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Artigo Original FLUOROSCOPIA GASTROINTESTINAL: UMA ANÁLISE RETROSPECTIVA DE 2004 A 2010 NO SERVIÇO DE IMAGIOLOGIA DO HOSPITAL FERNANDO FONSECA GASTROINTESTINAL FLUOROSCOPY: A RETROSPECTIVE ANALYSIS FROM 2004 TO 2010 IN THE RADIOLOGY SERVICE OF THE HOSPITAL FERNANDO FONSECA. Diana Penha1, Ana Costa2 RESUMO As últimas décadas têm sido marcadas por enormes avanços nos meios de diagnóstico gastrointestinal, quer por estudos endoscópicos, quer por modalidades de imagem “cross-section”. Este constante avanço tecnológico, obriga assim a uma redefinição que se vive actualmente, nas indicações para a realização dos exames fluoroscópicos para estudo do tubo digestivo. Efectivamente, o presente artigo tem como objectivos, uma breve revisão do enquadramento histórico dos exames contrastados do tubo digestivo, principais potencialidades diagnósticas, bem como reflexão acerca das razões para o declínio no uso destes exames, utilizando para tal uma análise descritiva dos exames fluoroscópicos do tubo digestivo realizados no Serviço de Imagiologia do Hospital Fernando Fonseca – Portugal - durante o período de 2004 a 2010. Através desta recolha de dados foi possível concluir que o nosso serviço acompanha o panorama internacional, demonstrando um global declínio no número de exames fluoroscópicos realizados, bem como uma redefinição das indicações para estes, reconhecendo actualmente como principais trunfos para o uso destes exames, a avaliação única e em tempo real da motilidade, o estudo de complicações pós cirúrgicas e a inexorável capacidade de resposta imediata. Palavras-chave: fluoroscopia ; contraste de bário; radiologia gastrointestinal ; esofagograma; clister opaco; trânsito intestino delgado ABSTRACT In the last decades we saw great expansion of the gastrointestinal radiology not only by endoscopic studies but also by the use of cross-section imaging modalities. These constant technical developments demand a redefinition in gastrointestinal fluoroscopy. This paper will review the recent history of the contrast barium exams, the role of these studies in the diagnosis of gastrointestinal diseases, and the reasons for the continuing decline of these exams. For this we review the fluoroscopic gastrointestinal exams performed at the department of radiology – Hospital Fernando Fonseca – Portugal between 2004-2010. We concluded that our service has a global decline in this kind of studies and also suffers a redefinition in their role, because of the unique illustration of motility in real-time, its detection of post-surgical complications and ability to provide immediate answers. KeyWords: fluoroscopy; contrast barium; gastrointestinal radiology; esophagogram ; barium enema ; small bowel enema INTRODUÇÃO Perspectiva histórica dos exames contrastados A era da radiologia do sistema digestivo começa com aplicação do Raio X, por E. Lindeman, em Hamburgo, em 1897, três anos apenas após a descoberta do Raio X por Wilhelm Roentgen. 1 Em 1904, Hermann Rieder abriu portas aos estudos do aparelho digestivo, com a avaliação do estômago e intestino após ingestão de sais de bismuto. No entanto, a toxicidade deste composto conduziu Carl Bachem e Hans Gunther em 1910, a desenvolver o bário como agente de contraste inerte para o estudo radiológico do aparelho digestivo. 1 Ainda no início do século vinte, os exames contrastados contaram com o avanço da fluoroscopia, com intensificado1 Interno do Serviço de Imagiologia do Hospital Fernando Fonseca 2 Assistente do Serviço de Imagiologia do Hospital Fernando Fonseca res de imagem versus a radiografia. O grande mentor foi Russel Carmen que demonstrou as vantagens da aplicação da fluoroscopia aos exames do sistema digestivo, permitindo assim melhor resolução visual. 1, 2 Pelo progresso foi então possível acompanhar os vários segmentos do tubo digestivo. No entanto, o estudo através de contraste de bário simples, embora permitisse observar lesões que alterassem o contorno do órgão, tinha as suas limitações. Este estudo assentava sobretudo na palpação e compressão das regiões com alteração, não sendo facilmente aplicável a todos os segmentos do tubo digestivo. O ponto fraco destes exames viu- Recebido 03/11/13; Aceite 16/06/14 Rev Clin Hosp Prof Dr Fernando Fonseca 2014; 2(1): 11-1711 Fluoroscopia Digestiva -se colmatado quando, em 1923, Fischer aplicou os princípios da técnica do duplo contraste de bário no estudo do cólon. 3 A técnica de duplo contraste de bário representou novamente um grande passo no diagnóstico de alterações do aparelho gastrointestinal. No estudo do esófago, estômago e duodeno, Hampton, em 1937, através do uso de ar deglutido e suspensão de bário, demonstrou úlceras duodenais e carcinomas pré-pilóricos. 3 Recorrendo ao duplo contraste, este exame veio colmatar o trânsito simples do intestino delgado difundido por Gilberto Pesquera em 1929, e permitindo a Gershan Cohen introduzir o estudo do intestino delgado com duplo contraste – enteróclise. 1, 4 Durante os anos 50 a avaliação gastrointestinal estava praticamente nas mãos do médico radiologista, uma vez que a endoscopia se encontrava apenas no inicio, com endoscópios rígidos de uso limitado. Assim, tanto os médicos gastroenterologistas como os cirurgiões dependiam totalmente dos estudos radiológicos do tubo digestivo. 2 Nas décadas de 60 e 70, o estudo do cólon apresentou grande aumento na qualidade do exame e conforto para o doente, em consequência dos avanços na preparação do doente, no tubo do clister e nas propriedades de cobertura da mucosa pelas suspensões de bário de alta densidade. 5, 6 Com muitas expectativas e sem qualquer noção da explosão tecnológica que os últimos anos nos têm revelado, as décadas de 70 e 80 marcaram para sempre a radiologia gastrointestinal e, inevitavelmente, os exames contrastados. O aparecimento da tomografia computorizada e aplicação da mesma ao estudo do tubo digestivo e a inovação dos fibroscópios flexíveis para endoscopia e colonoscopia, marcaram o início de uma nova etapa para a radiologia gastrointestinal. 2 DIAGNÓSTICOS POR FLUOROSCOPIA COM CONTRASTE São várias as patologias que podem ser diagnosticadas através das técnicas com contraste baritado. Estes exames são dotados de segurança, robustez, boa relação custo-beneficio constituindo-se como avaliações não invasivas. Além disso, consideram alterações funcionais e estruturais do contorno do órgão bem como da superfície mucosa. De facto, através da realização de faringografia, podemos proceder à avaliação estrutural das membranas, divertículos, tumores, alterações de origem inflamatória infecciosa, química ou rádica, bem como alterações da motilidade. 3, 7 O trânsito esofágico constitui uma forma segura, efectiva e pouco dispendiosa para uma avaliação global da disfagia, permitindo avaliar alterações motoras da deglutição, alterações estruturais como anéis, estenoses, tumores, divertículos, assim como patologia de refluxo gastro-esofágico, patologia inflamatória, por fármacos ou radiação, e ainda patologia infecciosa. 3, 7, 8-12 O estudo do estômago e duodeno permite a avaliação de sinais e sintomas, como dor epigástrica, dispepsia, náuseas e vómitos. Fornece-nos ainda informações não só sobre a motilidade do órgão, como na gastroparésia, mas também - à semelhança dos anteriores segmentos - informações estruturais, como presença de hérnias, tumores, úlceras gástricas ou duodenais e gastrite infecciosa a Helicobacter pylori ou a fármacos, por exemplo. 3, 7 , 8, 14- 17 Na avaliação do intestino delgado, os exames contrastados demonstram também um importante papel no diag- Artigo Original nóstico da patologia deste segmento, não só funcionalmente como também ao nível do parâmetro estrutural, permitindo avaliar presença de tumores, divertículos, alterações inflamatórias, como Doença de Crohn, síndromes de alteração da absorção, como Doença Celíaca e Sprue Tropical, bem como lesões vasculares e oclusão intestinal. 3, 4, 7, 8, 18 O estudo do cólon e recto com clister opaco demonstra, igualmente, importância diagnóstica quer para doentes assintomáticos ou sintomáticos com alteração dos hábitos intestinais, hemorragia digestiva de causa oculta ou dor abdominal. À semelhança dos restantes segmentos, é possível analisar alterações da motilidade cólica, bem como patologia orgânica por presença de tumores, divertículos, doença inflamatória intestinal (doença de Crohn ou colite ulcerativa), patologia infecciosa e vascular. 3, 5-8, 18- 20 Os exames com contraste, recorrendo a contraste iodado hidrossoluvel, permitem ainda fornecer valiosas informações em doentes submetidos a cirurgia, demostrando, de forma rápida, segura e pouco dispendiosa, a anatomia e motilidade de reconstrução cirúrgica e a eventual presença de complicações do procedimento realizado. 7, 13, 21 OBJECTIVOS Com o presente artigo, pretende-se descrever e analisar os exames fluoroscópicos do tubo digestivo, com contraste, realizados entre Janeiro de 2004 e Dezembro de 2010, no Serviço de Imagiologia do Hospital Fernando Fonseca. Através desta análise tencionamos perceber a variação no número de pedidos destes exames, bem como enquadrar estes dados, com o panorama internacional do uso de exames fluoroscópicos do tubo digestivo. MATERIAIS E MÉTODOS Este estudo constitui-se como descritivo e retrospectivo, realizado no Serviço de Imagiologia do Hospital Fernando Fonseca. Os dados da amostra foram seleccionados e trabalhados a partir das tabelas anuais de produção do Hospital Fernando Fonseca entre o período de 01 Janeiro de 2004 a 31 de Dezembro de 2010. RESULTADOS Apartir dos dados recolhidos pode-se observar que de 2004 a 2010 foram realizados, no total, no Serviço de Imagiologia do Hospital Fernando Fonseca, 6757 exames fluoroscópicos do tubo digestivo. (Tabela 1) Tabela 1 – Número total de exames por cada ano Ano Total de Exames 2004 1348 2005 1133 2006 1195 2007 858 2008 824 2009 856 2010 543 Total 6757 Rev Clin Hosp Prof Dr Fernando Fonseca 2014; 2(1): 11-1712 Fluoroscopia Digestiva Artigo Original Durante os sete anos em estudo, os exames mais efectuados foram o esofagograma, com 2028 exames, correspondendo a um total de 30% , e o clister opaco com duplo contraste, com 1905 exames, correspondendo a 28%. (Gráfico 1) Exames entre 2004 e 2010 Faringografia 1,12% Trânsito Esofágico 28,19% Trânsito gastro-duodenal contraste simples Trânsito gastro-duodenal duplo contraste Trânsito do intestino delgado oral Trânsito do intestino delgado enteroclise Clister opaco contraste simples 30,01% 5,06% 1,67% 14,44% 14,02% Clister com duplo contraste 5,48% Gráfico 1 – Percentagem dos exames ao longo dos sete anos O ano com maior número de exames foi o de 2004, com um total de 1348 exames. Verificamos que, ao longo dos anos em estudo, o número de pedidos tem vindo a diminuir, sendo que, em 2010 se fizeram apenas 545 exames no total, o que representa apenas 40% dos exames realizados em 2004. (Gráfico 2; Tabela 2) Tabela 2 – Número e percentagem de exames ao longo 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Total % Total % Total % Total % Total % Total % Total % Faringografia 14 1,04 4 0,35 21 1,76 7 0,82 11 1,33 10 1,17 9 1,66 Trânsito Esofágico 347 25,74 280 24,71 323 27,03 282 32,87 273 33,13 334 39,02 189 34,81 Trânsito gastro-duodenal contraste simples 220 16,32 184 16,24 178 14,90 137 15,97 98 11,89 102 11,92 57 10,50 Trânsito gastro-duodenal duplo contraste 54 4,01 49 4,32 67 5,61 24 2,80 55 6,67 69 8,06 52 9,58 Trânsito do intestino delgado oral 182 13,50 173 15,27 140 11,72 115 13,40 121 14,68 135 15,77 81 14,92 Trânsito do intestino delgado enteroclise 26 1,93 14 1,24 24 2,01 27 3,15 5 0,61 12 1,40 5 0,92 Clister opaco contraste simples 23 1,71 40 3,53 93 7,78 44 5,13 59 7,16 44 5,14 39 7,18 Clister com duplo contraste 482 35,76 389 34,33 349 29,21 222 25,87 202 24,51 150 17,52 111 20,44 Urgência C. Externa Internamento 2004 18 1184 146 2005 15 958 160 2006 14 1064 117 Total de Exames por Ano 1600 Total de Exames 1400 1348 1133 1200 1195 1000 858 800 824 856 543 600 Total de Exames 400 200 0 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Anos 2007 9 715 134 2008 9 707 108 256 2009 2 598 2010 6 459 78 Total 73 5685 999 Gráfico 2 – Total de Exames realizados em cada ano Gráfico 3 – Origem dos pedidos de exame fluoroscópicos do tubo digestivo Ao analisarmos a proveniência dos pedidos, verificamos uma diminuição global destes, de ano para ano. Nestes sete anos, 5685 exames tiveram origem em consulta externa. Observamos também que, em 2004, os serviços de internamento do Hospital Fernando Fonseca registaram 146 pedidos de exames fluoroscópicos do tubo digestivo, enquanto, nesse mesmo ano o serviço de urgência deste hospital efectuou apenas 18 pedidos. Estes números têm vindo a diminuir gradualmente, já que que, em 2010, apenas 78 pedidos de exame tiveram origem nos serviços de internamento e somente 6 pedidos no serviço de urgência. Particularizando, os exames que em 2004 apresentavam maior volume eram o clister opaco com duplo contraste (482 exames), o trânsito esofágico (347 exames), o trânsito gastro duodenal com contraste simples (220 exames) e o trânsito do intestino delgado (182 exames). Já em 2010, constatamos uma grande diminuição do número de clisteres opacos com duplo contraste, passando estes para apenas 111. Estes exames, em 2004, representavam 35,76% dos procedimentos realizados com bário e em 2010 decresceram para 20,44%. Uma menor diminuição é representada pelo trânsito gastroduodenal com contraste simples Rev Clin Hosp Prof Dr Fernando Fonseca 2014; 2(1): 11-1713 Fluoroscopia Digestiva Artigo Original que varia de 16,32% para 10,50 % de 2004 a 2010. Ainda com percentagens decrescentes salienta-se o trânsito do intestino delgado com enteróclise (Tabela 2). Verificam-se relativas manutenções percentuais ao longo destes sete anos na faringografia e trânsito do intestino delgado (Tabela 2). No que concerne ao estudo do esófago, observou-se aumento da representatividade do trânsito esofágico, que em 2004 registava 25,74% do total dos exames fluoroscópicos do tubo digestivo e em 2010 passa a representar 34,81% do volume total de exames desse ano. (Gráficos 4 e 5). Igualmente notamos, no clister opaco com contraste simples, variação crescente, passando de 1,71% para 7,18% nos exames realizados de 2004 a 2010. (Gráficos 4 e 5) Gráfico 4 - Percentagem por exame no volume total de exames em 2004 Percentagens por Exame em 2010 1,66% Trânsito Esofágico 20,44% 34,81% 7,18% 0,92% 14,92% 9,58% Faringografia 10,50% Trânsito gastro-duodenal contraste simples Trânsito gastro-duodenal duplo contraste Trânsito do intestino delgado oral Trânsito do intestino delgado enteroclise Clister opaco contraste simples Clister com duplo contraste Gráfico 5 - Percentagem por exame no volume total de exames em 2010 DISCUSSÃO Nos últimos 25 anos, nos Estados Unidos, registou-se uma redução do nº de exames fluoroscópicos do tubo digestivo com contraste. 7 Através dos resultados apresentados, verificamos que o Serviço de Imagiologia do Hospital Fernando Fonseca, em menos de uma década, reduziu em cerca de 60% o volume de exames contrastados do tubo digestivo efectuados, acompanhando assim o cenário internacional. As conclusões obtidas através deste levantamento de dados coadunam-se perfeitamente com o levantamento bibliográfico, que aponta várias causas que suportam a global redução do número de exames com contraste de bário. Efectivamente, desde os anos setenta e oitenta, que a endoscopia óptica e os exames “cross-section”, como a tomografia computorizada (TC) e a ressonância magnética (RM), se tornaram cada vez mais disponíveis e de fácil acesso para o doente. Os exames endoscópicos tornaram-se métodos de referência na avaliação da mucosa, dada a possibilidade de visualização directa, realização de biopsia e procedimentos terapêuticos como excisão de pólipos e colocação de stent. 22 O exame por vídeo-cápsula promove a observação directa da mucosa do intestino delgado, de forma não invasiva e desempenho superior aos exames com contraste de bário. 23, 24 Com o avanço na velocidade e resolução espacial, a TC abdominal obteve grandes avanços, que na actualidade se revelam pela colonografia por TC e RM, que poderão vir a demonstrar superior sensibilidade e especificidade face aos exames com bário e endoscopia. 25-29 Nesta sequencia os estudos radiológicos contrastados têm sido substituídos por estas modalidades. No estudo do esófago, a endoscopia digestiva alta, a manometria esofágica e a monitorização de ph-24h levaram à diminuição do número de pedidos de esofagograma em doentes com sintomas de disfagia ou refluxo que anteriormente eram avaliados pelo estudo esofágico com contraste de baritado. 7 Actualmente, muitos doentes com sintomas de dispepsia ou dor torácica são inicialmente tratados empiricamente com fármacos e, só em casos de recidiva, é que prosseguem para avaliação por meios de diagnóstico, sendo a endoscopia digestiva alta habitualmente o primeiro exame. 7 A avaliação do intestino delgado tem, na actualidade, outras modalidades para além do trânsito do delgado com contraste de bário, a vídeo-capsula, a enterografia por TC e RM. 30-32 Já a avaliação do cólon é quase sempre dominada pela colonoscopia, no entanto, recentemente, a colonografia por TC tem revelado uma óptima sensibilidade para avaliação do cólon26,27. Em 2008, a colonografia por TC foi adicionada às Guidelines da Sociedade Americana de Cancro, para rastreio do cancro colo-rectal, como opção de rastreio para população de médio risco, em intervalos de 5 em 5 anos, tal como o já existente exame com contraste baritado, o clister opaco com duplo contraste. 33 Tendo em conta as razões acima descritas, o declínio do volume de exames fluoroscópicos do tubo digestivo com contraste, realizados no Serviço de Imagiologia do Hospital Fernando Fonseca, é um espelho da evolução dos meios complementares de diagnóstico endoscópicos e cross-section. O estudo do Departamento de Radiologia da Wake Forest University, em Winston-Salem, avaliou o número de exames fluoroscópicos do tubo digestivo, entre o período de 2001 a 2006, mostrando uma grande diminuição do volume de exames, particularmente acentuada nos clisteres com contraste de bário e estudos do estômago e duodeno. Em oposição a este padrão de declínio, constatou-se um aumento no número de esofagogramas e faringografias. 34 Um outro levantamento de dados, realizado entre 2000 e 2005, pelo Departamento de Radiologia do Presbyterian Hospital em Nova Iorque, igualmente corroborou o panorama internacional, mostrando uma global diminuição da avaliação do tubo digestivo por exames com contraste de bário. Os autores concluíram ainda que 85% dos exames que realizam correspondem a esofagogramas. Focaram ainda um aumento dos pedidos para avaliação de complicações pós-cirurgicas como despiste de “leakextra-luminal” por fluoroscopia com contraste iodado hidrossolúvel. 7 De facto, verificamos que o nosso Serviço de Imagiologia acompanha a tendência global de diminuição dos estudos fluoroscópicos do tubo digestivo, principalmente represen- Rev Clin Hosp Prof Dr Fernando Fonseca 2014; 2(1): 11-1714 Fluoroscopia Digestiva tados pela diminuição da avaliação do cólon por clister opaco de duplo contraste, avaliação do estômago e duodeno por transito gastroduodenal com contraste simples, bem como diminuição do estudo por enteróclise. Estes dados enquadram-se claramente nas razões acima referidas e mencionadas na bibliografia revista. Sabemos igualmente que não houve um total desaparecimento destes exames, uma vez que, por vezes, a colonoscopia não consegue avaliar todos os doentes propostos para esta técnica, quer por incapacidade de total visualização do cólon, quer por má preparação do orgão ou até por recusa na realização do exame, sendo estes doentes encaminhados para realização de clister opaco com duplo contraste. 35 No nosso hospital, a diminuição do transito gastroduodenal com contraste simples, tal como noutros serviços de radiologia, deve-se sobretudo à endoscopia digestiva alta mas, face ao trânsito gastroduodenal com duplo contraste, verificamos uma relativa manutenção do volume de exames, que justificamos com a possibilidade destes permitirem avaliar, de uma forma tridimensional, funcional e em tempo real, alterações dinâmicas, como hérnias do hiato por deslizamento, bem como atrasos da motilidade como na gastroparesia. São também referenciados doentes para a realização de trânsito gastroduodenal com duplo contraste após endoscopia digestiva alta não tolerada. A endoscopia digestiva alta, constitui-se como método indiscutível para diagnóstico de hemorragia digestiva alta e estudo de pequenas lesões da mucosa, permitindo ainda associar a biopsia. No entanto apresenta vários falsos negativos, focalmente detectáveis pela radiologia, como: lesões submucosas, alteração de posicionamento do estômago, compressões extrínsecas, alterações funcionais, estenoses, volvo gástrico, hérnias para-esofágicas, divertículos gástricos, duplicação gástrica, bezoares, alterações pós-estenose cicatricial benigna, úlceras bulbares crónicas e pós bulbares, síndrome da artéria mesentérica, divertículos duodenais e fístulas bilio-digestivas. (Figura 1) Artigo Original substitui-se o bário por um contraste iodado solúvel em água e, de uma forma rápida e segura, é possível responder ao cirurgião no momento em que se realiza o exame. Assim, poder-se-á avaliar a existência ou não de complicação cirúrgica como por exemplo “leak extra-luminal”. (Fig. 2 e 3) Figura 2 – Avaliação de status pós cirurgia sem presença de complicações Figura 3 – Avaliação com bário de um trajecto fistuloso da parede abdominal pós cirurgia Figura 1 – Neoplasia do fundo gástrico não detectada por endoscopia digestiva alta Acompanhando também a tendência dos outros hospitais, verificamos um aumento do estudo por fluoroscopia de complicações pós-cirurgicas, reflectidas por um gradual aumento, ao longo dos anos, do número de clisteres opacos com contraste simples, uma vez que, nos casos pós cirurgia, Por outro lado, de uma forma esperada e também observada em outros serviços de imagiologia, verificamos no nosso serviço um aumento da representatividade das faringografias e esofagogramas. De facto, no estudo do esófago, embora numericamente tenhamos diminuído de 347 exames/ano em 2004 para 189 exames/ ano em 2010, verificamos que percentualmente o trânsito do esófago passou a ser em menos de uma década, o estudo fluoroscópico do tubo digestivo com maior volume de exames. Para este facto, encontramos como justificação o galopante envelhecimento da população, que fisiologicamente promove alterações da motilidade, bem como o aumento da prevalência da doença cérebrovascular nomeadamente, sequelas pós-AVC e patologia cerebral degenerativa. 36 Estas alterações patológicas apresentam importantes repercussões funcionais e motoras que conseguem ser avaliadas em tempo real através do exame fluoroscópico do esófago com contraste de bário. (Fig. 4 e 5) Rev Clin Hosp Prof Dr Fernando Fonseca 2014; 2(1): 11-1715 Fluoroscopia Digestiva Artigo Original CONCLUSÃO Figura 4 – Espasmo esofágico difuso Figura 5 – Acalásia Paralelamente ao estudo do esófago, salientamos o aumento do número de clisteres opacos com contraste simples, que se encontra relacionado com o acréscimo dos pedidos de avaliação, com contraste iodado, de complicações pós-cirurgicas funcionais ou estruturais. 7, 13, 21 Analisando a literatura recente, bem como os dados recolhidos no Serviço de Imagiologia do Hospital Fernando Fonseca, é possível claramente afirmar que é reconhecido o declínio dos estudos contrastados do tubo digestivo. Os motivos que suportam este decréscimo assentam sobretudo no avanço tecnológico da endoscopia óptica e modalidades “cross-section” como a TC e RM. Por outro lado, é também importante reconhecer como causa adjuvante deste declínio, a diminuição do número de doentes referenciados para este tipo de exames, o que consequentemente promove uma diminuição do treino para os médicos internos de radiologia, bem como uma posterior diminuição do número de médicos radiologistas capazes de promover, aos médicos internos, uma formação por excelência. Acresce a este facto a massificação da radiologia, o baixo custo dos exames, o esforço físico sem a respectiva compensação económica que levaram os radiologistas, não só a adaptarem-se à progressiva substituição por novas técnicas mais compensadoras sob o ponto de vista de realização profissional, pessoal e económica. Efectivamente, existe um menor reconhecimento por parte dos médicos radiologistas, para com os colegas que realizam estudos contrastados, rotulando a técnica de “low-tech”. Ainda assim, embora sejam numerosos os motivos para pensarmos que, num futuro, estes exames estejam condenados ao desaparecimento, pela análise dos dados, bem como pela literatura, compreendemos que vivemos na actualidade uma reavaliação das indicações para a realização destes exames. Esta redefinição é motivada sobretudo pelo envelhecimento populacional e patologias degenerativas, cujos exames de contraste de bário permitem de forma única avaliar a função e rapidamente responder a determinadas suspeitas clinicas. Por outro lado deparamo-nos com novas exigências por parte das equipes cirúrgicas, com o objectivo de responder rapidamente a complicações em determinados procedimentos cirúrgicos. Pelo exposto, parece-nos não ser, de todo, incoerente, observar estas variações no número de exames de contraste para estudo do tubo digestivo, com um olhar negativista ou sombrio, mas sim com um olhar atento e expectante perante a actual redefinição dos estudos fluoroscópicos do tubo digestivo. 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