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Relatório de Inspeção das Áreas de Preservação Permanente/Áreas de Risco no Jardim Botânico do Rio de Janeiro Brasília – DF Dezembro de 2011 SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE SECRETARIA DE BIODIVERSIDADE E FLORESTAS DEPARTAMENTO DE FLORESTAS Dilma Vana Rousseff Presidente da República Michel Miguel Elias Temer Lulia Vice-Presidente da República Izabella Mônica Vieira Teixeira Ministra do Meio Ambiente Francisco Gaetani Secretário Executivo/MMA Bráulio Ferreira de Souza Dias Secretário de Biodiversidade e Florestas/SBF/MMA João de Deus Medeiros Diretor do Departamento de Florestas/SBF/MMA Relatório de Inspeção das Áreas de Preservação Permanente/Áreas de Risco no Jardim Botânico do Rio de Janeiro Brasília – DF Dezembro de 2011 Autores João de Deus Medeiros Diretor do Departamento de Florestas/SBF/MMA Luiz Carlos Sérvulo de Aquino Departamento de Florestas/SBF/MMA Fátima Becker Guedes Coordenadora do Núcleo Mata Atlântica/SBF/MMA-SBF Marcos Reis Rosa (Cartografia e Georreferenciamento) Arcplan Wigold Bertoldo Schäffer Núcleo Mata Atlântica/SBF/MMA-SBF Fernando C. P. Tatagiba Departamento de Florestas/SBF/MMA Apoio Logístico Equipe Técnica do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro Rodrigo Guardatti (Chefe de Gabinete) Rogério Gribel (Diretor de Pesquisas – DIPEQ/JBRJ) Martha Ronchini Ribeiro (Coordenadora de Conservação da Área Verde/JBRJ) Tânia Sampaio Pereira (Pesquisadora do JBRJ) Ricardo Reis (Coordenador das Coleções Vivas/JBRJ) André Albernaz (Técnico em Georreferenciamento do JBRJ) Davi Santos Dias da Costa (Auxiliar de Administração) Equipe do Parque Nacional da Tijuca Maria de Lourdes de O. A. (Chefe do Parque) Henrique Leão Teixeira Zaluar (Chefe Substituto do Parque) Thiago Rocha Haussig (Técnico em Geoprocessamento) Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro Celso Junius (Secretaria Municipal de Meio Ambiente – Coord. Regional 8) Fotografias - Luiz Carlos Sérvulo de Aquino e Wigold Bertoldo Schäffer APRESENTAÇÃO O Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Janeiro-JBRJ, autarquia federal criada pela lei nº 10.316, de 06 de dezembro de 2001, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, dotada de personalidade jurídica de direito público, com sede na Cidade do Rio de Janeiro, promove, realiza e divulga o ensino e a pesquisa sobre recursos florísticos do Brasil, e tem como visão de futuro ser referência nacional e internacional no campo museológico sobre questões ambientais, debatendo os principais problemas, desafios e estratégias de sustentabilidade. Tendo assumido os seguintes compromissos com o cidadão: 1. Oferecer as informações necessárias para que o usuário/visitante tenha conhecimento e acesso a todas as atividades do JBRJ; 2. Prestar atendimento claro e objetivo, pautado na ética e no respeito à dignidade da pessoa humana, tratando a todos com cordialidade e atenção; 3. Facilitar o acesso a informações, em prol da transparência dos serviços. Buscando cumprir com seus compromissos e missão, a direção do JBRJ procurou a Secretaria de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, motivada pela publicação a respeito da tragédia ocorrida em decorrência das chuvas na região serrana no Rio de Janeiro, solicitando apoio para a realização de um mapeamento do uso e ocupação do solo na área do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro, destacando as áreas de preservação permanente e áreas de risco. O objetivo é identificar e divulgar os riscos aos quais estão sujeitos moradores ocupantes de áreas internas do Jardim Botânico, além de trazer elementos relevantes que poderão ser considerados na tomada de decisão quanto aos encaminhamentos que serão dados para a resolução de conflitos estabelecidos a partir dessas ocupações. INTRODUÇÃO Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro Com o objetivo de aclimatar as especiarias vindas das Índias Orientais, o então Príncipe Regente D. João (mais tarde chamado D. João VI) criou em 13 de junho de 1808, o Jardim de Aclimatação. Encantado com a exuberância da natureza do local, D. João instalou ali o Jardim, que em 11 de outubro do mesmo ano, passou a Real Horto. O JBRJ foi aberto à visitação pública em 1822. Em 1938, por sua importância histórica, científica, cultural e paisagística, foi tombado em sua totalidade pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, elevado a condição de Monumento Nacional. Em 1992, sua área foi reconhecida pela UNESCO como parte integrante da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e foi rebatizado, em 1998, como "Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro". o Em dezembro de 2001, foi sancionada a Lei n 10.316 que transformou a instituição na autarquia federal Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro – JBRJ, com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente. O JBRJ tem como finalidade promover, realizar e divulgar o ensino e as pesquisas técnico-científicas sobre os recursos florísticos do Brasil, visando o conhecimento e a conservação da biodiversidade, bem como manter as coleções científicas sob sua responsabilidade, em consonância com as diretrizes das políticas nacionais de meio ambiente fixadas pelo Ministério do Meio Ambiente. Foto 1 – Casa construída na década de 1930, que abriga a Presidência do JBRJ. Foto 2 – Orquidário, na área de visitação do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ). O JBRJ localiza-se numa área de 137 hectares, que compreende fragmentos de Mata Atlântica bem conservados, onde são desenvolvidos trabalhos teóricos e empíricos de diversos ramos da Botânica. O JBRJ é reconhecido nacional e internacionalmente, abrigando um dos maiores herbários da América Latina, com acervo de aproximadamente 500 mil amostras de fungos e plantas, incluindo as Coleções Históricas adquiridas no Sec. XIX por D.Pedro II, além de uma rica biblioteca com centenas de obras raras. Sua área aberta à visitação pública é espaço privilegiado para o lazer contemplativo e para o contato com a natureza. O JBRJ recebe mais de 600 mil visitantes por ano (Foto 11), um número expressivo, comparável aos mais visitados parques nacionais do Brasil. Com diversas coleções vivas, dispostas em um rico arboreto (Foto 12), conta também com bromeliário, orquidário (Foto 2), jardim de plantas medicinais, jardim sensorial, plantas insetívoras, cactário, entre outros. O JBRJ abriga ainda monumentos (Foto 3) e diversas construções históricas (Fotos 1 e 4), sendo palco de trabalhos orientados à educação ambiental e histórica. Segundo Liszt Vieira, atual presidente, o Jardim Botânico é uma instituição que possui diversas dimensões: científica, educacional, ambiental, cultural e social e, além disso, reúne elementos arquitetônicos, paisagísticos, artísticos e arqueológicos. Foto 3 - Aléia Barbosa Rodrigues e o Chafariz Central. Foto 4 - Solar da Imperatriz, onde funciona a Escola Nacional de Botânica Tropical (ENBT), vinculada ao JBRJ. O JBRJ dá nome ao bairro Jardim Botânico, situado na zona sul da cidade, que abriga uma população tipicamente de classe média-alta e alta. Sua via principal é a Rua Jardim Botânico (Foto 5), que se estende por todo o bairro, sendo um importante eixo viário da Zona Sul carioca. O bairro possui uma arquitetura bastante variada, em meio à rica arborização, incluindo parte da Floresta da Tijuca e o Parque Henrique Lage. Todos estes fatores dão ao bairro um grau de conservação e integração com vegetação nativa, bastante raros em uma cidade grande. Figura 01 - Vista geral do Jardim Botânico e regiões adjacentes. Foto 5 - Jardim Botânico em primeiro plano no cruzamento das ruas Jardim Botânico e Pacheco Leão. Ao fundo observa-se o vale do rio dos Macacos. Foto 6 - Vista do bairro Jardim Botânico e vizinhanças (Jóquei da Gávea, Ipanema, Leblon). A condição de conservação ambiental do bairro Jardim Botânico tem relação direta com sua topografia, caracterizada por montanhas de encostas íngremes (Figura 01, Foto 6). Tal característica sujeita a região a deslizamentos e escorregamentos de terra, mesmo em locais dotados de cobertura vegetal original. É também uma importante área de recarga de aqüíferos. Grande parte da região é composta por terras públicas com regime de proteção especial, tais como o Parque Henrique Lage e o Parque Nacional da Floresta da Tijuca. Além disso, a região contempla Áreas de Preservação Permanente (encostas com declividade superior a 45º, topos de morro, margens de rios e entorno de nascentes) e áreas entre 25 e 45º de declividade com regime de uso limitado de acordo com o o Código Florestal (Lei n 4.771/65). Essas condições determinam a inaptidão para ocupação humana dessas áreas, as quais devem permanecer com a vegetação nativa preservada ou, nos casos em que a mesma foi indevidamente retirada no passado, deve-se promover a sua recuperação. Instituição centenária, o JBRJ sofre hoje as conseqüências decorrentes do processo de ocupação urbana de uma das maiores metrópoles do Brasil que, de certo modo, reafirma e valoriza seu espaço como área vital para a qualidade de vida da população. Além do crescimento da cidade nos arredores do JBRJ, hoje existem dentro da área do JBRJ cerca de 260 moradias localizadas em área classificada como de avaliação fundiária pela Secretaria de Patrimônio da União-SPU, além de outras edificações como quadra esportiva e campo de futebol, além de prédios públicos, como do Serviço Federal de Processamento de Dados-SERPRO (Foto 7). A ocupação do território do JBRJ em desacordo com a finalidade precípua da instituição se deu tanto pela iniciativa privada como pelo poder público, conforme os seguintes exemplos: i) construção de moradias de antigos funcionários, os quais, ou seus descendentes, ainda moram no local; ii) construção de clubes e quadras esportivas utilizadas pela população residente e terceiros (Fotos 9 e 10); iii) Escola Municipal Julia Kubitschek (Foto 8); iv) SERPRO; v) subestação da Light e linhas de transmissão de eletricidade; e, vi) invasões diversas para construção de moradias. Os moradores ocupam principalmente os locais denominados Caxinguelê, Grotão, Solar da Imperatriz e Morro das Margaridas. Foto 7 - Prédio do Serpro, dentro da área do JBRJ. Foto 8 - Escola Municipal Julia Kubitschek, inaugurada em 1961, dentro da área do JBRJ. Foto 9 - Campo de futebol society do Clube Caxinguelê, em área do JBRJ. Foto 10 - Quadra Esportiva e infraestrutura de apoio, ao lado do campo de futebol society, em área do JBRJ. Foto 11 - O JBRJ recebe mais de 600 mil visitantes por ano, entre eles professores, estudantes, pesquisadores e pessoas da comunidade. Foto 12 – Arboreto de espécies raras e ameaçadas de extinção. Segundo Conti et al.(2008), SERPRO, LIGHT, TRE, EMBRAPA e a Escola Municipal Juscelino Kubitschek (Figura 2) ocupam áreas cedidas oficialmente pelo JBRJ, correspondendo a um 1 total de 4,5232 ha. Ainda segundo os autores, as áreas cedidas ou ocupadas irregularmente somam 12,74% da área da instituição. Figura 2 – Imagem de satélite com a localização da Subestação da Light, do SERPRO, da Escola Municipal Juscelino Kubitschek, bem como das localidades Solar da Imperatriz, Grotão e Caxinguelê. Esse processo de ocupação sempre suscitou críticas, em razão do flagrante conflito com as funções institucionais do JBRJ. Já em 1969, o célebre paisagista Roberto Burle Marx manifestou-se sobre a ocupação e utilização irregular de áreas do JBRJ: “O Jardim Botânico tem sido retalhado e diminuído de sua área, através do constante uso de manobra sorrateira e hábil (…). O Horto é uma gleba de 83 hectares, o prolongamento natural do Jardim Botânico”, é “ parte indispensável, manancial e área de integração do Jardim Botânico”. A utilização da área para habitação “constitui uma violação das instituições culturais e da história… O Jardim Botânico, com o Horto, se constitui num todo indivisível, na totalidade da área de 2 1.370.000m ”. Áreas de Preservação Permanente 1 2 2 Rodriguésia 59 (3): 603-607. Resumo de texto extraído do livro “Áreas de Preservação Permanente e Unidades de Conservação X Áreas de Risco – O que uma coisa tem a ver com a outra”. As Áreas de Preservação Permanente – APPs são espaços territoriais especialmente protegidos de acordo com o disposto no inciso III, § 1º, do art. 225 da Constituição Federal. O Código o Florestal (Lei Federal n 4.771, de 1965 – e alterações posteriores) traz um detalhamento preciso das Áreas de Preservação Permanente (aplicável a áreas rurais e urbanas), além de definir outros espaços de uso limitado. As Áreas de Preservação Permanente são aquelas áreas protegidas nos termos dos artigos 2º e 3º do Código Florestal. O conceito legal de APP relaciona tais áreas, independente da cobertura vegetal, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas. Como se vê, as APPs não têm apenas a função de preservar a vegetação ou a biodiversidade, mas uma função ambiental muito mais abrangente, voltada, em última instância, a proteger espaços de relevante importância para a conservação da qualidade ambiental como a estabilidade geológica, a proteção do solo e assim assegurar o bem estar das populações humanas. O Código Florestal prevê faixas e parâmetros diferenciados para as distintas tipologias de APPs, de acordo com a característica de cada área a ser protegida. No caso das faixas mínimas a serem mantidas e preservadas nas margens dos cursos d’água (rio, nascente, vereda, lago ou lagoa), a norma considera não apenas a conservação da vegetação, mas também a característica e a largura do curso d’água, independente da região de localização, em área rural ou urbana. Para as nascentes (perenes ou intermitentes) a lei estabelece um raio mínimo de 50 metros no seu entorno independentemente da localização. Tal faixa é o mínimo necessário para garantir a proteção e integridade do local onde nasce a água e para manter a sua quantidade e qualidade. As nascentes, ainda que intermitentes, são absolutamente essenciais para a garantia do sistema hídrico, e a manutenção de sua integridade mostra estreita relação com a proteção conferida pela cobertura vegetal nativa adjacente. O Código Florestal (art. 2º) também estabelece proteção permanente para as bordas de tabuleiros ou chapadas, os topos de morro, montes, montanhas e serras e para as encostas com alta declividade, entre outras áreas de grande relevância ambiental. Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas: a) ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) 1 - de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) 2 - de 50 (cinquenta) metros para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) 3 - de 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) 4 - de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) 5 - de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; (Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) b) ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou artificiais; c) nas nascentes, ainda que intermitentes e nos chamados “olhos d’água”, qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) d) no topo de morros, montes, montanhas e serras; e) nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive; f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; g) nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais; (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) h) em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação. (Redação dada pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, obervar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo. (Incluído pela Lei nº 7.803 de 18.7.1989) É importante destacar que na década de 1980 houve uma ampliação das faixas de APPs, o trazida pela Lei n 7.803. A proposta de ampliação das faixas foi apresentada ao Congresso Nacional pelo então Deputado Artenir Werner, um empresário do setor madeireiro, natural de Rio do Sul, uma das cidades do Vale do Itajaí em Santa Catarina, atingidas pelas grandes enchentes de 1983 e 1984. Naquela época levantamentos realizados na região mostraram que as pessoas e infraestruturas mais atingidas pelas cheias e deslizamentos de terra foram aquelas que ocupavam as áreas muito próximas aos rios, riachos e encostas com grande declividade. Cálculos da época apontaram que os prejuízos econômicos e perda de vidas humanas teriam sido significativamente menores se as faixas de APPs fossem maiores. Tais argumentos, entre outros, sensibilizaram o Congresso Nacional (numa época que não havia ainda comissões de meio ambiente) a ponto de a Comissão de Agricultura ter aprovado por unanimidade a ampliação da faixa de 5 para 30 metros, da APP nos rios com largura inferior a 10 metros, assim como a ampliação de outros parâmetros. Ou seja, a ampliação das faixas das APPs de cursos d’água na década de 80 do século passado, considerou, além dos aspectos ambientais, a garantia do bem-estar das populações humanas. O artigo 3º do Código Florestal estabelece diferentes situações, onde condições peculiares locais demonstram grau de fragilidade ambiental maior, nas quais é remetida ao Poder Público (federal, estadual e municipal) a competência para, além das áreas protegidas pelo só efeito da Lei (art. 2º), prescrever outras normas de proteção para áreas que atendam requisitos ambientais relevantes ou representem risco à população. A não observância desse preceito tem gerado inúmeras perdas, por exemplo, em áreas de encostas que, mesmo com inclinação inferior aos limites protegidos pelo Código Florestal, por peculiaridades geológicas configuram áreas de grande fragilidade e instabilidade (como é o caso de parte das encostas atingidas pela catástrofe da região serrana do Rio de Janeiro e também das áreas atingidas em Angra dos Reis, ou aquelas atingidas na região de Blumenau em Santa Catarina), onde normas mais restritivas de uso e ocupação já deveriam ter sido estabelecidas e implementadas pelo Poder Público Estadual ou Municipal. No entanto, a regra por parte do Poder Público, infelizmente, tem sido a remediação, com custos sociais, econômicos e ambientais cada vez maiores. Art. 3º Consideram-se, ainda, de preservação permanente, quando assim declaradas por ato do Poder Público, as florestas e demais formas de vegetação natural destinadas: a) a atenuar a erosão das terras; b) a fixar as dunas; c) a formar faixas de proteção ao longo de rodovias e ferrovias; d) a auxiliar a defesa do território nacional a critério das autoridades militares; e) a proteger sítios de excepcional beleza ou de valor científico ou histórico; f) a asilar exemplares da fauna ou flora ameaçados de extinção; g) a manter o ambiente necessário à vida das populações silvícolas; h) a assegurar condições de bem-estar público. Além do art. 3º, o Código Florestal em seu art. 14 reforça a possibilidade do Poder Público Federal ou Estadual prescrever outras normas que atendam às peculiaridades locais: Art. 14. Além dos preceitos gerais a que está sujeita a utilização das florestas, o Poder Público Federal ou Estadual poderá: a) prescrever outras normas que atendam às peculiaridades locais; O Código Florestal (art. 10) também determina que nas áreas com inclinação entre 25 e 45º é vedada a derrubada de florestas, permitida apenas a exploração seletiva em regime de manejo sustentável. Em outras palavras, mesmo não considerando essas áreas como de preservação permanente, o Código evita que nelas se desenvolvam quaisquer atividades ou ocupações, inclusive de moradias, que possam colocar em risco a estabilidade do solo e o bem-estar das populações humanas. Art. 10. Não é permitida a derrubada de florestas, situadas em áreas de inclinação entre 25 a 45 graus, só sendo nelas tolerada a extração de toros, quando em regime de utilização racional, que vise a rendimentos permanentes. Cabe aqui destacar que a preocupação com o bem-estar das populações humanas já estava o presente quando da elaboração e aprovação do Código Florestal (Lei n 4.771) em 1965. Para ilustrar, apresentamos abaixo alguns dos argumentos utilizados em 1962, por Armando Monteiro 1 Filho , Ministro da Agricultura do Brasil, justificando a apreciação e aprovação pelo Congresso Nacional, do anteprojeto de lei que daria origem ao atual Código Florestal: “Há um clamor nacional contra o descaso em que se encontra o problema florestal no Brasil, gerando calamidades cada vez mais graves e mais nocivas à economia do país. Urge, pois, a elaboração de uma lei objetiva, fácil de ser entendida e mais fácil ainda de ser aplicada, capaz de mobilizar a opinião pública nacional para encarar corretamente o tratamento da floresta. Tendo em conta este quadro, surgiu a compreensão da necessidade de atualizar-se e de dar, ao Código Florestal, as características de lei adequada exigida por panorama tão dramático. (...) O Anteprojeto indica minuciosamente as formas de vegetação que não poderão ser removidas, não necessitando de nenhum decreto posterior para declarar sua imprescindibilidade, onde se encontrem. (...) Assim como certas matas seguram pedras que ameaçam rolar, outras protegem fontes que poderiam secar, outras conservam o calado de um rio que poderia deixar de ser navegável etc. São restrições impostas pela própria natureza ao uso da terra, ditadas pelo bem-estar social. (...) A lei que considera de preservação permanente as matas nas margens de um rio está apenas dizendo, mutatis mutandi, que um pantanal não é terreno adequado para plantar café. (...) Nas áreas de inclinação entre 25° e 45° só será permitida a utilização racional. Como medida contra a erosão, exclui o corte raso e as devastações. (...) Entretanto, os limites mínimos de preservação permanente fixados na norma legal não excluirão medidas mais drásticas quando o Poder Público Federal ou o Estadual considerarem insuficientes, na região, os preceitos comuns. (...) Encaminhando este Anteprojeto ao Congresso Nacional, estou certo que merecerá a devida atenção pelos benefícios que irá trazer ao Povo Brasileiro em geral e sobretudo às gerações vindouras que tanto menos pagarão pelos nossos crimes contra a floresta, quanto melhor cuidarmos desse bem indispensável à vida.” (Grifos nossos) Quanto à função ambiental de assegurar o bem-estar das populações humanas, essa é uma das atribuições fundamentais e até vital das APPs, algo que só é possível se estas áreas não estiverem ocupadas com edificações ou atividades agropecuárias e, ao mesmo tempo, estiverem com a vegetação nativa devidamente preservada e protegida. As APPs, especialmente aquelas às margens dos cursos d’água e nas encostas e topos de morro, montes, montanhas e serras, geralmente são coincidentes com áreas ambientalmente vulneráveis e de risco, em que a ocupação com atividades agropecuárias ou com moradias ou qualquer outro tipo de edificações compromete a segurança da população residente. Neste sentido, os parâmetros estabelecidos para as APPs de margens de cursos d’água, principalmente as margens de nascentes e rios e para as encostas com declividade acentuada, visam proteger diretamente o bem-estar das populações humanas tanto no campo quanto nas cidades, especialmente contra os prejuízos econômicos e socioambientais causados por enchentes e deslizamentos. Está fartamente comprovado que mesmo os pequenos riachos, principalmente aqueles desprovidos da proteção da vegetação ciliar protetora, transbordam por ocasião de chuvas torrenciais e, da mesma forma os morros e encostas antropizadas (ocupadas por atividades agropecuárias, obras de infraestrutura ou cidades) são as mais suscetíveis a desbarrancamentos e deslizamentos, atingindo as pessoas que eventualmente moram ou ocupam APPs, especialmente nos casos de catástrofes como a que se abateu sobre a região serrana do Rio de Janeiro no início de 2011 (mais de 900 mortes), ou sobre o Vale do Itajaí em Santa Catarina no final de 2008 (mais de 130 mortes). Com a frequência cada vez maior dos eventos climáticos extremos, atingindo inclusive regiões que se julgavam livres de tais fenômenos da natureza, as APPs adquirem uma importância ainda maior na função de assegurar o bem-estar das populações humanas. Outro exemplo de como a ocupação de tais espaços afeta o bem-estar das populações humanas pode ser verificado na tragédia provocada pelas fortes chuvas ocorridas nos estados de Alagoas e Pernambuco em junho de 2010, causando o transbordamento de rios e a morte de mais de 50 pessoas, além de outras 50 mil que ficaram desabrigadas ou desalojadas, resultando também em prejuízos socioeconômicos de elevada monta. É necessário frisar que o bem-estar das populações humanas somente estará assegurado se estas populações não estiverem sujeitas aos riscos de enchentes, desbarrancamentos, falta d’água, poluição ou outros desequilíbrios ambientais e puderem desfrutar de uma paisagem harmônica e equilibrada. Áreas “consolidadas” de ocupação urbana e agropecuária Com certa frequência ouvem-se argumentos de que a legislação ambiental, especialmente no que concerne aos parâmetros e limites mínimos das APPs, deveria ser modificada para atender aos “direitos adquiridos” ou “interesses” de moradores urbanos e rurais, permitindo a manutenção de moradias ou atividades agropecuárias nas margens de rios, encostas com alta declividade ou topos de morro, montes, montanhas e serras. Diante das inúmeras tragédias relacionadas a enchentes, deslizamentos de terra e rochas que vem ocorrendo cada vez com maior frequência e intensidade, atingindo centenas de cidades, milhões de brasileiros e deixando um rastro de milhares de vítimas fatais, além de prejuízos econômicos imensuráveis, é necessário fazer uma análise isenta e responsável sobre as ações a serem tomadas e que podem minimizar ou agravar a situação em caso de eventos climáticos extremos, seja no futuro imediato e no longo prazo. Inicialmente, não se pode ignorar que o Brasil é o quinto maior país do mundo em extensão territorial, com 5,7% da superfície emersa do planeta e 47,3% da área da América do Sul, e é também detentor de uma biodiversidade extraordinária e um patrimônio natural imenso, que o torna campeão entre os países megadiversos, aqueles que têm o maior número de espécies de plantas e animais. Num país com tamanha extensão territorial não há dúvida de que existe espaço suficiente e adequado para todos os cidadãos implantarem suas residências, atividades industriais e agropecuárias, em locais seguros e livres do risco de enchentes e deslizamentos. Eventos climáticos extremos, a exemplo das enchentes, sempre ocorreram, e ciência tem apontado estão se tornando mais intensos e com maior frequência. Conforme relatório apresentado pelo IPCC em 2007, o Grupo de Trabalho “Impactos, Vulnerabilidades e Adaptação”, reconheceu que houve um aumento de eventos extremos que vem afetando de forma imprevisível a América Latina, nos últimos anos. No caso do Brasil, o Quarto Relatório cita a seca na Amazônia, no ano de 2005, e o Furacão Catarina, primeira ocorrência desse fenômeno no Atlântico Sul, que deixou milhares de pessoas desabrigadas em Santa Catarina. Entre os Princípios da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Convenção sobre Mudança do Clima), merece destaque o da Precaução, segundo o qual as “Partes devem adotar medidas de precaução para prever, evitar ou minimizar as causas da mudança do clima e mitigar seus efeitos negativos”. Reforçando essa idéia, dentre as obrigações das Partes perante a Convenção sobre Mudança do Clima, estão: investir em medidas de adaptação aos impactos, desenvolver e elaborar planos integrados e adequados para a gestão de zonas costeiras, recursos hídricos e agricultura, e para a proteção e recuperação de regiões afetadas pela seca e desertificação, bem como por inundações. Os efeitos nefastos decorrentes das mudanças climáticas já se fazem sentir nas diferentes regiões do país. Em Santa Catarina, por exemplo, sua expressão tem se mostrado de forma dramática, antecipando situações que tendem a se generalizar em outras regiões. Em 1974, chuvas fortes na região sul do Estado provocaram uma tragédia na cidade de Tubarão, contabilizando-se a época, 199 mortos e 65.000 desabrigados. Em 1983, dessa vez na cidade de Blumenau, as cheias provocaram 8 mortes e 197.000 desabrigados. O mesmo fenômeno voltou a assolar a cidade no ano seguinte, 1984, dessa vez deixando um saldo de 16 mortes e 155.000 desabrigados. Florianópolis e outras cidades da região sul, em 1995 contabilizaram 69 mortes em decorrência das cheias. Em 2004 o inédito furacão Catarina deixou um rastro de destruição na região sul do Estado, com saldo de 11 mortes e 35.000 desabrigados. A tragédia mais recente, com as cheias de 2008, afetou mais de 1.500.000 pessoas, causando a morte de 135 catarinenses e deixando mais de 33.000 desabrigados. Só nesse último caso o Governo Federal precisou, emergencialmente, repassar ao Estado 2 bilhões de reais para o atendimento às vitimas e auxílio na reconstrução. Somente o reparo na infraestrutura de distribuição elétrica exigiu o repasse de 60 milhões de reais da Eletrobrás para a CELESC, a agência de eletricidade do Estado de Santa Catarina. O Rio de Janeiro também vem sendo afetado de forma implacável pelos eventos climáticos extremos. Dados históricos mostram que somente na região serrana nas últimas décadas ocorreram diversos eventos. Em 1987 deslizamentos em Petrópolis e Teresópolis mataram 282 pessoas. Um ano após, Petrópolis teve sua pior enchente, com 277 mortos e 2 mil desabrigados. Em 2000, Friburgo, Petrópolis e Teresópolis foram devastados pela chuva, resultando em 5 óbitos. No ano seguinte, Petrópolis voltou a sofrer, registrando 48 mortes e 793 desabrigados. Em 2003, foram 33 mortos. Em 2007, 10 morreram em Friburgo, 8 em Sumidouro, 3 em Petrópolis e 2 em Teresópolis. Petrópolis registrou mais 9 mortes em 2008. Segundo o Departamento Geral de Defesa Civil do Rio de Janeiro a tragédia de janeiro de 2011 teve 910 mortos e 662 desaparecidos até o dia 18 de fevereiro. Nova Friburgo com 426 mortos, Teresópolis 382, Petrópolis 74, Sumidouro 22, São José do Vale do Rio Preto, Santo Antonio de Pádua e Bom Jardim 2 mortos em cada município. Segundo a Defesa Civil estadual, as chuvas deixaram 23.315 desalojados (momentaneamente impedidos de voltar para casa) e 12.768 desabrigados (quem perdeu suas casas) em 15 cidades (Foto 2). Por todo o exposto, não há como gestores públicos negligenciarem o iminente risco de desastre associado a ocupação de áreas frágeis, impondo-se a necessária intervenção para evitar a manutenção de ocupações em áreas definidas como de risco. OBJETIVO Realizar o mapeamento e levantamento fotográfico do uso e ocupação do solo no espaço do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro, destacando as áreas de preservação permanente e as áreas de risco. Objetivo específico Identificar e divulgar os riscos de enchentes e deslizamentos aos quais estão sujeitos moradores ocupantes de áreas internas do Jardim Botânico, além de trazer elementos relevantes, que podem ser considerados na tomada de decisão quanto aos encaminhamentos que serão dados para resolução dos conflitos associados a essas ocupações. METODOLOGIA Foi realizada uma vistoria in loco, nos dias 30 e 31 de agosto de 2011, para coleta de dados, e registro de imagens, em cerca de 50 pontos (Figura 4). Foram realizadas observações do meio físico, características da vegetação nativa e a registro de moradias e demais edificações estranhas à missão do JBRJ, levando-se em consideração as áreas de preservação permanente, bem como áreas de vulnerabilidade ambiental As análises foram realizadas com base em uma ortofoto de 2008 (Figuras 3 e 4). O JBRJ está praticamente todo inserido na área da bacia de contribuição do rio dos Macacos, rio que atravessa o Jardim Botânico; a área da bacia é de 859 ha (Figura 3). Figura 3: Ortofoto de 2008. Em azul escuro a bacia de contribuição do rio dos Macacos. Em preto a área do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Em azul claro o rio dos Macacos e seus afluentes. Figura 4 – Pontos amostrados durante a vistoria. A linha preta representa os limites do JBRJ. Na área do JBRJ foram identificadas a hidrografia e o sistema viário (restituição de 1:2.000), tendo como base a ortofoto de 2008. Foram mapeadas as edificações no interior e adjacências do JBRJ. No Modelo Digital do Terreno (curvas de metro em metro) da Bacia de contribuição do rio dos Macacos foi identificada a hidrografia, sistema viário e edificações restituídas em escala 1:2.000 (Figura 5). Figura 5: Modelo Digital de Terreno (curvas de metro em metro). Bacia de contribuição do Rio dos Macacos, com hidrografia, sistema viário e edificações restituídas em escala 1:2.000. Concentrando esforços nas áreas edificadas dentro do espaço do JBRJ, foram mapeadas as APPs nas margens dos rios (30 m em cada margem) e encostas com declividade superior a 45º. Essas informações foram cruzadas com as áreas ocupadas por benfeitorias para identificar e quantificar aquelas que estão sob maior vulnerabilidade e consequente risco. Figura 6: Modelo Digital de Terreno e Relevo Sombreado da região. Mapa gerado a partir das curvas de nível e pontos cotadas da restituição 1:2.000. Em laranja está o limite do Jardim Botânico, em azul claro as Áreas de Preservação Permanente nas margens dos rios (30 m em cada margem) e em vermelho são as áreas com declividade maior que 45 graus. RESULTADOS A partir do mapeamento e das informações coletadas in loco constatou-se que há 240 edificações em APP, sendo 207 em margens dos rios e 33 em encosta com mais de 45º de inclinação (Figuras 6. 7, 8 e 9). Tais números representam cerca de 50% das moradias existentes na área do JBRJ estando, portanto, sujeitas a sofrerem com deslizamentos de terra ou enchentes. Muitas dessas edificações ficam na margem ou a poucos metros do leito regular do rio (fotos 13 e 14). Verificou-se que, desde a entrada do JBRJ até a localidade do Caxinguelê, o rio dos Macacos encontra-se canalizado e sujeito a transbordamento nos períodos de chuvas intensas (foto 21). Segundo informações obtidas dos técnicos do JBRJ que acompanharam a vistoria, já houve transbordamentos do rio dos Macacos, inclusive na parte canalizada, em ocasiões de chuvas torrenciais. A ocupação de APPs de cursos d´água compromete a estabilidade das margens e a qualidade da água, além de colocar em risco iminente os ocupantes, que ficam sujeitos às enchentes, podendo sofrer sérios prejuízos econômicos e, inclusive, correndo o risco de perder suas vidas, fatos recorrentes em situações semelhantes em várias regiões do país. A Figura 5 mostra que a maior parte da área do JBRJ encontra-se com a vegetação nativa conservada e em estágio avançado de regeneração. Mesmo assim, foi observada a existência de deslizamentos e desbarrancamentos em áreas com intervenção antrópica, como a construção de estradas ou moradias (fotos 22 e 23). O vale do rio dos Macacos, localizado na vertente sul do Parque Nacional da Floresta da Tijuca (Figura 3), possui características fisiográficas similares a de alguns locais afetados pelos deslizamentos e enchentes por ocasião das fortes chuvas de janeiro de 2011, na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro. Num terreno do Grotão (foto 22), por exemplo, forte enxurrada ocorrida em janeiro de 2011, destruiu parte de uma casa. O risco de reincidência é agravado pelo fato do topo do morro e parte das encostas apresentarem intervenções antrópicas de variadas intensidades. Alguns locais já mostram cicatrizes no solo, indicando o avanço dos processos erosivos. A ocupação privada e irregular do espaço público, no interior do JBRJ, também implica em outros problemas ambientais causados pelo ineficiente saneamento básico (esgoto doméstico a céu aberto ou canalizado de forma precária), deposição de lixo a céu aberto ou no leito do rio e corte indevido de vegetação. Sobre a ocupação irregular deste importante espaço público, cabe lembrar o alerta de Burle Marx de que “a utilização da área para habitação constitui uma violação das instituições culturais e da história” contrariando totalmente os objetivos e a missão do JBRJ. É necessário destacar a iniciativa de plantio de espécies arbóreas nativas, pelos técnicos do JBRJ, visando à recuperação das APPs degradadas, ao longo de um trecho do rio dos Macacos. Tal plantio foi iniciado há três anos e apresenta resultados promissores (Fotos 24 e 25) Foto 13 - Construções às margens do rio dos Macacos, em área de risco de enchente. Com tubulações de esgoto expostas, sujeitas a rompimento por ocasião de enxurradas. Foto 14 - Aspecto geral das construções irregulares, às margens do rio dos Macacos. Foto 15 – Lixo jogado no leito do rio dos Macacos. Foto 16 – Vias e casas construídas em APP, às margens de riacho e no sopé de encosta com alta declividade. Foto 17 – Edificação irregular em área do JBRJ. Foto 18 - Edificação irregular em área do JBRJ. Foto 19 - Edificação irregular, ao lado de árvore de grande porte, parte do arboreto implantado há mais de 100 anos. Tal situação oferece risco aos moradores, devido a possibilidade caso de queda ou quebra de galhos. Foto 20 – Ocupações irregulares às margens do rio dos Macacos junto a área de mata ciliar degradada e suprimida. Foto 21 - Detalhe do trecho canalizado do rio dos Macacos no interior do JBRJ, que também transborda durante os períodos de chuvas intensas. Foto 22 - Casas na localidade Grotão, já afetadas por deslizamento e queda de árvores por ocasião de forte enxurrada ocorrida recentemente. Foto 23 - Deslizamento de terra ao lado de estrada interna próximo à estação de energia da empresa “Light”. Foto 24 - Trecho (esquerda da foto) às margens do rio dos Macacos sob processo de recuperação da faixa marginal (APP), com plantio de espécies florestais nativas da Mata Atlântica. Foto 25 - Detalhe do plantio de árvores às margens do rio dos Macacos. Pode-se observar o bom desenvolvimento das mudas plantadas há aproximadamente dois anos, demonstrando a viabilidade da recuperação ambiental. Figura 7: Em laranja o limite do Jardim Botânico, a linha vermelha corresponde à área sob avaliação fundiária pela Secretaria de Patrimônio da União-SPU. Na parte inferior da imagem observa-se o Condomínio Canto e Mello. Figura 8: Modelo Digital de Terreno, gerado a partir das curvas de nível e pontos cotadas da restituição 1:2.000. Em laranja, o limite do JBRJ, em azul claro as APPs nas margens dos rios (30 m o em cada margem) e em vermelho, áreas com declividade maior que 45 . Figura 9: Modelo Digital de Terreno e Relevo Sombreado da região. Em laranja está o limite do JBRJ. Destaque para as edificações que aparecem em branco na figura, e aquelas em APP de margem de rio em vermelho (207 edificações), e aquelas em APP de declividade em lilás (33 edificações). CONCLUSÃO Dentre os casos de uso inadequado do solo que contribuem para ocorrência de episódios que põem em risco à integridade das pessoas e causam perdas materiais, três se destacam: o desmatamento ilegal de áreas de preservação permanente (APPs); a realização de cortes na base das encostas de alta declividade, em solos rasos; a ocupação das margens dos rios e córregos, descumprindo a legislação vigente. A partir da análise efetuada verifica-se que, no caso especifico das ocupações instaladas no espaço do JBRJ, parte significativa das edificações encontra-se em área de preservação permanente (240 edificações em APP, sendo 207 em margens dos rios e 33 em encosta com mais de 45º de inclinação) (Figuras 7, 8 e 9). Pelas características destas áreas há iminente risco de comprometimento destas edificações. Tal risco é ainda potencializado pela precariedade das edificações e, em certos casos, pelo próprio comprometimento gerado por essas edificações ao livre fluxo e escoamento das águas, já que algumas destas edificações estão erguidas diretamente sobre o leito do curso d’água, ficando assim diretamente exposta e ao mesmo tempo atuando como espécie de barramento ao fluxo das águas. Das ocupações em encostas íngremes o risco é igualmente presente, já que o solo dessas áreas torna-se instável com as intervenções perpetradas, e mesmo as áreas adjacentes com cobertura vegetal bem conservada, estão sujeitas a deslizamentos em função da acentuada declividade. De modo geral, as contenções feitas exclusivamente com obras de engenharia civil são muito dispendiosas e, caso não sejam protegidas por drenagem superficial eficiente, as medidas acabam sendo incapazes de resolver os problemas. No caso em análise, não é recomendável a adoção dessas medidas, já que além do custo elevado e da relativa eficácia, o grau de ocupação efetiva e a duplicidade de conflitos que essa ocupação gera, visto tratar-se de APP num espaço destinado a pesquisa e conservação da flora, remete a conclusão que a relocação desses ocupantes para áreas isenta de risco impõe-se como a medida mais correta e inadiável.