UMA RE-LEITURA DE SENHORA, DE JOSE DE ALENCAR SOUZA
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UMA RE-LEITURA DE SENHORA, DE JOSE DE ALENCAR SOUZA
UMA RE-LEITURA DE SENHORA, DE JOSE DE ALENCAR SOUZA, Fátima Cristina Mendes de ASSENZA, Marta Lúcia Alves SANTOS, Ruti Rosane Pêgo dos1 COSTA, José Carlos da (Orientador) Resumo: Da vida simples na juventude à sua inserção na sociedade, a personagem Aurélia foi analisada pelo olhos do leitor, através das reflexões do narrador. Obrigando-o a pensar a forma e os valores destinados às mulheres no período colonial, descrito na obra. Onde a mulher era rotulada pela sociedade de forma a refletir os valores do seu meio, acontecendo um processo claro de mudança, e ficando claro a indignação da sociedade que não aceitava a sua maneira de se defender de todas as atrocidades vividas pela protagonista. Palavras-chave: Literatura e Sociedade; personagem, narrador Pretendemos com este artigo, fazer uma breve leitura da romance Senhora (1875), de José de Alencar, onde que retrata a sociedade fluminense do Segundo Reinado. A ascensão da burguesia transparece na obra através da prosperidade das classes liberais; sobretudo através do evento da urbanização, da evasão dos campos para as metrópoles, da burocratização gerada pela política, que faz do emprego um apêndice partidário, subvertendo a antiga estrutura brasileira hierárquica, pacata. Mas trata também de revelar-nos o modo dos senhores feudais e da aristocracia, que se após a já citada evasão não mais reinou. Onde o casamento era um evento social obrigatório da época 1 Alunos do curso de Letras-Português/Italiano – UNIOESTE/CAMPUS DE CASCAVEL – e-mail: [email protected] e baseado em recursos financeiros das famílias. O que mais importava era o dote, por isso a ascenção social, do baixo para o alto, era algo muito incomum naquela época. A protagonista, Aurélia, consegue desfazer isso no momento em que recebe uma herança e passa a mostrar a falta de escrúpulos da sociedade que, logo após a sua “ascenção” social é rotulada como dama da sociedade, antes uma pobre mulher submissa cheia de sonhos e conceitos religiosos e orfã. Após, é moldada pela sociedade e se torna uma “mulher independente”, decidida e disposta a conseguir o que quer, custe o que custar, tornando um pouco dura. Ao final do romance, essa mulher volta a se submeter ao homem a quem ama e entrega-se a ele. Fazendo a releitura, analisaremos que nos propusemos neste trabalho, mostraremos essas transformações, identificando alguns recursos estilísticos empregados pelo narrador para descrevê-los. A personagem Aurélia é apresentada como um a modesta menina de Santa Teresa, filha de uma viúva, que se vê impelida pela mãe a sair do seu recatado recolhimento a procura de um casamento que lhe garanta amparo na vida: “só uma inquietação a afligia, ao pensar no próximo termo de seu infortúnio: era a lembrança do desamparo em que ia ficar sua filha Aurélia, já nesse tempo moça, na flor dos dezesseis anos (ALENCAR, p. 100) (...) dizia Emilia à filha (...) o que me aflige é não ver-te casada. Mais nada. (ALENCAR, p. 102). Embora contrariada, Aurélia compreendia as razões da mãe. A personagem ratifica os valores da sociedade burguesa da época, pois sendo pobre e correndo o risco de ficar sozinha, logo viriam os comentários sobre a sua condição. Portanto, ela, Aurélia, deveria arrumar um casamento que a salvasse em sua condição de vida, tanto material quanto moral, para que não caísse nos mesmos comentários que caíra sua mãe. Ingênua, Aurélia, não compreendia a idéia do casamento refletido, preparado e concretizado. Mas, devido a insistência da mãe, preocupada com o futuro, fez com que também ela, Aurélia, preocupasse-se com esta realidade: “Reconheceu que não tinha direito de sacrificar a um sonho de imaginação, que talvez nunca se realizasse, o sossego de sua mãe primeiro, e depois o seu próprio destino, pois que sorte a esperava, se tivesse a desgraça de ficar só no mundo?” (ALENCAR, p. 104) Obrigada a abrir mão dos seu sonhos e anseios de menina, que como outra qualquer, sonha em casar-se, ter filhos, e viver para sempre. Mas com uma pessoa escolhida pelo seu coração e não imposta, contudo a imposição às regras da sociedade começam a forçar Aurélia a abrir mão dos seus sonhos, seus desejos; não pode mais esperar que encontre seu amor, precisa arrumar o quanto antes alguém que se case com ela. Assim, discreta e honestamente, se insinuou aos olhares dos rapazes que passavam pela rua. Com isso, Aurélia previa o que lhe poderia acontecer: alguns conquistadores medíocres que pretendiam abusar da sua inocência, apareceriam, inclusive um dos seus parentes, o tio Lemos, tentariam aproveitar-se dela: “O Lemos que andava sempre metido na roda dos rapazes veio a saber do aparecimento da bisca da Rua de Santa Teresa. Entendeu o árdego velhinho, que em sua qualidade de tio, cabialhe um certo direito de primazia sobre esse bem de família” (ALENCAR, p. 105) Fazendo a releitura podemos observar o vocabulário nada cortez para uma moça respeitada, na ânsia de casar-se, por imposição da mãe, estaria ela , até a ficar mal falada e comparada Aurélia a uma "dama de bordel", ou seja, a coloca como um chamariz de dinheiro. Algo que pode fazer render alguma coisa para alguém, nesse caso, para o próprio tio. Porém, quando esse lhe propõe algo, sentimos o sofrimento da personagem quando percebe que fora ingênua ao acreditar no tio: “Uma tarde depois de ter borboleteado com Aurélia, como de costume, fazendo-a rir com suas faceias, despediu-se deixando entre as mãos da sobrinha uma carta, faceira, de capa floreada, com emblema de miosótis no fecho.” “Recebeu-a Aurélia ao de leve surpresa; mas logo acudindo-lhe uma idéia, guardou-a no seio palpitante da esperança que enchialhe a alma. Essa carta devia ser a mensageira da conciliação por ela tão ardentemente desejada. Ao fechar da noite correu à alcova para ler. As primeira palavras foi-lhe congelando nos lábios o sorriso que os floria, até que se crispou em um ofego de ânsia... Dobrou friamente o papel, que fechou em seu cofrezinho de luxo, e foi ajoelhar-se à beira da cama, diante do crucifixo suspenso à cabeceira. (...) Aurélia sentiu necessidade de banhar-se na oração, e purificar-se do contato em que se achava com essa voragem da torpeza e infâmia. A carta do Lemos era escrita no sentido banal do namoro realista, em que o vocabulário comezinho da paixão tem um sentido figurado, e exprime à maneira de gíria, não os impulsos do sentimento, mas a sedução do interesse” (ALENCAR, p. 106-107).” O trecho transcrito acima mostra a reação de Aurélia em relação à tentativa de seu tio; a indignação da personagem revela sua posição diante das circunstâncias, porém, não faz Aurélia desistir de seu intento de arrumar um casamento. “Seixas ouvira falar da menina de Santa Teresa, mas ocupado nesta ocasião com uns galanteios aristocráticos, não o moveu a curiosidade de conhecer desde logo a nova beldade fluminense” (ALENCAR, p. 108) “(...); mas efetivamente para mostrar a Seixas a falada menina, e convencê-lo de que era realmente um primor de formosura” (ALENCAR, p. 109). Afastando-se dos indignos conquistadores, Aurélia demonstrou seu interesse por Fernando Seixas o que se transformou numa paixão; este porém, se deixara seduzir pelas circunstâncias, por um dote oferecido pelo pai de Adelaide Amaral, o qual salvaria sua situação econômica: Amaral sentou-se ao lado; sem preâmbulos, sem rodeios, à queima roupa, ofereceu-lhe a filha com um dote de trinta contos de réis. A partir daí, acontece a transformação na vida de Aurélia, a sua transformação, pois a partir do momento que se sente traída por seu amor e descobre o seu poder aquisitivo, recebido através do seu avô, que até então não sabia da sua existência. A mudança de vida material da protagonista é apresentada em consonância com a livre participação da mesma nos salões da “sociedade”, da corte e de seus “leões”, isto é, de seus conquistadores de corações e particularmente Fernando Seixas; todas as humilhações e desilusões com que não a pouparam quando era menina pobre. Agora, temos uma nova Aurélia, com ares de nobreza, modulada pela sociedade burguesa: “desde o momento de sua ascensão ninguém lhe disputou o cedro; foi proclamada a rainha dos salões. Era rica e famosa”. Ou seja, nesta passagem, podemos perceber o personagem de Aurélia se transformar da vítima a “pobre mocinha Aurélia”, em uma mulher poderosa, rica e formosa, que estaria a partir dessa ascensão vingar-se de todos, inclusive de seu grande amor, Fernando Seixas. Não dividia com ninguém as suas tristezas e alegrias, somente com dona Firmina Mascarenhas em qual a protagonista “...tinha em sua companhia uma velha parenta viúva que sempre a acompanhara na sociedade” (ALENCAR, p. 19). Porém, essa parenta não passava de mãe de encomenda, para condescender com os escrúpulos da sociedade brasileira que naquele tempo não tinha admitido ainda, certa emancipação feminina. Na citação a seguir, o narrador novamente trabalha com contrários, como se Aurélia fosse o “lobo em pele de ovelha”: “as linhas puras e límpidas de seu rosto eram quebradas com riso da ironia; a ternura de seus olhos vibravam chispas de escárnio” (ALENCAR, p. 20). Na sala cercada de adoradores, no meio das esplêndidas reverberações de sua beleza, Aurélia bem longe de inebriar-se da adoração por sua formosura e do culto que lhe rendiam, ao contrário parecia unicamente possuída de indignação por essa turba vil e objeta. Aurélia é descrita pelo narrador como soberba. Não era triunfo que ela julgasse digna de si, a torpe humilhação dessa gente ante sua riqueza. Era um desafio que lançava ao mundo; orgulhosa de esmagá-lo sob a planta, como um réptil venenoso. Casada com Fernando, não hesitou em humilhá-lo na noite de núpcias dizendo ser ele um “marido comprado” e que, daí por diante, estariam casados apenas para a sociedade. E assim viveram onze meses. Um inferno para ambos. Fernando a chamando por “Senhôra”, sempre acentuando a abertura da vogal "o", expressando dessa forma a situação de senhorio que a esposa criara para um marido servo e, Aurélia cercada de uma vida de dissimulações sociais, de competições, da troca de ironias e sarcasmos e dessa forma esconder a sua tristeza e o amor por Fernando. Depois que Fernando Seixas, seu marido, consegui restituir todo o dinheiro recebido pelo dote a Aurélia, esta viu surgir, do mais fundo da natureza dele, a quem a sociedade carioca tornara um caça-dotes, aquele que ela conhecera na época em que namoraram pela primeira vez. E, Aurélia, não teve dúvidas em confessar a Fernando todo o seu amor e, entrega-se como esposa: “pois bem, agora ajoelho-me eu a teus pés, Fernando, e suplico-lhe que aceites o meu amor, este amor que nunca deixou de ser teu, ainda quanto mais cruelmente ofendia-te” (ALENCAR, p. 267). Podemos dizer, que, quando são superadas as imposições, da sociedade, que os separavam, Aurélia volta a ser aquela menina de Santa Teresa. No flash-back da obra, vemos uma Aurélia pura, feliz por viver, mesmo sendo pobre, principalmente porque amava e se sentia correspondida por este amor. Aurélia amava mais o amor que sentia por Fernando do que a ele: “Durante um mês. Aurélia inebriou-se da suprema felicidade de viver amante e amada. Esta provisão de afeto chegava-lhe para encher de sonhos e devaneios o tempo de ausência (...) A impressão que Aurélia deixara no espírito do moço (...) a pureza da menina.” (ALENCAR, p. 111). Nesse tempo, também Aurélia é deixada por seu amor e devido a sua pobreza e fazendo-se de apaixonado que renuncia a um amor em favor de outro: “sou menos infeliz renunciando a sua mão, do que seria acumulando-a para fazê-la desgraçada e condená-la às humilhações da pobreza.” (ALENCAR, p. 121). Ao final da narrativa, o narrador apresenta o sucesso da protagonista, que consegui o que queria, não somente casar-se com Seixas, mas tê-lo como o conheceu, amado e cúmplice em seu amor, para que assim também pudesse ser quem realmente ela era. 4. Considerações Finais O narrador romântico vai apresentando a personagem Aurélia em suas transformações, de modo a desvendar na personagem os valores da sociedade burguesa do século XVIII. Assim, vimos Aurélia sendo escrita e desenhada pelo narrador: reunindo sentimentos descritos pelo narrador. A felicidade pelo casamento para a personagem feminina parece ser-lhe a única condição de redenção. O que vem a mostrar que, a a mulher estava a serviço das classes dominantes e dominadas. Seu desejo sendo uma espécie de abnegação, passando por louca ou enganadora. Pode ser que a sua vontade, de casar- se, não passara de simples alucinação, pois, como vimos, fora criada para o casamento, mesmo que isso lhe custasse muito caro ou lhe causasse problemas, como lhe causou. Tanto a sociedade dominante, como a camada da sociedade dominada, dentro do contexto da época, não aprovariam a maneira de viver de Aurélia, talvez por esse motivo é que Alencar, ao final, transforma o seu comportamento de modo a agradar a todos. 5. Referências ALENCAR, J. M.; Senhora. São Paulo: Ática, 1980. AMORA, A. S. A literatura Brasileira. Vol. II. São Paulo: Cultrix, 1987. BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo Cultrix, 1996. CÂNDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. Vol. I. 6.ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981. COUTINHO, Afrânio. A polômica Alencar-Nabuco.Rio de Janeiro: Brasileiro, 1976. Tempo MOISÉS, M. A Literatura Brasileira Através dos Textos. São Paulo: Cultrix, 1983. MASSAUD, Moisés. 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