Comemorações da República Por Vasco Pulido Valente A

Transcrição

Comemorações da República Por Vasco Pulido Valente A
Comemorações da República
Por Vasco Pulido Valente
A República foi feita pela chamada "geração de 90" (1890), a chamada "geração
doUltimatum", educada pelo "caso Dreyfus" e, depois, pela radicalização da República
Francesa de Waldeck-Rousseau, de Combes e do "Bloc des Gauches" (que, de resto, só
acabou em 1909). Estes beneméritos (Afonso Costa, António José d"Almeida, França
Borges e outros companheiros de caminho) escolheram deliberadamente a violência
para liquidar a Monarquia. O Mundo, órgão oficioso do jacobinismo indígena,
explicava: "Partidos como o republicano precisam de violência", porque sem violência e
"uma perseguição acintosa e clamorosa" não se cria "o ambiente indispensável à
conquista do poder". Na fase final (1903-1910), o republicanismo, no seu princípio e na
sua natureza, não passou da violência, que a vitória do "5 de Outubro" generalizou a
todo o país.
Não admira que a República nunca se tenha conseguido consolidar. De facto, nunca
chegou a ser um regime. Era um "estado de coisas", regularmente interrompido por
golpes militares, insurreições de massa e uma verdadeira guerra civil. Em pouco mais
de 15 anos morreu muita gente: em combate, executada na praça pública pelo "povo"
em fúria ou assassinada por quadrilhas partidárias, como em 1921 o primeiro-ministro
António Granjo, pela quadrilha do "Dente de Ouro". O número de presos políticos, que
raramente ficou por menos de um milhar, subiu em alguns momentos a mais de 3000.
Como dizia Salazar, "simultânea ou sucessivamente" meio Portugal acabou por ir parar
às democráticas cadeias da República, a maior parte das vezes sem saber porquê.
E , em 2010, a questão é esta: como é possível pedir aos partidos de uma democracia
liberal que festejem uma ditadura terrorista em que reinavam "carbonários", vigilantes
de vário género e pêlo e a "formiga branca" do jacobinismo? Como é possível pedir a
uma cultura política assente nos "direitos do homem e do cidadão" que preste
homenagem oficial a uma cultura política que perseguia sem escrúpulos uma vasta e
indeterminada multidão de "suspeitos" (anarquistas, anarco-sindicalistas, monárquicos,
moderados e por aí fora)? Como é possível ao Estado da tolerância e da aceitação do
"outro" mostrar agora o seu respeito por uma ideologia cuja essência era a erradicação
do catolicismo? E, principalmente, como é possível ignorar que a Monarquia, apesar da
sua decadência e da sua inoperância, fora um regime bem mais livre e legalista do que a
grosseira cópia do pior radicalismo francês, que o "5 de Outubro" trouxe a Portugal?
(Adaptação do prefácio à 6.ª edição do meu livro O Poder e o Povo).
Público, 2 de Outubro de 2010