarem permanentemente. Além disso, o tradicional expediente de procurar fugir ao jugo das forças de mercado, através da integração, em uma mesma empresa, de várias etapas da cadeia de valor da indústria, não mais será o único caminho trilhado para obter maior controle do mercado, vez que uma empresa, isoladamente, já não consegue dominar toda a cadeia. Entretanto, não se pode deixar de considerar que ainda está em marcha acelerada, também no mercado mundial de alimentos, a fusão de empresas, de sorte que o número das que operam em cada setor da economia é cada vez mais reduzido. No caso dos produtos da agricultura em geral, a concentração de poder é imensa nos supermercados, inclusive no Brasil da atualidade, a qual reflui para a in502 dústria, contribuindo para acelerar também o processo de fusões de indústrias. Esta concentração de poder é também enorme nas firmas que operam no mercado internacional, o que tem efeito semelhante ao dos supermercados, no que respeita a nossa indústria. Assim, caminha-se para um modelo em que maior coordenação entre os agentes do agronegócio se torna imperativa para a obtenção de eficiência. A concentração do poder de mercado foi o caminho mais trilhado para melhorar a coordenação entre os agentes e eliminar os atritos que a competição acirrada gera. No caso brasileiro (mas não somente nele), possivelmente em virtude de um problema de escala, não caminhamos nos projetos públicos para uma estrutura coordenada que evite desperdícios e atritos desnecessários. À medida que os problemas de escala sejam solucionados, os projetos públicos de irrigação e drenagem devem convergir para uma estrutura coordenada, tanto do ponto de vista da administração do projeto, como da industrialização e comercialização de sua produção. A experiência internacional captada mostra diferentes caminhos seguidos para conviver com essas ocorrências: no Chile, a busca de coordenação através de empresas-líderes, multicomercializadoras e/ou multiprocessadoras; na Espanha, mediante um forte aparato de inteligência de mercado; na França, via apoio governamental ao fortalecimento de organizações de produtores e, nos Estados Unidos da América, via estreita colaboração mútua (regulada por contratos de compra e venda) entre supermercados e multiprocessadoras e produtores, o que mais se aproxima da utopia do jogo de ganha-ganha entre players no mercado. Assim, a expansão da agricultura irrigada no Nordeste parece inexoravelmente atrelada a inovações não apenas tecnológicas, mas organizacionais e operacionais, em todos os elos do agronegócio. Este entendimento é 503 praticamente unânime entre os principais agentes públicos e privados nela envolvidos. Resta ainda por clarear os caminhos a tomar e como conduzir esse processo. Do ponto de vista dos empreendedores, por exemplo, dos envolvidos com a fruticultura irrigada no Nordeste, parece fora de dúvida que eles têm interesse incontestável de transformar o ambiente do mercado interno numa plataforma estimuladora e não inibidora do acesso e permanência no mercado internacional. Em muitos países, com maior tradição nessa travessia, muitas agências governamentais e mesmo empresas-âncoras compreendem, que é sua responsabilidade desempenharem um papel mais ativo na formação de aglomerados e em trabalhar com os compradores, fornecedores e distribuidores domésticos, para ajudá-los a aprimorar e a ampliar a vantagem competitiva de cada um. Assim, elas atuam em rede (networking) visando fortalecer fontes de vantagem competitiva, melhorando a natureza da demanda interna, criando fatores especializados, como recursos humanos, conhecimento científico, informações de mercado e/ou infra-estrutura, etc. O poder público deve facilitar esta evolução, sem procurar acelerá-la abruptamente ou assenhorear-se dela. Mas os projetos mistos deverão ser organizados sob a égide da coordenação. E ela deverá estar especificada no projeto básico; viii. A utilização da irrigação, principalmente nos países com agricultura mais desenvolvida, está acompanhada de uma visão maior numa cadeia produtiva em que alguns fatores como qualidade, organização da produção, tecnologia, mercado, pós-colheita, fazem parte do contexto da política agrícola, como pode ser visto nos casos estudados do Chile, França, EUA, Espanha, Israel. Por outro lado, do exame do estado da arte dos seis pólos localizados no Nordeste brasileiro e norte de Minas, tendo em conta as evidências internacionais supra-mencionadas, podem ser realçadas as seguintes questões, as quais, por sua pertinência e 504 relevância, devem ser consideradas na implementação de um novo modelo de irrigação no país, mais consentâneo com as necessidades e restrições internas e mais bem sintonizado com desenvolvimentos, institucionais e gerenciais, que vêm ocorrendo em países que fazem da agricultura irrigada um poderoso aliado na caminhada para o desenvolvimento econômico e social: i. processo em curso no mundo de transferência do gerenciamento da operação e manutenção de projetos públicos de irrigação e conseqüente devolução de poder, da parte do setor público para os agricultores-irrigantes e suas organizações, também caminha para sua irreversibilidade nos perímetros públicos dos pólos analisados. Eventuais decréscimos verificados na qualidade dos serviços prestados pelos novos gerenciadores decorrem muito mais das precárias condições físicas dos projetos transferidos (seja por não terem sido concluídos, seja pela não manutenção adequada e não-recuperação da infra-estrutura hidráulica, antes da transferência, seja pela assistência técnica insuficiente aos novos operadores do sistema, por parte da agência governamental; ii. existe uma clara disposição e interesse dos irrigantes em não só assumirem as atividades de operação e manutenção, como também seus custos (como forma de assegurar a continuidade e qualidade dos serviços prestados), desde que participem das decisões relacionadas a todo o ciclo do projeto de investimento no perímetro público de irrigação e em projetos já concluídos que não sejam responsabilizados por custos adicionais de O&M, decorrentes de implantação não satisfatória ou inconclusa de tais projetos e cujas deficiências técnicas não tenham sido sanadas antes da transferência; iii. com o advento da nova legislação de recursos hídricos no país (Lei 9.433/97 e suas correlatas estaduais), as organizações de usuários da água para irrigação têm o direito de também participarem do sistema de gestão dos recursos hídricos na bacia hidrográfica onde o projeto de irrigação esteja ou vá ser implantado. É neste 505 novo espaço público ou fórum que as questões relacionadas ao planejamento e gestão da conservação, desenvolvimento e utilização compartilhados daquele recurso natural devem ser decididas em primeira instância administrativa. Desse modo, é crucial que o envolvimento do setor privado em projetos de irrigação contemple sua mobilização para participação ativa também nos processos decisórios de alçada daqueles colegiados, de forma paritária com outros segmentos usuários da água naquela bacia; iv. essa transferência, quando bem conduzida, acelera a adoção do enfoque sistêmico no gerenciamento dos projetos de irrigação na condução dos negócios nele instalados e na mediação dos interesses da comunidade dele participante e/ou por ele impactada, passando de uma visão estrita de obras para um enfoque mais abrangente de desenvolvimento local (regional), “turbinado” pelo agronegócio e ancorado na agricultura irrigada. De outra parte, libera recursos (técnicos e financeiros) da agência governamental para novos empreendimentos de irrigação, agora atuando mais como sponsor, do que como executor de grandes projetos; v. 506 nos últimos anos, estimulados por ações governamentais (federal e estadual), e apoiado por instituições como Codevasf e Banco do Nordeste, tem-se desenvolvido um processo de organização dos produtores que trabalha visando o mercado, o agronegócio, o enfoque em pós-colheita, qualidade, tecnologia de produção controlada, já desvinculado da visão de irrigação x obras. Tal é o caso da Valexport (Petrolina/Juazeiro), Abanorte (norte de Minas), Associação dos Produtores de Café do Oeste Baiano, entre outras. 8 - BIBLIOGRAFIA CONSULTADA ABOUKHALED, A. Fertigation and chemigation: an overview with emphasis on the Near East. In: EXPERT CONSULTATION ON FERTIGATION/CHEMIGATION, Cairo, 1991. Proceedings... Rome: FAO, 1991. p. 5-29. ADEPTA. 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Sua missão é a inovação tecnológica, principalmente através da transferência de tecnologias de comprovada eficiência, que possam contribuir para o melhor aproveitamento dos recursos naturais e da capacidade produtiva do país. Todo o sistema de atuação da Fundação Chile está orientado para a identificação de demandas, nos mercados importadores mundiais e o desenvolvimento de negócios. A Fundação conta com um patrimônio de US$50 milhões, integralizados pelos seus sócios fundadores, a ITT Corporation e o Estado do Chile. Durante seus 21 anos de atividade, a Fundação Chile executou centenas de projetos inovadores 81 Texto elaborado com base em pesquisas feitas nos seguintes Web Sites: INIA – Instituto de Investigaciones Agropecuárias – Chile: www.inia.cl; El Exportador: www.prochile.cl; CORFO – Corporacion de Fomento de la Produccion: www.corfo.cl/index.asp; e Fundación Chile - www.fundch.cl. Também foi consultado o texto PROCHILE. Ministry of Foreign Affairs. Export Promotion Bureau. Santiago. Chile. 1989. Além disso, Mauro Lopes realizou visita ao Chile, recolhendo informações junto aos técnicos das Instituições. 525 na área de negócios que contribuíram significativamente para o desenvolvimento da agroindústria e da irrigação no país, além dos setores de aqüicultura e exploração florestal, com ênfase na exportação. Os programas da Fundação estão centrados nas seguintes áreas de atuação: capacitação e treinamento profissional, consultoria, assistência técnica, controle de qualidade, desenvolvimento de novos produtos e novos processos, com atividades dirigidas para a identificação, desenvolvimento e difusão permanente de novos negócios. A Fundação Chile atua também como “incubadora de negócios”, iniciando uma atividade comercial, desenvolvendo a empresa e, em seguida, transferindo-a para as mãos do setor privado empreendedor. Tem, portanto, um forte componente empreendedor na atuação como iniciadora de negócios, não com o objetivo de explorálos diretamente, mas transferi-los para o setor empresarial privado. Sua estrutura está constituída de um conselho diretor superior, uma diretoria e cinco departamentos, que bem revelam os focos de atuação da instituição: os departamentos de eletrônica e telecomunicações, de recursos marinhos, recursos florestais e os grandes departamentos de marketing e o de finanças e administração. Ela dispõe, em seus quadros, de uma equipe profissional interdisciplinar, formando um brain trust com orientação para negócios, com competências nesta área e com apoio complementar de especialistas e consultores nacionais e internacionais, contratados para tarefas específicas. A instituição dispõe, além disso, de um sistema de busca internacional de competências em tecnologia para atender às necessidades de desenvolvimento de negócios para seus clientes. Para consolidar a introdução no país de novas tecnologias, a Fundação Chile promove e apóia a formação de empresas médias e pequenas que se interessem em desenvolver novos negócios. A estrutura de suporte da Fundação conforma um conjunto de laboratórios de química, microbiologia, aplicação de pesticidas e microeletrônica; dispõe de uma planta-piloto de demonstração para a produção de alimentos, que centraliza as pesquisas dos 526 laboratórios. A instituição conta com uma biblioteca técnica, com o estado da arte da tecnologia nacional e mundial. Os principais serviços oferecidos pela Fundação são: • Suporte de consultoria tecnológica A Fundação, através de seu Departamento Agroindustrial, oferece serviços de consultoria e testes tecnológicos e de assistência técnica em áreas de pesquisa que incluem ensaios com matérias-primas, desenvolvimento de processamento de alimentos, controle de qualidade de produtos frescos, laboratórios de ensaios e testes e projetos de investimento (project finance). A Fundação tem experiência acumulada no campo agroindustrial, além de um grande acervo de projetos de agronegócios. O conhecimento na área de consultoria está disponível para todo o setor, para o desenvolvimento da agroindústria nacional. Os serviços tecnológicos de suporte destinam-se ao melhor aproveitamento das possibilidades nas atividades agropecuárias dentro da melhor tecnologia disponível hoje no mercado. • Desenvolvimento de produtos indutores de demanda de mercado Esta área de atuação tem como objetivo prover novas tecnologias para a produção de cultivos hortícolas, destinados fundamentalmente à exportação, seja em estado fresco, seja em forma processada, com a meta permanente de abertura de novos negócios. As principais pesquisas são: a) a procura de novas espécies com potencial de abertura de mercado externo e integração dessas novas espécies hortícolas às explorações já existentes; b) adaptação de tecnologias de produção e manejo; c) realização de estudos econômicos para avaliar a viabilidade de produção econômica de determinados cultivos hortícolas; e d) execução de programas de assistência técnica a produtores para diversificar a produção. Por encomenda de grupos de empresários e agricultores, o Departamento implementa programas de transferência de tecno527 logia em aspectos específicos da produção e manejo de cultivos de frutas e hortaliças. Desenvolve ainda tecnologia de processamento de produtos em fase de pós-colheita para frutas e hortaliças destinadas ao mercado, tanto frescos quanto para a industrialização. Desenvolve outras atividades como organização de seminários para analisar aspectos técnicos e comerciais das atividades a fim de melhorar os resultados econômicos dos cultivos, além de visitar países produtores e consumidores dos produtos (mais freqüentes no Prochile). Estes seminários se realizam com a participação de especialistas nacionais e internacionais de reconhecida reputação. São promovidos ainda cursos, de pequena duração, de atualização de conhecimentos técnicos para produtores e profissionais do setor. • Consultoria em tecnologia de processamento de alimentos Nesta área, o Departamento Agroindustrial oferece consultoria nos seguintes campos: a) desenvolvimento de novos produtos alimentícios; b) assistência técnica a plantas processadoras de alimentos; c) serviços de controle de qualidade de produtos processados; d) estudos de viabilidade financeira e econômica destinada a projetos agroindustriais; e e) desenvolvimento tecnológico em geral. Para manter e incrementar a rentabilidade e a competitividade na indústria alimentícia é necessário investir na pesquisa. A pesquisa permanente tem desenvolvido novos produtos e melhorado a tecnologia existente para as empresas de produção de alimentos processados. Os exemplos de tecnologia nesta linha são: molho e purês para sobremesa, polpas de frutas para diversos usos (iogurte) e recheio de tortas (pie filling). Têm sido investidos recursos em pesquisas, desde a produção de polpas até as massas recheadas, mediante o emprego de máquinas embutidoras de coextrusão; coquetéis preparados (pisco sour, piña colada, wine coolers) e outros. Esta tem sido uma tecnologia de ponta. • Consultoria e assistência técnica permanente Este tipo de consultoria é oferecido à indústria alimentícia mediante diversas modalidades de contrato, que vão desde assessoria avulsa até contratos permanentes, através dos quais as 528 empresas de alimentos têm direito a consultas técnicas para a solução de problemas tecnológicos (trouble shooting) em forma imediata. A assessoria inclui também serviços permanentes de atualização técnica acerca de materiais de informação tecnológica da empresa, de insumos intermediários, processos e produtos. • Assessoria em controle de qualidade A Fundação oferece serviços de inspeção e certificação de qualidade de produtos alimentícios processados, tais como: conserva, congelados e desidratados de frutas e hortaliças, além da fruta in natura para consumo direto. Nos controles de qualidade são usados regulamentos e normas dentro de padrões nacionais e internacionais (dos países importadores). Foi a Fundação Chile que introduziu no país o controle de qualidade. Seu programa de controle e certificação de qualidade tem cobertura nacional e é reconhecido, pelo setor frutícola chileno, como sua contribuição mais importante para a elevação do Chile à condição de grande país no mercado internacional de frutas, nas duas últimas décadas. Os serviços técnicos de controle de qualidade incluem: a) verificação da qualidade da fruta nos pomares, para conformação de padrões técnicos e colheita; b) controle de fitossanidade; c) verificação da qualidade e padronização da fruta que se destina às instalações embaladoras; d) controle de seleção, manejo e embalagem da fruta na linha de processamento, mediante inspeções permanentes na indústria embaladora, para prevenir defeitos que afetem a qualidade final do produto; e) controle por amostragem estatística no final da linha para determinar a qualidade embalada, conforme a norma exigida pelo cliente importador; e) verificação das condições da fruta na sua chegada ao porto de embarque; e f) certificação de lotes conforme normas previamente acordadas. O controle de qualidade da Fundação Chile para produtos hortícolas é realizado em estreita conformidade com os organismos oficiais de inspeção dos países de destino das exportações. A Fundação Chile, através de certificação de qualidade, garante que a fruta que o país exporta cumpra os requisitos e normas pre- 529 viamente acordados entre os exportadores e os compradores. Esta certificação é importante para o seguro na exportação. 530 • Pesquisa em tecnologia de ponta Várias pesquisas tecnológicas foram adaptadas e desenvolvidas, com tecnologia do exterior, sob encomenda para clientes. Nesta linha deve-se destacar: a) tecnologia para o engarrafamento de suco refrigerado de hortaliças; b) aplicação de agentes dessecantes, como acelerador da secagem solar natural de passas e outras frutas; c) emprego da máquina embutidora Rheon na elaboração de massas recheadas; d) uso de resinas de intercâmbio iônico na elaboração de produtos retificadores; e) processo completo para a produção continua de purê de alho e vários produtos; f) cocção e extrusão de alimentos; g) elaboração de pastas de preparação instantânea à base de farinha de arroz extrudada; h) amaciamento de tâmaras; i) elaboração de polpa congelada de kiwi; e j) processo de produção de suco de cenoura de longa vida (UHT) etc. • Capacitação técnica permanente Para se atingirem elevados padrões de controle e certificação de qualidade são necessários cursos permanentes de treinamento técnico de nível médio, incluindo os produtores, os técnicos de packing houses, frigoríficos e inspetores de pomares. Este programa de cursos treina todos os elos da cadeia acerca de práticas específicas que devem ser seguidas desde o pomar até o porto, para assegurar que o produto final cumpra com as normas para certificação de qualidade requerida. • Análises laboratoriais de apoio à certificação de qualidade A experiência mostrou que, para o incremento das exportações chilenas, foi necessário oferecer serviços de laboratórios especializados para dar suporte ao controle de qualidade. Este aparato tecnológico desempenha um papel fundamental para assegurar a aceitação das exportações hortícolas, tanto para o mercado de frutas frescas como industrializadas, nos países importadores. Técnicos destes países visitam laboratórios chilenos, para a verificação do padrão dos testes feitos. Este serviço inclui o controle de qualidade desde a produção até a indústria alimentícia, em matérias-primas, produtos intermediários, processos e produtos acabados, segundo normas 531 nacionais e internacionais. O serviço é confidencial, assegurando ao cliente absoluta reserva com respeito aos resultados das análises solicitadas. Os laboratórios da Fundação Chile são reconhecidos por diversos organismos oficiais nacionais, tais como o Laboratório Oficial de Certificação, o Instituto Nacional de Normas e o Serviço Agrícola e Pecuário As análises físico-químicas incluem procedimentos como: a) análise química, b) análise de aditivos e conservantes; c) análise de indicadores de deterioração (indoc, histamina, peróxidos etc.); d) análise de composição de gordura e óleo por cromatografia de gases; e) análise de água; f) controle de especificações de produtos; g) análise completa de vinhos e álcoois; e, h) investigações específicas requeridas pelo cliente. A análise microbiológica inclui serviços como: a) análise microbiológica completa, b) monitoria microbiológica de plantas embaladoras e processadoras; c) programas de fitossanidade das plantas; d) orientação para o cumprimento de regulamentos de normas existentes, em termos de padrões de sanidade industrial; e) estudo de produtos para otimizar processos e aumentar sua vida útil; e f) certificação de qualidade microbiológica e físicoorganolética para exportação. Os laboratórios realizam ainda análise de toxicidade de pesticidas e serviços correlatos. Nesta linha, são realizados testes para determinar amplo espectro de diferentes resíduos, tanto organoclorados como organofosforados. Para esta tarefa, os laboratórios dispõem de pessoal altamente especializado com aperfeiçoamento em laboratórios da Europa e dos Estados Unidos (incluindo laboratórios da rigorosa Food and Drug Administration, FDA, dos EUA). • Projetos de investimentos (project finance) Com o propósito de oferecer aos investidores nacionais e estrangeiros alternativas rentáveis de inversão no agronegócio, o Departamento Agroindustrial da Fundação Chile identifica, formula, avalia e implementa projetos de inversão. Esta é uma atividade permanente desse Departamento. 532 Concluindo, a Fundação Chile desempenha um papel importante para atrair o investidor privado para o negócio da fruticultura, na medida em que reduz custos importantes, ao centralizar grande acervo de conhecimento sobre o mercado, tecnologia, assistência técnica e padrões de exigências dos mercados. Ademais, sua atuação na área de promoção e certificação da qualidade é uma atividade indispensável e impossível de ser conduzida individualmente pelos investidores, sobretudo para os negócios voltados à exportação. − Dirección General de Relaciones Económicas Internacionales É uma Divisão (Diretoria Geral) do Ministério das Relações Exteriores do Chile, que implementa as políticas governamentais através das seguintes diretorias (Departamentos): a Dirección de Promoción de Exportaciones (Prochile) e a Dirección de Negociaciones Económicas, • Dirección de Promoción de Exportaciones - Prochile O Prochile é um departamento de promoção das exportações, subordinado à Dirección General de Relaciones Econômicas Internacionales e tem como missão ajudar a promover as exportações chilenas. Além disso, dedica-se também a apoiar as empresas chilenas na exportação de expertise e capacidade gerencial. Assim, o papel desse Departamento governamental é dar apoio aos negócios de exportação chilenos em escala mundial, ou seja, nos principais mercados potenciais e atuais, dando assistência direta no desenvolvimento de contatos comerciais e relações de negócios. Para tanto, ele e o setor privado colaboram ativamente na concretização de seus objetivos. Atualmente, o Prochile trabalha com 220 comitês de exportadores, que aglutinam cerca de 1.700 empresas e conta com 30 escritórios comerciais em todo o mundo. Sob esse propósito comum de exportar, eles elaboram estratégias de desenvolvimento comercial e definem as ações que propiciem condições para que o produto exportável seja efetivamente aquele que o exportador necessita, colocado no lugar e momento certos, ou seja, atendendo aos requisitos de qualidade, armazenagem e expedição. 533 Três linhas estratégicas da atuação do Prochile, que procuram responder às necessidades diferenciadas do setor exportador chileno e ao cenário do comércio internacional, são: (i) apoio à ampliação da base exportadora do país, ou seja, criar as condições que encorajarão novas empresas a se incorporarem ao processo exportador. O Prochile teve atuação destacada no processo de abertura de novos mercados para os produtos da irrigação do país; (ii) apoio à consolidação da base exportadora criada. O Prochile ajuda os exportadores a fortalecerem sua presença nos mercados, a desenvolverem canais de comercialização e na adequação da oferta exportável, adaptando e/ou desenvolvendo novos produtos, através de inovações tecnológicas; (iii) a terceira linha de atuação do Prochile denomina-se desenvolvimento de novos negócios e ocupa-se em assistir empresas exportadoras estabelecidas a assegurarem novos negócios, ou seja, apoiando-as na prospeção de novas oportunidades de negócios, na promoção de investimentos externos e facilitar a concretização de alianças estratégicas; (iv) Preparando-se para os desafios do terceiro milênio, o Prochile está trabalhando para o alcance de seis objetivos, quais sejam: (i) mudar a ênfase no desenvolvimento das exportações para o enfoque baseado no eixo mercadoproduto; (ii) modernizar o Serviço de Informação Comercial; (iii) integrar todas as embaixadas, consulados e escritórios comerciais no exterior em uma única rede computadorizada (network); (iv) adaptar todos os atuais e futuros instrumentos de promoção do Prochile às normas e regulamentações da Organização Mundial de Comércio (OMC); 534 (v) informar, formar e retreinar todo o pessoal do Prochile para adequar-se a esses novos objetivos e abordagens; e (vi) transformar o Prochile em uma corporação pública autônoma, subordinada ao Ministério das Relações Exteriores, mas reportando-se a um Conselho de Diretores misto (público – privado) e a um Comitê Consultivo Setorial. O Prochile conta com uma moderna estrutura organizacional, desenhada especialmente para centrar, de forma eficiente, os esforços de internacionalização das empresas chilenas. Segundo o setor da atividade econômica, o Prochile opera através de três gerências: a de Alimentos, de Bens de Capital e a de Serviços, Insumos Industriais e Bens Industrializados, as quais desenham os objetivos estratégicos específicos e avaliam a gestão dos agentes intermediários. Sua rede externa é composta por 31 escritórios comerciais atuantes em Hamburgo, São Paulo, Bogotá, Nova Iorque, Tóquio, Bonn, Munique, Bruxelas, Madri, Paris, Milão, Londres, Genebra, Toronto, Chicago, Los Angeles, Miami, Washington, Houston, Montevidéu, Buenos Aires, Lima, Caracas, Seul, Hong Kong, Wellington, Cingapura, Sidnei, Joannesburgo, Panamá, Bangcock etc. Através dessa rede externa, o Prochile atende a todas as consultas dos importadores nos seus escritórios centrais, desde a existência do produto até a capacidade exportadora, seus estudos e as empresas que prestam serviços ao importador para o cumprimento da sua missão comercial. Este departamento também divulga publicações de interesse dos importadores sobre os produtos chilenos. • Dirección de Negociaciones Económicas Oferece todas as informações econômicas acerca das diretrizes da política comercial chilena. Harmoniza sua política comercial com os acordos internacionais multilaterais, participando em fóruns multinacionais, promovendo a defesa dos interesses do país na OMC e nos acordos com a OMC e em uma possível associação com os Estados Unidos. 535 Suas funções são: - negociar os acordos comerciais novos, aprofundar os existentes e assumir a responsabilidade executiva em todo foro ou sistema multilateral ou regional, cuja finalidade seja alcançar compromissos sobre as condições de acesso aos mercados de bens, serviços e capitais; - coordenar e solucionar problemas de comércio exterior (tarifas, medidas não- tarifárias, regulamentações sobre comércio e tributação, normas sanitárias e fitossanitárias etc.), quando a administração do problema e sua solução estejam vinculadas a algum dos instrumentos de negociações (GATT, Acuerdo de Complementación Económica (ACE) etc.); - realizar o acompanhamento e administração dos acordos e compromissos comerciais negociados, coordenando, para tanto, as diferentes instâncias públicas e privadas; - atender a problemas e preocupações de associações/entidades e empresas nacionais, incluindo as consultas pertinentes para negociações de acordos com outros países; - apoiar e atender as gestões e requerimentos de informações ou ações próprios da política comercial, que derivem do contexto das relações econômicas bilaterais do Chile; - participar na formulação da posição do Chile nas matérias de competências da DIRECON, no Grupo do Rio, assim como em outros foros políticos de concertação. Cinco unidades departamentais cuidam das seguintes áreas específicas: - Associação para a Integração Latino-Americana (ALADI); - Asian Pacific Economic Cooperation (APEC); - União Européia (EU); 536 - Política Comercial e Organização Mundial do Comércio (OMC); e - Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Além dessas cinco unidades, há departamentos que constituem unidades temáticas, que correspondem às seguintes especializações: - Acesso a Mercados; - Serviços e Propriedade Intelectual; - Assuntos Especiais; e - Investimentos. Atualmente, existem acordos de livre comércio já firmados pelo Chile com países das Américas do Norte e do Sul, incluindo o México, Bolívia, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Canadá e Mercosul. Esses acordos contemplam uma fase de transição, com redução paulatina das tarifas e a eliminação de todas as barreiras não-tarifárias. Estima-se que, em meados da próxima década, mais de 83% dos produtos agrossilvopecuários chilenos entrarão nos países associados livres de tarifas alfandegárias. Acordos adicionais encontram-se em negociação avançada com Panamá e América Central, Cuba, além de um Acordo-Base de Cooperação com a União Européia. Os acordos comerciais subscritos pelo Chile, somados a sua geografia, que permite a proximidade de suas regiões produtoras com os portos, constituem uma vantagem competitiva dinâmica para suas empresas exportadoras. − Corporación de Fomento de la Producción (Corfo) A terceira instituição de fomento do negócio hortícola no Chile é a Corporación de Fomento de la Producción (Corfo), uma das instituições gestoras do esforço para que o Chile se transformasse em um grande país exportador, inclusive de frutas. Ela pertence à estrutura do Ministério de Agricultura e realiza um importante cadastro frutícola do país, nos anos 60, o qual permitiu a elaboração do Plano de Desenvolvimento Frutícola Nacional. Pos537 teriormente, a Corfo passou a fornecer apoio técnico e creditício, visando, principalmente, à mudança no manejo dos pomares e à introdução de novos cultivares, apoio a viveiristas e embaladoras com frigorificação. Uma importante contribuição do Plano foi detectar o desequilíbrio entre a produção e a infra-estrutura de pós-colheita (frio, embalagens e agroindústria processadora) para processar os volumes produzidos. Foram criadas as denominadas centrais frutícolas, embrião das grandes embaladoras da atualidade. Entre 1965 e 1979 instalaram-se 30 frigoríficos, 30 embaladoras e 3 plantas desidratadoras, com crédito concedido pela Corfo, e que iniciaram a modernização do setor. A corporação continua com a sua política creditícia de apoio à fruticultura, por meio de financiamentos e de pesquisas, em convênio com as universidades do Chile, a Universidade Católica, o INIA e diversas outras instituições. − Instituto de Investigación Agropecuaria (INIA) Além das três instituições, já descritas, há o apoio da pesquisa e da transferência de tecnologia. A instituição mais importante nessa linha é o Instituto de Investigación Agropecuaria - INIA. Ele é o mais importante organismo de pesquisa agrícola do país, como o principal instrumento do Ministério da Agricultura na geração e transferência de tecnologia aplicada. Sua missão é contribuir para o aumento da produtividade agropecuária, através da pesquisa e adaptação de tecnologias para sua aplicação à produção do setor. O INIA está organizado em unidades de experimentação agropecuária em todo o país, grande parte delas dedicadas às pesquisas com espécies frutícolas, em suas estações experimentais e nas universidades. Grande parte dos projetos é desenvolvida em pesquisas aplicadas, para o apoio à fruticultura. A pesquisa básica é desenvolvida nas universidades. Para essa tarefa foi criada a Fundação Fondo de Investigación Agropecuaria (FIA), cujo objetivo fundamental é, mediante a contratação de projetos específicos de pesquisa, com as distintas entidades de investigação existentes no país, disponibilizar 538 recursos para pesquisa, dentro do orçamento da nação, conforme prioridades definidas por um Conselho daquela instituição. Dos anos 70 até recentemente, o INIA desempenhou importante papel na introdução e adaptação de novas espécies e cultivares frutícolas; no desenvolvimento de novos sistemas de manejo das plantas; na introdução de padrões enanizantes de cultivo, importantes no aspecto da exploração econômica, principalmente da macieira; e na investigação no manejo de pragas e doenças, cujo tratamento é necessário nos procedimentos quarentenários; investigação na detecção de resíduos de pesticidas, etc. Ao longo dos anos, tem fomentado nas principais universidades chilenas a formação de profissionais em agronomia, com especialidade em horticultura. Conta ainda com um programa de estímulo a teses para a obtenção do título profissional de engenheiro-agrônomo nas universidades. O programa de teses abrange todos os ramos da exploração hortícola, como: produção, pós-colheita, tecnologia de agroquímicos, agroindústria, fitossanidade, economia etc. O INIA desenvolve sua experimentação agrícola de forma descentralizada, em diversas regiões do país. Em seguida, promove a transferência de tecnologia através dos Grupos de Transferência Tecnológica, para médios e grandes produtores. O INIA também capacita engenheiros-agrônomos e técnicos agrícolas que trabalham em empresas de assistência técnica voltadas para pequenos agricultores, além de manter um importante programa de estudos de enfermidades e pragas específicas de material de reprodução e multiplicação vegetativa (gemas, sementes, plântulas e estacas) e no controle sanitário da fruta para exportação no ponto de origem ou nas embaladoras e portos de embarque. Não obstante a importância das atividades de pesquisa e desenvolvimento, conduzidas pelo INIA, a instituição vem sofrendo contínua deterioração orçamentária, semelhantemente a outras instituições congêneres, em todo o mundo, com repercussão visível na sua capacidade de gerar / adaptar tecnologias, também para o setor frutícola chileno. 539 − Entidades de defesa dos interesses setoriais No Chile há importantes organizações privadas que participam ativamente do negócio da exportação de produtos de irrigação. São associações privadas de exportadores e de produtores de frutas. • Corporación Nacional de Exportadores A.G. (Asoexport) Constituída em 1988, é uma federação de associações privadas ou empresas-membros, de vários setores da atividade econômica, assim como de atividades relacionadas, como: gráficas, transportadoras, agências de expedição e de controle de qualidade e certificação, com o propósito de otimizar e expandir o comércio exterior chileno. Ela também ajuda a fortalecer o crescimento, prestígio e a qualidade dos produtos chilenos de exportação. Suas atividades orientam-se para a identificação de estratégias de comércio internacional, que beneficiem seus associados e o setor exportador em geral. Ela também interage com o governo chileno para fortalecer o desenvolvimento de práticas adequadas de comércio exterior, a promoção e políticas de marketing, a racionalização das normas internas de regulamentação, da política cambial contribuidora para o desenvolvimento do setor e reformas legais pertinentes que o modernizem. No tocante ao subsetor frutícola, além de representar os interesses dos exportadores, tem como função proteger a qualidade da fruta por meio de um programa de inspeção de qualidade das frutas, considerado patrimônio comercial do país. A associação conta com um laboratório destinado a estudar questões das mais importantes como a da mortalidade da mosca do Mediterrâneo (Ceratitis capitata), importante controle exigido por países como o Japão, para a entrada de uva no seu território. Uma das características da fruticultura de exportação chilena reside no fato de que a iniciativa privada oferece a maior parte da assistência técnica aplicada ao setor. Na temporada de colheita são mobilizados contingentes de especialistas, cumprindo funções na área frutícola, empregando profissionais na fruticultura. O trabalho é organizado em departamentos técnicos das exportadoras, ao nível regional. Esses departamentos estão for540 mados por agrônomos e técnicos agrícolas, que visitam periodicamente os pomares, deixando instruções e pautas de manejo, que devem ser seguidas de forma rigorosa, de acordo com programas especialmente desenvolvidos para um rigoroso controle de qualidade. • FEDEFRUTA A organização que congrega o interesse organizado dos produtores de frutas é a Federación de Productores de Frutales (Fedefruta) que tem como missão estabelecer relações estáveis de representação com os organismos nacionais e internacionais; melhorar a informação do mercado para os produtores; desenvolver as atividades de promoção de frutas chilenas no exterior e apoiar o programa de desenvolvimento frutícola privado, com ênfase na qualidade. Ela está organizada em associações regionais (como a de Frutas da VI Região e a de Linares, na VII Região). A organização tem participado na atualização do Cadastro Frutícola. Realiza um programa de estudos de viabilidade técnica e econômica de projetos e estabelece relacionamento com as associações de produtores dos principais países importadores de fruta chilena, buscando ação de complementaridade comercial. O fortalecimento das duas grandes organizações que congregam os exportadores e os produtores de frutas traduziu-se num equilíbrio do poder de negociação, com interveniência da Sociedade Nacional da Agricultura do Chile (SNA), fundada em 1838. Seu papel é promover, através de um comitê especial, a harmonização dos interesses e a comunicação entre a Fedefruta e a Asoexport. A principal tarefa da SNA no processo é buscar maior transparência nas negociações entre as grandes organizações de exportadores e produtores de frutas. A harmonização dos interesses dos exportadores e produtores resultou em um rigoroso programa de criação e implementação de normas de qualidade de frutas para a exportação, que contribuiu para o melhoramento da qualidade da fruta exportada. A implementação de um programa de controle de qualidade facilita normalmente as negociações de preços do setor. As normas chilenas oficiais para as espécies frutícolas são fiscaliza541 das pelas associações de produtores de frutas e dos exportadores. A parte da tarefa de controle de qualidade foi entregue à Faculdade de Agronomia da Universidade Católica do Chile e outros centros de excelência, por convênio. Diversas normas oficiais foram criadas e implementadas para garantir um mecanismo de orientação objetiva de qualidade a fim de facilitar as negociações dos produtos e maior transparência no mercado frutícola mundial. Hoje, há normas para pêras, maçãs, uva-de-mesa, caqui, cereja, ameixa, damasco, pêssego, nectarinas, morangos, kiwis e limões. O controle do programa de qualidade da fruta de exportação também é uma das funções da Fundação Chile. Esta Fundação tem apresentado uma participação destacada através da implementação de unidades de trabalho de campo, tanto em controle de qualidade de frutas de exportação, nas firmas processadoras (packing houses ou embaladoras), quanto na verificação da conformação de padrões de qualidade nos centros de processamento de embarque da fruta para exportação. • Câmaras Setoriais ou Comitês de Exportação Uma experiência chilena importante são os comitês de exportação. Os referidos comitês são associações de fato (não de direito). Foram implantados a partir de 1993, com naturais limitações iniciais, decorrentes do fato de que os exportadores de um mesmo negócio operam em regime de forte concorrência. Mas, gradualmente, foi sendo gerado um clima de confiança mútua, pois os exportadores chegaram à conclusão de que existiam interesses comuns de valorização do negócio, dos produtos, o que propiciou a todos trabalhar conjuntamente, sem com isso perderem sua individualidade. A meta inicial era a formação de consórcios exportadores, como já ocorre em alguns setores não-agrícolas. Cada comitê é gerenciado por um especialista setorial e, por deliberação conjunta, ficam decididas as estratégias a serem seguidas, de acordo com suas possibilidades e necessidades, para melhorar os negócios em mercados prioritários. O Prochile apoiou as atividades dos comitês, selecionando aqueles em que é claro o benefício social para os negócios. Logo no início, funciona542 ram 13 comitês para exportações agropecuárias, que congregaram uma alta porcentagem de oferta exportável de cada produto. Os comitês desenvolvem missões comerciais; assessoramento por especialistas estrangeiros; participação em feiras internacionais e congressos; campanhas promocionais; convites a importadores e técnicos para visitas ao Chile; melhoramento de qualidade; e distribuição de amostras. As ações desenvolvidas pelos comitês são intensas em muitos países, dentro daqueles programas propostos. Em sua programação, planejamento e execução, o setor privado participa com fundos próprios, financiando as ações e com eventuais apoios do Prochile. Uma das campanhas mais destacadas têm sido as ações de promoção do consumo de fruta fresca, fora de temporada, no mercado dos Estados Unidos, União Européia, Japão e Canadá. As campanhas incluem publicidade em diversos meios de comunicação, marketing direto, apoio à comercialização em pontos de venda etc. Estas campanhas foram dispendiosas, porém, muito exitosas. - BASES PARA A REGIONALIZAÇÃO DA FRUTICULTURA CHILENA − Zoneamento agroecológico A localização das cadeias da agricultura irrigada do Chile se faz por etapas e concomitantemente, mas algumas delas são vencidas previamente, antes do desenvolvimento do negócio. A primeira delas é o zoneamento agroecológico do país, desenvolvido há cerca de 20 anos, e atualizado periodicamente. Este zoneamento consiste na identificação de potenciais do solo e das condições climáticas de cada região, dos níveis de precipitação pluviométrica etc. No caso da fruticultura, por exemplo, esse primeiro mapeamento divide o país em regiões e destina-se a identificar as áreas vocacionadas para determinados tipos de cultivos irrigados. Em cada área são identificadas também as possibilidades de incidência de pragas e doenças, como o controle da mosca-dasfrutas, do nematóide dourado, da escama-de-são-josé, etc. As áreas de incidência provável de pragas e doenças foram identifi543 cadas para que a defesa fitossanitária possa implementar sistemas de controle a fim de assegurar-se da sanidade e qualidade dos produtos. Com base no levantamento das áreas vocacionadas para a agricultura irrigada, são definidos, para cada região, os cultivos potenciais, nos quais são identificados produtos já com uma orientação para o mercado. Nessa etapa, identificados os prováveis cultivos, já se introduz um componente de mercado para, após a identificação da lista de produtos a serem explorados, essa etapa ser conduzida já com a avaliação de mercado potencial, elegendo frutas com maior potencial de mercado. A próxima etapa consiste no estudo das exigências agronômicas. Para cada cultivo identificado com potencial de mercado, há um estudo mais aprofundado relativamente aos requisitos técnicos dos cultivos: tratos culturais recomendáveis, métodos adequados de colheita. Deve-se levar em consideração a época de maturação dos frutos, de forma consistente com os espaços (janelas) de mercado, uma vez que o mercado externo apresente sazonalidade na demanda. − Potencial competitivo do agronegócio Uma vez identificado o conjunto de cultivos e seus requerimentos agronômicos, conduz -se um estudo do tipo crop budget para os cultivos e prováveis níveis de preço, com vistas à avaliação do potencial do negócio. Finalmente, na última etapa, uma vez identificados para cada região todos os mapeamentos, desde os agroecológicos, os de cultivo, aos de mercado, faz-se uma conciliação entre as diversas regiões do país em termos de ofertas, isto é, concilia-se a entrada do produto no mercado entre as regiões, de forma que não se instale a concorrência entre a fruta proveniente de duas ou três regiões. Para se dar um exemplo de como o sistema funciona, o país é dividido em regiões I, II, III, IV, V, VI, etc. Assim, a maior concentração da fruta em superfície se encontra nas regiões V e VI, com uma extensão para a região sul do país, onde prevalecem os cultivos de ameixa japonesas, kiwis, maçãs e pêras. Essas 544 regiões são vocacionadas para esses cultivos e para as oportunidades de mercado. Para o norte do Chile, a cultura identificada como de maior potencial foi a uva-de-mesa, especialmente na região VI. A partir desta identificação, as empresas concentraram grande esforço no sentido do desenvolvimento de infra-estrutura para a exploração desse cultivo na região. Outro exemplo são os cultivos potenciais nas regiões III e IV, também na produção da uva-de-mesa. Porém, na etapa de estudo de desenvolvimento cultural, foi identificada a ocorrência de ciclo mais curto, ensejando uma colheita mais precoce, de forma que se podia conciliar essas duas regiões com a região VI, evitando-se, assim, que houvesse conflito e competição no mercado exportador. Nas regiões II e IV, as exportações de frutas podem iniciarse no mês de dezembro, conseguindo melhores preços no mercado americano. Essa definição de épocas de colheita propicia maior investimento do setor privado com menores riscos de mercado. Uma vez identificado esse nicho de mercado, com exportações a partir de dezembro, a pesquisa se concentra nas regiões III e IV, uma vez que foi identificado que nessas regiões a fruta não alcança níveis de qualidade nos mesmos padrões daquela colhida na Zona Central. Identificou-se, no caso das variedades Flamy Seedless, certo problema de adaptabilidade ao clima da Zona Central, devido às condições de solo e de desenvolvimento da videira. Assim, havendo oportunidade de negócio na exportação sazonal, a pesquisa se concentra no sentido de aproveitar ao máximo esse nicho de mercado, desenvolvendo a experimentação visando tornar a qualidade da fruta compatível com o mesmo padrão do produto em outras regiões. Uma vez identificadas as zonas preferenciais para investimento, as grandes empresas e os irrigantes de médio e grande portes realizam investimentos diretos com menor possibilidade de risco tecnológico e de mercado. 545 - PRESENTE E FUTURO DO AGRONEGÓCIO FRUTÍCOLA CHILENO − Presente A exploração da atividade frutícola no Chile, incluindo a sob irrigação, é feita, tanto por empresas, quanto por pomicultores individuais de menor porte, com elevado grau de integração com embaladoras e processadoras, dentro de uma visão comercial de negócio e que tem como balizamento as indicações do mercado, principalmente o mercado externo. O ambiente de competição interno e externo força a classe empresarial a desenvolver estratégias empresariais de mudança para novos paradigmas a fim de sustentar elevado grau de competitividade em um mercado de grande instabilidade. Além da eficiência comercial, um fator determinante da organização empresarial é a eficiência tecnológica no desenvolvimento de espécies e cultivares frutícolas em conformidade com o mercado. Mas esta é uma parte dos negócios. Há outros elementos importantes a considerar. Do ponto de vista empresarial, o Chile é um país que tem conta com empresários modernos, com elevado nível de escolaridade. O setor inclui, também, empresas de grande porte de capital externo e do próprio país. Neste último caso, a exploração da fruticultura irrigada no Chile se processou através de empresas com experiência no ramo de mineração, da indústria e do comércio. Empresas com alto grau de experiência no ramo industrial se interessaram pelo investimento na exploração da fruticultura irrigada. Essas empresas aportaram elevados padrões de eficiência gerencial, forçando todos os empresários do setor a adotarem, também, um elevado grau de qualificação na administração de empresas, project finance e gestão financeira profissional. A permanência no negócio em um ambiente interno e externo competitivo depende basicamente da rentabilidade. O modelo dessas empresas consiste em delegar as questões de natureza hidroagrícola a técnicos qualificados, mas a gestão financeira e comercial das empresas é uma prerrogativa dos quadros dirigentes do topo da hierarquia das empresas. 546 A organização das empresas chilenas é hoje referência na organização comercial em torno de um grande negócio de exportação, a partir da fruticultura. A concentração de todo o aparato institucional governamental na Fundação Chile, Prochile, Corfo e INIA, foi buscar conferir competitividade ao segmento exportador da fruticultura. Naturalmente, organizando toda a exploração frutícola em torno de negócios de alta rentabilidade, foi possível desenvolver uma tecnologia de ponta na exploração frutícola. Para a organização empresarial da exploração, os recursos de capital provêm do sistema financeiro e das exportadoras. Uma tônica na administração empresarial do negócio da fruticultura é o controle de metas de resultados. Quase todas as empresas realizam controle financeiro e orçamentário de suas atividades. Para se atingirem metas, é preciso que a empresa se organize em planos de produção e comercialização no seu horizonte de investimento. Um aspecto inovador na organização empresarial chilena é que a tomada de decisão é do tipo “programada”, ou seja, prevista para temporadas a partir de contratos entre produtores e empresas embaladoras, com participação dos importadores. A organização da comercialização se processa através de um sistema de gestão de negociações iniciais dos compradores com os produtores. As empresas exportadoras operam sob diversas modalidades de organização, prevalecendo o contrato de produção com livre consignação nas exportações; o contrato de produção com preço mínimo garantido; e o contrato de produção a médio prazo. O regime de contratos é um aspecto inovador na organização empresarial da fruticultura no Chile. Essa organização é eficiente, porquanto o mercado é um permanente desafio à eficiência econômica e à competitividade das empresas. As próprias empresas agroexportadoras disseminam os avanços tecnológicos adequados à produção frutícola, dentro do conceito fundamental de organização em torno da eficiência do negócio. Assim, o negócio como um todo está organizado através de contratos entre a cadeia de produção e as empresas embala547 doras; um elevado nível tecnológico no manejo pós-colheita dos frutos; o desenvolvimento de embalagens e formas de acondicionamento das frutas; armazenamento a frio; transporte, sob seguro, para os mercados através das vias rodoviária, marítima e aérea. A organização logística é uma das mais avançadas no Chile. Os exportadores estão associados de forma coordenada para o transporte marítimo, destacando-se a organização Ocean Trade. Participam dessa organização diversas empresas como a UTC, Coperfruti, Frupac, Agrofrio e Frutandes. Assim, as empresas exportadoras se organizam em formas associativas com mecanismos de coordenação para a maior eficiência do transporte marítimo das frutas destinadas à exportação. A organização empresarial em torno da exploração frutícola no Chile partiu de uma ativa participação da iniciativa nacional e estrangeira, com investimentos e tecnologia, a partir da identificação clara de mercados, inclusive da demanda dos mercados externos. A demanda crescente para a fruta chilena decorreu de uma expansão de consumo mundial de produtos hortícolas. A exploração da fruticultura no Chile processou-se com o apoio do Estado, subsidiariamente, mas fundamental em áreas de serviços básicos, com o estabelecimento de políticas econômicas consistentes e muito efetivas. O Chile logrou conciliar o apoio do Estado com o respeito ao direito de propriedade e à livre iniciativa. As políticas públicas contribuíram para o desenvolvimento da atividade agroexportadora da fruticultura, através do equilíbrio fiscal; uma política cambial promotora da valorização da atividade de exportação; baixa tributação de componentes importados; com adoção de tarifa única de 11% para todos os produtos (sem escaladas tarifárias que discriminam setores na economia); redução dos encargos trabalhistas; e baixas taxas de juros, inclusive facilitando o investimento privado interno. O Chile realizou uma tarefa importante de simplificação de normas e regulamentos de exportação, introduzindo medidas com o objetivo de evitar monopólios no mercado de serviços e promovendo a modernização dos sistemas de transporte rodoviário, marítimo e aéreo. Um papel importante foi a contribuição da Prochile nas negociações internacionais, bilaterais e multilaterais, no âmbito do 548 GATT e OMC, no sentido de reduzir medidas protecionistas nos mercados importadores, que discriminavam as exportações chilenas. − Futuro Os anos 90 marcam a maturação de vários investimentos em culturas permanentes, como pêssegos, maçãs, uvas, pêras, ameixa japonesa e kiwi (este último produto já enfrentando dificuldades no mercado externo, devido à superprodução em diversos países do mundo). Em virtude da maturação dos investimentos em culturas permanentes, a fruticultura irrigada chilena necessita aprimorar, permanentemente, ainda mais a sua competitividade nos mercados externos, avançando em formas de organização para exportação e comercialização nos mercados importadores. Já se observa incerteza no mercado acerca da capacidade de absorção pelos mercados importadores de toda a capacidade de produção da fruta chilena. O acréscimo de produção também tem gerado dificuldades relativas na disponibilização de infra-estrutura de embaladoras, câmaras de frio e transporte; e toda a infraestrutura necessária para processar e exportar volumes crescentes da fruta fresca. No caso da uva-de-mesa, a capacidade instalada é suficiente para processar toda a produção no país, porquanto não há necessidade de infra-estrutura sofisticada para seleção e empacotamento. As necessidades maiores estão nos investimentos de túneis de pré-resfriamento e câmaras de fumigação. Algumas dificuldades relativas se encontram nos cultivares de pomáceas, maçã, pêra, kiwi e frutas de caroço em geral (pêssego, nectarina etc.) Os pré-requisitos para controle de qualidade são maiores, dada a exigência dos mercados externos em termos de padronização e qualidade dos produtos. Para o Chile manter sua posição competitiva são necessários investimentos em processos tecnificados de calibração e de seleção de frutas, principalmente as frutas de caroço. Têm sido notadas as crescentes necessidades de investimento em infraestrutura de câmara com atmosfera controlada para armazenagem de maçã e pêra. 549 As necessidades maiores estão no investimento para a exploração do kiwi, considerando a expansão notável da produção no mundo e das exportações nos próximos anos. O Chile tem realizado investimentos na diversificação de seus mercados, hoje ainda concentrado em poucos e grandes países importadores. O mercado internacional de frutas é um mercado de risco, no qual prevalecem elevados padrões de competição, além da imposição de controles rígidos fitossanitários. Crescem nos países importadores regulamentações complexas que dificultam a atividade de exportação e a tornam de alto risco, encarecendo o comércio. A despeito da organização do setor exportador chileno, há preocupação com a escalada de medidas não-tarifárias, principalmente barreiras fitossanitárias, que afetam o comércio de frutas no mundo todo. Os rígidos padrões de qualidade em toda a cadeia produtiva determinaram a elevação de custos nos processos de produção, comercialização e exportação. Com o recrudescimento da competição internacional, as margens dos exportadores chilenos declinaram nos últimos anos. Como o Chile não é um pequeno país na exportação, seus crescentes volumes exportados têm afetado sobremaneira o nível de preços nos países importadores. O setor exportador tem consciência da necessidade de uma nova geração de reformas na área dos encargos sociais trabalhistas, que oneram as folhas de pagamento. Devido à necessidade de sofisticação nos cultivos e no processamento das frutas, o encarecimento da mão-de-obra é um fator que preocupa, principalmente quando gravados por encargos sociais maiores. 9.2 - Análise da Experiência Internacional Global – Recuperação de Investimentos Públicos em Irrigação A discussão do tema está centrada, de forma resumida, em um conjunto de perguntas-chave, a saber: a) Como os investimentos, a manutenção e a operação da infra-estrutura de uso coletivo, em projetos de irrigação, podem ser financiados? b) Quem e como deveria pagar pela infra-estrutura básica e para os serviços de captação de água e seu transpor550 te através de sistemas intermediários e oferta de água ao nível de produtor - irrigante? c) Até que ponto os produtores- irrigantes têm interesse e capacidade de pagar pela oferta dos serviços de água, dentro do quadro de necessidade de recuperação de custos de operação e manutenção e dos investimentos fixos? d) Como o sistema de preços ou cobrança de tarifas pode ser utilizado como um instrumento para se atingir um nível mais eficiente de alocação e uso da água, um insumo produtivo estratégico e cada vez mais escasso? Em particular, esta última pergunta é deveras importante. Se projetos e distritos de irrigação recebem água sem um sistema eficiente de preços, cobrança de tarifas, e sem indicação do valor da água em usos alternativos, fica comprometida a alocação eficiente, física e financeiramente, do fator de produção mais escasso. Por outras palavras, o sistema de preços deve refletir a escassez relativa dos recursos entre diversos usos, não só na irrigação mas no emprego industrial e no consumo humano. A literatura internacional passou a analisar os sistemas que prevaleciam, de concessão de água como bem livre para a realidade do mundo atual, em que o fator se torna cada vez mais escasso. Emerge então a preocupação com a alocação eficiente do ponto de vista econômico. Mais recentemente, passou-se a tratar a questão do preço da água com base no seu custo de oportunidade ou no seu mais alto valor de uso. Essa mudança, captada pela literatura, no enfoque das diversas formas de tarifação da água, reflete a elevada escassez desse fator, nos países analisados. A literatura recente mostra que, sem informação adequada, acerca dos mecanismos de tarifação da água, a decisão entre os usos alternativos do fator tornase cada vez mais difícil. Os mecanismos tradicionais de alocação física da água e utilização de tarifas fixas vêm sendo abandonados, em favor das chamadas soluções de mercado. Sem este mecanismo de preços, instala-se disputa acirrada entre grupos políticos organizados para garantirem parcelas crescentes de água, inclusive resistindo à cobrança de um valor 551 justo pelos custos dos serviços prestados aos usuários da água. A alocação de água e a cobrança das tarifas se processam, de acordo com o capital político de cada organização. Efetivamente, a literatura internacional tem registrado que, sem um mecanismo baseado na observância de leis econômicas básicas, para a formação do preço da tarifa, freqüentemente ocorre o domínio político de alguns grupos, em detrimento de outros, e o desperdício do fator mais escasso. Quase todos os países já fizeram reformas na linha de soluções de mercado, inclusive como forma mais eficaz e equânime de administrar possíveis conflitos pelo uso da água. Asad et al., (1999) registram que, se as instituições e as entidades de oferta da água não recuperam seus custos, a partir da cobrança de tarifas adequadas dos beneficiários, os sistemas vão se deteriorando gradualmente. E essa deterioração tem ocorrido com maior freqüência nos países em desenvolvimento e impulsionou os processos de reforma nessa linha. Finalmente, uma preocupação que não pode ser esquecida é a de que os custos da oferta da água devem incluir uma parcela referente à conservação e preservação desse recurso natural em termos de quantidade e qualidade. Externalidades negativas, decorrentes da poluição da água, devem ser cobradas, pois geram custos sociais e a apropriação das despesas de despoluição da água devem ser transferidas aos seus causadores, tal como contemplado na recente legislação de recursos hídricos do Brasil (Lei nº 9.433 / 97). A literatura enfatiza o papel dos mecanismos de recuperação de custeio, operação e do investimento, para garantia da viabilidade financeira dos sistemas de oferta de água. A violação dos princípios fundamentais de viabilidade financeira cobram um elevado preço dos próprios beneficiários, que vêem os serviços a eles prestados se deteriorarem com o tempo, criando ruptura do tecido econômico de exploração do negócio de irrigação, o que, de fato, vinha ocorrendo em muitos países em desenvolvimento no mundo. No passado, devido a uma combinação de bens públicos com economias de escala, a oferta de água para irrigação foi feita, em países desenvolvidos e em desenvolvimento, com grande envolvimento do setor público. Gradualmente, tanto os argumentos 552 de bem público, quanto de indivisibilidade, decorrente este último da economia de escala, passaram a ser questionados. A questão da água como bem público deve ser separada desse contexto com tratamento especial denominado “a questão da água como bem público”. Em relação à economia de escala e a decorrente indivisibilidade, mesmo nos países em desenvolvimento, passaram a existir projetos de menor escala, com autosustentabilidade financeira, questionando a necessidade de atuação do Estado no investimento em projetos de captação e distribuição de água. Entretanto, um fator determinante, que levou a uma mudança radical de postura do Estado, em relação à irrigação, foi a escassez de recursos públicos, tanto mais porque nos países em desenvolvimento se instalaram, quase sem exceção, processos recorrentes de crise fiscal. Recentemente, aparecem na literatura referências ao fato de que, à medida que se agravou a escassez de água, o regime de exploração liderado pelo Estado conduziu a uma má alocação dos recursos e desperdício da água. Gradualmente, um fator tratado como secundário, no caso a questão da tarifação, passou a ocupar uma posição de preocupação central na literatura especializada. Com efeito, quando a água deixou de ser um bem livre e passou a constituir um fator escasso, o preço passou a refletir essa escassez relativa. Aos poucos, foram sendo questionados os argumentos, que defendiam a interveniência direta do Estado, de que o tamanho dos investimentos de capital e as economias de escala de infra-estrutura de uso coletivo, o porte dos investimentos, o longo período de maturação e a baixa eficiência dos mercados financeiros privados justificavam esta participação direta do Estado. Passaram a ser questionados também os argumentos de que os investimentos necessários, em volume e período de maturação, não interessariam ao setor privado. O desenvolvimento de mercados financeiros sofisticados, de consórcio de empresas de grande porte viabilizou em alguns países (como no caso do México) a participação direta do setor privado em grandes obras de aproveitamento hidroenergético e hidroagrícola. 553 A realidade se incumbiu de mostrar que o setor privado, sob determinadas condições, pode se interessar pelo investimento em irrigação. Uma questão pendente não resolvida está relacionada com os mecanismos de tarifação de água nos projetos de irrigação. O preço da água nos países em desenvolvimento, devido à intervenção do Estado, ainda está muito abaixo do seu valor econômico. Muito disto se deve ao baixo nível de percepção dos usuários do real custo de fornecimento de água e do valor de fornecimento da água, como insumo produtivo vital, e do valor deste fator em usos alternativos. Os países historicamente consideram a água como um bem livre até o momento em que se torna escasso e suas conseqüências são negativas para uso na irrigação. Os países adotaram, enquanto as finanças públicas o permitiram, uma estratégia de expandir a oferta. Mas esse quadro está mudando rapidamente. A gestão da demanda em usos alternativos e a tarifação receberam muito menos atenção no passado recente do que mereciam. A preferência pela expansão da oferta “para atender objetivos políticos” levaram a investimentos em infra-estrutura que poderiam ser evitados ou postergados e que acabaram por exercer pressão sobre ecossistemas dependentes de água (Asad et al., 1999). Os produtores pagam muito pouco, ou praticamente nada, pelo suprimento de água para irrigação, quando a oferta do fator é proveniente de serviços públicos e, portanto, têm baixo nível de incentivo para reduzir o desperdício da água e adotar cultivos menos intensivos nesse fator escasso. A resistência política à adoção de um regime tarifário mais realista só se reduz a medida que a escassez se instala de forma generalizada. A falta de planejamento de longo prazo traz conseqüências de escassez aguda. Como assinala Asad et al. (1999) o resultado desse sistema é uma má alocação do recurso em grande escala, pelo menos em termos econômicos, desperdício dos recursos de água, elevado peso de endividamento ou déficits das agências governamentais encarregadas de administrar a água e serviços de baixa qualidade fornecidos aos usuários (especialmente os mais pobr