6. desenvolvimento e aprendizagem perspectiva crítica e histórica
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6. desenvolvimento e aprendizagem perspectiva crítica e histórica
DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM PERSPECTIVA CRÍTICA E HISTÓRICA Sonia BESSA1 Adriana M. Corder MOLINARI2 Lia Leme ZAIA3 Marta RABIOGLIO4 Mara Fernanda A. ORTIZ5 RESUMO Este artigo tem por objetivo apresentar alguns pressupostos do desenvolvimento humano a partir de referenciais construtivista de Piaget e Vigotsky. Faz um breve histórico da Psicologia do Desenvolvimento, diferencia desenvolvimento e aprendizagem e o contraponto entre o pensamento de Vigotsky e Piaget, bem como a contribuição desses autores para a visão de criança que ora temos. Palavras-chave: Desenvolvimento. Aprendizagem. Construtivismo. INTRODUÇÃO Como o ser humano passa de um estado de dependência total no qual se encontra ao nascer, até o nível de capacidades intelectuais que lhe permitem assimilar as teorias cientificas mais sofisticadas produzidas pela ciência? Como se passa de um menor para um maior estado de conhecimento? E a aprendizagem? Como ocorre a aprendizagem? A inteligencia é herdada ou adquirida? O que fazer para aprimorar os processos de aprendizagem? E a lógica é herdada ou adquirida? O que precisamos saber para ensinar a alguém alguma coisa? Essas são perguntas que muitas gerações ao longo da história humana vêm tentando responder e envolve as dimensões do desenvolvimento humano e os processos de ensino aprendizagem. Contudo não é possível pensar nas dimensões de aprendizagem e desenvolvimento implícitas nestes questionamentos, desconsiderando a questão do conhecimento. Ramozi Chiarottino (1995) diz que o problema da aprendizagem implica o problema do conhecimento, queiramos ou não, assim entendemos que a relação entre desenvolvimento e aprendizagem é uma questão central para a prática pedagógica, sobretudo porque nos remete às questões relacionadas a o que ensinar (os conteúdos), como ensinar (o modo de organizar o ensino) e porque ensinar (a finalidade da educação escolar), ou seja, as concepções de ensino. 1 Doutora em Educação pela UNICAMP. Docente da Universidade Estadual de Goiás. – UEG-Formosa. [email protected]. 2 Doutora em Educação pela UNICAMP. Coordenadora de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão no UNAR e pesquisadora colaboradora voluntária no LPG/FE/UNICAMP. [email protected]. 3 Doutora em Educação pela UNICAMP, pesquisadora colaboradora voluntária no LPG/FE/UNICAMP. Psicopedagoga clínica e [email protected]. 4 Mestre em Educação pela FE/USP com especialização em didática e jogos matemáticos. Pesquisadora colaboradora voluntária no LPG/FE/UNICAMP. [email protected]. 5 Doutora em Educação. Pesquisadora colaboradora voluntária no LPG/FE/UNICAMP. [email protected]. Para Montoya (2009, p.20) toda teoria da aprendizagem depende, das concepções acerca da natureza da inteligência e do conhecimento e das hipóteses sobre seus mecanismos de aquisição e desenvolvimento. Ele diz que: Apesar de o estudo cientifico da aprendizagem e da inteligencia ter sido intenso e profícuo no século XX, o impasse entre as teorias da aprendizagem e as da inteligência foi uma realidade constante: a aprendizagem obedecendo a leis associativas, e as teorias da inteligencia a leis de totalidade; a aprendizagem privilegiando a repetição e ação do meio, e as teorias da inteligencia os processos internos de invenção e criatividade. Em outros termos, a aprendizagem identificada com o empirismo e a inteligência com o apriorismo e o pré-formismo. (MONTOYA 2009, p.20). As Práticas pedagógicas que verificamos em diferentes ambientes de ensino da Educação Infantil ao Ensino Superior remontam sempre a uma visão de mundo. Daí a importância do estudo sobre a psicologia do desenvolvimento humano. Uma das importâncias em se estudar o processo de desenvolvimento humano está justamente em sua relação com a aprendizagem. As teorias sobre o desenvolvimento humano, através de suas explicações sobre o que se desenvolve no homem e como se desenvolve, delimitam as possibilidades da aprendizagem, ou seja, avaliam se ela pode ou não interferir nesse desenvolvimento e – sobretudo – como ela pode nele interferir. Pode-se afirmar que a relação entre psicologia do desenvolvimento e educação, sobretudo em suas mediações com as teorias de conhecimento, é algo que acompanha a própria história do pensamento humano e constitui-se como complexo e extenso campo de estudo nas três dimensões: desenvolvimento/aprendizagem/conhecimento. A importância concedida ao conhecimento do Desenvolvimento Humano é uma ocorrência relativamente recente na história do pensamento científico. Em suas origens, a Psicologia do Desenvolvimento esteve mais limitada ao desenvolvimento da criança, no sentido de descrever e explicar o indivíduo humano do nascimento até a adolescência. Na atualidade a Psicologia do Desenvolvimento abrange o estudo das mudanças psicológicas ao longo da vida. Cabe lembrar dois filósofos cujos escritos tiveram enorme influência sobre a história do desenvolvimento da criança, pois ambos desafiaram a visão dominante segundo a qual as diferenças humanas e as desigualdades sociais seriam determinadas primariamente pelo nascimento. Locke (1632-1704), que propôs que a mente da criança é uma espécie de tábula rasa na qual tudo pode ser gravado e o francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), que formulou teses vigorosas, afirmando a bondade natural da criança e a influência exercida sobre ela pela sociedade. Outra grande influencia já na metade do século XIX foi de Darwin (1809-1882) com sua tese da “seleção natural” segundo a qual a adaptação é sempre o resultado de um equilíbrio dinâmico entre as necessidades de um organismo e os recursos disponíveis no meio. O que levou os psicólogos à preocupação com a análise dos processos de adaptação funcional da criança ao meio. O contexto histórico, social e econômico do final do século XIX e inicio do século XX, a industrialização da Europa e da América do norte transformou a organização social da vida das pessoas e o papel das crianças na sociedade. As crianças passaram a ser mais um recurso de mão de obra, e as escolas públicas recém-criadas se expandiram, visando o ensino e o controle social dessas crianças. Foi nesse contexto que surgiram os autores, as teorias e os métodos que dariam origem à moderna psicologia do desenvolvimento. Alguns pioneiros da Psicologia do Desenvolvimento são: Mark Baldwin (1861-1924), que foi considerado um dos fundadores da Psicologia do Desenvolvimento e exerceu grande influencia nos trabalhos de Piaget, Wallon e Gesel (1880-1961); foi o que deu origem à chamada orientação maturacionista, que considera o desenvolvimento psicológico como uma questão de maturação e de atualização do potencial genético do indivíduo. Wolfgang Kohler (1887-1967) que lançou as bases da Gestalt e contribuiu para a compreensão do desenvolvimento da criança. Charlotte Buhler (1893-1974) que estudou o desenvolvimento mental da criança e do adulto. Lev Vygotsky (1896-1934) que construiu as bases do enfoque sociocultural do desenvolvimento. Henry Wallon (1896-1962), com suas contribuições sobre a relação natural, necessária e vital entre a criança e a sociedade. Heins Werner (1890-1964) com sua conceituação do principio ortogenético para explicação do desenvolvimento psicológico. Esses nomes juntamente com Sigmund Freud (1856-1939), John Watson (18781958) e Jean Piaget (1896-1980) fazem parte do grupo de precursores das teorias: Psicanálise, Aprendizagem Social e Teoria Cognitiva respectivamente. A psicanálise de Freud conceitualizou os estágios de desenvolvimento psicossexuais e mais tarde Erik Erikson introduziu modificações, conceitualizando os estágios de desenvolvimento psicossocial que cobrem todo o ciclo de vida. A Psicanálise, entre outros aspectos, convenceu-nos de que os motivos inconscientes afetam nosso comportamento. Mostrou-nos que os primeiros anos de vida da criança são um período formador da maior importância no desenvolvimento da personalidade. Deu origem a várias mini-teorias atuais sobre tópicos de relevância social. A aprendizagem social lançada por Watson foi modificada por Skinner que é considerado o mais importante proponente da teoria da aprendizagem, desenvolvida depois como aprendizagem social da criança por Staats, Bandura e outros. A Teoria da Aprendizagem Social mostrou-nos o efeito que o ambiente imediato pode ter sobre o comportamento. Contribuiu para o estudo das causas e consequências do comportamento observado, levando a perceber que muitos padrões de comportamento considerados inatos ou resultado de problemas emocionais profundamente enraizados, podem ser na verdade “comportamentos aprendidos que podem ser desaprendidos”. Essa compreensão permitiu que alguns problemas de comportamento específicos fossem analisados com vistas à mudança dos padrões de E-R que os vinculam (acessos de raiva, fobias, adições danosas). Ajudados pela Teoria da Aprendizagem Social pais e professores muitas vezes descobrem que eles estão reforçando exatamente o oposto do comportamento que eles desejam obter e aprendem formas de conduta mais apropriadas aos seus objetivos. É uma teoria muito criticada pelo seu modelo mecanicista e sua incapacidade de explicar as dimensões mais complexas do desenvolvimento. O enfoque da psicologia cognitiva piagetiana permitiu a compreensão dos diferentes tipos de pensamento que são possíveis às várias idades. Nele a criança é vista como eminentemente ativa, iniciadora da ação e movida pela curiosidade intelectual. A psicologia cognitiva abriu maiores possibilidades de compreensão de nossos processos de pensamento e do modo como eles afetam nossas ações. Foi com o pioneirismo de Piaget que a teoria cognitiva faz avançar enormemente a compreensão da cognição humana. Piaget é criticado por ter subestimado a importância da instrução e consequentemente o papel da sociedade, da escola e da família no favorecimento do desenvolvimento cognitivo. No Brasil Piaget ficou muito conhecido em especial através do trabalho de Emilia Ferreiro com a psicogênese da alfabetização. Piaget, Vigotsky e Wallon são conhecidos pelas suas propostas interacionistas. Vygotsky, por várias razões de caráter social, histórico e político, não foi objeto de grandes elaborações na primeira metade do século e não se transformou em um grande sistema de explicação teórica, como aconteceu com Freud, Piaget e Watson. Foi nas últimas décadas que ocorreu a retomada das teses de Vygotsky. O enfoque Epigenético é de outra natureza e se apoia em pesquisas provenientes da Biologia, Genética, Etologia, Neurociências. Enfatiza as forças biológicas que afetam cada pessoa e toda a humanidade. Suas origens podem ser encontradas nos estudos etológicos de K. Lorenz (1903-1989) e de H. F. Harlow (1905-1995). De modo geral, admite-se que a convergência das pesquisas em Etologia e em Psicologia do Desenvolvimento ocorreu por volta dos anos 60, com o surgimento da Etologia Humana, destacando-se como seu grande representante o inglês J. Bowlby (1907-1990), enfatizando a interação entre os genes e o meio. Essa interação é vista pelos pesquisadores como dinâmica e recíproca e vem sendo considerada como a mais nova explicação do desenvolvimento humano. Para tratar especificamente da relação entre Desenvolvimento e Aprendizagem, nosso tema em discussão elegemos dois importantes nomes no contexto educacional brasileiro. Jean Piaget e Lev Vigotsky. Jean Piaget (1896-1980) psicólogo suíço conhecido mundialmente passou mais de 60 anos de sua vida tentando responder a uma única pergunta: “Como os seres humanos constroem o conhecimento”. Como biólogo, ele foi bastante inspirado pelas observações das influências que os organismos sofrem do meio em que vivem. Analogamente, no âmbito do conhecimento, ele concluiu que as trocas que os indivíduos realizam com o meio são responsáveis pelas mudanças nas estruturas mentais. Esta visão é a mesma das teorias sociointeracionistas, elaboradas por Paulo Freire, Vygotsky e Wallon, e que entendem o conhecimento como algo que é construído pelo sujeito, em interação com o mundo dos objetos e das pessoas. Mantovani de Assis (2013) explicando a teoria piagetiana diz que um dos princípios dessa teoria está relacionada às representações da realidade que a pessoa tem. Essas representações dependem dos instrumentos lógicos que eles têm a sua disposição. A representação social dessa realidade depende dos instrumentos lógicos que são as operações lógicas. Segundo Piaget esses instrumentos não estão no genoma nem a título de programa. O que o ser humano herda é a possibilidade de vir a ser inteligente. A construção é fruto de uma reestruturação que se perpetua pelas trocas que estabelecemos com o meio: tanto físico, como humano. Essa construção também não é explicada pelas aquisições que fazemos durante a vida. Ela é resultado da interação do sujeito com o meio. Essa troca permite a construção dos instrumentos lógicos e a educação exerce um papel fundamental. O bebê que nasceu com todas as possibilidades biológicas necessárias para vir a ser inteligente, só conseguirá chegar às fases finais de seu desenvolvimento intelectual, dependendo das solicitações que o meio social lhe oferecer, ou seja, da qualidade da educação que receber. O desenvolvimento é um processo pelo qual as estruturas se processam e se constroem pelas trocas realizadas com o meio. Para Mantovani de Assis (2007) isso inclui ainda a afetividade e a moralidade. Cada etapa do processo de desenvolvimento supõe também novos processos de assimilação e acomodação e mudanças na estrutura. O desenvolvimento intelectual resulta de um processo de equilibração e com a possibilidade de autorregulação da equilibração. Os piagetianos chamam estes processos de fatores endógenos, comuns a todos os humanos. São as possibilidades de construção com que nascemos. Já os fatores exógenos são as solicitações do meio. O sujeito não conhece o objeto tal qual ele é, mas conforme as estruturas o permitem. Um bebê é capaz de pegar uma caneta, colocá-la na boca, empurrá-la, cheirá-la, mas não compreende que aquele objeto serve para escrever, isso vai demandar muitas solicitações do meio. Vasconcelos (1996) fala que Piaget difundiu a ideia de que o processo que leva a criança a conhecer o mundo é um processo de criação ativa, em que toda a aprendizagem se dá a partir da ação do sujeito sobre os objetos. Um sujeito intelectualmente ativo, que constrói seu conhecimento sobre a ação, não é um sujeito que tem apenas uma atividade observável, mas um sujeito que compara, exclui, categoriza, coopera, formula hipóteses e as reorganiza, também em ação interiorizada (VASCONCELOS, 1996, p.21) Piaget diferencia os processos de aprendizagem e desenvolvimento e subordina um ao outro, mas numa relação interdependente. Ele diz que o desenvolvimento não pode ser reduzido a um conjunto de habilidades ou comportamentos aprendidos, por que a aprendizagem está sujeita as leis da lógica. O termo aprendizagem está restrito as aquisições em função da experiência. Por outro lado o processo de desenvolvimento é espontâneo, mas acontece apesar da escola, contudo Piaget (2011) responsabiliza a escola quando ele fala de direito a educação. O direito a educação não é só frequentar a escola, mas encontrar nessa escola tudo que ele precisa para construir as operações da lógica e uma consciência moral desperta. Pensamento partilhado por Saviani (2005, p.80) ao afirmar que a escola tem o papel de possibilitar o acesso das novas gerações ao mundo do saber sistematizado, do saber metódico, científico. Libâneo (1996, p. 26 e 27) deixa claro que a função social da escola é a “construção do conhecimento”, o educador deve desempenhar bem o seu papel contribuindo com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Para Rego (1995) a escola não deve se restringir apenas à transmissão de conteúdos, mas principalmente, ensinar formas de acesso e apropriação do conhecimento elaborado. Voltando a questão do endógeno e exógeno, na perspectiva de Piaget, a aprendizagem é provocada por situações externas. Nessa perspectiva a aprendizagem e o desenvolvimento constituem duas fontes distintas de conhecimento, contudo algumas aprendizagens são resultados de processos de desenvolvimento como, por exemplo, a noção de tempo, espaço, classificação, seriação, noção de movimento, deslocamento dos corpos. Esse é o tipo de conteúdo que não adianta ensinar; são resultados do desenvolvimento. A aprendizagem só se realiza quando há assimilação ativa, o que implica em estruturas anteriores capazes de incorporar o dado a ser aprendido, A aprendizagem interfere no desenvolvimento, modificando as estruturas, porém sem dar origem a novas estruturas, mas não explica o desenvolvimento, porque a aprendizagem é um dos fatores capazes de garantir o desenvolvimento. Atua no processo como condição necessária, porém não suficiente. A construção das estruturas lógicas não pode ser explicada pela aprendizagem porque depende do desenvolvimento. Um exemplo pode ajudar a compreender essa relação. A aprendizagem significativa de fatos históricos e acidentes geográficos torna-se possível em função da existência de conceitos de tempo e espaço, e esses conceitos só se constroem no estágio das operações concretas, então não adianta considerar os conteúdos sem considerar as estruturas da criança que aprende. É necessário criar situações que favoreçam sucessivas assimilações e acomodações favorecendo o processo de equilibração. Piaget ao referir-se a aprendizagem no livro Psicologia e Pedagogia diz que é necessário considerar os interesses, as necessidades e os instrumentos cognitivos de cada estágio: Se o pensamento da criança é qualitativamente diferente do nosso, o objetivo principal da educação é compor a razão intelectual e moral; como não se pode moldá-la de fora, a questão é encontrar os meios e os métodos convenientes para ajudar a criança a construí-la ela mesma, isto é, alcançar no plano intelectual a coerência e objetividade e no plano moral a reciprocidade. (PIAGET, 2006, p.163). O segundo autor ao qual nos deteremos é Lev Vigotsky (1896-1934). Embora Piaget e Vigotsky tenham feito a mesma pergunta: “como se passa de um menor para um maior conhecimento?” as respostas de ambos tem algumas diferenças. Ambos consideram a relação de interdependência entre aprendizagem e desenvolvimento, contudo diferentemente de Piaget, para Vygotsky e seus colaboradores a aprendizagem promove o desenvolvimento. Os seres humanos apropriam-se da cultura para se desenvolverem e para que ocorra o desenvolvimento da sociedade como um todo. Educação e desenvolvimento humano caminham juntos. Leonardo e Silva (2013) dizem que Vigotsky caracteriza o processo de aprendizagem pelo surgimento de novas estruturas e aperfeiçoamento das antigas. A aprendizagem promove e desencadeia permanentemente o desenvolvimento de uma série de funções que se encontravam em fase de amadurecimento. Assim a aprendizagem e o desenvolvimento não coincidem inteiramente, mas são dois processos que estão em complexas inter-relações. Em Vigotsky (2000, p.322) o autor diz que “a aprendizagem está sempre adiante do desenvolvimento, a criança adquire certos hábitos e habilidades numa área específica antes de aprender a aplicá-los de modo consciente e arbitrário”. Em outro texto à p. 303 Vigotsky diz que “um passo de aprendizagem pode significar cem passos de desenvolvimento” criando assim a zona de desenvolvimento próximo, importante conceito de sua teoria. Fino (2001) afirma que o conceito de zona de desenvolvimento próximo traz um novo sentido à relação professor-aluno, pois devolve ao primeiro a importância de condutor do processo de aprendizagem e elucida seu papel no desenvolvimento psicológico dos alunos. Para Leonardo e Silva (2013) a educação, quando organizada tendo em vista a zona de desenvolvimento próximo, promove desenvolvimento intelectual à medida que propicia uma série de amadurecimentos de processos que sem a educação seriam impossíveis de desenvolver. Desta forma, a educação revela-se fundamental para o processo de desenvolvimento e aquisição das características históricas do homem. As funções psicológicas superiores, por serem culturais, desenvolvem-se principalmente pelo ensino formal, sistematizado nos conteúdos escolares. Vigotski (1977) afirma: [...] aprendizado não é desenvolvimento, entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que de outra forma seriam impossíveis de acontecer. Assim o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas (p.47). Kesselring (2008) alega que a partir da década de 80 a comparação temática entre Piaget e Vigotsky tornou-se motivo de debates e apresenta alguns pressupostos destas teorias, conforme quadro a seguir. PIAGET Concebe o desenvolvimento segundo o modelo de um processo com necessidade causal, que se desenrola na criança. Quer explicar a gênese do conhecimento humano, sobretudo do conhecimento lógico matemático. Tematizou o conhecimento à luz da validade e confirmações universais. Falando com o auxílio de imagens: o espírito se encontra de acordo com Piaget, na pessoa em desenvolvimento Distingue cuidadosamente aprendizado e desenvolvimento: o desenvolvimento fixa a estrutura para os processos de aprendizado e decorre, por todo o mundo, segundo as mesmas leis (mesmo com diferente velocidade). Somente o aprendizado, e não o desenvolvimento depende do ambiente cultural. VIGOTSKY Põe em primeiro plano o papel da cultura que canaliza o desenvolvimento, e vai atrás da pergunta sobre o modo como a cultura (ou a sociedade) deixa seus vestígios na criança. Considera o conhecimento humano uma atividade interpretativa e que é necessário explicar e interpretar essa atividade a partir de seu ambiente cultural respectivo. Tematizou à luz da especificidade local, ligada ao contexto. Para Vigotsky ele se encontra na sociedade que o rodeia. O aprendizado individual deve-se essencialmente à internalização de conteúdos culturais de significado. O desenvolvimento é aprendizado, e o aprendizado é desenvolvimento. Scriptori (2008) estabelece algumas diferenças entre esses dois propriedade. Ela diz que as principais diferenças entre esses dois natureza do conhecimento e origem dos instrumentos psicológicos; conteúdo do desenvolvimento enquanto Piaget enfatizou a estrutura Scriptori (2008, p.47) diz que: autores com muita autores referem-se a Vigotsky enfatizou o do desenvolvimento. Na origem dos instrumentos psicológicos Piaget não responsabiliza a ação social, mas sim a ação do individuo, sem menosprezar a ação social. Especifica que as funções intelectuais e sociais tem a mesma estrutura e se desenvolvem de maneiras correspondentes, isomórficas, mas que no principio (na origem) do desenvolvimento está a ação do sujeito. (p.47) Outra diferença é quanto a natureza do estímulo, que aparece em ambas as teorias, contudo para Piaget, o estimulo só é estimulo quando o sujeito o reconhece como tal, dependendo mais do sujeito que do meio. Para Vigotsky o conteúdo do estímulo, está nas respostas condicionadas e incondicionadas e depende mais da ação do meio que da ação do sujeito. A autorregulação é outra noção muito importante que aparece nas duas teorias, conforme explicitado por Scriptori (2008): para Vigotsky a autorregulação é comportamental, aparece posteriormente no comportamento como resultado de uma regulação pelos outros, sendo promovida por reguladores externos, enquanto para Piaget a autorregulação é psicológica, ocorre desde o início do desenvolvimento no equilíbrio de ações da criança, em função das trocas que estabelece como o meio físico ou social. A autorregulação quando externa gera a heteronomia, e pode dificultar, ou mesmo impedir o desenvolvimento da autorregulação do sujeito. A direção do desenvolvimento também apresenta diferenças importantes nas duas teorias. Desenvolvimento para Piaget é um processo interno, de equilibração, que ocorre de dentro para fora, já para Vigotsky a experiência cultural da criança constitui um desenvolvimento de fora para dentro. Embora Vigotsky tenha enfatizado o papel social como determinante do desenvolvimento, ele não escreveu sobre o desenvolvimento social em si, o que Piaget fez exaustivamente. [...] se o que Vigotsky tomou por ‘social’ significava ‘relativo à sociedade’, Piaget também reconhece o papel da sociedade. (SCRIPTORI 2008, p.49). A última diferença apontada por Scriptori (2008) é sobre o papel da linguagem no desenvolvimento. Enquanto Vigotsky atribui às palavras o papel de transmitir conceitos específicos às crianças, Piaget demonstra em suas pesquisas que, embora as crianças frequentemente usem as mesmas palavras dos adultos, geralmente o fazem com significado (sentido) muito diferente dos conceitos dos adultos. As palavras podem ser as mesmas, mas os conceitos a que se referem não são os mesmos nem para as crianças em relação aos adultos, nem para as crianças entre si. Sobretudo a compreensão dos conceitos científicos, que é produto de uma construção lenta e progressiva, que passa por fases de desenvolvimento, nos quais o raciocínio vai se tornando cada vez mais correspondente ao que a sociedade convencionou. A importância dessa concepção é a possibilidade do indivíduo ir além do que a sociedade convencionou e construiu (descobrir ou inventar) algo realmente novo para a sociedade. (SCRIPTORI, 2008 p.50). Segundo Kesselring (2008, p. 221) nenhum dos dois psicólogos se defrontam. Nem Piaget entende a sociedade meramente como um conjunto de individualistas que cultivam contato uns com os outros, nem Vigotsky descreve a sociedade com uma totalidade difusa, na qual o indivíduo teria simplesmente de se enquadrar. Os dois concebem a sociedade como estrutura de relações inter-humanas. Vigotsky explica o aprendizado individual através da troca social, e Piaget integra a ideia de relação social como uma relação de troca com o ambiente. Scriptori (2008, p.49) diz que o desenvolvimento para Piaget é um processo interno de equilibração, que ocorre de dentro para fora e nesse processo de equilibração é a criança quem está no controle. No caso da aritmética especificamente, essa autora diz que embora Piaget considere que o conhecimento aritmético seja produto de um processo de desenvolvimento interno, considera também que os aspectos convencionais que lhe são relacionados, tais como nomes atribuídos aos números e grafia de símbolos aritméticos (numerais e algarismos), necessitam ser ensinados de fora para dentro, por transmissão social, uma vez que são produtos de construção histórica. Já a compreensão do número e das operações lógicomatemáticas aí implicadas são processos pessoais, internos. É possível que a maior contribuição dessa concepção é a oposição às visões inatistas e empiristas que predominavam desde a Grécia antiga. Piaget, Vigotsky e Wallon trouxeram para o campo experimental o que até então pertencia à esfera filosófica. Essas teorias psicogenéticas coincidem em seu objeto de estudo, ou seja, definir a maneira como se origina e se desenvolve o conhecimento no ser humano. Os três realizaram suas pesquisas no campo da psicologia, mas foi no campo educacional que obtiveram mais reconhecimento e repercussão devido às implicações educacionais e pedagógicas serem imediatas, pois ao compreender como a criança pensa, o professor pode planejar como trabalhar para que o conhecimento seja compartilhado e construído pelos alunos. Enfim esses dois construtos teóricos contribuíram de forma significativa para a visão de infância que ora temos, ao conceberem a criança como um ser ativo e integral dotado de uma forma peculiar de raciocinar. No mundo todo verificamos que tanto a construção teóricometodológica quanto as práticas sociais e profissionais estão impregnadas de procedimentos que têm sua origem nessas teorias. A visão da criança depois dessas teorias não foi mais a mesma. Segundo Lepre (2008) “essa passou a ser vista como qualitativamente diferente do adulto, com características próprias nos campos da cognição, afetividade e moralidade”. Já faz aproximadamente um século que convivemos com as teorias de Baldwin, Watson, Piaget, Vigotsky e Wallon e suas contribuições continuam válidas. Em vários países e particularmente aqui no Brasil, tanto a construção teórico-metodológica quanto as práticas sociais e profissionais estão impregnadas de procedimentos que têm sua origem nessas teorias. Os avanços que podemos verificar na Psicologia do Desenvolvimento através, sobretudo dos enfoques emergentes mostram que ao longo do século, num jogo de luzes e sombras, muito conhecimento foi acumulado e os vínculos com o trabalho desses fundadores não se rompeu. Talvez uma nova integração de conhecimentos esteja surgindo. Segundo alguns, o enfoque sociocultural e epigenético podem estar caminhando nesta direção. REFERENCIAS BANKS-LEITE. Luci. A perspectiva genética em Psicologia: aspectos das teorias de Wallon e Piaget. Pro-posições, Y. 12, n. 2-3 (35-36), jul.-noy. 2001. BECKER, Fernando. Prefácio. MONTOYA, Adrian, O. D. Teoria da Aprendizagem na obra de Jean Piaget. Editora da Unesp. 2009. DELVAL, Juan. A Escola Possível. Editora Mercado das Letras. 2008. DELVAL, Juan. Manifesto por uma Escola Cidadã. Editora Papirus. 2006. FINO, C. N. Vygotky e a zona de desenvolvimento proximal (ZDP): três implicações pedagógicas. Revista Portuguesa de Educação, 14 (2) p. 273-291. 2001. 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