Revistas científicas de livre acesso - Salutis Scientia
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Revistas científicas de livre acesso - Salutis Scientia
Vol.5 – Março 2013 Editorial Revistas científicas de livre acesso Open access scientific journals Com o aparecimento e desenvolvimento da internet, a publicação científica assistiu a novos desafios e oportunidades. Assim, nos últimos 20 anos, tem-se observado uma enorme expansão de revistas científicas de livre acesso (open access), i.e., revistas disponíveis on-line, sem barreiras financeiras, legais ou técnicas que não as do próprio acesso à internet permitindo a qualquer utilizador pesquisar, consultar, descarregar, imprimir, copiar e distribuir o texto integral dos seus artigos. Historicamente, a evolução das revistas de livre acesso dividiu-se em três fases. A fase pioneira, entre 1993 e 1999, caracterizou-se por uma fase de experimentação em que individualmente ou em pequenos grupos desenvolveram-se os primeiros projetos. A tecnologia era simples, na maioria dos casos apenas páginas de internet. No entanto, essas revistas não foram consideradas pela maioria dos investigadores uma alternativa séria à publicação em papel com subscrição tradicional, por um lado porque havia dúvidas quanto à sua sustentabilidade mas sobretudo porque havia desconfiança quanto à qualidade da revisão por pares. Por outro lado, a grande maioria dessas revistas não era na altura indexada na Web of Science, e consequentemente não detinha grande prestígio. Na fase de inovação, entre 2000 e 2004, assistiu-se a um rápido crescimento não só do número de revistas como do número de artigos disponibilizados, em todas as áreas científicas. Foi também adotado um novo modelo de financiamento, passando o cliente das editoras a ser o autor ao invés do leitor, i.e. o pagamento de subscrição foi substituído por uma taxa de publicação. Duas das primeiras editoras de revistas de acesso livre, a BioMed Central e a Public Library of Science (PLoS) foram pioneiras na implementação destas taxas de publicação como principal fonte de financiamento que tem tido uma adesão exponencial. Atualmente quase todas as grandes editoras de revistas de subscrição tradicional deram início a periódicos de livre acesso com taxa de publicação. Na fase de consolidação, após 2005, o número de revistas e artigos continuou a aumentar de ano para ano e foram criadas as infraestruturas necessárias para manter a publicação de livre acesso, nomeadamente: (i) O Open Journal Systems do Public Knowledge Project, software de livre acesso que fornece uma plataforma de publicação, tendo-se tornado amplamente utilizado; (ii) O Directory of Open Access Journals (DOAJ) que indexa revistas de livre acesso e inclui hoje 8800 periódicos de 121 países e (iii) o Google e Google Scholar que constituem importantes motores de busca. Na área biomédica as primeiras revistas de livre acesso foram o BMJ, o Journal of Medical Internet Research e a Medscape que foram criadas, ou disponibilizaram os seus conteúdos de forma livre, no fim da década de 1990. Por outro lado, a editora BioMed Central, agora com inúmeras revistas de livre acesso, publicou o seu primeiro artigo no ano 2000. Ainda, a PLoS publica a sua primeira revista de acesso livre em 2003, a PLoS Biology, seguindo-se inúmeras outras como a PLoS Medicine em 2004, a PLoS ONE em 2006 e mais tarde ainda a PLoS Genetics, PLoS Pathogens, PLoS Neglected Tropical Diseases. As revistas da PLoS são hoje em dia um claro exemplo de revistas de livre acesso que atingiram um inquestionável prestígio, reconhecido pelos elevados fatores de impacto. Apesar do aumento exponencial das revistas de livre acesso, e de as agências nacionais financiadoras da investigação nomeadamente nos Estados Unidos e no Reino Unido terem lançado estratégias para aumentar o livre acesso à investigação financiada pelo estado, este novo modelo de publicação tem sido matéria de debate ao longo dos anos, com argumentos a favor e outros contra. A maior vantagem das revistas de livre acesso é reconhecida por todos como sendo a disponibilização de artigos a qualquer pessoa ligada à Internet. Desta forma o trabalho do autor é fornecido a um público muito mais amplo e não se restringe apenas àqueles cujas bibliotecas podem pagar os preços de subscrição das revistas de grande prestígio. Ainda, o autor vê o seu trabalho mais citado, logo mais prestigiado. E se há 10 anos atrás, a leitura dos artigos científicos era feita a partir de revistas em papel, tendo o leitor que se deslocar muitas vezes a diferentes bibliotecas, hoje a tarefa está sem dúvida muito facilitada pela consulta on-line a partir de qualquer local geográfico. No entanto, o facto de grande parte das revistas de livre acesso, nomeadamente as de maior prestígio, ter transferido as suas fontes de receita do leitor para o autor ao exigir taxas de publicação (podem chegar a 3000 USD), restringe a divulgação de trabalhos oriundos de países mais desfavorecidos e da autoria de estudantes. Por outro lado, há ainda quem acuse o livre acesso de ter fomentado a criação anárquica de revistas de baixa qualidade, com editores e revisão por pares fictícios, que publicam sem qualquer critério de seleção com o único fim de angariar receitas. Como Editora, parece-me fundamental tornar pública a informação científica sendo que é nosso dever preocupar-nos simultaneamente não só com a qualidade dos artigos publicados, e por Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 2 conseguinte com a qualidade da revisão por pares, mas também com a relevância e interesse para os nossos leitores tentando sempre contribuir para o progresso científico. Marta Aires de Sousa1 1 Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa. Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Email: [email protected] Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 3 Vol.5 – Março 2013 Artigo de Opinião Ano 57 da Inteligência Artificial: O desafio da Saúde Pública Year 57 of Artificial Intelligence: The challenge of Healthcare Helder Coelho1* 1 Instituto das Ciências da Complexidade, Laboratório da Modelação de Agentes, Departamento de Informática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Apresenta-se a disciplina da IA de uma forma breve, chamando-se a atenção para factos recentes que iluminam alguns desafios sobre o setor da saúde pública, no que respeita a melhoria da qualidade dos tratamentos e os custos da gestão associada. We briefly present the discipline AI, focusing on recent facts that are able to show some challenges for healthcare, namely the improvement of the quality of treatments and the management of costs. PALAVRAS-CHAVE: Resolução de problemas; raciocínio probabilístico; diagnóstico médico. KEY WORDS: Problem solving; probabilistic reasoning; medical diagnosis. Submetido e aceite em 28 fevereiro 2012; Publicado em 31 março 2013. * Correspondência: Helder Coelho. Email: [email protected] INTRODUÇÃO 1. Em 2001, obrigado a escolher entre um médico recém-saído da Universidade e um sistema inteligente para diagnosticar doenças, Pedro Domingos, professor da Universidade de Washington (Seattle, EUA), optou pelo programa. E, porquê? O que diferencia então uma ferramenta poderosa de uma correta? A Inteligência Artificial (IA), nascida em 1956, nos EUA e em Dartmouth, graças a um conjunto de 10 pioneiros, é hoje uma disciplina científica jovem mas sólida, capaz de reconhecer erros e falhas do passado e de ir aos seus fundamentos e em profundidade (Coelho, 1999). Ano 57 da Inteligência Artificial: O desafio da Saúde Pública Iniciou os seus primeiros passos através da imitação e da réplica de aspetos cruciais da mente humana, recorrendo à Lógica de 1.ª ordem para representar o conhecimento e para raciocinar com (e sobre) ele. Aventurou-se pela resolução de problemas como quebra-cabeças triviais (missionários e canibais, torre de Hanoi, jogo do galo) e depois enfrentou a compreensão da língua natural (Inglês), a demonstração de teoremas (geometria plana euclidiana), a resolução algébrica, ou ainda a visão/reconhecimento de objetos. Num Segundo fôlego ousou atacar problemas complicados, a descoberta de petróleo ou de estruturas de moléculas orgânicas, o reconhecimento de padrões, ou mesmo o diagnóstico médico. Os anos de ouro ocorreram na década de 80, saltando os conhecimentos tecnológicos das universidades para os circuitos comercial e industrial, com empresas e planos para conceber os computadores de quinta geração (Coelho, 1999). Nem tudo foram rosas, e os seus cientistas tornaram-se mais humildes, recuaram para as trincheiras, e esperaram pelo aprofundamento de técnicas (aprendizagem mecânica, reconhecimento da voz, procura, planeamento), pelas novas descobertas no raciocínio automático (monótono, não monótono) e na representação do conhecimento - certo, incerto, incompleto (Coelho, 2004). Ver Tabela 1. Tabela 1 – Sistemas periciais e sistemas baseados em conhecimento: CASNET (Kulikowski, 1972) PIP (Szolovits e Pauker, 1976) INTERNIST (Miller, Pople e Myers, 1982) MYCIN (Buchanan e Shortliffe, 1984) QMR (Miller, Masarie e Myers, 1986) DIXPLAIN (Barnett, 1987) Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Porém, a ciência não estagnou em redor da IA. As Ciências da Complexidade ganharam potencial nas décadas seguintes, as Ciências do Cérebro (a década de 90 foi a do cérebro) avançaram muito e as Ciências da Mente (a década 00 foi a da mente) alargaram-se, sobretudo graças às Neurociências (neurobiologia, neuro-engenharia, neuropsicologia, neuroinformática), às Biologias, em particular, a Biologia Molecular, e ainda às Tecnologias da Informação e da Comunicação que passaram de promessas a serem indispensáveis na vida quotidiana. A decisão da CEE (Civil and Environmental Engineering, Universidade da Califórnia, Berkeley), em fevereiro deste ano, de apoiar massivamente o “Human Brain Project”, destinado à construção de um cérebro artificial para estudar as doenças complexas, como Alzheimer, Parkinson, epilepsia, autismo, e depressões, com supercomputadores, é uma consequência do amadurecimento de certas disciplinas. 2. A Informática (e as Ciências da Computação e do Computador) mudou imenso nas últimas décadas. Desde os anos 70, os computadores abandonaram a centralização do poder de cálculo/processamento da informação e do conhecimento e das memórias dos dados, descentralizaram-se, e, a partir dos anos 90, distribuíram-se e passaram de em cima da secretária (Desktop) para as nossas pastas (Laptops), ou para as nossas mãos (Tablets). A primeira década do século XXI passou-se muito depressa. O avanço da Neurobiologia do cérebro (Damásio, 2010), a procura/descoberta de conhecimentos (no Google, via algoritmos de procura cada vez mais poderosos), os carros sem condutor (Stanley apoiado pela Google), os agentes inteligentes autónomos - nos jogos de computador/vídeo e no cinema - (Coelho, no prelo a, b), os planeadores das viagens espaciais, ou os robôs que jogam futebol e ajudam a gerir calamidades, foram sendo conhecidos e apoiados (Tabela 2). Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 5 Ano 57 da Inteligência Artificial: O desafio da Saúde Pública permitir que este se concentre nas relações e isso aumentará o seu poder de fazer palpites e de construir a história do doente (Tabela 3). Tabela 2 – Alguns sistemas recentes: GermWatcher: microbiológicas adquiridas. para acompanhar as culturas e testar infeções hospitalares Tabela 3 – Tipos de tarefas clínicas: PEIRS: para ajudar a compor os relatórios patológicos. Gerar alertas e lembranças. PhysiScore (Koller, D. e Penn, A.): para prever a saúde futura, com uma probabilidade (grau de certeza), de um bebé prematuro. Assistência no diagnóstico. Crítica e planeamento de terapias. PUFF (1977): ainda em uso, é um velho sistema pericial para o diagnóstico de doenças pulmonares. Agentes para pesquisa de informação. Reconhecimento e interpretação de imagens. QMR-DT (Domingos, P.): para diagnóstico médico automático (modela 600 doenças significativas e 4000 sintomas relacionados). A segunda década trouxe dois exemplos em 2011, o Watson da IBM que ganhou o jogo do Jeopardy! (com recurso ao Inglês corrente e num jogo de perguntas de cultura geral, em que as respostas são diversas e anotadas com um grau de confiança, uma espécie de gerador de hipóteses), na televisão Americana e em direto, aos dois campeões nacionais, e o Siri da Apple (desenvolvido pela Universidade de Stanford, nos EUA) para entender perguntas feitas com a voz no iPhone, buscar e descobrir informação útil (graças a uma máquina de descoberta como o TrapIt) no dia-adia (quais os restaurantes gregos num bairro de Lisboa) e fornecer as respostas mais aproximadas em voz, mas outros exemplos (descoberta de doenças de bebés prematuros, tradução de conversas e de textos) mostraram a capacidade das máquinas raciocinarem como os seres humanos, em mundos caóticos e barulhentos. O poder de ver à distância (por exemplo, a Terra do alto de um satélite), de deduzir o que está por detrás de um objeto escondido, de interpretar as imagens (e não só as médicas), o que está além da colina ou das árvores, de responder a perguntas feitas via voz em Inglês, e em Português, ou de explorar, em zonas inacessíveis ao homem, o fundo do mar gelado, um vulcão, as zonas contaminadas pela energia nuclear, são agora realizadas por rovers autónomos, na Terra ou em Marte. 3. A prática da Medicina é caracterizada por uma enorme quantidade de conhecimento para garantir um bom desempenho profissional (Groopman, 2008). No entanto, há uma sensação de grande sobrecarga cognitiva no exercício da profissão, porque é difícil seguir os dados de 2000 a 2500 doentes, e de os transformar em hipóteses de trabalho para diagnóstico, tratamento e prognóstico a longo prazo (Tabela 4). Tabela 4 – Falhas de diagnóstico médico O programa Watson está a ser estendido à saúde (nomeadamente, no cancro), desde 2012 pela IBM, que prometeu fornecer aconselhamento e conhecimento médico em frações de segundo (estima-se que o erro de diagnóstico, que na maior parte dos casos é devido a falta de informação é de 10%, mas, em cancros “complicados”, pode ser muito maior). A informação individual de um doente é a chave, e poder-se-á dizer que ela tem diferentes dimensões. Ao libertar a carga cognitiva sobre o médico em relação ao conhecimento, o Watson irá Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Problemas cognitivos Superconfiança Falta de atenção Problemas sistémicos Falta de comunicação Ineficiência Trabalho de equipa pobre Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 6 Ano 57 da Inteligência Artificial: O desafio da Saúde Pública Por detrás da nova IA, visando o setor da Saúde e a Medicina em geral, está o raciocínio probabilístico, cujo poder combina a Lógica com a Estatística e as Probabilidades. Esta unificação de teorias suporta que as máquinas possam compreender o mundo que nos cerca (ambiente rico) e de pensar sobre ele: o sonho do britânico Alan Turing (Coelho, 2012) que, se fosse vivo, teria feito 100 anos em 2012. Esta mistura ajudanos, hoje em dia, na tradução de línguas, na conjetura de investimentos financeiros pelos bancos, ou na descoberta de certos cancros. Por detrás do raciocínio probabilístico (Pearl, 1988) está o Teorema de Bayes, que diz que há uma ligação entre a probabilidade condicional de um evento P ocorrer dado que o evento Q ocorra, e que exista uma probabilidade condicional de Q dado P. Uma tal descrição do conhecimento aborda a causalidade (cadeias de causas e efeitos), suporta os processos de inferência, permitindo observar os efeitos e o trabalho para trás em direção às probabilidades das diferentes causas. Tabela 5 – Cooperação entre a UL (Portugal), a UFRGS e a UFCSPA (Brasil) – Projetos de 1992 a 2013 (contatos: Professores Helder Coelho, Rosa Vicari e Cecília Flores) SEAMED (1992-95) SCCI (2000-03) AIMED (2000-04) AMPLIA (2002-04) WE-LEARN (2004-07) FORMED (2007-10) OBAA (2010-13) Tabela 6 – Produtos da Cooperação LusoBrasileira Apoio à Decisão em Grupo e em ambientes incertos e estocásticos. Raciocínio de Diagnóstico. As redes bayesianas são fundamentais para este tipo de trabalho. Modelam as várias variáveis aleatórias, cada uma com uma distribuição de probabilidades que depende de qualquer outra variável. Ao alterar o valor de uma delas, mudar-se-á a distribuição de probabilidades de todas as outras, e assim dado o valor de uma ou mais variáveis, a rede permite inferir a distribuição de probabilidades das outras variáveis (as quais podem representar sintomas, doenças e resultados de análises). Por exemplo, sabendo os resultados de análises (infeção viral) e os sintomas (febre e tosse), podemos atribuir probabilidades às suas possíveis causas (constipação, muito possível; pneumonia, muito pouco possível). Por detrás desta técnica, desenvolveram-se algoritmos que podem usar e aprender a partir dos dados existentes. A eficiência e a eficácia destes algoritmos (rapidez, esperteza) para as redes bayesianas (Tabelas 5 e 6) foram essenciais para os êxitos da nova IA (a Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa [FCUL] vem colaborando com as universidades brasileiras Universidade Federal do Rio Grande do Sul [UFRGS] e Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre [UFCSPA] desde há anos). O mesmo Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Ferramentas: PortEdu, Editor, “Computer-supported medical learning environment”. Editor de redes colaborativas e probabilísticas. Conhecimento abordado: Anestesia, Medicina Interna, Cardiologia (AVC, TAC´s), Neurologia (Epilepsia), UTI´s, Saúde de Família, Imagiologia (Cérebro). se passou com os algoritmos da procura, do planeamento e da aprendizagem, os quais foram concorrendo uns com os outros, em campeonatos, e nas últimas duas décadas! Um exemplo da generalidade de uma máquina de inferência é o trabalho do professor Stuart Russell, da Universidade de Berkeley, nos EUA, em redor do cálculo da verosimilhança de uma explosão nuclear, isto é, da capacidade para detetar as assinaturas sísmicas de explosões nucleares longínquas e de as distinguir de terramotos naturais. Este exemplo pode generalizar-se para a saúde e ser aplicado aos graus de certeza de certas doenças. O desenvolvimento de algoritmos para as redes Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 7 Ano 57 da Inteligência Artificial: O desafio da Saúde Pública bayesianas que possam usar e aprender a partir dos dados existentes foi um passo em frente nos anos 90 do século XX, pois anteriormente só podiam aprender a partir de cada novo problema. Ora, os seres humanos são mais capazes pois a aprendizagem apoia-se na compreensão prévia, e estes novos algoritmos também o fazem agora, sendo capazes de aprender modelos mais complexos e precisos de menos dados. 4. Quando se cruza a IA com a saúde é bom sermos cautelosos, porque existem problemas no imediato e as boas soluções não estarão prontas em breve. Em primeiro lugar, há que combinar as técnicas das representações sofisticadas e as da computação com as intuições de médicos experientes para produzir ferramentas que sejam capazes de melhorar a saúde. Não basta termos já algoritmos espertos. Os problemas têm a ver com o espaço de procura e com a quantidade dos dados. No que respeita ao espaço, o que está por detrás é, em certos casos, podermos ter quantidades elevadas de opções e isso significa precisarmos de computadores muito grandes, como no caso do projeto do cérebro artificial (veja-se a revista Science et Vie, de fevereiro de 2013). Ver Tabela 7 (10 desafios para a saúde). O grande espaço lembra também a necessidade da rapidez do tempo de processamento. Para alguns observadores, o diagnóstico e o tratamento de doenças não é como um jogo de xadrez, mas como o jogo go e isso significa aprender a ignorar possibilidades em vez de procurar através delas. O segundo problema tem a ver com os dados, e com a quantidade de novos artigos publicados por ano em Medicina, ou seja, com a gestão do conhecimento. Mas há mais, o problema também envolve as ontologias das doenças e dos tratamentos, e a correção dos códigos (fiabilidade dos dados, incluindo as histórias dos doentes). Donde, dois movimentos são necessários de articular: manter os algoritmos focados nos dados e deixar os médicos olharem mais para os pacientes. 5. O valor das tecnologias da informação para a saúde pública pode ver-se através de uma metáfora, a dos Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Tabela 7 – 10 Desafios para a Saúde 1) Registo médico eletrónico baseado em técnicas de representação semântica do conhecimento. 2) Captura automática de informação clínica. 3) Representações informatizadas da literatura. 4) Diagnóstico automatizado. 5) Apoio à decisão sobre as trajetórias dos tratamentos. 6) Melhoria do acesso à informação e da explicação para os doentes. 7) Fornecimento de documentação e educação contínua dos médicos. 8) Demonstração da razão eficácia-custo das tecnologias avançadas de informação. 9) Criação de novos conhecimentos médicos à custa de técnicas de aprendizagem mecânica e de prospeção de dados (“Data Mining”). 10) Acesso diversificado e tecnologias pelas populações. equilibrado destas quatro degraus de um escadote, os da informação, da educação, da assistência na cura, e da prevenção. Ao considerarmos estes novos instrumentos temos de valorizar as suas contribuições para cada um daqueles degraus. Por exemplo, os seres humanos são inconsistentes nos seus julgamentos, incluindo o diagnóstico. Mas, sem a digitalização dos registos médicos (a informatização das unidades hospitalares), como as fichas dos doentes, é difícil explorá-los e distribuí-los. A melhoria da precisão do reconhecimento da voz, nos últimos anos, viabilizou também a transcrição automática da voz de um médico (ao ditar os relatórios de análises dos pacientes) e a produção mais rápida de documentos eletrónicos, disponíveis em qualquer lado do hospital por acesso a bases de dados, ou por simples correio eletrónico. Investigação realizada recentemente na Universidade de Indiana, nos EUA, encontrou que se usarmos algoritmos de aprendizagem sobre os dados dos doentes podemos melhorar simultaneamente o custo e a qualidade da saúde, via simulação e modelação (prevê-se que os custos atinjam 30% do PIB em 2050). Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 8 Ano 57 da Inteligência Artificial: O desafio da Saúde Pública O professor Kris Hauser selecionou aleatoriamente 500 doentes de uma amostra de 6700, onde 60%70% tinham depressões, diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares. Os investigadores compararam o desempenho do médico e os resultados dos doentes contra modelos de tomada de decisão. Os modelos de IA permitiram um aumento de 30%-35% nos resultados dos doentes. E, se certos parâmetros do modelo fossem afinados poder-se-ia esperar 50% de melhoria com metade do custo. O custo de diagnóstico e de tratamento era de 189 USD, comparado com o custo habitual de 497 USD (Mearian, 2013). A conclusão tirada foi: a IA pensa como um médico, mas é mais rápida e com mais informação. Ver Tabelas 8 e 9. Tabela 8 – Quantidade de conhecimentos em Medicina (25% do total é só para o Cancro) PubMed 20.000.000 de resumos médicos 750.000 novos artigos ClinicalTrials.gov lista 100.000 ensaios Gene Expression Omnibus BD inclui 450.000 conjuntos ASCO Congresso anual 4.000 resumos Tabela 9 – Salvar doentes Procura adaptativa em tempo real por melhores tratamentos exige dados genómicos e resultados (o conhecimento de um doente é transferido em tempo para ajudar o próximo). Envolvimento dos médicos, de doentes e de cientistas, em colaboração total, para fazer uma terapia individualizada e eficiente. Processo: 1) dar a cada doente a possibilidade de melhores resultados através de terapias; 2) aprender a partir das respostas dos doentes; e, 3) disseminar o que foi aprendido rapidamente. Até agora há uma exceção, o Gleevec (Imatinib) da Novartis. É um remédio para as terapias orientadas por um alvo: bloqueia uma enzima particular (BCR-ABL) e assinala o trajeto do cancro. Tem eficácia em vários cancros. Ao nível molecular, o cancro tem milhares de doenças únicas. Existem mais de 800 terapias em desenvolvimento visando mutações específicas. Precisamos de um modo mais esperto para procurar tratamentos efetivos, que usem os perfis clínicos e moleculares dos doentes necessitados. Urgência de Conhecimento Especializado. Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 9 Ano 57 da Inteligência Artificial: O desafio da Saúde Pública REFERÊNCIAS Coelho (1999). Sonho e razão. Lisboa, Portugal: Relógio D´Água Editores. Coelho (2004). Explorações, ligações e reflexões: Rede de 30 anos de pesquisas em IA com sentido prático. Lisboa, Portugal: Fundação Calouste Gulbenkian. Coelho (2012). Turing, 100 anos depois do seu nascimento já pode uma máquina pensar? Boletim da Sociedade Portuguesa de Matemática, 67, 1-13. Coelho (no prelo a). Teoria da agência: Arquitetura e cenografia. Versão 1.0, 2008. Coelho (no prelo b). Inteligência artificial distribuída, sistemas multiagente. Versão 2.0, 2010. Damásio (2010). O livro da consciência: A construção do cérebro consciente. Lisboa, Portugal: António Damásio, Círculo de Leitores, Temas e Debates. Groopman (2008). How doctors think. Boston, United States of America: Mariner. Mearian (2013). AI found better than doctors at diagnosing, treating patients. Disponível em: http://www.computerworld.com/s/article/9236737/AI_f ound_better_than_doctors_at_diag nosing_treating_patients Pearl (1988). Probabilistic reasoning in intelligent systems: Networks of plausible inference. San Francisco, United States of America: Morgan Kaufmann Publishers. Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 10 Vol.5 – Março 2013 Artigo de Revisão de Literatura Diferenças entre a capacidade vital lenta e a capacidade vital forçada - Importância das mesmas na determinação da presença de obstrução das vias aéreas Differences between slow and forced vital capacity - The importance of these parameters in the determination of the airway obstruction Margarida Pires1, Jessica Monteiro1 , Nuno Raposo1,2 , Raquel Barros1,3* 1 Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa; Centro Hospitalar Lisboa Ocidental - Hospital de Santa Cruz; 3 Centro Hospitalar Lisboa Norte - Hospital Pulido Valente. 2 A capacidade vital (VC) pode ser medida de forma forçada (capacidade vital forçada-FVC) ou de forma lenta (capacidade vital lenta-SVC). Estes parâmetros são importantes para a determinação da presença de obstrução das vias áreas, uma vez que a presença deste tipo de alteração ventilatória é definida pela diminuição da relação entre o volume expiratório máximo no primeiro segundo e a maior capacidade vital (FEV 1/VC). Os objetivos desta revisão de literatura foram rever os artigos mais relevantes a respeito das diferenças de volume obtidas entre a FVC e a SVC e qual a importância destes parâmetros funcionais respiratórios para a determinação da presença de obstrução das vias áreas. Foi possível verificar que existem diferenças com significado estatístico entre os vários parâmetros da VC, sendo que, na maioria dos artigos, as manobras efetuadas de forma lenta apresentaram volumes superiores aos resultantes das manobras efetuadas de forma forçada. Valores menores de FVC comparativamente à SVC podem mascarar a presença de obstrução das vias aéreas, uma vez que o denominador da relação FEV 1/FVC é inferior ao da relação FEV 1/SVC, o que faz com que se obtenha uma relação inferior no segundo caso, ou seja, existe uma maior probabilidade de verificar a presença deste tipo de alteração ventilatória utilizando a segunda relação. Diferenças entre a capacidade vital lenta e a capaciadde vital forçada The vital capacity can be measured via forced or slow manoeuvres [forced vital capacity (FVC) and slow vital capacity (SVC)]. These parameters are important for the determination of airway obstruction, since this kind of ventilatory abnormality is defined by the decrease of the relation between maximum expiratory volume in the first second and a higher vital capacity (FEV1/VC). The goals for this review were to analyse the most relevant papers regarding the volume differences obtained via FVC and SVC, and which is the importance of these respiratory parameters for the determination of airway obstruction. It was possible to verify that there are statistically significant differences among the several parameters of VC. Most of the papers reported a higher VC when a slow manoeuvre was used. Lower FVC value, when compared with SVC, may mask the presence of airway obstruction, since the denominator of the FEV1/FVC relationship is lower than the FEV1/SVC one, which contributes to a lower relationship on the latter, i.e., there is a greater chance of diagnosing this kind of ventilatory abnormality in the second relationship. PALAVRAS-CHAVE: Capacidade vital forçada (FVC); capacidade vital lenta (SVC); obstrução das vias aéreas. KEY WORDS: Forced vital Capacity; slow vital capacity; airway obstruction. Submetido em 21 abril 2012; Aceite em 22 janeiro 2013; Publicado em 31 março 2013. * Correspondência: Raquel Barros. Email: [email protected] INTRODUÇÃO A capacidade vital/ vital capacity (VC) está descrita pelas guidelines da American Thoracic Society/ European Respiratory Society - ATS/ERS (Pellegrino et al., 2006) como sendo o volume de ar mobilizado entre uma inspiração e expiração máximas, sendo expressa em litros em condições BTPS (Body Temperature and Pressure Saturated). A VC pode ser medida de forma forçada [Forced Vital Capacity (FVC)] através da realização de uma curva débito-volume ou de forma lenta [Slow Vital Capacity (SVC)] através de uma curva volume-tempo. A SVC pode ser determinada por dois métodos diferentes: inspiratório e expiratório. A capacidade vital inspiratória (Inspiratory Vital Capacity [IVC]) designa o máximo volume de ar inspirado até à capacidade pulmonar total (Total Lung Capacity [TLC]) partindo Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP do volume residual (Residual Volume [RV]) e a capacidade vital expiratória (Expiratory Vital Capacity [EVC]) representa o máximo volume de ar expirado até RV partindo da TLC (Bencowitz, 1984). Tem vindo a verificar-se que em alguns indivíduos a FVC é menor que a SVC, o que pode dever-se ao facto da manobra da VC, quando realizada de forma forçada, poder provocar broncoconstrição e, desta forma, subvalorizar a mesma. No entanto, quando este parâmetro funcional é obtido através de uma manobra não forçada, podem obter-se valores de VC superiores (Allen, Charlton, Backen, Warwick-Sanders, e Yeung, 2010). Outro motivo que pode contribuir para que a SVC seja superior à FVC é o facto de que quando a manobra é executada de forma lenta existir uma menor probabilidade da ocorrência de tosse ou outras intercorrências que levem à interrupção desta manobra (Allen et al., 2010). Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 12 Diferenças entre a capacidade vital lenta e a capaciadde vital forçada Estes parâmetros são importantes para a determinação da presença de obstrução das vias áreas, uma vez que segundo a ATS/ERS (Pellegrino et al., 2006) a presença deste tipo de alteração ventilatória é definida pela diminuição da relação entre o volume expiratório máximo no primeiro segundo e a maior capacidade vital (FEV1/VC). Segundo a ATS/ERS (Pellegrino et al. 2006), em alguns indivíduos, a manobra da SVC é superior à FVC, pelo que o primeiro parâmetro, por ser o denominador maior, é mais apropriado para verificar a existência de obstrução das vias aéreas e, assim sendo, é fundamental analisar, para além da relação FEV1/FVC, também a relação FEV1/SVC. As mesmas sociedades referem que as duas relações devem ser tidas em consideração em todos os casos, uma vez que também em indivíduos sem alterações ventilatórias a SVC é muitas vezes superior à FVC. Foi objetivo desta revisão verificar através da análise da literatura quais as diferenças de volume obtidas entre a FVC e a SVC e qual a importância destes parâmetros funcionais respiratórios para a determinação da presença de obstrução das vias áreas. DIFERENÇAS ENTRE A CAPACIDADE VITAL LENTA E A CAPACIDADE VITAL FORÇADA Foram encontrados vários estudos que avaliaram as diferenças entre os vários parâmetros da VC em diversos tipos de patologia respiratória. Os estudos apresentados são bastante heterogéneos relativamente aos seus objetivos e ao tipo de amostra utilizada, contudo a informação retirada dos mesmos é apenas aquela que diz respeito à temática que está a ser abordada nesta revisão da literatura. O estudo de Reig e van der Mark (1985) teve por objetivo avaliar as diferenças existentes entre as várias manobras de VC e incluiu 47 indivíduos que realizaram provas funcionais respiratórias de rotina. Os resultados obtidos por estes autores revelaram que a IVC e a EVC foram superiores à FVC, tendo sido Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP as diferenças entre a IVC e a FVC de 206 mL e entre a EVC e a FVC de 114 mL. Kawakami, Kishi, Dohsaka, Nishiura e Suzuki (1988) desenvolveram um estudo cuja amostra foi de 59 indivíduos com doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC). Estes indivíduos foram divididos em dois grupos, o grupo 1 com 43 indivíduos que sobreviveram a um período de 4 anos e o grupo 2 com 16 indivíduos que morreram durante esse mesmo período de tempo. Todos os indivíduos realizaram provas funcionais respiratórias, tendo estas revelado que o grupo 1 apresentou uma média para a FVC de 2,05 L e para a VC de 2,30 L; quanto ao grupo 2, os doentes apresentaram para a FVC uma média de 1,77 L e para a VC de 1,92 L. Estes resultados revelam que, em ambos os grupos, a VC é superior à FVC, sendo que, no grupo 1, a diferença entre as duas (250 mL) é superior à diferença encontrada no grupo 2 (150 mL). Bubis, Sigurdson, McCarthy e Anthonisen (1980) efetuaram uma investigação que incluiu 200 indivíduos com doença pulmonar obstrutiva e que foram submetidos a testes de função respiratória. Nesse estudo foi efetuada uma subanálise com interesse para o tema que se está a estudar. Estes autores seleionaram 15 indivíduos cuja SVC foi, pelo menos, 350 mL superior à FVC. Em 11 desses indivíduos essa diferença não foi devida ao aumento do tempo expiratório, tendo sido por esse motivo que foi efetuada uma análise mais profunda nestes elementos. Estes indivíduos formavam um grupo heterogéneo em termos de diagnóstico (outras patologias respiratórias concomitantes) e grau de gravidade da obstrução. Através dos resultados obtidos nesse grupo foi possível concluir que a SVC foi claramente superior à FVC sendo a média das diferenças entre a SVC e a FVC de 520 mL. As diferenças entre a SVC e a FVC não foram atribuídas às diferenças na pré-expiração a partir de TLC, todavia o RV foi sistematicamente maior após as manobras de FVC do que após as manobras de SVC. Verificou-se que, após várias repetições das manobras respiratórias, a diferença entre ambas as capacidades vitais variou em alguns doentes, contudo, Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 13 Diferenças entre a capacidade vital lenta e a capaciadde vital forçada em nenhum caso essas diferenças foram inferiores a 250 mL. O estudo de Brusasco, Pellegrino e Rodarte (1997) incluiu uma amostra de 35 indivíduos com obstrução crónica das vias aéreas, tendo sido esta dividida em dois grupos. Os 25 indivíduos incluídos no grupo 1 apresentavam um FEV1 <80% do previsto e os 10 indivíduos do grupo 2 eram indivíduos asmáticos com bronco-constrição induzida por metacolina. Neste estudo foram obtidas quatro medidas de VC através de dois conjuntos diferentes de manobras, realizadas de forma aleatória. O conjunto de manobras lentas consistiu numa expiração lenta até RV, seguida de uma inspiração rápida até TLC – FIVCse (Forced Inspiratory Vital Capacity slow expiration capacidade vital inspiratória forçada após uma expiração lenta), e, sem apneia, fazer uma expiração lenta até RV (correspondendo à EVC). O conjunto de manobras forçadas consistiu numa expiração forçada até RV, seguida de uma inspiração rápida até TLC – FIVCfe (Forced Inspiratory Vital Capacity forced expiration - capacidade vital inspiratória forçada após uma expiração forçada), e, sem apneia, fazer uma expiração forçada até RV (correspondendo à FVC). No grupo 1, a FVC (3,75±1,03 L) foi o parâmetro de VC que obteve o menor volume comparativamente à FIVCfe (3,83±0,98 L) e FIVCse (4,03±0,91 L). Contudo, no grupo 2, a FVC (4,16±0,94 L) foi significativamente superior à FIVCfe (3,76±0,81 L), não tendo sido encontradas diferenças com significado estatístico relativamente à FIVCse. O estudo efetuado por Chan e Irvin (1995) demonstrou a influência da limitação do fluxo aéreo no colapso das vias áreas e como esse mesmo colapso pode ser avaliado através da diferença de volume existente entre as manobras de VC (lenta e forçada). Através dos valores obtidos para a FVC e SVC verificou-se que existia uma grande diferença entre ambas as capacidades (1,2 L) e que esta pode ser explicada através das características das respetivas manobras. manobra da SVC, por esta ser uma manobra não forçada, há menos compressão intratorácica e, por conseguinte, um maior volume de ar é passível de ser mobilizado, enquanto na FVC, por ser uma manobra forçada, existe uma maior compressão e colapso das vias aéreas, sendo esse o mecanismo responsável pela menor capacidade de mobilização do volume de ar durante a expiração. É por este motivo que a diferença entre SVC e FVC pode ser utilizada como índice do colapso das vias áreas. Cohen et al. (2007) referem no seu artigo que a diferença entre FVC e SVC (sendo a SVC superior à FVC) é superior em indivíduos com asma comparativamente aos indivíduos saudáveis e que, por essa razão, esta diferença pode ser usada como índice de colapso das vias aéreas. E No estudo de Hutchison, Barter e Martelli (1973) foram estudados 12 indivíduos, seis indivíduos saudáveis e os outros seis com enfisema pulmonar, tendo-se verificado que os indivíduos saudáveis apresentaram valores médios para a FVC, IVC e EVC muito semelhantes. Este grupo de indivíduos obteve para a IVC, 5,59 L, para a EVC, 5,61 L e para a FVC, 5,63 L. No grupo dos indivíduos com enfisema pulmonar, o método que obteve o maior volume foi a IVC (3,97 L), seguido da EVC (3,91 L) e, por fim, a FVC (3,48 L). Estes autores concluíram que o método da FVC pode subestimar a VC em indivíduos com enfisema grave, quando comparado com a IVC e a EVC, tendo sido os resultados dos últimos muito semelhantes. Podem ser levantadas questões quando à facilidade/capacidade de execução das manobras de VC, ou seja, se existe uma maior facilidade na execução de alguma delas (SVC ou FVC). Um estudo que se dedicou a esse aspeto, foi o de Allen et al. (2010) que estudaram 83 indivíduos com uma diminuição moderada da capacidade cognitiva, e observou que 38 desses indivíduos conseguiam realizar ambas as manobras (FVC e SVC), 32 não conseguiam realizar nenhuma das manobras e 12 apenas conseguiam realizar a manobra de SVC devido a fraqueza muscular e tosse. Deste modo, foi possível constatar que durante a Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 14 Diferenças entre a capacidade vital lenta e a capaciadde vital forçada Os motivos que levaram à incapacidade de realização das manobras respiratórias foram o aparecimento de tosse incontrolável, fraqueza muscular e deficiente colaboração. A FVC (1,69 L) e SVC (1,68 L) obtidas foram muito semelhantes entre si, com um coeficiente de variação muito pequeno. Esta amostra contava apenas com 14 indivíduos com obstrução das vias aéreas, o que pode ser uma possível explicação para não haver diferenças entre a FVC e a SVC, sendo que no mesmo artigo é feita referência a outros trabalhos que estudaram indivíduos mais jovens com DPOC, e que mostraram que a SVC foi superior à FVC alegando-se, para tal, a existência de colapso das vias aéreas durante a expiração forçada. A IMPORTÂNCIA DA CAPACIDADE VITAL NA DETERMINAÇÃO DA PRESENÇA DE OBSTRUÇÃO DAS VIAS AÉREAS Ao longo dos anos foram estabelecidos pelas diversas sociedades de referência na área da fisiopatologia respiratória, vários critérios para a determinação da presença de obstrução das vias aéreas, através dos resultados obtidos pelas provas funcionais respiratórias. Em seguida vão ser apresentados alguns dos critérios mais frequentemente utilizados na atualidade. O projeto Global Initiative for Chronic Obstrutive Lung Disease (Pauwels, Buist, Calverley, Jenkins, Hurd, 2001) e a British Thoracic Society (1997) definem a presença de obstrução das vias aéreas quando a relação FEV1/FVC é inferior a 70% pósbroncodilatador. Segundo a ERS (Siafakas et al., 1995) a presença deste tipo de alteração ventilatória é definida pela presença da relação FEV1/VC inferior a 88% do previsto, no género masculino, e inferior a 89%, no género feminino, e para a ATS/ERS (Pellegrino et al., 2006) o critério apresentado é a redução da relação FEV1/VC inferior ao 5.º percentil do valor previsto. Nos dois últimos critérios apresentados, os autores utilizam como denominador da relação a VC que, como já foi referido anteriormente, pode ser a Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP FVC ou a SVC (IVC ou EVC), sendo utilizado o parâmetro que tiver um volume superior. Apenas foram encontrados na literatura consultada dois estudos que analisaram a influência da VC na determinação da presença de obstrução das vias aéreas. O estudo de Chhabra (1998) analisou em 60 indivíduos asmáticos e 20 indivíduos saudáveis, a FVC, a EVC e a IVC, tendo constatado que, para os indivíduos saudáveis, não existiam diferenças estatisticamente significativas entre os três parâmetros da VC, no entanto, no grupo dos asmáticos verificou que a FVC foi estatisticamente inferior à EVC e à IVC; todavia entre os dois últimos parâmetros não existiam diferenças. Este autor verificou que no grupo dos asmáticos as diferenças entre a FVC e a EVC ou IVC são maiores nos indivíduos que apresentavam obstrução das vias aéreas de grau moderado e grave. Chhabra (1998) estudou as diferenças obtidas entre as relações FEV1/FVC, FEV1/EVC e FEV1/IVC, tendo verificado que nos indivíduos saudáveis e nos indivíduos com obstrução de grau ligeiro não existiam diferenças estatisticamente significativas entre as três relações calculadas. Porém, nos indivíduos com obstrução moderada e grave, as relações apresentaram diferenças estatisticamente significativas nomeadamente, a relação FEV1/IVC foi aquela que obteve valores inferiores, seguindo-se a relação FEV1/EVC e, por último, a relação FEV1/FVC. Tendo em conta os resultados obtidos, este autor concluiu que para a deteção da presença de obstrução das vias aéreas deve ser tida em conta a relação FEV1/EVC ou FEV1/IVC (IVC e EVC foram os parâmetros da VC que obtiveram um volume superior e não a FVC), porque foram estas que obtiveram valores mais baixos, devido à presença de um denominador superior, permitindo assim aumentar a sensibilidade da espirometria para a verificação da existência deste tipo de alteração ventilatória. Rasheed, Vasudevan, Shahzad, Arjomand, Reminick apresentaram em outubro de 2011 um póster Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 15 Diferenças entre a capacidade vital lenta e a capaciadde vital forçada (resumo publicado na Chest em 2011) intitulado "Underdiagnosis of Obstructive Airways Disease by Spirometry", em que estudaram a prevalência de falsos negativos relativamente à presença de obstrução das vias aéreas quando utilizada a relação FEV1/FVC ou FEV1/SVC (dois métodos). A amostra foi constituída por 416 indivíduos, tendo sido criados grupos de acordo com a patologia respiratória subjacente: o grupo 1 foi constituído por 185 asmáticos e o grupo 2 por 231 indivíduos com DPOC. Os resultados deste estudo revelaram que no grupo dos asmáticos ocorreu discordância entre os dois métodos em 22% dos indivíduos e que no grupo com DPOC esse valor foi de 13%; na totalidade da amostra o valor da discordância foi de 17%. Neste estudo, a relação FEV1/FVC estava falsamente normal em 17% dos indivíduos com patologia respiratória obstrutiva conhecida, no entanto esses doentes foram corretamente caracterizados como obstrutivos através da relação FEV1/SVC. Pelo que Rasheed et al. (2011) alertam para a necessidade de em doentes com suspeita de obstrução das vias aéreas se efetuar a determinação dos volumes pulmonares estáticos (SVC) para o cálculo da relação FEV1/SVC, e, desta forma, evitar os erros de diagnóstico que levam à não instituição das medidas terapêuticas necessárias. A necessidade de utilizar a relação FEV1/VC é detetada por Chhabra (1998) e Rasheed et al. (2011) contudo, nos trabalhos abordados no capítulo anterior, nomeadamente nos artigos de Kawakami et al. (1988), Bubis et al. (1980), Reig e van der Mark (1985), Chan e Irvin (1995) e Hutchison et al. (1973) também se verificou que a SVC (EVC e IVC) é superior à FVC, o que indiretamente alerta para a necessidade de se utilizar como VC o parâmetro em que se obteve o volume superior, para que, desta forma, não se caracterize erradamente os doentes com obstrução das vias aéreas como normais. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com esta revisão de literatura foi possível verificar que existem diferenças com significado estatístico entre os vários parâmetros da VC, sendo que na maioria dos artigos as manobras efetuadas de forma não forçada (EVC e IVC) apresentaram volumes superiores à manobra efetuada de forma forçada (FVC). Estes resultados alertam para a necessidade de utilizar a relação FEV1/SVC para a determinação da presença de obstrução das vias aéreas, de forma a aumentar a sensibilidade das provas funcionais respiratórias no diagnóstico deste tipo de alteração ventilatória. Pelos motivos acima referidos, torna-se importante, no contexto da realização de provas funcionais respiratórias, a realização de uma curva volumetempo que permita determinar a VC de forma não forçada. Só desta forma se evita a subvalorização da VC nas manobras forçadas, e se minora o aspeto da broncoconstrição, que posteriormente pode condicionar a classificação do padrão ventilatório. Foram encontrados poucos estudos que tenham analisado a influência dos vários parâmetros da VC na determinação da presença de obstrução das vias aéreas, pelo que é necessário a realização de mais estudos que permitam decidir qual a melhor abordagem consoante o tipo de patologia respiratória subjacente. REFERÊNCIAS Allen, Charlton, Backen, Warwick-Sanders, e Yeung (2010). Performing slow vital capacity in older people with and without cognitive impairment: It is useful?. Age and Ageing, 39(5), 588– 591. Bencowitz (1984). Inspiratory and expiratory vital capacity. Chest, 85(6), 834-835. British Thoracic Society [BTS] (1997). BTS guidelines for the management of chronic obstructive pulmonary disease. Thorax, 52(Supplement 5), S1-S28. Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 16 Diferenças entre a capacidade vital lenta e a capaciadde vital forçada Brusasco, Pellegrino, e Rodarte (1997). Vital capacities in acute and chronic airway obstruction: Dependence on flow and volume histories. European Respiratory Journal, 10(6), 1316–1320. Bubis, Sigurdson, McCarthy, e Anthonisen (1980). Differences between slow and fast vital capacities in patients with obstructive disease. Chest, 77(5), 626-631. Chan e Irvin (1995). The detection of collapsible airways contributing to airflow limitation. Chest, 107(3), 856-859. Chhabra (1998). Forced vital capacity, slow vital capacity, or inspiratory vital capacity: Which is the best measure of vital capacity? Journal of Asthma, 35(4), 361-365. Cohen, Postma, Vink-Klooster, van der Bij, Verschuuren, ten Hacken, ... Douma (2007). FVC to slow inspiratory vital capacity ratio: A potential marker for small airways obstruction. Chest, 132(4), 1198-1203. Hutchison, Barter e Martelli (1973). Errors in the measurement of vital capacity: A comparison of three methods in normal subjects and in patients with pulmonary emphysema. Thorax, 28(5), 584587. Kawakami, Kishi, Dohsaka, Nishiura e Suzuki (1988). Reversibility of airway obstruction in relation to prognosis in chronic obstructive pulmonary disease. Chest, 93(1), 49-53. Pauwels, Buist, Calverley, Jenkins, e Hurd (2001). Global strategy for the diagnosis, management, and prevention of chronic obstructive pulmonary disease – NHLBI/WHO Global Iniciative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD) Workshop Summary. American Journal of Respiratory and Critical Care Medicine, 163(5), 1256-1276. Pellegrino, Viegi, Brusasco, Crapo, Burgos, Casaburi, … Wanger (2006). Interpretative strategies for lung function tests. European Respiratory Journal, 26(5), 948-968. Rasheed, Vasudevan, Shahzad, Arjomand, e Reminick (2011). Underdiagnosis of obstrutive airways disease by spirometry. Chest, 140, 4_MeetingAbstracts, 691A-619A. Reig e van der Mark (1985). Inspiratory and expiratory vital capacity. Chest, 88(5), 797b-798. Siafakas, Vermeire, Pride, Paoletti, Gibson, Howard, … Rees (1995). Optimal assessment and management of chronic obstructive pulmonary disease (COPD) – A consensus statement of the European Respiratory Society (ERS). European Respiratory Journal, 8(8), 1398-1420. Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 17 Vol.5 – Março 2013 Artigo de Revisão de Literatura Treino de força para um envelhecimento ativo Strength training for active aging Rita Lorenzo Pereira1*, Ricardo Pedro1 1 Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa. Em ano de Envelhecimento Ativo, está comprovado, através de dados estatísticos, que a esperança média de vida da população portuguesa está a atingir valores elevados. Deste modo, este artigo tem em vista salientar o modo como o fisioterapeuta pode atuar na população idosa, numa perspetiva, essencialmente, de promoção da saúde através do treino de força. Desta forma, pretende-se, com a realização deste artigo, abordar os benefícios que o treino de força imprime na população idosa e de que género, estes mesmos benefícios se projetam num conceito de envelhecimento ativo e promoção da saúde, visando a qualidade de vida desta população. Assim sendo, para a formulação deste artigo científico, foi necessário a pesquisa em várias bases referenciais e bases de dados como a B-on e a PubMed. Este trabalho encontra-se no grau I de evidência, onde se pretende descrever e referir resultados que visem a temática abordada. Por fim, os resultados apresentados demonstram que, efetivamente, o treino de força tem contributos significativos para a população idosa e que estes efeitos têm um contributo relevante para um conceito de envelhecimento ativo, promoção da saúde e qualidade de vida. Apesar deste balanço positivo, mais estudos devem ser feitos neste âmbito de modo a demonstrar e comprovar cientificamente a interdependência, neste caso, do treino de força muscular, envelhecimento ativo e a relevância da fisioterapia, na população idosa. In the year of Active Aging, statistics is proving that the average life expectancy of the Portuguese population is reaching high levels. Therefore, this article aims to highlight how the physiotherapist can act on the elderly, essentially by promoting health through strength training. The goal of this article is to address the benefits that strength training has in the elderly and how these benefits are reflected on a concept of active aging and health promotion for a better quality of life of this population. Search was performed on several databases, namely B-on and PubMed. This work is in level I evidence, which aims to describe and report the results related to this subject. Finally, the results show that, effectively, strength training has made significant contributions to the aging population and that these effects have Treino de força para um envelhecimento ativo relevant contribution to a concept of active aging, health promotion and quality of life. Despite this positive outcome, further studies should be performed to demonstrate and scientifically prove the interdependence, in this case, between muscular strength training, active aging and the importance of the physiotherapy intervention in the elderly. PALAVRAS-CHAVE: Fisioterapia; treino de Força; envelhecimento; envelhecimento ativo; promoção da saúde. KEY WORDS: Physiotherapy; strength training; aging; active aging; health promotion. Submetido em 12 outubro 2012; Aceite em 12 fevereiro 2013; Publicado em 31 março 2013. * Correspondência: Rita Lorenzo Pereira. Email: [email protected] INTRODUÇÃO Envelhecimento O envelhecimento é um processo que decorre ao longo de uma vida variando a sua velocidade e severidade de indivíduo para indivíduo. Existem várias definições que o classificam como um processo dinâmico, progressivo, fisiológico e diferencial, evolutivo e inalterável que é próprio de todos os seres vivos (Lopes, Costa, Santos, Castro e Bastone, 2009; Cancela, 2008; Custardoy, s.d.; Silva e Oliveira, 2008; Robert, 1995). O envelhecimento abrange um sem número de fatores que levam a alteração das funções orgânicas e, consequentemente mentais, devido aos efeitos da idade avançada no organismo (Cancela, 2008; Montenegro, 2006; Silva e Oliveira, 2008). Por conseguinte, existem alterações, em vários níveis/sistemas, que são inerentes ao envelhecimento (Seeley, Stephens e Tate, 2007). A nível antropométrico dá-se uma diminuição dos discos intervertebrais, da densidade óssea, massa corporal e muscular, aumentando a concentração de gorduras relativamente à altura (Cancela, 2008; Silva e Oliveira, 2008; Ribeiro, Medeiros, Pinto e Corrêa, 2003). No sistema circulatório, temos a diminuição do fluxo sanguíneo ao cérebro, fígado e rins, o que levará a Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP uma redução da capacidade da tolerância à glicose, de eliminação de toxinas e metabolização de medicamentos, o que é um fator importante nesta faixa etária (Cancela, 2008; Seeley et al., 2007; Lerma, 2009). A frequência cardíaca máxima diminui, bem como o débito cardíaco máximo (Cancela, 2008; Seeley et al., 2007). Normalmente o sangue deixa de circular tão intensamente na periferia centrando-se mais nos órgãos nobres/centro do corpo (Cancela, 2008; Seeley et al., 2007; Zeleznik, 2003). Com as alterações cardiovasculares que existem, há uma maior fadiga muscular e uma menor capacidade de hipertrofia (Silva, Frisoli Júnior, Pinheiro e Szejnfeld, 2006; Seeley et al., 2007). Pelo aumento da rigidez cartilaginosa, dos tendões e ligamentos, a flexibilidade e a mobilidade articular ficam restringidas (Cancela, 2008; Faulkner, Larkin, Claflin e Brooks, 2007; Silva et al., 2006). A nível neural, sucede uma diminuição do número e tamanho dos neurónios, bem como uma redução da velocidade de condução nervosa nos mesmos (Seeley et al., 2007; Masud e Morris, 2001). O aumento do tecido conectivo nos neurónios dificulta a velocidade de transmissão do impulso nervoso assim como da velocidade dos movimentos (Cancela, 2008; Ribeiro et al., 2003; Faulkner et al., 2007). Destas alterações existentes no tecido nervoso ocorre uma diminuição do fluxo sanguíneo cerebral (Masud e Morris, 2001; Silva et al., 2006). Estas alterações podem também Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 19 Treino de força para um envelhecimento ativo estar a afetar e/ou alterar outras valências motoras, como a agilidade e/ou a coordenação motora, que têm implicações na marcha e postura, sendo a postura de anteriorização a mais adotada, origem de muitos dos desequilíbrios (Cancela, 2008; Faulkner et al., 2007; Seeley et al., 2007; Masud e Morris, 2001). Relativamente ao sistema imunitário, este fica deprimido, conduzindo a uma baixa eficácia celular no combate às infeções com diminuição da sua capacidade regenerativa (Montenegro, 2006; Silva e Oliveira, 2008; Ribeiro et al. 2003; Pinho, Almeida, Palma, Moniz, Gomes da Silva, 2006). Existe também um declínio da função, principalmente a nível percetivo (Seeley et al., 2007). As capacidades sensoriais diminuem ao longo do processo de envelhecimento sendo menor a nível propriocetivo e maior a nível auditivo, visual e de reações de equilíbrio (Cancela, 2008; Park, O’Connell e Thomson, 2003). Este tipo de défices pode levar muitas vezes a acontecimentos de quedas recorrentes, por exemplo, que conduzem a problemas graves a nível físico (fraturas), psicológico (depressão) e, consequentemente, social - isolamento (Cancela, 2008). As alterações intelectuais e sensoriais, por diminuição da substância branca, estão relacionadas com a lentificação do Sistema Nervoso Central e com a redução do processamento cerebral, que pode afetar algumas atividades, como andar ou manter o equilíbrio, porque a facilidade de processar a informação diminui e a probabilidade de haver um excesso desse processamento aumenta e torna as tarefas menos automáticas, recrutando mais o consciente para executar tais atividades (Cancela, 2008; Seeley et al., 2007; Park, et al., 2003). Todos estes processos e fatores apontados são predisponentes para que exista um aumento do número de doenças associadas ao envelhecimento, destacando-se as doenças crónicas (Cancela, 2008). Apesar disso, o que é mais prejudicial é o desuso do corpo e das suas funções fisiológicas, que levam à imobilidade e má adaptação (Montenegro, 2006). Isto irá conduzir a um aumento da incapacidade de realizar simples atividades diárias, que, por sua vez, levam a uma diminuição da qualidade de vida em todos os aspetos bio-psico-sociais (Montenegro, 2006; Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Martins, 2003). Envelhecimento ativo Se se quer que o envelhecimento seja visto e encarado de uma forma positiva, este também deve ser acompanhado de oportunidades contínuas de saúde e segurança que permitam uma maior participação do indivíduo no meio onde está inserido (World Health Organization [WHO], 2002). A partir desta premissa, a Organização Mundial de Saúde adotou o conceito de “Envelhecimento Ativo”, no final dos anos 90 do século XX. Para que se consiga “aplicar” este conceito, é preciso que o próprio idoso seja capaz de conseguir encarar este patamar, que é o envelhecimento, como mais uma etapa de transformação na sua vida, que ocorre a todos os níveis: físico, psicológico e social. Deste modo, o idoso conseguirá ver o envelhecimento como mais um ciclo na vida pelo qual está a passar, e verificar que este deve ser vivido como todos os outros, de forma a enfrentá-lo positivamente (WHO, 2002; Netto, 2002; Nguyen, s.d.; Fries, 2012; Hessel, 2008). Assim sendo, a definição de envelhecimento ativo não passa de um processo de otimização das oportunidades de saúde e segurança, promovendo a participação, com o objetivo de melhorar a qualidade de vida à medida que se vai envelhecendo, através da prática de exercício. Daí que este conceito seja, de certa forma, considerado como mais uma resposta, para combater e retardar os efeitos do envelhecimento (WHO, 2002). A palavra “ativo” não se refere apenas a uma boa função do fator físico ou da sua capacidade/aptidão, mas sim, a uma participação contínua na sociedade e todas as questões que esta engloba, sendo elas sociais, económicas, culturais, espirituais e civis (WHO, 2002; Assis, 2005; Fries, 2012). O facto de estar reformado, padecer de alguma patologia ou ter algum tipo de limitação não quer dizer que não possa continuar a contribuir ativamente, para a sua comunidade e/ou país, juntamente com os seus familiares e amigos (WHO, 2002; Fries, 2012; Lizana, in press; Hessel, 2008). Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 20 Treino de força para um envelhecimento ativo O objetivo, neste tipo de envelhecimento, é aumentar a expectativa de uma vida saudável e a qualidade de vida dos indivíduos que vão envelhecendo, mesmo aqueles fisicamente incapacitados e/ou que requerem outros tipos de cuidados (WHO, 2002). Assim, o que este conceito pretende transmitir é uma mensagem mais abrangente, considerando a participação ativa na vida do idoso, mesmo que limitado pelo espaço circundante, não se restringindo ao facto de não haver possibilidade de se manter fisicamente ativo, por exemplo, apesar do idoso movimentar-se com recurso a uma cadeira de rodas não quer dizer que não possa praticar exercício ou manter-se estimulado (Kalache, Aboderin e Hoskins, 2002; Lizana, in press). É reconhecida, por isso, a influência de vários fatores determinantes para um envelhecimento ativo, sendo eles, económicos, comportamentais, pessoais (do próprio individuo e familiares) e ambientais (físico, social e de saúde) que são, contudo, influenciados pelo género e cultura em que o indivíduo está inserido (WHO, 2002; Assis, 2005; Kalache et al., 2002). As políticas adotadas para ir ao encontro deste tipo de envelhecimento, devem ser articuladas de modo a ter em conta estes fatores determinantes de maneira a explorá-los da melhor forma possível (WHO, 2002; Assis, 2005; Kalache et al., 2002; Lizana, in press; Paúl e Fonseca, 2005). Assim, o objetivo do presente artigo centra-se no contributo e nos benefícios que o treino de força tem na população idosa em prol do conceito de Envelhecimento Ativo. Isto porque a população idosa em Portugal está a ficar cada vez mais envelhecida e o fisioterapeuta como profissional de saúde, tem a capacidade e as ferramentas necessárias para intervir como promotor da saúde na população idosa para contribuir para uma melhor qualidade de vida dos atuais e futuros idosos (Alto Comissariado da Saúde, 2009; Cancela, 2008; Instituto Nacional de Estatística, 2011; Ministério da Saúde, 2004). METODOLOGIA Assim, para a execução do presente artigo, a pesquisa centrou-se em várias bases referenciais e editoras, Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP entre estas, a B-on, a PubMed, a Springer Link e a PEDro. Entre as palavras-chaves usadas para a pesquisa bem como binómios e trinómios entre elas, as selecionadas foram: Active Aging, Strength Training, Elderly People, Old People, Physical Theraphy, Physiotherapy, bem como o seu equivalente em português. Em termos de critérios de inclusão, foram tidos em conta trabalhos de fortalecimento muscular em idosos; trabalhos que contemplassem o estudo da força em idosos com idade igual ou superior a 60 anos; trabalhos que demonstrassem resultados acerca dos benefícios/ alterações do treino de força em idosos e trabalhos que abordassem o envelhecimento ativo. Em relação a critérios de exclusão foram descartados trabalhos que abordavam a correlação entre idosos e jovens; trabalhos que abordavam a relação entre pessoas de meia-idade e idosos; trabalhos levados a cabo em idosos institucionalizados e, por fim, trabalhos que relacionavam o treino de força com uma patologia específica. Foi utilizada bibliografia sobre o treino de força e consequente programa de treino, a qual está esquematizada na Tabela 1 para uma melhor interpretação da análise seguinte. ANÁLISE DA PESQUISA A diminuição da força muscular relacionada com a idade está mais ligada ao desuso muscular por se estar menos ativo, quando se envelhece, do que propriamente apenas aos fatores do envelhecimento em si (Doherty, 2003). Esta diminuição da força e da massa muscular irá levar a uma maior dificuldade na realização de atividade física e exercício físico, que será mais exigente (Silva et al., 2006). A dificuldade sentida irá levar a um aumento do sedentarismo e respetivas consequências (Silva et al., 2006). Esta perda de massa muscular levará a uma perda da função mecânica, não querendo isto dizer que a mesma não possa ser recuperada e/ou mantida (Mayer, et al., 2011). Os estudos referem que, com o treino de força, é possível que isso aconteça, mas infelizmente apenas poucos idosos têm este tipo de Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 21 Treino de força para um envelhecimento ativo prática (Mayer et al., 2011). As implicações que um treino de força pode ter, abrangem várias componentes: muscular, neurológica, aeróbia, metabólica e funcional. A nível de adaptação muscular ocorre um aumento da produção de força estática e dinâmica. A adaptação a nível da força é visível após alguns dias de treino sendo que esta observação coincide com a de vários estudos realizados, algo vagos, que sugerem uma adaptação também a nível neural, que é independente das variações que ocorrem perifericamente a nível muscular. Apesar destas alterações neurais serem algo vagas, existe evidência de uma forma indireta, através do cruzamento de dados que, de certo modo, apoiam esta hipótese (Frontera e Bigard, 2002). TREINO DE FORÇA E A FISIOTERAPIA Este treino é feito pelo fisioterapeuta através de um programa de exercícios, específicos para cada área do corpo, onde a carga pode ser feita através de várias formas, por meio de equipamentos, pesos livres, bandas elásticas ou até mesmo, o peso do próprio corpo (Frontera e Bigard, 2002; Mayer et al., 2011; Department of Health, 2000). Este trabalho inclui uma parte excêntrica e tal ação poderá eventualmente induzir micro-danos musculares, sendo importante referir que estudos demonstram que as mulheres idosas têm uma maior probabilidade para que esse fenómeno ocorra do que os homens (Reeves, Narici e Maganaris, 2004; Hunter, et al., 2001). Do ponto de vista prático, é importante saber se as adaptações fisiológicas do treino de força têm resultados na aplicabilidade do dia-a-dia dos idosos, que resulte num aumento da capacidade funcional. Os resultados que se têm obtido, mostram que, após o treino em idosos, tanto homens como mulheres, é denotada uma melhoria na marcha, na sua cadência, velocidade e em atividades funcionais como o subir/descer escadas, porque o treino pode aumentar a força que é produzida pelo músculo assim como Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP combater a sua fraqueza associada ao envelhecimento (Frontera e Bigard, 2002; Mayer et al., 2011; Fernandes, 2007). Se a perda de força muscular é inversamente proporcional ao aumento da idade, o mesmo não implica que esta perda não possa ser constante, sendo possível aos idosos manterem uma independência funcional, sem existir um declínio abrupto da função muscular e de qualidade de movimento (Mayer et al., 2011; Fernandes, 2007). Séries de treino Estudos demonstram que o treino de força na atividade física tem efeitos positivos no individuo idoso, tanto a nível da mobilidade como da mortalidade (Department of Health, 2000; Alfieri, et al.,2010; Frontera e Bigard, 2002; Nied e Franklin, 2002; Reeves et al., 2004). Os programas de treino encontrados, variam em termos de séries, repetições e carga, bem como duração e frequência. De uma forma mais sistemática e relativamente às séries, para Alfieri et al. (2010), a escolha de três séries tem em conta os benefícios do treino aliado aos exercícios que são realizados e alteração das superfícies de apoio. Outro autor relata que, para se obterem e não se perderem os ganhos obtidos pelo treino, numa primeira fase, as séries devem ser de pelo menos duas a três (Department of Health, 2000). Para Frontera e Bigard (2002), parte da sua justificação coincide com a afirmação anterior mas revela que, numa fase inicial, pode ir-se até seis séries para cada grupo muscular. Nied e Franklin (2002) optam por referir que apenas uma série, com um elevado número de repetições, numa variada gama de exercícios, tendo em conta objetivos específicos para o individuo, traz benefícios. Por fim, Reeves et al. (2004) referem que o número de séries escolhido, cinco, tem como critério os grupos musculares. Repetições e carga Relativamente ao número de repetições referidas pelos autores, quase todos estão de acordo que este deve ser igual ou superior a oito, alguns optando por iniciar com dez (Alfieri et al., 2010; Nied e Franklin, Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 22 Treino de força para um envelhecimento ativo 2002; Department of Health, 2000; Reeves et al., 2004; Mayer et al., 2011). Apenas um estudo, o de Frontera e Bigard (2002), referiu como número inicial possível, cinco repetições, afirmando que apenas com este número, se conseguir obter ganhos conjuntamente com outros parâmetros, como a carga e as séries. Ainda neste ponto, todos referem como repetições máximas 15, tendo em vista a fadiga do músculo e do indivíduo (Alfieri et al., 2010; Nied e Franklin, 2002; Department of Health, 2000; Reeves et al., 2004; Frontera e Bigard, 2002; Mayer et al., 2011). Também em relação à carga, os autores são unânimes. O tipo de carga, que estes referem que deve ser utilizada, está dentro dos parâmetros de carga moderada a submáxima, que varia entre os valores de 50% a 80% de uma Repetição Máxima (RM) da capacidade do total do indivíduo (Alfieri et al., 2010; Nied e Franklin, 2002; Department of Health, 2000; Reeves et al., 2004; Frontera e Bigard, 2002; Mayer et al., 2011; Baker, Atlantis e Fiatarone, 2007). Fernandes, 2007; Baker et al., 2007; Frontera e Bigard, 2002; Nied e Franklin, 2002; Department of Health, 2000; Reeves et al., 2004). Apesar disso, a modalidade defendida entre os estudos foi a de se realizar o treino três vezes, de modo a existir um dia de intervalo destinado ao repouso para que a perda dos ganhos não fosse tão evidente e se conseguissem ver resultados mais prontamente (Mayer et al., 2011; Fernandes, 2007; Baker et al., 2007; Frontera e Bigard, 2002; Nied e Franklin, 2002; Department of Health, 2000; Reeves et al., 2004). A modalidade de ser feita até cinco vezes por semana referida por Frontera e Bigard (2002), é, de certo modo, executada na premissa da baixa atividade de exercícios que pode ser imprimida por dia e que é compensada com uma maior periodicidade. Duração Assim, de um modo geral, pela pesquisa efetuada, o treino pode variar entre duas a seis séries, com repetições de oito a 15, variando a carga dos 50% aos 80% de uma RM, mostrando que, apenas 20-45 minutos de treino, duas a cinco vezes por semana, são benéficos. Em termos de frequência cardíaca (FC), esta pode variar entre os 50% e os 85% da FC máxima esperada para a idade do utente (Mayer et al., 2011; Fernandes, 2007; Baker et al., 2007; Frontera e Bigard, 2002; Nied e Franklin, 2002; Alfieri et al., 2010; Department of Health, 2000; Reeves et al., 2004). Apesar das discrepâncias de números, todos defendem um trabalho progressivo e ajustado ao indivíduo de todos os parâmetros acima referidos, ao longo do tempo (Mayer et al., 2011; Fernandes, 2007; Baker et al., 2007; Frontera e Bigard, 2002; Nied e Franklin, 2002; Alfieri et al., 2010; Department of Health, 2000; Reeves et al., 2004). Devem ser trabalhados todos os grupos musculares, onde o exercício deve ser executado lentamente e durante toda a amplitude de movimento, evitando a retenção do ar na caixa torácica (Mayer et al., 2011; Fernandes, 2007; Department of Health, 2000). Um treino muscular progressivo requer instruções precisas acerca da carga externa e de acordo com a intensidade que o individuo possa tolerar inicialmente Em relação à duração que deve ter o treino, quase todos revelam que este deve ser igual ou superior a 30 minutos até ao máximo de 45 minutos (Mayer et al., 2011; Nied e Franklin, 2002; Fernandes, 2007). Isto porque só após esse período de atividade com o respetivo descanso é que se consegue ter os benefícios pretendidos (Mayer et al. 2011; Nied e Franklin, 2002). O facto de ser colocado um “tempo máximo” por Fernandes (2007) reside, não só no tipo de população em questão e na sobrecarga das estruturas, como também, na fadiga muscular existente da atividade. Apenas um autor referiu que com um tempo mínimo, de 20 minutos de atividade, se pode ter benefícios, dependendo do tipo de treino e exercícios em que este consiste e como é executado (Mayer et al., 2011). Periodicidade No que diz respeito à periodicidade inicial, todos os estudos utilizados são concordantes que esta deve ser igual ou superior a duas vezes por semana para que se consigam obter benefícios (Mayer et al., 2011; Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP VARIAÇÕES DE TREINO Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 23 Treino de força para um envelhecimento ativo e ajustada ao longo do tempo (Department of Health, 2000; Mayer et al., 2011). Mesmo num programa de treino direcionado para a força não se deve descurar a parte do treino aeróbio (Wood et al., 2001). Estudos apontam que o treino de força isolado é menos efetivo, do que se complementado com outros tipos de treino multimodais, onde estão incluídas várias componentes como o treino de equilíbrio, destreza e flexibilidade (Hausdorff et al., 2001; Mayer et al., 2011; Alfieri et al., 2010; Baker et al., 2007; Fernandes, 2007). Estudos levados a cabo por Brandon et al., (2000) e Hruda et al., (2003) demonstram melhorias a nível da força após 10 semanas de treino, bem como uma melhoria significativa das capacidades motoras e sensoriomotoras (Fernandes, 2007; Hausdorff et al., 2001). Este treino aumenta o controlo postural, a força muscular e diminui os riscos de doenças cardiovasculares, cancro, diabetes e osteoporose, doenças que acometem esta faixa etária (Mayer et al., 2011; Fernandes, 2007; Baker et al., 2007; Frontera e Bigard, 2002; Nied e Franklin, 2002; Alfieri et al., 2010; Hausdorff et al., 2001; Department of Health, 2000; Reeves et al., 2004; Silva et al., 2006; Wood et al., 2001). Estando a falar-se de uma população com bastantes co morbilidades poderão existir contraindicações ou efeitos secundários adversos, sendo os mais comuns problemas músculo-esqueléticos, para além das micro-ruturas (Reeves et al., 2004; Hunter et al., 2001). Apesar deste fator, vários estudos indicam que este tipo de efeitos adversos tem uma baixa percentagem se o treino for adaptado ao utente e adequado ao objetivo que se pretende (Mayer et al., 2011; Hausdorff et al., 2001). Atividades da vida diária, que nas pessoas idosas usualmente são acompanhadas de inatividade física e insuficiente capacidade de aguentar o peso, não são suficientes como treino de estimulação para os músculos. Os idosos que não têm ou não fazem um treino adicional, vão perdendo força muscular generalizada de forma desproporcional (Mayer et al., 2011; Hausdorff et al., 2001; Carvalho et al., 2004). Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP BENEFÍCIOS DO TREINO DE FORÇA Revelam os dados estatísticos que, em 2050, grande parte da população irá ter idade acima dos 60 anos e que a idade da reforma possivelmente irá atingir os 67 anos. Por isso, manter a capacidade de um indivíduo trabalhar para se sustentar, ser independente e autossuficiente na sua vida diária e nos momentos de lazer, será extremamente importante. Isto para que numa sociedade cada vez mais sedentária e comodista, sem hábitos de atividade e/ou exercício físico, a qualidade de vida em idades mais avançadas se mantenha ou não se deteriore (Mayer et al., 2011; Sousa, Galante e Figueiredo, 2003). O treino de força é uma das formas de colmatar essa falha no futuro. Este tipo de treino bastante completo atua a vários níveis: cardiovascular, metabólico, músculo-esquelético e psicológico, preenchendo de certo modo todos os campos que o indivíduo idoso precisa, para imprimir alguma atividade física e manter uma qualidade de vida satisfatória (Mayer et al., 2011; Fernandes, 2007; Baker et al., 2007; Frontera e Bigard, 2002; Nied e Franklin, 2002; Alfieri et al., 2010; Department of Health, 2000; Reeves et al., 2004). Sabe-se que, dependendo do modo como o exercício é executado, este contribui para a transferência de força de músculo na execução das atividades do dia-a-dia (Sousa et al., 2003). A prática deste tipo de treino numa idade avançada, deve ter em conta o aumento da intensidade da carga e a sobrecarga que poderá gerar nas estruturas ativas e passivas de uma forma generalizada (Mayer et al., 2011; Baker et al., 2007; Frontera e Bigard, 2002). Estudos feitos por Steib et al. (2010) referenciados por Mayer e seus colaboradores (2011) revelaram que existe uma melhoria notável da capacidade de produção de força com uma interdependência da intensidade da carga de treino. Treinos de alta intensidade despoletam maior produção de força do que um treino de média e baixa intensidade, mas estas também estão relacionadas com a duração e frequência do treino (Wood et al., 2001). Outro estudo desenvolvido por Garry et al. (1998) referenciado por Peterson, Rhea, Sen e Gordon Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 24 Treino de força para um envelhecimento ativo (2010), tendo como objetivo comparar um treino de alta resistência, de três vezes por semana a 80% de um 1RM, com um treino de resistência variável com a mesma periodicidade, mas com 50%, 65% e 80% de um 1RM, tem como resultado, a inexistência de diferença entre os dois tipos de treino, ambos tendo ganhos iguais. Há que não esquecer que o treino de força muscular é/está intrínseco à prática de exercício/atividade física (Caeiro e Gomes da Silva, 2008; U. S. Department of Health and Human Services, 2008). Para que se vejam resultados, esta atividade física é recomendada pelo menos duas a três vezes por semana durante um mínimo de 15 minutos de duração com um tipo de programa clássico de treino consistindo em três ou quatro séries de dez repetições por grupo muscular, com períodos de descanso de dois a três minutos entre séries, a uma intensidade de 80% de 1 RM, durante 8-12 semanas (Mayer et al., 2011; Fernandes, 2007; Baker et al., 2007; Frontera e Bigard, 2002; Nied e Franklin, 2002; Alfieri et al., 2010; Department of Health, 2000; Reeves et al., 2004). A FC, dependendo do objetivo e das co morbilidades, pode ser ligeira (50%-65%), moderada (65%-85%) ou máxima (> 85%), sendo a moderada a tipologia mais frequente e se não existirem contraindicações (Wood et al., 2001; U. S. Department of Health and Human Services, 2008; Carvalho et al., 2004). Deste modo, o músculo vai progressivamente ganhando força e a intensidade do exercício deve ser adaptada de forma a melhorar a força muscular após seis a oito semanas. Isto mantem um estimulo adequado ao músculo ao longo do tempo, fazendo com que a perda dos ganhos seja menos notada. Além disso, o objetivo do treino de força é aumentar a aquisição, frequência e sincronização das unidades motoras, que com a tal periodicidade é mantida e posteriormente aumentada. Dependendo do tipo de tarefa que o exercício tenha como objetivo, pode assumir-se que a força irá ser desenvolvida de acordo com a situação específica e com a contribuição de diferentes grupos musculares (Mayer et al., 2011). Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP A partir deste ponto tem-se que um dos problemas que mais acomete a população idosa são as quedas ou o risco de queda frequente (American Geriatrics Society, British Geriatrics Society, American Academy of Orthopaedic Surgeons Panel on Falls Prevention, 2001). Este risco está associado não só a um alto nível de mortalidade como de morbilidade nesta população, a uma redução da função e/ou a uma consequente prematuridade de dependência de outrem (Caeiro e Gomes da Silva, 2008; Pinho et al., 2006). As quedas geralmente resultam de um conjunto de diversos e múltiplos fatores, como fraqueza muscular, histórico de quedas, alterações de equilíbrio, e situações que podem ser corrigidas, sejam elas ambientais ou comportamentais (Ozcan, Donat, Gelecek, Ozdirenc e Karadibak, 2005; Alves Júnior e Paula, 2008). A falta de força muscular aliada à falta de exercício físico praticado por esta população tem uma carga elevada no declínio funcional (Caeiro e Gomes da Silva, 2008; Pinho et al., 2006). A evidência comprova a ideia de que a atividade e/ou o exercício físico melhoram vários fatores do indivíduo (Mayer et al., 2011; Fernandes, 2007; Baker et al., 2007; Frontera e Bigard, 2002; Nied e Franklin, 2002; Alfieri et al., 2010; Department of Health, 2000; Reeves et al., 2004). Com base na pesquisa realizada, as adaptações musculares são aquelas que mais se destacam com o treino de força (Mayer et al., 2011; Fernandes, 2007; Baker et al., 2007; Frontera e Bigard, 2002; Nied e Franklin, 2002; Alfieri et al., 2010; Reeves et al., 2004; Doherty, 2003; Hausdorff et al., 2001; Hunter et al., 2001). A par destas adaptações, alguns autores relatam que devem existir em simultâneo adaptações neurológicas para um melhor recrutamento e ativação muscular que irão estar implícitas na melhoria do equilíbrio e coordenação (Mayer et al., 2011; Fernandes, 2007; Baker et al., 2007; Frontera e Bigard, 2002; Nied e Franklin, 2002; Alfieri et al., 2010; Reeves et al., 2004; Doherty, 2003; Hausdorff et al., 2001; Hunter et al., 2001). Ao longo de uma prática regular, o corpo tende a ajustar as suas necessidades vasculares e metabólicas despendendo menor energia para uma mesma quantidade de trabalho, levando a que haja um ajuste no sentido da melhoria cardiovascular e metabólica (Mayer et al., 2011; Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 25 Treino de força para um envelhecimento ativo Fernandes, 2007; Baker et al., 2007; Frontera e Bigard, 2002; Nied e Franklin, 2002; Doherty, 2003). Os autores defendem que o conjunto de todas estas alterações, têm repercussões a nível da execução de Atividades da Vida Diária (AVD) e do risco de queda e podem ser melhorados (Mayer et al., 2011; Fernandes, 2007; Baker et al., 2007; Frontera e Bigard, 2002; Alfieri et al., 2010; Hausdorff et al., 2001; Hunter et al., 2001). Bean et al. (2004) e Motl et al. (2005), citados por Caeiro e Gomes da Silva (2008), também referem que outros aspetos como a cognição, a depressão e a interação social sã. TREINO DE FORÇA E O ENVELHECIMENTO ATIVO Estes resultados levam-nos ao conceito de Envelhecimento Ativo. O que se pretende com este conceito é exatamente o que foi referido anteriormente, que é ter uma maneira de estar perante a saúde e a vida que permita uma independência, qualidade de vida e expectativa de uma vida saudável na velhice (WHO, 2002; Organização Mundial da Saúde e Direção-Geral da Saúde, 2004). Essa independência está relacionada com a capacidade de poder tomar decisões consoante a sua preferência e, para as executar, requer nenhum ou pouco auxílio de outrem nas suas atividades diárias (WHO, 2002). Temos assim uma perceção bio-psico-social, onde a autonomia e independência remetem para a qualidade de vida, para a expectativa de uma vida saudável, livre de incapacidades permitindo a uma população saber o tempo que vai ou poderá viver sem ter que necessitar de outros cuidados especiais (Organização Mundial da Saúde e Direção-Geral da Saúde, 2004; Torres e Marques, 2008). A prática de uma atividade física, moderada e regular pode retardar o declínio da funcionalidade e poderá reduzir as probabilidades de aparecimento dos primeiros sintomas de doenças crónicas (Partnership for Prevention, 2001; Carvalho et al., 2004; Howley, 2001). Além disso, contribui não só a nível fisiológico mas também psicológico permitindo a manutenção Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP da tal independência por um maior período de tempo (Partnership for Prevention, 2001). Este tipo de prática também tem benefícios a nível económico, porque os custos médicos serão bastante mais reduzidos se este tipo de população se mantiver ativa e sem problemas de saúde que possam ser evitados, prevenidos ou até mesmo retardados (WHO, 1998; Partnership for Prevention, 2001). Intervenção da Fisioterapia Alguns estudos demonstram que, para se intervir neste tipo de população, deve criar-se um plano de intervenção a dar ênfase na manutenção e/ou recuperação da capacidade funcional do indivíduo, nas eventuais perturbações funcionais, físicas, mentais ou sociais, o que permitirá ao idoso uma maior capacidade de viver de forma independente e funcional (Oliveira et al., 2008). Sendo o fisioterapeuta um profissional de saúde dotado de várias ferramentas como o Exercício e o Ensino para a Saúde/Aconselhamento tem, assim, um papel importante na promoção da saúde do idoso (Sahrmann, 2001). O fisioterapeuta deve estar preocupado com a capacidade funcional e atividade mental do indivíduo e com todas as suas atividades relacionadas com tarefas de cuidado pessoal e adaptações ao meio ambiente. Assim como com a capacidade de locomoção e os parâmetros que se querem estabelecer, tendo sempre em conta uma visão holística do indivíduo em termos de morbilidade e nas repercussões a ter no estado de saúde psicológico, promovendo o aumento da sua autoestima e comunicação, dando-lhe segurança e a sensação de estar ainda ativo para participar na sociedade (Oliveira et al., 2008; Robalo e Gomes da Silva, 2005). O objetivo principal do fisioterapeuta, tendo em conta o treino de força no idoso como promoção da saúde, da melhoria da qualidade de vida e da autonomia, centra-se em retardar ou prevenir qualquer tipo de incapacidade a que esta faixa etária está sujeita, através de técnicas aplicadas ao exercício, tendo em conta as especificidades de cada um (Montenegro, 2006; Cysneiros, 2009). Além disso, a presença do fisioterapeuta neste tipo de exercício, é benéfica na Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 26 Treino de força para um envelhecimento ativo identificação de limitações e no planeamento de um programa de exercício específico e adaptado ao utente (Nied e Franklin, 2002; Robalo e Gomes da Silva, 2005). Os programas de treino dirigidos para esta população podem ser realizados individualmente ou em grupo, trazendo todo o tipo de benefícios (Montenegro, 2006). Para além de proporcionarem o convívio, promovem o aumento/manutenção de todas as amplitudes articulares, aumento de força e comprimento muscular, retardando o aparecimento de doenças degenerativas associadas à idade (Cysneiros, 2009; Silva e Oliveira, 2008). Quanto mais cedo se retardar o aparecimento de doenças e se promover a saúde, maior vai ser a vida ativa e menor será o sedentarismo e os problemas associados, tanto físicos como sociais (Montenegro, 2006). Não se deve só considerar a prevenção de patologias e a promoção da saúde apenas em indivíduos que estejam a passar por um processo de envelhecimento normal, sem co morbilidades, mas também indivíduos que já tenham doenças instaladas ou situações agudas. Nestes últimos casos, a prevenção de patologias e a promoção da saúde também são benéficas apesar de terem que necessitar de outras ações terapêuticas mais específicas (Montenegro, 2006; Cysneiros, 2009). De uma forma resumida, aquilo que se pretende é dar a perceber que o envelhecimento não é uma doença e que deve ser considerado apenas mais uma etapa de evolução. Apesar de haver uma degradação do corpo, através do treino de força, a capacidade funcional pode aprimorar-se mediante as capacidades e estímulos intrínsecos ou extrínsecos ao indivíduo (Robalo e Gomes da Silva, 2005). O facto das pessoas idosas serem mais heterogéneas devido à sua experiência de vida, é uma mais-valia à socialização e convívio entre elas (Montenegro, 2006). Promove-se a saúde abrangendo as questões fisiológicas, sociais e psicológicas, que possam causar incapacidades ou perturbações na saúde. Esta promoção não está somente ligada à saúde em si, mas também a toda uma máquina política e económica, que infelizmente dita as oportunidades dessa promoção. Com a evolução da sociedade e a globalização do mundo, medidas têm, foram e estão a ser tomadas nesse Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP sentido (Montenegro, 2006; Robalo e Gomes da Silva, 2005). Esta abordagem multidimensional do envelhecimento, obrigatória no fisioterapeuta, permitirá atingir um nível de conhecimento que possibilite o desenvolvimento de planos estratégicos de intervenção ao nível da prevenção, tratamento e reabilitação, de modo a contribuir para os objetivos pretendidos: vida saudável, qualidade de vida, envelhecimento são e o bem-estar da população idosa (Oliveira et al., 2008; Montenegro, 2006). CONSIDERAÇÕES FINAIS O envelhecimento da população é um dos maiores triunfos da humanidade mas também um dos seus maiores desafios. O envelhecimento global cresce a olhos vistos, acarretando vários custos económicos e problemas sociais que não devem ser ignorados, por isso envelhecer ativamente diz respeito a todas as pessoas. É uma tarefa, ou mesmo um dever que os indivíduos devem ter para consigo mesmos, contribuindo para a sua própria saúde e para a saúde da comunidade em que estão inseridos e onde o papel do fisioterapeuta é fundamental. Com a execução do presente trabalho, o treino de força englobado numa perspetiva de envelhecimento ativo parece indicar que é benéfico não só para o próprio individuo como também para a sociedade. Este trabalho pode ser realizado de uma forma específica ou generalizada, sendo esta última, a modalidade mais recomendada para esta faixa etária. Se o treino de força for trabalhado como uma forma de promoção, este vai atuar como um retardamento em várias vertentes: risco de quedas, osteoporose e degradação das funções fisiológicas do corpo, são alguns exemplos. O que irá ajudar a que essas “disfunções” sejam esbatidas ao longo do tempo, não se verificando tão acentuadamente o seu aparecimento. Este treino pode também ser associado a outros tipos de exercícios, também eles específicos, que são benéficos para esta população, como o treino aeróbio, de flexibilidade ou equilíbrio. Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 27 Treino de força para um envelhecimento ativo O treino de força pode ainda ser usado como complemento de outras co morbilidades, associadas à idade, cuja prevenção também irá ter as suas repercussões. A carga e a dosagem de treino a utilizar nesta população ainda é flutuante, sendo necessário e imperativo um estudo mais aprofundado dessa temática. Em associação ao ponto anterior, deveriam ser efetuados mais estudos referentes à carga de treino, seja ela máxima ou moderada, de forma a quantificar os ganhos obtidos, para saber qual a mais benéfica. Também seriam importantes serem estudados, os efeitos adversos, se existentes, e a sua ponderação. Se possível, adicionar a variável diferença desse ganho entre homens e mulheres. Apesar de ser importante a independência da mobilidade num idoso, por exemplo na sua locomoção e diminuição do risco de quedas, deveria ser dado mais enfoque e relevância a estudos específicos do treino de força nos membros superiores, visto que a grande parte dos idosos utiliza auxiliares de marcha e seria pertinente verificar como é que se comporta o treino nesses grupos musculares. A partir desde último ponto, e tendo em conta o treino de força como e para a promoção da saúde, seria uma mais-valia que houvessem estudos feitos com idosos “saudáveis” de forma a ter-se um estudo transversal de quais são efetivamente os benefícios a longo prazo e não só numa ou noutra patologia específica como, por exemplo, a osteoporose ou a diabetes. Isto porque, do ponto de vista económico, esta faixa etária é a que pesa mais nas contas do estado e a que faz despender mais recursos financeiros. O que leva a um esforço acrescido na segurança social, para poder pagar as reformas e os serviços especializados geriátricos que um país se compromete a cumprir nesta faixa etária. Se a sociedade atuar de forma a responsabilizar e criar reformas que permitam a promoção da saúde, o resultado que é pretendido e esperado combaterá de certo modo todas as implicações anteriores e melhorará o estado de saúde do idoso e da população em geral. Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Nestes indivíduos, é valorizado principalmente o apoio que recebem dos familiares, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida. Pretende-se que o indivíduo conheça o seu potencial, de forma a melhorar o seu bem-estar físico, social e mental ao longo da sua vida, participando na sociedade de acordo com as suas necessidades, desejos e capacidades. O papel do fisioterapeuta e da fisioterapia em si, prende-se com o tratamento direcionado para as alterações decorrentes do envelhecimento e para as diversas patologias ligadas à idade avançada, sejam elas naturais ou decorrentes das co morbilidades do envelhecimento. Desta forma, o fisioterapeuta tem como alvo, em geriatria, a promoção e a reabilitação das estruturas e funções do indivíduo, a manutenção da autonomia e independência funcional, contribuindo para a promoção da saúde e para a prevenção de doenças e incapacidades do processo de envelhecimento, com o objetivo de aumentar a qualidade de vida e de todos os aspetos biológicos e psicológicos, bem como a participação social. Em suma, o trabalho do fisioterapeuta passa muito por um trabalho multidisciplinar de cuidados intermédios que se foca essencialmente na prevenção primária. O fisioterapeuta trabalha mais no sentido da comunidade de maneira a “dar” ao idoso um modo de este descobrir ou redescobrir o seu papel social e reatar as suas relações, sentindo-se seguro em diversos ambientes. A ajuda para lidar e aceitar a sua condição é importante, seja o idoso saudável ou portador de alguma doença ou incapacidade. REFERÊNCIAS Alfieri, Riberto, Gatz, Ribeiro, Lopes, Santarém e Battistella (2010). Functional mobility and balance in community-dwelling elderly submitted to multisensory versus strength exercises. Journal of Clinical Intervention in Aging, 5, 181-185. Alto Comissariado da Saúde (2009). Atlas do plano nacional de saúde. Disponível em: http://www.websig.acs.minsaude.pt/websig/acsv2/gui/index.php?par=acselang=PRT Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 28 Treino de força para um envelhecimento ativo Alves Júnior e Paula (2008). A prevenção de quedas sob o aspeto da promoção da saúde. Fitness and Performance Journal, 7(2), 123-129. 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(2004) RM – Repetição máxima Estudo Experimental 3x Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Tempo (min) Séries Repetições Carga (RM) 3x 10-12 50%-75% 65% 2-3x 8-15 2-6x 5-15 60%-80% 20-30 3-4x 8-10 80% > 30 1x 10-15 5x 10-15 30-45 Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 70%-80% 31 Treino de força para um envelhecimento ativo Tabela 2 – Tabela resumo – Benefícios do treino de força. Autores Tipo de estudo Adaptações musculares Alfieri et al. (2010) Estudo Experimental (Ensaio Clínico) X Baker et al. (2007) Revisão Sistemática X Doherty (2003) Artigo de Opinião X Fernandes (2007) Estudo Longitudinal (Experimental) X Revisão de Literatura X X RCT X X Hunter et al. (2001) Estudo Experimental (Ensaio Clinico) X X Mayer et al. (2011) Revisão de Literatura X X Nied e Franklyn (2002) Estudo de Caso X Reeves et al. (2004) Estudo Experimental X Frontera e Bigard (2002) Hausdorff et al. (2001) Adaptações neurais Adaptações cardiovasculares Adaptações metabólicas X X Melhoria do equilíbrio e coordenação Melhoria nas AVD X X Prevenção de quedas X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X RCT – Randomized controlled trial AVD – Atividades da Vida Diária Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 32 Vol.5 – Março 2013 Artigo de Revisão de Literatura O valor preditivo das derivações direitas e posteriores no enfarte agudo do miocárdio inferior: implicações e repercussões ao ventrículo direito Predictive value of the right and posterior sided chest leads in the inferior myocardial infarction: implications and effects to the right ventricle Filipa Feio1*, Patrícia Amado1, Ana Cláudia Ferrão1, Andreia Cravo1, Nuno Raposo1 1 Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa. A importância da deteção do enfarte agudo do miocárdio (EAM) do ventrículo direito (VD) é evidente, verificando-se que 40%-50% dos doentes com EAM inferior tem envolvimento do VD, o que predispõe a uma maior incidência de complicações e mortalidade. Esta revisão de literatura visa avaliar a relação entre a elevação do segmento ST nas derivações precordiais direitas durante o EAM inferior e a sua extensão ao ventrículo direito, comprovadas através de ecocardiograma transtorácico. There is an obvious importance in detecting an inferior acute myocardial infarction (MI) of the right ventricule (RV) and posterior wall. 40%-50% of patients with inferior MI of the right ventricle have a RV involvement, which predisposes to further complications and mortality. By applying the right precordial leads, it is possible to detect RV MI based on ECG criteria. Thus, this review aims to evaluate the relationship between ST-segment elevation in right precordial leads in inferior MI verifying its extension to the right ventricle by transthoracic echocardiography. O valor preditivo das derivações direitas e posteriores no enfarte agudo do miócardio inferior PALAVRAS-CHAVE: Eletrocardiografia; derivações direitas; derivações posteriores; EAM do Ventrículo Direito; EAM inferior. KEY WORDS: Electrocardiography; right leads; posterior leads; right ventricular infarction; acute inferior myocardial infarction. Submetido em 4 setembro 2012; Aceite em 27 março 2013; Publicado em 31 março 2013. * Correspondência: Filipa Feio. Email: [email protected] INTRODUÇÃO O primeiro relato de Enfarte Agudo do Miocárdio (EAM) do Ventrículo Direito (VD) foi publicado em 1930 (Sanders AO, 1930, citado por Andersen, Falk, e Nielsen, 1989). A existência do EAM do VD como entidade clínica, isolada ou associada a EAM do Ventrículo Esquerdo (VE), era ignorada até as suas consequências hemodinâmicas serem reconhecidas. Cohn et al. (1974, citados por Klein et al., 1983). Estes autores reconheceram o EAM do VD associado ao EAM Inferior como potencialmente grave, conduzindo a alterações da condução aurículo-ventricular (AV), alterações hemodinâmicas acentuadas e aumento da mortalidade hospitalar. Ali Khan, Al-Asousi, e Al-Anzi (2002), afirmam que o EAM do VD ocorre em 40%50% dos EAM inferiores e têm importância clínica, hemodinâmica e implicações prognósticas, sendo por isso importante a sua identificação precoce, de forma a selecionar-se o tratamento adequado. O EAM do VD implica várias alterações mecânicas e hemodinâmicas, o que pode levar à diminuição da contratilidade do ventrículo direito, com a consequente diminuição do seu enchimento e do seu volume sistólico. Nestas circunstâncias, a função ventricular esquerda pode diminuir, resultando numa possível queda de débito cardíaco. O reconhecimento de EAM do VD é importante porque este pode manifestar-se como choque cardiogénico e o tratamento apropriado é diferente comparativamente à disfunção do ventrículo esquerdo (VE). Os doentes Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP com EAM Inferior associado a EAM do VD, apresentam taxas mais elevadas de hipotensão significativa, bradicardias com necessidade de suporte de pacing e uma mortalidade intra-hospitalar superior aos EAM Inferiores isolados (Chockalingam, Gnanavelu, Subramaniam, Dorairajan, e Chockalingam, 2005). A presente revisão de literatura tem como objetivo avaliar o valor preditivo das derivações direitas e posteriores no EAM inferior e consequente repercussão ao ventrículo direito. Foi realizada uma pesquisa de evidência científica na base referencial Pubmed e a Biblioteca do Conhecimento Online (BOn), e em livros da área da Cardiologia. Para a pesquisa ser mais específica, foram definidas as palavras-chave: Derivações direitas; Derivações posteriores; EAM do Ventrículo Direito; EAM inferior. Foram encontrados estudos originais de investigação e meta-análises, tendo os resultados apresentados nesta revisão de literatura tomado por base os 37 artigos encontrados em periódicos, dos quais selecionámos 32, e um livro de referência da área da Cardiologia. DIAGNÓSTICO DO ENVOLVIMENTO DO VENTRÍCULO DIREITO NO ENFARTE DO MIOCÁRDIO Existem várias técnicas diagnósticas utilizadas para Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 34 O valor preditivo das derivações direitas e posteriores no enfarte agudo do miócardio inferior avaliar o envolvimento do ventrículo direito no EAM, como a Eletrocardiografia (ECG), Ecocardiografia, Angiografia Radioisotópica, Cintigrafia Miocárdica, pirofosfato (usado para detetar necrose) ou cateterismo ventricular direito. Klein et al., (1983, citados por Yoshino et al., 1998). De todos estes métodos, o ECG é o método que fornece os dados mais simples e objetivos na fase aguda, através da aplicação das derivações precordiais direitas, enquanto os outros métodos de diagnóstico podem não ser realizados em tempo útil, por não existirem na instituição de saúde onde o doente é atendido em primeira instância. O ECG é essencial para o diagnóstico, estratificação prognóstica e orientação terapêutica, nos doentes com suspeita de EAM. Este, em conjugação com o ecocardiograma, pode determinar as melhores estratégias de atuação. Eletrocardiograma Em 1974, Erhardt sugeriu que o EAM pode ser diagnosticado eletrocardiograficamente pela elevação do segmento ST em V4R, e, em 1976, mostrou que a elevação do segmento ST nas derivações precordiais direitas V3R a V4R é um forte preditor de EAM do VD, verificado por autópsia (Ali Khan et al., 2002). Segundo as guidelines da Sociedade Europeia de Cardiologia, a elevação do segmento ST em V4R é bastante sugestiva de diagnóstico de EAM do VD. Esta derivação deve ser aplicada em todos os casos de enfarte inferior e choque, caso não seja feita como rotina. A elevação do segmento ST, bem como a presença de ondas Q de V1 a V3, são sugestivas de enfarte do VD. O exame ecocardiográfico pode confirmar o diagnóstico, verificando-se vários graus de envolvimento do VD no EAM inferior (Van de Werf, et al., 2008). O National Heart Attack Alert Program recomenda o acréscimo das derivações precordiais direitas (V4R, V5R, V6R) e posteriores (V7,V8,V9) de forma a aumentar a sensibilidade e especificidade na deteção de EAM do VD e parede posterior do VE (Brady e Morris, 1999). Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Critérios de diagnóstico A elevação do segmento ST em V4R revela ser um bom indicador eletrocardiográfico relativamente ao envolvimento do ventrículo direito no enfarte inferior. Como tal, têm sido consideradas duas condições: elevação do segmento ST ≥ 0,5 mm ou ≥ 1 mm (Hutchison, 2009). A elevação do segmento ST ≥ 0,5 mm nas derivações direitas foi reportada como diagnóstico de EAM o VD (Erhardt, Sjögren, e Wahlberg, 1976, citados por Andersen, et al., 1989). Contudo, posteriormente foram publicados outros critérios - critérios de Minnesota, que definem EAM do VD por elevação do segmento ST> 0,6 mm em V3R, segmento ST> 0,5 mm em V4R a V6R e segmento ST> 0,4 mm em V7R. Visto ser difícil para o olho humano detetar com precisão a elevação do segmento ST entre 0,4-0,6 mm, a avaliação da elevação do segmento ST é considerada com base na elevação do segmento ST ≥ 1 mm; este critério é relatado como um marcador útil para a prática clínica para avaliar o EAM do VD (Andersen et al., 1989). Ecocardiograma Transtorácico Através do ecocardiograma é possível determinar a disfunção sistólica do ventrículo direito e outras complicações do enfarte inferior ou do enfarte do ventrículo direito. A disfunção ventricular direita afeta cerca de um terço dos doentes com enfarte do miocárdio inferior e está associada a um aumento significativo da mortalidade. É sinal de mau prognóstico, independentemente da localização do enfarte (Burgess, Bright-Thomas e Ray, 2002). Além da dilatação do VD e disfunção sistólica global, atualmente é possível através do ecocardiograma avaliar a função sistólica regional do VD, que correlaciona a anatomia coronária direita e o local de oclusão. No contexto de EAM inferior existe acinésia ou hipocinésia segmentar do VD com 83% de Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 35 O valor preditivo das derivações direitas e posteriores no enfarte agudo do miócardio inferior sensibilidade e 93% de especificidade para EAM do VD (Hutchison, 2009). Cardim (2009) refere que em situação de EAM do VD o ecocardiograma transtorácico permite visualizar a dilatação do VD com hipocinésia da parede livre, movimento dissinérgico do septo interventricular e regurgitação tricúspide. Pode verificar-se um abaulamento para a esquerda do septo interauricular, e evidenciar-se um shunt direito-esquerdo através de um foramen oval patente. Deve sempre pesquisar-se alterações da contractilidade da parede inferior. Ainda, a veia cava inferior pode estar dilatada. Podem ainda surgir outras possíveis alterações, tais como: diminuição do movimento do sulco aurículoventricular direito pela diminuição da contração do VD, sinais de elevada pressão auricular direita, dilatação da aurícula direita, sinais de elevada pressão diastólica do VD, e baixa pressão diastólica da artéria pulmonar, rutura dos músculos papilares, diminuição do índice/débito cardíaco, abertura precoce da válvula pulmonar (onda A), presença de trombos na aurícula direita, pseudoaneurisma do VD, aneurisma e rutura do septo (Cardim, 2009). De acordo com as Guidelines da American Society of Echocardiography, publicadas em 2010, a classificação da disfunção diastólica do VD deve ser feita da seguinte forma: razão tricúspide E/A <0,8 sugere deficiência no relaxamento, relação E/A entre 0,8 – 2,1, com uma razão E/E0> 6 ou predomínio de fluxo diastólico nas veias hepática sugere padrão de enchimento de pseudonormalização, e uma razão E/A> 2,1 na tricúspide, com um tempo de desaceleração <120 ms sugere padrão de enchimento restritivo (Rudski et al., 2010). Valor preditivo da derivação V4R A utilização das derivações precordiais direitas adicionais tem sido estudada e documentada por diversos autores. Os resultados que estes apresentam situam-se num intervalo de sensibilidade entre 70% a 100% e especificidade entre 76,9% a 100%. Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP De acordo com Zehender et al. (1993), a sensibilidade na deteção de doentes com enfarte do ventrículo direito, que foram identificados corretamente por elevação do segmento ST em V4R é de 88%, e a especificidade na deteção de doentes sem enfarte do ventrículo direito que não tiveram elevação do segmento ST em V4R é de 78%. Yoshino et al. (1998) relatam que o EAM do VD é diagnosticado pela elevação do segmento ST nas derivações V3R ou V4R através do ECG e a confirmação é feita através da ecocardiografia pela evidência de dilatação do VD, movimento anormal da parede do VD e movimento paradoxal do septo interventricular (SIV). O ecocardiograma é usualmente utilizado para avaliar a função sistólica ventricular direita. Contudo, este tem uma capacidade limitada para avaliação quantitativa da função sistólica ventricular direita. A elevação do segmento ST ≥ 1,0 mm na derivação V4R, descrita por Kosuge et al. (2001), tem uma precisão de 80% para a existência de envolvimento do ventrículo direito. Durante a fase aguda do EAM, a derivação V4R apresenta uma capacidade de precisão diagnóstica superior. Lopez-Sendon et al. (1985) citados por Ali Khan et al. (2002) afirmam que a sensibilidade e especificidade do segmento ST nas derivações precordiais direitas, especialmente V4R, para o diagnóstico de EAM do VD foram superiores a 90%. Khan, Kundi e Sharieff (2004) demonstraram que a prevalência de enfarte do VD no enfarte inferior é de aproximadamente 34%. Na derivação V4R o supradesnivelamento do segmento ST apresenta uma sensibilidade de 88%, especificidade de 78% e exatidão / precisão diagnóstica de 83%. Outros autores, como Klein et al. (1983), relataram que a sensibilidade e especificidade de elevação do segmento ST na derivação precordial V4R é um indicador precoce de EAM do VD no EAM inferior. A sensibilidade foi de 82,7% e especificidade de 76,9% e o valor preditivo positivo de 70% com EAM do VD, confirmado por autópsia ou ventriculografia, Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 36 O valor preditivo das derivações direitas e posteriores no enfarte agudo do miócardio inferior ecocardiograma, cintigrafia ou monitorização hemodinâmica. O valor preditivo negativo foi de 87,7%. No ecocardiograma verificou-se que a dilatação do VD esteve presente em 38 dos 40 doentes com EAM do VD. As dimensões do VD foram normais em todos os doentes sem EAM do VD (Klein et al., 1983). Também Braat, Brugada, de Zwaan, Coenegracht e Wellens (1983), encontraram o melhor resultado diagnóstico com a derivação V4R. Que tem demonstrado ser um marcador confiável de EAM do VD com uma sensibilidade e precisão de 70% a 100%. Valor preditivo da aplicação de várias derivações Andersen, et al. (1989), afirmam que a especificidade e o valor preditivo positivo da elevação do segmento ST em V3R é de 81% e 77%, respetivamente. Este aumenta para 100% quando se acrescenta uma ou mais derivações, de V4R-V7R. A sensibilidade de diagnóstico é alta para enfartes posteriores (≥ 64%), com especificidade e valor preditivo de 100% em V5R, V6R e V7R. A combinação da onda Q em V3R e elevação do segmento ST nas derivações V5R- V7R não melhoram a sensibilidade de diagnóstico. Os mesmos autores também afirmam que existe uma correlação positiva entre o número de derivações direitas utilizadas com a elevação do segmento ST ≥1 mm e a extensão do EAM do VD e uma correlação negativa e não significativa em relação ao número de derivações com segmento ST ≥ 1 mm e a repercussão do EAM no VE. Ou seja, a elevação do segmento ST ≥ 1 mm em todas as cinco derivações direitas (V3R-V7R) estão sempre associadas a enfarte do VD extenso com um reduzido envolvimento do VE. A elevação do segmento ST ≥ 1 mm nas derivações V5R, V6R e V7R está sempre associada a enfarte posterior com repercussão no VD. O EAM inferior/posterior que afeta o VD pode ser diagnosticado pela avaliação do ECG das derivações V6R e V7R (Andersen et al., 1989). Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Croft et al. (1982, citados por Andersen, et al., 1989) descobriram que uma combinação de V4R, V5R e V6R é mais precisa no diagnóstico. Funk (1986, citado por Andersen et al., 1989) no entanto, encontrou maior sensibilidade e especificidade diagnósticas para a derivação V6R e consideram que a eficiência do diagnóstico não foi melhorada com o acréscimo das derivações V4R e V5R. Num estudo realizado por Kosuge et al. (2001) concluiu-se que a elevação do segmento ST nas derivações precordiais direitas não foi vantajosa para determinar se existia envolvimento do ventrículo direito, quando a parede posterior também está envolvida no enfarte inferior. Contudo, este estudo apresenta algumas limitações, pois não se confirmou o intervalo de tempo entre o início dos sintomas e a gravação do ECG, podendo influenciar a elevação do segmento ST nas derivações precordiais direitas. Contudo, a sua conclusão é apoiada por Kosuge et al. (2009), que afirmam que a existência de isquémia transmural na parede posterior, pode deprimir o segmento ST na derivação precordial direita, pelo que o envolvimento da parede posterior atenua o valor preditivo da elevação do segmento ST na derivação V4R no envolvimento do VD em EAM inferior. Em 2009, Kosuge et al. demostraram que a elevação do segmento ST em V4R apresenta uma sensibilidade de 34% e 96% (p <0,001) e especificidade de 83% e 82% na presença e ausência do envolvimento da parede posterior, respetivamente. Muitos estudos têm comprovado o valor diagnóstico da utilização das derivações precordiais direitas, embora existam resultados controversos. A maioria dos estudos centra-se, sobretudo, nas derivações V3R e V4R, em detrimento das restantes derivações direitas. Portanto, não existe uniformidade em relação às derivações direitas utilizadas e aos critérios, uma vez que alguns estudos referem o supradesnivelamento do segmento ST ≥ 0,5 mm e outros ≥ 1 mm. Segundo Hutchison, (2009), para uma elevação do segmento ST ≥0,5 mm existe maior sensibilidade, mas menor especificidade. No entanto, na maior parte dos Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 37 O valor preditivo das derivações direitas e posteriores no enfarte agudo do miócardio inferior casos (80%), verifica-se elevação do segmento ST ≥ 1mm, correspondendo a uma elevada correlação patológica com o enfarte do ventrículo direito (100%). 1983) que menciona que a aplicação de V4R deve ser feita numa fase precoce do enfarte, pois a elevação do segmento ST pode desaparecer ao fim de duas horas do aparecimento de dor torácica. Desde a utilização de apenas uma derivação direita (V4R) por Erhardt et al. (1976), que muitos estudos foram limitados a duas derivações direitas (V3R e V4R) e poucos se dedicaram a investigar as restantes. PROGNÓSTICO E MORBILIDADE Ainda assim, vários estudos afirmam que a utilização da derivação V4R é a melhor forma de diagnosticar o envolvimento do VD em doentes com EAM da parede inferior: Braat et al. (1983), Zehender et al. (1993) e Kosuge et al. (2009) corroboram essa conclusão. O enfarte da parede inferior apresenta melhor prognóstico, tanto a curto como a longo prazo, do que o enfarte anterior visto a parede inferior representar uma pequena proporção do miocárdio total (Chan, Chan, Yue, Ma, 1999). Andersen et al. (1989), concluem que os doentes com EAM inferior, sem elevação do segmento ST em V3RV7R, têm EAM predominantemente do VE enquanto aqueles que apresentam a elevação do segmento ST em V3R-V7R apresentam EAM extenso do VD e menor compromisso do VE, o que tem melhor prognóstico. No entanto, estes podem desenvolver choque cardiogénico. Contudo, é muito comum nos doentes com EAM inferior existir envolvimento do VD ou parede posterior do VE. Klein et al. (1983), referem que o EAM da parede inferior foi acompanhado de EAM do VD em 52,7% dos casos. Apesar de ser um valor ligeiramente superior aos que são citados habitualmente, encontra-se relativamente perto dos valores obtidos por Erhardt et al. (1976), de 45% e por Chan et al. (1999), de 50%, para a mesma situação e 69% para o envolvimento da parede posterior. Através de outros trabalhos de investigação foi possível concluir que a elevação do segmento ST> 0.5mm nas derivações direitas apresenta elevada sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo na deteção de repercussões no VD (Braat et al., 1983; Robalino, Whitlow, Underwood, Salcedo, 1989 e Andersen et al., 1989). As consequências hemodinâmicas do EAM do VD podem aparecer inesperadamente após o que parece ser à primeira vista um EAM inferior. Através das derivações precordiais direitas é possível despistar precocemente a presença ou possibilidade de EAM do VD antes de surgirem as suas complicações (Klein et al., 1983). O prognóstico e a morbilidade são piores em doentes com EAM inferior quando também está presente EAM do VD. O EAM do VD é um fator independente preditor de prognóstico do EAM inferior. O EAM do VD está associado a um aumento da incidência de eventos clínicos de risco, tais como: bloqueio auriculoventricular (BAV), bradiarritmias, rutura do miocárdio e dos músculos papilares do VD, taquicardia ventricular, fibrilhação ventricular, hipotensão e choque cardiogénico (Chan et al., 1999; e Hamon, Agostini, Le Page, Riddell e Hamon, 2008). De acordo, com Zehender et al. (1993), o EAM do VD apresenta uma taxa de mortalidade de cerca de 30%. Apesar de a elevação do segmento ST na derivação V4R ser um bom indicador prognóstico do enfarte do ventrículo direito, esta condição só é visível durante um período de 24 a 48 horas, sendo que na maioria dos casos normaliza num período até 10 horas (Hutchison, 2009). A mesma ideia é defendida por Candell – Riera et al. (1981, citado por Klein et al., O diagnóstico precoce do EAM é importante de modo a limitar-se o impacto deletério deste e iniciar-se terapêutica apropriada o mais rapidamente possível, pois os intervalos de tempo entre o início dos sintomas e as consequências hemodinâmicas são imprevisíveis e as complicações podem surgir precocemente. Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 38 O valor preditivo das derivações direitas e posteriores no enfarte agudo do miócardio inferior CONCLUSÃO evaluation of right ventricular function. European Journal of Echocardiography, 3(4), 252-262. Em doentes com EAM inferior, a aplicação das derivações direitas e posteriores serve como uma ferramenta de diagnóstico simples, rápida, confiável e económica para delinear a extensão do EAM do VD e/ou envolvimento da parede posterior. A associação de EAM do VD em doentes com EAM inferior é comum. O reconhecimento precoce de EAM do VD, através das derivações eletrocardiográficas direitas pode ter um valor prognóstico importante. Este reconhecimento permite a melhoria de resultados através de uma estratégia terapêutica apropriada. Cardim (2009). Ecocardiografia transtorácica. Lisboa, Portugal: Lidel. Com base na literatura encontrada, verifica-se que a maioria dos estudos realizados indica que a utilização das derivações precordiais direitas tem um importante valor preditivo na identificação do enfarte do ventrículo direito. Devido à sua simplicidade, alta sensibilidade e especificidade, as derivações direitas e posteriores devem fazer parte intrínseca da abordagem inicial a um EAM da parede inferior. O seu uso deve ser incentivado na prática clínica. Ali Khan, Al-Asousi, e Al-Anzi (2002). "Isolated" right ventricular myocardial infarction, mimicking anterior myocardial infarction Diagnosis and potential mechanisms for the electrocardiographic changes. Kuwait Medical Journal, 34(4), 299-302. Andersen, Falk, e Nielsen (1989). Right ventricular infarction: Diagnostic accuracy of electrocardiographic right chest leads V3R to V7R investigated prospectively in 43 consecutive fatal cases from a coronary care unit. British Heart Journal, 61(6), 514-520. Braat, Brugada, de Zwaan, Coenegracht, e Wellens (1983). Value of electrocardiogram in diagnosing right ventricular involvement in patients with an acute inferior wall myocardial infarction. British Heart Journal, 49(4), 368-372. Brady, e Morris (1999). The additional lead electrocardiogram in acute myocardial infarction. Journal of Accident & Emergency Medicine, 16(3), 202-207. Bright-Thomas, Chockalingam, Gnanavelu, Subramaniam, Dorairajan, e Chockalingam (2005). Right ventricular myocardial infarction: Presentation and acute outcomes. Angiology, 56(4), 371-376. Erhardt, Sjögren, Wahlberg (1976). 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Subjacente ao cuidar, a gestão interna das emoções ou o trabalho emocional dos enfermeiros apresentam ainda pouca visibilidade no exercício profissional dos enfermeiros. Para realçar esta evidência, só em 1993 é que o conceito de trabalho emocional foi incorporado na enfermagem, através de Pam Smith. Para este artigo pesquisou-se nas bases de dados CINAHL e PsycINFO com os descritores " Emotional labour" e "Nurs*". Foram analisados 46 artigos, cujo âmbito de estudo foi o trabalho emocional em enfermagem. Da análise dos artigos pode afirmar-se que o trabalho emocional é um processo através do qual os enfermeiros conseguem expressar as suas emoções, gerindo-as em função do ato de cuidar. Os fatores que influenciam este processo estão relacionados com a organização, com o enfermeiro e com o próprio trabalho. Os atributos do trabalho emocional têm duas dimensões: a resposta autónoma dos enfermeiros e as suas estratégias de trabalho (ou seja, ações superficiais ou profundas). As consequências do trabalho emocional incluem as organizacionais e as que afetam o enfermeiro. Em síntese, para um cuidar que envolva a dimensão emocional, o conceito de trabalho emocional deve ser introduzido nos planos de estudos dos cursos. Os enfermeiros também precisam ter tempo e um ambiente propício para refletir, compreender e discutir o seu trabalho emocional no contexto de cuidar. Caring is considered the essence of nursing. Underlying caring, the internal management of emotions or the emotional labour of nurses exhibit poor visibility in the nurses’ professional practice. To highlight this evidence, it is only in 1993 that the concept of emotional labour was incorporated in nursing, by Pam Smith. O trabalho emocional no ato de cuidar em enfermagem: uma revisão do conceito For this article we searched in the CINAHL and PsycINFO databases with the descriptors / key words "Emotional labour" and "Nurs*". A total of 46 articles were analyzed for which the aim of the study was the emotional labour in nursing. From the analysis of the articles, we may state that the emotional labour is a process through which nurses can express their emotions, managing them according to the act of caring. The factors that influence this process are related to the organization, the nurse and the work itself. The attributes of emotional labour have two dimensions: the autonomous response of nurses and their work strategies (i.e., superficial or deep actions). The consequences of emotional labour include the organizational and the ones affecting nurses. In summary, for care involving the emotional dimension, the concept of emotional labour should be introduced in the syllabi of the courses. Nurses also need time and a suitable environment to reflect, understand and discuss their emotional labour in the context of care. PALAVRAS-CHAVE: Trabalho emocional; enfermagem; conceito. KEY WORDS: Emotional labour; nursing; concept. Submetido em 18 fevereiro 2013; Aceite em 7 março 2013; Publicado em 31 março 2013. * Correspondência: José Vilelas. Email: [email protected] INTRODUÇÃO A maioria dos enfermeiros considera que o cuidar é o componente essencial para a recuperação da pessoa saudável ou doente (Millward, 1995). Para o mesmo autor a relação interpessoal centrada na pessoa é a condição fundamental para a enfermagem enquanto profissão. Também, para outros autores, a essência da profissão de enfermagem assenta no cuidar (Brilowski e Wendler, 2005; Watson, 2004; Hallingan, 2006; Wu e Cheng, 2006). Na verdade, Watson e Smith (2002) argumentam que o cuidado foi concetualizado através de teorias de enfermagem, em especial, a teoria do cuidado transpessoal de Jean Watson (Fawcett, 2007). A abordagem mais holística do cuidar alterou a dinâmica entre enfermeiros, a pessoa doente e suas Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP famílias. As necessidades emocionais passaram a ter uma importância relevante no estabelecimento de uma relação terapêutica enfermeiro/pessoa/família, considerada essencial (McVicar, 2003). Este envolvimento emocional necessário ao profissional de enfermagem exige uma entrega. Para tal, é necessária a indução ou supressão das emoções para sustentar uma aparência exterior que produza nos outros sentimentos de bem-estar e de um ambiente seguro e alegre. Ou seja, a entrega "ao outro" condiciona as emoções regulando a sua expressão no domínio público. Sendo assim, os enfermeiros devem possuir competências na gestão da emocionalidade durante o ato de cuidar das pessoas. É, no entanto, uma escolha, mediada pelo grau de envolvimento emocional do enfermeiro. Face ao exposto existem Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 42 O trabalho emocional no ato de cuidar em enfermagem: uma revisão do conceito custos e benefícios inerentes à profissão, em que as manifestações de sentimentos dos seus membros são concebidas para influenciar as pessoas e são componentes necessários de desempenho profissional. Esta noção surgiu pela primeira vez, em 1983, com Hochschild. Hochschild (1983) defende que existem três características básicas do trabalho emocional: (1) o contacto direto ou indireto (por telefonema) entre os profissionais e as pessoas, (2) a expressão das emoções específicas e as atitudes durante o trabalho que poderão ser incongruentes com os sentimentos reais dos profissionais e finalmente, (3) as fontes do trabalho emocional que derivam dos programas de formação específicos para a profissão, normas de comportamento organizacional de trabalho e estereótipos sociais de comportamento para certas categorias profissionais (Hochschild, 1983). O trabalho emocional foi definido como o esforço envolvido, para os profissionais demonstrarem emoções baseadas nas normas sociais e culturais, ao invés do que realmente sentem (Newbold, 2004; Miller, Considine, e Garner, 2007). Na literatura, o trabalho emocional é o foco no atendimento à pessoa, onde as interações emocionais são menos espontâneas, e existe um elevado controlo emocional, que é necessário para manter relações positivas com a pessoa, adaptadas ao tempo e às situações (Hochschild, 1983; Van Maanen e Kunda, 1989). Todavia, o conceito de trabalho emocional engloba os aspetos afetivos da profissão. Este é fundamental nas organizações em que existe contacto com pessoas, e é proeminente no trabalho dos profissionais de saúde (Hochschild, 1983; James, 1992; Diogo, 2006, 2012). O trabalho emocional adaptado à enfermagem, por Pam Smith, realça a importância dos profissionais compreenderem e interpretarem as necessidades físicas das pessoas, mas também, responderem às suas necessidades emocionais, ou seja, gerir as próprias emoções, para melhor compreender as dos outros. O trabalho emocional, neste artigo, refere-se à gestão das emoções que os enfermeiros têm que realizar Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP para cuidarem de uma forma holística das pessoas. O trabalho emocional no ato de cuidar Trabalhar com pessoas, especialmente quando elas estão a sofrer, é suscetível de envolver uma significativa quantidade de trabalho emocional. Os profissionais de saúde são frequentemente incentivados a regular as suas próprias emoções para conseguirem compreender eficientemente as emoções negativas das pessoas que cuidam, capacitando-os para o autoconhecimento e automonitorização das suas próprias emoções. Na literatura de enfermagem, o trabalho emocional é composto por dois processos: a supressão das emoções negativas (por exemplo, raiva, frustração) e a expressão de emoções positivas (por exemplo, respeito, confiança) que são consideradas essenciais para a qualidade dos cuidados prestados (James, 1992; Graham, 2003). No entanto, nas últimas décadas, a definição do conceito de trabalho emocional tem sido direcionada para compreender a importância da dimensão emocional no ato de cuidar. Neste sentido, o conceito tem sido especificamente aplicado à enfermagem por alguns teóricos (Smith, 1992; Froggatt, 1998). Smith (1992) reconhece que o estereótipo de enfermeiro está associado a uma felicidade inata e capacidade de proporcionar esse sentimento nas outras pessoas e deve saber, também, gerir sentimentos extremos, induzindo ou reprimindo os seus próprios sentimentos, para fazer com que os outros se sintam cuidados e seguros. Smith e Gray (2001) acrescentam que os elementos do trabalho emocional incluem a pessoa, a sua família, o ambiente e os elementos psicológicos, que envolvem a intimidade, amizade e a confiança na instituição de saúde. Os autores concluíram que estes aspetos sociais e psicológicos do trabalho emocional eram componentes-chave nas relações interpessoais entre o enfermeiro, a pessoa e a família. Para Hochschild (1983) e Bolton (2001) existem dois Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 43 O trabalho emocional no ato de cuidar em enfermagem: uma revisão do conceito fatores que constituem a enfermagem como uma das categorias profissionais de elevado trabalho emocional. Um deles é a representação social da enfermagem. Tem sido identificado por várias teóricas (James, 1992; Mackintosh, 2007) que a representação social mais comum dos enfermeiros é o enfermeiro cuidador, simpático, carinhoso e com um envolvimento sólido com a pessoa doente, mostrando compromisso e apoio emocional. A existência de tais estereótipos gerou a designação dos enfermeiros como “malabaristas emocionais” (Bolton, 2001). Outro elemento é a gestão constante e a supressão de sentimentos reais e autênticos. Ser responsável pela higiene da pessoa doente é um dever básico de enfermagem, que exige a supressão de sentimentos de desgosto e de impotência e, portanto, constitui um ato emocional (Meerabeau, 2004). Outro dever básico é fornecer apoio emocional às pessoas (Forneris e Peden-McAlpine, 2006). Lidar com pessoas em fase terminal e dores intoleráveis exige uma gestão eficaz das emoções e a mobilização de mecanismos de defesa adequados, com vista a não comprometerem o cuidado humanizado. Os enfermeiros têm de gerir as suas emoções quando há incongruência entre os padrões de ética profissional e as necessidades organizacionais que, muitas vezes, dificultam o trabalho de enfermagem (Grandey, 2000). Cabe-nos então indagar sobre os efeitos do trabalho emocional nos enfermeiros. Face ao exposto e baseando-nos na literatura consultada passamos de seguida a caraterizar o conceito de trabalho emocional. Para tal iremos utilizar uma matriz com as seguintes categorias: antecedentes, atributos e consequências do trabalho emocional. Antecedentes do trabalho emocional Os antecedentes são aspetos que devem preceder a ocorrência do trabalho emocional (Rew et al., 2005) e acontecer enquanto os enfermeiros desempenham as suas funções dentro das organizações. Para o trabalho emocional existir e ser observado, é essencial que os seus antecedentes (características do enfermeiro, Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP trabalho, aspetos e organização) estejam presentes. No contexto da enfermagem, o trabalho emocional é precedido e influenciado por experiências de trabalho e é mais provável que seja realizado por enfermeiros experientes (Staden, 1998; Zammuner e Galli, 2005; MacKintosh, 2007). Os psicólogos sugerem que o desempenho do trabalho emocional pelos prestadores de serviços (por exemplo, enfermeiros e agentes de polícia) requer competências interpessoais (por exemplo, diplomacia e capacidade empática). Pesquisadores nas profissões de saúde, no entanto, argumentam que não são as regras de organização, mas sim a identificação do papel do profissional de saúde que é o principal determinante do trabalho emocional (Henderson, 2001; McCreight, 2005). A literatura revela que as características do trabalho (por exemplo, frequência de interações interpessoais, o grau das necessidades emocionais, as rotinas da tarefa e complexidade do trabalho) são os antecedentes predominantes de trabalho emocional (Gosserand e Diefendorff, 2005; Bolton, 2009). A autonomia no trabalho é encontrada para preceder o trabalho emocional e determina a sua duração e frequência, que está subjacente a cada encontro entre o profissional e a pessoa. Os profissionais, em contraste com os não-profissionais, têm mais autonomia para gerir as emoções face às pessoas de quem cuidam. O envolvimento com o trabalho ou compromisso serve como um antecedente para a saúde profissional (Mann e Cowburn, 2005); no contexto da enfermagem, isso significa que os enfermeiros que estão comprometidos com o seu trabalho são mais propensos a se envolverem no trabalho emocional (Smith e Lorentzon, 2005). Trabalho emocional é essencialmente ditado pelas regras da organização, como foi sugerido por autores da área da gestão (Grandey, Fisk, Steiner, 2005). As organizações proporcionam aos trabalhadores interações com a pessoa, exigindo assim o controlo da expressão das suas emoções interpessoais (Grandey, Kern, Frone, 2007). Para os profissionais, as regras organizacionais têm menos impacto sobre o trabalho emocional do que as normas sociais prescritas pela conduta profissional (Ogbonna e Harris, 2004). O Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 44 O trabalho emocional no ato de cuidar em enfermagem: uma revisão do conceito apoio social, quer seja pelos colegas de trabalho, supervisores ou membros da família, precede o trabalho emocional. O apoio social promovido pelos colegas de trabalho também tem sido relacionado com o trabalho emocional gerando a satisfação do trabalhador (Zapf, 2002). Atributos Atributos de um conceito são características frequentemente associados ao conceito e que contribuem para a sua clareza, amplitude e profundidade (Rew et al., 2005). Trabalho emocional na literatura é considerado um conceito transdisciplinar. A transdisciplinaridade pode ser definida como um processo humano produzido numa relação entre pessoas que envolve uma interligação intensa e recíproca. Este conceito pode ser integrado no trabalho emocional, quando os profissionais gerem as emoções no sentido de exibirem intervenções que melhoram o bem-estar das pessoas e ao mesmo tempo aumentam o grau de satisfação profissional (Gosserand e Diefendorff, 2005). Hochschild (1983) descreve dois atributos do trabalho emocional: ato superficial e o profundo. No entanto, o trabalho emocional surge na enfermagem como a autêntica expressão emocional (Lewis, 2005). Em toda a literatura interdisciplinar, há dois atributos do trabalho emocional: (1) expressão emocional autónoma ou espontânea (Diefendorff, Croyle e Gosserand, 2005), e (2) a expressão profunda das emoções ou expressão superficial das emoções (Mann, 2005). Os enfermeiros como profissionais autónomos possuem um papel ativo na construção do seu próprio comportamento. Ou seja, na relação com a pessoa saudável ou doente, os enfermeiros expressam emoções profundas ou superficiais tendo em conta a sua tomada de decisão baseada numa responsabilidade consciente. Os enfermeiros gerem as suas emoções baseadas nas suas competências profissionais e harmonizando-as com as das pessoas de quem cuidam (Henderson, 2001; Bolton, 2009). Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Quando os enfermeiros adequam as suas emoções às das pessoas sem realmente as sentirem, não estão a atuar superficialmente, mas a tentar estabelecer uma relação próxima com a pessoa cuidada. Curiosamente, a literatura distingue o trabalho emocional dos profissionais de saúde, o que sugere que, enquanto os enfermeiros procuram relacionar-se autenticamente com os destinatários de cuidados, o médico desenvolve estratégias para limitar o envolvimento emocional com as pessoas (Mann e Cowburn, 2005). Assim, o trabalho emocional em enfermagem é mais do que uma série de intervenções, é um modo de agir, isto é um processo cognitivo e racional de autorregulação das emoções. Efeitos do trabalho enfermeiros emocional nos Uma das razões para o aparecimento do stresse dos enfermeiros é a exibição “de um rosto adequado” ao cuidar (McVicar, 2003). O trabalho emocional também pode afetar a saúde dos trabalhadores a nível somático. A supressão contínua das emoções “reais” tem um impacto negativo sobre o sistema imunológico, com implicações sobre a sua saúde, que originam insónias e fadiga, hipertensão e neoplasias (Ashkanasy, e Daus, 2002). A dissonância emocional entre as emoções reais e as exibidas podem influenciar negativamente o bem-estar dos profissionais, a sua autoestima, a depressão e o sofrimento moral (Raines, 2000). O desempenho dos profissionais, também pode ser influenciado pelo trabalho emocional. O baixo envolvimento, a insatisfação, o baixo desempenho e as aposentações antecipadas estão entre os vários resultados das exigências do trabalho emocional (Lewig e Dollard, 2003). O conceito de trabalho emocional diferencia as emoções e os pensamentos que os enfermeiros deveriam, teoricamente, sentir daquelas que realmente experienciam, mas não podem expressar na sua prática. Todavia, o conceito de trabalho emocional pode ser analisado como um aspeto humano dos enfermeiros, Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 45 O trabalho emocional no ato de cuidar em enfermagem: uma revisão do conceito concetualizado na teoria do cuidado de Watson (2004). O trabalho emocional envolve o holismo e a experiência humana (Hunter e Smith, 2007), isto é, o contexto situacional em que a pessoa necessita de cuidados e o planeamento dos cuidados de que a pessoa necessita por parte dos enfermeiros. O conceito reconhece o elevado esforço emocional e a fiabilidade humana dos enfermeiros nas relações com as pessoas de quem cuidam (Mann e Cowburn, 2005). Os enfermeiros estão conscientes das exigências do cuidar de outras pessoas (McCreight, 2005), mas não reconhecem as consequências pessoais e profissionais do seu trabalho emocional. O facto do trabalho emocional, não ser reconhecido, e, portanto, desvalorizado pela maioria das organizações (Hunter e Smith, 2007), pode contribuir para a compreensão da relação empírica entre o trabalho emocional, a exaustão emocional e o burnout profissional (Näring , Briët, Brouwers, 2006; Mann e Cowburn, 2005). Mas pouco a pouco o trabalho emocional está a ter o devido reconhecimento na Europa, sobretudo através dos estudos suecos (Rasmussen e Sandman, 2000), holandeses (Briët , Näring, Brouwers, van Droffelaar, 2005), alemães (Büssing e Glaser, 2001) e italianos (Zammuner e Galli, 2005). Estudos na área da Psicologia e da Gestão realçaram algumas consequências negativas no desenvolvimento do trabalho emocional. A exaustão emocional e a despersonalização são algumas das reações negativas que ocorrem nos profissionais (Hess, 2003). Quanto às consequências positivas incluem a melhoria da qualidade do desempenho que implica um aumento da produtividade a nível organizacional (Meier , Mastracci, Wilson, 2006) e um ambiente alegre no serviço de saúde (Hennig-Thurau , Groth, Paul, Gremler, 2006; MacKintosh, 2007). A literatura de enfermagem identifica ainda outras consequências positivas a nível individual, como relações próximas através do envolvimento emocional com as pessoas (Allan e Barber, 2005) e aumento da realização profissional e satisfação no trabalho (McQueen, 2004; Mann, 2005). Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Teoria de médio alcance do trabalho emocional de Huynh, Alderson e Thompson (2008) Encontrámos vários modelos explicativos do trabalho emocional, quer na área da Psicologia (Grandey, 2000), da Medicina e da Gestão (Diefendorff, et al., 2005). Todos eles partilhavam a mesma linha concetual, tanto ao nível dos antecedentes, do desempenho profissional, quer ao nível das consequências. No entanto, verificámos a existência de algumas divergências sobre os antecedentes e as consequências. Estudos na área da Psicologia propõem que a dissonância emocional precede o trabalho emocional (Mann, 2005), mas outros afirmam que é uma consequência (Grandey, et al., 2007). O género influencia o trabalho emocional, ou seja, ser do sexo feminino é aspeto facilitador (Guy e Newman, 2004), mas outros autores refutam esta associação (Bolton, 2009). Estes são alguns exemplos das diferenças encontradas nas várias propostas de modelos de trabalho emocional. O modelo apresentado neste artigo emerge de um estudo de Huynh, Alderson e Thompson (2008) que analisaram o modelo de Hunter e Smith (2007). Esta teoria de médio alcance pode complementar a teoria do cuidado transpessoal de Watson (Fawcett, Watson, Neuman, Walker, Fitzpatrick, 2001). Assim, o trabalho emocional é definido como um processo através do qual os enfermeiros adotam uma identidade de trabalho para expressar a sua autonomia, através da expressão de emoções profundamente ou superficialmente durante as relações interpessoais com as pessoas. Embora esta teoria de médio alcance, pareça representar o trabalho emocional como um processo estático e linear, as interações dos antecedentes são elementos fundamentais para a criação deste fenómeno multifacetado (Callahan, 2004). No entanto, essa interação existe entre as interfaces dos três ciclos antecedentes ao ciclo de atributos emocionais de trabalho. As consequências do trabalho emocional não só se sobrepõem e interagem entre si, mas também influenciam os atributos e antecedentes de Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 46 O trabalho emocional no ato de cuidar em enfermagem: uma revisão do conceito trabalho emocional. Os enfermeiros querem promover um cuidar autêntico, porque eles sentem que faz parte do seu papel profissional esperado (de Raeve, 2002), quer a nível organizacional, quer face às representações sociais da profissão, quer ainda pelas exigências do próprio profissional. Todavia, os enfermeiros podem apresentar atos superficiais e profundos (Standen, 1998). O ato superficial é semelhante a um “sorriso forçado” dos enfermeiros; em contraste, os atos profundos significam que os enfermeiros se relacionem terapeuticamente com as pessoas de quem cuidam. Em alguns estudos, os resultados revelam que, embora os enfermeiros mantenham atos superficiais, os enfermeiros mantém o seu senso interior e, portanto, autêntico com a pessoa de quem cuidam (Bolton, 2009). Os enfermeiros tentam normalizar as suas emoções com as que se espera do seu papel profissional e harmonizá-las com as das pessoas (Henderson, 2001; Bolton, 2009). Quando os enfermeiros sincronizam as suas emoções com as pessoas doentes sem realmente senti-las, eles não estão a agir superficialmente, mas estão a tentar estabelecer um autêntico encontro com a pessoa (Mann e Cowburn, 2005). Desta forma, pode constatar-se que o trabalho emocional gera consequências a nível organizacional, tais como, ambientes favoráveis à prática dos cuidados e aumento da produtividade. Para o enfermeiro que desenvolve um cuidar assente num trabalho emocional, proporciona consequências positivas, tais como, o aumento da satisfação profissional e das relações interpessoais e com a pessoa doente, gerando um sentimento de realização profissional. Mas, o enfermeiro também fica exposto a aspetos negativos relacionados com o stresse, despersonalização e burnout. perturbadores tanto das pessoas como dos próprios enfermeiros, duma forma positiva, no sentido de promoverem o bem-estar global das pessoas envolvidas (Diogo, 2012). A situação problemática vivida pelas pessoas, no contexto de saúde-doença, manifesta-se através das emoções. Os enfermeiros têm de encontrar estratégias para conseguirem enfrentar a emocionalidade na prestação de cuidados e em cada interação com as pessoas (Diogo, 2012). No entanto, sustentamos que esta teoria de médio alcance do trabalho emocional ilustra uma representação provável do trabalhar interpessoal dos enfermeiros, sobre o qual incide o contexto social, profissional e organizacional. IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA A delimitação do conceito de trabalho emocional aumenta o reconhecimento da sua existência e tem o potencial de promover uma aplicação autêntica de cuidar numa relação enfermeiro-utente. Por isso, defendemos a introdução do conceito de trabalho emocional no currículo dos cursos. Este nível de educação pode aumentar a consciência que os estudantes de enfermagem têm das suas emoções e o seu desempenho de trabalho emocional. Consequentemente, os gestores das instituições de saúde deverão planear e implementar sessões de formação sobre trabalho emocional, capacitando os seus funcionários, pois é essencial aprender a perceber emoções e sentimentos, tanto dos prestadores de cuidados como das pessoas cuidadas (Collière, 2003). Os enfermeiros precisam ter tempo e um ambiente propício para compreender, discutir e refletir sobre a prática (Henderson, 2001) aumentando desta forma o seu bem-estar e a qualidade dos cuidados de enfermagem (Macdonald, 2003). O trabalho emocional no ato de cuidar em enfermagem engloba intervenções relacionadas com a dimensão afetivo-emocional, que têm como objetivo gerir os sentimentos intensos e Salutis Scientia – Revista de Ciências da Saúde da ESSCVP Vol.5 Março 2013 www.salutisscientia.esscvp.eu 47 O trabalho emocional no ato de cuidar em enfermagem: uma revisão do conceito CONCLUSÃO process: A reply to Brook. Work, Employment and Society, 23(3), 549-560. A pesquisa em enfermagem sobre este conceito é limitada. Todavia podemos afirmar que o desempenho do trabalho emocional pode ser baseado em normas sociais, mas é condicionado por variáveis pessoais (por exemplo, idade, adaptabilidade emocional) e pelo ambiente organizacional que promove um sistema de troca de apoio emocional. Briët, Näring, Brouwers e van Droffelaar. (2005). Emotional labor: Development and validation of the Dutch Questionnaire on Emotional Labor (D-QEL). Gedrag en Gezondheid, 33(5), 318–330. Em síntese, o trabalho emocional é utilizado por enfermeiros nas interações com as pessoas saudáveis ou doentes e é composta de duas estratégias: agir em profundidade e agir superficialmente. O trabalho emocional é um processo pelo qual os enfermeiros conseguem regular as suas emoções, gerindo-as de uma forma saudável para cuidar da pessoa holisticamente. Assim como cuidar constitui o núcleo holístico do trabalho de enfermagem (Watson, 2006), o trabalho emocional reconhece a humanidade dos enfermeiros e o profissionalismo. Os enfermeiros usam conscientemente as emoções para prover e melhorar os cuidados, embora se constate um reduzido reconhecimento dos aspetos emocionais da enfermagem o que é um paradoxo dado a carga emocional da experiência de cuidar. Urge a realização de estudos sobre trabalho emocional para clarificar o conceito, explicitar o potencial terapêutico, identificar as intervenções de enfermagem que incorporam o trabalho emocional e dar visibilidade aos ganhos em saúde gerados pelo trabalho emocional. Brilowski, Wendler (2005). An evolutionary concept analysis of caring. Journal of Advanced Nursing, 50(6), 641–650. Büssing e Glaser (2001). Interaction work: Concept, measurement, and results from nursing. In de Jonge, Vlerick, Büssing, Schaufeli (Eds.), Organizational psychology and health care at the start of a new millennium (pp. 175-196). Munich, Germany: VS Verlag. Callahan (2004). Reversing a conspicuous absence: Mindful inclusion of emotion in structuration theory. Human Relations, 57(11), 1427–1448. Collière (2003). Cuidar…a primeira arte da vida. Loures, Portugal: Lusociência. de Raeve (2002). The modification of emotional responses: A problem for trust in nurse–patient relationships? 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